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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
JOEL RIBEIRO ZARATIM
A REESTRUTURAÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FACULDADE DE
EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS NO PERÍODO DE
1984 A 2004
Goiânia
2006
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2
JOEL RIBEIRO ZARATIM
A REESTRUTURAÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FACULDADE DE
EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS NO PERÍODO DE
1984 A 2004
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Educação Brasileira, da
Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Goiás, para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Área de concentração: Cultura e Processos
Educacionais.
Orientador: Prof. Dr. Adão José Peixoto
Goiânia
2006
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3
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(GPT/BC/UFG)
Zaratim, Joel Ribeiro.
Z36r A reestruturação do curso de pedagogia da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Goiás no período
de 1984 a 2004 / Joel Ribeiro Zaratim. -- Goiânia: UFG /
Faculdade de Educação, 2006.
xiii, 184p. : il. ; 31 cm.
Orientador: Adão José Peixoto.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Goiás, Faculdade de Educação, 2006.
Bibliografia: f. 176-181.
Inclui listas de ilustrações, abreviaturas e siglas.
Anexos.
1. Educação superior - Goiás (Estado) – Reestrutura-
ção produtiva – 1984-2004. 2. Universidades e Faculdades
3. Universidade Federal de Goiás – Faculdade de
Educação – Curso de Pedagogia – 1984-2004. I. Peixoto,
Adão José. II.Universidade Federal de Goiás. Faculdade
de Educação. III.Título.
CDU: 378(817.3)“1984-2004”
4
À minha mãe Derlinda Ribeiro Zaratim,
esposa Samantha e filhos, Larissa,
Gustavo e Giulianne pela compreensão
e esforço para que eu tivesse a
tranqüilidade de desenvolver esta
pesquisa.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Professor e orientador desta dissertação, Dr. Adão José Peixoto, pela confiança e
dedicação.
Aos professores e funcionários da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás pela disposição em prover formação e informações para que eu realizasse esta pesquisa.
Às Secretarias Municipal e Estadual de Educação pela concessão da licença para a
realização do aprimoramento profissional.
Ao comando e direção do Colégio da Polícia Militar do Estado de Goiás, professores,
coordenadores pedagógicos e funcionários administrativos, em especial à professora Mirian
pela luta por uma educação pública e de qualidade.
Aos funcionários e professores da Vila Ambiental que não mediram esforços para que
eu realizasse esta pesquisa, em especial à Patrícia Saihum, Florence, Aurélia, Regina, Rúbia e
Andréia.
Á Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Estadual de Goiás, em especial, às
Professoras Edna Duarte de Souza (Pró-Reitora) e Rozilda Mesquita do Couto (Coordenadora
de Graduação), pelo apoio e incentivos constantes.
Ao Sub-Secretário Metropolitano de Educação da SEE, Professor Wanderlan Luiz
Renovato, pelo apoio e ajuda nos momentos em que precisei.
Aos meus irmãos Lídia e Samuel Zaratim que me incentivaram a crescer na vida
acadêmica.
A Profª. Adriane pela competente revisão ortográfica dessa dissertação dentro dos
padrões da Língua Portuguesa, e a Profª. Vera Munhoz pela competente organização do
abstract.
Acima de todos, a DEUS, uma presença constante derramando proteção, concedendo
sabedoria sem a qual seria impossível a realização desta pesquisa.
6
Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor,
mas lutamos para que o melhor fosse feito.
Não somos o que deveríamos ser,
Não somos o que iremos ser,
Mas, graças a DEUS,
Não somos o que éramos
(Martin Luther King).
7
RESUMO
Esta pesquisa está tematizada no campo de investigação da educação superior e vinculada à
linha cultura e processos educacionais, tratando, especificamente, sobre a reestruturação do
curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG,
no período compreendido entre 1984 e 2004. O estudo evidencia as tensões, os conflitos e os
embates ocorridos, fruto da explosão de forças que se articulavam, cresciam e se
transformavam. Examina as disputas entre os diferentes campos teóricos ali representados em
relação aos processos de reestruturação curricular do curso de Pedagogia, bem como dos
projetos de formação do pedagogo que essas disputas expressavam. Para percorrer essa
trajetória, o método adotado partiu das mediações existentes entre o contexto histórico, as
concepções dos professores e os seus respectivos entendimentos teórico-conceituais e a
análise documental que permitem analisar como se deram as reestruturações do curso de
Pedagogia da FE/UFG no período analisado. A investigação teve como ponto de partida a
análise do sistema educacional do Estado brasileiro no período pós-1964, uma vez que esse
período interferiu diretamente nas decisões estruturais dos cursos de Pedagogia nas
Faculdades de Educação. A pesquisa identifica a importância da FE/UFG como marco
histórico da reestruturação do curso de Pedagogia no Brasil no período de redemocratização
do País. Analisa o embate teórico ocorrido entre os professores Ildeu Moreira Coêlho e José
Carlos Libâneo, ambos docentes da FE/UFG em 1992, e a conseqüente influência de suas
idéias na formação do pedagogo. Demonstra que as transformações econômicas ocorridas no
mundo do trabalho e a chamada globalização, exercem ampla influência na formação de
pedagogos no Brasil. Analisa o curso oferecido, em forma de convênio, para os trabalhadores
da Secretaria Municipal de Educação (SME) da cidade de Goiânia, demonstrando que essa
experiência foi utilizada, posteriormente, como referência para a modificação no currículo
regular do curso de Pedagogia assumido a partir de 2004. Faz um balanço histórico do que
representou o período entre 1984 e 2004 na reestruturação do curso de Pedagogia da
Faculdade de Educação da UFG, evidenciando os avanços qualitativos que ocorreram no
período em epígrafe.
8
ABSTRACT
This research enclosed the inquiry field of the education superior and tied with the line
educational culture and processes, treating, specifically, on the reorganization in the Pedagogy
course from Education College of the University Federal of Goiás (FE/UFG), in the period
between 1984 and 2004. The study evidences the tensions, conflicts which occurred in the
period in epigraph, they were fruit of the explosion of forces articulated, grew and
transformed. It examines the disputes between the different theoretical fields represented there
by the several fields of knowledgement in relation to the reorganizational process of the
Pedagogy course, as well as of the formation projects that these disputes expressed. The
methodological procedures have been adopted the documentary analysis, bibliographical
revision of authors who have turned on the subjects related to the object of study and
participation in syndical movements and meetings of deliberative bodies or evaluation in the
scope of the UFG. The inquiry had as starting point the analysis of the educational system of
the Brazilian State in the period after-1964, a time that influenced directly the decisions that
organized the Pedagogy course in the Education College. The research identifies the
importance of the FE/UFG as historical landmark of the reorganization of the Pedagogy
course in Brazil in the period of redemocratization of Country. It analyzes the theoretical
shock and the each agreement on the Education College that occurred between professors
Ildeu Moreira Coêlho and Jose Carlos Libâneo, both professors of the FE/UFG, in 1992. It
demonstrates that the economical transformations occurrence in the world of the work and the
call “globalization”, influences in the formation of pedagogues in Brazil. It analyzes the
course of Pedagogy offered in 1999 and 2003, in form as accord, for the workers in Education
of City department of education (SME) of Goiânia. City that shows that experience was used
later as reference for the modification in the regular resume of the course of Pedagogy
occurred in 2004. It makes historical feed-back of what it represented the period between
1984 and 2004 in the reorganization of the course of Pedagogy of the Education College of
the UFG. According our objectives, we they with this study, to make with that the rise of the
debate on the understanding of the professional identity and the formation of pedagogue that
still have a lot of ambiguities and contradictions.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Quadro representativo da organização curricular do curso de Pedagogia
da FE/UFG................................................................................................
68
Ilustração 2 Quadro representativo da organização curricular do curso de Pedagogia
da FE/UFG................................................................................................
69
Ilustração 3 Histórico Escolar de um egresso do curso de Pedagogia da FE/UFG em
1968..........................................................................................................
73
Ilustração 4 Quadro comparativo entre o período matutino e noturno da organização
curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG segundo a Resolução
n°288/1989..................................................................................................
76
Ilustração 5 Quadro comparativo de disciplinas por ano (período matutino) segundo
as Resoluções nº
s
207/1984, 288/1989 e 394/1995 ....................................
79
Ilustração 6 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 106
Ilustração 7 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
..... 107
Ilustração 8 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
..... 107
Ilustração 9 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 108
Ilustração 10 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 109
Ilustração 11 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 109
Ilustração 12 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 110
Ilustração 13 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 110
Ilustração 14 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 111
Ilustração 15 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG..... 111
Ilustração 16 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG.... 111
Ilustração 17 Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG.... 112
Ilustração18 Matriz Curricular Do Curso de Pedagogia da FE/UFG (convênio
FE/UFG/SME).............................................................................................
144
Ilustração 19 comparativa de cursos - FE/UFG................................................................ 146
Ilustração 20 Matriz Curricular Do Curso de Pedagogia da FE/UFG (2004)................... 154
Ilustração 21 Evolução histórica e estrutural do curso de Pedagogia da FE/UFG entre
1984 a 2004.................................................................................................
161
10
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AI-5 – Ato Institucional nº 5.
ANDE – Associação Nacional de Educação.
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação.
ANPED - Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação.
ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação.
AOEGO – Associação dos Orientadores Educacionais de Goiás.
ASSUEGO – Associação dos Supervisores Escolares do Estado de Goiás.
BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.
CAJ – Campus Avançado de Jataí.
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
CBE – Conferência Brasileira de Educação.
CCEP – Conselho Coordenador de Ensino e Pesquisa.
CD – Conselho Diretor.
CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade.
CEPEC – Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura.
CFE – Conselho Federal de Educação.
CNE – Conselho Nacional de Educação.
CNI – Confederação Nacional da Indústria.
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CODEPRE - Coordenação de Educação Pré-escolar.
CONARCFE - Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador.
CONSUNI – Conselho Universitário.
CPG – Centro de Professores de Goiás.
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais.
ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino.
FE – Faculdade de Educação.
FEJ – Fundação Educacional de Jataí.
FMI – Fundo Monetário Internacional.
FORUNDIR – Fórum de Diretores das Faculdades/Centro de Educação das Universidades
Públicas do País.
GTRU – Grupo de Trabalho da Reforma Universitária.
ICHL – Instituto de Ciências Humanas e Letras.
IES – Instituição de Ensino Superior.
ISE – Instituto Superior de Educação.
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MEB – Mestrado em Educação Brasileira.
MEC – Ministério de Educação e Cultura.
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização.
PIB – Produto Interno Bruto.
PNE – Plano Nacional de Educação.
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação.
PPP – Projeto Político Pedagógico.
PRODASEC - Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes
Urbanas.
11
PROEC – Pró-Reitoria de Extensão e Cultura.
PRONASEC- Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural.
PRPPG – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação.
RGCG – Regulamento Geral dos Cursos de Graduação.
RME – Rede Municipal de Educação.
SME – Secretaria Municipal de Educação.
SESu – Secretaria de Ensino Superior.
UCG – Universidade Católica de Goiás.
UFBa – Universidade Federal da Bahia.
UFG – Universidade Federal de Goiás.
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.
UFMS – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.
UNE – União Nacional dos Estudantes.
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas.
USAID – Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional.
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14
1. Campo temático, delimitação do problema e justificativa ........................................... 14
2. Objetivos....................................................................................................................... 20
3. O modo de investigação e de exposição....................................................................... 21
CAPÍTULO I
O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO NO PERÍODO ENTRE AS DÉCADAS DE
1960 E 1990:
O reflexo das decisões políticas no ensino superior brasileiro ............................................ 25
1. O cenário político, econômico e educacional no Brasil pós-1964:
antecedentes históricos.................................................................................................. 25
2. A adoção da política privatista e da burocratização no sistema educacional como
instrumentos fundamentais de transferência de recursos públicos aos interesses
privados e a Reforma Universitária de 1968................... .............................................
29
3. Debates e movimentos de educadores acerca das políticas de formação do pedagogo
no Brasil ........................................................................ ...............................................
44
CAPÍTULO II
A FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
COMO MARCO HISTÓRICO NA REESTRUTURAÇÃO DO CURSO DE
PEDAGOGIA NO BRASIL:
A implantação de um novo projeto de curso no cenário educacional brasileiro.................. 52
1. A Resolução nº 207/1984 do CCEP/UFG: um ensaio teórico e inovador na formação
do pedagogo ..................................................................................................................
52
2. A Resolução nº 288/1989 do CCEP/UFG: a consolidação do projeto ......................... 75
3. A Resolução nº 394/1995 do CCEP/UFG: repensando o curso de Pedagogia.............. 78
CAPÍTULO III
CONCEPÇÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO:
O embate teórico de 1992 na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás -
uma tensão produtiva............................................................................................................ 82
1. Pensando e (re)fazendo o curso de Pedagogia: o entendimento de Ildeu Moreira
Coêlho ..........................................................................................................................
83
2. Por um conceito amplo do curso de Pedagogia: o entendimento de José Carlos
Libâneo .........................................................................................................................
95
3. A análise das propostas: o Parecer de José Nicolau Heck ........................................... 115
4. Pontos de convergências e divergências nas propostas de Ildeu Moreira Coêlho e
José Carlos Libâneo.......................................................................................................
118
13
CAPÍTULO IV
AS TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS OCORRIDAS NO MUNDO DO
TRABALHO E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE:
a reorganização do sistema educacional e seus reflexos no curso de Pedagogia da
faculdade de educação da UFG............................................................................................
123
1. Reestruturação produtiva e educação ........................................................................... 124
1.1 A influência do modelo taylorista-fordista na vida social e suas implicações
educacionais ..........................................................................................................
127
2. Neoliberalismo, globalização e seus efeitos no sistema educacional ........................... 131
3. A formação de professores face às mudanças ocorridas na sociedade
contemporânea. ............................................................................................................
135
4. Construindo um novo curso de licenciatura ................................................................. 138
5. O curso de Pedagogia oferecido aos profissionais da educação da Rede Municipal
de Ensino da cidade de Goiânia: O convênio entre a SME e FE/UFG ........................
141
6. O curso “regular” de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFG implantado a
partir de 2004....................................... ........................................................................
148
6.1 Os debates acerca da mudança ............................................................................ 149
6.2 A organização do novo curso de Pedagogia da FE/UFG .................................... 154
7. O curso de Pedagogia da FE/UFG: um balanço histórico - 1984 a 2004...................... 161
CONSIDERAÇÕS FINAIS ................................................................................................. 166
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 176
ANEXOS ............................................................................................................................. 182
14
INTRODUÇÃO
A motivação inicial para a formulação e desenvolvimento desse estudo foi concebida a
partir dos questionamentos presentes no exercício da própria profissão de educador e, a partir
daí, a constatação dos desafios que a realidade social nos impõe como profissional que
questiona e se depara com as contradições impostas pelo dia-a-dia. Entretanto, minhas
experiências, impressões e crenças não são plenamente suficientes para entender e explicar
todo o processo que envolve a formação de professores e, conseqüentemente, do profissional
pedagogo. O presente trabalho se propõe a investigar o processo de reestruturação do curso de
Pedagogia da FE/UFG ocorrida no período entre 1984 a 2004. A forma de organização desse
trabalho, o modo de investigação e a sua trajetória, são feitos por meio dos seguintes tópicos:
a) campo temático, delimitação do problema e justificativa; b) objetivos; c) o modo de
investigação e de exposição.
1. Campo temático, delimitação do problema e justificativa
Esta pesquisa está tematizada no campo de investigação da educação superior,
tratando, especificamente, sobre a reestruturação do curso de Pedagogia da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG, no período de 1984 e 2004. O
presente estudo busca evidenciar as tensões, os conflitos e os embates ocorridos na FE/UFG
no período em questão, fruto da explosão de forças que vinham se articulando, crescendo e se
transformando. Nesse sentido, o problema que propomos para nortear essa pesquisa consiste
na busca da compreensão das disputas entre os diferentes campos teóricos nos processos de
reestruturação do currículo do curso de Pedagogia da FE/UFG, bem como dos projetos de
formação do pedagogo, que essas disputas expressavam como reflexos dos avanços e/ou
retrocessos que se destacaram no período entre 1984 e 2004. A importância de se evidenciar
essas disputas, seus avanços ou retrocessos, se torna necessária na medida em que elas
apontam para a necessidade de se investigar, dentro desse contexto histórico, qual a definição
dada sobre a função e identidade do pedagogo formado pela FE/UFG.
Nesse caso, alguns questionamentos podem ser feitos com o objetivo de delimitar e
clarear o objeto de estudo em relação a Faculdade de Educação da Universidade Federal de
15
Goiás: Como a Faculdade de Educação reagiu aos problemas que foram surgindo após as
reestruturações que o curso de Pedagogia sofreu nas últimas duas décadas? Como as
discussões influenciaram o debate sobre a formação do pedagogo no Brasil? Como ela tem
lidado com as tensões teórico-metodológicas e com os embates que ocorrem na sua
comunidade acadêmica? Que identidade e perfil de pedagogo se tem buscado com as
reformulações curriculares? Existe de fato um perfil ou uma identidade sendo gerada? se
existem, quais são? se não existem, o que ela tem buscado? Existem possíveis lacunas no
processo de formação do pedagogo após as reformulações pelas quais o curso passou? se
existem quais são? O curso de Pedagogia tem buscado se adequar às transformações ocorridas
na sociedade contemporânea sem ficar subjugado ao mercado de trabalho? Como as
modificações que vêm ocorrendo na legislação do ensino superior brasileiro afetam a
organização do curso de Pedagogia? Esse trabalho busca contribuir na elucidação de alguns
fatos históricos que apontam respostas para esses questionamentos. Entretanto, nessa busca,
não podemos perder de vista que o interior da universidade é marcado por disputas e
entendimentos teóricos divergentes. Nesse sentido, Bourdieu declara que:
O campo científico é sempre o lugar de uma luta, mais ou menos desigual, entre os
agentes desigualmente dotados de capital específico e, portanto, desigualmente
capazes de se apropriarem do produto do trabalho científico que o conjunto dos
concorrentes produz pela sua colaboração objetiva ao colocarem em ação o conjunto
dos meios de produção científica disponível (BOURDIEU, 1983, p.136).
Compreendendo que a universidade constitui-se lugar de embates, meu interesse por
esta temática teve sua origem ainda no primeiro ano de graduação em Pedagogia, em 1992 na
Faculdade de Educação da UFG, quando se realizou uma avaliação sobre o curso de
Pedagogia. Diversos debates, seminários, reuniões e relatórios foram realizados com a
finalidade de explicitar as dúvidas e problemas relacionados à formação do pedagogo.
Naquela oportunidade, integrei um dos grupos de discussões criados pelo Centro Acadêmico
Paulo Freire da FE/UFG e pelo colegiado do curso, para debater e reavaliar o curso de
Pedagogia.
Durante as discussões, evidenciou-se duas vertentes teóricas, cada uma expressando
um projeto diferente em relação a formação do pedagogo. A primeira vertente que ainda
vigorava no ano de 1992, ano de meu ingresso no curso, era a mesma assumida em 1984 e
que definia a formação de pedagogos para atuar exclusivamente nas séries iniciais do ensino
fundamental e/ou nas disciplinas pedagógicas do curso de magistério de nível médio; e, a
segunda vertente, que estava postulando ser (re)implantada e (re)formulada, era a de que o
pedagogo pudesse atuar em outras instâncias educacionais que não fossem restritas
16
unicamente ao magistério já que, por exemplo, no âmbito das instituições de ensino, o
professor lida com a gestão pedagógica e administrativa da escola.
Ainda em 1992, participei de diversos debates no âmbito da UFG, em meio a dúvidas
e desinformação a respeito da organização do curso de Pedagogia, pois naquele momento de
ingresso ao ensino superior, ainda desconhecia a identidade do pedagogo formado por aquela
estrutura curricular. Durante as discussões, os projetos iam desvelando os objetivos de cada
proposta, e em alguns momentos, na efervescência dos debates, ora eu assumia um projeto,
ora assumia outro ou tentava a conciliação entre ambos. Cresciam as dúvidas quanto ao futuro
profissional dos pedagogos, sobretudo, se haveria mercado de trabalho, porque naquele
momento de construção intelectual não estava claro o entendimento que tínhamos sobre a
desvinculação da atuação futura como profissionais do ensino e do nosso sustento financeiro,
já que é muito comum em nosso sistema educacional a profissão docente ser desvalorizada e
entregue, muitas vezes, às condições de trabalho deploráveis.
Esses fatos, levantados naquele período, contribuíram para que pudesse analisar o
curso de Pedagogia da FE/UFG, além de um exame circunstanciado dos momentos históricos
em que surgiram os diferentes enfoques sobre o mesmo, cuidando para não cair na
redundância e no pragmatismo.
Após contato com a literatura a respeito do tema, observamos que as discussões que se
deram naquele momento parecem-nos que giravam em torno da formação do professor e não
do curso de Pedagogia em si, já que, ao que tudo indica, era ‘nova’ a adoção da concepção do
pedagogo voltado prioritariamente para a docência. No momento que entramos em contato
com os escritos dos professores José Carlos Libâneo e Ildeu Moreira Coêlho, observamos que
para reconstituir a trajetória formativa do pedagogo da FE/UFG era necessário ir além do
aparente e ilusório. Era preciso primeiramente nos construir teoricamente para depois fazer
eclodir as condições inerentes a cada momento histórico.
Mesmo após a conclusão do curso no final de 1995, deparei com a realidade da
atuação profissional dos egressos de Pedagogia. O projeto de curso em que me formei já não
contemplava a atuação de pedagogos que não fossem docentes nas séries iniciais
1
e nas
disciplinas pedagógicas do curso de Magistério
2
. Além disso, um outro problema surgiu, a
tradição de que os docentes para atuarem em sala de aula para crianças das séries iniciais do
ensino fundamental deveriam ser preferencialmente do sexo feminino. Esta exigência ficou
1
Com a LDB (Lei 9.394/1996) o ensino de primeiro grau passou a denominar-se ensino fundamental.
2
Apesar do art. 62 da LDB admitir como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e
nas quatro primeiras séries do ensino fundamental a oferecida em nível médio, na modalidade normal,
gradativamente esses cursos entraram em processo de extinção após a promulgação da referida lei.
17
bem delimitada, quando tivemos que participar de processos seletivos em entrevistas de
trabalho, tanto na rede pública como na rede privada. Os argumentos pela não contratação
foram vários, porém o mais interessante foi o receio dos pais não admitirem a presença
masculina nesse nível de ensino, ou da direção da escola que via no sexo feminino maior
segurança em lidar com as crianças no ensino fundamental, devido a paciência adquirida pela
experiência da maternidade. Aliado às dificuldades elencadas acima, o Ministério da
Educação (MEC), no calor dos debates sobre os projetos de LDB em 1995
3
, já apontava para
o fim dos cursos de formação de professores em nível secundário (antigo curso normal), que
era a única instância oficial do ensino médio onde o pedagogo formado pela FE/UFG poderia
de fato atuar além das séries iniciais do ensino fundamental. Ocorriam também, as
reformulações administrativas nos estados e municípios. As escolas do ensino fundamental
mantidas pelo poder público estadual, estavam gradativamente sendo transferidas para os
municípios. Naquele momento, o que deveria ser a abertura de uma grande oportunidade para
ampliar as vagas de acesso à carreira de magistério esbarrou na política de contenção dos
municípios, pois não dispunham de dotação orçamentária suficiente que contemplasse
concursos públicos para o preenchimento das vagas que estavam surgindo.
Muitos diretores de escolas foram autorizados pelas secretarias municipais de
educação, de improviso, a contratarem professores pro labore
4
sem concurso público,
transformando o trabalho docente em mão de obra barata e sem qualificação, negando a esses
profissionais as conquistas trabalhistas (por exemplo, férias, fundo de garantia por tempo de
serviço, previdência, etc.) a que tinham direito. Em sua grande maioria, esses professores não
dispunham de qualificação pedagógica necessária para exercer a docência, e os escolhidos
para assumirem esses cargos, geralmente eram pessoas do circulo de amizade do diretor. Essa
realidade levou-nos cada vez mais a pesquisar sobre a formação e a identidade do profissional
pedagogo. Isso me instigou a buscar o aprofundamento destas questões teóricas a nível de
pós-graduação.
Em 1997 entrei no programa de pós-graduação da FE/UFG, na especialização em
metodologia do ensino superior. A contribuição do programa foi significativa direcionando-
me ainda mais para o delineamento teórico-metodológico da elaboração da monografia em
direção ao curso de Pedagogia. Principalmente, porque um dos professores do programa, era
quem havia elaborado uma das vertentes do projeto de reformulação do curso em 1984. Após
um breve período de greve na UFG em 1998 – realidade vivida na profissão docente em
3
A LDB foi aprovada no dia 20 de dezembro de 1996.
4
expressão latina que significa, pelo trabalho.
18
instituições públicas no Brasil, apresentei em 1999 a monografia final, uma pesquisa histórica
documental, com o título: Concepções sobre o perfil do pedagogo: o exemplo da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Goiás.
Nessa pesquisa demonstrei, por meio de sucessivos documentos, como foi se
estruturando o curso de Pedagogia da FE/UFG até culminar na suspensão definitiva das
habilitações específicas e formar o docente para atuar nas séries iniciais.
Mesmo após a conclusão da pesquisa, em 1999, o curso de Pedagogia sofreu
reformulações curriculares para se ajustar ao eixo temático assumido. Com isso, muitos
conflitos surgiram quanto à definição da estrutura curricular do curso. A distribuição de carga
horária das disciplinas oferecidas, que – inclusive, parece ter se tornado palco de acalorados
debates no âmbito acadêmico, também indicava o confronto de forças que foram se
acentuando, crescendo e dificilmente se estruturando em torno de um consenso. Ao final de
cada processo de discussão das propostas, parece que houve vencedores e derrotados, não no
sentido depreciativo, mas no sentido das quaestio disputatio observadas nas universidades
medievais onde a defesa de um tema produzia um ambiente intelectual cujos esforços
contribuíam para uma formação acadêmica de excelência.
Após concurso público para professor auxiliar nível I no campus avançado de Jataí -
CAJ, em 1998 com dedicação exclusiva, mudei-me de Goiânia para a cidade de Jataí, Goiás,
onde passei a atuar diretamente no curso de Pedagogia como professor de Psicologia da
Educação e Educação Brasileira. A realidade do interior não era diferente daquela vista na
capital.
Naquele período, fui eleito presidente do sindicato dos docentes do CAJ - ADCAJ,
onde fiquei por um breve período, até pedir minha exoneração do cargo sindical e docente
para retornar à Goiânia. Os motivos de minha decisão de retorno a capital, foram
influenciados pela organização administrativa do CAJ. Os professores são admitidos e
contratados pela Fundação Educacional de Jataí – FEJ, órgão da Prefeitura Municipal de Jataí,
e atuam no CAJ em forma de convênio com a UFG. Os problemas gerados por esta
organização vão desde a relação hierárquica até a forma com que os professores recebem os
salários. 30% da folha de pagamento é assumida em forma de contrapartida pela prefeitura e
os 70% restantes são assumidos pelo Governo do Estado de Goiás. Para a concretização do
pagamento, era necessário que ambos poderes executivos cumprissem o depósito dos salários
na conta da FEJ, o que não ocorria na maioria das vezes.
Como conseqüência, atrasos no pagamento, insatisfação de docentes e discentes em
relação a esta forma de organização, greves, e tantos outros desgastes nos levaram a pesar os
19
benefícios e malefícios de continuar a carreira docente em uma instituição que não assume a
responsabilidade de manter seus profissionais de maneira decente. Como sindicalista, por
diversas vezes procurei a Reitoria da UFG para buscarmos em conjunto uma solução para
esse problema, o que foi em sua totalidade inútil do ponto de vista operacional. A falta de
representatividade dos políticos goianos junto ao MEC, o desmonte das instituições públicas
por parte do governo federal, as divergências político-partidárias entre os docentes do CAJ
inviabilizavam qualquer movimento coeso em direção à uma luta reivindicatória e a falta de
autonomia da UFG em dirimir estas questões, impediam concretizar uma solução real do
problema.
Em 1999, ainda no período de intensa luta sindical, obtive aprovação em dois
concursos públicos em Goiânia, o que, diante dos fatos esclarecidos acima e tendo que pensar
no sustento de minha família, decidi pedir exoneração da FEJ/CAJ e assumir os cargos em
Goiânia. Neste mesmo ano, decidi participar de um novo processo seletivo via vestibular na
UFG no curso de Ciências Biológicas, no período noturno, no qual obtive aprovação,
iniciando as atividades acadêmicas em 2000. O fato de entrar no referido curso pôde, a priori,
causar certo questionamento, porém, a necessidade veio em função de que já atuava no ensino
médio como professor de Biologia e aquela era uma oportunidade de qualificar-me na área
que havia, também, assumido.
Em Março de 2003, após concurso público, entrei na FE/UFG como professor
substituto para ministrar aulas de filosofia da educação para os alunos do quarto ano do curso
de Pedagogia. Isso representou um momento importante para a consolidação da minha prática
docente em nível superior e das minhas reflexões e estudos desenvolvidos ao longo da
carreira acadêmica, principalmente em relação ao sentido do curso de Pedagogia.
A disciplina que ministrei, auxiliou-me ainda mais no desenvolvimento da capacidade
crítica e articulativa. Durante o período das aulas, identifiquei que as inquietações e dúvidas
quanto ao futuro profissional do pedagogo dos alunos em 2003, eram as mesmas que nossa
turma de graduação em 1992 havia deparado e discutidas por longos períodos na Faculdade
de Educação. A disciplina contribuiu significativamente para o acirramento em sala de aula
dos debates sobre a educação, a escola, a política, a sociedade, a história, o futuro profissional
e a identidade dos pedagogos.
Constatei que o curso ainda provocava diversas insatisfações quanto ao futuro dos
formandos. Essas insatisfações foram registradas, naquele ano, pelos alunos na avaliação final
do curso proporcionada pela coordenação de graduação da FE/UFG.
20
Em 2004, fui designado pela coordenadoria da faculdade para ministrar aulas de
Educação Brasileira, Fundamentos Sócio-Históricos da Educação Brasileira, Políticas
Públicas, Estrutura e Funcionamento de Ensino em diversas unidades acadêmicas que
ofereciam cursos de licenciatura no âmbito da UFG. Essas atividades foram importantes por
verificar, in loco que outros cursos também passavam pelas mesmas dificuldades quanto a
definição de seus objetivos a respeito do tipo de licenciado que a UFG deveria formar. Um
dos pontos mais polêmicos que deparei nas licenciaturas foi o que dizia respeito à articulação
entre a teoria e a prática profissional voltada para a atuação escolar. O antigo esquema “3+1”,
adotado pela instituição em grande parte dos cursos de licenciaturas, levava o universitário a
dedicar-se três anos de sua formação em matérias específicas de seu respectivo curso,
distanciando-o da realidade da escola e da educação brasileira, e um ano para cursar as
disciplinas chamadas pedagógicas, como por exemplo, Psicologia da Educação, Educação
Brasileira, Estrutura e Funcionamento do Ensino e Estágio Supervisionado. Mesmo que
diluídas durante os quatro anos (antigo regime anual), o aluno demonstrava certa aversão a
esse tipo de disciplina, fazendo com que ele se especializasse em áreas não-docentes.
Os elementos dessa trajetória acadêmica, desse memorial analítico e descritivo,
revelam a necessidade de aprofundar-se nas reflexões sobre a formação de professores, e em
especial, a formação do pedagogo por meio da Faculdade de Educação da UFG.
2. Objetivos
O objetivo geral do presente trabalho, busca investigar as tensões e conflitos da
FE/UFG na orientação do processo de definição da formação do pedagogo. Além disso, busca
identificar e interpretar as mudanças que se sucederam na reestruturação do curso de
Pedagogia no tempo-espaço, no período entre 1984 e 2004 da FE/UFG, com base nas
alterações que se processaram como reflexo da política do Estado brasileiro para a educação
superior e dos embates dos educadores que (re)definiram novos projetos de formação docente,
destacando a formação dos professores que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental e
da educação infantil como o pedagogo. Além disso, visa evidenciar o papel da FE/UFG no
processo de formação do pedagogo frente às transformações que ocorrem no mundo do
trabalho, e ao mesmo tempo, verificar se houve atrelamento desse processo ao mercado de
trabalho.
Assim, os objetivos específicos da pesquisa são:
21
a) resgatar o processo de discussão sobre a formação de professores no período pós-
1964, buscando perceber as vinculações entre as discussões nacionais sobre a formação de
pedagogos com os embates que se travaram na FE/UFG na década de 1980;
b) compreender a influência dos movimentos de educadores e do Ministério da
Educação (MEC) na busca pela definição do processo formativo do pedagogo no Brasil, por
meio da experiência que se deu no âmbito da FE/UFG;
c) explicitar como a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás se
constituiu marco histórico na reestruturação do curso de Pedagogia no Brasil;
d) verificar a legislação da UFG com o intuito de extrair elementos capazes de
demonstrar como ocorreu a implantação de modelos diferenciados na formação do pedagogo
observado na FE/UFG no período entre 1984 e 2004;
e) examinar os impactos das concepções defendidas pelos professores Ildeu Moreira
Coêlho e José Carlos Libâneo na formulação de propostas de formação do pedagogo,
demonstrando que o antagonismo teórico-metodológico defendido por cada um estabeleceu
uma tensão produtiva no âmbito da FE/UFG;
f) Analisar o efeito da chamada globalização no processo de formação de professores
e como ele influenciou a construção de um projeto que buscou vincular a formação acadêmica
ao mercado de trabalho;
g) evidenciar o efeito das reestruturações do curso de Pedagogia da FE/UFG, como
reflexo dos embates ocorridos entre campos teóricos ali representados no delineamento de
propostas de formação de pedagogos, e como as suas propostas foram incorporadas no
currículo por meio de sucessivas reformulações curriculares, no período entre 1984 e 2004, a
fim de que se possam evidenciar quais os avanços e possíveis retrocessos que as
reformulações provocaram.
3. O modo de investigação e de exposição
Para concretizar os objetivos almejados, propõe-se analisar as mediações entre
o contexto histórico, os embates, a legislação, as concepções dos professores e os elementos
que permitiram a reestruturação do curso de Pedagogia no período analisado. A preocupação
maior é delinear e compreender o que ocorreu na FE/UFG à luz das tensões históricas, dos
desafios da sociedade contemporânea e das políticas de educação superior de forma a analisar
os avanços, possíveis retrocessos e perspectivas no processo de reestruturação do curso.
Os procedimentos metodológicos adotados são os seguintes:
22
a) análise documental: análise de Resoluções, Leis, Decretos, Pareceres, Atas,
Exposições de Motivos, matrizes curriculares, Diário Oficial da União, e outros documentos
oficiais e não-oficiais (mimeografados ou por meio eletrônico);
b) revisão bibliográfica: leitura de autores que versaram sobre os assuntos relacionados
ao presente objeto de estudo, incluindo monografias, dissertações de mestrado, teses de
doutorado, artigos científicos e livros.
c) participação e observação: participação em movimentos sindicais ou reuniões de
conselhos ou de avaliação no âmbito da UFG (como discente e docente), no período de 1992 a
2006, buscando subsidiar o entendimento sobre a política da UFG para a formação de
professores, sobretudo, de pedagogos;
Em uma pesquisa dessa natureza e amplitude, estamos certos que há limitações pois os
processos que culminaram nas modificações do curso de Pedagogia não ficaram restritos a
uma única reunião, única postura crítica e única bibliografia.
Nesta busca, um desafio evidente diz respeito às dificuldades de obtenção dos dados
qualitativos e quantitativos (alguns documentos não estão acessíveis em sua integralidade) o
que faz com que adotemos uma postura rigorosa que nos aproxime mais da realidade possível
para evitarmos enganos e equívocos, o que nem sempre são possíveis, devido as crenças que
estão arraigadas em nós e que às vezes nos ofuscam vislumbrar a realidade como ela se
apresenta.
Nem sempre a apresentação e evolução da pesquisa se deu de forma diacrônica. Em
alguns momentos, a pesquisa nos conduziu ao passado e ao presente ao mesmo tempo para
que pudéssemos realizar algumas correlações importantes.
O processo de investigação resultou em um trabalho de dissertação disposto em cinco
capítulos.
No primeiro capítulo, busca-se situar, inicialmente, o objeto de estudo nas análises da
política do sistema educacional do Estado brasileiro no período pós-1964, uma vez que esse
período interferiu diretamente nas decisões estruturais dos cursos de Pedagogia nas
Faculdades de Educação. Abordamos o espaço ocupado pelo ensino superior nas políticas
públicas do Estado brasileiro incluindo nessa abordagem a Reforma Universitária de 1968.
No segundo capítulo, identificamos a importância da FE/UFG como marco histórico
da reestruturação do curso de Pedagogia no Brasil no período de redemocratização do País,
onde ocorreram vários debates, simpósios, encontros de professores e pesquisadores
educacionais, que abriram espaço para a implantação de um novo perfil de pedagogo voltado
para a docência. Esse recorte histórico foi proporcionado pelas análises das Resoluções do
23
Conselho Coordenador de Ensino e Pesquisa - CCEP/UFG, de n.º 207/1984, n.º 288/1989 e
n.º 394/1995, que sempre traziam anexadas suas respectivas exposições de motivos onde os
docentes teorizavam e explicavam os motivos pelos quais era necessário fazer uma reforma
significativa no curso de Pedagogia daquela natureza.
No terceiro capítulo, desenvolvemos uma reflexão sobre o processo de discussão e
teorização do curso de Pedagogia no ano de 1992, através do ciclo de debates promovido pela
FE/UFG envolvendo a comunidade acadêmica. Identifiquei esse período como um dos
momentos mais marcantes da história da FE/UFG. Um dos motivos foi observar que os dois
professores que atuavam nas análises teóricas da educação, da cultura e formação de
professores, Professores Ildeu Moreira Coelho
5
e José Carlos Libâneo
6
, foram os principais
debatedores, o que nos proporcionou momentos de intensa articulação entre teoria e prática e
a produção do conhecimento. Os debates marcaram a vida dos participantes porque foram
além da mera exposição de fatos; ali se produziu conhecimento. Nesse capítulo, buscamos
evidenciar os elementos constitutivos do pensamento de cada debatedor referente a formação
do pedagogo, analisamos e comparamos suas respectivas propostas de matrizes curriculares
para o curso de Pedagogia colhendo elementos que demonstram ser a FE/UFG uma das
principais instituições de ensino que influenciaram na reestruturação do curso de Pedagogia
no Brasil. A base para a análise do entendimento de cada debatedor sobre o curso de
Pedagogia, partiu dos documentos produzidos por eles. Além disso, busca-se evidenciar, na
análise documentada pelo professor José Nicolau Heck, o entendimento sobre as duas
concepções postas em conflito.
No quarto capítulo, encontram-se as reflexões teóricas referentes às transformações
ocorridas no mundo do trabalho e seu reflexo na formação de professores, dos quais incluo o
pedagogo; apresentamos as mudanças ocorridas na sociedade global e brasileira (IANNI,
1993), que resultou na criação de um novo paradigma de trabalhador assentado na concepção
econômica da reestruturação produtiva. Abordamos, também, as mudanças ocorridas na
economia mundial e os efeitos da chamada globalização na formação de professores e seus
reflexos na formação de pedagogos. Analisamos ainda, a evolução dos debates que
aconteceram na FE/UFG que culminaram na nova estruturação do curso de Pedagogia a partir
do ano de 2004. Partimos da análise do curso oferecido, em forma de convênio, para os
trabalhadores em educação da Rede Municipal de Educação (RME) da Secretaria Municipal
de Educação (SME). Procuramos demonstrar que a experiência foi considerada positiva tanto
5
Professor da Faculdade de Educação da UFG.
6
Professor aposentado da Faculdade de Educação da UFG.
24
pela SME quanto para a FE/UFG, inclusive, sendo utilizada posteriormente como referência
para a modificação no currículo regular do curso de Pedagogia da FE/UFG em 2004.
Analisamos o contexto histórico por meio de Resoluções, Atas, matrizes curriculares,
ementas, Leis, Decretos e legislação específica que refletiram as diferentes concepções
existentes na faculdade sobre o processo de formação de pedagogos. Apresentamos a análise
dos dados colhidos a fim de fazer um balanço do que representou o período entre 1984 e 2004
na formação do pedagogo na FE/UFG.
Não tenho a pretensão de esvaziar as possibilidades de reflexão sobre esse tema, pelo
contrário, meu objetivo é fazer com que ela fomente ainda mais o debate sobre a compreensão
da identidade profissional e da formação do pedagogo que ainda encontram-se cheios de
ambigüidades e contradições mesmo após sucessivas mudanças. Essa contribuição visa a
manutenção, mesmo que utópica
7
, do papel da universidade como lócus da formação do
educador.
7
Do latim, U – negação; Topos - lugar. Nenhum lugar; ou seja, aquilo que ainda não foi criado, portanto, deve
ser gerado.
25
CAPÍTULO I
O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO NO PERÍODO ENTRE AS DÉCADAS
DE 1960 e 1990:
O reflexo das decisões políticas no ensino superior brasileiro
Este Capítulo tem a finalidade de evidenciar a influência das decisões políticas no
ensino superior brasileiro no período pós-1964, bem como os seus efeitos no processo de
formação de professores objetivando: a) compreender a organização política, econômica e
educacional no Brasil que instituiu uma nova orientação na formação docente; b) analisar as
conseqüências da adoção de uma política privatista referente ao ensino superior; c) analisar o
impacto do processo de burocratização ocorrida nas universidades públicas federais e suas
implicações na formação de professores; d) compreender o reflexo da reforma universitária de
1968 na formação docente; e) analisar a influência dos movimentos de educadores na
formação dos pedagogos, em especial, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás.
1. O cenário político, econômico e educacional no Brasil pós-1964: antecedentes
históricos
O propósito deste item é explicitar a dinâmica da organização política do Estado
brasileiro, que reestruturou o sistema de ensino em todos os níveis, buscando identificar os
elementos que explicam a inclusão da educação superior no processo de ajustamento ao
sistema produtivo capitalista e ao sistema político ditatorial.
O período entre 1964 e 1985 no Brasil, época denominada de regime militar
(GERMANO, 1994, p. 18), foi marcado profundamente pela influência do modelo econômico
desenvolvimentista do sistema capitalista brasileiro. Nesse período, a educação passa a ser
utilizada como instrumento que visa priorizar a preparação de mão-de-obra para responder às
novas demandas econômicas que estavam sendo implantadas na economia brasileira, para
cumprir os propósitos políticos do governo em relação ao modelo econômico adotado.
Segundo Brzezinski,
A adoção dessa política de treinamento em massa visava compartilhar de
transformações das forças produtivas para dinamizar a economia. É a etapa do
26
capitalismo brasileiro dedicada aos investimentos em educação alicerçados no
ideário tecnicista.
(BRZEZINSKI, 2000, p.58)
Esse investimento foi pensado e estruturado dentro dos aportes do ideário da teoria do
capital humano e da modernização. A exigência da qualificação técnica no campo educacional
foi requisitada pelo modo de produção capitalista, marcado pela fragmentação da execução
das tarefas e da divisão social do trabalho.
As escolas passaram a adotar uma formação voltada para as exigências do mercado;
elas se transformaram em espaços de treinamento, qualificação, requalificação e
instrumentalização para o trabalho visando o aumento da produtividade.
(...) a extensão tanto da formação básica para a população, aumentando a
qualificação escolar para o exército industrial de reserva em crescimento nas
cidades; quanto uma qualificação especializada para a gestão da burocracia e das
empresas estatais, e para a direção do aparato estratégico militar (MELO, 2003,
p.55).
Nesse contexto, é evidente que não havia espaço para a crítica e para o exercício livre
do pensamento. Tudo foi negado em função da supervalorização da dimensão técnica,
sobretudo dos cursos universitários.
A educação, nesse contexto, transformou-se em “treinamento”. Nela foram
projetadas também as ambigüidades e contradições próprias da ideologia
nacionalista e da ideologia transnacional. Assim, se, por um lado, o processo
educacional foi propulsor do desenvolvimento nacional com a “democratização” das
oportunidades educacionais e com a melhor qualificação do homem comum, por
outro, ele foi instrumento indispensável ao processo de especialização exigido pelo
capital transnacional. Nesse cenário, emergiu o projeto de reforma das universidades
brasileiras que deveriam deixar de ser elitistas para tornar-se o centro de formação
de profissionais necessário ao desenvolvimento (BRZEZINSKI, 2000, p.59).
Segundo Germano (1994), o regime militar ao adotar como estratégia hegemônica o
uso da política educacional, teve como objetivo assegurar uma escolarização que permitia a
formação de uma força de trabalho que pudesse sustentar a política de desenvolvimento
econômico assumida pelo governo ditatorial brasileiro. A fim de concretizar esse objetivo,
montou-se uma estrutura política-educacional caracterizada pelo elevado grau de
autoritarismo e violência. Uma das estratégias utilizadas foi a edição de Atos Institucionais
que serviam para cercear a liberdade de expressão, inclusive, de amplos setores da sociedade
civil como os profissionais envolvidos com o estudo e análise crítica da educação. Para
Germano,
Livre de qualquer controle social e político, o Estado atingiu, portanto, o mais
elevado grau de autonomia (no período pós-64) – notadamente no que diz respeito
ao seu aparato repressivo e às Forças Armadas – tornando evidente o sentido
cesarista da intervenção militar. (...) Os direitos individuais e coletivos foram assim
27
praticamente liquidados; (...) Restava a existência de um Executivo forte, poderoso,
ditatorial; de um governo arbitrário, que violava a sua própria legalidade, cujo
comportamento, por conseguinte, era imprevisível (GERMANO, 1994, p. 66-67).
Ainda segundo Germano (1994), o sistema educacional, durante o regime militar, foi
redirecionado para uma crescente vinculação à economia de mercado ocasionando problemas
sociais de gravidade relevante.
O elevado grau de analfabetismo e o baixo percentual de escolarização da população
economicamente ativa permitem inferir que, nas condições do capitalismo brasileiro,
a política educacional pós-64 contribuiu para a exclusão social das denominadas
classes populares ou classes subalternas [...] Ou seja, a política educacional, de fato,
privilegiou o topo da pirâmide social (GERMANO, 1994, p. 22).
Mesmo adotando uma política excludente, Germano (1994) entende que o “Estado
Militar” desenvolveu algumas medidas sociais em diversos campos como: “educação, saúde,
previdência, habitação, assistência social, emprego, ‘desenvolvimento comunitário’ etc.” Ao
usar politicamente a adoção de tais medidas, o governo visava na realidade criar uma pretensa
rede de proteção social.
Assim, deve-se destacar que o Estado concorreu decisivamente para o
desenvolvimento das forças produtivas do país, ao mesmo tempo em que foi o
responsável maior pela perversa concentração da renda e da riqueza verificada no
lapso de tempo em apreço (1964-1985), bem como atuou de forma persistente, no
sentido de reprimir, destroçar e aniquilar os setores mais avançados da sociedade
civil brasileira (GERMANO, 1994, p. 23).
A manutenção das desigualdades sociais e a acumulação de capital foi o fator mais
preponderante na política brasileira no período em questão.
Segundo Saviani (1988), todo esse processo histórico estava ancorado na Doutrina da
Segurança Nacional implantada pelos militares com o intuito de se estabelecer o que chamou
de ‘democracia excludente’; ou seja, criar um conjunto de mecanismos preventivos,
repressivos e operativos que iam desde a ação psicossocial de propaganda, utilização da
legislação para tornar legais as suas ações, passando pela repressão localizada dos resistentes
ao regime militar, até à montagem de verdadeiras operações militares destinadas a eliminar,
fisicamente, os adversários.
A estratégia da ‘democracia excludente’ amparou o que Saviani chama de
‘autoritarismo desmobilizador’. Para ele, a instituição da excessiva departamentalização das
universidades públicas, a matrícula por disciplina e o regime de créditos, generalizando a
sistemática do curso parcelado, fizeram parte dessa estratégia cujo significado político
provocou a desmobilização dos alunos que, não mais organizados por turmas, ficaram
impossibilitados de se constituírem em grupos de pressão política para reivindicar a
adequação de um ensino de qualidade.
28
Para compor o conjunto de estratégias de controle social, na qual a educação estava
incluída, foi instituído o Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro de 1968 que consolidou o
propósito desmobilizante do regime de governo. O preâmbulo do referido Ato Institucional
citado abaixo, evidencia a estratégia ideológica adotada para impor um regime de governo
fortemente centralizador:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, e
CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve,
conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e
propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um
sistema jurídico e político,
assegurasse autêntica ordem democrática,
baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana
, no
combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta
contra a corrupção, buscando, deste modo, "os. meios indispensáveis à obra de
reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder
enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que
depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria”
(BRASIL, Preâmbulo do Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968, grifo nosso).
É surpreendente que um governo utilize palavras tão belas, exaltando os ideais de
liberdade e respeito à dignidade da pessoa humana, para justificar a sua estratégia
desmobilizante extremamente coercitiva e autoritária. Não havia nenhuma possibilidade de
assegurar a ‘autêntica ordem democrática’ quando:
Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa,
simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
§ 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou
proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou
privados.
§ 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas
pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder
Judiciário.
Art 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade,
mamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo
certo.
§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover,
aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste
artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de
economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou
membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e
vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
§ 2º - O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios,
Distrito Federal e Territórios (BRASIL, Ato Institucional nº 5 de 13/12/1968).
29
Além de se constituir num paradoxo, não há legitimação quando as leis não são
respeitadas, nem mesmo por quem as formulou. É o caso do artigo 11 do AI-5 que, exclui-se
de qualquer apreciação judicial todo o ato praticado pelo Governo Federal em função desse
Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os seus respectivos efeitos.
Esse cenário político refletiu muito bem como foram as políticas públicas para a
educação, e como o estado brasileiro gradativamente abriu oportunidades para a ampliação
das instituições privadas atuarem no ensino. Análise que faremos no próximo item.
2. A adoção da política privatista e da burocratização no sistema educacional como
instrumentos fundamentais de transferência dos recursos públicos aos interesses
privados e a Reforma Universitária de 1968
A análise desenvolvida até aqui visou fornecer elementos conceituais para a
compreensão da realidade do ensino brasileiro dentro da dinâmica do sistema capitalista
observado no regime militar, sobretudo relacionada ao ensino superior no Brasil. Para melhor
entendimento do processo de subordinação da formação acadêmica ao processo produtivo, é
importante analisar como o governo brasileiro na década de 1960 repassou gradativamente
recursos financeiros públicos para as instituições privadas de ensino, tendo como
conseqüência, o desmantelamento da escola pública no Brasil em todos os seus níveis.
Ao adotar a ampliação da participação empresarial no setor educacional, o Governo
demonstrava que sua prioridade era beneficiar um pequeno grupo de privilegiados. Por trás do
discurso governista, em defender os interesses supremos da nação, na realidade, estava a
defesa de um projeto econômico hegemônico que, gradativamente, apontava para a ampliação
da participação privatista na política, na economia e na educação. Assim, as decisões
unilaterais tomadas pelos governos militares visavam atender às demandas de grupos privados
específicos, como: empreiteiras, bancos, grandes corporações industriais e instituições de
ensino que viam em tais decisões uma grande oportunidade de expandir seus negócios.
Segundo Cunha (1998):
Para a implementação de sua política econômica, os governos militares promoveram
um grande crescimento do poder estatal, voltado para favorecer a economia de
mercado oligopolístico. A despeito disso, os grupos empresariais que se
beneficiaram desses projetos não deixaram de desenvolver intensa e sistemática
propaganda, via meios de comunicação de massa, alardeando a ineficiência e a
insuficiência da administração pública, em contraste com as excelências da iniciativa
privada: agilidade na tomada de decisões, racionalidade no uso dos recursos, justeza
na remuneração dos “fatores de produção” (capital, terra, trabalho e gerência)
(CUNHA, 1998, p. 13).
30
Como resultado da adoção dessa política privatizante, os recursos destinados para as
escolas públicas estavam diminuindo e sendo transferidos para as instituições privadas, o que
causou um déficit público que inviabilizava o repasse financeiro necessário para o
investimento na manutenção e expansão das escolas públicas. Esse déficit resultava do
[...] favorecimento ao setor privado mediante a inoperância da máquina fiscal, as
isenções tributárias, as transferências diretas e indiretas (como as bolsas de estudo
para as escolas privadas), nos empréstimos a juros negativos e os subsídios a fundo
perdido (CUNHA, 1998, p. 13).
Segundo Cunha apud Germano (1994), a política de concessão de incentivos às
escolas particulares, acabou por revelar uma rede de corrupção e abusos cometidos por
instituições privadas.
Os privilégios e os incentivos concedidos ao setor privado acabam por degenerar em
abusos e corrupção, atingindo ’18 bilhões só em 1982’ (espíndola et alii, 1984:6),
decorrentes da sonegação e fraude por parte das empresas no que se refere ao
pagamento do salário-educação. Além disso, a abertura concedida pela legislação
permitiu o surgimento de agenciadores de educação num verdadeiro conluio
empresa privada/escola privada, em que a primeira repassava à segunda, sob a forma
de bolsas de estudo, um montante de recursos inferior àquele que deveria recolher
aos cofres públicos. A escola, no entanto, fornecia um recibo falso atestando que a
empresa havia aplicado corretamente os percentuais estabelecidos em lei, assim
como ‘arranjava’ uma lista de alunos ‘beneficiados’ com bolsas (CUNHA apud
GERMANO, 1994, p. 204).
O Estado brasileiro, ao adotar a política de desobrigação do financiamento da
educação pública, ampliou o espaço para que a educação fosse explorada por empresários do
setor privado como negócio lucrativo, transformando o espaço do saber num espaço
mercadológico e a educação em mercadoria. Nessa direção, Cunha continua afirmando que
Vários têm sido os mecanismos pelos quais os empresários do ensino têm
conseguido o apoio governamental: imunidade fiscal, garantia de pagamento das
mensalidades pelos alunos, mediante bolsas de estudo distribuídas pelo Poder
Público, e até mesmo a inibição de iniciativas governamentais de criação e/ou
ampliação de escolas, para disporem de uma espécie de reserva de mercado
educacional. Mais do que isso, o capital, em especial o capital financeiro, tem se
valido dos incentivos fiscais para financiar diretamente empreendimentos escolares
com objetivos ideológicos bem explícitos (CUNHA, 1998, p. 14).
Germano na mesma direção aponta que, no período pós-1964, as políticas para o setor
educacional, em todos os seus níveis, foram insuficientes para beneficiar as populações mais
carentes, cujos índices de analfabetismo, eram considerados os mais altos do mundo. Diante
do exposto ele depreende:
1) que o Estado, ao se desobrigar de financiar a educação pública, abriu espaco para
que a educação escolar fosse explorada como negócio lucrativo, com as empresas
31
contando para isso com facilidades, incentivos e subsídios fiscais e creditícios, até
mesmo a pura e simples transferência de recursos públicos para a rede privada de
ensino; 2) que os problemas referentes ao financiamento da educação não se
restringem à questão do montante das verbas. A alocação de uma soma adequada de
recursos é uma condição necessária para o desenvolvimento do sistema educacional,
porém não é uma condição suficiente (GERMANO,1994, p. 205).
Uma das estratégias utilizadas pelos governos militares para a consolidação desse
sistema desobrigante, e adotados pelos seus sucessores, foi a política de contenção por meio
da descentralização do ensino, sobretudo nos níveis iniciais da educação. Esse procedimento
visava a transferência dos encargos educacionais para os estados e municípios desobrigando a
União de sustentar o ensino do antigo primeiro grau. Boa parte dos governos estaduais,
muitos deles tendo representantes que apoiavam e sustentavam o regime militar, seguiram na
mesma linha de pensamento justificando a necessidade de “descentralizar e democratizar” o
sistema educacional de seus respectivos estados. Tais medidas desconsideraram a
hipossuficiência financeira de grande parte dos municípios que não dispunham de recursos
para assumir tamanha responsabilidade, além disso, não estava prevista nenhuma ação
supletiva da União para socorrer nem estados nem municípios. Sem ação supletiva do
governo, houve abertura do espaço necessário para que escolas particulares assumissem
grande parte desse nível de ensino, algumas chegaram a funcionar em locais sem nenhuma
estrutura para as atividades escolares, o que acabou por expor as crianças a um tipo de
educação pouco confiável.
Naquele período, muitas secretarias municipais e estaduais de educação ficaram sob
forte influência de empresários do setor privado da educação que passaram a adotar uma
política de concessão e de contenção da abertura de instituições de ensino. Aos empresários
do ensino que exerciam forte influência nos políticos, eram concedidas autorizações de
funcionamento de suas escolas em locais economicamente vantajosos, enquanto na mesma
esteira, eram contidas construções de unidades da rede pública nesses locais obrigando, por
falta de vagas, a população menos favorecida a matricularem seus filhos em instituições
particulares (aqueles que com dificuldades conseguiam pagar suas mensalidades) ou submetê-
las ao sacrifício de deixarem seus filhos sem estudar, aumentando as estatísticas da legião de
analfabetos no Brasil.
No ensino de 1º grau, o controle que os empresários do ensino detinham das
secretarias e dos conselhos estaduais de educação, bem como das secretarias
municipais, propiciou-lhes a contenção da implantação da reforma de 1971, no que
dizia respeito à extensão “para cima” e “para baixo” da seriação das escolas
primárias e dos ginásios das redes estaduais e municipais. Com isso, as escolas
privadas continuavam a não sofrer concorrência das escolas públicas na
escolarização das populações de baixa renda das periferias urbanas, apresentando-se,
32
assim, como destinatária das bolsas de estudo, que visavam compensar a
“insuficiência quantitativa da rede pública”. (CUNHA, 1998, p. 17).
Nem mesmo programas como o CODEPRE (Coordenação de Educação Pré-escolar),
MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), PRODASEC (Programa de Ações
Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas), PRONASEC (Programa
Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural), Projeto RONDON
(programa universitário) e tantos outros criados pelo governo federal conseguiram minimizar
a exclusão da população carente do sistema educacional. A camada da população que tinha
acesso a escola pública teve que conviver, durante o período de escolarização, com a drástica
redução de recursos financeiros aplicados à educação.
As instituições públicas de nível superior, também foram atingidas pela política de
contenção de recursos públicos ao mesmo tempo em que via a expansão das instituições
privadas pelo país, apoiadas pelo Conselho Federal de Educação. Em decorrência de tal
política, a universidade pública brasileira ficava com orçamento insuficiente para seu
funcionamento. Assim, segundo Germano,
[...] observa-se uma retração do crescimento das universidades públicas, sobretudo
das federais, entre o final dos anos 60 e meados dos anos 70 [...] enquanto no
orçamento da universidade federal cresciam as despesas com pessoal [...]
despencavam as verbas para pesquisa, para extensão e demais despesas de
manutenção da instituição. Se no início dos anos 70 essas verbas representavam
cerca de 25% das despesas, elas mal ultrapassavam 10% no final da década e
continuavam caindo nos anos 80, chegando a apenas 7% dos orçamentos iniciais em
1986, já em plena vigência da Nova República e da aplicação da emenda Calmon
[...] fica patenteado, portanto, que a pesquisa universitária é financiada, sobretudo,
por agências de fomento externas à universidade, como CNPq, Finep, Capes, etc. ou
por instituições estrangeiras como a Fundação Ford e organismos internacionais.
(GERMANO, 1994, p. 207).
No contexto em que o financiamento do ensino superior público não tinha dotação
orçamentária fixada pela legislação em vigor, surgiram cobranças de taxas nas universidades
públicas, até mesmo por uma simples declaração de freqüência escolar ou pelas refeições nos
restaurantes universitários.
Com a adoção da cobrança de taxas nas instituições públicas, era notório que o
montante arrecadado não era suficiente para a manutenção das instituições de ensino. Na
realidade, o que se propunha era formar o ethos privatizante, cujo objetivo, era a criação de
um ambiente em que a cobrança de taxas abriria espaço para uma futura cobrança de
mensalidades. Com isso, as universidades públicas estavam ficando muito parecidas com o
ambiente cartorial, burocratizadas e administrativamente controladas.
Nessa perspectiva, Oliveira destaca que,
33
Se há valores acadêmicos que se apresentam como antitéticos aos valores
burocráticos, a convivência dos ideais de ensino e pesquisa esposados pelos
acadêmicos se torna difícil, senão impossível, no seio de organizações
eminentemente burocráticas [...] Essa clareza se baseia nos princípios da divisão de
tarefas e hierarquização de comando, e gera conseqüências visíveis nas formas de
controle organizacional, que vão desde os processos de admissão e seleção até as
promoções ou expurgo de indivíduos. No caso da organização acadêmica, tanto os
valores associados à busca da verdade e à pesquisa quanto os próprios valores
profissionais associados às atividades intelectuais e de ensino sugerem formatos
organizacionais mais próximos ao que Mintzberg denomina de modelo profissional
8
.
Em termos gerais, tanto o ensino quanto na pesquisa estamos diante de incertezas
com as quais a organização burocrática tem dificuldades em lidar: os objetivos são
amplos, vagos e mal definidos; as tecnologias de ensino e de pesquisa são eivadas
de ambigüidades tanto nos seus processos quanto nos seus resultados, os processos
de aferição de resultados e de atribuição de qualidade são carregados de
subjetividade, escudada no consenso dos pares [...] a vida acadêmica, em geral, e a
cena brasileira, em particular, ilustram o crescimento do fenômeno burocratizante
nessas instituições (OLIVEIRA, 1985, p. 125).
No momento em que se evidenciou a institucionalização da burocracia no sistema de
ensino, surgiram o isolamento, o corporativismo e o individualismo existentes na estrutura
departamental das universidades. Dessa forma, a departamentalização acadêmica, os
colegiados de cursos, estruturas paralelas de poder dentro da unidade acadêmica (faculdade,
instituto, escola, centro) entre a diretoria, coordenação dos cursos de graduação e a
coordenação dos programas de pós-graduação, e tantos outros departamentos burocráticos,
causou vários problemas que se fizeram evidenciar dentro da estrutura e funcionamento
implantada, principalmente no que tange ao orçamento financeiro para essa concretização. A
existência de grande quantidade de professores envolvidos no processo administrativo,
necessitava de um elevado número de horas de trabalho na esfera das atividades
universitárias; e o excessivo número de instâncias para se tomar as principais decisões
acadêmico-administrativas dentro da universidade, levou a academia ao distanciamento de
seus pilares, o ensino, a pesquisa e a extensão, este último, quando havia, quase sempre estava
vinculado às novidades do mercado excessivamente mutável ou ao clientelismo do Governo
que utilizava como propaganda ideológica
9
.
A efetivação da estrutura departamentalizada do colegiado dos cursos e das
coordenações dos programas de pós-graduação como estruturas de poder paralelo ao da
8
Mintzberg distingue cinco configurações estruturais: a estrutura simples, a máquina burocrática, a burocracia
profissional, a forma divisional e a “adhocracia”. Na burocracia profissional, a margem de discrição e a
autonomia tendem a ser maiores do que nas formas anteriores, e a coordenação se dá pela padronização de
habilidades e através de processos de treinamento e doutrinação (OLIVEIRA, 1985, p. 125).
9
Era muito comum na época dos governos militares a utilização de programas universitários de extensão para
propagar sua ideologia clientelista. O projeto RONDON foi um deles. Consistia num programa de extensão que
envolvia o estágio de acadêmicos, geralmente ligados às Ciências da Saúde, para regiões brasileiras onde a
assistência médica era extremamente precária, como o Norte e o Nordeste do País.
34
diretoria da unidade acadêmica, atribuiu aos diretores de faculdades a função de gerentes com
poucos recursos para investirem em pesquisas e manutenção de seus prédios (OLIVEIRA,
1985). A departamentalização exagerada, estava firmada na necessidade de definir com
precisão as atribuições de cada conselho superior da universidade para evitar interpretações
que provocassem constantes conflitos internos. Além de um processo de desarticulação
política da comunidade acadêmica, também estava implícita a fragmentação estrutural dos
cursos de graduação, provocando uma falta de identidade do perfil profissional que se
pretendia formar.
A implantação do modelo burocrático no sistema educacional, se deu em razão do
controle político que exercia grande influência no direcionamento das políticas públicas para
a educação. Porém, apesar de toda organização se estruturar em torno da ampliação do
controle irrestrito nas decisões educacionais, até por meios coercitivos, elas não foram
plenamente eficientes a ponto de minar as resistências de alunos e professores ao modelo
imposto no sistema escolar.
Docentes de instituições de ensino superior, sobretudo das universidades públicas,
juntamente com a União Nacional dos Estudantes – UNE, mesmo sob forte pressão do Estado
ditatorial, formaram pequenos focos de resistência. Conforme observamos anteriormente, os
Atos Institucionais editados sucessivamente pelo regime militar reprimiu a liberdade de
expressão, porém, não foram suficientes para anular a liberdade de pensamento de professores
e alunos, nem as respectivas ações
10
que foram consideradas na época pelo governo como
subversivas.
O governo atuava, em relação à comunidade universitária, sob o lastro de duas
diretrizes fundamentais para exercer a manutenção do controle sobre as universidades: a
coerção, que procurou controlar os focos de resistência através da perseguição, como, por
exemplo, a instauração de comissões sumárias de inquérito
11
que possibilitavam a expulsão de
professores e estudantes considerados hostis ao regime, além de prisão (e até assassinatos); e a
cooptação, que consistia num conjunto de medidas legais (decretos e leis) que visavam buscar
adesão ideológica de docentes e alunos às medidas adotadas pelo governo. Ao contrário do
que era previsto, aconteceu uma crescente articulação e união de um contingente de pessoas
que cada vez mais reivindicava a instauração de um governo democrático. Dentre o
10
Algumas destas ações foram greves, manifestações nas ruas, reuniões secretas, impressão de jornais e
panfletos considerados apócrifos - cujos conteúdos ideológicos protestavam contra a repressão militar. Houve
até mesmo a adoção de medidas extremas como seqüestros de autoridades.
11
O Decreto-Lei Nº 477 de 26/02/1969 definia as infrações disciplinares praticadas por professores, alunos,
funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino públicos ou particulares, e dava outras providências.
35
contingente, estavam os docentes e alunos das instituições públicas de ensino superior que
reivindicavam, mesmo sob forte pressão governamental, melhoria nas condições de ensino e
uma maior autonomia das instituições superiores de ensino. Uma das estratégias utilizadas
pelos militares para conter o avanço dos que resistiam ao regime ditatorial, foi assumir o
discurso de que o formato do sistema de ensino público superior brasileiro, considerado um
grande entrave ao desenvolvimento científico e tecnológico nacional, deveria ser modificado
com vistas a sua reorganização e modernização dentro de uma visão economicista, técnico-
administrativa e empresarial, a fim de que a universidade pública se tornasse mais eficiente e
eficaz maximizando os resultados com um mínimo de recursos públicos possíveis.
Para concretizar esse ideário, o Ministério da Educação – MEC e a USAID (Agency
for International Development), fizeram uma série de acordos que subordinaram a
organização do nosso sistema de ensino, inclusive o superior, às diretrizes e prioridades
definidas por técnicos enviados dos Estados Unidos da América, que propunham soluções que
julgassem convenientes e necessárias para serem adotas no Brasil, cujo objetivo era introduzir
no país o modelo educacional norte americano. A estratégia se deu através da reforma do
ensino, onde os cursos primário e ginasial foram fundidos, se chamando de primeiro grau, o
curso científico passou a ser chamado de segundo grau e o curso universitário passou a ser
denominado terceiro grau. Para a implantação do programa, o acordo impunha ao Brasil a
contratação de assessores norte americanos, que seriam verdadeiros mentores da organização
do sistema educacional brasileiro, cujas medidas adotadas incluira, por exemplo, a
obrigatoriedade do ensino da língua inglesa desde a primeira série do primeiro grau
12
. Os
técnicos oriundos dos Estados Unidos estariam por trás das reformas
13
educacionais que
atingiram todos os níveis de ensino (GERMANO, 1994).
A partir dessa concepção, houve um progressivo desmantelamento do ensino no
Brasil, sobretudo do ensino superior da rede pública, que passou a sofrer crescente ingerência
de órgãos executivos do governo (planejamento, casa civil, segurança nacional), justamente
porque era o foco onde o regime encontrava sua maior resistência.
O quadro político conturbado que o Brasil viveu, nos leva a crer que o Governo
supunha que a adoção de uma visão economicista no sistema educacional seria a única capaz
de realizar um projeto nacional que redundasse em uma maior articulação entre a educação
escolar e o sistema produtivo.
12
Pela edição da Lei nº 9.394/1996 passou a ser denominado de ensino fundamental.
13
Segundo Saviani (1988), nesse período as reformas educacionais brasileiras se deram por meio das Leis nºs.:
4.024/1961, 5.540/1968, 5.692/1971 e diversos decretos e resoluções editados pelas instâncias superiores do
sistema nacional de educação.
36
Naquele contexto, ao mesmo tempo político, econômico e educacional, surgiu a figura
dos especialistas e técnicos da educação que receberam a atribuição de planejamento,
orientação e inspeção nas escolas para assegurar a implantação das novas medidas que foram
adotadas no sistema educacional a fim de que ele estivesse vinculado ao setor produtivo
capitalista. A formação desses ‘técnicos’ tornou-se responsabilidade das Faculdades de
Educação, sobretudo por meio do curso de Pedagogia. O tipo de formação observada nos leva
a crer que o sistema educacional deveria se pautar pela visão gerencial, burocrática,
possibilitando a formação técnica de especialistas da educação. Essa concepção, de acordo
com Saviani, resultou no
Parcelamento do trabalho pedagógico com a especialização de funções, postulando-
se a introdução no sistema de ensino de técnicos dos mais diferentes matizes. Daí,
enfim, a padronização do sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento
previamente formulados aos quais devem se ajustar às diferentes modalidades de
disciplinas (SAVIANI, 1989, p.24).
Sendo assim, podemos depreender que através de todo aparato ideológico e
administrativo promovido pelos sucessivos governos pós-1964, instalou-se uma crescente
burocratização nos sistemas de ensino que contribuiu, junto a outros fatores políticos e
econômicos, com o objetivo de subordinação da escola e do ensino ao sistema produtivo
capitalista e a divisão social do trabalho, com vistas à diminuição dos recursos destinados às
instituições públicas e o aumento da transferência dos mesmos a iniciativa privada conforme
analisamos anteriormente.
Podemos concluir esse pensamento com a assertiva de Oliveira:
Apesar desses requisitos aparentemente contraditórios com o modelo burocrático, a
vida acadêmica, em geral, e a cena brasileira, em particular, ilustram o crescimento
do fenômeno burocratizante nessas instituições. Assim como existe uma tendência a
se superestimar o modelo de mercado como a única forma de associação no regime
capitalista, da mesma forma há uma tendência geral de se pensar o modelo
burocrático como única forma de organização. Além disso, há fatores concretos que
impulsionam nessa direção, a começar pela atuação dos órgãos reguladores e
financiadores, o crescimento interno das universidades e a cópia de modelos
organizacionais de outros países. Em qualquer momento de sua existência as
instituições acadêmicas se apresentam como resultado de um amalgama entre essas
diferentes culturas, e o ajustamento a um ou outro modelo se dá de formas variadas e
em graus bastante diversos (OLIVEIRA, 1985, p.125)
No cenário político, econômico e educacional em que vivia a sociedade brasileira a
autonomia didático-científica das instituições de ensino superior, tão almejada desde a criação
da primeira universidade oficial no Brasil (em 1920, no Rio de Janeiro), poderia se constituir
como um pilar que sustentaria o modelo estrutural de organização das universidades que
fossem criadas. No entanto, como uma entidade educacional, a universidade pública, apesar
37
de se encarregar da produção de novos conhecimentos e de formas interpretativas da
realidade, direcionou, sob forte influência do governo, até de forma coercitiva, suas atividades
para acompanhar a evolução mercadológica observada na década de 1970, época de grande
expansão do parque industrial brasileiro.
Em outras palavras, a importância do espaço universitário passou a residir nas
articulações
14
entre o sistema produtivo (desenvolvimento científico e tecnológico), o controle
social e a estrutura de dominação (legitimação dos papéis sociais). Para concretizar esse
objetivo, surge a reforma universitária em 1968 para sacramentar essa forma de organização.
O projeto que originou a Lei 5.540/1968 (conhecida como lei da reforma
universitária) foi resultado do estudo desenvolvido por um grupo de trabalho, criado com o
objetivo – mesmo que oculto à maioria da Nação, de encontrar alternativas viáveis que
pudessem colocar o ensino superior dentro da nova ordem econômica de reestruturação
produtiva. Como parte do processo, a controvérsia marca a formulação do texto no qual se
mesclavam a defesa do ideário liberal e a proteção dos interesses privados. A forte influência
do governo sobre o grupo de trabalho constituiu o traço mais forte do processo de
reformulação. Na realidade, as idéias mais transformadoras dentro do referido grupo de
trabalho foram submetidas a uma inércia desmobilizante que contagiou antigos focos de
resistência e dificultou a construção mais acadêmica e menos economicista da reforma. Os
seus ideais sofreram forte influência dos acordos MEC/USAID os quais foram inspirados nas
tendências internacionais de inserção do ensino superior no mundo tecnológico do
conhecimento e na teoria do capital humano.
Durante o processo de composição, produção e divulgação do projeto de reforma do
ensino superior, apresentado ao Congresso Nacional para tramitação, sequer discutiu-se os
problemas que realmente deveriam ser enfrentados e solucionados para sanar as dificuldades
encontradas no ensino superior, como por exemplo, a ampliação de vagas nas instituições
públicas de ensino superior para os egressos do ensino de 2º grau (atual ensino médio),
criação de novas instituições e a manutenção das já existentes, fomento de novas pesquisas e
programas de extensão, criação da política de cargos e salários dos docentes e servidores
técnico-administrativos das instituições federais de ensino superior e outros fatores
relacionados ao ensino superior.
14
Exatamente neste ponto, se faz necessário tecer algumas considerações da política reformista para o ensino
superior a partir de 1968, para entendermos o real significado das mudanças no curso de Pedagogia da FE/UFG
assumidas posteriormente em 1984.
38
Convêm destacar três fatos que marcaram a constituição e o trabalho do grupo da
reforma universitária, que denota a forma como foi tratada a reforma universitária em questão.
O primeiro foi relativo ao tempo em que o projeto de lei teve que ser gestado: trinta (30) dias
(SAVIANI, 1988, p. 81). Presume-se, então, que o imediatismo representou uma
característica bem marcante frente a um assunto tão importante como o da reforma do ensino
universitário. Naquele tempo exíguo, podemos deduzir que não houve tempo suficiente para o
debate, para a reflexão e sugestões daqueles que eram os mais interessados no assunto:
professores, gestores, servidores técnico-administrativos e estudantes. Porém, quando
compreendemos os procedimentos administrativos adotados pelo regime militar, ditatoriais
em sua essência, fica bastante claro que naquela conjuntura, o tempo era mais do que
suficiente para implantar o que já estava previamente, por assim dizer, contado, medido e
pesado. Assim no dia 02 de julho de 1968, o decreto presidencial nº 62.937 organizou a
constituição do Grupo de Trabalho responsável pela Reforma Universitária (GTRU), que
estipulava um prazo de “trinta” dias para a conclusão dos trabalhos (Saviani, 1988, p. 81).
O segundo fato que podemos apontar, diz respeito à forma como foram compostos os
membros do referido grupo de trabalho. Foram escolhidos por decreto, por um governo
destituído de legitimidade política e sem nenhuma encarnação da vontade da Nação.
O grupo ficou constituído por Fernando Bastos de Ávila, Fernando Ribeiro do Val,
João Lyra Filho, João Paulo dos Reis Velloso, Newton Sucupira, Roque Spencer
Maciel de Barros e Valnir Chagas, aos quais se juntou posteriormente o deputado
Haroldo Leon Peres. O ato de nomeação incluía também os nomes dos estudantes
João Carlos Moreira e Paulo Bouças. Entretanto, em que pesem os esforços do
governo, como ressaltou o ministro da Educação Tarso Dutra em Agosto de 1968,
para obter a participação oficial de estudantes, estes se recusaram a participar.
(SAVIANI, 1988, p. 81).
Mesmo sendo integrado por pessoas respeitáveis, e até mesmo bem intencionadas, o
grupo ficou conhecido como embaixadores dos detentores do poder, em um projeto eivado de
artigos e cláusulas que distanciavam dos reais objetivos almejados pela comunidade
universitária, inclusive da vontade própria de alguns de seus membros.
O terceiro, não muito menos interessante do que os outros dois fatos citados, era a
diferença formativa dos membros da comissão. Alguns membros da comissão eram
intelectuais envolvidos em pesquisas educacionais e que vislumbravam - naquele momento,
uma grande oportunidade de contribuírem com a educação superior mesmo sendo a reforma
universitária constituída em um governo autoritário. Podemos inferir pela análise, mesmo que
superficial, do histórico de alguns desses intelectuais, suas respectivas trajetórias e o grau de
39
envolvimento político, que o contraditório fez parte de todo o trabalho do grupo durante o
processo de construção da Reforma Universitária.
Apesar do Decreto presidencial incluir o nome de dois estudantes (que se recusaram a
participar) no referido Grupo de Trabalho, ficou evidente o confronto dessas forças díspares
dentro da sociedade brasileira. A recusa estudantil deveu-se ao fato de decidirem fazer a
reforma pelas próprias mãos.
No mês de Junho de 1968 eles ocuparam as universidades e instalaram cursos-piloto,
ficando algumas escolas sob o controle dos alunos durante o mês de Julho e
praticamente todo o segundo semestre. É nesse quadro que o governo, como que
raciocinando em termos de “façamos reforma antes que outros façam”, apressou-se a
desencadear o processo baixando, em 12 de julho, portanto, no auge da crise
estudantil, o Decreto nº 62.937, que instituiu o Grupo de Trabalho da Reforma
Universitária (SAVIANI, 1988, p. 86).
Contudo, o grupo de trabalho convocado não conseguiu avançar em questões de suma
importância para as universidades, como por exemplo, a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão; a autonomia das instituições; aumento de recursos humanos e financeiros
para ampliação e manutenção dos cursos universitários; gratuidade do ensino e outras tantas
mais que poderiam fazer parte daquela reforma, na qual constituiria em uma boa oportunidade
para melhorar a qualidade do ensino superior no Brasil.
A rapidez com que a legislação foi produzida indicou perfeitamente o ambiente
político existente na época e o tipo de educação superior que deveria ser implantado nas
universidades brasileiras. O documento que resultou no texto final de apreciação do
Congresso Nacional dizia que “[...] os referidos estudos tinham por objetivo garantir a
‘eficiência, modernização e flexibilidade administrativa’ da universidade brasileira, tendo em
vista a ‘formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do país’”
(SAVIANI, 1998, p.81).
Em outubro de 1968, após a conclusão dos trabalhos pela comissão, o projeto de
reforma do ensino superior é enviado ao Congresso Nacional pelo Executivo que passa a ser
tramitado dentro de suas comissões temáticas, o qual é aprovado no dia 28 de novembro de
1968.
De um modo geral, a organização do documento que instituiu a Reforma Universitária
ficou assim organizado: CAPÍTULO I (Do ensino superior) - arts. 1º a 30º; CAPÍTULO II
(Do corpo docente) - arts. 31º a 37º; CAPÍTULO III (Do corpo discente) - arts. 38º a 41º;
40
CAPÍTULO IV (Disposições gerais) - arts. 42º a 51º; CAPÍTULO V (Disposições
transitórias) - arts. 52º a 59º
15
.
Fica evidente, pela leitura do artigo 30º e seus dois parágrafos da referida Lei, que
naquele momento ficou instituído também a formação de técnicos da educação para atuar nas
instituições de ensino:
Art. 30. A formação de professores para o ensino de segundo grau, de disciplinas
gerais ou técnicas, bem como o preparo de especialistas destinadas ao trabalho de
planejamento, supervisão, administração, inspeção e orientação no âmbito de escolas
e sistemas escolares, far-se-á em nível superior.
§ 1º A formação dos professores e especialistas previstos neste artigo realizar-se-á,
nas universidades mediante a cooperação das unidades responsáveis pelos estudos
incluídos nos currículos dos cursos respectivos.
§ 2º A formação a que se refere este artigo poderá concentrar-se em um só
estabelecimento isolado ou resultar da cooperação de vários, devendo, na segunda
hipótese, obedecer à coordenação que assegure a unidade dos estudos, na forma
regimental (BRASIL, Lei nº 5.540/1968).
Como podemos observar, com a Reforma Universitária surgiram as especializações ou
habilitações específicas relacionadas a cargos administrativos no sistema de ensino, o que nos
permite fazer três considerações importantes sobre a referida Lei:
A primeira consideração, diz respeito a inexistência de um artigo que torna o curso de
Pedagogia oficialmente a única instância do ensino superior responsável pela formação de
especialistas em educação
16
. Pelo contrário, o parágrafo 1º do artigo n. º 30, diz que “a
formação dos professores e especialistas, previstos neste artigo, realizar-se-á nas
universidades mediante a cooperação das unidades responsáveis pelos estudos incluídos nos
currículos dos cursos respectivos” (grifo nosso). Entretanto, foi o curso de Pedagogia que
assumiu esse papel chamando para si essa responsabilidade.
Os departamentos universitários tiveram que levar esse aspecto em consideração, pois
naquele momento, ainda não havia um espaço delineado para a atuação do profissional
especialista em educação nas escolas. A organização estrutural veio de cima para baixo, pois
adotando o trabalho dos especialistas da educação no sistema de ensino brasileiro, haveria a
concretização da inserção das instituições escolares no processo de divisão social do trabalho
do sistema capitalista. Os pressupostos metodológicos e científicos necessários à sua
15
Fonte: BRASIL, Casa Civil, Decreto Presidencial nº 62.937/1968.
16
Somente com o advento da Lei nº 9.394/1996 em seu art. 64, é que discriminou especificamente o curso de
pedagogia, em nível de graduação ou pós-graduação, com a responsabilidade de formação de profissionais de
educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação
básica. Para isso, segundo o citado artigo, é necessário a garantia, nesta formação, da manutenção da “base
comum nacional que não foi especificada quais seriam seus pressupostos.
41
implantação, foram ditados por órgãos governamentais como o MEC e o CFE, nos quais
excluíram do processo decisório os maiores interessados: a comunidade universitária.
Ao que tudo indica, para esses órgãos, as universidades não teriam competência para
implementar uma formação docente dentro da nova ordem de reestruturação econômica
mundial. Sobre isso, é importante mencionar Chauí quando discute sobre a regra da
competência para o âmbito da educação:
A regra da competência nos permite indagar: quem se julga competente para falar
sobre a educação, isto é, sobre a escola como forma de socialização? A resposta é
obvia: a burocracia estatal que, por intermédio dos ministérios e das secretarias de
educação, legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico. Há, portanto, um
discurso do poder que se pronuncia sobre a educação definindo seu sentido,
finalidade, forma e conteúdo. Quem, portanto, está excluído do discurso
educacional? Justamente aqueles que poderiam falar da educação enquanto
experiência que é sua: os professores e os estudantes. (CHAUÍ, 1988, p. 27 ).
A segunda consideração, diz respeito à formação de professores de que trata o citado
artigo nº 30 da Lei nº 5.540/1968. Ele regulamentava apenas a formação de professores para
atuar no ensino de segundo grau (atual ensino médio), disciplinas gerais ou técnicas e
preparação de especialistas, não fazendo nenhuma referência a formação de professores para o
primeiro grau (atual ensino fundamental) em nível superior. Somente com a aprovação da Lei
nº 5.692 de 11 de agosto de 1971 é que ficou claro que os professores, para atuar nesse nível
de ensino, deveriam ter como formação mínima para o exercício docente:
Art. 30 - Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério:
a) no ensino de 1º grau, da 1ª a 4ª séries, habilitação específica de 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, da 1ª a 8ª séries, habilitação específica de grau superior, ao
nível de graduação, representada por licenciatura de 1o grau, obtida em curso de
curta duração; c) em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida em
curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena.
§ 1º Os professores a que se refere a letra "a" poderão lecionar na 5ª e 6ª séries do
ensino de 1º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou,
quando em três, mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que
incluirão, quando for o caso, formação pedagógica.
§ 2º Os professores a que se refere a letra "b" poderão alcançar, no exercício do
magistério, a 2ª série do ensino de 2º grau mediante estudos adicionais
correspondentes no mínimo a um ano letivo.
§ 3º Os estudos adicionais referidos aos parágrafos anteriores poderão ser objeto de
aproveitamento em cursos ulteriores (BRASIL, Lei nº 5.692/1971).
Para o nível das séries iniciais de ensino, existiam as escolas normais (secundaristas)
que formavam professores em nível profissionalizante secundário para atuarem na
escolarização das crianças. A dualidade entre o curso normal e o de Pedagogia, coexistiu por
muito tempo em nosso sistema de ensino. Geralmente quem ingressava no curso de Pedagogia
em nível superior já havia concluído o curso normal. Enquanto o curso normal formava o
42
docente para atuar na sala de aula, o de Pedagogia passava a formar o especialista que teria
como função específica adotar medidas burocrático-legais para serem executadas pelos
professores nas escolas. Com o advento da lei nº 5.692/1971, a questão da regulamentação de
quais instituições poderiam oferecer cursos de formação de professores ficou mais definida:
Art. 31 As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais referidos no § 2º do artigo
anterior serão ministrados nas universidades e demais instituições que mantenham
cursos de duração plena.
Parágrafo único. As licenciaturas de 1º grau e os estudos adicionais, de preferência
nas comunidades menores, poderão também ser ministradas em faculdades, centros,
escolas, institutos e outros tipos de estabelecimentos criados ou adaptados para esse
fim, com autorização e reconhecimento na forma da Lei (BRASIL, Lei nº
5.692/1971).
Os artigos posteriores da referida lei expressam como deveria ser a formação dos
especialistas e a conseqüente equivalência em termos de direitos trabalhistas em relação as
instituições públicas e privadas:
Art. 33 A formação de administradores, planejadores, orientadores, inspetores,
supervisores e demais especialistas de educação será feita em curso superior de
graduação, com duração plena ou curta, ou de pós-graduação.
Art. 34 A admissão de professores e especialistas no ensino oficial de 1º e 2º graus
far-se-á por concurso público de provas e títulos, obedecidas para inscrição as
exigências de formação constantes desta Lei.
Art. 35 Não haverá qualquer distinção, para efeitos didáticos e técnicos, entre os
professores e especialistas subordinados ao regime das leis do trabalho e os
admitidos no regime do serviço público.
Art. 36 Em cada sistema de ensino, haverá um estatuto que estrutura a carreira de
magistério de 1º e 2º graus, com acessos graduais e sucessivos, regulamentando as
disposições específicas da presente Lei e complementando-as no quadro da
organização própria do sistema.
Art. 37 A admissão e a carreira de professores e especialistas, nos estabelecimentos
particulares de ensino de 1º e 2º graus, obedecerão às disposições específicas desta
Lei, às normas constantes obrigatoriamente dos respectivos regimentos e ao regime
das Leis do Trabalho.
Art. 38 Os sistemas de ensino estimularão, mediante planejamento apropriado, o
aperfeiçoamento e atualização constantes dos seus professores e especialistas de
Educação.
Art. 39 Os sistemas de ensino devem fixar a remuneração dos professores e
especialistas de ensino de 1º e 2º graus, tendo em vista a maior qualificação em
cursos e estágios de formação, aperfeiçoamento ou especialização, sem distinção de
graus escolares em que atuem.
Art. 40 Será condição para exercício de magistério ou especialidade pedagógica o
registro profissional, em órgão do Ministério da Educação e Cultura, dos titulares
sujeitos à formação de grau superior (BRASIL, Lei nº 5.692/1971).
A terceira consideração, aponta para uma conseqüência direta na implantação das
habilitações para quem se propunha a realizar sua formação acadêmica atuando como
especialista da educação: o abandono da sala de aula por muitos profissionais que passaram a
assumir cargos administrativos criados pelos sistemas de ensino (COÊLHO, 1992).
43
Entretanto, uma conseqüência muito interessante dessa situação, foi observar o retorno
posterior desses profissionais para a sala de aula devido a saturação do espaço profissional do
especialista na escola. Aqueles que foram formados Pedagogos especialistas, não encontrando
espaço para o trabalho burocrático na escola, foram assumindo a docência e exercendo
ilegalmente a profissão, já que não dispunham do registro do MEC/CFE para ministrarem
aulas, que era uma exigência legal.
Essas considerações nos levam a entender que as medidas adotadas, jamais
abrangeriam todo o universo escolar nem atingiriam seus reais objetivos. A concepção de
formar profissionais para a realização das necessidades humanas foi substituída pelo modelo
economicista que enfatizou a qualidade das ações centradas em objetivos quantitativos,
advindas do modelo empresarial e da divisão do trabalho, baseadas em conceitos de eficiência
e eficácia.
Quando fazemos referência aos cursos de formação docente, ao longo de sua trajetória
histórica recente, como também é o caso do curso de Pedagogia, entendemos o quanto foi
marcante a interferência política no processo de decisão acerca do tipo de perfil profissional
que deveria ser adotado pelas faculdades em geral, que as inserissem dentro do projeto de
modernização econômica proposto. A modernização do país almejada pelo governo como
complemento da organização da nova nacionalidade, perpassava indubitavelmente pela
adaptação do ensino a esse projeto, isto é, para a preparação de uma oferta maior de mão-de-
obra para as funções criadas pelo mercado, e o processo de modernização, exigiu uma maior
qualificação específica dos trabalhadores, inclusive dos professores.
Vindo ao encontro das políticas educacionais adotadas no Brasil, a formação dos
professores para o ensino das primeiras séries de escolarização tornou-se objeto de discussão
mais denso e materializaram-se, posteriormente nos anos iniciais da década de 1980
(SAVIANI, 1988).
Conforme observamos, as mudanças ocorridas na educação no período pós-1964
refletiram na criação de uma administração político-educacional baseada no modelo
tecnocrata
17
.
Segundo Brzezinski,
17
Tecnocracia significa, literalmente, governo dos técnicos, que, pelo controle dos meios de produção, tendem a
superar o poder político ao invés de apoiar suas atividades. A primeira manifestação da tecnocracia é atribuída
ao sociólogo francês Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon (1760-1825). Ele propôs, em
Réorganisation de la Société Européenne, de 1814, a substituição da política pela ciência da produção, o
"governo dos homens" pela "administração das coisas" (www. pt.wikipedia.org/wiki/Tecnocracia). Mesmo após
o fim do regime militar o MEC continua sofrendo a fluência de técnicos que ditam normas para o sistema
educacional brasileiro.
44
A ideologia tecnocrática passou a orientar a política educacional definida nos
planos globais de desenvolvimento nacional elaborados pelos técnicos do Ministério
do Planejamento. Os tecnocratas, contudo, passaram a ser influenciados pelos
militares que assumiram, implicitamente, os interesses econômicos do complexo
empresarial. [...] Sob a influência tecnocrático-militar e sob uma ação limitada dos
educadores, a educação foi declarada instrumento de aceleração do desenvolvimento
econômico e do progresso social. Os princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade foram transplantadas da teoria econômica e adaptados à educação [...]
O direcionamento dado à política educacional pelos planejadores deixava clara a
intenção de subordinar o sistema educacional aos imperativos de um modelo de
desenvolvimento assentado estritamente no aspecto econômico, limitando a oferta
da educação à demanda do sistema produtivo. (BRZEZINSKI, 2000, p. 64-65).
Assim, estreitando a relação da educação com o mercado de trabalho, subordinaram a
formação acadêmica aos planos de desenvolvimento e segurança do país e à visão econômica
de desenvolvimento; esse foi o legado que a educação recebeu. Visto assim, o planejamento
educacional foi concebido por economistas que não compreendiam, ou se faziam não
compreender, a dinâmica da escola.
3 . Debates e movimentos dos educadores acerca das políticas de formação do pedagogo
no Brasil
Analisar os debates sobre a formação do pedagogo no Brasil, sem dúvida exige um
esforço além do exame circunstanciado dos diferentes períodos em que ele foi se
estruturando. O propósito deste item não é o aprofundamento das origens
18
do curso de
pedagogia no Brasil, mas de forma sucinta, resgatar as tensões existentes entre as diversas
concepções sobre o tipo de curso que deveria ser ministrado no País.
Os debates sobre a formação do pedagogo, focos de acirradas discussões entre
educadores, estudantes e políticos na década de 1930, ganharam força e se reconfiguraram a
partir da década de 1960. O Parecer nº 251/1962 do Conselho Federal de Educação – CFE, e
sua indicação pelo conselheiro Valnir Chagas trouxe algumas regulamentações específicas ao
curso de Pedagogia em relação ao seu sentido e função. Segundo Saviani, o referido
documento relata que,
18
Segundo Saviani, “pelo Decreto n. 1.190, de abril de 1939, a Faculdade Nacional de Filosofia foi estruturada
em quatro seções: Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia acrescentando, ainda, a de Didática, considerada como
“seção especial”. Enquanto as seções de Filosofia, Ciências e Letras albergavam, cada uma, diferentes cursos, a
de Pedagogia, assim como a seção especial de Didática, era constituída de apenas um curso cujo nome era
idêntico ao da seção. Está aí a origem do Curso de Pedagogia” (2004, p. 5).
45
A duração do curso foi definida em quatro anos, englobando o bacharelado e a
licenciatura correspondendo, portanto, à duração anterior. A diferença fica por conta
de uma certa flexibilidade, uma vez que as disciplinas de licenciatura poderiam ser
cursadas concomitantemente com o bacharelado, não sendo necessário esperar o
quarto ano. Com essa nova regulamentação deixava de vigorar, ao menos
formalmente, o esquema “3+1”.
No que se refere ao currículo foi mantido o caráter generalista, isto é, não foram,
ainda, introduzidas as habilitações técnicas. O rol de disciplinas sofreu algumas
alterações não, porém, em aspectos substantivos. Diferentemente da regulamentação
anterior, não se fechou a grade curricular com a distribuição das disciplinas pelas
quatro séries do curso. Essa tarefa foi deixada para as instituições.
O currículo da Licenciatura se compunha das seguintes matérias: Psicologia da
educação: adolescência e aprendizagem; Elementos de administração escolar;
Didática; Prática de ensino. Considerando-se a revogação do esquema “3+1”, a
prática que se generalizou foi a de cursar Psicologia educacional, Didática e
Elementos de administração escolar na segunda e terceira séries do curso, deixando-
se Prática de ensino para a quarta série. Quanto ao curso de pedagogia, como já
constavam de seu currículo Psicologia educacional e Administração escolar, para
obter o título de licenciado bastava aos alunos cursar Didática e Prática de ensino
(SAVIANI, 2003, p. 7).
Outro parecer do CFE, o de nº 252/1969, também de autoria de Valnir Chagas, tentava
dirimir a imprecisão da identidade do pedagogo, na medida em que ia traçando os limites de
sua atuação. No documento, o conselheiro esclarece os motivos das opções adotadas e
apresenta um anteprojeto de Resolução (anexado ao documento), onde em seu primeiro artigo
define, sem demonstrar com maior precisão, quais os espaços que porventura poderiam ser
ocupados pelos pedagogos:
“Art. 1º - A formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as
atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolas
e sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que
resultará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação
19
” (BRASIL,
CFE, 1969, p. 113).
19
As habilitações previstas e respectivas matérias específicas foram as seguintes:
1. Orientação Educacional: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 2º Grau; Princípios e Métodos de Orientação Educacional; Orientação Vocacional; Medidas
Educacionais.
2. Administração Escolar, para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º
Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Princípios e Métodos de Administração Escolar;
Estatística Aplicada à Educação.
3. Supervisão Escolar, para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento do Ensino de
Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Princípios e Métodos de Supervisão Escolar; Currículos
e Programas.
4. Inspeção Escolar, para exercício nas escolas de 1º e 2º graus: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º
Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Princípios e Métodos de Inspeção Escolar; Legislação
do Ensino.
5. Ensino das disciplinas e atividades práticas dos cursos normais: Estrutura e Funcionamento do Ensino de
Grau; Metodologia do Ensino de 1º Grau; Prática de Ensino na Escola de 1º Grau (estágio).
6. Administração Escolar, para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau;
Administração da Escola de 1º Grau; Estatística Aplicada à Educação.
7. Supervisão Escolar, para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau;
Supervisão da Escola de 1º Grau; Currículos e Programas.
8. Inspeção Escolar, para exercício na escola de 1º grau: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau;
Inspeção da Escola de 1º Grau; Legislação do Ensino (SAVIANI, 2003, p. 7-8)
46
O Parecer 252/1969 foi formulado em quatro itens básicos: o primeiro recupera a
história da criação do curso de pedagogia no Brasil; O segundo detém-se na regulamentação
do curso em conseqüência da promulgação da LDB/1961; O terceiro apresenta uma discussão
sobre os artigos da Lei 5.540/1968 que regulamentam a formação de professores e
especialistas; e o quarto discorre sobre a filosofia da nova regulamentação, bem como indica
as disciplinas das partes comum e diversificada. “Esse conjunto de itens, associado à
Resolução 2/1969 e às Indicações feitas no Parecer 632/1969 do CFE, que fixa o conteúdo
específico da Faculdade de Educação, compõe um manual orientador da estruturação, da
forma e da dimensão do curso de pedagogia” (BRZEZINSKI, 2000, p. 71).
Analisando o documento, podemos concluir que ele conferia o diploma de licenciado,
para formar professores para o ensino normal, em nível secundário profissionalizante, e
especialistas nas áreas de orientação, administração, supervisão e inspeção para o exercício
das funções burocráticas nas escolas ou em outros espaços (que obviamente, deveriam ser
criados) dentro do sistema educacional. Entretanto, os movimentos sociais de educadores,
muito intensos na década de 1970, mesmo estando sob a égide dos Atos Institucionais, em
congressos e reuniões científicas, começavam a mudar os rumos da educação no Brasil. Os
educadores cada vez mais se posicionavam contra o modelo tecnicista de formação dos
pedagogos imposto pelos militares no processo de formação de professores e também nas
resoluções pedagógicas impostas pelos Governos. Os educadores “voltaram-se ainda contra o
patrulhamento ideológico imposto às universidades públicas pelo controle do Estado, o que
significou um profundo golpe na cultura do saber crítico” (BRZEZINSKI, 2000, p. 78).
A luta pela redemocratização da sociedade brasileira, começava a difundir-se em
busca da reconquista do direito a uma representação política democrática. Cada vez mais, ela
efervescia no âmbito da Faculdade de Educação da UFG, transformando a vontade de
mudança em ações que enfatizavam a capacitação política dos professores, oferecendo-lhes
elementos para o enfrentamento e compreensão de sua função social.
As Faculdades de Educação no Brasil, a partir de 1980, começaram a se movimentar e
fomentar diversos debates entre os educadores nos congressos, estudos e pesquisas
educacionais a respeito dos cursos responsáveis pela formação de professores. Tais
movimentos começam a surtir efeito nas instituições que passaram “a escrever a sua história”
(BRZEZINSKI, 2000, p. 83).
47
Influenciados pela reabertura democrática, que consistiu em um momento histórico de
reorganização do Estado brasileiro caracterizado pela transição do regime autoritário para a
democracia (chamada de Nova República), os educadores foram ganhando espaço e
implementando novas alternativas que pudessem modificar a estrutura das licenciaturas no
Brasil.
Os educadores não estavam isolados na luta vivida pela sociedade brasileira em
tempos de ‘abertura’. Ianni (1989) descreveu com clareza o que ocorreu no período transitório
para a redemocratização:
Cresceu bastante o protesto popular, compreendendo também setores de classe
média que antes apoiavam o governo. Ocorreram greves operárias na cidade e no
campo, além das greves de estudantes universitários, professores de escolas privadas
e públicas, empregados de empresas privadas e funcionários públicos. Para os
governantes, termina amargamente o “milagre econômico”, com a crise do petróleo,
a queda de investimentos, os desacertos da política econômica privilegiando grandes
projetos estatais, as vultosas dívidas externa e interna, a onda inflacionária.
Aprofundam-se as divisões entre grupos civis e militares, nacionais e estrangeiros
que compunham o bloco do poder. Até mesmo setores da alta hierarquia militar
começaram a desentender-se. Também setores da Igreja católica e setores
empresariais colocaram-se em divergência com a ditadura. Forma-se aberta oposição
entre interesses predominantes na sociedade nacional e os das empresas
multinacionais. No conjunto, aprofunda-se o divórcio entre sociedade civil e o
Estado. Configura-se uma crise de hegemonia. A ditadura militar não tem mais em
que legitimar-se. Perdeu suas mensagens políticas, dentre as quais se destacava a
indústria do anti-comunismo. E perdeu seus trunfos econômicos, dentre os quais
sobressaíam “o milagre”, o “Brasil potência”, o lema “segurança e
desenvolvimento”. Sobrou-lhe a retirada (IANNI, 1989, p. 110-111).
Tudo isso resultou em uma pesada herança social no Brasil traduzida em
analfabetismo, falta de verbas e indefinição política frente a situação social que o país
começava a viver. Ainda em 1980, na cidade de São Paulo, emerge o comitê pró-formação do
educador durante a realização da Primeira Conferência Brasileira de Educação pós-Golpe
Militar. Naquela ocasião, a cidade de Goiânia foi escolhida como a primeira sede do referido
comitê.
Segundo Brzezinski (1994), essa escolha se deu pelo fato das discussões a respeito da
identidade do pedagogo e de outras licenciaturas estarem bastante avançadas na Universidade
Federal de Goiás (UFG) e Universidade Católica de Goiás (UCG); e, além disso, pela
proximidade da capital Federal, Brasília. Esse último argumento, não foi aceito pelas razões
expostas abaixo:
É enganoso deduzir que a proximidade física favorece formas de pressão para maior
participação para poder articular, contestar, resistir [...] eu cheguei a dizer dezenas
de vezes em reuniões nacionais, regionais ou locais realizadas aqui em Goiás ou não,
que esta proximidade física de Brasília é uma ilusão. Várias vezes afirmei que a
aproximação e participação não se dão meramente pelo aspecto físico e que São
48
Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte estão muito próximos do que Goiânia,
porque eles sabem muito mais das coisas, pois estão mais ligados às pessoas-chave
do centro do poder. (BRZEZINSKI, 2000, p. 106).
Na realidade, a UFG já estava em pleno debate, realizando no âmbito de suas unidades
acadêmicas diversos seminários e reuniões sobre o processo de formação dos licenciados. O
próprio MEC já havia incentivado, no calor das discussões em todo o território nacional, por
meio de Seminários Regionais e Encontros Nacionais, que as instituições formadoras de
professores formulassem novas propostas de cursos de formação docente.
