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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
LEILA REGINA RABELO
A competência das enfermeiras obstétricas
na atenção ao parto normal hospitalar
Porto Alegre
2006
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1
LEILA REGINA RABELO
A competência das enfermeiras obstétricas
na atenção ao parto normal hospitalar
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Dora Lúcia Leidens Correa de Oliveira
Porto Alegre
2006
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2
Catalogação por Celina Leite Miranda (CRB-10/837).
R114c Rabelo, Leila Regina
A competência das enfermeiras obstétricas na atenção ao parto
normal hospitalar / Leila Regina Rabelo ; orient. Dora Lúcia Leidens
Correa de Oliveira. – Porto Alegre, 2006.
125 f. : il.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de Mestrado em
Enfermagem, 2005.
Inclui resumo em Português, Espanhol e Inglês.
1. Enfermagem obstétrica. 2. Competência profissional. 3.
Educação baseada em competências. 4. Papel profissional. 5. Parto.
6. Humanização do parto. 7. Saúde da mulher : Brasil. I. Oliveira, Dora
Lúcia Leidens Correa de. II. Título.
Limites para indexação: Humano. Feminino. LHSN – 449
NLM
WY 157
3
LEILA REGINA RABELO
A competência das enfermeiras obstétricas
na atenção ao parto normal hospitalar
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Enfermagem.
Aprovada em Porto Alegre, 28 de novembro de 2005.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Dora Lúcia Leidens Correa de Oliveira
(orientadora)
Profa. Dra. Ana Lúcia de Lourenzi Bonilha
Profa. Dra. Anna Maria Hecker Luz
Profa. Dra. Lúcia Beatriz Ressel
4
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dora Lúcia de Oliveira, minha orientadora nesta pesquisa, pela
capacidade e comprometimento, mostrando-se sensível às minhas limitações e
qualidades, alternando carinho e firmeza na medida certa.
À Profa. Anna Maria Hecker Luz, que me impulsionou com sua disponibilidade
para dar orientações ainda na fase da construção do meu anteprojeto de pesquisa.
À Profa. Ana Lúcia de Lourenzi Bonilha, que sempre valorizou minha
experiência profissional como enfermeira obstétrica como um subsídio importante na
minha trajetória acadêmica.
Às professoras do curso de Mestrado, pela concretização do desafio de
realizar este curso.
Às colegas do curso de Mestrado, pelos momentos que compartilhamos de
aprendizagem, somados a alegrias, ansiedade e expectativas.
Às professoras da Banca Examinadora, por suas contribuições para o
aperfeiçoamento deste estudo.
Às enfermeiras participantes deste estudo, que se mostraram disponíveis e
receptivas à temática investigada.
A minha amiga /irmã, a enfermeira Maria Cristina Schilling, sempre presente,
mesmo na ausência, que me amparou com sua amizade e companheirismo nos
momentos de conquistas e desafios.
Às coordenadoras do curso de Enfermagem da Unisinos, Profa. Márcia Trevi
Heurich e Profa. Petrolina Libana Cechim, pela concessão de um período de
afastamento de minhas atividades.
5
Às colegas do Hospital Nossa Senhora da Conceição, pelo apoio e incentivo,
em especial à Ludovica Leipnitz, por seu desprendimento em ouvir meus desabafos,
e a Vera, Marli e Claudiana, por trocarem plantões para que eu pudesse desenvolver
minhas atividades de mestranda.
Ao meu terapeuta e amigo Ricardo Becker, que me mostrou a importância de
olhar para o que era meu de fato, consolidando minhas conquistas na trajetória
profissional, através do Mestrado.
Ao meu marido, Marco Antônio, que esteve sempre ao meu lado,
compartilhando as dificuldades e ajudando a superá-las – quase sempre – com
paciência, carinho e perseverança.
Aos meus enteados, que perderam temporariamente a madrasta companheira
e que souberam dividir o uso dos computadores.
Aos meus queridos irmãos e sobrinhos – em especial, ao Marcelo –, pelo
amor, carinho e compreensão nos momentos de afastamento.
Aos meus pais, Waldemar e Elzira, que, com seus 88 e 80 anos,
respectivamente, deixaram de receber meus cuidados e atenção. Em especial, ao
meu pai, que, mesmo senil, ainda é um exemplo de perseverança e de superação
de obstáculos na luta pela vida.
6
RESUMO
Esta dissertação enfoca a percepção de enfermeiras obstétricas sobre sua
competência na atenção ao parto normal institucionalizado. Na construção do
referencial teórico sobre competência, contribuíram principalmente as abordagens
de Phillipe Perrenoud e Terezinha Rios. A pesquisa foi de cunho qualitativo, do tipo
descritivo-exploratório, sendo a coleta de dados desenvolvida através de entrevistas
individuais semi-estruturadas, realizadas com enfermeiras obstétricas atuantes em
um hospital público de grande porte de Porto Alegre. Os dados foram analisados
através de análise de conteúdo, segundo Bardin. Os dados sugerem que, para as
enfermeiras entrevistadas, a competência das enfermeiras obstétricas na atenção ao
parto normal hospitalar se constrói nos cursos de formação de especialista e na
prática profissional. No entanto, nem sempre há espaço para o desenvolvimento
dessa competência, nem na etapa de formação, nem quando já estão empregadas
como enfermeiras especialistas. Nas entrevistas, está implícita uma noção de
competência para a atenção ao parto normal hospitalar como algo complexo, o que
fica ilustrado nas diversas dimensões destacadas como suas constituintes:
competência técnica; competência humanizadora, intuição e competência relacional.
As enfermeiras entrevistadas reconhecem que, na prática, o âmbito da sua
competência na atenção ao parto normal, principalmente no tocante ao ato de
partejar, corresponde apenas parcialmente ao enfatizado na formação. Sobre essa
questão, surgiram posicionamentos contraditórios: algumas sentem necessidade de
desenvolver a competência para o partejar; outras entendem que o partejar não
integra o âmbito de sua competência num contexto institucionalizado. A pesquisa
7
permite concluir que a ampliação do âmbito da competência das enfermeiras
obstétricas no atendimento ao parto normal institucionalizado, principalmente com
relação ao partejar, depende do desenvolvimento de uma competência ético-política,
num processo que deve iniciar nos cursos de especialização e ter continuidade no
próprio contexto da prática profissional, constituindo-se e consolidando-se individual
e coletivamente.
Descritores: Enfermagem obstétrica. Competência profissional. Educação baseada
em competências. Papel profissional. Parto. Humanização do Parto.
Saúde da mulher: Brasil.
Limites: Humano. Feminino.
8
RESUMEN*
Este trabajo enfoca la percepción de enfermeras obstétricas sobre su
competencia en la atención al parto normal institucionalizado. En la construcción del
referencial teórico sobre competencia, contribuyeron principalmente los abordajes de
Phillipe Perrenoud y Terezinha Rios. La investigación fue de carácter cualitativo, de
tipo descriptivo-exploratorio y la colecta de datos fue desarrollada a través de
entrevistas individuales semi-estructuradas, realizadas con enfermeras obstétricas
actuantes en un hospital público de grande porte de Porto Alegre. Los datos fueron
analizados a través de análisis de contenido según Bardin. Los resultados sugieren
que, para las enfermeras entrevistadas, la competencia de las enfermeras
obstétricas en la atención al parto normal hospitalar se construye en los cursos de
formación de especialista y en la práctica profesional. Sin embargo, no siempre hay
espacio para el desarrollo de esta competencia, ni en la etapa de formación, ni
cuando ya están empleadas como enfermeras especialistas. En las entrevistas está
implícita una noción de competencia para la atención al parto normal hospitalar
como algo complejo, lo que se demuestra en las diversas dimensiones destacadas
como sus constituyentes: competencia técnica; competencia humanizadora, intuición
y competencia relacional. Las enfermeras entrevistadas reconocen que, en la
práctica, el ámbito de su competencia en la atención al parto normal, principalmente
en lo que atañe al acto de partear, corresponde apenas parcialmente a lo enfatizado
en la formación. Sobre esta cuestión surgieron posicionamientos contradictorios:
algunas sienten la necesidad de desarrollar la competencia para partear; otras
entienden que partear no integra el ámbito de su competencia en un contexto
9
institucionalizado. La investigación permite concluir que la ampliación del ámbito de
la competencia de las enfermeras obstétricas en el atendimiento al parto normal
institucionalizado, principalmente en relación a partear, depende del desarrollo de
una competencia ético-política, en un proceso que se debe iniciar en los cursos de
especialización y tener continuidad en el propio contexto de la práctica profesional,
constituyéndose y consolidándose individual y colectivamente.
Descriptores: Enfermería obstétrica. Competencia profesional. Educación basada
en competencias. Rol profesional. Parto. Humanización del parto.
Salud de las mujeres: Brasil.
Límites: Humano. Femenino.
Título: Competencia de enfermeras obstétricas en la atencion al parto normal
hospitalar.
*
*
Tradução Maria Auxiliadora Cannarozzo Tinoco
10
ABSTRACT*
This dissertation focuses on the perception of nurse-midwives about their
competence in the assistance of institutionalized normal childbirth. In the construction
of the theoretical background about competence, the approaches by Phillipe
Perrenoud and Terezinha Rios have had an important contribution. The research is
qualitative, of the descriptive-exploratory type. Data was collected through semi-
structured individual interviews with nurse-midwives working in a large public hospital
in Porto Alegre. Data was analyzed through a content analysis, according to Bardin.
Data has suggested that, to the nurses interviewed, the competence of nurse-
midwives to assist hospital normal childbirths is constructed both in the specialization
courses and in the professional practice. However, there have not always been
opportunities for the development of this competence, either in the formation stage,
or when they are already working as specialized nurses. In the interviews, a notion of
competence to assist hospital normal childbirths was implicit as something complex,
which was illustrated in the numerous dimensions highlighted as their constituents:
technical competence, humanizing competence, feeling and relational competence.
The nurses interviewed have acknowledged that, in practice, the scope of their
competence in the assistance of normal childbirth, mainly in what concerns the
delivery conduction, only partially corresponds to what was emphasized in their
specialization courses. About this issue, contradictory positions have arisen: some
nurses feel the need to develop their competence to conduct deliveries; others think
that the delivery conduction does not integrate the scope of their competence in an
institutionalized context. The research allows for the conclusion that broadening the
11
scope of competence of nurse-midwives in the assistance of institutionalized normal
delivery, specially in relation to delivery conduction, depends on the development of
an ethical-political competence in a process that should start in their specialization
courses and continue in the very context of their professional practice, thus
constituting and consolidating itself both individually and collectively.
Descriptors: Obstetrical nursing. Professional competence. Competency-based
education. Professional role. Parturition. Humanizing delivery.
Women's health: Brazil.
Limits: Human. Female.
Title: Competence of obstetric nurses in the attention to hospital normal childbirth.
*
Tradução Lene Belon
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
2 OBJETIVOS 19
3 REVISÃO DE LITERATURA 20
3.1 A enfermagem Obstétrica no mundo e no Brasil 20
3.1.1 Modelos de atenção ao parto 24
3.1.2 O parto medicalizado e a prática intervencionista 26
3.1.3 O parto humanizado 29
3.2 A formação das enfermeiras obstétricas no Brasil 34
3.3 A atuação das enfermeiras obstétricas no Brasil 40
3.4 O paradigma das competências profissionais 46
3.4.1 Definindo competência 48
3.4.2 Competências profissionais em saúde 50
3.4.3 O paradigma das competências na Enfermagem Obstétrica 54
4 METODOLOGIA 59
4.1 Tipo de estudo 59
4.2 Considerações éticas 60
4.3 Sujeitos da pesquisa 61
4.4 Coleta de dados 63
4.5 Local do estudo 64
4.6 Análise dos dados 67
5 TEMAS GERADOS DO PROCESSO DE ANÁLISE 68
5.1 A competência da enfermeira obstétrica 68
13
5.1.1 Competência técnica: conhecimento científico e experiência 70
5.1.2 Competência humanizadora 73
5.1.3 Intuição 77
5.1.4 A competência da relação 79
5.2 A construção da competência 84
5.2.1 O Curso de Especialização e a competência para atender ao parto normal 84
5.2.2 O espaço para a construção da competência 89
5.3 Competência e âmbito 95
5.3.1 “Podemos fazer o parto tão bem quanto o médico!” 96
5.3.2 “O nosso papel é o cuidado!” 99
5.3.3 Utopia e competência 102
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 106
REFERÊNCIAS 115
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 124
APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista 125
ANEXO – Aprovação do Comitê de Ética 126
14
1 INTRODUÇÃO
A presente investigação analisa a percepção de enfermeiras obstétricas sobre
sua competência na atenção ao trabalho de parto e parto normal em ambiente
hospitalar.
A motivação para este estudo origina-se de minha experiência profissional
enquanto enfermeira obstétrica assistencial e docente. Como enfermeira, venho
atuando há dezenove anos em uma instituição hospitalar pública em Porto Alegre
que, segundo a classificação do Ministério da Saúde (MS) de 2003, possui uma
maternidade de porte quatro (6.000 partos/ano).
Como docente, atuo há onze anos no curso de graduação em Enfermagem e
no curso de pós-graduação em Enfermagem Obstétrica em uma instituição particular
de ensino superior, desempenhando o papel de supervisora de estágios na
disciplina de Prática em Enfermagem Obstétrica, tanto na graduação quanto na pós-
graduação.
No decorrer dos últimos três anos, tenho também participado como membro
efetivo da Diretoria da Associação das Enfermeiras Obstétricas do Rio Grande do
Sul, ABENFO-RS. Como integrante ativa da comunidade obstétrica do Rio Grande
do Sul, ao longo dos anos, tenho tido a oportunidade de vivenciar situações
diversificadas associadas ao ensino e à prática da enfermagem obstétrica que me
permitem refletir sobre as competências desenvolvidas por profissionais dessa área
na atenção ao parto e ao nascimento.
A competência da enfermeira obstétrica não se revela somente nos
procedimentos técnicos – sejam simples ou complexos, rotineiros ou especializados,
15
mas também na interação com a parturiente e sua família. O processo de
nascimento de um filho é um momento único, imprevisível, por vezes percebido
como ameaçador pela gestante e seus familiares. Ao ingressar no hospital, a
parturiente busca uma assistência que lhe ofereça proteção e segurança. Nesse
sentido, a participação da equipe de enfermagem no processo de nascimento requer
competência do ponto de vista não somente técnico, como também humano.
A realidade atual da atenção ao parto é complexa, multifatorial e instigante.
Face ao grande volume de atendimento e à demanda reprimida de profissionais,
valoriza-se extremamente a tecnologia do parto dirigido, por permitir uma
padronização rígida dos procedimentos e maior velocidade no atendimento. O que
antes era natural e fisiológico, no hospital, é freqüentemente considerado como um
processo patológico – afinal, o hospital é visto como um local de doença, não de
saúde, tornando-se, por isso, motivo de preocupação. Conseqüentemente, o parto é
visto como responsabilidade do profissional médico, formado para controlar os riscos
inerentes ao parto através de intervenções preventivas por vezes desnecessárias.
As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1996, no
entanto, apontam para um novo paradigma, em que o parto é visto como um evento
natural que não necessita de controle, mas sim de cuidados. Nessa perspectiva, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma maior participação da
enfermeira obstétrica na atenção ao parto, tomando como referência a idéia de que
sua formação é orientada para o cuidado, e não para a intervenção (1996). A OMS
ressalta a importância do acompanhamento do trabalho de parto e do
aprimoramento da atenção ao parto normal e, ainda, a necessidade de diminuição
das taxas de cesariana.
16
No Brasil, a idéia de reduzir as intervenções médicas no cuidado ao parto
normal também está presente na Portaria 2.815, de 29 de maio de 1998, do MS, que
inclui no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) o
procedimento “parto normal sem distócia”, realizado por enfermeiro obstetra
(BRASIL, 2003). Além dessa medida, em 1999, o MS iniciou uma política de apoio
financeiro às Universidades e Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde para a
realização de Cursos de Especialização em Enfermagem Obstétrica em todo o país.
Esse incentivo visa a contribuir para a qualificação dos cursos existentes no país,
pois é necessário um preparo especializado e qualificado para haver efetiva
participação da enfermeira nesse processo.
Apesar das iniciativas desenvolvidas com o intuito de resgatar o papel das
enfermeiras obstétricas e do reconhecimento oficial da sua importância e
competência no atendimento ao parto, minha experiência profissional sugere que
essas profissionais ainda são pouco atuantes. Corroborando o que tenho vivenciado,
Schirmer (2001) argumenta que a enfermeira obstétrica, nos últimos anos, vem
sendo afastada da atenção ao parto, assumindo um papel coadjuvante nesse
contexto. Schirmer (2001) afirma que, mesmo quando realiza o parto, a enfermeira
obstétrica permanece no anonimato. A autora diz ainda que a prática de atenção ao
parto e nascimento constitui-se na maior disputa de espaço político entre a
corporação médica e a enfermagem.
No Brasil, especialmente em nosso Estado, o Rio Grande do Sul, há anos
convivemos com a atenção ao parto realizada principalmente por médicos, o que
vem resultando no uso cotidiano de rotinas intervencionistas e no aumento nas taxas
de cesárea. No mercado de trabalho, em geral, as enfermeiras obstétricas não
ocupam o espaço de atuação direta no acompanhamento do trabalho de parto e na
17
realização do parto normal. Essas profissionais exercem, predominantemente,
atividades de gerenciamento e supervisão ou prestam cuidados de menor
complexidade. Apesar das dificuldades, alguns poucos grupos de enfermeiras
obstétricas têm conseguido espaço para desenvolver seu trabalho na atenção direta
ao parto normal em casas de parto e maternidades públicas de alguns estados do
Brasil.
No campo da formação, o espaço destinado à educação de novas
enfermeiras obstétricas também é reduzido. Os cursos de especialização em
Enfermagem Obstétrica vêm enfrentando dificuldades para obter permissão das
instituições de saúde para os estágios práticos de suas alunas. Existem poucos
locais para o ensino da atenção ao parto, e estes são freqüentemente disputados
com os residentes de Medicina – que, às vezes, têm sua formação priorizada. Além
disso, esses cursos vêm sendo realizados de maneira descontínua, e sua estrutura
– conteúdo programático, carga horária prática, número de parto realizados – vem
sendo alvo de questionamentos.
Os problemas de falta de espaço para a formação das enfermeiras obstétricas
para o atendimento direto ao parto não têm, contudo, impedido o desenvolvimento
de cursos de especialização em Enfermagem Obstétrica, embora recentemente
tenham surgido conflitos entre a classe médica e a enfermagem, especificamente
com relação a esse espaço. Nos meses de maio e junho de 2005, surgiram, nos
principais jornais do Rio Grande do Sul, anúncios assinados pelo Sindicato Médico
do Rio Grande do Sul - SIMERS com os seguintes dizeres: “No Hospital Conceição,
partos estão sendo feitos por enfermeiras”. O objetivo desses anúncios parecia ser
alertar a população para o risco que as parturientes correm ao serem atendidas por
enfermeiras, questionando, assim, a competência dessas profissionais.
18
A resposta divulgada pelo Grupo Hospitalar Conceição, também em um meio
de grande circulação estadual, considerou que o objetivo da campanha do SIMERS
era, na realidade, confundir a população, esclarecendo que a enfermeira obstétrica
tem competência assegurada por lei para realizar o parto.
O episódio expôs não somente a disputa pelo espaço na atenção ao parto,
como também revelou a possibilidade de soluções negociadas que permitam a
inserção de enfermeiras obstétricas nesse espaço. Por exemplo, muitos dos
integrantes do corpo médico do referido hospital colocaram-se a favor da realização
de partos por enfermeiras especialistas. Isso sugere que, apesar da complexa
realidade do parto institucionalizado, não é impossível que a enfermeira obstétrica
conquiste e ocupe um espaço de prática onde sua competência possa ser
demonstrada e reconhecida pelos outros membros da equipe de saúde que atendem
ao parto.
Como enfermeira obstétrica, inquieta-me o fato de que muitas dessas
profissionais não participem diretamente da atenção ao parto normal, deixando,
assim, de contribuir para a mudança do paradigma intervencionista na atenção ao
parto normal institucionalizado. Além disso, preocupa-me a tendência dos cursos de
formação de especialista em enfermagem obstétrica de desenvolverem seus
currículos dentro da perspectiva intervencionista.
Acredito que a atuação das enfermeiras obstétricas na transformação do
modelo hegemônico de atenção ao parto normal hospitalar seja uma questão de
competência e que, para que o seu envolvimento nessa transformação se efetive, é
necessário, antes de tudo, analisar o fenômeno da competência da enfermeira
obstétrica para a atenção ao parto normal hospitalar a partir dos pontos de vista das
próprias enfermeiras obstétricas. Este estudo busca, então, conhecer a percepção
19
de enfermeiras obstétricas sobre sua competência na atenção ao parto normal
hospitalar, especialmente com relação à atenção direta ao nascimento.
20
2 OBJETIVOS
O objetivo deste estudo é conhecer a percepção de enfermeiras obstétricas
sobre sua competência na atenção ao parto normal hospitalar.
As seguintes questões nortearam a pesquisa:
a) como se define essa competência;
b) que recursos são mobilizados por essa competência;
c) que aspectos estão implicados no processo de construção dessa
competência;
d) qual o âmbito dessa competência.
21
3 REVISÃO DE LITERATURA
O presente capítulo busca subsídios na literatura para responder ao objetivo e
às questões norteadoras propostas por este estudo.
3.1 A enfermagem Obstétrica no mundo e no Brasil
A obstetrícia teve sua origem no conhecimento acumulado pelas parteiras, as
mulheres que dominavam os cuidados ao parto. Na primeira fase do período antigo,
denominada pré-hipocrática, que se estendeu até o século V a.C., predominou o
chamado parto místico, em que deuses eram invocados para que o nascimento
fosse bem-sucedido. As parturientes geralmente eram auxiliadas por amigas,
vizinhas e mulheres mais velhas, mais experientes, que representavam o papel da
parteira. Os conhecimentos eram empíricos, leigos, e as experiências eram
repassadas oralmente entre as gerações. Os procedimentos adotados por essas
mulheres para auxiliarem as parturientes variavam de acordo com a cultura.
Compreendiam rituais que invocavam deuses através de orações, defumações,
pulverizações de ervas sobre o ventre, chás e beberagens (GENARI; GENARI,
1999).
Na segunda fase do período antigo, denominada fase hipocrática (séc. V a.C.
até o séc. III d.C.), destacou-se na Grécia a figura de Hipócrates (460-355 a.C.),
responsável por evoluções importantes da obstetrícia, como as intervenções
22
cirúrgicas nos partos mais difíceis e nas embriotomias (retirada de fetos mortos).
Hipócrates preferia investigar a origem dos fenômenos diretamente na natureza,
questionando sua origem mágica (GENARI; GENARI, 1999; DELASCIO;
GUARIENTO, 1994).
A terceira fase do período antigo, conhecida como pós-hipocrática, estendeu-
se até o séc. VII, caracterizando-se pela pouca evolução nas teorias obstétricas
(GENARI; GENARI, 1999).
O período médio, situado entre os séculos VII e XV, é marcado pelo
desmembramento do Império Romano na Europa e pelo fortalecimento das práticas
mágicas de assistência ao parto. O conhecimento obstétrico que havia sido
desenvolvido até então estava concentrado nas mãos de sacerdotes, que, no
entanto, se recusavam a realizar exames manuais nas gestantes (GENARI;
GENARI, 1999; DELASCIO; GUARIENTO, 1994). Na prática, as parteiras
continuavam realizando a maior parte dos cuidados com o parto. Entre os séculos
XIV e XVII, essas mulheres foram consideradas curandeiras ou bruxas, acusadas de
pouca fé, sofrendo perseguições da Inquisição (OSAVA, 1997).
O período moderno inicia-se no século XVI e marca o início da participação
masculina no parto com o advento do fórceps, inventado no século XVI pelo
cirurgião inglês Peter Chamberlen e consagrado no século XVII. A proibição do uso
desse instrumento por mulheres trouxe mudanças importantes à assistência
obstétrica, estabelecendo a exclusão da profissão de parteira (MOSSA, 1992;
OSAVA, 1997).
Sedimentando-se a partir do século XVIII como grupo social hegemônico na
saúde, os médicos criaram regras para normatizar o exercício profissional e
incentivar perseguições às parteiras. Osava (1997), em seu estudo sobre a
23
participação de não-médicos na atenção ao parto no Brasil, destaca que a partir do
século XIX as parteiras se afastaram da nova obstetrícia técnica e científica devido a
sua fidelidade aos paradigmas não-intervencionistas. Essa postura determinou sua
exclusão da atenção ao parto. As parturientes chamavam os médicos por
acreditarem que estes poderiam oferecer serviços diferenciados daqueles oferecidos
pelas parteiras. De maneira geral, podemos dizer que o predomínio das parteiras na
atenção ao parto se estendeu até o início do século XX.
A mesma autora relata dois eventos de repercussão nos modelos de atenção
ao parto no início do século XX. O primeiro foi a aprovação da lei das parteiras
(Midwives Act), de 1902, na Inglaterra, que reconheceu a profissão, incorporando-a
ao sistema de saúde oficial e contribuindo para a “passagem crescente e definitiva
da prática de atenção ao parto para o controle estatal, e aos domínios da medicina
oficial” (OSAVA, 1997, p. 20). O segundo episódio, ocorrido nos Estados Unidos,
ficou conhecido como midwife problem. As parteiras foram acusadas de serem as
responsáveis pelas elevadas taxas de mortalidade materna e perinatal, dando
margem à idéia de que o nascimento seguro era prerrogativa médica. Esses
acontecimentos desprestigiaram o trabalho das parteiras, principalmente nos
Estados Unidos, onde o campo da assistência materna foi gradativamente ocupado
por médicos.
Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, na maioria dos países
europeus, a parteira continuou a ser a responsável pelo parto. Inclusive, de acordo
com Osava, ela foi “melhorada através de treinamento, tornando-se uma profissional
estabelecida e independente” (1997, p. 22). Nos Estados Unidos, contudo, os
médicos “não estavam interessados em melhorar a assistência prestada pelas
24
parteiras”, e gradativamente os redutos das parteiras tradicionais foram sendo
ocupados por enfermeiras especializadas em obstetrícia (OSAVA, 1997, p. 22).
No Brasil do século XIV, habitado pelos índios, o pajé era a figura que curava
por meio de encantamentos, rezas e ervas da natureza. A gravidez e o parto eram
considerados absolutamente fisiológicos, sem cuidados especiais no atendimento à
parturiente (FRAGA; MATOS, 2002). A partir do período colonial português, no séc.
XVI, parteiras leigas – negras, portuguesas e caboclas – detiveram o domínio da arte
de partejar no Brasil, sendo conhecidas como comadres ou curiosas. (OSAVA,
1997).
No séc. XIX, com a chegada do Corte Portuguesa no Brasil em 1808, foi
estabelecido o ensino oficial de medicina no país, dando início à escalada da
medicalização do parto. Entretanto, inicialmente era difícil convencer as mulheres a
se apresentarem ao médico, fosse para o parto, fosse para tratarem algum problema
de saúde. O médico era visto como um último recurso, procurado somente em caso
de grande preocupação, e no caso do parto, as parteiras eram as primeiras a serem
procuradas (BRENES, 1991).
Esta situação representava um problema na formação obstétrica médica, pois
o ensino prático da obstetrícia dependia da disponibilidade de mulheres grávidas.
Assim, ao longo do séc. XIX houve um grande esforço da corporação médica no
sentido de atrair as mulheres para as suas instituições. Como coloca Brenes,
inúmeras foram as técnicas empregadas para atrair o público
feminino aos locais de internamento. É difícil precisar [...] o momento
em que esta atração passou a se efetuar de maneira satisfatória. [...]
Tendo em vista a necessidade de mulheres na [...] maternidade, pois
para os médicos e estudantes esse seria o único meio de adquirir a
prática na difícil arte dos partos, os médicos tentaram em decorrência
da não correspondência das mulheres aos seus apelos, conseguir o
apoio do governo [...]. (1991, p. 146).
25
A estratégia da corporação médica na conquista do parto, empregada ao
longo do séc. XIX, era a de construir uma imagem do médico que inspirasse
confiança na população, ao mesmo tempo em que a imagem das comadres ou
curiosas era associada ao infanticídio e ao aborto (BRENES, 1991). Mesmo a
iniciativa em 1832, de ensinar obstetrícia às mulheres nas escolas médicas, pode
ser interpretada nesse sentido. Pires (1989) destaca que essa iniciativa das escolas
médicas foi estrategicamente planejada para manter as parteiras diplomadas dentro
dos limites impostos pela medicina, enfatizando a formação prática e garantindo a
hegemonia médica sobre o raciocínio clínico e as decisões terapêuticas.
Até meados do séc. XX as parteiras tradicionais mantiveram ainda predomínio
do partejar. Entretanto, logo após a Segunda Guerra Mundial, encontramos já o
predomínio do parto hospitalar no Brasil, evidenciando a escalada do poder médico
e “o fim da feminização do parto”, na expressão de Osava (1997, p. 29). A autora
conclui: “o ato de dar à luz, antes uma experiência profundamente subjetiva para a
mulher e sua família, transformou-se, no hospital, em momento privilegiado para o
treinamento de médicos” (OSAVA, 1997, p. 29-30).
3.1.1 Modelos de atenção ao parto
Nos Estados Unidos e nos países sob sua esfera de influência – como Brasil,
México e América Latina em geral – emergiu, no início do século XX, o que Caparroz
(2003) chama de Paradigma Americano de atenção ao parto, tendo no médico sua
figura central. Como destaca Osava (1997), nesse modelo de atenção ao parto, o
26
aparelho reprodutivo é visto como uma máquina, manejada por um técnico
habilidoso, o médico – o atendimento à parturiente é organizado como uma linha de
montagem e, se a dilatação não progride de acordo com o esperado, “um soro com
ocitocina é instalado porque a máquina está defeituosa” (OSAVA, 1997, p. 64). Com
a preponderância dos médicos na atenção ao nascimento em muitos países do
mundo, o papel das enfermeiras obstétricas é freqüentemente relegado a um
segundo plano (MOTT, 2002). Especialmente na América Latina, escolas de
parteiras têm sido fechadas devido à suposição de que suas tarefas devam ser
assumidas por médicos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).
De acordo com Merighi (2000), as enfermeiras obstétricas norte-americanas,
em passado recente, quase foram excluídas totalmente da atenção ao parto. No
entanto, elas vêm garantindo de maneira crescente o seu espaço e o de outras
profissionais não-médicas através dos centros de nascimento, tema que será
abordado mais adiante.
Diferentemente da América Latina, em muitos países europeus, predomina
outro modelo assistencial. É o caso de Inglaterra, França, Dinamarca e Holanda,
onde se entende o parto como um processo fisiológico, não-patológico, centrado na
parturiente; busca-se usar as tecnologias de acordo com a necessidade, não de
acordo com a rotina; o parto não acontece necessariamente no hospital, podendo
ser domiciliar ou em uma casa de parto, e a profissional não-médica tem seu lugar
na equipe, o que contribui para as baixas taxas de cesarianas e intervenções
(CAPARROZ, 2003).
Na Holanda, as parteiras são formadas em cursos de graduação e
capacitadas para acompanhar todo o pré-natal e o parto, sem assistência médica,
salvo em gravidez de risco. Na maioria dos casos, o parto é conduzido pela parteira
27
e pela enfermeira, sem a presença do médico, nas casas de parto ou no domicilio. O
parto hospitalar é reservado para gestações de risco e cesareanas. O índice de
mortalidade neonatal/puerperal na Holanda é muito baixo quando comparado com o
de países desenvolvidos, porém medicalizados, como os Estados Unidos, ou
determinados países europeus, como Espanha e Portugal (MACHADO, 2004).
3.1.2 O parto medicalizado e a prática intervencionista
O processo de medicalização da sociedade corresponde à expansão da área
de atuação da medicina em vários espaços da ação humana, abrangendo muitos
aspectos que inicialmente não eram definidos como médicos. Entre esses aspectos,
estão as etapas biológicas do ciclo vital feminino (menstruação, gravidez, parto e
menopausa) (CAPARROZ, 2003). A medicina moderna atua, cada vez mais, como
um agente de controle social, o que torna as pessoas dependentes da profissão
médica (HELMAN, 1994). A medicalização da sociedade tem repercutido fortemente
na maneira como se tem conduzido a atenção ao parto normal e à parturiente. Como
destacam Vargens, Progianti e Medina,
durante a consolidação deste processo em nossa sociedade, a arte
de partejar, que era um saber feminino, orientado pela intuição e pela
experiência vivida no cotidiano, foi transformada em um saber
masculino biotecnológico que segue os métodos da ciência racional
com o objetivo de dominar e intervir na natureza (2003, p. 14).
O auge da medicalização do nascimento no Brasil deu-se nos anos 70,
quando ocorreu uma entrada maciça de novos médicos nos hospitais brasileiros, ao
mesmo tempo em que as escolas de enfermagem obtiveram exclusividade sobre a
formação de enfermeiras obstétricas. Gradualmente, o campo obstétrico foi sendo
28
dominado por médicos, e tanto as parteiras curiosas quanto as diplomadas foram
sendo excluídas dos centros urbanos (VARGENS; PROGIANTI; MEDINA, 2003).
Siqueira (2001) refere que a patologização de um processo natural pode
alienar as mulheres da compreensão da natureza do seu próprio corpo. Surge um
receio quanto à própria capacidade de dar à luz de maneira fisiológica. Nesse
contexto, como argumenta Caparroz (2003), são utilizadas condutas técnicas
padronizadas, como a imposição de rotinas, a posição do parto e as intervenções
obstétricas desnecessárias. A medicalização do nascimento concretiza-se no que se
tem chamado de parto vaginal dirigido, que, segundo a literatura revisada, apresenta
as seguintes características: a mulher está geralmente semi-imobilizada, em posição
litotômica, privada de alimentos e líquidos por via oral, sujeita à utilização de drogas
para a indução do parto e ao uso da rotina de episiotomia e eventual do fórceps
(DINIZ, 2001). Esse é o modelo de atenção ao parto ‘normal’ mais comum no Brasil,
sendo realizado quase sempre por um médico em uma instituição de saúde
hospitalar, razão pela qual é também chamado de parto normal institucionalizado.
Evidentemente, esse tipo de parto é o considerado normal dentro de uma
perspectiva intervencionista, que é a vigente hoje no Brasil.
A OMS tenta resgatar o parto como um fenômeno da natureza reprodutiva da
mulher, pertencente ao âmbito da normalidade, e conceitua parto normal como:
[...] parto de início espontâneo, baixo risco no início do trabalho de
parto, permanecendo assim durante todo o processo, até o
nascimento. O bebê nasce espontaneamente, em posição cefálica
de vértice, entre 37 e 42 semanas completas de gestação. Após o
nascimento, mãe e filho estão em boas condições (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1996, p. 4).
Para Siqueira (2001), o conceito de parto natural está incluído no conceito de
parto normal da OMS. Considera-se parto natural aquele parto normal em que não
se processou nenhum tipo de intervenção obstétrica invasiva. Nessa perspectiva,
29
Jakobi (2004), fundamentado nos princípios de que nascer é um ato natural e
ecológico, conceitua parto como um processo natural, um caminho de
transformação, de vencer medos e de dar à luz uma nova era.
Dentre as práticas intervencionistas e invasivas atualmente utilizadas na
atenção ao parto normal, uma das mais discutidas é o uso rotineiro da episiotomia.
De acordo com a OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996), trata-se de
uma prática utilizada freqüentemente, porém inapropriada. Osava (1997) destaca
que as taxas de episiotomia variam de acordo com o tipo de profissional presente no
parto. Ainda segundo a autora, nos Estados Unidos, pesquisas evidenciam que as
nurse-midwives e as parteiras são as profissionais menos favoráveis a esse
procedimento, ao contrário dos médicos obstetras e clínicos. Para muitas delas,
saber evitar as episiotomias é motivo de orgulho profissional. Já no Brasil, as
enfermeiras obstétricas são treinadas dentro da política da episiotomia de rotina.
Essa prática muitas vezes é colocada como o ponto culminante do treinamento das
nossas profissionais, o que não propicia o aperfeiçoamento de tecnologias que
mantenham o períneo íntegro (OSAVA, 1997).
Outra prática muito discutida em âmbito nacional e internacional é a
cesariana. Os altos índices de cesáreas é um fenômeno comum nos países
intensamente medicalizados (CAPARROZ, 2003). A OMS recomenda que as taxas
de cesarianas não ultrapassem 15% (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).
No entanto, no Brasil, nas maternidades públicas que realizam partos pelo SUS,
essa taxa foi de 27,53% e no setor privado foi de 79,70% no ano de 2004. (BRASIL,
2005). Esses índices refletem bem o contexto atual de medicalização da atenção ao
parto no país.
30
Um dos atrativos da prática da cesariana parece ser a possibilidade de o
parto acontecer com hora marcada, idéia apoiada na convicção da sua inocuidade.
No entanto, a morbi-mortalidade associada a essa intervenção cirúrgica é maior do
que a do parto normal. No contexto brasileiro, a cesariana é também atraente porque
é mais rentável para os médicos, principalmente no setor privado, além de ser
considerada 'preventiva' das supostas lesões genitais resultantes do parto (DINIZ,
2001).
3.1.3 O parto humanizado
O modelo do parto institucionalizado, de acordo com Diniz (2001), postula a
necessidade de um papel passivo da mulher na cena, em que ela será processada
tecnicamente pelo profissional e pela instituição. A autora acrescenta que o modelo
tecnocrático, profundamente incorporado às práticas, é um dos mais importantes
obstáculos à humanização da assistência. A conseqüência é a “desumanização”, a
“alienação”, a “coisificação” da parturiente – usando as expressões propostas por
Deslandes (2004).
Nas últimas décadas, a vigência desse modelo tem despertado um
movimento de oposição que busca não somente humanizar o atendimento ao parto
no contexto institucionalizado, mas, se possível, resgatar o parto normal em outro
contexto. No Brasil, essa trajetória teve início na década de 70, através de iniciativas
como as casas de parto. A pauta do movimento inclui também a desmedicalização
31
da atenção e a inserção da enfermeira obstétrica no atendimento ao parto
(BONILHA; ESPÍRITO SANTO, 2000).
Nesse sentido, a partir de 1996, o MS, em parceria com a Federação
Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), com o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Pan-americana de Saúde
(OPAS), lançou programas de incentivo à saúde da mulher, dentre os quais, o
Projeto Maternidade Segura, com vistas ao preparo de profissionais para prestarem
serviços humanizados à população brasileira na atenção ao parto e ao recém-
nascido (BRASIL, 2003).
Um marco importante no movimento de humanização é a criação, a partir da
Carta de Campinas, de 1993, da REHUNA, a Rede de Humanização do Nascimento.
A REHUNA é uma organização não-governamental que visa a evidenciar os riscos
provocados pelas práticas intervencionistas e iatrogênicas à saúde de mães e
bebês, resgatar e revalorizar o nascimento como evento existencial e sociocultural,
humanizando as posturas e condutas face ao parto (BONILHA; ESPÍRITO SANTO,
2000).
O conceito de humanização – na área da saúde e fora dela – tem sido alvo de
muitas disputas, mas o denominador comum entre as diferentes concepções parece
ser o questionamento do modelo tecnocrático e da “coisificação” dele resultante
(DINIZ, 2001; DESLANDES, 2004).
De acordo com Diniz (2001), existem inclusive objeções ao próprio uso do
termo humanização, por ele ter adquirido um certo significado de bom
relacionamento, não representando uma prática científica ou modificações reais nos
procedimentos. De acordo com esse ponto de vista, o termo parto tecnicamente bem
32
conduzido corresponderia com mais exatidão às recomendações oficiais, como as
da OMS:
O conceito de atenção humanizada é amplo e envolve um conjunto
de conhecimentos, práticas e atitudes que visam à promoção do
parto e do nascimento saudáveis e à prevenção da
morbimortalidade materna e perinatal. Inicia-se no pré-natal e
procura garantir que a equipe de saúde
realize procedimentos
comprovadamente benéficos para a mulher e o bebê, que evite as
intervenções desnecessárias e que preserve sua privacidade e
autonomia (BRASIL, 2003, p. 9 ).
Apesar das disputas, já é possível distinguir, de acordo com Tornquist, o
surgimento de um “ideário do parto humanizado: as noções de amamentação natural
e vínculo mãe/bebê/pai” (2003, p. 425). Iniciativas humanizadoras pautadas por esse
ideário vêm surgindo mesmo em algumas grandes maternidades: o estímulo ao
aleitamento materno precoce e a presença do pai ou familiar durante o parto.
Entretanto, em pesquisa conduzida por Tornquist (2003), Paradoxos da
Humanização em uma Maternidade do Brasil, revela que a normatização burocrática
dessas práticas – mesmo que bem intencionada – pode resvalar também para o
tecnicismo. A lógica do serviço nas grandes instituições de saúde, ao instituir
iniciativas humanizadoras inflexíveis, pode produzir “efeitos tão deletérios quanto o
tratamento tecnocrático que se pretende combater”. A autora conclui que “o ideário
do parto humanizado [...] contém paradoxos: de um lado, advoga os direitos das
mulheres no momento do parto, de outro parece estar desatento às diferenças
socioculturais entre as mulheres” (TORNQUIST, 2003, p. 426).
Certas iniciativas humanizadoras do parto, conseqüentemente, podem tornar-
se elas mesmas fonte de “coisificação” da parturiente na medida em que se
institucionalizam e se tornam rotineiras. De acordo com o Ministério da Saúde:
“reconhecer a individualidade é humanizar o conhecimento. Permite ao profissional
estabelecer com cada mulher um vínculo e perceber suas necessidades e
33
capacidade de lidar com o processo do nascimento” (BRASIL, 2001, p. 10). Portanto,
a humanização depende amplamente da competência do profissional de saúde em
avaliar cada parturiente e agir de acordo, questionando necessariamente o modelo
do parto institucionalizado.
O MS, sensível aos questionamentos em relação ao parto institucionalizado e
ao elevado número de cesarianas, adotou a política de estimular o ingresso de
enfermeiras obstétricas no mercado de trabalho. Em 1999, foi lançado um programa
de apoio à capacitação de novas enfermeiras obstétricas para atuarem no pré-natal,
parto e puerpério. Um currículo específico, voltado para as necessidades atuais de
humanização do parto, foi criado para orientar as atividades dos cursos de
especialização em enfermagem obstétrica, oferecidos como pós-graduação latu
sensu.
Segundo Schirmer (2001), alguns dos resultados obtidos em curto prazo por
essa política de subsídios do MS são: o aumento da necessidade de criação de
casas de parto natural na rede pública; o aproveitamento dos especialistas nos
Centros de Formação do Programa da Saúde da Família (PSF); e a publicação da
Resolução do Conselho Federal de Enfermagem 223/99, reforçando a competência
legal do enfermeiro obstetra para realizar o parto normal sem distócia.
Atualmente, existem vários movimentos da comunidade científica visando ao
resgate do parto como um acontecimento fisiológico e humanizado, assim como a
inserção da enfermeira obstétrica. A publicação da Portaria MS/GM 2.815, em 1998,
e da Resolução COFEN, em 1999, ambas determinando que o enfermeiro receba o
pagamento do SUS pelos partos realizados (BRASIL, 1998; CONSELHO FEDERAL
DE ENFERMAGEM, 1999), reacendeu os conflitos entre as categorias médicas e de
enfermagem quanto à operacionalidade da prática de atenção ao parto e
34
nascimento. A discussão gerou protestos médicos de dimensões públicas e
jurídicas, dando visibilidade à luta entre esses segmentos profissionais (MERIGHI;
YOSHIZATO, 2002).
Ao lado das iniciativas humanizadoras mencionadas, existe a iniciativa de
substituir o parto dirigido, praticado nos hospitais, pelo parto natural: são as casas de
parto. Nelas, cabe à enfermeira obstétrica o papel de acompanhar o parto normal
sem distócia, ao passo que, no parto institucionalizado, o médico é o principal
prestador de serviços. Nesse sentido, o MS tem apoiado as iniciativas de criação de
centros de nascimentos através da Portaria n. 985/99 (BRASIL, 1999). Tais centros
são mundialmente considerados como uma alternativa segura, de relação custo-
benefício positiva, tanto na assistência nas áreas rurais, quanto em grandes centros
urbanos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996). São serviços não-
hospitalares que prestam assistência a mulheres com baixo risco para complicações
obstétricas, constituindo uma opção intermediária entre a casa e o hospital (OSAVA,
1997).
Compreendendo que o espaço físico hospitalar é dominado pelo modelo
assistencial intervencionista e medicalizado, busca-se nos locais alternativos de
nascimento uma oportunidade para as enfermeiras obstétricas exercerem, com mais
autonomia, uma prática de atenção centrada na parturiente. Esse modelo de
cuidado privilegia a participação ativa da mulher no processo, possibilitando uma
alternativa segura para as mulheres que querem viver intensamente o parto
(OSAVA, 1997; CAPARROZ, 2003).
35
3.2 A formação das enfermeiras obstétricas no Brasil
O artigo publicado por Riesco e Tsunechiro (2002), que trata da formação
profissional de obstetrizes e enfermeiras obstétricas, aponta que existem no mundo,
atualmente, diferentes modelos de formação de profissionais obstétricas, que dão
origem a diferentes tipos de profissionais. De acordo com as autoras, a
Confederação Internacional de Obstetrizes e o Conselho Internacional de
Enfermeiras delimitam os territórios profissionais de cada um deles (Quadro 1), em
âmbito internacional, da seguinte maneira:
Profissionais Definição segundo as entidades mencionadas
Obstetriz (Midwife)
pessoa que foi regularmente admitida e concluiu o programa
educacional de obstetrícia, adquirindo a capacitação para ser
legalmente licenciada para o exercício da obstetrícia.
Enfermeira Obstétrica
(Nurse Midwife)
pessoa que é legalmente licenciada para exercer tanto as
atribuições de enfermeira quanto as de obstetriz. A única
categoria de profissional obstétrica formada hoje no Brasil.
Auxiliar de Obstetriz
(Auxiliary Midwife)
pessoa que participou de algum treinamento formal em obstetrícia
e atua sob supervisão da obstetriz. O tempo de formação pode
variar de um a dois anos, podendo tal formação ser ou não
certificada. A auxiliar de obstetriz pode receber o título de
obstetriz rural, assistente de obstetriz, etc.
