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Helena Massote de Moura e Sousa
A Organização dos Estados Americanos e o compromisso
coletivo com a democracia representativa
Do Compromisso de Santiago à Carta Democrática Interamericana
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.
Orientador: Andrea Ribeiro Hoffmann
Rio de Janeiro, maio de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510710/CB
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Helena Massote de Moura e Sousa
A Organização dos Estados Americanos e o compromisso
coletivo com a democracia representativa
Do Compromisso de Santiago à Carta Democrática Interamericana
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof
a
. Andrea Ribeiro Hoffmann
Orientadora
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Prof
a
. Mônica Herz
Instituto de Relações Internacionais – PUC-Rio
Prof
a
. Cristina Soreanu Pecequilo
UNESP-Marília
Prof. João Franklin Abelardo Pontes Nogueira
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 18 de maio de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510710/CB
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Helena Massote de Moura e Sousa
Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro
Universitário Ibero-Americano, 2004. Tem interesse nas
áreas de Direito Internacional, Organizações
Internacionais, Integração Regional, Democracia e Direitos
Humanos.
Ficha Catalográfica
Sousa, Helena Massote de Moura e
A Organização dos Estados Americanos e o
compromisso coletivo com a democracia representativa.
Do Compromisso de Santiago à Carta democrática
interamericana / Helena Massote de Moura e Sousa ;
orientadora: Andréa Ribeiro Hoffmann Rio de Janeiro:
PUC-Rio, Instituto de Relações Internacionais, 2007.
114 f., il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Instituto de Relações
Internacionais.
Inclui bibliografia
1. Relações internacionais Teses. 2. Organização
dos Estados Americanos. 3. Democracia. 4. América
Latina. 5. Carta democrática interamericana. 6.
Institucionalismo histórico. I. Hoffmann, Andre
a Ribeiro. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Instituto de Relações Internacionais. III. Título.
CDD: 327
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510710/CB
À minha família.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510710/CB
Agradecimentos
À minha orientadora, Andrea Ribeiro Hoffmann, pela presença, solicitude
e amizade que transcenderam esta dissertação.
A Nizar Messari, meu orientador acadêmico, pelo estímulo e
encorajamento desde os primeiros dias do curso.
Ao Embaixador João Clemente Baena Soares, pela participação na banca
examinadora, e pelo inestimável apoio aos meus estudos sobre o sistema
interamericano.
À minha família pelo carinho e compreensão.
Aos meus queridos companheiros de turma.
Ao CNPq e à Capes pelas bolsas concedidas.
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Resumo
Sousa, Helena Massote de Moura e; Hoffmann, Andrea Ribeiro. A Organização dos
Estados Americanos e o compromisso coletivo com a democracia representativa
Do Compromisso de Santiago à Carta Democrática Interamericana. Rio de Janeiro,
2007, 114p. Dissertação de Mestrado - Instituto de Relações Internacionais,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta dissertação observa o desenvolvimento do compromisso coletivo com a
democracia representativa no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Uma descrição dos casos em que a OEA atuou na promoção e defesa da democracia a
partir da aprovação da Resolução 1080 e do Compromisso de Santiago é dada e permite o
acompanhamento da criação de mecanismos de ação coletiva e a instituição de práticas
que constituem o que se chamou de paradigma democrático nas Américas. O
instrumental teórico do institucionalismo histórico oferece uma alternativa às análises
realistas, racionalistas e funcionalistas sobre o papel da variável institucional no
desenvolvimento desse paradigma.
Palavras-chave
Organização dos Estados Americanos, OEA, Democracia, América Latina, Carta
Democrática Interamericana, Institucionalismo histórico.
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Abstract
Sousa, Helena Massote de Moura e; Hoffmann, Andrea Ribeiro. The Organization
of American States and the collective commitment with representative democracy –
From the Santiago Commitment to the Inter-American Democratic Charter. Rio de
Janeiro, 2007, 114p. MSc Dissertation - Instituto de Relações Internacionais,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation observes the development of a collective commitment with
representative democracy within the Organization of American States (OAS) from the
1990’s onward. A descriptive analysis of the cases in which the OAS acted for the
promotion and defense of democracy is therefore given and allows the following of the
creation of collective action mechanisms as well as the institution of practices that
constitute what can be called a democratic solidarity paradigm in the hemisphere. The
theoretical tools of historical institutionalism offer an alternative to realist, rationalist and
functionalist analysis of the role of the institutional variable on the development of this
paradigm.
Keywords
Organization of American States, OAS, Democracy, Latin-America, Inter-
American Democratic Charter, Historical Institutionalism.
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Sumário
1 .Introdução 11
2 . Sobre o papel das instituições 13
2.1 Três vertentes do institucionalismo 15
2.2. O institucionalismo histórico e o estudo de caso proposto 20
2.2.1. Dependência da trajetória percorrida ou path dependence 26
2.2.2. Conseqüências não-pretendidas 28
2.2.3. Sequencing e causas conjunturais 29
3. Sobre a Democracia 31
3.1. Sobre a democracia no globo 31
3.2. Sobre a democracia nas Américas 35
3.3. Sobre a OEA e o compromisso com a democracia 39
4. A Resolução 1080 e as lições dos anos 1990 48
4.1. A Resolução 1080 48
4.2. Haiti (1991) 50
4.3. Peru (1992) 56
4.4. Guatemala (1993) 58
4.5 Paraguai (1996) 59
4.6. Equador (2000) 60
4.7. Peru (2000) 60
4.8. Haiti (2001) 63
4.9. Venezuela (1992) e Equador (1997) 67
5. A carta Democrática Interamericana e os casos do novo milênio 69
5.1. Carta Democrática Interamericana 69
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5.2. Venezuela (2002) 72
5.3. Bolívia (2003) 75
5.4. Peru (2003) 78
5.5. Haiti (2004) 79
5.6. Bolívia (2005) 81
5.7. Nicarágua (2005) 83
5.8. Equador (2005) 85
6. Sobre o paradigma democrático 88
6.1. O não-reconhecimento de governos de facto 89
6.2. Ação preventiva 90
6.3. O papel da Secretaria-Geral 92
6.4. O papel das missões de observação eleitoral 93
6.5. Inclusão da sociedade civil 94
7. Conclusão 96
Bibliografia 98
Anexos 106
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“A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas
que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”
Winston Churchill,
em discurso na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947.
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11
1. Introdução
A democracia representativa pode ser vista hoje como o modelo institucional que
mais transcendeu as diversidades sócio-culturais e políticas entre as sociedades no globo.
De 193 Estados, 123 o considerados democracias eleitorais
1
. Nas Américas, com a
exceção de Cuba, todos os demais Estados membros do sistema interamericano são, hoje,
democracias representativas.
No início dos anos 1990, grande parte desses Estados concluía ou consolidava
processos de transição do regime autoritário para o regime democrático, marcados por
um forte envolvimento popular e pelo apoio geral da opinião pública. No âmbito das
relações regionais e hemisféricas, a década de 1990 viu florescer também compromissos
coletivos para com a democracia; no plano continental, esse compromisso foi afirmado
tanto na Organização dos Estados Americanos (OEA) quanto pela Cúpula das Américas,
como veremos a seguir; e no plano regional, viu-se a aprovação de uma cláusula
democrática no Mercosul
2
.
O presente trabalho visa debruçar-se sobre o desenvolvimento desse compromisso
democrático no âmbito da OEA a partir do momento da aprovação do primeiro
mecanismo de ação coletiva destinado à promoção e defesa da democracia no hemisfério,
a Resolução 1080, até hoje. Buscando delinear as variáveis (causas e conseqüências)
desse desenvolvimento, este estudo oferece uma descrição dos casos em que a
organização foi chamada a agir em nome do compromisso democrático no hemisfério
durante o período de 1991 a 2005.
A descrição dos casos permite o acompanhamento da evolução episódica dos
mecanismos e práticas concebidos no âmbito da organização, elucidando como se deu a
conciliação entre o princípio da não-intervenção e o compromisso democrático na OEA.
1
Segundo classificação da Freedom House, Relatório Freedom in the World de 2007.
2
Para uma análise sobre a cláusula democrática do Mercosul, ver Andrea Hoffmann (2005),
Avaliando a influência das organizações regionais de integração sobre o caráter democrático dos regimes
de seus Estados-Partes: o caso do Mercosul e o Paraguai.
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Tem destaque o momento da proposição, confecção e aprovação da Carta
Democrática Interamericana, em 2001, quando o papel e o escopo de atuação da OEA em
relação aos assuntos internos de seus Estados membros são questionados. A Carta
Democrática, entretanto, é um compêndio dos mecanismos e práticas reiterados pelos
Estados membros demonstrando a cumulatividade dos resultados políticos conquistados.
Para compreender esse desenvolvimento como um contínuo em que a seqüência
de eventos, a trajetória percorrida, e as situações de crise têm importância crucial para os
resultados políticos, este estudo faz uso de conceitos introduzidos nas relações
internacionais pelo institucionalismo histórico.
O capítulo a seguir oferece uma explanação sobre as diferentes perspectivas
institucionalistas e ressalta a aplicabilidade de sua vertente histórica para a compreensão
de desenvolvimentos como o do paradigma democrático. Em especial, o capítulo visa
observar como o institucionalismo histórico lida com questões como a mudança
institucional e a causalidade, e introduzir conceitos-chave como a dependência da
trajetória percorrida, conseqüências não-pretendidas e a noção de seqüência e
temporalidade.
O segundo capítulo situa a problemática, discute a questão da democracia nas
Américas e apresenta o histórico da atuação da Organização dos Estados Americanos na
promoção e defesa da democracia representativa no hemisfério.
Os capítulos três e quatro apresentam os dois principais mecanismos à disposição
dos Estados americanos para a promoção e defesa da democracia representativa – a
Resolução 1080 e a Carta Democrática Interamericana respectivamente e os casos em
que eles foram invocados. O objetivo dos capítulos é o de acompanhar caso a caso o
desenvolvimento do compromisso democrático, colocando em perspectiva os resultados
políticos das trajetórias percorridas e a influência que a variável institucional exerceu
sobre eles.
Por fim, o quinto capítulo, busca delinear as principais variáveis observadas e
destacar sua relevância para o desenvolvimento do compromisso democrático.
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13
2. Sobre o papel das instituições
Um dos maiores debates do campo das relações internacionais, que ainda hoje
antagoniza os teóricos, é o que trata do papel das normas e instituições na conformação
do comportamento dos Estados no sistema internacional.
Quando esse debate se inicia, na década de 1980, o ceticismo da corrente realista,
que dominou o campo das relações internacionais durante a maior parte do século XX, se
contrasta com a ênfase dos estudos de Stephen Krasner
1
e Robert Keohane
2
entre outros,
nos regimes e normas que pautavam a política internacional.
Os primeiros esforços no sentido de compreender o papel das instituições nas
relações internacionais foram marcados por uma interdisciplinaridade com as áreas de
economia, ciência política e sociologia – para as quais abordagens institucionalistas
desenvolveram-se mais cedo. Esse intercâmbio, longe de se resumir num modismo
passageiro, trouxe diversos questionamentos para o campo das relações internacionais.
A grande inovação do institucionalismo para os estudos das relações
internacionais foi a de considerar as instituições como uma variável que altera os
objetivos e preferências dos Estados – definidos, segundo o realismo, pela estrutura
anárquica do sistema. Para os institucionalistas, as instituições importam à medida que
criam estruturas formais, legais ou lógico-semânticas que conformam o comportamento
dos atores, relativisando o determinismo dessa estrutura anárquica e da luta pela
sobrevivência.
Durante as décadas de 1980 e 1990, com a crescente projeção das organizações e
instituições internacionais e a rápida aceleração da interdependência econômica no
sistema internacional, os estudos chamados “institucionalistas” popularizaram-se
rapidamente. Antes, contudo, de fundamentar a escolha de uma perspectiva
1
Stephen Krasner (1983), ed., International Regimes.
2
Robert Keohane (1984) After Hegemony: cooperation and discord in world political economy,
(1986) Neorealism and its critics, e (1988) International Institutions and State Power.
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institucionalista para o estudo proposto, é válido discorrer brevemente sobre os diferentes
momentos e as diferentes vertentes do institucionalismo.
O primeiro momento do institucionalismo foi marcado por estudos de caso que
buscavam verificar a influência de instituições específicas sobre os resultados políticos
observados, assumindo, não raro, um caráter prescritivo. Ao compreender como uma
instituição altera um resultado político observado, o investigador era capaz de fazer
projeções e simular mudanças – contudo, aplicáveis apenas ao caso estudado.
“The main emphasis was on description, not on explanation or theory building. Studies
were also often constructed on an evaluative framework which attempted to assess how
well certain institutions measured up to democratic norms or the principals of responsible
government.
3
Esse baixo poder de generalização e teorização dos estudos institucionalistas até
década de 1950 foi alvo de fortes críticas vindas do movimento behaviorista durante as
duas décadas seguintes.
Como observam Thelen e Steinmo, “[b]ehavioralists argued that, in order to
understand politics and explain political outcomes, analysts should focus not on the
formal attributes of government institutions but instead on formal attributions of power,
attitudes, and political behavior.
4
Logo, durante as décadas de 1950 e 1960, poucos
estudos no campo da ciência política preocuparam-se em observar o papel das
instituições sobre os resultados políticos
5
.
O segundo momento do institucionalismo ou o que se chamou de neo-
institucionalismo – surgiu em resposta a esses estudos behavioristas, incorporando a
preocupação com a teorização e sistematização e rendendo um considerável número de
estudos comparativos. Tratou-se, entretanto, não de um movimento unitário, mas de
diferentes perspectivas concentradas em compreender o papel das instituições sobre os
resultados políticos.
Sobretudo durante as décadas de 1980 e 1990, as diferentes respostas
institucionalistas deram origem a diferentes desenhos investigativos sobre a relação entre
as instituições e o comportamento dos atores, e sobre os processos pelos quais as
3
BELL, p.4 (no prelo).
4
THELEN e STEINMO, 1992, p.4.
5
Ver por exemplo Samuel Huntington (1968) Political Order in Changing Societies.
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15
instituições surgem e se modificam. Rosemary Taylor e Peter Hall (1996) distinguem
pelo menos três versões desse neo-institucionalismo, ou três métodos de análise sobre o
papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados sociais e políticos:
o institucionalismo histórico, o institucionalismo da escolha racional, e o
institucionalismo sociológico
6
.
Dentre os três, o institucionalismo da escolha racional foi o que mais influenciou o
campo das relações internacionais, mas suas outras duas vertentes trouxeram também
importantes inovações ao campo da ciência política e da política internacional.
Diferenciá-los é válido para distinguir que tipo de críticas sofre cada desenho
investigativo, quais as suas vantagens e limitações.
2.1 Três vertentes do institucionalismo
Para os institucionalistas da escolha racional, os atores possuem as mesmas
características atribuídas pelo realismo clássico (racionalidade e auto-interesse), e agem
em busca da maximização das condições para a sua própria sobrevivência. Entretanto,
eles problematizam o processo de formação de preferências no nível dos atores e
admitem uma gama mais variada de resultados políticos. Por esse motivo, a perspectiva
da escolha racional é bastante usada para explicar o engajamento dos Estados em
processos de integração regional e em organizações internacionais. Engajados nesses
contextos institucionais, os atores têm seus interesses e preferências alterados, alterando
também os resultados das interações entre eles.
A relação entre as instituições e os resultados políticos, para a escolha racional, é
uma relação indireta. As instituições aparecem, na maior parte da literatura, como
variáveis intervenientes na relação entre os interesses e preferências dos atores no nível
unitário (variável independente) e os resultados políticos (variável dependente). Elas
atuam como filtros das preferências dos atores racionais que, quando inseridos no
contexto institucional, tendem a considerar ganhos absolutos, ao invés ganhos relativos.
Como observam Taylor e Hall:
6
TAYLOR e HALL, 1996, p.936.
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16
“They tend to see politics as a series of collective action dilemmas. The latter can be
defined as instances when individuals acting to maximize the attainment of their own
preferences are likely to produce an outcome that is collectively sub-optimal (in the sense
that another outcome could be found that would make at least one of the actors better off
without making any of the others worse off).
7
Para o institucionalismo da escolha racional, a criação e permanência das
instituições estão ligadas a uma noção de eficiência. Uma instituição não eficiente está
fadada a desaparecer, enquanto uma instituição eficiente tende a se reproduzir no tempo e
no espaço. Na prática, as instituições reduzem os custos da negociação e criam canais
institucionais para que a ação concertada seja possível e eficiente. Os custos envolvidos
na criação das instituições, chamados sunk costs (ou custos computados), trazem um
benefício de longo prazo que é o da manutenção desses canais institucionais abertos para
novas negociações e para respostas rápidas em caso de crise. O retorno dos custos
logísticos e de informação também confere certo grau de previsibilidade e diminuem
riscos e incertezas.
A metodologia da escolha racional se destaca das demais por propor de maneira
mais criteriosa a relação observada entre as instituições e o comportamento dos atores. E,
em linhas gerais, a despeito do simplismo com que a teoria trata as motivações humanas e
pressupõem os interesses e preferências como dados, a escolha racional apresenta um
avanço metodológico importante quando permite considerar, num mesmo cálculo, tanto o
papel das instituições quanto a intencionalidade dos atores.
Entretanto, essa perspectiva sofre críticas por não transcender o economicismo
que a influenciou e o positivismo proposto pela revolução behaviorista das décadas
anteriores – cuja lógica causal impede que se pense em formas mais complexas de
correlação entre as variáveis. Ademais, o critério de eficiência usado para explicar a
criação e reprodução das instituições uma premissa defendida por Weber e seus
contemporâneos - foi duramente criticado a partir da década de 1970 por não
compreender, por exemplo, a recorrente persistência de instituições ineficientes ou
dormentes.
Diferente do institucionalismo da escolha racional, a perspectiva sociológica
ilumina diversas questões ligadas à interação entre os atores como: a existência de um
7
TAYLOR e HALL, 1996, p.945.
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ambiente minimamente regrado em todos os contextos de interação; a transferência de
cultura; a natureza dinâmica da formação de identidades e preferências; e a noção de que
normas sociais definem certos comportamentos como mais legítimos que outros e, por
conseguinte, influenciam os resultados políticos.
Também em contrapartida à escolha racional, o institucionalismo sociológico
contraria o argumento de que a emergência de formas organizacionais semelhantes
obedece a um critério de eficiência. Para este último, certos modelos institucionais se
reproduzem porque possuem um grau de legitimidade em relação ao demais, tratando-se
de contextos sociais semelhantes ou não.
A perspectiva sociológica defende que padrões e parâmetros de comportamento e
organização sejam transferidos através de um processo da interação sócio-cultural para
outros tipos de organizações humanas e, dessa forma, transcende as abordagens histórica
e racional ao explicar como em diferentes contextos estruturas semelhantes se
desenvolvem e reproduzem.
As instituições e as preferências dos atores se co-constituem derivando resultados
políticos. Não há antecedência das preferências em relação às instituições, e estas últimas
são compreendidas de forma ampla. Também não se estabelece uma relação de
causalidade entre preferências/instituições e resultados políticos. Esses resultados são
circunstâncias conjunturais de um processo dinâmico de interação social do qual não
pode ser recortado.
A crítica que se faz ao institucionalismo sociológico, entretanto, é que a ênfase
nos processos em detrimento dos atores pode subestimar o conflito de interesses que
conforma a formação de preferências tanto quanto a cultura, as idéias, e o contexto social
dos atores.
O institucionalismo histórico destaca-se dos demais por sua notada ênfase nas
conjunturas sócio-históricas e contextos institucionais nos quais as interações entre os
atores políticos se dão. Para os institucionalistas históricos, essas conjunturas e contextos
não apenas configuram as estratégias e os objetivos dos atores, como também
influenciam diretamente os resultados políticos das interações entre eles.
Trata-se de uma teoria de médio alcance que preenche uma lacuna entre os
estudos institucionalistas ora particularistas demais, ora muito gerais. Uma vantagem
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em relação aos demais institucionalismos é sua capacidade de incorporar a relação de
causalidade estabelecida entre as preferências (no nível dos atores) e os resultados
políticos, sem sacrificar a complexidade das relações sociais em nome de um modelo
“elegante” como o da escolha racional.
Como observam Thelen e Steinmo (1992), os institucionalistas históricos tendem
a ver os atores políticos nem tanto como atores indivíduos maximizadores, mas mais
como indivíduos que seguem regras e padrões de comportamento pré-estabelecidos:
“In short, people don’t stop at every choice they have to make in their lives and think to
themselves, ‘Now, what will maximize my self-interest?’ Instead, most of us, most of the
time, follow societally defined rules, even when so doing may not be directly in our self-
interest.
8
Os quadros abaixo permitem que se observe como o institucionalismo histórico
consegue conciliar a relação intrincada entre o nível dos atores e o nível institucional
como faz o institucionalismo sociológico ao mesmo tempo em que assume a relação
direta entre as preferências e os resultados políticos, e ainda insere um terceiro input para
mostrar como a instituição (compreendida de maneira ampla) deixa suas próprias marcas
nos resultados políticos.
8
THELEN e STEINMO, 1992, p.8.
Instituições
Resultados Políticos
Institucionalismo Sociológico:
Atores/Preferências
(Variável Independente)
Instituições
(Variável Interveniente)
Resultados Políticos
(Variável Dependente)
Institucionalismo da Escolha Racional:
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19
Uma das características distintivas do institucionalismo histórico em relação ao da
escolha racional está na questão da formação de preferências. Enquanto os teóricos da
escolha racional pressupõem que as preferências sejam sempre definidas de forma a
maximizar os ganhos dos atores, independente do contexto em que eles se inserem,
(sendo, portanto, exógenas e apriorísticas), para os institucionalistas históricos, a
formação de preferências é um processo endógeno. Em outras palavras, para esses
últimos, as preferências dos atores e as instituições estão inseridas numa temporalidade
simultânea, de forma que afirmar a antecedência de umas ou de outras ou concebê-las
separadamente seria simplesmente falso.
Trata-se de uma perspectiva não raro comparativa, especialmente atrativa para a
compreensão da continuidade de uma determinada trajetória ao longo do tempo no estudo
de um caso específico (análise across time), e também para explicar a variação das
trajetórias seguidas por casos semelhantes num mesmo período de tempo (análise across
cases).
Uma das limitações dessa perspectiva é seu baixo potencial de generalização,
comparado a outros modelos teóricos (como o neo-realismo ou o institucionalismo da
escolha racional). A importância dada às variáveis contextuais para a compreensão dos
resultados políticos nessa perspectiva rende análises bastante específicas e apenas
marginalmente transponíveis para outros casos. Ao buscar conceber os resultados
políticos dentro de seus devidos contextos, o institucionalismo histórico transcende tanto
o argumento funcionalista, quanto o argumento da escolha racional, compreendendo uma
gama mais diversa de lógicas causais para explicar os resultados.
(Variável Independente)
Resultados Políticos
(Variável Dependente)
Institucionalismo Histórico:
Instituições
(Variável Independente)
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20
Para o estudo de caso proposto pelo presente trabalho, o institucionalismo histórico
mostrou-se bastante adequado; incitou vários dos questionamentos que virão a seguir,
assim como acomodou hipóteses levantadas indutivamente durante a pesquisa.
2.2. O institucionalismo histórico e o estudo de caso proposto
Num estudo que visa investigar porque as organizações regionais intervêm ou não
em casos de ruptura com a ordem democrática, Anna van der Vleuten (2005) analisa
quatro hipóteses concorrentes: a) cálculos de custo-benefício; b) a identidade democrática
da organização regional; c) o envolvimento da sociedade civil; e d) os interesses da
potência hegemônica regional. Essas hipóteses são testadas em dois estudos de caso: i) a
Comunidade para o Desenvolvimento Sul-africano (SADC) na questão do Zimbábue, e
ii) Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) na questão de Miamar.
A primeira hipótese deriva-se da corrente institucionalista liberal e levanta a
questão do critério de eficiência ao defender que a organização regional oferece
benefícios aos Estados membros, pois diminui os riscos e incertezas do sistema
anárquico, aumentando suas chances de sobrevivência. Segundo van der Vleuten:
“There is a ‘virtuous circle’ at play here; through their respect for the agreements they
have made as members of the RIO [regional international organization], member states
confirm they added value of the RIO and they will increasingly tend to respect the rules
even if it is against their short-term direct self-interest.”
A segunda hipótese deriva-se da corrente construtivista, culturalista, ou
sociológica. Segundo ela, a identidade da organização e a identidade de seus Estados
membros se co-constituem, gerando no caso uma redefinição de papéis, interesses e
expectativas a partir da interação entre as partes e que se reproduzirá através da criação
de normas enquanto houver interação.
A terceira hipótese enfatiza o papel dos grupos nacionais e transnacionais de
pressão em ambos os processos internos e internacionais de tomada de decisão. Trata-se
do argumento apresentado pela literatura das redes de advocacy ou grupos de pressão,
munidos de recursos para influenciar ou pressionar os governos em favor de uma causa
própria.
A quarta hipótese deriva-se do pensamento realista. O argumento realista é o de
que o hegemon regional buscará sempre fazer prevalecerem seus interesses no fórum
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21
regional, mesmo que isso signifique a opção pelo unilateralismo a despeito do
multilateralismo da organização. Nesse sentido, “the autonomy of the organization is
limited as relative power relations between member states are crucial for the outcome of
negotiations within these organizations
9
”.
Os resultados do trabalho de van der Vleuten apontam para o forte papel da(s)
potência(s) hegemônica(s), evidenciado no caso do SADC. Segundo ela, o
comportamento das organizações regionais não pôde ser explicado nem pela hipótese da
identidade democrática, nem pelo engajamento da sociedade civil. Apesar de van der
Vleuten buscar responder a uma questão diferente da questão proposta aqui, uma análise
preliminar das hipóteses elencadas por ela parece elucidar importantes considerações para
o estudo do caso da OEA
10
.
Quanto à posição hegemônica dos Estados Unidos no hemisfério, pode-se dizer
que a potência desfruta, certamente, de vantagens tanto nas relações bilaterais com os
demais Estados da região quanto nas negociações multilaterais. Entretanto,
surpreendentemente, nem todas as decisões da OEA no que diz respeito à democracia
estão em consonância com os interesses e preferências dos EUA.
Em Cooperation, Conflict and consensus in the Organization of American States,
Carolyn Shaw (2004) debruçou-se sobre o conflito de interesses e a formação de
consenso na OEA, enfatizando a posição dos Estados Unidos e a prevalência (ou não) de
seus interesses sobre os demais nas decisões da organização. Ela analisou 26 casos de
resolução de conflito, durante o período de 1948 a 2002, em que a organização foi
chamada a se posicionar, identificando e classificando quatro tipos de resultados:
consenso (tanto entre os EUA e a América Latina, quanto entre os Estados latino-
americanos); comprometimento (casos em que pelo convencimento, Estados acordaram
uma solução comum); prevalência dos EUA; e prevalência da unidade latino-americana
(em detrimento da posição dos EUA).
O estudo revela que em dez casos houve consenso, enquanto os outros resultados
ocorreram apenas cinco vezes e um caso ficou sem resolução. Entre os casos analisados
9
COX e JACOBSON, 1973, apud Van der Vleuten, 2005.
10
Dado o desenvolvimento episódico do paradigma democrático nas Américas, questionar porque a
organização intervém ou não nos casos de ruptura com a democracia é parte do entendimento de como os
mecanismos e práticas são instituídos e compõem a variável institucional.
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22
por Shaw, nove estão relacionados à ruptura da ordem democrática; cinco dos quais
geraram consenso no fórum da OEA, dois marcados pela prevalência dos EUA e outros
dois marcados pela unidade latino-americana, como mostra a tabela:
Caso
Data
Conselho
ou Reunião
de
Ministros
Recursos
Nível de
Ameaça
Consenso
EUA–
América
Latina
Consenso entre
Estados
Latino-
americanos
Resultado
Descrição
Guatemala
1954
Conselho
NA
Médio
Médio
Médio
Prevalência
EUA
Golpe que
removeu
presidente
Arbenz
República
Dominicana
1965
Ministros
Alto
Baixo
Baixo
Baixo
Prevalência
EUA
Golpe, contra-
golpe, operação
de paz, eleições
Nicarágua
1979
Ministros
Médio
Médio
Baixo
Alto
Unidade latino-
americana
Revolução
Sandinista,
rejeição da
proposta de
envio de uma
força de paz
Panamá
1989
Ministros
Baixo
Baixo
Baixo
Alto
Unidade latino-
americana /
Unilateralismo
dos EUA
Remoção de
Noriega do
poder
Haiti
1991
Ministros
Alto
Baixo
Alto
Alto
Consenso
Golpe militar
depõe presidente
Aristide
Peru
1992
Ministros
Baixo
Baixo
Alto
Alto
Consenso
“Auto-golpe” do
presidente
Fujimori
Guatemala
1993
Ministros
Baixo
Baixo
Alto
Alto
Consenso
“Auto-golpe do
presidente
Serrano
Paraguai
1996
Ministros
Baixo
Baixo
Alto
Alto
Consenso
General Oviedo
desafia o
presidente
Wasmosy
Venezuela
2002
Conselho
Médio
Baixo
Médio
Médio
Consenso
Breve
afastamento do
presidente
Chávez do
exercício de
poder
Fonte: Dados originais SHAW, 2004, pp. 96-100. Representação e tradução minhas.
Para uma avaliação mais criteriosa dos casos analisados, Shaw considera em seu
estudo, além do resultado das negociações, três componentes que os influenciaram: os
recursos disponíveis para a solução da crise, o fórum e número de integrantes que
tomaram a decisão, e o nível de ameaça do conflito em questão. É importante observar
que os assuntos relativos à democracia são, majoritariamente, classificados como casos
com um baixo nível de ameaça – diferente de casos de disputas entre dois Estados
membros por território, como o caso da Honduras e Nicarágua (1957), ou ameaças de
agressão, como no caso da Crise dos Mísseis de Cuba (1962).
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23
Uma transposição possível a partir desse estudo para o presente trabalho é a
observação de que de 1990 em diante a questão da democracia é tratada plenamente por
consenso. Apesar de suas preferências individuais oscilarem em relação aos casos de
ruptura da ordem democrática no continente, os EUA se posicionaram coerentemente
com o compromisso coletivo assumido no âmbito da OEA
11
contribuindo para a
continuidade da trajetória da organização no sentido de fortalecer esse compromisso.
Como houve apoio constante do hegemon regional ainda que variando em grau
às iniciativas coletivas de fortalecimento do compromisso hemisférico para com a
democracia a partir da década de 1990, é possível pensar apenas contra-factualmente em
como seriam os mesmos desenvolvimentos sem o respaldo dos EUA. Entretanto, o
presente trabalho prefere supor que a hipótese realista subsume uma série de variáveis
sociais capazes de oferecer uma percepção mais abrangente sobre o engajamento dos
Estados americanos em mecanismos de ação coletiva para a manutenção da ordem
democrática no hemisfério.
Ao mesmo tempo, vale clarificar que apesar de o sistema hemisférico ter sido por
muito tempo marcado por uma clivagem entre os EUA, por um lado, e a América Latina,
por outro, as duas partes nem sempre possuíram interesses antagônicos e os Estados
latino-americanos nem sempre se comportaram como um bloco. Sobre a questão da
democracia, como será visto a seguir, tendeu a existir uma forte polarização entre os
Estados latino-americanos que advogavam um maior ativismo da organização em casos
de crise, e os que defendiam o princípio da não-intervenção alertando para o fato de que a
ingerência da organização nos assuntos internos dos Estados membros poderia minar os
pilares do sistema hemisférico.
Outra hipótese levantada por van der Vleuten é a do papel da identidade
democrática da organização. A democracia representativa é um princípio ressaltado desde
a carta constitutiva da organização, e a despeito disso a OEA atua efetivamente na
promoção e defesa da democracia a partir do fim da guerra fria. De maneira geral, como
será visto em detalhe no capítulo seguinte, pode-se dizer que a organização passou por
quatro fases distintas desde a sua criação: de 1948 até meados da década de 1960,
11
Os exemplos mais pungentes disso são os casos da crise haitiana de 1991-1994 e do breve golpe
militar na Venezuela em 2002, que serão analisados nos capítulos seguintes.
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marcada pela afirmação da democracia como um de seus princípios constituintes e pelo
envio das primeiras missões eleitorais da OEA; a segunda, de meados de 1960 até 1979,
marcada pela intensificação da Guerra Fria e atuação limitada da OEA; a terceira de 1979
até 1990, marcada por um questionamento sobre o potencial legal e operacional da
organização de contornar crises como a da Nicarágua (1979) e a do Panamá (1989); e a
quarta de 1991 a 2001, marcada pela criação de mecanismos legais e operacionais para a
proteção da democracia no continente americano.
De fato, o compromisso coletivo para com a democracia, reassumido após a Guerra
Fria, destaca-se como um dos principais aspectos da redefinição pela qual passou a
organização no início dos anos 1990. Em termos normativos, os princípios que regiam as
relações hemisféricas no momento da assinatura da carta constitutiva da OEA em 1948
o princípio da não-intervenção e da resolução pacífica de conflitos, a afirmação da
soberania estatal, e a defesa da democracia representativa são os mesmos princípios
reafirmados cinco décadas mais tarde.
Contudo, como observa Carolyn Shaw, além do alargamento da agenda
hemisférica, tende-se a acreditar que houve também mudança na hierarquia entre esses
princípios:
“State sovereignty and nonintervention largely dominated security discussions from 1940s
to the 1990s. Recently, however, states have placed less emphasis on the principle of state
sovereignty in conflicts in which democracy is threatened, thus allowing for greater
multilateral intervention to address this concern.
12
Essa conciliação entre o princípio de não-intervenção e o direito à democracia, e
mesmo a prevalência do segundo sobre o primeiro nos casos de crise é, no entanto,
apenas um epifenômeno da atuação da OEA nesse mesmo sentido e não causa da
mudança o que leva à constatação de que é possível identificar uma variável mais
determinante, como por exemplo, a (re)democratização de grande parte dos Estados
americanos.
Deste modo, ainda que seja possível intuir que à medida que os Estados membros
democratizaram-se, também a identidade democrática da organização se fortaleceu e
vice-versa, essa relação não é suficiente para que se pense sobre os limites desse
engajamento (possíveis retrocessos, continuidade ou aprofundamento do compromisso
12
SHAW, 2004, p.154.
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25
com a democracia). Até que ponto, por exemplo, as rupturas com a ordem democrática
nos Estados membros alteram a identidade democrática da organização e até que ponto,
por outro lado, contribuem para o desenvolvimento do compromisso coletivo com a
democracia?
Reconsiderando as hipóteses testadas por van der Vleuten, percebemos que uma
alternativa certamente pouco explorada foi a da perspectiva institucionalista resumida
na hipótese do cálculo de custos e benefícios e centrada, sobretudo, no vel dos atores.
Surge então a oportunidade para a apresentação de uma nova hipótese institucionalista
que ressalte o papel da variável institucional. Devido à sua ênfase em processos e
seqüências de eventos que conformam o comportamento dos atores e a
mudança/continuidade das instituições ao longo do tempo e no espaço, o
institucionalismo histórico é a vertente do neo-institucionalismo que parece oferecer mais
instrumentos para a análise do compromisso multilateral para com a democracia
representativa nas Américas. Como observam Thelen e Steinmo:
“By placing the structuring factors at the center of the analysis, an institutional approach
allows the theorists to capture the complexity of real political situations, but not at the
expense of theoretical clarity. One of the great attractions and strengths of this approach is
how it strikes this balance between necessary complexity and desirable parsimony.
13
De fato, o objeto de estudo da análise proposta aqui o está no nível dos atores e
em seu cálculo racional, mas no comportamento linear da organização em relação à
defesa e promoção da democracia representativa no hemisfério. Esse comportamento,
como será visto, é dificilmente explicado por teorias racionalistas ou funcionalistas que
se concentram no nível dos atores.
Apesar da convergência entre os institucionalistas sobre a relevância das
instituições, pouco consenso há sobre a definição de instituições. Para o institucionalismo
histórico, devido à influência tanto da perspectiva sociológica quanto da escolha racional,
as instituições podem ser tratadas formalmente como padrões de interação e comunicação
entre os atores, estruturados por uma organização ou órgão semelhante, ou informalmente
como valores, idéias e normas sociais que determinam um conjunto de comportamentos
esperados. A grande inovação é que a perspectiva histórica permite que se compreendam
as instituições como agentes e objetos da história.
13
THELEN e STEINMO, 1992, p.13.
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26
Além disso, a natureza indutiva do estudo proposto está em concordância com o
projeto do institucionalismo histórico. Ao invés de deduzir hipóteses gerais sobre uma
realidade abstrata num esforço de abstração anterior à observação, a análise histórica visa
desenvolver hipóteses indutivamente a partir e em concomitância com a observação de
uma realidade concreta.
Nesse sentido, ao invés de oferecer um modelo teórico composto por hipóteses
gerais contendo relações causais entre variáveis observáveis e uma série de pressupostos
básicos, o institucionalismo histórico oferece conceitos-chave que podem ser utilizados
para verificar a plausibilidade das correlações observadas. Alguns desses conceitos-chave
serão apresentados a seguir:
2.2.1. Dependência da trajetória percorrida ou path dependence
O termo path dependence ou dependência da trajetória percorrida é frequentemente
citado quando se refere ao instrumental teórico do institucionalismo histórico. A idéia
imbuída no termo é a de que o caminho traçado até o presente momento estabelece os
limites e possibilidades das decisões que se tomará no futuro.
Admitindo-se os efeitos da dependência da trajetória percorrida, o número de
resultados políticos prováveis é reduzido; se para a escolha racional esse número se
restringe aos resultados possíveis do jogo de preferências, para o institucionalismo
histórico os resultados são limitados ainda pela coerência entre eles e os resultados
anteriores.
Isso não significa dizer que a política siga um movimento inercial
14
. Alegar uma
relação de dependência entre um determinado resultado e a trajetória percorrida não é o
mesmo que afirmar apenas a continuidade de um movimento iniciado no passado. Como
observa Pierson:
“Previous events in a sequence influence outcomes and trajectories but not necessarily by
inducing further movement in the same direction. Indeed, the path may matter precisely
because it tends to provoke a reaction in some other direction.
15
14
Apesar de Pierson (2000) apontar a inércia como uma das característica de path dependence
errôneo afirmar que todo movimento é inercial sobretudo porque Pierson trata nesse trabalho de
relacionar o conceito de path dependence à noção econômica de “retornos crescentes”.
15
PIERSON, 2000, p.252.
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27
Logo, se a continuidade de uma determinada trajetória é observada em detrimento
de outras trajetórias possíveis, o institucionalismo histórico propõe que se investiguem
seus antecedentes para uma compreensão mais ampla da situação. Trata-se, então, não de
determinismo histórico, mas da problematização das condições antecedentes,
normalmente pressupostas, que possibilitaram determinada conjuntura e a maneira como
os atores estão envolvidos nela.
O argumento que sustenta a continuidade de determinada trajetória é,
freqüentemente a noção econômica de que os benefícios relativos de uma trajetória
particular, comparados a trajetórias alternativas, se multiplicam ao longo do tempo. Isso
porque não o custo da mudança de trajetória aumenta à medida que se avança numa
trajetória particular, mas também porque algumas das alternativas possíveis
anteriormente não estão mais disponíveis para os atores
16
. A não ser que uma nova
ruptura venha reconfigurar os padrões estabelecidos, os resultados tendem a seguir uma
trajetória mais ou menos evidente.
Essa ênfase em situações críticas e momentos cruciais confere ao institucionalismo
histórico um potencial para compreender a evolução e a mudança institucional. Apesar de
prever que os atores tendem a se comportar coerentemente com a trajetória percorrida,
a perspectiva histórica as situações de crise como aberturas que possibilitam a
mudança de padrões e de rumo da nova trajetória. Nesse momento, é plenamente possível
que a nova trajetória tome uma direção contrária à trajetória percorrida até então, mas, aí,
o ponto de partida não é mais o mesmo e todo o caminho traçado não pode ser
ignorado. Como observou Ben Rosamond:
“Actors engaging in acts of institutional creativity at moment ‘t are not likely to
understand the long-term implications of that act, but the preferences of actors at ‘t+n’ will
have to operate in a context defined by those institutions.
17
Um último elemento embutido no conceito de path dependence é a dinâmica de
retro-alimentação. Como observa Kathleen Thelen: “once a set of institutions is in place,
actors adapt their strategies in ways that reflect but also reinforce the logic of the
16
PIERSON e SKOCPOL, 2002.
17
ROSAMOND, 2000, p.117.
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28
system.
18
” Logo, à medida que são levadas em consideração por um número considerável
de atores, as instituições tornam-se mecanismos retro-alimentáveis que tendem a
reproduzir-se no tempo a despeito de sua eficiência, efetividade, ou de sua relação com os
atores que a consideram.
2.2.2. Conseqüências não-pretendidas
O conceito de conseqüências não-pretendidas em si não possui valor explicativo,
mas serve para incentivar a problematização de resultados que não necessariamente
correspondem às preferências dos atores e cuja compreensão é frequentemente deturpada
por análises retrospectivas.
Segundo Pierson e Skocpol (2002), o institucionalismo histórico com ceticismo
as análises funcionalistas nas quais os resultados são explicados a partir de suas
conseqüências. Segundo ele, a suposição implícita ou explícita de que os atores
produziram esses resultados com o intuito justamente de produzir os efeitos observados.
De fato, não apenas as análises funcionalistas, mas também a da escolha racional
tendem a fazer esse caminho inverso, partindo dos resultados para as preferências e das
preferências para as condições antecedentes que as configuraram. Essa combinação do
método dedutivo com o método da regressão pode levar a constatações e conclusões
muito distantes da realidade e reduzir os resultados diversos a uma gama muito pequena
de resultados possíveis.
Essas perspectivas normalmente se enganam, sobretudo, ao exceder na
pressuposição tanto da previsibilidade dos resultados, quanto da assertividade e do
voluntarismo dos atores. Como observam Pierson e Skocpol:
“Even where actors may be greatly concerned about the future in their efforts to design
institutions, they operate in settings of great complexity and high uncertainty. As a
consequence, they will often make mistakes. Thus institutions may not be functional even
in a context of far-sighted actors, because they do not operate as intended.
19
Conseqüências não-pretendidas são especialmente usadas para explicar casos em
que os atores instituem procedimentos e processos de tomada de decisão que não se
18
THELEN, 1999, p.392.
19
PIERSON e SKOCPOL, 2002.
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29
traduzem em perda de autonomia num primeiro momento, mas que no longo prazo
transferem autoridade e competência do nível unitário para outro nível decisório em
assuntos sobre os quais os atores talvez preferissem tratar individualmente.
É o caso, por exemplo, da criação de mecanismos de ação coletiva que podem ter
sua aplicação estendida ou por um alargamento da agenda comum entre os atores, ou por
mudanças conjunturais que alterem as relações entre eles. Diferente de afirmar os efeitos
funcionais do spill-over ou de atribuir a posteriori um voluntarismo racionalista aos
atores, o institucionalismo histórico identifica no tempo a seqüência de eventos que
resultou no processo involuntário de formação de esquemas de governança e
transferência de poder. Considerada como uma conseqüência não-pretendida, essa
transferência de poder pode ser mais bem compreendida. Como observa Pierson
(1996:156), é natural que as preocupações do presente levem os atores a tomarem
decisões que comprometam sua soberania no futuro.
2.2.3. Sequencing e causas conjunturais
Ao buscar encontrar as causas para determinado fenômeno, teorias gerais tendem a
atribuir causalidade entre um número reduzido de variáveis num modelo aplicável ao
maior número de casos possível. Em estudos de caso (problem-driven) o processo tende a
ser o contrário: um número considerável de variáveis é levado em conta para explicar a
ocorrência de um fenômeno específico. Em ambos os casos, entretanto, pressupõe-se que
as variáveis independentes ajam, de fato, independentemente umas das outras na
conformação do comportamento que se busca explicar.
Um caráter distintivo do institucionalismo histórico nesse sentido é a premissa de
que as variáveis independentes ou operativas não sejam, por sua vez, independentes entre
si; elas interagem e essa interação altera a forma como elas influenciam os resultados.
Trata-se, então de causas conjunturais ou conjunturais causais que não possibilitam a
ocorrência de determinado resultado (como condições antecedentes), como também
levam a ele:
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30
“When it comes to analyzing the origins and impact of institutions, causally important
variables are often bundled together in the real world; and there may be alternative causal
paths to similar outcomes.
20
A noção de causas conjunturais permite que se considere um número relevante de
variáveis, sem que isso resulte em uma indeterminação
21
. De fato, é a conjuntura, e não
as variáveis individualmente, que imprime suas marcas nos resultados institucionais. Esse
tipo de análise é possível, entretanto, se o foco estiver não no nível dos atores, mas no
nível dos processos.
Além de compreender a interação entre seqüências de eventos ou trajetórias
simultâneas na formação de conjunturas como elementos essenciais da evolução das
instituições e da mudança institucional, o institucionalismo histórico observa também
como a ordem cronológica dos eventos influencia os resultados políticos.
Segundo Pierson e Skocpol (2002), essa análise cronológica ou sequencing importa
porque denota que, em qualquer processo em que se avança numa trajetória determinada,
as trajetórias alternativas tornam-se cada vez mais inacessíveis quanto mais longe no
tempo estiverem da situação atual.
20
PIERSON e SKOCPOL, 2000.
21
Diz-se que indeterminação quando muitas variáveis o consideradas e alteram os resultados
políticos, levando à dúvida sobre que fatores m maior ou menor relevância na determinação desses
resultados.
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31
3. Sobre a Democracia
3.1. Sobre a democracia no globo
Os diferentes processos de democratização que marcaram o período final da
guerra fria e a década de 1990 foram um desafio para as perspectivas teóricas dedicadas
ao estudo da chamada democracia moderna.
Enquanto alguns acadêmicos
1
afirmavam que a transição para a democracia era
um fenômeno global, outros argumentavam que os processos de transição observados em
diferentes regiões do globo apresentavam características distintas o suficiente para serem
tratados como eventos distintos. Especialistas na Europa Oriental, por exemplo,
relutavam em inserir as transições nos Estados satélites da ex-União Soviética no
contexto de uma onda democratizante global pós Guerra Fria
2
. Alegava-se, sobretudo,
que a transição de um regime ditatorial para a democracia no governo de um Estado era
diferente dos processos de democratização que seguiam a libertação de Estados do
domínio de uma potência, como é o caso dos países do leste.
Apesar do debate sobre a natureza dos processos de (re)democratização, ao final
da guerra fria diversos Estados passavam por algum tipo de transição de regimes
autoritários para regimes liberais e democráticos. Esse fenômeno gerou a inevitável
associação desses processos tanto entre si, quanto em relação a processos antecedentes
(como a redemocratização de países como Grécia, Portugal e Espanha). Nesse sentido,
além de levantar questões sobre a democratização como fenômeno global, o período
também instigou o debate sobre a normatividade da democracia representativa enquanto
instituição universal.
Sobre os resultados do debate entre “globalistas” e “regionalistas”, pode-se dizer
que, em função dele, grande parte das teorias existentes pode ser testada levando,
1
Ver, por exemplo, Samuel Huntington (1993), Democracy’s Third Wave.
2
Ver Phillipe Schmitter e Terry Lynn Karl (2002), Concepts, Assumptions and Hypothesis about
Democratization: Reflections on ‘Stretching’ from South to East.
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32
normalmente, à substituição de antigos pressupostos por critérios cada vez mais apurados
para a medição do grau de democracia (ou democraticness) e sobre a efetividade dos
processos de transição. Os pontos levantados por essas análises comparativas são
essenciais para a consolidação de certos pressupostos, antes colocados amplamente como
pressupostos de uma teoria geral, e que se provaram verdadeiros ou aplicáveis também na
análise das transições no leste-europeu; bem como para a refutação de outros postulados,
que se mostraram apenas variáveis acessórias para uma teoria geral devido a seu viés
regional.
Dentre os resultados desse debate podemos citar a sistematização de metodologias
para a medição da democracia no globo, como as elaboradas pela Freedom House e pelo
Regional Bureau for Latin America and Caribbean do PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento) e a criação de bancos de dados políticos como o
Political Database of the Americas, organizado pela Georgetown University. Os estudos
sobre as transições no leste-europeu, por exemplo, levaram em conta a base de dados
sobre outras regiões do mundo, tanto em termos metodológicos, quanto no sentido de
fazer análises comparativas, encontrando similaridades e diferenças entre eles.
A popularização desse tipo pesquisa deve-se principalmente à demanda por
estudos empíricos sobre o tema e à busca pelo acompanhamento da situação da
democracia em todo o mundo que, por conseguinte, levaram à mobilização de fundos
para o financiamento de think-thanks, grupos de estudo e organizações não-
governamentais
3
concentrados no assunto.
Sobre o questionamento da democracia enquanto instituição universal pode-se
dizer que a institucionalização do compromisso multilateral para com a democracia
representativa a partir de uma série de declarações, cartas e cláusulas, especialmente no
nível regional, levou a uma definição mais criteriosa do que se entende por democracia e
do próprio papel dos organismos internacionais na manutenção e defesa dessa instituição.
Para diversas organizações regionais, inclusive, o imperativo de ação de acordo com
princípios ou valores “democráticos” se transformou em um compromisso multilateral
formal para com o modelo de regime democrático, manifestado pela adoção de cláusulas
3
Entre outros, podemos citar a Transparency International, a Freedom House e o Latinobarómetro.
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33
democráticas. Para Theodore J. Piccone, diretor executivo do Democratic Coalition
Project:
“These documents and others reflect a global consensus around the meaning of democracy:
periodic multiparty elections that are free and fair, respect for fundamental civil rights,
universal and equal suffrage, an elected parliament, and independent judiciary a free press,
civilian and democratic control of the armed forces, and transparent and accountable
governance.
4
A União Européia (EU), por exemplo, manifesta seu compromisso para com a
democracia tanto como condição para a participação no bloco, quanto na relação com
Estados não-membros
5
. O artigo 49 de seu tratado constitucional define como critério
para participação na UE o respeito aos princípios que regem a união, a saber, “a
liberdade, a democracia e o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e
ao governo das leis
6
”. Da mesma forma, a UE adotou a prática de introduzir o
compromisso para com a democracia em quase todos os seus acordos com terceiros
países, prevendo a suspensão dos termos do acordo caso os princípios que regem as
relações exteriores
7
da UE fossem ameaçados.
Mais que isso, a UE estabelece, assim como o sistema interamericano, um
mecanismo de ação coletiva para os casos em que houver ruptura grave e persistente de
qualquer desses princípios. O Tratado de Nice, assinado em 2001, estabelece uma
seqüência de procedimentos envolvendo decisões do Conselho Europeu, do Parlamento e
dos chefes de Estado sobre a imposição de penalidades ao Estado infrator.
Outro exemplo de compromisso regional para com a ordem democrática está
presente no novo Ato Constitutivo da União Africana que substituiu a Organização da
União Africana (OUA). Em seu artigo 30, o documento prevê que os governos que
tomarem o poder por meios inconstitucionais terão participação suspensa das atividades
da união. Um mecanismo de ação coletiva foi também estabelecido pelos Estados
africanos através da Declaração de Lomé, 2001, que prevê a aplicação de sanções e
4
PICCONE, 2005, p. 101.
5
Para uma análise sobre a condicionalidade política na União Européia, ver Andrea Ribeiro
Hoffmann e Danilo A. Marcondes (2007), O processo de institucionalização da condicionalidade política
na União Européia e sua eficácia como um instrumento de promoção da democracia.
6
Princípios afirmados no Artigo 6 do Tratado da União Européia.
7
Tanto a política externa comum, quanto a política de segurança da União Européia ressaltam a
importância de se “desenvolver e consolidar a democracia e o governo das leis, e o respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais”.
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34
outras restrições ao governo ilegitimamente estabelecido a partir de um período de seis
meses após o golpe, durante o qual os Estados devem buscar restabelecer a ordem pela
via diplomática. O compromisso da UA para com a estabilidade e a democracia,
entretanto, não chega a constituir uma cláusula democrática nos moldes da européia ou
americana mesmo porque quase metade de seus membros não é governada por
representantes democraticamente eleitos. Como observa Piccone, “the AU democracy
clause is, in essence, a regime protection mechanism designed to deter coups again any
constitutional government, regardless how democratic it is.
8
No continente asiático, a ascensão de um paradigma democrático tem dado menos
sinais de consistência. Durante a cada de 1990, a ASEAN (Associação das Nações do
Sudeste Asiático) não se calou diante de crises democráticas como a do Camboja
com a deposição pela força do presidente eleito Prince Norodom Ranariddh, em 1997 –,
como também incorporou Burma (Miamar), Laos e Vietnã, a despeito da falta de
credenciais democráticos desses países
9
.
Nas Américas, por outro lado, a menção aberta a uma identidade democrática
esteve presente desde o final do século XIX, com a União Pan-Americana. O
compromisso coletivo para com a democracia representativa nas Américas consta na
carta constitutiva da Organização dos Estados Americanos, assinada em 1948, e foi
reafirmado por uma série de resoluções, protocolos e declarações, que serão vistos ao
longo do presente trabalho.
Em outros mecanismos regionais como a OSCE (Organização para a Segurança e
Cooperação da Europa), o Mercosul, a Comunidade Andina, a Commonwealth, e a
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a preocupação com a estabilidade
democrática está também manifestada através de cláusulas democráticas ou da afirmação
de princípios e objetivos.
Essa ocorrência global da concernência com a ordem constitucional e a proteção
das instituições democráticas, leva a percepção de que, apesar de não estar legalmente
8
PICCONE, 2005, p.118.
9
Para uma análise sobre o posicionamento da ASEAN nos casos de Miamar, Laos e Vietnã, ver
Anna van der Vleuten (2005), Contrasting cases: why SADC and ASEAN sometimes intervene to save
domestic democracy while sometimes they don’t.
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35
incluído entre as regras que adquiriram o status de jus cogens
10
(como o banimento da
tortura, a proibição da escravidão e a condenação do genocídio), o direito à governança
democrática tem sido um princípio bastante aplicado na prática entre os Estados.
3.2. Sobre a democracia nas Américas
Segundo Guilhermo O’Donnel, as democracias latino-americanas constituíram
por muito tempo – e ainda constituem – o exemplo clássico do que se chamou de “regime
híbrido”, “eleitoralismo”, ou autocracias disfarçadas de democracias por apresentarem
eleições livres e diretas
11
.
As origens sócio-históricas da instabilidade das instituições políticas nos países
latino-americanos remontam ao período colonial e seguem uma história de associação das
elites com as forças armadas, intervenções norte-americanas em apoio aos regimes
ditatoriais da segunda metade do século XX, e abusos de poder por parte do executivo.
Em termos gerais, entretanto, os países americanos são considerados
democráticos, com a exceção de Cuba, apresentam eleições periódicas, livres e diretas e
que guardam constitucionalmente uma série e liberdades políticas e civis. Ao mesmo
tempo, a qualidade das democracias do continente americano tem sido objeto de
diferentes estudos que concluem que apenas um número bastante reduzido desses Estados
possui todas as características pertinentes às democracias plenas.
Com o objetivo de prover análises comparativas e criar um panorama geral da
democracia no globo, a Freedom House
12
categorizou sete coeficientes (de A a G) que
constituem um indicador representativo da liberdade dos indivíduos em cada Estado.
Essas subcategorias foram elaboradas a partir da Declaração Universal dos Direitos
10
Segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, Artigo 53, jus cogens é o status
dado às normas peremptórias do direito internacional, aceitas e reconhecidas por toda a comunidade
internacional como normas que não podem ser derrogadas e que somente podem ser modificadas por outra
norma geral de mesmo caráter.
11
O’DONNEL, 2004.
12
Apesar de o índice elaborado pela Freedom House ser criticado por pesquisadores como Gerardo
Munk e Jay Verkuilen (2005), e Philippe Schmitter e Carsten Schneider (2004) como um indicador
“deficiente e distorcido, especialmente quando usado para medir variações entre regiões ou entre diferentes
períodos em um mesmo país”, ele será acessado aqui como a avaliação de uma organização idônea, não-
partidária e sem fins lucrativos sobre o status da democracia no mundo. Os dados apresentados referem-se
ao período de dezembro de 2005 a dezembro de 2006.
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36
Humanos e representam os componentes fundamentais da liberdade entendida em dois
vetores: direitos políticos e liberdades civis, avaliados de 1 a 7 (sendo 1 o mais próximo
do ideal). Os países marcados com asterisco são democracias eleitorais
13
. A legenda e a
tabela abaixo, contendo apenas os dados dos países do continente americano, permitem
compreender como os Estados são avaliados:
Direitos Políticos Liberdades Civis
A: Processo Eleitoral D: Liberdade de Expressão e Crença
B: Pluralismo Político e Participação E: Direito à Organização e à Associação
C: Funcionamento do Governo F: Governo das Leis
G: Autonomia e direitos individuais
Países
Direitos
Políticos
Liberdades
Civis
Status
Antígua e Barbuda* 2 2 Livre
Argentina* 2 2 Livre
Bahamas* 1 1 Livre
Barbados* 1 1 Livre
Belize* 1 2 Livre
Bolívia* 3 3 Parcialmente Livre
Brasil* 2 2 Livre
Canadá* 1 1 Livre
Chile* 1 1 Livre
Colômbia* 3 3 Parcialmente Livre
Costa Rica* 1 1 Livre
Cuba 7 7 Não Livre
Dominica* 1 1 Livre
Equador* 3 3 Parcialmente Livre
El Salvador* 2 3 Livre
Estados Unidos* 1 1 Livre
Grenada* 1 2 Livre
Guatemala* 3 4 Parcialmente Livre
Guiana* 2 3 Livre
Haiti* 4 5 Parcialmente Livre
Honduras* 3 3 Parcialmente Livre
Jamaica* 2 3 Livre
México* 2 3 Livre
Nicarágua* 3 3 Parcialmente Livre
Panamá* 1 2 Livre
13
Democracias que possuem sistema político competitivo e multipartidário, sufrágio universal para
todos os indivíduos adultos a não ser que a suspensão do direito ao voto seja aplicada como pena por
crimes cometidos eleições regulares, secretas e seguras, ausência de fraudes graves que levem a
resultados não-representativos da vontade popular. Freedom House Annual Report, 2007.
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37
Paraguai* 3 3 Parcialmente Livre
Peru* 2 3 Livre
República Dominicana* 2 2 Livre
St. Kitts e Nevis* 1 1 Livre
Santa Lucia* 1 1 Livre
São Vincent e Grenadinas* 2 1 Livre
Suriname* 2 2 Livre
Trindade e Tobago* 2 2 Livre
Uruguai* 1 1 Livre
Venezuela* 4 4 Parcialmente Livre
Fonte: Freedom House (Freedom in the World 2007: Country Subscores). Tradução e seleção de
dados minhas.
Fonte: Freedom House Annual Report, 2007.
Fonte: Freedom House Annual Report, 2007.
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38
Segundo o relatório de 2007 da Freedom House, apenas vinte e cinco entre os trinta
e cinco países americanos são considerados livres
14
(um status atribuído às democracias
com base na consideração de dois quesitos: direitos políticos e liberdades civis); nove
Estados americanos, Bolívia, Colômbia, Equador, Guatemala, Haiti, Honduras,
Nicarágua, Paraguai e Venezuela, são considerados parcialmente livres
15
; e Cuba é
considerada não-livre
16
.
Em relação ao período de 2004-2005, houve melhora nos coeficientes de Direitos
Políticos da Guatemala, Guiana (passando de Parcialmente Livre para Livre), Haiti (que
também registrou melhora no coeficiente de Liberdades Civis e passou de Não Livre para
Parcialmente Livre) e Trindade e Tobago. O único país do continente americano a
apresentar retrocessos foi o México, com queda de um ponto no coeficiente de
Liberdades Civis.
Comparado a outras regiões do globo, o continente americano teve desempenho
destacado. O relatório 2007 registrou retrocessos e estagnação na África, Ásia e do
Pacífico e em países da ex-União Soviética
17
. Ademais, todos os países do sistema
hemisférico
18
foram caracterizados como democracias eleitorais, o que significa que se
trata efetivamente de uma comunidade democrática.
Por outro lado, uma pesquisa de opinião
19
organizada em 17 Estados latino-
americanos revelou que, em 2001, o apoio à democracia na região era menor que 50%
(atingindo o menor índice do período de 1995-2005) e a satisfação com o regime
democrático caíra de 37% em 2000 para apenas 25% em 2001. Os resultados da pesquisa,
justificados pelos próprios organizadores do índice, foram fortemente influenciados pelos
efeitos da crise econômica mundial sobre as economias nacionais que determinaram
14
Um país livre é aquele que apresenta espaço aberto para a competição política, um clima de
respeito às liberdades civis e mídia independente.
15
Um país parcialmente livre é aquele que apresenta respeito limitado aos direitos políticos e
liberdades civis. Normalmente, países que apresentam indícios de corrupção, fraco governo das leis,
conflitos étnicos ou religiosos ou cujo pluralismo partidário não existe na prática.
16
Um país não livre é aquele onde os direitos políticos estão ausentes e as liberdades civis ampla e
sistematicamente violadas.
17
PUDDINGTON, 2007. Relatório para a Freedom House. “Freedom in the World 2007: Freedom
stagnation amid pushback against democracy”.
18
Cuba é o único país do hemisfério que não está entre o grupo de democracias eleitorais no ranking
da Freedom House.
19
Latinobarómetro, 2001. Pesquisa de opinião feita por amostragem entre os meses de abril e
maio de 2001, em 17 Estados latino-americanos (amostra representativa de 480 milhões de habitantes).
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39
negativamente a opinião dos cidadãos sobre o regime que os rege. Mas essa correlação
entre o desempenho econômico dos governos e a forma pela qual os cidadãos avaliam a
democracia não diminui a constatação de que 19% dos pesquisados em 2001 acreditavam
que, em determinadas circunstâncias, um governo autoritário é preferível a um governo
democrático, e outros 21% responderam que não importa o regime, o resultado é o
mesmo.
Mais que isso, além dos altos índices de desigualdade e criminalidade, e do
quadro de crônico de corrupção na vida política, os países latino-americanos são também
apontados por graves violações dos direitos humanos. Um relatório da Comissão de
Direitos Humanos da OEA em outubro de 2006, por exemplo, aponta Cuba, Colômbia,
Haiti e Venezuela como desafios para a garantia dos direitos humanos no mundo
20
.
Todos esses diagnósticos sobre a situação das democracias latino-americanas são
um alerta para o questionamento central deste trabalho. Para se compreender como se
desenvolveu o que se chama de paradigma democrático, e necessário perguntar sobre que
democracia se está falando. Se um terço dos países americanos apenas não é considerado
plenamente democrático, que tipo de democracia a organização está a defender?
3.3. Sobre a OEA e o compromisso com a democracia
A promoção da democracia representativa é hoje um dos objetivos centrais da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e um de seus princípios mais revigorados,
afirmado desde 1948, em sua carta constitutiva até hoje, por uma série de declarações,
resoluções, emendas constitucionais.
Ao longo de mais de meio século, o que se compreendeu por democracia
representativa mudou de acordo com os diferentes contextos que pautavam as relações
hemisféricas. Ao final da segunda guerra mundial, o nacionalismo extremado do nazismo
e do fascismo e o autoritarismo e a falta de transparência do comunismo soviético
representavam as ameaças que haviam perturbado a estabilidade e a paz no sistema
internacional. A restauração do mundo pós-guerra demandava, então, o combate aos
20
Comunicado de Imprensa N° 37/06, OEA, Washington, D.C., 27 de outubro de 2006.
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40
regimes autoritários e o fortalecimento do multilateralismo e da autodeterminação
democrática dos povos.
A criação das organizações internacionais, nesse sentido, visava fortalecer o
multilateralismo e garantir que os objetivos comuns dos Estados pudessem ser alcançados
a partir de esforços conjuntos. a desejabilidade do regime democrático se justificava,
numa perspectiva liberal, por ter ele incorporado em si características como a
transparência das decisões do governo, a abertura ao diálogo, a busca pela estabilidade e
a minimização de conflitos internos e a tendência à resolução pacífica de controvérsias no
contexto internacional. Logo, a democracia se tornou o sistema ideal para o engajamento
internacional por aumentar a confiabilidade das relações entre os parceiros e fundá-las em
valores como o progresso e a paz. Ao mesmo tempo, esses engajamentos passaram a
reforçar a democracia como um requisito de importância ressaltada, tanto para o
aprofundamento quanto para o alargamento das relações, formando um mínimo comum
ou mesmo uma identidade mínima que define a própria condição de parceria. Esse
movimento recíproco está bem expresso na passagem abaixo:
“Once in place, the democratic character of the states has facilitated the further growth of
intergovernmental institutions and commitments, created deepen linkages between these
states, and made it increasingly difficult for alternative orders to replace the existing
one.
21
Em 1959, durante a Quinta Reunião de Consulta dos Ministros das Relações
Exteriores em Santiago do Chile, uma declaração, apresentada pela delegação brasileira e
aprovada pela cúpula de ministros presentes, observou que a existência de regimes
autoritários no continente era um obstáculo à paz e uma violação dos princípios
ordenadores da organização. A Declaração de Santiago, como ficou conhecida, é uma das
primeiras declarações de intenção na OEA que manifesta o desejo dos Estados membros
de tratar da questão da democracia numa perspectiva hemisférica e no âmbito de uma
organização internacional regional.
Essa relação entre o multilateralismo e a democracia inseriu e fortaleceu a defesa
da democracia enquanto sistema de governo numa perspectiva global, tendo-a tanto como
modelo de regime político para os Estados, quanto como princípio constitutivo das
organizações internacionais.
21
IKENBERRY, 2001, p.5.
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41
Durante o conflito bipolar da guerra fria, entretanto, a questão da democracia se
constituiu num ponto sensível da política mundial. Ao mesmo tempo em que governos
autoritários eram indesejáveis, pela falta de transparência e pela opressão popular, a
permeabilidade dos ideais comunistas era maior nas democracias dos países em
desenvolvimento.
No continente americano, a fragilidade das instituições políticas e as profundas
desigualdades sociais dos países latino-americanos justificaram uma política agressiva
dos Estados Unidos no sentido de sufocar os movimentos populares que acabou se
convertendo no apoio às ditaduras militares ligadas às elites. Como salienta César
Gaviria, ex-Secretário-Geral da OEA, não a democracia, mas nenhum dos princípios
da OEA, nem os ligados à paz ou à segurança foram atendidos de maneira devida até a
queda do muro de Berlim
22
.
Em 1979, uma crise na Nicarágua mobilizou mais esforços políticos no âmbito
regional que em décadas anteriores. A reunião de ministros de 1979 condenou o regime
de Somoza pelo desrespeito aos direitos humanos e aprovou uma resolução que exigia a
imediata sucessão de seu governo por outro, baseado nos princípios democráticos e
demais princípios da OEA. Como observam Acevedo e Grossman, a ação da OEA na
Nicarágua não pode ser vista como uma “expressão de consistência política da
organização contra todos os regimes não-democráticos”, mas deve ter a importância de
ter levantado o tema da “legitimidade de julgamentos regionais concernentes às
credenciais políticas de um Estado membro
23
.” Segundo Cooper e Legler, a aprovação
dessa resolução constitui o “primeiro sinal de uma mudança substancial para um tipo de
doutrina pró-democracia
24
”, no típico estilo em que o caso específico cria a regra:
“Not only did the resolution nudge the OAS toward setting an obligation to advance
democracy in the Americas, it also sent a clear signal that the organization was prepared to
denounce anti-democratic governments on at least a selective basis. Implicitly, the
resolution created an important new function for the OAS: a legitimizing (or de-
legitimizing) mechanism for the region’s governments.
25
22
GAVIRIA, 2004, p. 13.
23
ACEVEDO e GROSSMAN, 1996, p.138.
24
COOPER e LEGLER, 2006, p.24.
25
COOPER e LEGLER, 2006, p.25.
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42
Esse precedente é importante, sobretudo, porque no momento em que a resolução
é aprovada, muitos dos Estados membros da OEA possuíam governos autoritários
acusados de desrespeitos graves aos direitos humanos.
Uma cada depois, outra crise assolou a América Central, exigindo novo
posicionamento da OEA. A crise do Panamá
26
, de 1989, evidenciou a incapacidade da
OEA em contornar crises, exigir retratações e restaurar a ordem democrática por meio
dos fracos mecanismos de coerção que possuía. A intervenção unilateral dos Estados
Unidos, em dezembro de 1989, justificada pela necessidade de se manter a ordem
democrática no continente acabou resultando na restauração da democracia panamenha,
mas deixou duas sérias questões para a organização regional: primeiro questionou a
solidez do compromisso para com a não-intervenção entre os países do continente; e,
segundo, questionou a capacidade da organização de responder efetivamente aos desafios
impostos à democracia na região.
Até a década de 1990, a atuação da OEA no sentido de contornar as crises geradas
pela ruptura com a ordem democrática carecia de mecanismos legais e operacionais. Mas
uma reforma à carta da organização, introduzida em 1985, pelo Protocolo de Cartagena
das Índias, que dispôs entre a natureza e os propósitos da organização a promoção e
consolidação da democracia, sinalizava para o desejo dos países membros de afirmar seu
compromisso para com o modelo democrático. Da mesma forma, em 1986, uma
resolução da Assembléia Geral
27
clamou os Estados a instaurarem regimes democráticos
de eleições livres.
A partir da década de 1990, as resoluções e protocolos ganharam mais força
operativa, e alguns compromissos chegaram, inclusive, a ter força vinculante. A
conclusão dos processos de (re)democratização de países na América do Sul e Central
reforçou a necessidade e a legitimidade da afirmação de compromissos que ampliavam os
horizontes de atuação da OEA e reconciliavam os princípios da não-intervenção e da
promoção da democracia. Segundo Tom Farer, esse movimento marcou o interesse dos
países americanos em “codificar os múltiplos precedentes de intervenção internacional
26
Em 1989, General Manuel Antonio Noriega, cancelou os resultados das eleições no Panamá.
27
AG/RES.837 (XVI-0/86).
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43
em favor da democracia e dos direitos humanos transformando a preferência retórica pela
democracia num compromisso em agir em seu favor
28
”.
Esse momento é marcado, sobretudo, pela deliberação crescente das organizações
internacionais em assuntos de jurisdição interna dos Estados, como o regime de governo,
o respeito aos direitos humanos, o combate à pobreza e a proteção ao meio-ambiente.
Segundo Irene Câmara:
“Com o fim da Guerra Fria e o desmoronamento do sistema bipolar de poder, acentuou-se
a tendência de ‘horizontalizar’ a tomada de decisões em questões de interesse geral,
passando os foros de representação a ser cada vez mais utilizados como instâncias de
decisão em questões até muito recentemente reconhecidas como de competência interna
dos Estados
29
.”
Isso significa que algum espaço foi criado entre o imperativo da não-intervenção,
que sempre regeu as relações hemisféricas, e os esforços de ação coletiva em relação a
assuntos domésticos antes pertinentes exclusivamente ao domínio interno dos Estados.
Esse movimento é característico também do sistema de segurança hemisférico, que
passou, a partir de então, a dar ênfase às ameaças geradas pela atuação de atores não-
estatais e grupos sociais e a ampliar o foco de assuntos concernentes apenas às relações
entre os Estados para todos os tipos de relações que atinjam ou arrisquem a segurança de
seus indivíduos
30
.
Essa conciliação entre os princípios da não-intervenção e da promoção da
democracia representativa, no âmbito da OEA, foi possibilitada, principalmente, pelo
crescente papel das normas no sistema internacional, em especial pelo desenvolvimento
do direito interamericano:
“El Derecho Internacional en América ha ampliado su acción al ámbito de la organización
política interna, en lo referido a los elementos esenciales de la Democracia Representativa
que no puede vulnerarse y al debido respeto a los Derechos Humanos, obligaciones
convencionalmente establecidas para los Estados Miembros de la OEA.
31
O principal mecanismo criado para a proteção da democracia no continente durante
a década de 1990 foi uma resolução da Assembléia Geral
32
da OEA adotada em Santiago,
28
FARER, 1996, p. 14.
29
CÂMARA, 1998, p. 11-12.
30
Para uma análise sobre a redefinição do conceito de segurança hemisférica, ver Mônica Herz
(2005), El Sistema de Seguridad Latinoamericana.
31
SACASA, 2005, p.136.
32
AG/RES. 1080 (XXI-O/91), de 5 de junho de 1991.
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44
no Chile, em 1991. A resolução concebida na mesma reunião de cúpula que adotou o
“Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovação do Sistema
Interamericano” facultava ao Secretário-Geral da organização reagir imediatamente
diante da interrupção abrupta e irregular do legítimo exercício de poder de um governo
democraticamente eleito em qualquer um dos países membros. Entre 1991 e 2000, a
Resolução 1080 foi invocada quatro vezes: Haiti (1991), Peru (1992), Guatemala (1993)
e Paraguai (1999). Ainda em 1991, o Conselho Permanente implementou uma resolução
da Assembléia Geral para a criação de uma Unidade para a Promoção da Democracia. A
UPD estabelece relações diretas com os governos, universidades, ONU e outras
organizações regionais e sub-regionais e é o órgão que organiza as missões de observação
eleitoral da OEA.
Em 1992, a Declaração de Nassau
33
recomendava à OEA o desenvolvimento de
mecanismos para prover os Estados membros de toda assistência necessária para
construir, preservar e fortalecer a democracia representativa. No mesmo ano, o Protocolo
de Washington emendou a Carta Constitutiva da OEA permitindo a suspensão do Estado
membro cujo governo democraticamente eleito fosse deposto à força. Esse protocolo
encontrou, assim como a Resolução 1080, forte resistência entre os países membros que,
como o México, alegavam a desvirtuamento do papel da OEA, e entrou em vigor em
1997, após ratificação de dois terços das assinaturas dos membros.
No ano seguinte, a assembléia geral assinou a Declaração de Manágua
34
, que
atrelava os temas da Democracia, Paz e Desenvolvimento nas relações internacionais no
continente, e instruiu o Departamento de Assuntos Políticos e de Democracia a promover
a cooperação entre os membros na organização de seminários, estudos, pesquisas e
análises sobre os obstáculos à democracia na região e os meios de superá-los.
Com base nesses três mecanismos (a Resolução 1080, a UPD e o Protocolo de
Washington), a OEA passou a atuar paulatinamente para o fortalecimento das
democracias no continente. A UPD possui hoje um intenso programa de educação
democrática, que inclui a formação de lideranças e a dispersão de uma cultura política
democrática no continente. Não obstante, sua atividade central ainda é a organização de
33
AG/DEC.1 (XXX-0/92), de 19 de maio de 1992.
34
AG/DEC.4 (XXIII-0/93), de 8 de junho de 1993.
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45
missões de observação eleitoral para monitorar os processos democráticos em todos os
Estados que requerem sua assistência.
De 1990 a 1994, foram enviadas 21 missões de observação eleitoral a diferentes
países; de 1995 a 1999, foram 25; e de 2000 a 2006, foram 45. O gráfico abaixo permite
que se tenha em perspectiva a crescente atuação da OEA desde sua primeira intervenção
preventiva na Costa Rica, em 1962, até hoje. Têm destaque dois períodos retratados pelo
gráfico: o período entre o fim da década de 1960 até o início da década de 1990,
marcando abaixo dos dois pontos, exceto por algumas intervenções pontuais; e o período
a partir de 1989, marcado pela intensificação da participação da OEA nos processos
eleitorais do continente.
Missões Eleitorais - OEA (1962-2006)
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
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6
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0
4
2
0
0
5
2
0
0
6
N º d e m is s õ e s
Fonte: Dados divulgados pelo Departamento de Assuntos Políticos e de Democracia da
Organização dos Estados Americanos. Livre manipulação de dados e formulação de gráfico na
linha temporal.
As primeiras missões de observação eleitoral envolviam o envio de pessoal
qualificado para presenciar e confeccionar relatórios no dia das eleições. as missões
atuais incluem o monitoramento do cadastramento de eleitores e das campanhas
eleitorais, bem como do processo de votação e de contagem de votos.
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46
Esses três mecanismos foram acessados e reforçaram-se mutuamente durante toda a
década de 1990, mas pode-se dizer que ao final do milênio, os desafios à democracia
representativa no continente haviam se distanciado muito dos casos previstos pelos
mecanismos existentes. Ao mesmo tempo, a atuação da OEA em outros assuntos como a
proteção dos direitos humanos, na remoção de minas terrestres, na solução pacífica de
controvérsias entre os Estados membros e em operações pós-conflito ajudou a expandir
os limites internos do debate sobre a promoção da democracia representativa no
hemisfério e retirou alguns entraves à criação de um mecanismo de ação coletiva mais
eficaz.
A Carta Democrática Interamericana, proposta pelo Peru, e adotada em 11 de
setembro de 2001, representa esse avanço. O texto da Carta reitera os mecanismos que
estavam à disposição do sistema interamericano para a defesa da democracia, mas inova
também em diversos aspectos.
Os Artigos 3 e 4 da Carta Democrática Interamericana estabelecem os elementos
essenciais da democracia representativa e os elementos necessários para o seu
fortalecimento:
Artigo 3
São elementos essenciais da democracia representativa a realização de eleições livres e
justas como expressão da soberania popular, o acesso ao poder por meios constitucionais, o
regime pluralista de partidos e organizações políticas e o respeito aos direitos humanos e às
liberdades fundamentais.
Artigo 4
O fortalecimento da democracia requer transparência, probidade, responsabilidade e
eficácia no exercício do poder público, respeito pelos direitos sociais, liberdade de
imprensa e desenvolvimento econômico e social.
A caracterização legal do que se espera de um regime democrático, é uma inovação
significativa em relação à Resolução 1080, que apenas se encarrega de tipificar o que
constitui uma ruptura com esse regime. Essa inovação conceitual implica indiretamente
na ampliação do horizonte de atuação da organização ao sugerir que, não apenas no caso
de interrupção abrupta do exercício legítimo do poder, mas também em casos de não
cumprimento ou não observância dos elementos essenciais da democracia, a OEA pode
ser chamada a atuar.
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47
Outros dois artigos estabelecem novos procedimentos para a atuação dos órgãos da
OEA em casos de crise da ordem democrática. As disposições dos artigos 18 e 20
estendem a qualquer Estado membro da OEA, além do Secretário-Geral, o direito de
pedir a convocação do Conselho Permanente para deliberar sobre casos de ruptura com a
ordem democrática em outro Estado, sejam eles afetados ou não. Trata-se de uma
ampliação do mecanismo de ação coletiva que, a partir dessas disposições, torna-se mais
acessível aos Estados membros.
A Carta foi acessada pela primeira vez em seguida do golpe que afastou
temporariamente do poder o presidente venezuelano democraticamente eleito, Hugo
Chávez, em abril de 2002, e outras seis vezes desde a sua assinatura.
Partindo dessa retomada histórica do processo de institucionalização do
compromisso coletivo para com a democracia representativa no hemisfério, o presente
trabalho visa oferecer uma análise institucionalista das trajetórias que geraram ou
possibilitaram esse resultado político no âmbito da OEA.
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48
4. A Resolução 1080 e as lições dos anos 1990
4.1. A Resolução 1080
A Resolução 1080
1
é, sem dúvidas, a mais conhecida resolução da Assembléia
Geral da OEA. Deve-se isso aos diversos casos em que ela foi invocada, revelando, ao
mesmo tempo, sua atualidade e sua aplicabilidade prática.
Intitulada “Democracia Representativa”, a Resolução 1080 foi votada e aprovada
em 5 de junho de 1991, durante o 21º período de sessões da Assembléia Geral da OEA.
Durante o mesmo período, foi aprovado também o chamado “Compromisso de Santiago
com a Democracia e a Renovação do Sistema Interamericano” que reafirmou o elo entre
a democracia, a segurança hemisférica, o respeito aos direitos humanos e o
desenvolvimento.
Comparada ao Compromisso de Santiago e aos demais compromissos assumidos
em favor da democracia no hemisfério, a Resolução 1080 apresenta grandes inovações:
cria um mecanismo de ação coletiva que faculta atores responsáveis pelo seu
acionamento e denomina os fóruns nos quais as decisões devem ser tomadas; estabelece
um prazo para que a os órgãos da organização cheguem a alguma conclusão sobre como
agir; tipifica o caso em que o mecanismo deve ser acionado; e delega ao Conselho
Permanente a tarefa de elaborar propostas para o desenvolvimento institucional da
organização na promoção e defesa da democracia. Tudo isso num documento de apenas
três cláusulas operativas.
O mecanismo que a Resolução 1080 estabelece é simples. O caso tipificado para a
invocação da resolução é o da “interrupção abrupta ou irregular do processo democrático
ou do legítimo exercício de poder por um governo democraticamente eleito em qualquer
dos Estados membros da Organização” – caso típico dos golpes de Estado que assolaram
a região durante as décadas anteriores. Cabe ao Secretário-Geral observar os indícios
1
AG/RES. 1080 (XXI-O/91), de 5 de junho de 1991.
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49
dessa ruptura e convocar imediatamente o Conselho Permanente. Ao Conselho cabe
examinar a situação e decidir sobre a convocação de dois outros órgãos: a reunião ad hoc
de Ministros das Relações Exteriores ou uma sessão extraordinária da Assembléia Geral.
O objetivo dessa nova convocação é, segundo o Artigo 2 da resolução, o de “analisar
coletivamente os ocorridos e adotar as decisões que se estime apropriadas
2
”.
O termo “decisões apropriadas” parece, a princípio, abrir espaço para um universo
muito amplo de medidas políticas. Todavia, é válido lembrar que a atuação da
organização é limitada pela escassez de recursos, pela vontade de seus membros e pelo
princípio da não-intervenção (reafirmado inclusive no preâmbulo da Resolução 1080). De
fato, apesar do mecanismo de ação coletiva criado pela Resolução 1080 conferir à
organização competência e agilidade no sentido de contornar crises, suas decisões
carecem de um caráter vinculante que as faça serem efetivamente implementadas pelos
Estados membros. Isso revela um dilema interno, comum às organizações regionais, que
se caracteriza por sua incapacidade de vincular os países membros a decisões não-
consensuais. Como observa Barbara McDougall:
“Like many other regional organizations, the OAS operates on consensus, which means,
essentially, unanimity. It also does not have the means to impose binding measures on its
members: all actions falling out the OAS resolutions are voluntary.
3
Sendo a Resolução 1080 uma resolução adotada pela Assembléia Geral da OEA
tendo, portanto, caráter recomendatório e não-vinculante ela é válida para todos os
Estados membros da organização e obriga seus conselhos e demais órgãos internos.
Entretanto, as decisões advindas do mecanismo de ação coletiva que ela institui podem
assumir um caráter de adesão voluntária, dependendo do nível de consenso pelos
membros da assembléia
4
.
Como observam Thérien e Gosselin (1997), apesar de estar em concordância com
uma série de declarações e resoluções anteriores afirmando o compromisso para com a
preservação da democracia no hemisfério (como visto no primeiro capítulo), “[a]
Resolução 1080, amplamente reconhecida como uma conquista importante na esfera da
2
Artigo 2 da Resolução 1080 (AG/Res.1080 XXI-O/91).
3
MACDOUGALL, 1999, p.393.
4
Esse foi o caso, por exemplo, das sanções aplicadas ao Haiti após o golpe de 1991.
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cooperação interamericana, não foi adotada com facilidade.
5
Brasil, Colômbia e México
apresentaram reservas à adoção da resolução, enquanto a Venezuela, o Chile a Argentina
e o Canadá demonstraram certo ativismo em favor de sua aprovação.
Apesar de todas as ressalvas feitas em relação às disposições da Resolução 1080,
o documento foi aprovado por maioria absoluta e passou a ser válido para todos os
Estados membros da organização, indiscriminadamente. Sua relevância política para as
relações interamericanas ao final da Guerra Fria se deve à institucionalização de um
mecanismo de resposta rápida às crises democráticas e à afirmação da prevalência do
multilateralismo sobre o unilateralismo em questões de democracia no hemisfério.
4.2. Haiti (1991)
Entre 1974 e 1990, aproximadamente 30 países faziam a transição para o regime
democrático
6
, entre eles o Haiti. Com o apoio de observadores enviados pela ONU e pela
OEA, as eleições de 1990 no Haiti ocorreram sem sobressaltos resultando na escolha, por
67% dos votos, de Jean-Bertrand Aristide para presidente. Aristide foi eleito sem o apoio
das elites e, sobretudo, sem o apoio das forças armadas, que organizaram um golpe para
tomar o poder logo após a sua posse.
Na madrugada de 30 de setembro de 1991, o primeiro presidente democraticamente
eleito no Haiti foi deposto por um golpe militar que deu início a um período de quatro
anos de crise política, marcada pela participação de organizações internacionais e pela
sensibilização da sociedade civil em relação aos desrespeitos dos direitos humanos e dos
ideais democráticos naquele país. O ocorrido constituiu um desafio especialmente para a
Organização dos Estados Americanos, que havia, três meses antes, adotado um
compromisso para com a democracia e a renovação do sistema interamericano.
Na manhã do mesmo dia, o Secretário-Geral da OEA convocou uma reunião do
Conselho Permanente para discutir a situação política do Haiti, pedindo ao Conselho que
examinasse a questão a partir da Resolução 1080. Em retaliação à ruptura da ordem
constitucional no Haiti, o Conselho Permanente aprovou uma resolução
7
condenando o
5
THÉRIEN e GOSSELIN, 1997, p.202.
6
HUNTINGTON, 1993, p.3.
7
CP/Res.567, de 30 de setembro de 1991.
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golpe e seus perpetradores, exigindo a imediata restituição do governo de Aristide, e
convocando uma reunião ad hoc de Ministros das Relações Exteriores para deliberarem
sobre os recursos políticos e diplomáticos a serem empregados no intuito de inibir os
mentores do golpe e restaurar a ordem democrática no país.
A reunião ad hoc de Ministros contou com a presença do presidente Aristide,
asilado na Venezuela desde o golpe, quem narrou os eventos do dia 30 e solicitou o envio
de uma delegação da OEA com urgência ao seu país. Com o consentimento dos Ministros
reunidos, uma missão de alto-nível chefiada pelo Secretário-Geral chegou ao Haiti em 4
de outubro.
Durante os três dias em que esteve no Haiti, a missão entrevistou o General Raoul
Cédras, autor do golpe e auto-proclamado presidente, membros do parlamento e
partidários de Aristide, e ainda diversos membros da sociedade civil, que revelaram a
polarização da opinião pública a respeito do presidente eleito sobretudo em relação ao
seu passado político supostamente marcado por abusos de poder e pelo uso de violência
contra seus opositores.
Em uma segunda visita ao país, a missão foi surpreendida por uma invasão de
militares à sala onde se reunia, declarando terminadas as suas atividades no país. No
mesmo dia, as forças armadas também tomaram o parlamento, proclamando o juiz do
Supremo Tribunal, Joseph Nerette, como presidente interino do Haiti.
Numa segunda resolução
8
, de 8 de outubro de 1991, os Ministros reunidos em uma
nova reunião ad hoc decidiram impor um embargo comercial voluntário e o
congelamento dos recursos financeiros destinados ao Haiti e ainda, declararam o não-
reconhecimento por parte da organização de qualquer representante do governo de facto.
Atendendo ao pedido do presidente Aristide, os Ministros também solicitaram ao
Secretário-Geral que organizasse e enviasse uma missão de caráter civil ao Haiti (a OEA-
DEMOC) e mantivesse aberto o diálogo com grupos e instituições democráticas naquele
país. Como observou o Secretário-Geral Baena Soares, a OEA-DEMOC foi uma missão
sui generis:
“Tratava-se de enviar ao Haiti um grupo de pessoas que atuariam em nome de uma
organização internacional que recusava todo tratamento formal com detentores do poder
8
MRE/Res. 2/91, de 8 outubro de 1991.
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nesse Estado membro. Era imprescindível alcançar esse objetivo sem praticar nenhuma
ação que pudesse ser interpretada como um reconhecimento sequer implícito dos autores
do golpe.
9
A missão civil conseguiu que a Comissão Parlamentar adotasse uma declaração
conjunta segundo a qual as partes interessadas concordavam em se reunir fora do Haiti
para por fim à crise. Em 24 de novembro de 1991, o presidente Aristide e os membros da
Comissão Parlamentar encontraram-se em Cartagena das Índias. O objetivo da reunião
era garantir que o presidente democraticamente eleito pudesse nomear o primeiro-
ministro do Haiti, demonstrando o reconhecimento do governo de facto pela Constituição
de 1987 e pela autoridade do presidente eleito
10
. Apesar da tentativa, o único nome aceito
por ambas as partes, o de René Théodore, não constava na lista de nomes inicialmente
apontados por Aristide.
A convite do Secretário-Geral da OEA, o presidente Aristide, o primeiro-ministro
Théodore e os presidentes da Câmara e do Senado reuniram-se em Washington para
discutir uma solução definitiva para a crise haitiana. Durante a reunião, produziu-se um
protocolo
11
, assinado pelas partes, que previa a restituição do presidente
democraticamente eleito ao poder, bem como a separação entre a política e o exército,
entre outras determinações. O protocolo de 23 de fevereiro também pedia a suspensão do
embargo e do congelamento dos recursos financeiros destinados ao Haiti, e o envio da
missão OEA-DEMOC novamente ao Haiti. Em 25 de fevereiro, outro protocolo
12
assinado entre o presidente Aristide e o primeiro-ministro Théodore, segundo o qual o
primeiro-ministro reconhecia o direito do presidente Aristide de exercer o cargo de chefe
de Estado no Haiti e concordava em trabalhar para o restabelecimento da ordem
democrática no país assim que fosse ratificado o seu mandato. Ambos os protocolos,
entretanto, nunca foram ratificados internamente pelo Haiti, em função, sobretudo, de
uma manobra política dos partidários do governo de facto.
9
SOARES, 1994, p.83.
10
SOARES, 1994, p.88.
11
Intitulado “Protocolo entre o Presidente Jean-Bertrand Aristide e a Comissão Parlamentar de
Negociação com vistas a encontrar uma solução definitiva para a crise haitiana”, de 23 de fevereiro de
1992.
12
Intitulado “Protocolo entre o Presidente Jean-Bertrand Aristide e o Primeiro-Ministro designado,
René Théodore, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA)”.
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53
Além da corrupção em todos os níveis do governo e da polícia, também o comércio
ilegal e o contrabando prejudicavam a eficácia das sanções aplicadas pela comunidade
internacional e comprometia a assistência humanitária oferecida ao povo haitiano. Em
face disso, o Conselho Permanente reunido ordinariamente em de abril, aprovou uma
declaração
13
condenando a coação de parlamentares e reforçando o embargo comercial ao
Haiti – sobretudo por parte dos países europeus. E em 17 de maio, uma reunião ad hoc de
Ministros, em Nassau, aprovou uma resolução
14
no mesmo sentido, pedindo também à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que acompanhasse a situação
agravante de violação dos direitos humanos no Haiti.
Em agosto de 1992, o Secretário-Geral da OEA viajou ao Haiti em missão,
acompanhado por representantes permanentes de alguns Estados membros, pelo
presidente da CIDH, por um delegado da Organização das Nações Unidas e um
representante da CARICOM, e por representantes do Conselho de Ministros da
Comunidade Européia. O objetivo da missão de alto-nível era o de facilitar novamente o
diálogo entre os diversos grupos de interesse e representantes do governo e avaliar a
situação no país. A missão esteve no Haiti de 18 a 21 de agosto e o quadro crítico de
violação dos direitos humanos chamou a atenção da comunidade internacional que
decidiu aumentar a assistência humanitária oferecida ao povo haitiano.
Em 10 de novembro, o Conselho Permanente aprovou a Resolução 594
15
,
renovando o compromisso firmado nas resoluções das reuniões ad hoc de Ministros e
ressaltando a necessidade de se expandir a cooperação entre a OEA e a ONU na questão
do Haiti. Em 24 de novembro, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Resolução 47/20
16
que exigia a restauração do presidente Aristide no poder junto com o retorno à ordem
constitucional e a observância do respeito dos direitos humanos, e pedia ao Secretário-
Geral que considerasse as “medidas necessárias” para a resolução da crise haitiana, em
cooperação com a OEA.
Em 13 de dezembro, durante a quarta reunião ad hoc de Ministros das Relações
Exteriores, aprovou-se uma resolução que, entre outras determinações, encarregava o
13
CP/Acta 896/92, de 1º de abril de 1992.
14
MRE/Res.3/92, de 17 de maio de 1992.
15
CP/Res.594(923/92), de 10 de novembro de 1992.
16
A/RES/47/20, de 29 de novembro de 1992.
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54
Secretário-Geral da OEA de examinar a possibilidade de levar a questão do Haiti ao
Conselho de Segurança da ONU com o objetivo de conseguir a adesão de toda a
comunidade internacional ao embargo imposto àquele país.
Em junho de 1993, o Conselho de Segurança, a pedido do representante
permanente do Haiti nas Nações Unidas, aprovou a Resolução 841
17
que proibiu a venda
ou fornecimento por parte de qualquer Estado membro da ONU de hidrocarbonetos,
armamentos, veículos e equipamentos militares ou afins ao Estado ou ao povo haitiano.
O resultado das conversas entre a ONU e a OEA foi o envio de uma missão civil
internacional (MICIVH - 1993) para monitoramento das atividades do governo de facto
no Haiti e em solidariedade às vítimas da opressão política naquele país. A OEA chegou
a manter 100 observadores no país. A grande inovação com relação à missão é que se
trata da primeira vez que a ONU concerta sua atuação com a de uma organização
regional: “[t]he mission is unique insofar as it is the first joint mission of the UN and a
regional organization (the OAS); and in its being created before a political settlement of
the crisis had been achieved.
18
A atuação da missão civil exerceu uma significante
pressão política contra a força militar ilegitimamente instaurada no poder naquele país,
sendo por isso chamada de uma “observação ativa”. A missão representou uma inovação
ainda porque usufruiu de uma certa independência
19
em relação a ambas as organizações
no que diz respeito à sua atuação em campo e aos relatórios que produziu.
No início de julho de 1993, o presidente Aristide e o líder do governo de facto,
Raoul Cédras assinaram um acordo, mediado pelo chefe da missão da OEA, Dante
Caputo, que previa o retorno pacífico do presidente Aristide ao governo até o fim de
outubro de 1993, a nomeação de um novo primeiro-ministro e a realização de reformas
jurídicas, administrativas e nas Forças Armadas, em troca da suspensão das sanções
impostas ao país tanto pela OEA quanto pela ONU.
Em agosto, um novo primeiro-ministro foi nomeado e o embargo imediatamente
suspenso. Entretanto, em detrimento do acordo, membros de organizações populares pró-
17
S/RES/841, de 16 de junho de 1993.
18
Relatório “Three years of defending human rights”, relacionado à missão civil internacional no
Haiti (MICIVH).
19
Ver relatório “OAS Peace-Building Experiences: Progress Achieved, Lessons Learned, and
Future Possibilities OAS/UN International Civilian Mission - Speaking Notes”.
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55
Aristide continuaram a ser perseguidos pelas forças armadas haitianas (FADH) e pelo
grupo paramilitar Front révolutionnaire pour l'avancement et le progrès d'Haiti
(FRAPH).
Em setembro de 1993, o empresário Antoine Izmery e o Ministro da Justiça, Guy
Malary, foram assassinados, agravando o clima de instabilidade e violência e postergando
o retorno de Aristide ao poder. Em outubro do mesmo ano, os observadores da MICIVH
se deslocaram para a República Dominicana em função dos riscos à sua segurança após o
recrudescimento das forças armadas haitianas.
em janeiro do ano seguinte, os observadores internacionais puderam voltar ao
país, encontrando a situação em piorado estado. Finalmente, em julho de 1994, as forças
armadas haitianas declaram considerar a presença da missão civil uma "ameaça à
segurança nacional" e exigiram a retirada dos observadores num prazo de 48 horas.
Dada a exaustão dos esforços conjuntos para a restauração pacífica da ordem
constitucional no Haiti e o recrudescimento das forças armadas no poder, agravando o
alarmante estado de desrespeito aos direitos humanos no país, a questão haitiana passou à
esfera do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em 31 de julho de 1994, o conselho aprovou a Resolução 940, que autorizou a
organização de uma força militar multinacional para restabelecer a ordem pública e
restaurar o governo dos representantes legitimamente eleitos no Haiti, e estendeu o
mandato da missão da ONU no Haiti.
“Sob o peso da nova resolução internacional e da invasão iminente de seu território por
tropas norte-americanas (que compunham a essência da força multilateral), as autoridades
de fato do Haiti assinaram, de última hora, um acordo bilateral com os Estados Unidos,
pelo qual se comprometeram a colaborar’ coma missão militar norte-americana para
‘promover a paz’ no país. A reviravolta permitiu que a invasão militar, tal como
inicialmente prevista, vestisse a roupagem de missão militar para fins pacíficos que,
enviada ao Haiti em setembro de 1994, garantiu o retorno do presidente Aristide no mês
seguinte e o conseqüente restabelecimento do processo democrático haitiano.
20
O desfecho da crise política no Haiti contou, então, com a participação ativa do
Conselho de Segurança e foi seguido do prosseguimento da missão internacional no país,
para garantir a estabilidade e o respeito aos compromissos assumidos para com a
comunidade internacional em relação à ordem constitucional e aos direitos humanos.
20
CÂMARA, 1998, p.11.
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56
4.3. Peru (1992)
As eleições de 1990 no Peru levaram ao poder Alberto Fujimori, um canditado
quase desconhecido na política que em pouco tempo de governo empreendeu mudanças
que o fizeram um dos líderes mais conhecidos da América Latina. No campo econômico,
ele reduziu drasticamente a inflação e realizou reformas estruturais privatizando
companhias nacionais e atraindo investimentos externos. No campo político, ele reprimiu
grupos insurgentes como o Sendero Luninoso e centralizou poderes nas mãos do
executivo, instaurando um longo regime autoritário no país.
Em 5 de abril de 1992, Fujimori dissolveu o Congresso, suspendeu a constituição e
fechou tribunais, com o apoio das forças armadas. O auto-golpe, como foi chamado, foi o
segundo desafio ao compromisso assumido pelos Estados americanos na Resolução 1080.
No caso do Peru, entretanto, a ruptura foi causada pelo próprio presidente
democraticamente eleito, ao destituir outros representantes do povo e assumir poderes
especiais.
A esse respeito, ainda que o texto da Resolução se referisse a qualquer tipo de
“interrupção abrupta ou irregular” do exercício de poder, essa idéia de ruptura estava
ainda muito ligada aos casos de tomada de poder por uma outra parte, como nos golpes
de Estado ocorridos durante as décadas anteriores. Entretanto, como observou o
Secretário-Geral, João Clemente Baena Soares sobre a crise:
“Se não se tratava de uma interrupção abrupta ou irregular do exercício de poder por um
governo democraticamente eleito, estávamos diante de uma interrupção da
institucionalidade democrática e com relação a isso houve concordância no Conselho
Permanente primeiro, e na Reunião Ad Hoc depois, com a opinião que me coube expressar
de acord com a Resolução 1080.
21
O auto-golpe gerou diversas manifestações unilaterais e coletivas de desaprovação,
sobretudo dos países vizinhos. Invocando a Resolução 1080, o Secretário-Geral da OEA
solicitou a convocação do Conselho Permanente imediatamente após o golpe. O
Conselho convocou uma reunião ad hoc de Ministros das Relações Exteriores, que
decidiu enviar ao país uma missão e exigiu a imediata restauração da democracia no
Peru.
21
SOARES, 1994, p.40-41.
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57
Além disso, o Peru foi excluído do Grupo do Rio e diversos Estados manifestaram
unilateralmente o rechaço ao ocorrido:
“Venezuela and Panama suspended diplomatic relations with Peru. Argentina recalled its
ambassador while Chile suspended talks over Peruvian access to the port of Arica. Ecuador
cancelled an official state visit scheduled for the middle of 1992. In some of these
instances, such as Chile and Ecuador, these criticisms were interwoven with bilateral
relations under some tension. In other cases, such as Venezuela (…), as well as Argentina,
Fujimori’s autogolpe was seen as a violation of their principled foreign policy.
22
Internamente, o governo de Fujimori enfrentou uma descentralizada oposição e
contou com o apoio das classes populares e da classe empresarial devido às reformas
econômicas e ao clima de estabilidade política que ele havia instaurado no país. Logo,
apesar das pressões pela restauração da ordem constitucional, o cenário político era
favorável ao presidente. Durante a reunião de ministros em Nassau (Bahamas), em maio
de 1992, Fujimori anunciou que convocaria eleições para compôr uma assembléia
constituinte encarregada de reformar a constituição e deliberar como órgão legilslativo
até as eleições de 1995.
Os membros da assembléia foram escolhidos por eleições questionáveis e o
resultado foi a conquista do governo da maioria no congresso, a aprovação da emenda
que permitia a reeleição do presidente e a exclusão dos artigos que afirmavam o
compromisso do Estado para com a educação elementar, a segurança social e os direitos
trabalhistas
23
. A OEA participou dessas eleições enviando observadores para garantir que
o processo fosse justo e transparente. Entretanto, como observam Cooper e Legler:
“[B]y sending election monitoring teams to observe the November vote, the OAS and the
United States inadvertently gave their seal of approval to an electoral process that on the
outside appeared to be fair and transparent but had been designed to exclude Peru’s
mainstream political parties.
24
Novamente em 1995, a OEA foi oficialmente convidada a monitorar as novas
eleições presidenciais e legislativas. Apesar de graves irregularidades no processo de
contagem de votos tal como o desaparecimento de urnas eleitorais a organização não
questionou o resultado das eleições. Fujimori, reeleito, ficou no poder até novembro de
2000.
22
COOPER e LEGLER, 2006, p.50.
23
COOPER e LEGLER, 2006, p.54.
24
COOPER e LEGLER, 2006, p.54.
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58
A inação da OEA diante da inconstitucionalidade das eleições no Peru gerou um
forte questionamento do potencial da organização e de seus mecanismos para a promoção
e defesa da democracia no hemisfério. Pesou-se sobretudo, o alcance da Resolução 1080
e as atividades da Unidade para a Promoção da Democracia no contorno de crises como o
auto-golpe peruano e o desequilíbrio entre os poderes do Estado.
4.4. Guatemala (1993)
Em 25 maio de 1993, o presidente Jorge Serrano Elías suspendeu a constituição,
dissolveu o congresso e os órgãos do judiciário. Em reação imediata ao ocorrido, o
Secretário-Geral da OEA convocou uma reunião do Conselho Permanente, de acordo
com a Resolução 1080, que condenou o auto-golpe e exigiu o retorno à ordem
constitucional no país.
O Conselho reunido também convocou uma reunião ad hoc de ministros e decidiu
enviar uma missão especial, que se reuniria com representantes do governo de facto,
chefes de partidos políticos e das forças armadas, para informar os ministros sobre a
situação na Guatemala.
Diferente do caso peruano, entretanto, a forte oposição interna ao presidente fez
com que as forças armadas o abandonassem. Ao mesmo tempo, pressões externas por
parte da comunidade internacional e de muitos Estados membros unilateralmente
revelaram a insatisfação geral com esse tipo de golpe na região.
A Argentina cortou relações diplomáticas com o governo guatemalteco, o governo
do Chile suspendeu um acordo de cooperação militar, e os EUA ameaçaram suspender
negociações sobre condições favorecidas de comércio com a Guatemala.
O Secretário-Geral da OEA realizou duas visitas ao país durante a crise que durou
apenas duas semanas. Uma tentativa de empossar o vice-presidente eleito foi rechaçada
pelos membros do congresso que elegeram um presidente interino, em votação interna.
A recorrência de um auto-golpe na América Latina alertou os Estados membros do
sistema hemisférico para os novos desafios à democracia representativa nas Américas.
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4.5 Paraguai (1996)
A crise no Paraguai em 1996 distingue-se dos demais casos analisados no capítulo
por tratar-se mais de uma crise institucional e menos de uma ruptura com a ordem
democrática. Entretanto, os papéis da OEA e do fórum regional do Mercosul na solução
da crise fazem dela um exemplo coerente de ação coletiva na defesa da ordem
constitucional democrática.
Em 22 de abril de 1996, o presidente democraticamente eleito no Paraguai, Juan
Carlos Wasmosy, pediu a renúncia do dirigente das forças armadas, General Lino
Oviedo. Num ato de insubordinação, entretanto, o general se negou a renunciar ao cargo
e ensaiou um golpe de estado insurgindo as forças armadas a favor da renúncia do
presidente.
O ocorrido pareceu o prelúdio da interrupção do exercício legítimo de poder com o
uso da força, exatamente como previsto na Resolução 1080. No dia seguinte, o Conselho
Permanente da OEA se reuniu, a pedido do Secretário-Geral César Gaviria, e condenou a
tentativa de golpe.
Em manifestação de apoio ao governo de Wasmosy, o Secretário-Geral da OEA e
os ministros de relações exteriores dos países membros do Mercosul viajaram no mesmo
dia a Assunção. A forte pressão internacional tornou insustentável a tentativa de tomada
de poder pelo general Oviedo, que renunciou finalmente o cargo de dirigente das forças
armadas em 24 de abril de 1996.
Vale destacar, no entanto, que além da prontidão da OEA e da comunidade
internacional no caso da crise paraguaia, houve também forte pressão popular interna
para a restauração da ordem democrática no país. Partidos políticos retaliaram a iniciativa
do General Oviedo no congresso, a imprensa paraguaia manifestou-se a favor do governo
democraticamente eleito, e a marinha e a aeronáutica também manifestaram seu apoio à
restauração da ordem constitucional.
4.6. Equador (2000)
A estabilidade política durou pouco no Equador. Em 21 de janeiro de 2000,
manifestantes indígenas tomaram o congresso com o apoio de representantes das forças
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60
armadas. No mesmo dia, o Secretário-Geral da OEA condenou a tentativa de golpe e
pediu que o Conselho Permanente se reunisse extraordinariamente. Da reunião do
conselho, surgiu a Resolução 763 pedindo a restauração da ordem democrática no
Equador e em apoio ao governo do presidente Jamil Mahuad, eleito em 1998.
Em detrimento do rechaço da organização, entretanto, uma junta militar obrigou o
presidente Mahuad a abandonar o poder. A OEA condenou as circunstâncias que levaram
à destituição do presidente democraticamente eleito no Equador, mas ofereceu seu
respaldo ao vice que assumiu em seu lugar, Gustavo Noboa
25
.
Como a sucessão se deu conforme a ordem constitucional no Equador, e trouxe
maior estabilidade política, acalmando as forças da oposição, a organização não insistiu
na restituição de Mahuad ao poder.
Essa nova crise equatoriana é mais um sinal de que busca pela resolução pacífica
dos conflitos e, sobretudo, o respeito às pressões das forças internas nos Estados em crise
desde que mantida ou restaurada a ordem constitucional foram fatores determinantes
para a atuação da OEA.
3.7. Peru (2000)
O caso da crise peruana é interessante porque, diferente dos casos anteriores nos
quais a OEA interveio com base nas disposições da Resolução 1080, no Peru a OEA
desempenhou um papel ativo no fortalecimento das instituições democráticas, mesmo
não havendo interrupção da ordem democrática.
Em função das eleições presidenciais de 2000, a OEA enviou observadores ao Peru
para assegurar a transparência e a regularidade do processo eleitoral. A missão chegou ao
país em março de 2000, liderada pelo ex Ministro das Relações Exteriores da Guatemala
Eduardo Stein.
A missão Stein, como ficou conhecida, desempenhou um papel ativo durante o
período que antecedeu as eleições de 2000, elaborando diversos relatórios que
denunciavam o governo Fujimori e a falta de condições para a realização de eleições
livres e diretas no país.
25
CP/RES. 764 (1221/00), de 26 de janeiro de 2000.
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61
Além da missão de observação eleitoral da OEA, outras instituições também
enviaram observadores e elaboraram relatórios entre elas o Carter Center, o National
Democratic Institute, a União Européia e a peruana Transparencia –, chamando a
atenção da opinião pública internacional para as eleições peruanas.
As eleições de 9 de abril levaram suspeitosamente quatro dias para serem apuradas
pelo órgão nacional de processos eleitorais. Mas mediante forte pressão internacional, as
instituições internacionais que haviam observado as eleições adotaram o resultado da
contagem de votos oferecido pela rede Transparencia (maioria de 48.73% de votos para
Fujimori) e insistiram na convocação para um segundo turno das eleições.
O órgão nacional eleitoral cedeu e o segundo turno foi marcado para o dia 28 de
maio. Entretanto, as missões de observação eleitoral haviam apontado inúmeras
irregularidades na atuação do órgão eleitoral, controlado pelo governo, não apenas no
processo de apuração, e exigiram que reformas fossem realizadas para garantir a
transparência e idoneidade das eleições de segundo turno.
Com o curto prazo para a proposição e implementação das reformas e a resistência
do órgão nacional eleitoral, que se recusou a adiar a nova rodada eleitoral, a missão Stein
se retirou do Peru em protesto e foi seguida pelas demais missões que encerraram sua
atividades de monitoramento no país.
Apesar do fracasso da missão Stein na proposta de fortalecer as instituições
democráticas no Peru, sua posição crítica em relação ao processo eleitoral que estava para
ocorrer atribuiu uma imagem negativa e anti-democrática ao governo Fujimori.
A vitória nas urnas de Fujimori foi acompanhada por forte desaprovação interna e
externa, reunindo milhares de manifestantes às ruas em Lima e levando à convocação do
Conselho Permanente da OEA em Washington.
No Conselho, entretanto, as posições sobre a atuação da missão Stein divergiram
entre os que aprovavam o novo ativismo da missão de observação eleitoral da OEA no
Peru e os que ressaltavam o princípio dao-intervenção em assuntos internos, e a
questão passou à Assembléia Geral.
Em 5 junho de 2000, durante a segunda sessão plenária da Assembléia Geral em
Windsor, no Canadá, os Estados membros discutiram a questão peruana e aprovaram a
Resolução 1753 que previa o envio de uma nova missão ao país, a convite da delegação
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peruana
26
. A missão de alto nível discutiu reformas dos sistemas eleitoral e judiciário, e
propôs rever a constituição, promover o direito à liberdade de imprensa, e encontrar uma
solução pacífica e democrática para a crise política do país.
A missão esteve no Peru durante um longo período e a relutância em invocar a
Resolução 1080, deu margens à inovação, que a resolução 1753 não ofereceu grandes
diretrizes para atuação da missão. A grande inovação foi justamente a organização de
mesas de diálogo moderadas pelo chefe da missão, Lloyd Axworthy, das quais
participavam representantes do governo, e grupos de oposição, da sociedade civil e da
igreja.
A resolução da crise, entretanto, se deu após a exibição em cadeia nacional de
um vídeo em que o Secretário de Segurança Vladimiro Montesinos suborna o senador
Alberto Kouri, membro da oposição, em troca de seu apoio à coalizão de Fujimori no
Congresso. A exposição do governo levou Fujimori a anunciar novas eleições
presidenciais e parlamentares para 8 de abril de 2001.
Montesinos recebeu asilo político do governo do Panamá, em função dos esforços
conjuntos do governo peruano, do Secretário-Geral da OEA e do governo americano, mas
voltou ao Peru em outubro de 2000. Em meio à crescente instabilidade política e a sérias
acusações de corrupção, Fujimori renunciou à presidência por fax, em 20 de novembro de
2000, do seu asilo político no Japão.
Apesar da interrupção abrupta do governo de Fujimori no Peru, a ordem foi logo
restabelecida sob o governo interino de Valentín Paniagua que privilegiou as questões de
ligadas à justiça e aos direitos humanos.
O caso peruano revela duas das principais características do paradigma democrático
no novo milênio: a atuação preventiva da OEA e o papel de validação externa das
eleições desempenhado pelas missões de observação eleitoral. Curiosamente, a atuação
da Organização nesse mesmo país havia questionado o papel das missões de observação
eleitoral quando legitimaram as eleições irregulares para Assembléia Constituinte em
1992 e as eleições que levaram Fujimori novamente ao poder em 1995. Essas duas
características serão discutidas novamente no capítulo cinco, mas podem ser também
observadas no caso da crise haitiana de 2000.
26
AG/RES. 1753 (XXX-O/00), de 5 de junho de 2000.
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4.8. Haiti (2001)
A tensão no Haiti recomeçou em conseqüência das eleições legislativas e
municipais de 21 de maio de 2000. O parlamento haitiano, inativo desde janeiro de 1999,
seria composto novamente pelas eleições de maio. Entretanto, dúvidas sobre a
regularidade das eleições, em especial sobre a metodologia usada pelo Conselho Eleitoral
Provisório para a alocação de cadeiras no congresso, levaram a violentos protestos e à
retirada da missão de observação antes do segundo turno das eleições.
Apesar da ausência de observadores e da retirada de certos partidos das eleições
de segundo turno, os resultados das votações foram computados e os novos
representantes eleitos tomaram posse no Haiti. Em protesto às eleições de maio, centenas
de haitianos tomaram as ruas e a oposição formou uma coalizão política que congregou
partidos, sindicatos e membros da classe empresarial e da sociedade civil pedindo a
renúncia do presidente a instauração de um governo provisório até a convocação de
novas eleições.
Diante da crise de governabilidade, o presidente Aristide pediu apoio à OEA e,
em 4 de agosto de 2000, o Conselho Permanente da OEA se reuniu para avaliar a
situação no Haiti. Com base nos relatórios da missão de observação eleitoral sobre as
eleições de julho de 2000 e a convite do presidente Aristide, o Conselho aprovou a
Resolução 772 que previa o envio de uma missão liderada pelo Secretário-Geral e
contando com participação do Grupo de Amigos do Secretário-Geral das Nações Unidas.
O objetivo da missão era o de “identificar, com o governo Haitiano e outros setores da
comunidade política e civil, as opções e recomendações destinadas a resolver, com a
maior rapidez possível, dificuldades como as que surgiram das diferentes interpretações
da Lei Eleitoral e continuar fortalecendo a democracia nesse país.
27
O Secretário-Geral adjunto, Luigi Einaudi, visitou o Haiti três vezes e seu
principal desafio foi o de resolver as controvérsias e irregularidades antes das eleições
presidenciais de 26 de novembro de 2000. Na ausência de um consenso sobre que
medidas implementar, o Conselho Eleitoral Provisório continuou operando a despeito das
27
AG/INF.264/01, Relatório da missão de observação eleitoral no Haiti apresentado à Assembléia
Geral durante o Trigésimo primeiro período ordinário de sessões em 3 de junho de 2001, em São José,
Costa Rica.
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irregularidades. Em função disso, a OEA não observou as eleições de novembro que
trouxeram Jean-Bertrand Aristide de volta ao poder no Haiti. Entretanto, mantiveram-se
abertos os canais de comunicação entre a OEA e os grupos de oposição e membros da
sociedade civil haitiana.
Após o empossamento de Aristide, em 7 de fevereiro, Einaudi esteve no Haiti 3
outras vezes incluindo na ocasião da posse, demonstrando o apoio da organização
àquela sucessão presidencial. Apesar do constante respaldo da organização e da
disposição mostrada pelo Ministro das Relações Exteriores do Haiti e pelo presidente
Aristide em resolver a crise por meio do diálogo mediado pela OEA, poucos avanços
foram observados no sentido de fortalecer a democracia haitiana.
Em março de 2001, Aristide nomeou um novo Conselho Eleitoral Provisório, mas
uma grande parcela da população continuou insatisfeita com a composição do congresso
e com as eleições de novembro. Além disso, entre as recomendações feitas pela missão
da OEA ao governo haitiano, poucas foram implementadas. Em especial, as medidas para
garantir a segurança no Haiti foram apenas superficialmente tomadas; o primeiro diretor
geral da Polícia Nacional Haitiana (PNH) nomeado pelo presidente Aristide renunciou
alegando interferência política do governo nas ões da polícia e o processo de consultas
para a indicação de um novo diretor foi interrompido com a nomeação de um novo
diretor pelo próprio presidente.
A oposição crescente ao governo de Aristide chamou novamente a atenção da
comunidade internacional quando, em 17 de dezembro de 2001, um grupo armado
invadiu o Palácio Nacional do Haiti. Houve troca de tiros entre os invasores e a guarda do
Palácio, mas o presidente e sua família, que se encontravam em outra residência, não
sofreram agressão. No dia seguinte, grupos simpáticos a Aristide bloquearam estradas e
incendiaram a sede da aliança de oposição, a Convergência Democrática, em retaliação
ao atentado.
No Haiti, o ataque ao Palácio Nacional foi considerado uma tentativa de golpe
organizada por membros renegados do exército haitiano. Entretanto, nem a Resolução
1080, nem a Carta Democrática Interamericana, aprovada em setembro de 2001, foram
invocadas, e o Conselho Permanente se reuniu para discutir a questão do Haiti em 16
de janeiro de 2002. A resolução 806 do Conselho Permanente sobre a situação no Haiti
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menciona a Carta em seu preâmbulo e contém muitas das determinações dispostas por ela
por exemplo, a organização de visitas do Secretário-Geral e da Comissão de Direitos
Humanos para monitorar a situação de crise no país.
A não invocação da Carta no caso haitiano leva, contudo, a alguns
questionamentos. Para Cooper e Legler (2006), conscientes de que invocação da carta
poderia abrir espaço para uma gama muito ampla de reações e posicionamentos dentro da
organização, os Estados membros postergaram sua aplicação:
“The common perception among many member states was that invoking the charter was
tantamount to taking a punitive measure that carried a huge stigma. Nobody wanted to be
the charter’s first test case. Additionally, conscious of a history of U.S, intervention in the
region, Haiti and other Caribbean states were concerned that the defense of democracy
under the charter could be a pretext for hidden motives.
28
Não obstante, pode-se dizer que a delicada situação política do Haiti, marcada pela
recorrente escalada da violência entre os grupos políticos e por um histórico de
deterioração dos direitos humanos no país, exigia antes a assistência institucional da
organização que uma engendrada ação coletiva em rechaço à crise. Essa percepção se
confirma pelo fato de que o próprio governo haitiano demonstrava profundo interesse e
disposição “no sentido de colaborar com a comunidade internacional no esforço de
resolver a contínua crise política no Haiti
29
”, e pelo sucesso da missão enviada ao país
para estabelecer um acordo entre as partes, e cuidar de reparações, indenizações e da
instauração de processos contra os cúmplices dos atos de violência ocorridos no dia 17 de
dezembro e nos dias que seguiram a crise.
Em primeiro de março de 2002, o governo do Haiti e a OEA celebraram um
acordo para o envio de uma missão especial destinada a promover e facilitar o diálogo
entre o governo e a oposição e acompanhar a implementação de medidas de melhoria dos
sistemas eleitoral, judiciário e de segurança no país. A criação dessa missão estava em
concordância com a Resolução 860 do Conselho Permanente CP/RES. 806 (1303/02).
28
COOPER e LEGLER, 2006, p.105.
29
Resolução do Conselho Permanente sobre a situação no Haiti, CP/RES.806(1303/2002), de 16 de
janeiro de 2002.
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A missão chegou ao país em setembro e estabeleceu-se como uma base de apoio
logístico e institucional para o desenvolvimento das relações entre o governo, a oposição,
a sociedade civil, e também para os demais atores internacionais envolvidos.
Os dois principais avanços resultantes da atuação direta da missão no Haiti foram a
criação de uma Comissão Independente de Inquérito, para investigar os acontecimentos de 17
de dezembro de 2001, e a criação de um Conselho de Assessoramento Tripartite, composto
por representantes da OEA, do governo haitiano e da sociedade civil, para cuidar das
indenizações às vítimas dos ataques.
A missão contou com orçamento próprio e pré-aprovado (US$2.8 milhões) e na
prática, em função das amplas atribuições estabelecidas pela Resolução 822 do Conselho
Permanente, ela gozou de uma autonomia notável, sobretudo para trabalhar com o governo
do Haiti – o que ficou patente na criação de comissões conjuntas formadas por representantes
do governo e da missão da OEA.
A despeito das inovações e vantagens que a Carta Democrática Interamericana
ofereceu aos seus Estados membros na defesa da democracia, ela não foi invocada no
caso da crise haitiana. O golpe de 11 de abril de 2002 na Venezuela um caso típico de
golpe de Estado envolvendo as forças armadas foi, então, o primeiro teste para o novo
mecanismo de ação coletiva do sistema interamericano e um desafio inesperado ao
despontar do novo milênio.
4.9. Venezuela (1992) e Equador (1997)
Além dos casos dispostos, houve também dois outros casos de instabilidade
institucional democrática que, todavia, não culminaram na invocação da Resolução 1080.
Trata-se dos casos da Venezuela, em 1992, e do Equador, em 1997.
Em 4 de fevereiro de 1992, uma tentativa de golpe com o apoio das forças
armadas se armou na Venezuela atentando contra o exercício de poder e a vida do
presidente democraticamente eleito, Carlos Andrés Pérez. Em seguida ao atentado, o
Conselho Permanente da OEA reuniu-se e aprovou uma resolução
30
em apoio ao governo
venezuelano e em retaliação a qualquer tipo de insurreição armada contra um governo
30
CP/Res.576 (887/92), resolução chamada “Apoio ao governo democrático na República da
Venezuela”.
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democraticamente eleito. A Resolução 1080, entretanto, não foi invocada pela tentativa
de golpe não ter constituído de fato uma interrupção do exercício legítimo de poder do
presidente venezuelano. Mas em visita oficial a Peréz, dias após o atentado, o Secretário-
Geral da OEA e o presidente do Conselho Permanente salientaram seu apoio aos
governos legitimamente instaurados e o compromisso coletivo para com a democracia
representativa no continente.
O outro caso em que a Resolução 1080 também não foi invocada foi o caso do
afastamento do poder do presidente equatoriano Abdala Bucarám, em fevereiro de 1997.
Devido a divergências sérias com o congresso, o presidente perdeu popularidade e apoio
popular num processo que culminou uma greve generalizada, em passeatas e
manifestações populares e finalmente na retirada do apoio das forças armadas ao seu
governo.
A destituição de Bucarám do poder foi empreendida pelo Congresso, que nomeou
Fabián Alarcón, então presidente do congresso, como presidente interino da nação em 6
de fevereiro de 1997. A rápida resolução da crise pela via institucional, com a liderança
do Congresso, impediu o rompimento da ordem constitucional no Equador. Pode-se
questionar neste caso se o desequilíbrio entre os poderes não bastaria para constituir uma
ruptura constitucional, mas o alto índice de rejeição popular do presidente Bucarám
legitimou de certa forma essa ingerência do legislativo.
No caso equatoriano, o Conselho Permanente da OEA reuniu-se para analisar a
situação, porém, sem chegar a uma resolução. A visita do Secretário-Geral a Quito em 5
de fevereiro de 1997 se deu a pedido do então presidente Bucarám e foi recebida com
receio pela oposição. Não obstante, diversos Estados membros
31
manifestaram
unilateralmente sua preocupação com relação à instabilidade política no Equador.
Para o Secretário-Geral César Gaviria Trujilo, a crise institucional no Equador
ressaltou a importância da aprovação popular para a garantia da governabilidade e o
delicado papel da OEA nesse balanço: Estamos todos obligados a defender los
31
Argentina, Panamá, El Salvador, Costa Rica e Nicarágua condenaram a remoção do presidente
eleito e consideraram-na uma violação dos princípios democráticos e constitucionais. Ver OAS News
Bulletins, fevereiro, 1997.
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principios democráticos pero los gobernantes tiene que ser dignos del cargo que ocupan y
tienen que ser sensibles a las preocupaciones ciudadanas.
32
Essa avaliação aponta para o fato de que a atuação da organização em defesa da
democracia requer muitas vezes a observância não da estabilidade das instituições
democráticas em seus Estados membros, mas do compromisso de seus governantes para
com a democracia e a vontade popular.
32
GAVIRIA, 2004, p.15.
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69
5. A carta Democrática Interamericana e os casos do novo
milênio
5.1. Carta Democrática Interamericana
Em abril de 2001, os chefes de Estado reunidos em Quebec, Canadá, para a
Cúpula das Américas adotaram uma cláusula democrática, semelhante à adotada pelo
Mercosul em 1996, prevendo que “qualquer alteração inconstitucional ou interrupção da
ordem democrática em um Estado do hemisfério constitui um obstáculo insuperável à
participação desse Estado na Cúpula das Américas
1
”.
Além da adoção da cláusula, a cúpula instruiu também os Ministros das Relações
Exteriores a considerar seriamente a aprovação da Carta Democrática Interamericana,
confeccionada no âmbito da OEA, a ser apresentada à Assembléia Geral da organização
em sua próxima reunião ordinária.
Essa cumplicidade entre o fórum de Estados e a organização regional, dos quais
participam os mesmos Estados membros, revela a preocupação com a preservação da
democracia representativa no hemisfério e seu lugar prioritário na agenda regional.
Entretanto, a adoção da Carta Democrática Interamericana, apesar de parecer o culminar
de um processo de institucionalização do compromisso democrático, não se deu
facilmente.
Inicialmente proposta na trigésima primeira sessão ordinária da OEA, em junho de
2001, a carta era o resultado de diversas discussões e inúmeros esboços. Mesmo assim,
durante a reunião, quase a metade dos Estados membros apresentaram reservas à sua
adoção. Em especial, a Venezuela e os países caribenhos criticaram respectivamente a
definição de democracia disposta na carta, e os efeitos políticos e jurídicos da imposição
de sanções nos casos de crise. Por outro lado, Canadá, Estados Unidos e Peru apoiavam
irrestritamente a assinatura da Carta.
1
Plano de Ação aprovado durante a Cúpula das Américas, também chamado de Declaração do
Quebec, abril 2001.
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70
Em função da falta de consenso sobre a Carta, a Assembléia Geral adotou a
Resolução1838
2
pedindo a revisão do texto da carta pelo Conselho Permanente e o
agendamento de uma sessão extraordinária para a votação da Carta. A sessão foi
agendada pelo Conselho para 10 de Setembro de 2001, em Lima, no Peru.
O principal objetivo da Carta era o de sistematizar os mecanismos concebidos no
âmbito da OEA para responder multilateralmente às rupturas com a ordem constitucional
e os procedimentos democráticos em qualquer de seus Estados membros. Foram
incorporados à Carta o mecanismo de suspensão dos governos antidemocráticos de todos
os órgãos, comissões e grupos de trabalho da OEA instituído pelo Protocolo de
Washington, em vigor desde 1997 e reiterado no Artigo 21 da Carta Democrática e o
mecanismo de ação coletiva instituído pela Resolução 1080, em reunião da Assembléia
Geral em 1991.
Como o mecanismo de suspensão nunca foi acessado e, nem todos os membros da
Organização ratificaram o Protocolo de Washington
3
, a principal função da reiteração
desse mecanismo na Carta Democrática considerando que ele constitua provavelmente
a penalidade mais grave aplicável a um Estado membro é certamente a de dissuasão.
Suspenso do direito de participação nos órgãos de tomada de decisão da Organização, o
Estado infrator continua sujeito às decisões tomadas sem o seu consentimento, além de
continuar obrigado a cumprir seus deveres de Estado membro. O Artigo 9 da Carta da
OEA (emendada pelo Protocolo de Washington) é explícito ao prever que “o membro
que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento de suas
obrigações com a Organização
4
”, e a Carta Democrática adiciona: “em particular em
matéria de direitos humanos
5
”.
a Resolução 1080 foi invocada em diversos casos desde a sua adoção, como
visto anteriormente. Diferente do Protocolo de Washington, a Resolução 1080 é uma
2
AG/RES.1838 (XXXI-O/01), de 11 de setembro de 2001.
3
Dos 35 Estados do sistema hemisférico, 24 ratificaram o Protocolo de Washington, 7 assinaram
mas não ratificaram (Grenada, Haiti, Jamaica, República Dominicana, Santa Lucia, St. Kitts e Nevis, e
Suriname), o México apresentou uma declaração desaprovando as reformas propostas pelo protocolo que
foi anexada ao Protocolo com base no Artigo 85 do regimento interno da Assembléia Geral, e Cuba,
Dominica e Trindade e Tobago não assinaram.
4
Alínea “d” do Artigo 9 da Carta da Organização dos Estados Americanos, emendada pelo
Protocolo de Washington em 14 de dezembro de 1992, em vigor desde 1997.
5
Artigo 21, parágrafo segundo da Carta Democrática Interamericana, assinada em Lima, no Peru,
2001.
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71
decisão da Assembléia Geral por maioria qualificada de votos que apesar de não possuir
força vinculante (como o tem o protocolo), é válida para todos os Estados membros.
Os Artigos 17 e 20 da Carta Democrática Interamericana contribuíram para tornar o
mecanismo de ação coletiva previsto na resolução mais acessível para os Estados
membros:
Artigo 17
Quando o governo de um Estado membro considerar que seu processo político
institucional democrático ou seu legítimo exercício do poder está em risco poderá recorrer
ao Secretário-Geral ou ao Conselho Permanente, a fim de solicitar assistência para o
fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática.
Artigo 20
Caso num Estado membro ocorra uma alteração da ordem constitucional que afete
gravemente sua ordem democrática, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá
solicitar a convocação imediata do Conselho Permanente para realizar uma avaliação
coletiva da situação e adotar as decisões que julgar convenientes. (...)
Nos termos da Resolução 1080, apenas o Secretário-Geral estava imbuído do poder
de solicitar a convocação imediata do Conselho Permanente em casos de interrupção
“abrupta ou irregular do processo democrático ou do exercício legítimo de poder de um
representante democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros
6
”. Já o texto da
Carta Democrática, admite que tanto o governo do Estado membro que considerar que o
processo democrático ou o legítimo exercício de poder em seu país estejam em risco,
quanto todos os demais Estados membros e também o Secretário-Geral levem a questão
para o Conselho Permanente.
Sobre a participação da sociedade civil, a Carta Democrática prevê que indivíduos e
grupos possam interpor denúncias ou petições à organização segundo os procedimentos
estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
7
. Essa determinação
reforça a relação íntima ente a defesa da democracia e proteção dos direitos humanos.
Além da reiteração dos mecanismos operativos, a Carta Democrática apresenta
também inovações conceituais. Logo no Artigo 1, por exemplo, ela afirma a democracia
como um direito dos povos americanos e sua promoção e defesa como obrigações de seus
respectivos governos.
6
AG/RES.1080 (XXI-O/91), de 5 de junho de 1991.
7
Artigo 8 da Carta Democrática Interamericana.
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72
Mais que isso, ela traz uma descrição mais detalhada dos elementos essenciais da
democracia representativa
8
e amplia a noção de ruptura com a ordem democrática,
oferecendo aos Estados membros a possibilidade de agir preventivamente em casos de
crise iminente. A Carta transcende a definição da Resolução 1080 de “interrupção
abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo
exercício de poder” e prevê que “qualquer alteração da ordem constitucional que afete
gravemente a ordem democrática” deverá requerer um posicionamento da OEA. Isso
significa admitir a possibilidade de que casos de erosão e desrespeito sistemático de
qualquer dos elementos sobre os quais se sustenta a democracia representativa sejam
considerados motivos para se acionar os mecanismos de ação coletiva dispostos na Carta.
Sobre o status da Carta e de que forma ela obriga os Estados membros, em primeiro
lugar, seu status é o mesmo da Resolução 1080 e menor que o da Carta constitutiva da
OEA – que possui peso de tratado. A princípio, a questão de seu status legal foi discutida
e pensou-se a possibilidade de adotá-la como uma emenda à Carta da organização,
conferindo-lhe o status jurídico de tratado. Entretanto, se colocada como um tratado, a
Carta Democrática teria que passar por um longo processo de ratificação, necessitando da
adesão de dois-terços dos Estados Membros para entrar em vigor, e ainda assim se
tornando aplicável aos membros que voluntariamente aderissem a ela. Nesse sentido, a
votação da Assembléia Geral que aprovou a Carta Democrática Interamericana colocou-a
à disposição de todos seus Estados membros imediatamente.
5.2. Venezuela (2002)
O golpe de Estado na Venezuela que durou menos de 48 horas foi um indício, no
despontar do novo milênio, da desproteção e fraqueza intrínsecas das instituições
democráticas e da ameaça ainda presente da insurreição das forças armadas contra a
ordem constitucional democrática no hemisfério. Em 12 de abril de 2002, uma facção das
forças armadas seqüestrou e depôs o presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez, e
8
O Artigo 3 da Carta Democrática Interamericana dispõe como elementos essenciais da democracia
representativa, entre outros, “o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao
poder e seu exercício com sujeição ao Estado de Direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas
e baseadas no sufrágio universal e secreto como expressão da soberania do povo, o regime pluralista de
partidos e organizações políticas, e a separação e independência dos poderes públicos.”
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73
colocou no poder Pedro Carmona um líder da classe executiva venezuelana quem
imediatamente dissolveu o congresso e a suprema corte, e suspendeu a constituição de
1999.
No mesmo dia, representantes dos governos do hemisfério, reunidos em San José,
na Costa Rica, para uma cúpula do Grupo do Rio, condenaram o golpe e convocaram a
reunião do Conselho Permanente da OEA, com base no Artigo 20 da Carta Democrática.
O Conselho condenou o golpe, convocou uma reunião da Assembléia Geral para
o dia 18 e pediu ao Secretário-Geral que visitasse Caracas para investigar a situação no
país e delinear os tipos de esforços necessários para a resolução da crise e a restauração
da ordem.
A inabilidade de Carmona em conciliar os interesses divergentes dos diversos
grupos de oposição a Chávez levou ao fracasso do golpe. Retirado o apoio do partido
trabalhista e de líderes da oposição, o governo de Carmona perdeu sustentação e em 14
de abril o presidente Chávez foi resgatado da prisão militar onde havia sido mantido após
o golpe por membros das próprias forças armadas e restituído no poder.
Na resolução
9
aprovada durante a reunião extraordinária da Assembléia Geral da
OEA em 18 de abril, os Estados Membros reiteram a aplicação da carta como principal
mecanismo de ação coletiva em casos de ruptura da ordem democrática constitucional no
hemisfério e celebram a restauração da democracia venezuelana.
Apesar de restaurada a democracia no país, o caso venezuelano ainda preocupa
pelos efeitos da reconfiguração política e partidária que seu deu a partir de 1998. A
democracia venezuelana, caracterizada pela sucessão entre dois partidos tradicionais a
Acción Democrática (AD) e o Comitê de Organización Política Electoral Inedependiente
(COPEI) – passou por mudanças significativas concomitantes à primeira eleição de Hugo
Chávez. Após o seu empossamento, em fevereiro de 1999, Chávez organizou um
referendo para decidir sobre a convocação de uma assembléia constituinte para dar à
Venezuela uma nova constituição. O referendo votado em abril aprovou a convocação e
os membros da assembléia foram escolhidos por votação em julho de 1999. Mais de
noventa por cento dos assentos na assembléia foram conquistados pela aliança feita por
Chávez com membros de outros partidos.
9
AG/Res.1 (XXXIX-E/02), de 18 de abril de 2002.
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74
A nova constituição foi aprovada por setenta e dois por cento dos votos e
dissolveu o congresso e a suprema corte após sua ratificação em dezembro de 1999.
Além disso, a Constituição de 1999 admitiu a possibilidade de reeleição presidencial e
redefiniu o tempo de mandato para seis anos. Novas eleições diretas foram convocadas
para maio de 2000 e deram a Chávez a reeleição e a seu partido, a maioria no congresso
Essa nova configuração de forças no governo, com a perda de poder por parte dos
dois principais partidos na Venezuela e a crescente preeminência do partido Movimento
Quinta República (MVR) e da figura de Chávez, trouxe profundas alterações para a
democracia venezuelana.
Ao mesmo tempo em que a participação popular foi marcante com a realização de
plebiscitos e referendos, e manifestações de apoio ao governo foram vistas tanto nas ruas
quanto no congresso, a concentração de poder nas mãos do presidente Chávez levou a
sérios questionamentos sobre a qualidade da democracia venezuelana.
Como observa Coppedge, o que se espera hoje da democracia transcende a noção
básica de soberania popular (COPPEDGE, 2001:36). Espera-se ter a segurança da
transparência e da continuidade das instituições democráticas que nem sempre advém da
manifestação da soberania popular; ao contrário essa segurança frequentemente a
restringe:
“It may be a purist notion of democracy, but we now expect checks and balances in a
democratic regime. Checks and balances justify some limits on the majority will and
popular sovereignty. Liberal institutions, or checks and balances, can be viewed as a
democracy’s insurance policy. By paying a premium, some popular sovereignty is
sacrificed in the present in order to buy a guarantee that fundamental democratic
institutions will not be infringed upon in the future. Venezuela no longer has such an
insurance policy. The insurance policy was cashed in order to get responsiveness today.
Although there are currently few infringements on democratic freedoms, there is no
guarantee that they will not erode in the future.
10
Questionamentos sobre essa reconfiguração de forças observam, sobretudo, o fato
de que a maioria no congresso que garante a governabilidade de Chávez não fora
conquistada diretamente pela via democrática, mas sim induzida por uma assembléia
constituinte que agiu além de seus poderes ao destituir os representantes eleitos em 1998.
Além de dissolver o congresso e a corte suprema, a assembléia constituinte renomeou os
10
COPPEDGE, 2001, p.36.
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75
representantes do conselho eleitoral, secretários e chefes de ministérios, de maneira que
não restasse um cargo de chefia qualquer ocupado por membros da oposição.
Isso explica, talvez, o porquê de as posições tomadas pelos países do hemisfério
em seguida do golpe de 2002 divergirem quanto à avaliação do golpe e o governo
Chávez. Enquanto a Argentina e a o Paraguai declararam considerar o governo de
Carmona como ilegítimo, os EUA, El Salvador e o Peru observaram que a instabilidade
política na Venezuela era fruto de um regime repressivo e pouco representativo.
O receio desses países com relação ao regime chavista, não significou, entretanto,
que houvesse relutância em agir em favor do restabelecimento da democracia. Isso ficou
patente no caso venezuelano porque, a despeito das preferências dos países membros da
organização, tanto nas votações do Conselho Permanente, quanto na Assembléia
extraordinária, houve unanimidade na condenação do golpe e exigência da restauração
imediata do exercício legítimo de poder do representante democraticamente eleito.
5.3. Bolívia (2003)
Em 12 de fevereiro de 2003, uma onda de protestos violentos contra o governo do
presidente boliviano Gonzalo Sánchez Lozada na capital La Paz iniciou um processo que
levou à morte dezenas de pessoas e colocou em risco as instituições democráticas na
Bolívia.
Com o apoio de restrita parcela da população e pouco mais de seis meses de
mandato cumpridos, o presidente Lozada encontrou forte oposição popular à sua proposta
de criar um novo imposto sobre a renda, destinado a diminuir o déficit nas contas do
Estado e a melhorar as condições para a negociação de novos empréstimos do Fundo
Monetário Internacional. Entre os dias 12 e 13 de fevereiro, policiais em greve,
estudantes e membros do movimento operário que manifestavam contra a medida
entraram em confronto com a guarda militar em frente ao palácio do governo. Em face
dos protestos, Lozada retirou a proposta de criação do novo imposto, mas a oposição a
seu governo se fortaleceu com a crise. Além de greves e manifestações, os diversos
grupos de oposição (que incluíam policiais, plantadores de coca, membros da classe
sindical, etc.) incendiaram prédios do governo, saquearam estabelecimentos comerciais e
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bloquearam uma das rodovias mais importantes do país. A repressão aos manifestantes
envolveu o exército e acabou resultando em 32 vítimas entre policiais e civis.
Entre as reivindicações da oposição estava a renúncia do presidente
democraticamente eleito, acusado de não cumprir seus projetos de governo, por parte da
classe operária e dos cocaleiros, e um aumento salarial para os policiais. O aumento foi
negociado, mas o governo anunciou que não renunciaria.
Logo no dia 13 de fevereiro, o Secretário-Geral da OEA lamentou publicamente os
ocorridos e pediu a observância do Artigo 4 da Carta Democrática Interamericana que
trata da “subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil
legalmente constituída e o respeito ao Estado de Direito por todas as instituições e setores
da sociedade são igualmente fundamentais para a democracia.
11
No mesmo dia, a Missão Permanente da Bolívia na OEA solicitou a convocação de
uma reunião extraordinária do Conselho Permanente para examinar os atos de violência o
mais breve possível. Em 14 de fevereiro o Conselho reunido aprovou a Resolução 838
12
em apoio ao governo constitucional da República da Bolívia, expressando seu “pleno e
decidido apoio” ao presidente democraticamente eleito, condenando os atos de violência
e demais “atos não democráticos” como meios de manifestação da oposição, e ainda
ratificando a determinação dos Estados membros no sentido de “aplicar os mecanismos
previstos pela Carta Democrática Interamericana para a preservação da democracia”.
Em 18 de fevereiro, os 18 ministros da Bolívia renunciaram coletivamente a seus
respectivos cargos, com o objetivo de permitir que o presidente Lozada convocasse um
novo gabinete para seu governo e garantisse a governabilidade no país. Um dia depois,
Lozada nomeou apenas 12 novos ministros, entre eles 7 que já pertenciam ao seu
gabinete anterior. A manobra isolou ministros impopulares pelo envolvimento com a
repressão das manifestações do dia 12, mas não agradou a oposição. O novo Ministro da
Defesa, por exemplo, foi responsabilizado, ao lado do presidente, pelos incidentes em um
documento levado ao congresso por partidos da oposição. Buscando apoio externo, o
governo boliviano pediu à OEA, em 26 de fevereiro, que enviasse uma comissão à
11
Ver comunicado de imprensa da Secretaria Geral, em 13 de outubro de 2003 (em espanhol).
12
CP/Res. 838 (1355/03), de 14 de fevereiro de 2003.
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Bolívia para coadjuvar as investigações sobre os atos de violência que causaram mortes e
deixaram feridos em seu país.
Apesar do cenário de crise, do clima de instabilidade, da reformulação dos
ministérios e dos pedidos de renúncia, não houve interrupção do exercício legítimo de
poder no país. Logo, mantida a ordem democrática na Bolívia, nenhum dos mecanismos
da Carta foi invocação nem pelo Secretário-Geral, nem por qualquer Estado membro da
organização. O papel da OEA no respaldo do governo democraticamente eleito na
Bolívia revela uma trajetória coerente em relação aos governos passando por crise de
legitimidade na região.
O número de protestos diminuiu e, de março a agosto, o presidente Lozada
conseguiu preservar a constitucionalidade institucional de seu governo no país. Novas
manifestações voltaram a acontecer no início de setembro em função do projeto de
exportação do gás boliviano para os EUA, passando pelo Chile. Entre marchas, protestos
greves e bloqueios durante todo o mês de setembro, a crise se arrastou até o mês de
outubro deixando sete vítimas e aumentando as tensões entre o governo e os movimentos
de oposição. Os pedidos de renúncia do presidente se intensificam e as greves gerais e
bloqueios aumentam o número de confrontos.
Com o quadro de instabilidade crescente, em 13 de outubro de 2003, o Secretário-
Geral manifestou novamente sua preocupação com a situação da Bolívia, e fez um apelo
às forças de oposição no país que resolvessem suas diferenças com o governo sem o uso
da força e sem colocar em risco vidas humanas, reiterando que “qualquer governo
surgido de forma antidemocrática é absolutamente inaceitável para as Américas
13
”.
Em 14 de outubro, entretanto, os partidos de esquerda assinaram um comunicado
conjunto pedindo a renúncia de Lozada, a posse do vice, Carlos Mesa, e a convocação de
uma nova Assembléia Constituinte. O presidente recusou-se a renunciar, mas propôs um
referendo consultivo a respeito do gás e concordou na convocação da Assembléia
Constituinte, contando que continuasse no poder.
Em função dos acontecimentos, o Conselho Permanente da OEA se reuniu no dia
15 e aprovou uma nova resolução em apoio ao governo institucional da Bolívia. A
Resolução 849 reitera o apoio da OEA ao governo de Lozada e faz um apelo a todos os
13
Comunicado de imprensa da Secretaria Geral, em 13 de outubro de 2003 (em espanhol).
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78
setores políticos e sociais do país que resolvam suas divergências “por meio do diálogo e
da negociação e contribuam para assegurar a estabilidade e a recuperação de sua ordem
pública”.
O acirramento da campanha da oposição, entretanto, levou à renúncia do presidente
Lozada, que seu refugiou em Miami, e à posse de seu vice Carlos Mesa Guisbert. A
sucessão foi reconhecida e respaldada pela OEA devido à sua constitucionalidade e
respeito aos princípios democráticos, através de uma resolução
14
do Conselho
Permanente no dia 22 de outubro de 2003.
O apoio irrestrito da OEA ao governo de Lozada, que foi gradativamente perdendo
legitimidade, gerou descontentamento na Bolívia. Os líderes da oposição, sobretudo, o
associaram à ingerência dos EUA na Bolívia e à preferência (por parte de ambos, a
organização e os EUA) por um representante apoiado pelas elites. Entretanto, dentro da
OEA, tão preocupante quanto a violenta onda de protestos e o movimento pela renúncia
do presidente Lozada, era a preservação das instituições democráticas no país e a garantia
de que uma saída para a crise fosse alcançada pela via institucional. Nesse aspecto, pode-
se dizer que a atuação da OEA foi bem sucedida e sua posição em apoio ao representante
democraticamente eleito, no incentivo ao diálogo com as forças da oposição e no
reconhecimento da sucessão constitucional colaboraram para manutenção da ordem
democrática na Bolívia em 2002.
5.4. Peru (2003)
Em 13 de dezembro de 2003, o presidente do Peru, Alejandro Toledo, pediu a
renúncia de todos os seus ministros e conselheiros. Apesar de ser de praxe no Peru que os
ministros coloquem seus cargos à disposição no mês de dezembro, a medida foi
impulsionada por uma série de eventos que indicaram a fraqueza de seu gabinete. Em
novembro, o vice-presidente, que ocupava o cargo de Ministro do Comércio Exterior
renunciou o ministério, e o Ministro da Defesa pediu afastamento do cargo por falta de
recursos. Além disso, um escândalo envolvendo a primeira-ministra Beatriz Merino e
acusações de nepotismo após a indicação de uma amiga, que seria também sua
14
CP/Res. 852 (1387/03), de 22 de outubro de 2003.
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79
companheira, a um cargo público, teriam contribuído para a decisão de reforma do
gabinete. Merino era a terceira pessoa a ocupar o cargo desde o início do governo de
Toledo.
O presidente Toledo, no poder desde julho de 2001, havia enfrentado duas ondas
de protestos e paralisações contra medidas de seu governo uma em maio de 2002,
contra a privatização de duas usinas de eletricidade, e outra em maio de 2003, pela
reivindicação de aumento de salários, redução de impostos e medidas protecionistas para
o setor agrícola.
Beatriz Merino renunciou em 15 de dezembro, e o presidente nomeou Carlos
Ferrero, seu correligionário, como Primeiro Ministro e chefe de gabinete. No dia 31, o
vice-presidente Raul Diez Canseco, também renunciou ao cargo depois de ter se afastado
do Ministério do Comércio Exterior, sob acusações de corrupção e nepotismo.
Em face dos acontecimentos, o Conselho Permanente da OEA aprovou a Resolução
860 em apoio ao governo constitucional da República do Peru, expressando seu apoio ao
presidente Toledo e “particularmente à iniciativa de alcançar um amplo consenso
nacional para fortalecer os processos institucionais democráticos do Peru.
15
” A resolução,
que reiterava a declaração
16
da Assembléia Geral em apoio à luta do governo do Peru
contra a corrupção e a impunidade, foi um dos primeiros sinais da ação preventiva da
OEA.
5.5. Haiti (2004)
Em janeiro de 2004, durante a celebração dos 200 anos da independência do Haiti,
manifestações violentas contra o governo de Aristide deixaram dezenas de mortos e
forçaram o afastamento do presidente Aristide do governo. Os confrontos entre os
manifestantes que pediam nas ruas a renúncia do presidente, a polícia e um grupo armado
simpático a Aristide se prolongaram até o mês de fevereiro. Os conflitos se espalharam
por todo o país, deixando vítimas sobretudo em Gonaïves.
15
CP/Res. 860 (1398/04), de 12 de fevereiro de 2004.
16
AG/Dec. 33 (XXXIII-O/03), de 10 de junho de 2003.
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80
Em 19 de fevereiro de 2004, o Conselho Permanente da OEA se reuniu e ouviu o
Representante Permanente do Haiti sobre os eventos ocorridos, aprovando a Resolução
861 que expressava seu firme apoio ao governo de Aristide e seus esforços para restaurar
a ordem pública por meios constitucionais e condenava o uso de violência.
Fracassadas as tentativas diplomáticas de promoção do diálogo e solução da crise,
sobretudo as iniciativas da Comunidade do Caribe (CARICOM), o Conselho Permanente
se reuniu novamente, em 29 de fevereiro, aprovando uma nova resolução que pedia ao
Conselho de Segurança da ONU que tomasse as “medidas urgentes necessárias e
apropriadas, tal e como estabelecido na Carta das Nações Unidas, para abordar a crise no
Haiti
17
”. No mesmo dia, o presidente Aristide deixou o país, asilando-se na África do Sul,
o que gerou diversas manifestações de alegria por parte dos seus opositores em todo o
país, mas também ataques vandalismo e protesto na capital.
Com a saída de Aristide do poder, o presidente da Suprema Corte, Bonifácio
Alexandre, assumiu como presidente interino, pedindo a assitência das Nações Unidas
para a manutenção da ordem constitucional e da segurança interna no Haiti. Em
contrapartida, a ONU enviou ao Haiti uma Força Multinacional Interina (MIF) liderada
pelos EUA.
A OEA continuou a desempenhar um papel ativo na assistência e na observância do
governo de transição no Haiti para a criação de condições para a realização de novas
eleições o mais breve possível no país.
Em junho de 2004, a Assembléia Geral da OEA aprovou a Resolução 2058 que
pedia à Missão Especial para o Fortalecimento da Democracia no Haiti que agisse
conjuntamente com a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti
(MINUSTAH), na preparação, “organização e fiscalização das eleições e proclamação
dos resultados” naquele país, e instruía o Conselho Permanente, de acordo com o Artigo
20 da Carta Democrática Interamericana, a tomar as iniciativas diplomáticas necessárias
para restaurar a ordem democrática.
17
CP/RES. 862 (1401/04), de 29 de fevereiro de 2004.
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81
O presidente Bonifácio nomeou como seu primeiro ministro, Gerard Latortue, e
durante dois anos cooperou com os esforços da comunidade internacional para a garantia
de condições para a convocação de novas eleições gerais. As eleições foram adiadas
quatro vezes por problemas logísticos e de segurança, mas, finalmente, em 7 de fevereiro
de 2006, os haitianos foram às urnas, elegendo René Préval para presidente e escolhendo
os 129 membros do legislativo.
Apesar do resultado das eleições ter sido considerado satisfatório pelos
observadores internacionais e do aparente clima de segurança, vários confrontos nas
seções eleitorais entre votantes e a polícia e entre si, deixaram três mortos e dezenas de
feridos. Na contagem de votos, suspeitas de fraude e uma mudança no critério de
alocação dos votos brancos geraram protesto após o anúncio de um acordo que dava ao
candidato René Préval a vitória no primeiro turno.
Entretanto, a comunidade internacional desempenhou um papel determinante na
confirmação e legitimação dos resultados das eleições de 7 de fevereiro. Em 10 de
fevereiro, o Conselho Permanente da OEA aprovou uma declaração
18
, felicitando a nação
haitiana, o governo interino e as missões internacionais pelo sucesso das eleições gerais
no Haiti e pedindo à Secretaria Geral da OEA que continuasse prestando assistência
técnica especializada ao órgão eleitoral haitiano “a fim de corrigir os problemas que
surgiram na primeira rodada e garantir o êxito da segunda rodada das eleições”, realizada
em 19 de março de 2006.
5.6. Bolívia (2005)
Pouco mais de dois anos depois dos violentos confrontos que levaram à renúncia de
Gonzalo Sánchez Lozada, o presidente Carlos Mesa decretou um corte nos subsídios dos
combustíveis que levaria ao aumento de preços da gasolina e do óleo diesel para a
população. O decreto em vigor desde 30 de dezembro de 2004 gerou uma série de
protestos e bloqueios semelhantes aos que marcaram o mês de fevereiro de 2003.
Preocupado com a escalada da violência, o presidente Mesa ameaçou renunciar
caso os protestos continuassem e terminassem em confronto com a polícia. A ameaça
18
CP/DEC. 30 (1528/06), de 10 de fevereiro de 2006.
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82
conteve a princípio os protestos, mas as greves continuaram em função de um contrato de
fornecimento de água potável firmado com uma empresa francesa, que suspenderia o
abastecimento da região de El Alto, na periferia de La Paz.
Em face das ameaças de novos protestos, o governo decidiu renegociar o contrato
caso a região de El Alto não fosse atendida, mas não retirou o decreto sobre a redução
dos subsídios. Os protestos continuaram e passaram a ter reivindicações mais
abrangentes, pedindo a autonomia da província de Santa Cruz, e se arrastaram durante os
meses de janeiro e fevereiro.
Em 7 de março, Mesa anunciou publicamente sua renúncia, que foi recusada pelo
Congresso por grande maioria de votos. O Congresso então aprovou um acordo entre os
partidos para contornar a crise política e social na Bolívia, prevendo a revisão da Lei de
Hidrocarbonetos (que regula a exploração de petróleo e gás natural), a convocação de
uma Assembléia Constituinte, a realização de referendos sobre a concessão de
autonomias regionais e a suspensão de greves, bloqueios de estradas e protestos até
agosto de 2007. Entretanto, o partido Movimento Al Socialismo (MAS), liderado por Evo
Morales, rejeitou o acordo e refutou o compromisso de suspender os protestos.
Novos protestos aconteceram e Mesa decidiu adiantar a convocação de novas
eleições gerais para evitar a escalada do conflito. A decisão, contudo, foi vetada pelo
Congresso. Os manifestantes e grevistas protestavam contra a Lei dos Hidrocarbonetos
que determina as alíquotas de impostos e royalties pagos pelas empresas estrangeiras que
exploram gás e petróleo no país e a favor da nacionalização do setor de energia.
A crise culminou em 8 junho de 2005, quando Carlos Mesa apresentou novamente
sua renúncia ao Congresso, pedindo a seu sucessor imediato, o senador Hormando Vaca
Díez, que não assumisse o poder, levando a sucessão ao presidente da Câmara dos
Deputados e depois ao presidente da Corte Suprema Eduardo Rodríguez, que seria
obrigado a convocar eleições. Dois dias depois, a renúncia do presidente é aceita pelo
Congresso e Eduardo Rodríguez toma posse.
Numa resolução
19
de 7 de junho de 2005 pela Assembléia Geral reunida na Flórida,
a OEA reconheceu os esforços do presidente Mesa em resolver a crise por meio do
19
AG/DEC. 42 (XXXV-O/05), de 7 de junho de 2005.
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83
consenso e sua generosidade ao abrir mão de seu cargo em busca de uma solução pacífica
para a situação do país.
Em outra resolução
20
de 26 de julho de 2005, o Conselho Permanente da OEA
reconheceu os resultados alcançados pelo governo do presidente Eduardo Rodríguez na
Bolívia e reiterou a disposição da organização em assistir o processo eleitoral no país.
Novas eleições foram convocadas para 18 de dezembro de 2005, levando ao poder Evo
Morales, e contando com o apoio de 166 observadores da OEA, além de representantes
da ONU, da Comunidade Andina de Nações, do Mercosul e de outros organismos
internacionais.
5.7. Nicarágua (2005)
O caso da Nicarágua, diferente dos demais, é menos marcado pela participação
popular e mais pela partidarização dos poderes legislativo e judiciário, levando ao
enfraquecimento do executivo. Em de junho de 2005, durante a quarta sessão plenária da
Assembléia Geral da OEA na Flórida, o presidente da Nicarágua, Enrique Bolaños
Geyer, pediu à organização que observasse os acontecimentos que comprometiam a
separação e a independência dos poderes no seu país, com base no Artigo 17 da Carta
Democrática Interamericana.
O presidente se referia aos esforços conjuntos do Partido Liberal
Constitucionalista (PLC), de direita, e da Frente Sandinista de Libertação Nacional
(FSLN), de esquerda, de promoverem uma reforma constitucional no país que limitasse
os poderes do presidente. Os dois partidos rivais uniram-se para fortalecer a oposição ao
governo de Bolaños num pacto que lhes rendeu o controle da Assembléia Nacional, a
Corte Suprema de Justiça e o Conselho Supremo Eleitoral.
Bolaños venceu as eleições de 2001 contra Daniel Ortega, da frente sandinista,
levantando a bandeira da luta contra a corrupção. Depois de tomar posse, Bolaños
enfrentou seu antecessor e correligionário, Arnoldo Alemán Lacayo, acusado de
corrupção, e perdeu o apoio do PLC que o elegeu. Alemán, líder do PLC, foi condenado a
20 anos de prisão.
20
CP/Res. 885 (1499/05), de 26 de julho de 2005.
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84
A crise ficou evidente quando, entre novembro e dezembro de 2004, o legislativo
aprovou uma série de reformas constitucionais que lhe atribuíam competências, antes
pertencentes ao executivo. Em decorrência disso, o Congresso pôde nomear os
responsáveis pelas companhias estatais de água, luz e telecomunicações função
originalmente desempenhada pelo presidente.
O caso foi levado para a Corte Centro-Americana de Justiça, que deu um parecer
desfavorável às reformas aprovadas pelo Congresso. Com base na decisão da Corte,
Bolaños impediu que os funcionários nomeados pelo Congresso tivessem acesso aos seus
postos e decidiu buscar o apoio institucional na OEA.
Em 15 de junho de 2005, o Secretário-Geral da OEA iniciou sua visita à
Nicarágua, de acordo com uma resolução
21
da Assembléia Geral aprovada durante a
sessão plenária na Flórida, com o objetivo de ajudar a estabelecer um amplo diálogo
nacional, com vistas a encontrar soluções democráticas aos sérios problemas existentes,
com estrita observação do princípio de separação dos poderes e independência de todas
as filiais do governo no país.
22
” O Secretário-Geral se reuniu com o presidente Bolaños e
com os líderes da oposição (em especial o ex-presidente sandinista Daniel Ortega
Saavedra), com o chanceler Norman Caldera, e com o ministro da presidência Ernesto
Leal.
Concomitantemente à visita do Secretário-Geral, houve manifestação popular
pedindo o respeito à democracia e em rechaço ao pacto entre os partidos sandinista e
liberal, bem como às reformas constitucionais empreendidas por eles.
Em 20 de junho, o presidente Bolanõs propôs que todos os representantes eleitos
pelas eleições gerais de 2001 renunciassem seus cargos e que se convocasse um
referendo sobre as reformas votadas pelo Congresso.
O Conselho convocado extraordinariamente em 14 de julho de 2005 pelo
Secretário-Geral, contou com a presença do presidente Bolaños, que alertou para o fato
de que os partidos majoritários da Assembléia Nacional concentravam “poder
hegemônico” no país e reiterou sua vontade de organizar um referendo. Desprovido dos
21
AG/Dec. 43 (XXXV-O/05), de 7 de junho de 2005.
22
AG/Dec. 43 (XXXV-O/05), de 7 de junho de 2005.
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85
poderes para nomear seu próprio gabinete, Bolaños chamou uma crise de governabilidade
na Nicarágua de “golpe lento”.
Entretanto, em 30 de agosto, a Suprema Corte de Justiça ratificou a validez das
reformas constitucionais votadas pelo Congresso em 2004, desconsiderando a resolução
da Corte Centro-Americana sobre o assunto. O presidente Bolaños se recusou a
reconhecer a decisão da Corte e o Congresso ameaçou indiciá-lo por supostas
irregularidades no financiamento de sua campanha eleitoral.
Em face dos acontecimentos, uma nova reunião do Conselho Permanente da OEA
foi convocada em 9 de setembro de 2004. Em resolução
23
, o Conselho considerou o
aprofundamento da crise e o relatório da missão enviada ao país, e encarregou o
Secretário-Geral de voltar ao país para demonstrar a concernência da organização com
relação à evolução da crise.
Um mês depois, os líderes do pacto concordaram em um acordo para promover a
estabilidade e o diálogo nacional na Nicarágua e os esforços da missão da OEA na
Nicarágua foram elogiados durante a Cúpula da Américas, em novembro de 2005.
Novas eleições foram convocadas para novembro de 2006 contando com uma
massiva missão de observação eleitoral da OEA, e levando ao poder o atual presidente
Daniel Ortega da frente sandinista.
5.8. Equador (2005)
A crise no Equador começou em dezembro de 2004, quando o presidente Lucio
Gutiérrez eleito em novembro de 2002, promoveu uma reestruturação da Suprema Corte
com o apoio do Congresso, demitindo 27 entre os 31 juízes que a compunham. A
demissão dos juízes foi considerada um desrespeito ao princípio da independência dos
poderes pela oposição, mas não gerou fortes reações por parte da população.
Em 15 de março de 2005, o judiciário foi paralisado por greve em protesto à
intervenção do governo na Suprema Corte, mas os protestos se intensificaram após
uma decisão da nova Corte de anular os processos contra dois ex-presidentes, Abdalá
23
CP/Res. 892 (1507/05), de 9 de setembro de 2005.
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Bucaram e Gustavo Noboa, e o ex-vice-presidente Alberto Dahik, acusados de corrupção
e desvio de dinheiro público.
Em 13 de abril, os manifestantes tomaram as ruas de Quito para pedir a renúncia do
presidente Gutiérrez e dos juízes nomeados por ele. Dois dias depois, Gutiérrez declarou
estado de emergência, assumindo poderes emergenciais e suspendendo alguns direitos
constitucionais (como a livre associação e a liberdade de expressão), e decretou a
dissolução da Corte com o objetivo de conter a crise. Desta vez, o governo do ex-coronel
Gutiérrez sofreu uma forte reprovação popular e, apesar de ter o apoio do Congresso, foi
acusado de ter pretensões ditatoriais.
Em 16 de abril o presidente revogou o estado de emergência, mas a proposta de
dissolução da Corte suprema é ratificada pelo Congresso em sessão extraordinária.
Apesar dos crescentes protestos pedindo sua renúncia, e relutância de Gutiérrez a uma
renúncia formal, o presidente foi destituído do cargo por meio de uma moção do
Congresso e sob a justificativa de “abandono de poder.” Presidente exilou-se no Brasil,
no Peru e na Colômbia enquanto o vice, Alfredo Palacio, assumiu o poder.
Como a sucessão presidencial ocorreu sem a renúncia ou o impeachment do
presidente democraticamente eleito, sua constitucionalidade foi questionada. Logo, a
OEA decidiu enviar uma breve missão de alto nível ao Equador, a convite da delegação
equatoriana e com base no Artigo 18 da Carta Democrática, para “colaborar com as
autoridades desse país e com todos os setores da sociedade equatoriana, em seu esforço
para consolidar a democracia.
24
A missão teve como objetivos investigar a situação no
Equador e informar o Conselho Permanente sobre os resultados dessa investigação para
que novas medidas pudessem ser tomadas. A resolução do Conselho que solicitou o envio
da missão, entretanto, não menciona o apoio da organização nem ao governo de Palacio,
nem à restituição do presidente Gutiérrez. Apenas reafirma seu compromisso com a
“defesa e a promoção dos valores democráticos previstos na Carta da Organização dos
Estados Americanos e na Carta Democrática Interamericana
25
”.
O relatório da missão, encaminhado ao Conselho Permanente em maio de 2005,
não concluiu sobre a constitucionalidade da sucessão, mas apoiou o “Governo do
24
CP/Res. 880 (1478/05), de 22 de abril de 2005.
25
CP/Res. 880 (1478/05), de 22 de abril de 2005.
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Equador, no âmbito do Artigo 18 da Carta Democrática Interamericana, em sua decisão
de fortalecer a governabilidade e assegurar o respeito ao Estado de Direito, ao
ordenamento constitucional, à separação e independência dos poderes públicos, em
particular a função judicial e jurisdicional, com o propósito de contribuir para a
estabilidade das instituições democráticas nesse país.
26
Novamente, a OEA manifestou
seu apoio à República do Equador, sem que os nomes de Gutiérrez ou Palacio fossem
mencionados. Entretanto, o relatório da missão de alto nível identifica como causa do
conflito o desequilíbrio entre os poderes causado pela intervenção de Gutiérrez no
judiciário, em dezembro de 2004 o que leva a crer que um apoio tácito ao governo
que conseguiu restaurar e manter a separação dos poderes e a governabilidade no
Equador.
O apoio explícito ao governo do Palacio não chegou a acontecer, mesmo porque a
questão gerou polarização na OEA. O embaixador Venezuelano, por exemplo, observou
as credenciais democráticas do novo governo e do movimento que o apoiou, enquanto a
delegação do Equador queixou-se da inação da organização no início da crise que levou à
deposição de Gutiérrez. Questionou-se, sobretudo, o potencial de ação preventiva da
OEA frente a crises como a do Equador, considerando tanto o alcance de sua
competência legal atribuída pela Carta Democrática, quanto os mecanismos a disposição
da organização para que essa ação preventiva fosse efetiva.
Em 15 de outubro de 2005, Gutiérrez voltou ao Equador e foi imediatamente detido
e preso sob a acusação de se negar a reconhecer o governo de Alfredo Palacio, colocando
em risco a segurança nacional. Em novembro do mesmo ano, a OEA enviou outra missão
ao Equador para apoiar o estabelecimento de uma Corte Suprema de Justiça imparcial e
independente. O Secretário-Geral nomeou dois representantes especiais para acompanhar
o processo eleitoral no país. O presidente Gutiérrez foi libertado em 3 de março de
2006. A OEA voltou a intervir no Equador em outubro/novembro de 2006, quando
observou as eleições que levaram ao poder em dois turnos o candidato de esquerda,
Rafael Correa.
26
CP/Res. 883 (1484/05), de 20 de maio de 2005.
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88
6. Sobre o paradigma democrático
Analisando o histórico da atuação da OEA na promoção e defesa da democracia,
podemos observar que muitas das características assumidas pelo paradigma democrático
não estão delineadas em nenhum dos documentos que norteiam sua atuação. De fato, elas
surgiram do ad hocismo típico da organização e são freqüentemente resultados não
esperados ou não programados de sua própria atuação em casos específicos.
Algumas vezes verificou-se que a ação individual do Secretário-Geral ou dos
chefes de missão redefiniu limites e criou novas diretrizes para a atuação da OEA. Outras
vezes, pôde-se observar que determinados Estados membros desempenharam um papel
essencial em determinadas situações cruciais para os resultados políticos conquistados
pela organização – a participação do Peru na proposição e durante o processo de revisão e
aprovação da Carta Democrática Interamericana é um exemplo notável disso.
Entretanto, ainda que uma investigação dos interesses e motivações dos atores
individualmente e o papel que cada um desempenha em cada caso de ruptura, engajando-
se mais ou menos na solução de crises, traga elucidação sobre os resultados políticos
conquistados, é difícil explicar o que a esses resultados, a partir de 1990, uma noção
de continuidade.
Os casos estudados o ilustrativos do argumento que tanto análises que se
concentrem nas políticas de poder entre atores auto-interessados, quanto análises que
pressuponham atores voluntaristas oferecem um entendimento não plenamente
satisfatório sobre o desenvolvimento do paradigma democrático nas Américas
sobretudo por desconsiderarem o papel determinante da variável institucional.
Nesse sentido, o institucionalismo histórico oferece uma vantagem na explicação de
porque a despeito da polarização de forças e do dissenso dentro da organização e,
sobretudo, do ad hocismo característico de sua atuação, esses resultados se mostram
cumulativos e permanentes.
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Cumulatividade e permanência são características de uma trajetória percorrida,
que não pode ser alterada a posteriori mas que é freqüentemente ignorada por
perspectivas não-históricas. A irreversibilidade dos resultados políticos não implica,
entretanto, na continuidade de uma trajetória numa mesma direção e num mesmo sentido.
Sentido e direção são tendências e essa é uma pressuposição relativamente enfatizada
por institucionalistas históricos mas é possível que uma trajetória assuma sentido ou
direção opostos aos atuais. Como observa Paul Pierson: “[p]revious events in a sequence
influence outcomes and trajectories but not necessarily by inducing further movement in
the same direction. Indeed, the path may matter precisely because it tends to provoke a
reaction in some other direction.
1
Para o institucionalismo histórico, quanto mais se avança em uma determinada
trajetória, mais custosa será a mudança para outra trajetória. Primeiro porque as
alternativas a essa trajetória nem sempre continuam disponíveis à medida que se avança;
e segundo, porque os resultados conseguidos num estágio avançado de uma trajetória
dificilmente serão compensados por outra trajetória em estágio inicial
2
. Entretanto, é
válido ressaltar também a relevância das situações cruciais e acidentes, sob a perspectiva
institucionalista histórica, para a compreensão da mudança ou interrupção de uma
trajetória.
Nesse sentido, o presente capítulo visa delinear algumas das características do
paradigma democrático nas Américas hoje sem a pretensão de oferecer-lhe uma análise
prospectiva. O objetivo é, antes, entender como essas características – consensuais ou não
– foram incorporadas ao paradigma democrático nas Américas, constituindo uma variável
relevante.
6.1. O não-reconhecimento de governos de facto
Uma das características mais marcantes da atuação da OEA em defesa da
democracia representativa a partir da cada de 1990 é o não-reconhecimento de
1
PIERSON, 2000, p.252.
2
O fundamento teórico para essa afirmação parte da noção de resultados crescentes, também
discutida por Paul Pierson. Ver PIERSON, 2000.
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governos de facto. Durante toda a guerra fria, governos instaurados por meio de golpes de
Estado foram reconhecidos e participaram ativamente das reuniões e órgãos da OEA.
O marco da mudança foi certamente a crise no Haiti, em 1991, quando a
organização condenou o golpe de Cédras e continuou a reconhecer o presidente
democraticamente eleito como representante daquele Estado membro. A manutenção do
relacionamento com o presidente Aristide, mesmo enquanto afastado do poder, criou um
precedente para a atuação da organização.
Essa característica, entretanto, não impediu que a organização estabelecesse
diálogo com os representantes do governo de facto ou com representantes da oposição e
tentasse encontrar uma saída pacífica e constitucional para as crises na região. Enquanto
se reunia com representantes do governo de facto e líderes da oposição, sem recebê-los
como representantes de Estado, a OEA passou a sinalizar seu apoio ao governo
democraticamente eleito por meio de declarações.
Ademais, como o presidente democraticamente eleito e o ministro das relações
exteriores apontado por ele continuaram bem-vindos às reuniões de assembléia e demais
órgãos da OEA, o Estado membro não esteve suspenso das atividades da organização.
Nos casos em que o próprio governante democraticamente eleito é quem perpetra
o golpe, o único mecanismo disponível seria o de suspensão. Contudo, a organização
frequentemente insistiu no diálogo e na busca pelo retorno à ordem constitucional e
detrimento do isolamento ou da suspensão do Estado membro.
ainda situações nas quais o presidente democraticamente eleito é destituído
pela via constitucional (votação do Congresso ou decisão por plebiscito impeachment).
Nesses casos, a posição da OEA é a de sempre resguardar a constitucionalidade das
sucessões, observando a posição das forças internas e o equilíbrio entre os poderes.
6.2. Ação preventiva
Talvez a lição mais enfatizada pelas primeiras missões da OEA era a necessidade
da ação preventiva nos casos de crise iminente. A Carta Democrática Interamericana
incorpora essa preocupação e oferece uma vantagem lingüística em relação à Resolução
1080: de “interrupção irregular ou abrupta” do exercício de poder, como disposto na
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Resolução, o mecanismo de ação coletiva passou a tratar “qualquer tipo de alteração da
ordem constitucional”.
Apesar da importância da criação de mecanismos de ação preventiva ser
abertamente ressaltada em relatórios e resoluções
3
da OEA, trata-se ainda de um assunto
delicado porque apesar das inovações práticas conquistadas pelas missões, há ainda muita
discordância entre os Estados membros em função do princípio de não-intervenção.
Essa discordância ficou patente durante a Reunião da Assembléia Geral em Fort
Lauderdale, na Flórida, em 2005, quando houve polarização entre os Estados membros
em relação à proposta dos Estados Unidos de criar um mecanismo preventivo de
fiscalização da democracia nas Américas. O Brasil e a Venezuela se posicionaram contra,
alegando que a organização está munida de um mecanismo para atuar quando for
solicitada, que pode ser usado preventivamente se for da vontade do Estado membro, e
que um mecanismo de fiscalização pode levar à ingerência e ao desrespeito ao princípio
de não-intervenção.
A proposta, apesar de apoiada pelo Secretário-Geral, José Miguel Insulza, e por
diversos Estados membros, não foi adotada pela Assembléia, mas é um sinal o tema da
ação preventiva no campo da democracia já foi incluído na agenda hemisférica
4
.
Na prática, entretanto, diversas inovações como o envio de missões de
averiguação dos fatos (fact-finding), viagens consultivas e comunicados de imprensa
manifestando a concernência da organização sobre situação da democracia em
determinados Estados membros, atestam para o fato de que a atuação da OEA começa
bem antes da ruptura democrática. A organização exerce um forte papel de
monitoramento e acompanhamento dos processos democráticos (não apenas durante as
eleições) e exerce cada vez mais uma função legitimadora/contestatória externa dos
governos, quando passa a distinguir governos que refletem as aspirações de seu povo e
governos que se impõem em detrimento disso.
A atuação do Departamento para a Promoção da Democracia na formação de
líderes e na promoção de uma cultura democrática no hemisfério também deve ser
3
Ver por exemplo relatório La OEA 1994-2004: Una década de transformación, 2004.
4
O grupo de países da Associação Latino-Americana (Aladi) estuda uma contra-proposta que
também endereça ao tema da ação preventiva para o fortalecimento e a promoção da democracia.
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destacada como um importante aspecto de prevenção de crises. O Departamento promove
cursos de capacitação para membros de partidos políticos e da sociedade civil visando o
fortalecimento das instituições democráticas nos seus Estados membros um trabalho
que revela que transcende o mecanismo de ação coletiva para os casos de crise.
6.3. O papel da Secretaria-Geral
A expansão do papel do Secretário-Geral foi uma saída menos burocrática, mais
rápida e menos custosa para o fortalecimento da atuação da OEA em defesa da
democracia. Primeiro porque o Secretário-Geral não precisa da aprovação nem do
Conselho Permanente, nem da Assembléia Geral para exercer políticas de good office
com os governantes dos Estados membros. E segundo porque os compromissos
assumidos no campo da democracia expandem as atribuições do Secretário-Geral.
O capítulo XV da Carta da OEA que rege a Secretaria-Geral diz no seu artigo 107,
que a Secretaria-Geral “[e]xercerá as funções que lhe atribuam a Carta, outros tratados e
acordos interamericanos e a Assembléia Geral, e cumprirá os encargos de que for
incumbida pela Assembléia Geral, pela Reunião de Consulta dos Ministros das Relações
Exteriores e pelos Conselhos.”
A Resolução 1080, a Carta Democrática Interamericana e todas as demais
resoluções do Conselho Permanente, da Reunião de Ministros das Relações Exteriores e
da Assembléia Geral, conferem ao Secretário-Geral um papel destacado por sua
abrangência e independência. Ao longo dos anos, e muito em função da capacidade
inventiva dos Secretários-Gerais, diversas práticas foram incorporadas ao papel
desempenhado por eles. Essa autonomia foi refletida também na autonomia dada aos
chefes de missão, como no caso da missão Stein, no Peru, em 2000, e a Missão Especial
enviada ao Haiti, e chefiada por Luigi Einaudi, em 2002, e também na expansão do papel
do Conselho Permanente.
Uma reflexão necessária sobre a perspectiva do institucionalismo histórico sobre a
expansão do papel do Secretário-Geral é que, ainda que tenha sido a ação individual o
que iniciou ou mudou o rumo de uma trajetória (evento de menor importância pode ter
efeitos de grande proporção), isso não significa que essa trajetória será novamente
alterada pela ação individual.
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Dada a constância da atuação da OEA em casos de crise institucional e ruptura da
ordem democrática, a recorrência da ação individual do Secretário-Geral, por exemplo,
cria um antecedente que passa a fazer parte do paradigma solidário e deixa sua própria
marca nos resultados políticos das relações hemisféricas.
6.4. O papel das missões de observação eleitoral
Durante a última década, um dos desenvolvimentos mais marcantes da atuação da
OEA foi o do papel das missões de observação eleitoral. No início dos anos 1990, as
missões constituíam-se de um grupo de voluntários chefiados por um representante
nomeado pelo Secretário-Geral e envolviam um número limitado de atividades;
basicamente a observação das votações e a confecção de relatórios. As missões chegavam
ao Estado membro poucos dias antes do dia das eleições e deixava o país logo após a
apuração dos resultados.
A partir de 1994, entretanto, houve um movimento de profissionalização e
sistematização do processo de observação eleitoral. Hoje em dia, as missões de
observação eleitoral possuem um alto nível de autonomia e observam os processos
eleitorais desde o cadastramento eleitoral, auxiliando e criando condições para que
eleições livres e democráticas sejam realizadas, trabalhando com o órgão eleitoral para a
garantia da precisão e imparcialidade na apuração de votos e emitindo relatórios de
melhoria para os sistemas eleitorais.
De 1994 a 2006, a OEA observou 77 processos eleitorais no hemisfério,
conquistando o prestígio da comunidade internacional, e a confiança dos atores políticos
e da opinião pública de seus Estados membros. Esse avanço reforçou um papel político
5
relevante que as missões desempenham: o de validação externa dos resultados eleitorais.
Essa validação possui duas facetas. Por um lado, como observa Gaviria, “[s]e ha
podido apreciar que los candidatos que surgen de estos procesos observados se
5
Esse papel político não deve ser confundido com a afirmação da legalidade de um mecanismo de
validação externa no âmbito da OEA. Legalmente, a OEA não está apta e nem é pertinente afirmar que
seus Estados membros têm interesse em torná-la apta a validar resultados eleitorais. Refere-se aqui,
então, à idéia de que processos eleitorais acompanhados por observadores internacionais, sobretudo em
Estados marcados por sucessivas crises políticas e pela fraqueza de suas instituições democráticas, tendem
a ser menos contestados tanto interna quanto externamente. Isso não significa dizer, entretanto, que
processos eleitorais não-observados careçam de legitimidade ou que tenham sua validade questionada.
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robustecen [interna e extermanente], dada la legitimidad que otorga nuestra
observación
6
”. Por outro, a organização se compromete com a proteção de um governo
que ela mesma proclamou democraticamente eleito o que tem implicações futuras,
sobretudo quando o mesmo governo perde o apoio da maioria da população ou
desrespeita os princípios democráticos resguardados pela organização.
Esse papel político das missões de observação eleitoral legalmente extrapola sua
função original de assistência aos governos para a sucessão democrática e o
fortalecimento da identidade cívica e dos procedimentos democráticos nos Estados
membros. Entretanto, a autonomia dos mandatos das missões no Peru (2000) e no Haiti
(2001) atesta para o potencial político latente dos procedimentos de observação eleitoral e
para seu crescente papel de validação internacional. Como observam Cooper e Legler:
“Together, these two monitoring missions suggest a new willingness on the part of the
OAS, certainly of its secretary-general, to expand an external validation power to the
organization, even with the knowledge that this new approach would invariably trigger
controversy among member states
7
”.
A despeito das controvérsias a esse respeito, entretanto, uma prática incorporada
pelo Conselho Permanente, que vem evidenciar essa percepção, é a de felicitar os Estados
membros por processos eleitorais bem sucedidos.
6.5. Inclusão da sociedade civil
Sobre o papel da sociedade civil para a atuação da OEA em defesa da democracia,
pode-se dizer que ele cresceu em dois aspectos principais ao longo da última década. O
primeiro aspecto é o da participação de membros da sociedade civil nos processos de
negociação de “mesa como um fator fundamental para a solução pacífica e definitiva
das crises democráticas.
A partir da década de 1990, membros da igreja, de sindicatos e de partidos da
oposição, indivíduos e grupos não organizados da sociedade civil foram convidados a
participar das conversações promovidas pela OEA, contudo, sem direito a voto. A
inclusão de membros da sociedade civil para as discussões é uma importante inovação
6
GAVIRIA, 2004, p.38.
7
COOPER e LEGLER, 2006, p.58.
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metodológica que revela o reconhecimento, por parte da organização, da relevância
crucial da opinião pública para a estabilidade dos governos eleitos.
O segundo aspecto é o conceitual. Está ligado à ampliação do conceito de
democracia, que passou a incorporar preocupações normativas mais além da concepção
formal de democracia. Como observa Gaviria:
“Ya desde “La NuevaVisión” concebimos una OEA con una mirada amplia de lo que
significa defensa y fortalecimiento de la democracia. Decíamos en “La NuevaVisión”,
entonces, que se trataba de avanzar en la cimentación de una democracia integral, en donde
exista um Estado orientado a servir a la ciudadanía, abierto a escucharla y con instrumentos
adecuados para realizar efectivamente las funciones que le correspondan y rendir cuentas
de su gestión; un órgano legislativo deliberativo; una justicia constitucional garante del
consenso democrático; un ejecutivo gobernante, fundado en la legitimidad derivada de los
procesos electorales limpios y transparente y en el diálogo pluralista; un sistema de
partidos revitalizado; unos procesos electorales que sean ejercicio efectivo de la soberanía
popular; una democracia local eficaz y participativa; unos derechos que sean poderes, es
decir, que trasladen efectivamente a los ciudadanos una serie de herramientas para hacer
respetar en la práctica la dignidad, la libertad y la igualdad; unos órganos de control con
mecanismos para hacer efectivos sus reclamos; una sociedad civil fuerte y un respeto
generalizado por la participación política de las mujeres, los indígenas, y los grupos
minoritarios; y, por último, una democracia que contenga el establecimiento de canales de
diálogo y de resolución pacífica de las discrepancias, así como de mecanismos de búsqueda
de consenso.
8
A questão normativa, entretanto, não é tão sólida, dado o tênue equilíbrio político e
jurídico entre a campanha democrática e o respeito ao princípio da não-intervenção.
Entretanto, preocupação com a inclusão tanto no campo prático quanto no sentido
normativo é parte, hoje, dos discursos dos membros do sistema hemisférico e foi
associada à estabilidade e ao desenvolvimento das instituições democráticas nas
Américas.
8
GAVIRIA, 2004, p.18.
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96
7. Conclusão
Dizer que o realismo, a escolha racional ou o funcionalismo não explicam por que
os Estados intervêm nos casos de ruptura da democracia é afirmar que existe uma única
perspectiva de análise válida. E com certeza este não foi o objetivo deste trabalho. O
objetivo almejado foi o de explicar a importância da trajetória percorrida e conseqüências
não-pretendidas para a formação do que se chamou de paradigma democrático nas
Américas, e demonstrar como a variável institucional deixa suas próprias marcas nos
resultados políticos.
Esses mesmos resultados políticos podem ser explicados por análises que vão do
nível dos atores e de análises personalistas, a perspectivas globais sobre a tendência à
democratização. Diante de tudo isso, o institucionalismo histórico se apresentou como
uma perspectiva que não sacrifica a complexidade das relações sociais em nome da
elegância teórica. Como framework para a análise, ele oferece conceitos-chave ao invés
de pressuposições – o que resulta na possibilidade da consideração de inúmeras variáveis,
inclusive as que a priori parecem desempenhar um papel apenas marginal sobre o
fenômeno que se deseja compreender.
A relevância do trabalho está, sobretudo, na ênfase dada aos desenvolvimentos
institucionais que pautam hoje o paradigma democrático nas Américas. Como observa
Pierson, “we cannot understand the significance of a particular social variable without
understanding ‘how it got there’ – the path it took.
1
Apesar da ênfase do presente trabalho ter estado nos avanços da campanha
hemisférica em defesa da democracia representativa, vale ressaltar algumas das
limitações do paradigma criado.
A primeira é que a organização enfrenta um dilema comum entre as organizações
regionais: o lapso entre seus fins e meios. Nesse sentido, a OEA se destaca por possuir
objetivos bem definidos e, contudo, ainda distantes de sua realidade política e
1
PIERSON, 2005, p.252.
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orçamentária. O ressaltado papel do consenso na organização cria um sistema que induz
ao ad hocismo e desencoraja a criação de mecanismos permanentes de ação coletiva.
Somam-se a isso os sérios questionamentos a qualquer função punitiva que a organização
possa desempenhar. A posição do México, por exemplo, foi sempre coerente no sentido
de advogar o caráter pacífico e cooperativo da organização e rechaçar-lhe a atribuição de
qualquer poder coercitivo. Sem capacidade de coerção, entretanto, a organização tem um
reduzido potencial de implementação das suas determinações.
A segunda e a mais crucial delas é sem dúvida a prevalência do modelo tradicional
de soberania executiva como base do multilateralismo no hemisfério. Apesar da
candência de certas questões de relevância ressaltada no cenário internacional e a
tendência dos Estados de optar por soluções coletivas, é ainda muito claro que nesse jogo
de forças a soberania dos Estados é mais limitante que limitada.
Como a própria fonte legal dos compromissos internacionais continua a ser a
vontade dos Estados soberanos (o que muitas vezes significa dizer a vontade dos
soberanos de seus Estados), seus costumes e práticas, é exagerado pensar que esse
fenômeno aconteça sem a criação de novos mecanismos de controle.
De qualquer forma, a evolução do paradigma democrático nas Américas aponta
para o fato de que a própria organização que congrega os Estados transcende a vontade
individual de seus membros e assume uma trajetória própria. E é nessa trajetória que
esperança da superação da soberania executiva e da consideração de realidades mais
inclusivas.
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do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Stanford, de 15 a 16 de
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Universidade Católica do Rio de Janeiro, de 22 a 24 de novembro de 2005.
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Anexos
AG/RES. 1080 (XXI-O/91)
REPRESENTATIVE DEMOCRACY
(Resolution adopted at the fifth plenary session, held on June 5, 1991)
WHEREAS:
The Preamble of the Charter of the OAS establishes that representative democracy is an indispensable
condition for the stability, peace, and development of the region;
Under the provisions of the Charter, one of the basic purposes of the OAS is to promote and consolidate
representative democracy, with due respect for the principle of non-intervention;
Due respect must be accorded to the policies of each member country in regard to the recognition of states
and governments;
In view of the widespread existence of democratic governments in the Hemisphere, the principle, enshrined
in the Charter, that the solidarity of the American states and the high aims which it pursues require the
political organization of those states to be based on effective exercise of representative democracy must be
made operative; and
The region still faces serious political, social, and economic problems that may threaten the stability of
democratic governments,
THE GENERAL ASSEMBLY
RESOLVES:
1. To instruct the Secretary General to call for the immediate convocation of a meeting of
the Permanent Council in the event of any occurrences giving rise to the sudden or
irregular interruption of the democratic political institutional process or of the legitimate
exercise of power by the democratically elected government in any of the Organization’s
member states, in order, within the framework of the Charter, to examine the situation,
decide on and convene and ad hoc meeting of the Ministers of Foreign Affairs, or a
special session of the General Assembly, all of which must take place within a ten-day
period.
2. To state that the purpose of the ad hoc meeting of Ministers of Foreign Affairs or the
special session of the General Assembly shall be to look into the events collectively and
adopt any decisions deemed appropriate, in accordance with the Charter and international
law.
3. To instruct the Permanent Council to devise a set of proposals that will serve as
incentives to preserve and strengthen democratic systems, based on international
solidarity and cooperation, and to apprise the General Assembly thereof at its twenty-
second regular session.
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CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA
(Aprovada na primeira sessão plenária, realizada em 11 de setembro de 2001)
A ASSEMBLÉIA GERAL,
CONSIDERANDO que a Carta da Organização dos Estados Americanos reconhece que a
democracia representativa é indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, e que
um dos propósitos da OEA é promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da
não-intervenção;
RECONHECENDO as contribuições da OEA e de outros mecanismos regionais e sub-regionais
para a promoção e consolidação da democracia nas Américas;
RECORDANDO que os Chefes de Estado e de Governo das Américas, reunidos na Terceira
Cúpula das Américas, realizada de 20 a 22 de abril de 2001 na Cidade de Québec, adotaram uma cláusula
democrática que estabelece que qualquer alteração ou ruptura inconstitucional da ordem democrática em
um Estado do Hemisfério constitui um obstáculo insuperável à participação do Governo do referido Estado
no processo de Cúpulas das Américas;
LEVANDO EM CONTA que as cláusulas democráticas existentes nos mecanismos regionais e
sub-regionais expressam os mesmos objetivos que a cláusula democrática adotada pelos Chefes de Estado e
de Governo na Cidade de Québec;
REAFIRMANDO que o caráter participativo da democracia em nossos países nos diferentes
âmbitos da atividade pública contribui para a consolidação dos valores democráticos e para a liberdade e a
solidariedade no Hemisfério;
CONSIDERANDO que a solidariedade e a cooperação dos Estados americanos requerem a sua
organização política com base no exercício efetivo da democracia representativa e que o crescimento
econômico e o desenvolvimento social baseados na justiça e na eqüidade e a democracia são
interdependentes e se reforçam mutuamente;
REAFIRMANDO que a luta contra a pobreza, especialmente a eliminação da pobreza crítica, é
essencial para a promoção e consolidação da democracia e constitui uma responsabilidade comum e
compartilhada dos Estados americanos;
TENDO PRESENTE que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos contêm os valores e princípios de liberdade, igualdade e
justiça social que são intrínsecos à democracia;
REAFIRMANDO que a promoção e proteção dos direitos humanos é condição fundamental para a
existência de uma sociedade democrática e reconhecendo a importância que tem o contínuo
desenvolvimento e fortalecimento do sistema interamericano de direitos humanos para a consolidação da
democracia;
CONSIDERANDO que a educação é um meio eficaz para fomentar a consciência dos cidadãos
com respeito a seus próprios países e, desta forma, lograr uma participação significativa no processo de
tomada de decisões, e reafirmando a importância do desenvolvimento dos recursos humanos para se
alcançar um sistema democrático sólido;
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RECONHECENDO que um meio ambiente saudável é indispensável para o desenvolvimento
integral do ser humano, o que contribui para a democracia e a estabilidade política;
TENDO PRESENTE que o Protocolo de San Salvador em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais ressalta a importância de que tais direitos sejam reafirmados, desenvolvidos,
aperfeiçoados e protegidos para consolidar o sistema democrático representativo de governo;
RECONHECENDO que o direito dos trabalhadores de se associarem livremente para a defesa e
promoção de seus interesses é fundamental para a plena realização dos ideais democráticos;
LEVANDO EM CONTA que, no Compromisso de Santiago com a Democracia e a Renovação do
Sistema Interamericano, os Ministros das Relações Exteriores expressaram sua determinação de adotar um
conjunto de procedimentos eficazes, oportunos e expeditos para assegurar a promoção e defesa da
democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção, e que a resolução AG/RES. 1080
(XXI-O/91) estabeleceu, conseqüentemente, um mecanismo de ação coletiva para o caso em que ocorresse
uma interrupção abrupta ou irregular do processo político institucional democrático ou do legítimo
exercício do poder por um governo democraticamente eleito em qualquer dos Estados membros da
Organização, materializando, assim, uma antiga aspiração do Continente de responder rápida e
coletivamente em defesa da democracia;
RECORDANDO que, na Declaração de Nassau [AG/DEC. 1 (XXII-O/92)], acordou-se
desenvolver mecanismos a fim de proporcionar a assistência que os Estados membros solicitem para
promover, preservar e fortalecer a democracia representativa, de maneira a complementar e cumprir o
previsto na resolução AG/RES. 1080 (XXI-O/91);
TENDO PRESENTE que, na Declaração de Manágua para a Promoção da Democracia e do
Desenvolvimento [AG/DEC. 4 (XXIII-O/93)], os Estados membros expressaram seu convencimento de que
a democracia, a paz e o desenvolvimento são partes inseparáveis e indivisíveis de uma visão renovada e
integral da solidariedade americana e de que, da implementação de uma estratégia inspirada na
interdependência e na complementaridade desses valores, dependerá a capacidade da OEA de contribuir
para preservar e fortalecer as estruturas democráticas no Hemisfério;
CONSIDERANDO que, na Declaração de Manágua para a Promoção da Democracia e do
Desenvolvimento, os Estados membros expressaram sua convicção de que a missão da Organização não se
limita à defesa da democracia nos casos de rompimento de seus valores e princípios fundamentais, mas
também exige um trabalho permanente e criativo destinado a consolidá-la, bem como um esforço
permanente para prevenir e antecipar as próprias causas dos problemas que afetam o sistema democrático
de governo;
TENDO PRESENTE que os Ministros das Relações Exteriores das Américas, por ocasião do
Trigésimo Primeiro Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral em São José, Costa Rica, dando
cumprimento à expressa instrução dos Chefes de Estado e Governo reunidos na Terceira Cúpula das
Américas, realizada na Cidade de Québec, aceitaram o documento de base da Carta Democrática
Interamericana e encarregaram o Conselho Permanente de fortalecê-la e ampliá-la, em conformidade com a
Carta da OEA, para sua aprovação definitiva em um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral
em Lima, Peru;
RECONHECENDO que todos os direitos e obrigações dos Estados membros nos termos da Carta
da OEA representam o fundamento sobre o qual estão constituídos os princípios democráticos do
Hemisfério; e
LEVANDO EM CONTA o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e a
conveniência de precisar as disposições contidas na Carta da Organização dos Estados Americanos e em
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instrumentos básicos concordantes, relativas à preservação e defesa das instituições democráticas, em
conformidade com a prática estabelecida,
RESOLVE:
Aprovar a seguinte
CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA
I
A democracia e o sistema interamericano
Artigo 1
Os povos da América têm direito à democracia e seus governos m a obrigação de promovê-la e
defendê-la.
A democracia é essencial para o desenvolvimento social, político e econômico dos povos das
Américas.
Artigo 2
O exercício efetivo da democracia representativa é a base do Estado de Direito e dos regimes
constitucionais dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. A democracia
representativa reforça-se e aprofunda-se com a participação permanente, ética e responsável dos cidadãos
em um marco de legalidade, em conformidade com a respectiva ordem constitucional.
Artigo 3
São elementos essenciais da democracia representativa, entre outros, o respeito aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais, o acesso ao poder e seu exercício com sujeição ao Estado de
Direito, a celebração de eleições periódicas, livres, justas e baseadas no sufrágio universal e secreto como
expressão da soberania do povo, o regime pluralista de partidos e organizações políticas, e a separação e
independência dos poderes públicos.
Artigo 4
São componentes fundamentais do exercício da democracia a transparência das atividades
governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos na gestão pública, o respeito dos direitos
sociais e a liberdade de expressão e de imprensa.
A subordinação constitucional de todas as instituições do Estado à autoridade civil legalmente
constituída e o respeito ao Estado de Direito por todas as instituições e setores da sociedade são igualmente
fundamentais para a democracia.
Artigo 5
O fortalecimento dos partidos e de outras organizações políticas é prioritário para a democracia.
Dispensar-se-á atenção especial à problemática derivada dos altos custos das campanhas eleitorais e ao
estabelecimento de um regime equilibrado e transparente de financiamento de suas atividades.
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Artigo 6
A participação dos cidadãos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento é um direito e
uma responsabilidade. É também uma condição necessária para o exercício pleno e efetivo da democracia.
Promover e fomentar diversas formas de participação fortalece a democracia.
II
A democracia e os direitos humanos
Artigo 7
A democracia é indispensável para o exercício efetivo das liberdades fundamentais e dos direitos
humanos, em seu caráter universal, indivisível e interdependente, consagrados nas respectivas constituições
dos Estados e nos instrumentos interamericanos e internacionais de direitos humanos.
Artigo 8
Qualquer pessoa ou grupo de pessoas que considere que seus direitos humanos tenham sido
violados pode interpor denúncias ou petições perante o sistema interamericano de promoção e proteção dos
direitos humanos, conforme os procedimentos nele estabelecidos.
Os Estados membros reafirmam sua intenção de fortalecer o sistema interamericano de proteção
dos direitos humanos, para a consolidação da democracia no Hemisfério.
Artigo 9
A eliminação de toda forma de discriminação, especialmente a discriminação de gênero, étnica e
racial, e das diversas formas de intolerância, bem como a promoção e proteção dos direitos humanos dos
povos indígenas e dos migrantes, e o respeito à diversidade étnica, cultural e religiosa nas Américas
contribuem para o fortalecimento da democracia e a participação do cidadão.
Artigo 10
A promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício pleno e eficaz dos direitos dos
trabalhadores e a aplicação de normas trabalhistas básicas, tal como estão consagradas na Declaração da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho
e seu Acompanhamento, adotada em 1998, bem como em outras convenções básicas afins da OIT. A
democracia fortalece-se com a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores
do Hemisfério.
III
Democracia, desenvolvimento integral e combate à pobreza
Artigo 11
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A democracia e o desenvolvimento econômico e social são interdependentes e reforçam-se
mutuamente.
Artigo 12
A pobreza, o analfabetismo e os baixos níveis de desenvolvimento humano são fatores que
incidem negativamente na consolidação da democracia. Os Estados membros da OEA se comprometem a
adotar e executar todas as ações necessárias para a criação de emprego produtivo, a redução da pobreza e a
erradicação da pobreza extrema, levando em conta as diferentes realidades e condições econômicas dos
países do Hemisfério. Este compromisso comum frente aos problemas do desenvolvimento e da pobreza
também ressalta a importância de manter os equilíbrios macroeconômicos e o imperativo de fortalecer a
coesão social e a democracia.
Artigo 13
A promoção e observância dos direitos econômicos, sociais e culturais são inerentes ao
desenvolvimento integral, ao crescimento econômico com eqüidade e à consolidação da democracia dos
Estados do Hemisfério.
Artigo 14
Os Estados acordam examinar periodicamente as ações adotadas e executadas pela Organização
destinadas a fomentar o diálogo, a cooperação para o desenvolvimento integral e o combate à pobreza no
Hemisfério, e tomar as medidas oportunas para promover esses objetivos.
Artigo 15
O exercício da democracia facilita a preservação e o manejo adequado do meio ambiente. É
essencial que os Estados do Hemisfério implementem políticas e estratégias de proteção do meio ambiente,
respeitando os diversos tratados e convenções, para alcançar um desenvolvimento sustentável em benefício
das futuras gerações.
Artigo 16
A educação é chave para fortalecer as instituições democráticas, promover o desenvolvimento do
potencial humano e o alívio da pobreza, e fomentar um maior entendimento entre os povos. Para alcançar
essas metas, é essencial que uma educação de qualidade esteja ao alcance de todos, incluindo as meninas e
as mulheres, os habitantes das zonas rurais e as minorias.
IV
Fortalecimento e preservação da institucionalidade democrática
Artigo 17
Quando o governo de um Estado membro considerar que seu processo político institucional
democrático ou seu legítimo exercício do poder está em risco poderá recorrer ao Secretário-Geral ou ao
Conselho Permanente, a fim de solicitar assistência para o fortalecimento e preservação da
institucionalidade democrática.
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Artigo 18
Quando, em um Estado membro, ocorrerem situações que possam afetar o desenvolvimento do
processo político institucional democrático ou o legítimo exercício do poder, o Secretário-Geral ou o
Conselho Permanente poderão, com o consentimento prévio do governo afetado, determinar visitas e outras
gestões com a finalidade de fazer uma análise da situação. O Secretário-Geral encaminhará um relatório ao
Conselho Permanente, o qual realizauma avaliação coletiva da situação e, caso seja necessário, poderá
adotar decisões destinadas à preservação da institucionalidade democrática e seu fortalecimento.
Artigo 19
Com base nos princípios da Carta da OEA, e sujeito às suas normas, e em concordância com a
cláusula democrática contida na Declaração da Cidade de Québec, a ruptura da ordem democrática ou uma
alteração da ordem constitucional que afete gravemente a ordem democrática num Estado membro
constitui, enquanto persista, um obstáculo insuperável à participação de seu governo nas sessões da
Assembléia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das conferências
especializadas, das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos estabelecidos na OEA.
Artigo 20
Caso num Estado membro ocorra uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente sua
ordem democrática, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral poderá solicitar a convocação imediata
do Conselho Permanente para realizar uma avaliação coletiva da situação e adotar as decisões que julgar
convenientes.
O Conselho Permanente, segundo a situação, poderá determinar a realização das gestões
diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para promover a normalização da institucionalidade
democrática.
Se as gestões diplomáticas se revelarem infrutíferas ou a urgência da situação aconselhar, o
Conselho Permanente convocará imediatamente um período extraordinário de sessões da Assembléia Geral
para que esta adote as decisões que julgar apropriadas, incluindo gestões diplomáticas, em conformidade
com a Carta da Organização, o Direito Internacional e as disposições desta Carta Democrática.
No processo, serão realizadas as gestões diplomáticas necessárias, incluindo os bons ofícios, para
promover a normalização da institucionalidade democrática.
Artigo 21
Quando a Assembléia Geral, convocada para um período extraordinário de sessões, constatar que
ocorreu a ruptura da ordem democrática num Estado membro e que as gestões diplomáticas tenham sido
infrutíferas, em conformidade com a Carta da OEA tomará a decisão de suspender o referido Estado
membro do exercício de seu direito de participação na OEA mediante o voto afirmativo de dois terços dos
Estados membros. A suspensão entrará em vigor imediatamente.
O Estado membro que tiver sido objeto de suspensão deverá continuar observando o cumprimento
de suas obrigações como membro da Organização, em particular em matéria de direitos humanos.
Adotada a decisão de suspender um governo, a Organização manterá suas gestões diplomáticas
para o restabelecimento da democracia no Estado membro afetado.
Artigo 22
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Uma vez superada a decisão que motivou a suspensão, qualquer Estado membro ou o Secretário-
Geral poderá propor à Assembléia Geral o levantamento da suspensão. Esta decisão será adotada pelo voto
de dois terços dos Estados membros, de acordo com a Carta da OEA.
V
A democracia e as missões de observação eleitoral
Artigo 23
Os Estados membros são os responsáveis pela organização, realização e garantia de processos
eleitorais livres e justos.
Os Estados membros, no exercício de sua soberania, poderão solicitar à OEA assessoria ou
assistência para o fortalecimento e o desenvolvimento de suas instituições e seus processos eleitorais,
inclusive o envio de missões preliminares com esse propósito.
Artigo 24
As missões de observação eleitoral serão levadas a cabo a pedido do Estado membro interessado.
Com essa finalidade, o governo do referido Estado e o Secretário-Geral celebrarão um convênio que
determine o alcance e a cobertura da missão de observação eleitoral de que se tratar. O Estado membro
deverá garantir as condições de segurança, livre acesso à informação e ampla cooperação com a missão de
observação eleitoral.
As missões de observação eleitoral realizar-se-ão em conformidade com os princípios e normas da
OEA. A Organização deverá assegurar a eficácia e independência dessas missões, para o que as dotará dos
recursos necessários. Elas serão realizadas de forma objetiva, imparcial e transparente, e com a devida
capacidade técnica.
As missões de observação eleitoral apresentarão oportunamente ao Conselho Permanente, por
meio da Secretaria-Geral, os relatórios sobre suas atividades.
Artigo 25
As missões de observação eleitoral deverão informar o Conselho Permanente, por meio da
Secretaria-Geral, caso não existam as condições necessárias para a realização de eleições livres e justas.
A OEA poderá enviar, com o acordo do Estado interessado, missões especiais a fim de contribuir
para criar ou melhorar as referidas condições.
VI
Promoção da cultura democrática
Artigo 26
A OEA continuará desenvolvendo programas e atividades dirigidos à promoção dos princípios e
práticas democráticos e ao fortalecimento da cultura democrática no Hemisfério, considerando que a
democracia é um sistema de vida fundado na liberdade e na melhoria econômica, social e cultural dos
povos. A OEA manterá consultas e cooperação contínua com os Estados membros, levando em conta as
contribuições de organizações da sociedade civil que trabalhem nesses campos.
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Artigo 27
Os programas e as atividades terão por objetivo promover a governabilidade, a boa gestão, os
valores democráticos e o fortalecimento das instituições políticas e das organizações da sociedade civil.
Dispensar-se-á atenção especial ao desenvolvimento de programas e atividades orientados para a educação
da infância e da juventude como meio de assegurar a continuidade dos valores democráticos, inclusive a
liberdade e a justiça social.
Artigo 28
Os Estados promoverão a participação plena e igualitária da mulher nas estruturas políticas de
seus respectivos países, como elemento fundamental para a promoção e o exercício da cultura democrática.
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