O MEC já havia anteriormente, por meio de sua Secretaria de Ensino Superior (Sesu),
formulado o pedido de uma consulta a FE/UFG para que lhes enviassem as propostas
desenvolvidas sobre a reformulação do curso de Pedagogia advindas dos grupos de discussão
dentro da universidade. Segundo o primeiro presidente
20
do Comitê Pró-formação do
Educador, Ildeu Moreira Coelho, a consulta do MEC à UFG causou-lhes estranheza na época
em que foi solicitada:
‘Por que consultar apenas três e por que especificamente Goiás? Conhecíamos nossa
realidade de Estado periférico na Federação. Os professores da Faculdade de
Educação ficaram desconfiados. Parecia ser uma jogada do MEC. Estabeleceu-se a
discussão no grupo de professores: responde-se ou não à consulta que tinha um
prazo mínimo para ser enviada ao MEC. Finalmente, para não ser acusado de
omisso, o grupo decidiu respondê-la.
Preparamos um documento em que a Faculdade de Educação se manifestou através
daquele grupo de professores, que representava quase a totalidade da congregação.
Entre outras coisas, o grupo colocava explicitamente que o caminho da pedagogia
não era via habilitações. Goiás, portanto, já tinha uma posição’. (BRZEZINSKI,
2000, p. 103).
Os professores da FE/UFG julgavam que aquele momento era de reflexão, de debate,
de formulação de novas propostas e não de uma definição imediata por tratar-se de uma
questão muito relevante e polêmica. Havia o entendimento de que para ser submetido a órgãos
normatizadores, como o CFE e o MEC, o documento proposto tinha que amadurecer em um
tempo maior, sem exigüidade de tempo, para ser apreciado nas instâncias governamentais.
Porém, mesmo achando estranha a solicitação do MEC, a comissão da FE/UFG
resolveu enviar a resposta explicitando suas propostas sobre a reformulação do curso de
Pedagogia. Dentre os cinco tópicos que compunham o documento enviado ao MEC, havia um
que recomendava o abandono da formação de especialistas habilitados em Administração
Escolar, Orientação Educacional, Inspeção Escolar, Supervisão Escolar e outras correlatas no
curso de graduação em Pedagogia. A decisão dessa medida, conforme relata o documento,
20
Conforme nota de Brzezinski (2000, p.102).
49
recuperaria a formação pedagógica de educadores docentes que são responsáveis diretos pela
formação do aluno (Ande, 1981, p. 53).
Brzezinski (2000) relata que, Goiás naquele momento, se lançava em nível nacional
como movimento de vanguarda, pelas repercussões daquelas propostas consideradas
transformadoras do curso de Pedagogia. A proposta de Goiânia, pensada e elaborada pelas
sucessivas reuniões dos educadores, germinou de forma que o curso de Pedagogia foi se
transformando gradativamente em uma licenciatura para a formação docente das séries
iniciais do ensino de 1º grau (atual ensino fundamental). Mesmo após a transformação da
proposta em ação, no âmbito da FE/UFG, pela Resolução do Conselho Coordenador de
Ensino e Pesquisa da UFG (CCEP) n.º 207/1984 que será discutida no próximo capítulo, a
figura dos especialistas se fez presente por muito tempo dentro da administração das escolas.
Em 1983 surge o CONARCFE (Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de
Formação do Educador) em substituição ao Comitê Nacional. Depois, se transformou em
ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação) em 1990.
Desde então, as licenciaturas ganharam a adesão de um contingente significativo de
educadores e pesquisadores educacionais que fazem da educação seu foco principal nos
debates e nas pesquisas sobre a formação de professores.
Segundo Saviani,
Essa mobilização foi importante para manter vivo o debate, articular e socializar as
experiências que se realizaram em diferentes instituições, manter a vigilância sobre
as medidas de política educacional, explicitar as aspirações, reivindicações e
perplexidades e buscar algum grau de consenso na direção da solução do problema.
Em termos concretos emergiram do movimento duas idéias-força. A primeira se
traduz no entendimento de que a docência é o eixo sobre o qual se apóia a formação
do educador. A partir dessa idéia [...] organizar o curso de pedagogia em torno da
formação de professores, seja para a habilitação magistério, em nível de 2º grau,
seja, principalmente para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental. A segunda
idéia se expressa na “base comum nacional”. Em vários dos eventos realizados essa
idéia foi retomada sendo explicitada mais pela negação do que pela afirmação. Foi
se fixando o entendimento que “base comum nacional” não coincide com a parte
comum do currículo nem com a idéia de currículo mínimo. Seria, antes, um
princípio que deveria inspirar e orientar a organização dos cursos de formação de
educadores em todo o país. Seu conteúdo não poderia ser fixado por um intelectual
de destaque, por um órgão de governo e nem mesmo por decisão de uma eventual
assembléia de educadores mas deveria fluir das análises, dos debates e das
experiências que fossem encetadas possibilitando, progressivamente, chegar a um
consenso em torno dos elementos fundamentais da formação do educador consciente
e crítico, capaz de contribuir na transformação da sociedade brasileira (SAVIANI,
2003, p. 10).
A ANFOPE, nos últimos quatorze anos, vem se dedicando a estudar , aprofundar e
debater aspectos relativos à estrutura dos cursos de formação bem como propor alternativas
para a definição de uma política nacional de formação dos profissionais da educação. Mais
50
recentemente, no dia 07 de novembro de 2001 em Brasília - DF, entidades como a ANPED
(Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação), ANFOPE, ANPAE
(Associação Nacional de Política e Administração da Educação), FORUMDIR (Fórum de
Diretores das Faculdades/Centro de Educação das Universidades Públicas do País), CEDES
(Centro de Estudos Educação e Sociedade) e Fórum Nacional em Defesa da Formação do
Professor, elaboraram e assinaram um documento onde re-afirmam as diretrizes curriculares
para o curso de Pedagogia, encaminhado ao CNE no mesmo ano. Nesse documento, constam
as teses que estruturam o entendimento das entidades sobre a formação de pedagogos. As
teses foram reafirmadas em novo documento enviado ao CNE em 10/09/2004 pelas mesmas
entidades representativas. Basicamente, as teses são as seguintes:
Tese 1) a base do curso de graduação em Pedagogia é a docência.
Isso não quer dizer, conforme entendimento da ANFOPE, que o pedagogo não possa
atuar em outras instâncias:
São áreas de atuação profissional do Pedagogo:
Docência na Educação Infantil, nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental
(escolarização de crianças, jovens e adultos; Educação Especial; Educação
Indígena) e nas disciplinas pedagógicas para a formação de professores;
Organização de sistemas, unidades, projetos e experiências escolares e não-
escolares;
Produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo
educacional;
Áreas emergentes do campo educacional
(ANFOPE, 2004, p. 8).
Tese 2):
O curso de Pedagogia, porque forma o profissional de educação para atuar no
ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na
produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, é, ao mesmo
tempo, uma Licenciatura e um Bacharelado (ANFOPE, 2004, p. 8).
A adoção dessas posições pelos movimentos de educadores se fez refletir, em nossa
história recente, na instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Graduação em Pedagogia pelo Conselho Nacional de Educação em 15 de maio de 2006, por
meio da Resolução nº 1 do Conselho Pleno. O artigo 4º regulamenta que,
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para
exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação
Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam
previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas
próprias do setor da Educação;
51
II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos
e experiências educativas não-escolares;
III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, em contextos escolares e não-escolares (BRASIL, CNE/CP, Resolução
nº 1/2006, p. 11).
Ao voltarmos nossa análise para o ano de 1999, podemos verificar que o MEC havia
formado uma comissão de especialistas para elaborar as diretrizes curriculares para o curso de
Pedagogia. Os membros eram: Leda Sheibe (presidente), Celestino Alves da Silva, Márcia
Ângela Aguiar, Tizuko Morchida Kishimoto e Zélia Milléo Pavão. A análise do documento
resultante do trabalho da comissão de especialistas, demonstra que a essência dele está
contida nas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia instituídas em 2006. Apesar dos
embates entre as entidades representativas e o MEC, parece-nos que prevaleceu, neste último
documento, as idéias e princípios formulados anteriormente, fato que se torna curioso quando
analisamos que em 1999 os dirigentes do ministério eram ligados a um partido político
considerado da direita, e em 2006, após a mudança política partidária na administração
federal, os dirigentes eram considerados da esquerda.
Conforme observamos, nos parece que o caminho a percorrer para o evidenciamento das
tensões e conflitos ocorridos por meio de sucessivas reestruturações do curso de Pedagogia,
inicia-se pelo resgate da rica tradição dos movimentos de educadores que se fizeram refletir
sobre o processo de mudança, sempre buscando explicitar, no conjunto de suas
determinações, a relação íntima que se mantém com a educação enquanto prática de origem e
de destino.
Para percorrer este itinerário, presume-se ser necessário retomar as principais
concepções de formação de pedagogos de modo a sistematizar, a partir delas, os principais
conceitos constitutivos referentes a reestruturação do curso de Pedagogia ao longo de sua
trajetória histórica. Com esse propósito, a continuidade da investigação da qual se originou
este trabalho deverá articular-se na abordagem histórica com a perspectiva teórica do
problema em estudo, procurando demonstrar com isso, sobretudo, os conflitos, as tensões, as
mudanças e perspectivas do curso de pedagogia mantido pela Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás.
52
CAPÍTULO II
A FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
COMO MARCO HISTÓRICO NA REESTRUTURAÇÃO DO CURSO DE
PEDAGOGIA NO BRASIL:
A implantação de um novo projeto de curso no cenário educacional brasileiro
Este capítulo tem como principal finalidade analisar a Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás (FE/UFG) como marco histórico da reestruturação do curso de
pedagogia no Brasil em conseqüência dos movimentos de educadores, mais evidentes na
década de 1980, bem como apontar as mudanças que ocorreram no processo de formação de
pedagogos em razão dos embates teóricos, das novas demandas e desafios da sociedade
contemporânea, das necessidades e condições existentes no contexto institucional, local e
nacional. Para concretizar esses objetivos, pretende-se analisar a legislação que rege a
organização institucional da FE/UFG, principalmente, através das Resoluções que redefiniram
as sucessivas mudanças no curso de Pedagogia. Essa forma de análise documental, em boa
medida, permite maior visibilidade institucional e organizacional da instituição, tornando
possível apreender a especificidade e o sentido do objeto de estudo. Esse caminho objetiva: a)
demonstrar como a Faculdade de Educação da UFG tornou-se marco histórico da
reestruturação do curso de Pedagogia no Brasil; b) analisar o efeito das Resoluções e
legislação educacional na FE/UFG evidenciando os conflitos e tensões ocorridos na
reestruturação do curso de Pedagogia; c) comparar as matrizes curriculares editadas por meio
das referidas Resoluções para analisar quais direcionamentos ocorreu para compreender os
possíveis avanços ou retrocessos em relação ao tipo de formação que estava sendo exigido.
1. A Resolução nº 207/1984 do CCEP/UFG: um ensaio teórico e inovador na formação
do pedagogo
Quando é feita alguma análise sobre a realidade concreta, muitas vezes são
utilizadas conclusões de estudos e pesquisas que têm como referência sociedades
culturais diferentes daquela em que o professor irá trabalhar. Na abordagem, as
disciplinas teóricas terminam por não instrumentalizar o professor para problemas
do dia-a-dia, fazendo com que ele considere a sua formação profissional
desconectada da realidade do cotidiano escolar (SANTOS, 1991, p. 330).
53
Quando analisamos a posição de Santos, na citação acima, entendemos a importância
de uma estrutura curricular que promova a aproximação entre a formação acadêmica e a
realidade vivida no ambiente escolar.
Se por um lado acreditamos que a formação acadêmica deve levar em consideração a
formação profissional, por outro entendemos que ela não deve ficar desarraigada da realidade
onde está inserida porque ela faz parte da vida social dos indivíduos. Na verdade, a
compreensão sobre o trabalho pedagógico exige a compreensão do cotidiano da sociedade, da
escola e do mundo em que vivemos. O processo de formação docente é dinâmico e requer
uma postura de desenvolvimento pessoal contínuo que proporcione delimitar a própria
identidade. Dominicé (apud NÓVOA, 1991, p.25) acredita que nesta busca, “Devolver à
experiência o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos necessários à existência
(pessoal, social e profissional) passa pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber
ativamente ao longo do seu percurso de vida”.
Dentro dessa perspectiva, Nóvoa explica que:
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos
professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
autoformação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um
trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à
construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional [...] a
formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de
técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e
de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante
investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1991, p. 25).
Esse entendimento de Nóvoa, nos remete ao pensamento de que devemos mobilizar
esforços para que o processo de formação docente leve em consideração a experiência numa
dimensão ao mesmo tempo pedagógica e pessoal. A troca de experiências se faz na partilha de
saberes pessoais que podem se consolidar, inclusive, em espaços de formação mútua nos
quais cada professor é chamado a desempenhar, sincronicamente e simultaneamente, o papel
de formador e de formando. Ele conclui:
O triplo movimento sugerido por Schön (1990) - conhecimento na acção, reflexão
na acção e reflexão sobre a acção e sobre a reflexão na acção - ganha uma
pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento pessoal dos professores e
remete para a consolidação no terreno profissional de espaços de (auto)formação
participada. Os momentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais e
profissionais são momentos em que cada um produz a "sua" vida, o que no caso dos
professores é também produzir a "sua" profissão (NÓVOA, 1991, p. 26).
54
Pensando no sentido dado a palavra formação, a UFG por meio de sucessivos debates,
com maior intensidade a partir da década de 1980, conforme relatamos anteriormente,
conduziu sua comunidade acadêmica à reflexão sobre o sentido dos seus cursos de
licenciatura, levantando algumas questões importantes sobre o trabalho acadêmico
desenvolvido desde sua fundação, entre elas: quais são os conteúdos considerados
fundamentais para subsidiar a prática docente dos egressos? Quais saberes são relevantes para
dar uma base, ainda que inicial, ao professor?
Até que ponto esses profissionais respondem aos reais interesses da maioria da
população, aos quais uma universidade considerada pública deveria primordialmente
responder? Que modificações devem ser introduzidas em seus cursos, a fim de que a
formação de um novo profissional possa se dar? Que profissionais, em suas diversas
áreas, estão sendo exigidos pelos segmentos majoritários da sociedade? (BRASIL,
UFG/CCEP, Exposição de Motivos, 1984, p. 1).
Enquanto fazia perguntas a si mesma, a FE/UFG aproveitou a oportunidade para
refletir sobre a dimensão sócio-política do educador e de sua prática pedagógica, observando
suas necessidades e revendo a possibilidade de criação de uma nova escola (COÊLHO, s/d., p.
118). Por isso, naquele momento histórico, tornou-se protagonista entre as instituições
públicas superiores formadoras de pedagogos no Brasil (BRZEZINSKI, 2000, p. 104).
O fruto dessas reflexões redundou na elaboração de um documento teórico, a
exposição de motivos, que fundamentou a Resolução n° 207/1984 do Conselho Coordenador
de Ensino e Pesquisa da UFG que expunha a base teórica acerca do tipo ideal de formação de
pedagogo que seria adotado pela universidade. A partir daquele momento a FE/UFG lançou-
se oficialmente na vanguarda das reflexões sobre a necessidade de mudança na estrutura e
finalidade do curso de Pedagogia.
Faremos inicialmente algumas considerações sobre esse documento, colhendo
subsídios para que possamos compreender o sentido do projeto assumido como conclusão dos
sucessivos e exaustivos debates, bem como as implicações e conseqüências dessa decisão.
Segundo a exposição de motivos da Resolução nº 207/1984 explicita que, desde 1979 a
Faculdade de Educação da UFG já sustentava a posição de que o curso de Pedagogia não
deveria mais formar especialistas habilitados em Administração Escolar, Orientação
Educacional e Supervisão Escolar. Havia chegado à conclusão de que a universidade deveria
recuperar a formação pedagógica e sua função essencial: “a formação de professores
docentes, responsáveis pela formação do aluno” (UFG, Exposição de Motivos,1984, p. 1).
55
Ao assumir a dimensão pedagógica da profissionalização docente, objetivou-se tornar
o futuro professor reflexivo sobre a sua própria prática pedagógica, ao mesmo tempo
demonstrando a necessidade de um pedagogo preparado para compartilhar com seus pares,
refletir sobre as suas dificuldades e capaz de intervir em sua prática, visando articular o
conhecimento adquirido com o conhecimento produzido. Somente o docente vivenciando o
cotidiano da sala de aula é que teria condições reais de estabelecer essa conexão.
Visto por essa perspectiva, os especialistas, cujo trabalho pedagógico consistia em
pensar o que outros iriam executar, não possuíam condições de refletir sobre o cotidiano da
sala de aula, já que muitos deles nem ao menos experienciavam a prática docente, nem havia
formação para isto. Esse pensamento foi amplamente difundido na 1ª Conferência Brasileira
de Educação (CBE) em 1980, conforme vimos no capítulo anterior. Sua coordenação
nacional, quando esteve sediada na FE/UFG até julho de 1982, cujos componentes eram em
sua maioria professores da instituição
21
, pressupunham ter a clareza do tipo de formação que
queriam ver implantada em seus cursos de licenciatura; e, em especial, no curso de Pedagogia
ministrado nas Faculdades de Educação. Presumimos, pela análise que até aqui
empreendemos, que era uma formação voltada essencialmente para a docência.
A partir de 1982, as reuniões se intensificaram na FE/UFG. Mesmo tendo concepções
diferentes sobre a estrutura do curso, as propostas de mudanças levantadas naquelas reuniões,
fazem parte da exposição de motivos que acompanha a Resolução nº 207/1984 do
CCEP/UFG. Como era de se esperar, as tensões e os embates fizeram parte daqueles
momentos de re-definição do curso de Pedagogia da FE/UFG, que segundo Silva (1998) o
confronto entre educadores advindos de diversos campos do saber se fez evidenciar nos
momentos de discussão das propostas:
O conflito entre as diferentes áreas do conhecimento presentes na Faculdade de
Educação, revela uma questão muito importante: a produção dessa faculdade estava
nas mãos de poucos professores e dentre estes, principalmente, os que não eram
pedagogos (SILVA, 1998, p. 86).
A citação acima exemplifica, que até mesmo o espaço ocupado pelos pedagogos nos
momentos de discussão das propostas relativas ao curso de Pedagogia foram alvos de
acirrados debates entre educadores da FE/UFG.
Todo conjunto de idéias, consideradas revolucionárias, foram pensadas e
amadurecidas coletivamente tendo, inclusive, apesar das divergências quanto ao tipo de
21
BRZEZINSKI, 2000, p. 102 (nota).
56
formação voltada para a docência, participação de outras instituições educacionais e entidades
classistas, como as Secretarias Municipal e Estadual de Educação, Centro de Professores de
Goiás (CPG/Sindicato), Associação dos Orientadores Educacionais de Goiás (AOEGO),
Associação dos Supervisores Escolares do Estado de Goiás (ASSUEGO) e Universidade
Católica de Goiás (UCG), que elevaram os debates ao mais alto nível de discussão. Houve
momentos de intensos embates porque, mesmo considerando a necessidade de mudança no
processo de formação de pedagogos, as entidades ali representadas tinham propostas
divergentes principalmente quando se tratava dos espaços onde os pedagogos poderiam atuar.
Não agradava aos orientadores e supervisores educacionais a idéia de extinção
profissional de suas respectivas classes. Mesmo assim, após haver o evidenciamento dos
impasses, sem haver um consenso, as propostas amplamente discutidas e aprovadas em uma
plenária, constituída para tal fim, foram levadas ao Encontro Nacional sobre Reformulação
dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação em Belo Horizonte em
novembro de 1983. Do encontro, retirou-se um documento nacional onde se definiu a
docência como a base da identidade de todo o educador, incluindo aí, o pedagogo, conforme
está registrada na exposição de motivos da Resolução nº 207/1984.
A exposição de motivos enfatiza a formação de um pedagogo que seja capaz de pensar,
decidir, planejar e executar a educação sem fragmentá-la. Assim, esse novo profissional,
através da docência, reuniria condições para adquirir a competência necessária que o
habilitasse a coordenar, planejar e administrar instituições escolares ou sistemas de ensino do
qual ele próprio seria também partícipe.
As considerações levantadas no referido documento expõem as dificuldades e os
motivos de continuar adotando o modelo de formação do pedagogo como especialista. Elas
vão desde a democratização da escola, passando pela saturação do mercado de trabalho do
especialista até a carência de profissionais qualificados satisfatoriamente para ocupar a
docência da primeira fase do 1° grau (atual ensino fundamental).
Diante dessas considerações o documento propõe,
A suspensão da formação do “profissional” da administração, da supervisão, da
orientação e da inspeção e o direcionamento de todo o nosso esforço no sentido de
formar bem o novo professor que, tendo um conhecimento totalizante e profundo da
escola brasileira, possa a qualquer momento vir a ocupar, sempre que necessário e
por um tempo limitado, as funções de unidade escolar, de coordenação de disciplina
ou mesmo coordenação geral, no caso de uma escola cujo número de alunos e
professores assim o exigir. (BRASIL, UFG/CCEP, Exposição de Motivos, 1984, p.
6-7).
57
A proposta do não oferecimento das habilitações no curso de Pedagogia da FE/UFG e
a liberdade de poder executar seu projeto educativo definido através de órgãos colegiados
próprios, ancorado também na liberdade de definir os currículos de seus cursos e na realização
de experiências pedagógicas que fugissem da métrica adotada pelo tecnicismo anterior, não
ficou claro como seria a formação do novo pedagogo para atuar na instância administrativa ou
em outros espaços sociais, já que as funções relacionadas às habilitações continuaram
existindo no cotidiano escolar. Porém, conforme Brzezinski (2000, p.156), os cursos de
Pedagogia no Brasil deveriam assumir prioritariamente a formação docente para depois
formar o especialista da educação. No caso do curso de Pedagogia da FE/UFG, não houve
mais o oferecimento das habilitações, a partir daquele momento, pelas considerações que
fizemos referência anteriormente.
A estrutura curricular proposta por meio da Resolução nº 207/1984, previa a atuação
do pedagogo em cargos diretivos na escola. Para isso, a inclusão no currículo da disciplina
Organização do Trabalho Pedagógico (OTP), deveria subsidiar os acadêmicos com
conhecimentos administrativos e organizacionais, sem manter o curso de Pedagogia na
mesma visão tecnicista do currículo anterior.
Essa discussão, ponto de conflito e de tensões, foi encaminhada em meio a uma
bipolarização da questão entre os que defendiam a manutenção das habilitações e aqueles que
queriam extinguí-las. Porém, os envolvidos no processo de mudança estavam convencidos de
que o pedagogo se quisesse participar do processo efetivo de criação de uma nova escola,
deveria ser um professor e não um técnico. O curso de Pedagogia deveria a partir de 1984, na
FE/UFG, formar seus alunos para a docência do ensino fundamental (antigo 1º grau) ou das
matérias pedagógicas para o curso normal (modalidade que foi desaparecendo após o
direcionamento do curso de Pedagogia para a docência no ensino fundamental), abandonando
definitivamente a formação nas diversas habilitações.
Dessa forma, a Faculdade de Educação passaria a formar,
(...) um profissional que tenha um domínio dos conteúdos e das metodologias
específicas de sua transmissão, o que pressupõe, entre outras coisas, uma adequada
compreensão do processo de produção do conhecimento em cada área específica e a
apreensão de suas estruturas básicas; a capacidade de selecionar os conteúdos,
definindo o fundamental a ser ensinado nas escolas de 1° e 2° graus, bem como de
estabelecer a seqüência em que esse conteúdo vai ser ministrado e o tipo de ação
pedagógica utilizado em sua transmissão. (BRASIL, UFG/CCEP, Exposição de
Motivos, 1984, p. 7).
Para subsidiar a formação desse novo profissional, a nova estrutura curricular incluía
metodologia e conteúdos de disciplinas que compunham o núcleo comum das séries iniciais
58
do ensino fundamental (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais) para
aqueles que futuramente fossem assumir a sala de aula nas séries iniciais, já que essas
disciplinas faziam parte da base curricular comum nesta modalidade de ensino.
A configuração da matriz curricular, bem como as ementas das disciplinas, apontam
para a importância dada na manutenção do equilíbrio entre a didática, compreendida aqui
como metodologia, e os conteúdos; ou seja, equilibrar como ensinar e o quê.
Para minimizar o impacto da modificação, foi previsto a constituição de uma única
disciplina a ser ministrada por um único professor durante o curso referente às disciplinas
específicas (o que nem sempre foi possível de acordo com a análise dos programas das
referidas disciplinas), vejamos:
Na tentativa de se superar sempre mais a dicotomia entre a teoria e a prática,
estabelecemos que obrigatoriamente, em cada turma, o professor do conteúdo e da
metodologia de uma área será também o professor do estágio supervisionado dessa
área, trabalhando com os alunos por um período de dois anos. Portanto, em cada
área, um único professor ministrará o conteúdo, a metodologia e o estágio
supervisionado, numa passagem contínua de teoria à prática e desta àquela. Com
isso, se espera que professores e alunos possam, a cada momento, vivenciar,
repensar e concretamente recriar o processo educativo que se desenvolve no interior
de nossas escolas. Convém lembrar ainda que em nossa proposta um lugar de
destaque foi conferido à prática, ao estágio supervisionado, ao contato com as
escolas de 1° e 2° graus (cada aluno obrigatoriamente fará estágio na primeira fase
do 1° grau (em quatro áreas) e na escola de 2° grau (no mínimo em uma área e no
máximo em três), num total mínimo de 448 horas, podendo atingir até 704 horas)
(BRASIL, UFG/CCEP, Exposição de Motivos, 1984, p. 8).
A articulação entre as disciplinas teóricas e as consideradas de teor prático era
necessário para,
d) evitar que o curso se estruture em dois momentos distintos: no início estariam as
disciplinas teóricas (comumente chamadas de disciplinas de fundamentos) e ao final
as disciplinas mais práticas ou técnicas. Pelo contrário, preocupou-se distribuir umas
e outras ao longo do curso, de modo que as questões práticas, do primeiro ao último
ano, estejam exigindo ser pensadas e compreendidas pela teoria (BRASIL,
UFG/CCEP, Exposição de Motivos, 1984, p. 8).
Segundo Severino (1993, p.12), “Intencionalizar a prática significa exatamente
esclarecer os dados que nós vamos ter que articular”. Acreditava-se, naquele momento, que
adotando aquela prática pedagógica, a FE/UFG conseguiria fornecer conteúdo e didática ao
aluno de graduação para que ele pudesse exercer futuramente suas atividades docentes nas
séries iniciais de escolarização.
Para subsidiar a formação pedagógica com um entendimento amplo da escola, era
necessário que o curso oferecesse além das disciplinas específicas, também disciplinas como
História da Educação Brasileira, Sociologia Geral e da Educação, Psicologia da Educação,
59
Filosofia da Educação e outras correlatas na área de ciências humanas, para que houvesse, na
prática, a criação de subsídios teóricos para articulação entre os saberes que compunham a
matriz curricular, a fim de integrar o que ensinar, por que ensinar, como ensinar e para quem
ensinar.
Na realidade, o que se propunha era transmitir uma base teórica mais sólida,
consistente, o que significa proporcionar ao aluno de Pedagogia não somente a aquisição de
novos conhecimentos, mas também o que fazer com eles em sua prática cotidiana. Isto
equivale dizer que, a apropriação de novos conhecimentos sempre é uma possibilidade que
ocorre quando se toma posse dos acontecimentos que estão à nossa volta, não significa
retenção de informações, mas sim a compreensão do mundo exterior, utilizando-se das
informações.
Para ajudar a compor a articulação entre os saberes práticos com os teóricos, o curso
deveria reservar um número significativo para atividades complementares que envolvessem
debates, seminários e encontros de livre escolha do aluno, além dos estágios supervisionados
e das disciplinas como métodos e técnicas de pesquisa, que auxiliariam o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos durante o curso.
Quanto ao ensino e a pesquisa, a exposição de motivos previa a interligação entre
ambas atividades através da participação dos alunos em projetos de pesquisa desenvolvidos
pelos professores da FE/UFG nas escolas de 1° e 2° graus. Após a aprovação da Resolução nº
207/1984, observou-se, por exemplo, que algumas pesquisas foram produzidas por iniciativa
individual
22
de alguns professores e alunos da FE/UFG em conjunto, por meio das disciplinas
Didática e Prática de Ensino na Escola de 1º Grau e Didática e Prática de Ensino na Escola de
2º Grau (estágio supervisionado) nas escolas campo mesmo sem a obrigatoriedade de realizar,
ao final do período letivo, um trabalho de conclusão de curso. Isto se deve à constatação de
que a maioria das pesquisas produzidas pela Faculdade de Educação estava voltada para a
escola, para o ensino e aos processos de aprofundamento sobre a transmissão dos conteúdos e
que as pesquisas desenvolvidas, estavam em sua maioria relacionadas ao ensino público.
Esse pressuposto constituiu um grande avanço nas discussões a respeito da
reformulação do curso de Pedagogia porque, ao voltar-se para si mesma, a FE/UFG teve que
22
Em 1994 e 1995 a "Turma C" do curso de Pedagogia da FE/UFG, desenvolveu pesquisas nas escolas campo
com os professores das "didáticas". A iniciativa foi em caráter pessoal de cada docente que, mesmo sem haver
divulgação do resultado das pesquisas, que ficaram no âmbito de cada disciplina, ela contribuiu de forma
significativa para o despertamento da turma sobre a importância da pesquisa na graduação. Na exposição de
motivos, fica evidente que o ensino e a pesquisa estão "interligados [...] não apenas através da participação de
alguns alunos em projetos de pesquisa desenvolvidos por nossos professores nas escolas de 1º e 2º graus"
(BRASIL, UFG/CCEP, Exposição de Motivos, p. 9, grifo nosso).
60
pensar também na escola pública, objetivo primordial do perfil pedagógico formado na nova
concepção. Ao pensar na escola, teve que se pensar também na própria sociedade brasileira,
em todas as suas dimensões e manifestações, incluindo aí, todos os problemas evidenciados
nos campos sociais, político e educacional.
A reflexão sobre essas concepções se constituía em meio a posições conflituosas,
porque alguns achavam que a FE/UFG representava o espaço ideal para as discussões e
proposições acerca da definição da política de formação dos professores, outros, pelo
contrário, acusavam a FE/UFG de monopolizar as questões educacionais no interior da
universidade, impedindo que outras instituições se envolvessem com a temática (SILVA,
1998). O amadurecimento sobre a formação de um perfil crítico, voltado para a docência
como base das atividades do pedagogo, foi construído por meio das tensões geradas por
diversos grupos pertencentes a variados campos do saber durante várias reuniões organizadas
no âmbito da UFG e em outros estados do Brasil. A leitura do teor da Resolução nº 207/1984,
demonstra-nos que não foi um movimento aleatório nem consensual, foi intensamente
organizado e estruturado. Pode-se destacar:
I Seminário sobre Licenciaturas na UFG – 23 a 25/06/80;
Seminário Pró-Formação do Educador – 21 a 23/05/81- promoção do Comitê
Estadual de Goiás;
I Encontro Nacional dos Comitês Pró-Formação do Educador dez/81;
II Encontro Nacional dos Comitês Pró-Formação do Educador 17/04/82;
I Encontro da Escola Pública de Goiânia – 25 a 27/11/82;
II Encontro da Escola Pública de Goiânia – 23 a 25/03/83;
Encontro Estadual para Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos
Humanos para a Educação – 17 a 19/10/83;
Várias reuniões com Presidentes de Colegiados de Curso e professores da área
de licenciatura, onde discutiu-se e se aprovou uma proposta de formação pedagógica
para os cursos de licenciaturas mantidos pela UFG
Além disso, alguns de nossos professores participaram como conferencistas ou como
membros de mesas redondas em vários encontros nacionais e estaduais, nos quais a
formação estava direta ou indiretamente em questão, entre os quais destacamos:
III Encontro Nacional de Supervisores de Educação (Goiânia, 1980);
IV Encontro Nacional de Supervisão de Educação (Fortaleza, 1981);
II Encontro Nacional de Estudantes de Pedagogia (Salvador, 1981);
II Encontro Estadual de Professores (Goiânia, 1982);
XV Congresso Nacional da Confederação dos Professores do Brasil(Goiânia,
1982);
II Conferência Brasileira de Educação (Belo Horizonte, 1982);
V Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (Rio de Janeiro, 1982);
IV Simpósio Nacional promovido pela Associação Nacional de Professores
de Administração Escolar (São Paulo, 1981);
VIII Jornada da Educação (UFSC/Florianópolis, 1982);
III Encontro Estadual de Professores (Goiânia, 1983);
I Encontro Estadual de Orientação Educacional (Goiânia, 1982);
I Encontro Regional de Orientação Educacional – Centro Oeste (Goiânia,
1981);
61
II Encontro Regional de Orientação Educacional – Centro-Oeste (Brasília,
1983);
Seminário de Orientação Educacional, promovido pelo núcleo de Orientação
Educacional de Anápolis (Anápolis, 1983);
Encontro Estadual, promovido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais,
para estudo da formação do educador (Belo Horizonte, 1980);
Seminário sobre Universidade Brasileira (Juiz de Fora, 1979);
Seminário Regional de Professores (Cuiabá, 1982);
Encontro para discutir a reforma do curso de Pedagogia (UFMS/Campo
Grande, 1981);
Seminário de Orientação Educacional, promovido pela Delegacia
Metropolitana (Goiânia, 1983);
Encontro de professores das redes estadual e municipal de Guapó (GO) 1983;
“Visão atual de educação” – curso ministrado na Universidade Federal de
Uberlândia, para diretores, orientadores e supervisores da rede pública de Minas
Gerais (1983);
Seminário “A Faculdade de Educação da UFBa e os cursos de Licenciatura”
(Salvador, 1983);
(UFG, Exposição de Motivos, Resolução n.° 207/1984, p. 2-3).
Esse movimento reflexivo conduziu professores e alunos de graduação da UFG, a
assumir somente as propostas mais consistentes dos pontos de vista teórico e pedagógico, de
acordo com a realidade goiana que foram, posteriormente, transformadas em projeto
considerado inovador no cenário nacional.
Uma mudança dessa amplitude, ocorrida na época analisada, não surgiu de cima para
baixo, pelo contrário, ela emergiu da manifestação da comunidade universitária sem a
interferência de órgãos governamentais superiores, como o MEC, que chegaram até consultar
a FE/UFG por meio de um documento sobre os estudos que estavam sendo desenvolvidos na
instituição para a reformulação do curso de Pedagogia (BRZEZINSKI, 2000, p. 102).
O objetivo do governo era não ficar excluído do processo de discussão sobre a
formação de professores que se acontecia em Goiás. Porém, a exclusão acabou acontecendo
naturalmente pelo receio de que o Governo Federal adotasse medidas intervencionistas e
desvirtuasse a essência das discussões que se arrastaram por mais de cinco anos no meio
universitário.
O Aviso Circular nº 935/1979 do Ministério da Educação enviado aos dirigentes de
instituições de ensino superior diagnosticava, pela perspectiva governamental, o desempenho
das licenciaturas brasileiras e trazia em seu teor várias críticas aos cursos, algumas, inclusive,
sem fundamentação. Desta forma, a resistência em incluir o MEC nas discussões estava
configurada. Esta postura autônoma assumida pelos educadores, demonstra que a mudança foi
legítima, fruto do anseio e da manifestação tácita de uma instituição que rompeu com todo
processo autoritário, desarticulador e ingerente implantando com coragem uma mudança
histórica no ensino superior brasileiro; e, em especial, no curso de Pedagogia.
62
O processo democrático levou a FE/UFG, definitivamente, a se constituir como marco
histórico na reformulação dos cursos de Pedagogia do Brasil, e a exposição de motivos numa
síntese teórica e histórica de idéias e ideais que foram se consolidando na educação brasileira.
A Resolução n° 207/1984, aprovada pelo Conselho Coordenador de Ensino e
Pesquisa da Universidade Federal de Goiás – CCEP/UFG, teve sua gênese em conseqüência
de um amadurecimento político e pedagógico. Os fundamentos que ancoraram a realização da
mudança, já foram expostos anteriormente, ao analisarmos o teor teórico da exposição de
motivos. A referida Resolução foi apreciada e votada em sessão plenária presidida pelo
professor Joel Pimentel Ulhôa, então Reitor da UFG, no dia 27 de Janeiro de 1984.
Ulhôa, que também participou ativamente dos grupos de discussões a respeito da
reestruturação acadêmica da UFG, havia feito em 1981 duras críticas ao curso de Pedagogia e
à prática do pedagogo nos sistemas de ensino. Faremos aqui, uma breve análise de suas
considerações que julgamos pertinentes para esee trabalho. Ele chamou atenção para o fato de
que, a Faculdade de Educação deveria se ocupar primordialmente da formação de educadores
e dos assuntos relacionados às questões educacionais, porque o curso de Pedagogia como
estava estruturado, não reunia condições para isso. Segundo ele,
A observação mostra que a posição da pedagogia é, atualmente, bastante incômoda.
O pedagogo é um profissional que se sente frustrado [...] não consegue pôr em
prática aquilo que afeta crer, e se protege, dando a impressão de não crer no valor do
que faz. Com isso, torna-se realmente difícil que se acredite na pedagogia. (ULHÔA
apud BRZEZINSKI, 2000, p. 136).
Como o trabalho do pedagogo envolve questões educacionais complexas como, por
exemplo, o ensino especial, a educação pré-escolar e a educação de jovens e adultos, ele
propôs que estas e outras habilitações mais específicas, que poderiam ser cursadas também na
graduação, pudessem ser realizadas em nível de pós-graduação constituindo-se em um espaço
de pesquisa e produção do conhecimento nas diversas áreas da educação (BRZEZINSKI,
2000, p. 136-137).
Alinhado à tendência crítica da educação, elegia como pressuposto fundamental do
preparo de educadores, a formação de elevada consciência crítica capaz de assegurar o
compromisso com um projeto de sociedade diferente daquele defendido pela classe
dominante. Essa idéia era compartilhada por outros educadores que viam a necessidade de
expandir o conhecimento crítico nos cursos de licenciatura, como forma de intervenção na
sociedade, que conjunturalmente estava carente de profissionais aptos a lidar com novas
situações. A síntese dessas idéias refletia muito bem o momento transformador que o curso de
Pedagogia viveu a partir da aprovação da Resolução do CCEP n° 207/1984.
63
Para que não distanciemos do cerne da discussão, julgamos necessário recuperar o
ideal assumido pela comunidade acadêmica, em especial da FE/UFG, a respeito da formação
acadêmica do Pedagogo fazendo uma análise documental e crítica de alguns artigos que
compõe a referida Resolução nº 207/1984.
O artigo 1° dispõe sobre a finalidade do curso de graduação em Pedagogia, que passou
a conferir o grau de licenciado, destinando-o à formação de profissionais para atuarem
prioritariamente na docência das matérias pedagógicas no 2° grau
23
e para o exercício de
magistério nas séries iniciais do ensino de 1° grau.
Como bem podemos notar, a partir dessa regulamentação a FE/UFG rompeu
definitivamente com o modelo proposto de formação baseado nas diversas habilitações,
demonstrando sua coerência ao adotar um novo perfil de pedagogo criado em conseqüência
de exaustivos debates. O documento reitera que a base da formação do pedagogo seria a
docência e não mais o especialista conforme já propunha um documento da Ande (Associação
Nacional de Educação) em 1981:
O curso de pedagogia deixaria de formar o especialista habilitado em Administração
Escolar, Orientação Educacional e Supervisão Escolar e outros, recuperando a
formação pedagógica e sua função essencial: a formação de educadores docentes,
responsáveis diretos pela formação do aluno (apud BRZEZINSKI, 1996, p. 104).
No parágrafo único do artigo 1º da Resolução nº 207/1984, existem três alíneas a, b e
c, que definem os objetivos da formação profissional dos pedagogos. Analisaremos seus
pressupostos, procurando identificar elementos que possibilitem evidenciar que o projeto
assumido pela FE/UFG foi inovador, em relação aos processos que envolvem a formação do
pedagogo no Brasil dentro de um novo perfil profissional, já que o que estava em vigor
anteriormente, possibilitava ao pedagogo uma formação voltada para a atuação como
especialista da educação. Era um dos pontos conflituosos que foram intensamente debatidos
pelos educadores da FE/UFG e de outros, inclusive em nível nacional, porque alguns
discordavam da extinção das especializações no curso de Pedagogia. Algumas instituições
que ofereciam o curso de Pedagogia no estado de Goiás continuaram a formar o Pedagogo
com habilitação, por exemplo, em Orientação Educacional. Dentre os argumentos utilizados
para continuar a oferecê-la era de que o artigo 10º da Lei nº 5.692/1971, que estava em vigor,
obrigava as instituições de ensino de 1º e 2º Graus (ensino fundamental e médio,
23
As matérias pedagógicas referidas no artigo são as Didáticas e Práticas de Ensino de História da Educação,
Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Filosofia da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino
de 1° e 2° grau, Metodologia do Ensino de 1° grau e de Didática. Estas disciplinas habilitavam o pedagogo a
ministrarem aulas nos cursos de formação de professores primários (educação infantil e ensino fundamental da 1ª
a 4ª série) na modalidade Normal a nível profissionalizante de 2° grau (ensino médio).
64
respectivamente) a manterem a Orientação Educacional incluindo o aconselhamento
vocacional.
A alínea a do parágrafo único do artigo 1º da Resolução nº 207/1984 , define que o
pedagogo deverá “ter o domínio dos conteúdos e das metodologias de sua transmissão”
24
.
Essa preocupação é relevante porque, segundo a legislação que estava em vigor, o pedagogo
estava habilitado para ministrar aulas no ensino de 1º e 2º Graus, sendo assim, era necessário
que a FE/UFG incluísse no currículo carga horária que contemplasse atividades teórico-
metodológicas, incluindo conteúdos das disciplinas específicas do 1º Grau, para que o egresso
pudesse atuar nesse nível de ensino segundo o que preconizava o artigo 30 da Lei nº
5.692/1971. Importante analisar que, além da normatização legal, a formação para a docência
pressupõe uma articulação entre conteúdo (e domínio dos mesmos) e as metodologias.
No currículo anterior do curso de Pedagogia da FE/UFG, as disciplinas específicas
para atuação no ensino de 1º Grau eram ministradas através da disciplina didática. Com a
modificação implantada pela Resolução nº 207/1984, elas passam a incluir metodologia e
conteúdo, abrindo também a possibilidade de ampliação com as disciplinas de Didática e
Prática oferecidas no último ano do curso. Uma das tensões existentes na FE/UFG, observada
mesmo após a modificação da estrutura curricular do curso de Pedagogia, era a discordância
entre alguns educadores de que a FE/UFG, ao se ocupar da metodologia e conteúdo
específicos das disciplinas do 1º Grau, deveria ter os profissionais formados por campo do
saber para dar essa formação. Conforme levantamento que fizemos, por meio da matriz
curricular, somente um instituto se fez presente na FE/UFG para oferecer essa formação
25
. Ao
analisarmos a questão, observamos a existência de um certo acirramento entre as diversas
áreas que se fizeram presentes no curso de Pedagogia. Ficou mais uma vez evidente que a
construção do novo currículo se deu por meio de tensões e conflitos.
A alínea b, do artigo 1°, parágrafo único da citada Resolução, refere-se à capacidade
que o pedagogo terá de adquirir, para se chegar a uma “profunda compreensão da escola
enquanto realidade concreta e inserida no contexto histórico-social, inclusive os mecanismos
de discriminação e dominação ali atuantes” (grifo nosso). O significado dessa trajetória que
24
Sobre a questão do domínio dos conteúdos, pessoalmente constatei através da participação nas aulas e por
meio da análise dos programas das disciplinas que me foi fornecido pelo colegiado do curso, no período de
19992 a 1995, época que me graduei em Pedagogia pela FE/UFG, a dificuldade da Faculdade de Educação em
estruturar um curso ‘generalista’ em relação aos conteúdos específicos de Matemática, Língua Portuguesa,
Ciências e Estudos Sociais (História e Geografia, hoje) necessários para que o egresso pudesse ministrar essas
disciplinas nas séries iniciais do ensino fundamental.
25
Desde a implantação desta Resolução, a única unidade acadêmica que mantinha um docente para ministrar
aulas com conteúdos específicos era o ICHL (Instituto de Ciências Humanas e Letras) com a disciplina Língua
Portuguesa. Constituiu a única exceção na grade curricular do curso de pedagogia da FE/UFG.
65
conduz a uma profunda compreensão da escola passa pelo delineamento de alguns termos que
necessitam ficar mais claros para a nossa análise. Etmologicamente, escola vem do grego
Skholé, ês – s.f.- tempo livre, ócio, estudo, escola. Não significa tempo de inatividade ou de
preguiça de quem nada faz, pelo contrário, é o ócio daquele que se dedica à contemplação da
essência mesma das coisas e dos processos, não ligadas à utilidade imediata das coisas. Com
essa definição, compreender a escola é entender como ela foi produzida, qual os objetivos de
sua criação e que perspectivas estão projetadas para ela. É na escola que ocorre a modalidade
formal da educação em suas múltiplas manifestações.
A universidade ao propor um curso de formação profissional, para atuar em um
ambiente escolar através da docência, possibilita a reflexão crítica sobre a educação e a
sociedade de forma que, ao final do curso, o acadêmico seja capaz de entender a educação
como realidade histórico-social como previa a citada alínea b da Resolução.
Porém, segundo Libâneo,
É inevitável que ocorram entendimentos parcializados devido ao viés das várias
áreas do conhecimento que se ocupam do fenômeno educativo, das diversas
instituições que lidam com questões educacionais ou das experiências vividas na
prática. Não é de se estranhar que sociólogos, psicólogos, administradores escolares,
professores, costumem abordar questões da educação apenas sob o prisma de sua
formação acadêmica ou de suas experiências em instituições específicas. Os
problemas surgem quando estes especialistas pretendem generalizar conclusões de
estudos ou suas opiniões para todas as instâncias da prática educativa. (LIBÂNEO,
1994, p.65).
Conceituar a educação, em uma grade curricular onde se agregam as mais diferentes
áreas do conhecimento torna-se uma tarefa muito difícil enfrentada no cotidiano do curso de
Pedagogia. A tendência, nesses casos, é olhar as questões sob o prisma da área de
conhecimento de cada especialidade. Com isso, não é incomum que uma ou outra dessas áreas
desqualifique a relevância da outra ou até postule o seu lugar para conceituar o termo.
A fim de delinear com mais segurança o limite de nossas reflexões, será útil partimos
do sentido etimológico e teórico da palavra educação. De origem latina, dois termos
referencia o seu significado: educare que pode ser traduzido por “alimentar”, “cuidar”,
“criar”; e, educere que pode ser entendido como “tirar para fora”, “conduzir para”, “modificar
um estado”. Mialaret (apud LIBÂNEO, 1992, p. 69) faz uma observação interessante sobre o
significado dos dois termos:
Alimentar e educar. Não serão estas as duas tendências seculares e freqüentemente
em conflito de uma educação ora preocupada antes de tudo em alimentar a criança
de conhecimentos, ora em educá-la para tirar dela todas as possibilidades?
66
Planchard (1975, p. 26) assinala que “educar, em seu sentido etimológico, é conduzir
de um estado para outro estado, é agir de maneira sistemática sobre o ser humano tendo em
vista prepará-lo para a vida num determinado meio”.
Libâneo (1992, p. 70) utiliza o termo latino educatio (educação), para sintetizar os
outros dois citados anteriormente, também latinos, como ato de “criação, tratamento, cuidados
que se aplicam aos educandos visando adaptar seu comportamento a expectativas e exigências
de um determinado meio social”.
Todos esses teóricos citados, ao proporem conceitos que definem a variedade de
significados atribuídos à palavra educação, leva em consideração a compreensão da realidade
social e histórica da escola. Como somos conduzidos a pensar na referida alínea b, essas
definições passam por conceitos diversos e às vezes contraditórios. Porém, há uma linha de
convergência quando expressam os mecanismos de controle social para quem a escola está
direcionada, incluindo aí os de discriminação e dominação ali atuantes.
A partir dessa análise, e fazendo uma comparação entre o sentido da formação do
pedagogo que vigorava anteriormente em meio a um projeto político que visava a inserção
profissional dentro do contexto produtivo, a modificação do curso de Pedagogia rompeu com
esta prática e voltou-se para uma formação que privilegiava a escola e o educando.
Na alínea c do § único do artigo 1º, faz-se referência à capacidade de “recriar a cada
momento, em sua área de atuação, a escola que temos, produzindo-a como uma coisa
verdadeiramente pública e, portanto, realmente democrática” (grifo nosso).
Conforme analisamos anteriormente, a escola estava inserida num contexto político
onde não havia democracia nem liberdade de promover um ensino voltado para o exercício da
cidadania (GERMANO, 1994). Além disso, havia um processo político-administrativo de
diminuição dos recursos públicos para a escola pública e a conseqüente ampliação da esfera
privada no sistema de ensino (CUNHA, 1998).
Pensando nisso é que a FE/UFG propôs que houvesse uma formação que privilegiasse
a capacidade re-criadora da escola. Ela refere-se à capacidade que o pedagogo deverá ter para
efetivamente intervir em sua prática pedagógica, já que segundo o caput do artigo 1°, ela se
destina à formação do pedagogo voltado para a prática docente.
A formação voltada para a prática docente, foi e continua sendo um grande desafio a
ser superado pelo pedagogo em sua área de atuação na escola. Segundo Carvalho (1994), “A
prática concebida, então, como “práxis humana” é vista como tendo primazia sobre a teoria.
Essa primazia, no entanto, não implica uma contraposição; ao contrário, pressupõe uma
íntima vinculação”(p.434).
67
O artigo 2° da Resolução nº 207/1984, faz separação entre o que se considera núcleo
temático (direcionando um tema específico) e núcleo epistemológico (disciplinas que
conferem cientificidade ao curso).
O Curso tem como
núcleo temático a educação brasileira ou, mais
especificamente,
a escola publica brasileira. Todas as disciplinas do currículo, em
suas dimensões teórica e prática, e de modo especial as que constituem o
núcleo
epistemológico do curso, ou seja, a História da Educação Brasileira, a Sociologia
da Educação, a Psicologia da Educação, a Filosofia da Educação e as disciplinas
que se referem aos conteúdos das séries iniciais do ensino de 1º grau, têm como
objetivo primordial ajudar os alunos no trabalho de compreensão e recriação desta
escola, enquanto historicamente determinada (UFG, Resolução nº 207/1984,
CCEP/UFG, p. 1; grifo nosso).
As disciplinas do núcleo epistemológico passam a ter, como objetivo primordial, o
caráter de auxílio aos alunos no trabalho de compreensão e recriação da escola historicamente
determinada. Para delinear melhor o sentido do termo epistemológico empregado no artigo
em epígrafe, Coelho (2001) define etimologicamente epistéme do grego que significa arte,
habilidade, conhecimento, ciência, saber. É o conhecimento teórico obtido por meio do
raciocínio. É o conhecimento que surge por meio da necessidade em estabelecer critérios que
possam validar as idéias, os saberes, as teorias e as hipóteses formuladas como anseio em se
viver num mundo organizado na amplitude do concreto, do racional e que ainda possam ser
compartilhadas e, principalmente, aceitas na sociedade.
