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JOÃO PAULO EVANGELISTA CARVALHO
EXPERIÊNCIAS COM UM GRUPO DE CRIANÇAS
ATRAVÉS DA MÚSICA: UM ESTUDO
PSICANALÍTICO
PUC-CAMPINAS
2008
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JOÃO PAULO EVANGELISTA CARVALHO
EXPERIÊNCIAS COM UM GRUPO DE CRIANÇAS
ATRAVÉS DA MÚSICA: UM ESTUDO
PSICANALÍTICO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
Stricto
Sensu
em Psicologia do Centro de
Ciências da Vida da PUC-Campinas
como parte dos requisitos para
obtenção de título de Mestre em
Psicologia: área de concentração
como Profissão e Ciência.
Orientador: Dr. Antônios I. Térzis.
PUC-CAMPINAS
2008
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Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informação - SBI - PUC-Campinas
t618.928914 Carvalho, João Paulo Evangelista.
C331e Experiências com um grupo de crianças através da música: um estudo psicanalítico /
João Paulo Evangelista Carvalho . - Campinas: PUC-Campinas, 2007.
p.
Orientador: Antônios I. Térzis.
Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de
Ciências da Vida, Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui anexos e bibliografia.
1. Psicoterapia infantil. 2. Música - Psicologia. 3. Musicoterapia. 4. Psicanálise infantil.
5. Psicoterapia de grupo para crianças. I. Térzis, Antônios. II. Pontifícia Universidade
Católica de Campinas. Centro de Ciências da vida. Pós-Graduação em Psicologia.
III. Título.
22.ed.CDD - t618.928914
Dr. Jair Franklin de Oliveira Junior
JOAO PAULO EVANGELISTA CARVALHO
EXPERIÊNCIAS COM UM GRUPO DE CRIANÇAS
ATRAVÉS DA MÚSICA: UM ESTUDO
PSICANALíTICO
Presidente: Dr Antônios Térzis
Dr. Leopoldo Pereira Fulgêncio Junior
PUC-CAMPINAS
2008
Agradecimentos
Ao Dr. Antônios Térzis por toda luz que irradia tanto no trabalho
científico como em sua convivência com as pessoas, por ter aberto a mim
algumas portas do conhecimento que jamais se fecharão.
À Maria José de Oliveira Kassab que, além de excelente redatora e
editora é minha namorada.
Aos meus pais João Artur e Célia Inês por outrora terem apostado em
minha educação e agora darem todo seu apoio.
À Colega de mestrado, Giselle, com quem sempre pude dividir
fraternalmente a experiência de passar pelo processo do mestrado.
Aos meus colegas de grupo de pesquisa, Márcio Svartman e Valéria
Verzignasse.
Às secretárias da pós-graduação da PUC, Elaine, Eliana e Dareide,
sempre prontas a ajudar.
A todas as crianças que participaram da pesquisa.
A pedagoga Carmem Paltrinireri, que incentivou e apoiou meu trabalho.
A professora Tânia, que forneceu toda a ajuda para a pesquisa de
campo.
A todos meus amigos, em especial, aqueles com que pude discutir as
idéias desse trabalho ao longo destes dois anos.
A CAPES, por ter me fornecido uma bolsa de estudos.
RESUMO
CARVALHO, João Paulo Evangelista. Experiências com um grupo de
crianças através da música: um estudo psicanalítico.
Campinas, 2008.
143f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Psicologia do Centro de Ciências da Vida da PUC-Campinas.
Compreensão do funcionamento de um grupo de crianças, através da
aplicação da técnica grupo de psicodiagnóstico (Kaës & Anzieu, 1989), onde
levantamos a hipótese do uso da música como facilitadora das expressões
emocionais. Foi formado um grupo de dez crianças, com idades entre dez e
onze anos, misto, homogêneo e fechado, com a mesma queixa, selecionados
conforme seu interesse na participação e a partir da técnica de entrevista semi-
dirigida de Bleger (1993). São freqüentadores do projeto Recriança, do Instituto
Esperança em Valinhos-SP, que os acolhe no período oposto ao escolar,
desenvolvendo um trabalho preventivo através da educação informal. Foram
realizadas doze sessões de sessenta minutos, três vezes por semana durante
um mês, onde foram utilizados instrumentos musicais percussivos como
incentivo à realização da tarefa musical e um gravador de som para auxiliar nas
transcrições dos encontros. A análise do conteúdo se deu através da técnica
de Mathieu (1967) utilizada em pesquisas de cunho qualitativo, que ultrapassa
a simples descrição dos conteúdos com a aplicação de inferências que
possibilitam uma interpretação aprofundada, a qual foi realizada por dois
psicólogos com conhecimento de psicanálise de grupo. Concluímos que a
música foi facilitadora da técnica de grupo psicodiagnóstico fazendo com que
as crianças expressassem seus sentimentos e se conscientizassem deles, que
atingissem o sentimento de pertinência grupal, que elaborassem suas
inibições, que ampliassem sua capacidade de sociabilidade, que fortificassem
seu ego, sendo possível realizar seu psicodiagnóstico.
Palavras Chave: Psicanálise de Grupos; Crianças; Música.
ABSTRACT
CARVALHO, João Paulo Evangelista. Experiences with a group of
children through music: a psychoanalytic study.
Campinas, 2008. 143f.
Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia do Centro de Ciências da Vida da PUC-Campinas.
Understanding the operation of a group of children through the
application of the group psychodiagnosis technique (Kaës & Anzieu, 1989),
where we raised the possibility to use the music as a facilitator of emotional
expressions. A mixed, homogenous and closed group of ten children ages
ranging from ten to eleven years, with the same complaint, was gathered and
selected according to heir interest in participating in the research and as a result
of the semi-directed interview technique of Bleger (1993). They regularly attend
the Recriança, project of the Instituto Esperança in Valinhos-SP which hosts
them after their regular school period and aims at developing a preventive work
through informal education. Twelve sixty-minute sessions, three times a week,
for a month were held. In those sessions, percussive musical instruments were
used as a means to encourage them to accomplish the proposed musical task,
a recording equipment being used to assist in the transcription of the meetings.
The analysis of the content was based on the Mathieu technique (1967) as
used in qualitative research - which goes beyond the mere description of the
contents with the application of inferences that allow a more detailed
interpretation, and which was conducted by two psychoanalysis-group expert
psychologists. We conclude that music was a facilitator of the group
psychodiagnosis technique in that the children could express and be self
conscious about their feelings, develop a sense of belonging, be able to work
on their inhibitions, increase their ability to socialize , strength their ego, which
enabled to conduct their psychodiagnosis.
Keywords: Psychoanalysis Groups; Children; Music.
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO 1
1.1 Considerações sobre os grupos 1
1.2 Considerações sobre a música 10
2. OBJETIVOS 20
3. MÉTODO 21
3.1 Sujeitos: um grupo de crianças 21
3.2 Local da Pesquisa e Projeto Recriança 22
3.3 Material 22
Entrevista 22
Técnica: Grupo de diagnóstico 23
Instrumentos musicais 24
Gravador de som 24
3.4 Procedimento 25
A formação do grupo da pesquisa 25
Entrevista individual e critérios de exclusão 26
Enquadre grupal 27
3.5 Análise dos resultados 27
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 29
Legenda 29
Planta do local da pesquisa 30
4.1 1ª Reunião grupal 31
4.2 3ª Reunião grupal 55
4.3 5ª Reunião grupal 75
4.4 12ª Reunião grupal 102
4.5 Análise dos desenhos 122
5. CONCLUSÃO 128
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 133
ANEXOS 138
1
1. INTRODUÇÃO
1.1 Considerações sobre os grupos
Iniciaremos nossas considerações sobre o estudo dos grupos revelando
a etimologia da palavra “grupo”. Kaës (1976) coloca que o termo “grupo” é
proveniente do italiano
groppo, que era utilizado no século XVII para designar a
representação de um grupo de objetos em uma pintura. Foi empregada pela
primeira vez na França, no século XVIII, para significar uma reunião de
pessoas. Os lingüistas relacionam a origem deste termo como vinda do
germânico kruppa, cuja etimologia é “massa arredondada”, contendo assim, a
idéia de círculo na semântica desta palavra. Encontramos o termo
kinonia na
língua grega, que significa “grupo”, ou ainda, “comum”.
Segundo Térzis (2005a), a etimologia da palavra grupo nos leva a duas
forças antagônicas encontradas na vida dos grupos: o laço ou ligação, que
demonstra por um lado a coesão do grupo e, por outro, as forças opostas que
representam a ameaça de separação.
O grupo é objeto de estudo de diversas ciências, mais conhecidamente
da antropologia e da sociologia, mas também da psicologia social. No entanto,
o grupo também foi e é um objeto de estudos da psicanálise e será nesta
abordagem, mais precisamente a psicanálise dos grupos, em que centraremos
nossa discussão, fazendo um breve levantamento histórico de seu
desenvolvimento, bem como dos principais conteúdos desenvolvidos por esta
ciência.
A psicanálise clássica, em sua aplicação terapêutica, desenvolveu-se
através da díade analista-paciente e assim permaneceu nas primeiras décadas
2
do século XX. No entanto, Freud não deixou de considerar a importância do
homem enquanto ser social, estudando as origens da sociedade humana, dos
ritos, religiões e mitologias. As teorias elaboradas a partir desta díade teoria
da libido, teoria estrutural, teoria edípica, teoria do superego reportam-se ao
sujeito relacionado com objetos a uma psicologia multipessoal (Térzis, 2006).
Em “Psicologia do grupo e análise do ego”, Freud (1921) afirma que a
psicologia individual e a do grupo não podem ser absolutamente diferenciadas,
pois a psicologia do sujeito permanece em função das relações do sujeito com
outras pessoas.
Os trabalhos de Melanie Klein (1952) ajudaram o desenvolvimento da
psicanálise ao demonstrar que o mundo interno do sujeito se constitui como um
“grupo” de objetos. Estes conceitos somados aos de Bion (1961) acerca da
dinâmica dos grupos passaram a sustentar o trabalho analítico com grupos de
pacientes.
As idéias mais importantes em relação à abordagem psicanalítica do
grupo foram elaboradas em um período de aproximadamente 50 anos, desde a
publicação de Totem e Tabu de Freud (1913) e Experiências com Grupos de
Bion (1961). Havia diferenças entre Freud e Bion quando se referiam aos
grupos. Freud estudou grandes grupos de multidões, como a Igreja e o Exército
e suas influências na psicologia individual e coletiva; indagou sobre a
motivação que unia um grupo desenvolvendo a teoria das relações da libido e
das identificações no grupo. Bion, por sua vez, estudou pequenos grupos
através da experimentação de modelos práticos de terapia, dirigindo sua
atenção para os níveis mais primitivos do funcionamento mental.
3
Bion (1961) em “Experiências com Grupos”, demonstra um interesse
simultâneo entre a subjetividade e a realidade externa, desenvolvendo uma
teoria sobre o funcionamento dos grupos onde considera que este existe
conforme duas modalidades que ocorrem simultaneamente: o grupo de tarefa
ou trabalho (nível consciente) e o grupo de supostos básicos (nível
inconsciente). Todo grupo reúne-se para fazer algo. Este “algo” é entendido
como a tarefa que, por sua vez, está ligada à realidade. O grupo de trabalho
atua para modificar racionalmente a realidade de maneira organizada e
estruturada, a fim de obter uma eficácia na tarefa proposta. Neste estágio, o
grupo opera segundo as leis do processo secundário: é tolerante a frustrações
e permite a evolução de idéias novas; tem a capacidade de reconhecer as
potencialidades e limites dos outros a serviço do princípio da realidade. Leva-
nos à compreensão de que é necessária uma aprendizagem para a realização
dos objetivos do grupo, além do desenvolvimento de capacidades, como a
atenção, a capacidade de representação e de pensamento simbólico.
Assim como na psicologia individual, onde encontramos mentalidades
regredidas ou evoluídas, Bion (1961) entende que o grupo também atua dentro
destas duas instâncias. Uma evidência disso é a oposição do grupo à
realização de uma tarefa, movida por ansiedades e defesas precoces,
sentimentos de perda de individualidade na unidade grupal ou quaisquer outros
envolvimentos emocionais. Esta mentalidade é denominada por Bion (1961) de
mentalidade primitiva, ou protomentalidade. O desenvolvimento de um trabalho
é perturbado ou interrompido por surgimento de pensamentos e emoções
enraizados em fantasias, as quais definem o conceito de supostos básicos,
4
onde a realização de uma tarefa é impedida por um clima emocional
subjacente, o qual evita a frustração inerente à aprendizagem por experiência.
O suposto básico está a serviço do “princípio do prazer” e é um produto
de fantasias subjetivas grupais de tipo onipotente e mágico.
O grupo em situação de suposto básico regride em termos de
desenvolvimento psicossexual em uma fase muito primitiva, não reconhecendo
os processos de desenvolvimento, a realidade externa, o fator tempo. As
atividades que reclamam algum conhecimento tendem a gerar sentimentos de
perseguição. O grupo não se interessa quanto à eficácia da tarefa.
Bion (1961) aponta três estágios de supostos básicos:
Suposto básico de “dependência”, onde predomina a idéia grupal da
dependência de um líder, o qual seria onisciente, capaz de resolver todos os
problemas para o grupo, um guia intelectual e espiritual; remete às fantasias
mais primitivas de “fusão”, onde na primeira infância os pais são responsáveis
pela manutenção da vida. Uma fantasia defensiva onde o grupo não necessita
passar pelo processo de aprendizagem da tarefa, esperando uma solução
milagrosa de seu líder.
Suposto básico de “luta e fuga”, onde a recusa do pressuposto de
dependência a um líder constitui um perigo para o grupo, que se organiza
somente para cuidar da própria conservação, onde é necessário unirem-se
somente para atacar um inimigo ou evitá-lo; correspondente às fantasias de
castração.
Por último, o suposto básico de “acasalamento” ou “pareamento”; a
atitude de luta e fuga leva o grupo a um desmembramento em forma de
subgrupos ou casais, uma clivagem entre os componentes que representa uma
5
ameaça à unidade do grupo. Bion (1961) descreve uma fantasia de uma
esperança messiânica, que difere do suposto de “dependência” por situar o
“salvador” em um tempo futuro.
Esses três supostos básicos acontecem somente em momentos
distintos.
Nas descrições dadas por Bion (1961), o grupo de tarefa (nível
consciente) e os supostos básicos (nível inconsciente) estão presentes
contemporaneamente e contrapostos. Se o sujeito participa enfaticamente no
grupo de trabalho, acaba por se sentir privado do calor e da força das
emoções. Se fica preso aos supostos básicos, encontra-se num estágio
psicótico onde não pode realizar-se com objetivos maiores. Estes conflitos
entre o grupo de trabalho e os supostos básicos são o cerne de seu trabalho
com grupos. Bion (1961) acredita que não pode haver crescimento sem a
coexistência destas duas instâncias, evoluída e primitiva. Somente quando
uma ressonância e um equilíbrio entre essas duas é que ocorre o verdadeiro
crescimento do grupo e da personalidade do sujeito.
Melainie Klein e Bion são alguns dos maiores expoentes da escola
inglesa de psicanálise. Faremos considerações também acerca da escola
francesa, representada aqui por Pontalis (1963), Anzieu (1993) e Kaës (1976).
Pontalis (1963) foi o pioneiro em estabelecer a visão do grupo enquanto
um organismo vivo, possuidor de emoções que governam sua existência.
Entende este organismo-grupo não como um objeto real, mas como uma
representação mental do grupo na mente de seus membros. O grupo é um
objeto de catexias psíquicas e sociais suscetíveis à organização da estrutura
do processo grupal. A construção do grupo como objeto se efetua através de
6
dois sistemas de representação: a) organizadores psíquicos, relacionados com
a pulsão, correspondem a uma formação inconsciente b) organizadores sócio-
culturais, relacionados aos códigos e normas de uma determinada cultura.
Anzieu (1993) aprofunda as idéias do grupo como objeto de
representação, das quais elegemos dois temas para ilustração de sua teoria: O
imaginário do grupo e a analogia entre o grupo e o sonho.
O imaginário do grupo é um conceito inaugurado por Anzieu, na França,
no início da década de sessenta, que possibilitou uma abertura a uma nova
orientação de pensamento ilimitada em seu potencial de desenvolvimento.
Parte da idéia de que “o grupo é uma colocação em comum das imagens
interiores e das angústias dos participantes” (Anzieu, 1993 p. 21). O foco
central do estudo dos grupos está no entendimento das emoções que os
motivam e que fomentam sua imaginação. É notório que em todos os grupos
haja conflitos de diversos tipos, como rivalidades, simpatias, ódios, acusações,
que até então eram vistos como verdadeiros em seus conteúdos, sendo
desconsiderado que os problemas que o grupo elegia só poderiam ser imagens
criadas por eles mesmos: “entre o grupo e a realidade, entre o grupo e si
mesmo, outra coisa que não as relações entre forças reais;
primitivamente uma relação imaginária” (Anzieu, 1993, p. 42).
Discorreremos agora sobre a analogia entre o grupo e o sonho.
Compreende-se este fenômeno como existente em todos os grupos,
tanto os naturais ou reais como os psicoterápicos ou de formação.
Partindo da idéia de Freud, que concebe o sonho noturno como a
realização de um desejo, uma ilusão individual que ocorre no momento de
desinvestimento máximo da realidade exterior, Anzieu (1993) entende que o
7
grupo é igualmente o lugar de realizações imaginárias dos desejos. Um grupo
isola-se do contexto cultural maior e da vida social ou profissional,
suspendendo a realidade exterior de tal maneira que a libido se concentra toda
na realidade presente aqui-agora. O grupo é o lugar privilegiado da realização
dos desejos e igualmente do superego.
Outra característica comum entre o grupo e o sonho é a regressão do
aparelho psíquico em três instâncias: a) Cronológica ou temporal, onde, em
situação grupal, é reavivada a ferida narcísica, criando uma angústia da perda
da identidade, que se mostra através de reações que vão desde a omissão da
pessoa em relação ao grupo até a afirmação obstinada e reivindicante do seu
ego. b) Tópica ou espacial, onde as pulsões não podem ser suficientemente
administradas pelo Ego e Superego e a estrutura psíquica é dominada pelo Id
e, mal diferenciando-se dele, pelo Ego ideal, conceito onde a criança cria uma
imagem de onipotência de sua mãe, a qual tudo pode suprir adivinhando suas
vontades, que por sua vez, são transferidas à imagem do terapeuta como um
messias que irá ajudar o grupo de uma forma mágica. c) Formal, observada por
expressões arcaicas próprias do processo primário, como chistes, sinais
infralingüísticos, gestos, olhares, posturas, etc.
ainda mais, uma regressão na situação grupal análoga ao sonho no
domínio do espaço-tempo. O espaço imaginário do grupo é entendido como a
projeção de um corpo materno e o tempo não é mais cronológico, mas criado a
partir de fantasias do retorno às origens ou a um recomeço, fazendo com que
os grupos sejam utopias e ucronias, um lugar fora do tempo (transferência).
A partir da metapsicologia de Freud e Lacan e dos conceitos elaborados
por Anzieu (1993) e Renê Kaës (1976), cria-se a teoria do aparelho psíquico
8
grupal. Assim, Anzieu (1993) confirma o grupo como um objeto de investimento
pulsional; um espaço que possibilita a manifestação de desejos; um continente
no interior do qual se ativam fantasias e identificações; um objeto de
representações organizadas por formações psíquicas que possuem
propriedades grupais.
Aponta ainda, que estão presentes no grupo dois níveis de realidade: o
primeiro, em um nível consciente, que é objeto de estudo da psicologia social,
e o segundo inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, que se forma
através das pulsões representadas pelos desejos infantis próximos ao sonho, o
que caracteriza o grupo como um objeto, como uma forma mais ou menos
autônoma de existir.
Dependendo do ponto de vista da formação e dos processos psíquicos
envolvidos na construção e no funcionamento do grupo, é importante
considerar essas características e representações do objeto-grupo como um
dos elementos fundamentais do processo e da organização grupal.
Kaës (1976) criou duas hipóteses complementares para a compreensão
dos processos grupais: a primeira, onde o grupo é analisado em termos da
tarefa, e a segunda, onde considera que as representações do grupo
funcionam como organizadores das relações intersubjetivas, grupais e
intergrupais. Conclui que o grupo é uma tópica projetada, isto é, os grupos se
organizam e se estruturam de acordo com a soma de objetos internos trazidos
por cada integrante.
Trataremos agora, especificamente, sobre teoria do aparelho psíquico
grupal, o qual é resultado de uma atividade projetiva e introjetiva de um objeto-
grupo. O aparelho psíquico subjetivo, na reprodução de seus elementos
9
constitutivos (imagem do corpo, fantasias originárias, redes de identificação),
constrói a realidade de um grupo concreto.