Parteira tradicional ou
leiga (Traditional Birth
Attendant)
pessoa que atende a mulher durante o parto e que desenvolveu
habilidades atendendo sozinha a parturiente ou como aprendiz de
outra parteira tradicional. Recebe um breve curso de
aprimoramento de cerca de um mês.
Quadro 1 – Categorias profissionais e suas competências.
Fonte: Riesco e Tsunechiro (2002).
O Brasil vem investindo principalmente na formação de enfermeiras
obstétricas (nurse-midwives), profissionais que após a graduação em enfermagem
especializam-se em obstetrícia. Recentemente (desde 2005), vem ocorrendo
também a formação de obstetrizes (midwives) pela Universidade de São Paulo –
USP Leste, através de um curso de graduação, a exemplo do que já acontece em
outros países da América Latina, como o Chile. Nesses países, estas profissionais
36
são conhecidas como matronas e seu papel no contexto da parturição já está bem
estabelecido (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2005; OSAVA, 1997; SÁNCHES,
2002).
Atuam também no Brasil parteiras tradicionais ou leigas (Traditional Birth
Attendants), principalmente nas regiões rurais do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Recentemente, através da formação de associações, elas vêm buscando maior
reconhecimento e valorização da sua atividade, não somente pela sua relevância
cultural intrínseca, mas também pela necessidade de uma regulamentação de sua
profissão e de capacitação (VIEIRA, 2004; SILVEIRA, 2004; RIBEIRO, 2003).
O ensino formal de profissionais ligadas ao parto em território nacional iniciou-
se em 1832, através da formação de parteiras em escolas ligadas às faculdades de
medicina. Desse ano até 1949, a legislação do ensino das parteiras foi parte
integrante da legislação do ensino de medicina. Durante esse período, as egressas
desses cursos receberam diferentes títulos: parteira, enfermeira parteira, enfermeira
especializada, obstetriz e finalmente enfermeira obstétrica (RIESCO; TSUNECHIRO,
2002).
Entretanto, as escolas de enfermagem, a partir de 1949, passaram também a
conceder o título de enfermeira obstétrica. Passaram a coexistir, então, dois modelos
de formação das enfermeiras obstétricas: o chamado modelo europeu, em que estas
eram formadas em cursos obstétricos de nível técnico, anexos às escolas médicas;
e o modelo americano, em que enfermeiras poderiam optar por habilitar-se em
obstetrícia durante sua graduação. Nesse caso, a obstetrícia era concebida como
uma especialidade da enfermagem (OSAVA, 1997; JORGE, 1975).
O decreto 50387 de 1961, que regulamentava o exercício da enfermagem e
suas funções auxiliares, em seu art. 4°, gerou uma polêmica entre essas
37
profissionais ao conferir o título “obstetriz” para ambas as categorias profissionais. O
mesmo título – obstetriz – estava sendo conferido a profissionais de nível médio e a
profissionais de nível superior, desagradando as enfermeiras obstétricas formadas
pelas escolas de enfermagem. Por sua vez, as egressas do antigo curso para
obstetrizes reivindicavam para si a exclusividade do título (JORGE, 1975).
Com a reforma universitária de 1968, que vetava a duplicação de meios para
fins idênticos ou equivalentes, iniciou-se a derrocada dos cursos de obstetrícia
ligados às escolas médicas. Em 1972, com a fixação no novo Currículo Mínimo dos
Cursos de Enfermagem e Obstetrícia pelo Conselho Federal de Educação, a
obstetrícia consolidou-se como especialidade da enfermagem. O enfermeiro, após
concluir um tronco comum com duração de três a cinco anos (no mínimo 2.500
horas), poderia habilitar-se em um dos três ramos específicos da enfermagem (no
mínimo 500 horas): enfermagem obstétrica, enfermagem médico-cirúrgica ou
enfermagem em saúde pública, totalizando 3.000 horas (FRAGA; MATOS, 2002;
RIESCO; TSUNECHIRO, 2002).
Em 1994, a habilitação em enfermagem obstétrica foi extinta, sendo criada a
especialização em enfermagem obstétrica em nível de pós-graduação latu sensu,
com base na Resolução CNE/CES n°1/2001 (BRASIL, 2001a). No ano de 2000 foi
criado, no Ministério da Saúde, o Comitê de Especialistas em Enfermagem
Obstétrica, representado por profissionais experientes na prática e na formação de
recursos humanos, destinado a elaborar um modelo de projeto do Curso de
Especialização em Enfermagem Obstétrica, distribuído entre as escolas de
enfermagem, as secretarias estaduais de saúde e as entidades de classe de
enfermagem.
38
De acordo com esse modelo, os cursos de pós-graduação financiados pelo
MS deveriam durar de seis a doze meses, com carga horária de 460 a 600 horas.
Destas, 1/3 deve ser dedicado aos conteúdos teóricos e 2/3 a atividades práticas.
Sua estrutura curricular deve incluir as áreas temáticas de obstetrícia fundamental,
enfermagem obstétrica e enfermagem perinatal (SCHIRMER, 2001).
O Comitê de Especialistas em Enfermagem Obstétrica sugere, ainda, a
adoção de estratégias de ensino diversificadas, como seminários, estudos clínicos e
análise de vídeos. Devem ser discutidas questões como a avaliação de qualidade,
indicadores epidemiológicos de saúde, princípios bioéticos da assistência e aspectos
éticos e legais do exercício profissional. O debate também deve incluir as políticas
públicas, a gestão do SUS e os programas nacionais e internacionais de saúde da
mulher. O modelo inclui, ainda, a proposta da OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1996) para o desenvolvimento das enfermeiras obstétricas, introduzindo a
perspectiva de gênero, saúde reprodutiva e sexualidade e enfatizando os aspectos
relacionados com a cidadania, como os direitos políticos, jurídicos, trabalhistas e
sociais (SCHIRMER, 2001).
Como destaca Schirmer (2001), os cursos de pós-graduação objetivam formar
enfermeiras competentes para a realização do parto normal e para a identificação
dos riscos obstétricos e perinatais, habilitando-as com bases epidemiológicas,
clínicas e humanísticas para a atuação no SUS. A habilidade prática do aluno,
requisito para a validação do certificado, deve ser avaliada através da realização de
20 partos, 15 atendimentos a recém-nascidos na sala de parto e 15 consultas pré-
natal. Entre os critérios de avaliação discente, consta a apresentação de um trabalho
de conclusão no final do curso.
39
O aumento da demanda por profissionais qualificados no campo da
enfermagem obstétrica motivou o MS a desenvolver, sistematicamente, programas
de capacitação de recursos humanos para o SUS. Esse processo proporcionou
apoio financeiro e técnico a 54 cursos de especialização, com maior concentração
na região sudeste e sul do país (ibidem).
Bonadio et al. (1999), em um estudo desenvolvido no ano de 1997, realizaram
um levantamento do número de enfermeiras obstétricas formadas no Brasil pelas
escolas de enfermagem nos 20 anos anteriores. O estudo indicou que apenas 1.756
profissionais haviam se formado nesse período. Destes, 1.058 realizaram o antigo
curso de habilitação e 698 titularam-se na modalidade de especialização. Constatou-
se uma insuficiência da oferta de especialistas no mercado durante o período
estudado, bem como um reduzido interesse pelo curso de especialização em
enfermagem obstétrica. Os cursos geralmente foram oferecidos de maneira
descontínua, em conseqüência das mudanças na legislação de ensino, da ausência
de campos de estágio para os alunos e de professores capacitados para o
atendimento ao parto e nascimento.
A partir de 1999, com a política de apoio financeiro do MS, houve um
incremento na formação de enfermeiras obstétricas no país. Segundo Riesco e
Tsunechiro (2002), no período 1999-2001, cerca de 1.090 enfermeiras concluíram
seus cursos de especialização. Isso pode ser considerado um marco nacional no
projeto de capacitação desses profissionais. Como destaca Schirmer (2001), foram
subsidiados 11 cursos em 1999 e 44 em 2000.
A mesma tendência foi observada no Rio Grande do Sul, estado onde
acontece o presente estudo. Berni (2003), presidente da Associação Brasileira de
Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras, seção Rio Grande do Sul (ABENFO-RS), no II
40
Simpósio sobre Parto Ativo e Humanizado, realizado em Curitiba, PR, no ano de
2003, em seu discurso de abertura apresentou uma estimativa do número de
especialistas existentes no Rio Grande do Sul: cerca de 260 enfermeiras obstétricas
(BERNI, 2003). Do final dos anos 70 até o final da década de 90, foram realizados
apenas cinco cursos de especialização no Estado, dois deles em instituição pública
e três em instituição privada. Com o oferecimento de subsídios por parte do MS,
várias instituições, públicas e privadas, passaram a oferecer novos cursos. Uma
única instituição pública formou o expressivo número de 103 especialistas em
obstetrícia e neonatologia em apenas três anos (DUARTE; CECCIM, 2002).
Acredita-se que esse aumento numérico ainda seja insuficiente para contribuir
de maneira efetiva na inserção desse profissional no mercado de trabalho e na
transformação do modelo assistencial vigente, medicalizado e intervencionista, em
um modelo humanizado de atenção ao parto. Além disso, há críticas à maneira
como têm sido formadas as especialistas em enfermagem obstétrica no Brasil
(RIESCO; TSUNECHIRO, 2002).
Aqueles cursos mais tradicionais, preocupados em abranger todos os
aspectos da atenção à saúde da mulher e estimular a produção científica, além de
despenderem muito tempo e recursos materiais e financeiros, não atendem à
demanda quantitativa por profissionais aptos a atuarem no pré-natal, parto e
puerpério. Por outro lado, os cursos de especialização de curta duração, que visam
suprir essa demanda mais rapidamente, são mais dirigidos para a realização do
parto do que para outros aspectos da atenção à mulher (ibidem).
As mesmas autoras, juntamente com Osava (1997), argumentam, ainda, que
se leva muito tempo para formar uma enfermeira e depois uma especialista em
obstetrícia. A iniciativa da USP, com o Curso de Graduação em Obstetrícia vai nesse
41
sentido: formar profissionais obstétricas já na graduação, em um curso de quatro
anos oferecido nas próprias escolas de enfermagem (UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO, 2005).
A discussão em torno da formação de recursos humanos para a atenção ao
parto e nascimento vem resultando em propostas alternativas de formação das
competências do enfermeiro especialista (RIESCO; TEIXEIRA, 2002). Entre os
novos projetos pedagógicos que podem causar impacto efetivo na atuação da
enfermeira especialista, está o ensino por competências, uma proposta trazida para
o campo da educação profissional por estudiosos da área da educação, como
Phillipe Perrenoud (FAUSTINO; EGRY, 2002).
3.3 A atuação das enfermeiras obstétricas no Brasil
De acordo com a OMS, o objetivo da atenção ao parto normal é “ter uma mãe
e uma criança saudáveis, com o menor nível de intervenção compatível com a
segurança” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996, p. 4). Ainda segundo a
OMS, as tarefas do prestador dessa assistência são quatro:
1. Dar apoio à mulher, ao seu parceiro e à sua família durante o
trabalho de parto, no momento do nascimento e no pós-parto.
2. Observar a parturiente; monitorar o estado fetal e posteriormente o
do recém nascido; detectar os problemas precocemente.
3. Realizar intervenções, como amniotomia e episiotomia, se
necessário; prestar os cuidados ao recém-nascido após o
nascimento.
4. Encaminhar a parturiente a um nível de assistência mais completo,
caso surjam complicações ou fatores de risco que o justifiquem.
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996, p. 4).
42
Dentre os profissionais elencados para prestar assistência à gestação e ao
parto normal, a OMS considera que “a enfermeira-parteira parece ser o tipo mais
adequado e com melhor custo-efetividade [...]” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1996, p. 6). No contexto internacional, a enfermeira-parteira é qualquer
profissional cujo treinamento para o parto seja reconhecido pelo governo que a
credencia, sem necessidade de formação anterior em enfermagem. No entanto,
existem muitas variações entre países no que diz respeito às tarefas realizadas
pelas enfermeiras-parteiras. Nos países mais industrializados, essas profissionais
trabalham, em geral, em hospitais, sob supervisão de obstetras, estando, portanto,
sujeitas às rotinas do departamento obstétrico, com pouca distinção entre gestações
de alto ou baixo risco (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996).
No Brasil, a enfermeira obstétrica é a profissional que corresponde ao perfil
da enfermeira-parteira. Parte significativa dessas profissionais atua em hospitais,
nas condições descritas pela OMS como comuns em países industrializados. Estão,
portanto, imersas no modelo assistencial do parto institucionalizado, em que o parto
é dirigido pelo profissional que o assiste, através de numerosas intervenções, ao
invés de ser encarado como evento natural (OSAVA, 1997).
No contexto hospitalar, é atribuição da enfermeira obstétrica a realização do
histórico de enfermagem, que fornece subsídios para identificação dos possíveis
problemas, permitindo o estabelecimento de um plano assistencial, como colocam
Espírito Santo e Berni (2001). Nesse processo, inclui-se um exame obstétrico, que
envolve a avaliação da dinâmica uterina, a ausculta fetal e o toque vaginal,
imprescindível para diagnosticar precocemente riscos maternos e fetais nos
períodos clínicos do parto (PIOTROWSKY, 2002).
43
Durante o período expulsivo, “a enfermeira pode atuar na sala de parto
realizando o parto normal ou acompanhando a evolução do parto e atuando de
acordo com as necessidades surgidas em cada momento” (ESPÍRITO SANTO;
BERNI, 2001, p. 196). Também o acompanhamento do pós-parto imediato faz parte
das atribuições da enfermeira, de acordo com as autoras. A literatura sobre
enfermagem, portanto, enfatiza a presença e a atuação da enfermeira obstétrica em
todos os períodos clínicos do parto realizado no hospital (ESPÍRITO SANTO;
BERNI, 2001; PIOTROWSKY, 2002).
No RS, conforme aponta um estudo realizado por Duarte, Bonilha e Riffel, “a
maioria dos enfermeiros atuam na assistência à mulher e ao neonato em nível
hospitalar [...]” (1998, p. 13), ou seja, no contexto institucionalizado. As atividades
realizadas são predominantemente “de menor complexidade, [...] como cuidados
gerais à mulher em trabalho de parto e parto e ao recém-nascido normal” (1998, p.
10). Entre as ações realizadas pelos enfermeiros pesquisados por Duarte, Bonilha e
Riffel (1998), receberam destaque as atividades administrativas – a maioria deles
atuavam na chefia geral ou de unidade em instituições de saúde.
O estudo de Duarte, Bonilha e Riffel (1998) também revela que é no período
expulsivo que se dá a menor participação específica do enfermeiro. Dentre os
enfermeiros pesquisados por Duarte, Bonilha e Riffel (1998), somente 22,6% eram
enfermeiros obstétricos, os demais eram enfermeiros graduados que atuam na área
da saúde da mulher e do neonato. Na comparação dessas atividades com as tarefas
que a OMS considera como próprias do prestador de assistência ao parto,
evidencia-se que a enfermeira obstétrica não está inserida totalmente nessa
assistência.
44
Schirmer (2001), referindo-se à região sudeste do país, menciona que
praticamente não existem, no DATASUS, registros de partos realizados por
enfermeiras obstétricas – que eventualmente realizariam o procedimento,
registrando-o em nome do médico. Esse dado parece indicar que a enfermeira
obstétrica tem dificuldade para firmar-se como a principal prestadora da atenção ao
parto também em outras regiões do país.
No contexto do parto hospitalar, é o profissional médico obstetra que se
destaca como o realizador do parto no Brasil. A OMS, entretanto, ao preferir a
atuação da enfermeira-parteira, indica que os médicos,
devido a seu treinamento e atitude profissional, podem ser mais
propensos – na verdade, freqüentemente são forçados a isso pelas
circunstâncias – a intervir mais freqüentemente do que enfermeiras-
parteiras. [...] É pouco provável que suas
responsabilidades pelo
manejo de complicações importantes deixem-lhe tempo disponível
para dar assistência e apoio à parturiente e à sua família durante
todo o trabalho de parto normal (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1996, p. 5).
Assim, na atenção ao parto hospitalar, a enfermeira parece ser mais atuante
no pré-parto e no pós-parto, sendo que, no parto em si – no período expulsivo – é o
médico quem presta a assistência (MERIGHI; YOSHIZATO, 2002). Essa
fragmentação da assistência, em parte decorrente da institucionalização do parto,
contraria a recomendação da OMS para que o prestador da atenção ao parto se
responsabilize por todas as tarefas do parto (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1996).
O parto institucionalizado é organizado a partir do princípio da especialização
e da repetição de tarefas. Cada profissional tem seu papel bem delimitado, atuando
em um momento específico de forma rotineira, sem levar em consideração o aspecto
individual de cada mulher. Nesse contexto, por exemplo, a presença de familiares da
45
parturiente é percebida como um elemento estranho ao bom andamento das
engrenagens do sistema (DINIZ, 2001).
Já o perfil da enfermeira-parteira preconizado pela OMS (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1996) é o de uma profissional competente para acompanhar
todas as etapas do trabalho de parto e parto, incluindo-se a interação com a grávida
e sua família, o respeito às peculiaridades de cada mulher. Evidencia-se o contraste
entre a visão da OMS, que considera o parto um evento natural e contínuo, e a ótica
da institucionalização do parto, em que este é entendido como uma seqüência de
etapas que exigem a intervenção de uma série de profissionais especializados.
O papel da enfermeira-parteira, de acordo com a OMS (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1996), é claramente o de atuar fora do contexto hospitalar,
em situações de baixo risco. As listas de competências elaboradas por organizações
como a Confederação Internacional das Parteiras (International Confederation of
Midwives, ICM), que são referências no Brasil e no mundo, relacionam-se
claramente com a formação de enfermeiras obstétricas capazes de conduzir o parto
por si mesmas – por isso a ênfase em autonomia, por exemplo, presente nesses
documentos (INTERNATIONAL CONFEDERATION OF MIDWIVES, 2002).
Embora a enfermeira obstétrica brasileira corresponda aos critérios
internacionais que definem a enfermeira parteira, sua atuação é fundamentalmente
diversa da prescrita por esses mesmos critérios, pois se dá principalmente em
hospitais. De acordo com a OMS, a enfermeira parteira é competente para
acompanhar todo o processo do parto, intervindo somente se necessário, porém a
enfermeira obstétrica brasileira, ao contrário, atua em pontos específicos do
processo, reservados a ela pela lógica do serviço, e convive com a intervenção de
46
rotina desde sua formação (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996; OSAVA,
1997).
Mesmo que a enfermeira obstétrica brasileira não seja a profissional
responsável pela realização do parto, devido à institucionalização e medicalização
deste, vem conquistando para si outras atribuições, relacionadas não com o aspecto
técnico da enfermagem, mas com as iniciativas humanizadoras do parto. Espírito
Santo e Berni (2001), por exemplo, descrevem também esse aspecto da atuação da
enfermeira obstétrica. As autoras apontam que faz parte da atenção de enfermagem
acolher a grávida, seu companheiro e família, estabelecendo uma relação de
confiança.
Espírito Santo e Berni (2001) enfatizam que a enfermeira obstétrica deve
orientar e informar à parturiente sobre a evolução do parto e sobre as condutas que
devem ser adotadas, tais como a posição, as técnicas de respiração e relaxamento
associadas às contrações. As atitudes de apoio da profissional poderão contribuir
para uma atitude materna positiva em relação ao trabalho de parto (ESPÍRITO
SANTO; BERNI, 2001).
Através dessa atuação, a enfermeira obstétrica poderia contribuir para uma
atenção ao parto mais humana. Silveira e Leitão consideram que “o trabalho
solidário agregará valor ao processo de trabalho da enfermeira, fará a diferença e
merecerá, conseqüentemente, o respeito da comunidade científica e da
comunidade” (2003, p. 208).
Por fim, o quadro atual no Brasil e no mundo é de rápidas mudanças e
reformulações no cenário social, político e econômico. É necessário investir na
[...] formação de profissionais com competência técnica e
humanística para que possam propor alternativas de transformação
da realidade e passem a ocupar definitivamente um espaço no
mundo da assistência obstétrica (BRÜGGEMANN, 2003, p. 4).
47
A enfermagem, como profissão, deve ser competente para reorganizar-se e
refletir sobre a sua inserção nesse novo contexto, acompanhando as transformações
e conquistando visibilidade no cenário obstétrico (MERIGHI; YOSHIZATO, 2002).
3.4 O paradigma das competências profissionais
O modelo clássico de organização do trabalho é o chamado modelo
taylorista/fordista, que predominou durante o século XX. Esse modelo origina-se dos
paradigmas da administração científica, propostos por Taylor no início do século XX
em suas obras sobre o aproveitamento eficaz do trabalho humano. Coube a Ford
demonstrar sua aplicação prática na fabricação em série de automóveis (DE MASI,
2003).
Essa concepção, baseada na total fragmentação do trabalho e extrema
divisão do saber, como coloca Deluiz (2001), tem predominado não somente no
setor produtivo, mas influenciado a sociedade como um todo. Entretanto, nas últimas
décadas, esse modelo vem se adaptando às rápidas mudanças tecnológicas e à
globalização.
Cresce a demanda por qualidade nos serviços e produtos. O mercado torna-
se imprevisível, e o trabalho não é mais visto como uma seqüência de fatos
previsíveis, mas como uma seqüência de eventos em que influem o incerto e o
aleatório (WITT; ALMEIDA, 2003).
No modelo proposto originalmente por Taylor, o trabalhador realiza somente
uma tarefa bem específica. Basta ser qualificado para tanto, sem necessidade de
48
conhecer o processo produtivo como um todo. A escolaridade, a formação técnica e
a experiência profissional do trabalhador determinam sua qualificação profissional, e
desta depende o lugar que ocupará na teia de cargos, carreiras e salários (DELUIZ,
2001).
Com as transformações sofridas pelo modelo, no entanto, o trabalhador não
pode mais se limitar a uma única etapa do processo, deve compreender o todo, ser
polivalente e multifuncional. Seu trabalho é cada vez mais intelectualizado, tem de
lidar com tecnologias em constante transformação (DELUIZ, 2001).
É nesse novo cenário que emerge o conceito de competência profissional, um
novo modelo de formação e gestão da força de trabalho, atualizando o conceito de
qualificação. O profissional precisa ir além da aquisição formal de conhecimentos
academicamente adquiridos e construir saberes também a partir das mais
diversificadas experiências. O saber em si não é suficiente, importa mobilizá-lo para
resolver o imprevisto. Não basta mais para o profissional ter um diploma ou ter o
conhecimento, ele deve ser competente (WITT; ALMEIDA, 2003).
Nas mais diversas áreas de atuação profissional, percebeu-se a necessidade
de um modelo mais abrangente de qualificação dos trabalhadores, que
ultrapassasse a dimensão puramente técnica (WITT; ALMEIDA, 2003). Um dos
objetivos desse novo modelo é adequar a formação dos trabalhadores às exigências
sempre variáveis do atual sistema produtivo, possibilitando uma maior
empregabilidade. Através da constante atualização das suas competências, o
trabalhador torna-se disponível e com mobilidade para circular em vários segmentos
do mercado (DELUIZ, 2001; MARQUES, 2001).
Não somente o mundo do trabalho se apropriou da noção de competência.
Perrenoud fala-nos da irresistível ascensão dessa noção também na educação. O
49
autor salienta, no entanto, que “essa moda simultânea da mesma palavra em
campos variados esconde interesses parcialmente diferentes” (1999, p. 12). No
mundo do trabalho, na opinião de Perrenoud, a adoção do termo competência reflete
uma real modificação de perspectiva decorrente da maior necessidade de
flexibilidade dos procedimentos, em que a história de vida das pessoas é valorizada.
Já no campo da educação, a discussão sobre competências “reanima um debate tão
antigo quanto a escola” (PERRENOUD, 1999, p. 13), ou seja, a oposição entre dois
paradigmas: ensinar conhecimentos ou desenvolver competências.
A valorização atual do paradigma das competências em educação está ligada
não somente às modificações do mundo do trabalho, mas também a um movimento
que parte dos próprios educadores, preocupados em “tornar as novas gerações
aptas a enfrentarem o mundo de hoje e o de amanhã”, nas palavras de Perrenoud
(1999, p. 14). O autor acrescenta que “seria muito restritivo fazer do interesse do
mundo escolar pelas competências o simples sinal de sua dependência em relação
à política econômica” (1999, p. 14).
3.4.1 Definindo competência
Como destaca Perrenoud (1999), o termo competência é polissêmico, possui
muito significados, e não existe consenso quanto a uma definição única. De acordo
com Witt e Almeida (2003), a expressão, quando empregada no vocabulário das
organizações produtivas, representa uma atualização do conceito de qualificação
profissional. Já Manfredi (1998) coloca que as ciências humanas, como a psicologia,
50
a lingüística e, em especial, a educação, ao se apropriarem da expressão
competência, propuseram ainda outros significados.
Manfredi (1998) acrescenta que o termo competência – assim como
qualificação ou formação profissional – ocupa hoje um lugar de destaque nos
discursos e documentos de diferentes agências e instituições sociais, ao mesmo
tempo em que não existe um consenso em relação a sua definição. A autora
considera que as diferentes significações de competência expressam a
multiplicidade dos interesses e aspirações de diferentes segmentos da sociedade.
Para Deluiz, a noção de competência não abrange somente o aspecto individual –
relacionado com a aquisição de conhecimentos e confronto com as situações reais
de trabalho – mas também é "uma construção balizada por parâmetros
socioculturais e históricos" (2001, p. 22) e, por isso mesmo, vem sendo alvo de
"disputas políticas em torno de seu significado social" (DELUIZ, 2001, p. 23).
Perrenoud define competência como "capacidade de agir eficazmente em um
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a
eles" (1999, p. 7). Essa é a definição de competência que norteia esta pesquisa – é
uma definição geral, não necessariamente restrita ao campo profissional ou da
educação.
A noção de competência apresenta, de acordo com Machado (2002), certos
elementos fundamentais. Ela é pessoal, cada indivíduo possui um conjunto de
competências único. As competências residem na maneira de relacionar os
diferentes conhecimentos pessoais, e cada indivíduo possui uma maneira diferente
de relacionar seus recursos em um desempenho competente. Cada competência
possui um âmbito, ou seja, um contexto onde ela se materializa. As competências
são padrões de articulação do conhecimento, ou esquemas de ação, que mobilizam
51
certos conhecimentos. Mobilizar é a capacidade de se recorrer ao que se sabe para
realizar o que se deseja. As formas de realização das competências nos seus
contextos específicos são então chamadas de habilidades.
Os conhecimentos são representações da realidade, construídas e
armazenadas de acordo com as experiências e a formação do indivíduo, e não se
confundem com a competência, que é a capacidade para utilizá-los, integrar e
mobilizar, visando à solução dos diversos problemas do cotidiano (FAUSTINO;
EGRY, 2002; PERRENOUD, 2001).
Da mesma maneira, competência não deve ser comparada com eficácia. A
competência é o conjunto de operações mentais que é condição da eficácia. Por
outro lado, avaliar o desempenho é a única maneira, mesmo que limitada, de avaliar
competências, pois estas não podem ser atingidas diretamente (PERRENOUD,
1999).
3.4.2 Competências profissionais em saúde
Os paradigmas propostos por Taylor e demonstrados por Ford foram
adaptados às mais diferentes atividades produtivas, incluindo-se o setor de saúde.
Deluiz (2001) aponta a fragmentação do trabalho nesse setor, em que os
profissionais são extremamente especializados e estão inseridos num quadro de
rígida hierarquia e divisão do trabalho. Trata-se de um nítido componente gerencial
taylorista/fordista, em que um número elevado de profissionais realiza tarefas
52
simples e rotineiras, sem possibilidade de exercer intervenções autônomas no
processo de trabalho.
O resultado é uma atenção mecanicista, organizada como uma linha de
montagem, conseqüentemente, incapaz de reconhecer a individualidade do ser
humano, como destacou Osava (1997) em relação ao atendimento do parto.
A noção de competência profissional em saúde vem emergindo na esteira dos
movimentos de humanização da atenção, que reconhecem no taylorismo/fordismo
um obstáculo. Deluiz enfatiza ainda que:
[...] a noção de competência humana é fundamental na área da
saúde, na medida em que a nova visão de qualidade em saúde
considera não só os aspectos técnico-instrumentais envolvidos na
prática profissional, mas inclui a humanização do cuidado na
perspectiva do cliente (2001, p. 13).
Com relação à formação específica de profissionais de enfermagem aptos a
intervir nesse cenário, Silva e Egry (2003) destacam que é imperativo que o
processo de formação das enfermeiras adote uma abordagem pedagógica
transformadora, como o ensino baseado em competências, pois as enfermeiras
constituem um dos maiores contingentes da força de trabalho em saúde. As autoras
sustentam que o ensino por competências, se aplicado à formação das enfermeiras,
poderia responder à demanda do SUS por profissionais questionadores e reflexivos,
sensíveis aos problemas propostos pela realidade atual da saúde e capazes de uma
prática social complexa e contextualizada. A idéia aponta para a necessidade de
discussão sobre quais competências os profissionais de enfermagem devem
desenvolver e sobre como os cursos formadores podem facilitar esse processo.
O ensino por competências busca não somente transmitir conhecimentos,
mas incentivar a sua mobilização. A estratégia é a de propor aos alunos diversas
situações desafiantes – situações-problema – nas quais o conhecimento abstrato, da
53
sala de aula, é mobilizado como recurso necessário ao sucesso da tarefa. Dessa
forma, os alunos constroem seus esquemas da ação (MACHADO, 2002).
Um exemplo da formação por competências em saúde foi o Projeto de
Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE), criado
em 1999. Teve duração de quatro anos, sendo voltado para os profissionais da
saúde de nível médio. O objetivo do programa foi capacitar 225 mil atendentes de
enfermagem e os 90 mil técnicos de enfermagem que exerciam naquela época suas
atividades sem a qualificação necessária. Esses profissionais correspondiam a 57%
do total de profissionais da área de enfermagem. Uma das inovações empregadas
pelo PROFAE foi a utilização de um instrumento baseado em competências para
verificar a qualidade do ensino, o Sistema de Certificação de Competências (SCC).
Esse sistema buscou reconhecer e valorizar a competência do trabalhador da área
da saúde, avaliando seu desempenho nas várias situações em que é desenvolvido o
cuidado em enfermagem e certificando as competências adquiridas tanto no curso
quanto na vida profissional (BRASIL, 2000).
O SCC/PROFAE não pretendeu somente qualificar as ações do auxiliar na
assistência em enfermagem, como também introduzir no currículo de outras
categorias do setor de saúde o referencial das competências profissionais. Foi um
esforço para articular as competências dos diferentes atores da área da saúde para
modificar a atual situação do SUS (MARQUES, 2001).
O paradigma das competências profissionais também influenciou claramente
a elaboração das Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Enfermagem,
Resolução CNE/CES nº 3/2001 (BRASIL, 2001b). O documento estabelece
competências gerais e específicas que devem ser desenvolvidas pelo profissional de
enfermagem.
54
A adoção do paradigma das competências no ensino profissional no Brasil
não tem se dado sem críticas. Alguns autores, como Torrez (2001), alertam para o
risco de uma abordagem tecnicista da noção de competência. A autora menciona
como exemplo a Resolução n. 4/99 do CEB/CNE, voltada para os técnicos de
enfermagem, que apresenta a seguinte competência: “identificar os determinantes e
os condicionantes do processo saúde-doença” (TORREZ, 2001, p. 47). A autora
salienta que a redação desse enunciado não condiz com a definição de competência
e nos induz a uma interpretação tecnicista. Apenas identificar os determinantes e os
condicionantes do processo saúde-doença, sem explicitar como esse conhecimento
pode ser articulado para uma ação assistencial concreta e situada, não ajuda a
referenciar a desejada competência para o cuidar. Torrez acrescenta que as
Diretrizes Curriculares (ou qualquer enumeração de competências)
não deverão ser aceitas ou reproduzidas como uma lista de tarefas,
pois o conhecimento sobre os determinantes é necessariamente
articulado de modo diferente na constituição das competências de
cada profissional de saúde (2001, p. 47).
Como coloca Perrenoud (1999), embora o emprego da expressão
competência seja novidade em educação, a idéia por ela representada – ligar o
ensino a uma prática social – sempre esteve presente, principalmente em
instituições ligadas ao ensino profissionalizante. Por exemplo, o Sistema Nightingale
de formação de enfermeiras, embora comprometido com o ideário da submissão
feminina, prescrevia uma grande carga horária prática em hospitais, garantido a
contextualização imediata dos conhecimentos. Assim, o atual interesse em
competências evidenciado nos currículos de formação em enfermagem não
representa necessariamente uma novidade, mas talvez um resgate do aspecto
prático, perdido com o crescimento da carga horária teórica nos cursos.
55
3.4.3 O paradigma das competências na Enfermagem Obstétrica
O documento Competências Essenciais para o Exercício Básico da
Obstetrícia, da Confederação Internacional de Parteiras (International Confederation
of Midwives, ICM), é referência mundial para as profissionais que atuam na atenção
ao parto (2002). O modelo de cuidado contido no documento está centrado na
mulher, baseando-se na premissa de que a gravidez e o nascimento são eventos de
vida normais. O documento traz o âmbito da prática da obstetrícia:
a prática da obstetrícia inclui o cuidado autônomo da criança, do
adolescente e da mulher adulta, antes, durante e depois da
gravidez. Isto significa que a parteira dá a supervisão necessária,
cuida e aconselha as mulheres durante a gravidez, o parto e o
período pós-parto. A parteira realiza o parto sob sua própria
responsabilidade e os cuidados com o recém-nascido
(INTERNATIONAL CONFEDERATION OF MIDWIVES, 2002, p. 2).
De acordo com a OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996), em
países onde o parto se encontra acentuadamente institucionalizado, a parteira – no
caso do Brasil, a enfermeira obstétrica – atua junto ao profissional médico na
atenção ao parto no contexto do hospital. Assim, no contexto brasileiro, o âmbito da
competência dessa profissional difere do prescrito pelo documento, em que a
parteira seria a responsável pelo parto.
O documento apresenta seis competências essenciais para o exercício básico
da obstetrícia, cada uma delas acompanhada por uma enumeração detalhada de
conhecimentos e habilidades. As competências mencionadas são:
1 As parteiras têm o conhecimento e habilidades requeridas das
ciências sociais, saúde pública e ética que constituem a base do
cuidado de alta qualidade, culturalmente pertinente, apropriado para
as mulheres, recém-nascido e famílias no período reprodutivo. [...].
2 As parteiras proporcionam educação para a saúde de alta
qualidade, culturalmente sensível e proporcionam serviços para toda
a comunidade para promover uma vida familiar saudável, gestações
planejadas e uma maternidade/paternidade positiva. [...].
56
3 As parteiras proporcionam um cuidado pré-natal de alta qualidade,
elas se preocupam em otimizar a saúde da mulher durante a
gravidez, isso inclui a descoberta precoce, tratamento ou
encaminhamento das complicações detectadas. [...].
4 As parteiras proporcionam durante o parto um cuidado de alta
qualidade, culturalmente sensível. Administra um parto higiênico e
seguro, e manejam situações de emergência para otimizar a saúde
das mulheres e dos recém-nascidos.
[...].
5 As parteiras proporcionam à mulher cuidados integrais, de alta
qualidade, culturalmente sensível, durante o pós-parto. [...].
6 As parteiras proporcionam cuidado integral de alta qualidade para o
recém-nascido saudável, do nascimento até dois meses de idade.
(INTERNATIONAL CONFEDERATION OF MIDWIVES, 2002, p. 1-
10).
As seis competências do documento estão ligadas ao que as parteiras fazem,
nos seus diversos espaços de prática. Assim colocadas, as competências parecem
não ser articuladas ou articuláveis entre si. Esse entendimento da noção de
competência parece contrariar o conceito colocado por Perrenoud (1999), em que as
competências são mobilizáveis em diferentes contextos. Assim, uma competência
mobilizada no planejamento familiar, como a competência do relacionamento
interpessoal, pode ser também mobilizada durante o parto. Nesse sentido, as
competências mencionadas pelo documento assemelham-se a uma “lista de
tarefas”, empregando a expressão proposta por Torrez (2001), e podem ensejar uma
abordagem tecnicista.
Toda competência, como afirma Perrenoud, é transversal, ou seja, “permite
enfrentar um conjunto de situações” (1999, p. 29). Além do mais, cada profissional
mobiliza suas competências de uma forma pessoal, o que “dificulta particularmente a
construção de listas fechadas [...] de competências” (1999, p. 28). O autor propõe
voltar a atenção para “a maneira pela qual a mente mobiliza os recursos”
(PERRENOUD, 1999, p. 31). Ou seja, para o autor, a competência está na maneira
de mobilizar, mais do que nas competências mobilizadas.
57
Mais de acordo com o conceito de competência proposto por Perrenoud
(1999) e com a realidade nacional, Riesco e Tsunechiro (2002) apresentam cinco
competências que, segundo elas, devem fazer parte da formação da enfermeira
obstétrica, enfatizando aspectos fisiológicos, emocionais e socioculturais do
processo reprodutivo da mulher:
1. compreensão do fenômeno da reprodução como singular, contínuo
e saudável, no qual a mulher é o foco central, e que se desenvolve
em um determinado contexto sócio-histórico;
2. desenvolvimento do processo assistencial e educativo, com base
na interação e parceria, possibilitando às pessoas envolvidas
tomarem as suas decisões de saúde;
3. articulação entre observações clínicas, conhecimento científico,
habilidade técnica e julgamento intuitivo na tomada de decisões.
4. valorização do saber e da atuação interdisciplinares;
5. desenvolvimento das atribuições com base na responsabilidade
ético-política e autonomia profissional (RIESCO; TSUNECHIRO,
2002, p. 457).
Ao contrário das competências propostas pelo ICM, as competências
apresentadas pelas autoras são transversais. Por exemplo, compreender o
fenômeno da reprodução como singular, contínuo e saudável é uma competência
que pode permear toda a atuação da enfermeira obstétrica, articulando-se
livremente com outras competências mais específicas.
A primeira competência mencionada pelas autoras encontra respaldo em
Brüggemann, que coloca que a atenção ao parto requer uma atitude compreensiva
em relação à singularidade da vivência da mulher. Trata-se de uma via de mão
dupla: “do profissional para a parturiente, como também da parturiente para com o
profissional de saúde” (2003, p. 3). A mulher, como foco central do parto, deve ser
levada a compreender que o processo de nascimento, “apesar de fisiológico, [...]
possui várias situações limítrofes de saúde-doença” (BRÜGGEMANN, 2003, p. 3).
Outro exemplo é a segunda competência, relacionada com o desenvolvimento
de um processo educativo, que também assume um aspecto transversal,
58
relacionado com a prática obstétrica como um todo. A esse respeito, Brüggemann
(2003) coloca que as profissionais devem ser competentes para compartilhar o
conhecimento, desencadeando um processo educativo em que “a parturiente e
família transformam-se em atores principais e verdadeiros aliados dos profissionais,
inclusive identificando sinais e sintomas importantes” (ibidem, p. 3).
Este estudo recorre à noção de competência pela sua transversalidade, ou
seja, é um conceito capaz de abranger tanto os aspectos operacionais quanto
humanos da enfermagem obstétrica. Entende-se aqui competência de forma ampla,
sem a intenção de reduzir o conceito a uma enumeração de capacidades
profissionais. Como colocam Witt e Almeida, “o saber que deve ser mobilizado nas
situações de trabalho não é de ordem estritamente técnica nem unidimensional, mas
transversal às especialidades técnicas. O profissional dever ter uma visão mais
ampla que o especialista [...]” (2003, p. 436). A competência é entendida aqui como
um processo, em que a profissional da saúde em geral e a enfermeira obstétrica, em
particular, mobiliza os seus saberes para atuar nas infinitas situações
proporcionadas por seu trabalho.
A revisão da literatura indica que há uma distância entre o que é preconizado
com relação ao âmbito da competência da enfermeira obstétrica e a realidade
sugerida por pesquisas (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 1999;
DUARTE; BONILHA; RIFFEL, 1998; SCHIRMER, 2001). Isso resulta em (e de) uma
dificuldade de definição dos papéis que, na prática, devem ser assumidos pela
enfermeira obstétrica. Conforme destaca Almeida, “só é possível dizer-se se um
profissional é competente na medida em que se tem claro o seu papel profissional”
(2002, p. 115). Assim, se o papel da enfermeira obstétrica não está claro, o
desenvolvimento de pesquisas sobre sua competência, no caso específico da
59
presente investigação, no contexto do atendimento ao parto normal hospitalar, se
torna relevante. Tais estudos podem resultar em subsídios para a análise da prática
da enfermeira obstétrica e para uma reflexão sobre os cursos formadores, no sentido
da sua proximidade e adequação à “vida real” da enfermeira obstétrica.
Considerando o que foi dito até aqui, objetiva-se nesta pesquisa ouvir
enfermeiras obstétricas, que atuam em centro obstétrico, sobre sua competência no
atendimento a mulheres em trabalho de parto e parto normal.
60
4 METODOLOGIA
Este capítulo delineia a trajetória metodológica escolhida quanto ao tipo de
estudo, às considerações éticas, aos sujeitos da pesquisa, à coleta de dados, ao
local do estudo e quanto ao método utilizado para analisar os dados coletados.
4.1 Tipo de estudo
Este é um estudo qualitativo, do tipo exploratório-descritivo, como definido por
Nietsche e Leopardi. Esse tipo de estudo focaliza a “compreensão de um problema
da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam [...] atentando-se, portanto, ao contexto
social no qual o evento ocorre” (2001, p. 53). De acordo com essas autoras, a
pesquisa exploratória é freqüentemente empregada na primeira aproximação em
relação a um certo tema e visa a criar maior familiaridade em relação a um fato ou
fenômeno.
Este estudo analisa a percepção de enfermeiras obstétricas sobre sua
competência no atendimento prestado à mulher no parto normal em ambiente
hospitalar, visando a produzir conhecimentos para o entendimento e a qualificação
dessa atenção.
61
4.2 Considerações éticas
O projeto de pesquisa que deu origem a este estudo foi aprovado no Comitê
de Ética em pesquisa do hospital onde o projeto foi desenvolvido (ANEXO).
Uma vez aprovado, passaram a ser realizados contatos pessoais com a
enfermeira-chefe do Serviço de Enfermagem Materno-infantil e com a chefe de
enfermagem da unidade do centro obstétrico para a definição das combinações
necessárias para o início da pesquisa. Nessa oportunidade, as profissionais foram
informadas sobre a temática, objetivos e procedimentos da pesquisa.
Após, a chefia de enfermagem da unidade do centro obstétrico divulgou
informações sobre a pesquisa para as enfermeiras do setor, através de registro no
relatório de enfermagem, convidando-as a participarem do estudo.
O contato preliminar individual foi realizado através do telefone. Após esse
contato inicial, as entrevistas foram agendadas, procurando-se respeitar o horário de
interesse e disponibilidade de cada participante.
No primeiro encontro individual, respeitando as diretrizes e normas que
regulam a pesquisa com seres humanos (Resolução CNS 196/96), descritas por
Goldim (2005), a pesquisadora informou aos sujeitos o propósito do estudo, o seu
compromisso com a confidencialidade, a livre participação no estudo e sobre o
direito de desistir da sua participação na pesquisa em qualquer momento, sem que
esse fato trouxesse qualquer prejuízo ou penalização. Nesse momento também, as
entrevistadas foram informadas que os dados da pesquisa possivelmente seriam
divulgados em artigo publicado em revista científica.
62
Às participantes foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(APÊNDICE A), onde constaram a sua assinatura e a da pesquisadora. Uma cópia
assinada do termo foi fornecida a cada enfermeira que aceitou participar do estudo,
e outra ficou com a pesquisadora.
As informações obtidas nas entrevistas, gravadas em fita cassete, foram
posteriormente transcritas e guardadas sob os cuidados da pesquisadora; serão
destruídas após o período de cinco anos, contados a partir de janeiro de 2004.
4.3 Sujeitos da pesquisa
Participaram da pesquisa 10 enfermeiras obstétricas que trabalham no centro
obstétrico de um hospital público e de ensino da cidade de Porto Alegre. No hospital
que serviu de contexto de investigação, atuam, no total, 11 enfermeiras obstétricas,
distribuídas nos três turnos (manhã, tarde e noite). Essas profissionais se fazem
presentes em todos os períodos clínicos do parto (dilatação, expulsão, dequitação e
uma hora pós-parto).
Antes do início da coleta de dados, foram realizadas duas entrevistas-piloto, a
fim de aprimorar o instrumento de pesquisa, com enfermeiras obstétricas que não
pertenciam ao contexto de investigação. Essas entrevistas foram posteriormente
descartadas.
Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos na pesquisa foram a
formação em enfermagem obstétrica, a atuação no centro obstétrico do hospital
63
escolhido e uma experiência mínima de dois anos na área (não necessariamente
adquirida nesse hospital).
Foram entrevistadas as 11 enfermeiras obstétricas atuantes no centro
obstétrico, pois todas atenderam aos critérios de inclusão e voluntariamente
aceitaram participar do estudo. Uma falha técnica no gravador utilizado para o
registro das entrevistas, entretanto, acabou por inviabilizar a transcrição de um dos
depoimentos, reduzindo, assim, a amostragem para 10 entrevistas. Na identificação
dos sujeitos, foram atribuídos nomes fictícios para preservar a identidade das
entrevistadas. Além disso, com a mesma finalidade, os dados que caracterizam as
entrevistadas são apresentados em termos grupais, e não individuais.
O grupo de entrevistadas foi composto, na sua maioria, de ex-alunas do
Curso de Graduação em Enfermagem na Escola de Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, no decorrer da década de 80. Sete das entrevistadas
realizaram o curso de pós-graduação em Enfermagem Obstétrica na UFRGS, duas
na Universidade Paulista de Medicina e uma na Escola de Saúde Pública de Porto
Alegre. A grande maioria das entrevistadas concluiu seu Curso de Especialização
em Enfermagem Obstétrica entre 1980 e 1990, sendo que apenas uma entrevistada
o concluiu após o ano de 2000. O tempo médio de atuação na enfermagem
obstétrica da maioria das entrevistadas é de 14 a 18 anos, sendo que o maior tempo
de experiência é de 24 anos e o menor, de três. Grande parte das participantes do
estudo teve experiências em outras áreas de atuação, tais como: UTI neonatal,
alojamento conjunto, docência em enfermagem obstétrica, pediatria, clínica geral,
UTI de adulto e outras.
64
4.4 Coleta de dados
Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas, com a
aplicação de um roteiro flexível de questões como instrumento de pesquisa
(APÊNDICE B).
Como destaca Triviños (1987), a entrevista semi-estruturada decorre de
questionamentos básicos, fundamenta-se em teorias e hipóteses que interessem à
pesquisa, das quais podem surgir novas hipóteses a partir das respostas do
informante.
A utilização de entrevistas semi-estruturadas para a coleta de dados, segundo
Minayo, “trata de aprender sistemas de valores, de normas, de representações de
determinado grupo social” (2004, p. 121).
As entrevistas foram realizadas individualmente no ambiente de trabalho das
enfermeiras, após estas terem sido esclarecidas sobre os objetivos do estudo e
terem assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. Os horários das
entrevistas foram agendados previamente com as enfermeiras e aconteceram,
principalmente, antes ou após o seu turno de trabalho.
As entrevistas foram gravadas em fita cassete e, posteriormente, transcritas
para fins de análise.
65
4.5 Local do estudo
O projeto de pesquisa foi encaminhado para duas instituições hospitalares,
uma pública e outra privada. A intenção inicial era investigar a percepção de
enfermeiras obstétricas sobre sua competência, através de uma abordagem
abrangente, contemplando realidades hospitalares distintas. No entanto, o hospital
privado procurado emitiu parecer desfavorável ao projeto, alegando inadequação de
aspectos éticos e metodológicos. Esse parecer negativo talvez tenha sido
decorrência da diversidade semântica da palavra “competência”, talvez interpretada
em seu sentido jurídico, ou seja, como uma atribuição prevista por lei, o que se
constituiria em uma temática de pesquisa, possivelmente, conflituosa.
Este estudo foi realizado em um hospital público e de ensino vinculado aos
Ministérios da Saúde e da Educação e a uma universidade federal do estado do Rio
Grande de Sul.
Essa instituição hospitalar possui 723 leitos de internação e presta
atendimento a pacientes, na sua maioria, pelo Sistema Único de Saúde. Os
responsáveis por esse atendimento são 3.852 funcionários; desse total, 370 são
enfermeiros, 642 são técnicos de enfermagem e 642 são auxiliares de enfermagem,
distribuídos em 60 especialidades.
A cada ano, esse hospital oferece à comunidade cerca de 550 mil consultas,
27 mil internações, 29 mil cirurgias (entre as quais, 230 transplantes) e 2 milhões de
exames.
Na área de atenção ao parto, à mulher e à criança, realizou no ano de 2005
3971 partos, numa média de 331 nascimentos por mês, sendo que os partos
66
vaginais corresponderam a 65% do total de partos. Como estrutura disponível, conta
com as áreas do centro obstétrico, berçário, alojamento conjunto, UTI neonatal e de
adulto e alojamento conjunto. Presta ainda atendimento ambulatorial a gestantes, a
puérperas e aos neonatos.
A unidade do centro obstétrico, que faz parte do Serviço de Enfermagem
Materno-Infantil do hospital em questão, é uma área fechada, sem circulação livre de
estranhos ao serviço, familiares e visitantes. Esse setor é dividido em uma área
considerada semi-restrita, onde circulam apenas funcionários uniformizados e
familiares com o uso de avental, e outra, considerada restrita, que permite a entrada
de profissionais ou familiares usando vestimenta apropriada para o parto.
A área semi-restrita é composta de uma emergência para triagem das
gestantes e possui uma sala de espera, secretaria, dois consultórios e uma sala de
observação com três leitos. Nessa área, existe ainda uma sala com oito poltronas,
onde são realizados exames que avaliam o bem-estar fetal: monitorização fetal
(eletrônica), ecografia, perfil biofísico fetal, perfil glicêmico, exames de sangue, urina
e outros.O posto de enfermagem e os sete leitos individuais de pré- parto pertencem
também a essa área. A área restrita consta de duas salas de cesárea, três de partos
normais, três salas para reanimar o recém-nascido e uma sala de recuperação, com
quatro leitos, para atendimento pós-parto imediato de cesárea e parto normal.
O Serviço de Enfermagem Materno-Infantil é chefiado por uma enfermeira
professora de um curso de graduação em enfermagem. A unidade de centro
obstétrico possui uma chefia ocupada por uma enfermeira do hospital.
No centro-obstétrico, a equipe de enfermagem é composta por 11 enfermeiras
e 38 técnicas de enfermagem, que atuam divididas nos turnos manhã, tarde e noite.
Os turnos da noite são separados em três noites: noite um, noite dois e noite três.
67
Em cada turno atuam duas enfermeiras, sendo que entre os turnos da manhã e
tarde trabalha mais uma, fazendo o horário intermediário. Nos finais de semana, no
horário diurno, permanece de plantão uma enfermeira. No turno da manhã,
trabalham nove técnicas de enfermagem; no turno da tarde, oito; e sete em cada
turno das três noites.
A equipe médica é coordenada por dois ou três professores de um curso de
graduação em medicina. Essa equipe é composta por dois médicos contratados, três
médicos residentes (R1, R2, R3), um de cada ano de residência em ginecologia e
obstetrícia, e dois acadêmicos de medicina. Atuam também um anestesista e um
residente de anestesia. No atendimento do recém-nascido está presente na sala de
parto um neonatologista e um residente do Serviço de Pediatria procedente da
Unidade Neonatal. Os médicos atuam em plantões de 24 horas, divididos nos turnos
manhã, tarde e noite.
Na secretaria do serviço, atuam duas auxiliares administrativas por turno; na
higienização, duas funcionárias nos turnos do dia e uma no turno da noite.
Nessa instituição, através da mobilização de seus profissionais, são
desenvolvidas ações voltadas para qualificar e humanizar o atendimento à mulher e
a sua família na atenção ao parto. Com essa perspectiva, o hospital detém o título
de Hospital Amigo da Criança, iniciativa do MS que visa a incentivar o aleitamento
materno exclusivo. O hospital desenvolve, também, o estímulo à participação de um
acompanhante à gestante no processo de parturição.
68
4.6 Análise dos dados
Os dados obtidos com as entrevistas foram submetidos à análise de
conteúdo, desenvolvida segundo Bardin (1977). Trata-se de uma técnica de
investigação que busca interpretar o conteúdo das comunicações com uma
descrição objetiva e sistemática do seu conteúdo manifesto (ibidem).
A análise de conteúdo realizada foi do tipo temática, técnica em que o texto é
desmembrado, através de critérios, em categorias temáticas. Foram seguidas as
etapas propostas por Bardin (1977) e apresentadas no Quadro 2, a seguir:
Etapas Descrição
Pré-análise
É a fase da organização do trabalho. O material é preparado, as
entrevistas são transcritas e copiadas. Inicia-se a leitura flutuante dos
dados, em que o pesquisador se deixa invadir por intuições iniciais.
São decididos os próximos passos, como o recorte do texto em
unidades comparáveis, a partir das hipóteses estabelecidas.
Exploração do
material
É a fase em que são aplicadas as decisões tomadas na pré-análise. Ou
seja, as entrevistas são divididas em unidades de significado menores
e reagrupadas de acordo com a similaridade do seu conteúdo.
Interpretação
As unidades de significado, já agrupadas por categorias temáticas, são
comparadas e analisadas dando origem a novas subcategorias. A partir
daí, surgem os temas e sub-temas finais. Nessa última etapa, o
pesquisador busca compreender não somente o que está explícito,
mas também o oculto nas entrelinhas.
Quadro 2 – Etapas para a análise de dados.
Fonte: Bardin (1977).
A análise, seguindo os passos já apresentados, transcorreu da seguinte
maneira: as fitas foram transcritas, seguidas de uma leitura exaustiva do conteúdo
das entrevistas; as entrevistas foram divididas em unidades de significado, sendo
agrupadas em envelopes por similaridade dos conteúdos. O conteúdo desses
envelopes, devidamente categorizados, deram origem aos temas e sub-temas
analisados na pesquisa.
69
5 TEMAS GERADOS DO PROCESSO DE ANÁLISE
Este capítulo apresenta os três grandes temas que emergiram do processo de
análise, e os subtemas que os constituem.
TEMAS SUBTEMAS
Competência técnica: conhecimento científico e experiência
Competência humanizadora
Intuição
A competência
da enfermeira
obstétrica
A competência da relação
Curso de Especialização e competência para atender ao parto normal
A construção da
competência
O espaço para a construção da competência
“Podemos fazer o parto tão bem quanto o médico!”
“O nosso papel é o cuidado!”
Competência
e âmbito
Utopia e Competência
Quadro 3 – Temas e subtemas gerados no processo de análise.
A seguir, será apresentada a análise do conteúdo destes temas e subtemas.
5.1 A competência da enfermeira obstétrica
A noção de competência na atenção ao parto normal que emerge das falas
das enfermeiras entrevistadas é construída através da associação de quatro
competências de âmbito mais específico: a competência técnica, a competência
humanizadora, a intuição e a competência de relação.
A primeira categoria – conhecimento e experiência – parece corresponder em
grande medida ao senso comum do que vem a ser um profissional competente e
70
apareceu na maioria das entrevistas, revelando uma visão da competência em que
se destaca o saber-fazer em relação aos procedimentos. As demais categorias
podem ser entendidas a partir dos conceitos mais amplos de competência presentes
na literatura – saber-fazer bem ou ainda saber-ser, expressão proposta por Rios
(2003a).
Perrenoud (1999) destaca o que chama de dupla face da competência: as
competências não funcionam isoladamente, mas se mobilizam entre si. De acordo
com o autor, essa característica da noção de competência torna difícil a elaboração
de listas fechadas de competências. Assim, as quatro competências mencionadas,
ao mobilizarem-se mutuamente durante o desempenho profissional, devem ser
entendidas como constituintes de uma totalidade.
Por isso mesmo, Rios (2003a) prefere abandonar o uso da expressão
“competências” – no plural – adotando unicamente a expressão “competência” – no
singular. Assim, competência designa somente a maneira de mobilizar os recursos e
expressa “uma totalidade que abriga em seu interior uma pluralidade de
propriedades” (2003a, p. 86) ou um “conjunto de saberes e fazeres de boa
qualidade” (RIOS, 2003a, p. 88). Há uma ênfase na totalidade da competência, e as
“competências” passam a ser entendidas como dimensões de uma só competência.
Embora nesta parte da análise se adote a terminologia competências
juntamente com suas implicações teóricas – compartilha-se do pensamento de Rios
(2003a) quanto à totalidade da competência. Assim, considera-se que a
competência profissional da enfermeira obstétrica – mesmo ao mobilizar, em seu
funcionamento, uma grande gama de competências específicas – deve ser
entendida como uma totalidade.
71
Assim, as categorias de competências apresentadas a seguir são apenas
elementos da noção de competência das enfermeiras entrevistadas. A competência
– a maneira de mobilizar esses elementos – é intangível. Como coloca Perrenoud
(1999), esta só pode ser estudada através de seus componentes observáveis. A
ordem de apresentação das competências da enfermeira obstétrica na atenção ao
parto normal hospitalar corresponde à freqüência com que apareceram nas
entrevistas.
5.1.1 Competência técnica: conhecimento científico e experiência
A competência da enfermeira obstétrica mais enfatizada nas entrevistas foi a
técnica, que relaciona a competência com o saber técnico da enfermagem.
Por exemplo, nas falas abaixo, as enfermeiras respondem à pergunta "Que
competência a enfermeira obstétrica precisa ter para atender com eficácia a mulher
na atenção ao parto normal no hospital?". Buscou-se, com essa pergunta, subsídios
para explorar o entendimento dessas profissionais sobre o que é competência no
âmbito da atenção de enfermagem ao parto normal.
Bom, tem que ter conhecimento de anatomia, da fisiologia, do que
está acontecendo, ter experiência e habilidade técnica (Viviane).
[Tem que ter] conhecimento, anatomia, fisiologia e praticar, treinar
para poder ter habilidade, ter experiência para realizar com
segurança e passar isto para a paciente (Amanda).
De acordo com os depoimentos, a enfermeira competente é aquela que
possui, além de um saber teórico e científico, um conhecimento prático que permite
um bom desempenho em relação aos procedimentos do serviço. Competência,
72
nesse sentido, diz respeito exclusivamente à prática da enfermagem e aos
conhecimentos tradicionalmente associados a essa prática. Pelos menos a princípio
não se revela preocupação com outras competências, por exemplo, a competência
em refletir criticamente sobre a própria prática.
Carla também enfatiza a importância dos saberes práticos em sua concepção
de competência:
Além do conhecimento científico, tu tens que ter o básico, a
experiência do dia-a-dia, tu vais aprendendo com o tempo. Eu acho
que tem que ter conhecimento, tu tens que ter destreza, tu tens que
ter agilidade, é muito importante, tem que ser muito ágil. Obstetrícia
não pode demorar, eu não tenho tempo às vezes de sondar, eu não
posso demorar a puncionar, eu não posso errar [...] (Carla).
A entrevistada coloca que a experiência profissional é o "básico", ou seja,
requisito fundamental da competência técnica. Essa percepção está de acordo com
as indicações de Perrenoud (1999) sobre a relação entre experiência profissional e a
aquisição da competência. O autor argumenta que os conhecimentos, ao serem
mobilizados repetidamente no confronto com situações profissionais, propiciam o
desenvolvimento da competência, no caso, da competência técnica. Contudo,
Perrenoud também esclarece que competência não é possuir conhecimentos, ou
ainda, os saberes práticos ligados aos procedimentos da enfermagem, mas “julgar
sua pertinência em relação à situação e mobilizá-los com discernimento” (1999, p.
10). Assim, por exemplo, "puncionar" de forma ágil é uma atuação competente
somente se o procedimento for aplicado com discernimento.
A tendência de muitas entrevistadas foi a de valorizar quase unicamente a
competência técnica, como se esta fosse a única dimensão da sua competência
profissional. Como coloca Rios (2003a), a competência técnica é de fato o substrato
onde se desenvolvem as demais competências, porém a competência profissional
73
consiste na mobilização simultânea de uma diversidade de saberes de qualidade e
não pode ser unidimensional.
A idéia de que a competência profissional está restrita apenas ao saber
técnico aproxima-se da noção de qualificação, tal como descrita por Plantamura
(2003). Para o autor, a qualificação “limita-se a um ponto de vista mais técnico,
valorizando a experiência profissional” (2003, p. 31), enquanto a competência é
“multidimensional: incorpora dimensões de ordem subjetiva, psicossocial e cultural”
(2003, p. 31). Ou seja, as entrevistadas aqui parecem estar se referindo ao
desenvolvimento de uma dimensão específica da sua competência, relacionada com
o saber-fazer.
A pesquisa conduzida por Almeida (2004) com discentes e docentes de um
curso de graduação em enfermagem com o objetivo de identificar e contextualizar
suas concepções sobre competências na enfermagem apresentou resultados
semelhantes, em que a dimensão técnico-científica aparece supervalorizada. A
autora acrescenta que essa tendência evidencia o quanto a formação do futuro
enfermeiro valoriza o saber fazer e é ainda nele centrada.
Nesse sentido, Meyer coloca que:
o modelo tecnicista de ensino tem permeado a enfermagem desde
sua estruturação enquanto profissão, se considerarmos a ênfase no
fazer, na racionalidade, na eficiência e na produtividade [...] (1992,
p. 177).
As enfermeiras obstétricas entrevistadas, ao enfatizarem o aspecto técnico-
científico, refletem não somente as características da sua formação, mas também a
própria estrutura de saúde vigente nos hospitais. A rotina do serviço nos hospitais
exige da enfermeira obstétrica a realização de uma série de tarefas na realidade
desvinculadas entre si, incluindo-se aí tarefas administrativas. Nesse contexto, ser
74
“competente”, ser qualificado, é estar apto a desempenhar eficazmente o seu papel
nesse sistema, sem uma visão abrangente ou transversal.
Quando as enfermeiras mencionam “conhecimento e experiência”, referem-se
à competência técnica requerida para exercer o seu papel no serviço, dentro da
lógica específica do parto hospitalar. No entanto, questionar e transformar esse parto
irá exigir necessariamente a construção de outras competências.
5.1.2 Competência humanizadora
Emerge das entrevistas uma concepção de competência em enfermagem
obstétrica subsidiada pela noção de cuidado humanizado. Nesse sentido, para
algumas entrevistadas, enfermeiras obstétricas competentes seriam aquelas que
conseguissem aliar habilidades técnicas com habilidades humanizadas.
Em muitas entrevistas, a ênfase conferida ao saber-fazer é acompanhada de
um igual destaque à competência para saber-fazer de maneira humanizada. Tal
ênfase parece estar relacionada a uma busca de sentido para o trabalho da
enfermeira obstétrica na atenção ao parto normal. Como argumenta Rios (2003a), a
competência técnica – saber-fazer – carece de sentido se não for orientada por uma
dimensão ética, ou seja, algo que responda à pergunta para que fazer?
Em sua fala, Anita indica a importância de a competência técnica ser
acompanhada da humanização:
O parto é [...] um momento único, independente de ser a décima
gesta [...]. Relacionar a técnica à teoria com uma prática
humanizada, este é o grande desafio e uma competência que tem
que ter (Anita).
75
A entrevistada, com essa afirmação, denota valorizar a importância da
individualidade de cada mulher em cada trabalho de parto, além de destacar esse
valor como um indicador de uma prática obstétrica humanizada e, por isso,
competente.
Já não se trata simplesmente de superar a dicotomia entre técnica e teoria,
mas de fazê-lo com um propósito: a prática humanizada. Na atenção de
enfermagem ao parto normal, a competência técnica não se basta por si mesma,
mas deve ser associada à competência humanizadora. De acordo com o MS:
reconhecer a individualidade é humanizar o conhecimento. Permite
ao profissional estabelecer com cada mulher um vínculo e perceber
suas necessidades e capacidade de lidar com o processo do
nascimento (BRASIL, 2003, p. 10).
Os depoimentos a seguir descrevem o que as enfermeiras obstétricas, que
valorizam a competência humanizadora como elemento de uma competente atenção
de enfermagem ao parto normal, entendem por humanização.
Eu acho que a gente tem que juntar a bagagem toda teórica que a
gente tem, aproximar da prática e juntar a tudo isto, também, a
questão do respeito. O respeito [...] a essa mulher que está
vivenciando um período único, só dela, que vai se deparar com um
ambiente desconhecido. Acho que entra, assim, o respeito, a
empatia e bom senso, a fuga das rotinas (Viviane).
Acho que o humanismo, tu teres paciência, ter calma e psicologia
com aquela paciente. [...] Tu te colocares no lugar da paciente e ver
que aquele momento que ela está passando é bem difícil e que tu
tens que orientar, tens que estar ali e ajudar. Isto tudo é a
competência da enfermeira obstétrica que está ali junto [...]
(Amanda).
O argumento que parece perpassar esses depoimentos vai na direção de
questionar o modelo hegemônico de atendimento ao parto, tecnocrático e impessoal,
e de valorizar um cuidado mais dirigido às necessidades individuais. De acordo com
Zoboli (2004), o cuidado apresenta-se como uma idéia que desafia os sistemas de
pensamento racionalistas e impessoais, detentores de abrangente ascendência
social, ética e política. O modelo tecnocrático da atenção ao parto corresponde à
76
descrição – racionalista, impessoal, amparado pelo processo histórico da
medicalização. Zoboli conclui que o cuidado “apóia sua visão da condição humana
na capacidade das pessoas importarem-se com os outros, com as coisas, com a
comunidade, com uma trajetória de vida ou consigo próprias” (2004, p. 27). Assim, a
noção de competência para cuidar a mulher em trabalho de parto que é destacada
nas falas acima tem o potencial de contradizer – por sua abordagem pessoal – o
modelo tecnocrático, humanizando-o.
As rotinas inflexíveis são reconhecidas na literatura como um fator de
desumanização – de “coisificação” – da assistência, usando a expressão proposta
por Deslandes (2004). O bom senso e a “fuga das rotinas”, que devem resultar no
reconhecimento da individualidade e no respeito pela mulher em trabalho de parto,
aparecem como atributos importantes para a definição de uma competência em
enfermagem obstétrica caracterizada como humanizadora.
É importante destacar – mesmo não sendo o objetivo central desta exposição
– que as entrevistadas, quando solicitadas a descrever suas práticas, enfatizaram
aspectos como o aleitamento precoce e a participação de familiares durante o parto.
Essas práticas – integrantes do ideário da humanização do cuidado – já fazem parte
do dia-a-dia das entrevistadas, e muitas manifestam a percepção de que esse seria
o aspecto mais relevante de suas atuações profissionais. Mesmo assim, foi possível
identificar, nas entrevistas, uma certa consciência dos limites e contradições de uma
prática de enfermagem obstétrica no contexto hospitalar que se propõe
humanizadora. Um exemplo disso é a intenção, às vezes frustrada, de permitir à
mulher em trabalho de parto uma certa autonomia.
A gente, às vezes, prega que a mãe tem autonomia, tem sua
escolha, mas a restringe em cima de uma cama. Então, a gente tem
que estar sempre reavaliando estas condutas, estas situações e
atitudes (Viviane).
77
As tradicionais rotinas da obstetrícia, preestabelecidas independentemente da
parturiente, e a própria estrutura tecnocrática, como já foi destacado, emergem como
obstáculos às iniciativas humanizadoras. Como enfatiza Zampieri (2001), a premissa
da humanização é a compreensão de que a parturiente deve ser o foco, e não o
conjunto de rotinas do atendimento.
Na reflexão sobre os limites da competência humanizadora em enfermagem
obstétrica, também é destacada a influência da definição de parto normal no
contexto hospitalar na concepção de cuidado que nele tem vigorado. A idéia de que
o parto não precisa ser necessariamente patológico e, portanto, passível de
intervenção, leva Carla a posicionar-se contra a atenção ao parto que é
desenvolvida na instituição onde trabalha.
Não sou a favor do nosso parto que a gente faz aqui; a gente o
transformou numa patologia, é uma coisa atípica (Carla).
Como enfatizado na literatura (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996),
a humanização do parto considera o pressuposto de que ele é, em princípio, um
processo saudável e pessoal, que tem como figura central a mulher. A
transformação do parto em um fenômeno que foge à normalidade e a sua
conseqüente patologização e atendimento prioritariamente intervencionista
(elementos que hoje caracterizam o parto normal institucionalizado) aparecem no
depoimento de Carla como uma realidade vivenciada no cotidiano de trabalho.
Apesar de incluir-se como co-responsável pela transformação do parto normal em
patológico, a enfermeira posiciona-se contra esse tipo de modelo de atenção,
embora sem apresentar alternativa para que tal modelo seja transformado.
78
5.1.3 Intuição
Outra forma de entender competência em enfermagem obstétrica, que
emergiu das falas das entrevistadas, é a noção de competência como intuição,
identificada através de expressões como “feeling”, “sexto sentido” e “olho clínico”. A
palavra feeling é usada no vocabulário inglês em vários sentidos, entre esses,
sensação, impressão, percepção ou intuição (FEELING, 2000). Os depoimentos a
seguir demonstram o sentido com que as entrevistadas empregam alguns desses
termos.
Acho que o conhecimento teórico nos respalda. Acho que, na
prática, se desenvolve o feeling, que nos dá segurança, sustentação
(Anita).
Eu sempre digo pras gurias que a gente tem um sexto sentido tão
grande [...], que eu, olhando e avaliando todo o estado da paciente,
eu sei se vai nascer ou não vai nascer, se está no período expulsivo,
se não vai dar tempo pra eu levá-la daqui para a sala de parto
(Carla).
A referência ao sexto sentido ou ao feeling como definidor de competência
indica que, para algumas das entrevistadas, há uma relação entre “ser competente”
e ser capaz de obter um conhecimento imediato rápido sobre determinada situação
de trabalho, a partir de uma rápida observação. A ênfase no conhecimento intuitivo,
apontado nas entrevistas através do destaque conferido à intuição, destoa do
caráter racional do processo de análise das situações que envolvem o cuidado, o
que tradicionalmente caracteriza a formação das enfermeiras (SILVA; BALDIN;
NASCIMENTO, 2003). Para essas autoras, o conhecimento intuitivo é a “tomada de
decisão sem o recurso do processo analítico consciente”, acrescentando que “o
conhecimento atribuído à intuição é aquele baseado no reconhecimento de um
padrão global, de totalidade, a partir de informações complexas” (ibidem, p. 7). O
79
estabelecimento e reconhecimento desse padrão, que se origina da prática ou da
experiência rotineira, é enfatizado por Júlia.
O que acontece comigo é assim, eu tenho anos de prática, então, as
coisas pra mim já são muito fáceis, porque eu tenho aquele olho
clínico, eu vejo se já vai nascer, se vai demorar. Eu não preciso
tocar para saber se está em OS [Occipito Sacro]. Só de estar ali do
lado e pelo tempo que está demorando e pelo tipo de força , eu já
sei (Júlia).
Júlia sugere, assim como Carla, que é possível, para uma profissional com
prática, apreender vários aspectos da situação da parturiente sem que, para isso,
seja necessário desenvolver uma análise consciente da sua condição. O argumento
de Júlia parece ir na direção da possibilidade de que essa apreensão seja
instantânea, sem a necessidade de recorrer a tecnologias de diagnóstico, como o
toque, por exemplo. O conceito de automatização, presente no referencial teórico
sobre competência, pode contribuir para a compreensão dessa noção de
competência. De acordo com Perrenoud, “no estágio de sua gênese, uma
competência passa por raciocínios explícitos, decisões conscientes, inferências e
hesitações, ensaios e erros. Esse funcionamento pode automatizar-se
gradativamente [...]” (1999, p. 24). O autor acrescenta que, “por ser muito
competente é que um especialista pode resolver rapidamente certos problemas
simples, sem precisar pensar, integrando de forma ágil uma impressionante série de
parâmetros” (1999, p. 26).
O requisito para a automatização, para Perrenoud, é “uma fortíssima
redundância de situações semelhantes” (1999, p. 25), ou seja, uma grande
experiência prévia com uma certa situação. A fala de Anita, abaixo, sugere que essa
redundância que advém de experiências repetidas também pode resultar de
situações vivenciadas pelas enfermeiras enquanto parturientes.
Olha, o que eu vejo, não só a experiência como enfermeira, mas por
ter tido filho também. Acho que isso se junta muito, e tu vês várias
80
situações e, com o tempo, tu vês várias coisas. Tu vais vendo como
as coisas evoluem, então, tu desenvolves aquela coisa do feeling
(Anita).
O depoimento a seguir, de Carla, demonstra a importância que a intuição
adquire na prática diária das enfermeiras obstétricas entrevistadas e por que ela é
associado à noção de competência – mesmo se a competência for considerada em
sua acepção comum, como um saber-fazer.
Quando tu vês uma bradicardia fetal importante e tu já sabes que vai
ser uma cesariana, tu tens que esperar [o médico] dizer: Ora, vai ser
cesárea! Mas nisso, nós já estamos com tudo na porta esperando,
com soro na mão, porque a gente já sabe o que vai ser (Carla).
De acordo com Silva, Baldin e Nascimento (2003), a intuição vem recebendo
atenção e afirmando-se como um padrão de conhecimento válido pela produção
acadêmica norte-americana de enfermagem nas últimas duas décadas. Entretanto,
embora o trabalho dessas autoras tenha demonstrado que o conhecimento intuitivo
ocupa um lugar importante na prática da enfermeira em geral, também no Brasil,
elas afirmam que a produção de conhecimento sobre o tema no país, em especial no
campo da enfermagem, é quase inexistente.
5.1.4 A competência da relação
Outra concepção de competência valorizada pelas entrevistadas foi a
competência em relacionar-se com outras pessoas. Para as entrevistadas, a
competência relacional refere-se tanto à interação com a parturiente – já enfatizada
na categoria sobre humanização – quanto à interação com a equipe de saúde.
81
Cláudia enfatiza, a seguir, a competência em relacionar-se com os outros
profissionais de saúde:
Acho que a gente tem que ter uma boa competência, no sentido de
relacionamento, confiança da equipe médica, dos próprios
funcionários (Cláudia).
As práticas de saúde constituem-se – de acordo com Fernandes et al. (2003)
– num processo de interação social e devem ser analisadas não apenas do ponto de
vista do conhecimento técnico-científico e da sua mobilização, mas também das
emoções e sentimentos, o que aponta para a importância da competência
interpessoal como elemento dessas práticas.
Não basta, como acrescentam Fernandes et al., a técnica correta, o
procedimento correto – “é necessário algo mais: o emocional, o interpessoal e o
organizacional se interexpressando” (2003, p. 213). Assim, os autores apontam que
a competência interpessoal reside na capacidade de identificar, mobilizar e pôr em
prática os conhecimentos científicos pertinentes no momento certo, em uma situação
concreta, em um determinado contexto organizacional – sujeito a variações
conjunturais em função de espaço, tempo, hierarquia, graus de autonomia – que
nem sempre foram ensinados em sala de aula ou abordados nos livros. De acordo
com Viviane:
Manter uma boa relação com o grupo de trabalho, para que este
grupo seja uniforme, e atenda aquela paciente, todas, assim, com o
mesmo objetivo. [...] Acho que, em relação aos nossos colegas
profissionais obstetras, também, a gente tem que se posicionar em
certos momentos, mas com muito jogo de cintura, muita perspicácia.
Acho que volta o respeito, cada um tem a sua formação, porque a
gente não tem só uma formação acadêmica, universitária, mas a
gente tem uma escala de valores e cada um vem de uma família, de
uma história, e isto tu levas junto, né? (Viviane).
A entrevistada refere-se à complementação não somente entre as diferentes
formações, mas também entre as diferentes trajetórias de vida. A competência
depende de “jogo de cintura”, perspicácia, de entender as características do outro.
82
De acordo com Munari e Bezerra, o profissional que desenvolve a sua competência
interpessoal “deixa de olhar apenas para si, podendo tornar-se capaz de
compreender a complexidade das relações entre os seres humanos” (2004, p. 485).
De acordo com Urbanetto e Capella, “desenvolver estas competências exige
um grande investimento da enfermeira, pois implica a revisão de conceitos e práticas
amplamente utilizadas na área da saúde” (2004, p. 452). Os autores acrescentam
que é responsabilidade dos cursos de graduação “favorecer o aprofundamento da
questão relacional como uma das atribuições da enfermeira obstétrica na liderança
de uma equipe de trabalho” (2004, p. 452), pois tal atuação exige um conhecimento
específico por vezes negligenciado na formação.
Outro contexto em que essa competência é mencionada pelas entrevistadas é
a relação com as parturientes. Amanda coloca a importância dessa competência e
evidencia a sua mobilização com a competência humanizadora:
O mais importante é tu ficares ao lado da paciente e mostrares que
tu estás entendendo a dor dela [...]. Se colocar ao lado da paciente
[...], sempre procurar atender bem. Muitas vezes, elas agradecem a
todos nós: ‘ah, fui muito bem atendida’. Não! É nossa obrigação, não
tem que agradecer (Amanda).
A competência da relação é essencial para humanizar a atenção ao parto na
medida em que contribui para a melhoria do atendimento. É um exemplo da
transversalidade do conceito de competência: a competência da relação permeia
toda a atividade da enfermeira obstétrica na relação com os colegas profissionais,
com as parturientes e com os familiares. De acordo com Urbanetto e Capella:
quanto à enfermeira, por seu papel desenvolvido frente ao
gerenciamento, não só de recursos materiais e estruturais, mas
também das relações interpessoais no interior das instituições de
saúde, faz-se mister que busque, incessantemente, atualizar-se e
instrumentalizar-se, no sentido desenvolver competências
necessárias para que ocupe, definitivamente, o lugar de destaque e
o espaço ainda existente no campo da intersubjetividade (2004, p.
451).
83
Os dados analisados neste capítulo, referentes à maneira como as
enfermeiras obstétricas entendem a competência da enfermeira na atenção ao parto
normal e as diversas dimensões dessa competência, sugerem que as participantes
da pesquisa têm uma noção de competência no âmbito da sua prática obstétrica que
se aproxima do que é preconizado na literatura.
As categorias que emergiram das entrevistas coincidem em grande medida
com o que Riesco e Tsunechiro (2002) propõem como competências da enfermeira
obstétrica. Dentre as cinco competências mencionadas pelas autoras, uma
aproxima-se bastante do já apresentado nos capítulos sobre a competência da
enfermeira obstétrica: “articulação entre observações clínicas, conhecimento
científico, habilidade técnica e julgamento intuitivo na tomada de decisões” (2002, p.
457). Pode-se observar que essa competência coincide amplamente com a opinião
das entrevistadas sobre a relação entre competência técnica e intuição.
Outras competências mencionadas por Riesco e Tsunechiro que coincidem
com o mencionado pelas entrevistadas são as seguintes: "compreensão do
fenômeno da reprodução como singular, contínuo e saudável, no qual a mulher é o
foco central, e que se desenvolve em um determinado contexto sócio-histórico" e
"desenvolvimento do processo assistencial e educativo, com base na interação e
parceria, possibilitando às pessoas envolvidas tomarem suas decisões de saúde"
(2002, p. 457). A ênfase dada pelas entrevistadas à necessidade de mobilização
dessas competências para a humanização é evidente, embora apontem fatores que
limitam essa mobilização.
Outra competência das enfermeiras obstétricas destacada pelas autoras é a
valorização do saber e da atuação interdisciplinares (RIESCO; TSUNECHIRO,
2002). Essa competência também é lembrada pelas entrevistadas quando se
84
referem à importância da competência na relação com os demais profissionais de
saúde.
Riesco e Tsunechiro (2002) apresentam ainda uma última competência:
desenvolvimento das atribuições profissionais com base na responsabilidade ético-
política e autonomia profissional. No entanto, nas entrevistas não há referência
explícita a esta competência. Rios chama essa dimensão da competência de ética-
política e considera que a competência profissional é uma totalidade técnica-ética-
política (2003b). Assim, ele coloca:
A competência se revela na ação – é na prática do profissional que
se mostram suas capacidades, que se exercitam suas
possibilidades, que se atualizam suas possibilidades. [...] Assim, a
dimensão técnica é o suporte da ação competente. Sua significação,
entretanto, é garantida somente na
articulação com as demais
dimensões – não é qualquer fazer que pode ser chamado de
competente (RIOS, 2003a, p. 88).
Para a autora, a ética refere-se a um para que fazer? e possui um caráter de
reflexão. Assim, quando Carla diz “não gosto do parto que nós fazemos aqui”,
estabelece de fato uma reflexão de caráter ético – para que faço isso, se não é bom
para a mãe? – mesmo que não mencione isso diretamente como uma competência.
A perspectiva ética surge da consideração sobre o bem comum. Porém, sem a
política – uma perspectiva de realização efetiva desse bem comum –, a ética não faz
sentido.
As críticas das entrevistadas à questão da humanização do parto, por
exemplo, podem ser entendidas como considerações relacionadas com a ética –
mesmo que não claramente evidentes. A preocupação que emerge das entrevistas
com a humanização da atenção ao parto parece ser um indício da presença de uma
dimensão ética na competência profissional das enfermeiras entrevistadas. No
entanto, a relativa ausência de compromisso prático com transformações do modelo
85
tecnocrático de atendimento à parturiente parece indicar a necessidade de
desenvolvimento de uma competência política.
5.2 A construção da competência
Para as entrevistadas, enfermeiras obstétricas desenvolvem sua competência
para atender ao parto normal em dois contextos distintos: no curso de
especialização e na própria experiência profissional. Em ambos os contextos,
contudo, existem fatores que limitam este desenvolvimento.
5.2.1 O curso de Especialização e a competência para atender ao parto normal
A análise das falas das enfermeiras obstétricas entrevistadas sugere que para
a maioria delas o curso de especialização não desenvolveu, o suficiente, sua
competência para atender ao parto normal. Para Júlia, por exemplo, o curso serviu,
apenas, para legitimar uma competência que, na verdade, não foi desenvolvida:
Até aproveitaria para dizer que o curso de especialização me deu
muito pouco, me deu o título, que sem o qual eu não poderia estar
aqui dentro e não me deu mais nada além disso [...] (Júlia).
Júlia reforça seu argumento sobre a incapacidade do curso para promover o
desenvolvimento da sua competência para atender ao parto normal citando como
evidência o número de partos que teve oportunidade de realizar, um número,
segundo ela, insuficiente.
86
O que eu tive que fazer para ganhar este título não chegou a dez
partos, então, se eu fosse me basear só nisso eu não teria
competência nenhuma, não teria conhecimento suficiente, nem
teórico, nem prático. Eu espero que o currículo tenha mudado [...].
Acho que para receber um título de especialista é muito fraco. Tinha
muita coisa para mudar em termos de currículo nesta especialização
(Júlia).
Para Júlia, este número reduzido de experiências de parto resultou em um
curso que ela chama de “fraco”, em função da conseqüente insuficiência de
aprendizagem teórica e prática que ele propiciou. A falta de uma relativização das
“insuficiências” do curso exemplificada na idéia de que este não lhe “deu mais nada
além...” do título parece denotar que havia a expectativa de que a especialização lhe
daria “tudo” o que precisava para adquirir a competência esperada.
No depoimento de Júlia é possível destacar: o viés tecnicista do curso de
especialização que ela freqüentou – voltado para a realização do parto; a percepção
de competência da entrevistada, também tecnicista, voltada para a realização de
procedimentos; a insuficiência do curso para desenvolver esta dimensão da
competência, e a frustração das expectativas da entrevistada, pois pretendia que o
curso desenvolvesse a sua competência para o parto.
O depoimento de Júlia sugere que existe uma contradição entre a ênfase
tecnicista do curso e a sua insuficiência em desenvolver a habilidade técnica. Aliás,
esta é uma contradição presente também na graduação em enfermagem.
Nascimento et al. (2003) comenta que a partir da elevação do curso de enfermagem
ao nível superior – em dezembro de 1961 – ocorreu uma maior valorização dos
saberes teóricos, enquanto a prática passou a ser realizada em medida percebida
com insuficiente para o desenvolvimento da esperada destreza manual. Até então, a
formação de enfermeiras, direcionada para a “aquisição de prática, destreza manual,
poder de observação, iniciativa e presteza de julgamento” (NASCIMENTO et al.,
2003, p. 448), de acordo com os princípios do Sistema Nightingale, consistia em um
87
curso de três anos, em que a instrução teórica e prática acontecia ao longo das oito
horas de serviço diário prestadas pelas alunas.
Tendência semelhante existe nos cursos de pós-graduação em enfermagem
obstétrica, onde freqüentemente a prática consiste em um bloco no final do curso, o
que dificulta a sua relação com o bloco teórico. Como argumenta,
uma das mais complexas questões pedagógicas é a relação entre
teoria e prática. As práticas em laboratórios e os estágios nos finais
dos cursos não superam essa dicotomia. [...] Não há mais tempo
para discussão, reflexão e retomada do processo de aprendizagem
[...] (NASCIMENTO et al., 2003, p. 448).
Na análise da noção de competência que predomina entre as enfermeiras
entrevistadas, desenvolvida anteriormente, foi destacado como esta noção é
baseada numa dicotomia entre teoria e prática. A percepção das entrevistadas
sobre os cursos de especialização em enfermagem obstétrica onde se formaram
sugere que esta dicotomia entre o saber teórico e o prático também orientou o
modelo de formação obstétrica, do qual foram sujeitos.
A fala de Amanda reforça o depoimento de Júlia, apresentado anteriormente,
e faz uma análise das dificuldades resultantes das deficiências percebidas na
formação obstétrica.
Para eu me formar, sendo bem sincera, eu realizei na prática um
parto. E então, isso apagou... uma única experiência. Tu achas que
eu vou sair por aí fazendo partos? Por aqui tu vê, que os residentes
fazem quantos, e acho que todos os dias eles estão aprendendo e
adquirindo mais experiência. Não digo conhecimento, acho que isso
eles trazem, mas a experiência a cada paciente e a cada situação. E
aí fica mais fácil para dizer que isso não te compete, porque tu te
respalda e te proteges, porque é maravilhoso e eu amo de paixão o
CO, mas é muita responsabilidade. Imagina tu fazeres um parto lá e
sair qualquer coisa (Amanda).
A entrevistada reforça a percepção de que a formação técnica oferecida é
insuficiente, e salienta que essa insuficiência é um fator limitador para a sua
atuação. O resultado é a insegurança e o medo, reforçados por um senso de
responsabilidade: “imagina tu fazeres um parto lá e sair qualquer coisa” (Amanda).
88
Neste sentido, o campo de prática, possibilidade para o desenvolvimento da
competência que o curso de especialização deixou de formar, em princípio
disponível para a enfermeira no seu dia-a-dia de trabalho, é ocupado por outros
sujeitos, no caso do depoimento de Amanda, por residentes. Na análise da situação,
Amanda parece concluir que a consciência da falta de competência para o
atendimento ao parto normal por parte da enfermeira obstétrica resulta numa
estratégia de autoproteção – a negação da legitimidade do seu espaço e papel no
atendimento ao parto normal.
Para Isabel, a competência que deveria ter sido desenvolvida no curso de
especialização não tem apenas a ver com o número de partos realizados durante o
curso de especialização, mas, também, com a experiência de identificação de
distócias. A fala de Isabel é perpassada por uma preocupação com a possibilidade
de um parto normal passar a distócico e a responsabilidade que a enfermeira
assume nestas circunstâncias.
Acho que na nossa especialização, nós fizemos muito poucos
partos. Acho que quanto mais partos tu realizares, vai te sentir mais
tranqüila, adquirindo a habilidade técnica mesmo que tem que ter.
Isso só vai se conseguir, fazendo. Ela tem que saber identificar
também, o momento de pedir ajuda, porque daqui a pouco ela vai
realizar um parto que pode virar uma distócia, né? (Isabel).
A análise das falas das enfermeiras entrevistadas sugere, na sua percepção,
o curso de especialização em enfermagem obstétrica não contribuiu para o esperado
desenvolvimento da sua competência técnica, sendo percebido mais como uma
formalidade ligada à sua inserção na carreira profissional. Parece que ao não
desenvolverem esta competência da forma esperada, as enfermeiras obstétricas não
se sentem seguras para realizar os procedimentos quando inseridas no mercado de
trabalho. Ao mesmo tempo, a estrutura vigente de atendimento ao parto, centrada
no profissional médico, também não exige delas o desenvolvimento pleno desta
89
competência – principalmente em relação ao período expulsivo. Assim, embora
estimuladas pelas lacunas da sua formação a buscarem um desenvolvimento, não
encontram estimulo ou espaço para tanto no mercado de trabalho.
Nem todas as entrevistadas reconhecem como completamente deficientes as
experiências de aprendizagem proporcionadas pelos cursos de especialização.
Cláudia, por exemplo, valoriza o que aprendeu no curso, destacando a importância
desta aprendizagem na sua comunicação e relação profissional com o médico.
Neste sentido, Cláudia parece entender que a função da formação obstétrica não é
propriamente ensinar ou praticar procedimentos, mas fornecer algum conhecimento
sobre o parto para que esta comunicação aconteça. Para Cláudia, o papel do curso
de especialização na construção da competência da enfermeira obstétrica para
‘fazer o parto’ parece não ser tão importante quanto na construção da sua
competência para compreender o que o médico “faz”.
Eu sinto que a pessoa que tem formação obstétrica, enxerga um
pouco mais além, tem que tu aprendeste mesmo nas aulas, tu tens
mais embasamento. Até para colocar alguma coisa para o médico,
também, para discutir a altura algumas coisas. Nem tudo, tem muita
coisa que eu não, então eu pergunto. Acho que a formação te dá um
diferencial bem grande, porque tu tens mais noção quando o médico
fala do toque, tu já fizeste, então tu tens mais noção do que ele está
falando, se o colo está grosso, fino ou posterior. Acho que a colega
que não tem essa formação obstétrica, não consegue, muitas vezes,
visualizar o que o médico está dizendo ou o que está acontecendo
(Cláudia).
Para a entrevistada, a função da formação obstétrica específica não é
capacitar as enfermeiras para a realização dos procedimentos como o toque, mas
sim permitir que a profissional obstétrica acompanhe o trabalho do médico –
“visualizar o que o médico está dizendo ou o que está acontecendo” (Cláudia).
Assim, a formação específica possibilitaria à enfermeira obstétrica ser uma
coadjuvante mais eficaz do trabalho do médico, principalmente durante a atenção ao
período expulsivo.
90
Pelo que se pode deduzir, a partir das falas das enfermeiras obstétricas
entrevistadas, os cursos de especialização que freqüentaram não conseguiram
cumprir o papel que lhe é, atualmente, atribuído: a inserção de enfermeiras no
atendimento direto ao parto, visando sua humanização.
5.2.2 O espaço para a construção da competência
As competências profissionais têm seu desenvolvimento privilegiado, de
acordo com Perrenoud, “na medida em que as situações de trabalho [...]
reproduzem-se dia após dia [...]. As competências de uma pessoa constroem-se em
função das situações que enfrenta com maior freqüência” (1999, p. 29).
A construção da competência depende necessariamente do confronto
continuado com certas situações, coloca Perrenoud (1999), seja durante a formação,
seja no mercado de trabalho. Por outro lado, se um profissional não está
familiarizado com uma certa situação, a possibilidade de um desempenho
competente é reduzida.
Nas entrevistas, transparece a preocupação de algumas das enfermeiras em
relação à falta de oportunidade de confrontar-se com certas situações. Por exemplo,
situações em que a enfermeira tenha autonomia para realizar a avaliação obstétrica
através do toque vaginal. De acordo com Amanda:
Desde que eu vim para o CO, estas coisas [o toque], quem realizava
eram os obstetras. Muitas vezes, se tu fosses fazer e eles ficassem
sabendo, tu ganhavas um xingão, uma observada. Então, tu ficas
insegura em fazer – isso não vou realizar, isso não me compete.
Então, com este não fazer repetidamente, tu vais perdendo essa
segurança e até mesmo o treino (Amanda).
91
O toque emerge das entrevistas como um procedimento interditado às
enfermeiras obstétricas, mesmo quando essencial a uma prática obstétrica
competente. Na experiência de Amanda, o meio utilizado para impor tal interdição
parece ser a agressão verbal por parte do profissional médico, e o resultado é o
medo e a insegurança para a realização do procedimento. Na prática, quanto maior
a falta de oportunidade e espaço para a mobilização de determinados saberes, mais
difícil é o desenvolvimento da competência e maior é a insegurança e o medo para a
realização de ações de cuidado em que estes saberes estão implicados. Por outro
lado, quanto maior o medo e a insegurança, produzidos pela falta de espaço para a
prática, menor a capacidade das enfermeiras obstétricas para o enfrentamento de
situações em que seu papel e competência para atender ao parto normal são
questionados.
Anita relata experiência semelhante à de Amanda:
Mas toque também, a gente não faz [...]. Quando tem excesso de
movimento [...], alguns dos contratados, poucos deles, pedem para
nós tocarmos: se estiver completa, passar para a sala. Mas a
maioria deles não aceita, então o residente sai da sala de parto. Tu
estás avisando que está nascendo, que está coroando, mas o
residente tem que ir lá tocar para liberar (Anita).
No cenário trazido por Anita, fica claro o papel coadjuvante da enfermeira
obstétrica na equipe que atende a mulher em trabalho de parto, liderada pelo
médico. O depoimento de Anita sugere um contexto profissional em que é
necessária a anuência médica para que a enfermeira obstétrica realize o toque
vaginal, sinalizando o caráter de excepcionalidade dessa ação. A realização não
usual do procedimento por parte da enfermeira deve contribuir para a falta de
segurança do médico em relação ao diagnóstico de enfermagem, reforçando a
insegurança da própria enfermeira.
92
Cláudia reivindica mais espaço para a enfermeira obstétrica, apontando que
isso é uma necessidade em função da grande quantidade de partos realizados na
instituição onde trabalha. Para Cláudia, a competência da enfermeira obstétrica para
a avaliação das mulheres em trabalho de parto é até aceita pela equipe médica, o
que não acontece com relação ao atendimento no período expulsivo e na realização
do parto propriamente dito. Na avaliação de Cláudia, isso se deve à competição dos
médicos com as enfermeiras pelo espaço na realização dos partos. É importante
ressaltar que, mais uma vez, como em outros depoimentos, aparece com destaque o
papel do médico no comando do processo de atendimento ao parto normal - “eles
não dão espaço” (Cláudia).
Deveria ter mais espaço para a enfermeira obstétrica, até porque o
número de partos é grande. Muitas vezes, a gente vê que eles
mesmos estão em uma correria [...], a gente poderia ajudar
avaliando a paciente [...]. Mas eu sinto um pouco de competição de
espaço, não confiam tanto assim para um parto. Confiam para a
avaliação obstétrica – eles ouvem o que a gente traz; mas, para um
parto, eles não dão esse espaço. A gente perde até o incentivo para
fazer (Cláudia).
Na afirmação “a gente até perde o incentivo para fazer”, Cláudia demonstra
um sentimento de impotência perante um comando médico que ela parece legitimar,
situando a falta de um incentivo necessário para vencer os desafios da prática “no
outro”, ou seja, na postura médica.
O espaço constituído pela relação entre médicos e enfermeiras obstétricas já
foi destacado por outros pesquisadores como importante na definição de limites e
possibilidades para a prática da enfermeira obstétrica. Ao pesquisar a inserção de
enfermeiras obstétricas na região metropolitana de São Paulo, Bonadio et al. (2002)
constatou que uma das principais dificuldades nesse processo diz respeito ao
relacionamento da equipe obstétrica. De acordo com as autoras, grande parte das
dificuldades de relacionamento entre médico e enfermeira obstétrica decorre da
93
ausência de (re)conhecimento, por parte dos médicos, da competência da
enfermeira obstétrica na atenção ao parto.
Outro aspecto destacado por Bonadio et al. (2002) na análise do espaço que
existe hoje para o exercício da enfermagem obstétrica é a superposição de funções
entre médico e enfermeira obstétrica, gerando uma disputa de poder entre esses
profissionais. Associado com essa disputa, haveria um sentimento de desvalorização
das enfermeiras obstétricas com relação aos profissionais médicos.
A fala de Dayane sugere que a hegemonia médica no atendimento ao parto
hospitalar também é constituída ou legitimada por outra instância de poder, que
extrapola a relação específica entre médicos e enfermeiras.
O exame de toque [...] e até o parto, se for necessário, são coisas
que a gente tem capacidade para fazer, tem formação, o que não é
feito porque é um hospital-escola, e a preferência é da equipe
médica (Dayane).
Dayane parece referir-se a uma instância de poder estabelecida no hospital
onde trabalha que está situada hierarquicamente acima da equipe médica e que tem
a prerrogativa de escolher a quem competem, prioritariamente, as ações de cuidado
mais técnico realizadas no atendimento ao parto normal. A idéia de que “a
preferência é da equipe médica” sugere que a prioridade para o atendimento médico
é estabelecida a priori por alguém que, estando numa posição hierárquica superior,
decide conceder essa preferência aos médicos. A ênfase conferida pelas
enfermeiras entrevistadas à competência técnica, quando o foco da fala era a falta
de espaço para o desenvolvimento da competência para atender a mulher em
trabalho de parto e parto normal, demonstra como, na percepção dessas
enfermeiras, os saberes técnicos permanecem cruciais nas disputas por espaço no
contexto de prática de parto.
94
A disputa de poder, tal como descrita por Bonadio et al. (2002), é um
fenômeno generalizado que corresponde à medicalização da sociedade e atinge
também profissionais, tais como psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros. É por
si só um fator significativo na limitação do espaço da enfermagem obstétrica, porém,
no caso das enfermeiras que participaram do estudo, soma-se ainda mais um fator
limitador: o fato de a instituição pesquisada ser um hospital-escola.
Embora isso não esteja explícito na falas apresentadas até aqui, talvez se
possa inferir que, para muitas entrevistadas, a falta de competência da enfermeira
obstétrica para a realização do parto está principalmente relacionada à atitude dos
médicos. Esse posicionamento, contudo, parece ocultar possíveis atitudes das
próprias enfermeiras obstétricas, que igualmente podem contribuir para a interrupção
do desenvolvimento da sua competência. Nesse sentido, Júlia coloca que:
[...] Esta parte, assim, do controle do trabalho de parto... instalar o
MAP [monitorização anteparto], fazer o toque para acompanhar a
dilatação... acho que a gente até poderia fazer. Como é um hospital-
escola, teria uma grande luta para a enfermeira ter um espacinho
[...]. Fiz meu curso de especialização há um tempão [...]. Eles até
deixariam se eu pedisse, só que eu não poderia mais fazer isso,
porque eu não tenho mais essa prática, essa habilidade, esse
conhecimento (Júlia).
Ao contrário do que outras entrevistadas afirmaram, Júlia declara que “eles”,
os médicos, eventualmente permitiriam a sua atuação, porém ela não teria mais
condições de um desempenho competente. Nesse sentido, Assad e Viana colocam
que os saberes procedimentais estão sujeitos a modificações ao longo da sua
construção, quando dizem que
alguns se extinguem, simplesmente por falta de uso; outros se
incorporam à rotina e ampliam o habitus [...]. Na depuração dos
saberes, desenvolvida na interação com o ambiente, construímos
nossas competências para o trabalho [...] (ASSAD; VIANA, 2003, p.
46).
95
Assim, não somente os médicos seriam os responsáveis pela falta de espaço
das entrevistadas, mas também a insegurança resultante da descontinuidade do
desenvolvimento de certos elementos de sua competência. Parece perpassar o
depoimento anterior da enfermeira Júlia uma atitude de certa conformidade em
relação à extinção de alguns saberes construídos durante sua formação obstétrica.
Assim como Júlia, algumas entrevistadas mencionam especificamente que os
saberes procedimentais envolvidos na realização do parto estariam já extintos e que
elas não se sentiriam aptas a realizá-lo.
[...] Competência vem com a prática, né? Então, tu tens que
repraticar [...], mas, se tu não colocas a mão na massa... Depois que
tu [...] voltas a ter as tuas habilidades manuais, aí fica bem mais
fácil. É que, no momento, isso está morno, está esquecido; por isso,
não teve o espaço que seria bom para nós [...]. Seria bom para nós
e para a paciente, o parto realizado por enfermeira [...] (Márcia).
Esse sentimento talvez se justifique porque muitas das entrevistadas, da
mesma forma que Júlia e Márcia, realizaram os seus cursos de especialização em
enfermagem obstétrica na década de 80 e, desde então, não praticaram mais os
procedimentos aprendidos durante a formação. Muitas entrevistadas destacaram
que só poderiam atuar de forma competente em todas as etapas do parto, incluindo-
se as intervenções obstétricas, se submetidas a um novo treinamento. É o que
refere Anita:
Em uma época, se questionou de os enfermeiros voltarem a fazer o
parto, mas
[...]
nós teríamos que ser treinadas novamente. Não é
que não se saiba, mas é que se passaram muitos anos (Anita).
A literatura confirma a opinião de Anita: "o profissional desenvolve suas
competências essencialmente na prática e a partir da prática [...]" (ASSAD; VIANA,
2003, p. 16).
96
5.3 Competência e âmbito
A noção de competência traz em si o conceito de âmbito, ou seja, o contexto
em que certa competência se realiza. Assim, competência também diz respeito ao
papel de um profissional, às suas atribuições. De acordo com Machado, “não existe
uma competência sem a referência a um contexto no qual ela se materializa [...], o
que nos faz considerar bastante natural uma expressão como isso não é da minha
competência” (2002, p. 143).
No caso das enfermeiras entrevistadas, não existe uma percepção uniforme
em relação ao âmbito de sua competência. Está bem estabelecido, nas entrevistas,
o que elas efetivamente fazem, que tarefas administrativas e assistenciais realizam.
Elas têm consciência da contradição entre a sua prática profissional e o que é
prescrito pela legislação profissional. Percebem que os procedimentos mais
enfatizados na formação, como o parto com episiotomia, não são efetivamente
realizados na prática, e muitas declaram que não teriam condições de realizá-los
sem um novo treinamento. A cultura do parto dirigido, na qual se formaram,
informou-lhes que a enfermeira obstétrica competente é aquela que sabe abrir uma
epísio, porém muitas desconfiam da agressividade do procedimento.
Dessa variedade de conflitos, emergiram dois posicionamentos bem distintos
em relação ao âmbito da competência da enfermeira obstétrica. O primeiro deles
coincide bastante com a noção por vezes implícita no curso de pós-graduação em
enfermagem obstétrica: a enfermeira deve desenvolver sua competência para
realizar o parto dentro dos limites do modelo de atenção hoje vigente. Como coloca
Osava, “os cursos de especialização em enfermagem obstétrica caminham em
97
consonância com o modelo medicalizado de assistência, responsabilizado pelo
excesso de intervenções no parto” (1997, p. 118).
Um outro grupo de enfermeiras parece estar mais sensibilizado pelo discurso
do cuidado humanizado, questionando, assim, certos aspectos do parto
institucionalizado. Essas profissionais relativizam a idéia de que a enfermeira
obstétrica seja a prestadora de serviços de saúde ideal para atender ao parto no
contexto institucionalizado.
5.3.1 “Podemos fazer o parto tão bem quanto o médico!”
Para algumas das enfermeiras entrevistadas, a realização do parto deveria
constituir a razão de ser da enfermeira obstétrica, ou seja, essa deveria ser a
competência que identificaria a enfermeira obstétrica. Márcia expõe esse ponto de
vista:
A minha competência vai ser demonstrada na hora em que eu
estiver novamente retreinada e praticar isso [o parto]. Eu tenho
certeza de que podemos fazer tão bem o parto normal com epísio
quanto um residente [...] (Márcia).
A demonstração de competência por excelência, para a entrevistada, parece
ser a realização do parto com epísio – discurso que Osava (1997) identifica como
característico da formação intervencionista. O papel da enfermeira obstétrica é
igualar-se ao residente, fazer o parto "tão bem" quanto ele. O âmbito da
competência da enfermeira obstétrica aqui é superposto ao do médico.
98
Esse grupo de entrevistadas percebe a situação atual da enfermeira
obstétrica como insatisfatória, pois não lhes permite demonstrar ou desenvolver sua
competência para a atenção ao parto. A esse respeito, diz Márcia:
Acho que, para mudar isso, o grupo de enfermagem precisa se
envolver, porque, na verdade, eles [os médicos] sabem que a gente
pode [...]. Mas ainda não existiu nenhuma força muito grande,
nenhum empenho [...] de dizer que sim. [...] Nós estamos garantidos
por lei [...], eles não são donos disto aqui. O hospital é nosso, a
escola de enfermagem está aqui dentro [...] (Márcia).
Para ela, a solução seria uma mobilização coletiva das enfermeiras
obstétricas que trabalham junto com ela no hospital-escola em questão para a
reivindicação do seu espaço no contexto do cuidado ao parto normal. Essa ação
coletiva deveria, segundo Márcia, ser respaldada pela Escola de Enfermagem da
Universidade à qual o hospital-escola está vinculado. O engajamento da academia,
mencionado por Márcia, na luta das enfermeiras obstétricas, parece ter como
objetivo conferir mais poder e legitimidade a esse grupo, o que facilitaria a abertura,
por parte dos médicos, do espaço reivindicado.
Por outro lado, a possível inserção da enfermeira obstétrica não parece ser
percebida por Márcia como uma oportunidade de rompimento com o modelo
medicalizado da atenção ao parto, mas sim como uma oportunidade de afirmação da
competência técnica dessas profissionais através da reprodução do modelo. Além
do mais, esse raciocínio parece levar a uma tendência de se valorizar o parto
dirigido como o único indicador de competência da enfermeira obstétrica, como
indica Júlia:
Eu não tenho prática para fazer o parto. Então, realmente, só vou
poder aparar alguém que nascer e terei boas condições de fazer
isso, mas, se eu tiver que infiltrar, abrir uma epísio, fazer uma
revisão de trajeto, fechar uma epísio, eu não tenho mais condições
de fazer isso (Júlia).
99
Júlia sente-se competente para atuar no caso em que a parturiente – uma
multípara, por exemplo – atravessa rapidamente o período expulsivo, não dando
margem a intervenções obstétricas. Entretanto, ela não parece considerar a sua
atuação nessa situação como um partejar, mas como um simples “aparar”. Está
implícita a idéia de que o parto é sinônimo de intervenção, de controle sobre os
processos fisiológicos da paciente. Aparar, ou seja, acompanhar o desenrolar
espontâneo do período expulsivo e amparar o recém-nascido, não é o mesmo que
“fazer o parto” – trata-se de uma atuação passiva e, por isso mesmo, de menor
valor. Júlia parece não valorizar outros aspectos da atuação das enfermeiras
obstétricas na atenção ao parto quando não vinculados à competência técnica.
A restrição do âmbito da competência obstétrica ao parto dirigido, com
controle sobre a fisiologia da parturiente, parece sugerir que o manejo natural do
parto, que requer a adoção de uma atitude passiva, não exige competência por parte
da enfermeira obstétrica. Entretanto, Caparroz (2003), ao realizar um estudo em
uma casa de parto na região sudeste do Brasil, sugere o contrário, argumentando
que são poucas as enfermeiras competentes para realizar o parto natural no estado
de São Paulo. Essa afirmação parece indicar que, para realizar o parto natural, a
enfermeira obstétrica também precisa ser competente, ou seja, mobilizar várias
dimensões da sua competência, incluindo-se a dimensão técnica.
Outra questão levantada no trabalho de Caparroz (2003) é a de que as
enfermeiras obstétricas, acostumadas com o modelo de atenção ao parto, em que
as tarefas são divididas entre diversos profissionais, apresentam dificuldades em
assumir a responsabilidade pela sua atuação no parto quando devem manejá-lo
sozinhas, com autonomia. Ou seja, partejar fora do hospital requer não somente
competência técnica, como também outras competências que aparentemente não
100
são desenvolvidas pelas enfermeiras obstétricas que atuam no contexto
institucionalizado.
Mesmo que as colocações de Caparroz (2003) digam respeito a São Paulo e
se baseiem em depoimentos de enfermeiras que atuam em casas de parto, parece
ser possível inferir que as enfermeiras atuantes no contexto institucionalizado
também apresentariam dificuldade em responsabilizar-se pela realização autônoma
do parto. Talvez isso contribua para compreendermos por que as entrevistadas
desse grupo, embora antevejam possibilidades de inserir-se caso atuem
politicamente nesse sentido, não se decidem a fazê-lo.
Em uma visão otimista, mesmo que não haja um questionamento imediato do
parto dirigido, o interesse de certas profissionais em inserir-se talvez leve ao
desenvolvimento de novas competências, ligadas à autonomia e mesmo à política.
Isso poderia conduzir a uma maior visibilidade e reconhecimento do papel das
enfermeiras obstétricas por parte dos demais profissionais de saúde e da sociedade.
5.3.2 “O nosso papel é o cuidado!”
A visão desse grupo de entrevistadas é, sob certo sentido, antagônica à do
grupo anterior. Receberam formação para realizar o parto, porém percebem, em
diferentes graus, as limitações da institucionalização do parto e afirmam não ter
interesse em realizá-lo nesse contexto. Admiram o trabalho realizado nas “Casas de
Parto”, mas, na estrutura vigente, estão satisfeitas com o papel que exercem.
101
A realização do parto institucionalizado é percebida e aceita como atribuição
médica por esse grupo de entrevistadas, que valorizam aspectos da competência da
enfermeira obstétrica distintos daqueles valorizados pelo grupo anterior, como
evidencia Carla:
A parte técnica de abrir uma epísio rapidamente tu fazes, porém
todo o preparo de antes é mais importante do que o parto em si. [...]
A amamentação, que é uma coisa maravilhosa [...]. Se a gente não
vai lá, [...] ela não amamenta. O doutor pode até dizer, [...] mas não
adianta [...], ele não sabe botar pra mamar (Carla).
Carla relativiza a importância da competência técnica na atenção ao parto,
valorizando outras competências. Há uma maior abertura para a relação com o
recém-nascido, com a parturiente e a família grávida, em um discurso que parece
marcadamente influenciado pelo ideário humanizado. A contradição entre a
formação voltada para a realização do parto e a prática é aparentemente superada:
as entrevistadas sentem-se à vontade em seu papel, mesmo que ele não seja
aquele enfatizado pelo curso de pós-graduação em enfermagem obstétrica. De
acordo com Carla:
Eu acho que as pessoas têm que fazer alguma coisa quando elas
têm competência para isso [...]. Eu quero dizer, por exemplo, em
parto [...], se tiver um residente na sala, eu não vou. As pessoas
deveriam ter noção que tem espaço para todo mundo, a gente não
deveria brigar por isso. Eu nunca me liguei muito em fazer um parto
por eu ser uma enfermeira obstétrica [...]. Eu acho que a nossa
função em si não é fazer o parto, [...] mas sim o cuidado (Carla).
Ao lado da tranqüila aceitação da não-realização do parto, a entrevistada
declara com bastante clareza que o médico, o "residente", é o profissional
competente para a realização do parto, e não a enfermeira obstétrica. Assim, em vez
de entender o âmbito da competência da enfermeira obstétrica de acordo com as
prescrições legais, adere ao âmbito pragmaticamente definido no dia-a-dia do
hospital. Não existe superposição entre o âmbito da competência da enfermeira
102
obstétrica e o do médico. A enfermeira não deve "brigar" por inserir-se, pois não tem
nada a oferecer realizando o parto – ela deve "ajudar", estar ao lado, cuidar.
Parece haver uma sugestão de que realizar o parto não é cuidar, talvez um
reflexo de que as competências mobilizadas na realização do parto institucionalizado
– principalmente técnicas – sejam distintas daquelas envolvidas nas atividades
assistenciais que as entrevistadas consideram como “cuidados”, como orientar o
aleitamento.
Sobre o parto institucionalizado, diz Carla:
Não sou a favor do nosso parto que a gente faz aqui. Eu acho que a
gente transformou [o parto] numa patologia, é uma coisa atípica. Se
eu fosse trabalhar com o parto, seria de uma forma totalmente
diferente do que se faz aqui (Carla).
O depoimento de Carla sugere uma renúncia ao desenvolvimento das
competências ligadas à realização do parto, para a qual foi ou deveria ter sido
formada, como está explícito na crítica ao modelo de atenção ao parto vigente no
seu contexto de trabalho. A entrevistada aponta que, no contexto institucionalizado,
o parto é percebido como patologia, não como um processo natural e saudável.
Entretanto, parece haver uma idéia de que a enfermeira obstétrica é impotente ante
essa situação, percebida como incômoda, ao contrário da visão do grupo anterior,
que parece cogitar a hipótese de uma mobilização.
Algumas entrevistadas colocaram que a possível modificação do modelo não
deve ser entendida como missão exclusiva da enfermeira obstétrica:
Por que só a enfermeira pode ser humanizada? [...] O médico tem
que voltar ao natural e fazer também esse parto humanizado [...].
Nós temos que nos embasar nisso e mostrar devagarzinho o quanto
é importante essa volta ao natural [...] (Isabel).
A sugestão do manual da OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
1996) de que o profissional médico não adotaria, pelas características de sua
formação, um manejo natural do parto, parece ser relativizada. A sugestão é de que
103
o médico deve ser também esclarecido das práticas humanizadas, talvez pela
própria enfermeira obstétrica.
É válido questionar se realmente é possível modificar o paradigma
assistencial nos hospitais brasileiros ou se a solução seria, a exemplo de países
europeus, descentralizar o parto e reservar o hospital para os casos de risco. Nesse
caso, a enfermeira obstétrica atuaria na realização do parto sem distócia em um
contexto não-hospitalar. De qualquer maneira, a intenção do MS, ao promover a
formação de enfermeiras obstétricas, foi a de alterar certas características do parto
institucionalizado. Nesse sentido, a consciência crítica das profissionais em relação
à desumanização resultante da institucionalização poderá ser um elemento
importante se aliada à construção de uma competência de caráter político.
5.3.3 Utopia e competência
A palavra “utopia” foi criada por Thomas Morus (1480-1535), um escritor
inglês, para descrever um país imaginário onde todo o povo, gozando de um
governo ideal, vive e trabalha feliz, com excelentes condições de vida. Desde então,
a palavra vem sendo usada para designar um projeto irrealizável ou fantasioso
(UTOPIA, 1992, p. 1745).
Talvez “utopia” seja a melhor palavra para descrever a percepção comum das
entrevistadas a respeito do parto realizado por enfermeiras obstétricas de um
hospital público e de ensino do Rio Grande do Sul. Os depoimentos evidenciam o
104
quanto este projeto é considerado irrealizável, seja no contexto hospitalar ou das
casas de parto:
Tem gente com interesse, mas, no final, a gente não se mobiliza,
porque são tantas atribuições, tantas coisas, que a gente [...] acaba
até não se movimentando. [...] Mas não sei se hoje [...] a gente
conseguiria [...] (Marisa).
Eu acho que a gente tem um potencial para fazer muito mais, mas
isso tem que ser uma conquista que depende de um aval legal para
tu fazeres e de uma aceitação médica. E não vai haver. [...] Nós
temos obstetras aí [...], eles não vão abrir o campo para nós [...].
Quem vai assinar o parto, quem vai receber pelo parto? Poderia o
hospital receber e dar uma gratificação. Não, isso não existe! Eu
acho que só em São Paulo [...], porque, para nós [...], só se
conseguisse fazer uma casa de parto. [...] Não almejo outra coisa
maior. Não nessa estrutura nossa aqui. Às vezes, eu me pergunto:
não sei por que essa ânsia que o enfermeiro tem ou está tendo de
querer fazer o parto! (Carla).
No momento, eu não estou conseguindo ver qual a ação que a
gente poderia fazer para conquistar esse espaço. Acho que
competência, a gente tem [...], além da competência de já estar
aqui, já ter o espaço. Faltaria abertura deles (Cláudia).
Eu acho que a gente poderia tentar ter uma fatiazinha, talvez, né?
(Júlia).
Marisa duvida: acha que as enfermeiras possuem muitas atribuições, não
dispõem de tempo suficiente para mobilizar-se. Carla não acredita no parto realizado
por enfermeiras no contexto hospitalar. Embora reflita sobre o assunto e mesmo
sobre como torná-lo viável, acrescenta, por fim: “não, isso não existe!"
mencionando as casas de parto, talvez como uma utopia pessoal. Cláudia, por sua
vez, diz que depende da classe médica a possibilidade de as enfermeiras realizarem
o parto, pois elas cumpriram sua parte – são competentes. A nota de maior
esperança talvez tenha sido a de Júlia, que parece crer na possibilidade da
conquista de uma “fatiazinha”.
Rios, ao abordar os componentes da competência, menciona que,
na ação competente, na articulação mesma de suas dimensões,
haverá sempre um componente utópico [...]. A competência não está
estabelecida de uma vez por todas. [...] Ela é construída
105
cotidianamente e se propõe como um ideal a ser alcançado (2003a,
p. 78).
Os depoimentos mostram que a realização do parto pelas enfermeiras
obstétricas, ideal que é ao mesmo tempo confirmado e negado pelas entrevistadas,
porém sempre presente, é encarada com desesperança, com ceticismo. Entretanto,
a esperança é requisito do estabelecimento de uma utopia. De acordo com Rios, “o
verbo da utopia é esperançar. Não se trata de esperar por algo melhor, mas de,
utilizando os recursos de que dispomos e que vamos construindo, planejar e
mobilizar desde já o esforço na realização do ideal” (2003a, p. 76).
Os ideais, as utopias, os projetos não surgem arbitrariamente. Pelo contrário,
Rios (2003a) coloca que os projetos utópicos surgem como resposta a uma situação
de crise. No caso da utopia da enfermeira obstétrica competente (no sentido pleno
da palavra), não é diferente: trata-se de uma resposta à crise resultante do
intervencionismo excessivo no parto e à própria crise do SUS.
A enfermagem obstétrica é movida por um ideal, por uma esperança, por uma
utopia: responder a uma crise através da reinserção da enfermeira no parto normal.
Algumas entrevistadas, porém parecem não perceber a dimensão esperança entre
as dimensões de sua competência. As utopias – como a realização do parto em
algum contexto – são mencionadas, mas existe uma resistência em comprometer-se
com o aparentemente impossível.
De acordo com Ribas, “o sonho e a história são componentes essenciais da
atividade humana em qualquer ramo. O sonho [...] é também um ato político
necessário e o motor da história. Sem sonho a história não caminha e sem história o
sonho não se realiza: quem nunca sonha, não faz história” (2002, p. 17).
Aqui, política não tem a ver com envolvimento partidário ou sindical (RIOS,
2003b). Sonhar é um ato político, como ser competente também o é. Por isso
106
mesmo, Rios considera a competência em três dimensões: técnica-ética-política. A
dimensão política relaciona-se com a idéia de projeto, de utopia; e a ética é o
elemento de articulação entre essas dimensões: “técnica, ética e política não são
apenas referências de caráter conceitual – podemos descobri-las em nossa vivência
concreta real, em nossa prática” (2003b, p. 67).
A concepção comum de competência aponta para saber-fazer; as
concepções acadêmicas, para saber-fazer-bem ou saber-ser. O aspecto político
aponta também para o saber que sabe – a consciência crítica do próprio saber –, o
que conduz a uma visão clara da necessidade presente no real, levando à
concepção de um projeto. Mas, de acordo com Rios (2003a), tais dimensões não
têm sentido isoladamente. A questão ética que as unifica é para quê: para que eu
sei fazer, ou sei ser, ou sei que sei?
No momento em que, no Rio Grande do Sul, questionamentos sobre o papel
da enfermeira obstétrica surgem nos meios de comunicação de massa, parece
urgente que tais questões sejam reiteradas e discutidas por enfermeiras obstétricas
conscientes do seu saber e de sua competência.
107
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo da presente investigação foi conhecer a percepção de enfermeiras
obstétricas sobre sua competência na atenção ao trabalho de parto e ao parto
normal institucionalizado. A motivação para a escolha dessa temática originou-se de
contradições presentes no meio obstétrico nacional e regional, em especial da
contradição entre a formação obstétrica oferecida – voltada para a realização do
parto normal sem distócia – e a prática profissional pós-especialização – em que as
enfermeiras egressas se dedicam a outras práticas assistenciais, onde não está
incluída a realização do parto normal.
As seguintes questões de pesquisa orientaram o processo de investigação:
como se define a competência da enfermeira obstétrica? Que recursos são
mobilizados por essa competência? Que aspectos estão implicados no processo de
construção dessa competência? E, por fim: qual o âmbito dessa competência?
Na pesquisa, a noção de competência foi trabalhada, principalmente, a partir
do pensamento de Perrenoud (1999), contando também com a contribuição de
outros autores, como Rios (2003a, 2003b). No processo de pesquisa, competência
foi entendida como “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de
situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles“ (PERRENOUD,
1999, p. 7). O referencial teórico incluiu, também, tópicos sobre a enfermagem
obstétrica, sua origem e trajetória no Brasil e no mundo, questões sobre a formação
e a atuação da enfermeira obstétrica e os modelos de atenção ao parto.
A pesquisa que embasou esta dissertação teve caráter qualitativo, do tipo
exploratório-descritivo. Os dados foram obtidos através de entrevistas individuais
108
semi-estruturadas realizadas com enfermeiras obstétricas atuantes em um hospital
público de grande porte de Porto Alegre e submetidos à análise de conteúdo,
desenvolvida segundo Bardin (1977).
A noção de competência que emergiu das entrevistas não é homogênea.
Alguns aspectos, entretanto, podem ser considerados como comuns à maior parte
das entrevistadas. Por exemplo, a concepção de competência voltada mais para o
saber-fazer – para a realização de procedimentos ou de práticas assistenciais – do
que para o saber-ser, ou seja, a mobilização de recursos subjetivos do profissional.
Os seguintes elementos foram apontados como constituintes da competência
da enfermeira obstétrica: competência técnica, construída a partir do conhecimento
acadêmico e da prática profissional; competência humanizadora, ligada ao
reconhecimento da humanidade da parturiente, muitas vezes percebida como em
oposição à desumanização resultante do parto institucionalizado; intuição,
competência ligada ao conhecimento intuitivo; competência na relação com os
colegas e também na relação com a parturiente e seus familiares.
Nas entrevistas, a competência técnica para o atendimento ao parto normal
institucionalizado foi um tema que recebeu muita atenção. A ênfase deu-se,
principalmente, em função da percepção de que a competência técnica é primordial
para a realização desse atendimento e de que, apesar da relevância, é uma
competência ainda a ser desenvolvida. As enfermeiras entrevistadas perceberam
pelo menos duas grandes limitações ao desenvolvimento da competência técnica. A
primeira delas seria a incapacidade dos cursos de especialização em enfermagem
obstétrica de desenvolver essa competência, o que gera frustração nas enfermeiras.
Esse sentimento foi mais evidente nas falas daquelas que concluíram a sua
formação há mais tempo, na década de 80, provavelmente porque não praticaram
109
mais a realização do parto, toque vaginal e outros procedimentos relativos a atenção
ao parto.
A segunda limitação ao desenvolvimento da competência técnica para o
atendimento ao parto normal foi (e ainda é), segundo as enfermeiras obstétricas
entrevistadas, a falta de espaço para a prática. Para as enfermeiras, procedimentos
obstétricos que são valorizados durante a formação, como a episiotomia, a
episiorrafia e o toque vaginal, não são realizados no dia-a-dia do trabalho em função
das relações desiguais de poder entre médicos e enfermeiras e da disputa de
espaço com a classe médica. Muitas entrevistadas colocaram que a solução para
permitir o desenvolvimento da competência técnica seria enfrentar essa situação e
lutar pelo espaço para a realização do parto. Apesar disso, nenhuma delas relatou a
iniciativa de fazer algum movimento nesse sentido. A análise das entrevistas sugere
que a causa dessa falta de iniciativa extrapola a questão da disputa de espaço com
os médicos, estando também relacionada à insegurança conferida pelo sentimento
de incompetência que resulta de uma formação percebida como insuficiente.
A contradição entre o papel profissional enfatizado na formação e aquele
exercido na prática gerou uma gama de percepções heterogêneas entre as
entrevistadas. Uma parte das enfermeiras entrevistadas afirma que deseja readquirir
a competência técnica para a realização do parto, eventualmente perdida após anos
sem a realização dos procedimentos envolvidos, pois sentem que não estão
demonstrando sua competência na sua atual prática assistencial. Realizar o parto
tão bem quanto o médico – incluindo-se aí a realização de intervenções como rotina
– parece ser a essência da competência pretendida por essas profissionais. Um
segundo grupo de entrevistadas, ao contrário, afirma não ter interesse em realizar o
110
parto no contexto hospitalar, posicionando-se criticamente em relação à
desumanização resultante do parto dirigido.
Uma outra questão que apareceu com destaque na análise das entrevistas foi
a de que, para algumas enfermeiras, há uma certa diferenciação entre competência
para realizar o parto e competência para realizar o cuidado à mulher no parto. Nesse
sentido, a idéia de que, para ser competente, a enfermeira obstétrica precisa ser boa
cuidadora é complementada por afirmações do tipo “nosso papel é o cuidado, não o
parto”. A distinção entre parto e cuidado pode significar que o parto realizado na
instituição onde trabalham não se enquadra no modelo de atenção ao parto que
acreditam ser ideal (provavelmente o parto humanizado).
Como referido na literatura (DELUIZ, 2001), uma das características do
atendimento ao parto institucionalizado é a fragmentação do atendimento: o
profissional incumbido do partejar realiza apenas essa parte do processo, não
acompanhando o restante da trajetória da parturiente. Essa estrutura, própria das
grandes maternidades, onde há um grande volume de nascimentos, dificulta o
estabelecimento de uma relação entre o profissional que realiza o parto e a
parturiente. Entretanto, no conceito de cuidado, há necessariamente um sentido de
interação interpessoal, de acordo com autores como Geib (2001), Zampieri (2001) e
Brüggemann (2001). Assim, quando as enfermeiras entrevistadas estabelecem uma
separação, ou quase uma oposição, entre o “parto” e o “cuidado”, podem estar se
referindo à separação/oposição entre o partejar “tradicional” institucionalizado,
marcado pela impessoalidade, e sua própria atuação em outros procedimentos, em
que há uma preocupação como o aspecto interpessoal.
O parto institucionalizado, ao coisificar o ser humano (DESLANDES, 2004),
parece de fato não se harmonizar com o conceito de cuidado, pois, se o profissional
111
não reconhece a humanidade do paciente, é difícil afirmar que esse profissional
cuida do paciente. A análise das falas das enfermeiras sugere que elas percebem
essa associação entre parto humanizado e cuidado, o que justificaria o argumento
de que o parto institucionalizado nem sempre é um cuidado.
Tal situação parece indicar a necessidade de que os espaços de ensino e as
oportunidades de aprendizagem dos cursos formadores não fiquem circunscritos ao
contexto e ao modelo vigente de atenção ao parto normal hospitalar, mas que
também busquem outros cenários. Em outros estados do Brasil, como São Paulo e
Rio de Janeiro, o estabelecimento de casas de parto é um exemplo de cenários
alternativos para a prática obstétrica.
No Rio Grande do Sul, onde o campo da obstetrícia é intensamente
medicalizado e intervencionista, marcado pela disputa por espaço, as enfermeiras
ainda não são formadas para transformar este modelo. Nos cursos formadores
parte-se do princípio de que a participação de enfermeiras obstétricas na realização
do parto será fácil e automaticamente aceita e que para que isto aconteça é
prioritário que as enfermeiras desenvolvam competências no campo dos saberes
técnicos. Tal situação sugere que é negligenciado o desenvolvimento de outras
competências, tanto ou mais necessárias para o enfrentamento da realidade da
prática profissional, como é o caso da competência política, de extrema relevância
no preparo de enfermeiras obstétricas competentes na luta por espaço no mundo do
trabalho.
A aproximação entre o currículo dos cursos formadores e a realidade da
prática profissional das enfermeiras obstétricas também requer que os cursos de
especialização em enfermagem obstétrica levem em consideração as características
regionais do mercado de trabalho, visando a formar enfermeiras competentes para
112
atuarem no cenário específico de sua região. A formação de enfermeiras obstétricas
competentes ética e politicamente deve resultar no desenvolvimento de uma postura
crítica frente à realidade, estimulando a autonomia, a iniciativa e a criatividade,
competências necessárias para a intervenção nessa realidade. No momento em
que, no Rio Grande do Sul, questionamentos sobre o papel da enfermeira obstétrica
surgem nos meios de comunicação de massa, parece urgente que tais questões
sejam consideradas. Elas perpassam as entrevistas, nem sempre de forma direta,
mas parece evidente que as entrevistadas vêm refletindo sobre o assunto. A
dificuldade das enfermeiras entrevistadas em agir para modificar a realidade da
prática profissional resulta na idéia de que essa modificação se constitui em utopia, o
que reforça a percepção de que tal ação é inviável.
A percepção da inviabilidade de um outro partejar talvez seja justificada pelo
fato de as enfermeiras obstétricas estarem imersas no modelo intervencionista
durante toda a sua formação superior, e mesmo antes, uma vez que a concepção
biomédica do parto permeia a sociedade como um todo. Muitas enfermeiras
obstétricas não tiveram (e continuam não tendo) oportunidade de vivenciar outros
paradigmas de atenção em saúde, inclusive, e principalmente, de atenção ao parto.
A modificação do modelo de atendimento ao parto normal institucionalizado,
na busca da construção de um modelo mais humano, pode não depender somente
da competência das enfermeiras obstétricas em inserir-se na atenção ao parto, mas
também da competência dessas profissionais em estabelecer uma parceria com a
sociedade. Sendo mais bem informada a respeito do parto, a população poderá
adotar uma posição mais crítica em relação ao seu atendimento. O âmbito da
competência da enfermeira obstétrica seria, então, mais amplo, não restrito somente
ao hospital.
113
O sentimento de impotência que perpassa as entrevistas, associado a uma
certa omissão ante os desafios percebidos, parece corresponder ao que Lunardi,
Peter e Gastaldo (
2002)
denominam anorexia de poder – a falta de desejo de exercer
o poder, comum aos profissionais de enfermagem em geral. Como referem os
autores, as ações e omissões das enfermeiras não têm conseqüências somente
para quem recebe os seus cuidados, mas também para elas mesmas:
Infelizmente, quando as enfermeiras não exercem intencionalmente o
poder de acordo com uma agenda ética/profissional previamente
estabelecida, elas são integralmente participantes da sua própria
opressão (LUNARDI; PETER; GASTALDO, 2002, p. 186).
A modificação dos aspectos considerados desfavoráveis para a prática da
enfermeira obstétrica no atendimento ao parto normal depende, assim, também da
consciência e do exercício do poder por parte das enfermeiras. Como destaca Rios
(2003a), na formação da competência profissional, é importante não só saber, mas
também saber que sabe – a consciência do próprio saber, que é condição da
autonomia.
As enfermeiras obstétricas, ao descreverem as dificuldades encontradas para
exercer o seu papel profissional na atenção ao parto, como a falta de espaço gerada
pela disputa com os médicos e as deficiências percebidas na formação, contam com
a total solidariedade da autora deste trabalho. Entretanto, não se pode deixar de
considerar que elas parecem não assumir sua parcela de responsabilidade na
situação atual. O desenvolvimento de uma postura reflexiva por parte das
enfermeiras obstétricas sobre as circunstâncias nas quais se concretizam as suas
dificuldades de inserção no espaço de “prática de parto”, assim como a construção
de uma utopia coletiva (assumida desde o contexto mais micro da equipe de
enfermagem até o nível mais macro da categoria profissional), pautada pela
esperança, talvez levasse ao surgimento de atitudes coerentes com o desejo de
114
mudança. Entretanto, esta é tarefa que requer o comprometimento – como colocam
as entrevistadas – não somente das enfermeiras obstétricas que atuam no contexto
hospitalar, mas também do corpo docente dos cursos de graduação em enfermagem
e especialização em enfermagem obstétrica, e do próprio Ministério da Saúde,
somado às reivindicações da sociedade por um parto saudável.
Enfermeiras obstétricas, conscientes da sua competência e do seu poder,
poderão intervir no cenário da atenção ao parto, tornando-o mais humano para as
parturientes e para si mesmas, através de um resgate do seu papel profissional.
Atender com competência ao parto demandaria maior responsabilidade da
enfermeira obstétrica em relação a sua prática. Reconhecer seu saber e seu poder é
condição para desenvolver a competência não somente no parto, mas também e
principalmente a competência na responsabilidade pela sua própria trajetória
profissional.
As análises e discussões desenvolvidas no presente estudo trazem
contribuições para a enfermagem obstétrica, principalmente no sentido de apontar
para a necessidade do reconhecimento e compreensão da importância de um
desenvolvimento da consciência do saber e do poder, da autonomia e da esperança,
como elementos constituintes do processo de formação da competência das
enfermeiras obstétricas, as quais a partir desta compreensão poderão superar as
contradições e conflitos percebidas em sua atuação.
A realização deste estudo contribuiu para desenvolver a minha própria
competência profissional, enquanto docente e enfermeira assistencial. Conhecer a
visão de enfermeiras especialistas em obstetrícia, como eu, sobre sua competência
no atendimento ao parto normal hospitalar resultou na oportunidade de refletir sobre
o papel da enfermeira obstétrica que atua na docência no desenvolvimento da
115
competência profissional na sua totalidade, sem o tradicional destaque à
competência técnica, por exemplo.
A contribuição do processo de pesquisa no desenvolvimento da minha
competência como enfermeira obstétrica atuante em centro obstétrico foi a de
permitir uma crítica fundamentada do modelo de atenção ao parto em que estou
inserida profissionalmente e um repensar de algumas “verdades” que pautavam
minhas análises sobre a competência e atuação pessoal e de colegas no
atendimento ao parto normal institucionalizado. Neste sentido, concluo este trabalho
com uma concepção ampliada de competência profissional no campo da
enfermagem obstétrica, entendendo agora que a competência da enfermeira
obstétrica não se constrói e não se revela apenas no seu saber técnico, mas em
todo um conjunto de saberes, de igual valor, que devem aparecer na prática de
forma articulada. Neste sentido, considero de extrema relevância que os cursos de
formação de enfermeiras obstétricas valorizem em seus currículos o caráter
multidimensional da competência profissional, enfatizando que o seu
desenvolvimento precisa ser constantemente buscado.
116
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27, mar. 2004.
125
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE ENFERMAGEM
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu ______________________________________ estou ciente de que esta
entrevista servirá para a coleta de dados do estudo sobre a Perspectiva das
Enfermeiras Obstétricas em relação a sua Competência na Atenção ao Parto Normal
Hospitalar. O estudo é de autoria de Leila Regina Rabelo, sob a orientação da Profa
Dra Dora Lúcia L. C. de Oliveira, e tem como objetivo conhecer a percepção destas
enfermeiras sobre sua competência na atenção ao parto normal hospitalar. Fui
informada de que a minha declaração será utilizada como informação para um
estudo que poderá ser publicado, que o meu nome não será divulgado, e que
poderei desistir de participar da pesquisa no momento em que desejar, sem que esta
decisão me traga prejuízo ou penalização.
________________________
Assinatura da pesquisadora
________________________
Assinatura da entrevistada
________________________
Assinatura da orientadora
Telefone para contato e maiores informações: (9090) 51 33286008 (Leila);
(9090) 51 33165428 (Dora).
Porto Alegre, ____ de ____________________ de 200__.
Eu __________________________________ confirmo que recebi uma cópia do
presente termo de consentimento livre e esclarecido.
126
APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista
Roteiro de Entrevista
1. Dados de identificação:
a) Pseudônimo:
b) Formação acadêmica:
c) Tempo de atuação na área de enfermagem obstétrica:
d) Carga horária e turno:
e) Experiência em outras áreas de atuação:
2. Que atividades você e suas colegas enfermeiras obstétricas desenvolvem na
atenção ao parto normal neste hospital?
3. O que você e suas colegas fazem no período de:
a) Dilatação?
b) Expulsão?
c) Dequitação?
d) Pós-parto imediato?
4. Na sua rotina de trabalho na atenção ao parto normal, existe alguma ação ou
atividade que você acha que deveria realizar e não realiza? Se afirmativo, quais
ações ou atividades são estas e qual a razão para não realizá-las?
5. De que maneira a sua experiência como enfermeira obstétrica facilita o seu
atendimento à mulher no parto normal?
6. Que competências a enfermeira obstétrica precisa ter para atender de forma
eficaz à mulher durante o parto no hospital?
7. Que recursos e habilidades (outras competências, capacidades, informações,
noções) são necessários para que a enfermeira obstétrica possa atender ao parto
normal com competência?
8. Na tua opinião, o que tu achas que a enfermeira obstétrica deveria fazer para
atuar diretamente na atenção ao parto normal no hospital?
127
ANEXO – Aprovação do Comitê de Ética
HCPA
-
HOSPITAL DE CLíNICAS DE PORTO ALEGRE
Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação
COMISSÃO CIENTÍFICA E COMISSÃO DE PESQUISA E ÉTICA EM SAÚDE
RESOLUÇÃO
__________________________________________________________________________
A Comissão Científica e a Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde, que é reconhecida pela
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)/MS como Comitê de Ética em Pesquisa do
HCPA e pelo Office For Human Research Protections (OHRP)/USDHHS. como Institucional Review
Board (IRBOOO0921) analisaram o projeto:
Projeto: 04-247 Versão do Projeto: 22/09/2004 Versão do TCLE: 22/09/2004
Pesquisadores:
DORA LUCIA LEIDENS CORRÊA DE OLIVEIRA
LEILA REGINA RABELO
Título:
A COMPETÊNCIA DAS ENFERMEIRAS OBSTÉTRICAS NO ATENDIMENTO AO
PARTO NORMAL HOSPITALAR
Este projeto foi Aprovado em seus aspectos éticos e metodológicos, inclusive quanto ao seu Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as Diretrizes e Normas Internacionais e
Nacionais, especialmente as Resoluções 196/96 e complementares do Conselho Nacional de Saúde.
Os membros do CEP/HCPA não participaram do processo de avaliação dos projetos onde constam
como pesquisadores.
Toda e qualquer alteração do Projeto. assim como os eventos adversos graves, deverão ser
comunicados imediatamente ao CEP/HCPA. Somente poderão ser utilizados os Termos de
Consentimento onde conste a aprovação do GPPG/HCPA.
Porto Alegre, 27 de setembro de
2004.
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