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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA
A França na Música Popular Brasileira do século XX: visões e
impressões de sambistas e chansonniers
Nancy Aparecida Alves
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Língua e Literatura
Francesa do Departamento de Letras
Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, para a obtenção do
título de Mestre em Letras.
Orientador: Profa. Dra. Tokiko Ishihara
São Paulo
2007
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Livros Grátis
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Milhares de livros grátis para download.
Aos meus queridos
Meire e Miguel (em memória)
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Agradecimentos
Aos meus pais (em memória), pela vida que me deram, e por terem me
ensinado a amar esse assunto tão rico e apaixonante que é a sica Popular.
Ao meu irmão, Reynaldo José Alves, pelos laços que nos unem.
À minha orientadora, Profa. Dra.Tokiko Ishihara, por ter aceitado o desafio de
abraçar um projeto em andamento, conduzindo-me com segurança,
delicadeza e amizade até o final desta empreitada.
À Profa. Dra. Ligia Fonseca Ferreira, por ter me acompanhado até o exame
de Qualificação.
Aos membros de minha banca de Qualificação, Prof. Dr. José Geraldo Vinci
de Moraes e Profa. Dra. Regina Salgado Campos, pelas preciosas
observações.
À Associação dos Professores de Francês do Estado de o Paulo, através
de sua presidente, Cristina Casadei Pietraróia, por terem prestigiado este
trabalho desde o seu nascedouro (o show).
Ao caricaturista Miécio Caffé (em memória), com quem tive o privilégio de
trabalhar no Museu da Imagem e do Som, que me despertou o amor e a
curiosidade pelo tema.
A Roberto Lapiccirella, Roberta Cunha Valente e Manuel Filho, minhas
principais fontes, sem os quais este projeto não teria sido possível e, ainda,
pela amizade com que torceram para que desse certo.
A Shirley Adriana da Silva, interlocutora incansável, que me ensinou a
entender e amar um assunto tão árido e complexo como a Semiótica.
A Wilma Rodrigues Alves, amiga de todas as horas, pelo carinho com que me
acolheu em todos os momentos difíceis, e, ainda, por ter me abrandado o
caminho das pedras e amainado minhas imperfeições.
A Fernando Pinatti, José Maurício Moura, Diógenes Dias da Rocha,
apaixonados por música e sempre dispostos a me ajudar com alguma
informação extraordinária.
A Laura Mariano de Souza, Ivete Felix Ferreira, Maria Alves da Rocha, Keco
Brandão, Eduardo Paulo de Araújo, Vanda Lúcia Breder, Márcia Sadzevicius,
por existirem e faciltarem diariamente a minha existência.
A todos os meus alunos, atuais, os do passado e os que virão.
Aos funcionários do Departamento de Letras Modernas da USP.
De antemão peço desculpas se, porventura, tenha esquecido de mencionar
alguém no calor da hora.
Este projeto contou com o apoio de uma bolsa CAPES concedido por intermédio
da cadeira de Língua Francesa do Departamento de Letras Modernas da
Universidade de São Paulo
Resumo
Neste trabalho, que se insere no âmbito das relações interculturais
entre o Brasil e a França, buscamos analisar e discutir a representação do
francês - o povo, o idioma e a cultura - na Música Popular Brasileira. Nosso
objetivo é, pois, verificar como o humor, a presença da língua francesa e as
marcas dessa cultura contribuíram para um projeto de consolidação de uma
identidade nacional. Baseando-nos em alguns conceitos da semiótica
greimasiana e igualmente nas noções de dialogismo e polifonia expostos por
Mikhail Bakhtin, pretendemos observar os procedimentos da organização do
discurso, bem como apreender as forças (as modalizações) que movem as
personagens no interior da canção e como essas se desenvolvem enquanto
atores sociais de uma determinada época, esclarecendo, na medida do
possível, as relações entre o discurso (circuito interno) e suas condições
sócio-históricas de produção e de recepção (circuito externo). Nossa hipótese
parte da premissa de que, assim como a identidade brasileira, a imagem do
francês foi também construída. A pesquisa inclui ainda um catálogo de
referência relativo às canções mencionadas no corpo do trabalho, assim
como apresentação em CD dos fonogramas originais de 1909 a 2005 (em
anexo).
Palavras-chave: canção; representação; francês; identidade; intercultural.
Abstract
This study, which fits into the environment of the intercultural
relationships between Brazil and France, searches to analyze and discuss the
representation of French its people, language and culture in Brazilian
Popular Music. The objective is, therefore, to verify how humor, the presence
of the French language and its cultural markers have contributed to a
consolidated project of a national identity. Based on some Greimasian
semiotic concepts and equally on the notions of dialogism and polyphonia
exposed by Mikhail Bakhtin, the study intends to observe the organization of
discourse, as well as to learn about the forces (modalizations) that propel the
characters inside the song and how they develop whilst social players of a
determined era, clarifying, whenever possible, the relationships between
discourse (internal circuit) and socio-historical conditions of production and
reception (external circuit). The hypothesis starts from the premise that, just
like the Brazilian identity, the image of the Frenchman was also constructed.
The research also includes a reference catalogue relative to the songs
mentioned in the body of the work, and also a presentation on CD of the
original phonograms (annexed).
Key words: song; representation; French; identity; intercultural.
Résumé
Dans ce travail, qui s’insère dans le domaine des relations interculturelles
entre le Brésil et la France, nous avons pour but d’analyser et de discuter la
représentation du français la langue, le peuple, la culture dans le cadre de
la Musique Populaire Brésilienne. Notre objectif est, donc, de vérifier,
comment l’humour, la présence de la langue et les marques de cette culture
ont contribué à un projet de consolidation d’une identité nationale. Fondés sur
quelques concepts sémiotiques de A.J. Greimas ainsi que sur des notions de
dialogisme et de polyphonie exposées par Mikhail Bakhtine, nous cherchons à
observer les processus d’organisation du discours ainsi qu’à appréhendre les
forces (les modalisations) qui motivent les personnages à l’intérieur de la
chanson et comment ceux-ci se développent en tant qu’acteurs sociaux d’une
époque déterminée, tout en dévoilant, dans la mesure du possible, les
relations entre le discours (circuit interne) et ses conditions socio-historiques
de production et réception. Notre hypothèse part du principe que, ainsi que
l’identité brésilienne, l’image du Français a été également construite. Cette
recherche comprend encore un catalogue de référence relatif aux chansons
mentionnées dans le corps de ce travail et la présentation en CD des
phonogrammes originaux de 1909 a 2005 (ci-joint).
Mots-clés: chanson, représentation, français, identité, interculturel.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01
1. Apresentação ............................................................................................. 01
2. Procedimentos adotados na pesquisa ....................................................... 08
2.1. Da catalogação .......................................................................................... 08
2.2. Descrição quantitativa do corpus ............................................................... 11
I – “O QUE SABEM AS MÃES SOBRE SEUS FILHOS” ?
1. A música popular e suas definições .................................................................... 13
2. As principais linhas de pesquisa ....................................................................... 15
3. Os estudos da canção brasileira: conquistas e desafios .................................. 19
4. Elementos para a análise da canção ................................................................ 22
5. Canção, linguagem e dicção ............................................................................ 25
6. O outro no processo enunciativo ...................................................................... 27
6.1. Bakhtin e a literatura carnavalesca .................................................................. 31
II – “ALERTÁ, BEAUCOUP DE SAMBÁ, ALER!” : O MITO DA IDENTIDADE
CONSTRUÍDA
1. Reflexões sobre o eu e o outro na cultura brasileira ........................................ 33
2. Paris tropical da Belle Époque ......................................................................... 42
3. O maxixe em Paris ....................................................................................... 46
3.1. Samba, marcha e maxixe .............................................................................. 54
4. Vive la samba: do batuque à batucada ........................................................... 56
4.1. Un tout petit quelque chose .......................................................................... 62
5. O samba em Paris: dos quintais da tia Ciata ao cabaré Shéhérazade ....... 65
6. Olha o sarambá, ô tia! ...................................................................................... 71
III – DANSE LA SOCIÉTÉ DE JOUJOUX BALANGANDÃNS : MARCHA, SAMBA,
HUMOR E PASTICHE
1. Políticas culturais da Era Vargas: o discurso nacionalista ............................... 75
2. A filosofia de Noel Rosa ................................................................................... 84
3. Sem tradução no idioma francês: língua, samba e identidade ........................ 91
4. O sambas em francês da Era Vargas .............................................................. 98
5. A ideologia da mistura ..................................................................................... 114
6. Entre a procissão e o desfile: les marchinhás de carnaval .............................. 120
IV – SAMBÁ, SARAVÁ! O HUMOR, A LÍNGUA, A REPRESENTAÇÃO.
1. O humor: estratégia e armadilha ..................................................................... 124
2. Dialogismo e Interdiscursividade ..................................................................... 128
3. A carnavalização da língua e da literatura francesa ........................................ 137
3.1. A língua francesa carnavalizada.................................................................... 137
3.2. A cultura francesa carnavalizada .................................................................. 143
4. O malandro x o operário x o burguês afrancesado .......................................... 144
5. A construção da imagem do Outro: imagens, estereótipos e clichês .............. 150
CONCLUSÃO ...................................................................................................... 169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 174
ANEXOS .............................................................................................................. 185
INTRODUÇÃO
1. Apresentação
No presente trabalho pretendemos propor uma escuta formada por
canções brasileiras escritas diretamente em francês ou que fizeram alusão à
França. Assim sendo, nosso estudo consiste em examinar como se deu a
representação do estrangeiro francês na canção popular e de que forma esse
fato é revelador de um processo de formação ou de sedimentação de uma
identidade nacional.
A partir de 1970, a música popular urbana, apesar de sofrer resistências,
passou a ser considerada importante ferramenta do conhecimento histórico, e,
especificamente no Brasil, altamente reveladora da realidade brasileira. Dentre
os numerosos aspectos que se pode depreender, escolhemos a
interculturalidade, ou seja, as relações entre um eu e um outro, que nos remete
a uma discussão ainda maior, voltada para a dicotomia entre o nacional e o
estrangeiro.
Desde o início doculo XX, a França e a língua francesa têm sido tema
de canções dos mais variados gêneros, do samba à marchinha de carnaval, da
bossa-nova ao afro-reggae. Alguns compositores brasileiros, inclusive,
chegaram a escrever diretamente em francês. É justamente desta contradição
aparente que surgem questões, a nosso ver relevantes, que merecem ser
investigadas mais atentamente, a saber:
Qual o lugar da França na Música Popular Brasileira? Como foi representada
na canção popular? Por outro lado, que papel teria desempenhado no
imaginário brasileiro e junto aos nossos compositores? Por que teria sido alvo
de paródias e ironias durante um determinado período, ou ainda, referida em
tantas composições, dos mais diferentes e consagrados autores, estilos e
épocas?
Na virada do século XIX para o XX, momento em que a música popular
brasileira dava seus primeiros passos com o advento da gravação
fonomecânica, distanciando-se, pois, da música popular folclórica, a França a
língua, a literatura e a cultura de modo geral exercia absoluta hegemonia
cultural e lingüística no Brasil, considerada “a única realmente adaptada aos
exercícios do espírito e como sinal de distinção” (Carelli, 1994: 173). Assim, se
durante a primeira metade do século, foi veículo e instrumento ideológico de
uma determinada classe no Brasil - a dominante - , conferindo-lhe status e
poder, não é de se estranhar que tenha sido cantada, “decantada”, ou mesmo
satirizada por nossos autores de música popular, em geral pertencentes às
classes ditas subalternas.
Verificamos que tais referências são encontradas na música popular
brasileira desde o aparecimento do maxixe, do choro e do samba, portanto,
desde a sua origem. Partindo do princípio de que falar do outro pressupõe
admitir sua existência, podemos afirmar, então, que o idioma francês fazia parte
tanto do cotidiano quanto da vida cultural do Rio de Janeiro, dialogando não
apenas com os gêneros cultuados pela elite, como também com a canção
popular urbana em seus mais variados estilos oriundos da cultura de massa,
como o teatro de revista, o disco, o rádio, e, alguns anos mais tarde, o cinema e
a televisão.
Ao traçarmos a genealogia destas ocorrências, notamos que o uso da
língua francesa, bem como as referências ao povo e à cultura da França na
música popular brasileira iniciam-se no ano de 1909, com a gravação de A
crítica do maxixe francês (de autor desconhecido), interpretada pela dupla de
bailarinos Os Geraldos - que, em 1908 viajara à capital francesa para
apresentações no Teatro Marigny (Tinhorão, 1991: 22) - , atingindo um grau de
importância ainda maior em 1922 com a viagem dos Oito Batutas à França que
cantaram o samba amaxixado Les Batutas, mais tarde recuperado, adaptado
e reconhecido como Sarambá. Este fato foi mencionado por pelo menos quatro
autores renomados dentro da historiografia da música popular brasileira,
acadêmicos ou não, como Almirante (1977: 30), Sérgio Cabral (1997: 71-85),
além de José Ramos Tinhorão (1998: 278) e Barboza da Silva & Oliveira Filho
(1988: 54-55), e se insere num debate mais amplo, associado à afirmação de
uma identidade nacional, tendo na figura do mestiço e no ritmo do samba os
seus pilares de sustentação (Ortiz, 2005: 41).
Apresentando ritmos autenticamente brasileiros, como o choro, o maxixe
e, principalmente, o samba em seu nascedouro, os Batutas foram legitimados
internacionalmente por intermédio da França, como atestam Hermano Vianna
(1995: 95) e Rafael Menezes (2005: 178-213). Na Paris dos anos 20, ao final da
Primeira Guerra, com o sucesso dos estilos musicais dançantes, como o jazz,
o tango e o fox-trote (Sevcenko, 1992: 162), o maxixe, conhecido dos
franceses pela dupla Os Geraldos, foi amplamente divulgado pelos dançaCFra rÐnCt
Não por acaso, o ano de 1922 carrega consigo uma sincronicidade que
ultrapassa a simples coincidência de datas, conjugando a um tempo a
viagem do grupo de Pixinguinha, a Semana de Arte Moderna de São Paulo, a
exposição comemorativa do Centenário da Independência, além da primeira
transmissão radiofônica. Com efeito, a França esteve presente em muitos
momentos marcantes para a história da música popular brasileira, alguns deles
de ruptura, de depuração ou ainda de renovação estética, tais como:
- a viagem do grupo Oito Batutas a Paris (1922), mencionada acima, e, com
esta, o sucesso do maxixe e do choro, bem como a legitimação do samba;
- as sátiras (em sua maioria) dos sambas e marchinhas em francês, durante a
Era Vargas (1930 – 1945);
- a consagração em Cannes do filme Orfeu Negro de Marcel Camus (1959), e
o reconhecimento da obra de Vinícius de Moraes e Tom Jobim -
responsáveis pela trilha sonora do filme e autores da peça teatral -
antecipando, de certa forma, a internacionalização da Bossa Nova;
- a presença de Samba Saravah de Vinícius de Moraes e Baden Powell
com versão de Pierre Barouh na trilha musical do filme Um homem e uma
mulher , do cineasta Claude Lelouch (1967), avalizando no exterior a série
de sambas afro-brasileiros da dupla;
- a afirmação do pan-africanismo de Gilberto Gil via Paris, cuja composição
Touche pas à mon pote (1985) se torna espontaneamente “o hino” do
movimento francês SOS Racisme.
Ao estudarmos aspectos desta representação, por meio da escuta e
análise de um corpo documental formado por 63 canções, que se inicia em
1909 e termina em 2004 - 33 destas abrangendo a primeira metade do século
XX - tentaremos desvendar alguns aspectos do binômio identidade versus
alteridade.
Dentre as inúmeras dificuldades enfrentadas por um trabalho que se quer
ao mesmo tempo sincrônico e diacrônico, está o risco de se perder o foco ou
não se determinar um recorte de trabalho adequado. Assim, à luz de alguns
conceitos da Teoria da Semiótica greimasiana, bem como das noções de
polifonia e dialogismo desenvolvidos por Mikhail Bakhtin e valendo-nos ainda
das recentes contribuições nos campos da historiografia e dos estudos
literários, elegemos estudar esta representação do outro (o francês), baseando-
nos em três critérios: a presença do humor, a intervenção da língua francesa, e
as marcas dessa mesma cultura, buscando estabelecer uma tipologia temática
para esta representação.
Desse modo, pretendemos observar os principais mecanismos utilizados
pelo sujeito enunciador, bem como analisar o processo de decomposição e
recomposição dos elementos lingüísticos que caracterizam essas canções,
justificando, sempre que possível, a compatibilidade entre letra e melodia,
proposta pelo semioticista Luiz Tatit, especialista em construção de sentido na
canção popular. É, pois, no campo das especificidades de cada canção que
procuraremos ouvir vozes e ecos que se produziram e de que forma dialogaram
com seu tempo. Em outras palavras, através da relação produzida entre o
discurso de cada canção, suas possíveis intertextualidades e
interdiscursividades, bem como as circunstâncias sócio-históricas em que foram
produzidas e consumidas, visamos investigar de que forma o compositor
popular enxergou, escutou, filtrou e transmitiu a cultura francesa.
Nossa hipótese de trabalho recai sobre a tentativa de demonstrar que, no
período contemplado (1909-1962), assim como a identidade brasileira, a
imagem do francês foi igualmente construída, refletindo sobretudo as tensões
que se verificaram no seio da sociedade do país, da luta de classes às
questões sociais, da crônica da vida cotidiana aos problemas político-
ideológicos.
Acrescente-se, ainda, a questão da localização e busca dos registros
fonográficos - fontes primárias muitas vezes escassas no Brasil - e uma das
grandes dificuldades para quem se interessa pelo tema “música popular”; donde
decorre a necessidade de uma catalogação. Deste modo, ao levantarmos
elementos sobre um campo ainda pouco explorado das relações culturais
França-Brasil, nosso objetivo geral é contribuir para a organização e
disponibilização de fontes relativas às relações de ambos os países no âmbito
da música popular brasileira, bem como analisar seu conteúdo e características.
Assim sendo, temos por metas:
a) localizar, reunir os fonogramas e transcrever os textos das canções
brasileiras contendo referências à França e à cultura francesa no período 1909-
1999;
b) localizar, reunir os fonogramas e transcrever os textos das canções
brasileiras escritas diretamente em francês no período 1909-1999;
c) elaborar um catálogo de referência segundo critérios normativos que serão
definidos adiante;
d) levantar e analisar as representações do estrangeiro, francês, durante o
período de 1909 a 1962 - que corresponde aproximadamente à primeira metade
do século - por meio de três critérios: o humor, que se apresenta
principalmente sob a forma de paródia e ironia, a presença da língua francesa,
muitas vezes inventada, desconstruída ou remodelada; e as marcas dessa
cultura, conforme dissemos.
Para efeito da catalogação, seis são os períodos significativos, alguns
deles essenciais para a definição e a fixação de gêneros autenticamente
brasileiros:
a) primeira fase : antecedentes do samba ( 1909 a 1921).
Abrange os primórdios da música popular, os gêneros de influência
francesa em voga durante a passagem do século XIX para o século XX, como a
polca e a cançoneta, e os estilos autenticamente brasileiros, principalmente o
maxixe, ritmo que teve importante repercussão em Paris. É desta fase, por
exemplo, a gravação A crítica do maxixe francês (1909), de autor desconhecido,
interpretada pela dupla “Os Geraldos” para a Casa Edison.
b) segunda fase: a gênese do samba (de 1922 a 1929).
Contempla a fase inicial do samba no Brasil e os fatores que contribuíram
para que o gênero pudesse se tornar um estilo musical hegemônico na etapa
seguinte. Nesse período, destacam-se a viagem a Paris em 1922 do grupo de
música instrumental Os Oito Batutas, liderado por Pixinguinha e a sua
repercussão na sociedade brasileira. É desta fase o samba-maxixe Les Batutas,
nunca gravado, e que, anos mais tarde, seria transformado na canção intitulada
Sarambá, possuindo oito regravações ao longo do século passado.
c) terceira fase: os sambas e marchas da Era Vargas (de 1930 a 1956).
Compreende os sambas de origem popular, fortemente impregnados
pelos ideais nacionalistas propagandeados pelo governo Vargas, ou que a eles
se opuseram. Trata-se, pois, de se observar como os autores se comportaram
face às influências externas, aos estrangeirismos e às culturas estrangeiras,
principalmente a francesa. Pertencem a essa fase, por exemplo, Eu gosto do
samba (1940) e Menina fricote (1940), que aludem à insistência da elite
brasileira em adotar outros modelos culturais. Nesse período, destacam-se
ainda as marchinhas (anos 40) e os baiões (anos 50).
d) quarta fase : Samba-canção e Bossa-nova (de 1956 a 1967).
Nesse momento, o papel da França para divulgação da música
brasileira no exterior é relevante. As versões das canções da Bossa Nova e do
Samba-canção, embora não façam parte do escopo deste trabalho, foram alvo
de notória recepção no exterior, assim como os chamados afro-sambas.
Convém mencionar ainda a importância de filmes de impacto internacional,
caso de Orfeu Negro de Marcel Camus (1959), e Um homem, uma mulher
(1967), citados acima, para a divulgação mundial desses ritmos brasileiros.
e) quinta fase: Canção de protesto e Tropicália em tempos de ditadura militar
(de 1968 a 1975).
Neste período, de ditadura militar e instituição do AI-5, registram-se
canções emblemáticas, principalmente por terem assumido um caráter político-
ideológico, como por exemplo, É proibido proibir (1968) em que o compositor
Caetano Veloso faz clara alusão ao movimento estudantil francês de Maio de
68; Samba de Orly (1971), de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Toquinho,
referindo-se ao exílio político de artistas e intelectuais brasileiros em Paris; e a
sátira Paris tropical (1972), de Juca Chaves, ironizando o momento político e os
slogans de cunho nacionalista. É importante salientar, entretanto, que essas
canções estão apenas listadas em catálogo, não fazendo parte deste trabalho.
f) sexta-fase: samba-jazz, afro-ijexá, afro-reggae e tecnopop (de 1980 a 2005).
Neste período foram incluídas canções de tendências variadas, de João
Bosco a Chico Buarque, de Aldir Blanc a Los Hermanos, que tratam de
problemas contemporâneos, como, por exemplo, a imigração, o racismo e os
choques interculturais. Neste sentido, o trabalho de Gilberto Gil, além de ter
ampla repercussão na França, dialoga também com as comunidades africanas
francófonas.
Dada a extensão do período relacionado na catalogação (todo o século
XX) optamos, nesta dissertação, por analisar apenas as canções circunscritas
na primeira metade (1909-1962) para, em estudo posterior, realizarmos as
análises referentes à segunda metade do século XX, e efetuarmos então um
estudo comparativo entre os dois momentos.
2. Procedimentos adotados na pesquisa
2.1. Da catalogação
Para a elaboração do catálogo de referência, foram adotados dois
critérios:
canções compostas em português e francês;
canções compostas diretamente em francês
2
;
Muitos pesquisadores, st,ÃUUSÐgú+P
acesso às fontes; são poucos os arquivos e bibliotecas organizadas de
partituras, folhas avulsas, compilações sistemáticas e catalogações; as
indústrias fonográfica e radiofônica não formaram seus próprios acervos de
discos e CD’s” (Moraes, 2004; 403).
Assim sendo, os critérios que nortearam a nossa catalogação foram
respectivamente a listagem, seguida de uma análise crítica ou comentada sobre
o repertório apresentado. Procuramos fornecer o maior número de informações
possíveis de acordo com as fontes utilizadas (colecionadores, enciclopédias,
catálogos, sites, instituições). A elaboração desta listagem, por sua vez, foi feita
em fases: os títulos das canções foram recolhidos ao longo de alguns anos de
pesquisa informal, que se intensificou nesses últimos três anos, quando
conseguimos 2/3 do total das canções coletadas.
O segundo passo foi confrontar os dados de que dispúnhamos com as
informações presentes no item Registro de Músicas da Enciclopédia da Música
Brasileira: erudita, folclórica, popular (1977: 893) tais como: título, compositores,
data de gravação, gravadora e assim por diante. Algumas vezes, o caminho foi
inverso: ao verificarmos a existência de um título, procurávamos, então, o
fonograma.
A catalogação propriamente dita baseou-se primeiramente em dados
contidos na própria fonte (fonograma/disco), quando possível, ou em obras
como:
a) Enciclopédia da Música Popular: erudita, folclórica, popular , volumes I e II,
Art Editora, São Paulo, 1977;
b) Discografia Brasileira 78 rpm (Grácio Barbalho/ Albino Santos/ Jairo
Severiano/ Miguel Angelo de Azevedo-Nirez), Funarte, Rio de Janeiro, 1982,
também conhecido como Catálogo “Nirez”. uma versão deste catálogo
digitalizada pela Fundação Joaquim Nabuco, Recife, (PE) 2007, disponível na
internet, por intermédio do endereço www.fundaj.org.br (abaixo);
b) As cantoras do Rádio, Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Acervo
Miécio Caffé, São Paulo, 1992;
c) Antologia Musical Brasileira: as marchinhas de carnaval, Roberto Lapiccirella
(org), Musa Editora, São Paulo, 1994.
d) Coleção Ao Chiado Brasileiro, mantido pelo colecionador Roberto
Lapiccirella.
Terminada essa primeira etapa, passamos a utilizar a Internet. Cabe
salientar a importância de novos sites contendo arquivos inteiramente
digitalizados - e apresentando dados precisos - que se constituem atualmente
em fontes importantes e fidedignas, tais como:
1. Coleção Ao Chiado Brasileiro: www.aochiadobrasiliero;
2. Fundação Joaquim Nabuco (RJ) : www.fundaj.gov.br;
3. Discos do Brasil : www.discosdobrasil.com.br;
4. Clique Music : www.cliquemusic.com.br (Uol);
5. Cifra Antiga: www.cifrantiga.com.br;
6. SOMBRAS : www.sombras.com.br;
7. MPB Net : www.mpbnet.com.br;
8. Editora Collector’s (RJ) : www.collectors.com.br ;
9. Instituto Moreira Salles (RJ/SP) : www.ims.com.br ; entre outros.
O formato das tabelas I.3 e I.4 (referente às fichas catalográficas)
obedeceu ao modelo da Discografia Brasileira 78 rpm (citado acima) com
algumas adaptações, por contemplar aspectos que consideramos relevantes, a
saber:
Ano/
lançamento
Disco (número) Título/Gênero Autor (es) Intérprete Gravadora
2.2. Descrição quantitativa do corpus
Conforme assinalamos, o corpus deste trabalho é formado por 63 canções
de autores brasileiros consagrados - excluindo-se as regravações , das quais
17 totalmente em francês; destas, 33 serão analisadas ou referidas na presente
dissertação.
Em relação aos gêneros musicais, observa-se a predominância de ritmos
ligeiros autenticamente nacionais: 26 sambas e 10 marchas; o restante se
divide entre variados estilos, nacionais ou estrangeiros (maxixe, choro, baião,
valsa, fox, jazz, rock, reggae, afro, entre outros). Verificamos, ainda, que a
maioria das canções com letra totalmente em francês aparece a partir dos anos
80. Ao examinarmos quantitativamente o corpus ao longo do século XX,
percebemos uma concentração de canções entre as décadas 30 e 50; entre
1964 e 1980, a França e a língua francesa desaparecem do cancioneiro
popular, quase não havendo produções com esse perfil; a temática ressurge
com um número significativo durante as décadas de 80 e 90; como vemos no
seguinte quadro (não foram consideradas as regravações):
1900 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
1909 1922 1932 1942 1951 1961 1972 1981 1992 2001
1929 1932 1942 1951 1961 1973 1983 1993 2001
1933 1945 1954 1962 1973 1984 1993 2004
1934 1947 1954 1963 1985 1994 2004
1936 1949 1955 1963 1986 1995
1938 1950 1956 1968 1987 1996
1938 1950 1956 1970 1988 1997
1939 1957 1989 1998
1940 1989 1998
1940 1990 1998
1940
1 2 11 7 8 7 3 10 10 4
São essas algumas das questões que nos motivaram a refletir sobre as
razões que teriam levado o compositor nacional, ao longo de quase oitenta
anos, a se referir à França utilizando gêneros musicais brasileiros em toda a
sua totalidade. Em sendo uma abordagem multidisciplinar, trataremos em
primeiro lugar de situar o nosso objeto de estudo nos campos de investigação
nos quais se insere, para, uma vez determinadas as linhas de pesquisa,
apresentarmos o corpus seguido de sua análise pormenorizada.
CAPÍTULO I
“O QUE SABEM AS MÃES SOBRE SEUS FILHOS?”
7
1. A música popular e suas definições
Entendemos por música popular a que passou a ser veiculada e
consumida no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro, com a
introdução da indústria fonográfica (1902) e das transmissões radiofônicas
(1923). Para efeito desta pesquisa, onde se música popular (ou canção
popular), deve-se compreender a música popular brasileira urbana mediatizada
que, historicamente, inicia-se com o regime republicano
(Cavalcante/Starling/Eisenberg, 2004:18).
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa registra a expressão música
popular como “a sica urbana de tradição oral ..” (Houaiss, 2001:1986) ; de
fato, é consenso entre os estudiosos diferenciá-la, sobretudo no Brasil,
daquela de raízes apenas rurais, folclóricas, ligada a manifestações e festas
populares, fortemente disseminada em fins do século XIX e início do XX. Assim,
se para os europeus música popular é a extensão da música anônima de cunho
folclórico, nas Américas, trata-se de um fenômeno nascido das indústrias
editorial e do disco, às quais se somou, depois, a força do rádio e da TV.
Entretanto, em sua origem, a música popular viveu a dicotomia de ser,
ora urbana, ora rural. Ao comparar o significado de música popular no Brasil e
na França, Carlos Sandroni, no artigo Adeus a MPB (Cavalcante/
Starling/Eisenberg, 2004: 26), refere-se a uma possível divergência
terminológica verificada entre os dois países: se para os franceses, a expressão
musique populaire esteve definitamente ligada a um conceito de música
7
O título deste capítulo alude a uma frase citada por Caetano Veloso durante a conferência
intitulada Diferentemente dos Americanos do Norte, realizada no MAM em 26.10.1993 (Ferraz/org,
2005: 53), em que se refere a uma conversa que tivera com um aldeão português a respeito de
sua canção Tropicália (1968). Ao tentar convencê-lo de sua interpretação equivocada, Caetano
recebeu como resposta: “O que sabem as mães sobre seus filhos?”. Com esta alusão,
acreditamos que o compositor tenha querido dizer que, as canções, uma vez lançadas, não mais
pertencem a seus autores.
folclórica, no Brasil, essa ambigüidade, de ordem epistemológica, persistiu
durante certo tempo. Sandroni esclarece que, a 1940, a expressão música
popular também esteve predominantemente associada ao mundo rural, noção
essa que remonta aos folcloristas Celso de Magalhães e Silvio Romero
8
, e
principalmente a Mário de Andrade, que tenderia a diferenciar a música popular
de origem rural, folclórica, da chamada música popularesca, de origem urbana.
Em seu Ensaio sobre Música Brasileira (1962: 10-73), Andrade busca
distinguir uma música nacional, baseada no que definiu como um primitivismo
de cunho social, isto é, ritualizada, engajada e socialmente “interessada”, que
em nada se pareceria ao primitivismo estético apregoado, por exemplo, por
Oswald de Andrade em seu Manifesto da Poesia Pau Brasil, lançado em 1924
(Andrade, 1962: 18).
Por volta de 1930, quando essa música de caráter urbano e popular foi
adquirindo forma, os estudiosos passaram a denominá-la simplesmente de
música popular, como prossegue Carlos Sandroni
9
, refutando Mário de
Andrade:
“Essas pessoas não chamariam o mundo musical com o qual estavam
envolvidas de ‘popularesco’: elas iriam, ao contrário, tomar para seu próprio
uso o qualificativo ‘popular’. Assim, elas passariam a encarnar, no plano
musical, uma outra concepção do popular, do que seria ‘o povo brasileiro
(Sandroni, op. cit. 2004: 28).
A esse coro, vem se juntar igualmente o conceito de triagem e mistura
10
,
introduzido por Luiz Tatit (2004:92), confirmando mais uma vez o caráter urbano
8
O primeiro, autor de A poesia popular brasileira (1873); o segundo, de Cantos populares do
Brasil (1954) e História da Literatura Brasileira (1943), entre outros.
9
Sandroni fundamenta-se em Oneyda Alvarenga, discípula de Mário de Andrade, que,
reconhecendo as diferenciações, aceitou a adoção terminológica “música folclore” x música
popular”, ainda que, para ela, a “música popular” estivesse contaminada pelo comércio e pelo
cosmopolitismo e a “música folclórica” fosse mantenedora do caráter nacional, fato que, para o
autor, explicaria o abandono da denominação “popularesca”. (Sandroni, op. cit. , 2004: 28).
10
O autor salienta que os conceitos de triagem e mistura vêm sendo abordados pela semiótica
contemporânea, acrescentando ainda que essas noções foram desenvolvidas por Claude
Zilberberg no artigo “As Condições Semióticas da Mestiçagem, In E.P. Cañizal e K.E . Caetano.,
O olhar à deriva: Mídia, Significação e Cultura, São Paulo, AnnaBlume, 2004, pp. 11-44.
de nossa música popular
11
. Para o autor, essa noção pode ser associada, por
um lado, aos processos de assimilação e síntese (mistura), e, por outro, à
ruptura por que passou a canção popular em seus momentos evolutivos e de
depuração estética (triagem). A primeira triagem teria justamente ocorrido com
o surgimento das gravações fonomecânicas (1902), quando a música cantada
o samba em particular - teria vencido (triado) as formas populares dançadas,
excluindo gêneros como o maxixe e o lundu:
“A aliança desses sicos populares com a tecnologia nascente é crucial
para se compreender a inversão de expectativa que, nas primeiras décadas
do século, mudou o destino da música no Brasil. Os artistas que se
encaixavam na ‘tradição escrita’ da música brasileira na qual se insere não só
a chamada sica erudita, mas também alguns setores do choro ou até da
modinha não sofriam especialmente com a impossibilidade de registro
sonoro. Suas peças estavam na partitura e eram executadas ao vivo. Os
instrumentistas tocavam em vendas de material musical, em orquestras
estrangeiras de passagem por aqui, no teatro musicado ou em bandas
militares. O caso dos diversos criadon
jornalístico e biográfico, menos comprometida com teorizações, porém,
importante por ter descrito, com crônicas e narrativas, momentos cruciais da
música popular e preenchido uma lacuna entre “o significado social e a prática
estética” (Treece, 2004: 332); a segunda, de caráter historiográfico, preocupada
em estabelecer um tratamento sistemático da música popular, definindo
parâmetros ou períodos históricos; a terceira, englobando a história cultural e a
tradição literária, submetendo as características estéticas e textuais a uma
história da tradição lírica e, mais recentemente, associando-se às pesquisas da
Língüística e da Semiótica; por fim, a quarta e última, que abrange a sociologia
e a antropologia social da música, que vem observando o significado
sociológico e ideológico da prática e do gênero musical.
Na primeira inscrevem-se os trabalhos dos pioneiros, como Nestor de
Hollanda, Almirante, Francisco Guimarães (Vagalume), Orestes Barbosa, Jota
Efegê
13
, entre outros, que, por terem sido testemunhas oculares de nossa
produção musical, construíram narrativas autênticas e pormenorizadas (ainda
que de forma não acadêmica) sendo, por esse motivo, considerados os
primeiros historiadores da música popular. Desta categoria, constam ainda os
trabalhos recentes e exaustivos de autores como João Máximo e Carlos Didier,
de Sérgio Cabral, reiteradamente citados ao longo deste trabalho, bem como as
contribuições de Rui Castro, sobretudo no campo da Bossa Nova
14
.
Na segunda abordagem, encontram-se alguns historiadores
independentes, principalmente Ary Vasconcelos e José Ramos Tinhorão, não
Travassos “Pontos de escuta da música popular no Brasil” (2005: 94-111). David Treece faz uma
introdução sobre a situação da canção enquanto objeto de estudo no Brasil e suas principais
linhas de pensamento, estabelecendo uma classificação que nos pareceu pertinente, embora
não totalmente completa. Travassos, por sua vez, discorre sobre a natureza dos debates atuais
e dos cruzamentos das diferentes abordagens: musicológica, etnomusicológica, antropológica,
sociológica (tendência atual), além de traçar uma genealogia dos estudos da música popular
brasileira, de Silvio Romero a José Jorge de Carvalho.
13
Pela ordem descrita: HOLANDA, Nestor de. Memórias do Café Nice: subterrâneos da música
popular e da vida boêmia do Rio de Janeiro (1970); ALMIRANTE, No tempo de Noel Rosa
(1977); GUIMARÃES, Francisco. Na roda do samba (1978); BARBOSA, Orestes. Samba, sua
história, seus poetas, seus músicos e seus cantores (1978); EFEGÊ, Jota. Maxixe a dança
excomungada, RJ, (1984) e, ainda, Figuras e coisas da música popular brasileira (1978).
14
MAXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília. Linha Gráfica, 1990.
CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, vida e obra. RJ, Funarte, 1978 e No tempo de Ari Barroso, RJ,
Lumiar, 1990. CASTRO, Rui. Chega de Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São
Paulo, Companhia das Letras, 1990; A onda que se ergueu no mar. São Paulo, Companhia das
Letras, 2001.
ligados a universidades, porém apresentando estudos sistemáticos. Em sua
obra Panorama da Música Brasileira (Vasconcelos, 1964) usou como fontes
“documentos produzidos pela indústria cultural como discos, catálogos, jornais
e revistas” (Travassos, 2005: 106), tendo sido o primeiro a estabelecer a
periodização da música popular. José Ramos Tinhorão é considerado único na
literatura produzida sobre o assunto, não apenas por seus escritos, anti-
americanos e polêmicos
15
, entretanto fundamentais para aqueles que
necessitam de narrativas historiográficas detalhadas, como também por
pretender contar a história da canção brasileira estritamente pelo viés das
classes subalternas, imaginando uma música popular isenta de fusões e
misturas
16
. Seus trabalhos abarcam diferentes momentos da música popular,
quando a relaciona, por exemplo, aos meios de produção (1978) ou nos permite
avaliar a evolução dos gêneros musicais no Brasil (1986) incluindo-se os
instrumentais, das bandas militares às jam sessions (1991). Em trabalhos
recentes, estudou a música no romance brasileiro (2002), bem como os sons de
rua (2005).
Para esta pesquisa, convém assinalar principalmente a obra História
Social da Música Popular que, em um de seus capítulos (1998: 207-263),
focaliza a música da classe média, do Império à República, analisando a
passagem da moda francesa à moda americana, que, segundo ele, se deve à
mudança do regime monárquico para o republicano (1889) e à modificação da
entrada dos capitais estrangeiros no país.
15
Sobre o pesquisador, Elizabeth Travassos (2005: 106) escreve: “Um expoente da historiografia
independente da música popular é José Ramos Tinhorão, que nasce juntamente com o
polemista, nos anos 1960. Seus trabalhos eram praticamente libelos contra a ‘americanização
da vida musical brasileira, que ele ouvia nas seqüências harmônicas, no estilo vocal e na
instrumentação da bossa nova. Num trabalho relativamente recente (1990), Tinhorão procurou
explicitar a teoria da dupla dependência que orienta suas leituras dos documentos: a cultura
dominante, das elites, não é ‘nacional’; as criações autênticas emanam do povo, urbano e rural,
vítima de uma dupla agressão”.
16
O autor admite os processos de fusão quando se trata da gênese do samba e do choro, porém
não admite influências americanas jazzísticas na Bossa Nova ou ainda inserções da música pop
na Tropicália, por exemplo.
No que se refere à tradição da crítica literária - terceira corrente -
destacamos Affonso Romano de Sant’Anna, reconhecido por estabelecer um
paralelo entre a Literatura e os principais momentos da música popular,
revelando coincidências, por exemplo, entre procedimentos literários adotados
por Noel Rosa e pelo Modernismo, como a paródia e o poema-piada, ou entre o
samba-exaltação de Ari Barroso e o movimento da geração de 45. É importante
notar ainda o papel fundamental do crítico literário Augusto de Campos cuja
leitura da Antropofagia de Oswald de Andrade e a correlação com o movimento
da Tropicália instituem a primeira crítica musical popular de caráter acadêmico
no Brasil. David Treece questiona ainda o papel da crítica apenas textual,
admitindo que a abordagem musical deve buscar investigar a relação entre as
estruturas musicais e lingüísticas, apontando dois trabalhos acadêmicos
pioneiros: os de José Miguel Wisnik e Luiz Tatit, pesquisadores, músicos e
compositores e os primeiros a admitir a relevância da melodia para a
construção de sentido de uma canção, como veremos adiante.
Na quarta abordagem, voltada para a sociologia da música e a
antrolologia, insere-se Hermano Viana que possui amplas pesquisas no campo
da etnomusicologia (o pop africano, o funk carioca, a história do samba, as
manifestações rurais). Para o nosso estudo, Viana traz importantes
contribuições sobretudo no tocante às relações entre sambistas, intelectuais
brasileiros e franceses. Ao estudar os diferentes fatores que teriam
possibilitado o nascimento do samba, Viana alude a um outro tipo de síntese
de ordem social - ou mediações a que chamou de “mistérios” (1995: 95).
Refere-se a esses encontros e entrelaçamentos das chamadas “alta” e “baixa”
culturas, do saber erudito e popular, como trocas culturais originais e
enriquecedoras que, entre outras coisas, teriam favorecido o reconhecimento
do samba enquanto ritmo autenticamente nacional. No capítulo “O samba
moderno” (1995), que nos interessa particularmente, o autor destaca a
passagem de artistas e intelectuais franceses, como Paul Claudel e Darius
Milhaud, pelo Rio de Janeiro, e do poeta Blaise Cendrars, em o Paulo
(Vianna: 1995: 95) e discute a natureza dessas influências e mediações.
Ainda dentro do campo da investigação sociológica, duas importantes
produções acadêmicas devem ser mencionadas: a de Rafael Menezes, da área
de Antropologia Social, quea música popular - no Brasil e no mundo como
a linguagem estratégica dos sistemas de relações dos Estados-nações
modernos, com “nexos locais, regionais, nacionais, globais” (Menezes, 2005:
213). Em seu artigo “Les Batutas: uma antropologia da noite parisiense” (2005),
Menezes reconstitui a viagem dos Oito Batutas a Paris no ano de 1922 e
examina sua repercussão tanto no Brasil quanto na França. Analisando fontes
jornalísticas in loco, estuda e observa com acuidade o papel da imprensa daqui
e de lá, a viabilização da turnê, as controvérsias em torno da viagem enquanto
grupo representante da cultura brasileira, o contexto cultural da capital
parisiense na época, analisando de que forma “foi construída a persona d’Os
Oito Batutas” bem como a importância fundamental dessa viagem para a
formação de uma identidade musical brasileira. (Menezes, 2005: 181). Para o
autor, a volta ao Brasil representaria não apenas a consagração de Pixinguinha,
mas a legitimação dos ritmos brasileiros como gêneros representativos de
nossa cultura.
A segunda menção diz respeito ao trabalho de Carlos Sandroni que
desvendou o momento de transição entre o “samba amaxixado” - que possuía
um tipo de célula rítmica que denominou de paradigma do tresillo - , para o
“samba acelerado” - outra base rítmica a que chamou de paradigma do Estácio
- , mais apropriado aos desfiles de carnaval (Sandroni, 2001: 131-186).
Estaso as principais linhas de pesquisa na história da música popular
que serão referidas ao longo desta dissertação.
3. Os estudos da s
Os estudos da canção
17
ainda se revestem de certa opacidade:
polissêmica e portadora de dimensões diversas (letra, melodia e voz), a canção,
como dissemos, é passível de ser abordada por diferÐ
rÐ orta
entre os Estudos da canção e os Estudos Literários, plenamente consolidados
no Brasil, o autor observa uma contradição digna de nota:
“De fato, o privilégio no meio acadêmico do discurso literário como objeto de
estudo em uma cultura reconhecidamente não-literária é um paradoxo tão
banal e evidente, quanto essencial para entendermos o relativo
empobrecimento dos estudos sobre música popular até agora” (Treece,
2004, 332).
Lugar privilegiado de discussão acerca das grandes questões nacionais, no
dizer de Rafael Menezes (1994: 7), a canção popular urbana enquanto fonte de
documento histórico enfrentou, segundo José Geraldo Vinci de Moraes,
questionamentos e entraves sobretudo em função da dificuldade em
circunscrevê-la no âmbito de “uma disciplina voltada claramente para a
produção do conhecimento” (Moraes, 2000: 209). O autor chama a atenção
ainda para alguns paradoxos de ordem metodológica por que passa - ou
passou - a investigação da canção popular - tendendo, por um lado, a
apresentar apenas biografias de compositores consagrados e, por outro,
procurando analisá-la apenas do ponto de vista musical - , e aponta três
aspectos essencias que devemos observar para uma reflexão historiográfica:
“a linguagem da canção, a visão de mundo que ela incorpora e traduz e,
finalmente, a perspectiva social e histórica que ela revela e constrói” (op. cit. :
218).
Vinci assinala, no entanto, o desenvolvimento da musicologia bem como
os debates que se produziram em torno desta disciplina, que permitiram
avanços consideráveis nesses últimos anos. Segundo ele, a canção popular,
além de embalar o nosso cotidiano, é a que mais se aproxima dos setores
menos escolarizados, não exigindo, portanto, do produtor nem do receptor (o
ouvinte), um processo sofisticado para a decodificação do código sonoro, o que
fez com que o país pudesse criar “uma sonorização muito própria e especial”
(op. cit.: 203). Como bem observa, embora ainda haja muito por fazer na área
da historiografia, a canção pode e deve ser compreendida como parte de uma
“trama de tensões e contradições em que os sujeitos sociais, valendo-se de
sons, e por meio de suas práticas individuais e coletivas, constroem e/ou
reconstroem parte da realidade social e cultural” (op.cit.: 209).
No dizer da socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, a música popular
é, por si só, um fio condutor que conta de diferentes momentos de nossa
história recente. A autora enumera argumentos que provam ser a canção
popular, desde a República, importante forma de narrativa sobre a moderna
tradição brasileira, “capaz de expor o país ao conhecimento de si e, ao fazê-lo,
ampliar círculos de intérpretes do Brasil” (2004:39). Para ela, trata-se de uma
relação de estrutura (que podemos entender como o discurso) dialogando com
a conjuntura (o contexto). E termina:
“Veículo de trocas, a música brasileira corta transversalmente a cidade e
integra públicos diversos; fornece os temas e o vocabulário em que o debate
sobre a realidade brasileira se torna possível; produz enfim, referências
comuns, em um mundo marcado por particularismos” (op. cit. : 39).