A principal característica do aparelho psíquico grupal é
assegurar a mediação e a troca entre a realidade
psíquica em seus componentes intrapsíquicos e
intersubjetivos e a realidade grupal, em seus aspectos
grupais e culturais. A partir disso, permite pensar na
construção do aparelho psíquico grupal como
internalização de um modelo proporcionado pelos
organizadores grupais do psiquismo e como uma
construção transicional na medida que assegura uma
relação entre o universo intrapsíquico e o universo
social. (Térzis, 2005b)
A representação do grupo como objeto ocorre através: a) dos
organizadores psíquicos, onde ocorre uma formação inconsciente análoga ao
sonho, primária, podendo ser comum a vários sujeitos possuidores de
propriedades figurativas e projetivas. b) dos organizadores sócio-culturais,
comuns entre os membros de uma mesma cultura que possibilitam a
elaboração simbólica do nível inconsciente.
Após este breve histórico do pensamento da psicanálise sobre os
grupos, elegemos algumas considerações acerca da psicanálise de grupo.
A importância do estudo dos grupos se não somente no
conhecimento relativo aos próprios, mas também serve de auxílio na
compreensão do sujeito. Dentre os principais objetivos da psicanálise de grupo
estão: tornar consciente o inconsciente; rememorar a história de vida dos
sujeitos do grupo, dar aos sujeitos ferramentas para resolverem seus conflitos
internos através do auto-conhecimento e da fortificação do ego, trabalhando a
capacidade de realizar auto-análise; diminuir o medo do conhecimento das
realidades externas e internas; propiciar a evolução de um estágio de amor
10
narcísico (objeto primário) para um estágio de amor social (relativo à fase
genital).
A psicanálise de grupo também pode ajudar aliviando as ansiedades de
seus integrantes através do método catártico; elaborando os conflitos
intrapsíquicos e assim gerando o crescimento e o desenvolvimento da
personalidade; na diminuição dos sentimentos negativos dos sujeitos, através
da observação das dificuldades comuns aos outros, gerando o conhecimento
de si e também do outro, melhorando aspectos da socialização e tendo o
grupo como apoio; facilitando o objeto transferencial, ao diluir a dependência
do terapeuta.
1.2 Considerações sobre a música
Platão, filosofo grego que viveu entre 427-347 a.C. nos diz: “A música
não foi concedida aos homens pelos deuses imortais com um único fim de lhes
deleitar agradavelmente os sentidos, mas sim, sobretudo, para aclamar as
perturbações das suas almas e os movimentos tumultuosos que,
necessariamente, experimenta um corpo, como o nosso, cheio de
imperfeições”. Aristóteles (filosofo grego, 384-332 a.C.): “A música tem tanta
relação com a formação do caráter, que é necessário ensiná-la às crianças”.
Marmontel (historiador e crítico francês 1723-1799): “A música é,
incontestavelmente, de todas as artes, aquela que reflete de maneira mais
sensível, o grau de desenvolvimento de um povo”.
Beethoven (1770-1827): “A música é a manifestação mais convincente
do que toda sabedoria e filosofia”.
11
Schopenhauer (filósofo alemão, 1788-1860): “Ouvir longas e belas
melodias é como um banho no espírito: purifica de toda a nódoa, de tudo o que
é ruim e mesquinho, elevando o homem e sugerindo-lhe os pensamentos mais
nobres que lhe seja dado ter”.
Darwin (biólogo naturalista, 1809-1882): “A perda do gosto pela música e
poesia é uma perda da alegria, e pode possivelmente ser prejudicial ao
intelecto, e mais provavelmente ao caráter moral por enfraquecer a parte
emocional da natureza”.
Wagner (compositor e orquestrador alemão, 1813-1883): “A música é a
linguagem universal”.
Heitor Villa-Lobos (compositor brasileiro, 1887-1959): “A música é tão útil
como pão e água”.
Por ser a música uma criação intrinsecamente humana desde os tempos
mais primitivos e por hoje e sempre estar presente em todas as culturas de
todos os povos, é difícil estabelecer uma definição para esta arte que
compreenda sua amplitude histórica e antropológica (Ehrenzweig, 1977).
Comumente, a música é definida como a arte de combinar os sons de maneira
agradável ao ouvido. Essa definição acaba por reduzir o significado de música,
ao atribuir a qualidade “agradável ao ouvido”, o que pode ser em demasiado
relativo. Definiremos música apenas como a arte de combinar os sons,
podendo esta combinação causar impressões tão complexas e variadas que
vão além de um parâmetro de agradabilidade.
Outro conceito difundido, é que a música é formada por ritmo, harmonia
e melodia. Novamente, essa definição não é capaz de abranger a totalidade
12
das expressões musicais. O ritmo é algo inseparável da música, visto que é a
própria combinação das dimensões temporais, a qual é a essência musical.
A música está entre as artes temporais, o que significa que pode ser
executada dentro de um espaço de tempo, onde, obrigatoriamente, haverá
ritmo, mesmo que aleatório. Harmonia e melodia são conceitos que podem
existir ou não em uma obra musical e, portanto, não são fundamentais para a
definição de música, embora grande parte das músicas que apreciamos
contenha essas duas esferas (Ehrenzweig, 1977).
A música foi e é utilizada de diversas formas na história da
humanidade e no tempo presente: em rituais para a louvação do sagrado; nas
igrejas como liturgia (como os salmos hebreus ou os mantras hindus); na
ostentação dos deuses; no convite ao acasalamento; a partir da dança e para
a dança; para acalantar crianças; para imitar os sons da natureza; para o
trabalho, no acompanhamento de uma tarefa; para disciplinar o Exército; para
dar ritmo aos remos das navegações; para expressar poesias nas canções
(Bannet, 1968). A música teve fundamental importância na revolução sexual
dos anos sessenta, assim como nas manifestações políticas desta época. No
século XVI, época do Renascimento, as
chansons francesas traziam músicas e
poesias que, igualmente, auxiliavam nas mudanças de perspectivas e
costumes sociais.
Encontramos na mitologia grega, mais precisamente no mito de Orfeu
(considerado um iniciado que passava as mensagens sagradas através da
música), descrições do poder desta arte na natureza. A música de Orfeu tinha
o poder de silenciar os ruídos da selva e transformar o furioso bramido do mar
em acalanto. Ao tocar, reuniam-se ao seu redor os pássaros, os animais e até
13
mesmo as feras se tornavam apaziguadas. As árvores inclinavam suas copas
para a direção da música e os rochedos deixavam de ser estáticos e moviam-
se afetados pelo som. Os homens mais coléricos sentiam-se penetrados de
ternura e bondade (Schuré, 2003; Diel, 1991; Brandão, 1996; Térzis, 2003).
Dentre estas inúmeras utilizações da música, nos concentraremos em
uma específica: a música como instrumento para a cura, conhecida como
musicoterapia. descrições milenares do uso da música ou dos sons para
curar enfermidades de diversos tipos. A musicoterapia se tornou mais popular
na contemporaneidade durante a segunda guerra mundial, onde era utilizada
no tratamento dos sobreviventes de guerra (Ruud, 1990).
A musicoterapia precisou de alicerces no campo da medicina e da
psicologia para exercer sua prática com maior embasamento teórico. Existem
diferentes maneiras de se ver a musicoterapia, diferentes correntes de
pensamento, assim como na psicologia. Nos centraremos nas contribuições da
psicanálise, segundo a visão dos musicoterapeutas e de psicanalistas que
trabalham com música.
Segundo o musicoterapeuta Ruud (1990), o que se escreveu acerca
das funções da música, sob o ponto de vista psicanalítico, é de imenso valor
para o campo da musicoterapia. Dentre os principais temas abordados, estão o
desenvolvimento da linguagem musical, as origens intrapsíquicas da música, a
música e as emoções, a estrutura da música, a personalidade do músico e as
funções da música.
Quanto ao desenvolvimento da linguagem musical, muitos dos autores
psicanalistas vêem a música como uma espécie de linguagem, com
propriedades específicas e distintas à linguagem falada, ou como um padrão
14
de símbolos que expressa conteúdos inconscientes. Nesta linha, buscou-se
encontrar um simbolismo universal entre o conteúdo musical e seu arranjo na
vida intrapsíquica. Para o autor Montani (Farnsworth, 1969), por exemplo, os
modos menores (que contem terças menores) expressam sentimentos de
sofrimento, castigo e dor que caracterizam reações ao complexo de castração
ou certos padrões rítmicos que simbolizam a relação sexual.
Outra perspectiva é tentar encontrar respostas para a questão musical
através da origem dessa linguagem em uma evolução histórica, como Freud
(1913) fez em Totem e Tabu, buscando o “homem in natura”. também os
que vêem o desenvolvimento dessa linguagem atrelada ao desenvolvimento
psicossexual humano, a partir da infância, ou antes que a libido narcísica tenha
se desenvolvido em sexualidade objetal. Desta forma, a música estaria
vinculada aos mais remotos períodos narcísicos da organização psicológica,
quando o ego ainda não possui recursos para delinear os limites entre o eu e a
realidade (Ruud, 1990).
Nas teorias sobre a origem intrapsíquica da música, a psicanálise
considera a obra de arte como uma sublimação dos impulsos e desejos
inconscientes. À luz da teoria da libido, a música também é uma energia sexual
primitiva em transformação que gera uma gratificação libidinal, tanto na
atividade musical ativa ou na audição passiva.
O campo que relaciona música e emoção é controvertido, dividido em
termos de absolutismo e referencialismo (Meyer, 1956). O primeiro, busca ver a
obra como em si mesma, e o segundo, como sua expressão subjetiva. Nesta
segunda concepção, a música é visualizada como algo análogo ao sonho,
15
fantasia e chiste, podendo ser analisada pelas mesmas técnicas de
interpretações dos sonhos ou chiste (Térzis, 2005c).
Noy (1967) confirma que a criação musical é paralela ao mecanismo do
sonho, construída a partir de pulsões inconscientes e elaborada esteticamente
pelo pré-consciente.
A maior parte das teorias psicanalíticas relativas à música nos diz sobre
a personalidade do músico. São, em geral, patografias que analisam a
personalidade de grandes compositores. Estão mais ligadas à vida emocional
do músico do que ao significado da música.
No campo das funções da música podem ser concebidas duas visões
distintas: a) Teorias que consideram a música como um estímulo externo que
age em um aparato físico passivo. A maior parte delas considera que a música
leva o ouvinte a uma regressão temporária das fases psicossexuais. b) Teorias
que consideram a atividade musical como algo ativo servindo, ou como meio
de defesa contra uma determinada ameaça ou perigo, ou como um auxiliar
para se atingir uma situação de domínio da sua causa. A música é concebida
como algo além de um estímulo externo. Ela se torna ativa enfrentando a parte
do ego na construção de certos objetivos. Há divergências quanto aos objetivos
a serem atingidos pela música.
Acreditamos que as músicas podem causar efeitos regressivos ou
auxiliar o fortalecimento do ego. Os efeitos da música são tão vastos quanto
todas as músicas que possam existir e quantas pessoas possam interpretá-las.
Entendemos a música como uma arte profundamente ligada às
emoções, à sensibilidade, mas também integra-se aos pensamentos e a uma
16
elaboração. Vemos na música um valioso instrumento para o aprendizado e
educação de nossas emoções e do intelecto.
Reconhecer a música como uma função do Ego na psicanálise, significa
dizer que ela não está apenas atrelada à energia básica primitiva, mas a uma
atividade iniciada conscientemente pelo Ego, com funções de gratificação de
necessidades específicas, defesa contra forças diversas ou ainda em suas
funções sintetizadoras e integrativas.
Nesta visão, utilizam-se os conceitos das tópicas de Freud (1974) para
delimitar as funções da música erudita, como música do Id, que revolve o
inconsciente trazendo-o à tona; música do Ego, que reforça o senso de
realidade e fortalece suas defesas; e a música do Superego, que inspira a alma
na direção das idéias elevadas e fortalece comandos e proibições morais.
Ruud (1990) conclui que a psicanálise pode embasar a musicoterapia
em sua prática, propiciando ao paciente o aumento da percepção interna, a
resolução de conflitos danosos, a auto-aceitação aumentada, técnicas mais
eficientes para enfrentar problemas e o fortalecimento geral da estrutura do
Ego no sentido de adequação e segurança.
Esses objetivos podem ser alcançados através das técnicas
psicanalíticas tradicionais, como a verbalização e a associação livre. Wright e
Priestley, criadores da
Analytical Music Therapy argumentam que a música
pode auxiliar no mergulho ao inconsciente e trazer à tona conteúdos latentes,
necessários para o aumento da percepção interna (Ruud, 1990). também
um objetivo construtivo de integração dos elementos da psique
conscientizados, acreditando-se que a música possui a capacidade de
ultrapassar a censura verbal consciente. Desenvolveram uma técnica de
17
improvisação onde os pacientes tocam diversos instrumentos de percussão,
sem conhecimento prévio, enquanto o terapeuta utiliza o piano para estimular,
controlar e encorajar os pacientes à criação, onde a música é considerada um
veículo catártico para auto-expressão emocional.
Nosso trabalho não está no campo da musicoterapia, mas no campo da
psicologia profunda dos grupos. Entendemos que estas considerações acima,
vêm ampliar nossas concepções no que tange um trabalho psicológico que
utiliza a música. Em nosso trabalho a música não é um fim em si mesma, de
forma que não estamos focados no resultado musical final, mas antes no
processo de se fazer música, e na maneira que ela possa possibilitar
expressões emocionais, o que não significa que a produção musical grupal não
tenha nenhum valor, pois esta é um reflexo da forma como o grupo
desenvolveu a tarefa musical (Verdeau-Pailles & Guiraud-Caldadou 1979).
Buscaremos desenvolver o conceito de “musicalidade” a fim de embasar
nossa escolha da utilização da música como recurso facilitador de expressões
emocionais em um grupo de crianças. Este conceito “musicalidade” pode ser
entendido sob diversos prismas. Quando dizemos “a musicalidade da poesia”,
estamos nos referindo a uma característica de determinada poesia em ser
musical, por arranjos métricos e fonéticos, no campo da estética poética.
Musicalidade também pode referir-se às emoções que temos ao ouvir
determinadas músicas, o que separa o conceito de música enquanto algo
objetivo do conceito de musicalidade, entendido como as impressões que essa
música causa em determinado ouvinte.
O conceito de musicalidade ao qual nos referimos não tem relação com
o primeiro conceito abordado, uma estética poética, mas possui alguma
18
congruência com o segundo, no que diz respeito aos sentimentos que a música
provoca nos ouvintes. Entendemos por musicalidade toda a elaboração musical
que uma pessoa é capaz de realizar, desde a escuta de uma música até sua
intelectualização e produção. Parte da idéia de que todos nós temos aptidões
musicais, mais ou menos elaboradas, as quais podem sempre ser ampliadas e
desenvolvidas. A musicalidade básica manifesta-se principalmente através dos
ritmos da mente-corpo e de sua inserção harmônica ou não com o tempo
interno e o tempo social. Acreditamos que angústias como a ansiedade e a
apatia podem também serem entendidas como uma disfunção do tempo
interno.
Entendemos que o ritmo seja algo inerente à natureza. Observamos
ritmo no movimento dos astros celestes, no crescimento dos seres vivos, em
nossas funções biológicas essências, como os batimentos cardíacos e a
respiração. Até nas artes visuais observamos a existência do ritmo, como na
arquitetura e nas artes plásticas. O ritmo está então, intimamente ligado ao
tempo, sendo esse qualquer evento que ocorra em uma determinada
freqüência, constante ou inconstante.
Acreditamos que a musicalidade essencial ou básica seja um aspecto
intrinsecamente humano. No entanto, esta musicalidade sofre transformações
juntamente ao desenvolvimento humano, não podendo ser compreendida como
algo universal se considerarmos que suas características principais serão
construídas socialmente, assim como todas as artes estabelecem diálogos
ativos com as diversas culturas.
Entendemos que o ritmo da fala, do andar, dos gestos e dos movimentos
corporais denota estados mentais e emocionais diversos, como a calma ou a
19
ansiedade, como o barulho da euforia ou o silêncio da tranqüilidade, a
harmonia de um diálogo sintonizado e empático onde os pares se ouvem e
falam ou ainda a confusão de uma discussão onde fala e escuta se misturam.
Portanto, acreditamos que a música pode ser um valioso instrumento na
realização de nosso trabalho de
psicodiagnóstico e que, servindo como uma
forma de expressão emocional lúdica, motive as crianças à participação dos
encontros e, que o desenvolvimento da musicalidade deles possa ajudá-los a
ampliar a consciência de suas emoções, a proporcionar maior conhecimento de
seus sentimentos, bem como de seus ritmos internos e dos ritmos externos que
estão no mundo, assim como na percepção de seu mundo interno e externo.
20
2. OBJETIVOS
O presente estudo tem por objetivos:
Investigar se a técnica de grupo de psicodiagnóstico (Kaës & Anzieu,
1989), na sua aplicação em um grupo de crianças desenvolvendo
atividades musicais, poderá sensibilizá-lo aos fenômenos de grupo e
conduzí-lo, por um lado, a fazer seu diagnóstico (daí a expressão grupo de
diagnóstico
) e, por outro, a descobrir meios apropriados para resolver
problemas que se implantarem durante o processo grupal de atividades
musicais (neste sentido o grupo de diagnóstico).
Fazer o grupo de crianças funcionar de maneira mais satisfatória para
todos durante o processo de atividade musical.
Conseguir que o grupo proceda a sua própria evolução e funcionamento,
para que cada participante possa extrair do grupo de diagnóstico
experiências e ensinamentos.
Analisar e compreender alguns fenômenos psíquicos e os processos
revelados na formação do grupo, ou seja, como o grupo se constrói e
funciona durante a tarefa de atividade musical.
21
3. MÉTODO
O trabalho do grupo de atividades musicais inicia-se com a definição de
um método, o qual funciona conforme um enquadre de normas e regras que
estabelece um método de trabalho, mais especificamente, como um trabalho
de grupo de atividades musicais, onde é utilizado o método psicanalítico. Este
tem por essência ser um modelo não-diretivo, utilizando regras e técnicas
particulares dessa abordagem.
As regras utilizadas são: associação e atividade livre, freqüência,
horário, técnicas como escuta, atenção, empatia, transferência, trabalho no
aqui-agora e apontamentos.
Existem duas características principais que diferenciam o enquadre do
grupo em respeito ao setting individual: a primeira, é a espacialidade e a outra,
a presença real dos outros. A espacialidade privilegia a sincronia sobre o
acontecer grupal através dos olhares, das pessoas sentadas em círculo face a
face, intercambiando palavras, gestos, movimentos. A segunda característica,
a presença real dos outros, mostra que esses não são virtuais personagens
de um relato, mas presentes em sua corporalidade.
3.1 Sujeitos: um grupo de crianças
Os participantes da pesquisa foram dez crianças com idades entre 10 e
11 anos, que formaram o grupo de diagnóstico (Kaës & Anzieu, 1989) que teve
como características ser misto (formado por três meninas e sete meninos), ser
homogêneo (por os participantes terem a mesma faixa etária, mesma faixa
22
social, residirem no mesmo bairro, estudarem na mesma escola e
freqüentarem o mesmo Centro Comunitário), ser fechado (tendo um tempo de
duração pré-determinado, sendo 12 sessões de 60 minutos e por não admitir a
entrada de novos membros) e, por último, das crianças serem caracterizadas,
institucionalmente, pela mesma queixa manifesta de indisciplina, de
desempenho insuficiente na escola e de desrespeitarem os professores.
3.2 Local da Pesquisa e Projeto Recriança
A coleta de dados da pesquisa foi realizada em um Centro Comunitário
de um bairro periférico da cidade de Valinhos-SP, onde funciona o projeto
Recriança. Este projeto tem como entidades executoras a Prefeitura do
Município de Valinhos, a Secretaria de Assistência Social e Habitação e a
Seção de Atenção à Criança e ao Adolescente. Tem por finalidade atender
crianças de faixa etária entre 6 e 12 anos, residentes em bairros periféricos da
cidade, no período oposto ao escolar, desenvolvendo um trabalho preventivo
através da educação informal.
3.3 Material
Entrevista Individual
Antes de serem iniciadas as reuniões grupais, foi utilizada a técnica de
entrevista semi-dirigida de Bleger (1993), onde adquirimos os primeiros
conhecimentos acerca dos participantes como nomes, idades, escola onde
estudam, o motivo pelo qual freqüentam o projeto Recriança e o que esperam
da participação do grupo de atividades musicais. Além disso, este primeiro
contato com os participantes permitiu que cada um deles fosse informado dos
23
objetivos da pesquisa e obtivesse esclarecimento quanto às possíveis dúvidas
de sua participação.