A composição de um núcleo epistemológico observada na Resolução, exprime o
anseio vivido pelos educadores que, tomados pela visão racional, encarou o currículo do curso
como uma construção histórica cujas características refletiam as condições da época em que
foi desenvolvido. Os fundamentos teóricos propostos pela Resolução, supera a do currículo
anterior nos seguintes aspectos: a) extinção das chamadas habilitações com abertura do
espaço para inclusão de outras disciplinas teóricas; b) formação do pedagogo voltado para a
docência; c) ampliação da formação teórica articulada com a prática por meio de disciplinas
que ofereciam os conteúdos e metodologias; d) entendimento da formação do pedagogo como
produtor e não mais como reprodutor de conhecimentos; d) adoção dos núcleos temático e
epistemológico objetivando a compreensão da escola inserida em seu contexto histórico-
social.
A organização da matriz curricular do curso que congregou diferentes áreas, mesmo as
que compunham um mesmo núcleo, foi motivo de debates importantes acerca do grau de
cientificidade que cada disciplina conferia a Pedagogia, o que acabou refletindo na hora de
definir as respectivas cargas horárias. Coelho analisa que “[...] a universidade se transforma às
68
vezes num grande supermercado do saber, em que cada departamento apresenta as suas
mercadorias” (1994, p.15).
Os parágrafos 1º, 2º e 3º, do Artigo 3°, expõe a organização da matriz curricular do
curso de Pedagogia em disciplinas que compunham o currículo mínimo
26
(2.112 horas),
disciplinas complementares (256 horas) e atividades complementares (300 horas).
As disciplinas que compunham o currículo mínimo eram obrigatórias e foram
distribuídas conforme demonstra a ilustração abaixo:
Matérias do
Currículo Mínimo
Disciplinas Desdobradas
Aulas
Semanais
Língua Portuguesa – 1ª fase do 1° grau: metodologia e conteúdo 04
Matemática – 1ª fase do 1° grau: metodologia e conteúdo 04
Ciências – 1ª fase do 1° grau: metodologia e conteúdo 03
Estudos Sociais – 1ª fase do 1° grau: metodologia e conteúdo 03
Didática e
Metodologia do
Ensino de 1° Grau
Alfabetização 02
Didática e Prática de Ensino na Escola de 1° Grau
10
Didática e Prática
de Ensino na
Escola de 1° Grau
(estágio
supervisionado)
Artes e Recreação 02
Sociologia Geral e da Educação
04
Sociologia Geral e
Sociologia da
Educação
Sociologia da Educação 04
Psicologia da Educação I 04
Psicologia da
Educação
Psicologia da Educação II
04
História da
Educação
História da Educação Brasileira
06
Filosofia da
Educação
Filosofia da Educação
06
26
Currículo mínimo é o termo identificado na Resolução nº 207/1984, compreendendo as disciplinas
obrigatórias que o aluno do curso de Pedagogia teria que concluir necessariamente para obter o título de
licenciado.
69
Organização do Trabalho Pedagógico
02
Estrutura e
Funcionamento do
Ensino de 1° Grau
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1° e 2° Graus 04
Ilustração 1 – Quadro representativo da organização curricular do curso de Pedagogia da
FE/UFG
27
A integralização curricular e o respectivo registro profissional no órgão competente
(Resolução nº 02/1969 – CFE, artigo 6º e Portarias Ministeriais nº 162/1982 – MEC, artigo 3º,
item XV e nº 207/1982 – MEC) somente poderiam se concretizar se o aluno,
obrigatoriamente, tivesse concluído o Estágio Supervisionado de no mínimo uma e no
máximo três das seguintes disciplinas do currículo mínimo:
Matérias do
Currículo Mínimo
Disciplinas Desdobradas
Aulas
Semanais
Didática e Prática de Ensino de Sociologia da Educação 04
Didática e Prática de Ensino de Psicologia da Educação 04
Didática e Prática de Ensino de História da Educação 04
Didática e Prática de Ensino de Filosofia da Educação 04
Didática e Prática de Ensino de Estrutura e Funcionamento de
Ensino de 1° e 2° Graus
04
Didática e Prática de Ensino de didática 04
Didática e Prática
de Ensino na
Escola de 2° Grau
(estágio
supervisionado)
28
Didática e Prática de Ensino de Metodologia de Ensino de 1° Grau 04
Ilustração 2 – Quadro representativo da organização curricular do curso de Pedagogia da
FE/UFG
29
Esses dados permitem apontar que, dentre as disciplinas que compunham o núcleo
epistemológico duas tinham uma carga horária maior: História da Educação (no 1º ano) e
Filosofia da Educação (no 3º ano) ambas com 192 aulas/ano. Este é um indicativo da idéia de
que essas disciplinas proporcionariam condições para o aluno passar do reino da opinião
27
Fonte: Resolução n° 207/1984 do CCEP/UFG, p. 3.
28
Estas disciplinas eram obrigatórias para a integralização curricular sob forma de estágio supervisionado. O
aluno deveria cursar no mínimo uma e no máximo três destas disciplinas à sua escolha no último ano de curso.
29
Fonte: Resolução n° 207/1984 do CCEP/UFG, p. 4.
70
(dóxa) ao domínio do conhecimento científico (epistéme), exigindo a adoção de uma
inteligibilidade propriamente racional.
Conforme podemos observar, cada disciplina que compõe a matriz curricular, de
acordo com as suas respectivas ementas, tinha os objetivos específicos relacionados às suas
áreas não havendo nenhuma ligação com as outras disciplinas, com isso, o curso foi se
fragmentando e constituindo-se em um ‘mosaico’ que pode-se considerar um pouco
desconexo. Fica evidente a existência dos conflitos e tensões gerados pelos diferentes campos
do saber, pela forma como se organizou o curso de Pedagogia da FE/UFG após sua
reestruturação.
A distribuição do número de aulas na matriz curricular denota um conflito gerado pelo
critério de escolha. Quais foram? O que torna certas disciplinas mais científicas do que
outras? Essa escolha reflete bem a força de argumentação teórica aliada ao corporativismo de
professores de uma área sobre a outra. Podemos entender, pelo histórico em que se deu os
embates antes da modificação da estrutura do curso de Pedagogia, que a escolha não se deu de
forma aleatória, mas surgiram do confronto de forças que se articularam e conquistaram a
hegemonia de suas propostas (SILVA, 1998).
Outra constatação verificada é a supressão das disciplinas consideradas ‘técnicas’como
Supervisão Escolar, Administração Escolar e Orientação Educativa. A FE/UFG demonstrou
com esta grade curricular, que a política de dominação imposta pelos governos militares, de
uma formação profissional tecnicista onde não havia espaço à crítica e à reflexão sobre a
escola, definitivamente tinha acabado.
Outra verificação interessante nesse documento é a inclusão das atividades
complementares que deveriam ser cumpridas pelos alunos durante o período do curso. Isto
proporcionaria maior integração interdisciplinar e atualização necessária à profissão docente.
Ao participar de Congressos, Encontros, Seminários, Simpósios, Semanas Pedagógicas,
Jornadas ou qualquer atividade não especificada na grade curricular, o aluno desenvolveria a
capacidade de articulação entre os saberes e de apreender novos conhecimentos. A integração
extracurricular produz bons resultados porque constitui uma interessante oportunidade de
formação contínua, além de proporcionar ao acadêmico a possibilidade de escolha.
Segundo Nóvoa, “Urge por isso (re)encontrar espaços de interação entre as dimensões
pessoais e profissionais, permitindo aos professores apropriar-se dos seus processos de
formação e dar-lhes um sentido no quadro das suas histórias de vida" (1991, p. 25). A
oportunidade de escolha, que não era prevista anteriormente no curso de Pedagogia, passa a
71
ser uma realidade acadêmica vivida na FE/UFG representando um avanço significativo na
formação do pedagogo.
Analisando o Artigo 4° da Resolução nº 207/1984, observamos ainda a presença da
obrigatoriedade de se cursar as disciplinas Estudos dos Problemas Brasileiros (E.P.B.) e
Educação Física. A disciplina E.P.B. foi eliminada dos cursos de graduação posteriormente
pela Resolução n.° 299/1990 do CCEP/UFG. A decisão foi baseada no artigo n.° 207 da
Constituição Federal de 1988 que garantia às universidades autonomia didático-científica -
que ainda continuaram sem vê-la consolidada. Os argumentos para sua supressão foram desde
a necessidade de remover da universidade ‘resquícios do autoritarismo’ (disciplina criada
durante os governos militares), passando pela transversalidade do tema relacionado aos
problemas brasileiros até a necessidade de resgatar o projeto da universidade como espaço
adequado da permanente discussão dos problemas do país e do mundo. A disciplina de
Educação Física, com o passar do tempo, não constituiu mais uma obrigação legal, mas uma
disciplina optativa nas diversas modalidades que ela pudesse oferecer à comunidade
universitária.
No artigo 5°, verifica-se a orientação sobre a distribuição das disciplinas ao longo do
curso. Para o período matutino o tempo foi de quatro anos, e para o período noturno de cinco
anos. Este ano ‘a mais’ refere-se à compensação da diminuição do período das aulas no
noturno.
Nos artigos 6°, 7°, 8° e 9°, respectivamente, regulamentam a obtenção da habilitação
das matérias pedagógicas ou das séries iniciais, a complementação por pedagogos com
titulação em curta duração, aproveitamento de disciplinas e estágio supervisionado.
O Artigo 10° chama a atenção pelo seu teor, que segundo ele,
A Faculdade de Educação diligenciará no sentido de estabelecer formas de garantir
que o ensino da metodologia e conteúdo de cada uma das matérias que compõem a
primeira fase do primeiro grau seja sempre programado e executado de modo a
integrar, sempre mais profundamente, a Faculdade de educação e os Institutos
responsáveis pelos bacharelados e licenciaturas específicos (UFG, Resolução nº
207/1984, CCEP/UFG, p. 1; grifo nosso).
Podemos observar que se pretendia encontrar uma maneira de proporcionar ao aluno
de Pedagogia conteúdos específicos de Ciências, Matemática, Língua Portuguesa e Estudos
Sociais a fim de habilitá-lo na docência das séries iniciais do 1° Grau. O objetivo do artigo
não se concretizou, conforme se constata em conversas informais com alunos egressos,
72
professores e dirigentes da Faculdade de Educação. A única exceção
30
, em relação a
integração com outros Institutos no âmbito da UFG, a partir de 1984, foi o Instituto de
Ciências Humanas e Letras – ICHL, que disponibilizava um docente para trabalhar o
conteúdo de Língua Portuguesa.
Sabemos que pela própria organização dos outros Institutos, organizados em
departamentos específicos por área do conhecimento (ex.: Dept° de Morfologia Humana,
Dept° de Fisiologia, etc.), reflexo da política burocratizante da política educacional adotada
pelo regime militar, isto não era possível. É uma constatação de que o curso de Pedagogia
ainda necessitava ter delimitada sua área de atuação. Ao mesmo tempo, chama a atenção para
que os demais Institutos repensem sua estrutura curricular, para que possam proporcionar aos
licenciados subsídios que auxiliem esses futuros professores de áreas específicas, a didática
necessária para o ensinamento das crianças nas séries iniciais de escolarização.
Segundo Loureiro em pesquisa realizada com egressos de outros cursos de
licenciatura, oferecidos pela UFG no período entre 1992-1995, “Nas avaliações por curso,
deste mesmo período, relataram a desqualificação do ensino (História), pouco conteúdo das
matérias pedagógicas (matemática), dentre outros” (LOUREIRO, 1999, p. 53). Alguns
egressos relataram que “falta revisão do conteúdo que iremos lecionar”, o que em suas
concepções, geravam falta de preparo para assumir a sala de aula, além de pouco contato com
a realidade vivida devido aos estágios serem considerados por eles, superficiais e distantes da
realidade em que estavam inseridos.
Os Artigos 11° e 12° tratam de medidas regimentais da própria Resolução nº
207/1984.
Sem dúvida a modificação introduzida na formação do pedagogo constituiu um fato
inovador na formação de professores para atuar nas séries iniciais de escolarização. Para
entendermos melhor o efeito da mudança, a distribuição anual das disciplinas constantes no
Histórico Escolar de uma aluna egressa do curso de Pedagogia
31
da FE/UFG no ano de 1968,
demonstra o quão grande foi a reestruturação pelo qual o curso passou em 1984.
30
Na matriz curricular do ano de 1992 consta, inclusive, o nome do ICHL indicando o Instituto que se
responsabilizaria pela disciplina. Naquele ano, um professor se deslocava todas às segundas-feiras para a
FE/UFG para ministrar a disciplina.
31
O curso de Pedagogia até o ano de 1969 era realizado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade Federal de Goiás. A organização curricular observada neste histórico escolar, sofreu algumas
alterações em anos posteriores. Tivemos que recorrer a esta matriz curricular para demonstrar a organização das
disciplinas do curso de Pedagogia da FE/UFG naquele período, pela ausência na UFG do documento legal que
instituía tal organização.
73
CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA
Concurso de Habilitação – Ano letivo de 1964
Disciplinas Notas de aprovação Média
Psicologia 4,50 -
Português 5,50 -
- - 5,0
CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA - 1ª Série - Ano letivo de 1965
Cadeiras ou disciplinas Médias de aprovação
1ª época 2ª época
Biologia 7,40
-
Língua Portuguesa 6,50 -
Psicologia 6,50
-
Introdução à Educação 6,50
-
Cultura Brasileira 8,50
-
Sociologia 6,00
-
CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA - 2ª Série - Ano letivo de 1966
Cadeiras ou disciplinas Médias de aprovação
1ª época 2ª época
Sociologia Educacional 7,40
-
Psicologia da Educação 7,00 -
Didática de Ciências Naturais 7,70
-
Didática de Matemática 6,50
-
Biologia Educacional 6,50
-
História da Educação 6,50
-
Introdução à Filosofia 8,80
-
CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA - 3ª Série - Ano letivo de 1967
Cadeiras ou disciplinas Médias de aprovação
1ª época 2ª época
Filosofia da Educação 8,40
-
Didática Geral 6,90 -
Metodologia da Linguagem 7,00
-
Psicologia da Personalidade 6,00
-
Estatística 7,40
-
74
Psicologia Aplicada 7,00
-
Didática de Estudos Sociais 6,60
-
CURSO SUPERIOR DE PEDAGOGIA - 4ª Série - Ano letivo de 1968
Cadeiras ou disciplinas Médias de aprovação
1ª época 2ª época
Administração Escolar 7,60
-
Estatística 7,70 -
Didática Especial do Ensino Médio 8,30
-
Orientação Educativa 7,20
-
Psicopatologia 8,50
-
Técnicas de Áudio-Visual da Educação 8,00
-
Ilustração 3 – Histórico Escolar de um egresso do curso de Pedagogia da FE/UFG em 1968
32
.
Diante desse quadro, acreditamos que a reformulação de 1984 no curso de Pedagogia
da FE/UFG, definitivamente rompeu com a concepção tecnicista de educação considerando a
necessidade de formar professores com uma compreensão mais crítica e teoricamente
fundamentada da escola enquanto realidade concreta que emerge da sociedade brasileira.
Ninguém melhor do que um professor, que atua cotidianamente em sala de aula, para avaliar
quais as reais necessidades da escola e qual o potencial de transformação que possui dentro
das condições sociais as quais estão inseridos.
Ao concluir a análise da Resolução n.° 207/1984 e, compararmos com a organização
do curso de Pedagogia anterior, observamos que refazer e recriar constitui um grande desafio
que sempre se coloca à frente daqueles que se propõem a formar sujeitos críticos e reflexivos
em sua prática profissional dentro de uma concepção crítica. Não há modelo pronto, ele tem
de ser constantemente criado e recriado pelo embate no espaço acadêmico.
Essa criação exige celeridade para ser possível decompor, fragmentar e recompor, sem
haver espaço para o pragmatismo ou o dogmatismo. A lição que depreendemos do processo
que culminou na aprovação da referida Resolução e, conseqüentemente, na reformulação do
curso de Pedagogia da FE/UFG é de que deve haver um preparo conjunto da comunidade
acadêmica que lhes propicie a possibilidade de rever e de repensar continuamente o curso de
Pedagogia, mesmo em meio a tensões e conflitos.
32
Fonte: DAA/UFG.
75
2. A Resolução nº 288/1989 do CCEP/UFG: a consolidação do projeto
As mudanças no campo educacional podem ocorrer por vários fatores quando se
verifica que alguma coisa assumida anteriormente não cumpriu às exigências propostas, seja
por falha ou por complementaridade. Como a Resolução n° 207/1984, analisada
anteriormente, foi implantada modificando a estrutura do curso de Pedagogia, montada dentro
de um contexto social e político próprios, era de se prever que o modelo adotado necessitasse
de algumas alterações posteriores que vieram com a aprovação da Resolução n° 288/1989 do
CCEP/UFG.
Vimos que nos embates que culminaram na aprovação da Resolução n° 207/1984,
duas faces ideológicas pareciam ser exploradas naquele processo conforme podemos observar
no estudo de Silva (1998):
Os depoimentos dos professores revelam a existência de duas concepções de
educação. A primeira propunha-se a uma análise crítica, a partir de referenciais que
examinam a relação sociedade e educação numa perspectiva dialética. A segunda
adotava a visão tecnicista de educação, acreditando que a solução dos problemas
educacionais poderia ser encontrada na própria escola (SILVA, 1998, p. 112).
Analisando o teor da Resolução n° 288/1989, parece-nos que ainda permanecia o
mesmo ideal reformista de 1984. Acreditava-se que não caberia debater novamente o que
ainda constituía o ideal de formação para o pedagogo. Era necessária apenas ‘aparar’ uma ou
outra aresta na estrutura curricular do curso. O modelo de formação adotado para o curso de
Pedagogia, como uma construção histórica, permanecia ipisis literis como foi assumida em
1984.
Não houve naquele momento acirramento tão significativo como visto anteriormente
quando se debateu o projeto de 1984 por meio da Resolução nº 207/1984, apesar das tensões
existentes entre os diferentes campos do saber representados na FE/UFG. Um dos motivos
que podemos inferir é que o espaço de tempo entre uma e outra Resolução, permitiu que se
pensasse no ponto de maior reclamão por parte dos estudantes: o período de cinco anos para
integralização curricular do curso noturno.
Naquele período, os professores recebiam constantemente reclamações dos discentes
do período noturno sobre o tempo excessivo para o término da graduação. A tensão desta vez,
foi gerada pelos acadêmicos naquilo que lhes mais afetava: o tempo de conclusão do curso.
Podemos identificar que houve um certo formalismo nas decisões que culminaram na
referida modificação. Isto conduziu os educadores da FE/UFG a pesar mais os aspectos
formais quando reavaliaram o curso de Pedagogia em 1989. Esses aspectos tinham como
76
fundamento somente a sobrecarga que algumas disciplinas impunham aos alunos no 3° ano
dos turnos matutino e noturno. O próprio documento afirma que as razões que levaram a
FE/UFG a propor uma nova seriação para o curso de Pedagogia eram “primeiramente, no
deslocamento de duas disciplinas do período matutino”; para em seguida, estender essa
mesma seriação para o curso noturno, por entender que, caso o aluno necessitasse, sempre lhe
restava a opção de utilizar-se dos sete anos que lhe eram concedidos para integralização
curricular da forma que lhe fosse mais conveniente.
Dessa forma, a análise da Resolução n° 288/1989, dedicou-se ao rearranjo de
disciplinas entre uma série e outra não aprofundando no debate sobre o curso de Pedagogia
em seus aspectos teórico, epistemológico ou prático pedagógico. Esta constatação pode ser
referendada pela comparação que fazemos abaixo sobre o que foi modificado na matriz
curricular, com a edição desta Resolução, em relação a anterior no turno matutino:
a) primeiro ano: não houve modificação;
b) segundo ano: supressão da disciplina Alfabetização;
c) terceiro ano: introdução da disciplina Alfabetização e supressão da disciplina
Filosofia da Educação;
d) quarto ano: introdução da disciplina Filosofia da Educação.
Comparando-se, dentro deste novo arranjo, o turno matutino com o noturno, temos:
DISCIPLINAS C/H DISCIPLINAS C/H
1° ANO/MATUTINO 1° ANO/NOTURNO
Língua Portuguesa 128 Língua Portuguesa 128
História da Educação Brasileira 192 História da Educação Brasileira 192
Biologia Educacional 064 Sociologia Geral e da Educação 128
Sociologia Geral e da Educação 128 Psicologia da Educação I 128
Psicologia da Educação I 128 - -
SUB-TOTAL 640 SUB-TOTAL 576
2° ANO/MATUTINO 2° ANO/NOTURNO
Língua Portuguesa – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
128 Língua Portuguesa – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
128
Alfabetização 064 Alfabetização 064
Ciências – 1ª fase do 1° grau: met. e
conteúdo
096 Sociologia Educação 128
77
Estudos Sociais – 1ª fase do
1° grau: met. e conteúdo
096 Biologia Educacional 064
Matemática – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
128 Psicologia da Educação II 128
Sociologia Educação 128 - -
Psicologia da Educação II 128 - -
SUB-TOTAL 768 SUB-TOTAL 512
3° ANO/MATUTINO 3° ANO/NOTURNO
Didática e Prática de Ensino na Escola
de 1° grau
320 Matemática – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
128
Artes e Recreação 064 Estudos Sociais – 1ª fase do
1° grau: met. e conteúdo
096
Organização do Trabalho Pedagógico 064 Ciências – 1ª fase do 1° grau: met. e
conteúdo
096
Filosofia da Educação 192 Organização do Trabalho Pedagógico 064
Estrutura e Funcionamento de Ensino
de 1° e 2° Grau
128 Filosofia da Educação 192
SUB-TOTAL 768 SUB-TOTAL 576
4° ANO/MATUTINO 4° ANO/NOTURNO
Currículos e Avaliação 064 Didática e Prática de Ensino na Escola
de 1° grau
320
Didática e Prática de Ensino* 128 Artes e Recreação 064
- - Estrutura e Funcionamento de Ensino
de 1° e 2° Grau
128
SUB-TOTAL 192 SUB-TOTAL 512
5° ANO/MATUTINO 5° ANO/NOTURNO
Didática e Prática de Ensino* 128
Currículos e Avaliação 064
- -
SUB-TOTAL 192
* O aluno poderia cursar no último ano do curso de 01 a 03 disciplinas de Didática e Prática
de Ensino das áreas específicas.
Ilustração 4 – Quadro comparativo entre o período matutino e noturno da organização
curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG segundo a Resolução n° 288/1989
33
.
33
Fonte: Resolução nº 288/1989 do CCEP/UFG.
78
O seguinte trecho da Resolução n° 288/1989 sintetiza o objetivo de sua realização:
São essas as razões que nos levam a propor uma nova seriação para o curso de
Pedagogia, que consiste, primeiramente, no deslocamento de duas disciplinas do
período matutino: “Ciências – primeira fase do primeiro grau: metodologia e
conteúdo”, da 2ª para a 3ª série e “Filosofia da Educação” da 3ª para a 4ª série. A
seguir, pretende-se estender essa mesma seriação para o curso noturno, por
entendermos que, caso o aluno necessite, sempre lhe resta a opção de utilizar-se dos
sete anos que lhe são concedidos para integralização curricular da forma que lhe for
mais conveniente (UFG, Resolução n° 288/1989, p. 5).
3. A Resolução nº. 394/1995 do CCEP/UFG: repensando o curso de Pedagogia
O período que antecedeu a aprovação da Resolução nº 394/95 do CCEP/UFG, mais
precisamente no ano de 1992, representou um momento importante sobre questões
fundamentais, nos campos teórico e epistemológico, acerca da identidade do pedagogo, do
qual tive o privilégio de poder participar. As discussões se estenderam além da estrutura da
matriz curricular do curso de Pedagogia, proporcionando também uma análise da existência
ou não da própria Pedagogia como campo de estudo científico aceitável.
Naquele momento, a efervescência dos debates tomou conta da academia mais uma
vez sobre o entendimento de teorias e práticas da educação e do curso de Pedagogia,
propostas por dois professores da FE/UFG: Professor Ildeu Moreira Coelho e Professor José
Carlos Libâneo.
Estabeleceu-se certa polarização porque os referidos professores apresentavam
concepções próprias e diferentes sobre o processo educativo que envolve a formação do
pedagogo. Além disso, os professores debatedores já haviam participado ativamente na
década de 1980, dos debates em níveis local e nacional, a respeito da reestruturação que o
curso de Pedagogia deveria passar.
Quanto às idéias, os pressupostos teóricos, as contribuições e as conseqüências dos
debates, serão analisadas no próximo capítulo. Aqui, nos interessa analisar sucintamente a
Resolução n° 394/1995, fruto daquele período que, apesar do confronto de forças, não
avançou como se esperava.
A Resolução veio basicamente reorganizar a matriz curricular nos seguintes pontos:
a) suprimir a disciplina Língua Portuguesa – 1ª fase do 1° grau: metodologia e conteúdo do 2°
ano e transferi-la para o 3°;
b) incluir a disciplina Alfabetização no 2° ano e suprimi-la do 3°;
c) incluir a disciplina Organização do Trabalho Pedagógico no 3° ano suprimindo-a do 4°;
79
d) autorizar aos alunos do penúltimo ano, que não estivessem em dependência, a cursarem
duas disciplinas do último ano do curso desde que pudessem fazê-las em outro turno;
e) as atividades complementares que eram de 300 horas desde a Resolução n° 207/1984
caíram para 180 horas.
Como bem podemos observar, nada mais foi acrescentado nem discutido. Contudo,
outro aspecto se tornou bastante relevante em relação ao momento histórico vivido pela
comunidade acadêmica da FE/UFG: o oferecimento de suporte teórico que significou “a
conquista da legitimidade do capital cultural e científico por parte de uma determinada área
do conhecimento” (SILVA, 1998). O movimento que ocorreu entre teóricos que tinham
posições contrárias a respeito da formação do pedagogo, serviu para demonstrar que a
FE/UFG havia conquistado sua maturidade intelectual.
À guisa de conclusão, as ilustrações abaixo fazem comparações das matrizes
curriculares do curso de Pedagogia regulamentadas nas Resoluções do CCEP/UFG n.°
s
207/1984, 288/1989 e 394/1995, cujas análises coadunam e reforçam o pensamento
apresentado até aqui neste trabalho:
Resolução n.° 207/1984 Resolução n.° 288/1989 Resolução n.° 394/1995
- Língua Portuguesa
- História da Educação
Brasileira
- Biologia Educacional
- Sociologia Geral e da
Educação
- Psicologia da Educação I
- Língua Portuguesa
- História da Educação
Brasileira
- Biologia Educacional
- Sociologia Geral e da
Educação
- Psicologia da Educação I
- Língua Portuguesa
- História da Educação
Brasileira
- Biologia Educacional
- Sociologia Geral e da
Educação
- Psicologia da Educação I
Resolução n.° 207/1984 Resolução n.° 288/1989 Resolução n.° 394/1995
- Língua Portuguesa – 1ª
fase
do 1° grau: met. e
conteúdo
- Ciências – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Estudos Sociais – 1ª fase
do
- Língua Portuguesa – 1ª
fase
do 1° grau: met. e
conteúdo
- Ciências – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Estudos Sociais – 1ª fase
do
- Ciências – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Estudos Sociais – 1ª fase
do
1° grau: met. e conteúdo
- Matemática – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Alfabetização
80
1° grau: met. e conteúdo
- Matemática – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Alfabetização
- Sociologia Educação
- Psicologia da Educação II
1° grau: met. e conteúdo
- Matemática – 1ª fase do 1°
grau: met. e conteúdo
- Sociologia Educação
- Psicologia da Educação II
- Sociologia Educação
- Psicologia da Educação II
Resolução n.° 207/1984 Resolução n.° 288/1989 Resolução n.° 394/1995
- Did. E Prát. de Ens. na
Escola de 1° Grau
- Artes e Recreação
- Filosofia da Educação
- Organização do Trabalho
Pedagógico
- Estr. e Func. Do Ens. de
1° e 2° Graus
- Alfabetização
- Did. E Prát. de Ens. na
Escola de 1° Grau
- Artes e Recreação
- Organização do Trabalho
Pedagógico
- Estr. e Func. Do Ens. de
1° e 2° Graus
- Língua Portuguesa – 1ª
fase
do 1° grau: met. e
conteúdo
- Did. E Prát. de Ens. na
Escola de 1° Grau
- Artes e Recreação
- Estr. e Func. Do Ens. de
1° e 2° Graus
Resolução n.° 207/1984 Resolução n.° 288/1989 Resolução n.° 394/1995
- Currículos e Avaliação
- Didática e Prática de
Ensino de:
História da
Educação
Sociologia da
Educação
Psicologia da
Educação
Filosofia da
Educação
Estrutura e
Funcionamento do
Ensino de 1° grau
- Filosofia da Educação
- Currículos e Avaliação
- Didática e Prática de
Ensino de:
História da
Educação
Sociologia da
Educação
Psicologia da
Educação
Filosofia da
Educação
Metodologia do
Ensino de 1° grau.
Didática
Estrutura e
Funcionamento do
Ensino de 1° e 2°
Graus
- Organização do Trabalho
Pedagógico
- Currículos e Avaliação
- Didática e Prática de
Ensino de:
História
Educacional
Psicologia
Educacional
Sociologia
Educacional
Filosofia
Educacional
Metodologia do
Ensino de 1° grau
Estrutura e Funcionamento
do Ensino de 1° e 2° graus
Ilustração 5 – Quadro comparativo de disciplinas por ano (período matutino) segundo as
Resoluções nº
s
207/1984, 288/1989 e 394/1995.
34
34
Fonte: Resoluções nº
s
207/1984, 288/1989 e 394/1995 do CCEP/UFG.
81
Feita essa incursão comparativa, ainda que descritiva, notamos que as respectivas
matrizes curriculares assumidas no período pós-Resolução n° 207/1984 a 1995 (portanto, 11
anos de reformulação), não apresentaram maiores mudanças em relação ao currículo
assumido em 1984 no curso de Pedagogia. As justificativas ficaram mais no âmbito dos
arranjos entre disciplinas ou no máximo na criação e supressão de algumas didáticas e
práticas de ensino no último ano do curso, conforme exposto anteriormente neste tópico.
No próximo capítulo, abordaremos o embate que culminou na bipolarização entre
aqueles que defendiam o curso de Pedagogia com base e atuação na docência e os que
defendiam o curso com base na docência e atuação em outros espaços educativos.
82
CAPÍTULO III
CONCEPÇÕES ACERCA DA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO:
o embate teórico de 1992 na Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás – uma tensão produtiva
O propósito desse capítulo é apresentar as propostas de Ildeu Moreira Coêlho e José
Carlos Libâneo, acerca do entendimento que cada um tem sobre o tipo de formação que deve
ser assumida pela FE/UFG. Para tanto analisaremos os documentos que cada um apresentou
no ciclo de debates organizados pela direção da Faculdade de Educação no ano de 1992.
Espera-se com isso, atingir três objetivos: a) apresentar as concepções de cada debatedor
sobre o tipo de formação que deveria ser assumida pela FE/UFG; b) confrontar as duas
concepções à luz do parecer de José Nicolau Heck; c) apresentar os pontos de convergência e
de divergência entre as duas propostas analisadas.
As reflexões a respeito do curso de Pedagogia ganharam mais força no ano de 1992
quando foi organizado o ciclo de debates na FE/UFG, envolvendo professores, funcionários e
alunos com o objetivo de reavaliá-lo, oito anos após a implantação da nova proposta de
reformulação ocorrida em 1984, em seus aspectos teórico, epistemológico e prático. O ciclo
de estudos e debates que ocorreu no ano de 1992 constituiu uma boa oportunidade, para
analisar o curso sobre sua composição, distribuição, organização e objetivos.
Foram convidados para aquela análise, conforme citação anterior, dois professores da
FE/UFG, Ildeu Moreira Coêlho, professor da disciplina Filosofia da Educação, e José Carlos
Libâneo, professor de Organização do Trabalho Pedagógico. A escolha desses professores se
deu em razão de suas posições teóricas sobre a finalidade da Pedagogia e o tipo de formação
que o curso deveria proporcionar aos seus alunos; além de estarem envolvidos na busca
teórica de re-definição da Pedagogia como suporte para um amplo debate sobre as teorias da
educação e a formação docente. Começou assim, uma verdadeira quaestio disputatio sobre o
tema que envolveu toda comunidade acadêmica da FE/UFG novamente.
Cada debatedor foi responsável pela elaboração de um documento cujo teor é, ao
mesmo tempo histórico e teórico. Analisaremos a seguir, os aspectos elencados nos
respectivos documentos bem como a literatura produzida pelos respectivos debatedores.
83
1. Pensando e (re)fazendo o curso de Pedagogia: o entendimento de Ildeu Moreira
Coêlho
A proposta do professor Ildeu Moreira Coêlho foi documentada em um artigo
intitulado curso de pedagogia que serviu de elemento orientador de sua exposição teórica que
foi debatida no ciclo de debates de 1992 promovida pela FE/UFG.
Coêlho inicia o documento fazendo um breve histórico do processo que culminou na
suspensão da oferta das habilitações voltadas para a formação do especialista em educação.
Sua reflexão partiu do ano de 1980, com a implantação das atividades do Comitê Pró-
Formação do Educador que foi sediada na FE/UFG, conforme exposto anteriormente, até o
mês de Julho de 1982. A proposta defendida é a mesma preconizada pela resolução n.º
207/1984 do CCEP/UFG, na qual ele mesmo foi um dos idealizadores e condutores de sua
elaboração.
Em meu entendimento, toda reforma que o curso de Pedagogia passou não foi apenas
uma simples reforma burocrático-legal do currículo, passível de ser produzida no interior de
um gabinete, mas foi um projeto pensado coletivamente nos últimos cinco anos que
antecederam sua implantação, sob a coordenação do Colegiado de Curso de Pedagogia da
FE/UFG. Em sua análise sobre o significado da reformulação curricular ele diz que,
As discussões e reformas de currículo em geral não vão além dos embates por
ajustes na relação de disciplinas: acréscimo, retirada e mudança na posição de cada
uma na estruturação do currículo, modificação de seus pré-requisitos e co-requisitos
e aumento de horas-aula.Apesar dos discursos em contrário, o currículo
freqüentemente não passa de uma lista de disciplinas, ementas, créditos, horas-aula,
verdadeiras “colcha de retalho” e “árvores de natal”, expressões usadas por
Bronislaw Malinowski e Joel Ulhôa, respectivamente, para se referir a uma visão
analógica que reduz a cultura a um aglomerado de costumes e crenças e o currículo a
um elenco variado de informações e disciplinas, no qual se tenta impingir quase todo
ao aluno, enfim, a um supermercado do conhecimento. (COÊLHO, 1998, p. 8).
Segundo esse pensamento, numa concepção bem definida de sociedade, de educação,
de universidade, de saber, de ensino e aprendizagem, o currículo está sempre ligado
intrinsecamente a opções políticas e epistemológicas, a posições teóricas, a práticas
acadêmicas, a projetos históricos. Nesse contexto, deve-se evitar uma definição equivocada
ao idealizar uma grade curricular, cuja expressão significa e enuncia a prisão em termos
intelectuais, o cerceamento do exercício da dúvida, do questionamento, da maiêutica
socrática, da contestação teórico-metodológica, do pensamento, da criação, a que são
submetidos muitas vezes os alunos de graduação (COÊLHO, 1998, p.08), capaz de reduzi-la a
84
um elenco variado de informações e disciplinas que muitas vezes não expressam o tipo de
formação ideal para um curso de graduação ministrado pela FE/UFG.
Para evitar que isso aconteça, Coêlho pondera a necessidade de: em primeiro lugar
superar o culto da quantidade e das novidades que surgem em todo o tempo na esfera do
ensino, da pesquisa e da administração acadêmica. Para ele, não se pode atribuir a qualidade
do ensino com a quantidade de disciplinas, isto porque há uma idéia disseminada nos meios
acadêmicos, e que continua a persistir por ‘teimosia’ de alguns, de que a quantidade de
disciplinas está ligada diretamente com a qualidade do curso; em segundo lugar, superar o
mito existente de que a inclusão de algumas disciplinas faria com que o curso se tornasse mais
científico e mais crítico.
A simples presença dessas e de outras disciplinas da mesma natureza garantiria a
formação crítica, deixando os outros professores livres para continuarem suas aulas
sem terem que se preocupar com o pensamento. Passando de uma área a outra, a
crítica apareceria automaticamente, num passe de mágica, como se fosse monopólio
de algumas esferas do conhecimento. (COÊLHO, 1998, p. 9).
Em terceiro lugar, ele diz que se deve evitar reduzir o conhecimento adquirido a
resultado já obtido, como também o contentamento na reprodução de conteúdos curriculares
transformados em verdades que impedem formar um aluno capaz de pensar, criar e recriar o
conhecimento. Esta postura leva o ensino à falta de rigor, conduz a superficialidade,
superposição e repetição de conteúdos que às vezes nada tem a ver com a formação
profissional pretendida pelo curso. Nesse sentido, para que a universidade e a escola possam
ultrapassar a superficialidade do ensino é necessário que se entenda que,
A sala de aula não será jamais o espaço da rotina, da mera repetição do que os outros
disseram, mesmo que esses sejam autores “famosos”, clássicos. Com muito mais
razão, não será também o local de se entrar em contato com os resumos, as fórmulas
já consagradas, os manuais de vulgarização/simplificação de nossa compreensão do
real e do próprio saber. O saber existente, os conceitos e métodos de investigação
são, acima de tudo, matéria-prima a ser pensada em sua historicidade, a ser
trabalhada como instrumento de expressão e transformação do real.
Se, por um lado, o saber não se reduz a um conjunto de verdades prontas e acabadas,
já descobertas, mortas, autênticos cadáveres ambulantes, nem a informação, por
outro, o trabalho intelectual, constituidor da essência mesma da sala de aula, a faz
viva, plena de sentido, uma criação contínua, uma obra de arte. E como todo o
trabalho, esse em especial supõe método (variável de acordo com a área, com o
campo de investigação), disciplina (controle do corpo e da mente), organização,
persistência, continuidade, um tempo próprio para sua efetivação (diferente do
tempo exigido para a realização de outras atividades humanas), definição clara dos
fins e dos meios para atingi-los, uma relação pessoal dos que trabalham (professores
e alunos) com o saber. (COÊLHO, s/d, p. 118-119).
Esses pressupostos elencados refletiram sobremaneira, no período de composição do
novo projeto do curso de Pedagogia, que há muito sofria daqueles equívocos por ele
85
apontados. Um projeto de formação pressupõe existir condições que garantam a dinamicidade
do conhecimento por meio de um constante repensar da realidade. Não pode ser idealizado e
constituído como uma proposta a ser executada, algo elaborado anteriormente para ser
executado depois, mas deve se constituir em uma proposta de trabalho que se coloca para ser
realizada e, ao mesmo tempo, uma construção constante onde haja espaço para repensar
contínuo que se questiona, se institui e se recria. A universidade deve se constituir num
espaço de reflexão e de crítica, inclusive de si mesma, dando oportunidade para que sua
comunidade acadêmica possa fazê-lo.
Ao propor um projeto de curso, o currículo, a fundamentação teórica e a metodologia
propostas não devem se constituir em uma mera luta contra a divisão do trabalho na área da
educação, mas
contra a fragmentação do processo de escolarização, contra a expropriação do saber
e da competência dos professores para produzirem a escola que desponta como
necessária e urgente no horizonte de seu pensar e de seu fazer, contra a separação
entre os que pensam, decidem e planejam e os que executam a educação, aos quais
não é dada a possibilidade concreta de pensarem e recriarem seu fazer educativo
contra a formação e a existência de profissionais que até o final de sua carreira vão
ser os diretores das escolas, os supervisores do ensino, os inspetores escolares ou os
orientadores educacionais
(COÊLHO, 1992, p. 2).
Assim, para ele, assumir um projeto de curso de forma concreta significa romper com
a fragmentação do processo de ensino, daqueles que pensam, dos que executam, com a
organização burocrática das disciplinas, com a suposição de que elas teriam existência em si
mesmas e, portanto, justificaria sua presença no currículo. Coêlho acrescenta que, além de
uma injustificável fragmentação do trabalho, era observado que a concepção vigente na época
anterior a reformulação do curso de Pedagogia da FE/UFG em 1984, era a de produzir
professores sem a competência profissional requerida para o direcionamento de questões
educacionais e da organização do trabalho pedagógico na escola. Esse tipo de formação
acabava por conduzi-los ao descompromisso com o presente e o futuro da educação. A
constatação dessa realidade acabou por condenar esses especialistas ao exercício de funções
pouco claras e definidas, ao desempenho de atividades que muitas vezes nada têm a ver com
sua competência profissional, bem como ao exercício ilegal do magistério, pois não sendo
absorvidos por um mercado bastante reduzido freqüentemente eram obrigados, por uma
necessidade de sobrevivência, a lecionar disciplinas para as quais não foram preparados, nem
se encontravam legalmente habilitados.
Era o caso, por exemplo, dos orientadores educacionais e dos supervisores escolares
que, apesar de terem suas atribuições profissionais definidas em lei, muitas vezes
faziam de tudo nas escolas – fiscalizavam o trabalho dos professores, controlavam
86
os exercícios e provas dos alunos das disciplinas na escola, conferiam os diários dos
professores, organizavam as comemorações cívico-escolares, promoviam as
campanhas e quermesses para arrecadação de fundos para a escola – menos aquilo
para o qual supostamente foram preparados e legalmente se achavam, habilitados. A
situação do supervisor era bem mais complicada ainda, visto que era chamado a
supervisionar o trabalho dos professores nas várias disciplinas, cujo conteúdo,
método de investigação e metodologia de ensino ele não conhecia (COÊLHO, 1992,
p. 2).
Ao fazer essa afirmação, Coêlho estava levando em consideração que o antigo projeto
do curso de Pedagogia da FE/UFG, não estava formando os profissionais habilitados para
exercer as funções burocráticas na escola. Isto se deve ao fato de que os espaços não estavam
bem delimitados nas instituições educacionais, mesmo com a edição da Lei nº 5.692/1971 que
previa a atuação desses profissionais no ambiente escolar, mas não definia como e onde eles
verdadeiramente iriam atuar. A prática profissional demonstrou que, dificilmente alguém que
não entenda da realidade cotidiana do processo educativo, conseguiria intervir na realidade
escolar com vistas ao melhor encaminhamento do processo de ensino.
De acordo com Coêlho, o novo projeto do curso de Pedagogia, surgiu como opção em
favor da construção de um ensino público que exige, na centralidade da formação de
professores, condições de enfrentar com segurança a escolarização de todas as crianças.
Dentro dessa visão, não há espaço para o mero contentamento do discurso da
democratização e da qualidade da escola pública. Sendo assim, o curso de Pedagogia teria
como objetivo a contribuição para a construção de uma educação que prezasse a docência, e
conseqüentemente, o aluno. Um profissional voltado para funções burocráticas, que não está
envolvido diretamente na formação do aluno, dificilmente reuniria condições para interferir
no processo de ensino a fim de adquirir a competência necessária para recriar a escola.
Sem dúvida notamos aqui em Coêlho, uma nítida afirmação do sentido político e
educativo da escola básica, o que supõe inclusive uma luta firme, competente e coerente
contra a escola que não consegue alfabetizar ou ensinar, contra os elevados e persistentes
índices de analfabetismo na população jovem e adulta, a evasão e a repetência nas séries
iniciais.
Partindo dessa concepção, somente o investimento na capacitação e formação docente
será capaz de criar melhores condições para a diminuição dos índices de analfabetismo e
melhoria na qualidade do ensino.
Numa análise mais ampla de seu projeto, Coêlho não nega a existência e a importância
de outras ocupações que um docente venha a exercer na área da educação, mas pensa que
antes de ocupar um cargo, como por exemplo, de direção, superintendência educacional ou
coordenação pedagógica, o pedagogo deve, antes de tudo, passar pela experiência de sala de
87
aula. Assim, privilegia-se a escola e em especial as séries iniciais do ensino fundamental. Por
um lado, porque nos primeiros anos de escolarização depende a continuidade do processo e,
em especial, a qualidade do que se pretende e será possível construir, em termos de saber e de
cultura, com as crianças e os adolescentes. Por outro lado, a importância dada nesse nível de
escolarização inicial é devida à constatação, naquela época, de que a maior parte das crianças
permaneciam na escola apenas durante dois, três ou quatro anos. Ninguém melhor que um
professor para conhecer bem de perto a realidade de uma escola, como por exemplo, seus
elevados índices de evasão e repetência ao longo do ensino fundamental e médio e o não-
domínio da leitura e da escrita por boa parte dos concluintes.
Em relação à luta pela extensão do período de permanência na escola, aspiração de
muitos educadores na década de 1990, ele alerta que é preciso, acima de tudo, que se garanta
a dignidade e a qualidade do ensino ministrado nas séries iniciais, ou seja, que esta base do
processo seja realmente sólida e firme, sem adotar “o aulismo, a fragmentação do ensino, o
inchamento do currículo, a corrida atrás de novidades” (COÊLHO, 1998, p. 08) e o
imediatismo exacerbado da apreensão dos conteúdos.
Ao pensar a educação nos primeiros anos de escolarização, Coêlho evidencia a
importância da docência sem a confundir com a mera ministração de aulas. Somente
assumindo-a em seu verdadeiro sentido, é que o professor passa a entendê-la como um
processo complexo que supõe uma compreensão da realidade concreta da sociedade, da
escola, do aluno, do ensino-aprendizagem, do saber, bem como um competente repensar e
recriar do fazer, englobando atividades de ensino, investigação, busca de novos
conhecimentos, assessoramento, direção, coordenação, planejamento, administração e outras
funções afins. Nota-se nesse pensamento, que ele não é contra o exercício profissional em
cargos diretivos no ambiente escolar, já que a gestão escolar, por exemplo, é também uma
atividade pedagógica. Porém afirma que somente aqueles que possuem real capacidade de
compreender a escola e o aluno, como o professor, devem ocupá-los.
A docência não pode ser confundida de modo algum com o desenvolvimento de uma
série de atividades, muitas vezes cumpridas rotineiramente, nas salas de aula, nos laboratórios
ou campos de estágio, nem o professor se reduz a um repassador de conteúdos, locutor ou
pregador da boa nova ciência. Na verdade, o exercício da administração escolar, da
coordenação do ensino e aprendizagem e de outras práticas educativas que se concretizam na
escola, supõe a competência e a experiência da sala de aula juntamente com a reflexão sempre
retomada da sociedade, da educação e da escola. A sala de aula não é um local formal,
burocrático, o que a caracteriza é o fato de aluno e professores se construírem mutuamente em
88
busca do saber vivo com o qual se confronta e cuja compreensão e superação se persegue
(COÊLHO, s/d). É “um todo em processo de constituição e superação de si mesmo”
(COÊLHO,1992, p. 08).
Coêlho (1992), concebe a docência como base para o exercício das atividades
educativas na escola, e admitir isso, não significa de modo algum afunilar ou reduzir uma
questão mais ampla a outra menor, pelo contrário, é ampliar o reconhecimento de que na
instituição escolar e no processo educacional, a figura do professor é essencial no
desempenho das funções administrativas e de coordenação. Mais do que conhecimentos
técnicos em administração escolar e em supervisão do ensino, o que deve ser privilegiado para
o exercício dessas funções é a competência, experiência docente e a vida como cidadão e
intelectual, bem como o seu projeto e equipe de trabalho.
Não é o que se defende, por exemplo, no caso da escolha de Reitores, Diretores de
Centros ou Faculdades, Chefes de Departamento e Coordenadores de Cursos de
Graduação e de Pós-graduação? Ou será que, a partir de agora, exigiremos de todos
os candidatos a Reitor e a Presidente do Colegiado de Curso que tenham cursado a
habilitação ‘Administração Escolar de 3º grau’ ou ‘Supervisão Escolar’,
respectivamente? (COÊLHO, 1992, p. 5).
Ao realizar um levantamento geral da atuação docente em áreas que não sejam
diretamente ligadas à escola, pode-se encontrar, ao lado de profissionais provenientes de
outras áreas, pedagogos exercendo cargos de direção, coordenação, animação cultural,
relacionadas à educação em saúde, ao lazer, à comunicação de massa (mídias em geral),
orientação familiar, recrutamento e treinamento de recursos humanos nas empresas,
associações sindicais ou desempenhando várias outras atividades no setor privado ou público
que necessite do trabalho do pedagogo. Coêlho admite que o pedagogo possa exercer as
atividades pedagógicas em outros locais que não a escola, o que ele não admite é que o curso
de Pedagogia direcione para essa formação de forma exclusiva através do bacharelado.
Não podemos de modo algum, porém, concluir que um licenciado em pedagogia não
tenha condições de aí atuar, nem que essas funções devam ser reservadas
cartorialmente no mercado de trabalho para os bacharéis que, nesse caso, deveriam
ser formados pelo curso. Defender que apenas esses possam atuar nessas áreas e que
para isso devam receber uma formação específica, a ser posteriormente apostilada
no diploma é, em primeiro lugar, pretender realizar uma pedagogização da
existência social e individual Mas, quem teria interesse nessa pedagogização?
Certamente os mesmos que lucraram e lucram com a medicalização e a moralização
da vida social e individual são os interessados nessa pedagogização da sociedade e
do indivíduo. Para os que defendem essas idéias e práticas, pedagogo seria acima de
tudo o bacharel, o cientista da educação, não passando o licenciado em pedagogia de
um professor ao mesmo nível de outros. E então apenas esse pedagogo/bacharel
seria competente para falar sobre e para realizar a educação de todos os que, por isso
mesmo, ficamos reduzidos à condição de incompetentes. Os próprios
professores/licenciados não seriam competentes para pensar e recriar a escola que
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temos, sem o auxílio, a orientação e a coordenação dos pedagogos! (COÊLHO,
1992, p. 5).
A análise empreendida sobre os espaços mercadológicos do pedagogo feita por
Coêlho, leva a conclusão de que não pode haver a supervalorização de uma profissão sobre a
outra; ou seja, o pedagogo não pode exercer as várias ocupações existentes nos espaços
sociais sob risco de reduzi-lo e fragmentá-lo. O curso de Pedagogia da FE/UFG não pode
ficar à mercê do oferecimento de uma formação profissional destinada a ocupar os vários
campos pedagógicos na sociedade. Para ele, esse pensamento conduz a uma visão ingênua,
estática, mecanicista e limitada do mercado de trabalho e da formação universitária do
pedagogo. As transformações que ocorrem no mundo do trabalho, nas tecnologias de
produção e nos sistemas de informação, aliadas as freqüentes acomodações do mercado que
afetam a vida de toda a nação, fazem com que não haja espaço nem sentido preparar
profissionais da educação para exercerem atividades específicas no sistema capitalista.
Sendo assim, a diversificação e o redirecionamento por que passam os investimentos
do setor econômico, fazem com que cada vez mais não seja possível, a preparação de
indivíduos para exercerem atividades definidas no espaço produtivo. Dessa forma, Coêlho
acredita que,
À medida que o processo da acumulação avança e a economia se moderniza, o
capital exige, dos que buscam o mundo do trabalho, não um treinamento para o
desempenho de funções específicas e limitadas, mas uma sólida formação de base
que coloque o trabalhador em condições de desempenhar funções variadas, muitas
delas a serem definidas ao longo do processo da acumulação. No caso de cada
trabalhador individual, essas funções vão sendo definidas ao longo de sua
participação efetiva no mercado de trabalho que no Brasil, dura de 30 a 35 anos,
aproximadamente.
O treinamento da mão-de-obra para o desempenho das novas funções é feito no e
pelo próprio setor produtivo, à medida que as novas realidades vão surgindo e novas
exigências bem concretas vão se pondo. Optar por uma formação fragmentada em
várias habilitações e, portanto limitada, bem como reformar o curso para que ele
melhor atenda ao mercado e ao aluno que aí se forma supostamente esteja
“preparado” para disputar algumas das possibilidades de emprego que o mundo do
trabalho oferece, seria imaginar uma relação um a um entre cursos/habilitações e
mercado de trabalho, desconhecer a realidade concreta desse nas economias
capitalistas.