Pioneiro no estudo da canção popular, o crítico José Miguel Wisnik
observa um vínculo nem sempre visível entresica e política no Brasil; assim,
enquanto objeto sonoro, a canção teria a capacidade de nos afetar individual e
coletivamente, sendo, portanto, capaz de associar pulsões psíquicas a
representações sociais (2004: 199). Além disso, o autor concebe a canção
como uma importante “rede de recados” dentro de uma sociedade “ágrafa”,
lugar para onde convergem as tensões político-sociais e onde territórios se
cruzam, exibindo ou escondendo diferentes enfrentamentos sócio-culturais. No
seu entender, a canção engendra caminhos de transgressão à ordem
estabelecida, precisando encontrar brechas, no discurso implícito e cifrado, a
malandragem, para poder imprimir o seu contra-discurso. Wisnik na canção
dialéticas convivendo lado a lado e traduzidas pelas seguintes dicotomias:
ordem/desordem; estética/mercado; apolo/dionísio; censura/transgressão, e
aponta:
“Ora, no Brasil, a tradição de música popular, pela sua inserção na sociedade
e pela sua vitalidade, pela riqueza artesanal que está investida na sua teia de
recados, pela sua habilidade em captar as transformações da vida urbano-
industrial, não se oferece simplesmente como um campo dócil à dominação
econômica da indústria cultural que se traduz numa linguagem
estandardizada, nem à repressão à censura que se traduz num controle das
formas de expressão política e sexual explícitas, nem às outras pressões que
se traduzem nas exigências do bom gosto acadêmico ou nas exigências de
um engajamento estreitamente concebido” (Wisnik, 2004: 198-199) .
Wisnik defende ainda a idéia de que nem sempre o que se quer dizer
repousa na letra, salientando a existência de um código sonoro que, na maioria
das vezes, sustenta o conteúdo transmitido pela linguagem verbal. Embora se
coloque em outro campo teórico, voltado para a Lingüística e a Semiótica, Luiz
Tatit corrobora as constatações de José Miguel Wisnik, quando afirma ser a
canção a junção de texto e melodia, cujo sentido estaria fortemente ligado ao
projeto melódico. Os conceitos de Luiz Tatit para a análise da canção baseiam-
se na oralidade, nos processos entoativos ascendentes e descendentes e no
jogo das alturas, como veremos à frente.
4. Elementos para a análise da canção
“O ‘texto’ é, com efeito, aquilo que a leitura atualiza e a análise constrói.
Contra a ilusão de uma explicação que esgotaria as significações [...]
consideraremos que a análise seleciona suas isotopias de leitura e apenas
retém o que é suscetível de estabelecer-lhe a pertinência” (Bertrand, 2003:
55).
Para o exame do material cancional que nos propomos a realizar, cumpre
definirmos alguns conceitos emprestados à semiótica greimasiana que aqui
assumem um caráter operacional, vale dizer, vistos tão-somente como um
instrumento de análise, uma possibilidade, esperamos, pertinente para um
caminho de leitura.
A Teoria da Semiótica, baseada nos preceitos de A. J. Greimas, entende
a linguagem não como o emaranhado ou a articulação de signos, mas como um
sistemas de significações, fornecendo-nos subsídios metodológicos para que
observemos o discurso no caso, a canção - como a superposição ou a
organização de três diferentes níveis: o fundamental (axiológico), onde se
operam as relações semânticas; o narrativo (actancial e modal), onde se
evidenciam as relações sintáxicas entre os seres (os actantes); e o discursivo,
onde se verificam os recursos e estratégias empregados pela enunciação; esse
desenrolar das instâncias, que caminha das estruturas profundas ao nível da
superfície é denominado de percurso gerativo.
Assim, o percurso gerativo pressupõe que efetuemos uma trajetória indo
da imanência, do abstrato - campo das categorias semânticas fundamentais - à
aparência, ao concreto - campo das manifestações lingüísticas, onde as linhas
temático-figurativas podem ser verificadas (Greimas, apud Barros, 1992: 11-
15).
As diferentes dimensões do discurso se articulam de maneira específica a
cada nova manifestação, a cada texto; deste modo, a coerência discursiva é
determinada pelas isotopias, rede de categorias semânticas que tecem o
discurso e que, por sua vez, determinam um primeiro nível de leitura,
assegurando “a sucessividade, o encadeamento e a continuidade da leitura de
sentido”. Essa coerência permanece mesmo que se mude o ponto de vista da
enunciação. As isotopias, então, são reelaboradas e reconstruídas pela
habilidade discursiva do leitor em nosso caso, o ouvinte - , “capaz de
preencher as lacunas e elipses predicativas, as reticências, os subentendidos,
as omissões e ironias” (Bertrand, 2003: 37-39). No plano narrativo, o sujeito é
dotado de uma competência que lhe possibilita agir e que pressupõe um
contrato preliminar entre o sujeito (até então virtual) e uma instância: o
destinador, o que o instiga a agir.
Em seu livro Teoria do Discurso (2001), a autora Diana Luz Pessoa de
Barros aborda importante questão acerca da dicotomia que envolve “discurso
individual versus discurso social” - e que, em nosso contexto específico pode
ser traduzida como o discurso da canção e suas condições de produção e
recepção chegando à conclusão de que, por intermédio do duplo caráter
atribuído à enunciação, é possível unir a coerência (interna) do discurso à
observação (externa) do contexto sócio-histórico. Assim sendo, a autora admite
ser possível uma abordagem histórico-lingüística do discurso, justificando:
“Reconhecendo a pertinência da dimensão histórica para a análise do
discurso, mas também as muitas dificuldades encontradas na determinação
das relações entre formações sócio-ideológicas e formações discursivas [...]
essas relações podem e devem ser estabelecidas pela mediação lingüística
da enunciação. Tenta-se, assim, definir a enunciação pelo duplo papel de
mediação ao converter as estruturas narrativas em estruturas discursivas ao
relacionar o texto com as condições de sua produção e de sua recepção”
(op.cit, 2001: 5).
Para a autora, existem duas formas de acesso à enunciação: a primeira
delas, pela determinação do enunciador e do enunciatário (o eu e o outro),
“graças aos procedimentos narrativos empregados na manipulação e pela
definição do sujeito construtor do discurso, com base no objeto-discurso
produzido” (2001:143); a segunda, pela caracterização cio-histórica
proveniente das relações intertextuais
18
:
“A análise de outros textos que formam o contexto do discurso em exame,
permite alcançar os fatores sócio-históricos constitutivos da enunciação”. [...]
As resultantes de análises contextuais, ou melhor, os pontos de cruzamentos
de variáveis de textos distintos, foram denominados produtor e receptor
interpretante destinadores do sujeito da enunciação, fonte e destino dos
valores do discurso. O primeiro passo, portanto, para a definição de produtor
e de receptor é o de delimitar o contexto” (Barros, 2001: 143).
Deste modo, integrados pela enunciação, torna-se possível examinar a
linguagem interna de cada canção e a “rede de recados” que se forma num
dado espaço social e assim desvendar como os protagonistas - os
enunciadores e enunciatários das canções - implicados na construção de
18
Julia Kristeva desenvolveu o conceito de intertextualidade baseando-se nas relações
dialógicas e interdiscursivas desenvolvidas por Mikhail Bakhtin, como veremos adiante. Kristeva
concebe o campo da linguagem como o espaço que se orienta em três dimensões: o sujeito da
escritura, o destinatário e os textos externos (1969). O espaço do discurso não é monofônico e
se constrói a partir de uma rede de discurso e textos, que foram denominados respectivamente
de interdiscursividade e intertextualidade. O conceito de intertextualidade nos remete tanto a
uma propriedade constitutiva de todo texto quanto ao conjunto de relações explícitas que um
texto estabelece com outros. Na primeira acepção, trata-se de uma variante do conceito de
interdiscursividade; no segundo, à intertextualidade propriamente dita.
significado, (inter) agem socialmente, determinando assim, as prováveis
correlações entre linguagem e circunstâncias sócio-históricas.
Sobre este duplo circuito - interno e externo ao discurso - Patrick
Charaudeau se pronunciava em seu Langage et Discours fazendo-nos notar
que “l’acte de langage devient alors um acte inter-énonciatif entre quatre
protagonistes (et non deux), lieu de rencontre imaginaire de deux univers de
discours qui ne sont pas identiques” (1983: 38-39), pressupondo, em linhas
gerais, um destinador (em nosso caso, o compositor) e um destinatário (em
nosso caso, o ouvinte) para as circunstâncias de produção e de recepção,
ambos exteriores ao discurso propriamente dito.
Assim, como nos coloca Diana de Barros, o produtor é o destinador,
origem dos valores, aquele que manipula a competência do sujeito da
enunciação e o instiga a agir, devendo ser entendido como o protagonista
sócio-histórico. O enunciador, por sua vez, é aquele que realiza o projeto que
lhe foi incumbido. O receptor interpretante julga com base no contrato
estipulado entre destinador-produtor e sujeito.
Determinar e conhecer esses protagonistas da linguagem da canção
neste corpus, seus projetos de sentido e os diálogos que estabeleceram com
outras canções significa descobrir o que se esconde atrás de cada
manifestação. Sobre a questão dos protagonistas na linguagem da música
popular, Tatit, ao correlacionar teoria do discurso e análise da canção reitera
igualmente a existência de uma dupla instância: uma comunicação principal (o
recado) entre um destinador (o compositor, o cancionista) e um destinatário (o
ouvinte) e um simulacro concebido por esse destinador que coloca em cena
uma situação entre um sujeito expresso no texto (o enunciador ou interlocutor)
e o seu enunciatário, declarando:
“Por mais que uma canção receba tratamento rítmico, harmônico e
instrumental, o ouvinte depara entre outras coisas com uma ação simulada
(“simulacro”) onde alguém (intérprete vocal) diz (canta) alguma coisa (texto)
de uma certa maneira (melodia). Esta condição, por si , traz à canção
um estatuto de popular, pois todos podem reconhecer situações de conversa”
(Tatit, 1987: 6).
5. Canção, linguagem e dicção.
A canção possui um discurso próprio, que lhe é peculiar. Elaborada para
ser ouvida, não deixa de ser texto, ainda que texto oral, constituindo-se em
gênero discursivo dotado de sentido. Porém, o discurso da canção implica em
considerar outros aspectos que não se encontram necessariamente na letra (o
plano do conteúdo) - embora o verbal seja um de seus principais elementos
constitutivos - podendo ser percebidos na melodia, no gesto, na performance,
na implícito, no contra-discurso, enfim, no não-verbal (o plano da expressão).
Para Tatit, “produzir canções significa produzir compatibilidades entre
texto e melodia”, buscando uma dicção convincente. Ainda de acordo com o
autor, sendo a canção a extensão e a potencialização da fala, o projeto
entoativo deve permanecer como traço constitucional, a fim de assegurar
naturalidade e verdade ao que é dito. A dialética reside no fato de que a canção
deve ser ao mesmo tempo fala, conferindo veracidade ao discurso e reiteração
a fim de garantir a sua memorização (Tatit, 1996: 11).
Segundo o autor, não é o dizer, o plano do conteúdo, mas a maneira de
dizer (dicção), o plano da expressão, que é portadora de sentido: a letra nunca
diz tudo, cabendo ao projeto rítmico-melódico predispor o ouvinte a
determinados estados (eufóricos ou disfóricos), por meio da aceleração ou
desaceleração da melodia ou pelo jogo das alturas, que, por sua vez, serão
confirmados na letra, de acordo com a aproximação ou distanciamento entre
sujeito e objeto. Quanto maior a compatibilidade, entre texto e melodia, maior a
sua eficácia. Em contrapartida, modificando-se esses estados (por meio da
aceleração ou desaceleração) da melodia, altera-se o sentido da canção:
“A canção promove remotivação constante dos componentes próprios do
discurso oral – cadeia lingüística e perfil entoativo – gerando entre eles outras
formas de compromisso que se pautam, em geral, pela estabilidade e
conseqüente fortalecimento do plano de expressão. Durante essa operação,
a relação sujeito/objeto vai sendo reproduzida na letra, na melodia e demais
recursos musicais, ora dentro de uma dimensão extensa, ora através do
contato de elementos vizinhos, mas sempre em função do estreitamento de
laços entre expressão e conteúdo” (op. cit., 1994: 45).
Baseado na Teoria Semiótica concebida por A. J. Greimas (1983) e no
conceito de tensividade introduzido pelo teórico Claude Zilberberg (2001), Tatit
estabeleceu critérios tipológicos para a análise da junção entre texto e curva
melódica, propondo um modelo de análise que denominou de processos de
persuasão.
Assim, quanto mais distante estiver o sujeito de seu objeto, a tendência é
de se ter um estado disfórico, com ritmo desacelerado, prolongamento das
vogais e grande intervalos melódicos, processo que denominou de
passionalização. A desaceleração se presta mais a conteúdos afetivos,
geralmente associados à separação ou à busca de um objeto de desejo. São
processos de passionalização a modinha, o samba-canção, o rock romântico e
o brega, por exemplo.
Por outro lado, o encurtamento das vogais, cortadas sistematicamente
pelas consoantes (segmentação e acentuação) produz o aumento da
freqüência e da aceleração rítmica, provocando um efeito contrário no ouvinte,
voltado para a mobilização física e o estímulo corporal; a este processo
denominou de tematização, em que os contornos melódicos são rapidamente
transformados em motivos (temas). Na letra, prevalecem as ações, as idéias, as
exaltações de alguém; em geral, o sujeito está em consonância com o objeto e
seu estado é eufórico. Constituem efeitos de tematização o samba, a marcha, o
xote e o rock, entre outros.
Quando, entretanto, similaridade entre a seqüência rítmico-melódica
com o processo da fala, que se produz sem grandes saltos intervalares, onde
as acentuações silábicas e melódicas coincidem, conferindo naturalidade e
verdade enunciativa ao discurso, temos o processo de figurativização. O diálogo
predomina, aparecendo dêiticos e tonemas. Desta categoria fazem parte os
sambas de breque, as músicas de protesto, as canções-diálogo e o hip-hop, por
exemplo.
Tatit chama a atenção para as subjetividades presentes no interior de
cada canção, deslocando, até certo ponto, o parâmetro de análise social para o
eixo de análise estético-musical, como bem salientou David Treece (2004: 341-
343).
6. O outro no processo enunciativo
Uma das principais contribuições de Bakhtin foi ter introduzido a noção de
dialogismo, conceito de que o discurso não é unívoco, trazendo consigo a
presença (a voz) do outro, seja por meio de um jogo verbal no interior do
discurso, seja pela interferência de vozes sociais, externas ao discurso
(ideologia), que influenciam o sujeito enunciador (Barros, 2003: 2) . Em outras
palavras, o dialogismo é produto de interdiscursos e pode ser desdobrado em
dois aspectos distintos: o que pressupõe a interação verbal entre o enunciador
e o enunciatário (o eu e o outro) no interior do discurso, bem como o que se
refere à voz social (o contexto) que atravessa, perpassa, influencia o discurso
do sujeito enunciador
19
. Para Bakhtin, as marcas ideológicas do discurso
imprimem-se historicamente no sistema lingüístico: “o signo se torna a arena
onde se desenvolve a luta de classes” (Barros, 2003: 8).
Só se pode compreender o dialogismo interacional pelo deslocamento do
conceito de sujeito, que perde o papel de centro da enunciação para ser
substituído por diferentes (ainda que duas) vozes sociais que fazem dele um
sujeito histórico e ideológico. Assim, o discurso do sujeito enunciador é
entrecortado pelo discurso do outro, cuja presença é condição sine qua non
para a existência do primeiro.
19
O conceito de dialogismo é fundamental para o nosso trabalho, uma vez que as vozes que
dialogam e produzem esses interdiscursos, ora mesclando-se, ora entrecortando-se,
caracterizam a interferência de uma outra cultura (a francesa) bem como a presença de um
outro sistema lingüístico (o idioma francês).
Se, como quer Bakhtin, todo discurso pressupõe alteridade, sendo
dialogicamente atravessado pela discurso de um outro, em se tratando do corpo
documental que ora apresentamos - as canções que tematizam a França - este
jogo interativo é tanto mais visível, audível e identificável, na medida em que
deixa marcas lingüísticas e culturais perceptíveis na cadeia enunciativa. Buscar
a natureza desta alteridade, identificando de que modo o discurso do outro
intervém na fala daquele que tem a palavra, o sujeito enunciador, e que
“supostamente” a constrói, passa a ser a nossa tarefa.
Assim, se as diferentes classes sociais se valem de um dado discurso
para expressar diferentes valores e antagonismos sociais, parece legítimo
afirmar que a canção popular, forma discursiva e, portanto, passível de uma
abordagem enunciativa, utilize esses mesmos recursos, exprimindo igualmente
um embate ou confronto de classes, expresso pelo ponto de vista de um
enunciador que, muitas vezes, se deixa permear pela ideologia de sua época,
assimilando-a ou confrontando-a.
Dessa forma, torna-se evidente a presença de outras vozes no discurso
que, na maioria das vezes, expressam-se a partir de pontos de vista
conflitantes, polêmicos, defendendo posições ideológicas contrárias: por um
lado, a do compositor/sambista, guardião dos valores da cultura nacional; por
outro, a do burguês afrancesado (europeizado/americanizado) que pertence (ou
quer pertencer) à elite e domina (ou quer dominar) o idioma francês, como
notamos, por exemplo, no samba Menina Fricote, de 1940 (CD 1, faixa 8) em
que o sujeito enunciador deprecia Risoleta (sujeito enunciatário), por essa ter
desejado mudar de posição social, adotando valores alheios à sua classe:
E eu já lhe disse
Nerusca, menina,
Não venha pra aqui
A me chamar de très joli
Por que eu não sou mon chéri
E língua estrangeira eu nunca entendi
Larga essa papa de oui!
Trabalhando no nível da enunciação e das formas metaenunciativas,
Jacqueline Authier-Revuz estabelece a noção de heterogeneidade (mostrada e
constitutiva) ao descrever a maneira como o outro se instaura no discurso,
quebrando, por assim dizer, a cadeia enunciativa. Segundo a autora, inúmeros
estudosda lingüística da enunciação à pragmática, passando pela análise do
discurso e a teoria do signo, propõem-se a analisar a complexidade e o
desdobramento do sujeito enunciador.
Partindo do princípio de que o discurso de um dado locutor é resultado de
muitos discursos e de que não total autonomia do sujeito pois este ser é,
no dizer da autora, “bem mais falado do que falante”
20
, Authier-Revuz alude aos
pontos que nos remetem especificamente ao que denomina de
heterogeneidade constitutiva do sujeito e de seu discurso, apoiando-se, por um
lado, nos conceitos de dialogismo e de interdiscursividade (as vozes do outro)
presentes na obra de Bakhtin, e, por outro, na abordagem do sujeito e de sua
relação com a linguagem, encontrados sobretudo nos trabalhos de Freud e
Lacan (Authier-Revuz, 1984: 98-111).
É no plano interno propriamente dito que a autora define a
heterogeneidade mostrada como pontos de inflexão ou de ruptura da cadeia
enunciativa para a entrada do outro, tais como: o uso do travessão, das aspas,
do itálico, as citações, alusões, pastiches, estereótipos, ironia e pressupostos,
presentes tanto no discurso direto, quanto no indireto e no indireto livre. Na
definição da autora, são ainda marcas de heterogeneidade discursiva: uma
outra língua, o registro familiar, as gírias e jargões; trata-se, em nosso caso, de
recursos e interferências recorrentes nos sambas e marchas do período em
questão, que denotam não apenas a presença do outro ou de outra cultura,
como também caracterizam a manifestação polifônica, a sátira, enfim, o próprio
riso carnavalesco, como no samba La vie en samba (Denis Brean e Blota Jr.)
gravado em 1951 por Dircinha Batista (CD 3, faixa 4), fazendo clara alusão à
canção La vie en rose, gravada por Edith Piaf (1915-1963) em 1942:
Ai, ai, ai, mon amour
20
Trata-se de uma tentativa de traduzir o que disse a autora, ao afirmar que o sujeito enunciador
“est parlé plutôt qu’il ne parle”.
Le samba est toujours rêve d’amour
La vie avec un samba est quelque chose
Si vous, vous voulez avoir la vien en rose
Santé, l’argent, l’amour et l’émotion
Chantez le samba la grande sensation
A partir destas premissas torna-se mais evidente visualisar e
compreender como a ideologia do nacionalismo e do culto ao trabalho - aqui
entendida como uma heterogeneidade constitutiva - , naturalmente contrária à
influência estrangeira e aos estrangeirismos, atravessam o discurso da canção
e a produção musical da época, em consonância com os princípios ideológicos
que fundamentaram a Era Vargas, período principal de nosso enfoque.
Outro aspecto do dialogismo diz respeito à superposição de textos (ou de
canções) tecendo, assim, uma rede de textos (a intertextualidade) que, por sua
vez, formam a mentalidade de um tempo. Referimo-nos aos sambas, marchas
e outros gêneros que dialogaram entre si entre os anos 30 e 50. Esse sentido
do dialogismo é, aliás, o mais estudado e tido como o princípio que permeia a
obra de Bakhtin: são vozes (textos) que dialogam entre si, que se completam
ou respondem umas às outras (Barros, 2003: 4).
6.1. Bakhtin e a literatura carnavalesca
Para Bakhtin, a rica tradição da sátira carnavalesca na literatura ocidental
descende de duas variantes do gênero cômico-sério: o diálogo socrático e a
sátira menipéia. Segundo afirma, é difícil definir com precisão o campo do
cômico-sério; no entanto, esse se torna nitidamente identificável quando em
oposição aos gêneros sérios, como a epopéia, a tragédia, a história e a retórica
clássica (Bakhtin, 1981:92). Ainda segundo o autor, o diálogo socrático - que,
à imagem do carnaval, tem como atributos a abolição das distâncias, o rito da
coroação e do destronamento, pressupondo a familiarização - , teve
permanência breve; entretanto, em seu processo de desintegração formaram-
se outros gêneros dialógicos, entre eles, a sátira, cujas raízes remontam ao
folclore carnavalesco europeu.
O cômico-sério influenciado pela cosmovisão carnavalesca, apresenta
algumas características, tais como: a) a mudança no tratamento dado à
realidade, com o uso de temas ligados ao cotidiano: os heróis míticos ou as
personalidades históricas são atualizados, atuando num contexto familiar; b) a
apresentação de temas baseados na experiência vivida, na fantasia livre
21
, não
em lendas e mitos; c) a pluralidade de vozes na narração, que se distinguem
pela mistura do sublime e do vulgar, do sério e do cômico, da paródia e dos
gêneros elevados e pela inserção de falas, citações, emprego de dialetos,
jargões vivos, ou a mesmo do bilingüismo. Assim, os discursos do humor
seriam herdeiros principalmente da sátira menipéia e da literatura carnavalesca,
cujo dialogismo e a bivocalidade foram determinantes para o
desenvolvimentodas das literaturas européias.
Vale dizer que a tira manipéia é fortemente marcada pelo confronto (a
síncrese), tendo como principais características: a) a ousadia na ruptura com o
real, na modificação temática dos gêneros considerados sérios, onde os heróis
sobem aos céus, descem ao inferno, transitam por ignorados países fantásticos
e são colocados em situações fora do comum. As aventuras se passam nas
grandes estradas, bordéis, nas tabernas, nos covis de ladrões, e prisões; b) a
insensatez, a dupla personalidade, as paixões limítrofes com a loucura; c) toda
a sorte de oposições e contrastes; o imperador convertido em escravo, a
decadência moral e a purificação, o luxo e a miséria, o bandido nobre, etc.
Como a carnavalização ocorre nas canções de música popular é o que
procuraremos demonstrar.
21
Nas palavras do autor: “As lendas carnavalescas diferem profundamente das lendas heróicas
épicas: fazem o herói descer e aterrissar, familiarizam-no, aproximam-no e humanizam-no. O
riso carnavalesco destrói tudo o que é empolado e estagnado, mas em hipótese alguma destrói
o núcleo autenticamente heróico da imagem” (Bakhtin, 1981: 114).
CAPÍTULO II
ALERTÁ, BEAUCOUP DE SAMBÁ, ALERTÁ ! : O MITO DA IDENTIDADE
CONSTRUÍDA
1. Reflexões sobre o eu e o outro na cultura brasileira
A discussão das relações interculturais seja de que ordem for - cultural,
política, linguïstica - passa necessariamente pela dicotomia identidade x
alteridade (o eu e o outro), estando longe de ter sido resolvida no mundo
contemporâneo
22
. A busca de uma identidade e o reconhecimento de si próprio
pelo outro dentro do binômio que ora denominamos “afirmação cultural versus
tendência universalizante” é recorrente nas artes brasileiras e constitui um dos
elementos-chave para a compreensão de nosso processo cultural.
De fato, a problemática da cultura brasileira em vários campos de
atuação - Literatura, Teatro, Música, Artes - parece residir na tensão entre o
olhar de fora e o olhar de dentro, entre a influência internacional, cosmopolita,
das culturas hegemônicas, e a procura de uma fisionomia própria, de uma
expressão de nacionalidade. A este “movimento pendular”, o crítico literário
22
Tradicionalmente, a identidade cultural pode ser definida como um “sistema de representações
entre indivíduos e grupos, envolvendo o compartilhamento de patrimônios comuns, como a
língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros” (Oliveira, 2007: 1).
Entretanto, o aspecto multi-cultural entre os seres humanos na sociedade contemporânea
incorpora igualmente a noção de cultura operacional, entendida como aquela que o indivíduo
passa a acionar no momento em que divide sua existência com diferentes grupos de pessoas,
em função da atividade que exercem em comum (Goodenough, 1971). Stuart Hall (1999)
evidencia a crise identitária por que passa a humanidade na era pós-moderna, em decorrência
do enfraquecimento do estado-nação, enquanto lugar privilegiado para construção dessas
identidades: se antes o conceito de indivíduo se apoiava na idéia de um sujeito “centrado,
unificado e definido” em relação a seu espaço sócio-cultural, atualmente uma profunda mudança
de ordem estrutural “está fragmentando e deslocando identidades culturais de classe,
sexualidade, etnia, raça e nacionalidade...”, fazendo surgir o que chamamos de diversidade
cultural e lingüística, a que estamos expostos atualmente. Estudando as relações de alteridade
em A Descoberta da América (2003), a fim de analisar o comportamento dos espanhóis face às
práticas indígenas, Tzvetan Todorov descreve os tipos de interação possíveis com o outro, a
saber: o plano axiológico, onde se operam julgamentos de valor; o plano praxiológico, onde se
pressupõe estar mais (ou menos) perto do outro, podendo assimilar ou não o seu padrão de
comportamento (submissão, imposição ou neutralidade); e o plano espistêmico, que implica em
conhecer ou ignorar o seu interlocutor (op.cit., 276). De acordo com o autor, para quem a noção
da diferença depende fundamentalmente do ponto do vista do interlocutor (aqui ou ), o
conceito de alteridade deve ser relativizado; aliás, a própria definição de ‘barbárie também é
passível de ser questionada, que “cada um é o bárbaro do outro; para sê-lo, basta falar uma
língua que esse outro ignora: para ele, será apenas um burburinho” (Todorov, 2003: 277).
Antônio Cândido denominou de dialética do localismo e do cosmopolitismo em
seu livro Literatura e Sociedade (1976: 131).
No âmbito da atividade artística, o Brasil manteve com a França uma
ligação de veneração e negação, de complexo e admiração, justamente por ter
esse país exercido uma predominância cultural durante pelo menos dois
séculos, chegando até meados do século XX. O mesmo Antônio Cândido
destaca o papel formador da França em nosso país a partir do início do século
XIX, comparando-o ao mesmo desempenho que as culturas clássicas de Grécia
e Roma teriam exercido sobre a Europa (2006: 13).
Analisando a questão da dependência cultural do Brasil, Mário Carelli,
especialista das relações interculturais Brasil-França, alude à oposição entre os
modelos importados, a que chamou de transplante, e a cultura local, concluindo
que o caráter brasileiro sempre esteve no centro do debate nacional, assim
como a expressão de um sentimento de brasilidade que, segundo ele, permeia
as relações culturais existentes no país. Conforme assinala Carelli, desde o
período colonial, a mimetização da cultura européia foi recorrente entre as
classes dominantes no Brasil, como, de resto, acrescenta José Ramos
Tinhorão:
“Poetas e pensadores imitavam o arcadismo e o neoclassicismo português
(até a troca do romantismo francês), os músicos a ópera italiana, os
revolucionários o ideal republicano de 1789 e, mesmo quando em 1816 D.
João VI resolveu organizar os estudos das artes (que incluía a arquitetura, o
paisagismo e a mecânica) começou por contratar em Paris uma Missão
Artística Francesa” (Tinhorão, 1998: 209).
Entretanto, na opinião de Carelli, a sociedade brasileira, mesmo na
qualidade de “cultura refletida” (expressão sua) por modelos importados
europeus, sempre definiu seus próprios conceitos por meio de traços de
originalidade. Para ele, “a tensão entre os modelos importados e as traduções
nacionais, contemplando em parte a perpétua oposição entre cultura sábia e
expressão popular, jamais impediu a sua reapropriação simbólica” (Carelli,
1994: 179).
Carelli - para quem o sentimento de uma nacionalidade no Brasil teve seu
início a partir do Romantismo, atingindo o ápice no Modernismo - , declara que
a intelectualidade brasileira, mesmo pouco à vontade face à dependência, não
escapa a essa mediação. Assim, entre outros aspectos, a influência francesa se
faria notar pelo ideal republicano brasileiro, fundado em concepções filosóficas
francesas. Para o autor, os primeiros mediadores de uma consciência nacional
foram Victor Hugo para quem o romantismo representava não apenas um
movimento estético, mas a urgência por transformações sociais - e Auguste
Comte, cuja filosofia positivista esteve no cerne do discurso nacional brasileiro,
na cena política, e na história da República
23
. Neste sentido, vale lembrar que,
Noel Rosa comporia, em 1933, o samba Positivismo (CD 1, faixa 2), reiterando,
ainda que ironicamente, a ligação cultural entre os dois países:
O amor vem por princípio
A ordem por base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim
As autoras Eurídice Figueiredo e Paula Glenadel, organizadoras do livro
O francês e a diferença (2006), reforçam a idéia da procura de uma identidade,
atualizando a discussão. Em recente artigo intitulado “O Estatuto do Francês no
Mundo de Hoje: a diferença por vir” (2006, 11-26) assinalam que o olhar do
outro adquire relevância maior em nosso país, uma vez que o Brasil, “enquanto
fruto da colonização européia, sofreu a influência de forma diversificada de
vários países e ainda é difícil definir nossa identidade nacional que, ao longo
da história, fomos vistos de fora para dentro” o que, em outras palavras, implica
em dizer que somos, de certa forma, resultado de sonhos e utopias
estrangeiras, assim como toda a América (2006 :11-12). Figueiredo e Glenadel
23
Entre as inúmeras influências, Carelli cita os poetas Castro Alves e Gonçalves Dias, que teriam
se espelhado em Victor Hugo, assim como, posteriormente, Machado de Assis. Ainda segundo o
autor, o projeto nacional advindo do movimento romântico esteve presente não apenas na criação
literária, mas também na composição musical ou na criação arquitetônica, caso da Academia
Brasileira de Letras, de inspiração nitidamente neoclássica. Menciona, por exemplo, a
nacionalidade ambígua do projeto musical de Carlos Gomes, que, embora coloque em cena um
índio brasileiro cantando em italiano, teve o mérito de conferir projeção internacional à jovem
nação em vias de construir uma identidade para si (Carelli, 1994: 147).
sublinham ainda o caráter muitas vezes inconsistente deste processo de
aculturação e de subserviência cultural, que atingiu o ápice da idolatria em
Joaquim Nabuco, acrescentando:
“A presença francesa também produziu uma alienação, particularmente
devido à sua pretensão universalista, que levava a uma espécie de
aniquilamento dos povos dotados de um lastro cultural diferente. Como se
ambicionava atingir aquele universalismo ideal, imitava-se, ou seja, o
mimetismo alienante e despersonalizante era a resposta possível naquele
momento histórico. A produção local era considerada subalterna, regionalista,
provinciana, ou de segunda classe” (2006: 14).
O exemplo notório de Joaquim Nabuco, o intelectual que não se encontra
em lugar nenhum, porque “oscila entre a ausência do mundo e a ausência do
país”, é igualamente referido pela historiadora Lúcia Lippi Oliveira em seu artigo
“Identidade e alteridade no Brasil: o contraponto norte-americano” (2004), para
quem o pensamento social brasileiro e a mentalidade do Brasil letrado
estiveram quase sempre voltados para a Europa e, mais recentemente para os
Estados Unidos (Oliveira, 2004: 92).
Buscando desvencilhar-se de toda a dependência cultural européia, a
Semana de Arte Moderna
24
estabelece uma ruptura radical em relação aos
padrões estéticos vigentes: desse modo, “os discursos sobre a identidade (o
estado, a condição, o sentimento de ser brasileiro) multiplicam-se, tomam
freqüentemente a forma de manifestos elaborados pelas diferentes correntes
artísticas das vanguardas do momento” (Carelli, 1994:175). Trata-se então,
conforme expressão conhecida, de “abrasileirar” o Brasil. Neste sentido, a
música popular prenunciva transformações, não apenas pelos ritmos
populares que cultivava (o maxixe, a marcha, o samba) como também pela
forma de dizer e entoar, fazendo aflorar uma dicção própria, original (Tatit,
2004: 173).
24
O conceito estético do Modernismo inicia-se através da atividade crítica e literária de Oswald
de Andrade, Menotti del Picchia, Mário de Andrade e outros artistas que, sintonizados com os
movimentos de vanguarda europeus, vão se conscientizando do tempo em que vivem. Oswald
de Andrade, em 1912, referia-se ao Manifesto Futurista, de Marinetti, que propunha “o
compromisso da literatura com a nova civilização técnica” (Teles: 1977: 83-93).
Baseados a princípio nas tendências européias, os modernistas acabam
por criar um movimento totalmente original, de valorização de uma cultura
primitiva, questionando inclusive os valores e conceitos estéticos europeus.
Mário de Andrade, em seu Ensaio sobre a Música Brasileira, publicado pela
primeira vez em 1928, rechaça, por assim dizer, o olhar europeu, qualificando-
o de “falsificação da identidade brasileira” (Andrade, 1962: 14). Oswald de
Andrad, por sua vez, alerta para a valorização das raízes nacionais que,
segundo ele, deveria ser o ponto de partida para os artistas brasileiros
25
. Assim,
cria movimentos como o Pau-Brasil (1924), escreve para jornais expondo suas
idéias renovadoras juntamente com outros grupos de artistas que se unem em
torno destes novos conceitos. O ápice de sua proposta estética revolucionária
virá com o Manifesto Antropofágico (1928). Publicado na Revista Antropofagia
(1928), propunha a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua
reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em
exportável. Para a questão da subserviência econômica, social e cultural,
Oswald de Andrade declara em seu Manifesto Antropófago
26
(1928):
“Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos
Direitos do Homem” (Andrade:1978:14).
Em outras palavras, significa dizer que, sem o mito do “bom selvagem”,
sem os índios brasileiros, o filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau não teria
influenciado a declaração dos Direitos do Homem
27
. Desse modo, existe o
remédio ou o veneno devorador que deglute o outro, antídoto que também cura
e nos redime da dominação; o matriarcado e a subjetividade antropofágica
25
Discutiremos, mais adiante, a interaçao entre os intelectuais brasileiros e franceses.
26
O nome do manifesto recuperava a crença indígena de que, ao comer o inimigo, os índios
antropófagos estariam assim destruindo-o e assimilando suas qualidades. A idéia do manifesto
surgiu quando Tarsila do Amaral, para presentear o então companheiro Oswald de Andrade,
ofereceu-lhe como presente de aniversário a tela Abaporu (aba = homem; poru = que come).
27
A esse respeito, novamente as autoras Figueiredo e Glenadel esclarecem: “A visão do bom
selvagem, que vive em uma terra paradisíaca, com suas próprias regras morais, sem se
interessar por riquezas ou poder, teria sido a fonte de Erasmo no Elogio da Loucura (1509), de
Thomas Morus em Utopia (1516), de Voltaire ao descrever o Eldorado de Candide (1759), de
Jean-Jacques Rousseau, a partir do Discours sur les Sciences et les Arts (1750). Enquanto
filósofo iluminista Rousseau está na origem da Revolução Francesa e, portanto, da Declaração
dos Direitos do Homem. [...] O igualitarismo desemboca no marxismo, que explode na
Revolução Bolchevique. Por outro lado, o mito do bom selvagem está na origem do romantismo
(sobretudo em sua versão indianista), sendo que o surrealismo pode ser encarado como uma
continuidade do romantismo. Assim, Oswald inverte as velhas hierarquias e, como um piparote,
muda a ordem de valores” (2006: 17-18).
resolvem a questão da alteridade e do complexo, por meio da absorção (e
eliminação) das qualidades desse outro. Interessante notar que o conceito da
estética antropofágica - retomado muitos anos depois com o movimento
tropicalista (1967) - ao fornecer uma solução metafórica para a questão da
dependência cultural, será inconscientemente abordado na canção popular, na
medida em que os sambas e marchas também “deglutem e devoram” o
estrangeiro europeu, notadamente o francês, sua língua e sua cultura, por meio
de paródias, levando, de certa forma, o debate da identidade cultural para as
ruas.
No que se refere à música popular, o modernismo, ainda que colocasse o
sentimento de brasilidade na pauta de suas discussões, não percebeu sua
envergadura. Salvo em alguns casos isolados, como Mário de Andrade e
Manuel Bandeira (poetas) e Villa-Lobos (músico), pouca importância deram à
música urbana negra praticada no Rio de Janeiro - então considerada arte
menor, quando não totalmente desconsiderada. Entretanto, embora
constituíssem fatos isolados, é possível se verificar um fenômeno de
sincronicidade entre o samba que se desenvolvia no Rio de Janeiro e o
movimento modernista que acontecia em São Paulo. Enquanto busca de uma
identidade brasileira, o samba encontra paralelismos com a proposta estética
da segunda fase do movimento (1924), quando este se volta para as coisas do
Brasil. Do ponto de vista estilístico, os modernistas empreenderam a subversão
dos gêneros literários, transformando poesia em prosa e vice-versa, cultuando a
liberdade e a dessacralização da língua; negaram os padrões lingüísticos
portugueses, adotando a fala coloquial, o uso de expressões corriqueiras do
dia-a-dia, a transgressão à gramática, a transcrição do ritmo da fala e a
valorização do humor
28
(Cândido/Castello, 1977: 10-11) .
Para Affonso Romano de Sant’Anna, o primeiro crítico literário a abordar
o tema, os modernistas, de fato, pouco se interessaram por música popular em
28
Sobre a introdução do humor na poesia, os autores Antônio Cândido e José Aderaldo Castello
destacam: “É preciso assinalar que o humorismo não era considerado elemento aceitável pela
‘poesia tradicional’. Uma das grandes conquistas dos modernos foi introduzi-lo sob a forma de
ironia ou de paradoxo, utilizando-o como instrumento de análise moral, aprofundamento das
emoções, senso de complexidade do homem e do mundo” (Cândido/Castello, 1977: 21).
seus ensaios; no entanto, o autor observa certa similaridade de temas e
técnicas entre a estética modernista e a estética do samba, pontuando:
“Apesar dessas anotações, n 8Ól€EIÐ
condizente com as melodias propostas pelos músicos de então (Tatit, 2004:
129). Em outras palavras, os sambistas encontraram as mesmas soluções
estéticas teorizadas pelos modernistas: o emprego do texto coloquial, a
simplicidade, o verso livre, a valorização da modernidade e da tecnologia. Ao
trazer o humor para o samba, incorporando a sátira, a paródia e a ironia – que,
neste caso específico, inside sobre a cultura e a língua francesa - , pode-se
dizer que os autores de música popular realizaram a Antropofagia, tão cara a
Oswald de Andrade.
Santuza Cambraia Naves também nos relembra o caráter prosaico da
linguagem, comum aos dois “movimentos” que, segundo ela, teria como uma de
suas raízes a conversação francesa praticada no Antigo Regime nos salões
aristocráticos da França, onde a linguagem culta e empolada era satirizada
30
. A
comparação é pertinente, sobretudo no que diz respeito às marchinhas de
carnaval e aos sambas. A autora compara, aliás, a canção popular brasileira a
uma versão atualizada dos gêneros populares medievais estudados por
Bakhtin
31
, como a fábula, a memória literária e sobretudo a sátira menipéia:
“Acredito que a canção popular, que tem como característica definidora a
difusão pelos meios de comunicação de massa, seja a contrapartida
contemporânea mais expressiva, em termos de recepção, desses gêneros
populares antigos. A flexibilidade que a caracteriza [...] permite-lhe captar
falas e prosódias em constante mutação, e comentar, de maneira jocosa,
satírica ou parodística, tanto acontecimentos públicos quanto banalidades da
vida privada” (Naves, 2004: 82).
30
Nas palavras da autora: “A dicção profana que se instaura na França permite a manifestação
do humor e do prosaico. O registro elevado torna-se alvo de paródias, enquanto os aspectos
banais e pouco edificantes da cidade são assumidos, principalmente os associados à vida
boêmia dos cafés-concerto, dos bas-fonds, além de outros ruídos urbanos e suburbanos que se
fazem ouvir nas feiras, nos circos e demais espaços populares. Sofisticação e despojamento
atuam juntas, criando uma sonoridade polifônica, flexível e aberta a uma constante atualização
[...] Este exercício da conversação à francesa, que se desenrola na vida privada e prescinde, de
certo modo, dos compromissos da vida pública, também é bom para pensar as condições e os
universos próprios dos nossos músicos populares, lançando uma ponte, pavimentada pela
simplicidade, entre eles e os literatos modernistas anteriormente mencionados” (Naves,
1998:86).
31
Esses conceitos de Mikhail Bakhtin foram apresentados em Problemas da poética de
Dostoiévski (1981) e Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento (1987)e serão
observados no discurso ao tratarmos do humor e da carnavalização da língua e da cultura
francesas.
Ainda segundo a autora, o culto à simplicidade dos músicos populares se
deve, por um lado, à interpretação das novas sonoridades provocada por um
processo de modernização, como o rádio, o microfone e as técnicas de
gravação - tese defendida por muitos estudiosos de música popular - e, por
outro, à diversidade de estilos praticada no Rio de Janeiro que, àquela altura,
transformava a cidade tanto num prolongamento da província quanto numa
extensão de Paris, onde os segmentos da classe média tendiam a receber
progressivamente a influência norte-americana com o surgimento do cinema
falado e de outras tecnologias (Naves, 1998:88). A pesquisadora refere-se aos
autores de música popular como verdadeiros artífices da modernidade, que, ao
aliarem a linguagem musical à simplicidade da fala cotidiana, buscando uma
diversidade temática voltada para a transitoriedade da vida, foram capazes de
incorporar os novos estilos cultuados no Rio de Janeiro e de lidar habilmente
com os meios de comunicação que surgiram no período:
“Assim as narrativas históricas enfatizam um corte, no final dos anos 20, com
o padrão cultural que vigorava desde o início do século visualizando um
momento de transição de um registro mais atado à sensibilidade rural para
uma estética de conformação aos padrões urbanos que se delineavam. Um
dos instrumentos mais importantes para a realização dessas mudanças teria
sido o dio, que passou a veicular a música que a população negra
começara a desenvolver, a partir dos anos 20, nos morros do Rio de Janeiro,
pouco consumida até então por outros segmentos da cidade” (op.cit.,
1998:89).
Desta forma, o compositor popular pôde abraçar uma gama de assuntos
corriqueiros, cômicos ou banais - tarefa exercida pelos gêneros populares na
Antiguidade e na Idade Média - enriquecendo ãSÐ, àa obúIÐane
de um projeto de nacionalidade, com a construção de uma tradição: o mito de
um país mestiço, conforme comenta o etnomusicólogo Hermano Vianna. Para
ele, “a pré-cultura de massa não demorou muito para carnavalizar os
ensinamentos da Vanguarda paulista” (Vianna, 1995:22). Cabe reputar aos
franceses a sugestão de um “voltar-se para dentro”, buscando a valorização de
uma cultura nacional. Neste sentido, segundo o autor, a influência do olhar
francês, embora dúbia, é digna de relevância, assim como o diálogo mantido
entre artistas franceses de vanguarda, músicos intelectuais e sambistas
brasileiros.
Uma história intercultural pressupõe idas e vindas, encontros e
desencontros, empréstimos, fusões e apropriações. Se houve empréstimos por
parte da França, pode dizer-se o mesmo em relação ao Brasil. No campo
musical, por exemplo, convém lembrar que, na Proclamação da República,
cantou-se literalmente a Marselhesa, hino oficial francês que, por sua vez,
inspirou a criação por Leopoldo Miguéz do hino republicano (1889),
apresentando variações sobre La marseillaise”, como assinala Mário Carelli
(1994: 163). É importante destacar ainda que uma das primeiras contribuições
européias à música popular brasileira é de origem francesa. Em 1869, após a
turnê da peça Les Pompiers de Nanterre no Teatro Alcazar Lyrique, estréia no
Teatro Fênix Dramática teatro concorrente - a revista musical Pereira
Carnavalesco parodiando a peça trazida pela troupe parisiense; a fanfarra e a
melodia original de abertura do espetáculo francês foram adaptados e, anos
mais tarde, a composição, com letra em português, acabaria se transformando
no verdadeiro hino do Carnaval brasileiro (Tinhorão, 2004: 229):
Viva o Zé Pereira
32
Pois que ninguém faz mal
E viva a bebedeira
Nos dias de Carnaval
Zim, balalá! Zim, balalá”
E viva o Carnaval!
32
O aparecimento do “Zé Pereira”, espécie de fanfarra carnavalesca, é atribuído ao português
José Nogueira de Azevedo Paredes, muito provavelmente o introdutor do hábito de se tocar, em
festas e folguedos de carnaval, ao som de bumbos, zabumbas e tambores (Tinhorão, 1991: 116).
2. A Paris Tropical da Belle Époque
A maioria dos historiadores é unânime em afirmar que, na passagem do
século XIX para o século XX - período que abrange a proclamação da
República (1889) e o final da Primeira Guerra (1918) e que correspondeu à
chamada Belle Époque européia - a cidade do Rio de Janeiro passava por
profundas transformações de ordem política e econômica que mudariam o perfil
sócio-cultural da cidade: o ideal republicano e a abolição da escravatura (1888)
davam ao país o status de uma “nação civilizada”, os processos de urbanização
e industrialização aceleravam-se com o surgimento de uma classe média e um
proletariado urbano (Ortiz, 1994:40), abrindo caminho para a criação de um
mercado consumidor, ainda que inicialmente pouco significativo.