Técnica: Grupo de diagnóstico
O grupo constitui uma unidade de interação, podendo assim, ser
compreendido como uma atividade de tarefa. Segundo Anzieu e Kaës (1976), o
grupo permite também a investigação científica sobre o campo do
comportamento humano e grupal. Bion entende: "Ainda que seja de forma
casual, todo grupo se reúne pra fazer algo: cada membro coopera em alguma
atividade de acordo com suas capacidades" (Bion, 1961, p.117).
O grupo de diagnóstico se caracterizou por ser dinâmico, reflexivo e não-
diretivo. A característica dinâmica significa que a atividade grupal não esteve
rigidamente organizada, permitindo o livre fluir da interação e da comunicação.
A característica reflexiva relaciona-se com uma parte da atividade grupal, que
foi a reflexão sobre o próprio processo simultâneo no desenvolvimento da
tarefa proposta, a atividade musical. O aspecto não-diretivo refere-se à idéia de
que toda ação e pensamento desenvolvidos no grupo originaram-se no próprio
grupo.
Segundo Pichón-Rivière (1982), o grupo se constitui numa união de
pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articulado por sua
mútua representação interna, que se propõe de forma explícita ou implícita à
realização de uma tarefa, que constitui sua finalidade.
Os conceitos formados pela escola inglesa, tanto de Bion (1961) quanto
de Foulkes (1964), permitiram esclarecer a consistência da formação e dos
processos psíquicos intrínsecos ao grupo. Todos estes conceitos tiveram como
24
fundamento, a hipótese de que o grupo é um sistema, uma organização e um
processo dinâmico.
Instrumentos musicais
Com objetivo de motivar o grupo à realização da tarefa musical
utilizamos treze tipos de instrumentos musicais. Dentre os instrumentos
percussivos estavam: uma darbuca (tambor árabe), um coquinho, um ganzá
(redondo), um ovinho (chocalho), um caxixi, um tamborim, um pandeiro, uma
castanhola de pau, um triângulo com sua baqueta, uma cuíca pequena e um
tamborzinho chinês. Ainda como instrumento percussivo, mas com
características melódicas, a calimba, e um instrumento de cordas, o violão.
Demos preferência aos instrumentos percussivos por entender que requerem
menor conhecimento musical para serem manejados por pessoas
inexperientes no campo da música. Além destes, também utilizamos sucatas
para a confecção de novos instrumentos que foram criados pelos participantes.
Gravador de som
Foi utilizado um aparelho de mp3 para a gravação do som dos encontros.
Nessas gravações, ficaram registradas a produção musical do grupo, os ritmos,
as entonações e a linguagem falada, que permitiram a realização de
transcrições que nos deram maior fidedignidade em nossas investigações.
25
3.4 Procedimento
A formação do grupo da pesquisa
Na primeira visita à instituição conheci as 23 crianças que freqüentam o
projeto Recriança, e me apresentei como psicólogo e pesquisador. Perguntei-
lhes se sabiam o que é "psicólogo" e, alguns relataram algumas experiências,
inclusive mencionando as brincadeiras que faziam nas clínicas psicológicas.
Também indaguei-lhes sobre "pesquisador" e alguns falaram sobre suas
pesquisas na escola.
Expliquei a eles os objetivos do nosso trabalho de conhecê-los melhor.
Expliquei também que, para isso, utilizaríamos instrumentos musicais diversos
que poderiam ser experimentados e tocados à vontade e, por fim, convidei-os a
participar de nossas reuniões, deixando claro que a participação era voluntária.
Vinte e dois deles manifestaram interesse em participar, com exceção de um,
que dizia que não levava jeito para música.
Disse a eles que seria necessária a formação de dois grupos separados.
Um (G1), formado pelos dez mais velhos (desde que houvesse crianças de
ambos os sexos, sendo no mínimo três do masculino ou feminino) e, outro (G2)
formado pelos mais novos. Tomei nota dos nomes de todos e das respectivas
idades. Os quatro mais velhos tinham 11 anos e havia dez crianças com 10
anos; dentre essas últimas, separamos as seis mais velhas pelo mês de
nascimento a partir da data daquele dia. O resultado foi um grupo (G1) de três
meninas e sete meninos, com idades entre 10 e 11 anos que estavam pré-
selecionados para participarem do grupo da pesquisa e, outro (G2), com os
demais participantes que também fariam as mesmas atividades, porém sem
fazer parte da pesquisa
26
Entrevista individual e critérios de exclusão
Foi enviado aos pais ou responsáveis pelos participantes do grupo o
termo de livre consentimento esclarecido que consiste em uma declaração que
autoriza a utilização do conteúdo obtido durante as atividades grupais para
efeitos de pesquisa e de futura publicação. Neste documento, foram garantidos
o sigilo e a possibilidade de expressão dos participantes sem a exposição da
identificação por terceiros. Em função disso, nomes, datas e circunstâncias que
poderiam identificar os participantes foram modificados respeitando o
anonimato. Os documentos foram enviados em duas vias, uma que ficou com
os responsáveis e outra que voltou assinada ao pesquisador.
No segundo dia de visita à instituição foram realizadas entrevistas
individuais com os pré-selecionados, onde foi utilizada a técnica de entrevista
semi-dirigida de Bleger (1993). A entrevista individual permitiu ampliar o
conhecimento sobre os participantes a fim de realizar a seleção final daqueles
que participariam do grupo. Foram colhidos dados como idade, procedência,
escolaridade e interesse de participar na pesquisa e as queixas principais.
Também foram realizados esclarecimentos necessários sobre as atividades do
grupo e estabelecido o enquadre, combinando o local, o dia e a hora do
primeiro encontro do grupo de atividades musicais, a freqüência e a técnica
fundamental: a atividade musical livre que corresponde à associação livre
circulante.
A realização da entrevista precedendo à formação do grupo se
fundamenta num estudo de Térzis (2005b), que afirma que a entrevista auxilia
o coordenador a excluir casos que seriam contra-indicados para um trabalho
grupal, tais como pessoas que não podem dar seqüência a um tipo de
27
comunicação verbal ou não conseguem acompanhar as mudanças na
sucessão de pensamentos; pessoas com transtornos psicóticos, ou uma
percepção insuficiente da realidade e, por fim, pessoas que apresentam
distúrbios sociais ou condutas anti-sociais que poderiam desequilibrar o grupo.
Todos os dez pré-selecionados foram considerados aptos a participar do grupo.
Enquadre grupal
Selecionadas as dez crianças, de ambos os sexos, foram confirmados
data e horário do primeiro encontro grupal assim como dos seguintes. O grupo
de crianças não admitiria novos membros.
No primeiro encontro, foi solicitado aos participantes que se
acomodassem em um círculo, escolhendo seus lugares à vontade. A seguir, o
coordenador apresentou-se e comunicou os objetivos do grupo diagnóstico
através das atividades musicais. Na seqüência, foram sugeridas as regras do
enquadre no contexto grupal: em primeiro lugar, a atividade e fala livre,
remetendo aos participantes a possibilidade da escolha e o uso livre dos
instrumentos, expressão dos pensamentos, sentimentos e fantasias a respeito
da tarefa proposta pelo pesquisador. Foram previstos doze encontros, de
duração de 60 minutos cada, três vezes por semana (às segundas, quartas e
sexta-feiras, das 15:15 às 16:15).
3.5 Análise dos resultados
A análise das transcrições das reuniões grupais foi realizada a partir do
método utilizado por Mathieu (1967), que compreende que a interpretação de
tais conteúdos é feita de forma análoga à interpretação de uma narrativa
28
mítica. Assim como na interpretação dos sonhos, que se faz através das
associações do sonhador relacionadas ao conteúdo de seu sonho, os
conteúdos das reuniões grupais são vistos como narrativas míticas, porém das
quais não dispomos de associações. Para tanto, considera-se o conteúdo
mítico das narrativas sob o duplo registro de sua elaboração interna, por um
lado, da manifestação dos desejos inconscientes e, por outro, enquanto a
estrutura da narrativa manifesta. Considera-se que está contida na estrutura de
uma narrativa ou no arranjo de seus elementos e seus temas, criações
inconscientes que buscam a satisfação de seus desejos reprimidos. Desta
forma, um sistema temático de um ciclo de mitos abre caminho para
interpretação do mesmo modo que as associações abrem caminho para a
interpretação do sonho. Para tanto, é necessário encontrarmos a espinha
dorsal deste relato para a obtenção desse sistema temático, o que é feito
através dos temas recorrentes ou da estrutura de base do relato. Esses temas
resistentes são tidos como essenciais à economia de um tipo de narrativa e
portanto, são suscetíveis à conferência de um sentido e um significado sendo
vistos como um símbolo, onde está presente a condensação e o deslocamento,
mecanismos próprios do inconsciente.
29
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos conteúdos, que foi realizada por dois psicólogos com
conhecimento de psicanálise de grupo, à luz destas teorias, se deu através da
técnica de interpretação de Mathieu (1967) (já apontada no método desta
dissertação), utilizada em pesquisas de cunho qualitativo, que visa ultrapassar
as simples descrições dos conteúdos, com a aplicação de inferências que
possibilitam uma interpretação aprofundada desses.
As análises das sessões foram feitas de forma vertical, das primeiras
reuniões às últimas, sendo escolhidas algumas delas para demonstração do
desenvolvimento do processo grupal.
Legenda
Identificação da fala dos participantes:
B Beatriz
D Danilo
G Gustavo
I Idalgo
J José
M Manoel
R Ramira
T Talita
V Vicente
W Willian
Coro: Quando dois ou mais participantes falam a mesma frase
?: Quando não foi possível identificar quem falou
P: Psicólogo
(????): Quando não foi possível identificar a palavra ou frase dita.
Texto sublinhado: Análises dos psicólogos frente aos conteúdos
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Planta do local
Para melhor entendimento do leitor, fizemos uma planta aproximada do
local onde aconteceram os encontros:
31
4.1 1ª Reunião grupal
Estacionei o carro em frente ao Centro Comunitário. Nesta hora, as
crianças saíram do portão e foram ao meu encontro antes mesmo que eu
abrisse a porta. Comemoravam minha presença e eu tive uma atitude
acolhedora, cumprimentando uma a uma, e desta forma passei portão adentro.
Esta ação acolhedora por parte das crianças demonstra a solicitude
delas ao receber o psicólogo para o primeiro dia das atividades grupais.
Percebemos nesta ação, uma transferência positiva em relação ao psicólogo e
que, igualmente, a atividade musical é imaginada como algo bom, e desta
forma, reconhecemos que o grupo, mesmo antes de iniciada a sessão, se
estrutura em torno de um Ego Ideal (Anzieu,1993) onde é investida uma
identificação narcísica com o grupo, fonte de prazer e de fecundidade.
Entrei no salão carregando uma mala preta e fechada,onde ficavam os
instrumentos musicais, porém com seu conteúdo invisível aos olhos deles em
primeira instância e, uma outra sacola preta onde guardava o violão.
Cumprimentei a professora e tive uma breve conversa com ela. Conforme
combinamos, ela levou os menores do grupo (G2) para a prática do vôlei e os
dez mais velhos (G1) ficaram comigo dentro do salão.
Convidei-os para sentarmos no chão em roda, como é comum em quase
todas suas atividades, mesmo porque não havia cadeiras individuais.
Relembrei-os das regras do grupo: Que nós deveríamos sentar em roda e que
eles poderiam escolher seus lugares à vontade; que eles poderiam falar o que
quisessem, e da mesma forma, tocar o que quisessem. Pedi encarecidamente
32
que tivessem cuidado com os instrumentos pois todos teriam oportunidade de
experimentá-los.
Estavam presentes no início deste primeiro encontro oito dos dez
participantes: Beatriz, Gustavo, Idalgo, José, Manoel, Ramira, Talita e Willian,
sendo que Vicente chegou atrasado e Danilo faltou.
Pedi-lhes também, autorização para a gravação do nosso encontro e o
grupo autorizou com entusiasmo e, desta forma, iniciou-se a reunião, conforme
a transcrição integral a seguir, somada às anotações que fiz:
R _Ai, começou? (quando liguei o gravador)
W _Põe aqui no meio!
Eu havia posto o gravador à minha frente, e eles pensavam lugares
alternativos para este aparelhinho.
? _Ali em cima!
I _Aqui no chão, aqui ó. (no centro da roda)
W _Aqui no meio, aqui, ó.
P _Aqui?
W _Aqui, ó.
Willian colocou o gravador no centro da roda.
T _Cê trouxe o violão?
R _Calma!
P _Sim.
R _Calma!
33
Estas sentenças anteriores demonstram uma ambigüidade dos
sentimentos no grupo; ao mesmo tempo em que almejam conhecer os
instrumentos e poder tocá-los, apreciá-los, estão receosos com tal novidade
que, justamente, por ser algo novo, leva ao desconhecido, ao incerto, à dúvida
e à incerteza do que vai acontecer.
Levantei-me e trouxe as duas sacolas para o centro da roda, enquanto
isso, Idalgo brincava com o gravador:
I _Ae mano Brown!
I _Meu nome é Idalgo, tenho 11 anos.
I _Eu vou tocar Violão!
I _Meu nome é Idalgo, tenho 11 anos.
Nestas brincadeiras que Idalgo faz frente ao gravador é realizado um
desejo de mostrar sua identidade, assim como os músicos famosos fazem e,
igualmente, um desejo de conhecer um instrumento, o violão.
P _Vou deixar eles aqui (os instrumentos no centro da roda), e vocês
podem ver eles a vontade.
W _É seu? É tudo seu?
W _É tudo seu?
P _É, mas agora vai ser tudo nosso.
Coro _Ahhhh!
34
O psicólogo deixar os instrumentos no centro da roda é repercutida no
grupo como uma atitude que lhes causa entusiasmo. A dúvida de se estes
instrumentos poderão ser utilizados pelo grupo é logo sanada com a explicação
de que aqueles instrumentos seriam deles também.
Deixei a mala aberta no centro da roda com a atenção voltada à reação
do grupo. Alguns permaneceram parados, aguardando, e outros iam
colocando as mãos dentro da mala para retirarem os instrumentos. O primeiro
instrumento a ser retirado foi a darbuca que, igualmente, era o maior e foi direto
para as mãos de Gustavo que já o experimentava.
G _Qual o nome desse?
P _Esse chama Darbuca!
G _Darbuca!
I _Auu! (Idalgo saiu correndo pela sala, aparentemente comemorando).
? _Ô Idalgo! (alguém do grupo chamou-lhe a atenção)
B _Parece uma lanterna! (referindo-se a Darbuca)
M _Parece um... uma bandeja!
R _Eu quero esse! Que da horinha!
T _Deixa eu ver!
W _Tem instrumento de sobra aqui, ó!
R _Vamos fazer uma banda!
Coro _Eeee!
E começa uma batucada desenfreada. Eles riem muito, comemoram: O
grupo demonstra muita alegria por poder experimentar os instrumentos. Esta
35
primeira aproximação desperta muito entusiasmo no grupo que verbaliza sua
comemoração e experimenta esses instrumentos em um nível sensorial.
Vicente havia chegado atrasado e me pediu para entrar no grupo. Ainda
no meio do tumulto sonoro, falei:
P _O Vicente chegou atrasado e está pedindo pra entrar nesse grupo, tudo
bem?
Coro _Tudo!
P _Entra Vicente.
? _Sai Wesley! (Wesley, da turma dos menores (G2), invadiu o salão e o
grupo protestou exigindo sua privacidade).
E o caos sonoro da experimentação dos instrumentos se estendia,
quando Ramira falou:
R _Pára! Deixa ele falar!
B _Olha, deixa aqui esse instrumento aqui...
Ramira e Beatriz, ainda acostumadas a um modelo pedagógico, pediam
ao grupo para que guardassem os instrumentos por acreditar que eu queria
lhes dizer algo, transferindo para o psicólogo a figura do professor, ou à figura
de um líder idealizado, o qual iria ensiná-los a fazer música. Anzieu (1993)
entende que uma representação fantasmática de que todo grupo não
controlado por um corpo social representa um perigo.
T _Esse parece um abacate. (falando da calimba)
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P _Vão deixar esses instrumentos aqui agora? (depois de experimentarem
os instrumentos, de maneira mais ou menos organizada, foram deixando-os no
centro da roda, aguardando que o psicólogo os ensinasse).
M _Fala o nome deles pra nós?
P _Quais que vocês conhecem?
T _Esse aqui é o pandeiro que eu sei!
P _Esse é o pandeiro.
M _E esse daqui, ó?
P _Esse daqui... não tem nome... são dois coquinhos.
M _Como que toca?
P _Acho que toca ele assim olha...
E por poucos segundos toco-o, mas Ramira tira-o de minhas mãos.
R _Não, é assim, ó...
P _Assim dá certo também
Não suportam a demonstração dos instrumentos e, aos poucos, vão
pegando-os novamente e fazendo barulho.
Nisto se demonstra que o grupo age pelo princípio do prazer. Não
suportam poucos minutos da apresentação dos instrumentos e querem partir
para a ação de experimentá-los.
37
Inicia-se uma frase rítmica na darbuca, que repete-se na tamborim.
? _A gente tem que aprender!
? _Ah, tá gravando.
T _Qual é esse aqui?
P _Esse daqui é o ovinho.
? _Ovinho!
I _Esse daqui é o chocalho, né!
P _É.
M _E esse daqui, ó?
I _Esse daí... o caxíxi.
P _Caxixí. Muito bom!
I _Esse toca com o berimbau.
J _E esse daqui?
G _Não sei não.
P _A cuíca! Ta vendo esse paninho que está junto, você tem que deixar
ele úmido pra tocar aqui, olha. (mostrando a vareta interna da cuíca)
J _Vou lá molhar! (e foi até torneira molhá-lo)
T _Alguém viu o violão?
? _Viu o violão? (o violão estava dentro da capa ainda)
? _Não pode olhar!
? _Xiu, xiu, xiu, pára, pára! (haviam alguns que buscavam manter a
“ordem”)
Frente à bagunça que algumas pessoas do grupo faziam tocando os
instrumentos desordenadamente e fazendo muito barulho, outros reagiam
38
tentando buscar uma ordem, querendo mostrar-me que eram um bom grupo,
que respeitavam o psicólogo, que não mexiam no violão. Segundo Anzieu
(1993), o pequeno grupo funciona nas representações coletivas como um lugar
de realizações imaginárias que ameaçam o Ego.
P _Olha, a cuíca é assim... tá vendo que tem essa madeirinha aqui...
(mostrei a madeirinha que havia dentro, e atritei o pano molhado nela extraindo
o som para mostrar-lhes um pouco).
Enquanto isso já pegavam o violão:
? _A-ham
(E toca a cuíca)
? _Ah! Ah! Que legal!
? _Da hora!
J _Dá aqui! Rapidinho! Deixa eu fazer!
José pega a cuíca e extrai o som rapidamente.
Guga pega o violão e faz o acorde de Sol Maior
P _Sabe tocar, é!
G _Sei!
P _Olha, que bacana!
Todos começam a tocar de qualquer maneira e gritam de alegria bem
alto.
? _Que música cê vai tocar, José?
V _Ah, quebrou aqui! (o instrumento coquinho era um pouco torto)
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P _Não, é assim mesmo...
B _Ó, quebrou! (falando dos coquinhos)
P _Não quebrou não, é assim mesmo.
Demonstram algum receio de quebrarem os instrumentos que também
pode ser visto como um medo de desagradar o psicólogo.
D _Ô Gustavo, vamos fazer outra coisa, vai!
B _Peraí, peraí, atenção! Silêncio!
(E os sons se intensificam, desordenadamente)
? _Peraí, deixa o João (psicólogo) falar!
Os sons diminuem um pouco.
? _Deixa eu ver o violão!
Após um grande tempo de muito barulho os sons começam a se
apaziguar chegando a um estado mais próximo do silêncio.
P _Dá licença, Gabriel, por favor! (As crianças mais novas do G2, inclusive
o Gabriel, invadiam a sala, debruçavam-se nas janelas e eu me dirigi ao
Gabriel que não era desse grupo e estava escondido debaixo da mesa
assistindo-nos).
T _Ah, deixa eu ver o violão! (Talita solicitava o instrumento que estava
nas mãos de Gustavo).
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J _Cantar! Dançar! (cantando)
(inicia-se um ritmo constante na darbuca e mais instrumentos soando)
Os participantes do grupo demonstram que querem formar uma banda e
combinar os sons dos instrumentos uns com os outros, porém o fazem de
modo desorganizado, sem considerar que precisam de alguma ordem e sem
combinarem algo para obterem êxito nesta atividade.
B _Deixa o João falar!
Na verdade, eu não queria falar, só estava observando-os.
um grande tumulto sonoro e, em meio disto, muitos dizendo:
“deixa o João falar!”.
P _Vocês querem que eu fale, é!
Coro _Queremos!
Psi _Eu passo a palavra pra vocês então!
Coro _Ahhh! (comemoração)
Depois desta colocação, ouvem-se gritos de alegria na gravação. Inicia-
se um grande tempo deles tocando ainda que desordenadamente. Passados
alguns minutos, a roda vai sendo desfeita e o grupo começa a se dividir em
pequenos subgrupos que desfazem a formação da roda original. Alguns ficam
de pé utilizando todo espaço do salão.
Em aproximadamente 15 minutos da reunião, as três meninas estavam
sentadas no banco do refeitório ao redor do violão que estava nas mãos de
41
Talita, que também sabia fazer alguns acordes. Vicente e Manoel
permaneceram na roda original brincando com os diversos instrumentos que ali
ficaram e Willian, José, Gustavo e Idalgo levaram alguns instrumentos para o
fundo do salão formando uma roda onde tocavam as percussões e dançavam.
Neste subgrupo, Gustavo tocava a darbuca com bastante força, José a
pequena cuíca, Idalgo o tamborim e Willian o pandeiro. Pareciam buscar uma
unidade rítmica, mas o som ainda soava de forma desintegrada, mesmo assim,
ainda me parecia conseguir traduzir uma alegria eufórica.
A fala do psicólogo “passo a palavra pra vocês” repercutiu no grupo em
forma de uma alegria que foi demonstrada pelo mesmo. É provável que esta
situação de estarem sob o teto de uma instituição, sob a responsabilidade de
um adulto e poderem fazer o que quiserem seja inédita para eles. A situação
de liberdade que havia sido anunciada em outras ocasiões, quando
expliquei-lhes que não daria aulas de música, mas que eles poderiam se
expressar como quisessem, é oposta à situação de um modelo diretivo e
pedagógico, onde as crianças são frequentemente castradas para ser possível
aprender o que aprendem nas escolas.
Todo aquele movimento que acontecia na sala chamou a atenção dos
menores (G2), que se debruçavam na janela para assistir o que os mais velhos
(G1) estavam fazendo. Muitos dos mais velhos saiam do salão e iam contar
para a professora sobre tal invasão. Depois de algum tempo em que algumas
regras grupais estavam sendo transgredidas, resolvi convidá-los para sentar
em roda novamente. Levantei-me do meu lugar e disse:
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P _Pessoal, por favor, vamos voltar pra nossa roda!
E voltaram para a roda imediatamente, deixando os instrumentos no
centro da roda.
W _Vamos deixar tudo organizado aqui...
G _Porque... o João (psicólogo) quer falar um pouquinho...
R _E a gente quer escutar um pouquinho!
Apenas José ainda perambulava pela sala tocando sua cuíca, e eu
aguardava o silêncio para falar.
P _Gostaria de lembrar a todos que nós temos uma tarefa aqui de fazer
música em grupo!
W _Eu quero o violão!
R _Calma.
W _Eu sou o violão!
Coro _Eu quero esse / eu quero esse!
E o grupo de crianças disputava os instrumentos que estavam fora de
suas mãos e no meio da roda prontos para serem pegos por qualquer um.
Portar um instrumento naquele espaço tem um significado de pertencimento ao
grupo e de realização dos desejos de brincar, de obter prazer e, justamente,
por esse princípio é que não conseguiam achar uma forma de se organizarem.
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P _Parece que está acontecendo um conflito pra pegar os instrumentos,
não é? Como a gente vai fazer pra escolher os instrumentos?
? _Eu quero o violão!
Coro _Eu quero esse / eu quero aquele!
Alguns continuavam a requisitar seu instrumento preferido e outros
buscavam propostas mais democráticas de dividí-los.
P _Vamos tentar uma maneira de fazer que seja justa!
R _Troca!
M _Reveza!
V _Faz 10 minutos cada um com um!
P _Vai revezando?
Coro _É!
T _Eu sou o violão primeiro!
P _O que vocês acham?
G _Começa aqui, daí vai assim. (e todos consentiram à idéia do líder
Gustavo, que seria o primeiro a escolher, que estava do meu lado e, em
seguida, seriam aqueles que estavam ao seu lado, na ordem)
Gustavo pegou a darbuca e José pegou a cuíca.
Percebemos aqui a primeira clara tentativa de uma auto-organização
grupal para obter êxito na tarefa de fazer música, onde atuam os processos
secundários, que utilizam a faculdade do pensamento, criando regras,
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inventando normas que facilitam o desenvolvimento da obtenção do real,
porém dentro de uma oscilação.
W _Ai a gente faz... inventa uma música, Zé! (dirigindo-se a José)
E Gustavo põe em prática a idéia de seu amigo Willian, inventando algo:
G _Tinha um menino que tava sozinho no meio do mato... (e alguns risos)
G _Tinha um menino, na escuridão... (cantando)
E Gustavo combina alguma coisa com José.
G _Tinha um menino sozinho no meio do mato fazendo o que?
J _FÓ! (FÓ será a representação onomatopéica do som da cuíca, que
estava nas mãos de José).
Neste trecho da transcrição se evidencia a criatividade do grupo, onde
surgiu até uma pequena composição musical letrada, originada de forma
espontânea.
P _Como é a letra? (Pois não havia entendido muito bem naquela hora)
G _Assim, ó
E antes de me mostrarem esperavam as conversas de negociações para
pegarem os instrumentos.
G _Tinha um menino no meio do mato fazendo...
J _FÓ
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Coro (Risadas)
G _Tinha um menino no meio do mato fazendo...
J _FÓ
G _Tinha um menino fazendo...
J _FÓ
Coro (Risadas)
P _O que ele tava fazendo? O que é FÓ?
R _FÓ! FÓ! (rindo)
G _Cagando!
Coro (Risadas)
Vemos aqui que na letra desta músicaum mistério, havia um menino,
escondido no mato e o que ele estava a fazer? O psicólogo tentou buscar essa
resposta através de associações livres do grupo frente ao tema e a resposta
obtida foi: “cagando”. Percebemos aqui, a necessidade que as crianças têm de
usar palavrões, que por sua vez, acabam gerando investimentos pulsionais
positivos no grupo observáveis através dos risos. Estes palavrões funcionam
como chiste (Freud, 1905), aliviando as tensões grupais.
E continuavam a negociar os instrumentos:
T _Ramira, qual que cê vai pegar, Ramira?
R _Eu vou pegar o violão.
M _Eu vou pegar o violão!
R _Agora é você que escolhe?
Coro _Minha vez! Minha vez!
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Idalgo tentava mudar de lugar no grupo para poder escolher seu
instrumento antecipadamente.
B _O Vícente, cê tem que colocar isso aqui, né! (dizendo que ainda não
era sua vez de escolher)
G _Vai Vícente... vai...
M _Cê não é aqui! (falando para outro (G2) que assistia)
M _... eu vou falar pra professora...
G _É, vai falar pra dona...
P _Não, não! Não vai falar não... temos que resolver isso aqui!
? _Ô João...
? _Ô João.... cê falou um cada um... (reclamando que alguém havia pego
dois instrumentos)
G _Tinha um menino no meio do mato fazendo...
Percebi que Gustavo combinava algo com seus colegas
G _O Zé podia ser primeiro, aí depois vinha...
? _Cada um começa na seqüência, aí...
J _Aí com aquele ali, ali com aquele ali, ali com aquele ali...
? _Faz uma fila... uma fila.
Novamente percebemos o grupo voltado a questões de organização. A
vida grupal destas crianças funciona basicamente em nível primário, onde o
grupo atua pelo prazer, mas vemos que este processo se alterna com o
princípio da realidade.
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P _Que vocês acham? (Para todo o grupo)
? _Sobrou, que faz com esse?
I _Sobrou!
? _É só trocar!
? _Ah, se quiser depois troca!
? _Acho que quebrou esse daqui, ó...
J _Cadê?
Coro _Tinha um menino no meio do mato fazendo...
? _Vamo lá gente (para começar a música).
Coro _Peraí!
Coro _Dois , três, ê! (barulhos e não da certo)
? _Peraí!
Coro _Um, dois, três ê! (contam para cantarem ao mesmo tempo)
Coro: _Tinha um menino no meio do mato fazendo o que? (todos juntos, bem
forte, mas a cuíca não apareceu).
Vicente não conseguiu extrair o som da cuíca e o grupo pede para que ele
troque de instrumento com José, o qual já havia ensaiado.
Coro _Um, dois, três ê: tinha um menino no meio do mato fazendo o que?
J _FÓ
Coro (Muitos risos).
G _Vamo lá. Mais uma vez...
Coro _Um, dois, três ê: Tinha um menino no meio do mato fazendo o que?
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J _FÓ
Coro _U huuuu. Palmas para o nosso cantor!
Coro _Eee! (comemoração)
M _Ó, ó, aqui no bagulho aqui, ó... (me mostrando o suposto instrumento
quebrado)
P _Não faz mal...
E as crianças começam a lembrar de canções mais elaboradas
trazendo-as de sua memória para aquele aqui-agora.
Coro _Vai... Era uma casa! Era uma casa! Era uma casa! Era uma casa!
Coro _Era uma casa / Muito engraçada / Não tinha teto / Não tinha nada /
Ninguém podia / Entrar nela não / porque na casa / Não tinha chão / ninguém
podia deitar na rede / porque na casa / não tinha parede / ninguém podia / fazer
pipi / porque pinico / não tinha ali / ela foi feita / com muito esmero / na rua dos
bobos/ numero zero.
M _Eu peguei, já tava quebrado...
P _Não tem problema, depois eu arrumo.
W _Peraí, Idalgo, não Idalgo, peraí, vem Idalgo.
Coro _Vai quebrar, vai quebrar, pára...
Assim que a canção acaba, os participantes começam a fazer uma
pequena bagunça sonora com os instrumentos tocando-os desordenadamente,
porém continuam sentados em roda. Ao passar do tempo, o som se torna
ensurdecedor, pois alguns golpeiam os instrumentos com toda a força,
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enquanto outros põem os dedos nos ouvidos para tapar o som alto. No meio
desta confusão relembram a criação do grupo.
Realizam o desejo de cantar, de mostrar ao psicólogo que conhecem
músicas, que sabem cantar. Desejam agradar o psicólogo, ainda numa posição
de Ego Ideal.
Coro: _Tinha um menino no meio do mato fazendo o que? (E risos).
? _Fiquei uma semana sem fazer cocô (falando bem alto para o grupo).
Algum silêncio se restabelece e permanecem todos sentados em seus
lugares, exceto Willian que fica andando ao redor da roda cantando:
W _Já parei pra falar / eu sou a dona Gigi / que beija na boca / e um
abraço.
E logo o grupo traz uma nova música:
Coro: Poderosa / requebrando até o chão / te encher de carinho
P _O que vocês acham dessa música?
Coro _É da hora! É da hora!
Os coleguinhas de classe deles que não participam deste grupo e que
ficaram quase todo o tempo espiando o que estava acontecendo se aglomeram
ainda mais nas portas e nas janelas. Alguns do grupo musical levantam e
fecham as duas portas, enquanto outros fecham as cortinas das janelas,
privando a imagem daqueles que estavam de fora.
50
Esta ação do grupo de fechar as janelas e as portas impedindo a visão
daqueles que não formavam este grupo mostra que, na primeira reunião, o
grupo demonstra sentimentos de preservação daquele espaço do qual não
abrem mão da liberdade conquistada.
R _Ele se maconhando... (passava o chocalho pelo corpo do
coleguinha, como um bruxo)
P _O que?
R _Ele tá se macumbando (e passava o chocalho novamente)
Todos estavam com instrumentos na mão e permaneceram tocando e,
quando percebi, nossa roda estava aos poucos sendo desfeita. havia uma
nova roda formada no fundo da sala, uma roda de capoeira, onde todos
ficavam de pé, batendo palmas ou os instrumentos e, pela primeira vez, o ritmo
se encontrava um pouco mais. No meio da roda havia a luta da capoeira que
faziam com bastante destreza. Ficavam dois no meio da roda, gingando,
fazendo piruetas, se equilibrando pelas mãos e, quando um outro queria entrar,
batia na mão de quem iria pegar o lugar, assim como se faz tradicionalmente
na capoeira.
Realizam o desejo de brincar, de jogar a capoeira, de mostrarem para o
psicólogo sua destreza, seus conhecimentos.
51
No início, eu estava com apenas duas pessoas que ficaram ao meu lado
na antiga posição do grupo, mas logo esses se levantaram e foram para a
capoeira também. Willian se dirige a mim:
W _João, manda fazer uma roda aqui!
Pareceu-me que Willian gostaria que eu organizasse a roda de capoeira
‘oficialmente’. E continuavam a dar saltos ornamentais como se fossem
profissionais da capoeira. De certo, aquela não foi a primeira vez em que
muitos deles jogavam a capoeira e foi essa atividade cultural a qual mais
associaram com as atividades que eu propus, porém, acabei por não incentivar
nem desaprovar tal atividade, apenas ficando imparcial.
Os integrantes do grupo querem mostrar para o psicólogo o que eles
entendem, o que eles sabem. Enquanto alguns mostram suas destrezas,
outros apenas observam sem terem uma participação direta. Estas atitudes do
grupo remetem a um enunciado de Kaës (1997) que diz que nos primeiros
encontros grupais, alguns participantes têm a tendência de fecharem-se em
uma redoma de vidro para que não sejam ameaçados pelo grupo, enquanto
outros agem de forma oposta, impondo seu ego aos demais, reivindicando as
atenções.
A atividade foi naturalmente findando e alguns me notavam anotando.
T _Eu vou fazer violão na casa da cultura! (Talita dirigiu-se a mim)
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Ao perceber que enfim a capoeira acabava e alguns ficavam a esmo
pela sala, chamei-os para voltarem a nossa roda inicial e todos se acomodaram
sentando-se no chão. Willian, que continuava de pé, começou a cantar a
música da Gigi da qual anotei alguns versos:
W _Se me nem ligado / ela quer um carinho gostoso / quer essa
mulher / pra dizer que ela é!
W _Se me agarrado com ela / Separa que é briga ligado! / Ela quer
um carinho gostoso / Um bico, dois soco e três cruzado!/ Tá com pena leva ela
pra casa / Porque nem de graça eu quero essa mulher!/ Caçadores estão na
pista pra dizer como ela é...
E todos acompanhavam a música com as percussões juntos até que pararam.
G _Peraí, pára, pára!
M _Pára! Pára!
G _O violão não combina!
E deixaram o violão de lado trocando-o por um chocalho. E recomeça a
batucada, até então sem letra quando Gustavo começa a cantar:
G _Eu vou tocar um instrumento!
G _Eu sei tocar um instrumento!
Enquanto tocam as percussões aleatoriamente, alguns participantes
cantam frases de musicas que conhecem.
T _Do jeito que você me olha / vai dar namoro.
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E Willian parafraseia esta canção:
W _Do jeito que você me olha / seu pai é corno.
? _Quer , quer, quer, quer casar comigo?
W _Do jeito que você me olha seu pai é corno!
R _Do jeito que você me olha, vai dar neném...
Ao findar esse emaranhado percussivo, inicia-se outro, com o grupo
se auto-gerindo nas horas de terminar e começar uma batucada nova. Todos
cantam juntos algumas melodias que lhes ocorrem livremente.
R _Abre as pernas e mete nela / Abre as pernas e mete nela
Coro _Não é nada disso que você está pensando / Não é nada disso que você
está pensando / é da bicicleta que eu estou falando / é da bicicleta que eu
estou falando...
O grupo se encontra em ressonância emocional onde lembram as
músicas e cantam-nas juntos.
G _Glamurosa, rainha do funk...
Coro _Poderosa, olhar de diamante / Nos envolve, nos fascina, agita o salão /
Balança bem gostoso requebrando até o chão / Se quiser falar de amor, fale
com o Marcinho / Vou te lambuzar, te encher de carinho / Em matéria de amor,
todos me conhecem bem / Vou fazer tu vibrar no meu estilo vai e vem.
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Começa uma nova canção:
W _Se me vê agarrado com ela / Separa que é briga tá ligado! /
Coro _Ela quer um carinho gostoso / Um bico, dois soco e três cruzado! /
com pena leva ela pra casa / Porque nem de graça eu quero essa mulher! /
Caçadores estão na pista pra dizer como ela é... / Caolha, nariz de tomada,
sem bunda, perneta / Corpo de minhoca, banguela, orelhuda, tem unha
encravada / Com peito caido e um caroço nas costas... / Ih gente! Capina,
despenca / Cai fora, vai embora / Se não vai dança / Chamei 2 guerreiros /
Bispo Macedo o Cumpadre Quevedo pra te exorcisar / Oi, vaza! / Fede mais
que um urubu / Canhão! Vou falar bem curto e grosso contigo, hein / falei
pra vazar! / Coisa igual nunca se viu / Oh vai pra puxa... Tu é feia!
Em quase todas as músicas que o grupo trouxe, a realização do
desejo de cantar e, juntamente com este, o desejo de trazer temas que tratam
da sexualidade, temas estes que são em sua maioria, abordados de maneira
pejorativa.
P _Muito bem, nosso tempo terminou! Até nosso próximo encontro!
E todos saem correndo da sala, enquanto entra o G2.
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4.2 3ª Reunião grupal
Cheguei ao Recriança e, desta vez, não vi nenhuma criança. Entrei no
salão e encontrei com Talita, Beatriz e mais algumas meninas. Disseram-me
que os demais estavam na aula de futebol. Eu, de fato, havia chegado dez
minutos mais cedo do que de costume. As duas ficavam olhando para mim,
cochichando uma com a outra e rindo, até que eu perguntei o que estavam
cochichando, mas não responderam. riam, uma segurando a mão da outra.
Observei os trabalhos de artes plásticas que haviam feito e que elas foram me
apresentando, figuras que representavam o Boi-Bumbá e que, ao mesmo
tempo, eram porta-canetas feitos de argila e pintados.
Conversei com Dona Cida que faz as refeições das crianças. Ela me
contou o cardápio da semana inteira. Hoje era dia de Sucrilhos com leite. Ela
também me perguntou se eu realizava esse trabalho em outros lugares, e eu
disse que sim.
Vi alguns dos meninos do grupo voltando do futebol e passando na casa
de Idalgo que mora vizinho ao Centro.
O relógio apontava 15:15 horas, o horário combinado para começar
nossa reunião e as crianças começavam a chegar no salão. Cumprimentei-
os, perguntei dos gols que haviam feito e aguardei até que terminassem de
comer a merenda.
Este é um fenômeno institucional comumente encontrado: a quebra da
regra de horário por alegação de qualquer força externa.
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Alguns já abriram a mala dos instrumentos e disputavam-nos ao ponto
de eu pedir que tivessem cuidado.
Enfim, reuniram-se para a refeição e antes de começarem a comer,
rezaram junto à professora uma prece de agradecimento ao alimento e o
Pai Nosso. Nem todos estavam à mesa, alguns não quiseram comer e se
ocupavam de outras coisas. Outros faziam brincadeiras durante a reza
que pareciam tirar a seriedade daquele momento. Conversei um pouco com
a professora enquanto os observava comer. Ela me contou da situação
familiar desfavorável de alguns deles. Parecia querer ampliar meu
conhecimento sobre eles, explicar porque eram tão desordeiros. Depois
perguntou-me se eu era músico ou se entendia alguma coisa de música,
e eu respondi que sim.
passavam 15 minutos do horário combinado, quando os últimos
terminavam de comer e a professora chamou os menores para irem
lá fora à prática do vôlei, e eu chamei os maiores para formamos nosso
grupo e iniciar a reunião.
Atacaram vorazmente a mala com instrumentos e eu lhes pedia calma.
Segundo Decherf (1986), este é o fenômeno da interação que nos
mostra que na reunião, o grupo estava acanhado em relação à mala dos
instrumentos não atacando-a vorazmente enquanto, na reunião, o fazem
demonstrando familiaridade com eles, sem nenhum impedimento, nenhum
medo da aproximação com esses objetos.
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Estavam presentes: Beatriz, Danilo, Gustavo, Idalgo, Manoel, Ramira,
Talita e Willian.
O início da reunião é marcado por uma confusão para escolher os
instrumentos. Brigavam entre si para obter esse ou aquele instrumento. Willian
havia trazido seu berimbau.
Ao trazer o berimbau, Willian quer mostrar que ele também traz
instrumentos, assim como o psicólogo, sendo essa ação entendida como uma
identificação positiva com o líder do grupo e também significando interesse
naquele espaço musical, mostrando que também pode somar para a realização
daquele encontro.
P _Como vão fazer para escolher?
W _A gente já se decidiu, se brigar vai ficar sem...
P _A é, é?
E a briga continuava.
P _Vou pôr aqui e depois vocês pegam (os instrumentos no centro da
roda).
? _Depois vocês pegam... (me imitando).
D _Gustavo, você que escolhe...
Esta frase denota que, aos poucos, o grupo vai criando contato com a
realidade, definindo regras e ordens para o melhor funcionamento do grupo.
Vão se auto-organizando, pensando acima da realidade.
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Estavam tentando criar uma regra para pegar os instrumentos
ordenadamente, mas eles não se continham com aqueles instrumentos ao
centro e aconteceu que pegavam-nos aleatoriamente.
R _Espera, gente!
Enquanto pegavam os instrumentos, iam experimentando os sons.
W _Meu nome é Willian, tá ligado! (falando ao gravador)
Começam a se apresentar, também no nível da ordem, da identificação
com os personagens adultos da música.
Idalgo e Gustavo estavam brigando pelo mesmo instrumento...
M _Tinha um menino no meio do mato fazendo o que?
M _Tinha um menino no meio do mato fazendo o que? (FÓ)
R _Ô João! (psicólogo) O Willian fez assim, ó (e pega o gravador e me
mostra como ele havia feito)
R _Meu nome é Willian, tá ligado!
T _Tá torto, professor (falando do instrumento do coquinho).
Estas sentenças anteriores denotam ainda um planejamento das
atividades onde o grupo se comporta de forma auto-organizacional.
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Deixo-os fazer o que querem pois esta é uma fase de experimentação
dos instrumentos. E eles relembram as próprias criações:
G _Tinha um menino no meio do mato fazendo o que?
? _E o ovinho?
? _Ta duro o cocô dele, hahaha (comparando o ovinho com fezes).
E tocam a cuíca bem devagar, o berimbau soa quase todo o tempo junto
à calimba.
R _E esse, o que é?
P _É o triângulo.
Pela primeira vez desde a primeira reunião, tornam a perguntar algo
referente à música ao psicólogo.
E a darbuca acompanha o berimbau
M _... mas não dá pra ninguém. (cantando)
E outros instrumentos começam a acompanhar o berimbau. Esta produção
sonora começa com bastante entusiasmo, mas aos poucos os desencontros
sonoros vão extinguindo essa manifestação.
M _Vamos fazer aquela banda da batucada?
G _Aquele lá que a gente fez na outra aula?
W _Ah não, não, não, vamo outro, aquele lá não.
P _Como que era isso?
G _Aquele lá que eu fazia um som, daí outro fazia igual...
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R _Não é! Não era igual, era um som que combinasse...
E o grupo ia consentindo essa atividade.
M _Eu vou apontar pra quem vai começar a tocar! (E aponta para Willian)
W _Eu não!
G _Eu também não! Vamo inventar uma música! Mas eu não, eu já
inventei...
P _Tá, bom. Estou vendo que temos um impasse aqui em relação ao que
nós vamos fazer hoje.
(silêncio, com exceção de alguns instrumentos)
M _Eu vou tocar uma guitarra!
D _A gente vai cantar música
RAP.
I _Que..., cê só pensa em RAP, muleque!
Demonstram seus desejos de tocarem guitarra ou cantarem RAP
conforme uma identificação com figuras vistas na mídia.
(silêncio, alguns instrumentos soam)
P _Quem tem uma idéia?
Gustavo tenta, cochichando com colegas ao lado, combinar alguma coisa,
organizar algo e Willian logo dá uma idéia diferente, mas nenhuma delas
convence o grupo, até que dizem:
G _Amanhã não vai ter aula!
Coro _U-hu! (comemorando).
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Esta frase demonstra que o grupo é um espaço diferenciado da sala de
aula ou da escola, onde podem comemorar que não haverá aula. Mostram que
esse é um espaço lúdico no qual podem demonstrar sua alegria enquanto, a
sala de aula, é um espaço onde se impõe informação e ensinamentos às
crianças ameaçando seus desejos de brincar, fazer bagunça. no grupo de
música, fazem esse comentário sem restrições, demonstrando ser o grupo um
objeto bom onde podem realizar suas fantasias, desejos, vontades, sem
nenhuma ameaça, mas de forma permitida pelo psicólogo.
O professor da escola é uma figura paterna, castradora, pois representa
a lei, a ordem e a disciplina. o psicólogo, ao ter uma atitude democrática,
representa uma figura materna, acolhedora.
E iniciam-se conversações paralelas sobre o tema da falta de aula, todos
muito animados com esta notícia.
P _O que a gente pode fazer com a música, então?
I _Uma rodinha de... de
D _Alguém inventa uma música, e o outro vai... Alguém inventa uma
música...
P _Diego, põe sua idéia para o grupo.
D _Alguém inventa uma música.... aí... a gente ta falando de inventar
música, certo?
G _Fazer um som!
D _Aí outra pessoa vai terminando essa música, mas com som... com som
que combina.
62
D _E joga a capoeira...
Parece que Danilo mudou rapidamente de idéia porque sutilmente
percebeu que o interesse de Gustavo e Willian era de jogar capoeira.
Inicia-se um som forte, todos juntos, com alguma harmonia, que logo
vai deteriorando-se.
? _Ô, e o Zé? (José havia faltado, e era o tocador oficial de cuíca).
E a batucada renova a força.
Após combinarem entre eles, vieram me pedir para que fizessem um
palco para se apresentarem e eu consenti. Levantaram-se, pegaram os bancos
do refeitório e foram unindo um ao outro até formarem uma superfície plana e
mais alta do que o chão, deixando um banco para o público assistir. Logo que
todos haviam deixado a roda para entreter-se com a atividade fiquei fazendo
algumas anotações e me posicionei de na sala por um tempo para, enfim,
sentar-me no banco da platéia.
Esta iniciativa mostra o desejo deles de fazer música, de triunfar sobre
essa tarefa, de serem adultos, que sobem no palco e se apresentam. Atuam
pelo desejo, pela ilusão, onde tudo é bom, onde estão preparados para subir
ao palco através de um pensamento mágico, onipotente.
D _Tive uma idéia! (E chama alguns colegas em um canto para combinar
alguma coisa).
63
Decidiram se separar em subgrupos que fariam apresentações diversas
uns para os outros.
Enquanto arrumavam o palco:
G _João, agente vai fazer o “Ídolos” (referindo-se a um programa de TV).
Demonstram que têm uma forte identificação com os programas de TV,
o que nos faz pensar com que ídolos estes jovens estão se identificando e que
representações mentais têm esses programas para eles?
? _Vai Danilo... vai Danilo, você começa depois a gente entra no meio...
W _Vou cantar a dona Gigi! Eu sou fã dessa música! (Rindo)
Willian sobe ao palco com uma peruca e um vestido e faz a primeira
apresentação. Canta um
RAP de linguagem lépida e com acompanhamento
de Gustavo na darbuca. Pareceu um improviso fugaz de quem queria
estrear o palco.
A maioria dos colegas não estava no lugar do público, mas espalhados
pela sala, combinando o que iriam apresentar. Alguns cantavam
junto às apresentações.
A letra da canção que trouxeram:
Coro _Se me agarrado com ela / Separa que é briga ligado! / Ela quer
um carinho gostoso / Um bico dois soco e três cruzado! / com pena leva ela
pra casa / Porque nem de graça eu quero essa mulher! / Caçadores estão na
pista pra dizer como ela é...
64
Coro (bem forte) _ Caolha, nariz de tomada, sem bunda, perneta / Corpo de
minhoca, banguela, orelhuda, tem unha encravada / Com peito caído e um
caroço nas costas... / Ih gente! Capina, despenca / Cai fora, vai embora / Se
não vai dança / Chamei 2 guerreiros / Bispo Macedo o Cumpadre Quevedo pra
te exorcisar / Oi, vaza! / Fede mais que um urubu / Canhão! Vou falar bem
curto e grosso contigo, hein / falei pra vazar! / Coisa igual nunca se viu / Tu
é feia! / Xi xi xi / Eu sou a Dona Gigi.
Esta canção que trazem tem uma conotação clara de misturar a
sexualidade com a violência. Além da identificação com o estilo de música
(RAP), também se identificam com a forma que é realizada a apresentação
desta, pois assumem o papel da mulher Gigi e se vestem como ela, porque
lhes foi dada essa liberdade. Até os meninos se vestem de mulher.
M _Peraí gente! Para Diego. A gente começa aqui depois vai parar no
meio.
G _Vai um de cada vez, é melhor!
G _A gente vai fazer uma apresentação de capoeira.
D _A gente vai pro quartinho pra ensaiar a dona Gigi.
P _Vocês vão ensaiar?
Alguns saem do salão para combinarem a apresentação, outros
trancam-se no quartinho. A turma da capoeira permanece no salão
combinando:
I _...e você canta a capoeira, mas vai tocando... (explicando para
65
Willian que estava com o berimbau). É assim a capoeira, entra esse
instrumento (o caxixi), depois entra o berimbau...
Aquele clima lhes despertava algo alegre, prazeroso. Por mais que o
grupo estivesse por um lado fisicamente separado em subgrupos, por
outro, estavam unidos por essa alegria e determinação que me parecia
comum a todos, com exceção de Beatriz e Ramira, que permaneciam
sentadas do meu lado como se fossem contra aquela "bagunça", como
alunas comportadas fazem em respeito ao professor.
? Ô pára aí, ô! Pára aí, ô!
W _Pode professor, apresentar a capoeira?
P _Pode.
W _Vamos lá então! (falando para as pessoas).
W _Aqui ó, aqui (combinando como seria apresentação).
W _Pára, caralho! (ele queria silêncio para começar, mas a darbuca não
parava)
Muita confusão antes do início da apresentação.
W _Silêncio pra começar!
A segunda apresentação foi da capoeira, realizada no chão do salão, não
sendo possível utilizar o espaço do palco para tal apresentação.
Tentam começar a roda ao toque do berimbau, mas o subgrupo ainda
não estava suficientemente organizado quanto à sincronia rítmica. Em uma
segunda vez começam a atividade com sucesso.
66
Coro _Zum zum zum. Capoeira mata um! (cantando)
Todos cantam juntos a música, e Danilo e Idalgo vão ao centro da roda
para jogar, dando cambalhotas, piruetas... Então Gustavo estende a mão para
Idalgo para entrar no seu lugar e agora ele luta contra Danilo. Jogam igual a
adultos, tendo aprendido toda a cultura que está presente nesse jogo.
Nesta atividade realizam o desejo de jogar capoeira, de dominar o corpo,
de mostrar suas habilidades. Desta vez, reproduzem algo aprendido
culturalmente através de experiências vividas e não postas pela mídia.
Identificam-se com mestres de capoeira, com professores com quem tiveram
aulas. É realizado o desejo de se apresentarem como gente grande, onde tanto
a identificação com os personagens da música quanto com seu conteúdo,
expressam por si próprios os desejos dessas crianças.
Todos estão concentrados na capoeira, que demonstra ser algo que lhes
dá muito prazer.
Nem todos estavam presentes à apresentação, alguns permaneciam
trancados na sala ao lado, combinando algo. Danilo e Gustavo, assim que
finda a capoeira, vão à salinha de brinquedos onde os demais estavam
reunidos. Outros permanecem no salão tocando instrumentos aleatoriamente.
Depois de terminada a capoeira e dos subgrupos combinarem suas
apresentações, sobem ao palco as meninas que já haviam abandonado a
posição de alunas exemplares para juntarem-se aos demais. Porém, nada
tinham a apresentar, ficando apenas na posição de performistas.
67
De repente, surge da sala de brinquedos Gustavo, fantasiado, vestido de
mulher, com batom, com uma barriga enorme e uma peruca cantando a musica
da gordurosa, que foi acompanhada por todos os presentes:
Coro _Gordurosa, rainha do
funk / Gordurosa.... / Se quiser falar de amor /
Fale com o Marcinho / Vou te lambuzar / Te encher de carinho / Em matéria de
amor / Todos me conhecem bem / Vou fazer tu vibrar no meu estilo vai e vem /
Vem, vem dançar, empine o seu popozão /Remexe gostoso e vai descendo a
o chão / Popozão, popozão, quero ver seu popozão...
Uma apresentação bem rápida, mas que teve forte efeito catártico nos
participantes do grupo, que em forma de expectadores, cantavam junto a letra
da música. Depois de pesquisar em casa, descobri que cantaram a letra da
música na íntegra, como é conhecida, trocando apenas a palavra “poderosa”
da versão original por “gordurosa”. Ao terminar a música, permanecem no
palco, mesmo sem apresentar nada.
Este é um momento de ilusão, onde sonham ser como aqueles
personagens que vêem na televisão. Ao trocarem a palavra “poderosa” por
“gordurosa” fica evidenciado um deboche com a figura feminina. Podemos
entender a gordura, aquilo que entope as veias ou dificulta os movimentos,
como uma gordura emocional; é uma parte deles projetada no outro, a
personagem da música, uma mulher feia e externa. Esta música foi trazida por
escolha do grupo, e cantaram-na com prazer.
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Danilo conseguiu um chapéu, um óculos escuro e foi ao palco cantar
junto à Ramira e Talita , que retornaram ao palco:
Coro _No dia em que saí de casa minha mãe me disse filho vem / Passou
a mão em meus cabelos, olhou em meus olhos começou falar...
Cantaram este trecho da canção, sem paródias, e logo findaram a
apresentação. Então, uniram-se a eles Manuel e Willian e, juntos, começaram
a cantar:
Coro _No dia em que saí de casa minha mãe me disse filho vem / Passou
a mão em meus cabelos, olhou em meus olhos começou falar / Por onde você
for eu sigo com meu pensamento sempre onde estiver / Em minhas orações eu
vou pedir a Deus / Que ilumine os passos seus / Eu sei que ela nunca
compreendeu / Os meus motivos de sair de / Mas ela sabe que depois que
cresce / O filho vira passarinho e quer voar.
Cantaram duas vezes essas últimas quatro frases, todos juntos,
inclusive o público. Essa é uma música que todos parecem conhecer. Ao
encerrar essa canção, Danilo, Manuel e Willian cantarolaram:
Coro _Seu guarda eu não sou vagabundo / Eu não sou delinqüente / Sou um
cara carente / Eu dormi na praça / Pensando nela / Seu guarda seja meu amigo
/ Me bata me prenda / Faça tudo comigo / Mas vai me levar / Pra bem longe
dela.
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As apresentações tinham um início bem definido, porém o final quase
sempre acabava por irem abandonando o cantar. Substituíram as duas últimas
frases: “mas não me deixe / ficar sem ela” para o oposto “mas vai me levar /
pra bem longe dela”.
A substituição destas frases pode ser entendida como uma formação
reativa, considerando que estas crianças estão na fase de latência,
caracterizada pelo medo do entendimento do sexo oposto, trocam a frase em
que se fica perto dela para a frase em que ficam longe dela.
Ramira sobe novamente ao palco e começa a cantar:
R _Eu sou desmantelado / Se liga mané / Quando eu tirar a roupinha /
Cuidado com o chulé.
M _Cê marca tudo que a gente faz?
P _A-ham
E continuam cantando inúmeras vezes esse refrão:
Coro _Eu sou desmantelado / Se liga mané / Quando eu tirar a
roupinha / Cuidado com o chulé.
R _Dentadura é... ...é rapadura!
R _O Gugu na televisão!
O grupo sai de uma posição racional e se entrega à associação livre.
Essa linguagem expressa nos versos acima, de um vocabulário sujo, é vista
aqui como um processo catártico de projeção.
70
Coro _Eu sou desmantelado...
E a apresentação termina.
P _Mas o que é desmantelado?
Me explicam que é um quadro do programa do Gugu.
R _A dentadura na mão é o Gugu na televisão!
R _Rapadura na mão, é o Gugu na televisão!
R _Eu sou desmantelado / Rapadura / dentadura (cantando)
E Ramira torna a cantar:
R _Eu sou desmantelado / Se liga aí mané / Quando eu tirar a roupinha /
Cuidado com o chulé.
M _O João quer falar!
M _Gustavo!
M _Gustavo! (Gritando).
D _Pára Ramira (Gritando bem alto).
D _Seu demônio da Tazmânia!
R _Vou contar pra dona o que você fez.
D _Vou contar pra dona que você me bateu... (imitando voz de choro)
Demônio da Tazmânia é a projeção de um bicho feroz na figura do outro.
71
P _Podem guardar os instrumentos, mas vamos ficar aqui pra conversar
um pouco.
P _Quem de vocês quer falar algum pensamento?
R _Eu penso desde que eu nasci!
P _Você pensa desde que você nasceu?
D _Eu penso desde que eu nasci, pelo cordão umbilical.
W _João, cê sabia que eu já nasci devendo!
P _Como é que é?
W _Eu nasci devendo!
P _É mesmo, por que você nasceu devendo?
Muito barulho na sala, não conseguia ouvir a resposta.
P _Gente, vamos combinar, nesta hora, quando um falar...
D _O burro abaixa a orelha.
P _Não, vamos escutar nosso colega...
W _O Brasil não ta devendo pros Estados Unidos?
P _A-ham.
W _Então, a partir do dia em que eu coloquei o pé no hospital eu tava
devendo, porque eu sou brasileiro.
P _Então você está devendo porque é brasileiro?
W (Sim com a cabeça).
P _Certo.
P _Mas alguém quer falar algum pensamento?
D _Quando eu tava na barriga da minha mãe, eu tava dentro do útero
72
P _Do útero...
D _Aí chegou um carinha, viu aquele girininho muito louco, ficou olhando
pelo buraquinho.
P _A-ham.
D _Num vou contar mais!
P _Não vai contar o final?
D _Agora acabou!
I _Não entendi!
R _Quando eu nasci...
D _Quando a Ramira nasceu, o médico pensou que era um homem, foi
ver era uma mulher! (Risos)
R _Quando eu nasci, então eu vi que o médico segurou assim, pelo cordão
umbilical...
P _Ãh.
D _Eu ainda mijei na boca do médico
P _Na boca do médico?
D _Vagabundo fica olhando onde não deve...
P _O que a gente fez hoje?
W _Brincamos.
? _Música!
P _Música, e brincamos?
I _Show!
R _Divertimos!
P _O que mais?
I _Jogamos capoeira!
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W _Vestimos fantasia...
P _Você se vestiu do quê? (para Willian).
W _A gente fez a Dona Gigi!
P _E de onde vocês conhecem a dona Gigi?
Coro _Da televisão!
W _Só que faltava um monte de coisa. O batom! A barriga dela é muito
grande!
P _E o que vocês acham da dona Gigi?
R _Muito Gorda!
G _Ela é feia!
B _Legal
T _Engraçado!
P _Muito bom, qual foi a outra apresentação nossa?
G _E a gordurosa? (alguns cantam a “gordurosa” quando é lembrada).
T _Eu que fiz a maquiagem da gordurosa!
P _Ah, foi você quem fez a maquiagem! Eu não conhecia a gordurosa.
I assim ó, é uma música que fala assim: Ô gordinha, ô gordinha,
hoje eu vou te esculachar! (risos)
I _Eu acho legal a dona Gigi!
G _E a barriga dele! (disse “dele”, no masculino)
P _A barriga?
Coro _Gordurosa! Rainha do
funk (cantando).
P _O que mais?
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I _Capoeira.
P _Eu achei muito bonito também, vocês jogam capoeira muito bem. Tinha
música na capoeira?
I _Tinha gente tocando música!
W _Era dos dois!
I _Eu tava lá na aula de capoeira ai o professor me perguntou: _cê quer
brincar ou brigar? Aí eu respondi: _Ué, os dois!
P _A capoeira parece uma luta, não é?
I _A capoeira é uma luta!
R _É uma dança!
I _Eu sei a história da capoeira, era o Zumbi dos Palmares, ele fugiu, ele
era da cidade, ele fugiu do cativeiro por causa que ele sabia lutar a capoeira, aí
ele bateu no cara lá e ele fugiu pro... como é que é? Colombo!
R _Quilombo!
Quilombo pode ser entendido como o lugar da liberdade, da fuga de uma
prisão para um lugar de autonomia.
I _Aí ele ensinou lá pra eles e foi passando de geração em geração....
P _Muito bom! Gente, nosso tempo terminou, podem guardar os
instrumentos!
T _Professor! Você viu que o Wesley ficou invadindo aqui...
Alguns saem correndo sem guardar os instrumentos, outros ajudam enquanto o
G2 entrava no salão.
Fim da 3ª Reunião
75
4.3 5ª Reunião grupal
Ao estacionar o carro no lugar, alguns participantes do grupo
cercavam o veículo me pedindo para levarem a mala dos instrumentos e o
violão.
As crianças manifestam um espírito coletivo, demonstram sentimentos
de compartilhamento e de pertinência.
Eles estavam voltando da aula de futebol, prontos para tomar a
merenda, desta vez, sem atrasos.
Observamos que o grupo reflete uma responsabilidade, uma
conscientização sobre o tempo e o espaço, criada na instituição.
Antes de começarem a comer, rezavam junto à professora, e eu me
aproximei e observei-os. Gustavo, que havia se mostrado um dos líderes do
grupo, me chamou em um canto e disse que não gostaria de participar da
"aula" hoje, pois ele havia trazido sua bola de futebol e não havia jogado o
suficiente. Eu lhe disse que ele tinha liberdade para escolher se deveria
participar ou não (conforme nosso contrato), mas que gostaria muito que ele
participasse que ele sabia até fazer alguns acordes no violão (instrumento
que ele portou apenas uma vez, na 1ª reunião).
76
Esta foi uma interpretação acolhedora por parte do psicólogo, ao permitir
que o participante vencesse suas resistências, seus impedimentos, e tivesse
maior liberdade para pensar e fazer uma escolha quanto à sua participação.
Conforme eu havia decidido na reunião passada, marcada pela falta de
privacidade, reuní-os para perguntar-lhes se gostariam de mudar de espaço
físico do encontro para a salinha de brinquedos, a fim de garantir-lhes um
espaço verdadeiramente recluso, onde pudessem estar no grupo sem serem
observados por pessoas de fora, como acontecia no salão. Dependia ainda da
decisão deles quanto a essa mudança. Reuni o grupo, todos de pé, em roda,
no salão onde havíamos trabalhado até então e perguntei-lhes se gostariam de
fazer a reunião na sala menor. Não fazia idéia de como reagiriam, mas me
pareceram unânimes em aceitar a idéia de muito bom grado, sendo que vários
deles verbalizaram a favor dessa idéia e até se mostraram entusiasmados com
a mudança.
Após combinar com o grupo, entram correndo na salinha Ramira, Beatriz,
Talita, Willian, Vicente e Danilo, demonstrando familiaridade com aquele lugar,
mexendo nos brinquedos da sala. Manoel, Idalgo e Gustavo foram para outra
direção, fora da sala de brinquedos.
B _Cadê o Manoel que ele veio? Ele é daqui o Manoel!
Manoel abre a porta e entra.
R E o Idalgo?
T Cadê o Idalgo?
77
Ramira sai para procurá-lo.
Gustavo veio à sala e ficou parado ao lado da porta observando. Os
participantes que estavam na sala se ocupavam de brinquedos e instrumentos
e alguns extraiam algum som deles. A darbuca, o maior instrumento, que
permite sons de maior intensidade e que, até então, era usado principalmente
por Gustavo, estava agora nas mãos de Willian. Danilo estava escondido atrás
do armarinho, com o tamborim na mão, talvez para que ninguém pegasse esse
instrumento.
Ramira chega com Idalgo.
Novamente o fenômeno do atraso é vivenciado. Por um lado, a idéia da
mudança de sala deixou-os empolgados conforme sua manifestação, mas por
outro, observamos que o grupo regrediu sua percepção de espaço como um
espaço paralisado. Por mais que tivessem familiaridade com o lugar, a
realização da reunião em um novo lugar é sentido com receio e estranheza
pelo grupo.
P _Idalgo, quer participar?
I (sim, com a cabeça)
D _A namorada dele chama Maria Clara!
Coro (Risos, há um grande rebuliço no grupo)
R _Não, é a Tainá, é a Tainá!
W _É uma que deu um beijinho na boca dele ali, ó!
R _Ela tá na catequese.
T _Ela é da minha sala.
78
I _Não é ela! Não é ela!
B _Não é uma que tem olho verde?
R _É!
I _Não é! Não é uma que tem olho verde!
T _É aquela mais alta que vinha aqui...
M _Vou ficar aqui no meu lugar, vou ficar quietinho!
T _Você tem certeza que é ela? (ainda no assunto da namorada)
? _Tem certeza que é ela, Ramira?
Enquanto isso, eu anotava quem havia pego qual instrumento. Alguns
socavam uma grande caixa de papelão que havia na sala, batendo nela com a
baqueta do tamborim. Willian escolheu o chocalho, Vicente o pandeiro e
Beatriz ficou com o Coquinho.
D _Sua mãe! (pow) Sua tia! (pow) Sua avó! (pow) (socando uma grande
caixa de papelão que havia na sala).
T _Cê da aula pro
Recriança do Jardim América? (para mim)
P _Do Jardim América? Não.
Alguma bagunça começa, todos experimentando os instrumentos.
? _Olha o violão! Olha o violão! O violão tá (????).
? _Cantar! (cantando).
M _Tá na hora da comida! Tá na hora da comida! (batendo no triângulo).
Nesta mudança, a tarefa musical foi esquecida, ocorrendo o fenômeno
do caos, onde se cria uma bagunça oposta ao desejo do grupo de conseguir
79
um lugar mais aconchegante, supostamente, para melhor realizar sua tarefa
musical.
P _Posso falar alguma coisa?
Coro _Pode.
P _É o seguinte, nós temos algumas regras que precisamos cumprir...
Devemos ficar em roda...
? _Eu tô em roda! (e os outros que estavam no meio da roda se ajeitavam
em seu perímetro).
R _Vou beber água! (respondi que podia ir, gestualmente).
P _Evitar entrar e sair a toda hora.
P _E a regra principal, a mais importante... Vocês devem fazer o que
quiserem relacionado à música. O que vocês quiserem.
? _Onde que tá o Danilo? (estava escondido atrás de uma estante).
D _Tô aqui! (aparecendo e sumindo novamente).
Os participantes não suportam ficar em roda, desfazendo-a, excluindo-
se dela ou retirando-se da sala. É notória a resistência do grupo à realização
da tarefa, à conscientização do espaço e do tempo.
Algum barulho.
M (Cantando) _No dia em que eu sai e casa minha mãe me disse...
I (Cantando) _Eu gosto de passear / Eu gosto de balançar.
G _Danilo Parreira, grudou na bananeira! (risos)
W _Danilo Parreira, ficou com caganeira! (risos)
80
? _Willian! De onde cê veio?
G _De traz do côco.
? _O que você merece?
D _A buceta da sua mãe!
W _E o Danilo?
Coro _Da onde que ele veio?
W _Do meio do seu cú!
Coro _O que que ele merece?
W _A pica da Raul! (risos)
Coro (Cantando) _Da onde que ele veio? De traz do bambu / ele merece /
no meio do cú.
O ânus (cú) é o espaço da sujeira e simboliza a agressividade. Os
participantes do grupo passam por um estágio de sadismo, onde sentem prazer
de atacarem-se uns aos outros.
B _O que você ta anotando? (pra mim).
I _É! O que cê ta anotando? (um breve silêncio após essa pergunta).
P _Estou anotando as coisas pra eu não esquecer.
Coro _Ahhhh. (Insatisfeitos com minha resposta).
P _O instrumento que cada um pegou.
Coro _Eu peguei esse! Eu peguei esse...
Ao falarem palavrões, sentem-se perseguidos por minhas anotações,
alternando de um estágio de Id para o de Superego.
81
D _E a Ramira...
G _De onde que ela veio?
D _Atrás do arroz.
G _O que que ela merece?
D _A pica de nós dois... (Risos, inclusive da própria Ramira).
R _Vamos fazer do Danilo!
Coro _E o Danilo!
Coro _Dá onde que ele veio?
R _Atrás da maçã!
Coro _O que que ele merece?
R _A pica do Malan! (risos)
D _A Ramira.
Coro _Da onde que ela veio?
D _Detrás da maçã!
Coro _O que que ela merece?
D _Calcinha e sutiã!
G _Agora do meu amigo Manoel.
Coro _De onde que ele veio?
G _Detrás do arroz.
Coro _O que que ele merece?
G _A pica dos dois! (risos)
82
D _Apresento meu amigo Vicente!
Coro _Da onde que ele veio?
D _Da flor!
Coro _O que que ele merece?
D _Uma grande dor! (risos)
V _Apresento meu amigo Danilo. (retrucando)
Coro _Da onde que ele veio?
V _Detrás da bananeira.
Coro _O que que ele merece?
V _Uma baita caganeira! (risos)
D _Apresento meu amigo Willian.
Coro _Da onde que ele veio?
D _Detrás do planeta.
Coro _O que que ele merece?
D _A flor do capeta. (risos)
W _Apresento meu amigo Danilo!
Coro _De onde que ele veio?
W _Atrás do armário!
Coro _O que que ele merece?
W _A pica do Romário! (Risos)
83
D _Porque você faz se não agüenta? (para Willian)
T _Apresento meu amigo Idalgo.
Coro _De onde que ele veio?
T _Detrás do fogão.
Coro _O que que ele merece?
T _A pica do Faustão!
Quase todas as associações livres que ocorrem no final das sentenças
possuem aspectos agressivos, onde se diz que merecem o pênis (pica) de
alguém, ou uma grande dor, ou uma grande diarréia, a flor do capeta,
mostrando que o grupo age até então pelo Id e de forma destrutiva.
D _E esse gravador aí? Quem que escuta esse gravador?
P _Ninguém, só eu.
Coro _Aaahhh. (Risos)
D _Porque tá cheio de palavrão!
P _Tem mais uma coisa, tudo que vocês falarem aqui fica preservado, eu
não conto pra ninguém!
Coro _Eeeeeee! (Comemoração)
? _Nem pra dona?
P _Nem pra dona.
? _Nem pra sua mãe?
P _Nem pra minha mãe.
84
Notamos uma breve aparição de um Superego grupal, quando começam
a se dar conta de quantos palavrões haviam sido ditos. É natural que sintam
sentimentos de culpa por agirem exclusivamente pelo prazer, disfarçando a
tarefa musical em versos agressivos ou sádicos.
Barulho.
D _Filha-da-puta! (me parece uma comemoração de poder falar o que
quiser)
E espontaneamente a brincadeira recomeça:
D _Apresento meu amigo.... apresento a Ramira!
Coro _De onde que ela veio?
D (demora) _É... detrás da bateria!
D _Não! detrás da... da.... do poleiro!
Coro _O que que ela merece?
D _A pica do... (ninguém achou graça)
G _Apresento meu amigo Danilo!
Coro _De onde que ele veio?
G _ Detrás do hospital.
Coro _O que que ele merece?
G _Uma pica no seu cú! (risos)
85
Esta brincadeira foi repetida por mais de vinte vezes a partir daqui, não
cabendo repetí-las aqui, onde todos os integrantes do grupo foram “vítimas”
dos versos, inclusive eu, porém de forma mais amena.
O grupo sai da formalidade, entra na bagunça, atuando pelo Id. Alcança
o desejo de falar palavras sujas. Traz à tona sua sujeira interior inconsciente.
I _E cê ta entrando na bagunça? (para mim)
P _Ã? (Não entendi)
I _Cê tá entrando na bagunça? Ah vai falar que não é legal?
P _Você gosta?
I _Eu gosto! Hiii!
W _Quem é que não gosta de uma bagunça de vez em quando?
T _De vez em quando, né!
E começam a tocar os instrumentos e uma bagunça se instala de
verdade.
O grupo projeta no psicólogo a idéia de que ele gosta da bagunça. Este
mecanismo de defesa tem a função de minimizar a culpa que sentem em
relação à transgressão moral que realizam ao falar tantas coisas sujas,
imaginando que o psicólogo gosta daquela bagunça.
D _Ai minha perna! Ai minha perna! Vai ter que amputar! (Ramira pisou
em cima da perna de Danilo).
86
Começam a gritar junto às batucadas:
G _Apresento meu amigo Manoel! (Cantando)
E batucam, e gritam!
W _O espera aí, espera aí, Pôe os instrumentos aqui!
Riem bastante, comemoram.
P _Eu não entendi qual é a parte musical disto daí.
? _É música sim!
E gritam, se põem em movimento, correndo pela sala. Começam a
batucar bem alto, desenfreadamente. Estão em êxtase, eufóricos, gritando e
batendo nos tambores.
Pegam o gravador e começam a cantarolar nele. Parece uma
comemoração, uma festa, demonstram-se alegres.
Este momento se evidencia como uma ilusão grupal, onde o grupo se
exalta, exagerando os sentimentos, agindo pelo princípio do prazer e buscando
esse prazer a todo custo.
? _Tá muito abafado aqui!
? _Professor, tá muito abafado aqui!
87
Começam a abrir as cortinas e as janelas que estavam fechadas.
Manoel abre a porta e sai da sala.
P _Vocês querem deixar essa porta aberta?
E continuam a correr, a gritar e a reclamar do ambiente abafado, alguns
já transpirando.
A transpiração que existe em um nível corpóreo vinda do excesso de
movimentos que realizavam, que, por sua vez, traduz uma atuação ilusória de
um prazer fugaz, demonstra-se emocionalmente como um sentimento de
sufocamento.
? _Pára!
R _Isso ta doendo demais! (cantando repetidas vezes).
I _Ih! Doeu!
I _João, tá acabando nossa hora, não tá?
P _Como?
I _Acabou nossa aula!
P _Ainda não...
G _São 15 pras 3!
? _Falta meia hora.
? _Ah! Tem tempo!
E voltam a gritar e batucar desordenadamente. Manoel volta para a sala.
88
Pegam os brinquedos que estavam na caixa de papelão e espalham
pela sala, que fica toda desarrumada. Dentre esses brinquedos, algumas
bonecas femininas de borracha, das quais eles tiram a roupa deixando-as
nuas. Danilo pega um espetinho de madeira e começa a furar as nádegas da
boneca.
Coro _Pára! Pára! Parou! (ficam um bom tempo gritando).
Percebendo que a bagunça estava desenfreada, achei por bem fazer
uma pequena intervenção.
P _Vamos! Nós somos um grupo e temos a música pra fazer.
Coro _Iiiihh!
M _O que que a gente vai fazer?
? _Apresentar
Hip hop!
? _Se for Hip Hop, no dia de apresentar eu falto!
E continuam a gritar e a bater nos instrumentos.
? _O que vai fazer? Ensaiar, ué!
I _A gente vai e canta pra eles, aí eles cantam pra gente! (“eles” refere-se
ao ouro grupo, o G2).
I _A gente vai um dia, daí apresenta pra eles, os outros vai um dia e
apresenta pra gente!
R _A gente faz: Ah! Roubaram meu fusquinha!
Coro _Ah Roubaram meu fusquinha!
Coro _Ah Roubaram meu fusquinha!
Coro _Ah Roubaram meu fusquinha!
89
Ainda em uma situação de ilusão grupal, transferem um sentimento de
que o grupo como um todo é bom, que fará até mesmo apresentações, que irá
ensaiar. O grupo trazido aqui por eles é um objeto idealizado.
Cantarolam algo:
R _Minduim! Minduim!
D _Muito louca essa música!
R _Minduim! Minduiiim!
R _(????) o amendoim!
D _Não pode ficar aqui (????).
R _Minduim!
Danilo pega o gravador e começa a cantar como se fosse um microfone,
com entonação de
rapper. Toma conta do grupo, que ouve suas invenções
silenciosamente.
D _(????) (????) ...uma bala no crânio e ó...
D _Já acabou a música! (Risos).
D _Essa eu gravei!
Nesta ação uma identificação com a figura do cantor adulto, que usa
o microfone, que se apresenta ao público.
D _Fiz um sexo com a minha tia! (cantando)
W _Não fica falando besteira que tá gravando!
90
É expresso um conteúdo libidinoso / agressivo. Neste espaço são
realizados desejos incestuosos censurados socialmente.
D _Minha mãe (????) / Queimadura de cigarro (????) (ainda com
entonação de
rapper)
D _Não sei cantar o resto. Vou mandar a do amendoim, ceis quer?
Coro _ Eu quero! Eu quero!
D _Então vai: minduim, minduim preto.
D _Sua mãe tinha Minduim / Eu não tinha / A onda do mar apagou / Pegou
no meu pequenininho / Sua mão pediu o amendoim / Eu não tinha / Oh meu
deus! / Mas que amendoim preto do céu / Vou me dar bem comendo
amendoim / Sua mãe pediu / Oh meu deus amendoim pequeninho / Bem no
cuzinho! / Oh!
D _Acabou!
Coro _Ehhhhh!
D _Então vai, que música que eu canto?
G _A do amendoim!
D _A do amendoim preto?
D _Vou cantar uma sexual!
G _Pode cantar!
D _Faça sexo seguro! Use camisinha! Esse programa é recomendado para
menores de 14 anos!
91
D _Faça sexo seguro! Use camisinha! (E começa a cantar) Ele pediu,
pedaço de amendoim / Eu queria uma camisinha / Ela pediu o amendoim / Ela
pegou meu pinto / Colocou na cara / Oh! Oh!
Demonstram que sabem que sexo seguro é feito com camisinha, e desta
forma, eles se põem na posição de adultos. Entretanto, sabem
inconscientemente que ainda não atingiram o status adultos, o que se mostra
pelo uso da expressão “menores de 14 anos” ao invés de “maiores de 14
anos”.
Gustavo entrou em uma grande caixa de papelão onde se guardam
brinquedos, portando uma boneca de plástico e um lápis, simulando uma cena
de sexo. Danilo pegou o gravador e foi gravar o que Gustavo fazia ali dentro.
A caixa de papelão é metaforicamente transformada em um quarto, ou
em um espaço reservado, pois uma relação sexual não acontece ao ar livre, na
frente de todos, mas é mostrada de forma censurada.
Uma observação: (f) significa a interpretação de uma personagem
feminina, e (m) de uma masculina.
G(m) _Sua biscate!
G(f) _Oh, oh, oh, filha-da-puta!
G(m) _Sua vaca! Ai, ai, ai. Ai sua biscate! Ohhh!
G(f) _Aaahh. (simulando os gemidos de uma relação sexual).
92
G(m) _Eu gozei! Abre a boca, sua biscate! Vai, vai, agüenta o tranco! Vai, vai!
Observamos neste conteúdo a realização de seus desejos sexuais,
representada através de um conteúdo adulto de relação sexual.
O grupo permaneceu assistindo, dando pequenos risos escondidos.
G(f) _Ai ai ai , não me toque!
G _Acabou!
Coro _Eeeeeee! (Comemoração)
G _Vai de novo!
Coro _Eeeeeeeee!
Danilo entra na caixa junto com Gustavo e Idalgo assume a posição de
gravador do “filme”. Eu, que até então não podia ver o que acontecia dentro da
caixa, discretamente achei uma posição onde poderia enxergar dentro, a fim
de cuidar que nenhum limite fosse excedido. Sentia que minha figura foi
completamente esquecida pelo grupo naquela ocasião.
Entram em uma euforia, um êxtase, um estado libidinoso, prazeroso,
uma parafrania, onde o psicólogo não foi sentido como perseguidor.
? _Peraí, peraí!
I _É um filme!
I _Continua o filme.
93
G(f) _Ai seu filha-da-puta! Ai, ai.
D(m) _Cê quer sua biscate! Vou te bater!
D _Filha-da-puta que chutando! (Chutavam a caixa de papelão na qual
estavam dentro).
R _Vai, continua Danilo.
D _Ah! Não quer parar de chutar!
Ainda em um nível imaginário, apenas através da fala, continuam:
G(f) _Ai ai, me come...
I _Vai Danilo, continua!
G(f) _Me come filha-da-puta!
D(m) _Ah! Cala a boca! Ah, ah, eu quero gozar na boca, sua biscate!
G(f) _Aaaiiiii chega, não agüento mais!
D(m) _Agora cê vai ter! Sua biscate! Ai, ai! (e bate com a boneca)
G(f) _Nunca vi tão grosso!
D(m) _Eu vou te enfiar esse pinto grosso!
G(f) _Ai, enfia na bunda! Aiiii! Me come mais, mais um pouquinho! Um
beijo. ( e beijam as bonecas).
I _A segunda parte acabou, vai começar a terceira.
? _Ai, Gustavo dos Santos Lopes!
I _Terceira parte do filme:
G _Cê dá por um real, ela falou:
G(f) _Não!
G(m) _Por 5?
94
G(f) _Tá!
G _Então fui lá no motel, arrumei um motel, aí eu comecei a comer ela.
G(f) _Ai, ai... enfia mais! Ai, ai, ai! (e geme simulando uma cópula)
D _Ai, ai, ai, ai, ai, ai, vai!
G(f) _Tá comendo o meu cú.
D _Tá bom gata! Eu vou lhe enfiar.
G _Ai, ai, ai, ai, ah, ah, ah, ah, ah, ah! (e grita desesperadamente).
W _A terceira parte acabou.
I _A quarta parte do filme quando o homem ou a mulher falam de uma vez
só.
A idéia de que essas realizações são um filme, minimiza a angústia de
executá-las. O filme é uma ficção, uma brincadeira, uma mentira.
G(m) _Eu posso te comer?
D(f) _Não.
G(m) _Agora eu vou enfiar vai entrar.
D(f) _Ah, ah, ah! (começa a berrar).
V _Vai continua!
Realizam seus desejos em nível de imitação de uma relação sexual,
onde o grupo como um todo realiza suas fantasias, alguns através do
voyerismo. A imitação do papel de adulto é caracterizada como um estado de
ilusão, por ser justamente aquilo que não corresponde à realidade.
95
I _A quinta parte do filme recomeça
D(f) _Ai, me come seu filha-da-puta!
G(m) _Ta bom, lá vai, lá vai uma bombada!
D(f) _Ai, mas esse pintinho é muito fino!
G(m) _Cala a boca!
D(f) _Ai, não cabe!
G(m) _Não cabe porque é muito grande, não é?
D(f) _Não, (????), então vai, soca o pequenininho.
G(m) _Seu filha-da-mãe.... toma seu desgraçado! Oh! Gozei!
D(f) _Espera um pouquinho.
G(m) _Vai nascer um filhinho minúsculo!
I _A sexta parte começa!
D _Agora eu sou o homem.
G _Ah, Danilo! (reclamando).
D(f) _Quer me comer?
G(m) _Não! Ce é muito feia!
D(f) _Vai tomar no seu cú, então!
G(m) _Vai no seu!
D(f) _Ah, então me come, vai.
G(m) _Toma!
D(f) _Seu pinto é muito fino, do tamanho de uma linha.
G(m) _Filho de uma mãe!
D(f) _Naquela hora você não falou nada disso!
96
G(m) _Tava meio groso, você tomou bomba!
D(f) _Tomei bomba (????).
V _Quinta parte, vai... agora...
I _Sétima parte começa agora.
I _Vai, vai... sétima parte começa!
I _Agora é três! Dois homens pra uma mulher!
D _Peraí. Faça sexo seguro, use camisinha. Esse programa é
recomendado para menores de 14 anos.
G _Ai, vai passar na televisão! Rede Globo-bo-bo-bo!
I _Agora começa... dois homens e uma mulher.
G _Meu nome é Kelly.
D _O meu é Frutífera.
I _Kelly, Frutífera e (????).
G _Ô Danilo, vamos perguntar praquela vadia se ela dá por um real?
D _Vamos!
G _Vamo lá! Vadia, você quer dar por um real?
D(f) _Vai tomar no seu cú!
G(m) _5 centavos?
D(f) _Mais.
G(m) _20?
D(f) _Mais.
G(m) _50?
D(f) _Mais.
G(m) _60?
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D(f) _Aê! (????) feita, pode me comer!
D(f) _Mas calma aí, ele vai me comer com esse pinto aí?
G(m) _Seu desgraçado, então toma na orelha!
D(f) _Soca a rola no meu cú! (risos)
G(m) _Toma! Toma! É minúsculo, né? Agora toma!
D _(????) ...pra mim bater uma punheta.
G(m) _Você é traveco?
D _Eu sou um homem.
G _Ahh! (que maldição).
P _Vamos fazer uma roda agora, vem cá.
Todos se levantam prontamente, fazendo alguma bagunça.
W _Hoje tava legal!
P _Tava legal? Do que vocês gostaram?
? (????).
P _O que vocês acharam dessa última atividade?
Coro _Foi legal! Foi legal!
D _Como você gosta mais de ovo? Frito ou cozido? (pra mim).
P _Ah.... isso deve ser alguma pegadinha.
D _Não é não, ovo de galinha!
P _Tanto faz.
D _(baixinho) Ah, então pau no cú.
E eu olho pra Danilo com cara de desaprovação.
98
P _Hoje nós começamos falando de namoro, que alguém tem namorada,
ou não tem... Depois vocês fizeram a brincadeira do meu amigo...
W _Peraí. (pega o gravador). Essa foi a novela da tarde!
Coro _Err! (vaiando-o).
P _E depois foi a brincadeira da caixa.
W _Não é brincadeira da caixa, é novela da tarde!
P _... e tudo com um fundo bem sexual!
D _Ô loco! (ironizando minha fala).
P _É isso?
P _Por que será que a gente pensa tanto nisso?
W _Porque todo mundo fala!
D _Porque todo mundo aqui é homem! Ah! duas, três, tem três mulheres,
hehe! A Beatriz é taradona!
Nossa cultura permite ao homem uma liberdade maior de exprimir ou
realizar seus desejos sexuais, enquanto a mulher é comumente censurada.
Danilo projeta em Beatriz o adjetivo “taradona”.
P _O que é isso pra vocês?
D _É a minha rola!
? _É pra engravidar
Falam da potência do pênis que tem a capacidade de engravidar.
D _(????) filha-da-puta, me solta... aí eu mijei na cabeça.
99
Demonstra agressividade, um componente sádico.
R _Minduim!
D _A música do amendoim eu aprendi com o médico.
P _E o que vocês vêem nisso?
D _Eu vejo avareza.
P _O que é avareza?
D _É a pessoa pão-dura.
I _É a pessoa que tá cheio de dívida.
T _É aquele que não quer repartir o dinheiro com ninguém.
W _Isso se chama pão-duro.
G _Mão-de-vaca.
O grupo traz a palavra “avareza”, que pode simbolizar como o grupo de
crianças se sente, avarento.
P _E o amor, o que é o amor?
D _Amor às escuras.
W _O amor é cego e mudo! (Risos)
I _E surdo.
W _Nem escuta nada!
M _E cabeludo.
I _O amor é cego, mudo e surdo.
M _E cabeludo. (rindo)
100
D _Eu encontrei um velho na rua, daí eu perguntei: _Onde cê mora? E
ele: _Eu não moro. (voz de velho)
Coro (Risos).
D _Aí ele falou: Um dia, as estrelas vão brilhar! As estrelas já brilham!
Coro (Risos).
? _Pára! A gente ta falando de sexo aqui!
I _Sexo!
Quando o grupo se censurava, seus impulsos sexuais existiam no
escuro, de forma inconsciente, entretanto, esse tema da sexualidade veio à
tona, às claras, e o grupo se encontra agora em uma fase de transição.
P _O que é que significa amor?
W _Amor é quando uma pessoa está apaixonada pela outra!
P _E vocês já se apaixonaram?
Coro _Eu não! Eu já! Eu já!
P _E como foi quando vocês se apaixonaram?
? _Eu queria dar um beijo.
R _A minha amiga queria dar um beijo.
P _Um beijo! É mais bonito, não é?
W _Não, não, tem que dar beijo de língua, aquele que...
R (Cantando) _Beijo de língua é coisa do passado / a moda agora é
namorar pelado!
R _Beijo na boca é coisa do passado A moda agora é?
Coro _Namorar pelado!
101
Através destes versos realizam o desejo de serem grandes, que
namoram e ficam nus, que tem relações sexuais.
P Bom, nosso tempo acabou, vamos arrumar a sala (que estava muito
desarrumada)
E eu os ajudo a arrumar a bagunça. Alguns são resistentes à arrumação.
Pegam instrumentos e começam a tocar, ao invés de guardá-los.
R _É pra guardar!
? _Seu caderninho!
P _Ah, meu caderninho, obrigado.
? _É pra guardar, Danilo! (tirava as coisas da mala).
T _Tô cansada!
? _Pode sair?
P _Pode. Quarta-feira o próximo encontro.
Fim da 5ª Reunião
102
4.4 12ª Reunião grupal
Antes de iniciada a reunião, entraram na sala, Willian e Talita que
pegaram todos os instrumentos que estavam guardados e montaram baterias
para eles.
W _Olha, dá uma olhada na bateria que eu vou montar.
T _Minha bateria é isso daqui, olha, professor!
Percebemos transformações no processo grupal logo no início da última
reunião, onde os participantes demonstram um espírito de realização da tarefa,
de organização, onde querem demonstrar ao psicólogo sua disciplina, sua
evolução.
A bateria de ambos era muito bem organizada, os instrumentos ficavam
dispostos formando um semi-círculo a frente deles, de maneira que pudessem
tocar todas as partes dessa bateria.
Logo após, entrou Vicente, que pegou dois chocalhos e sentou-se no
chão. Depois entrou Ramira junto com Beatriz, que me cumprimentaram
falando um “oi”. Sentaram-se ao lado de Talita que dividiu uma parte de sua
bateria com elas.
Percebemos neste gesto de dividir os instrumentos, um sentimento de
solidariedade que otimiza o desenvolvimento grupal em relação à tarefa.
Enquanto na primeira reunião grupal os participantes lutavam entre si para
103
conseguir os instrumentos e voltavam sua atenção principalmente à figura do
psicólogo, no final do processo, evidenciamos mais esta transformação, onde
as relações se tornam mais diluídas, ocorrendo de todos os membros do grupo
para todos eles.
Idalgo foi o último a entrar, e ao perceber que seus colegas haviam pego
todos os instrumentos, rapidamente improvisou uma bateria para ele também,
não menos completa do que as dos outros, utilizando um tabuleiro, algumas
peças e caixas de brinquedo.
Danilo e Manoel não compareceram ao
Recriança neste dia. Gustavo e
José estavam presentes, mas não quiseram participar.
No início de nossa reunião, Willian experimentava os instrumentos,
batendo em cada peça de uma vez, extraindo um timbre diferente de cada.
W _Professor. Olha o que eu consegui fazer, o cavalo! (e faz o som que
lembra o galope de um cavalo).
O grupo mostra ao psicólogo toda sua evolução, sua criatividade. Por
trás disto, observamos a fantasia de serem coroados, reconhecidos pelo
psicólogo como um bom grupo.
Todos experimentam seus instrumentos, Vicente com seu chocalho, os
demais com suas baterias.
R _Tem como cê me emprestar? (Para Talita).
T _Eu vou fazer uma música pro professor! (E começa a cantarolar).
T _Lá lá lá lá lá lá lá lá lá. (Cantando).
104
T _Lá lá lá lá lá lá lá lá lá. (Cantando).
I _Ó, o meu instrumento! (E bate em sua bateria improvisada).
I _Ó Ramira, ó Willian, olha aqui.
V _Amanhã a professora vai pegar o papel.
T _Professor, a gente vai no
Hopi Hari semana que vem.
Willian e Idalgo começam a batucar em uma espécie de jogo de
pergunta e resposta:
W Tan Tan (Batucando).
I tan tan tan (Assim sucessivamente).
começam a realizar as primeiras produções musicais um pouco mais
elaboradas, onde combinam frases e sons diferentes que formam um todo
harmônico.
Egberto, que não é deste grupo, entra na sala.
T _Sai Egberto!
E ele fica sorrindo.
P Egberto, por favor! (E ele pega alguma coisa na gaveta e se retira).
Esta brincadeira musical de pergunta e resposta se espalha por todo o
grupo:
W tan tan tan (Tocando) .
Coro tan tan tan.
105
R _Espera aí, espera aí! (O grupo para e Ramira começa).
R Tan tan tan tan.
Coro tan tan tan tan.
O ritmo começa forte e organizado, ganha em coesão no seu meio e
termina com alguns deles parando de tocar aos poucos.
V _Olha professor (e me mostra o som do cavalo, mas batendo na palma
da mão e, em seguida, dando dois toques no peito).
T _Ó Willian, vamos fazer assim, ó (E mostra um ritmo).
R _Vai, começa Idalgo! Começa!
Nestas singelas frases, percebemos que o grupo planeja suas atividades
musicais, que estão em busca de uma organização, portanto, voltados à
realidade.
E Idalgo inventa uma frase rítmica à qual o grupo responde, até findarem
todos juntos.
I _Legal!
T _Professor, você tem irmãos?
P _O que você acha?
T _Quantos irmãos você tem?
P _Por que você quer saber, ein?
T _Por nada, só por curiosidade!
T _Então, você é o mais velho?
P _Não, eu sou o do meio.
106
B_ _Eu também sou a do meio!
T _Quantos anos você tem?
B _Ele tem 27!
P _Você já sabia, né!
I _Eu sou o do meio também!
W _Minha mãe tem 28 e meu pai tem quase 45! (Risos)
V _Minha mãe tem 31 e meu pai tem 32.
T _Ce não tem namorada não, João?
P _Como?
T _Ce não tem namorada?
P _Vocês querem saber, é?
W _É curiosidade.
T _Curiosidade!
W _Curusidade! (Risos) (falou errado de propósito)
W _Cê acha que um cara assim não vai arrumar uma namorada?
P _O que vocês acham?
W _Cê tem uma namoradona muito gostosa!
W _Deve ter uns peitos! (Mostrando com os braços).
I _Cala a boca! Respeita o professor!
R _Como que ela chama, João?
W _Deixa eu falar!
W _João, se eu falar uma coisa cê não vai ficar chateado?
P _Pode falar.
W _Certeza? (gritando)
W _Eu fiz uma musica pra sua namorada.
107
P _Pra minha namorada?
W _Ela é! Toda cabeluda! (Cantando). (Alguns risos).
Observamos mais uma mudança. O grupo quer conhecer o psicólogo,
saber quem é essa pessoa que com eles convive e, através desta curiosidade,
demonstram um espírito de sociabilidade.
Começam a batucar.
T o celular que eu ganhei da minha mãe! (E me mostra um celular de
brinquedo).
V _Deixa eu ver. (E ela mostra pra Vicente).
V _Bonito!
Willian começa a inventar uma letra em cima do batuque, porém ficou
ininteligível, pois o batuque é muito alto.
Quando o batuque termina, ele parafraseia uma canção.
W _Lê gibi, Lê gibi! (Cantando).
V _Onde tem um pedaço de papel? Eu quero um pedaço de papel.
B _Aqui, ó, tem caderninho aqui, ó!
B _Puxa, Idalgo, quase caí na sua cabeça, Idalgo!
Começam uma batucada, todos juntos fazendo a mesma frase.
Coro _Ta ta ta, tará ta ta.
W _E chega o dia da revolta do moleque sofredor! Sua mãe já gritou! O seu
pai (????)... (cantando)
108
Aos poucos param a brincadeira e começam uma nova frase rítmica.
Coro _Ta ta ta, tara ta ta.
Willian e Idalgo voltam a fazer ritmos de pergunta e respostas, e cantam
junto de cada frase, difícil entender.
W _O seu pai / Lhe perguntou / O que / E o professor / O menino /
(????)
W _Vamos brincar de inventar letra!
Aos poucos começam uma nova batucada e Willian inventou uma frase
que cantou junto ao ritmo:
W _E sua mãe me deu um beijo / da boca pra fora.
A batucada prossegue até chegar a um fim mais ou menos definido.
Imediatamente inventam um novo ritmo, distinto dos realizados até então,
utilizando diversos timbres diferentes com todos tocando juntos e
concentrados. Esse ritmo vai modificando sua estrutura no decorrer do tempo,
até acabar em um final sincronizado.
Coro _Ae! (comemoram sua produção)
Nesta comemoração, o grupo se mostra orgulhoso de suas realizações
musicais. O fato de terem passado pelo processo de aprendizagem e de terem
desenvolvido suas habilidades musicais em grupo, lhes possibilitou uma
109
produção musical mais elaborada, que lhes confere sentimentos prazerosos
que, neste caso, vão além do princípio do prazer.
Sem que ninguém fale nada além desta comemoração, começam
novamente a tocar, criando um ritmo muito parecido com o penúltimo que
tocaram. Idalgo modifica esse ritmo combinando um som diferente dos demais.
P _Muito bom, vocês estão combinando frases diferentes.
Começam a acelerar o ritmo até acabar essa criação em um grande
rufar de tambores.
V _Esse é o ritmo canibal!
As tampas das canetinhas agora se transformam em instrumentos para
se tirar som. Willian e Idalgo pegam essas tampinhas e assopram-nas,
extraindo um som bem agudo. Fazem os assobios com um ritmo bem definido.
T _Apagou a lâmpada!
E Vicente começa acender e apagar a luz, no ritmo do som.
O grupo se mostra livre para realizar a tarefa e, por isso, o faz de modo
muito criativo, utilizando possibilidades originais de extração sonora através
das tampas de canetinhas. Sua compreensão de ritmo perpassa as
possibilidades sonoras quando o piscar da luz também complementa de forma
sensorial o ritmo que realizam.
110
T _Pára! Vai queimar! (A lâmpada).
R _Ô João, hoje é o último dia?
P _É!
W _Nossa! Hoje é o último dia!
I _Você não vai vir mais?
P _Vou vir, mas hoje é o último dia das nossas reuniões.
O primeiro momento desta última reunião é vivenciado com muito
entusiasmo, com sentimentos um pouco eufóricos, possivelmente para
negarem que este é o último dia mas, a partir destas falas, conscientizam-se
desta realidade.
W _Ô João, a gente pode fazer um teatro?
P _Se vocês quiserem...
W _Vamos lá!
V _Vamos, agora!
Coro _Eeeee! (Comemorando que podem fazer o teatro).
V _Eu vou fazer o canibal!
? _Quem vai fazer a flor?
R _Eu!
W _Vai, então aquela música lá, da mãe, aquela que eu tava cantando.
(Risos).
V _Tem que arrumar o espaço, Willian!
R _Eu gravo!
W _Eu vou gravar!
111
W _E tem cinco mulher pra fazer um filho amarelo! / Sua mãe entrou no
meu quarto roxo! (Cantando e parafraseando a música aquarela).
W _Sua mãe fez um filho amarelo!
I _Tem que ter o rádio pra gente fazer uma música pra entrar!
V _Eu vou filmar!
I _Eu que vou filmar!
V _Eu peguei primeiro!
O desejo de filmar o teatro é entendido aqui como uma forma de
registrar a importância daquele momento em que coisas boas acontecem.
Usavam um pedaço de metal redondo como câmera de filmagem.
W _Cinco...
Coro _Quatro, três, dois, um!
W _Desse jeito eu não vou filmar não, cê tem que ficar lá.
V _Já tô gravando!
P _O que você precisa pra fazer?
W _Aquele som bacana, eu precisava do som.
R _Aqui, Willian, o som!
T _Canta você!
? _A gente não vai fazer teatro?
R _Eu vou ser a mãe, o Willian é o pai e você vai ser a filha, (Para Talita).
W _Tem que ter personagens pra todo mundo, menos o João!
V _Eu tô gravando!
W _Não quero saber!
112
W _Vamo lá fora!
O grupo pretende fazer uma homenagem ao psicólogo e, por isso,
sentem que devem ensaiar em um lugar longe de sua presença. Isso
demonstra uma transferência positiva em relação ao psicólogo.
Talita sai da sala. O grupo começa a cantar imitando o ritmo que fazia
com os instrumentos.
Coro _Ram ram ram, ram ram ram!
R _Tem que esperar todo mundo se trocar.
W _Aí, eu vou cantar uma musica de RAP!
W _Vamo lá, vamo lá Ramira!
R _Quero uma roupa pra mim!
W _Olha! Dinheiro! (Pega algumas notas de dinheiro de um jogo, põe no
bolso e sai da sala).
Talita volta para dar um recado:
T Vamos Idalgo, o Willian tá te chamando lá fora!
I Tan tan tan, tan tan tan, tan tan tan. (Idalgo indiferente, batendo com a
palma da mão).
Willian abre a porta, coloca a cabeça dentro da sala e diz:
W _Vai Ramira, cê não vai dançar?
V _Vai começar pra valer ou não vai?
B _A gente tem que ensaiar!
113
I _Ran ran ran, ran ran ran, (Imitando uma guitarra com a boca).
I _Tum chi, tum tum tum chi. (Imitava o som de uma bateria com a boca).
V _Vou fazer o minhocão! Rindo.
Coro: _Quem vai fazer esse, quem vai fazer aquele?
V _O João, cê vai tirar uma foto de nós, João!
Nesta frase demonstram que não apenas eles irão filmar ou, de alguma
forma, deixar registrados aqueles momentos mas também, têm o desejo de
que o psicólogo “tire uma foto” deles, ou recorde-se deles, demonstrando
através destas transferências positivas, que aquele espaço grupal repercute
internamente no grupo como algo bom.
Ramira abre a porta da salinha e grita:
R _Dona! O João pediu o rádio!
P _O João pediu o rádio? (Eu não havia pedido o rádio).
Profª _João, você pediu o rádio, João? (Falando de longe).
Coro _Vai, fala que pediu, fala que pediu!
P _Eu não pedi mas...
Coro _Eeeee! (Gritando no meio de minha fala).
P _Eu não pedi, mas empresta pra nós, eles querem usar.
Coro _Eee! (Comemoram, riem muito).
Willian e Talita voltam para a sala. Idalgo pegou o rádio e vai ligá-lo na
tomada.
I _Essa tomada é 220.
P _Você tem certeza? Pergunto para a professora, e ela me confirma.
114
Idalgo procura um CD.
I _Olha o CD da Malhação!
I _Que música é essa?
R _É da novela das sete.
Não acham o disco que gostariam de pôr. Ligam o aparelho e vão
passando pelas estações de rádio entre chiados e músicas.
I _Willian, vem cá.
I _Sai dai da janela, Wesley!
W _Cadê aquela musica? Não tô achando!
R _Liga no rádio mesmo!
Sintonizam em uma estação onde se contam piadas. Ficam estáticos,
ouvindo e rindo da voz das personagens que aparecem. Ao terminar as piadas,
trocam para uma estação onde toca uma música de rock com guitarra.
W _É essa, vai vai vai! Um de cada vez!
E a música acaba.
V _Não deu nem um minuto!
W _Vai, vamos treinar aqui no canto, depois a gente vai pro meio.
W _Hoje é o último dia, né!
P _É.
W _Então vamos apresentar alguma coisa pro João!
I _É, demorou!
115
Ligar o rádio pode ser entendido como uma tentativa de se saírem bem
sucedidos na tarefa musical, já que este aparelho, por si mesmo, traz as
músicas bem elaboradas. Traz a fantasia de serem coroados, reconhecidos
pelo psicólogo, já que querem que as músicas do rádio sirvam de fundo
musical para o teatro que almejam fazer em sua homenagem.
E todos saem da sala, com exceção de Beatriz.
P _O que será que eles foram fazer lá, ein?
B _Não sei.
Começa a tocar outro rock.
B _Vou filmar, tá?
E, rapidamente, todos voltam à sala.
W _Vai, vou entrar, vai.
E dança junto com Talita ao som do rádio.
I _É a Ramira agora, vai que é a Ramira.
T _Agora é o Igor, vai lá Igor!
Coro _Risos (Da dança de Igor).
W _Olha João, agora os dois (Entram os dois meninos e as duas meninas).
W _Aí já é outra vai! (muda a música).
116
E dançam, e riem. Fazem uma brincadeira em que um menino e uma
menina ficam no centro da roda, dançando um com o outro, enquanto o
restante aguarda sua vez de também ir ao meio da roda dançar.
Cantam junto com a letra da música que está a tocar.
Coro _É proibido fumar!
Igor acompanha a música com sua bateria, mostrando bastante
destreza.
Ao terminar a música, saem novamente da sala, com exceção de Beatriz
e Vicente.
V _Espera vinte minutos, rapidinho. (Falando pra mim).
Entram e fazem a mesma atividade, uma roda de dança. As pessoas
que estão no centro da roda fazem gestos uns para os outros, mandam beijos,
fazem um sinal que significa “estou de olho em você”.
Quando acaba a música, Idalgo cochicha no ouvido de Beatriz:
I _Não pode falar.
B _A gente vai fazer uma surpresa!
R _É pra você!
Saem todos novamente e, desta vez, fiquei sozinho na sala.
117
Voltam, aumentam o som (dance music) e começam a dançar. Fazem
uma verdadeira festa. Riem bastante. Willian toma o lugar de Vicente e começa
a fazer dança de rua, jogando-se no chão e fazendo movimentos acrobáticos.
R _Não sabe! Não sabe! Cê não sabe fazer isso!
B _Vai Idalgo, vai!
Assim como em grupo de adultos, que muitas vezes se encerram com
festas, as crianças também querem fazer uma festa, que é o lugar onde os
sentimentos podem ser mostrados livremente, onde buscamos ampliar nossos
vínculos emocionais com as pessoas. Uma festa de despedida é ainda uma
maneira de vivenciar emocionalmente que o processo anterior a essa
despedida foi bom, que valeu a pena e foi positivo.
Quando terminou a música, resolvi intervir para encerrar a reunião.
P _Está bem pessoal...
R _Vai Idalgo, vai! (Interrompendo-me, não deixando que eu encerrasse o
encontro).
E fazem muito barulho, começam a gritar.
P _Pessoal, nosso tempo está terminando...
R _Nãããão! (Gritando).
W _Não acabou ainda!
I _Vai Ramira, vai dançar!
Espero algum tempo e digo:
118
P _Tá bom, pessoal, posso desligar o rádio?
W _Espera aí, tá acabando!
P _Só pra gente conversar um pouco.
Este trabalho de
psicodiagnóstico repercutiu no grupo de forma tão
positiva que eles querem negar a realidade do fim do processo.
Willian desliga o rádio.
P _Vamos sentar um pouco.
R _É ordem do Recriança.
V _Ele vai descobrir!
P _O que vocês acharam dos nossos encontros?
R _Da hora.
I _Da hora.
V _Muito bom!
P _O que vocês mais gostaram e menos gostaram?
T _A parte chata foi o dia que só ficaram falando besteira só.
W _A parte mais legal foi quando a gente ficou inventando letra de música.
I _Foi quando o Danilo veio.
W _Aí, agora que nós estamos da hora que vai acabar o negócio!
I _Agora só ficou nós seis!
T _Ele vai no Hopi Hari!
R _Ele vai no Hopi Hari com a gente!
P _Não sei se eu vou no Hopi Hari.
Coro _Ahhh! (Lamentação).
119
? _Vai!
W _Vai João, aí cê leva, cê leva sua namorada!
V _Vamos descer a montanha-russa!
R _Ô Willian, fala pra ele, a gente tem que levar ele no trem-fantasma!
Alguma confusão.
T _Fica quieta aí...
T _A Tais (Irmã de Talita) falou assim, ela começou a contar pra gente,
era de noite, já era dez e meia, ela falou assim que ela brincou no labirinto, que
ela tinha que correr do monstro, que dava maior medo!
Estas últimas colocações podem ser entendidas simbolicamente como
uma resposta do grupo à pergunta do psicólogo em respeito ao processo. O
desejo de levarem-no ao trem fantasma e a história do labirinto e do monstro
pode traduzir o enfrentamento do grupo em relação a seus monstros
inconscientes.
P _E quanto à música?
W _Não era Idalgo, que eu não conseguia cantar música engraçada?
I _Agora eu consigo inventar coisa engraçada e tudo.
T _Eu evolui na minha aula de violão! Pra fazer o ritmo!
W _Cê volta segunda-feira?
P _Segunda não, venho aqui na quarta-feira.
W _Por que não?
P _Porque eu tenho outros compromissos.
120
T _O João, sabe que se você tivesse o violão aí, eu ia montar uma
bandinha com o Willian.
O grupo diz ao psicólogo que evoluiu sua musicalidade e sua
criatividade.
Começam a cochichar, olhando para mim.
W _Entendeu? (Para Beatriz).
P _O que...?
Coro _Nada, nada!
W _Aí nós dá um jeito! (para Beatriz).
T _Nós seis aqui!
R _Vai dar dois pra cada um.
P _Vocês querem comprar alguma coisa, é isso?
Coro _É!
P _Pra que?
Coro _Não é nada, não é nada!
W _Agora é música, não tem nada disso. Vai João, agora é sua hora de
falar.
O grupo fantasiava fazer alguma surpresa para o psicólogo, o que pode
ser entendido como um desejo de demonstrar seu vínculo transferencial
positivo.
P _Minha hora de falar?
121
Coro _É!
P _Tá bom. Foi muito bom conhecer vocês. Vocês têm muita vida...
T _Igualmente.
P _Eu vejo muita vida pulsando em vocês, vocês estão sempre em
movimento.
T _Igualmente.
P _Pulsam igual música. E gostaria de agradecer por vocês terem me
ajudado a fazer meu trabalho, que vocês vieram porque quiseram. Vocês
não eram obrigados a vir então, isso significa que vocês gostam de vir aqui.
Coro _É!
P _Alguém quer falar mais alguma coisa?
R _Já tá na hora de ir, já?
P _Já, podem ir!
Alguns abrem a porta e saem, Willian vem e aperta minha mão.
W _João, temos que jogar uma capoeira!
P _Tá bom!
Saímos da sala.
R _Fica aí João, tá muito cedo, tá muito cedo!
T _Come um cachorro-quente!
I _É, come um cachorro-quente aí com a gente!
P _Ah, muito obrigado! (Mas não aceitei).
E _(da outra turma) Cê vai no
Hopi Hari com nós?
P _Não vou poder ir....
122
E _Ah, vai no Hopi Hari com nós, é legal lá!
Quando eu estava indo embora, todos vieram em minha direção e me
entregaram um cartaz onde havia seus corações desenhados com os
respectivos nomes, com os dizeres: “Obrigado João”. Então a professora falou:
_Vamos dizer obrigado para o João e, todos, de ambos os grupos me disseram
em coro: “Obrigado João!”. E eu disse: _Eu que lhes digo obrigado, por vocês
terem colaborado no meu trabalho, não é! Mas calma que quarta-feira eu
venho visitar vocês.
Por fim, aceitei o convite da professora e continuei a trabalhar com
esses grupos como voluntário até o fim do ano.
4.5 Análise dos desenhos
Este primeiro desenho (anexo 1) foi entregue ao psicólogo ao final da
última reunião grupal.
Anexo 1
Autores: Todas as crianças (do G1 e do G2)
A partir deste desenho as crianças puderam demonstrar seu
agradecimento pelo trabalho do psicólogo, não apenas pelas palavras escritas
“Obrigado João”, mas pelos símbolos contidos no desenho. Os corações que
foram colados na folha de papel simbolizam o amor, a emoção, o vínculo
123
afetivo que foi estabelecido. As estrelas simbolizam o brilho, aquilo que ilumina
a escuridão, e é a própria representação do grupo: amor, paz, gratidão,
esperança. Esta representação pode ser entendida como a soma dos corações
individuais formando um coração grupal.
Os desenhos seguintes foram elaborados na 13ª reunião grupal, cinco
dias após o encerramento do processo de
psicodiagnóstico, na ocasião em que
o psicólogo retomou as atividades com o grupo. Faremos aqui breves
apreciações da análise de seus conteúdos.
Anexo 2
Autor: Idalgo
Título: “Futebol”
Explicação do autor: Sou eu (Idalgo) e o Gustavo jogando futebol.
Uma atividade esportiva realizada por dois jovens que representam os
próprios componentes do grupo. O movimento destes personagens e do
desenho como todo é a representação do grupo como um lugar de realização
de desejos, como um lugar que não está estático, que pulsa vida.
Anexo 3
Autora: Ramira
Título: “A família do Recriança
Explicação da autora: Esses são os filhos do Recriança, o Idalgo, o Gustavo e
a Talita, e o João é o pai, e a dona, (professora) é a mãe.
124
O grupo é representado como uma família que simboliza a união, o
amor, a confiança do vínculo, o compartilhamento, a harmonia, onde todos
estão felizes, sorrindo. Embora não haja contato entre os personagens, todos
estão próximos uns aos outros. São apresentados dois meninos e uma menina,
como uma fraternidade, e o psicólogo é posto ao lado da professora os quais
simbolizam bons objetos de identificação. A autora demonstra generosidade
por ter colocado os outros e não ela neste desenho.
No plano superior são acrescentados elementos da natureza: O sol,
instância superior, que brilha, ilumina; as nuvens brancas, símbolo da leveza,
da pureza, do grupo purificado; flores, símbolo da ternura, da amizade, da
sensibilidade; a borboleta, símbolo do isolamento que tornou-se liberdade, da
transformação; as árvores de copas fechadas, símbolos do grupo como um
corpo.
Anexo 4
Autor: Talita
Título: sem título.
Explicação da autora: XX é a empresa que o pai dela trabalha. Ele também se
chama João. Ela pergunta para mim se eu conheço a empresa do pai dela,
mas eu não conheço.
A autora não se coloca próxima ao João, mas sozinha junto ao João.
São excluídos os amigos ou familiares. Esta criança, ou pré-adolescente,
coloca-se como adulta, trajando sapatos de salto-alto e vestido florido. O grupo
125
facilita o surgimento de fantasias, de desejos proibidos e o desenho é uma
forma da manifestação destes desejos inconscientes. Este desejo lhe causa
medos que são projetados na figura do psicólogo, através do “não” posto em
sua fala.
Anexo 5
Autor: Danilo
Título: “Sexo e mar”
Explicação: Ele iria fazer uma cópia do desenho do livro, mas resolveu fazer
uma coisa mais original.
São representados três personagens, a triangularidade do próprio grupo.
O grupo é representado aqui, como objeto de prazer, como um grupo narcísico,
que tira prazer de si mesmo através da masturbação aceita, é um grupo auto-
prazeroso. É um grupo que fica livre das inibições, das proibições; é auto-
suficiente de prazer, que conseguiu se desnudar.
Este desenho representa uma atuação pelos impulsos sexuais. De um
ponto de vista tópico, atuam pelo Id.
Anexo 6
Autor: Manoel
Título: “Férias na praia”
Explicação: Fez junto com Danilo. Me mostra a figura da qual fez a cópia.
126
Por mas que o conteúdo do desenho seja retirado do livro, a imagem
trazida é a representação do grupo naquele aqui-agora. As férias representam
o descanso. Ambos os desenhos, este e o de Danilo são transferências
positivas.
Anexo 7
Autor: José
Título: “Xuxa para baixinhos”
Explicação: Me mostrou o CD do qual copiou aquela imagem
O grupo é representado como um círculo. Isto igualmente simboliza um
auto-prazer narcísico. A figura do menino com sorriso, de braços abertos
simboliza uma desenvoltura, um prazer, uma alegria, um movimento.
Anexo 8
Autor: Gustavo
Título: “Times clássicos”
Explicação: Estes personagens são, da esquerda para a direita, Gustavo (o
autor), Idalgo e Talita, que também gostam de jogar futebol.
Este desenho permite a realização do desejo de ser adulto, através da
representação de grandes profissionais do futebol. Observamos ainda que
existe uma identificação com estrangeiros, que os “times clássicos” eleitos
por Gustavo são estrangeiros
127
Anexo 9
Autora: Beatriz
Título: “Casa do Recriança
Explicação: A autora fez o desenho de suas amigas, Luana, Marjore (que
freqüentam o Recriança) e Ramira.
As personagens do desenho compartilham o espaço. Novamente vemos
na parte superior representações de objetos da natureza que denotam um
ambiente tranqüilo, o sol, as nuvens, flores e a árvore com frutos e copa
fechada, símbolo da proteção, do amparo, da envoltura da pele, do corpo
materno. O grupo é trazido como esse corpo materno, bem-protegido, bem-
alimentado.
128
5. CONCLUSÃO
A análise dos conteúdos obtidos a partir das reuniões grupais com o
grupo de crianças que teve a música como tarefa, pode ser realizada em dois
níveis. O primeiro, através de uma atividade psíquica consciente, manifesta, e
o segundo, em um nível inconsciente, que se compreende através de uma
análise interpretativa que toma seus conceitos a partir das teorias
psicanalíticas.
Nesta análise dos conteúdos dos encontros, buscamos centralizar
nossas observações não apenas no nível egóico, consciente ou manifesto pelo
grupo, mas, principalmente, observamos outros sistemas, como o Id e o
Superego, entendendo que os fenômenos conscientes são conseqüência de
processos inconscientes fundamentais, onde os fantasmas individuais dos
membros do grupo entram em ressonância uns com os outros, o que torna o
grupo como uma imago comum. Sendo assim, o foco de nossas análises se
deu nos fenômenos afetivos ou sentimentais demonstrados pelo grupo de
crianças.
Percebemos que formações e processos inconscientes se projetam nas
atividades musicais do grupo. Assim como no sonho, o grupo é um lugar de
realização alucinatória dos desejos, da exteriorização de processos internos
(Kaës, 1976), e desta forma, o grupo também é uma representação ao fazer
atuar os processos de condensação, deslocamento e simbolização.
Pudemos observar que, em todas as reuniões, as crianças sensibilizam-
se aos fenômenos psíquicos grupais e se realizam através de identificações,
projetando no aqui-agora outros grupos da televisão, de imagos masculinas e
129
femininas. Supomos que muitos dos aspectos das relações grupais
estabelecidos no aqui-agora do grupo foram construídos dentro de um
referencial semelhante ao modelo primário, que é ou foi o ambiente familiar. As
representações do grupo ocorrem através destas mudanças. Portanto,
percebemos que neste espaço uma ruptura com esse modelo primário,
onde as crianças, por formarem um grupo com seus pares, por estarem numa
situação de fraternidade, buscam adquirir novos objetos de identidade,
passando por uma angústia tão problemática como o desmame.
Ao contrário do ambiente familiar ou da escola, a técnica de
psicodiagnóstico através das atividades musicais tem como característica ser
não-diretiva, permitindo que o grupo proceda a sua própria evolução, realize
seus desejos livremente, demonstre suas fantasias, e seja criativo. Permite
ainda manifestar suas emoções sem inibição e sem sentir aquele espaço como
ameaça dessas realizações de seus desejos (como a família e a escola) e,
desta forma, amplia-nos as vias de acesso aos conteúdos inconscientes.
Além disso, a característica não-diretiva garante que o grupo funcione de
forma autônoma e tenha a oportunidade de se auto-organizar e trazer temas
genuinamente relevantes, visto que são eleitos pelos próprios integrantes.
Foi possível a criação de um espaço onde o grupo pudesse se abster do
nível racional e funcionar de forma criativa e espontânea.
Outros fenômenos grupais que puderam ser observados através desta
experiência foram, por exemplo, a idealização do grupo como um objeto bom e
a transferência positiva ao psicólogo antes mesmo de iniciadas as reuniões
grupais. Também, no início das reuniões, observamos um fenômeno apontado
por Kaës (1997), que demonstra que alguns participantes têm a tendência de
130
fecharem-se em uma redoma de vidro para que não sejam ameaçados pelo
grupo, enquanto outros agem de forma oposta, impondo seu ego aos demais,
reivindicando as atenções.
O desejo das crianças de atuarem como adultos também foi observado
ao longo de todas as reuniões, assim como no trabalho de Oliveira (1993),
desejo este demonstrado em diversos níveis, através das identificações com
cantores ou personagens adultos, do desejo de terem relações sexuais, de
terem posses, dinheiro, de usarem ornamentos de adultos, etc...
O grupo mostrou uma tendência a ocupar-se mais da tarefa musical ao
longo das reuniões. Essa tendência ocorreu de forma oscilante: ora o grupo
regredindo, ora evoluindo na realização da tarefa. Nos momentos em que a
tarefa musical pareceu esquecida, em que o grupo se portou conforme o
princípio do prazer, o espaço grupal permitiu que realizassem seus desejos,
que exteriorizassem seus monstros, fantasias, imaginações, angústias e
conflitos em relação à sexualidade. Desta forma, tiveram, neste espaço, a
oportunidade de ampliar sua consciência sobre esses conteúdos, fortalecendo
o ego de seus integrantes.
Nos momentos em que realizavam a tarefa musical, principalmente nos
últimos encontros, evidenciou-se que a música, o canto e a poesia são
imagens, sensações, transcrições sensoriais de uma impressão mental,
construídas pelas crianças através de suas representações de mundo, a partir
de seus esquemas, seus referenciais.
A música manifestada através dos instrumentos e da voz é um modo
natural de expressão, assim como os jogos ou os contos narrados. As crianças
demonstraram prazer em suas execuções. Suas imaginações puderam ser
131
manifestadas livremente, através dos cantos, das palavras livres, das
conversas e dos desenhos. Enfim, as atividades musicais possibilitaram um
ambiente onde o grupo pôde criar, e fazer associações que nos permitiram a
realização de análises dos conteúdos inconscientes apontados no decorrer do
trabalho.
A tarefa musical foi vista pelo grupo como uma brincadeira, como uma
fonte de prazer. Freud (1908) entende que o brincar exerce a função de
reordenar o mundo infantil de forma gratificante, apoiando objetos e
circunstâncias imaginados no mundo real, auxiliando a criança a começar
diferenciar seu mundo fantástico da realidade.
Melanie Klein (1981) relaciona o brinquedo ao sonho, cuja função
primordial é a satisfação dos desejos e, além disso, o brincar significa um
triunfo sobre a realidade frustrante.
Os nossos resultados expressam que as atividades musicais do grupo
preenchem uma função de sublimação como uma tentativa de superar as
exigências pulsionais e achar uma saída na reunião grupal, nos instrumentos e
na música naquele espaço e tempo.
A técnica de
psicodiagnóstico através da música foi bem aceita pelo
grupo e, em pouco tempo, foi capaz de promover transformações em diversos
níveis. As crianças encontraram a possibilidade de manifestar um espírito
coletivo, de demonstrar sentimentos de compartilhamento e pertinência,
garantindo assim que desenvolvessem suas capacidades de sociabilidade,
melhorando o vínculo com o psicólogo e entre eles. Permitiu adquirirem
conhecimentos musicais e, desta forma, a elaboração da tarefa musical e
obtenção de prazer nesta realização, sentindo-se orgulhosos e reconhecidos
132
por sua produção. Todas estas transformações se deram não em um nível da
memorização de informações, mas de forma mais profunda, na formação
destas crianças. Neste espaço grupal, foi possível a transformação de fezes
em ouro, da bagunça em criatividade, do desrespeito em amor.
Em um âmbito político e econômico notamos que, com poucos recursos
financeiros, foi possível a realização da técnica de psicodiagnóstico através da
música, que se mostrou uma rica forma de intervenção social preventiva.
Apresentamos nesta dissertação uma sucinta contribuição no campo das
experiências psicanalíticas com grupos infantis, utilizando a técnica de
psicodiagnóstico através da música e as técnicas de interpretação de Mathieu.
Entretanto, consideramos necessária a realização de novas experiências que
utilizem esse delineamento metodológico, a fim de podemos obter uma
compreensão ampliada das possibilidades de realização destas técnicas.
133
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142
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