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Eduardo Plastino
Comércio internacional e
desenvolvimento humano: os
casos do Chile e da Venezuela
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
I
NSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais
Rio de Janeiro
Junho de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
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Eduardo Plastino
Comércio internacional e desenvolvimento humano: os
casos do Chile e da Venezuela
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
PUC-Rio.
Orientador: André de Mello e Souza
Rio de Janeiro, junho de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
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Eduardo Plastino
Comércio internacional e desenvolvimento humano: os
casos do Chile e da Venezuela
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
André de Mello e Souza
Orientador
PUC-Rio
Luis Manuel Fernandes
PUC-Rio
Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado
UFRJ
João Franklin Abelardo Pontes Nogueira
Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-
Rio
Rio de Janeiro, 15 de junho de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Eduardo Plastino
Eduardo Plastino nasceu em 1978 e graduou-se em Comunicação Social pela
PUC-Rio em 2000. Trabalhou entre 1998 e 2007 na agência internacional de
notícias Efe. Entre suas principais áreas de interesse estão a economia política
internacional, os estudos do desenvolvimento e diversas questões ligadas à
América Latina.
Ficha Catalográfica
Plastino, Eduardo
Comércio internacional e bem-estar interno: os casos do Chile e da
Venezuela / Eduardo Plastino ; orientador: André de Melo e Souza. – 2007.
139 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
Inclui bibliografia
1. Relações internacionais – Teses. 2. Economia política internacional.
3. Comércio internacional. 4. Bem-estar. 5. Desenvolvimento humano. 6.
Políticas públicas. 7. Chile. 8. Venezuela. I. Souza, André de Mello e. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Instituto de Relações
Internacionais. III. Título.
CDD: 327
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
Para
Daniela, minha esposa,
Sieni e Carlos, meus pais,
Mateus e Vinícius, meus irmãos.
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Agradecimentos
Agradeço
à Daniela, companheira de vida, por seu enorme amor, apoio e compreensão,
a meus pais, que sempre acreditaram em mim,
a toda a minha família,
aos meus amigos,
às minhas colegas de turma,
aos professores do IRI, especialmente a meu orientador, André de Mello e
Souza, e a Luis Manuel Fernandes,
ao professor Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado,
a Deus.
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Resumo
Plastino, Eduardo; Mello e Souza, André de (Orientador). Comércio
internacional e desenvolvimento humano: os casos do Chile e da
Venezuela. Rio de Janeiro, 2007. 139p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Relações Internacionais, Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro.
Esta dissertação é um estudo acerca dos efeitos do comércio internacional sobre
o bem-estar interno dos países. O trabalho parte da evidência de que há países
com estruturas econômicas similares, inclusive um alto grau de abertura
econômica, que, no entanto, têm um desempenho muito diferente em seu IDH,
utilizado como taxa representativa do bem-estar . São examinados os casos de
Chile e Venezuela nos anos 90 e chega-se à conclusão de que, embora em países
com uma alta exposição ao comércio exterior este seja em grande parte
responsável pela evolução das economias nacionais, a forma como ele se reflete
no bem-estar depende da intervenção do Estado, por meio da implementação de
políticas públicas. A pesquisa é feita em um enquadramento teórico de
Economia Política Internacional (EPI). A proposta de Susan Strange de analisar
as questões da EPI em função de diferentes estruturas de poder é aplicada ao
nível nacional, e os efeitos do comércio internacional sobre o IDH são
examinados como os de uma estrutura do comércio particularmente influente
sobre uma estrutura do bem-estar.
Palavras-chave
Economia Política Internacional, comércio internacional, bem-estar,
desenvolvimento humano, políticas públicas, Chile, Venezuela.
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Abstract
Plastino, Eduardo; Mello e Souza, André de (Advisor). International
Trade and Human Development: The Cases of Chile and Venezuela.
Rio de Janeiro, 2007. 139 p. M.A. thesis – Instituto de Relações
Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This thesis is a study of the effects of international trade on social welfare
within countries. The analysis starts from the evidence that there are countries
with similar economic structures, including a high level of economic openness
which, however, have a very different performance on their HDI, taken as a
proxy for their welfare. The cases of Chile and Venezuela in the 1990s are
examined. The conclusion is that, although trade, in countries highly exposed to
it, is to a great extent responsible for the evolution of national economies as a
whole, the way it affects welfare depends on the intervention of the state,
through the implementation of policies. The research is done within an
International Political Economy (IPE) framework. Susan Strange's proposition of
analyzing the questions of IPE as the work of different power structures is
applied at the national level, and the effects of international trade on HDI are
examined as those of a particularly strong trade structure on a welfare structure.
Keywords
International Political Economy, international trade, welfare, human
development, policy, Chile, Venezuela.
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Sumário
1 Introdução 15
2 Marco teórico 19
2.1. O comércio, a economia e as relações internacionais 19
2.1.1. A importância histórica do comércio para as relações
internacionais 20
2.1.2. A gênese da disciplina e a exclusão das questões econômicas 24
2.1.3. O resgate da economia e a emergência da subárea da EPI 27
2.2. Os assuntos da economia política internacional 29
2.3. A EPI e as estruturas de poder 37
2.4. Modificações necessárias 40
2.4.1. “Primárias” e “secundárias”: por que a divisão empobrece
a proposta de Strange 40
2.4.2. Estruturas nacionais 44
2.5. Teorias do comércio 46
2.5.1. A tradição liberal: Smith, Ricardo, Walras e Heckscher-Ohlin 46
2.5.2. A tradição intervencionista: Hamilton, List, Keynes e Polanyi 52
2.5.3. Aproximação 57
3 Questões metodológicas 59
3.1. Traduções numéricas para estruturas de poder 59
3.1.1. A estrutura do comércio e a relação fluxo comercial/PIB
como sua medida 60
3.1.2. A estrutura do bem-estar e o IDH como sua medida 61
3.1.2.1. Alocação de bem-estar 61
3.1.2.2. O IDH 65
3.1.3. Participação do Estado como variável interveniente 68
3.2. Seleção dos estudos de caso 70
3.3. Outras considerações metodológicas 82
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4 Pesquisa empírica 85
4.1. As políticas públicas e a estrutura do bem-estar sob forte
influência da estrutura do comércio 85
4.2. A estrutura do comércio e a arrecadação tributária 89
4.3. A atuação do Estado 93
4.3.1. Educação 93
4.3.2. Saúde 98
4.3.3. Qualidade da atuação estatal 104
4.4. A evolução da estrutura do bem-estar 109
4.5. Observações sobre os dados empíricos 113
5 Considerações finais 122
6 Referências bibliográficas 130
7 Anexo: O cálculo do IDH 139
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Lista de figuras
Gráfico 3.1 : Chile e Venezuela, PIB por habitante 71
Gráfico 3.2 : Chile e Venezuela, população 71
Gráfico 3.3 : Chile e Venezuela, PIB 72
Gráfico 3.4 : Chile e Venezuela, fluxo comercial total 73
Gráfico 3.5: Chile e Venezuela, fluxo comercial por habitante 73
Gráfico 3.6 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil, fluxo comercial
como proporção do PIB 74
Gráfico 3.7: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil; fluxo comercial
como proporção do PIB (média 1990-2000) 75
Gráfico 3.8: Chile, variação do fluxo comercial e variação do PIB 75
Gráfico 3.9 : Venezuela, variação do fluxo comercial e variação do
PIB 76
Gráfico 3.10 : Preço do cobre e variação do PIB chileno 79
Gráfico 3.11 : Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano 79
Gráfico 3.12: Chile e Venezuela, IDH 80
Gráfico 3.13: Chile e Venezuela, contribuição para a alta conjunta
do IDH 81
Gráfico 4.1 : Chile e Venezuela, arrecadação C&TI como proporção
do PIB 91
Gráfico 4.2 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação
C&TI como proporção do PIB 92
Gráfico 4.3 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação
C&TI como proporção do PIB (média 1995-2000) 92
Gráfico 4.4 : Chile e Venezuela, subíndice de educação no IDH 93
Gráfico 4.5 : Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de
educação 94
Gráfico 4.6 : Chile e Venezuela, gasto público em educação per
capita 95
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Gráfico 4.7 : Chile e Venezuela, gasto público em educação como
porcentagem do gasto público total 95
Gráfico 4.8 : Chile e Venezuela, subíndice de saúde no IDH 99
Gráfico 4.9 : Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice
de saúde 99
Gráfico 4.10 : Chile e Venezuela, gasto público em saúde por
habitante 100
Gráfico 4.11 : Chile e Venezuela, gasto público em saúde como
porcentagem do gasto público total 101
Gráfico 4.12 : Chile, indicadores de governança 107
Gráfico 4.13 : Venezuela, indicadores de governança 107
Gráfico 4.14 : Chile e Venezuela, média das notas de governança 108
Gráfico 4.15 : Chile e Venezuela, qualidade da governança 108
Gráfico 4.16 : IDH, diferença entre Chile e Venezuela 109
Gráfico 4.17 : Participação de cada subíndice na variação doIDH
chileno 111
Gráfico 4.18 : Chile, variação dos subíndices e do IDH 111
Gráfico 4.19 : Participação de cada subíndice na variação do IDH
venezuelano 112
Gráfico 4.20 : Venezuela, variação dos subíndices e do IDH 113
Gráfico 4.21 : Chile, variação do PIB e arrecadação C&TI 114
Gráfico 4.22 : Venezuela, variação do PIB e arrecadação C&TI 115
Gráfico 4.23 : Chile, arrecadação C&TI e gasto público em saúde
e em educação por habitante 116
Gráfico 4.24 : Venezuela, arrecadação C&TI e gasto público em
saúde e em educação por habitante 117
Gráfico 4.25 : Chile, variação do PIB e gasto público em educação
por habitante 118
Gráfico 4.26 : Venezuela, variação do PIB e gasto público em
educação por habitante 118
Gráfico 4.27 : Chile, variação do PIB e gasto público em saúde
por habitante 119
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Gráfico 4.28 : Venezuela, variação do PIB e gasto público em saúde
por habitante 119
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Lista de tabelas
Tabela 3.1: Chile, composição da pauta comercial 78
Tabela 3.2: Venezuela, composição da pauta comercial 78
Tabela 4.1 : Chile e Venezuela ; dados sobre comércio, PIB e
arrecadação tributária 90
Tabela 4.2 : Chile, indicadores de governança 105
Tabela 4.3 : Venezuela, indicadores de governança 106
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Perhaps, we can agree that there are a number of key questions
in
this middle ground between politics and economics to which we
badly
need the answers. Or –lowering our sights still more- that there
are areas of terra incognita in which it would be helpful to us all if
someone were
to do some exploratory digging and to apply some careful
thought
Susan Strange.
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1
Introdução
O comércio, como lembra Robert Gilpin, não apenas é “o mais antigo e
importante elo econômico entre as nações”, como foi, ao lado da guerra, “central
para a evolução das relações internacionais” (Gilpin: 1987, p.171). Usando termos
semelhantes, Susan Strange afirma que “o comércio e a guerra são as duas formas
mais antigas das relações internacionais” (Strange, 1988, p.161)
1
. A literatura
sobre o comércio e seus efeitos tem séculos de história, e até hoje é marcada por
controvérsias. Suas raízes podem ser encontradas nos argumentos liberais de
Adam Smith e David Ricardo, e nacionalistas, ou intervencionistas, de Alexander
Hamilton e Georg Friedrich List. Como mostram as citações de Gilpin e Strange,
o debate em torno do comércio não é alheio à economia política internacional
(EPI), subárea da disciplina de relações internacionais. Pelo contrário, é um de
seus mais importantes assuntos.
Muito se discutiu e se discute sobre os efeitos do comércio para o bem-
estar social das nações. Mas será que esses efeitos são sempre iguais? Uma grande
exposição ao comércio exterior tem sempre o mesmo impacto sobre o bem-estar
social interno dos países? E se esses países tiverem uma série de características
análogas – como serem nações em desenvolvimento, exportadoras de matérias-
primas e localizadas no mesmo subcontinente, bem como terem economias e
populações de tamanhos relativamente próximos? Neste caso, pode-se esperar que
os efeitos da exposição ao comércio internacional sobre o bem-estar interno sejam
semelhantes? Argumentarei nesta dissertação que a resposta a tal pergunta é não.
Trabalharei com dois casos – Chile e Venezuela – que compartilham as
diversas características mencionadas no parágrafo anterior, dentre elas uma
grande exposição ao comércio exterior. Para medir essa exposição, lançarei mão
da taxa criada pela proporção do Produto Interno Bruto (PIB) correspondente ao
fluxo comercial (soma de tudo o que um país exporta e importa). Já o proxy
1
Ambas as citações são traduções livres dos originais em inglês.
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16
escolhido para medir o bem-estar será o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH).
Os exemplos de Chile e Venezuela nos anos compreendidos entre 1990 e
2000 demonstram que, empiricamente, a alta exposição ao comércio exterior pode
fazer com que o conjunto da economia dependa, em grande medida, das trocas
comerciais – como indicado pela semelhança entre as curvas de variação do fluxo
comercial e do PIB de ambos os países. No entanto, os efeitos desse quadro sobre
o bem-estar interno podem variar muito: enquanto o IDH do Chile registrou
aumento expressivo no período, o da Venezuela teve um incremento mínimo.
A pergunta a que procurarei responder é: por que o bem-estar melhorou
substantivamente no Chile e muito pouco na Venezuela, dois países muito
expostos ao comércio e com uma série outras de características em comum?
Minha hipótese é de que o fenômeno deveu-se à participação do Estado para
transformar ganhos com o comércio em ganhos em bem-estar. Embora o comércio
exterior possa gerar riqueza, a simples exposição a ele é insuficiente para que
tenha efeitos positivos sobre o bem-estar da população do país. Para isto, é preciso
que o governo atue como cadeia de transmissão. Com esse objetivo, ele deve não
apenas adotar políticas públicas eficazes e dedicar verbas a elas; precisa também
ser competente em sua aplicação.
O IDH pode variar em função de um grande número de fatores. É
indiscutível, por exemplo, que a adoção de boas políticas públicas é capaz de
elevar o bem-estar em qualquer situação em que um governo razoavelmente
competente tenha dinheiro para implementá-las - não necessariamente proveniente
do comércio. Entretanto, o valor extremo da proporção do PIB equivalente ao
fluxo comercial nos dois casos de estudo e a série de outras características comuns
entre Chile e Venezuela fazem com que a pesquisa se aproxime o máximo
possível de uma situação ceteris paribus – uma condição, impossível para as
ciências sociais, na qual tudo se mantém igual, exceto aquilo que se busca estudar.
Não existe a pretensão de se desenvolver uma teoria, mas de, seguindo o
conselho dado em 1970 por Susan Strange, “fazer alguma escavação exploratória
e aplicar algum pensamento cuidadoso”
2
(Strange, 1970, p. 311). Por seu próprio
caráter, a pesquisa proposta não poderá dispensar elementos da política
2
Tradução livre do original em inglês.
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17
comparada
3
. Isto não representa, porém, um afastamento do assunto a respeito das
relações internacionais (RI). A análise está em linha com a postura expressada por
Robert Keohane e Helen Milner no livro Internationalization and Domestic
Politics, de 1996. Na introdução ao volume, os autores definem o conceito de
internacionalização como algo passível de ser medido “por indicadores como
mudanças do comércio em proporção do produto nacional bruto”
4
(Keohane e
Milner, 1996b, p.4). Na conclusão, anunciam que
for social scientists, internationalization of the world economy should sound the
death-knell to the anachronistic divisions, institutionalized in universities, between
‘comparative politics’ and ‘international relations’. Cross-national comparisons
are meaningless without placing the countries being compared in the context of a
common world political economy within which they operate. Likewise, theories of
international relations that treat all countries as fundamentally similar provide
only limited insight into the variations in policy and institutional change. Neither
comparative politics nor international relations can be coherently understood
without aid from the other (Keohane e Milner, 1996a, p.257).
O desenvolvimento desta dissertação será organizado em três capítulos. No
primeiro deles, que é o capítulo 2, dedicado a questões teóricas, abordarei a
importância histórica do comércio para as relações internacionais e as razões pelas
quais, apesar dela, este foi durante muitos anos excluído das análises feitas dentro
da disciplina. Isto me levará a uma discussão sobre a emergência da subárea de
EPI, e acerca dos assuntos que nela devem ser tratados. Exporei, depois, o marco
teórico desenvolvido por Susan Strange, que entende a EPI como um terreno que
envolve arranjos econômicos, políticos e sociais, e propõe a análise da subárea por
meio do estudo da atuação do poder estrutural. Embora considere extremamente
útil tal enquadramento teórico, farei algumas ressalvas importantes para esta
pesquisa, que me permitirão realizá-la em termos da influência de estruturas do
comércio fortes sobre estruturas do bem-estar, intermediadas pela ação estatal. No
final do capítulo, apresentarei brevemente o pensamento dos principais teóricos
do comércio, tanto liberais como intervencionistas.
3
A política comparada é entendida aqui seguindo a definição de Giuliano Urbani, para
quem a expressão designa “o recurso dos estudiosos a um método particular de análise – a
comparação – no processo de verificação empírica das hipóteses, generalizações e teorias
concernentes aos fenômenos políticos” (Urbani apud Bobbio, Matteucci e Pasquino, 2004, p. 962)
4
Tradução livre do original em inglês.
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18
O capítulo 3 reunirá as questões metodológicas deste trabalho. Nele,
explicarei os motivos que me levaram a adotar os proxies escolhidos. Exporei
ainda as razões pelas quais a atuação do Estado será a variável interveniente.
Depois farei a seleção dos estudos de caso e apresentarei outras considerações
metodológicas pertinentes. O capítulo 4 será dedicado à pesquisa empírica sobre a
forma como a atuação do governo fez com que situações similares, marcadas por
uma grande ascendência do comércio exterior, se traduzissem em evoluções muito
diferentes do IDH. A seguir, as considerações finais encerrarão a dissertação.
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2
Marco teórico
2.1.
O comércio, a economia e as relações internacionais
Esta dissertação é uma pesquisa sobre a influência do comércio exterior
sobre o bem-estar interno de países nele envolvidos. Em que pese a importância
história do comércio para as relações entre as nações, nem sempre seu estudo foi
levado em conta dentro da academia de RI. Junto com as questões econômicas de
maneira geral, durante décadas ele foi considerado alheio à disciplina. Começarei
este capítulo com uma exposição sobre o papel do comércio, os motivos por que
foi excluído da disciplina das relações internacionais por tanto tempo, e como foi
recuperado, com a emergência da EPI. Isto levará a um debate sobre quais são os
assuntos desta subárea e, na seqüência, do melhor marco teórico para o estudo
proposto.
Defenderei que o enquadramento proposto por Susan Strange, no qual a
EPI pode ser vista como o estudo do “poder estrutural”, oferece uma base
consistente para tal análise. Segundo a autora, essa idéia é mais adequada para o
estudo da economia política internacional do que a do “poder relacional” – “o
poder que tem A de obrigar B a fazer algo que, de outra forma, não faria”
1
(Idem,
p. 24). Partindo dessa noção, Strange descreve as relações dentro da EPI como
dadas entre “estruturas de poder”.
O capítulo termina com uma análise das principais idéias de alguns de
expoentes da teoria comercial liberal e da intervencionista. Concluirei que os
argumentos que ambos os lados oferecem são insuficiente para explicar o motivo
pelo qual países sob forte ascendência do comércio exterior podem ter diferentes
resultados em seu bem-estar interno.
1
Tradução livre do original em inglês.
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20
2.1.1.
A importância histórica do comércio para as relações internacionais
As trocas comerciais desempenham um papel crucial nas relações entre as
sociedades há vários séculos. De fato, uma análise mais detalhada das relações
econômicas na etapa de transição entre a Baixa Idade Média e o estabelecimento
do capitalismo na Europa revela a importância do comércio para o processo de
consolidação dos Estados nacionais no continente.
Barry Buzan e Richard Little demonstram, no livro International Systems
in World History, o papel do comércio em tal curso histórico. Os autores
sublinham que o transporte e o comércio reviveram na Europa do século XI. Em
1277, já havia comércio marítimo entre a península italiana e a Holanda. Com a
reimposição da barreira islâmica ao comércio europeu, o ressurgimento das trocas
comerciais euro-asiáticas foi prejudicado pelo fechamento, por volta de 1340, da
Rota da Seda, que ligava o Extremo Oriente ao Mar Negro, o que estimulou os
europeus a procurarem vias marítimas para as Índias. Assim, os portugueses
começaram a explorar a costa africana em 1416, chegando aos Açores em 1430,
ao Cabo da Boa Esperança em 1487 e, finalmente, às Índias em 1498, dois anos
antes de Pedro Álvares Cabral desembarcar na região do atual Porto Seguro.
Antes disso, em 1492, o genovês Cristóvão Colombo chegara às Américas a
serviço da Espanha. Trinta anos depois, foi concluída com sucesso a expedição
iniciada em 1519 pelo português Fernão de Magalhães, também em nome da
Coroa Espanhola, para fazer a primeira viagem de circunavegação.
Mesmo admitindo que as primeiras estatísticas razoavelmente confiáveis
sobre o comércio só surgiram no século XVIII, Buzan e Little apontam que várias
estimativas permitem aos estudiosos de hoje ter uma idéia aproximada de como as
trocas comerciais internacionais cresceram em relação tanto à economia quanto à
população do mundo. Desde 1750, indicam os autores, a população do planeta
aumentou em torno de 8 vezes, passando de cerca de 770 milhões para por volta
de 6 bilhões de pessoas. Buzan e Little citam cálculos de Paul Bairoch, segundo
os quais o PIB mundial expandiu-se aproximadamente 41 vezes, de US$ 148
bilhões, em 1750, para US$ 6,08 trilhões, em 1990. Para Philip Curtin, o comércio
global multiplicou-se por 54,5 entre 1700 e 1914, passando de US$ 700 milhões
para US$ 38,15 bilhões. William Woodruff estima que, entre 1750 e 1938, as
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21
trocas comerciais no planeta tenham se multiplicado por 65,9, escalando de US$
700 milhões para US$ 46,1 bilhões. Já os Anuários estatísticos das Nações Unidas
de 1964, 1982 e 1994 apontam, de acordo com Buzan e Little, uma multiplicação
por 174,6 nos anos entre 1938 e 1995, com uma disparada de US$ 47,9 bilhões
para US$ 8,364 trilhões. Portanto, dizem os autores, juntando-se os cálculos de
Woodruff e das Nações Unidas, encontra-se que o valor do comércio global
cresceu astronômicas 11.506 vezes entre 1750 e 1994.
This rather astonishing figure suggests that during the last 250 years world trade
has outperformed the growth in the human population by over 1,400 times and
outperformed global GNP by 281 times. (…) Even allowing for quite substantial
inaccuracies in theses estimates, and for temporary downturns (...), it seems
abundantly clear that world trade has expanded during this period with a ferocity
that is only marginally explained by parallel expansions of population and GNP
(Idem, p. 308).
Keohane e Milner também calculam a proporção do comércio, embora
apenas para décadas recentes.
During the first fifteen or twenty years after World War II, measures of trade
openness (…) recovered to levels above those of the 1930s and 1940s, but did not
reach levels as high as those of the period before 1914 (…). Since the early 1970s,
however, world trade increased dramatically relative to previous levels, and
relative to domestic product. Import volumes as percentage of real GNP in
industrial capitalist countries, which remained between 10 and 16 percent
throughout the ninety years between 1880 and 1972, increased to almost 22
percent during the 1973-87 period (…). Between 1972 and 1991 the average rate
of import growth into the Organization for Economic Development and Co-
operation (OECD) area was slightly over five percent, compared to an average
increase in real total domestic demand (both expressed in 1987 dollars on the
basis of 1987 GDP weights) of only three percent (..). That is, the imports grew
over two decades at a rate about 65 percent higher than growth in domestic
demand” (Keohane e Milner, 1996b, p. 10-11).
Apesar de concentrar esta análise na medida das importações de nações
ricas, Keohane e Milner analisam adiante a expansão das exportações de seis
países de industrialização recente
2
(conhecidos pela sigla NICs, do inglês). Isso
lhes permite argumentar que “o histórico dos NICs demonstra que, durante os
anos 70 e 80, a economia mundial esteve aberta o suficiente para que, mesmo na
2
Brasil, México, Hong Kong, Coréia do Sul, Cingapura e Taiwan, embora o status jurídico
deste último como país seja passível de questionamento.
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22
ausência de qualquer tratamento especial, alguns países pobres pudessem atingir
altas taxas de aumento de exportação e elevação da renda”
3
(Idem, p. 11).
Outra autora de peso a observar o crescimento do comércio no transcurso
do tempo, em números absolutos e relativos à economia em geral, é Susan
Strange, que em States and Markets, de 1988, aponta que
during the whole of the present century
4
trade between countries has grown faster
than their total production .That is to say, the proportion of production sold across
state frontiers has steadily risen. Before World War I, international trade grew at
an average rate of 2.5 per cent per year, while output grew at an average annual
rate of 2.2 per cent. In the last half-century, the rate of growth has accelerated,
even allowing for inflation, as the following figures of the total value of world
trade suggest: 1938, $ 25 billion; 1945, $58 billion; 1958, $ 114 billion; 1975,
$903 billion; 1984, $ 1,915 billion” (Strange, 1988, p. 162).
Embora o estudo de Buzan e Little não mergulhe em uma análise profunda
das causas de uma expansão comercial da magnitude observada, os autores
afirmam que não é possível compreender o fenômeno sem levar em conta a forma
como foi financiado. Assim, “a invenção do dinheiro obviamente está no cerne
deste processo, e as origens do dinheiro estão muito estreitamente associadas ao
desenvolvimento do comércio
5
” (Buzan e Little, Op. Cit, p. 308). No bojo do
processo de consolidação das soberanias nacionais, os governos viram-se na
necessidade de manter uma moeda estável que permitisse a seus países tirar
proveito da expansão comercial. Assim, de acordo com Buzan e Little, “a partir
do final do século XVI, os Estados europeus começaram a criar bancos centrais
em uma tentativa de acabar com a desordem financeira”
6
(Idem, p. 314). Foi nesse
contexto que, por exemplo, o Banco da Inglaterra (autoridade monetária britânica)
foi fundado em 1694, “marcando mais um passo na direção de centralização e
institucionalização do Estado”
7
(Ibid).
History reveals that the financial processes that have come into play since the
start of the sixteenth century have facilitated the emergence and consolidation of
3
Tradução livre do original em inglês.
4
Como o livro é de 1988, a autora refere-se ao século XX.
5
Tradução livre do original em inglês.
6
Tradução livre do original em inglês.
7
Tradução livre do original em inglês.
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23
modern states while, at the same time, in conjunction with increasing international
trade, they have pulled international economies into an ever closer and more
integrated network of relations” (Idem, p. 309).
Portanto, o comércio não foi apenas um dos fatores que contribuíram para
o processo de consolidação dos Estados nacionais, como também um dos
principais indutores da relação entre eles. Karl Marx e Friedrich Engels também
abordaram este assunto no Manifesto do Partido Comunista, de 1848. Para além
do célebre cunho panfletário da obra, esta constitui uma análise do que os autores
viam como uma tensão natural na forma moderna de organização social e
econômica. De um lado, os interesses da burguesia eram bem servidos pela forma
centralizadora do Estado nacional, enquanto de outro, o modo de produção
burguês – ou seja, o capitalismo – precisava expandir-se constantemente por meio
da divisão internacional do trabalho e do aprofundamento do comércio exterior.