A reforma urbana do então prefeito Pereira Passos
33
na primeira década
do século reestrutura (e desestrutura) o sistema habitacional do centro da
cidade, abrindo avenidas e forçando seus habitantes a se deslocarem para a
região mais próxima, o bairro Cidade Nova (Bessa, 2005: 17) cuja população
crescera demasiadamente com a presença dos migrantes vindos da Bahia,
provocando um nítido processo de exclusão. Para Nicolau Sevcenko, foi sob o
mandato de Rodrigues Alves que se conseguiu a estabilidade do regime, das
finanças e das conexões internacionais, e se realizou o “saneamento da cidade”
( Sevcenko, 1992, 254-255).
As máquinas se encarregavam da produção em série e os reflexos da
revolução industrial se faziam notar: as lojas se espalhavam, os jornais se
modernizavam rapidamente, lotavam-se teatros e cafés-concerto. No mundo
inteiro, o público consumidor crescia consideravelmente, a obra artística
massificava-se, fazendo avançar uma indústria cultural que acabaria por
modificar o próprio conceito de Arte, acessível a um número cada vez maior de
pessoas. Além dos jornais, do romance e do folhetim, são fundamentais para a
33
Entre 1903 e 1906, sob o mandato do então presidente Rodrigues Alves (1902-1906), a capital
do país teve como prefeito o engenheiro Francisco Pereira Passos, que estudara em Paris e
tomara contato com o processo de reurbanização empreendido por Haussman. As idéias
arquitetônicas de Pereira Passos satisfaziam os anseios do novo presidente, que, em seu
discurso de posse, prometera “atrair mais imigrantes, remodelar o porto do Rio de Janeiro e
reurbanizar a cidade’’ (Worms & Costa, 2002: 14).
consolidação da cultura de massa o teatro de revista, a opereta, o cartaz, enfim,
produtos industrializados caracterizados pela simplificação do teatro, da ópera,
da pintura, e pelo fato de o serem produzidos por quem os consome
(Tinhorão, 1982: 4). Conforme dissemos, o Rio de Janeiro assistia “ao
desenvolvimento e à proliferação de diversas modalidades de entretenimento
pago fortemente associado à tecnologia de reprodução da imagem e do som,
como o cinema, a indústria fonográfica, o comércio de partituras e a imprensa
especializada” (Bessa, 2005: 17).
Referindo-se especificamente a esse momento de transição - a
passagem do Império para a República, e do mundo rural para o mundo urbano
Maria Alice Rezende de Carvalho alude a certos particularismos da cidade do
Rio de Janeiro - ex-sede do Império e capital administrativa do recém-fundado
governo republicano cuja modernização em nada se parecia com a
aristocracia rural do Nordeste, centrada na figura do senhor de engenho, nem
com a aristocracia de negócios de São Paulo, responsável pelo estreito contato
entre a fazenda de café e a indústria (Carvalho, 2004: 40). Para a autora, a
cidade apresentava uma configuração social distinta; as camadas sociais
formadas sobretudo por negros e mulatos que ali viviam, por não estarem
submetidas ao jugo senhorial, tampouco às obrigações impostas pelas fábricas
de São Paulo, acabaram por desenvolver uma cultura viva e genuína “a
contrapelo das referências européias que seguiam conformando o clima
espiritual dos brasileiros ricos” (op.cit., : 40).
Ao discorrer sobre a vida cultural no Rio de Janeiro durante esta fase,
José Ramos Tinhorão estabelece um paralelo entre a transformação do regime
político, da monarquia para a República, e as mudanças econômicas do país,
que passava da esfera de influência do capital inglês para a do capital norte-
americano. Assim, os reflexos culturais seriam sentidos, ainda que lentamente:
se até então havia predominância lingüística e cultural francesa, que se
sustentaria pelo menos até a Primeira Guerra Mundial, esses novos
acontecimentos econômicos e culturais trariam consideráveis modificações a
esse universo, embora pouco perceptíveis naquele momento (Tinhorão, 1998:
207).
Ainda de acordo com Tinhorão, este fato provocaria reviravoltas musicais
significativas, pois à supremacia dos capitais ingleses, no Brasil desde 1808
com a chegada de D.João VI, corresponderia a influência francesa,
musicalmente representada, durante o I e II Impérios, por valsas, polcas,
schottichs, mazurcas e quadrilhas, ritmos vindos de Paris. Porém, com a
entrada dos capitais norte-americanos, a partir da I República, as tendências se
alteram, havendo a importação sucessiva de ritmos como o ragtime, o cake-
walk, o one-step, o two-step e o blackbotton. A partir da Primeira Guerra
Mundial aparecem os chamados ritmos dançantes, como o fox-trote e o
charleston e, no período Entre Guerras, percebe-se a predominância do
shimmy, swing, boogie-woogie, be-bop, ritmos que perduram até a II Guerra
Mundial
34
(Tinhorão, 1998: 207).
Uma vez que a vida cultural começava a oferecer ampla e variada
programação, atendendo a gostos e camadas sociais distintas
35
, cabe-nos aqui
entender melhor esse contexto, perguntando-nos como se dividia, se divertia e
o que ouvia a sociedade carioca. As camadas altas, no esteio da elite cultural
francesa, freqüentavam óperas estrangeiras e concertos no Teatro Municipal,
dançavam ao som de polcas, valsas e mazurcas, freqüentavam confeitarias de
luxo, enquanto a população masculina acorria aos bailes de maxixe, protegidos
pelos clubes carnavalescos; a classe média
36
divertia-se primeiramente nos
cafés-dançantes (ou cantantes) e nos chopes berrantes ao som de cançonetas,
e, obedecendo ao gosto da classe dia de Paris (cafés-concerto) e de
34
Para um estudo detalhado sobre o tema, consultar o capítulo “Classe média: da moda
francesa à música americana”, in José Ramos Tinhorão História Social da Música Popular
Brasileira (2004: 207-263).
35
Durante essa fase, a sociedade brasileira se repartia da seguinte maneira: a) no campo,
latifundiários, colonos e roceiros; b) nas cidades, a divisão era um pouco maior, correspondendo
à classe dominante (considerada de alto prestígio), à classe média, subdividida, por sua vez em
duas categorias, a dos profissionais liberais, militares de altas patentes e funcionários
graduados; e, ainda, a dos comerciantes, funcionários públicos civis e militares e trabalhadores
especializados c) por fim, a classe baixa ou subalterna, formada por trabalhadores não
especializados e subempregados (Tinhorão 2004, 208-209).
36
A classe média brasileira, ainda de acordo com José Ramos Tinhorão tendeu “a adotar os
modelos criados para o equivalente de sua classe nos países mais des ns Uú‘PUU¢CÊ
Londres (tavern music hall), consumia a comédia musical, o café-concerto, a
opereta, o romance folhetim; as camadas populares, por sua vez, iam a saraus
ao ar livre, festas de largo e ouviam músicas de rua. Assim, entre as camadas
baixas, destacam-se o batuque e a umbigada; os negros e mestiços
barbeiros, baianos ou cariocas, dedicavam-se ao estilo chorado de tocar, na
verdade, uma estilização com que negros e mulatos interpretavam valsas,
polcas e mazurcas, “nacionalizando”, no dizer de Tinhorão, esses ritmos
importados (Tinhorão: 2004: 20).
Nesse novo traçado da cidade do Rio de Janeiro, caberia à avenida
central (atual Av. Rio Branco), ocupar um lugar determinante para a instalação
de um complexo setor de entretenimento pago, como os teatros, cafés, casas
de chope e revistas teatrais, existentes desde a segunda metade do século XIX;
a partir do século XX, a avenida abrigaria ainda o cinema
37
, o teatro de
variedades - vaudeville - os teatros populares e o fonógrafo (Bessa, 2005: 18).
Foram, portanto, as salas de cinema-mudo, os teatros de revista, os
cafés-concerto, os salões de bailes e o próprio carnaval de rua os primeiros
veículos de divulgação da música popular, constituindo-se num excelente
mercado de trabalho para o músico brasileiro. Além disso, a introdução da
tecnologia de gravação em 1902, primeiramente em cilindro e depois em disco
78 rpm, através da invenção do fonógrafo e do gramofone, permitiu o
nascimento de uma indústria cultural que favorecia o mercado de música
popular. A primeira gravadora no Brasil, a Casa Edison, foi criada por Frederico
Figner em 1902. Se até aquele momento a atividade musical enquanto
profissão se resumia ao trabalho de edição e comercialização de partituras, a
partir de então, o músico popular pôde encontrar um novo mercado de trabalho.
Era necessário que houvesse material a ser lançado: esse seria a própria
música brasileira, com seus lundus, choros, maxixes e, principalmente, o samba
(Tatit, 2004).
37
Para Virgínia de Almeida Bessa (2005:18), “as salas de cinema foram as que alcançaram
maior sucesso, tanto pela nova tecnologia como pelo preço, acessível à maior parte da
população carioca”. Ainda, segundo a autora, no carnaval de 1908, o carro-alegórico da
sociedade carnavalesca Democráticos protestou contra a invasão dos cinematógrafos na cidade
(Bessa, 2005: 19).
É, pois, nesse contexto que por volta de 1870 surge na cidade do Rio de
Janeiro o ritmo do maxixe, com reflexos culturais consideráveis na passagem
do século.
3. O maxixe em Paris
“Dans les boîtes de Montparnasse et les cabarets de Montmartre, dans les
cafés et les restaurants des Champs Elysées et des grands boulevards, de la
Porte d’Orléans à la Porte de Clignancourt, de Saint Cloud à la Villette, les
orchestres ne cessent de jouer le tango brésilien, un peu défiguré par les
musiciens français qui ne réussissent pas à lui donner de relief voulu et
ignorent l’usage du chocalho, du reco-reco et de la cuíca” (Witkowski, 1992:
150) .
A canção popular, nascida com a República, tem na música de origem
negra uma de suas principais vertentes, sobretudo a partir do momento em que
foi abolida da economia a mão-de-obra escrava. Surgido, como dissemos, por
volta de 1870, o maxixe é o primeiro desses ritmos urbanos a tomar forma na
capital federal, tendo chegado em Paris no início do século XX.
Considerada a primeira dança urbana autenticamente brasileira, o
maxixe, de gestos audaciosos e passos requebrados e lascivos (Tinhorão,
1986: 58)
38
, nasceu da fusão entre a polca, a habanera (gênero espanhol) e os
ritmos sincopados de origem africana, como o batuque e o lundu
39
. Apareceu no
final do século XIX nos bailes da Saúde e Cidade Nova
40
, redutos de população
negra e mestiça. Na opinião de José Ramos Tinhorão, foi a primeira grande
38
Um dos estudos mais contundentes sobre o assunto é livro intitulado Maxixe, a dança
excomungada (1974), de autoria de Jota Efegê, embora possamos encontrar dados
significativos na obra de José Ramos Tinhorão. De andamento rápido, executado em compasso
binário, a dança tinha como passos coreográficos o requebro dos quadris, volteios, parafusos e
caídas, além de outros movimentos improvisados pelos dançarinos.
39
No dizer de Tinhorão, “representou a versão nacionalizada da polca importada da Europa pela
classe média, na primeira metade do século XIX”, ao penetrar nas novas camadas populares
surgidas com o incremento do trabalho livre (o tráfico de escravos fora proibido em 1850),
“coincidindo com o surto comercial e industrial resultante da aplicação de antigos capitais
negreiros e de novas rendas provenientes da cultura do café” (Tinhorão, 1986: 58).
40
O bairro da Cidade Nova surgiu por volta de 1860 “com o aterro da região pantanosa em torno
do Canal do Mangue. Em 1872 era o bairro mais populoso da cidade e também o bairro dos
divertimentos de fama [...]” para onde os homens de bem suspostamente iam se divertir
(Sandroni, 2001: 62).
contribuição das camadas populares do Rio de Janeiro à música do Brasil,
iniciada com o fim da escravidão. Originou-se do esforço dossicos de choro
em adaptar os ritmos dançantes da época aos volteios com que mestiços,
negros e brancos insistiam em dançar os passos de salão. Tratava-se, pois, de
uma adaptação livre e estilizada da polca, dançada nos salões aristocráticos,
feita pelos chorões que almejavam dar uma interpretação mais ritmada de todas
as danças da época
41
.
Os estudiosos nos chamam a atenção para as diferenças entre a dança
de par enlaçado (como a valsa e a polca), que teria surgido por volta de 1840
no Rio de Janeiro, e o lundu, de caráter coletivo, descendente do batuque e da
umbigada, praticado no interior do país, na tentativa de explicar como uma
poderia ter originado a outra. Concluem que, por uma questão de sincretismo e
mistura, ambas, lundu e polca
42
acabaram mesclando-se numa dança de
par: a polca-lundu, posteriormente denominada maxixe (Tinhorão, 1986: 63/
Sandroni, 2001: 69). Em estudo contundente, Sandroni (2001) percebeu uma
raiz comum denominada tresillo - assinalando as similitudes entre o maxixe
e alguns ritmos latinos e hispânicos (2001: 28-32).
Com o êxito alcançado nas festas de família e nos encontros dançantes
freqüentados por operários, o maxixe penetrou no teatro de revista e nos
clubes carnavalescos, contrariando as senhoras e os bons costumes da classe
média. Para fundamentar a hipótese de que as sociedades carnavalescas
seriam de fato as grandes divulgadoras da dança do maxixe, Sandroni recorre à
literatura da época, citando vários autores, dentre eles, Mário de Andrade, Raul
Pederneiras e Lima Barreto (2001: 64). Porém, segundo destaca, é sobretudo
por intermédio de um depoimento colhido por Villa-Lobos que se descobre um
certo sujeito apelidado de Maxixe que supostamente teria dançado o lundu de
um modo diferente:
41
Com a popularidade da polca, que passou a ser executada nas camadas mais baixas pelos
músicos do choro, logo se transformaria, por um processo de sincretismo natural a um povo
acostumado à mestiçagem, em polca-lundu. A polca havia introduzido a dança aos pares, mais
intimista; os negros e mulatos, por sua vez, não tardariam em acrescentar a esta os elementos
sincopados do batuque (Tinhorão, 186: 63).
42
Henrique Cazes também assinala o ano de 1845 como o da passagem das danças coletivas,
do tipo quadrilha, para as danças em pares e praticamente admite a mesma derivação. Para ele,
os músicos populares logo se apoderariam da polca, acrescentando a ela o sentimentalismo
português e a rítmica africana, características dos escravos (Cazes, 2005: 74-89).
“A maneira nova de dançar o lundu, que Villa-Lobos menciona, teria sido
provavelmente aprendida ou imitada, dos bailes da Cidade Nova , e
transmitida a círculos mais amplos através dos clubes carnavalescos”
(Sandroni, 2001: 64)
Os clubes carnavalescos - mais tarde chamados de sociedade - eram
antes de mais nada agremiações masculinas onde se discutia política e
carnaval. Tiveram papel preponderante na campanha abolicionista, tendo como
um de seus célebres freqüentadores o abolicionista José do Patrocínio.
Formadas por comerciantes, essas sociedades tinham o intuito de ensaiar as
danças com que se exibiriam no carnaval. Porém, a freqüência feminina era
formada sobretudo por meretrizes; daí a verdadeira aversão que as mulheres
tinham ao maxixe, freqüentemente associado à vida fácil. Curioso notar que as
mulheres que apreciavam a nova dança exibida nos teatros eram as mesmas
que lhe torciam o nariz nas ruas. Isso se explica, em boa parte, porque o
maxixe era cultivado justamente nessas agremiações carnavalescas, ao som de
bandas. Muitas vezes, a música era executada e dançada de maneira diferente
nos dois locais. A esse respeito, Carlos Sandroni assinala que os únicos locais
em que a sociedade oficial reconhecia este tipo de entretenimento, “em que os
grupos rebarbativos saíam na calada da noite e eram tolerados pela gente de
bem, eram o teatro de variedades e os clubes carnavalescos” (Sandroni, 2001:
63).
Porém o fato relevante para este trabalho é que o maxixe, dança de salão
tipicamente brasileira, ultrapassou as fronteiras nacionais, aportando em Paris
ainda na primeira década do século XX, concorrendo com os mais prestigiados
estilos dançantes como o jazz, o fox-trote e o tango. Durante os anos de 1910,
com o fim da Primeira Guerra Mundial e o sucesso dos chamados ritmos
frenéticos que naquele momento ocupavam os salões da capital parisiense, o
maxixe desembarca em Paris por meio de uma dupla de dançarinos brasileiros,
Os Geraldos (Geraldo Magalhães e Nina Teixeira, provenientes do teatro de
revista)
43
, para « mostrar aos europeus na primeira década do culo XX a
43
“Geraldo Magalhães (31/5/1878, Rio Grande do Sul ~ 11/7/1970, Lisboa, Portugal), dançarino
e cançonetista, iniciou sua vida artística no fim do século XIX no Rio de Janeiro, apresentando-
se no Salon Paris, na rua do Ouvidor. A partir de 1900, formando a dupla Os Geraldos com sua
dança do maxixe que, mais tarde, outros bailarinos - como Duque e Gaby
também exibiram de forma mais sofisticada como tango brésilien » (Tinhorão :
1991 : 22).
O fato é igualmente observado pela pesquisadora francesa Ariane
Witkowski para quem o verdadeiro maxixe será apresentado ao público francês
por essa dupla, que se apresentara em 1908 no Teatro Marigny e,
principalmente, por intermédio de um baiano, dentista de profissão, mas
excelente bailarino e freqüentador da noite parisiense que, por sua elegância,
fora apelidado de Duque (1992: 147-169).
Em seu artigo “De la Matchiche à la Lambada, présence de la musique
brésilienne en France” (1992: 147-169), Witkowski examina a repercussão da
música brasileira na França, tendo como ponto de partida dois ritmos
controversos: o maxixe, dança lasciva do início do século XX, e a lambada,
outra dança considerada erótica e licenciosa do final do mesmo culo
44
. A
título ilustrativo, explica que o ritmo deu seus primeiros passos em Paris em
1905, tornando-se um termo feminino, “La matchiche”, por intermédio de Borel-
Clerc (intérprete) e Mayol (autor) e que, além de ter recebido um tratamento
sonoro hispânico
45
, transformando-se em uma marcha espanhola (um paso-
doble), a melodia seria uma versão rearranjada de uma ária da ópera romântica
O Guarani, de Carlos Gomes, com a letra:
C’est la danse nouvelle,
Mademoiselle,
“partner” castelhana Margarita, exibia-se em casas de chope e cafés-dançantes da Lapa, além
de teatros da praça Tiradentes, como o Moulin Rouge e Maison Moderne. Por volta de 1905,
forma nova dupla com a gaúcha Nina Teixeira. Apresentaram-se também fora do Rio de Janeiro,
como em 1902, contratados para a inauguração de um café-concerto em Santos, SP. Em 1908 a
dupla inicia sua carreira internacional, viajando ao México e à Europa. Em 1909, na França,
lançam o tango-chula (um maxixe) Vem mulata, de Arquimedes de Oliveira e Bastos Tigre,
gravado pela dupla três anos antes.
44
A pesquisadora assinala que a história da música popular brasileira na França é marcada por
iniciativas, em alguns casos, sujeitas a malentendidos e deformações, citando como exemplo a
própria história do maxixe na capital parisiense, que se vale de ingredientes próximos aos que
entraram na criação da lambada : dança erotizada, adaptada à estética francesa, tendo a
presença de um mediador, o nome de um ritmo transformado em título, a retaliação da igreja e a
consagração internacional. Ariane defende ainda a idéia de que a lambada foi um produto
híbrido inteiramente fabricado na França, uma operação de marketing com finalidades
publicitárias, cuja operação comercial é sem precedentes no país (Witkowski, 1992: 147-169).
45
Neste sentido, consultar Carlos Sandroni (2001: 28-32).
Prenez un air canaille,
Cambrez la taille.
Ça s’appelle la matchitche
Remuez vos michez (Ça vous aguiche)
Ainsi qu’une Espagnole
Joyeuse et folle (Des batignolles)
A mesma melodia, no vaivém daquilo que Ariane chamou de “efeito
boomerang”, foi novamente reapropriada pelos cariocas, que produziram um
pastiche para o carnaval de 1907, tendo como mote a prisão de Carleto e Roca,
dois bandidos da cidade do Rio de Janeiro (Witkowski, 1992: 148). Porém, o
autêntico maxixe chegou efetivamente à França em 1908 pelo duo Os
Geraldos, que, de volta ao Brasil, registraria em 1909 pela Odeon e para a
Casa Edison A crítica do maxixe francês (CD 1, faixa 1), satirizando as
dificuldades dos parisienses em se adaptar à nova dança.
Pelo que se pode inferir, os malentendidos não ocorriam apenas pelo
lado francês. Embora a letra da canção apresente o ritmo do maxixe e o jogo
erótico de certo modo inerente ao gênero, trata-se de uma cançoneta, estilo em
voga no início do século XX, bem diferente do ritmo sincopado e dançante
empreendido pelo maxixe que se quer descrever.
Ao som de piano e voz e interpretada em estilo recitativo e tom jocoso,
por dois cantores-atores, A crítica do maxixe francês revela sem rodeios, o que
representou o nero no início do século: uma dança de caráter dúbio,
revestida de erotismo muitas vezes chulo, com forte repercussão nas
sociedades brasileira e francesa. Como uma crônica social, mostra a
curiosidade da França (e dos franceses) pelo novo ritmo brasileiro,
ridicularizando, ao mesmo tempo, a incapacidade do povo francês em aderir à
dança:
Lá na capital da França
Onde o progresso avança
Não há francês que não capri ... i ....che
Em dançar [no meio] do maxi...i...xe
E o [rondó] do sa ...am ...ba
Mas de tal forma que em riso
Transformava o piso
Ao som de [tanto/tango] dissidência
E o canto ....
Segundo José Ramos Tinhorão, a cançoneta, herdeira da chansonette
francesa, caracteriza-se pela teatralidade, tendo como um de seus principais
atributos o duplo sentido, como assinala o autor:
“Nesses cafés-cantantes dominava no início do século XX, como lembraria o
memorialista carioca Luiz Edmundo, a cançoneta montmartroise, sobretudo a
que se acomodava à tendência patrícia pelo double sens, chula, maliciosa ou
pornográfica” (Tinhorão, 1998: 219).
A análise da letra vem ao encontro do que foi exposto anteriormente.
Logo no início, o narrador-enunciador assinala a uma suposta platéia que
Paris, a capital da modernidade, “onde o progresso avança, prestigia o maxixe,
ainda que os franceses, um tanto desajeitados e pouco afeitos ao ritmo, sejam
objeto de escárnio por aqueles que observam “ao som de tanta dissidência
...em riso transformar-se o piso”; em outras palavras, informa-nos que, da dama
ao pivete, os bailarinos terminam por dançar “valsa” no afã de requebrar (v.
anexo).
Enquanto narra, o sujeito enunciador se dirige a uma dama, sua partner,
supostamente francesa (enunciatário). Ambos, monsieur e madame são
personagens, representantes e testemunhas da nova dança de salão. No plano
da enunciação, madame é sempre evocada quando se quer salientar o êxtase,
o gozo, como na passagem:
- Ah, oui, madame, c’est très bon !!!
Percebe-se que o narrador-enunciador de fato comenta a forma com que
os franceses se lançam ao maxixe. Entretanto, à medida que a canção
caminha, observa-se uma mudança de sentido e de projeto: se até a sexta
estrofe, os passos, giros e volteios são relatados, a partir daí, tem-se no texto
uma ambigüidade, fortemente caracterizada pelo uso de expressões de dupla
conotação, que jogam com os sentidos literal e figurado, tais como “passando a
língua”, “mamar”, “afã”, “deitar em alegria”, “sentir prazer”, “ai, ai, ai”, “com a
língua aos pulos”, “ah, oui, madame, c’est très bon, oui”.
Com esse dúbio discurso, o enunciador compõe a cena que acontece no
salão - a sala de dança do maxixe, muito próxima da descrição de um cabaré
ou um prostíbulo - devassando e apresentando outras atrações que porventura
estivessem ocorrendo em outros cômodos/compartimentos, fora da esfera
circunscrita pelo universo da dança, como nos demonstra a seguinte estrofe:
Pensar no entusiasmo
Que até me causa pasmo
Ter as crianças a mamar
E o maxixe a dançar
A hipótese pode ser comprovada pelo emprego de um léxico que evolui
da dança o requebrado, o rondó, o tango, a valsa, o minueto - ao ato sexual,
num erotismo que se deixa entrever pelo campo semântico que oscila entre a
denotação e a conotação, em geral apelando para os sentidos: sem demora,
saco fólico, afã, cangá, coquete, pivete, noite, dia, alegria, entusiamo, pasmo,
língua, prazer, alarido, marido, geringonça etc. As ações e seqüências verbais
também evoluem de um sentido para outro, num crescendo sensual : avançar,
caprichar, dançar, transformar, adivinhar, querer, ir, cantar, (não) ver/enxergar,
dançar, (re) quebrar, passar a língua, espinotear, deitar, pensar, deixar, mamar,
dançar à francesa, sentir prazer, (não) ver, ceder, ser preciso, demorar (lá), vir
(cá), ser, fazer, não saber (domínio do fazer). Deste
acordo com a classificação de Luiz Tatit, trata-se de um processo
predominantemente de figurativização, próximo do diálogo, seguindo um
percurso entoativo
46
de tom irônico. Também não se observam muitas
alterações no ritmo ou na velocidade; uma vez apresentadas as três estrofes,
estas se repetem, com pequenas variações entre si, sendo a segunda sempre a
mais tensa, com notas mais agudas. No entanto, quando a canção se reporta
aos passos da dança, aos gestos sensuais bem como aos sons de prazer,
verificamos um processo (residual) de tematização; o gozo é reiterado pelo uso
de interjeições (ai, ai, ai / ah, oui, madame!). O estado parece ser mais eufórico
do que disfórico. Estaria o sujeito enunciador em harmonia com o objeto? De
fato, o percurso nos sugere, como foi dito acima, que o sujeito se encontra,
portanto, em plena consonância com o seu objeto.
Neste caso, não houve indícios que pudessem nos levar a uma
preocupação em relação à afirmação de uma identidade cultural; apenas o
anúncio do sucesso deste ritmo na capital parisiense. O povo francês, embora
ridicularizado ( não se vêem exóticos), é beneficiado por esta dança erótica,
onde se faz de tudo um pouco. Assim, por meio de uma cançoneta, obtivemos
o retrato do que foi a dança do maxixe na passagem do século XIX para o XX.
3.1. Samba, marcha e maxixe
“Entrevistador: Qual é o verdadeiro samba?
Donga: Ué, samba é isso há muito tempo:
O chefe da polícia
Pelo telefone
Mandou me avisar
Que na Carioca
Tem uma roleta para se jogar...
Ismael: Isso é maxixe!
Donga: Então o que é samba?
46
Embora seja uma canção teatral” com estrutura próxima da fala, nota-se um procedimento
poético que apresenta versos e rimas, como por exemplo: França/ avança ; capriche/ maxixe;
riso/piso; tango/canto; agora/demora; coquete/pivete; entusiasmo/pasmo; mamar/dançar ;
certeza/francesa.
Ismael:
Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas se é
Para fingir, mulher
A orgia, assim não vou deixar.
Donga: Isso é marcha!”
47
A discussão acima, entre Donga e Ismael Silva, realizada em depoimento
dos compositores no Museu de Imagem e do Som do Rio de Janeiro
partitions et les enregistrements brésiliens. Ce modèle s’est généralisé et a
défini la sonorité de la samba carioca dans sa version canonique”.
48
Tinhorão defende igualmente a idéia de que, assim como a marcha, o
“samba anônimo” batucado e gingado coletivamente surgiu com o
desenvolvimento do carnaval, para atender às camadas desfavorecidas que
ainda não possuíam um tipo de música própria que as representasse durante
os desfiles e comemorações. Paulatinamente, acabou atraindo sicos da
classe média que tinham acesso à “mídia” da época o rádio, também em sua
fase inicial - , vindo a ser difundido graças ao carnaval de rua e conclui:
“Ao contrário do que se imagina, o samba nasceu no asfalto; foi galgando os
morros à medida em que as classes pobres do Rio de Janeiro foram
empurradas do Centro em direção às favelas, vítimas do processo de
reurbanização provocado pela invasão da classe média em seus antigos
redutos” (Tinhorão, 1982: 5).
Assim sendo, analisar as origens do samba significa penetrar num
universo por onde circulavam idéias, ritmos musicais e misturas das mais
diversas. A necessidade de se conhecer a sua gênese se deve principalmente
ao fato de que o primeiro grupo de música popular a cruzar fronteiras chamou-
se Oito Batutas e foi legitimado em Paris, carregando em sua bagagem a
síntese da música popular brasileira, como atestam inúmeros estudiosos.
4. Vive la samba! : do batuque à batucada
“... pois enquanto o negro avança para o lugar público onde se faz
reconhecível e reconhecido, apropriando-se, mimetizando ou distorcendo a
seu modo formas de cultura branca de base européia, os políticos e
intelectuais brancos vão ao condomblé e apadrinham o samba,
reconhecendo nele uma fonte de autenticidade ‘nacional que os legitima”
(Carvalho, 2004: 42).
48
Essas idéias foram desenvolvidas e pormenorizadas no livro Feitiço decente: transformações do
samba no Rio de Janeiro (1917-1933), RJ, Jorge Zahar, URFJ, 1995. Optamos em apresentar o
resumo presente no livro Musique Populaire Brésilienne (Dreyfuss/org., 2005), mantendo
originalmente o francês, dada a concisão e clareza com que o autor as apresentou.
Ainda hoje pode-se dizer que o samba é unanimemente reconhecido
como um dos ícones culturais nacionais, síntese de um sincretismo que, se tem
suas raízes num amplo processo que se iniciou nas senzalas, por meio dos
batuques e reverências aos santos de religiões africanas, bem antes do fim da
escravidão, é também produto da mescla de vários ritmos e gêneros musicais -
rurais e urbanos, europeus e africanos - , da solidariedade e de acordos
estabelecidos entre diversos grupos sociais, e, acima de tudo, resultado da
necessidade de se inventar uma tradição cultural mestiça (Vianna: 1995: 20 )
para a jovem República que se iniciava em 1889
49
. No entanto, como relacioná-
lo, em sua origem, com a construção de uma identidade nacional?
É bem verdade que, como assinala Ênio Squeff (1983:51) , o gesto negro
foi incorporado à música a partir do momento em que começou a fazer parte
do setor produtivo, o que lhe permitiu adquirir visibilidade. Segundo o autor, em
trabalho sobre o nacional e o popular na música brasileira erudita, no instante
em que o gesto negro passou da condição de escravo à de mão-de-obra livre,
integrando novos setores da economia, acabou ocupando espaços na
paisagem sonora da cidade, seja como fonte de inspiração para os
compositores nacionalistas, que desenvolveram temáticas voltadas para o
universo do folclore, seja como sujeito criador de música popular, do qual o
choro e o maxixe
50
foram inicialmente duas de suas principais expressões.
Assim como o maxixe, o samba urbano foi criado no Rio de Janeiro
principalmente por migrantes afro-baianos em conjunto com músicos da
burguesia branca carioca, que tinham formação clássica e popular, vindo a se
tornar a música brasileira por excelência. Muitos fatores contribuíram para que o
49
O assunto, amplamente discutido em todos os trabalhos ligados à gênese da canção popular
urbana, adquire relevância ainda maior nesta pesquisa, uma vez que o principal grupo de música
popular brasileira, formado por aqueles que foram considerados os inventores do samba,
estiveram em Paris no ano de 1922, tendo seu trabalho reconhecido e legitimado pelo público
francês.
50
Ao tratar da inserção do tema do nacionalismo na cultura brasileira e principalmente na música
erudita, Ênio Squeff, em estudo contundente intitulado O Nacional e o Popular na Cultura
Brasileira trabalho que divide com José Miguel Wisnik defende a idéia de que não fosse a
abolição da escravatura e o conseqüente aproveitamento deste trabalhador, ex-escravo, no setor
produtivo, o gesto negro jamais teria tido o tratamento e a amplitude que acabou conquistando
(Squeff, 1983:51). Embora trate da música erudita, o paralelismo é pertinente, que a raça
negra, sua cultura, hábitos, gestos, ritmos e danças passam a ser referidos pelos compositores
de música clássica que buscavam no folclore e nas três raças formadoras do país o ideal
estético para suas composições.
samba fosse eleito o ritmo “genuinamente” nacional. O estilo se firmou
sobretudo a partir de 1930, no momento em que clara transformação no
modus vivendi da sociedade brasileira, que se industrializa e se moderniza,
colocando o negro no centro de um acalorado debate relacionado, conforme
dissemos, à identidade cultural.
Importantes acontecimentos marcam o seu nascimento: o início da
primeira guerra e, com ela, toda uma desestabilização política e econômica na
Europa; a explosão das vanguardas européias que apontam para uma estética
de rupturas, mudanças e experimentalismo (Sevcenko, 2001: 254); o processo
de urbanização acelerado, sendo São Paulo o exemplo mais emblemático; a
valorização de uma cultura da modernidade que passa a ser predominante.
Nicolau Sevcenko, ao abordar a situação da Europa durante a fase do pós-
guerra, refere-se a um pessimismo social, econômico e cultural, a um período
de descontinuidades e incertezas; com a Europa devassada, não havia motivos
para se enaltecer o mundo da razão, nem a cultura do continente: “Se a Europa
é passado glorioso e o presente do mundo, começa a fazer carreira a suspeita
de que a América seja o futuro” (Sevcenko, 2001: 254).
Diante de tantas transformações, a República procura uma fisionomia,
tendo à sua frente dois ideais: descobrir o Brasil e modernizá-lo a partir de sua
singularidade (Viana, 1995: 95). A supervalorização da cultura negra em Paris
naquele momento, como notara Sevcenko, repercute no Brasil de forma
contundente, justamente no período em que o país começa a discutir a
proposta de um Brasil mestiço como resposta tropical para a busca de um
sentimento de brasilidade: a autenticidade passa a ser o fundamento sócio-
político deste projeto. A crescente négrophilie européia nos anos 20 e o
aparecimento de várias figuras negras evocativas, como a sauvage Josephine
Baker” (Sevcenko, 2001: 255), são fatos que concorrem direta ou indiretamente
para a fabricação do mito de uma tradição cultural brasileira, tese defendida por
Hermano Vianna no livro O Mistério do samba (1995: 75-107).
De acordo com o autor, a eleição do samba como gênero nacional se
inscreve numa discussão - alavancada, de certa forma, pelo movimento
modernista - que tem como esteio a invenção de um projeto de nacionalidade
advindo de setores intelectualizados da sociedade brasileira que adotam a
cultura da mestiçagem como símbolo de um projeto cultural de nação, tendo na
década de 20 a sua gênese e seus principais desdobramentos nos anos de
1922, 1924 e 1926. Se até o início do culo a negritude era considerada um
aspecto negativo, colocando-nos em posição de inferioridade face à raça
européia, agora o elemento mestiço passava a ser enaltecido - sobretudo pela
figura do mulato - , ideologia sustentada principalmente pelas idéias de Gilberto
Freyre (Vianna: 1995: 75).
Ao observar os principais fatores ou mistérios, como nos sugere - que
teriam motivado a transformação do samba, fenômeno cultural da cidade do Rio
de Janeiro - outrora gênero “maldito” e por vezes perseguido pela polícia - ,
em ritmo nacional hegemônico, o autor defende a hipótese de uma verdadeira
verticalização social; assim, o samba seria o resultado de sucessivas
negociações entre as diferentes camadas sociais, as chamadas “alta” e “baixa”
culturas, e ainda, entre intelectuais e sambistas. Parte do princípio de que essa
tradição teria sido resultado de muitos encontros e acordos no seio da
sociedade brasileira, que era permeável, desde o bbPU€
filtradas através de biombos
52
, fenômeno também notado por Affonso Romano
de Sant’Anna (1986: 186).
Maria Alice Rezende de Carvalho, para quem a linguagem que se
requeria era a da integração dos diferentes públicos em uma única cidade, cita
o fato de que a partir da década de 20 estabeleceram-se vínculos mais sólidos
“entre as cidades das letras e sua amplíssimas margens sociais”, permitindo
que os padrões de escuta fossem praticamente os mesmos. A autora
menciona pelo menos quatro fatores que contribuíram para que a premissa se
tornasse uma realidade: a) a visita de jovens maestros (Villa-Lobos, Lorenzo
Fernandez) aos núcleos de choro e de música popular; b) a presença de jovens
da classe média nos casts das gravadores; c) a necessidade do arranjador
musical (Pixinguinha, Radamés Gnatalli); d) o momento político que favorecia a
valorização da cultura negra. E conclui:
“Se o Império constituíra o Estado-nação, deixando à República a tarefa de
instituir o povo-nação, os anos 1920 resolveriam dramaticamente esse tema,
trazendo-o ao centro da reflexão nacional. E a dinâmica deflagrada por esse
movimento atingiria também a cena artística das principais cidades do país, o
que explica a invasão de temas e ritmos da tradição oral brasileira na agenda
musical carioca” (Carvalho, 2004: 44)
Por outro lado, Carlos Sandroni (2005: 116), ainda que admita o trânsito e
a solidariedade entre as classes sociais, afirma existir uma matriz de raízes
predominantemente negras, cuja origem estaria na acomodação de diversos
gêneros musicais que se sucederam ou se complementaram ao longo do
tempo.
A origem do samba ainda é, de fato, controversa. Do ritual coletivo de
herança africana, o batuque, surgido principalmente na Bahia, ao gênero
musical urbano, nascido no Rio de Janeiro no início do século XX, muitos foram
os caminhos percorridos pelo gênero, que esteve em gestação por pelo menos
52
No dizer do autor: Outros indicadores do trânsito de sinais musicais filtrando-se através dos
biombos é a presença de artistas com informação erudita que se tornam mediadores da música
popular e que são admitidos por essa época nas salas de concerto. Em 1908, Catulo da Paixão
Cearense apresentou-ne no Auditório da Escola Nacional de Música; e, 1922, Ernesto Nazareth
em recital na mesma escola provocou tumulto com intenção policial” (Wisnik, 1983: 157).
meio século. Simbolizando primeiramente a festa, a dança, para anos mais
tarde se tornar composição musical, o samba - antes denominado semba foi
também chamado de umbigada, batuque, dança de roda, lundu, chula e partido
alto, muitos deles convivendo simultaneamente
53
.
De acordo com José Ramos Tinhorão, após a proclamação da República
a transferência da mão-de-obra escrava da Bahia (onde se cultivava a cana, a
algodão e o fumo) para o Vale do Paraíba (onde havia o plantio do café), a
abolição da escravatura e o posterior declínio do ca acabaram por liberar
grande leva de trabalhadores braçais em direção à Corte; além disso, a volta
dos soldados em campanha na Guerra de Canudos também elevou o número
de trabalhadores baianos na capital federal. Muitos desses soldados trouxeram
consigo as mulheres baianas, com as quais haviam se casado (Tinhorão, 1997:
88).
53
É quase consenso entre especialistas que a origem provável da palavra samba esteja no
desdobramento ou na evolução do vocábulo semba, que significa umbigo em quimbundo, idioma
praticado em Angola. A maioria dos autores registra primeiramente a dança, forma que teria
antecedido a música. O termo semba - também conhecido por umbigada ou batuque -
designava um tipo de dança de roda praticada em Luanda (Angola) e em várias regiões do
Brasil, principalmente na Bahia. Do centro de um círculo e ao som de palmas, coro e objetos de
percussão, o dançarino solista, em requebros e volteios, dava uma umbigada num outro
companheiro a fim de convidá-lo a dançar, sendo substituído então por esse participante. A
própria palavra samba já era empregada no final do século XIX dando nome ao ritual dos negros
escravos e ex-escravos. Assim se pronuncia Henrique Alves (Alves, 1976: 17): “Nos primeiros
tempos da escravidão, a dança profana dos negros escravos era o símile perfeito do primitivo
batuque africano, descrito pelos viajantes e etnógrafos. De uma antiga descrição de Debret,
vemos que no Rio de Janeiro os negros dançavam em círculo, fazendo pantomimas e batendo o
ritmo no que encontravam: palmas das mãos, dois pequenos pedaços de ferro, fragmentos de
louça, etc.. “Batuque” ou “Samba” tornaram-se dois termos generalizados para designarem a
dança profana dos negros no Brasil.” Há, no entanto, vozes discordantes que dão margem a
outras versões etimológicas: a autora de São Ismael do Estácio (Soares, 1985:88) menciona a
possibilidade de o vocábulo ter-se derivado da palavra muçumba, uma espécie de chocalho.
Também Mário de Andrade, em seu Dicionário Musical Brasileiro (Andrade, 1989:457) assinala
outras origens possíveis para o termo e para a dança. Segundo ele, o vocábulo poderia vir de
zamba, tipo de dança encontrada na Espanha do século XVI, além de mencionar o fato de que
zambo - ou zamba - significa o mestiço de índio e negro. A tese defendida por Teodoro Sampaio
(citada por Alves: 1976: 18) de que a gênese pudesse advir de termos como çama ou çamba
significando corda (ou a dança da corda) e de que este pudesse ser um ritmo gêmeo do
brasileiro samba é totalmente refutada por Henrique Alves (Idem: 1976:18) , dada a falta de
consistência de influências indígenas no teor da música e da dança, cuja característica é
eminentemente africana”. Ainda de acordo com Mário de Andrade (Idem, 1989: 454), a palavra
samba viveu um verdadeiro período de “ostracismo” no início do século, conhecendo variantes
coreográficas cultivadas por “brancos rurais” (o coco), para depois ser ressuscitada com vigor
pelos fãs do maxixe. A premissa é confirmada para Carlos Sandroni, para quem o vocábulo
apareceria nos bailes de maxixe designando ”festa”, “baile” (Sandroni, 2001: 63).
Como destacamos no item sobre o maxixe, essa comunidade formada
por negros e mestiços em sua maioria instalou-se nos bairros próximos à
zona portuária, como Saúde, Cidade Nova e Morro da Previdência, onde havia
a demanda de trabalho braçal e, conseqüentemente, a possibilidade de um
emprego. Em pouco tempo, no quintal dessas casas, as danças e tradições
musicais formam retomadas, incentivadas principalmente pelas mulheres
(Tinhorão, 1982: 3). Para o autor, “mais importantes que os homens, foram
essas mulheres”, quituteiras e versadas no ritual do candomblé as
verdadeiras responsáveis pela transmissão dessa cultura oral e pela
manutenção dos festejos africanos, onde predominavam lundus, chulas,
improvisos e estribilhos. E acrescenta:
Entre essas doceiras estavam tia Amélia (mãe de Donga), tia Prisciliana
(mãe de João de Baiana), tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana), tia
Mônica (mãe de Pendengo e Carmen do Xibuca) e a mais famosa de todas,
tia Ciata, pois justamente de sua casa, à rua Visconde de Itaúna 117
(Cidade Nova), é que “viria a ganhar forma o samba destinado a tornar-se,
quase simultaneamente um gênero de música popular do morro e da
cidade” (1982: 3)
Se por um lado o samba como dança e festa coletiva acontecia nos
quintais, tomava as ruas e se exibia nos desfiles de cordões no carnaval, por
outro, o samba como música e composição autoral, apesar das controvérsias,
dava os seus primeiros acordes em casa de tia Ciata. O elemento comum eram
os refrões, cantados e dançados, tanto num lugar como no outro. Nos fundos
da casa de tia Ciata reuniam-se os melhores ritmistas, compositores e
verdadeiros mestres da música popular, muitos deles profissionais como Sinhô,
Pixinguinha, Donga, Caninha, João da Baiana, Heitor dos Prazeres, Hilário
Jovino Ferreira e outros
54
. Também Villa-Lobos, que “fascinado pela música dos
chorões cariocas [...] tocava clandestinamente violão e saltava a janela em
busca das noitadas musicais”
55
(Wisnik, 183: 153).
54
Como foi dito, a despeito de agudas polêmicas, de teria saído o primeiro samba da música
popular brasileira, intitulado Pelo Telefone (1917), registrado por Donga na Biblioteca Nacional.
55
Desses encontros sairia a célula-mãe para a formação do conjunto Os Oito Batutas.
Ao estudar o território da casa de Tia Ciata, que apresentava um tipo de
música em cada compartimento e por onde circulavam os futuros Oito Batutas,
José Miguel Wisnik referiu-se a uma relação dialética, mencionada, de
biombos e dobradiças permeando, permitindo e limitando as passagens entre
os ambientes que, ao dividir cômodos contíguos, unem e ao mesmo tempo
circunscrevem, separam espaços e classes sociais. Baseando-se no trabalho
de Muniz Sodré, Samba: o dono do corpo (1979) , Wisnika casa de tia Ciata
- que possuía seis ambientes diferentes - , como uma metáfora da sociedade
musical brasileira da época: na sala de visitas, realizavam-se bailes, com polcas
e lundus dançáveis; nos fundos, tocava-se samba de partido alto, onde o
improviso dominava; no terreiro, havia a batucada e o candomblé. E conclui
que “a contiguidade dessas duas ordens e o modo como elas se negam e se
traduzem faz pensar na dialética da malandragem”
56
(Wisnik, 183: 155).
Se a esse espaço juntarmos o Cine Palais, freqüentado pela burguesia,
bem como o Café Assírio, localizado no subsolo do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro e ponto de encontro da elite carioca, e o Dancing Shéhérazade,
sofisticado reduto da intelectualidade parisiense, teremos os principais
territórios percorridos pelos Batutas.
4.1. Un tout petit quelque chose
“...a cultura brasileira, nos anos 10 e 30, atravessou o Atlântico várias vezes,
sendo apropriada pelos franceses de inusitadas maneiras, num fenômeno
típico de transculturação [...] que gerou muitas redefinições de identidade
para vários grupos sociais, tanto na Europa quanto no Brasil” (Viana, 1995:
104).
Ao se referir ao nascimento do samba, Hermano Vianna cita um
emblemático encontro (dentre muitos) ocorrido em 1926 entre alguns
intelectuais e artistas brasileiros
57
, destacando a relevância desses mediadores
56
O autor se refere ao artigo de Antônio Cândido, “Dialética da Malandragem” (1978).
