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CAPÍTULO III – A HETERONOMIA A QUE PAULO FREIRE SE OPÕE
Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia afirma que o educador que trabalha
com crianças deve “estar atento à difícil passagem ou caminhada da heteronomia para a
autonomia”.(FREIRE, 2000a, p. 78). Este é um dos grandes temas que atravessam o
pensamento de Freire. Ele não diz textualmente o que entende por autonomia e heteronomia,
mas a partir de seu pensamento sócio-político-pedagógico podemos afirmar que autonomia é
a condição sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha se libertado, se emancipado, das
opressões que restringem ou anulam a liberdade de determinação. A autonomia tem a ver com
o que Freire (1983, p. 108) chama de “ser para si” e no contexto histórico subdesenvolvido
dos oprimidos para quem e com quem Freire escreve, autonomia está relacionada com a
libertação. Já heteronomia é a condição de um indivíduo ou grupo social que se encontra em
situação de opressão, de alienação
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, situação em que se é “ser para outro” (idem, p. 38).
Segundo o que defendemos a partir de Freire, as opressões, em geral, vão configurar uma
situação de heteronomia, e uma educação voltada para a libertação pode conduzir as pessoas a
serem autônomas. Também, destacamos que os escritos de Freire são uma denúncia aos
sistemas social, político, econômico, educacional, que favorecem a perpetuação da
heteronomia. Ele denuncia as realidades que levam a heteronomia e propõe uma educação que
busca construir uma realidade social que possibilite a autonomia, propõe um processo de
ensino que possibilite a construção de condições para todos poderem ser “seres para si”.
Freire cria um pensamento engajado, pensamento que é práxis
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com e para o povo
oprimido. Sua opção é pelos mais fracos, pelos esquecidos, em especial pelos povos
chamados subdesenvolvidos que historicamente mais foram oprimidos, com o colonialismo,
com os neocolonialismos, com as ditaduras militares e com o neoliberalismo. Sua opção é de
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Podemos dizer que em Freire o homem alienado é aquele que é “ser para outro”.(FREIRE, 1983, p. 38). Para
Marx a alienação é falsa consciência e a origem da alienação do homem está na alienação do trabalho: “criação
de um objeto no qual o sujeito não se reconhece, e que se lhe antepõe como algo alheio e independente, e ao
mesmo tempo, como algo dotado de certo poder – de um poder que não tem de per si – que se volta contra
ele”.(VÁSQUEZ, 1977, p. 135).
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Para Freire (1983, p. 108) práxis é “reflexão e ação verdadeiramente transformadora da realidade”. Portanto,
para Freire, práxis é prática social transformadora da realidade. Nesse sentido, penso que não se refere à teoria e
prática, à ação e reflexão, como se estivessem afastadas e precisassem ser unidas, mas entende ambas de forma
dialética: a teoria emergindo da prática e esta, redimensionando a teoria dialeticamente. Freire formulou o
conceito de práxis a partir da influência que teve da teoria marxista. Mas o sentido de práxis em Freire não é
exatamente igual ao de Marx. Partindo de Marx “entendemos a práxis como atividade material humana,
transformadora do mundo e do próprio homem. [...] A práxis não tem para nós um âmbito tão amplo que possa
inclusive englobar a atividade teórica em si, nem tão limitado que se reduza a uma atividade meramente material.
A práxis se apresenta sob diversas formas específicas, mas todas elas são concordantes no fato de se tratar da
transformação de uma determinada matéria-prima e da criação de um mundo de objetos humanos ou
humanizados”.(VÁSQUEZ, 1977, p. 406-407). Para Marx, a práxis original é o trabalho humano.(cf. idem, p.
131). A práxis aparece em Marx como fundamento, como critério de verdade e como finalidade do
conhecimento.(cf. ibid, p. 149).