Seria ainda ignorar que a aprendizagem específica para o desempenho da maior
parte das funções no setor produtivo se faz no e pelo trabalho e insistir numa absurda
cartorialização de praticamente todo o universo da formação e do trabalho, definindo
em cada caso qual a formação/habilitação que corresponde às várias atividades
existentes no mundo do trabalho. Ou seja, estaríamos mais uma vez incorrendo no
erro de supervalorizar o aspecto burocrático, formal, o carimbo, o apostilamento da
habilitação “a” ou “b” no verso do diploma, como necessário ao exercício de cada
função que, por isso mesmo, estaria reservado aos que preenchessem essas
formalidades. Convém lembrar que nenhum curso em particular nem a totalidade
deles jamais será capaz de abarcar todo o mercado. Isto sem falar que a universidade
não pode ficar à mercê do mercado de trabalho, nem o ensino de graduação tem
como objetivo fundamental profissionalizar os indivíduos. E, acima de tudo, a escola
90
não pode ser reduzida a um grande cartório que credenciaria os indivíduos para o
exercício de qualquer função no mundo do trabalho (COÊLHO, 1992, p. 6).
Como desdobramento desta análise, podemos concluir que para Coêlho não existe
nenhuma relação linear entre formação acadêmica e desempenho de funções profissionais,
incorrendo em um grande equívoco a ‘absurda’ pretensão de se promover reserva de mercado
utilizando um curso superior exclusivamente para isso. O desempenho das funções no mundo
da produção, não passa necessariamente pela formação acadêmica, já que a maioria das
‘empresas’ investem cada vez mais no treinamento de sua mão-de-obra ‘no e pelo próprio
setor produtivo’ através de seus departamentos de recursos humanos. Não há, portanto, que se
garantir ‘cartorialmente’ privilégios a nenhum grupo que passou por determinada formação
específica.
A clareza que se tem ao analisarmos sua proposta é a de que, pensar a educação é não
se fechar em esquemas prévios de pensamento e de ação, nem de produzir fórmulas para se
chegar a um fim específico, pronto e acabado. Para ele, a formação profissional deve se pautar
pelo repensar constante da prática educativa mesmo após a colação de grau, podendo ser
proporcionada tanto pelos órgãos da administração pública, através de Leis, Pareceres e
Portarias (forma autoritária), como no enfrentamento diário da organização da prática
educativa das condições gerais em que o trabalho se realiza no cotidiano escolar, na interação
com colegas de trabalho, com alunos, com conteúdos específicos ou gerais, na reflexão diária
sempre retomada do real, no estudo sistemático, na luta política ou a cada momento na vida
do educador.
É preciso compreender que, para Coêlho, a concretização desse ideal de formação no
âmbito da FE/UFG, somente será possível se a mesma assumir um projeto onde as disciplinas
que compõe o currículo, sem nenhuma distinção entre as consideradas práticas (as que “põem
a mão na massa”) e teóricas (as que “pensam”), sejam capazes de subsidiar atuação do
pedagogo no mercado de trabalho de modo a construir novos espaços e recriar a escola
partindo de sua realidade concreta e histórica.
Dentro desse contexto, ressalta-se a importância da compreensão de fundamentar o
curso de Pedagogia em seus aspectos relacionados ao conteúdo e a prática. Para isso,
Uma das características fundamentais desse projeto de curso, sem a qual não há
como se pensar na formação desse novo professor, é uma profunda imbricação entre
conteúdo e método. Se, por um lado, aquele não é algo pronto, coisa ou idéia a ser
consumida pelos alunos, algo que poderia ser fragmentado e estudado em suas
partes, mas um todo em processo de constituição e superação de si mesmo, não há
para separar conteúdo e método de sua produção.
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Por outro lado, não há como se trabalhar os métodos de sua transmissão, as
metodologias de ensino, a didática, sem os conteúdos que, por sua vez, são
inseparáveis dos métodos de investigação, de produção do saber. Não há como se
discutir método de ensino currículo, planos de ensino, avaliação, à margem dos
conteúdos específicos. O método é sempre método de algum conteúdo, não existindo
método em geral. (COÊLHO, 1992, p. 8).
Conforme foi analisado anteriormente, esse problema foi resolvido em parte com a
adoção de um único professor para ministrar conteúdo e metodologia de ensino das
disciplinas específicas a serem ministradas no ensino de 1° grau. Porém, o professor não
conseguiu avançar no que diz respeito ao cumprimento dos conteúdos necessários para a
prática cotidiana nas séries iniciais do ensino fundamental.
Desse ponto em diante, Coêlho critica o pensamento ingênuo de quem defende novas
mudanças estruturais no curso de Pedagogia direcionadas a ampliação da formação do
pedagogo para atuar em outras instâncias educacionais, como por exemplo, as extintas
habilitações em Administração Escolar, Supervisão Escolar e Orientação Escolar.
Esse pensamento de Coêlho, ainda não era o pensamento de muitos administradores da
UFG. Na realidade, mesmo depois do tempo em que foi reformulado o curso, ainda não havia
consenso nem clareza da universidade em relação aos objetivos de formação do pedagogo.
Isto ficou notório quando se verificou o Guia do Vestibulando/Processo Seletivo Misto de
1999 (é bom lembrarmos que esse guia serviu para direcionar as escolhas profissionais de
muitos jovens), onde constatamos a descrição do tipo de formação profissional que deveria
ser formado pela FE/UFG. Segundo esse manual, o pedagogo poderia atuar em várias
instâncias da prática educativa em suas diferentes modalidades, entre elas:
direção, coordenação e orientação do trabalho pedagógico no âmbito da
escola, dos sistemas de ensino ou em outros espaços educacionais;
assessoria a empresas na formação de pessoal e na produção de programas
educativos;
criação de vídeos, jogos, brinquedos pedagógicos;
redação de jornais e revistas especializadas;
educação de alunos portadores de necessidades educativas especiais;
educação de alunos em idade pré-escolar;
educação de adultos (UFG, Processo Seletivo Misto, 1999, p. 26).
Quando comparamos as Resoluções analisadas no capítulo anterior com as
informações aqui listadas, pode-se constatar a existência, nesse guia do vestibulando (ou na
comunidade acadêmica) de graves equívocos na informação do verdadeiro perfil do pedagogo
a ser formado pela FE/UFG.
A gravidade se torna relevante pelas dúvidas e incertezas que ainda persistiam na
FE/UFG sobre a formação que o pedagogo deveria ter nos quatro anos de curso. São graves
92
porque na estrutura curricular do curso, adotada desde 1984 pela FE/UFG após debates
históricos que envolveram toda sua comunidade acadêmica, não há sequer referência alguma
de disciplinas em sua matriz curricular que trata da formação específica para atuar em outro
espaço educacional. No Manual do Candidato do processo seletivo de 2004, no tópico que
descreve a formação do pedagogo, estava definido que,
O curso de graduação em Pedagogia, que confere o grau de licenciado, destina-se
prioritariamente à formação de professores para o ensino de matérias pedagógicas no
ensino médio e para o exercício de magistério no ensino fundamental. (...) Portanto,
o pedagogo é um profissional que atua em várias instâncias da prática educativa,
lida com fatos, estruturas, processos, contextos e problemas referentes à educação
em suas diferentes modalidades (UFG, Manual do Candidato, Processo Seletivo de
2004, 2003, p. 61; grifo nosso).
Assim, quando analisamos esses equívocos, vemos certa demonstração de insatisfação
e confusão que pairava sobre a comunidade acadêmica da FE/UFG em relação ao verdadeiro
perfil profissional que ela estava formando desde 1984. De qualquer forma, essas
informações, propaganda enganosa para alguns de seus críticos, era editada anualmente nos
manuais distribuídos aos vestibulandos da UFG.
Os equívocos deveriam ser superados, como almejava Coêlho no momento em que fez
críticas contundentes a qualquer tipo de projeto que (re)direcionasse a atuação do pedagogo a
funções não docentes, inclusive, aquelas que pudessem elevar os profissionais especialistas
em alguma habilitação a funções consideradas superiores à do professor.
Enquanto o pedagogo docente ficaria exercendo suas atividades, no cotidiano da
escola, os pedagogos especialistas estariam planejando em seus gabinetes o que outros
deveriam executar. Esses últimos, por sua vez, não conseguiam estabelecer ações que
promovessem a articulação entre o ensino ministrado na escola com a realidade vivida no
contexto social pelos alunos. Ele fez os seguintes questionamentos:
Será que ensinar crianças, filhos de trabalhadores, não é uma atividade que mereça o
trabalho, a competência, a dedicação dos licenciados em Pedagogia, mas apenas sua
orientação, coordenação e fiscalização? Será que a escola que atende à maioria da
população brasileira não necessita de um professor formado em licenciatura plena?
Para ensinar filhos de trabalhadores qualquer professor serve? E trabalhar na
formação de professores para a primeira fase do ensino fundamental seria nos
degradar intelectualmente? (COÊLHO, 1992, p. 10).
Segundo seu entendimento, os críticos do modelo educacional que direciona o curso
de Pedagogia à docência, acusam o curso de padecer de uma “anemia teórica”. Ou ainda, teria
perdido sua identidade incorrendo no risco de se tornar um “normalão”, já que nem forma
especialistas nem forma o ‘verdadeiro’ professor que domina os conteúdos específicos para
93
atuar na docência das séries iniciais. Para ele, nem mesmo ao nível da estrutura curricular,
mesmo que se possa reforçar alguma área do curso com um número maior de aulas ao ano,
aumentando a carga horária de determinadas disciplinas ou a criação de outras, de modo
algum garantirão nem a qualidade, nem a profundidade e o rigor no tratamento das questões.
Somente com a qualificação acadêmica do corpo docente, o profissionalismo e a
seriedade com que eles assumem a questão do saber, da investigação, do ensino, poderão
levar ao enfrentamento dos problemas e encontrar soluções reais.
Coêlho admite que esse enfrentamento deve centralizar-se na idéia de que o curso de
Pedagogia é uma licenciatura, e o pedagogo, um licenciado, um professor. Obviamente houve,
no já citado ciclo de debates de 1992, algumas queixas sobre a existência de um certo
reducionismo na área de atuação do pedagogo. Quem compartilhou desses argumentos, foram
prontamente contestados por Coêlho pelas seguintes razões: a) a proposta de curso privilegiou
o maior problema existente na área da educação no Brasil, que era a escolarização nas
primeiras séries do ensino fundamental; b) o afastamento da idéia da formação acadêmica e
formação para o mercado de trabalho. “Uma compreensão rigorosa desses processos afastará
qualquer idéia de limitação do campo de trabalho do Pedagogo pelo atual currículo”
(COÊLHO, 1992, p. 11); c) o mercado de trabalho é mais amplo para a atuação docente do
que para especialistas. “Aliás, milhares de especialistas formados pelo curso de Pedagogia
estão hoje lecionando na primeira fase ou disciplinas na segunda fase do ensino fundamental e
médio para os quais não estão habilitados” (COÊLHO, 1992, p. 11).
Coêlho contesta a opção que poderia, naquele momento, em 1992, adotar a volta das
habilitações na Pedagogia pela FE/UFG, porque seus interlocutores pressupunham a
existência de uma ciência da educação – a Pedagogia – e que o curso deveria formar o
pedagogo ou o cientista da educação.
Nesta análise ele critica o seu principal debatedor e interlocutor, o professor José
Carlos Libâneo, dizendo que nessa idéia defendida por ele encontra-se vários equívocos. Ele
mencionou alguns:
Em primeiro lugar, a filiação teórica ao marxismo não se liga a uma leitura rigorosa
e crítica das questões, o que induz, por exemplo, a uma compreensão equivocada da
natureza do conhecimento, do saber, da ciência, da teoria e da prática. Em segundo
lugar, a ciência hoje supõe necessariamente um recorte bem definido no mundo dos
objetos, uma epistemologia específica, um método próprio de investigação, o que de
modo algum se encontra na pedagogia. Em terceiro lugar, essa idéia de uma
superciência da educação (a pedagogia), hierarquicamente superior a todas as outras
e que unificaria todos os conhecimentos na área, choca-se com a tradição científica
que vem se constituindo do século XVII até nossos dias. E ao afirmar isso não estou
assumindo uma compreensão positivista ou neopositivista de ciência, ou melhor as
ciências, a partir do inicio da Idade Moderna. Absurda também me parece essa
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elevação da pedagogia à condição de rainha do saber na área da educação
(COÊLHO, 1992, p. 12).
O efeito imediato do entendimento dessa concepção, segundo Coêlho, é conceber a
Pedagogia não como uma ciência, mas apenas como técnica situada na confluência das várias
ciências da educação e da filosofia da educação, utilizando suas contribuições. Isto não quer
dizer que a Pedagogia deixa de ter importância e dignidade. Para reforçar essa idéia, ele diz
que a medicina e a filosofia, por exemplo, não são ciências e nem por isso deixam de ser
importantes no campo da investigação científica. No caso da filosofia, ele atenta para o fato
dela não assumir os mesmos esquemas de investigação da ciência; ou seja, a filosofia não se
constitui em hipótese nenhuma em uma ciência. Pelo contrário, ela se constitui como a
negação da ciência, e isso é o que lhe garante a identidade e a importância para a sociedade e
o homem até os dias de hoje (COÊLHO, 1992).
Portanto, ao definir a Pedagogia como uma técnica cuja competência parte da vivência
cotidiana da experiência da sala de aula como instrumento fundamental para uma formação de
qualidade e para existência do curso de Pedagogia na FE/UFG, ele não aceita a adoção de
nenhuma concepção hierárquica na relação da Pedagogia com outras áreas do conhecimento
que fazem parte da estrutura curricular do curso.
Finalmente para Coêlho, a concepção hierárquica da relação entre a Pedagogia e as
outras ciências da educação levam à sua desqualificação. Pensada desse modo, a licenciatura
seria a esfera da distribuição e socialização do saber sistemático e a Pedagogia o campo do
pensamento, da definição dos fins e objetivos, da produção da educação e de seu saber
científico. Assim, a pretensa superioridade da Pedagogia, do pedagogo, do bacharel, da
Faculdade de Educação, elevaria a Pedagogia a se constituir como a verdadeira ciência da
educação, e o pedagogo, educador por excelência.
Ele termina suas considerações expondo a necessidade de não haver mais nenhuma
possibilidade de mudança na concepção de formação do pedagogo. O pedagogo deve
continuar sendo formado para ser um professor, e a FE/UFG, deve proporcionar esta
formação que lhe capacite no desempenho de funções administrativas na escola e na direção
de sistemas educacionais. Para ele, a Pedagogia é um campo de conhecimento voltado para as
finalidades da educação numa determinada sociedade, bem como mediar a formação humana
dos indivíduos com o saber. Para isso, o pedagogo deve ser um docente que seja capaz de
lidar com fatos, estruturas, processos, contextos e problemas referentes à educação em suas
diferentes modalidades.
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As análises empreendidas até o momento sobre as idéias de Ildeu Moreira Coêlho, não
se esgotam com esse trabalho. Nem tampouco pretende dar conta de explicar todas as
implicações amplas e complexas que envolvem a formação e a identidade do pedagogo em
momentos de reestruturação curricular e pedagógica do curso.
Julgamos que, pela própria amplitude e complexidade dessa temática, esse trabalho se
constitua num convite à reflexão contínua do curso de Pedagogia em busca de sua identidade
profissional, que sem dúvida requer a leitura e compreensão dos fundamentos propostos por
Coêlho.
2. Por um conceito amplo do curso de Pedagogia: o entendimento de José Carlos
Libâneo
No mesmo período em que ocorreram os encontros do ciclo de debates (1992), o
professor José Carlos Libâneo também apresentou as suas idéias, ou melhor, o seu
entendimento sobre o conceito amplo do curso de Pedagogia. O objetivo era o mesmo,
reavaliar o curso de Pedagogia da FE/UFG através do debate, e, portanto, refletir sobre a
formação profissional do pedagogo. Naquela oportunidade, ele realizou um estudo teórico-
epistemológico sobre a Pedagogia, a formação acadêmica do curso e as perspectivas de
ampliação da atuação profissional do pedagogo.
A proposta de Libâneo foi dividida nos seguintes tópicos: a) entendimento da
Pedagogia e do pedagogo; b) campos do conhecimento pedagógico; c) áreas de atuação
profissional do pedagogo; d) as formulações básicas da proposta; e) estrutura e organização
curricular. Nesse tópico, apresentaremos as principais idéias de Libâneo inclusas em seu
projeto, bem como as contidas em outras de suas publicações, que lhe deram suporte técnico
na produção do texto. O nosso objetivo também foi o de comparar os aspectos teóricos e
epistemológicos com Coêlho, a fim de encontrarmos elementos subsidiadores que ampliam a
compreensão da Pedagogia e da atuação do pedagogo nas instituições sociais.
Libâneo concebe o termo Pedagogia como “a ciência que investiga a realidade
educativa, no geral e no particular, visando, mediante conhecimentos científicos, filosóficos e
técnico - profissionais, a explicitação de objetivos e formas de intervenção metodológica e
organizativa nos âmbitos da atividade educativa implicando na transmissão de saberes”
(LIBÂNEO, 1992, p. 1).
De início, ele parte para a defesa da tese de que a Pedagogia constitui uma ciência,
cujo objeto de estudo, é a educação em seus variados níveis. Vimos no tópico anterior que
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Coêlho, não faz o mesmo reconhecimento por acreditar que a educação não é objeto exclusivo
da Pedagogia, mas também pode se constituir objeto de estudo de outras modalidades do
conhecimento. Diante disso, Libâneo faz a seguinte reflexão: se a prática educativa apresenta-
se como fenômeno constante e universal inerente à vida social, se possui subsídio para ser
investigada e é uma atividade humana real, então ela se constitui como objeto de
conhecimento passível de estudo científico pela Pedagogia podendo ser, ao mesmo tempo,
teoria e prática da educação.
Certamente ele reconhece que a educação pode se constituir como objeto de estudo de
outras ciências, pelo fato da educação ser analisada sob vários enfoques. Isto tem levado
alguns pesquisadores a postularem a existência das chamadas ciências da educação excluindo
a Pedagogia do campo científico. Contudo, para Libâneo, essas mesmas ciências somente
abordam o fenômeno educativo sob a ótica de seus próprios conceitos e métodos de
investigação que são específicos para cada área do conhecimento. A Pedagogia é um
componente das ciências da educação, que se distingue das outras, por analisar o fenômeno
educativo em sua totalidade. É bem verdade que ele não despreza a contribuição dos conceitos
e métodos de outras ciências, enquanto a Pedagogia busca instituir os seus próprios meios de
investigação, mas recomenda que essa contribuição seja em função de uma aproximação
global e intencionalmente dirigida aos problemas educativos. Nas palavras de Libâneo,
É inevitável que ocorram entendimentos parcializados devido ao viés das várias
áreas do conhecimento que se ocupam do fenômeno educativo, das diversas
instituições que lidam com questões educacionais ou das experiências vividas na
prática. Não é de se estranhar que sociólogos, psicólogos, administradores escolares,
professores, costumem abordar questões da educação apenas sob o prisma de sua
formação acadêmica ou de suas experiências em instituições específicas. Os
problemas surgem quando esses especialistas pretendem generalizar conclusões de
estudos ou suas opiniões para todas as instâncias da prática educativa. (LIBÂNEO,
1994, p. 65).
Analisada dentro desta perspectiva pode-se entender porque esta temática, dentro do
fenômeno educativo, torna-se interesse comum de vários campos do conhecimento. Existe
uma diversidade enorme de concepções científicas a respeito da educação o que a torna
fragmentada pela visão reducionista de cada saber. Ele questiona:
Chega a incomodar a insistência com que alguns filósofos, sociólogos e psicólogos
da educação provocam os pedagogos, perguntando para que serve a Pedagogia ou a
Didática ou qual a especificidade dessas disciplinas. Como lidar com essas
questões? Há soluções para esses impasses no diálogo entre as ciências da
educação? (...) Será possível uma convergência dos especialistas das várias ciências
da educação – sociólogos, psicólogos, lingüistas e outros – em torno de
problemáticas específicas do ensino, da docência, da sala de aula, sem disputar
exclusividade? (LIBÂNEO, 1994, p. 66).
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Em seu entendimento, nenhum outro campo científico trata especificamente do
fenômeno educativo como a Pedagogia. E exemplifica, um psicólogo que investiga ou atua
no campo educacional acaba aplicando em sua pesquisa os conceitos e métodos da Psicologia,
cujos resultados obtidos, são de ordem psicológica. O mesmo acontece com os resultados das
pesquisas da Sociologia, Economia, História, ou de outras áreas do conhecimento.
No curso de Pedagogia, com algumas exceções, tradicionalmente quem ministra
disciplinas de Psicologia da Educação é um Psicólogo, Sociologia da Educação é um
Sociólogo, Filosofia da Educação é um Filósofo e assim por diante. Esses profissionais, em
sua prática docente na Faculdade de Educação, quando não se dedicam à pesquisa
educacional, mesmo direcionando o conteúdo e a didática para o campo educativo, acabam
ensinando primeiro ao aluno de graduação os conceitos de sua área específica. Somente
depois é que faz a relação com os fenômenos educativos, o que nem sempre é possível dada à
complexidade de suas respectivas áreas de conhecimento.
A conseqüência direta dessa situação, muitas vezes leva o aluno de graduação a
apreender um pouco do conteúdo específico de cada área. Ao mesmo tempo, ele encontra
dificuldade em articular esses conhecimentos com a educação. Não é rara a pergunta que
alguns alunos fazem uns aos outros sobre a relevância e aplicação desse ou de outro conteúdo
específico em sua futura prática profissional.
Por todas essas razões é que, para Libâneo, a Pedagogia constitui o campo do
conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, “isto é, do ato educativo, da
prática educativa como um dos aspectos da atividade humana” (LIBANEO, 1993, p. 112).
Segundo sua análise, nela reside a capacidade de integração dos enfoques parciais das
diversas áreas científicas, em função de uma aproximação com os fenômenos educativos,
evitando sua fragmentação.
Mas o que define a especificidade da Pedagogia? Segundo Libâneo é o ato educativo
enquanto aspecto da realidade histórico-social possíveis de serem descritos, compreendidos e
devidamente explicados mediante “métodos de investigação e elaboração sistemática de
resultados, em função de um corpo de conceitos e proposições” (1992, p. 1).
A Pedagogia então pode ser vista como uma teoria reflexiva sobre os aspectos globais
da realidade e suas relações com outros. Assim ela,
Constitui-se, pois, como campo de investigação específico cuja fonte é a própria
prática educativa e os aportes teóricos providos pelas demais ciências da educação e
cuja tarefa é o entendimento, global e intencionalmente dirigido, dos problemas
educativos. (LIBÂNEO, 1992, p. 1-2).
98
Após ter delimitado seu entendimento do que é a Pedagogia e o seu campo de estudo,
Libâneo passa a definir o que ele entende por pedagogo e qual o papel que pode desempenhar
nos espaços educacionais. Segundo sua concepção, ele é o profissional que atua em várias
instâncias e níveis da prática educativa, de forma direta (docência) ou indiretamente
(planejamento, organização, gestão) ligada aos processos de produção, assimilação e
transmissão de saberes e modos de ação cujos objetivos é a formação humana definidos
previamente em sua contextualização histórica. “Em outras palavras, pedagogo é um
profissional que lida com fatos, estruturas, processos, contextos, problemas, referentes à
educação em suas várias manifestações e modalidades” (LIBÂNEO, 1992, p. 1).
Freitas (1987), também reforça essa concepção sobre o papel do pedagogo dentro das
instituições sociais.
É dentro desse contexto que o papel do pedagogo tem que ser recuperado como
profissional cuja atividade está determinada, principalmente, pela responsabilidade
social que a sociedade lhe reserva sob o marco de uma instituição social imersa em
uma sociedade de classes, guiado por um projeto histórico claro. A partir de uma
prática obrigatoriamente interdisciplinar, a Pedagogia deve gerar seu paradigma
próprio de análise do processo educacional e pedagógico, mediando e integrando os
vários aportes das disciplinas que lhe dão suporte epistemológico, em um nível
qualitativamente superior e tendo, como compromisso científico, a busca de
regularidade da matéria que pesquisa. É nesse contexto que se insere o espaço de
uma teoria pedagógica. (FREITAS, 1987, p. 136, grifo nosso).
O fenômeno educativo constituindo-se como um aspecto da realidade histórico- social,
é um fato da vida individual e social que pode ser descrito, explicado, compreendido, em suas
várias dimensões, mediante métodos de investigação e elaboração sistemática de resultados,
em função de um corpo de conceitos e proposições.
Nesse entendimento, Libâneo diz que o curso de Pedagogia, visto como teoria e
reflexão sobre aspectos da realidade e suas relações com outros discursos devem proporcionar
ao aluno de graduação, condições para que ele reúna esses conteúdos, sistematize e consiga
articulá-los, dentro de um contexto histórico-social, e com a sua prática educativa
desenvolvida no campo educacional. Ela pode ser desenvolvida dentro ou fora da escola, ou
em qualquer ambiente onde possa haver a possibilidade de desenvolvimento de uma prática
educativa. O pedagogo tem aí seu espaço de trabalho que ultrapassa a docência, porque a
prática educativa não é um fenômeno exclusivo da escola.
Para Neves (1986), o fenômeno educativo como fato da vida social se dá por meio do
trabalho:
Trabalho deve ser, portanto, o pólo norteador das atividades de todas as atividades
que desenvolvem na escola. Não mais a educação para o trabalho, nem
99
simplesmente educação pelo trabalho, mas uma pedagogia do trabalho que é uma
forma de pensar e fazer educação. Quer dizer: Trabalho é a ligação entre a escola e a
vida, é o mediador entre a escola e a sociedade, o norteador de toda a atividade
pedagógica (NEVES, 1986, p. 30).
Admitidos esse entendimento da Pedagogia e do Pedagogo, Libâneo reconhece que os
profissionais que se ocupam de domínios e problemas da prática educativa, em suas várias
manifestações e modalidades são, genuinamente, pedagogos. Assim a atribuição profissional
do pedagogo pode ser ampliada além da “docência”, reconhecendo sua atuação dentro das
diversas atividades voltada para o campo educacional ou para o saber educativo referindo-se
às atividades desenvolvidas no sistema educacional, cujas finalidades mais amplas da
educação, envolvem objetivos e meios de ensino e aprendizagem e a sua correspondente
instrumentalização.
Diante das dificuldades que a questão epistemológica envolve, particularmente quando
se refere ao campo da educação, cuja natureza, objeto e método não são claros muitas vezes
aos que se dedicam ao exercício científico dessa atividade humana, não é raro observar quem
advoga que a discussão de seu estatuto de cientificidade é obrigação de outras ciências e
nunca da Pedagogia. Segundo Vieira Pinto,
[...] qualquer que seja o campo de atividade a que o trabalhador científico se aplique,
a reflexão sobre o trabalho que executa, os fundamentos existenciais, suportes
sociais e as finalidades culturais que o explicam, o exame dos problemas
epistemológicos que a penetração no desconhecido do mundo objetivo suscita, a
determinação da origem, poder e limites da capacidade perscrutadora da
consciência, e tantas outras questões do gênero, que se referem ao processo de
pesquisa científica e da lógica da ciência, não podem ficar à parte do campo de
interesse intelectual do pesquisador, que precisa conhecer a natureza do seu trabalho,
porque esse é constitutivo da sua própria realidade individual (PINTO, 1969, p. 3).
Dentro desta perspectiva, Libâneo identifica na Pedagogia um campo de
conhecimento que investiga a natureza e as finalidades da educação numa determinada
sociedade, bem como os meios apropriados de formação humana, particularmente a
transmissão e assimilação de saberes mediante os quais se desenvolvem as capacidades e
qualidades humanas e as convicções orientadoras de atividade humana.
Ao analisar historicamente o desenvolvimento do objeto de estudo da Pedagogia,
Libâneo identifica os elementos constitutivos da relação pedagógica: os alunos, os conteúdos,
os métodos e a sociedade, todos articulados pela ação do educador. É em torno desses
elementos que se forma o domínio dos conhecimentos científicos, filosóficos e práticos que
compreendem a competência profissional do pedagogo.
Libâneo destaca, a existência de vínculos entre a Pedagogia e a política, o que permite
dizer que o fenômeno educativo é socialmente determinado e subordina-se a interesses e
100
práticas de classes e grupos sociais em conflito. Essa visão implica, entre outras
conseqüências, uma abordagem sempre historicizada da educação e da Pedagogia. Destaca-se
aí, a importância incontestável dos objetivos sócio-políticos na consideração dos elementos
constitutivos da relação pedagógica. Nesse sentido o ato pedagógico “implica ações
intencionais, conscientes, organizadas, de transmissão e assimilação ativa de saberes,
admitidos como verdadeiros, conforme opções sócio-políticas de um projeto de gestão social”
(Libâneo, 1993, p. 15). Conforme justifica, a identificação dos elementos constitutivos ou
setores da formação pedagógica evidenciam a especificidade do campo do conhecimento
pedagógico. Isso não significa desconhecer as investigações necessárias sobre a epistemologia
da Pedagogia ou das chamadas ciências da educação; ou como afirmou Coêlho “Absurda
também me parece essa elevação da Pedagogia à condição de rainha do saber na área da
educação” (COÊLHO, 1992, p. 12, grifo nosso).
Libâneo rebate a acusação distinguindo a ciência pedagógica, que dispõe de ramos de
estudos dedicados a vários aspectos da prática educativa (teoria da educação, do ensino,
organização escolar, política educacional), com o aporte das demais ciências da educação que
possibilitam uma abordagem pluridimensional e interdisciplinar do fenômeno educativo.
A compreensão de que a Pedagogia é parte integrante do conjunto das ciências da
educação, destaca-se das demais por assegurar a sua unidade e dar sentido às contribuições
das demais ciências, já que seu enfoque é, ao mesmo tempo, globalizante e unitário do
fenômeno educativo. Os conhecimentos obtidos das outras ciências, à medida que se voltam
ao fenômeno educativo, converte-se em conhecimentos pedagógicos, única razão para que se
tenha uma Sociologia da Educação , Psicologia da Educação, Filosofia da Educação, História
da Educação, por exemplo. Libâneo adverte para o fato de que não se deve concluir que esteja
promulgando a formação do pedagogo “generalista”.
Para delimitar o campo de conhecimento pedagógico, Libâneo identifica as áreas de
estudo teóricas e práticas da Pedagogia:
a) Conhecimentos científicos e filosóficos da educação, abrangendo os elementos
constitutivos da relação pedagógica já mencionados dentro da multiplicidade de
análises do fenômeno educativo.
b) Conhecimentos específicos da atividade propriamente pedagógica e que
constituem a referência básica do tratamento do fenômeno educativo.
Constituem a outra parte do núcleo básico de formação do pedagogo.
c) Conhecimentos técnico-profissionais específicos conforme o âmbito da atuação
profissional (LIBÂNEO, 1992, p. 4).
Assim, podemos compreender que ele amplia o conceito, o campo de atuação e as
áreas de atuação do pedagogo, além daqueles que foram assumidos em 1984. Analisando
101
os textos de Libâneo observamos, também, um ponto bastante definido para ele que é a
identificação do papel do pedagogo em sua área de atuação. Se para ele o entendimento da
Pedagogia e do pedagogo ultrapassa o limite da docência, logo é de se esperar que onde há
atuação em qualquer atividade educativa ali deverá haver a presença de um pedagogo com a
habilitação específica para tal função. Se há diversidade de funções, logo há também a divisão
do trabalho.
Segundo Carvalho (1989), o surgimento e o desenvolvimento da divisão do trabalho
existente na escola é visto na sua relação com a expansão do proletariado e como expressão
política própria, colocando em relevo as novas peculiaridades da questão social, no
capitalismo monopolista, ou seja, numa conjuntura histórica marcada pelo autoritarismo e
pela pauperização crescente da classe trabalhadora.
As respostas que a escola e os seus profissionais podem dar à questão são, segundo
Carvalho, basicamente duas: a) a busca pela atualização da herança conservadora na escola,
ou a ruptura com a mesma; b) a presença de todos os profissionais existentes na escola, e não
apenas dos especialistas da educação, que seguem a lógica do capital e, portanto, tem a ver
com os antagonismos que a fundam. Sendo assim, a principal tarefa que se impõe é a de
definir-se na direção de um desses pólos em luta e, a partir dele, repensar estratégias que
subvertam essa relação.
Olhando por esta perspectiva, parece que o antagonismo que a escola vive na
bipolarização entre docentes e especialistas, acaba por enquadrar a escola dentro de uma das
estruturas do sistema capitalista, ou seja, a divisão do trabalho. Esse entendimento é muito
importante para a compreensão das atividades educativas no sistema educacional. Se a
FE/UFG forma ou deixa de formar especialistas, como já discutimos anteriormente, o sistema
capitalista não sofre de nenhum imobilismo porque sempre ‘arranja’ uma maneira de manter
ocupações específicas e técnicas para a execução cotidiana das atividades escolares,
independentes ou não da exigência de profissionais habilitados para ocupar tais cargos.
Longe de propor qualquer alternativa que inclua a atuação profissional do pedagogo à
lógica do mercado de trabalho capitalista, subjugando-a às modificações transitórias, Libâneo
identifica uma diversidade de práticas educativas na sociedade onde está presente a ação
pedagógica:
No âmbito escolar, cabe distinguir três subdivisões:
a) professores do ensino público e privado, em todos os níveis de ensino;
b)especialistas (supervisores, organizadores, gestores, instrutores, coordenadores)
envolvidos com a ação educativa escolar em vários níveis do sistema de ensino
(centrais, intermediários, locais);
102
c)especialistas (monitores, instrutores, técnicos, animadores, consultores,
orientadores, clínicos) que atuam em atividades pedagógicas para-escolares, em
órgãos do setor público, privado ou público não-estatal, ligadas a associações
populares, educação de adultos, clínicas de orientação pedagógica/psicológica,
entidade de recuperação de deficientes, etc. (LIBÂNEO, 1992, p. 4).
Segundo Paro (1988), os profissionais que embora não trabalhem em funções
propriamente docentes, deixam de emprestar seus esforços, na concretização dos objetivos
educacionais, quando não levam em consideração sua participação na gestão da escola, seus
interesses e reivindicações enquanto trabalhadores que são. Além disso, tanto professores,
orientadores educacionais, coordenadores pedagógicos, supervisores educacionais ou
administradores educacionais, também são, acima de tudo, educadores por ‘excelência’ da
escola, ou seja, são pessoas encarregadas em última instância das atividades-fim do ensino na
instituição escolar em qualquer modalidade ou nível de aprendizagem. Isto exige a
participação de toda a comunidade para que, juntos, possam elaborar o plano de ação
pedagógico adequado à realidade local.
Podemos perceber que, tanto para Libâneo quanto para Paro, a presença dos
profissionais da educação em funções docentes ou não, numa gestão democrática da escola, é
importante e necessária já que eles são os autênticos “produtores diretos” da educação escolar.
É importante salientar que eles não estão fazendo nenhuma defesa prévia de formação
pedagógica docente ou não docente, mas está evidenciando a importância do conhecimento e
familiaridade que o educador deve ter, não apenas com os aspectos mais propriamente
pedagógicos da escola, mas também com os métodos e técnicas administrativas mais
adequadas à promoção da racionalidade interna e externa da mesma (como por exemplo,
compra de materiais, merenda escolar, Planos de Desenvolvimento da Escola, projetos, etc.).
Ao abordar as modalidades administrativas de gestão escolar, podemos identificar
algumas características importantes que os profissionais da educação, incluindo os pedagogos,
devem ter ao ocupar cargos administrativos, já que a escola necessita desses cargos diretivos
para o seu pleno funcionamento:
Numa administração escolar autoritária e centralizadora da figura do diretor, basta
que esse e mais alguns de seus auxiliares mais diretos dominem os conhecimentos e
técnicas de gerência e administração. O mesmo não acontece numa administração
democrática, em que não existem chefes colocados autoritariamente sobre os
demais, visto que as responsabilidades administrativas foram distribuídas
juntamente com a autoridade. Nesta nova situação, é importante que todos saibam os
princípios e os métodos de uma nova administração, esta identificada com os
interesses da classe trabalhadora. Esta constatação deveria contemplar uma parte
de formação administrativa para todos os futuros educadores e não apenas para
alguns interessados em ser diretores escolares
(PARO, 1988, p.163; grifo nosso).
103
Conforme podemos entender, a atuação profissional do pedagogo pode envolver outras
atividades não docentes quando lida com qualquer outra atividade educativa, englobando
aqui, atividades de gestão que não pode ser confundida somente com a formação para as
funções administrativas. A gestão envolve princípios comuns de orientação e reorientação de
ações pedagógicas na escola que norteiam a construção e intervenção no estabelecimento das
normas, princípios e diretrizes das atividades educacionais. Uma gestão democrática, por
exemplo, pressupõe que as decisões a respeito do processo de ensino e das condições
específicas para sua viabilização sejam tomadas pelas próprias instituições escolares. Nesse
sentido, a proposta de Libâneo ultrapassa a idéia de formação do pedagogo existente nas
décadas de 1960 e 1970 assentada na mera formação burocrática-legal, ele vai além dessa
construção reducionista.
Nesta mesma linha de raciocínio, Libâneo distingue no âmbito extra-escolar algumas
atuações profissionais que podem ser exercidas sistematicamente como atividades
pedagógicas:
a) formadores, animadores, instrutores, organizadores, técnicos, consultores,
orientadores que desenvolvem atividades pedagógicas em órgãos do setor
público, público não-estatal e privado ligadas a associações culturais, empresas,
serviços de saúde, alimentação, etc.
b) formadores ocasionais que ocupam parte de seu tempo em atividades
pedagógicas (saberes e técnicas ligados em outra atividade profissional
especializada. São supervisores, técnicos, engenheiros, etc., que dedicam parte de
seu tempo em ensinar jovens e adultos no local de trabalho, orientar estagiários
(LIBÂNEO, 1992, p. 4).
Como esse campo de atividade pedagógica, segundo Libâneo é extenso; e, segundo
afirmou, não caberia esperar que um curso de Pedagogia abrangesse o atendimento a todos os
setores mencionados, ele propõe que seja oferecida a habilitação de uma orientação educativa,
por exemplo, a fim de ampliar as possibilidades de atuação do pedagogo em várias esferas
profissionais, inclusive na área de desenvolvimento de pessoal de empresas. Para que isso
possa se concretizar, é necessário que se repense na re-implantação das habilitações no curso
de Pedagogia da FE/UFG.
Libâneo propõe que a FE/UFG ofereça duas alternativas distintas para a formação do
pedagogo (uma base comum e uma parte diversificada): a) Curso de Pedagogia; b) Curso de
Licenciatura.
O Curso de Pedagogia se dedicaria à formação do pedagogo especialista, mediante
duas habilitações: a Gestão e Supervisão escolar e de Orientador Educacional, sendo que a
104
criação de outras habilitações dependeria de outros fatores, porém sempre conjugando
necessidades do sistema escolar com a ampliação do mercado de trabalho.
O Curso de Licenciatura dedicaria à formação básica, para a docência, mediante duas
habilitações: professor para o magistério de disciplinas pedagógicas do 2º grau (ensino
médio), para o magistério das séries iniciais do 1º grau e professor para o magistério das
disciplinas de 5ª a 8ª séries (ensino fundamental). Na proposta apresentada por ele, está
contemplada apenas a licenciatura para o magistério de 2º grau e séries iniciais do 1º grau.
A habilitação para o magistério de classes de 5ª a 8ª séries dependeria de outras
questões e decisões que tornariam oportuna sua viabilização até aquele momento
35
. Na
proposta, havia ainda a inclusão de disciplinas comuns a outras possíveis licenciaturas (caso
venham a ser criadas) e disciplinas específicas a cada licenciatura.
Libâneo identifica também, a extensão do campo de aplicações da Pedagogia, que não
se restringe apenas à educação escolar. Nesse sentido, faremos menção ao seu entendimento
sobre o que ele entende por Pedagogia escolar. Na organização do sistema escolar nacional,
estadual e municipal de ensino existem estruturas mais complexas de atendimento escolar,
seja no que se refere à gestão do sistema seja no que se refere à escola.
Isso requer uma variedade maior de agentes do processo educacional, outros
educadores profissionais distintos do docente.
É notória que na base de um sistema de ensino, está na relação direta entre professor e
alunos. Porém, a amplitude dos serviços educacionais é complexa. Ela extravasa os ‘muros’
da escola quanto à sua divisão do trabalho no âmbito dos sistemas centrais e locais de ensino
necessitando, portanto, de profissionais especializados porque a ‘tarefa educativa é
especializada’. Como em sua visão há uma diversidade de funções educativas muito
importantes na execução das atividades educacionais, ele propõe outros níveis de ação
pedagógica além do trabalho docente, a saber:
níveis de gestão e supervisão no âmbito do sistema escolar (órgãos da administração
superior), envolvendo atividades de planejamento educacional, organização de
programas mínimos, pesquisa educacional, estatística, etc.; níveis intermediários de
gestão e supervisão envolvendo atividades correlatas às mencionadas no âmbito das
delegacias de ensino; nível escolar, envolvendo as tarefas de administração e gestão
e assistência pedagógica e didática ao professor.(LIBÂNEO, 1992, p. 6-7).
Libâneo volta novamente a discutir a divisão do trabalho na escola para defender o
retorno das habilitações no curso de Pedagogia da FE/UFG. Ele lida aqui com um pensamento
35
As questões e decisões que viabilizariam estas habilitações, não foram divulgadas em documento, apenas
comentadas durante o ciclo de debates de 1992 na FE/UFG. Diziam respeito à matriz curricular e uma
adequação na mesma, de disciplinas específicas de outras áreas do conhecimento.
105
diferenciado a respeito da diversidade ocupacional dos pedagogos. Ele entende que os modos
de ação, os problemas e os requisitos profissionais para a execução dessa diversidade de
ocupações são necessariamente da mesma natureza quando se consideram os níveis de ação
pedagógica. Também, ele coaduna com a idéia de que, por mais que o trabalho escolar deva
ter um cunho democrático e participativo, não se deve excluir uma certa divisão do trabalho
quando há implicações de uma variedade de agentes pedagógicos e requisitos específicos de
exercício profissional. De acordo com Libâneo, não é apenas suprimindo as habilitações do
processo de formação que se chegará à eliminação da divisão do trabalho na escola e muito
menos na sociedade, pois a divisão do trabalho tem origem fora da escola.
Cumpre reconhecer que se está frente a uma inevitável divisão do trabalho
pedagógico escolar. Sem dúvida, esta divisão tem conexões com a divisão do
trabalho constituinte da sociedade capitalista. A divisão social do trabalho tende, de
fato, a reproduzir-se na escola, ainda que com feições próprias. Mas há que se
considerar certas características da organização escolar que não permitem uma
análise linear que leve a uma correspondência entre sistema de gerenciamento
empresarial e gerência da escola. Estudos recentes têm demonstrado, por exemplo,
que o tipo de relações sociais que ocorrem na escola se distingue da rigidez que
ocorre nas organizações empresariais; a matéria-prima do trabalho escolar se
distingue substantivamente daquela da empresa fabril ou comercial; a atividade
docente não se identifica com uma linha de montagem; o produto do trabalho escolar
é de outra natureza do que o da fábrica e assim por diante. (LIBÂNEO, 1992, p. 7).
Carvalho (1989) também alerta para o fato dessa transcendência atribuída à escola de
reprodução do sistema capitalista, como se todas, indistintamente, pudessem ser vistas
somente por essa ótica. Segundo sua concepção,
[...] as perspectivas discutem a divisão do trabalho escolar no âmbito específico das
chamadas especializações da educação, desconsiderando a existência de uma divisão
do trabalho muito mais complexa e sofisticada e que extrapola, de muito o âmbito no
qual a questão está sendo discutida [...] é indiscutível que a escola apresenta em seu
âmbito questões a serem explicadas e resolvidas, mas tais questões não podem ser
explicadas e muito menos resolvidas, se se toma a escola como um lugar que
transcende as relações alienadas de produção e reprodução das relações sociais
capitalistas (CARVALHO, 1989, p.14 e 17).
Não podemos limitar as posições de Libâneo e Carvalho apenas no que diz respeito a
um exagero na importância atribuída ao trabalho dos especialistas e, ao mesmo tempo, achar
que sem eles não se resolvem os problemas das escolas públicas referentes à atuação do
professor em sala de aula. Aqui cabe apenas, repensar as formas de gerenciamento assentadas
na administração empresarial, mas não cabe aqui a exclusão de todo o tipo de gerenciamento.
Fica evidente, uma consideração importante sobre a organização do trabalho pedagógico na
escola proposto por Libâneo. Ele entende que não há como continuar sustentando a
polarização existente na escola entre especialistas e docentes. O que há é a necessidade de
106
formas alternativas de gestão democrática, que conjuguem as atividades diretivas da escola
com as atividades docentes, e que superem as “meras reivindicações de eleições, de
assembleísmo e das recusas inconseqüentes de toda forma de autoridade e controle”
(LIBÂNEO, 1992, p. 8), que são diferentes de autoritarismo ditatorial. Assim, entendemos
porque é importante, para Libâneo, outras modalidades ocupacionais dos pedagogos nos
sistemas educacionais. É bom ressaltarmos que a proposta de Libâneo propunha ser também
progressista
36
, e em decorrência disso, acreditamos que o ponto mais relevante de seu
entendimento refere-se às atribuições dos pedagogos nas questões educativas.
Para clarificar mais sua exposição, Libâneo propôs uma alternativa que foi
transformada posteriormente em proposta de alteração da matriz curricular do curso de
Pedagogia. Ele propõe que a FE/UFG assuma as tarefas de formação profissional docente e de
habilitações àqueles que desejassem ensinar no ensino de 1° e 2° graus (ensino fundamental e
médio), separando as licenciaturas do bacharelado. Para sua concretização, ele demonstra a
necessidade de que a organização curricular do curso proponha a possibilidade dos
licenciados, em um ou mais anos de estudos, cursarem também habilitações para a formação
de pedagogo-especialista (Bacharelado).
Com a colaboração do professor José Luiz Domingues, também professor da FE/UFG,
Libâneo propõe, no mesmo documento mimeografado em análise, uma organização curricular
para o Bacharelado e outra para a Licenciatura, conforme exposição das ilustrações abaixo:
1 . Bacharelado:
Habilitação I – Gestão e Supervisão da Escola
Habilitação II – Orientação Educativa
Ilustração 6 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
37
.
2 . Licenciatura:
Professor para as quatro primeiras séries do Ensino de 1° grau e para as Disciplinas
Pedagógicas do Ensino de 2° grau – Habilitação: Magistério para as quatro séries do Ensino
de 1° Grau.
36
Entendemos por progressista a tendência que parte da análise crítica das realidades sociais que sustentam as
finalidades sócio-políticas da educação. A Pedagogia progressista não tem como se institucionalizar numa
sociedade capitalista, por isso se constitui num instrumento de luta dos professores ao lado de outras práticas
sociais. Podemos comparar as características da pedagogia progressista com outras, nas obras de Fusari e Ferraz
(1992, p. 40) e Pessi (1994. P. 26-31).
37
Fonte: LIBÂNEO, J. C. Proposta de estrutura e organização curricular da Faculdade de Educação da UFG.
Ciclo de debates. Goiânia, 1992 (mimeo).
107
Esta divisão pretendia integrar ao currículo do curso de Pedagogia da FE/UFG, novas
formas de gestão escolar, de modo a instaurar relações pedagógicas mais participativas.
Quanto os núcleos temáticos, a proposta ficou assim distribuída:
Núcleo Temático Carga Horária Obrigatoriedade
A – Sociedade, Cultura e Ensino
B – Compreensão da Instituição Escolar
C – Elementos de Organização Escolar
1408
672
320
Bacharelado e Licenciatura
Bacharelado e Licenciatura
Bacharelado
D – Gestão e Supervisão da Escola
E - Orientação Educativa
F – Pré-condições do processo de
transmissão-assimilação
G – Conteúdo e Metodologia da
Alfabetização e Cidadania
H – Conteúdo e Metodologia da
Formação do professor
800
800
128
672
320
Bacharelado: Habilitação I
Bacharelado: Habilitação II
Licenciatura
Licenciatura
Licenciatura
Ilustração 7 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
38
.
As respectivas cargas horárias contariam, cada uma, com uma carga horária de 3.200
horas e ficariam assim distribuídas:
Bacharelado: Habilitação Gestão e Supervisão da Escola Carga Horária
Núcleo Temático A:
Núcleo Temático B:
Núcleo Temático C:
Núcleo Temático D:
1408
672
320
800
Bacharelado: Habilitação Orientação Educativa Carga Horária
Núcleo Temático A:
Núcleo Temático B:
Núcleo Temático C:
Núcleo Temático E:
1408
672
320
800
38
ibidem.
108
Licenciatura Carga Horária
Núcleo Temático A:
Núcleo Temático B:
Núcleo Temático F:
Núcleo Temático G:
Núcleo Temático H:
1408
672
128
672
320
Ilustração 8 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
39
.
A distribuição das disciplinas na matriz curricular deveria obedecer a seus respectivos
núcleos temáticos e eixos epistemológicos, ficando assim estruturada:
A – Núcleo Temático: Sociedade, Cultura e Ensino
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Biologia Biologia Aplicada à Educação 04 128 128
Educação Teorias da Educação 04 128 128
Filosofia
Filosofia da Educação I
Filosofia da Educação II
04
04
128
128
256
-
História
História da Educação I
História da Educação II
04
04
128
128
256
-
Instrumentação
Científica
Iniciação Científica I
Iniciação Científica II (Estatística)
02
02
64
64
128
-
Psicologia
Psicologia da Educação I
Psicologia da Educação II
04
04
128
128
256
-
Sociologia
Sociologia da Educação I
Sociologia da educação II
04
04
128
128
256
-
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO 1408
Ilustração 9 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
40
.
39
ibidem.
40
ibidem.
109
B – Núcleo Temático: Compreensão da Instituição Escolar
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Ensino
Ação Pedagógica na Escola (estágio)
Currículo I
Didática
03
03
03
96
96
96
288
-
-
Organização
Escolar
Estrutura e Funcionamento do Ensino
Organização do Trabalho Pedagógico
03
03
96
96
192
-
Psicologia Psicologia Social da Educação 03 96 96
Política
Educacional
Políticas Públicas e Educação 03 96 96
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO
672
Ilustração 10 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
41
.
C – Núcleo Temático: Elementos de Organização do Ensino
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Educação Modalidades de Prática Educativa 03 96 96
Ensino
Avaliação da Educação e
Aprendizagem
Currículo II
Tecnologia e Educação
02
03
02
64
96
64
224
-
-
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO
320
Ilustração 11 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
42
.
41
ibidem.
42
ibidem.
110
D – Núcleo Temático: Gestão e Supervisão da Escola
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Organização
Escolar
Estágio
Princípios e Métodos da Gestão e
Supervisão da Escola
Teorias da Organização Escolar
04
04
04
128
128
128
384
-
-
Educação Educação Comparada (Sistema) 04 128 128
Instrumentação
Métodos e Técnicas de Pesquisa
Monografia
03
02
96
64
160
-
Política
Educacional
Planejamento e Economia da
Educação
04
128
128
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO 800
Ilustração 12 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
43
.
E – Núcleo Temático: Orientação Educativa
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Organização
Escolar
Organização do Trabalho na
Escola e na Empresa
04
128
128
Instrumentação
Científica
Monografia
Métodos e Técnicas de Pesquisa
02
03
64
96
160
-
Orientação
Educativa
Educação e Saúde do Escolar
Desenvolvimento de Pessoal
Princípios e Métodos de
Orientação Educativa
Estágio
04
04
04
04
128
128
128
128
512
-
-
-
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO 800
Ilustração 13 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
44
.
43
ibidem.
44
ibidem.
111
F – Núcleo Temático: Pré-Condições do Processo de Transmissão-Assimilação
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Orientação
Educativa
Educação e Saúde do Escolar
Orientação Educativa
02
02
64
64
128
-
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO 128
Ilustração 14 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
45
.
G – Núcleo Temático: Conteúdo e Metodologia da Alfabetização e Cidadania
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Ensino
Conteúdo e Metodologia da Educação Artística
Conteúdo e Metodologia de Ciências
Conteúdo e Metodologia de História e
Geografia
Conteúdo e Metodologia de Matemática
Alfabetização (Psicolingüística)
Conteúdo e Metodologia de Português
Estágio Integrado
02
03
03
03
03
03
04
64
96
96
96
96
96
128
672
-
-
-
-
-
-
TOTAL: NÚCLEO TEMÁTICO 672
Ilustração 15 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
46
.
H – Núcleo Temático: Conteúdo e Metodologia da Formação do Professor
Carga Horária
Matéria
Disciplina
Semanal Anual Por Matéria
Ensino
Conteúdo, Metodologia e Prática de Ensino
em:
Estrutura e Funcionamento do
Ensino
História da Educação
Filosofia da Educação
Sociologia da Educação
Psicologia da Educação
04
04
04
04
04
128
128
128
128
128
O aluno
deverá
escolher
apenas uma
destas
disciplinas
45
ibidem.
46
ibidem.
112
Educação
Formação do Professor (História, Políticas
Públicas e Estrutura e Funcionamento do
Ensino)
03
96
96
Ensino
Princípios e Métodos da Ação Pedagógica
na Escola de 1° Grau
03
96
96
Ilustração 16 – Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
47
.
Até a 2ª série, as disciplinas ministradas seriam as mesmas tanto para o Bacharelado
como para a Licenciatura. Somente a partir da 3ª série, elas obedeceriam a seus respectivos
núcleos temáticos. A distribuição por série ficaria assim:
Bacharelado e Licenciatura
Seriação Disciplinas Carga Horária Semanal
1° Ano
Biologia Aplicada a Educação
Filosofia da Educação I
História da Educação I
Iniciação Científica I
Psicologia da Educação I
Sociologia da Educação I
Ação Pedagógica na Escola (estágio)
4
4
4
2
4
4
3
TOTAL 25
2° Ano
Filosofia da Educação II
História da Educação II
Iniciação Científica II (Estatística)
Psicologia da Educação II
Sociologia da Educação II
Teorias da Educação
Currículo I
4
4
2
4
4
4
3
TOTAL 25
47
ibidem.
113
Bacharelado
3° Ano
Estrutura e Funcionamento de Ensino
Organização do Trabalho Pedagógico
Didática
Psicologia Social da Educação
Políticas Públicas e Educação
Modalidades da Prática Educativa
Avaliação da Educação e da Aprendizagem
Currículo II (livro didático)
Tecnologia e Educação
3
3
3
3
3
3
2
3
2
TOTAL 25
Licenciatura
3° Ano
Estrutura e Funcionamento de Ensino
Organização do Trabalho Pedagógico
Didática
Psicologia Social da Educação
Políticas Públicas e Educação
Educação e Saúde do Escolar
Orientação Educativa
Alfabetização (Psicolingüística)
Conteúdo e Metodologia de Matemática
3
3
3
3
3
2
2
3
3
TOTAL 25
Bacharelado: Gestão e Supervisão da Escola (Núcleo Temático D)
4° Ano
Estágio
Princípios e Métodos da Gestão e Supervisão da
Escola
Teorias da Organização Escolar
Educação Comparada (Sistema)
Métodos e Técnicas de Pesquisa
Monografia
Planejamento e Economia da Educação
4
4
4
4
3
2
4
TOTAL 25
114
Bacharelado: Orientação Educativa (Núcleo Temático E)
4° Ano
Organização do Trabalho na Escola e na Empresa
Monografia
Métodos e Técnicas de Pesquisa
Educação e Saúde do Escolar
Desenvolvimento de Pessoal
Princípios e Métodos de Orientação Educativa
Estágio
4
2
3
4
4
4
4
TOTAL 25
Licenciatura
Conteúdo e Metodologia da Educação Artística
Conteúdo e Metodologia de Ciências
Conteúdo e Metodologia de História e Geografia
Conteúdo e Metodologia de Português
Estágio Integrado
Formação do Professor
Princípios e Métodos da Ação Pedagógica na Escola
de 1° Grau
2
3
3
3
4
3
3
4° Ano
Conteúdo, Metodologia e Prática de Ensino em:
Estrutura e Funcionamento do Ensino
História da Educação
Filosofia da Educação
Sociologia da Educação
Psicologia da Educação
(O aluno deverá
escolher apenas uma
destas disciplinas)
4
TOTAL 25
Ilustração 17– Proposta de organização curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG
48
.
Esse conjunto de modificações, uma vez aprovado, após o ciclo de debates de 1992,
certamente desencadearia outra mudança significativa no curso de Pedagogia da FE/UFG
desde aquela realizada em 1984.
48
ibidem.
115
O oferecimento do Bacharelado concomitantemente com a Licenciatura, não
significaria um ‘atrelamento’ do curso de Pedagogia, e conseqüentemente da Faculdade de
Educação da UFG, ao mercado de trabalho. Tratava-se de estruturar a Pedagogia como campo
prático e científico passível de ter seu próprio objeto de estudo, o ato educativo, subsidiado,
teoricamente, de forma interdisciplinar por outras áreas do conhecimento.
Para concluir esta análise, a contribuição do próprio Libâneo em palestra proferida no
VII ENDIPE realizado em Goiânia em 1994 é essencial:
Quero deixar um recado aos pedagogos, docentes e não docentes. Para
conquistarmos maior conhecimento social e acadêmico precisamos ser mais
rigorosos e competentes. A falta de tradição científica da Pedagogia no Brasil é em
parte responsável por esse tipo de discussão que estou trazendo. A fragilidade
teórica do campo da Pedagogia leva a que seu discurso seja invadido ou substituído
pelo das demais ciências humanas que disputam a primazia no estudo de problemas
educativos. Há fracasso escolar? É que a escola não fala a linguagem das crianças.
As crianças pobres enfrentam dificuldades de aprendizagem? É que os professores
não levam em conta as relações de poder existentes na sala de aula, é um problema
sociológico. Ou, é porque a escola não respeita os sistemas de cognição próprios de
cada idade, é uma questão psicológica. A escola perdeu a qualidade? A solução é
introduzir novas tecnologias, vídeos, computadores que vão tornar as aulas mais
sugestivas. O que os pedagogos têm a dizer sobre esses reducionismos? Estamos
cientificamente capacitados a postular à Pedagogia seu papel de integrar
conhecimentos das demais áreas em função de uma aproximação global e
intencional da problemática educativa? Penso que sem o reconhecimento de um
campo próprio de investigação da Pedagogia e sem competência para nos
apropriarmos das contribuições das demais disciplinas fica difícil sustentar, também,
a especificidade teórica da Didática
(LIBÂNEO, 1994, p. 77).
3. A análise das propostas: o Parecer de José Nicolau Heck
Durante o ciclo de debates que ocorreu na FE/UFG em 1992, foi convidado pelo
departamento do curso de Pedagogia, o professor da faculdade de filosofia, professor José
Nicolau Heck, para analisar as propostas de Coêlho e Libâneo sobre suas respectivas
concepções teóricas e práticas sobre a formação do pedagogo. A idéia de convidar um docente
de outro departamento se deu por um lado, em virtude do distanciamento que o mesmo
mantinha do calor das discussões que ocorria nos corredores da FE/UFG, e por outro, a
formação acadêmica do professor Heck que é filósofo, credencial necessária para quem
pudesse contemplar os embates, desarraigado de qualquer influência ou fator externo que
pudesse levar a emitir um juízo baseado na doxa.
Sua análise foi traduzida em forma de um Parecer que foi discutido em uma reunião,
no mini-auditório da FE/UFG em outubro do mesmo ano, contando com a presença de
professores, alunos e funcionários técnico-administrativos.
116
O documento apresentado e discutido na reunião foi dividido em quatro pontos
distintos e articulados sobre as conclusões que havia feito da leitura dos textos propostos
pelos debatedores em discussão.
No primeiro ponto, denominado de delimitação negativa, ele alerta para o fato de que
sua análise não tem como objetivo determinar a excelência ou a impropriedade de teorias ou
práticas pedagógicas que, eventualmente, orientem ou desorientem as atividades profissionais
na área da educação. Do mesmo modo, não é objeto de sua conclusão, interferir nas
respectivas avaliações dos professores proponentes acerca da qualidade, do conteúdo, dos
objetivos e métodos propostos pelos mesmos, sobre o tipo de concepção de pedagogo que se
pretendia formar na FE/UFG. Da mesma forma, ele não analisou eventuais propostas de
outros cursos e suas modalidades não debatidos pelos professores proponentes e que surgiram
durante sua exposição. Na realidade, ele analisou os aspectos relacionados à formação dos
pedagogos, frente às duas correntes teóricas acerca do curso de Pedagogia e do pedagogo,
apresentando pontos de vista a favor e contra a compatibilidade das mesmas (HECK, 1992).
O segundo ponto, chamado de delimitação positiva, ele esclarece que o objeto do seu
parecer é a figura do professor de 1º e 2º grau (hoje ensino fundamental e médio) nos textos-
propostas apresentados pelos professores proponentes. Sendo assim, ele se posiciona
favoravelmente frente à compatibilidade da figura do docente nos textos analisados em
questão.
Após se posicionar, ele parte para a definição do que considera a figura do docente
como terceiro ponto a discutir. Para Heck, ambas propostas, definem que a função do
professor é constituir-se agente pedagógico ou educacional. Sendo assim, nenhuma delas
deprecia a figura docente ou sugere que os professores devam ser substituídos ou eliminados
do meio educacional nas modalidades de 1º e 2º graus. Ele também observa, que os pontos
contrastantes de argumentação das propostas, estão relacionados ao enquadramento da figura
do professor na organização escolar e o conseqüente ordenamento administrativo da escola
como instituição pedagógico-educacional. Diante disso, notamos um questionamento que ele
faz acerca dos modos diferenciados ou conflitantes do tratamento dado ao professor pelos
proponentes: são compatíveis ou não?
Como ponto de vista a favor da compatibilidade, ele se limita a discutir dois elementos
que falam a favor da coerência argumentativa das propostas em questão: o argumento
científico e o argumento histórico.
Como argumento científico, ele assegura que podemos identificar nas entrelinhas dos
textos que as propostas não se desclassificam cientificamente, isto é, o status, as funções ou
117
propriedades predicadas por cada proposta à figura do professor nas escolas não são
desqualificadas como acientíficas pelos proponentes (HECK,1992, p. 2).
Conforme analisamos anteriormente, para Coêlho a Pedagogia não pode constituir-se
como uma ciência, enquanto que para Libâneo, ela não só faz parte das ciências da educação
como tem um objeto de estudo: a prática educativa. O que Heck quis evidenciar nesta posição
é em relação à formulação científica das propostas, e não o que cada proponente defende
como sendo científico ou não em relação à Pedagogia.
Nessa perspectiva, as propostas podem ser consideradas como científicas de modo
parecido como dizemos que a física e a química, por exemplo, são ambas ciências, muito
embora um físico não seja, obviamente, um químico ou vice-versa. Ele entende que, para os
autores, é obvio que a concordância sobre o modo de encarar o docente seria correta,
independentemente das possíveis divergências acerca da cientificidade das ciências humanas
ou dos critérios que fazem do saber pedagógico uma ciência. Mesmo uma leitura superficial
das propostas, evidencia que ambos estão perfeitamente informados sobre estas diferentes
correntes científicas
49
.
Para Heck, a controvérsia filosófica que envolve as diferentes atividades científicas,
não pode ser resolvida ou satisfatoriamente encaminhada, apenas pelo melhor enquadramento
das funções docentes nas escolas de 1º e 2º graus. Existem outros aspectos que devem ser
analisados para a emissão de um juízo mais coerente com a realidade científica; esses
aspectos não foram mencionados nem no documento texto nem em sua palestra.
O argumento histórico como ponto de vista compatível entre as propostas, Heck
entende que elas não têm como objeto de estudo concluir que uma ou outra é falsa. Com isso,
O fato de uma proposta pleitear pela manutenção da atual figura do professor não é
questionada pela outra como argumento histórico segundo o qual algo muda
necessariamente com o tempo, assim como se poderia argumentar que está na hora
de falarmos um outro idioma, caso não quisermos virar dinossauros falando
português, já que a história exige mudanças ou revoluções. Também não há nenhum
critério que – por não haver sido exposto – postule por si uma nova figura de
docente nas escolas de primeiro e segundo grau. Comumente só se propõe alterar
algo quando se acha que aquilo que está aí não presta (HECK, 1992, p. 3).
Mesmo divergindo uma proposta com a outra, Heck observa que os textos analisados
propõem um novo perfil de professor e o conseqüente reordenamento administrativo e
educacional das escolas em questão, e os mesmos, evitam referendar suas propostas com
experiências históricas de âmbitos local, nacional ou internacional. Ele julga que,
49
Foi essa representação, mesmo que de forma ideológica da ciência é que forneceu uma legitimidade social à
construção de discursos científicos sobre o homem (Foucault, 1987).
118
possivelmente, já foram feitas experiências iguais ou semelhantes que devem fazer parte de
um acervo histórico de outros países, à espera de ser selecionado pelos cientistas na área da
educação. Sendo assim, ambas as propostas silenciam sobre o colapso pedagógico do sistema
escolar em países de primeiro mundo e não correlacionam dados históricos – desejáveis ou
não, com as suas propostas (HECK,1992, p. 3).
Tomando por referenciais os critérios científicos ou históricos disponíveis, ele parte
para uma conclusão parcial preliminar dos textos-propostas nos quais afirmam que não há por
que considerá-los incompatíveis entre si.
No quarto ponto, Heck conclui sua análise identificando os pontos de vista contra a
compatibilidade das propostas. Primeiramente quanto ao tipo de formação pretendida pela
FE/UFG, principalmente o ‘produto’ dessa formação: docente ou especialista. Em seguida, ele
conclui que pesam pela incompatibilidade, as concepções de eficiência do pedagogo frente ao
imprevisto, ao não desejado, ao imprevisível, a rigor, diante de fatores imponderáveis e, por
assim dizer, negligenciáveis em termos de programação, ou seja, a competência assumida por
um professor em seu ambiente de trabalho em relação a uma atividade pela qual ele não é
responsável e cujo controle lhe permanece alheio é incompatível com a competência de um
docente, mesmo quando esse concebe, planeja e executa seus programas ou aquilo que ele
acha certo ou oportuno. Isto fica evidente quando contrastamos a organização curricular dos
proponentes.
Em sua segunda conclusão parcial, pela maneira conflitante e excludente de qualquer
menção que coloca em evidencia a competência do pedagogo frente ao novo, aos desafios do
cotidiano escolar não previsíveis em nenhuma matriz curricular, ele considera que as duas
propostas são incompatíveis entre si.
Dessa maneira ele parte para a conclusão final dizendo:
Levando em consideração que em toda atividade prática é imprescindível um
mínimo de clareza acerca da competência e do poder de reação frente àquilo que não
é possível prever, as razões que falam contra a compatibilidade prevalecem sobre os
pontos de vista em favor de uma integração ou harmonização das duas propostas
(HECK, 1992, p. 3).
4. Pontos de convergências e divergências nas propostas de Ildeu Moreira Coêlho e José
Carlos Libâneo
Entre as duas propostas apresentadas pelos professores Ildeu e Libâneo no ciclo de
debates de 1992, não só notamos divergências como também algumas convergências.
119
Entre as divergências está o entendimento do que seja a “democratização da
organização do trabalho escolar”. Esta expressão cunhada por Libâneo indica que, para
assegurar o objetivo da escola, que é a formação integral do aluno capacitando-o para os
desafios que a sociedade lhes impõe, o domínio dos conteúdos e o desenvolvimento das
capacidades mentais dos alunos são essenciais nesse processo (LIBÂNEO, 1992). Para
Coêlho, não é assegurando o domínio dos conteúdos ou o desenvolvimento de capacidades
que haverá democratização da organização do trabalho escolar. Se há divisão do trabalho
entre aqueles que pensam (especialistas) o processo educativo e os que executam
(professores) não há democracia no ambiente escolar. Além disso, “consagrar uma
injustificável fragmentação do trabalho na área de produzir professores como incompetentes e
de conduzí-los ao descompromisso com o presente e o futuro da educação, [...] condena esses
especialistas ao autoritarismo” (COÊLHO, 1992, p. 2)..
Libâneo propõe que a Faculdade de Educação seja o espaço específico da universidade
voltada para a transformação social, para o ensino e pesquisa, seja para formar licenciados,
seja para contribuir no aperfeiçoamento profissional a serviço dos professores e assistência às
escolas, seja para a produção de pesquisas pedagógicas e didáticas; e, isto implica,
necessariamente, uma revisão da estrutura organizacional da Faculdade de Educação, no que
se refere à parte acadêmica, e do currículo que, até então para ele, não contempla o tipo de
formação que a escola requer de seus pedagogos. Esta idéia permeia toda a estrutura
curricular anteriormente ilustrada. Segundo Coêlho, a universidade deve estar voltada para a
transformação social, porém não é assegurando um modelo organizacional ou curricular que
ela irá se concretizar. Não se constitui um ato instantâneo, mas um processo que não deve ser
confundido com aprovação de uma nova resolução curricular, de cima para baixo, de fora
para dentro do curso, pois supõe necessariamente mudanças de concepção, objetivos, posturas
e práticas.
Em relação às Atividades Complementares, Libâneo propõe sua extinção. Isto se deve
ao fato de que boa parte das finalidades e funções que lhe são atribuídas podem ser
desenvolvidas ao longo do curso de forma pluridisciplinar e interdisciplinar, transversalmente,
sem se constituir em uma disciplina ou horas distintas. Coêlho considera as atividades
complementares importantes porque oferecem ao estudante a oportunidade de ampliar e
aprofundar seus conhecimentos em sua formação. Além disso, permitem apreender
conhecimento considerados necessários ao exercício profissional ou na participação de outras
atividades (conhecimentos de estatística, métodos e técnicas de pesquisa, por exemplo, por
meio de congressos, encontros, atividades culturais etc.).
120
Em relação às habilitações, Libâneo acredita ser a oportunidade para ampliar a atuação
do pedagogo em outros espaços sociais onde há o ato educativo. Segundo seu entendimento,
as habilitações preparam o acadêmico de Pedagogia com subsídios teóricos e práticos para
exercer suas atividades na sociedade, já que ela está inserida dentro de uma concepção de
divisão social do trabalho como está, também a escola. Coêlho adota a concepção de que o
pedagogo deve ser formado prioritariamente para exercer a docência, o que não o impede de
exercer outras atividades educativas se o contexto social assim o exigir. Para ele a
universidade não pode se render ao imediatismo exigido pelas variações do mundo do
trabalho sob pena de se tornar essencialmente reducionista; ou seja, se um estudante no
primeiro ano de graduação tivesse sua formação vinculada a uma habilitação específica, pode
chegar ao final de sua graduação desempregado, porque o mundo do trabalho se modifica com
maior rapidez e as funções no mundo da produção são ressignificadas continuamente.
Como pontos de convergência analisaremos, dentre outros, os seus respectivos
entendimentos sobre o estágio e a pesquisa.
Quanto ao estágio, Libâneo considera que é um momento importante para o
enriquecimento da dimensão prática do estudo das disciplinas do curso. Ele possibilita a
reflexão teórica diferentemente do entendimento de que a teoria somente se constrói na
prática. A temática desenvolvida no estágio deve possibilitar a discussão da relação entre a
teoria e a prática, sendo assim,
Teoria e prática são ingredientes de todas as disciplinas, como expressão da unidade
teoria-prática constitutiva do processo do conhecimento. A prática para a teoria é a
referência do real, ao concreto; a teoria para a prática é a possibilidade ampliada de
apreensão e compreensão do real, reprodução na consciência de fenômenos,
processos e relações existentes no mundo objetivo. Esta relação nem sempre é direta
e imediata, às vezes vai-se da prática para a teoria outras da teoria à prática. De
forma que a questão é menos de distribuir disciplinas alternadamente ao longo do
curso e sim a de inserir ambas as dimensões em todas as disciplinas, sejam elas
predominantemente teóricas ou predominantemente práticas (LIBÂNEO, 1992, p.
10).
Em relação à pesquisa, Libâneo distingue a existência de várias modalidades e níveis
de pesquisa e pesquisadores, que não é o caso de explorarmos quantos e quais são nesse
trabalho dissertativo. Ele não descarta a possibilidade em um desses níveis e modalidades, do
docente também se constituir em pesquisador no seu sentido restrito. Porém, ele defende a
formação do docente na centralidade do ato de ensinar e é em função desse trabalho que
necessita uma preparação básica para a pesquisa. Assim,
121
Diferentemente da formação do pesquisador ‘stricto sensu’, importa na formação do
licenciado que dê conta de articular a estrutura do processo de ensino com a lógica
do processo científico do conhecimento, implicando aí meios teóricos e práticos de
uma aprendizagem investigativa, de modo que enquanto docente desenvolva uma
atitude científica, o hábito do raciocínio científico frente aos conteúdos das matérias,
ajudando alunos a fazerem o mesmo no processo de aprendizagem (LIBÂNEO,
1992, p. 11).
Segundo Coêlho, o estágio representa um momento de superar a dicotomia existente
entre a teoria e a prática. O estágio permite ao acadêmico vivenciar e repensar concretamente
o processo educativo que se desenvolve no interior da escola, que constantemente se
modifica.
A pesquisa é um elo forte que se estabelece entre os docentes e discentes na
universidade. No caso do curso de Pedagogia, diversas pesquisas podem ser produzidas no
momento em que ocorre o estágio nas escolas de 1º e 2º Graus (ensino fundamental e médio,
respectivamente), principalmente pelo fato de que em virtude de sua própria natureza, a
pesquisa deve estar indissociável do ensino. Para Coêlho, à medida que a escola emerge
concretamente da sociedade brasileira, pensá-la e compreendê-la é necessariamente pensar e
compreender a própria sociedade brasileira, em todas as suas dimensões e manifestações que
são possíveis em um dado momento. A pesquisa é a oportunidade de poder compreender os
processos educacionais que emergem num determinado contexto histórico. Tanto Coêlho
como Libâneo coadunam com esse pensamento que estão expressos em suas respectivas
propostas.
Ao concluir esse capítulo, uma vez apresentado às propostas e discussões em torno da
formação do pedagogo formado pela FE/UFG, analisado sob as perspectivas históricas da
educação brasileira e dos textos elaborados pelos debatedores, Coêlho e Libâneo, podemos
dizer que não se tratou de um embate sem nenhuma contribuição, pelo contrário foi
fundamental para a mudança curricular do curso de Pedagogia da FE/UFG. Foi um embate
que possibilitou evidenciar diferentes formas de ver e representar a realidade do curso de
formação do pedagogo. Dessa forma, podemos depreender e destacar os seguintes pontos
positivos em relação ao entendimento de Coêlho e Libâneo sobre o curso de Pedagogia:
a) apesar de haver a defesa da integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão em
seus respectivos projetos, ambos tinham o entendimento de que, na prática, tal integração se
mostrava incipiente na formação do pedagogo e, portanto, haveria necessidade de buscar a sua
efetivação no curso de Pedagogia da FE/UFG;
b) ambos compartilham da idéia de que deveria haver maior articulação entre o bloco
de disciplinas teóricas com o bloco das disciplinas consideradas práticas;
122
c) em seus respectivos entendimentos, há a necessidade de organizar o currículo de
forma que as disciplinas sejam direcionadas para a produção e não à reprodução do
conhecimento;
d) observa-se que em suas propostas, a preocupação com a necessidade de repensar e
redimensionar a carga horária das disciplinas do currículo buscando o equilíbrio entre os
aspectos teóricos e práticos da formação;
f) defesa da docência como sendo imprescindível à formação de pedagogos, que deve
ser mantida não somente como eixo do curso, mas também devem ser dinamizados outros
aspectos de formação considerando as novas exigências impostas pela realidade, sem se
submeter a modismos ou ao mercado de trabalho.
A Pedagogia trata, ao mesmo tempo, de questões relacionadas aos campos teórico e
investigativo da educação ou do ato educativo, que se realiza na práxis social. Mesmo
coadunando com o entendimento de que a formação básica do pedagogo é a docência, não
podemos desconsiderar que sua atuação contempla outros espaços educativos como: a)
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino nos diversos níveis educacionais; b)
projetos, pesquisas e experiências educativas; c) produção e difusão do conhecimento
científico e tecnológico do campo educacional em contextos escolares e não-escolares etc.
Dentro dos aspectos que consideramos positivos nas propostas de Coêlho e Libâneo,
podemos pressupor que neles havia certa concordância relacionada à formação do pedagogo
para atuar na docência, mesmo sendo evidenciado que, estruturalmente, suas idéias eram
contraditórias em relação à formação para atuar em outros espaços educativos.
Segundo Bachelard (1984), um único conceito isolado é suficiente para dispersar as
filosofias e mostrar que elas são incompletas por estarem apoiadas num único aspecto, por
iluminarem apenas uma das facetas do conceito. Por isso é necessário que estejamos de posse
de uma escala graduada de discussão, que possa nos permitir localizar os diferentes pontos em
questão e prevenir a confusão de argumentos.
Assim, dessa conclusão propiciada pela análise histórica dos documentos, podemos
afirmar que a discussão e os embates continuarão a fazer parte da vida acadêmica da
Faculdade de Educação da UFG. Essa é a sua história. Nossa tarefa e desafio, a ser
enfrentado, é ampliar o debate olhando o pedagogo como trabalhador frente às transformações
do mundo contemporâneo.
123
CAPÍTULO IV
AS TRANSFORMAÇÕES CONTEMPORÂNEAS OCORRIDAS NO MUNDO DO
TRABALHO E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE:
a reorganização do sistema educacional e seus reflexos no curso de Pedagogia da
faculdade de educação da UFG
Este capítulo tem o propósito de apresentar os efeitos das transformações ocorridas na
sociedade global e brasileira (IANNI, 1992), que ressignificou o modelo de trabalhador
dentro de uma nova concepção econômica assentada na reestruturação produtiva, e seus
reflexos na formação do pedagogo do curso de Pedagogia da FE/UFG. Objetiva-se ainda
demonstrar que as modificações, concepções e tensões existentes no âmbito da FE/UFG, em
relação à estrutura pedagógica adotada para a formação dos pedagogos a partir de 1999, foram
reflexos de decisões legais, regimentais e colegiadas em disputa.
Pretende-se atingir os seguintes objetivos: a) demonstrar como as mudanças ocorridas
na economia mundial contemporânea refletem na formação de um novo trabalhador, incluindo
aí o pedagogo como profissional da educação; b) evidenciar as conseqüências da chamada
globalização na formação de professores; c) analisar os efeitos da reestruturação do curso de
Pedagogia da FE/UFG em decorrência das diretrizes para formação de professores que atuam
na educação básica, Decreto n° 3.276/1999; do Regulamento Geral dos Cursos de Graduação
da Universidade Federal de Goiás do Conselho Universitário - CONSUNI (Resolução n°
06/2002) e da legislação complementar.
Para concretizar esses objetivos, inicialmente, analisaremos o processo histórico por
meio de uma revisão bibliográfica sobre as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea,
para em seguida, analisar Resoluções, Atas, matrizes curriculares, ementas, Leis, Decretos e
legislação específica com o objetivo de colher dados que demonstrem as diferentes
concepções existentes na faculdade de educação evidenciadas pelas tensões e conflitos que
delas emergem. Após a análise, com os dados colhidos, fazer um balanço do que representou
o período de 1984 a 2004 na formação do pedagogo na FE/UFG.
124
1. Reestruturação produtiva e educação
Nas últimas décadas, em momentos distintos, diversos autores construíram
teoricamente, através de pesquisas, suas concepções sobre as relações trabalho-economia,
trabalho-política e trabalho-educação. Trata-se de análises que ainda “permanecem válidas” e
que sustentam teoricamente os assuntos relacionados às mudanças ocorridas no campo da
economia, do trabalho, da educação e da formação dos trabalhadores.
Dentre diversos autores que se ocuparam deste tema específico, escolhemos Alvin
Tofler porque ele sintetiza com muita precisão as transformações que vem ocorrendo em
nossa sociedade contemporânea. Suas análises se iniciaram na década de 1960. Sua obra de
maior impacto, A terceira onda, lançado em 1983, faz um relato sobre as modificações
econômicas e sociais, que segundo ele, são denominadas de ondas e que ocorreram
sucessivamente na civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um fluir da
sociedade que não segue de forma unidirecional, mas que apresenta fluxos e refluxos
contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.
Para ele, a primeira onda vigorou até finais do século XVII. A sociedade neste período
se caracterizava por ser essencialmente agropastoril. As pessoas viviam em bandos isolados,
produzindo alimentos para a sua própria subsistência, cujo modo de vida, os antropólogos
nomearam de sociedade primitiva.
A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um
enorme desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias,
através da produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se
possível a saída das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as
indústrias a incorporarem cada vez mais mão-de-obra.
A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar,
distinta daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as
pessoas eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a
emergência de um novo modelo social em que a produção e o consumo foram dissociados. Ou
seja, nela as pessoas não produziam mais os seus produtos unicamente para a sua
sobrevivência, o aspecto comercial e as relações econômicas já haviam se estabelecido.
Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria
civilização tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser indústrializada.
Houve a produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento
passou a se direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.
125
Segundo Tofler, nos países de primeiro mundo, já impera a chamada terceira onda de
civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo
interativo entre os sujeitos. Segundo suas análises, ela está assentada na microbiologia
(nanotecnologia), microinformática, automação indústrial, especialização do conhecimento e
sistema de informação.
Neste sentido, cumpre assinalar que a realidade educacional acaba diluindo-se em
captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreendem-se as semelhanças entre as várias
instituições escolares a partir de seus contextos sociais e exclui-se tudo aquilo que aparece de
diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este encaminhamento multifacetado e
interativo entre o social e o educacional. Ela capta tanto o aspecto macrossocial quanto
microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em suma, ela incorpora tanto o
processo social mais abrangente, o microssocial e a própria interação entre eles, em uma
construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis. Como conseqüência imediata,
o próprio processo de construção da inteligência da criança é apreendido de maneira mais
complexa, não sendo reduzido à uma vertente social e educacional única, mas capturado em
um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes da própria percepção mais direta do
aluno, do professor e de especialistas. Nesta dinâmica encontra-se a figura do pedagogo que
representa, através do ato educativo, a dinâmica social existente.
Seja qual for o autor e sua respectiva denominação, em suas teses, eles crêem que as
mudanças econômicas, políticas, sociais, culturais e educacionais são decorrentes da inovação
tecnológica e científica que cresceu sobremaneira no final do Século XX.
Uma consideração interessante sobre este assunto analisa que,
Os acontecimentos do campo da economia e da política – como a globalização dos
mercados, a produção flexível, o desemprego estrutural, também chamado de
desemprego tecnológico, a necessidade de elevação da qualificação dos
trabalhadores, a centralidade do conhecimento e da educação – teriam como
elemento desencadeador as transformações técnico-científicas. A ciência e a técnica
estariam, portanto, assumindo o papel de força produtiva em lugar dos
trabalhadores, já que seu uso, cada vez mais intenso, faria crescer a produção e
diminuiria significativamente o trabalho humano (LIBÂNEO; OLIVEIRA;
TOSCHI, 2003, P.59).
Se por um lado a sociedade contemporânea vive uma intensa transformação
tecnológica, por outro, à medida que ela se expande, ampliam-se as diferenças sociais entre os
indivíduos que a compõe. No Brasil, o processo de indústrialização ocorrida na década de
1960 e expandida na década de 1970 trouxe consigo as inovações tecnológicas, contudo
observou-se um aumento proporcional da exclusão social (FURTADO, 2004). Em termos
126
educacionais, essa realidade reflete o tipo de educação que a sociedade está mantendo em seus
sistemas de ensino que buscam vincular a educação com o mercado de trabalho.
Desse modo acreditamos haver, por exemplo, um direcionamento nas políticas de
formação dos profissionais da educação visando incluí-los na nova organização material de
produção, como já foi discutido no capítulo I, quando analisamos o período pós-1964. Esta
nova organização, baseada nos princípios do liberalismo francês, se reconfigurou em uma
nova tendência que inclui o desenvolvimento tecnológico, sistemas de informação,
reestruturação produtiva, reengenharia, programas de qualidade total que, correlacionados,
influem nas relações econômicas, políticas e sociais denominada hodiernamente de
neoliberalismo (FRIGOTTO, 1998).
Silva (1995) entende que todo este processo pelo qual o sistema educacional passa
acaba se reduzindo, nesta nova organização, a uma questão de melhor gestão e administração
e de reforma de métodos de ensino e conteúdos curriculares, muitas vezes, inadequados. “Para
problemas técnicos, soluções técnicas, ou melhor, soluções políticas traduzidas como técnicas
(tal como a privatização, por exemplo) [...] Entretanto, o que o discurso neoliberal em
educação esconde é a natureza essencialmente política da configuração educacional existente”
(1995, p. 19). Há, segundo ele, uma articulação entre o neoliberalismo e o
neoconservadorismo:
O neoliberalismo se caracteriza por pregar que o Estado intervenha o mínimo na
economia, mantenha a regulamentação das atividades econômicas privadas num
mínimo e deixe agir livremente os mecanismos do mercado. O neoconservadorismo
é constituído por aqueles grupos que pregam uma volta aos antigos, tradicionais e
“bons” valores da família e da moralidade [...] De um lado, temos a predominância
dos mecanismos do mercado e a retirada do Estado do campo social, ameaçando
reforçar as desigualdades já existentes. De outro, temos o predomínio de visões
culturalmente conservadoras e moralistas representando um mecanismo de
repressão, controle e contenção. É fácil ver quais as conseqüências de uma tal
aliança para a educação. É fácil ver que tipo de conhecimento, de currículo e quais
métodos dominarão a cena pedagógica quando o livre funcionamento dos
mecanismos de mercado na educação permitirem uma “livre” escolha feita num
clima de predomínio de moralismo e repressão cultural. Neoliberalismo e
neoconservadorismo convergem então para moldar um cenário educacional em que
as possibilidades de se construir uma educação pública como um espaço público de
discussão e exercício da democracia ficao cada vez mais distantes (SILVA, 1995,
p. 26).
Para que a sociedade consolidasse este projeto organizacional foi necessário algumas
décadas para a sua implantação. Vários modelos foram criados a partir da experiência fabril e
de sua expansão. No próximo subtópico, abordaremos dois modelos organizacionais que
foram se estruturando, crescendo e se tornando pilares para a sustentação da nova ordem
econômica mundial: Os modelos taylorista e fordista.
127
1.1 A influência do modelo taylorista-fordista na vida social e suas implicações
educacionais
Para empreendermos esta análise será necessário que delimitemos o conceito de
taylorismo e fordismo para demonstrarmos como foi a influência desses modelos para a
estruturação da nova organização social de produção, para em seguida correlacioná-las com as
mudanças ocorridas no contexto educacional. O taylorismo é o modelo de administração
corporativa desenvolvido pelo engenheiro americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915),
que é considerado o pai da administração científica. Sua metodologia era baseada na
observação do trabalho dos operários na indústria.
Podemos compreender nas análises sobre as teorias da administração de Chiavenato
(1999), que o desenvolvimento do estudo de Taylor estava baseado nos seguintes princípios:
a)análise do trabalho e estudo dos tempos e movimentos: objetivava a isenção de movimentos
inúteis, para que o operário executasse de forma mais simples e rápida a sua função,
estabelecendo um tempo médio; b) estudo da fadiga humana: a fadiga predispõe o trabalhador
a diminuição da produtividade e perda de qualidade, acidentes, doenças e aumento da rotação
de rotatividade de pessoal; c) divisão do trabalho e especialização do operário; d) desenho de
cargos e tarefas: desenhar cargos é especificar o conteúdo de tarefas de uma função, como
executar e as relações com os demais cargos existentes; e) incentivos salariais e prêmios de
produção; f) condições de trabalho: o conforto do operário e o ambiente físico ganham valor,
não porque as pessoas merecessem, mas porque são essenciais para o ganho de produtividade;
g) padronização: aplicação de métodos científicos para obter a uniformidade e reduzir os
custos; h) supervisão funcional: os operários são supervisionados por supervisores
especializados, e não por uma autoridade centralizada; i) homem econômico: o homem é
motivável por recompensas salariais, econômicas e materiais; j) a empresa era vista como um
sistema fechado, isto é, os indivíduos não recebiam influências externas. O sistema fechado é
mecânico, previsível e determinístico.
A preocupação inicial de Taylor era tentar eliminar o desperdício e perdas sofridas
pelas indústrias americanas com o objetivo de elevar os níveis de produtividade através de
métodos e técnicas de engenharia de produção. Suas técnicas eram centradas no operário para
a direção, através do estudo de tempos e movimentos, da fragmentação das tarefas e na
especialização do trabalhador que reestruturava o processo de fabricação utilizando
gratificações por produção que incentivava o operário a produzir mais.
Observou-se que não adiantava racionalizar o trabalho do operário se o supervisor, o
chefe, o gerente, o diretor continuavam a trabalhar dentro do mesmo padrão anterior. Contudo
128
a Administração Científica, como ficou conhecido o estudo de Taylor, tinha alguns
problemas conceituais e práticos dentre eles: a ausência de qualquer comprovação científica
de suas afirmações e princípios, a visão microscópica do homem tomando isoladamente e
como parte da maquinaria indústrial, o mecanicismo de sua abordagem centrada na analogia
com o trabalho das máquinas indústriais, a robotização do operário, a abordagem envolvendo
predominantemente a organização formal, a limitação do campo de aplicação à fábrica,
especificação do trabalho que omitia a articulação com o restante da vida da indústria, a
abordagem eminentemente prescritiva e normativa e tipicamente de sistema fechado.
Entretanto, estas limitações não ofuscaram o fato de que a Administração Científica proposta
por Taylor pode ser considerada um marco importante na concretização de uma teoria
administrativa científica.
O fordismo, por sua vez, se caracteriza por ser um método de produção baseado na
produção indústrial em série, podendo ser considerado, em alguns aspectos, um
aperfeiçoamento do taylorismo. Idealizado pelo empresário americano Henry Ford (1863-
1947), fundador da Ford Motor Company,
tinha como objetivo racionalizar e aumentar a
produção. Em 1909, introduziu a linha de montagem (esteira rolante) na fabricação indústrial,
considerada uma inovação tecnológica revolucionária.
Segundo Chiavenato (1999), dentro desta dinâmica, os veículos eram posicionados
numa esteira rolante que passavam de um operário a outro, para que cada um pudesse
desempenhar uma etapa do trabalho de produção. A expressão fordismo vira sinônimo de
produção em série que tem várias implicações tornando viável o processo produtivo apenas
para esse tipo de produto porque exige grandes fábricas e forte concentração financeira.
Promover as mudanças não foi fácil. A transformação incluiu a introdução de uma
cultura entre os trabalhadores, que passaram a exercer funções específicas e repetitivas nas
linhas de montagem. Antes, vários funcionários trabalhavam conjuntamente para fabricar um
veículo inteiro. Com o novo modelo, o processo passava a ser segmentado, com uma
produção em massa, em série e em cadeia contínua.
Os princípios dessa inovação eram a máxima produção dentro de um período
determinado, a intensificação, o aumento da velocidade rotatória do capital circulante,
visando à pouca imobilização dele e rápida recuperação do investimento e da economia, que
diz respeito a reduzir ao mínimo o total de matéria-prima em estoque.
Para gerenciar o grande investimento exigido para este tipo de produção foi criada a
formação de sociedades anônimas, que reuniam capitais de diversas pessoas. Este novo tipo
de sistema de propriedade, dividido em ações, cria o anonimato do dono real do negócio.
129
Como podemos verificar, a influência desses modelos de administração corporativa,
evidentemente, contribuiu para o processo de reestruturação econômica e social através das
grandes corporações indústriais, e isto não ficou restrito apenas no limiar das indústrias, mas
atingiu todo o contexto das relações sociais.
Segundo Harvey (1992) as idéias de Taylor e Ford sobre a administração corporativa
influenciaram a nova organização mundial baseada na inovação tecnológica; e essa
concepção, sem dúvida, exigiu dos sistemas educacionais a adoção de uma organização
escolar análoga a que era observada nas fábricas em termos de eficiência.
No Brasil, a adoção das chamadas habilitações do curso de Pedagogia introduzidas no
período pós-1964, como vimos anteriormente nessa pesquisa, era baseada na divisão do
trabalho similarmente ao modelo taylorista-fordista, principalmente, quando as atividades
eram divididas entre aqueles que pensavam e aqueles que as executavam. O princípio da
produtividade estava inserido neste contexto, já que o ensino considerado produtivo era
aquele que inseria os egressos do sistema escolar dentro do mercado de trabalho capitalista.
Sendo assim, os profissionais habilitados em inspeção educacional, por exemplo,
tinham como função verificar se o modelo de formação que estava sendo executado nas
instituições escolares visava formar indivíduos capacitados para serem inseridos no sistema
produtivista do capital.
Apesar das diferenças observadas entre o modelo taylorista e o fordista, podemos
verificar que ambos tinham como princípio, adotar modelos administrativos que
possibilitassem aumento da produtividade indústrial através da divisão do trabalho no interior
da fábrica, separando hierarquicamente os processos gerenciais da concepção, controle e
execução do trabalho.
O que havia de especial em Ford (e que em última análise, distingue o fordismo do
taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que a produção de
massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de
trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e
uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada, modernista e populista (HARVEY, 1992, P. 121).
O reflexo desses modelos influenciou grandemente os sistemas educacionais. A
escola, que inicialmente presumia ser um lugar destinado ao saber, ao ócio – não no sentido
da preguiça, da inatividade, mas da contemplação das idéias, da razão e do saber, da produção
do conhecimento, na realidade, foi gradativamente sendo levada a adequar-se às mesmas
exigências do modelo indústrial das grandes corporações em relação as políticas internas de
controle de qualidade, hierarquizando suas decisões, especializando seus departamentos e
130
verificando se os resultados redundavam em maior produtividade do aprendizado. As grandes
escolas propedêuticas no Brasil, por exemplo, baseiam suas estratégias de ensino de acordo
com o resultado que seus alunos obtém dos processos seletivos das universidades brasileiras.
Este é um legado e um desafio que as instituições formadoras de docentes têm que enfrentar
nos processos de qualificação acadêmica.
As idéias de Gramsci (2001) contidas em seus Cadernos do cárcere expressam muito
bem o momento em que passava a nova configuração da sociedade mundial em relação às
influências do fordismo na política, economia e na cultura. Sobretudo, na sociedade
americana a partir de 1914. Em seu caderno nº 22, intitulado Americanismo e fordismo,
observou que houve um grande esforço coletivo para criar uma sociedade com velocidade
sem precedentes, um novo tipo de trabalhador e uma nova consciência de sociedade baseada
no sistema capitalista do consumo em massa. Esse novo trabalhador, segundo sua análise,
deveria ser inseparável de um modo específico de viver, pensar e sentir a vida. Questões como
a sexualidade e a vida familiar, foram discutidas por Ford como sendo elementos importantes
para se entender a vida socioeconômica nos centros urbanos americanos. Poderíamos
questionar neste ponto por qual motivo Ford se interessaria pela vida sexual e familiar de seus
empregados?
Assim Gramsci analisa que,
A aparência de “puritanismo” assumida por este interesse (como no caso do
proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não se pode
desenvolver o novo tipo de homem exigido pela racionalização da produção e do
trabalho enquanto o instinto sexual não for adequadamente regulamentado, não for
também ele racionalizado (GRAMSCI, 2001, P.252).
Deste modo, entendemos que Ford acreditava em um novo tipo de homem vivendo em
uma nova sociedade corporativa. O propósito era disseminar o hábito de adquirir a disciplina
necessária à operação das máquinas da linha de montagem ao mesmo tempo proporcionar aos
trabalhadores renda e tempo suficientes para que eles pudessem consumir os produtos
produzidos em massa que as corporações estavam fabricando, ou por fabricar, em quantidades
cada vez maiores. Para Gramsci, o trabalhador tinha que ser concebido dentro da ótica (ou
padrão) familiar com um certo grau de proibidade moral e capacidade racional de consumo. A
escola, como instituição socialmente aceita, reuniria condições para exercer um papel
fundamental na concretização dos ideais fordistas.
Como podemos notar, a sociedade foi criando um novo ethos de viver e poder no
convívio social, capaz de controlar a vida de seus funcionários de forma que até a vida
privada tinha que se adequar ao perfil de produtividade exigida pelas empresas. Isto
131
influenciou grandemente a formação de uma nova cultura, em que a estabilidade pessoal
pressupunha estabilidade social. O sistema educacional não ficou imune às suas influências,
pelo contrário, gradativamente foi assumindo essa postura quer seja pela coerção quer seja
pela cooptação. Na verdade, “A educação é alvo estratégico dessa ofensiva precisamente
porque constitui uma dessas principais conquistas sociais e porque está envolvida na produção
da memória histórica e dos sujeitos sociais” (SILVA, 1995, p. 28).
2. Neoliberalismo, globalização e seus efeitos no sistema educacional
No final do século XX, buscando retomar a direção do crescimento econômico e tendo
os problemas sociais agravados, o que ocorreu a partir da década de 1970, o cenário político e
econômico foram reconfigurados em um novo padrão. O modelo taylorista-fordista cedeu
espaço para o padrão de acumulação flexível. Para entendermos a conseqüência deste padrão
adotado, convém conceituá-lo de forma que as nossas idéias possam ser melhores
compreendidas.
Segundo Harvey (1992), O paradigma da acumulação flexível apóia-se na flexibilidade
dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e padrões de consumo, possibilitando,
assim, o surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços, novos mercados e inovações tecnológicas e comerciais e,
“sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e
organizacional” (1992, p. 140). A acumulação flexível envolve:
[...] rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores
como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no
emprego no chamado “setor de serviços” , bem como conjuntos indústriais
completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira
Itália”, Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta
profusão de atividades dos países recém-indústrializados) (HARVEY, 1992, p. 140).
Os trabalhadores dentro dessa concepção vivem um momento extremamente
desfavorável sob alguns aspectos, tanto salarial como organizativo e, de maior gravidade, sob
a constante ameaça de desemprego.
Esses poderes aumentados pela flexibilidade e mobilidade permitem que os
empregadores exerçam pressões mais fortes de controle do trabalho sobre uma força
de trabalho de qualquer maneira enfraquecida por dois surtos selvagens de deflação,
força que viu o desemprego aumentar nos países capitalistas avançados (salvo,
talvez, no Japão) para níveis sem precedentes no pós-guerra. O trabalho organizado
foi solapado pela reconstrução de focos de acumulação flexível em regiões que
careciam de tradições indústriais anteriores e pela reimportação para os centros mais
antigos das normas e práticas regressivas estabelecidas nessas novas áreas. A
132
acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego
“estrutural” (em oposição a “friccional”), rápida destruição e reconstrução de
habilidades, ganhos modestos (quando há) de salários reais [...] e o retrocesso do
poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista (HARVEY, 1992, p.
140-141).
Esta organização, impele o mercado de trabalho a passar por uma reestruturação
significativa diante de sua volatilidade, do aumento da competição e da exigüidade das
margens de lucro, fazendo com que os empregadores impõem aos trabalhadores regimes e
contratos de trabalho mais flexíveis. A acumulação flexível tem o propósito de “satisfazer às
necessidades com freqüência muito específicas de cada empresa” (Harvey, 1992, p. 143).
Esta nova situação trouxe significativas mudanças à conformação do Estado e da
economia, agora com vistas à competitividade internacional, congregando a estratégia de
reestruturação produtiva, a flexibilização das relações de trabalho, a integração ao mercado
internacional e, por fim, e o que mais nos interessa neste processo, a redefinição do papel da
educação.
Conforme nos demonstra Saviani (1988) a educação brasileira, durante o regime
militar, passou por duas consideráveis reformas em seu sistema de ensino: a reforma
universitária de 1968 e a do ensino de 1º e 2º graus em 1971.
Essas reformas estruturaram a educação brasileira, dentro dos parâmetros técnicos e
econômicos inspiradas na organização administrativa das grandes empresas, sobretudo das
multinacionais. Os ideais do liberalismo tradicional reconfiguraram em ideologia neoliberal
marcada por relações de poder e de força assimétricas. Conceitos comumente utilizados no
meio dos economistas como, qualidade total, eficiência, eficácia, flexibilização,
reestruturação produtiva, racionalização, reengenharia e produtividade foram introduzidas no
meio acadêmico-educacional como conseqüência desse modelo assumido pela sociedade
brasileira.
Como o desenvolvimento econômico assenta-se fortemente na tecnologia científica,
ele acaba por criar uma relação de dependência com a educação básica e a formação
profissional acadêmica, o que exige constante processo de qualificação e requalificação.
Assim, vimos no século XX a estruturação do modelo educacional voltado para a
chamada empregabilidade.
(...) Uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo futuro
“empregabilidade”, que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade,
e até como uma de suas formas. Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para
todas as mudanças, todos os caprichos do destino, no caso, dos empregadores. Ele
deverá estar pronto para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa,
diria a ama Beppa). Mas contra a certeza de ser jogado “de um emprego a outro”, ele
terá uma “garantia razoável”, quer dizer, nenhuma garantia de encontar emprego
133
diferente do anterior que foi perdido, mas que paga igual (FORRESTER, 1997, p.
118).
A concretização do modelo de acumulação flexível, neoliberal e da formação para a
empregabilidade, depende do processo de integração econômica mundial com a abertura do
comércio externo denominada de globalização. Significa um avanço do capitalismo, um
mecanismo que busca a redução de custos e o aumento da produtividade na fabricação de
mercadorias. Com isso há dois ingredientes fundamentais para a estruturação desse fenômeno:
a) a redução de barreiras alfandegárias entre os países; b) a revolução tecnológica, em
particular no campo dos sistemas de informação.
Paulo Nogueira Batista JR, em Mitos da globalização (1998), aponta algumas falhas
conceituais históricas sobre a globalização como foi difundido mundialmente. Ele relata,
seqüencialmente, os fatos históricos que contradizem o que se pensou em relação à
globalização e o que levou os dirigentes dos países ricos à construção de grandes mitos sobre
este assunto. Uma análise sucinta dos mesmos, clarifica a forma pela qual a influência
econômica incide diretamente nas decisões sobre a organização educacional.
Como primeiro mito, ele descreve a crença de que a globalização inauguraria uma
nova etapa na história econômica mundial constituindo um processo irreversível que
conduziria a uma integração sem precedentes nas economias dos Estados nacionais. A
globalização assim entendida deveria favorecer as exportações entre os países com o
conseqüente aumento em seus respectivos Produtos Interno Bruto (PIB), porém o que se viu
foi a crescente proteção às economias internas dos Países ricos com a conseqüente adoção de
medidas protecionistas que distanciou mais do que uniu os países e que passaram a entesourar
mais do que dividir.
O segundo mito, abordado pelo autor, refere-se à análise das décadas de 1980 e 1990.
Segundo ele, o efeito da globalização deveria integrar o mercado mundial e dissolver
fronteiras nacionais reduzindo a relevância dos mercados internos. Porém, o que se viu foi a
adoção de políticas voltadas para o desemprego estrutural, realidade a ser enfrentada em
decorrência do desenvolvimento tecnológico assentado no modelo de acumulação flexível,
que levou diversas populações dos países que entraram em crise econômica, a adotar políticas
de contenção da imigração caracterizadas pela xenofobia e nacionalismo exagerado.
O terceiro mito refere-se a crença do predomínio das políticas neoliberais e o declínio
total da presença dos Estados Nacionais em suas gestões. O que vimos na história recente foi
exatamente o contrário. Mesmo no setor financeiro, que foi a área que mais avançou no
processo de internacionalização, o papel do Estado que tencionava exercer apenas a regulação
134
e a fiscalização continuou a ter total dependência dos governos em questões cruciais, até
mesmo de medidas intervencionistas, principalmente em momentos de grave crise política,
econômica e social.
O quarto mito baseia-se na crença de que a economia global vem sendo dominada por
empresas transnacionais, livres de identificação e lealdade nacionais. Apesar de não haver
dúvida quanto ao aumento das empresas estrangeiras nos mercados internacionais, mesmo os
de economia fechada, como a China, muitas empresas ainda detém boa parte de seu capital
em seus países de origem cujas pesquisas e desenvolvimentos ocorrem em suas bases
domésticas.
O quinto mito, diz respeito a formação de uma economia global que faria desaparecer
gradativamente os detentores dos capitais extraordinariamente poderosos diante dos quais a
autonomia das políticas nacionais e dos bancos centrais, mesmo nos países de maior peso,
tenderia a desaparecer. A política adotada pelos organismos multilaterais, como o BIRD e o
FMI, demonstra que os mercados internacionais estão longe de formar um único mercado
global.
Pensar a globalização como um fenômeno contemporâneo capaz de diminuir as
diferenças econômicas e conduzir as economias dos Estados Nacionais à modernização, é
acreditar nestes mitos que, muitas vezes, servem como desculpa de líderes governamentais
para eximirem-se de suas responsabilidades sociais, políticas e econômicas que teriam junto
às suas respectivas populações.
Assentado nesse ideal globalizante, os sucessivos governos brasileiros conduziram
suas administrações, principalmente nas décadas de 1980, 1990 e no início dos anos 2000,
nestes princípios que foram criados fora de nossas fronteiras, acreditando-se ser o melhor
caminho a ser trilhado para colocar a nação no mais alto nível de desenvolvimento econômico
e social. O teor das reformas ocorridas no Brasil no campo político e educacional, demonstra
o caráter especulativo que a educação foi submetida tanto no âmbito das instituições públicas
quanto no âmbito das instituições privadas; estas últimas, em fase de grande expansão desde a
década de 1970, adotaram integralmente as idéias neoliberais adequando-se a cada ano às
exigências do mercado, muitas vezes sem se preocupar com a qualidade educacional.
Os planos nacionais de reformulação educacional, tanto dos países desenvolvidos
quanto os dos países em desenvolvimento, são similares em relação à adaptação dos
currículos às necessidades das empresas e mercado consumidor, à participação da família
financeiramente, ao aprimoramento de exames, técnicas e modelos de avaliação que
comprovem os níveis de aprendizagem.
135
Podemos perceber nessa nova configuração social uma série de implicações que
reafirmam a idéia de preparação do aluno para o mundo do trabalho. A vítima dessa forma de
pensar e agir é a comunidade escolar, uma vez que é atingida em um de seus propósitos: a
crença na possibilidade de propagar o conhecimento independentemente de qualquer
atrelamento e na possibilidade de promover a mobilidade e a justiça social.
3. A formação de professores face às mudanças ocorridas na sociedade contemporânea
Após a análise que empreendemos sobre os efeitos econômicos do mundo globalizado
no sistema educacional, poderíamos indagar qual é a sua influência no curso de pedagogia?
Ou melhor, o que se espera da atuação do pedagogo nesta conjuntura?
Esses questionamentos nos levam a considerar dois aspectos importantes que foram
ressaltados anteriormente neste trabalho. De um lado, uma formação do tipo taylorista-
fordista, que tanto influenciou o sistema educacional mundial, em grande parte do século
XX, certamente restringiria o pedagogo em funções essencialmente tecnicistas baseada na
divisão do trabalho. Por esta razão, conforme analisamos nos capítulos II e III, a FE/UFG
combateu a formação de pedagogos especialistas nas diversas habilitações técnicas por
acreditar que a sua função prioritária é essencialmente a docência. De outro lado, um tipo de
formação generalista, flexível, baseada na empregabilidade e assentada na volubilidade do
mercado não têm sentido num contexto educacional que visa separar a formação educacional,
estruturada na busca do conhecimento desvinculado de outros interesses externos ao ato
educativo, do tipo de formação profissional que se apresenta atrelada ao mercado de
trabalho.
Por sua vez, desprezar os acontecimentos históricos pelos quais a sociedade brasileira
vem se transformando em conseqüência do efeito neoliberal globalizante, é negar a influência
dos mesmos na formação dos pedagogos e assumir que eles não existem no sistema
educacional, o que é uma inverdade. As instituições escolares fazem parte do processo
histórico, e através delas, os ideais políticos, a divisão social do trabalho, a organização
hierárquica, a utilização de multimeios no campo da informática são, inicialmente,
introduzidas na educação básica e consolidados posteriormente no ensino superior.
A crença neste tipo de organização escolar, apesar de combatida, cresceu
consideravelmente nas décadas de 1970 e 1980 no momento em que houve grande expansão
do ensino privado no Brasil, sobretudo, das instituições superiores. Observou-se, também, que
o processo de ensino e aprendizagem modificou em seus aspectos didáticos e pedagógicos
136
devido à expansão, nem sempre inclusiva, das inovações tecnológicas baseadas na
informatização da informação. Se para alguns, informação não é conhecimento, para outros, o
simples fato de obter acesso aos sistemas informacionais já é, por si só, uma forma de
apreender novos conhecimentos sem que haja necessidade de um aprofundamento empírico
para isso. Poderíamos indagar: como isso é possível?
Jeremy Rifkin, em A era do acesso (2001), expôs a tese de que a transição de
mercados convencionais para os baseados nos sistemas de comunicação em rede (networks),
fizeram surgir uma nova economia, e com isso uma nova sociedade, e conseqüentemente, a
exigência de uma nova educação. Ele questiona:
O que significa viver em um mundo plugado onde as transições de mercado são
substituídas por redes comerciais complexas? Onde ter propriedade é menos
importante que ter acesso? Onde uma parte cada vez maior de nossa vida econômica
e social é vivida no ciberespaço? Onde a própria cultura se torna a principal
commodity? Onde os relacionamentos humanos pagos se tornam a norma, e a
experiência vivida se torna algo a ser comprado? Onde um self autônomo dá lugar a
personas múltiplas e a uma consciência dramática? Onde a sociedade é vista em
termos teatrais e a própria vida de cada pessoa é percebida como parte de inúmeros
scripts e textos representados tanto em palcos geográficos quanto virtuais? (RIFKIN,
2001, p. 193).
Segundo o autor,
Na era do acesso, as máquinas inteligentes – na forma de software e wetware (ser
humano) – substituem cada vez mais a mão-de-obra na agricultura na manufatura e
nos setores de serviços [...] à medida que as vidas de um número cada vez maior de
pessoas se tornem experiências pagas, milhões de outras pessoas serão empregadas
na esfera comercial para atender às necessidades e desejos de serviços culturais [...]
A era do acesso irá forçar cada um de nós a fazer perguntas fundamentais sobre
como queremos reestruturar nossos relacionamentos básicos. (RIFKIN, 2001, pp. 7-
8 e 218).
Diante dessa análise, entendemos que acessar passa a ter maior significado na vida
social. Quando as pessoas ouvem a palavras acessar elas pensam na abertura para mundos
novos de oportunidades e possibilidades, e a educação, entendida aqui como processo de
formação social, é o meio pelo qual as pessoas podem chegar a ele. O acesso tornou-se
necessário não somente para o avanço e realização pessoal, mas também para exercer forte
influência nas relações sociais e educacionais através das mídias.
Diante deste novo contexto, podemos questionar: como este processo pode influenciar
nas necessidades básicas da formação do pedagogo? Acreditamos que essa forma de
comunicação introduza uma posição inédita na cultura humana. Por um lado, o professor é um
elemento altamente estratégico e, por outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro
caso, ele pode auxiliar os alunos a aprender a selecionar melhor seus recursos de acesso à
137
informação que não pressupõe conhecimento, mas pode a ele se fazer chegar. Em segundo, o
professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um elemento
descartável.
Dessa forma, uma outra variável não pode ser esquecida: tal como o aluno, o professor
precisará de atualização constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um
alto nível técnico de formação e informação. Isto introduz uma alteração significativa no
quadro de docentes. A atualização de conhecimentos torna-se um processo indispensável.
Alguns serão facilmente dispensáveis, e são aqueles que não se atualizam ou não reúne
condições econômicas, físicas ou psicológicas. Para os demais, haverá sempre um novo
campo de trabalho a ser tecido e estruturado, a partir da constituição própria da demanda dos
alunos e da constante mudança da sociedade tecnológica baseada no consumo.
Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola se transforma. Se ela modifica,
requer que seus docentes também modifiquem, e conseqüentemente, a universidade que forma
os docentes também se transformem. Não podemos confundir, neste caso específico, inserção
com subserviência; ou seja, a universidade não pode ficar alheia às mudanças que ocorrem na
sociedade com receio de estar subordinada ao mercado de trabalho capitalista que, por
natureza, é extremamente volúvel. A base de informações não virá somente dos professores,
mas dos próprios recursos informacionais que poderão ser acionados nos lares ou nas
bibliotecas digitais (e-Book).
Para exemplificarmos melhor nossa análise, em vez de uma aula de história expositiva
tradicional, um cd-rom elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao
aluno um contato mais aprofundado com a matéria, sobretudo se utilizar software interativo.
Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais importantes do evento histórico,
outras informações complementares. Saber como se constituía a terra naquela época, como
era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos saindo de uma história
monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.
À universidade, cabe a função de intervir neste processo e mediar esta nova forma de
inserção dos futuros pedagogos na sociedade do conhecimento, se quiserem participar deste
processo de transformação social, para não se tornarem obsoletos e perder as possibilidades
que o momento histórico continuamente lhes apresenta. Porém, isto não é algo que o sistema
educacional possa obrigar as instituições ou professores a fazerem. A era do acesso é ainda
138
uma opção, uma decisão educacional frente aos novos rumos de trabalho, contudo,
acreditamos que em um tempo muito breve ela será essencial
50
.
As universidades não devem ficar alheias a estes acontecimentos históricos, nem
desprezarem o fato de que o pedagogo é um profissional que exerce sua atividade dentro deste
contexto social. O maior entrave que pode ocorrer na re-definição da profissão do pedagogo
reside ainda na in-definição quanto ao seu papel e sua identidade dentro dos espaços sociais.
Quem de fato influencia ou é influenciado neste processo? A escola, os alunos, os pedagogos
ou as faculdades de educação? De onde deve vir a exigência das transformações que ocorrem
na sociedade se todos estão inseridos, em maior ou menor grau, nela? Estes questionamentos
ainda giram em torno da formação dos pedagogos, e a faculdade de educação, representa o
lócus onde se reúne melhores condições para o desenvolvimento dessas discussões.
Nos próximos itens, abordaremos o processo de reformulação do curso de Pedagogia
da FE/UFG, que não ficou à parte dessa nova realidade baseada nas transformações do mundo
do trabalho e inovações tecnológicas, inclusive compreendendo os seus reflexos nas
atividades escolares, sem contudo se render incondicionalmente às nuances do mercado de
trabalho, mas que compreendeu a necessidade de contextualizar o processo de formação dos
egressos, mantendo a docência como base de formação do pedagogo, para atuar nas séries
iniciais do ensino fundamental.
4. Construindo um novo curso de licenciatura
O que é preciso para elaborar uma proposta de curso de licenciatura? Este
questionamento nos remete a outro: o que é preciso para elaborar uma proposta de curso de
licenciatura para formação de professores que irão atuar nas séries iniciais do ensino
fundamental? Para tentar responder esses questionamentos, o texto citado abaixo, que faz
parte de um artigo publicado na Revista Interação FE/UFG em 2003, por três docentes da
FE/UFG propõe alguns requisitos que, de acordo com suas concepções, devem ser observados
para a implantação de um curso de licenciatura:
A estruturação de um projeto de licenciatura deve considerar a legislação vigente,
regulamento geral de cursos, contribuições do Fórum de Licenciatura e das
entidades nacionais da área (Anpae, Anped, Anfope, ForumDir, Fórum de Pró-
Reitores de Graduação, Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública), em sintonia
50
No final do século XX e início do século XXI, muitos governantes brasileiros promoveram projetos visando o
que eles denominaram de inclusão digital. Trata-se de um projeto que visa a introdução dos multimeios na
escola, a fim de que os alunos possam ter contato com as inovações tecnológicas e com novos sistemas de
informação.
139
com o projeto de autonomia da instituição. A Resolução CNE n. 02/2002, ao
estabelecer que os cursos de graduação plena garantam a articulação entre teoria e
prática, ao longo do curso, define, entre as dimensões comuns, 400 horas de prática
como componente curricular e 400 horas de estágio curricular supervisionado, além
de 1800 horas para conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e 200 horas
para outras atividades acadêmico-científico-culturais (OLIVEIRA, J. F.;
DOURADO, L; GUIMARÃES, V. S., 2003, p. 202).
Considerando esses indicadores e as lutas ocorridas a nível nacional na área da
educação, principalmente, na formação de professores, e buscando subsídios para a
formulação de um projeto para os cursos de licenciatura de uma instituição superior, os
autores propuseram que a estruturação curricular dos referidos cursos contemple os seguintes
componentes curriculares:
1) Didática e prática docente (estágio supervisionado) – 400 horas;
2) Disciplinas e prática como componente curricular na formação do licenciado. Neste caso, a
prática deve ser entendida, segundo os autores, como componente curricular que deve ser
planejada e desenvolvida ao longo do processo formativo. Os componentes curriculares
sugeridos pelos autores, a seguir, objetivam indicar disciplinas para os diferentes projetos
curriculares em construção, de modo a garantir a formação comum dos licenciados:
a) Psicologia da Educação;
b) Políticas Educacionais;
c) Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação;
d) Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico;
e) Cultura, Currículo e Avaliação;
f) Educação, Comunicação e Mídias.
Assim, os autores, a partir de suas análises e reflexões sobre a legislação vigente, em
relação a formação de professores e da experiência de reformulação desenvolvida na
Faculdade de Educação da UFG desde 1984, indicam ser este o caminho possível para a
construção de um projeto que mais corresponde às atuais necessidades de formação de
professores.
Segundo análises de Coelho (1998), as discussões e reformas de currículo em geral,
não vão além dos embates por ajustes na relação de disciplinas: acréscimo, retirada e mudança
na posição de cada uma na estruturação do currículo, modificação dos pré-requisitos e co-
requisitos e aumento ou diminuição do número de horas-aula. Para ele deve-se evitar:
a) o culto da quantidade e das novidades na esfera do ensino, da pesquisa e da administração
acadêmica fazendo confusão entre quantidade e qualidade;
140
b) o mito de que a inclusão de determinadas disciplinas (Sociologia, Antropologia, Filosofia,
por exemplo) faria com que o curso se tornasse crítico, que de acordo com sua visão,
A simples presença dessas e de outras disciplinas da mesma natureza garantiria a
formação crítica, deixando os outros professores livres para continuarem suas aulas
sem terem que se preocupar com o pensamento. Passando de uma área a outra, a
crítica apareceria automaticamente, num passe de mágica, como se fosse monopólio
de algumas esferas do conhecimento (COELHO, 1998, p. 9).
c) o reducionismo do saber a resultado obtido anteriormente, ou seja, informação retomada
como verdade a ser repassada, socializada e consumida.
Dentro desta perspectiva, acreditamos que as concepções elaboradas por Oliveira,
Dourado e Guimarães (2003), serviram de base na definição da política da UFG para a
formação de professores da educação básica, por meio da Resolução CEPEC/UFG nº
631/2003 que estabelece os princípios norteadores para a formação de professores da
educação básica na UFG, definindo o que se espera dos cursos da universidade que formam
professores. O documento traz os princípios dessa política formativa, os objetivos a serem
almejados, as cargas horárias mínimas que se espera de um curso de formação de professores,
incluindo as de caráter obrigatório e "as áreas de conhecimento definidas como essenciais
51
para a formação pedagógica do professor" (Resolução CEPEC/UFG nº 631/2003, art. 4º), a
saber: a) Psicologia da Educação; b) Políticas Educacionais no Brasil; c) Fundamentos
Filosóficos e Sócio-históricos da Educação; d) Gestão e Organização do Trabalho
Pedagógico; Didática; e) Cultura, Currículo e Avaliação.
"As disciplinas consideradas essenciais para a formação pedagógica do professor
graduado na UFG" (Resolução CEPEC/UFG nº 631/2003, art. 4º § 3º), dentro das citadas
áreas de conhecimento, são as seguintes: a) Psicologia da Educação I (64h); b) Psicologia da
Educação II (64h); c) Políticas Educacionais no Brasil (64h); d) Fundamentos Filosóficos e
Sócio-históricos da Educação (64h). Esta Resolução entrou em vigor no ano de 2003, e
conforme podemos observar, sua essência é semelhante às propostas apresentadas por
51
Segundo a Resolução CEPEC/UFG nº 631/2003, art. 1º § 1º, "são princípios da política de formação de
professores da Educação Básica: I - o desenvolvimento pleno do educando, preparo para o exercício da cidadania
e qualificação para o trabalho; II - uma formação teórica consistente, que permita ao licenciando compreender,
de forma crítica, a sociedade, a educação e a cultura; III - uma formação científica consistente em sua área de
conhecimento; IV - o trabalho pedagógico como foco formativo; V - uma formação cultural ampla; VI - a
pesquisa como meio de produção de conhecimento e intervenção na prática social; VII - a docência como base
de formação profissional; VIII - uma organização curricular que possibilite o contato do futuro professor com a
realidade profissional desde o início da formação; IX - o compromisso social e político com a docência; X - o
desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional; XI - a interdisciplinaridade; XII - uma formação
contínua articulada com a formação inicial". Estes princípios são considerados essenciais para a formação
pedagógica docente na UFG.
141
Oliveira, Dourado e Guimarães. Apesar da FE/UFG possuir um capital intelectual que possa
oferecer essas disciplinas para outros institutos ou faculdades no âmbito da UFG, ela não tem
a obrigação de fazê-lo. Eventualmente, se sua estrutura organizacional o permitir, ela pode
oferecê-las.
A nova política educacional definida para a formação de professores da educação
básica, além de ser influenciada pelo teor dos documentos legais a nível dos órgãos
majoritários do sistema federal de ensino, e dos estudos teóricos dos docentes da FE/UFG,
conforme citamos acima, pedagogicamente recebeu a contribuição da experiência do projeto
do curso de pedagogia oferecido em forma de convênio entre FE/UFG e Secretaria Municipal
de Educação da cidade de Goiânia, que passaremos a analisá-lo no próximo item.
5. O curso de Pedagogia oferecido aos profissionais da educação da Rede Municipal de
Ensino da cidade de Goiânia: O convênio entre a SME e FE/UFG
Em 1999, a FE/UFG apresentou o Projeto de curso de Pedagogia (licenciatura plena) –
com habilitação em educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental especificamente
para formação de professores da Rede Municipal de Educação (RME) da Secretaria
Municipal de Educação (SME) da cidade de Goiânia, Goiás.
No projeto, observamos que o objetivo era formar em nível superior, os professores
que atuavam em sala de aula no sistema público municipal de ensino de Goiânia e que ainda
não haviam se qualificado em um curso de graduação. Visou ainda, capacitar, qualificar,
ampliar posturas concepções pedagógicas tendo por base ser, ao mesmo tempo, curso de
educação inicial e continuada por se tratar de profissionais que atuavam na profissão docente.
O projeto pioneiro na FE/UFG que, inicialmente era para ser desenvolvido no período
de 1999 a 2002, acabou ocorrendo em duas fases: a) a de constituição do convênio que
permitiu, inicialmente, a formação de 390 professores da RME/SME; b) a prorrogação em
uma segunda fase (de 2003 a 2006), onde 182 professores foram qualificados. Este dado,
segundo o Projeto Político Pedagógico da FE/UFG-2003, elevou a quase 100% o percentual
de professores qualificados em nível superior da RME.
A concepção trabalhada no curso visou a:
[...] caracterização da educação como integradora de diferentes campos do
conhecimento e de diferentes experiências que facilitem uma compreensão mais
crítica e reflexiva da realidade; o que só é possível através de uma nova postura
diante do conhecimento. O mundo em que vivemos é um mundo global, no qual
142
diferentes dimensões se relacionam
52
: as dimensões econômicas, culturais, políticas,
ambientais e científicas são interdependentes e nenhum desses aspectos pode ser
compreendido separado dos demais (FE/UFG, PPP, 2003, p. 2-3).
O projeto foi articulado com a proposta político-pedagógica intitulada de “Escola para
o século XXI” instituída em 1998 pela SME. Nesta proposta inovadora na cidade de Goiânia,
o desenvolvimento das atividades pedagógicas e administrativas foi estruturado em torno dos
Ciclos de Formação. Os ciclos, como ficou conhecida no meio acadêmico, em sua proposta,
tinha como objetivo criar condições para que os conhecimentos deixassem de:
Ser trabalhados de forma fragmentada, possibilitando as aproximações sucessivas
necessárias para que os alunos se apropriem deles de forma reflexiva. Será
assegurada a continuidade do processo educativo, dentro do ciclo e na passagem de
um ciclo ao outro, permitindo que os professores realizem adaptações sucessivas da
ação pedagógica às diferentes necessidades dos alunos. A organização dos ciclos
permite uma organização dos grupos por idade, facilitando as trocas socializantes e a
construção de auto-imagens e identidades mais equilibradas (GOIÂNIA, SME, apud
PPP/FE/UFG, 2003, p. 3, Anexo II).
Uma das conseqüências dessa mobilidade educativa proporcionada pelos ciclos, foi a
realização do chamado reagrupamento pedagógico que ocorreu nas escolas do município de
Goiânia. Ele era realizado em determinado dia da semana e os alunos eram divididos entre os
professores da escola para realizarem atividades diferenciadas. A divisão não pressupunha
categorizar os alunos entre os bons e os maus, mas reagrupá-los, independentemente do nível
de aprendizagem ou idade, para desenvolver as atividades propostas por cada professor em
seu respectivo turno. Estas atividades, geralmente eram para desenvolver, de forma lúdica, a
capacidade de interagirem-se entre si, no respectivo turno, permitindo a integração dos alunos.
A FE/UFG, conhecendo esta realidade, adequou o currículo para estes profissionais de
forma que houvesse integração entre os aspectos teóricos e práticos, oportunizando a
integração destas experiências vividas no cotidiano da escola ao processo formativo.
As concepções fundamentais que nortearam o projeto são descritas no Projeto Político
Pedagógico – PPP, do curso de Pedagogia da FE/UFG. Resumidamente, elas são as seguintes:
a) articulação teoria e prática; b) aproveitamento da experiência profissional do aluno; c)
educação infantil e ensino fundamental considerados sem rupturas; d) formação do cidadão
autônomo, solidário e democrático; e) criação de processos mais coletivos do trabalho
docente; f) formação do professor dentro do contexto organizacional de gestão; g)
organização do trabalho pedagógico que permite intervir na escola; h) formação geral na
52
Cf. SANTOMÉ, Jurjo T. Globalização e interdisciplinaridade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, p. 30.
143
estrutura educacional voltada para a escola; i) integração dos campos do conhecimento na
formação básica do cidadão.
A justificativa para demonstrar a relevância deste projeto, e a importância da FE/UFG
assumir esta tarefa, teve amparo legal na L.D.B. (Lei n° 9.394/1996) que estabelece em seu
artigo 62:
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,
em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores
de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida
em nível médio, na modalidade Normal (BRASIL, LDB, apud SAVIANI, 1997, p.
181).
No artigo 87, no parágrafo 4, reafirma que “até a Década da Educação somente serão
admitidos professores habilitados em nível superior ou formados em serviço”
53
.
A realização do projeto, se deu em regime de parceria por meio de convênio firmado
entre a SME e a FE/UFG que ofereceu o curso por duas vezes, não sendo mais realizado,
porque pelos dados fornecidos ao corpo diretivo da FE/UFG, não há demanda disponível para
realizá-lo. A estrutura curricular do curso de Pedagogia pelo convênio foi organizada com
base nos seguintes componentes:
reflexão obre a sociedade, a educação, a formação humana e a escola; formação
didático-pedagógica para a docência; trabalho docente na Educação Infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental; organização e gestão do trabalho pedagógico na
educação escolar e não-escolar; núcleo livre/aprofundamento de estudos; estágio
supervisionado nas áreas de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental;
atividades acadêmico-científico-culturais (GOIÂNIA, SME, apud PPP/FE/UFG,
2003, p. 7, Anexo II).
Como o projeto envolvia a formação de profissionais que já atuavam na docência,
eram previstas avaliações periódicas do que “já foi desenvolvido” (PPP/FE/UFG, 2003, p. 11)
e, ao mesmo tempo, planejamento das atividades seguintes.
O processo seletivo para o ingresso, segundo o projeto do curso, seria responsabilidade
da Comissão Especial do Concurso Vestibular da UFG (hoje, Centro de Seleção da UFG) e
que abrangia exclusivamente docentes efetivos em “exercício e que, provavelmente,
permanecerão na rede pública de ensino por muito tempo, tendo ou não feito este curso”. O
projeto foi aprovado pelo Conselho Diretor da FE/UFG e encaminhado, posteriormente ao
CEPEC/UFG que o aprovou em sessão plenária realizada no dia 08 de junho e 1999 através
da Resolução n° 465. A matriz curricular do curso ficou assim organizada:
53
A década da educação foi instituída pela L.D.B., lei nº 9.394/1996, a iniciar-se um ano a partir de sua
publicação.
144
1ºANO
Disciplinas e Atividades Tipo CHA Departamento Unid.
Conhecimentos Específicos 1 340 DPEA FE
Fundamentos da Educação
1
240
DFE FE
Didática e Prática Docente
1
140
DPEOE FE
Políticas Públicas: Gestão e Organização Escolar
1
100
DFE FE
Novas Tecnologias
1
30
DPEOE FE
Atividades Complementares 3 20
DPEOE FE
TOTAL
- 870 -
-
2ºANO
Disciplinas e Atividades Tipo CHA Departamento Unid.
Conhecimentos Específicos 1 230 DPEA FE
Fundamentos da Educação
1
200
DFE FE
Didática e Prática Docente
1
170
DPEOE FE
Políticas Públicas: Gestão e Organização Escolar
1
100
DFE FE
Pesquisa Docente
1
60
DPEA FE
Novas Tecnologias
1
30
DPEOE FE
Atividades Complementares 3 20
DPEOE FE
Educação de Jovens e Adultos 2 60
DPEOE FE
Alfabetização 2 60
DPEA FE
Educação Especial 2 60
DPEOE FE
TOTAL
- 870 -
-
3ºANO
Disciplinas e Atividades Tipo CHA Departamento Unid.
Conhecimentos Específicos 1 160 DPEA FE
Fundamentos da Educação
1
160
DFE FE
Didática e Prática Docente
1
190
DPEOE FE
Políticas Públicas: Gestão e Organização Escolar
1
100
DFE FE
Pesquisa Docente
1
120
DPEA FE
Atividades Complementares 3 20
DPEOE FE
Educação de Jovens e Adultos 2 120
DPEOE FE
Alfabetização 2 120
DPEA FE
Educação Especial 2 120
DPEOE FE
TOTAL
- 870 -
-
Ilustração 18- Matriz Curricular Do Curso de Pedagogia da FE/UFG (convênio
FE/UFG/SME)
54
.
54
Fonte: Resolução n.º 465/1999 – CEPEC/UFG.
145
Alguns conflitos estruturais foram gerados a partir da implantação desse projeto, entre
os quais destacamos:
a) a carga horária a ser cumprida pelos cursos de licenciaturas no âmbito da UFG que,
segundo a Resolução nº. 631 (que define a política da UFG para a formação de professores da
educação básica), é de 2.800 horas (art. 2º). Porém, o curso de pedagogia oferecido pela
FE/UFG para os professores da rede municipal de ensino a carga horária é de 2.610 horas (art.
3º), portanto, 190 horas abaixo daquela determinada pela universidade. Entretanto,
acreditamos que a FE/UFG utilizou como parâmetro as discussões que ocorriam naquele
momento no cenário nacional, promovidas pelo CNE/MEC, a respeito do número de horas
mínimas para os cursos de graduação e que antecederam a aprovação do Parecer CNE nº
329/2004 em 11/11/2004 que previa uma carga horária de 2.400 horas para o curso de
Pedagogia. Em uma análise preliminar, até aqui acreditamos não haver nenhum problema em
que, um determinado projeto de formação de professores, possa ser gestado e implantado no
âmbito da FE/UFG. Ela se propõe ser o lócus privilegiado onde se promove a formação de
educadores para atuar nas primeiras séries do ensino fundamental e educação infantil. O
problema surge quando observamos uma contradição legal em relação ao número de horas
presente na legislação que vigorava na época, e que abriu uma lacuna não questionada que
reduzia a oportunidade dos acadêmicos de aprofundarem mais nos aspectos teóricos e práticos
de sua formação. Parece-nos que houve um certo imediatismo que não coaduna com as
práticas pedagógicas defendidas pela FE/UFG em sua trajetória histórica. Da mesma forma
parecia haver uma adequação dessa formação à realidade do mundo do trabalho, mesmo não
sendo esse o objetivo anteriormente proposto.
b) Outro evidente conflito evidenciado refere-se ao cumprimento das atividades
complementares. O artigo 3º da Resolução nº. 631, diz que
: [...] Os cursos de licenciatura da
UFG deverão destinar nos projetos o mínimo de 200 (duzentas) horas para atividades
complementares" (grifo nosso); sendo assim, todo curso de licenciatura da UFG deverá
cumprir a orientação contida neste artigo. Porém, o curso de pedagogia oferecido para a rede
municipal de ensino contemplava apenas 60 horas (art. 3º). Entendemos que o objetivo das
referidas atividades era proporcionar ao aluno de graduação, conhecimentos originados a
partir da interação com outros saberes e experiências no campo da educação, da política, da
arte e das manifestações culturais e científicas. Da mesma forma, entendemos que as
atividades complementares devem ser buscadas independentemente de serem regulamentadas
pela legislação, pois trata de um momento de enriquecimento que perpassa as atividades
146
acadêmicas. No entanto, quando inseridas no currículo, ela demonstra ao aluno a necessidade
de estarem permanentemente em contato com o novo e com as mudanças contextuais que a
profissão docente requer do profissional da educação. Além disso, a própria FE/UFG em
diversos momentos durante o período letivo, oferece tais atividades em forma de congressos,
encontros, simpósios, exposições, debates, etc. cabendo-lhe a responsabilidade de orientar seu
corpo discente da importância de participarem de tais eventos. O argumento utilizado de que o
professor da SME (do convênio) em exercício profissional já participava de diversas
atividades complementares promovidas pela SME e por isso não havia necessidade de um
maior número de horas complementares, fica posto em suspeição quando analisamos o
contexto educacional de nossa região em relação a profissão docente, inclusive a clientela que
estava participando do curso exatamente por que esses profissionais não tiveram tempo nem
oportunidade de realizar um curso de graduação.
Mesmo envolto nesses conflitos, esse projeto de curso (SME/UFG, 1999) serviu de
elemento subsidiador para a reformulação do curso regular de Pedagogia da FE/UFG que
ocorreu em 2004. Este é um indicativo de que o currículo regular anterior, implantado em
1984, por meio da Resolução nº 207/1984, necessitava de alguns ajustes que foram
promovidos por meio da experiência do curso oferecido para a SME, e que, posteriormente,
foram ressignificados e modificados em 2004 no curso regular de Pedagogia da FE/UFG.
A ilustração abaixo compara alguns pontos conflitantes entre o currículo regular do
curso de Pedagogia assumido em 1984 (Resolução nº 207), a política da UFG para formação
de professores da educação básica (Resolução nº 631/2003) e o oferecido para a RME/SME:
Currículo regular
(Resolução nº 207/1984)
Resolução nº 631/2003
(define a política da UFG
para formação de professores
da educação básica)
Currículo do convênio
(SME/UFG/Resolução nº
465/1999)
Art. 3º [...] compreenderá as
matérias do currículo mínimo
e as complementares tendo a
duração mínima de 2.668
horas.
Art. 2º A carga horária
mínima para os cursos de
licenciatura plena na UFG
será de 2.800 horas.
Art. 3º [...] cumprimento de
2.610 horas incluindo as
atividades complementares¹
Tempo de integralização
(mínimo): quatro anos
(matutino) e cinco anos
(noturno).
Tempo de integralização de
acordo com os projetos de
cada curso respeitados o nº
de horas mínimas.
Tempo de integralização
(mínimo): três anos.
300 horas para atividades
complementares
200 horas para atividades
complementares
60 horas para atividades
complementares
Turno: matutino e noturno. De acordo com o projeto do
curso.
Turno: matutino, vespertino e
noturno, incluindo os meses
de dezembro e janeiro.
147
¹ Na segunda edição do convênio FE/UFG/SME o nº de horas passou para 3.120
(PPP/FE/UFG, anexo II, 2003, p. 12).
Ilustração nº 19 - conflitos entre Resoluções - FE/UFG
55
.
Em nosso entendimento, os dados comparativos apontam, também para uma maior
flexibilidade de horário do curso oferecido para o convênio. Desta forma, havia o
oferecimento alternativo de horário para os professores que estavam se qualificando em
serviço. Um dos aspectos que podemos considerar relevante nessa análise, refere-se à
ampliação (destaque) no projeto do convênio do espaço dedicado à pesquisa, que segundo o
art.3º § 3º da Resolução nº 465/1999 diz que
O discente apresentará Monografia, que será o relatório final da pesquisa
desenvolvida durante o Curso, sob orientação do professor de Pesquisa Docente.
Essa pesquisa estará voltada especialmente para a produção do conhecimento
referente à escola e à prática docente no Ensino Fundamental e educação Infantil
(BRASIL, UFG/CEPEC, 1999, p. 2).
Desta forma, considerando a comparação exposta acima, observa-se que as mudanças
ocorridas por meio da experiência do currículo do convênio, dirigiram-se para:
a) a flexibilização do horário; (inclusive meses de dezembro e janeiro)
b) racionalização do trabalho pedagógico (carga horária);
c) uma integralização curricular menor (três anos).
Estas modificações estruturais nos leva a concluir que a experiência do projeto
oferecido para a RME, parece ter sido considerada positiva pela direção da FE/UFG, tanto
que o projeto foi novamente reeditado em 2003. Da mesma forma, acreditamos que ele serviu
de parâmetro, para a reestruturação curso regular de Pedagogia da FE/UFG em 2004.
O presente projeto visa reformular o currículo do curso de Pedagogia implantado em
1984, na FE, em 1985, no CAJ e, em 1988, no CAC e o do curso de Pedagogia para
formar professores para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental,
objeto de dois convênios entre a UFG/FE e a Prefeitura de Goiânia/SME (1999 e
2003). A partir do processo de avaliação dos currículos (FE/Campi e Prefeitura) em
vigor, da reflexão sobre a trajetória percorrida e do que, sobretudo nas duas últimas
décadas, foi construído pela Faculdade e pelos Campi Avançados, na graduação e na
pós-graduação, esse projeto opta por formar o pedagogo docente para atuar na
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental e estabelece uma estrutura
comum (base constitutiva) para os cursos de Pedagogia da UFG, nas diversas
modalidades de oferta que, porventura, venham a ser implementadas: regular,
modular, presencial, semipresencial ou outras. Portanto, o curso regular de
Pedagogia, o curso de Pedagogia desenvolvido em convênio com a Prefeitura de
Goiânia (Anexo II), os cursos especiais e outras modalidades de formação assumem
como eixo a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental
e terão por base a atual proposta (BRASIL, FE/UFG/PPP, p. 13, grifo nosso).
55
Fontes: Resolução CCEP/UFG 207/1984 e PPP/FE/UFG/2003.
148
Sobre os reflexos dessa experiência, os embates a cerca de um novo projeto de curso e
a exigência da adequação às normas legais e regimentais referentes ao curso de Pedagogia da
FE/UFG, que culminaram na reestruturação ocorrida em 2004, discutiremos no próximo item.
6. O curso “regular” de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFG implantado a
partir de 2004
A instituição de uma política de formação dos profissionais da educação no interior da
faculdade de educação e seus desdobramentos no interior da Universidade requer, em
primeiro lugar, a abertura de um espaço para discussão sobre a natureza da chamada crise que
marca a universidade pública no país e, em segundo lugar, refletir sobre o sentido da
pedagogia no curso de Pedagogia na aludida instância. Com base nesses aspectos, pode-se
melhor entender os contornos da política de formação adotada para uma nova reformulação
curricular assumida a partir de 2004.
As mudanças que começaram a acontecer na FE/UFG, conforme explicitado no item
anterior, se configuraram, de certo modo, numa expressão das mudanças ocorridas nas
diferentes instâncias da sociedade, seja combatendo os princípios que levariam a universidade
ao distanciamento de sua atividade fim ou a necessidade de atualização frente às mudanças
ocorridas na sociedade contemporânea conforme vimos no capítulo anterior.
Em meio aos processos de globalização econômica, à política neoliberal que advoga
um Estado mínimo que amplia o espaço do privado em detrimento do público, dentre outras
tantas questões; aos avanços tecnológicos e científicos que, ao lado de suas positividades, vêm
subordinando às práticas sociais, com base num modelo econômico de acumulação flexível
que, ao se pautar pelo princípio estruturante do mercado, no contexto do capitalismo global,
tem supervalorizado os valores da competitividade, eficiência, produtividade, controle e
individualidade (FRIGOTTO, 1998), a FE/UFG continuou firme no princípio de que a
formação acadêmica deve estar desvinculada da formação para o mercado de trabalho. O
curso oferecido aos professores da RME/SME oferecido pela FE/UFG em forma de convênio,
significou um resgate histórico (pela falta de oportunidade que aqueles profissionais tiveram
em “cursar uma universidade”) dos profissionais da educação que já atuavam em sala de aula,
além de se constituir em modelo para a modificação que estava sendo proposta por força da
legislação vigente.
Analisaremos no próximo sub-item os debates que antecederam a reestruturação do
curso de Pedagogia da FE/UFG em 2004.
149
6.1 Os debates acerca da mudança
Desde o ano de 1998, estavam ocorrendo algumas discussões sobre uma possível
reformulação do curso de Pedagogia da FE/UFG. Elas estavam sendo impulsionadas pela
legislação que tratava especificamente da formulação das diretrizes curriculares nacionais
para os cursos de Pedagogia, além das sugestões do Fórum das Licenciaturas que estava
ocorrendo no âmbito da UFG que discutia as modificações que a universidade deveria fazer
em sua estrutura organizacional em relação aos cursos de graduação por ela oferecidos.
Aquele momento de reflexão e de reforma curricular, na realidade, fez parte de um
processo mais abrangente de mudança pelo qual todos os cursos de graduação da UFG
deveriam realizar, como por exemplo, a adoção do regime semestral.
Especificamente no caso do curso de Pedagogia, a FE/UFG organizou uma série de
discussões a fim de que pudesse direcionar essas mudanças que acabaram por ser exigidas
pela legislação. Dessas reuniões surgiu uma exposição de motivos, versão preliminar (mimeo,
2003). Nela existe uma série de justificativas demonstrando a relevância das modificações que
o curso de pedagogia deveria passar. Como era de se esperar os embates afloraram, porém não
com a intensidade esperada como observada em outros momentos na FE/UFG, mas foram
suficientes para evidenciar a existência dos conflitos e tensões em relação ao projeto de curso
de formação de pedagogos existente na faculdade.
Em 20 de setembro de 2002, o CONSUNI/UFG, por meio da Resolução nº 06/2002
aprova a instituição do Regulamento Geral dos Cursos de Graduação – RGCG da UFG,
influenciada pelo do MEC por meio do Decreto nº 3.276/199 e Resoluções nº
S
1/1999 e
02/2002 ambas do CNE/CP.
O anexo apensado ao RGCG, trouxe as disposições legais pelas quais todos os cursos
de graduação da UFG deveriam observar. Por esta razão, a Faculdade de Educação, como
parte integrante da UFG, deveria se adequar às normas doravante estabelecidas.
Dentre os vários artigos que completam o teor do referido documento, um chama a
atenção porque se refere à adoção das atividades acadêmicas organizadas em semestres letivos
(art. 3º), o que ocorreu em toda a UFG a partir de 2004. A universidade passou a conviver
com duas realidades: regime anual, que estava em processo de extinção, e o regime semestral
que estava sendo implantado. No primeiro e segundo capítulos, abordamos as lutas dos
professores e estudantes do ensino superior no período pós-1964. O combate ao regime
semestral, apesar de não fazer parte das análises que empreendemos neste trabalho, era uma
das bandeiras levantadas pelos estudantes na época por entender que ele desagregava a
150
participação dos acadêmicos nas lutas estudantis, além de fragmentar o desenvolvimento dos
cursos em diversos institutos.
Segundo Coêlho (1994), antes da reforma universitária de 1968, o curso superior era
visto como profissionalizante e se dava no interior de uma unidade fundamental, faculdade ou
escola específica, num regime seriado anual. Para ele,
A realidade do movimento estudantil e da turma – espaço fundamental de “con-
vivência” entre os alunos e de referência ao longo do curso – selava a unidade de
formação e de certo modo contribuía para o desenvolvimento da cidadania [...] hoje
o sistema de créditos e o regime de matrícula por disciplina acabaram com a “turma”
no ensino superior. O curso não é mais uma unidade de formação, não está contido
numa faculdade nem garante a esta a sua identidade. O movimento estudantil perdeu
parte de sua vitalidade. Os currículos se fragmentaram e a formação se tecnificou,
atrelando-se ao mercado de trabalho e confundindo-se às vezes com simples
treinamento. O ensino perdeu seu espaço privilegiado na universidade (COÊLHO,
1994a, p. 7).
A adoção do regime semestral já era combatida por grande parte dos docentes e alunos
da UFG desde o período que antecedeu a Reforma Universitária de 1968. Na busca que
realizamos em nossa pesquisa, não encontramos a essência do motivo de não haver grande
resistência por parte da comunidade acadêmica, docentes e discentes, nas discussões sobre o
retorno da semestralidade nas discussões que antecederam a mudança do regime em 2004.
Ninguém questionou a possível desarticulação estudantil que esta medida poderia provocar.
Uma das hipóteses levantadas neste trabalho, a fim de compreendermos o motivo da ausência
de algum foco de resistência, se dá pelo fato de que o movimento estudantil encontra-se muito
fragmentado e desarticulado e, portanto não valeria a pena lutar contra o retorno da
semestralidade. Não queremos afirmar que não houve embates, porém não como vista
anteriormente na história recente da FE/UFG.
Em relação a participação discente, na reestruturação do curso de Pedagogia, foi
tímida em comparação aos outros movimentos reformistas analisados anteriormente. As
reuniões convocadas para a discussão das novas mudanças, que seriam então adotadas em
2004 na FE/UFG, inclusive a modificação do regime seriado anual para o semestral,
ocorreram, em sua maior extensão, às quartas-feiras, à tarde, (mais precisamente às 14 horas,
conforme constam em Ata) nas reuniões do Conselho Diretor da FE/UFG, que inclusive, para
garantir a maior participação dos docentes, não havia previsto aulas para os professores da
FE/UFG às quartas-feiras no período entre 13 e 18 horas, justamente para garantir a presença
de todos nas referidas reuniões. A discussão levada neste ambiente, acabou por conduzir o
debate primordialmente ao âmbito docente, cujas decisões não tiveram a participação dos
acadêmicos do curso de pedagogia, exatamente porque acreditamos que não houve a
151
preocupação de criar condições para garantir a participação dos estudantes nas discussões
sobre a reforma curricular do curso de Pedagogia.
Exemplo disso, foram os horários em que as discussões ocorreram, às quartas-feiras à
tarde, horário em que não havia aulas e, portanto, pouca presença de alunos na Faculdade de
Educação.
Aliados a isto, muitos acadêmicos tambémo se integraram por vários motivos, seja
pessoal ou por motivo de trabalho.
Em algumas reuniões que antecederam a provação do projeto que modificava o curso
de Pedagogia, conforme consta em Atas, a questão do consenso veio à tona no calor das
discussões, por isso cabe neste momento, discutir o sentido que damos ao termo para
identificarmos se os pressupostos que levaram a aprovação das referidas mudanças no curso
de Pedagogia, realmente foram construídos em torno de um consenso, já que em algumas
Atas, constam os registros do termo referindo-se a aprovação das mudanças na estrutura
curricular do curso.
O consenso pressupõe levar em consideração as preocupações de todos os envolvidos
no processo de discussão visando resolvê-los ou clareá-los antes que a decisão seja tomada. O
mais importante, nesse processo é incentivar um ambiente em que todos são respeitados e
todas as contribuições são avaliadas. O consenso formal, pode ser compreendido como um
processo de decisão mais democrático, pois os grupos que desejam envolver sempre mais
voluntários na participação têm a necessidade de utilizar um processo inclusivo. A fim de
atrair e envolver cada vez mais pessoas é importante que o processo de discussão incentive a
participação de todos, permita o acesso igual ao poder, desenvolva a cooperação e crie um
sentido da responsabilidade individual para as ações do grupo, o que não foi visto em relação
aos discentes. O objetivo do consenso não é a seleção de diversas opções, mas o
desenvolvimento de uma decisão que seja a melhor para o grupo como um todo. É em síntese
evolução, não competição nem atrito.
O consenso pode ser obtido, de uma forma genérica, quando ambas as partes cederem,
concordarem e discordarem, obtendo um resultado final diferente do ponto de partida, com
benefícios e perdas comuns a ambas as partes ou até mesmo com a construção de uma nova
solução, que incorpore a soma de ambas as posições. As partes buscam os objetivos em
comum das propostas, dialogam para defini-los, negociam, tentando manter os melhores
pontos e desfazendo-se do que consideram menos importante. Por meio das palavras, as partes
descobrem se há consenso ou não. É, de certa forma, um método de tomada de decisões no
qual a opinião de todos é escutada e a solução final é originada a partir da concordância entre
152
ambas as partes. É possível que algum conflito de interesses impossibilite a construção de um
consenso. Nestes casos, a resolução pode ser feita por meio de uma votação.
No caso da reestrutura do curso de Pedagogia, mesmo com inexpressiva participação
discente, houve certo acirramento das discussões entre os docentes, e o projeto aprovado, não
se constituiu de um consenso, no termo assertivo que utilizamos aqui, mas de uma votação.
Assim, pela votação, que é uma maneira de se obter a aprovação de determinado projeto pela
maioria e fazer com que a decisão seja aceita conforme regras predeterminadas de comum
acordo, mesmo que a parte perdedora não concordasse com o resultado após o fim da votação,
é que as mudanças estruturais no curso de pedagogia da FE/UFG foram aprovadas, conforme
observamos no registro da Ata de reunião ordinária do Conselho Diretor da FE/UFG realizada
no dia 25 de junho de 2003 às quinze horas no mini-auditório:
[...] A seguir, passou-se à discussão final sobre o Projeto Pedagógico do Curso de
Pedagogia, mais especificamente o projeto dos estágios supervisionados na
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Foram feitas várias
sugestões de modificações no texto apresentado, tendo sido aprovadas aquelas que
atendiam à especificidade do estágio supervisionado [...] o presidente externa então
seu entendimento de que o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia está aprovado
em sua essência, e solicita ao plenário sua aprovação, o que aconteceu por maioria.
(BRASIL, FE/UFG, Ata do Conselho Diretor, 2003, p. 1-2).
Nesta aprovação, um fato que merece nossa atenção é o quantitativo de docentes que
constam na lista de presentes da reunião, à qual foi aprovada a reestruturação do curso de
Pedagogia a partir de 2004: 27 docentes. De acordo com PPP/FE/UFG, naquele ano estavam
atuando 60 docentes como professores efetivos e 16 como professores substitutos. Diante
destes dados, numa reunião cuja pauta constava à aprovação de uma modificação tão
importante no curso de Pedagogia, o número de presentes pode ser considerado muito abaixo
da expectativa da relevância do teor da votação. Não houve sequer a presença de um discente
na reunião, nenhuma manifestação externa, nenhum movimento estudantil, tudo se resumiu a
25 votantes que aprovaram a modificação “por maioria” sem haver ao menos um registro em
Ata da contagem de votos. A falta desse registro, ao que nos parece, leva-nos a crer que
mesmo com pouca presença de professores, ausência de alunos e servidores, a diferença dos
que votaram a favor da aprovação e as que votaram contra foi muito pequena. Por que foi
omitido esse dado na Ata? Foi uma estratégia para não evidenciar um certo equilíbrio de
forças políticas? Na própria reunião, a professora Maria Margarida Machado havia solicitado
a presença dos professores da FE/UFG no seminário que seria promovido pela PROGRAD,
(Re)significando a Licenciatura na UFG: construção da política de formação de professores,
"dada a importância das discussões e a relação direta com o trabalho desta faculdade"
153
(BRASIL, FE/UFG, Ata do Conselho Diretor, 2003, p. 1). Esse dado é importante porque
parece que havia uma demonstração clara da falta de participação dos docentes da FE/UFG
em eventos de grande relevância. É o que alguns professores relataram na reunião:
A professora Ely lembrou que, em 1989, a Universidade realizou um seminário
sobre a licenciatura, nas discussões do qual não houve participação direta dos
professores da FE e as mudanças aprovadas não foram muito positivas para a área da
Educação [...] A propósito, foi solicitado aos participantes e representantes da FE em
eventos a socialização das informações com o restante dos colegas. O professor Luiz
Fernandes Dourado lembra que o esvaziamento na participação de eventos, mesmo
na FE, tem sido uma realidade nos últimos tempos. Vejam-se, por exemplo, os
eventos realizados pelo NEDESC nos quais a participação de docentes da FE é
pouco expressiva (BRASIL, FE/UFG, Ata do Conselho Diretor, 2003, p. 1).
Dessa forma, a mudança da estrutura do curso de Pedagogia da FE/UFG, nos
direciona, sem podermos afirmar conclusivamente, ao pensamento de que a ela se deu:
a) com pouca representatividade de docentes e discentes;
b) sem unanimidade da decisão;
c) com certa imposição da “cúpula da universidade” por meio da edição do
Regulamento Geral dos Cursos de Graduação, que não sofreu grande resistência
por parte dos professores e alunos em relação a elaboração do documento;
A forma como se deram as discussões na FE/UFG, podem servir de indicadores da
importância dada ao delineamento das concepções e da política de formação de Pedagogos na
FE/UFG, que no caso específico da reformulação de 2004, fugiu completamente da postura
histórica e política adotada pela faculdade.
Segundo Bourdieu,
É o campo científico, enquanto lugar de luta política pela dominação científica, que
designa a cada pesquisador, em função da posição que ele ocupa, seus problemas,
indissociavelmente políticos e científicos, e seus métodos, estratégias científicas
que, pelo fato de se definirem expressa ou objetivamente pela referência ao sistema
de posições políticas e científicas constitutivas do campo científico, são ao mesmo
tempo estratégias políticas (BOURDIEU, 1983, p. 126).
Mesmo sem haver a efervescência notada em outros momentos da história da
FE/UFG, como os que aconteceram na década de 1980 por exemplo, e considerando os
dispositivos legais da Lei n.º 9.394/1996 (LDB), foram elaborados os princípios norteadores
que resultaram nas mudanças curriculares do novo projeto de curso “regular” de Pedagogia
em 2004.
154
6.2 A organização do novo curso de Pedagogia da FE/UFG
Considerando como opção irrevogável a formação do pedagogo como docente
(posição da ANFOPE, ANPED, FE/UFG), capaz de compreender as complexas relações entre
educação e sociedade, as mudanças ocorridas no campo educacional indicavam problemas na
forma como a organização curricular estava estruturada. Eles foram assim listados:
Melhor articulação entre teoria e prática ao longo do curso;
Maior aproximação entre as propostas ou atividades de estágio e
os projetos vinculados aos sistemas de ensino, à educação básica e
aos projetos dos movimentos sociais;
Ampliar o vínculo entre ensino e pesquisa, assumindo a pesquisa
como princípio formativo;
Maior articulação entre graduação e pós-graduação;
Promover a ampliação do trabalho interdisciplinar;
Possibilitar a formação de um docente capaz de assumir a gestão e
organização do trabalho na escola e em outros espaços educativos;
Permitir um tratamento mais eqüitativo entre as áreas de formação
e demais componentes curriculares (UFG/FE, Exposição de
Motivos, versão preliminar, 2003, p.1, mimeo)
No dia 16 de dezembro de 2003, foi aprovada a Resolução nº 638 do CEPEC/UFG,
fixando o novo currículo pleno do curso de Graduação em Pedagogia – Licenciatura, para os
alunos ingressos a partir do ano letivo de 2004. O curso de Pedagogia que era regido pela
legislação específica dos órgãos majoritários do sistema federal de educação superior, em
2003, passou a ser regido também pelo seu Projeto Político Pedagógico aprovado no Conselho
Diretor da FE/UFG.
Os elementos teóricos-conceituais do projeto apresentam a história de luta por que
passou a FE/UFG nas últimas duas décadas. A defesa da escola pública e democrática,
criadora de direitos, continuou a ser prioridade na formação do pedagogo. Também a
docência, que não pode ser confundida com regência, foi defendida como base da formação
do Pedagogo defendendo aí a dignidade e autonomia do trabalho docente rompendo
definitivamente com a visão tecnicista anterior (FE/UFG/PPP, 2003, p. 8).
A estrutura da organização curricular ficou assim estruturada:
C H S
Nº DISCIPLINA
UNID.
RESP.
PRÉ-REQUISITO
TE PR
CHTS NÚCLEO NATUREZA
01 Alfabetização e Letramento FE 72 72 NC Obrigatória
02 Arte e Educação I FE 72 72 NC Obrigatória
03 Arte e Educação II FE 72 72 NC Obrigatória
155
04 Filosofia da Educação I FE 72 72 NC Obrigatória
05 Filosofia da Educação II FE 72 72 NC Obrigatória
07
Fundamentos e Met. De
Ciências Humanas nos anos
iniciais do Ens. Fundamental I
FE 72 72 NC Obrigatória
08
Fundamentos e Met. De
Ciências Humanas nos anos
iniciais do Ens. Fundamental II
FE
72 72 NC Obrigatória
09
Fundamentos e Met. De
Ciências Naturais nos anos
iniciais do Ens. Fundamental I
FE 72 72 NC Obrigatória
10
Fundamentos e Met. De
Ciências Naturais nos anos
iniciais do Ens. Fundamental II
FE 72 72 NC Obrigatória
11
Fundamentos e Met. Língua
Portuguesa nos anos iniciais
do Ens. Fundamental I
FE 72 72 NC Obrigatória
12
Fundamentos e Metodologia
de Matemática nos anos
iniciais do Ens. Fundamental I
FE 72 72 NC Obrigatória
13
Fundamentos e Metodologia
de Matemática nos anos
iniciais do Ens. Fundamental II
FE 72 72 NC Obrigatória
14 História da Educação I FE 72 72 NC Obrigatória
15 História da Educação II FE 72 72 NC Obrigatória
16
Políticas Educacionais e
Educação Básica
FE
72 72 NC Obrigatória
17 Psicologia da Educação I FE 72 72 NC Obrigatória
18 Psicologia da Educação II FE 72 72 NC Obrigatória
19 Sociedade, Cultura e Infância FE 72 72 NC Obrigatória
20 Sociologia da Educação I FE 72 72 NC Obrigatória
21 Sociologia da Educação II FE 72 72 NC Obrigatória
22 Cultura, Currículo e Avaliação FE 72 72 NE Obrigatória
23
Didática e Formação de
Professores
FE
72 72 NE Obrigatória
24
Educação, Comunicação e
Mídias
FE
72 72 NE Obrigatória
25
Estágio em Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino
Fundamental I
FE 100 100 NE Obrigatória
156
26
Estágio em Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino
Fundamental II
FE
Estágio em
Educação Infantil
e Anos Iniciais
do Ensino
Fundamental I
100 100 NE
Obrigatória
27
Estágio em Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino
Fundamental III
FE
Estágio em
Educação Infantil e
Anos Iniciais do
Ensino
Fundamental II
100 100 NE Obrigatória
28
Estágio em Educação Infantil e
Anos Iniciais do Ensino
Fundamental IV
FE
Estágio em Educação
Infantil e Anos
Iniciais do Ensino
Fundamental III
100 100 NE Obrigatória
29
Gestão e Organização do
Trabalho Pedagógico
FE
72 72 NE Obrigatória
30
Trabalho de Conclusão de
Curso I
FE 72 72 NE Obrigatória
31
Trabalho de Conclusão de
Curso II
FE
Trabalho de
Conclusão de
Curso I
72 72 NE Obrigatória
Ilustração 20 - Matriz Curricular Do Curso de Pedagogia da FE/UFG (2004)
56
.
LEGENDA
NC: Núcleo Comum
NE: Núcleo Específico
CARGA HORÁRIA DAS DISCIPLINAS
CHTS: Carga Horária Total Semanal
TE: Teoria
PR: Prática
NATUREZA DAS DISCIPLINAS
OBR: Obrigatória
OPT: Optativa
A duração do curso de pedagogia, passou a ser de 3.120 (três mil, cento e vinte) horas,
a serem integralizadas no tempo mínimo de três anos e no tempo máximo de sete anos em
regime semestral. De acordo com o artigo 8º da Resolução nº 698/2004, que reestruturou o
56
Fonte: Resolução n.º 638/2003 – CEPEC/UFG.
157
curso de Pedagogia da FE/UFG, os alunos obrigatoriamente necessitam cumprir, para
graduar-se:
I. 1.512 h de disciplinas do núcleo comum;
II. 832 h de disciplinas do núcleo específico;
III. 576 h de núcleo livre;
IV. 200 h de atividades complementares/atividades acadêmico-científico-culturais
(Anexo, Resolução n.º 638/2003 – CEPEC/UFG).
O significado dos termos: núcleo comum (NC), núcleo específico (NE) e núcleo livre
(NL), e como são os seus respectivos direcionamentos, já haviam sido definidos no
Regulamento Geral dos Cursos de Graduação da UFG:
Art. 5º - O currículo deverá ser a expressão do projeto pedagógico de cada curso,
abrangendo o conjunto de conteúdos comuns, específicos e eletivos, experiências,
estágios e situações de ensino-aprendizagem relacionadas à formação do aluno e que
serão cadastrados no sistema de administração acadêmica (SAA) sob o título geral
de disciplinas ou de atividades complementares.
§ 1º - Núcleo comum (NC) é o conjunto de conteúdos comuns para a formação
do respectivo profissional.
I. O NC será ministrado em disciplinas obrigatórias, cujo elenco será definido na
resolução que fixa o currículo de cada curso.
II. A carga horária total do NC deverá ocupar um máximo de 70% da carga horária
total de disciplinas, necessária para a integralização curricular do curso.
III. Poderão fazer parte do NC do curso disciplinas nas quais a inscrição seja
compulsória.
IV. Disciplinas de inscrição compulsória são aquelas para as quais está pré-
determinado na estrutura curricular do curso, com base em pré-requisitos, o
momento em que deverão ser cursadas.
V. Até 100% da carga horária reservada ao NC poderão ser dedicados à disciplinas
de inscrição compulsória.
§ 2º - Núcleo específico (NE) é o conjunto de conteúdos que darão
especificidade à formação do profissional.
I. O NE será ministrado em disciplinas cujo elenco será definido na resolução que
fixa o currículo de cada curso.
II. Disciplinas do NE poderão ser definidas como obrigatórias.
III. Dentre as disciplinas optativas, os alunos, para completar a carga horária do NE,
poderão cursar as que julgarem mais adequadas à sua formação específica,
respeitados os pré-requisitos necessários.
IV. A carga horária total do NE deverá ocupar um mínimo de 20% da carga horária
total de disciplinas, necessária para a integralização curricular.
§ 3º - O somatório da carga horária do NC e do NE totalizará um mínimo de 80% da
carga horária de disciplinas, necessária para a integralização curricular.
§ 4º - Núcleo livre (NL) é o conjunto de conteúdos que objetiva garantir
liberdade ao aluno para ampliar sua formação. Deverá ser composto por
disciplinas eletivas por ele escolhidas dentre todas as oferecidas nessa categoria no
âmbito da universidade, respeitados os pré-requisitos.
I. A carga horária total do NL deverá ocupar um mínimo de 10% do total da carga
horária de disciplinas, necessária para a integralização curricular (UFG/RGCG,
anexo, 2002, p. 2; grifo nosso).
158
Esta organização curricular, ao que nos parece, propõe formar professores que
compreendem as complexas relações entre a educação e a sociedade, pensem e realizem a
existência humana, pessoal e coletiva. Por isso, ela está organizada por eixos epistemológicos
que se estruturem em torno de uma prática sócio-cultural inseparável das “humanidades,
sobretudo da filosofia, das artes, das letras e das ciências sociais” (FE/UFG/PPP, 2003, p. 14).
Dessa forma, acredita-se que se busca a “formação crítica, rigorosa e radical, o aprendizado
do trabalho com os conceitos e as articulações da teoria e da prática, indispensáveis à
verdadeira autonomia” (FE/UFG/PPP, 2003, p. 14).
Nessa organização curricular, o núcleo livre seguiu orientações do Conselho Nacional
de Educação – CNE nº 28/2001, que prevê disciplinas e atividades eletivas como base da
prática a ser desenvolvida pelos acadêmicos. Segundo o PPP/FE/UFG, o núcleo livre não é
oferecido no primeiro semestre, sendo distribuído em cada semestre letivo permitindo os
acadêmicos do curso de Pedagogia, e de outros cursos da UFG
57
, participar de disciplinas,
atividades de núcleos de pesquisa que possibilitem o aprofundamento da compreensão da
relação teoria e prática. “Desse modo, o núcleo livre constitui-se em momento de
flexibilização curricular e também de prática como componente curricular, perfazendo um
total de 576 horas (19,7% da carga horária total do curso)” (PPP/FE/UFG, 2003, p. 23). Em
2006, por exemplo, segundo dados fornecidos pela secretaria da FE/UFG, foram ofertadas 31
disciplinas do núcleo livre, sendo duas com 23 vagas e 29 com 35 vagas cada uma,
perfazendo um total de 1.061 vagas oferecidas em disciplinas do núcleo livre na FE/UFG.
A reforma curricular, segundo o PPP/FE/UFG/2003, buscou assegurar a concretização
de alguns princípios direcionadores da formação do pedagogo:
a. o processo educativo como parte integrante da realidade sócio-histórico-
cultural;
b. o trabalho docente como eixo da formação do pedagogo nos contextos escolares
e não-escolares;
c. uma formação teórica sólida que permita compreender, de forma crítica e
rigorosa, a sociedade,a educação e a cultura;
d. a unidade entre a teoria e a prática;
e. a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão e a articulação entre
a graduação e a pós-graduação;
f. a pesquisa como uma dimensão da formação e do trabalho docente, visando à
inserção crítica dos licenciados na esfera da compreensão reprodução do saber;
g. a autonomia dos trabalhos docente e discente;
h. a interdisciplinaridade na organização curricular.
(UFG/FE/PPP, 2003, p. 15).
57
Conforme o Regulamento Geral de Cursos de Graduação da UFG, essa oferta corresponderá, no mínimo, a 5%
do total de vagas oferecidas em cada semestre letivo do curso.
159
Dentro desta organização, notamos que a reestruturação do curso de pedagogia trouxe
em sua matriz curricular algumas alterações importantes.
A disciplina educação, comunicação e mídias, por exemplo, segundo consta em sua
ementa, tem como objetivo introduzir o conhecimento sobre as inovações tecnológicas que
podem ser utilizadas nos processos educacionais de ensino-aprendizagem no cotidiano
escolar.
Pressupomos que esta disciplina não tem um caráter estritamente tecnicista,
instrumental – como se fosse um conjunto de técnicas para manipular instrumentos, capaz de
levar o egresso à reprodução de métodos e técnicas educacionais como se a educação se
resumisse a procedimentos reprodutivistas (BOURDIEU; PASSERON, 1975).
Da mesma forma, a disciplina gestão e organização do trabalho pedagógico
ultrapassou a idéia de que a organização do trabalho pedagógico se realiza apenas pela técnica
de organização administrativa burocrática. A escola como uma instituição social democrática,
exige do pedagogo o entendimento dos processos históricos de organização, gestão e trabalho
administrativo que servirão de suporte para cargos diretivos em uma instituição escolar. A
ementa dessa disciplina explicita que deve ser articulado o seguinte conteúdo:
O trabalho na sociedade capitalista: história, modos de produção, relações de
produção. A escola no capitalismo: organização, gestão dos processos educativos, o
trabalho docente. A gestão escolar democrática nas políticas educacionais:
concepções de gestão e organização da escola. A escola como cultura
organizacional: o projeto político-pedagógico coletivo e o trabalho do professor
(UFG, Resolução nº 638 – CEPEC/UFG, anexo II).
As disciplinas analisadas acima, refletem o caráter de aproximação do aluno com a
realidade do trabalho vivida na escola. Outras que compõe a estrutura curricular, inclusive as
do núcleo livre, que a cada semestre letivo pode variar em atividades de enriquecimento e
aprofundamento, também aproximam o pedagogo da realidade da sala de aula, inclusive
podendo ser oferecida em forma de prática docente. Apesar de ser importante que o aluno
possua uma variedade de disciplinas do núcleo livre a fim de escolher aquela que melhor
subsidie sua formação, é preciso deixar claro que a inclusão de uma ou outra disciplina em
seu histórico escolar não garantirá a nenhum pedagogo que ele desempenhará bem
determinadas funções no mundo do trabalho. O núcleo de formação livre, de escolha
exclusiva do estudante, além de propiciar certo grau de autonomia em seu processo de
formação, deve ser entendido como forma de enriquecimento cultural e científico permitindo
que ele faça escolhas com base em interesses individuais, permitindo ao aluno obter créditos
160
em quaisquer atividades acadêmicas curriculares da própria universidade ou de instituições a
ela conveniadas (nacionais e internacionais).
A fim de compor as atividades de pesquisa, a nova reestruturação do curso de
Pedagogia trouxe a novidade do Trabalho de Conclusão de Curso - TCC incluído como uma
disciplina da matriz curricular. Esta disciplina oferecida por meio de TCC I e TCC II, prevê
ao final do curso que se apresente um texto monográfico de alguma pesquisa realizada pelo
aluno.
Entretanto, conforme histórico dos projetos de pesquisa fornecidos pela secretaria da
FE/UFG, as pesquisas que envolvem a participação de alguns alunos da graduação na
FE/UFG já eram desenvolvidas por meio dos diversos núcleos e grupos de pesquisas que
foram criados no âmbito da faculdade de educação e da UFG, em programas de pós-
graduação ou de iniciação científica promovida pelo MEC. Porém, não havia nenhuma
disciplina direcionada à pesquisa como o TCC. A idéia de que os cursos e programas de
formação docente possam utilizar uma metodologia investigativa, apóia-se na perspectiva ao
mesmo tempo pedagógica e epistemológica (ANDRÉ,1994, p. 292). A universidade pública
possui como princípio estruturante a indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e
extensão, representando seu pilar fundamental no fazer acadêmico. O curso de pedagogia
estruturado fora desse pilar, perde muito de sua função social e de seu caráter investigativo,
além de perder a oportunidade de fomentar o desenvolvimento reflexivo e crítico da realidade,
aspectos não apreensíveis apenas nas atividades de ensino. Ainda em relação a pesquisa,
parece-nos que houve o evidenciamento de um certo questionamento sobre a ausência de
atividades de pesquisa na graduação da FE/UFG após a mudança de 1984 que era considerada
progressista. A reestruturação de 2004 avançou nesta questão preenchendo a lacuna deixada
anteriormente.
A reestruturação do curso de Pedagogia da FE/UFG, no período analisado neste
capítulo, se constituiu num esforço coletivo para garantir a qualidade do ensino na graduação.
A finalidade, como bem observamos, foi a de propiciar uma formação capaz de conduzir os
pedagogos a adotar um posicionamento crítico e uma postura ética frente à realidade a qual
estão inseridos. Nesta busca, no anseio de superação, às vezes o contraditório se evidencia em
forma de conflitos que são inerentes ao processo acadêmico. Por um lado, existem aqueles
que acreditam que no currículo deve conter disciplinas que auxiliem o egresso em sua
profissão, de outro aqueles que consideram esta inclusão uma postura reducionista,
conteudista da formação. Dessa forma Torres acredita que:
161
Frente a essa formação fixada em uma visão academicista das exigências de
aprendizagem dos professores, sem conexões com seu ofício e suas necessidades
reais, emergem agora tendências que passam para o outro lado, com enfoques
estritos, eminentemente orientados para a prática e as necessidades imediatas. Se
antes foi um erro concentrar-se nos conteúdos, agora muitos buscam abreviá-los e
insistir apenas no lado pedagógico, com uma visão por vezes limitada a métodos e
técnicas (TORRES, 1998, p. 180).
7. O curso de Pedagogia da FE/UFG: um balanço histórico - 1984 a 2004
Ao realizar um balanço histórico do curso de Pedagogia da FE/UFG no período
compreendido entre 1984 e 2004, partimos da constatação de que as modificações se fizeram
por meio de embates que expressavam a conquista de posições dominantes e transitórias num
determinado período de tempo.
Em 1984 o contexto histórico era marcado ainda pelo início da redemocratização do
País após um longo período de ditadura promovida pelo regime militar (GERMANO, 1994).
O movimento político, proporcionado pelos partidos de direita, buscavam formar alianças
com outros partidos para se manterem firmes no poder. A reestruturação do curso de
Pedagogia da FE/UFG por meio da Resolução nº 207/1984, em meio àquela conjuntura,
significou, em relação ao tipo de formação oferecida anteriormente, um avanço inovador e
revolucionário por inverter a lógica que estava assentada no modelo tecnicista. Desde aquele
período, muitas transformações ocorreram no contexto político, educacional e tecnológico em
nossa sociedade brasileira levando a FE/UFG a refletir novamente sobre a necessidade de
alterar seu processo formativo de pedagogos, culminando em nova modificação que
aconteceu por meio da Resolução nº 638/2003 e implantada a partir de 2004. A ilustração
abaixo compara alguns pontos estruturais que contam um pouco dessa trajetória e, ao mesmo
tempo, busca elementos que possam evidenciar os avanços e possíveis retrocessos do novo
currículo em relação ao anterior.
CURSO DE PEDAGOGIA
(MUDANÇA DE 1984)
CURSO DE PEDAGOGIA
(MUDANÇA DE 2004)
Carga Horária: 2.548 horas Carga Horária: 3.120 horas
Período mínimo para integralização: 4 anos Período mínimo para integralização: 3 anos
Regime do curso: seriado anual Regime de curso : seriado semestral
Média mínima para aprovação sem 2ª época: 7,0.
Em 2ª época: 5,0
Média mínima para aprovação: 5,0 sem direito a
2ª época
162
Nº de disciplinas: mínimo de 19 a serem
cursadas
Nº de disciplinas: mínimo de 31 mais as do
núcleo livre
Sem trabalho de conclusão de curso Com trabalho de conclusão de curso: 144 horas
Sem habilitações Sem habilitações
Atividades complementares: 180 horas Atividades complementares: 200 horas
Estágio: 320 na escola de Ensino Fundamental e
128 em disciplinas específicas na escola normal,
totalizando: 448 horas
Estágio: 400 horas nas séries iniciais do Ensino
Fundamental e Educação Infantil
Metodologia e conteúdo de disciplinas
específicas: 96 horas para Ciências e 96 horas
para Estudos Sociais. 128 horas para Língua
Portuguesa e 128 horas para Matemática
Metodologia e conteúdo de disciplinas
específicas: 144 horas para cada uma:
-Ciências Humanas -Matemática
-Ciências Naturais -Língua Portuguesa
Filosofia da Educação: 192 horas Filosofia da Educação: 144 horas
Sociologia da Educação: 256 horas Sociologia da Educação: 144 horas
História da Educação: 192 horas História da Educação: 144 horas
Psicologia da educação: 256 horas Psicologia da Educação: 144 horas
Língua Portuguesa: 128 horas Língua Portuguesa: suprimida
Alfabetização: 64 horas Alfabetização e letramento: 72 horas
Arte e Recreação: 64 horas Arte e Educação: 144 horas
Organização do Trabalho Pedagógico: 64 horas Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico:
72 horas
Currículo e Avaliação: 64 horas Cultura, Currículo e Avaliação: 72 horas
Ausência de Trabalho de Conclusão de
Curso
Exigência do Trabalho de Conclusão de
Curso
Formação voltada para as séries iniciais do
Ensino Fundamental
Formação voltada para a Educação Infantil e
séries iniciais do Ensino Fundamental
Ausência do Núcleo Livre Oferecimento de disciplinas no Núcleo Livre
Ilustração nº 21 - Evolução histórica e estrutural do curso de Pedagogia da FE/UFG entre
1984 a 2004
58
.
Este quadro comparativo expõe a evolução do currículo do curso de Pedagogia da
FE/UFG, seu processo de formação e contam, nas entrelinhas, os conflitos que permearam as
discussões que promoveram as alterações no curso de Pedagogia da FE/UFG nas duas últimas
décadas. Quando observamos que uma disciplina deixou de ser oferecida e foi substituída por
58
Fonte: Resolução nº 207/1984 CCEP/UFG e Resolução nº 638/2003 do CEPEC/UFG.
163
outra, por trás dessa modificação, na realidade, existem embates e confronto de forças que se
acirraram para que suas propostas fossem assumidas. Podemos citar, por exemplo, a carga
horária de algumas disciplinas que sofreram alterações ampliando ou diminuindo seu espaço.
Da mesma forma, a supressão ou modificação de uma ou outra disciplina da matriz curricular
parece denotar a supremacia de alguns campos do conhecimento ali presentes sobre outros.
Esta prática, pelo estudo que até aqui realizamos, nos conduz ao entendimento de que esta
postura representou um entrave significativo em relação a reestruturação ocorrida
anteriormente em 1984 dos quais podemos destacar: a) a falta de representatividade discente
nos embates e processos de decisão que culminou na reestruturação do curso de Pedagogia; b)
ausência considerável de docentes nas reuniões do Conselho Diretor nos momentos de embate
e definição das novas propostas curriculares para o curso de Pedagogia; c) pouca
efervescência de movimentos dos educadores e organizações sindicais no processo de
reestruturação do curso; d) ausência de encontros, seminários, ciclos de debates etc. que
permitisse um maior envolvimento e esclarecimento da comunidade acadêmica a respeito da
importância de se reestruturar um curso de formação de professores.
Esse percurso apresentado de forma comparativa, nos direciona ao entendimento de
que se tentou buscar elementos que fossem capazes de construir a identidade do pedagogo
por meio de uma organização curricular considerada eficiente para atingir a atividade fim de
um curso de formação de professores: a docência. Entretanto, nos parece que, pelos
constantes embates sobre o processo de formação de pedagogos, o curso encontrava-se
fragmentado por um currículo e por uma profissionalização, considerada por alguns docentes,
insatisfatórias para realizar uma tarefa efetivamente educativa.
Segundo Silva (1999), esse tipo de construção curricular, fragmentado, leva a uma
organização pautada nas discussões específicas dos diversos campos de conhecimentos, o que
acaba sobrepondo suas respectivas idéias às discussões relacionadas aos processos educativos.
[...] não se pode formar o educador com partes desconexas de conteúdos,
principalmente quando essas partes representam tendências opostas em educação:
uma tendência generalista e uma outra tecnicista. Essas tendências [...] a primeira
quase que exclusivamente na parte comum, considera que ela se caracteriza,
"grosso modo", pela desconsideração da educação concreta como objeto principal
e pela centralização inadequada nos fundamentos em si (isto é, na psicologia e não
na educação; na filosofia e não na educação, e assim por diante). A segunda, por
sua vez, é identificada com as habilitações, consideradas como especializações
fragmentadas, obscurecendo seu significado de simples divisão de tarefas do todo
que é a ação educativa escolar. (Silva 1999, p. 70)
A trajetória que foi assumida pelo curso de pedagogia da FE/UFG por meio das
tensões, conflitos e embates, buscou a superação da dicotomia que desvinculava teoria e
164
prática, pensar e fazer, conteúdo e forma, formação generalista e formação especialista na
área do conhecimento e da prática educacional. Assim, podemos destacar alguns avanços que
consideramos positivos na estrutura curricular assumida em 2004 em relação a de 1984:
a) formação teórica e interdisciplinar que possa favorecer uma ampla compreensão do
processo educacional como prática social, com a identificação clara de seus determinantes;
b) articulação entre a teoria e a prática transversalmente nas diversas disciplinas que
compõe o novo currículo do curso de Pedagogia;
c) trabalho pluridisciplinar por meio das disciplinas que compõe o núcleo livre na
matriz curricular;
d) formação inicial articulada à formação continuada por meio do Trabalho de
Conclusão de Curso(TCC I e TCCII) que passou a possibilitar o aprofundamento de questões
teórico-educativas por meio da pesquisa;
e) compreensão do fenômeno educativo e de seus determinantes filosóficos, sociais,
políticos e econômicos em dado contexto histórico, a partir da articulação entre diversas
disciplinas que compõe as ciências sociais e humanas do novo currículo;
f) construção de um instrumental teórico-metodológico das áreas específicas que
passou a enfocar teorias, conteúdos e métodos das disciplinas, redes curriculares, processos
comunicativos e culturais;
g) apreensão dos processos sociais, políticos e econômicos que influenciam a ação
educativa da instituição escolar e o significado das relações de poder que se reproduzem em
seu cotidiano, abrangendo as normas políticas de interesse da educação, os processos de
planejamento, a gestão e a avaliação da educação, convergindo para uma formação acadêmica
voltada para a construção e desenvolvimento do projeto político-pedagógico da escola.
O curso de pedagogia, no percurso de sua existência, talvez pela própria amplitude da
área que o denomina, às vezes foi se amalgamando com os diversos interesses hegemônicos
dos projetos educativos vigentes. A opção histórica que faz sentido configurar neste momento
é aquela que resulta de um trabalho de mediação que não apenas contemple uma discussão
conceitual, mas também a complexidade histórica do curso, e o seu papel no encaminhamento
das questões educacionais. É a mediação da discussão nacional, daqueles que estão
envolvidos com a prática educativa, que pode continuar a dar direção mais correta para o
delineamento histórico contemporâneo dos processos educacionais.
Podemos verificar que o papel da FE/UFG é muito importante na concretização de um
ideal pautado na articulação entre os saberes que a compõe. Entendemos que a continuidade
165
da ampliação desta postura, abrirá maiores oportunidades para que a FE/UFG possa
proporcionar a seus alunos e professores uma busca constante na produção de novos saberes.
166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
"[...] a coisa (princípio, movimento e resultado)
não se consuma no seu fim mas na sua atenção, e
o todo efetivo não é o resultado , a não ser com o
seu devenir. O fim para si é o universal sem vida,
assim como a tendência é o puro impulso que
ainda carece de sua realidade efetiva; e o
resultado nu é o cadáver que a tendência deixou
atrás de si" (HEGEL, 1974, p. 12)
A epígrafe citada acima nos demonstra que a busca pelo conhecimento é um constante
resultado de criar e recriar o saber. E para que isso possa acontecer, essa busca exige um
movimento, um caminho que é preciso percorrer e que suprime tanto posições cristalizadas,
rígidas, inflexíveis, como posições que se assentam apenas no caráter subjetivo e sem
fundamento.
Ao propor como objetivo geral do trabalho o análise e discussão sobre a temática da
reestruturação do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Goiás, investigando as tensões e conflitos ocorridos no período de 1984 a 2004, e partindo da
formação de professores à formação dos pedagogos, não tínhamos em mente a complexidade
dos fenômenos do campo educacional. Com a ampliação da consciência de que seria
impossível incluir tudo o que imaginávamos, inicialmente eles foram, ao longo dos estudos,
sendo cerceados aos que mais atendiam nossas expectativas e estavam articulados às questões
associadas à nossa prática docente e, às vezes, nossas crenças.
Dessa maneira, fomos delineando o Curso de Pedagogia a partir das análises políticas,
econômicas e sociais (e do ponto de vista legal e regimental) que representou um momento de
grande relevância na reorganização da estrutura formativa das faculdades de educação no
Brasil.
Desta forma, este estudo teve o objetivo fundamental de examinar e de explicitar
especificamente a reestruturação do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Goiás –
FE/UFG. Observou-se que as mudanças ocorridas na reorganização das atividades acadêmicas
referente a formação dos pedagogos, sem desconsiderar os avanços significativos na
qualidade do curso oferecido pela FE/UFG nas últimas décadas, não atingiu em sua totalidade
os objetivos propostos inicialmente para eles.
167
Analisou-se o ambiente político em que o sistema educacional brasileiro (sobre)viveu,
sobretudo no período pós-1964, que culminou na introdução das chamadas habilitações no
curso de pedagogia até a exclusão das mesmas após diversos embates que se irradiaram pelo
cenário educacional brasileiro. Além disso, analisou-se como a Faculdade de Educação vem
equacionando, dentro de seus limites e possibilidades, a existência de possíveis lacunas na
formação dos pedagogos, (re)definindo o seu papel diante dos desafios que a sociedade
contemporânea lhes impõe. Procuramos, com isso, explicitar as tensões e os conflitos entre as
diversas concepções nos vários momentos em que ocorreram as reformas curriculares do
curso de Pedagogia promovidas pela FE/UFG.
Inicialmente, o trabalho adotou como ponto de partida, a análise da política do sistema
educacional do estado brasileiro a partir do período pós-1964, por entender que neste período,
a política intervencionista do Estado brasileiro sobre a educação influenciou na criação das
habilitações técnicas de formação dos pedagogos no Brasil. Além disso, vimos que no campo
profissional, as modificações ocorridas visaram atender a inclusão do nosso sistema
educacional no desenvolvimento técnico-científico assentado na expansão do capital,
logrando êxito, inclusive, ao definir para os cursos de formação em nível superior a
necessidade de reformulação para a adequar-se à visão tecnicista.
A análise desses fatos nos levou a crer que o sistema educacional, sobretudo no ensino
superior, na área responsável pela formação profissional docente, foi levado gradativamente
pelo governo brasileiro à ampliação do espaço acadêmico para atender os princípios
elencados pelos organismos internacionais, que em instância direta, eram os mentores do
movimento da organização capitalista. Os acordos entre o MEC e a USAID, na década de
1970 (SAVIANI, 1988) ganharam nova configuração e ainda refletem nos acordos atuais
entre o MEC e as instituições multilaterais como a UNESCO e o Banco Mundial (LIBÂNEO,
OLIVEIRA, TOSCHI, 2003). Nessa direção, as políticas públicas para o ensino superior
caminharam rumo aos seguintes pressupostos:
a) expansão das instituições particulares de ensino superior, favorecendo o
atendimento das demandas variadas e diferenciadas ditadas pelo mercado de trabalho;
b) implantação de reformas no sistema de ensino visando transferir recursos públicos
para a iniciativa privada, argumentando, para isso, uma pretensa ineficiência das instituições
públicas em racionalizar o seu processo administrativo (CUNHA, 1998);
c) adoção de políticas públicas tentando minar a articulação dos movimentos sociais
oposicionistas a fim de impor um modelo de formação baseado na competitividade e
ranqueamento” das instituições educacionais, inclusive, a de formação de professores.
168
Neste contexto, observa-se que “as universidades federais com maior capital
científico, intelectual e cultural procuram resolver os problemas e os conflitos atuais pela
inovação, que visa melhorar a eficiência e eficácia na obtenção de produtos e processos
gerenciais” (OLIVEIRA, 2000, p. 167).
Sabendo que a temática desenvolvida sobre a formação dos professores, incluindo aí o
pedagogo, não é uma discussão provocada apenas na atualidade, nem é exclusiva dos
movimentos de educadores das últimas décadas. Entretanto tiveram uma participação decisiva
na constituição de um profissional voltado para a realidade dos processos educacionais e da
escola. A instituição do Comitê Pró-Formação do Educador na cidade de São Paulo durante a
I Conferência Brasileira de Educação, em 2 de abril de 1980, tendo no Estado de Goiás uma
de suas sedes em nível nacional, destacou a relevância dos embates que se travaram aqui na
constituição da identidade profissional do pedagogo no Brasil.
Dessa forma, salientamos que o mais importante é registrar a própria ação dos
educadores que, como sujeitos coletivos e históricos, intervêm, mesmo quando as condições
materiais estão desfavoráveis, no ganho da qualidade social da educação.
A análise documental demonstrou-nos o histórico das tensões responsáveis pela
reestruturação do curso de Pedagogia no período de 1984 a 1995 e comprovou que a
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFG) tornou-se marco
histórico da reestruturação do curso de pedagogia no Brasil em conseqüência dos movimentos
de educadores, das idéias e práticas acadêmicas voltadas para a escola, mais evidentes na
década de 1980, dos embates teóricos, das novas demandas e desafios que a sociedade
contemporânea requereu e das instituições formadoras de professores, das necessidades e
condições existentes no contexto institucional, local e nacional.
Desse modo e imbuídos pelo compromisso com a educação pública, nossos pressupostos
percorriam as reflexões na elucidação histórica de como o curso de Pedagogia poderia contribuir
na melhoria da qualidade social da educação. Com isto, nossa pesquisa extraiu no teor dos
projetos propostos por meio das exposições de motivos das respectivas Resoluções, quando
anexadas à elas, os princípios teóricos para a formação do profissional da educação,
especificamente o pedagogo da FE/UFG, aprofundando nas questões que nos conduzissem a
responder quais destes atenderiam à atual situação da organização educacional com vistas a
contribuir na sua transformação já que, também de antemão, conhecemos a sua precariedade e
sobretudo, a compreensão das tensões aí desenvolvidas.
Descrevemos, ainda que tipologicamente, os aspectos internos das propostas
levantadas pelos Professores da Faculdade de Educação, em especial, Ildeu Moreira Coêlho e
169
José Carlos Libâneo, que nos conduziu às questões que envolvem diretamente a
caracterização epistemológica do perfil do pedagogo para atuar na educação, e que serviu de
premissa para o desenvolvimento da organização curricular e institucional da FE/UFG.
A bipolarização teórica que se estabeleceu no âmbito da FE/UFG, gradativamente foi
ganhando o cenário nacional até atingir os órgãos oficiais, cuja proposta para os cursos de
Pedagogia ainda não estava legitimada para atuação dos pedagogos nas séries iniciais do
ensino fundamental. Somente após o movimento nacional dos educadores na década de 1980,
pelo menos no caso goiano, é que a finalidade desses profissionais passou a ser a docência e
não mais para as atividades voltadas para as habilitações em Administração, Orientação,
Supervisão ou Coordenação escolar. Nessa direção, a organização curricular e institucional
parte da premissa articulada do desenvolvimento das noções de competências mobilizadas ao
fim a que se destina: a sala de aula. Como reflexo desse ideal, a FE/UFG inova a nível
nacional e assume definitivamente a formação de pedagogos para o exercício da docência a
partir de 1984.
Pensando na relação entre o pedagogo e suas atribuições dentro do sistema
educacional, a extinção do curso de Pedagogia às vezes era pleiteada por alguns educadores
(PARRA, 1986) que entendiam que o espaço do pedagogo não deveria ser ocupado na
docência, que deveria ficar a cargo dos institutos de formação específica. Na realidade não era
a extinção do curso a solução para a definição do papel do pedagogo e sim o tipo de formação
a que eram destinados.
Paralelamente, compreendemos que na legislação de ensino, Lei nº 9.394/1996, havia
posto em questão a formação dos professores para a Educação Básica. Dessa forma a
separação da formação docente dos cursos de Pedagogia instituindo-a somente nos Institutos
Superiores de Educação, especificamente nos cursos Normal Superior e nas Licenciaturas,
estava sendo interpretada, no limite, como manutenção da desvalorização do magistério
(MIALCHI, 2003), assunto que preferimos não abordar diretamente durante o
desenvolvimento de nossa pesquisa, e sim transversalmente de acordo com as concepções
preexistentes.
Entendíamos que a valorização do magistério e as atuais condições do ensino superior
estavam diretamente associados à própria situação de atrelamento das instituições
educacionais ao sistema produtivo, mesmo que elas resistissem, como o fazem muitas delas
hodiernamente.
Vimos como Libâneo propôs a ampliação dos espaços de atuação profissional dos
pedagogos, já que para ele, onde existe o ato pedagógico ali a presença do pedagogo é
170
necessária. Até o presente momento ainda não existe um consenso a respeito dessa ampliação
profissional do pedagogo. A indefinição marca a formação do pedagogo, principalmente
quando analisamos os currículos das diversas instituições de ensino superior que oferecem o
curso de pedagogia.
O trabalho docente é pedagógico porque é uma atividade que tem uma
intencionalidade implicando em um trabalho de direção pedagógica. O ato pedagógico, como
acredita Libâneo, pressupõe ações intencionais, conscientes e organizadas cuja transmissão e
assimilação depende de opções sócio-políticas de um projeto de gestão social. Isto significa
que, para o profissional que se propõe a ensinar não basta que ele seja um bom especialista na
matéria, mas que saiba pedagogizar a matéria, isto é, que saiba converter as bases da ciência
que ensina em matéria de ensino. Nesse sentido, a transcrição abaixo do próprio Libâneo em
um congresso realizado para educadores conclui de maneira lúcida aquilo que entendemos ser
sua concepção pedagogizante:
Ser professor de Educação Física é mais do que ser um bom conhecedor da cultura
corporal ou um bom técnico desportivo. Ao lidar com as várias facetas da cultura
corporal, ele deve transformar os conteúdos, as habilidades, as técnicas, em matérias
de ensino. É isso que chamo de “pedagogizar” a cultura corporal. Do mesmo modo,
um professor de Matemática não pode ser apenas um bom especialista ao selecionar
os conhecimentos de base da Matemática. É preciso recorrer a critérios pedagógicos
e didáticos: que conteúdos da Matemática devem constituir-se em matéria de ensino
visando à formação dos alunos; qual é a seqüência desses conteúdos conforme
idades dos alunos; a que representações, atitudes, convicções são formadas em cima
do conhecimento matemático; que habilidades, hábitos, métodos, regras de agir
ligados a essa matéria podem auxiliar os alunos a agirem praticamente frente a
situações concretas da vida.
É nisso que o trabalho docente é um trabalho pedagógico. E é por isso que defendo
uma formação pedagógica integral de todo profissional do ensino. Uma formação
teórico-científica que inclua não apenas os conhecimentos especializados (na
Educação Física, na Matemática, na História, etc.), mas também aqueles do campo
sociológico, filosófico, político. Uma formação técnico-prática que inclua a
preparação do profissional específica, envolvendo a Didática e as metodologias
específicas das matérias, a Organização do Trabalho Pedagógico Escolar, a
metodologia da pesquisa, etc. (LIBÂNEO, 1993, p. 115-116).
Analisando os documentos das entidades representativas de professores como a
ANFOPE, ANPAE e ANPED, compreendemos que a base para a formação do pedagogo é a
docência, que com uma formação sólida, rigorosa e aprofundada (COÊLHO, 1992), não o
exclui de realizar outras modalidades da prática pedagógica que o cotidiano escolar requer de
um Pedagogo.
Sabemos que na escola existem práticas relacionadas à organização do trabalho
pedagógico, as relações de poder e das condições de trabalho. Estas práticas se fazem
imprescindíveis para a articulação entre o ensino e a organização do trabalho pedagógico, isto
171
quer dizer que, o curso de Pedagogia, pode e deve ir além da formação exclusiva para a
docência se ele proporcionar uma base teórica sólida que não pressupõe incluir ou excluir
uma ou outra disciplina da matriz curricular. Ele pode em sua estrutura curricular incluir
disciplinas que ajudem o pedagogo no exercício prático das funções administrativas dentro da
escola ou em outros espaços sociais, porque o ato pedagógico é também um ato exercido pelo
pedagogo.
Nessa direção, extraímos o que nos parece ser o entendimento de Libâneo, que é a
acentuação dos seguintes princípios que poderiam ser adotados na formação do pedagogo na
FE/UFG:
a) ampliação da atuação do pedagogo nos espaços educativos;
b) o ato educativo deve ser visto como uma modalidade do ato pedagógico;
c) flexibilização da matriz curricular de forma que o acadêmico possa escolher entre
uma e outra habilitação ou modalidade da prática educativa;
Mas segundo Coelho (1992), conforme vimos ainda no capítulo III, ao destacar a
importância de constituir o curso de pedagogia da FE/UFG em torno da docência, não há
negação da divisão hierárquica do trabalho escolar. Porém, para ele, a formação do pedagogo
será menos fragmentada se esta formação for dedicada à docência. Dedicar-se ao ensino, é
tarefa bem mais relevante do que se envolver meramente com questões burocráticas e
fragmentadas do cotidiano da escola, sendo assim, como ele mesmo afirmara,
Ensinar é ajudar o aluno a estar sempre aberto e insatisfeito com as explicações
recebidas/dadas, a elaborar o seu saber, a dizer sua palavra. É conduzi-lo na aventura
do pensamento, da reflexão; é criar hábitos de estudo, o que supõe domínio do corpo
e da mente, organização, método e persistência diante das dificuldades. Ensinar é
ainda auxiliar os alunos na descoberta do respeito ao outro, ao pensamento, às
divergências, aos livros, ao que é público (COELHO, 1992, p. 17-18).
Sendo assim, entendimento de Ildeu parece acentuar os seguintes princípios
norteadores na formação do pedagogo na FE/UFG:
a) formação geral e ampliada capaz de formar o pedagogo para atuar em outros
espaços educacionais, sem ter que se especializar em alguma habilitação ou modalidade
durante o período de formação acadêmica;
b) formação voltada para a realidade cotidiana da escola sem afastar-se das inovações
tecnológicas e sem atrelar a formação acadêmica ao mercado de trabalho extremamente
volúvel;
c) formação docente prioritária reunindo condições teóricas para que o egresso venha
ocupar, futuramente, outros espaços sociais que nem ainda foram criados.
172
Vimos, posteriormente, as contribuições de Heck nas análises que fez de Libâneo e
Ildeu, que ficaram somente nas aproximações e distanciamento de ambos entendimentos
sobre a formação do pedagogo, portanto, serviram para demonstrar o acirramento teórico e a
constatação da bipolarização existente da FE/UFG.
A demonstração de que a situação em que se encontram os cursos de formação de
professores no Brasil, faz parte de um paradigma global assentado fortemente na política de
disseminação do ideal neoliberal, demonstrou-nos também que existe uma luta organizada
pelos movimentos representativos de docentes contra a tentativa de se impor
incondicionalmente este modelo . Esta situação está posta, em grande parte, pela centralidade
que vem assumindo a Educação Básica frente às transformações que a sociedade
contemporânea vem sofrendo na direção da relação capital-trabalho, impulsionando, por esta
via, as atuais políticas educacionais, como vimos nos capítulos iniciais deste trabalho.
As questões ligadas ao desemprego estrutural (SCHAFF, 1990) denunciam o quanto o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem afetado a manutenção e/ou ampliação dos
antigos postos de trabalho, constituídos desde a primeira Revolução Industrial e que foram
ressiginificados dentro da lógica mercadológica impulsionada pelo desenvolvimento
tecnológico. Este estado tem causado uma verdadeira revolução social, e por que não dizer
revolução informacional, criando nova dinâmica social que atinge não só os trabalhadores
mais velhos como também os futuros integrantes do mercado de trabalho.
No que se refere às questões sobre a (re)estruturação produtiva, as análises de vários
autores que empreendemos neste capítulo, demonstra o que vêm acontecendo numa
abordagem similar à questão que envolve o desemprego estrutural por se tratarem de
fenômenos que se correlacionam. Os condicionantes políticos e econômicos constituintes da
organização do sistema capitalista, interferem sobremaneira no modo de produção, e
conseqüentemente, nas forças produtivas.
Todo este processo atinge as instituições sociais organizadas na sociedade brasileira
como é a instituição escola, a instituição universidade. Se é verdade que muitas instituições
que tratam da formação de professores direcionam seus projetos para atender à demanda do
mercado de trabalho capitalista, é bem verdade que muitas, sobretudo as instituições públicas,
rompem cotidianamente com esse processo num embate constante de resistência para impedir
que fiquem à mercê dessa lógica capitalista. Nesse sentido podemos questionar: Se no sistema
produtivo vale a implementação de políticas educacionais voltadas a acumulação de capital,
como isso é possível em um curso de formação de professores? e na formação de pedagogos?
como podem ser utilizados para manter o status quo da sociedade capitalista? Para responder
173
a estes questionamentos empreendemos uma análise teórica neste capítulo, que nos
direcionaram a compreender que uma instituição formadora de professores pode ser utilizada
para a concretização do ideal capitalista quando:
a) diversifica o seu processo de formação baseado na introdução de técnicas e práticas
para atendimento às demandas que surgem na sociedade capitalista. A introdução das
habilitações no curso de Pedagogia, por exemplo, no período pós-1964, procuravam
enquadrar os egressos dentro dessa lógica;
b) institucionalização da concorrência baseada em processos de avaliação de
desempenho com o objetivo de verificar quais instituições se adeqüem dentro do modelo de
eficiência e eficácia próprias das instituições capitalistas privadas que visam a acumulação de
capital;
c) centralidade nos modelos de gestão e gerenciamento sobrepondo a função social da
educação e da profissão docente.
No capítulo final, apresentamos a reestruturação do curso de Pedagogia da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Goiás a partir das contribuições dos debates que se
acirraram e da imposição legal que levou sua comunidade acadêmica a modificar-se com
vistas a sua adequação ao novo sistema.
A reestruturação do curso de Pedagogia da FE/UFG não aconteceu aleatoriamente e
nem foi construída em torno de um consenso. Ela partiu da experiência do convênio firmado
entre a FE/UFG e a Secretaria Municipal de Educação da cidade de Goiânia onde se
implantou um sistema formativo considerado dinâmico, em que os acadêmicos puderam
receber formação teórica e, ao mesmo tempo, agregar as experiências pessoais vividas
cotidianamente em sala de aula.
Muito mais do que um arranjo de disciplinas, de inclusão e exclusão de disciplinas, ou
até mesmo de um resgate histórico para com esses profissionais, o modelo serviu para
evidenciar a necessidade de adequação do curso de Pedagogia frente aos novos desafios
sociais. Isto não quer dizer subordinação às nuances e variação da sociedade, nem de um certo
ajustamento de interesses, mas de acompanhamento da evolução própria, inerente ao
desenvolvimento humano e social.
O histórico que levantamos a respeito do que representou as modificações do curso de
Pedagogia da FE/UFG, principalmente a partir da década de 1990, tem evidenciado a
evolução positiva do curso em direção à constituição de políticas de formação docente. Os
indicadores de pesquisas produzidas pelos docentes e discentes, o número de egressos que se
qualificaram em nível de pós-graduação, a ampliação de programas de especialização, mais
174
tímida nos últimos anos devido a vários fatores que não objetivamos analisar neste trabalho
(ver OLIVEIRA, 2000), o número de docentes que buscaram qualificação em programas de
mestrado e doutorado, a criação, ampliação e participação de núcleos e grupos de pesquisa
envolvendo alunos da graduação e pós-graduação aliado a outros fatores, nos permite concluir
que a reestruturação tem um saldo positivo, que com grande certeza, tem influenciado
qualitativamente o crescimento da Universidade Federal de Goiás.
Com tudo que até aqui realizamos, verificamos que os questionamentos a cerca da
função do pedagogo não é exclusividade da FE/UFG. Outras instituições de ensino superior
locais, ou localizadas em outras Unidades da Federação, também passaram por momentos de
profunda reflexão acerca do tipo de formação educacional que deveria ser implantado em suas
respectivas Faculdades de Educação para a formação do Pedagogo.
Não há um consenso nacional acerca desse assunto. Nem todas as instituições são
unânimes em que a formação do pedagogo deva ser exclusiva para a docência nas séries
iniciais como é o modelo adotado pela FE/UFG. A organização da estrutura curricular não é
idêntica. Cada instituição possui uma forma de compor os objetivos pelos quais quer atingir
no processo de formação acadêmica de seus pedagogos. As divergências continuarão a fazer
parte do meio acadêmico sempre que se tratar da formação de professores, e neste caso
específico, a do profissional de pedagogia.
Em meio às vicissitudes que marca a reestruturação do curso superior de Pedagogia no
Brasil, sem dúvida, o papel da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás teve,
e continua tendo, destaque no cenário educacional brasileiro. O período que analisamos nesta
pesquisa histórica e documental, demonstrou ser um dos períodos mais produtivos em relação
à formação do pedagogo no Brasil.
O modelo do curso de Pedagogia criado a partir dos acalorados debates no período de
redemocratização do País, não se consumou como foi planejado e discutido a nível nacional,
mas também não ficou à parte de um modelo que levou a instituição a indicadores tão
positivos. A formação voltada para as habilitações, ou o Bacharelado, ainda faz parte da
existência de alguns cursos de pedagogia no Brasil. Porém, a formação voltada para a
docência vem sendo ampliada a cada ano nas Faculdades de Educação, por entender que o
curso só tem sentido e gênese se estruturado na docência. O próprio CNE, por meio das
diretrizes curriculares instituídas em 2006, no art. 10º, prevê a extinção das habilitações
existentes a partir de 2007.
O que objetivamos neste trabalho foi explicitar as tensões e conflitos e menos as
conclusões, pois a realidade histórico-social se faz a partir do movimento constante de
175
afirmação e negação, de construção e reconstrução mantendo-se na provisoriedade até que
que possa ser, novamente, ressignificado. As próprias tensões e conflitos existentes na
FE/UFG entre os diferentes campos científicos ali representados, evidenciaram que os
embates continuarão a fazer parte da vida acadêmica da Faculdade de Educação da UFG. É
um processo dinâmico próprio adotado pela instituição para instituir e instituir-se, afirmar e
reafirmar-se. O processo não se esgota aqui. Essa é a história da instituição.
176
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182
ANEXOS
ANEXO I
183
184
185
186
187
188
189
190
191
192
193
ANEXO III
194
195
196
197
198
199
200
201
ANEXO IV
202
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo