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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
DIANA PANCINI DE SÁ ANTUNES RIBEIRO
TRANSICIONALIDADE E USO DO PROCEDIMENTO
DE DESENHOS-ESTÓRIAS COM TEMA NAS
PRIMEIRAS ENTREVISTAS CLÍNICAS
CAMPINAS
2008
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1
DIANA PANCINI DE SÁ ANTUNES RIBEIRO
TRANSICIONALIDADE E USO DO PROCEDIMENTO
DE DESENHOS-ESTÓRIAS COM TEMA NAS
PRIMEIRAS ENTREVISTAS CLÍNICAS
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida – PUC-Campinas, como
parte dos requisitos para obtenção do título
de Doutor em Psicologia: área de
concentração como Profissão e Ciência.
Orientadora: Profª Livre Docente Tânia
Maria José Aiello-Vaisberg
PUC-CAMPINAS
2008
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t155.4 Ribeiro, Diana Pancini de Sá Antunes.
R484t Transicionalidade e uso do Procedimento de Desenhos-estórias
com Tema nas primeiras entrevistas clínicas / Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro. -
Campinas: PUC-Campinas, 2007.
146p.
Orientadora: Tânia Maria José Aiello-Vaisberg.
Tese (doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Psicologia infantil. 2. Psicologia infantil - Desenhos. 3. Psicologia clínica infantil.
4. Psicodiagnóstico. 5. Psicólogos - Formação. 6. Winnicott, D. W. (Donald Woods),
1896 - 1971. I. Vaisberg, Tânia Aiello. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Centro de Ciências da Vida. Pós-Graduação em Psicologia. III. Título.
22ed. CDD – t155.4
2
3
A todos os alunos/estagiários que vêm
compartilhando comigo sua emocionante e
singular primeira experiência na clínica
psicológica com crianças.
Ao Waldo, meu amor, companheiro que
sempre me ofereceu afetuoso acolhimento.
4
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Professora Livre Docente Tânia Maria José Aiello-Vaisberg,
Manifesto reconhecimento e gratidão pela orientação criteriosa, pela sensibilidade com que me
guiou no desenvolvimento deste trabalho e por ter aberto meus horizontes para Winnicott.
À Tereza,
Mãe ‘suficientemente boa’, mestra e amiga, cujo amor, força e saber me guiaram ao longo da vida.
Devo a você o estímulo necessário para perseverar nos caminhos da pesquisa e da vida
profissional.
Aos meus filhos, Ana e Diego,
Razão maior do meu viver, criativa continuidade de vida.
Aos meus irmãos, Nelson e Sérgio,
Com os quais compartilhei tantas brincadeiras nesta vida; que possamos ‘brincar’ juntos por muito
tempo mais.
Às minhas amigas, Luiza Dias e Estelita Moro,
Pelo incentivo, apoio e carinho de tantos ‘cafés’ reconfortantes.
À Professora Doutora Dayse Maria Motta Borges e à Professora Dra. Valéria Barbieri,
pelas importantes contribuições por ocasião do Exame de Qualificação.
Aos colegas do curso de Pós-graduação da PUC-Campinas,
Com quem dividi momentos inspiradores para a realização deste trabalho.
Em especial a Miriam Tachibana e Marília Gonçalves,
Pela disponibilidade e paciência.
Aos colegas do Departamento de Psicologia da UNESP/ASSIS, especialmente à Soraia Hussein
Gimenez Vieira, Jorge Luis Ferreira Abrão, Maria Luisa Louro de Castro Valente e Nelson Silva
Filho,
Pelo apoio e por dividir as angústias do fazer universitário.
Ao Professor Doutor Carlos Eduardo Mendes de Moraes,
Pela ajuda na correção dos erros cometidos.
À Olga Liane Zanotto M. Jaschke e André Luís Jaschke,
Pela correção e formatação deste trabalho.
5
UM ALUNO EM SUA PRIMEIRA ENTREVISTA NA
CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS
*
*
Desenho realizado por estagiária de Psicologia, em 2007, expressando o tema proposto.
6
RESUMO
RIBEIRO, D. P. S. A. Transicionalidade e Uso do Procedimento de Desenhos-Estórias
com Tema nas Primeiras Entrevistas Clínicas. Campinas, 2007. Tese (Doutorado) -
Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, 2007.
Este trabalho investiga o potencial clínico e formativo do uso transicional do
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema em primeiras entrevistas realizadas por
alunos de graduação e em reuniões de supervisão grupal, concebida como atividade que
articula transmissão de conhecimento e holding. Insere-se, portanto, em um particular
momento da formação do psicólogo, que se realiza por meio do atendimento clínico a
crianças, no contexto do psicodiagnóstico. Pensada a partir do abandono de uma visão
positivista e da adoção de um paradigma epistemológico, que privilegia a
intersubjetividade, a pesquisa se estrutura segundo arquitetura complexa, na medida em
que entende o atendimento clínico e a supervisão como práticas indissociáveis. Foram
psicanaliticamente examinadas, em próxima interlocução com o pensamento
winnicottiano, dezesseis narrativas do uso do Procedimento, elaboradas num período de
dois meses letivos, ao longo dos quais dezesseis alunos realizaram vinte e quatro
psicodiagnósticos completos. Duas narrativas são detalhadamente apresentadas na tese.
O conjunto das análises permite afirmar que o uso transicional do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema revela-se heuristicamente valioso por favorecer
comunicações emocionais significativas, entre todos os envolvidos, nos contextos do
atendimento e da supervisão.
Palavras-chave: psicodiagnóstico interventivo, enquadres clínicos diferenciados,
formação de psicólogos, D. W. Winnicott, Psicanálise.
7
ABSTRACT
RIBEIRO, D. P. S. A. Transitionality and the Use of the Thematic Story-drawing
Procedure in the First Clinical Interviews. Campinas, 2007. Tese (Doutorado) - Centro de
Ciências da Vida, Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, 2007.
This research broaches the clinical and developing potential of the transitional use of the
Thematic Story-drawing Procedure in early interviews held by undergraduate students in
group supervision meetings, meant as activity which articulates knowledge transmission
and holding. It is inserted, therefore, into a particular moment of the psychologist’s
academic development, which takes effect by means of the clinical care given to children,
in the context of the psychodiagnosis. The research at issue, based on the discarding of
the positivist view and the adoption of an epistemological paradigm which favors
intersubjectivity, is structured according to a complex architecture, to the extent that
clinical care and supervision are viewed as inseparable practices. 16 reports on the use of
the Procedure, drawn up during a two-month period, along of which 16 undergraduates
made twenty-four complete psychodiagnoses, were psychoanalytically evaluated, in close
dialogue with the Winnicottian thought. Two of such reports are fully presented in the
research. The analyses, on the whole, allow us to conclude that the transitional use of the
Thematic Story-drawing Procedure seems to be heuristically important since it favors
meaningful emotional communications among all the people involved in the interaction, in
the contexts of the care provided for the children and the supervision provided for the
students.
Keywords: interventive psychodiagnosis, differentiated clinical settings, psychologists’
academic development, D. W. Winnicott, Psychoanalysis.
8
RÉSUMÉ
RIBEIRO, D. P. S. A. Transitionnalité et Emploi des Procédés de Dessins-Histoires avec
Thème dans les Premières Interviews Cliniques. Campinas, 2007. Tese (Doutorado) -
Centro de Ciências da Vida, Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, 2007.
Ce travail examine le potentiel clinique et formatif de l’emploi transitionnel du Procédé de
Dessins-Histoires avec Thème dans les premières interviews faites par les étudiants de la
licence et dans des réunions de supervision groupale, vue comme une activité qui
articule la transmission de la connaissance et le holding. Il s’insère, donc, dans un
moment particulier de la formation du psychologue, celui de l’assistance clinique aux
enfants dans le contexte psychodiagnostique. Conçue, à partir du refus d’une vision
positiviste et de l’adoption d’un paradigme épistémologique qui privilégie l’intersubjectivité,
cette recherche est structurée selon une architecture complexe, au fur et à mesure qu’elle
comprend l’assistance clinique et la supervision comme des pratiques indissociables. On
a examiné, psychanalytiquement, dans une interlocution proche de la pensée
winnicottienne, seize récits de l’emploi du Procédé, pendant une période de deux mois
scolaires au long desquels seize étudiants ont effectué vingt-quatre psychodiagnotiques
complets. Parmi ces récits, il y en a deux qui sont presentés de façon détaillée dans cette
thèse. L’ensemble des analyses nous permet d’affirmer que l’emploi transitionnel du
Procédé de Dessin-Histoire avec Thème se révèle précieux, heuristiquement, parce qu’il
favorise les communications émotionnelles significatives parmi ceux qui sont concernés,
soit dans le contexte de l’assistance soit dans celui de la supervision.
Mots-clés: psychodiagnostique d’intervention, cadres cliniques différenciés, formation de
psychologues, D. W. Winnicott, Psychanalyse.
9
SUMÁRIO
PRÓLOGO 11
1 ENTREVISTAS CLÍNICAS INICIAIS: PSICODIAGNÓSTICO E
CONSULTAS TERAPÊUTICAS INDIVIDUAIS 16
1.1 Contextualização Histórica da Prática do Psicodiagnóstico 17
1.2 Psicodiagnóstico Interventivo e Consultas Terapêuticas Individuais 22
2 BUSCA POR UM ENQUADRE DIFERENCIADO: SAÚDE
PÚBLICA E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA 35
3 TRANSICIONALIDADE: RELAÇÃO COM A PRÁTICA E A
SUPERVISÃO CLÍNICA 44
3.1 A Supervisão Clínica Psicanalítica 50
4 PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS COM TEMA 60
5 OBJETIVO 66
6 ESTRATÉGIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS 68
6.1 O Paradigma Intersubjetivo 69
6.2 Considerações sobre Ética nas Práticas Institucionais e
Pesquisa Interventiva
72
6.3 Cenário do Desenvolvimento da Pesquisa, Sujeitos e
Procedimentos
77
6.4 Narrativas Psicanalíticas 80
6.5 A Escolha do Tema “Criança-Problema” 82
6.6 Narrar desde o Começo: A Formação dos Grupos de Supervisão 83
6.7 Narrando o Início dos Encontros de Supervisão 86
7 CASOS CLÍNICOS: VIVÊNCIAS DOS ESTAGIÁRIOS COM O
USO DO PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS COM
TEMA EM PRIMEIRAS ENTREVISTAS
90
7.1 Caso I - A Experiência de Borboleta 92
10
7.2 Caso II - A Experiência de Estrela do Mar 108
CONSIDERAÇÕES FINAIS 125
REFERÊNCIAS 135
ANEXOS 146
11
PRÓLOGO
12
O objetivo desta pesquisa está articulado em torno de duas questões
que são, no meu entendimento, indissociáveis: o estudo acerca da potencialidade
do uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema como materialidade
facilitadora de comunicações significativas entre terapeuta e cliente, na clínica,
com crianças, e o potencial do uso deste Procedimento na formação clínica de
alunos de Psicologia. A materialidade utilizada neste trabalho é abordada a partir
da apropriação que alunos de graduação fazem deste recurso nas primeiras
entrevistas clínicas com crianças e da narrativa deste uso em supervisão.
Esta pesquisa é fruto da evolução em minha prática como supervisora
de estágio profissionalizante, pensada a partir do aluno em formação clínica e do
paciente que por ele é atendido. Este caminho levou-me ao abandono de formas
objetivantes de avaliar tanto o paciente que procura por ajuda psicológica, quanto
o aluno que o acolhe. Ao longo de onze anos como docente em Universidade
Pública pude estabelecer pequenas, mas profundas mudanças em minha prática
como supervisora.
Tudo começou quando, ao iniciar meu trabalho como professora de
Psicologia, foi-me dada a tarefa de supervisionar estágios profissionalizantes em
psicologia clínica com crianças, além de ministrar aulas na disciplina “Técnicas de
Exame e Aconselhamento Psicológico I”. Como nesta disciplina trabalhávamos,
eu e uma colega, com introdução a psicodiagnósticos, logo pensei em organizar
tal supervisão de modo a contemplar a afinidade existente entre ambas tarefas.
Portanto, os atendimentos de meus alunos/estagiários sempre iniciavam com a
realização de psicodiagnósticos embasados, nesta época, pela psicanálise
kleiniana e que, em sua maioria, prosseguiam com psicoterapia individual de base
analítica.
Não foi fácil para mim, pois trabalhava em um Ambulatório de Saúde
Mental a partir dos anos 80, com tantos sonhos relacionados à desospitalização e
voltados ao atendimento de uma população menos privilegiada economicamente,
ver-me oferecendo supervisão aos atendimentos realizados em uma Clínica-
Escola. Esta Clínica é bem conceituada na região, mas com atendimentos
psicológicos voltados a uma pequena parcela da população que “disputava”- e
disputa - as poucas vagas ofertadas pela instituição.
13
Por este motivo, organizei junto à rede pública de saúde um projeto
1
que contempla o atendimento à população em contextos sociais menos
favorecidos e que, também, possibilita a formação clínica de nossos alunos
voltada a esta realidade de saúde pública. Esta prática procura aliar a formação
clínica, o atendimento à população, e, a partir deste fazer, a construção de
conhecimento científico que favoreça o surgimento de novas e criativas formas de
trabalhar com psicanálise neste contexto.
Privilegiar o primeiro encontro com a Psicologia, que se concretiza com
a chamada primeira entrevista ou entrevista inicial, tem sido uma de minhas
metas ao trabalhar com psicodiagnósticos com crianças. Considero este momento
como determinante para o bom seguimento de outros possíveis encontros, tanto
do ponto de vista do aluno, quanto do paciente que nos procura. Além do que,
como postulou Winnicott (1965/1994b), a primeira entrevista pode, por si,
constituir-se em uma consulta terapêutica significativa e suficiente à pessoa que
nos procura.
Trabalho no primeiro capítulo desta pesquisa, a partir da importância
que considero pertinente à primeira entrevista clínica, com Psicodiagnóstico e
Consultas Terapêuticas Individuais. Recorrendo à contextualização histórica do
surgimento da avaliação psicológica, discorro sobre a mudança paradigmática
percorrida pela Psicologia e também sobre a Psicanálise, que procuro adotar
atualmente. Privilegio ainda a adoção do psicodiagnóstico interventivo
psicanalítico, a partir do paradigma intersubjetivo, e aponto sua afinidade com a
fenomenologia. Autores já amplamente conhecidos no meio acadêmico, tais como
Ocampo, Arzeno e Piccolo (1987), Trinca (1984), M. Ancona-Lopez (1995) são
nossos interlocutores neste intento.
No segundo capítulo, procuro focar a formação acadêmica de nossos
alunos e sua importância para as práticas clínicas psicológicas, necessárias em
contextos de saúde pública. Os momentos teóricos ao longo do Curso são
destacados e discuto criticamente acerca do início desta prática.
1
Clínica psicanalítica com crianças: psicoterapia e enquadres diferenciados, em Anexo I.
14
A importância do espaço potencial e da sua estreita relação com a
prática e com a supervisão clínica, tal como a sustento na atualidade, são
apresentados no terceiro capítulo. Destaco os possíveis modos de ofertar
supervisão psicanalítica de acordo com diferentes autores, e as similaridades
entre um desses modos e a forma como penso fazer supervisão. Aqui enfatizo o
trabalho de Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003), que realiza importante revisão
sobre este tema; o trabalho de doutorado de Villela (2007), o qual encontrei já
com esta pesquisa iniciada e com o qual penso guardar afinidades; e as
contribuições de Aiello-Tsu (1984), Aguirre et al. (2000), Tardivo (2006), Trapé
Trinca (2006) e Motta (2006).
Em busca de um enquadre diferenciado, seguindo paradigmaticamente
o Jogo do Rabisco winnicottiano, adotei o Procedimento de Desenhos-Estórias
com Tema (AIELLO-VAISBERG, 1999), como mediador dialógico. Apresento este
procedimento no quarto capítulo e discorro sobre a questão de seus possíveis
usos na clínica winnicottiana, a partir das contribuições de Aiello-Vaisberg (1999,
2004) e Tachibana (2006), entre outros.
A partir do objetivo, no sexto capítulo, destaco as estratégias
metodológicas que utilizei para dialogar com o tema do uso do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, como mediador dialógico em primeiras entrevistas
clínicas, realizadas por alunos de graduação. Enfatizo o paradigma intersubjetivo,
o uso do tema “criança-problema” para me aproximar deste objetivo através do
Procedimento e justifico também a adoção de narrativas psicanalíticas neste
trabalho. Submeto à apreciação do leitor a formação de meus grupos de
supervisão. Há ainda, neste capítulo, a apresentação dos contextos institucionais,
cenários do desenvolvimento de meu trabalho, onde ocorrem estes encontros.
A escolha do Procedimento efetuado pelos estagiários e as narrativas
subseqüentes são analisados na seqüência, no sétimo capítulo. Os alunos/
estagiários, sujeitos desta pesquisa, usaram o Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema da “criança-problema” em determinados momentos de suas
primeiras entrevistas em procedimentos diagnósticos na clínica com crianças.
Estes usos são narrados em supervisão clínica e, posteriormente, as
15
narrativas são entregues por escrito à supervisora/pesquisadora que realiza,
então, uma leitura winnicottiana do acontecer clínico
2
vivenciado por cada sujeito.
Enfim estabeleço o capítulo final para finalizar este trabalho, que
certamente permanecerá presente em minhas reflexões psicanalíticas e em
minha prática clínica e docente.
2
Aiello-Vaisberg (2004, p. 128) afirma que o acontecer clínico do psicanalista pode se concretizar
a partir de suas intervenções verbais e gestuais – no sentido amplo da palavra gesto – e,
também, a partir da “[...] atividade essencial do pesquisador psicanalítico, esteja este debruçado
sobre o que aconteceu numa sessão ou estudando fenômenos humanos outros, que se dão na
vida concreta de indivíduos e coletividades”.
16
1 ENTREVISTAS CLÍNICAS INICIAIS: PSICODIAGNÓSTICO
E CONSULTAS TERAPÊUTICAS INDIVIDUAIS
17
É possível avaliar?! A pergunta não esgota sua resposta simplesmente
no campo do avaliador. Quando a avaliação produz uma pergunta, lá
onde não encontramos a resposta, é por essa via, por esse vazio de
saber que podemos ser levados ao encontro do outro, muito mais
complexo e inapreensível do que se apresenta na cena de avaliação.
(MORETZSOHN, 2005, p. 15).
1.1 Contextualização Histórica da Prática do Psicodiagnóstico
A concepção de diagnóstico psicológico tem passado, ao longo da
história da Psicologia, por inúmeras controvérsias e mudanças. Vários são os
teóricos desta ciência que questionam esta prática e sua utilidade enquanto
método psicológico e, especialmente psicanalítico. A Psicologia possui teorias
que definem de forma divergente seu objeto de estudo e o método utilizado,
dificultando assim que uma única definição de procedimento psicodiagnóstico seja
formulada.
Ancona-Lopez (1984) aponta claramente que as muitas definições e
estruturações do diagnóstico psicológico são decorrentes das diferentes teorias
psicológicas existentes. Para esta autora, o próprio uso do termo varia em função
destas abordagens teóricas. Alguns psicólogos preferem utilizar os termos
“psicodiagnóstico”, “diagnóstico da personalidade”, “estudo de caso” ou “avaliação
psicológica”, por considerarem mais apropriados aos seus posicionamentos
perante a Psicologia, neste caso, a Psicologia Clínica. Em nosso trabalho,
adotamos a expressão “psicodiagnóstico infantil” com maior freqüência, a partir de
concepções psicanalíticas.
A importância e a atualidade deste tema podem ser dimensionadas a
partir da apresentação dos editores da Revista Ciência e Profissão – Diálogos:
Ao mergulharmos no universo da avaliação psicológica, descobrimos a
diversidade de compreensões, usos e expectativas, às vezes
contraditórios, às vezes complementares, às vezes apenas diferentes. E
isso dentro e fora da profissão! Dentro, há os grupos que pregam a
avaliação psicológica sem testes, os que usam a psicometria para
explorar capacidades, os que investem na informatização de testes, os
que questionam a banalização dos testes pelas revistas populares, os
que investem na construção de novos testes, os que trabalham na
validação dos já que já existem, os que trabalham a avaliação como
prevenção primária, os que se
debruçam na avaliação psicológica dos
que já sofreram danos (neuropsicologia), para citar apenas alguns! Fora,
18
há uma expectativa social quanto à predição do comportamento social
do sujeito, mas há
também parte significativa da sociedade que
questiona esse poder preditivo. (CONSELHO..., 2005, p. 5).
Historicamente, é sabido que a avaliação psicológica teve sua origem
na necessidade prática de medir diferenças individuais entre pessoas, ou entre as
reações da mesma pessoa em diferentes ocasiões, já no século XIX (ANASTASI,
1975) e início do século XX (CUNHA et al, 2000), época marcada pelo surgimento
dos testes psicológicos e na qual a identidade do psicólogo como testólogo foi
predominante.
Foi em 1896, de acordo com Ancona-Lopez (1984), que a expressão
“Psicologia Clínica” foi utilizada pela primeira vez, ao referir-se a procedimentos
diagnósticos utilizados junto à clínica médica. Neste momento, tornava-se
imperioso identificar os intelectualmente deficientes e os doentes mentais,
diferenciando-os.
Os modelos de psicodiagnóstico que inicialmente surgiram basearam-
se no paradigma científico positivista, predominante na época, para o qual é
“possível chegar-se ao conhecimento objetivo de um fenômeno, utilizando uma
metodologia baseada em observação imparcial e experimentação” (ANCONA-
LOPEZ, 1984, p. 4). De acordo com este paradigma, desenvolveram-se os
processos psicodiagnósticos psicométricos, médicos e comportamentais.
A avaliação psicológica surgiu também em consonância com o
nascimento dos testes psicológicos, contando com a contribuição de biólogos,
médicos, matemáticos e psicólogos experimentais. O movimento histórico que
culminou com o aparecimento dos testes de inteligência, “testes de QI”, depois os
testes coletivos, de aptidões especiais e baterias de aptidões múltiplas observa,
durante a década de 1920-1930, os primeiros movimentos contrários a estas
técnicas, segundo Anastasi (1975). Sentimentos de ceticismo e hostilidade com
relação a todos os testes surgiram em função de seu uso indiscriminado e pelo
fato de não satisfazerem às expectativas em relação a este uso.
No entanto, paralelamente a estas discussões, já no início do século
XX:
[...] alguns filósofos insurgiram-se contra a visão de ciência que
considerava possível uma total separação entre o sujeito e o objeto de
estudo. Para esses filósofos, todo o conhecimento é estabelecido pelo
19
homem, não se podendo negar a participação de sua subjetividade.
Dessa forma, não é possível admitir como válida uma psicologia
positivista, objetiva e experimental. O homem não pode ser estudado
como um mero objeto, fazendo parte do mundo, pois o próprio mundo
não passa de um objeto intencional para o sujeito que o pensa.
(ANCONA-LOPEZ, 1984, p. 6).
Embasadas por este pensamento surgem na Psicologia escolas que
afirmam o caráter holístico do homem e sua vida intencional, com possibilidade de
autodeterminação. O psicodiagnóstico é então repensado por essas escolas,
dentre as quais o Humanismo, a Psicologia Fenomenológico-existencial, a
Psicanálise e as abordagens integracionistas, que surgem partindo deste novo
paradigma científico que considera a subjetividade do homem.
A contribuição da Psicanálise, além de trazer à tona aspectos do
inconsciente, permitiu que técnicas projetivas fossem organizadas para a
utilização diagnóstica, incluindo-se os chamados testes de personalidade que
foram pensados para medir aspectos não intelectuais do comportamento. No
entanto, alguns psicólogos preferiram usar este termo num sentido mais amplo,
referindo-se ao indivíduo total, com traços intelectuais e também não-intelectuais
(ANASTASI, 1975). Essa autora considera que, na década de 70, são lentos os
progressos nesta área, devido às dificuldades específicas para mensurar a
personalidade. Percebe-se que ao falar deste aspecto do ser humano a
expectativa é, ainda dentro de um paradigma de ciência positivista, medi-lo
objetivamente.
Autores de diferentes perspectivas teóricas parecem concordar com o
pensamento segundo o qual os testes psicológicos representam um dos grandes
conjuntos de técnicas para o diagnóstico psicológico sem, entretanto, significarem
o instrumento diagnóstico por excelência, não dispensando a observação e a
entrevista (VAN KOLCK, 1974; ANCONA-LOPEZ, 1984). Neste sentido seu uso
seria complementar a outros dados colhidos e existe a ênfase na relação
psicólogo-cliente como instrumento sutil no estudo da personalidade.
A proposta de Ocampo, Arzeno e Piccolo (1987), além de sistematizar
os passos do procedimento psicodiagnóstico, enfatiza aspectos psicanalíticos,
notadamente aqueles relativos ao inconsciente do paciente e do terapeuta – a
transferência e a contratransferência, bem como algumas facetas da relação bi-
pessoal, que incluem a instituição na qual se dá o procedimento. A preocupação
20
com a inclusão do paciente no processo é clara, pela importância dada às
entrevistas clínicas iniciais e devolutivas com o paciente, mesmo tratando-se de
criança, adolescente ou adulto incapacitado. Entretanto, observamos que esta
inclusão ainda não nos permite afirmar que há adoção do paradigma
intersubjetivo nesta proposta.
Muito embora estas autoras tenham sistematizado com clareza os
conceitos referentes ao psicodiagnóstico sob a ótica psicanalítica, e isto tenha
também contribuído para sua divulgação em nosso meio, este modelo pode
mobilizar intensa angústia no psicólogo, em função da necessidade de revelar
amplo e profundo conhecimento de teorias e técnicas psicológicas (SANTIAGO,
1995). Ao abarcar o possível uso de testes psicométricos e/ou projetivos há,
inclusive, a utilização de referenciais metodológicos diversos no mesmo
procedimento diagnóstico.
Santiago (1995) afirma que ao tentar realizar psicodiagnóstico com a
proposta de Ocampo, Arzeno e Piccolo (1987), o profissional pode oscilar entre a
onipotência e a impotência, preocupando-se mais com a magnitude da tarefa do
que com o seu paciente, e mais ainda se tiver pouca experiência clínica. Este
distanciamento da pessoa do paciente, tão característico do paradigma da ciência
positivista é, aparentemente, comum a abordagens psicológicas distintas, na
atualidade.
Embora na primeira metade do século XX tenham predominado
conceituações comportamentais e psicanalíticas e na segunda as cognitivas, nas
últimas décadas foi tomando corpo a tendência para a integração: estratégias de
avaliação específicas de conceituações psicológicas diferentes são utilizadas de
forma mesclada por teóricos das mais diversas escolas psicológicas (CUNHA et
al, 2000).
As abordagens integracionistas apregoam a necessidade da
organização do conhecimento psicológico acerca da pessoa em processo
psicodiagnóstico que digam respeito à sua vida intrapsíquica, biológica e social,
sem a exclusão de nenhum destes aspectos (CUNHA et al, 2000). Entre nós,
Trinca (1984) desenvolveu um modelo de diagnóstico psicológico denominado
processo diagnóstico de tipo compreensivo que, semelhantemente à proposta de
Ocampo, Arzeno e Piccolo (1987) inclui partes de um ou mais dos processos
21
diagnósticos denominados psicométrico, psicanalítico, médico, comportamental,
estocástico e de escalas diagnósticas.
Este processo diagnóstico de tipo compreensivo propõe que a ênfase
resida:
[...] no julgamento clínico, derivado do conhecimento amplo da
personalidade do paciente e obtido pelos vários meios disponíveis:
entrevistas, observações, testes psicológicos objetivos, testes
psicológicos usados como formas de entrevistas, procedimentos
intermediários entre testes psicológicos e entrevistas, exames
complementares, etc. A anamnese e a exploração clínica da
personalidade constituem as pedras angulares destes processos, com
especial referência à comunicação direta e indireta do paciente e às
relações paciente-psicólogo. (TRINCA, 1983, p. 17).
Considerando as dinâmicas intrapsíquicas, intrafamiliares e
socioculturais este processo de diagnóstico psicológico assemelha-se à proposta
de Ocampo, Arzeno e Piccolo (1987) no que pode significar para o profissional
que pretende abarcar todos estes conceitos e instâncias psíquicas. Inseguranças
e reações de onipotência ou impotência podem surgir principalmente no que
tange ao psicólogo com pouca experiência clínica e também ao aluno de
psicologia.
Trinca (1984) nos lembra que o psicodiagnóstico compreensivo designa:
[...] no diagnóstico psicológico, uma série de situações que inclui, entre
outros aspectos, o de encontrar um sentido para o conjunto das
informações disponíveis, tomar aquilo que é relevante e significativo na
personalidade, entrar empaticamente em contato emocional e, também,
conhecer os motivos profundos da vida emocional de alguém. (p. 15).
Portanto, o psicólogo ocupa um papel determinante neste modelo
diagnóstico. Parece-nos que seja fundamental, então, que este profissional deva
buscar uma formação pessoal obtida por meio de um auto-conhecimento que só a
terapia pode fornecer, além da supervisão clínica.
Adotamos inicialmente em nosso projeto de estágio, o modelo de
psicodiagnóstico compreensivo, com todos os seus fatores estruturantes
3
.
Entretanto percebemos as dificuldades do aluno de psicologia ao se deparar com
3
Fatores estruturantes do diagnóstico compreensivo (TRINCA, 1984): objetivo de elucidar o
significado de perturbações, ênfase na dinâmica emocional inconsciente, busca de compreensão
psicológica globalizada do paciente, seleção de aspectos centrais, predomínio do julgamento
clínico, subordinação do processo diagnóstico ao pensamento clínico, e prevalência do uso de
métodos e técnicas de exame fundamentado na associação livre.
22
a importância e a enormidade desta tarefa em uma formação psicanalítica
iniciante.
Pretendemos agora nos deter no modelo de diagnóstico denominado
“psicodiagnóstico interventivo”, com o qual procuramos trabalhar atualmente, e
nas consultas terapêuticas individuais propostas por Winnicott. O cuidado que
ambas as práticas demonstram com a inclusão da pessoa que está sendo
diagnosticada e com a pessoa do psicólogo nos indicam sua importância
paradigmática.
1.2 Psicodiagnóstico Interventivo e Consultas Terapêuticas
Individuais
Definido primordialmente por integrar o processo de diagnóstico
psicológico com o processo terapêutico, este trabalho clínico psicológico vem
romper a barreira existente entre estas atividades, aproximando terapeuta e
paciente, a partir da observância de um paradigma intersubjetivo.
Trabalhos científicos relacionados a propostas de psicodiagnóstico
interventivo contam com um maior interesse na atualidade, muito embora venham
se articulando já há algum tempo no Brasil e, notadamente, em outros países
latino-americanos (BARBIERI, 2005; TARDIVO, 2006). Podemos observar que
desde o lançamento do Teste de Apercepção Temática (TAT), de Morgan e
Murray (1935) já se esboçava o uso clínico terapêutico desta técnica em pessoas
pouco comprometidas emocionalmente.
Bellak (1974) também sugeriu um uso interventivo com o TAT na
psicoterapia, embora não utilizasse ainda a expressão psicodiagnóstico
interventivo. Também na década de 70, Friedenthal (1976) discutiu a
possibilidade da utilização de perguntas, comentários e assinalamentos quando
da aplicação de técnicas projetivas, especialmente o Teste de Relações Objetais
de H. Philipson. Para este autor, a distinção entre processo diagnóstico e
terapêutico é apenas teórica, não possível na clínica, para a qual tornar
consciente o inconsciente, independentemente do processo, é considerado
23
terapêutico. Podemos notar a pertinência e atualidade desta reflexão nos
questionamentos acerca do uso de psicodiagnóstico.
O posicionamento teórico-prático sustentado por Ocampo, Arzeno e
Piccolo (1987), e largamente difundido em nosso meio universitário, em muito
colaborou para a tendência de que estes processos clínicos não devessem se
misturar. Para estas autoras, o objetivo do psicodiagnóstico, de buscar uma
compreensão a mais profunda e completa do paciente, deve ser obtido em um
tempo limitado, breve, não permitindo ao profissional o uso de interpretações,
faltas, atrasos, silêncios freqüentes... O paciente deve ser colaborador nas tarefas
propostas pelo psicólogo para que, no final, em uma entrevista devolutiva, este
conclua acerca da dinâmica de sua problemática.
Este entendimento da devolutiva como conclusão de um processo de
avaliação psicológica é objeto de resolução do Conselho Regional de Psicologia,
descrita como se segue:
A devolutiva, em sua maioria é resultante de um processo de avaliação
psicológica sendo entendida como processo técnico-científico de coleta
de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos
fenômenos psicológicos,
que são resultantes da relação do indivíduo
com a sociedade, utilizando-se, para tanto de estratégias psicológicas:
métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados dessas avaliações, ou
devolutivas, devem
considerar e analisar os condicionamentos históricos
e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como
instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na
modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da
demanda até a
conclusão do processo, segundo a resolução 07/2003 do
CFP. (CONSELHO..., 2006, p. 14).
Devolutiva, portanto, no processo psicodiagnóstico não interventivo,
seria uma análise conclusiva que deve atuar no sentido de promover
modificações sobre o indivíduo e os condicionantes histórico-sociais que o
levaram a esta avaliação. O sujeito avaliado é informado, ao final do processo,
como deverá proceder e qual caminho tomar para atuar em sua vida.
Esta forma de trabalhar o psicodiagnóstico praticamente exclui a
pessoa do paciente como partícipe de sua própria vida: ele assume o papel de
informante que deve depositar totalmente nas mãos do profissional a
responsabilidade pelo trabalho. O psicólogo, por sua vez, ao assumir esta tarefa
pode, inconscientemente, se comprometer mais com ela do que com o seu
paciente (SANTIAGO, 1995), principalmente, a nosso ver, se se tratar de
24
profissional iniciante ou aluno em formação. A quantidade de informações que o
psicólogo deve coletar nesta prática acaba por impor ao paciente o papel de
informante, mesmo que involuntariamente.
Santiago (1995) questiona esta forma de conduta psicodiagnóstica e
ressalta que ao procurar auxílio psicológico o paciente está em um momento de
sua vida em que não consegue mais, sozinho, dar conta da situação.
Provavelmente ações já foram tentadas neste sentido e, não sendo efetivas,
criaram a condição para procurar ajuda psicológica. A importância do
psicodiagnóstico é, pois, fundamental, visando não somente à conclusão
diagnóstica, mas ao “modo de o psicólogo acolher o paciente, relacionar-se com
ele, dimensionar com justeza suas dificuldades sem torná-las o objeto único de
suas investigações” (p. 11).
Partilhamos deste pensamento e reiteramos a necessidade da inclusão
do paciente em todo e qualquer procedimento psicológico, notadamente o
psicodiagnóstico por, em geral, ser o primeiro, mas de uma forma humana,
considerando-o como potencialmente participante da condução de sua própria
vida.
