Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
LYLIAN CAROLINE MACIEL RODRIGUES
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM DISPOSTIVOS MIDIÁTICOS:
INVESTIGAÇÃO EM ESCOLAS PÚBLICAS
São Leopoldo
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
LYLIAN CAROLINE MACIEL RODRIGUES
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO EM DISPOSTIVOS MIDIÁTICOS:
INVESTIGAÇÃO EM ESCOLAS PÚBLICAS
Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação
Para obtenção do título de Mestre em Comunicação
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Centro de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação
Processos Midiáticos
Orientador: Jairo Getúlio Ferreira
São Leopoldo
2007
ads:
3
Dedico este estudo aos meus pais e irmãos
4
AGRADECIMENTOS
Agradecer é imprescindível pelo recebimento de tantos benefícios de familiares, amigos,
professores, instituições e colegas de turma.
A Deus, pela saúde, família e presença constante ao meu lado em todos os momentos,
fazendo parte da força que me mantém alcançando sonhos e realizando novas etapas na
experiência de vida.
À família, pelo amor renovado todos os dias com ligações, cartas, mensagens para me
manter perto do carinho, da união e da presença familiar especial de meus pais e irmãos. Pela
confiança depositada e encorajamento de novos desafios.
Ao amigo e namorado, Tiago, constante presença ao longo do mestrado, trazendo
carinho e apoio a cada momento de vacilo e possível recaída com incentivo e ânimo.
Às amigas e professoras Keyla Negrão, Regina Lima, Rosaly Brito que me incentivaram
ao campo da pesquisa e ao mestrado, ajudando na formulação do projeto, estimulando à pesquisa
e à sala de aula pelos exemplos de professoras e pesquisadoras.
Ao meu orientador, amigo, professor, irmão e mestre. Pela orientação atenta e conselhos
fundamentais ao encaminhamento da pesquisa. Pelo carinho e precisão com as palavras nas horas
de tensão.
A professores fundamentais ao longo do mestrado, José Luiz Braga, Fausto Neto, Suely
Fragoso pelas idéias, pelo apoio, pelo incentivo. Assim como a Cínara, Lilia, Mari pelo
atendimento primordial a todos as solicitações dirigidas à secretaria do PPG.
Ao CNPq pela viabilização orçamentária da continuação do mestrado e da ocasião
favorável ao me permitir dar atenção exclusiva ao projeto.
Às instituições públicas, professores, direção e alunos por me receberem em sua rotina,
permitirem o acesso ao espaço e a concessão de entrevistas.
Aos amigos de turma e aos novos amigos encontrados no sul, Fernanda Cruz, Cibele,
Mariane, Luciano e Talita, Marcos e Fernanda, Marina e André. Pelo carinho e momentos de
muitas risadas durante esses dois anos, pelo apoio e ajuda para a finalização da dissertação.
Aos amigos de Belém, Najara, Janaína, Tomázio, Kátia Wilkens, Kátia Araújo, Paulo
Lima, Carlos, Ana Paula, Jackie, Jéssica, Erika, Helaine, Wil, e vários outros pelas palavras de
amizade e lembranças.
5
RESUMO
Pesquisamos as relações entre os campos da comunicação e da educação, na perspectiva
dos processos midiáticos. Para isso, primeiramente, contextualizamos o tema, agrupando as
contribuições que o campo acadêmico da comunicação desenvolveu em torno do mesmo. Em um
segundo momento, buscamos formulações teóricas que dêem conta de nosso eixo de
problematização, que pode ser resumido na seguinte questão: como o conhecimento é produzido
pela mídia, considerando um lugar próprio que não o da instituição escolar, que é o espaço
fundamental para o aprendizado em sociedade? Para operacionalizar as relações dos campos,
mobilizamos o conceito de dispositivos, em perspectiva triádica – interação, linguagem e
tecnologia. Essa angulação está articulada com outras contribuições teóricas tais como os
conceitos de crença, habitus, reprodução, distinção, agenda e protagonismo. O constructo teórico
produzido no processo dialético descendente e ascendente (ou, entre processos dedutivos e
indutivos, com diversos níveis de reelaborações) nos permitiu dar conta das heterogeneidades das
escolas; do minucioso, para compreender racionalidades dos processos midiáticos que atravessam
a instituição escolar e produzem formas singulares de conhecimento social. O empírico foi
pesquisado com diversas técnicas de coleta de dados, entre observação, descrição e entrevistas,
sempre fazendo o movimento de diálogo sobre a teoria e o que encontrávamos em campo, entre
os dados e as perspectivas teóricas. E, deste diálogo, construímos categorias descritivas, a partir
das quais desenvolvemos análises relacionais. Essas análises retornam as reflexões teóricas que
embasaram o trabalho, permitindo algumas tensões reflexivas – ou de um olhar renovado e
produtivo para novas investigações.
Palavras-chave:
Processos Midiáticos – Interface – Dispositivo Midiático
6
ABSTRACT
We search the relations between the fields of communication and education in a
perspective of mediatic processes. For this, first, we contextualize the subject, grouping the
contributions from the communication academic field developed about this interface. At a second
moment, we search for theoretical formularization that give support to our axle of problem and
that can be briefed in the following question: how the knowledge is produced by media,
considering its own place and not in school institution, which is the basic space for learning in
society? To operate the relations between these fields, we mobilize the concept of devices, on a
triadic perspective - interaction, language and technology. This angle is articulated with other
theoretical contributions such as the concepts of belief, habitus, reproduction, distinction, agenda
setting and protagonism. The theoretical construct produced in a descending and ascending
dialectic process (or, between deductive and inductive processes, with diverse levels of reworks)
allowed us to deal with heterogeneity of schools, from the circumstantial detailing subjects, to
understand rationalities of the mediatic processes that cross the school institution, producing a
singular form of social knowledge. The empirical was researched through diverse techniques of
data´s collection, like observation, description and interview, always making the movement of
dialogue between theory and corpus, or data and the theoretical perspectives. From dialogue, we
construct descriptive categories, from which we developed analytical relations. These analyses
return to the basic theoretical reflections of our investigation, admiting some reflexive tensions -
or a renewed and productive look, for new researches.
Key-Words:
Media Process – Interface – Media Device
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Caderno de Cultura produzido pelos alunos .............................................................. 113
Figura 2 - Caderno com recortes do impresso levado pela professora........................................ 114
Figura 3 - Caderno com os anúncios produzidos pelos alunos.................................................... 115
Figura 4 – Capa do jornal produzido pelos alunos ...................................................................... 116
Figura 5 - Quadrinhos produzido pelos alunos............................................................................ 117
Figura 6 - Quadrinhos produzido pelos alunos............................................................................ 118
Figura 7 - Quadrinhos produzido pelos alunos............................................................................ 118
Figura 8 - Quadrinhos produzido pelos alunos............................................................................ 119
Figura 9 - Matéria da Revista Istoé ............................................................................................. 121
Figura 10 – Desenho do Museu do Inconsciente produzido pelos alunos................................... 122
Figura 11 - Desenho do Museu do Inconsciente produzido pelos alunos ................................... 122
Figura 12 - Matéria sobre Educação............................................................................................ 124
Figura 13 - Matéria sobre a Escola Aberta.................................................................................. 125
Figura 14 - Matéria sobre a Escola Aberta2................................................................................ 125
Figura 15 - Boneco do Jornal do Gomes..................................................................................... 131
Figura 16 - Jornal do Gomes ....................................................................................................... 132
Figura 17 - Jornal do Gomes ....................................................................................................... 133
Figura 18 - Jornal do Gomes ....................................................................................................... 134
Figura 19 - Jornal do Gomes ....................................................................................................... 135
Figura 20 - Orkut Paula Soares ................................................................................................... 140
Figura 21 - Tópico de Conversas do Orkut ................................................................................. 141
Figura 22 – Outros tópicos das conversas do Orkut.................................................................... 141
Figura 23 - Conversas entre os membros do Orkut..................................................................... 142
Figura 24 - Conversas do Orkut .................................................................................................. 142
Figura 25 - Conversas do Orkut .................................................................................................. 143
Figura 26 - Conversas no Orkut .................................................................................................. 143
Figura 27 - Conversas no Orkut .................................................................................................. 144
Figura 28 - Mural da Escola Vasco da Gama.............................................................................. 147
Figura 29 - Roteiro Radionovela p. 1 .......................................................................................... 151
Figura 30 - Roteiro da Radonovela p. 2 ...................................................................................... 152
Figura 31 - Roteiro da Radionovela p. 3 ..................................................................................... 153
Figura 32 - Roteiro da Radionovela p. 4 ..................................................................................... 154
Figura 33 - Filme "Vem Dançar" ................................................................................................ 163
Figura 34 - Filme "Hotel Rwanda".............................................................................................. 164
Figura 35 - Resumos dos alunos sobre as notícias ...................................................................... 170
Figura 36 - Resumos dos alunos sobre as notícias ...................................................................... 171
Figura 37 - Resumos dos alunos sobre as notícias ...................................................................... 171
Figura 38 - Resumos dos alunos sobre as notícias ...................................................................... 172
Figura 39 - Resumos dos alunos sobre as notícias ...................................................................... 172
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11
1. CONTEXTOS.......................................................................................................................... 17
1.1.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DO PROBLEMA DE PESQUISA................................ 17
1.1.1. O tema escola e mídia ................................................................................................. 17
1.1.2. Conhecimento e tecnologia ......................................................................................... 18
1.1.3. A mídia nas escolas ..................................................................................................... 19
1.1.4. Escola Pública – o foco empírico................................................................................ 21
1.2.
CONTEXTO HISTÓRICO TEÓRICO DO ESTUDO DE INTERFACE................................................. 23
1.2.1. O estudo de interface................................................................................................... 23
1.2.2. Estudos de interface - Comunicação e Educação ....................................................... 25
1.2.3. Surgimento da Educomunicação................................................................................. 27
1.2.4. Braga e Calazans ........................................................................................................ 33
1.2.5. Escola de Recepção..................................................................................................... 38
1.2.6. Rosa Maria Bueno Fischer.......................................................................................... 42
1.2.7. Conhecimento .............................................................................................................. 44
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS.............................................................................................. 48
2.1.
DISPOSITIVOS ...................................................................................................................... 48
2.2.
CRENÇAS ............................................................................................................................. 57
2.2.1. Modalidades de Crenças ............................................................................................. 65
2.3.
PROCESSOS MIDIÁTICOS...................................................................................................... 67
2.4.
REFLEXÕES SOBRE A REPRODUÇÃO E DISTINÇÃO................................................................. 70
2.5.
OUTROS CONCEITOS............................................................................................................. 76
2.5.1. Agendamento (Agenda Setting) ................................................................................... 76
2.5.2. Protagonismo .............................................................................................................. 79
3. METODOLOGIA.................................................................................................................... 83
9
3.1.
O OBJETO............................................................................................................................. 83
3.2.
DIALÉTICA COMO COMPREENSÃO DO ESTUDO...................................................................... 84
3.3.
ANTECEDENTE TEÓRICO METODOLÓGICO........................................................................... 85
3.3.1. Considerações da banca.............................................................................................. 89
3.3.2. Novos ensaios metodológicos e solução encontrada .................................................. 90
3.4.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 93
3.4.1. Seleção do Universo de Pesquisa................................................................................ 93
3.4.2. Técnicas de Coleta .................................................................................................... 104
4. ANÁLISE DESCRITIVA DOS DISPOSITIVOS............................................................... 111
4.1.
IMPRESSO........................................................................................................................... 111
4.1.1. Brigadeiro Fontenelle ............................................................................................... 111
4.1.2. Gomes Carneiro ........................................................................................................ 123
4.1.3. Paula Soares.............................................................................................................. 136
4.1.4. Almirante Bacelar ..................................................................................................... 137
4.2.
INTERNET........................................................................................................................... 138
4.2.1. Paula Soares.............................................................................................................. 139
4.3. MURAL .............................................................................................................................. 146
4.4.
RÁDIO................................................................................................................................ 147
4.4.1. Brigadeiro Fontenelle ............................................................................................... 148
4.4.2. Paula Soares.............................................................................................................. 148
4.4.3. Rio Branco................................................................................................................. 149
4.5.
TELEVISÃO ........................................................................................................................ 155
4.5.1. Brigadeiro Fontenelle ............................................................................................... 155
4.5.2. Vasco da Gama.......................................................................................................... 157
4.5.3. Gomes Carneiro ........................................................................................................ 160
4.5.4. Paula Soares.............................................................................................................. 162
4.5.5. Rio Branco................................................................................................................. 163
4.5.6. Almirante Bacelar ..................................................................................................... 166
5. RELAÇÕES ........................................................................................................................... 176
5.1.
TIPOS DE MÍDIAS ............................................................................................................... 176
5.1.1. Televisão.................................................................................................................... 179
5.1.2. Rádio.......................................................................................................................... 186
5.1.3. Mural ......................................................................................................................... 189
5.1.4. Internet ...................................................................................................................... 190
5.1.5. Impresso .................................................................................................................... 193
5.2.
CRENÇAS ........................................................................................................................... 196
5.2.1. Não-importismo......................................................................................................... 196
5.2.2. Fabulação.................................................................................................................. 198
5.2.3. Crença sugerida ........................................................................................................ 201
5.2.4. Crenças reflexivas ..................................................................................................... 206
5.3.
DISPOSITIVOS, REPRODUÇÃO E DISTINÇÃO......................................................................... 211
5.4.
PAPÉIS NOS DISPOSITIVOS (PROTAGONISMO) ..................................................................... 214
5.5.
TEMAS NOS DISPOSITIVOS.................................................................................................. 217
10
CONCLUSÃO............................................................................................................................ 220
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 227
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS .......................................................................................... 233
11
INTRODUÇÃO
Com esse trabalho realizamos um sonho. O espaço da escola sempre exerceu um
fascínio por configurar o lugar de mudanças e aprendizagem; e poder, com o conhecimento,
mudar o indivíduo e a sociedade. Pela oportunidade de experimentar a sala de aula, ainda antes
de pensar no projeto de investigação, especificamente junto a crianças e adolescentes, observei
entre eles o encantamento pela mídia. O ensino para eles era mais agradável e de fácil
assimilação quando a tecnologia era apropriada pelo professor. Além disso, enxergava, quando
apropriada a mídia, especificações no exercício de papel de professor que escapam da sala de
aula e dos projetos tradicionais escolares, o compromisso da construção de conhecimento,
cidadania, caráter. Alguns educadores tinham dificuldades ao trabalhar com a tecnologia ou com
as atualizações discursivas da mídia. As lacunas sempre surgiam e o estudo dos processos
midiáticos no espaço da escola passou a tomar conta das minhas idéias. Aqui está a organização
de um esforço. Tais circunstâncias em sala de aula inspiraram o trabalho com a proposição de um
olhar sobre os meios no espaço pedagógico que vai além do uso que dele é feito, mas sim, olhar
os processos midiáticos que podem ser percebidos, acionados e implicados em dispositivos
midiáticos para aprendizagem ou significação.
Conseqüentemente, a importância social deste projeto será a possibilidade de atribuir
uma visão a respeito dos fluxos entre os campos da mídia e da escola, oferecendo mais uma
12
oportunidade de percepção do trabalho com os meios de comunicação em sala de aula e
potencializando o uso dos processos midiáticos como geradores de novas interações, que
promovem conhecimento.
A sociedade contemporânea vem sendo marcada pela mediação dos meios de
comunicação, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. A revolução tecnológica da
comunicação e da informação possui efeitos que se manifestam em todos os campos da vida
humana. O desenvolvimento destas tecnologias e os procedimentos técnicos ampliam largamente
as possibilidades de interação mediatizada, compondo um conjunto complexo de processos
comunicacionais que fazem circular uma variedade de produtos e processos nas escolas como as
informações, as notícias, entretenimento, novidades estéticas utilizando som, imagem, charges,
representações gráficas, etc.
Esse momento de reorganização pelo qual passa a escola está identificado como uma
mudança na repartição dos espaços de aprendizagem, agora incluindo a mídia como fonte de
informação e experiência que ensina. E qual seria essa nova relação de fluxo da mídia com a
escola? Como entra este estranho no espaço organizado pela escola para a aprendizagem? O
estudo que apresentamos incide nessa temática, da interação de dois campos, o da mídia e o da
escola, procurando entender essa relação na perspectiva dos processos midiáticos.
Dentro do espaço da escola, configuram o nosso ponto de partida os processos
midiáticos, percebido como a junção de práticas da comunicação que atravessam um campo
outro, o da educação. No entendimento de Pedro Gomes, os processos midiáticos são entendidos
como um “conjunto de práticas comunicacionais pertencentes ao campo das mídias, que operam,
13
segundo diferentes linguagens e por meio de diferentes dispositivos” (GOMES, 2004, p.17).
Sendo assim, entendemos estes processos como a produção das revistas ilustradas em sala de
aula, como a produção de jornal escolar ou de um programa de rádio, como uma ação no espaço
social deliberada por um programa de tevê ou por uma campanha do rádio; ou como sendo estas
atividades desenvolvidas por meio da conversação, do vídeo ou do conteúdo de um jornal, por
exemplo.
Com as observações das tecnologias de informação e meios de comunicação inseridos
na escola assim como a experiência do aluno como indivíduo de uma sociedade midiatizada,
trazendo essa bagagem para dentro da sala de aula, é possível perceber, nas descrições, a
transformação da cultura pedagógica, sobretudo dos alunos, sendo a maioria dos professores
ainda resistentes. O estudo da tensão entre as transformações materializa-se na circulação descrita
e analisada na pesquisa.
A busca deste objeto da comunicação se deu na reflexão da maneira como a mídia
participa da nossa vida social, apreendendo um fenômeno humano bem como os processos
organizam estruturas em um espaço não midiático. O estudo verifica a penetrabilidade da mídia
no campo da educação. O benefício de um estudo de interface pode ser descrito nas palavras de
Braga (2004a) ao definir a interface como um espaço privilegiado para construção do campo
quando desentranha o objeto de comunicação das problemáticas com outros campos.
Ao longo do mestrado, o trabalho sofreu alterações em sua estrutura teórica, em sua
estrutura de análise, mas sempre manteve a busca pelo espaço da sala de aula tal como é, do
cotidiano dos alunos, da circulação da mídia neste espaço, da compreensão de como se realiza o
14
entre a escola e a mídia. Na qualificação, a partir de pesquisa exploratória, analisamos esse tema
a partir de uma perspectiva da circulação, construindo fluxos operacionais que demonstrariam no
empírico as teorias. Foram três modalidades da circulação da mídia nas escolas, tratando de
interação promotora de conhecimento e aprendizagem; articulação de significados; e,
tecnointeração. Após as indicações da banca sobre a precisão de uma categoria de conhecimento
para as relações, voltamos ao campo buscando a nova categoria e só foi possível quando
coletamos os dados da forma heterogênea, como eles surgiam. Para isso, incorporamos o conceito
de dispositivo, que ofereceu uma resposta metodológica a esta variação. A categoria de
conhecimento passou a gerir todo o processo de modalização do trabalho de pesquisa e as
atualizações metodológicas, assim como os novos dados.
No capítulo 1, tratamos de contextualizar o chão que pisamos. Pontuamos alguns
importantes estudos para a área de interface, como a educomunicação, a escola de recepção, o
estudo de Braga e Calazans (2001), o estudo de Bueno Fischer (2001) e o grupo de Santa
Catarina com as pesquisas de conhecimento gerado pelos meios de comunicação. É feita uma
panorâmica pontual, estudo por estudo, com considerações análogas ao nosso processo de
investigação. Cada apropriação tem a sua importância específica. A Educomunicação, como uma
importante escola de estudo da interface, dá visibilidade para a discussão. As escolas de recepção
ao tratarem de um receptor ativo, levando a entender essa não passividade nos processos de
produção e recepção midiáticas, a partir de duas obras que tratam da recepção entre adolescente e
alunos. O estudo de Braga e Calazans (2001) que caracteriza os estudos de ângulos desta
interface por abrangências da escola e da mídia, pincelando em cada uma delas as reflexões de
pesquisa. O estudo de televisão, da professora Rosa Maria Bueno Fishcer, integrando um estudo
de produção, recepção, ações práticas na escola e linguagem. E, por fim, o grupo de
15
pesquisadores em Santa Catarina, que focam no conhecimento, categoria que passou a orientar a
nossa pesquisa, e por isso, não poderia deixar de estar contextualizado o tratamento que tem sido
dado ao conhecimento, gerado pela mídia, em meio à sociedade.
Os conceitos teóricos centrais, surgidos no decorrer da investigação, foram agrupados no
capítulo 2, apresentando o percurso da construção do conceito de dispositivos, enquanto operador
das análises, e da seleção do conceito de crenças para articular a categoria de conhecimento. A
esses dois eixos conceituais, agregamos outros que surgiram: protagonismo, reprodução e
distinção. O primeiro, na realidade, trata dos papéis, um indicador que surge em meio à dimensão
sócio-antropológica do dispositivo, notando a força dos papéis. A reprodução e a distinção são
conceitos de Bourdieu trazidos para o trabalho, ao passo que atualizamos as reflexões sobre a
reprodução escolar, tratada no livro “A reprodução”, a partir do conceito de habitus. E com a
observação de uma diversidade no âmbito das práticas, o conceito de distinção surge como
indicador nas relações das dimensões do dispositivo, preenchendo as lacunas para a compreensão
sobre a produção de crença ou sentido neste ou naquele caso, pela diferenciação.
Após toda a contextualização e as referências teóricas, partimos para a metodologia, no
capítulo 3, assim explicando o corpus, o locus e as técnicas de pesquisa utilizadas. É possível
perceber as transformações por quais passou o trabalho de pesquisa, na construção teórica e
quanto à coleta de dados, assim como os resultados e avaliações finais da metodologia aplicada.
O percurso buscou manter sempre o diálogo entre teoria e empírico, atualizando a teoria com o
empírico ou operacionalizando as técnicas de coleta com as novas demandas teóricas.
16
No capítulo 4, descrevemos nosso material empírico já buscando ao longo do
detalhamento uma percepção da dimensão triádica com a qual será realizada a análise. A
descrição propõe construir a percepção da sala de aulas e das atividades, sendo trazidas ao
trabalho as materializações das tarefas com a mídia e mesmo alguns trechos das conversações
desses alunos. Com isso, pretendemos uma descrição já crítica e analítica para o capítulo
seguinte, que tratará das relações e análises conclusivas.
As relações analíticas, do capítulo 5, abrangem as dimensões dos dispositivos, as crenças
e os tipos de mídia para articular e revelar alguns modos como se realiza o processo midiático.
Esses modos podem ser reconhecidos quando diferenciados e articulados em conjunto, sendo as
dimensões de articulação a sócio-antropológica, a semio-lingüística e a técnica e tecnológica,
respondendo assim ao ângulo comunicacional e ao empírico de um campo não midiático. A
própria pesquisa ofereceu outros indicadores de análise.
Fazemos, ao final, as conclusões, no último capítulo, sobre os processos da mídia no
espaço da escola, circulantes e construtores de conhecimento a partir das crenças concernidas nos
dispositivos da mídia. Oferecemos, com isso, um estudo sistemático para o campo acadêmico da
comunicação pensar a interface educação e comunicação.
17
1. CONTEXTOS
1.1. Contextualização histórico-social do problema de pesquisa
1.1.1. O tema escola e mídia
Historicamente, a escola tem sido marcada pela oralidade e pelo livro. E, hoje, uma nova
cultura permeia o espaço educacional. Há uma extensão das formas de conhecer e aprender pelas
novas tecnologias da informação, variações nas formas de escrever e falar dos alunos, outros
modos de encarar a realidade do mundo e agir sobre o mundo, uma maneira ampliada, à
distância, global, atemporal, tecnológica e audiovisual. Debate-se ainda, sem muitos consensos,
qual o caminho que a tecnologia está traçando para a sociedade, entremeada pelo audiovisual,
pelo tempo real, pela distância inexata, pelo bombardeamento de informações, pelo alargamento
e acesso à circulação de tais informações, etc.
A disposição da tecnologia e a extensão dessas tecno-interações, dentro do espaço
escolar, provocam tensões, entre os campos, que podem gerar conflito, harmonia ou acordos.
Numa determinada perspectiva, a tecnologia estimula diferentes formas de interações e uma
avalanche de informações para aprendizagem. Noutra, os limites de aprendizagem e socialização
da escola estão em intersecção (BRAGA, 2002) com a atuação do campo midiático, estando esta
tensão ainda em processo de organização e funcionamento. Nossa investigação integra essas duas
perspectivas na análise da interface, enquanto processos midiáticos, operando particularmente
com o conceito de dispositivos.
18
Queremos, portanto, compreender como, hoje, a mídia interfere com a sua produção no
aspecto de aprendizagem da sociedade, complexificando as relações de conhecimento que
escapam da escola e mesmo as que estão organizadas pela instituição. Trata-se de investigar
como os processos de comunicação permeiam a escola com materiais de conhecimento,
comportamento e ação mesmo sem o controle da instituição, e de como a escola promove
esforços para absorver, recusar, refrear, entrar em acordo ou controlar a interferência desta mídia.
1.1.2. Conhecimento e tecnologia
Um dos pressupostos de nossa investigação é de que o objeto da educação, ao longo do
tempo, começa a entrar em disputa por um outro campo que não mantém as relações
estabelecidas e acordadas com a escola nas apropriações da tomada de conhecimento. A mídia
passa a dividir alguns aspectos da aprendizagem ou mesmo a promover conhecimento. Análises
nessa perspectiva aparecem em Rodrigues (1996), Fausto (2006), entre outros autores do campo
acadêmico da comunicação. Nossa investigação procura caminhos para análise dessas relações.
Nesse sentido, é necessário pensar a aprendizagem para além dos limites da instituição
estritamente educacional, isto é, precisamos descobrir outras entradas para pensar esse tema.
Nossa investigação da aprendizagem se concentra no termo conhecimento. Quais conhecimentos?
Aqueles considerados necessários para a vida em sociedade. Afinal, a escola é o espaço social
onde o indivíduo vai aprender a viver em sua comunidade, ou seja, vai tomar conhecimentos
sobre como viver no coletivo.
Não nos cabe aqui discutir os formatos especificamente pedagógicos que surgem, mas
perceber como, para os estudos da mídia, é importante destacar a inter-relação nos processos
19
midiáticos, “modificando-os em função dos seus próprios modos operatórios” (BRAGA, 1999, p.
132). Os processos da mídia não vão formatar o aluno à maneira que a produção objetivou no
espaço social, mas, de fato, vão fazer parte da experiência do aluno, o que junto a outras
mediações, alteram, transformam ou constroem comportamento, conhecimento e consciência.
Os meios atualmente estão se materializando no espaço da escola através dos processos
que ultrapassam o uso enquanto ferramentas pedagógicas, ou seja, não é só trazer um jornal
impresso ou a revista para recortar palavras ou frases, e sim organizar uma fonte de
conhecimento, de experiência, de socialização, de crença, de interação, de criação de formatos
midiáticos dentro da escola, modificando os processos pedagógicos de aprendizagem em função
da presença das mídias na vida dos alunos. Estes, diante dos meios, acionam interpretações,
questões, conclusões, decisões sobre a mensagem, considerando parte do processo a possível
intencionalidade da informação, assim como as mediações (BARBERO, 1997), critérios pessoais,
sobretudo socioculturais. A articulação de todos esses elementos faz parte do processo de tomada
de conhecimento, comportamento, de consciência pelo aluno.
1.1.3. A mídia nas escolas
As escolas contemporâneas estão buscando integrar ao espaço físico da instituição,
assim como às atividades pedagógicas, o trabalho com as mídias, visando o aprendizado e a
formação de seu aluno. O processo implica reconhecer a importância social dos processos
midiáticos, que despencam uma avalanche de informações sobre os alunos
ouvintes/telespectadores/leitores/internautas, tematizam as conversas em sociedade, constroem
crenças, pautam as prioridades sobre o que saber e, às vezes, como saber.
20
Diante desta realidade, as determinações sociais e institucionais trazem para o sistema de
ensino a capacidade de dar conta da mídia enquanto formadora e informadora. Os investigadores
afirmam que à escola cabe o papel, repassado pela sociedade, da transmissão e formalização do
ensino ao aluno. A instituição deve, então, dar conta desta fonte de informação que tem sido
responsável por conhecimentos para o aluno.
Há casos em que a instituição promove a circulação dos processos midiáticos inclusive
com o propósito claro de se falar e trabalhar com a mídia, como será percebido ao longo do
trabalho nas atividades descritas nas escolas pesquisadas. A mídia está presente em todas as
escolas, gerando ou não interação, discursos, apropriação de tecnologia, trazida por professores
ou alunos ou pela instituição.
A presença dos meios de comunicação parece ser a forma de legitimação do campo da
mídia perante a escola. Ao conversar com uma das diretoras, o projeto foi apresentado com o
objetivo de observar os processos midiáticos no espaço escolar. Ela responde que não teríamos ali
um rico espaço de observação, pois eles não têm estrutura física de meios de comunicação, como
rádio na escola, computadores, internet e jornais. Só a televisão na sala de vídeo. À vista do
educador, pensar em uma escola coerente com o mundo da comunicação é pensá-la equipada com
multimídia, computadores, televisão, aparelho de DVD etc. No entanto, não só a escola integra a
mídia ao espaço e às atividades, como também os próprios alunos promovem os processos
midiáticos por meio das interações, apropriações e materializações - que se mostraram também
vindos de outros espaços sociais, da comunidade ou do próprio espaço doméstico do aluno. Eles
estão sempre conversando, dialogando sobre a mídia. Os programas de humor, os noticiários, os
21
resultados do esporte, desenhos produzem interações entre os alunos, muitas vezes até mesmo
sem o envolvimento dos professores.
1.1.4. Escola Pública – o foco empírico
A escolha pelo contexto social da escola pública é apoiada na divulgação da “Pesquisa
Nacional Qualidade da Educação: a escola pública na opinião dos pais
1
”, realizada pelo
Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), em âmbito nacional. A pesquisa teve o seguinte perfil:
Tabela 1 - Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a escola pública na opinião dos pais.
Fonte: MEC/Inep/Daeb-2004.
De acordo com a pesquisa, os pais de filhos que estudam em escola pública percebem a
qualidade do ensino no âmbito geral do ensino público fundamental com uma relativa
satisfação, mas a avaliação das escolas em que os filhos estudam tende para o campo
1
http://www.inep.gov.br/download/imprensa/2005/sensoescolar/relatorio_qualidade.doc. Acesso em Fevereiro de
2006.
Data de realização Horário Cidade Perfil do Grupo/ Gênero e Classe de
renda
15/12/2004 16:00h Belém/PA Feminino, C -, D e E
15/12/2004 19:00h Belém/PA Masculino, C -, D e E
15/12/2004 19:00h Recife/PE Masculino, C -,D e E
16/12/2004 19:00h Recife/PE Feminino, C -,D e E
16/12/2004 18:00h Brasília/DF Misto, B e C+
16/12/2004 20:00h Brasília/DF Misto, C -, D e E
16/12/2004 18:00h Curitiba/PR Misto, C, D, E
16/12/2004 20:00h Curitiba/PR Misto, B e C
17/12/2004 16:00h Rio de Janeiro/RJ Misto, C, D, E
17/12/2004 19:00h Rio de Janeiro/RJ Misto, B, C
22
negativo. São poucos os aspectos de satisfação e numerosos os pontos que geram
descontentamento.
Os segmentos mais pobres da população pesquisada, normalmente moradora em áreas
de grande carência, são os que contam com o pior atendimento escolar. Seus filhos estão
matriculados, geralmente, em escolas simples, pequenas, desprovidas de infra-estrutura,
oferecendo exclusivamente o ensino formal, ao passo que as classes C superior e B inferior,
residentes em áreas mais tipicamente de classe média, desfrutam de escolas com boa qualidade de
ensino e dotadas de infra-estrutura. A grande maioria, em ambos os segmentos, porém, manifesta
incisivamente o descontentamento com as condições de ensino nas escolas de seus filhos.
É percebendo este contexto social da educação que buscamos, através da pesquisa de
comunicação, investigar, na interface, os processos midiáticos dentro das escolas da rede pública.
A distinção apontada pelos pais em relação às escolas de periferia nos instigou a investigar como
a inserção dos processos midiáticos, no cotidiano do indivíduo – caso específico da escola –,
produz inúmeras possibilidades de interação entre campos sociais, inclusive como “possibilidades
do campo intervir em dinâmicas societárias outras, necessariamente não midiáticas” (FAUSTO
NETO, 2002, p. 33).
O retorno da pesquisa para reflexão de comunicadores e professores soma-se a uma
compreensão da midiatização na esfera de cultura na escola, aprimorando o ensino da rede
pública e dando qualidade às camadas mais pobres. Isso não significa que estejamos preocupados
em reafirmar as estratégias pedagógicas, mas sim em compreender as processualidades sociais
midiáticas que se sobredeterminam às práticas pedagógicas.
23
1.2. Contexto histórico teórico do estudo de interface
1.2.1. O estudo de interface
No Brasil, segundo Immacolata Vassalo
2
, a pesquisa em comunicação inicia, sobretudo,
na década de 50, predominando as pesquisas funcionalistas, com pesquisas quantitativas, assim
como as de conteúdo, audiência e efeitos. Em 60, permanecem ainda as pesquisas funcionalistas,
mas agora descritivas, com base em métodos comparativos e estudos de comunidade. Na mesma
década, iniciam-se os estudos sobre a indústria cultural, pela teoria da Escola de Frankfurt, com
metodologias qualitativas. Na década seguinte - 70 -, os estudos concentram-se na linha de
pesquisa de comunicação e política, com pesquisas funcionalistas descritivas e críticas sobre a
indústria cultural com temáticas de manipulação, dependência, transnacionalização, etc. Por fim,
na década de 80, os estudos caracterizam-se por pesquisas funcionalistas sobre aspectos
sistêmicos de produção e da circulação da comunicação, assim como estudos críticos em um
esforço de teoria e metodologia própria da América Latina e a politização das pesquisas em
comunicação, com metodologias qualitativas, temáticas, novas tecnologias de comunicação,
cultura, comunicação popular, etc.
Esse breve e rápido histórico pelas pesquisas e estudos da área das ciências da
comunicação tem o objetivo de perceber a riqueza do campo em suas dimensões de pesquisa,
teoria e metodologia. Um campo com variedade de temas, objetos, correntes teóricas e diversas
concepções sobre a própria área promove pouco consenso entre tantos pesquisadores. Nesse meio
de diversidades, o estudo de interface pode ser uma forma de construir o campo da comunicação,
ao passo que busca o ângulo comunicacional entremeado no outro campo. “Nesta perspectiva, o
2
VASSALO, 1997, passim.
24
estudo das interfaces torna-se um espaço privilegiado de construção do campo – para
desentranhar o que é propriamente comunicacional das demais questões” (BRAGA, 2004a, p.12)
[grifo do autor].
Os meios estão nos mais diversos espaços e para entendermos as suas lógicas de fluxos e
transformações que midiatizam a sociedade nos diferentes campos, é preciso estar neste outro
espaço. O estudo no ambiente escolar pretende compreender o fluxo a fim de auxiliar os estudos
que buscam compreender a midiatização.
Como vimos anteriormente, ao longo do tempo e do avanço da tecnologia da informação
e comunicação, entre a escola e a mídia, foram se criando zonas, espaços de intersecção e
interpenetração. O que parece, então, surgir é um novo espaço, “um vetor adicional de
aprendizagem, ao lado da família, da cultura e da prática quotidiana – os processos de
comunicação social mediaticamente ativados” (idem, 2002, p. 29).
A escola, em sua estrutura física e simbólica, recebe uma rotina de interações
tematizadas pela mídia entre os alunos, que experimentam os meios de comunicação e neles se
referenciam, assim como os professores estão buscando atender esta demanda e já fazem
experimentações com atividades e interações também sobre os assuntos da mídia. Por isso,
percebemos alguma forma de transformações sofridas na rotina e na estrutura da escola, segundo
uma lógica exterior a ela, a da mídia.
Não podemos deixar de pensar os meios nos mais diversos espaços para entendermos as
lógicas de fluxos de cada campo social com a mídia. Com isso, pretendemos um estudo no
25
espaço da escola, como uma investigação de interface para compreender este fluxo e a
midiatização, compreendendo, assim, a sociedade.
O recorte que fazemos nesta investigação não pretende dar conta de tudo que surja da
interface, nem do que possa ser regularidade nos espaços pedagógicos, pois reconhecemos uma
ampla abrangência simbólica e física de cada instituição. A mídia e a escola tornam-se uma fusão
complexa de muitas variáveis que não conseguiríamos esgotar. Entretanto, podemos conseguir
mais pistas sobre o estudo dos dois campos, assim como para o estudo da midiatização.
1.2.2. Estudos de interface - Comunicação e Educação
O final da década de 60 é marcante para a interface, quando
surgiram os primeiros projetos sistemáticos de educação para a comunicação (...) Na
América Latina, os esforços em potencializar projetos e ações em que a comunicação e a
educação se articulam são tributários de práticas como a do movimento do Novo Cine
Latino-Americano, das concepções de educação popular desenvolvidas por Paulo Freire,
da Teologia da Libertação e das lutas por uma nova Ordem Mundial da Informação e da
Comunicação (COGO, 2001, p. 35).
No Brasil, desenvolvem-se os projetos de educação e comunicação a partir de uma área
informal da educação, em meio aos movimentos sociais populares. A União Brasileira de
Comunicação Cristã surgiu, em 1969, “propondo reformulações das práticas da comunicação
então vigentes no Brasil e na América Latina” (ALVES, 2002, p. 50). Entre as ações da UBCC
está a introdução dos cursos de leitura crítica da comunicação e promoção de congressos, “é a
principal organização não governamental a empreender iniciativas no âmbito do projeto
denominado Leitura Crítica da Comunicação” (COGO, 2001, p.36), refletindo, assim, sobre a
função educativa dos meios. A Unesco, por exemplo, foi importante na orientação das práticas à
26
formação da consciência crítica do público através das publicações sobre o uso dos meios de
comunicação e leitura crítica, produzindo “uma forte discussão acerca da relação existente entre a
educação formal e os meios de informação” (SILVA FILHO, 2004, p. 35).
Nos países latinos, uma das principais referências foi Paulo Freire (1971), trabalhando
na educação de adultos e buscando uma reorganização social e política do mundo. Acreditava na
não-neutralidade do ato pedagógico, na educação em espaços não formais e em um processo de
aprendizagem a partir do diálogo de igual para igual.
Barbero (1998) instaura a reflexão sobre as mediações em seu livro “Dos meios às
mediações”. O autor pensa no desafio de como inserir na escola um ecossistema comunicativo
que contemple ao mesmo tempo, “experiências culturais heterogêneas e o entorno das novas
tecnologias da informação e da comunicação, além de configurar o espaço educacional como um
lugar onde o processo de aprendizagem conserve seu encanto” (BARBERO, 1996).
A simples introdução dos meios e das tecnologias, na escola, pode ser a forma mais
enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a égide da modernização tecnológica. O
pesquisador é um dos protagonistas a contribuir para se pensar sobre as sociedades midiatizadas
tecnologicamente, com o conceito de ecossistema comunicativo. Segundo ele, dois tipos de
dinâmicas movem as mudanças na sociedade: a incidência dos meios tradicionais e o impacto das
novas tecnologias na vida em sociedade. Os movimentos desta tecnologia constroem um
ambiente comunicativo do qual necessitamos assim como do ambiente verde.
27
Ele articula estes dois campos – comunicação e educação – a partir de práticas e
movimentos sociais como é mesmo forte característica dos estudos e pesquisas da América
Latina. Para ele, o educando deve ser considerado como “produtor de sentidos e consumidor de
bens culturais no ambiente escolar e fora dele” (BARBERO, apud SOUZA, 2003, p.9).
Assim, os processos de aprendizagem se modificam pela existência das novas
tecnologias. Em entrevista, Orozco (1998) declarou que “é preciso saber o que podemos fazer
para o estudante, para o sujeito, para levar a pessoa a interagir; saber do que necessitam os
estudantes e como a tecnologia pode colaborar para a sua satisfação”. A escola tem de se dar
conta do que está acontecendo com as crianças em suas relações com os meios de comunicação,
porque se a escola competir com os meios, vai perder a batalha.
1.2.3. Surgimento da Educomunicação
Os estudos de interface da educação e comunicação têm sido objeto de investigação do
Núcleo de Comunicação e Educação (NCE), da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da
Universidade de São Paulo (USP). O núcleo, em suas investigações, propõe que a interface está
gerando um novo campo que vem sendo denominado de “educomunicação” pelo próprio grupo.
O NCE tem à frente do trabalho o professor Ismar Soares. O pesquisador apresenta, no
trecho abaixo de um artigo da internet, como se apresenta o campo da inter-relação na América
Latina e insere neste quadro o projeto de Educomunicação.
Na Venezuela, o Congresso Nacional aprova o Estatuto da Criança e do
Adolescente, com artigos que garantem o direito da jovem geração à expressão e a uma
pedagogia da educação para a recepção crítica dos meios de comunicação. Em
28
Cumbaya, Equador, representantes das 1200 escolas mantidas pela Congregação
Salesiana (Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora), em todo o continente, incluem
entre suas metas para os próximos cinco anos a implementação, em seus projetos
educativos, de práticas de gestão comunicativa. Em São Paulo, Brasil, a Secretaria de
Educação do Município dá início a um projeto denominado Educomunicação pelas
ondas do rádio (Educom.rádio) que prevê a capacitação, em quatro anos, de
aproximadamente nove mil docentes e membros das comunidades escolares de suas 455
escolas de nível fundamental, para o uso do rádio e de outros meios de informação nas
atividades escolares (SOARES, 2002, pág. 16).
Para o grupo, há reconhecimento de um novo campo de atuação social, que passou a ser
denominado de educomunicação, como a atuação de práticas educativas desenvolvidas em
instituições escolares, assumindo o espaço de interface da educação e da comunicação. A partir
de uma pesquisa, realizada entre 1997 e 1998, concluíram que a inter-relação
ganhou densidade própria e se afigura, hoje, como um campo de intervenção social
específico, oferecendo um espaço de trabalho diferenciado que vem sendo ocupado, em
toda a América Latina, pela figura emergente de um profissional denominando de
‘Educomunicador’ (idem, 1999, p.1).
O trabalho mobilizou o NCE, que contou ainda com a parceria de pesquisadores da
Unifacs, Bahia. No site do grupo é possível conhecer a história da pesquisa, que se baseou,
inicialmente, para a coleta de dados, no Diretório Latino-americano de Pesquisadores e
Especialistas em Comunicação e Educação, formado ao longo dos anos 80 e 90 com a inclusão
de um total de 1200 nomes de produtores culturais, arte-educadores, tecnólogos, professores,
pesquisadores e profissionais de comunicação e de educação de toda a América Latina. O NCE
levantou possíveis materializações do campo, em cinco áreas concretas de intervenção social:
1
a
. A área da educação para a comunicação, constituída pelas reflexões em torno da
relação entre os pólos vivos do processo de comunicação, assim como, no campo pedagógico,
29
pelos programas de formação de receptores autônomos e críticos frente aos meios (Educação
para a Comunicação, “Media Education” ou “Media Literacy”).
2
a
A área da mediação tecnológica na educação, compreendendo os procedimentos e as
reflexões em torno da presença e dos múltiplos usos das tecnologias da informação na educação.
A área da mediação tecnológica na educação vem ganhando grande exposição, devido à rápida
expansão dos sistemas de educação, tanto o presencial quanto o à distância.
3
a
A área da expressão artística, sendo a expressão artística por meio das artes,
dramaturgia, pintura, em um esforço de produção individual ou grupal.
4ª A área da gestão comunicativa, designando toda ação voltada para o planejamento,
execução e avaliação de planos, programas e projetos de intervenção social no espaço da inter-
relação comunicação/cultura/educação, criando ecossistemas comunicativos. O conceito de
Gestão é aqui empregado para designar toda ação voltada para o planejamento, execução e
avaliação de planos, programas e projetos de intervenção social no espaço da inter-relação, tanto
nos ambientes de programas escolares formais, quanto naqueles dedicados ao desenvolvimento
de ações não formais de educação.
5
a
A área da reflexão epistemológica sobre a inter-relação comunicação/educação
como fenômeno cultural emergente, o que, no campo da academia, corresponde ao conjunto dos
estudos sobre a natureza do próprio fenômeno constituído pela inter-relação em apreço. Entende-
se como pertencente a esta área tanto um projeto de pesquisa voltado para o entendimento e a
30
legitimação do novo campo quanto todos os programas de investigação sobre cada uma das
vertentes que compõem a inter-relação em apreço.
O NCE desenvolve com os estudos de educomunicação dois projetos. O Educom.radio,
criado em 2001 a partir de um contrato com a Secretaria de Educação da Prefeitura de São Paulo
para construir, nas escolas públicas, um ambiente favorável às manifestações da cultura de paz e
à colaboração mútua entre os membros da comunidade educativa. É uma proposta de trabalhar a
linguagem radiofônica com alunos, professores e outros membros da comunidade educativa
integrando-se às práticas curriculares. O projeto destina-se a capacitar alunos e professores do
ensino fundamental para o uso de práticas de educomunicação através do uso do rádio. É um
curso de capacitação. O segundo projeto é o Educom.tv, uma proposta de educação à distância,
com ação presencial, para 2.200 educadores, vinculados a 1.024 escolas da rede pública do
Ensino Médio de São Paulo.
O percurso teórico percorrido pelo grupo até a culminância da pesquisa de 1997 e 1998
inicia com Mário Kaplún, contribuindo para os estudos de interface quando faz indagações como
Que educação comunicativa?, Para que educação comunicativa?, na obra “Una pedagogia de la
comunicación”. Kaplún identifica uma educação instrumentalizada, na qual não está ocorrendo o
diálogo. A instrumentalização, a mecânica do ensino, tomou conta da aprendizagem, notando
uma falta de comunicação que compromete a pedagogia.
A literatura básica para o novo campo captou contribuições de pesquisadores como
Paulo Freire, além de Kaplún. O primeiro aponta a natureza da inter-relação como a comunicação
devendo dar à educação métodos e procedimentos para formar a competência comunicativa do
31
educando. “Não se trata, pois, de educar usando o instrumento da comunicação, mas que a
própria comunicação se converta no eixo vertebrador dos processos educativos: educar pela
comunicação e não para a comunicação” (ISMAR apud COGO, 2001, p. 39).
Ismar de Oliveira Soares lembra que tanto Mário Kaplún com Paulo Freire
entendem os espaços do contexto sociocultural da comunicação e da educação como
uma relação e não como uma área que deva ter seu objeto disputado. (...) Na perspectiva
desta inter-relação, Soares defende o reconhecimento da constituição de um novo campo
de intervenção social que nomeia como educomunicação. Estruturada de um modo
processual, midiático, transdisciplinar e interdiscursivo (ibidem, p 38).
Ismar Soares, então, configura, é uma interface com um campo próprio, com base em
Kaplún, interdisciplinar, valorizando expressões dos envolvidos e relações grupais, que não mais
são, sobretudo, determinadas pela mídia, pois é preciso considerar as mediações e as hibridações
culturais.
Os projetos e estudos do grupo enriquecem uma discussão em torno da interface,
assimilam novos métodos de pesquisa e mesmo de ação no âmbito da inter-relação. Dedicam uma
atenção especial à área de educação, até mesmo em seu conceito e definição de campo, quando
afirmam que as reflexões estão em torno de ação metodológica, prática pedagógica e práticas
educativas. Ressaltamos, ainda, as contribuições enquanto políticas públicas que se criam e as
que se solidificam com projetos nas escolas de São Paulo, onde se fazem presentes profissionais
da educação e da comunicação providenciando um espaço de atividade social e práticas
educativas.
O forte ângulo de estudo do grupo da USP tem uma entrada, no espaço da escola, a
partir do olho de educador, professor, de práticas pedagógicas da escola. Ao contrário, o que
32
queremos aqui propor é o foco do pesquisador de comunicação, da área das mídias, que vai
observar a circulação dos processos comunicacionais pouco estudada. O recorte do ângulo da
educação “não dá conta de todas as questões que podem surgir na interface – muitas das quais
exigem um engajamento reflexivo de cada um dos dois campos em sua abrangência” (BRAGA e
CALAZANS, 2001, p. 57).
Pensando nos trabalhos significativos que têm sido gerados da educação, encontramos a
mediação tecnológica e os estudos para os meios, mas o problema não se resolve com a
instalação do equipamento tecnológico no espaço da escola. Formam-se redes de novos signos,
novos materiais simbólicos, linguagem, publicações, emissões, ondas, crenças, reações,
diferentes formas de sociabilidade, o domínio do político e do econômico etc.
O estudo de interface proposto supera o destaque às práticas educativas. A interface vai
além da mediação tecnológica, do uso dos meios, da tecnologia em sala ou estudo crítico sobre a
mídia. Em nossa perspectiva, deve incorporar também os ângulos trazidos por Braga e Calazans
(2001), como as multiplicidades dos dispositivos de saberes, as articulações entre os processos de
saberes e os processos da escola, os saberes e os processos do espaço das interações sociais
midiáticas, etc.
Assim, para além da abrangência da escola, da educação, da pedagogia, a abrangência
comunicacional no espaço da escola não pode se limitar às cinco perspectivas propostas pelo
grupo da ECA/USP.
33
A mediação tecnológica estudada e trabalhada pela escola da USP não foge ao estigma
da mecanicidade na medida em que ensina a usar os meios. O trabalho com a tecnologia sem
relações com dimensões como a sócio-antropológica ou semio-linguística mantém o estudo sem
pensar sobre o conhecimento, por exemplo. No fundo, é uma formação para interagir com a
tecnologia. Uma apropriação que não trabalha outras dimensões que estão em jogo, como as
expostas no presente trabalho, tais quais as interações e conhecimento pela apropriação
discursiva. Não é possível compreender as abrangências da interface somente sob ponto de vista
tecnológico. A comunicação e a educação, em sua interface, não ocorrem só pela tecnologia,
como procuramos demonstrar em nossa investigação. O tecnológico é apenas uma das dimensões
em jogo.
É fato que a educação precisa acompanhar os avanços da comunicação e compreender
seus processos para então interagir com eles. Se utilizarmos a tecnologia como projeto total para
incluir comunicação no espaço escolar, podemos deixar escapar outras dimensões do processo
comunicacional que circulam e resultam em aprendizagem, socialização, relações grupais, etc. A
comunicação não é só um componente pedagógico que vai fornecer à educação avanços para a
aprendizagem. Ela é, além disso, um movimento de mudança social, de transformação dos
sujeitos que participam da escola.
1.2.4. Braga e Calazans
Braga e Calazans (2001) explicitam alguns ângulos dentro de uma perspectiva mais
comunicacional de enxergar a interface além das educacionais. Os autores explanam sobre as
abrangências da inter-relação dos campos, contemporaneamente, do ponto de vista da escola e do
campo da comunicação. A perspectiva desses autores leva a pensar em conhecimentos variados,
34
disponibilização crescente das informações e tecnologia, circulação e aceleração de saberes,
valores culturais e linguísticos. As construções e reflexões se aproximam mais de uma ótica
comunicacional do que educacional.
Para os autores, o uso dos meios pode ser analisado como ferramentas pedagógicas e
como fornecedores de sentidos. O primeiro uso é uma forma de utilização auxiliar da mídia, de
complementaridade do ensino formal. Os meios são trabalhados em sala de aula sob a ótica da
educação. A comunicação é utilizada pela educação como instrumento. Essa abrangência se volta
para o processo de aprendizagem escolar bem como as “possibilidades múltiplas de interpretação
do aluno-receptor, diante de produtos culturais com lógicas (e dimensões) distintas dos
procedimentos escolares apoiados na linguagem verbal” (ibidem, p. 58). Os meios também são
inseridos na escola, pois ela é a responsável pela socialização do indivíduo, ou seja, ela prepara o
aluno para ingressar na sociedade. Considerando que a sociedade tornou-se mediada pela
tecnologia e multimidiática, a escola também deve procurar desenvolver as tecnologias dentro da
instituição para preparar esse aluno para entrar numa sociedade como tal.
Ao lado dessas perspectivas, surge também a educação para os meios e a leitura crítica,
propostos, respectivamente, para desenvolver os estudantes em sua capacidade de se relacionar
com a mídia “nos processos criativos, com as questões político-sociais e econômicas dos sistemas
mediáticos” (ibidem, p. 59) e para desenvolver no aluno uma competência de observação da
produção e processos da mídia. Ambos os planos de ação tentam dar conta também do papel
social da escola de integrar o aluno ao coletivo social, permeado dos produtos e processos da
mídia.
35
Nossas perspectivas analíticas – o trabalho com os dispositivos e as crenças – permitem
observar quase todas as reflexões de Braga e Calazans, quando refletem sobre a abrangência
comunicacional da interface. Os autores apresentam e discutem brevemente cada uma das
possibilidades de um ângulo comunicacional. Ainda que seja uma apreensão de forma geral, pois
eles estão tratando de diversas perspectivas sem necessariamente ser específicos em cada uma
delas, é possível reconhecer as dimensões dos dispositivos e crenças no trabalho reflexivo. Eles
passam por percepções de processos interacionais, discursivos, tecnológicos e por construção de
conhecimento do mundo, da vida, da consciência crítica e do comportamento.
No entanto, o ângulo educacional, ao pensar as mídias na escola, tem concentrado os
esforços em uma apropriação dos meios enquanto tecnologia. Isso aparece enquanto proposta de
tecnologia na sala de aula e na utilização da mídia como enriquecedora do processo educacional e
intelectual, através da educação para os meios e da leitura crítica. Assim, tais reflexões não
engendram a dimensão interacional do dispositivo, nem conhecimentos construídos pelos
próprios alunos. Esse foco aparece em nossa própria pesquisa. Realizamos um levantamento
descritivo minuncioso do uso feito das tecnologias em sala de aula e nas escolas, movimentando
várias reflexões sobre a distinção e acesso, e também sobre as relações com a produção de
crença. Ou seja, a tecnologia aparece, mas em relação com outras dimensões que serão
explicitadas no decorrer do trabalho.
As questões de estudo propriamente do espaço midiático mostradas por Braga e
Calazans (2001) se mostram a partir da inclusividade e da penetrabilidade da mídia. A
penetrabilidade é caracterizada pelas solicitações de modificação a fim de “se ‘ajustar’ ao
36
olhar/ouvido dos equipamentos” (ibidem, p. 31). Neste aspecto, os processos midiáticos solicitam
um tratamento específico à escola, pois se tornam concorrentes.
Diante dos processos mediáticos (imagens, som, espetáculo, sedução
narratividade, singularização de conceitos em torno de ocorrências visualizáveis,
redução do espaço argumentativo, atualização informativa exacerbada...) – os processos
habituais da escola (reflexão, argumentação, estabelecimentos de relações racionais entre
fatos e entre conceitos, sistematizações amplas, memória histórica, construção de
acervos, processos cumulativos de longo prazo...) são penetrados por novas solicitações,
encontram outras expectativas dos estudantes (ibidem, p. 60).
Não há dúvida de que, nas processualidades da interface, há uma modificação no espaço
da escola em virtude das lógicas midiáticas. No entanto, a mídia, por sua vez, penetra o espaço da
escola aos poucos e nós mesmos vamos abandonando a expressão “invade” ou “se impõe” à
medida que observamos recusas e negociações por parte da instituição. Não é uma inserção que
se dê de forma simples e sem maiores problemas. Entrar no espaço escolar e viver o cotidiano da
escola mostra que o processo é muito mais complexo do que a teoria pode abranger e com muito
mais tensões e conflitos entre os processos educacionais e comunicacionais. Professores não
estão preparados para lidar com as questões mais abrangentes dos processos comunicacionais,
como as questões político-sociais ou econômicas que possam fazer parte do complexo processo
do campo das mídias.
Outro ângulo da mídia, na interface, é estabelecido na sociedade, onde há uma
multiplicidade dos “dispositivos de mediação e circulação dos saberes” (ibidem, p.62). Então,
onde a mídia atua como dispositivo de saber, a aprendizagem se modifica pela multiplicidade de
entradas e possibilidades que ofertam os meios de comunicação. Elas se diferenciam pela
formalização e sistematização. Neste caso, uma das características de aprendizagem com a mídia
é, também, a observação da “aquisição dos saberes na interação entre comportamento e atitudes
37
do indivíduo, ou com os quais se dialoga na mídia” (ibidem, p.63). Isso também aparece no
ângulo comunicacional proposto por Braga e Calazans (2001) no estudo da interface. É a
articulação entre os saberes da escola e dos espaços de interação social.
Ora, em contraste com as relações entretidas pelo sistema escolar com as
aprendizagens extra-educacionais habituais (na família, na cultura, na vida prática), não
há ainda experiência nem reflexão sedimentadas, no campo educacional, para suas
relações de fluxo com estas ‘novas aprendizagens’ (ibidem, p.66).
Em nossa formulação, percebemos três modalidades de conhecimento concernidos nos
processos midiáticos, analisados a partir dos conceitos de dispositivos, que são: comportamento,
conhecimento de mundo e consciência crítica. Isso não significa que nossa observação e
investigação sistemática dê conta de todos os processos em jogo. Como dizem os autores, essa é
uma face da aprendizagem:
Uma característica da aprendizagem em dispositivos mediatizados é que esse
aprender parece assumir uma dupla face. Primeiro, a aprendizagem é discernível para
um observador externo – como aquisição de saberes obtidos nos materiais simbólicos
disponibilizados; e como interação entre os comportamentos e atitudes do usuário e
aqueles comportamentos e atitudes que são exibidos ou com os quais se dialoga na mídia
(ibidem, p.63).
Procuramos investigar como, por meio dos dispositivos midiáticos, as fontes mais
variadas e os objetos diferenciados dos saberes circulam de modo acelerado e diversificado.
Estudos neste ângulo tratam, por exemplo, das relações de saberes e fluxos dos processos
midiáticos e saberes e processos da escola.
A interação se mostrou indispensável à compreensão sobre a construção do
conhecimento e realidade do aluno quando observado no ângulo comunicacional. Concluímos
38
que o processo é fundamental para entender o fluxo entre escola e mídia e não só pensar na
produção ou na recepção.
A relação de interface comunicação e educação é deslocada de um eixo tecnológico e
instrumental para o de processos comunicacionais, nos quais a tecnologia está inscrita, mas não é
a única dimensão explicativa. A relação se estabelece entre instituições: é uma interação e,
portanto, não é uma relação unívoca, há transformações nos seus discursos e práticas; por isso,
passa-se a pensar a educação como a comunicação por meio de processos. Como nas palavras de
Pedro Gilberto Gomes, “Deixa-se de falar tão só da educação do sentido crítico para se referir
agora à educação para a comunicação, entendida como processo” (Ecosam, 2001, p. 38).
1.2.5. Escola de Recepção
Nessa breve discussão a respeito das pesquisas sobre esse tema, há duas obras que
consideramos relevantes na área de recepção e que buscam contribuir aos avanços da interface
comunicação e educação: “O adolescente e a Televisão”, organizada pelos professores da
Unisinos Pedro Gilberto Gomes e Denise Cogo e “Ensinando à Televisão”, do professor Antônio
Fausto Neto, também da Unisinos.
No texto dos professores Gomes e Cogo (1998), é feita uma rica retrospectiva sobre as
teorias da recepção. A leitura faz-nos pensar sobre o protagonismo em nossa pesquisa. Na teoria
hipodérmica, a respeito dos efeitos sobre a recepção, este protagonismo localiza-se na parte do
emissor. No entanto, o receptor é passivo. Com o avançar dos estudos sobre usos e gratificações,
o receptor consumiria o que lhe agrada na televisão, não sendo assim tão passivo ou sem atitudes
perante o meio. Então, não mais se pergunta sobre o efeito dos meios sobre as pessoas, mas o que
39
elas fazem com eles. O protagonismo surge sempre de um extremo ou outro, no emissor ou no
receptor.
Interessantemente, o professor Fausto Neto já faz uma proposta de uma reflexão mais
ampla sobre o protagonismo. Na introdução do seu livro, parece dar vida à televisão. Ele escreve:
“trata-se de um sujeito que fala, faz falar, toma decisões, institui pontos de vista, orienta e
monitora decisões que a sociedade realiza noutras esferas do seu funcionamento. Em suma: a
televisão é um protagonista próprio” (FAUSTO NETO, 2001, p.8). O sujeito produtor desenvolve
e agencia materiais produzindo sentido, o receptor tem a percepção e mediações que vão gerar
outros sentidos. E entre eles, a televisão, enquanto dispositivo, também produz sentido, agendas,
planos de circulação, gramáticas, papéis. Já é possível começar a pensar em retirar dos extremos,
de onde sai e aonde vai chegar. Afinal, o entre eles, como também ressaltado pelo pesquisador, é
relevante e envolve “enfoques sócio-lingüístico-antropológicos” (ibidem, p.17), atendendo assim,
também, à percepção de elementos interacionais, linguísticos e tecnológicos conforme as
dimensões triádicas do dispositivo porque perpassa nossa pesquisa.
A tecnologia tem vida e lógicas próprias. Vejamos que a TV Escola não é nem o
esperado pelo governo, nem o pensado pela escola,
esta constatação põe em xeque os pressupostos da orientação da produtora da estratégia
que julga os agentes escolares como peças que se subordinariam, sem mais nem menos,
às suas orientações voltadas para a chegada da TV na Escola. Contraria, frontalmente o
ponto de vista de que as tecnologias podem migrar para diferentes espaços culturais e
cognitivos, sem limites, seguindo ‘passes de mágica’, desconhecendo a complexidade do
‘mundo das mediações’ e de suas respectivas estratégias legitimadoras. (ibidem, p.73).
40
Ao longo das observações em nossa pesquisa, professores e alunos – receptores -
possuem reações não passivas, refletindo sobre os tipos de mídia e suas disposições, ou mesmo
não sendo indiferente a isso. Entre as possibilidades de eles reproduzirem, produzirem ou
recriarem, percebemos diversas configurações. As dimensões de análises que construímos nos
permitiram observar em menores proporções o processo. Como conseqüência, melhor
compreendemos as lógicas de relações. Assim, a observação do processo, no como acontece,
preenche a lacuna do quando já se chega a um resultado dado e fechado.
Possivelmente, o protagonismo seja a circulação (em detalhes observáveis e
articuladores, configurando dispositivos) e não os sujeitos, receptores e emissores. Mas, para isso,
pensar em um protagonismo não assujeitado requer ainda um longo trajeto reflexivo e de embate
com perspectivas sociológicas e antropológicas que não realizamos, o que sem dúvida, deixa o
interesse pelos resultados que poderiam ser gerados.
Os autores do livro “Televisão e Adolescente” também refletem sobre uma outra
dimensão do dispositivo, a linguagem e uma relação da recepção com o discurso, procurando
identificar onde está o sentido na produção e na recepção. Como os próprios professores vêem
em perspectiva, “a mediação é o que assegura a passagem de uma realidade à outra realidade.
Mas, nessa passagem nega-se a dualidade, enquanto a mediação é um tempo, o lugar e o meio
dessa passagem”. (GOMES e COGO, 1998, p. 25).
Sob esse ponto de vista, a linguagem seria uma esfera de mediação essencial por
relacionar o antes e o depois da mediação.
41
É importante que nos detenhamos mais nessa posição de Santuc, pois ela pode
nos fornecer elementos que permitirão melhor compreender a questão da mediação nos
meios de comunicação. O antes da mediação da linguagem, segundo ele, remete-os à
realidade bruta (ibidem, p.25) [grifo dos autores].
No entanto, lembra Fausto Neto, que
a realidade de circulação de discursos, a que se impõem grupos de produção/recepção
constitui-se através de um conjunto de operadores, de regras e situações de
enquadramentos de temporalidades que escapam à especificidade de gramáticas
particulares (FAUSTO NETO, 2001, p. 19).
Não seria assim possível capturar a realidade bruta do aluno mesmo que a linguagem
exteriorizasse suas mediações, antes ou depois. O possível é capturar fragmentos do discurso
particular. Contudo, não é a gênese dessa linguagem ou do discurso que se busca, e sim sua
articulação na configuração do dispositivo que estará circulando quando formado. E, nesse
sentido, é possível observar que o discurso midiático escapa de reproduções por conta de atores e
temas, havendo, como na TV Escola, um efeito contramão, quando a interação desenha diferentes
enquadramentos de recepção.
Nossa percepção é que o conceito de crença é importante para os estudos da recepção,
na medida em que leva ao subjetivo do receptor, observando as articulações com o dispositivo da
mídia para a construção da própria realidade e do conhecimento. Entre o aluno e o dispositivo
existem diversas mediações, relativizando o conceito de dispositivos enquanto poder. Então, não
é possível manter o pensamento sobre um poder exercido, uma influência certa, e sim, uma
negociação, uma circulação que entremeia crenças, construção de significação, protagonistas,
temas, reprodução ou não, articulados nas dimensões dos dispositivos.
42
1.2.6. Rosa Maria Bueno Fischer
Bueno Fischer é uma pesquisadora da interface que estuda há pelo menos 25 anos a
mídia, em especial a televisão. Ao longo da produção intelectual da autora, o caso específico de
que tratamos aqui é o livro “Televisão e Educação”.
O estudo reflete a comunicação do ponto de vista da produção, assim como a recepção
dos programas. No que tange aos professores, a autora espera que eles olhem além do que os
produtores estão repassando. O livro traz temas sobre a abordagem da televisão em sala de aula,
através das experiências dos estudantes. O meio é parte do cotidiano tanto dos professores como
dos alunos. A autora também reflete sobre técnica, linguagem, tema e cotidiano.
A condição técnica da presença da TV nas nossas casas, relacionada a uma
acentuada escolha de temas privados nas programações, pode ser pensada a partir do
ponto de vista, referente a um certo estado distraído, característico do espectador de tevê.
(FISCHER, 2001, p. 61).
Mesmo que se fale das situações cotidianas na TV, os telespectadores procuram o tema
que fale do próprio cotidiano. E pensando na dispersão do cotidiano, “a linguagem básica da tevê
funda-se nesta dispersão, (...) e selecionando atores, sons, imagens, diálogos a fim de capturar
atenções e emoções” (ibidem, p. 62). Ao tentar nos capturar utilizando tantos recursos técnicos ou
de linguagem, a televisão assume a relevância da nossa subjetividade, onde se guardam nossas
crenças. As imagens dizem algo buscando por nós e produzimos algo a respeito, uma crença ou
um sentido.
A autora chama a atenção para os discursos afirmando que “programas de tevê seriam
exemplos de enunciações que, submetidos a estudo mais sistemático, permitem a descrição de
43
certos discursos” (ibidem, p. 86), relacionando-os com o sentido de poder. Ora, dentro das
escolas, múltiplas relações consideram além da linguagem ou do suporte, critérios sócio-
antropológicos e, com isso, o poder do discurso vai sendo relativizado em meio às interações, por
conta dos papéis de alunos e professores, das condições de acesso, dos projetos da instituição, das
crenças geradas, etc.
Para a autora, é preciso tratar a televisão discursivamente, estudando e analisando
“linguagem, construção da imagem, narrativas, interpretações dos personagens, diálogos,
sonorização, elementos técnicos, produção de significados na cultura, relacionados a
determinados saberes que circulam na sociedade” (ibidem, p. 90). Assim, ela apresenta uma
relação do estudo diático - da díade linguagem e tecnologia -, quando confrontamos às nossas
análises de pesquisa por meio dos dispositivos.
A insistência da autora para se estudarem os discursos quer provocar um olhar mais
rigoroso à elaboração da produção, como parte da concepção de que a televisão interfere na
constituição cultural, na identidade e na subjetividade. A professora Rosa Maria trata a circulação
da mídia como política, financeira e econômica. Neste aspecto, poderíamos pensar nos processos
midiáticos inclusos na lógica da reprodução, também tratada na nossa pesquisa. Afinal de contas,
a reprodução na escola se encarregaria de manter a política e a economia dos dominantes sobre os
dominados tal qual é. Seria a reprodução de uma cultura de classe.
No estudo que envolve a linguagem e a tecnologia, surge a lacuna que é a falta da
dimensão interacional. Faltará examinar os papéis dos alunos e professores, as negociações
44
institucionais, as condições sócio-antropológicas dos alunos. Esse conjunto pode, inclusive,
redimensionar a reprodução quando se trata de uma circulação político-econômica da televisão.
Ressaltando a positiva intencionalidade de promover, entre os professores, atividades
dirigidas ou sugestionadas sobre como tratar a televisão e seus discursos, limitamo-nos ao estudo
de investigação das relações entre os campos, sem construir uma ação de estudo ou
sistematização da compreensão da televisão. A leitura da pesquisa deve ser provocativa, fazendo
pensar a realidade da sala de aula, as referências da mídia, os dispositivos articulando
conhecimento. Como observamos, cada escola é uma singularidade, e na multidimensão da
circulação midiática, encontra-se também a multidimensão de tarefas conforme escolas,
professores e aluno que devem harmonizar o diálogo entre escola e mídia.
1.2.7. Conhecimento
Na interface Comunicação e Educação, assim como no trabalho que apresentamos,
existe uma problemática que é a do conhecimento. Por isso, pretendemos também passar por esta
abordagem no que diz respeito à contextualização da interface.
O conteúdo midiático passa por contínuos embates enquanto fonte de aprendizado e
conhecimento. Existe o grupo de pesquisadores em Santa Catarina, destacando-se a atuação do
Professor Eduardo Meditsch, que assume a discussão, buscando estabelecer o jornalismo e as
informações jornalísticas como fonte de conhecimento.
Uma das definições trazidas por eles é aquela segundo a qual o “conhecimento não é
como um dado concreto, mas como um ideal abstrato a alcançar” (MEDITSCH, 2002, p.9). Há
45
afirmações de que a ciência é a única fonte de conhecimento, quando estabelecidos métodos e
parâmetros e o que está aquém dos métodos científicos é considerado imperfeito e pouco
legítimo. Claro, o conteúdo midiático não faz parte destes estabelecimentos de técnicas
científicas, laboratórios, métodos, etc, estando à parte de ser uma possível fonte de conhecimento.
Os frankfurtinianos podem aqui ser vistos como personagens desta história, degradando o
conteúdo de mídia e tornando-o desvalorizado enquanto conhecimento, por considera-lo fonte de
alienação.
Uma segunda abordagem se encontrando em uma fase intermediária, já admite o
jornalismo não tão inútil.
Pode-se localizar a origem desta abordagem no trabalho do ex-jornalista e
sociólogo do conhecimento Robert Park, que publicou um artigo sobre o tema em 1940.
A partir da perspectiva filosófica do pragmatismo de William James, que abandona o
conhecimento como um ideal para observá-lo como um dado da vida humana,
concluindo que as pessoas e as coletividades lidam simultaneamente em suas vidas com
várias espécies de conhecimento, Park começa a definir o Jornalismo a partir do que tem
de diferente, do que lhe é específico como forma de conhecimento da realidade (ibidem,
p. 10).
No caso da nossa pesquisa, o jornalismo aparece fortemente como fluxo entre os
campos, mas não seria o único gênero. Apropriando-se assim desta definição, aproveitamos para
mais uma vez alargar o entendimento de conhecimento não só para as informações jornalísticas,
mas sim para o conteúdo midiático, o que inclui o jornalismo e também a produção ficcional, por
exemplo. Ao longo da análise, demonstraremos como esta produção também se inclui como uma
forma de conhecer a realidade, de interpelar a experiência, podendo assim ser uma forma de
conhecimento.
46
Para Meditsch, o conhecimento do cotidiano “pode ser útil para elucidar algumas das
suas diferenças, mas parece insuficiente para definir o que ele tem de específico” (ibidem, p.10).
O termo é tratado aqui como uma fonte de conhecimento, ainda que não tão sistemático ou
analítico como o das ciências, mas já encontra uma categoria para ser considerado como tal.
A partir da perspectiva de William James, que abandona o conhecimento
como um ideal para observá-lo como um dado da vida humana (...) ao distinguir entre
um “conhecimento de”, utilizado no quotidiano, e um “conhecimento sobre”, sistemático
e analítico, como produzido pelas ciências. Para situar o jornalismo, Park vai propor a
existência de uma gradação entre as duas espécies de conhecimento e colocar a notícia
num nível intermediário entre elas (ibidem, p.10).
Assim, o professor e seu grupo propõem a terceira abordagem para concluir o jornalismo
como fonte de conhecimento.
Daí que tenha surgido uma terceira abordagem, que dá mais ênfase não ao que
o Jornalismo tem de semelhante, mas justamente ao que ele tem de único e original. Para
esta terceira abordagem, que tem sido desenvolvida por teóricos brasileiros,
especialmente na Universidade Federal de Santa Catarina, o Jornalismo não revela mal
nem revela menos a realidade do que a ciência: ele simplesmente revela diferente. O
Jornalismo não apenas reproduz o conhecimento que ele próprio produz, reproduz
também o conhecimento produzido por outras instituições sociais. A hipótese de que
ocorra uma re-produção do conhecimento, mais complexa do que a sua simples
transmissão, ajuda a entender melhor o papel do Jornalismo no processo de cognição
social (ibidem, p.11).
Na perspectiva dos dispositivos e das crenças, a abordagem do conhecimento pelo grupo
passa pelo conceito de reprodução e produção assim como as dimensões de tecnologia e
linguagem. Na medida em que o conteúdo midiático revela fatos, organiza a informação, projeta
realidades; ele está além da transmissão. Existe uma organização simbólica nesta informação que
é dada pela mídia e busca uma significação, tanto quando parte da produção como quando chega
à recepção. Quando a mídia, em sua linguagem e propriedades, envia a mensagem, ela transmite
uma significação a respeito de algo. E quando o envio perpassa outros campos, como o caso da
47
escola, adquire ali diferentes materiais simbólicos, experiências de vida, papel do professor,
projeto da instituição, cotidianos e forma de interação.
As realidades produzidas na mídia podem ser formas de conhecer e de construir as
crenças que estarão configurando o dispositivo da mídia em outro lugar, na escola, articulado a
outros elementos como sócio, lingüísticos ou técnicos. Por isso, a produção da mídia também está
comprometida quanto à construção do sentido, mas não sozinha.
Finalizando, enquanto produção de conhecimento do cotidiano, ressaltamos que não só
as produções jornalísticas, nem mesmo só as televisivas, mas o conteúdo midiático é construtor
de realidades e de experiências. Assim como todo o processo midiatico que circula na escola, em
suas materializações, por meio da tecnologia, das interações ou da linguagem, produzem
conhecimento. Nossa problemática está na perspectiva da crença e do dispositivo da mídia
gerando conhecimento no espaço escolar, ao entender aqui a produção do conhecimento,
concernida no dispositivo configurado da mídia.
48
2. FUNDAMENTOS
TEÓRICOS
2.1. Dispositivos
O conceito de dispositivos é operacionalizador em nosso trabalho, das relações
realizadas entre o empírico e o teórico, assim como na complexificação da reflexão sobre o
campo dos media. O dispositivo é uma articulação das dimensões sócio-antropológica, semio-
lingüística e técnica/tecnológica (FERREIRA, 2006). As três dimensões são instrumentos de
análise e cada uma delas gera processos que configuram o dispositivo da mídia. Ao longo do
trabalho, aparecerão mais claras as dimensões quando já denominadas pelos processos por elas
desenvolvidas. Com isso, explica-se que a interação não é uma dimensão, mas um processo da
dimensão sócio-antropológica. E assim os demais.
Já existem diversos estudos e pesquisas sobre a mídia, sobretudo no que diz respeito ao
seu aspecto técnico e tecnológico. Possivelmente pela explosão dos avanços da tecnologia da
informação, os olhos tenham se voltado para esse movimento que realmente causou um boom na
sociedade contemporânea Não é o caso de estar afirmando total concentração nas técnicas e
tecnologia, de forma extremista. Afinal de contas, no próprio perfil histórico dos estudos de
interface já foi possível perceber uma articulação da técnica e tecnologia com outra dimensão. No
entanto, “muitos autores reduzem o conceito de dispositivos a sua dimensão técnica e
tecnológica. Essa redução conceitual implica em separar as dimensões da técnica, tecnologia, o
social e as dimensões semiológicas implicadas” (FERREIRA, 2006a, p. 5).
O dispositivo é uma parte, um agente operacional do processo midiático. Assim como as
relações de poder se dão na microfísica, segundo Foucault, as relações de comunicação dar-se-ão
49
nas menores partículas possíveis de agenciar a mídia, o dispositivo. É uma menor parte possível
de se observar e perceber o processo midiático
3
. Os elementos da mídia permitem a compreensão
de rede, ou seja, as articulações vêm explicitar como se organiza o dispositivo.
O percurso do dispositivo ao seu lugar, enquanto articulador das dimensões concernidas
no campo da comunicação, passou por alguns autores, como Meunieur (1999). Tratando o
dispositivo como um mediador da ausência, a mídia não é uma técnica que se interpõe entre dois.
Ela emerge da vida social para trabalhar a solidão e angústia da sociedade, sendo um objeto
transicional. A mídia não se interpõe, mas cria fusões e relações
4
. Assim, o dispositivo seria um
criador de imaginários e construção simbólica no espaço da escola, como poderá ser percebido
nas descrições empíricas, quando o aluno, a partir da crença, constrói a realidade e conhecimento.
Outro autor que contribui para a pesquisa é Belin (1999), colaborando sobre a reflexão
dos dispositivos que se observa no espaço escolar, ao pensar o pesquisador o dispositivo com um
máximo deslocamento de verossimilhança entre aquilo que é objetivo e o que é subjetivo. Em se
tratando de uma concepção que move as tensões entre realidade, ilusão e conhecimento, o
pesquisador consente a compreensão do dispositivo em cognitivo e afetivo, características estas
que estão envolvidas na configuração do dispositivo observado na sala de aula. O aluno, quando
constrói realidade e conhecimento, fabula, imagina, observa o cotidiano e interage com os meios
de comunicação. O reconhecimento desta objetividade e afetividade no dispositivo configura-o
como uma construção, por meio da crença, do conhecimento do aluno, seja o conhecimento de
3
Esta discussão foi elaborada em aula ministrada pelo Professor Jairo Ferreira durante a disciplina “Tópicos”,
durante o primeiro semestre de 2006, no PPG-Unisinos.
4
Idem a nota anterior
50
mundo, a conduta ou a consciência crítica. Apropriamo-nos, então, de um conceito de dispositivo
que se configura na objetividade e subjetividade.
O conceito de dispositivo, proposto como articulação das três dimensões, foi trabalhado
por Daniel Peraya (1999), “les dispositifs de communication articulent trois niveaux que l´on ne
peut réellement isoler sauf, comme le mentionne P. Levy (La cyberculture, 1997) pour mieux en
analyser les interactions: le semiotique, le social et le technique
5
”. Com a articulação da
semiótica, do social e da técnica, a proposição sofreu uma leitura e novas reflexões sobre o
conceito ao longo da realização da pesquisa de Jairo Ferreira (2006b).
O construto que propomos parte da conclusão de que as diferenciações
epistemológicas no campo da comunicação se desenvolveram, e se desenvolvem, em
torno de três grandes linhagens: a) a mais clássica das relações, a de que os grandes
mercados condicionam os processos semio-lingüísticos e discursivos, e as apropriações
técnicas e tecnológicas dos meios; b) a segunda, aberta pela análise semio-discursiva, em
que o sentido nasce nessas esferas, e os sentidos sociais são desdobramentos; c) terceira,
as abordagens sobre os condicionamentos impostos pelas técnicas e tecnologias. Essas
três dimensões correspondem ao conceito de dispositivo de Peraya (1999). Nossa
abordagem registra que essas três esferas de contingenciamentos operam
simultaneamente sobre as outras dimensões, desde os momentos que cada uma das
dimensões se configura como sistema (portanto, operações próprias de autonomização
perante as outras esferas da experiência comunicacional) (FERREIRA, 2006b, p.5).
Em nossa análise, essa perspectiva é apropriada em um conjunto de determinações para
análise dos processos midiáticos. Entre essas determinações sociais figuram os projetos nas
escolas, os papéis, os temas, o agendamento, a presença ou ausência da tecnologia, as condições
de existência das escolas e outros.
5
“Os dispositivos de comunicação articulam três níveis que realmente não podem ser isolados, como menciona P.
Levy (Cibercultura, 1997) para melhor analisar as interaçoes: a semiótica, o social e a técnica. (tradução nossa)”.
http://www.comu.ucl.ac.be/reco/grems/agenda/dispositif/resumes/peraya.htm
Acesso em: 22 fev. 2007.
51
Independentemente de uma configuração no espaço das interações ou no espaço da
técnica ou do discurso, o uso do termo não estará sendo qualificado em dispositivo midiático,
conversacional ou discursivo. Tratamos do conceito como dispositivo, englobando aí todas as
naturezas. O trabalho não consiste em desvendar a epistemologia do conceito, mas de
operacionalizar as articulações por meio das dimensões: sócio-antropológica, semio-lingüística e
técnico e tecnológica, do dispositivo da mídia.
Adotamos, assim, uma perspectiva de produção social de sentido por meio da
configuração dos dispositivos na interação de indivíduos, instituições e campos sociais com as
mídias ou entre os próprios indivíduos da sala de aula (professor e aluno), nos jogos específicos
da linguagem e nas disposições tecnológicas.
O termo sócio indica que as materialidades dos processos comunicacionais –
máquinas e signos que emanam em processos semio-técnico – estão imersas, ou
banhadas, em materialidades sócio-psico-antropológicas, não como algo externo,
passível de análise relacional (como fazem parte dos estudos de produção e recepção),
mas internos (sistemas de produção incorporados nas obras, disposições, práticas e
rotinas de interação com os processos de comunicação) (FERREIRA, 2006a, p.5).
O foco sócio-antropológico se concentra nos processos de interação que é o processo de
configurar uma sociedade. A realidade é socialmente construída e “a freqüência da conversa
reforça seu poder gerador da realidade” (BERGER e LUCKMANN, 1998, p.205). Tais
interações, então, vão identificar o processo que vive a sociedade. As interações se modificam e
as suas formas inscrevem a sociedade em um modo de ser. Se antes era pensada só a relação face
a face para interagir, hoje as interações se complexificam. Sem abandonar elementos passados
como o face a face, mas incorporando outros, passando a envolver interações homem/produto e
homem/meio de comunicação.
52
“Esse complexo jogo de interações inclui, portanto, em graus variados e em
combinações incessantemente reformuladas, interações conversacionais diretas, interações
dialogais mediatizadas e interações diferidas e/ou difusas” (BRAGA e CALAZANS, 2001, p.29).
Diferidas porque se prolongam no tempo e no espaço, indo além do momento em que o aluno
está em frente à televisão ou acessando a internet, ou na sala de aula falando sobre ela, assim
como também acontece com o professor. A gravação do “Globo Repórter”, a possibilidade de
assistir ao documentário outra e outra vez, e, a cada vez, com alunos diferentes, proporciona o
surgimento de processos em diferentes cotidianos e realidades, trazendo diferentes interpretações
ou interpelações. Difusas por serem disseminadas e espalhadas, permitindo uma ampliação no
número e na diversidade de interlocutores.
A interação é o que melhor demarca a reflexão da configuração do dispositivo, que é ad
hoc e ex post
6
. Ou seja, não existe um pré-dispositivo ou um dispositivo formal que se instale na
sociedade. Ele é configurado na interação social. E tem-se mostrado diferido e difuso. Assim, o
dispositivo está na posição interacional, à medida que a circulação depende da interação humana.
Isto é, a circulação não é produzida pela mídia, mas pelo momento de configuração desses
dispositivos.
A estreita entrada é o lugar do conhecimento, que observamos enquanto construção de
crenças. Neste lugar, podemos pressupor que é a interação humana que vai se expressar enquanto
conversação, relação com as tecnologias e com os próprios discursos. Concluindo, a interação
humana passa a ser fundamental.
6
Essa discussão foi elaborada durante aulas do Professor Jairo Ferreira, na disciplina “Tópicos”, durante o primeiro
semestre de 2006, no PPG-Unisinos.
53
Estas atividades de interação entre os indivíduos, instituições e campos sociais com a
mídia – às quais é possível fazer corresponder certos tipos de conversação – constatamos que
podem ser expressas como um conjunto de determinações. Em outras palavras, “regras de
procedimento que definem essas atividades, desde que elas sejam suficientemente repetidas. A
partir de um conjunto de regras de conversação, se configura o dispositivo conversacional”
(BRAGA, 1994, p. 293), que vai atribuir sentido à conversa que foi estimulada pela interação
com a mídia ou mesmo pela interação pedagógica entre professor e aluno. Em nossa
investigação, construímos também um conjunto de determinações, que é parte da concepção
triádica de Ferreira (2006), Peraya (1999) e Levy (1997).
A perspectiva que operamos é de que, na conversação, há construção social de sentido,
quando percebido o viés sócio e o midiático. Porém, fica “a lacuna de como ocorre o trânsito do
conversacional para o midiático, ou, se quisermos, de como essas categorias são transformadas
nos processos de circulações entre os limites da conversação e do midiático” (FERREIRA,
2006a, p.06). Pensando em uma solução, partimos de uma reflexão que se resolve na interação
dos processos sociais e tecnológicos com a linguagem, ponderando junto aos nossos dados do
empírico “a tese de midiatização como produção tecnológica de mensagens (VÉRON, 1997) sob
determinadas condições de produção e recepção – aquelas que configuram a formação de
mercados discursivos entre instituições e indivíduos” (ibidem, p.06).
A assimilação social do tecnológico deve passar por algo que está acoplado aos dois, que
permite a ambos uma comunicação que esteja no social e no tecnológico. Essa atualização é
realizada pela linguagem, pelo código, pelo discurso.
54
Os meios podem participar da produção dos significados proporcionados pelas
mensagens dentro da sala de aula ou por meio das interações entre máquina e sujeito ou entre
sujeitos. No entanto, a circulação midiática se realiza na conversação, nas interações sociais
quando objetivadas pela linguagem.
“A expressividade humana é capaz de objetivações, isto é, manifesta-se em produtos da
atividade humana que estão ao dispor tanto dos produtores quanto dos outros homens como
elementos que são de um mundo comum” (BERGER E LUCKMANN, 1998, p. 53), como, por
exemplo, a linguagem de sinais ou a linguagem entre o piloto de avião com os movimentos da
bandeira ao estacionar no pátio do aeroporto. A linguagem é o meio pelo qual a interação se
realiza.
A linguagem é expressão, e quando manifesta lingüisticamente também é um conjunto
de sinais, objetivamente praticáveis. Sem compartilhar uma linguagem de gestos, lingüística, ou
de qualquer código compreensível, não é possível entender a vida cotidiana, pois o código vai ser
o modo de compartilhar. Como vimos antes, a interação é modo de construir; conversando, um
indivíduo edifica conhecimento.
A interação face a face tem seus próprios regulamentos; tem seus próprios
processos e sua própria estrutura, a estes não parecem ser de natureza intrinsecamente
lingüística, mesmo que freqüentemente expressos por um meio linguístico (GOFFMAN,
1998, p. 15).
O caminho discursivo é necessário para perceber a circulação, porém, não suficiente.
Nem todas as observações feitas em sala de aula demonstram a circulação concretizando-se por
meio do discurso unicamente. É preciso incorporar ainda os ângulos sócio-antropológico e
55
técnico/tecnológico, na análise dos processos midiáticos. As relações entre os três é que
conceituamos como dispositivos.
Nessa perspectiva, realizamos vários movimentos. Primeiro, investigamos a mudança da
crença (o conceito será apresentado a seguir), tanto pode ser sobre o sentido de ser negro, ou
descendente de italiano, ou do dólar, ou do governo. As transformações podem ser capturadas nas
interações entre os atores sociais da escola, exatamente pela linguagem que dá significado aos
objetos, compreendendo a realidade do aluno e o conhecimento que ele traz, assim como o que
ele constrói ou transforma. “A linguagem é capaz de se tornar o repositório objetivo de vastas
acumulações de significados e experiências, que pode então preservar no tempo e transmitir às
gerações seguintes” (BERGER E LUCKMANN, 1998, p.57).
A produção de sentido que estes alunos possuem está relacionada não somente ao
suporte, ao tipo de midia (jornal ou televisão) ou à linguagem, termos e técnicas das reportagens
e entrevistas, mas também às relações que produzem os discursos da mídia, as novas interações
que elas promovem. “Verón situa que é importante que o valor do conceito de dispositivo possa
compreender a produção do sentido não mais a partir do suporte de tecnologia ou de linguagem,
mas de um conjunto de relações práticas, discursivas e tecnológicas” (FERREIRA, 2003, p.91).
O valor da tecnologia é relativizado e, ao mesmo tempo, destacado na análise das relações.
O termo técnico ou tecnológico indica que a comunicação “passa” pelas
materialidades – ou corporeidades – técnicas (ações) e tecnológicas (suportes), lugares
onde ganha inteligibilidade a linguagem, cujas múltiplas possibilidades de articulação e
desarticulação abrem campos de efeitos diferenciados (racionalidades, imaginários e
mundos simbólicos em relação com os dispositivos, como atestam os debates sobre o
livro, o jornal impresso, a televisão, etc.). A diferenciação entre corpo e tecnologia,
tecnologia em geral e tecnologias de comunicação e informação ganha importância
56
epistemológica. Aqui os dispositivos podem aparecer como máquinas de produção de
mensagens (FERREIRA, 2006a, p.06)
As tecnologias, ao serem trazidas para dentro da sala de aula, vão além da mediação.
Alcançam uma relação de comunicação, interação e produção. A mídia não mais é percebida só
como um aparato técnico alocado na escola, fazendo parte da estrutura física do ambiente escolar,
mas sim com seu valor que depende dos dispositivos configurados nas interações, que operam
apropriações pedagógicas, tematização, uso de tecnologia podendo, com isso, proporcionar uma
diversidade de produção de sentido, conhecimento e práticas sociais.
A composição deste conjunto complexo de processos comunicacionais circula com uma
variedade de produtos e processos como as informações, notícias, entretenimento, novidades
estéticas utilizando som, imagem, charges, representações gráficas etc e por meio da técnica
expande as lógicas de relações entre os campos sociais e a mídia. E como esta qualificação atua
na construção da realidade da escola? Compreende-se que a estruturação, a reestruturação e/ou a
afetação dos processos comunicacionais, no espaço da escola alteram a percepção e cognição dos
sujeitos que constroem os dispositivos concernidos na construção da própria realidade e
conhecimento. Isso faz com que muitos entendam que os meios técnicos midiáticos podem se
transformar numa espécie de agenda coletiva, conforme há estudos norte-americanos de agenda
setting, assim como um mediador de conhecimento, ou ainda quando associado a demais
dispositivos, articuladores de ação social no espaço público. Em nossa investigação, o valor do
tema e da agenda é estudado em relação às técnicas e tecnologias, mas delas não decorre de
forma unidimensional.
57
2.2. Crenças
Quando o projeto foi qualificado, a banca de professores sugeriu que se trouxesse para a
análise o conceito de conhecimento. Pensando sobre o tópico, chegamos ao termo crença com o
intuito de melhor abranger o que observamos no descritivo e o que pretendemos com as
perspectivas de análises teóricas.
O conceito de conhecimento para a operação de categorias e análises é pensado a partir
do conceito das crenças, com inspiração no trabalho de Piaget (1926), que reflete sobre a questão
do conhecimento e crença, em seus desdobramentos para pensar a representação do mundo da
criança, numa abordagem construtivista.
A crença está entre esse elemento que é o valor e, simultaneamente, é pensamento. “Por
que o avião pega fogo se está na água?” é do mundo das crenças. Se fosse do mundo do
pensamento, ele buscaria a justificativa em um raciocínio lógico; possivelmente pensaria sobre o
grau de solubilidade entre água e óleo, densidade de um e outro etc., para daí extrair relações
analíticas. Esse seria o mundo do pensamento, da lógica, do raciocínio, do conhecimento
científico, enquanto a questão do aluno fica algo descritiva, misturada a uma percepção, a um
sentimento. O conhecimento gerado não é sempre aquele de que a própria escola toma conta, o
sistematizado e avaliado. A esse tipo de conhecimento chamamos de crença.
Crença é um conceito transverso no trabalho na medida em que pretende operacionalizar
a análise empírica e dar conta de conceitos teóricos. O ângulo comunicacional é mantido porque
envolve questões como valores, construção social do conhecimento, teoria dos campos.
58
O filósofo Gareth Evans, no livro “Varieties of References” sugere que o conceito de
informação é uma alternativa melhor que crença quando se trata de caracterizar idéias e
pensamentos do indivíduo sobre o mundo. O autor argumenta que estar em um certo estado
informacional não significa ter de acreditar naquilo. O “sistema informacional” é considerado a
essência de nossas vidas cognitivas.
When a person perceives something, he receives (or, better, gathers)
information about the world. By communicating, he may transmit this information to
others. And any piece of information in his possession at a given time may be retained
by him until some later time. People are, in short and among other things, gatherers,
transmitters and storers of infomation. These platitudes locate perception,
communication, and memory in a system – the informational system. (EVANS, 1982, p.
122)
7
.
Ao buscar integrar o termo conhecimento à pesquisa, o conceito de informação pareceu
vago na medida em que não atenderia o critério subjetivo sobre o qual nos debruçávamos. A
questão não seria de estar informado, mas de ter uma crença, pois conhecimento e realidade de
uma pessoa não são construídos apenas de informações que podem ser transmitidas ou
armazenadas, mas sim, de informações nas quais se crê e abrangem valores e subjetividades
incorporadas no seu cotidiano, atualizando ou fortalecendo sua realidade, conforme as próprias
interações com o mundo.
Essa formulação aparece em Le Bon, em seu livro “Opiniões e Crenças”, resume que o
conhecimento é como uma aquisição consciente, por métodos exclusivamente racionais, tais
como a experiência e a observação, enquanto a crença é uma intuição inconsciente. Para o autor:
7
“Quando um indivíduo percebe algo, ele recebe (ou melhor, coleta) informação acerca do mundo. Comunicando-se,
ele pode transmitir essa informação a outros. E qualquer porção de informação em sua posse, em um certo momento,
pode ser retida por ele até um certo tempo posterior. As pessoas são, em resumo e entre outras cosias, coletoras,
transmissoras e estocadoras de informação. Estes modelos localizam percepção, comunicação e memória em um
sistema – o sistema informacional”. (tradução nossa)
59
A crença vem sendo tratada com interpretações mal compreendidas porque
autores têm tentado interpretá-la com os recursos da lógica racional, fenômenos que ela
jamais regeu. (...) A dificuldade do problema da crença não havia passado despercebida
ao grande Pascal. Em um capítulo relativo à arte de persuadir, ele justamente observa
que os homens ‘são quase sempre levados a crer, não pela prova, mas pelo agrado. Mas,
acrescenta ele, a maneira de agradar é incomparavelmente mais difícil, mais sutil, mais
útil e mais admirável: assim, se disso não trato, é porque não sou capaz de fazê-lo; e
sinto-me de tal modo incapaz que julgo ser inteiramente impossível (LE BON, P.12).
8
Eis uma compreensão sobre a crença que identificamos nas observações, pois além do
raciocínio e da produção lógica de conhecimento durante as aulas, existia, entre os alunos, algo
de sentimentos, subjetividades, proposições pessoais baseadas no cotidiano, ainda que
inconscientemente incorporados.
O valor incorporado, o cotidiano, as percepções são essenciais para os adolescentes, que
vão construindo o conhecimento ainda com poucas teorias lógicas ou acadêmicas. Eles retiram da
vida diária, das relações com os sujeitos ao redor, subsídios que constroem a realidade ou a
atualizam-na. Em se tratando dos alunos das escolas pesquisadas - da rede pública de ensino -
muitas vezes os sujeitos adultos que cercam os alunos também vivem as hipóteses e o agrado, o
sentimento inconsciente por uma crença, e nem sempre um conhecimento justificado, averiguado,
raciocinado, de academia ou pesquisas.
Com isso, ressaltamos a natureza da mídia como produtora de crenças também
relacionadas com um dispositivo de especificidade midiática. Pensar a mídia é pensar em um
conjunto de processos, o subjetivo, o raciocínio, os valores, o imaginário, a realidade, o cotidiano
etc. Este conjunto de processos também é parte da construção de crenças do aluno, ou seja, um
desdobramento em conhecimento do aluno sobre a própria realidade. Para Piaget, na crença:
8
www.camaraamparo.sp.gov.br/literatura/asopinioes.pdf Acessado em: 22 de fev. 2007.
60
a “forma e funcionamento” do pensamento se mostram cada vez que a criança
entra em contato com seus pares ou adultos; é uma forma de comportamento
social que se pode observar de fora. O “conteúdo”, ao contrário, se libera ou não
se libera, segundo as crianças e segundo os objetos da representação. É um
sistema de crenças íntimas (...) sobretudo um sistema de tendências, de
orientações do pensamento do qual a criança jamais tomou consciência e que
nunca falou. (PIAGET, 1926, p. 6)
Em sua investigação, Piaget utiliza cinco tipos de reações observáveis: não-importismo,
fabulação, e crenças sugeridas, desencadeadas e espontâneas. Quando o pesquisador realizou sua
investigação, durante as entrevistas com as crianças, ele buscou a origem do pensamento das
crianças em suas respostas. Pela inaptidão, da observação da pesquisa aqui proposta, em
reconhecer determinadas origens das respostas ou atitudes, dois tipos de crenças foram
agrupadas; ou seja, a crença espontânea e a crença desencadeada não puderam ser efetivamente
diferenciadas, pois a primeira refere-se a reflexões feitas pelas crianças anteriormente ao
momento de observação e entrevista, enquanto a segunda, a desencadeada, é um processo da
construção do sentido por uma reflexão feita no momento exato da entrevista.
Essa diferenciação não pôde ser captada no processo de observação e entrevista porque
não existia uma proposta sociológica durante a pré-observação em estabelecer a origem do
comportamento ou das idéias. E considerando que o objetivo da pesquisa não procura a origem,
mas sim a processualidade da crença na sala de aula, construindo conhecimento e realidade,
foram fundidas as duas crenças em uma, denominada crença reflexiva. E o quadro final das
crenças dos alunos pode ser assim estabelecido para a nossa pesquisa:
Não-Importismo: quando o adolescente não se importa. Ele é indiferente, não
reconhece, é um signo de distinção pela ausência (consciente ou inconsciente).
61
Fabulação: invenção de uma história para a crença do aluno.
Crença sugerida: uma crença que procura agradar, sem mesmo refletir sobre o tema.
Crença reflexiva: quando o adolescente pensa ou reflete sobre a crença.
Também encontramos modalidades de crença em Peirce (1877)
9
, que faz reflexões sobre
a fixação da crença, e nomina algumas como “tenacidade” e “externa ao homem”, que se
assemelham por se evadirem de contrapor crenças ou fazer analogias. A tenacidade ocorre
quando o homem apaga de seu campo de visão outras crenças, e só a dele lhe será prazerosa e
confortável. A “externa ao homempõe a crença em algo não humano, fora do alcance do nosso
pensamento. Ambos os casos seriam uma “concepção de verdade como algo público que ainda
não foi desenvolvida”. Estas modalidades não se importam com o outro ou com outra crença,
assemelham-se ao caso do não-importismo, em Piaget.
Outra modalidade é a “autoridade”, quando um método de fixação da crença é imposto,
como pela igreja ou por um governo. Mas nenhuma instituição pode empreender a regulação das
opiniões sobre todos os assuntos. E semelhante a este método, como explicado por Peirce,
também está a crença “a priori”, uma indução. Então, ambas agregadas, com a flexibilidade de
não ser uma imposição, mas posto por outro, esta crença aparece como na modalidade de Piaget
equivalente à crença sugerida.
A terceira modalidade é assemelhada pelo próprio Peirce ao método das concepções da
arte, ou seja, deixar a ação às tendências da natureza. Sendo uma crença assemelhada ao gosto, ao
9
http://ubista.ubi.pt/~comum/peirce-charles-fixacao-crenca.html Acessado em: 22 de fev. 2007.
62
subjetivo e pessoal, ao natural, vamos enquadrá-la como uma crença da imaginação, ou, como em
Piaget, à fabulação.
O método da crença da ciência assemelha-se à crença reflexiva. Peirce diz que é quando
o externo
afeta todo o homem. E, embora estas afecções sejam necessariamente tão variadas
quanto várias são as condições individuais, contudo o método deve ser tal que a última
conclusão de cada homem será a mesma. A sua hipótese fundamental, reformulada numa
linguagem mais familiar, é a seguinte: existem coisas reais cujas características são
inteiramente independentes das nossas opiniões acerca delas; estas realidades afetam os
nossos sentidos de acordo com leis regulares e, embora as nossas sensações sejam tão
diferentes como o são as nossas relações aos objetos, contudo, tirando proveito das leis
da percepção, podemos descobrir, através do raciocínio, como as coisas realmente são; e
qualquer homem, se possuir suficiente experiência e raciocinar o suficiente sobre o
assunto, será conduzido à única conclusão verdadeira. A nova concepção aqui envolvida
é a de realidade (Peirce, 1877, p.10).
Apesar de todas as equiparações com as modalidades em Piaget e Peirce, incluindo que
elas solidificam o conceito escolhido como uma construção de sentido e realidade, por meio de
diferentes valores e subjetividades que não só o conhecimento científico, Piaget propõe uma
classificação mais direta para tratar do nosso objeto de investigação. Além disso, Peirce, ao
estabelecer uma realidade fora das nossas opiniões e percepções, se opõe à base fundamental do
trabalho na qual a realidade é construída pelas percepções ou crenças que temos de todos os
objetos, construídas por nós em nossas interações mediadas pela linguagem em comum em uma
materialização, seja na conduta, seja em um produto, objeto etc. Em suma, encontramos nas
categorias de crenças de Piaget as nossas categorias de crenças: o não-importismo, a fabulação, a
crença sugerida, a crença reflexiva.
63
A crença reflexiva solicita ao aluno um entendimento, encontrado no passado ou no
momento presente; um pensamento do aluno com uma construção lógica, argumentos e mesmo
justificativas, ainda que não verdadeiras, mas em busca de uma verdade na construção do sentido
de realidade. A crença sugerida é quando parte de outro, não do aluno, existindo uma sugestão
sobre a qual ele pensa ou constrói seu conhecimento e sentido da realidade. Quando é dada ao
aluno uma sugestão e ele se importa com ela, acolhe-as mesmo que para agradar a outrem, ele vai
construindo a sua significação. A fabulação consiste em uma crença criada pelo aluno,
imaginada, fabulada. Ele constrói o conhecimento e realidade a partir dele mesmo e de sua
imaginação. É uma história na qual ele crê pelo simples exercício oral. O não-importismo é a
crença nula, na qual não há esforço para construção de sentido ou conhecimento. O aluno não se
importa com o objeto, com o discurso ou com a interação. O sentido se impõe a partir da
ausência. Numa perspectiva psico-pedagógica, é um sentido sobre objeto em jogo. Na perspectiva
do conhecimento social, trata-se de uma ausência que remete a determinados paradigmas
cognitivos (exemplo: o não-importismo com notícias sobre a política de governo é sintoma de
uma conjuntura sociopolítica etc.).
O espaço das crenças do qual tratamos não pretende refletir se o sentido e a construção
do aluno estão em uma forma certa, errada, boa ou má, e sim se uma crença que constrói um
sentido dentro das modalidades e se articula com a construção da realidade deste aluno, enquanto
conhecimento social, construído nas interações articuladas no dispositivo, como os exemplos que
serão vistos (o sentido de escola, sentido de dólar, sentido de governo, sentido de preconceito,
sentido de leitura etc.).
64
Em suas diferentes modalidades, a crença constrói o conhecimento do aluno sobre a
realidade com elementos da própria experiência do aluno e do seu cotidiano. Inclusive quando se
trata de experiência mediada pelos meios de comunicação, como é surpreendente para o aluno um
avião cair em chamas no mar e permanecer tomado pelo fogo, ou as informações sobre o
governo, seja em formato jornalístico ou humorístico. Esta é uma construção da realidade
compreendida enquanto construção do conhecimento. Por isso, Berger e Luckman (1998) são
fundamentais para entender-se o viés traçado no trabalho para compreender o conhecimento não
como algo específico da academia, mas como “a vida cotidiana apresenta-se como uma realidade
interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma
um mundo coerente” (BERGER E LUCKMANN, 1998, p. 35).
O conhecimento se mostra construído pelas crenças, percebido como um composto da
experiência vivida, do cotidiano, das interações que estabelece e das próprias ações. Este sentido,
que se forma a cada conduta, interação ou ação, vai construindo, paralelo com o conhecimento, o
sentido de realidade para o adolescente. O aluno encontra elementos do seu cotidiano e de sua
subjetividade nos processos que identificamos como midiáticos, a partir da análise dos
dispositivos construídos.
O midiático constitui um espaço de aprendizagem renovado, e como sugerido pela
colega de turma Fernanda Cruz
10
, sobre a interface de comunicação e educação, o conhecimento
“poderá se caracterizar enquanto prática agradável, fácil e prazerosa, sobretudo por se processar,
na maioria das vezes, através do lúdico e do entretenimento”. Como observamos em nossa
10
A declaração da aluna Fernanda Cruz ocorreu durante o Seminário Comunicação e Educação, ministrado pelo
professor José Luiz Braga, no PPG-Unisinos.
65
pesquisa, contudo, não se trata aí do conhecimento acadêmico, e sim de crenças, inclusive em
suas modalidades reflexivas.
A realidade cotidiana, enquanto espaço de construção de uma crença do indivíduo, é
então uma imensa rede de significados de vários sujeitos que vão gerando os produtos, as coisas,
os fatos, as idéias. À medida que um novo ser, uma criança vai internalizando a compreensão
desses fatos e produtos, segundo suas relações e seu contexto social, ela apropria-se do mundo,
por meio da linguagem, e materializa suas crenças por meio das atitudes críticas, da conduta, do
conhecimento de mundo. Em meio às interações, a relação com o outro reafirma a subjetividade
ou transforma suas crenças.
O veículo mais importante da conservação da realidade é a conversa. Pode-se
considerar a vida cotidiana do indivíduo em termos do funcionamento de um aparelho de
conversa, que continuamente mantém, modifica e reconstrói sua realidade subjetiva.
(ibidem, p. 202).
Sem esquecer que “essa força geradora da realidade, possuída pela conversa, é dada já
no fato da objetivação lingüística. A linguagem realiza um mundo, apreende e produz”. (ibidem,
p. 204).
2.2.1. Modalidades de Crenças
Quando as categorias de crenças (fabulação, crença sugerida, crença reflexiva e não-
importismo) são articuladas aos dispositivos construídos nas interações, observáveis no empírico,
é necessário se pensar em termos relacionais, pois nenhuma crença aparece em estado puro. Além
disso, percebemos uma produtividade reflexiva em pensar uma categorização temática das
crenças, localizando-as em relação distintiva em termos de tipos de conhecimento em jogo.
66
Pensamos, então, a crença, no espaço empírico, a partir de três modalidades na construção de
significação dos alunos: a consciência crítica, o conhecimento de mundo e a conduta. No caso da
crença nula, ou seja, o não-importismo, o esforço de significação não responde ao mesmo ângulo
destacado pela perspectiva psico-pedagógica. O não-importismo, em termos de cultura, diz algo
sobre as eleições, afinidades, propensões, dos indivíduos investigados.
A consciência crítica é, pois,
fundamentalmente a capacidade humana, e estritamente humana, de prever e planejar
previamente as próprias atividades, de refletir sobre elas no decorrer da ação, e de
cotejar os resultados seja com os planos prévios, seja com princípios e ideais teóricos ou
práticos. A consciência é a capacidade de planejar, refletir e criticar (CUNHA)
11
.
Desta forma, a consciência crítica é uma modalidade que vai distinguir a produção da
reprodução, ao mesmo tempo em que promove reflexão e não um reflexo. Além de ser observada
no empírico, esta modalidade atende à operacionalização de um conceito que envolve o subjetivo.
Consciência não é somente racionalização, ela inclui o “reagir psicologicamente e de fato, assim
como o saber
12
”.
O comportamento, a conduta, já implica uma ação ao termo crença, e debatendo a idéia
com o autor Quine
13
, que escreve: “Acreditar não é uma ação. Acreditar é uma disposição que
pode permanecer latente e não observada. É uma disposição de responder de certas formas
quando o tema apropriado surge. Inculcar uma crença é como carregar uma bateria”,
argumentamos que na crença pode ocorrer movimento, mudança, pois é expressa objetivamente
11
http://www.geocities.com/Athens?Agora/1417/Conscienciacritica.html
12
idem
13
www.filosofiadalinguagem.blogspot.com
67
no comportamento e na ação de um aluno. Acreditar é uma disposição que pode permanecer
latente e não observada, mas também pode ‘ser lida’ nos próprios códigos gestuais,
comportamentais, simbólicos, do comportamento. Ao modo que Vizer apresenta em seu livro.
O saber comunicativo en el pragmatismo de la Escuela de Chicago a
comienzos del siglo XX: de la comunicación como lenguaje a la comunicación como
conducta, como ‘interacción humana cargada de significación’ en la medida en que no
sólo responde a unas reglas sino que es reconocida por la colectividad a la vez como
inciativa y como rutina, pues lo que media la acción humana es lo mismo que teje el lazo
social: los símbolos en cuanto ‘modelos de expectativas recíprocas (G. HERBERT
MEAD apud VIZER, 1999, p.13).
2.3. Processos Midiáticos
Nossa perspectiva é de que é possível contribuir à sociologia do conhecimento assim
como se utilizar dela no estudo sistemático das condições sociais do conhecimento concernidas
nos processos midiáticos. Os dispositivos configurados na escola demonstram que os alunos,
enquanto receptores, também têm algo a oferecer no processo da circulação. Eles tamm
produzem sentido, realidade, conhecimento. A circulação é um espaço de possibilidades de
significação, tanto para o produtor quanto para o receptor. Essa perspectiva adota a proposição de
que
a sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar-se com o que os homens
‘conhecem’ como ‘realidade’ em sua vida cotidiana, não teórica ou pré-teórica. Em
outras palavras, o ‘conhecimento’ do senso comum e não as ‘idéias’ deve ser o foco
central da sociologia do conhecimento. É precisamente este ‘conhecimento’ que
constitui o tecido de significados sem o qual nenhuma sociedade poderia existir.
(BERGER E LUCKMANN, 1998, p. 29 e 30).
Ou de que, conforme a reflexão proposta por Vizer, na introdução do seu livro “La
Trama (in)visible”, sobre “la imagen bíblica de Dios creando todo lo que existe e insuflando con
su aliento un alma en los hombres, es una alegoría sobre el hombre, construyendo sus propios
68
mundos e insuflándolos de sentido” (VIZER, 1999, p.28). Proponho também refletir que Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança, conseqüentemente, somos todos criadores do mundo
real em que vivemos e da mobilidade social pela qual passamos, assim como da construção do
sentido da nossa vida por nossas crenças. “La constitución de sentido – y en especial de los
‘sentidos de realidad’– a partir de los cuales se fundamentan las creencias que aseguran la
construcción de la vida social, tanto por parte de los individuos como las comunidades” (VIZER,
1999, p. 30).
Ao mesmo tempo, verifica como isso ocorre no âmbito dos processos midiáticos
analisados a partir do conceito de dispositivos. Os processos de significação ligados a diferentes
dispositivos, articulados pela interação humana, tornam a mídia um objeto de observação para
interpretar relacionamentos sociais e a própria sociedade. O sentido está no processo, na
circulação, e não só na produção ou recepção. Mas como entender isso, de que o sentido emerge
da interação? Nossa formulação busca compreender que o sentido está nos dispositivos
midiáticos construídos nas interações.
As realidades sofrem alterações ou interferências da mídia na esfera da circulação e em
suas condições. Quando utilizamos o conceito de dispositivos como elementos de análise, é
possível verificar detalhes dessa circulação, como a tematização, o protagonismo, a reprodução, a
distinção, as crenças, as construções da realidade e como todas as operações, a partir dos
dispositivos, comunicam e, além disso, constroem o mundo da realidade, nas diferenciadas
formas de interação.
69
Essa noção de circulação, interacionista e construtivista, buscamos para dar conta de
uma investigação dos processos comunicacionais. Não pretendemos entender a midiatização que
ocorre pelos processos midiáticos neste espaço da escola de um lugar da exposição à mídia, ou de
uso e efeitos, mas sim das articulações comunicacionais pelas quais passam os processos, e neles
verificar como estão concernidas dimensões de análise como a tematização, o protagonismo, a
reprodução etc. São multidimensões que envolvem os dispositivos, a partir do que entendemos o
processo midiático como circulação, pois não é um consumo, mas lugar de passagem dos fluxos
de comunicação.
Os processos multidimensionais encontrados na sociologia do conhecimento, como
apresentada na introdução do livro “Construção Social da Realidade” de Berger e Luckamnn, ou
na sociologia da educação de Bourdieu abstraem, por algum momento, o dispositivo midiático.
Portanto, nossa investigação procura assentar-se no campo comunicacional na medida em que o
processo se mostra produzido a partir de “dentro” de um dispositivo midiático. O que produziu o
desequilíbrio relacionado à crença de que “a água apaga o fogo” foi uma notícia na televisão,
portanto, dentro de determinado suporte, em um determinado gênero jornalístico, um
determinado discurso, que produz, em caminhos a serem revelados, interações no espaço escolar,
em que se expressam novos discursos etc. No dispositivo está inscrita a produção social da
realidade, como no ponto de vista de Berger e Luckmann (1998), como está também inserida em
processualidades específicas dos dispositivos midiáticos.
Na circulação dos processos midiáticos na escola, a midiatização se mostra afetando
todas as práticas sociais, mas não de forma homogênea. Vale estudar as diferentes formas de
inter-relação da mídia com outros campos para melhor compreender a midiatização. Na escola, as
70
interações entre os alunos e os professores oferecem recusas à circulação dos processos
midiáticos, assim como acordos. Neste sentido, a penetrabilidade dos meios no campo da
educação não acontece de forma tão naturalizada ou harmônica.
Na realidade, as potencialidades e possibilidades de construção de conhecimento pelas
crenças concernidas nos dispositivos da mídia estarão restritas na medida em que não ocorra um
processo de circulação, ou seja, a comunicação não se realize como troca entre os discursos da
instituição escolar e os discursos midiáticos. A produção de crença que constrói conhecimento de
mundo, consciência crítica e conduta, como a reflexiva, seria o ideal de circulação.
2.4. Reflexões sobre a reprodução e distinção
A concepção de reprodução, no espaço escolar, enquanto imposição de significados,
conforme Bourdieu (1975), em seu livro “A reprodução”, permite tensionar a presente pesquisa.
Ao propor construções de conhecimento e realidade a partir das categorias das crenças
observadas na escola, argumentamos que a significação por parte do aluno pode ser própria,
como nas crenças reflexivas.
Para Bourdieu (1975), os alunos são mantidos em um sistema de poder entre dominados
e dominantes através de imposições pela escola por meio da autoridade pedagógica, que teria o
lugar representativo de um sistema escolar que não dissocia a reprodução cultural da reprodução
social. Ou ainda, a ação pedagógica escolar “reproduz a cultura dominante, contribuindo desse
modo para reproduzir a estrutura das relações de força, numa formação social onde o sistema de
ensino dominante tende a assegurar do monopólio da violência simbólica legítima”
(BOURDIEU, 1975, p. 21).
71
A importância da obra, em nossa investigação, está em assinalar um importante passo
em explorar as funções escolares no que está produzindo cultural e socialmente. São avanços
significativos na elaboração de uma teoria do funcionamento e das funções sociais do sistema
escolar. Como contribuição às formulações, a idéia de crenças, desenvolvida nesta pesquisa, pode
pensar um pouco mais esta relação da autoridade pedagógica (professor) com um corpo discente
ativo e construtor do próprio conhecimento e sentido de realidade, ou, no mínimo, o aluno
protagonizando na relação uma construção de sentido em suas interações com os demais alunos
ou com os professores. Ainda que se perceba um fortalecimento da estratificação social dentro do
espaço da escola, teríamos outras variáveis que não somente um sistema escolar responsável por
esta manutenção. Afinal, estamos propondo pensar a construção desta realidade também pelo
próprio aluno ou em conjunto com o professor, e não por imposição do docente.
Segundo Bourdieu, “O trabalho pedagógico é o processo de inculcação que deve durar o
bastante para produzir uma formação durável, isto é, um habitus como produto da interiorização
dos princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se”. (ibidem, p. 44). Ou seja, o
sistema educacional produz um habitus pelo trabalho pedagógico.
O habitus seria a internalização de uma realidade (padrão de comportamento,
pensamento e gosto) que a escola, por meio do seu representante, o professor, incute no aluno. O
habitus, em “La distinction”, de Bourdieu (2000), se refere a um sistema de esquemas para a
elaboração de práticas concretas que partem de uma coleção do indivíduo feita ao longo das
experiências, a partir das heranças culturais. Dentre essas heranças culturais, estaria a escola,
reforçando o lugar de dominante ou dominado em uma estratificação social, segundo o livro “A
72
reprodução”. Esse efeito não é genético, é social, tendendo à reprodução. Seria, então, o habitus o
explicativo da reprodução, sem a consciência do próprio sujeito, por isso inculcação.
Essa tendência da reprodução ou auto-reprodução (reproduzir como instituição) é
expressa por Bourdieu da forma que
todo sistema escolar detém necessariamente o monopólio da produção dos agentes
encarregados de reproduzi-lo, isto é, dos agentes dotados da formação durável que lhes
permite exercer um Trabalho Educacional que tende a reproduzir essa mesma formação
entre novos reprodutores, e envolve, por isso, uma tendência: a auto-reprodução perfeita
(inércia), exercida nos limites da sua autonomia relativa (ibidem, p.66).
Em um caso que Bourdieu ilustra por uma citação de Durkhein (ibidem, p. 70), o aluno
vai ensinar igual ao professor que lhe ensinou e isso perpetuaria uma reprodução igualitária e de
dominação. Essa perspectiva fica prejudicada quando analisamos as interações concernidas nos
processos midiáticos. Nessas interações, serão gerados os papéis dos interlocutores, professores e
alunos. Há, aí, uma lógica interacionista e construcionista, portanto de produção, que nos permite
tensionar a perspectiva de reprodução. Com a afirmação de Goffman (1998) quando trata do
enquadramento (frame analysis), baseado em Gregory Bateson, introduzindo o conceito de
footing, pelo qual o momento da fala também tem de ser observado a partir do lugar, do como, do
quando, da postura, da posição diante do interlocutor. Afinal, o footing pode sofrer alteração,
modificação, negociação, ou troca em meio às interações.
Com isso, quero dizer que não posso enquadrar a reprodução por um discurso autoritário
exercido por um sistema escolar se não vou ao momento da fala dos alunos, do produtor primeiro
e do produto quando exercendo sua função como produtor diante dos seus interlocutores. Admitir
73
que eles produzem as mesmas falas e o mesmo discurso porque o sistema escolar detém o
monopólio da preparação do corpo docente pode recair sobre uma reflexão estática quanto à
produção de crenças no espaço escolar. Isso poderia ser entendido como relações entre as
posições, dos professores, que estão todos em um mesmo lugar social, mas se mostram em
diversas disposições de habitus.
A relação entre as disposições e as posições nem sempre assume a forma do
ajustamento quase milagroso, e fadado por isso a passar despercebido, que se observa
quando os habitus são o produto de estruturas estáveis, as mesmas nas quais eles se
atualizam: nesse caso, sendo os agentes levados a viver num mundo que não é
radicalmente distinto daquele que modelou seu habitus primário, a sintonia logo se
estabelece entre a posição e as disposições daquele que a ocupa, entre a herança e o
herdeiro, entre o cargo e seu detentor. Sobretudo por conta de transformações estruturais
que suprimem ou modificam certas posições, e também da mobilidade inter ou intra-
geracional, a homologia entre o espaço de posições e o espaço de disposições nunca é
perfeita e sempre existem agentes numa posição em falso, deslocados, mal situados em
seu lugar e também, como se diz, “na sua pele” (BOURDIEU, 2001, p. 192).
A questão é instigante, pois, em nossa pesquisa, observamos condutas diversas, portanto,
direfentes habitus em relação aos processos midiáticos analisados a partir do conceito de
dispositivos. Estariam esses professores mal situados? Isso é mais pertinente quando observamos
que os alunos, homogeneizados pelo método da entrevista, observação, descrição e integrados à
rede pública de ensino, constroem de diversas formas sua realidade, com aparentes semelhanças e
possíveis analogias em uma reprodução não igual, não autoritária e às vezes nem mesmo
reprodução, e sim construções de conhecimento atualizadas do próprio sentido de realidade. Ou
seja, a partir do estudo dos processos midiáticos na escola, pôde-se identificar que, nesta mesma
posição social de docente, há disposições diferenciadas.
Em se tratando da posição do professor e de entender o porquê dessas diferenciações,
não caberia à pesquisa. No entanto, interessa na medida em que estas diferenciadas disposições
74
estão atravessadas por uma problemática comunicacional. Uma disposição em que há professores
que participam da construção de dispositivos midiáticos, assim como há professores apocalípticos
quanto aos meios, assim como há distinção nas disposições no território urbano, implicando uma
distinção de classe (escolas em regiões mais ricas, mais pobres, médias etc.). Esta, todavia, não
parece ser suficientemente explicativa das práticas comunicacionais, ainda que haja uma questão
de classes envolvidas.
Nesse sentido, a distinção que observamos nos processos midiáticos merece novas
reflexões relacionais. Ou seja, o problema da distinção, que leva mesmo à reprodução, é
capturado para além da relação da estratificação social por classes, mas acentuando as
disposições de professores e alunos relativamente à mídia, e ao habitus, permeado da mídia.
Talvez esteja em jogo a força de um habitus midiático
14
na vida social e o professor
quando não se integra às lógicas de relações e interações permeadas pela mídia pode provocar
interrupção de um aprendizado que pode ser promovido pela crença concernida no dispositivo da
mídia. E quando este professor tem em si um habitus midiático, utilizando a mídia em seus
dispositivos de saberes, ganha, aparentemente, maior carinho e diálogo com os alunos. O
problema das disposições e do habitus pode ser percebido comunicacionalmente quando, em
posições idênticas, há disposições diferenciadas, com habitus diferenciados, que geram interações
diferenciadas.
O que acontece é que o sentido da realidade pode até estar conformado com uma
distribuição de capitais e significação, na medida em que o lugar social e cultural do aluno esteja
14
Conceito em desenvolvimento por Jairo Ferreira.
75
sendo reafirmado sempre que interage com os sujeitos que o cercam e fortalecem a sua realidade
da estrutura social. No entanto,
o contato com a experiência de novas possibilidades introduz o auto-questionamento,
abre caminho a uma dimensão reflexiva e impede o encerramento de cada comunidade
historicamente dada dentro de si própria, numa familiaridade autista com os elementos
da sua cultura e da sua tradição (CORREIA, s.d., p.06).
Assim, a midiatização em um processo diverso e difuso da informação e produz diferentes
habitus em um mesmo lugar como a escola, dando aos alunos a oportunidade de produzir outros
sentidos com seu imaginário e sua bagagem de crenças, inclusive as sugeridas pela própria mídia,
que apresenta mundos tão diversos e diferidos.
A midiatização do espaço permite aos alunos outras formas de interação e outras formas
de apropriação da linguagem, assim como, ao longo dos anos, a escola teve de lidar também com
a apropriação da técnica. Essas diferentes apropriações, como a própria pesquisa mostra acerca da
diversidade em um universo de seis escolas, permitem aos sujeitos a capacidade não só de negar
uma crença, mas também de recriar suas crenças, não só reproduzindo uma crença imposta ou
uma produção de sentido que os manteria sempre em seu lugar de uma “classe inferior”,
mantendo a relação de poder das classes dominantes.
Não estamos com isso também revelando uma nova camada de estudantes que se rebela
a toda e qualquer produção escolar ou ao sistema de ensino, mas sim percebendo transformações
no espaço que permitem atualizar a discussão de Bourdieu (1975) quando escreve sobre a escola
reprodutivista, na medida em que tivemos com a pesquisa outras percepções, as de negociação
76
com as interações ou mesmo de recriação, por parte do aluno, de suas crenças, quando nessa
escola se observam os processos midiáticos e as crenças aí concernidas.
2.5. Outros conceitos
No desenrolar de nossa investigação, mobilizamos outros dois conceitos importantes
para entender determinadas relações. Não são conceitos centrais, mas necessários para agrupar
determinados objetos observados. Falaremos sobre eles sumariamente: o agendamento e o
protagonismo.
2.5.1. Agendamento (Agenda Setting)
A Teoria do Agendamento se encarrega de estudar a interferência que a mídia exerce na
opinião pública e a formação de uma agenda. Ela procura explicar a construção da notícia, da
seleção e apropriação pela mídia, as características nela dominante e o porquê de serem como
são. Em definição simples, a agenda setting é “... um tipo de efeito social da mídia. É a hipótese
segundo a qual a mídia, pela seleção, disposição e incidência de suas notícias, vem determinar os
temas sobre os quais o público falará e discutirá” (BARROS FILHO, 2001, p. 169).
O que nos interessa da teoria do agendamento é a constatação da existência desta agenda
jornalística, mas não necessariamente da sua constituição. Na pesquisa, os temas imbricados nos
dispositivos chamaram a atenção por também configurarem o dispositivo em sua circulação.
A confluência da agenda pública sobre a agenda da mídia é um processo gradual através
do qual, a longo prazo, criam-se critérios de noticiabilidade, enquanto, por outro lado, a
77
influência da agenda da mídia sobre a agenda pública é direta e imediata
15
. No dia seguinte, era
possível observar os alunos discutindo o tema abordado, ou mesmo poucos dias depois.
Ao conceito de agenda setting está incutida a tematização
16
, enquanto capacidade de dar
o destaque necessário, como formulará o assunto. A forma como o fato é abordado
discursivamente pela mídia é apropriado pelo aluno, atendendo ao estudo de agendamento na
medida em que trata como o assunto é focado e como ele é tratado no público.
A mídia organiza o falar segundo critérios de uma rotina que lhe é própria, extrai da
realidade de outros campos sociais as falas conforme interesse da instituição e do receptor. A
agenda presume exercer uma gestão na vida da sociedade, na medida em que é a única que pode
exercer essa função. Os adolescentes parecem se apropriar do discurso midiático quando
conseguem localizar elementos do seu cotidiano. É preciso que estabeleçam pontes entre o que
consomem e as experiências vividas. Os temas aparecem nas relações de interações, apropriações
e mesmo ação.
Como já visto, a interação é fundamental para configurar o dispositivo no espaço
escolar. A interação é parte da configuração do tema, como veremos ao longo das análises
descritivas e relacionais sobre o observado. Professores negam a interação porque, muitas vezes,
o tema “não é parte da disciplina”. Os alunos interagem porque o tema é parte da experiência do
cotidiano deles e faz parte do interesse dos adolescentes. São relações importantes.
15
Discussão realizada durante a disciplina Mídia e Sociedade, ministrada pelo professor Fausto Neto, no Mestrado
do PPG-Unisinos.
16
http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n35/jbrum.html
78
Observamos uma competência em tematizar como parte importante do processo de
produção de novas crenças e o próprio processo de reflexão. A tematização é parte integrante do
processo de crenças e novos conhecimentos, gerados a partir do dispositivo, seja reflexivo,
comportamental, ou consciência crítica.
Por isso, consideramos relevante o conceito de agendamento, uma vez que essa
proposição remete à importância do suporte e do discurso na definição temática das interações,
sendo assim, tamm, um caminho para análise da construção social da realidade por meio de
uma crença disponível na mídia.
Os temas que mostram agendar as interações entre os alunos e professores partem de
diversos tipos de mídias e têm uma relação intrínseca com o cotidiano do aluno, do interesse do
aluno ou do professor em suas distintas apropriações, pedagógicas ou não, e, por fim, os temas
também mantêm relação com o espaço da escola, com o currículo, com o conteúdo da disciplina.
Não só a agenda da mídia atualiza as conversas e as interações, mas a agenda da escola utiliza a
mídia para o conteúdo da disciplina ou para a socialização com os alunos. Os programas
humorísticos, dramaturgias, notícias tratadas em uma forma cômica etc. produzem temas que
podem estar ligados às interações entre docentes e discentes. Ou seja, ainda que seja forte a
presença dos temas dos materiais noticiosos das mídias, não é só de um campo jornalístico. Essa
perspectiva de agenda é mais ampla do que clássica, bem expressa na seguinte formulação de
Traquina.
Assim, a agenda midiática dos estudos do agendamento é, de facto, a agenda
dos ‘mídias noticiosos’, ou seja, a agenda do campo jornalístico (ou, como preferimos, a
agenda jornalística), entendendo-se a expressão campo jornalístico como o conjunto de
79
relações entre agentes especializados na elaboração de um produto específico, conhecido
como notícias, ou, simplesmente, informação (TRAQUINA, 2002, p.19).
2.5.2. Protagonismo
O protagonismo foi pensado no trabalho em dois momentos: quando tratamos da
circulação dos dispositivos e, depois, da distinção e reprodução. Ao verificar-se como o
dispositivo está concernido na questão das crenças construindo o conhecimento e realidade do
aluno, o lugar de partida pode ser verificado nos protagonistas.
Não estamos, com o termo, discutindo o conceito como aparece no debate sobre
conceitos de atores, agentes, sujeitos e assujeitamentos. Nossa perspectiva é de uma análise da
ação dos indivíduos – professores e alunos – na escola, e, a partir daí, das construções das crenças
agrupadas ou pela interação ou pela tecnologia ou pela linguagem. Ou seja, interessa-nos o
protagonista envolvido no processo midiático. Essa compreensão envolve captar o sentido que se
constrói a partir das interações, em relação com determinadas condições de existências (da
escola, dos alunos e professores), a partir da linguagem ou ainda das tecnologias. Foi uma forma
de pensar a protagonização, no processo, e perceber que há relações possíveis de serem feitas.
Apresentamos a seguir algumas ilustrações sobre essa perspectiva de apropriação: o
sentido que o aluno absorve sobre Aids, no filme “Cazuza”, ou sobre o tráfico, em uma matéria
sobre a vida na favela, é reconstruído pela interação - a conversa com os colegas -, pelo suporte -
uma materialidade - e pela linguagem - discursiva e, simultaneamente, tecnológica. A
significação construída com as crenças dos alunos de conhecimento de mundo, comportamento
ou consciência crítica, altera-se com as dimensões do dispositivo – as frases de efeito em meio à
cena, com o áudio, luz e movimento em contraste com a linguagem e a conversa com a
80
professora ou com o colega de turma. O lugar de protagonismo pode ser percebido da produção
de sentidos. Porém, seria tão impreciso e um desgaste que pudesse não ter conclusões positivas
em meio a uma rede tão entremeada como as relações entre as dimensões dos dispositivos.
Não desistindo de agregar o protagonismo à pesquisa porque outro movimento de
protagonização tinha sido observado, voltamos ao lugar do sujeito. Existe a reflexão sobre o
sujeito: se ele constrói, se transforma; não constrói, não transforma; só imagina. Se ele nem se
importa e, interessantemente isso pode recorrer ou não à idéia de reprodução, quando se trata de
crença sugerida ou não-importismo, ou não-reprodução, quando ela é reflexiva. Então, se é
possível avançar nas reflexões sobre a reprodução e distinção, segundo o sujeito que toma a
iniciativa e atua no processo protagonista da circulação (o dispositivo), é válido pensar sobre o
que possa surgir.
Como já dito no item da distinção e reprodução, podemos partir de uma relação entre
acomodação e assimilação da realidade. Essa perspectiva adaptativa nos permite compreender o
habitus para além de um recorte que acentua a acomodação, conforme podemos observar em
Bourdieu.
Os agentes sociais são dotados de habitus, inscritos nos corpos pelas
experiências passadas: tais sistemas de esquemas de percepção, apreciação e ação
permitem tanto operar atos de conhecimento prático, fundados no mapeamento e no
reconhecimento de estímulos condicionais e convencionais a que os agentes estão
dispostos a reagir, como também engendrar, sem posição explícita de finalidades nem
cálculo racional de meios, estratégias adaptadas e incessantemente renovadas, situadas
porém nos limites das constrições estruturais de que são o produto e que as definem
(BOURDIEU, 2001, p. 169).
81
Uma perspectiva adaptativa na análise das interações, das relações das práticas com a
linguagem e a tecnologia resulta em que não há simplesmente uma nova acomodação do sujeito à
cultura tecnológica e à linguagem, mas uma reassimilação desta tecnologia às suas questões. Por
exemplo, é um processo adaptativo a ressignificação do termo dólar. Existe um discurso
“dólares” do mensalão noticiado no suporte televisão. Apropriando-se dele, os alunos passam a
compor a própria discursividade, trazendo-o às suas interações. O aluno reassimila o sentido do
termo, utilizando-o em sua construção de conhecimento e realidade de mundo nas interações na
escola.
Há uma relação entre os papéis e o conhecimento, considerando as perspectivas da
ordem institucional.
Os papéis aparecem como representações institucionais e mediações de
conjuntos de conhecimento institucionalmente objetivados. Visto na perspectiva de
vários papéis, cada um destes transporta consigo um apêndice socialmente definido de
conhecimentos. (BERGER E LUCKMANN, 1998, p. 109).
Se a construção da realidade se consolida nas conversas com os demais, partilhando os
sentidos, os papéis sociais vão sendo criados também nessas interações, relacionados à posição e
disposição, tomadas pelo indivíduo diante do seu interlocutor na situação. Neste mesmo ambiente
de interações não somente a partir da autoridade e violência pedagógicas, entre os alunos e
professores, é possível observar a confusão de papéis.
Poderíamos considerar que o atual período de mediatização envolve sempre
um certo grau de experimentação de papéis, no caminho de institucionalizações, algumas
das quais certamente já bem estabelecidas, mas ainda com insuficiente elaboração e
distinção (...) Na mediatização, o processo experimental ainda não gerou estabilidade
suficiente de papéis para que a sociedade possa situá-los com clareza. (BRAGA, 2006,
p.13).
82
Não que necessariamente novos papéis vão surgir, mas novidades nos conceitos desses
papéis podem ser buscadas. Os alunos agora estão em diferentes interações e, por isso,
diferenciadas ações. Os professores, para iniciar o desenvolvimento de suas aulas nas salas de
informática, sempre passam por treinamentos e oficinas, enquanto os alunos passam as noites e
madrugadas já entendendo de computadores, programas, processos de navegação, de linguagem
etc. Os alunos e professores trocam seus papéis: o professor é aluno e o aluno é professor. Os
alunos não representam mais aquela recepção da informação esperada da autoridade pedagógica
ou uma violência simbólica. Os papéis que se transformam junto com a transformação da
sociedade. Podem também sinalizar mais uma das negociações que estão sendo feitas entre o
campo da comunicação e da educação, nesse processo de midiatização.
83
3. METODOLOGIA
3.1. O objeto
O objeto construído refere-se à análise do processo midiático e da produção de
conhecimento configurados em dispositivos. Trata-se de analisar os processos a partir das
dimensões dos dispositivos, estas como operadoras da construção de conhecimento em interação
com o campo escolar. A produção de conhecimento é problematizada a partir do conceito de
dispositivo, na medida em que é relacionada às dimensões que o caracterizam, permitindo
também o estudo de outros conceitos, tais como protagonismo, agendamento, reprodução e
distinção.
Na compreensão de uma construção social do conhecimento, a definição de foco teve
origem na abordagem da crença que constrói conhecimento e realidade a partir dos dispositivos
da mídia, em uma estrutura social específica, em modalidades categoriais. Essas relações
pretendem demonstrar como os indivíduos investigados, por meio da sua crença, constroem
conhecimento da realidade, conforme os próprios casos empíricos.
O conhecimento construído pela criança sobre sua realidade, a partir das crenças,
constituídas em dispositivos midiáticos, é articulado e categorizado, com base em conformidades
da pesquisa de Piaget, com implicações sobre as produções de sentido observadas no empírico da
nossa pesquisa. Foram desenvolvidos dois tipos de categorização.
A primeira se refere à modalidade de produção, de transformações, ou às ausências de
transformações. Compreende as categorias de não-importismo, de fabulação, de crença reflexiva
84
e de crença sugerida. A segunda está relacionada aos agrupamentos da própria crença:
conhecimento de mundo, consciência crítica e comportamento.
Analisamos as relações entre as duas. Quer dizer, esses agrupamentos se transformam ou
não, existe ou não uma consciência crítica da realidade, um desenvolvimento de conhecimento de
mundo e/ou transformação da conduta. Não nos interessam essas relações como decorrentes de
programas de leitura crítica na escola, ou formação de receptores, mas sim como resultantes do
cotidiano da escola e dos momentos naturais de interação dispersos. Também não pretende ser
um estudo de produtos, ainda que apresentemos os produtos da mídia e discursemos sobre eles
como uma forma de demonstrar a materialização dos processos na escola e estabelecimento da
tecnologia como transformadora do espaço e das rotinas. Os processos midiáticos passam a
regular objeto de outro campo, como o conhecimento, no caso da educação. A mídia, em
interface com o campo pedagógico, organiza uma parcial produção de conhecimento, produção
de sentido ou as interações.
É neste lugar que nasce a possibilidade do desenvolvimento epistemológico de
investigação sobre os fluxos dos campos comunicação e educação, desenvolvendo reflexões
sobre eles.
3.2. Dialética como compreensão do estudo
As relações entre teoria e experiências sociais são objeto de várias formulações
metodológicas. Em nossa investigação, a compreensão do estudo por meio da dialética foi
inspirada no texto de Miguel Martínez Miguélez sobre o “Proceso de Teorización”, do qual foram
extraídos os entendimentos para a pesquisa. “El processo completo implica la categorización, la
85
estructuración individual y general, la contrastación y la teorizción propiamente dicha”
(MIGUELEZ, 2004, p.1). O objeto teria de se articular com a teoria já existente, mas seria
construído rompendo com operacionalidades já conhecidas no desenvolvimento das
investigações. Uma nova idéia poderia surgir da imersão na experiência social a ser analisada (o
corpus da pesquisa). O atrelamento a conceitos rígidos poderia limitar as compreensões que o
corpus teria a oferecer com as inovações do tempo e das reflexões já realizadas anteriormente.
Assim, optamos por encaminhamentos dialéticos entre teoria e experiência analisadas,
não discutindo, contudo, somente com os demais autores da inter-relação do campo educação e
comunicação, mas também com o observado, o descrito, o registrado do empírico, os atores, o
objeto de pesquisa, os professores, os alunos, a direção escolar, o fluxo e os pesquisadores. Era
certo que deveríamos pensar na comunicação como uma construção dialógica, que partisse da
troca de idéias a fim de alcançar conhecimentos. Partimos, então, de um ponto de vista prévio,
daquilo que já havia sido lido e daquilo que já era conhecido a respeito de diversos autores que
estudam a relação entre os dois campos, comunicação e educação, assim como de um
determinado recorte da pesquisa já decidido: escolas públicas, de ensino fundamental e de
periferia.
3.3. Antecedente Teórico Metodológico
Tendo em mãos as estratégias de dialética ascendente e descendente, bem como a
escolha pela 8ª série, a imersão se deu em três diferentes escolas. A primeira situa-se em Belém:
Escola Estadual de Ensino Médio e Fundamental Brigadeiro Fontenelle. A segunda se localiza no
município de Canoas, na grande Porto Alegre: Escola Estadual de Ensino Fundamental Vasco da
86
Gama. A terceira, em sua sede em Porto Alegre: Escola Estadual de Educação Básica Gomes
Carneiro.
O trabalho nas escolas coincidiu com início do mestrado, através de observação
exploratória, acumulando assim os dados para a qualificação do projeto. Para tanto, organizamos
índices e indicadores, formulando a base da pesquisa na dialética ascendente e passando do
empírico à teoria. Encontramos as apropriações de professores e alunos dos discursos midiáticos
assim como as interações ocorrendo conforme a agenda midiática. Os alunos perguntavam aos
docentes sobre o que liam ou a que assistiam na televisão e interagiam sobre o assunto. Além
disso, produziam sentido sobre o produto e conteúdo.
Apresentamos três dimensões conceituais: campo, dispositivo e circulação. Os
dispositivos assemelhavam-se a etiquetas com o objetivo de analisar o jogo da circulação, que
demonstrariam a interface do campo da mídia no campo da escola. Os dispositivos da mídia
constituiriam um conjunto de determinações (na época, ainda vagas) exercendo efeitos sobre a
relação individual do aluno e dos produtos midiáticos. Entre essas determinações sociais figuram,
em especial, os meios e as técnicas de produção das mensagens, seu modo de circulação e,
eventualmente, de reprodução; os lugares onde elas estão acessíveis e os suportes que servem
para difundi-las, além dos dados dos estudos culturais como mediações.
Da teoria em questão, construímos fluxos operacionais que demonstrariam no empírico
as teorias, formalizando, na pesquisa, a dialética descendente. Foram três modalidades da
circulação da mídia nas escolas: interação que promove conhecimento e aprendizagem; condição
de articuladora de significados e possível ressignificação por parte dos alunos, resultando em
87
ações no espaço social; e, por fim, interação com a mídia como aparato tecnológico na escola.
Buscamos estruturar as três modalidades nas quais os casos eram transpassados no caminho
teórico de apropriação, agendamento e produção de sentido. Por exemplo, no segundo caso, como
articulação de significados e ação, a direção da Escola Vasco da Gama tomou a iniciativa, a partir
dos discursos midiáticos sobre meio ambiente e proteção à natureza (apropriação), do “Globo
Repórter”, de envolver os alunos em uma campanha por reciclagem (agendamento), não só
utilizando discursos pela formação do cidadão preocupado com o ambiente, mas também
envolvido com a escola (significação). Eles coletaram material reciclável, venderam-no e, com os
recursos adquiridos, investiram no ambiente escolar, pintando os muros. O propósito é de,
futuramente, adquirir uma nova cerca (ação).
O foco central do trabalho de investigação estava relacionado ao processo de circulação
entre os campos. Na inter-relação entre os campos, observava os dispositivos midiáticos e sua
imersão no campo da educação. Por exemplo, o telejornal ou o programa “Casseta & Planeta”
entravam no campo da educação, por meio de um dispositivo comunicacional – a conversa/piada
–, promovendo um reconhecimento, por parte de professor e aluno, da integração do ensino com
o conhecimento promovido pelos media. Há um agendamento, por parte dos atores, do fluxo e
uma apropriação conversacional em forma de debate e conversas sobre o tema. O fluxo se dá, de
forma produtiva, ao ensino e à interação entre professores e alunos.
Os dados organizados com o objetivo de demonstrar a circulação dos dispositivos nas
escolas construíam um fluxo esboçando os caminhos dos dispositivos, tematização, apropriação e
materialização. Os dispositivos eram observados como midiáticos e conversacionais,
diferenciando-se pela presença física objetivada da mídia e pelas interações tematizadas por ela.
88
Televisores, computadores e impressos foram tachados como dispositivos midiáticos, enquanto
as conversas, os debates, as interações e as apropriações discursivas em interações foram
denominados de dispositivos conversacionais.
Os fluxos foram, então, modalizados:
a) As mídias na sala de aula, como disseminadoras de agendamento ou tematização
utilizados como conteúdo pedagógico.
b) A apropriação e a significação dadas aos produtos da mídia podendo gerar ações no meio
social.
c) O mapeamento das rotinas de tecnologias da informação e da comunicação dentro da
escola.
Identificamos, então, uma primeira direção do fluxo em que se percebem a disposição e
a distribuição da circulação dos produtos midiáticos. Nesta modalidade, percebemos a presença
das mídias em sala de aula como agenda ou tema, como o caso dos integrantes da Rádio
Cidadania indo até a sala de aula, ou dos alunos quando falavam com o professor sobre uma
notícia, como na situação do avião que permaneceu tomado pelas chamas mesmo ao cair na água.
A segunda direção do fluxo destacava as ações e os processos específicos das escolas
pesquisadas. Esta modalidade do fluxo pode ser considerada a do dispositivo no espaço escolar,
gerando apropriação e ressignificação dos produtos da mídia, possíveis ações no meio social,
retornando ao espaço público como serviço ou ação pedagógica, ou ainda ambos, como
aconteceu no exemplo de uma notícia sobre o terrorismo em Londres, o que resultou em uma
89
passeata pela paz. Uma terceira modalidade do fluxo em análise englobava a dimensão da
materialização dos produtos transformados em TICs. São as apropriações midiáticas de uma
instituição não midiática, caracterizando os dispositivos midiáticos do campo da comunicação no
campo da educação, exemplificando a produção de um jornal na escola com materiais da mídia.
Essas formulações nos permitiram desenhar o seguinte fluxo e nele traçar os caminhos
que eram tomados na circulação. A seguir, o esboço do fluxo do primeiro trabalho de imersão no
campo:
Campo Midiático Campo Educacional
Dispositivos midiáticos
Dispos. midiáticos Dispos. Conversacional TIC´s
Produtos Aprop. Midiática ou Conversacional Ap. Conversacional Apropriação Midiática
Tema / Agendamento Tema / Agendamento Tema / Agendamento
Fato / Acontecimento Fato / Acontecimento Fato / Acontecimento
Fato/acontecimento Midiático Fato/acont. Midiático Fato/acontecimento Midiático
Produtos Midiáticos
3.3.1. Considerações da banca
A banca da qualificação contou com a presença dos professores José Luiz Braga
(Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e Sandra Massoni (Universidade de Rosário), que
fizeram inúmeras considerações muito positivas para o crescimento do trabalho. Ambos
ativeram-se a um mesmo aspecto ao solicitar uma categoria que envolvesse componentes
sociológicos. Por exemplo, dar mais ênfase, na parte teórica, à categoria conhecimento, tornando-
90
a uma categoria articuladora. De certa forma, o professor Braga indicou o caminho ao chamar a
atenção para a importância da articulação e que o conhecimento vem a solucionar essa pendência.
No fim, é disso que se trata a escola. Como se constrói conhecimento através
desse processo, que conhecimentos são construídos, e através de quê. Porque, se fosse
tudo construído pela mídia, não precisaria da escola. O problema é como isso entra na
escola e como articula, e de alguma maneira gera algo que podemos chamar de
conhecimento
17
.
Os professores concordaram também que não havia como pensar os dispositivos
conversacionais e os midiáticos de forma separada, já que eles têm mesclas constantes.
As análises de fluxo centravam-se nos meios de comunicação como produtos acabados.
E era preciso pensar o que circula e como se dá o fechamento. Foi também feita a crítica de que o
modelo de análise não problematizava a investigação, e sim oferecia “caminhos” (fluxos)
fechados. Questionaram, então, a necessidade de uma análise aberta a novas problematizações.
3.3.2. Novos ensaios metodológicos e solução encontrada
No momento da qualificação, todas as três escolas foram apresentadas com aquilo que
consideramos processos midiáticos diversos. Após a qualificação, procuramos ampliar o número
de instituições. Essa ampliação estava limitada ao tempo de execução da dissertação (ver item
Seleção do Universo da Pesquisa). Estendemos nossa investigação para seis escolas. Os dados
coletados indicavam uma diversidade que alcançou vastos índices quando da volta às escolas
após a banca de qualificação e entrada em outras três. As três novas escolas são porto-alegrenses:
Colégio Estadual Paula Soares, Escola Estadual de Educação Básica Almirante Bacelar e
Instituto Estadual Rio Branco.
17
Declaração do professor José Luiz Braga, durante a banca de qualificação.
91
Diante de tantos dados, pensou-se necessária uma nova implementação no método de
pesquisa. Procuramos, primeiro, um recorte que abrangesse, nas seis escolas, dimensões
relacionadas aos processos midiáticos com os mesmos processos de produção, como é proposto
por Verón
18
. Exemplo: que considerasse a circulação de um determinado gênero (jornalismo),
tema e tipo de mídia (televisão). Essa tentativa foi pouco produtiva. Caso optássemos por
informação jornalística, não seriam englobadas as escolas anteriores. Mesmo as três posteriores
não se enquadrariam em processos de produção homogêneos. Tentamos as Eleições ou o
noticiário. Mudando de invariante, escolhemos o gênero televisivo. Os dados, contudo, se
mostraram reduzidos e potenciais de produtividade ficariam de fora. A escolha, por fim, pareceu
incompatível, além de improdutiva.
O caminho que se mostrava produtivo era o da casuística, um trabalho contingente no
que se refere às instituições escolhidas. E na busca de relacionar também os inúmeros dados, a
operação foi definida por meio do dispositivo, mas não separadamente como conversacional ou
midiático. O conceito de dispositivo ofereceu assim uma resposta metodológica coerente e de
coesão. Não seria preciso, agora, buscar a homogeneidade nem ignorar os dados variáveis
coletados, mas sim passar a analisá-los, tomando como base um conjunto de relações
homogêneas.
Com a finalidade de pesquisar as relações, o conceito de dispositivo foi reconstruído a
partir do Seminário “Tópicos” (mestrado) e investigações realizadas pelo orientador. As
dimensões definidas (ver capítulo teórico) foram produtivas para operacionalizar o estudo,
permitindo articular as próprias dimensões nos casos observados. Nesse segundo momento, o
18
Fragmentos de um tecido (capítulo 5 - Ideologia e comunicação de massa).
92
eixo deixa de ser uma tipologia dos dispositivos, transformando-se em determinados processos
identificados a partir das dimensões definidas. Finalmente, no desenvolvimento da pesquisa,
ficou nítido o que, em termos de conhecimento, seria possível investigar, considerando-se os
processos midiáticos.
No entanto, ao introduzir o conhecimento como categoria articuladora, houve impasses;
inicialmente por não se conseguir articular o conhecimento em todas as modalidades e casos, pois
se estava relacionando o conceito ao seu limite racional e científico. Após as leituras sobre
conhecimento e crenças, a segunda opção se mostrou abordando o conhecimento e enlaçando os
demais elementos dos casos em que o conhecimento não se tratava apenas do acadêmico e da
escola.
Assim, articulando o conhecimento e dispositivos, a pesquisa passou de um primeiro
momento em que estava centrada na problemática da circulação para uma pesquisa que passa a
pensar o processo a partir do conceito de dispositivos e produção do conhecimento, de forma
mais abrangente, como operadores para investigar os processos midiáticos. A parte da pesquisa
que permanece relativamente estável é a coleta de dados, que passa, de certa forma, a comandar
uma transformação na pesquisa, inicialmente sobre circulação. Este objeto teórico, todavia,
começa a se fragilizar perante os dados heterogêneos. Com o conceito de dispositivos, inicia-se a
construção de uma certa compatibilidade entre dados e processos de análises. O conceito de
dispositivos e processos midiáticos permitiu retomar o objeto, abrir a questão, quebrar o critério
de invariante referencial, quebrar o critério de produção de condições homogêneas e trabalhar a
heterogeneidade, mantendo o método anterior de coleta que se mostra produtivo.
93
3.4. Procedimentos metodológicos
Escolhemos a escola para observar as relações entre o campo midiático e o campo da
educação. Com isso, pretendemos observar os processos da mídia em um campo não midiático, a
fim de definir propriedades e combinações das processualidades midiáticas nos campos da
sociedade, neste caso, a escola. Investigamos o espaço das conversas nos intervalos, da
descontração em sala e mesmo no horário de aula, para investigarmos como determinadas
materialidades configuram processos conceituados como dispositivos das mídias.
3.4.1. Seleção do Universo de Pesquisa
Não realizamos uma seleção das escolas a partir de projetos instituídos pelo governo ou
pela mídia, nem por representatividade geográfica, escolar ou de área de interface. A
preocupação era que fosse uma escola integrada à rede pública de ensino e que as turmas fossem
de 8
a
série do ensino fundamental.
As turmas de 8
a
série foram escolhidas pelos seguintes critérios: alunos entre 14 e 20
anos, o que os enquadraria dentro de uma menor censura à grade de programação dos meios de
comunicação, como rádio e televisão, pelos horários ou idade, assim como era nosso pressuposto
também que os alunos de 8
a
série estariam em menor número no mercado de trabalho, tendo mais
tempo para as rotinas domésticas e da escola, instâncias do cotidiano de jovens e adolescentes nas
quais, possivelmente, se tem um alto grau de presença das mídias.
Outro pressuposto é que estes alunos estão constantemente expostos à mídia e não
possuem no currículo educacional estudo sobre os meios de comunicação. Já os alunos de ensino
médio, ainda que não tenham também no currículo uma disciplina ou um espaço de tal natureza,
94
são preparados para o vestibular e outros concursos. E visto que vestibulares e concursos
requerem atualidades e conhecimentos gerais baseados em fatos divulgados nos meios de
comunicação, os professores dão uma atenção especial aos alunos do ensino médio, trazendo as
notícias, pela possibilidade de estarem incluídas nos processos seletivos.
A escolha da turma, se do turno da tarde ou da manhã, se a número um ou dois, deu-se
de forma aleatória, sem preferências por turmas com especificidades intelectuais ou
comportamentais. A decisão final ficaria a critério do maior número de atividades possíveis de
serem observadas, eliminando-se assim os horários com provas ou vagos.
Passou-se na escola uma semana observando os alunos, em diversos momentos, no pátio
da entrada, durantes as aulas, nos corredores, no ginásio de esporte, na lanchonete etc. Depois,
mais uma semana com concentração nas entrevistas, procurando os alunos observados, as turmas,
os professores, as diretoras. Na medida em que o período em cada escola foi de mais ou menos
duas semanas, e uma única turma era observada, a pretensão da pesquisa com um número diverso
de escolas não é generalizar, mas, sim, o de buscar o maior número de indícios da presença das
mídias no espaço pedagógico, definido aqui como da rede pública e ensino fundamental
completo. Mesmo a escolha por turmas de 8ª série não provocaria um resultado absoluto, mas sim
uma forma de obter um corpus semelhante, evitando relativizar demais os dados coletados.
Foram visitadas 15 escolas, e em seis foi conseguida permissão para circular na escola,
autorização para permanecer em sala de aula e colaboração da direção, professores e alunos. A
escolha se deu de forma casuística, nas escolas onde foi possível estabelecer um contrato de
pesquisa. Não há uma regra única de estabelecimento desse contrato nem com qual escola seria
95
estabelecido, a não ser os critérios de escola pública e 8
a
série. Foi uma busca em uma
diversidade de condições, mesmo porque, ao imergir em campo, não estava desenhado o objeto –
ele seria encontrado. A ida procurava captar, nas escolas públicas, em turmas de 8
a
série, entre os
alunos, de forma natural, o que se passava ali relacionado aos processos midiáticos.
Pensando na relação casuística em jogo, no momento final da pesquisa, concluímos que
fomos favorecidos com escolas escolhidas em condições diferenciadas. Se houvesse controle
absoluto sobre as condições de investigação, não teria encontrado a heterogeneidade, distinção e
disposições que permitiram produzir uma diferenciação produtiva para reflexão do processo. As
escolas investigadas são apresentadas a seguir.
3.4.1.1. Brigadeiro Fontenelle
A escola, em Belém, situa-se em um bairro de periferia da cidade, o bairro da Terra
Firme. Está localizada em meio à feira do bairro, em uma rua não principal. Ruas sem asfalto e
sem infra-estrutura de iluminação ou segurança. Os alunos são vizinhos da escola e chegam a pé
até ela. É uma grande estrutura física que a escola oferece aos alunos. São dois prédios de três
andares, estando entre eles o pátio de recreação. Existem diversas salas de aula, sala de
computadores, sala de vídeo, espaço recreativo, biblioteca e salas para projetos e reuniões. A
escola possui um projeto de atividades comunicativas reconhecidas e premiadas pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ganhando o prêmio “Escola
Inovadora” pelo projeto “Sala de Leitura”, da professora Célia Chagas. A sala, na escola, estava
sem uso pelos professores ou alunos durante a pesquisa.
96
Os alunos da escola Brigadeiro Fontenelle são do bairro. Eles possuem rádio e televisão
em casa, mas raros são os que possuem computador ou canal fechado de TV. São adolescentes
filhos de feirantes, pequenos comerciantes do bairro, faxineiras, vigilantes. Alguns trabalham
para ajudar em casa, em um turno diferente da aula.
Eles gostam da televisão e da programação, sendo os preferidos novelas, novelinhas
como “Malhação” e “Floribella”, e programas de esportes. Isso não exclui o interesse pelo
telejornal, visto por conveniência da hora – do almoço ou do jantar. Durante a pesquisa, os alunos
demonstraram sempre conhecer o noticiário do dia anterior. Não só tinham assistido a ele como
era comum trazerem para sala de aula as dúvidas das falas dos jornalistas. E eram poucos os
professores que atendiam aos questionamentos.
Após diversas conversas com os professores, percebeu-se que a maioria se restringia ao
ensino em sala de aula, sendo que as professoras de artes e de português circulavam no resto da
escola ou mesmo fora dela, em museus, teatros ou praças. Os docentes, em geral, não eram muito
positivos nos comentários sobre os alunos, sempre afirmando que era muito difícil controlá-los e
ensinar. “Os alunos não estariam interessados nem na escola nem nas aulas”. Este perfil
desanimava os professores, servindo como justificativa para entrar em sala de aula sem
entusiasmo, com exceção às professoras de Português e de Artes. Estas duas, contrariando a
maioria, teciam elogios aos alunos da escola, afirmando serem muito competentes e dispostos a
aprender.
Os alunos, por meio de entrevistas, em sua maioria, afirmam gostar de ir à escola, mas
não das aulas rotineiras de escrever no quadro, fazer exercícios e sem muito bate-papo com o
97
professor. Elogiaram sempre as professoras de Artes e de Português porque elas usam revistas,
jornais, vídeos, fotografia, música; fazem saídas, teatro, etc. Elas requisitam que eles produzam
suas próprias histórias em quadrinhos, ou diálogos de charges, e muitas outras atividades que eles
levam pra casa e resolvem com prazer. Outro ponto apontado pelos alunos como positivo é a
conversa aberta que estas professoras sempre se propõem a manter com eles.
3.4.1.2. Vasco da Gama
A escola Vasco da Gama está localizada na cidade de Canoas, na região metropolitana
da grande Porto Alegre. O bairro São Luis situa-se em uma região periférica, mas não
necessariamente de baixa renda. Há uma ótima estrutura de casas e pavimentação, sendo o bairro
da escola o mesmo da Universidade Luterana Brasileira (Ulbra). É uma escola pequena, com um
pátio amplo. Ao redor do pátio, ficam as salas de aula, a sala de vídeo, a biblioteca e a cozinha.
Em frente ao pátio, encontra-se uma pequena quadra para a prática de esportes.
Os alunos, em sua minoria, são filhos de funcionários da Petrobras vindos de outros
estados. Os demais são filhos de pequenos comerciantes do bairro ou mesmo de funcionários da
Ulbra. A minoria possui acesso à internet, mas todos têm televisão e rádio. Não possuem canal
fechado de televisão. Entre eles, há diversos gostos por programas de humor, novela, música e
esporte. Eles não gostam muito de ler.
Os alunos da escola foram unânimes, em entrevista, ao afirmar que as aulas, em grande
parte, eram rotineiras e se tornavam chatas. Eles gostariam de discutir, conversar mais com os
professores sobre os assuntos a que assistiam no telejornal ou nas novelas. O uso das revistas e
98
vídeos era preferido pelos alunos quando aprendiam coisas novas e não só quando faziam cortes
para colagens para a escola nas campanhas.
Os professores pareciam muito mais desanimados com a estrutura física e com as
questões financeiras da escola do que com os alunos. Os alunos não se queixavam, mas para os
professores falta estrutura de mais salas, mais espaço, mais material e melhor remuneração. A
queixa era comum entre todos, inclusive do uso de mimeógrafo para as provas, enquanto alguns
alunos traziam para as salas fotos impressas no computador. Os professores não tinham o
costume de usar a sala de vídeo, a não ser que precisassem, para outras atividades, de uma sala
com mais espaço do que a sala de aula poderia oferecer.
3.4.1.3. Gomes Carneiro
A instituição localiza-se em um bairro distante do centro de Porto Alegre, pavimentado,
com iluminação, hospital, supermercado etc., nas proximidades da escola. O bairro é distante,
mas não na periferia.
A escola tem amplo espaço de recreação e para as atividades da escola, diversas salas de
aula, sala de computação, sala de vídeo, biblioteca, refeitório, salas para atividades de oficinas
aos sábados. O espaço de recreação abriga um pequeno bosque e duas grandes quadras de
esportes. A escola tem acesso à TV Futura.
Os alunos, no horário da saída, voltam para casa a pé ou de carro com os pais. Eles são
moradores do bairro. Alguns não possuem acesso à internet e todos têm televisão e rádio em casa.
A minoria tem acesso a canal fechado. Em sua maioria, estão sempre interessados nos assuntos
99
da mídia, seja esporte, fofoca, telenovela ou noticiário. Durante as entrevistas, os alunos
demonstraram alta exposição aos meios, seja à internet, à televisão, ou mesmo escutando rádio,
ainda que por causa da família e não por vontade própria. Eles passam boas horas na televisão,
mas quando se trata da internet as horas são mais longas ainda. Como é uma escola na qual a
maioria vem de uma classe social média, moradores do bairro e com possibilidades de acesso à
internet, os alunos levam uma vida mais de internautas do que de telespectadores. Agora, quando
se trata de notícias, a busca é sempre pela televisão.
A direção da escola foi entre todas a única que mostrou formas diferentes de avaliação,
com um compromisso de um novo currículo, no qual os alunos são avaliados pelo desempenho
em sala de aula assim como pelas atividades extras, sendo que as provas estão quase sendo
abolidas como única avaliação do aluno.
Os professores se empenham no ensino da disciplina, do conteúdo do livro e do estudo
em sala de aula e na biblioteca. Porém, durante as entrevistas, admitiram não saber lidar com as
situações em que os alunos querem discutir outro assunto. Quando acham pertinente à aula ou aos
alunos, podem parar para falar sobre o assunto novo trazido para a sala de aula, ou podem não
achar conveniente e não dar continuidade à discussão. Isso será decidido no momento em que o
assunto aflorar. Para uma das professoras, “ainda não é possível simplesmente aceitar tudo o que
é veiculado na mídia. O leitor deverá ficar atento e sempre filtrar as informações obtidas, pois,
caso contrário, poderá assimilar dados incorretos”.
100
3.4.1.4. Escola Rio Branco
A escola é localizada em uma grande avenida da cidade, por onde trafegam todos os
ônibus de diversas vilas. Sendo assim, a escola possui um encontro de alunos de periferia, de
bairro, de comunidades, de vilas diferentes. Nesta escola, diferentemente das anteriores, chama a
atenção o número de garotos negros. Muitos são moradores de vilas
19
, pobres, de baixa renda. A
escola é bastante espaçosa, com um ambiente amplo para a recreação, diversas salas de aula e um
ginásio para as aulas de educação física ou para os alunos jogarem futebol no recreio.
Os alunos têm um perfil difícil de definir exatamente por essa diversidade. Ali,
encontram-se representantes de diversas vilas, alunos também do centro, alunos do bairro com
melhores condições financeiras, aqueles que têm acesso a jornais diariamente, assim como
aqueles cuja família nunca tinha tido acesso à escola antes. Os alunos do Rio Branco, em sua
maioria, têm o jornal Diário Gaúcho em casa todos os dias, e eles o lêem freqüentemente. Nesta
escola, a maior parte dos alunos gosta de escutar rádio, músicas jovens, e ver novelas e
programas de humor da televisão. Uma minoria está ligada à internet.
Na relação entre professores e alunos, é possível perceber que a professora de Geografia,
que trabalhou com a radionovela na 8
o
série, recebe um carinho todo especial. Os alunos
argumentam que ela “conversa com eles e abre espaço para eles falarem”. Eles também mantêm
boa relação de interação com a professora de história, que também apresenta um perfil de
conversar com os alunos sobre as notícias do jornal, segundo eles mesmos falaram nas
entrevistas.
19
Em Porto Alegre, quando nos referimos a expressão “vila”, existe uma co-relação à compreensão de favela.
101
Os professores se dividem sobre a presença da linguagem da mídia, das conversas sobre
a mídia, e mesmo sobre as tecnologias na escola. Para a professora de artes, “os alunos são
deseducados pela mídia”. A influência é muito negativa, principalmente no modismo, termos a
serem usados, atitudes a serem tomadas. Para outra professora, de educação física, a mídia possui
potencialidades educativas. Ela pensa que o que falta é a maturidade dos alunos para distinguir o
que e como aprender.
3.4.1.5. Escola Paula Soares
A escola é localizada bem no centro de Porto Alegre, atendendo os moradores do bairro
assim como de toda a Porto Alegre por conta da localização, pois o transporte coletivo se
concentra no centro da cidade. A escola é ampla, com grandes salas e três andares. Existe sala de
vídeo, com televisão, DVD, auditório sonorizado, com microfone. Há anfiteatro também
sonorizado. Os alunos têm um espaço pequeno para o intervalo, se aglomerando mais nos
corredores e em bancos dispostos nas escadas. Há equipamento interno de som, mas pouco
utilizado e, quando utilizado, o é somente pela direção da escola.
A coordenação da escola diz que é difícil definir o perfil do aluno, pela diversidade. Eles
são do bairro, alunos que possuem uma certa estabilidade financeira, classe média baixa, assim
como também recebem os alunos da periferia de Porto Alegre, filhos dos trabalhadores do
mercado, do camelô, do zelador.
Chama a atenção na escola que os aparelhos celulares estão tão disseminados que, em
diversos ambientes, está fixada na parede uma placa com o aviso “Colabore, desligue o celular
em sala”. Estes avisos estão espalhados em todas as salas de aula, na secretaria, nos corredores.
102
Diversos alunos da turma observada possuem celulares com câmeras. A maioria tem acesso à
internet. Alguns possuem TV a cabo. Todos têm rádio e televisores de canais abertos.
Escutam música em “walk-man”, exibem seus “mp3”, falam sobre fotos da internet. A
coordenação percebe nestes alunos que a 8ª série está em função da internet, sempre
acompanhando os assuntos do interesse deles. Entre todos os prós e contras da internet, existe a
comunicação que é encarada como muito importante pela coordenação. Inclusive, a escola tem
uma comunidade no Orkut. Os alunos do Paula Soares têm o perfil do aluno internauta, sempre
conectado, navegando ou jogando “on line”, presentes nos bate-papos e no Orkut. Inclusive,
criaram um perfil de Orkut para a escola, como já citado antes. Eles falam no recreio sobre o
Orkut, mantêm um fotolog com as fotos da turma.
Nas entrevistas, eles disseram que os professores não conversam muito com eles, e que
não há interação. As conversas são sempre muito limitadas ao grupo de alunos. Nesta escola, os
professores não trabalham muito coletivamente, segundo a coordenadora. Não se observou
nenhuma atividade em conjunto ou extra-classe. Durante os dias em que estive na escola, houve
uma grande dificuldade em conversar com os professores, porque eles estavam sempre correndo
de uma aula a outra, ou de uma escola a outra, perfil comum dos professores que tenho
encontrado nas escolas. Especificamente no Paula Soares, só um professor me atendeu para
entrevista.
Segundo os alunos e a coordenação, não há atividades registradas de que os professores
utilizem a mídia regularmente. Nem jornais, nem revistas em salas de aula, nem vídeos, com
103
exceção do professor de história, que apresenta alguns vídeos para os alunos, conforme o
conteúdo.
3.4.1.6. Almirante Bacelar
Uma escola de periferia, localizada em uma vila. Está localizada num bairro bem
afastado do centro de Porto Alegre, atendendo alunos de famílias de classes salariais baixas. Os
alunos desta escola são vizinhos, encontram-se todos os dias e freqüentam a escola mesmo em
horários diferentes das aulas, com facilidade, porque moram muito próximo.
A escola é pequena, com diversos murais. Entre eles, murais de fotografias e murais de
avisos. O espaço de recreação tem quadra de esporte e uma área coberta dentro da escola onde
fica o refeitório e as salas de aula. A escola possui uma horta na qual os próprios alunos fazem a
colheita e levam seus produtos para casa. Eles próprios cuidam do local.
Os alunos são filhos dos pequenos comerciantes do local, de trabalhadores que fazem a
viagem diária ao centro, como pedreiros, faxineiras etc. Em sala de aula, os meninos e meninas
são extremamente atrevidos e agressivos. São pouquíssimos os alunos que têm acesso à internet,
e quando têm, às vezes, é na casa de um parente ou no trabalho. Eles possuem rádio e televisão,
mas não canal fechado. Eles gostam de ler o Diário Gaúcho, ao qual os alunos têm acesso porque
a professora leva para a sala de aula. Eles conversam bastante sem dar qualquer atenção ao
professor, escutam música em sala nos “walk-man”. Trocam CDs de música, conversam sobre as
bandas e usam roupas alusivas às bandas sobre as quais conversam. Falam sobre o resultado do
futebol, cantam em sala de aula e fazem jingles.
104
Os professores da escola envolvem os alunos em atividades com os meios de
comunicação, como o Diário Gaúcho, levado pra sala de aula; conversas sobre os capítulos da
novela como tema de aula; noticiário de ciências com resumos das notícias nos telejornais. Eles
buscam com as atividades dar acesso aos alunos à informação assim como buscam a mudança do
hábito, tomando gosto pela leitura e pelo telejornal.
3.4.2. Técnicas de Coleta
O problema era continuamente tensionado conforme o diário de campo era ampliado. A
primeira condição prévia que norteou esta pesquisa era a certeza da necessidade de uma total
imersão no tema, a fim de encontrar regularidades e ordenações sem precipitação ou pensamento
presumido. O objetivo era alcançar o que havia para ser observado sem a construção do objeto,
mas sim, observar e construir o objeto; em seguida estruturá-lo e dar significados, num processo
de teorização. Feito isto, imergimos no campo e realizamos uma observação exploratória.
Coletamos os dados observados e os tensionamos com os conceitos e hipóteses já conhecidos,
organizamos índices e indicadores, formulando a base da pesquisa em uma dialética ascendente,
organizando o empírico nas teorias. Dos dados à teorização, das teorizações à análise dos dados.
Durante a pesquisa, foram utilizados métodos como: observação no espaço selecionado,
coleta de dados qualitativa por meio de entrevistas e diálogos, busca por documentos e produtos,
e, ao fim, uma análise dos dados categorizados em um quadro de circulação dos processos na
escola em três dimensões: interações, tecnologia e linguagem. “Método para entender a vida
cotidiana, puramente descritivo, e como tal empírico” (BERGER E LUCKMANN, 1998, p. 36).
105
3.4.2.1. Técnicas de Observação e Descrição
A realidade empírica é de instituições da rede pública de ensino, escolhida “a priori”
com o intuito de retornar às escolas os resultados da pesquisa, alimentando um processo
pedagógico público aprimorado. Depois de estabelecidas as escolhas pela escolas e turmas, era o
início da entrada em campo e o momento de pensar as técnicas de coleta dos dados. A primeira
escolha foi a observação exploratória nas três escolas do primeiro ano da pesquisa. Com a
observação em campo, todo o material coletado era descrito no diário de campo, apresentando o
objeto descritivamente.
Diferentes escolas, diversos alunos, vários professores, distintos dispositivos, tudo
marcou a primeira decisão de descrever. Olhar o espaço, descrever o que foi encontrado no
empírico e a isso poder ter acesso mais de uma vez, poder voltar sempre ao diário de campo que
descreve as ações, as falas e o espaço. Comportamento, linguagem, conversas paralelas, posturas,
tudo e qualquer coisa que pudesse ser uma pista da presença de articulação ou dimensão dos
dispositivos de mídia naquele aluno ou nas interações entre alunos e professores.
Os professores também foram objeto de estudo, para entender melhor a participação
deles na ativação dos dispositivos, no cotidiano escolar. O próprio espaço da escola também fez
parte da observação exploratória; assim era possível perceber a presença dos dispositivos
midiáticos e conversacionais no espaço escolar.
O momento de observação e registro é o esforço de reconstrução empírica do fenômeno.
Após partir com os pontos de vista teóricos já mencionados, a observação e a descrição da
106
experiência buscaram dar conta de perceber as articulações entre as dimensões dos dispositivos,
operando produção de sentido e conhecimento.
A observação e a descrição foram produtivas o suficiente para serem retomadas durante
a pesquisa, que continuou após a banca de qualificação, e, com o mesmo intuito, voltou-se ao
local de pesquisa com o diário de campo, pois assim a possibilidade de sempre voltar a campo
qualificaria o trabalho, principalmente pela quantidade de dados coletados e em tão diferentes
escolas. Percebeu-se, nas descrições, que cada escola tinha um perfil, ainda que fossem todas
públicas e, em sua maioria, em bairros distantes ou de periferia. Mesmo entre as que se
enquadram em um perfil de periferia, existe uma singularidade, cada escola promovia um tipo
diferenciado de ensino e de processos midiáticos.
3.4.2.2. Entrevistas
Durante uma semana nas salas de aula com os alunos, sentava-se no meio deles,
observando-se comportamentos, linguagem, material escolar, conversas, comentários, discussão
com os professores, e tudo era anotado descritivamente em um diário de campo. Porém, não é só
esta observação que esgota o material empírico coletado em campo. Dentro do universo das
escolas, buscamos entrevistar os alunos para submetê-los aos dados coletados da observação,
partindo do objetivo e exterior à validade interior e subjetiva deles. De forma qualitativa, após a
observação e a descrição, encaminhou-se para o momento da entrevista.
Em cada escola, foram entrevistados de 20 a 25 alunos, e entre os professores, uma
média de quatro. As entrevistas dos alunos foram codificadas em duas tematizações, buscando,
nas histórias narradas, qual a relação deles com a mídia (consumo, preferências, em sala ou em
107
casa) e o que eles esperam da relação da mídia com a escola (aprendizado, tarefas, debates com
professores). Era uma busca da materialização da teoria em métodos, nas observações e nas
entrevistas. Precisávamos conhecer as relações que eles faziam entre conhecimento e mídia,
assim como as relações que eles mantinham de consumo para entender melhor a apropriação e a
tecnologia na vida deles. Por fim, falar das interações com os meios e com os sujeitos das escolas
foi fundamental para se entender a essencialidade da dimensão sócio-antropológica do
dispositivo.
Os alunos foram entrevistados em grupos de quatro, ora de três devido ao número total
final da turma. Já os professores foram entrevistados individualmente. Em decorrência da
quantidade de alunos, dinamizou-se o encontro e mesmo as conversas, aglomerando-os em grupo.
Tendo em vista o menor número de professores, o tempo para as entrevistas e o número de
entrevistados possibilitaram entrevistas individuais. Os roteiros eram fechados, no entanto, a
entrevista não estava limitada às questões, pois estávamos livres para conversar sobre outros
temas, caso ocorresse. O roteiro era mais uma forma de não deixar escapar algumas interrogações
principais que tínhamos, como a exposição diária dos alunos aos meios de comunicação, o
interesse deles pelos produtos midiáticos, a interação na escola, as conversas ou um vídeo na
escola, e se eles obtinham novos conhecimentos com a informação circulante.
As entrevistas com a direção tinham a intenção de perceber o que nós não poderíamos
conhecer em duas semanas na escola, como o perfil sócio-demográfico do aluno, a estrutura e o
histórico da instituição no diálogo com a mídia, assim como a observação deles quanto às
relações do aluno e a mídia. As entrevistas com os professores procuravam responder a questões
da mídia e educação, educação da atualidade e a mídia como fonte de aprendizado. Compreender
108
a observação deles da relação dos alunos com a mídia, assim como com o aprendizado. Além
disso, perceber a disposição que existe da relação professor e mídia.
ROTEIROS DE ENTREVISTAS
Professores Direção Alunos
1. Para o momento
da aula, o que é possível
perceber acontecendo que
tenha alguma relação com
os meios de comunicação
ou as novas tecnologias?
2. Para você, qual a
percepção da relação
alunos e a mídia? O que
eles materializam dos
meios de comunicação?
3. Qual o esforço
para a disciplina pelo uso
de meios de comunicação
ou tecnologias da
informação?
4. Você tem algum
produto concreto de uma
atividade relacionada à
mídia?
5. Como você
percebe a associação da
mídia à escola com
objetivos além-
pedagógicos?
1. Qual a estrutura
da escola (salas, biblioteca,
jornais disponíveis,
computadores, vídeo, etc) e
o perfil do aluno dessa
escola?
2. Qual o esforço da
escola/direção pelo uso de
meios de comunicação ou
tecnologias da informação?
3. A escola tem, em
seu histórico, alguma
atividade ou ação ou
produto que tenha relação
direta com produtos de
meios de comunicação ou
tecnologias da informação?
4. Para a direção,
qual a percepção da relação
alunos e a mídia? O que
eles materializam dos
meios de comunicação?
1. Quais os assuntos
que vocês conversam na
escola que têm relação com
os meios de comunicação?
2. Vocês lembram de
participar na aula com
algum assunto relacionado
ao que ouviram/ viram/
leram?
3. Como são essas
discussões?
4. Essas discussões
incluem os professores e a
direção? Como acontecem?
5. Como é o tempo
que vocês têm para a
mídia?
6. Qual a última
coisa que você lembra ter
aprendido, fora da escola,
com televisão, jornal,
rádio, internet ou revistas?
3.4.2.3. Resultado e Avaliação das técnicas
Ao fim da pesquisa nas escolas, com o material de observação e entrevistas, pôde-se
refletir sobre as técnicas e sucessão delas. As observações enriqueceram muito o entendimento
para o contexto e problematização da pesquisa, sendo a imersão no campo sem muitos
pressupostos uma forma de intuir o problema do empírico e da realidade social. A descrição
109
refletia a realidade vivida nas escolas e formou um espelho de múltiplas oportunidades de estudo
entre os campos, com a apresentação da objetividade dos atores sociais, as interações e
configuração de dispositivo na escola, reconhecimento ou não por parte de alunos e/ou
professores. Observação e descrição se complementaram no momento de refletir o empírico a
partir dos pontos de vistas teóricos que nos lançaram a campo, e mais ainda no momento de
buscar o problema específico desta dissertação.
Durante a pesquisa, os professores foram sempre muito sucintos. Algumas dificuldades
levaram-nos a questionar, no início, período anterior à qualificação, sobre o método, acreditando-
se não ter captado o objetivo com os professores de entender ao máximo de probabilidade a
realidade empírica da escola e dos alunos. Com o retorno às escolas, a percepção já era outra: a
de que eles não possuíam mesmo materiais para oferecer, se não se fosse diretamente nos
professores com histórico ou currículo de trabalho com os meios de comunicação. Então, para as
entrevistas com os professores, após a qualificação, a seleção para entrevistar professores tomou
como critério algum trabalho já realizado. E isso reduzia o número de entrevistas para um ou dois
em cada escola.
Não conseguíamos superar o fator tempo e disponibilidade do professor e do aluno da
qualificação para o prosseguimento do projeto. Durante o primeiro momento e o segundo, houve
sempre dificuldades com os horários, reduzidos e entre uma aula e outra, no intervalo, ou no
ganho da falta de um professor. Não houve flexibilidade para outros momentos, outros horários
ou outros espaços. E mesmo estar fora do espaço não nos parecia tão lucrativo como estar na
escola, para falar nela.
110
Observar, descrever e confirmar no subjetivo o observável parece coerente para avaliar a
operacionalização da pesquisa e verificar as hipóteses e teorias. Só é preciso repensar o formato e
organizar melhor com as escolas a técnica da entrevista a ser aplicada a professores e alunos,
podendo seguir o mesmo caráter de individual para os primeiros e em grupo para os segundos.
3.4.2.4. Documentos
Não foi possível coletar todas as documentações, pois o início do resgate se deu “a
posteriori”, quando da conclusão sobre a importância da consolidação dos documentos para a
dissertação. Vale ressaltar que a maioria se concretizou com o registro dos fatos nas entrevistas e
observações, assim como em material recuperado.
Materiais como, por exemplo:
Revistas, quadrinhos e jornais produzidos no Brigadeiro Fontenelle;
Campanha de Reciclagem no Vasco da Gama;
Jornal do Gomes;
Notícias de ciências coletadas pelos alunos no Bacelar;
Matérias de jornais ou assuntos da televisão nas aulas de religião no Bacelar;
Perfil no Orkut da escola Paula Soares;
Radionovela do Rio Branco;
Murais.
111
4. ANÁLISE
DESCRITIVA DOS DISPOSITIVOS
4.1. Impresso
O impresso, em seus diversos formatos (revista, jornal, quadrinhos) aparece em quase
todas as escolas. Este tipo de mídia possui a dimensão técnica e tecnológica mais presente nas
apropriações da instituição e dos alunos, sejam apropriações pedagógicas ou não. Os dispositivos
deste tipo de mídia emergem principalmente por meio dos professores ou da direção escolar. Há
também os casos em que a comunidade e/ou o governo se apropriam da técnica do impresso,
promovendo a interação deste tipo de mídia na escola. No entanto, não ocorre o impresso trazido
pelo aluno para o espaço da instituição.
4.1.1. Brigadeiro Fontenelle
Na escola Brigadeiro Fontenelle, encontramos o suporte tecnológico fornecido pela
professora de português, que traz para a sala de aula o jornal local, os quadrinhos e a revista
IstoÉ. Alunos e alunos, alunos e professora interagem por meio de conversas para a criação de
novas mensagens midiatizadas. A professora apresenta descritivamente aos alunos o jornal do
dia, os cadernos, os formatos de colunas, entrevistas, matérias principais, charge, editorial, etc.
Ela falou um pouco a respeito do que cada espaço continha, em conteúdo e formato: o caderno de
cultura, com notícias sobre eventos culturais, sobre livros a serem lançados, filmes exibidos; o
caderno de Classificados para anunciar venda, aluguel, compra de carros, casas,
eletrodomésticos, animais, serviços. E assim, a educadora continuava explicando também os
formatos das colunas, onde o jornalista ou o profissional da área emite sua opinião ou seu
conhecimento a respeito de um assunto para esclarecer a comunidade sobre determinado
conteúdo.
112
Após falar um pouco do jornal, os alunos foram divididos em grupos. O objetivo era que
cada conjunto de discente ficasse encarregado de construir uma parte do jornal: a capa, o caderno
de cultura, o caderno de classificados e charges. Os alunos agrupados discutiram entre si como
seria o caderno a ser produzido. Às vezes, chamavam a professora para solicitar maiores
esclarecimentos sobre a atividade, perguntando “se o jornal pode ter coisas das ruas” onde eles
moram, ou se ela “já viu a apresentação de dança do Çairé” (Figura 1), estimulados pela matéria
do jornal sobre a festa no interior do Pará. Assim, alunos e professor mantêm uma interação
constante dentro de sala de aula.
Ocorre a apropriação dos discursos midiáticos pelos alunos que produzem histórias em
quadrinhos, jornais e revistas. Após as atividades apresentadas e os diálogos mantidos, foi
possível observar o processo no qual os alunos exerciam a tarefa a partir das apropriações do
midiático, apresentado pela professora. Os cadernos do jornal produzidos pelos discentes eram
gerados como cópias do jornal impresso que foi levado para a sala de aula. Os alunos se
apropriaram das matérias, que foram recortadas e coladas (Figura 2). Quando não, o caderno fora
escrito com as mensagens do cotidiano desses alunos, como os anúncios feitos no caderno
Classificados (Figura 3).
A garotada discute como criar os cadernos do jornal, o texto a ser utilizado, o formato do
corte das matérias, como colar, e mesmo acolher ou não idéias diferentes, como sugere um aluno,
de “colorir o fundo do jornal”. Eles discutem por um novo nome do impresso da turma e
escolhem “Jornal do Brifon” (Figura 4), o jornal do Brigadeiro Fontenelle. “Brifon” já é um
apelido carinhoso que a escola ganhou há algum tempo.
113
Figura 1 – Caderno de Cultura produzido pelos alunos
114
Figura 2 – Caderno de Economia com recortes do impresso levado pela professora
115
Figura 3 - Caderno Classificados com os anúncios produzidos pelos alunos
116
Figura 4 – Capa do jornal produzido pelos alunos
117
As conversas entre os alunos também são constantes quando a professora de português
solicita outras atividades como a produção de charges. Ela conversa com eles sobre as histórias
em quadrinhos, perguntando aos alunos se “eles gostam ou não, quais as favoritas”. Após, eles
devem, individualmente, escrever as próprias histórias em quadrinhos. A educadora lhes
apresentou o já conhecido formato dos quadrinhos e, em seguida, eles fizeram as próprias
produções.
É inevitável o permanente diálogo entre professor e alunos, pois estes querem saber a
opinião da professora, questionando-a se “Está bonito? Está bem desenhado?”. Eles vão
produzindo e também mostrando para os colegas. Ou, mesmo não mostrando, o estudante ao lado
se espicha para espiar o desenho do outro. Observando a produção das histórias em quadrinhos
ou das charges, os alunos se apropriaram da linguagem e da técnica: o formato quadrinhos em
seqüência, os balõezinhos, as frases curtas, as interjeições, a linha de humor da tira. Os alunos
trouxeram, nas suas apropriações, o mundo real, o lugar em que eles vivem, as suas histórias e os
acontecimentos em casa: o irmão que não permite a entrada no quarto ou o pai que fica aliviado
depois do trabalho por não ter sofrido nenhum assalto ou não ter sido despedido (Figuras 5 e 6).
Figura 5 - Quadrinhos produzido pelos alunos
118
Figura 6 - Quadrinhos produzido pelos alunos
Entre as outras charges, a apropriação é também a partir da vivência deste aluno. No
entanto, a experiência midiática do cotidiano do aluno são informações da televisão. As duas
charges apresentadas (Figuras 7 e 8) foram produzidas pelos alunos e podem ser reconhecidas
como vinhetas também divulgadas na Rede Globo, nos intervalos das apresentações dos filmes. O
peixe engolindo o pescador quando este joga o lixo na praia ou quando um transeunte atira o
outro passante que jogou lixo no chão na lixeira são histórias de vinhetas da Globo.
Figura 7 - Quadrinhos produzido pelos alunos
119
Figura 8 - Quadrinhos produzido pelos alunos
120
O mesmo permanente diálogo aconteceu durante a terceira atividade. A professora de
português leu para os alunos uma matéria sobre Nise de Silveira, da revista IstoÉ (Figura 9).
Depois, explicou mais um pouco sobre o assunto da matéria, que inclui o cárcere na ditadura
enfrentado pela psicanalista, sobre as reflexões a respeito da tortura nos indivíduos e sobre a arte
como terapia.
Segundo a docente, o momento era de “uma aula comprometida com o conhecimento e
atualização dos alunos, sobre as mais diversas áreas da sociedade, é uma maneira de formar um
cidadão”. Ela apresentou a tarefa da aula, que consistiu na produção do próprio Museu de
Imagens do Inconsciente da turma. Eles retrataram o que leram sobre o Museu realizado pela
psicanalista alagoana com os pacientes da psiquiatria. A proposta da professora “era tornar a aula
de português em uma sessão de terapia. Eles assim vêem tudo como lúdico, facilitando o diálogo
e aproximando o professor do aluno”.
As apropriações da Revista IstoÉ são as últimas apropriações realizadas pela professora.
Ela levou para a sala de aula a revista e distribuiu cópias aos alunos. Depois, resolveu pôr em
prática o conteúdo da matéria da revista, ou seja, ela criou, em sala, um Museu de Imagens do
Inconsciente.
A partir do diálogo e da tarefa trazidos pela professora de português com o impresso,
foram produzidos os desenhos artísticos do Museu de Imagens do Inconsciente (Figuras 10 e 11).
Os alunos, após a leitura do texto da revista, produziram, sob orientação da professora, suas obras
de terapia. A professora solicitou uma apropriação da reportagem, para o fim cultural que
121
buscava: “ensinar aos alunos cultura, história de personalidades e também como a arte pode ser
terapêutica”.
Figura 9 - Matéria da Revista Istoé
122
Figura 10 – Desenho do Museu do Inconsciente produzido pelos alunos
Figura 11 - Desenho do Museu do Inconsciente produzido pelos alunos
123
4.1.2. Gomes Carneiro
O impresso na escola Gomes Carneiro é levado por uma jornalista voluntária da escola,
por meio de um projeto do Ministério da Educação e da Unesco, “Escola Aberta”. O projeto
permite que voluntários da escola ou da comunidade participem das atividades pedagógicas aos
sábados, transformando-se tais pessoas em monitores de oficinas de artes, esportes ou outros.
Assim, a voluntária Ana da Silva promove uma oficina que produz o jornal da escola, o “Jornal
do Gomes”.
Um grupo de dez alunos integra esta oficina orientada pela voluntária, jornalista do
grupo RBS, ex-aluna da instituição. Com faixa etária de 14 a 20 anos, são todos estudantes da
Escola Gomes Carneiro e, entre eles, estão alunos da 8
a
série. A oficina é aberta inclusive para a
comunidade e alunos de outras escolas.
Desde outubro de 2005, é feito o trabalho da produção do jornal interno. Durante os
encontros, são realizados momentos de reuniões, seleção de pauta e reflexão sobre as matérias.
Ocorre, entre os alunos e a monitora, forte interação com o início da atividade, quando se
discutem as matérias e decidem-se as pautas. Esta interação ainda envolverá também a direção
escolar e mesmo os patrocinadores do jornal, posteriormente.
Primeiro o grupo faz a reunião de pauta, discute os assuntos a serem divulgados no
jornal. Cada um participa com suas idéias, apresenta-as aos colegas e todos debatem sobre o que
será e o que não será reportagem do jornal. Todas as idéias são anotadas. Isso feito, a monitora
traz notícias de jornais ou relembra notícias dos telejornais que tiverem temas semelhantes aos
selecionados para a pauta do jornal. Em um próximo encontro, com a pauta em mãos e com os
124
possíveis recortes da mídia, eles polemizam todos os assuntos levantados para, nesta etapa,
determinarem a pauta final do jornal.
A voluntária Ana da Silva pede que a equipe sente em torno da mesa onde põe as
matérias trazidas. Neste caso, havia matérias do jornal Zero Hora sobre os itens “educação”
(Figura 12) e “leitura”, matérias sobre o projeto “Escola Aberta” (Figuras 13 e 14) e, por fim,
uma notícia trazida na discussão, pois ao falarem sobre educação, governo, novos modelos e
projetos, os alunos lembraram de uma notícia sobre a compra de lap tops pelo governo brasileiro
para as escolas públicas.
Figura 12 - Matéria sobre Educação
125
Figura 13 - Matéria sobre a Escola Aberta
Figura 14 - Matéria sobre a Escola Aberta2
126
Aleatoriamente, a voluntária Ana pega a primeira notícia, uma página inteira da Zero
Hora sobre os benefícios da leitura. Ela lê a matéria e pede a opinião dos alunos que comentam:
“Leio jornal todo dia, mas nem sempre toda a matéria. Será que é ruim?”, “Depois da matéria do
Luciano – aluno que escreveu na coluna para os discentes sobre o benefício da leitura, na 1
a
edição do jornal – eu fui ler o livro ‘O que é leitura’. Achei muito bom, só que gosto mesmo de
ler é quadrinhos”; “Ah! O que mais gosto de ler é sobre cultura, não quero ler nada mais. Só ver
como as letras estão lá, dispostas, organizadas, como é que tá o lead, ou as fotos, agora me
interessa ver, sei que vou poder usar aqui no jornal”; “Eu gosto de política, sei que devo ser a
única, mas gosto mesmo de ler no jornal sobre política”.
Eles lêem a notícia sem a preocupação de dar um feedback para a produção sobre o que
está escrito, ainda que estejam falando com alguém de dentro da RBS, ainda que da central de
televisão. Eles não estão interessados, durante a discussão desta notícia, sobre o papel da
produção. Não houve comentário discutindo o fato de ser uma publicação de uma matéria
positiva sobre leitura partindo de um meio de impresso, o que poderia ser diferente se fosse do
rádio ou da tevê, ou um enfoque diferente ou uma notícia diferente. Não houve questionamentos
sobre os dados ou fontes.
Eles apenas falaram, pouco, sobre o que sentiram ao pensar em leitura. Falaram da
própria experiência e da interação que têm com leituras, sendo que mencionaram sempre jornais,
quadrinhos e livros.
A segunda matéria despertou mais comentários por parte dos alunos. A voluntária leu a
notícia que saiu sobre a Escola Aberta. Como a matéria falava de um assunto da realidade destes
127
alunos, muito mais próximo do cotidiano deles, o que permitia interagir com a notícia em outros
ângulos, discutiram sobre o projeto, sobre a oficina do próprio jornal do Gomes, sobre a
oportunidade do governo às escolas públicas, sobre a matéria não ter englobado o Gomes
Carneiro, sobre o repórter não ter todas as informações, sobre a possibilidade do entrevistado não
ter dado todas as informações, sobre a possibilidade de eles entrarem em contato com o jornal
para adicionar informações sobre o projeto. A discussão gerada sobre esta notícia foi bem maior
que a anterior. Os alunos participaram bem mais ativamente, parecendo mais animados.
Com as discussões sobre esta matéria, pelo fato de o repórter não ter tido informações
suficientes dos entrevistados, os alunos começaram a emendar conversas sobre as próprias
experiências de entrevistas como quando foram bem tratados, mal tratados, quando foram bem
recebidos, ou, por fim, quando o entrevistado estava de cara fechada. O assunto foi se alongando.
O debate era a forma de pensarem como se tinha construído aquela matéria da Zero Hora e
porque estariam faltando informações, qual teria sido o seu problema.
A discussão se manteve estimulada para a terceira matéria, sobre os lap tops. Essa
matéria foi trazida por ocasião da discussão do sistema escolar, e mais uma mudança seria a nova
possibilidade de o governo Lula comprar lap tops fabricados por US$ 100.00 (cem dólares) para
todos os alunos da rede de escolas públicas. As meninas foram as primeiras a atirarem pedras à
novidade. Seguidas dos rapazes, todos estavam insatisfeitos com a notícia. Afinal, rapidamente
eles puderam enumerar as desvantagens que poderia trazer para a escola. Uma delas foi o próprio
despreparo dos professores com as novas tecnologias e a falta de estrutura das escolas para
receberem tal equipamento. Ainda houve uma possível conclusão, por parte das alunas, que o
128
material teria o mesmo fim que a TV Futura, que na própria escola está em desuso. Sendo mais
uma forma de um grande montante em dinheiro público gasto sem proveito.
Os alunos começaram a ficar motivados àquela discussão contra o que estava sendo
noticiado, dizendo que não poderiam deixar de mencionar na matéria estes problemas que seriam
claramente despertados com a compra de lap tops para o corpo discente da rede pública. Eles
resolveram incluir uma matéria sobre o assunto no jornal do Gomes, porém, quando foram
observar a diagramação, não havia mais espaço. Por isso, estariam com o tema aguardando pela
quarta edição, provavelmente. A discussão finda com o horário para dispensar a turma. A sala
seria fechada.
O jornal permitiu aos alunos interagirem entre eles, com a jornalista monitora da oficina,
com a comunidade (temas) e ainda com a direção. Eles negociaram valores do próprio impresso,
pois mudaram de percepção. Uma das alunas afirmou que “hoje, eu leio o jornal diferente, passei
a dar valor para as matérias principais e a enxergar a foto, a legenda, as colunas”, mostrando com
mais detalhe a nova percepção do impresso e seus elementos, na leitura e no olhar. Os alunos se
transformaram para interpelar, de outra forma, o impresso ou a própria comunidade, chamando
para a discussão na qual “o jornal do Gomes vai mobilizar a comunidade para asfaltarmos ruas do
bairro”.
Neste encontro, o grupo discutiu as notícias. Após as falas, as pautas foram definidas
como segue: Volta às aulas (Capa), Parque Germânia (ao lado da escola, um parque a ser
restaurado), General Carneiro (continuação da história da escola), Celebridade: professor Ênio,
Fala, Cláudia (participação dos alunos, emitindo alguma opinião de livre escolha), Merenda
129
Especial, Grupos de música (projeto Escola Aberta na Escola), Editorial (está sem assunto),
Mudanças no ensino escolar (Educação) e Oficina Kung Fu (Escola Aberta).
Terminadas as discussões e o fechamento da pauta, inicia-se a produção do jornal. Após
a entrega das matérias para a monitora, revisão e montagem no boneco da diagramação, feita por
mais voluntários do próprio Grupo RBS e da comunidade, a pedido da jornalista, o jornal é
enviado à diretora da escola. E ela deve, agora, interagir com o grupo assim como com os
patrocinadores, para saber se as matérias estão ou não de acordo com os princípios da escola e
com o interesse de todos os envolvidos.
Além da interação detalhadamente percebida, há uma apropriação discursiva que pode
assim evidenciar já duas das dimensões dos dispositivos da mídia. A linguagem utilizada pelos
alunos busca seguir o padrão do jornal. Quando os alunos entregam as matérias para a jornalista
voluntária, ela as encaminha para a revisão. “Procuramos manter mesmo um nível de jornal
impresso contando com colaboradores no próprio jornal, e eles acertam os ponteiros das matérias
para um perfil jornalístico”.
Revisadas as matérias, os alunos e a monitora já trabalham em outra etapa das técnicas
jornalísticas empregadas no jornal interno da escola. Agora, eles estão diagramando o jornal, em
um procedimento realizado também com um outro voluntário. Ele orienta qual o melhor formato
e espaços a serem dados para o boneco do jornal. Inclusive, ele é quem utiliza o computador com
a presença dos alunos e monitora.
130
Primeiro eles fazem um boneco do jornal (Figura 15). Encaixam as matérias, o cartoon,
as chamadas, os balões. Uma das alunas toma a frente lápis e papel e alguns alunos opinam,
assim como a voluntária. O resultado final mesmo, entretanto, é definido no computador pelo
diagramador, um profissional de informática da comunidade, convidado para o auxílio no
trabalho. Os alunos observam, sugerem e questionam posições.
Os alunos apresentam-se mais dispersos na etapa de diagramação, principalmente
quando ela vai finalizando. Uns chegam e saem sem muitas considerações sobre o layout do
jornal. Uma das alunas é quem dá mais atenção e concentra-se em ajudar o diagramador. A
reunião deste dia é mais rápida e dispersiva.
Decidida a pauta, a entrega das matérias, a revisão e a montagem do boneco, por fim, ele
chega às mãos da diretoria, com poder de editar as matérias ou mesmo excluir algumas, assim
como de sugerir e ampliar as informações. O mesmo é válido para os patrocinadores do jornal
que recebem uma cópia dele junto com a diretoria, para os mesmos fins. Depois, é encaminhado à
gráfica para impressão e posterior distribuição. Os discentes produzem o Jornal do Gomes. Após
as interações e as apropriações dos alunos da linguagem do jornal, organizado em cartas, artigos,
matérias, entrevistas simples, claras e neutras, o suporte está materializado em uma produção
impressa. A técnica opera na construção e materialização de um produto, o Jornal do Gomes, que
circula na escola, na comunidade e mesmo em secretarias do governo (Figuras 16 a 19).
131
Figura 15 - Boneco do Jornal do Gomes
132
Figura 16 - Jornal do Gomes
133
Figura 17 - Jornal do Gomes
134
Figura 18 - Jornal do Gomes
135
Figura 19 - Jornal do Gomes
136
4.1.3. Paula Soares
Na escola Paula Soares, o impresso aparece circulando pela escola trazido pelos alunos.
São revistas em quadrinhos, livros sobre RPG, Guinness Book e livros de leituras extraclasse.
Além do material trazido pelos alunos, a escola tem a assinatura de um jornal local, mas os
alunos não se interessam por sua leitura, na biblioteca. Por fim, o suporte também aparece na
entrevista com a coordenadora Miriam, relatando sobre o uso que dele era feito há muitos anos,
quando ela ministrava as aulas de geografia.
Os produtos midiáticos propiciam um ambiente de interação entre os alunos
conversando sobre os conteúdos das revistas. Na instituição, é possível perceber entre os alunos
um grande interesse pela leitura de revistas e quadrinhos. Durante as aulas, a garotada mantinha
uma leitura atenta ao Guiness Book ou aos quadrinhos de super-heróis ou às leituras de revistas
dos Rebeldes. Estes materiais ficavam escondidos dentro dos livros, no intuito de não serem
percebidos pelos professores. Já o Guiness Book, sem qualquer receio, era lido abertamente; até
difícil de esconder pela capa verde brilhante e pelo tamanho maior que o de cadernos e livros. Os
alunos se apropriam dos discursos para a conversa entre eles, em um enunciado não pedagógico.
Eles utilizam o conteúdo para suas conversas, falando sobre os absurdos dos recordes e das
histórias das personagens da novelinha do SBT, quem deveria ficar com quem, quem é que vai
trair quem, como deveria a personagem reagir aos comandos da mãe. Os dispositivos deste tipo
de mídia, em sua dimensão de técnica e tecnologia, emergem no espaço sem materializar novos
produtos, mas geram socialização e apropriação do conteúdo para as interações.
A biblioteca do Paula Soares “dispõe de assinaturas de jornais, mas não são procurados.
Eles são usados como recortes quando velhos”, segundo a observação da coordenadora da escola.
137
No Paula Soares, não surge um processo específico do jornal impresso, durante a observação na
escola. Apesar da presença do suporte, não houve nenhum tipo de apropriação pelo professor.
A coordenadora da escola recorda do seu tempo de professora, quando ela solicitava aos
alunos, durante todo o ano que eles mantivessem atualizadas suas leituras sobre os
acontecimentos ao longo do tempo nos jornais. Não era só para manter a leitura, mas também
para recortar o que mais interessava aos alunos para que, no final do ano, em um extenso varal,
fossem colocadas as notícias como uma retrospectiva do que marcou na experiência de cada um,
do que era relevante. Ela tem uma lembrança dessa atividade que sentia enriquecer os alunos,
sem poder aqui retratar algum recorte específico pelo tempo já passado. Mas essa é a única
atividade que ela consegue perceber na escola que envolveu o impresso em apropriação e
materialização de um produto (o varal).
4.1.4. Almirante Bacelar
O impresso aqui foi observado sendo trazido para a sala de aula por meio da professora
de português. Ela percebe o gosto dos alunos pelo jornal Diário Gaúcho. Aproveitando o
interesse deles, ela leva o Diário Gaúcho para a sala de aula propiciando acesso e leitura das
matérias. Os alunos interagem, discutem sobre o que lêem: notícias trágicas e policiais. Eles
respondem, na entrevista, que “gostam de falar quando lemos notícias trágicas como o Tsunami,
a queda do avião da Gol, o que pode ter causado, por que Deus castigando? O fim do mundo?”.
Os alunos trocam idéias e conversam quando lêem o jornal: “mulher não tem que ler este jornal,
mas sim homem, não vê que vem cheio de fotos de mulher de biquíni?”, “a modelo pesava 42
kg?! Que horror!! Não achas ela magra demais?”. Para a educadora, “é melhor que eles não
138
estejam conversando ou brigando e estejam mesmo lendo; é uma distração mais do que
permitida”.
A apropriação do jornal é realizada pelos alunos para conversas e sem intenção
pedagógica. Os alunos se apropriam do conteúdo do jornal e interagem com os colegas,
conversando e discutindo o conteúdo. A professora se apropria do jornal para dar acesso aos
alunos às informações do mundo e da vida real. Sem intenções pedagógicas ou de produção, não
há uma materialização que não a do acesso e esclarecimento do conteúdo assim como do suporte
no espaço da escola.
4.2. Internet
A televisão é o tipo de mídia mais presente na vida dos alunos e da escola. A internet,
todavia, é a mais consumida quando os alunos possuem acesso a ela, alcançando seis, sete, oito
horas facilmente por dia, contra a média de cinco horas da televisão. O número de alunos que
acessa a internet é bem inferior, numa proporção de cinco para um, conforme número tirado das
entrevistas realizadas.
Ao acessar a internet, o aluno declara que este suporte tecnológico não tem muita
credibilidade entre eles quando se trata de notícias. O foco deles na internet é bater papo com os
amigos de outros estados, outras regiões, outros países e mesmo com os amigos do bairro ou da
escola; trocar recados e buscar músicas e jogos eletrônicos. Os estudantes com facilidade de
acesso à rede, em casa, passam mais tempo na internet do que em qualquer outra mídia. Apesar
de a maioria dos alunos demonstrarem interesse pela internet, a minoria possui, pelas demandas
de um computador, acesso à rede, pagamento de provedor, etc.
139
O suporte só está disponível nas escolas Gomes Carneiro, Rio Branco e Paula Soares.
Na primeira, as salas só são utilizadas aos sábados e com finalidade de oferecer oficinas de
informática à comunidade, não sendo, assim, foco da pesquisa que busca integrar alunos das
turmas de 8
a
série. Nas instituições Rio Branco e Paula Soares, as salas não eram utilizadas pelos
professores nem pelos alunos. Os segundos condicionados à autoridade dos primeiros, pois os
estudantes não têm permissão de acesso aos computadores se não pelos educadores. Nas escolas
Almirante Bacelar, Vasco da Gama e Brigadeiro Fontenelle, o suporte tecnológico não está
disponível.
4.2.1. Paula Soares
No entanto, existem observações e descrições sobre este tipo de mídia, vindo mesmo de
outro lugar social, das casas dos alunos, emergindo no espaço da escola, que são as interações
entre os alunos pelos temas da internet e a criação de um perfil da escola Paula Soares na
comunidade virtual, chamada orkut. Nesta instituição, é possível observar a presença da internet
para além do suporte disposto na escola. Mesmo sem a apropriação por professores e alunos, no
momento em que estávamos na escola, existe uma apropriação e interação, contudo vinda de
casa.
Mil quinhentos e trinta membros no perfil Paula Soares na internet, em interação, no
mês de janeiro. Os alunos se mobilizaram para fazer um perfil da escola, no orkut. Eles interagem
um com os outros, alunos e professores, conversando pelo perfil sobre os assuntos da escola, as
fofocas, as matérias, os professores, etc. (Figuras 20 a 27).
140
Existe uma apropriação da internet para a interação, e da própria linguagem específica
da rede, uma linguagem taquigráfica, com frases curtas, misturando-se palavras e imagens, como
rostos e figuras. Os emotion, em meio ao texto, reproduzindo frases ou palavras com um sentido
mais visual e mais emocional. Os alunos se apropriam do discurso midiático com finalidade de
socialização entre eles das notícias e assuntos da escola, seja como fofoca ou mesmo informação.
A apropriação feita pelos estudantes não é pedagógica, apesar da participação dos docentes na
comunidade, conversando com os eles.
Figura 20 - Orkut Paula Soares
141
Figura 21 - Tópico de Conversas do Orkut
Figura 22 – Outros tópicos das conversas do Orkut
142
Figura 23 - Conversas entre os membros do Orkut
Figura 24 - Conversas do Orkut
143
Figura 25 - Conversas do Orkut
Figura 26 - Conversas no Orkut
144
Figura 27 - Conversas no Orkut
O próprio perfil na comunidade do orkut é a materialização de um produto midiático. O
suporte está presente na escola, mas o produto e o suporte desta circulação não se limitam ao
espaço escolar. Os alunos podem estar na sala de computadores, mas em casa também interagir e
apropriar-se a partir deste suporte tecnológico. As conversas estão ligadas a uma forma de
interação da mediatização. Os adolescentes interagem entre eles, na escola, por conta das
conversas e contato que mantêm no espaço tecnológico da internet. Das seis escolas, é possível
perceber que este dispositivo é o de maior interesse dos alunos. Não são todos que têm ou
utilizam, mas existe uma generalização do agrado e do interesse pela internet pelas possibilidades
“de conhecer muita gente, mesmo do estrangeiro e até aprender o inglês quando jogam ou
conversam” no mundo virtual. Eles, além disso, se interessam por viver na internet personagens
145
que eles não vivem na vida real, como personagens ricos, rockeiros, mórbidos, ou ainda porque
podem fazer coisas que não podem na vida real, “como matar”.
Eles conversam sobre o que já conversaram no próprio msn, ou no chat, “tem sempre
assunto, e quando chega na escola, a gente lembra do que falamos porque vemos na escola
acontecer algo da prova, ou do professor, ou dos colegas”. Os alunos contam que fofocam no msn
sobre os colegas de outra turma e, quando chegam à escola e encontram a mesma pessoa, voltam
a falar do assunto. “Eu vivo o RPG, na escola, na internet, em casa. Os três colegas ali são meus
colegas do grupo do RPG na Casa de Cultura Mário Quintana, então a gente tá aqui e tá falando
do jogo que ontem estávamos tendo na internet ou dos colegas que fazemos para eles também
conhecerem e jogarem com eles” (sic).
Conversam em sala que, no RPG Virtual, é possível ser um personagem com asas, apto
para voar, matar, ou ser um rico empresário no jogo The Sims que virtualiza a vida real de
trabalho e cotidiano escolar, sendo que você monta seu personagem.
Os alunos se apropriam da internet em sua linguagem e seus temas para as conversas e
interações na escola. Um caso que me surpreendeu foi ter observado uma conversa entre dois
alunos e não ter entendido absolutamente nada do que eles conversavam; os termos, a linguagem,
os movimentos, os gestos não me eram familiar. Ao final da conversa, eu abordei os alunos e
questionei o tema. E eles explicaram que Odium, Zago e Fanis podem ser nomes de personagens
do RPG virtual ou outros termos podem significar força, destreza e habilidades de personagens
que eles criam na internet.
146
A tecnologia tem alterado as formas de conversas, individuais ou grupais, permitindo
publicizar na internet fotos, conversas, idéias; conversar em tempo real em longa distância. O
suporte está presente na escola, mas também em casa, no trabalho ou em qualquer outro espaço
que possua um computador ligado à rede. Além do suporte presente na escola, há também a
materialização do perfil da escola no orkut.
4.3. Mural
O mural é um tipo de mídia que está na escola disponível publicamente para publicizar
informações dos alunos. Todas as instituições possuem o seu mural. No entanto, ele não gera
interação nem apropriação; é nulo, já que os alunos não têm interesse nas informações
publicizadas nele. Não será possível detalhá-lo por escolas. Primeiro, porque não haveria a
apresentação de cada escola, na medida em que algumas não permitiram fotografá-lo e outras já o
tinham desmontado quando surgiu a necessidade do registro para o texto. Segundo, conhecendo
um mural, já se tem o formato dos demais, na medida em que eles seguem um certo padrão nas
escolas. Um único mural pôde aqui ser registrado, o da escola Vasco da Gama (Figura 28).
Todos os alunos entrevistados, em cada escola, sabem a localização do mural, mas em
nenhum dos casos há uma leitura assídua, regular ou ainda esporádica. Ali estão fixadas
informações da vida escolar dos alunos, como notas, freqüência, data de provas, feriados,
reuniões dos professores, serviços prestados nas escolas para os alunos ou serviços externos. Há
também mensagens e, às vezes, recortes de jornais com notícias pedagógicas, sobre leitura,
projetos escolares, estágios para alunos. Todo o material parece ser de interesse do aluno, mas
não desperta a atenção para o mural. Não há interação dos potenciais dispositivos deste tipo de
mídia com os alunos.
147
Figura 28 - Mural da Escola Vasco da Gama
4.4. Rádio
Ao contrário da internet, o rádio está em todas as casas e é trazido pelos alunos à escola,
em seus mini rádios ou mp3. Os alunos gostam de escutar música e, às vezes, notícias, quando
tratadas em um gênero humorístico, como o programa de rádio Cafezinho, da estação “Pop
Rock”. Somente em três escolas observam-se processos midiáticos vinculados à apropriação do
rádio. Nas demais escolas, é possível observar o gosto dos alunos pelo rádio, sempre focado no
interesse musical, e nunca em notícias. As escolas não possuem o suporte tecnológico, com
exceção da escola Paula Soares, que apresenta um sistema de rádio interno. E em um formato da
técnica do rádio, a radionovela, na escola Rio Branco, ou na visita dos integrantes da Rádio da
Comunidade à sala de aula, na escola Brigadeiro Fontenelle.
148
4.4.1. Brigadeiro Fontenelle
Na escola Brigadeiro Fontenelle, o suporte se disponibiliza no espaço institucional, por
meio dos integrantes da rádio comunitária do mesmo bairro da escola. Eles, no entanto, não
conseguem interagir com os alunos e o professor. A turma da 8
a
série recebeu a visita de sete
integrantes da rádio comunitária local, do bairro Terra Firme, o mesmo da escola. Eles entraram
na sala de aula, pedindo licença à professora de química para falar com a turma sobre uma
mobilização organizada por eles contra o sucateamento da educação que acontecia por parte dos
governantes do Estado. Os integrantes da rádio estavam ali para falar sobre o assunto e convocar
os alunos para uma passeata por um melhor sistema de ensino. Além disso, também fizeram o
convite para aqueles que quisessem conhecer a rádio do bairro. Os alunos e a professora não
participaram do diálogo que os integrantes da rádio estavam tentando manter, assim como
nenhum dos alunos ou a professora estiveram presentes na passeata. Os integrantes se retiram
após fazerem a convocação, percebendo que não surgiriam dúvidas ou perguntas.
Não há apropriação do discurso. Os integrantes da rádio, por meio das conversas e
convite, entram na escola. Nem alunos nem professores interagem. A equipe da rádio foi recebida
e ouvida, mas de seu discurso não houve nenhum tipo de apropriação entre os alunos e nem entre
o professor. Não houve também nenhuma manifestação, produção ou materialização de algum
produto deste processo. Mesmo a presença do suporte aqui não há, o que existe é a representação
da rádio comunitária pelo grupo.
4.4.2. Paula Soares
Na escola Paula Soares, há todo o suporte tecnológico de uma rádio interna que, por
algum tempo, era utilizado pelos próprios alunos da escola. Eles organizavam a programação
149
musical e de notícias, o que hoje não ocorre mais. No entanto, a coordenadora esclareceu que
ainda há a interação da direção escolar com os alunos por meio do uso do equipamento,
“utilizado somente pela coordenação e pela direção da escola ocasionalmente para emitir avisos
internos aos alunos de forma geral”.
A materialização aqui é mais a estrutura física do equipamento da rádio interna. Os
avisos dados são sempre sobre feriados, sobre aulas que terminarão mais cedo ou eventos do
colégio. Não há nenhum tipo de materialização de um processo midiático no espaço escolar ou a
geração de um produto. A estrutura física do rádio, o suporte, neste caso, é o aparelho utilizado
sem necessariamente vincular-se a processos comunicacionais ou midiáticos mais intensos.
Na escola, é possível observar os alunos trazendo seus mp3 para a escola, escutando-os
durante os intervalos ou mesmo durante as aulas. As músicas são a preferência dos estudantes nos
aparelhos. Os alunos conversam sobre as músicas, em uma enunciação de socialização e
descontração.
4.4.3. Rio Branco
O processo que envolve o rádio, na escola Rio Branco, está vinculado a uma atividade
trazida pela professora de geografia. A observação se realizou no período de uma semana que
antecedeu às festividades da escola pela “Semana da Consciência Negra”. A turma estava
preparando uma radionovela que foi apresentada no ginásio da escola durante as comemorações
da semana. Ligados à realização da radionovela, estão processos relacionados à televisão também
a serem vistos nas descrições deste outro tipo de mídia.
150
Com a Semana de Consciência Negra, a professora utilizou filmes para discutir com os
alunos o preconceito racial. Depois das discussões e debates, a professora propôs a apresentação
de uma radionovela para os alunos apresentarem nas atividades da semana temática da escola.
Com o tema definido para a radionovela, a educadora apresentou a adaptação e os alunos
interagiram primeiro pela decisão dos papéis. Nem todos puderam participar; então, primeiro
foram procurados voluntários. E com a definição de vozes e de perfis, a professora orientou os
papéis que cada aluno exerceria.
Os alunos ensaiaram o texto da radionovela em sala, durante a aula, promovendo
conversas, intervenções sobre os modos da fala quando os alunos assistentes pediram que
falassem com “mais força” ou com “mais emoção”. A interação provocou risos e piadas. Aos
alunos foi apresentado o texto “Aída”, uma ópera de Giuseppe Verdí, adaptado pela professora,
com a aproximação da linguagem do rádio como efeitos sonoros, locução e narrador; também
com as proximidades da linguagem dos alunos, em intervalos comerciais bem humorados e
dando um tom mais para uma turma de 8
o
série. O texto (Figuras 29 a 32) se desenvolveu a partir
de todas as técnicas de um texto de rádio, nos termos “locutor”, “entrada”, “som”, etc. Com base
nas técnicas de rádio, os alunos se envolveram, aprendendo os efeitos sonoros, os tons de vozes,
para dar vida a uma radionovela com o tema do preconceito racial.
As dimensões da técnica permitiram a elaboração do texto e a materialização, na escola,
de um produto final com um projeto pedagógico. Os discursos foram apropriados pelos alunos e
ali construíram um produto midiático que circula no espaço por meio das técnicas. A escola,
então, passou a ter mais uma experiência midiática. Não é um suporte que está presente, mas a
técnica utilizada como nos rádios.
151
Figura 29 - Roteiro Radionovela p. 1
152
Figura 30 - Roteiro da Radonovela p. 2
153
Figura 31 - Roteiro da Radionovela p. 3
154
Figura 32 - Roteiro da Radionovela p. 4
155
4.5. Televisão
Este é o tipo de mídia mais presente, considerando todas as dimensões e vinda de todos
os lugares, e sendo apropriada pelo professor ou pelo aluno. O suporte tecnológico está em todas
as escolas, seja alocado no ambiente físico ou nas observações das interações. Arriscando
justificar essa observação com uma própria frase da professora de português da escola Brigadeiro
Fontenelle, “a televisão é a nossa principal fonte de informação”. Os alunos buscam na televisão
entretenimento, notícias e esporte. Eles adoram novelas, programas de humor como
Casseta&Planeta ou A diarista, filmes, notícias de esportes, notícias sobre tragédias, etc. Segundo
os alunos entrevistados nas escolas, são longas as horas de consumo, chegando a cinco horas, no
mínimo, diariamente.
Pode até ser preterida a internet em alguns momentos, mas é a televisão que está
realmente em todos os cotidianos. Mesmo quando a internet está presente, ela não está ausente.
Segundo os alunos, eles assistem à televisão, ou melhor, deixam-na ligada mesmo quando estão
na internet. Então, aqueles que têm internet, consomem a televisão; aqueles que não têm,
consomem-na mais ainda.
4.5.1. Brigadeiro Fontenelle
É possível perceber a presença dos processos televisivos por meio das interações entre
os alunos, nas conversas tematizadas pela programação da televisão, assim como pela referência
de linguagem, pelo comportamento e até mesmo pela aparência que eles buscam na televisão. As
interações ocorrem entre os alunos, aluno e professor.
156
Durante a aula da professora de química, era feita a explicação sobre as camadas de
elétrons e famílias da tabela periódica. O aluno, em meio ao assunto, lembrou a referência do
seriado da Família Dinossauro e gritou “Qual é a Família? A Família Dinossauro?”. A professora
olhou para trás, não se apropriando do enunciado. Ela voltou-se para o quadro onde continua a
escrever. Não se apropriou do discurso lançado pelo aluno. Em outro momento da mesma aula,
era possível escutar dois alunos discutindo sobre o informativo de esportes do SBT Repórter do
dia anterior. Era um bate-papo sobre os dois times principais e rivais da capital. O formato
televisivo produziu a conversação entre os alunos, mas não interage com o professor.
Nesta mesma aula, antes da entrada da professora, uma aluna pegou o apagador e foi até
o quadro, com todo o comportamento da personagem Capitu do programa Escolinha do Professor
Raimundo. Ela apagou o quadro exatamente com o mesmo movimento da personagem que
balançava a saia enquanto executava a ação de apagar o quadro. Na escola Brigadeiro Fontenelle,
os alunos se apropriam do enunciado midiático em suas referências, linguagem ou
comportamento. Eles usavam cortes de cabelos como os do personagem Cabeção, com uma
mecha clara nas pontas, na fronte e o cabelo arrepiado, assim como se vestiam como a
personagem Drica, com cortes de panos coloridos e roupas rasgadas, ambos personagens da
novelinha Malhação, da Globo. O discurso televisivo é apropriado pelos alunos por uma outra
enunciação que não a pedagógica, mas sim da socialização, conversa, da piada, das anedotas.
Os temas da televisão promovem a interação entre os estudantes e quando o professor é
interpelado pelo tema do diálogo, ele não interage; simplesmente finge que não vê e não escuta.
Não há produção nem materializações após os diálogos sobre os produtos da tevê por parte dos
alunos ou do professor, neste caso. Além da não-apropriação por parte do professor, vale ressaltar
157
que o suporte deste processo não está localizado na escola. As apropriações feitas, pelos alunos,
da linguagem, comportamento ou referências que vão gerar as interações não se materializam no
espaço escolar. Eles não produzem textos ou produtos na escola. O suporte atravessa o espaço
doméstico para se tornar visível na escola por meio do sentido dos alunos.
4.5.2. Vasco da Gama
Na escola Vasco da Gama, o suporte tecnológico foi percebido, em alguns momentos,
por seus temas nos diálogos e interações, circulando os formatos jornalístico e humorístico como
principais. Os alunos fazem as referências à televisão em sala a partir de dúvidas e comentários
em meio à disciplina.
O gênero de reportagem produz a conversação entre os alunos, aluno e professor, sendo
tematizado pelos primeiros. Durante a aula da professora de português, um aluno, em meio aos
exercícios, quando os demais permaneciam no maior silêncio, fazendo a atividade, faz uma
pergunta à professora. No dia anterior, ele teria visto uma reportagem em que o avião caiu
tomado em chamas no mar, assim ali permanecendo. O aluno questionou a professora o porq
do fato, “Como era possível permanecer o avião pegando fogo se ele havia caído na água?”.
Diante do questionamento, a professora diz ao aluno que ele deveria permanecer em silêncio, que
o ocorrido nada tinha a ver com a aula e que, por isso, ele não deveria interferir com aquele
questionamento; que perguntasse a outro professor responsável pela disciplina e pelo assunto.
Durante a aula da professora de geografia, era explicado o conteúdo sobre o Brasil
Império. Ela fez referência ao sistema educativo exercido naquele período, também falando sobre
o sistema educativo do Brasil, atualmente. Neste momento, ao falar em Governo Federal, em
158
presidência, quando relatava o sistema educacional, um aluno imediatamente fez uma piada sobre
o Lula e as cuecas de dólares. Aproveitando a citação do aluno, a professora então falou sobre a
CPI dos Correios que estava ocorrendo no momento. O aluno permaneceu a falar sobre a piada
que fora vista no Casseta&Planeta. Todos permaneceram atentos à explicação da professora sobre
a CPI e o envolvimento do Governo Federal no processo. Após o esclarecimento, a professora
retornou ao conteúdo Brasil Império. O formato televisivo é apropriado para dentro da escola
pelos alunos. Ao interagir com os professores, um se apropria e outro não.
O formato televisivo circula dentro da escola e o discurso da mídia é apropriado pelo
aluno, no caso do avião, mas o professor não tematiza, enquanto o outro professor tematiza o
discurso apropriado pelo aluno em uma enunciação de brincadeira sobre o governo, quando fala
das piadas do Casseta&Planeta. O discurso midiático é trazido pelo aluno ou pelo professor,
porém, observa-se que, ao ser apropriado pelo professor, há fluxo e produção de sentido,
aprendizagem. Quando o aluno indaga e o professor não interage, interrompe-se o fluxo. O
suporte, neste caso, não está presente na escola. A televisão e seus formatos promotores das
interações vêm de outro lugar social, o espaço doméstico. Os alunos não materializam produtos.
Para dar conta de um tópico da disciplina, a professora de ciências resolveu que o tema
reciclagem seria tratado a partir de um vídeo, já gravado, do programa Globo Repórter. Então, a
professora mostrou a reportagem, com a participação da diretora na sala, que lembra muito bem
as cenas da reportagem sobre os anos que levam os materiais para serem reciclados pela natureza
como os “tocos de papeis de cigarros que levam mais de cinco anos para serem absorvidos pela
natureza”.
159
Após apresentada a reportagem do Globo Repórter, para “enxergarem com mais clareza
a realidade da reciclagem porque o vídeo vai usar de recursos que a sala de aula ou o livro não
alcançam”, a professora de ciências, a diretora e os alunos discutiram o assunto. Nas discussões, a
professora propôs e os alunos aceitaram realizar uma campanha de reciclagem na escola. Mais
que isso: o lixo coletado seria vendido e, com o dinheiro arrecadado, a direção escolar compraria
uma nova cerca de arame para a escola. Os alunos, sob a orientação da educadora e da diretora,
começaram a campanha de reciclagem. Depois da interação com o vídeo, a reportagem tematiza
as interações entre os alunos, eles se mobilizam pela campanha. Discutem o que seria mais fácil
coletar e onde coletar, se “seria preciso ir até a comunidade bater de porta em porta” ou só
trariam das próprias casas. E sobre a venda, eles já tinham quem comprasse no bairro. O mais
fácil para coletar e vender seria o papel, mas iam “lucrar muito pouco pra conseguir restaurar a
cerca ou comprar uma nova”.
O discurso midiático é apropriado pelos professores em uma enunciação pedagógica e
social. A reportagem tematizou as interações entre alunos, professora e diretora, mudando a
rotina da escola por meio das conversas, debates e mobilização para a realização da campanha de
reciclagem. Os alunos promoveram uma campanha de reciclagem do lixo da escola com os
discentes e com a comunidade.
O suporte está presente na escola. A materialização desta tecnologia em um produto é a
campanha de reciclagem do lixo, envolvendo os discentes e a comunidade. Os alunos até hoje
realizam, na escola, a campanha de reciclagem, o que já dura dois anos, passando de turma para
turma conforme a entrada na escola. A cerca ainda não foi trocada, mas os planos continuam.
160
4.5.3. Gomes Carneiro
A televisão é observada em sua estrutura física, na alocação do suporte no espaço da
escola e uso feito dela. Além disso, a presença da televisão está nas tematizações das conversas.
Como observado constantemente nas escolas, os alunos conversam sobre os temas e as
referências da televisão.
A sala da TV Futura não produz interações entre alunos e professores. Na escola, a
existência do suporte é desconhecida pelos alunos. Durante uma conversa entre dois alunos no
pátio da escola, um conta ao outro a grande descoberta que, por acaso, fez ao ver a sala de vídeo e
interrogar o professor. Não há apropriação pelos alunos nem pelos professores, pois não há
acesso sequer. Os alunos questionam sua falta de uso. “A escola tem TV Futura. Legal, né?!” E o
outro aluno reage positivamente à descoberta também. Durante as entrevistas, perguntava se eles
assistiam ao canal Futura ou à programação do canal na escola. Todos desconheciam a existência
do suporte no Gomes Carneiro, ficando contentes com a oportunidade de ter a TV Futura no
local.
Uma observação diferente se dá sobre os temas nas conversas, sendo eles relacionados à
televisão. Os produtos midiáticos – reportagens do Globo Repórter e do Jornal Nacional –
proporcionam as conversas e interações dos alunos. Nessas conversas de pátio, percebia-se a
presença da televisão pelos temas conversados entre os alunos. As reportagens proporcionam as
conversas e interações. Os alunos falavam sobre a bolsa-escola anunciada pelo Governo Federal,
no Jornal Nacional, queixando-se de que “este valor aí não vai dar pra ajudar muita coisa”.
161
Outra conversa tematizada pelo conteúdo da televisão, agora, é sobre uma reportagem
do Globo Repórter, vista por duas garotas sobre as moças de classe média que abandonam a vida
com a família para viver com os amores, traficantes de drogas nos morros. A conversa se
desenrolava sobre o assunto e elas se posicionavam no lugar das garotas que faziam isso. Uma
das alunas achava o máximo a vida de princesa dada pelo dinheiro do tráfico, a aventura de viver
um amor com um traficante, enquanto a outra parecia desesperada ao ouvir as declarações da
amiga. “Isso não é vida, viver entre a vida e a morte”, relatando as possibilidades de, a qualquer
momento, ser possível levar um tiro ou ser vítima de alguma vingança contra o parceiro.
Os alunos se apropriam do discurso. As alunas interagem por causa de uma apropriação
realizada do conteúdo televisivo no seu discurso midiático, em uma enunciação de conversa, de
socialização. Não há materializações das conversas em produtos ou novas mensagens. O suporte
aqui não está presente na escola. Ele está invisível, mas visível à medida que se materializa na
conversa das alunas. As interações não promovem nenhum tipo de materialização ou produto,
mas se percebe a produção de sentido a respeito do assunto.
Por fim, a escola ofereceu ainda outro dispositivo deste tipo de mídia. Etiquetamos como
apelidos e expressões. Da televisão também são tiradas referências e denominações para tratar os
colegas de sala. Os apelidos e as formas de se chamarem podem estar permeados pela linguagem
da televisão. Como exemplos, tratavam uma colega por “Dona Diva” e outras como “breteiras”,
respectivamente se referindo à colega fofoqueira como a personagem D. Diva e às colegas que
exibem seu corpo para paquerar os colegas, como as personagens chamadas de breteiras. Todas
as referências a personagens da novela América.
162
Os termos utilizados pelos alunos para se apelidarem são apropriações da televisão. Esta
apropriação do discurso midiático marca a presença dos processos midiáticos no espaço da
escola, por meio das interações entre os alunos. Materializações de novo vocabulário. O suporte
não está presente na sala de aula. Ele atravessa a escola de um outro lugar social, o doméstico. Os
alunos utilizam o suporte para produzirem sentido dentro de sala em formas de interação e
apropriação da linguagem e dos termos da televisão.
4.5.4. Paula Soares
Também na escola Paula Soares as referências da televisão são marcantes entre as
interações dos alunos, em seus temas e modelos de linguagem ou de conduta. A preferência é
pelas ficções, novelas, como o caso de Cobras e Lagartos, e a novelinha Malhação. Os alunos
falam sobre o capítulo a que assistiram e sobre o que acharam da atitude das personagens. “Todo
dia tem que falar de Cobras e Lagartos. É certo”. As conversas dos alunos estão ligadas a uma
forma de interação da mediatização, seja na linguagem seja nos temas, dos produtos dos meios de
comunicação.
O formato televisivo circula dentro da escola no comportamento e linguagem dos alunos
que deles se apropriam usando termos como “loira aguada”, “subalternos”. O suporte não está
presente na escola. Ele se materializa nas conversas e nas interações entre os alunos, porque eles
se apropriam da linguagem e dos temas em um enunciado de conversa e socialização.
Um único caso em que um tema televisivo não gerou apropriação pelos alunos foi o
assunto eleições. O professor, em um enunciado não pedagógico, mas de conversa com os alunos,
pergunta se eles viram o resultado das eleições no dia anterior no jornal. Os alunos não
163
interagiram. Não houve nenhum tipo de interação, comentário em sala, mesmo com o professor
falando a respeito. Eles não conversavam sobre o assunto e, quando questionamos em entrevista,
justificaram “que isso não interfere na vida deles”, no cotidiano. Ocorriam as campanhas, o dia
do resultado, e os alunos nada falavam a respeito. Não houve materializações ainda que o
professor tenha gerado este fluxo. Nenhum novo produto. O suporte não estava presente na
escola ou na sala de aula. Ele foi trazido pelo professor na conversa, sem apropriação pelos
alunos e, então, sem materialização na sala de aula.
4.5.5. Rio Branco
Na escola Rio Branco, a professora de geografia usou filmes para trabalhar com os
alunos o preconceito racial. Filmes como “Hotel Rwanda” (Figura 34) e “Vem dançar” (Figura
33) foram exibidos aos alunos, com a finalidade de eles obterem mais informações sobre o
preconceito sofrido por latinos e negros. Esta atividade integrou a Semana da Consciência Negra
comemorada pela escola. Sendo parte da atividade também o trabalho com o tipo de mídia rádio.
Figura 33 - Filme "Vem Dançar"
Pierre Dulaine (Antonio Banderas) é um dançarino de salão
profissional, que se torna voluntário para dar aulas de dança em uma
escola pública de Nova York. Pierre tenta apresentar seus métodos
clássicos, mas logo enfrenta resistência dos alunos, mais interessados
em hip hop. É quando deste confronto nasce um novo estilo de dança.
164
Figura 34 - Filme "Hotel Rwanda"
Ao assistirem aos filmes trazidos pela professora, a interação entre os alunos e professor
se concretizou em conversas e discussões sobre os formatos e o conteúdo (preconceito). Durante
as entrevistas, os alunos falavam das impressões sobre as discussões: “o racismo não é só na
África não, tem racismo aqui também”, “não devemos ser racistas”. Os alunos desta escola, em
sua maioria negros, dizem que ainda sofrem preconceito racial, pois logo os designam como
“malandros ou mesmo bandidos nas ruas”. Eles estão bem descontraídos e soltam as frases ao
longo da entrevista, em um tom que não carrega muita emoção dramática.
Há apropriação, por parte do professor, do discurso midiático para uma enunciação
pedagógica. A proposta da professora era “sentir a dor vivida por aqueles que eram vítimas do
preconceito” e discutir o assunto que era tema da escola naqueles dias, em decorrência da
Semana da Consciência Negra. Ao final, a educadora apresentaria uma atividade para
materializar a apropriação do discurso dos filmes. Eles participariam de uma radionovela
adaptada pela professora de uma ópera italiana.
Em Ruanda algumas das maiores atrocidades para com os seres
humanos aconteceram na década de 1990: em apenas três meses, um
milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas. Um homem, no
meio disso tudo, munido de coragem e amor à sua família, faz de tudo
para escapar vivo e salvar seus entes queridos.
165
A apropriação do filme para interação entre alunos e professor tinha como objetivo final
a produção de uma radionovela, uma materialização dos processos iniciados com a exibição dos
filmes no suporte. Os alunos produziram uma radionovela, junto com o professor, para
apresentarem durante a Semana da Consciência Negra.
Na mesma escola, a professora de artes percebeu que, a partir, deste tipo de mídia, os
alunos participam da aula mostrando conhecimentos apreendidos de matérias jornalísticas ou
mesmo da programação de humor, como o Casseta&Planeta. Ela exemplificou mostrando que, ao
estudarem sobre o quadro da Monalisa ou sobre o Grito, os alunos imediatamente tiveram algo
para contar sobre o pintor ou a obra. Como, por exemplo, falaram sobre o quadro que havia sido
roubado ou que Monalisa seria um homem e não uma mulher. Informações essas escutadas nos
noticiários e reproduzidas pelos alunos. Além disso, a professora, falando sobre a disciplina que
ministra, pensa que seria impossível se dedicar às artes sem as imagens, sem o visual, o que vem
ao encontro do discurso da televisão. Por isso, ela sempre que pode utiliza o suporte para exibir
filmes, por exemplo, sobre algum tema da disciplina.
Os alunos interagem entre eles e com os professores. Os primeiros se apropriam dos
assuntos vistos como as notícias sobre Artes, e dialogam com a professora que se apropria
também do tema para o próprio diálogo da aula. Os alunos se apropriam da linguagem da
televisão e dos discursos midiáticos. No dia em que iniciamos a observação na escola, os alunos
estavam agitados, comentando sobre o caso divulgado no Pânico na Tevê de um garoto que teria
engolido uma bala de menta e, em seguida, tomado Coca-Cola Light. A pressão foi tanta que a
bala explodiu dentro do estômago. Essa notícia fora vista no Pânico na Tevê e virou o comentário
do horário do intervalo.
166
Os alunos, quando interrogados sobre a televisão, adoram os programas de humor, os
seriados, as novelas, o Casseta e Planeta, a Marinete. “Ah a Marinete, é tão bom o programa,
sempre falamos na Marinete quando passa”. Eles também têm certeza “de que a linguagem do
programa é repetida e até os termos de comerciais viram palavras do vocabulário”.
Nas interações, os alunos conversam bastante sobre os dólares encontrados, cada vez
mais, em maior quantidade, em malas, em contas, em cuecas, etc. A palavra “dólares” é tomada
pelos alunos como termo identificador de ladrão, corrupção. Se, algum dia, ter falado em dólares
pudesse significar riqueza, ou Estados Unidos, hoje, para esses alunos, falar em dólares é o
mesmo que falar em corrupção. Nas piadas entre os amigos, se alguém acha que um deles está
roubando o jogo ou algo do tipo, é só falar que “é o cara com os dólares”. O suporte não está
presente na sala de aula, mas atravessa a escola de outro lugar, o doméstico. A materialização do
suporte pode ser percebida na mudança, no vocabulário dos alunos, um novo significado para o
termo “dólares”.
4.5.6. Almirante Bacelar
O aluno só faz substituir o nome do candidato pelo nome do time de futebol no ritmo do
jingle da campanha política. “É o inter de novo com a força do povo”. Os alunos adaptam a
música para um jingle divertido sobre um dos times de futebol da cidade. É a interação entre os
alunos tematizada pelos processos televisivos. Os alunos se apropriam do discurso midiático, em
um enunciado de brincadeira. Eles adaptam a música para um jingle divertido sobre um dos times
de futebol da cidade. A produção que se pode dizer haver, neste caso, é a materialização de um
novo jingle, no formato curto e de rima dos comerciais. O suporte não está presente
167
materialmente, mas não deixa de ser representado em sua técnica, em sua interação com o aluno,
ainda que de outro lugar, como sendo o lar do estudante.
Os alunos fazem piadas com base no Casseta&Planeta. As brincadeiras são feitas com os
nomes das novelas, modificados e com humor. Os alunos, utilizando os nomes dados pelo
programa para se referirem às novelas, fazem todos rirem. Outra apropriação de um programa da
televisão se deu na ocasião de um filme exibido pela Rede Globo, “Cazuza”. O filme despertou,
nos alunos, dúvidas e houve uma conversa cheia de comentários sobre a vida do próprio cantor,
“que levava uma vida louca, fazendo da própria vida um roteiro de cinema”. Os alunos tentavam
discutir e decidir se a vida que Cazuza levava seria uma vida como eles poderiam levar, até que
um disse que “não, não é uma vida com aids que quero”, não seria uma vida assim tão apreciada,
mas não que não se deva apreciar o que fez o poeta, mas que a vida que ele levava, depois da
conversa, ficou definida para os dois, que não seria uma vida que eles gostariam de ter. Outro
exemplo de conversa entre os alunos tematizada por este tipo de mídia foi a notícia da modelo
que morreu de anorexia. Como no caso anterior, dos garotos se refletindo na vida de Cazuza, as
alunas, ao debaterem a tragédia, também relatavam o assunto se colocando no lugar da modelo
“que teve um fim triste, ficar sem comer e só emagrecendo até adoecer”, o que nenhuma queria.
Os alunos se apropriam do discurso midiático em um enunciado de descontração e
piada. Além disso, a apropriação do filme em um enunciado de discussão leva-os a pensarem sua
vida na droga e no sexo, assim como os hábitos alimentares por conta da morte por anorexia da
modelo.
168
A televisão não está presente na escola nem na sala de aula, mas atravessa o espaço por
meio das conversas produzidas pelos alunos. Há transformações percebidas em opiniões
expressas, durante a troca de idéias, ou ainda há produção de um sentido quando um aluno troca
de idéia ao se dar conta no diálogo sobre a vida do Cazuza que nem tudo são flores e a vida não
deve ser tão louca assim.
Também nesta escola ocorre o dispositivo etiquetado como apelidos e expressões. Os
alunos na escola Almirante Bacelar também se tratam por apelidos que encontram no tipo de
mídia televisão. Existe o Huck por causa da semelhança do nariz com o do apresentador Luciano
Huck. Assim como o Galvão Bueno, porque tem a voz semelhante à do comentarista. Por último,
o garoto que atende pelo apelido de Calypso, porque tem o cabelo como o do guitarrista do grupo
Calypso, descolorido na parte da frete e com gel para elevar o topete claro. Através dos apelidos,
eles interagem.
Os estudantes se apropriam dos discursos midiáticos em suas interações, utilizando-se de
nomes da televisão para identificar os colegas. Não há novas produções ou materializações com
os apelidos. O suporte do qual eles se apropriam não está manifestado na escola, mas é
representado aí pela forma de tratamento que os alunos mantêm em sua interação.
Existe uma interação com a professora de ciências por meio de conversas com um
resumo de notícias de ciências e tecnologia. Na escola Almirante Bacelar, a professora da
disciplina observou que os alunos tinham gosto por programas pouco informativos. E preocupada
com o que os alunos assistiam na televisão, como Ratinho ou Leão Lobo, a professora de ciências
169
passou a desenvolver uma tarefa da disciplina que envolveria os alunos com programas mais
informativos.
Os estudantes devem assistir aos telejornais para trazerem notícias sobre as novidades da
ciência e da tecnologia, assim acompanhando, na opinião da professora, programas que serão
mais enriquecedores para as experiências deles assim como para seus aprendizados. Todo final de
mês, os alunos devem apresentar um resumo dessas notícias vistas nos jornais. Para os alunos,
“chato mesmo é ter de escrever, ter de fazer o resumo, mas até que ver o jornal é bom”.
Os alunos interagem com a professora por meio de conversas com um resumo de
notícias de ciências. Eles trazem o noticiário para ela e, às vezes, os alunos participam lendo as
notícias para os colegas. Esta interação está permeada do discurso midiático, apropriado pelos
alunos em seus resumos, com uma enunciação pedagógica, de aprendizado e educacional para
uma melhor seleção do que vêem na televisão. Os alunos fazem as apropriações do discurso
midiático segundo orientação da professora.
A professora se apropria do discurso midiático, a fim de promover uma atividade
pedagógica e gera, no espaço da escola, um fluxo de circulação dos produtos e de aprendizagens.
Os alunos aprendem com as notícias e com o resumo produzido por eles. “Eu fiquei sabendo dos
robôs que podem fazer quase tudo como os seres humanos e um pouco mais da galáxia no
Fantástico, quando passou ‘poeira nas estrelas’”. O suporte não está presente na escola. Há, no
entanto, uma materialização do produto que é o resumo desses alunos (Figura 35 a 39).
170
Figura 35 - Resumos dos alunos sobre as notícias
171
Figura 36 - Resumos dos alunos sobre as notícias
Figura 37 - Resumos dos alunos sobre as notícias
172
Figura 38 - Resumos dos alunos sobre as notícias
Figura 39 - Resumos dos alunos sobre as notícias
173
A professora de religião compartilha da preocupação da professora de ciências sobre a
exposição dos alunos aos programas de televisão. Neste caso, a preocupação é como chegam os
conteúdos midiáticos aos alunos, principalmente novelas e assuntos ligados à juventude, como
drogas, sexo, emprego, etc. Percebendo o interesse dos alunos mais voltado para as novelas, a
professora utiliza este material para interagir com eles.
Foi trazida para a sala de aula uma discussão sobre o capítulo da novela “Páginas da
Vida”, em que a personagem Gisele, uma adolescente de 15 anos, decidiu estar na hora de ter sua
primeira relação sexual com o namorado, o personagem Luciano. Diante da tomada de decisão, a
jovem decide enfrentar a mãe e se mostrar certa do ato. A mãe, diante do pronunciamento da
filha, cede. E os personagens, dois jovens de 15 e 16 anos, têm sua primeira noite de amor.
A professora então fala do capítulo, descreve o que viu e começa o diálogo com as
alunas que tomam posições bem contrárias como “a virgindade para não ser tão cedo entregue a
alguém”. Com relação a esta declaração da aluna, a professora posteriormente nos explica que a
aluna vem de uma família muito evangélica, que reprime relações sexuais com tão pouca idade e
mesmo antes do casamento. Em meio ao debate com a professora, há a afirmação “eu perdi
minha virgindade com o pai do meu filho”, fala da aluna que, com apenas 16 anos, está grávida,
esperando pelo primeiro filho e vai casar com o namorado, também adolescente. Ambos vão
viver na casa dos pais do garoto.
E outras experiências vão sendo trazidas. Para a professora, “eles aproveitam pra falar
dos seus problemas, do que pensam, do que tem dúvidas”. Eles utilizam as personagens e as
situações em que se encontram pra desabafar as próprias dores vividas, quando na mesma
174
situação. Segundo a professora, “o dia em que o jogador de futebol Edmundo bateu com o carro e
matou pessoas marcou os alunos porque eles acham que ele não foi preso e condenado porque é
rico, e se fosse um pobre. Eles se percebendo na história”.
A professora se apropria de um discurso midiático com o propósito educacional. Ela
tematiza em sala de aula os conteúdos da telenovela e debate sobre cidadania, deveres, direitos e
família. O suporte está no espaço doméstico, distante fisicamente da sala de aula. Presente, no
entanto, nas interações e na tematização. O fluxo não produz novas materializações, mas as
alunas saem dali se perguntando sobre como elas se apropriam do midiático. “Novela é tudo uma
mentira, mas tem coisa que é verdade, é só ver na sala. E eu acho, sim, que tem influência da
televisão nisso” (referência sobre a colega grávida que perdeu a virgindade muito cedo).
A escola Almirante Bacelar também integra o projeto de governo “Escola Aberta”. Por
isso, há na escola um voluntário, monitor de capoeira. O instrutor percebe a formação de opinião
que os programas televisivos exercem sobre os alunos e, como a idéia de capoeira foi passada
pela novelinha Malhação, formou-se um conceito entre os alunos da capoeira como uma luta
agressiva e uma forma de vencer o adversário, de brigar e machucar. “Graças a atitudes que a
personagem da novelinha, Maumau, tinha perante seus outros colegas da turma de capoeira,
dando mortais e sendo agressivo”, assumindo uma capoeira que em nada se assemelha à capoeira
praticada na vida real.
Com as imagens e mensagens assim transmitidas, os alunos da turma de capoeira
chegaram ao professor com todo o conceito formado, apreendido, aprendido, mas “de forma
deturpada sobre o que realmente é a capoeira”, segundo o monitor. Eles interagiram sobre o
175
assunto, e sobre a interação que os alunos estavam tendo com a televisão. Eles acreditam na
televisão mais do que em qualquer outro meio de comunicação.
O monitor de capoeira do projeto Escola Aberta busca reparar o discurso midiático sobre
capoeira, transmitido pelo programa Malhação, e apropriado pelos alunos segundo o discurso
midiático para a capoeira, como agressividade e luta. “A capoeira não é agressiva, é uma dança,
uma brincadeira, uma descontração”.
O suporte não está presente e nenhum produto é materializado. Existe, entretanto, uma
produção de significado do apreendido pela televisão que é ressignificado ao receberem, os
alunos, esclarecimentos do monitor de capoeira.
176
5. R
ELAÇÕES
5.1. Tipos de Mídias
Para melhor analisar a mídia, utilizamos o conceito de dispositivos, compreendido a
partir das articulações das interações, linguagem e suporte. Notamos, ao longo das descrições,
que todo e qualquer dispositivo configurado, de todos os tipos de mídia, produz conversa como
ponto de partida de algum efeito, por assim dizer, visível no espaço da escola. Isso ainda não
define o processo. Não será o fato de conversar que os diferenciará. Na própria dimensão sócio-
antropológica, no entanto, surgem, ao longo das análises, indicadores diferenciados, ainda que
não previstos quando da construção teórica prévia. Não é só o processo interacional que está em
jogo na dimensão sócio-antropológica, mas há ainda as condições sócio-demográficas das escolas
e dos alunos, assim como a importância dos papéis e projetos da instituição ou projetos dos
professores da instituição, no caso abrangendo o conceito anterior de papéis.
Entre todos os tipos de mídia, para a existência de uma circulação ampliada – e
entendemos isso como uma circulação que se torna, além de visível, produtora de sentidos de
conhecimento a partir do reconhecimento –, percebe-se a precisão da dimensão sócio-
antropológica como reguladora dessa ampliação. Não quer dizer que o dispositivo existe somente
por meio dela, mas os alargamentos que toma dentro do espaço da escola vão estar relacionados a
esta dimensão e seus indicadores.
Nos casos contrários ao que determinamos para entendimento das relações como
circulação ampliada, estão os tipos de não-importismo, nos quais a significação resulta do não-
reconhecimento, em que não existe uma produção de conhecimento arraigada às modalidades de
177
sentido que observamos na investigação ao longo de vários fluxos de dispositivos configurados.
Onde há o não-importismo, o dispositivo não tem força simbólica, e não se configura de forma
ampla na circulação dentro da escola. Tudo que manifesta um importismo, como a crença
sugerida, reflexiva ou fabulação, não morre ali e alarga-se, conforme os indicadores ampliam-se
de formas diferenciadas.
A conversação mostrou-se o lugar de realização do processo midiático. Se essa conversa
é produtiva, ela faz com que o tipo de mídia ganhe vida na instituição escolar. Reguladora é a
dimensão sócio-antropológica em seus processos interacionais, a partir da conversação e de
outros indicadores que se relacionam, como os papéis, os projetos e as condições sócio-
demográficas.
A realização do tipo de mídia passa pela conversação. É nesse lugar de conversação que
se reproduz o processo midiático, e também onde ocorrem as apropriações discursivas, lugar em
que passam processualidades, apropriações outras tecnológicas que não aquelas do ponto de
partida da realização da mídia, como os casos em que as escolas produzem seus jornaizinhos,
radionovela etc.
Não há tipo de mídia que não passe por esse ciclo, que vai da tecnologia, presente ou
ausente na escola, até as conversações. A tecnologia é o ponto de partida, um suporte,
evidentemente, no qual se organizam linguagens, permitindo a interação com a mídia. Mas o
lugar de realização na escola, a viabilidade, é evidenciado na pesquisa como a conversação. Se
pára na conversação, finda. Não há evidências nas nossas investigações – o que não anula outras
pesquisas que possam mostrar isso – de dispositivos se configurando fora da conversação.
178
Portanto, a tecnologia é o ponto de partida, mas só se efetiva na conversação. Produzir interações
é o locus onde percebemos as apropriações discursivas de algo que está lá na casa dos estudantes,
no suporte tecnológico como a televisão, podendo produzir algo novo na escola.
Tudo passa por uma interação com as tecnologias e/ou por uma interação entre sujeitos.
São dois espaços, nos quais estão as apropriações discursivas e nesses lugares vão se construindo
as crenças e modalidades comportamentais, consciência crítica e conhecimento de mundo. Todas
as nossas análises demonstram que o processo de circulação da mídia, no espaço escolar, realiza-
se ou é regulado pelas conversações.
Os tipos de mídia não se realizariam apenas por positividades, mas também por
negatividade, em determinado universo. A conversação é expressão por aquilo que importa e
aquilo que não importa em determinado jogo de relações com determinados objetos,
determinados temas e agendas. Então, o fato de que eles não se importam com o tema é tão
importante quanto eles se importarem na compreensão da produção do sentido. Ausência também
é produção de sentido. Em todos os tipos de mídias observou-se pelo menos um caso – só na
televisão foram observados dois casos – em que o aluno não se importava com a produção de
sentido. Isso é diferente da perspectiva do conhecimento pedagógico, mas um conhecimento
social; expressa uma produção de sentido pela ausência, como um aluno despolitizado que não se
importa com a política, ou um professor que resiste à cultura midiática ao não utilizar a
tecnologia, por exemplo.
Enquanto conhecimento da escola, o não-importismo está bem enquadrado como falta
do esforço em significação por algum objeto. Ao ser indiferente e não reconhecer o signo de
179
distinção pela ausência (consciente ou inconsciente) percebe-se a possível cisão entre o
conhecimento acadêmico – enquanto imposição pela informação – e o conhecimento social
onde a informação pode ser descartada. Mas, a discussão da investigação é a observação da
importância da conversação e o valor da interação quando estacionada, ou seja, sem a produção
de novos atos de linguagem em relação a determinados objetos midiáticos.
5.1.1. Televisão
Os dispositivos configurados em torno deste tipo de mídia são diversos. Na escola
Brigadeiro Fontenelle, os alunos têm comportamentos como os personagens da “Malhação”,
como no caso da personagem Drica, que corta panos para colocar nas roupas, ou dos cortes de
cabelo como do Cabeção. Outras referências da televisão ocorrem nessa escola, como
personagens de programas de humor: a exemplo da “Escolinha do Professor Raimundo”, ou do
seriado “Família Dinossauro”. No Paula Soares, o dispositivo também se realiza pelas conversas
sobre as novelas e programas, como “Cobras & Lagartos” e “Malhação”. Assim como o
noticiário também foi referência na escola, trazido pelo professor falando sobre as eleições, ainda
que os alunos não conversem com ele a respeito (não-reconhecimento caracterizado como
despolitização).
Na terceira escola, Vasco da Gama, o dispositivo se configura nas conversas entre o
aluno e o professor, quando o primeiro pergunta ou brinca sobre, respectivamente, a queda do
avião e a CPI. Outro dispositivo que também se configura nesta escola é a campanha de
reciclagem, que ganha circulação ampliada com a conversação. Na escola Gomes Carneiro, a
televisão tematiza as conversas, seja pelas notícias sobre o programa Bolsa-Escola ou a vida na
favela, seja pelas expressões ou apelidos que os alunos usam de personagens das novelas para se
180
socializarem. Na mesma escola, encontra-se o suporte tecnológico, a TV Futura, ainda que não
utilizada pelos professores da turma pesquisada.
O Instituto Rio Branco apresenta a televisão em duas diferentes entradas de apropriação.
Primeiro, como suporte, exibindo filmes e, segundo lugar, como conversacional, sobre o
programa “Pânico na Tevê” e os dólares do mensalão. Por fim, na última escola, Almirante
Bacelar, a televisão surge em diversas apropriações: em conversas sobre as notícias de ciência e
tecnologia, sobre o capítulo da novela em que a personagem de 15 anos perde a virgindade, sobre
o comportamento do personagem de “Malhação” a respeito da luta de capoeira; em discussões
sobre a morte da modelo Ana Carolina, por anorexia; sobre o filme “Cazuza” e a vida do poeta;
em apelidos que são referências da TV, como Galvão Bueno e Luciano Huck, ou um jingle da
campanha política com o nome de um time de futebol, veiculado no horário eleitoral gratuito.
A televisão, num primeiro nível, não produz distinção. Está em todos os lugares e, em
todos os casos, é mobilizada por uma conversação. A diferenciação imediata possível de se fazer
é a presença ou a ausência do suporte dentro da escola. Na maioria dos casos, o suporte vem de
outro lugar: da casa dos alunos. Dentro de sala, ou no espaço da escola, o suporte só é observado
quando da exibição dos filmes na atividade sobre a Semana da Consciência Negra, no Rio
Branco, e no caso da campanha de reciclagem, no Vasco da Gama. Dentre os casos observados,
os dois se distinguem dos demais, pois o suporte está presente na escola. A presença, nos dois
casos, pode ser observada pelo indicador de papéis e da instituição, pois são os professores e a
instituição que se mobilizam para a interação do aluno com o suporte, seja com os filmes ou um
vídeo sobre reciclagem do “Globo Repórter”; e a instituição, com os projetos de coleta de lixo e
de comemorações pela agenda da Semana da Consciência Negra.
181
Mais uma possível observação nos dois casos, que são indiferenciados quanto aos papéis
e instituições, rapidamente destacados, é a produção de sentido nas três modalidades: consciência
crítica, conhecimento de mundo e conduta. O terceiro caso é sobre o capítulo da novela trazido
pela professora para o espaço da discussão na sala de aula. Apesar de o suporte estar em outro
lugar, ela reconstitui toda a cena, com o discurso da própria mídia, relembrando as imagens e
falas. Os três casos são os únicos em que as três modalidades são envolvidas e se realizam não só
pela presença do suporte. Identificamos nesses casos a importância do papel do professor
disposto à interação sobre o tipo de mídia, como ferramenta pedagógica e como dispositivo de
conhecimento. O professor mobiliza o suporte ou a cena do suporte para a sala de aula.
Não há uma forte diferenciação sócio-demográfica no que se refere à conversação
quando observamos todas as escolas em relação ao tipo de mídia televisiva. No entanto, ao
pensarmos os três casos mais especificamente diferenciados entre si, a discussão sobre o
preconceito parece manter não só uma forte relação com a agenda, mas também com as
condições sócio-demográficas, já que estamos falando sobre a escola onde mais se observou a
presença, na turma, de alunos negros. Caso estivéssemos em uma escola de brancos, a força do
tema e da agenda poderia ser menor pelas condições sócio-demográficas, que, então, constituem
mais um indicador da circulação ampliada por meio da primeira dimensão do dispositivo. Não
adianta ter uma maioria de negros, uma agenda sobre a etnia, se não houver o papel de quem
mobilize o suporte e as apropriações, como visto o que foi feito pela professora de geografia, na
ocasião das comemorações da Semana de Consciência Negra, pela escola.
A campanha de reciclagem, mobilizada pela professora de ciências e pela instituição,
(leia-se direção escolar) , tem características relacionadas à agenda, mas não à midiática, e sim da
182
professora e do conteúdo disciplinar, do currículo da matéria. Aqui, características sócio-
demográficas outras não seriam o diferencial, mas a disposição do professor em seu papel, o tema
e a agenda da disciplina.
O caso do capítulo da novela trazido pela professora de religião, que está nesse grupo
dos três casos que mobilizam as três dimensões de sentido, vem acompanhando o papel (a
professora toma a decisão de discutir com os alunos a perda da virgindade da adolescente), o
tema (que foi posto em sociedade quando a novela resolve abordá-lo) assim como as condições
sócio-demográficas. Na turma específica da observação, também de adolescentes com uma média
de 15 anos, existe uma adolescente grávida. E como, entre a comunidade do bairro, a professora
observou que não era um caso à parte ou exclusivo, mas sim recorrente, a educadora tomou a
decisão de discutir o tema com os alunos. Então, diferenciando-se entre as escolas, o tema, a
agenda e as condições sócio-demográficas das escolas estiveram produzindo sentido nas três
modalidades observadas pela pesquisa. Sendo somente três entre as seis escolas.
A crença sugerida não diferencia, pois está em todas as escolas, seja a sugestão “trazida”
da interação em casa ou a sugestão do professor, fazendo os alunos interagirem na escola, ou
mesmo em casa, como no caso do noticiário de ciências. Entretanto, a crença reflexiva é
distintiva e não aparece em duas escolas, no Brigadeiro Fontenelle e na escola Paula Soares. Na
primeira instituição, podemos observar que, para este tipo de dispositivo, não houve professor
disposto em algum caso de interface. Sem o uso do vídeo ou de um projeto da escola, os alunos
não tinham interação com o suporte, nem aparece o papel do professor ou da instituição enquanto
iniciadores do processo, nem foram eles agendados pela mídia. Assim, em nenhum caso houve
reflexão sobre o conteúdo discursivo, ou apropriação tecnológica.
183
A segunda escola, Paula Soares, tem tido um diferencial constante, no decorrer dos
capitais econômicos culturais. No entanto, do ponto de vista da televisão, ela produz a distinção
pela indiferença, ao mesmo tempo em que, junto com a Brigadeiro Fontenelle, não há uma
construção de crença reflexiva. É idêntica também à Brigadeiro, sobre o protagonismo, a agenda,
o tema. As duas, portanto, são semelhantes na configuração de dispositivos desse tipo de mídia.
O diferencial entre os dispositivos configurados é observável na escola Almirante
Bacelar, a mais distinta no tipo de mídia televisão. Os projetos na Almirante Bacelar, Rio Branco
e Vasco da Gama as diferenciam nas modalidades de sentido. Em todas, a força do projeto
produz distinção, mesmo que não seja o único indicador e nem venha sozinho, mas sim
articulado. Nesses três casos, portanto, já se identifica uma diferenciação, para além dos projetos
aos papéis. Há dispositivos em que o professor foi o responsável pelo início da circulação, pelas
atividades dos projetos da instituição. Nessa esfera, podemos assim buscar compreender a
produção das modalidades de sentido, tais como consciência crítica, conduta e conhecimento de
mundo, em casos diferenciados pelos projetos na instituição e pela disposição desse professor.
A diferenciação, do ponto de vista do tipo de conhecimento de mundo que se produz,
surge tanto nas circulações estimuladas pelos professores como pelos alunos. Mas, nas
conversações dos estudantes, o que se pode observar é a junção do conhecimento de mundo com
o comportamento, ou mesmo só comportamento, enquanto o educador gera sentido crítico e
conhecimento de mundo e, às vezes, engloba os três sentidos. O que se pode diferenciar é a maior
força de reflexão crítica quando da participação e envolvimento do professor, e maior força de
conduta ou comportamento quando do aluno. Porém, vale ressaltar que eles não se anulam no
outro, ou seja, o aluno não deixa de mobilizar por ele mesmo a reflexão crítica nem o professor
184
de mobilizar o comportamento – como no caso de o professor mobilizar comportamento na
campanha de reciclagem e o aluno refletir criticamente sobre o conteúdo do filme “Cazuza”, ou
sobre os dólares do mensalão.
As referências para o comportamento são os personagens das novelas, em suas
expressões ou nomes, para se apelidar ou brincar com as expressões, assim como os programas
humorísticos, principalmente “Casseta & Planeta”, do qual eles subtraem as piadas para
conversar sobre elas ou recontá-la, e rirem juntos, como acontece nas escolas Gomes Carneiro,
Almirante Bacelar e Paula Soares. A moda é mais uma referência, como no caso da Brigadeiro
Fontenelle, das roupas da personagem da “Malhação” ao corte de cabelo de outro personagem. A
referência vem sempre de um suporte que vai do espaço doméstico ao espaço da escola. Na
escola, eles interagem, apropriando-se do discurso das personagens.
No caso do Paula Soares, o comportamento surgido é diferenciado daquele da internet
ou do rádio. Eles não mantêm uma relação de consumo, mas sim uma conduta de socialização, de
agrupamentos entre os alunos pelas referências de apelidos e expressões da televisão. Em todos
os casos, tem mais a ver com o gênero humorístico de personagens de novelas (D. Diva, as
breteiras), ou personalidades da televisão (Luciano Huck, Galvão Bueno, Banda Calypso). Ou
ainda, um comportamento, quando vinculado a uma atividade que também produz conhecimento
de mundo e consciência crítica, vindo de várias fontes (noticiário e outros), o que vai produzir no
aluno uma transformação de conduta do seu dia-a-dia ou uma reflexão sobre tal conduta. O aluno
participa da mobilização pela compra da nova cerca assim como passa a se preocupar com a
comunidade à medida que busca matérias para o jornal interno da escola sobre a região vizinha
da escola, agindo para incentivar a população ao envolvimento na reforma de praças do bairro,
185
bem como à preservação delas, e, por fim, o comportamento refletido sobre a própria
sexualidade. A professora observa que os alunos permanecem sensibilizados pela conversa e nota
nos rostos deles a reflexão sobre o assunto.
Até aqui falamos dos casos em que há produção das três modalidades de sentido e das
modalidades mais específicas de cada sujeito da escola, assim como da força do sócio-
antropológico em indicadores como os papéis, os projetos e as condições sociais de existência.
Agora, vale ressaltar os casos em que não há conversação sobre o tipo de mídia, ainda que
partindo do professor – antes mostrado que o professor fomentava a crença reflexiva e as três
modalidades. Não é gerada a interação entre aluno e professor, não se configura um dispositivo
produtor de sentido em nenhuma das modalidades da nossa investigação. É o caso das eleições. O
que se mostra diferenciado entre os casos da televisão não só é o fato do não-importismo do
aluno, mas também a apropriação do discurso e do suporte não é realizada em um enunciado
pedagógico, e sim de socialização com o aluno sobre o resultado das eleições. Então, o tema ou o
enunciado pode ser um indicador para pensarmos o não-importismo nesse caso. Nos temas
anteriores tratados pelos professores (reciclagem, sexualidade, ciência e tecnologia), os alunos
podem reconhecer no seu cotidiano os elementos necessários para surgir o interesse sobre os
temas da conversação; no entanto, quando se trata de eleições, segundo os próprios alunos, isso
não lhes interessa porque não os afeta. Então, na concepção deles, está fora da realidade deles
tratar de política porque não os atinge. Vale ressaltar que não estamos aqui discutindo a questão
cultural na qual determinaríamos por meio desse não-importismo com as eleições a
despolitização, as novas configurações políticas da juventude, mas sim que, no parecer do aluno,
o tema não é parte do cotidiano dele, e por isso, parece não ser apropriado em suas conversações.
186
O outro caso de não-importismo não está intrinsecamente ligado ao aluno. Ele não se
importa, mas sob o condicionamento do professor. Na realidade, os alunos nem sabem da
existência da tecnologia na escola da TV Futura. Inclusive, quando eles descobrem, ficam
animados com a notícia e com as possibilidades do uso do suporte. Há diferenciações na
configuração do dispositivo no que diz respeito ao tema, à agenda, aos papéis e aos projetos.
O tema provoca interesse, mas não existe uma agenda nem midiática nem do professor
que promova esta interação. O papel assumido pelo docente para o uso da tevê – como ocorreu
nos casos de exibição de filmes, reciclagem ou capítulo de novela – indica a ampliação dessa
circulação do processo midiático, assim como o projeto da instituição assumido com o educador.
O suporte ganha interação na própria escola e apropriações discursivas, que pelas conversações,
ampliam a circulação e geram produções de sentido como consciência crítica, conhecimento de
mundo e conduta.
5.1.2. Rádio
Observando o rádio nas seis escolas, é possível perceber que ele aparece somente em
três delas: na Brigadeiro Fontenelle, Rio Branco e Paula Soares. Na primeira, aparece em um
formato conversacional, sendo representado o suporte tecnológico pelos integrantes da Rádio
Cidadania, a rádio comunitária do bairro. Na segunda, o que surge deste tipo de mídia é a técnica
construindo a radionovela. E na última, é a tecnologia no espaço da escola que se faz presente
pelo sistema interno de rádio.
Nessas instituições, Brigadeiro Fontenelle e Paula Soares, não há circulação ampliada.
Existe aí o não-importismo nos dois fluxos. O sistema interno de rádio divulga informações e
187
avisos da escola, não levando os alunos às produções de sentido. A informação, enquanto aviso,
não mobiliza crenças nem articula linguagem ou apropriações por parte dos alunos e professores
discursivamente. E no caso da escola Brigadeiro Fontenelle, os representantes da rádio
comunitária não conseguem mobilizar os alunos nem professores para a conversação proposta.
As interações, nos dois casos, não avançam e a circulação não se amplia.
As condições sócio-demográficas dessas escolas são diferenciadas. Os alunos da Paula
Soares, por exemplo, uma escola no centro da cidade, podem ser observados com os seus rádios
mp3 modernos e celulares digitais com câmera; o que, no caso da escola de Belém, não ocorre;
por serem os alunos de um bairro de periferia que não dispõem de modernos aparelhos
tecnológicos, nem mesmo a escola. Assim como na terceira escola, as condições são as de
moradores das vilas de Porto Alegre, regiões distantes do centro e com presença da etnia negra na
escola como não vista em outras.
Apesar das condições diferenciadas, o rádio surge nos três lugares diferentes. No
entanto, em sua presença tecnológica, somente na escola Paula Soares. Na Brigadeiro, em
formato conversacional e, na Rio Branco, surge o rádio em sua técnica. As condições sócio-
demográficas não diferenciaram a aparição do rádio nas escolas. Se pensarmos, todavia, nos
projetos que possam ser elaborados pelos professores ou instituição, existe o diferencial na Rio
Branco. A técnica que é mobilizada para a radionovela parte do projeto da professora de
geografia, que atua também a partir de um tema.
Nos dois casos (Brigadeiro e Paula), identificamos o não-importismo, sendo
diferenciações, para o caso do Rio Branco, o projeto e o tema. Existem, porém, antes da
188
diferenciação entre os três, uma distinção entre os dois primeiros, pois, na Brigadeiro, a rádio
entra por uma dimensão conversacional, enquanto no segundo a dimensão é tecnológica.
Se voltarmos a observar os três casos, veremos que a tecnologia não necessariamente é a
força da circulação; onde ela está (Paula Soares), não há esforço na produção de significação nem
circulação ampliada pela não-abrangência interacional entre os interlocutores, assim como onde
ela não está representada (Brigadeiro) também não há interação. E, em técnica, por conta do
papel do professor por meio do projeto e tema (Rio Branco), existe então uma condição
diferenciada de todos os outros dois casos de não-importismo em relação ao rádio, havendo a
produção das três modalidades de sentido observadas em nossa investigação: consciência crítica,
conhecimento de mundo e comportamento quanto ao preconceito racial.
As condições sócio-demográficas também parecem gerar o diferencial quando da
apropriação, pois, além do tema e do projeto, o fato de a maioria dos alunos, na turma, serem
negros, pode estimular o professor, o tema, a agenda a se realizarem em uma circulação
ampliada, a partir da dimensão sócio-antropológica, fundamental.
E no caso do Brigadeiro Fontenelle? As condições sócio-demográficas de uma escola de
periferia e a precariedade no sistema de ensino não mobilizariam a professora e os alunos ao
apelo dos representantes da rádio comunitária pela passeata por um melhor sistema de ensino?
Além das condições sócio-demográficas, não era observado nenhum tema ou agenda, assim como
não havia o professor em seu papel de iniciador ou estimulador de uma circulação ampliada.
Neste lugar do sócio-antropológico, do papel, assim como no lugar da discursividade, enquanto
tema e agenda, as articulações não efetivaram uma circulação ampliada. Como não passou da
189
dimensão da conversação, o dispositivo morreu ali. Há, portanto, um elemento especificamente
comunicacional que define o fluxo.
Existe uma entrada tecnológica se pensamos na presença do suporte tecnológico (Paula
Soares) ou da técnica (Rio Branco), contra uma única aparição do rádio com uma entrada
conversacional (Brigadeiro). Além disso, a presença tecnológica, no Paula Soares, dos mp3
reflete mais um pouco a observação do tipo de dispositivo rádio ligado à presença da tecnologia
ou técnica. Essa relevância nas análises configura mais um indicador cultural e, assim, um dado
sócio-demográfico do que um dispositivo configurado, haja vista que outras dimensões não
puderam ser apreciadas pelas técnicas de pesquisa, como as discursividades ou interações
provocadas por esta tecnologia. Ou seja, não se observaram alunos falando da música que ouviam
ou as conversas no celular.
Chegamos à conclusão de que o que mobiliza o efeito rádio é muito decorrente da
dimensão técnica e tecnológica. No entanto, a presença tecnológica não demonstra um diferencial
na midiatização do espaço. Não é a técnica do rádio que explica a apropriação, embora sem ela
não seria possível produzir uma radionovela. O que explica, talvez muito mais intensamente, são
os elementos sócio-demográficos, tema, etnia, agenda e projeto da instituição, todos eles
regulados pelas conversações como lugar de agenciamento da midiatização.
5.1.3. Mural
O mural tem mínimos indicadores de diferenciação, enquanto dispositivo em potencial
configuração nas escolas. Em todas as observações do mural, nas instituições, a conclusão é a
mesma: os alunos não o observam e ele não desperta a atenção nem interação com os alunos.
190
Os indicadores (sócio-antropológico, semio-linguístico, técnico e tecnológico) não
seriam diferenciais entre as escolas ou entre os murais. Contudo, poderíamos pensar em
indicadores diferenciais dos outros tipos de mídias. Enquanto o mural é aquele mais presente em
suporte, ele é o mais ausente de interação e, por isso, em nenhum caso este tipo de mídia se
configura como um dispositivo articulando as três dimensões que podem corresponder aos
processos de interação, linguagem e tecnologia.
O mural não gera apropriações discursivas nas interações. Indicadores específicos
tratados nos tipos de mídia como o papel do professor e do aluno, o tema, a agenda, podem
revelar algumas análises sobre este tipo de mídia. Se o mural, por exemplo, tivesse como
proposta incitar o papel do aluno enquanto construtor de uma crença; por exemplo, fabulação,
criando no mural personagens, falas, histórias próprias, ou ainda, no papel do professor, que ele
instigasse o aluno de alguma forma criativa à leitura do mural, fosse pelo tema de interesse do
aluno e mais que isso, por uma agenda midiática ou em uma discursividade da mídia. Se,
ilustramos, o mural fosse configurado como um jornal impresso, com coluna, espaço de
entrevista, de informações e avisos, uma matéria principal, fotos, cartas dos alunos, seria mais
interessante ao corpo discente a interação com este tipo de mídia.
5.1.4. Internet
Em quatro escolas, foi possível observar este tipo de mídia. No Paula Soares, com a sala
de computadores e o caso do Orkut construído pelos alunos da escola. O terceiro caso é o da sala
de informática do Rio Branco, que não foi utilizada pelos professores nem alunos no período da
pesquisa e, por fim, na escola Gomes Carneiro, onde ocorreu o mesmo que na escola Rio Branco,
o não uso das salas.
191
A internet, nos casos em que surge nas outras três escolas, é percebida em seu âmbito
tecnológico, assim como em menor apropriação conversacional. A presença tecnológica é
indistinta, pois as três escolas – Rio Branco, Gomes Carneiro e Paula Soares – têm computadores.
No entanto, a distinção se dá porque na Paula Soares, além da presença tecnológica, há uma
entrada interacional deste tipo de mídia, sendo as conversações dos alunos sobre os personagens
dos jogos eletrônicos, o Orkut, os fotologs. No caso do Paula Soares, os alunos conversam sobre
a internet.
Nas outras duas escolas, existe a tecnologia, mas não existe uma entrada conversacional
nem mesmo uma interação com o suporte que configura uma circulação ampliada, como no caso
do Orkut com os alunos do Paula. Não existe o projeto do professor nem o esforço da produção
de conhecimento, nestes casos. Os alunos não podem acessar as salas sem a permissão ou
autorização do professor, e este, por sua vez, não tem disposição na implantação de um projeto ou
atividade que envolva este tipo de mídia com a turma observada. O não-importismo desses alunos
está condicionado ao papel do professor, assim como à inexistência de um projeto para a turma
estar em interação com o tipo de mídia. O conhecimento, assim, não tem uma produção
significativa, na medida em que o aluno não tem o acesso. Não se mostra em desinteresse ou
descaso, mesmo porque os alunos indicaram, nas entrevistas, serem muito atraídos pela internet.
Isso revelaria que a instituição e o professor, em seus papéis, são fundamentais, para além da
disponibilidade física da tecnologia no espaço.
Então, as diferenciações podem ser também percebidas pelas condições sócio-
demográficas, na medida em que percebemos, no Paula Soares, conversações que não existem
nas outras escolas, assim como, nesta escola, entre os alunos, observa-se uma presença, no seu
192
cotidiano, muito maior da internet, nas próprias casas. Mesmo nas conversas, podemos perceber
que eles têm em casa seus computadores, assim como têm na escola os celulares com as câmeras
que usam para fazer as fotos, que logo estarão no Orkut ou nos bate-papos da internet. Essas
distinções sócio-demográficas estão em relação com uma entrada conversacional no espaço deste
tipo de mídia, assim como o projeto.
Então, enquanto nas escolas Gomes Carneiro e Rio Branco há uma produção de não-
importismo nas crenças no que se refere a esse tipo de mídia, no Paula Soares existe produção de
crença de fábulas, de imaginação e criatividade permitida pela apropriação tecnológica nas suas
casas. O sentido que os alunos criam é o relacionado ao comportamento: eles se socializam e se
agrupam para esta conversa entre os colegas, afinando-se pelo assunto.
Os estudantes da escola Paula Soares produzem os produtos na internet (o perfil da
escola), uma tecnologia que os diferencia de outras escolas. E essa distinção pode se dar em
decorrência de a própria instituição estar integrada com as novas tecnologias. O perfil no Orkut é
construído pelos alunos em casa, mas quem sabe porque é uma comunidade que demanda e
produz novas tecnologias. Se o aluno não está inserido em casa em uma dimensão deste
dispositivo, inclusive como o suporte, e a instituição não oferta também, pode não ser gerado
nada. Mas, com a importância dos papéis, onde a escola tem o suporte, embora ainda que não
esteja liberado para o aluno, este assume o papel de consumidor desta tecnologia em outro lugar,
e produtor em casa; configurando-se o dispositivo que se atualiza na escola pelas interações, e
mesmo no espaço virtual. Esta é a importância dos papéis. O aluno possui à disposição, mas para
isso ele precisa da tecnologia, mesmo que em casa, como o diferencial de todas as outras escolas.
193
A esfera da produção de sentido no caso do Paula Soares, especificamente, quando
analisados e relacionados, os dispositivos configurados do tipo de mídia internet mostram-se no
âmbito do comportamento e da conduta. Há um elemento sociodemográfico, como de uma
sociedade de mercado que aplica sempre uma apropriação de discurso na esfera do
comportamento.
5.1.5. Impresso
O impresso é o segundo meio mais presente nas escolas. O seu suporte varia nos
formatos, como revistas, quadrinhos, jornal etc. Na escola Brigadeiro Fontenelle, a professora
traz para a sala de aula um projeto com os diversos formatos, produzindo charges, reproduzindo o
jornal ou ainda a produção do Museu do Inconsciente, como já visto em detalhes nas descrições.
Na escola Gomes Carneiro, é o Jornal do Gomes que é observado articulando as várias
dimensões do dispositivo e configurando-se no espaço, trazido em um projeto da instituição. Na
escola Paula Soares, são os alunos que trazem as revistas, os quadrinhos e o livro extra-classe
para a sala de aula. Entretanto, quando a escola dispõe os jornais diários na biblioteca, os alunos
não os procuram ainda que lá eles estão. Por fim, no Almirante Bacelar, é a professora, mas sem
uma concepção de projeto, e sim para dar acesso à notícia, que traz para a sala de aula o formato
do jornal impresso. Entre as escolas, o Rio Branco foi o único que não mostrou a presença do
impresso.
Considerando o acesso ao suporte, as condições sócio-demográficas não parecem
estabelecer o diferencial entre as escolas. O jornal é quase impossível de se distinguir enquanto
meio presente ou ausente, pois ele sempre é trazido enquanto tecnologia ou técnica.
194
Diferentemente da TV, que é “trazida” mais pela conversação. O diferencial, então, recai sobre a
disposição que assume a professora da escola Almirante Bacelar em levar o impresso para a sala
de aula justificando o acesso, por exemplo, ou da professora da Brigadeiro Fontenelle,
argumentando sobre o lúdico e o conhecimento extensivo que a mídia pode trazer para a sala de
aula, justificativa para sua mobilização.
A escola Paula Soares, em seu diferencial quanto ao aluno consumidor do mp3 e
produtor da página do orkut, também se mostra aqui como a única escola onde os alunos mostram
a possibilidade de consumo de materiais do impresso, como o livro Guiness Book ou revistas
diversas não trazidas pelo professor. O comportamento e o consumo assumido na conduta
demonstram as diferenças que pode também trazer a sociedade de consumo entre os dominantes e
dominados no acesso. E aí sim, assumimos um indicador sócio-demográfico como distinção para
a configuração do dispositivo. Entretanto, as condições sócio-demográficas não são as únicas
indicadoras possíveis, pois o limite social ao acesso é superado com a disposição que assume o
papel do professor, como no caso da escola Brigadeiro Fontenelle, quando a professora leva
revista, jornal e quadrinhos para as atividades.
O impresso é um tipo que expressa fortemente a construção da categoria de crença
sugerida, que vem como sugestão do professor, na maioria dos casos (jornais em sala, jornal do
Gomes, varal de notícias, produções de charges). Escapando da sugestão, o impresso vem como
não-importismo (jornais na biblioteca) ou fabulação (revistas extraclasse). As professoras,
quando se mobilizam para a atividade com o impresso, promovem no aluno a crença sugerida,
que produz um conhecimento de mundo sobre alguém como Nise da Silveira, em matéria
publicada pela Revista “IstoÉ”, ou sobre a leitura, educação etc. E quando não há este papel do
195
professor como um estímulo ou mesmo como uma atividade disciplinar, pode ser percebido o
não-importismo pelo meio, como no caso dos jornais na biblioteca do Paula Soares. Os papéis
têm a importância do acesso e da apropriação. Hipoteticamente, se um professor assumisse uma
atividade ou a instituição um projeto para os jornais na biblioteca, os alunos seriam sugeridos e,
com isso, entraria em processo a circulação tomando maiores dimensões.
Além do papel do professor, o projeto da própria instituição, como o Jornal do Gomes,
produz um diferencial da escola entre as outras. A instituição se sobressai por implicar uma
produção de sentido que poderia ser um “ideal”, consciência crítica, conhecimento de mundo e
comportamento. Os alunos discutem as pautas e as notícias, importam-se em incluir a
comunidade e vizinhança da escola, assumindo posturas de mobilização social pelo bairro
(reforma da praça), assim como do sistema educacional e o governo - lap tops - e aprendem sobre
leitura, projetos, oficinas etc. Além do papel assumido pelo próprio aluno e pela voluntária ao
trazer os jornais, os recortes para a discussão, o projeto da instituição incorpora a proposta e
participa dela.
O projeto se mostra um indicador, junto com o papel do professor, em ampliar a
circulação midiática a partir do dispositivo que se configura, gerando as diversas modalidades da
nossa investigação. Os dispositivos do tipo de mídia impresso configuram-se nos diversos
formatos por meio da interação, com exceção dos jornais na biblioteca. Neste último caso, sem
ampliação da circulação, e podemos também notar sem o projeto ou ação de um professor em seu
papel de educador e a autoridade pedagógica na escola.
196
5.2. Crenças
A problemática de crença, sobre a construção dela, parece uma porta de trânsito de uma
passagem do pedagógico escolar para uma problemática da vida social. Se o aluno assiste a
filmes, em casa ou na escola, e repensa seus valores e o modo de ver o mundo, existe aí uma
inscrição entre o dispositivo e a crença, na produção de significados que pode provocar
mudanças, superficiais ou profundas.
O fato é que, ao discutir na escola sobre o abandono das famílias para viver na favela
com traficantes, sobre o filme “Cazuza”, sobre o filme “Hotel Ruanda” ou sobre a reportagem de
reciclagem, o aluno remexe em seus valores e percepções de mundo, e em meio às interações, ele
repensa no tráfico (viver entre a vida e a morte), nas drogas (viver sem pensar na morte, loucura
demais), no preconceito (que é vivido por eles mesmos), na reciclagem (que pode inclusive
ajudar a escola) etc. São valores sociais em jogo, que se envolvem nas produções das crenças e,
por conseqüência, na configuração do dispositivo, durante as interações e apropriações nas
escolas.
5.2.1. Não-importismo
Em todas as mídias ocorrem casos de não-importismo. Em cada tipo, existe um caso –
com exceção da televisão em que existem dois casos; mas também a televisão é um tipo de mídia
que mostrou o maior número de fluxos circulantes.
Em todos os casos de não-importismo, a produção de sentido por parte do aluno é a da
indiferença, pois ele não está se importando com objeto, interação ou discurso. Na medida em
que as dimensões desses dispositivos não se relacionam, ou não são acionadas de forma
197
relacional, é possível que esteja se gerando uma significação de desinteresse pelo objeto, mas não
gera um esforço em significação para o conhecimento crítico. Esses casos aparecem na Rádio
Cidadania, TV Futura, jornais na biblioteca, eleições, rádio interna e salas de internet. O não-
importismo passa por todos os meios de comunicação estudados em seus mais diversos
dispositivos.
O não-importismo e, conseqüentemente, a indiferença enquanto relação com o
conhecimento de realidade, não é sempre ação ou falta de ação do próprio aluno. Em casos como
as eleições, a Rádio Comunitária e os jornais na biblioteca, os alunos conheciam os suportes e sua
disponibilidade, mas não se importavam com eles por próprio interesse. No entanto, os demais
casos de não-importismo como a TV Futura, a rádio interna e a sala de computador, eram
condicionados pelo professor. Mesmo que o aluno conhecesse o suporte, como no caso das salas
de computadores, a interação e a apropriação eram condicionadas à autoridade do representante
da instituição, professor ou diretor, pois só com eles os alunos teriam acesso às salas. E, nos casos
da TV Futura e da rádio interna, os alunos nem sequer conheciam-nas, quando questionados
sobre a disposição do suporte na escola. Também nesses casos, caso conhecessem, estavam
condicionados ao uso somente pelo professor ou pela coordenação pedagógica.
Com isso, à ausência de projetos ou indicador de papéis, agenda ou tema, mostram-se
lacunas nesta categoria, percebendo que as condições sócio-demográficas ou de presença e
ausência de suporte não serão justificativas para a não-circulação, na medida em que todos os
suportes estão presentes nas escolas e independem do local da escola, da condição de classe do
aluno.
198
O não-importismo é diferente do ponto de vista do Piaget. Essa ausência, para o autor do
qual utilizamos o critério de crença e essa categoria, mostra um problema de conhecimento sobre
um objeto. Mas, no ponto de vista da cultura, o sujeito não se importar, por exemplo, com a
tecnologia, caracteriza um sujeito que não tem propensões, habitus, consumista sobre as
tecnologias. Essa é a questão central de um trânsito da perspectiva pedagógica (capital cultural
estrito senso) para a perspectiva da cultura lato senso. Mas essa é reflexão de chegada sem a
proposição de se esgotar nesta pesquisa ainda que nos pareça um ponto muito interessante de
reflexão.
5.2.2. Fabulação
Os casos de fabulação, na maior parte das vezes, não estão construídos sozinhos, mas
sim acompanhados da crença sugerida ou da crença reflexiva. Na instituição Brigadeiro
Fontenelle, com as revistas em sala de aula e as charges de jornal; na escola Paula Soares, com o
Orkut, as revistas extraclasse e jogos da internet; no Instituto Rio Branco, com a radionovela, a
criação e “encarnação” de personagens para dar realidade à história narrada; na escola Almirante
Bacelar, com o capítulo da novela, apelidos, jingle da campanha, conversas sobre filmes como
“Cazuza”; e, por fim, no Gomes Carneiro, por exemplo, com apelidos de personagens de novela e
imaginação sobre a vida na favela.
A fabulação só não está presente no mural, mas está em todas as outras mídias. Se
observarmos os casos em que ocorrem a criação e a imaginação, veremos que estão
predominantemente em apropriações discursivas não pedagógicas, sendo os casos de exceção, a
radionovela (Rio Branco), a discussão do capítulo da novela (Almirante Bacelar), ou das
atividades de charges (Escola Brigadeiro Fontenelle). As atividades de imaginação e criatividade
199
outras, não pedagógicas, são as conversas sobre o filme (Rio Branco), notícias (Gomes Carneiro),
novelas, Orkut, jogos de internet, leitura de revistas extraclasse (Paula Soares), jingle, apelidos
(Almirante Bacelar), expressões e referências (Brigadeiro Fontenelle). No primeiro caso, da
fabulação por meio de apropriações pedagógicas, o professor é quem inicia a interação, sendo
que, nos casos em que os alunos propiciam o processo, a intenção é sempre de socialização ou
divertimento.
Quando os alunos fazem essa fabulação, a criação e imaginação estão sempre voltadas
para o cotidiano: os personagens das charges trazem as informações do dia-a-dia dos educandos,
ou personagens através dos quais eles se valem para falar sobre sexualidade, retratando as
histórias de vida deles mesmos. O sentido mais observado entre os casos de fabulação, não único,
é o do comportamento. Assim como esta modalidade de sentido é mais observada entre os alunos,
enquanto sujeitos principais do processo, também a fabulação pode ser observada como mais
apropriada pelos estudantes, como é possível perceber se retomarmos a idéia de que os
enunciados são não pedagógicos, ou seja, predominantemente no papel do adolescente.
Quanto à produção de sentido no comportamento dos alunos, eles, em meio às
referências das personagens, em linguagem ou expressões, ou na criação de personagens em
jogos da internet, como acontece nas escolas Paula Soares e Brigadeiro Fontenelle, por exemplo,
buscam uma socialização na brincadeira, quando se apelidam ou contam piadas que escutam das
personagens ou nos programas, como no caso do programa de campanha política, com um jingle
para o time de futebol. Eles trocam idéias e conversas sobre os assuntos do Orkut, das revistinhas
que estão levando para a sala de aula. É possível até observar um comportamento de
agrupamentos por conta do tipo de mídia ou tema, como já explicado anteriormente.
200
O suporte dos casos de fabulação vem de lugares diferentes do espaço da escola, sendo
único o caso das charges trazidas pela professora da escola Brigadeiro Fontenelle. Todas as
instituições mostram casos relacionados à fabulação, sendo que, como apropriação do professor,
somente na Almirante Bacelar e na Brigadeiro Fontenelle. Não por condições (projeto) das
instituições, mas disposições das professoras.
Quando os alunos são convidados pelos professores a essa fabulação na atividade, eles,
além de fabularem, tomam conhecimento de mundo conforme a atividade e, inclusive,
desenvolvem consciência crítica. No caso das charges, os alunos conhecem sobre os quadrinhos,
levados pela professora de português da escola Brigadeiro, que são distribuídos pelas livrarias e
editoras, assim como conhecem sobre sexualidade conversando com a professora de religião do
Bacelar. A consciência crítica também se agrega a essa categoria da fabulação quando apropriada
pelo professor, pois os debates geram consciência sobre virgindade, sexualidade, cotidiano e
convivência familiar, na medida em que os alunos estão produzindo sobre isso. Em ambos os
casos, além de fabular, eles estão também exercendo uma reflexão sobre a tarefa e uma
consciência da situação cotidiana, ou melhor, do assunto intrínseco na vida deles: virgindade e
cotidiano em família e comunidade.
Em casos como as discussões sobre sexualidade, os alunos, além de conversar refletindo
sobre o assunto, também podem levar para a conduta do dia-a-dia as reflexões do debate. Em se
tratando de um assunto que envolve comportamento - ser virgem ou não ser; manter relações
íntimas, usar camisinha etc. -, ele vai envolver, além do conhecimento de mundo, a crítica e o
comportamento.
201
O mesmo como acontece com as conversas entre os alunos sobre as notícias de favela ou
sobre o filme “Cazuza”. Eles contam histórias, imaginam-se no papel da personagem, do poeta ou
da moça que foge para a favela. Eles, ao interagir, estão também refletindo e com isso criando
uma crítica a respeito do assunto, interpretando-o, interpelando-o e, ao mesmo tempo, trocando
interpretações e interpelações. O assunto tratado refere-se ao comportamento também de estar em
família ou sair de casa, de viver riscos e usar drogas. Por isso, a fabulação, nestes casos, também
envolve as três modalidades de sentido.
A fabulação, da mesma forma, surge na modalidade de consciência crítica. Quando o
aluno é convidado a discutir na sala de aula sobre o capítulo da novela, ele também se coloca na
pele da personagem em um caso de imaginação. Nos casos de charges e jornalzinho da turma, em
que a atividade vai despertar valores de consciência crítica sobre a vida em comunidade, a vida
na escola ou a vida doméstica, a fabulação ocupa a reflexão do aluno absorvido pelo imaginário
do adolescente, que inventa histórias, uma atividade lúdica que permite a criatividade em
excesso.
5.2.3. Crença sugerida
As crenças sugeridas surgem em casos de dispositivos, como conversas sobre novelas,
“Malhação”, como nas escolas Paula Soares, Brigadeiro Fontenelle, Almirante Bacelar; ou como
notícias e campanha de reciclagem, no Vasco da Gama; em filmes nas salas ou a radionovela no
Rio Branco; ou como charges e jornais na sala no Brigadeiro; como o varal de notícias no Paula;
como o noticiário de ciências e a discussão do capítulo da novela no Bacelar; e, por fim, como o
Jornal do Gomes, no Gomes Carneiro.
202
Estão tais escolas envolvidas em sugerir ao aluno uma produção de conhecimento de
mundo, ou consciência crítica ou comportamento pela sugestão. No entanto, não são todas as
formas de mídias agregadas a crenças sugeridas nas escolas pelos professores ou instituição.
Ficam de fora o mural e a internet. Contraditoriamente, o primeiro está presente em todas as
escolas, mas sem uma crença de sugestão assumida pelo professor ou pela instituição para a
interação entre os alunos e o meio. A internet não podia ser observada em todas as escolas, por
não possuírem o suporte tecnológico, explicando-se com isso a menor possibilidade de então
todas as escolas sugerirem a partir deste tipo de mídia. No entanto, as três escolas que a possuem
(Rio Branco, Paula Soares e Gomes Carneiro) não sugerem.
Pois bem, todas as escolas possuem murais e três delas computadores, mas nem por isso
sugerem o uso ou atividades a seus alunos. Não podemos, então, justificar uma ausência como
decorrente da dimensão tecnologia ou técnica. Resta-nos pensar nas lacunas de apropriações
discursivas ou indicadores sócio-antropológicos. Neste último caso, já incorremos nas condições
sócio-demográficas quando explicamos o fato de o Vasco da Gama ou o Almirante Bacelar não
sugerirem as mídias, pois esses educandários não possuem os computadores e tampouco seu
corpo discente. Portanto, trata-se de outras questões. Inferimos que se trata da falta de projetos da
instituição e o papel do professor junto à apropriação discursiva. E, como foi escutado durante as
entrevistas, os próprios professores desconhecem sobre a internet e, quanto aos murais,
desatualizam um discurso midiático para a publicização, não utilizando assim as possíveis
estratégias de imagem ou disposição gráfica das mídias assim como as interações, já faladas no
tópico mural.
203
Quanto ao meio, ele também pode ser um gerador de crença, quando da interação com o
aluno mesmo fora do espaço da escola. O tipo de mídia que tem essa força, identificamos
principalmente na televisão, fonte de informação, dúvida e piada para os alunos, atualizando-se
discursivamente em sala de aula. Isso foi observado, por exemplo, nas escolas Gomes Carneiro
(apelidos e expressões sugerem nominações usadas entre os alunos; conversas sobre Globo
“Repórter” sugerem discussão sobre favela, tráfico); na escola Almirante Bacelar (filme
“Cazuza” e a discussão da Aids); no Vasco da Gama (CPI e queda do avião, respectivamente,
sugerem piada sobre o Lula e a dúvida sobre água apagar fogo); no Rio Branco (notícia dos
dólares sugere o uso e a reflexão sobre a ressignificação do termo); Brigadeiro Fontenelle
(“Malhação” sugere o comportamento); e na escola Paula Soares (“Cobras & Lagartos” sugere
expressões para socializar e rir).
A crença é sugerida pela TV em todas as escolas, em diversos gêneros: humorístico,
noticiário, filmes ou teledramaturgia, como as novelas. Encontramos, porém, o diferencial entre
os papéis dos sujeitos das escolas: o aluno é quem, na maior parte das vezes, se deixa sugerir pelo
meio. Ainda assim, podemos encontrar casos em que os professores são sugestionados a esta
interação, como o Noticiário de Ciências, o capítulo da novela sobre virgindade, a campanha da
reciclagem. Os enunciados do papel do professor tomam sempre o pedagógico como essência,
enquanto o do aluno permanece no lúdico. Assim, achamos uma distinção. E mais uma vez, a
televisão se mostra, de início, indistinta. Ela está tão presente no suporte e nas conversações que
as lógicas da circulação deste tipo de mídia são um pouco mais imprecisas, de imediato.
A modalidade que mais está presente na crença sugerida é a de conhecimento de mundo:
aprendizados sobre capoeira (“Malhação”), lixo reciclado (campanha de reciclagem), Bolsa-
204
Escola, favela (noticiário), preconceito na África (filme), novidades em ciência e tecnologia
(noticiário de ciências), notícias da cidade (Diário Gaúcho), sexualidade (capítulo da novela),
Nise da Silveira (Museu do Inconsciente), Çairé (produção dos cadernos de jornal), leitura,
sistema educacional (Jornal do Gomes), retrospectiva de notícias (varal de notícias).
Em todas as crenças sugeridas que estão na modalidade de conhecimento de mundo, o
suporte vem de fora ou de dentro da escola, sendo que a maioria está trazida pelo professor e
dentro da escola. As articulações das crenças no dispositivo principiam da interação, quando,
com o suporte em casa, na escola com o próprio professor. Os temas são diversificados, ligados
ou não ao cotidiano do aluno; são conhecimentos diversos que têm ligação ou não com o
currículo da escola.
A interação acontece entre professor e aluno, aluno e aluno e, em todos os casos, existe
apropriação do professor, com exceção da conversa entre os adolescentes sobre bolsa-escola e
favela. No entanto, o docente também não estava presente nem foi convidado a interagir.
Reforça-se assim a participação do docente nas interações que, apropriadas por ambos
interlocutores da escola, geram crenças e modalidades de sentido, que constroem a realidade do
aluno e conhecimento.
O conhecimento de mundo nem sempre vem sozinho. Ele traz em seu bojo a
possibilidade de consciência crítica, como acontece nos casos da campanha de reciclagem,
noticiário da bolsa-escola, favela, filmes sobre preconceito, noticiário de ciências, capítulo da
novela, produção do Museu do Inconsciente, produção de jornal em sala, Jornal do Gomes, varal
de notícias.
205
A crença sugerida também gera um sentido de conduta ou comportamento. O modo dos
alunos se socializarem e comportarem-se com os colegas, ou na comunidade, sofre
transformações na medida em que há uma crença concernida no dispositivo, como nas conversas
em que criam personagens dos jogos eletrônicos, movimentando os alunos a uma formação de
grupos que se afinem por aquele tipo de mídia, os grupinhos do RPG on line, as meninas do
Orkut, o grupo das revistinhas, das novelas etc. O modo de se vestir ou de se comportar pode
partir de um dispositivo da crença sugerida, como as referências das personagens de novelas, em
linguagem ou expressões.
Quando o tema é relevante ao cotidiano do aluno, como o lixo, o preconceito, a
comunidade e escola ou a sexualidade, a crença sugerida comunga com as reflexivas e gera um
sentido nas três modalidades – no comportamento, na consciência crítica e no conhecimento de
mundo.
Ainda na crença sugerida, gerando todas as modalidades, o suporte não está sempre
dentro da escola. Em todos os casos, ele é trazido pelo professor, mas, por exemplo, no capítulo
da novela, ele não é trazido materialmente, e sim em representatividade pela professora, que
relembra a cena em detalhes.
A sugestão parte do professor ou, no caso do Jornal do Gomes, da comunidade, os
professores e monitora da oficina interagem e apropriam-se do conteúdo da mídia, de seu
discurso ou enunciado, sendo sempre apropriados também pelos alunos, que participam das
tarefas e das apropriações de forma muito ativa e reflexiva.
206
5.2.4. Crenças reflexivas
As crenças reflexivas surgem na escola Paula Soares, como o varal de notícias; no
Gomes Carneiro, como o Jornal do Gomes; no Brigadeiro Fontenelle, como a produção de
charges, o noticiário de ciências e a discussão do capítulo da novela (Gisele); na escola Almirante
Bacelar, como notícias sobre a morte de anorexia da modelo Ana Carolina, o filme “Cazuza”; no
Vasco da Gama, como a campanha de reciclagem, assim como as notícias sobre o avião e a CPI;
no Rio Branco, como a ressignificação do termo dólar, a radionovela e a discussão dos filmes
sobre preconceito.
Todas as escolas apresentam o processo que categorizamos como crença reflexiva.
Assim, a manifestação do reflexivo é indistinta por questões de classe, condições sócio-
demográficas, capitais culturais ou etnia. O que parece de diferencial são os tipos de mídias,
sendo concentrados na televisão. O que produz essa distinção do conhecimento reflexivo, em
princípio, pode ser o tipo de mídia. A televisão sendo a mídia mais envolvida reforça a fuga de
determinar condições de classe, pois está em todas as escolas, assim como em todas as casas do
aluno. Estando nos dois lugares, a ausência do suporte tecnológico não existe, pois o aluno
sempre terá o acesso. A lacuna também não é da tecnologia. As apropriações são diversas:
enunciados pedagógicos, lúdico, de piada, de socialização. E mesmo os sujeitos: são professores,
alunos que iniciam e/ou participam do processo. A reflexão surge de projetos das escolas como
da interação com o suporte em casa, e em diversos gêneros, mas principalmente o jornalístico.
Será esse o nosso diferencial para a reflexão? Existem os casos que fogem do
jornalístico, como os filmes e as charges. No entanto, estes que fogem têm o professor à frente,
mantendo o enunciado pedagógico, com exceção do caso do filme “Cazuza” e da notícia sobre o
207
avião. Enfim, os indicadores também se esgotam e as diversidades da crença reflexiva tornam-se
de difícil captura; a não ser o observado que entre as crenças, existe uma forte ligação da crença
reflexiva com a televisão. Por meio das produções de sentido vamos buscar capturar as
diferenciações desta crença.
Mesmo quanto ao agrupamento que definimos de conhecimento, as crenças reflexivas
não parecem ser muito distintas. Elas envolvem todas as três modalidades da nossa pesquisa.
Mesmo porque as modalidades não aparecem, necessariamente, separadas. Por exemplo, a
tomada de uma consciência crítica a respeito do preconceito racial promove uma nova tomada de
conduta. Assim como um conhecimento de mundo sobre o lixo reciclável pode dar conseqüência
a uma consciência crítica sobre a coleta do lixo no bairro.
Entre as crenças reflexivas, a distinção de que entre todas as modalidades geradas, foi
observada, principalmente, a consciência crítica que surge mais nos casos de crenças reflexivas.
Assim, podemos perceber especificidades dos agrupamentos por modalidade.
Um único caso em que uma crença reflexiva não gerou consciência crítica ou
transformações na conduta do aluno foi quando o estudante trouxe a notícias sobre a queda do
avião em chamas na água. A dúvida gerou a interação com o colega e com a professora, diante da
negativa desta, já que, segundo ela, o tema não seria próprio para a aula de Português e o aluno
deveria permanecer em silêncio. O garoto se vira para o colega e permanece a interação sobre o
tema. Com a não apropriação da professora, assim como a não interação dela, ocorre uma falta de
esforço na significação. No entanto, o interesse do aluno pela crença sugerida, o faz refletir com o
208
colega, ainda que não tire conclusões, consciência crítica ou conduta do assunto, mas somente o
conhecimento de mundo trocado.
Se a professora interagisse com o processo de articulação da crença sugerida pelo
suporte, na apropriação do aluno pela imagem e interação sobre a reflexão da água não apagar o
fogo, o aluno poderia dali ter uma consciência do acontecimento. A interação com o suporte
vindo de outro lugar, e ela não se apropriando discursivamente do objeto em jogo, mantém a
dúvida do discente. Para se transportar do conhecimento de mundo à consciência crítica não basta
a reflexão, mas também a apropriação e interação em um tema de interesse dos interlocutores.
Na abrangência das três modalidades, consciência crítica, conhecimento de mundo e
conduta, os dispositivos em relação com a crença reflexiva, em sua maioria, vêm acompanhados
da crença sugerida, ou pela televisão (no caso das notícias) ou pelo professor (no caso das
tarefas). A interação com o professor ou com um tipo de mídia é ponto de partida para a crença
sugerida que, em sua apropriação discursiva, torna-se reflexiva, na medida em que professor e
aluno, aluno e aluno interagem sobre a notícia ou sobre a tarefa. O aluno reflete junto com o
professor (produção de charges, filme “Hotel Rwanda”, noticiário de ciências, CPI) ou com o
colega (favela, Bolsa-Escola, filme “Cazuza”, modelo Ana Carolina) ou ainda diante do suporte
ao mesmo tempo que interage com um estudante ou educador (varal de notícias, noticiário de
ciências, produção de charges). Nos casos das crenças reflexivas, não há um padrão do lugar do
suporte. Ele vem de fora da escola ou no próprio espaço, trazido pelo professor enquanto
materialidades e pelo aluno enquanto representação dos programas assistidos na televisão.
209
As construções de sentido que categorizamos como reflexivas requerem uma passagem
pela interação, após uma sugestão do professor ou da mídia, dentro ou fora do espaço da escola.
Nos casos em que a sugestão, que tem concernido um sentido de conhecimento de mundo
compatível com a perspectiva da agenda, é apropriada pelo professor (varal de notícias, produção
de charges, noticiário de ciências, CPI), o sentido de consciência crítica surge na maior parte dos
casos etiquetados de dispositivo. Acontece, em menor proporção, o caso em que é somente
apropriada pelo aluno (Bolsa-Escola). Os temas tomados pelos alunos, de sugestão transformados
em consciência crítica, passam a assuntos não incluídos no currículo da escola, vindos da
experiência midiática, pois são notícias e filmes. No caso dos professores, os temas percorrem o
currículo escolar e as atualidades do mundo e da comunidade pelos tipos de mídia.
Em todas as seis escolas existe a crença reflexiva. A escola em exceção foi o Rio
Branco, que se diferencia porque lá existe uma crença sugerida e reflexiva que modaliza em
conhecimento de mundo, consciência crítica e conduta. O diferencial está no tema, assim como
ocorre com a discussão do capítulo da novela, sobre sexualidade. No primeiro caso, o tema era
preconceito e no segundo, a virgindade. Os temas fazem parte da realidade dos alunos, do
cotidiano. Então, além da sugestão e da reflexão, há uma alteração na conduta. As meninas
repensam sobre a virgindade e sua sexualidade assim como os alunos negros do Rio Branco sobre
o comportamento daqueles que não são negros.
Também geram modalidades de comportamentos as notícias da morte da modelo Ana
Carolina, o filme “Cazuza”, e a notícia sobre a vida na favela. Os alunos são sugeridos pela
televisão e refletem entre eles sobre os assuntos. Os sentidos se transformam do que eles
entendem sobre a magreza (anorexia), a vida aventureira (Aids) e a vida de princesa que
210
prometem os traficantes (trafico e morte). No comportamento, há uma alteração à medida que os
alunos repensam nesses temas que refletem no comportamento do cotidiano, a alimentação, as
responsabilidades da vida e o meio em que vivem.
Assim como as responsabilidades com a comunidade e com a escola, a partir das quais
os alunos do Jornal do Gomes passam a refletir sobre as pautas do jornal, perguntando nas ruas
do bairro e buscando com ações, por meio do jornal, melhorar a região da escola, seja por
mobilização ou por informação. A sugestão vem da própria comunidade, pois é uma voluntária
vizinha da escola que trabalha o jornal com os alunos. E o sentido de conhecimento de mundo, da
comunidade e da escola, de consciência crítica pela melhoria e conservação pelo ambiente
comunitário e educacional que os cerca, assim como um comportamento cidadão, fazem parte da
crença reflexiva nas três modalidades, neste caso de dispositivo da mídia.
Um novo sentido de comportamento, de conhecimento de mundo, é também adquirido
com o termo dólares. Os alunos refletem sobre os noticiários da CPI e do mensalão. Eles passam
a se comportar diante do colega com um novo significado para o termo, que foi refletido a partir
do sugerido pela mídia. A campanha de reciclagem é outra etiqueta de dispositivo da crença
reflexiva, na qual identificamos consciência crítica, conduta e conhecimento de mundo. Os
alunos conhecem sobre lixo reciclável e reciclado, adquirem com o vídeo informações sugeridas
pelo “Globo Repórter” e pelo professor, debatem e interagem, refletindo sobre o assunto. Ao
final, iniciam a campanha de coleta que muda a rotina da escola, das suas próprias casas e da
comunidade, saem pedindo lixo reciclável para vender e comprar a cerca da escola.
211
No caso da crença reflexiva construindo as três modalidades, a interação com o suporte
também vem de fora da escola, assim como se encontram no espaço da instituição quando
apropriados pelo professor. A interação é parte inicial de todos os casos de dispositivos. A
interação com o suporte ou com o professor gera a apropriação do suporte ou da discursividade
midiática, que entra em debate e gera as reflexões. E pelo tema, o comportamento dos alunos
também é alterado ou transformado.
5.3. Dispositivos, reprodução e distinção
O professor, enquanto autoridade pedagógica, permite a configuração do dispositivo
quando ele é o sujeito que toma a iniciativa da apropriação, pois em um único caso houve recusa
do aluno, e vale lembrar que não foi em uma apropriação pedagógica. Não significa afirmar, de
forma inegável ou sem brechas, que haja uma autoridade de imposição e violência simbólica,
como proposição feita por Bourdieu. Não significa que não tenha se perdido um papel do
professor e da autoridade pedagógica e, agora, pode até mesmo haver a anarquia sem as
lideranças da instituição. Não é isso, mas sim afirmar que é possível repensar novos elementos
nos papéis desempenhados contemporaneamente, pois quando o aluno é o sujeito que inicia a
interação e configuração do dispositivo, pode haver recusa do professor, e “brecar” a
funcionalidade do dispositivo; assim como pode haver negociação e gerar crenças que
construirão conhecimento e realidade. Esses novos elementos nos remetem ao texto do professor
Braga sobre midiatização, quando ele levanta a incompletude dos papéis sociais.
Pensar a elasticidade dos papéis e novos elementos, como a negociação, permite-nos
“ver” uma transformação na sociedade, a demanda tecnológica assim como novas interações
entre aluno-aluno, aluno-professor e aluno-máquina. Há, para além da reprodução, a produção e a
212
recriação de crenças que constroem conhecimento e realidade por parte do aluno, alterando,
assim, a reprodução simbólica de que fala Bourdieu.
Entretanto, é possível buscar analogias que nos levariam à proposição feita por
Bourdieu, em seu livro “La distinción”, de uma diferenciação. Não é o caso, entretanto, de uma
diferença entre alunos por capital, mas de condições das escolas e o acesso como também das
disposições dos professores.
As condições escolares expressam diferença dos suportes materiais tecnológicos na
escola. As escolas Vasco da Gama e Almirante Bacelar não possuem internet nem sala de
computadores para seus alunos. Isso não surpreende, então, que as conversações de temas da
internet não estejam presentes nessas escolas. Assim como no caso da escola Paula Soares, que
possui a sala com computadores e alunos que têm acesso à internet em casa, condizente com a
larga tematização da internet no espaço, inclusive com a criação do perfil da escola no Orkut. As
diferentes condições das escolas e localizações geográficas – relacionadas à condição do aluno e
acesso - demarcam a distinção entre alunos nas suas conversações.
Pois bem, a diferenciação tecnológica é mais difícil de realizar porque todas as escolas
possuem o suporte tecnológico, ainda que, em poucos casos, apareça o suporte no próprio espaço.
O que mobiliza o efeito rádio é muito a dimensão técnica e tecnológica, com uma rádio interna,
os aparelhos de rádio, a técnica da radionovela, e com a exceção conversacional do grupo
representando a rádio comunitária. Só que, na televisão, já não se trata da dimensão tecnológica.
A entrada é mais intensa pela conversação. Quando se trata da televisão, há uma ausência quase
213
regular do suporte na escola. É uma construção de crença fora da escola, que só na interação no
discurso é atualizada no espaço.
O colégio Rio Branco tem uma distinção interessante: a ausência da materialidade do
impresso. Os alunos gostam do Diário Gaúcho, falam sobre ele nas entrevistas. No entanto, não
há formatos de impresso, revistas, quadrinhos ou jornais que se configurem como suporte no
espaço da escola. E também, segundo os alunos, eles não costumam conversar sobre o jornal.
Diferente das outras, que existe a circulação de algum formato e mesmo a materialização de
produtos como o Jornal do Gomes. A ausência chama a atenção, pois poderia ser uma
problemática na circulação. Mas, em que dimensão do dispositivo? O que podemos pensar é na
própria dimensão técnica e tecnológica, não em sua materialização ou suporte, mas ao acesso. O
suporte não é acessível aos alunos na escola. Não há um professor trazendo o jornal para sua
leitura em sala, como no Bacelar; também não existe uma voluntária construindo o jornal da
escola, ou um professor trazendo charges ou quadrinhos para atividades pedagógicas em sala de
aula. À medida que percebemos a distinção, fazemos a analogia, e sem concentrar no capital, mas
sim nas disposições dos professores e nas condições estruturais da escola, inclusive de acesso,
buscando responder à problemática da circulação do impresso no Rio Branco.
A distinção mais clara é entre os dispositivos, o mural em relação aos demais. O mural
configura um dispositivo sem força simbólica por não articular uma dinâmica de relações entre as
dimensões comunicacionais necessárias. No entanto, estando em um espaço público e buscando
uma publicização das informações escolares dos alunos, o mural é um potencial dispositivo, mas
os alunos não se importam com ele. Um não-importismo não condicionado pelo professor, pois o
mural está exposto e livre para o acesso do aluno. O tema do mural é de interesse do aluno, ou
214
seja, as informações da escola e próprias da vida do aluno no espaço escolar. A circulação então
precisa ser comparada aos demais dispositivos, e não entre as escolas, pois em todas as escolas
ele não é apropriado pelos alunos. O mural só traz informação, sem subjetividades, ainda que
tematize assuntos do seu interesse, mas não envolve seus valores e afetividades. Os demais
possuem o tema do interesse, afetividades e valores quando configurados, ou do cotidiano, ou da
socialização nas conversas etc.
5.4. Papéis nos dispositivos (Protagonismo)
A apropriação do professor, como sujeito que inicia a configuração do dispositivo ou
como sujeito que junto ao aluno se apropria dos processos, parte das crenças que vão construir
consciência crítica. Como nos casos das campanhas de reciclagem, noticiário de ciências,
discussão da novela, Jornal do Gomes, charges (o professor protagonizando), ou demais casos, o
aluno protagonista, como falar da CPI do governo ou trazer assuntos para a pauta do Jornal do
Gomes. Desde então, percebe-se o papel fundamental do professor apropriando-se do dispositivo
para sua configuração. Inclusive, nos casos de apropriações pedagógicas dos professores, os
alunos não se recusam a também a interagir com o processo de apropriação. O contrário não é
verdadeiro. O professor, em sua autoridade pedagógica, permite-se recusar uma proposição de
aluno. Mas, também, negociar e não mais só impor. No caso da intervenção do aluno com uma
piada sobre a CPI, a professora conversa e explica sobre o tema. No entanto, volta imediatamente
ao tópico da disciplina. O Jornal do Gomes, que os alunos produzem junto com a voluntária,
como outro exemplo, só se materializa e circula no espaço escolar quando aprovado pela Direção
e patrocinadores do jornal.
215
Os alunos, quando se apropriam, constroem conhecimento de mundo e comportamento,
como nos casos das expressões incorporadas ao vocabulário, os modelos de roupas e cortes de
cabelos, e as ressignificações sobre anorexia, Aids e dólar. As crenças mais presentes nas
relações protagonizadas pelo professor são a reflexiva e a sugerida, enquanto pelo aluno são a
sugerida e a fabulação. Assim, o professor sugere os filmes e reflete sobre o conteúdo; o aluno é
sugerido à produção de charges e imagina as personagens. Os alunos protagonizam as
configurações dos dispositivos em enunciados não pedagógicos, enquanto os professores buscam
sempre o pedagógico, em quase todos os casos. O perfil da escola no Orkut tem um intuito de
socialização entre os alunos e diversão, na medida em que contam piadas, conversam e falam dos
outros colegas. O professor, quando se apropria da técnica ou tecnologia, concretiza o suporte no
espaço escolar, enquanto o aluno transporta o suporte (representação) de outro lugar social,
atravessando o espaço da escola. O professor utiliza o vídeo da escola para exibição do “Globo
Repórter” sobre a reciclagem e o aluno fala do “Globo Repórter” sobre o tráfico e a vida na
favela da semana anterior.
As atividades que parecem estimular as competências do “fazer” comunicação estão
sempre sendo elaboradas e trazidas pelos professores, como a radionovela, as charges, o jornal,
ou voluntários da escola, como o caso da jornalista voluntária, que produz o Jornal do Gomes.
Ao identificar os diversos momentos em que há apropriação pelo aluno de um
dispositivo da mídia, mas não há pelo professor; ele entra, mas de repente desaparece. Fica no ar
com um fim de uma conversa, que, aparentemente, terminou ali. O dispositivo foi configurado
nas interações e apropriações dos alunos, porém, em um processo de recusa, ele pode desaparecer
do espaço, como as não apropriações, por parte dos professores, das referências trazidas pelos
216
alunos de noticiários ou programas de humor, como as notícias de esporte, a “Família
Dinossauro”, ou a Rádio Cidadania.
Além da recusa, há a negociação. Quando negociado com algum representante da
instituição, como o professor ou a direção, ele pode ser apropriado e ainda se materializar no
espaço da escola gerando um novo produto, como o caso do Jornal do Gomes, que passa pela
aprovação da direção escolar, assim como inclusive de forças extra-escolares, pelos
patrocinadores.
As negociações são feitas quando o dispositivo já circula. Houve a apropriação em
algum momento, que pode ser interrompida, ou manter a circulação da interação, apropriação e
materialização no espaço. No entanto, precisa da liberação da instituição, como uma aprovação,
no caso do Jornal do Gomes. Ou ainda, quando a professora até interage com os alunos sobre as
conversas diversas na sala, mas não materializa em novos produtos, atendendo à apropriação do
tema e interação com eles.
Se o professor recusa, o aluno precisa submeter-se à sua autoridade pedagógica de
professor, concedida pela escola, tal como apresentada por Bourdieu em “A Reprodução”. No
entanto, não significa dizer que essa submissão se mantenha na reprodução só do que o professor
apresenta ou busca produzir e reproduzir, pois os alunos também são atores protagonistas em
algumas relações estabelecidas com os dispositivos, como o caso em que eles trazem o assunto
para a sala de aula e o professor interage, ou ainda quando eles constroem o perfil do colégio na
internet.
217
Então, é preciso a interação para haver o estabelecimento de uma relação de força da
autoridade pedagógica do professor sobre os seus alunos. Uma interação que nos tempos atuais
tem sofrido alterações em sua organização.
5.5. Temas nos dispositivos
Se formos comparar os dispositivos, no que diz respeito ao tema, podemos estabelecer
que o tema do qual trata o dispositivo pode oferecer a recusa do professor à interação,
comprometendo a circulação no espaço pedagógico. Essa recusa pode se dar pelo tema trazido na
interação, pois a professora recusa a interação com o aluno se ele pergunta sobre o avião pegando
fogo na água, argumentando que o tema não se trata da disciplina de Português. O mesmo como
aconteceu com a professora de química, quando os alunos conversavam sobre o esporte ou
indagaram sobre a “Família Dinossauro”. O tema não seria tratado ali pela natureza e a
professora recusa a interação.
No entanto, há temas recusados que tratavam do ensino escolar. Como a passeata contra
o sucateamento das instituições públicas de ensino, que não foi tema de interação para a
professora de química. Outras recusas, como a falta do uso da TV Futura pelos professores, no
Gomes Carneiro, ou de salas de computadores, no Rio Branco, ou dos jornais nas bibliotecas, no
Paula Soares. Em todos os casos existe o não-importismo, mas qual seria a ligação com o tema?
Os temas aparecem nas relações de interações, apropriações e mesmo ação. O tema
influi na configuração, pois além de haver o interesse, quando se trata de técnicas (ação) e
tecnologia (suporte), deve também existir a habilidade ou disposição do professor. Há a escola
que não utiliza a sala de computadores porque os professores não sabem lidar com a tecnologia. E
218
os casos em que o tema pode ser interessante para a escola, mas não existe a disposição do
professor à sua apropriação, como a TV Futura, a passeata e os jornais.
Quanto aos alunos, na configuração do dispositivo em suas interações e apropriações, a
forte presença do tema do cotidiano e da experiência vivida ou imaginada consolida a interação, a
conversa, e a apropriação, na linguagem deles. Na escola Paula Soares, principalmente, as
intensas conversas sobre RPG virtual, jogos eletrônicos, jogos virtuais, com conversas e dialetos
próprios de internautas, são os temas dos dispositivos configurados. E como já visto nas
descrições, esta escola é onde estão concentrados os alunos com maior acesso à internet. Mais do
que ter relação com a experiência de vida dos alunos, a internet permite o aluno viver como o
cotidiano dele, ou como ele deseja a experiência vivenciada. A internet permite criar personagens
virtuais que “são e agem como eu bem o monto, o controle sobre um personagem, e fazer dele e
da vida dele como eu quero”, deslumbra o aluno, que a cada dia traz para a sala um assunto de
um novo poder (no RPG), uma nova casa (no jogo “The Sims”) que são possíveis de se
conseguir. Além disso, nas produções das charges é possível reconhecer o cotidiano familiar, e no
Jornal do Gomes também é refletida a vida do aluno e da própria comunidade do bairro da escola,
que é também o bairro do aluno. Quando o aluno, por exemplo, não reconhece o cotidiano, ou
acredita não se tratar da sua realidade, o tema não configura a interação, como no caso das
eleições, que para ele, não o atinge.
Temas do cotidiano e que envolvem os valores, subjetividades e afetividade dos alunos
podem contrastar entre os dispositivos, como o caso dos dispositivos que envolvem uma
coletividade envolvida e interessada, sendo o sujeito iniciador do processo o professor ou o
aluno. Esses casos são o Orkut, a radionovela, a campanha de reciclagem e o Jornal do Gomes.
219
Todos tratam de temas próximos da comunidade, da turma ou da escola. Além do tema cotidiano,
há o interesse da experiência, pois a maioria no Rio Branco é negra, a maioria no Paula Soares
tem acesso à internet, todos os estudantes do Jornal do Gomes são moradores da comunidade e da
escola, que têm os assuntos discutidos no jornal, e todos os alunos da campanha de reciclagem
são do bairro e da escola que vai ter a cerca trocada.
220
CONCLUSÃO
A investigação analítico-relacional integra e permite leituras e compreensões a partir das
perspectivas teóricas do campo midiático, trazendo contribuições ao contexto do estudo da
interface comunicação e educação, e da midiatização. Percebemos a força das condições sócio-
antropológicas no processo da midiatização quando articuladas à questão da realização da
linguagem, do tema e da agenda, assim como as forças dos capitais. A tecnologia enquanto
distinção importa para algumas apropriações discursivas. Entretanto, por si só ela não realiza as
processualidades midiáticas circulantes entre os campos, ou poderíamos dizer, não realiza uma
circulação ampliada e com força na construção do conhecimento e da realidade (no caso, do
aluno em interação com os colegas e com os professores), fato este que tem importância para o
campo da comunicação porque busca compreender as afetações sobre a sociedade dos processos
midiáticos.
A análise não pode, então, se concentrar nesse ou naquele pólo – tem que se pensar
relacionalmente. Com essa conclusão, não se pode absorver a idéia de uma interface que trate
somente da mediação tecnológica, nem mesmo que trate somente da construção de conhecimento
por meio dos discursos das mídias em meio a leituras críticas, ou estudo dos “meios”, como tem
se concentrado os esforços de algumas escolas da educação e comunicação, conforme vimos no
capítulo onde contextualizamos nossa investigação. Deve se buscar uma análise das relações
entre tecnologia, linguagem e interações. A mesma crítica vale para os estudos que restringem a
221
análise às condições sociodemográficas, entre outras mediações. Finalmente, é percebido o limite
da busca da compreensão a partir da linguagem, ou seja, também aqui é necessário ser relacional,
e não separadamente observada.
As relações de conhecimento importam em suas relações interacionais, lingüísticas e
tecnológicas. As categorias geradas a partir de tais relações quando comparadas com os processos
midiáticos analisados, a partir das três dimensões, produzem positivamente a observação dos
lugares dos diversos tipos de mídia, pela ausência, presença e diferenciações que isso implica
nesta construção. E, para além do conhecimento do cotidiano, como o grupo de Santa Catarina já
observa, as relações mostram outros formatos de construção do conhecimento, intrínsecos mesmo
à mídia, como consciência crítica e conduta, dispostos nos papéis, nos projetos, nos temas e na
agenda.
A principal conclusão é de que a midiatização se realiza na interação/conversação; no
entanto, não é um ponto de chegada – é de circulação. A interação é um regulador, um lugar de
realização, mas simultaneamente de uma circulação ampliada. A análise operada pelos
dispositivos revela também os casos em que a interação está comprometida com as condições
sociodemográficas definidas, tais como o acesso a própria tecnologia, ou os capitais, culturais e
econômicos, pois os alunos de escolas (como o exemplo Almirante Bacelar) estão excluídos de
determinados processos por causa das suas condições socioeconômicas, afinal, eles não têm a
tecnologia nem nas escolas nem nas suas casas. Aqui o acesso aparece como regulador. Porém, a
interação - em seus papéis, projetos, condições sociodemográficas e conhecimento - é, numa
relação de forças com as outras dimensões, a síntese da circulação, a mais forte. O processo
interacional, entretanto, mantém uma relação que não é mais de força antagônica, mas de
222
articulação com outros indicadores, e sem eles também não se amplia, como o tema, a agenda –
dimensão da linguagem – e a presença ou ausência da tecnologia.
Em todos os casos em que não há interação, está inserido o aluno em um papel de não se
importar voluntariamente com a produção e configuração do dispositivo (mural, jornais na
biblioteca, eleições e rádio cidadania) ou não se importar condicionado pela escola, ou seja, a
escola não lhe apresenta ou não lhe permite apropriação sem o professor (sala de computadores,
TV Futura, rádio interna). Então, além da interação humana, o papel do aluno na configuração
deste dispositivo em potencial para circular e gerar sentido é também importante na medida em
que, mediante a sua indiferença, o dispositivo não se configura. No entanto, há os casos em que o
professor assume um papel principal de sujeito gerador do dispositivo, e não o aluno. Quando o
dispositivo é apropriado pelo professor, raramente, como o único caso das eleições, os alunos não
vão interagir. Então, os papéis condicionam a circulação também, na medida em que
condicionam a interação.
O professor, em sua autoridade pedagógica tipificada pela instituição, pode replicar a
indiferença do aluno e configurar o dispositivo. Nos casos de não-importismo, nos quais a crença
ou construção de conhecimento é da indiferença, o professor seria o sujeito a alterar a
configuração do dispositivo ou a instituição, pelos projetos. Por sua autoridade pedagógica,
podemos inferir que se o professor se apropriasse da TV Futura, os alunos também se
apropriariam. Se eles se apropriassem das salas de computadores, os alunos igualmente o fariam.
O mesmo vale para o discurso da rádio cidadania e dos jornais na biblioteca. Em se tratando de
discentes, é possível que haja reações inesperadas, como por exemplo, o tema das eleições.
Porém, vale lembrar que a apropriação feita pelo professor foi em um enunciado não pedagógico.
223
E se fosse em um enunciado pedagógico, no qual o aluno teria a tarefa, por exemplo, de recolher
anotações da campanha política que fossem diretamente ligadas às escolas? A autoridade
pedagógica seria negada? Muito provavelmente, não. E o dispositivo se configuraria numa
apropriação escolar.
Essa autoridade pedagógica tem sofrido atualizações junto à sociedade e às próprias
tecnologias, como observamos ao longo do trabalho. O aluno é sujeito articulador e produtor de
sentido, não unicamente reprodutor. Além disso, em alguns aspectos tecnológicos, o próprio
professor perde o caráter da autoridade pedagógica pela diferenciação de conhecimentos
adquiridos, uma vez que não acompanha a mesma maneira que os adolescentes os avanços da
tecnologia da informação. E com isso, os alunos compreendem um suporte tecnológico que,
ainda que não seja por si só construtor de conhecimento, é uma dimensão para articular
consciência crítica, conhecimento de mundo e comportamento.
Vimos que os suportes e materializações mais visivelmente apropriados ou produzidos
pelos alunos são a televisão ou da internet. Por sua vez, os professores utilizam os mais diversos
suportes, como o impresso, a radio, a televisão e a internet. Os alunos construíram o perfil da
escola no Orkut (internet) e conversavam sobre os mais diversos assuntos tematizados pela
internet (jogos eletrônicos, chats, Orkut) e pela televisão (programa “Casseta & Planeta”,
telejornal, filmes). Os formatos da tecnologia fazem parte do processo de aprendizagem destes
alunos porque os processos midiáticos estão na escola, na vida e na experiência deste aluno,
conforme as condições sociodemográficas de acesso. Isso é, o suporte e as materializações da
técnica e da tecnologia podem ser encontrados no espaço da escola assim como atravessados de
outro lugar social, como no caso das casas dos alunos, onde assistem à televisão, lêem o jornal ou
224
navegam na internet. No caso dos alunos, muitas vezes o suporte sempre estava em outro lugar
social: os lares. No caso dos professores, o suporte estava dentro do espaço escolar, como o
vídeo, a radionovela, o Diário Gaúcho, as charges, o varal de notícias. Os únicos casos em que os
professores não traziam o suporte era no noticiário de ciências e no capítulo da novela. Ambos
não traziam os suportes para a sala, mas reconstituíam a linguagem e os discursos (os resumos
dos alunos, rememoração oral das cenas). Quando os alunos traziam as apropriações do suporte
de casa, não necessariamente reconstituíam o que tinha visto, lido ou ouvido. Eles já tratavam de
interagir sabendo que o outro já conhecia e sabia do que se tratava a apropriação feita.
Observadas todas as dimensões e suas articulações, é possível perceber o processo da
construção do conhecimento a partir das crenças concernidas nos dispositivos. A fabulação, a
crença sugerida e a crença reflexiva constroem o conhecimento do aluno com elementos da
própria experiência adolescente e do cotidiano, consciente e objetivado na linguagem e no espaço
social. Pode-se admitir que, a semelhança da própria natureza midiática, que dá conta de tantos
lugares sociais diferentes, fala de tudo um pouco, buscando abrangências de diferentes universos,
favorece a conjugação da atividade com o uso da mídia em uma construção de modalidades
subjetiva, da própria experiência e crítica.
Em todos os casos de construção de consciência crítica, as crenças são sugeridas,
reflexivas e fabulação, como na campanha de reciclagem, no Jornal do Gomes, na produção de
charges e jornal Brifon, no noticiário de ciências, na discussão sobre capítulo da novela e na
radionovela, que envolveu dois dispositivos, filmes e radionovela. Existia a sugestão vinda de
outro, como o professor, a jornalista voluntária, assim como um envolvimento que transpõe os
muros da escola, o envolvimento com a comunidade, como nos casos do Jornal do Gomes e da
225
campanha de reciclagem. Nos casos de reflexão, os alunos sempre traziam para a crença reflexiva
o seu cotidiano, pensando no preconceito racial, nos próprios problemas em casa ou de
conhecidos que estivessem em ligação com o tema da novela em discussão, os problemas da rua,
da escola, da comunidade, da família, do governo, do ensino a ser tratado na campanha de
reciclagem, no Jornal do Gomes ou na produção de charges e jornal da turma. Então, a
construção da consciência crítica passa pelo sentido do cotidiano e do espaço extra-escolar.
As apropriações dos alunos de discursos e linguagens são sempre em enunciados não
pedagógicos, circunscritos à brincadeira, socialização, piada e entretenimento. Enquanto os
professores, por outro lado, apropriam-se dos enunciados, na maioria das vezes, em enunciados
pedagógicos, de atividades escolares, curriculares, ou ainda em extracurrículo, com um
comprometimento de cidadania e consciência crítica, que se agrega ao comprometimento da
educação escolar. Em apenas duas ocasiões a apropriação pelo professor foi divergente a esta. Na
primeira, o professor de história questionou os alunos sobre as eleições buscando interagir em um
enunciado de conversa, de socialização com os alunos. Na segunda, a professora de português
trouxe o jornal para a sala de aula em um enunciado de acesso à informação pelos alunos.
As apropriações por parte dos professores são de radionovela (rádio), filmes, novelas,
noticiário de ciências (televisão), recortes de jornais, produção de charges (impresso), página na
web (internet) e o mural. As apropriações dos alunos são fortemente tematizadas pela televisão
ou, com menor força, pela internet, quando observamos o quadro geral das escolas; enquanto nas
apropriações feitas pelos professores, todos os meios e suportes foram observados nos trabalhos
pedagógicos e não pedagógicos, os alunos conversam, em um enunciado de socialização,
brincadeira, piada, descontração - sobre as notícias do jornal (avião, morte da modelo, esporte),
226
programas de humor (“A Diarista”, “Casseta & Planeta”), novela (“Páginas da Vida”, “Cobras e
Lagartos”, “América”), os personagens dos jogos eletrônicos, do RPG on line, os recados do
Orkut etc.
Dentre as apropriações feitas por professores e alunos, a crença gerada pelo primeiro
será na maior parte das vezes a sugerida e reflexiva. O único caso que escapa é a atividade da
professora de português, na escola Brigadeiro Fontenelle, sobre a produção de charges que atende
à fabulação quando os alunos criam e imaginam personagens. No entanto, a atividade de criação
não poderia deixar escapar a imaginação do aluno. E ainda assim, a crença sugerida e a reflexiva
estavam presentes.
Quando parte da apropriação do aluno, é fabulação, e quando é feita com a participação
do professor, torna-se reflexiva. Assim, os alunos, quando se apropriam do dispositivo,
constroem ou transformam comportamento e conhecimento de mundo; e quando o professor
participa conjuntamente da apropriação, gera consciência crítica. O diferencial quando da
interação e apropriações do professor, é a conseqüência da consciência crítica quando proposta
pelo educador. Então, o professor exerce um papel importante para a ampliação da circulação,
mas não essencial. Afinal de contas, se ele não participar da apropriação, ela poderá existir da
mesma maneira, pois os alunos constroem conhecimento de mundo e conduta a partir das
apropriações. O corpo discente não reproduz simplesmente, ele faz algo de novo. Ele reelabora
linguagem com ressignificação de termos.
227
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Patrícia Horta. Educomunicação: a experiência do núcleo de comunicação e educação.
São Paulo: USP, 2002. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação), Escola de
Comunicação e Artes, Núcleo de Comunicação e Educação, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2002.
AUMONT, Jacques. A parte do dispositivo. In: A imagem. 2. ed. Campinas: Papirus, 1995.
BARROS FILHO, Clóvis de. Ética na comunicação: da informação ao receptor. São Paulo:
Moderna, 2001.
BELIN, Emmanuel. De la bienveillance dispositive. In: Le Dispositif - Entre usage et concept.
Hermes 25: Cognition, Communication, Politique. Paris: CNRS Éditions, 1999. p. 245 – 259.
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade.15. ed. Petrópolis:
Vozes, 1998.
BOURDIEU, Pierre. La Distinción: criterios y bases sociales del gusto. 2.ed. Madrid: Taurus,
2000.
BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalinas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A Reprodução. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves Editora, 1975.
BRAGA, José Luiz. Os estudos de interface como espaço de construção do Campo da
Comunicação. Contracampo. Rio de Janeiro, v. 10/11, n. 2004/2, p. 219-235, 2004a.
228
______. Midiatização como processo interacional de referência. In: ENCONTRO
NACIONAL DA COMPOS, 15, São Paulo, jun. 2006.
______. Aprendizagem versus educação na sociedade mediatizada. Geraes – Estudos em
Comunicação e Sociabilidade, Minas Gerais, n.53, p. 26-39, 2002.
______. Constituição do Campo da Comunicação. In: FAUSTO NETO, Antônio et al. Campo
da Comunicaçao – caracterização, problematização e perspectivas. João Pessoa: Editora UFPB,
2001. p.11 – 39.
______. Mais que interativo, agonístico. In: André Lemos; Juremir Machado da Silva; Simone
Pereira de Sá: Ângela Pryston. (Org.) Mídia.br. 1 ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2004b, p. 62
– 79.
______. Meios de comunicação e Linguagens: a questão educacional e a interatividade. Linhas
críticas. Brasília: UnB, 1999. v.5, n.9, p. 129-148.
______. Sobre a Conversação. In: Brasil – Comunicação, Cultura & Política. Rio de Janeiro:
Diadorim, 1994.
BRAGA, José Luiz; CALAZANS, Regina. Comunicação e Educação: questões delicadas na
interface. São Paulo: Hacker Editores, 2001.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.
CITELLI, Adilson. Comunicação e Educação: a linguagem em movimento. São Paulo: Editora
Senac, 2000.
COGO, Denise. Da leitura crítica dos meios à educomunicação: convergências possíveis entre
comunicação e educação. In: Curso de Comunicação da PUCRS; UFRGS; ULBRA; UNISINOS.
(Org.). Tendências na Comunicação 4. Porto Alegre, 2001, v. 4, p. 32-40.
CORREIA, João. Novos movimentos sociais e transformações no modelo de análise dos
medias. Universidade de Beira do Interior, s.d.
ECOSAM - Equipe de Comunicação Social da América. Proposta de educomunicação para a
família Salesiana. São Paulo: Salesiana, 2001.
229
ESTEVES, João Pissarra. A ética da comunicação e os medias modernos: legitimidade e poder
nas sociedades complexas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998.
EVANS, Gareth. The Varieties of Reference. New York, Oxford University press inc., 1982
FAUSTO NETO, Antonio. A pesquisa vista de dentro de casa. In: Tensões e objetos da
pesquisa em comunicação. Porto Alegre: Compós/Sulina, 2002. p. 21-35.
______. Ensinando à Televisão: Estratégias de Recepção da TV Escola. João Pessoa: Editora
Universitária UFPB, 2001.
______. Processos midiáticos e construção de novas religiosidades. As dimensões discursivas.
Relatório de Pesquisa PPGCC - Unisinos. Apoio CNPQ, 2006.
FERREIRA, Giovandro. Uma leitura dos estudos dos efeitos: da era das certezas às incertezas e
mistérios da recepção. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIENCIAS DA COMUNICACAO,
18, 2005, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: Intercom, 2005.
FERREIRA, Jairo. Da Comunicação aos campos e dispositivos midiáticos. In: Unirevista, São
Leopoldo. v. 1 n. 3. 2006a.
______. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. In: Revista Libero. São Paulo:
Faculdade Casper Líbero. Ano IX, número 17, junho de 2006b.
______. O conceito de Dispositivo: explorando dimensões de análise. Ecos Revista. Pelotas:
Universidade Católica de Pelotas - EDUCAT, v. 7, n. 2, jul. – dez. 2003.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão e Educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte:
Autentica, 2001.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o Trabalho Científico. 13ed. Porto Alegre:
[s.ed.], 2004.
230
GOFFMAN, Erving. Footing. In: Sociolinguística Interacional: antropologia, lingüística e
sociologia em análise do discurso. Porto Alegre: AGE, 1998.
GOMES, Pedro Gilberto. Tópicos de Teoria da Comunicação. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
GOMES, Pedro Gilberto; COGO, Denise Maria. O Adolescente e a Televisão. Porto Alegre:
Editora da Unisinos, 1998.
KUNSCH, Margarida (org.). Comunicação e Educação – Caminhos Cruzados. São Paulo:
Loyola, 1986.
LIMA, Venício Artur de. As idéias de Paulo Freire. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1981.
MARTÍN BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio
de Janeiro: UFRJ, 1997.
______. Heredando el Futuro.Pensar la Educación desde la Comunicación. In madas.
Boggotá, n. 5, p. 10-22, 1996.
______. Retos culturales de la educación a la comunicación. In: Comunicación, Educación y
Cultura. Relaciones, aproximaciones y nuevos retos. Bogotá: Cátedra UNESCO de
Comunicación Social. Facultad de Comunicación y Lenguaje, Pontificia Universidad Javeriana,
1999.
MEDITSCH, Eduardo. O jornalismo é uma forma de conhecimento?. In: Media & Jornalismo,
Cascais/Coimbra, v. 1, n. 1, p. 9-22, 2002.
MEUNIER, Jean-Pierre. Dispositif et théories de la communication: deux concepts en rapport de
codétermination. In: Le Dispositif - Entre usage et concept. Hermes 25: Cognition,
Communication, Politique. Paris: CNRS Éditions, 1999. p. 83 – 91
MORÁN, José Manuel. Leitura dos meios de comunicação. São Paulo: Paidós, 1993.
231
OROZCO, Guilhermo. Uma pedagogia para os meios de comunicação. In: Revista
Comunicação & Educação, São Paulo, n.12, p. 77-88, maio/ago, 1998. Entrevista concedida a
Roseli Fígaro.
PERAYA, Daniel. Médiation et médiatisation : le campus virtuel. ?. In: Le Dispositif - Entre
usage et concept. Hermes 25: Cognition, Communication, Politique. Paris: CNRS Éditions,
1999. p. 153-167.
PIAGET, Jean. A representação do mundo da criança. Rio de Janeiro: Record, 1926
PONTUAL, Joana Cavalcante. O jornal como proposta pedagógica. São Paulo: Paulus, 1999.
RODRIGUES, Adriano. O campo dos medias. Estratégias de Comunicação. Editora Presença
Lisboa. 1997.
RODRIGUES, Adriano. O Discurso Mediático. Lisboa: fotocopiado, 1996.
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 1999.
SILVA FILHO, Genésio. Educomunicação e sua metodologia - Um estudo a partir de práticas
de ONG’s no Brasil, 2004. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Escola de
Comunicação e Artes, Núcleo de Comunicação e Educação, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2004.
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Edições Loyola, 2002.
SOARES, Ismar. Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus
profissionais. Contato - Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, São Paulo, v.1,
n.2, p. 19-74, jan/mar. 1999.
______. Gestão comunicativa e educação: caminhos da Educomunicação. Revista Comunicação
& Educação, São Paulo, n. 23, p.16-25, jan/abr. 2002.
______. Sociedade da informação ou da comunicação? São Paulo: Cidade Nova, 1996.
232
SOARES, Ismar; MACHADO, Eliany. Educomunicação: ou a emergência do campo da inter-
relação Comunicação/Educação. In: Congresso Brasileiro De Ciências Da Comunicação, 12,
1999, Rio de Janeiro. Anais. São Paulo: Intercom, 1999.
SODRÉ. Muniz. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede.
Petrópolis: Vozes, 2002.
SOUZA, Débora. A gênese da performance comunicativa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIENCIAS DA COMUNICAÇAO, 26. Belo Horizonte. 2003. Anais. Belo Horizonte: Intercom,
2003.
TEIXEIRA, Ana Paula. Identidade cultural para e na cidadania – mídia e escola na direção de um
utilitarismo reverso. Fundação Educacional de Votuporanga. CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25, Salvador. Anais. Salvador: Intercom, 2002.
TORNERO, José Manuel Pérez (org.). Comunicación y educación en la sociedad de la
información. Barcelona: Paidós, 2000.
TRAQUINA, Nélson. O poder do jornalismo – Análise e Textos da Teoria do Agendamento.
Coimbra, Minerva, 2002.
VASSALO LOPES, Maria Immacolata. Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo
metodológico. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1997.
VERON, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: UNISINOS, 2004.
VIZER, Eduardo. La Trama (in)visible de la vida Social. Buenos Aires: La Crujia Ediciones,
1999.
233
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS
BRASIL. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: Escola pública na opinião dos pais.
Disponível: <http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/news05_01.htm
>
Acessado em: fev. 2006.
BRUM, Juliana. A Hipótese do Agenda Setting: Estudos e Perspectivas. Revista Eletrônica
Razon y Palabra. n.35, Estado do México, out/nov 2003. Disponível em:
<http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n35/jbrum.html
> Acessado em jan. 2007.
CUNHA, Rogério. Consciência Crítica. UFMG, Disponível em:
<www.geocities.com/Athens/Agora/1417/ConscienciaCritica.html
> Acessado em fev. 2007.
LE BOM, Gustave. As Opiniões e as Crenças. Ícone Editora, 2002. Disponível em:
<www.camaraamparo.sp.gov.br/literatura/asopinioes.pdf
> Acessado em: jan. 2007.
MARTÍN-BABERO, Jesús. Razón técnica y razón política: espacios/tiempos nos pensados.
Debate Cultural. Disponível em: <http://www.debate-cultural.org.ve/ JesusMartinBarbero.htm>.
Acesso em: out. 2005.
MIGUELEZ, Miguel Martinez. Proceso de Teorización. Agosto, 2004. Disponível em:
http://prof.usb.ve/miguelm/procesodeteorizacion.html
> Acessado em fev. 2006.
PEIRCE, Charles. A fixação da crença. Traduzido por Anabela Gradim Alves, Universidade da
Beira do Interior. Popular Science Monthly 12 (November 1877) pp. 1 – 15. Disponível em
<www.bocc.ubi.pt/pag/peirce-charles-fisacao-crenca.pdf
>. Acessado em jan. 2007.
234
PERAYA, Daniel. Vers lês campus virtuels. Príncipes et fondements tchno-sémiopragmatiques
des dispostifis de foramtion virtuels. Coloque Dispositifs & Mediation des Savoirs. Louvan-la-
Neuve. Avril, 1998. Disponível em :
<http://www.comu.ucl.ac.be/RECO/GREMS/agenda/dispositif/resumes/peraya.html
> Acessado
em fev. 2007.
ROCHA, Ronai. Filosofia da linguagem. Disponível em:
<www.filosofiadalinguagem.blogspot.com
> Acessado em jan. 2007.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Núcleo de Comunicação e Educação da Escola de
Comunicação e Artes. Disponível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/nce/artigos.html
>.
Acessado em: fev. 2006.
VASCONCELOS, Giuliana Cavalcanti. Os desafios do professor do ensino fundamental na
sociedade do conhecimento. Informação e sociedade. Estudos, v.11, n.2, João Pessoa, 2000.
Disponível em: <http://www.informacaoesociedade.ufpb.br/1120111.pdf
>. Acesso em: 30 nov.
2003.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo