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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MARCUS HUMBERTO LEITÃO DE SOUZA
A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA DE
REFORMAS PARA O DESENVOLVIMENTO:
ORIGENS, PREMISSAS E SIGNIFICADOS DOS PROGRAMAS
DE INCENTIVO ÀS MICROFINANÇAS NO BRASIL
Salvador
2007
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MARCUS HUMBERTO LEITÃO DE SOUZA
A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA DE
REFORMAS PARA O DESENVOLVIMENTO:
ORIGENS, PREMISSAS E SIGNIFICADOS DOS PROGRAMAS
DE INCENTIVO ÀS MICROFINANÇAS NO BRASIL
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Escola de Administração da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Administração.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani.
Salvador
2007
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Escola de Administração - UFBA
S729 Souza, Marcus Humberto Leitão de
A inserção das microfinanças na agenda de reformas para o desenvolvimento:
origens, premissas e significados dos programas de incentivo às microfinanças no
Brasil / Marcus Humberto Leitão de Souza. – 2007.
180 f.
Orientadora: Profº. Drº. Carlos Roberto Sanchez Milani.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de
Administração, 2007.
1. Microfinanças - Brasil. 2. Desenvolvimento econômico – Aspectos sociais. 3.
Políticas públicas. 4. Problemas sociais. 5. Desenvolvimento social. I. Universidade
Federal da Bahia. Escola de Administração. II. Teixeira, Francisco Lima Cruz. III.
Título.
332.3
CDD 20. ed.
TERMO DE APROVAÇÃO
MARCUS HUMBERTO LEITÃO DE SOUZA
A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA DE
REFORMAS PARA O DESENVOLVIMENTO:
ORIGENS, PREMISSAS E SIGNIFICADOS DOS PROGRAMAS
DE INCENTIVO ÀS MICROFINANÇAS NO BRASIL
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Administração, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani – Orientador_________________________
Doutor em Sócio-Economia do Desenvolvimento, Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales –
EHESS , França
Universidade Federal da Bahia
Prof. Dr. Nelson de Oliveira Santos _______________________________________
Doutor em Ciências Econômicas, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
Universidade Federal da Bahia
Profa. Dra. Elsa Sousa Kraychete_________________________________________
Doutora em Administração, Universidade Federal da Bahia – UFBA
Universidade Católica do Salvador
Salvador, 27 de abril de 2007.
A
Meus pais, pela dedicação e grande incentivo que tornaram possível esse momento.
Elane, minha esposa, e Guilherme, meu filho, pelo amor, confiança e compreensão
em tantos momentos difíceis.
AGRADECIMENTOS
Nos caminhos que percorremos em nossas vidas, muitos obstáculos são deixados
para trás. Mas há algo que levamos conosco para sempre: a amizade, o apoio e o
carinho das pessoas com quem partilhamos diversos momentos. Esta é uma
ocasião especial para agradecer a todos aqueles que de alguma forma me ajudaram
a trilhar esse caminho.
Antes de tudo, agradeço a Deus por me conceder o privilégio de alcançar mais um
grande objetivo em minha vida e conhecer tantas pessoas especiais.
A meus pais, por me apoiarem com muito amor em cada passo dado por toda a
minha vida.
A minha mulher, Elane, e meu filho, Guilherme, meus dois grandes amores, por
compreenderem os momentos de ausência, mesmo estando tão próximo.
A meus familiares pela confiança e constante apoio.
A Carlos Milani, cuja amizade e orientação sempre pertinente e atenciosa, foram
essenciais para que esse objetivo pudesse ser alcançado, enriquecendo muito essa
trajetória.
Aos colegas de turma, pessoas realmente especiais com quem tive o prazer de
conviver e compartilhar idéias e experiências neste período.
Aos Professores do Mestrado e colaboradores do NPGA pela dedicação e apoio em
todos os momentos.
Aos amigos do Banco Central, que me incentivaram e contribuíram para que eu
pudesse concluir uma jornada de grandes desafios.
Aos profissionais e organizações do segmento das microfinanças pela atenção e
gentileza na prestação de informações.
A todos vocês, minha eterna gratidão e satisfação por nossos caminhos terem se
encontrado.
RESUMO
Este estudo buscou evidenciar e analisar as premissas em que se sustentam as
políticas de incentivo às microfinanças, estabelecendo a sua relação com as
transformações econômicas e sociais promovidas pelo novo paradigma de
desenvolvimento adotado pelos governos brasileiros a partir da década de 90.
Baseado numa pesquisa exploratória, o estudo visou também interpretar os
significados da implementação de tais políticas como reflexo da visão predominante
da sociedade brasileira sobre as causas e meios de combater a pobreza no país. As
evidências apresentadas no trabalho mostraram que as políticas de incentivo às
microfinanças fazem parte de um conjunto de reformas que os governos brasileiros
vêm implementando de modo a adequar o mercado nacional à crescente integração
do sistema econômico mundial, com o apoio e influência das organizações da
cooperação internacional. Após o primeiro ciclo de medidas de caráter
macroeconômico, o foco das políticas públicas foi direcionado para as variáveis
microeconômicas, entre elas a ampliação do mercado de crédito, que está na origem
do apoio às microfinanças. O estudo concluiu que o discurso e as práticas sobre o
segmento de microfinanças são baseados na tese liberal de que a redução das
desigualdades sociais pode ser atingida por políticas de criação de oportunidades
para que os pobres possam desenvolver atividades produtivas gerando trabalho e
renda. Há evidências de que o acesso aos serviços financeiros pela população
pobre produz benefícios como a possibilidade de um melhor planejamento dos
gastos das famílias e a viabilização de negócios para os micro-empresários e
empreendedores de pequeno porte. Contudo, constatou-se que a manutenção do
elevado patamar de pobreza no Brasil tem várias causas, o que permite afirmar que
as microfinanças, pelo seu limitado alcance, pouco podem contribuir para a
diminuição desse problema, cuja natureza é estrutural. Por fim, este estudo concluiu
que uma possível explicação para o crescente apoio da sociedade brasileira a esse
tipo de política pública reside na busca por soluções para a pobreza que eludem os
conflitos de interesse que são, porém, essenciais ao entendimento do problema.
Palavras-chave: Brasil; desenvolvimento; microfinanças; desigualdades sociais; políticas
sociais.
ABSTRACT
This study aims to bring evidence and analyze the premises in which microfinance
policies are supported, establishing relationships between them and the economic
and social transformations promoted within the new development paradigm adopted
by the Brazilian governments since the beginning of the 1990’s. Based on
exploratory qualitative research, the study intends to interpret the meanings of such
policies as an outcome of a predominant view of the Brazilian society on the causes
and ways to fight poverty in the country. The evidence presented in this work shows
that microfinance policies take part in a set of reforms that the Brazilian governments
have been implementing in order to adjust the domestic market to the increasing
world-wide economic integration, with the support and influence of international
cooperation agencies. After the first cycle of macroeconomic measures, the focus of
the national government was based on microeconomic variables such as the ones
related to credit market expansion, which are basic for the development of
microfinance activities. The study concludes that the discourse and practices in the
field of microfinance are based on the liberal thesis that the reduction of social
inequalities can be reached through policies designed to create opportunities for the
poors so that they can develop economic activities in order to provide jobs and
income. There is evidence that access to the financial services produces benefits to
poor people, as they can plan their expenses, and provides funding to small and
micro business operations. However, the persisting level of social inequality in Brazil
has several causes, which gives us reasons to conclude that the microfinance sector,
for its limited reach, can assign a tiny contribution to poverty reduction. Finally, this
study concludes, as an explanatory hypothesis, that the increasing support to this
type of policy represents the search for solutions that do not explicit the interest
conflicts, which are nevertheless essential to understanding poverty and social
inequalities in Brazil.
Keywords: Brazil; development; microfinance; social inequalities; social policies.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Composição do segmento de microfinanças e microcrédito no Brasil
20
Quadro 2 -
Modelos de instituições de microfinanças
109
Quadro 3 -
Macro-objetivos das mudanças nos normativos aplicáveis às
microfinanças
135
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
-
Relação temporal entre variação do PIB e indicadores de desigualdade
social e pobreza – Brasil – 1977 a 1992
25
Tabela 2
-
Dados sobre a economia dos Estados Unidos da América – 1985/2003
(US$ bilhões)
65
Tabela 3
-
Taxa de crescimento real do PIB – Brasil - 1965 - 1980
66
Tabela 4
-
Participação regional (%) no Produto Interno Bruto - Brasil – 1950/1980
67
Tabela 5
-
Dívida externa bruta e variação anual do PIB – Brasil – 1975-1985
68
Tabela 6
-
Inflação medida por meio do IPC-A – Brasil – 1986
69
Tabela 7
-
Inflação medida por meio do IPC-A - Brasil – janeiro a dezembro de
1987
70
Tabela 8
-
Inflação medida por meio do IPC-A - Brasil - 1990 – 1994
71
Tabela 9
-
Investimento estrangeiro direto – Brasil – 1987-1995 (em US$mil)
72
Tabela 10
-
Reservas internacionais – Brasil – 1985 – 1998 (US$milhões)
72
Tabela 11
-
Importação de bens de consumo- Brasil 1990-2000 (em US$)
73
Tabela 12
-
Variação real do PIB - Brasil - 1994-2002
95
Tabela 13
-
Taxa de desocupação da população de 10 anos ou mais de idade
Brasil – 1992/1997
95
Tabela 14
-
Dados sobre o desempenho do Grameen Bank – 1976/2005 (volumes
em US$ milhões)
108
Tabela 15
-
Dados sobre o desempenho do Grameen Bank – 1976/2005 (volumes
em US$ milhões)
120
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
11
1.1 PROBLEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA 15
1.2 JUSTIFICATIVA 17
1.3 INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS 19
2 CAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO: CONSTRUINDO MEDIAÇÕES
EM TORNO DAS ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA
24
2.1 O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XX – OS
LIMITES DA AÇÃO DO ESTADO E A INSUFICI
Ê
NCIA DA PROPOSTA
LIBERAL
28
2.2 DIMENSÕES AMPLIADAS DO DESENVOLVIMENTO: LIBERDADE,
JUSTIÇA E SUSTENTABILIDADE
36
2.2.1 Abordagens Contemporâneas do Desenvolvimento
38
2.2.2 Capacidades e Liberdade de Escolha: o Desenvolvimento e o
Indivíduo
41
2.2.3 Instituições, Justiça Social e Equidade: o Desenvolvimento e a
Sociedade
47
2.2.4 Produção Sustentável – O Desenvolvimento e o Meio Ambiente
56
2.3 DESENVOLVIMENTO LOCAL: A FORÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E
A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA
DISCUSSÃO E ORIENTAÇÃO DAS POL
Í
TICAS DE
DESENVOLVIMENTO
58
2.3.1 A Importância e os Limites do Local
58
2.3.2 As Relações Sociais e o Exercício da Cidadania Como Eixos do
Desenvolvimento Local
59
2.4 QUESTÕES PARA ANÁLISE DO OBJETO DE PESQUISA 62
3 A TRANSFORMAÇÃO DA AGENDA POLÍTICA PARA O
DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
64
3.1 A CRISE DE UM MODELO 65
3.2 A BUSCA PELA ESTABILIZAÇÃO 68
3.3 O DIAGNÓSTICO DA ESTAGNAÇÃO BRASILEIRA 74
3.4 O CONTEXTO 77
3.5 A AGENDA EM FORMAÇÃO 80
3.6 A AGENDA INSTITUCIONALIZADA 92
4 A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA PARA O
DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
103
4.1 A ORIGEM 106
4.2 O DIAGNÓSTICO DA REALIDADE BRASILEIRA 115
4.3
A
INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA DOS GOVERNOS
FHC E LULA
125
5 CONCLUSÕES
138
5.1 REFORMAS E DESENVOLVIMENTO 143
5.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS 167
REFERÊNCIAS 170
1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira vive uma realidade que se faz presente desde as
suas primeiras formações: há um fosso flagrante que separa as pessoas que vivem
neste país em categorias e subcategorias, grupos ou classes que podem ser
expressas sob diversos filtros, sejam eles de natureza econômica, cultural, social ou
política. Qualquer que seja o filtro utilizado ou a ideologia que permeia a visão do
analista, não há como não perceber essa realidade social marcada por
desigualdades, tal a sua evidência. É certo que a plena igualdade entre os
indivíduos em todos os sentidos mostra-se longe de ser observada concretamente
em qualquer sociedade e talvez nem seja um ideal factível ou mesmo desejável, pois
seria deixar de reconhecer a pluralidade de interesses e condições distintas de
participação dos cidadãos na coletividade, por aspectos sociais, demográficos
etários ou mesmo físicos. No entanto, a questão que se coloca de forma marcante
no Brasil e em muitas outras nações é a divisão que separa os indivíduos que detêm
boa parcela da riqueza e aqueles que estão privados dos direitos humanos
fundamentais, vivendo em condições sub-humanas, sem níveis minimamente dignos
de alimentação, habitação, educação e tantos outros direitos como assistência à
saúde, segurança e de participação na discussão dos temas de seu interesse e da
sociedade como um todo.
É essa a situação que costuma ser expressa pelo termo “desigualdade
social”, problema que coloca o Brasil no 63° lugar na versão 2005 do ranking de
desenvolvimento humano elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD. Os meios de se enfrentar essa
12
situação são inúmeros. A história brasileira recente vem sendo marcada por um
interminável debate relacionado à superação desse problema no qual se destaca a
controvérsia constante sobre os caminhos para se aliar crescimento econômico e
diminuição das desigualdades sociais presentes no país. O debate econômico trata,
sobretudo, de um problema de produção e distribuição da riqueza. No centro dessa
discussão, sempre estiveram os efeitos decorrentes das relações de mercado e da
ação do Estado para a solução desse dilema. O debate sobre o tema trilhou o
caminho da polarização e formação de correntes ideológicas e teóricas em torno da
defesa do mercado ou do Estado como agentes de promoção do desenvolvimento
econômico. O Século XX foi um palco de alternância dessas visões no comando das
políticas econômicas nos países industrializados sem que trouxessem uma solução
adequada para o problema em função das contradições presentes nos modelos
desenvolvidos. Se o liberalismo mostra limitações na capacidade de prover a
distribuição da renda, o Welfare State esbarra na dependência do capital privado
para a alocação de recursos necessários à manutenção do crescimento da produção
e manutenção do pleno emprego. O modelo de economia centralmente planejada
(modelo do socialismo real), que obteve maior alcance no hemisfério oriental (salvo
no caso cubano), encontrou limites para a sua expansão em razão, inter alia, de um
sistema político autoritário que perdeu o apoio popular frente às desigualdades no
tocante ao exercício dos direitos individuais entre a elite dirigente e os cidadãos.
O momento atual representa a hegemonia do liberalismo no comando das
decisões econômicas. Conforme salientam Przeworski e Wallerstein (1988), o
dogma da nova economia é o argumento de que a elevação dos lucros aumenta a
taxa de investimentos e de crescimento econômico. Percebe-se nesse argumento a
tentativa de justificar a acumulação presente pela expectativa de empregos futuros.
Este argumento mostrou-se falacioso, na medida em que as transformações
econômicas dos últimos anos, levadas a cabo por governos de orientação neoliberal,
vêm produzindo um elevado contingente de pessoas excluídas das relações de
produção formais, fenômeno associado a uma taxa de crescimento muito aquém das
expectativas.
Este cenário reacende o debate sobre alternativas de políticas públicas
que possam minimizar os efeitos excludentes do ciclo econômico atual. Entretanto, o
momento se distingue dos anteriores por envolver uma discussão sobre o
13
desenvolvimento em um sentido mais amplo, que extrapola os conceitos de
crescimento econômico, distribuição de renda e a polarização entre Estado e
mercado. Conforme expõe Caccia Bava (2004, p. 107), o objetivo atual é a
construção de novas relações entre Estado e sociedade civil, em que o Estado
refreie a lógica do mercado, possibilitando à sociedade um papel ativo na busca pela
inclusão social.
Essa concepção de desenvolvimento, que vem se sedimentando,
sobretudo ao longo dos últimos vinte anos, consiste na integração das dimensões
sociais, políticas, culturais, ambientais e também econômicas ao processo de
construção de uma sociedade mais justa, capaz de empreender novas atividades
que aliem a inclusão social e o uso responsável dos ecossistemas. De outro modo,
como define Sachs, o desenvolvimento seria a “apropriação efetiva de todos os
direitos humanos, políticos, sociais, econômicos e culturais, incluindo-se aí o direito
coletivo ao meio ambiente” (2002, p. 60). O caráter multidimensional do
desenvolvimento, a busca pela harmonização entre objetivos sociais, econômicos e
ambientais, como ressalta Sachs, requer um conjunto de ações que se realiza num
processo histórico de rearticulação social e conquista de direitos individuais e
coletivos. O economista Amartya Sen (2000) aprofunda a noção de direito individual
ao afirmar que o desenvolvimento está estreitamente relacionado à liberdade do
indivíduo e que a ampliação do acesso ao crédito para empreendimentos
econômicos de pequeno porte, objetivo primário dos programas de microcrédito,
representa a conquista da liberdade de empreender, de reunir trabalho e recursos
materiais em função de um objetivo almejado.
Esse conjunto de definições cria o espaço para um outro conceito de
natureza política que merece destaque na discussão sobre o desenvolvimento, qual
seja, o conceito de cidadania. Segundo Oliveira (2002, p. 12 e 13), a cidadania está
relacionada à iniciativa e autonomia do indivíduo na participação das decisões
políticas locais. Compreender o desenvolvimento sob estes múltiplos aspectos
implica redimensionar o campo de estudos em busca de uma articulação entre o
contexto mundial, um projeto nacional e as demandas locais com vistas a produzir
políticas apoiadas em ações concretas. Nas últimas décadas esta tendência de
valorização do local tem se fortalecido não só no Governo Federal, mas
14
principalmente nos organismos internacionais como o PNUD e o Banco Mundial,
entre outros que participam e influenciam os programas de desenvolvimento local
com apoio técnico e financeiro.
Entre os programas implementados, ainda que de forma limitada, merece
destaque a busca pela ampliação do acesso da população de baixa renda ao crédito
e aos serviços financeiros em geral. Esse programa é baseado no conceito de
microcrédito, que pode ser definido como a “concessão de empréstimos de baixo
valor a pequenos empreendedores informais e microempresas sem acesso ao
sistema financeiro tradicional. [...] É um crédito destinado à produção (capital de giro
e investimento) e é concedido com o uso de metodologia específica” (BARONE E
OUTROS, 2002, p. 14). No Brasil, esse programa está integrado à Política Nacional
de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO, que segundo a Lei 11.110, de 25 de
abril de 2005, tem o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os
microempreendedores populares. A oferta de serviços financeiros projetados
especificamente para as populações de baixa renda reflete a constatação de que
essas populações demandam mais que crédito. As microfinanças buscam facilitar o
acesso a formas de criação e manutenção de poupança, seguros contra eventos
inesperados e outros serviços que permitem ao cidadão planejar a sua vida
financeira. As microfinanças seriam, então, um meio para reduzir o nível de
vulnerabilidade econômica da população de baixa renda, ou seja, o risco de
decréscimo substancial no nível de satisfação das necessidades humanas básicas
em função de mudanças na conjuntura econômica ou contingências de ordem
financeira. Além disso, o crédito seria um instrumento para viabilizar a inserção
desses indivíduos no sistema econômico por meio de micro e pequenos
empreendimentos, o que, em última instância, contribuiria para o aumento da sua
renda em patamar acima do nível de pobreza, aqui considerada unicamente em
função da situação econômica.
15
1.1 PROBLEMA E OBJETIVOS DA PESQUISA
A relação entre o acesso aos serviços financeiros e redução da pobreza
passou a ser analisada e debatida com maior ênfase a partir de projetos pioneiros
com foco no microcrédito, tais como o de Bangladesh, que resultou na fundação do
Grameen Bank e o da Bolívia com o Banco Sol. Ambos os projetos se tornaram
referência para as demais experiências mundo afora. No Brasil, há registro de uma
primeira experiência com o microcrédito na década de 1970 e de organizações que
já operavam no país no final da década de 1980 como a rede CEAPE - Centro de
Apoio aos Pequenos Empreendedores e o Banco da Mulher. Entretanto, somente
nos últimos anos o Governo Federal vem adotando medidas de estímulo ao
segmento. Convém salientar que a oferta de crédito e serviços significa apenas um
elemento dentro da complexidade que envolve o tema. Por isso, é freqüente nos
discursos de governo e de entidades que atuam na área que um programa de
microfinanças esteja atrelado a uma política ampla de desenvolvimento local. Mas
de que modelo de desenvolvimento local se está tratando? Considerando a
intensificação dessa política no plano nacional, surge a necessidade de analisar a
experiência brasileira na implantação do programa de microfinanças, evidenciando
as suas origens, os atores envolvidos e, sobretudo, revelando as premissas ou
fundamentos políticos e econômicos que sustentam tal programa sob a ótica de uma
dada concepção de desenvolvimento. Pretende-se assim, com esta pesquisa,
analisar as ações governamentais de estímulo ao segmento de microfinanças, tendo
como pano de fundo as transformações econômicas das últimas décadas de modo a
desvendar a seguinte questão: quais são as premissas, no âmbito político e
econômico, que orientam as ações de estímulo às microfinanças, incorporadas à
agenda política de reformas para o desenvolvimento no Brasil, a partir da segunda
metade da década de 90?
O objetivo central da presente pesquisa é, portanto, evidenciar as
premissas que orientam os programas de incentivo às microfinanças discutindo o
significado das ações desenvolvidas em um contexto de reformas microeconômicas
no Brasil.
16
Os objetivos específicos podem ser assim formulados:
a) Explicitar o significado político e econômico do discurso e das ações
empreendidas no segmento de microfinanças;
b) Situar as microfinanças dentro da discussão mais ampla em torno das políticas
de desenvolvimento;
c) Evidenciar as formas de articulação entre os agentes econômicos e políticos
que contribuíram para incorporar as microfinanças na agenda política para o
desenvolvimento no Brasil, a partir da segunda metade da década de 90;
d) Apresentar uma contribuição para o debate sobre a efetividade das
microfinanças como instrumento de redução das desigualdades sociais.
Como elemento balizador da análise, assume-se como pressuposto que
as políticas públicas de apoio às microfinanças se pautam pela avaliação de que as
desigualdades sociais seriam mormente o resultado de desequilíbrios nas relações
de mercado que limitam as oportunidades dos indivíduos de baixo poder aquisitivo
de empreenderem, eles próprios, atividades produtivas geradoras de renda. Uma
das barreiras principais postas aos indivíduos seria o difícil acesso ao crédito.
Conseqüentemente, seriam necessárias, além das políticas de estabilização
macroeconômica, reformas microeconômicas direcionadas para o fortalecimento das
instituições como fator de estímulo ao investimento privado e ampliação da oferta de
serviços financeiros para a população de baixa renda. As reformas criariam um
ambiente favorável ao crescimento econômico com repercussões positivas sobre o
trabalho e a renda. Aspectos adicionais relacionados à difusão do acesso aos
direitos humanos, a exploração sustentável dos recursos naturais e a participação do
cidadão nas decisões políticas de interesse da comunidade, apesar de constituírem
parte dos discursos sobre o tema, não se mostram significativos ou prioritários nas
atividades promovidas pelas agências internacionais e implementadas pelo governo
nacional.
A adoção desse pressuposto encontrou fundamento no fato de que,
embora se observe ao longo das últimas décadas a construção de uma concepção
mais abrangente do significado do desenvolvimento, que incorpora conceitos de
17
direitos humanos, cidadania e responsabilidade com a preservação dos
ecossistemas, não há unanimidade sobre o significado do desenvolvimento e sobre
quais seriam as condições para a sua realização. A idéia de que a redução das
desigualdades sociais é uma conseqüência natural do crescimento econômico,
apesar das muitas críticas, ainda encontra eco nos meios acadêmicos e se mantém
viva no debate político. Segundo essa visão, não há razão para a adoção de outras
políticas além da criação de incentivos para o investimento dentro de um sistema
regulado pelas forças de mercado.
1.2 JUSTIFICATIVA DA PRESENTE PESQUISA
Este trabalho encontra justificativa no desafio inconcluso de criação de
massa crítica necessária para a orientação das políticas públicas e iniciativas das
organizações da sociedade civil visando à diminuição da grave situação de exclusão
social em que se encontra o Brasil, com cerca de 53 milhões de pessoas na
condição de pobreza, sendo 22 milhões classificadas como indigentes segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA ( apud SACHS, 2003, p. 24).
É certo que este cenário, construído ao longo de décadas por um modelo
de economia de mercado que não se mostrou capaz de difundir os benefícios da sua
expansão e avanço tecnológico para toda a sociedade, não pode ser transformado
meramente por ações governamentais, sobretudo se forem de natureza
compensatória.
A implantação e execução de uma política de estímulo ao
desenvolvimento em bases nacionais e locais, capaz de contribuir para a
reconquista da cidadania pela população pobre e excluída envolvem uma série de
fatores inter-relacionados, considerando que a tarefa assume dimensões não
apenas econômicas, mas também sociais, culturais, políticas e ambientais, entre
outras. Um dos pontos críticos desta questão é o elevado nível de desemprego ou
emprego em condições precárias que tem levado uma parcela substancial da
população para a economia informal, que, segundo dados do Instituto Brasileiro de
18
Geografia e Estatística - IBGE de 1997, já representaria 8% do PIB brasileiro
(SACHS, 2003, p. 71). Em 2003, esse percentual superou 12%. Uma primeira
implicação dessa realidade é que o indivíduo sem emprego formal e renda não está
apenas excluído do mercado, mas também de parte substancial dos benefícios
produzidos pela sociedade e fornecidos aos cidadãos como a rede de seguridade
social (previdência, seguro-desemprego, etc), ainda que sejam notórias as suas
limitações. Portanto, não há como tratar de desenvolvimento sem incluir na sua
agenda a busca pela formalização dos empreendimentos individuais e das
microempresas informais.
Além dos obstáculos impostos pelas legislações trabalhista e tributária
para a formalização dos negócios empreendidos pela população de baixa renda, a
falta de recursos para investimento em bens de capital e também para capital de
giro, essenciais para uma empresa, representa outra barreira para a inserção desses
negócios no mercado formal. Nesse contexto, o crédito passa a ser considerado um
fator fundamental, para a superação do problema, dado que é a forma como a
economia aloca e distribui os recursos entre superavitários e deficitários de
poupança. Para Schumpeter (1982), um dos pensadores clássicos da economia, o
crédito tem ainda uma outra função como fator determinante para o processo de
inovação e desenvolvimento. No entanto, o pensamento predominante é que o
crédito considerado isoladamente não apresenta condições para influenciar
decisivamente o processo de inclusão social e, como define Sachs (2002), de
apreensão de todos os direitos humanos pelo indivíduo, por ele estar restrito ao
aspecto econômico.
Diante deste cenário, em que se mostra evidente a inter-relação dos
conceitos nas políticas de microcrédito e desenvolvimento, justifica-se uma pesquisa
acerca da experiência brasileira, preponderantemente as ações governamentais, de
fortalecimento do segmento das microfinanças. Atualmente existe um amplo debate
sobre a sustentabilidade dos programas executados, principalmente pelas
organizações da sociedade civil. Discute-se se as atividades desenvolvidas no setor
devem ser beneficiadas por incentivos, tais como redução de tributos ou criação de
subsídios, ou se as organizações devem encontrar condições próprias para garantir
a sua continuidade. Há uma questão fundamental no cerne deste debate: seriam
19
estes serviços o objeto específico de políticas públicas, considerando os efeitos
esperados sobre a população, ou tais serviços constituiriam um segmento
econômico semelhante aos demais, devendo a sua oferta, então, ser condicionada
pela dinâmica das relações de mercado? Entende-se que, para esta questão ser
esclarecida, é fundamental compreender o significado das políticas implementadas
como estratégia de redução da pobreza e como elas estão situadas no contexto
maior de uma política de desenvolvimento para o país.
1.3 INSTRUMENTOS METODOLÓGICOS
Um estudo sobre o processo de institucionalização de uma determinada
visão na definição do objeto das políticas públicas e o seu significado como modelo
de interpretação dos problemas enfrentados, neste caso, as políticas de incentivo às
microfinanças, requer uma investigação acerca dos diversos fatores determinantes
para o fenômeno estudado, bem como a caracterização precisa do objeto em
análise. Optou-se, portanto, pela realização de uma pesquisa exploratória, método
que se mostra adequado quando o estudo se propõe a caracterizar e explicar a
natureza de um determinado fenômeno social. Tendo em vista que as informações
em análise são predominantemente provenientes de textos legais, relatórios
institucionais e planos de governo entre outras referências bibliográficas, no qual o
foco é o discurso dos atores envolvidos na formulação das políticas públicas,
empregou-se a análise qualitativa, mais especificamente a análise de conteúdo,
apropriada para o exercício interpretativo e crítico que caracteriza este trabalho. A
pesquisa é realizada a partir de uma análise exploratória qualitativa dos registros
oficiais das políticas, tendo sido implementada segundo as seguintes etapas:
a) Revisão da literatura sobre o tema com a finalidade de estabelecer o referencial
teórico da análise:
Os conceitos de microfinanças, microcrédito e desenvolvimento local,
apesar de começarem a ser desenvolvidos na década de 1970, ganharam maior
impulso a partir dos anos 1990. Desse fato decorre a constatação de que não é
20
possível identificar uma “escola” ou corrente de pensamento que tenha elaborado,
de modo exclusivo e abrangente, uma vasta produção teórica a respeito do tema.
Por conta disso, a realização deste trabalho envolve uma pesquisa de publicações
científicas e materiais produzidos por entidades públicas e da sociedade civil sobre o
setor de microcrédito e microfinanças e políticas de desenvolvimento local.
Preliminarmente, foi utilizado como referencial de análise o conjunto dos principais
argumentos da abordagem sobre desenvolvimento econômico sustentável elaborado
por Ignacy Sachs. Prevalece no pensamento deste autor a noção multidimensional
que domina o conceito, a compreensão do desenvolvimento em termos de conquista
de direitos humanos e de caráter econômico, social, político, cultural e ambiental.
Um outro enfoque trabalhado discute o desenvolvimento a partir da visão de
Amartya Sen que se concentra na relação do conceito com a remoção dos
impeditivos à liberdade individual, entre as quais a liberdade de empreender uma
atividade econômica. As idéias relacionadas a direitos individuais desenvolvidas por
Sen foram complementadas com o conceito de justiça como eqüidade, elaborado
por John Rawls. Outro autor que se constitui em referência para o trabalho foi
Douglass North, que desenvolveu estudos sobre a relação entre desenvolvimento e
a formação de instituições adequadas a esse processo.
b) Mapeamento do segmento de microfinanças no Brasil para identificação dos
atores envolvidos direta ou indiretamente na formulação de políticas,
implantação e execução de serviços:
O segmento de microfinanças e microcrédito é bastante amplo e diverso,
com a atuação de distintas organizações como mostra o quadro abaixo:
(continua)
Organizações do Segmento Microfinanças Microcrédito
Instituições Financeiras
Agência de Fomento X
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social X
Banco Privado X X
Banco Público X X
Quadro 1 - Composição do segmento de microfinanças e microcrédito
1
no Brasil
21
(conclusão)
Organizações do Segmento Microfinanças Microcrédito
Caixa Econômica
1
X X
Cooperativa Central de Crédito
2
X
Cooperativa de Crédito X X
Sociedade de Crédito ao Microempreendedor – SCM X X
Instituições Não-Financeiras
Organizações Não Governamentais – ONG X
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –OSCIP X
Quadro 1 - Composição do segmento de microfinanças e microcrédito
1
no Brasil
Fonte: elaborado pelo autor com base em informações do Banco Central do Brasil
As naturezas distintas dessas organizações (algumas são instituições
financeiras, dos setores público e privado e outras são organizações da sociedade
civil sem fins lucrativos) constituem uma das razões pelas quais o debate em torno
da auto-sustentabilidade das organizações de microfinanças permanece na ordem
do dia. Compreender essa distinção é um ponto central na análise da pertinência da
ação estatal no estímulo às atividades desenvolvidas por essas organizações. Para
tanto, foi empregada a técnica de pesquisa documental em função dos recursos
disponíveis, essencialmente, referências bibliográficas sobre as atividades desse
segmento.
c) Definição do marco legal e identificação das políticas e ações desenvolvidas
pelo governo federal para o incentivo às microfinanças no Brasil:
Concomitantemente com a busca dos referenciais teóricos e mapeamento
do setor, foi sistematizado o quadro de ações implementadas pelo Estado, seja por
via direta, com a atuação das instituições financeiras de controle estatal, ou por meio
de mudanças na legislação a fim de ampliar o acesso da população de baixa renda
aos serviços financeiros. Este estágio foi realizado com a técnica de pesquisa
documental com vistas a identificar o conjunto de leis e normas, no plano federal,
cujo foco é a ampliação do acesso da população de baixa renda aos serviços
1
A Caixa Econômica Federal é uma instituição assemelhada aos bancos comerciais, porém com
características diferenciadas, pois prioriza a concessão de empréstimos e financiamentos a
programas e projetos nas áreas de assistência social, saúde, educação, etc. Tem o monopólio do
empréstimo sob penhor de bens pessoais e sob consignação e tem o monopólio da venda de bilhetes
de loteria federal. Além disso a Caixa centraliza o recolhimento e posterior aplicação de todos os
recursos oriundos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), integra o Sistema Brasileiro
de Poupança e Empréstimo (SBPE) e o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
2
A cooperativa central de crédito é uma instituição formada por cooperativas com o fim de obter
ganhos de escala. Possui, entre outras funções, prestar assessoria técnica para as cooperativas.
22
financeiros. Foi empregada também a técnica de análise de conteúdo de forma a
captar nos textos oficiais os aspectos implícitos que revelam as premissas que
orientam o governo federal na definição das políticas de estímulo às microfinanças e
até mesmo na escolha dessas políticas em detrimento de outras como estratégia de
redução das desigualdades sociais.
Os resultados da pesquisa que deram origem a esta dissertação, foram
organizados em quatro capítulos, além da introdução, como descritos a seguir:
No primeiro capítulo, apresenta-se ao leitor uma discussão sobre os
caminhos do desenvolvimento a partir da construção de mediações em torno da
polarização Estado-Mercado. Visando a coletar elementos conceituais de base para
a discussão, recupera-se historicamente o debate sobre o desenvolvimento no
século XX. Em seguida, procura-se demonstrar os limites do conceito de
desenvolvimento-crescimento econômico e apresentar uma visão ampliada do
desenvolvimento tendo como referência os direitos individuais, o papel da sociedade
na difusão desses direitos e a relação do homem com o meio ambiente. Por fim, o
capítulo trata especificamente do desenvolvimento local abordando a força das
relações sociais e a participação da sociedade civil organizada na discussão e
orientação das políticas públicas e a articulação entre as demandas e políticas locais
e o contexto político-econômico nacional e global.
O capítulo 2 dedica-se a apresentar evidências das transformações
ocorridas na agenda política para o desenvolvimento no Brasil, a partir dos anos
1980, com ênfase no período pós-implantação do Plano Real, em 1994. Neste
capítulo, busca-se mostrar a relação das políticas de desenvolvimento do país com a
mudança do cenário político e econômico decorrente da aceleração do processo de
integração entre os mercados nacionais, denominado globalização, nos seus
aspectos financeiro e econômico. Evidencia-se em particular, o processo de
assimilação, pelo governo brasileiro, de um conjunto de políticas voltadas para a
abertura da economia em consonância com os princípios da “boa governança”
ditados pelo paradigma instituído no mercado internacional. Destaca-se também,
nesse capítulo, a participação dos organismos da cooperação internacional na
reformulação da agenda brasileira.
23
O terceiro capítulo, de natureza descritiva, apresenta o processo de
incorporação das microfinanças à agenda política brasileira no mandato de
Fernando Henrique Cardoso e a sua ampliação no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Focaliza-se a trajetória das experiências relacionadas à área de microfinanças,
desde as primeiras iniciativas ao movimento de difusão das práticas no âmbito
internacional e a institucionalização do segmento como instrumento de combate à
pobreza. Apresentam-se também as experiências e estudos realizados no país que
contribuíram para internalizar o debate sobre os benefícios sociais que seriam
proporcionados pela extensão do acesso aos serviços financeiros para a população
de baixa renda. Conclui-se o capítulo com a exposição do conjunto de medidas
implementadas pelo governo federal nessa área de modo a constituir os subsídios
necessários à análise desenvolvida no capítulo seguinte.
O capítulo de conclusão traz a análise das políticas implementadas, na
qual são evidenciadas as premissas em que elas se fundamentam e é discutido seu
significado como interpretação das causas da desigualdade social no Brasil e
definição de uma estratégia de redução da pobreza. O capítulo se encerra com a
exposição dos limites da pesquisa que deu origem a este trabalho, apontando
questões potenciais a serem investigadas e caminhos para estudos futuros a fim de
preencher as lacunas existentes na abordagem ora realizada.
2. CAMINHOS DO DESENVOLVIMENTO: CONSTRUINDO MEDIAÇÕES EM
TORNO DAS ESFERAS PÚBLICA E PRIVADA
Compreender a relação entre as microfinanças e o desenvolvimento é
uma tarefa que deve ter como ponto de partida o reconhecimento do grande debate
em torno da interpretação do significado do processo de desenvolvimento e dos
agentes indutores desse processo. A partir da compreensão desse debate, de sua
abrangência e de seus limites, serão criadas as condições para estabelecer uma
matriz referencial para a análise do objeto deste trabalho.
Durante muito tempo predominou no pensamento econômico, com
repercussões nas decisões políticas, a idéia de que a superação das desigualdades
sociais e a redução da pobreza, que em suma, caracterizam o objeto das estratégias
de desenvolvimento, estavam atreladas à manutenção de um processo duradouro
de crescimento econômico. No entanto, a última metade do século XX apresentou
fatos que abalaram essa crença. Foi produzido um grande avanço nas tecnologias
de produção, nos transportes e, principalmente, na comunicação, criando condições
para a expansão do comércio internacional e aumento do fluxo de capitais
financeiros, fenômeno conhecido pela expressão “globalização”, cuja origem e
principais características serão abordadas com maior ênfase no capítulo seguinte.
Os benefícios da expansão econômica verificada no período, contudo, não foram
distribuídos eqüitativamente, acentuando as diferenças entre os países chamados
“em desenvolvimento” e os industrializados, sendo que nestes também se tornou
mais visível a divisão social e a pobreza. O fato é que a sociedade enfrenta um
processo de exclusão de uma grande parcela da população pelo sistema econômico
25
atual. A história econômica tem demonstrado que os ciclos de acentuado progresso
técnico têm como efeito inicial o desequilíbrio do sistema produtivo, principalmente
no tocante ao mercado de trabalho, pois é uma característica marcante das novas
tecnologias empregadas provocar o aumento da produtividade do trabalhador e,
conseqüentemente, a redução da necessidade de mão-de-obra. O que ocorreu no
passado e parece não se repetir na mesma proporção nos dias atuais é a migração
do trabalhador para os setores mais intensivos de mão-de-obra. Se o advento da
revolução industrial no século XVIII propiciou a absorção do excedente de mão-de-
obra agrícola pela indústria e o setor de serviços assumiu esse papel nos primeiros
momentos da revolução tecnológica no setor produtivo, a presente realidade traz um
novo desequilíbrio, pois também no setor de serviços houve implantação de novas
tecnologias baseadas na substituição do trabalho.
No Brasil, como destacam Barros, Henriques e Mendonça (2001) as
desigualdades sociais e a pobreza constituem um problema que permanece quase
inalterado, a despeito do crescimento do PIB e de alterações recentes, mas pouco
significativas nos dados divulgados pelo IBGE em 2005. Entre 1977 e 1999, o índice
de Gini
3
variou de 0,62 para 0,60 enquanto a participação dos 20% mais pobres na
renda total das famílias caiu de 2,4% para 2,3%, mesmo com o crescimento
acumulado do PIB de 78% e do PIB per capita de cerca de 17% neste 22 anos,
segundo dados do IBGE e do Banco Central, como mostra o quadro abaixo:
Tabela 1 - Relação temporal entre variação do PIB e indicadores de desigualdade social e
pobreza – Brasil – 1977 a 1992
(continua)
Ano Var. Real do
PIB
PIB per capita em
R$ de 2004
Coeficiente de
GINI
Percent. da renda apropriada pelos
20% mais pobres
1977 4,93 7.890,54 0,62 2,40
1978 4,97 8.082,20 0,60 2,10
1979 6,76 8.419,68 0,60 1,90
1980 9,23 9.007,47 - -
1981 -4,25 8.436,10 0,59 2,60
1982 0,83 8.322,66 0,59 2,50
1983 -2,93 7.907,23 0,60 2,50
1984 5,4 8.160,16 0,59 2,70
1985 7,85 8.620,27 0,60 2,50
3
índice que mede o nível de desigualdade social numa escala entre 0 e 1, no qual maior será a desigualdade
quanto mais próximo estiver o índice do valor 1 e vice-versa.
26
Tabela 1 - Relação temporal entre variação do PIB e indicadores de desigualdade social e
pobreza – Brasil – 1977 a 1992
(conclusão)
Ano Var. Real do
PIB
PIB per capita em
R$ de 2004
Coeficiente de
GINI
Percent. da renda apropriada pelos
20% mais pobres
1986 7,49 9.081,85 0,59 2,60
1987 3,53 9.223,32 0,60 2,30
1988 -0,06 9.049,61 0,62 2,10
1989 3,16 9.172,36 0,64 2,00
1990 -4,35 8.516,88 0,62 2,10
1991 1,03 8.460,22 - -
1992 -0,54 8.278,06 0,58 2,30
1993 4,92 8.548,18 0,60 2,20
1994 5,85 8.907,04 - -
1995 4,22 9.140,45 0,60 2,30
1996 2,66 9.241,06 0,60 2,10
1997 3,27 9.400,22 0,60 2,20
1998 0,13 9.272,65 0,60 2,20
1999 0,79 9.206,95 0,60 2,30
Fontes: IBGE, Banco Central do Brasil e
PNADs de vários anos (BARROS, HENRIQUES E
MENDONÇA, 2001)
Esse resultado mostra que as desigualdades sociais em relação à renda
não demonstram ter sensibilidade relevante a variações positivas no PIB per capita,
o que nos leva a refutar a idéia de que o crescimento econômico seria condição
suficiente para a redução das desigualdades. Na literatura sobre o tema, verifica-se
que há controvérsias quanto ao caráter redistributivo do crescimento. Para Perroux
(1967), a característica particular dos momentos de crescimento é a distribuição
desigual e não espontânea da renda, que não leva em conta o bem-estar ou a
produtividade. De fato, o período do grande crescimento econômico brasileiro, nas
décadas de 60 e 70 acentuou as desigualdades na renda e as diferenças regionais.
Por isso, não há como falar em crescimento equilibrado. Todavia, é importante
salientar que não se está afirmando aqui que o crescimento econômico não gera
benefícios para as populações de baixa renda. Afirma-se, no entanto, que é
imprescindível percorrer outros caminhos para a atenuação do problema no curto
prazo, tendo em vista a grande massa populacional que vive numa situação de
extrema pobreza e que não pode ser condenada a aguardar um ciclo duradouro e
intenso de crescimento, que parece sempre distante. O trabalho de Barros,
Henriques e Mendonça (2001) ratifica a noção de que o principal fator de
manutenção, por tão longo período, de indicadores de pobreza em patamar quase
27
inalterado é a também imutável concentração de renda. De acordo com os dados
extraídos do Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999, produzido pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, os autores do
trabalho relatam que os países com rendas per capita semelhantes ao Brasil
possuem 8% da população vivendo como pobres. No Brasil, cerca de 30% da
população se encontra nesta condição. Ainda conforme Barros, Henriques e
Mendonça (2001), o coeficiente de Gini revela que somente dois entre os 92 países
cujos dados estão disponíveis apresentam indicador pior (África do Sul e Malavi).
Fica claro, então, que a redução da pobreza é uma tarefa que envolve
uma ação concentrada na diminuição das desigualdades sociais conciliando
crescimento e distribuição da riqueza. Espera-se com a presente pesquisa,
compreender o papel que as microfinanças podem desempenhar nesse contexto.
Cabe destacar que embora muito pertinente para a presente discussão, a
abordagem baseada na distribuição da renda é apenas uma entre os diversos meios
possíveis para a mensuração dos níveis de desigualdades sociais e de pobreza, que
possuem uma natureza mais abrangente que a renda recebida, assim como o
desenvolvimento é um processo com outras dimensões além do crescimento
econômico. Entretanto, essa não é uma visão unânime, da mesma forma como
persiste o debate sobre a existência de fatores determinantes do desenvolvimento e
qual a forma de participação dos agentes políticos e econômicos nesse processo.
Para aprofundar a compreensão do significado do desenvolvimento e
como ele se processa, é imperioso recuperar o principal elemento do debate político
e econômico com relação às estratégias de desenvolvimento no século XX: o
antagonismo entre a ação do Estado e as relações de mercado como agentes
indutores do desenvolvimento.
28
2.1 O DEBATE SOBRE O DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XX – OS LIMITES
DA AÇÃO DO ESTADO E A INSUFICIÊNCIA DA PROPOSTA LIBERAL
As possibilidades e limites da ação do Estado sobre a economia
configuram uma temática recorrente na Ciência Econômica na medida em que as
sociedades capitalistas enfrentam o constante desafio de aliar crescimento
econômico e desenvolvimento social. O Século XX foi um palco de alternância das
visões pró-Estado ou a favor do mercado no comando das políticas econômicas nos
países industrializados
4
. As primeiras décadas do Século XX até a Grande
Depressão de 1929, representaram um período de hegemonia da visão liberal pró-
mercado. Mas a crise de 1929 resultou em uma profunda mudança nos paradigmas
econômicos a partir da Teoria Geral de John Maynard Keynes, que se consolidou no
Pós-Guerra dando origem ao Estado de Bem-Estar Social, Welfare State. O período
de estagnação que marcou a economia mundial na década de 70 colocou em xeque
o Welfare State, fortalecendo as críticas à ação do Estado na economia. As políticas
de desregulamentação da economia em favor das relações de mercado, implantadas
em alguns países, com destaque para o Reino Unido e os Estados Unidos,
encontraram um terreno propício à expansão econômica decorrente da crescente
integração dos mercados. Entretanto, este crescimento tem mostrado um caráter
excludente e levado a um rápido decréscimo dos indicadores sociais. Diante do
persistente dilema, cria-se espaço para a apresentação de políticas alternativas que
pretendem conciliar elementos das duas correntes, que são apresentadas abaixo a
partir de uma perspectiva histórica do século XX.
O problema da distribuição da riqueza produzida na economia tem origem
na essência do sistema capitalista: a propriedade privada dos meios de produção,
que oferece as condições para a apropriação do lucro pelo detentor do capital. O
modo de produção capitalista tem no lucro o fator fundamental para a sua
sobrevivência e expansão. Isto porque toda atividade econômica depende da
aplicação de recursos em forma de investimento. No sistema capitalista a fonte
4
Diversas são as linhas de pensamento que contribuem para o debate em torno do desenvolvimento e sobre o
modo de intervenção do Estado na economia. Considerando que esse trabalho tem como foco o debate realizado
a partir da década de 80 nas democracias ocidentais, sob a predominância da visão liberal, optou-se por não
abordar outras formas de organização política e econômica como o socialismo, ou mesmo o comunismo.
29
desses recursos é a poupança privada, seja das empresas ou das famílias e é neste
ponto que está centrado o problema da distribuição da riqueza.
A poupança é definida como a parcela da renda disponível não
direcionada ao consumo. Portanto, o nível de poupança depende da disposição dos
agentes econômicos para o consumo de cada unidade de renda adicional obtida,
definida como propensão marginal a consumir. O oposto dessa definição e
inversamente proporcional a ela é a propensão marginal a poupar. Os agentes
econômicos possuem propensões à poupança distintas. Enquanto as famílias de
renda baixa consomem uma elevada proporção da sua renda, aquelas cuja renda é
maior, em comparação, tendem a poupar muito mais do que consomem.
A implicação direta dessa lógica, fundamentada na teoria econômica
clássica, é o argumento de que qualquer política de elevação da renda dos
trabalhadores por intervenção do Estado não seria sustentável do ponto de vista
econômico, pois provocaria a redução do lucro e, por conseguinte, da poupança,
levando a uma tendência de retração dos investimentos e queda da atividade
econômica. A conseqüência final dessa política seria o prejuízo para a massa de
trabalhadores, pois a estagnação econômica levaria necessariamente ao corte de
custos e redução do nível de emprego. Portanto, somente as relações de mercado
produziriam o equilíbrio necessário à expansão da economia e ao crescimento da
riqueza.
Para Esping-Andersen (1991, p. 86), a ”adesão entusiástica” do mercado
livre pelos capitalistas também pode ser compreendida pelo fato da experiência
anterior negativa com o Estado Absolutista, protecionista e defensor de privilégios,
que limitava as liberdades e a iniciativa. Este foi o argumento principal dos governos
que preconizavam os benefícios da economia liberal contra o qual não havia
oposição. Mesmo em regimes autoritários, mas comprometidos com a visão
econômica liberal, como em alguns países da América Latina, esse argumento foi
reproduzido. Em suma, o pensamento econômico hegemônico criou um dilema entre
o crescimento e a distribuição da riqueza que não poderia ser resolvido pela ação
política do Estado, que seria impotente diante da necessidade da poupança privada
como fonte de investimentos para a expansão da economia. Este fundamento serviu
30
diretamente à ideologia liberal em favor das relações livres estabelecidas no
mercado que perdurou até o início da crise da década de 30.
A visão do papel do Estado na economia sofreu uma importante
transformação a partir do período da crise econômica iniciada em 1929. Os
mecanismos de mercado se mostraram insuficientes para promover o equilíbrio num
momento de estagnação econômica, redução dos investimentos, ociosidade da
capacidade produtiva e elevado nível de desemprego.
As limitações da teoria econômica clássica para explicar e oferecer
soluções para a estagnação da economia e a falta de estímulos para o investimento
criaram um ambiente propício para a difusão das idéias de John Maynard Keynes
reunidas em sua obra “A Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda”. Keynes
reformulou conceitos da ortodoxia econômica ao defender a ação do Estado como
agente capaz de reativar a economia mediante o incremento da demanda agregada.
Esse objetivo poderia ser alcançado por meio da política fiscal baseada no aumento
dos gastos públicos, principalmente em obras e geração de empregos. Com essas
medidas de caráter anticíclico buscava-se recuperar a atividade econômica,
reduzindo substancialmente a capacidade ociosa. Era a busca pelo pleno emprego.
Como ressalta Przeworski (1988), Keynes, com a sua visão do Estado
como regulador das deficiências da economia de mercado, mostrou ser
desnecessário o controle da propriedade da indústria, em função da oportunidade de
adoção de instrumentos políticos e econômicos para regular as forças de mercado e
conduzir a economia para o interesse geral. Para Keynes “não é a propriedade dos
instrumentos de produção que é importante o Estado assumir. Se o Estado for capaz
de determinar o montante agregado de recursos destinado a aumentar os
instrumentos e a remuneração básica de seus proprietários, terá realizado tudo que
é preciso” (apud PRZEWORSKI e WALLERSTEIN, 1988, p. 31). Essa visão ganhou
a rápida adesão dos social-democratas, tornando-se a sua ideologia central.
Na visão de Przeworski (1988), outra implicação da teoria elaborada por
Keynes sobre o equilíbrio da economia via controle da demanda agregada foi a
legitimação de uma política de defesa dos interesses dos trabalhadores,
principalmente quanto ao crescimento dos gastos com salários e ampliação do nível
31
de emprego. Essa política, por elevar a demanda agregada, provocaria o aumento
do consumo e, por conseguinte, a elevação dos lucros. No entanto, Przeworski e
Wallerstein (1988, p. 34) fazem uma ressalva: segundo os fundamentos
macroeconômicos da teoria keynesiana, os gastos públicos têm um efeito mais
positivo sobre o aumento da produção do que a redistribuição de renda em função
da noção do efeito multiplicador dos gastos.
Em suma, a aplicação da teoria keynesiana propiciou à social-democracia
o desenvolvimento de uma política capaz de conciliar interesses de capitalistas e
trabalhadores. Esse modelo abriu caminho para o desenvolvimento do Estado de
Bem-Estar ou Welfare State como ideologia (PRZEWORSKI, 1988, p. 53).
A visão tradicional define o Welfare State como um Estado que tem como
prioridade a garantia dos direitos básicos dos cidadãos. Desta forma, o Estado
passa a exercer o poder de intervenção no mercado com o fim de estabelecer uma
política redistributiva da riqueza. No entanto, na visão de Esping-Andersen (1991, p.
98), não se discute a questão da posição do Estado quanto ao conflito de classes, a
emancipação do trabalhador frente à lógica do mercado. Conforme expõem Cohen e
Arato (1994, p. 11), no campo político, os defensores do Welfare State afirmavam
que ele contribuiu para a mitigação do conflito de classes ao promover o
reconhecimento do papel dos sindicatos nas negociações salariais e na definição
das políticas públicas.
Quais seriam então os princípios fundamentais do Welfare State? Esping-
Andersen (1991), retomando o compromisso com o capitalismo democrático
viabilizado pela teoria keynesiana, afirma que uma conceituação do Estado de Bem-
Estar deve estar baseada na sua capacidade de mediar ou mitigar a contradição
capitalista entre crescimento e distribuição da riqueza.
Outro elemento que merece destaque na abordagem de Esping-Andersen
(1991) é a relação entre a cidadania e as classes sociais, a tendência do Estado a
prover os serviços universalmente ou promover distinções diante de uma sociedade
estratificada. Para Esping-Andersen (1991) um regime genuíno de Welfare State
deve necessariamente oferecer serviços compatíveis com as expectativas da
sociedade em todos os seus níveis, o que é um fator de socialização que contribui
32
para a inibir a mercantilização desses serviços. No entanto, o que pôde ser
observado é que se há um modelo autêntico de Welfare State, ele raramente é
implantado em função dos custos de sua manutenção. Dessa forma, o Estado não
consegue oferecer serviços adequados às expectativas de todas as faixas da
população. Isto leva o trabalhador a buscar no mercado a satisfação das suas
necessidades não atendidas pelo Estado, mantendo-se assim, a relação de
dependência do trabalhador. O Estado também se torna dependente do mercado na
medida em que o pleno emprego e o seu resultado em termos fiscais são essenciais
para manter o equilíbrio orçamentário diante dos seus compromissos sociais. A não
superação dessa dependência é um dos principais fatores da crise do Estado Social.
O modelo de Estado provedor do bem-estar social, apoiado na política de
controle da demanda, inspirada em Keynes, que foi importante na superação da
crise dos anos 30 e exerceu um papel de conciliador no sistema capitalista em um
período de expansão do ideal comunista, teve que enfrentar na década de 70 as
suas próprias contradições.
Esse período foi marcado por um processo gradual e persistente de
elevação da taxa de inflação e do desemprego aliados à crise fiscal do Estado. O
elevado nível dos salários e dos encargos sociais a que os capitalistas atribuem a
culpa pela perda de rentabilidade do capital e do desestímulo ao investimento torna
os gastos estatais um elemento de constantes críticas que se amplia e leva à
contestação da ação intervencionista do Estado. Com relação às questões políticas,
os críticos apontavam que o Welfare State, na verdade, ao concentrar seus esforços
em criar igualdade de oportunidades, produziu outras formas de conflito e restrição
de liberdades, que desestimulava a ação dos empreendedores (COHEN e ARATO,
1994). Contudo, como observa Habermas, “as condições de valorização do capital
são afetadas pelas políticas do Estado de bem-estar não apenas de fato, mas
sobretudo na percepção subjetiva das empresas” (1987, p. 108). Outra questão foi a
insatisfação produzida pelo excesso de expectativas geradas em torno da promessa
de maior participação popular no sistema político (COHEN e ARATO, 1994). Essa
frustração de expectativas gerou uma crise de autoridade e enfraquecimento do
Estado. Neste cenário torna-se nítida a grande contradição do Welfare State: a
busca pela igualdade social mantida a dependência frente ao investimento privado.
33
Como afirma O’Connor (1977), a socialização dos custos e a apropriação privada
dos lucros levam a uma crise fiscal. Para Habermas (1987), o fato do regime não ter
alterado as relações de produção provocou a sua incapacidade de influenciar a
alocação dos recursos, que eram de origem privada. Os investimentos privados
seguiram a tendência de busca pelo aumento da produtividade do trabalho, o que
em última instância, reduziria ainda mais a oferta de emprego (O’CONNOR, 1977).
Para Przeworski e Wallerstein (1988, p.35), a crise do Welfare State
significa a superação da teoria de Keynes. Segundo esses autores, a economia
keynesiana, sendo baseada na demanda e no curto prazo, não tratou da temática da
acumulação do capital. Por isso, quando a natureza do problema está situada na
insuficiência da oferta de poupança, uma política de elevação da demanda agregada
reduz o seu nível deprimindo ainda mais a taxa de investimento. Para esse
problema, segundo Przeworski e Wallerstein (1988), a teoria keynesiana não tinha
resposta.
Novamente, a falta de perspectivas para a solução da crise econômica
criou o espaço para adesão a idéias que se opunham ao paradigma dominante. O
Neoliberalismo que surgiu na década de 40 e tem como principal expoente Friedrich
von Hayek, criticava a intervenção estatal na economia por limitar a liberdade dos
agentes econômicos e tinha como princípios centrais a estabilidade monetária e o
equilíbrio fiscal (ANDERSON, 1995). Essas idéias ganharam força e tornaram-se
políticas de governo primeiramente com Margareth Thatcher na Grã-bretanha e, em
seguida, por Ronald Reagan nos Estados Unidos.
O Neoliberalismo alterou o fluxo redistributivo da economia em favor dos
lucros, que se tornaram crescentes. Conforme salientam Przeworski e Wallerstein
(1988, pág. 38), o dogma da nova economia era o argumento de que a elevação dos
lucros aumentaria a taxa de investimentos e de crescimento econômico. Percebe-se
nesse argumento a tentativa de justificar a acumulação presente pela expectativa de
empregos futuros. No entanto, como apontam Cohen e Arato (1994, p.14), as
propostas de privatização e desregulamentação com vistas a ampliar a
competitividade representam um conflito frente aos objetivos de paz social e justiça
social.
34
Na visão neoliberal, a política econômica do Estado deve se restringir à
manutenção da estabilidade monetária. No tocante ao aspecto distributivo, como
afirma Esping-Andersen (1995, p. 91), predomina a política de focalização dos
serviços sociais, ou seja, o Estado se limita a atender a população mais pobre que
não tem acesso ao mercado. A resistência a qualquer intervenção efetiva do Estado
na economia também está relacionada ao argumento de que numa economia
“globalizada”, os governos nacionais perderam a autonomia para a escolha das suas
políticas. No entanto, para Batista Jr. (1997), o exagero na percepção do alcance
dessas transformações tem o propósito de diminuir resistências sociais e políticas às
medidas que tendem a favorecer os grupos que se beneficiam da atuação em escala
global. Outro objetivo desse falso argumento é eximir os governos da
responsabilidade pela ineficiência de sua atuação com relação a diversos problemas
que seriam decorrentes de um fenômeno mundial. De fato, conforme apontam
Przeworski e Yebra (2003), na Europa Ocidental os eleitores começam a não
perceber mais distinções entre as propostas dos partidos de direita e esquerda.
Resta à sociedade escolher apenas o partido que poderá implementar de forma mais
eficiente o mesmo plano de governo, que estaria fundamentado em questões
técnicas, não políticas. Esta percepção começa a trazer questionamentos sobre a
efetividade da democracia, tendo em vista que as escolhas são cada vez mais
limitadas.
O momento atual é um reflexo dessa lógica, os lucros crescentes na
economia, apesar de diferenciados entre os setores, e o aumento da produtividade
do trabalho produzem uma legião crescente de excluídos do sistema, elevando as
desigualdades sociais com os seus efeitos predatórios ao bem-estar econômico e
social. A transformação do lucro em investimento produtivo que conduziria à
ampliação do emprego mostrou-se um argumento falacioso. A passividade do
Estado, aprisionado à ideologia neoliberal e à ortodoxia econômica, coloca a
sociedade mais uma vez diante de uma falta de perspectiva de solução.
Como mostrado anteriormente, este cenário propicia o espaço para a
rediscussão da política econômica, que inevitavelmente leva a abordar a relação
entre o Estado e o mercado bem como o compromisso em torno do crescimento e
da distribuição da riqueza.
35
A crise do Welfare State na década 70 mostrou que eram incompatíveis as
premissas de socialização dos custos do bem-estar associadas ao controle privado
sobre a alocação de recursos. Mas tampouco entregar a solução desse impasse à
lógica do mercado mostrou-se uma estratégia bem sucedida.
O ideal de um compromisso social não poderia prescindir do controle da
sociedade sobre as decisões de investimento. Isto não significa a estatização das
empresas, como defendiam os socialistas, mas a adoção de políticas públicas de
incentivo ao investimento privado nos setores de interesse da sociedade. Esta
proposta, apesar de trazer elementos positivos, não parece responder ao problema
por completo. O livre fluxo do capital financeiro expande o critério de alocação de
recursos do capitalista para além da fronteira nacional e, em última instância, um
ambiente de menor liberdade para o investimento sob os critérios de rentabilidade
capitalista poderá levar à transferência do estoque de capital para outros países.
O que fica evidente a partir das transformações no papel do Estado nas
decisões econômicas ao longo do último século, ora apresentadas, é a necessidade
de uma rearticulação da sociedade em torno de propósitos comuns que alterem o
paradigma do lucro de curto prazo presente nas relações do mercado. Sob esta
ótica, o Estado reassumiria a função de agente regulador central das expectativas e
escolhas da sociedade, papel inerente ao regime democrático.
É por este caminho que seguem algumas visões contemporâneas do
desenvolvimento, a seguir analisadas, que servem de justificativa intelectual aos
formuladores das políticas de estímulos às microfinanças. Em alguns casos, tais
visões podem igualmente expor os limites críticos dessas políticas, mas isso não
necessariamente transparece nos discursos dos atores responsáveis pelas agendas
relativas às microfinanças no Brasil e no mundo.
36
2.2 DIMENSÕES AMPLIADAS DO DESENVOLVIMENTO: LIBERDADE, JUSTIÇA E
SUSTENTABILIDADE
Primeiramente há que ser destacado que o tema do desenvolvimento é
tratado sob diversos enfoques, entre os quais o econômico tem ocupado maior
espaço no debate corrente para o grande público. Mas outras áreas do
conhecimento como a sociologia, a antropologia, a ciência política e a filosofia têm
introduzido visões diferenciadas sobre o assunto que muito contribuem para o
trabalho de compreensão de um tema tão complexo. Inicialmente, é pertinente
evidenciar a relação entre o desenvolvimento, concebido tradicionalmente como um
processo universal, e o contexto local, entendido como fonte de incentivos e
resistências a esse processo ou, em alguns casos, como momento de mera
adaptação e inserção na economia internacional. A interpretação dessa relação dá
origem a visões diferenciadas sobre o desenvolvimento, influenciando o foco e os
objetivos das políticas públicas. Arocena (1987) identifica três visões predominantes
sobre o processo de desenvolvimento (estritamente econômico) e sua relação com o
local: Evolucionista, Historicista e Estruturalista. Para o autor, a teorização sobre o
desenvolvimento local supõe um posicionamento ante essas correntes. As
abordagens se diferem pela forma de se ponderar o peso das características
regionais sobre o desenvolvimento econômico.
Segundo Arocena (1987), para a visão evolucionista, o local é uma
barreira ou resistência ao progresso, que tem uma natureza global. Parte da noção
de desenvolvimento como evolução está baseada nas ciências naturais. Sob este
enfoque, como identifica Arocena (1987, p.7), o desenvolvimento é concebido como
uma trajetória até um ponto de chegada, um modelo. Para a biologia, o homem é o
ser mais evoluído, o modelo, e todos os outros seres vivos são analisados a partir da
sua comparação com o homem. Na psicologia, o homem adulto é o referencial, a
criança estaria assim, numa trajetória de evolução até a fase adulta. Na economia e
na sociologia os modelos são os países industrializados, o ponto de chegada. Esta
concepção, segundo Arocena, pressupõe a existência dos princípios de dinâmica
evolutiva e de resistência. Assim, haveria um movimento universal rumo à evolução
37
que entraria em choque com as resistências locais. Essas resistências deveriam ser
suprimidas em nome do progresso (AROCENA, 1987).
No viés historicista, conforme expõe Arocena (1987), o local é uma
entidade específica que deve se desenvolver em oposição à tendência global de
uniformização. Este enfoque está baseado nas especificidades locais. O
desenvolvimento está relacionado às opções políticas de cada sociedade. A
aplicação das teses historicistas ganhou espaço a partir dos anos 70, quando o
modelo de crescimento posto em prática no período pós-guerra começou a mostrar
seus limites (AROCENA, 1987). Sob esse viés, novas abordagens foram
introduzidas como desenvolvimento endógeno e o desenvolvimento auto-centrado.
Esta é a visão que melhor representa o momento atual de valorização das políticas
centradas no local da qual fazem parte os incentivos às microfinanças.
O enfoque estruturalista trata o desenvolvimento como um processo
sistêmico cujos componentes estruturais são interdependentes (AROCENA, 1987,
p.14). O local reproduz as contradições que atravessam o global. Neste enfoque a
atenção é voltada para o estudo dos fatores estruturais que determinam o sistema e
qual é a contradição, que superada, pode provocar a sua transformação, passagem
para outro sistema (AROCENA, 1987, p.14). Acrescenta que o local é um
componente do sistema e, portanto, é um simples lugar de reprodução de
mecanismos globais.
Cada um desses enfoques traz argumentos coerentes, porém insuficientes
para explicar a complexidade das relações econômicas, políticas e sociais que
interferem no processo de desenvolvimento. Uma observação mais apurada desses
enfoques e da experiência histórica mostra que o desenvolvimento pode ser
entendido como evolução por conter a noção de melhoria do padrão de acesso aos
direitos básicos por toda a população e representar um caminho rumo a um patamar
percebido como superior, que muitas vezes é um retrato de nações consideradas
mais desenvolvidas. Entretanto, o desenvolvimento não significa um processo
inexorável e de cima para baixo. Os fatores locais exercem influência sobre esse
processo criando resistências, mas também agindo favoravelmente. Como se
verifica no caso brasileiro, ainda que o país tenha acréscimos sucessivos no PIB, a
estrutura social e econômica que mantém os elevados índices de desigualdade
38
criará obstáculos à distribuição das riquezas geradas, perpetuando o fosso que
separa os pobres de uma condição de vida digna. É por essa complexidade que o
tema desenvolvimento continua a desafiar intelectuais e formuladores de políticas
públicas e constitui um campo de estudo em constante transformação.
2.2.1 Abordagens Contemporâneas do Desenvolvimento
O momento intelectual atual é marcado por um reexame do conceito de
desenvolvimento em busca de novas dimensões de análise que permitam ampliar a
sua compreensão diante da crescente complexidade e que ajudem a superar as
falhas das políticas anteriores. É assim que as abordagens contemporâneas do
desenvolvimento procuram ampliar o seu escopo assimilando novos conceitos e
incorporando preocupações outrora relegadas a um segundo plano. Neste trabalho
são apresentados alguns elementos considerados fundamentais nesse debate,
conquanto não se tenha a pretensão de uma síntese exaustiva do campo de
pesquisa.
Quais são as bases essenciais de uma estratégia de desenvolvimento?
Esta questão não permite uma resposta fácil. O processo de desenvolvimento de
uma região envolve um conjunto de fatores que vai muito além do crescimento das
riquezas produzidas. As estratégias de desenvolvimento deveriam estar
relacionadas diretamente com a redução da má distribuição dos resultados do
progresso econômico e técnico com ênfase na integração dos indivíduos ao
processo de produção através do emprego e do auto-emprego (SACHS, 1995). Para
tanto, é preciso superar a visão baseada estritamente nas questões econômicas.
Para Stiglitz (1998), as estratégias implementadas nas últimas décadas
não demonstravam a percepção de todo o contexto que envolve o desenvolvimento,
principalmente porque estavam fortemente influenciadas pelas orientações políticas
do Consenso de Washington
5
. Stiglitz (1998) afirma que o conjunto de estratégias
5
Conjunto de princípios para reformas econômicas como liberalização do mercado, privatização e estabilização
macroeconômica, formulados pelo economista John Willianson. As propostas de Williansom ganharam grande
39
adotadas estava centrado apenas nas questões macroeconômicas como o ajuste
fiscal e a política monetária. Tinham como premissa a universalidade das leis
econômicas.
Ele argumenta que a estrutura social é um fator preponderante para o
desenvolvimento, uma vez que é um processo impulsionado pelos setores modernos
da sociedade. Isto não significa afirmar que os países ditos subdesenvolvidos não
contam com setores modernos, pois como ressalta Stiglitz (1998), todas as
sociedades possuem setores modernos e tradicionais. Em sua visão, a vantagem
dos países que mantêm um processo contínuo de desenvolvimento é a
predominância dos setores modernos sobre os tradicionais. Por isso, a estratégia de
desenvolvimento deve facilitar a mudança. Para Sachs (1995), o desenvolvimento
está relacionado com a pluralidade de caminhos. As estratégias devem levar em
conta as particularidades dos países tais como o contexto histórico e cultural, o
contexto ecológico (clima, biodiversidade) e o contexto institucional. Neste ponto,
percebe-se a importância da articulação entre os fatores locais como elemento
estratégico para impulsionar o desenvolvimento.
Na visão de Kothari (apud SACHS, 1995) o desenvolvimento deve estar
baseado no fortalecimento do social, na descentralização do planejamento e na
promoção do emprego. Este modelo deve privilegiar a expansão do mercado interno
mais que o excessivo foco nas exportações. Para tanto, faz-se necessário, como
visto, superar a visão do desenvolvimento bipolarizada entre o liberalismo voltado
para as relações de mercado e a economia centralizada no papel interventor do
Estado. A sociedade civil cada vez mais reconhece essa necessidade, que segundo
Dowbor (2000), deriva do sentimento de que as macroestruturas do poder estatal e
do setor privado não conseguem atender às suas expectativas em termos de
qualidade de vida, respeito ao meio ambiente, segurança e liberdade.
A situação atual, segundo Sachs (1995), mostra economias mistas, ou
seja, formadas por diversos agentes que atuam entre estes dois extremos, tais como
a empresa privada, o Estado e seus órgãos, cooperativas e organizações da
veiculação e novas interpretações até se tornar o paradigma liberal de política econômica eficiente para os países
em vias de desenvolvimento.
40
sociedade civil. Essa combinação de atores e organizações possui variadas formas
e é uma preocupação atual a busca de novos modelos de articulação desses
agentes, no que Paul Streeten (apud SACHS, 1995) chama de mesoeconomia.
Mas, para uma ação mais ativa da sociedade civil, é preciso dar às
populações marginalizadas os meios de buscar seus direitos. O caminho para essa
transformação, segundo Sachs (1995, p. 32-33), é a promoção da educação para a
cidadania cujos fundamentos são: conscientização da população sobre os seus
direitos e deveres, treinamento sobre formas de organização, meios para a busca
dos direitos, mobilização da opinião pública, etc.
Essas transformações pretendidas na forma de posicionamento do
indivíduo frente aos seus direitos como cidadão tendem a elevar a demanda da
sociedade por uma maior participação no processo decisório referente às políticas
públicas, principalmente aquelas de maior repercussão local. Para isso, é necessária
uma análise do arcabouço institucional que define as formas de mediação entre a
população e o Estado como a realização de fóruns, conselhos e outras iniciativas
como o orçamento participativo, o referendo ou plebiscito.
Desta forma, ratifica-se a relevância do debate na esfera política, espaço
no qual se viabilizam essas mediações. Mas o poder de organização necessário ao
processo democrático também requer um desenvolvimento, pois a participação e a
deliberação exigem conhecimento e capacidades argumentativas dos atores
envolvidos. Sobre isso são válidas as proposições de Sachs (1995) referentes ao
aprendizado da cidadania. Becker (2002) também considera que o desenvolvimento
regional, como processo de democratização, educa e cria espaço para o debate, a
divergência e a pluralidade. Neste contexto, a sociedade passa a exercer maior
controle sobre o Estado ou mesmo assumir algumas de suas atribuições.
Apesar da multiplicidade de fatores e das peculiaridades de cada país, que
interferem e moldam as estratégias de desenvolvimento, há princípios comuns que
se originam de valores considerados universais. O desenvolvimento deve ter um
propósito social baseado na solidariedade e igualdade de oportunidades (Sachs,
Stiglitz, Rawls). Além disso, o desenvolvimento requer prudência ecológica em
respeito às gerações futuras (Sachs, 1995, 2002). A eficiência econômica continua a
41
ser um elemento relevante, porém sob uma perspectiva macro social, que vá além
da rentabilidade no nível da firma (SACHS, 1995).
Dessa forma, a tendência atual na teorização sobre o desenvolvimento
tem um caráter pluridimensional e está baseada numa estrutura em que o social é o
foco principal, a ecologia é uma preocupação e a economia exerce um papel
instrumental (SACHS, 1995, p. 27). Além disso, o desenvolvimento passa a conter,
em seus princípios, o fortalecimento da organização e da participação da sociedade
na discussão dos caminhos a serem trilhados para a realização dos seus objetivos.
A conjunção desses fatores é o que define, segundo Sachs (1995), as condições de
sustentabilidade do desenvolvimento.
Considerando a diversidade de elementos incorporados às abordagens
contemporâneas do desenvolvimento e o caráter normativo ainda presente em seu
conteúdo, torna-se necessária uma proposta de organização destes elementos a
partir da relação do tema com o indivíduo, a sociedade e o meio ambiente.
2.2.2 Capacidades e Liberdade de Escolha: o Desenvolvimento e o Indivíduo
A tendência atual nos estudos sobre o desenvolvimento considera
inicialmente a noção de que a sociedade civil assume o papel de sujeito nesse
processo. Como discutido nas seções anteriores, o entendimento de que o
desenvolvimento seria conduzido exclusivamente pelas ações do Estado ou gerado
espontaneamente nas relações de mercado mostrou as suas deficiências. Mas para
analisar como a sociedade civil pode interferir e influenciar o processo de
desenvolvimento, é necessário também levar em conta as capacidades dos seus
componentes unitários, os cidadãos.
Uma sociedade ativa na discussão das alternativas possíveis e desejadas
para realizar um projeto próprio de desenvolvimento requer o livre exercício da
cidadania pelos indivíduos, como direito e como responsabilidade dentro de um
contexto de Estado democrático.
42
Entretanto, como afirma Stuart Mill, (1993), a noção de Estado
democrático não é suficiente para caracterizar a liberdade de agir do indivíduo. Ele
destaca que o conceito de governo em que o povo exerce o poder sobre si mesmo,
não expressa necessariamente a realidade, pois pode constituir meramente um
sistema institucional legitimado pela maioria com a finalidade de garantir a
predominância dos seus interesses comuns contra aqueles dissidentes. De fato, o
regime democrático só se realiza plenamente quando tem como valor fundamental o
respeito à liberdade e diversidade dos indivíduos. Para Mill (1993), deve haver um
limite para a interferência legítima da opinião coletiva sobre a independência
individual tendo em vista que a sociedade tende a impor suas próprias idéias e
práticas sobre todos os cidadãos indiscriminadamente. Por isso, ele afirma:
[...] O único fim para o qual a humanidade está autorizada,
individual ou coletivamente, a interferir na liberdade de ação de
qualquer fração de seu número é a autoproteção, ou seja,
evitar que um indivíduo possa causar danos aos demais (MILL,
1993, p.206)
Baseado nesse princípio, Stuart Mill (1993) apresentou a sua concepção
do que seria a uma referência para o governo: o desenvolvimento da sociedade a
partir de suas faculdades morais, intelectuais e ativas e como ele promove a
melhoria dessas faculdades. Sobre este fundamento, conclui-se que somente uma
forma de governo em que todo indivíduo participe ativamente da discussão política
pode gerar as condições necessárias ao pleno respeito da liberdade individual e o
desenvolvimento das capacidades humanas e sociais que em última instância
propiciariam o seu desenvolvimento de uma forma consensual e democrática.
Convém destacar que este é um postulado liberal cuja realização não se verifica de
fato. A implantação de reformas liberais, limitadas essencialmente à área
econômica, mostrou, ao contrário, depender da restrição das liberdades individuais,
vide as revoluções militares ocorridas na América Latina no século XX ou o processo
econômico na China neste início do século XXI.
A situação mais próxima da realidade numa sociedade capitalista é que há
indivíduos com grande liberdade de escolha sobre que caminhos percorrer durante a
vida, mas há uma massa muito maior de homens e mulheres com mínimas
possibilidades de ser qualquer coisa além dos limites que as estruturas social,
econômica e política lhe impõem. Numa situação como essa não há como pensar
43
em construção coletiva do desenvolvimento. Por isso, retomar o pensamento sobre o
desenvolvimento tendo como referência a liberdade e a capacidade dos indivíduos é
seminal para qualquer outra discussão mais abrangente. O pensador
contemporâneo que atingiu notoriedade ao sistematizar esta abordagem é o
economista indiano Amartya Sen.
Como ressalta Sen (2000), a relação entre liberdade e desenvolvimento
não é um tema novo. Adam Smith, Karl Marx, William Petty e Friedrich von Hayek
são exemplos de pensadores que demonstravam a preocupação com a liberdade de
escolha do indivíduo. Bauer e Lewis (apud SEN, 2000) relacionavam o aumento da
liberdade de escolha do indivíduo e das alternativas à sua disposição como objetivo
do desenvolvimento.
A origem da discussão sobre a importância da liberdade para o indivíduo e
os seus efeitos como indicador de desenvolvimento é o princípio adotado por Sen
(2000) de que é responsabilidade do indivíduo adulto a condução da sua vida, em
função de suas ações, iniciativas e julgamentos. Mas para que possa assumir essa
responsabilidade, o ser humano precisa contar com liberdades e capacidades que
lhe possibilitem escolher entre um conjunto de alternativas possíveis o melhor
caminho a trilhar para atingir a realização de seus objetivos.
Percebe-se na categoria de análise elaborada por Sen, que o conceito de
liberdade está diretamente relacionado com o de capacidades humanas, que difere
da noção de capital humano predominante na literatura econômica. Para Sen, a
noção mais recorrente de capital humano se restringe ao conjunto de habilidades e
conhecimentos desenvolvidos principalmente com a educação e que é avaliado pela
produtividade do trabalho humano. O conceito de capacidades humanas incorpora o
anterior e pode ser definido como a aptidão do indivíduo para orientar as suas ações
em busca de um padrão de vida que ele valorize. Esta aptidão, no entanto, não é
igual entre os indivíduos dada a diversidade dos seres humanos em função de
características externas como a estrutura social, a cultura e os recursos materiais de
que dispõe e de características pessoais como idade, sexo, habilidades intelectuais
e físicas, entre outras (SEN, 2001). No conceito proposto por Sen, mais que a
condição instrumental de executar uma atividade, o indivíduo deve ter a capacidade
analítica de fazer escolhas.
44
Para Sen (2000), o desenvolvimento dessas capacidades intrínsecas ao
indivíduo é proporcionado pelos arranjos sociais e econômicos que configuram o
contexto em que o ser humano está inserido. Sob esta perspectiva, não cabe ao
Estado atuar de forma paternalista, geralmente também clientelista, na provisão das
necessidades dos indivíduos. Tampouco esta é uma tarefa da sociedade. O Estado
e a sociedade devem assumir o compromisso de garantir as condições para que o
indivíduo, desta forma, possa agir consciente da responsabilidade dos seus atos e
escolhas. (SEN, 2000, p. 284). Portanto, o conceito de desenvolvimento centrado na
liberdade do indivíduo requer a remoção de todas as barreiras que privam o ser
humano de opções e, em última instância, da liberdade de escolha. Convém
ressaltar neste ponto que essa abordagem envolve não só a liberdade como direito
negativo, definido como a garantia de não proibição ou opressão, como se verifica
na proposta de Stuart Mill, mas também como direito positivo, relacionado ao acesso
aos recursos necessários à sua livre iniciativa. Outra diferença que deve ser
esclarecida nas abordagens de Stuart Mill e Sen diz respeito à avaliação do
desenvolvimento. Stuart Mill defendia uma ética baseada nos fins das ações
individuais, welfarista, pois o resultado esperado era a maximização do bem-estar
para o próprio indivíduo e para todos aqueles afetados por suas ações. Além disso,
sob este princípio, o desenvolvimento seria avaliado pelo resultado total das ações
individuais em termos de prazer e felicidade da coletividade. Trata-se da Ética
Utilitarista. Na visão de desenvolvimento centrada na liberdade proposta por Sen a
avaliação tem o foco nas liberdades substantivas, aquelas necessárias para que o
indivíduo tenha condição de escolher os caminhos que pretende trilhar em sua vida.
O utilitarismo, por avaliar os fins das ações individuais, não aborda a questão das
desigualdades e direitos que se referem aos meios. Por conseguinte, compreende a
liberdade apenas sob a ótica da opressão e não como restrição a recursos.
Para melhor compreender a perspectiva de Sen sobre a liberdade é
necessário definir os seus dois aspectos. O primeiro é o seu papel constitutivo, a
liberdade como finalidade do desenvolvimento. Compreende a capacidade de evitar
privações elementares como a fome, a subnutrição, a mortalidade prematura, bem
como obter conhecimentos básicos de leitura e raciocínio matemático.
45
O segundo aspecto é o papel instrumental, ou de meios para o
desenvolvimento. Para Sen (2000), há alguns tipos de liberdade que são
importantes porque sua existência contribui para a conquista das demais. Ele
distingue 5 tipos de liberdade instrumental, embora não exaustivos: liberdade
política, instrumentos econômicos, oportunidades sociais, transparência e
seguridade social.
A liberdade política é um conceito amplamente conhecido. Diz respeito à
liberdade de expressão e ao direito de escolher os governantes e demais
representantes e os princípios que norteiam o governo. Mas, além disso, está
relacionado aos instrumentos à disposição do indivíduo para que suas propostas ou
reivindicações sejam ouvidas e levadas em conta na definição das políticas públicas
ou mesmo possa participar do processo de deliberação de algumas dessas políticas.
Os instrumentos econômicos podem ser compreendidos como a estrutura
mediante a qual o indivíduo pode obter os recursos para atingir os seus objetivos
mediante a produção, consumo ou trocas. Entre os instrumentos econômicos o
mercado tem extrema relevância por ser o ambiente em que se realizam as trocas
na economia. Além disso, o crédito, como será analisado com mais profundidade
nos capítulos seguintes, desempenha um papel fundamental por ser a forma como
os indivíduos obtêm recursos para realizar os seus empreendimentos,
principalmente aqueles indivíduos que dispõem de pouca ou nenhuma poupança.
Sen define as oportunidades sociais como as estruturas montadas pela
sociedade a que o indivíduo tem acesso para prover necessidades básicas como
educação e saúde, que são elementares para a conquista ou exercício dos demais
tipos de liberdade.
A transparência é uma forma de liberdade por garantir aos indivíduos a
clareza nas relações não só com outros indivíduos, mas também com o Estado. A
ausência da transparência limita a liberdade de escolha e de iniciativa das pessoas
por diminuir a sua confiança nas relações sociais, políticas e econômicas.
A última forma de liberdade instrumental descrita por Sen é a seguridade
social. Em sua visão, mesmo em uma sociedade com ampla liberdade há pessoas
em situação de maior vulnerabilidade em função de mudanças estruturais que
46
afetam as suas vidas. Para combater os efeitos nocivos desses momentos como o
desemprego e a fome, é necessário que o indivíduo possa contar com uma rede de
proteção.
Como ressalta Sen (2000), essas liberdades instrumentais não só criam
condições para a conquista de outras liberdades, mas também se reforçam entre
elas. Os instrumentos econômicos que permitem a realização das atividades
produtivas e, por conseqüência, o aumento das riquezas, contribui para o
incremento da capacidade da sociedade e do Estado em prover o acesso à
educação e à saúde, relacionado com as oportunidades sociais, bem como manter e
ampliar a rede de seguridade social. Por outro lado, também a estrutura educacional
auxilia o incremento dos instrumentos econômicos por contribuir para o aumento da
produtividade das pessoas e dos instrumentos. A rede de seguridade também
contribui com a esfera econômica por atenuar o efeito das mudanças estruturais na
renda e no consumo dos indivíduos. Pode ser também destacado o valor da
transparência e da certeza da segurança dos contratos para a expansão da
utilização dos instrumentos econômicos. Mas todas essas liberdades certamente
derivam da primeira, a liberdade política. Sen parte do princípio de que democracia e
direitos políticos e civis, são condições para o desenvolvimento e também são parte
do processo de desenvolvimento. Entretanto, como destaca Sen (2000), também se
deve distinguir o papel utilitário da democracia do seu papel formador. A democracia,
compreendida como um instrumento para o exercício destes direitos, pode contribuir
para que os Estados possam assumir a responsabilidade de agir preventivamente ou
diretamente contra os efeitos das desigualdades sociais. No entanto, uma
compreensão mais abrangente revela que, mais que um instrumento, o incremento
nos direitos políticos e civis é uma conseqüência do processo de desenvolvimento.
Dentro do conceito de liberdades e capacidades proposto por Sen,
verifica-se que determinadas condições econômicas e sociais revelam-se barreiras
quase intransponíveis para o processo de desenvolvimento. A principal dessas
restrições é a pobreza, pois ela está diretamente relacionada com subnutrição,
condições de saúde precárias, reduzida longevidade, baixo nível de educação,
elevado grau de insegurança e criminalidade que afetam as liberdades constitutivas
e instrumentais. A exclusão social, uma das principais causas da pobreza, provoca
47
também outros efeitos como o subemprego ou a falta de emprego. Considerando
que o trabalho representa não só uma atividade produtiva, mas também
compreende um valor moral na maioria das culturas, a ausência da condição do
indivíduo de poder realizar atividades produtivas, seja pelo emprego ou trabalho
autônomo, cria um fator de insegurança e frustração para os indivíduos produzindo
efeitos negativos sobre a sua saúde física e mental.
Neste sentido, emerge como problema fundamental do processo de
desenvolvimento a eliminação da pobreza e de todas as suas causas, entre elas os
obstáculos à expansão da atividade econômica e geração de empregos, mas
principalmente os injustificáveis níveis de desigualdade social e concentração de
renda verificados em diversos países, entre eles o Brasil. Portanto, torna-se claro por
meio da abordagem de Sen, como as questões políticas, sociais e econômicas
interferem na capacidade do indivíduo de realizar escolhas e agir em busca de uma
condição de vida que ele valorize.
2.2.3 Instituições, Justiça Social e Eqüidade: o Desenvolvimento e a Sociedade
A compreensão do desenvolvimento tendo como ponto de partida o
indivíduo mostra-se como fundamento para a discussão seguinte, voltada para a
relação da sociedade com esse processo, seja como promotora, seja como
beneficiária.
Primeiramente é preciso apontar um limite à interpretação da visão de
Sen, de desenvolvimento como eliminação de qualquer restrição à liberdade de
escolha individual, desde que esse é um ideal não factível, pois como afirma
Durkheim (1990), a consciência coletiva exerce uma força determinante e impositiva
sobre as ações individuais. Durkheim ressalta que esta força não é visível, aparente.
Ele argumenta que o indivíduo só toma conhecimento do caráter impositivo presente
nos fenômenos sociais quando passa a ter uma postura crítica, a contestar e se opor
a esses hábitos. Desta forma, a liberdade passa a ser conceituada nos sentidos de
não opressão e de acesso aos recursos de que o ser humano necessita.
48
Considerando que tais recursos são produto das relações sociais, entre elas as
relações de produção, ganha evidência a função da sociedade como promotora do
desenvolvimento. Retomando os cinco tipos de liberdade instrumental identificados
por Sen, verifica-se que são a estrutura e a organização política e social, mediante
seus mecanismos institucionais, os fatores que contribuem para a expansão ou
limitação do acesso do indivíduo às liberdades essenciais. Em trabalho que trata dos
condicionantes do desenvolvimento econômico ao longo do tempo, Douglass North,
afirma:
As instituições estabelecem os limites concebidos pelo homem para
estruturar sua própria interação. Estão constituídas por restrições formais
(regras, leis, constituições), restrições informais (padrões de conduta,
convenções, códigos de comportamento auto-impostos, etc.) e suas
respectivas características de aplicação. Juntas definem a estrutura de
incentivos das sociedades e especificamente das economias. (1994, p.
569) (tradução nossa)
Como afirma Abramovay (2001), a percepção de North acerca do papel
das instituições nas economias representou uma importante contribuição para
Ciência Econômica na medida em que propôs uma abordagem centrada nas
instituições para demonstrar que os países que alcançaram uma estrutura social
onde a pobreza é minoritária, tinham como característica comum uma organização
econômica eficiente. Para North, segundo Abramovay (2001), a organização
eficiente está fundada em três pilares resultantes dos papéis das instituições: a
redução das incertezas próprias das relações humanas, que estimula a coordenação
das ações individuais ou em grupos; o reconhecimento dos mercados como
estruturas sociais, que não estão sujeitos apenas à regra da procura e da oferta,
mas também às regras, normas e expectativas socialmente construídas; e o
gradualismo das mudanças sociais, que resultam de transformações institucionais.
O primeiro ponto do modelo analítico de North expõe a importância da
organização das atividades econômicas como condição para o desenvolvimento.
Esta visão está baseada no reconhecimento de que os custos das atividades de
negociar, vender e trocar bens de qualquer espécie, conhecidos como custos de
transação interferem na dinâmica da economia tanto quanto os custos de produção.
Se não há dúvida que as relações humanas são marcadas por incertezas, que por
sua vez limitam as iniciativas individuais e coletivas, é razoável afirmar que uma
organização política e social capaz de reduzir essas incertezas, ou seja, aumentar a
49
previsibilidade e estabilidade das atividades humanas e, principalmente, econômicas
contribui para o aumento do volume de transações e da circulação das riquezas.
Num ambiente mais dinâmico e dispondo de padrões de confiabilidade mais
elevados, há um estímulo maior para o investimento que por fim aumentará a
produção e o nível de emprego. No entanto, cabe destacar que mesmo sendo uma
condição, a previsibilidade nas relações contratuais não é uma explicação suficiente
para o desenvolvimento, pois ainda não esclarece como superar a desigualdade na
distribuição da riqueza.
A compreensão dos mercados como estruturas sociais, segundo elemento
da análise de North, revela um caminho para a superação da fé na racionalidade
ilimitada dos indivíduos. Os mercados, na visão de North, são regidos por normas e
regras que restringem as opções dos agentes econômicos, limitando a maximização
de suas ações. Há que se considerar também que nem todas as decisões humanas
são orientadas por uma lógica de mercado. Como North (1978, p. 976) ressalta,
ainda há muito a descobrir sobre o processo de tomada de decisões não orientadas
para o mercado. Um caminho para essa descoberta, segundo North, é reconhecer
que representantes de instituições formais como parlamentares e juízes, apesar das
pressões de grupos de interesse, freqüentemente levam outros elementos em
consideração para a tomada de decisão, entre elas as suas convicções pessoais do
que é um bem público. Nesse sentido, são os arranjos institucionais que favorecem
ou não uma economia de mercado na medida em que definem as condições em que
se sustentam a propriedade privada, a livre iniciativa e o cumprimento dos contratos.
É por esse motivo que North identifica uma relação direta entre instituições e
desenvolvimento num sistema de produção capitalista. Pode-se concluir então, que
na visão de North, as economias que atingiram um estágio superior de
desenvolvimento foram beneficiadas por uma estrutura social e política favorável às
relações de mercado. Sob este conceito, o papel do Estado seria o de mantenedor
das regras e normas definidas pelas instituições. Um aspecto central na abordagem
institucionalista de North é a forma como as instituições se transformam. Segundo
Carlos Medeiros (2001), inicialmente a abordagem proposta por North era de cunho
funcionalista e eficientista, pois concebia a evolução das instituições pela
aprendizagem social. Num segundo momento, passou a reconhecer o papel do
poder na manutenção ou modificação das regras institucionais formais:
50
Instituições não são necessariamente ou mesmo usualmente criadas para
serem socialmente eficientes; precisamente, elas são criadas, pelo menos
as regras formais, para atender aos interesses daqueles com poder de
barganha para criar novas regras. (NORTH, apud MEDEIROS, C., 2001, p.
52) (tradução nossa).
Pode-se então compreender que as instituições como resultantes de uma
determinada estrutura social e política não só influenciam os mercados como
também podem sofrer influência de grupos de interesses, que tenham acesso
privilegiado às instituições formais. Uma evidência dessa visão em North é a
importância que ele atribui ao estudo das ideologias, considerando a sua influência
sobre as instituições.
Todas as sociedades investem recursos substanciais para convencer seus
integrantes de que o sistema existente é legítimo. “[...] Em particular, os
investimentos são destinados a convencer seus integrantes da moralidade
do sistema de distribuição de renda” (NORTH, 1978, p. 975) (tradução
nossa).
O último elemento apontado por Abramovay (2001) como pilar do
pensamento institucionalista de North é o gradualismo das mudanças sociais. A
concepção de desenvolvimento como produto dos arranjos institucionais está
baseada numa clara noção de dependência do primeiro frente ao segundo. Portanto,
a compreensão do processo de desenvolvimento, para North, está atrelado ao
conhecimento das mudanças sociais que possibilitaram esse avanço. Na visão de
North, trata-se de um processo histórico em que as mudanças na matriz institucional
produzem reflexos econômicos políticos e sociais (GALÍPOLO, GALA e
FERNANDES, 2005). Essas mudanças ocorrem em função de um processo de
interação em que se destaca a tensão entre os propósitos das organizações e as
restrições institucionais. Para North, quando as organizações capitalistas burguesas
conseguiram atenuar o poder e as restrições impostas pelo Estado, houve
desenvolvimento. Em contraponto, as nações subdesenvolvidas seriam marcadas
por uma maior força restritiva do Estado sobre as organizações. Em síntese, verifica-
se que o desenvolvimento, na abordagem proposta por North, de claro cunho liberal,
requer uma convergência, ou pelo menos cooperação, entre o poder político e o
econômico. Neste sentido, a emergência de uma ideologia legitimadora da forma de
organização econômica exerce um papel fundamental.
Os elementos ora expostos sobre o modelo de análise de North, embora
insista no poder dos mercados, consubstanciam a percepção de que a estrutura
51
social e as instituições que dela surgem limitam o alcance explicativo da pergunta
sobre que agentes conduziriam a ação da sociedade em busca do desenvolvimento.
Como visto na discussão sobre o embate entre o liberalismo e o Welfare State,
confiar o desenvolvimento às políticas estatais encontra limites na capacidade fiscal
do Estado e na resistência dos agentes econômicos. Por outro lado, também as
relações de mercado em que predomina a ética utilitarista, não mostraram ser
capazes de produzir os efeitos esperados pelas desigualdades que são geradas. O
conceito de maximização da felicidade presente no utilitarismo é insuficiente para
firmar um compromisso social com o desenvolvimento, pois como observa Sen
(2000), através dele não é possível avaliar a distribuição dessa felicidade. Uma
sociedade guiada pela ética utilitarista restringe-se a quantificar os resultados das
ações em somas totais. Isso é um parâmetro importante para explicar o foco das
economias liberais no crescimento econômico como indicador de desenvolvimento.
A forma como essa felicidade é compartilhada, entretanto, extrapola os limites de
sua compreensão.
Uma abordagem que se propõe a superar essa limitação é a ética da
justiça social, cujos contornos contemporâneos estão descritos na obra de John
Rawls, que expõe um pensamento também liberal, porém mais crítico com relação
às desigualdades sociais. Ciente do dissenso que é inerente a um regime
democrático, mas que tende a limitar a efetivação de princípios universais como a
liberdade e a igualdade pela divergência dos caminhos propostos, Rawls, cujo
trabalho se insere no campo da filosofia política, desenvolveu uma proposta cujo
objetivo é criar bases para uma atenuação do espectro de desacordos baseado no
princípio de que uma “[...] uma sociedade é um sistema eqüitativo de cooperação
social entre pessoas livres e iguais” (RAWLS, 1996, p. 31, tradução nossa).
Diferentemente da visão utilitarista de que a justiça é avaliada pelas conseqüências
das ações realizadas na prática, a teoria de Rawls está baseada no conceito de
justiça como eqüidade, ou seja, na distribuição dos benefícios da sociedade de
modo a atender aos mais desfavorecidos na estrutura social.
Entendo que a ‘justiça como eqüidade’ é uma concepção política da justiça
razoável, sistemática e prática em uma democracia constitucional, uma
concepção que oferece uma alternativa ao utilitarismo imperativo em nossa
tradição de pensamento político. Sua primeira tarefa é dotar os princípios
constitucionais e os direitos e liberdades básicas de uma base mais segura
52
e aceitável que a que o utilitarismo parece permitir (RAWLS, 1996, p. 28-
29) (tradução nossa)
É importante ressaltar que Rawls não defende a igualdade de renda, mas
sim, de oportunidades. A sua proposta compreende a atenuação das desigualdades
sociais desde que não interfira nas liberdades individuais. Tal como Sen, Rawls
entende que o indivíduo, cidadão, desde que tenha a capacidade de participar de
um sistema de cooperação social é responsável pelos seus fins, na medida em que
pode empregar os meios à sua disposição. O conceito de eqüidade de Rawls se
caracteriza por uma justiça procedimental, ou seja, baseada não nos seus
resultados, mas pela noção de justiça que permeia os seus procedimentos. A
eqüidade, assim, tem como pilares dois princípios: o direito da igualdade no acesso
às liberdades básicas; e a concepção de desigualdade como resultante de
atividades abertas a todos em igualdade de oportunidades. Além disso, Rawls
(1996) entende que as desigualdades dentro do conceito de eqüidade devem trazer
benefícios aos menos favorecidos. Essa eqüidade seria realizada a partir do
compromisso com a distribuição de bens primários, que ele define como bens
básicos necessários a qualquer indivíduo, sem relação com seus objetivos e
expectativas. Para Rawls esses bens primários são o auto-respeito, a auto-estima,
as liberdades básicas, o direito à propriedade e à renda assim como a já citada
igualdade de oportunidades. O trabalho de Rawls tem influenciado diversas políticas
de redução das desigualdades, entre elas a de renda mínima, ou renda básica como
definido por Parijs
6
(2000) e de definição de cotas para negros nas universidades
federais
7
.
O conceito de liberdades individuais de Sen, aliado à influência das
instituições e à ética da justiça social de Rawls parece, à primeira vista, constituir um
referencial para as iniciativas da sociedade com o foco no desenvolvimento. Mas
segundo Sen, existe uma distinção entre essas visões, pois a abordagem de Rawls
não enfatiza a diversidade dos indivíduos. Na crítica de Sen, o conceito de eqüidade
de Rawls estaria limitado, pois à igualdade na distribuição dos bens primários supõe
6
“Renda básica é uma renda paga por uma comunidade política a todos os seus membros
individualmente, independentemente de sua situação financeira ou exigência de trabalho” (PARIJS,
2000, p.179)
7
O debate contemporâneo sobre políticas de reconhecimento, no campo da ciência política, também
é peça fundamental na justificação de demandas sociais e políticas públicas de natureza afirmativa.
Conferir Fraser (1992).
53
aptidões iguais entre os indivíduos. “O efeito de ignorar-se as variações
interpessoais pode ser, na verdade, profundamente não igualitário, ao esconder o
fato de que a igual consideração de todos pode demandar um tratamento bastante
desigual em favor dos que estão em desvantagem” (SEN, 2001, p. 31). De fato,
Rawls, parece reconhecer apenas diferenças advindas de doenças ou acidentes,
que seriam exceções dentro de uma concepção de homens livres e iguais. Essa
distinção, contudo, não invalida a contribuição de Rawls quanto à noção de justiça
como garantia de distribuição eqüitativa dos direitos e liberdades individuais.
Uma outra discussão que merece ser explorada diz respeito aos seguintes
questionamentos: de que sociedade se trata? uma sociedade global, nacional ou
regional? Considerando a diversidade de cultura, valores e outras características
que estabelecem diferenças relevantes entre as sociedades e também considerando
os propósitos deste trabalho, adotamos como objeto de análise a sociedade
brasileira e as comunidades locais. Essa definição é importante para a busca de
uma resposta para um terceiro questionamento: seria a sociedade brasileira
autônoma para definir um modelo de desenvolvimento próprio diante da suas
relações políticas, comerciais e financeiras com outras regiões do globo?
Primeiramente, pode-se afirmar que as condições primárias do
desenvolvimento, definidas como liberdade e eqüidade, são elementos oriundos da
estrutura econômica e social regionais e nacionais. Portanto, não seria justificável
admitir que escapa à sociedade brasileira o poder de prover essas condições aos
seus cidadãos. Como citado anteriormente, o trabalho de Barros, Henriques e
Mendonça (2001) demonstra que uma das marcas do subdesenvolvimento
brasileiro, a pobreza, não é fruto de uma renda per capita insuficiente, mas da
distribuição desigual dessa renda. Neste sentido, a percepção do papel das
estruturas sociais e econômicas na definição dos limites do processo de
desenvolvimento torna-se mais evidente.
A liberdade política, primeira condição definida por Sen para que o
indivíduo possa construir um projeto pessoal de vida é oriunda inicialmente do
regime de governo estruturado política e socialmente. Mas um regime democrático
de governo por si só não garante esta liberdade quando ao indivíduo faltam
oportunidades sociais para que reúna as condições de exercer esta liberdade no
54
papel de cidadão. Num país com a extensão do Brasil e com o nível de demandas
das populações, nem mesmo a liberdade de escolher um governante ou
representante está garantida. O prejuízo de se manter um sistema em que o poder
econômico local e conservador ainda consegue exercer forte influência sobre a
decisão de voto dos eleitores é a perpetuação de interesses estritamente locais e
privados na condução das decisões políticas. Este grupo contribui para a existência
de uma matriz institucional incompatível com a necessidade de alteração na atual
estrutura social. Neste contexto, torna-se clara a necessidade da atuação das
instituições formais e informais para promover, zelar e proteger a efetivação da
liberdade e estimular o interesse e a participação do cidadão no debate político.
Os instrumentos econômicos, entre eles o crédito, são um exemplo típico
da relação entre ambiente institucional e condições para o desenvolvimento. No
mercado financeiro, a existência de instituições que garantam a confiança dos
poupadores é fundamental para a estabilidade do sistema. Soma-se a isso o papel
das instituições no controle e preservação da livre concorrência e na regulação dos
mercados, de forma a atenuar desequilíbrios na relação entre produtores,
prestadores de serviços e consumidores.
As oportunidades sociais, com destaque para o acesso à educação e ao
tratamento médico foram alvos de grandes transformações no último século. A
predominância das instituições públicas foi sendo destruída pela expansão das
organizações privadas nestes segmentos. Um dos principais efeitos dessa mudança
foi a perda da noção de que educação e saúde são direitos de qualquer cidadão,
conquanto transformaram-se em “serviços” voltados para “clientes”. Logicamente o
nível de recursos médicos e educacionais disponíveis passou a ser proporcional ao
poder de compra dos “clientes”. Já o setor público se limitou a realizar uma política
de focalização do atendimento para a população de menor renda, geralmente
dispondo de recursos muito limitados e organização ineficiente.
A transparência e segurança nas relações entre os indivíduos e entre o
cidadão e o Estado estão relacionadas com o papel fiscalizador e reivindicatório da
sociedade civil para a publicização das informações de seu interesse, a atuação
eficaz do poder judiciário e a independência entre este e os demais poderes. A
transparência manifesta-se na clareza das cláusulas firmadas em contrato, na
55
segurança do seu cumprimento e no impedimento do uso do poder econômico ou
político para a obtenção de relações desequilibradas entre direitos e obrigações.
Com relação à rede de seguridade social, destinada à proteção aos mais
desfavorecidos ou vulneráveis dentro da estrutura social e econômica, o papel da
sociedade civil e das instituições se traduz no compromisso de uma mínima
distribuição dos recursos disponíveis, compatível com a noção de eqüidade que está
compreendida no conceito de justiça social definida por Rawls.
Embora a participação da sociedade civil nas decisões locais seja um
elemento essencial para a melhor orientação das políticas públicas, o
desenvolvimento não se realiza estritamente no local. Conforme esclarece Sachs, é
necessária uma harmonização entre a ação popular e as políticas públicas de cunho
mais abrangente, considerando a complexidade das relações entre o local, o
regional, o nacional e o transnacional. Segundo Becker (2002), a postura dos
agentes locais frente às pressões de uma dinâmica global do desenvolvimento é o
primeiro elemento de análise sobre as causas dos processos diferenciados, cujos
resultados são também distintos. Becker acrescenta que essa diferença se deve a
uma característica da atual dinâmica do desenvolvimento: a síntese de dois
processos contrários. O primeiro é gerado por uma pressão externa motivada por
interesses econômico-corporativos, multinacionais, multissetoriais e multifuncionais.
O segundo processo é uma reação ao primeiro. Trata-se, na visão de Becker, de um
movimento motivado por interesses sócio-ambientais regionais, necessário como
elemento de resistência e mediação entre a lógica de mercado e as demandas
sociais. Portanto, recuperando os argumentos de Batista Jr., a globalização não
representa de fato uma restrição absoluta à eficácia das políticas nacionais e das
ações da sociedade civil. O que se evidencia é que uma sociedade terá a
possibilidade de trilhar um caminho próprio de desenvolvimento quanto maior for o
seu poder de organização e articulação capaz de conciliar os dois movimentos
contrários. Observa-se nessa abordagem um reconhecimento da tensão identificada
por North entre organizações e instituições que podem resultar nas transformações
sociais que conduzem a um processo de desenvolvimento.
56
2.2.4 Produção Sustentável - O Desenvolvimento e o Meio Ambiente
Uma dimensão essencial ao novo paradigma de desenvolvimento que vem
se construindo nas últimas décadas é a ambiental. O tema vem ganhando grande
destaque não só pelo maior grau de consciência dos atores envolvidos no processo.
Isso ocorre principalmente pelas evidências concretas de que o modelo de
desenvolvimento e expansão industrial do último século até os dias atuais tem
produzido inúmeras agressões ao meio ambiente com repercussões visíveis sobre
os fenômenos climáticos e, em última instância, podendo comprometer
irremediavelmente a qualidade de vida e a própria sobrevivência das gerações
futuras. Trata-se de uma autocrítica pela negligência com que o meio ambiente foi
tratado no período em que o foco no crescimento econômico como valor primordial
do desenvolvimento e o deslumbramento com o potencial gerado pelo ciclo intenso
de expansão do progresso técnico colocaram a preocupação com a preservação e
renovação dos recursos naturais em segundo plano.
Segundo Sachs (2002), o tema passou a fazer parte da agenda mundial
de forma mais clara na Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano
em 1972. Na Rio-92, o conceito de biodiversidade já estava associado ao
desenvolvimento como uma condição necessária à sua sustentabilidade.
O cerne da defesa de uma utilização consciente dos recursos naturais é o
compromisso ético de nossa sociedade com as gerações futuras, posto que o
desenvolvimento é um processo contínuo e no qual deve prevalecer o princípio de
que a busca pelo crescimento da produção não deve se sobrepor ao direito
primordial à vida das próximas gerações. O desenvolvimento sustentável, portanto,
está atrelado a um contrato social para a definição de padrões de gestão da
biodiversidade (SACHS, 2002, p. 53). As bases desse contrato estão no que Sachs
define como ecodesenvolvimento.
O desafio de preservação da biodiversidade pode levar a uma busca pela
restrição ao acesso aos recursos naturais. A experiência histórica mostra que essa é
uma proposta ingênua e ineficaz. Como afirma Sachs (2002), a delimitação do
espaço pela criação de reservas ambientais, retirando da população local os meios
57
de sua subsistência, produz a reação da comunidade e o descumprimento das leis e
a exploração desordenada dos recursos. O ecodesenvolvimento, ao contrário funda-
se na integração do homem com o ecossistema em que vive. Com este intuito, uma
estratégia elementar é o trabalho de conscientização da população local para os
benefícios do uso adequado dos recursos naturais e da sua preservação, não só
para as gerações futuras, mas também para a sua. No conceito de
ecodesenvolvimento de Sachs é uma condição fundamental que a comunidade
possa usufruir os benefícios gerados por uma utilização adequada desses recursos.
Uma comunidade consciente é também uma comunidade participativa. A inserção
dos atores locais na discussão sobre as formas de utilização e preservação dos
recursos naturais tem o potencial de fomentar o debate e principalmente a
construção de uma via consensual firmada num “contrato natural” (SERRES apud
SACHS, 2002, p. 49). O que deve ficar claro no conceito de ecodesenvolvimento é
que se trata de um processo negociado entre os diversos grupos de interesse,
ganhando a conotação de uma construção coletiva, princípio que permeia todas as
dimensões do desenvolvimento como vem sendo exposto neste trabalho.
O pensamento contemporâneo procura mostrar que o significado do
desenvolvimento não poderia prescindir da noção de conquista dos direitos civis,
políticos, sociais, culturais e econômicos para toda a população. Neste caminho a
reintegração das pessoas pobres ao processo produtivo seria o caminho mais
promissor, ainda que a assistência social também seja necessária dada a urgência
das demandas dos excluídos. As trajetórias para atingir este fim são inúmeras;
portanto, retoma-se a discussão sobre os agentes condutores deste processo. Mas
diferentemente do debate predominante no século XX, o Estado e o mercado
ganharam a companhia de atores cada vez mais ativos e organizados: os agentes
da sociedade civil, as associações e os grupos organizados voluntária e
coletivamente.
58
2.3 DESENVOLVIMENTO LOCAL: A FORÇA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E A
PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA NA DISCUSSÃO E
ORIENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
A compreensão das variadas dimensões que compõem a complexidade
do processo de desenvolvimento em nível geral cria as bases para uma discussão
mais criteriosa sobre os aspectos locais que incentivam ou entravam esse processo.
Nesta seção, busca-se apresentar alguns elementos dos estudos que relacionam o
nível de articulação dos atores sociais e o desenvolvimento, nos diferentes níveis
políticos do contexto local.
2.3.1 A Importância e os Limites do Local
Como visto nas seções anteriores, as dimensões políticas, sociais e
econômicas formam um conjunto intricado de fatores que são decisivos para a
compreensão dos sucessos e falhas na formulação e adoção de políticas e
estratégias de desenvolvimento. Para compreender como esse processo se realiza
em um contexto regional, é essencial em primeiro lugar uma definição do que é o
desenvolvimento local.
Segundo Milani (2003), o estudo do desenvolvimento local requer a
compreensão da dimensão local, que difere da noção mais aparente de espaço
geográfico. O local caracteriza-se por um espaço “construído social e territorialmente
[...] delimitado pela permanência de um campo estável de interação entre atores
sociais, econômicos e políticos” (MILANI, 2003, p.11).
Outro elemento característico do desenvolvimento local é a
endogeneização do processo. Segundo Amaral Filho (2001), desde o fim da década
de 1980 observa-se um movimento simultâneo de diminuição dos espaços
econômicos e de maior autonomia das regiões nas decisões econômicas,
produzindo uma tensão que Becker, como visto, chama de a síntese de dois
59
processos contrários. Essa tensão, que em princípio parece reunir elementos
contraditórios, apresenta uma característica de complementaridade, pois o processo
de transnacionalização dos espaços econômicos, motivado preponderantemente
pelo objetivo de valorização do capital financeiro, cria a necessidade de busca por
regiões que potencializem essa valorização, instaurando um ambiente de
competição entre as regiões por um posicionamento no fluxo financeiro global
(BECKER, 2002).
Embora o contexto local esteja assumindo importância cada vez maior nos
estudos sobre o desenvolvimento, este não constitui um processo isolado, sem
relação com o sistema político e econômico nacional e internacional. O local não
está dissociado dos efeitos das ações realizadas pelo governo federal, seja em
relação a programas de renda mínima, investimentos em infra-estrutura, educação,
saúde, etc. Da mesma forma, a ampliação das transações comerciais e,
principalmente, do fluxo de capitais financeiros que caracterizam a globalização
alteram o cenário econômico, que se torna mais instável pela interdependência das
economias regionais impondo novos elementos para a análise nas estratégias de
desenvolvimento locais. Compreender o desenvolvimento local isoladamente leva ao
risco, como afirma Milani (2003), do localismo, que restringe a ação dos atores, os
processos e dinâmicas aos seus limites geográficos, perdendo a capacidade de
articulação analítica com outras escalas de poder.
2.3.2 As Relações Sociais e o Exercício da Cidadania Como Eixos do
Desenvolvimento Local
O debate contemporâneo sobre o tema revela uma crescente observação
da rede de relações sociais e instituições no sentido de compreender a sua
participação no desenvolvimento local, como estímulo e sustentação desse
processo. É esse conjunto de formas de relacionamento e articulação da sociedade
que se convencionou chamar de capital social. Segundo Rattner, as primeiras
menções ao capital social são da década de noventa. A sua definição ainda não é
60
precisa. Conforme explica Rattner, a maioria dos autores definem o capital social por
suas funções seja por aspectos da estrutura social ou pela forma como os indivíduos
o utilizam.
Em primeiro lugar é importante compreender o porquê do termo capital
associado às relações sociais. Na literatura econômica, o capital é um recurso à
disposição da atividade produtiva. Podem ser o capital financeiro, insumos, terras,
maquinário (bens da capital) e o trabalho (capital humano). Sob este enfoque, as
relações sociais poderiam representar uma forma de capital pela sua capacidade de
criar meios de articulação e, em última instância, reprodução dos demais recursos.
Um exemplo específico da contribuição das relações sociais para as atividades
econômicas é o cooperativismo. O desenvolvimento de um padrão de relação social
baseado na cooperação tem mostrado a capacidade de estimular economias
regionais de pequeno porte pela união de recursos entre os agentes e
compartilhamento dos riscos das atividades. De outra forma, agindo individualmente
muitas atividades não seriam viáveis pelas necessidades de maior escala. A
cooperação faz as pessoas se relacionarem de uma maneira horizontal,
caracterizada pela interdependência e autonomia dos indivíduos, ao contrário das
relações verticalizadas nas quais predominam a hierarquia e a submissão. Iniciativas
como a do Banco Palmas, no Ceará, que formou uma rede de interação entre
produtores e consumidores voltados para a geração de emprego e renda tendo
como base a cooperação em contraponto à competição, tornando-se um marco para
as discussões sobre a possibilidade de realização de uma economia solidária. A
criação de arranjos produtivos baseados na complementaridade das atividades que
incrementam a agregação de valor à produção de uma determinada região é um
outro exemplo de benefícios das relações sociais de cooperação para a economia.
Mas o conceito de capital social não está restrito à visão econômica. Na literatura
contemporânea verificam-se estudos que associam as relações de confiança,
cooperação, o sentimento de pertencimento, a identidade cultural e a formação de
redes de interação, comunicação e transmissão de informações e conhecimento
como elementos que dinamizam o processo democrático, ampliando o interesse das
pessoas na participação das discussões políticas que afetam direta ou indiretamente
as suas vidas.
61
Milani (2003) destaca outras particularidades do significado do capital
social, apesar de suas inúmeras definições. Trata-se de uma construção social, não
podendo, assim, ser descontextualizado. Disso se conclui que o capital social não
pode ser criado por ações promovidas por agentes externos, embora possa sofrer
influências. Outro ponto é a cumulatividade do capital social. Contrariamente a
outras formas de capital, o seu uso tende a fortalecê-lo e ampliá-lo. Por fim, merece
destaque a noção de coletividade na propriedade desse capital. Ao contrário das
demais formas, o indivíduo só usufrui os benefícios do capital social presente em
uma comunidade enquanto está integrado naquela estrutura. O capital social
pertence a todos, mas não pode ser apropriado definitivamente por ninguém. A
noção de capital social coloca em evidência dimensões imateriais e relacionais do
desenvolvimento local
Portanto, percebe-se que o processo de desenvolvimento local está
estreitamente relacionado com o contexto das relações sociais e com o exercício da
cidadania. O desenvolvimento local depende de uma organização democrática de
seus agentes de modo a construir um processo que respeite os valores e
necessidades de uma região, aí incorporado o respeito à diversidade.
Segundo Becker,
[...] esse padrão de desenvolvimento só é possível potencializando as
especificidades sociais e culturais de cada região que por si só, são
diferenciadoras e por isso, diferenciadas. E só o será, se a região souber a
tempo promover e adotar seu acumulado sócio-cultural como pressuposto,
meio e objetivo do processo de desenvolvimento regional (2002, p. 51).
Esse objetivo não se conquista sem uma nova institucionalidade na forma
de gestão dos interesses públicos. O exercício da cidadania depende, além da
educação ressaltada por Sachs, de novas formas de controle das decisões públicas
pela sociedade tendo em vista que a tradição política brasileira sempre foi marcada
por uma cultura de favorecimento aos interesses privados sustentados por um
desenho institucional que complexifica o processo de elaboração das leis e
centraliza as decisões de governo, colocando a participação da sociedade em
segundo plano (CACCIA BAVA, 2001). Ainda são raras as iniciativas que promovem
a auto-regulação e descentralização do processo de deliberação e tomada de
decisão, como ocorre em alguns casos de orçamento participativo.
62
O desenvolvimento local, portanto, requer uma abordagem que reúna a
importância do exercício da cidadania pelo indivíduo, a “capitalização” do capital
social, a articulação com o nacional e o global e uma mudança das instituições, sem
negligenciar a responsabilidade com o meio ambiente e com as gerações futuras.
Trata-se do que Stiglitz (1998, p.3) define como uma transformação da sociedade,
uma “modernização” no modo de pensar, nas relações e no modo de lidar com a
saúde e a educação, além dos métodos de produção para a conquista e apropriação
de todos os direitos humanos, sociais, civis, políticos e econômicos (SACHS, 2002),
que em um outro sentido caracterizam a liberdade que o indivíduo necessita para
decidir autonomamente sobre os caminhos que pretende trilhar para atingir o padrão
de vida que deseja (SEN, 2000).
2.4 QUESTÕES PARA ANÁLISE DO OBJETO DE PESQUISA
A exposição dos principais elementos que permeiam a discussão sobre o
desenvolvimento de maneira geral e as particularidades do desenvolvimento local,
realizada neste capítulo, constitui a base necessária para uma discussão sobre o
alcance, em termos de política de desenvolvimento, de um programa de expansão
do acesso da população de baixa renda aos serviços financeiros (conhecido como
microfinanças) e de concessão de crédito orientado para a produção aos
microempreendedores (definido como microcrédito). Além disso, essa exposição
permite-nos discutir os limites da tendência predominante no pensamento
contemporâneo sobre o desenvolvimento como modelo explicativo das
desigualdades sociais verificadas no país.
Para atender aos objetivos da pesquisa, atuando como elementos
balizadores da análise realizada nos capítulos posteriores, foram exploradas as
seguintes questões:
63
a) Poderiam as microfinanças e o microcrédito contribuir para a ampliação das
liberdades instrumentais de que necessita o indivíduo para ampliar as suas
oportunidades de desenvolvimento?
b) Seriam estes os instrumentos capazes de reduzir a exclusão social e de tornar
a distribuição dos recursos mais eqüitativa?
c) Os mecanismos institucionais de ordem social, política, econômica e jurídica
representam um entrave ou um incentivo para a expansão dos programas de
microfinanças e de seus efeitos sobre as comunidades?
d) Há algum tipo de influência das organizações de cooperação internacional na
definição das políticas e práticas de microfinanças implementadas no Brasil?
e) Por meio da análise das políticas de incentivo às microfinanças, é possível
identificar claramente uma estratégia de desenvolvimento adotada pelo governo
brasileiro em nível federal no período pós-Plano Real? Em que bases se
sustenta essa estratégia?
Esses questionamentos, formulados a partir da literatura consultada,
constituem o conjunto de referências principais para a análise do processo de
internalização das políticas de estímulo às microfinanças na agenda política
brasileira para o desenvolvimento. Nos próximos capítulos, buscar-se-á evidenciar
as suas origens, premissas e significados de tais políticas.
3. A TRANSFORMAÇÃO DA AGENDA POLÍTICA PARA O DESENVOLVIMENTO
NO BRASIL
Uma crítica freqüente que se observa no meio político, nos meios de
comunicação e em outros setores da sociedade, já hoje produto do senso comum,
aponta a inexistência de um projeto de desenvolvimento autônomo como um dos
grandes problemas dos países situados no grupo de nações consideradas
“emergentes”. No caso brasileiro, desde o fim da era dos governos militares, com o
agravamento da crise econômica que atingiu o seu pico nos anos 80, as atenções
do poder executivo estiveram voltadas para o controle da inflação, que havia
atingido níveis insustentáveis nesse período. O prolongamento da crise e os
sucessivos planos de combate à inflação mal sucedidos, aliados à instabilidade
política do período, que culminou no impeachment do Presidente Fernando Collor de
Mello, fizeram com que essa agenda se reduzisse à recuperação da estabilidade do
nível de preços. Mas a principal explicação para o abandono de um projeto nacional
de desenvolvimento foi o processo de reorientação política do país para a abertura
econômica em detrimento da estratégia de consolidação do mercado interno, como
aponta Furtado (1992). Pretende-se, nesse capítulo, evidenciar os fatores que
levaram à transição para o novo modelo de desenvolvimento, baseado na inserção
competitiva do Brasil no mercado internacional, com ênfase na formação da agenda
política e econômica que tem orientado as políticas públicas a partir da
redemocratização do país e, sobretudo, após a estabilização do nível de preços
alcançada com o Plano Real.
65
3.1 A CRISE DE UM MODELO
A priorização de políticas de combate à inflação dissociadas de um projeto
de desenvolvimento para o país representa o sintoma do que Furtado chama de
perda de governabilidade ou “atrofia dos mecanismos de comando dos sistemas
econômicos nacionais” (1992, p. 24). O processo de perda da autonomia sobre a
coordenação das políticas econômicas, para Furtado, decorre da profunda mudança
estrutural promovida dentro do sistema capitalista a partir da década de 70, com a
aceleração do movimento de integração econômica mundial baseado na
transnacionalização do processo produtivo das grandes empresas.
Como reflexo desse processo, percebe-se uma expansão da atividade
comercial em proporção muito superior ao crescimento do PIB, como ocorreu com a
economia americana, que cresceu 180% entre os anos de 1985 e 2003, ritmo
bastante inferior às exportações (231%) e às importações (270%), conforme se
verifica na tabela seguinte:
Tabela 2 – Dados sobre a economia dos Estados Unidos da América – 1985/2003 (US$
bilhões)
Ano PIB Exportações Importações
1985 3.915,35 218,82 352,46
1990 5.445,83 393,59 516,99
1995 7.100,01 584,74 770,85
1996 7.433,52 625,07 822,03
1997 7.783,10 689,18 899,02
1998 7.903,00 682,14 944,35
1999 8.988,29 695,8 1.059,44
2000 9.696,54 781,92 1.259,30
2001 9.885,01 729,1 1.179,18
2002 10.207,06 693,1 1.200,23
2003 10.945,79 724,77 1.303,05
Fonte: Fundo Monetário Internacional / Banco Central do Brasil
Com o fim da II Guerra Mundial, o comércio internacional entrou numa
trajetória de expansão que, inicialmente, teve abrangência limitada aos países
desenvolvidos. Isto permitiu às nações cuja industrialização ainda se consolidava,
como o Brasil, a possibilidade de implementar projetos de desenvolvimento
relativamente autônomos. A estratégia brasileira predominante naquele período foi o
66
fomento ao mercado interno como meio para desenvolver um sistema econômico
nacional, dados os recursos e dimensões do seu território. A implementação dessa
estratégia só foi possível pela prevalência do fator político nas decisões econômicas
nacionais. Conforme explica Furtado, o crescimento da indústria no Brasil em grande
parte foi incentivada pela redistribuição dos recursos econômicos e pela mobilidade
geográfica. A transferência da renda produzida pelo setor exportador no Nordeste
para o Sudeste foi um fator decisivo para os investimentos em tecnologia do parque
industrial, da mesma forma em que as restrições à utilização das divisas em
importações de bens duráveis constituíram a demanda para os produtos ofertados
internamente. Por outro lado, a inexistência de barreiras à mobilidade geográfica
atuou como um importante fator de manutenção da oferta de mão-de-obra em níveis
elevados, que contribuiu para que não houvesse pressão para o aumento de
salários. Dessa forma, desenhou-se o projeto nacional de desenvolvimento
sustentado na ampliação do mercado interno e formação de um sistema econômico
nacional que rendeu mais de uma década de crescimento continuado ao PIB
brasileiro, como se verifica na tabela abaixo:
Tabela 3 - Taxa de crescimento real do PIB – Brasil - 1965 - 1980
Ano Variação (%)
1965 2,4
1966 6,7
1967 4,2
1968 9,8
1969 9,5
1970 10,4
1971 11,34
1972 11,94
1973 13,97
1974 8,15
1975 5,17
1976 10,26
1977 4,93
1978 4,97
1979 6,76
1980 9,23
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Contudo, a estratégia que levou ao crescimento econômico também
contribuiu para uma situação de desequilíbrio regional e social sem precedentes
como se constata a partir da tabela 4.
67
Tabela 4 - Participação regional (%) no Produto Interno Bruto - Brasil – 1950/1980
Regiões
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980
Norte
1,7% 1,7% 2,2% 2,1% 2,2% 2,0% 3,2%
Nordeste
14,6% 12,6% 14,8% 15,3% 11,7% 11,1% 12,0%
Sudeste
65,6% 65,3% 62,8% 61,8% 65,5% 64,9% 62,4%
Sul
16,3% 17,9% 17,8% 17,7% 16,7% 17,9% 17,0%
Centro-Oeste
1,8% 2,5% 2,4% 3,2% 3,9% 4,1% 5,4%
Total
100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Percebe-se pela tabela que o Nordeste foi a região mais atingida nesse
processo, perdendo espaço para as demais. Para Furtado esses desequilíbrios se
explicam, sobretudo, pela transferência de renda intra-regiões, conforme já
comentado, e pela apropriação dos ganhos de produtividade do trabalhador pela
indústria, somente possível pelo grande volume de mão-de-obra disponível em
função da mobilidade populacional que marcou o período. A grave injustiça social se
sustentava apenas pelo dinamismo da economia representado no crescimento do
PIB (Furtado, 1992). Nesse sentido, foi decisivo para a estratégia, o poder
centralizador exercido pelo regime autoritário instituído no Brasil em 1964 que agiu
tanto para a coordenação das políticas como para a repressão às tensões sociais e
regionais que naturalmente eclodiriam frente à manutenção daquele cenário.
O final da década de 70 e início dos anos 80 marcaram uma fase de
intensa dificuldade para a economia brasileira. Houve aumento do endividamento
público, desaceleração da economia nacional e crescimento da inflação. Estes
problemas estavam associados à consolidação de ajustes na economia mundial,
decorrentes principalmente das crises provocadas pelo aumento dos preços do
petróleo e da redução da liquidez internacional resultante da política monetária
restritiva dos EUA.
Contudo, apesar da crise apresentar um forte componente externo, as
dificuldades domésticas levaram à contestação do modelo econômico vigente e a
reorientação da economia brasileira para o mercado externo.
68
Tabela 5 – Dívida externa bruta e variação anual do PIB – Brasil – 1975-1985
Ano
Dívida Externa Bruta
(US$ Milhões)
Inflação anual medida pelo
IPC-A (%)
Variação anual
do PIB (%)
1975 25.115,60
-
5,17
1976 32.145,10
-
10,26
1977 37.950,70
-
4,93
1978 52.186,40
-
4,97
1979 55.802,90
-
6,76
1980 64.259,50 99,28 9,23
1981 73.962,80 95,65 -4,25
1982 85.487,50 104,80 0,83
1983 93.745,20 164,00 -2,93
1984 102.127,00 215,28 5,4
1985 105.170,60 245,25 7,85
Fonte: Banco Central do Brasil/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Para Furtado, esse processo atingiu o Brasil num momento precoce,
quando ainda não estava concluída a fase de formação de um sistema econômico
local capaz de promover a redução das desigualdades sociais.
Ora, a partir do momento em que o motor do crescimento deixa de ser a
formação do mercado interno para ser a integração com a economia
internacional, os efeitos de sinergia gerados pela interdependência das
distintas regiões do país, desaparecem, enfraquecendo consideravelmente
os vínculos de solidariedade entre elas (FURTADO, 1992, p.32).
Como explica Furtado, a orientação da economia brasileira para o
mercado externo gera uma tendência de disputa intra-regiões pelo acesso ao fluxo
de capital dominado pelas empresas transnacionais. A ausência de um projeto
coordenado nacionalmente tende a ampliar os desequilíbrios regionais na medida
em que as regiões que dispuserem de condições mais adequadas às necessidades
de reprodução do capital, integrando assim, a cadeia de produção global,
provocarão uma concentração de renda ainda maior.
3.2 A BUSCA PELA ESTABILIZAÇÃO
A retomada do regime democrático no Brasil ocorreu justamente na fase
em que a ordem mundial impunha novos desafios à autonomia política das nações
69
na coordenação das suas economias. O governo de José Sarney (1985-1989), que
assumiu o cargo em lugar de Tancredo Neves, morto em 21 de abril de 1985, foi
marcado pela implementação de diversos planos econômicos com o intuito de
debelar a inflação. Em março de 1986, motivado por uma inflação superior a 240%
no ano anterior, foi instituído por meio do Decreto-Lei 2.283/1986, o Plano Cruzado,
que caracterizou uma reforma monetária baseada no corte de três zeros no valor de
face da moeda e na alteração do seu nome de cruzeiro para cruzado. Além disso, o
plano determinou o congelamento de preços e salários. No caso dos salários, foi
definido como parâmetro para o cálculo, a média das remunerações referentes aos
seis meses que antecederam a implantação do plano e o reajuste seria anual. Como
se verifica na tabela abaixo, o Plano Cruzado obteve êxito momentâneo.
Tabela 6 – Inflação medida por meio do IPC-A – Brasil – 1986
Meses Inflação mensal (%)
Janeiro
14,37
Fevereiro
12,72
Março
4,77
Abril
0,78
Maio
1,4
Junho
1,27
Julho 1,71
Agosto
3,55
Setembro
1,72
Outubro
1,9
Novembro
5,45
Dezembro
11,65
Total do Ano 79,66
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
O insucesso do primeiro plano atribuído a diversos fatores econômicos e
políticos, que não são objeto de discussão nesse trabalho, levou à implementação
de algumas medidas, em novembro de 1986, que ficaram conhecidas como Plano
Cruzado II. Entre essas medidas destacavam-se a flexibilização do controle de
preços via congelamento e autorização para a definição de reajustes entre os entes
privados, como no caso do aluguel. O resultado dessas medidas também não foi
satisfatório, o que levou à aceleração do processo inflacionário (entre janeiro e junho
de 1987 o IPCA registrou alta de 156%. Em junho de 1987, foi lançado o Plano
Bresser, que combinou o congelamento de preços com medidas que visavam o
ajuste fiscal do Estado. Novamente, as medidas não surtiram o efeito desejado e a
70
inflação mensal voltou a um patamar acima de dois dígitos ao mês como mostra a
tabela abaixo:
Tabela7–Inflaçãomedida por meio do IPC-A - Brasil janeiro a dezembro de 1987
Anoemês Inflação mensal (%)
1987
Janeiro
13,21
Fevereiro
12,64
Março
16,37
Abril
19,1
Maio
21,45
Junho
19,71
Julho
9,21
Agosto
4,87
Setembro
7,78
Outubro
11,22
Novembro
15,08
Dezembro
14,15
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Em janeiro de 1989 teve início o chamado “Plano Verão” por meio da Lei
7.730/1989, que criou o cruzado novo, cujo valor seria o equivalente a 1000 vezes o
valor de face do cruzado, e promoveu o congelamento de preços, entre outras
medidas. A inflação de 1.973% no ano de 1989 mostras de que este plano
também fracassou.
Com o governo de Fernando Collor de Mello, empossado em 1990,
medidas antigas foram adotadas, como o congelamento de preços e salários,
associadas ao drástico bloqueio dos recursos depositados em conta corrente,
caderneta de poupança e demais investimentos com valor acima de Cr$50.000,00.
O plano Collor I representou um novo revés na história das políticas de combate à
inflação. Em decorrência, foi lançado em janeiro de 1991 O Plano Collor II, que mais
uma vez tentou combinar o congelamento de preços com medidas de desindexação
da economia,que também não surtiram efeito. Assim, a inflação brasileira fugiu ao
controle do governo e assumiu uma tendência ascendente, que foi interrompida
com a implantação do Plano Real, em junho de 1994, conforme a tabela abaixo:
71
Tabela8–Inflaçãomedida por meio do IPC-A - Brasil - 1990 – 1994
Anoemês
Inflação (%)
1990
1.621
1991
473
1992
1.119
1993
2.477
1994
Janeiro
41,31
Fevereiro
40,27
Março
42,75
Abril
42,68
Maio
44,03
Junho
47,43
Julho
6,84
Agosto
1,86
Setembro
1,53
Outubro
2,62
Novembro
2,81
Dezembro
1,71
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
A implementação do Plano Real, no Governo de Itamar Franco, que
assumiu a Presidência da República em 2.10.1992, colocou o país sobre um novo
patamar de expectativa inflacionária, reduzindo as incertezas no âmbito econômico
que comprometiam qualquer tentativa de planejamento de longo prazo, nos setores
público e privado. Com isso, criou-se o espaço necessário para a retomada do
debate sobre os caminhos que levariam o Brasil para uma rota de desenvolvimento.
Não é ignorado o fato de que as raízes da construção de uma nova agenda para o
desenvolvimento econômico e social no Brasil tenham se formado no início do
período de redemocratização, com o governo de José Sarney e na plataforma
aparentemente modernizante e reformadora de Fernando Collor de Mello. Como
afirma Diniz (1997), a Constituição de 1988 incorporou, além de uma extensa pauta
de direitos trabalhistas, civis e políticos, uma agenda voltada para a abertura e
modernização da economia brasileira com influência de alguns elementos da
corrente neoliberal.
Observa-se, a partir daquele momento, uma primeira ruptura, marcada pela
rejeição da proposta de combate à inflação sem recessão e pela adesão à
ortodoxia liberal. Paralelamente, na área externa, verifica-se um
ajustamento e uma aproximação com relação às agências multilaterais, a
72
par do reforço dos vínculos, na rede transnacional de conexões, entre
atores internos e internacionais (DINIZ, 1997, p. 116).
A viabilização do Plano Real é, em si, decorrente da estratégia de
abertura econômica e liberalização financeira, pois somente com a retomada do
fluxo de capitais externos para o Brasil foi possível financiar as importações de bens
de consumo, sustentando a âncora cambial, que foi vital para o controle dos preços
nos primeiros anos do Plano. Além disso, os recursos externos também favoreceram
a política de redução da estrutura do Estado mediante o aumento do capital
disponível para as privatizações (HERMANN, 2002).
Tabela 9 - Investimento estrangeiro direto – Brasil – 1987-1995 (em US$mil)
8
Ano Investimento Reinvestimento Total
1987 1.188.798 480.277 1.669.076
1988 3.061.385 555.297 3.616.682
1989 1.198.844 364.373 1.563.218
1990 989.759 137.272 1.127.031
1991 1.572.323 244.825 1.817.148
1992 2.856.359 102.131 2.958.490
1993 8.370.131 -88.395 8.281.736
1994 9.257.757 32.906 9.290.664
1995 -2.218.651 69.158 -2.149.493
TOTAL 72.552.295 26.286.563 98.838.859
Fonte: Banco Central do Brasil
Os dados da tabela 9 corroboram a tese de que os investimentos
estrangeiros no país inverteram a tendência declinante do final da década de 80,
como reflexo da abertura comercial, intensificando-se no período que antecedeu a
implantação do Plano Real, sendo um fator relevante para a sua sustentabilidade.
Tabela 10 - Reservas internacionais – Brasil – 1985 – 1998 (US$milhões)
(continua)
Ano US$ Milhões
1985 11.608
1986 6.760
1987 7.458
1988 9.140
1989 9.679
8
Valores convertidos em dólares americanos nas datas em que ocorreram os ingressos, retornos e
reinvestimentos e atualizados pelo Índice de Preços ao Consumidor dos Estados Unidos.
73
Tabela 10 - Reservas internacionais – Brasil – 1985 – 1998 (US$milhões)
(conclusão)
Ano US$ Milhões
1990 9.973
1991 9.406
1992 23.754
1993 32.211
1994 38.806
1995 51.840
1996 60.110
1997 52.173
1998 44.556
Fonte: Banco Central do Brasil
A tabela 10, que apresenta o volume das reservas internacionais, constitui
outra evidência do processo de incremento do fluxo de capitais ao país a partir de
1992, que contribuíram para a manutenção da âncora cambial do Plano Real,
conforme mostra o salto no volume de importações de bens de consumo a partir de
1994.
Tabela 11 - Importação de bens de consumo- Brasil 1990-2000 (em US$)
Ano Duráveis Não Duráveis
1990 760.824.382 1.491.181.390
1991 848.151.667 1.505.269.234
1992 930.349.450 1.151.695.783
1993 1.761.709.301 1.462.056.903
1994 3.113.059.595 2.428.425.554
1995 6.097.681.917 4.875.934.008
1996 4.585.941.974 5.199.162.408
1997 5.651.931.539 5.533.463.503
1998 5.268.820.700 5.508.482.315
1999 3.183.014.174 4.218.168.304
2000 3.449.622.760 3.992.812.515
Fonte: Banco Central do Brasil
Com base nesses elementos, busca-se evidenciar os aspectos
fundamentais que contribuíram para a formação de uma nova agenda para o
desenvolvimento no Brasil a partir da estabilização de preços promovida pelo Plano
Real. Portanto, o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), pelo
momento econômico e político em que esteve situado, herdando os aspectos
positivos do Plano Real, e pela sua extensão, configura-se no objeto principal da
presente análise. Para atingir esse objetivo, será dada ênfase ao diagnóstico sobre a
situação brasileira pelo governo eleito em 1994, os objetivos das políticas e ações
74
implementadas, além de destacar a participação de atores relevantes envolvidos
nesse processo. Procura-se identificar e analisar também neste capítulo os fatores
de convergência da agenda construída naquele período com a dos primeiros anos
do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Convém ressaltar que para os fins desse
trabalho, não se pretende examinar a totalidade dos conteúdos dos programas
governamentais na área de desenvolvimento. A análise da agenda tem como foco
as propostas de reformas estruturais na economia e na participação do Estado nas
relações econômicas, que constituem o pano de fundo para o exame das políticas
de incentivo as microfinanças nos capítulos seguintes.
3.3 O DIAGNÓSTICO DA ESTAGNAÇÃO BRASILEIRA
Como visto no capítulo anterior, o elenco de aspectos que estimulam ou
inibem o desenvolvimento dos países varia conforme a linha de pensamento seguida
pelo analista, seja um viés evolutivo, historicista ou estruturalista. A análise dos
documentos oficiais do período pesquisado permite-nos descrever o caso brasileiro
a partir das deficiências no tocante à criação de condições para a elevação do
patamar de investimento, necessário ao crescimento econômico; da desigualdade
social, tida como reflexo do desemprego e do subemprego; e do acesso restrito dos
mais pobres e excluídos aos serviços essenciais como educação, saúde e
previdência, bem como à alimentação adequada, habitação e ao saneamento
básico.
A mensagem do Presidente da República ao Congresso Nacional em
15.2.1995 demonstra em linhas gerais a visão do governo que se iniciava sobre o
incipiente estágio do desenvolvimento brasileiro. Segundo esse documento, a
estagnação brasileira era decorrente da instabilidade econômica e política das
últimas décadas, da ineficiência do Estado na condução das políticas fiscal e
monetária e da existência de um arcabouço institucional que impunha limites à
dinâmica do investimento privado.
75
Considerando o Brasil no cenário mundial, tinha-se como causa do
alargamento do fosso que separava o país das economias mais desenvolvidas o
extenso período de proteção à indústria nacional e da incapacidade do Estado para
investir ou estimular o investimento privado em infraestrutura e atualização
tecnológica que geraram um setor produtivo pouco competitivo internacionalmente.
O Plano Plurianual – PPA 1996-1999 reiterou a importância da
estabilidade macroeconômica para o desenvolvimento bem como elegeu a cultura
inflacionária, o atraso e o corporativismo como os principais obstáculos à
consolidação desse processo. Merece maior atenção o conceito de atraso expresso
no PPA visto que traz consigo uma crítica à participação do Estado na economia e à
política de proteção à indústria nacional que caracterizam o modelo de
desenvolvimento que orientou o país no pós-guerra até o início da década de 80.
Segundo o documento, o atraso era representado pelo despreparo do Estado, das
empresas e da sociedade como um todo frente à nova configuração do sistema
econômico mundial. O atraso do Estado consistia na ineficiência para diagnosticar
as reais necessidades da sociedade, executar projetos e fiscalizar a implementação
das ações de interesse público, realizadas diretamente ou transferidas para o setor
privado. Para as empresas, o atraso era entendido como a falta de investimentos
para a melhoria dos processos de gestão e redução de custos frente aos
concorrentes internacionais. O atraso da sociedade tinha significado na falta de
instrução e de preparo técnico de grande parte da população para o mercado de
trabalho, que se constituíam em barreira para a inserção competitiva do país na
economia globalizada. O PPA acrescentava ao diagnóstico, como obstáculo ao
desenvolvimento, a deterioração da infraestrutura econômica em setores como os de
transporte e energia. A causa para isso seria a inadequação do modelo institucional
centralizado no Estado.
Nesse sentido, o PPA contribuiu para reafirmar um posicionamento crítico
ao modelo de desenvolvimento com ênfase no planejamento e na ação estatal e no
fortalecimento da indústria nacional que se tornou conhecido pela expressão
“nacional-desenvolvimentismo”. É clara a noção transmitida pelo texto de que a
estagnação brasileira tinha suas raízes na incompatibilidade do modelo anterior com
as condições impostas por uma nova configuração do sistema econômico
76
internacional, notadamente, a abertura comercial, a liberalização do fluxo de capitais
e o conseqüente avanço do processo que Chesnais (2005) denomina
“mundialização das finanças”.
Esse diagnóstico revela aspectos que se aproximam do viés
evolucionista de análise na medida em que direciona o foco para as condições
políticas, econômicas e sociais do Brasil num dado momento. A relação dessas
condições com o processo histórico do país e com a estrutura das relações
econômicas internacionais são questões sem prioridade. A economia internacional
surge neste modelo analítico como o ambiente em que as regras do jogo estão
dadas. As posições ocupadas pelos países neste jogo seriam, então, conseqüência
de suas próprias ações, ou seja, de sua competência para se adaptar à nova ordem
e a ela se integrar de forma competitiva. Verifica-se isso no debate em torno do
modelo de desenvolvimento adotado na América Latina até os anos 70, conhecido
como política de substituição de importações, e a estratégia adotada pelos países do
leste e sudeste da Ásia, baseada na industrialização voltada ao comércio exterior. A
estagnação da América Latina em comparação à rápida expansão das economias
asiáticas tornou-se um dos principais argumentos dos críticos ao modelo nacional-
desenvolvimentista e à defesa de uma rápida abertura comercial do Brasil.
9
É natural que esse diagnóstico da situação brasileira leve a uma guinada
no conteúdo das propostas sobre as políticas a serem implementadas para
incentivar o desenvolvimento econômico e social. Portanto, antes da abordagem
sobre as políticas de desenvolvimento adotadas a partir do governo de Fernando
Henrique Cardoso, é necessário evidenciar as bases dessa transformação. No
capítulo 1 foram explicitados os aspectos essenciais do debate em torno da
predominância do Estado ou das forças de mercado na indução do processo de
desenvolvimento. Foi visto que a crise fiscal dos Estados nas economias centrais na
década de 70, entre outros aspectos, criou espaço para a revitalização do
pensamento liberal no ocidente. A reformulação do papel do Estado capitaneada
pelos governos de Thatcher e Reagan (seguidas posteriormente por Kohl, na
Alemanha, e Miterrand, na França) bem como a liberalização do capital financeiro
representaram o marco da constituição de uma nova agenda econômica com a
9
Ver Fishlow (2004), em que são analisados comparativamente os dados sobre os desempenhos das economias
da América Latina e da Ásia na segunda metade do século XX.
77
redefinição das condições de participação dos países no mercado internacional e no
acesso ao crédito.
3.4 O CONTEXTO
A ordem econômica vem sendo transformada substancialmente com o
movimento acelerado de integração das economias, o que se convencionou chamar
de globalização. Esse movimento vem provocando alterações em diversas áreas,
direta ou indiretamente. Mas duas dimensões são muito claras: a reestruturação das
cadeias de produção em nível global e o fenômeno que Chesnais (2005) identificou
como a financeirização da economia, que se estabeleceu de forma mais evidente a
partir do início da década de 70. Segundo Gonçalves (1998), a globalização
produtiva caracteriza-se por três aspectos: a internacionalização da produção, o
aumento da concorrência e a integração das estruturas produtivas das economias
nacionais. A expansão das organizações transnacionais promoveu uma nova divisão
internacional do trabalho na medida em que definiu novos critérios para a alocação
de investimentos na produção, segmentando a cadeia produtiva e espalhando suas
plantas produtivas por todo o planeta, segundo as perspectivas de rentabilidade.
Conseqüentemente, a concorrência passou também a ser global.
Os mercados nacionais tornam-se alvo da disputa entre as grandes
empresas que, beneficiadas pelos ganhos de escala, transformam-se em
concorrentes quase imbatíveis frente às organizações de base nacional. Na medida
em que os mercados são dominados pelas empresas transnacionais, a estrutura
produtiva dos países passa a reproduzir a lógica dessas organizações, ou seja, cada
vez mais se amplia a tendência de esfacelamento das cadeias produtivas nacionais
rumo à especialização e segmentação da produção. Como conseqüência, a
interdependência entre as economias aumenta, contribuindo, por um lado, para
enfraquecer qualquer projeto nacional autônomo de inserção no mercado mundial, e,
por outro, para elevar a vulnerabilidade dos países em face de choques externos. A
dimensão financeira da globalização, que tem grande peso nas transformações do
sistema produtivo, segundo Chesnais, pode ser entendida como o deslocamento
78
substancial, porém não total, do processo de acumulação de capital com foco na
produção para a sua realização em mercados de títulos e ações que produzem
rendimentos desvinculados, em tese, do setor produtivo, mas que exercem profunda
influência sobre a forma de organização dos fatores produtivos na economia. O
caminho que levou à predominância das finanças no cenário econômico começou a
ser trilhado com a adoção de políticas de liberalização e internacionalização do
mercado de capitais e da ampliação da liquidez internacional em função da
institucionalização da poupança proveniente de um modelo de previdência
privatizado e administrado pelos fundos de pensão, instituições financeiras não
bancárias que centralizam cada vez mais capital do que os bancos.
Com a liberalização do fluxo de capitais, formaram-se grandes mercados
de títulos e de obrigações com ativos de elevada liquidez que atendiam à
necessidade de aplicação dos recursos não consumidos e não investidos. A
acumulação financeira começou, então, a ganhar relevância e os recursos passaram
a ser centralizados em mercados de papéis, fora, portanto, da produção. Para
Chesnais, o impulso que propiciou a formação da poupança disponível para
aplicação nestes mercados foram os ganhos durante a idade de ouro não
reinvestidos na produção, que criou o mercado de eurodólares. Outro impulso foi
dado pelos petrodólares, a partir de 1976, com a alta dos preços do petróleo e a
rápida acumulação de riqueza pelos países exportadores.
Um capítulo determinante para a expansão do modo de acumulação
desenvolvido pelo capital financeiro, e que afeta a realidade das economias em
desenvolvimento até os dias atuais, foi o processo de endividamento público. Por
conta da elevada liquidez, havia farto crédito para as economias em
desenvolvimento nas décadas de 60 e 70, o que estimulou a tomada de
empréstimos internacionais para financiar os investimentos necessários ao
crescimento de economias como a brasileira, entre outros objetivos.
O endividamento maciço das economias emergentes ou em
desenvolvimento criou uma dependência cada vez maior da poupança externa. Com
a crise do petróleo no final dos anos 70 e a redução da liquidez, não havia como
renegociar as dívidas nas condições anteriores. O primeiro passo seguido pelas
economias em desenvolvimento, segundo Marques-Pereira (2001), foi a prática de
79
uma política monetária expansiva como forma de desvalorizar a moeda nacional e
obter superávits na balança de pagamentos, cujo resultado foram os elevados
índices de inflação. Foi esse endividamento que propiciou até o presente, o poder
das finanças sobre o Estado. Contudo, é importante salientar que não só nos
mercados emergentes as finanças exercem influência, pois, como afirma Chesnais,
é no mercado de obrigações públicas, inclusive das grandes potências, que se
encontram os ativos financeiros. Esse fato se deve em grande parte, como aponta
Gonçalves, à disseminação das políticas macroeconômicas restritivas como único
caminho para a regulação do nível de preços. Isso fez com que as taxas de juros
reais se elevassem substancialmente a partir da década de 80. A taxa média de
juros reais da Alemanha, EUA, França e Reino Unido que era de 1,7% no período de
1956 a 1973, chegou a zero entre 1974 e 1980 e subiu para 5,1% de 1981 a 1993
(GONÇALVES, 1998).
A etapa de mundialização da acumulação financeira, reforçada pelo
endividamento dos Estados, segundo Chesnais, ganhou dinâmica principalmente
pela exigência de adequação, dentro de um contexto de liberalização e
desregulamentação dos mercados e do fluxo de capitais, para os países que
pretendiam lançar títulos da dívida no exterior. Considerando o endividamento
externo elevado e a necessidade constante de refinanciamento, a adesão a estas
políticas foi inevitável. Para Gonçalves (1998), esse foi o principal condicionante das
políticas de liberalização comercial e do mercado de capitais realizadas pelos países
em desenvolvimento nas décadas de 80 e 90.
A aceleração do processo de integração econômica inaugurou também
uma nova fase para as relações internacionais. A disputa por uma posição na rota
do capital fez com que os Estados nacionais passassem a ter um papel secundário,
pois as decisões de investimento se tornaram regionalizadas. Na economia
integrada globalmente os acordos são construídos entre regiões ou cidades em
função do que têm a oferecer para que o capital encontre condições de se valorizar
no curto prazo. A expressão “economia local” já não tem o mesmo sentido,
considerando a internacionalização crescente dos (e nos) processos produtivos.
Para a lógica que se estabelecia, portanto, não havia espaço para um
Estado centralizador. Dessa forma, ganhou ênfase nos meios políticos e acadêmicos
80
uma abordagem cujo foco era a crítica às distorções provocadas pelo centralismo do
Estado. Foram contestados as políticas de protecionismo, os subsídios e a
intervenção do Estado na economia como agente produtivo. A solução dos entraves
ao desenvolvimento estava nas reformas orientadas para as relações de mercado. O
processo de construção dessa agenda e a sua assimilação pelos países da América
Latina envolvem diversos fatores e atores que foram se aglutinando ao longo da
segunda metade do século XX, principalmente a partir do final da década de 70 e
início dos anos 80.
3.5 A AGENDA EM FORMAÇÃO
Procura-se mostrar neste trabalho que o processo de formulação de
políticas públicas, principalmente as de natureza econômica, está associado ao
contexto das relações do país com o mundo e será maior essa associação e o
número de atores envolvidos quanto mais integrados forem os sistemas político e
econômico, por meio do comércio, da produção e das finanças.
A agenda de reformas no Brasil encontrou suporte num campo de
pesquisa cuja abordagem estava centrada na crise do Estado. Segundo essa
abordagem, que tem em Bresser Pereira um de seus expoentes, a origem das crises
econômicas nas décadas de 70 e 80 é a falência de um modelo de Estado
interventor, seja o da economia planificada dos países socialistas, o Welfare State
nos países industrializados do hemisfério norte ou o Estado desenvolvimentista da
América Latina. As características dessa falência seriam a crise fiscal, o
esgotamento do modelo de intervenção econômica e a ineficiência da estrutura
burocrática. A crise fiscal decorria da incapacidade financeira do Estado para realizar
os investimentos necessários ao crescimento da economia e a manutenção de
programas sociais de alcance universal, pelo elevado endividamento, pelo déficit
público e, principalmente, pela falta de crédito. A falência do modelo de intervenção
caracterizava-se pelos efeitos nocivos à economia de medidas protecionistas, de
subsídios e de regulamentação. A crise da estrutura burocrática estava configurada
81
pela perda de qualidade do serviço público. (BRESSER-PEREIRA, 1996, p. 19-20).
Sob esta visão, o Estado já não teria condições de cumprir o papel de coordenação
da economia que a ele era atribuído na concepção nacional-desenvolvimentista.
Para abordagem centrada na crise do Estado, as economias mais eficientes são
aquelas que realizaram um arranjo equilibrado entre as funções do mercado e do
Estado na coordenação da atividade econômica. A orientação ao mercado decorre
da promoção da eficiência pela competição. No plano econômico caberia ao Estado
coordenar a cooperação entre os agentes, nos planos nacional e internacional
(BRESSER-PEREIRA, 1996, p.18). Essa abordagem, intitulada “Interpretação da
crise do Estado”, procurava, então, definir um Estado Social-Liberal que seria uma
instituição capaz de fazer a síntese de funções absorvidas da visão neoliberal, quais
sejam, a garantia ao direito de propriedade e o respeito aos contratos, com as
atribuições de um Estado promotor do desenvolvimento. Entre essas atribuições
estariam a estabilidade do nível de preços e do balanço de pagamentos, a criação
de um ambiente de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos e a
distribuição de renda. Para que o Estado e o mercado estivessem aptos a cumprir os
seus papéis seria necessária uma série de transformações de ordem política e
econômica e o alvo precípuo, segundo essa ótica, era a reforma do Estado.
É importante observar que essa linha de pesquisa não traz uma abordagem
inovadora e muito menos traduz uma realidade específica do contexto brasileiro.
Como afirma Rezende (2002), o Brasil acompanhou uma tendência mundial de
reformas que tinha dois eixos fundamentais: o ajuste fiscal e as transformações
institucionais. Essa foi uma agenda convergente como poucas vezes se viu na
história e teve como parâmetros as reformas implementadas na Nova Zelândia,
Austrália, Inglaterra e EUA. Conforme pesquisa de Kamarck (2000 apud REZENDE,
2002) em 123 países, são identificadas quatro forças que motivaram as reformas: “1)
Crise econômica/fiscal; 2) transição para a democracia; 3) ajuste às
condicionalidades externas (tanto da Comunidade Econômica Européia, no caso dos
países europeus, como de agências multilaterais que financiam as reformas, no caso
dos países em desenvolvimento) 4) a elevação da eficiência do setor público”
(REZENDE, 2002, p. 169).
82
Na reformulação da agenda política nacional merece destaque a
participação das organizações internacionais e multilaterais, tais como o Fundo
Monetário Internacional – FMI, o Banco Mundial, essencialmente o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento BIRD, pelos vínculos
estabelecidos com a cooperação técnica entre tais organizações e o governo
brasileiro durante décadas. Embora essas organizações tenham se constituído na
segunda metade do século XX, a sua origem remonta à formação do sistema de
Estados, principalmente o sistema formado a partir dos Tratados de Westfália no
século XVII. Essa visão faz sentido na medida em que os acordos realizados na
região de Westfália marcaram a transformação, na geopolítica, da lógica dos
impérios para o modelo de nação autônoma e soberana (Estado nacional). Somente
em decorrência da formação dos Estados-Nação teria sido possível desenvolver um
arcabouço teórico e jurídico para as relações de poderes públicos nos âmbitos
interno e externo (DEHOVE, 1998).
O processo que caracteriza a institucionalização das organizações
internacionais, coincidente com os períodos que sucederam o fim de grandes
conflitos armados, decorre da necessidade da criação de instâncias reguladoras
para desenvolver mecanismos de manutenção da paz no sistema que emergia,
cessada a guerra. Segundo Dehove, foi assim que se deu a criação do Concerto das
Nações, da Sociedade das Nações e da Organização das Nações Unidas - ONU,
todas baseadas no conceito de assembléias, com igualdade formal de poder,
embora a ONU tenha criado um mecanismo diferenciado, o Conselho de Segurança,
que permite o acesso apenas aos países com maior peso no sistema político e
militar (os cinco países com assento permanente e direito de veto são: China,
Estados Unidos, França, Inglaterra e a ex-URSS).
Com a formação dessas assembléias de Estados, tornou-se possível a
criação das organizações não-governamentais de atuação internacional. O seu
surgimento está mais relacionado às questões que advêm das relações econômicas
e sociais entre os Estados. Possuem, de início, um caráter notadamente técnico,
direcionadas para a disseminação de informações e práticas em diversas áreas de
interesse como a Organização Internacional do Trabalho – OIT e a Organização
Mundial da Saúde - OMS e para a regulação e solução de conflitos como a
83
Organização Mundial do Comércio – OMC, embora o fator político esteja sempre
presente nas estratégias de ação e nas decisões do corpo diretivo. Para os objetivos
do presente trabalho, são destacadas as organizações cujas atuações estão
relacionadas à cooperação internacional por meio do financiamento de projetos e
programas ou empréstimos emergenciais para a solução de problemas específicos,
que têm exercido influência crescente sobre as políticas públicas nacionais,
principalmente a partir da década de 90.
A cooperação técnica para o desenvolvimento tornou-se o objetivo
declarado das organizações internacionais, sobretudo com a criação da ONU,
primeira entidade a incorporar entre as suas funções a cooperação internacional. Os
princípios da cooperação estão definidos nos artigos 55 e 56 da Carta da ONU, na
qual a organização e seus membros se comprometem a agir em prol da igualdade
de direitos, o respeito à liberdade e a autodeterminação dos povos (SOARES, 1994).
Em função também desses objetivos, foram criados quinze organismos
ligados à ONU, porém, com autonomia operacional. São os já citados OIT, OMS,
BIRD e FMI, a Corporação Financeira Internacional – CFI, a Agência Internacional
de Desenvolvimento – AID, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura - UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e a Alimentação – FAO, o Fundo Monetário Internacional – FMI, a
Organização da Aviação Civil Internacional – OACI, União Postal Universal – UPU,
União Internacional de Telecomunicações, UIT, Organização Meteorológica Mundial
– OMM, Organização Intergovernamental Marítima Consultiva – IMCO, Organização
Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI e o Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola – FIDA. Somente em 1966, com a fusão de dois outros
programas, foi criado o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –
PNUD. (MEDEIROS, A., 1994). O conceito de cooperação, inicialmente, estava
associado à noção de assistência, cujo significado era a ajuda dos países
desenvolvidos aos considerados subdesenvolvidos por meio de diversos
instrumentos, desde a consultoria técnica até a doação de recursos, em função da
insuficiente capacidade dos últimos para atingir um grau mínimo de qualidade de
vida para os seus habitantes. Entretanto, essa visão foi reformulada sob a crítica de
representar nada além do que uma ajuda humanitária aos países pobres,
84
explicitando a distinção que separa as sociedades, porém sem criticá-la. O conceito
de cooperação progride, sobretudo a partir dos anos 70, no sentido de enunciar o
direito ao desenvolvimento para todas as sociedades, sendo papel das nações
realizar o trabalho em conjunto ou de forma isolada a fim de atingir esse objetivo
(SOARES, 1994). Desta forma, pretendia-se por meio da cooperação reduzir as
tensões sociais e preservar a estabilidade do sistema político de forma a prevenir
conflitos (KÖNZ, 1994).
Fundados no princípio da cooperação, o FMI e o Banco Mundial são
organizações que representam por sua natureza (o controle é definido pelo
montante da contribuição financeira dos doadores) e funções, um instrumento de
poder sobre os Estados cujas economias são receptoras de recursos. São
organizações particulares no conjunto dos organismos internacionais, visto que sua
governança interna e suas prerrogativas externas são bastante diferenciadas, por
exemplo, do PNUD, da UNESCO, da OMS, etc.. O histórico de ações
implementadas por essas duas organizações revela um objetivo muito maior que a
de regulação do sistema político. Elas têm atuado no sentido de contribuir para uma
maior integração das economias emergentes aos sistemas produtivo e financeiro.
O FMI e o Banco Mundial tiveram seu início no pós-II Guerra Mundial, com
o esforço de recuperação dos países da Europa Ocidental e na constituição de um
sistema político e econômico de relativo equilíbrio. Essas organizações formam uma
rede de agentes que adotam políticas e estratégias que ultrapassam as fronteiras
nacionais e as relativizam, disseminando conhecimentos e práticas e ampliando o
sentido da integração global. Entre as organizações multilaterais, de particular
relevância para a América Latina, há também o Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID que começou a operar numa fase posterior, em 1961.
Apesar de ser uma instituição criada nos mesmos padrões do Banco Mundial, a sua
origem foi resultado de uma reação dos países latino-americanos diante do que
consideravam a excessiva rigidez das condições impostas pelo BIRD, como aponta
Araújo (1991). As principais características do BID que não se assemelham ao
Banco Mundial são a possibilidade de entrada de países de fora da região, mas
apenas como ofertantes de recursos e a promoção de assistência técnica para a
elaboração de projetos. Considerando que essa instituição tem atuação apenas
85
regional, optou-se por concentrar a análise nas organizações de caráter global e
com maior influência na condução das políticas públicas dos países-membros,
sobretudo os demandantes de recursos: o FMI e o Banco Mundial.
O Fundo Monetário Internacional teve origem no concerto de um novo
arranjo para o sistema monetário entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha na
Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944 nos momentos finais da II Guerra.
O Fundo tinha como missão promover o sistema de equilíbrio das taxas de câmbio e
da liquidez construído pela ação dos próprios agentes, bem como prevenir ou corrigir
desajustes transitórios.
Os EUA assumiram uma posição de liderança no processo, com influência
sobre o FMI, tendo em vista que a conversibilidade de moedas tinha o dólar como
referência, porém ainda sob o lastro de reservas em ouro. Na visão de Arrighi e
outros (2001), mais do que o padrão monetário, a contribuição de Bretton Woods
para o controle dos Estados Unidos sobre as finanças foi a transferência no
comando dos empréstimos bancários interestatais, da iniciativa privada para o
Estado.
O papel inicial desempenhado pelo FMI corresponde ao modelo de
assistência mútua, como definido por Aglietta (2004). Neste modelo, o FMI tinha o
papel de acompanhar as economias nacionais e recomendar os ajustes necessários
em busca do equilíbrio no sistema, mantido por taxas de câmbio estáveis e liquidez
proporcionada pela gestão das reservas. No entanto, o crescimento da demanda por
moeda pelo comércio internacional acima da capacidade de constituição do lastro
em ouro gerou uma dependência do sistema em relação ao dólar que passou a ser o
único referencial para a conversibilidade. A liquidez do sistema passou a ser provida
pelo mercado financeiro, cujo desenvolvimento lhe possibilitava assumir o papel de
ofertante de recursos para os países deficitários. Nesse novo cenário, o FMI
assumiu o papel de intermediador financeiro entre os países ofertantes e
demandantes de recursos. Com essa nova atribuição, o FMI enfatizou o caráter de
supervisão e condicionalidade da sua atuação na medida em que incentivou
fortemente a adoção de políticas liberalizantes (AGLIETTA, 2004). É importante
salientar que o FMI não surgiu com o propósito específico de atuar em prol da
cooperação internacional para o desenvolvimento ou de prestar apoio financeiro às
86
economias em desenvolvimento. A mudança no seu foco de atuação foi decorrente
da pressão dos países que mais foram afetados pelas crises internacionais dos anos
70, notadamente provocadas pela desvalorização do dólar e pela elevação dos
preços do petróleo, que causaram déficits constantes em seus balanços de
pagamento. Assim, o FMI passou a destinar recursos aos países de economia
emergente com os fins de superar crises do balanço de pagamentos, bem como
ajustar a sua estrutura e também atestar o compromisso dos governos destes países
com os ajustes, como forma de avalizar os empréstimos de instituições privadas
(SOARES,1994).
A relação entre o FMI e o Brasil na década de 90 mostra com maior
clareza a contribuição do Fundo para a formação da agenda política para o
desenvolvimento. Segundo Cardim de Carvalho (2003), somente com a crise da
conta de capitais em 1998, no momento de instabilidade do sistema provocado pela
crise russa, o país necessitou de uma participação direta do fundo para a obtenção
de recursos. Por meio da Carta de Intenções (FMI, 1998), o governo brasileiro se
comprometeu a manter a política de abertura e desregulamentação da economia.
Contudo, vale destacar, como aponta Cardim de Carvalho, que as condicionalidades
impostas pelo FMI durante as crises enfrentadas pelo país em 1998 e 1999 pouco
acrescentaram à agenda do governo, porque desde o início do primeiro mandato de
Fernando Henrique Cardoso, a política econômica já reproduzia as demandas dos
credores internacionais. O ponto de maior destaque entre as condicionalidades foi o
compromisso com o controle do déficit público. Para Cardim de Carvalho, da
explicitação desse compromisso surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Banco Mundial surgiu no mesmo momento em que o FMI com o objetivo
de apoiar a reconstrução e o desenvolvimento econômico. A visão predominante
naquele período associava o desenvolvimento ao crescimento econômico, que teria
como força propulsora a formação de capital. Considerava-se então, que a
prioridade das políticas de desenvolvimento era o aumento da taxa de poupança e,
por conseqüência, o incremento dos investimentos. Além disso, buscava-se
modificar as estruturas sociais e as instituições de forma a incentivar a geração de
riquezas. (IGLESIA-CARUNCHO, 2005) A nova ordem econômica que se
estabelecia, com o fim da II Guerra Mundial e com o acordo de Bretton Woods, não
87
poderia prescindir, então, de uma fonte de recursos para a reconstrução das
economias européias, que foram fortemente atingidas durante a guerra. A formação
de bloco soviético na Europa Oriental constituía uma outra razão para que o
capitalismo fortalecesse as suas bases no continente europeu.
O Banco Mundial, na verdade, é um conjunto de organizações com
algumas funções e públicos-alvo distintos. O conjunto é formado pelo Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - BIRD, pela Corporação
Financeira Internacional – CFI e pela Agência Internacional de Desenvolvimento –
AID. O BIRD, também conhecido como Banco Mundial, atua por meio do
investimento em projetos ou programas que incentivem reformas estruturais na
economia, principalmente nas atividades que afetam o balanço de pagamentos.
Além, disso, o BIRD realiza empréstimos de longo prazo ou presta garantias a
operações de crédito realizadas por instituições financeiras privadas. Os clientes do
BIRD são os Estados e instituições de direito público. A atuação do CFI é
semelhante ao de um banco comercial, pois está voltada para organizações de
direito privado, inclusive as de economia mista. Adota como critério de seleção dos
projetos a sua rentabilidade. Já a AID tem atuação semelhante ao do BIRD, porém
destina-se aos países com menor renda per capita e apresenta condições mais
favoráveis (prazos longos e não cobrança de juros) (SOARES, 1994).
Conforme Gonzalez e outros (1990), em trabalho sobre as relações entre
o Brasil e o Banco Mundial, podem ser identificadas quatro fases da atuação dessa
organização ao longo do tempo. A primeira fase, que durou até o fim dos anos 50,
foi marcada pelo seu objetivo precípuo que foi a reconstrução da Europa. Na década
de 60, quando os projetos voltados à Europa já apresentavam resultados, o Banco
Mundial redirecionou o seu foco para os países em desenvolvimento. Mas segundo
Gonzalez e outros (1990), a mudança do foco de atuação do BIRD para esses
países não se explica apenas pela recuperação econômica da Europa. Outros
fatores preponderantes nesse processo foram a pressão exercida pelos países em
desenvolvimento, em função do crescimento de sua participação no quadro de
membros dessa instituição, e a mudança na estratégia política dos EUA em relação
ao apoio aos países em desenvolvimento, que favoreceu o multilateralismo em
contraponto à ação bilateral. Esse momento representa o início da sua fase
88
desenvolvimentista, centrada no estímulo ao crescimento econômico por meio da
industrialização. Nesse período, os recursos tinham como destino os projetos de
infraestrutura econômica, principalmente os setores de energia e transportes,
essenciais para o desenvolvimento da base industrial (GONZALEZ E OUTROS,
1990, p. 27-28).
Os anos 70 foram marcados pela terceira fase da trajetória do BIRD, no
qual a área social tornou-se um importante foco dos investimentos. Surgiu como
resposta às críticas quanto ao modelo de investimento do período anterior, que
produziu crescimento com concentração de renda, o que aumentou a desigualdade
nos países em desenvolvimento. Como destacam Gonzalez e outros (1990), havia
também um componente político de refreamento das tensões sociais. A quarta fase
é identificada nos anos 80, em meio à crise do balanço de pagamentos desses
países. Esse período reflete o crescimento das críticas nos meios políticos e
acadêmicos com relação à estratégia de desenvolvimento dos países da América
Latina. O principal alvo das críticas foi a política de proteção às indústrias locais
durante o processo de substituição de importações. Criticava-se também a eficácia
da cooperação internacional para o desenvolvimento. As críticas eram direcionadas
principalmente para a forma de aplicação dos recursos pelos países receptores.
Como afirma Alonso (2005), estudos apontavam que em diversos países os recursos
aportados pelas organizações internacionais eram apropriados pela elite dirigente ou
se perdiam na máquina burocrática estatal. Além disso, os recursos que em tese
seriam complementares aos investimentos domésticos, por muitas vezes atuavam
como substitutos, pois entre os países receptores havia exemplos de desvio da
verba interna para outros fins.
O Banco Mundial se afastou do seu perfil tradicional de financiador de
projetos de médio e longo prazos, para realizar empréstimos de rápido desembolso
para atenuar problemas do balanço de pagamentos desses países. Essa fase
inaugurou também a aplicação de condicionalidades para a liberação dos recursos
em relação estreita com o FMI.
A visão do Banco Mundial sobre a crise que atingiu os países em
desenvolvimento na década de 80, passou então, a reproduzir a linha de
pensamento predominantemente neoliberal naquela época. A despeito de não
89
ignorar o fato de que a crise dos anos 80 teve causa no choque de petróleo e na
redução da liquidez mundial, a avaliação dominante era que o seu impacto nas
economias em desenvolvimento assumiu grandes proporções em decorrência da
debilidade das estruturas produtivas (GONZALEZ E OUTROS, 1990, p.75). Para o
Banco Mundial, assim como para a crítica corrente, as economias em
desenvolvimento estavam sofrendo as conseqüências da intervenção excessiva do
Estado na economia com a proteção à indústria contra a concorrência, o descontrole
de gastos e a ineficiência da máquina pública.
A fase de políticas de promoção dos ajustes estruturais, que era
considerada o passo necessário para a correção dos desequilíbrios das economias
em desenvolvimento. Somente depois de atingidos os objetivos, a instituição poderia
voltar à função de financiamento de projetos. Conforme Gonzalez e outros (1990), o
Banco Mundial, diante desse diagnóstico, passou a implementar programas de
ajustamentos que tinham como características o apoio a reformas institucionais e
econômicas, a busca de maior eficiência dos investimentos públicos e a estabilidade
macroeconômica como requisito. As áreas de atuação eram as seguintes:
a) comércio: liberalização, políticas de drawback
10
, racionalização das políticas de
câmbio realistas e incentivo às exportações;
b) mobilização de recursos domésticos: eliminação dos déficits orçamentários,
estímulo ao mercado de capitais, liberalização das taxas de juros;
c) racionalização da alocação de recursos: determinação de preços via mercado e
extinção dos subsídios;
d) reformas institucionais e cooperação técnica.
Um capítulo particular desse momento é o estreitamento do
relacionamento entre o Banco Mundial e o FMI. O diagnóstico da crise revelava um
componente conjuntural, o déficit do balanço de pagamentos e outro estrutural, a
ineficiência das instituições e do setor produtivo. Caberia ao Banco Mundial atuar
junto aos problemas estruturais nos moldes já apresentados nesse capítulo. Mas
10
O drawback consiste na suspensão, isenção ou restituição de tributos incidentes sobre produtos importados desde que
eles sejam utilizados como insumos em produtos exportados.
90
para que as medidas propostas produzissem os resultados esperados, quais sejam,
a retomada do crescimento e o equilíbrio sustentado do balanço de pagamentos, era
necessário que os países estabilizassem as suas economias. Essa seria a função do
FMI: financiar o desequilíbrio externo exigindo dos países a adoção de medidas de
controle da demanda agregada nas áreas fiscal e monetária no curto prazo
(GONZALEZ E OUTROS, 1990, p.79). O trabalho conjunto das duas entidades levou
às chamadas “condicionalidades cruzadas”, nas quais o apoio do Banco Mundial
estava condicionado a acordos firmados entre o país proponente e o FMI (ARAÚJO,
1991, p. 50).
Os programas de ajustes setoriais, característicos da atuação do Banco
Mundial nos anos 80, coincidiram com a adoção do III Plano Nacional de
Desenvolvimento – PND e do plano de metas, no governo Sarney. Como mostram
Gonzalez e outros (1990), no momento de sua implantação, dois empréstimos com
esse perfil foram concedidos ao Brasil. O primeiro, para incentivo ao crédito
orientado para o setor agrícola exportador. O segundo, para a ampliação da pauta
de exportações com o incremento das vendas de manufaturados. Outros dois
empréstimos estabeleceram uma influência ainda maior do Banco Mundial, em
conjunto com o FMI, sobre as políticas internas, pois estavam relacionados à
reestruturação do sistema de crédito e comercialização agrícola e à recuperação
financeira do setor de energia elétrica.
Para Gonzalez e outros, o apoio oferecido e as condicionalidades
impostas por essas duas instituições têm um significado que vai além da promoção
do desenvolvimento.
(...) esse tipo de intervenção do Banco o qualificou como mais um agente
responsável (aliado ao fundo) pela continuidade do processo de geração
de saldos comerciais para assegurar o cumprimento das obrigações do
país com o sistema financeiro internacional (GONZALEZ E OUTROS,
1990, p.154).
De fato, o momento crítico pelo qual passavam as economias latino-
americanas repercutia não só internamente, mas também trazia riscos para as
finanças dos países credores caso os compromissos financeiros não fossem
honrados. Se não fossem adotadas medidas para a recuperação da infraestrutura e
do acesso ao crédito pelo setor exportador, haveria um agravamento da crise do
91
balanço de pagamentos que fatalmente levaria à insolvência dos países com alto
endividamento externo.
Segundo Cardim de Carvalho (2003), além das condicionalidades, o FMI
também exerce a sua influência por meio da elaboração de relatórios sobre as
perspectivas de curto prazo para as economias que supervisiona, inclusive com
apresentação de recomendações. Essas informações destinam-se ao mercado e
são uma fonte de informação que pode interferir nas decisões sobre a concessão de
créditos para os países demandantes de recursos.
Assim, o Fundo pode assumir (e, na verdade, busca ativamente alcançar
esta posição) uma função de gate keeper para o fluxo internacional de
capitais. Isso daria ao FMI um poder de influência independente do efetivo
uso de recursos em pacotes de resgate, amplificando o impacto de suas
proposições (CARDIM DE CARVALHO, 2003, p.14).
Dessa forma, o FMI e o Banco Mundial passaram a exercer o papel de
supervisores das políticas dos países endividados. Além disso, como afirma
Rezende (2002), o Banco Mundial teve papel central no financiamento das reformas.
No período de 1997 a 2000, esta instituição financiou cerca de 1600 projetos nos
países em desenvolvimento com dispêndio de 5 a 7 bilhões de dólares por ano,
sendo 40,6% desses recursos destinados a reformas institucionais.
No documento “Brazil - An Agenda For Stabilization (1994), no qual o
Banco Mundial realizou uma avaliação das possibilidades de sucesso na
implantação do Plano Real, a instituição reforçou o entendimento de que o programa
de estabilização só seria bem sucedido se produzisse a confiança sobre a sua
sustentabilidade. Para tanto, deveriam ser adotadas reformas estruturais. A primeira
delas seria uma ação fiscal no sentido de reduzir o déficit orçamentário e diminuir os
custos para a realização dos negócios. O segundo item da reforma, na visão do
Banco Mundial seria a privatização, incluindo a revisão constitucional sobre o
monopólio em alguns setores assim como a possibilidade de controle estrangeiro
sobre a propriedade de empresas. O documento cita inclusive a Telebrás, a
Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce como opções preferenciais para a
privatização. O terceiro item das reformas propostas pelo Banco Mundial é o
reconhecimento e equalização dos passivos contingenciais, entre eles os gastos
sociais com a previdência. O último item das reformas seria a descentralização das
92
ações governamentais acompanhada do controle dos gastos públicos realizados por
estados e municípios.
A estratégia de ação do Banco Mundial encontra suporte em diversos
estudos como o de Burnside e Dollar (2000 apud ALONSO, 2005) que, segundo o
autor, defendem a tese de que a elevação da eficácia da cooperação internacional
depende da existência de condições apropriadas nos países receptores. “Entre as
condições relevantes, é o marco institucional e de políticas aplicado pelo beneficiário
que de forma mais central determina a eficácia da ajuda” (ALONSO, 2005, p.20.)
(tradução nossa). Os indicadores utilizados por Burnside e Dollar para a avaliação
do ambiente político nos países receptores de recursos foram o déficit público, a
inflação e a abertura ao mercado externo. Posteriormente, acrescentaram o
arcabouço institucional e o entorno político e social como dimensões da análise. Em
decorrência dos resultados desse estudo, a conclusão era que o Banco Mundial
deveria assumir uma postura mais seletiva na concessão de empréstimos de acordo
com o compromisso efetivo dos países com os aspectos acima relatados.
Como poderá ser constatado no próximo item, a estratégia de inserção
competitiva no mercado internacional proposta pelo governo de Fernando Henrique
Cardoso e a necessidade de atração de poupança externa para a realização de
investimento e financiamento do déficit público criaram um cenário propício a uma
convergência entre a agenda política do país e as recomendações e
condicionalidades apresentadas por essas organizações.
3.6 A AGENDA INSTITUCIONALIZADA
Conhecidas as bases do pensamento político e econômico dominante
sobre o diagnóstico da crise brasileira, bem como o papel das agências financeiras
internacionais na construção desse diagnóstico nos anos 1980 e 1990, passa-se
agora a tratar das políticas e ações propostas com ênfase na reestruturação do
Estado e do arcabouço institucional com vistas a dotar o país dos instrumentos
necessários a trilhar a via do desenvolvimento.
93
Observando-se o Plano Diretor da Reforma do Estado, desenvolvido no
âmbito do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado - MARE,
cujo titular era Bresser Pereira, percebe-se com clareza a incorporação à agenda do
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso da tese de que a crise brasileira
era uma crise do Estado, principalmente como conseqüência de um modelo de
desenvolvimento (substituição de importações) que havia se esgotado (MARE, 1995,
p. 9). Constata-se no Plano Diretor, a defesa da reforma do Estado como medida
para alterar o seu perfil e adequá-lo às demandas da sociedade em um ambiente
marcado pela globalização. A orientação dessa reforma revela a construção de uma
nova agenda para o desenvolvimento. A seguir apresentamos alguns trechos
elucidativos sobre o “novo” Estado proposto pela reforma.
Sobre as finanças públicas e a abertura comercial:
O ajuste fiscal devolve ao Estado capacidade de definir e implementar
políticas públicas. Através da liberalização comercial, o Estado abandona a
estratégia protecionista da substituição de importações (MARE, 1995, p.
18).
Com relação ao modelo de atuação do Estado na economia:
O programa de privatizações reflete a conscientização da gravidade da
crise fiscal da correlata limitação da capacidade do Estado de promover
poupança forçada através das empresas estatais. Através desse programa,
transfere-se para o setor privado a tarefa da produção que, em princípio,
este realiza de forma mais eficiente (MARE, 1995, p. 18).
Sobre a execução dos serviços de interesse público:
(...) através de um programa de publicização, transfere-se para o setor
público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos
do Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e
sociedade para seu financiamento e controle. (MARE, 1995, p. 18).
Constata-se nos extratos acima apresentados que a visão de Estado
propugnada pelo novo governo tinha como base a redefinição do que deveria ser
política pública e qual seria o espaço privilegiado da atuação estatal. Para o novo
governo, cabia ao Estado o papel de regulação das atividades econômicas, o que
implica criar as condições para que a dinâmica dos setores produtivos seja pautada
pelas regras do mercado, ainda que a sua lógica se distancie da concorrência
perfeita idealizada pelos neoclássicos. Neste sentido, foram criadas agências
reguladoras para diversos setores econômicos como o de telecomunicações,
94
energia elétrica, aviação, petróleo, etc., medida que tinha também o objetivo de
estabelecer uma estrutura mais dinâmica para a regulação, assim entendida por
terem autonomia operacional e mandatos fixos para os seus dirigentes (PACHECO,
2006). Assim, a noção de políticas públicas na área econômica estava associada tão
somente ao modelo de regulação, inspirado, segundo Pacheco, no modelo dos EUA.
Percebe-se também, que as políticas públicas na área social passaram por uma
reformulação de conceitos. Primeiro, pela cessão de espaço para que organizações
da sociedade civil desempenhassem funções públicas em lugar do Estado, ou em
parceria com este. Segundo, pelo emprego da noção de serviços públicos, no lugar
da categoria de direitos, que transforma a relação Estado-cidadão em fornecedor-
cliente, o que torna tais serviços, passíveis de transferência para o setor privado.
Sendo assim, o Estado, considerado sempre um agente ineficiente, na visão
daquele governo, teve as suas funções redefinidas, abrindo espaço para que novos
atores participassem, com poder decisório, da execução de políticas públicas.
Contudo, é importante salientar que não se trata neste caso de um processo de
ampliação da participação democrática na deliberação dos assuntos de interesse
público, mas da transferência de funções para organizações não estatais. Não se
pode afirmar que em tais organizações o poder é exercido necessariamente de
forma democrática.
Os Planos Plurianuais mantiveram essa orientação. No PPA 1996-1999, o
foco dos investimentos propostos estava concentrado na viabilização das propostas
de reforma do Estado, abertura comercial, aumento da competitividade da economia,
flexibilização das relações trabalhistas e do equilíbrio fiscal. Além disso, buscava-se
também a redução das desigualdades espaciais por meio de investimentos em
educação, saneamento básico, ciência e tecnologia. O Plano Plurianual 2000-2003
seguiu linha semelhante ao anterior na questão da organização do Estado. O
objetivo era implantar um modelo gerencialista na administração das políticas e
serviços públicos. Além disso, mantinha-se a agenda de reformas estruturais com o
objetivo de implementar mudanças nas áreas de previdência, tributação, trabalhista
e no controle orçamentário.
Efetivamente, apesar de grande resistência de setores da sociedade, o
governo de Fernando Henrique Cardoso promoveu significativas mudanças na
95
estrutura do Estado, nas formas de prestação dos serviços de interesse público e na
orientação da política econômica. Contudo, as eleições presidenciais de 2002
mostraram que a via adotada pelo governo estava longe de atingir as expectativas
da população. De fato, a esperada retomada do crescimento não ocorreu, o que
deixou o passivo social do modelo de integração econômica mais visível.
Tabela 12 - Variação real do PIB - Brasil - 1994-2002
Ano Variação (%)
1994 5,85
1995 4,22
1996 2,66
1997 3,27
1998 0,13
1999 0,79
2000 4,36
2001 1,31
2002 1,93
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Como se verifica por meio da tabela abaixo, o nível de desemprego
cresceu entre 1992 e 1997 cerca de 20%, apesar da melhora entre 1993 e 1995.
Merece destaque a ampliação do desemprego nesse período entre a parcela mais
jovem (29% entre 15 e 19 anos) e a mais madura (31% entre 40 e 49 anos; e 33%
entre 50 e 59 anos). Além disso, os indicadores de desigualdade social e renda (vide
tabela 1 – Introdução) permaneceram no mesmo patamar.
Tabela 13 -Taxa de desocupação da população de 10 anos ou mais de idade - Brasil –
1992/1997
Idade 1992 1993 1995 1996 1997
Brasil
6,5 6,2 6,1 7 7,8
10 a 14 8,6 9,1 8,7 11,4 11,4
15 a 19 13,5 13,2 13,4 15,3 17,4
- 15 a 17 13,4 13,7 13,6 15,8 17,8
- 18 e 19 13,7 12,7 13,2 14,7 16,9
20 a 24 10,5 10 9,7 10,2 11,9
25 a 29 6,7 6,6 6,1 6,9 8,3
30 a 39 5 4,5 4,6 5,3 5,9
40 a 49 3,2 3 3,1 3,9 4,2
50 a 59 2,4 2,1 2,4 3,2 3,2
60 ou mais 1,1 0,9 1,4 1,7 2,3
Fonte: (IBGE, 2001)
Vários são os aspectos destacados pelos críticos que configuram as
deficiências da política econômica adotada durante o Governo de Fernando
96
Henrique Cardoso. Segundo Beluzzo (2002), o fluxo de capital externo atraído pelas
elevadas taxas de juros e necessário para sustentar a âncora cambial dos primeiros
anos do Plano Real, resultou no aumento da vulnerabilidade externa da economia
brasileira sem que produzisse o efeito esperado na ampliação da capacidade
produtiva brasileira e diversificação da pauta de exportações. Pelo contrário,
favoreceu as importações em determinados segmentos, o que provocou a
fragmentação da cadeia produtiva brasileira e transferência do controle de diversas
empresas para o capital externo. Em decorrência do aumento da participação do
capital externo em segmentos voltados para o mercado nacional como nos setores
de energia e telecomunicações, acrescenta Beluzzo, criou-se um fluxo de
importações sem contrapartida para o setor exportador.
Ao contrário, porém, de períodos anteriores, em que o investimento ocorria
em simultâneo nos setores de bens de consumo e de bens de capital, a
modernização brasileira dos anos 90 determinou o surgimento de uma
estrutura industrial descontínua e atrasada, cuja mera reativação não
permite enfrentar as atuais condições da produção e da concorrência
internacionais (BELLUZO, 2002, p.63).
Praticou-se no Brasil, o que Coutinho (2002) chama de “regime
macroeconômico maligno” (sic), ou seja, uma combinação de taxa de juros elevada
e câmbio sobrevalorizado, pelo menos até 1998, que impôs sérias restrições à
produção para o mercado interno e para a competitividade do setor exportador
nacional, ampliando assim, a vulnerabilidade externa da economia. Foi essa
vulnerabilidade que ampliou o impacto das crises financeiras do México (1994/1995),
da Ásia (1997) e da Rússia (1998) sobre a economia brasileira.
Mais do que qualquer dado empírico que possa ser apresentado, o
resultado das eleições presidenciais de 2002 indica o crescimento das tensões
sociais provocadas entre outros aspectos, pela relativa estagnação econômica e a
queda do nível de emprego, gerando o movimento por mudança que levou à vitória o
candidato da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores.
O governo eleito para o período de 2003 a 2006 trazia expectativas de
implementação de uma nova agenda para o desenvolvimento. Essas expectativas
decorriam da histórica defesa pelo Partido dos Trabalhadores de uma maior
autonomia do país na definição de sua estratégia de crescimento, desenvolvimento
97
social e atuação no campo político internacional. Contudo, antes mesmo de
consolidada a vitória nas urnas, o mercado financeiro deu mostras do quão
vulneráveis eram as finanças do Estado frente à necessidade de recursos privados.
A instabilidade econômica, cujo auge ocorreu em agosto de 2002, embora tivesse
aspectos relacionados com a crise argentina, traduzia de fato, incertezas dos
operadores do mercado financeiro quanto à continuidade das políticas
macroeconômicas e das reformas microeconômicas iniciadas no governo anterior.
Com a “Carta ao Povo Brasileiro” o partido do ainda candidato Luiz Inácio Lula da
Silva assumiu o compromisso de não promover medidas consideradas heterodoxas
na condução da economia e “honrar os contratos”. Esse documento representou o
início de uma fase de conquista de credibilidade pelo governo diante dos credores
nacionais e estrangeiros, necessária para a recuperação da estabilidade dos preços,
a manutenção das fontes de recursos para o financiamento da dívida pública e a
atração de investimento externo.
Uma evidência desse compromisso é a carta de intenções encaminhada
pelo governo brasileiro ao FMI em 28 de fevereiro de 2003 (FMI, 2003). Nesse
documento, o governo reafirmou a continuidade da política monetária com a
manutenção da flutuação da taxa de câmbio e da política de fixação de metas para a
inflação. Sobre a área fiscal, o governo se comprometeu com o equilíbrio das contas
públicas, mantendo a política de produção de superávits primários. Com relação às
reformas estruturais, verifica-se desde o início que as reformas foram incorporadas à
agenda do novo governo. Na carta de intenções (FMI, 2003), estavam expressas as
diretrizes do governo nessa área: a reforma da previdência, reforma tributária, a
autonomia operacional do Banco Central, a privatização dos bancos estatais
federalizados e a modernização da lei de falências.
O documento “Política Econômica e Reformas Estruturais”, de abril de 2003,
publicado pelo Ministério da Fazenda, aponta as diretrizes da política de
desenvolvimento:
A compatibilização da política macroeconômica com reformas institucionais
que estimulem a retomada do investimento público e privado e a geração
de empregos com políticas sociais eficazes no combate à desigualdade é o
eixo central da política econômica do governo: estabilidade econômica com
retomada do crescimento em bases sustentáveis e maior justiça social.
(MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003a, p.16).
98
Em outro documento, de junho de 2003, as áreas prioritárias de ação do
governo se mostram mais concentradas:
A prioridade para a ação pública é o investimento na expansão e melhoria
da infra-estrutura, que é essencial para a retomada do crescimento
econômico, inclusive pelo seu impacto na redução do “custo Brasil”. Outro
item central desta agenda é a política industrial, tecnológica e de comércio
exterior, que deve focar-se no aumento da eficiência da estrutura produtiva,
aumento da capacidade de inovação das empresas brasileiras e expansão
das exportações. A boa ordenação das prioridades deverá, assim, dar base
para uma maior inserção do país no comércio internacional, estimulando os
setores onde o país tem maior capacidade de desenvolver vantagens
comparativas, abrindo ainda caminhos para o aproveitamento dos
incentivos existentes nos setores mais dinâmicos dos fluxos de troca
internacionais. Esta agenda é complementada pela ação coordenada do
governo na área social, especialmente no que tange à melhora dos níveis
de educação e saúde, com o conseqüente impacto positivo na qualificação
e capacidade da nossa força de trabalho (MINISTÉRIO DA FAZENDA,
2003b, p.1).
Esses documentos evidenciam que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
optou por uma via conservadora, mantendo-se fiel às políticas implementadas no
governo anterior. Considerando o nível de desconfiança dos credores internos e
externos com a condução da política econômica e, sobretudo, com o tratamento a
ser dado ao déficit fiscal, priorizou as medidas que contavam com o apoio dos
agentes financeiros. Nesse sentido, manteve a orientação da política de
desenvolvimento voltada para a inserção competitiva do Brasil no mercado
internacional, projeto que, como discutido anteriormente, requer uma série de
ajustes na infraestrutura, no sistema produtivo e na gestão das políticas monetária e
fiscal pelo governo .
Com relação à implementação das políticas, o documento acrescenta a
necessidade de uma coordenação das medidas para uma melhor avaliação dos
incentivos do Estado a determinados setores econômicos em função do potencial de
resultados a serem gerados e acrescenta:
Satisfeitas estas condições, as políticas resultantes deverão contribuir de
forma decisiva para o aumento de eficiência da estrutura produtiva e da
participação do país no comércio internacional, com a aceleração do
investimento, a criação de mais emprego, e a garantia de maior inclusão
social, dando, assim, corpo aos objetivos centrais do governo
(MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003b, p.1).
Também é importante notar que se manteve uma postura centrada na
gestão fiscal e reformas estruturais no novo governo, explicitado no diagnóstico da
99
necessidade de reformas microeconômicas e institucionais como incentivo à
competitividade brasileira. Constata-se com maior clareza a orientação para
reformas no documento de abril de 2003, que discrimina as áreas de atuação do
governo:
O ajuste saudável das contas do setor público – necessário à redução da
relação dívida/PIB e conseqüente recuperação da capacidade de
investimento dos setores público e privado – tornam imprescindíveis as
reformas estruturais. Algumas delas, como a reforma da Previdência,
tendem a produzir impactos diretos sobre as contas do setor público.
Outras reformas e projetos – reforma tributária, autonomia operacional do
Banco Central e reforma do mercado de crédito – trarão reflexos positivos
para o funcionamento da economia, acelerando o ritmo do crescimento do
produto (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003a, p.10).
Para o governo, tais reformas são a condição necessária para a inserção
do Brasil no mercado internacional de forma competitiva. O documento enfatiza
também a importância do desenho institucional adequado para que as relações de
mercado e as políticas públicas executem o seu papel de forma eficiente.
O desenho das instituições deve favorecer a transparência e a eficiência
econômica, assim como o acesso dos grupos de renda mais baixas aos
bens e serviços regulados. Na grande maioria dos casos, é possível
incorporar ambas as dimensões, estabelecendo-se um desenho
institucional que garanta a alocação eficiente dos recursos e viabilizando o
acesso dos grupos de menor renda aos serviços por meio de subsídios e
políticas sociais bem focalizadas. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003a,
p.12).
No PPA 2004-2007, verifica-se uma concentração maior de ações
voltadas à diminuição das desigualdades sociais e de criação de condições para o
exercício efetivo da cidadania, mantido o compromisso com a estabilidade
macroeconômica. O foco principal é o direcionamento dos investimentos para o
crescimento econômico via ampliação do consumo de massa no mercado interno
que seria capaz de gerar um círculo virtuoso, que consistiria desta forma: aumento
da renda, crescimento do consumo investimento, investimento, ampliação da
produtividade e da competitividade da indústria e novo aumento da renda. Para tanto
seria uma pré-condição a ação do governo para promover a inclusão social, geração
de emprego e distribuição da renda.
Seguindo a linha de crescimento com inclusão, o documento “Reformas
Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo” (MINISTÉRIO DA FAZENDA,
2004), apresenta as medidas governamentais desenhadas para remover as
100
barreiras ao crescimento sustentável. É nítida nesse documento uma visão sobre
desenvolvimento baseada na Nova Economia Institucional:
A evidência empírica hoje disponível indica que os ciclos mais longos de
crescimento econômico em geral são decorrentes de aumentos iniciais da
eficiência econômica, muitas vezes conseqüência de reformas
institucionais, que resultam em aumentos da produtividade total dos
fatores, da renda e da taxa de retorno das decisões de investimento,
induzindo, posteriormente, aumentos na taxa de investimento na economia.
Essa caracterização é consistente com a evidência empírica recente, que
indica a causalidade da taxa de crescimento econômico e da produtividade
total dos fatores para a taxa de investimento, desencadeando o círculo
virtuoso de crescimento econômico (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2004).
Sob esta ótica o governo definiu cinco áreas para a implementação das
reformas: “aperfeiçoamento do mercado de crédito e do sistema financeiro, melhoria
da qualidade da tributação, medidas econômicas para inclusão social, redução do
custo de resolução de conflitos e melhoria do ambiente de negócios” (MINISTÉRIO
DA FAZENDA, 2004).
Em síntese, pode-se afirmar que as propostas iniciais do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva apresentam como característica a estratégia de construção da
confiabilidade diante dos agentes econômicos, condição considerada essencial para
a manutenção do fluxo de capitais, o incremento do investimento privado e o avanço
da indústria brasileira em termos de produtividade e competitividade. A
implementação dessas propostas representou uma grande convergência com as
diretrizes do governo anterior no tocante à implementação de reformas estruturais e
institucionais. Essa similaridade de programas entre governos comandados por
grupos políticos adversários, que marcaram o debate eleitoral por um acirramento da
discussão em torno de visões distintas de desenvolvimento, leva naturalmente ao
questionamento sobre as suas razões.
Uma primeira explicação, corroborada pelos defensores da ortodoxia na
condução da política econômica, está relacionada à ausência de caminhos
diferentes para o desenvolvimento. Segundo essa visão, a economia atingiu um
nível de complexidade e interdependência que não mais permite a escolha de rumos
alternativos por governos nacionais, sob pena de perda de espaço no sistema
mundial. Alia-se a essa explicação o entendimento de que a ciência econômica
caminha para uma visão única, científica, sobre os fenômenos estudados. A política
101
teria perdido o espaço para a ciência e a técnica, no sentido da universalidade dos
fenômenos e de sua representação pela linguagem matemática.
Uma outra visão, derivada da Economia Política, chama a atenção para os
efeitos do movimento gradual, porém inconstante, de integração do sistema
econômico, que é próprio do modo de produção capitalista (WALLERSTEIN, 1985).
A expansão do capital e a regionalização dos fluxos produtivo e financeiro
produziram uma nova divisão internacional do trabalho levando as economias do sul
a negociar suas posições utilizando como vantagens o baixo custo dos recursos,
entre eles a mão-de-obra. Ao Estado nacional, que historicamente tem atuado em
associação com o poder econômico, cabe apenas trabalhar para a criação de um
ambiente institucional propício à expansão e liberdade de movimentação do capital
(FIORI, 2004; MARQUES-PEREIRA, 2001). Para isso, são necessárias as reformas
estruturais e também nos aspectos microeconômicos para atenuação das falhas de
mercado (NORTH, 1990). Dessa forma, ainda que existam alternativas possíveis
para a política econômica, a integração cria as regras do jogo, o que configura em
última instância, um obstáculo à autonomia dos Estados.
Uma terceira explicação relativiza os efeitos da integração econômica sobre a
perda de autonomia dos Estados. Para Batista Junior (1997), os discursos que
atestam a irreversibilidade do fenômeno conhecido como “globalização” tem maior
fundamento no plano ideológico do que efetivamente num processo intenso de
internacionalização dos mercados. Segundo o autor, a propagação dessas idéias
tem como objetivo diminuir as resistências sociais e políticas às reformas
econômicas que atendem a interesses de grupos específicos. Em outro sentido,
Diniz (2001) afirma que é a predominância da visão econômica na análise sobre os
efeitos da globalização que tende a minimizar a percepção do papel dos Estados
neste contexto. Para a autora, a globalização não é determinada exclusivamente
pela lógica econômica, pois também está submetida a aspectos políticos.
Em outros termos, a economia não se move mecanicamente, independente
da complexa relação de forças políticas. [..] que, por sua vez, tem a ver
com relações assimétricas de poder, que se estabelecem entre as
potências em escala mundial, traduzindo-se pela formação de blocos e
instâncias supranacionais de poder (DINIZ, 2001, p. 14).
102
Segundo Diniz, a definição das políticas a serem implementadas e a forma
de inserção econômica são função do pensamento das elites dirigentes nacionais e
da forma como elas se articulam politicamente.
Apesar de serem resultado de abordagens distintas, as visões de Batista Junior e
Diniz corroboram a idéia também presente em outros autores como Sachs, Becker e
Caccia Bava de que a globalização não representa a submissão da política à
economia e, por conseguinte, não restringe o papel do Estado e da participação e
articulação política na definição das diretrizes das políticas de desenvolvimento.
Este trabalho segue uma linha de pensamento que adere aos
fundamentos da Economia Política como explicação para a convergência de
agendas e o seu significado para os programas implementados pelo poder público
com vistas ao desenvolvimento, em particular o incentivo às microfinanças. Contudo,
agrega em sua crítica as abordagens que situam na articulação política um
movimento de contraponto efetivo à lógica econômica de curto prazo, como será
discutido no capítulo conclusivo.
4. A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA PARA O
DESENVOLVIMENTO NO BRASIL
No caminho percorrido neste trabalho, viu-se primeiramente que a
temática do desenvolvimento permanece em constante debate acerca de quais são
os condicionantes desse processo. Muitas são as posturas de economistas,
cientistas políticos e sociais, e antropólogos diante do desenvolvimento. Entre as
inúmeras questões que ocupam o centro dessa polêmica acerca dos caminhos do
desenvolvimento no século XXI, salientou-se aqui o espaço que o Estado e o
mercado devem ter na atividade econômica e a repercussão das políticas que
privilegiam um ou outro no que diz respeito ao acesso da população aos direitos
fundamentais do indivíduo em uma vida em sociedade. Em seguida, foi visto que o
tema passa por um reexame em função da falta de perspectivas decorrentes da
crise do modelo do Estado de Bem-Estar Social e da insuficiência da proposta
neoliberal para lidar com a crescente exclusão social. Na busca por uma maior
abrangência conceitual, capaz de traduzir a complexidade do tema, novas
abordagens e questões foram sendo incorporadas como a das liberdades
individuais, de Amartya Sen, o papel que as instituições exercem no processo de
desenvolvimento, a sustentabilidade desse processo frente ao impacto ambiental
provocado pelo atual modelo econômico, a relação entre capital social e
desenvolvimento local, e os conflitos e oportunidades advindos da integração de
contextos locais a uma dinâmica global da economia.
Os vários matizes que conformam o debate em torno das vias possíveis
para o desenvolvimento têm, indubitavelmente, repercussão sobre o processo de
constituição da agenda que norteia as ações dos governos nas políticas de
104
desenvolvimento. Trata-se de uma estrutura de ideários, valores, pensamentos e
modelos de referência do social que influenciam direta ou indiretamente o processo
de formulação de políticas públicas e de estratégias no campo do desenvolvimento.
O segundo capítulo apresentou elementos para a discussão em torno dos
fatores políticos, sociais e econômicos que interferem nesse processo, trazendo
subsídios para o capítulo conclusivo do trabalho, no qual se procurará demonstrar
como a integração econômica contribui para uma relativa padronização de políticas
a fim de manter as economias nacionais dentro de uma ordem econômica
estabelecida pela lógica de reprodução do capital internacional. As reformas
estruturais e, principalmente, a reforma do Estado, são o exemplo maior da
convergência de agendas entre os países, principalmente entre os demandantes de
recursos externos externos e mais dependentes no âmbito do sistema econômico
internacional.
Mas quais foram os resultados mais visíveis dessa quase “padronização”
das políticas públicas, predominantemente na área econômica dos países em
desenvolvimento? A manutenção de baixos índices de inflação nos últimos dez anos
possibilitou a esperada estabilidade macroeconômica, embora o modelo adotado
tenha exposto o país a períodos de instabilidade decorrentes das crises financeiras
mencionadas no capítulo precedente. O controle da inflação seria o incentivo
fundamental ao investimento privado, pela recuperação do poder de compra das
classes de menor renda e, principalmente, pela maior previsibilidade do cenário
econômico. A reunião desse grupo de fatores levaria ao crescimento econômico.
Aliado a isso, como evidenciado no capítulo anterior, foram tomadas diversas
medidas para a reestruturação da economia, reduzindo a participação do Estado e
flexibilizando a regulamentação das atividades produtivas. Mas os números da
economia mostram que as expectativas foram frustradas. Segundo o documento do
Ministério da Fazenda “Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo”,
os indicadores da economia brasileira mostram um evidente distanciamento com
relação não só aos países chamados “desenvolvidos” como também aos
emergentes. A taxa de crescimento do produto por trabalhador no Brasil, no período
1990-95 foi de 2,3% ao ano, caindo para 1,0% ao ano entre 1995 e 2000
(MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2004). Nesses dois períodos, a Coréia do Sul, um dos
105
países chamados “Tigres Asiáticos”, teve um crescimento do produto por trabalhador
acima de 6% e 2% ao ano, respectivamente. Com relação a um país desenvolvido
como os Estados Unidos, o documento do Ministério da Fazenda aponta que houve
um crescimento da diferença de renda per capita entre as duas economias. Segundo
o documento, a renda per capita no Brasil equivalia entre 15% e 30% da renda nos
Estados Unidos, considerando a paridade de poder de compra. Contudo, nas
décadas de oitenta e noventa houve uma queda de 30% a 20% em relação à renda
dos Estados Unidos. Ainda segundo esse documento, outros países em
desenvolvimento reduziram essa diferença no mesmo período (MINISTÉRIO DA
FAZENDA, 2004). Os dados mostram que, embora as políticas macroeconômicas
visando à estabilização tenham contribuído de fato para a redução dos níveis de
inflação, muitos foram os efeitos adversos: a liberalização do fluxo de capitais tornou
o câmbio e os mercados financeiros mais instáveis, pois os investidores já não
encontram mais barreiras à mobilidade dos recursos financeiros, fazendo com que
as decisões de investimento passem a se basear nas possibilidades de ganho no
curto prazo; o controle do nível de preços via taxas de juros elevadas aumentou o
montante da dívida dos Estados, sobretudo no caso brasileiro, e contraiu a
capacidade de investimento dos setores público e privado. Além disso, a
reestruturação do modelo de produção, caracterizada pela maior mobilidade do
capital, e de uma nova distribuição da cadeia produtiva, elevou o nível de
desemprego e de subemprego em algumas regiões, provocando o aumento da
exclusão social e da pobreza. As instituições do mercado financeiro não têm
cumprido a função de produzir a eficiência na alocação dos recursos econômicos,
regulando o fluxo entre ofertantes e demandantes de capital. Pelo contrário, as
condições exigidas pelo sistema financeiro para a concessão de crédito e o alto
custo do dinheiro têm criado obstáculos diversos ao acesso dos empreendedores ao
capital. Há que se observar que parte dessas condições tem origem na
regulamentação do sistema, cuja característica é a adoção de normas prudenciais
com vistas a diminuir o risco de perdas pelas instituições com operações de crédito.
As dificuldades para o acesso a recursos são ainda mais evidentes para os negócios
intensivos em capital humano, que em geral são de pequeno porte (muitos atuam na
informalidade), mas que têm uma importância estratégica para a geração de
emprego e renda, que estão entre as condições necessárias para a diminuição da
pobreza.
106
Contudo, a explicação para a relativa estagnação da economia brasileira,
que vem sendo dominante no meio econômico e que tem pautado a agenda política,
é a existência de um ambiente institucional cuja configuração criaria obstáculos
diversos aos empreendimentos privados, tais como a incerteza na formalização de
contratos e mediação de conflitos, a lentidão dos processos para abertura e
fechamento de firmas, a ineficiência dos serviços prestados pelo Estado, a
complexidade do sistema tributário, os custos de contratação e dispensa de
empregados e o elevado custo de recuperação de dívidas, entre outros. Diante
desse quadro, o caminho para a definição das políticas públicas de incentivo ao
crescimento e ao desenvolvimento passaria então, pela avaliação e mudança do
ambiente institucional, agora com enfoque sobre a microeconomia, ou seja, nas
variáveis que interferem no comportamento dos agentes econômicos num contexto
definido por relações de mercado. O terceiro capítulo do presente trabalho trata,
assim, de uma questão específica no âmbito das propostas de reformas
microeconômicas para a correção do que são consideradas disfunções do atual
ambiente institucional: o acesso da população de baixa renda aos serviços
financeiros. Pretende-se, neste capítulo, evidenciar as origens das políticas de
incentivo às microfinanças, as primeiras iniciativas dentro da sociedade civil, a
incorporação do tema na agenda do governo FHC e o impulso dado ao setor no
mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
4.1 A ORIGEM
A utilização das microfinanças como política pública de combate à pobreza
e, por conseguinte, de promoção do desenvolvimento é decorrente de um processo
de institucionalização de conceitos e práticas que vêm se formando a partir das
experiências de políticas destinadas a promover a melhoria das condições de vida
das populações de baixo poder aquisitivo, em que as organizações da cooperação
internacional e da sociedade civil têm tido grande participação. Segundo dados
apresentados por Fontes (2003), há registros de experiências na área de concessão
de créditos de pequenos valores desde os séculos XVIII e XIX, respectivamente o
107
Lending Charity, em Londres, e o Sistema de Fundo de Empréstimo, na Irlanda.
Conforme o estudo, merece destaque também o surgimento das cooperativas na
Alemanha, Itália e Irlanda no fim do século XIX. Na primeira metade do século XX,
tem-se o registro do Badan Kredit Desa, na Indonésia. Mas a primeira iniciativa de
concessão de crédito para a população de baixa renda com as características do
conceito atual de microcrédito é a atuação do Grameen Bank, a partir de 1976,
instituição bancária criada em Bangladesh pelo professor Muhammad Yunus.
A experiência do professor Yunus, que no início não constituía uma
instituição financeira formal, foi baseada na constatação de sua equipe de
pesquisadores de que parte da população de uma comunidade pobre de
Bangladesh obtinha renda por meio da produção artesanal de bens. Entretanto, a
falta de recursos para a compra da matéria-prima e de ferramentas tornava essas
pessoas dependentes dos comerciantes locais, que forneciam os insumos, mas
pagavam quantias muito abaixo dos preços de mercado pelos produtos. Para aquela
realidade, portanto, o crédito era o instrumento necessário para que o pequeno
artesão pudesse negociar os preços dos seus produtos em melhor condição e
assim, aumentar a sua renda. Um dos fatores decisivos que levaram o professor a
investir na concessão de crédito para a população pobre era o baixíssimo montante
demandado por cada indivíduo. Por vezes, alguns centavos de dólar eram
suficientes para romper o vínculo de dependência entre o artesão e o agiota.
(YUNUS E JOLIS, 2004).
Em 2005, o Grameen Bank possuía uma carteira de crédito da ordem de
US$439 milhões, segundo dados do seu endereço eletrônico na internet. A tabela
seguinte apresenta alguns dados sobre o banco com destaque para a evolução dos
seus números.
108
Tabela 14 – Dados sobre o desempenho do Grameen Bank – 1976/2005 (volumes em US$
milhões)
1976 1980 1985 1990 1995 2000 2005
Volume acumulado de
desembolsos (Todos os
empréstimos)
0,001 1,31 38,33 248,08 1405,94 3060,44 5025,61
Desembolsos durante o
ano (todos os
empréstimos)
0,001 1,1 16,5 68,73 333,17 268,44 608,79
Número de membros (em
milhares)
0,01 14,83 171,622 869,538 2065,66 2378,36 5579,4
Percentagem de
membros do sexo
feminino
20 31 65 91 94 95 96
Fonte: Grameen Bank (<http://www.grameen-info.org/bank/index.html>)
Um elemento que merece destaque na experiência do Grameen é a
metodologia empregada. Os empréstimos destinavam-se às mulheres como público
prioritário porque elas apresentavam menor risco de inadimplência. Além disso,
segundo Barone e outros (2002), a atuação do Grameen seguia os seguintes
procedimentos: aval solidário e atuação de um agente de crédito. Por meio do aval
solidário, os empréstimos são garantidos por um grupo de tomadores, cada um
responsável pelas dívidas assumidas pelos demais. Esse modelo de garantia utiliza
as relações sociais e o compromisso mútuo assumidos pelos participantes de uma
comunidade como forma de criar um vínculo que vai além da relação credor-
devedor. Já a ação do agente de crédito destina-se ao acompanhamento das
atividades e emprego dos recursos pelos tomadores. Em alguns casos, o agente
também presta orientação técnica. Essas medidas buscam garantir que os recursos
sejam empregados como previsto, aumentando as possibilidades de retorno do
investimento e, conseqüentemente, do pagamento da dívida.
Uma série de pesquisas têm sido realizadas para analisar a experiência do
professor Yunus, que levou à criação do Grameen Bank. Os dados apresentados
pela instituição mostram, indubitavelmente, um elevado crescimento das operações
e da população atendida o que tende a ser compreendido como prova de
sustentabilidade financeira. Estes estudos deram notoriedade à metodologia do
microcrédito, tornando o Grameen uma referência para o setor. Como afirmam
Barone e outros, “(...) o seu modelo já foi reproduzido em mais de 30 países” e “(...)
atualmente atende, juntamente com outras organizações nele inspiradas, mais de 3
109
milhões de clientes” (2002, p.14). Contudo, há imprecisões nesses dados como
aponta o trabalho de Morduch (1999). Segundo o autor, os dados do Grameen,
quando convertidos para o padrão das regras contábeis, mostram índice de perdas
com operações de crédito muito acima do divulgado (de 1,6% para 7,2% entre 1985
e 1996). Esta medida, além da contabilização indevida de doações como receitas,
fizeram com que o resultado financeiro do Grameen Bank, segundo o autor, fosse
alterado, passando de lucro de US$1,5 milhões, para prejuízo de US$15 milhões
entre 1985 e 1996. Além disso, os subsídios obtidos pelo Grameen por meio de
recursos captados a taxas abaixo do mercado permitem a sustentabilidade das
operações. Se não houvesse tais subsídios no período de 1985 a 1996, as taxas de
juros aplicadas pela instituição nas suas operações seriam 150% por cento maiores
(20% a.a. para 50% a.a.), o que poderia ter comprometido a sua expansão.
Outros modelos institucionais, além daquele implantado pelo Grameen,
têm sido desenvolvidos, colaborando para uma variedade de instituições conforme a
origem, serviços prestados e metodologia empregada na concessão de crédito. O
quadro 1 apresenta, esquematicamente, dados sobre alguns dos principais modelos
institucionais
11
.
(continua)
Instituição Ano Local Características
Bank Rakyat Indonesia
1897 Indonésia - Controlado pelo Estado;
- O financiamento é individual (não há grupos);
- São exigidas garantias dos devedores;
- O público-alvo é o estrato superior em renda entre
os mais pobres.
Badan Kredit Desa
1940 Indonésia - Sistema de instituições de crédito originárias de
cooperativas e bancos rurais;
- O público alvo é a parcela mais pobre;
- Financiamentos individuais;
- Não exige garantias, porém requer um montante
permanente em depósito;
- Prazos curtos (10 a 12 semanas);
- Pagamentos semanais de parcelas do empréstimo.
Grameen Bank
1976 Bangladesh - Foco na parcela mais pobre entre os pobres;
- Prioridade para as mulheres;
- Formação de grupos de devedores solidários;
- Pagamentos semanais;
- Não exige garantias;
- Supervisão contínua das atividades do devedor.
Quadro 2 – Modelos de instituições de microfinanças.
11
Para informações sobre outras iniciativas no segmento de microfinanças, vide Fontes (2003).
110
(conclusão)
Instituição Ano Local Características
Banco Sol
1992 Bolívia - Banco originário de uma organização da sociedade
civil (PRODEM);
- Financia indivíduos e grupos solidários;
- Fornece diversos serviços entre crédito, depósitos,
seguros, transferências, etc.;
- Prazos de pagamentos diferenciados;
- Foco na auto-sustentabilidade financeira.
Quadro 2 – Modelos de instituições de microfinanças.
Fontes: (MORDUCH, 1999), (FONTES, 2003), Grameen Bank <http://www.grameen-
info.org/bank/index.htm>, The Global Development Research Center <http://www.gdrc.org/
icm/country/id-mfi/idmfi-bkd.pdf >, Banco Sol <http://www.bancosol.com.bo/> e Bank Rakyat
Indonesia <http://www.bri.co.id/english/index.html>.
Uma outra forma de organização que se inclui no rol de prestadoras de
serviços financeiros aos pobres são as cooperativas de crédito. Nesse caso, são
aquelas cujo público-alvo são as comunidades rurais que têm na agricultura familiar
ou de pequeno porte a sua principal fonte de renda e subsistência. Para alguns
autores, as cooperativas de crédito, juntamente com os fundos assistenciais como o
Lending Charity, citado anteriormente, representam as primeiras experiências de
viabilização do acesso a recursos pelas populações de baixa renda. A diversidade
de organizações e métodos revela que a expansão do segmento das microfinanças
tem trilhado caminhos distintos nos países, trazendo à tona a discussão em torno da
necessidade do incentivo governamental à atividade, a abrangência do público-alvo
e a natureza jurídica das instituições, se organizações sem fins lucrativos ou
empresas privadas. Por exemplo, em Bangladesh, assim como na Bolívia, o
segmento foi impulsionado por uma organização sem fins lucrativos que foi
transformada, depois, em instituição financeira. Na Indonesia, houve a participação
do governo, com o Bank Rakyat e de organizações privadas com as integrantes do
sistema Badan Kredit Desa, embora as duas tivessem fins lucrativos. No Brasil,
embora as atividades pioneiras tenham sido desenvolvidas por organizações da
sociedade civil, num segundo momento o segmento contou com o suporte financeiro
do setor público. Posteriormente o apoio do Estado evoluiu para a ação direta no
segmento por meio do Banco Nordeste.
A reprodução de experiências nessa área ganhou impulso com o
movimento crescente de intercâmbio de informações, realização de projetos de
cooperação técnica e financeira e produção de relatórios sobre estratégias de
111
combate à pobreza com base no incentivo às microfinanças. Esses trabalhos,
freqüentemente apresentados e difundidos por organizações internacionais, têm
colaborado para a inserção do tema na agenda dos países em desenvolvimento. A
Microcredit Summit Campaign é um dos principais fóruns de discussões em torno do
tema. Criado pela Result, uma organização sem fins lucrativos dos Estados Unidos,
cujo objetivo é o combate à pobreza, a Microcredit Summit Campaign reúne
autoridades e profissionais das microfinanças com o propósito de expandir o alcance
desse segmento a 100 milhões de famílias pobres até o ano de 2005.
Posteriormente, a meta foi ajustada para 175 milhões de famílias até 2015. A ONU
tornou-se também um espaço de promoção das microfinanças ao incluir o tema em
sua agenda por meio da Resolução 53/197 de fevereiro de 1999, que instituiu o Ano
Internacional do Microcrédito em 2005, entre outras ações realizadas pelas
organizações a ela vinculadas. Segundo a resolução, a decisão da ONU se baseou
no apoio dado ao microcrédito em diversos fóruns e assembléias regionais que o
elegeram como estratégia de combate à pobreza, além de fazer com que a data
coincidisse com o ano de encerramento da Microcredit Summit Campaign, que
depois foi prorrogado para 2015.
A profusão de estudos, debates e projetos que focalizam as microfinanças
como estratégia de combate à pobreza, principalmente nos últimos dez anos, está
relacionada à busca pela comunidade internacional de alternativas para atenuar os
problemas sociais que os instrumentos tradicionais mostraram-se incapazes de
resolver, criando tensões no sistema que se refletem nos movimentos da sociedade
civil de contestação ao modelo econômico, simplificado na crítica à globalização. Os
ajustes estruturais, a abertura dos mercados de bens e de capitais, a
desregulamentação da economia, com a redução do papel do Estado, não
cumpriram a promessa de estimular os investimentos privados e promover o
crescimento econômico. Pelo contrário, os investimentos realizados, cuja motivação
é a competitividade entre os grandes conglomerados, tiveram foco nos ganhos de
produtividade e redução de gastos, o que inibiu o crescimento da produção e elevou
os índices de desemprego. Diante deste cenário, abre-se o debate em torno de
propostas para o problema que reproduzem aspectos da bipolaridade dos estudos
sobre desenvolvimento: a contestação do modelo econômico em vigor e,
conseqüentemente, das estruturas de poder forjadas no jogo desigual das relações
112
de mercado; ou o aprofundamento das reformas liberalizantes fundadas nos
argumentos da eficiência do mercado na alocação de recursos e da proeminência do
interesse individual como fonte da regulação social e econômica e redução das
desigualdades. Num ambiente marcado pela intensificação do poder econômico das
finanças e das companhias transnacionais, que instituem um modelo de governança
que mitiga a autonomia dos países, a alternativa que encontraria menor resistência,
como de fato ocorreu, foi a busca de soluções para as desigualdades sociais pela
via do mercado. Ora, a possibilidade de construir uma alternativa de combate à
pobreza a partir da defesa do papel das finanças como fator de empoderamento dos
indivíduos que estão privados da satisfação de suas necessidades básicas constitui
um argumento que, a priori, encontra limitada oposição. Com a divulgação de
experiências como a do Grameen Bank, criava-se então, o conjunto de elementos
que legitimaram a proposta liberal de redução da pobreza pela via financeira, que
ganhou notoriedade na comunidade internacional nesses últimos dez anos.
Além dos fóruns de debate e difusão de experiências, diversas
organizações atuam diretamente na execução de projetos de assistência técnica,
avaliação de impacto e auditoria, entre elas o Women’s World Banking (Banco da
Mulher), o Planet Finance e a Acción International. Aqui são destacadas as
participações de duas organizações: o Consultative Group to Assist the Poor
CGAP e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD.
Em 1995, o Banco Mundial incentivou a criação do CGAP, um consórcio
de 28 instituições, cujo objetivo principal é expandir o acesso da população pobre
aos serviços financeiros. Entre as suas ações está a realização de pesquisas para o
desenvolvimento de metodologias operacionais para o segmento, a assistência
técnica para as organizações que atuam no setor e a disseminação de informações
e boas práticas dentro do segmento. A mensagem difundida pelo CGAP é a
existência de um consenso de que o estímulo à ampliação do acesso da população
aos serviços financeiros é uma política eficaz de redução da pobreza.
Os serviços financeiros para os pobres têm provado ser um instrumento
poderoso para redução da pobreza. Acesso a serviços financeiros permite
aos pobres aumentar a sua renda e uniformizar o fluxo de consumo, e
assim expandir sua base de ativos e reduzir sua vulnerabilidade a choques
externos (CGAP, 2003b, p.2) (tradução nossa).
113
Entre os princípios defendidos pela instituição, conforme verificado no
relatório de 2003, está a integração desse segmento ao sistema financeiro
tradicional, que reflete a visão de que o desenvolvimento da indústria de
microfinanças passa necessariamente pela obtenção de ganhos de escala e
diversificação das instituições que operam no setor, bem como da gama de serviços
prestados à população. Outro princípio defendido pelo CGAP é a definição do papel
do Estado no incentivo às microfinanças. Segundo o relatório apresentado pelo
CGAP, a participação dos governos deve se restringir à criação de um ambiente
institucional que permita ao mercado desenvolver essa atividade de forma mais
eficiente e sustentável. Sob essa ótica, as microfinanças são caracterizadas como
um segmento da atividade econômica e não uma política social. É importante
observar que essa visão não constitui um consenso. Atualmente, vê-se um debate
recorrente entre os atores ligados ao setor sobre a necessidade da participação do
Estado como fonte de recursos de baixo custo. Os defensores da ação estatal, em
geral, compreendem as microfinanças como uma política social e, por isso, a busca
pela ampliação do alcance das ações desenvolvidas deve estar acima das restrições
impostas pela visão de uma atividade economicamente sustentável, o que implica
selecionar a aplicação de recursos segundo as expectativas de retornos financeiros.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, incluiu
as microfinanças em sua estratégia de atuação mediante a utilização do Fundo de
Desenvolvimento do Capital das Nações Unidas - UNCDF para o apoio às
microfinanças a partir de 1995 (UNCDF, 2004). Na visão da UNCDF, as
microfinanças desempenham um papel central na política de redução da pobreza na
medida em que reduz a vulnerabilidade dos indivíduos frente a situações
emergenciais que repercutem no aumento de gastos. O fundo tem desenvolvido
ações em diversos países tais como Serra Leoa, Madagascar, Senegal e Congo. A
linha de atuação do UNCDF é o incentivo institucional ao setor a fim de que as
organizações que operam com microfinanças possam adquirir autonomia e
sustentabilidade operacional e financeira. Dessa forma, o PNUD reforça a noção de
que o setor de microfinanças deve ser auto-sustentável, o que pressupõe a sua
independência de recursos de doações ou subsídios fornecidos pelo Estado.
114
A ação destas organizações contribuiu decisivamente para a difusão dos
projetos de apoio às microfinanças. Fontes (2003) fornece mostras da propagação
dessas experiências: Association for Social Advancement, em Bangladesh, 1978;
TSPI Development Corporation, nas Filipinas, 1981; Associación Dominicana para el
Desarrollo de la Mujer, República Dominicana, 1982; e diversas outras na Colômbia,
Peru, Costa Rica, México, Paraguai, Chile, Bolívia, Senegal, Egito, Guatemala,
Nicarágua, Argentina e El Salvador.
Outra experiência destacada por Barone e outros (2002) é a do Bank
Rakyat Indonésia, uma organização estatal que criou operações especializadas na
população de baixa renda. Na América Latina, tem-se o registro da criação do Banco
Sol, na Bolívia. Segundo Barone e outros, esta instituição teve início em 1986 e foi
originalmente criada como uma organização sem fins lucrativos, cujos recursos eram
provenientes de doações de “organizações internacionais, governo e empresários
locais” (2002, p.14).
Embora o tema microfinanças tenha alcançado notoriedade no Brasil
apenas a partir dos anos 90, o que coincide com o período de promoção deste
segmento no cenário internacional, há registro de algumas iniciativas que
antecederam essa fase. Segundo Barone e outros (2002), o primeiro registro de uma
organização cuja atuação era voltada para o fornecimento de crédito para a
população de baixa renda é de 1973. Trata-se da União Nordestina de Assistência a
Pequenas Organizações – UNO, uma iniciativa implementada nas cidades de Recife
e Salvador pela ONG Acción Internacional e com apoio de empresários e bancos
locais (BARONE E OUTROS, 2002). A área de atuação da UNO era a concessão de
crédito e capacitação profissional para trabalhadores do setor informal. A
organização também produzia pesquisas sobre as características do setor informal
como o perfil dos empreendedores e o impacto do crédito em suas atividades
(BARONE E OUTROS, 2002). A segunda iniciativa conhecida é a da rede CEAPE –
Centro de Apoio aos Pequenos Empreendimentos. Essa rede é formada por
diversas organizações não governamentais independentes, mas que adotam os
mesmos parâmetros de atuação. A primeira organização da rede iniciou as suas
atividades em 1987 na cidade de Porto Alegre. Outra instituição formada por uma
rede de organizações é o Banco da Mulher. Trata-se de uma instituição que atua na
115
área do microcrédito com foco nas atividades econômicas empreendidas por
mulheres, mas que gradualmente vem atingindo o público masculino. Salvador foi a
primeira cidade atendida pela organização, a partir de 1989. Atualmente, além da
Bahia, há organizações atuando nos estados do Amazonas, Minas Gerais, Paraná,
Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Santa Catarina (BARONE E OUTROS, 2002).
Essas três experiências, que caracterizam a inserção das microfinanças
no Brasil, merecem destaque por terem um aspecto em comum. Todas elas tiveram
como base de sustentação, pelo menos em seu início, o apoio técnico e/ou
financeiro de organizações internacionais. A UNO teve o suporte da Acción
International e de doações de outras organizações estrangeiras, a rede CEAPE
contou com o BID e o Inter-American Foundation – IAF para a constituição do
funding inicial e o Banco da Mulher tem o apoio do Women´s World Banking. Essa
constatação mostra que a organização de serviços financeiros destinados a atender
a população de baixa renda no Brasil, nos padrões comumente adotados, tem a sua
origem num processo de transferência de recursos e metodologias desenvolvidas
em outros países. Esse processo iniciado por organizações da sociedade civil
mostra que num primeiro momento, a relação entre pobreza e acesso a serviços
financeiros não era um assunto em pauta na agenda política nacional. Resta então,
identificar de que forma as microfinanças passaram a ser um tema em destaque nas
políticas públicas. Nas linhas seguintes procura-se esclarecer um aspecto decisivo
nesse processo: a produção de um diagnóstico sobre a vida financeira da população
pobre no Brasil, a sua relação com o crescimento econômico e a melhoria da
qualidade vida dos cidadãos e os caminhos para a solução das dificuldades
encontradas.
4.2 O DIAGNÓSTICO DA REALIDADE BRASILEIRA
O acesso da população pobre aos serviços financeiros no Brasil passou a
ser objeto de trabalhos técnicos e acadêmicos que têm contribuído para a difusão de
conceitos, diagnósticos e propostas sobre a relação entre índices de pobreza e a
116
exclusão do mercado financeiro. Alguns destes trabalhos são destacados aqui por
explicitarem diversos pontos das premissas que têm guiado a formulação das
políticas de incentivo ao segmento das microfinanças.
Brusky e Fortuna (2002) realizam um diagnóstico da demanda por
serviços financeiros pela população de baixa renda. O objetivo do trabalho foi
demonstrar que mesmo sem acesso ao sistema bancário formal, as populações de
baixa renda utilizam serviços financeiros entre os quais o crédito é o mais
demandado. A seguir são apresentadas as informações essenciais obtidas pelos
pesquisadores.
A pesquisa realizada por Brusky e Fortuna foi desenvolvida nas cidades
de Recife e São Paulo em novembro de 2001. Na metodologia empregada pelos
autores, foram definidos 3 tipos de operação de crédito: formal, semiformal e
informal.
Na categoria crédito formal, os autores fazem a distinção entre o
empréstimo em dinheiro e o crédito parcelado. Os resultados encontrados pelos
autores mostram que o crédito parcelado é de mais fácil acesso para essa parcela
da sociedade, principalmente pelo uso de cartões de crédito vinculados a lojas. Os
empréstimos, sejam de bancos ou financeiras, são menos utilizados, por conta das
exigências referentes à documentação e pelos custos e se destinam a cobrir
despesas emergenciais. Nesse caso, as financeiras são as mais utilizadas por conta
da menor exigência com relação ao nível de renda (BRUSKY E FORTUNA, 2002).
Para os cidadãos que têm conta corrente em bancos há também a possibilidade de
obter crédito por meio da utilização de cheques pré-datados. Para o consumidor,
trata-se de uma forma de parcelar o valor das compras. Para o microempreendedor,
o cheque pré-datado entregue pelos consumidores também se torna um instrumento
de crédito, pois é possível obter recursos por meio da negociação dos cheques,
modalidade conhecida como desconto de cheques.
As operações semiformais são caracterizadas pelos autores como aquelas
em que o nível de exigências em termos de documentação do solicitante é pequeno
e a formalização é incipiente (em geral não são firmados contratos entre as partes).
Nessas operações não há uma instituição financeira envolvida. São os empréstimos
117
feitos pelo empregador ou pelo agiota ou das “caixinhas” de empresas. A alternativa
de crédito parcelado, conforme a pesquisa de Brusky e Fortuna, é o crediário de
lojas ou fornecedores.
A informalidade é uma realidade também presente no segmento
financeiro. Como apontam Brusky e Fortuna (2002), as operações informais não têm
qualquer exigência em termo de documentação. As transações realizadas se devem
em grande parte às relações sociais do indivíduo. A origem dos recursos do
empréstimo freqüentemente é um familiar ou amigo.
Apesar de representar um volume inferior às operações de empréstimo, os
serviços relacionados à formação de poupança são uma demanda da população de
baixa renda. No entanto, segundo o estudo, dá-se preferência por formas
compulsórias de poupança como os títulos de capitalização. Uma outra forma de
poupança forçada não abordada pelo trabalho é a participação em consórcios. Essa
modalidade de compras cria uma obrigatoriedade de poupança para a aquisição do
bem na medida em que, na maioria dos casos, os pagamentos são feitos
antecipadamente frente ao recebimento do bem em aquisição, que depende de
sorteio ou oferecimento de um lance em dinheiro
12
.
Outro serviço financeiro que tem a demanda da população pobre, porém
raramente utilizado é o seguro. Como afirmam Brusky e Fortuna, o custo desse
serviço é inacessível para os pobres. Aqueles que contrataram algum serviço dessa
natureza o fizeram por conta de operações casadas com empréstimos, por exigência
das instituições financeiras.
Para a realidade específica do microempreendedor, o que merece
destaque é a necessidade do capital de giro para a manutenção e ampliação do seu
negócio. Na pesquisa de Brusky e Fortuna fica clara a dependência de fontes
externas de recursos para os pequenos negócios. Em geral, esses
empreendimentos têm origem na perda do emprego do cidadão, que tendo poucas
perspectivas para conseguir um novo posto de trabalho, destina o recurso advindo
12
Existe uma modalidade de lance em que não há desembolso efetivo de dinheiro. É o lance embutido, no qual o
consorciado oferta um lance baseado na redução do valor da carta de crédito. Na prática, o consorciado recebe
uma carta de crédito com o valor inicial menos o lance ofertado.
118
da indenização trabalhista para uma atividade autônoma, afirmam os pesquisadores.
Como o volume financeiro é de pouca monta e o lucro das atividades tende a ser
utilizado para a cobertura das despesas domésticas, os recursos destinados ao
reinvestimento são muito limitados. Por esse motivo, a ampliação do negócio
depende quase que exclusivamente do crédito, tanto para capital de giro, como para
a aquisição de máquinas e equipamentos (BRUSKY E FORTUNA, 2002).
Segundo os autores, os atributos que mais são observados pela
população de baixa renda e interferem na utilização de serviços financeiros são a
acessibilidade, aqui entendida como a existência de pouca ou nenhuma exigência
formal para a obtenção do crédito; a disponibilidade, que se refere à possibilidade de
usar o recurso do parcelamento para a compra de um determinado bem e a
proximidade entre a residência e o estabelecimento comercial; a rapidez na
efetivação das transações; a adaptabilidade dos prazos e parcelas à capacidade de
pagamento do comprador; o atendimento adequado; a transparência nas relações
contratuais; e alternativas de renegociação, que se refere à possibilidade do devedor
repactuar a sua dívida sob novos parâmetros, quando necessário.
A pesquisa realizada por Brusky e Fortuna oferece pistas relevantes
sobre o comportamento da população de baixa renda frente ao uso de serviços
financeiros. Percebe-se que o baixo poder aquisitivo não limita a demanda e que o
nível de consumo da parcela mais pobre da população tende a ser mais elevado que
o dos grupos de maior poder aquisitivo e são destinados majoritariamente à
aquisição de serviços e produtos essenciais. Os limites à capacidade de poupança
tornam os pobres mais vulneráveis financeiramente à cobertura de despesas
imprevistas como às relacionadas a tratamentos de saúde, e eventuais como a
compra de material escolar, reforma da habitação, etc. Além das necessidades aqui
citadas, a demanda por consumo de bens duráveis é outro fator de estímulo à
utilização do crédito. Com relação ao microempreendedor, a pesquisa indica que a
vulnerabilidade é ainda maior. Tanto o seu negócio precisa do crédito para manter o
giro do estoque e a atualização tecnológica, como é preciso que o seu cliente
disponha de alternativas para pagar pelos bens e serviços negociados. Portanto, as
evidências apresentadas não deixam dúvida de que a população pobre demanda
serviços financeiros, mesmo que de forma diferenciada. De fato, há outros aspectos
119
não discutidos pelos autores que reforçam essa constatação como os instrumentos
de pagamentos, recebimentos e transferências de recursos. Esses serviços,
usualmente oferecidos para os clientes das instituições bancárias, estão associados
diretamente à rapidez e ao custo das transações comerciais. As pessoas que não
têm acesso a meios, principalmente os eletrônicos, para realizar tais transações,
incorrem em custos diversos, que podem adiar ou mesmo inviabilizar um negócio ou
tornar mais dispendiosa a satisfação de necessidades básicas. A ausência de
instituições financeiras numa determinada localidade cria custos adicionais de
transporte e de tempo para o cidadão que necessita receber uma pensão, transferir
dinheiro para um familiar em outra cidade, realizar pagamentos, fazer depósitos de
quantias recebidas em dinheiro pela venda de mercadorias e prestação de serviços,
etc. A partir do conhecimento dessa realidade, ganhou forma o discurso de que o
acesso dos mais pobres aos serviços financeiros formais representaria mais do que
a sua inclusão como consumidores no mercado das finanças. A disponibilidade de
serviços financeiros seria, então, um fator necessário para que as atividades
econômicas de uma localidade se desenvolvessem com menores custos.
Além dos estudos voltados para a identificação da demanda por serviços
no segmento de microfinanças, outras pesquisas tiveram como objetivo avaliar essa
demanda em termos quantitativos. Como mostra o estudo de Cristina Ribeiro (2004),
com relação especificamente ao microcrédito, há diversas metodologias para a
mensuração da sua demanda. Um dos pontos essenciais para o cálculo é o conceito
de microempreendimento. Para Nichter (apud Ribeiro, 2004), microempreendimento
é o negócio, formal ou informal, que emprega até quatro pessoas. Segundo Ribeiro,
empreendimentos com até nove empregados podem eventualmente ser incluídos no
conceito.
O modelo baseou-se em diversos estudos do IBGE, adequando-os aos
anos de 2001 e 2002, para levantamento de uma estimativa precisa e
adequada do número de microempreendimentos no país, considerando-se:
i) empresas formais com quatro empregados ou menos, ii) empresas
informais urbanas, e iii) fazendas rurais de menos de dez hectares
(RIBEIRO, 2004, p.120).
Para a definição da demanda foi adotada a metodologia de Christen,
baseada na definição de um redutor de 50% sobre a quantidade de
empreendimentos estimados (RIBEIRO, 2004). Assim chegou à conclusão de que a
120
demanda por microcrédito no Brasil é de R$8,2 milhões, como mostra a tabela
abaixo:
Tabela 15 - Demanda por microcrédito no Brasil por regiões - 2002
Microempreendimentos Demanda
Regiões
Quantidade (mil) Percentual Quantidade (mil) Percentual
Norte 900 5,49% 450 5,49%
Nordeste 5.300 32,32% 2.650 32,32%
Centro-Oeste 1.000 6,10% 500 6,10%
Sudeste 6.400 39,02% 3.200 39,02%
Sul 2.800 17,07% 1.400 17,07%
Brasil 16.400 100,00% 8.200 100,00%
Fonte: Baseado em dados de Nichter apud Ribeiro (2004)
Outra estimativa destacada no trabalho de Ribeiro (2004) é a realizada
pela Caixa Econômica Federal - CEF, Organização Internacional do Trabalho – OIT
e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, baseada em
dados da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar - PNAD e Pesquisa da
Economia Informal Urbana – PEIU. Segundo o trabalho (CAIXA apud RIBEIRO,
2004), a demanda por microcrédito abrange 5,8 milhões de pessoas.
Entre os trabalhos pesquisados, aquele que apresenta o estudo mais
abrangente sobre o segmento é o relatório produzido em 2003 pelo Banco Mundial,
que apresentou um diagnóstico da situação brasileira em relação ao acesso da
população pobre aos serviços financeiros. O relatório, baseado em informações do
Banco Central, aponta que cerca de 60 milhões de pessoas possuem conta
bancária. Contudo, 1680 municípios não possuem agência, o que representa cerca
de 30% do total, conforme aponta a pesquisa. Segundo o relatório, apesar da
redução de instituições bancárias no período de 1994 a 2002, resultante do
movimento de privatizações e fusões ocorrido no mercado brasileiro, a variação no
acesso aos serviços financeiros não foi relevante. A manutenção do nível de
atendimento poderia ser explicada pelo maior uso dos meios alternativos de acesso
tais como os terminais de auto-atendimento e os correspondentes bancários, que
cresceram em quantidade, conforme o relatório.
Outro aspecto evidenciado pelo Banco Mundial é que apesar de possuir
melhor índice de atendimento à população do que em outros países em
desenvolvimento, como o Chile, a Índia e a China, o sistema financeiro brasileiro
121
apresenta uma situação bastante inferior em comparação com economias maiores
como a dos EUA, Japão, e Alemanha. Conforme o relatório, o sistema brasileiro tem
uma média de cerca de 9.300 pessoas por agência. Os EUA, Japão, e Alemanha
atendem cerca de 3.500, 1.900 e 1.500 respectivamente. Há ainda um agravante no
caso brasileiro. Verifica-se uma grande concentração de agências nas regiões de
maior poder aquisitivo. No Nordeste, há uma agência para cada 17.400 pessoas, em
média. Já na Região Sul, o número cai para 6.800 (BANCO MUNDIAL, 2003). Isso
pode ser explicado por outro elemento indicado pelo relatório: os bancos tendem a
concentrar suas operações em áreas urbanas e cuja população tem maior poder
aquisitivo. Outra constatação da pesquisa é que num mesmo município podem
existir grandes diferenças no atendimento à população, de acordo com o poder
aquisitivo das pessoas que residem ou freqüentam determinada região. O fato
corrobora a percepção de que diferentes índices de concentração de agências
bancárias têm como principal causa o nível médio de renda da população.
Os dados apresentados pelo relatório do Banco Mundial demonstram com
clareza que há uma desigualdade no acesso a serviços financeiros entre as
diferentes parcelas da população, segundo o seu poder aquisitivo. Isso pode ser
compreendido como uma conseqüência da elevada desigualdade de renda
verificada no país que se reproduz em diversos outros aspectos, inclusive na
possibilidade de utilização de serviços financeiros. Mas a questão que começou a
ser discutida é se a exclusão de parte da população do mercado financeiro não seria
por si só um fator de reprodução da desigualdade, provocando uma relação cíclica
de causa e efeito ao qual os pobres estariam submetidos.
As estimativas e estudos produzidos contribuem para criar os argumentos
de que existe uma demanda por serviços financeiros pela população de baixa renda
não atendida; que a impossibilidade do acesso ao mercado financeiro representa
custos adicionais para as atividades econômicas realizadas pelos indivíduos
situados nessa faixa de renda, ou mesmo para a satisfação de necessidades
básicas; que a existência desses custos cria obstáculos diversos para o crescimento
de economias locais, contribuindo assim, para a manutenção de elevados índices de
pobreza; e que o volume dessa demanda, associado ao potencial dos
122
microempreendimentos para a geração de emprego e renda justifica a adoção de
políticas públicas voltadas para o estímulo às microfinanças.
Esses argumentos promoveram o debate sobre as políticas necessárias
para reverter o quadro apontado. Novamente, o relatório do Banco Mundial
apresenta elementos elucidativos das políticas adotadas pelo governo brasileiro para
o setor. Embora o Banco Mundial tenha participado diretamente das experiências
iniciais implementadas pelo governo brasileiro na área de microfinanças, como o
Programa Crediamigo, do Banco do Nordeste, constata-se no documento uma crítica
a um aspecto específico da política brasileira com referência aos incentivos
econômicos para a população de baixa renda. Conforme exposto no relatório, as
políticas de incentivo ao crédito adotadas pelo governo brasileiro tinham como
diretriz a alocação de recursos com taxas de juros subsidiadas. Segundo o relatório,
essa prática costuma causar grande dependência da atuação das instituições
financeiras públicas e tem elevado custo para o governo.
Os programas que propõem limites às taxas de juros para setores ou
clientes determinados são caros, já que são medidos pelos volumes de
financiamento que se deseja disponibilizar. Além disso, os diferenciais nas
taxas de juros entre esses financiamentos são sustentados pela sociedade.
Os custos adicionais são empurrados para os intermediários a taxas de
mercado. (...) Os custos de alguns programas especiais, como, por
exemplo, o Pronaf, estão estimados em R$1,1 bilhão. Conforme ilustrado
pela análise dos programas de financiamento rural, muitos desses
programas falham em alcançar os beneficiários pretendidos e seus
recursos tendem a ser retidos por um pequeno grupo de maior renda,
impedindo o acesso de grande parte dos possíveis beneficiários. (BANCO
MUNDIAL, 2003, p.1-2)
A partir dessa crítica, o relatório do Banco Mundial apresenta um elenco
extenso de recomendações para ampliar o atendimento à população de baixa renda
por serviços financeiros cuja abrangência extrapola a questão dos juros:
a) alternativamente à política de alocação do crédito, deve-se buscar a eficiência
por meio dos instrumentos de mercado. No lugar de taxas de juros subsidiadas,
poder-se-ia encontrar arranjos que envolvessem a concessão do crédito e a
contratação de seguros, o que poderia minimizar os riscos de cada operação e
contribuir para a utilização de taxas de juros de mercado em níveis mais baixos
do que os atuais;
123
b) simplificar os procedimentos utilizados e, principalmente, reduzir as exigências
no tocante a documentos para a abertura de contas correntes. Deve merecer
atenção o custo de abertura e manutenção dessas contas, para que sejam
lucrativas para as instituições financeiras e de preço acessível para os clientes
de baixa renda. Para estimular as contas simplificadas, o Banco sugere uma
ação direta do governo, seja utilizando-as como meio para fazer os
pagamentos de benefícios a aposentados e pensionistas, seja concedendo
incentivos fiscais para as instituições dispostas a abrir esse tipo de conta;
c) promover a divulgação das exigências para a obtenção do crédito. Segundo o
Banco, estratégias de divulgação costumam ampliar o acesso aos serviços
financeiros entre os pobres, por esclarecer melhor o cidadão e coibir práticas
discriminatórias. Além disso, a combinação da divulgação com o
monitoramento das operações de cada instituição financeira nesse segmento
provocaria uma “persuasão moral” para a extensão dos serviços à parcela da
população excluída do sistema financeiro;
d) revisar as práticas concorrenciais no sistema bancário visando diminuir o custo
dos serviços financeiros;
e) estimular a realização de parcerias entre instituições financeiras e organizações
comunitárias locais a fim de desenvolver novas metodologias e técnicas
adequadas para o segmento;
f) promover a reorientação das fontes de financiamento das instituições de
microfinanças para as práticas normais de mercado. Essa passagem deveria
ser gradual, pois como ressalta o relatório, muitas organizações que operam no
segmento são consideradas sem fins lucrativos e uma alteração abrupta nos
custos de financiamento poderia comprometer o seu desempenho;
g) reformar os procedimentos legais para recuperação de dívidas, inclusive com a
disseminação do uso de instrumentos auto-executáveis, de modo a dar mais
garantias ao credor, limitando assim, as restrições ao crédito a pequenos
tomadores;
124
h) aperfeiçoar os sistemas de informações de crédito como forma de ampliar a
base de dados necessária para a análise do risco das operações,
principalmente para os tomadores que não possuem um histórico de
transações realizadas no sistema financeiro. Esses sistemas deveriam
abranger operações de pequeno valor e pagamentos a empresas prestadoras
de serviços públicos. Outra medida sugerida é a diminuição das restrições ao
compartilhamento das informações, flexibilizando o conceito de sigilo bancário.
i) Construir um ambiente adequado para os negócios, a partir de mudanças no
sistema de tributação, de maior disciplina fiscal do Estado, do aumento da
liquidez do sistema financeiro, pela diminuição dos depósitos compulsórios.
O conjunto de medidas recomendadas pelo Banco Mundial revela
claramente uma diretriz de atuação voltada para dotar o segmento de microfinanças
de condições para operar de forma sustentável seguindo as regras de mercado.
Trata-se de transformar as microfinanças em uma atividade rentável para as
instituições que operam nesse segmento. Por esse motivo, o relatório condena
qualquer prática que determine um teto para a taxa de juros, vincule recursos a um
destino específico ou limite o valor das operações. O caminho sugerido pelo Banco
Mundial seria, então, a promoção de reformas no contexto microeconômico com
vistas a superar obstáculos à sustentabilidade da atividade como um negócio. Além
do cunho liberalizante da proposta, medidas como a diminuição das exigências para
a abertura de contas e redução dos limites de financiamento para as instituições de
microfinanças são características de uma política de desregulamentação do setor.
Mas o aspecto que merece maior destaque nas propostas constantes do relatório do
Banco Mundial é o diagnóstico de que o acesso restrito da população pobre aos
serviços financeiros é um problema de inadequação do arcabouço institucional. Por
isso, as recomendações expressas no relatório sugerem uma reforma ampla,
direcionada para o conjunto de instituições que regulam as relações de mercado na
economia brasileira, direta ou indiretamente.
Desta forma, depreende-se das propostas apresentadas pelo Banco
Mundial a tese de que a sustentabilidade do segmento de microfinanças depende da
reestruturação do poder judiciário e do sistema de defesa da concorrência, a revisão
das normas de proteção ao sigilo bancário e uma política fiscal mais restritiva de
125
modo a ampliar a massa de recursos disponíveis para o setor privado. O que se
revela a partir dessa tese é que as políticas de incentivo às microfinanças constituem
a continuidade do processo de reformas econômicas e do Estado, conforme
discutido no capítulo anterior e, por isso, sua análise não pode estar dissociada de
uma discussão mais abrangente sobre a agenda política para o desenvolvimento do
país, que será tratada no quarto capítulo. Mas para complementar o quadro de
análise, primeiro é necessário esclarecer de que forma as microfinanças passaram a
fazer parte das políticas públicas a partir da segunda metade da década de 90 e
quais foram as principais ações implementadas, tanto no aspecto legal, como na
ação direta da administração pública.
4.3 A INSERÇÃO DAS MICROFINANÇAS NA AGENDA DOS GOVERNOS FHC E
LULA
Uma crítica comum entre os diversos analistas do segmento de
microfinanças é que a falta de uma política governamental de apoio aos pequenos
empreendimentos e das formas de acesso ao crédito é uma das principais causas
para o crescimento incipiente desse setor no Brasil, em comparação com outros
países da América Latina. Embora o contexto brasileiro (grande volume de
pequenos empreendimentos e elevado nível de pobreza) seja amplamente favorável
a essa atividade, as políticas de desenvolvimento no Brasil permaneceram durante
muito tempo centradas no estímulo a grandes empresas e segmentos econômicos
(PARENTE, 2003).
As primeiras iniciativas adotadas pelo governo mostram que a visão inicial
sobre a falta de acesso dos mais pobres aos serviços financeiros era
freqüentemente associada ao problema do crédito. Para reverter essa situação eram
identificados como principais entraves a assimetria de informações, a escassez de
recursos e as taxas de juros elevadas (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2004).
A assimetria de informações restringe a possibilidade de concessão de
crédito ao cidadão pobre, que em geral, atua na informalidade e não dispõe de
126
dados que comprovem o nível de renda e a posse de bens. A inexistência de
informações dessa natureza aumenta a incerteza da instituição financeira quanto ao
risco de inadimplência da operação de crédito, que somada às dificuldades para a
recuperação do crédito pelas vias judiciais, caso a inadimplência de fato ocorra,
tendem a elevar a taxa de juros, tornando a operação inviável. Essa situação impede
que o pobre disponha de meios para planejar os seus gastos ou mesmo com vistas
a obter recursos para cobrir despesas extraordinárias. Com isso, o consumo das
famílias pobres tende a ser menor que o seu potencial, fato que limita as
possibilidades de crescimento da economia. Esse problema tem repercussões ainda
mais negativas quando se trata do crédito ao microempreendedor. A falta de
informações que permitam a verificação da capacidade de pagamento do
proponente e a ausência de garantias reais impede a realização de operações de
crédito com as instituições do sistema financeiro tradicional. Dessa forma, ou o
microempreendedor recorre ao empréstimo proveniente de agiotas, amigos ou
familiares ou desiste dos planos de investimento. Ora, se o investimento tem
participação decisiva no estímulo ao crescimento econômico e se os
microempreendimentos representam mais de 80% das empresas no Brasil e são
responsáveis por cerca de 60% dos empregos, tem-se logo um fator de alto poder
explicativo para o baixo crescimento verificado na economia brasileira em
comparação com países em desenvolvimento.
Outro entrave para o acesso ao crédito pelos mais pobres é a sua própria
escassez. As políticas monetária e fiscal contribuem para diminuir a liquidez da
economia na medida em que o déficit fiscal torna o Estado brasileiro um concorrente
direto por recursos do sistema financeiro e, considerando o baixo risco de
inadimplência, tem a preferência das instituições. Por outro lado, a condução das
políticas de estabilização dos preços leva o país a possuir uma elevada exigência de
depósitos compulsórios junto ao Banco Central do Brasil (45% dos depósitos à
vista). Esses são alguns dos elementos que contribuem para que o volume de
crédito concedido corresponda a cerca de 30% do PIB no Brasil. Em outros países
esse índice é substancialmente maior. Nos Estados Unidos, por exemplo, o índice
ultrapassa 100%. Por esses motivos, as instituições financeiras são mais seletivas
na concessão dos empréstimos e tendem a direcionar os recursos escassos de que
dispõem para o financiamento da dívida pública e empréstimos para empresas de
127
grande e médio porte e para os clientes que representam menor risco em função da
disponibilidade de informações sobre a sua capacidade de pagamento e garantias.
Até esse ponto tratou-se exclusivamente da questão do crédito que foi o
elemento central das políticas públicas até a última década. Por isso, durante muito
tempo a diretriz foi o estímulo ao microcrédito. Isso se verifica nas primeiras ações
de incentivo específico às microfinanças promovidas no Brasil pelo governo federal,
que ocorreram através de ações de seus agentes financeiros, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e o Banco do Nordeste.
O BNDES começou, em 1996, a apoiar as microfinanças, mais
precisamente o microcrédito, por meio do Programa de Crédito Produtivo Popular
que visava a divulgação do microcrédito e o fomento do segmento (BARONE E
OUTROS, 2002, p.17). O BNDES provê recursos para o setor como instituição de
segundo piso, ou seja, o Banco financia as organizações que operam com o
microcrédito, mas não empresta diretamente ao usuário e demandante do crédito.
Trata-se de uma atuação voltada para suprir a necessidade de funding para as
operações. Além disso, o Banco vem desenvolvendo pesquisas e apoiando
tecnicamente as organizações mediante a adequação de sistemas gerenciais,
auditoria e rating, comumente utilizados no sistema financeiro, para a realidade do
segmento como parte do Programa de Desenvolvimento Institucional/PDI. Esse
programa foi financiado com recursos do BID e assistência técnica da Development
Alternatives Inc – DAI (GOLDMARK, POCKROSS E VECHINA, 2000).
Em 1997 o Banco do Nordeste iniciou as suas operações no segmento do
microcrédito com o programa Crediamigo, ainda como um projeto piloto realizado
com a assistência técnica do Banco Mundial e da ONG Acción International. O
Banco atua como instituição de primeiro piso, pois realiza operações diretamente
com o público-alvo, os empreendedores. A área de atuação é a Região Nordeste,
além do norte de Minas Gerais e do Espírito Santo. A metodologia empregada pelo
Banco do Nordeste está baseada nos seguintes princípios:
a) “acesso ao crédito por meio de grupos solidários, em substituição às garantias
tradicionais” (BANCO DO NORDESTE, 2004);
128
b) “atendimento personalizado, realizado por Assessores no próprio local do
negócio” (idem, 2004);
c) “empréstimos rápidos e sucessivos, com prazo máximo de 7 dias para
liberação dos recursos” (idem, 2004).
Em 2000, o Banco do Nordeste obteve um empréstimo de US$50 milhões
junto ao Banco Mundial para ampliar o programa Crediamigo. Entre os fatores
considerados para a viabilização do projeto, conforme verificado no documento do
Banco Mundial (2000), estão a aderência do Programa Crediamigo às práticas
internacionais, a adequação ao perfil de sustentabilidade financeira das operações,
como preconizado pelo Banco Mundial; o trabalho em conjunto realizado entre o
esse Banco e o Banco Central do Brasil para a constituição de um marco regulatório
com vistas a garantir a autonomia das operações de microfinanças em relação aos
demais negócios do Banco do Nordeste, inclusive com contabilidade separada, a
possibilidade de realização de outros serviços financeiros e a diminuição das
restrições legais para aplicação dos recursos investidos em caderneta de poupança.
As operações desenvolvidas pelo BNDES e pelo Banco do Nordeste
deram uma contribuição significativa para a constituição do microcrédito como um
produto específico de um segmento econômico e podem ser considerados os
marcos iniciais das políticas públicas, em nível federal, de inclusão da população
pobre ao mercado de serviços financeiros. Outras experiências em nível municipal e
estadual foram implementadas na Bahia, em São Paulo, Goiás, Pernambuco, Rio
Grande do Sul, etc.. Essas experiências são geralmente conhecidas como Banco do
Povo. O aprofundamento dos projetos tornou possível compreender melhor a
natureza da demanda por serviços financeiros entre população. Em decorrência,
criaram-se novos parâmetros para as políticas, que passaram a ter um foco mais
abrangente que se traduz no conceito de microfinanças.
As microfinanças tornaram-se objeto específico de políticas públicas
somente a partir da segunda metade da década de 90. Nesse momento, destaca-se
a importância do debate iniciado pelo Conselho da Comunidade Solidária em 1995,
que resultou na articulação de diversos agentes em prol de medidas de apoio ao
microcrédito como o BNDES e o SEBRAE, na produção de uma cartilha sobre o
129
tema e na formulação propostas de regulamentação para o setor com a participação
do Banco Central do Brasil. Baseado nesse trabalho, teve início o processo de
constituição de um marco regulatório para as microfinanças. Em 1999, foi publicada
a Lei 9.790/1999 que tornou as ONGs que atuavam na área do microcrédito aptas a
obter o registro de OSCIP. No mesmo ano, foram editadas as Medidas Provisórias
1.894 e 1.914 que tratavam, respectivamente, da criação de uma nova modalidade
de instituição financeira, especializada nesse segmento, as Sociedades de Crédito
ao Microempreendedor – SCM e da não aplicação do limite de 12% a.a. para as
taxas de juros (Lei da Usura) nas operações de crédito realizadas pelas OSCIPs. A
Medida Provisória 1.894 foi convertida na Lei 10.194/2001.
Um dos primeiros obstáculos a serem superados nesse processo era a
limitação da taxa de juros cobrada em contratos realizados por organizações não
participantes do Sistema Financeiro Nacional. Num ambiente com taxas básicas de
juros reais acima de dois dígitos, a limitação definida pela chamada Lei da Usura,
poderia inviabilizar qualquer iniciativa de organizações da sociedade civil, justamente
as pioneiras na concessão de crédito para os microempreendedores. A criação das
SCMs e a regulamentação das suas atividades pelo Conselho Monetário Nacional –
CMN por meio da Resolução 2.627/1999, tiveram como objetivo estimular o ingresso
de recursos no segmento por organizações inseridas no Sistema Financeiro
Nacional formalmente, submetendo-se às normas e supervisão do Estado. Segundo
Alves e Soares (2004), a legislação teve um viés conservador no início para que
fosse avaliada a eficiência dessas organizações dentro de parâmetros restritivos
para exposição aos riscos inerentes à atividade financeira. Esse viés foi atenuado
com a edição da Resolução 2.874/2001, que revogou a anterior e permitiu às SCMs
operar com maior liberdade em termos de locais de atuação.
Verifica-se, então, que durante os dois mandatos de Fernando Henrique
Cardoso principalmente o segundo, o governo federal deu os primeiros passos para
a constituição de um segmento de microfinanças, primeiramente com a ação direta
de instituições financeiras públicas, e em seguida com a formação de um arcabouço
institucional para o setor com a definição do perfil das organizações autorizadas a
atuar e as regras de sua participação.
130
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva adotou as microfinanças como
política de desenvolvimento social desde o seu início. Já no primeiro ano de
mandato (2003) novas medidas foram adotadas, agora para estimular o crescimento
do setor, como se verifica no texto abaixo:
As medidas hoje anunciadas destinam-se exatamente a ampliar e
democratizar o acesso ao crédito e a outros serviços financeiros pelos
trabalhadores, pelas micro e pequenas empresas e, especialmente, pela
população de baixa renda. Esperamos com esse elenco de medidas, que
fazem parte de um espectro mais amplo da ação governamental, contribuir
para reduzir a exclusão social, gerar renda e oportunidades de trabalho e
garantir direitos de cidadania a amplas parcelas da nossa sociedade hoje
alijadas dos circuitos produtivos e financeiros (BRASIL, 2003, p.1).
As medidas implementadas pelo governo federal compreendiam as seguintes áreas:
a) simplificação dos procedimentos para abertura de contas destinadas à
população de baixa renda;
b) definição de uma fonte específica de recursos para a realização de
empréstimos de baixo valor, com menor custo para os tomadores;
c) criação de uma subsidiária do Banco do Brasil para atuar especificamente no
segmento de microfinanças e consórcio;
d) ampliação dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT para a
realização de empréstimos destinados a suprir os pequenos e
microempreendimentos com capital de giro;
e) desenvolvimento de estudos para implementar ações de racionalização dos
custos operacionais das organizações que atuam no setor;
f) encaminhamento de um projeto de Lei para facilitar o acesso das organizações
de microfinanças como as OSCIPs e SCMs aos juizados especiais para
recuperação de créditos de baixo valor; e
g) direcionamento da atuação dos bancos públicos para ampliar a fornecimento de
serviços financeiros para a população de baixa renda.
Para a implementação dessas medidas, diversas foram as modificações
empreendidas na legislação atinente ao segmento de microfinanças. A edição da
131
Resolução 3.156/2003 do Conselho Monetário Nacional concedeu autorização para
que as SCMs também pudessem passar a operar por meio de correspondentes
bancários, que são empresas não financeiras que podem ser contratadas por
instituições do SFN para a prestação de alguns serviços previstos na norma, entre
eles, a elaboração e análise de cadastros para avaliação do risco de crédito e
concessão do empréstimo e a realização de pagamentos, saques e transferências.
Com essa medida, as SCMs poderiam organizar e expandir as suas atividades para
diversas localidades mediante a contratação de empresas prestadoras de serviços.
A Lei 10.820/2003 autorizou a concessão de empréstimos para trabalhadores com
contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT com pagamentos
realizados mediante desconto em folha de pagamento. O objetivo da norma era
fornecer garantia efetiva para o pagamento de empréstimos contribuindo, assim para
a redução dos riscos de inadimplência e, por conseqüência, da taxa de juros. O
Decreto 4.961/2004 regulamentou as operações de crédito com consignação em
folha para os servidores públicos civis. Em 2003, o CMN, por meio da Resolução
3.104/2003, facultou aos bancos a abertura de contas simplificadas de depósito à
vista cujos saldos não poderiam ultrapassar o valor de R$1.000,00 e só poderiam ter
movimentação por meio de cartões magnético. As principais vantagens desta conta
são a redução dos requisitos formais para a abertura, podendo inclusive ser utilizada
a base de dados dos órgãos públicos para o pagamento de benefícios, e a isenção
de tarifas para a sua manutenção. A Resolução 3.113/2003 simplificou ainda mais o
processo, permitindo a abertura de contas com a identificação provisória do cliente
unicamente por meio do Número de Identificação Social – NIS. A instituição
financeira ficaria encarregada de verificar e complementar as informações cadastrais
do cliente no período de seis meses. A Resolução 3.211/2004 consolidou as regras
sobre contas simplificadas e revogou as anteriores. A Medida Provisória 122/2003,
transformada na Lei 10.735/2003 autorizou o CMN a regulamentar o direcionamento
de recursos de depósitos à vista para as operações de microcrédito. Por meio da
Resolução 3.109/2003 o Conselho definiu que as instituições financeiras poderiam
aplicar 2% dos depósitos à vista em operações de microcrédito com limites à taxa de
juros (2% a.m.) e aos valores das operações (R$500,00 para pessoas físicas e
R$1.000,00 para microempreendedores). A Resolução 3.310/2005, que revogou a
132
anterior, ampliou o teto da taxa de juros para 4% a.m., quando se tratar do
microcrédito produtivo orientado. Também foram ampliados os valores-limite para a
concessão dessa modalidade de crédito. Essa Resolução, em parte, teve o objetivo
de adequar as normas à implementação do Programa Nacional de Microcrédito
Produtivo Orientado – PNMPO, instituído pela Lei 11.110/2005. O programa tem o
objetivo de definir as regras e as fontes de recursos para a concessão do
microcrédito com o fim de geração de emprego e renda. Os requisitos para a
realização de operações no âmbito do Programa são:
a) o atendimento ao tomador dos recursos por agentes capacitados a avaliar a
viabilidade do empreendimento do tomador de recursos e prestar orientação ao
negócio;
b) o acompanhamento e orientação constantes no período de duração do
contrato; e
c) a definição do valor e das condições da operação baseada em avaliação prévia
do negócio e em acordo com o tomador.
A Lei definiu que os recursos para a execução do PNMPO seriam
advindos do FAT e dos valores de depósito à vista conforme a regulamentação do
CMN, vista anteriormente. A Lei definiu também que as organizações aptas a atuar
com o apoio do Programa são as seguintes:
a) cooperativas singulares de crédito;
b) agências de fomento, inclusive como repassadora de recursos;
c) sociedades de crédito ao microempreendedor; e
d) organizações da sociedade civil de interesse público.
Segundo a Lei, os bancos de desenvolvimento, os bancos cooperativos e
as centrais de cooperativas de crédito poderiam atuar no programa como
repassadoras de recursos. As demais instituições financeiras poderiam atuar por
meio do repasse e da aquisição de contratos realizados pelas instituições
autorizadas. A Lei definiu também que para operar diretamente sob o amparo do
133
PNMPO seria exigida a constituição de uma estrutura específica para atuar no
segmento de microfinanças.
A ampliação do conceito de microcrédito para o de microfinanças
contribuiu para a emergência de políticas de estímulo a instituições financeiras
destinadas a fornecer uma extensa gama de serviços financeiros para as
populações de baixa renda. Com esse objetivo, foi autorizada pela Lei 10.738/2003
a criação do Banco Popular do Brasil, uma subsidiária do Banco do Brasil que
segundo a Lei seria constituída como um banco múltiplo com atuação especializada
em microfinanças. A estrutura do Banco Popular do Brasil está baseada na
pulverização da sua rede de atendimento por meio da utilização maciça de
correspondentes bancários. Desta forma, os custos operacionais tendem a ser muito
inferiores aos de outras instituições financeiras. Além disso, a Caixa Econômica
Federal e o Bradesco, duas instituições de grande porte dos setores público e
privado, estenderam os seus pontos de atendimento por meio de convênios
realizados com as casas lotéricas e as agências dos Correios, respectivamente, que
passaram a prestar serviços como correspondentes bancários.
Outra linha adotada para ampliar o fornecimento de produtos bancários
para a população foi o estímulo a uma forma de instituição financeira cuja
participação nesse segmento até então era pouco observada: as cooperativas de
crédito. Em 1999 foi editada pelo CMN a Resolução 2.608/1999, que disciplinou a
forma de constituição dessas instituições, adotando critérios mais flexíveis de
associação e abrangência da área de atuação, e ampliação do conjunto de serviços
prestados aos associados, de modo a estimular o cooperativismo na área de crédito.
Na prática, as cooperativas passaram operar com a maioria dos serviços prestados
antes somente pela rede bancária.
Com vistas a promover a estabilidade das instituições componentes do
setor, a referida Resolução buscava também estimular a reunião das cooperativas
em centrais que teriam a prerrogativa de fiscalizar e a atribuição de capacitar
tecnicamente as associadas, definidas então, como cooperativas singulares. A
Resolução 2.771/2000 definiu parâmetros menos restritivos em termos de capital
mínimo para a constituição de cooperativas e de patrimônio líquido mínimo para
manutenção de suas atividades (ALVES E SOARES, 2004). A Resolução
134
3.058/2002 trouxe uma contribuição específica para as microfinanças com a
autorização para que fossem constituídas cooperativas formadas por pequenos e
microempresários e microempreendedores, independentemente de sua área de
atuação. A tendência à formação de cooperativas sem qualquer restrição quanto ao
perfil de seus associados se concretizou com a edição da Resolução 3.106/2003. A
referida norma permitiu a constituição de cooperativas de livre admissão ou a
transformação das já existentes para essa modalidade. É importante, acrescentar
que por conta dos riscos associados à captação de depósitos do público, o Banco
Central estabeleceu algumas restrições para essas cooperativas. A principal delas é
que essas organizações só poderiam ser formadas em regiões com até 100 mil
habitantes. Para as cooperativas já existentes, a população máxima a ser atendida
era de 750 mil habitantes. Como ressaltam Alves e Soares (2004), objetivo da norma
era beneficiar as regiões com menor ocupação e acesso restrito aos serviços
financeiros.
Também em 2003, seguindo a tendência de reduzir os requisitos para a
associação dos cidadãos a cooperativas, o CMN editou outra norma, a Resolução
3.140/2003 que previa a formação de cooperativas cuja área de atuação é definida
pelo vínculo entre associados por meio de entidades de classe ou mesmo por
vínculo empregatício. A Resolução 3.156/2003, citada anteriormente, também
permitiu às cooperativas a contratação de correspondentes bancários para a
prestação de serviços aos seus associados. A Resolução 3.321/2005, que revogou
as de número 3.106 e 3.140, consolidou a regulamentação sobre as atividades
desenvolvidas pelas cooperativas de crédito e definiu parâmetros mais flexíveis
como a ampliação do limite máximo do número de habitantes da área de atuação
das cooperativas de livre admissão de 100 mil para 300 mil com vistas à autorização
para o funcionamento. A norma criou também a possibilidade de autorização para o
funcionamento de cooperativas de profissionais e trabalhadores dedicados a mais
de uma profissão ou atividade, desde que definidas em seu estatuto. Segundo Alves
e Soares (2006), essa medida buscou facilitar a constituição de cooperativas por
grupos profissionais distintos que isoladamente, não teriam condições para fazê-lo
ou mesmo a ampliação de cooperativas já existentes com a inclusão de novos
grupos e até a fusão de cooperativas.
135
Considerando que a quantidade de clientes e o volume de operações são
fatores relevantes para o desempenho das cooperativas, pelos ganhos de escala,
essas medidas podem favorecer o segmento por reduzirem os obstáculos à sua
sustentabilidade financeira. Outras medidas que merecem destaque são a
autorização para a prestação de serviços de pagamento, cobranças e recebimentos
para os associados e usuários em geral, por conta de outras organizações mediante
convênio e a permissão para prestar serviços aos bancos autorizados a operar com
crédito rural e outras linhas de crédito, abrangendo as atividades de formalização,
concessão e liquidação de operações para os seus associados. A seguir são
apresentados, em resumo os principais objetivos das reformas na legislação
aplicável ao microcrédito.
Macro-Objetivos
Norma
Viabilizar a sustentabilidade financeira das OSCs que atuam
na área de microcrédito, mediante parcerias com o setor
público e liberdade para aplicação de juros de mercado
Lei 9.790/1999 e MP 1914/1999
Estimular o ingresso de recursos do sistema financeiro no
segmento por instituição financeira especializada
MP 1894/1999 e Resolução
2.627/1999
Diminuição de custos e aumento da capilaridade das
instituições que operam no segmento
Resolução 3.156/2003
Diminuição do risco de inadimplência das operações de
crédito
Lei 10.820/2003 e Decreto 4.961/2004
Estímulo à abertura de contas correntes pela população de
baixa renda
Resoluções 3.104/2003, 3.113/2003 e
3.211/2004
Criação de uma fonte de recursos específica e de menor
custo para o microcrédito no sistema financeiro
Lei 10.735/2003, e Resoluções
3.109/2003 e 3.310/2005
Definição das regras de aplicação de recursos e instituições
credenciadas a realizar a atividade no âmbito do PNMPO
Lei 11.110/2005
Ação direta do Estado como operador de serviços
microfinanceiros
Lei 10.738/2003
Estímulo ao cooperativismo de crédito para ampliação da
rede de instituições de microfinanças
Resoluções 2.608/1999, 2.771/2000,
3.058/2002, 3.106/2003, 3.140/2003 e
3.321/2005
Quadro 3 – Macro-objetivos das mudanças nos normativos aplicáveis às microfinanças
Fonte: Elaborado pelo autor
Verifica-se então, que as alterações nos normativos que regulam as
atividades desenvolvidas pelas cooperativas de crédito contribuíram para ampliar a
gama de serviços por elas oferecidos, tornando-as verdadeiras instituições
136
bancárias. Considerando que a maior carência de acesso aos serviços financeiros é
verificada nas zonas rurais, o programa de estímulo ao cooperativismo de crédito
tornou-se um elemento central da política de incentivos às microfinanças.
O conjunto de medidas adotadas pelo governo federal nos mandatos de
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva dão mostras de que o Brasil
aderiu à agenda internacional de combate à pobreza pela via da inclusão da
população de baixa renda. Como visto no capítulo anterior, diversas evidências
apontam uma tendência de convergência entre as políticas econômicas e de
desenvolvimento de diversos países, inclusive o Brasil, processo que vem se
consolidando pela atuação das organizações internacionais como o FMI e o Banco
Mundial.
Na área das microfinanças essa tendência se confirma na medida em que
as políticas implementadas mostram em seus aspectos gerais, uma assimilação dos
conceitos e estratégias identificados na agenda internacional sobre o tema. As
informações trazidas neste trabalho indicam que os primeiros passos nessa direção
decorreram da atuação de organizações da sociedade civil que, apoiadas por
entidades internacionais, seja por cooperação técnica ou financeira, começaram a
produzir experiências no segmento do microcrédito. A demanda por recursos para a
ampliação e sustentabilidade dessas experiências, bem como a produção de
estudos que demonstravam os prejuízos sociais e econômicos provocados pela falta
de acesso ao mercado financeiro pela população de baixa renda e pelas pequenas
empresas e microempreendimentos fomentou a discussão sobre a importância das
microfinanças como política de geração de emprego e renda e diminuição da
pobreza. Esse debate, liderado pelo Conselho da Comunidade Solidária, produziu
diversas iniciativas de estímulo ao segmento. Concomitantemente, ocorria a
participação decisiva das organizações internacionais, com destaque paro o Banco
Mundial, na definição do escopo e metodologia de trabalho baseados na experiência
internacional. Assim, surgiram os programas do BNDES e do Banco do Nordeste,
que alavancaram os recursos destinados ao microcrédito. No entanto, seguindo a
tendência internacional para o segmento, foi necessário promover uma extensa
reforma no âmbito institucional para a redefinição das formas de acesso e operação
das organizações do segmento de modo a constituir um mercado sustentável
137
financeiramente e assim, torná-lo independente de recursos públicos e atrativo ao
investimento privado. Neste sentido, diversas normas foram criadas ou alteradas,
num processo que está em constante revisão, novos modelos de instituições foram
desenvolvidos, regras prudenciais foram flexibilizadas e modelos alternativos de
garantias para operações de crédito foram implementados num esforço de diversas
áreas do setor público com o objetivo de diminuir os custos das operações
financeiras e facilitar o acesso da população pobre ao mercado financeiro.
Conforme se procurou demonstrar neste capítulo, não há dúvida de que a
população pobre demanda serviços financeiros para suprir necessidades eventuais,
planejar melhor os seus gastos ou viabilizar uma atividade produtiva capaz de lhes
proporcionar algum nível de renda. Num cenário em que o nível de emprego formal
tende a decrescer progressivamente, os microempreendimentos cumprem um papel
alternativo que não se pode desconsiderar. Também parece claro que a exclusão de
uma grande parcela da população do mercado de consumo reduz a capacidade de
crescimento da economia, sendo um dos motivos que explica a relativa estagnação
do PIB brasileiro. Portanto, há evidências suficientes de que as microfinanças
constituem um mercado cujo desenvolvimento produz resultados positivos para a
economia.
Todavia, a questão que permanece sem resposta é se as microfinanças e
todo o conjunto de medidas associadas ao segmento, representam de fato uma
política de desenvolvimento social capaz de cumprir o objetivo de reduzir os níveis
de pobreza e de desigualdade na sociedade brasileira, conforme é apregoado. Com
vistas a apontar caminhos para compreender melhor essa questão, propõe-se no
capítulo conclusivo, identificar e pôr em discussão as premissas em que estão
baseadas essas políticas dentro de um contexto abrangente em que são retomados
os princípios que configuram o significado de um processo de desenvolvimento
discutidos no início deste trabalho.
5. CONCLUSÕES
As informações apresentadas nos capítulos anteriores mostram que a
política econômica brasileira vem sofrendo profundas alterações desde a crise do
final da década de 70. A crise que afetou o Brasil e demais países da América Latina
foi decorrente do choque externo provocado pelo aumento do preço do petróleo e a
redução da liquidez internacional em função dos crescentes déficits comercial e
fiscal dos Estados Unidos (MARQUES-PEREIRA, 2001).
A crise, que atingiu principalmente o balanço de pagamentos, marcou
também a explicitação das deficiências na condução da política nacional de
desenvolvimento baseada no modelo conhecido como “substituição de importações”.
O modelo adotado sucumbiu, entre outros fatores, por uma fragmentação da
estrutura industrial, parte voltada para os setores tradicionais cujos produtos eram
destinados às exportações e ao mercado interno, e parte para os grupos de maior
poder aquisitivo, que buscavam manter um padrão de consumo similar ao das
economias centrais (FURTADO, 1990). Segundo Furtado, a concentração de
investimentos na produção de bens de consumo para a minoria com alto nível de
renda, gerou a importação de tecnologias intensivas em capital. Neste cenário, o
crescimento econômico tornou-se dependente da capacidade dessas minorias de se
apropriarem do excedente, que ampliou a concentração da renda. Além disso, a
opção pela importação das tecnologias necessárias à manutenção do padrão de
consumo exigido pelas minorias conservou a dependência economia diante do
capital externo. Portanto, a fragmentação da estrutura produtiva e a concentração
dos investimentos em um determinado segmento, associadas à proteção aos
setores tradicionais constituem alguns dos elementos explicativos do elevado
139
endividamento externo, da concentração da renda e de desigualdades regionais que
limitaram o crescimento da demanda interna, restringindo assim, os ganhos de
escala necessários ao aumento da produtividade da indústria.
A aceleração do processo inflacionário, sobretudo a partir de 1986,
marcou o início de um período de oito anos de concentração do foco da política
econômica na estabilização de preços. Neste mesmo período, consolidava-se a
crítica ao modelo de substituição de importações, que representou, essencialmente,
a crítica ao Estado como condutor do crescimento econômico. Na década de 90,
com o Governo Collor, a agenda política incorporou definitivamente a abertura
comercial, a disciplina fiscal e a redução da estrutura do Estado como estratégias de
ajuste estrutural, representando a adesão do país às recomendações do chamado
Consenso de Washington. Entretanto, a instabilidade política e o insucesso no
controle da inflação não permitiram um avanço substancial dessas estratégias.
Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, consolidou-se o processo
de abertura comercial, que era um fator necessário à manutenção da estabilidade
dos preços no Plano Real. Isto porque a importação de bens de consumo,
favorecida pela sobrevalorização cambial, teve o duplo papel de evitar a falta de
produtos com o aumento da demanda e de ampliar a concorrência, evitando assim,
a pressão pelo aumento de preços. Naquele momento, defendia-se a tese de uma
estratégia de desenvolvimento baseada na busca pela inserção competitiva no
mercado internacional. Entretanto, o que se verificou foi a abertura do mercado
brasileiro a uma concorrência desigual, por conta do fator câmbio, entre outros, que
levou à falência diversas empresas em vários setores econômicos.
Foi visto também que a mudança da agenda política em direção à
integração econômica representou mais uma necessidade, em função das
condicionalidades impostas pelos credores internacionais para o financiamento da
dívida brasileira, do que uma escolha política autônoma do Estado nacional. No
processo de reestruturação do modelo econômico de desenvolvimento em curso no
Brasil, a participação das organizações da cooperação internacional foi fundamental.
A atuação de organizações como o Banco Mundial e o FMI, como visto, contribuiu e
vem contribuindo para criar as bases da integração econômica pelas vias produtiva e
financeira.
140
A história que envolve a relação entre o Brasil e essas organizações
mostra que o país, em função das restrições em sua capacidade de poupança e
conseqüente dependência do capital externo, vem adotando medidas de ordem
econômica e social que fazem parte de uma prática permanente de conquista da
confiança dos agentes financeiros. Desta forma vem se construindo uma agenda
política que privilegia a realização dos ajustes preconizados pelo setor financeiro,
principalmente em razão das condicionalidades previstas nos contratos de
empréstimos e financiamento de projetos firmados com o Banco Mundial e o FMI.
Conseqüentemente, o que se observa no país é a gradual convergência para a
adoção de um padrão de políticas econômicas e sociais que são resultado da
instituição de um modelo de “boa governança” difundido mundialmente.
Convém, neste ponto, esclarecer qual o sentido do termo governança para
o processo de integração econômica e sua influência sobre a perda de autonomia
política dos Estados. Segundo Milani e Solinís (2002), a origem do termo
“governança” remete aos escritos de Coase, posteriormente retomados por
Williamson, sobre os custos de transações no nível da firma. Para aqueles autores a
governança determinaria as formas de coordenação das operações, sejam elas
realizadas internamente numa cadeia verticalizada ou por uma rede constituída por
outras organizações. Como mostram os autores, o conceito foi adaptado para o
âmbito político em decorrência do debate acerca do surgimento de problemas de
governabilidade num contexto de déficit fiscal dos Estados e aumento das
demandas sociais. A partir desse debate, ganharam força as demandas de
mudanças institucionais em torno do reconhecimento da legitimidade das
organizações não-governamentais como defensoras e promotoras do bem público.
O Estado não mais deteria, de maneira exclusiva, o monopólio da
promoção desse bem público, nem de sua definição. Tratar-se-ia também
de definir o espaço público no qual se produz a democracia atualmente, um
espaço público constituído de uma rede complexa de interesses, de
interações entre atores e escalões de intervenções políticas. (MILANI E
SOLINÍS, 2002, p. 4)
São diversas as conotações dadas à palavra “governança”. Como
mostram Milani e Solinís (2002), os sentidos com que o termo é empregado vão
desde a noção de Estado Mínimo, passando pela incorporação das técnicas de
gestão do setor privado pela administração pública, até a gestão de redes auto-
141
organizadas. O sentido que ganhou ênfase por meio do Banco Mundial está
compreendido na definição de governança como “[...] a maneira como o poder é
exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país para o
desenvolvimento” (1992, apud ISHAM, KAUFMANN e PRITCHETT, 1997) (tradução
nossa). Este conceito, embora expresso em poucas palavras, contém implicitamente
a proposta de rediscussão do modelo de coordenação das políticas de interesse
comum.
O discurso em favor da governança expressa a defesa de maior
transparência na gestão pública e significa também a cessão, pelo Estado, do
espaço na coordenação e implementação das medidas sócio-econômicas. Neste
contexto, outros atores em nível local, nacional e global, como as organizações da
sociedade civil, os governos estaduais e municipais, as organizações da cooperação
internacional e o setor privado passam a ser participantes e co-responsáveis pela
orientação dos investimentos públicos na área econômica e também na social.
Esse discurso foi fortalecido pelas críticas às deficiências do Estado tanto
como promotor do crescimento econômico quanto no papel de provedor do bem-
estar social. Para o Banco Mundial, o fracasso na implementação dos ajustes
estruturais era decorrente da incompetência institucional dos Estados em
desenvolvimento (MILANI E SOLINÍS, 2002). O que parece ser uma apologia à
criação de mecanismos que incentivem a participação democrática de amplos
setores da sociedade tem, de fato, representado a perda de autonomia do Estado na
definição das políticas de interesse nacional. Isto porque o processo de integração
engendrado no sistema econômico demanda um ambiente de previsibilidade para a
realização dos negócios, o que significa, em última instância, a não interferência do
Estado na forma como os recursos econômicos são alocados. Para que este objetivo
seja alcançado, é necessário que o Estado nacional assuma o compromisso com os
princípios da “boa governança”, difundidos pelas organizações da cooperação
internacional.
As políticas macroeconômicas de estabilização pela via monetária, a
reestruturação do Estado mediante as privatizações e o início do processo de
desregulamentação e liberalização do mercado de capitais, bem como a diminuição
das restrições ao comércio exterior, são resultado da agenda de reformas
142
implementadas pelo governo brasileiro na década de 90. Como previsto, com a
adoção dessas políticas, houve o ingresso maciço de recursos externos que
mudaram a composição e o controle acionário de grandes organizações que
atuavam no país. Segundo Franco (2005), os investimentos estrangeiros diretos no
Brasil levaram ao crescimento do capital integralizado pertencente a não-residentes
de R$40,5 bilhões para R$201,4 bilhões, entre 1995 e 2000, considerando apenas
as empresas com pelo menos 10% de capital votante ou 20% do total sob controle
externo. Entre essas companhias estão as organizações transnacionais, que Furtado
destaca como as principais beneficiárias da integração dos mercados. De fato, sua
maior propensão às importações e exportações, principalmente intrafirma, fez com
que o volume de negócios internacionais dessas empresas correspondesse a um
terço do comércio mundial em 1993 e alavancasse as transações comerciais do
Brasil com o mercado externo (FRANCO, 2005).
No entanto, o déficit fiscal e a sobrevalorização cambial do primeiro
mandato do governo FHC foram fatores que despertaram a desconfiança dos
investidores externos acerca da capacidade do país de honrar os seus
compromissos financeiros. Além disso, os impactos na economia brasileira
provocados pelas crises financeiras que afetaram México, Rússia e Ásia levaram o
governo brasileiro a se comprometer ainda mais com as recomendações dos
organismos financeiros internacionais, gerando um novo impulso de reformas com
vistas a reduzir o déficit fiscal do governo, aliadas a uma política monetária restritiva.
Os efeitos restritivos do controle monetário sobre a capacidade de
crescimento da economia e do nível de emprego mostraram que, além das políticas
macroeconômicas, novas medidas precisariam ser implementadas para estimular o
crescimento do PIB, gerando emprego e renda. Nesse contexto, ganharam força as
propostas de reformas microeconômicas como forma de criar um ambiente de
negócios favorável aos investimentos. Todavia, a constatação de que o crescimento
econômico não era um fator suficiente para a atenuação dos problemas sociais no
Brasil, principalmente a pobreza, mantinha aberto o campo de discussão sobre as
alternativas de políticas públicas na área social. Uma série de fatores, tal como
demonstrado no capítulo III, fizeram com que a agenda de reformas para o
desenvolvimento implementadas no país incorporasse o incentivo à prestação de
143
serviços financeiros para as famílias de baixo poder aquisitivo, cujo segmento
tornou-se conhecido como microfinanças.
Considera-se, neste trabalho, que o incentivo às microfinanças como vetor
de desenvolvimento social possui um significado implícito no tocante à percepção da
sociedade e dos agentes políticos sobre os elementos que caracterizam a situação
de pobreza e, principalmente, sobre os fatores que podem contribuir para a sua
diminuição. Neste sentido, o presente capítulo busca evidenciar quais são as
premissas, no âmbito político e econômico, que orientam essa visão de modo a
discutir o significado das ações desenvolvidas pelo governo brasileiro na década de
90 e início do século XXI, em uma perspectiva histórica marcada pelas mudanças na
estrutura dos sistemas produtivo e financeiro decorrentes do processo de integração
econômica mundial.
5.1 REFORMAS E DESENVOLVIMENTO
As políticas de incentivo às microfinanças fazem parte de um conjunto de
reformas que vêm sendo propostas pelos governos brasileiros, a partir da década de
90, com vistas a fomentar o desenvolvimento econômico a partir do incremento nos
investimentos dos setores público e privado. Propostas como as de reforma da
previdência, do sistema tributário, das leis trabalhistas e do poder judiciário têm
gerado grandes discussões nos ambientes político, econômico e acadêmico por
explicitarem as diferentes visões sobre as causas do lento desenvolvimento do país,
mas, sobretudo, por evidenciar conflitos de interesse entre diferentes grupos da
sociedade. Na seção introdutória deste trabalho, foi assumido como pressuposto
que as medidas de apoio às microfinanças representam a escolha política por uma
via que associa o desenvolvimento ao papel das instituições como instrumentos de
regulação das relações de mercado. Segundo os defensores dessa via, os
problemas enfrentados pela economia brasileira seriam decorrentes das deficiências
do arcabouço institucional em prover um ambiente favorável aos negócios que
passaram a se realizar em escala global. As reformas propostas seriam o meio de
144
adequar as instituições à estratégia maior de integração da economia brasileira ao
mercado mundial. Cabe agora analisar se as evidências encontradas no
desenvolvimento da pesquisa confirmam este pressuposto.
Um dos primeiros aspectos identificados na pesquisa foi a natureza do
processo de transformação da agenda brasileira com relação a políticas de
desenvolvimento. As evidências mostram que o abandono do modelo de
desenvolvimento baseado na formação de um mercado consumidor interno e a
ascensão de uma proposta de abertura da economia brasileira ao processo de
integração dos mercados nacionais não representam uma escolha política autônoma
da sociedade brasileira. A abertura do mercado brasileiro foi um imperativo diante
dos choques externos do final da década de 70 e da aceleração da integração
econômica. A recuperação da confiança dos credores internacionais após a
moratória nos anos 80, medida necessária diante da dependência de recursos
externos, fizeram com que os sucessivos governos adotassem uma estratégia de
alinhamento com os princípios de política econômica preconizados pelas instituições
do mercado internacional.
No processo de assimilação de um modelo de governança instituído
mundialmente, verifica-se que o país seguiu uma trajetória inicialmente centrada nos
aspectos macroeconômicos para então, direcionar sua atenção para as disfunções
identificadas na esfera do mercado. Essa trajetória representou a percepção de que
o controle dos agregados macroeconômicos não se mostrou suficiente para
fomentar o investimento produtivo no nível necessário ao crescimento sustentável da
economia brasileira. É importante salientar que o aumento do endividamento público
verificado nos primeiros anos do Plano Real e a elevação das taxas de juros foram
fatores que também inibiram o investimento. Por outro lado, o foco nos aspectos
microeconômicos indica uma visão de que a estagnação brasileira é resultado de
formas inadequadas de regulação do ambiente econômico. Essa visão encontra
suporte em abordagens que enfatizam o papel da regulação no processo de
coordenação da ação dos agentes econômicos, determinando as regras que
orientam as relações de mercado.
Um ramo de pesquisa que estuda as relações entre a regulação dos
mercados e o desenvolvimento econômico é a Nova Economia Institucional, que tem
145
em Douglass North um de seus principais expoentes. Como visto no capítulo I, North
defende a tese de que são os arranjos institucionais que favorecem ou não uma
economia de mercado, pois são as instituições, principalmente as formadas no
âmbito do Estado, que definem as condições em que se sustentam a propriedade
privada, a livre iniciativa, o cumprimento dos contratos e a resolução de conflitos.
Esse conjunto de elementos delimita os incentivos para a atividade econômica e
quanto melhor a instituições cumprirem o objetivo de criar um ambiente favorável
aos negócios, mais atrativas serão as atividades comerciais, produtivas e
financeiras.
North (1990) elaborou uma pesquisa na qual buscou, através da história,
demonstrar como a formação de arranjos institucionais adequados foi decisiva para
desenvolvimento de algumas economias capitalistas. Da mesma forma, procurou
demonstrar que a estagnação de determinadas economias deveu-se à incapacidade
de organizar instituições que favorecessem a expansão da atividade econômica.
Em síntese, a teoria proposta por North trata dos limites ao
desenvolvimento das relações humanas em função das incertezas geradas pelo
conflito de interesses entre os indivíduos. Particularmente nas relações econômicas,
essas incertezas se traduzem em risco de perdas para os agentes, daí a
necessidade de instituições que permitam a construção de um ambiente mais
previsível para a realização de transações. Quando se discutem os fatores que
limitam o acesso ao crédito e demais serviços financeiros para populações pobres,
alguns elementos indicam que a abordagem institucionalista proposta por North
fornece argumentos com razoável poder de explicação para essa questão.
No capítulo III foram apresentadas diversas informações provenientes de
estudos que mostram a existência de demanda entre os indivíduos pobres por
serviços de natureza financeira e demonstram que ela não é atendida pelo sistema
financeiro formal. A disposição territorial dos pontos de atendimento do sistema
financeiro confirma que os serviços são orientados para atender as camadas de
maior poder aquisitivo da população. Nessa disposição, a área rural se apresenta
como a menos atendida. Contudo, as razões para os limites na expansão dos
serviços financeiros em direção às camadas de menor poder aquisitivo não se
restringem à questão da renda, embora estejam diretamente ligados a ela.
146
Como em qualquer outra atividade econômica, as transações financeiras
se realizam em um ambiente de incerteza. Nas operações financeiras, o grau de
incerteza interfere na avaliação do risco, que, por sua vez, é um elemento
fundamental para a definição das perspectivas de rentabilidade do negócio a ser
realizado. A relação entre risco e rentabilidade, juntamente com os custos
operacionais são os principais indicativos para a comparação e escolha entre
possibilidades de negócio distintas. No sistema financeiro existem diversas fontes de
risco para a realização das operações. Para este estudo, cabe destacar os três
riscos principais: liquidez, mercado e crédito.
O risco de liquidez advém da possibilidade de ocorrência de um
descasamento entre a realização de ativos e o pagamento dos passivos. Em outras
palavras, do risco de a instituição não receber os recursos previstos no montante
necessário à cobertura das despesas num determinado período. O descasamento
de apenas um dia, dependendo do montante, pode decretar a liquidação de uma
instituição financeira.
O risco de mercado tem origem na mudança de valores dos ativos e
passivos de uma instituição financeira. Diversos ativos podem ter variações
substanciais no seu valor de mercado ao longo do tempo, como as ações de
empresas e os títulos públicos, quando estes não são mantidos na carteira de
aplicações das instituições financeiras até o prazo final. Da mesma forma ocorre
com algumas obrigações financeiras dessas instituições.
Finalmente, o risco de crédito, o de mais fácil compreensão, é a
possibilidade de perda em operações de crédito pelo não pagamento do montante
total ou parcial de uma dívida pelo tomador do recurso.
A administração desses riscos, que têm uma relação entre si, é o principal
determinante da sustentabilidade das operações de uma instituição financeira. O
risco de liquidez é o item principal da gestão de uma instituição, mas ele depende
diretamente da gestão dos riscos de mercado e crédito, pois as perdas na área de
tesouraria, que lida diretamente com as operações envolvendo títulos e ações, e na
área de crédito, podem repercutir negativamente sobre a capacidade de pagamento
das obrigações financeiras, comprometendo assim, a sua liquidez.
147
Para prevenir a quebra de instituições financeiras, evento que geralmente
provoca a perda de confiança por parte dos aplicadores em todo o sistema, os
órgãos reguladores das maiores economias mundiais estabeleceram um conjunto de
regras prudenciais para a administração eficaz dos riscos inerentes às operações
financeiras. O Brasil aderiu a essas regras, conhecidas como Acordo da Basiléia,
que define também os princípios que devem ser seguidos pelos órgãos reguladores
do sistema. Na prática, o acordo da Basiléia estabelece os limites de exposição aos
riscos acima mencionados pelas instituições financeiras para evitar que operações
mal geridas possam resultar em quebras, ou liquidações, no jargão financeiro. No
passado recente, a reestruturação do sistema financeiro, medida preventiva à
liquidação de instituições financeiras, consumiu um elevado volume de recursos
públicos e do próprio sistema, por meio dos depósitos compulsórios
13
.
A adoção de normas prudenciais mais rígidas e a fiscalização mais
incisiva dos órgãos reguladores, associadas a outros fatores como a elevada
concorrência e o investimento maciço em tecnologia de informática e automação,
geraram uma tendência de concentração do sistema financeiro em poucas
organizações, devido às vantagens de custo proporcionadas por maiores escalas de
operações.
Todo esse contexto produziu também a tendência de concentração das
atividades das instituições financeiras, principalmente na área de crédito, em
operações de baixo risco. A postura conservadora da gestão das instituições
financeiras favoreceu a relação com clientes que representavam menor risco de
perdas. O principal deles é o Estado. O compromisso do governo federal,
reiteradamente afirmado, com o controle da dívida e transparência do processo de
gestão da política monetária do Banco Central, que se reflete em previsibilidade das
suas medidas, torna a dívida pública um ativo de boa rentabilidade e baixo custo
para as instituições financeiras. A partir desse parâmetro, são avaliadas todas as
operações com os demais agentes econômicos, incluindo as pessoas físicas.
Naturalmente, as instituições financeiras estabelecem graus de risco diferenciados
para os demandantes de crédito na medida em que são conhecidas informações
13
Montante eqivalente a um determinado percentual dos valores depositados nas instituições financeiras, que
devem ser transferidos ao Banco Central. Trata-se de um instrumento de política monetária que tem o objetivo
de regular a quantidade de moeda disponível na economia.
148
sobre a sua renda, patrimônio, atividade econômica que realiza, outros
compromissos financeiros e o seu histórico de adimplência em operações anteriores.
Como mencionado anteriormente, as micro e pequenas empresas, os
empreendimentos informais e as pessoas cuja renda é muito baixa, freqüentemente
têm dificuldades para apresentar as informações requisitadas pelas instituições
financeiras. A falta de informações produz incerteza e eleva o nível de risco das
operações para as instituições financeiras. Na medida em que o cenário atual
permite que as instituições financeiras realizem operações rentáveis com segmentos
de menor risco, é natural o desinteresse em desenvolver negócios com a população
pobre. Outro fator que interfere nesse processo é a estrutura ineficaz existente na
sociedade brasileira para a resolução de conflitos. Quando uma das partes deixa de
cumprir com as obrigações assumidas, como ocorre no não pagamento de uma ou
mais parcelas de uma operação de crédito, a lentidão e os custos de um processo
judicial inviabiliza a execução de uma dívida formada por pequenos valores.
Portanto, a inadimplência de uma operação de baixo valor representa,
freqüentemente, perda irrecuperável para a instituição financeira. Diante da baixa
expectativa de recuperação do capital investido nas operações, as instituições
costumam adotar diversos procedimentos para minimizar a possibilidade de perdas,
ou distribuir o custo desta perda para os demais clientes por meio da definição de
taxas de juros elevadas mesmo em operações de baixo risco.
Seguindo o método analítico proposto por North, poder-se-ia afirmar que
os elementos apontados neste estudo indicam que a estrutura de incentivos
determinada pelas instituições da sociedade brasileira favorece as operações com
segmentos da população de maior poder aquisitivo, além de empresas de grande
porte e o Estado. As incertezas na relação com os mais pobres determinam
elevados custos de transação, fato que desestimula a extensão dos serviços
financeiros a todas as camadas da população. Esta situação representa um entrave
para a economia em dois sentidos. Primeiro, porque a expansão do público-alvo dos
serviços financeiros ampliaria as possibilidades de ganhos de escala das instituições
deste segmento econômico, reduzindo os custos operacionais e aumentando a sua
rentabilidade. Segundo, porque o capital emprestado financiaria o consumo e o
investimento da população atendida, produzindo aumento da demanda por bens e
149
serviços de outros segmentos além de repercutir positivamente sobre o nível de
emprego. Desta forma, verifica-se que o uso do modelo analítico de North implica
identificar no problema do acesso da população pobre aos serviços financeiros, um
caso de inadequação do arcabouço institucional que interfere na expansão das
atividades produtivas num ambiente coordenado pelas regras de mercado. É
importante salientar que tal modelo limita-se a apontar os fatores que restringem a
expansão do mercado de microfinanças, sem oferecer, contudo, categorias de
análise que permitam sustentar a eficiência das políticas de incentivo às
microfinanças quanto ao seu objetivo principal, qual seja, reduzir a pobreza por meio
da criação de oportunidades de trabalho e renda.
Baseado nesse diagnóstico, pode-se identificar claramente a relação entre
as políticas de incentivo à expansão do mercado de microfinanças relatadas no
capítulo III com as premissas da nova economia institucional. Primeiramente, a
atuação do governo federal no segmento se deu pela via do fornecimento de
recursos pelo BNDES às organizações de microcrédito a taxas inferiores às
contratadas no mercado e pela participação direta por meio do Crediamigo, projeto
desenvolvido pelo Banco do Nordeste com a assistência do Banco Mundial. Merece
destaque a atuação do BNDES por representar a primeira iniciativa de reduzir os
custos de operação para o segmento.
No momento seguinte, com o apoio à realização de pesquisas, o BNDES
passou também a investir na disseminação de informações e dados sobre o setor,
da legislação que regula as atividades nessa área, e as características do público
alvo e dos serviços demandados. Esta foi a primeira iniciativa para reduzir o nível de
incertezas para as organizações que operam no segmento e incrementar a sua
profissionalização. No entanto, o objetivo da atuação ainda não representava uma
estratégia de reforma dos mecanismos institucionais que interferem na regulação
das microfinanças. A realização das pesquisas e o aumento do volume de
informações sobre o segmento contribuíram para evidenciar os entraves que
limitavam a expansão de suas atividades como as taxas de juros, processos
inadequados, e dificuldade para a recuperação de valores em atraso.
É importante salientar que, a partir da última metade da década de 90,
crescia também a participação das organizações da cooperação internacional na
150
difusão das “melhores práticas” cujo foco era, essencialmente a busca pela
sustentabilidade financeira das atividades de microfinanças
14
. Dentro desse discurso
ganhava importância o incentivo à participação das instituições financeiras
tradicionais no segmento, como forma de expandir os recursos disponíveis para
essa atividade. Os modelos de atuação das instituições financeiras iam da operação
direta no mercado ou mediante a realização de parcerias com organizações da
sociedade civil. Mas na medida em que os estudos realizados tenderam a ressaltar o
desempenho dos empreendimentos sustentáveis financeiramente, a atuação das
organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, que geralmente dependem de
recursos subsidiados, passou a ser relegada a um segundo plano. A defesa em
torno da transformação das microfinanças em um segmento econômico com
oportunidades de negócio rentáveis levou também à discussão sobre os limites
institucionais para a consecução deste objetivo. Desta forma, ganhou ênfase o
discurso em prol de reformas institucionais para viabilizar a expansão do segmento
segundo as regras de mercado.
No Brasil, os debates iniciados pelo Conselho da Comunidade Solidária,
com a participação de intelectuais e pesquisadores de renome nacional, e o apoio
das organizações da cooperação internacional no desenvolvimento de projetos
deram o impulso à institucionalização do apoio às microfinanças na agenda política
do governo federal, dando início à fase de reformas na legislação para criar um
marco regulatório para o setor. Umas das primeiras iniciativas, a possibilidade de
credenciamento das organizações como OSCIP, ainda privilegia a atuação na área
de microfinanças como uma atividade de interesse social e, por isso, passível de
receber recursos subsidiados mediante a realização de parcerias com o poder
público. Contudo, no mesmo ano (1999), o governo começava a promover políticas
de incentivo à participação de instituições financeiras no segmento, como a
autorização para a constituição das Sociedades de Crédito ao Microempreendedor.
Percebe-se na estratégia do governo federal de incentivo ao setor a
promoção das duas vias: o apoio como política social por meio de recursos
14
A difusão dos princípos que deveriam orientar os programas de microfinanças podem ser encontrados em
estudos publicados por essas organizações (KHANDKER, 1998; BANCO MUNDIAL, 2003), planejamentos
institucionais (CGAP, 2003a) ou nos projetos por elas financiados, a exemplo do Crediamigo (BANCO
MUNDIAL, 2000) e do projeto de cooperação PNUD/Caixa Econômica Federal (PNUD, 2000).
151
subsidiados e o estímulo à participação das instituições financeiras formais, segundo
as regras de mercado. O Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado,
lançado em 2005, é uma evidência de que o governo adota uma postura ambígua
sobre um tema que é alvo de intenso debate, pois ainda há incentivos para a
atuação das organizações da sociedade civil nessa atividade em função da
disponibilidade de recursos subsidiados. Contudo, não há dúvida de que os maiores
avanços em termos de mudanças no marco regulatório da atividade foram na
direção da criação de condições favoráveis ao investimento privado nas
microfinanças.
Uma das primeiras medidas direcionadas para o setor privado foi a
ampliação do uso de correspondentes bancários para a realização de algumas
operações financeiras. Essa é uma medida que tem o foco específico para a
redução de custos das atividades de instalação, o que favorece a ampliação da
extensão territorial dos serviços financeiros, principalmente para a zona rural. Outra
medida que visa diretamente a diminuição de custos é a flexibilização das exigências
em termos de documentação para a abertura de contas correntes simplificadas, que
possuem serviços limitados.
Outro grupo de medidas tem relação maior com a redução dos custos de
transação. As normas legais que autorizam o desconto de parcelas de empréstimos
e financiamentos no salário dos empregados tanto do setor público como do privado,
atendem ao objetivo de reduzir o risco de crédito, que tem origem no
desconhecimento do perfil do cliente. Esse é o principal fator de incerteza nas
operações de crédito, representando o maior custo para a realização das
transações. Além disso, o governo vem buscando ampliar os registros de informação
disponíveis, assim como o compartilhamento de dados, sobre a relação histórica de
cada indivíduo com o sistema financeiro.
As duas medidas causam certa controvérsia. Algumas críticas são feitas
quanto à legalidade do pagamento via desconto em folha, pois este atentaria contra
o princípio da irredutibilidade dos salários previsto na Constituição Federal. Da
mesma forma, alega-se que o compartilhamento de registros da vida financeira do
indivíduo fere o seu direito à privacidade. Para os fins deste trabalho, não cabe
explorar essa questão a fundo, pois tal análise exige a abordagem de temas que são
152
próprios da ciência jurídica. Para a presente análise, importa identificar a relação de
tais medidas com a criação de um ambiente institucional propício à realização das
operações de microfinanças.
No conjunto de políticas que foram apresentados neste trabalho,
constatou-se que a estratégia de estímulo ao cooperativismo de crédito é o
programa de maior destaque e que tem exigido maior atenção do agente que regula
a atividade no Brasil, o Banco Central. As cooperativas de crédito têm uma natureza
peculiar no espectro de instituições que formam o sistema financeiro nacional.
Apesar de não serem bancos, possuem autorização para operar as principais
transações bancárias, desde que sejam realizadas em favor unicamente de seus
proprietários, que também são os clientes desse tipo de instituição. Além disso,
como as cooperativas são formadas por vínculos de alguma natureza entre os
cooperados, geralmente por ramo profissional, os seus administradores realizam
atividades distintas da área financeira. A exceção é o modelo de cooperativa de livre
admissão, em que não há necessidade de vínculos entre os participantes, embora
existam outras exigências para a sua constituição.
Diversas foram as transformações atinentes ao cooperativismo de crédito
com o objetivo de expandir a sua participação no sistema financeiro. As medidas
visavam a redução dos custos de captação, a ampliação da abrangência de serviços
que podem ser prestados aos seus integrantes e diminuição das restrições para a
sua constituição. Além disso, o governo vem incrementando os instrumentos de
supervisão destinados a acompanhar o desempenho das cooperativas e prevenir
crises no sistema.
O incentivo às cooperativas advém da percepção de que elas constituem
uma organização baseada na associação entre indivíduos que repartem, em tese, a
responsabilidade pelo desenvolvimento do negócio. Como visto em grande parte das
experiências de microfinanças, o compromisso solidário entre os participantes é um
elemento de redução dos riscos de perda na atividade por conta da influência das
relações sociais sobre o comportamento individual. Os ganhos ou perdas são
distribuídos entre os integrantes na medida de sua participação nas operações da
cooperativa. Essa característica pode inibir comportamentos oportunistas entre os
cooperados. Esta é uma das formas da influência positiva do capital social para o
153
desenvolvimento das relações econômicas em um determinado local, conforme
exposto no capítulo I. Analisando sob a ótica da economia institucional, o capital
social reduz as incertezas nas relações entre os indivíduos de uma mesma
comunidade, diminuindo assim, os custos de transação. Além disso, conforme
relatado no capítulo III, as cooperativas estão entre as instituições pioneiras no
fornecimento de crédito para empreendedores de baixa renda, principalmente na
área rural.
Nos últimos anos, vem se constituindo um fecundo campo de pesquisa
sobre empreendimentos de natureza solidária e a sua relação com o
desenvolvimento de atividades econômicas em localidades onde o investimento
privado é escasso. As cooperativas têm sido o objeto de inúmeras pesquisas sobre a
sua função como aglutinadoras do esforço de desenvolvimento em bases locais.
Outro fator preponderante para a inclusão das cooperativas na agenda de políticas
de incentivo às microfinanças é o papel que elas podem desempenhar, enquanto
sistema, no aumento da concorrência no mercado de serviços financeiros.
Em síntese, pode-se afirmar que o conjunto de medidas implementadas
pelo governo federal para o incentivo às microfinanças representa, em sua maioria, o
predomínio da visão da Nova Economia Institucional tanto no diagnóstico dos
problemas que impedem a “evolução” das atividades neste segmento, quanto no
objeto de ação. A pesquisa evidenciou que esse viés está presente inclusive no
discurso do governo federal. Pode-se afirmar também, que a agenda política para as
microfinanças é influenciada por duas vias, que representam por um lado a origem
do segmento, liderada pelas organizações da sociedade civil e por outro, a
tendência futura preconizada pelas instituições internacionais e corroborada pelo
setor privado. Há, portanto, um embate entre a visão das microfinanças enquanto
ação social, que defende os incentivos diretos do Estado como política pública, e a
visão de mercado, que entende as microfinanças como um segmento econômico
que pode e deve ser auto-sustentável. Para a visão difundida pelas organizações da
cooperação internacional, o papel do Estado é reformar as instituições para que se
eliminem as barreiras que inibem o investimento privado nessa área. Portanto, trata-
se de uma visão das microfinanças como um segmento orientado pela lógica do
mercado.
154
As iniciativas que pontuam o desenvolvimento desse mercado,
paulatinamente, se afastaram de uma perspectiva desenvolvimentista,
cultivada em particular pela ação de ONGs pioneiras na oferta de serviços
microfinanceiros, assumindo orientação caracterizada por procedimentos
tipicamente comerciais (KRAYCHETE, 2005, p. 206).
Esta é uma questão ainda sem solução no cenário nacional. Provavelmente, o fator
decisivo para a manutenção do apoio financeiro ao setor pelo Estado será o
desempenho futuro das organizações do mercado. Caso essas organizações
consigam atingir sustentabilidade financeira com recursos captados exclusivamente
no mercado, acredita-se que a posição das organizações sem fins lucrativos frente à
obtenção de recursos subsidiados poderá se tornar mais frágil. No entanto convém
salientar que o conflito entre as duas visões vai além da questão em torno da
sustentabilidade financeira.
Para compreender melhor a natureza desse conflito, é necessário analisar
uma questão fundamental: as microfinanças podem ser um instrumento eficaz de
transformação social, contribuindo para a redução da pobreza? Todo o movimento
internacional de apoio às microfinanças se fundamenta na expectativa de que as
transações financeiras, especialmente o crédito, são instrumentos de
empoderamento do indivíduo, de redenção da sua situação de pobreza, considerada
um fenômeno absoluto, como ressalta Kraychete (2005). Essa crença se
fundamenta na rápida expansão de diversas experiências, principalmente na Ásia e
na América Latina, e no incremento da renda das famílias atendidas. Os resultados
de sucesso são amplamente divulgados na comunidade internacional, por meio de
fóruns, seminários e na atuação das organizações da cooperação internacional.
Embora a mensuração do impacto das microfinanças na vida das famílias atendidas
não seja objeto de análise do presente trabalho, é possível apresentar algumas
inferências com relação ao alcance de tais medidas a partir do reconhecimento dos
elementos que provocam a situação de pobreza em larga escala como verificado no
Brasil.
Para a realização deste trabalho, optou-se por investigar a contribuição
para os estudos sobre o desenvolvimento fornecida pelas correntes de pensamento
que aderem aos princípios liberais, tendo em vista que elas têm se constituído na
referência para as políticas públicas e pela ação das organizações não estatais. É a
155
partir dessas referências que se procede à análise sobre as microfinanças e o seu
potencial para a redução da pobreza.
Considerando a abordagem que relaciona desenvolvimento e liberdades
individuais, proposta por Amartya Sen (2000), constata-se que a pobreza é um
problema decorrente da falta de oportunidades à disposição do indivíduo para que
ele possa empreender as atividades necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e,
conseqüentemente, atingir o padrão de satisfação de suas necessidades. A pobreza
seria então, a privação da liberdade do indivíduo de escolher o padrão de vida que
pretende ter, de acordo com o seu esforço pessoal.
O modelo analítico de Sen enfatiza a autonomia do indivíduo, apoiada na
relação entre o acesso às oportunidades, que para Sen significam as liberdades
instrumentais, e a responsabilidade do indivíduo pelos seus atos. Entre as
liberdades instrumentais definidas por Sen estão os instrumentos econômicos, ou
seja, a estrutura mediante a qual o indivíduo pode obter os recursos para atingir os
seus objetivos mediante a produção, consumo ou trocas. Entre os instrumentos
econômicos, o crédito desempenha um papel fundamental na medida em que
fornece aos indivíduos o capital necessário para realizar os seus empreendimentos.
A liberdade política, o direito ao acesso a serviços de educação e saúde, a
transparência na relação dos indivíduos entre si e entre eles e o Estado e, por fim, a
seguridade social, completam os tipos de liberdade definidos por Sen como
essenciais para o desenvolvimento humano e social.
Portanto, seria papel da sociedade organizar os seus recursos de modo a
ampliar as liberdades individuais como estratégia de combate à pobreza e dos seus
efeitos sobre a qualidade de vida da população. Segundo essa visão, as
desigualdades não devem ser eliminadas, tendo em vista que são resultantes das
diferenças entre os indivíduos. A ação da sociedade deve estar concentrada em
eliminar as deficiências institucionais para que garanta um quadro de eqüidade
social (KRAYCHETE, 2005). Pode-se depreender a partir da abordagem liberal, que
as microfinanças poderiam significar um caminho para fazer com os recursos do
sistema financeiro chegassem até os pobres, eliminando parte das privações de
liberdade que caracterizam a pobreza.
156
Segundo Kraychete (2005), a noção da pobreza difundida pelas
organizações da cooperação internacional tem, notadamente, a influência dos
trabalhos de Sen. As proposições deste autor, por sua vez, derivam da filosofia
política liberal, que tem em John Rawls um de seus principais formuladores. A
análise sobre o conceito de justiça social baseada na concepção de sociedade como
um sistema de cooperação social, trabalhado por John Rawls (1996), mostra que há
alguns elementos de convergência com a proposta de Sen. Quando Rawls defende
um modelo de justiça procedimental em que a sociedade deveria estar disposta ao
compromisso com a distribuição igualitária dos bens primários, que ele define como
bens básicos necessários a qualquer indivíduo, entre eles a igualdade de
oportunidades, sua teoria se aproxima do conceito de liberdades instrumentais de
Sen. Da mesma forma, verifica-se uma convergência entre as teorias de Rawls e
Sen na medida em que ambos defendem a responsabilidade do indivíduo quanto ao
seu futuro desde que tenha os meios à sua disposição para participar de um sistema
de cooperação social.
Esses elementos reforçam a noção de que a sociedade deve prover os
meios para que os indivíduos possam desenvolver as atividades que considerem
adequadas à satisfação das suas necessidades. Pode-se então, segundo o conceito
de justiça social, inferir que as microfinanças desempenham o papel de redução das
desigualdades de oportunidade para os indivíduos, o que poderia legitimar as
iniciativas de apoio a esse segmento.
É importante perceber, contudo, que os conceitos desenvolvidos por Sen e
Rawls abrangem uma série de elementos que precisam estar presentes em conjunto
para que os indivíduos possam ter acesso a padrões mínimos de satisfação de suas
necessidades. As microfinanças, ou especificamente o microcrédito, correspondem
apenas ao lado econômico do problema, pois não têm relação direta com as demais
liberdades instrumentais definidas por Sen ou com os bens primários definidos por
Rawls na sua teoria da justiça enquanto eqüidade, embora o aumento da renda para
os microempreendedores possa permitir alguma melhoria no acesso a serviços de
saúde ou educação. Mas o que se verifica no discurso corrente a favor das
microfinanças é a extrapolação dos benefícios que o acesso aos serviços financeiros
pode representar para a diminuição da pobreza, mesmo considerando estritamente a
157
visão liberal. É fato que em algumas análises desenvolvidas pelas organizações que
promovem o segmento como o CGAP e o Banco Mundial são mencionados os
diversos fatores que precisam estar organizados para minimizar as desigualdades
sociais. Todavia, as iniciativas de fomento às microfinanças costumam se
desenvolver isoladamente, sem associação com projetos de melhoria no acesso à
educação, saúde, seguridade social, etc. Isto significa dizer que há uma clara
distinção entre o discurso e a prática no tocante à participação das microfinanças
como instrumento de combate à pobreza dentro de uma perspectiva liberal. Se as
microfinanças constituem um segmento que deve ser regido pelas normas de
mercado, as operações tendem a seguir uma trajetória própria que não
necessariamente coincidirá com a orientação das políticas públicas na área social.
Estudos apontam que as iniciativas que atingiram a sustentabilidade financeira
acabaram se especializando nas camadas de melhor condição financeira entre os
pobres (MORDUCH, 1999; SWAIN, 2004). A falta de coordenação na aplicação
destes recursos elimina os efeitos de sinergia que poderiam ocorrer. Desta forma,
percebe-se que a tendência atual de valorizar o retorno financeiro do investimento
nessa área contradiz os fundamentos intelectuais de ordem liberal em que se
sustentam as políticas de incentivo às microfinanças.
Além da contradição ora apontada, deve ser ressaltado que ainda há
controvérsia sobre o potencial das microfinanças como instrumento de combate à
pobreza, mesmo que as atividades possam gerar efeitos positivos sobre a renda das
famílias atendidas. Quando se discute uma agenda política para o enfrentamento do
elevado patamar de pobreza verificado na sociedade brasileira é preciso identificar
condicionantes que vão além dos limites da perspectiva liberal. Como visto no
capítulo I, o trabalho de Barros, Henriques e Mendonça (2001), revela que a pobreza
no Brasil não se explica pelo montante da renda per capita nacional. A pobreza é
resultado do elevado nível de desigualdades na distribuição da renda no país.
Portanto, não há como falar em combate à pobreza sem uma política de distribuição
de renda e de poderes dentro da sociedade brasileira.
Essa constatação revela o primeiro limite de uma política de incentivo às
microfinanças na realidade brasileira, pois o crédito, principal produto das
organizações que atuam no segmento, tende a promover a transferência de renda
158
dos devedores para os aplicadores. Isto se deve às elevadas taxas de juros
praticadas no mercado de crédito nacional, que são ainda maiores nas operações de
baixo valor. Com operações cujas taxas de mercado podem ultrapassar 100% a.a.,
fica claro que no Brasil, uma parte substancial da renda gerada nas atividades
produtivas é apropriada pelos investidores do setor financeiro. No crédito ao
consumo essa tendência é ainda mais clara.
A questão da distribuição desigual da renda no Brasil é freqüentemente
associada à baixa escolaridade de uma grande parcela da população, que limita a
sua possibilidade de buscar ocupações melhor remuneradas, além de discriminação
de raça e gênero. Há também aqueles que criticam a ineficácia do Estado como
promotor de serviços relacionados à saúde e educação de qualidade bem como as
restrições que são impostas à livre dinâmica do mercado. No entanto, como mostra
Marcelo Medeiros (2005), o problema envolve uma questão muito mais ampla: a
participação do Estado na reprodução das desigualdades que se verifica no destino
dos recursos das políticas sociais. Para Medeiros, o conflito de interesses presente
na sociedade brasileira e a desigualdade no poder de representação desses
interesses junto às instituições públicas fazem com que uma parte substancial dos
recursos públicos destinados à área social não sejam orientados para os pobres.
Distorções na área de previdência e investimentos em educação, por exemplo, têm
privilegiado grupos de maior poder aquisitivo. No entanto, embora Medeiros tenha
lançado uma luz importante sobre a questão, os elementos apontados em seu
trabalho não constituem o elemento fundamental na relação entre o Estado e as
elites, que explica as desigualdades de renda. As relações entre o poder público e o
econômico estão diretamente ligadas à origem e expansão do modo de produção
capitalista.
Segundo Fiori (2004), trazendo elementos centrais da economia política
mundial em sua análise, a noção de economia nacional surgiu como um espaço
político, que se desenvolveu com a expansão do poder territorial dos soberanos,
transformando-se então em espaço econômico. Essa transformação foi
impulsionada pela necessidade do poder político de unificar os territórios sob seu
domínio, criando um espaço de identidade homogênea. A partir da consolidação dos
mercados nacionais foi possível ampliar as redes de comércio entre as cidades. Não
159
há como dissociar os ganhos econômicos dessa expansão. A conquista de novos
espaços representava também a acumulação de novas terras, a fonte de riqueza até
então, e o aumento da quantidade de trabalhadores disponíveis para a produção e
do volume de tributos. É importante ressaltar que esta fase marca a introdução de
uma moeda estatal que, entre outros objetivos, facilitava a cobrança de tributos e as
trocas comerciais internas e veio a se tornar a unidade de valor da riqueza
econômica. As guerras que se desenvolveram por toda a Europa entre os séculos
XIII e XVII constituíram o mecanismo que levou a alianças entre o poder político dos
soberanos e o econômico em função da necessidade de financiamento dos gastos
da guerra. Por outro lado, os detentores do poder econômico viam as guerras como
oportunidades de expansão dos mercados para o comércio e para as finanças.
Portanto, os movimentos de integração territorial através das guerras funcionaram
como um instrumento de acumulação de poder e de configuração de territórios
políticos e econômicos integrados internamente que formaram os estados nacionais
europeus. Esta política de integração territorial se expandiu para as Américas, a Ásia
e a África, ampliando a noção de sistema político mundial. Esse processo foi vital
para a ampliação dos mercados para as empresas que poderiam exercer o poder de
monopólio sob a “guarda do estado”. Segundo Fiori, as extraordinárias vantagens
financeiras obtidas neste processo são a verdadeira origem da concentração e
acumulação da riqueza pela Europa, pois o exercício do poder de monopólio confere
rendimentos muito superiores aos obtidos em relações “normais” de mercado.
Em síntese, a tese apresentada por Fiori mostra que a relação entre o
poder político e os agentes econômicos constituiu o impulso que determinou o
processo de expansão e integração territorial e econômica. O interesse principal que
movia esses agentes era a oportunidade de exercer o domínio nos campos político e
econômico de forma monopolística. Com a revolução burguesa e, principalmente,
com o avanço das democracias liberais no século XX, as disputas pelo poder
territorial perderam relevância. Mas a concorrência pela conquista de espaços nos
mercados consumidores permanece. Nessa disputa, a aliança com o poder estatal
continua sendo fundamental, pois o Estado define as regras que legitimam e
protegem o direito de propriedade, estabelece os parâmetros das relações
trabalhistas, determina o peso da tributação, além de ser o agente principal na
definição dos acordos comerciais entre os países.
160
No Brasil, a relação entre as elites econômicas e o Estado constitui um
tema essencial na explicação de sua formação econômica e na própria natureza da
relação entre o Estado e a sociedade. O patrimonialismo, característica de um
modelo de administração em que predomina o personalismo e os interesses
privados nas decisões do Estado, acentuou ainda mais a imbricação entre os
interesses políticos e econômicos. Isto levou ao favorecimento de determinados
setores e regiões do país pelos governos, fato que até hoje se reflete sobre os
desequilíbrios regionais e as desigualdades de renda. Além disso, essa prática criou
no Brasil um capitalismo altamente dependente dos incentivos estatais e averso à
concorrência, fenômeno que explica em parte o comprometimento do modelo de
desenvolvimento vigente até a década de 70, em decorrência da perda de
capacidade de investimento do Estado. Portanto, o patrimonialismo na cultura
política nacional é um elemento que tem alto poder explicativo sobre a origem das
desigualdades de renda e, por conseguinte, da manutenção de elevado índice de
pobreza. Essa tese é corroborada pela constatação de Medeiros de que as
desigualdades de renda são maiores nas regiões mais pobres do país, onde há uma
tendência de manutenção de práticas patrimonialistas. Isso mostra que o
personalismo nas relações políticas é tanto maior quanto for a escassez de recursos
de uma determinada região acentuando a distância na renda apropriada por ricos e
pobres.
Outra linha de análise sobre as desigualdades sociais enfatiza o papel da
transformação das relações de trabalho na sociedade. Esping-Andersen (1991), em
sua análise da relação entre a ação do Estado, o mercado e as famílias, aborda o
nível de dependência do cidadão frente ao mercado para a garantia da
sobrevivência e, num sentido mais amplo, do bem-estar. Umas das mais relevantes
mudanças provocadas pelo sistema capitalista, segundo o autor, foi a transformação
do trabalho num recurso de troca, no qual o trabalhador fornece a sua força de
trabalho e em troca recebe uma remuneração, que é a sua única fonte de
sobrevivência. Disso decorre que a sobrevivência do ser humano passa a depender
de uma relação de mercado, que é desigual na medida em que os capitalistas se
beneficiam do excesso de oferta de mão-de-obra para limitar os salários aos níveis
compatíveis com a sua expectativa de lucratividade. O contraponto a essa
desigualdade era o poder de barganha exercido pelos sindicatos, que perdeu força
161
na medida em que o problema do desemprego estimulou o comportamento
individualista nas ações coletivas como forma de proteção. Nas economias mais
frágeis, a disputa por uma ocupação no mercado de trabalho é ainda mais acirrada,
o que favorece o poder do capitalista na apropriação da renda gerada nas atividades
econômicas. Portanto, as relações de mercado no campo do trabalho constituem
outro componente da explicação das desigualdades sociais, porque contribui para
predominância da competição em detrimento da cooperação na relação entre os
cidadãos.
Há alguns elementos que apontam também para a existência de um
personalismo na administração e distribuição das oportunidades e dos recursos
econômicos nas relações capitalistas privadas, que subvertem a lógica estrita do
mercado. Conforme expõe Medeiros (2005), fatores como gênero, raça, idade,
escolaridade, experiência de trabalho e região de atuação não explicam
suficientemente as diferenças de remuneração inter e intragrupos, estes definidos
em função da renda. Também não são defensáveis os argumentos que evocam uma
maior disposição para o trabalho ou maior produtividade entre os ricos como
justificativa para níveis de remuneração tão díspares. Uma das hipóteses
consideradas pelo autor, embora não testada em sua pesquisa, é a influência das
relações interpessoais na definição da remuneração dos indivíduos. Este é um tema
de pesquisa que pode ser melhor desenvolvido a partir dos estudos sobre a relação
entre o capital social e a repartição dos recursos dentro de uma sociedade.
Um componente indispensável da análise sobre os condicionantes da
pobreza no país é a estrutura das relações de produção no nível internacional. O
avanço do capitalismo promovido pela industrialização foi baseado na divisão do
trabalho em busca dos ganhos de eficiência promovidos pela especialização. Como
um processo produtivo geralmente é composto de diversas fases, com a utilização
de insumos em variados níveis de elaboração, a especialização da produção gerou
a ampliação da cadeia produtiva. Como explica Wallerstein (1985), o encadeamento
da atividade produtiva gerou oportunidades para a acumulação do capital, tendo em
vista que este processo foi hierarquizado, ou seja, a produção não foi apenas
dividida, mas foi classificada em função do valor supostamente adicionado ao
produto.
162
Percebe-se, no argumento de Wallerstein, uma possibilidade de análise
para a compreensão do processo de desenvolvimento desigual das economias
capitalistas. Como o processo de industrialização era o que mais valor agregava ao
produto, a divisão internacional do trabalho promovida pelos países industrializados,
criou a distinção e hierarquização entre as economias centrais (industrializadas) e as
periféricas (produtoras de matéria-prima). A cadeia de produção que seguia o
sentido periferia-centro tornou-se também a direção da acumulação do capital na
medida em que a diferença no valor de mercado dos bens comercializados entre a
periferia e o centro era favorável aos últimos. Isto explica em grande parte o
superávit financeiro das atuais potências econômicas, com algumas exceções, e a
dependência de poupança externa das economias do hemisfério sul. Para viabilizar
a manutenção do padrão de consumo e a sustentabilidade do comércio em
condições desfavoráveis, as elites econômicas no Brasil recorreram à
superexploração do trabalho (MARINI, 2000). Isto configura um processo natural,
pois num cenário de relativa estagnação dos preços dos produtos vendidos, a
alternativa mais comumente usada é a aplicação de medidas de redução do custo.
Embora o projeto de desenvolvimento baseado na substituição de
importações tenha contribuído para minimizar as perdas nos termos de troca, as
políticas de incentivo à indústria nacional também foram baseadas na retenção dos
custos. Como visto no capítulo II, a liberdade dos fluxos migratórios no Brasil foi
crucial para a manutenção de uma oferta abundante de mão-de-obra, necessária
para a diminuição de pressões por aumentos salariais. No momento atual, marcado
por um novo impulso nas relações comerciais mundiais, o baixo custo da mão-de-
obra, condicionado, entre outros elementos, pelos elevados índices de desemprego,
continua a ser um dos fatores de competitividade da produção realizada no Brasil.
Os condicionantes da desigualdade social ora apresentados revelam que
a pobreza e a redução das desigualdades são fenômenos que compreendem várias
dimensões. Uma perspectiva histórica de análise das relações políticas e
econômicas mostra que as premissas em que se baseiam as ações de incentivo às
microfinanças são frágeis por não dar conta de todas essas dimensões, restringindo-
se à pretensa liberdade e racionalidade dos agentes econômicos, individualizados,
embora sejam reconhecidas as restrições impostas pelas normas institucionalizadas.
163
Sua fragilidade também decorre da razão de exclusividade que norteia as respostas
políticas fornecidas pelos programas de apoio às microfinanças para o problema da
desigualdade e da pobreza no Brasil. A extensão da pobreza no Brasil não é um
fenômeno isolado, decorrente apenas da desigualdade de oportunidades entre os
indivíduos. Ela está relacionada à estrutura do sistema produtivo e da influência
deste sobre as relações sociais e políticas. As reformas institucionais se limitam a
corrigir distorções conjunturais do sistema econômico sem ter, no entanto, força para
mudanças na própria estrutura. Por meio da análise histórica, verifica-se que são a
estrutura do sistema e a sua dinâmica que condicionam os arranjos institucionais.
Neste trabalho, procurou-se demonstrar que a incorporação das reformas
institucionais, inclusive do mercado de crédito e demais serviços financeiros, na
agenda política dos governos a partir da década de 90 é a condição para que o país
se adapte às mudanças do sistema econômico, decorrentes do processo de
integração dos mercados.
Pode-se esperar, então, que a aceleração da integração do Brasil ao
sistema mundial vai produzir efeitos positivos para o desenvolvimento e a redução
da pobreza? A resposta a tal questão requer a percepção da contradição em que ela
está envolta. A internacionalização da produção e a financeirização da economia (a
constante expansão do crédito e da dívida é agora uma parte central do
desenvolvimento capitalista) fazem parte do processo de expansão do sistema
capitalista e é através dela que a economia mundial mantém-se em crescimento.
Não há dúvida de que o crescimento econômico estimula o investimento e a geração
de empregos que produz repercussões positivas sobre a renda do trabalhador e
pode diminuir o montante de pessoas que vivem com renda demasiadamente baixa.
Contudo, o crescimento econômico que se vê no momento atual é concentrador e
excludente. É concentrador, porque os investimentos produtivos e financeiros são
canalizados para as regiões que oferecem melhores oportunidades de ganho, ou
seja, de recursos produtivos disponíveis e de baixo custo, entre eles o trabalho, e
remunerações acima da média pelo capital aplicado em títulos. Estes fatores são
mecanismos de transferência de renda em favor dos investidores, concentrando
ainda mais a renda disponível. Por conseqüência, o crescimento é também
excludente porque são poucas as regiões do país que oferecem condições de
164
oferecer mão-obra-qualificada e barata, mercado consumidor, além de infraestrutura
de baixo custo para escoar a produção. Esta contradição tende a gerar tensões
sociais, pois nem todos os cidadãos podem participar dos ganhos produzidos pela
sociedade, situação que amplia as desigualdades. Uma das principais decorrências
da integração é o acirramento da competição como forma de agir da sociedade, em
lugar do senso de cooperação. A tensão provocada pela competição entre os grupos
tende a provocar a desintegração social, primeiro pelo conflito, segundo pelo
enfraquecimento das forças que poderiam promover o debate político como
alternativa para a solução desse conflito (RODRIK,1997). Há então, uma divisão
entre os grupos que estão integrados ao processo, participando dos seus ganhos, e
aqueles que estão excluídos. Dessa tensão, derivam as críticas ao mercado pelos
movimentos sociais na atualidade, que tornam a colocar a ação do Estado no centro
da discussão. Por tais motivos, Rodrik argumenta que
o maior desafio para a economia mundial nos anos à frente está em fazer a
globalização compatível com a estabilidade social e política interna, em
outras palavras, assegurando que a integração econômica internacional
não contribua para a desintegração social interna (1997, p.2) (tradução
nossa).
Desta forma, percebe-se que pouco ou nada se pode esperar da
integração econômica para superar o problema da pobreza devido às suas próprias
contradições. Tampouco se pode falar em desenvolvimento, como visto no capítulo
1, num quadro de exclusão social.
Diante de todos os aspectos apresentados, que evidenciam os limites de
uma política de incentivo às microfinanças como instrumento de redução da pobreza
no Brasil, como interpretar o crescente interesse da sociedade sobre o tema? Essa é
uma questão de grande complexidade porque envolve uma intricada relação de
aspectos políticos, econômicos e culturais que vai além dos propósitos deste
trabalho, mas que precisa ser aprofundada para melhor explicar por que o país vem
investindo recursos por décadas em programas sociais sem que resultados
consistentes tenham sido alcançados. Uma linha de pesquisa que pode trazer
alguma luz sobre esse tema é o estudo sobre a forma de pensar das elites políticas
e econômicas sobre as desigualdades sociais, cujos primeiros resultados são
apresentados por Elisa Reis (2000).
165
A autora mostra que as elites reconhecem as deficiências na educação e
na saúde, as desigualdades e a pobreza como os problemas mais urgentes da
sociedade, além da inflação. Além disso, entendem que os principais objetivos do
país no médio prazo devem ser aumentar o nível de educação, reduzir o tamanho do
Estado e erradicar a pobreza. Segundo Reis, a priorização em torno da educação,
assunto mais recorrente, representa a crença de que o nível educacional constitui-se
no principal instrumento de mobilidade social, por conferir melhores oportunidades
aos mais pobres de competir por posições mais vantajosas na estrutura social.
O que está implícito nesse dado, como interpreta a autora, é a crença das
elites de que a mobilidade social ascendente pode ser realizada sem que os grupos
que estão no “nível superior” percam suas posições, ou seja, acreditam que a
educação pode fazer com que uma política social não seja um jogo de soma zero
(REIS, 2000). Soma-se a isso, o entendimento por parte das elites de que este
assunto compete estritamente ao Estado resolver. Em conseqüência, acreditam as
elites que o avanço incipiente na questão social é decorrente da incapacidade
administrativa do Estado e de vontade política.
Verifica-se dessa forma, que os integrantes dessas elites, ao transferirem
a responsabilidade sobre a questão da pobreza e da desigualdade exclusivamente
ao Estado, não se incluem como parte integrante do problema. Como ressalta Reis,
mesmo as elites políticas e burocráticas se referem ao Estado com distanciamento.
A autora refere-se a essa questão como um paradoxo, pois a elite reconhece a
existência dos problemas sociais, mas se exime de qualquer responsabilidade como
se não fosse parte interessada.
O trabalho de Reis traz elementos que parecem demonstrar que as
dificuldades em se implementar políticas efetivas de diminuição da pobreza na
sociedade brasileira decorrem não do desconhecimento dos problemas, mas da falta
de percepção das suas verdadeiras causas. O discurso em defesa das
microfinanças como política de combate à pobreza é um reflexo disso, pois tira o
foco da questão fundamental: o conflito que envolve a apropriação da renda no
Brasil. Esta é uma realidade que interfere nos interesses de qualquer cidadão.
Levando-se em conta que não há perspectivas de que a economia brasileira volte a
crescer no ritmo dos anos 60-70 por um longo período, não há como reduzir os
166
níveis de pobreza sem que se encontrem formas de alterar os mecanismos de
apropriação da renda. Sua solução é um jogo de soma zero, pelo menos num
primeiro instante. Essa situação inibe a cooperação e opõe indivíduos e grupos,
cada um defendendo os seus interesses com os recursos de que dispõe, seja nas
regras de mercado ou nas relações com o Estado. Em ambos os espaços a disputa
é desigual. Se no mercado prevalece o poder econômico, no Estado, os
mecanismos institucionais de representação dificultam a participação do cidadão,
tornando ainda mais restritas para a população pobre, as possibilidades de defesa
de seus interesses. Por isso, soa pouco realista imaginar que o Estado e o mercado
possam promover qualquer mudança substancial nas formas de apropriação da
renda no curto prazo.
Diante desse quadro, constata-se que o caminho para o enfrentamento da
pobreza passa pela redução dos desequilíbrios que caracterizam o conflito de
interesses. Para tanto, o fortalecimento dos meios de participação na democracia é
fundamental. Esta não é uma tarefa fácil, pois a participação e a deliberação, que
são atividades inerentes ao processo democrático, requerem conhecimento e
capacidades argumentativas dos atores envolvidos. Por isso, além da educação
formal, é preciso uma educação para a cidadania, tal como defendida por Sachs
(1995), que poderia ser um meio de transformação da forma como o indivíduo
reconhece os seus direitos como cidadão. Este caminho tenderia a elevar a
demanda da sociedade por uma maior participação na deliberação de assuntos de
interesse público, pressionando por uma revisão do arcabouço institucional que
define as formas de mediação entre a população e o Estado. A política, em
comparação com o mercado, ainda é o meio de interação em que os interesses
podem ser discutidos com menor desigualdade. O interesse econômico continuará
sendo predominante, mas a política pode impor-lhe alguma resistência sendo a
forma de mediar o conflito entre a lógica de mercado e as demandas sociais
legítimas.
167
5.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se propôs a analisar a experiência brasileira na
implantação de uma política de estímulo às microfinanças com ênfase na
identificação de suas origens e dos atores envolvidos e num exercício de
interpretação das premissas nos campos políticos e econômicos que fundamentam
as suas práticas. Neste exercício, a opção por uma pesquisa exploratória mostrou-se
adequada, pois permitiu uma investigação de maior amplitude sobre o tema,
resultado que dificilmente teria sido alcançado caso se houvesse optado por um
estudo de caso. Da mesma forma, o uso de uma perspectiva histórica teve
importância fundamental para os resultados do trabalho por agregar à análise uma
tentativa de compreensão da dinâmica das relações entre Estado, sociedade e o
sistema econômico ao longo do tempo.
As evidências apontadas na pesquisa mostraram que os serviços
financeiros são demandados por toda a sociedade, dada a sua utilidade para o
planejamento dos gastos das famílias e da viabilização de negócios para os
empreendedores, independentemente do seu porte. Por isso, são válidas as
iniciativas estudadas que visaram ampliar o acesso aos serviços financeiros para os
mais pobres, inclusive a formulação de um marco regulatório que reduza as
incertezas para potenciais investidores e diminua os custos de entrada no negócio.
Contudo, é importante salientar que os serviços financeiros, e as microfinanças em
particular, constituem tão somente um negócio, quando executados isoladamente.
Neste sentido, a associação entre microfinanças e desenvolvimento não se sustenta
nem mesmo com relação ao conjunto de premissas de orientação liberal. Uma
ressalva deve ser feita aos projetos que envolvem as finanças num sistema de
cooperação entre os participantes e em associação com programas sociais de maior
amplitude, algo que é muito raro no cenário atual e merece ser avaliado com maior
atenção.
A internalização recente das microfinanças como tema da agenda
brasileira para o desenvolvimento e em associação com uma série de reformas
168
institucionais preconizadas pelas organizações da cooperação internacional, revela
que essa iniciativa constitui mais um passo no esforço do governo brasileiro de
mostrar o seu compromisso com políticas econômicas orientadas para o mercado.
Por sua vez, tais políticas representam a continuidade do processo de integração da
economia brasileira ao mercado mundial. Paradoxalmente, a ocorrência de tal
fenômeno antes de concluída a tarefa de integração da economia nacional, tende a
ampliar ainda mais os desequilíbrios regionais e a competição interna por uma
posição na cadeia produtiva mundial e no fluxo de capitais.
Por fim, neste trabalho procurou-se mostrar que o interesse da sociedade
por políticas como as de incentivo às microfinanças representa a busca por soluções
para a pobreza que não explicitam a natureza estrutural e histórica do problema: a
existência de uma disputa desigual no processo de apropriação da renda por razões
diversas, entre as quais, as condições diferenciadas de relacionamento com o
Estado e a mercantilização do trabalho. Tomar esse caminho significa omitir a
necessidade de uma política efetiva de distribuição da renda, que envolve um
debate amplo na sociedade, tendo em vista que necessariamente produz
ganhadores e perdedores, pelo menos no curto prazo. Os caminhos são muitos, mas
um deles e que parece mais factível, embora seja colocado numa perspectiva de
longo prazo, é o da ampliação da democracia por meio do incentivo à participação
dos cidadãos na deliberação sobre as diretrizes das políticas de interesse público.
Neste trabalho, mais do que apresentar respostas para o grave problema
das desigualdades sociais, pretende-se evidenciar questões que pareciam obscuras
no conjunto de discursos e práticas sobre o papel das microfinanças nas políticas
sociais. Se este trabalho contribuir para a promoção de um olhar crítico sobre as
políticas sociais e, sobretudo, para as políticas de apoio às microfinanças, as
premissas em que elas se sustentam e os aspectos que não estão evidenciados,
acredita-se que terá cumprido o seu papel principal. Nesse sentido, este presente
trabalho segue um caminho iniciado pelas pesquisas desenvolvidas por Kraychete
(2005), que se propõe a explicitar a conformação de um novo ambiente institucional
para a análise e definição de políticas de enfrentamento da pobreza, em particular
os programas de microfinanças, no âmbito das organizações da cooperação
internacional.
169
Na medida em que a pobreza no Brasil é um problema que envolve
múltiplas dimensões, inúmeros são os elementos que precisam ser acrescentados à
análise e que representam as lacunas deixadas no presente estudo. Em futuras
agendas de pesquisa é preciso aprofundar a discussão em torno das formas de
representação das demandas sociais no Estado. Isto requer reexaminar as teorias
sobre a natureza do Estado. Uma área de pesquisa também promissora é o estudo
do desenvolvimento enquanto uma realidade possível ou um mito. Compreender o
papel das organizações da cooperação internacional nesse processo é um passo
essencial. Um programa de pesquisa que começa a dar os primeiros passos no
Brasil, mas que pode trazer elementos adicionais à discussão sobre a desigualdade,
aborda a constituição de arranjos produtivos baseados no princípio da solidariedade
entre os participantes. Um dos principais desafios para os estudos realizados nessa
área será identificar a dinâmica das relações entre o contexto local das experiências
realizadas e o sistema global em que prevalece o estímulo à competição.
Com base no exposto, está claro que a pobreza é um problema que
envolve toda a sociedade brasileira e deve ser encarado frontalmente, sem
subterfúgios. Adiar esse debate pode acirrar ainda mais a crise social em que já
vivemos. As diferenças se tornam conflito porque há desigualdade, porque a
sociedade tornou-se uma arena fundada na ética individualista de excessiva
competição, perdendo, assim, a sua razão de existir enquanto comunidade política e
social. Combater as desigualdades é permitir que a sociedade cumpra o seu
objetivo, qual seja, o de ser um sistema social de regulação da cooperação e dos
conflitos em que todos produzem segundo as suas capacidades e têm o direito de
usufruir, enquanto cidadãos, de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e
culturais.
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