Consideramos a atitude do psicólogo, desde os primeiros encontros
com a pessoa que vem procurá-lo, sempre indicativa do tipo de diálogo que este
pretende estabelecer e, sendo esta verdadeira e humana, pode permitir à dupla
analítica – terapeuta e paciente – encontros significativos e plenos de
possibilidades transformadoras.
Barbieri e Jacquemin (2004) apresentam a intervenção no psico-
diagnóstico como um método que utiliza “assinalamentos e interpretações desde
a primeira entrevista com o paciente e durante a aplicação de técnicas projetivas”
(p. 153). O material obtido com a utilização desta prática em todos os momentos
do psicodiagnóstico seria mais produtivo para o paciente e o psicólogo, na medida
em que, em um tempo restrito, etapas variadas do desenvolvimento pessoal do
paciente e os conflitos associados a este desenvolvimento, podem ser revividos e
reconhecidos como parte de uma evolução afetiva (BARBIERI; JACQUEMIN,
2004). Para o psicólogo, o reconhecimento que seu paciente pode proporcionar
ao longo do processo a respeito de seus assinalamentos e intervenções permite
uma maior segurança diagnóstica, podendo então verificar com maior precisão a
profundidade e o impacto destas na personalidade do paciente.
25
Além do mais, a chance de analisar quais pacientes podem se
beneficiar com a aplicação de testes psicológicos no psicodiagnóstico interventivo
e em quais há contra-indicações para este procedimento, é uma das vantagens
adicionais deste tipo de procedimento psicológico (BARBIERI; JACQUEMIN,
2004).
Reflexões sobre as mudanças atuais em psicodiagnóstico, com
proposta que inclui a possibilidade de intervenção desde o início do processo
foram efetuadas por Paulo (2006). Este autor propõe a utilização de testes
projetivos como mediadores terapêuticos, além da vertente diagnóstica.
S. Ancona-Lopez (1995), ao problematizar sobre como pode se dar a
intervenção no âmbito do psicodiagnóstico interventivo, discorre primeiramente
sobre a necessidade de o cliente fazer um pedido de ajuda e, também, se
predispor para iniciar movimento no sentido de mudança. O psicólogo, por sua
vez, deve:
[...] se abrir para a co-participação do cliente e acreditar que este último
pode compartilhar os conhecimentos que se forem configurando durante
o processo. È uma atuação que se caracteriza pelo fato de o psicólogo
partilhar suas impressões sobre (e com) o cliente, levando-o a participar
do processo e a abandonar a postura passiva de “sujeito” a ser
conhecido. A partir daí o psicólogo manterá sua escuta voltada para as
possibilidades de intervenção. (p. 33).
A intervenção, entendida como os apontamentos efetuados pelo
psicólogo ao paciente, não será postergada para outro momento diagnóstico ou
terapêutico, mas efetivar-se-á sempre que naturalmente ocorrerem ao psicólogo,
compartilhando-se com o paciente não somente a intervenção, mas também as
reflexões advindas dela. Os apontamentos serão considerados interventivos
quando causarem estranheza no relacionamento, confrontando o paciente com
uma ruptura no seu modo de atuar no mundo (ANCONA-LOPEZ, S., 1995).
A partir da psicologia fenomenológica, esta autora discorre sobre a
necessidade de a atitude do psicólogo possibilitar ao paciente a expressão de sua
singularidade no momento do encontro diagnóstico, à medida que este mostra ao
paciente o que pensa, através do que o próprio paciente traz. Trata-se de
apresentar à pessoa que o procura uma situação de modo novo e iluminado pelo
momento do encontro da dupla no psicodiagnóstico. Esta apresentação pode ser
26
desconfortável, pois desestrutura momentaneamente a identidade do paciente,
mas é plena de possibilidades transformadoras, na medida em que, ao abalar o
modo usual de o paciente agir, dando um sentido ao que pode estar encoberto,
este necessitará de uma reorganização.
Em sua pesquisa de doutoramento, Barbieri (2002) desenvolveu uma
proposta de Psicodiagnóstico Interventivo com fundamentação teórica
winnicottiana do desenvolvimento emocional e nas concepções de Milner sobre a
função da imagem no mundo mental, especialmente as referentes ao uso das
fantasias como meios para se compreender intuitivamente a si mesmo. Foi
organizado um método de Psicodiagnóstico Interventivo com crianças com
tendência anti-social, incluindo a avaliação dos pais em procedimento projetivo
clássico. O Teste de Rorschach foi utilizado com este objetivo, a partir da
observação de que vários teóricos, em concordância, destacavam a importância
da qualidade do ambiente familiar nos benefícios alcançados pela criança em
procedimentos psicodiagnósticos interventivos e consultas terapêuticas. Esta
pesquisa demonstra a eficácia terapêutica do psicodiagnóstico interventivo obtida
pela maioria das crianças, e reafirmada pelos pais em entrevista de follow-up na
qual relataram ausência do sintoma inicial em seus filhos.
Donatelli (2005) destaca que a tarefa do psicólogo, no psicodiagnóstico
interventivo fenomenológico-existencial, de identificar a experiência do outro e seu
significado é uma tarefa
[...] que exige, de alguma maneira, que o psicólogo se reconheça nesse
outro. Portanto, é preciso que haja um envolvimento existencial, é
preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar seus códigos,
deixar-se enredar por sua trama de sentidos e, ao mesmo tempo,
conseguir uma distância suficiente que permita refletir sobre a situação.
(p. 26).
Este envolvimento é possível pela adoção do paradigma intersubjetivo,
o qual não nega a presença humana do terapeuta no contexto diagnóstico. Pelo
contrário, há inclusão de todos implicados neste procedimento, pais, cliente e
psicólogo. Como postula M. Ancona-Lopez (1995), na medida em que todos se
engajam no processo de criação de sentidos, é diminuída a assimetria na relação
e o conhecimento profissional é apenas uma forma possível de significação.
Parece-nos que, desta forma, pais e criança não deixam de assumir sua
27
responsabilidade para com o processo diagnóstico e podem se comprometer mais
com possíveis mudanças dele advindas.
A implicação da família com a queixa referente à criança, no caso de
psicodiagnóstico infantil, faz com que os pais procurem o psicólogo e este fato já
é revelador do seu envolvimento com esta questão. Como poderiam ser excluídos
do processo, ou simplesmente serem considerados meros informantes?! A
ansiedade aguda presente na situação também remete aos pais, embora reflita
notadamente na criança.
A intensa ansiedade presente na primeira entrevista clínica,
independentemente das razões que trouxeram a pessoa a este momento, pede,
por si, que haja um acolhimento cuidadoso deste ser humano que busca auxílio
psicológico. O cuidado neste primeiro encontro nos remete ao artigo de Winnicott
(1965/1994b) no qual já ressalta a importância da primeira entrevista em
psicanálise. Ele nos diz que uma análise nem sempre é melhor para o paciente
que uma entrevista psicoterapêutica, segundo suas palavras:
A fim de obter o máximo de uma primeira entrevista, o terapeuta precisa
ter cuidado em não complicar a situação. Precisam ser ditas e feitas toda
a sorte de coisas que simplesmente pertencem ao fato de o terapeuta
ser humano não sem se dar conta da importância profissional e estar,
apesar disso, ciente da “sacralidade” da ocasião. Isto se aplica
independentemente da idade do paciente. (p. 246).
Neste ponto, Winnicott afirma que um setting
4
humano é essencial para
o paciente se apresentar imediatamente. Esta “apresentação” é a possibilidade de
comunicação verdadeira, a emergência do self. Para Winnicott (1954/2000) só se
não interferir com o padrão da entrevista que o terapeuta pode proporcionar este
setting. Isto significa que, apesar de livre para ser ele mesmo, não deve deixar
que sua ansiedade ou culpa, ou mesmo a necessidade de acertar, para fazer
sucesso, alterem o curso de uma entrevista. “O piquenique é do paciente, e até
mesmo o tempo que faz é do paciente” (WINNICOTT, 1965/1994b, p. 247). O
terapeuta deve, portanto, cuidar para que tudo corra bem, no tempo do seu
paciente.
4
M. Khan (1969/1984) define o setting como a ambiência física que o analista proporciona. O
setting proporciona o enquadre para o processo clínico e o resultado experiencial deste setting
para o paciente é o holding.
28
Para se “comportar bem” o terapeuta deve buscar oferecer os cuidados
de que o paciente necessita, respeitando, inclusive sua hesitação inicial no
encontro. Este princípio, básico na clínica winnicottiana, encontra-se delineado no
texto “A Observação de Bebês numa Situação Padronizada” (1941/2000), no qual
Winnicott descreve o Jogo da Espátula. Khan (2000) relata que, neste artigo,
Winnicott apresenta sua experiência no Paddington Green Children’s Hospital e
no Queen’s Hospital for Children, onde atendeu bebês, crianças, mães, pais e
avós ao longo de quatro décadas e observou um certo padrão de comportamento
infantil em relação à espátula no contexto da consulta solicitada pela mãe .
Winnicott descreveu como as crianças se comportavam nesta situação
e suas observações sobre este fenômeno são extremamente importantes para
pensarmos sobre o ritmo que a criança estabelece, ela própria, a esta nova
experiência com o, também novo, objeto-espátula. Com o bebê em seus joelhos,
a mãe sentava-se à frente de Winnicott e, sobre a mesa, estava uma espátula
“reluzente”. Vale a pena, pela sua importância na clínica winnicottiana,
descrevermos a seqüência normal que se passava:
Primeiro estágio: O bebê avança sua mão para a espátula, mas nesse
momento descobre, inesperadamente, que a situação exige uma
consideração maior. Ele está num dilema. Ou ele pousa sua mão sobre a
espátula e, com olhos bem abertos, olha para mim e para sua mãe,
observa e espera, ou então, em certos casos, retira completamente o
seu interesse e enterra a cara na blusa da mãe. Normalmente é possível
administrar a situação de modo a evitar que qualquer reasseguramento
ativo seja dado, e é muito interessante observar como ressurge, gradual
e espontaneamente, o interesse do bebê pela espátula.
Segundo estágio: Ao longo de todo este tempo, que eu chamo de
‘período de hesitação’, o bebê não move o seu corpo, ainda que não
haja rigidez. Gradualmente ele se torna corajoso a ponto de permitir que
seus sentimentos aflorem, e então a situação muda rapidamente. O
momento em que essa primeira fase é substituída pela segunda é
evidente, pois a aceitação, pela criança, da realidade de seu desejo pela
espátula é anunciada por uma mudança que ocorre no interior de sua
boca, que se torna flácida, enquanto a língua parece grossa e macia, e a
saliva flui copiosamente. Não se passa muito tempo até ele pôr a
espátula na boca e começar a mastigá-la com suas gengivas, ou dar a
impressão de estar imitando o pai, fumando um cachimbo. A mudança
no comportamento do bebê é marcante. Em vez de expectativa e
quietude, agora há autoconfiança e movimentos livres com o corpo,
relacionados com a manipulação da espátula.
Fiz várias vezes a tentativa de levar a espátula à boca do bebê durante o
estágio de hesitação. Se a hesitação corresponde ao que eu considero
normal, ou difere disto em qualidade e grau, o fato é que cheguei à
conclusão de que é impossível, durante este estágio, fazer com que a
espátula entre na boca do bebê sem a utilização de força bruta. Em
certos casos em que a hesitação é aguda, qualquer esforço de minha
29
parte que resulte num movimento da espátula em direção ao bebê
provoca gritos, angústia ou mesmo cólica.
O bebê agora parece sentir que a espátula está em sua posse, talvez em
seu poder, e certamente disponível para propósitos de auto-expressão.
Ele bate com ela sobre o tampo da mesa, ou sobre a tigela de metal que
se encontra perto dele, fazendo tanto barulho quanto lhe é possível. Ou
então ele a leva em direção à minha boca e à boca de sua mãe, e fica
muito contente quando fingimos ser alimentados por ela. Definitivamente,
ele deseja que brinquemos de ser alimentados, e se mostra perturbado
se formos estúpidos a ponto de realmente levarmos a coisa para dentro
da boca, estragando a brincadeira enquanto brincadeira.
Devo assinalar, neste contexto, que jamais tive qualquer evidência de
que um bebê ficasse desapontado pelo fato de a espátula não ser nem
comida nem utensílio contendo comida.
Estágio 3: Há um terceiro estágio. Neste, o bebê em primeiro lugar deixa
a espátula cair como que por acaso. Se ela lhe é devolvida ele fica
contente, brinca com ela novamente e a deixa cair mais uma vez, agora
menos ‘por acaso’. Quando ela lhe é devolvida de novo, ele a joga
propositadamente, e fica entusiasmadíssimo por conseguir livrar-se dela
dessa forma agressiva, além de mostrar um contentamento todo especial
com o barulho metálico do seu contato com o chão.
O final desta terceira fase ocorre quando o bebê ou pede para descer e
brincar com a espátula no chão, onde ele recomeça a mordiscá-la, ou
quando ele perde o interesse por ela e parte em direção a algum outro
objeto que esteja à mão. (WINNICOTT, 1941/2000, p. 114-115).
Khan (2000) salienta o que Winnicott chama de “período de hesitação”.
Ele enfatiza que é essencial o modo como Winnicott cria o espaço transicional
nas suas consultas, no qual o “período de hesitação” está presente e é, inclusive,
estimulado para desabrochar no gesto criativo. No caso da proposta winnicottiana
do Jogo do Rabisco, o próprio rabisco é o gesto criativo. Podemos também
reconhecer em nosso paciente o “período de hesitação”, no qual este está
“tateando em busca de uma espécie de intimidade na situação analítica, onde ele
irá aos poucos fazer a sua primeira contribuição verbal ou gestual” (KHAN, 2000,
p. 19).
Não se trata novamente de uma ‘técnica’ de entrevista clínica, mas sim
uma forma respeitosa de deixar que o ritmo e o tempo da comunicação do
paciente sejam, de fato, dele. Desta forma, ele pode viver o desenvolvimento de
uma experiência completa, com o mínimo possível de interrupção e sua
manifestação no setting pode ocorrer espontaneamente.
De fato, Winnicott (1965/1994b) nos diz que sua esperança é de que o
único aspecto estabelecido como técnica nas primeiras entrevistas venha a ser a
liberdade de sua parte em utilizar conhecimentos e experiência para atender à
necessidade do paciente específico, ou seja, aquele que é atendido naquele
30
momento. Esta “técnica” não exclui a observação de que, caso a entrevista
psicoterapêutica mostre-se insatisfatória:
[...] mesmo quando se pergunta ‘Qual o mínimo que precisamos fazer
neste caso? ’, então um mecanismo mais complexo pode ser colocado
em ação. O caso pode tornar-se um daqueles que necessitam de todo o
sistema de administração psiquiátrica infantil. (p. 247).
Winnicott (1965/1994b), portanto, assinalou a possibilidade de realizar
um pequeno tratamento psicanalítico na primeira entrevista de avaliação,
afirmando que nela podem surgir elementos que o paciente faz emergir para
serem interpretados. Lescovar (2004) afirma que referências à prática de
consultas terapêuticas surgem ao longo de toda obra winnicottiana, localizando no
prefácio de Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil (WINNICOTT,
1971/1984), explicitamente os anos vinte como o início destas atividades.
A consulta terapêutica de Winnicott representa, de acordo com
Lescovar (2004):
[...] uma nova possibilidade de avaliação, intervenção e ajuda
psicológica, em que o encontro analítico se respalda basicamente numa
comunicação significativa entre os membros do encontro. Tal
possibilidade surge exatamente pelo caráter peculiar que marca o
momento de pedido de ajuda do paciente, que espera encontrar, na
comunicação com o psicoterapeuta, o objeto necessitado para a
superação de sua dificuldade e, conseqüentemente, a retomada de seu
processo de amadurecimento. (p. 45).
A expressão ‘consulta’ terapêutica foi cunhada por Winnicott, segundo
Aiello-Vaisberg (2004), para diferenciá-la da psicoterapia e da psicanálise,
enfatizando a possibilidade de efeito terapêutico, mesmo em uma única consulta.
Esta mesma autora acrescenta que a convicção dele quanto ao potencial inerente
para o crescimento pessoal presente em todo ser humano, possibilita que ao
ofertar-se ao paciente uma escuta verdadeira, favoreça a superação de bloqueios
emocionais, na maioria dos casos.
Especificamente nos encontros terapêuticos com crianças, Winnicott se
perguntava como poderia ajudá-las, considerando seus conhecimentos
psicanalíticos e sua disponibilidade de “ser ele mesmo e se comportar bem” no
encontro com elas. Neste sentido apresenta em 1971, na publicação Consultas
31
Terapêuticas em psiquiatria infantil o squiggle game, o jogo do rabisco,
procedimento clínico que valorizava o encontro terapêutico através da liberdade
de participação também do terapeuta. Esta possibilidade de jogar livremente com
a criança na consulta terapêutica define seu caráter não técnico, muito menos
imposto ao paciente.
Lescovar (2004) afirma que a consulta terapêutica não pode ser
definida a partir de procedimentos técnicos estanques, embora diga que, quando
da emergência da comunicação significativa entre terapeuta e criança, em geral
apresentada por meio da fala, das brincadeiras ou de desenhos comuns à dupla
terapêutica, o psicoterapeuta conclui um psicodiagnóstico compreensivo
psicanalítico.
O jogo do rabisco é considerado por Aiello-Vaisberg (2004) bem mais
sofisticado do que uma avaliação técnica ou testagem por permitir, pela sua
simplicidade, que questionamentos acerca de pressupostos positivistas fossem
efetivados. Eis suas palavras sobre esta questão
O jogo do rabisco não corresponde, de modo algum, ao exame de um
objeto por um perito, mas a uma estratégia sofisticada de
estabelecimento de comunicação emocional não-verbal. Tem, portanto,
como pressuposto a assunção de que a clínica psicológica transcorre em
campo vincular, de modo tal que seu rigor não é, de modo algum,
análogo àquele que se pode buscar nas ciências físicas e biológicas.
Epistemologicamente, o conhecimento que esta clínica requer se
constrói de modo peculiar, isto é, evitando decididamente que sua
teorização se afaste do acontecer humano, tal como se dá na vida em
geral e na clínica em particular. Abstrações e formalizações são, assim,
decididamente evitadas. (p. 165).
Winnicott concebeu e usou o jogo do rabisco como um trabalho lúdico
com o intuito de “oferecer ao paciente a oportunidade de expressar-se e
conseguir desta forma uma ajuda para o conflito que vivencia” (SAFRA, 2005,
p. 20). O caráter flexível deste jogo também é enfatizado, sendo a boa
comunicação terapeuta-paciente determinada pelo respeito às possibilidades de
expressão do paciente. Este procedimento foi assim descrito por Winnicott:
Em um momento adequado após a chegada do paciente, geralmente
após pedir ao genitor que o acompanha para ir para a sala de espera,
digo à criança: “Vamos jogar alguma coisa. Sei o que gostaria de jogar e
vou lhe mostrar”. Há uma mesa entre a criança e eu, com papel e dois
lápis. Primeiro apanho um pouco de papel e rasgo as folhas ao meio,
dando a impressão de que o que estamos fazendo não é freneticamente
32
importante, e então começo a explicar. Digo:” Este jogo que gosto de
jogar não tem regras. Pego apenas meu lápis e faço assim...” e
provavelmente aperto os olhos e faço um rabisco às cegas.Prossigo com
a explicação e digo: “Mostre-me se se parece com alguma coisa a você
ou se pode transformá-lo em algo; depois, faça o mesmo comigo e verei
se posso fazer algo com o seu rabisco”. Isto é tudo o que existe a título
de técnica e tem-se que enfatizar que sou totalmente flexível mesmo
neste estágio muito inicial, de maneira que se a criança quer desenhar,
ou conversar, ou brincar com brinquedos, ou fazer música ou
traquinagens, fico livre para adaptar-me aos desejos dela. (1968/1999,
p. 232).
Ressalte-se o caráter mediador do Jogo para que se estabeleça uma
comunicação significativa com a criança. O procedimento serve a esta
possibilidade dialógica e não é valorizado por si mesmo (AIELLO-VAISBERG,
2004). Ou, conforme Winnicott afirma: “O jogo dos rabiscos é simplesmente um
meio de se conseguir entrar em contato com a criança. O que acontece no jogo e
em toda a entrevista depende da utilização feita da experiência pela criança,
incluindo o material que se apresenta” (1971/1984, p. 11). Lescovar (2004) diz
que a fundamentação das consultas terapêuticas reside na própria busca de
auxílio pela criança e ao fato desta estar ansiosa, nas primeiras entrevistas, por
informar ao terapeuta sobre suas dificuldades ou sofrimento.
A flexibilidade presentificada no encontro analítico nas consultas
terapêuticas permite que tenham sempre um colorido único, dependendo das
características do terapeuta e de seu paciente, além das possibilidades concretas
deste encontro. Ao assim proceder, o terapeuta permite-se considerar a pessoa
que o procura como primordial, e não a técnica que domina. E isto muda toda a
possibilidade de um verdadeiro encontro significativo e humanamente constituído.
A importância reside, portanto, no objetivo clínico do encontro, no
favorecimento de comunicação emocional significativa e não na técnica
específica. Neste sentido, a busca por enquadres diferenciados na clínica
psicanalítica se constitui como legítima e inserida no acontecer humano. Aiello-
Vaisberg (2004) estabelece uma analogia ao propor que cada psicólogo pode
criar seu estilo próprio de jogo do rabisco, à medida que busca um encontro com
a criança que repouse na expressão única de seu ser, naquele momento próprio
de sua vida e no encontro desta dupla analítica.
O estabelecimento do espaço potencial/transicional, conceito que
Winnicott (1971/1975a) define como a terceira área, hipotética, que inaugura o
33
primeiro lugar de separação entre a mãe e o bebê, e sobre o qual melhor
discorreremos no capítulo 3, é fundamental como parte dos procedimentos
necessários para uma intervenção terapêutica. A mediação dialógica na consulta
terapêutica deve ser propiciada por facilitadores do estabelecimento do espaço
transicional, como por exemplo, o jogo do rabisco ou outro procedimento que faça
sentido para aquela dupla naquele momento do encontro terapêutico.
O trabalho de Winnicott nas Consultas Terapêuticas em psiquiatria
infantil (1971/1984), através do jogo do rabisco, juntamente com as possibilidades
terapêuticas presentes no Psicodiagnóstico Interventivo fundamentado na
psicanálise nos forneceram a inspiração e os conceitos necessários para o
desenvolvimento do presente estudo.
Falamos aqui em inspiração, devido à constatação de que o uso das
Consultas Terapêuticas Individuais, tal como propostas por Winnicott, parece
muito simples, mas na verdade exige uma formação psicanalítica sólida e,
fundamentalmente, experiência clínica que não podemos exigir de psicólogos em
formação. Entretanto, podemos observar a importância da proposição
paradigmática desta grande contribuição winnicottiana. Justificamos, assim, a
busca por enquadres clínicos diferenciados facilitadores, para que psicólogos
iniciantes na prática clínica possam favorecer comunicações emocionais
significativas desde as primeiras entrevistas.
Neste sentido, utilizamos também como fonte de inspiração os
trabalhos do Ser e Fazer: Oficinas Psicoterapêuticas de Criação, serviço oferecido
através do Ser e Fazer: Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social,
do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo. Este
Laboratório tem desenvolvido pesquisas de
[...] práticas clínicas diferenciadas, potencialmente capazes de abordar o
sofrimento humano, de cujos benefícios não fiquem excluídas,
forçosamente, as parcelas majoritárias da população, que vive em
condições concretas absolutamente desfavorecidas. (AIELLO-
VAISBERG; AMBRÓSIO, 2002, p. 4).
A Ser e Fazer busca enquadres que procuram ligar paradigmati-
camente o Jogo do Rabisco com outros mediadores que facilitam, como o
Rabisco, a comunicação emocional num contexto inter-humano.
34
Realizamos esta pesquisa na busca por um enquadre diferenciado que
proporcione possibilidades de encontros verdadeiros na clínica com crianças
desde as primeiras entrevistas realizadas por psicólogos em formação,
contemplando a inserção da psicologia em Unidades Básicas de Saúde sob uma
perspectiva winnicottiana. O enquadramento clínico utilizado é o do Psico-
diagnóstico Interventivo, embasado pela Psicanálise sob leitura winnicottiana.
Priorizamos no Psicodiagnóstico Interventivo as primeiras entrevistas clínicas,
observando as considerações de Winnicott.
35
2 BUSCA POR UM ENQUADRE DIFERENCIADO: SAÚDE
PÚBLICA E FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA
36
Só um sujeito situado no seu tempo histórico e em relação aos
determinantes culturais, políticos e econômicos que condicionam seu
modo de estar no mundo poderá transformar, desejar e ousar mudanças,
sair do conformismo, reverter a lógica que sustenta o imobilismo, isto é,
comprometer-se, ser um ser da práxis. (DIMENSTEIN, 2001, p. 59).
Consideramos a realidade de saúde pública de extrema importância e
objetivamos repensá-la em aspectos que considerem legítimos o desenvolvimento
de caminhos para o cuidado com a continuidade do ser, respeitando a dramática
do viver, na qual se insere o sofrimento humano. A partir desta perspectiva,
consideramos o papel desempenhado pela psicologia, neste espaço público,
como fundamental e fecundo para contribuições à clínica, especialmente a infantil,
em função de suas possibilidades psicoprofiláticas. Valorizamos ainda este
espaço como vital para a formação de nossos alunos, contribuindo desta forma
para uma aproximação do conhecimento teórico com a prática psicanalítica em
contextos outros que não somente o do consultório particular e das Clínicas-
escolas das Faculdades de Psicologia.
Observamos na atualidade a existência de preocupações e debates
acerca da formação do psicólogo no Brasil. Concordamos com Noronha (2003),
quando diz que desde sua oficialização como profissão, a formação em Psicologia
[...] tem sido uma fonte inesgotável de debates e discussões.
Atualmente, com aproximadamente quarenta anos de existência como
profissão, a formação em Psicologia necessita de uma ampla revisão em
suas características básicas, de modo a fazê-la responder melhor às
demandas mais atuais da sociedade brasileira. (p. 169).
Andrade e Morato (2004) afirmam que a demanda crescente por
psicólogos em serviços públicos de saúde, refletem a maior inserção do
profissional de Psicologia na rede pública, na atualidade. A constatação deste fato
nos leva à observação de que:
[...] a partir da década de 80, os psicólogos passaram a atuar junto a
uma população de baixo nível socioeconômico, que apresenta uma
realidade psicossocial muito diferente daquela apresentada pelas
classes média e alta, alvo dos trabalhos da Psicologia até então.
(p. 345).
37
A Psicologia enfatizava, sobretudo os aspectos técnicos e científicos,
sendo as questões políticas relegadas a um plano inferior às práticas e discursos
psicológicos. A formação de psicólogos espelhava esta situação, com a
transmissão de conhecimento alienada do processo histórico e político do
contexto no qual estava inserida (ANDRADE; MORATO, 2004).
Ao comentar a trajetória histórica da psicologia, Dimenstein (2001) nos
diz que o modelo assistencialista e curativo consolidou-se no meio dos psicólogos
voltado para serviços privados de atendimentos e tornou-se o paradigma
hegemônico desta categoria profissional. Conseqüências da adoção deste
paradigma se fizeram presentes também nos cursos de graduação:
Em outras palavras, a formação profissional veio direcionando o
psicólogo para modelos de atuação bastante limitados para o setor da
saúde. Modelos responsáveis, em parte, pelas dificuldades do
profissional em lidar com a demanda da clientela e das instituições de
saúde, e até de adaptar-se às dinâmicas condições de perfil profissional
exigidas pelo SUS. (DIMENSTEIN, 2001, p. 59).
A prevalência do distanciamento entre a formação de psicólogos na
Universidade e a realidade de saúde pública de saúde foi também destacada por
Sousa (2006). Este autor, entretanto, ressalva que a PUC-Campinas possui uma
das experiências pioneiras na formação de psicólogos na atenção básica, para
atuação no Sistema Único de Saúde, datada de 1986.
Consideramos, portanto, no âmbito desta questão formativa, de
extrema importância o trabalho de Furigo (2006) que contribuiu para a discussão
sobre plantão psicológico na atenção psicológica na área da saúde, sob
perspectiva junguiana. Embora efetivado para atendimento de usuários de uma
Clínica-Escola Universitária, este trabalho realizou-se por meio de convênio entre
Universidade e SUS.
O I Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, ocorrido em
outubro de 2006, em Brasília, aponta a existência de
[...] um extenso campo para a atuação do psicólogo no Sistema Único de
Saúde. Mas também se confirmou a suspeita de que para que a
profissão possa contribuir na promoção à saúde do usuário do SUS, é
preciso qualificar essa prestação de serviço a partir da formação dos
psicólogos. (CONSELHO..., 2007, p. 8).
38
Andrade e Morato (2004) acrescentam que o envolvimento cada vez
maior do psicólogo com populações excluídas vem gerando, além dos desafios
peculiares a formação profissional inadequada a esta prática, muita “[...] angústia
para os psicólogos compromissados com uma transformação social” (p. 346).
Estas autoras afirmam a falta de sustentação da cientificidade neutra do psicólogo
e a busca pela efetivação de outras práticas, consoantes com esta nova
concepção das relações sociais e do homem inserido em contextos diversos.
Sousa (2006) afirma a responsabilidade social das instituições de
ensino superior no sentido de capacitar profissionais para atuar adequadamente
na realidade da sociedade brasileira.
No início de nossa atuação como psicóloga clínica, em um Ambulatório
de Saúde Mental, no final da década de 80, pudemos observar e viver as
dificuldades de atuação profissional na saúde pública. Também nos angustiamos
no encontro com população excluída social e economicamente e com as
dificuldades da prática psicológica neste quadro.
Na medida em que a demanda por participação de psicólogos no SUS
cresce, também aumenta a necessidade para avançar na prática dentro da saúde
pública, não só no que diz respeito à formação oferecida em cursos de Psicologia,
mas também na educação para profissionais já formados (SILVEIRA, 2007).
Consideramos a formação, a atualização e a regulamentação para
atuar no SUS de suma importância para profissionais de Psicologia, e
enfatizamos que a prática clínica psicológica deva sempre avançar na busca por
conhecimento científico que reconheça os questionamentos advindos do
confronto entre a formação oferecida e a realidade atual de saúde pública.
Adams (2007) contribui com esta questão ao afirmar que “[...] boa parte
das instituições de ensino superior ainda está dessintonizada com o processo de
transformação pela qual passa a sociedade e o papel da Psicologia neste novo
cenário” (p. 8). Precisamos, pois, atualizarmo-nos e posicionarmo-nos perante a
formação atual de nossos alunos.
Ao discorrer sobre a formação profissional do psicólogo no Brasil,
Pinheiro (2006) aponta que uma das maneiras de melhorar a profissão é através
dos estágios. Esta autora acrescenta ainda que “As relações entre universidade e
serviços de saúde em territórios bem definidos parecem ocorrer com maior
facilidade principalmente em municípios menores” (p. 18).
39
Nossa prática de estágio baseia-se na reflexão sobre a atuação do
psicólogo clínico na saúde pública e na busca por recursos que favoreçam a
expressão emocional de grupos diversos em contextos sociais distintos. O
aprimoramento da prática clínica é forjado junto ao meio no qual surge a demanda
para esta nova clínica, que vem de uma realidade psicossocial diferente daquela
com a qual o psicólogo se familiarizara, conforme referido anteriormente.
Nosso projeto de estágio foi viabilizado em virtude do perfil definido
pelo Curso de Psicologia de Assis a partir do estabelecimento da atual estrutura
curricular, de acordo com a Resolução UNESP 50 de 22/09/86 alterada pela
Resolução UNESP 63 de 17/11/98. Apresentamos no Anexo II a síntese desta
estrutura curricular, presente no capítulo 11 do Manual do Aluno de Psicologia
2007. Muito embora já estejamos à véspera da inauguração de um novo currículo,
é sob a proposta anterior que nossos sujeitos de pesquisa se formarão.
De acordo com o Manual do Aluno de Psicologia 2007, foi a partir de
discussões e debates no curso e de constante interlocução com os Conselhos
Federal e Regional de Psicologia que se definiu o “perfil do profissional a ser
formado”, em 1992:
1) “O profissional deve ser possuidor de uma consciência política de
cidadania, da qual resulte um compromisso com a realidade social no
sentido de promover qualidade de vida” (*);
2) “O profissional deve possuir capacidade de iniciativa e de autonomia
para produzir novos conhecimentos e novas práticas, através de atitudes
críticas, investigativas e criativas” (*);
3) “A ação profissional cotidiana deve basear-se em princípios éticos,
contemplar a interdisciplinaridade e ser marcada por uma concepção de
homem onde este seja compreendido em sua integralidade e na
dinâmica de suas condições concretas de existência” [grifos nossos]
(p. 62).
Neste Manual, há a observação de que tanto o “perfil” quanto o Projeto
Pedagógico do Curso devem ser elementos dinâmicos e colocados em
permanente avaliação e discussão. Considera-se ainda que todas as atividades
deste Curso de Psicologia
Devam convergir para que os psicólogos aqui formados sejam
profissionais competentes cuja capacidade crítico-reflexiva os permita
elaborar o conhecimento já construído; cuja criatividade e curiosidade
intelectual os permitam produzir eticamente novos conhecimentos; cujas
práticas os comprometam socialmente com os problemas de seu tempo,
fazendo valer – através de sua cidadania – o direito à qualidade de vida
e à cidadania de seus contemporâneos [grifos nossos]. (p. 62).
40
Nossos grifos procuram destacar os elementos neste perfil que
pretendemos abarcar em nosso projeto de estágio e, especificamente, em nossa
pesquisa. Nossa prática procura formar psicólogos que possam elaborar os
conhecimentos teóricos adquiridos ao longo do curso e confrontá-los com a
realidade concreta de existência de seus pacientes, inseridos em um contexto
social cuja dinâmica os leva a buscar, necessariamente, produzir novos
conhecimentos que possibilitem melhor qualidade de vida para seus pacientes,
usuários do SUS.
Acompanhamos a atuação de docentes deste Curso e notamos que
estes têm participado ativamente das transformações pelas quais tem passado a
saúde pública no Brasil. Alguns destes, inclusive, já atuaram em instituições
públicas de saúde mental e se engajaram em projetos de estágio
profissionalizante e/ou de extensão universitária junto à população menos
favorecida social e economicamente. Observamos ainda o oferecimento de
disciplinas optativas que procuram responder às lacunas na grade curricular, no
que diz respeito à saúde pública, entre outras, há a disciplina “Atenção
Psicossocial na Saúde Coletiva” (vide Anexo II).
No entanto, constatamos que o contato de nossos alunos com a prática
clínica psicológica em instituições de saúde pública, e mesmo na Clínica-escola,
ainda lhes causa intensa angústia. Podemos perceber que uma das prováveis
causas deste desconforto seja o excesso de disciplinas teóricas e o fato de a prática
ser postergada para o final do curso, sendo efetivada no quarto ou quinto ano.
Consideramos como legítimo e fundamental o ensino do conhecimento
teórico em psicologia. Entretanto, devemos também objetivar que nosso aluno se
aproxime cada vez mais ao longo do curso de seu objeto de estudo que, afinal, é
o ser humano e, notadamente na clínica, o ser humano que sofre. Deixar que o
encontro inter-humanos ocorra concretamente nos últimos anos do curso pode
intensificar a ansiedade presente neste aluno.
Silva (1999) realizou, no Curso de Psicologia da UNESP de Assis, um
trabalho de Iniciação Científica financiado pela FAPESP com o objetivo principal
de identificar os problemas que os alunos enfrentam na atividade de estágio,
especialmente na área clínica. Esta autora entrevistou alunos do quarto ano do
Curso que já haviam iniciado a prática clínica, tanto na Clínica-escola, como na
saúde mental pública. Entre os problemas relatados pelos alunos, destacam-se o
41
fato de o Curso ser integral, com excessiva carga horária; o currículo não
capacitar para a prática, tanto por repetição, quanto por carência de conteúdos; o
início tardio e limitado da prática clínica; e dificuldades na relação aluno-
supervisor, por questões relativas à falta de acolhimento das demandas, inclusive
emocionais, dos alunos. Destacamos a seguinte frase desta autora, escrita a título
de conclusão:
A antecipação do estágio é algo que deve ser seriamente considerado,
mas isto por si só não nos parece suficiente para superar as dificuldades
existentes, principalmente a cisão que envolve o aspecto teórico e
prático; são necessárias outras ações no contexto do curso, que devem
envolver uma transformação na atitude dos professores que compõem o
curso e dos supervisores que efetivam a supervisão. (p. 35).
Questões relativas à insegurança, vivenciadas pelos alunos na prática
clínica, são consideradas pela autora como de provável causa pessoal, remetidas
ao fato da própria estrutura emocional dos alunos determinar a forma como
estabelecerão o contato com seus pacientes. Também levamos em conta o
aspecto pessoal de cada estagiário, mas esta questão parece transcender a
estrutura de personalidade de cada um e remeter a questões de como se
aproxima a teoria da prática clínica. Este encontro teoria/prática é efetivado no
estágio, no contato real com o sofrimento humano.
Aiello-Vaisberg e Machado (1996) já problematizavam esta questão ao
discorrer sobre o ensino de psicopatologia na universidade
[...] entendemos que as aulas práticas de psicopatologia devem
possibilitar ao aluno a sistematização de alguns conhecimentos teóricos
básicos em psicanálise a partir do material clínico. No entanto, tratando-
se basicamente de propiciar o contato com experiências humanas
carregadas de significado emocional, os obstáculos à aprendizagem são,
desta feita, de ordem emocional, e não, como em outras áreas do
conhecimento, de índole cognitivo-conceitual ou oriundos da falta de
informação. (p. 241).
A sugestão destas autoras é de que as aulas práticas de psicopatologia
devam possibilitar o resgate da espontaneidade do aluno
[...] a partir do qual a percepção do outro se faz, o que,
psicanaliticamente falando, implica num abandono progressivo de
defesas psíquicas destinadas a manter um contato intelectualizado e
distante com o sofrimento psíquico. (p. 241-242).
42
A intelectualização presente no encontro de nossos alunos no início de
sua prática clínica também pode ser resultante de defesas psíquicas para afastá-
los do sofrimento advindo do contato, tanto com outro ser humano que padece
psiquicamente, quanto com as demandas da saúde pública, com a qual não se
familiariza ao longo do curso.
Parece-nos que o conceito winnicottiano de “transicionalidade”
5
pode
contribuir para o estabelecimento de um ambiente psíquico adequado ao início do
atendimento clínico, à semelhança da proposta de Aiello-Vaisberg e Machado
(1996) para a aprendizagem inicial de Psicopatologia. De acordo com estas
autoras, a transicionalidade pode facilitar a apreensão de conceitos teóricos e
também a elaboração reflexiva das vivências dos estudantes com o material
clínico. Ao aplicar as idéias de Winnicott ao ensino desta disciplina, sugerem que
o contato dos alunos com pacientes, seja na clínica-escola, seja em instituições
de saúde mental, deva “[...] ser precedido por uma ‘prática transicional’ que
inicialmente ‘protege’ o aluno das angústias despertadas pelo exercício
profissional” (p. 244).
Muito embora não tenhamos realizado pesquisa referente à existência
de “práticas transicionais” no ensino de graduação de nossos alunos, a
observação ao longo de anos, como supervisora de estágio, permite-nos supor
que estes não elaboraram suficientemente, de forma transformadora, suas
vivências relativas às questões relacionadas com a saúde mental. Informações
teóricas parecem se sobrepor às aproximações com a realidade do sofrimento
psíquico.
Concordamos com Aiello-Vaisberg e Machado (1996) que
Por outro lado, dado às características do trabalho clínico, só a vivência
e elaboração dos próprios conflitos emocionais mediante uma análise
pessoal pode oferecer condições para um desempenho profissional
“suficientemente bom”, na medida em que o auto-conhecimento é
imprescindível para a preservação da espontaneidade e autenticidade.
(p. 245).
A este propósito as referidas autoras apontam que Winnicott já
reafirmava a necessidade do terapeuta “olhar” seu paciente de forma semelhante
à que uma mãe olha para seu bebê “[...] propiciando que o primeiro veja-se
5
O conceito de transicionalidade é trabalhado no capítulo 3.
43
refletido neste olhar e, por seu intermédio, descubra-se a si próprio e tome
contato com suas potencialidades criativas” (p. 245).
Formar o aluno de psicologia, de modo que este possa estar
verdadeiramente com seu paciente, sem que necessite defender-se deste
encontro inter-humanos, é uma meta a ser alcançada ao longo do curso de
psicologia. Entretanto, ao recebermos nossos estagiários temos que,
criativamente, aproximá-los de uma prática clínica que se efetive na ativa
interação entre terapeuta e paciente.
As questões que nos fazemos neste lugar de formação é: qual
recurso utilizar para proporcionar tanto um início de atendimento clínico aos
nossos estagiários que seja menos angustiante, quanto um acolhimento
adequado ao paciente que por ele é recebido no âmbito da saúde mental pública?
Que importância o espaço transicional ocupa na prática clínica psicanalítica e na
experiência de supervisão desta prática? Iniciaremos a busca por respostas a
partir da definição de espaço transicional e sua relação com a prática e com a
supervisão psicanaliticamente orientada.
44
3 TRANSICIONALIDADE: RELAÇÃO COM A PRÁTICA E A
SUPERVISÃO CLÍNICA
45
O espaço potencial entre o bebê e a mãe, entre a criança e a família,
entre o indivíduo e a sociedade ou o mundo, depende da experiência
que conduz à confiança. Pode ser visto como sagrado para o indivíduo,
porque é aí que este experimenta o viver criativo (WINNICOTT,
1967/1975a, p. 142).
Winnicott (1951/2000) conceitua o espaço potencial e descreve sua
participação na constituição da personalidade como a terceira área da vida do
indivíduo, a área intermediária da experiência, entre a realidade subjetiva e a
realidade compartilhada.
Ao reivindicar a existência deste estado intermediário nos primórdios
da vida do bebê, entre a sua incapacidade em reconhecer e aceitar a realidade e
sua crescente capacidade em fazê-lo, passa a nos falar da ilusão onipotente,
Aiello-Vaisberg (2004) nos diz que se trata,
[...] de uma área de ilusão compartilhada, que é justamente o
fundamento de toda a cultura humana, uma vez que nada há que seja
objetivamente percebido sem que antes tenha sido subjetivamente
concebido [...] a realidade humana é o universo compartilhado da cultura
[...] (p. 106-107).
Abram (2000) afirma que remonta à década de 50 a utilização, por
Winnicott, do termo “suficientemente boa”. Este diz respeito ao papel da mãe que
permite ao seu bebê a primeira experiência da ilusão ao se adaptar as
necessidades deste de forma completa como essencial para que os fundamentos
da criatividade possam se desenvolver.
A mãe, desde a gravidez, adapta-se ao seu bebê, prepara-se para seu
nascimento e torna-se sensível as suas necessidades. A partir de então a
concentração da mãe em seu bebê, denominada por Winnicott (1956/2000)
preocupação materna primária, permite que ela reconheça as suas necessidades
e se adapte a elas ativamente. Safra (2005) nos diz que:
Esta adaptação completa permite ao bebê a ilusão de que cria a mãe e
que ela faz parte dele. Desta maneira a mãe caminha em direção à
onipotência da criança e, por meio dela, o bebê crê na realidade externa,
que parece se comportar de maneira mágica. Passa então a viver a
ilusão do controle onipotente, a partir de sua criatividade primária. Sem
este tipo de experiência não é possível ao bebê desenvolver a
capacidade para uma relação criativa com a realidade externa [...]
(p. 30).
46
Posteriormente, a mãe suficientemente boa diminui sua adaptação ao
bebê, possibilita que ele tolere frustrações aos poucos e, então, permite que
perceba os objetos de forma real, odiados e amados.
O espaço potencial/transicional é fundamentado pela experiência de
confiança vivida por período suficientemente longo pelo bebê e, a partir desta
experiência, surgirá a possibilidade de se criar significados pessoais para se
estabelecer um eu autônomo, singular e que se soma à experiência cultural
(AVELLAR, 2004).
Aiello-Vaisberg e Machado (1996) referem que o bebê bem assistido
desenvolve a área intermediária na qual repousam estas experiências
compartilhadas com a mãe. Denominada por Winnicott de “espaço transicional”,
segundo estas autoras, esta área:
[...] é preservada pelo ser humano adulto como uma “área de repouso”, à
qual pode recorrer sempre que a realidade se apresente demasiada-
mente penosa para ser enfrentada. O acesso a esta área propicia a
elaboração das dificuldades encontradas, redundando no fortalecimento
da capacidade de tolerar frustrações e, conseqüentemente, um contato
mais criativo com a realidade. (p. 243).
A emergência de fenômenos transicionais ocorre sempre no domínio
da ilusão. Por meio dela, o bebê elegerá sua primeira possessão: o objeto
transicional. Safra (2005) aponta que o desinvestimento do objeto transicional faz
com que a capacidade de viver fenômenos transicionais:
[...] se irradia para todo o campo cultural, originando-se dessa forma o
espaço potencial, área que possibilitará o brincar da criança, a arte, a
religião, ou seja, a capacidade de usar os objetos culturais e a própria
imaginação como meio de elaborar as questões fundamentais do existir
humano. (p. 30).
Safra (2005) localiza entre a experiência de ilusão e o uso de objetos
culturais, a palavra transicionalidade.
O conceito ‘uso de objeto’ foi desenvolvido por Winnicott (1969/1971b)
como uma vinculação do indivíduo com um objeto real, que faz parte da realidade
compartilhada, e não como um feixe de projeções. No conceito de relação de
objeto, Winnicott “[...] aponta para um processo intrapsíquico, de cunho
eminentemente narcísico” (AIELLO-VAISBERG, 2004, p. 202). Para Winnicott
47
(1969/1971b, p. 125) “Entre o relacionamento e o uso existe a colocação, pelo
sujeito, do objeto fora de seu controle onipotente, isto é, a percepção, pelo sujeito,
do objeto como fenômeno externo, não como entidade projetiva”.
A passagem da ‘relação de objeto’ para o ‘uso do objeto’
6
corresponde a
um amadurecimento do indivíduo, no sentido do discernimento entre me e not me.
A adaptação inicial do bebê ao mundo exterior pode não contar com a
mãe suficientemente boa e este então, para sobreviver, não consegue
desenvolver um contato verdadeiro e produtivo com a realidade, visto não estar
protegido por vivências ilusórias. Necessita submeter-se ao meio ambiente, entrar
precocemente em contato com a realidade, perdendo a oportunidade de saber-se
criador e capaz de transformar o mundo externo.
As conseqüências deste contato precoce com o real pode ser o
estabelecimento de mecanismos de defesa rígidos que estruturem uma
personalidade psicótica, ou através de uma submissão excessiva à realidade, o
estabelecimento de um falso self, com a perda da espontaneidade, autenticidade
e, conseqüentemente, da criatividade (AIELLO-VAISBERG; MACHADO, 1996).
Ou seja, no caso da falha materna na adaptação ao seu bebê, o resultado é uma
invasão do ambiente, que provoca a defesa do bebê com a perda do sentido do
self
7
, o gesto espontâneo não é possível e, conforme Safra (2005): “A alternativa
a ser ou existir depende do reagir – e o reagir interrompe o ser e o existir” (p. 31).
Avellar (2004) acrescenta que
Para que a saúde mental se estabeleça, é preciso que o nascimento do
ser ocorra na presença de um outro, que reconheça o humano no recém-
nascido e o introduza no mundo. Para que a subjetividade seja
constituída, é necessária a presença do outro. Em cada ser humano há a
presença de muitos com a história da cultura e da humanidade. (p. 80).
A subjetividade é, portanto resultante da interação do indivíduo com o
meio e vai se constituir a partir das relações estabelecidas “[...] com o outro, do
jogo de forças antagônicas que levam a mudanças de posições e crescimento”
(VILLELA, 2007, p. 76). Na presença do outro vivemos experiências subjetivas e
6
Neste trabalho utilizamos a palavra ‘uso’ no sentido winnicottiano exposto.
7
“Entendemos self como um potencial criativo e uma organização dinâmica presente em todo ser
humano, que se expressa basicamente por meio do gesto espontâneo e que possibilita que
cada indivíduo seja a pessoa singular que é. O self é a própria pessoa, inseparável de sua auto-
percepção e articulação simbólica, mas nunca mera estruturação endopsíquica.” (AIELLO-
VAISBERG, 2004, p. 49).
48
concretas às quais temos que nos reorganizar. A adaptação envolve cada um dos
participantes deste encontro que pode ser visto como ameaçador, dependendo
das vivências anteriores de cada um dos atores desta trama de vida. Villela
(2007) nos diz, entretanto, que se o novo puder ser integrado ao sistema de
pensamentos preexistentes, o encontro pode ser criativo e propiciador de
transformações.
Aiello-Vaisberg e Machado (1996) ao discorrerem sobre a possibi-
lidade, e necessidade, de uma “prática transicional” no ensino da disciplina de
psicopatologia para a proteção de alunos das angústias despertadas pelo
exercício profissional, afirmam que o contato de alunos com pacientes advindos
de clínica-escola ou instituições de saúde mental, especialmente os psicóticos, é
angustiante por estarem aprisionados em criações imaginárias deste coletivo e
por suas vivências remeterem às próprias angústias primitivas adormecidas. A
apresentação precipitada desta realidade pode mobilizar defesas psíquicas que,
ainda segundo elas, levariam à inflação de um falso self, com o surgimento de
uma identidade profissional intelectualizada, impedindo o estabelecimento de
vínculos verdadeiros com seus pacientes.
A relação analista-analisando também tem sido objeto de estudos de
psicanalistas por meio da relação mãe-bebê proposta por Winnicott, segundo nos
aponta Safra (2005). O enquadre terapêutico e a relação entre a dupla analítica
têm sido comparados às características do contato mãe-filho, no que diz respeito
ao cuidado com a adaptação gradativa às necessidades que o paciente possui,
para possibilitar uma comunicação significativa:
[...] característica do espaço potencial, na qual o analisando poderá
receber a intervenção necessitada sem se sentir invadido por ela e,
portanto, sem ter que reagir a ela. Cabe aqui ressaltar que adaptação às
necessidades do paciente não significa a satisfação de desejos.
Necessidade precisa ser satisfeita; desejo, interpretado ou manejado.
(SAFRA, 2005, p. 32).
Aqui nos deteremos para, comparativamente, focalizarmos os
atendimentos efetuados por nossos alunos/estagiários de Psicologia Clínica em
Unidades Básicas de Saúde. A formação acadêmica de nossos alunos é
predominantemente psicanalítica, com aulas de psicopatologia, psicoterapias
infantis, psicodiagnóstico infantil, entre outras. O uso de mediadores transicionais
49
no ensino destas disciplinas, tais como filmes e oficinas de massa de modelagem
para discussão de textos, não parece ser suficiente para amenizar a angústia de
nossos alunos ao encontrar pacientes na clínica psicológica. Recebemos estes
estagiários, depois de concorrida seleção de estágio, “iludidos” com a clientela
que deverão acolher e até com o estilo de supervisão no qual poderão
compartilhar suas vivências clínicas.
Trabalhamos no Núcleo de Psicodiagnóstico do Departamento de
Psicologia Clínica do Curso de Psicologia da UNESP de Assis e nosso projeto de
estágio ocorre com a clínica infantil. O sofrimento psíquico de crianças parece
estar no imaginário da maioria de nossos estagiários bastante distante do
acontecer humano. Observamos o olhar intelectualizado e defendido no uso que
estes estagiários fazem de teorias e técnicas recém conhecidas.
Furigo (2002) também aponta entre os temas que perspassam a
formação clínica de graduandos de Psicologia, a angústia e apreensão ao
iniciarem os seus atendimentos clínicos, notadamente por meio da dificuldade em
articular ciência e prática.
Parece-nos, portanto, que em concordância com Aiello-Vaisberg e
Machado (1996), apesar de o momento acadêmico impelir nossos alunos a uma
prática clínica, esta deva ser cuidadosa, não precipitada, mediada por recursos
que possibilitem um verdadeiro encontro significativo, no sentido de permitir a
atividade criativa a partir deste encontro.
A extrema delicadeza da tarefa de conduzir nossos alunos às primeiras
discriminações clínicas, mesmo antes de iniciar suas atividades de atendimento
efetivo, deve ser precedida do uso de mediadores que os levem a transpor suas
experiências de ilusão até o encontro terapêutico com o outro (AIELLO-
VAISBERG; MACHADO, 1996).
A “tarefa” do supervisor clínico torna-se especialmente difícil, caso o
aprendizado de seus estagiários não tenha sido mediado adequadamente antes
de sua chegada à prática clínica. Entretanto, consideramos que mesmo diante
desta situação, este profissional possa usar recursos mediadores que permitam
uma formação clínica psicanaliticamente orientada. Como nos apontam as
autoras citadas:
50
Ora, formar o aluno de Psicologia, tornando-o capacitado a “estar”
efetivamente com seu paciente e a ser criativo o suficiente para trabalhar
num campo transferencial relaxado e propício à prática psicanalítica,
exige uma visão da psicanálise como uma ciência fundada na
observação do “acontecer” psicológico na qual o sujeito e objeto do
conhecimento, ao invés de constituírem categorias estanques e
separadas, interagem ativamente. (1996, p. 246).
Não podemos negar a real importância de o aluno entrar em contato
pessoal com crianças, através de clínicas-escolas ou instituições de saúde
pública. Winnicott (1971/1984) já colocava esta questão na introdução de seu livro
Consultas Terapêuticas em Psiquiatria Infantil. A teoria é essencial, mas o
trabalho clínico em si: “[...] não pode ser copiado porque o terapeuta é envolvido
em cada caso como pessoa, razão porque não há sequer duas entrevistas que
sejam semelhantes quando podem ser realizadas por dois psiquiatras”
(WINNICOTT, 1971/1984, p. 17).
Há que se instrumentalizar o início da prática clínica de nossos
estagiários de tal forma que não necessitem defender-se do encontro clínico,
muito pelo contrário, que facilitem a transicionalidade na comunicação com o(s)
paciente(s) que recebem, especialmente na saúde pública. A pergunta que aqui
nos fazemos é: Como conduzir a supervisão clínica de modo a favorecer um
encontro verdadeiro entre alunos iniciantes na clínica com crianças e seus
pacientes, pais e crianças?
3.1 A Supervisão Clínica Psicanalítica
A supervisão clínica aludida ao longo deste trabalho refere-se à
proposta de supervisão psicanalítica, no nosso caso embasada pelas
contribuições de Winnicott aos atendimentos na clínica com crianças.
A formação psicanalítica está alicerçada, segundo Zaslavsky, Nunes e
Eizirik (2003) sobre três fatores básicos: a análise didática, os seminários teóricos
e a supervisão clínica. Em se tratando do aluno de graduação em Psicologia, o
ponto de vista tradicionalmente aceito é de que a formação clínica se dê também
sobre três pilares: na psicoterapia pessoal, nos conhecimentos teóricos e técnicos
51
acerca da Psicologia, e nos estágios que se realizam sob orientação de um
supervisor (AIELLO-TSU, 1984).
Estamos de acordo com Aguirre et al. (2000) que consideram que
estes três fatores estão intimamente relacionados,
[...] uma vez que os conhecimentos teóricos só podem ser internalizados
e processados em uma psicoterapia pessoal que torne possível o
conhecimento do mundo interno e a utilização dos recursos pessoais na
investigação e compreensão dos processos psíquicos. A supervisão, por
sua vez, busca facilitar a integração destes dois aspectos na tarefa
clínica: o conhecimento teórico e o autoconhecimento. (p. 53).
Aiello-Tsu (1984) considera fundamental, e básico para a adequada
consecução da tarefa clínica, certo grau de autoconhecimento para que se possa,
ao menos, discernir “[...] entre aquilo que vem do cliente e aquilo que emana das
próprias dificuldades emocionais” (p. 49). A psicoterapia pessoal para aqueles
que praticam atendimentos clínicos, torna-se, ainda de acordo com a autora,
imperativo ético, inclusive para alunos de graduação.
Motta (2006) também defende a idéia de que análise pessoal, a
supervisão e o conhecimento teórico sejam “[...] fundamentais e encontram-se
intrinsecamente interligados, para que o contato e comunicação com o
inconsciente venham a tornar-se possíveis e acessíveis ao trabalho com
pacientes” (p. 411).
Freud (1937/1972) já apontava a análise pessoal como a primeira
condição para a formação de um analista, pois dizia que este é um ser humano
como qualquer outro e pode, inconscientemente, deixar que sua atividade clínica
seja influenciada por seus afetos e conflitos internos.
Considerando que o conhecimento teórico e técnico em Psicologia seja
possibilitado pela graduação ao formar psicólogos e os habilitar a exercer a
profissão, qual o papel da supervisão clínica nesta formação? Qual o objetivo
desta prática e em que medida esta é, de fato, facilitadora da integração do
conhecimento teórico e do autoconhecimento na tarefa clínica?
Para Tardivo (2006) a supervisão tem a função de docência, mas
também a de “[...]favorecer o pensar e o se aproximar do paciente e sua
realidade, sem nunca substituir o que é único e singular: o encontro do psicólogo
(no caso, e, formação) e seu (s) paciente (s)” (p. 365).
52
Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003) realizaram ampla revisão da literatura
sobre supervisão psicanalítica e concluem que há escassez de bibliografia
específica, principalmente focalizada no estudo dos fatores que influenciam o
ensino e o aprendizado da técnica.
A atividade de supervisão não tem sido privilegiada em termos de
pesquisa científica, sendo que no caso da literatura psicanalítica, em geral,
focalizam os processos de formação de futuros psicanalistas em suas respectivas
instituições (TRAPÉ TRINCA, 2006).
Podemos recorrer a Laplanche e Pontalis (1983) para definir
supervisão. Estes autores procuram distinguir intervenção psicanalítica e
intervenções de outras formas de psicoterapia. Neste sentido, a supervisão
psicanalítica parte do relato que o analista em formação faz a um analista
experimentado, que o auxilia na direção do tratamento de seu paciente e o ajuda
a tomar consciência da contratransferência, diferenciando esta forma de
intervenção de outras ações psicoterapêuticas, tais como aconselhamento,
esclarecimentos, entre outras.
Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003) acrescentam que o terapeuta menos
experiente, o supervisionando, apresenta um material colhido de sua prática
clínica ao supervisor, considerado o terapeuta mais experiente. Este material
deve ser relatado da forma mais próxima possível do que ocorreu na sessão
psicanalítica ou psicoterápica. Pressupõe que o supervisionando se “habilite”
como terapeuta e, neste sentido
[...] a atitude do supervisor deve estimular, no supervisionando, o
desenvolvimento de suas próprias habilidades. Uma das principais
funções da supervisão é a de desenvolver no supervisionando a
capacidade de perceber suas próprias dificuldades. Essa seria a forma
de conquistar a independência, seguindo sozinho, através de sua
autocrítica, o processo de aprendizagem. (p. 298).
Aguirre et al. (2000) nos dizem que num enfoque psicanalítico o próprio
psicólogo é seu principal instrumento de trabalho, com sua subjetividade e toda
complexidade que isto implica para o desenvolvimento da atitude clínica que
assume na relação terapêutica. Estas autoras entendem que a atitude clínica seja
uma experiência subjetiva, objetivada na relação com o cliente, e esta experiência
perspassa a compreensão e a apropriação que o psicólogo desenvolve de seu
papel, implicado na construção da identidade profissional. Segundo as autoras:
53
Esta identidade envolve um complexo conjunto de experiências
internalizadas, abrangendo desde a concepção de mundo e a adoção de
uma escala de valores, até sua possível exteriorização em escolhas e
comportamentos. Está, portanto associada aos parâmetros que
caracterizam o papel do psicólogo: seus objetivos, suas estratégias, sua
filosofia de trabalho e outros. São estes parâmetros que constituem o
enquadramento de trabalho, instrumento indispensável para o exercício
deste papel, pois é o referencial que permite a objetividade necessária
para dar sentido aos aspectos subjetivos essenciais ao trabalho clínico
[...] (2000, p. 54).
Ao falarmos de alunos de graduação em psicologia parece-nos que a
possibilidade do estabelecimento de parâmetros para a definição de
enquadramentos na clínica psicanalítica está, permeada pela relação de ensino-
aprendizagem implicada na supervisão, no próprio estilo de supervisão
determinado pelo supervisor responsável.
A supervisão psicanalítica, realizada na instituição de graduação em
psicologia para a qual trabalhamos, acolhe alunos em formação clínica, sem
nenhuma experiência anterior com atendimentos de qualquer ordem, a não ser
aqueles realizados em situação de ensino de técnicas psicológicas, tais como
aplicação de testes psicométricos e/ou projetivos e realização de entrevistas com
pessoas, fora de situação que constitua atendimento clínico efetivo. Não realizam
entrevistas de triagem, de anamnese, ou aplicação de outras técnicas em
contextos que definam atendimento em uma clínica real, apenas “usam” sujeitos
para que sirvam como agentes para seus treinamentos técnicos. Obviamente
estas pessoas são informadas desta condição e aceitam participar dela de forma
totalmente voluntária, mas há, desta forma um distanciamento do sofrimento
humano que é presentificado em uma clínica viva, real.
Desta maneira, recebemos alunos/estagiários que efetivarão seu
primeiro contato de fato com pessoas que buscam auxílio psicológico em
instituição de saúde pública. Muito embora estejam, em sua maioria, em
psicoterapia eles próprios, chegam nesta situação como alunos que buscam
ensinamentos para aprender a ser terapeutas e com uma bagagem teórica que
anseiam transpor para a prática.
O enquadramento da situação clínica que nossos alunos vivenciarão é,
a priori, definido pelo supervisor. No caso de nossa proposta de estágio,
priorizamos o enquadramento do psicodiagnóstico interventivo, com suas
características já mencionadas em capítulo anterior. Neste sentido, configuramos
54
um campo de atuação para nossos alunos, com estabelecimento de regras
básicas que configuram este enquadramento: horário de atendimento, local,
objetivos, definição de papéis e, principalmente, enfoque psicanalítico
winnicottiano. Concordamos, portanto, com Aguirre et al. (2000) que é “[...] tarefa
do supervisor ensinar ao aluno a compreender e utilizar o enquadramento como
instrumento indispensável (inerente) à prática clínica [...]” (p. 55).
A analogia possível entre o enquadramento no contexto de
atendimento clínico psicológico e no de supervisão também é abordada por estas
autoras. A supervisão requer, por si, um enquadramento que estabeleça, por
intermédio de um contrato feito entre supervisor e supervisionado, horários, local,
objetivos, tarefas, papel de cada parte e duração. A atitude do supervisor em
relação ao enquadramento definirá a condução e as possibilidades formadoras da
supervisão.
Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003) destacam a polarização existente
entre duas atitudes na supervisão, uma chamada didática, na qual o supervisor
age como um professor que explica, corrige, sugere, e que se torna modelo de
identificação, e outra denominada experiencial, na qual a função do supervisor é
facilitar o crescimento pessoal do supervisionando. Na primeira atitude, as
situações afetivas são trabalhadas na análise pessoal do supervisionando e, na
segunda, com o próprio supervisor. Ainda segundo esta revisão as reações
transferenciais com os pacientes e com o supervisor são trabalhadas na própria
supervisão, no modelo experiencial.
Embora inicialmente demonstrem duas atitudes na supervisão, os
autores descrevem a partir delas três modelos metodológicos de supervisão,
levantados a partir das contribuições de Fleming e Benedeck
8
, Ekstein e
Wallerstein
9
, Mabilde
10
e Vollmer Filho
11
, a saber:
8
FLEMING, J.; BENEDECK, T. The psychoanalytic supervision. New York: Grune & Stratton,
1966.
9
EKSTEIN, R; WALLERSTEIN, R. S. The teaching and learning of psychotherapy. New York:
Basic Books, 1958.
10
MABILDE, L. C. Ensino em Psicoterapia: Escuta em Supervisão. Trabalho apresentado na IXI
Jornada Sul-riograndense de Psiquiatria Dinâmica, nov. 1998.
11
VOLLMER FILHO, G. Linhas teóricas e ideologia de formação. Recife, 1995. Trabalho
apresentado no XV Congresso Brasileiro de Psicanálise.
55
Modelo clássico ou demonstrativo – centrado no paciente; o papel do
supervisionando é de apresentação do material e o do supervisor de
transmissor de conhecimentos;
Modelo corretivo ou comunicativo – centrado no supervisionando, este
apresenta o material detalhadamente, valoriza aspectos inconscientes e o
supervisor faz correções, também valoriza o inconsciente, mas o
supervisionando leva esta questão para a análise pessoal;
Modelo compreensivo, relacional ou experiencial – centrado na interação da
dupla em nível empático; há observação da relação bi-pessoal como forma de
entender o paciente, as questões transferenciais e contratransferenciais são
abordadas diretamente na supervisão, sendo que o supervisor sugere o que o
supervisionando deve levar para a análise pessoal.
Embora na prática os três modelos sejam complementares, os
referidos autores observam que há uma tendência de predomínio do modelo
experiencial na atualidade e creditam este fato à crescente influência de
valorização dos fenômenos transferenciais e contratransferenciais que ocorrem
no campo psicanalítico. Ou seja, os aspectos interacionais do par analítico têm
sido mais valorizados.
Situamos nossa experiência de onze anos em supervisão clínica,
embasada teoricamente na psicanálise, no modelo compreensivo/experiencial, na
medida em que levamos em conta a relação bi-pessoal com todas as implicações
deste encontro. Apesar de não assumirmos a postura materna nesta situação
acadêmica, admitimos as vicissitudes que o encontro inter-humanos oferece e
procuramos trabalhar de forma a considerá-los na nossa prática clínica. Como
recém chegados ao grupo/mundo da supervisão e experiência clínica, nossos
alunos devem ser gradativamente colocados em contato com a realidade do
sofrimento psíquico infantil, de forma a permitir atitudes criativas em si próprios e
em seus pacientes, dentro de uma visão winnicottiana de trabalho terapêutico, à
semelhança do que uma mãe faz com seu bebê recém chegado ao mundo.
Trapé Trinca (2006) ao comentar o foco da supervisão em aspectos
relacionais enfatiza que tal concepção permite que esta situação vá muito além da
interação da dupla supervisor-supervisionando, estendendo-se para o próprio
56
processo de atendimento terapêutico e estabelecendo um contexto de infinitas
possibilidades para a dupla terapeuta - paciente. Segundo suas palavras,
Estão aí inseridos fatos os mais variados que ditam as leis do
relacionamento da dupla. São fatos atuais e passados, cognitivos e
emocionais, de ordem técnica e conceitual, que se manifestam como
forças e conjunto de forças em ação, impulsionando ou dificultando o
processo. Eles são originários tanto do paciente quanto do terapeuta e,
às vezes, se cruzam e se misturam [...]. A supervisão se faz plena de
sentido se leva em conta esse contexto. (p. 389).
Os objetivos da supervisão neste cenário relacional devem ser
estabelecidos de forma a contemplar a transmissão de ensinamentos básicos,
segundo Távora (2002), mas ir além e também permitir que “[...] cada estagiário
olhe para dentro de si, para a relação que estabelece com seu cliente e para o
vínculo que estabelece com seu supervisor” (p. 121). O objetivo assim inserirá o
terapeuta iniciante em um mundo real, de relações que se estabelecem na clínica,
mas através da qual pode se encontrar consigo mesmo e com o outro, em uma
dinâmica inter-humanos, própria de um paradigma psicológico intersubjetivo.
Villela (2007) corrobora tal tese, ao afirmar que a supervisão deve ajudar na
compreensão de um caso, mas principalmente deve possibilitar que se
compreenda a relação que se estabelece entre a dupla analítica.
Concordamos com Motta (2006) quando acrescenta um quarto
elemento ao tripé básico da formação psicanalítica, significativo na formação do
psicoterapeuta: o tipo de clientela e o número de pacientes atendidos, além das
muitas possibilidades de aplicação dos conhecimentos psicanalíticos em cada
vivência na clínica. O aumento gradativo de contato com pacientes, e a
supervisão subseqüente dos atendimentos, proporcionará uma formação
subsidiada para que haja a construção do que esta autora denomina de
“raciocínio clínico”. Segundo suas palavras,
O “raciocínio clínico” englobaria noções diagnósticas construídas através
do contato com o paciente, sintomas ou queixas manifestadas, e as
possíveis intervenções psicoterápicas condizentes com as condições do
paciente, sua família, características de seu ambiente, etc. (p. 397).
Neste contexto, aponta as Consultas Terapêuticas de Winnicott,
especificamente o uso do Jogo de Rabiscos, como uma modalidade clínica que
57
possibilita experiências inovadoras em psicanálise. Ao levar em conta as
possibilidades comunicacionais do paciente, Winnicott não apresenta uma forma
de contato através de técnicas estanques, mas sim busca uma forma de facilitar a
comunicação de inconsciente para inconsciente, conforme nos afirma Motta
(2006).
Vale a pena recorrer à definição de psicoterapia feita por Winnicott
(1967/1975b):
Psicoterapia não é fazer interpretações argutas e apropriadas; em geral
trata-se de devolver ao paciente, a longo prazo, aquilo que o paciente
traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser
visto. Essa é a forma pela qual me apraz pensar em meu trabalho, tendo
em mente que, se o fizer suficientemente bem, o paciente descobrirá seu
próprio eu (self) e será capaz de existir e sentir-se real. Sentir-se real é
mais do que existir; é descobrir um modo de existir como si mesmo,
relacionar-se aos objetos como si mesmo e ter um eu (self) para o qual
retirar-se, para relaxamento. (p. 161).
Para Winnicott, portanto, o objetivo maior da psicoterapia é o de
resgatar a espontaneidade do paciente, sua capacidade de agir como verdadeiro
self, ou seja, possibilitar a emergência do gesto espontâneo (ABRAM, 2000).
A espontaneidade, a criatividade e a pessoalidade do terapeuta
também foram consideradas por Winnicott como seu principal arsenal terapêutico
(VILLELA, 2007).
Eis o que diz Winnicott aos terapeutas
Quando existe um brincar mútuo, então a interpretação, segundo os
princípios psicanalíticos aceitos, pode levar adiante o trabalho
terapêutico. Esse brincar tem de ser espontâneo, e não submisso ou
aquiescente, se é que se quer fazer uma psicoterapia. [...] Brincar,
essencialmente satisfaz. (1971/1975c, p. 76-77).
Parece-nos que, ao falar sobre um terapeuta que possa brincar,
Winnicott esteja se referindo àquele que consiga ser ele próprio no setting
analítico, criativo e espontâneo. Voltamos a questionar: Como pode o supervisor
facilitar a possibilidade da emergência da espontaneidade entre a dupla analítica?
58
Novamente recorremos a Winnicott, que nos oferece a noção de
holding
12
, de sustentação, no caso, o holding materno que, transposto ao setting
analítico, permite que este se configure em um ambiente confiável à dupla
terapeuta-paciente e, conseqüentemente, facilitador da emergência de gestos
espontâneos. A experiência terapêutica é possibilitada pela delimitação do
enquadramento do setting, com a definição do tempo e do espaço onde emerge a
confiança.
Villela (2007) oferece um olhar sobre a supervisão e o grupo de
supervisão aproximada ao holding, no qual a oferta de acolhimento por parte do
supervisor aos estagiários permite que se cumpra o papel no auxílio da aquisição
da capacidade criativa por parte do terapeuta/aluno.
Ao receber alunos no grupo de supervisão recorremos a um
enquadramento que o deixe seguro quanto ao que possa esperar de constante
neste grupo e em seu supervisor, oferece-se algo mais: a possibilidade do
estabelecimento de uma relação de confiança que pode facilitar a emergência da
espontaneidade dos estagiários também nesta situação. Com este acolhimento,
ofertado na supervisão, que pensamos na viabilidade de um mediador dialógico
facilitador de comunicação transicional entre a dupla supervisor -
supervisionando. Pensamos que este mediador devesse ter características que
facilitassem seu uso em situações terapêuticas para que o estagiário pudesse
perceber concretamente a sua potencialidade transicional.
Para tanto, o uso de mediadores no processo psicodiagnóstico,
especialmente nas primeiras entrevistas clínicas, e deste mesmo mediador na
supervisão, poderia favorecer verdadeiros e significativos encontros. No momento
em que refletíamos sobre qual mediador dialógico utilizar nestas situações,
deparamo-nos com o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema em nosso
grupo de pesquisa. Através de relatos da utilização deste Procedimento em
investigações científicas sobre imaginários sociais e também na clínica,
efetivados por colegas (FERREIRA-TEIXEIRA, 2006; TEIXEIRA, 2006;
TACHIBANA, 2006; BARRETO, 2006; MARTINS, 2007), pensamos na
possibilidade de seu uso na situação clínica vivenciada por nossos estagiários de
12
Holding: conceito winnicottiano que aparece no decorrer de toda a sua obra e se refere,
sucintamente, à sustentação física e psicológica oferecida pela mãe do recém-nascido, que
estabelece as condições básicas para que os processos de integração se desenvolvam
(GRANATO, 2004, p. 27).
59
forma a facilitar a comunicação da dupla estagiário/terapeuta – cliente. Além do
mais, consideramos que este uso poderia facilitar ainda a comunicação de
aspectos transicionais presentes no próprio grupo de supervisão, ao analisarmos
psicanaliticamente as narrativas dos estagiários sobre o uso deste Procedimento
em suas primeiras experiências na clínica com crianças.
Anterior à definição de nosso objetivo de pesquisa consideramos
pertinente a apresentação do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema
(AIELLO-VAISBERG, 1995, 1997, 1999), suas origens e sua potencialidade na
investigação psicanaliticamente orientada.
60
4 PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS COM TEMA
61
Chegamos ao Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, que
auxilia na identificação do imaginário. [...] Repensado à luz da
transicionalidade, a adaptação proposta por Aiello-Vaisberg revela-se
capaz de favorecer a expressão emocional de forma lúdica, relaxada,
não defendida [...]. (AIELLO-VAISBERG; AMBROSIO, 2006, p. 5).
Walter Trinca apresentou, em 1972, o Procedimento de Desenhos-
Estórias (D-E) e, posteriormente, o Procedimento de Desenhos de Família com
Estórias (DF-E) como métodos de investigação clínica da personalidade,
amplamente estudados por pesquisadores e utilizados no diagnóstico psicológico
e na psicoterapia (TRINCA, 1997). No início desta década, já havia referências ao
uso de D-E em mais de 100 trabalhos publicados, sendo mais de 30 teses de
doutorado e dissertações de mestrado com o seu emprego ou a seu respeito
(TRINCA; TARDIVO, 2000). Podemos destacar como exemplo, a Dissertação de
Mestrado de Tardivo (1985), que trabalhou com amostra de 80 crianças para o
estabelecimento de normas para o Procedimento de Desenhos-Estórias de Trinca
(1972).
Como técnicas de investigação clínica da personalidade, no
diagnóstico psicológico, D-E:
[...] são conhecidas como técnicas que não se prendem à fidedignidade,
à sensibilidade e à padronização própria dos testes psicológicos, mas
geralmente possuem a capacidade de conduzir uma exploração ampla
da personalidade e de pôr em relevo a dinâmica emocional dos
processos inconscientes. (TRINCA, 1997, p. 11).
Estes procedimentos surgiram em uma época na qual a pessoa do
psicólogo começava a ser valorizada como capacitada para captar e compreender
movimentos emocionais complexos, atualizando-se através de uma abordagem
que privilegiava a relação humana (TRAPÉ TRINCA, 1997). A relação bi-pessoal
passa a ser considerada e amparada pelos conhecimentos de fenômenos
psicanalíticos, tais como a transferência e contratransferência e a comunicação
não-verbal.
O Procedimento de Desenhos-Estórias encontra terreno fértil para
desenvolver-se, na medida em que se apresenta como um instrumento auxiliar na
captação de emoções e conflitos básicos dos pacientes, não se limitando às
configurações avaliativas fornecidas aprioristicamente (TRAPÉ TRINCA, 1997).
62
Importante, acreditamos, em acordo com Trinca e Tardivo (2000), é
salientar que esta técnica veio se inserir no processo psicodiagnóstico de tipo
compreensivo que “[...] trouxe uma abordagem clínica renovadora e uma visão
humanística integradora dos propósitos do diagnóstico psicológico” (p. 428).
A fundamentação do Procedimento de Desenhos-Estórias é baseada
nas teorias e práticas da Psicanálise, das Técnicas Projetivas e da entrevista
clínica, segundo seu autor (1997). A sustentação para essa fundamentação
baseia-se, essencialmente, na associação livre, na técnica de apresentação de
situações incompletas e sem estruturação, na liberdade de expressão do paciente
através da apresentação de um setting adequado, na proposição de que os
desenhos e as fantasias aperceptivas são modos preferenciais de comunicação
da criança e do adolescente (TRINCA, 1997). Posteriormente sua aplicação foi
estendida a todas as faixas etárias.
Aiello-Vaisberg (1997) demonstra que a perspectiva psicodinâmica
adotada por Trinca:
[...] se constitui através de um olhar informado pelo método psicanalítico,
o qual, por seu turno, possibilita, em termos técnicos, a existência da
psicologia projetiva, enquanto campo de criação e inventividade de
procedimentos investigativos tanto no que se refere à pesquisa
psicodiagnóstica (TRINCA, 1984) como à pesquisa acadêmica de todo
tipo. Ou seja, o método funda a perspectiva e harmonicamente,
possibilita a concepção de procedimentos coerentes. (p. 259).
O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema é criado por Aiello-
Vaisberg (1995; 1997; 1999) a partir do Procedimento de Desenhos-Estórias de
Trinca e, também como esse, envolve arte e técnica fundamentadas no método
psicanalítico, sendo extremamente produtivo em pesquisas sobre o imaginário
coletivo.
O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema consiste, conforme
palavras de sua idealizadora:
[...] na solicitação de um desenho especificado em termos temáticos:
desenhe uma pessoa gorda, um hospital, um menino de rua, uma
criança-problema, uma escola, o fórum etc. Em seguida, pede-se à
pessoa que vire a página e, em seu verso, invente uma história sobre o
que desenhou. Crianças, adolescentes e adultos dispõem-se bastante
facilmente a fazer uso deste instrumento, em aplicações individuais ou
coletivas. Quando o grupo é grande, usualmente cada indivíduo cria um
desenho-história. Em grupos pequenos, cinco ou até seis pessoas
63
podem desenhar e imaginar a história em conjunto. De todo modo, as
produções podem ser a seguir utilizadas pelo grupo no sentido de
elaborar suas experiências. (AIELLO-VAISBERG, 2004, p. 242-243).
A concepção deste Procedimento guarda algumas vantagens sobre
outros métodos projetivos, de acordo com sua autora, a saber:
a facilidade com que se pode treinar um pesquisador em sua aplicação;
a possibilidade de o material ser interpretado por outro pesquisador que não o
que aplicou o procedimento;
a particularidade, semelhante ao Desenho-Estória de Trinca (1972) que o
originou, de poder ser aplicado em sujeitos de qualquer faixa etária, em
diferentes condições psicopatológicas, com variados níveis intelectuais, em
diferentes idiomas, inclusive diferente do pesquisador;
a possibilidade de aplicação coletiva ou individual.
Devemos enfatizar aqui o fato de a autora conceber o Procedimento
referido como apresentativo-expressivo e não como projetivo, tendo em vista a
perspectiva transicional com a qual trabalha. Analisando criteriosamente o termo
projeção, observa que este tem sentido psicanalítico metapsicológico ao situar-se
como mecanismo de defesa, através do qual o individuo transfere conteúdos
psíquicos para o outro, mesmo que apenas em termos representacionais
(AIELLO-VAISBERG, 2004). Utilizado como mediador dialógico, a partir de uma
perspectiva intersubjetiva, não podemos falar em projeção como uma maneira de
fazer inconsciente, mas sim enquanto fenômeno, como condutas de um ponto de
vista blegeriano no qual “acontecem sem que o indivíduo conheça uma motivação
que é evidente desde um outro ponto de vista” (AIELLO-VAISBERG, 2004,
p. 118). Pelo fato de ser proposto pelo terapeuta, acrescenta que devemos falar
em apresentação do Procedimento e também devido ao fato de o paciente
expressar a singularidade de seu ser, naquele momento e situação, designa este
acontecer como apresentativo-expressivo.
A utilização deste Procedimento foi objeto de pesquisa psicanalítica
realizada por Borges (1998) que, embasada nas contribuições teóricas de
Winnicott, principalmente o conceito de espaço potencial, conclui que a técnica
64
empregada facilita a aliança terapêutica pela expressão subjetiva, verbal e
emocional entre a criança e seus pais. O procedimento adotado mostrou-se útil
na investigação e elaboração diagnóstica, na facilitação da comunicação com a
terapeuta e na elaboração psíquica.
O interesse pelo uso do Procedimento como mediador dialógico,
facilitador de comunicação verdadeira, no sentido winnicottiano, entre estagiários
de psicologia e seus pequenos pacientes remete ao conceito de transicionalidade
elaborado por Winnicott, e já trabalhado no capítulo 3.
O uso deste Procedimento é apenas sugerido aos nossos estagiários e
não uma obrigatoriedade nos psicodiagnósticos que realizam. O enquadramento
das atividades clínicas que realizam é o do psicodiagnóstico interventivo,
embasado na psicanálise proposta por Winnicott. Neste sentido não há como
estabelecer a “brincadeira” antes de conhecer a criança com a qual
“brincaremos”. Em cada encontro há uma possibilidade de comunicação, com um
colorido único desta vivência.
Aiello-Vaisberg e Ambrósio (2006) afirmam que o Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, repensado à luz da transicionalidade
[...] revela-se capaz de favorecer a expressão emocional de forma lúdica,
relaxada, não-defendida, prestando-se à ampla utilização em pesquisas
que abarcam diferentes grupos e figuras sociais: psiquiatrizados, obesos,
adotados, entre muitos outros. Com o aumento da experiência,
chegamos finalmente a compreender que este Procedimento é um
recurso mediador, quando usado nas nossas Consultas Terapêuticas
Individuais e Coletivas, um de nossos enquadres diferenciados
transicionais, equivale ao rabisco winnicottiano. (p. 5).
Em nossa concepção de pesquisa também aceitamos, em
conformidade com o que fazem Aiello-Vaisberg e Ambrósio (2006), o convite feito
por Winnicott de sermos psicanalistas
fazendo uma outra coisa. No caso, sermos
supervisor e pesquisador com uma proposta metodológica de pesquisa
psicanaliticamente orientada e caracterizada pelo uso de estratégia apresentativo-
expressiva – o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema – no psico-
diagnóstico interventivo, pelo uso do holding como proposta de supervisão e de
atendimento clínico.
Nossa questão primordial é a de que este enquadre revele-se como
potencialmente capaz de possibilitar a expressão de comunicação verdadeira e
65
propiciadora de, conforme as palavras inspiradoras de Aiello-Vaisberg e Ambrósio
(2006), “[...] criação/ transformação da realidade, permitindo a assunção de novas
e diferentes posturas de vida, a busca por novos sentidos de existência” (p. 6).
Utilizamos o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema em
psicodiagnósticos realizados por estagiários de psicologia em Unidades Básicas
de Saúde a partir desta possibilidade mediadora, como um recurso dialógico,
passível de ser usado pelo aluno de graduação, mas não como técnica que
faculta a apreensão dos determinantes inconscientes da personalidade de cada
paciente.
Nosso intuito é obter conhecimento do imaginário social que podem
motivar condutas inconscientes de pais e crianças encaminhadas à saúde mental
pública e estabelecer um diálogo verdadeiro com estas pessoas.
Neste sentido, nosso trabalho se insere no Projeto Integrado da
Professora Livre Docente Tânia Maria José Aiello Vaisberg: Sofrimento Humano e
Exclusão Social: Pesquisa de Enquadres Diferenciados para Abordagem
Psicanalítica Preventiva de Condutas Preconceituosas, haja vista o uso de
enquadre clínico diferenciado, com o Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema, no contexto da Instituição de Saúde Pública.
66
5 OBJETIVO
67
O presente trabalho tem como objetivo verificar, a partir de uma
perspectiva psicanalítica, o potencial clínico do uso do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, concebido como recurso dialógico facilitador de
comunicações emocionais significativas, em primeiras entrevistas realizadas por
alunos de graduação em psicologia.
Definimos comunicações emocionais significativas como aquelas
possibilitadoras, no encontro aluno-paciente em um espaço transicional, de um
contato mais verdadeiro e criativo com a realidade, capaz inclusive de transformá-la.
É importante destacar que, sobre a configuração deste enquadre
clínico, articulam-se duas questões, a nosso ver indissociáveis, que são: a
potencialidade do uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema em
termos heurísticos e sua potencialidade para a formação clínica do aluno de
psicologia.
Inscreve-se, pois, este trabalho como pesquisa clínica de enquadre
diferenciado em primeiras entrevistas no psicodiagnóstico interventivo. Enquadre
diferenciado entendido como uso do método psicanalítico voltado a propiciar um
manejo de setting, no caso com utilização de mediador dialógico, capaz de
facilitar a comunicação emocional de modo transicional e, eventualmente,
transformador.
68
6 ESTRATÉGIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS
69
É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem
sua liberdade de criação. (WINNICOTT, 1971/1975d, p. 79).
Hoje não se trata tanto de sobreviver como de saber viver. Para isso é
necessária uma outra forma de conhecimento, um conhecimento
compreensivo e íntimo que não nos separe e antes nos una
pessoalmente ao que estudamos. (SANTOS, 1987, p. 53).
6.1 O Paradigma Intersubjetivo
Concebemos a pesquisa psicanalítica como essencialmente inserida
em um paradigma intersubjetivo de ciência, portanto qualitativo, tanto no sentido
oposto ao paradigma quantitativo/positivista, quanto ao fato do olhar investigativo
deter-se no sentido humano das pessoas.
Para Herrmann (2004), a forma peculiar de ver a psicanálise define seu
método. Nossa prática clínica psicanalítica repousa no reconhecimento de que a
psicanálise, enquanto método consiste, fundamentalmente na busca dos
determinantes lógico-emocionais que estruturam as condutas humanas
(HERMANN, 1979). As condutas humanas, conforme definição de Bleger (1963),
devem ser consideradas como objeto de estudo da ciência psicológica e
entendidas como toda e qualquer manifestação do ser humano. Este autor utiliza
o conceito de conduta humana que se atualiza e pode se expressar em três
diferentes áreas: a do corpo, a da mente e a da atuação no mundo, sem, contudo,
desvincularem-se, sendo unitárias em sua essência, porém podendo manifestar-
se com o predomínio de uma sobre a outra – ou outras.
Aiello-Vaisberg e Machado (2000) afirmam que esta admissão do
conceito de conduta por Bleger o faz adotar
[...] posição epistemológica que supera o dualismo corpo-mente e
estabelece uma relação dialética entre ambos. Simultaneamente, ao
definir tais manifestações como essencialmente vinculares, torna inviável
a desconsideração das condições concretas da existência humana,
firmando, deste modo, uma visão do homem como ser essencialmente
social [...]. Bleger vai, contudo, enfatizar que o drama humano é
necessariamente forjado, desde tenra idade, na relação com outrem, de
modo que seu significado íntimo só é susceptível de ser desvendado
com base nas experiências vitais do sujeito em questão (p. 31-32).
70
A Psicanálise nos ensina, entretanto, que o significado e o sentido das
condutas do homem podem permanecer inconscientes “[...] o que requererá a
aplicação do método psicanalítico ao estudo psicológico da conduta” (AIELLO-
VAISBERG; MACHADO, 2000, p. 31). Tais autoras acrescentam ainda que o
método psicanalítico pode ser concretizado pelo uso de diferentes técnicas,
dependendo dos objetivos pelos quais se realiza a investigação/intervenção
psicanalítica, processos que consideram indissociáveis neste campo do saber. As
técnicas, por sua vez, no caso de psicodiagnósticos, concretizam-se, por
exemplo, pela utilização de procedimentos projetivos e/ou apresentati-
vos/expressivos
13
.
No entanto observam-se, no âmbito da produção acadêmica
psicanalítica, pesquisas que evidenciam formas variadas de articulação entre
investigação científica e psicanálise (PINTO; AIELLO-VAISBERG, 2001). Há uma
ambigüidade também presente no seio da psicanálise que se reflete em duas
possíveis metodologias de pesquisa: uma baseada na teorização metapsicológica
freudiana, próxima do paradigma da ciência moderna, e outra que faz uso da
metodologia psicanalítica em consonância com um paradigma intersubjetivo.
Aiello-Vaisberg (2004) afirma que existem duas abordagens do homem
sendo consideradas como psicanálise: por um lado, temos a atividade clínica,
facilitadora de transformações existenciais a partir do encontro inter-humano, por
outro temos uma teorização biologizante.
Entendemos ser imprescindível, pois, definirmos claramente a que
método nos referimos em nossos procedimentos de pesquisa.
Silva (1993) considera útil que, para definirmos uma ciência,
apresentemos seu objeto e seu método de investigação. Define como objeto da
psicanálise o inconsciente que, organizado a partir de nossos desejos, manifesta-
se à consciência e daí no ambiente.
O método da psicanálise apresenta-se, ainda de acordo com Silva:
[...] com uma dupla face: de um lado, a associação-livre – a oferta do
material sem crítica ou intenção determinada; e, de outro, a atenção
flutuante – captação de material sem crítica ou intenção pré-determinada
[...] o método da psicanálise caracteriza-se por abertura, construção e
participação. (1993, p. 20).
13
O termo apresentativo/expressivo é usado por Aiello-Vaisberg (2004) no lugar do vocábulo
projetivo em virtude da perspectiva transicional com a qual trabalha, conforme já apresentamos
em capítulo anterior.
71
O método interpretativo da psicanálise não se restringe, por certo, aos
tratamentos de consultório. Antes pode, e deve ser estendido ao sentido psíquico
do mundo, à clínica extensa e ao estudo da psique cultural, segundo Herrmann
(2004). Para este psicanalista a chave da pesquisa em psicanálise é o método
psicanalítico, que une a clínica e a pesquisa, separadas por suas respectivas
técnicas.
A visão de Aiello-Vaisberg (2004), baseada na proposta blegeriana,
segundo a qual “[...] a psicanálise estuda o mesmo fenômeno das demais ciências
humanas, o ser humano, em seu acontecer concreto e inevitavelmente situado”
(p. 124), inclusive no sentido emocional, parece-nos coerente com a psicanálise
que pretendemos tomar enquanto método. Esta abordagem psicanalítica, neste
sentido, está atenta ao campo experiencial humano, em suas dimensões
consciente e inconsciente (AIELLO-VAISBERG, 2004).
A conduta humana pode ser abordada, para Aiello-Vaisberg (2004), no
espaço individual ou coletivo, pela adoção das concepções de Bleger (1963)
sobre os campos da conduta. Considerando a indicação dos três campos
propostos por este autor, temos: o campo ambiental, visto a partir de uma
perspectiva externa à pessoa concreta; o campo psicológico, de caráter vivencial;
e o campo da consciência, que é uma diferenciação do campo psicológico. O
campo psicológico, portanto, pode ser definido como o campo vivencial não
consciente que, sendo relativo a fenômenos individuais e coletivos, pode ser
concebido, segundo Aiello-Vaisberg (2004), como campo psicológico relativo.
Aiello-Vaisberg (2004) conclui que “[...] A abordagem psicanalítica do
fenômeno humano consiste, pois, na transformação de campos psicológicos não
conscientes, se nos mantivermos fiéis à proposta blegeriana” (p. 125). A conduta
refere-se, portanto, ao acontecer humano, concebido como experiência dramática
dotada de múltiplos sentidos, muitos deles desconhecidos, inconscientes
(AIELLO-VAISBERG; MACHADO, 2004).
Lembremos que o método psicanalítico, criado por Freud para atender
pacientes neuróticos individualmente, constitui-se classicamente em dois
processos: a livre-associação e a atenção flutuante ou eqüiflutuante. As
definições destes processos indicam que ambos incidem sobre o discurso verbal,
no qual Aiello-Vaisberg e Machado apontam que as crianças também “dizem
enquanto brincam” (2004, p. 6).
72
Estas autoras consideram o pensamento e o discurso como
pertencentes a um conjunto maior, o das condutas que expressam a
pessoalidade, e podem ser pensadas, baseando-nos em Bleger (1963) como
linguagens expressivas. Daí concluem:
Então, a regra fundamental é aquela que busca a expressão pessoal
enquanto expressão da dramática existencial. Pode acontecer em registro
verbal discursivo ou não. Por outro lado a atenção equiflutuante é a nosso
ver uma atitude fenomenológica de suspensão de juízos e conhecimentos
prévios e de abertura e acolhimento à expressão. (AIELLO-VAISBERG;
MACHADO, 2004, p. 6).
Neste sentido, a atenção flutuante é uma atitude que inclui nossos
valores e crenças, intelecto e afeto, “[...] porque estou diante de um outro que
expressa dramáticas do viver humano, algo que me afeta, que me implica”
(AIELLO-VAISBERG; MACHADO, 2004, p. 6).
Quando pensamos a pesquisa acadêmica psicanaliticamente, esta
dimensão do investigador também pode e deve ser considerada, visto o
abandono que propomos do empirismo ingênuo, considerando a impossibilidade
da separação sujeito e objeto de pesquisa.
Nossa proposta de pesquisa psicanalítica, portanto, repousa no
paradigma intersubjetivo ao considerar e incluir o próprio pesquisador como
implicado na investigação que realiza com toda sua pessoalidade. Além disso,
inclui o estagiário de psicologia clínica como sujeito de pesquisa, implicado
também com seus valores, crenças, intelecto e afetos nas experiências clínicas e
de supervisão psicanalítica, pelas quais passa em sua formação.
6.2 Considerações sobre Ética nas Práticas Institucionais e
Pesquisa Interventiva
Ao observarmos as práticas institucionais que os psicólogos
desenvolvem na atualidade, faz-se necessário pensarmos na postura ética que
este profissional deve assumir. A mudança paradigmática, com a adoção da
intersubjetividade nas relações psicólogo-paciente, que também declaramos
73
acatar em nossos procedimentos de pesquisa, torna imperioso que observemos o
que Andrade e Morato (2004) denominam deslocamento do saber, um
posicionamento ético no qual há uma construção conjunta de sentidos e não uma
verdade a ser transmitida. Eis o que dizem a respeito
Nas práticas psicológicas faz-se necessário, pois, que o psicólogo se
despoje do lugar de especialista, portador de um saber a ser transmitido
e passe a funcionar como um mediador, um entre, que acolhe a
produção emergente nos diversos encontros. (p. 347).
Estas autoras ainda observam as formas como os psicólogos que
trabalham em instituições procuram intervir na atualidade. Alguns tendem a
reproduzir os modelos tradicionais de atendimento psicológico, entretanto
“travestem” estas intervenções em técnicas e/ou métodos alternativos, tais como
trabalhos com grupos ou trabalhos coletivos. Andrade e Morato (2004) criticam,
neste caso, o fato deste profissional permanecer como um especialista centrado
nos “problemas psicológicos” da população, reproduzindo os valores e as crenças
dominantes que ditam que somente os fatores psicológicos são responsáveis pelo
sofrimento destas pessoas.
O oposto a esta postura seria aquela na qual o psicólogo assume o
trabalho assistencialista, partindo do pressuposto de que a população, sendo
deficiente nos aspectos socioeconômico e cultural necessita ser ajudada e
conscientizada desta “deficiência”, inclusive para reivindicar melhorias,
politicamente. Trata-se, ainda de acordo com as autoras acima citadas, de um
profissional que age como se as pessoas por ele atendidas permanecessem em
um lugar de passividade enquanto outro agiria em seu favor. Esta postura
mantém o estranhamento entre a dupla psicólogo-população atendida, na medida
em que este profissional permanece como detentor de um saber.
Em ambas as posições expostas, os profissionais
[...] permanecem na crença e postura de quem sustenta um saber sobre
o que é melhor, mais saudável, ou mais transformador para aquele
grupo. Permanece uma dimensão moral que pressupõe verdades
universais sobre relacionamentos psicossociais. A dimensão ética de
acolhimento emergente no encontro, no grupo, está completamente
ausente nesta postura ditatorial de a prioris. (ANDRADE; MORATO,
2004, p. 347).
74
Postulamos, portanto, um trabalho que seja construído no entre, na
transicionalidade winnicottiana, que signifique uma construção conjunta com a
população atendida nas UBS, que leve em consideração o conhecimento, as
ações e a implicação que a população já possui sobre seus problemas, de
qualquer ordem que estes sejam. Um trabalho desta magnitude pressupõe a
adoção de um paradigma de ciência e vida que sempre busque contemplar o que
existe de concreto no sofrimento e história de vida dos sujeitos implicados neste
encontro, de maneira conjunta.
Por certo não se trata de desconsiderar o saber psicológico, mas sim
tomá-lo juntamente com as dimensões políticas e éticas do grupo acolhido pelo
psicólogo em sua prática.
As reflexões sobre as demandas sociais requerem, portanto, uma
busca por um fazer psicológico que redimensione as práticas psicológicas
institucionais. Neste sentido, a formação profissional deve também ser revisitada,
de modo a contemplar esta nova realidade que se impõe ao psicólogo, conforme
já discorremos em capítulo anterior. A necessidade de repensar tanto a ação
quanto a formação profissional de psicólogos que atuam na área da saúde leva
também a se pensar na necessidade de problematizar a questão do sofrimento
humano em diversas situações, entre elas a das instituições de saúde e a clínica
de consultório, conforme Andrade e Morato (2004). Estas autoras afirmam que
É essa dimensão da ética que demanda repensar a própria clínica,
redirecionando-lhe o sentido de modo a contemplar o espectro da
experiência do ser humano, plural e singular ao mesmo tempo,
atendendo a todas as formas de manifestações e expressões pessoais,
além da tradição cultural. Diz respeito à crença no ato transformador
que, para além da culpa assistencialista, dispõe-se a cuidar de quem
sofre, aceitando o desafio de confronto com o estranhamente diferente,
esperando que o assombro com o estranho, com acontecimentos
inesperados, propiciados por esta abertura para o mundo, possibilite a
criação de outras dimensões à
compreensibilidade da humanidade do
homem. (p. 351).
A sugestão destas autoras para que se abram possibilidades de
práticas clínicas e pedagógicas transformadoras no contexto contemporâneo é de
que se ofereçam subsídios teóricos para atender às novas demandas por serviços
a partir da formação de profissionais. Baseiam esta formação em projetos de
75
extensão universitária e em pesquisas interventivas, sugestão com a qual
concordamos.
Nosso trabalho de estágio, pautado pela extensão universitária,
contempla atendimentos psicológicos realizados por alunos em formação clínica.
Há uma clara intencionalidade formativa e de pesquisa interventiva no trabalho
que postulamos. Neste sentido, consideramos a indissociabilidade entre a
formação no contexto de saúde pública, a pesquisa produtora de conhecimento
científico neste lugar e a formação psicanaliticamente orientada em supervisão.
A pesquisa intervenção e a prática psicológica em instituições também
são objeto de reflexão de Szymanski e Cury (2004), que afirmam
A condição dupla de serviço psicológico e investigação científica obriga o
pesquisador a uma sujeição tanto às normas da ética da pesquisa com
seres humanos como às da prática psicológica. Exige conhecimentos
teóricos e metodológicos tanto da prática da pesquisa como da
profissional e, principalmente, a consideração dos usuários/participantes
como pessoas que são focos de cuidado, co-construtores do significado e
não “objetos” ou “sujeitos” de uma pesquisa. (p. 11).
Ao continuar suas considerações, afirmam que esta modalidade de
pesquisa preenche os princípios da epistemologia qualitativa tal como propostos
por Rey
14
que aponta que “[...] o processo de produção de conhecimento tem um
caráter interativo e a significação da singularidade pode ser considerada como
nível legítimo da produção de conhecimento” (SZYMANSKI; CURY, 2004, p. 11).
Entretanto, sabemos da complexidade da situação de pesquisa em
instituições de saúde mental e compartilhamos do pensamento das autoras
quanto à necessidade de rigor quanto à “[...] caracterização das condições das
mesmas e dos diversos cenários onde a atenção psicológica será traduzida sob a
forma de serviços de saúde mental” (p. 11).
Na busca por critérios de pesquisa os mais rigorosos possíveis no
cenário da saúde mental pública e na formação clínica de alunos de psicologia,
também concordamos com as vertentes para definição de critérios para situações
de implantação de plantão psicológico assinalados por Szymanski e Cury (2004),
a partir das propostas de Mahfoud
15
:
14
REY, F. G. La investigación cualitativa en Psicologia. São Paulo: EDUC, 2000.
15
MAHFOUD, M. Plantão psicológico: novos horizontes. São Paulo: Companhia Ilimitada, 1999.
76
1 - a vertente da instituição, que é responsável pela sistematização do serviço;
2 - a vertente do profissional, que no nosso caso é o estagiário/aluno que deverá
conviver com a possibilidade da emergência do não-planejado;
3 - a vertente do cliente, que deverá ser acolhido pelo profissional, na instituição,
em suas necessidades e/ou sofrimento;
4 - a última vertente sugerida pelas autoras citadas, é a do pesquisador, que no
nosso trabalho é o supervisor de estágio realizado na instituição de saúde
mental pública. Este deverá manter-se fiel à atitude científica, observando
apurado cuidado metodológico, sem, contudo, deixar de considerar as outras
vertentes que se apresentam em igual ordem de importância em seu trabalho.
O pesquisador é, em última instância, o responsável pela observância
de uma ética profissional e pessoal, para além das demandas institucionais e
formativas, ao se implicar com pesquisas com esta estrutura complexa, que se
efetivam em instituições de saúde mental envolvendo seres humanos.
Szymanski e Cury (2004) concluem que a pesquisa intervenção,
caracterizada como qualitativa, demonstrou ser uma possibilidade de formação de
profissionais, pesquisadores e de oferecimento de serviços psicológicos para uma
população carente de bons serviços públicos. Acrescentam ainda que esta
modalidade de pesquisa possibilita tanto que procedimentos de pesquisa se
convertam em novas práticas, quanto que novas práticas se tornem
procedimentos de pesquisa, contribuindo desta feita com o conhecimento teórico
em psicologia.
Reafirmamos, pois, nossa intenção de, por meio deste trabalho de
pesquisa interventiva, investigar práticas clínicas em instituições de saúde
pública, as quais demandam
[...] processo de criação e adequação de uma metodologia de pesquisa
apropriada aos fenômenos estudados em seus contextos naturais.
Respeitados o rigor dos procedimentos, o compromisso de construção
do conhecimento científico, a ética da prática profissional e a
responsabilidade social de oferecimento de serviços de qualidade para a
população. (SZYMANKI; CURY, 2004, p. 2).
Adotamos o método psicanalítico, conforme já exposto, e procuramos
trabalhar num campo intersubjetivo. Entretanto, também nos preocupamos em
77
observar rigorosamente o direcionamento proposto pelo Comitê de Ética em
pesquisa com seres humanos da PUC-Campinas. Os Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido dos “Sujeitos” foram previamente assinados, assim como a
Carta de Autorização da Instituição, sede da pesquisa, o Termo de
Consentimento dirigido aos pais das crianças em processo psicodiagnóstico, e o
Termo de Responsabilidade do pesquisador, todos com modelos Anexos III, IV, V,
e VI, respectivamente.
6.3 Cenário do Desenvolvimento da Pesquisa, Sujeitos e Proce-
dimentos
Nossos procedimentos de pesquisa compreendem mais de um cenário,
mas focalizamos principalmente o momento do encontro clínico de nossos
estagiários com seus pacientes em Unidades Básicas de Saúde (UBS) do
município de Assis, no interior paulista. Houve a participação de dezesseis
estagiários distribuídos em seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em um
Programa de Saúde da Família (PSF), embora tenhamos focado, neste trabalho,
somente os encontros efetuados nas UBS.