The bourgeoisie ever more and more arrests the dispersion of the means of
production, property and population. It has agglomerated property in the hands of
a few. The necessary consequence of this was political centralisation
. Independent,
or loosely connected provinces having separate interests, laws, governments, and
tariffs, were lumped together into a single nation, with one government, one
constitution, one national class interest, one customs-tariff
8
(Marx e Engels, 2003
[1848], p. 129)
Segundo essa visão, nada mais natural, em tal contexto, do que um
crescimento do comércio com a consolidação e expansão do sistema capitalista. A
centralização da política no Estado e a internacionalização da produção,
distribuída via comércio, são vistas como os dois aspectos mais fundamentais da
ordem mundial “burguesa”.
The bourgeoisie has, by the exploitation of the world-market, given a
cosmopolitan character to the production and consumption of all countries. It has,
to the despair of reactionaries, cut from under the feet of industry its national
basis. Old established national industries have been destroyed, and are daily being
destroyed. They are dislodged by new industries; whose introduction becomes a
vital question for all civilised nations; by industries which no longer use native raw
material, but raw material brought from the furthest zone, and whose products are
consumed not only in their own countries, but in every quarter of the globe. (…).
8
O grifo é meu.
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24
Instead of the old local and national isolation and self-sufficiency, universal trade
has developed and the interdependence of nations
9
. (Idem, p.128)
Durante o longo período que englobou a transição do feudalismo para o
capitalismo, analisado por Marx e Engels no Manifesto, houve uma tensão entre
os interesses econômicos burgueses, servidos pelo liberalismo, e a preocupação
com a consolidação dos Estados nacionais. Muitos governos abraçaram a visão
nacionalista. A preocupação central dos formuladores de políticas econômicas
nessas nações era fortalecer e viabilizar o Estado. Esta postura, inicialmente
associada às políticas mercantilistas, foi formalmente organizada no Relatório
sobre as Manufaturas, apresentado em 1791 por Alexander Hamilton, então
secretário do Tesouro dos EUA, à Câmara de Deputados do país, e defendida pelo
alemão Georg Friedrich List no Sistema Nacional de Economia Política, de 1841.
No século XIX, porém, ganhou mais força a ideologia liberal proposta por
Adam Smith, autor de A Riqueza das Nações, de 1776, e David Ricardo, que
publicou Princípios de Economia Política e Tributação em 1817. Este corpo
teórico caracterizou-se por uma crença nos benefícios da especialização e em uma
harmonia de interesses, e pela idéia de que a interdependência provocada pelo
comércio seria o caminho para a paz internacional.
2.1.2.
A gênese da disciplina e a exclusão das questões econômicas
Vista com estranheza no início do século XIX, a teoria liberal chegou ao
fim do período como pensamento hegemônico. Para além das questões meramente
econômicas, o continente europeu viveu uma longa época predominantemente
pacífica, interrompida basicamente pelas guerras da Criméia (1854-56), Austro-
Prussiana (1866) e Franco-Prussiana (1870-71), e por conflitos breves de menor
escala. As guerras Austro-Prussiana e Franco-Prussiana foram marcos no caminho
da Alemanha rumo a sua tardia unificação nacional, mas não um embate entre
potências modernas européias. Afiançou-se a idéia de que o aprofundamento dos
laços comerciais da época merecia, ao lado de fatores políticos como o equilíbrio
de poder entre as potências européias, créditos pelo grande período de paz entre as
9
O grifo é meu.
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25
potências no continente europeu. A realidade, pois, parecia confirmar a crença
dos liberais de que o comércio era “uma força para a paz”, uma vez que “a
interdependência econômica cria laços positivos entre os povos e promove a
harmonia de interesses entre as sociedades”
10
(Gilpin, Op. Cit, p. 172).
Nesse contexto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial foi um grande
abalo. A virulência do conflito, sem precedentes em gerações, pode ser explicada
pelo menos em parte pelo fato de, pela primeira vez em uma guerra entre
potências, os dois lados terem usado os avanços tecnológicos desenvolvidos no
âmago da Revolução Industrial. Tornaram-se armas letais as conquistas que, para
a sociedade liberal, representavam avanços materiais e bem-estar. A crença em
uma paz com raízes no mercado ruiu junto com o edifício do progresso da
sociedade liberal do século XIX. Em meio a este abalo, surgiu na academia
anglo-saxônica a disciplina das relações internacionais. Em seu nascimento,
tratava-se do estudo das relações entre Estados soberanos - monopólios
coercitivos - com o objetivo de evitar, ou pelo menos diminuir, a freqüência das
guerras, bem como o dano por elas infligido a países e pessoas. Portanto, a análise
crucial era a da anarquia.
Existe entre os acadêmicos um debate sobre a localização exata no tempo
da gênese da nova disciplina. As considerações que alguns acreditam já formar
uma área de conhecimento começaram no período entreguerras. Por exemplo,
Nick Rengger e Mark Hoffman vêem o surgimento das RI nas décadas de 1920 e
1930, e afirmam que os estudiosos daquela época moviam-se pelo desejo de
entender as causas da Primeira Guerra Mundial a fim de prevenir outro conflito de
proporções similares (Rengger e Hoffman, 1992, p. 128). Para outros, só é
possível falar em relações internacionais como disciplina acadêmica instituída nos
anos subseqüentes ao final da Segunda Guerra Mundial. Seja como for, a área de
estudos surge em meio à grande desilusão provocada pelas guerras mundiais e
com uma grande desconfiança em relação à capacidade de os países viverem em
paz e garantirem sua sobrevivência por outros meios que não o poder militar. Tal
quadro tornou natural a proclamada vitória do realismo sobre o “idealismo” (de
10
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26
acordo com termo imposto retrospectivamente pelos próprios realistas
11
) no
chamado “primeiro debate” das RI.
Ademais, a disciplina também nasceu no bojo de um ambiente acadêmico
em que ganhava força a idéia, proveniente principalmente da economia
neoclássica, de procurar aperfeiçoar o conhecimento por meio do estudo de áreas
isoladas, com um foco absoluto. Tal esforço fica patente no trabalho do
economista neoclássico Léon Walras, que faz uma distinção rigorosa entre
“ciência” e “arte”. Para o autor,
“a arte aconselha, prescreve, dirige; a ciência observa, expõe, explica. Quando um
astrônomo observa e descreve o curso dos astros, faz ciência; mas quando, depois
de fazer suas observações, deduz regras aplicáveis à navegação, faz arte... Dessa
forma, observar e descrever fenômenos reais, eis a ciência; ditar preceitos,
prescrever regras, eis a arte” (Idem, p. 38)
Com tal distinção aceita na academia no momento da gênese das relações
internacionais, não é difícil entender que, se a nova disciplina ocupava-se do
estudo das relações entre Estados soberanos em um contexto de anarquia, nada
mais natural do que isolar a análise da política internacional de qualquer outra
área que pudesse diverti-la de seu alvo. Hans J. Morgenthau estabeleceu no livro
A política entre as nações – A luta pelo poder e pela paz, publicado em 1948, seus
célebres “seis princípios do realismo político”. Segundo o último deles, “o realista
político sustenta a autonomia da esfera política do mesmo modo como o
economista, o advogado e o moralista sustentam as deles”. (Morgenthau, 2003
[1948], p.22).
Nos contextos político e acadêmico do nascimento das relações
internacionais como disciplina, tal postura ganhou legitimidade e assumiu
proeminência absoluta. Durou décadas o “longo e nocivo divórcio entre a política
e a economia no estudo do sistema mundial”
12
, para usar palavras de Strange, uma
das pioneiras e principais nomes da subárea de economia política internacional
(Strange, 1995, p. 154).
11
Segundo comentário de Tim Dunne e Brian C. Schmidt.
12
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27
2.1.3.
O resgate da economia e a emergência da subárea da EPI
Entre o final dos anos 60 e o início da década seguinte, uma série de
acontecimentos - como o abandono do sistema de Bretton Woods (1971), os
efeitos do primeiro choque do petróleo (1973), e a percepção de uma erosão da
hegemonia americana, entre outros - forçaram a inclusão das questões econômicas
na agenda de uma disciplina cujo foco era, até então, a preocupação com a
segurança e com a estratégia da Guerra Fria. Para Strange, os fatos estavam
mostrando que “os mundos da política e da economia não são, e não podem ser,
separados um do outro”
13
(Idem, p. 169-170).
Já em 1968, Richard Cooper, um dos mais importantes pioneiros no estudo
de EPI, publicou The Economics of Interdependence, no qual afirmava que a
Otan, aliança militar do Atlântico Norte utilizada pelos EUA para fazer frente à
ameaça soviética, requeria melhor coordenação das políticas econômicas de seus
Estados-membros para ser eficaz. A interdependência das nações ocidentais em
um contexto de Guerra Fria, sugeria o autor, tornava necessário um esforço
conjunto na seara econômica como o que era realizado no campo militar.
Em 1970, Strange publicou no periódico International Affairs o artigo
International Economics and International Relations: A Case of Mutual Neglect,
em que chamava a atenção para o crescimento muito mais rápido do que
denominou “sistema econômico internacional” - em linhas gerais, as relações de
interdependência e interação econômica entre as nações - do que do “sistema
político internacional, bem mais estático e rígido” (Strange, 1970, p. 304-305). O
resultado disso, lamentava a autora, “é que grandes lacunas” permaneciam
“passíveis de serem preenchidas pelo mito popular e a lenda” (Idem, p. 309). A
idéia básica era de que a exclusão das questões econômicas do desenvolvimento
da disciplina não ajudara a iluminar a compreensão de fenômenos importantes
para o entendimento das relações internacionais. No mesmo ano do artigo de
Strange, Charles Kindleberger lançou Power and Money: the Economics of
International Politics and the Politics of International Economics. O economista
Kindleberger tornou-se um nome importante na EPI por seus estudos da relação
entre o poder e a economia, particularmente por apresentar a teoria da estabilidade
13
Tradução livre do original em inglês.
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28
hegemônica, depois abordada por teóricos como Gilpin, John Ruggie e Peter
Katzenstein (Gilpin, Op. Cit: capítulo 3)
14
.
Também marcaram o estudo da EPI nos anos 70 as análises da
“interdependência complexa” realizadas por Keohane e Joseph Nye, que se
tornaram clássicos da subárea. Em claro contraste com o “princípio do realismo
político” de Morgenthau, ambos destacaram, entre as características de tal
interdependência, que
the agenda of interstate relationships consists of multiple issues that are not
arranged in a clear or consistent hierarchy. This absence of hierarchy among
issues means, among other things, that military security does not consistently
dominate the agenda. Many issues arise from what used to be considered domestic
policy, and the distinction between domestic and foreign becomes blurred
(Keohane e Nye, 2000a, p. 719).
A partir do começo dos anos 70, então, a EPI foi conquistando seu espaço
na academia dentro da disciplina de relações internacionais, com colaborações de
autores como os mencionados e Robert W. Cox, Joan Spero, Stephen Krasner,
David Held, Immanuel Wallerstein e muitos outros
15
. Em artigo de 1995, Strange
avaliou positivamente o espaço ganho pela EPI dentro das RI, porém creditou a
situação mais à força dos acontecimentos do que a uma concessão intelectual do
“núcleo duro” realista, sempre tendente a observar as questões econômicas como
assuntos de low politics, cujo estudo deveria ser separado das questões de
segurança, que eram de high politics.
The boom in International Political Economy (...) as an area of specialization has
reflected not ideas but events. It was pure coincidence that President Nixon
decided unilaterally to float the dollar, close the gold window and effectively write
the epitaph of the Bretton Woods rules on exchange rates between the major
currencies only eight months after an article of mine in International Affairs (…)
had called for an end to the long separation of politics and economics. His actions
galvanized thought and discussion on the politics as well as economics of the
international monetary system. Within another two years, the OPEC countries had
14
Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
15
Evidentemente, nem toda a disciplina cedeu repentinamente aos argumentos dos
estudiosos da subárea. Prova disso é o fato de Theory of International Politics, de Kenneth Waltz -
publicado em 1979 e livro-chave do neo-realismo que viria, em grande medida, a dominar o
mainstream da disciplina nas décadas seguintes - levar ao paroxismo a visão das RI como
exclusivamente o estudo do comportamento de Estados soberanos em um ambiente anárquico.
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seized the golden opportunity of a booming commodity market – and therefore
strong demand for oil – coinciding with the 1973 Arab-Israeli war to quadruple the
asking price for their oil. Their success – however short-lived, since inflation in the
US rapidly devalued the real price of the same oil – put new life into the demands
of developing countries for economic justice and a better deal from rich,
industrialized countries in matters of trade and aid(Strange, 1995, p. 154-155).
Strange ainda inclui em sua lista outros fatos, como a crise da dívida de
países em desenvolvimento nos anos 80, e podemos especular que, tivesse o artigo
sido escrito alguns anos mais tarde, também constariam dele, entre outras
questões, as crises financeiras com epicentros no Sudeste Asiático, na Rússia e no
Brasil, os efeitos internacionais dos escândalos contábeis da Enron e da
WorldCom nos EUA, os fatores políticos da luta contra o financiamento do
terrorismo, a continuação do extraordinário crescimento chinês e seus efeitos
sobre a política mundial, o debate sobre a divisão das cotas de votação no Fundo
Monetário Internacional (FMI), o avanço das economias emergentes em relação
ao PIB mundial e os fracassos e sucessos da OMC desde sua criação, em 1995,
bem como os efeitos globais dos déficits gêmeos americanos. De acordo com a
autora, graças aos acontecimentos que cita em seu artigo e a outros, era “natural
que os políticos, a mídia e os acadêmicos desenvolvessem um forte interesse pela
EPI”
16
(Idem, p. 156).
2.2.
Os assuntos da economia política internacional
A lista de questões esboçada indica que a gama de assuntos que os estudos
de EPI parecem capazes de cobrir é bastante abrangente. Mas quais seriam
exatamente as fronteiras da subárea? Susan Strange, em 1995, apontou que
it is undeniable that there are certain commonly agreed ‘areas of investigation’
which are accepted as ‘belonging’ to IPE. Reflecting the concerns of governments,
these include the management of world trade, of exchange rates, of foreign debt, of
foreign investment and notably the multinational corporations. These topics make
up a certain core, a kind of lowest common denominator, for the subject, reflected
both in the ever growing literature and the topics discussed at conferences on
international studies(Idem, p.157).
16
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30
De toda forma, a localização acadêmica da EPI não fica claramente
assinalada pelas indicações de Strange, embora dificilmente a autora possa ser
culpada disso, uma vez que reconhece a existência de “um estado de confusão”
acerca de “o que a disciplina é e para onde deveria ir”
17
(Strange, 1995, p. 158)
18
.
A questão da localização da economia política internacional é importante
para esta dissertação, pois levará a outro debate, sobre a localização da pesquisa
proposta dentro da própria EPI e, portanto, da disciplina das RI
19
. Os objetivos
aqui são, em primeiro lugar, chegar a uma situação na qual seja possível
reconhecer e lançar mão das ferramentas analíticas apresentadas por uma tradição
de autores sem cair em uma espécie de “vale tudo” acadêmico, mas garantindo
que a subárea não fique aprisionada dentro de conceitos estanques e
excessivamente limitadores. Em segundo, localizar a pesquisa proposta dentro da
subárea.
Com tal intuito, analisarei a seguir as duas contribuições que talvez sejam
as mais aceitas no que diz respeito à localização da EPI. Primeiramente, abordarei
a de Robert Gilpin e, em seguida, em uma tentativa de contornar o que
identificarei como as limitações que esta perspectiva imporia ao presente estudo,
apresentarei a abordagem de Susan Strange.
Para Gilpin, “a economia política é criada pela existência paralela e a
interação do ‘Estado’ e do ‘mercado’”
20
(Gilpin, Op. Cit, p. 8). Segundo o autor,
Without both state and market there could be no political economy. In the absence
of the state, the price mechanism and market forces would determine the outcome
of economic activities; this would be the pure world of the economist. In the
absence of the market, the state or its equivalent would allocate economic
resources; this would be the pure world of the political scientist” (Ibid).
17
Tradução livre do original em inglês.
18
Esta constatação não implica que Strange não proponha uma definição para a EPI. A
autora o faz no livro States and Markets, com será apresentado adiante.
19
Este objetivo, porém, não deve ser confundido com o de encontrar uma resposta
conclusiva sobre o espaço ocupado pela EPI dentro da disciplina. Não é tal o objetivo da discussão
proposta.
20
Tradução livre do original em inglês.
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31
Subjaz a esta noção a visão do Estado e do mercado como as
“encarnações” da política e da economia, como explicitado no seguinte trecho, no
qual Gilpin aponta que as questões de economia política internacional são aquelas
generated by the interaction of the state and the market as the embodiment of
politics and economics in the modern world. They ask how the state and its
associated political processes affect the production and distribution of wealth and,
in particular, how political decisions and interests influence the location of
economic activities and the distribution of the costs and benefits of these activities.
Conversely, these questions also inquire about the effects of markets and economic
forces on the distribution of power and welfare among states and other political
actors, and particularly about how these economic forces alter the international
distribution of political and military power. Neither state nor market is primary;
the causal relationships are interactive and indeed cyclical. Thus, the questions
(…) focus on the mutual interactions of very different means for ordering and
organizing human affairs: the state and the market
21
. (Idem, p. 9)
A linguagem de Gilpin é muito elucidativa, mas no meu entender, ainda
incompleta. O problema é que, como aponta Strange em States and Markets, “a
percepção de que há uma ligação entre ambas (política e economia) não é
suficiente” para se ter um estudo de economia política (Strange, 1988, p.14).
Analogamente, como afirma Martin Staniland, citado por Strange, “verificar que,
no pôquer, há uma ligação entre um jogo de cartas e um ganho em dinheiro não é
o mesmo que saber jogar pôquer e ganhar a partida” (Ibid)
22
.
Gilpin indica corretamente, citando Robert Heilbroner, que existe uma
tensão permanente entre as lógicas do mercado “de alocar as atividades
econômicas onde elas são mais produtivas e dão maior lucro” e do Estado, que é
“capturar e controlar o processo de crescimento econômico e acumulação de
capital”
23
(Gilpin, Op. Cit, p.11). Por isso, “um virulento debate tem ocorrido por
séculos sobre a natureza e as conseqüências do atrito entre as lógicas
fundamentalmente opostas do mercado e do Estado”
24
(Idem, p.12). O fator
limitador em sua apresentação da subárea não está em sua análise das relações
tremeluzentes entre mercados e Estados, mas na restrição da economia política a
elas.
21
O grifo é meu.
22
Ambas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
23
Tradução livre do original em inglês.
24
Tradução livre do original em inglês.
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32
Para entender como a concepção de EPI apresentada por Gilpin poderia ser
ampliada, é necessário pensar três pontos: a) Há problemas com a identificação do
Estado como “a encarnação da política”? b) Há problemas com a identificação do
mercado como “a encarnação da economia”? c) O que falta para, usando a
metáfora de Staniland, “ganharmos a partida”?
Atualmente, a resposta à questão “a” é bastante direta. Há uma vasta
literatura sobre atores não-estatais na política e nas RI
25
. Ficarei satisfeito em
apresentar dois comentários sobre o trabalho de Susan Strange. O primeiro é que,
apesar do título States and Markets que deu a seu livro publicado em 1988, a
autora leva em conta nele a atuação de atores não-estatais na EPI. Isto ficará claro
nas páginas subseqüentes. O segundo é a reivindicação explícita que fez em 1995
de uma visão da política para além do Estado.
The first thing that is needed for the further development of the study of
international political economy is a redefinition of the study of politics. For too
long, political scientists have imagined that politics consists of what governments
do, how the function and how they behave to one another. The state, as someone
said, came to ‘colonize’ the study of politics. (…) But as the French writer
Bertrand de Jouvenel (1954) pointed out (…), people engage in politics whenever
one individual or group needs the support or assistance of others to achieve their
ends. That principle allows us to think quite differently about the nature of politics.
It is no longer confined to the state, to the functioning of government by states.
Thus, the chief executives of firms are engaged in politics when they seek the
support and cooperation of their managers and their workers, or of their suppliers
in meeting quality standards, or the continued confidence of their shareholders or
creditors. Running a business – as anyone who has ever done it knows – is more
than conducting a series of rational economic exchanges. Conflicting interests
have to be reconciled, chains of command established. Areas of responsibility must
be defined, and disagreement arbitrated. Above all, some leadership, some sense of
purpose, some confidence have to be instilled in all the people involved.
Nor does politics outside government occur only on a grand scale. Charity
organizers engage in politics. People who try to raise money for charities need ‘the
support and assistance of others to achieve their ends’. To some, the ends may be
trivial – running a tennis club, for example, or negotiating a car-pool (…). But the
process is still political, and calls for political skills more than economic
rationality” (Strange, 1995, p.169)
A resposta à questão “b” não é tão simples. Gilpin faz uma distinção muito
útil entre os conceitos de “mercado” e de “capitalismo”. O primeiro, explica, é
25
Seria impossível fazer uma lista de todos os autores, mas esta incluiria, por exemplo,
Alejandro Colas, Kathryn Sikkink, Marina Ottaway, Thomas Weeis, Leon Gordenker , David
Held, Anthony McGrew e Paul Wapner.
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mais amplo, uma vez que sua “essência” é “o papel central dos preços relativos
nas decisões referentes a alocações” (Gilpin, Op. Cit, p. 16). Já a “essência” do
segundo, como indicado por Marx e Engels, “é a propriedade privada dos meios
de produção e a existência de trabalho livre”
26
(Ibid). Neste panorama, nem
sequer uma economia socialista deixa de ser “de mercado”. O mesmo vale para os
exemplos das empresas e “triviais” dados por Strange, como a administração de
um clube de tênis. Eles levam a política além do Estado, mas a economia
permanece dentro dos limites do mercado.
O conceito de mercado apresentado por Gilpin aproxima-se muito das
mais aceitas definições de “economia”. De acordo com Strange, a economia
refere-se ao “uso de recursos escassos para desejos ilimitados. Como fazer uso
desses recursos é fundamentalmente uma questão de eficácia. A pergunta é: ‘Qual
é a alocação mais eficaz de recursos’”. (Strange, 1998, p. 14)
27
.
À primeira vista, então, não parece haver problemas com a identificação
do mercado como “a encarnação da economia”, feita por Gilpin. Entretanto,
existem questões econômicas que dependem de fatores que não podem ser
explicados em termos de alocação da forma mais eficaz, ou levando em conta os
preços relativos.
Por exemplo: a qualidade de mão-de-obra é um fator econômico que as
empresas levam em conta na hora de fazer investimentos (ou seja, alocar recursos)
em uma determinada região. Por sua vez, essa qualidade da mão-de-obra depende
de uma formação em escolas e cursos técnicos que são financiados com dinheiro
do Estado ou de particulares. Até este ponto dependemos de decisões sobre a
alocação de recursos. Ainda estamos dentro da lógica do mercado. Porém, em um
grupo de x alunos que começarem a freqüentar o maternal de determinada escola,
nem todos terão a mesma formação, pois alguns estudarão mais e terão bom
desempenho, e outros estudarão menos e seu boletim será recheado de notas
fracas. Alguns irão até o último ano e poderão inclusive ingressar em uma
faculdade, enquanto outros talvez tenham dificuldade até mesmo para aprender a
ler. Assim, alguns poderão vender seu trabalho como mão-de-obra qualificada,
capaz de agregar alto valor a um produto ou serviço, ao passo que outros não terão
26
Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
27
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essa vantagem. Trata-se, evidentemente, de uma questão econômica, mas a
variação entre o desempenho dos alunos que a determinou não aconteceu apenas
em função da lógica do mercado. As decisões sobre alocação podem ter sido as
mesmas tanto em relação à escola quanto dentro de cada família. As variações,
assim, podem ter ocorrido devido a motivações pessoais decorrentes de um
exemplo próximo, crença religiosa, inspiração com algum projeto artístico ou n
outros fatores.
Strange admite o efeito exercido sobre a economia pela educação, que não
pode ser totalmente englobada na lógica da alocação de recursos. Exemplifica
com um caso de sucesso comercial, contrastado com outro de dificuldades:
There is a close correlation between the availability of knowledge through
education and performance in export trade. Taiwan by 1987 had built up its
monetary reserves through successive years of trade surpluses to $62 billion, and
had one of the highest proportions in the world of its population in full-time
education. African countries have much lower percentages of literacy, and this is
an important limiting factor in their ability to export successfully” (Idem, p. 180).
Fenômeno semelhante ocorre com a questão da saúde. A manutenção de
uma mão-de-obra saudável é importante para a robustez econômica de qualquer
país. Assim, por exemplo, um país com alta incidência de HIV/Aids sofrerá
perdas tanto humanas quanto econômicas. Campanhas de informação e prevenção
podem ser feitas pelo governo com medidas tomadas de acordo com a lógica do
mercado. Em última instância, porém, muitas decisões que podem tornar uma
pessoa soropositiva – a prática de sexo sem proteção, o compartilhamento de
seringas etc – dependem de uma escolha pessoal que não necessariamente tem
relação com a alocação de recursos escassos. O mesmo ocorre com o consumo de
uma alimentação saudável que pode diminuir a incidência precoce de doenças
degenerativas: também depende de decisões pessoais.
Portanto, a saúde e a educação são dois exemplos de fatores importantes
para a economia cujo desempenho não depende apenas de decisões que levem em
conta a alocação de recursos escassos, ou seja, a lógica do mercado. Contudo,
desconsiderá-las em análises sobre a economia de um país seria um desatino que
não passa pela cabeça de economista algum. Segue-se que há mais a ser analisado
no estudo da economia do que fatores puramente de mercado.
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Se prosseguíssemos no debate aqui sinalizado, entraríamos em uma
discussão que cabe a economistas e que possivelmente levaria a argumentações
contraditórias acerca da racionalidade do “homem econômico”. Todavia, embora
o objetivo final desta dissertação não seja achar uma saída para o quebra-cabeça
encontrado na tentativa de dar uma resposta conclusiva à pergunta “b”, faz-se
necessário chegar a uma formulação teórica que permita, pelo menos, atingir os
pontos almejados nesta subseção: localizar a EPI no mapa acadêmico sem impor-
lhe barreiras que limitem inutilmente suas possibilidades como instrumento
intelectual, bem como permitir a realização da pesquisa aqui proposta dentro dos
marcos da subárea.
Para desatar esses dois nós, é preciso responder à questão “c”: já que não
basta identificar a existência de uma relação entre Estado e mercado para criar um
estudo de economia política, o que é preciso fazer?
Vimos que Robert Gilpin descreve o Estado e o mercado como “meios
muito diferentes de ordenar e organizar as questões humanas” (Gilpin, Op. Cit,
p.9). Susan Strange também considera que a definição de EPI nasce do estudo da
organização das questões humanas. Para a autora, as pessoas tentam, “por meio da
organização social”, garantir a provisão de quatro valores básicos: “riqueza,
segurança, liberdade de escolha e justiça” (Strange, 1988, p.17). De acordo com
Strange, embora todas as sociedades busquem todos esses valores, elas o fazem
em graus diferentes, atribuindo prioridades diversas a cada um deles
28
.
All societies need to produce food, shelter and other material goods; but some
will give the production of wealth in material form the highest priority. All
societies will be organized to give the individual some greater security from the
violence and abuse of others, both from others within that society and others from
outside it. But some will put order and security first. Indeed, the two great
advantages of social organization over life in individual isolation is that
association with other humans both increases the possibility of wealth and adds to
personal security. Social organization does, however, entail certain choices
regarding freedom, or the individual’s right to choose; and regarding the relative
justice of one set of arrangements over another (…).
Once you have a society, therefore, you have arrangements made which provide
some
wealth, some security, some element of freedom of choice for the members or
groups of them, and some
element of justice. (…)
Societies therefore differ from each other in the proportions in which they combine
the different values.
29
(Ibid).
28
Ambas as citações neste parágrafo são traduções livres dos originais em inglês.
29
Grifos no original.
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36
Diante deste quadro, o mesmo “método analítico de economia política”
pode ser aplicado por antropólogos que estudam sociedades remotas e por
estudiosos da economia global. A pergunta primordial que deve ser feita é “a que
valores essas organizações sociais dão maior prioridade?”. Em seguida, o que
Strange chama de “as velhas questões de todas as análises políticas”: “Quem leva
o quê?”, “quem ganha, quem perde?”, “quem assume os riscos e quem é poupado
dos riscos”, “quem ganha as oportunidades e a quem são negadas as
oportunidades de acesso aos quatro valores?
30
(Idem, p.18). É com base neste
quadro que a autora chega à sua definição de EPI.
The definition, therefore, that I would give to the study of international political
economy is that it concerns the social, political and economic arrangements
affecting the global systems of production, exchange and distribution, and the mix
of values reflected therein. Those arrangements are not divinely ordered, nor are
they the fortuitous outcome of blind chance. Rather they are the result of human
decisions taken in the context of man-made institutions and sets of rules and
customs
31
(Ibid).
Nesta definição, além de denotarem a presença da “política fora do
Estado”, como já indicado na questão “a”, os arranjos “sociais” são o
complemento que faltava às questões econômicas definidas na questão “b” em
termos da lógica do mercado, ou seja, da alocação de recursos levando-se em
conta um papel crucial dos preços relativos. Esta definição “trilateral” cumpre o
objetivo identificado de localizar a subárea dentro do mapa acadêmico sem
prendê-la a limitações inúteis e até mesmo contraproducentes.
30
Tradução livre do original em inglês.
31
O grifo é meu.
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37
2.3.
A EPI e as estruturas de poder
Do ponto de vista da presente pesquisa, a definição “trilateral” de Strange
tem a vantagem de oferecer um instrumental teórico mais adequado do que a
“bilateral” de Gilpin à análise dos efeitos do comércio exterior sobre o bem-estar
interno. Nesta seção, primeiro verificarei quais são os campos de análise abertos
pelo marco teórico defendido pelo autor. Depois, farei o mesmo com o proposto
por Strange. Ficará claro que a autora oferece uma opção melhor, embora também
sejam necessárias algumas observações acerca das ferramentas teóricas que
apresenta.
Gilpin considera que as lógicas conflitantes do mercado e do Estado, cuja
interação, em sua visão, definem o campo de estudo da economia política, dão
origem a três grandes grupos de questões da subárea. Para ele,
the conflict between the evolving economic and technical interdependence of the
globe and the continuing compartmentalization of the world political system
composed of sovereign states is a dominant motif of contemporary writings on
international political economy. Whereas powerful market forces in the form of
trade, money, and foreign investment tend to jump national boundaries, to escape
political control, and to integrate societies, the tendency of government is to
restrict, to channel, and to make economic activities serve the perceived interests
of the state and of powerful groups within it” (Gilpin, Op. Cit, p. 11)
O primeiro dos três grandes grupos é o relativo “às causas e aos efeitos
econômicos e políticos da emergência de uma economia de mercado”, e suas
perguntas básicas são: “Sob que condições emerge uma economia mundial
altamente interdependente?”, “ela promove a harmonia ou causa conflito entre os
Estados nacionais?”, e ainda “é preciso que exista uma potência hegemônica para
garantir relações de cooperação entre os Estados capitalistas, ou a cooperação
emerge espontaneamente do interesse mútuo”?
32
(Idem, p. 12).
De acordo com Gilpin, o segundo grande campo de debate dentro da
subárea é “a relação entre mudança econômica e mudança política”. Aqui, as
perguntas cruciais são: “Quais são os efeitos, sobre as relações políticas
internacionais, e quais são os problemas associados a mudanças estruturais no
lócus de atividades econômicas e de setores econômicos líderes, e a taxas cíclicas
32
Traduções livres do original em inglês.
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38
de crescimento econômico?” e, “vice-versa, como os fatores políticos afetam a
natureza e as conseqüências das mudanças estruturais em assuntos
econômicos?”
33
(Idem, p.13).
A pesquisa desta dissertação se aproximaria mais da terceira grande
subdivisão da EPI na classificação de Gilpin, que se refere ao “significado de uma
economia de mercado mundial para as economias nacionais”. As perguntas que
orientam os estudos neste campo são: “Quais são suas conseqüências (de uma
economia global) para o desenvolvimento econômico, o declínio econômico, e o
bem-estar econômico de sociedades individuais?”, “como a economia de mercado
mundial afeta o desenvolvimento econômico dos países menos desenvolvidos e o
declínio econômico das economias avançadas?”, “como afeta a distribuição de
riqueza e poder entre sociedades nacionais?”, e “o funcionamento da economia
mundial tende a concentrar riqueza e poder, ou a difundi-los?”
34
(Idem, p.14).
Este terceiro grande campo da EPI no mapeamento proposto por Gilpin
trata, entre outras questões, da relação entre a economia global (incluindo o
comércio internacional) e o bem-estar das sociedades individuais. O problema
está na limitação do bem-estar ao plano econômico. Na seção anterior, defendi
que há fatores que, embora não sejam determinados por arranjos políticos nem
pela alocação mais eficaz de recursos, são importantes para a EPI. Analogamente,
esses outros fatores também sofrem influência do conjunto dos aspectos
envolvidos na economia política internacional. Mas Gilpin pergunta-se apenas
pelos efeitos da “economia global” sobre o “bem-estar econômico”.
Um primeiro movimento para a expansão da proposta de Gilpin seria a
supressão da palavra “econômico”, o que provocaria uma adaptação da pergunta
destacada para “Quais são as conseqüências de uma economia mundial para o
bem-estar de sociedades individuais?”. Com o fim de direcioná-la mais
especificamente para o estudo desta dissertação, seria necessária uma nova
adaptação para chegar a: “Qual é a relação entre a economia mundial (em seu
aspecto comercial) e o bem-estar de sociedades individuais?”.
Trabalhando com o enquadramento apresentado por Strange, a localização
da pesquisa na EPI é mais direta. Após 1) identificar o que considera como quatro
33
Traduções livres do original em inglês.
34
Traduções livres do original em inglês.
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39
valores básicos que todas as organizações sociais procuram alcançar, embora em
proporções diferentes, e 2) afirmar que o estudo da EPI refere-se a arranjos
sociais, políticos e econômicos, e à combinação desses valores que tais arranjos
incluem, a autora aponta que a forma como acontece essa mistura é definida pelo
exercício de poder.
It is impossible to study political economy and especially international political
economy without giving close attention to the role of power in economic life. Each
system of political economy (…) differs (...) in the relative priority it gives to each
of the four basic values of society. Each reflects a different mix in the proportional
weight given to wealth, order, justice and freedom. What decided the nature of the
mix is, fundamentally, a matter of power” (Strange, idem, p. 23).
Strange diferencia dois tipos de poder exercidos na economia política:
relacional e estrutural. O primeiro tipo, mais clássico e ao gosto dos “escritores
realistas de livros-texto”, é a capacidade de obrigar outros a fazerem algo que não
fariam na ausência do exercício daquele poder (Idem, p.24). O segundo é “o poder
de plasmar e determinar as estruturas da economia política global”
35
(Ibid).
Segundo a autora, não é possível encontrar o poder estrutural em uma
única estrutura, e sim em quatro estruturas primárias relacionadas entre si, porém
distinguíveis. Essas quatro estruturas são: da segurança, da produção, das finanças
e do conhecimento. Como em uma pirâmide de quatro lados, cada uma dessas
estruturas toca e afeta as outras três, mas nenhuma delas necessariamente
predomina. Em virtude da operação destas quatro estruturas principais, a autora vê
a emergência de “estruturas secundárias”, como as do comércio, do bem-estar, da
energia e dos sistemas de transporte.
Com base nesta proposta, a pesquisa desta dissertação pode ser definida
como uma análise da influência da estrutura do comércio sobre a estrutura do
bem-estar. Para isso, contudo, dois problemas precisam ser resolvidos. O primeiro
é a separação que faz Strange entre estruturas “primárias” e “secundárias” –
principalmente tendo em vista que ela classifica tanto a do comércio quanto a do
bem-estar como “secundárias”, e diz que estas emergem apenas em função da
operação das “primárias”. O segundo problema decorre do foco da autora, embora
esta não aborde o assunto de maneira direta, no plano global. Os Estados, porém,
35
Ambas as citações deste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
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40
são participantes importantíssimos da economia política internacional, o que me
levará a defender que o marco teórico proposto por Strange pode ser enriquecido
pela adoção de estruturas nacionais.
2.4.
Modificações necessárias
2.4.1.
“Primárias” e “secundárias”: por que a divisão empobrece a
proposta de Strange
Strange aponta que as estruturas secundárias “refletem amplamente a
natureza das estruturas primárias de segurança, produção, finanças e
conhecimento”
36
(Idem, p.208). Apesar de “amplamente” não ser sinônimo de
“totalmente”, acredito que a limitação imposta pela restrição acerca da índole das
estruturas “secundárias” seja bastante empobrecedora.
Lembremos que Strange apontou que as sociedades se diferenciam na
importância proporcional que dão a quatro valores fundamentais: segurança,
riqueza, liberdade de escolha e justiça. Pensou a EPI como uma subárea relativa a
“arranjos que afetam sistemas globais de produção, troca e distribuição, e a
mistura de valores que estes refletem(Idem, p.18). Ao mesmo tempo, reconhece
que “esses valores não são ordenados por intervenção divina, nem resultados
fortuitos do mero acaso”; são “o resultado de decisões humanas” (Ibid)
37
. Em
última instância, uma questão de poder. Se a escolha dos valores que prevalecem
não é algo fixo e varia de sociedade para sociedade em função do uso do poder,
como afirmar que as estruturas nas quais está o poder estrutural limitam-se às
quatro que a autora identifica como “primárias”? Tanto a reflexão como exemplos
práticos mostram que isto é muito duvidoso.
Para Strange, as quatro estruturas “primárias” (segurança, finanças,
conhecimento e produção)
are not peculiar of the world system, or the global political economy, as you may
prefer to call it. The sources of superior structural power are the same in very
small human groups, like a family or a remote village community, as they are in
36
Tradução livre do original em inglês.
37
Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
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41
the world at large. The four sources (…) are: control over security; control over
production; control over credit; control over knowledge, belief and ideas” (Idem,
p. 26)
Não entrarei no mérito da aplicabilidade do modelo proposto fora da EPI,
pois a discussão que me interesse inscreve-se na subárea. Para não fugir do meu
foco, tampouco questionarei a noção de que esses quatro valores, e apenas eles,
estão presentes em absolutamente todas as comunidades. O importante aqui é
notar que os valores básicos das sociedades – quer os apontados por Strange, quer
outros, em uma relação mais ampla ou mesmo restrita - encontram-se
“espalhados” pelas diferentes estruturas de poder na EPI. O que garante que as
estruturas que a autora aponta como “secundárias” também não possam conferir
poder estrutural? É interessante notar como esta postura lembra a exclusão da
economia em relação ao estudo das relações internacionais até o movimento de
contestação iniciado na virada da década de 60 para a de 70. No restante desta
subseção, apresentarei os dois pontos que, de acordo com Strange, as estruturas
“primárias” têm em comum, e afirmarei que as “secundárias” também
compartilham deles.
Diz a autora:
what is common to all four kinds of structural power is that the possessor is able
to change the range of choices open to others, without apparently putting pressure
on them to take one decision or to make one choice rather than others. Such power
is less ‘visible’
38
. The range of options open to the others will be extended by
giving them opportunities they would not otherwise have had. And it may be
restricted by imposing costs or risks upon them larger than they would otherwise
have faced, thus making it less easy to make some choices while making it more
easy to make others” (Idem, p.31).
Vários casos práticos jogam por terra a idéia de que as estruturas
“secundárias” operam exclusivamente em função das “primárias”, e que o
contrário não acontece. Basta pensar na repercussão que a assinatura de um
acordo comercial pode ter para a nota dada por agências de classificação de risco
aos bônus da dívida de um Estado (“risco soberano”), uma avaliação levada em
conta por agentes econômicos para ampliar ou restringir o crédito ao país. Um
exemplo disso aconteceu em abril de 2007, quando o vice-ministro das Finanças
38
A comparação aqui é com o poder “relacional”.
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42
da Coréia do Sul, Kim Sung-jin, anunciou que aproveitaria uma visita aos EUA
para ir ao escritório da agência Moody’s tentar persuadir seus analistas a elevarem
a nota dos títulos do país em vista de um acordo comercial entre Seul e
Washington.
Se tanto as estruturas de poder “secundárias” podem influenciar as
“primárias” como vice-versa, também não se pode negar que as “secundárias”
influenciam entre si. A observação empírica também demonstra que não há como
não existir relação entre, por exemplo, as estruturas de energia e a de transporte –
quando mais não seja porque os meios de transporte usam fontes de energia.
Parece ainda bastante evidente que a estrutura do comércio influencia a do
bem-estar, que Strange considera uma estrutura secundária. É curioso notar como
a autora analisa, por exemplo, a mudança dos produtos exportados no mundo – o
aumento do comércio do petróleo e das trocas de eletrônicos, aviões e serviços
para mencionar apenas alguns exemplos -, sem entrar na discussão de como essa
mudança afeta o bem-estar das sociedades com economias produtoras de petróleo,
ou que passaram a produzir bens eletrônicos. Para ela,
because the impact of any one primary structure on the trade prospects of any
country at any one time will vary so much, the combined effects on that country of
all fours structures, some being favourable to it others unfavourable will vary even
more” (Idem, p. 181).
Esta observação é correta, porém incompleta. Por que não pensar também
na influência da estrutura do comércio sobre as quatro “primárias”? Ou ainda
sobre as outras “secundárias”? E das outras “secundárias” sobre o comércio? Não
há motivo convincente para esse silêncio. O próprio bem-estar, como discutirei
com um pouco mais de profundidade no capítulo 3, pode ser visto, no esquema
proposto por Strange, como uma fonte de poder, pois a capacidade de alocá-lo na
sociedade também confere àquele que a possui o poder de mudar o leque de
opções abertas aos outros, sem pressioná-los de forma muito visível.
Há ainda um segundo ponto que, de acordo com Strange, caracteriza suas
quatro estruturas “primárias”: como já indiquei, nenhuma delas necessariamente
prevalece. A autora propõe a representação dessas estruturas como uma pirâmide
de plástico na qual todos os lados se tocam, sem que nenhum deles tenha
obrigatoriamente mais peso.
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43
Another point about my four-faceted plastic pyramid image is that it is significant
that each facet touches the other three. Each interacts with the others. It should
also be represented as balancing on one of the points, rather than resting on a
single base. There is a sense in which each facet – security, production, finance
and knowledge-plus-beliefs is basic for the others. But to represent the others as
resting permanently on any one more than on the others suggests that one is
dominant. This is not necessarily or always so.” (Idem, p.31).
Novamente, não vejo motivos para excluirmos as estruturas “secundárias”
da idéia de que todas estão em permanente contato, sem que uma necessariamente
se imponha. É evidente que se ampliarmos essa idéia às oito estruturas propostas
por Strange teremos de prescindir da imagem da pirâmide. Acredito que isto seja
necessário. De fato, não são necessários novos exemplos, pois o dado sobre
comércio, de um lado, e finanças, de outro, é bastante eloqüente para demonstrar a
falta de uma hierarquia engessada na relação entre as estruturas. A ausência de
uma hierarquia obrigatória, aliás, é um tema familiar à EPI. Afinal, como vimos,
em sua busca por um espaço nas relações internacionais, os autores da subárea
tiveram que contestar o mainstream realista e argumentar que a segurança nem
sempre seria a questão predominante na disciplina. Foi o que fizeram Keohane e
Nye no citado artigo Realism and Interdependence ao caracterizar a ausência de
uma hierarquia obrigatória entre os assuntos como uma das três características
principais da situação das relações entre Estados que descreveram como
“interdependência complexa”
39
.
Se, de um lado, o argumento de Keohane e Nye focaliza-se apenas nas
relações entre os Estados, de outro, é mais completo que o de Strange ao descartar
hierarquias rígidas para as questões na EPI. No meu entender, Strange desperdiça
parte das possibilidades de seu arcabouço teórico ao estabelecer quatro estruturas
como fontes de poder primário em absolutamente todas as situações. Afinal, em
última análise, a idéia de que os valores básicos das sociedades podem ser
hierarquizados de diferentes formas impede que as estruturas que formam o poder
estrutural tenham uma hierarquia engessada.
39
As outras duas características são: os fatos de múltiplos canais conectarem as sociedades
e de o poder militar não ser usado por um Estado contra outro quando prevalece uma situação de
interdependência complexa.
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44
Assim, dependendo do caso, as estruturas “secundárias” podem ser fontes
tão importantes de poder estrutural quanto as “primárias”. A atuação das
estruturas “secundárias” pode ter grande influência sobre variações nas estruturas
“primárias”, e também sobre outras “secundárias”.
2.4.2.
Estruturas nacionais
Nos capítulos de States and Markets dedicados à análise das estruturas, o
foco de Strange é sempre o cenário global. Entretanto, a própria autora assinala
que as fontes de poder estrutural são as mesmas em qualquer grupo humano ou
sociedade. Certamente não faz sentido estudar dentro da EPI as estruturas nas
quais o poder se assenta em uma família ou um vilarejo. Acredito, porém, que
estruturas nacionais devam ser levadas em conta.
É verdade que respaldei o argumento segundo o qual o Estado não é a
“encarnação” da política. Ele convive com outros atores políticos importantes,
mas possui dois atributos básicos que o diferenciam de todos os demais na arena
da EPI. Em primeiro lugar, o Estado é soberano: não reconhece qualquer
autoridade acima de si. Isto significa que possui uma presença jurídica que define
um “dentro” e um “fora” de si. A importância deste fato para a EPI fica patente
em muitas situações. Um exemplo claro é o de um caso ocorrido no início de
2006. Na ocasião, estava sendo negociado um acordo pelo qual uma subsidiária da
firma Dubai Ports World, de propriedade do governo dos Emirados Árabes
Unidos, assumiria o controle de vários portos nos EUA. Legisladores americanos
opuseram-se a essa possibilidade, alegando que o pacto poderia ameaçar a
segurança do país. O assunto suscitou uma celeuma no Congresso americano que
ganhou proporções tão gigantescas que acabou fazendo a empresa desistir da
oportunidade. No fim das contas, o caso só teve esse final porque o Congresso é
um órgão do Estado, e este não admite nenhuma outra autoridade em território
nacional. Se os atores envolvidos (a Dubai Ports World e os políticos americanos)
não reconhecessem o espaço de soberania criado pela presença do Estado, toda a
discussão perderia sentido.
O segundo atributo é que apenas os Estados têm capacidade de
implementar políticas públicas capazes de modificar as estruturas nas quais se
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45
localiza o poder na EPI. Isto não significa que outros atores não possam alterar
tais estruturas, mas que o alcance que tem a ação dos Estados normalmente é
muito maior que o que pode ser atingido pelos demais. Evidentemente, alguns
Estados têm mais capacidade que outros de alterar as estruturas globais. No caso
das estruturas nacionais, os Estados costumam ser o ator mais poderoso, embora
seja mister admitir que há exceções a essa regra, como demonstram, por exemplo,
os debates sobre “Estados falidos” e o papel de atores não-estatais, como grupos
terroristas, multinacionais etc. O caso é que só um Estado pode, por exemplo,
assinar um tratado de não-proliferação que altere estruturas da segurança,
aumentar ou diminuir as taxas de juros referentes à sua moeda, afetando estruturas
das finanças; firmar pactos com outros Estados que mudem substancialmente
estruturas do comércio. Os exemplos seriam muitos. Poder-se-ia argumentar que
outros atores, como as ONGs, adotam medidas que modificam – recorrendo a um
exemplo crucial para esta dissertação - a alocação de bem-estar. Mas, na grande
maioria das situações, seu poder de atuação é reduzido quando comparado ao do
aparelho estatal.
Este alcance das políticas públicas é uma conseqüência do primeiro
atributo do Estado: o fato de ser uma autoridade soberana. Sem isto, ele não
arrecadaria impostos nem teria outras fontes de renda, como a emissão de dívida
“soberana”, que viabilizassem os gastos com tais políticas. O poder de
implementar políticas públicas faz com que o Estado possa tanto participar da
modificação de estruturas globais como mediar a forma como um fenômeno
internacional se reflete internamente. Um exemplo do primeiro caso é o abandono
do padrão-ouro pelos Estados Unidos. Uma aplicação do segundo será feita nesta
dissertação, na qual se estudará como a atuação estatal modifica o impacto das
estruturas do comércio nacionais (ou seja, a participação de um país no comércio
exterior) sobre as estruturas do bem-estar nacionais.
Assim, os dois atributos da soberania e do poder de implementação de
políticas públicas fazem com que os Estados possam tanto modificar elementos
das estruturas globais como condicionar o impacto interno de fenômenos
internacionais. Segue-se que a adoção de estruturas nacionais não apenas é
necessária para uma longa lista de análises de EPI que sigam o marco proposto
por Strange, como também enriquece consideravelmente esse enquadramento
teórico.
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2.5.
Teorias do comércio
Vimos na seção anterior que a pesquisa proposta pode ser definida como
uma análise do impacto da estrutura do comércio nacional sobre a estrutura do
bem-estar nacional. Existem pelo menos duas grandes tradições teóricas acerca
dos efeitos do comércio: a liberal e a intervencionista
40
. Antes de seguir adiante
nesta dissertação, é preciso observar o que dizem os principais expoentes
envolvidos no debate entre ambas as tradições, para analisar se suas posições
podem ser aplicadas ao presente estudo.
2.5.1.
A tradição liberal: Smith, Ricardo, Walras e Heckscher-Ohlin
Os dois grandes nomes dos alvores da teoria liberal do comércio são Adam
Smith e David Ricardo. Esta tradição considera as trocas comerciais um jogo de
soma positiva e vê uma harmonia de interesses entre os países.
Although liberal theory has changed in form and content from the simple ideas of
Adam Smith to the sophisticated mathematical formulations of the present day, it
40
Gilpin observa duas grandes linhas teóricas acerca do comércio: a liberal e a
“nacionalista” ou intervencionista. Strange menciona três teorias: liberal, realista (equivalente à
“nacionalista”) e
estruturalista ou da dependência. Não abordarei aqui esta última devido à sua
limitação para a análise de efeitos diferentes do comércio em países com características similares
(e ambos latino-americanos), que é o que será pesquisado. Essa limitação decorre de o foco da
teoria ser o sistema, como indica o nome “estruturalista”. Há, portanto, pouco espaço para
diferenças em casos como os do Chile e da Venezuela, que serão os abordados. É verdade que esta
corrente reúne uma rica variedade de autores. A Teoria da Dependência associada a Raúl Prebisch
e à Cepal, por exemplo, tem parentescos com o “nacionalismo” ou “realismo”, mas seus
proponentes também secundavam políticas compensatórias para os países do Terceiro Mundo,
para além do nível nacional. Uma vertente mais radical, representada por autores como Gunder
Frank, apresenta “a desigualdade econômica como o reflexo da desigualdade inseparável de um
sistema capitalista sustentado pelo uso do poder político, tanto nacional como internacionalmente”,
de forma que políticas compensatórias pouco ajudariam em um quadro geral que condenaria
permanentemente o Terceiro Mundo ao atraso (Strange, 1988, p. 178). Estas citações são traduções
livres do original em inglês.
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rests ultimately upon the belief that economic specialization produces gains in
productive efficiency and national income. Liberal theory also believes that trade
enlarges consumptions possibilities.” (Gilpin, Op. Cit, p. 173).
Na base do nascimento do pensamento econômico liberal está uma teoria
do valor das mercadorias sustentada no trabalho nelas empregado. Smith
identificou dois tipos de valor para cada produto: um de uso e outro de troca. O
primeiro, embora fundamental, não serve para a comparação entre produtos, uma
vez que a utilidade não é mensurável. Já o segundo permite o estabelecimento do
valor de um produto em comparação com outros, inclusive o dinheiro. E esse
valor é determinado pela quantidade de trabalho demandada por aquele artigo.
A Riqueza das Nações, de Smith, é uma crítica feroz à política mercantilista
adotada pelos Estados europeus em seu processo de consolidação. O
mercantilismo não era um ideário econômico consolidado, mas uma série de
propostas implementadas pelos países em transição entre o feudalismo e o
capitalismo. Tratava-se de um dos três pilares do sistema de Estados nacionais em
sua gênese no Velho Continente, ao lado do absolutismo político e do
nacionalismo ideológico. Entre suas idéias básicas estava a noção de que a
riqueza da sociedade crescia com o aumento do estoque dos meios de pagamento,
ou seja, ouro e prata, o que levava também a uma expansão do poder do Estado.
Tais meios de pagamento eram uma dádiva da natureza, não algo emitido pelo
Estado. O dinheiro era considerado um fator de produção; acreditava-se que,
acumulando metais preciosos, o Estado também se dotaria de maior capacidade de
produção. Além de depender do estoque de dinheiro, o aumento da produção
estava ligado à livre circulação dentro do mercado nacional e à unificação
econômica interna, ou seja, à eliminação das barreiras medievais ao comércio
nacional. Finalmente, via-se a política comercial protecionista e promotora das
exportações como a única capaz de aumentar o poder do Estado nacional por meio
da expansão de sua riqueza.
Contra esse conjunto de idéias insurgiram-se os primeiros pensadores da
teoria liberal. Antes de Adam Smith, David Hume já propusera a hipótese do
preço-fluxo de metais preciosos, segundo a qual o acúmulo de metais preciosos
era inútil aos interesses de um Estado, uma vez que o aumento dos meios de
pagamento provocaria um encarecimento das mercadorias exportadas. Assim,
com o tempo, as importações se tornariam mais baratas e as exportações mais
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caras, o que prejudicaria a balança comercial. Nesta visão, o dinheiro deixava de
ser um fator de produção e se tornava um meio de troca para o Estado que, ao
contrário dos indivíduos, não enriqueceria com o acúmulo de ouro e prata.
Smith trabalha com a noção de sistema econômico governado por leis
objetivas e inteligíveis. A operação eficiente desse sistema requereria a maior
liberdade econômica possível para os indivíduos. Aqui, o conceito de liberdade é
tanto individualista - referido ao indivíduo – quanto negativo - liberdade é a
ausência de constrangimentos à ação do indivíduo. O cerne da crítica ao
mercantilismo está em sua definição de riqueza. Esta não reside no dinheiro, mas
naquilo que ele compra. A riqueza de uma nação não é o acúmulo dos meios de
pagamento, mas do que ele produz. O autor, na realidade, trabalha com a noção de
PIB ao propor que a riqueza do país é equivalente a tudo o que ele produz.
There is another balance (…) very different from the balance of trade, and which,
according as it happens to be either favourable or unfavourable, necessarily
occasions the prosperity or decay of every nation. This is the balance of the annual
produce and consumption. (Smith, Op. Cit, p. 626).
De acordo com o autor, quanto mais um Estado se abrir para o comércio,
melhor, pois os países têm diferentes atributos na produção. Para aumentar a
riqueza, é melhor cada um se concentrar naquilo para o que tem vocação. Quando
o custo de um artigo comprado no exterior for menor do que o de sua produção no
país, convém importá-lo e canalizar o montante poupado para algo mais
produtivo. Esta é a idéia das vantagens absolutas na divisão internacional do
trabalho. Com esta divisão, todos ganham porque todos produzem mais e têm
mais acesso à riqueza, embora não em partes iguais. Neste raciocínio, o
monopólio do mercado interno beneficia um tipo de indústria, e canaliza para ela
recursos. Não é, entretanto, positivo para a sociedade em geral. O autor contrapõe
o artificialismo, ou seja, a direção do Estado, à espontaneidade do mercado. O
resultado da direção estatal é a ineficácia associada ao predomínio do interesse
particular daquele que é protegido. A espontaneidade das relações de mercado é
associada à eficácia e ao predomínio do interesse geral. O argumento de Adam
Smith é simultaneamente econômico e moral.
Partindo do trabalho de Smith, David Ricardo aperfeiçoou, em “Princípios
de Economia Política e Tributação”, de 1816, a idéia dos benefícios do comércio
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ao elaborar a noção de vantagens comparativas em vez de absolutas. É importante
ressaltar que, em sua construção teórica, Ricardo utiliza uma noção de pleno
emprego. A oferta de trabalho disponível é considerada um dado exógeno. O
trabalho é regido simplesmente pela concorrência. A taxa de lucro é vista como o
motor do crescimento econômico e, ao mesmo tempo, o autor considera que um
aumento do lucro só pode advir de uma queda dos salários. Esta visão respalda o
interesse do comércio internacional, que aumentaria o total de produtos
disponíveis diminuindo seu preço e, portanto, o montante do salário que os
trabalhadores precisam ganhar.
Apoiado em sua visão, que trazia embutida uma noção de total mobilidade
interna, mas nenhuma mobilidade externa do trabalho, Ricardo aponta que os
países devem embarcar no comércio exterior porque cada um é diferente, e pode
se beneficiar de suas particularidades utilizando o fator trabalho, que confere valor
aos produtos, naqueles setores em que é comparativamente melhor do que seus
parceiros. Desta forma, cada um poderia se concentrar em sua especialidade, e os
ganhos ainda seriam potencializados para todos porque se trabalharia com
economias de escala.
Seu exemplo clássico é um modelo de dois países e dois produtos: o
comércio do vinho português e do tecido inglês. Considera que a Inglaterra
precisaria do trabalho de 120 homens para produzir determinada quantidade de
vinho durante um ano e de cem para produzir outro total de tecido no mesmo
período, e que Portugal necessitaria o trabalho de apenas 80 pessoas para produzir
a mesma quantidade de vinho que os ingleses em lapso idêntico, e de 90 para
produzir a mesma quantidade de tecido também no mesmo tempo. De acordo com
a visão de Adam Smith, Portugal produziria tanto o tecido quanto o vinho e não
comercializaria nenhum com a Inglaterra, uma vez que produziria ambos mais
baratos do que compraria. Para Ricardo, entretanto, é conveniente para Portugal
concentrar-se na produção de vinho e comprar o tecido da Inglaterra. Nas palavras
do autor,
if Portugal had no commercial connection with other countries, instead of
employing a great part of her capital and industry in the production of wines, with
which she purchases for her own use the cloth and hardware, she would be obliged
to devote a part of that capital to the manufacture of those commodities, which she
would thus obtain probably inferior quality as well as quantity.
The quantity of wine which she shall give in exchange for the cloth of England is
not determined by the respective quantities of labour devoted to the production of
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each, as it would be if both commodities were manufactured in England, or both in
Portugal.
England may be so circumstanced that to produce the cloth may require the labour
of 100 men for one year; and if she attempted to make the wine, it might require the
labour of 120 men for the same time. England would therefore find it her interest to
import wine, and to purchase it by the exportation of cloth.
To produce wine in Portugal might require only the labour of 80 men for one year,
and to produce the cloth in the same country might require the labour of 90 men
for the same time. It would therefore be advantageous for her to export wine in
exchange for cloth. This exchange might even take place notwithstanding that the
commodity imported by Portugal could be produced there with less labour than in
England. Though she could make the cloth with the labour of 90 men, she would
import it from a country where it required the labour of 100 men to produce it,
because it would be advantageous to her rather to employ her capital in the
production of wine, for which she would obtain more cloth from England, than she
could produce by diverting a portion of her capital from the cultivation of vines to
the manufacture of cloth.” (Idem, p.82).
Décadas depois da publicação do livro de Ricardo, o pensamento
neoclássico representou importante ruptura dentro da tradição liberal. Vimos
anteriormente a distinção que faz Léon Walras entre ciência e arte. Agora, é
preciso ressaltar a teoria do valor que o autor apresenta. Esta rompe com a idéia
do valor-trabalho que está na base das propostas de Smith e Ricardo. De acordo
com Walras, uma mercadoria é algo útil e que, ao mesmo tempo, posse ser
apropriado, permutado e produzido industrialmente. Algo pode ser vital, mas não
será uma mercadoria se não cumprir esses requisitos, como acontece com a luz do
sol. Subjacente a esta discussão está a noção de escassez, ou raridade. É esta que
determina o valor das mercadorias a serem trocadas.
“Compreende-se (...) qual é aqui o sentido das palavras raro e raridade. Um
sentido científico, como o das palavras velocidade em mecânica e calor em física.
Para o matemático e para o físico, a velocidade não se opõe à lentidão, nem o calor
ao frio, como se dá na linguagem vulgar: a lentidão não passa, para um, de uma
velocidade menor, o frio não passa, para o outro, de um calor menor. Um corpo, na
linguagem da ciência, tem velocidade desde que se mova e tem calor desde que
tenha qualquer temperatura. Do mesmo modo, aqui, a raridade e a abundância não
se opõem uma à outra: por mais que seja abundante, uma coisa é rara, em
Economia Política, desde que seja útil e limitada em quantidade, exatamente como
um corpo tem velocidade em mecânica, desde que percorra certo espaço em certo
tempo. Isso quer dizer que a raridade é a relação entre a utilidade e a quantidade,
ou a utilidade contida na unidade de quantidade, como se diz que a velocidade é a
relação entre o espaço percorrido e o tempo gasto em percorrê-lo, ou o espaço
percorrido na unidade de tempo. (...) O fato da limitação na quantidade das coisas
úteis, que as torna raras, tem três conseqüências:
1) As coisas úteis limitadas em quantidade são apropriáveis. (...)
2) As coisas úteis limitadas em quantidade são valiosas e permutáveis. (...)
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51
3) As coisas úteis limitadas em quantidade são produzíveis ou multiplicáveis
industrialmente
41
(Walras, Op. Cit, p. 46-47).
A idéia da utilidade contida na unidade de quantidade alicerça a teoria da
utilidade marginal. Esta “decorre do consumo da última unidade de determinado
bem” e baseia-se no princípio de saturabilidade proposto inicialmente por Herman
Heindrich Gosse e “segundo o qual, à medida que se consome um bem, diminui a
satisfação ou a utilidade de cada unidade adicional consumida desse bem”
(Sandroni, 2005, p. 869). A utilidade do consumo do valor adicional é
decrescente. Quando se juntam todas as escalas da sociedade, há uma curva de
utilidade marginal agregada que pode ser tratada como “coisa” porque não sofre
interferência de pessoas individualmente. Verifica-se que, neste modelo, o que
confere valor não é mais o trabalho, e sim a escassez do bem relativa à oferta e à
escala de preferência na sociedade.
Uma importante aplicação desta noção é o Modelo de Heckscher-Ohlin,
proposto pelos economistas suecos Bertil Ohlin e Eli Hecksher. Partindo da idéia
ricardiana das vantagens relativas e da noção do valor determinado pela escassez,
este modelo aponta que um país terá vantagem comparativa nos artigos cuja
produção requeira o uso relativamente intensivo de fatores de que ele seja mais
abundantemente dotado do que seus parceiros comerciais. Portanto, o Modelo de
Heckscher-Ohlin permite a identificação de vencedores e perdedores com o
comércio exterior. Aqueles setores da economia que fazem uso de fatores menos
intensivos saem perdendo mesmo que o país enriqueça como um todo.
Paul Krugman e Maurice Obstfeld explicam essa idéia utilizando o modelo
que envolve dois países, dois produtos (tecido e alimento) e dois fatores de
produção (terra e mão-de-obra). “Os dois bens se diferenciam na intensidade dos
fatores, isto é, para uma dada razão salário/aluguel da terra, a produção de um dos
bens usará uma maior proporção terra/mão-de-obra que o outro” (Krugman e
Obstfeld, 2001, p. 86)
42
. Assim,
“Desde que o país produza ambos os bens, há uma relação unívoca entre os preços
relativos dos bens e os preços relativos dos fatores. Um aumento no preço relativo
do bem trabalho-intensivo vai deslocar a distribuição da renda em favor da mão-de-
41
Grifos no original.
42
Grifos no original.
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52
obra, e o fará de maneira muito intensa: o salário real do trabalhador aumentará em
termos de ambos os bens, enquanto a renda real dos proprietários de terra cairá em
termos de ambos os bens. (...)
Um aumento na oferta de um dos fatores expande as possibilidades de produção,
mas há uma trajetória enviesada: para preços relativos dos bens constantes, a
produção do bem intensivo nesse fator aumenta enquanto a produção do outro bem
realmente cai. (...)
Um país com grande oferta de um recurso em relação à oferta de outros recursos
tem abundância daquele recurso. Um país tende a produzir relativamente mais
bens que usam os recursos abundantes intensivamente. O resultado é a teoria de
Heckscher-Ohlin do comércio: os países tendem a exportar bens que são mais
intensivos em fatores dos quais são dotados abundantemente. (...)
Como as mudanças nos preços relativos dos bens têm efeitos muito fortes sobre os
ganhos relativos dos recursos e como o comércio muda os preços relativos, o
comércio internacional tem fortes efeitos sobre a distribuição de renda. Os
proprietários dos fatores abundantes de um país ganham com o comércio, mas os
proprietários de fatores escassos perdem” (Idem, p. 86-87)
43
.
Apesar de o modelo ser “extremamente útil, especialmente como um meio
de analisar os efeitos do comércio na distribuição da renda” (Idem, p. 87),
empiricamente é necessário levar em conta fatores como as “grandes diferenças
entre recursos, barreiras comerciais e diferenças internacionais de tecnologia”
(Ibid). Isto explica por que não se observa a equalização dos preços dos fatores
como mão-de-obra e capital entre os países, o que ocorreria no Modelo de
Heckscher-Ohlin idealizado.
2.5.2.
A tradição intervencionista: Hamilton, List, Keynes e Polanyi
De acordo com Gilpin, pode-se resumir as críticas dos teóricos
intervencionistas aos liberais
in three broad categories: (1) the implications of free trade for economic
development and the international division of labor, (2) relative rather than
absolute gains (the distributive effects of trade), and (3) the effect on national
autonomy and impact on domestic welfare(Gilpin, Op. Cit, p. 180).
O comércio não é visto como um jogo de soma positiva, mas como um
jogo de soma zero, no qual há vencedores e perdedores. A tradicional idéia
intervencionista é garantir a força, a riqueza e mesmo a sobrevivência do Estado.
Não estranha, portanto, que a tradição intervencionista seja associada à
43
Grifos no original.
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53
mercantilista, e que seus preceitos gerais tenham sido adotados em diversos países
em processo de constituição na transição entre a Idade Média e o capitalismo.
Tampouco surpreende que alguns dos mais destacados entre os primeiros
expoentes desta linha de pensamento como doutrina econômica organizada
tenham surgido em um país que acabava de conquistar sua independência, os
Estados Unidos de Alexander Hamilton, e em outro que ainda gestava sua
unificação, a Alemanha de Georg Friedrich List.
O primeiro marco literário desta corrente é o Relatório sobre as
manufaturas, de Hamilton, que é um informe do autor, então secretário do
Tesouro dos EUA, aos deputados do país em 1791. O texto defende a
conveniência de um desenvolvimento das manufaturas, além da agricultura, e
propõe políticas públicas com o objetivo de estimulá-las. Assim como os liberais,
vê na divisão do trabalho o caminho para o aumento da riqueza; ao contrário
daqueles, porém, defende-a somente dentro das fronteiras nacionais. Desta forma,
afirma, a prosperidade e a própria defesa do país seriam reforçadas. Um Estado
que dependa de outros será não só mais suscetível aos vaivéns da política e da
economia como também mais indefeso do que um que possa garantir, por seus
próprios meios, seu sustento e sua independência. Desta forma, é do interesse da
nação que o governo intervenha na economia para promover o desenvolvimento
industrial.
Embutida nessa discussão está uma teoria do valor diferente da adotada
pelos teóricos clássicos. Escrevendo quinze anos depois da publicação de A
Riqueza das Nações, de Smith, Hamilton desafia a lógica do valor-trabalho, que
implicava que todos os tipos de trabalho eram equivalentes. Para Hamilton, há
uma distinção entre a produção manufatureira e a agrícola. Nas entrelinhas de um
discurso cuidadoso, devido a seu caráter político, lê-se que a indústria é superior à
agricultura, porque a indústria integra, alavanca e sustenta o dinamismo
econômico. A agricultura dinamiza poucas forças, e forças dispersas. Esta noção é
fundamentada por uma teoria do valor baseado na natureza da produção, da qual
há formas inferiores e superiores.
“Deve-se considerar que o produto do trabalho do artífice se compõe de três partes:
uma, com a qual compra do agricultor os víveres para a sua manutenção e as
matérias-primas para o seu trabalho; outra, com a qual abastece a si próprio com os
artigos manufaturados que necessita; e uma terceira, que constitui o ganho do
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capital empregado. As duas últimas partes do sistema parecem ter sido deixadas de
lado pelos que apresentam a indústria manufatureira como estéril e improdutiva”
44
(Hamilton, 1995, p. 45).
Hamilton afasta a possibilidade de o livre-comércio ser uma política
interessante para os EUA, principalmente por não ser adotado por outras nações.
Se ele prevalecesse, “cada país se beneficiaria plenamente das vantagens que lhe
são peculiares, em compensação por suas deficiências ou desvantagens” (Idem,
p.57). Convencido da necessidade de se desenvolver a indústria, e também das
pedras nesse caminho, Hamilton conclui que “para se produzir o quanto antes as
mudanças desejáveis, são necessários, pois, o estímulo e o patrocínio do governo”
(Idem, p.61).
O autor também contesta a idéia liberal de que uma política de promoção
industrial concede benefícios a certas classes, em detrimento do conjunto da
sociedade, que, por meio da importação, poderia adquirir os artigos de que
necessita a preços mais baixos do que em uma economia fechada. Admite que,
pelo menos inicialmente, os preços dos produtos manufaturados no país podem
subir e ser mais altos do que seriam os importados. Entretanto, aponta que, no
longo prazo, esse esforço é compensado por uma “redução permanente” dos
preços dos artigos manufaturados.
As idéias da Hamilton tiverem grande impacto no século XIX sobre a
Escola Histórica Alemã de análise econômica. Após passar alguns anos nos EUA
como exilado político, Georg Friedrich List retornou à Alemanha – ainda não
unificada – e, em 1841, publicou seu Sistema Nacional de Economia Política. Em
linha com Hamilton, também descarta na obra a teoria do valor-trabalho e destaca
a capacidade que tem a indústria de agregar valor.
“As causas da riqueza são algo totalmente diferente da própria riqueza. Uma
pessoa pode possuir riqueza, isto é, valor intercambiável; se, porém, não possuir a
força de produzir objetos de valor superior ao daquilo que consome, tornar-se-á
mais pobre. Uma pessoa pode ser pobre; se, porém, possuir a força de produzir
uma quantidade maior de artigos de valor do que aquilo que consome, tornar-se-á
rica.
A força produtiva da riqueza é infinitamente mais importante que a própria
riqueza; pois esta força não somente assegura a posse e o aumento do que se
ganhou, mas também a substituição daquilo que se perdeu. Isto é tanto mais
44
Grifo no original.
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55
verdadeiro no caso de nações inteiras (que não podem viver simplesmente de
rendas) do que no caso de indivíduos particulares”
45
(List, 1983, p.97).
Apoiado nessa visão, o autor considera que o desenvolvimento exige a
proteção do mercado doméstico, fundamental para o florescimento da indústria
local. A passagem para estágios de desenvolvimento mais adiantados se daria a
partir da indução feita pelo Estado, como, segundo List, fizera a Inglaterra.
Apesar de muitos Estados terem adotado as políticas recomendadas pelos
autores “nacionalistas”, o liberalismo ganhou terreno no transcurso do século
XIX. Lembremos, porém, que o choque provocado pela Primeira Guerra Mundial
fez ruir a fé em uma paz calcada na interdependência. Uma década depois do fim
do conflito, a Grande Depressão provocou novo abalo ideológico, desta vez com
força total na seara econômica. Tanto a escola clássica quanto a neoclássica
apontavam que, deixado livre, sem a interferência do governo, o mercado
encontraria o ponto de equilíbrio entre demanda e oferta utilizando plenamente os
recursos das sociedades, entre eles a mão-de-obra. A crise, contudo, desmentia
essa hipótese, e fornecia o contexto para a emergência de novas idéias
intervencionistas, após o triunfo do liberalismo no século XIX.
John Maynard Keynes utiliza os pressupostos básicos da escola
neoclássica para chegar a conclusões diferentes das desta. Em vez do
aproveitamento pleno dos recursos disponíveis com a ação do mercado, o autor
afirma que este permite a ocorrência de desemprego “involuntário”, pois a
propensão ao consumo como parcela da renda é diferente entre as classes sociais.
Embora os mais desfavorecidos não tenham opção senão gastar aquilo que
recebem para sobreviver, os mais abastados não apenas consomem, como também
poupam uma parte do que ganham, sem reinvesti-la na produção. Isto faz com
que, contrariando a idéia enraizada nas concepções clássica e neoclássica, a
produção agregada não seja igual à demanda agregada, o que cria uma diferença
entre a expectativa de demanda, que orienta os empresários em seus
investimentos, e a demanda real, que é sempre inferior. Neste quadro, os
empresários demitem, criando uma situação de desemprego involuntário não
previsto pela teoria liberal.
45
Grifos no original.
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56
Keynes defende maiores investimentos estatais para criar demanda efetiva,
completando a que a sociedade não gera, no intuito de encontrar o ponto de
equilíbrio – encontro entre as curvas de demanda e oferta agregadas – ao qual, a
seu ver, o mercado não chega por conta própria. Nestes marcos, as finanças
deveriam ser fortemente reguladas, pois o Estado perderá tal controle se o capital
puder entrar e sair rapidamente de um país. Entretanto, de acordo com o autor, o
livre-comércio não é prejudicial, exceto em uma situação em que não haja
instrumentos para controlar a taxa de juros, como um Banco Central. Keynes,
portanto, não é herdeiro direto de Hamilton e List – pelo menos não no que tange
às concepções sobre o comércio. Para ele, a divisão internacional do trabalho
propiciada pela liberdade das trocas é positiva em um mundo no qual os governos
dispõem de instrumentos para intervir na economia doméstica.
Mais próxima ao “nacionalismo” econômico tradicional é a postura de
Karl Polanyi. Para o autor, a economia de mercado, ao contrário do que afirmava
Smith, não é espontânea, mas artificialmente criada pelo Estado. O liberalismo,
afirma, requer a transformação em mercadoria de terra, trabalho e dinheiro. Em
sua concepção, trata-se de mercadorias fictícias: sem a imposição por parte de um
governo, não existiriam como tais. Da mesma forma, o livre-comércio nada tem
de natural para o autor. Polanyi recupera de Hamilton e List o argumento da
indústria nascente. Afirma que, para poderem beneficiar-se do livre-comércio, as
indústrias antes precisam crescer ao amparo de políticas protecionistas.
“Não havia nada natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais
poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem o seu curso. Assim
como as manufaturas do algodão – a indústria mais importante do livre comércio –
foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e
de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo estado”
(Polanyi, 1980, p.144).
A operação do mercado auto-regulado respaldado pelos princípios liberais
destrói padrões tradicionais de socialização com um custo intolerável para a
sociedade, afirma Polanyi. Assim, a reação espontânea a ela é natural, como prova
a diversidade de formas que esta assume (New Deal, nazismo, socialismo). O
autor considera que, para funcionar, o livre-comércio requereria um mundo
pacífico. Na ausência desta condição, as conseqüências para os países que o
tenham adotado podem ser graves. Por isso, não hesita em afirmar que a adoção
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do livre-comércio exige “um ato de fé” e suas implicações são “extravagantes”.
(Idem, p. 143)
2.5.3.
Aproximação
Robert Gilpin, ele próprio simpático à visão liberal, aceita muitas das
críticas feitas pelos intervencionistas, sobretudo as relativas à suposta ingenuidade
dos liberais em relação à importância da força e do poder sobre o comércio. O
autor destaca que nenhum país adotou jamais uma política exclusivamente liberal
ou intervencionista. Empiricamente, todos se situam em algum ponto entre os dois
extremos. Isto cria uma divisão entre teoria e realidade que desafia pensamentos e
receitas mais fechadas e ortodoxas. Gilpin aponta que a principal questão reside
no fato de que, ao contrário do que supunha originalmente a tradição liberal, as
vantagens comparativas não são baseadas apenas em dotes naturais estáticos. O
exemplo dos NICs demonstra que as políticas públicas podem promover, por
exemplo, a tecnologia da indústria e a educação dos trabalhadores do país, e que
esses fatores são importantes vantagens comparativas. Situações como essas
foram provocando, com o passar dos anos, uma aproximação entre as correntes
liberal e intervencionista, sobretudo em virtude do reconhecimento dos primeiros
autores acerca da importância de fatores políticos destacados pelos segundos.
Embora demonstre um grau maior de sofisticação no debate, esta
aproximação não supera sua limitação básica vis-à-vis a pesquisa proposta nesta
dissertação. A discussão entre liberais e intervencionistas continua sendo sobre se
o Estado deve ou não intervir para modificar a participação do país no comércio
internacional – ou pelo menos em que medida deve fazê-lo. Porém, se
perguntarmos qual é o efeito da exposição ao comércio internacional sobre o bem-
estar interno
46
, a realidade empírica mostra que a resposta não seria nem um
“benéfico” e nem um “negativo” contundente, mas um “depende”. Houve casos
46
Esta pergunta também implicaria uma definição mais clara do bem-estar como aquilo que
se quer analisar. Como visto, os diferentes autores levam em conta fatores como riqueza,
segurança etc. A discussão sobre os efeitos do comércio para o bem-estar da população está
permanentemente latente nos discursos dos autores, embora este nem sempre seja identificado
explicitamente como objeto de análise.
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58
em que uma economia marcada pela abertura caminhou para um fortalecimento da
estrutura do bem-estar, e outros em que isso não ocorreu.
Portanto, um debate teórico que se centre nas vantagens ou problemas da
abertura não oferece todas as respostas necessárias à pesquisa proposta.
Argumentarei que a atuação estatal pode explicar grande parte dessa diferença em
países muito expostos ao comércio. Não se trata, porém, de analisar – como os
autores intervencionistas cujas idéias foram expostas, exceto Keynes – medidas
do Estado para restringir ou condicionar o comércio, mas políticas públicas para
mediar o efeito deste sobre o bem-estar.
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3
Questões metodológicas
3.1.
Traduções numéricas para estruturas de poder
Indiquei no capítulo 2 que a pesquisa desta dissertação seria definida como
uma análise da influência de estruturas nacionais do comércio sobre estruturas
nacionais do bem-estar. Neste capítulo, ficará claro que a seleção de países com
estruturas do comércio fortes – ou seja, muito expostos ao comércio exterior - e
com estruturas do bem-estar que tenham tido variações diferentes é essencial para
a pesquisa proposta. Para verificar se os casos de estudo selecionados cumprem
esses requisitos, adotarei taxas que traduzam em números as estruturas a serem
estudadas. O proxy para a estrutura do comércio será a proporção do PIB de um
país correspondente a seu fluxo comercial (importações mais exportações). A taxa
adotada para representar a estrutura do bem-estar será o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD).
Nem a tradição liberal nem a intervencionista oferecem explicações
convincentes sobre por que, empiricamente, uma estrutura do comércio forte pode
ou não levar a um robustecimento da estrutura do bem-estar. Argumentarei que a
intervenção estatal em contextos de abertura comercial é crucial para entendermos
os motivos de tal fenômeno. Na primeira parte do capítulo, portanto, estabelecerei
a taxa fluxo comercial/PIB (proxy da estrutura do comércio) como variável
independente, a intervenção estatal como variável interveniente e o IDH (índice
que traduz a estrutura do bem-estar) como variável dependente, ou resultado.
No momento seguinte, selecionarei os casos de estudo. Nesse ponto, irei
além do proxy adotado para a estrutura do comércio, e identificarei uma série de
características semelhantes que fazem com que Chile e Venezuela se prestem
muito bem aos propósitos desta pesquisa. Esses outros aspectos minimizam a
possibilidade de fatores que não os estudados terem tido grande influência sobre o
resultado. Observarei também que a evolução do IDH dos dois países foi muito
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diferente no período enfocado. Encerrarei o capítulo com outras considerações
metodológicas necessárias.
3.1.1.
A estrutura do comércio e a relação fluxo comercial/PIB como sua
medida
No capítulo de States and Markets dedicado à estrutura do comércio,
Susan Strange afirma que as trocas comerciais entre países resultam de “uma rede
complexa e entrelaçada de negociações que são em parte econômicas e em parte
políticas”
1
(Idem, p. 161).
These bargains involve the trade-off for states of their security interests and their
commercial interests. They involve the unequal access of trading partners to both
finance and technology. They involve domestic political bargaining over the access
to be granted to national markets, and corporate decision-making regarding
secure as well as profitable sources of supply” (Ibid).
Para Strange, a série de negociações entre os diferentes atores resulta em
“fatos” sobre o comércio internacional. Aponta seis fatos-chave que diz terem
predominado nos cem anos anteriores à publicação do livro (1988). Estes são: 1)
crescimento maior do comércio entre economias nacionais do que da produção, 2)
crescimento desigual no transcurso do tempo, 3) mudança substancial dos bens e
serviços comercializados, 4) mudanças dos países participantes, com alguns se
tornando muito mais envolvidos do que outros no comércio internacional, 5)
ausência de regras fixas sobre o comércio e 6) grande variação das relações de
troca (“terms of trade”, em inglês), ou seja, da relação entre os preços das
exportações e das importações para um país (Idem).
Como Strange chama a atenção no ponto 4, alguns países se tornam, ou
tradicionalmente são, muito mais envolvidos no comércio exterior do que outros.
Meu argumento aqui é de que, quanto maior o envolvimento de um país com o
comércio – ou, em outras palavras, quanto maior sua exposição a ele–, maior será
a possível influência da estrutura do comércio sobre as outras estruturas nacionais.
Afirmei no capítulo 2 que todas as estruturas estão em contato com todas as
1
Tradução livre do original em inglês.
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61
outras, sem que nenhuma delas necessariamente prevaleça. Do peso da estrutura
nacional do comércio dependerá o alcance da influência desta sobre as outras.
Este peso pode ser medido empiricamente, com uma taxa. – mas esta
precisa ser definida de forma clara e coerente. Não adianta olharmos
exclusivamente o fluxo comercial total de um país em relação ao total do
comércio mundial. Se percebermos que esta relação é alta, só provaremos que a
estrutura do comércio da nação em questão tem um grande peso para a estrutura
do comércio global. Também não nos dirá muito o cálculo em números absolutos
do fluxo comercial de um país. Afinal, um montante que represente um fluxo
comercial modesto para uma economia grande pode ser um número significativo
para uma pequena. Para que a estrutura do comércio nacional tenha grande peso
internamente, é preciso que o fluxo comercial seja elevado em relação ao conjunto
do total de riquezas produzidas pela economia em questão.
Assim, uma proporção fluxo comercial/PIB alta significa que um país é
muito exposto ao comércio exterior, e que a estrutura do comércio poderá ter
grande influência sobre as demais estruturas nacionais do poder na EPI. Esta
relação, então, será adotada como taxa representativa – um proxy - da estrutura do
comércio de um país.
3.1.2.
A estrutura do bem-estar e o IDH como sua medida
3.1.2.1.
Alocação de bem-estar
O ponto mais importante do capítulo que Susan Strange dedica à estrutura
do bem-estar em States and Markets é, na minha visão, sua definição de bem-
estar. Esta vai além da idéia intuitiva e o situa como algo passível de alocação.
It is important not to start out with the preconceived idea that it must always be
what the policy-makers would call ‘progressive’ – that is, taking from the rich and
giving to the poor. The allocation of welfare is not synonymous with what most
people would call ‘doing good’. It can be ‘regressive’ – taking from the poor and
giving to the rich” (Idem, p. 209).
A percepção do bem-estar como passível de alocação é importante para
esta pesquisa. Abre espaço para entender como a estrutura em questão pode ser
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62
mais, ou menos, “pesada”, se “fortalecer” ou “enfraquecer” conforme a alocação
do bem-estar no sistema internacional, ou conforme a capacidade que tenham os
governos de atuar de maneira a traduzir em bem-estar para as populações de seus
países as oportunidades que surjam com a influência de outras estruturas.
É preciso ter clareza de que não necessariamente o fortalecimento da
estrutura do bem-estar em um determinado lugar significa seu enfraquecimento
em outro. O nível de bem-estar pode aumentar ou diminuir, para continuar no
exemplo-chave para esta dissertação, em virtude da atuação melhor ou pior de um
governo como mediador do impacto de outra estrutura sobre a estrutura do bem-
estar. O fato de uma estrutura do bem-estar tornar-se mais débil, ou melhorar
apenas insignificantemente em um determinado período, não significa que, se as
políticas adotadas tivessem sido outras, ou se o governo daquele país tivesse sido
mais eficaz, o bem-estar obrigatoriamente deixaria de crescer em outro lugar.
Uma estrutura nacional do bem-estar poderia simplesmente ter se fortalecido mais
sem que isso significasse um enfraquecimento em outros países. Em outras
palavras, o fato de o bem-estar ser passivo de alocação não torna esta
obrigatoriamente um jogo de soma zero.
Antes de expor os motivos pelos quais o IDH é a taxa idônea para ser
utilizada como representativa da estrutura do bem-estar, é necessário chamar a
atenção para alguns pontos da discussão proposta por Strange sobre esta estrutura.
A autora concentra seu capítulo sobre ela em sistemas de alocação de bem-estar, e
analisa o modo como estes operam no mundo. Para isso, distingue “três formas
pelas quais o bem-estar é alocado por Estados e outras autoridades”
2
: a criação de
regras de proteção (por exemplo, para as crianças em relação ao trabalho, ou para
o meio ambiente em relação à poluição), a transferência de recursos (dinheiro,
bens ou serviços), e o fornecimento de bens públicos (Idem, p. 210).
Porém, essas três formas de fornecimento de bem-estar são extremamente
fracas dentro da estrutura global. As regras de proteção no âmbito internacional
são poucas, e não (...) muito eficazes” (Idem, p.212). A transferência de recursos
“é uma parte muito pequena e relativamente insignificante de todos os recursos
transferidos na economia mundial” (Idem, p. 214). E, na arena internacional, “a
coisa mais próxima a verdadeiros bens públicos consiste apenas em benefícios
2
Tradução livre do original em inglês.
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63
incidentais que resultam para outros em função de bens ou facilidades fornecidas
pelas autoridades de um Estado individual basicamente em seu próprio interesse
nacional” (Idem, p. 222). Conclusão: o fornecimento de bem-estar pelos Estados
através das fronteiras, “a pessoas em outros
3
Estados, é ou estratégica em sua
motivação ou simbólica em seu caráter” (Idem, p. 224)
4
.
Tal conclusão certamente é verdadeira se pensarmos, como Strange, em
termos da ação de Estados vis-à-vis pessoas que vivam em outros Estados (exceto,
em alguns casos, seus nacionais no estrangeiro). Acredito, porém, que a discussão
sobre a maneira como ocorre a alocação de bem-estar na economia política
internacional deve ser muito mais rica do que isso, e ir além não apenas da
identificação das limitações existentes em um mundo povoado por Estados
egoístas, como também do funcionamento de sistemas de alocação e da atuação
de organizações intergovernamentais ou não-governamentais.
A limitação da visão de Strange sobre alocação de bem-estar decorre do
fato de a autora enquadrar o fenômeno como resultante de uma contraposição
entre “autoridade” e “mercado” – argumento muito próximo do utilizado por
Gilpin para definir a EPI como a subárea resultante da tensão entre “Estado” e
“mercado”.
Authority is exercised to allocate welfare in a quite different way from how it
would be allocated if left entirely to the forces of the market. The market will
reconcile demand and supply through the price mechanism. It will allocate scarce
resources in such a way as to satisfy some wants while denying others. Authority
may go along with this allocation, or it may use its political power to countermand,
as it were, the dictates of the market(Ibid).
Creio que esta idéia necessita alguns ajustes. Em primeiro lugar, o
exercício da “autoridade”, para Strange, parece designar todas as situações em que
um ator social decide alocar recursos seguindo uma lógica que não é guiada pelo
mercado e, portanto, pode não coincidir com a do mecanismo de preços. Nesse
sentido, apesar de Strange considerar a alocação de bem-estar “um ato
essencialmente político”
5
, é preciso esclarecer que a “autoridade” não cabe apenas
àqueles que têm poder político; seu exercício reflete-se em todas as situações em
3
Grifo no original.
4
Todas as citações neste parágrafo são traduções livres do original em inglês.
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64
que predomina a lógica dos arranjos políticos ou sociais, coincidam ou não estes
com a lógica do mecanismo de mercado
6
(Ibid).
O segundo ponto que, a meu ver, requer esclarecimentos é que Strange
apresenta uma contraposição entre as lógicas da “autoridade” e do “mercado” na
alocação de bem-estar. A realidade, porém, é mais complexa. As lógicas que
guiam dois detentores de autoridade podem ser diferentes. A intervenção de um
desses atores também pode alterar a alocação de bem-estar que existiria se
deixada apenas nas mãos do outro, ou deste e do mercado. Por exemplo, a
alocação do bem-estar decorrente de uma determinada atuação das forças do
mercado no setor da educação, que determine poucos investimentos em uma
região pobre, e também da atuação de um governo que tampouco dedique muitas
verbas ao setor naquela mesma área pode ser modificada em parte pela existência
de algum fator social que motive especialmente os professores e estudantes locais.
Neste exemplo trivial, a lógica de um detentor de autoridade (o governo) está em
linha com a do mecanismo de preços, mas é oposta à que guia a ação de outros
detentores de autoridade (atores sociais).
A partir destes dois pontos, percebe-se que a definição do bem-estar como
algo passível de alocação faz com que os atores que participam dessa alocação
exerçam poder. É isso que permite que a estrutura do bem-estar seja incluída entre
as que formam o poder estrutural na EPI, como faz acertadamente Strange.
Diante destas considerações, acredito que, para analisar como se dá a
alocação do bem-estar na EPI, mais útil do que pensar em termos uma oposição
entre mercado e autoridade seja estudar a influência de outras estruturas sobre a
estrutura do bem-estar, e a ação dos detentores de autoridade definidos como
aqueles capazes de modificar a forma como esta acontece
7
. Assim, eu mudaria a
primeira frase da citação de Strange para afirmar que a autoridade é exercida
para alocar bem-estar mediando o impacto que a atuação de outras estruturas
tem sobre a estrutura do bem-estar, podendo torná-lo bem diferente do que seria
caso tal intervenção não existisse.
5
Tradução livre do original em inglês.
6
Ver seção 2.2.
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65
A próxima subseção será dedicada a explicar os motivos pelos quais o IDH
é o proxy idôneo para representar a estrutura do bem-estar.
3.1.2.2.
O IDH
A abordagem do desenvolvimento humano foi elaborada pelos
economistas Mahbub ul Haq e Amartya Sen, e nasceu de sua insatisfação com a
medição do desenvolvimento de sociedades em função apenas do PIB, ou do PIB
per capita. Haq e Sen reconhecem a importância da renda, mas consideram que
uma definição mais completa de desenvolvimento precisaria levar em conta o
bem-estar das pessoas. Com essa inquietação, elaboraram um conceito para o qual
a riqueza material não é senão um meio para se expandir a liberdade de escolha
dos seres humanos. De fato, segundo Haq,
the basic purpose of development is to enlarge people’s choices. In principle,
these choices can be infinite and change over time. People often value
achievements that do not show up at all, or not immediately, in income or growth
figures: greater access to knowledge, better nutrition and health services, more
secure livelihoods, security against crime and physical violence, satisfying leisure
hours, political and cultural freedoms and a sense of participation in community
activities. The objective of development is to create an enabling environment for
people to enjoy long, healthy and creative lives” (Haq, 2005b, p. 17).
O debate proposto visa a ressaltar a dupla natureza da posição humana no
processo econômico, uma vez que, nele, as pessoas são tanto o objetivo final (ou
pelo menos o bem-estar delas) quanto costumam ser parte importante dos próprios
recursos empregados. Segundo esses teóricos, tal situação pode gerar uma
inversão de valores comum na disciplina econômica. Sen alerta contra a confusão
que pode surgir do fato de que “os seres humanos são os agentes, beneficiários e
destinatários do progresso, mas também acabam sendo – direta ou indiretamente –
os meios primários de toda produção”
8
(Sen, 2005a, p.3). Em seu livro
Desenvolvimento como liberdade, de 1999, obra de referência sobre o
7
Esta discussão não implica que os detentores de autoridade também não sejam atores
importantes para cada estrutura. O caso mais evidente são os Estados, como exposto no ponto
2.4.2.
8
Tradução livre do original em inglês.
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66
desenvolvimento humano, o Nobel defende o que chama de “perspectiva da
capacidade
9
. Sob esta ótica, “a pobreza deve ser vista como uma privação das
capacidades básicas em vez de meramente como renda baixa”
10
(Sen, 1999, p.87).
O objetivo de Sen é justamente afastar a visão do desenvolvimento em função
apenas da renda, para adotar uma ótica que leve em conta o bem-estar de uma
forma mais ampla.
Haq admite que há uma série de controvérsias em torno do conceito de
desenvolvimento humano, e as atribui, sobretudo, a problemas de compreensão
acerca da relação entre este e o crescimento econômico. Mesmo sendo o IDH um
índice “rival” do PIB, total ou per capita, ele insiste, assim como Sen, em que a
abordagem do desenvolvimento humano não é oposta à expansão econômica.
Lamenta que esteja “bastante difundida a visão equivocada de que o
desenvolvimento humano é anticrescimento e que inclui apenas o
desenvolvimento social”(Ibid). A verdadeira posição dos teóricos do
desenvolvimento humano, afirma, é que “o crescimento econômico é essencial”
para aquele, “mas para explorar por completo as oportunidades e o bem-estar que
o crescimento oferece, ele precisa ser adequadamente administrado”
11
(Ibid).
Como conceito, o desenvolvimento humano já tinha por si só grande valor
para a discussão econômica. Entretanto, Haq considerou necessária a criação de
um índice para medi-lo. Acreditava que, sem este, a nova abordagem, mesmo que
fosse amplamente discutida nos meios acadêmicos e políticos, esbarraria na
“conveniência” de se aferir o desenvolvimento por meio de uma única taxa – e
esta seguiria sendo o PIB ou o PNB, que perpetuam os problemas identificados
pelos teóricos do desenvolvimento humano. Assim, séries de índices que usassem
critérios incluídos no IDH tampouco resolveriam a questão. Sen reconhece esse
problema, e afirma que
“(Haq) did not resist the argument that the HDI could not but be a very limited
indicator of development. But after some initial hesitation, Mahbub persuaded
himself that the dominance of GNP could not be broken by any set of tables. People
will look at the tables respectfully, but when it came to using an overall measure
9
Tradução livre da expressão “capability perspective”.
10
Tradução livre do original em inglês.
11
Todas as citações neste parágrafo são traduções livres dos originais em inglês.
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67
for development , they would still go back to the unadorned GNP, because it is so
convenient to have an aggregate index” (Sen, 2005b, p. X).
Se o IDH tinha o mérito de ser um índice que avalia o desenvolvimento
sem cair na visão unidimensional do PIB ou do PNB, também é evidente que
nenhuma medida numérica poderia captar toda a abrangência do conceito
holístico que se pretendia que o desenvolvimento humano fosse. Por mais cruciais
que sejam os três elementos incluídos no IDH – saúde, educação e renda -, é claro
que sua inclusão no cálculo não eliminou a incoerência lógica entre, de um lado, a
definição de desenvolvimento humano como abordagem preocupada com a
expansão da capacidade que as pessoas têm de fazer suas próprias escolhas e, de
outro, a utilização de uma taxa que uniformiza os critérios em todos os países e
regiões. Embora reconheçam esta dificuldade, os teóricos do desenvolvimento
humano assinalam que ela não diminui o valor do IDH como medida de bem-
estar.
As a holistic concept, human development is broader than any of its measures,
such as the human development index. In principle human choices can be infinite,
and change over time. But three essential choices are those that allow people to
lead long and healthy lives, to acquire knowledge and to have access to resources
for a decent standard of living” (Malhotra et. al., 2003, p. 23).
O IDH estabelece um valor para essas três dimensões do desenvolvimento
humano e, assim, “apesar de não ser totalmente abrangente, é melhor do que
outras medidas econômicas – como a renda per capita – na avaliação do bem-
estar humano
12
13
(Ibid). Em outras palavras, o IDH consegue transferir a medida
de desenvolvimento de “acúmulo de riqueza” para “bem-estar”. É por isso que o
IDH
14
é a taxa mais adequada para expressar em cifras a estrutura do bem-estar.
12
Tradução livre do original em inglês.
13
O grifo é meu.
14
O índice passou a ser divulgado pelo PNUD em trabalhos anuais, os Relatórios de
Desenvolvimento Humano (RDH). A idéia de elaboração dos RDHs surgiu no final dos anos 80;
foi apresentada no primeiro semestre de 1989 por Haq ao então administrador do PNUD, William
Draper II. Este a apoiou e aceitou, segundo o economista paquistanês, que o trabalho, mesmo
realizado sob o guarda-chuva da agência, não sofresse intervenção da ONU. O primeiro RDH foi
publicado em 1990.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
68
3.1.3.
Participação do Estado como variável interveniente
Trabalharei, como antecipado, com a estrutura do comércio como variável
independente, e a estrutura do bem-estar como variável dependente, ou resultado.
Na pesquisa empírica, a atuação estatal será tomada como variável interveniente.
Estudarei as políticas públicas direcionadas à estrutura do bem-estar, mostrarei
como a atuação delas modifica a forma como a variável dependente é influenciada
pela independente. Analisarei ainda a capacidade que têm os Estados de fazer
com que tais políticas surtam os efeitos esperados. O objetivo desta subseção é
explicar com mais detalhamento os motivos que me levaram a escolher a atuação
estatal como variável interveniente.
Já indiquei que o Estado tem o papel de, por um lado, delimitar com sua
presença jurídica a existência de estruturas nacionais na EPI e, de outro, ser o
responsável pela aplicação de políticas públicas. Em virtude da combinação
dessas duas características, ele se torna um ator primordial das estruturas internas,
pois não apenas é o que justifica a existência delas, como tem em suas mãos, um
mecanismo – as políticas públicas – com grande poder de transformar essas
estruturas. Para o estudo proposto, é de particular importância o fato de o Estado
controlar a arrecadação de impostos gerada pelo comércio, o que lhe garante uma
capacidade muito maior que a de qualquer outro ator para mediar os efeitos da
estrutura do comércio sobre as demais estruturas, inclusive a do bem-estar.
Ao analisar as políticas públicas (e a eficácia do Estado em sua
implementação) como variável interveniente na relação entre duas estruturas de
poder nacionais, é preciso ter consciência de que muitas outras possíveis variáveis
intervenientes estão sendo deixadas de lado. Trata-se, afinal, de uma necessidade
metodológica, sem a qual seria impossível fazer pesquisa em ciências sociais, nas
quais não se pode contar com um laboratório para isolar o objeto de estudo.
Entretanto, no caso de países muito expostos ao comércio, este é, em grande
medida, responsável pelo que ocorre no conjunto da economia. Lançando mão do
enquadramento teórico aqui utilizado, isto significa dizer que a estrutura do
comércio exerce uma influência particularmente alta sobre as demais.
Observar a maneira como a intervenção estatal mediou, em determinados
casos, a influência da estrutura do comércio sobre a do bem-estar, como será feito
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69
nesta pesquisa, não é o mesmo que propor um estudo geral e concludente capaz de
gerar previsões absolutas nesse sentido. Apresentá-lo dessa forma seria ingênuo e
perigoso. Seguirei aqui o conselho dado por Susan Strange a respeito das
pesquisas de EPI:
What we should not try to look for, because it does not exist, and therefore cannot
be found, is an all-embracing theory that pretends to enable us, even partially, to
predict what will happen in the world economy tomorrow. The ambition in the
social sciences to imitate the natural sciences and to discover and elaborate ‘laws
of the international system, patterns so regular they govern social, political and
economic behaviour is and always has been a wild goose chase. (…) This is not to
say that a social ‘scientist’ should not be as fiercely uncompromising in the search
for truth as any physicist or geologist. But it is a different kind of truth and it is not
better served by aspiring to the unattainable or promising that which cannot in the
nature of things be delivered
15
(Strange, 1988, p. 16).
Portanto, o objetivo da pesquisa está longe da pretensão de oferecer uma
teoria geral sobre o fenômeno. Trata-se, na verdade, de fazer o que Strange chama
de uma “escavação exploratória” e de “aplicar um pensamento cuidadoso” em
uma área de terra incognita
16
(Strange, 1970, p. 311).
Variáveis da pesquisa:
Variável independente: estrutura do comércio com alta exposição ao
comércio internacional (elevada proporção entre o fluxo comercial e o PIB).
Variável interveniente: atuação estatal.
Variável dependente (resultado): estrutura do bem-estar (IDH).
15
Grifo no original.
16
Tradução livre do original em inglês.
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70
3.2.
Seleção dos estudos de caso
A investigação da questão de pesquisa proposta requer que os estudos de
caso sejam países cujas economias tenham permanecido altamente expostas ao
comércio internacional e cujo IDH tenha tido um desempenho divergente durante
um período determinado. Serão analisados Chile e Venezuela. O fato de os dois
países ficarem na mesma região, a América do Sul, e terem uma série de
características similares (ambos são grandes exportadores de matérias-primas e
possuem níveis relativamente próximos de população, PIB, renda per capita)
ajuda a aproximar a pesquisa de uma situação ceteris paribus, ou seja, de um
isolamento total do objeto mantendo constantes as demais variáveis que possam
influenciar o resultado.
O período escolhido - um intervalo total de onze anos, com os dois dos
extremos e o do meio servindo como referência - é um lapso suficiente para a
observação de variações e, ao mesmo tempo, resultado de um constrangimento
metodológico. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
que divulga anualmente o Relatório mundial do Desenvolvimento Humano, que
contém o IDH, revisou sua metodologia em 2006, mas não recalculou as taxas de
todos os anos anteriores. No período de análise, foram recalculadas apenas as dos
três anos de referência: 1990, 1995 e 2000. Embora o IDH, dentro do período de
estudo, só esteja disponível para esses três anos, ao expor outros dados utilizarei,
sempre que possível, números de 1990 a 2000.
Os gráficos a seguir mostram o perfil assemelhado de Chile e Venezuela
no período em questão.
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71
PIB por habitante
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ (a preços constantes de
2000)
Chile Venezuela
Gráfico 3.1 : Chile e Venezuela, PIB por habitante
17
População
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Milhões de pessoas
Chile Venezuela
Gráfico 3.2 : Chile e Venezuela, população
18
17
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
18
Fonte : Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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72
PIB
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
140000
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ miles (a preços
constantes de 2000)
Chile Venezuela
Gráfico 3.3 : Chile e Venezuela, PIB
19
Ao mesmo tempo, verifica-se que Chile e Venezuela estiveram muito
expostos ao comércio exterior no período. Isso é fundamental para a variável
independente ser o mais similar possível nos dois casos. O gráfico 3.4 mostra o
fluxo comercial total (exportações e importações de bens e serviços, atualizado
aqui para valores constantes de 2000 para possibilitar uma melhor comparação)
no período de análise. Também é interessante perceber, no gráfico 3.5, o nível
próximo do fluxo comercial por habitante que registraram os dois países.
19
19
Fonte : Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
73
Fluxo comercial total
0,00
10000,00
20000,00
30000,00
40000,00
50000,00
60000,00
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ miles (a preços
constantes de 2000)
Chile Venezuela
Gráfico 3.4 : Chile e Venezuela, fluxo comercial total
20
Fluxo comercial por habitante
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ (a preços constantes de
2000)
Chile Venezuela
Gráfico 3.5: Chile e Venezuela, fluxo comercial por habitante
21
20
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
21
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site
http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm
(acesso em: 23 de maio de 2007).
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74
Em proporção do PIB, o comércio internacional de Chile e Venezuela,
embora não tenha apresentado um padrão tão claro de crescimento, manteve-se
em um nível extremamente elevado, o que serve aos propósitos que tem esta
pesquisa de identificar como variável independente uma estrutura do comércio
forte, e não uma economia em processo de abertura. Em média, a proporção fluxo
comercial/PIB do Chile foi de 53,92% no período, e a da Venezuela, de 52,51%.
Para demonstrar como esse padrão de abertura é alto, basta compará-lo com as
médias registradas no mesmo intervalo por Argentina e Brasil: 19,52% e 16,05%,
respectivamente.
Fluxo comercial como proporção do PIB
0
10
20
30
40
50
60
70
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Por cento
Chile Venezuela Argentina Brasil
Gráfico 3.6 : Chile, Venezuela, Argentina e Brasil, fluxo comercial como proporção do
PIB
22
22
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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75
Fluxo comercial como proporção do PIB (média
1990-2000)
53,92
52,51
19,52
16,05
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
Chile Venezuela Argentina Brasil
Por cento
Gráfico 3.7: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil; fluxo comercial como proporção do PIB
(média 1990-2000)
23
Como o comércio corresponde a uma parcela tão grande do PIB, é natural
que as curvas de variação deste e do fluxo comercial sejam semelhantes no Chile
e na Venezuela.
Chile: Variação do fluxo comercial e variação do
PIB
-20
-10
0
10
20
30
40
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Por cento
-5
0
5
10
15
Por cento
Variação do fluxo comercial (base US$ a preços constantes de 2000)
Variação do PIB (base: US$ a preços constantes de 2000)"
Gráfico 3.8: Chile, variação do fluxo comercial e variação do PIB
24
23
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site
http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm
(acesso em: 23 de maio de 2007).
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76
V
enezuela: variação do fluxo comercial e
variação do PIB
-20
-10
0
10
20
30
40
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Por cento
-10
-5
0
5
10
15
Por cento
Variação do fluxo comercial (base: US$ a preços constantes de 2000)
Variação do PIB (base: US$ a preços constantes de 2000)
Gráfico 3.9 : Venezuela, variação do fluxo comercial e variação do PIB
25
Outro ponto em que o comércio exterior do Chile e o da Venezuela guardam
semelhança é a dependência de ambos os países da exportação de matérias-primas
– cobre no caso do primeiro e petróleo no da segunda. Os quadros abaixo
demonstram a importância de cada conjunto de commodities nas exportações de
produtos chilenos e venezuelanos. No caso do Chile, a categoria “minério e
metais” correspondeu a 53% em 1990, 47% em 1995 e 45% em 2000. No da
Venezuela, a categoria “combustíveis” foi responsável, respectivamente, por 80%,
76% e 86% das vendas ao exterior. É preciso reconhecer tanto que a inclusão dos
serviços faria com que essas porcentagens caíssem um pouco, como que o peso de
uma única matéria-prima na pauta exportadora venezuelana é sensivelmente maior
do que no da chilena. Porém, o nível de exportações de serviços de ambos os
24
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site
http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm
(acesso em: 23 de maio de 2007).
25
Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007) e do
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos disponíveis no site
http://www.dlt.ri.gov/lmi/business/cpi.htm
(acesso em: 23 de maio de 2007).
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77
países (média de 18,7% do total de vendas no caso do Chile e de 6,9% no da
Venezuela para todo o período1990-2000) é insuficiente para descaracterizá-los
como altamente dependentes dos envios de matérias-primas ao exterior. No
Relatório de Desenvolvimento Humano de 2005, o PNUD definiu em 30% das
receitas com exportações o patamar a partir do qual os países começam a sofrer
com a chamada “maldição dos recursos naturais”, pela qual as nações com
abundantes matérias-primas não conseguem transformar essa fonte de recursos em
riqueza material e bem-estar para sua população. De acordo com a agência da
ONU, em 34 países em desenvolvimento cujas receitas com exportações são
formadas em pelo menos 30% pela venda de hidrocarbonetos, “metade de suas
populações combinadas vive com menos de US$ 1 por dia”
26
27
(Watkins et al,
2005, p. 124). A dependência em relação à exportação das matérias-primas que
têm em abundância torna-se ainda mais evidente quando se comparam as
variações dos preços internacionais do cobre e do petróleo com as dos PIBs de
Chile e Venezuela, respectivamente.
26
Tradução livre do original em inglês.
27
Embora mencione apenas “petróleo e gás” nesse trecho, no parágrafo anterior, mesma
página, fala dos problemas causados pela excessiva dependência de exportações de “riqueza de
petróleo e mineral”.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
78
Tabela 3.1: Chile, composição da pauta comercial
28
Tabela 3.2: Venezuela, composição da pauta comercial
29
28
Fonte : UNCTAD. Disponível no site
http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=1890&lang=1
. Acesso em : 26 de março de
2007.
29
Fonte : UNCTAD. Disponível no site
http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=1890&lang=1
. Acesso em : 26 de março de
2007.
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79
Preço do cobre e variação do PIB chileno
0
500
1000
1500
2000
2500
3000
3500
19
91
1992
19
93
1
994
19
95
1996
19
97
19
98
19
99
2
000
US$ por tonelada
métrica (valores em
preços constantes de
2000)
-2
0
2
4
6
8
10
12
14
Por cento (base: US$ a
preços constantes de
2000)
Preço do cobre Variação do PIB chileno
Gráfico 3.10 : Preço do cobre e variação do PIB chileno
30
Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano
0
5
10
15
20
25
30
35
1991
19
92
19
93
19
94
199
5
1996
19
97
19
98
19
99
200
0
US$ por barril do tipo
WTI (valores em preços
constantes de 2000)
-10
-5
0
5
10
15
Por cento (base: US$ a
preços constantes de
2000)
Preço do petleo Variação do PIB venezuelano
Gráfico 3.11 : Preço do petróleo e variação do PIB venezuelano
31
30
Fonte : Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).
31
Fonte : Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).
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80
Não seria possível seguir adiante com a pesquisa se ambos os países
tivessem registrado desempenhos semelhantes em seu IDH entre 1990 e 2000.
Tal fenômeno não ocorreu. O Chile teve uma evolução positiva, e seu índice
aumentou 0,058 ponto em uma escala de 0 a 1 (ou 5,8%), passando de 0,785 a
0,843. A Venezuela, por outro lado, cravou números fracos, e seu aumento foi de
apenas 0,013 ponto (1,3%); o IDH do país passou de 0,759 para 0,772. A
vantagem inicial do Chile, que era de 0,026 ponto, disparou para 0,071: uma alta
de 0,045 ponto.
IDH
0,700
0,750
0,800
0,850
ponto
Chile
Venezuela
Chile
0,787 0,818 0,843
Venezuela
0,760 0,768 0,774
1990 1995 2000
Gráfico 3.12: Chile e Venezuela, IDH
32
A diferença entre os desempenhos do Chile e da Venezuela é tamanha que
o primeiro respondeu por 80,46% do crescimento conjunto do IDH dos dois
países no lapso, enquanto a segunda o fez por apenas 19,54%.
32
Fonte : Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
81
Contribuição porcentual para a alta
conjunta do IDH (1990-2000)
Chile 80,46
Venezuela
19,54
Gráfico 3.13: Chile e Venezuela, contribuição para a alta conjunta do IDH
33
Com base nos dados expostos, concluo que Chile e Venezuela são bons
estudos de caso. A variável independente comportou-se de forma suficientemente
semelhante, pois os dois países estiveram muito expostos ao comércio
internacional no período em questão. Além disso, o valor extremo que esta
registrou em ambos os casos indica que teve uma grande ascendência, o que
aproxima as situações o máximo possível da condição ceteris paribus. Para
cumprir este último objetivo, também é importante a série de características
análogas apresentada pelos dois países.
Finalmente, o resultado (variável dependente), qual seja, o desempenho do
IDH, foi muitíssimo diferente. Isto permite a realização do estudo proposto sobre
a atuação das políticas públicas dos dois países como variáveis intervenientes,
cadeias de transmissão entre o comércio internacional e o bem-estar da população.
33
Fonte : Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
82
3.3.
Outras considerações metodológicas
Ao tomar as políticas públicas e a qualidade da ação do Estado que as
aplica como variável interveniente, lançarei mão do que John Stuart Mill chamou
de Método da Diferença. Seu uso requer “duas instâncias que se pareçam uma à
outra em todo o resto, mas se diferenciem na presença ou ausência do fenômeno
que queremos estudar”
34
(Mill: 1950, p. 207). De acordo com Mill, este método é
um processo lógico que utilizamos em praticamente todas as conclusões indutivas
do cotidiano. O autor cita, por exemplo, a situação em que um homem leva um
tiro e morre. É evidente que, como homens semelhantes a ele não sofreram o
ataque e permaneceram vivos, na ausência do tiro ele teria continuado com vida.
Mill resume da seguinte forma o Método da Diferença:
If an instance in which the phenomenon under investigation occurs, and an
instance in which it does not occur, have every circumstance in common save one,
that one occurring in the former; the circumstance in which alone the two
instances differ, is the effect, or the cause, or an indispensable part of the cause, of
the phenomenon” (Ibid).
Entretanto, o próprio Mill expressa pessimismo quanto à aplicação do
Método da Diferença nas ciências sociais devido à ausência da situação ceteris
paribus. Na prática, não é possível isolar aquilo que se está estudando, e jamais
todos os outros elementos permanecerão iguais. Vimos, por exemplo, na subseção
anterior, que Chile e Venezuela têm uma série de características comuns. Persiste,
porém, um problema. Mesmo admitindo que a questão da multicausalidade
(influência de uma grande quantidade de fatores) do desempenho do IDH é, em
grande medida, contornada pelo fato de ambos os países terem sofrido
constantemente uma fortíssima influência da estrutura do comércio, que é a
variável independente, é evidente que Chile e Venezuela não são absolutamente
iguais em todo o resto. A população não é exatamente do mesmo tamanho, nem a
economia, e assim por diante. Essa dificuldade pode ser contornada por meio da
utilização, no trabalho, do que Sidney Verba chama de “classe de eventos”. Para o
autor, ao lançar-se mão deste tipo de análise “a ‘singularidade’ da explicação é
reconhecida, mas é descrita em termos mais gerais, ou seja, como um valor
34
Tradução livre do original em inglês.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
83
particular de uma variável que faz parte de um marco teórico de variáveis
independente, interveniente e dependente” (Verba apud George, 1979, p. 46-47)
35
.
O que Verba denominou “classe de eventos”, Adam Przeworski e Henry
Teune definiram como “categorias”. De acordo com os dois últimos autores, “a
maioria dos problemas de singularidade contra universalidade’ pode ser
redefinida como de problemas de medição”
36
(Przeworski e Teune, 1970, p. 12).
A percepção de Verba, Przeworski e Teune, unida à adoção de taxas, ou proxies,
para traduzir as estruturas como variáveis independente e dependente, permite
tratá-las como “classes de eventos” nos casos dos dois países, sem que as
variações individuais comprometam a pesquisa.
O trabalho com variáveis expressas em números (porcentagens fluxo
comercial/PIB e IDH) aumenta a viabilidade da comparação entre casos que, em
uma pesquisa em ciências sociais, irremediavelmente terão vários aspectos
dessemelhantes, por mais pontos em comum, ou próximos, que apresentem.
A pesquisa seguirá o método que Alexander George desenvolveu e
chamou de structured-focused, comparison. Neste método,
the comparative analysis of cases is both structured and focused - focused
because it deals selectively with only the main aspects of the historical case (…),
and structured because it employs general questions to guide the data collection
and analysis in that historical case”. (George, Op. Cit, p. 61-62).
Tal método tem o mérito de, sem deixar de ser qualitativo, permitir uma
comparação entre resultados diferentes que teria sido impossível se a pesquisa se
restringisse a um estudo de caso.
Tal metodologia, então, viabiliza a realização da pesquisa empírica. Como,
porém, esta será feita? Primeiramente, precisarei levar em conta que, se atuação
estatal é a variável interveniente entre a estrutura do comércio e a estrutura do
bem-estar, sua intermediação acontece, sobretudo, por meio da utilização, na área
social, do dinheiro arrecadado com os impostos gerados pelas trocas comerciais.
Portanto, será preciso mostrar a relação entre comércio internacional e
arrecadação tributária no Chile e na Venezuela.
35
Tradução livre do original em inglês.
36
Tradução livre do original em inglês.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
84
Em seguida, estudarei a atuação do Estado nas áreas de educação e saúde,
tanto no que tange ao investimento feito nesses setores como no que diz respeito
às políticas adotadas. Verificarei também, lançando mão de um estudo sobre
governança utilizado pelo Banco Mundial, a qualidade da atuação de ambos os
governos. Será uma forma de avaliar sua capacidade de implementar as políticas
que se propuseram a adotar e às quais destinaram recursos.
Finalmente, encerrarei o próximo capítulo com observações sobre os dados
expostos, em uma análise da atuação estatal como variável interveniente entre a
estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
4
Pesquisa empírica
4.1.
As políticas públicas e a estrutura do bem-estar sob forte influência
da estrutura do comércio
Expus anteriormente os motivos que me levaram a selecionar Chile e
Venezuela como casos de estudo. Trata-se de dois países que se destacam pelo
peso de sua estrutura do comércio, mas cujas estruturas do bem-estar tiveram
comportamentos muito diferentes no período de análise, que vai de 1990 a 2000.
Argumentei que as posições defendidas por liberais e intervencionistas em sua
histórica controvérsia não fornecem todos os elementos necessários à análise em
um estudo como o que proponho. As duas tradições de pensamento defendem
argumentos favoráveis e contrários à abertura econômica, e prevêem
conseqüências positivas para a riqueza e o bem-estar se suas posições forem
seguidas, ou negativas se não o forem. A discussão, portanto, concentra-se em
políticas voltadas principalmente para a estrutura do comércio. Porém, esta foi
definida aqui como variável independente. Não é o foco desta dissertação analisar
as políticas ou outros fatores que levaram Chile e Venezuela a terem economias
abertas ao comércio. Pelo contrário, a pesquisa parte do fato de as duas
economias em questão serem abertas.
Se todas as estruturas estão em permanente contato entre si, segue-se que,
em uma sociedade onde a do comércio for forte, ela terá muita influência sobre as
demais. Ao mesmo tempo, verifica-se empiricamente que, mesmo na presença de
estruturas do comércio muito fortes, o comportamento das estruturas do bem-estar
não é sempre o mesmo.
Temos duas possibilidades diante de tal situação: 1) a variação é explicada
pela influência de outras estruturas, ou seja, pela atuação de outras variáveis
independentes, e 2) existem uma ou mais variáveis intervenientes entre a estrutura
do comércio e a estrutura do bem-estar, que fazem com que uma situação similar
na primeira não se reflita sempre da mesma forma na segunda.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
86
A primeira possibilidade sempre será verdadeira até certo ponto. Como
indiquei no capítulo anterior, trata-se da velha questão de ciências sociais: é
impossível isolar o objeto de estudo como em laboratório. Porém, levada ao
extremo, essa condição significaria que qualquer pesquisa em ciências sociais não
é falsificável e, em última instância, é irrelevante. De fato, sempre haverá outras
estruturas permanentemente em ação sobre a estrutura do bem-estar (e também
sobre todas as demais). Chile e Venezuela foram escolhidos precisamente porque
são exemplos nos quais a estrutura do comércio tem grande peso e, portanto,
ascendência particularmente forte sobre as outras estruturas. Em outras palavras, a
variável independente tem valor extremo. Além do mais, a adoção de “classes de
eventos” ajuda a superar tal problema. Em tal situação, torna-se necessário partir
para a segunda possibilidade exposta acima: buscar o que mais intervém para que,
na presença de estruturas do comércio influentes, as estruturas do bem-estar
reajam de maneiras diferentes.
Como estamos examinando estruturas nacionais, a análise encaminha-se
diretamente ao Estado. Já argumentei os motivos pelos quais é a sua presença
jurídica que determina a existência de estruturas nacionais na análise da economia
política internacional. Aqui, a questão fundamental passa pelos recursos gerados
pelo comércio, e pela forma como são direcionados para o fomento do bem-estar.
Algumas das principais controvérsias entre liberais e intervencionistas
vistas no capítulo 2 giram em torno da distribuição da riqueza gerada pelo
comércio. Enquanto os liberais enfatizam ganhos absolutos, os intervencionistas
questionam para quem vão esses ganhos, ou a que preço eles são obtidos (riscos
para a segurança, prosperidade menor no longo prazo). Porém, a renda
corresponde a apenas um terço do valor do IDH, que defini como proxy da
estrutura do bem-estar. Não estudarei, entretanto, as políticas públicas voltadas
diretamente para esse terço do IDH representado pela renda, por dois motivos.
O primeiro é que, como já demonstrado, nos casos estudados, o comércio,
ao corresponder a uma parcela tão grande do PIB, tem uma influência tão forte
sobre o conjunto da economia que é responsável, por si só, por uma parte
considerável das variações da renda média dos habitantes. Perante esse quadro, o
estudo de políticas direcionadas à variação da renda coincidirá em muito com o
estudo de políticas para o comércio exterior. Do ponto de vista metodológico,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
87
contudo, não faz sentido estudar a ação da variável interveniente sobre a variável
independente – e a estrutura do comércio foi definida aqui como tal.
O segundo motivo para não estudar as políticas direcionadas à variação da
renda, mesmo as que não têm relação direta com o comércio, é que elas formam
um conjunto tão grande de medidas que sua complexidade inviabilizaria o estudo.
De fato, nem sequer entre os economistas há consenso absoluto sobre quais são as
medidas que beneficiam o crescimento (por exemplo: é mais importante o Estado
investir pesado ou manter suas contas em ordem?). De qualquer forma, a
semelhança das curvas entre as variações do fluxo comercial e do PIB não só
revela que o comércio é o principal responsável pelas variações dessas economias,
como também ratifica o acerto da escolha dos casos.
Neste ponto, abrem-se novamente duas possibilidades de ligação entre as
estruturas do comércio e do bem-estar. A questão fundamental aqui é que a
riqueza gerada pelo comércio tem dois destinos: 1 - fica nas mãos de particulares,
por meio de lucro e pagamento de salários na própria atividade de trocas
comerciais e nos seus efeitos sobre o conjunto da cadeia econômica; e 2 – vai para
o Estado, por meio da arrecadação de impostos tanto sobre a própria atividade
comercial como sobre outras etapas do processo econômico por ele ativadas. Vale
a pena refletir um minuto sobre esses dois movimentos de geração de riqueza, e
sua ligação com os outros dois aspectos incluídos na taxa que defini como
representativa da estrutura do bem-estar (saúde e educação).
No caso de particulares, cada um escolhe o que fará com o dinheiro ganho.
Certamente parte dele vai para saúde e educação, por opção ou necessidade de
pagar por esses serviços. É difícil estabelecer com exatidão quem são as pessoas
que transformam os ganhos com o comércio internacional diretamente em
investimentos em saúde e/ou educação, e quanto dessa verba destinam a tais
setores. Mas podemos supor sem muito medo de errar que esse desconhecimento
não implica em grandes variações nos casos de Chile e Venezuela. Em primeiro
lugar, o desejo de ter uma vida longa e saudável, e livre de ignorância, e de
promover o mesmo para seus filhos é um valor que, embora talvez não seja
absolutamente universal, com certeza está entre os mais disseminados do mundo,
como argumentam os criadores do IDH.
Além disso, não é o mesmo traçar um paralelismo entre as situações de
dois países sul-americanos com uma série de características semelhantes, como
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
88
visto na escolha dos casos, do que fazê-lo entre, por exemplo, o Canadá e um país
da Ásia Central. Entre Chile e Venezuela, há boas razões – culturais e econômicas
- para acreditar que, de maneira geral, as pessoas reagiriam da mesma forma
diante da possibilidade e da necessidade de utilizar recursos próprios para investir
mais em saúde e educação: o fariam.
Descarto, então, devido à falta de plausibilidade da hipótese em contextos
semelhantes, que grandes diferenças na atuação de particulares expliquem os
efeitos diversos de uma estrutura do comércio forte sobre a estrutura do bem-estar
nos dois casos de estudo. Resta voltar ao ponto inicialmente colocado: a atuação
do Estado. Por meio da implementação de políticas públicas, ele tem a
possibilidade de transformar ganhos com o comércio em ganhos de bem-estar.
Todavia, não é apenas a diferença entre as políticas que pode provocar reações
contrastantes, mas também a eficácia na aplicação de tais políticas. Iniciativas de
um Estado que possam ser consideradas boas por diferentes critérios podem
fracassar se a qualidade da implementação daquelas políticas, ou seja, a
capacidade que tem o Estado de fazê-lo, não for adequada. Isto precisa ser levado
em conta em uma pesquisa que enfoque os impactos do comércio internacional
sobre o bem-estar interno de países.
O resto deste capítulo está estruturado da seguinte forma: primeiro
observarei a relação entre, de um lado, o comércio e as transações internacionais
(C&TI) e, de outro, a arrecadação tributária no Chile e na Venezuela. Em seguida,
analisarei as políticas públicas para saúde e educação, verificando a evolução dos
gastos direcionados a esses setores
1
e também as medidas que foram
implementadas no período analisado no Chile e na Venezuela. Depois, lançando
mão de um estudo utilizado pelo Banco Mundial com seis indicadores de
governança, verificarei a capacidade de ação dos dois governos na implementação
de suas políticas.
Adiante, aprofundar-me-ei brevemente na evolução da estrutura do bem-
estar do Chile e da Venezuela no período em questão, separando a variação do
IDH de ambos os países em dois momentos (1990-1995 e 1995-2000) para
descobrir quais dos três subíndices componentes da taxa mais contribuíram para
1
Todos os gastos com saúde e educação por habitante e como porcentagem do gasto
público total citados no capítulo referem-se ao governo central.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
89
seu aumento em cada um desses períodos. Finalmente, farei breves observações
sobre o conjunto dos dados apresentados.
4.2.
A estrutura do comércio e a arrecadação tributária
A arrecadação obtida pelos governos em função de uma estrutura do
comércio forte está no cerne desta pesquisa. A tabela abaixo reúne uma série de
dados sobre comércio, PIB e arrecadação tributária no Chile e na Venezuela
2
.
Interessa aqui sobremaneira a contribuição do comércio para a
arrecadação. Porém, é preciso admitir que a arrecadação gerada diretamente pelo
comércio, mesmo sendo um indicador extremamente útil, não abrange a totalidade
dos efeitos das trocas com outros países sobre o total arrecadado. Isto porque o
comércio pode ter impacto sobre outros setores da economia, que também gerarão
arrecadação. Por exemplo, um aumento nas exportações de determinado produto
pode fazer com que as firmas que o fabricam contratem mais e não apenas
paguem mais impostos ao governo, como também gerem uma massa salarial
maior. Os novos trabalhadores também pagarão mais imposto de renda, e gastarão
mais, gerando uma maior arrecadação de impostos sobre o consumo. Entretanto, é
extremamente difícil – talvez impossível – analisar o impacto exato do efeito
multiplicador causado pelas externalidades do comércio sobre a arrecadação total
e, portanto, usarei como referência os impostos recolhidos com comércio e
transações internacionais.
2
Todos os dados sobre arrecadação citados no capítulo referem-se a taxas recolhidas pelo
governo central.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
90
Tabela 4.1 : Chile e Venezuela ; dados sobre comércio, PIB e arrecadação tributária
Observa-se que, se a arrecadação total do Chile em relação ao PIB – a
pressão fiscal – subiu cerca de três pontos percentuais no período, passando de
13,1% (1990) para 15,3% (1995) e 16,27% (2000), a arrecadação com o comércio
e as transações internacionais, também em relação ao PIB, apresentou tendência
contrária, passando de 2,17% (1990) a 1,87% (1995) e a 1,35% (2000). Já no caso
da Venezuela, a pressão fiscal começou extremamente baixa (3,47% do PIB em
1990), mas logo subiu para um novo patamar e manteve-se nele (8,17% em 1995
e 8,65% em 2000). A arrecadação C&TI manteve-se, na maior parte do período,
em um nível entre 1,2% e 2% do PIB (1,36% em 1990, 1,55% em 1995 e 1,22%
em 2000). O gráfico 4.1 ilustra como Chile e Venezuela caminharam para a
convergência em suas taxas de arrecadação C&TI como proporção do PIB no
período em questão. Observa-se que, em linhas gerais, a proporção entre a
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
91
arrecadação proveniente do comércio e o PIB é similar em ambos os países. Em
contextos marcados por um valor extremo da estrutura do comércio (variável
independente), isto reforça a hipótese de que a diferença na evolução do IDH
deveu-se à forma como essa receita foi utilizada em cada caso.
Arrecadação C&TI como proporção do PIB
0
0,5
1
1,5
2
2,5
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Por cento
Chile Venezuela
Gráfico 4.1: Chile e Venezuela, arrecadação C&TI como proporção do PIB
3
A tendência de queda na proporção do PIB correspondente à arrecadação
C&TI mostrada pelo gráfico 4.1 não significa que o comércio tenha tido um peso
pequeno como fonte de tributos no Chile e na Venezuela. Isto fica demonstrado
pela comparação com o mesmo dado da Argentina e do Brasil
4
.
3
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).
4
Devido a um constrangimento metodológico provocado pela mudança de moedas
nacionais na Argentina (em 1991) e no Brasil (em 1994), os dados destes dois países não
correspondem a todo o período 1990-2000. Por isso, a comparação envolvendo os quatro países é
feita apenas para o período 1995-2000. No conjunto do período 1990-2000, a proporção do PIB
correspondente à arrecadação C&TI foi em média de 1,84% no Chile e de 1,62% na Venezuela.
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92
Arrecadação com comércio e transações
internacionais como proporção do PIB
0
0,5
1
1,5
2
2,5
1995 1996 1997 1998 1999 2000
Por cento
Argentina Brasil Chile Venezuela
Gráfico 4.2: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação C&TI como proporção do
PIB
5
A
rrecadação C&TI como proporção do PIB
(média 1995-2000)
1,47
0,61
0,70
1,68
0,00
0,40
0,80
1,20
1,60
2,00
Chile Venezuela Argentina Brasil
Por cento
Gráfico 4.3: Chile, Venezuela, Argentina e Brasil ; arrecadação C&TI como proporção do
PIB (média 1995-2000)
6
5
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).
6
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), e do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006).
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93
4.3.
A atuação do Estado
Nesta seção, observarei a atuação das políticas públicas para a educação e
a saúde. Primeiramente, analisarei a atuação de ambos os Estados no setor da
educação, e depois, no da saúde. Finalmente, observarei o nível de governança em
cada caso, uma medida da capacidade que têm os governos de implementar as
políticas selecionadas.
4.3.1.
Educação
Antes de comparar os gastos dos governos de Chile e Venezuela e suas
políticas para a educação, interessa-nos observar o desempenho dos dois países no
subíndice de educação do IDH. Trata-se do índice relativo à educação, medida
formada por uma combinação de taxas de matrículas e de analfabetismo que
representa um terço do total do IDH e vai de 0 a 1.
Sundice de educação no IDH
0,75
0,80
0,85
0,90
0,95
Ponto
Chile
0,86 0,87 0,90
Venezuela
0,83 0,83 0,84
1990 1995 2000
Gráfico 4.4: Chile e Venezuela, subíndice de educação no IDH
7
7
Fonte: PNUD : Dados constam do documento « HDI trend calculation », que recebi por
e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD no dia 29 de março
de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
94
V
antagem do Chile sobre a Venezuela no
subíndice de educação
0,03
0,05
0,06
0
0,01
0,02
0,03
0,04
0,05
0,06
1990 1995 2000
Ponto
Gráfico 4.5: Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de educação
8
Percebe-se que o Chile começou o período de estudo com um subíndice
de educação melhor que o da Venezuela, e aumentou sua vantagem. Entretanto,
nesse período, a Venezuela gastou mais do que o Chile em educação, como
mostra o gráfico 4.6. Por outro lado, o Chile manteve em constante aumento o
nível de prioridade dado à educação, demonstrado pela proporção do gasto
público total investida no setor. Já na Venezuela, esta medida teve altos e baixos;
o país começou investindo uma fatia maior do que o Chile, ampliou a diferença
entre 1990 e 1995, mas acabou ficando levemente atrás em 2000.
8
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do
PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
95
Gasto público em educação per capita
0
50
100
150
200
250
300
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ (a preços constantes
de 2000)
Chile Venezuela
Gráfico 4.6: Chile e Venezuela, gasto público em educação per capita
9
Gasto público em educação como porcentagem
do gasto público total
0
5
10
15
20
1
990
1
991
1
992
1993
1994
1995
1996
199
7
199
8
199
9
200
0
Por cento
Chile Venezuela
Gráfico 4.7: Chile e Venezuela, gasto público em educação como porcentagem do gasto
público total
10
Verifica-se no conjunto dos anos 90 um movimento de “catch up” do gasto
público chileno com educação em relação ao venezuelano, em decorrência
principalmente de uma tendência permanente de aumento do gasto neste setor no
Chile e de movimentos inconstantes nesse sentido na Venezuela. Não basta,
contudo, observar os gastos públicos em educação para entendermos as políticas
9
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
10
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
96
de ambos os países para o setor entre 1990 e 2000; é preciso verificar o que foi
feito neste âmbito.
Inicio a análise pelo Chile. Faz-se necessário olhar alguns anos antes de
1990, pois o sistema educacional do país foi profundamente modificado na década
anterior, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Em 1980, foi
publicado o decreto de reforma educacional do governo militar, que objetivava
uma diminuição da presença do Estado e um aumento da participação da iniciativa
privada no setor. Um aspecto fundamental desta política foi a descentralização e,
em abril de 1982, quase 85% das escolas públicas já haviam passado para o
controle das prefeituras (Gauri apud Taylor, 2003, p. 32). A segunda parte da
reforma mudava a maneira como o Estado relacionava-se com as escolas. O
dinheiro público passou a ser transferido para elas em função de seu número de
alunos, o que criou uma lógica de concorrência entre os estabelecimentos
educacionais. As escolas públicas que não conseguiram sobreviver atraindo
alunos nesse ambiente de mercado passaram a fechar as portas. Também foi
permitido que escolas privadas com fins lucrativos recebessem recursos públicos
por aluno. Além disso, as escolas que não recebem dinheiro do Estado e
dependem apenas da mensalidade, “que tradicionalmente absorveram 10% dos
estudantes, começaram a se expandir, pois os cortes na educação pública forçaram
mais pais a pensar em pôr seus filhos no sistema privado, que é melhor”
11
(Idem,
p.33-34).
Durante o regime de Pinochet, o orçamento da educação foi cortado em
25% entre 1974 e 1976, subiu 90% entre esse último ano e 1979, mas voltou a cair
25% entre 1981 e 1990, o que “se refletiu diretamente na queda do valor do
subsídio por estudante pago pelo governo aos centros educacionais” (Idem, p.34).
A diminuição da verba foi ainda maior no caso do ensino universitário, no qual os
recursos caíram 40% também entre 1981 e 1990. A ditadura acabou com o
sistema de universidade gratuita e promoveu a criação de pequenas instituições de
ensino superior. De acordo com o analista Marcus Taylor, tudo isso fez com que a
qualidade do ensino caísse, principalmente para a faixa da população sem muito
dinheiro para destinar à educação.
11
Tradução livre do original em inglês.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
97
O ano de 1990, quando começa o período analisado nesta dissertação,
também foi o da transição da ditadura de Pinochet para a democracia no Chile.
Em todo o tempo aqui estudado, o país foi governado pela Concertación de
Partidos por la Democracia, uma abrangente coalizão de centro-esquerda. A
presidência foi exercida por Patrício Aylwin (1990-1994), Eduardo Frei (1994-
2000) e Ricardo Lagos (2000-2006). A estratégia básica da Concertación no setor
educacional foi manter a estrutura do sistema estabelecido por Pinochet, mas
aumentar de forma sustentada o investimento do governo no setor.
Segundo José Pablo Arellano, que ocupou diferentes cargos no governo
nos anos 90, a prioridade na educação foram os ensinos básico e médio.
O governo promoveu uma série de medidas no setor. Foi criado em 1991
(e modificado em 1995) o Estatuto da profissão docente, que estabeleceu regras
comuns de remuneração, bonificações e estabilidade, entre outras condições de
trabalho.
Iniciou-se em 1996 a implementação de uma reforma educacional, tendo
como pontos cruciais a) iniciativas para a renovação pedagógica, como a
continuação da descentralização e a criação de uma rede de escolas de ensino
médio especialmente fortes para alunos de destaque no ensino básico do sistema
subvencionado; b) programas para a formação permanente dos professores; c)
uma reforma curricular; d) o aumento do tempo que os alunos passam na escola, e
e) medidas para aumentar a verba da educação, como incentivos para o
financiamento da educação compartilhado entre o Estado e as famílias nas escolas
municipais subvencionadas, e benefícios tributários para empresas envolvidas na
educação (Corvalán, Palafox e Peruzzi, 2001, p. 128-129).
O caminho de descentralização implementado pelo Chile no começo dos
anos 80 foi empreendido pela Venezuela a partir do final daquela década. Ao
contrário do Chile e da maioria dos países da América Latina, a Venezuela vivia
em democracia desde 1958. Entre 1988 e 1989, começou a ser implementada, nos
governos de Jaime Lusinchi e Carlos Andrés Pérez, uma reforma do Estado
descentralizadora, inclusive na área da educação. Assim como no Chile, foram
adotadas iniciativas para aumentar a autonomia dos centros educacionais. Na
primeira etapa, o processo descentralizador incluiu apenas os níveis pré-escolar e
básico. Em 1996, a tendência ganhou novo impulso com o Programa de
Reorganização e Descentralização do Ministério da Educação. Dois anos mais
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
98
tarde, os estados venezuelanos passam a preparar seus próprios currículos,
complementando o Currículo Básico Nacional. A despeito de todas essas
iniciativas, ao contrário da grande rapidez observada no Chile no começo dos
anos 80, na Venezuela o processo de descentralização adotado na década seguinte
aconteceu em ritmo muito lento. “Em 1999, embora todos os estados da
Venezuela tivessem feito algum acordo de co-investimento ou co-execução da
reforma educacional, apenas dois estados haviam cumprido o convênio definitivo
de transferência”
12
de responsabilidades (Idem, p. 385). De acordo com relatório
da Unesco elaborado por Ana María Corvalán, Juan Carlos Palafox e Sonia
Peruzzi, as decisões sobre política educacional continuavam concentradas no
governo central no final do período enfocado por esta dissertação. Os autores do
documento avaliam que
la descentralización de la educación venezolana puede tener importantes
implicaciones para el mejoramiento de su calidad. La autonomía en las escuelas
privadas les ha ayudado a establecer al alumno como enfoque principal de sus
políticas. Ha facilitado la participación de la comunidad, dado que la autonomía
exige un grupo de trabajo que dirija la institución. En contraste, las escuelas
públicas actúan dentro de los vínculos establecidos por el Ministerio y los
sindicatos, y en la práctica los directores tienen una libertad limitada para
modificar la planta docente o para efectuar trámites administrativos como el
contrato de sus propios maestros” (Ibid).
Em 1998, a Venezuela implementou o Projeto Educacional Nacional,
tendo como metas o fortalecimento da gestão escolar no nível local e o
desenvolvimento de um sistema de supervisão, controle e avaliação.
4.3.2.
Saúde
Assim como no caso da educação, vale a pena começar esta análise
observando o desempenho dos dois países no subíndice de saúde (medida em
função da esperança de vida) em 1990, 1995 e 2000. Esta taxa também representa
um terço do IDH e vai de 0 a 1.
12
Tradução livre do original em espanhol.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
99
Sundice de saúde no IDH
0,70
0,75
0,80
0,85
0,90
Ponto
Chile
0,81 0,83 0,87
Venezuela
0,76 0,78 0,79
1990 1995 2000
Gráfico 4.8: Chile e Venezuela, subíndice de saúde no IDH
13
V
antagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de
saúde
0,04
0,05
0,07
0
0,02
0,04
0,06
0,08
1990 1995 2000
Ponto
Gráfico 4.9: Vantagem do Chile sobre a Venezuela no subíndice de saúde
14
À semelhança do ocorrido com o subíndice utilizado pelo PNUD para medir
o desempenho dos países na educação, na taxa de saúde o Chile também começou
o período de estudo com vantagem em relação à Venezuela, e aumentou
consideravelmente a diferença. Passarei à análise dos gastos de cada governo no
13
Fonte: PNUD : Dados constam do documento « HDI trend calculation », que recebi por
e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD no dia 29 de março
de 2007.
14
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
100
setor de saúde, seguida pela observação das políticas de ambos para o setor nos
anos estudados.
O gráfico 4.10 demonstra que, ao contrário do observado no caso da
educação, em que a Venezuela gastou mais por habitante do que o Chile ao longo
de quase todo o período – sem que isso se refletisse nos resultados obtidos - no
caso da saúde o Chile reverteu no início da década a vantagem inicial
venezuelana. Além disto, no que tange à prioridade dada à saúde dentro do gasto
público total, o Chile ampliou consideravelmente sua dianteira inicial. De fato,
enquanto no Chile o gasto proporcional em saúde aumentou no transcurso do
período, na Venezuela ele caiu.
Gasto público em saúde por habitante
0
50
100
150
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
US$ (a preços constantes
de 2000)
Chile Venezuela
Gráfico 4.10: Chile e Venezuela, gasto público em saúde por habitante
15
15
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
101
Gasto público em saúde com porcentagem do
gasto público total
0
5
10
15
19
9
0
19
91
19
92
19
93
19
94
1
9
95
1996
1
9
97
1998
1999
20
0
0
Por cento
Chile Venezuela
Gráfico 4.11: Chile e Venezuela, gasto público em saúde como porcentagem do gasto
público total
16
Novamente os gráficos revelam uma política de constante aumento do gasto
público, neste caso em saúde, e também da prioridade dada ao setor dentro do
gasto público no Chile, e uma política instável no caso da Venezuela.
No caso chileno, a trajetória da política de saúde é muito semelhante à da
educação. Mais uma vez é preciso voltar atrás do período enfocado para expô-la.
Até 1981, o país tinha um sistema de saúde pública tradicional, que normalmente
funcionava com menos recursos que o necessário, e outro privado. Naquele ano,
foi criado um novo modelo, no qual todos os trabalhadores passaram a pagar
obrigatoriamente 7% de sua renda como seguro de saúde. Porém, com a idéia de
“otimizar a escolha pessoal e aumentar o papel do setor privado”
17
, nas palavras
de Taylor, os contribuintes passaram a escolher entre pagar sua taxa ao sistema
público, o Fondo Nacional de Salud (Fonasa) ou a um dos planos privados, as
Instituciones de Salud Previsional (Isapre) (Taylor, Op. Cit).
O Fonasa recebe as contribuições dos que escolheram o sistema público e,
além disso, verbas do Estado. Os serviços das Isapres são vistos como de melhor
qualidade, mas para participar delas é preciso pagar o mínimo exigido, que varia
16
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
17
Tradução livre do original em inglês.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
102
em função de gênero e idade, como normalmente ocorre com planos de saúde
privados.
A partir de 1990, o governo da Concertación manteve o sistema
implantado em 1981. No entanto, aumentou consideravelmente a verba destinada
ao Fonasa, que estava sucateado, pois, naquele ano, o gasto público per capita
com saúde representava 34,5% do nível de 1974, logo após o começo da ditadura
(Torche apud idem, p. 37). Junte-se a isso ao fato de o sistema público receber as
contribuições das pessoas de menor renda, e o resultado foi uma sensível
deterioração dos serviços.
De acordo com a Pesquisa de Caracterização Sócio-Econômica (Casen),
em 1990 as Isapre atendiam a 15,1% da população. Porém, segundo dados citados
por Taylor, recebiam pouco menos de 57% das contribuições (Castiglioni apud
idem, p.38). Em 1996, após vários anos de forte crescimento econômico, os
planos de saúde privados haviam passado a atender a 24,9% da população. Em
2000, seguindo-se à diminuição do ritmo econômico nos anos anteriores, esse
número caíra para 20,8%. Coerentemente, segundo dados citados por Taylor,
entre o primeiro e o último ano do período estudado aumentou a proporção da
contribuição compulsória arrecadada pelo sistema privado, que chegou a dois
terços do total. Mesmo com o aumento da contribuição ao Fonasa durante a
década, as Isapre ainda controlavam 46% dos recursos da saúde no ano 2000 (Cid
Pedraza apud ibid). Segundo Arellano, a diferença entre o gasto por beneficiado
das Isapres e do sistema público caiu de 3,3 para 1,7 vez nos anos 90 (Arellano:
2004b p. 38).
Assim como o Chile implementou na saúde uma política semelhante à da
educação, privilegiando a descentralização e aumentando a participação privada a
partir dos anos 80, a Venezuela, também neste setor, seguiu os mesmos passos a
partir do final da década. Em 1989, o sistema de saúde pública venezuelano
apresentava grandes problemas de ineficácia, decorrentes do modelo formal
implementado no setor desde a redemocratização, em 1958. Este foi descrito pelas
analistas Maria T. Rincón e Isabel Rodríguez como “burocrático-populista”: um
modelo marcado por forte politização do setor e por graves problemas de
ineficácia.
Em 1990 começou um processo de descentralização, com os governadores
então recém-eleitos pedindo a transferência de responsabilidades na esfera da
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
103
saúde, o que começou a acontecer em 1993. Este processo, porém, ocorreu sem
uma lei que estabelecesse parâmetros a serem seguidos pelos estados na
implementação das iniciativas do setor. Assim, cada governo estadual criou um
modelo de gestão diferente. Paralelamente a esse processo de descentralização, foi
adotada a estratégia Municípios Rumo à Saúde em 1994. A proposta foi nacional
e enfatizou a participação popular “a fim de estabelecer sistemas locais de saúde
autônomos para abordar os problemas identificados pela própria comunidade”
18
(Rincón e Rodríguez, 2004, p. 521). Junto com a descentralização, observou-se
também um aumento da participação do capital privado nos serviços de saúde
venezuelanos nos anos 90.
Con la descentralización se comenzó un proceso de ampliación y
profundización de la privatización de los servicios públicos, al propio
tiempo que variadas experiencias relacionadas con modelos de gestión
se pusieron en marcha bajo diversas orientaciones pero que respondían,
en casi todos los casos, a la urgente necesidad de buscar respuestas a
los problemas que se fueron presentando, entre ellas, el déficit de
recursos económicos, abriéndose espacio para la búsqueda de
alternativas de fuentes de financiamiento” (Idem, p. 523).
Em 1999, com a chegada do presidente Hugo Chávez ao poder, sucedendo
Rafael Caldera
19
, a política do governo venezuelano para a saúde sofreu novas
mudanças, mas o caráter descentralizador adotado uma década antes foi mantido.
Por um lado, o Ministério da Saúde e Assistência Social, criado nos anos 30, foi
fundido com o Ministério da Família, dando origem ao Ministério da Saúde e do
Desenvolvimento Social. A nova pasta passou a ser responsável pela regulação,
formulação e acompanhamento das políticas e pela alocação dos recursos do
Sistema Público Nacional de Saúde, bem como por promover a participação da
população no setor. Por outro lado, em 2000, último ano do período analisado, foi
criado um sistema de “Atendimento Integral” em uma rede de ambulatórios com a
responsabilidade de fazer uma parte substantiva do trabalho no setor.
18
Tradução livre do original em espanhol.
19
Caldera foi eleito em dezembro de 1993 para suceder Pérez, afastado do poder em maio
daquele ano por suposta corrupção.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
104
4.3.3.
Qualidade da atuação estatal
Após examinar as políticas públicas para a saúde e a educação levadas a
cabo por Chile e Venezuela no período de análise, falta enfocar a capacidade que
tinham os governos de implementar as medidas que se propuseram a adotar. O
que se quer observar é o bom funcionamento das instituições públicas,
minimizando o ruído entre a decisão das autoridades acerca de uma medida e os
efeitos reais desta. Trata-se, em última análise, do que se convencionou chamar de
“governança”. Evidentemente, constitui um fenômeno bastante difícil de analisar
com precisão. Embora intangível, é essencial para que as políticas públicas surtam
ou não o efeito desejado.
Para contornar o problema de como medir a eficácia da ação dos Estados
chileno e venezuelano, recorrerei a uma pesquisa organizada por D. Kaufmann, A.
Kraay e M. Mastruzzi, e publicada no site do Banco Mundial. Estes três analistas
reuniram respostas dadas por cidadãos comuns, empresários e especialistas a
diferentes institutos de pesquisa, centros de estudo e organizações não-
governamentais sobre seis “indicadores de governança”: prestação de contas,
estabilidade política/ausência de violência, eficácia do governo, qualidade
regulatória, Estado de direito e controle da corrupção. Os primeiros dados do
estudo referem-se a 1996: um ano depois do meio do período de análise nesta
dissertação. Não é, obviamente, a situação ideal, mas não chega a representar um
problema para sua utilização como referência de governança. Isto porque a
diferença, revelada pelos números, favorável ao Chile e contrária à Venezuela é
uma tendência clara demais para ter-se modificado de forma tão substancial entre
a primeira e a segunda metade da década passada a ponto de alterar a percepção
que interessa aqui.
Os anos incluídos na pesquisa e cujos dados reproduzo são 1996, 1998 e
2000. Para cada um deles, Chile e Venezuela receberam uma nota de -2,5 a 2,5
pontos, e outra correspondente em porcentagem. O quadro dos dois países é o
seguinte:
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
105
CHILE
Indicador de
governança
Ano Nota
(-2,5 a + 2,5)
Nota em
porcentagem
(%)
Desvio
padrão
2000 0,47 59,9 0,23
1998 0,59 64,7 0,23
Prestação de
contas
1996 0,89 75 0,21
2000 0,66 68,4 0,24
1998 0,37 57,1 0,26
Estabilidade
política/Ausência
de violência
1996 0,52 59,9 0,29
2000 1,31 89 0,19
1998 1,31 87,6 0,26
Eficácia do
governo
1996 1,2 86,2 0,19
2000 1,19 88,2 0,32
1998 1,1 90,1 0,27
Qualidade
regulatória
1996 1,36 93,1 0,23
2000 1,23 87 0,15
1998 1,18 85,1 0,18
Estado de direito
1996 1,22 87,1 0,16
2000 1,5 91,7 0,17
1998 1,13 85,3 0,19
Controle da
corrupção
1996 1,4 89,8 0,2
Tabela 4.2: Chile, indicadores de governança
20
20
Fonte: Banco Mundial. Disponível no site
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
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106
VENEZUELA
Indicador de
governança
Ano Nota
(-2,5 a + 2,5)
Nota em
porcentagem
(%)
Desvio
padrão
2000 -0,24 41,1 0,24
1998 0,26 54,6 0,23
Prestação de
contas
1996 0 51 0,21
2000 -0,67 25,5 0,25
1998 -0,47 29,2 0,25
Estabilidade
política/Ausência
de violência
1996 -0,88 17,9 0,29
2000 -0,83 17,7 0,2
1998 -0,89 16,3 0,25
Eficácia do
governo
1996 -0,78 20,5 0,19
2000 -0,65 23,2 0,32
1998 0,08 46,3 0,27
Qualidade
regulatória
1996 -0,19 37,3 0,23
2000 -0,93 19,2 0,15
1998 -0,75 29,8 0,18
Estado de direito
1996 -0,72 28,7 0,16
2000 -0,71 28,4 0,18
1998 -0,84 17,6 0,19
Controle da
corrupção
1996 -0,76 24,9 0,2
Tabela 4.3: Venezuela, indicadores de governança
21
Os gráficos 4.12 e 4.13, que reúnem a avaliação levando em conta a
porcentagem, demonstram a evolução de cada um dos países nos seis índices de
governança. A comparação entre eles também reflete a diferença entre a
capacidade que teve cada um dos dois Estados de pôr em prática suas políticas, de
acordo com as pesquisas cujos resultados foram agregados nestes dados.
21
Fonte: Banco Mundial. Disponível no site
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
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107
Chile: Indicadores de governança
0
20
40
60
80
100
1996 1998 2000
Por cento
Prestão de contas
Estabilidade política
Eficácia do governo
Qualidade regulatória
Estado de direito
Controle da corrupção
Gráfico 4.12: Chile, indicadores de governança
22
Venezuela: indicadores de governança
0
20
40
60
80
100
1996 1998 2000
Por cento
Prestão de contas
Estabilidade política
Eficácia do governo
Qualidade regulatória
Estado de direito
Controle da corrupção
Gráfico 4.13: Venezuela, indicadores de governança
23
Os dados da pesquisa permitem ainda uma comparação para o período
1996-2000 por meio de uma média dos seis indicadores para cada um dos três
anos de referência. É o que faço nos gráficos 4.14 e 4.15.
22
Fonte: Banco Mundial. Disponível no site
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
23
Fonte: Banco Mundial. Disponível no site
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
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108
Média das notas de governança (-2,5 a 2,5)
-1,00
-0,50
0,00
0,50
1,00
1,50
pontos
Chile
1,10 0,95 1,06
Venezuela
-0,56 -0,44 -0,67
1996 1998 2000
Gráfico 4.14: Chile e Venezuela, média das notas de governança
24
Qualidade da governança
81,85
78,32
80,70
30,05
32,3
25,85
0
20
40
60
80
100
1996 1998 2000
Por cento
Chile Venezuela
Gráfico 4.15: Chile e Venezuela, qualidade da governança
25
Na média de todas as categorias nos três anos, o Chile obteve uma nota de
1,04 ponto, ou 80,29%, contra -0,55 ponto ou 29,4% da Venezuela. Percebe-se
que não há necessidade de informação sobre a primeira metade da década, não
coberta pela pesquisa, para determinar que o Estado chileno teve uma capacidade
muito maior de atuação que o venezuelano. A diferença entre ambos – que é, na
média, de 1,59 ponto na escala de -2,5 a 2,5 ou de 50,89 pontos porcentuais –
24
Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis no site do Banco Mundial :
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
25
Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis no site do Banco Mundial :
http://info.worldbank.org/governance/kkz2005/sc_chart.asp
. Acessos em: 13 e 21 de abril de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
109
permite afirmar-se com tranqüilidade que é desprezível a possibilidade de a
Venezuela ter registrado uma qualidade de atuação estatal melhor do que a do
Chile entre 1990 e 1995. Observe-se que o Chile obteve uma avaliação melhor
que a Venezuela em todos os índices e em todos os três anos de referência.
4.4.
A evolução da estrutura do bem-estar
A evolução do IDH, definido aqui como proxy da estrutura do bem-estar,
foi muito diferente no Chile e na Venezuela no período enfocado. O IDH chileno
relativo a 1990 era 1,75% maior que o venezuelano. Essa vantagem subiu para
3,11% na taxa referente a 1995 e para 4,32% na correspondente a 2000. Em outras
palavras, a diferença aumentou 82,21% entre 1990 e 1995, 41,53% entre 1995 e
2000 e astronômicos 157,89% considerando-se todo o período. Já apresentei no
capítulo 3 o gráfico com os IDHs de Chile e Venezuela nos três anos de
referência. O próximo revela a diferença entre as taxas em 1990, 1995 e 2000.
IDH: Diferença entre Chile e Venezuela
0,000
0,020
0,040
0,060
0,080
Ponto
IDH: diferença entre Chile
e Venezuela
0,027 0,049 0,070
1990 1995 2000
Gráfico 4.16: IDH, diferença entre Chile e Venezuela
26
Mostrei na subseção anterior que a vantagem chilena aumentou tanto no
subíndice de educação como no de saúde. O mesmo aconteceu no relativo à renda,
que é calculado em função da riqueza per capita medida em dólares e em paridade
26
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
110
de poder de compra. Se em 1990 havia praticamente um empate neste quesito,
com vantagem de 0,004 ponto para o Chile, a superioridade chilena se ampliou
para 0,445 ponto em 1995 e para 0,788 ponto em 2000. É digno de nota que esse
subíndice chileno tenha aumentado consideravelmente menos na segunda metade
da década do que na primeira (0,02 contra 0,05 ponto). A expansão da vantagem
decorreu da queda do subíndice venezuelano entre 1995 e 2000.
No restante desta seção serão apresentadas separadamente as evoluções do
IDH de Chile e Venezuela. O objetivo é, adiante, observar o desempenho de cada
país como conseqüência da atuação estatal – levando em conta políticas adotadas,
dinheiro destinado a elas e qualidade da ação governamental – em um ambiente
marcado pela grande ascendência da estrutura do comércio e, por conseguinte, por
altos níveis de arrecadação de impostos com o comércio.
Começo pelo caso chileno. O gráfico 4.17 expõe a contribuição de cada
um dos três subíndices para a alta. Ele mostra que, em todo o período (coluna à
direita), o subíndice de renda foi o que mais subiu (correspondendo a 43,55% da
alta total), seguido do de saúde (35,29%), com o de educação no fim da fila
(21,16%). Porém, dividindo a década em duas partes, a renda puxou a alta do IDH
em 1990-1995, mas ficou em último lugar em 1995-2000, pouco atrás da
educação, que passou de ser responsável por 14,47% a responder por 29,15% do
aumento total. Já o subíndice de saúde, que na primeira metade do período
contribuiu com 29,20% da expansão, na segunda o fez com 42,57%.
O gráfico 4.18 confirma as mesmas tendências, porém mostrando a
expansão de cada um dos subíndices, assim como do índice geral, em relação a
seu próprio valor anterior.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
111
Participação de cada subíndice na variação
do IDH chileno
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
renda
56,33 28,28 43,55
saúde
29,20 42,57 35,29
educão
14,47 29,15 21,16
1990-1995 1995-2000 1990-2000
Gráfico 4.17: Participação de cada subíndice na variação do IDH chileno
27
Chile: variação dos subíndices e do IDH
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
Por cento
educão
1,55 2,57 4,16
saúde
3,34 3,94 7,42
renda
7,48 2,93 10,63
IDH
3,90 3,14 7,17
1990-1995 1995-2000 1990-2000
Gráfico 4.18: Chile, variação dos subíndices e do IDH
28
27
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
112
A trajetória do IDH venezuelano é bem diferente. Ao contrário do que
ocorreu no Chile - onde os três indicadores subiram tanto no período 1990-1995
como no 1995-2000 (e, logo, no 1990-2000) -, na Venezuela houve quedas no
subíndice de educação na primeira metade da década (0,18%) e no de renda na
segunda (1,78%). No final do período, o subíndice de renda também registrou um
valor 0,14% inferior ao de 1990. Isso fez com que aumentos pequenos em
números absolutos nas outras taxas correspondessem a grandes frações do total da
variação do IDH do país. As variações porcentuais dos subíndices em relação a si
próprios, porém, são modestas, quando não negativas. Os gráficos referentes à
Venezuela ilustram essa situação.
Participação de cada subíndice na
variação do IDH venezuelano
-40%
-20%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
renda
45,51 -79,61 -2,30
saúde
60,22 79,67 67,65
educão
-5,73 99,94 34,65
1990-1995 1995-2000 1990-2000
Gráfico 4.19: Participação de cada subíndice na variação do IDH venezuelano
29
28
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
29
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
113
Venezuela: variação dos subíndices e do IDH
-3,00
-2,00
-1,00
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
Por cento
educão
-0,18 1,90 1,72
saúde
2,01 1,61 3,65
renda
1,68 -1,78 -0,14
IDH
1,11 0,68 1,80
1990-1995 1995-2000 1990-2000
Gráfico 4.20: Venezuela, variação dos subíndices e do IDH
30
4.5.
Observações sobre os dados empíricos
Defini a proporção do PIB correspondente ao fluxo comercial como a
tradução numérica da estrutura do comércio. Afirmei que, como todas as
estruturas que formam o poder estrutural de um país estão em permanente contato
umas com as outras, naqueles onde a estrutura do comércio tiver um peso
particularmente importante, ela exercerá grande influência sobre as outras.
Acrescentei que, no caso da estrutura nacional do bem-estar, a forma como esse
impacto acontece reflete primordialmente a atuação do Estado, que, assim sendo,
defini como variável interveniente.
A atuação de uma estrutura do comércio influente pode fortalecer muito a
estrutura do bem-estar, caso o governo implemente políticas que o favoreçam e
sua atuação seja eficaz. É preciso admitir que o comércio internacional também
pode atuar diretamente sobre o bem-estar interno via influência sobre as
30
Fonte: Elaboração própria a partir de dados que constam do documento « HDI trend
calculation », que recebi por e-mail do Departamento de Relatório de Desenvolvimento Humano
do PNUD no dia 29 de março de 2007.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
114
oportunidades de trabalho e de remuneração. Entretanto, isto não deve ser motivo
de preocupação nesta análise, pois, como visto no capítulo 3, as economias de
Chile e Venezuela têm perfis semelhantes que minimizam a possibilidade de que
diferenças neste ponto expliquem as variações observadas na variável dependente.
Com isso, voltamos à atuação estatal. Apontei que o Estado é capaz de
exercer o papel de variável interveniente entre uma estrutura do comércio forte e a
estrutura do bem-estar em função da arrecadação de impostos. Por um lado, é
certo que a arrecadação tributária diretamente com o comércio não esgota a
atuação deste como fonte de entradas para o governo – pois ele gera
externalidades e ativa outros setores da economia. Mas por outro lado, não é
menos verdade que maiores proporções de fluxo comercial/PIB e arrecadação
C&TI/PIB indicam justamente uma maior participação do comércio no conjunto
da economia e, portanto, uma fatia maior de contribuição para a arrecadação geral.
Os gráficos abaixo demonstram a forte ligação que existe entre a variação do PIB
dos dois países e de suas arrecadações com comércio e transações internacionais.
Chile: varião do PIB e arrecadação C&TI
-2
0
2
4
6
8
10
12
14
19911992 1993 19941995 19961997 1998 19992000
Por cento (base: US$
a preços constantes
de 2000)
800
1000
1200
1400
1600
1800
US$ milhões (a preços
constantes de 2000)
PIB, variação anual Arrecadação C&TI
Gráfico 4.21: Chile, variação do PIB e arrecadação C&TI
31
31
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco
Central do Chile disponíveis no site
http://si2.bcentral.cl/Basededatoseconomicos/951_455.asp?f=A&s=IPC-Vr%25M-12m
(acesso em
20 de maio de 2007).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
115
Venezuela: variação do PIB e arrecadação C&TI
-10
-5
0
5
10
15
19911992199319941995 19961997199819992000
Por cento: (base: US$
a preços constantes
de 2000)
800
1300
1800
2300
2800
US$ milhões (a preços
constantes de 2000)
Variação do PIB Arrecadação C&TI
Gráfico 4.22: Venezuela, variação do PIB e arrecadação C&TI
32
Fica patente que a grande influência da estrutura do comércio torna as
trocas comerciais uma fonte primordial de receita, que pode ou não ser
aproveitada pelo governo para fortalecer a estrutura do bem-estar. Aqui reside um
dos motivos fundamentais da diferença de desempenho entre Chile e Venezuela.
Vimos que os dois países viveram bons momentos econômicos no início da
década, e anos de menor crescimento na segunda metade, período marcado, no
contexto internacional, pelas crises do Sudeste Asiático, da Rússia e do Brasil.
Recuperaram-se no último ano do período analisado. À expansão econômica do
começo da década correspondeu uma elevão do subíndice de renda dentro do
IDH entre 1990 e 1995, que foi de 7,48% no caso chileno e de 1,68% no
venezuelano.
Vimos que o Chile manteve, durante todo o período, um investimento
crescente por habitante tanto em educação como em saúde. Na verdade, o
investimento até aumentou nos últimos anos do período 1990-2000, em uma
conjuntura econômica menos favorável, o que indica a adoção de uma política
anticíclica no que diz respeito a investimentos sociais. Entretanto, dificilmente um
32
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco
Central da Venezuela disponíveis no site http://www.bcv.org.ve/excel/4_1_14.xls?id=87
(acesso
em 20 de maio de 2007).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
116
gasto público nos setores de saúde e educação repercutirá imediatamente nos
critérios avaliados pelo PNUD no IDH, além da renda: longevidade (saúde) e
matrículas e analfabetismo (educação). Pode-se afirmar com relativa tranqüilidade
que a melhora no desempenho chileno nesses setores na segunda metade da
década deve-se em grande parte às políticas adotadas na primeira. Ao contrário
do Chile, a Venezuela não aproveitou os ganhos do comércio exterior para
sustentar um aumento permanente dos gastos nesses setores.
Constatamos que, no caso chileno, a desaceleração da elevação do
subíndice de renda foi acompanhada por um expressivo aumento da velocidade de
crescimento dos subíndices de educação e, principalmente, de saúde. No caso
venezuelano, o subíndice de renda passou de crescimento em 1990-1995 a queda
em 1995-2000. Paralelamente o índice de educação passou de leve baixa a
elevação, mas a subida da taxa de saúde foi desacelerada.
A comparação entre os gráficos 4.23 e 4.24 evidencia a diferença entre os
comportamentos dos dois governos.
Chile: arrecadação C&TI e gasto público em
saúde e em educação por habitante
0
50
100
150
200
250
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
US$ (a preços constantes
de 2000)
Arrecadação
C&TI por
habitante
Gasto público
em educão
por habitante
Gasto público
em saúde por
habitante
Gráfico 4.23: Chile, arrecadação C&TI e gasto público em saúde e em educação por
habitante
33
33
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco
Central do Chile disponíveis no site
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
117
V
enezuela: arrecadação C&TI e gasto público em
educação e em saúde por habitante
0
50
100
150
200
250
1990
1
9
92
1
994
1
996
1998
2
0
00
US$ (a preços constantes
de 2000)
Arrecadação
C&TI por
habitante
Gasto público
em educação
por habitante
Gasto público
em saúde por
habitante
Gráfico 4.24: Venezuela, arrecadação C&TI e gasto público em saúde e em educação
por habitante
34
Observamos nos últimos gráficos que: 1) o PIB e a arrecadação C&TI
seguiram, na maior parte do intervalo, a mesma tendência tanto no Chile como na
Venezuela, e 2) o Chile adotou uma política anticíclica, na qual a verba destinada
à saúde e à educação foi aumentada de forma constante, ao contrário da
Venezuela, onde não houve uma tendência constante, e sim uma forte semelhança
entre as curvas de gastos públicos nesses setores e da arrecadação C&TI. Não é de
surpreender, portanto, que os gráficos que mostram a variação do PIB por
habitante, de um lado, e dos gastos públicos por habitante em saúde e educação,
de outro, confirmem os diferentes comportamentos dos governos do Chile e da
Venezuela.
http://si2.bcentral.cl/Basededatoseconomicos/951_455.asp?f=A&s=IPC-Vr%25M-12m (acesso em
20 de maio de 2007).
34
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Cepal disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
(acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007), do FMI
disponíveis no site http://ifs.apdi.net/imf/
(acessos em : 28 e 29 de setembro de 2006) e do Banco
Central da Venezuela disponíveis no site http://www.bcv.org.ve/excel/4_1_14.xls?id=87
(acesso
em 20 de maio de 2007).
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
118
Chile: variação do PIB e gasto público em
educação por habitante
-5
0
5
10
15
19
91
19
92
19
93
19
94
19
95
19
96
19
97
19
98
19
99
2
000
Por cento
(base: US$ a
preços
constantes de
2000)
0
50
100
150
200
250
US$ (a preços
constantes de
2000)
Variação do PIB por habitante
Gasto público em educão por habitante
Gráfico 4.25: Chile, variação do PIB e gasto público em educação por habitante
35
V
enezuela: variação do PIB e gasto público em
educação por habitante
-10
-5
0
5
10
19
91
1992
19
93
1994
19
9
5
1996
19
97
1998
19
99
2000
Por cento
(base: US$ a
preços
constantes de
2000)
0
50
100
150
200
250
300
US$ (a preços
constantes de
2000)
Variação do PIB por habitante
Gasto público em educão por habitante
Gráfico 4.26: Venezuela, variação do PIB e gasto público em educação por habitante
36
35
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
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março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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Chile: variação do PIB e gasto público em saúde
por habitante
-5
0
5
10
15
1991
19
92
19
93
1
994
199
5
19
96
19
97
1998
19
99
20
00
Por cento (base:
US$ a preços
constantes de
2000)
0
50
100
150
US$ (a preços
constantes de
2000)
Variação do PIB por habitante Gasto público em saúde por habitante
Gráfico 4.27: Chile, variação do PIB e gasto público em saúde por habitante
37
V
enezuela: variação do PIB e gasto público em
saúde por habitante
-10
-5
0
5
10
19
91
1992
1993
19
9
4
1995
19
96
1997
1998
1999
2000
Por cento (base:
US$ a preços
constantes de
2000)
0
20
40
60
80
100
120
US$ (a preços
constantes de
2000)
Variação do PIB por habitante Gasto público em saúde por habitante
Gráfico 4.28: Venezuela, variação do PIB e gasto público em saúde por habitante
38
Em que pese a tendência apontada por estes gráficos, não é possível
afirmar que o melhor desempenho do Chile deveu-se apenas a uma verba mais
volumosa dedicada aos dois setores, principalmente porque constatei que, no caso
da educação, a Venezuela gastou mais por habitante no decorrer do período. É
37
Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
http://websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.asp
. Acessos em: 15 de novembro de 2006, 25 de
março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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Fonte: Cepal : Dados disponíveis no site
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março de 2007, 11, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 27 de abril de 2007 e 22 de maio de 2007.
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preciso levar em conta também a possibilidade de as políticas aplicadas pelo Chile
terem sido melhores do que as implementadas pela Venezuela, e de que a melhor
qualidade da governança chilena tenha influenciado o comportamento dos
indicadores.
Diante da breve exposição acima das políticas públicas direcionadas à
saúde e à educação, contudo, parece bastante improvável que os tipos de medidas
adotados tenham, por si sós, provocado a crescente diferença entre ambos os
países nos dois subíndices. Isto basicamente porque a orientação geral das
medidas de Chile e Venezuela para os dois setores foi a mesma: promover a
descentralização e a participação da iniciativa privada. A principal diferença foi
uma flexibilidade maior do governo chileno em permitir a participação privada,
inclusive em detrimento da arrecadação estatal, no caso das prestações de planos
de saúde, e em expor o setor público à lógica da concorrência. Porém a iniciativa
privada também participou da saúde e da educação na Venezuela ao entrar em
cena para suprir as deficiências do serviço público. Houve, certamente, elementos
dessemelhantes, mas nada que tornasse os centros das políticas públicas dos dois
países para saúde e educação muito divergentes no período.
Outro argumento seria que o Chile começou a implementar essas políticas
uma década antes do início do intervalo estudado, ao passo que a Venezuela o fez
na virada dos anos 80 para os 90. Desta forma, caso o modelo descentralizador
seja considerado bem-sucedido em ambos os países, o Chile poderia ter colhido
muito mais benefícios, o que explicaria seu melhor desempenho. De fato, admiti
que os efeitos das políticas públicas para saúde e educação provavelmente se
refletem no índice algum tempo depois de começarem a ser implementadas. Mas
há razões fortes para rejeitar a hipótese de uma vantagem chilena decorrente da
adoção do mesmo modelo de políticas públicas dez anos antes.
Embora uma década seja tempo suficiente para tais medidas surtirem
algum efeito, observamos que a vantagem do Chile sobre a Venezuela era
relativamente reduzida nos subíndices de educação e saúde em 1990. Já em 2000,
quando as políticas venezuelanas também deveriam estar surtindo o efeito
desejado, o país não registrava grandes melhoras e a diferença em relação ao
Chile aumentara bastante.
Assim, o melhor desempenho chileno, para além do gasto público, não
pode nem ser explicado pelo fato de o país ter adotado um modelo muito diferente
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do venezuelano em saúde e educação, nem pelo de tê-lo implementado antes.
Persiste o fato de que a Venezuela gastou mais do que o Chile em educação
durante quase toda a década, e mesmo assim viu aumentar a diferença contrária a
ela neste subíndice no período.
Por um lado, deve-se admitir que a constância do governo chileno em
transferir cada vez mais os ganhos com o comércio para o setor social, inclusive
em períodos de arrefecimento econômico, explica grande parte do aumento do
IDH do país. Porém, vista a grande diferença entre a qualidade da ação
governamental – avaliada nos seis índices de governança – no Chile e na
Venezuela, é impossível não considerar que, além de o governo chileno ter
mostrado maior compromisso em funcionar como cadeia de transmissão entre a
estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar, suas ações tenham sido
consideravelmente mais eficazes que as do venezuelano. Com um nível de
governança tão baixo como o registrado na Venezuela, certamente as tentativas do
governo de transferir ganhos do comércio exterior para o bem-estar interno
esbarraram em problemas como corrupção, procedimentos pouco claros e marco
regulatório fraco. A situação inversa foi observada no Chile, onde os índices de
boa governança foram bastante altos. Em última análise, a fraca capacidade de
ação do governo venezuelano também pode ser apontada como responsável pela
demora do país em implementar a planejada descentralização.
Conclui-se que, no Chile, a atuação do Estado funcionou muito melhor do
que na Venezuela como variável interveniente para fazer com que a ascendência
da estrutura do comércio se transformasse em um fortalecimento da estrutura do
bem-estar. O fenômeno se deveu tanto aos aumentos permanentes dos gastos em
saúde e educação no primeiro e à falta de constância da segunda nestas áreas
como ao melhor funcionamento do Estado chileno. Menos importância para
explicar a diferença tiveram os tipos de medidas adotadas nos dois países, pois
estes foram bastante parecidos.
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5
Considerações finais
A pesquisa desta dissertação foi uma tentativa de entender como o comércio
internacional se reflete no bem-estar de países individuais. Nesse sentido, seu
desenho assemelha-se ao proposto por Keohane e Milner na coletânea
Internationalization and Domestic Politics. Os autores, entretanto, estudam os
efeitos da “internacionalização” - que descrevem como um fenômeno “que
envolve uma redução exógena nos custos das transações internacionais”
1
- sobre a
política doméstica dos países (Keohane e Milner, 1996b, p. 4). Aqui, foram
estudados os efeitos do que Keohane e Milner poderiam identificar como uma
expressão da “internacionalização” - a grande participação de países no comércio
internacional – sobre seu bem-estar interno.
O primeiro passo para tanto foi procurar um marco teórico de economia
política internacional que alicerçasse e orientasse a realização da pesquisa
empírica. Com este fim, analisei as origens da EPI como subárea das relações
internacionais, o que me levou a duas discussões. A primeira girou em torno da
própria definição de EPI. Intimamente ligada a este debate, a segunda foi sobre os
assuntos que a subárea deve abordar. Comparei as propostas de dois dos mais
importantes autores de EPI, Robert Gilpin e Susan Strange, e expressei minha
preferência pelo marco teórico elaborado pela segunda.
Se Gilpin vê a EPI como o estudo da interação entre o mercado, definido
como encarnação da economia, e o Estado, visto como a encarnação da política,
Strange acrescenta um terceiro elemento. Além de arranjos econômicos e
políticos, fala em arranjos sociais. Isto permite ampliar a definição da subárea
para a política além do Estado e incluir fatores que, embora fundamentais para ela,
não são exclusivamente nem políticos nem determinados pela alocação eficaz de
recursos. A autora vê quatro valores básicos comuns a todas as sociedades:
segurança, riqueza, liberdade de escolha e justiça. A EPI refere-se, então, aos
1
Tradução livre do original em inglês.
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arranjos econômicos, políticos e sociais que influenciam os sistemas de produção,
troca e distribuição, e a combinação de valores neles refletida. Nessa perspectiva,
torna-se fundamental estudar a forma como esses valores são organizados, o que
para Strange é uma questão de poder. No lugar do “poder relacional”, pelo qual
“A” obriga “B” a fazer algo por meio do exercício do poder, a autora propõe o
estudo do “poder estrutural”. Nesta análise, o poder é visto como organizado em
diferentes estruturas que atuam em conjunto.
A partir deste ponto, expus divergências com a proposta de Strange.
Segundo a autora, existem quatro estruturas primárias, e pelo menos quatro
secundárias, que atuariam em função da relação entre as primeiras. Apontei que
esta hierarquia nem sempre corresponde à realidade, pois estruturas que, de
acordo com Strange, são secundárias podem ter profunda influência sobre as
“primárias”. Não há, argumentei, uma hierarquia obrigatória entre as estruturas
de poder na EPI. Todas elas se influenciam mutuamente, mas a ascendência que
cada uma terá sobre as outras depende de sua importância – ou, dito de outra
forma, seu peso - dentro de cada sociedade.
Outro importante questionamento que fiz ao trabalho de Strange radicou
no fato de ela estudar em seu livro States and Markets apenas estruturas “globais”,
embora admita que o poder nelas estruturado é utilizado para a organização dos
valores básicos de todas as organizações sociais. Afirmei que, sendo assim, as
estruturas nacionais não poderiam ser ignoradas na EPI. Sua existência é definida
pela presença jurídica dos Estados nacionais, que são atores cruciais das estruturas
globais. A constatação da importância da presença dos Estados para o contexto
internacional, e de sua capacidade de influenciar estruturas nacionais e globais
com suas políticas, evidencia que o estudo da economia política internacional
apoiado na análise do poder estrutural precisa levar em conta também as
estruturas nacionais.
Caracterizei o estudo dos efeitos do comércio exterior sobre o bem-estar
interno como sendo o da influência da estrutura nacional do comércio sobre a do
bem-estar. A primeira é “nacional” porque, embora se refira ao comércio exterior,
reflete o envolvimento de cada nação com as trocas comerciais. Para medir o peso
dessas duas estruturas, defini uma tradução numérica – ou proxy – para cada uma
delas. Assim, o fluxo comercial como proporção do PIB foi utilizado para retratar
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124
a estrutura do comércio. Para caracterizar a estrutura do bem-estar, lancei mão do
IDH, criado a partir da abordagem do desenvolvimento humano.
Visitei as idéias sobre os efeitos do comércio internacional expostas pelos
principais autores das duas mais importantes tradições teóricas sobre o assunto: a
liberal e a intervencionista. Concluí que nenhuma delas oferecia um arcabouço
satisfatório para esta pesquisa, pois seu debate concentrava-se em argumentos
favoráveis ou contrários à abertura, quando aqui a idéia era partir de situações
marcadas pela grande influência do comércio para analisar por que em um caso a
estrutura do bem-estar teve uma grande evolução e em outro o mesmo não
ocorreu.
A realização da pesquisa empírica com dois países requeria estudos de caso
em que a variável independente fosse uma estrutura do comércio forte (alta
relação fluxo comercial/PIB) em ambos, e que estes ainda compartilhassem uma
série de características – para aproximar o máximo possível a situação estudada de
uma condição ceteris paribus. Já a variável dependente seria a estrutura do bem-
estar (IDH), e deveria ter registrado um comportamento divergente. Expus que a
variável interveniente entre ambas cuja atuação explicaria a diferença entre os
resultados seria a atuação dos Estados por meio da adoção de políticas públicas e
de sua capacidade de fazê-lo de uma forma eficaz. A intervenção estatal entre a
estrutura do comércio e a estrutura do bem-estar é viabilizada, afirmei, devido à
particular importância das trocas comerciais para a arrecadação de impostos,
crucial para que o governo tenha dinheiro para aplicar em suas políticas públicas.
Os países selecionados para estudo foram Chile e Venezuela.
Na pesquisa empírica, verifiquei que, embora a arrecadação de impostos
com o comércio e as transações internacionais tenha sido particularmente alta nos
dois países analisados, a situação foi utilizada de formas diferentes em relação à
saúde e à educação em cada um deles. Em ambas as nações, as políticas de saúde
e educação tiveram traços gerais bastante semelhantes no período, com o
incentivo da descentralização e da participação do capital privado. No Chile,
porém, foi adotada uma política de constante aumento dos investimentos nesses
dois setores. Isto foi permitido em grande medida pelo comércio, que
correspondeu a uma considerável fração do PIB. Tal estratégica significa que o
país adotou uma política anticíclica, na qual os ganhos com comércio continuaram
reforçando a estrutura do bem-estar mesmo quando, por força das circunstâncias,
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
125
esses ganhos sofreram uma redução. Na Venezuela isto não se observou. Em
linhas gerais, os investimentos em saúde e educação seguiram a mesma tendência
que a disponibilidade de recursos a partir da arrecadação alavancada pelo
comércio. Em outras palavras, não foi ativado um mecanismo de intervenção
estatal para transformar os ganhos com o comércio em uma tendência de ganhos
no bem-estar. Para completar, o Estado chileno teve eficácia bem superior à do
venezuelano.
O resultado fica patente na evolução dos IDHs dos dois países no período
analisado. O aumento do subíndice da renda arrefeceu no Chile, e a taxa chegou a
cair na Venezuela na segunda metade da década. No caso do primeiro, contudo, os
subíndices de saúde e educação cresceram com mais vigor do que entre 1990 e
1995, ao passo que, na segunda, o subíndice da educação elevou-se mais (vinha de
contração na primeira metade), enquanto o aumento do subíndice da saúde se
desacelerou.
É importante, contudo, fazer uma ressalva. A maior parte (58,3%) do
aumento da vantagem do IDH chileno sobre o venezuelano entre 1990 e 2000 foi
referente ao subíndice da renda. Os subíndices de saúde e educação responderam
por frações menores da ampliação da vantagem chilena (24,9% e 16,8%). Como é
evidente, a parte do aumento da vantagem chilena correspondente ao subíndice da
renda por habitante, de acordo com a paridade do poder de compra – utilizada
pelo PNUD no cálculo do IDH – não pode ser atribuída diretamente à intervenção
estatal para transformar ganhos com comércio em ganhos com bem-estar.
Mesmo levando isto em conta, persistem dois fatos fundamentais para a
pesquisa proposta. O primeiro é que, no Chile, os subíndices de saúde e de
educação passaram a crescer mais quando a elevação do subíndice da renda se
desacelerou, enquanto na Venezuela isto não aconteceu - apenas o da educação
subiu mais entre 1995 e 2000 do que entre 1990 e 1995, quando, na realidade,
caíra. O segundo fato é que, embora o subíndice da renda tenha sido aquele em
que a vantagem chilena mais cresceu, um aumento de 41,7% na vantagem dos
subíndices de saúde e educação, juntos, é bastante considerável em um período de
onze anos. Como vimos, esta ampliação reflete com bastante clareza a diferença
na atuação estatal (variável interveniente) em cada caso.
Feito este esclarecimento, a pesquisa, então, confirmou a hipótese que
propus para responder à pergunta colocada na introdução: foi, de fato, a
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126
intervenção do Estado por meio da adoção de políticas públicas de forma eficaz
que explicou em grande medida por que no Chile os ganhos com o comércio
traduziram-se positivamente no bem-estar. Já na Venezuela, foi a falta de uma
política clara de transformação de ganhos com o comércio em ganhos com o bem-
estar, aliada a graves problemas de governança, que fizeram com que isso não
ocorresse no mesmo nível. Constatou-se aqui que nem sempre a riqueza gerada
pelo comércio é transformada em bem-estar. Ao contrário do que indicaria a
tradição liberal, não houve, nos casos analisados, um reflexo automático da
abertura econômica em termos de melhoras de bem-estar. Foi necessária a atuação
do Estado como cadeia de transmissão.
Se o estudo indica problemas na visão liberal, a tradição intervencionista
nas teorias do comércio também não oferece as respostas necessárias. A maioria
dos autores analisados sob o guarda-chuva “nacionalista” – com a grande exceção
de Keynes, que, em relação ao comércio, é bastante liberal– alerta para os graves
problemas que poderiam decorrer da abertura. Particularmente, muitos apontaram
que a dinâmica do comércio tenderia sempre a favorecer mais os países mais
ricos. Nesta dissertação não foi possível comparar os efeitos de uma estrutura do
comércio forte sobre a estrutura do bem-estar em diferentes países desenvolvidos
– pela razão óbvia de que os dois estudos de caso foram nações em
desenvolvimento. Porém, a pesquisa mostrou que os efeitos da abertura para o
bem-estar podem ser muito diferentes mesmo em situações semelhantes de
exposição ao comércio. Assim, ao menos se a preocupação do analista for pensar
a relação entre comércio e bem-estar, é preciso ir além dos debates centrados no
nível de políticas para o comércio.
Afirmei na introdução, citando Susan Strange, que a intenção desta
dissertação era fazer uma “escavação exploratória” em um terreno em grande
medida desconhecido em nossa disciplina. Para isso, pude contar principalmente
com a grande contribuição do marco teórico desenvolvido pela própria Strange, e
também com o apoio inspirador dos estudos sobre efeitos internos da participação
na economia global feitos por autores como Keohane e Milner, e lembrados por
Gilpin em sua definição dos assuntos da EPI.
Esta “escavação”, porém, não está livre de limitações, das quais indicarei
quatro. As duas primeiras concentram-se do lado da estrutura do comércio, e a
terceira, do da estrutura do bem-estar. A quarta refere-se à seara teórica.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510709/CA
127
Optei por estudar países não apenas abertos ao comércio, mas que também
compartilhassem uma série de outras características. Estou convencido de que foi
uma decisão correta, pois minimizou as inevitáveis diferenças entre duas
sociedades quaisquer. Porém, o efeito do comércio sobre o bem-estar seria o
mesmo, ou requereria da mesma forma a intervenção estatal em países
desenvolvidos? Os resultados encontrados seriam semelhantes se um fosse grande
exportador de matérias-primas, como Chile e Venezuela, e o outro, de produtos de
alta tecnologia? O que aconteceria se um dos países fosse muito maior do que o
outro? Podemos pensar sobre uma série de diferenças entre duas nações que
fossem abertas ao comércio, e cogitar sobre o que aconteceria se uma pesquisa
similar a esta fosse realizada com elas. Isto requereria o desenvolvimento de outra
metodologia, é claro. Acredito que o grau de indeterminação seria elevado, pois
sem o controle que foi feito aqui para uma série de fatores, seria difícil afirmar
que os aspectos diferentes não controlados não teriam grande influência sobre o
resultado. Entretanto, é preciso admitir que a pesquisa feita deixa sem resposta
especulações deste tipo.
Existe ainda outro ponto importante relativo à estrutura do comércio. O que
aconteceria se ambos os países fossem abertos ao comércio e tivessem um perfil
semelhante entre si, mas diferente do que têm Chile e Venezuela? Se em vez de
serem grandes exportadores de matérias-primas e compradores de produtos
industriais, seu perfil fosse o inverso? Isto mudaria algo? A influência da estrutura
do comércio sobre a estrutura do bem-estar se daria da mesma forma? Requereria
igualmente a intervenção estatal para transmitir os ganhos no comércio para o
bem-estar? Aqui tampouco é possível fazer afirmações categóricas com base na
pesquisa realizada.
A terceira grande limitação radica em um questionamento relativo ao bem-
estar. Este foi definido como passível de alocação; logo, pode não apenas ser mais
ou menos intensificado em um país – ou até mesmo diminuir, pode também variar
fortemente dentro do país. O IDH nacional, porém, é um proxy que oferece uma
média da estrutura do bem-estar em todo o país. Mas, na prática, o bem-estar não
é igualmente distribuído por países ou cidades. A atuação do Estado com certeza
pode minimizar a diferença entre o bem-estar das diversas zonas de cada país, por
exemplo, utilizando impostos arrecadados com as exportações de uma região mais
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128
rica para investir em saúde em uma mais pobre. Este aspecto, porém, também não
entrou nesta pesquisa.
É importante notar que, assim como o PIB per capita é um índice que
mostra a riqueza média dos habitantes de um país, mas não a desigualdade entre
eles, o IDH indica o bem-estar médio, mas não a diferença entre o bem-estar dos
que estão em melhores condições e o daqueles que não usufruem delas. Para
avaliar a desigualdade de renda dentro de uma sociedade, existe o coeficiente
Gini, que mostra a amplitude da diferença entre a renda dos mais ricos e a dos
mais pobres. Não é de uso geral, entretanto, um “Gini do IDH”, que mostre a
concentração do bem-estar em uma sociedade. Seria viável chegar a ele, pois o
coeficiente elaborado por Conrado Gini é uma medida de concentração em
diversos fatores, não exclusivamente de concentração de renda
2
. Parece lógico que
um retrato ainda mais completo da estrutura do bem-estar deveria levar em conta
essa questão distributiva.
Uma estrutura do bem-estar que incluísse tal medida de concentração, ou
pelo menos uma medida de distribuição do bem-estar, representaria um bom passo
para responder a algumas das que Strange chamou de “velhas questões de todas as
análises políticas”
3
(Strange, 1988, p.18). Fundamentalmente, ajudaria a
identificar quem ganha e quem perde com os processos sociais.
Chego assim ao quarto ponto, que não é, na realidade, uma limitação
específica desta pesquisa, e sim uma indicação de caminho que pode ser seguido
em futuros trabalhos teóricos de EPI. Como antecipei, não era minha intenção
desenvolver uma nova teoria ou descobrir verdades empíricas que fossem
aplicáveis a uma grande quantidade de casos. Porém, o fenômeno exposto na
pesquisa empírica abre as portas para novas propostas teóricas. O que leva alguns
Estados a adotarem medidas e terem formas de funcionamentos que os tornam
melhores do que outros, em condições análogas, como cadeia de transmissão entre
comércio e bem-estar? Trata-se de uma questão importante para as discussões
acerca da globalização, um terreno crucial de debates na EPI contemporânea.
2
Certamente, porém, o cálculo de um “Gini do IDH” é uma tarefa com a qual os
estatísticos se sentiriam muito mais à vontade do que os acadêmicos das relações internacionais.
3
Tradução livre do original em inglês.
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129
André de Mello e Souza afirma que “uma concepção teórica mais elaborada do
Estado é necessária”
4
(De Mello e Souza, 2000, p. 18).
Já existem alguns movimentos nesse sentido. Um caminho interessante é o
proposto por Peter Evans, que estuda no livro “Embedded Autonomy” o papel das
burocracias estatais nos anos 70 e 80 em diferentes países. Chega à conclusão de
que, em algumas nações, como o antigo Zaire (atual República Democrática do
Congo), a atuação estatal foi “predatória”; outros, como o Brasil e a Índia, foram
casos intermediários, nos quais o Estado às vezes ajudou e às vezes dificultou o
desenvolvimento. Já em outros, como o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan, o Estado
foi forte promotor do desenvolvimento. De acordo com Evans, isso aconteceu
porque as burocracias governamentais conseguiram “restringir as intervenções às
necessidades estratégicas de um projeto transformativo” e “impor forças de
mercado de forma selecionada”
5
(Evans apud idem, p. 15).
De Mello e Souza destaca a contribuição de Evans e de outros autores
associados ao modelo “desenvolvimentista”, que sublinha o papel das instituições
e de fatores históricos domésticos para entender os efeitos divergentes da atuação
estatal em diferentes países.
By focusing on domestic political and historical factors which affect the
administrative capacity of the state, developmentalists have moved away from a
conception of market-oriented development and state-led development as
competing
strategies. Rather, they treat theses strategies as complementary and
concentrate on how certain institutions can be created and consolidated so as to
allow for the efficient operation of markets
6
(Idem, p.18)
Ainda há muito terreno a ser escavado e muitos mapas a serem desenhados.
4
Tradução livre do original em inglês.
5
Tradução livre do original em inglês.
6
Grifos no original.
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