Outro cenário também importante para nós refere-se aos encontros de
supervisão, realizados em uma pequena sala do Curso de Psicologia da
Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), para
o qual trabalhamos. Trata-se de sala composta por uma mesa com cadeiras onde
nos reunimos semanalmente para discussões teórico-clínicas acerca dos
atendimentos realizados pelos alunos. A mesa é pequena e foi “estendida” com a
utilização de uma escrivaninha, as cadeiras são desiguais e ainda há armários e
uma pequena mesa para o telefone. Este é constantemente utilizado para nos
comunicarmos com as UBS.
As UBS são constituídas por equipe mínima de médicos, em geral
pediatra, ginecologista e um clínico geral, um ou dois psicólogos, além da
coordenação, que é da enfermagem, auxiliares de enfermagem, auxiliares
administrativos e de limpeza. O município possui sete Unidades Básicas de
78
Saúde. Entretanto, não nos foi possibilitado trabalhar em uma delas, por
dificuldades organizacionais no início do ano. Devido ao fato do estágio começar
em fevereiro, os alunos não poderiam esperar até que a UBS disponibilizasse
meios para o desenvolvimento do estágio, após este mês.
Este estágio tem seu início na primeira semana de fevereiro, com uma
reunião para organização das duas turmas de supervisão, que ocorre as quintas e
sextas-feiras, semanalmente. Os grupos são formados por alunos do quarto ano,
ingressantes, e do quinto, já pertencentes ao Núcleo de Estágio. São oito
estagiários na quinta e oito na sexta.
A rigor, realizamos psicodiagnósticos interventivos com crianças nestas
Unidades Básicas de Saúde (UBS), a partir da clínica psicanalítica próxima do
sofrimento humano presentificado diariamente nestas instituições de saúde
pública. Nestes psicodiagnósticos, que normalmente ocorrem, propusemos que
os estagiários utilizassem o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema da
“criança-problema”, utilizado com os pais das crianças em processo diagnóstico e
também com elas, durante as primeiras entrevistas clínicas que realizaram a partir
do mês de março e abril de 2007.
Estes estagiários foram orientados a usar este Procedimento somente
em caso de se sentirem dispostos e confortáveis em fazê-lo, naquela situação
específica e se a criança e seus pais aceitassem realizá-la. Semelhantemente à
técnica que já utilizavam com testes projetivos. Vale dizer que os alunos já
conheciam o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema e alguns, os
veteranos no Núcleo, já o haviam utilizado na prática clínica. Quando nos
deparamos com o Procedimento em nosso Grupo de Pesquisa da PUC-
Campinas, já iniciamos reflexões sobre seus possíveis usos na clínica psicológica
efetivada em instituições de Saúde Pública. No entanto, solicitamos a todos
nossos alunos com estágio curricular obrigatório sua participação como sujeitos
desta pesquisa, tornando-os cientes da não obrigatoriedade desta e, aos que
aceitaram participar, pedimos que lessem e assinassem o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo se encontra Anexo III.
Assim sendo, nossos sujeitos de pesquisa foram, na verdade, todos
nossos estagiários curriculares, sendo sua atuação clínica nosso objeto de
reflexão psicanalítica, muito embora tenhamos nos focado especificamente em
duas práticas.
79
Os psicodiagnósticos são rotineiramente realizados nestas UBS,
tornando-se nosso procedimento clínico, o qual é de nossa inteira
responsabilidade, conforme apresentação de Termo de Responsabilidade, em
Anexo IV.
Nossos procedimentos de pesquisa propriamente ditos consistiram em:
informar sobre o objetivo da pesquisa e pedir que os estagiários lessem com
cuidado e assinassem os termos de consentimento;
solicitar que os estagiários fizessem uso do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema da “criança-problema”, eticamente comprometida, nas
primeiras entrevistas clínicas referentes ao processo psicodiagnóstico que
efetuassem com seus pacientes nas UBS, caso julgassem pertinente no
momento destas entrevistas;
solicitar que, após este uso, os estagiários escrevessem narrativas
psicanalíticas, individualmente, e levassem para a supervisão clínica, que é
realizada semanalmente;
analisar, durante a supervisão clínica, psicanaliticamente, todos os
procedimentos utilizados e narrados verbalmente pelos estagiários na
supervisão;
utilizar para análise de pesquisa os primeiros procedimentos apresentados
pelos estagiários, no total de dois procedimentos;
confeccionar, a própria pesquisadora, uma narrativa sobre a formação do grupo
de supervisão, a utilização do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema
“criança-problema” feita pelos estagiários e suas respectivas narrativas.
Nossa preocupação não foi normatizar excessivamente os procedi-
mentos de pesquisa, em função do paradigma que adotamos, que assume a
possibilidade de acolhimento do não planejado, porém consideramos um recorte
para efetuarmos nosso estudo com fenômenos da clínica como mediador
dialógico. Inicialmente, inclusive, havíamos planejado utilizar para análise mais de
duas narrativas dos estagiários, mas percebemos que não seria necessário, em
virtude de dois casos já serem suficientes para nossa reflexão e objetivo de tese.
Podemos considerar que temos dois sujeitos e que a análise somente
do material trazido por eles tenha sido nosso objeto de pesquisa, mas sabemos
80
da participação de todos do grupo na discussão deste material. Não
conseguiríamos dimensionar a influência de cada um na formação do outro.
Procuramos narrar o acontecer clínico destes dois casos e buscar sua
compreensão a partir da vivência em supervisão e do uso da teoria psicanalítica,
pautados pela observância da ética nos estudos com seres humanos. A
observação do sigilo e do respeito às pessoas que realizaram os Procedimentos
foi mantida em todas as etapas do processo clínico e de pesquisa.
6.4 Narrativas Psicanalíticas
Optamos pelo uso de narrativas psicanalíticas como estratégia de
investigação por considerá-las uma forma de comunicação fiel ao método
psicanalítico. Ao cultivar a atenção flutuante no acontecer clínico, os próprios
terapeutas, no caso alunos/estagiários e também o supervisor, tornam-se os
narradores ao fazer uso da associação-livre, a partir da comunicação estabelecida
com o paciente.
Benjamim (1936/1992) destaca que as narrativas não possuem objetivo
descritivo ou informativo e não há tentativa de transmissão de informação pura do
fenômeno. Neste sentido, há um envolvimento emocional do narrador com sua
pessoalidade. O narrador é a pessoa que se coloca, com sua capacidade de
sentir o encontro e o descreve através de seu olhar.
Em um contexto de pesquisa psicanalítica embasada teoricamente em
preceitos winnicottianos, podemos afirmar que ao narrar um acontecer clínico, nós
permitimos um devir, para que novos movimentos narrativos ocorram. Granato e
Aiello-Vaisberg (2004) pensaram o trabalho do psicanalista-pesquisador
relacionado metaforicamente com o narrador-artesão, segundo construção de
Benjamim (1936). Comentam que o artesão, o narrador e o psicanalista recebem
do passado o material para seu trabalho,
[...] observe-se que esse passado não é morto, porque é da ordem do
vivido e a questão temporal não impera sobre a questão do sentido, já
que nosso enfoque é o acontecer humano que, atravessando eras, liga-
nos uns aos outros numa trama em que a conduta humana é
81
reconhecida como tal [...] ao receber do outro a matéria-prima do viver,
tem início o trabalho artesanal, onde histórias são tecidas por mãos que
preservam a habilidade de lidar com seus objetos de maneira criativa e
delicada, confeccionando o novo a partir do antigo, nesse esforço
paradoxal de conservar e transformar a natureza daquilo que lhe foi
dado, segundo o si mesmo. Dessa artesania pode surgir um vaso, um
entalhe, uma colcha, uma escultura, uma história, uma narrativa
psicanalítica. (p. 269)
As autoras dizem que, ao expor o fruto de seus trabalhos, tanto o
artesão, quanto o psicanalista, mostra “[...] ao outro para que dele se aproprie,
fazendo-o vivo nas mãos do futuro, mãos que trabalham no sentido de sua
continuidade enquanto objeto humanizado” (p. 269).
Especificamente, nossa proposta metodológica de investigação pedirá
a confecção de narrativas pelos estagiários após o uso do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, que permitirão novas narrativas em grupo de
supervisão que também serão analisadas psicanaliticamente pelo investigador,
sempre implicado com sua pessoalidade em todos os movimentos de pesquisa.
Segundo Aiello-Vaisberg e Machado:
A narrativa faz sentido num contexto epistemológico que não considera a
presença do observador como um ruído inevitável, que distorce o
verdadeiro e o real. Ao contrário, pensamos que a presença, a
pessoalidade do pesquisador é a via de acesso pela qual podemos
chegar a produzir conhecimento psicológico sobre a dramática
existencial humana. Deste modo, é importante frisar que o processo de
elaboração da narrativa parte da idéia de que a pessoalidade do
pesquisador é parte constitutiva do acontecer clínico. (2005, p. 8).
Nossos procedimentos de pesquisa tiveram, portanto, um espaço em
supervisão clínica semanal. Após a confecção das narrativas pelos estagiários a
partir do uso do Procedimento citado, estes apresentavam ao grupo de
supervisão suas produções, numa interlocução possível entre os autores, o
supervisor e os colegas estagiários deste grupo.
Confeccionamos, assumindo nosso papel de psicanalista/pesquisador,
um texto reflexivo que constitui, nesta pesquisa, nossa própria narrativa. A
formação clínica de nosso aluno, evidenciada pelo procedimento de pesquisa
exposto, é focalizada por meio do campo transicional no qual estudamos o uso do
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema.
82
6.5 A Escolha do Tema “Criança-Problema”
O tema da “criança-problema” começou a ser delineado a partir do
início de 2006, quando pensamos em utilizar o Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema objetivando investigar o imaginário de pais de crianças que
passavam por psicodiagnóstico em Unidades Básicas de Saúde. Nosso intuito
então era verificar o que havia motivado a procura destes pais por ajuda
psicológica para seus filhos.
Neste período, estávamos sendo apresentados ao Procedimento
referido em nosso grupo de pesquisa da PUC-Campinas e líamos alguns livros e
textos referentes a esta temática. Entre os livros que consultamos estava o de
Walter Trinca, Formas de Investigação Clínica em Psicologia, de 1997, no qual há
um capítulo de Tânia Maria José Aiello-Vaisberg, intitulado ”Investigação de
representações sociais”. A leitura deste texto foi determinante para a escolha do
tema que procurávamos com aquele objetivo. Especificamente, ao discorrer sobre
vantagens práticas do uso do Procedimento, a autora refere
De fato, consiste a aplicação no pedido de um desenho temático:
desenhe um doente mental, um deficiente físico, uma pessoa gorda, um
menino com dificuldade de aprender, um menino que faz xixi na cama,
um gênio, um velho, uma criança-problema, um hospital psiquiátrico,
uma escola, férias felizes etc. (1997, p. 272). (grifo nosso).
Imediatamente, este tema nos chamou a atenção, visto tratar-se de
uma fala recorrente entre os pais e/ou responsáveis pelas crianças que já
atendíamos nas UBS: “a criança dá problema na escola”, “dá problema em casa,
é muito briguenta,...”, “não vai bem na escola, é um problema”, etc. Podemos
dizer que criamos/encontramos o tema para trabalharmos nesta época e,
posteriormente, investigarmos a sua potencialidade transicional.
Optamos por manter este tema na pesquisa pelo fato de o mesmo já
ser conhecido por alguns dos estagiários, que já haviam usado o Procedimento
com este tema durante procedimentos diagnósticos que realizaram no ano de
2006, e também devido ao fato deste ser, aparentemente, de fácil compreensão
pelos pais/participantes destes psicodiagnósticos.
83
Houve, inclusive, utilização do Procedimento de Desenhos-Estórias
com Tema da “criança-problema” em 2006, que foi por nós considerada
surpreendente e transicional para a dupla terapeuta-cliente. A partir deste uso,
percebemos a necessidade e a importância de investigarmos a potencialidade
transicional do uso do Procedimento como mediador dialógico, e também como
facilitador da inserção do aluno de Psicologia na prática clínica psicanalítica de
forma mais relaxada e, portanto, menos defendida.
6.6 Narrar desde o Começo: a Formação dos Grupos de
Supervisão
Todo ano organizo novos grupos de supervisão que iniciam estágio em
fevereiro do ano seguinte. Mal me despeço dos alunos que se formam e já tenho,
obrigatoriamente, que criar/encontrar novos alunos para dar continuidade ao
trabalho desenvolvido tanto na rede pública, quanto na Clínica-Escola,
denominada na UNESP/ASSIS de Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada
(CPPA). Meus estagiários atuam predominantemente na rede pública. Entretanto,
mantive ao menos um atendimento psicoterápico na Clínica-Escola, para que
meus alunos/estagiários tenham a possibilidade de viver ambas as experiências
institucionais e, inclusive, possam analisá-las criticamente.
A seleção de estágio ocorre, em geral, no mês de outubro. Cada
supervisor organiza e apresenta, nos meses que antecedem à seleção, seu
projeto de estágio (em Anexo I, o projeto curricular que coordeno), tanto de forma
escrita quanto verbal, visto haver uma apresentação conjunta dos docentes de
cada Departamento - que também respondem às questões dos alunos
interessados. A partir desta divulgação os alunos optam pelo estágio e participam
do processo seletivo.
No meu caso, realizo uma pequena prova escrita e, após, entrevista
individual com todos os alunos que optaram por minha supervisão. Desta forma,
todos discorreram livremente sobre a seguinte questão: Qual a importância da
primeira entrevista na clínica psicanalítica com crianças?
84
Na entrevista individual estes alunos foram consultados sobre o
interesse específico pelo trabalho com crianças na rede pública de saúde e sobre
possíveis contatos anteriores com a abordagem psicanalítica ao longo do curso,
especialmente na clínica com crianças.
Nesta seleção, privilegio os alunos que já entraram em contato com a
teoria psicanalítica, especialmente aqueles que tenham realizado curso de
extensão sobre Psicanálise e tenham respondido adequadamente à questão
proposta. Infelizmente ainda não dispomos em nosso currículo de curso
específico que apresente a Psicanálise tal como proposta por Winnicott.
Nos textos referentes à primeira questão, pude observar uma grande
preocupação dos alunos em teorizar acerca da primeira entrevista, o que me
pareceu natural, afinal ainda não haviam vivenciado tal experiência. No entanto,
percebi que a grande maioria se colocou na posição do psicólogo que deve
dominar a técnica para conduzir o paciente e seus pais a uma terapia, de forma
que este “domina o saber” e o ‘outro’, aqui representado pelos pais e criança, são
meros informantes.
Neste trecho do texto de um aluno, que foi selecionado para o estágio,
pude observar esta posição:
“A primeira entrevista faz parte do psicodiagnóstico e é muito
importante na clínica infantil psicanalítica, porque o primeiro
contato do paciente e os pais é de cunho essencial para saber da
queixa da família e do histórico da vida do paciente. Nessa
primeira entrevista acontece a anamnese [...] Essas informações
são muito relevantes porque através delas o profissional poderá
formular hipóteses sobre os ‘problemas’ daquele paciente e
poderá se orientar no momento de escolher um teste para avaliar
algum aspecto, por exemplo”.
Logo percebi que o contato inter-humanos fica relegado a segundo
plano nesta primeira entrevista. Este discurso parece refletir o que foi assimilado
nas disciplinas que trabalham o diagnóstico psicológico e entrevistas. O psicólogo
já assume a postura teorizante e avaliadora, possivelmente utilizada como defesa
85
por nossos alunos perante a ambivalência do desejo e o medo de viver a primeira
experiência clínica. Pude notar que a angústia é predominante no imaginário de
nossos alunos na vivência do primeiro encontro na clínica com crianças.
Entretanto, também observei possibilidades de um olhar mais humano e próximo
do outro neste primeiro encontro:
“A primeira entrevista é aquela com a qual o psicólogo tem o
primeiro contato com a criança. Esse primeiro contato é um
momento muito importante, pois é nessa hora que a criança
‘escolhe’ o psicólogo [...] O mesmo acontece com o psicólogo”.
“Conhecer o caso, conhecer o que os pais da criança e o que ela
própria vem nos dizer é essencial não só para nós psicólogos
entendermos o que está acontecendo, mas também para a
própria criança, e para as pessoas com quem convive, sejam
seus pais ou não, escutarem o que elas próprias estão vindo nos
dizer, e o que nós temos a dizer à elas”.
“Durante a primeira entrevista na clínica infantil psicanalítica o
psicólogo deve privilegiar os seguintes aspectos: o acolhimento e
a escuta. Isso porque, neste momento, a família que procura os
serviços de um psicólogo tem algo que julga problemático com
seus filhos e, portanto, precisa de auxílio. Dessa forma, acolher
a família e escutar a sua queixa são os pontos principais que
dão importância à primeira entrevista”.
A partir destas possibilidades, de um contato mais significativo e real
entre as pessoas envolvidas na primeira entrevista clínica, que busquei iniciar as
discussões para os encontros que meus alunos, efetivamente, realizam na rede
pública de saúde.
Foram assim selecionados dez alunos do quarto ano do Curso de
Psicologia que não haviam tido nenhum contato com a clínica psicológica e que
se juntaram a seis outros, já participantes de nosso projeto de estágio.
86
Como considero muito difícil trabalhar com um grupo desta proporção
em supervisão clínica, todo ano divido este grupo em dois subgrupos utilizando o
critério de mesclar alunos “novos” com alunos “veteranos”. Assim penso
proporcionar que a vivência dos estagiários que já iniciaram na clínica com
crianças seja facilitadora aos que ainda não o fizeram. Os alunos podem, desta
maneira, compartilhar suas angústias, vivências e superações, permitindo assim
que estes encontros sejam possibilitadores de criação de novas formas de
pensar/viver a clínica com crianças.
Foram organizados dois grupos que se encontram em supervisão na
quinta e na sexta-feira, semanalmente, com início as 08h30min, mas sem horário
pré-determinado para o encerramento. Em geral, duram, em média, cinco horas,
pois todos querem dividir suas experiências e ansiedades e partilhar as dos
colegas.
6.7 Narrando o Início dos Encontros de Supervisão
Após a divulgação do resultado do processo seletivo, sempre agendo
um encontro com os novos estagiários para discorrer sobre o início das
supervisões, sobre um pequeno curso de triagem oferecido pelo Grupo de Estudos
e Assistência à Infância (GEAI)
16
e sobre o estágio propriamente dito para o ano
seguinte. Este foi um momento menos tenso onde havia certa confraternização e
os alunos, já aqui chamados de estagiários, começam a formar um grupo.
Neste ano há três homens e sete mulheres do quarto ano, junto com
mais dois homens e quatro mulheres do quinto ano, que permanecem no Núcleo de
Estágio. Somos, portanto um grupo constituído por cinco homens e doze mulheres,
contando comigo. A grande maioria de mulheres é constante em meu trabalho de
estágio e parece refletir ainda a maior procura feminina pela psicologia.
16
G.E.A.I. – Em 1997, foi criado o Núcleo de Estudos e Assistência à Infância – NEAI, atualmente
Grupo de Estudos e Assistência à Infância – GEAI. O objetivo do GEAI é articular os estágios
profissionalizantes e os projetos de extensão para melhor atender a comunidade acadêmica e
a comunidade externa à universidade. A equipe que compõe o GEAI conta com professores do
Departamento de Psicologia Clínica e psicólogos do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada
– CCPPA, ambos da UNESP/Assis.
87
Não senti necessidade de apresentações, todos nos conhecemos visto
terem sido meus alunos no segundo ano do curso. A faixa etária deste grupo é de
21-23 anos. Parece um reencontro, na verdade.
Neste primeiro encontro não pude contar com a participação dos
alunos “veteranos”, pois não havia tempo disponível nas agendas de todos.
Conversei então com os “novos” estagiários informando a bibliografia básica
(Anexo VII) e sugeri que resgatassem os textos sobre entrevistas,
psicodiagnóstico e desenvolvimento infantil, que já conheceram ao longo do
curso. Demonstraram grande interesse por conhecer a psicanálise proposta por
Winnicott, alguns informam que já leram alguns textos. Percebo que, além do
interesse por saúde pública, também querem conhecer sobre este autor e a forma
como trabalhamos sob esta perspectiva na rede pública de saúde. Reforço que
serão apresentados à teoria aos poucos, pois o mais importante no momento é
que se disponham a estar com pessoas que sofrem e procuram auxílio nas
Unidades Básicas de Saúde. No entanto, digo que podem realizar as leituras que
julgarem pertinentes acerca da bibliografia sugerida, pois iremos trabalhar sobre a
teoria no mês de fevereiro de 2007.
Percebo que uma aluna está com o livro da Professora Tânia Maria
Aiello Vaisberg, me diz que leu o primeiro capítulo e achou interessante. Aqui
imagino que esta aluna queira de fato ser incluída no grupo, todos sabem que a
professora Tânia é minha orientadora e que utilizo seu referencial em meus
trabalhos.
Marcamos o primeiro contato de 2007 para o dia 05/02 com o seguinte
compromisso:
1. Organizar quem participará da supervisão de quinta ou de sexta-feira,
semanalmente;
2. Agendar visitas às sete UBS, após definição de quem irá a qual destas
instituições. Estabelecemos que somente os “novos” estagiários irão às UBS; os
“veteranos” irão ao Programa de Saúde da Família, incluído no Projeto de
Estágio. Os critérios para escolha das UBS são estabelecidos por mim, no
momento em que tento privilegiar a definição de acordo com a proximidade da
residência de cada aluno com a UBS, ou a facilidade de locomoção de cada um;
88
3. Iniciar a introdução à psicanálise proposta por Winnicott, a partir de um
referencial que facilite a compreensão das principais contribuições deste autor,
notadamente sobre o desenvolvimento humano e consultas terapêuticas;
4. Resgatar teoricamente o que foi apreendido sobre psicodiagnóstico e
apresentar o psicodiagnóstico interventivo embasado na psicanálise;
5. Apresentar questões burocráticas das instituições onde trabalharão, cada uma
com suas especificidades e preenchimento de papéis (Fichas de
encaminhamento, Ficha de Atendimento Ambulatorial-FAA, preenchimento de
prontuários, entre outros);
6. Estabelecer o dia do Curso oferecido pelo GEAI sobre triagem com crianças na
Clínica Escola e na Saúde Pública, de comparecimento obrigatório para todos
estagiários que trabalharão com crianças, independentemente da abordagem
teórica. Este curso discorre ainda sobre questões éticas, escolas psicanalíticas
(inglesa, francesa, americana e brasileira) e sobre entrevistas de triagem. Este
último tema é apresentado por mim.
Nota-se, portanto que tivemos muito trabalho no início do ano de 2007.
Os estagiários não estão habituados a voltar para Assis em fevereiro e
demonstram que estranharam as férias “curtas”. Rimos sobre isto, falo que agora
estão se transformando em profissionais e os compromissos serão muitos e de
muita responsabilidade, visto que atendemos pessoas e temos que ser sérios e
éticos neste fazer.
Todo o mês de fevereiro, e inicio de março, contando já com a
participação dos estagiários “veteranos”, foi ocupado pela organização da
supervisão e distribuição dos estagiários por UBS, além de explicações tanto
sobre o enquadramento do psicodiagnóstico, quanto da própria dinâmica da
supervisão. Os “veteranos” auxiliaram na explicação sobre as características de
cada UBS e acerca do trabalho que lá poderia ser desenvolvido. Como os
estagiários ingressantes não conheciam nenhuma UBS, eu me encarreguei de
levá-los pessoalmente e proceder às apresentações para os responsáveis.
Apesar de priorizar o psicodiagnóstico interventivo, as etapas do
psicodiagnóstico propostas aos estagiários seguiram aquelas do conhecimento
teórico deles: primeira entrevista, anamnese, hora de jogo diagnóstica e caso
89
necessário, uso de técnicas projetivas e/ou expressivas, mas de forma
fenomenologicamente orientada. Contudo, explico o que é, teoricamente,
psicodiagnóstico interventivo, mas somente sugiro sua utilização, para não ser
intrusiva neste primeiro momento, e discorro sobre suas possibilidades quando já
estão atendendo a alguma criança e sua família. Acredito que, desta forma,
sentem-se apresentados à outra maneira de trabalhar com psicodiagnóstico de
forma gradual e, portanto, assimilada sem “sustos” ou atuações defensivas.
Concomitantemente, foram introduzidos alguns dos principais conceitos
winnicottianos, conforme se pode observar no cronograma do ANEXO VIIII.
Outros conceitos foram apresentados aos estagiários conforme se tornaram
importantes nas sessões que realizaram, seja em consultas terapêuticas,
psicodiagnósticos ou psicoterapia. Um exemplo foi a necessidade de supervisão
teórica para discorrer sobre o tema da intervenção/interpretação sob o ponto de
vista winnicottiano, a partir da demanda dos alunos, em função tanto do que
surgia nos atendimentos clínicos, quanto dos conceitos sobre interpretação
psicanalítica que já trouxeram para o estágio.
Logo no início dos encontros de supervisão, também comentei sobre
minha pesquisa e sobre o objetivo de trabalhar com eles – estagiários –
recorrendo ao uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema. Falei da
não obrigatoriedade da participação de cada aluno, do Termo de Consentimento e
da não obrigatoriedade da aplicação do Procedimento em todos os atendimentos
que realizam, ficando a critério próprio a aplicação ou não. Pareceram à vontade
neste momento, inclusive com certo orgulho a respeito da participação em meu
trabalho.
90
7 CASOS CLÍNICOS: VIVÊNCIAS DOS ESTAGIÁRIOS COM
O USO DO PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS
COM TEMA EM PRIMEIRAS ENTREVISTAS CLÍNICAS
91
O impulso criativo é algo que pode ser considerado como uma coisa em
si, algo naturalmente necessário a um artista na produção de uma obra
de arte, mas também algo que se faz presente quando qualquer pessoa
– bebê, criança, adolescente, adulto ou velho – se inclina de maneira
saudável para algo ou realiza deliberadamente alguma coisa.
(WINNICOTT, 1969/1975a, p. 100).
O objetivo deste capítulo é apresentar as situações clínicas vivenciadas
pelos estagiários em suas primeiras entrevistas na clínica com crianças efetivadas
em Unidades Básicas de Saúde e narradas em supervisão. As narrativas
apresentadas pelos alunos, posteriormente à apresentação em supervisão, serão
discutidas à luz da teoria winnicottiana.
Durante o período correspondente aos dois primeiros meses de
estágio, 16 estagiários realizaram 24 psicodiagnósticos e, nestes usaram o
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema “criança-problema” em 16
primeiras entrevistas clínicas. Os dois casos aqui apresentados foram
selecionados por serem representativos para o tema deste trabalho, que é refletir
sobre a transicionalidade por meio da utilização do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema e por terem sido os primeiros a usar o Procedimento com o
tema proposto. O enfoque no conceito de transicionalidade é trabalhado a partir
do uso que os estagiários fazem do Procedimento em suas primeiras entrevistas
clínicas e da reflexão que eu faço das narrativas verbais em supervisão acerca
das experiências dos alunos.
No primeiro caso clínico, apresento a experiência de Borboleta
17
que
foi a primeira dos estagiários a utilizar o Procedimento de Desenho-Estória com
Tema “criança-problema”, conforme eu havia sugerido aos dois grupos de
supervisão fazê-lo, desde que houvesse sentido no momento da entrevista para
usá-lo e que o paciente e/ou seus pais aceitassem realizá-lo. Discuto como este
uso permitiu que eu refletisse com ambos os grupos de supervisão - de quinta-
feira e de sexta-feira – sobre o conceito de transicionalidade de Winnicott e sobre
formas possíveis de utilização do Procedimento nas entrevistas.
O segundo caso clínico é apresentado por Estrela do Mar e permitiu
aos grupos refletir sobre o uso do Procedimento com todo grupo familiar, além de
representar de forma clara a intersubjetividade presente nas entrevistas. Discuto
16
17
Os nomes dos estagiários e seus pacientes foram substituídos por nomes de animais, a fim de
que suas identidades fossem preservadas. Os próprios estagiários escolheram os nomes.
92
sobre a possibilidade do uso clínico do Procedimento para comunicações
emocionais significativas e discorro sobre o uso que Estrela do Mar fez do
Procedimento em entrevistas posteriores que realizou com o pai da criança que
estava sendo avaliada.
De um modo geral, os alunos/estagiários sentiram-se a princípio
apenas colaborando com a minha pesquisa, não entendendo o objetivo de se
utilizar o Procedimento nas primeiras entrevistas. Após o relato da experiência de
Borboleta e do uso que fiz da vivência dela com os dois grupos de supervisão,
perceberam que podiam ser eles mesmos no momento da primeira entrevista e,
assim, efetuar um uso mais relaxado e significativo do Procedimento. Desta forma
foram aos poucos se desprendendo do uso sugerido e percebendo por si a
significância do tema proposto.
7.1 Caso I - A Experiência de Borboleta
Borboleta apresentou a narrativa abaixo após já ter realizado duas
entrevistas com a mãe de Beija-Flor. Na narrativa verbal da primeira entrevista
deste caso ao grupo de supervisão de quinta-feira, mostrou-se muito apreensiva
com a forma como a mãe se referia à criança e também com os sintomas
apresentados. Lembro-me que seu olhar era de muita preocupação e dúvidas.
Parecia pedir ajuda no sentido de uma orientação objetiva: “o que faço com
isto?!”; “me diga que técnica devo aplicar agora”. Toda angústia de sua
experiência era passada pelo seu olhar interrogativo. Percebi que queria de fato
uma determinação do que deveria fazer, e não uma sugestão. Pensei que o
enquadre do psicodiagnóstico interventivo ainda não seria possível para ela e
talvez para os iniciantes no grupo de supervisão.
Sugeri que ela poderia usar o Procedimento de Desenho-Estória com
Tema da “criança-problema”; talvez este procedimento a ajudasse a estabelecer
uma comunicação com esta mãe de forma significativa. Também pensei que esta
sugestão a auxiliaria a pensar sobre o enquadre do psicodiagnóstico a partir de
93
um paradigma intersubjetivo. Borboleta pareceu acatar a sugestão, embora
estivesse com dúvidas quanto à forma de apresentação do Procedimento à mãe.
Expliquei a maneira sugerida por Aiello-Vaisberg (1999), e ela falou que “tentaria”.
NARRATIVA DO USO DO PROCEDIMENTO COM A MÃE DE BEIJA-FLOR
Apresento a narrativa de Borboleta na íntegra e depois faço pequenos
recortes para análise. A narrativa refere duas entrevistas que esta estagiária
realizou com a mãe de Beija-Flor, sendo que o menino esteve presente somente
na primeira.
NARRATIVA DE BORBOLETA
“A mãe veio até a Unidade Básica de Saúde com a
queixa de que seu filho era diferente das outras crianças, nos
dias de chuva ele ficava o tempo todo na janela olhando o
vento e observando a chuva cair. Suas brincadeiras também
eram diferentes, ele gostava de pegar um galho de árvore e
observar o mesmo em movimento. Além dessa queixa inicial o
menino de seis anos apresentava uma fala comprometida, o
que não é considerado “normal” para esta idade. O
comportamento do garoto também foi muito comentado, ela
reclamou que ele é muito desobediente, tanto em casa como
na escola, seu rendimento escolar é inferior ao das outras
crianças. Durante a conversa com a mãe o garoto não parou
quieto, sempre agitado e mexendo em tudo que estava em
cima da mesa. A mãe parecia descontente com tudo que o
garoto fazia, a todo momento “mandava” o menino parar
quieto e fazia ameaças dizendo que ia bater nele. Ela não me
pareceu ter muita paciência e até me admitiu que já bateu
nele muitas vezes.
Ao relatar esse primeiro encontro à minha supervisora,
ela me indicou o Procedimento de Desenho-Estória com
94
Tema, a princípio não sabia em que ajudaria num caso como
este. Mas resolvi tentar.
Na sessão seguinte a mãe foi sozinha e me contou um
pouco da história da criaa. Muito resumidamente a história
é a seguinte: o menino se separou dela aos dois anos, ela
veio morar em Assis para trabalhar e seus filhos ficaram
morando com a avó em uma cidade distante. Ela os via a
cada dois meses e mantinha contato por telefone. Após
quatro anos os dois filhos vieram morar com ela e o marido
(padrasto de ambos os filhos) em Assis.
Quando terminei a anamnese, ainda faltavam uns dez
minutos para o término da sessão, achei o momento oportuno
para propor o Procedimento de Desenho-Estória com Tema
“criança-problema”. Expliquei o procedimento e a deixei a
vontade para decidir. Ela recusou e disse que “não tinha
muita criatividade para essas coisas”. Falei que não me
importava na qualidade do desenho e que o que me
interessaria era a visão dela sobre o tema proposto. Mesmo
assim ela recusou e me perguntou se podia somente falar o
que ela achava. Insisti um pouco mais ao dizer que seria
interessante se ela desenhasse e também contasse a estória.
Ela continuou recusando, eno para não parecer
inconveniente, pedi para que ela somente me relatasse.
A mãe então começou a me descrever o próprio filho:
“Criança problema acho que aquela que não obedece a mãe,
é malcriada. Quando a gente pede as coisas ele não faz...”.
Ao falar a própria mãe percebeu que estava descrevendo o
filho e no final de sua fala chegou até a verbalizar isso, disse
com todas as letras que achava seu filho um garoto
problema. Fiquei surpresa com a fala da mãe, não imaginei
que ela fosse chegar a uma “conclusão” dessas. Pareceu-me
que ela também nunca tinha parado pra pensar no
assunto...”
95
ANÁLISE
“A mãe veio até a Unidade Básica de Saúde com a
queixa de que seu filho era diferente das outras crianças, nos
dias de chuva ele ficava o tempo todo na janela olhando o
vento e observando a chuva cair. Suas brincadeiras também
eram diferentes, ele gostava de pegar um galho de árvore e
observar o mesmo em movimento. Além dessa queixa inicial o
menino de seis anos apresentava uma fala comprometida, o
que não é considerado “normal” para esta idade. O
comportamento do garoto também foi muito comentado, ela
reclamou que ele é muito desobediente, tanto em casa como
na escola, seu rendimento escolar é inferior ao das outras
crianças. Durante a conversa com a mãe o garoto não parou
quieto, sempre agitado e mexendo em tudo que estava em
cima da mesa. A mãe parecia descontente com tudo que o
garoto fazia, a todo momento “mandava” o menino parar
quieto e fazia ameaças dizendo que ia bater nele. Ela não me
pareceu ter muita paciência e até me admitiu que já bateu
nele muitas vezes”.
A surpresa de Borboleta ao narrar o comportamento materno durante a
primeira entrevista ficou evidente para mim. Além disso, seus olhos, um pouco
“assustados”, me fizeram pensar que ela pedia uma saída objetiva para esta
situação. Pensei que tudo o que ela queria era uma “solução mágica” para o
psicodiagnóstico que apenas iniciava.
Minha proposta de realização de psicodiagnósticos interventivos,
mesmo com alunos iniciantes na prática clínica, pareceu-me, naquele momento,
pouco viável. Senti contratransferencialmente que teria que ir com mais calma,
estabelecer este enquadre gradativamente para o grupo, tal como uma mãe
apresenta o mundo em pequenas doses ao seu bebê.
Neste momento, o que Borboleta demonstrava necessitar era um
holding à sua angústia perante esta mãe – tão pouco afetiva, aparentemente – e
96
seu filho. Acolher esta angústia, proteger o estagiário, tal como um bebê, de
acontecimentos que ainda não são passíveis de serem por ele compreendidos
deveria ser minha tarefa. Faço uma analogia com o que Winnicott chama de
apresentação de objeto, a função materna de apresentar o mundo ao seu bebê,
na medida do que ele pode compreender, facilitando a ele as primeiras relações
de objeto. Neste caso, é claro que não estou assumindo a maternidade destes
alunos, apenas sinto que devo ser cuidadosa na apresentação dos procedimentos
clínicos que devem utilizar para que não os usem de forma inadequada e
defendida.
Winnicott diz que ao apresentar o mundo ao seu bebê, a mãe
possibilita que este se sinta confiante e capaz de se colocar criativamente no
mundo real.
O início das relações objetais é complexo. Não pode ocorrer se o meio
não propiciar a apresentação de um objeto, feito de um modo que seja o
bebê quem cria o objeto. O padrão é o seguinte: o bebê desenvolve a
expectativa vaga que se origina em uma necessidade não formulada. A
mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma manipulação que
satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a
necessitar exatamente daquilo que a mãe apresenta. Desse modo o
bebê começa a se sentir confiante em ser capaz de criar objetos e criar
um mundo real. A mãe proporciona ao bebê um breve período em que a
onipotência é um fato da
experiência. (1962/1983, p. 60).
Safra (2005) comenta que o fenômeno da apresentação de objeto é
uma função materna “[...] na qual a maneira como o objeto é apresentado à
criança constitui um aspecto importante para que ela o receba e para que sua
ansiedade seja transformada em sentimentos toleráveis” (p. 33).
No caso de Borboleta, assim como no de outros alunos iniciantes na
prática clínica, encontrar o modo adequado de se apresentar o objeto depende da
capacidade do supervisor de ser sensível às necessidades emocionais de seus
estagiários, pensar e só depois intervir.
Ao falar sobre cuidados maternos no prefácio do livro Ser e Fazer: Na
Clínica Winnicottiana da Maternidade, Aiello-Vaisberg aponta que:
[...] ainda que use, a meu ver de modo infeliz, o termo identificação, é
Winnicott o autor que enfatiza, em passagens fundamentais,
especialmente em seus últimos escritos, que o bebê se humaniza
quando é visto, pela mãe, como alteridade singular irredutível. Não é o
fato de confundir-se com a criança que garante o cuidado, mas o fato de
a mãe poder, quando tudo vai bem, saber que esse bebê é uma
alteridade, o
que permite cuidado respeitoso – que é amor. (2006, p. 14).
97
Neste sentido considero meu estagiário como alteridade, não por
identificar-me com ele, mas antes por sensibilizar-me com suas necessidades em
seu primeiro encontro na clínica psicológica com crianças.
A afirmação, segundo a qual a mãe deva se identificar com seu bebê
para promover seu desenvolvimento emocional saudável, parece repousar sob
uma ótica na qual a regressão a uma posição emocional que permita a
identificação com seu bebê é que permitiria a uma mãe ser suficientemente boa
(AIELLO-VAISBERG; GRANATO, 2006). Da mesma forma, analogamente a esta
questão, considero que o ‘supervisor suficientemente bom’ deva, antes de tudo,
sensibilizar-se direta e imediatamente com seu estagiário, tal como uma mãe ao
acolher seu filho, e buscar oferecer-lhe um cuidadoso encontro com o mundo da
clínica.
Pensei, então, que deveria facilitar para que Borboleta pudesse buscar
uma comunicação significativa com a mãe e seu filho para que não agisse de
forma defensiva, mas criativa na situação das entrevistas diagnósticas. Somente
sendo criativa a estagiária poderia agir de forma integrada. É no viver criativo que
“[...] descobrimos que tudo que fazemos fortalece o sentimento de existência. A
criatividade é própria do estar vivo” (AMBRÓSIO; AIELLO-VAISBERG, 2003,
p. 108). No sentido winnicottiano o impulso criativo se faz presente quando nos
inclinamos de maneira saudável para alguma realização ou fazemos algo
deliberadamente (WINICOTT, 1971/1975a).
Pareceu-me que a possibilidade da emergência da criatividade de
Borboleta na entrevista clínica estava na dependência de uma nova ‘experiência
de ilusão’, semelhantemente à vivência da primeira mamada do bebê. No
momento da primeira mamada, na presença de uma mãe suficientemente boa
que vive um estado peculiar de identificação com seu filho, o bebê vive a
experiência de onipotência, de ter criado o seio que o alimenta. Não há, do ponto
de vista do bebê, a necessidade de “[...] preocupar-se com o paradoxo: ‘você
criou ou encontrou?’, que permite posteriormente ao bebê a aceitação da
realidade” (AMBRÓSIO; AIELLO-VAISBERG, 2003, p. 109).
Penso que para que haja emergência do gesto espontâneo na situação
clínica vivida pelo aluno, há também a necessidade de um supervisor “devotado”
ao seu estagiário – como uma mãe que facilita a experiência de ilusão ao seu
bebê, concretizando exatamente aquilo que ele procura.
98
A mãe, para auxiliar o bebê a enfrentar a realidade externa, tem, em
um primeiro momento, a tarefa de
[...] reconhecer as necessidades do bebê e adaptar-se ativamente a elas.
Esta adaptação completa permite ao bebê a ilusão de que cria a mãe e
que ela faz parte dele. Desta maneira a mãe caminha em direção à
onipotência da criança e, por meio dela, o bebê crê na realidade externa,
que parece se comportar de forma mágica. Passa então a viver a ilusão
do controle onipotente, a partir de sua criatividade primária. Sem este
tipo de experiência não é possível ao bebê começar a desenvolver a
capacidade para vivenciar uma relação criativa com a realidade
externa
(SAFRA, 2005, p.30).
O viver criativo emerge das experiências sucessivas vividas pela dupla
mãe/bebê. Vale acrescentar que a mãe vai sucessivamente diminuindo sua
adaptação ao bebê à medida que ele tolera mais frustrações. Assim, a realidade
externa passa a ser reconhecida e vivenciada criativamente.
Camps, Medeiros e Aiello-Vaisberg (2004) fazem uma analogia entre este
ambiente suficientemente bom que a mãe proporciona ao seu bebê – como
condição para seu ser criativo no sentido da espontaneidade – e o ambiente
suficientemente bom no contexto adulto do trabalho. No contexto da supervisão
clínica oferecida à Borboleta e seus colegas, faço então uma apropriação das
palavras dessas autoras
Compreendemos que um ambiente suficientemente bom no contexto
adulto do trabalho esteja intimamente relacionado a condições de vida e
trabalho que não favoreçam a dissociação, isto é, com espaços e
relações humanas que propiciem o
gesto espontâneo, oferecendo uma
abertura para a expressão genuína baseada no ser. (p. 52).
Para facilitar o surgimento da criatividade de Borboleta na situação
apresentada, busquei, em um primeiro momento, oferecer a sustentação de sua
angústia, que surgiu a partir do contato com a mãe de Beija-Flor.
Camps, Medeiros e Aiello-Vaisberg (2004) também afirmam que um
ambiente suficientemente bom no trabalho deva necessariamente possuir como
característica principal ser sensível às necessidades do grupo humano. A
adaptação ao grupo passa pelo “[...] respeito a oportunidades de expressão e
criação de sentidos, desilusões e limites necessários” (p. 52). Ouvir Borboleta,
suas considerações e de seus colegas do grupo de supervisão foi minha primeira
99
atitude. Somente depois pensei em sugerir uma ação que pudesse acolher à
demanda de Borboleta por uma direção a seguir.
Cabe ainda uma consideração sobre criatividade, que é coerente com
a forma como penso fazer supervisão: o fato do ambiente suficientemente bom
não ser absolutamente invasivo. Invasão, na perspectiva winnicottiana, indica que
o indivíduo sofre com falhas ambientais significativas e/ou recorrentes e, então,
acaba por desenvolver defesas no sentido de proteger o núcleo do verdadeiro self
(WINNICOTT, 1971/1975). No trabalho de supervisão, especialmente com grupos
iniciantes em sua prática clínica psicanalítica, esta questão é fundamental, visto
que o não acolhimento e/ou estimulação de gestos autênticos dos estagiários
pode vir a fazê-los defender-se na própria situação clínica.
Invasão, ainda segundo Camps, Medeiros e Aiello-Vaisberg (2004)
[...] são aqui compreendidas como vivências que não podem ser criadas
pelo indivíduo e, desta forma, não podem ser por ele integradas em seu
ser e fazer, promovendo a
dissociação ou a sensação de não estar vivo
e real. A impossibilidade de imprimir um ritmo próprio à ação, de criar um
espaço pessoal, de desenvolver relações com o coletivo e estabelecer
um sentido próprio para a atividade podem ser compreendidas como
invasões. (p. 52).
Cabe, pois, ao supervisor a tarefa de buscar o desenvolvimento de
ações que favoreçam aos seus estagiários a possibilidade da criação de um
espaço pessoal em suas atividades clínicas. As vivências com o grupo de
supervisão devem ser integradas por eles em seu ser e fazer na clínica.
Privilegia-se, portanto, o holding nos encontros de supervisão para,
gradativamente, apresentá-los à realidade do sofrimento humano na clínica com
crianças, no contexto da saúde pública.
“Ao relatar esse primeiro encontro à minha supervisora,
ela me indicou o Procedimento Desenho-Estória com Tema, a
princípio não sabia em que ajudaria num caso como este.
Mas resolvi tentar”.
A ação sugerida à Borboleta foi a possibilidade do uso de um mediador
dialógico, capaz de facilitar seu movimento autêntico no momento em que
100
estivesse com Beija-Flor e sua mãe. Este mediador é o Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema “criança-problema”.
Ao propor o Procedimento, voltei a comentar com o grupo de
supervisão seus possíveis usos em pesquisas sobre o imaginário social e que,
neste caso, estávamos utilizando-o na busca por uma comunicação real e
significativa com os pais e/ou a criança. Borboleta me pareceu não entender o
objetivo de usá-lo neste momento, visto sua reação de surpresa com minha
proposta.
Voltei a pensar que ela gostaria de uma sugestão mais concreta de
utilização de técnica por ela já conhecida. De fato, isto poderia até facilitar sua
aceitação, caso eu propusesse a aplicação de um teste, por exemplo. Entretanto,
também poderia ter incrementado seu distanciamento da mãe e do filho,
colocando-os na posição de objetos, num paradigma claramente positivista.
Pensei que o uso de um mediador dialógico facilitaria a comunicação entre a mãe
e Borboleta.
O uso de mediadores, ou materialidades mediadoras, na clínica
winnicottiana foi fundamentado teoricamente por Aiello-Vaisberg e Machado
(2003) ao discorrerem em artigo científico sobre o sofrimento humano e a eficácia
de enquadres clínicos diferenciados. Estas autoras apresentam proposta de
pesquisa clínica na qual o uso de enquadres clínicos diferenciados, baseados na
observância rigorosa do método psicanalítico, caracterizam-se, entre outras
questões
[...] pela disponibilização de materialidades expressivas que são usadas
como mediação na comunicação emocional, condição facilitadora da
presentificação do “si
mesmo” do paciente, ou seja, da expressão do seu
gesto espontâneo. (p. 26).
Ao considerar a possibilidade do espaço transicional como facilitador
da emergência da espontaneidade no setting analítico, a partir das primeiras
entrevistas clínicas, também pensei a respeito de um meio com potencial
autoexpressivo, para que este espaço pudesse emergir.
O estudo do potencial do Procedimento de Desenho-Estória com Tema
como mediador dialógico, como materialidade expressiva, é um dos nossos
objetivos de pesquisa. A sugestão para seu uso neste caso específico contempla
tanto a situação clínica apresentada por Borboleta, como também nosso trabalho.
101
No entanto, este mediador pode possibilitar, também, a emergência do gesto
espontâneo na própria estagiária, dependendo da apropriação que esta vier a
fazer de seu uso na situação clínica.
Destaco aqui que a apresentação deste mediador, a partir da
observância do paradigma intersubjetivo, pode vir a facilitar também o
relaxamento necessário à auto-expressão criativa do estagiário. Entendo,
entretanto, que estou falando sobre potencialidade mutativa na situação clínica
vivida por meus estagiários a partir da promoção do uso de uma materialidade
específica.
Semelhantemente ao convite feito por Winnicott (1964-1968/1994) para
que a criança participe com ele do Jogo do Rabisco, propomos que os estagiários
atuem com seus pacientes e/ou com seus pais de forma lúdica, mas
psicanaliticamente fundamentada, através do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema.
No entanto, faz-se imprescindível ressaltar que a simples presença de
um mediador não é condição única e determinante para possibilitar a
transicionalidade no encontro terapêutico e a emergência do gesto espontâneo.
As características das pessoas envolvidas no acontecer clínico parecem
determinar o colorido que este vá adquirir no encontro entre elas.
O possível favorecimento que a apresentação de materialidades
significa para o acontecer clínico, tanto do paciente, quanto do terapeuta
(MEDEIROS, 2003) podem servir de parâmetro para os encontros clínicos dos
estagiários, mediados pelo Procedimento. Vale a pena conferir as palavras desta
autora,
Se observarmos as experiências clínicas, podemos perceber que alguns
atendimentos trazem a necessidade de uma materialidade para o
encontro; e não é possível tomar-se qualquer materialidade, mas
algumas específicas que tenham
relação com a história daquela pessoa,
daquele atendimento, do momento e contexto
de vida. Esta forma de
uma materialidade aparecer está muito relacionada a atendimentos
individuais. Outros atendimentos não pedem tal uso de procedimentos
apresentativo expressivos, ou seja, uma materialidade não é sequer
cogitada porque não faz sentido nestas relações. Penso
que estas
diferenças podem ter relação com o uso que cada pessoa faz da palavra
e dos objetos; para alguns pacientes, o uso das palavras pode favorecer
um acontecer verdadeiro e real, enquanto para outros os objetos
funcionam mais facilmente neste processo. Há também contextos em
que o terapeuta apresenta uma materialidade, tornando-se presença
humana e real a partir de sua relação anterior e presente com o material
no atendimento e oferecendo sustentação. (2003, p. 141).
102
É importante apontar que, em conformidade com o mesmo autor, a
apresentação de materialidade sugerida aos estagiários não representa a
utilização de instrumento para a exteriorização de conteúdos psíquicos. Trata-se
de materialidade com sentido em si mesma: ao fazer, brincar, contar estórias, o
paciente se torna vivo, presença real e verdadeira no mundo. Assim como o
brincar possui como qualidade essencial ser uma experiência criativa, de
continuidade do ser (WINNICOTT, 1971/1975a), a materialidade pode representar
a vivência de uma experiência de poder se colocar verdadeiramente no mundo.
Assim, na presença de um outro ser humano com o qual há abertura
para uma comunicação verdadeira, através da mediação de uma materialidade,
ocorre a transicionalidade, que permite a aproximação com o mundo real, com o
qual eu posso agora me relacionar verdadeiramente.
Medeiros (2003) comenta ainda algumas possibilidades advindas com
o uso de materialidades: “[...] auxiliar o paciente a ter assegurada a sensação de
existir verdadeiramente” (p. 142), o que pode significar um uso da materialidade
como intermediação dialógica e possibilidade de oferecer holding; “[...] vir a
favorecer o acontecer do paciente e do terapeuta no encontro clínico” (p. 142), o
que significa um abandono do paradigma sujeito-objeto e o favorecimento do
encontro intersubjetivo no qual também o terapeuta tem assegurada sua presença
real, verdadeira e, portanto, viva no mundo; e “[...] proporcionar interpretações, o
que seria um outro caminho clínico” (p. 142), sendo que as interpretações,
dependendo do momento e da forma como são feitas, podem propiciar que o
paciente sinta-se verdadeiramente compreendido por alguém.
“Na sessão seguinte a mãe foi sozinha e me contou um
pouco da história da criaa. Muito resumidamente a história
é a seguinte: o menino se separou dela aos dois anos, ela
veio morar em Assis para trabalhar e seus filhos ficaram
morando com a avó em uma cidade distante. Ela os via a
cada dois meses e mantinha contato por telefone. Após
quatro anos os dois filhos vieram morar com ela e o marido
(padrasto de ambos os filhos) em Assis”.
103
Ao narrar este início de anamnese, Borboleta mostrou-se novamente
surpreendida com a história de vida da criança, em virtude do seu abandono e de
seu irmão pela mãe. O sentimento advindo da solidão que esta criança viveu fez
com que Borboleta e todos do grupo de supervisão logo se sensibilizassem por
ele e, contratransferencialmente, sentissem muita “pena”. “Coitado, como será
que a avó cuidou dele?”; “Nossa que mãe!”; “Não é a toa que ele ficou assim!”; “É
muito comprometimento pelo abandono materno”; foram algumas das falas.
A possibilidade de esta mãe acolher o filho parecia, de fato, muito
remota. Falei ao grupo que, provavelmente, a própria mãe agia defensivamente
perante este filho para não entrar em contato com a vivência anterior de
separação, talvez até por culpa também. Neste caso, ao agir defensivamente, a
mãe, dissociadamente, parece não reconhecer nada de bom/saudável em seu
filho. Não havia sido possível a ela ser uma mãe ‘suficientemente boa’
18
e
Borboleta teria que sustentar também o sofrimento materno. O estabelecimento
do espaço transicional poderia permitir à dupla Borboleta/mãe uma comunicação
em que ambas pudessem agir espontaneamente.
Quando terminei a anamnese ainda faltavam uns dez
minutos para o término da sessão, achei o momento oportuno
para propor o Procedimento Desenho-Estória com Tema.
Expliquei o procedimento e a deixei a vontade para decidir.
Ela recusou e disse que “não tinha muita criatividade para
essas coisas”. Falei que não me importava na qualidade do
desenho e que o que me interessaria era a visão dela sobre o
tema proposto. Mesmo assim ela recusou e me perguntou se
podia somente falar o que ela achava. Insisti um pouco mais
ao dizer que seria interessante se ela desenhasse e também
contasse a estória. Ela continuou recusando, então para não
parecer inconveniente, pedi para que ela somente me
relatasse.
18
O termo “suficientemente boa” diz respeito “[...] à adaptação da mãe às necessidades do bebê
recém-nascido [...]. No contexto da teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott, é a
adaptação da mãe às necessidades do bebê que o torna capaz de ter uma experiência de
onipotência. Esta experiência cria a ilusão necessária a um desenvolvimento saudável
(ABRAM, 2000, p. 144).
104
No princípio, Borboleta estava presa à proposta do Procedimento à
mãe, como se fosse uma técnica, com instruções a serem exatamente seguidas.
Aos poucos, foi se desprendendo desta perspectiva metodológica e acolheu a
possibilidade de comunicação da mãe naquele momento. Desta forma, agiu como
facilitadora para que a transicionalidade pudesse emergir entre a dupla.
Destaco este momento como aquele em que Borboleta esboça um
gesto espontâneo, no sentido do desapego à técnica e do ser sensível à maneira
possível desta mãe se expressar. Digo ‘esboça’, visto que Borboleta comenta que
aceitou somente o relato para “não parecer inconveniente”. Neste momento ela
parece ter sido espontânea na situação clínica, mas agiu defensivamente perante
a supervisora, justificando sua atitude como se esta não fosse correta.
“A mãe então começou a me descrever o próprio filho:
“Criança problema acho que aquela que não obedece a mãe,
é malcriada. Quando a gente pede as coisas ele não faz...”.
Ao falar a própria mãe percebeu que estava descrevendo o
filho e no final de sua fala chegou até a verbalizar isso, disse
com todas as letras que achava seu filho um garoto
problema. Fiquei surpresa com a fala da mãe, o imaginei
que ela fosse chegar a uma “conclusão” dessas. Pareceu-me
que ela também nunca tinha parado pra pensar no assunto”.
A narrativa de que “Ao falar, a própria mãe percebeu...” e “Fiquei
surpresa com a fala da mãe...”, remetem ao estabelecimento de uma
comunicação já de ordem significativa.
Winnicott (1967/1975b) acreditava na capacidade do paciente em
surpreender-se a si mesmo, sem as interpretações do terapeuta. Destaca no texto
“O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento infantil” (1967) que
seu objetivo, em suas consultas terapêuticas, era o de devolver ao paciente, em
longo prazo, aquilo o que por ele era trazido. A tarefa terapêutica pode ser assim
pensada como um derivado complexo da função de espelho, que a mãe possui
em relação ao seu bebê. O analista procura refletir, como em um jogo especular,
a pessoa que esta ali, querendo comunicar-se.
105
A presença do ser humano/ terapeuta deve reconhecer a
espontaneidade do gesto criativo de seu paciente. Borboleta parece reconhecer,
ao surpreender-se humanamente com a fala da mãe de Beija-Flor, o gesto
espontâneo desta mãe ao contar uma estória e surpreender-se ao perceber que
falava do próprio filho. Avellar (2004), afirma a necessidade de que o analista.
Se reconheça em sua própria história para que possa reconhecer no
gesto de seu paciente um gesto humano, um gesto criativo que o
recoloca em sua própria história
e em sua história com outros. (p. 68).
Considero ainda que o uso do Procedimento possa ser caracterizado
como uma intervenção transicional, construída por Borboleta e pela mãe do Beija-
Flor na área de ilusão, no entre. Esta experiência pode ter possibilitado o
estabelecimento de um sentimento de confiança na mãe e em Borboleta ao
transformar algo não familiar em familiar (AVELLAR, 2004).
O efeito mutativo na clínica psicanalítica winnicottiana, segundo Aiello-
Vaisberg (2004), produz-se pelo encontro inter-humano, no entre, que se faz
acompanhar naturalmente por articulação simbólica. Este encontro pode e deve
ser objetivado por psicólogos que trabalham em psicanálise, a partir de um
paradigma intersubjetivo desde o início de suas atividades clínicas. Cabe ao
supervisor, como no caso, buscar meios que propiciem o estabelecimento de
encontro inter-humanos desde as primeiras experiências clínicas, inclusive com
alunos em formação. Estes alunos devem sentir-se vivos e reais para agir de
maneira a oferecer o holding – a sustentação no encontro - necessário para que a
transicionalidade se estabeleça.
Aiello-Vaisberg (2004), ao comentar sobre como se pode cuidar de
sentir-se vivo e real “[...] acreditando que aprendizagens significativas se farão, de
modo informal ou institucionalizado, a partir daquilo que estiver culturalmente
disponível na formação social à qual pertence o indivíduo” (p. 55), aponta que ao
sustentar o encontro, o psicoterapeuta cuida desta questão. Acredito, portanto,
que também o estagiário pode sustentar um encontro, tal como Borboleta fez com
esta mãe, ao aceitar a possibilidade de comunicação, somente através do relato
acerca do tema proposto com o uso do Procedimento. Ao desprender-se de
metodologias generalistas, ela pôde notar a singularidade da mãe e, então,
sustentar a situação do encontro entre ambas.
106
Novamente recorro a Aiello-Vaisberg (2004) para pensar a sustentação
do encontro na clínica psicanalítica winnicottiana
Sustentar o encontro inter-humano é algo que tem sentido quando se
tem fé na capacidade criadora humana. Significa que o psicanalista
aposta no oferecimento de um ambiente humano suficientemente bom,
que por si mesmo humaniza, simplesmente porque aquilo a ser
proporcionado se articulará com o potencial criador do paciente [...]. Dar
essa sustentação é, de certo modo, acompanhar atenta e
devotadamente as necessidades existenciais do paciente, necessidades
que devem ser satisfeitas sob risco de afetar exatamente o sentido de
ser real e estar vivo. Essas necessi-dades não existem apenas quando
se é um bebê em vias de constituição de um si mesmo ou um psicótico
que faz a mesma trajetória, em momento cronológico posterior. Essas
necessidades nos acompanham vida afora, não sendo somente os
bebês e os psicóticos aqueles passíveis de serem afetados
drasticamente pela urgência das mesmas, principalmente quando a vida
individual e coletiva parece tantas vezes absurda pela falta de idéias e
perspectivas para a
humanidade. (p. 56).
Esta autora acrescenta ainda que sustentar não se confunde com “dar
apoio. Não se pode ignorar a complexidade humana, não se pode também negar
aspectos sombrios do ser humano, nem idealizar seu sofrimento”. As diferenças
entre os diversos encontros possíveis com a singularidade própria de cada ser
humano que se encontra na clínica merece um cuidado especial do terapeuta com
ele mesmo. Neste sentido este deve entender que “[...] sustentar exige não apenas
uma condição de amadurecimento pessoal suficientemente boa, a ser conquistado
na vida comum, mas, sobretudo uma verdadeira psicanálise pessoal”, mas que seja
uma análise “[...] que acolha a expressão espontânea e genuína do self na
presença de outrem significativo” (AIELLO-VAISBERG, 2004, p. 57).
Este fato já foi comentado em capítulo anterior, aqui vale acrescentar
que Borboleta se encontra em processo psicoterápico, o que pode facilitar a
sustentação que ela pode propiciar aos seus pacientes, desde que sua
psicoterapia se dê sob os aspectos acima citados. Entretanto, essa questão foge
do controle do supervisor e já se insere nas buscas pessoais de cada estagiário.
Ademais, o fato da mãe de Beija-Flor ser incluída no processo
psicodiagnóstico de seu filho, já parte de uma visão inclusiva deste processo
psicológico, no paradigma intersubjetivo. Ela foi incluída, não como mera
informante, pois sua possibilidade de ser mãe foi considerada por Borboleta e
sustentada ao logo do atendimento.
107
No princípio fiquei em dúvida se este uso do Procedimento tivesse
propiciado o estabelecimento do espaço potencial, mas, revisitando a narrativa de
Borboleta, percebo que a transicionalidade foi possibilitada. Provavelmente, este
fato tenha permitido que a experiência de Borboleta fosse completa: o
psicodiagnóstico fluiu naturalmente para encontros terapêuticos com a criança. A
mãe é participativa no processo terapêutico de seu filho, garantindo sua presença
nas sessões. Dentro de suas reais possibilidades, tem sido acolhedora ao filho e
este está em franca evolução.
Trabalhei com os dois grupos de supervisão a perspectiva do uso que
Borboleta fez do Procedimento. Considerei, com os integrantes dos grupos, a
necessidade de estar sensível às possibilidades comunicacionais das pessoas
que atendem nas UBS, e da interação destas pessoas com os estagiários e com
o que imaginam ser nosso papel/ nossa atuação neste espaço de saúde pública.
Comuniquei que não há uma condição pré-concebida do uso, do ponto de vista da
comunicação, visto a pessoa sentir-se à vontade para desenhar/contar a estória
que quiser, ou descrever o que pensa sobre o tema que propomos, conforme fez
a mãe atendida por Borboleta.
Os estagiários devem de certa forma “rabiscar histórias”, tal como fez
Tachibana (2006) em sua pesquisa de Dissertação de Mestrado, ao atender
mulheres que haviam sofrido aborto espontâneo. Esta autora utilizou desenhos-
estórias, de forma livre, para estabelecer comunicações significativas, em
consultas terapêuticas individuais. Minha proposta aos grupos de supervisão é de
que “rabisquem histórias” com temática específica, da “criança-problema” nas
primeiras entrevistas de psicodiagnóstico que realizam nas UBS.
A forma com a qual Borboleta conversou com a mãe foi, por si,
possibilitada pela comunicação significativa que já se estabelecia entre elas e
pode refletir também que as intervenções que efetuei nas supervisões não foram
vivenciadas como intrusivas e nem precipitadas. À medida que minhas
intervenções junto aos grupos de supervisão surgiam no encontro entre as
formas de expressão do estagiário e minha capacidade de ser sensível para com
eles, já se configurava uma comunicação característica ao espaço transicional,
portanto passível de transformações criativas.
Posso dizer que sustentei a angústia inicial de Borboleta, o que
propiciou um encontro mais relaxado e criativo desta com as pessoas que
108
atendeu na UBS. O holding oferecido pela supervisão foi determinante para que
ela alçasse “vôo livre”. Além disso, este uso foi tomado como ponto de partida
para que os grupos de supervisão pudessem entrar em contato com uma
aplicação do Procedimento realizada por estagiário na situação das primeiras
entrevistas clínicas e sentissem sua potencialidade comunicacional.
7.2 Caso II - A Experiência de Estrela do Mar
Estrela do Mar apresentou esta experiência clínica ao grupo de
supervisão durante período correspondente a um mês. Durante este tempo os
relatos ocorreram semanalmente. Destaca-se o fato que ela se apropriou da
possibilidade de, por conta própria, usar o Procedimento nas entrevistas que
realizou com os pais e a criança que recebeu na Unidade Básica de Saúde. Vale
acrescentar que Estrela do Mar usou o Procedimento após uma supervisão na
qual relatei a experiência narrada por Borboleta.
Esta experiência é comunicada em uma única narrativa escrita por
Estrela do Mar, embora as narrativas verbais ao grupo tenham ocorrido em
diferentes momentos. Acho interessante a possibilidade de apresentá-la assim, na
íntegra, para que o leitor perceba, já em um primeiro momento, a vivência total de
Estrela do Mar com o uso do Procedimento como mediador dialógico com esta
família. Após a apresentação da narrativa do caso de Golfinho, comentarei alguns
aspectos que considero importantes desta vivência a partir dos conceitos teóricos
de Winnicott.
Destaco em negrito a narrativa do uso do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema “criança-problema” que Estrela do Mar apresentou aos pais e
a Golfinho. Em seguida estão os Procedimentos propriamente, tal como usados
por Golfinho, seu pai e sua mãe, na seqüência na qual foram realizados.
109
NARRATIVA DE ESTRELA DO MAR
O caso que apresentarei nessa narrativa é de um
garotinho chamado Golfinho de nove anos de idade. O
período da entrevista inicial até o contrato terapêutico foi do
dia 20/03/07 até o dia 24/04/07. Essa criança não foi a
primeira que eu encontrei desde o início do meu estágio no
posto de saúde, mas todos os outros “primeiros” que se
podem ter em uma avaliação diagnóstica e em uma terapia,
foram, e continuarão sendo, dele: a primeira criança que foi
levada por seu pai, a primeira família completa de um
paciente que eu conheci, o primeiro caso que não teve
nenhuma falta, a primeira vez que eu conclui um
psicodiagnóstico, apliquei o Procedimento de Desenho-Estória
com Tema, uma hora de jogo, dei uma devolutiva, e vou
começar a atender. Citar todos esses momentos não parece
ser para mim muito repetitivo, pois cada um deles me
remeteu um sentido. Acho que com todos esses “primeiros” é
possível perceber quantas dúvidas, angústias e ansiedades
tive neste caso que, aliás, está só começando.
O pai desse menino chegou com ele na UBS com a
queixa de que Golfinho não estava aceitando muito bem a
separação de seus pais, e estes diziam não estar sabendo
lidar com tal situação. Pude perceber durante o processo do
diagnóstico, que o menino é bastante reservado e tem
dificuldade de mostrar suas angústias e sentimentos ruins
pelas coisas que não gosta, apesar de sofrer com isso –
motivo que levou ao encaminhamento para uma terapia.
Talvez esteja com dificuldade de passar por essa crise,
principalmente por não transmitir suas emoções. Esse receio
de se expressar faz sentido em sua história de vida, pois ele
presenciou por bastante tempo intensas brigas em sua casa
110
(entre os pais e entre o pai e a avó materna), que pareciam
acontecer justamente por seu pai constantemente expressar
sua raiva.
Como disse, Golfinho não mostra coisas dele que pensa
ser ruim, sendo sempre um garoto sensível e bondoso, com
uma tristeza aparente. Tais características acrescentadas a
minha primeira experiência em clínica infantil e a nítida
transferência positiva que ele me passou, acabaram por me
sensibilizar com Golfinho por diversas vezes, sentindo e
mostrando a ele essa contratransferência positiva. No início
ainda tive dificuldade em separar a simples idéia de um
garoto com um jeito meigo, de um garoto que sofria não se
expressando de outras formas, mas as conversas nas
supervisões e com meus colegas do estágio, além do melhor
entendimento do que acontecia com a criaa, me ajudaram
a olhar para essa contratransferência de uma forma mais
produtiva.
O namoro dos pais desse garoto nunca foi aceito por sua
avó materna, gerando muitas brigas entre seus familiares;
seu nascimento e desenvolvimento foram normais, com
exceção de duas convulsões que teve quando tinha seis
meses por conta de uma alergia, mas que agora está tratada,
e de uma perturbação digestiva que lhe causa dificuldade de
ir ao banheiro ainda hoje. Tem uma irmã de quatro anos, que
quando nasceu sua mãe teve depressão pós-parto, e que
atualmente fica sob seus cuidados durante o dia, exigindo
dele muita responsabilidade.
Na conclusão de seu diagnóstico apareceram hipóteses
de defesas como a negação - forma de ansiedade paranóide -
e o falso self, percebidas principalmente com a aplicação das
Fábulas de Düss.
No Desenho-Estória com Tema de uma criança
problema aplicada em Golfinho, (dia 20/03) a idéia de
111
problema apresentada por ele – como alguém doente e com
diarréia – me comoveu, como se ele compreendesse que
estava ali por estar “doente”, por saber que as coisas para
ele não iam bem. Além disso, ao me colocar como médica
notei que ele já esperava de mim a cura para os seus
problemas. Percebi também uma transferência positiva ao
desenhar uma flor e um coração, além de escrever meu
nome, pois ele mesmo disse que costumava escrever nomes
de pessoas que ele gostava.
Gostei de saber que para ele estava clara a idéia de que
não estava bem e que ali estava procurando ajuda. Também
me senti feliz com a transferência positiva.
O procedimento me pareceu bastante útil ao
compreender algumas coisas, tais como: consegui perceber
através da estória que ele tem dificuldade de falar das
coisas ruins, pelo menos no primeiro momento, e isso foi
mesmo constatado posteriormente. Em muitos momentos ele
queria passar a idéia de alguém bonzinho, que faz as lições
de casa e ganha pirulito; ao falar da diarréia também mostrou de
forma não-explícita a agressividade.
No mesmo dia apliquei o Procedimento, com o mesmo
tema no pai de Golfinho e me chamou a atenção sua história
que alterou a idéia da criança problema, ao falar de um pai
triste porque está se separado. Percebi o quanto isso está
influenciando em seus sentimentos e na culpa que está
gerando nele, pensando ser por causa disso que seu filho
está com problemas. Em seu desenho a criança parece ter
uma auréola na cabeça, como se fosse um anjo triste. No
desenho da família também notei que o pai está se
afastando dos outros três, que parecem estar mais junto.
No Procedimento feito com a mãe, (dia 29/03) pude
perceber de que forma ela está enxergando seu filho e o
futuro dele, com uma perspectiva de dificuldade e sofrimento,
112
devido principalmente a um jeito que o pai da criança tem.
Ela se voltou à uma idéia pré-estabelecida de um futuro
infeliz de seu filho. No dia que apliquei me senti preocupada
com essa idéia formulada pela mãe, tanto que na devolutiva
me importei em conversar com os pais sobre essa idéia que
ela tinha. No primeiro momento que vi o desenho imaginei
que era seu filho e o pai dele, mas quando ela me disse ser o
filho quando criança e depois quando adulto, uma imagem
completamente diferente veio em minha cabeça.
Nessa aplicação na mãe me senti aflita com um fato.
Nas anteriores aplicações dos procedimentos, li na frente da
própria pessoa sua história, para não correr o risco de lê-la
depois e acontecer de não entender algo. Quando a mãe
terminou e me entregou a história, eu a li em voz alta, porém
me afligiu lê-la na frente do pai da criança, pois a mãe
culpava o pai por ser o causador do possível futuro sofrido do
filho, e só percebi isso quando estava lendo. Mas, apesar de
realmente o pai parecer incomodado no momento, a mãe
parecia bem com o fato de ter escrito tudo aquilo que ela
pensava.
113
DESENHO-ESTÓRIA COM TEMA “CRIANÇA-PROBLEMA” - GOLFINHO
GOLFINHO
114
ESTÓRIA
Após a solicitação para que realizasse o Procedimento
Golfinho diz que criança-problema é quando es
machucada, com dor de cabeça, doente. Perguntou se esse
“problema” era de doença.
G. diz que o nome do menino deitado é Gustavo.
Eu mesma anotei a história.
“Ele era muito feliz, ia para a escola todos os dias e a
professora dava lições, tarefas, giz e pirulito. Dá tarefa para
casa.
Em casa ele faz a tarefa.
Ele brinca de bola com o primo, o tio, a tia, e a avó ajuda
a fazer a lição.
Ele é trapalhão porque não olha na rua.
Um dia ele estava doente, e o cachorro passou perto
dele, ele foi para o médico com diarréia.
Deus curou ele e ele voltou a obedecer a mãe e o pai
dele.”
Perguntei qual era o nome da menina desenhada e ele
disse que era Estrela do Mar apontando para a porta da
sala da Estrela do Mar”, eu disse que era o mesmo nome
que o meu e ele disse que era eu. A casa enorme do lado
direito é o hospital.
115
DESENHO-ESTÓRIA COM TEMA “CRIANÇA-PROBLEMA” - PAI DE
GOLFINHO
ESTÓRIA
O pai mesmo escreveu a história.
“Sou João
19
, pai de dois filhos maravilhosos. Estou
saindo de um casamento de 10 anos.
Um casamento que sempre andou certo, ou melhor,
tinha tudo para dar certo para sempre.
Apesar da separação eu gosto muito da Ana.
Mas chegamos a um acordo que seria melhor dar um
tempo.
Separação todo mundo sabe não é fácil.
Prejudica muito os filhos que são quem sofre mais.
É...”
19
Nas estórias os nomes são fictícios.
116
Há ao lado da folha uma anotação de Golfinho,
realizada depois de seu pai escrever. Ele diz: “Parabéns você
é especial. Certo. Professor Golfinho”.
DESENHO-ESTÓRIA COM TEMA “CRIANÇA-PROBLEMA” – MÃE DE
GOLFINHO
117
ANÁLISE
A primeira questão que destaco na narrativa de Estrela do Mar é o fato
dela, logo no início de sua fala, dizer que todos “... os outros seus ‘primeiros’ que
se pode ter... continuarão sendo dele...”. Apesar de não ser o primeiro
atendimento clínico de Estrela do Mar, este foi, de fato, o primeiro com o qual ela
viveu uma ‘experiência’ completa na clínica com crianças em UBS. Não posso
deixar de mencionar que Estrela do Mar estava muito ansiosa ao criar/encontrar
esta família, visto que seus outros dois encontros – estes “os primeiros” na ordem
de apresentação temporal – foram vividos como experiências incompletas desde
o ponto de vista da estagiária. Estes encontros iniciais resultaram em abandono,
por parte do paciente, após a entrevista inicial, e em uma frustração que
claramente gerou maior ansiedade em Estrela do Mar.
O Jogo da Espátula, descrito por Winnicott (1941/2000), e já
apresentado no primeiro capítulo deste trabalho, permite a afirmação de que um
dos princípios da clínica winnicottiana é considerar terapêutico o desenvolvimento
completo de uma experiência, com o mínimo possível de interrupções do
terapeuta e com o ritmo determinado pelo paciente (AVELLAR, 2004).
Está claro também que, no âmbito da terapia e análise, o setting é
fundamental para que o paciente possa estabelecer seu ritmo e experiência
possível. É neste cenário que este pode viver o ‘período de hesitação’, ou, em
outras palavras, neste espaço que ele está tateando em busca de uma espécie de
‘intimidade’ na situação analítica para que possa, então, se apresentar
espontaneamente. Para Avellar (2004), na clínica,
[...] o paciente vai ao encontro de um novo objeto que supra suas
necessidades psíquicas, para que ele possa resgatar os aspectos de seu
eu (self) que ainda não puderam evoluir. Na situação com o analista, o
paciente busca o desenvolvimento de uma experiência completa, com
um ritmo próprio. O fenômeno de “criar” a espátula é semelhante ao
estabelecimento do fenômeno da ilusão. São fenômenos que
acontecem
durante a análise e ao longo da vida, quando uma nova dimensão de
mundo, um novo aspecto da realidade precisam ser encontrados e
integrados ao self. (p. 76).
Considero possível a analogia entre esta situação analítica e a
experiência clínica de Estrela do Mar, pois ela, como estagiária, deve encontrar e
118
integrar ao seu self a dimensão de ser psicóloga clínica. Para que esta dimensão
profissional seja possibilitada à Estrela do Mar, penso que o conceito de
apresentação de objeto deva ser novamente evocado. Reafirmo o fato de que ser
psicóloga clínica é aqui considerado desde uma perspectiva intersubjetiva.
Quando falamos em um terapeuta que se adapta às necessidades de
seu paciente, também estamos falando de um terapeuta que, respeitando o
‘período de hesitação’ deste, não seja invasivo com suas intervenções e, assim,
permita a emergência do gesto espontâneo. Semelhantemente às mães que
respeitam o ritmo e necessidades de seu bebê, o analista deve apresentar o
objeto intervenção quando o paciente estiver necessitando dele.
Da mesma forma penso que, para facilitar a espontaneidade de Estrela
do Mar, mesmo após a vivência de experiências clínicas sentidas por ela como
incompletas, eu tenha tido que, como supervisora, me adaptar às suas
necessidades. Ofertar o holding necessário, por meio do manejo adequado à
ansiedade por ela demonstrada, me parece ter sido primordial para ela. A
apresentação de procedimentos clínicos com os quais ela poderia trabalhar foi
cuidadosa e, respeitando sua hesitação, ocorreu somente após a emergência da
espontaneidade da própria estagiária. Neste sentido, foi após a entrevista inicial
dela com esta criança e seu pai, e depois do uso do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema da “criança-problema” com ambos, que houve considerações
sobre o uso – já ocorrido - do Procedimento e então sobre outras condutas
clínicas possíveis a partir daí.
Há que se destacar duas questões aqui implicadas: o gesto criativo de
Estrela do Mar ao usar o Procedimento na primeira entrevista com Golfinho e seu
pai e o respeito e sensibilidade desta à comunicação possível desta família,
permitindo – como uma terapeuta que se adaptou à necessidade de seus
pacientes – a emergência da espontaneidade deles próprios. O uso do
Procedimento com a mãe também foi decisão da estagiária, no momento da
entrevista com esta, numa situação em que estava o casal, já separado
oficialmente, e seu filho.
Da mesma forma que um bebê necessita de muitas mamadas
completas, para que, cumulativamente viva a experiência de mamar como bem
sucedida e propiciadora então de saúde psíquica (AVELLAR, 2004), viver
experiências completas no atendimento clínico pode também contribuir para a
119
saúde mental do próprio psicólogo. No caso, do estagiário de psicologia em busca
de uma dimensão de ser psicólogo clínico.
Penso que vivências completas no âmbito do fazer clínico em UBS não
sejam somente processos psicodiagnósticos ou psicoterápicos que sigam,
rigidamente, os passos formais destes. As experiências devem ser consideradas
completas sempre do ponto de vista do paciente e de sua família, que procuram
por ajuda. A possibilidade de poder se expressar, dizendo o que de fato precisam
e/ou sofrem, dará um parâmetro ao psicólogo do que pode ser experiência
completa com aquele caso. O paradigma intersubjetivo, a vivência do encontro
clínico com respeito ao período de hesitação do paciente, a possibilidade de
ofertar o holding necessário para que este paciente e seu terapeuta encontrem
uma forma de comunicação verdadeira e significativa, determinam o rumo do
próprio encontro clínico.
Nesta narrativa de Estrela do Mar, pude observar que o Procedimento
possibilitou que Golfinho, seu pai e sua mãe comunicassem em seu desenho-
estória o que os levou à clínica psicológica e o que alguns deles parecem
manifestar como desejo em relação à Psicologia neste contexto. As preocupações
de todos ficam expostas com o Procedimento e não nos parecem coincidentes,
mas nos deteremos agora sobre a comunicação de Golfinho e sobre a percepção
de Estrela do Mar sobre esta.
Não pretendo realizar aqui uma análise psicanalítica, através de
minhas próprias associações, sobre os desenhos-estórias narrados por Estrela do
Mar, apenas tenciono analisar o uso deste procedimento para o estabelecimento
de comunicação significativa entre os membros da família e Estrela do Mar.
Entretanto, associações foram efetivadas na situação de supervisão e foi
consenso entre as pessoas do grupo que Estrela do Mar estava muito
sensibilizada pela reação de Golfinho perante a separação de seus pais. No início
de sua narrativa verbal ao grupo, esta chegou a acreditar que Golfinho estivesse
“bem”, apenas vivendo uma crise passageira perante a qual os pais pareciam
mais comprometidos do que o filho. Ela própria parecia negar o ‘adoecimento’ de
Golfinho, acreditando neste somente após o uso do Procedimento.
A situação da separação dos pais parece ter gerado em Golfinho a
eclosão de defesas perante a intensa angústia que sentiu. Defende-se, então,
através de uma postura de “bom comportamento”, inclusive na entrevista com a
120
psicóloga/estagiária. Mostrou-se cooperativo, educado, e fez com que Estrela do
Mar acreditasse que estivesse reagindo de forma madura diante da separação de
seus pais.
Independentemente dos motivos que levaram Estrela do Mar a sentir
contratransferencialmente que Golfinho não tivesse ‘nada’ que necessitasse de
auxílio psicológico, noto que ela sentiu também que precisava de uma
comunicação de outra ordem com a criança e seus pais. Ela mostrou-se sensível
ao que não estava aparente na comunicação dele. Daí, a partir desta
necessidade, aplica o Procedimento e percebe, então, o sofrimento real de
Golfinho quando ele pede, através do desenho, ajuda “médica”, “religiosa” e,
efetivamente, psicológica. Ele se mostra doente e pede ajuda à Estrela do Mar.
Houve uma comunicação, possível graças ao uso do Procedimento como
mediador dialógico, onde a defesa perante o sofrimento não foi ‘acionada’ pela
criança.
A teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott está pautada na
proposição de que o indivíduo possui uma tendência ao crescimento e ao
amadurecimento que é inata e herdada (WINNICOTT, 1945/2000). O ser humano
“procura” o desenvolvimento e, para isso, necessita de um meio adequado para
que suas tendências inatas se desenvolvam. Segundo Winnicott (1971/1975c) o
processo de amadurecimento implica num contato com a realidade externa de
maneira criativa e espontânea.
A vivência da separação de seus pais parece ter sido sentida por
Golfinho como uma lacuna de provisão ambiental adequada. Neste momento de
sua vida, pode-se pensar que não houve possibilidade dele viver esta experiência
de forma integrada, muito pelo contrário. Ele deixa de vivenciar a realidade de
forma espontânea. Estrela do Mar, em sua narrativa, inclusive aponta a hipótese
de falso-self para o comportamento que Golfinho apresenta na situação clínica, de
‘reserva’, não mostrando seus ‘sentimentos ruins’. No entanto, considero que, por
meio desta narrativa, não tenhamos elementos suficientes que nos indiquem esta
hipótese.
Golfinho está diante de sofrimento e de afastamento de si, pode-se
dizer que há dissociação como defesa. Quando o ser humano direciona-se ao
amadurecimento, ele busca a integração e, neste sentido, ele mostra estar
121
saudável. Ao contrário, na impossibilidade da integração, por falhas ambientais, a
doença sobrevém e há interrupção do processo de amadurecimento.
A integração está relacionada, portanto, com a possibilidade do
indivíduo vir a se sentir um todo, de existir ao longo do tempo, de poder viver
criativamente. (AVELLAR, 2004). Para que isso aconteça, o ambiente tem que ser
adequado ao amadurecimento desde os primórdios da vida do bebê e se manter
assim ao longo de sua vida.
Para que a integração possa acontecer, o bebê vive inicialmente a fase
de dependência absoluta, aquela na qual se encontra na mais completa
dependência da mãe e para a qual esta deve adaptar-se totalmente. O processo
maturacional ocorre em direção à independência, passando pela fase
denominada por Winnicott (1956/2000) de dependência relativa. A integração do
bebê surge quando a mãe oferece cuidados adequados para que, gradativamente
o bebê conquiste sua integração.
No início, a mãe entra em sintonia com o ritmo do bebê, vivendo para
ele e cuidando dele, numa sintonia denominada por Winnicott (1968/1994) de
experiência de mutualidade. A vivência do bebê é de confiança, de proteção
quanto às intrusões da realidade externa (AVELLAR, 2004). Aos poucos, e com a
possibilidade de viver, repetidamente, muitas experiências completas, com
começo, meio e fim, sobrevém a confiança no meio, e a possibilidade de viver a
realidade externa. A mãe que pode oferecer um cuidado próprio, humanizador, ao
seu filho, permite a este a primeira organização temporal, sua continuidade de ser
na presença da mãe.
A importância estruturante do meio ambiente é amplamente enfatizada
por Winnicott. Em capítulo anterior já referimos também o quanto é essencial o
papel materno, da mãe suficientemente boa, para possibilitar ao bebê a
experiência da ilusão, fazendo com que este creia que a realidade é uma criação
sua. A criatividade sobrevém desta área, transicional, entre o ‘dentro’ e o ‘fora’.
Entretanto, segundo Winnicott (1971/1975a) para haver uso do objeto transicional
a pessoa precisa ter a “[...] percepção do objeto como fenômeno externo, não
como entidade projetiva, na verdade, o reconhecimento do objeto como entidade
por seu próprio direito” (p. 125).
122
Villela (2007), a partir do pensamento de Winnicott, afirma que
No processo de amadurecimento a capacidade de usar objetos se
desenvolve a partir da relação de objeto, nessa última, a experiência se
dá com objetos subjetivos, dentro do âmbito da ilusão de onipotência,
não havendo, portanto, dois entes. Já no
uso do objeto leva-se em conta
a realidade externa e independente do objeto. (p. 203).
Quando a dependência absoluta passa a se transformar em
dependência relativa, logo em seu início, o “eu” ainda não existe separado do
“não eu”. Aos poucos o bebê vai adquirir o acesso ao sentido da realidade, que,
no princípio, é a realidade do mundo subjetivo. A subjetividade, por si, se dá na
presença de alguém, na presença da mãe. Embora o bebê não tenha
conhecimento da existência da mãe, pode sentir seus cuidados, que lhe
possibilitam continuar a ser na sua presença (AVELLAR, 2004). Winnicott
(1967/1975a) chamou este objeto de objeto subjetivo, que é criado pelo bebê na
área de sua onipotência. Cabe à mãe apresentar o mundo ao bebê, em pequenas
doses, na medida em que ele pode compreendê-lo. Em capítulo anterior já
comentamos sobre a apresentação de objeto, denominação winnicottiana para
esta função materna.
Creio que se pode afirmar, a partir desta perspectiva de uso do objeto,
que Golfinho tem a percepção do objeto externo, haja vista sua possibilidade de
comunicação na área transicional por meio do Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema “criança-problema”, que se observa na narrativa de Estrela do
Mar.
Para a criança usar o objeto transicional, ainda segundo Winnicott
(1969/1975b), ela, necessariamente, possui um bom objeto interno, que está vivo
e suficientemente bom. No entanto, as qualidades deste objeto interno dependem
da existência e comportamento do objeto externo. Para este autor “[...] O
desenvolvimento da capacidade de usar um objeto constitui outro exemplo do
processo de amadurecimento, como algo que depende de um meio ambiente
propício” (1969/1975b, p. 125).
Parece-me, pela narrativa do uso do Procedimento com Golfinho, que
este tenha adquirido a capacidade de uso de objetos. No entanto, neste
momento, Golfinho encontra-se impossibilitado, em seu ambiente, de contar com
adequada provisão ambiental. Seus pais vivem uma crise conjugal que se
123
configura como ruptura de uma estrutura ambiental familiar que, por meio da
narrativa, mostrou-se sempre muito frágil. Talvez, em função desta questão,
Golfinho encontrava-se, no instante desta primeira entrevista mais fragilizado,
pois, possivelmente, seu processo de amadurecimento encontra-se ‘paralizado’,
já não estando de acordo com sua idade cronológica há algum tempo. A
separação dos pais só veio agravar esta situação.
Estrela do Mar viveu este encontro com Golfinho e seu pai de forma
contratransferencial, vivendo, ela própria, toda a angústia das pessoas que a
procuraram. Acreditar na ‘saúde’ de Golfinho, em um primeiro momento, parece
ter sido a única forma, defensiva até, para que Estrela do Mar pudesse entrar em
contato com estes pacientes. De fato, ele assume responsabilidades que não são
dele, inclusive cuidando de sua irmã, e aparentemente está fazendo isto ‘bem’.
Entretanto, ao propor o Procedimento e viver as possibilidades comunicacionais
deste, Estrela do Mar pôde olhar para as pessoas que estavam à procura de sua
ajuda, como profissional. Noto que ela poderia continuar considerando que
Golfinho estivesse bem, mas se apropria de sua Estória demonstrando, inclusive,
estar alegre de ele saber-se doente e pedir sua ajuda.
Para poder estabelecer esta comunicação com seus pacientes, Estrela
do Mar refere que “[...] as conversas nas supervisões e com meus colegas do
estágio, além do melhor entendimento do que acontecia com a criança, me
ajudaram a olhar para essa contratransferência de uma forma mais produtiva”.
Neste trecho de sua narrativa, ela demonstra que, além do suporte que o grupo
na supervisão lhe forneceu, o melhor entendimento do que acontecia com a
criança, ou seja, a comunicação verdadeira entre ambos foi possibilitada por meio
do uso do Procedimento.
Quanto à vivência do uso do Procedimento com o pai de Golfinho, a
surpresa de Estrela do Mar, quanto à alteração que este faz em relação ao tema
da história, já nos permite supor o estabelecimento da transicionalidade. Este pai
parece pensar que o seu filho/ “anjo triste”, assim se encontra por culpa dele e
não em virtude da separação. Na verdade ele assume a culpa da separação em
seu relato, conforme a narrativa expõe. Estrela do Mar se sensibiliza com este
pai, tanto quanto seu próprio filho parece fazê-lo, ao escrever “Parabéns você é
especial. Certo. Professor Golfinho”.
124
Em entrevistas posteriores, aqui não narradas, Estrela do Mar
responde a uma solicitação deste pai por psicoterapia. Por intermédio da busca
por atendimento ao seu filho, o pai percebe suas próprias dificuldades e procura
por ajuda. De fato, seu Desenho-Estória fez com que todos do grupo associassem
sofrimento, culpa e solidão ao Procedimento por ele realizado. Vale aqui dizer que
Estrela do Mar atende apenas Golfinho em psicoterapia.
A mãe de Golfinho, ao desenhar junto com seu já ex-marido, parece ter
usado o Procedimento para deixá-lo ainda com mais culpa. Estrela do Mar,
sensível ao sofrimento paterno, percebe que comete uma intrusão ao ler em voz
alta a história da mãe, que parece remeter “criança-problema” às questões
relacionais com o pai. Neste momento, metaforicamente é possível dizer, que
Estrela do Mar, ‘enfiou a espátula’ na boca deste pai-bebê. A mãe culpabiliza o
pai pelo futuro de rebeldia do filho, numa clara agressividade ao ex-marido. Ao
dizer que “[...] aquela criança feliz, já não era mais, e sim muito triste pelo fato de
seu pai chegar com o estado de humor alterado”, a mãe parece ter se
comunicado com o pai, e não com Estrela do Mar. Esta percebe e, na devolutiva,
tenta reparar o que considerou como erro seu.
Considero importante que Estrela do Mar tenha percebido o quanto foi
intrusiva com o pai de Golfinho ao expor a história da mãe e tentado, mesmo em
momento posterior, trabalhar esta questão. No entanto, teria sido mais produtivo
e, talvez já possibilitasse um meio de comunicação significativo, se esta questão
não tivesse sido adiada para um outro momento.
Este fato pode revelar um pouco da dificuldade de se trabalhar sob
perspectiva de psicodiagnóstico interventivo com alunos em formação. No
entanto, insisto que esta perspectiva, por permitir encontros inter-humanos, deva
ser trabalhada com estagiários, mesmo na graduação. O suporte da supervisão
deve conduzir estes alunos para que percebam e possam, sentindo-se acolhidos
em suas angústias perante sofrimentos humanos, também oferecer holding no
momento em que este se faça necessário.
Embora não tenha esgotado as possibilidades de reflexão sobre o
material desta narrativa, vou me recolher para deixar o leitor efetuar, ele próprio,
suas associações e entendimentos sobre as experiências de Borboleta e Estrela
do Mar. Meu propósito ao trabalhar com o Procedimento de Desenhos-Estórias
com Tema “criança-problema”, em primeiras entrevistas clínicas e, tamm
focalizar este uso sob perspectiva transicional em supervisão, alcança, assim, seu
objetivo neste texto.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
Chego ao último capítulo desta tese, intitulado “Considerações Finais”,
embora, em coerência com o trabalho que realizo e com o paradigma de ciência
que adoto, absolutamente não considero este um trabalho finalizado. Antes, pelo
contrário. Apresento considerações que têm o propósito de possibilitar e estimular
novas reflexões.
Com esta intenção, dois são os caminhos que se apresentam para que
eu pense em ‘considerações finais’. Um diz respeito ao uso do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, do ponto de vista da primeira experiência clínica
do estagiário, e outro diz respeito à supervisão clínica que toma este como
materialidade dialógica. Logo no início deste trabalho referi que considerava o
atendimento clínico do aluno e a supervisão clínica como indissociáveis e, devo
dizer que esta é uma visão que permanece após a reflexão que realizei pautada
pela psicanálise winnicottiana. Penso, agora, que ao indicar esta questão da
indissociabilidade eu já gestava esta idéia a partir do pensamento psicanalítico de
Winnicott, sob uma perspectiva intersubjetiva do olhar investigativo. A opção por
um trabalho de pesquisa que se apresenta por meio de uma prática já iniciada,
carrega consigo a pessoalidade do investigador e também, neste caso, o
envolvimento de todo um grupo de supervisão. Além de fazer sentido como
produção de conhecimento inserido em um contexto formativo e de atendimento à
população no Sistema Único de Saúde.
A elaboração desta tese permitiu que eu me debruçasse sobre minha
atuação como supervisora e resignificasse toda minha vivência acerca das
primeiras experiências clínicas de psicólogos em formação. Houve um caminho
teórico percorrido até que achasse/encontrasse a psicanálise winnicottiana que se
”encaixou perfeitamente” com a necessidade que sentíamos, eu e alunos em
formação clínica, de acolher os pacientes na saúde pública. A possibilidade do
uso de materialidade mediadora para comunicações entre psicólogos e pacientes
se apresentou como uma esperança, concretizada por meio do uso do
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema. No entanto, considero ser
necessário retornar ao objetivo desta pesquisa para pontuar, principalmente, as
especificidades das experiências clínicas abordadas.
O objetivo inicial foi verificar, a partir de uma perspectiva psicanalítica,
o potencial clínico do uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema,
concebido como recurso dialógico facilitador de comunicações emocionais
127
significativas em primeiras entrevistas realizadas por graduandos em Psicologia.
Para este fim vários alunos, que vivenciaram o uso do Procedimento nas suas
primeiras entrevistas clínicas, relataram suas experiências por meio de narrativas
psicanalíticas, sobre as quais realizei reflexões a partir do pensamento
psicanalítico de Winnicott. Para a confecção do texto desta tese, duas dessas
narrativas foram escolhidas em função de terem sido as primeiras a serem
narradas em supervisão. Neste intuito, considero que eu própria me surpreendi
com as possibilidades dialógicas deste uso do Procedimento e, ainda, com a
apropriação que meu grupo de estágio fez dele como mediador de seus encontros
clínicos nas Unidades Básicas de Saúde onde atuam.
Ao me surpreender com a experiência de meus estagiários, também
experienciei uma superação dissociativa por meio da recuperação de um saber
vivencial, de um encontro-criação de sentidos a partir da obra winnicottiana, que
parece ter ocorrido exatamente quando não estava pensando conceitualmente
nisso. A surpresa, portanto, pôde ser vivenciada pelos nossos pacientes, pelos
estagiários/terapeutas e também pelo supervisor/pesquisador, na medida em que
os Desenhos-Estórias tornaram-se o meu “rabisco” pedagógico.
Assim sendo, pode-se observar que na narrativa de ‘Borboleta’
delineia-se sua experiência emocional relacionada à primeira experiência clínica e
ao uso do Procedimento. Seu encontro com esta mãe, que traz o filho para
Psicologia, foi pautado por angústias que foram, aos poucos, utilizadas no sentido
do acolhimento, do holding à dupla mãe-filho. No entanto a angústia de Borboleta,
necessária até, no meu entendimento em acordo com Bleger (1973), deflagrou
uma busca por meios de acolhimento, inicialmente à criança e, posteriormente, à
própria mãe. Bleger (1973) coloca que somente há problemas na dissociação
psíquica que vive o profissional que atua na clínica quando este é tomado por
angústias que enrijecem suas defesas para evitar o contato. De outro modo, esta
dissociação, postulada por Bleger como identificação projetiva, e a permanência
da capacidade de observação e, eu diria de acolhimento, é necessária ao bom
trabalho clínico (VILLELA, 2007).
Borboleta, ao usar o Procedimento, estabeleceu uma comunicação
significativa que possibilitou, tanto à mãe, quanto a ela mesma, um olhar para a
realidade do sofrimento da criança trazida para avaliação e para a real
possibilidade da mãe assumir seu papel materno. Para que este uso fosse
128
efetivado, também ressalto a importância do holding oferecido à Borboleta na
supervisão, ocorrida logo após seu primeiro encontro com a dupla mãe-filho. Este
acolhimento foi fornecido pela supervisora, mas há que se considerar que todos
do grupo participaram deste momento e se sensibilizaram com a vivência de sua
colega. Afinal, também eles viviam momentos semelhantes, ou haviam
“sobrevivido” já a este tão importante primeiro encontro clínico.
Estrela do Mar usou o Procedimento já com o conhecimento e as
reflexões da supervisão sobre a vivência clínica de Borboleta. Estava, entretanto,
angustiada também com o fato de considerar que os dois primeiros
psicodiagnósticos com os quais iniciou o estágio na UBS terem sido interrompidos
por uma falha de ‘abordagem técnica’ dela própria. Provavelmente, viveu estes
encontros clínicos com toda ansiedade de “acertar” o caminho do
psicodiagnóstico, tal como ensina a teoria aprendida ao longo do curso. Neste
sentido, ela criou/encontrou a família a qual se refere sua narrativa apresentada
nesta pesquisa, na medida em que viveu uma experiência completa neste caso.
Estrela do Mar foi às ‘profundezas de seu ser’ para receber estes pacientes,
necessitou pensar em si mesma como uma psicóloga em formação e que vive
angústias no encontro clínico. Percebeu que estas angústias são singulares, são
próprias de seu ser, de sua forma de relacionamento com o mundo externo, e,
daí, pensou menos na teoria no encontro com Golfinho. Para isto pode contar
também com o holding oferecido em supervisão. Ela estava repensando sua
atuação clínica quando se apropriou do uso do Procedimento, a partir das
reflexões efetuadas em supervisão sobre o uso do mesmo por Borboleta.
Destaco aqui, novamente, que a partir do uso do Procedimento por
Borboleta também pude usar esta experiência como mediadora de comunicações
significativas junto a ela e ao grupo de supervisão. Considerei, então, estas
comunicações essenciais para expor a potencialidade do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema como mediador dialógico. Reforcei, nos encontros
de supervisão, a real possibilidade do aluno/estagiário se posicionar com sua
pessoalidade nos encontros clínicos na UBS.
Retomando as angústias por que passam estes jovens nos primeiros
atendimentos clínicos, estas são apontadas em supervisão e, assim, podem ser
expostas e acolhidas. Este estilo de supervisão parece-me ser de fundamental
importância, particularmente quando o aluno não foi adequadamente apresentado
129
ao sofrimento do outro e à prática clínica por meio de mediadores, conforme já
comentamos em capítulo 3. O papel do supervisor assume aqui sua função
formadora, quando aproxima o ser humano, tanto na figura do paciente quanto do
estagiário, da teoria, a qual este já começa a conhecer ao logo do curso. Neste
sentido é uma prática favorecedora de colocações pessoais, nas quais pode vir a
se apresentar o estilo clínico do próprio aluno.
Confesso que ao iniciar minha prática como supervisora, o papel de
professora tradicional, aquela que apenas transmite conhecimentos, tenha sido
meu modelo. Este fato pode ter ocorrido por eu ainda estar em busca de uma
identidade de ser supervisora, tendo agido defensivamente perante o
desconhecido papel que, de certo modo, me impunha desempenhar. Agi, a
princípio, de forma defendida utilizando a ‘teoria como escudo’
20
perante as
angústias que vivia então. Aos poucos me sensibilizei com os estagiários de
forma a enxergar suas necessidades iniciais ao entrar em contato com a prática
clínica e, hoje, principalmente após a realização desta pesquisa, privilegio o
holding nesta situação, mas, de forma alguma abandono a teoria na formação de
estágio. Trata-se, no entanto, de adotar a teoria sem submissão e conformismo
em relação a ela, assumindo uma postura crítica perante a realidade de
atendimento clínico, em consonância com o paradigma de ciência intersubjetivo,
conforme proposta de Aiello-Vaisberg (2004).
O fato de Borboleta e Estrela do Mar estarem em psicoterapia,
provavelmente deu-lhes um suporte maior, facilitando a vivência clínica de forma
menos dissociada, permitindo discriminar melhor o que é do terapeuta e o que é
do paciente.
Desta forma, considero a efetiva necessidade de que haja, além do já
apontado holding oferecido pela supervisão, o suporte teórico e da psicoterapia
para que estagiários enfrentem, o mais adequadamente possível, seus primeiros
– e até outros – encontros clínicos.
Ao falar da vivência de Borboleta, esta já se mistura com a de Estrela
do Mar e com a supervisão. Este fato, por si, já reafirma minha teoria da
indissociabilidade entre as primeiras entrevistas clínicas de psicólogos em
20
Expressão que devo à Miriam Tachibana, em contexto de reunião do grupo de pesquisa, dita em
2007.
130
formação e o suporte necessário a este momento formativo. Há um claro
posicionamento de que a Psicanálise pressupõe, sempre, que estejamos em
constante processo de autoconhecimento para melhor lidarmos com o sofrimento
humano. Não podemos, jamais, negar que somos seres que sofrem à
semelhança de nossos pacientes, e, por isso, devemos nos conhecer
maximamente para poder acolher outro ser humano, com toda sensibilidade que
isto requer.
Winnicott (1969/1975a) ao se referir ao processo de amadurecimento
deixa claro que este possibilita um contato com a realidade externa de forma
criativa e espontânea. Ao falar sobre criatividade afirma que esta possa dar um
colorido em toda atitude com relação à realidade externa,
[...] através da apercepção criativa, mais do que qualquer outra coisa,
que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. Em contraste,
existe um relacionamento de submissão com a realidade externa, onde o
mundo em todos seus pormenores é reconhecido apenas como algo a
que ajustar-se ao exigir adaptação. A submissão traz consigo um sentido
de inutilidade e está associada à idéia de que nada importa e de que não
vale a pena viver a vida. (p. 95).
A criatividade, portanto, é fruto do amadurecimento e essencial para
que a clínica, neste espaço formativo, possa ser vivida de maneira significativa.
Postulo que nossos estagiários necessitam estar saudáveis, no sentido de saúde
significar uma maturidade relativa à idade do indivíduo (1967/1975b), para que
possam usar adequadamente mediadores em sua prática clínica. No caso deste
trabalho, considero que Borboleta e Estrela do Mar estejam “saudáveis”, pois
souberam usar de forma criativa o Procedimento, mesmo que inseguras a
princípio.
Além do amadurecimento saudável, os primeiros contatos com
pacientes na clínica, deveriam ser precedidos por mediadores já no ensino da
graduação em Psicologia, conforme refletimos no capítulo que trata sobre
transicionalidade. O contato efetivo com o sofrimento humano e outras demandas
clínicas podem ser facilitados caso, ao longo do curso, haja aproximações
graduais com este sofrimento, que permitam que nosso aluno amadureça por
meio do conhecimento teórico associado a uma clínica real.
131
O uso criativo de mediadores dialógicos na clínica psicanaliticamente
orientada não garante, por si, que haja uma comunicação significativa entre a
dupla analítica, conforme já comentado anteriormente. É meu propósito repetir
esta afirmação, por considerá-la essencial para que não tomemos o mediador
como uma técnica a ser simplesmente reproduzida. Assim foi que propus aos
meus sujeitos/estagiários que usassem o Procedimento de Desenhos-Estórias
com Tema, ou seja, dependendo do encontro e da possibilidade de uso deste,
como mediador dialógico e naquele momento único. Em 24 processos
psicodiagnósticos realizados no período que determinamos para obter as
narrativas para nossa pesquisa, dezesseis estagiários usaram o Procedimento em
16 primeiras entrevistas clínicas. Apesar de o uso ter sido significativo em termos
numéricos, nota-se que houve situações em que o estagiário optou livremente por
não usá-lo.
As materialidades, portanto, podem surgir de diferentes maneiras na
clínica psicanalítica. De acordo com Medeiros (2003) há atendimentos que trazem
a necessidade de materialidade, em alguns há necessidade, inclusive, de
materialidade específica que tenha relação com a história de vida daquela
pessoa, daquele atendimento, do momento e encontro da dupla terapêutica. Há
ainda atendimentos para os quais o uso de procedimentos apresentativo-
expressivos não faz sentido. Para esta autora, tais diferenças remetem ao uso
que cada pessoa faz da palavra e dos objetos, sendo que alguns pacientes se
beneficiam mais com o uso de palavras, enquanto outros usam objetos para
favorecer um acontecer clínico verdadeiro.
Considero que ambas narrativas das estagiárias permitem que se
interprete o uso que fizeram do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema
“criança-problema” como significativas para o estabelecimento de comunicações
favorecedoras de um encontro clínico terapêutico desde as primeiras entrevistas,
mesmo que aqui denominadas a partir do enquadre psicodiagnóstico. Entretanto,
pode-se notar que o uso como mediador dialógico, provavelmente ocorreu em
virtude do fato de ambas estagiárias usarem espontaneamente o Procedimento.
Em supervisão, não houve, em momento algum, uma obrigatoriedade para que
este fosse tomado como técnica psicodiagnóstica. Pode-se dizer, por intermédio
das narrativas trabalhadas nesta pesquisa, que foi a partir da sustentação
ofertada por um modelo de supervisão que privilegia o holding para alunos
132
iniciantes na prática clínica que Borboleta e Estrela do Mar usaram o
Procedimento como mediador e não como uma técnica.
Eu ousaria dizer que somente a partir do gesto espontâneo do aluno,
em situação que somente ele pode sentir a possibilidade de uso de materialidade,
que podemos considerar qualquer mediador, inclusive o Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema “criança-problema” como mediador dialógico e,
portanto, facilitador de comunicações significativas na clínica psicanalítica. A
transicionalidade, possibilitada por meio do uso do Procedimento nesta pesquisa,
mostrou-se efetiva para o objetivo que inicialmente formulamos. Reconhecemos,
no entanto, que, neste grupo de supervisão, foram várias narrativas que
apontaram para esta possibilidade com o uso deste Procedimento e com este
tema específico.
Há que se dizer ainda que o estágio, tal como está organizado, permite
que estes alunos/estagiários entrem em contato com muitos pacientes e suas
famílias, e esta questão também me parece importante para a formação clínica
psicológica. No caso específico de Estrela do Mar, ela pôde perceber que a
técnica não havia sido determinante de seus “fracassos” anteriores, mas antes a
maneira como se portava no encontro com as pessoas, nas primeiras entrevistas
que realizou. Ela pôde viver muitas outras experiências “completas” na UBS. Digo
‘completa’ do ponto de vista dela, conforme já apontei anteriormente, com
começo, meio e fim de um processo psicodiagnóstico interventivo. Winnicott
(1941/2000) ao discorrer sobre o Jogo da Espátula, fornece a metáfora perfeita
para que percebamos a importância das experiências completas ao longo de
nossa vida. A vivência de múltiplas experiências clínicas, que não são idênticas,
possibilita que estagiários sintam a necessidade de acolhimento do outro com sua
singularidade e com respeito à alteridade.
No entanto, considero que seja minha responsabilidade, e de todo
supervisor de estágio profissionalizante e com atuação em serviços públicos de
saúde e clínicas-escolas, poder conduzir nossos estagiários de maneira que eles
escutem, verdadeiramente, seus pacientes, no intuito de buscar compreender o
que, de fato, eles procuram na Psicologia, nestas instituições. A questão que se
coloca, neste lugar de formação, é não negar a alteridade, mas sim acolhê-la, e
esta questão parte de uma postura ética perante a diferença emergente do outro,
e, neste acolhimento, viver processo plenamente transformador.
133
O supervisor tem a função de ser a ponte em direção a um mundo
desejado, idealizado e até temido por seus estagiários. Definiria esta função, com
as reflexões efetuadas por meio desta tese, como fundamentalmente de
acolhimento, de holding, em um primeiro momento. A confiança que o holding
possibilita, permite que novas intervenções do supervisor se estabeleçam junto ao
grupo de forma mais relaxada, tranqüila e, portanto, menos defendida. O uso do
Procedimento pelos estagiários durante o ano de 2007, me permite dizer que ele
foi tomado como materialidade comunicacional, potencialmente transicional, pela
dupla terapêutica, estudadas mais de perto nesta tese por meio das experiências
de Borboleta e Estrela do Mar. Ainda possibilitou que eu, na função de
supervisora, usasse estas experiências, aqui narradas, para conversar com todos
do grupo de supervisão sobre a importância da comunicação significativa com o
outro, nosso paciente, seja este uma criança ou toda uma família. Esta
comunicação foi trabalhada com os estagiários a partir do uso do Procedimento
de Desenhos-Estórias com Tema “criança-problema” de Borboleta e Estrela do
Mar, e revelou-se, transicionalmente, dialógico.
Termino meus escritos com a história de uma de minhas estagiárias,
efetuada com o uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema “um aluno
em sua primeira entrevista, na clínica psicanalítica com crianças” em 2007.
Trabalhado em outro contexto, de “Consulta Terapêutica Coletiva”, ilustra a
relação que meus estagiários foram estabelecendo com a clínica ao longo do ano
e sob um estilo de supervisão que privilegiou o holding.
UM ALUNO EM SUA PRIMEIRA ENTREVISTA NA
CLÍNICA PSICANALÍTICA COM CRIANÇAS
“Quando tenho uma estrutura
Um plano a seguir
Um mapa a trilhar
Um norte para me guiar
De certa forma, me acalmo
Embora haja ainda a emoção do início
A adrenalina do desconhecido...
Tenho que caminhar, então vamos que vamos!
134
Porém, nenhum caminho é pleno
Se não há obstáculo a ser ultrapassado
E, de preferência, ser vencido
Foi assim minha primeira experiência clínica
Um plano estruturado aprendido em sala de aula
Entrevista inicial, hora de jogo, testes,
Visita à escola, devolutiva...
Tudo sistematicamente feito
Manual e textos à mão
E pronto!
Que nada...
Na prática, quem indica
Qual a pétala da rosa dos ventos
Devo seguir
É a criança e seus acompanhantes
Suas necessidades, suas vidas, seus mundos
E assim vai
Nada de planejamentos rígidos
Nada de moldar as pessoas ao plano
Mas sim moldar o plano às pessoas
Claro que isso gera insegurança
Medos, incertezas, dúvidas...
Mas o sentimento de movimento, liberdade
Dentro de um “plano”
É muito melhor para VER PESSOAS
E não somente PLANOS
Por isso, cada novo caso
Vale como primeira experiência clínica
Pois nunca sei o que vai surgir
E é isso que torna cada caso
ESPECIAL.
(destaques da autora)
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SHEPPHERD, R.; DAVIS, M. (Orgs.). Trad. José Octavio de Aguiar Abreu.
Explorações psicanalíticas D. W. Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas Sul,
1994b. p. 244-247.
______. (1965). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria
do desenvolvimento emocional. Rio de Janeiro: Artes Médicas, 1983.
______. (1967). A localização da experiência cultural. In: ______. O brincar e a
realidade. Trad. de José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de
Janeiro: Imago, 1975a. p. 133-143.
______. (1967). O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento
infantil. In: ______. O brincar e a realidade. Trad. de José Octavio de Aguiar
Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975b. p. 153-162.
______. (1968). A comunicação entre o bebê e a mãe: convergências e
divergências. In: ______. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
______. (1969). A criatividade e suas origens. In: WINNICOTT, D. W. O brincar e
a realidade. Trad. de José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de
Janeiro: Imago, 1975a. p. 95-120.
______. (1969). O uso de um objeto. In: ______. O brincar e a realidade. Trad. de
José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975b. p.
121-131.
______. (1971). Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de Janeiro:
Imago, 1984.
______. (1971). O brincar e a realidade. Trad. de José Octavio de Aguiar Abreu e
Vanede Nobre. Rio de Janeiro, Imago. 1975a.
______. (1971). Sonhar, fantasiar e viver: uma história clínica que descreve uma
dissociação primária. In: ______. O brincar e a realidade. Trad. José Octavio de
Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975b. p. 45-58.
145
WINNICOTT, D. W. (1971) O brincar: uma exposição teórica. In: _______. O
brincar e a realidade. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de
Janeiro, Imago. 1975c. p. 59-77.
______. (1971). O Brincar: A Atividade Criativa e a Busca do Eu (Self). In:
______. O brincar e a realidade. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede
Nobre. Rio de Janeiro: Imago, 1975d. p. 79-93.
ZASLAVSKY, J.; NUNES, M. L. T.; EIZIRIK, C. L. A supervisão psicanalítica:
revisão e uma proposta de sistematização. Revista de Psiquiatria, Rio Grande do
Sul, v. 25, n. 2, p. 297-309, 2003.
146
ANEXOS
147
ANEXO I
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dirigido
aos sujeitos da pesquisa
Este termo diz respeito ao consentimento de duas partes envolvidas
em um processo de pesquisa científica. De um lado, a pesquisadora Diana
Pancini de Sá Antunes Ribeiro, aluna do Curso de Doutorado em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, R.A. 04503926, residente na Rua
José Carlos Cavina, no. 251 Jardim Canadá, Assis (SP), realizando a pesquisa
intitulada Transicionalidade e Uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema nas Primeiras Entrevistas Clínicas, e de outro alunos de quarto e quinto
anos do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis,
representando a outra parte envolvida como sujeitos de pesquisa psicanalítica.
Trata-se de investigação sobre a possibilidade do Procedimento de
Desenhos-Estórias com Tema, ao ser utilizado em primeiras entrevistas clínicas
durante processo de psicodiagnóstico realizados com crianças, facilitar o
estabelecimento de espaço potencial que possibilite comunicações verdadeiras
entre o aluno/estagiário e os participantes do processo de diagnóstico.
Este Procedimento consiste na solicitação de um desenho temático em
folha sulfite branca, seguindo a instrução: Peço-lhe que desenhe uma criança-
problema. Terminado o desenho, solicita-se que o participante escreva, ou relate,
uma história sobre o desenho elaborado, anotando no verso da folha. No caso do
participante ter dificuldades para escrever, o aluno/estagiário deverá tomar nota
da história relatada. As produções assim obtidas serão objeto de confecção de
narrativas pelos alunos, então sujeitos desta pesquisa.
Espera-se desse modo produzir conhecimento científico que permita
ampliar a compreensão sobre o espaço transicional, como facilitador de
comunicações significativas entre as pessoas envolvidas nas primeiras
entrevistas diagnósticas. Tal conhecimento pode vir a possibilitar que o próprio
processo psicodiagnóstico já reverta em benefício terapêutico para os envolvidos
neste processo, inclusive ao próprio aluno de psicologia que verá facilitado seu
trabalho de comunicar-se com o seu paciente. Desta maneira, esta pesquisa
148
insere-se no grupo de supervisão pela autora desta pesquisa, também com a
aplicação do método psicanalítico.
Espera-se deste modo produzir conhecimento que permita ampliar a
compreensão sobre o espaço potencial/transicional, pensado pelo pediatra e
psicanalista Donald W. Winnicott, como facilitador de verdadeiras manifestações
de comunicações entre pessoas. Tal conhecimento pode vir a possibilitar que o
próprio processo psicodiagnóstico reverta em benefício terapêutico para os
envolvidos neste processo, inclusive para o aluno de psicologia. Desta maneira,
esta pesquisa insere-se coerentemente no conjunto de trabalhos investigativos
que vêm sendo desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa CNPq/PUC-CAMPINAS:
Atenção Psicológica Clínica em Instituições: Prevenção e Intervenção.
As informações obtidas durante o trabalho, que deve compreender todo
1º. Semestre de 2007, serão confidenciais, e embora os dados possam ser
divulgados em congressos, eventos e artigos científicos de circulação entre
profissionais da área, o sigilo será preservado não identificando os participantes.
A participação nesta pesquisa é totalmente voluntária e informações
adicionais podem ser solicitadas diretamente com a pesquisadora por meio dos
telefones 18-3302-5884, 18-3302-5886, 18-3302-5888 e 18-3323-6055, e também
pelo e-mail: [email protected]. Este Projeto foi analisado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da PUC-Campinas e o telefone de contato do mesmo é 19-
3735-5910.
-----------------------------------------------------
Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro
149
Eu, ------------------------------------(nome completo do participante), declaro
estar ciente dos métodos dessa pesquisa, assim como declaro minha participação
voluntária nela, autorizando a inclusão de minha narrativa sobre o uso do
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, no ‘corpus’ da investigação,
respeitadas as condições de sigilo, privacidade e o direito de avaliar o material
transcrito, nos termos descritos. Estou ciente de que poderei me retirar da
pesquisa a qualquer momento, sem nenhum ônus para minha pessoa, e também
dos termos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, do qual guardo uma
cópia.
__________________________________
Assinatura
Data: __/__/__
Centro de Ciências da Vida
Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas – Rua Marechal Deodoro, nº. 1099, Centro, Campinas, SP – CEP
13010-920. Telefone: (19)3735-5910.
150
ANEXO II
Carta de Autorização dirigida à Instituição
À Psicóloga XXXXXX
Responsável pela Coordenação das Unidades Básicas de Saúde da
Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Assis (SP)
Apresento-me como psicóloga docente do Curso de Psicologia da
Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis e aluna do Curso de Doutorado
em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, RA 04503926.
Nesse momento estou desenvolvendo um projeto de pesquisa
intitulado Transicionalidade e Uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema nas Primeiras Entrevistas Clínicas, como parte das atribuições necessárias
para obtenção do título de Doutor em Psicologia.
Esta pesquisa pretende investigar a possibilidade de maior eficácia
clínica no atendimento ao sofrimento psíquico de crianças, pais e famílias, já na
realização dos psicodiagnósticos em Unidades Básicas de Saúde. Nosso objetivo
é utilizar o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, desenvolvido por
Aiello-Vaisberg (1997) a partir do Desenhos-Estórias de Trinca (1972), como um
recurso facilitador da expressão dos envolvidos no diagnóstico psicológico -
inclusive o psicólogo - a favor do estabelecimento de um campo verdadeiramente
dialógico. Verdadeiro aqui no sentido psicanalítico de ser ausente de críticas ou
avaliações pré-determinadas.
Este campo dialógico pode ser considerado como significativo
terapeuticamente, quando pensado à luz das contribuições de Donald W.
Winnicott, especialmente acerca das consultas terapêuticas (1984). Esse autor
151
explorava integralmente as primeiras entrevistas psicológicas como um meio de
avaliação e também de intervenção e ajuda psicológica. Nesse sentido a eficácia
clínica terapêutica pode ser observada desde estes primeiros encontros
diagnósticos, o que favorece todos os envolvidos nesse processo. Além do mais,
a dicotomia existente entre o diagnóstico e a terapia psicológica perde seu
sentido, facilitando o acolhimento da demanda infantil destas Unidades Básicas
de Saúde.
Para tanto, venho requerer a sua colaboração no sentido de permitir
que eu analise os Procedimentos de Desenhos-Estórias com Tema utilizado com
crianças que venham encaminhadas, das mais variadas maneiras, para avaliação
psicológica nas Unidades Básicas de Saúde, já atendidas inicialmente por
estagiários sob minha responsabilidade. Essas crianças realizam procedimento
psicodiagnóstico, mas serão os estagiários os sujeitos da pesquisa, na medida
em que as narrativas psicanalíticas que confeccionarão que serão objeto de
pesquisa.
O período de realização deste trabalho deve compreender todo o 1
º
semestre de 2007, podendo iniciar-se em fevereiro, após apreciação do projeto de
pesquisa por Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
cujo telefone de contato é 19-3735.5910.
Os procedimentos empregados com as crianças incluirão materiais
lúdicos ou outros recursos psicológicos aprovados pelo Conselho Federal de
Psicologia. Todo material necessário para o processo diagnóstico com crianças
será disponibilizado pela pesquisadora. O horário de realização dos
psicodiagnósticos nas Unidades Básicas de Saúde será previamente combinado
com a Coordenação das mesmas, assim com a sala a ser utilizada para essa
finalidade.
As informações obtidas durante o trabalho serão confidenciais, e
embora os dados possam vir a ser divulgados em congressos, eventos e artigos
científicos de circulação restrita entre profissionais da área, o sigilo ético será
preservado não identificando os participantes.
152
Caso Vossa Senhoria aceite participar deste trabalho nos termos aqui
propostos, solicito que assine o Termo de Autorização em anexo.
Informações adicionais sobre esta pesquisa podem ser solicitadas
diretamente comigo por meio dos telefones abaixo mencionados e também pelo
Certa de que este trabalho resultará em benefícios tanto para as
crianças atendidas nas Unidades Básicas de Saúde, quanto para os profissionais
que atuam com psicologia clínica infantil, agradeço desde já sua atenção.
Cordialmente,
___________________________________
Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro
Aluna-PUC-Campinas-RA: 04503926
Profª. Assist. – Depto. de Psicologia Clínica
FCL – UNESP/ASSIS
Telefones: 018.3302-5884
018.3302-5886
018.3302-5888
018.3323-6055
153
AUTORIZAÇÃO
Autorizo a realização da pesquisa desenvolvida pela Professora Diana
Pancini de Sá Antunes Ribeiro. Declaro estar ciente das informações contidas no
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dirigido à Secretaria Municipal de
Saúde de Assis (SP), do qual guardo uma cópia.
______________________________________
Coordenadora das Unidades Básicas de Saúde
Secretaria Municipal de Saúde de Assis (SP)
Data: ___/___/____
154
Anexo III
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dirigido aos pais ou
responsáveis pela criança em processo psicodiagnóstico para que
autorizem sua participação e de seus filhos
Senhores pais,
Apresento-me como psicóloga, aluna do Curso de Doutorado em
Psicologia da PUC-Campinas, e docente do curso de Psicologia da
UNESP/ASSIS. Neste momento estou desenvolvendo uma pesquisa sobre um
procedimento utilizado no atendimento a crianças que necessitam de atenção
psicológica, chamado Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema que é
aplicado nos atendimentos com finalidade diagnóstica nas Unidades Básicas de
Saúde de Assis/SP.
Trata-se de uma pesquisa sobre a possibilidade deste Procedimento
facilitar a comunicação nas primeiras entrevistas psicológicas que serão
realizadas nestas Unidades de Saúde entre vocês, pais, seus filhos e o
aluno/estagiário de psicologia que irá atendê-los. Este Procedimento já é
usualmente utilizado nos psicodiagnósticos realizados por estagiários
supervisionados por nós, entretanto estudaremos a facilitação ou não da
comunicação a partir dos relatos que os alunos/estagiários farão, neste ano de
2007, do uso deste procedimento nas entrevistas com vocês e seus filhos.
O Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema consiste no pedido
de um desenho com um tema especial em uma folha em branco, seguindo a
instrução: Peço-lhe que desenhe uma criança-problema. Terminado o desenho
solicita-se que escreva, ou relate, uma história sobre o desenho feito. O
aluno/estagiário poderá tomar nota da história no verso da folha. Estes desenhos,
com suas histórias, serão analisados pelos alunos que escreverão um texto
narrando o que pensaram a partir dos mesmos.
Para realizarmos esta pesquisa, como seu filho passará por
procedimento psicodiagnóstico nesta Unidade Básica de Saúde, venho por meio
desta solicitar a sua colaboração, autorizando a participação dele(a) e de vocês,
pais, neste estudo. Sua participação se dará através da assinatura deste termo de
155
Consentimento e da realização do Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema. Afirmamos que esta participação é voluntária, sendo que a recusa em
participar ou a desistência ao longo do trabalho não implicam em qualquer tipo de
penalidade e não influenciará no psicodiagnóstico de seu filho (a). Ainda, o (a)
seu (sua) filho (a) também será consultado quanto ao desejo de participar do
trabalho, e a sua opinião, respeitada.
Todas as informações obtidas durante o trabalho são de caráter
confidencial, e embora os dados possam ser divulgados em congressos e artigos
científicos de circulação restrita entre os profissionais da área, haverá alteração
da identificação dos participantes, de modo a preservar o sigilo ético.
Gostaria de deixar claro que vocês podem pedir informações adicionais
através dos telefones abaixo relacionados, diretamente comigo. Caso concordem
em participar, solicito que assinem o termo de autorização em anexo. Este
trabalho foi submetido ao Comitê de Ética da PUC-Campinas, cujo telefone para
contato é (19)3735-5910. Sem mais para o momento, agradeço e coloco-me à
disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.
___________________________________________
Profª. Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro
Departamento de Psicologia Clínica da UNESP/ASSIS
Aluna do Curso de Pós-graduação da PUC-Campinas-RA:04503926
Telefones: (18) 3302-5884
(18) 3302-5888
(18) 3303-5886
156
AUTORIZAÇÃO
Concordo em participar da pesquisa desenvolvida pela Profª. Diana
Pancini de Sá Antunes Ribeiro e também autorizo a participação de meu (minha)
filho (a) _________________________________________________ nela.
Declaro estar ciente das informações contidas no Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, do qual guardo uma cópia.
________________________________________
Pai ou responsável pela criança
________________________________________
Mãe ou responsável pela criança
Data: __/__/____.
157
ANEXO IV
Termo de responsabilidade da pesquisadora
Este termo refere-se à responsabilidade assumida por processo de
pesquisa científica pelo qual é autora a pesquisadora Diana Pancini de Sá
Antunes Ribeiro, aluna do Curso de Doutorado em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, R.A. 04503926, R.G. 6.994.765, residente à
Rua José Carlos Cavina, 251, Assis-SP, telefone 018.3323-6055. Esta é também
especialista em Psicologia Clínica, registro no CRP/06, Processo no. 4604/01,
desde 17 de agosto de 2002, e Professora Assistente junto ao Departamento de
Psicologia Clínica da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis, Identidade
Funcional no. 015/99. Trata-se de uma pesquisa clínica psicanalítica, a realizar-se
sob orientação da Professora Livre Docente Tânia Maria José Aiello Vaisberg,
intitulada Transicionalidade e Uso de Procedimento de Desenhos-Estórias com
Tema nas Primeiras Entrevistas Clínicas, que se concretizará por meio do uso de
procedimentos psicodiagnósticos que podem favorecer o atendimento psicológico
a crianças usuárias de Unidades Básicas de Saúde de um município do interior do
estado de São Paulo.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa consiste na introdução do
uso de um recurso facilitador da comunicação emocional, conhecido como
Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, que tem sido utilizado em vários
trabalhos na Universidade de São Paulo, da Professora Livre Docente Tânia
Maria José Aiello Vaisberg. Consiste este procedimento na solicitação do
desenho de uma criança problema, bem como na invenção de uma história sobre
a figura desenhada, a ser escrita no verso da folha. A análise das produções é
feita de acordo com o método interpretativo psicanalítico. O anonimato dos
participantes será mantido, sendo impossibilitada sua identificação e garantido o
sigilo quanto a dados confidenciais, obedecendo à legislação profissional sob
orientação do Conselho Federal de Psicologia, de acordo com o Código de Ética
vigente a partir de 27 de agosto de 2005.
Vale salientar que é clinicamente consagrado o uso de diferentes
procedimentos durante o processo psicodiagnóstico, tais como, testes
psicológicos projetivos e/ou psicométricos, diferentes entrevistas clínicas e
158
também procedimentos expressivos. O psicodiagnóstico seguirá o padrão
habitual, sendo o atendimento realizado de acordo com o que já é usual na
psicologia clínica. Na verdade, este trabalho pretende fazer uso do material clínico
analisado por alunos/estagiários de psicologia, que serão os sujeitos da pesquisa,
sem intervir no atendimento que é preconizado pela rede pública de saúde.
Eu, Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro, declaro minha
responsabilidade em relação aos objetivos e métodos dessa pesquisa, assim
como declaro que manterei sigilo quanto a dados confidenciais e quanto à
identidade dos participantes, mesmo em prejuízo desta investigação. Declaro
ainda que já sou responsável pelos procedimentos clínicos, especificamente os
psicodiagnósticos realizados com crianças na rede pública de saúde municipal,
que serão objeto de procedimentos de pesquisa através das narrativas
psicanalíticas efetuadas pelos estagiários, alunos de psicologia.
_______________________________________
Assinatura
data: / /
159
ANEXO V
PROJETOS DESENVOLVIDOS NO CPPA
Departamento: Psicologia Clínica
Projeto: Clínica psicanalítica com crianças: psicoterapia e enquadres
diferenciados.
Docente responsável: Diana Pancini de Sá Antunes Ribeiro
Alunos envolvidos: (Observação: Os nomes dos alunos foram excluídos por
questões éticas da não exposição destes).
Horas/atividade: Todos os alunos realizam 4hs semanais, no mínimo, por
semana, em supervisão; realizam duas sessões semanais de atendimento
psicoterápico, totalizando 10h semanais de atividades e 10 alunos atuam por 4hs
semanais nas Unidades Básicas de Saúde. (Observação: após a apresentação
deste Projeto, houve uma alteração, a pedido da Secretaria de Saúde,
representada pela Coordenadora de Programa de Saúde da Família - PSF- e
Unidade Básica de Saúde - UBS. Foi então incluído também o PSF como local da
realização de estágio). Os alunos dispendem 4h semanais nas visitas domiciliares
que realizam no âmbito do PSF.
Horas/supervisão: A supervisão teórico-clínica ocorre semanalmente, em grupo
no Departamento de Psicologia Clínica as quintas e sextas-feiras, no período da
manhã, com início às 8h30 min, podendo se estender até às 14h.
Horário e Local de realização do projeto: Local: Seis Unidades Básicas de
Saúde (UBS) e Programa de Saúde da Família (PSF) da Vila Prudenciana -
localizados na cidade de Assis (SP). Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada
(Clínica-escola) - UNESP/ASSIS.
Horário: Os alunos que realizam
atividades nas UBS e/ou PSF o fazem em horários diferentes, durante o dia e
todos atendem em psicoterapia no CPPA, também em horários diversos, incluindo
o período noturno.
População a ser atendida: Cada estagiário deverá atender, no mínimo, um
paciente em processo psicoterápico no CPPA e os que atuam nas UBS atendem
a demanda infantil que é agendada semanalmente. No PSF, realizam visitas
domiciliares, previamente agendadas com famílias da área de abrangência do
PSF, através dos agentes de saúde. A faixa etária atendida compreende de 0 a
12 anos; pais com idade indeterminada.
Natureza do Projeto: Curricular.
Objetivo geral: Intervir, estudar e pesquisar a clínica psicanalítica com crianças.
160
Objetivos específicos: a) oferecer aos alunos a possibilidade da prática clínica
com crianças na Clínica Escola e em Instituições de Saúde Pública; b) pesquisar
enquadres clínicos diferenciados na clínica infantil a partir do pensamento
winnicottiano.
Principais atividades a serem desenvolvidas: Estudos teóricos relativos à
infância; triagem e/ou psicodiagnóstico, se necessário; atendimento individual
e/ou grupal com crianças e/ou seus pais ou responsáveis; visitas domiciliares,
denominadas por nós de “Consultas terapêuticas individuais”; projetos junto à
comunidade, a partir das demandas institucionais relativas à infância; seminários
clínicos; e supervisão teórico-clínica semanal..
Metodologia de avaliação do projeto: Os alunos participantes do projeto serão
avaliados através da freqüência e participação nas supervisões, leitura dos textos
obrigatórios, qualidade e freqüência aos atendimentos e elaboração de relatórios
de estágio. O projeto em si foi avaliado pelo Departamento de Psicologia Clínica,
no qual foi aprovado.
IMPORTANTE: A população atendida no CPPA poderá ser triada pelos próprios
alunos nas Unidades Básicas de Saúde.
Outras informações que julgar necessário:
1- O material necessário para a
realização destes atendimentos psicológicos deverá ser fornecido pelo CPPA e
constam de materiais de testes e brinquedos para realização de Hora de Jogo
Diagnóstica. O procedimento para o uso deste material já é do conhecimento dos
funcionários desde anos anteriores, sendo já estabelecido um procedimento
padrão.
2- O nome dos alunos participantes
deste projeto já foi fornecido aos funcionários do CPPA.
3- Nas UBS é oferecido espaço
físico para atendimentos, mas não há disponibilidade de materiais, somente
àqueles referentes a encaminhamentos padrão na Saúde Publica.
4- Este projeto encontra-se em
execução desde fevereiro de 2007.
Data e assinatura:
161
ANEXO VI
Bibliografia Básica do Estágio Curricular
ABERASTURY, A. Psicanálise da criança. Teoria e Técnica. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1982.
AIELLO-VAISBERG, T.M.J. Ser e Fazer: enquadres diferenciados na clínica
winnicottiana. Aparecida (SP): Idéias e Letras, 2004.
AVELLAR, L.Z. Jogando na análise de crianças: Intervir-Interpretar na
abordagem winnicottiana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
DUARTE, I.; BORNHOLDT, I.; CASTRO, M.G.K. A prática da psicoterapia
infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
SOIFER, R. Psiquiatria Infantil Operativa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
WINNICOTT, C.; SHEPHERD, R.; DAVIS, M. Explorações Psicanalíticas: D.W.
Winnicott. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
WINNICOTT, D.W. Da Pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. Rio de
Janeiro: Imago, 2000.
WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1971.
WINNICOTT, D.W. Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil. Rio de
Janeiro: Imago Editora, 1984.
162
ANEXO VII
CRONOGRAMA DAS ATIVIDADES DO ESTÁGIO EM
FEVEREIRO/MARÇO DE 2007
Dia 05/02/07 – 14h às 16h30min
Supervisão teórica com introdução a: triagem, psicodiagnóstico e
psicoterapia psicanalítica. Indicação de bibliografia do estágio.
Definição acerca das UBS, sobre qual aluno irá em cada UBS e sobre dias
e horários desta atividade. Definição sobre PSF: dias e horários das Visitas
Domiciliares. Definição das duplas de alunos para as visitas. As visitas se
realizam em duplas com acompanhamento, para apresentação às famílias
visitadas, do agente de saúde comunitário.
Dia 06/02/07 – 14h às 16h20min
Supervisão teórica com discussão sobre “A teoria de Winnicott sobre o
processo de amadurecimento”, embasada na bibliografia indicada.
Dia 07/02/07 –
Manhã
Ida às UBS para apresentação de alguns estagiários aos Coordenadores
e outros profissionais da Instituição.
Dia 08/02/07 –
Manhã: 08h30min às 11h
Supervisão teórica com discussão sobre: transferência, contratrans-
ferência, setting e manejo, de acordo com bibliografia indicada.
Tarde
Ida às UBS para apresentação de alguns estagiários aos Coordenadores e
outros profissionais da instituição.
163
Dia 09/02/07 –
Tarde
Ida a uma UBS para apresentação de estagiário ao Coordenador e outros
profissionais da instituição.
Dia 13/02/07 –
Manhã
Ida às UBS para apresentação de alguns estagiários aos Coordenadores e
outros profissionais da instituição.
Tarde: 14h às 17h15min
Supervisão a tarde para explicação do funcionamento das UBS
(preenchimento de fichas) e exposição pormenorizada do processo de
psicodiagnóstico (primeira entrevista; possíveis entrevistas subseqüentes na
escola, Conselho Tutelar, entre outras; anamnese; Procedimento de Desenhos-
Estórias com Tema; testes projetivos).
Explicação sobre o uso do Procedimento para o objetivo da tese.
Discussão sobre os casos em psicoterapia realizados no Centro de
Pesquisa e Psicologia Aplicada – Clínica-escola, em continuidade e sob
responsabilidade dos estagiários “veteranos”, já pertencentes ao nosso Núcleo de
Estágio desde 2006.
Dia 26/02/07 –
Manhã
Ida às UBS para apresentação de alguns estagiários aos Coordenadores
e outros profissionais da instituição.
Tarde: 14h às 16h
Curso do GEAI: Normas de Funcionamento do CPPA
Dia 27/02/07 –
Manhã: 09h00min às 11h00min
Curso do GEAI: Triagem na Clínica-escola e em saúde pública.
Tarde: Ida ao PSF da Vila Prudenciana para apresentação dos estagiários
ao Coordenador, Agentes de Saúde, Enfermeira e Médica. Definição dos Agentes
que acompanharão os alunos no início das Visitas.
164
Dia 28/02/07 –
Manhã: 08h30min às 11h
Curso do GEAI: Apresentação das Escolas de Psicanálise.
Tarde
Ida às UBS para apresentação de alguns estagiários aos Coordenadores
e outros profissionais da instituição.
Dia 01/03/07 – INÍCIO DO ESTÁGIO NAS INSTITUIÇÕES
Manhã: 08h30min às 11h30min
Discussão teórico-prática sobre três casos da UBS para exemplificar o
trabalho a ser realizado nesta instituição.
Discussão sobre o atendimento a grupo de familiares no PSF e também
sobre as visitas domiciliares. Definição de um grupo com horário fixo semanal
para acolher demanda espontânea de pais ou responsáveis por crianças com
demanda para psicologia clínica. Definição deste grupo como “Grupo de Apoio à
Criança” e sobre distribuição de cartazes sobre a oferta deste serviço, no PSF e
em pontos estratégicos da comunidade de abrangência geográfica do PSF
(escolas, igrejas, UBS).
Dia 08/03/07 –
Manhã: 08h30min às 11h30min
Continuidade das discussões sobre casos da UBS e sobre o PSF.
Continuidade da explicação sobre o uso do Procedimento de Desenho-
Estória com Tema e da entrevista com a criança - Hora de Jogo Diagnóstica.
Solicitação de leitura e assinatura, caso o aluno/estagiário concorde, do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Sujeitos da Pesquisa.
Exposição de modelos de relatório de psicodiagnóstico.
Dia 15/03/07 –
Manhã: 08h30min às 12h15min
Discussões sobre as narrativas dos estagiários acerca das experiências
iniciais nas UBS, PSF e CPPA.
165
Dia 26/03/07 –
Manhã: 08h30min às 14h
Discussões sobre as narrativas dos estagiários acerca das experiências
iniciais nas UBS, PSF e CPPA.
29/03/07
Início das supervisões regulares, as quintas e sextas-feiras pela manhã, na
Sala de Supervisão do Departamento de Psicologia Clínica. A rotina de
supervisão estabelecida é: primeiro há relatos do PSF, após há relatos da
UBS e, por fim, os relatos das sessões das psicoterapias.
166
ANEXO VIII
Síntese da Estrutura Curricular – “Informações sobre o Curso”
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