57
As exceções a que se referia Tatit.
que teriam supostamente identificado a importância estética e cultural do ritmo,
associando-o a uma brasilidade que, se conhecida, era até então desprezada
58
(op.cit., 1995). Entre os intelectuais estariam Gilberto Freyre, seguido por
Prudente de Moraes, e Sérgio Buarque de Hollanda; pelo lado da música
erudita, Villa-Lobos, o mais importante músico vanguardista naquele momento,
e da popular, Pixinguinha, Donga e Heitor dos Prazeres. Assim, o pesquisador
defende a idéia de que o gênero originou-se graças a confluências entre as
chamadas “alta” e “baixa” culturas, mencionando, além dos intelectuais e
músicos brasileiros, a passagem de artistas e intelectuais franceses,
principalmente Paul Claudel (1868-1955) e Darius Milhaud (1892-1974), em
1910, no Rio de Janeiro, e Blaise Cendrars (1887-1961)
59
, em 1924, em São
Paulo; artistas que, de certa forma, teriam interpretado a realidade musical do
país ou facilitado o trânsito de nossa música brasileira no exterior.
De fato, estudiosos do modernismo musical, entre eles, José Miguel
Wisnik, apontam Darius Milhaud como importante intermediador da cultura
brasileira; para o autor, a passagem do compositor pelo país representou um
momento fértil para a produção artística de ambos os países “tendo grande
interesse para o estudo dos antecedentes do modernismo musical do Brasil”
(1978: 39). Wisnik menciona ainda o interesse do compositor francês pela
nossa música popular ainda em seu início:
“Afirma-se que Milhaud teria, por um lado, favorecido a eclosão do
modernismo musical no Brasil, dando a conhecer a música européia
contemporânea aos compositores que então se iniciavam, Villa-Lobos e
Gallet, servindo assim como mediador cultural. Por outro lado, seu interesse
pela música brasileira e especialmente pela música popular teria marcado
sua obra posteriormente composta na França, como é o caso de Le Boeuf
sur le toit (1919) e das Saudades do Brasil (1921) para piano” (Wisnik, 1978:
39).
58
A questão da nacionalidade e o contato travado entre os modernistas brasileiros e artistas
franceses foi amplamente estudado por Nicolau Sevcenko, em Orfeu extático na Metrópole ,
cap. IV ( 1992: 223-313).
59
Blaise Cendrars (1887-1961) ou Frédéric Sauser: escritor francês de origem suíça, conhecido
no Brasil por seus contatos com os poetas modernistas; Paul Claudel (1868 -1955): poeta,
escritor e diplomata francês, tendo servido na cidade do Rio de Janeiro na década de 1910;
Darius Milhaud: compositor francês (1892-1974) de vanguarda e membro do chamado Grupo
dos Seis. Esteve no Brasil a convite de Paul Claudel.
Tendo trabalhado no Rio de Janeiro de 1917 a 1918 a convite de Paul
Claudel - então representante diplomático do governo francês no Brasil, pois a
França não possuía embaixada no Brasil Milhaud conheceu Villa-Lobos que,
aparentemente, o introduzira às rodas de música popular, aos pontos de
macumba, aos maxixes e tanguinhos, atentamente ouvidos nos morros, no
centro da cidade e nos salões. Teria Milhaud se encantado com os ritmos
brasileiros? Ao que tudo indica, o compositor reparara que a música brasileira
possuía uma singularidade que o instigava: a síncopa, como se pode
depreender de suas notas autobiográficas
60
.
Vianna nos leva a observar ainda que a distinção entre erudito e popular
parecia não se encaixar no vocabulário de Milhaud. De volta à França, o
compositor se tornaria um grande divulgador da música popular brasileira,
executando tangos de Ernesto Nazareth e outras partituras de chorinhos e
maxixes que levara consigo, além de compor a suíte intitulada Le boeuf sur le
toit francamente inspirada no maxixe O Boi no telhado de Zé do Boiadeiro
61
,
sucesso do carnaval de 1917. Segundo Nicolau Sevcenko, Le boeuf sur le toit,
além de servir de trilha sonora para um espetáculo de Jean Cocteau,
transformou-se em nome de importante cabaré na capital parisiense, ponto de
encontro da vanguarda francesa
62
, e lugar – como comenta ironicamente - onde
turistas e intelectuais brasileiros teriam muito provavelmente entrado em
contato com a produção musical que se realizava no Rio de Janeiro (Sevcenko,
1992: 278).
Entre os freqüentadores do Boeuf sur le toit estaria o poeta francês de
origem suíça Blaise Cendrars, expressão máxima da cultura francesa da época,
60
“Os ritmos dessa música popular me intrigavam e me fascinavam. Havia, na síncopa, uma
imperceptível suspensão, uma respiração molenga, uma sutil parada que me era muito difícil de
captar. Comprei então uma quantidade de maxixes e tangos; esforcei-me por tocá-los com suas
síncopas, que passavam de mão para outra. Meus esforços foram recompensados e pude
enfim, exprimir e analisar ‘esse pequeno nada’ tão tipicamente brasileiro. Um dos melhores
compositores de música desse gênero, Ernesto Nazareth, tocava piano na entrada de um
cinema da Avenida Rio Branco. Seu modo de tocar, fluido, inapreensível e triste, ajudou-me
igualmente a melhor conhecer a alma brasileira” (do verbete “Darius Milhaud da Enciclopédia
de música brasileira extraído das notas autobiográficas do compositor - Notes sans musique -
publicadas em Paris em 1945; citado por Vianna, 1995: 104).
61
Pseudônimo de José Monteiro, um dos integrantes dos Oito Batutas, grupo do qual falaremos
adiante.
62
A título de curiosidade, a expressão faire un boeuf , que significa “dar uma canja” teria se
originado desse fato, como salienta Ariane Witkowski (1992).
considerado o maior “descobridor” da cultura brasileira para os brasileiros
63
,
tendo mesmo ensinado aos escritores e poetas modernistas “as coisas negras
e brasileiras” (Vianna, 1995: 95). A modernidade para os europeus - e
sobretudo para Blaise - significava ir além-fronteiras, em busca do novo, do
exotismo, do índio, do negro. Sobre o poeta, assim se pronuncia o sociólogo:
“Blaise Cendrars foi um dos principais agentes dessa ‘invasão negra’ na arte
francesa, sendo inclusive o editor de uma Antologia negra publicada em
1921, que colocava lado a lado mitos e lendas de todas as etnias africanas
com poemas e contos de escritores modernos da África. Desse livro saiu o
argumento para o balé A criação do mundo, musicado por Darius Milhaud e
com cenários e figurinos de Fernand Léger, estreado em 1923. Quando
chegou ao Brasil, em 1924, Blaise Cendrars quis logo, vorazmente, ter
contato com essa cultura negra nos locais onde era produzida (Vianna,
1995: 102).
Porém, conforme dissemos, Vianna questiona essa atribuição
0
.
5. O sambá em Paris: dos quintais da tia Ciata ao cabaré
Shéhérazade.
“Não repetiremos que a Europa mais uma vez se tenha curvado ante o Brasil.
Tanto também não. Mas confessamos com toda a lealdade que não é
pouca coisa para o nosso samba, até agora tão depreciado em sua própria
terra, estar falando francês e do melhor, em meio à alegria ao luxo da Cidade
Luz”.
“A Gazeta de Notícias” (Cabral, 1997: 78)
A viagem dos Oito Batutas
64
a Paris é resultado da importante associação
entre homens negros e brancos, oriundos de diferentes camadas sociais.
Graças ao trânsito de Pixinguinha e seus músicos, o choro, o maxixe e o
samba, este último ainda em fase incipiente, puderam circular livremente em
territórios tão diversos quanto díspares. Os Batutas conquistaram a adesão de
parcela considerável da alta sociedade carioca, como a do empresário e
63
Tanto a pintora Tarsila do Amaral quanto o poeta Oswald de Andrade reconhecem a
importância de Blaise para a cultura brasileira (Vianna, 1995).
64
Foi o primeiro grupo de sica popular brasileira a viajar para o exterior; as primeiras turnês
aconteceram na Argentina.
engenheiro Arnaldo Guinle, além de músicos eruditos como Villa-Lobos, de
intelectuais brasileiros e personalidades estrangeiras. Unanimidade na cidade
do Rio de Janeiro, apresentavam-se em cerimônias oficiais e, a despeito da
oposição sofrida por serem negros, não fosse essa permeabilidade, o grupo
não teria podido vislumbrar uma viagem dessa envergadura, como observa o
antropólogo Rafael Menezes. O autor refere-se à turnê dos Oito Batutas à
França como fundamental para a afirmação da cultura negra no Brasil assim
como para a construção da imagem de Pixinguinha (Menezes, 2005: 183) que,
em contrapartida, funcionou como mola propulsora para o sucesso do grupo e
para o reconhecimento internacional da música brasileira. Segundo explica,
após essa excursão, houve uma mudança não apenas no paradigma estético e
musical do país - que passou a aceitar a música popular feita por mestiços
como autenticamente brasileira
65
- como também na maneira de se visualizar o
papel do negro na sociedade brasileira de modo geral:
“Se o argumento central desse texto é o de que a construção da figura de
Pixinguinha como nome consagrado da música popular foi impulsionada
quando de sua estadia em Paris, seu fundamento é de que essa turnê foi
estratégica para a mudança da forma de compreender o Brasil, segundo a
qual a africanidade era um problema e não uma solução. A viagem, assim,
antecipou horizontes que nos anos de 1930 seriam consolidados no país,
o que ilustra de maneira feliz a idéia da vocação profética da música”
(Menezes, 2005: 183).
Diversos fatores concorreram para que essa viagem se transformasse em
fenômeno dos mais relevantes (Menezes, 2005: 183) para a tradição da música
popular: a) o talento individual de Pixinguinha, que favorecia a entrada do grupo
em qualquer meio social; b) a habilidade e a competência de Duque
66
que,
como excelente bailarino, conferiu graça e sofisticação ao maxixe, e, como
agente cultural, avalizou e produziu o grupo no Cabaré Shéhérazade, local dos
mais requintados da Paris dos anos 20; c) o patrocínio de Arnaldo Guinle,
importante empresário cuja fortuna provinha da exploração do porto de Santos;
65
A tese vem também corroborar o tema discutido por Hermano Vianna em seu livro o Mistério do
Samba (1995), já referido anteriormente.
66
Duque morava na cidade, onde se tornara professor de maxixe desde 1912, tendo sido o
principal negociador entre o grupo e o cabaré parisiense, onde era produtor musical (Witkowski,
1992).
d) a intermediação do político e diplomata Lauro Muller; e) o apoio incondicional
do jornalista, músico e crítico musical Benjamin Constallat, que usou sua coluna
diária como tribuna em defesa do conjunto (Cabral, 1997: 73 ; Menezes, 2005:
183).
A imprensa não foi unânime. Em seu livro Pixinguinha vida e obra, Sérgio
Cabral (1997: 78) evoca a polêmica gerada em torno da estadia dos Batutas em
Paris, citando alguns artigos jornalísticos totalmente contrários a que membros
da raça negra pudessem representar a música nacional, como este publicado
na Gazeta de Notícias:
Nós que temos o costume de apreciar com cuidado os fatos, não nos
convencemos com o que nos assevera o telégrafo. Contrariamente, nos
sentimos entristecidos com o fato de fazerem ouvir no estrangeiro a ‘nossa
música’, expressão que mesmo entre aspas poderia ser adaptada àquela
corporação, em um juízo verdadeiro. Consideramos que a Divina Arte tenha
atingido em nosso país um grau muito superior àquele que alcançariam os
tanguinhos saltitantes pelos não menos saltitantes rapazes. Não nos consta
que seja esta última a música nacional (sem aspas). A outra não deixa, é
certo, de ser nacional. Mas para uma turnê por centros de civilização
adiantada, os maxixes tocados pelos Oito Batutas não podem dar a mínima
idéia do nosso adiantamento em um terreno em que, incontestavelmente,
temos alcançado um desenvolvimento notabilíssimo. [....] Pobre ! Se os
franceses quando nos olham de frente são irônicos, que dirão agora, que os
Oito Batutas, em plena Paris, estão exibindo o nosso país pelo avesso? [...]
(Gazeta de Notícias, citado em Cabral, 1997:78).
Uma retrospectiva sobre as origens do grupo nos remete às salas de
cinema-mudo, ao Rio Janeiro da Belle Époque, que despontava para o mundo
do entretenimento pago, conforme dissemos. Para o músico popular, que até
então se reunia informalmente em rodas de improvisos e batuques, essas
apresentações significavam profissionalização, rentabilidade e reconhecimento
(Tinhorão, 1998: 278).
A estréia do grupo se deu em 7 de abril na ante-sala do cine Palais -
importante sala de cinema localizada na Av. Central (atual Av. Rio branco) - , a
convite do empresário Isaac Franckel, que vira no grupo um atrativo a mais para
entreter o público freqüentador do local. De acordo com Sérgio Cabral, o
sucesso foi tamanho que Os Batutas chegavam a rivalizar com a película em
cartaz, uma vez que o povo se juntava nas calçadas apenas para vê-los e ouvi-
los (Cabral, 1977: 30). No repertório, apresentavam uma sucessão de choros,
maxixes, lundus e corta-jacas, ritmos predominantemente dançantes, o que nos
leva às conclusões de Maria Alice Rezende de Carvalho, já referida, para quem
em pouco mais de uma década, “a música que se tocava popularmente no Rio
pareceu aproximar-se dos padrões que serviam também às elites (Carvalho,
2004: 42).
Foram, na verdade, os instrumentos de percussão - uma novidade para a
época - que os transformaram em figuras notórias, levando-os a conquistar em
pouco tempo a reputação de melhor conjunto de música popular da cidade, e
que, por agradar parte considerável dessa elite - àquela altura habituada à
escuta de música popular os fizeram saltar dos quintais dos morros e
subúrbios para os saraus, cinemas, teatros, conservatórios, salões e, três anos
mais tarde, para os cabarés parisienses.
Em apenas dois anos, o grupo se apresentara para os reis da Bélgica em
um pique-nique no bairro da Tijuca, fizera excursões por o Paulo, Minas
Gerais, Bahia e Pernambuco, recolhendo material musical e entretendo
públicos variados. Além dessas viagens, exibiam-se regularmente no renomado
Café Assírio localizado no subsolo do Teatro Municipal e freqüentado, como
dissemos, pela sociedade do Rio de Janeiro; ali Pixinguinha e seu grupo
puderam travar contato com a dupla de dançarinos de maxixe Duque e Gaby e
com Arnaldo Guinle (Cabral, 1997: 72), célebre habitué da casa, que, não
possuía residência em Paris, como também uma mesa cativa no Dansing
Shéhérazade, “pela qual pagava cerca de mil francos por dia”, mesmo não
estando na cidade (Silva &Oliveira Filho: 1998: 50).
Motivados por Duque, divulgador do ritmo em Paris (Witkowski, 1992:
142) e com o auxílio financeiro de Arnaldo Guinle, que financiou as passagens,
em 29 de janeiro de 1922, sete integrantes do grupo
67
, batizado de Les batutas,
partem no navio Massilia, com a responsabilidade de promover a música
popular - o choro o maxixe e o samba – em território francês.
Embora a turnê fosse revestida de certa “aura diplomática” (Menezes:
2005: 58), Donga assinala, em depoimento para o MIS, que o governo brasileiro
não tivera a mínima participação financeira (Silva & Oliveira Filho: 1998: 51). De
acordo com o depoimento de Pixinguinha, também realizado no MIS, Duque
solicitara o patrocínio a Guinle, que o atendera prontamente, uma vez que
“Duque e sua genialidade haviam tirado o sentido pejorativo do maxixe”
(Silva/Oliveira Filho: 1998: 51). Os Batutas desembarcaram na cidade, ainda
fragilizada, mas vivendo a euforia dançante do pós-guerra, conseguindo não
apenas o sucesso imediato
68
como também um salário de 3.500 réis por mês; a
temporada no cabaré, que a princípio duraria um s, acabou se estendendo
por seis meses. A crônica de Florestan de Miranda (apud Barbosa & Oliveira
Filho) de fevereiro de 1922, fornece-nos o tom e as circunstâncias:
“Paris, inverno de 1922, frio de rachar, vários graus abaixo de zero. Duque e
Gaby estavam na estação de Quai d’Orsay, esperando o trem de Bordéus.
Nesse trem, iriam chegar os Oito Batutas. Às 23 horas, apareceram os
músicos brasileiros, cada qual carregando o seu instrumento. Trajavam
roupas leves e tiritavam. Na manhã seguinte, Duque os levou para comprar
roupas para aquele clima. Paris acode àquele dancing. Pixinguinha com sua
flauta infernal faz o diabo. China abafa com o seu violão e sua bela voz e
Donga abafa no pinho e desperta paixões...”
O Shéhérazade, que tinha a direção artística de Duque, não era um
território qualquer na Paris dos anos 20, sendo freqüentado tanto pela
aristocracia parisiense quanto por intelectuais de renome, personalidades
políticas e músicos virtuoses, como Harold Bozzi, primeiro prêmio do
Conservatório de Paris que, impressionado com a destreza de Pixinguinha, fez
questão de cumprimentá-lo pessoalmente (Silva & Oliveira Filho: 1998: 53).
67
Eram eles: Pixinguinha, Donga, China, Boina, Zezé, José Monteiro e Sisenando Santos
(Feniano). Os dois últimos em substituição a Raul e Jacó Palmieri. J. Thomas, o baterista,
também não se juntaria ao grupo por motivos pessoais. Por esse motivo, precisaram adaptar o
nome do grupo para Les Batutas, deixando o Oito de lado.
68
Neste sentido, consultar Rafael Menezes, que em artigo mencionado acima, analisa a
divulgação da imprensa parisiense sobre o trabalho do grupo, bem como Sérgio Cabral (1997),
que também estuda o papel da imprensa local.
Para agradar ao público local, Pixinguinha e Duque compuseram o
samba-maxixe intitulado Les Batutas, totalmente em francês, com versão de
Duque. A canção parece nunca ter sido gravada na íntegra, porém a letra,
tendo resistido ao tempo, foi mais tarde lançada por J. Thomas em 1929, sob
título de Sarambá (CD 3, faixa 1), com trechos (nossa hipótese) da mesma
melodia. É curioso notar que nenhum autor registra J.Thomas como compositor
da primeira versão da canção, Les Batutas, como veremos adiante; aliás,
Thomas foi o único músico que não esteve presente em Paris: os Batutas
excursionaram com apenas sete integrantes, já que este último alegara
problemas de saúde, como salientamos.
A passagem dos Batutas pela capital parisiense - onde se registram,
além do Dansing Shéhérazade, eventos e comemorações oficiais, dentre elas
uma apresentação para o Conde d’Eu - constitui-se num marco para a
consolidação de nossa música popular, no Brasil e no exterior. No mesmo
depoimento concedido ao MIS, Pixinguinha menciona outros locais de exibição,
como o Palais des Affaires Publics, onde realizaram um concerto a convite do
embaixador Souza Dantas, intermediado por Olivia Penteado. Sobre este
encontro, Cabral esclarece:
“A referência à madame (Olivia) Penteado indica o primeiro contato dos
músicos ligados ao movimento intelectual que iria desencadear na Semana
de Arte Moderna, naquele mesmo ano de 1922. Olívia Penteado, sem ser
exatamente uma intelectual modernista, era extremamemente ligada aos
participantes do movimento que, anos depois, atentariam para a importância
dos Batutas” (Cabral, 1997: 81).
A temporada, que se estendia por seis meses, chegou ao fim em 14 de
agosto de 1922: o grupo tinha o compromisso de se apresentar na
comemoração do Centenário da Independência, o que nos leva a crer que,
apesar da oposição de uma parcela da sociedade, conservadora e de
mentalidade colonialista, o grupo era, de fato, prestigiado por parcela
considerável da sociedade brasileira. De certa forma, e cá, os franceses
legitimavam duplamente nossos ritmos sincopados: no Brasil, por intermédio de
músicos e intelectuais do porte de Darius Milhaud; em Paris, pela aclamação
direta do público francês aos nossos compositores.
Exímios tocadores de choro, responsáveis pela divulgação da música
popular que se praticava na cidade do Rio de Janeiro, pioneiros do maxixe e do
samba, Os Batutas marcaram época, contribuindo para a construção de uma
nova tradição musical no país.
6. Olha o Sarambá, ô tia!
Ao serem indagados sobre o repertório que mais agradava ao público do
Cabaré Shéhérazade, Pixinguinha e Donga responderam que, entre as
preferidas do público, figuravam E nem vovó, do trombonista Sandim e
Sarandá
69
, com letra em francês, “apresentada posteriormente, no Rio por J.
Thomas” (Silva &Oliveira Filho:1998: 55).
Alguns a definem como samba, outros, como maxixe e, outros ainda,
como maxixe-rebolado. Trata-se, na verdade, de um “samba-amaxixado”,
híbrido, que exprime o quão tênue era a linha divisória entre os estilos musicais
no início do século XX. Além do gênero, a questão autoral de Sarambá é
igualmente polêmica. Almirante, uma as fontes mais antigas (1977), reconhece
como autores Pixinguinha (supostamente melodia) e Duque (letra em francês),
sem citar J. Thomas. Sérgio Cabral se pronuncia da mesma forma, enquanto
Ariane Witkowski (1992: 152) afirma ser a letra uma adaptação de um texto
francês, não citando a fonte, nem o texto de origem. A maioria dos autores
pesquisados, no entanto, convergem, ao concordar que a música Les Batutas
jamais teria sido gravada integralmente.
A letra nos leva a crer que o ritmo fosse dançante, de natureza acelerada,
ou pelo menos, cadenceada, caracterizando um processo de tematização (Tatit,
1996), onde os três aspectos - ritmo, “melodia” e texto - , parecem mimetizar e
reiterar os passos
70
, movimentos e requebros agora “elegantes” da dança que
se quer ensinar:
69
Aqui grafado com “d” e não com “b” (Sarambá), tal como a conhecemos. Trata-se, no entanto,
da mesma composição.
Mon samba se danse
Toujours em cadence
Petit pas par-ci
Petit pas par-lá
É de se supor que ritmo e melodia fossem os maiores aliados daqueles
músicos (= nous, les batutas = sujeito enunciador da canção), funcionando
como verdadeiros elementos de persuasão. Dirigindo-se a uma seleta platéia,
os freqüentadores do cabaré (vous = sujeito enunciatário), o grupo se
apresenta, convidando-os a aprender o samba, de uma forma simples: ao som
da orquestra
71
. Neste caso, a canção será tanto mais eficaz e persuasiva se o
público realmente aderir à dança, o que parece ter ocorrido. Faire danser le
samba significa neste contexto conseguir o reconhecimento de uma platéia
incomum, notável (= ça vous plaira), cujos gostos e valores ditariam, de alguma
forma, os modelos estéticos a serem seguidos mundialmente. O emprego da
língua francesa é outro fator de persuasão, forma pela qual Os Batutas se
aproximaram de seu público, ensinando-os, convencendo-os a participar.
Ao compararmos Les Batutas (1922) com a canção anterior, A critica do
maxixe francês (1909), percebemos que há modificações significativas: embora
se trate da mesma dança, não se descrevem aqui os mesmos passos, gestos e
ações relatados na anterior. O maxixe, antes dança erótica e abusiva, torna-se
elegante e bem comportado pelos instrumentos e a interpretação dos Batutas, o
que confirma as informações de que Duque e o grupo tinham a real
preocupação de torná-lo mais sofisticado:
ll faut de l’aisance,
Beaucoup d’élégance
Le corps se balance
Dansant le samba
70
Além de decantar as qualidades do samba, o sujeito enunciador também conversa com a
platéia, onde se observa um processo enunciativo - o emprego de dêiticos e situações locutivas - ,
muito próximo do diálogo; trata-se de um processo de figurativização.
71
Vale dizer que a letra manteve o vocábulo no gênero masculino (le samba), contrariando a
língua francesa que o transformara em gênero feminino (la samba).
O catálogo digitalizado pela Fundação Joaquim Nabuco nos informa que
Sarambá teve a sua primeira gravação oficialmente registrada em 1929, sete
anos após a apresentação dos Batutas, indicando apenas a autoria de
J.Thomas, como dissemos (o nome de Pixinguinha seria citado em gravações
posteriores). Teria J. Thomas se apropriado da música? Por que razões
Pixinguinha não constaria como autor? A única resposta plausível baseia-se no
fato de que, naquele momento histórico, poucas canções (a exemplo da
polêmica de Pelo telefone, de 1917, em que Donga teria se apropriado de uma
obra musical muito provavelmente coletiva) eram registradas, dando-se pouca
ou quase nenhuma importância à questão autoral e comercial
72
.
Por meio de outra comparação concluímos que Sarambá - esta
possuindo melodia (CD 3, faixa 1) - é, de fato, uma decorrência da anterior,
Les Batutas, pois algumas estrofes se repetem integralmente. Nosso desafio foi
descobrir como se deu a transformação, visto que agora o samba, iniciando-se
por um refrão, alude ao termo saramba
73
, que vem a ser uma espécie de
batuque, fandango que, por sua vez, remete-nos a um samba de roda, propício
aos encontros musicais e improvisos dos quintais de Tia Ciata, provavelmente o
sujeito enunciatário da canção:
Olha o Sarambá, ô tia
Olha o Sarambá, ô tia
Olha o sarambá ô nega
Olha o Sarambá, ô tia
Mon samba se danse
Toujours en cadence
Petit pas par-ci
Petit pas par-là
Il faut de l’aisance
Beaucoup d’élégance
Le corps se balance
72
Os pesquisadores de música popular são unânimes em afirmar que Pelo telefone, de 1917,
registrado por Donga na Biblioteca Nacional, foi composta por todos os membros
freqüentadores da casa de tia Ciata.
73
O Dicionário Aurélio Buarque de Holanda (p. 1273) define o termo saramba (substantivo feminino) -
o mesmo que sarambeque (substantivo masculino), derivação do espanhol “zarambeque” - como uma
modalidade de batuque, ou dança de meados do século XVII, “lasciva e desenvolta, considerada de
origem negra, mas que no século XVIII foi dançada até nas casa nobres”.
Dansez le samba
Ao observamos uma e outra, percebemos de imediato que a primeira
estrofe, de apresentação do grupo (Nous sommes batutas, batutas...),
desaparece para dar lugar a um estribilho que parece sintetizar toda a história
do samba relatada nas páginas anteriores: temos a nítida descrição de um
batuque a saramba, o sarambá e a presença de uma “tia”: Ciata?
Priscilliana? Emiliana? Não sabemos. O fato é que esta personagem, negra (ô
nega), sujeito enunciatário da canção, é referida no primeiro verso e reiterada
nas repetições, ora sendo “tia”, ora sendo “nega”.
O refrão
74
cantado por diversas vezes durante a execução da sica,
anunciando o sarambá, dança coletiva cantada nas senzalas, nos terreiros e
nos quintais referidos, salienta seu caráter circular e malemolente, que nos
remete ao requebro das mulatas.
Trata-se, mais uma vez, de um processo de decantação ou tematização,
onde o sujeito enunciador - de posse de seu corpo e movimentos, pronto para
dançar son samba - evoca a figura de uma “tia”, pedindo sua permissão ou,
quem sabe, convidando-a a participar da roda. Estando em plena consonância
com seu objeto o canto, os outros dançarinos, exalta as qualidades da dança
- “petit pas par-ci, petit pas par là” que coloca a todos numa espécie de
êxtase ou nirvana, enfim, num ritual de transe e de totalidade.
74
O refrão, muito provavelmente de domínio coletivo, muito comum na época, talvez tenha sido
acoplado por J. Thomas ao resto da canção Les Batutas.
CAPÍTULO III
DANSE LA SOCIÉTÉ DE JOUJOUX BALANGANDÃS : SAMBA, MARCHA,
HUMOR E PASTICHE NA ERA VARGAS
1. Políticas Culturais da Era Vargas: o discurso nacionalista
75
“A partir das primeiras décadas do século XX, o Brasil sofre mudanças
profundas. O processo de urbanização e de industrialização se acelera , uma
classe média se desenvolve, surge um proletariado urbano. Se o Modernismo
é considerado por muitos como um ponto de referência, é porque este
movimento cultural trouxe consigo uma consciência histórica, que até então
se encontrava de maneira esparsa na sociedade. Ao se cantar o fox-trot, o
cinema, o telégrafo, as asas do avião, o que se estava fazendo era de fato
apontar para uma gama de transformações que ocorriam no seio da
sociedade brasileira. Com a Revolução de 30, as mudanças que vinham
ocorrendo são orientadas politicamente, o Estado procurando consolidar o
próprio desenvolvimento social. Dentro deste quadro, as teorias raciológicas
tornam-se obsoletas, era necessário superá-las, pois a realidade social
impunha um outro tipo de interpretação do Brasil. A meu ver, o trabalho de
Gilberto Freyre vem a atender a esta “demanda social” (Ortiz, 1994: 40).
A Era Vargas é um período que vai de 1930 a 1945, quando se o
desenvolvimento das ideologias do trabalhismo e do nacionalismo. Durante o
Varguismo, o samba, valorizando o malandro-regenerado foi, por excelência, o
meio de difusão desse discurso, símbolo de uma nação e de uma classe social:
a trabalhadora.
Para que possamos compreender a natureza dos sambas e marchas de
então, bem como as forças que interferiram na produção cultural da época, é
interessante que se faça uma retrospectiva daquele momento, embora se possa
verificar que o próprio discurso de cada canção seja por si revelador dessa
fase histórica, como esclarecemos em páginas posteriores.
75
Doutrina política que subordina toda a política interna de um país ao desenvolvimento do
poderio nacional. São vários os movimentos dentro do espectro político e ideológico que se
apropriam do nacionalismo ora como elemento programático, ora como forma de propaganda.
Durante o século XX, o nacionalismo permeou movimentos políticos radicais como o fascimo
(Itália), o nacional-socialismo (Alemanha), o salzarismo (Portugal) e o Estado Novo (Brasil).
O movimento popular liderado por Vargas, “contra a dominação
tradicional das oligarquias principalmente a paulista, detentora do monopólio
do café e do poder público chegou ao poder no clímax de uma crise
econômica
76
provocada pela superprodução do produto que representava,
naquele momento, setenta e um por cento das exportações do país. Assim,
Getúlio assume a presidência em 03 de novembro de 1930. Os enunciadores
da canção popular, dotados de forte senso de humor e sempre permeáveis aos
principais acontecimentos políticos do país, anunciavam o fim de Washington
Luís, como nos atesta a marchinha de Lamartine Babo, intitulada Barbado
77
foi-
se (1931):
De norte a sul todos viram a intrepidez
De um Brasil heróico e forte
A raiar no dia três
A Paraíba, terra santa, terra boa,
Finalmente está vingada
Salve o grande João Pessoa
D. Barbado foi-se embora, deu o fora
Não volta mais, não volta mais...
Conforme dissemos, a sociedade brasileira passava por um acelerado
processo de urbanização, e a burguesia começava a participar cada vez mais
da vida política e econômica, cuja base de produção era o setor têxtil. A
sociedade se dividia em burguesia industrial e financeira, classe média,
composta pelo setor do comércio e, por fim, o operariado. No início dos anos
30, o compositor Noel Rosa, como estudaremos adiante, prenunciava os
avanços e as contradições por que passava a sociedade brasileira. Assim,
modernidade, burguesia e operariado constavam de Três Apitos (1933), da
qual extraímos, a título ilustrativo, as estrofes iniciais:
76
Em 1930, o Brasil sofria os efeitos da depressão econômica mundial, ocorrida em 1929, que
abalou o nosso principal produto de exportação, o café, e, conseqüentemente, a oligarquia
dirigente, facilitando a vitória dos liberais na revolução de outubro (Cândido e Castello, 1977: 08-
09).
77
Dr. Barbado era o apelido do então presidente Washington Luís (Worms & Costa, 2002: 36).
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
[...]
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por que não atende ao grito,
Tão aflito, da buzina do meu carro
Com a queda da oligarquia, certo desenvolvimento econômico e o
inchaço dos centros urbanos, as classes populares cresceram rapidamente.
Vargas adotou o populismo como linha política, oficializando a previdência
social e os sindicatos. O apoio da classe operária tornava-se fundamental para
a sustentação de uma nova economia, que o governo precisava dessa
produção; a elite, por sua vez, passou a fazer concessões ao povo, a onde
lhe convinha
78
. Dessa forma, a concepção ideológica do trabalhismo, integrando
o trabalhador na recém-criada legislação trabalhista, era uma questão de
marketing político, como nos informa Waldenyr Caldas, autor de A cultura
político-musical brasileira:
“E isso [a propaganda política] Vargas o fez com muito sucesso. Até porque,
a partir daquele momento, todo cidadão empregado passaria a ter a proteção
da CLT Consolidação das Leis do Trabalho. Foi uma conquista importante
para a sociedade brasileira” (Caldas, 2005: 37-38).
Portanto, assim que assumiu, Vargas criou os Ministérios do Trabalho,
Indústria e Comércio, e ainda, Saúde e Educação, nomeando interventores
federais nos estados, à exceção de Minas Gerais. O fato não foi negligenciado
por Lamartine Babo, que, no carnaval de 1932, lançou a marchinha Teu cabelo
não nega, na voz de Castro Barbosa:
Tens o sabor
Bem do Brasil
Tens a alma cor de anil
Mulata, mulatinha, meu amor
78
Em contrapartida, a maioria das greves foi considerada ilegal.
Fui nomeado teu tenente interventor...
Além do desenvolvimento industrial, outros setores cresceram
igualmente, como os da Educação e Cultura. O modernismo, até então
criticado, torna-se o movimento artístico principal a partir do golpe de Vargas,
como atestam Cândido e Castello (1977: 08-09). A política econômica varguista
se vê refletida, por exemplo, na música erudita, com o nacionalismo de matizes
folclóricas de Villa-Lobos; na Literatura, com o regionalismo do ciclo de
romances do Nordeste; na música popular com a difusão dos compositores das
classes populares (Tinhorão, 1994 : 290).
De acordo com Alberto Moby, autor de um estudo comparativo entre a
música popular durante a Era Vargas (1930-1945) e a Ditadura Militar (1964-
1989), o Estado Novo, “gestado no bojo de uma série de transformações
inauguradas com a revolução de 1930”, teve a preocupação não apenas em
justificar-se pelo Direito, como também em divulgar suas idéias às massas,
fornecendo-lhes outra interpretação do estado de exceção
79
: para isso, utilizou
o rádio como um de seus principais aliados, assim como a propaganda política,
responsável por manipular a sociedade em direção a um discurso monocórdico
e monofônico” (Moby, 1994: 40-41).
De fato, Getúlio percebera rapidamente que, para fazer alianças políticas
e aliciar as massas, havia a necessidade de “dominar” a classe operária,
controlando a cultura e as comunicações. em 1931, Vargas criara o
Departamento Oficial de Propaganda, embrião que, alguns anos mais tarde,
deu origem ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Neste sentido,
o rádio seria um de seus maiores aliados e a música popular, um de seus
veículos ideológicos.
A introdução no país do sistema elétrico de gravação - processo que se
iniciara em 1927 - , em decorrência do desenvolvimento do setor urbano da
economia e do crescimento dos setores médios da população passa a
desempenhar papel de inestimável valor, o que não poderia passar
79
Tota esclarece que os discursos eram permeados por um tom afetivo/paternalista sobretudo
quando enunciavam benefícios outorgados pelas leis trabalhistas (1980: 14).
desapercebido pelo Estado enquanto representante dos setores dominantes em
busca de hegemonia. Na época, a transmissão radiofônica
80
ainda era
incipiente, porém a chegada da indústria fonográfica permitiu ao rádio vir a ser
durante os anos 30, 40 e 50 o veículo de comunicação por excelência,
paralelamente ao do desenvolvimento da Rádio Nacional
81
, muito bem
idealizado por um projeto cultural de caráter populista.
Sem dúvida, Vargas valera-se da aceitação popular do samba para dar
impulso considerável ao gênero, da mesma forma que sua ideologia
nacionalista era também reconhecida e legitimada. O processo de
popularização do samba era iminente, mas certamente a política varguista teria
contribuído para a sua consolidação no panorama nacional. Neste sentido, o
samba não apenas atendia às necessidades de uma identidade nacional
baseada na mestiçagem (Ortiz, 1994: 40), como também se tornava ideal para
a proposta política de cunho nacional-popular; porém, não sem controvérsias. A
primeira dessas contradições diz respeito ao caráter político-pedagógico
empreendido por alguns setores do mesmo governo, que acreditavam num
certo “aliciamento” cívico-educacional - como, por exemplo, o canto orfeônico -
tendendo a menosprezar as manifestações populares urbanas em franco
crescimento. O segundo aspecto refere-se ao fato de que a música popular
passou a ser vigiada de perto pelo DIP, órgão que realizava a censura,
estimulando a produção de sambas que fizessem a apologia do trabalho ou
exaltasse as qualidades do país, como veremos adiante.
Ao tratar do modernismo musical brasileiro, durante o Estado Novo, de
cunho nacional-popular, José Miguel Wisnik aponta a defasagem entre o
80
A radiodifusão no Brasil foi inaugurada em 1922 pelo presidente Epitácio Pessoa, durante o
Centenário da Independência. Os radioclubes eram agremiações que concentravam os curiosos
da radiodifusão, uma vez que a nova tecnologia transformara-se numa espécie de diversão.
Alberto Moby destaca que durante o regime do Estado Novo havia uma disputa pela hegemonia
do rádio, entre os defensores de um projeto educativo e pedagógico (primeira vocação desde
que foi inaugurado por Roquette Pinto) e os que viam um caráter unicamente comercial, mantido
pela iniciativa privada, e acrescenta: “Ambos os projetos, no entanto, nunca foram contrários ao
seu papel de difusor de uma ideologia autoritária, dentro dos moldes intelectuais vigentes. O
dilema colocado ao Estado Novo se resolveria com o estabelecimento de uma forma mista, onde
a manutenção econômica das emissoras e seu desenvolvimento técnico ficariam a cargo das
estruturas comerciais centradas na publicidade, com o Estado mantendo o controle sobre a
exploração , a regulamentação e a fiscalização de suas atividades” (Moby, op. cit., 1994: 46).
81
Em 1940, a Rádio Nacional passou a ser controlada pelo Estado e a apresentar programas.
programa político-pedagógico idealizado por Mário de Andrade e Villa-Lobos e o
surgimento de uma música voltada para o mercado, diferenciando, pois, a
noção de povo de origem rural, vista pela elite burguesa como objeto e
representação do folclore personagem de muitos compositores do
nacionalismo modernista e povo, massa urbana de origem negra, inventor e
sujeito de sua própria cultura, que despontava para a cena cultural sobretudo
no Rio de Janeiro. Contrapõe o nacionalismo musical - erudito, que tem suas
raízes no folclore rural, autóctone - à música popular urbana de origem negra,
tida como inculta. Para Wisnik, a intelectualidade nacionalista, alguns deles no
governo, não foi capaz de entender essa dinâmica complexa, deixando muitas
vezes a música urbana e radiofônica à margem desse projeto nacional-popular.
O samba expressava o mundo contemporâneo em plena explosão, e “em
processo inacabado”, o que dificultaria sua apreensão pela elite, universo esse
“mais dificilmente redutível às idealizações acadêmicas de cunho retrospectivo
ou prospectivo” (Wisnik, 1983: 148).
Valendo-se dos conceitos desenvolvidos por Platão, para quem a música
seria apaziguadora das tensões sociais (op. cit., 1986: 138), Wisnik opõe as
forças apolíneas que regeriam a música séria (culta, educacional) a forças
dionisíacas (negra, descentralizadora, desvirtuada), representantes da
civilização e da barbárie.
Em 1937, o presidente Getúlio Vargas fecha o Congresso, assumindo
poderes ditatoriais e início ao chamado Estado Novo, sob forte compressão
das liberdades civis, havendo sanções para qualquer manifestação contrária à
ideologia oficial. Alberto Moby nos lembra que, “embora o Estado Novo tenha
sido fruto de idéias formuladas muito antes de 1937, é a partir daí que tais
idéias receberam uma roupagem oficial e foram utilizadas como instrumento de
poder até 1945” (op.cit., 1994: 41). Assim, pela constituição de 1937, o ócio e a
vadiagem eram considerados crimes e o trabalho, um dever social, previsto no
artigo 136; as greves, por sua vez, também não eram toleradas pelo governo
(Paranhos, 2004: 16).
De acordo com Antônio Pedro Tota, que estudou em seu trabalho de
Mestrado O Samba da Legitimidade de que forma a ideologia do trabalhismo e
da classe dominante “foi filtrada e transportada para as classes sulbalternas”
(Tota, 1980: 12) e para a canção popular, a campanha propagandística
desencadeada pelo DIP
82
- criado em 1939 com a conivência de parte da
intelectualidade artística e cultural, com o objetivo de compensar a perda de
parte da hegemonia exercida pelo estado - tinha por objetivo cooptar as
massas trabalhadoras difundindo pelo dio e jornais a imagem paternalista de
Getúlio Vargas como doador das leis trabalhistas. Além de censurar, o DIP
dava orientação aos compositores
83
, que deviam, por exemplo, abandonar a
malandragem e incentivar o trabalho, a família e o casamento.
Assim, o advento do Estado Novo buscará soluções de consenso,
visando, por um lado, atender ao programa ideológico de transformar ou
desfigurar a persona do malandro e, por outro, de desqualificar a figura do
estrangeiro, incorporando o samba à “sociedade brasileira, não mais como a
expressão típica da malandragem, mas como representante da nacionalidade”
(Moby, 1994: 116). Por essa razão, os enunciadores da canção popular se
vêem sutilmente “induzidos” a reorientar o teor de suas mensagens: o discurso
de apologia ao malandro e à malandragem cede lugar ao culto ao trabalho e ao
nacionalismo, cada vez mais exacerbado, como nos revela Antônio Pedro Tota:
Esta ideologia impregnava quase todas as manifestações da área cultural,
em especial a produção da canção popular. Um levantamento das canções
produzidas na época nos revelou que aproximadamente 60% delas
82
Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão que exercia a censura no governo Vargas.
Do momento em que foi criado pelo Decreto-lei n. 1915 em 27 de dezembro de 1939, tinha por
meta “centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional interna e externa, e
servir permanentemente, como elemento auxiliar de informação dos ministérios e entidades
públicas e privadas, na parte que interessa à propaganda nacional”, além de “estimular as
atividades espirituais, colaborando com artistas e intelectuais brasileiros no sentido de incentivar
uma arte e literatura genuinamente brasileiras, podendo, por isso, estabelecer e conceder
prêmios” e ainda “promover, organizar, patrocinar ou auxiliar manifestações cívicas e festas
populares com intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística” (Moby, 1994: 106).
83
Segundo a autora Ângela de Castro Gomes, “o DIP tinha um controle absoluto sobre tudo o
que se relacionava com música popular: concursos, espetáculos, o carnaval e também a
apresentação das escolas de samba cariocas, que passavam a desfilar no asfalto. O contato
entre o DIP e os compositores populares era realizado por Heitor Villa-Lobos, e o próprio Getúlio
instituiu a prática de convidar cantores e músicos populares para recepções que dava no Palácio
do Catete. O contato direto povo e presidente mais uma vez se realizava sob os auspícios da
personalidade paternal de Vargas e com a intermediação programática do DIP”. (citado por
Moby, 1994: 107- 108).
possuíam, de uma forma ou de outra, um chamamento ideológico apontando
na direção da ideologia do Trabalhismo. [...] Cooptação indireta. Não havia
ligação direta entre o Departamento de Imprensa e Propaganda e o
compositor, incentivando a produção de canções que veiculassem a ideologia
do Trabalhismo. Nem muito menos chegava-se a proibir a produção de
canções que veiculassem o sentido anti-ético da ideologia do Trabalhismo,
ou seja, a malandragem, a vagabundagem. [...] Enfim, o trabalhismo estava
colado ao texto da canção popular (Tota, 1980: 146).
Vale lembrar que o Estado Novo contava com ampla adesão das classes
intelectual e artística pelo menos a princípio
84
, em parte devido ao fato de que
Getúlio regulamentara a profissão do artista. O caso mais emblemático
assinalado tanto por Tota (1980) quanto por Moby (1994) refere-se ao samba
Bonde de São Januário (1940), de Wilson Baptista e Ataulfo Alves, que teria
sofrido alterações consideráveis na letra, cujo sentido, passou do culto à
malandragem para a ode ao trabalho
85
. Assim, se na primeira versão o samba
apresentaria a estrofe:
Quem trabalha não tem razão
Eu digo e não tenho medo de errar
O Bonde São Januário
Leva mais um sócio otário
Só eu que não vou trabalhar
Por solicitação do DIP, a expressão sócio otário foi substituída por
operário e eu que não vou trabalhar por sou eu que vou trabalhar,
resultando:
84
Moby reproduz um trecho do artigo Um surto Renascentista no Brasil dos anos 30 do crítico e
escritor Otto Lara Resende, publicado no jornal A Folha de São Paulo em 22 de novembro de
1992: “Era no tempo do ministro Gustavo Capanema, que tinha como chefe de gabinete Carlos
Drummond de Andrade. Homem público que, culto, lia quatro horas por dia, chovesse ou fizesse
sol, Capanema cercou-se de uma plêiade de valores. Além de Mário de Andrade, a quem coube
escrever o ante-projeto do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional [...] Foi um
benemérito também na ação pedagógica da mentalidade que a duras penas começou a dar
valor a nosso patrimônio cultural” (Resende, citado por Moby, 1994: 41-42).
85
Assim se pronuncia Wisnik: “Nos anos do Estado Novo, um surto de sambas que fazem a
apologia de uma moral do trabalho, dentro do clima de ufanismo-nacionalismo-trabalhismo que
marcava a propaganda getulista, e combatem a rica tradição da malandragem na música
popular do Rio de Janeiro”. Segundo nos afirma o autor [Tota], o samba da legitimidade
desvirtua a tradição legítima do samba que é fazer a apologia do samba e da malandragem.”
(op.cit. 1986).
Quem trabalha é que tem razão
Eu digo e não tenho medo de errar
O Bonde São Januário
Leva mais um operário
Sou eu que vou trabalhar
Não somente na letra, como também em sua estruturação musical, o
samba sofreria transformações a partir de então: passa a vigorar o gênero
conhecido como samba-exaltação, de caráter ufanista, orquestral, que, além de
edificar as qualidades da nação, tinha como meta enfatizar os ícones de uma
cultura popular, vendendo igualmente a imagem de um Brasil-exportação:
gigante, tropical, mestiço, com ginga e sensualidade. Em 1939, Ari Barroso
lança a Aquarela do Brasil, tida como a canção-modelo dessa fase.
Em relação ao nosso corpo documental, podemos citar um outro samba
de Ari Barroso, composto em 1940, também de “caráter nacionalista”, intitulado
Eu gosto do samba I e II presente no corpus deste trabaho (1940, CD 1, faixa
11); desta feita, descrevendo as qualidades do samba, da mulher e do país e
contrapondo-as aos atributos de outros ritmos estrangeiros, como o tango
(argentino), a chanson (francesa) e o boogie-woogie (americano). Trata-se de
outro típico exemplo do gênero exaltação, onde a nação (= o país ideal) é
simbolicamente representada por meio de signos clichês: o corpo moreno (= a
mulata); a batucada (= o samba); a terra ideal (Brasil). O samba aqui é
caracterizado por elementos da cultura afro-brasileira, negra e mestiça
(=muamba, feitiço, mandinga), e do folclore (samba de roda) condizente com a
reflexão proposta por Mário de Andrade e Gilberto Freyre. Assim, o enunciador,
incorporando a imagem clichê de uma mulher sedutora de corpo moreno,
descreve os encantamentos causados pelo ritmo do samba como uma espécie
de feitiço, bruxaria apontando para o transe, de caráter ritualístico - contra o
qual nada se pode fazer, a não ser render-se. Tal como o mulato inzoneiro - o
herói de um país mestiço -, a mulata, sedutora, simboliza a terra ideal, para
onde convergem todos os desejos. Assim como a mulher, o samba enfeitiça,
seduz e encanta, possuindo os mesmos poderes mágicos e as mesmas
qualidades sensuais da mulata: faz estremecer, gingar, mexer, dançar, circular
o veneno.
A Era Vargas assiste a seu fim com o declínio dos regimes que
assolaram a Europa, o fim da II Guerra Mundial com a vitória dos aliados e,
conseqüentemente, a consolidação da hegemonia norte-americana, de cunho
liberal, que tornava impossível a manutenção de uma política econômica
protecionista e intervencionista, sustentada pela ditadura Vargas, finalizando o
chamado populismo brasileiro e a ideologia nacional-popular” (Moby, 1994: 50).
No entanto, como salienta Hermano Vianna, Getúlio deixou-nos importante
legado, a saber:
“O Brasil saiu do Estado Novo com o elogio (pelo menos em ideologia) da
mestiçagem nacional, a Companhia Siderúrgica Nacional, o Conselho
Nacional de Petróleo, partidos políticos nacionais, um ritmo nacional. Na
música popular, o Brasil tem sido, desde então, o reino do Samba” (Vianna,
1995).
Resta-nos, a partir de agora, examinar de que forma os enunciadores-
sambistas, construíram a sua identidade com seus ritmos e sambas em francês
- objeto deste trabalho - e puderam interagir com esse momento histórico.
Assim, por tudo o que foi exposto, cabe-nos questionar como esse
contexto incide no universo musical de que estamos tratando. Ou seja, como o
discurso estadonovista, de caráter nacional-popular, encontra ecos no discurso
da canção? Qual o papel do francês e da língua francesa neste contexto?
Buscamos nesta parte analisar os sambas do ponto de vista da semiótica
greimasiana, na tentativa de demonstrar como dialogaram (Bakhtin) com o
contexto histórico em que foram produzidos, durante o Estado Novo. Por meio
da análise dos três níveis do percurso gerativo, fundamental, narrativo e
discursivo, pretendemos agora verificar mais especificamente a organização do
discurso, visando localizar as forças que movem as personagens no interior de
cada canção do período em foco e como estas se desenvolvem enquanto
atores sociais representativos de uma determinada época, que vai de 1930,
com o golpe de Getúlio Vargas, até a sua deposição, em 1945.
2. A filosofia de Noel Rosa
Noel Rosa é considerado um dos patriarcas do samba moderno,
responsável, ao lado de Ismael Silva, pelas mudanças estéticas do gênero,
tendo transformado o samba de ritmo amaxixado no ritmo “gingado”, mais
condizente com o processo de urbanização da sociedade brasileira daquele
momento (Sandroni, 2001: 143); além disso, trouxe a fala coloquial, a conversa
informal, o tom anti-literário e a paródia para o universo da canção popular, até
então fortemente marcada por um discurso poético empolado e artificial
(Sant’Anna, 1986: 196). Foi também um dos primeiros compositores a colocar
em pauta a discussão sobre a identidade cultural e lingüística.
Crítico ardoroso da sociedade burguesa que se prenuncia pelo
desenvolvimento de uma sociedade industrial, pelas máquinas e pela tecnologia
ainda incipiente, ou ainda, porta-voz das classes menos favorecidas, da cultura
do morro e da autenticidade popular, foi ainda um dos compositores que melhor
pontuou a tensão entre o tradicional e o moderno (Tota, 2001), como veremos
abaixo, trazendo o lirismo e a poesia dos personagens da rua, na contra-mão
do capitalismo em ascensão (Máximo e Didier, 1990: 486).
Ainda segundo Tota, no plano das representações, a obra de Noel
permite-nos observar o paradoxo entre o tradicional e o moderno, tensão essa
que traduz o processo de urbanização por que passava a sociedade brasileira
naquele momento (Tota, 2001: 08). Para o autor, ao ironizar a burguesia -
naquela altura europeizada, afrancesada ou mesmo americanizada - Noel nos
fez notar uma classe social sem identidade e sem lastro, sem o passado e “a
tradição das burguesias forjadas nas lutas liberais de moldes europeus” (Tota,
2001 : 08).
Na opinião de Luiz Tatit (1996: 40), a canção de Noel traz ainda uma
subjetividade voltada para o universo de sua vida pessoal; para ele, a dicção do
compositor inaugura um outro patamar na música popular, cujo sucesso
imediato junto ao ouvinte de rádio deveu-se principalmente à eficácia e a
sedução de um discurso baseado na habilidade rítmica (tematização), na
naturalidade entoativa, bem próxima da oralidade (figurativização) e na
profundidade temática (passionalização). Para Tatit, Noel fundou uma nova
matriz rítmica, apresentando soluções melódicas dentro de “um absoluto
controle entoativo de suas inflexões”, ao perceber que poderia “encaixar” letras
de caráter passional e afetivo dentro de linhas melódicas simples, sem grandes
intervalos. Para o autor, o estilo e a genialidade do poeta da Vila, como é
popularmente conhecido, sempre estiveram melodicamente comprometidos
com a maneira de dizer:
“Músico espontâneo, sem contato com as correntes literárias da época (pelo
menos, nada manifesto) desenvolveu com perícia ímpar o processo de
recortar melodias e cobrir textos com máxima eficácia de comunicação (Tatit,
1996: 29).
De fato, em sua obra, tem-se a impressão de que as canções são
exemplos de “conversas”, interlocuções naturais, daí o fato de quase não
apresentarem refrão (Caldeira, 2007: 160).
Ao observamos a canção Positivismo (CD 1, faixa 2), de 1933,
percebemos de antemão que o título traz uma clara alusão a esta filosofia
86
,
fato que nos leva imediatamente a crer que os princípios do filósofo Augusto
Comte (1798-1857) que influenciaram a instauração da República em 1889, e
principalmente o pensamento de Silvio Romero, ainda permeavam a sociedade
brasileira dos anos 30. Por outro lado, também podemos afirmar que esta
corrente filosófica francesa, atendendo ao mundo ”orecular” de Oswald de
Andrade
87
entrou para o mundo radiofônico, tendo sido apropriada e oralizada
pelo alto-falante da canção popular por meio da habilidade poética de Noel e
Orestes Barbosa, que transformaram a cultura letrada em objeto de cultura
popular, vulgarizando o discurso científico, e, por que não dizer, carnavalizando,
de acordo com Bakhtin (1981:105), a voz, a filosofia e o discurso de Augusto
Comte. Donde se conclui que a doutrina positivista,o disseminada no Brasil e
na recém-inaugurada República, chegou aos versos de Noel e Orestes com
naturalidade.
86
Segundo o historiador Rafael Augusto Sêga, o pensamento positivista surgiu na França ainda
na primeira metade do século XIX como reflexo da Revolução Industrial do século XVIII e da
Revolução Francesa de 1789, preconizando o predomínio da ciência e do método empírico
onde o saber provinha da investigação de fenômenos reais (positivos), da experimentação -
sobre os princípios da religião (Sêga, 2001: 01).
87
Ð co-
O tema em discussão na canção Positivismo gira em torno da separação
e da troca de valores, o amor pelo dinheiro: a figura da amada (enunciatário) foi
ser feliz ao lado de um outro, desconsiderando a máxima de Augusto Comte,
cuja filosofia colocaria em primeiro lugar o sentimento e, por último, a pujança e
o poderio econômico. Ao se referir ao dístico da bandeira brasileira “ordem e
progresso”, máxima da filosofia positivista, o enunciador alega ter a amada
desrespeitado e invertido a seqüência de valores preconizada pelos idéias
positivistas: tensão no mundo material bem como no mundo afetivo.
Portanto, enunciador e enuncitário se encontram agora em posições contrárias.
Ao ser abandonado, o sujeito enunciador, despeitado e inconformado,
passa a desprezar a amada (=vai), criticando o valor econômico que norteia a
sociedade burguesa e que deslumbra a ex-mulher. Em relação às estruturas
fundamentais, percebemos que no texto uma relação de disjunção; o
enunciador não apenas despreza a suposta amada (objeto de seu desejo)
como a quer longe, sentimento que pode ser comprovado: a) pelo uso do
imperativo: Vai, orgulhosa/ Vai, coração que não vibra; b) pelo emprego de
adjetivos colocados de forma irônica; são, na verdade, antífrases dignas de um
sujeito “despeitado” : meu amor/ querida.
Podemos observar duas categorias que se opõem e que se encontram
prefiguradas da seguinte forma: /poder econômico/ X /afeto/: os termos
“câmbio”, “libra”, “progresso” e “juros” estão ligados à categoria /poder
econômico/ enquanto os vocábulos “amor” e “coração” prendem-se à segunda,
/afeto/.
Esta oposição também pode ser verificada em nível de superfície pelas
relações antagônicas entre enunciador e enunciatário:
/afeto/ x /poder econômico/
Eu x Outro
Na verdade, o enunciador se vale de uma metáfora – o câmbio, a moeda,
as trocas comerciais para colocar as relações amorosas no âmbito das
relações econômicas e capitalistas. A amada, ambiciosa, tem preço; seu objeto-
valor é o dinheiro, o que é comprovado no campo semântico pelas escolhas
efetuadas: mbio (no lugar de troca); libra (no lugar de rival); juro exorbitante
(constituindo-se no preço de mercado que se paga pela mulher, em lugar do
amor, da afetividade, de verdadeiras qualidades), dívida flutuante (significando
a incerteza das relações, as oscilações, dos altos e baixos da vida). que se
notar que todos os vocábulos são tomados em suas duas acepções, denotativa
e conotativa, o que resulta em um discurso ambíguo, fortemente caracterizado
pelo duplo sentido.
O sujeito abandonado menospreza a mulher logo na primeira estrofe,
referindo-se de forma irônica ao seu fim, como atestam os exemplos de Pôncio
Pilatos que, ao condenar a figura de Cristo, teria sido julgado e sentenciado ao
final da vida, terminando por se suicidar; fim não menos terrível do que Joseph-
Ignace Guillhotin (1738-1814), inventor da guilhotina
88
, igualmente sentenciado
e guilhotinado, vítima de suas próprias ações. A ironia, trajetória cega, de quem
desconhece o seu fim, é cáustica, em tom sarcástico, levada às últimas
conseqüências, quase exprimindo um desejo de vingança para aquela que não
teve coração:
A verdade, meu amor, mora num poço
É Pilatos, lá na Bíblia quem nos diz
E também faleceu por ter pescoço
O autor da guilhotina de Paris
Pelo que se pode inferir, antes do momento da enunciação, os
personagens (enunciador e enunciatário) viviam uma relação supostamente
afetiva, rompida pelo aparecimento de uma terceira pessoa que, ao trazer outro
objeto-valor (o dinheiro), estabelece a clássica situação de um triângulo
88
Guilherme Gullotin (1738-1814), inventor da guilhotina, também foi guilhotinado. “A palavra
passa a ser mais largamente empregada na história a partir de 1793, na França de Robespierre.
Até o inventor da guilhotina, um cidadão francês de sobrenome Guilhotin, teve sua cabeça
ceifada por esse instrumento no período que se denominou de terror “ (Sêga, 2001).
amoroso. No nível axiológico, incompatibilidade entre ambos (enunciador e
enunciatário):
O amor vem por princípio
A ordem por base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim
Notam-se, pois, os pares de oposição:
princípio x fim
amor x progresso
perto x longe
Percebe-se que o enunciador parece movido pelo despeito, sentimento
que pode ser recompensado pelo menosprezo ou pela ironia. Por esse
mesmo motivo, sanciona-a negativamente, procurando afastá-la e desqualificá-
la, desferindo-lhe críticas ou caracterizando-a como falsa, interesseira,
“prostituída”: ela tem seu preço. Para o sambista-enunciador, trata-se de uma
vilã, uma anti-heroína:
Vai coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante
Essa mudança na trajetória vivida pela personagem feminina – a troca de
companheiro, de vida, de poder econômico, de posição social, buscando
ascender socialmente provoca uma ruptura no plano narrativo (estavam juntos
anteriormente), definindo antagonismos em seus percursos, de resto,
antecipados em nível profundo pela evidência das categorias /poder
econômico/ x / afeto/: por um lado, o distanciamento do sujeito enunciador,
motivado em dever afastar-se do objeto do seu desejo (“foste ser feliz longe de
mim”; “transformar em outra libra em dívida flutuante”); por outro, o novo
caminho do sujeito enunciatário em direção ao reconhecimento social. Não há e
não pode haver identidade entre ambos:
Vai, orgulhosa, querida
Mas aceita esta lição
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração
A performance do narrador está engajada em denunciar a sua falsidade,
associando-a a uma pessoa insensível (=coração que não vibra). O sujeito vive
o sofrimento (a paixão) do abandono enquanto a ex-amada vivencia a felicidade
e o poder, trazidos pelo surgimento de um terceiro (o rival no triângulo amoroso)
que, na visão do narrador-enunciador (e no linguajar da época), é mais um
“otário” que se anuncia:
Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante
O fato de não haver vozes denota que o narrador-enunciador detém a
palavra e o juízo de valor; esse recurso permite-lhe manifestar apenas um
ponto de vista: o seu; é ele quem detém a mise-en-scène de maneira a
manipular o seu interlocutor em função do objeto /afeto/; o seu ponto de vista é
subjetivo.
Uma outra leitura nos é sugerida por Antônio Pedro Tota (2001) em artigo
intitulado Cultura, Política e Modernidade em Noel Rosa (2001) ao afirmar que a
temática da dívida externa brasileira foi recorrente no trabalho do compositor;
para ele, o progresso valorizado pelo positivismo associava-se no Brasil, ao
jacobinismo republicano. Assim sendo, o país, a pátria, assim como a amada,
poderia ter-se vendido às oligarquias, ao poderio econômico (ao outro); o
jacobinismo brasileiro, segundo assinala
“...não conseguiu livrar-nos da dívida externa em libra acumulada pelos
vários empréstimos. Os juros eram exorbitantes. A revolução de 1930
retomou a política de valorização do café, produto em queda no mercado
consumidor internacional arrasado pela profunda crise do capitalismo. A
política de valorização do café, pela queima ou destruição da safra, alterou,
ainda que não profundamente, o quadro. A dívida foi postergada: o governo
Vargas tomou algumas medidas que contrariavam os interesse dos credores
internacionais” (Tota, 2004: 04).
Desta forma, a figura da amada pode ser desdobrada em duas
personagens; a mulher interesseira ou a nação interesseira. Essa ambigüidade
é possível porque o texto admite duas leituras, projetando, por um lado, figuras
voltadas para o universo das relações afetivas e, por outro, ligadas ao universo
das relações econômicas. No campo semântico, os vocábulos também
apresentaram a mesma dubiedade.
Por apresentar uma situação de abandono, seria de se esperar uma
melodia de andamento lento com curvas melódicas acentuadas, sugerindo um
estado disfórico, de disjunção, que se adequasse ao sentimento de saudade,
de tristeza, de tentativa de reconquista ou de busca do objeto amado. Não é o
que acontece. Aqui, a melodia, de andamentopido, de ethos alegre, eufórica,
parece contrariar os princípios de eficácia. Entretanto, é exatamente o
andamento que muda o sentido da canção, transformando o suposto caráter
passional de um sentimento de perda em um sentimento jocoso, confirmando,
assim, o humor da última estrofe.
Na letra, não perspectiva de volta, não se busca recuperar o objeto de
desejo perdido. O estado de separação deve permanecer, tendo o locutor
preferido envenenar-se a ser envenenado, oferecendo a si próprio o antídoto da
mordida.
Os autores Maximo e Didier (1990: 247), responsáveis pela biografia do
compositor ainda nos fornecem uma história curiosa a respeito da parceria
deste samba. Orestes teria entregado, num guardanapo, a letra da canção a
Noel, no Café Nice - ponto de encontro de compositores, também local de
acordos, trocas e vendas de sambas que, por sua vez, demorou muito para
terminá-la. Desconfiado, Orestes passou a difamá-lo, acreditando que o
compositor pudesse ter-se apropriado dos tais versos. Sabendo do ocorrido,
Noel não procurou desfazer o mal-entendido nem reclamar a Orestes pela
injustiça sofrida. Prepara apenas um recado musical, ao acrescentar uma última
estrofe:
A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar
Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu já resolvi me envenenar
3. Sem tradução no idioma francês: língua, samba e identidade
Um outro aspecto levantado pelo compositor diz respeito à questão da
identidade, em toda a sua abrangência: cultural, musical, lingüística. Em Não
tem tradução (1933, CD 1 faixa 3) também conhecida por Cinema Falado,
Noel, ao lado de Francisco Alves e Ismael Silva, supostos parceiros, tratam da
invasão cultural e da perda da identidade provocada pela sonorização do
cinema
89
.
Neste samba, o narrador-enunciador chama a atenção para essa nova
diversão e sua franca adesão pelas classes mais abastadas, questionando, por
assim dizer, a invasão cultural norte-americana que influiu não apenas no gosto
e nos novos hábitos da cidade como também na linguagem adotada pela
população. Critica a sonorização do cinema, a incipiente indústria cultural e a
penetração da cultura estrangeira no país, ironizando esses símbolos da
modernidade tão bem apropriados pela classe burguesa: o cosmopolitismo, os
idiomas, os ritmos estrangeiros e as novas mídias. O sambista-enunciador
aborda ainda a descaracterização do povo brasileiro, a perda de uma suposta
brasilidade - da língua, da música, dos costumes.
89
Ao cantar o cinema sonoro, o enunciador tematiza uma das maiores mudanças na história da
humanidade, advinda primeiramente com a invenção do próprio cinema e, em seguida com o
desenvolvimento da tecnologia do som, cujo impacto viria a transformar hábitos da sociedade
brasileira, inaugurando, por assim dizer, a hegemonia norte-americana, jamais perdida. O
cinema sonoro, diversão de massa eminentemente burguesa, chegou ao Rio em 1929, contando
com a adesão imediata da sociedade brasileira (Máximo e Didier, 1990).
A canção se inicia com o julgamento (uma sentença); o tom parece ser o
de denúncia:
O cinema falado
é o grande culpado
da transformação
O cinema é o vilão, pois, sendo falado, é o responsável direto por trazer
consigo o som de outras línguas e o fascínio de outras culturas; esse contato
(fenômeno de interculturalidade) desconcertante com o outro contamina e
ameaça a autenticidade da linguagem, do país, da música. Para o enunciador,
que parece não concordar com essa transformação, o cinema é o causador
deste bouleversement cultural, tendo recebido até mesmo a anuência do
malandro, já que este acabou adotando os ritmos americanos, como o fox-trot:
A gíria que o nosso povo criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar
Dando pinote
E só querendo dançar o fox-trot
Trata-se de uma problemática voltada para as questões de língua e
território, noções que, por definição, caracterizam a identidade de uma nação.
Desse modo, o enunciador traz à tona a problemática da língua materna, da
fala, da cultura e do lugar, colocando-nos diante de um fato contemporâneo à
época, qual seja, da busca incessante de uma língua que traduzisse a sintaxe e
a semântica do falar do povo, com todas as suas inflexões; esta, por sua vez,
remete-nos à questão da identidade, simbolizada pela língua (o brasileiro), pela
fala (a gíria), pela cultura (o samba), e pelo território (o morro).
À primeira vista, percebemos uma dicotomia opondo geograficamente o
morro e a cidade, que, via de regra, representa uma luta de classes: de um
lado, temos os habitantes do morro, que não freqüentam o cinema,
aparentemente o dançam (ou não dançavam) o fox-trot, tampouco dominam
o francês e o inglês; de outro, os burgueses, moradores da metrópole, versados
em línguas estrangeiras e adeptos das novidades tecnológicas. Esta figura - o
morro x a cidade - é recorrente na canção brasileira, como bem assinalou
Carlos Sandroni (2001: 174).
Assim, em nível profundo, pode-se inferir uma relação de disjunção, uma
vez que o enunciador dispõe os habitantes da cidade em lados contrários. A
categoria semântica fundamental é /nacional/ x /estrangeiro/ ou ainda /povo/ x
/elite/. Essa relação dicotômica perpassa toda a canção, sendo representada
por meio de figuras que se apresentam no discurso por meio das seguintes
isotopias:
/o povo/ x / a elite/
samba x fox-trot
Brasileiro x português, francês, inglês
morro x Cidade
O estado disfórico pode ser igualmente confirmado pelo tratamento
pejorativo e por um certo ar de desdém com que o enunciador trata os
freqüentadores da sala de cinema: essa gente, em franca oposição a nosso
povo. Aliás, na mesma passagem, Essa gente que tem a mania da exibição
devemos ressaltar o duplo sentido (literal e figurado) do vocábulo, referindo-se,
de um lado, aos esnobes, e, de outro, aos fanáticos por cinema. Essa gente,
“os exibidos”, o falam o nosso idioma, a língua do morro, o brasileiro. Vale
salientar ainda a inversão irônica com que o sambista-enunciador, estando sob
a ótica de quem olha a burguesia do ponto de vista do morro, refere-se a esses
burgueses, essa gente, contrariando inclusive o uso corrente da expressão com
que estes locutores costumavam usualmente ver e qualificar as pessoas
simples. Trata-se não somente de uma crítica ao burguês afrancesado - e agora
americanizado - que rapidamente adota novos costumes, como também à
sedução exercida pela arte cinematográfica entre a gente do morro, tido como
reduto da cultura autêntica. Sem dúvida, também uma crítica ao abandono
dos valores nacionais:
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar
Dando pinote
E só querendo dançar o fox-trot
Ao entrar em conjunção com o fox-trot, o malandro estabelece
naturalmente uma relação de disjunção no que se refere ao samba.
Nas telas de cinema, também uma predominância lingüística trazida
pelo som, reproduzindo, incorporando e popularizando novas falas - linguagens
e modos de dizer - , até então desconhecidos ou dominados apenas por uma
pequena parcela da sociedade. A esse fato, o enunciador contrapõe a fala e a
gíria do morro que não encontra paralelos na língua portuguesa, tampouco
pode ser traduzida para o francês: esses não dominariam a linguagem da alma,
uma vez que a voz macia é ligada ao afeto, aproxima, eliminando distâncias:
Essa gente hoje em dia
Que tem a mania
Da exibição
Não se lembra que o samba
Não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro,
Já passou de português
Assim, o enunciador busca uma nova fisionomia para a língua materna -
o brasileiro, com suas gírias, sotaques, inflexões, sintaxe e sentimento -
enquanto instrumento delimitação de território, que se opõe diametralmente às
línguas estrangeiras, inclusive o português de Portugal. O enunciador-sambista
prega abertamente a dessacralização da língua portuguesa baseada nos
moldes da norma culta.
O campo semântico se encontra assim dividido: por um lado, a gíria
(variante lingüística, jargão, registro familiar, o brasileiro); por outro, o idioma
(francês, inglês, português), sem contar a transposição, a tradução, e a
pronúncia (a voz macia).
Curioso notar que o enunciador esbarra intuitivamente em conceitos
fundamentais desenvolvidos pela Lingüística tais como a oposição língua e fala
de Ferdinand de Saussure
90
, a arbitrariedade do signo, a questão dos registros
e variantes lingüísticas (a gíria do morro), a norma culta (o português), os
problemas da tradução, a polifonia discursiva de Mikhail Bakhtin (= o amor pra
chuchu, o linguajar do povo), bem como a heterogeneidade da cadeia
enunciativa (I love you, alô boy, alô johnny). Essas heterogeneidades
discursivas representadas por um processo de contato e hibridização lingüística
(a voz do outro, a língua dentro da língua) e pelas rimas inusitadas, nada
puristas - pinote/ fox-trot I love you/ pra chuchu; Alô Johnny/ telefone - , além
de causar certo estranhamento, provocam efeito irônico: não é conversa real,
de verdade; pode ser mediatizada via telefone, caracterizando uma farsa.
Daí o efeito inesperado, de humor e de franco non-sense:
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são “I love you”
E esse negócio de “alô”, “alô boy”, “alô Johnny”
Só pode ser conversa de telefone
Assim cinema e telefone representam não somente ícones da
modernidade como também interferem diretamente no comportamento sócio-
cultural, projetando modos de ser e de falar. Trata-se, pois, de registros
lingüísticos caracterizando uma polifonia interdiscursiva (como quer Bakhtin),
representada pela isotopia:
/nacional/ x /estrangeiro/
amor pra chuchu x I love you
registro familiar x norma culta
gíria x português (lusitano)
Pronúncia x tradução
Emoção x Razão
90
Para Saussure, a fala é vista como a manifestação da língua, entidade que está presente entre
os falantes enquanto possibilidade e projeto potencializado. Pressupõe-se que o enunciador não
queira uma língua rebuscada, rígida, mas direta, que fale ao coração. Por esse motivo, brinca
com a noção de significante e significado, com o sentido das palavras, como por exemplo no
verso : amor lá no morro é amor pra chuchu, que segundo ele, é proferido com emoção.
O plano narrativo parece confirmar o que havia sido prenunciado nos
níveis fundamental e discursivo, onde podemos observar dois programas
nitidamente contrários: o do sujeito enunciador (o protagonista e malandro
sambista) que tem a função de resistir à proposta do segundo programa, qual
seja, a transformação cultural trazida pelo cinema (o anti-sujeito, antagonista e
vilão nesta história) cujo propósito seria o de invadir, modificar, dividir -
colocando em disjunção - , a sociedade brasileira e a cultura nacional. Como
consegue? Por intermédio da aceitação da sociedade que, aos poucos
primeiramente junto à burguesia, depois junto à malandragem - , vai seduzindo
as classes populares através das novas máquinas (o telefone), das novas
mídias (o cinema) das novas falas (alô), aliciando inclusive Risoleta e o
malandro do morro.
Para competir com o outro, com aquilo que vem de fora, o enunciador é
obrigado a fazer malabarismos como cantar uma falseta
91
para a personagem
Risoleta
92
que, embora encantada, ainda resiste aos apelos do estrangeiro. O
enunciador também denuncia a fuga do malandro, que, igualmente seduzido,
teria abandonado o samba e suas origens:
Mais tarde o malandro deixou de sambar
Dando pinote
E só querendo dançar o fox-trot
Pontuando a relação entre samba e língua inglesa, a autora Vera Lúcia
Menezes de Oliveira e Paiva
93
registra o aparecimento do idioma inglês na
música popular a partir da década de 20, assinalando sua intensificação nos
anos 30, com o advento do cinema falado e da adesão da elite brasileira ao
91
Falseta: ritmo espanhol do flamenco caracterizado pelo improviso.
92
Cantora que aparecerá em pelo menos quatro sambas repertoriados neste corpus. Trata-se de
uma personagem real que simboliza a música popular em suas origens. Dados colhidos na
Dicionário Cravo Albin digitalizado: “Atuou nas duas primeiras décadas do século XX e foi uma
das intérpretes da compositora Chiquinha Gonzaga, de quem gravou cançonetas e fados.
Também cantou e gravou em dueto com o conhecido cançonetista Eduardo das Neves. Estreou
em disco em 1912, quando gravou na Odeon a cançoneta Up to date. [....]”. Dicionário Cravo
Albin da Música Popular Brasileira www.dicionariompb.com.br. Data: 06.08.2007.
93
Paiva defende a idéia de que o samba, “ao tomar para si o papel de defensor da cultura
brasileira insurgindo-se contra o modismo do uso indiscriminado de vocábulos da língua inglesa”
termina criticando as próprias classes populares e contribuindo para propagar o preconceito
contra essas mesmas classes (Paiva, 1995: 1).
chamado american way of life; ilustra sua argumentação, citando este samba e
ainda Canção pra inglês ver (1932) de Lamartine Babo, e destaca a passagem
do emprego do francês para o inglês:
“A partir da década de 30, intensifica-se a influência americana através do
cinema falado. O american way of life é glorificado em nossas telas e a elite,
que até então usava e abusava dos empréstimos em língua francesa, adere
à moda do inglês exportado pelos Estados Unidos. O samba, sempre atento
às influências culturais e ao comportamento da classe dominante, nunca
perdeu a oportunidade de criticar e denunciar o que era considerado índice
de aculturação” (Paiva, 1995: 2).
Para terminar, podemos afirmar ainda que outra temática subjaz à
questão da identidade, qual seja, a tradição x modernidade que se prende
igualmente à categoria /povo/ x /elite/: os burgueses tendem a aderir às
inovações enquanto o povo mostrou-se mais conservador e tradicional. Temos
então:
/tradição/ X /modernidade/
conversa real X Conversa por telefone
conversa não mediatizada X Conversa mediatizada
verdadeiro X Falso
Concluímos que o enunciador-sambista começa e termina seu discurso
afirmando que “o samba não tem tradução”, é algo que se sente e com o qual
se pode identificar; que não se explica na língua brasileira, mas é carregado de
afeto e sentimento. No cinema, o cidadão brasileiro (do morro) não se vê, o
se ouve e não pode se sentir representado; por isso, rechaça os
estrangeirismos, o colonialismo e a invasão cultural e lingüística trazida por esta
indústria cultural, bem como a adesão da burguesia. O significado de
estrangeiro nesta canção, assume igualmente outra conotação, podendo ser
entendido como tudo aquilo que é exterior e foge à esfera do morro. Mais uma
vez voltamos à problemática predominante, a luta de classes, ou o /povo/
versus a /elite/ .
4. Os sambas em francês da Era Vargas: “o nacional x o estrangeiro” ou
“o povo x a elite”
“Em vez de olhar de frente esse processo, o programa musical nacionalista
resiste até quando pode, de forma bastante compreensível, diga-se, ao
deslocamento sofrido pela arte na modernidade capitalista, procurando
desviar os seus sinais na direção de uma investidura cívico-pedagógica que
buscará apoio no Estado forte carente de legitimação. Com isso, recusará
junto com Platão, as inovações musicais que sinalizam o desenvolvimento da
linguagem por um lado (na forma da vanguarda radical atonal), e as músicas
“popularescas”, carnavalescas e outras que denunciam o caráter multiforme
das interpenetrações lírico-satírico-paródico-festivas da música popular
urbana ....” (Wisnik, 1983: 149).
Examinemos agora como procedeu a canção em seu discurso específico
e de que forma foi reveladora de uma ideologia contrária à influência
estrangeira e aos estrangeirismos, constituindo-se num discurso de identidade
nacional, condizente, como dissemos, com o ideal de povo, com a criação do
mito da mestiçagem e com a invenção do próprio samba. Este é o caso, por
exemplo, de “Tem Francesa no morro (1932, CD 3 , faixa 2) de Assis Valente :
Donê muá si vu plé (= Donnez-moi s’il vous plaît)
Lonér de dancê avec muá (=l’honneur de danser avec moi)
Dance ioiô, Dance iaiá (=danse ioiô, danse iaiá)
Si vous frequente macumba (= si vous fréquentez macumba)
Entrez na virada et finis pur sambá (entrez et finissez par)
Tem Francesa no morro, maxixe gravado por Araci Cortes em 1932 pela
gravadora Colúmbia, marca a estréia do compositor Assis Valente (1911 - 1958)
na música popular brasileira, tendo sido exibida na revista musical de mesmo
nome
94
. A cronologia dos sambas parece apontar esta composição como uma
94
A canção não fez o estrondoso sucesso que se imaginava. Em 1967, Araci voltaria a gravá-la
para o espetáculo Rosa de Ouro 2, conforme apresentamos neste catálogo: “Acanhado e tímido
a princípio, Assis Valente procurou pela atriz no Teatro Recreio e mostrou-lhe o samba: ‘Ela
pediu que eu cantasse e quis ver a parte de piano. E começou a rir da letra, que eu também
das primeiras na música popular a parodiar línguas estrangeiras - ao lado de
Canção para inglês ver (1931-1932), de Lamartine Babo - inaugurando, por
assim dizer, uma “onda nacionalista”, condizente com a época. Outras
composições satíricas no mesmo estilo apareceriam a seguir: seis meses mais
tarde, o próprio Assis escreveria Good-bye, boy (1933) entregue a Carmen
Miranda; na sua esteira, Noel faria Não tem tradução (1933), também
catalogada em nosso estudo e analisada no item anterior, e, ao lado de Vadico,
comporia Tarzan, o filho do alfaite (1936), ironizando o herói de Hollywood. Em
1937, Carmen Miranda registraria O samba e o tango, de Amado Régis.
O tema parece ser uma sátira à elite cultural brasileira que comumente
fazia uso de estrangeirismos, principalmente em língua francesa. Época dos
dancings, dos cabarés, dos salões e das revistas musicais, locais em que se
ouviam polcas, tangos e maxixes, ritmos para se dançar. Como cronista da vida
noturna carioca, Assis descreve uma cena de cabaré, dando voz a um sujeito
enunciador, um dançarino, que convida uma bailarina, supostamente francesa,
para dançar; ambos, de acordo com os indícios, atores sociais pertencentes às
camadas populares. A classe dominante, por sua vez, também aparece
representada nesta dança, pelas figuras de ioiô, iaiá, (= sinhô, sinhá) formas de
tratamento com que os escravos costumavam se referir aos seus senhores. É
de se imaginar que esses personagens referidos - ioiô e iaiá - também
tenham aderido à dança do maxixe.
Sendo um ritmo cadenceado, letra e música reiteram esse aspecto
dançante, coreográfico, sensual, apelando para os sentidos, onde se notam o
ritmo sincopado e as repetições por meio do refrão; segundo Tatit, temos aqui
um processo de tematização. A melodia, por sua vez, é próxima da fala,
lembrando uma conversa, ou um convite à dança, caracterizando, também, um
processo de figurativização.
achava engraçada. Percebi que a coisa estava se encaminhando, embora até então ela não
tivesse sequer olhado para a minha cara.’ A cantora não disse mais nada. Levou consigo a parte
de piano escrita por Pixinguinha. Dias depois, Assis foi convidado (e exibia o telegrama cheio de
vaidade a todo mundo) a ir à gravadora Colúmbia para assinar o contrato, assistir a ensaios e
ouvir a gravação da música. ‘Eu fiquei surpreso’, contou Assis depois. ‘Ela valorizara duas vezes
mais o que eu tinha feito’. Mas gravada e lançada na praça, a sátira musical não teve a
repercussão esperada junto ao público”. Gomes, Dulcinéia Nunes / Silva, Francisco Duarte A
jovialidade trágica de José de Assis Valente. Editora Martins Fontes/ Funarte. Rio de Janeiro,
1988, p. 47.
O título é, por si só, indicativo de um fenômeno de interculturalidade: a
francesa subiu o morro para dançar um ritmo nacional. Trata-se, a nosso ver,
de uma francesa atípica, abrasileirada, que, pelo que se pode inferir, além de
infiltrar-se na favela, freqüentava rodas de macumba
95
, fato que pode ser
evidenciado pelos versos:
Si vous frequente macumba (= si vous fréquentez macumba)
Entrez na virada et finis pur sambá (entrez et finissez par)
Analisando os procedimentos colocados em jogo pelo enunciador,
destaca-se uma inter-relação dialogizada por meio não apenas de duas vozes,
mas de interlocutores que dominam línguas diferentes. A língua empregada é o
francês, aportuguesado, constituindo novamente um processo de hibridização
lingüística ou um fenômeno de heterogeneidade mostrada (Cf. Batkthin e
Authier-Revuz).
Trata-se de um processo interdiscursivo polifônico de desconstrução da
língua francesa, onde predominam anarquia lingüística, humor, non-sense e
inversão de valores: o classique est dansé “em cime de mesa”. O tom é o de
paródia na acepção do termo: a língua francesa é mal empregada,
transcrevendo, arremedando, por meio de uma fala que transgride a norma,
uma suposta sonoridade que mimetiza alguns sons do francês, deixando
ressoar um eco (uma imitação), mas não a língua efetiva.
Com efeito, verificamos uma total transgressão às regras gramaticais. A
ortografia “bizarre” (guardando, no entanto, a consonância sonora), a confusão
no emprego dos pronomes tu e vous, o mal uso de estruturas e articulações
língüísticas (je me querendo dizer “je m’en vais”), a regência inadequada na
articulação sintática de algumas frases (tais como, finis pour, ao invés de
finissez par), ou ainda, a mistura com o português, incorporam a sátira e a
paródia ao samba. De fato, é no plano da expressão que a paródia se
95
Aqui, muito provavelmente o termo macumba queira dizer simplesmente roda de samba.
Porém, que se notar uma outra acepção, mais voltada aos rituais africanos do candomblé,
também praticados no Rio de Janeiro no início do século XX.
evidencia, constituindo-se num pastiche fonético. Seria possível para um falante
de língua francesa compreender este discurso?
Bakhtin considera a paródia uma figura aliada ao gênero cômico-sério e à
sátira menipéia, não podendo ser dissociada do fenômeno da carnavalização
(1981: 20-31); o carnaval, por sua vez, é o grau máximo de inversão em um
processo cultural, forma pela qual as classes inferiores satirizam seus
superiores hierárquicos. Neste caso também - como quer Bakhtin - invertem-se
os papéis, de língua culta traço distintivo do idioma francês no Brasil
96
- a
língua passa a estar na boca do povo. Vale lembrar ainda da noção de
carnavalização oswaldiana, de caráter antropofágico, onde a apropriação do
discurso deste outro tem por objetivo degluti-lo, como dissemos.
Justamente por se tratar de uma paródia, o tema parece deslocar o eixo
de significação para um embate lingüístico, entre o português e o francês, ou
seja, entre a língua materna e a língua do outro. Mais uma vez a questão da
busca da identidade perpassa esse universo cancional. Porém, outros
elementos estão em jogo. O sujeito enunciador não transgride apenas as regras
gramaticais e lingüísticas. Ao chamar para si a petite francesa para dançar em
cime de mesa, busca o contato corporal e coloca o mundo do avesso,
transgredindo os bons costumes.
Se a língua estrangeira é por definição o lugar do outro, do diferente,
estabelecendo com a língua materna um jogo de polaridades em que se
observam tanto o confronto quanto a assimilação (Revuz, 1998: 220), é de se
supor que o enunciador, ao colocar em cena toda uma estratégia lingüística
queira atingir determinados objetivos: o interlocutor tenta (jocosamente) falar a
língua de sua interlocutora, tentando trazê-la para si, manipulando-a,
seduzindo-a. Assim, é por meio do idioma, o francês, que o protagonista se
aproxima de seu objeto do desejo (o objeto valor): a língua francesa funciona
como uma aliada nesta conquista. Dominar a língua significa também dominar a
dama. Aliás, o interlocutor vai mais além em sua intenção, propondo, além da
dança, uma mistura: de raças e de línguas. Trata-se igualmente de um convite
96
No imaginário brasileiro, o idioma francês é símbolo de sofisticação.
para que a francesa adote a cultura brasileira. Ao que tudo indica, a dama foi
conquistada.
Percebemos inicialmente que a canção apresenta uma relação de
disjunção entre o sujeito e o objeto, uma vez que o sujeito enunciador propõe,
ao ritmo do maxixe, uma aproximação (a dança) com o enunciatário (a
francesa, alvo de seu desejo), onde se notam as seguintes isotopias : / lonér de
dancê/; /entrê na virada/ ; / sambá/ ; /dance/ ; todas significando “dançar”.
A categoria semântica fundamental é novamente /nacional/ x
/estrangeiro/
97
. Esta dicotomia também pode ser evidenciada no plano
discursivo através da observação de uma outra oposição, referida, entre as
línguas portuguesa e francesa, em choque “harmônico”
98
ao longo de todo o
trajeto melódico. No plano discursivo, temos, pois, de um lado, as figuras
ligadas ao elemento nacional; de outro, os ícones da cultura estrangeira, aqui
representada pela cultura francesa. Assim, podemos verificar os seguintes
pares de opostos:
/nacional / X /estrangeiro/
cultura brasileira X cultura francesa
macumba X danse classique
O sujeito quer (sabe e pode) dançar, pois está tomado pelo desejo da
francesa, daí o fato de querer colocá-la em cima da mesa. Pode-se depreender
daí uma segunda leitura: seria ela uma prostituta? Vale lembrar que o termo
francesa era o epíteto com que as mulheres consideradas de vida fácil eram
eufemisticamente conhecidas e denominadas no início do século XX. Não
podemos esquecer que o maxixe deu seus primeiros passos no bairro da
Cidade Nova, zona portuária e conhecido local de meretrício, conforme já
dissemos.
97
Esta categoria (/nacional/ x estrangeiro/) irá permear praticamente todos os sambas da Era
Vargas.
98
As aspas se devem ao fato de que as estruturas lingüísticas se defrontam, mas, ao mesmo
tempo, parecem se acomodar ao novo resultado: os idiomas também dançam, entrelaçando-se.
Que interlocutor não compreenderia o convite, a intenção?
Porém, o desejo inicial da contra-dança, apesar de atravessar toda a
canção, não é satisfeito, pois o enunciador não realiza o seu querer: a
interlocutora e possível parceira não sabe e não pode dançar:
Si vu ne pê pá dancê
Pardon ma cherrie
Adieu je me
Desta forma, a relação sujeito/objeto permanece disjuntiva, embora o fato
não pareça ter abalado o enunciador: esse mesmo sujeito dissonante em
relação à petite francesa, encontra-se em conjunção com seus próprios valores
nacionais (a dança do maxixe, a língua portuguesa). No contexto de uma
ideologia voltada para o nacional -popular, a escolha de uma paródia significou
uma estratégia com que o sujeito enunciador finge dominar o idioma francês,
tanto para seduzir quanto para satirizar
99
.
Com o fechamento do Congresso e a instauração de um regime ditatorial,
em 1937, a canção popular sofre abalos em sua força enunciativa e temática,
voltada para a malandragem e a orgia (Tatit, 2004: 78). Incentivados pelo DIP e
pela política promovida pelo Departamento de Estado norte-americano durante
a Segunda Guerra, alguns compositores, como dissemos, aderem a esse
nacionalismo exacerbado, projetando no discurso da canção a imagem de uma
país grandioso, cosmopolita, desenvolvido, que tem no gênero exaltação a sua
tradução mais legítima. Historicamente este gênero de samba é considerado o
“cartão-postal” do Brasil, cultuado principalmente a partir de 1939, como
resultado da chamada política da boa vizinhança
100
, da qual Carmen Miranda e
Ari Barroso são os maiores representantes.
99
Nesse sentido, podemos afirmar que Assis Valente já realizava a malandragem, a
Como dissemos, em 1940, Ari Barroso compôe Eu gosto do samba I e II
(1940, CD 1, faixa 10), na mesma linha de Aquarela do Brasil (1939), também
de sua autoria, exaltando as qualidades do samba, da mulher e do país e
contrapondo-as aos atributos de outros ritmos estrangeiros, como o tango
(argentino), a chanson (francesa) e o boogie-woogie (americano). O samba aqui
é caracterizado por elementos da cultura afro-brasileira, negra e mestiça
(=muamba, feitiço, mandinga), e do folclore (samba de roda), imagens que se
coadunam com o que preconizava Mário de Andrade e Gilberto Freyre.
Samba, pátria e mulata são imagens que se fundem num corpo,
isotopias que remetem ao mesmo topus: o Brasil idealizado. Nesta metáfora do
idílio tropical, tudo conflui para um mesmo lugar: o corpo da mulher, o corpo do
samba, o corpo da pátria. A correlação entre samba e mulata pode ser
identificada pelo uso das seguintes figuras:
. o corpo moreno (a pele);
. a batucada da cuíca, do pandeiro e do tamborim (a pele do instrumento).
Antes de iniciarmos a análise propriamente dita, convém esclarecermos
que este samba é composto por duas partes distintas: a primeira, totalmente
em português, tendo por objetivo “glosar” as qualidades do samba, do país, da
mulata, enquanto a segunda é formada por um tango argentino (cantado em
castelhano), de uma chanson française (interpretada em francês) e de um
boogie-woogie (cantado em inglês), que fazem o contraponto ao que foi exposto
na primeira parte, do qual extraímos o trecho:
Eu gosto do samba
Até parece muamba
Feitiço, despacho, mandinga
Eu estremeço toda no samba de-roda
Que ginga, que ginga ai, ai
[...]
J’attendrai le jour et la nuit
J’attendrai ton retour
J’attendrai car l’oiseau qui s’enfuit
- Et vous aimez ça?
Monsieur, madame ?
A cada intervenção em língua estrangeira, em que se dirige ao suposto
ouvinte (enunciatário e destinatário) com uma pergunta (= “Le gustó?” ; Vous
aimez ça ?”; Did you like it?”) a interlocutora (sujeito enunciador) volta
imediatamente ao samba e à língua portuguesa; a conjunção mas parece
pontuar a oposição, para que a interlocutora reinicie a sua apologia. O tonema
ascendente acompanhado de prolongamento da nota significa emoção e
hesitação, na tentativa de explicar que pode até haver envolvimento por outra
cultura, porém o samba é o lugar de origem. Neste trecho, encontra-se toda a
passionalização da canção: o coração, a sua identidade, pende para o próprio
país.
Mas ... eu gosto do samba ...
[...]
A categoria semântica fundamental mais uma vez oscila entre o
/nacional/ e o /estrangeiro/, o /eu/ e o /outro/ , que podem ser assim
desdobrados:
/nacional/
x /estrangeiro/
Samba x Tango
Samba x chanson
Samba x boogie-woogie
Assim sendo, no nível discursivo, temos: batucada, cuíca, pandeiro,
tamborim, para samba; terra ideal, para Brasil, corpo moreno, para mulata e,
finalizando, moamba, feitiço, despacho, mandinga para a magia que inebria. A
alteridade, por sua vez, é simbolizada pelos ritmos do tango, da chanson e do
boogie-woogie interpretados em suas línguas respectivas. Interessante notar a
preocupação do enunciador em reproduzir todas as falas, criando um discurso
polifônico que se verifica, por exemplo, pela “intromissão” das línguas
espanhola, francesa e inglesa. Cortando igualmente a cadeia enunciativa, o eu
enunciador reproduz igualmente o linguajar do interior, a fala do homem simples
(“óia a cuíca”), e ainda, por meio de onomatopéias, mimetiza os sons dos
instrumentos de percussão e de uma batucada, elementos que nos remetem ao
folclore (o samba-de-roda), aos ícones uma cultura autóctone, não-mediatizada.
Trata-se de um simulacro de algo natural, como se esta cultura folclórica ainda
estivesse intacta; com efeito, a contradição reside no fato de que o samba foi
gravado, fazendo parte de uma recém-criada indústria cultural.
No plano narrativo, não busca: sujeito e objeto estão em plena
consonância. O estado é, portanto, eufórico, podendo ser comprovado tanto
pela letra a plenitude entre sujeito e objeto, o enunciador e sua terra ideal - ,
quanto pela seqüência rítmico-melódica, sincopada, de ethos alegre, traduzindo
a ginga, a malemolência, a sensualidade desta mulher, feliz consigo própria.
Trata-se de um processo de tematização.
Notamos então que, se o samba tem poderes mágicos, que enfeitiçam,
transforma-se em objeto-valor, aquele que traz o que se quer. O samba mexe, é
erótico, tem qualidades pulsantes e afrodisíacas e também envenena. Pelo
samba se chega ao prazer, à felicidade, ao estremecimento, ao gozo, ao transe.
Até mesmo os advérbios dançam, adquirindo movimento sensual:a
portanto, desterritorializadas, fora de lugar. Por essa razão, o enunciador
anuncia a doença da personagem Risoleta
101
( enunciatário).
Observa-se então a trajetória dessa personagem em busca de ascensão
social que, negando sua origem e sua classe, encontra-se em dissonância com
as camadas populares da sociedade brasileira e com a ideologia nacional-
popular, de valorização do ideal de /povo/ e dos símbolos nacionais. Em
contraposição à figura do malandro (regenerado), temos aqui uma figura
feminina, personagem julgada negativamente por não corresponder à imagem
de mulher preconizada na época. Risoleta representa a típica “malandra”, figura
oposta à personagem Amélia, por exemplo, ideal de mulher projetado nessa
fase, como no samba Amélia de Mário Lago. Podemos dizer que a personagem
é a contrapartida da senhora do lar proletário que personificava a imagem da
mãe e da dona de casa em pleno acordo com os padrões de comportamento
instituídos.
Uma primeira leitura do texto permite-nos afirmar que, no plano
discursivo, o destinador da canção dá voz a um protagonista (o “eu” enunciador)
que narra em primeira pessoa a mudança de rumo e a adoção de novos
valores, supostamente sofisticados porque estrangeiros, pela personagem
Risoleta. A personagem, que ainda resistia heroicamente no samba Não tem
tradução (1931), agora sucumbe totalmente aos apelos da língua francesa.
No nível profundo, o texto se inicia por uma relação de distanciamento
(um estado disjunto), onde o eu enunciador despreza e critica (uma sanção
negativa) a transformação de Risoleta, agora contaminada por uma elite e por
valores distintos aos que possuía antigamente. Este aspecto pode ser inferido
pelas isotopias /doença/; /prosa/; /pose/; /fricote/; /chiquê/, todas com valor
pejorativo (prosa= lábia, conversa fiada; pose = esnobismo; fricote = manha,
dengue, luxo). A categoria semântica fundamental presente em Menina Fricote
é, mais uma vez, /povo/ x /elite/, ou ainda, /nacional/ x /estrangeiro/. Esta
oposição permeia toda a canção e pode ser verificada através da observação
de figuras que aparecem projetadas no plano discursivo. Assim, os termos
101
Cantora do início do século já citada anteriormente.
“samba” e “português” estão ligados à categoria semântica /povo/, enquanto
que “opereta”, “argent” (dinheiro, em francês), “cassino” e “francês” (idioma)
associam-se na superfície do discurso à categoria semântica /elite/.
A mudança de trajetória instaura uma relação de disjunção, em relação à
personagem Risoleta, perpassa toda a canção e parece não se resolver ao
final, momento em que o enunciador se dirige à própria personagem para lhe
dizer que não quer mais nenhum contato:
Nerusca, menina, não venha pra aqui
A me chamar de très joli,
Que eu não sou mon chéri
E língua estrangeira eu nunca entendi.
- Larga essa papa de oui.
Antes do momento da enunciação, pressupõe-se que a personagem
focalizada vivia em harmonia com o valor samba: se não canta mais, é porque
antes cantava. Trata-se, portanto, de uma ruptura, não sem alguns entraves
durante o percurso: os dois personagens (actantes) rompem, por
incompatibilidade de valores. Não propriamente falta; o afastamento parece
ser satisfatório. O estado é disfórico, confirmado por um julgamento negativo
(Risoleta agora é “cheia de prosa”, “cheia de pose” ) e pela vontade de
continuar da mesma forma (uma acomodação à situação):
Se acaso me encontra
Me pede emprestado
Diz que é minha fã
Mas eu lhe digo até amanhã
Porém, esse mesmo sujeito disfórico em relação ao enunciatário
Risoleta, está em conjunção com seus próprios valores (o samba, a sua classe
social, a sua língua). De fato, a oposição entre /povo/ e /elite/ ou ainda
/nacional/ e /estrangeiro/ delineia um modo de existência dos valores
axiologizados pelas categorias fóricas : do ponto de vista do enunciador samba
e língua portuguesa (representando o povo) recebem um tratamento eufórico,
ao passo que opereta e francês (simbolizando a elite) recebem um tratamento
disfórico. Deste conflito, /povo/ x /elite/, decorrem outras oposições: nacional
x estrangeiro; português x francês; samba x opereta.
Dada ainda a categoria semântica /natureza/ x /cultura/, o enunciador,
quando diz à Risoleta “larga essa papa de oui”, nega a cultura e afirma a
natureza (os valores da língua materna e de sua identidade). Esta oposição
regula os diferentes sentidos superficiais:
/eu/ X /outro/
Identidade X Alteridade
No plano discursivo, Menina Fricote é a história de um “eu” enunciador
que manipula o seu enunciatário em função do objeto de valor povo, aqui
entendido como nação.
Em se tratando de uma conversa (uma interlocução), logo de início nota-
se uma debreagem enunciativa
102
caracterizada pela presença de marcas
explícitas da enunciação enunciada que, por outro lado, evidenciam o gênero
musical samba-de-breque. As principais marcas enunciativas desta situação
locutiva são as sequintes: narração em primeira pessoa, pressupondo,
naturalmente um interlocutor na segunda (= não sei que doença deu na
Risoleta); utilização de marcadores de tempo evidenciando o momento
aqui/agora (= “que agora gosta de ouvir opereta”) ; uso de dêiticos (=
“porque eu não sou mon chéri” ); uso de vocativos e imperativos (= “...nerusca,
menina, não venha pra aqui...” ); presença de indicadores de gestualidade (“não
venha pra aqui, não”) ; uso de gírias e expressões coloquiais (“..cheia de prosa /
cheia de orgulho / cheia de chiquê/ e faz fricote como quê.. ”).
Ainda no que diz respeito à escolha do léxico em francês, observamos
que ora o tratamento dado à língua é irônico (“bem” ; “atchém”; “le chien”), ora é
de desdém (na última estrofe, os termos “très joli” e “mon chéri”, normalmente
102
“Quando o enunciador projeta no texto um narrador que fala em primeira pessoa (virtualizando,
portanto, um narratário em segunda pessoa, instruindo de maneira privilegiada a enunciação
enunciada, temos um caso de debreagem enunciativa. Esse processo é enriquecido geralmente,
com as projeções simultâneas das categorias do tempo e do espaço em suas formas também
presentificadas : aqui e agora, respectivamente” (Tatit, 1997).
carinhosos, denotando intimidade e proximidade, são ironias quando proferidos
pelo enunciador).
No plano narrativo, o “eu” narrador descreve essa mudança de rumo da
personagem Risoleta: ela passou ou almeja passar de uma classe social para
outra. A transformação em seu programa narrativo instaura o conflito entre os
actantes e define, por assim dizer, incompatibilidades modais em seus
percursos narrativos, de resto, anunciados, em nível profundo pelas
categorias /povo/ x /elite/ ; /nacional/ x /estrangeiro/; /identidade/ x /
alteridade/ .
A narrativa é recortada por três tempos : antes, durante e depois. O
espaço definido é o aqui (representando a classe popular) e o (o cassino,
simbolizando o lugar da elite). Num tempo anterior, pressupõe-se que Risoleta
cantava samba e, portanto, estava próxima do sujeito. A partir do momento em
que se a ruptura, definem-se então dois programas narrativos distintos: por
um lado, temos o afastamento do sambista enunciador causado pelo não
reconhecimento da nova Risoleta - o querer desmarcarar sua antagonista e por
outro, a performance de Risoleta em busca de reconhecimento social. Não
mais elo de identidade entre ambos, pois não comungam do mesmo objeto-
valor.
RISOLETA ANTES (em conjunção com o
sujeito)
RISOLETA AGORA (em disjunção com o
sujeito)
cantava samba
ouvia samba
não canta mais samba
agora só gosta de ouvir opereta
Neste sentido, observamos ainda que o sujeito, em conjunção com os
valores de sua classe social, pretende fazer com que Risoleta entre em
disjunção com a cultura estrangeira (Larga essa papa de oui...”), ou seja, o seu
querer é afirmar a cultura nacional em detrimento da cultura alheia (“E língua
estrangeira eu nunca entendi”). Risoleta é, pois, movida por valores de uma
elite culta, snob e supostamente afortunada, representados pela cultura
estrangeira, no caso, a francesa, com a qual se identifica. Seu objeto-valor é o
poder, ou ainda, afirmar a cultura estrangeira (no caso, a francesa), diferenciar-
se do povo e aproximar-se da elite através desses valores agora cultuados.
Neste caso, a língua francesa nada mais representa do que a possibilidade de
entrar para esse universo, simbolizado pela isotopia do cassino. O francês é,
por assim dizer, um excelente adjuvant (auxiliar). Portanto, Risoleta quer falar
francês ou fazer crer que fala francês, para ser identificada com a elite que
detém poder e erudição. O enunciador sambista, por outro lado, não quer, não
deve, não sabe e não pode falar francês. Porém, como o outro (a outra) não
partilha mais o mesmo valor com este (o samba, a pátria, o lugar de origem, a
mesma classe social), este a sanciona negativamente, afastando-se dela, de
um lado, e criticando-a, desmascarando-a, de outro. Conseqüentemente, o
texto se opera na sanção, no menosprezo: o eu enunciador exerce o papel de
julgador, revelando em diversas passagens do texto, a falsidade, o querer-ser;
aos seus olhos, Risoleta quer ser (parecer) mas não é; quer fazer, mas o
pode (Barros, 2001: 55), tal como no esquema:
Ser Parecer
Não parecer Não Ser
Falsidade
Por isso é ridicularizada. A adoção de termos, tais como, atchém
desautoriza e satiriza o conhecimento da personagem em relação ao idioma,
além de produzir um efeito de humor. Buscando manter os seus valores
culturais, o enunciador termina pedindo o seu afastamento:
Eu eu já lhe disse
Nerusca, menina,
Não venha pra aqui, não
A me chamar de très joli
Porque eu não sou mon chéri
E língua estrangeira eu nunca entendi
Larga essa papa de oui
Em relação à falsidade, convém lembrar a definição de samba-malandro
elaborada por Cláudia Matos (2001: 61-76), como aquele que, além de
apresentar a figura do malandro como o enunciador e personagem do discurso,
descreve uma cena, permeada por situações locutivas, que exploram a
ambigüidade, o engano, a simulação e a mentira, em geral reveladas no
desfecho. Segundo define a autora, a presença da farsa, do humor e da ironia,
também contribuem para instalar nesse discurso um “dispositivo de
distanciamento crítico que é o próprio princípio da comicidade, pois denunciam
o equívoco e a burla” (Matos, 2001: 66- 67). É exatamente o que ocorre no
samba-choro Fui a Paris (CD 1, faixa 11), gravada em 1942, em que o humor
parece ter sido provocado pela falsidade do personagem, o malandro vivido
pelo enunciador Kid Morengueira.
À primeira leitura, verificamos que, no plano discursivo, o sambista
enunciador objetiva narrar sua viagem a Paris, assim como seu idílio amoroso
com uma francesinha (enunciatário). No nível das estruturas fundamentais, o
discurso apresenta uma relação de distanciamento provocado pela barreira da
língua, visto que o enunciador-malandro não fala francês:
Eu fui a França e conheci Paris
Cantei um samba e me pediram bis
Logo que depois que o samba estava terminado
Uma linda francesinha chegou-se para o meu lado
E foi dizendo tudo que sentia
Mas eu não compreendia, pois não sabia o francês
Daí então ela ficou desanimada
E a minha ilusão naquela noite se desfez
A trajetória do eu-enunciador é marcada pela sedução e pela conquista.
A incompatibilidade lingüística é logo superada, graças a um elemento auxiliar,
um “amuleto gico”, qual seja, o dicionário, que o ajudará na busca de seu
objeto, assegurando-lhe, assim, a proximidade:
Tive a lembrança de comprar um dicionário
Para não bancar o otário e me defender
Pois a francesa era linda de verdade e eu tinha necessidade de compreender
No dia seguinte quando a encontrei
Um bonsoir eu logo lhe falei
E gentilmente ela respondeu:
“Comment ça va mon amour? Comment ça va?”
Desse modo, o que parecia inicialmente ser uma relação de disjunção
transforma-se rapidamente em conjunção, pelo emprego de frases que
permitem a comunicação entre enunciador e enunciatário; estas são
permeadas por vocativos que caracterizam a intimidade, como se pode ver pela
sua resposta:
Daí então eu disse tudo que aprendi, inclusive "très bien, mon amour, très jolie"
A categoria semântica que parece predominar em Fui a Paris é /eu/ x
/outro/, que, por uma rede de simularidades, remete-nos novamente à categoria
/identidade/ x / alteridade/, au ainda, /nacional/ x / estrangeiro/, identificadas no
discurso pela oposição espacial Rio x Paris (aqui x lá) e, de maneira implícita,
pela dicotomia entre o “português” x o “francês”.
Assim, a trajetória do enunciador contempla uma relação que começa
pelo distanciamento (disjunção), passa a ser uma relação de conjunção,
voltando a ser disjuntiva, momento em que o enunciador, no breque, revela a
farsa, uma vez que não pode permanecer em terra estrangeira:
Jamais, mademoiselle, jamais! Qui vous pensez? N'a pas d'argent!
Je ne sais pas pourquoi je t'aime, mon amour, quelle heure est-il?
Pourquoi mentir?
Assim, esse mesmo sujeito termina seu percurso permanecendo disfórico
em relação ao enunciatário francesinha, porém eufórico e em conjunção com
seus próprios valores: o amor e a cidade do Rio de Janeiro.
Este gênero de samba tem como uma de suas principais características o
fato de apresentar situações locutivas que simulam um diálogo - neste caso o
uso do discurso direto e indireto - , na tentativa de presentificar aquilo que está
sendo relatado
103
. Ao empregar tanto o discurso direto quanto o indireto, temos
a impressão de que o narrador-enunciador oscila entre a objetividade e a
subjetividade. Assim, na primeira parte da canção, quando ainda não
comunicação efetiva, o enunciador privilegia o discurso indireto, omitindo a fala
real do enunciatário e informando-nos apenas o conteúdo de seu discurso,
destituído de seus elementos emocionais. na segunda parte, quando
entendimento lingüístico, o enunciador recorre ao discurso direto,
demonstrando que manteve a autenticidade do discurso da personagem.
Assim, quando o enunciador sambista narra sua história na terceira pessoa,
parece pretender preservar a objetividade do discurso; não real interlocução
e o diálogo é apenas referencializado; trata-se de uma debreagem enunciva.
Porém, o mesmo enunciador, ao narrar os acontecimentos em primeira pessoa,
pressupondo um enunciatário e uma situação de interlocução, vale-se de uma
debreagem enunciativa caracterizada pela presença de marcas da enunciação
enunciada (Tatit, 1997: 76-77).
A narrativa, por sua vez, divide-se em três tempos: antes, durante e
depois da viagem. O espaço, como dissemos, define-se entre o (o
estrangeiro) e o aqui (o território nacional). No plano narrativo, o “eu” narrador,
como um autêntico malandro, descreve a conquista e a farsa: seu plano
narrativo é seduzir e voltar (desaparecer); assim, há supostamente um recuo
em relação ao plano inicial. Esta transformação no programa narrativo o
personagem apenas pretende fazer crer instaura incompatibilidades modais
nos programas narrativos de ambos, já anunciadas pelas categorias /aqui/ x /lá/,
ou ainda, / nacional/ x / estrangeiro/. O querer da francesinha é casar-se,
enquanto o do sujeito enunciador é apenas conquistar, pois, como confessa,
não quer abandonar sua cidade e seu objeto-amado; temos novamente (ainda
que de forma diversa ao discurso de Eu gosto de samba, mencionado) a
mulher e a pátria:
Mas é que eu tenho meu amor no Rio e disse a ela:
103
O samba oscila entre os gêneros samba-choro e samba de breque. Vale lembrar que uma
das características do samba-choro é também apresentar a pausa para o comentário: ao que se
sabe, o primeiro acabou dando origem ao segundo.
Eu vou é pro Brasil!
Deste modo, a manipulação do enunciador constrói um discurso onde
predominam falsidade e dissimulação, que, aliados ao emprego da língua
francesa - cujos enunciados, falsos, mais parecem extraídos de um manual de
língua estrangeira - estabelecem um efeito cômico, de humor.
5. A ideologia da mistura
Composto em 1956, dez anos após o fim do Estado Novo, mas ainda
refletindo os ideais nacionalistas de então, o samba Pra que discutir com
madame - de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida (CD 1, faixa 23) - aborda o
mesmo tema, o conflito de classes, de culturas, sob um outro ponto de vista: se
no samba anterior, Risoleta pretende assumir certa postura da classe
dominante, aqui, madame, fazendo parte desta classe, não se identifica com os
valores das classes populares, contrariando, assim, o ideal de /povo/.
A forma de tratamento traço lingüístico e cultural importante com que
o sujeito enunciador caracteriza essa senhora, uma brasileira afrancesada,
madame, é, por si , uma clara distinção entre classes sociais: Vale dizer que
Madame e doutor são formas de tratamento com que as pessoas mais
humildes, de classes menos favorecidas, tratam aqueles que se encontram um
pouco acima na pirâmide social, embora esses termos tenham igualmente uma
conotação irônica dada por alguém que, ao fingir acatar esta autoridade, ao
mesmo tempo a desqualifica. Assim sendo, se por um lado, o termo madame
denota autoridade e posição social, por outro, assume também um certo tom
pejorativo, onde a suposta autoridade é colocada em questão. O pronome de
tratamento madame, normalmente de 2
a
pessoa, é aqui transposto para a 3
a
(=ela), recebendo um tratamento diferenciado. Ela assume conotação de um
actante que pretende se diferenciar; ao mesmo tempo, o enunciador manteve-a
anônima, resultando daí a ironia (madame não possui nome). O ponto de vista
do enunciador é, de fato, o de alguém que se encontra fora do universo
burguês, pertencente às classes populares
104
. Por isso madame é ridicularizada:
104
Neste sentido, lembramos o que disse Carlos Sandroni a esse respeito: “O bacharel no
Brasil, um símbolo da cultura letrada, branca, européia. O bamba seu equivalente na cultura
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com Madame
Pra que discutir com madame? Em tom coloquial, de conversa, o
enunciador procura demonstrar que com madame não se discute e, no título,
declara ser inútil qualquer tentativa de persuasão. No nível discursivo, o sujeito-
enuciador se dispõe a nos relatar o que pensa madame, impregnada por
valores exteriores ao mundo do samba, a respeito da cultura popular; madame
diz, entre outras coisas, que a raça não melhora/ que a vida piora / que o
samba tem pecado / o samba devia acabar.
Assim, o discurso do sujeito enunciador define sua identidade em
oposição ao discurso do outro pela seguinte oposição: a fala do sujeito
enunciador x a fala (a opinião) de madame. O primeiro se coloca como alguém
pró-samba, partidário dos valores nacionais; o segundo, é visto como alguém
exterior a esse sistema de valores que, ao desprezar essas imagens
identitárias, é ironicamente sancionado.
Pode-se dizer que a partir daí instala-se um conflito, com valores e
figuras que podem ser equacionados pela categoria semântica fundamental
/povo/ x /elite/, ou ainda, / nacional/ x /elite/, que se definem, por sua vez,
pelos pares de opostos assim relacionados:
/povo/ X /elite/
/nacional/ X /estrangeiro/
Samba X Concerto
Desfile X Ópera
raça brasileira (misturada) X raça européia
Esta oposição, também caracterizada pela ideologia da mistura (já
referida anteriormente) x a ideologia da raça branca (européia), perpassa toda a
canção, podendo ser identificada pelas figuras mencionadas: de um lado, o
mestiça carioca” (Sandroni, 2000, 172).
samba, o bloco de morro, a cachaça, a mistura, representando o povo e a
cultura popular; e por outro, os elementos da cultura européia, a ópera e o
concerto, considerados “gêneros musicais superiores”, simbolizando a
burguesia, que, por sua vez, ligam-se às mesmas categorias, como
visualisamos abaixo:
/nacional/ X /estrangeiro/
/povo/ X /elite/
cultura popular X cultura européia
Representada pelos termos
samba, cachaça e mistura (de
raça e de cor)
x
Representada pelos termos
ópera, concerto e
(supostamente) raça branca.
Desse modo, a personagem, uma senhora burguesa (e afrancesada),
que quer se diferenciar adotando valores europeus, deprecia o sistema de
valores nacionais, responsabilizando o samba e a ideologia da mistura (ritmo
nacional sincretizado, fruto da mistura de raças e de cor, em consonância com
o mito da identidade idealizada por Gilberto Freyre) pelos problemas do país (a
raça não melhora/ a vida piora), atribuindo-lhe valores negativos, a saber: o
samba é herege (tem pecado); é coitado, bêbado (tem cachaça) e mestiço.
O fato de o sujeito enunciador empregar o discurso indiretotraz em si
uma manipulação: ele afirma que ela diz, mas não sabemos se esse discurso é
verossímil. A partir do refrão, o enunciador introduz a ironia e, contando com a
cumplicidade do ouvinte (enunciatário e destinatário), inicia o programa e o
projeto do demérito: este eu primeiramente escondido, esfumaçado,
narrando em 3
a
pessoa aparece-nos com contornos mais nítidos, valendo-se
agora do imperativo:
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame
Na segunda estrofe, percebemos mais claramente que, para o sujeito
enunciador, madame não é confiável, nem possui as faculdades mentais em
perfeito estado, não estando, portanto, em condições psicológicas para opinar,
que tem um parafuso a menos. A partir de então, dá-se início a um discurso
invertido, onde o sujeito enunciador, pela afirmação do contrário, desdiz o que
diz a personagem. Para satisfazer as esquisitices de madame (que tem um
parafuso a menos e fala veneno), o narrador se propõe a colocar seu bloco
de morro a cantar ópera e a realizar de maneira oposta o seu programa
narrativo: o mundo se encontra do avesso.
Assim, temos dois programas narrativos que se opõem: por um lado, o
programa de Madame, anti-sujeito que pretende acabar com o samba, com a
cultura nacional representada pela ideologia da mestiçagem, ficando com a
ópera e o concerto; por outro, o do sujeito enunciador que, em verdade, busca
acabar com Madame, permanecendo com o samba e a cultura nacional. Ambos
os actantes se encontram em disjunção e nenhum deles parece querer abdicar
de seus valores axiológicos. Do ponto de vista do enunciador, os elementos que
caracterizam o povo recebem um tratamento eufórico, ao passo que a ópera e o
concerto, definindo o gosto da elite, recebem um tratamento disfórico. Além
disso, madame, por não estar em consonância com os seus valores (o
enunciador sambista), encontra-se doente - como Risoleta, personagem do
samba Menina Fricote (1940) - sendo rebaixada à categoria de louca (sanção
negativa), não valendo a pena discutir com alguém que não se encontra em
perfeito estado mental.
No refrão, o sujeito, ao dialogar com o ouvinte (enunciatário e
destinatário), convoca a nação a destruir o samba, embora deseje o efeito
contrário. Ao depreciar a autoridade de madame (enunciatário e anti-sujeito) o
sambista tenta preservar os ícones que representam o seu povo, e, acima de
tudo, a sua classe social, representada pelos elementos mencionados. Nota-
se um jogo de forças nesta alteridade:
/eu/ X /outro/
nós X ela (eles)
Identidade X Alteridade
Estabelece-se uma polaridade entre samba (ícone nacional) e ópera
(ícone estrangeiro), entre sica popular e música erudita, entre um nós e um
eles. Devemos lembrar que o discurso da mestiçagem (Ortiz, 1994: 40), em
consonância com a ideologia nacional-popular ainda vigorava em 1956, embora
o Estado Novo já tivesse findado. Esta canção encontra eco e intertextualidades
principalmente com Eu gosto do samba (1940) e Menina Fricote (1940),
estudadas nas páginas anteriores.
No tocante à melodia, predominância de figurativização,
reproduzindo-se a entoação da fala, tal como um
que deve ser feito (= a destruição do samba), pretendendo operar no ouvinte
uma reação de efeito contrário. Sabemos que não se pode ou não se consegue
entrar na avenida para desfilar ao som de ópera ou de concerto. Esse ponto de
vista é efetivamente compreendido pelo destinatário (o ouvinte) na medida em
que na próxima estrofe este “eu” deprecia e sanciona a senhora burguesa que
detesta o samba, assumindo valores alheios. Ao qualificá-la como alguém sem
parafuso, destituída do pleno exercício das faculdades mentais, o enunciador
destrói todo o discurso anteriormente citado. Trata-se de alguém que não é
digno de confiança. A função desse enunciador é mais uma vez ideológica, pois
avalia a dama a partir de sua visão de mundo (nacionalista, de cunho popular e
populista). O embate se no plano da enunciação, que o enunciador (que
detém a palavra) é partidário da ideologia nacionalista exacerbada durante o
Varguismo, enquanto a personagem madame representa a ideologia da raça
branca.
Chegamos à conclusão de que o enunciador-sambista se encontra
totalmente identificado com a ideologia Varguista de cunho nacional popular. Se
naquele momento desejava-se desqualificar Risoleta por adotar valores
exteriores a sua classe social e também ao seu país, aqui a personagem opera
em sentido contrário, pois possui esses valores estrangeiros. A função do
narrador é ideológica, pois comenta a ação, avalia-a do ponto de vista de uma
dada visão de mundo (a popular).
6. Entre a procissão e o desfile: les marchinhás de carnaval
Desde a sua gênese, a música popular brasileira urbana apresentou uma
dupla vocação carnavalesca, não apenas no sentido literário e lingüístico
concebido por Bakhtin – mesclando gêneros, enunciadores e registros
lingüísticos provenientes de diferentes camadas sociais - , mas também porque
foi de fato pensada e produzida para ser executada e consumida durante os
festejos do carnaval
105
, quer nos desfiles, quer via transmissões radiofônicas.
105
Em definição genérica, pode-se dizer que o carnaval é uma festa popular coletiva de origem
européia que descende de rituais primitivos, transmitida oralmente como herança de festas
pagãs realizadas em 17 de dezembro, as Saturnais romanas, em homenagem ao deus Saturno,
da mitologia greco-romana, e em 15 de fevereiro, as Lupercais, em honra ao deus Pã, da Roma
Antiga (Queiroz, 1992: 11-30 e Tinhorão, 1991: 111). Da Roma Antiga, os festejos percorreram a
Analisando a importância dos ritos e manifestações populares em
Carnaval Malandros e Heróis (1978) buscando compreender em chave
sociológica a estrutura da sociedade brasileira, Roberto Da Matta refere-se ao
carnaval como um dos três momentos ritualizados através dos quais a
identidade nacional é construída (os outros dois seriam o dia da Pátria, sete de
setembro, e o dia da Padroeira, 12 de outubro). Sua obra examina o paradoxo
vivenciado pela sociedade brasileira que, por um lado, apresenta características
autoritárias e hierárquicas e, por outro, busca utopicamente uma sociedade
harmônica e democrática
106
. Para o autor, verifica-se na sociedade brasileira a
clivagem de sistemas hierarquizados em dois mundos da mitologia brasileira: a
casa e a rua.
A origem do carnaval brasileiro é totalmente européia e data do início da
colonização, sendo o resultado do entrudo português e das mascaradas
italianas, como nos assegura Maria Isaura Pereira de Queiroz (1992: 11-30);
somente no início do século XX, foram acrescentados os elementos africanos.
Ainda de acordo com a autora, o entrudo brincadeira de rua onde se
costumava cometer toda espécie de abusos, jogando-se ovos, farinha, cal,
gomas, mesmo as famílias brancas participavam jogando baldes de água suja
nos passantes “num clima de quebra consentida da extrema rigidez da família
patriarcal” (Tinhorão, 1991: 111) em nada lembrava as festividades da Itália
Idade Média, chegando à Renascença como uma seqüência viva imediata das saturnais
romanas. Assim como a origem do carnaval, não se conhecem ao certo as raízes do termo.
Alguns atestam que o vocábulo poderia advir da expressão latinacarrum novalis” (carro naval),
espécie de carro alegórico em forma de barco, com o qual os romanos iniciavam suas
festividades; porém, embora foneticamente aceita, a expressão é refutada por não possuir
fundamento histórico. Outros afirmam que a palavra poderia ser derivada do latim “carnem
levare”, alterada para “carne, vale!” (adeus, carne!), esta última surgida entre os séculos XI e XII,
que designa a quarta-feira de cinzas e anuncia ao mesmo tempo a supressão da carne devido à
Quaresma. É bem provável que venha daí a denominação “dias gordos” em contraposição ao
jejum, à abstenção e à suspensão total dos vícios e prazeres do período vindouro, ou seja, dos
“dias magros”(Lapiccirella, 1996: 6 ).
106
Para o autor, o carnaval é essencialmente igualitário, e, nos seus três dias de duração,
transpõe para mundo da rua, os ideais das relações espontâneas, afetivas e essencialmente
simétricas que são a contrapartida das paradas militares. A negação que o carnaval faz das
estruturas de poder e autoridade é corporificada no malandro. Ao contrário do herói, o malandro
não busca dominar a estrutura de poder e a ela se sobrepor e, nesse processo terminar por ser
reabsorvido por ela. Ele vive nos interstícios do sistema, de seus absurdos e de suas
contradições. Se o herói provém das paradas e o malandro dos carnavais, outro personagem -
o místico renunciador sai das procissões. Este rejeita o sistema como um todo, não o aceita
nem dele se aproveita, preferindo antes criar seu próprio espaço de vida e seus próprios valores
(Da Matta, 1978).
Renascentista
107
. O termo, derivado do latim “introitus” - entrada, começo - era
o nome com o qual a igreja designava o início das solenidades da Quaresma.
Para Queirós, entretanto, as comemorações do entrudo datam de antes do
Cristianismo, sendo sempre festejadas na mesma época, a fim de marcar o
início da primavera. Com o advento da era Cristã e a hegemonia da Igreja
Católica, passou a fazer parte do calendário religioso indo do Sábado (gordo)
de Carnaval à Quarta-feira de Cinzas (Tinhorão, 1991: 111 ; Lapiccirella, 1996:
7). Do entrudo surgiriam mais tarde os cordões, formados por negros, mulatos
e brancos humildes, espécie de cortejo, um pouco mais disciplinado com que o
povo, valendo-se da organização das procissões religiosas, costumava desfilar.
Contrapondo-se ao carnaval de rua dominado pelo entrudo, por volta de
1840, o baile de máscaras
108
(de salão), muito mais formal e destinado à classe
média, passou a vigorar no Hotel Itália, corroborando as mesmas contradições
sociais que marcavam a sociedade brasileira. Tinhorão registra que, embora
solene, não deixou de apresentar certas imprudências e excentricidades como
a que teria cometido uma jovem atriz de nome Estela Sezevedo, detida por
“atirar um limão de cheiro no rosto de sua Majestade o Imperador” (Tinhorão,
1991: 112). No entanto, até aquele momento, o carnaval não possuía um
gênero musical próprio
109
. O primeiro estilo a ser adotado durante os festejos do
carnaval foi a polca, reafirmando, como nos assinala o mesmo autor, “a sua
condição histórica de primeiro gênero de música carnavalesca de salão do
Brasil”, sendo substituído paulatinamente pelo som da quadrilha, da valsa, do
tango, do “cake walk”, do charleston e do maxixe, todos em versão instrumental
(1991: 112).
107
Nas palavras de José Ramos Tinhorão: “O entrudo, do qual se tem notícia desde o início do
século XVII, era uma reminiscência das festas pagãs greco-romanas realizadas a 17 de
dezembro (saturnais) e 15 de fevereiro (lupercais), que tinham origem na comemoração das
colheitas, quando se permitia liberdade aos escravos, usavam-se máscaras, vestiam-se
fantasias, e se comia e bebia desbragadamente” (Tinhorão, 1991: 111).
108
As máscaras européias começaram a ser importadas no Brasil em 1835 por iniciativa de uma
empresa francesa instalada na rua do Ouvidor, n. 128. Para Tinhorão, as pessoas que podiam
adquirir essas mercadorias européias naturalmente eram as “mesmas que desde o Primeiro
Império se divertiam nos bailes de máscaras ainda fechados do Teatro São Pedro de Alcântara,
e que deviam ser cerimoniosas, porque a tais bailes comparecia o próprio Príncipe Dom Pedro I”
(Tinhorão, 1991: 112).
109
Estes viriam anos mais tarde com a marcha e o samba.
A classe média, por sua vez, também ocuparia as ruas, alguns anos mais
tarde, com outra inovação européia: os desfiles de carros alegóricos, cujo
pioneirismo teria sido atribuído ao escritor José de Alencar, fundador em 1854
de uma sociedade denominada Sumidades Carnavalescas. Apesar da
repercussão dos bailes de máscaras e dos desfiles dos carros alegóricos, foi
nas camadas populares que o carnaval assumiu formas autênticas e brasileiras,
dando origem aos chamados blocos e cordões.
No dizer de Tinhorão foram os ranchos que, valendo-se da estrutura das
procissões religiosas do Nordeste, “instituíram um mínimo de disciplina em meio
ao caos do carnaval, sugerindo desde logo à maestrina Chiquinha Gonzaga, em
1899, motivo para a marcha Ó abre alas, declaradamente inspirada na cadência
que os negros imprimiam à passeata, enquanto desfilavam cantando suas
músicas bárbaras’’ (op. cit. : 119). Conhecida como a primeira marcha de
carnaval, Ó abre alas embalou o carnaval carioca durante três anos
consecutivos, sendo emblemática para o público em geral
110
. Assim, o samba e
a marcha surgiram da necessidade de um ritmo para a desordem do carnaval,
como atesta Tinhorão:
“A marcha e o samba foram produtos do carnaval. A nascente classe média
do Segundo Reinado resolvera o seu problema de participação na festa
coletiva com a criação dos préstitos imitados do carnaval veneziano. As
camadas mais baixas, entretanto, sem recursos financeiros para a armação
de carros alegóricos, tiveram que criar uma forma própria de expressão. E eis
como nasceram os ranchos” (Tinhorão, 1997 : 18)
De compasso binário, acentuado no primeiro tempo, as marchas eram
inicialmente mais lentas para que os foliões marchassem em seu ritmo. As
letras, sempre concisas, telegráficas
111
(Tatit, 1996: 34-35) procuravam satirizar,
com subentendidos, o momento político, o comportamento cotidiano, o assunto
em voga, oferecendo retratos contundentes da sociedade de então. Tatit nos
110
Da canção Ó abre alas aos sambas e marchinhas que animaram o carnaval brasileiro até a
década de 60, diversos gêneros teriam sido eleitos para animar o carnaval: a polca, o tango-
chula, o fado brasileiro, a marcha-rancho, a toada, a toada sertaneja, a valsa, o maxixe, o
cateretê e a marcha-batuque, entre outros (Lapiccirella, 1996: 9).
111
Ao analisar o estilo conciso de Sinhô (compositor da primeira fase do samba), Tatit compara-o
ao espírito funcional do jingle, o mesmo estilo das marchinhas, definido por ele como ágil,
sintético e eficaz, pronto para passar um recado e chegar ao sucesso imediato.
informa que a força do rádio aliada à necessidade de se criar canções para o
consumo imediato durante o carnaval “apresentaram à geração dos anos 20 um
novo desafio correspondente a um novo valor: “a eficácia ou a funcionalidade
da obra”; segundo conclui, alguns deles perceberam o fato rapidamente, tais
como Eduardo Souto, Freire Júnior e Joubert de Carvalho - o compositor de
Taí, gravada por Carmen Miranda - passando a criar marchas
carnavalescas”(op. cit. , 1996: 31).
O humor provinha da familiaridade com o teatro de revista; muitos
revistógrafos, aliás, trabalhavam em parceria com os autores de música
popular, caso de José do Patrocínio e Sinhô. Elias Thomé Saliba nos revela a
estreita comunicação existente entre os humoristas do teatro de revista e os
compositores populares, assinalando que os herdeiros do humorismo da Belle
Époque - oriundos do teatro de revista - foram, de fato, Noel Rosa e Lamartine
Babo, “verdadeiros construtores de novas linguagens emergentes” (Saliba,
2002: 254). Para o autor, mais do que os escritores e poetas, foram esses
profissionais, que, por estarem em contato com músicos, cançonetistas, atores,
atuando simultaneamente em revistas, cafés-concerto, cassinos e clubes
carnavalescos ou trabalhando em jornais, periódicos e programas radiofônicos,
foram praticamente compelidos a acompanhar o ritmo das linguagens dos
novos meios de comunicação de massa
112
. Sobre a questão, assim se Maria
Alice Rezende de Carvalho:
“Entre 1932 e 1942, em meio à chamada ‘idade de ouro do carnaval carioca’,
a marchinha tornar-se ia a forma musical consagrada pelo público um
gênero sapeca, cheio de humor, cujo sucesso se deveu, em alguma medida,
ao aparecimento do cinema, pois a leveza inerente àquele tipo de
composição impôs um jeito menos solene de cantar, uma certa malícia ou,
como se dizia à época, uma certa ‘bossa, que dependia mais do domínio de
cena pelo intérprete, do que propriamente dos seus recursos vocais, fazendo
da experiência musical, algo para ser ‘visto’, tanto quanto ouvido” (Carvalho,
2004: 55).
112
“Não foram raros os que conseguiram quebrar com compromissos estéticos do
parnasianismo, do simbolismo, ou por que não? do chamado modernismo, mas quando o
fizeram foram constrangidos a reconhecer que faziam não ‘literatura’, mas sim revista, música,
publicidade ou outra forma qualquer ligada à diversão, à oralidade ou ao espetáculo ligeiro (op.
cit, 2002: 255 e 273).
Entre as marchas repertoriadas nesta pesquisa, citamos Paris (1938)
interpretada por Carmen Miranda; Joujoux e Balangandãs (1939), gravada por
Mário Reis e Mariah; En avant (1945), cantada por Lamartine Babo;
Balzaquiana (1949), na voz de Jorge Veiga; Brigitte Bardot (1961), interpretada
por Jorge Veiga; e Carta a Brigitte Bardot (1962), também gravada por Jorge
Veiga. Estas canções serão analisadas no próximo capítulo.
CAPÍTULO IV
SAMBÁ SARAVAH: O HUMOR, A LÍNGUA E A REPRESENTAÇÃO
1. O humor : estratégia e armadilha
Do ponto de vista da enunciação, resta-nos agora verificar como esse
procedimento, a paródia, figura presente em quase todas as canções,
instaurou-se no discurso, nesta mise-en-scène empreendida pelo sujeito
enunciador, enquanto estratégia de representação do francês. Assim, em nosso
caso específico, o humor pode e deve ser referido como uma das formas eleitas
pelo cancionista para a possível solução da dicotomia representada pelas
categorias /nacional/ x /estrangeiro/ e / povo/ x /elite/, preservando a unicidade
de sua identidade. Convém salientar, como dissemos, que esse recurso
estendeu-se a outras línguas estrangeiras.
O humor é gênero discursivo (categoria), tendo como uma de suas
características o fato de ser fortemente marcado pela ambivalência, pelo duplo
sentido. Para Bakhtin, que introduziu a noção de polifonia discursiva, o humor
se baseia numa rica tradição que descende dos gêneros satíricos e que tem na
carnavalização os múltiplos interlocutores no discurso invertido, uma de
suas principais formas de manifestação, como vimos. Jacqueline Authier-Revuz
explica-nos que o que Bakhtin designa como “saturação polifônica” constitui
uma teoria de produção de sentido, que estabelece um novo discurso externo,
constitutivo, “o já-dito”, do qual é feito o tecido de um novo discurso, o discurso
representado (Authier-Revuz, 1982: 91-151). Esse discurso alteraria, pois, a
unicidade aparente do fio condutor do discurso, já que essas formas
denominadas “metaenunciativas” inserem a voz do outro na cadeia enunciativa,
como, por exemplo, a presença da língua francesa no idioma português (nosso
caso). A ironia, na concepção bakhtiniana é vista como uma conjunção de
interdiscursos, ou seja, vozes no interior do discurso, proferidas por vários
interlocutores em múltiplos enunciados (Bakhtin, 1970:258-259).
Para a maioria dos especialistas, o humor na linguagem é o choque entre
o duplo sentido, a ambigüidade criada pelo efeito do jogo entre o literal e o
figurado, entre o pressuposto e o que é dito, entre o falso e o verdadeiro, entre
o implícito (a ruptura) e o manifesto. Apoiando-se em conceitos desenvolvidos
por Benveniste (subjetividade na linguagem), Bakhtin (dialogismo e polifonia) e
Jacqueline Authier-Revuz (meta-enunciação), Beth Brait define o discurso
irônico como um jogo retórico instaurado pela enunciação, que, na qualidade de
co-produtor da significação, é instado a empreender uma dupla decodificação
(Brait, 1996: 15 e 96).
Ao distinguir o riso (ato fisiológico) e o cômico (construção da linguagem),
a autora caracteriza o ato irônico como um fenômeno da linguagem, donde a
relação com o material que ora analisamos: o humor dos sambas provêm, de
fato, da paródia, da chamada linguagem macarrônica, da ironia e do non-
sense. Para Brait, fazem parte da categoria humor as seguintes figuras: a
sátira, a paródia, o pastiche, o non-sense, a galhofa, a bufonaria, a farsa, a
ironia, o implícito e a derrisão. Santuza Cambraia Naves (2004: 81) assinala a
correlação direta do discurso do samba à sátira menipéia, enquanto Cláudia
Matos (2001: 66-67), que estudou o discurso do samba-malandro, acrescenta o
logro, a mentira, o engano e a dissimulação entre os efeitos cômicos de duplo
sentido.
Ainda de acordo com Beth Brait, “as formas de construção, manifestação
e recepção do humor, configurado ou não pela ironia, podem auxiliar o
desvendamento ou aspectos de uma dada cultura, de uma dada sociedade”. No
entanto, como destaca a autora, uma manifestação humorística tanto pode
“revelar a agressão a instituições vigentes, quanto aspectos encobertos por
discursos oficiais, cristalizados ou tidos como sérios”, confirmando ou
transmitindo preconceitos (Brait, 1996: 15), o que nos leva a crer que o recurso
cômico tanto pode servir a forças conservadoras (a ordem) quanto
transgressoras (a desordem), como defende a socióloga Maria Alice Rezende
de Carvalho:
“Assim, o recurso cômico e, no limite, ao riso, visa atenuar o horror que deriva
da antevisão de um enfrentamento final entre individualidades autônomas e
plenamente constituídas, preferindo destacar-lhes a natureza relacional e
compreender a sua disputa como sintonia de um mundo já distante de ‘deus’,
onde reinam a anarquia e a servidão. Desse ponto de vista, a sátira e a sua
ironia intrínseca podem ser entendidas como uma força conservadora
dedicada a restaurar as funções da ordem, contra a disputa e a possibilidade
de desintegração” (Carvalho, 2002: 59).
Para a autora, é preciso considerar que “sob o manto conciliador da
ironia” (o riso, o efeito cômico), a música popular brasileira acabou evitando a
abordagem de conteúdos ásperos como o confronto social e a revolução,
preferindo “o tema da integração de classes e grupos no âmbito de um projeto
nacional desenvolvimentista”, negando, por assim dizer, o conflito racial e
social, sempre tratado “como sintoma de desorganização circunstancial de uma
sociedade em mudança” (op.cit., 2002: 59). E conclui:
“É que a ironia não é apenas uma força conservadora que evita a
desintegração, podendo também se constituir em uma estratégia subversiva,
dado ser ela um modo de auto-crítica, de auto-conhecimento e auto-reflexão,
que desafia a hierarquia dos próprios locais do discurso, baseada, em geral,
em relações sociais de dominação. É, pois, pela ironia que se desenvolve uma
paixão negativa pelas representações dominantes no mundo, valendo-se da
intimidade com esses discursos para melhor combatê-los, para tornar relativas
a autoridade e a estabilidade de que desfrutam e, afinal, tomar-lhes o poder”
(Carvalho, 2002: 60).
Assim, a presença da sátira contribui para estabelecer nesse discurso um
dispositivo de distanciamento crítico, que é o princípio da comicidade, pois
denunciam o logro, a falsidade e a dissimulação. Neste sentido, a anarquia e a
inversão da ordem tornam-se elementos característicos do texto de humor,
requerendo a compreensão do receptor, o compartilhamento de uma memória
discursiva, de natureza literária ou não (Brait, 1996: 128). que se somar a
isso o conceito de canibalização cultural desenvolvido pelo poeta Oswald de
Andrade principalmente em seu Manifesto Antropofágico (1928, apud 1978: 11-
19). No primeiro caso, trata-se do destronamento apontado por Bakhtin no
estudo da literatura carnavalesca (1981); no segundo, da deglutição das
qualidades do outro, com vistas à anulação de sua superioridade ou
supremacia, que, em última análise, convergem para um mesmo lugar (não se
aceita ou não se reconhece o poder do outro).
Entendemos por carnavalização os seguintes aspectos:
a) O discurso polêmico estabelecido entre sujeito e anti-sujeito: /nacional/ x
/estrangeiro/ (Barros, 2002: 7), de resto, examinado no capítulo
anterior;
b) O uso de recursos dialógicos e polifônicos, enquanto resultado da
confluência de múltiplos discursos, vozes verbais e mecanismos
interdiscursivos;
c) A ambigüidade discursiva e o duplo-sentido, entre outros;
d) A oralização da cultura francesa letrada;
e) A desconstrução (ou carnavalização) da língua francesa, que diz respeito
a inúmeras formas de transgressão à norma culta, via processos
parodísticos e hibridizados: o uso da paródia enquanto figura de retórica,
bem como forma interdiscursiva;
f) A ambivalência do mundo representado de cabeça para baixo; sem
hierarquia, do avesso. A transgressão à ordem e o estabelecimento do
mundo da desordem, como coloca José Miguel Wisnik (1983).
2. Dialogismo e interdiscursividade
No início desta dissertação, aludimos ao estudo minucioso empreendido
por Mikhail Bakhtin sobretudo no que diz respeito às vozes dialogizadas no
interior do discurso. Para o autor, o discurso nunca é univocal; é sempre
resultado de outros. Essas vozes - ou formas de citação do discurso alheio -
podem ser ouvidas na canção sob os mais diferentes aspectos, do discurso
direto ao indireto livre, da alusão à estilização.
No tocante às relações contextuais, observam-se: a contextualização
interna, que diz respeito à coerência entre as partes que compõem o texto e
permite ao ouvinte (leitor, destinatário) estabelecer contato com o mundo ali
representado (a interdiscursividade própria do diálogo) e a contextualização
externa ligada à época em que foram escritos, revelando ao leitor (no nosso
caso, o ouvinte) à revelia do emissor, muitos de seus valores e dos valores de
seu tempo; trata-se de um tipo de interdiscursividade em relação ao momento
histórico, concebida como vozes que produzem o discurso de uma época,
também denominada de intertextualidade.
Vimos que o dialogismo pode ser concebido no texto como o
espaço de interação entre o enunciador e o enunciatário (o eu e o tu) ,
manipulado pelo enunciador; desse modo, o diálogo das personagens no
interior do discurso adequa-se perfeitamente à moderna canção brasileira
(urbana e radiofônica), cuja principal característica, como vimos é a
naturalidade enunciativa, transposta da rua (linguagem oral) para o universo da
canção. É possível detectar nesse discurso não apenas a voz do enunciador,
mas aquelas com as quais interage, polemiza. Esses processos o
percebidos por marcas da oralidade, as situações locutivas, evidenciadas no
nível da enunciação, tais como:
a) os dêiticos (vocativos, demonstrativos);
b) o discurso relatado, enquanto reprodução interdiscursiva ou apropriação
do discurso do outro.
Além dos diálogos “puros” (discurso direto e indireto), Bakhtin definiu
(1988: 159) a inter-relação dialogizada e a hibridização como a fusão de duas
linguagens; assim, destacam-se ainda:
a) o discurso indireto livre (que possui dois enunciadores);
b) a citação, a alusão e a estilização (a influência do discurso externo no
discurso interno);
c) a paródia, o pastiche e o non-sense (processo de estilização e
hibridização que será estudado adiante, dada à sua recorrência nesta
pesquisa);
d) a sátira, a ironia, a derrisão.
A partir de agora, procuraremos evidenciar de que maneira essas formas
características do discurso dialogizado foram incluídas nos sambas e canções
aqui estudados e como foram “estrategicamente” concebidas pelo sujeito
enunciador. Convém notar que esses processos apareceram desde as
primeiras composições mapeadas. O primeiro deles diz respeito ao discurso
direto, onde o narrador-enunciador a palavra à personagem, como em A
crítica do maxixe francês:
- Ah, oui, madame, c’est très bon!!
É o caso igualmente da marchinha Bonjour, mon amour (1938) :
Alô, mon amour, bonjour,
Eu ando sem l’argent toujours
Se, por acaso, você pode me emprestar algum
É favor porque eu estou nenhum
O mesmo recurso pode ser encontrado em Joujoux Balangandãs (1939),
marchinha que tem como principal característica o fato de ser uma conversa,
possuindo, pois, dois enunciadores diferentes. Neste caso, as marcas do
discurso direto estão explícitas, como o ponto de interrogação e os verbos no
presente:
Joujoux, joujoux
Que é meu balangandã ?
Aqui estou eu,
Aí estás, tu...
Minha joujoux,
Meu balangan !
Quando o enunciador-sambista emprega o discurso direto, tem-se a
impressão de que ele presentifica a narrativa e que este jogo faz parte de sua
performance, já que pouco interfere.
casos de polifonia em que o intérprete encena tanto o enunciador
quanto o enunciatário, como em Acertei no milhar (1940), em que o sambista
imita uma voz de mullher, trazendo-a para o jogo cênico:
- Etelvina,
- O que é Morengueira?
- Acertei no milhar ....
Outra situação de interlocução, um convite à dança, aparece em Baião em
Paris (1950):
Voulez-vous madame, dançar o meu baião
Je vous jure, madame, dance que c’est bon
Um passo pra cá e outro pra lá
Pode crer madame, très joli sera
O samba-de-breque (do inglês to break), tipo de samba narrado, de ritmo
sincopado, que se distingue por apresentar pausas ou paradas súbitas para
introduzir a fala de uma personagem, ou fazer um comentário do narrador-
enunciador, é o exemplo típico de uma situação dialogizada. Deste nero
constam as narrativas curtas, as cenas da vida cotidiana, repletas de dêiticos e
situações locutivas, relatadas tanto pelo discurso direto quanto indireto, caso de
Fui a Paris (1942):
Mas é que eu tenho meu amor no Rio e disse a ela (breque):
- Jamais, mademoiselle, jamais. Qui vous pensez?....
Ainda no tocante ao discurso direto, convém salientar o que nos diz
Cláudia Neiva de Matos, estudiosa do samba-malandro. Baseando-se nos
conceitos de dicção de Luiz Tatit, para quem a “maleabilidade do texto depende
do tratamento entoativo” (Tatit, 1996: 11; citado em Matos, 2001: 60), de
coloquialidade e de performance de Paul Zumthor, Matos nos lembra que, do
ponto de vista discursivo, o samba de breque
113
apresenta-nos a figura de um
sambista-enunciador, o malandro, protagonista e emissor de um discurso
altamente estilizado, que quase sempre se propõe a relatar uma aventura
“picaresca”, cujas principais características são a descrição de cenas
dramáticas do cotidiano, a teatralidade e a dissimulação.
Essas noções auxiliam-nos a melhor compreender o que denominou de
samba-malandro
114
enquanto linguagem baseada em gestos vocais que
articulam as entoações da fala e do canto, a emissão da letra e da melodia. Ou
seja, o diálogos que presentificam a narrativa, conferindo veracidade à
performance. Nas palavras da autora:
“As canções encenam situações discursivamente dramatizadas; a grande
maioria (todas no disco de Moreira, nove no de Jorge Veiga) apresenta
trechos de diálogos, reportando falas de outros personagens ou dando
indicações de sua presença e participação na cena em que soa a voz do
malandro. Essa voz soa em contexto preciso, evidenciando a origem e o
destino da fala, o sujeito que fala diante de seus interlocutores, com as quais
a relação costuma ser de confronto” (Matos, 2001: 64).
De fato, no breque, o intérprete assume a palavra, como no caso de
Qu’est-ce que tu pense:
- Bonjour, madame, mademoiselle.
113
A autora examina principalmente os trabalhos musicais de Moreira da Silva e Jorge Veiga,
Je vous chantê un sambô pourquoi je suis poliglote.
Ou ainda no final do mesmo samba:
- Vien ici, ma petite créance! Qu’est-ce que tu pense?
As marchinhas também apresentam o mesmo expediente, como em
Carta a Brigitte Bardot (1962), quando o enunciador assume a palavra para
convencer a célébre atriz francesa dos anos 60 (o enunciatário):
- Brigitte, ma belle BB. Je ne pense qu’à toi. Je pourra dire: “affiche-moi la pêche”. Mais
ça BB, c’est le voeux que tout le monde voudrait t’envoyer, BB. BB, j’attendrai ta lettre.
Écris chez moi. Écris à Jorge Veiga.
Essa transposição do diálogo (da fala do outro) no discurso - a enunciação
enunciada - é considerada por Bakhtin um tipo de paródia. Assim, é o narrador-
enunciador que se dispõe a nos contar o que foi dito (e também a nos
manipular). Bakhtin nos chama a atenção para o fato de que “o discurso citado
é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação”, sendo, ao mesmo
tempo, “um discurso sobre o discurso” (Bakhtin, 1979: 130). Para o autor, ao se
transformar em unidade estrutural da narrativa, o diálogo, ou a enunciação
citada, “passa a constituir ao mesmo tempo um tema do discurso narrativo” (op.
cit., 1979:130). Nas palavras do autor:
“O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas
é ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a
enunciação. Aquilo de que nós falamos é apenas o conteúdo do discurso, o
temas das nossas palavras[...]. Mas o tema de outrem constitui mais do que o
tema do discurso; ele pode entrar no discurso [...]” (Bakhtin, 1979: 130).
Este recurso pode ser encontrado, por exemplo, em Menina Fricote (1942)
e Pra que discutir com madame (1956). Em ambos, as personagens falam,
conversam entre si, expõem suas idéias.
Em Menina Fricote (1942), o narrador-enunciador constrói sua narrativa
apenas citando o discurso alheio, sem dar a palavra à personagem, ou seja,
comunicando com suas palavras o que ela supostamente proferiu; o discurso
de Risoleta nos chega mediado pelo discurso do enunciador. O mesmo
acontece com Pra que discutir com madame (1956). Este procedimento parece
eliminar os elementos emocionais ou afetivos presentes no discurso direto
(interjeições, interrogações, exclamações, as formas imperativas) e produzir um
efeito de sentido objetivo: foi o enunciador quem o proferiu. Ao usar o discurso
indireto para analisar as “novas falas” de Risoleta, além de deter a palavra, o
enunciador-sambista assume um ponto de vista irônico, mostrando-se contrário
à nova postura do enunciatário:
Ela disse a mim
Que quando está gripada
Não faz atchim, não
Porque não fica bem
Em vez de atchim
Ela faz atchém
E diz que au-au é le chien
No trecho final, novamente o uso do discurso direto promove uma
espécie de teatralização da fala das personagens. Por isso, produz um efeito de
sentido de verdade. O ouvinte tem a impressão de que quem cita preservou a
integridade do discurso citado e de que, portanto, é autêntico. É como se
ouvisse a pessoa falar com suas próprias palavras e com a mesma carga de
subjetividade; o enunciador, utilizando o discurso direto ao final da canção,
dirige-se à Risoleta, para lhe dizer:
Mas eu já lhe disse,
Nerusca, menina,
Não venha pra aqui, não!
A me chamar de très joli
Que eu não sou mon chéri
E língua estrangeira eu nunca entendi!
Larga essa papa de oui!
Percebe-se a ironia nos dois últimos versos, que o narrador não pode
falar francês.
Outro tipo de discurso relatado é que se verifica em Pra que discutir com
madame (1956), onde o título da canção interroga e ao mesmo tempo
responde: com madame não se discute. Ao longo de toda a canção, o narrador
privilegiou a citação do discurso alheio, valendo-se do discurso indireto:
madame diz que... Trata-se mais uma vez de um discurso que instaura a fala do
outro, evidenciando, novamente, o que Bakhtin definiu como um processo de
discurso relatado, denominado por Authier-Revuz como ponto de
heterogeneidade mostrada de maneira explícita. Vejamos o que diz a canção:
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba coitado devia acabar
Neste caso, o narrador nos coloca a par dos julgamentos e opiniões de
madame sem permitir que esta se expresse, fato que nos leva à conclusão de
que desconhecemos a veracidade do discurso. Neste sentido, pode-se dizer
que o narrador-enunciador, ao reproduzir a fala do outro por via indireta,
pretende causar um efeito de maior objetividade no discurso, como se seu
ponto de vista tivesse maior isenção e pudesse criar um efeito de verdade.
Entretanto, o discurso é manipulado: na verdade, madame não se manifesta.
Ao optar pelo discurso relatado, o narrador-enunciador pôde ainda revelar
- ou esconder - traços emocionais ou expressões afetivas que a personagem
porventura pudesse ter utilizado
115
.
No refrão, por meio do uso do imperativo, o sambista-enunciador,
procurando a cumplicidade do ouvinte, parece querer convocar a sociedade,
115
Nas palavras de Luiz Tatit: Quando o enunciador relata o texto em terceira pessoa, tentando
substituir a subjetividade da enunciação pela objetividade do enunciado, a interlocução é anulada
e temos um procedimento de debreagem enunciva” (Tatit, 1998: 77).
destinatário da mensagem, a destruir o samba, ainda que pretenda um efeito
contrário:
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame
Com efeito, o enunciador valeu-se de uma figura de humor, a ironia, para
desqualificar aquela que desmerece o samba. A partir da segunda estrofe,
percebemos mais nitidamente o artifício irônico deste enunciador que, através
da afirmação do contrário, instaura um discurso às avessas, de cabeça para
baixo, procurando desdizer o que diz madame:
No carnaval que vem também concorro
Meu bloco de morro vai cantar ópera
E na avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno, meu Deus, que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é quem tem valor
A ironia repousa justamente na junção de duas culturas díspares (a
brasileira e a européia), duas classes sociais antagônicas, dois sistemas
sonoros impossíveis de serem conciliados, uma vez que não desfile de
escola de samba ao som de ópera ou de concerto sinfônico.
Em Fui a Paris (1942), podemos perceber três modos de discurso citado:
o discurso indireto, a hibridização lingüística (a citação da língua francesa
dentro da língua portuguesa) e, por fim, o discurso direto. Neste samba, o
narrador-enunciador, Kid Morengueira, malandro interpretado por Moreira da
Silva, narra a sua viagem a Paris, a fim de apresentar o samba brasileiro,
ocasião em que seduz uma francesa; logo se diante de um grande impasse,
pois não domina o idioma. Temos primeiramente a ocorrência do discurso
indireto:
Logo depois que o samba estava terminado
Uma linda francesinha chegou-se para o meu lado
E foi dizendo tudo o que sentia
Mas eu não compreendia
Pois não sabia o francês
Daí então ela ficou desanimada
E a minha ilusão naquela noite se desfez
A solução foi comprar um dicionário e empregar imediatamente os termos
aprendidos:
Tive a lembrança de comprar um dicionário
Para não bancar o otário e me defender
Pois a francesa era linda de verdade
E eu tinha necessidade de compreender
Assim, o malandro prossegue a sua narrativa, de posse de seu novo
“apetrecho”, o dicionário que o ajuda na aproximação com o sujeito
enunciatário, a francesinha. Notamos então a presença do discurso direto e da
citação da língua francesa. Trata-se, como dissemos acima, de marcas de
interdiscursividade, como nos exemplos (em itálico):
No dia seguinte quando a encontrei
Um bonsoir eu logo lhe falei (citação da língua francesa)
E gentilmente ela respondeu:
“Comment ça va mon amour, comment ça va? (discurso direto e citação da língua francesa)
Daí então, eu disse tudo o que aprendi inclusive très bien, mon amour, très jolie (citação da
língua francesa)
Após ter conquistado a francesa, o sambista-enunciador decide voltar
rapidamente ao Brasil, interrompendo novamente a narrativa para revelar, em
situação tipicamente farsesca:
Mas é que eu tenho meu amor no Rio e disse a ela: (marcas do discurso direto)
“Jamais, mademoiselle. Qui vous pensez? N’a pas d’argent! Je ne sais pas pourquoi je
t’aime, mon amour. Pourquoi mentir? Excuse-moi! Eu vou é pro Brasil !
Afora os recursos descritos acima, outras formas de citação também se
encontram neste corpo documental. Bakhtin considera a estilização como a
forma mais característica de dialogização interna, salientando que a
consciência lingüística que norteia a recriação estabelece para o estilo recriado
uma importância e uma significação novas. A linguagem estilizada aparece com
ressonâncias particulares: alguns elementos são destacados, outros deixados
na sombra. Acrescenta a variação e a paródia como outras formas de se
retrabalhar o material lingüístico e caracteriza a variação como procedimento
que “introduz livremente um material de outrem nos temas contemporâneos [...],
põe à prova a língua estilizada, colocando-a em situações novas e impossíveis
para ela” (Baklhtin, 1988: 159).
Além dos diálogos puros (discurso direto e indireto), Bakhtin aponta a
inter-relação dialogizada e a hibridização o cruzamento lingúístico de uma
língua dentro da outra - como amálgama de duas linguagens e uma das
modalidades mais significativas no processo de transformação das linguagens;
seu objeto: a representação literária da linguagem que, no nosso caso, pode ser
traduzido como a representação literária oralizada da linguagem, que a língua
não foi apenas transcrita para ser lida, mas escrita para ser cantada,
reoralizada. Ambas fundem dois enunciados potenciais. Trata-se da paródia,
tipo de hibridização bivocal, apontada como um sistema de fusão que busca
esclarecer uma linguagem viva dentro desta outra linguagem (Bakhtin,
1988:159).
3. A carnavalização da língua e da cultura francesa
3.1. A língua francesa carnavalizada
Bakhtin concebe a paródia como uma construção dialógica muito
especial em que o discurso que representa estabelece uma relação de
desmascaramento em relação ao discurso representado. Entre a estilização e a
paródia, encontram-se as mais variadas formas de linguagens determinadas
por inter-relações, desejos verbais e discursivos que se encontram nos
enunciados. A paródia é um aspecto inseparável da sátira menipéia e de todos
os gêneros carnavalizados, contrapondo-se diametralmente aos chamados
gêneros puros, as epopéias e tragédias (Bakhtin, 1981: 167). A paródia não
existe sem o outro, o já-dito, o discurso anterior. Nas palavras do autor:
“A paródia é organicamente estranha aos gêneros puros, sendo, ao contrário,
organicamente própria dos gêneros carnavalizados. Na Antiguidade, a
paródia estava indissoluvelmente ligada à cosmovisão carnavalesca. O
parodiar é a criação do duplo destronante, o mesmo mundo às avessas. Por
isso, a paródia é ambivalente” (Bakhtin, 1981: 109).
Conforme dissemos, o conceito de paródia não pode ser dissociado da
literatura antropofágica oswaldiana, que, dos poetas modernistas, foi o que
mais polemizou com a cultura estrangeira, não somente contrapondo os
conceitos de civilização e barbárie, como também buscando uma solução
poética para o complexo cultural brasileiro. dizia Oswald em 1928,
parodiando William Shakespeare e sua obra Hamlet, no Manifesto
Antropofágico:
Tupy or not tupy, that is the question
Affonso Romano de Sant’Anna assinala que a atitude parodística faz
parte da natureza do samba e da marcha. Aliás, para ele, o samba por sua
natureza, às vezes caricata, é uma atitude parodística. Nas palavras do autor:
“Ora, a paródia só existe dentro de um sistema que tende à maturidade, pois é
uma crítica ao próprio sistema (tanto social quanto musical). A paródia
pressupõe elementos preexistentes que possam ser criticados. Por outro lado,
através dela cria-se um distanciamento em relação a uma verdade comum e
opera-se a possibilidade de uma outra verdade. Faz parte de qualquer sistema
aberto, é o instrumento de negação e assimilação dos contrários. É o corte
com a tradição e a instauração de uma nova linguagem . Ao se destacar da
linguagem que critica, o autor configura melhor a sua própria linguagem pela
diferença ou inversão de significados. Sendo um efeito estético, tem também
uma função social e posta-se a serviço de uma contra-ideologia que critica a
ideologia dominante” (Sant’Anna, 1986: 194-195).
No nosso caso, o efeito parodístico, a voz dentro da voz, bem como o
desvio à norma culta da língua francesa constituem-se em processos de
carnavalização. Em termos lingüísticos, pode-se dizer que a mimetização da
língua francesa por meio da paródia é uma carnavalização.
Assim, é neste sentido que devemos compreender a inserção da língua
francesa no discurso musical da canção popular brasileira, supostamente
escrita e concebida em língua portuguesa, materna: um jogo lúdico, uma
caricatura humorística, brejeira, muito conectada aos anseios da época.
Percebe-se muitas vezes que a língua francesa representada é tão-somente
uma mistura de sons embolados que buscam imitar o idioma francês, porém
destituída de significado, uma falsa língua “passando-se” por verdadeira.
Além dos recursos anteriormente apontados, constituem mecanismos de
carnavalização as seguintes ocorrências lingüísticas ligadas à transgressão à
norma :
a) a mistura (proposital) de registros lingüísticos, “confundindo” formas de
tratamento o tutoiement (tratamento informal, registro familiar,
empregado com o pronome tu) e o vouvoiemente, (tratamento formal,
com o pronome vous) - mesclando a formalidade e a informalidade no
mesmo discurso;
b) as fusões ou hibridizações já mencionadas (o português e o francês);
c) as impropriedades gramaticais;
d) a mimetização fonética, caracterizada pelas acentuações nas sílabas
finais, afrancesando os vocábulos (sambá, sambô);
e) as traduções literais;
f) o non-sense, a falta de sentido, em contraposição à lógica, ao rigor e aos
raciocínios encadeados, próprios da linguagem literária francesa.
É o que podemos encontrar em Tem Francesa no morro, onde, conforme
já apontamos, o pastiche fonético aparece bem caracterizado :
Donê muá si vu plé
Lonér de dancê avec
Si vu frequente macumba
Entrê na virada e finí pur samba
Em referência às formas de tratamento, convém salientar igualmente as
confusões de tratamento no emprego dos pronomes tu e vous, presentes nas
canções Baião em Paris (1950), gravada por Ronaldo Lupo:
Voulez-vous, madame, dançar o meu baião
Je vous jure, madame, danse que c’est bon
Um passo pra cá, e outro pra lá
Pode crer, madame, très joli sera
E ainda o samba Dancê Mademoiselle, gravado por Moreira da Silva em
1963, que, embora fuja até certo ponto da periodização estipulada, vale a pena
ser lembrado por apresentar características muito próximas ao que relatamos:
Dancê, mademoiselle, dancê
Dancê avec moi
Dancê, mademoiselle,
Parce que je t’aime beaucoup mon petit pois
[...]
Mademoiselle, je vais parler
Je vais parler avec vous
Mademoiselle je ne sais pas
Pourquoi je t’aime beaucoup
Além dos discursos híbridos mencionados, apontamos ainda a fusão
entre o português, o francês e o inglês em Bonjour, mon amour::
Allô, mon amour, bonjour,
Eu ando sem l’argent toujours
Se por acaso, você pode me emprestar algum
É favor porque eu estou a nenhum
Se você puder arranjar pra amanhã
Très bien, très bien, très bien
Mas não me faça de bola de ping-pong
Senão eu grito: so long, so long, so long
Tendo dinheiro para mim você é um bijou
Love you, mon chuchu, love you
Assim como a adaptação para o francês na marcha-quadrilha En avant
(1944), composta por Lamartine Babo e Moacyr Araújo:
En avant! En arriê! (no lugar da expressão en arrière, para trás)
Esta quadrilha
Está pra mim e pra você
Balancê! Balancê tour (no lugar de balancez)
Parlez-moi, parlez-moi d’amour
O mesmo ocorrendo em O baião em Paris (1951) de Humberto Teixeira:
Ma non mimi, simoné frou-frou
Cai no passo da zabumba
Que vem lá do meu [rechaud]
C’est une danse très jolie beaucoup (impropriedade na língua)
Todo mundo baionando que é gostoso pra chuchu
[...]
- Monsieur le baion,
Enchanté de vous voir !
- Oh, merci, merci beaucoup
Entre as principais impropriedades (que poderiam ser vistas como
liberdades poéticas), destacamos:
. a concordância verbal entre o sujeito e o verbo, caso também de Tem
Francesa no Morro (1932) :
Si vu nê pê pas dancê
Pardon, ma cherrie
Adieu je me vá
Ou em Carta à Brigitte Bardot (1962):
- Brigitte, ma belle BB. Je ne pense qu’à toi. Je pourra dire: “affiche-moi la pêche”.
. a impropriedade no emprego do pronome interrogativo, em Fui a Paris (1942),
usando-se o pronome interrogativo qui no lugar do que:
Jamais, mademoiselle, jamais. Qui vous pensez? N’a pas d’argent .Je ne sais pas
pourquoi je t’aime mon amour ...
Novamente é Kid Morengueira o enunciador encarregado do desvio à
norma, em Qu’est-ce que tu pense (1942), grafado som o s:
Bonsoir, madame, mademoiselle
Je vous chanter um sambô (palavra inventada, derivada de samba)
Pourquoi je suis poliglote
Em relação às traduções literais, citamos o exemplo de Carta a Brigitte
Bardot (1962):
Brigitte, Brigitte Bardot
Je suis millionaire et brésiien
J’ai une plantation de café
Je m’appelle Jorge Veigá
Et je suis parent de Pelé
para a estrofe:
Brigitte, Brigitte Bardot
Eu sou um milionário brasileiro
Eu tenho fazendas de café
Eu me chamo Jorge Veiga
E sou parente do Pelé
Ou ainda o non-sense conseguido pelas rimas forjadas em Qu’est-ce
que tu penses? (1955) :
Qu’est-ce que tu penses?
Carnaval não canse?
Canse mas balance
Desde France até Bangu
3.2. A cultura francesa carnavalizada
É, pois, dentro dessa concepção humorística que devemos entender a
inserção da língua francesa no discurso da canção brasileira, supostamente
escrita - ainda que num guardanapo de papel para ser cantada, de maneira
jocosa, numa justaposição de sons mimetizados. Os enunciadores da canção
brasileira, sambistas ou não, ‘oralizaram’ a língua francesa, transportando-a de
um rigoroso padrão de norma culta para o universo musical e radiofônico, para
a elasticidade da linguagem oral do português praticado no Brasil, recurso tão
arduamente desejado pelos modernistas.
Assim, como quer Bakhtin, invertem-se os papéis: de língua culta, traço
distintivo da língua francesa praticada pela elite no Brasil, passa a estar na boca
do povo. Vale lembrar que o idioma circulou por entre as mais diversas
camadas sociais, sendo falado tanto pela meretriz quanto pelo bacharel.
Passamos, assim, do mundo da cultura letrada (alta), para o universo da cultura
iletrada (baixa), auditiva, oralizada. Da mesma forma, os heróis franceses,
personalidades do mundo da cultura - literatura, música ou cinema -
destronados, foram às ruas, descendo ao mundo familiar do discurso do samba
e da marcha e tornando-se personagens de nosso universo carnavalesco. De
Madame Pompadour (1721-1764), mulher influente na corte de Luís XV, ao
romancista Honoré de Balzac (1799-1850), passando pelo pensador positivista
que tanto influenciou a República Brasileira, muitos foram os estratos culturais
passados em revista, do canto de Lucienne Boyer (1901-1983) à vida rosa de
Edith Piaf , de Jean Gabin (1904-1976) a Brigitte Bardot (1934).
4. O malandro x o operário x o burguês afrancesado
Até agora, vimos que, na maioria dos sambas analisados, a discussão
focalizou a polêmica em torno do sambista e do burguês afrancesado.
Verificamos ainda que desde as composições de Assis Valente ou de Noel
Rosa esse enunciador apresentou uma tendência a criticar o costume, até certo
ponto subdesenvolvido, de se deslumbrar diante dos estrangeirismos e dos
modismos estrangeiros. Em Não tem tradução (1934), por exemplo, o locutor
nos colocou diante da linguagem do sambista que valoriza a fala do malandro
como síntese de uma língua, “a brasileira”, em detrimento de outras falas
projetadas na tela do cinema. De acordo com a literatura sobre o assunto, o
malandro neste universo de canções personifica o protótipo do brasileiro urbano
da década de 30
116
, muito sintonizado com a imagem do mulato, herói do mito
da mestiçagem (Vianna, 1995: 105), cuja persona não pode ser dissociada da
do sambista, que, por outro lado, tem suas raízes na figura do capadócio, o
mestiço do Brasil-Colônia, tocador de viola e avesso ao trabalho, como nos
esclarece Sandroni (2001: 156-185). Vale dizer que o tema da malandragem
aparece prefigurado nas modinhas e lundu.
Assim, a canção brasileira dos anos 30 é enunciada por um sambista-
malandro, cuja representação não foi construída sem idiossincrasias. Sandroni
nos lembra que esses interlocutores tematizaram não apenas a vadiagem, mas
também o fim da orgia, o abandono do samba - não sem sofrimento - e,
algumas vezes, a crítica ao ócio. No dizer do antropólogo, “o samba-malandro
era também um samba em conflito com a malandragem” (Sandroni, 2001: 160).
Assim, pode-se dizer que são vários, e não apenas um, os tipos de malandros e
malandragens representados.
Imagem poeticamente inventada, a figura do malandro, apesar de
apresentar variações, possui características em comum como a marginalidade,
a ginga, a postura crítica e a atitude performática (Matos, 2001: 67). Atuando no
116
Como assinalamos anteriormente, os anos 30 foram fortemente marcados pelo samba do
Estácio, mais condizente com a modernidade que se anunciava e com a valorização do
elemento mestiço. O samba dos anos 30, dissociado do maxixe, tem na figura do malandro e
no tema da malandragem um dos seus pilares de sustentação, como nos comprova Carlos
Sandroni (2001: 168).
morro, no botequim da esquina, na delegacia dos subúrbios ou na gafieira, o
malandro é aquele que enuncia uma situação onde estão presentes a mentira e
a dissimulação
117
. O primeiro samba gravado a explorar a temática do
malandro, de autoria de Bide e Armando Marçal, é de 1927, recebendo o
seguinte título: A Malandragem. Em contrapartida, a menção ao trabalho era
quase nenhuma; até então, não se constituía em tema de samba.
Quando Vargas assume o poder, a malandragem sofre um revés,
cedendo lugar ao trabalhismo. dissemos que durante o Varguismo, o samba
preocupou-se em difundir um discurso exaltando as qualidades do operário e do
malandro-regenerado, símbolo da nação e da classe trabalhadora. No entanto,
o discurso do samba-malandro, não deve ser confundido com o conceito de
discurso da malandragem, embora ambos possuam pontos em comum, como a
tromperie, forma sutil de ludibriar caracterizada pela farsa que, ao final, é
sempre revelada (Matos, 2001: 66-67). No primeiro caso, temos o samba Fui a
Paris (CD 1, faixa 11), de 1942, de que falamos anteriormente, em que o
malandro, enunciador do samba-de-breque, termina por enganar uma francesa
enamorada, ou ainda, Carta a Brigitte Bardot (CD 1, faixa, 27), de 1962, em que
o malando (sujeito enunciador) da marchinha de carnaval procura seduzir a atriz
com um falso pedido de casamento, enganando-a com bens materiais
inexistentes ou anunciando o falso parentesco com Pelé. É, pois, esse
enunciador que polemiza com a figura do francês, seja ela real ou imaginária.
o discurso da malandragem, como bem destaca José Miguel Wisnik
(1983), define-se como o contra-discurso, a transgressão sutil, de resistência,
que se coloca na contra-mão do discurso oficial, onde o receptor é instado a
buscar o sentido nas nas brechas ou atitudes implícitas de um discurso
dissimulado. Referimo-nos especificamente ao samba-choro (e de breque)
Acertei no Milhar (CD 1, faixa 9) - composto em 1940, de autoria de Wilson
Batista e Geraldo Pereira e interpretado por Moreira da Silva - de natureza anti-
trabalhista, paradigma do discurso da malandragem e que se contrapôs
117
Vale ressaltar ainda as diversas categorias de malandro, classificadas pela autora por
décadas: o malandro vitorioso, jogador de sinuca (1930); o malandro regenerado, suposto
trabalhador (1940); o malandro elegante, freqüentador de gafieira (1950); o malandro barra-
pesada, briguento (1980) (Matos, 2001: 68).
diametralmente ao “samba da “legitimidade” (Tota,1983:146) que defendia a
prática do trabalho. Aqui, o enunciador, sorrateiramente, descobre uma forma
de burlar o cerco da ideologia trabalhista, dando voz a um operário que,
resistindo às forças do Estado, decide não ir trabalhar, criticando, em segunda
leitura, a figura do burguês afrancesado, o intelectual, o bacharel, que se
encontra num outro patamar da pirâmide social, cuja reverência à cultura
européia é uma de suas principais características. Neste sentido, o samba
sintetiza o papel da cultura francesa junto a segmentos da cultura brasileira
letrada do qual o enunciador sambista parece ter plena consciência.
Em linguagem semiótica, pode-se dizer que, neste caso, o sambista-
malandro, avesso ao trabalho, é o anti-sujeito que contraria a política
trabalhista, tentando impedir o projeto estadonovista (o destinador). Na medida
em que denuncia a difícil condição de operário, o enunciador naturalmente se
mostra igualmente avesso à política de Getúlio Vargas.
Além desta leitura, pretendemos levantar um outro aspecto voltado
para o papel que a cultura francesa exerceu sobre determinado estrato da
sociedade brasileira, baseando-nos na mesma polêmica “o malandro x o
burguês afrancesado”, enunciada em outras canções; porém, no que
concerne à sociedade brasileira, esses papéis nem sempre se evidenciam de
maneira tão clara.
Além do que foi colocado a respeito do caráter transgressor desse
discurso de resistência ao trabalho, outros elementos podem ser
acrescentados: o primeiro deles diz respeito ao fato de que Acertei no milhar
(1940) reúne todos os personagens num enunciador, num jogo de espelhos
onde as imagens, os papéis, parecem se embaralhar: o verdadeiro
malandro, o que rechaça o trabalho; o falso malandro, o operário chefe de
família que precisa trabalhar; e o burguês espelhado na figura do europeu, cuja
posição parece ser ora criticada, ora invejada.
Deste modo, pode-se dizer que a categoria fundamental em Acertei no
milhar atua com os seguintes pares de opostos:
/trabalho/ X /ócio/
Realidade X Fantasia
Operário X Burguês
118
Batente X Loteria
Com efeito, o samba, de natureza anárquica e anti-trabalhista oscila entre
o mundo do ócio (a preguiça, a vadiagem) e o mundo do trabalho (a classe
dominante + o operariado), entre o samba da malandragem (anti-oficial) e o da
legitimidade (de adesão ao trabalhismo), entre o falso e o verdadeiro, a
realidade e a fantasia.
Como em todo samba-de-breque, este narra a saga de um operário que,
se vê, de um dia para o outro, na condição de um doutor, por ter ganho na
loteria. A partir de então, recusa-se a encarar não apenas a rotina e o trabalho,
mas a própria identidade:
- Etelvina!
- O que é Morengueira?
- Acertei no milhar
- Ganhei quinhentos contos não vou mais trabalhar...
A narrativa traz uma perspectiva de mudança de classe social e de
adoção de novos valores compatíveis com essa transformação: neste caso, o
malandro (antítese do trabalhador) saltou para a classe dominante, com todos
os direitos e regalias a que faz jus a nova posição social: sem o menor
esforço
119
.
No plano narrativo, temos, de um lado, o sujeito-enunciador que, tendo
enriquecido através da loteria (o objeto mágico), torna-se burguês; e, de outro,
o anti-sujeito, a pobreza, que agora precisa ser eliminada, quebrada, destruída.
No entanto, enquanto objeto-valor, o dinheiro não basta; é preciso que o
protagonista seja reconhecido, identificado como classe dominante. A mudança
118
Na visão do operário, o burguês, rico, não trabalha; manda.
119
O enunciador ganhou o dinheiro por via facilitada, porém legal. A malandragem do discurso
repousa no fato de que, sendo proveniente da loteria ( ou seria o jogo do bicho?) fonte de
recursos governamental, o samba não poderia ser censurado. Foi, assim, uma forma encontrada
para se burlar o DIP e a ideologia do trabalho já mencionada.
de classe social requer outros signos que simbolizem a ascensão: um
professor, um colégio interno, uma viagem, a compra de um título nobre, um
avião e assim por diante. Deste modo, o enunciador vai assumindo a persona
de um outro, com posturas, pertences e comportamentos que, em verdade,o
são seus. Trata-se, mais uma vez, de uma crítica ao universo do parecer.
Assim, embora o dinheiro em si não seja suficiente, é capaz de comprar o
necessário. Aqui entram novamente em cena a língua e a cultura francesa para
legitimar novas representações simbólicas e imagens identitárias. À medida que
a narrativa prossegue, o personagem vai adotando um novo modus vivendi,
adquirindo tudo o que vê: nome, título, posição social, conforto, bem estar,
educação, sofisticação, gestos e comportamentos diferentes do que era,
despindo-se, por assim dizer, da imagem anterior de operário, para assumir
uma nova máscara, a do novo rico (burguês). Almeja livrar-se não apenas do
trabalho estafante, mas também dos elementos que o identificam com a
pobreza. É curioso notar, inclusive, a maneira com que o enunciador trata a
mulher, Etelvina (sujeito enunciário), PUC
Um professor de francês “mon amour”
Eu vou trocar seu nome
Pra Madame Pompadour
Até que enfim agora sou feliz
Vou passear a Europa toda até Paris
E nossos filhos, oh, que inferno !
Eu vou pô-los num colégio interno
121
A narrativa pode ser dividida em três tempos distintos, supostamente
reais, antes do desfecho:
Antes Agora Depois
(momento passado) (momento presente) (momento por vir)
vida difícil providências, conversa vida abastada
dívida no armazém pagamento acerto de contas
A revelação se no final, quando o engano é desvendado: o enunciador
é acordado pela mulher, declarando que tudo não passou de um sonho.
Desfaz-se o jogo, a farsa e retorna-se à realidade. O humor e a ironia, de
natureza discursiva, encontram-se nesta situação final, pois o enunciador é
obrigado a voltar à condição que havia rechaçado, ao pesadelo do mundo do
trabalho. O efeito cômico se baseia justamente no fato ambíguo, na revelação
do sonho, numa narrativa que transita entre o fazer, o desfazer e o refazer.
Tudo volta ao que era antes: é a imagem do malandro-regenerado que
novamente adquire relevância. Podemos inferir daí que se trata de uma
verdadeira regeneração? Ao que parece, não exatamente. O malandro embora
pareça regenerado, é um indivíduo inconformado com a condição de operário;
como não pôde desmerecer abertamente a ideologia oficial que naquele
momento (1940) exercia total controle sobre a produção musical por intermédio
do DIP (Tota, 1980: 146), usou do artifício do sonho, driblando o discurso que
enaltecia o trabalhador.
121
Madame Pompadour: Marquesa de Pompadour (1721-1764), já referida, a favorita de Luís XV,
protetora das Artes; Colégio Interno: modelo educacional francês copiado pelo Brasil.
5. A construção da imagem do outro: tipos, estereótipos e clichês
Como o francês (indivíduo/coletividade) é referido na música popular
brasileira? De que forma a França, sua língua e sua cultura aparecem nestas
canções estudadas? Que representações foram construídas? Como estas
representações evoluíram ao longo do tempo, dialogando com o contexto em
que foram produzidas? O que teria motivado alguns compositores nacionais a
escrever diretamente em francês? O que revela e o que esconde esse sujeito
enunciador?
Foram estas as principais questões que conduziram a análise das
canções que compõem o corpus deste trabalho. Nosso objetivo foi, pois,
observar este corpo documental de maneira a conhecer o que pensou e
tematizou o enunciador da canção popular sobre a questão, procurando
ressaltar os principais aspectos levantados e sua significação no âmbito das
relações interculturais Brasil-França.
Numa análise sobre as representações sobre o outro, particularmente,
quando este pertence a uma outra cultura, revela-se não apenas a imagem que
dele possuímos, como a que, implícita ou explicitamente fazemos de nós
mesmos. Geneviève Zarate caracteriza o papel das representações sociais
como o produto de um trabalho social coletivo através do qual os agentes
sociais constroem seus modos de conhecimento da realidade
122
.
A noção de representações coletivas funda-se na idéia de se pertencer a
um grupo social, que, segundo a autora, constrói os limites entre o grupo de
que se faz parte e o outro, define proximidades e afinidades, distanciamentos e
incompatibilidades.
É assim que as “representações do estrangeiro” remetem especialmente
à identidade do grupo que as produz ou produziu (Zarate, 1995 :30). De fato, é
no jogo interativo entre o eu e o outro que a própria identidade do sujeito vai
sendo constituída, engendrando uma visão de mundo, um tempo e um lugar.
122
No entender da autora, a representação simbólica seria o resultado da produção coletiva de
uma dada sociedade (Zarate, 1995: 30).
Na medida em que essas canções são reveladoras de subjetividades e
representações entre o eu e o outro e dialogam com um dado momento
histórico, surgem categorias (recorrências temáticas), figuras e tipos que
simbolizam os diversos movimentos de aproximação/distanciamento,
afirmação/negação ou atração/rejeição.
São cenas ou crônicas do cotidiano brasileiro da primeira metade do
século, que, tal como um mosaico, compõem um painel social, cultural e
comportamental da sociedade carioca - vinda da rua, do salão ou do universo
radiofônico -, trazendo consigo um projeto de identidade, ainda que
construído, para esta primeira metade do século.
A análise dos conteúdos temáticos baseou-se, por um lado, nas
recorrências e intertextualidades e, por outro, na periodização colocada na
introdução do trabalho. A fim de melhor visualisar as constantes encontradas,
apresentamos, a seguir, um quadro recapitulativo de temas, figuras e tipos
recorrentes:
TÏTULO TEMA
FIGURA(S)
TIPO(S) ENUNCIADO
A crítica do
maxixe
1909
cançoneta
A dança erotizada do
maxixe
Prostituição
O cabaré O francês
O bailarino
A prostituta
“Não há francês
que não capriche
no meio do
maxixe”
Les Batutas
1922
samba-
amaxixado
Apresentação do
samba em Paris /
Reconhecimento
O dansing
O cabaré
Os passos da dança
Les Batutas e
o público
“Faisons tout le
monde danser le
samba”
Sarambá
1929 samba-
amaxixado
Apresentação do
samba em Paris /
Reconhecimento
A roda de samba
Os passos da dança
O mulato
O sambista
A tia baiana
“Olha o sarambá, ô
tia!
Tem francesa no
morro
1932 maxixe
A dança erotizada do
maxixe
Prostituição
Colonialismo cultural
O cabaré
O morro
A bailarina
O bailarino
A prostituta
“Dance lê
classique em cime
de mesa”
Positivismo
1933 samba
A traição
O dinheiro
O preço do amor
A Prostituição
O câmbio flutuante
A lira Ordem e
Progresso
A traidora
A prostituta
“Vai, com teu juro
exorbitante”
Não tem tradução
1934 samba
Colonialismo cultural
O português X O
francês e o inglês
O cinema e o morro
Risoleta
O malandro
O burguês
“Só pode ser
conversa de
telefone”
De babado
1936 embolada
O preço do amor
O falso vestido O amante e a
“Seu vestido de
babado
francês
O vestido de babado
amada Que eu comprei lá
em Paris”
Paris
1938 marchinha
Saudade do Brasil
Valorização do
nacional (canção do
exílio)
Paris x Rio de
Janeiro
A loura e a morena Paris, Paris je
t’aime, mas eu
gosto muito mais
do Leme
Bonjour, mon
amour
1938 samba
Malandragem
Prostituição
Uma conversa por
telefone/
interlocução
A prostituta o
turista e o burguês
“Tenho dinheiro
para mim você é
um bijou
Love you, love
you...”
Joujoux
balangandãs
1939 marchinha
Amor intercultural
Braços dados
Paris e Brasil
O namorado e a
namorada
“Seja em Paris, ou
nos Brasis ...”
Menina fricote
1940 samba-
choro
Colonialismo cultural
Valorização do
nacional
Malandrage
m e
prostituição
Apropriação da
cultura do outro
O cassino e o morro A suburbana
afrancesada
A malandra
A mulher
prostituída
“Não sei que
doença deu na
Risoleta que agora
só gosta de ouvir
opereta”
Acertei no milhar
1940 samba
Malandragem
Colonialismo cultural
Sátira ao burguês
afrancesado e ao
culto ao trabalho
Paris x Rio
Português x francês
O malandro
O farsante
O operário
O burguês
“Você dê toda a
roupa velha aos
pobres”
Fui a Paris
1942 samba de
breque
Ir e voltar
Valorização do
nacional
Malandragem
Paris
O cabaré
O malandro
sedutor
O farsante
“Logo depois que
o samba estava
terminado/ Uma
linha francesinha
chegou-se para o
meu lado”
Qu’est-ce que tu
pense?
1942 samba
Malandragem
Prostituição
A dança
A mulher
A disputa
O
malandro
cafetão
Viviane
“E sou forte sou o
tipo da lança”
En avant
1945 marcha-
quadrilha
Amor em quadrilha Os passos da
quadrilha
A loura a morena
“Entre a loura e a
morena
Mon coeur
balance”
Aula de francês
1947 marcha
Malandragem
Prostituição
A Praça Mauá
A farsante
A meretriz
O marinheiro
inglês
“A aula de francês
que ela dá / É
atender inglês na
Praça Mauá”
Balzaquiana
1949 marcha
Exaltação à mulher
madura
O broto x a
balzaquiana
A mulher madura
Balzac e a
representação da
mulher francesa
“Sete dias da
semana /
Eu preciso ver
minha
Balzaquiana”
Malandro em
Paris
1950 baião
Malandragem
Vida fácil em Paris
Perfumes,
automóveis,
renard
O malandro
A malandra
“Quem nesse
mundo não quer la
vie en rose?”
Baião em Paris
1950 baião
A apresentação do
baião em Paris
O salão de dança
Os passos da dança
O mulato e a dama “Voulez-vous,
madame, dançar o
meu baião”
O baião em Paris
1951 baião
A apresentação do
baião em Paris
Montmartre
Pigalle Brás
Paraíba Hollywood
Os dançarinos de
baião
“Tout le monde à
Pigalle/ o baião tá
em Paris”
La vie en sambá
1951 samba
A apologia do samba
Paródia a La vie en
rose
Blois
Paris
Mesdames
Messieurs
Petits-enfants
“Danse la société
de joujoux
balangandãs”
Can-can
1954 marcha
Sucesso do can-can
No Brasil
O passos do can-
can
A bailarina
“Ao tentar botar a
perna lá por cima
da cabeça”
Vou pra Paris
1954 samba
Malandragem em
Paris
Conta
Imposto
O malandro
A malandra
“Sem pagar as
contas eu vou pra
Paris amanhã”
Qu’est-ce que tu
penses?
1955 samba
Culto ao Trabalho
Quarta-feira de
cinzas
A bebedeira
O trabalho
Os foliões
O turista
O operário
“Quarta-feira às 7
horas levanto
E vou trabalhar”
Pra que discutir
com Mme?
1956 samba
Crítica ao
colonialismo
Valorização do
Nacional
Samba x ópera
Desfile x concerto
Brasileira
afrancesada
“Meu bloco de samba vai
cantar ópera”
Francesa ou não
francesa
1956 jazz
Malandragem
Os atributos da
possível francesa
O malandro
interesseiro
“Francesa ou não
francesa, tu tens o
tal l’argent”
Grand Monde du
Creoléu
1957 samba
Malandragem
O morro
Os trajes do
malandro
Os presentes
O malandro
O falso rico
“Deu de presente a
Marion um vison
Brigitte Bardot
1961 marcha
Culto a uma
celebridade francesa
Sedução e erotismo
O corpo de BB na
tela de cinema
O malandro e a
celebridade
“Será pelo pé?
Não é?”
Lição de baião
1961 baião
Apresentação do
baião em Paris
A aula de baião
Os alunos do
baião
Apprenez la leçon
Dansez le baïon”
Carta a BB
1962 marcha
Malandragem
Falso pedido de
casamento
Fazendas de café
Caxambi
O malandro
e a celebridade
“Écris chez moi,
écris à Georges
Veiga”
Dancê
Mademoiselle
1963 samba de
gafieira
Convite à dança O desejo, a
conversa, a dança
O malandro e a
francesa
“Dance,
mademoiselle/
parce que je t’aime
beaucoup, mon
petit pois”
Os gêneros musicais que predominam no corpus observado foram o
samba e a marchinha, ritmos autenticamente nacionais, bastante
comprometidos com a imagem de identidade nacional, de brasilidade. Trata-se
efetivamente de um período em que a canção brasileira esboça as primeiras
representações do país; de certa forma, a representação do estrangeiro francês
se integra nessa visão de mundo.
Assim, o exame das canções circunscritas na primeira metade do século
permite-nos apontar a seguinte tipologia:
. Apologia da dança e do sexo
De 1900 a 1932, registramos quatro ocorrências em que a dança aparece
como tema e fator de proximidade intercultural, quer buscando legitimação para
um ritmo genuinamente nacional, quer significando apenas um pretexto para
um jogo erótico, sensual. As principais figuras de lugar são o dansing, o
cabaré, o salão ou o quintal, propício para encontros e pagodes. Os tipos, por
sua vez, vão da negra baiana ao sambista ou batuqueiro, ou ainda, do músico à
dançarina de salão, em geral associada a uma imagem estereotipada da mulher
francesa (a dama coquete, a petite francesa), fortemente ligada à atividade do
meretício.
A crítica do maxixe francês (1909), mostrou como o sucesso do maxixe
foi assimilado em Paris, gênero que parecia empolgar e desafiar os próprios
franceses, aparentemente interessados nos passos e requebros desta dança:
Lá na capital da França
Onde o progresso avança
Não há francês que não capri.. i... che
No [meio] do maxi...i...xe
o samba-maxixe Les Batutas (1922), bem mais elegante, composto
por ocasião da viagem dos Oito Batutas à França, constitui-se, efetivamente,
em uma aula de dança para os franceses, público receptivo, como se pode
concluir, às danças brasileiras:
Mon samba se danse
Toujours en cadence
Petit pas par-ci
Petit pas par-là
Il faut de l’aisance
Beaucoup d’élégance
Le corps se balance
Dansant le samba
Esta mesma temática - a adesão (e legitimação) dos franceses a um
ritmo nacional por meio da dança - pode ser encontrada igualmente nas
seguintes canções:
Baião em Paris (1950)
O Baião em Paris (1951)
La vie en Samba (1951)
Lição de baião (1961)
De 1922 a 1932 observa-se um vazio: a França praticamente não
aparece representada na canção popular brasileira, à exceção da canção
Sarambá, readaptada e gravada em disco 78 rpm pelo compositor J. Thomas,
em 1929, conforme dissemos.
Em duas dessas canções - A crítica do maxixe francês (1909) e Tem
Francesa no Morro (1932) - as representações construídas são dúbias, assim
como o significado do verbo dançar, vocábulo recorrente no corpus desta
pesquisa, simbolizando muito provavelmente o ato amoroso:
Dançar à francesa (A crítica do maxixe francês) ;
Danser le classique em cime de mesa (Tem francesa no morro) .
A mesma expressão é reiterada em Menina Fricote (1940); vale dizer que
uma das acepções do verbo “fricoter” em francês tem igualmente forte apelo
sexual:
E faz fricote como quê!
O mesmo ocorre no samba interpretado por Moreira da Silva, Qu’est-ce
que tu pense?(1942)
Diz que danse, diz que danse...
[ ] E quando danse, canse, pourquoi?
Deste subgrupo fazem parte:
A crítica do maxixe francês (1909)
Tem francesa no morro (1932)
Menina fricote (1940)
Qu’est-ce que tu pense? (1942)
Dance Mademoiselle (1963)
Neste caso, a dança e a língua francesa funcionaram, como elementos
de aproximação intercultural (à exceção de Menina Fricote).
A partir de 1932, começam a surgir as primeiras críticas a um colonialismo
cultural representados pela adoção de estrangeirismos ou comportamentos
estrangeiros, coincidindo inclusive com a gravação dos primeiros sambas de
caráter nacionalista
123
. Notam-se então as primeiras representações do “outro
francês” por meio de sátiras à língua e à cultura deste país. O nacionalismo
xenófobo, no dizer de José Murilo de Carvalho, “uma velha tradição carioca
retomada com força pelo jacobinismo florianista” (Carvalho, 2004: 28) durante o
governo Vargas é expresso principalmente pela crítica aos processos de
aculturação
124
, aparecendo principalmente sob as seguintes formas:
. Sátira à língua francesa por meio de paródias:
Em Tem Francesa no Morro (1932), Não tem tradução (1934), Menina
Fricote (1942) e outros, a língua francesa é parodiada (profanada) e, em muitos
casos, os valores musicais europeus, rejeitados, em detrimento da língua e dos
símbolos nacionais. Na relação entre o enunciador e sua linguagem, ou ainda,
entre o enunciador e a linguagem do outro, um choque cultural; estabelece-
se um jogo de forças na disputa por uma identidade. O outro seja o francês,
seja o burguês que pretende ser francês - é, de certa forma, satirizado, como
nas canções:
Tem francesa no morro (1932)
Menina fricote (1942)
Qu’est-ce que tu pense (1942)
123
A questão racial dá lugar à questão cultural, de caráter nacionalista.
124
La vie en samba (1951)
Qu’est-ce que tu penses? (1955)
Carta a Brigitte Bardot (1961)
Dancê Mademoiselle (1963)
A sátira à língua francesa, resulta, na verdade, de um outro aspecto
levantado; ambos se encontram intrinsicamente associados, a saber:
. Crítica ao colonialismo cultural e ao burguês afrancesado
Entre 1930 e 1956, as canções deste corpo documental tenderam a
apresentar um conflito não exatamente entre o brasileiro e o estrangeiro
francês, mas entre o sambista e o burguês, entre a cultura brasileira tida como
autêntica e a influência que a cultura francesa e seus símbolos culturais
exerceram sobre a classe dominante. Deste modo, notamos primeiramente a
afirmação do sentimento de uma classe que procurava se distinguir da elite por
meio de outros ícones e valores culturais - tais como a dança do cabaré, o
samba de roda, a cultura do morro, o linguajar simples –, contrariando, por
assim dizer, o bom gosto, o refinamento e a sofisticação que a língua francesa
poderia acrescentar à classe dominante.
um paralelismo temático com outros sambas de cunho nacionalista,
em geral produzidos no auge da Rádio Nacional e da Ditadura Vargas:
Não tem tradução tradução (1934)
Menina Fricote (1940)
Acertei no milhar (1940)
Malandro em Paris (1950)
Pra que discutir com madame (1956)
Outro tema constante, decorrente do nacionalismo, encontrado nas
canções deste trabalho diz respeito à :
. Valorização dos símbolos e elementos nacionais:
Em 1938, Carmen Miranda grava Paris, marcha de Alcyr Pires Vermelho
e Alberto Ribeiro, em homenagem aos craques brasileiros da Copa do Mundo
de 1938, realizada na França
125
. No esteio de uma tendência nacionalista, a
marcha exalta as belezas de e de cá, mas, tal como a Canção do Exílio de
Gonçalves Dias, trata-se de ir e voltar.
Eu também quis
Ir um dia a Paris
Pra conhecer o que havia lá
E ao ver o metrô
A saudade apertou
Tu és a Cidade Luz
Paris, Paris,
Je t’aime
Mas eu gosto muito mais
Do Leme
Assim, culto à nação e aos valores nacionais são explorados nas
seguintes canções:
Paris (1938)
Eu gosto do samba ( 1940)
Fui a Paris (1942)
En avant (1944)
A saudade e a volta são igualmente retomados em Fui a Paris, de Moreira
da Silva e Ribeiro Cunha, gravada em 1942, objeto de análise deste trabaho. O
enunciador-sambista, Kid Morengueira, interpretado pelo próprio Moreira da
Silva, viaja a Paris, mas não sabe falar francês. Empolgado com possibilidade
de uma aventura amorosa com a “linda francesa”, termina por comprar um
dicionário. Porém tudo não passou de um mal-entendido; o sambista precisa
voltar para o seu lugar de origem:
- Qui vous pensez?
N’a pas d’argent?
Quelle heure est-il?
125
A mesma marchinha seria regravada por Elba Ramalho para uma publicidade de sandálias, por
ocasião da Copa do Mundo de 1998, também na França.
Pourquoi mentir?
Mas é que eu tenho
Meu amor no Rio
E disse a ela:
- Eu vou é pro Brasil.
Trata-se, sem dúvida, de um malandro, personagem que nos remete ao
próximo item desta tipologia, qual seja: .
. O culto à malandragem
Em relação aos tipos apresentados, farsescos em sua grande maioria,
observamos, de forma geral, a presença de todos os gêneros de malandro (o
que não se liga ao trabalho de Acertei no Milhar, o dissimulado de Fui a Paris, o
regenerado de Qu’est-ce que tu penses), de homens e mulheres interesseiros,
enganadores, que apreciam o dinheiro e a vida fácil, ou ainda, o requinte e a
luxúria descritos no baião Malandro em Paris (1950); este último, aliás, além de
se constituir em franca alusão ao sucesso de Edith Piaf, La vie en rose (1946),
estabelece outro conceito de malandragem, qual seja, o ócio da elite:
Quem nesse mundo não quer la vie en rose
La vie en rose, sombra e água fresca e quelque chose
E uma casinha bem pertinho de la mer
Moleza assim, como essa, quem não quer?
[ ]
Perfumes de alfazema automóveis Citroën
Modas, polinet, vestidos de soirée
Muito champagne, cordon rouge e caviar
Com Jean Gabin me chamando de mon coeur
Um promenade toda tarde no Bois...
Moleza assim, como essa, quem não quer?
Mentira e engano, como vimos, fazem parte do jogo enunciativo. As
figuras femininas de modo geral são ambíguas, dissimuladas e
“aproveitadoras”, quando não prostituídas, como pudemos perceber em
Positivismo (1933):
Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante
Assim, “malandros” e “malandras” estão presentes nas seguintes
canções:
Positivismo (1933)
De babado (1936)
Bonjour, mon amour (1938)
Menina fricote (1940)
Aula de francês (1947)
Malandro em Paris (1950)
Vou pra Paris (1954)
Francesa ou não francesa (1956)
Grand monde du creoléu (1957)
Carta a Brigitte Bardot (1962)
Em oposição à figura do malandro-regenerado e da senhora do lar
proletário que personificava a imagem de mãe e de dona de casa, temos a
figura de Risoleta, que também representa a típica “malandra”, interesseira,
objeto de alguns sambas desta fase:
Se acaso me encontra me pede emprestado
Diz que é minha fã
Mas eu lhe digo até amanhã
Anti-heroína, malandra na visão do enunciador, Risoleta é uma
personagem em busca de ascensão social que nega a sua origem e a sua
classe, contrariando, assim, a ideologia nacionalista. Não se inibe em pedir
dinheiro, tal como a personagem de Bonjour, mon amour (1938):
Alô, meu amor, bonjour,
Eu ando sem l’argent toujours
Se por acaso você pode me emprestar algum
É favor por que estou a nenhum
Se no samba Menina Fricote (1940), Risoleta quer assumir certa postura
da classe dominante, sendo, por isso, satirizada, em Pra que discutir com
madame (1956), a personagem, pertencente à classe dominante, não se
identifica com os valores das classes populares:
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame
Pra que discutir com madame
Assim sendo, a adoção de novos parâmetros culturais, compatíveis com
a burguesia, compõem outro critério desta tipologia, a saber:
. A apropriação da cultura do outro:
Vimos no capítulo anterior que Acertei no Milhar (1940) nos coloca diante
de uma mudança social vivida por um operário que, ao ganhar na loteria, decide
não mais trabalhar, adquirindo hábitos e objetos de uma outra classe social,
muito influenciada pela cultura francesa; neste caso, a língua francesa é
igualmente colocada como um personagem auxiliar que concede status social.
Assim, ao mesmo tempo que o samba critica os mecanismos empregados
pelos burgueses em busca de ascensão social, opõem-se sutilmente à política
trabalhista instituída por Vargas, que se define pela :
. Apologia ao trabalho:
Embora tenha sido composta no década de 50, portanto, quase dez anos
após o término do Estado Novo, o samba Qu’est-ce que tu penses? (1955)
gravado pelo grupo “Os Cariocas”, aborda a luta entre trabalho x ócio”, onde
se observa a figura do malandro-regenerado (o folião de Madureira), que se
diverte nos quatro dias de carnaval, mas volta a trabalhar na Quarta-feira de
cinzas. O carnaval, popular por excelência, é visto apenas como um momento
de trégua. A brincadeira cansa, por isso o trabalho deve ser retomado. Trata-se
da oposição:
mundo do trabalho x mundo da festa
mundo apolíneo x mundo dionsíaco
Neste caso, a presença do outro (o estrangeiro), a figura do turista
endinheirado, contrapõe-se a do operário trabalhador:
Qu’est-ce que tu penses
Carnaval não canse?
Canse, mas balance,
Desde France até Bangu
O turista vai embora
Guarda a gaita e dá o fora
Quarta-feira às 7 horas
Levanto
E vou trabalhar
Dircinha Batista grava em 1952 La vie en sambá (Denis Brean/Bota Jr.).
O título é também outra alusão à canção La vie en rose, gravada por Edith Piaf
(1915-1963) em 1942. Trata-se de um samba-exaltação enaltecendo as
qualidades do ritmo que parece ter chegado em terras francesas, “la société de
joujoux balagandans”, e evocando uma vez mais os valores nacionais, porém,
agora, em consonância com a França:
Danse Mesdames
Messieurs, Petits-enfants
Danse la société
De Joujoux Balangandans
Ai, ai, ai, mon amour,
Le samba est toujours rêve d’amour
La vie avec un samba est quelque chose
Si vous, voulez avoir la vie en rose
Santé, l’argent, l’amour et émotion
Chantez le samba la grande sensation
A valorização dos ritmos nacionais (e o sucesso na capital parisiense) é
outro aspecto recorrente na primeira metade do século, ainda que os gêneros
musicais variem. Se o maxixe, a marcha e o samba foram os gêneros
dançantes que predominaram até aproximadamente 1950, a partir daí, o baião,
ritmo musical vindo do nordeste (Paraíba) adquire relevância, viajando a Paris,
também para obter legitimação internacional. Três canções possuem esse
mesmo recorte: Baião em Paris (1950), de Duque - o mesmo compositor de Les
batutas - e Ronaldo Lupo, gravado por Ronaldo Lupo; O baião em Paris (1951)
de Humberto Teixeira, gravado por Carmélia Alves; e Lição de Baião (1961), de
Jardim Castro e Daniel Marechal, gravada por Baden Powell, na década
seguinte. Temos assim:
. A busca do reconhecimento de uma identidade por meio de um ritmo
genuinamente nacional :
Tal como ocorrera em Les Batutas (1922), a França se torna um lugar de
encontro entre as duas culturas. Em Baião em Paris, “madame” aprende e
ensaia os primeiros passos:
Voulez-vous, madame, dançar o meu baião
Je vous jure, madame, danse que c’est bon
Um passo pra cá e outro pra lá
Pode crer, madame, très joli será
Que sensação o meu baião
Tem cotação lá em Paris
Danse, madame, danse avec moi
Danse, madame, e depois peça bis
Em O Baião em Paris, o ritmo parece conhecer renomado sucesso nos
bairros noturnos de Montmartre e Pigalle, além do Brás e de Hollywood, dois
outros lugares referidos:
Allons-nous tous à Montmartre
O baião tá em Paris
Vamos todos a Pigalle
Aprender o que ele diz refrão/ bis
Lá no Brás, em Hollywood
Ele fez o que ele quis
O baião da Paraíba
Oh lá lá, tá em Paris
Nesse momento, a relação entre os dois países é de troca: se
exportamos os passos do baião, importamos a dança do can-can, como se
depreende da letra da marchinha de carnaval de mesmo título, gravada pela
cantora Marlene, em 1954.
Vamos, vamos
Vamos dançar o can-can
Vamos, vamos
Vamos até de manhã
O can-can que coisa louca
Não há quem não enlouqueça
Ao tentar botar a perna
Lá por cima da cabeça
Oh lá lá!
Na década de 60, registram-se três canções, duas marchas
reverenciando a estrela do cinema Brigitte Bardot, de grande evidência naquele
momento, e um samba de gafieira de Moreira da Silva e Ribeiro Cunha (1963) ,
inteiramente em francês. Em Carta a Brigitte Bardot (1962), o enunciador ,
Jorge Veigá, coloca-se como o próprio personagem que, fazendo-se passar por
um rico fazendeiro pede a mão da atriz em casamento, argumentando que
possui terras, dinheiro e poder, além de ser parente de uma outra recente
celebridade internacional brasileira, o bi-campeão mundial, Pelé:
Brigitte, Brigitte Bardot
Je suis millionnaire et brésilien
J’ai une plantation de café
Je m’appelle Jorge Veigá
Et je suis parent de Pelé
“Brigitte Bardot, ma belle BB. Je ne pense qu’à toi. Je pourra (sic) dire: “affiche-moi la pêche”.
Mais ça BB, c’est le voeux que tout le monde voudrait t’envoyer, BB. BB, j’attendrai ta lettre.
Écris chez moi. Écris à Jorge Veigá”.
CONCLUSÃO
Desde o início, este trabalho se propôs a estudar as estratégias de
apreensão e representação do outro, o francês, na canção popular brasileira
mediatizada. Dentro deste contexto específico, houve neste estudo a tentativa
de interpretar e entender o papel da língua e da cultura francesa no imaginário
brasileiro, circunscrito a uma determinada época - a primeira metade do
século, quase que exclusivamente sob a égide da ditadura Vargas e
vislumbrado pela ótica de um observador particular: o enunciador da canção,
em geral, o sambista.
Do ponto de vista simbólico, o espaço das relações interculturais França
Brasil no âmbito da canção popular pressupõe tempos fortes e fracos, retrações
e distenções, trânsitos e mediações. A observação de recorrências e
intertexualidades permite-nos chegar à conclusão de que, do ponto de vista da
canção, a língua francesa circulou em diferentes territórios e estratos sociais,
tanto no Brasil quanto na França, dos salões aristocráticos aos cabarés noturnos
e prostíbulos, do morro ao subúrbio, dos cassinos aos cinemas, rádios e cafés.
Dentre os principais aspectos levantados pela análise do corpus, pudemos
observar a predominância de um discurso voltado para o emprego da paródia,
representativo não apenas de uma época haja vista o uso do mesmo recurso
na revista musical e no humor radiofônico, bem como em relação a outras
línguas estrangeiras, como se verifica em Canção pra inglês ver (1931) e o
Samba e o tango (1937), citadas anteriormente – mas entendido também como a
somatória de outros discursos que perpassam a enunciação.
Esta representação anárquica ensejada na canção e no discurso até
certo ponto brejeira, nada tendo a ver com o universo real da língua e da cultura
francesas coincide com um momento especial por que passava a sociedade
brasileira, de construção de uma identidade comprometida com ideais
populistas, onde a chamada música popular que iniciava sua trajetória
mediatizada via transmissões radiofônicas passava a representar importante
papel enquanto cultura de massa, sendo, portanto, comumente associada a uma
política ou a uma ideologia de adesão a um Estado-Nação. Daí a recorrência,
durante esta fase, de temas predominantemente nacionalistas, privilegiando uma
suposta oposição à figura do estrangeiro e ao emprego dos estrangeirismos,
reiteradamente carnavalizados neste discurso. Outras temáticas e
representações certamente surgirão no decorrer das décadas seguintes, como
por exemplo, a importância de Paris enquanto território de exílio político, a
globalização e as novas identidades advindas dos grandes movimentos
migratórios da atualidade, a diáspora africana e assim por diante.
Porém, na primeira metade do século, o discurso da canção brasileira
relativo a esta temática evidencia algumas representações simbólicas que se
desdobram nas figuras do enunciador e do estrangeiro (no nosso caso, o
francês). Este outro também se reflete na imagem do burguês que no
estrangeiro uma possível face identitária, levando-nos a crer que, apesar do
trânsito existente entre as camadas alta e baixa para formação do samba, do
ponto de vista textual e discursivo, subsiste uma oposição entre o eu e o outro,
conforme pudemos demonstrar.
Assim sendo, a partir da observação dos três níveis do percurso gerativo,
pudemos observar os procedimentos da organização do discurso, bem como
localizar as forças que motivaram os protagonistas no interior da canção, e como
esses se desenvolveram enquanto atores sociais representativos de uma
determinada época, do início do século ao final do Estado Novo
aproximadamente, conforme nossa proposta inicial.
Utilizando-se de temas e figuras, o enunciador da canção popular (visto
aqui coletivamente), colocou estrategicamente em cena um discurso polemizado,
em geral fazendo-nos ouvir pelo menos duas vozes (duas posições, duas
classes, dois atores sociais) que se colocaram a partir de pontos de vista
opostos: de um lado, a persona do sambista, o próprio eu enunciador, que se
identifica com os ideais e valores da cultura nacional, e, teoricamente, não fala
francês; de outro, a figura do burguês afrancesado, fortemente influenciado pela
cultura européia, que se identifica com os valores estrangeiros e, em teoria,
domina o idioma. As personagens na canção defenderam uma e outra posição
gerada no interior da sociedade em que vivem; um deles é (ou pretende ser) da
classe dominante; o outro, pertence às camadas populares.
Em relação ao ponto de vista do enunciador-sambista da primeira
metade do século, os exemplos extraídos do corpo documental, sobretudo
entre as décadas de 30 e 50, parecem corroborar a hipótese de uma estética
musical de adesão à ideologia vigente, produto de uma voz social corrente no
período. Assim, a crítica ao estrangeiro e aos estrangeirismos se insere numa
linha de pensamento nacional-popular, conforme dissemos, também
comungada por boa parte dos intelectuais da época.
Durante a ditadura Vargas, particularmente, o samba, enaltecendo a
ideologia do trabalho e do nacionalismo foi, por excelência, o meio de difusão
desse discurso, símbolo da nação e de uma dada classe social: a classe
trabalhadora, figura analisada na superfície das canções e presente em Não
tem tradução (1934) , Menina Fricote (1940) , Pra que discutir com Madame
(1956) , entre outras. Neste sentido, o samba assumiu o papel de defensor da
cultura brasileira, insurgindo-se contra influências externas; assim sendo, o
enunciador apareceu muitas vezes personificando o malandro-regenerado,
porém nacionalista.
Esta oposição se esvazia por completo no momento em que se
pretende conseguir o reconhecimento cultural; é quando o jogo se inverte e o
enunciador sambista busca a aproximação, a conjunção, tendo em vista a
legitimação de suas práticas culturais, como vimos em Les Batutas / Sarambá
(1922/1929), em Baião em Paris (1950) ou O baião em Paris (1951) . Entram
em cena mecanismos de sedução por meio da dança, da sensualidade, do
jogo corporal, ou mesmo do emprego da língua, na tentativa de se falar
“corretamente”, momento em que o “eue o “outro” possuem forte relação de
proximidade.
Não se privilegiou a temática lírico-amorosa de natureza romântica; ao
contrário, pela incidência dos verbos “danser” e das figuras construídas em
torno da dança e das pulsações corporais, pudemos inferir igualmente que
predominância de clichês associando a francesa a uma imagem de mulher
liberada.
Verificamos ainda que a mimetização da língua francesa enunciada no
discurso da canção - uma suposta língua francesa dentro do idioma
português não desqualifica o povo francês, mas a elite que se apropria
deste idioma, ou pelo menos de alguns de seus signos, para se diferenciar
das classes populares. Vale lembrar que as marcas culturais alusivas à
França vinculam-se em sua maioria a paradigmas de luxo e refinamento -
seja um tecido, um termo, uma viagem, um sabor - , evidenciando certa
posição social.
Não nos detivemos especificamente à observação das seqüências
rítmico-melódicas (uma a uma). Entretanto, algumas considerações são
elucidativas para que possamos compreender não apenas a natureza das
canções, como também identificarmos a posição do sujeito enunciador em
relação a si próprio, ao outro e a seu objeto.
Pudemos constatar que a maioria das canções levantadas constituem-se
de sambas e marchinhas de carnaval, gêneros acelerados, anárquicos por
excelência, que, em geral denotam uma natureza eufórica. A definição dos
gêneros não seria de grande importância não fosse ela também reveladora
desses dois processos que predominam na confecção do tecido musical destas
canções: a figurativização, que se define pela aproximação mais nítida aos
contornos da fala coloquial, qualificando principalmente o samba-de-breque e a
marchinha; e a tematização, que se define pela descrição de um tema ou
motivo e, em termos melódicos, caracteriza-se por um andamento saltitante
(sincopado) e pela recorrência de motivos ou temas melódicos dispostos em
gradação, qualificando sambas (Tatit, 1996: 21); de modo geral, estão sempre
entrelaçados. No primeiro caso, temos Não tem tradução (1934), Fui a Paris
(1942), Carta a Brigitte Bardot (1961); no segundo, destacamos sobretudo
Sarambá (1929), Eu gosto do samba (1940); Baião em Paris (1950). À exceção
de C’est toi l’amour (1932) e Je vous aime (s/d) não detectamos processos
predominantes de passionalização, mecanismo que, em geral, define tensões,
grandes saltos melódicos, caracterizando uma canção de natureza disfórica,
onde há perda, falta ou busca do objeto.
A escolha de melodias de natureza acelerada nos leva a concluir que,
embora entrecortado pela voz e pela presença do outro estrangeiro, o sujeito
enunciador permaneceu pleno, coeso e fiel a seus ideais nacionalistas,
comprovando, uma vez mais, o que enunciaram as letras, vale dizer, um
sujeito que buscou permanecer em conjunção com seu objeto (a pátria, o
samba, a dança).
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ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. São Paulo, Educ, 1997.
ANEXOS
CATÁLOGO
Nota introdutória
Este catálogo é dividido em quatro partes, ou tabelas, apresentando
primeiramente as letras das canções, e, em seguida, as fichas catalográficas, em
ordem cronológica, a fim de permitir uma leitura de dupla entrada, bem como
uma facilitação no cruzamento de dados, obedecendo igualmente ao mesmo
critério proposto no item 2.1. (Da catalogação), a saber:
- canções brasileiras com elementos de língua e cultura francesas (letras/ I.1);
- canções brasileiras escritas diretamente em francês (letras/I.2) ;
- canções brasileiras com elementos de língua e cultura francesas (fichas
catalográficas/ I.3)
- canções brasileiras escritas diretamente em francês (fichas catalográficas/
I.4).
Em relação às tabelas I.1 e I.2, procuramos fornecer o maior número de
informações possíveis referente às fontes (como por exemplo, se as letras foram
extraídas de encartes, da internet, ou transcritas através da escuta do
fonograma). Sempre que trechos inaudíveis ou ambigüidades, a letra foi
colocada entre colchetes [ ]. Procurou-se obedecer à grafia verificada nos
documentos mencionados. Assim, foram respeitadas as transcrições originais,
quando se escreve Qu’est-ce que tu pense (sem “s”) e assim por diante. A fim de
possibilitar uma melhor visualização das marcas francesas presentes em cada
texto, trabalhamos da seguinte forma:
- utilização de negrito normal para referências à França;
- utilização do negrito em itálico para palavras ou expressões francesas.
Em relação ao catálogo propriamente dito, dispusemos os títulos em
ordem cronológica, sendo o ano mencionado aquele que se refere ao ano de
lançamento; em alguns casos, colocou-se também a data de gravação. Quando
regravações ou a mesma gravação presente em coletâneas, preferimos
colocá-las imediatamente após a gravação original.
TABELA I.1
CANÇÕES BRASILEIRAS COM ELEMENTOS
DA LÍNGUA E CULTURA E FRANCESAS
(letras)
A CRÍTICA DO MAXIXE FRANCÊS
Ano de lançamento: 1909
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/RJ
Intérprete: Os Geraldos
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco (19.01.07)
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Apresentador: A Crítica do Maxixe Francês cantada pelos Geraldos para Casa Edison,
Rio de Janeiro”.
Lá na capital da França
Onde o progresso avança
Não há francês que não capriche
Em dançar [no meio do] maxi...i...xe
E o [rondó] do sa ...am ...ba
Mas de tal forma que em riso
Transformava o piso
Ao som de [tanto/tango] dissidência
E o canto
O mais difícil em seu [vidente/pedinte] e
Requebrado em si
E o ensaísta [adivinhou]
Nosso Brasil
Se você quer agora
Vamos já sem demora
O bom francês sem guitarra já cantou ...
Não vou pra [automática]
Só não se vêem exóticos
Com o seu [saco fólico]
Dançando valsa ao grande afã
Mas [decidindo] o cangá
bis
Madame: Ah !!!!!!!!!!!
Monsieur: Oui, madame, oui !! C’est très bon! C’est très bon !
Madame : Allez, monsieur !
E desde a dama mais coquette
Até o [servil] pivete
Sempre a quebrar passam a [vida/língua]
A espinotear
Com a [cadama]
Isso é que é o aldeão até
A noite o dia
Foi deitar em alegria
Pensar no entusiasmo
Que até me causa pasmo
Ter as crianças a mamar
E o maxixe a dançar
bis
Com a língua aos pulos
Melhor que seus [pipulos]
Por que não terem a certeza
Se não pra dançar à francesa
Monsieur: Madame, c’est très bon
Ao minueto acostumado
Se não aos antepassados
Sentir prazer
No mais enfim não há o que ver
Ao modesto alarido
Cedem aos maridos
Que geringonça o bom maxixe
Tão [gostoso] ai ai ai
Tem toda razão
Na sua distinção
Por que para aumentar a [fome/fonte]
Será preciso essa dança
bis
Se me demorá lá
E não venho pra
[...]
O mais difícil que seria
E quem sabe o que eu faria?
bis
Madame: Não sei, monsieur.
Monsieur: Ah! C’est très bon, madame.... C’est très bon. Magnifique!!!
Obs: a canção possui trechos inaudíveis (assinalados em colchetes), dificuldando o
trabalho de transcrição.
POSITIVISMO (Noel Rosa/ Orestes Barbosa)
Ano de lançamento : 1933
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Colúmbia/RJ
Intérprete: Noel Rosa
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): Coleção Antologia Musical Brasileira (São Paulo, Musa Editora,
1996).
A verdade, meu amor, mora num poço
É Pilatos, lá na Bíblia quem nos diz bis
E também faleceu por ter pescoço (o infeliz)
O autor da guilhotina de Paris
Vai, orgulhosa, querida,
Mas aceita esta lição
No câmbio incerto da vida
A libra sempre é o coração
O amor vem por princípio
A ordem por base
O progresso é que deve vir por fim
Desprezaste esta lei de Augusto Comte
E foste ser feliz longe de mim
Vai, coração que não vibra
Com teu juro exorbitante
Transformar mais outra libra
Em dívida flutuante
A intriga nasce num café pequeno
Que se toma para ver quem vai pagar
Para não sentir mais o teu veneno
Foi que eu já resolvi me envenenar!
NÃO TEM TRADUÇÃO (Noel Rosa/ Ismael Silva/ Francisco Alves)
Ano de lançamento : 1934
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/RJ
Intérprete: Francisco Alves
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): Coleção Antologia Musical Brasileira (São Paulo, Musa Editora,
1996)
O cinema falado
É o grande culpado
Da transformação
Dessa gente
Que sente
Que um barracão
Prende mais que um xadrez
Lá no morro, se eu fizer uma falseta,
A Risoleta desiste logo
Do francês e do inglês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar
Dando pinote
E só querendo dançar o fox-trot
Essa gente hoje em dia
Que tem a mania
Da exibição
Não se lembra que o samba
Não tem tradução
No idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia, é brasileiro,
Já passou de português
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba
Não são “I love you”
E esse negócio de “alô”, “alô boy”
“Alô Johnny”
Só pode ser conversa de telefone
Obs: gravada originalmente em setembro de 1933, por Francisco Alves, acompanhado pela Orquestra
Copacabana. Segundo a Antologia Musical Popular Brasileira (Acervo Ao Chiado Brasileiro), Ismael Silva e
Francisco Alves são citados como co-autores por uma questão de contrato de gravadora. A canção é
também conhecida pelo título de Cinema falado.
DE BABADO (Noel Rosa e João Mina)
Ano de lançamento: 1936
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/RJ
Intérprete: Marília Batista e Noel Rosa
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): Coleção Antologia Musical Brasileira (São Paulo, Musa Editora,
1996).
De babado sim
Meu amor ideal refrão
Sem babado não
bis
Seu vestido de babado
Que é de fato alta-costura
Me fez sábado passado
Ir a pé a Cascadura
(E voltei de cara dura)
refrão
Com um vestido de babado
Que eu comprei lá em Paris
Eu sambei num batizado
Não dei palpite infeliz
(Você não viu porque não quis)
refrão
Quando eu ando a seu lado
Você sobe de valor
Seu vestido sem babado
É voce sem meu amor
(É assistência sem doutor)
refrão
Quando andei pela Bahia
Pesquei muito tubarão
Mas pesquei um bicho um dia
Que comeu a embarcação
(Não era peixe, era dragão)
refrão
Brasileiro diz meu bem
E francês diz mon amour
Você diz vale quem tem
Muito dinheiro
Pra pagar meu point-à-jour
(Eu ando sem l’argent toujours!)
De babado sim ...
(Toujours l’amour do seu Artur)
Vou buscar um copo d’água
Para dar à minha avó
Não vou de bonde porque tenho mágoa
Não vou a pé porque você tem
(Vamos comprar o Mossoró)
refrão (alterado)
De cavalo sim
Meu amor ideal
Sem cavalo não
(mas o cavalo de babado...)
bis
PARIS (Alcyr Pires Vermelho/ Alberto Ribeiro)
Ano de lançamento: 1938
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/ RJ
Intérprete: Carmen Miranda
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): site www.guiadoscuriosos.com.br; item: “Músicas de Copas” (13.10.06);
revisão de Nancy Aparecida Alves.
E eu também quis
Ir um dia a Paris
Pra conhecer o que havia lá
E ao ver o metrô
A saudade apertou
E vim correndo para cá
Paris! Paris!
Teu rio é o rio Sena
Paris! Paris!
Tens loura, mas não tens morena
Que lindas mulheres
De olhos azuis!
Tu és a Cidade Lu... u... uz!
Paris! Paris! Je t'aime
Mas eu gosto (muito) mais do Leme
bis
Quando cheguei
De alegria chorei
E achei o Rio lindo como quê!
Disquei 43-0023
”Amor, como é que vai você?”
Obs: a marcha Paris foi uma homenagem feita aos jogadores brasileiros da Copa de
Futebol de 1938, realizada na França. Para a Copa de
1998, também neste país, a Grendene fez uma versão da mesma canção para um
comercial da Rider, gravada por Elba Ramalho (fonte: www.guiadoscuriosos.com.br; item:
“Música de Copas”).
Outras gravações : Emilinha Borba (1996, Coletânea Revivendo); Elba Ramalho (1998,
para o comercial da Rider).
BONJOUR, MON AMOUR (Ciro de Souza)
Ano de lançamento : 1938
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/ RJ
Intérprete: Dircinha Batista
Fonte (catalogação): Catálogo As Cantoras do Rádio (Miécio Caffé) / MIS.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): Nancy Aparecida Alves
Alô, mon amour, bonjour
Eu ando sem l’argent toujours
Se por acaso, você pode me emprestar algum
É favor, porque eu estou a nenhum (alô, alô)
bis
Se você puder arranjar para amanhã
Très bien, très bien, très bien
Mas não me faça de bola de ping-pong
Que eu grito: so long, so long, so long
Alô, mon amour, bonjour
Eu ando sem l’argent toujours
Se por acaso, você pode me emprestar algum
É favor, porque eu estou a nenhum (alô, alô)
bis
Mas se eu notar [... ] você sai
Good bye, good bye, good bye
Tendo dinheiro para mim você é um bijou
Love you, mon chuchu, love you
JOUJOUX E BALANGADÃS (Lamartine Babo)
Ano de lançamento: 1939
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Colúmbia/RJ
Intérprete: Mário Reis e Mariah (com Kolman e sua Orquestra)
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): Coleção Antologia Musical Brasileira: as marchinhas de carnaval
(São Paulo, Musa Editora, 1996).
Joujoux, joujoux
Que é meu balagandã?*
Aqui estou eu
Aí estás tu
Minha joujoux
Meu balangandã
Nós dois,
depois
O sol do amor, que manhãs!
De braços dados
Dois namorados
Já sei
Joujoux
Balangandã ...ã
Seja em Paris
Ou nos Brasis
Mesmo distantes
Somos constantes
Tudo nos une
Que coisa rara
No amor nada nos separa
* Obs: o emprego do itálico, neste caso, deveu-se ao fato de que se trata da transcrição
de um diálogo. É desta forma que aparece grafada no livro Antologia Musical Brasileira:
as marchinhas de carnaval (1996, Musa Editora) .
Outras gravações: Miúcha (1980, RCA Brasil). Nesse mesmo ano (1980), João Gilberto
cantou a mesma canção ao lado de Rita Lee em seu programa especial, veiculado pela
Rede Globo de Televisão.
MENINA FRICOTE (Marília Batista/Henrique Batista)
Ano de lançamento : 1940
Álbum : 78 rpm
Gravadora: RCA Victor / RJ
Intérprete: Araci de Almeida & regional
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco. Catálogo
As cantoras do Rádio (Miécio Caffé) / MIS. Site da editora Collector’s:
www.collector’s.com.br (14.08.06).
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Não sei que doença deu na Risoleta
Que agora só gosta de ouvir opereta
Cheia de prosa, cheia de orgulho, cheia de chiquê
E faz fricote como quê
Não canta mais samba
Só quer imitar Lucienne Boyer
...Parlez-moi d’amour...
Só quer l’argent, l’argent toujours
Ela não sabe nem ler
E já quer gastar o francês
E diz que despreza quem só fala o português
Essa Risoleta está muito mudada está cheia de pose
Pra ser elegante, ela diz que o bastante é usar bois de rose
Quelque chose, bois de rose
Ela disse a mim
Que quando está gripada não faz atchim, não
Porque não fica bem
Em vez de atchim, ela faz atchém
E diz que au-au é le chien
Mas eu não sei que doença ...
Não sai dos cassinos
perdendo dinheiro, perdendo l’argent
Se acaso me encontra,
Me pede emprestado, diz que é minha fã
Mas eu lhe digo até amanhã
Mas eu já lhe disse
Nerusca, menina,
Não venha pra aqui
A me chamar de très joli
Que eu não sou mon chéri
E língua estrangeira eu nunca entendi
Eu nunca entendi
Larga essa papa de oui
ACERTEI NO MILHAR (Wilson Batista/ Geraldo Pereira)
Ano de gravação: 1940
Álbum : 78 rpm
Gravadora:Odeon/Mangione/RJ
Intérprete: Moreira da Silva.
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
- Etelvina, minha filha !
- O que é, Morengueira?
- Acertei no milhar
Ganhei 500 contos
Não vou mais trabalhar
Você dê toda a roupa velha aos pobres
E a mobília podemos quebrar
- Isto é pra já, vamos quebrar
Plé, plé
(breque)
- Quebra o guarda-roupa,
pro seu paizinho comprar outro, minha filha
- Etelvina
Vai ter outra lua-de-mel
Você vai ser madame
Vai morar num Grande Hotel
Eu vou comprar um nome não sei onde
De Marquês Morengueira de Visconde
Um professor de francês “mon amour”
Eu vou trocar seu nome
Pra Madame Pompadour
Até que enfim agora sou feliz
Vou passear a Europa toda até Paris
E nossos filhos, oh, que inferno !
Eu vou pô-los num colégio interno
Telefongone pra Mané do armazém (alô!)
Porque não quero ficar
Devendo nada a ninguém
E vou comprar um avião azul
Para percorrer a América do sul
Mas, de repente, mas de repente
Etelvina me chamou
Está na hora do batente
Mas, de repente
Etelvina me chamou:
- Acorda, Morengueira!
Foi um sonho, minha gente.
EU GOSTO DO SAMBA
Parte I (Ari Barroso/ Agustin e Maria Tereza Lara)
Parte II (Ari Barroso/ D.Olivieri/ L. Porterat/ F.Faye/D.Raye/D. Corwell)
Ano de lançamento: 1940
Álbum : 78 rpm Lado A / Lado B
Gravadora: Odeon/ RJ
Intérprete: Dircinha Batista
Fonte (catalogação): Catálogo Miécio Caffé As Cantoras do Rádio.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Eu gosto de samba
Até parece muamba
Feitiço, despacho, mandinga
Eu estremeço toda
No samba de roda que ginga, que ginga, ai, ai
Eu nasci tropical
Nesta terra ideal
Eu sou brasileira enfezada
Pelo meu corpo moreno
Circula o veneno da batucada
Óia a cuíca, skindin, skindin
Ai o pandeiro tché tché tché tché
O tamborim pá pá pá pá
Brasil, quem fala
Fala de mágoa
Porque o samba
Mexe com a gente
Ou não mexe ?
Deliciosamente, ai
Malemolentemente, ai
Maliciosamente, ai
Assustadoramente, ai
O farolito que allumbra [...]
Mi calle desire de cerca
Quantas vezes me viste
Llorando llamar a su puerta
Sin [j’ai parlé] más que una canción
Y un pedazo de mi corazón
Sin [j’ai parlé]
No hay nada que un bezo [friolento]
Amargo y dulzo
- Y usted, le gustó eso?
Mas .... eu gosto de samba
Eu estremeço toda ..
Eu nasci tropical ......
Óia a cuíca, skindin, skindin.....
J’attendrais le jour et la nuit
J’attendrais toujours ton retour
J’attendrais car l’oiseau qui s’enfuit
vient chercher nos [puits] dans son nid
Le temps passe pour
Empâtant notre [tourraine]
Dans mon coeur qui
Et pourtant j’attendrais
J’attendrais, j’attendrais ton retour
- Et vous aimez ça?
Monsieur, madame ?
Mas.... eu gosto de samba
Brasil....
Fellow all right, fellow all right
Fellow all right, fellow all right
Cause tonight
Should be nice, should be bright
And it won’t stop until you know, tonight, tonight
- How about it? Did you like it?
Mas eu gosto de samba ...
FUI A PARIS ( Moreira da Silva/ Ribeiro Cunha)
Ano de lançamento: 1942
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon/RJ
Intérprete: Moreira da Silva
Fonte (catalogação): Catálogo digital Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Eu fui à França e conheci Paris, cantei um samba e me pediram bis
Logo depois que o samba estava terminado
Uma linda francesinha chegou-se para o meu lado
E foi dizendo tudo que sentia mas eu não compreendia, pois não sabia o francês
Daí então ela ficou desanimada e a minha ilusão naquela noite se desfez
Tive a lembrança de comprar um dicionário
Para não bancar o otário e me defender
Pois a francesa era linda de verdade e eu tinha necessidade de compreender
No dia seguinte quando a encontrei
Um bonsoir eu logo lhe falei
E gentilmente ela respondeu:
"Comment ça va, mon amour? Comment ça va?"
Aí então eu disse tudo que aprendi inclusive "très bien, mon amour, très jolie"
E a francesa cheia de contentamento falou-me em casamento e muito insistiu
Mas eu que tenho meu amor aqui no Rio disse a ela:
“Jamais, mademoiselle, jamais! Qui vous pensez? N'a pas d'argent! Je ne sais pas
pourquoi je t'aime, mon amour. Pourquoi mentir? Excuse, mademoiselle...Eu vou é
pro Brasil!”
QU’EST-CE QUE TU PENSE (Francisco Moreno)
Ano de lançamento: 1942
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Victor/RJ
Intérprete: Moreira da Silva
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Bonsoir, madame, mademoiselle,
Je vous chanter un sambô
Pourquoi je suis poliglote...
Je ne vien e tu ni bani
Bam bam bam baragandan
Esquindim aruan
Diz que danse diz que danse
Qu’est-ce que tu pense?
Ah, e a Viviane romance
Danse, non?
Non
Danse ...
E quando danse, canse
Pourquoi?
Por causa da sua [pance]
Pois é plena de nuance
Quando anda balance
E dizem até
Que é filha da Costança
Que costuma dar festança
Se ela ao menos me tivesse falado
Lhe arranjaria uma chance
Com seus três barangandans
Seria um grande passo
Que passo?
Ah!!
Passo de ganso, pra frente, pra trás
E viriam todos em forma
Em forma de avalanche
Ela saía de mansinho, de relance
Menos comigo
Que sou forte, sou o tipo da lança
Eu a chamaria e lhe diria:
- Vien, ici mon amour, ma petite creance
Qu’est-ce que tu pense? Dis-moi, non!
E [tang, tang]
Baragandan!!
Obs.: o título original não grafa a letra “s” , índice da conjugação da 2
a
pessoa do
singular no francês.
EN AVANT (Lamartine Babo/ Moacyr Araújo)
Ano de lançamento: 1945
Álbum : 78 rpm
Gravadora:
Intérprete: Odete Amaral e Lamartine Babo
Fonte (catalogação) : site www. mpbnet.com
Fonte: (fonograma) : Coleção Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : Transcrição de Nancy Aparecida Alves.
En avant! En arrié!
Esta quadrilha
está pra mim e pra você
Balancê! Balance tour
Parle-moi, parle-moi d'amour
En avant!
bis
Entre a loura e a morena
mon coeur balance
Todas duas podem ser
o meu romance
Se a loura é linda
a morena é bela
Sem falar na mulatinha
que é um capitulo da novela
En avant!
Caminho da roça : changez...
[...] Vamo minha gente !
* Obs : a gravação é de 1944 e o lançamento, de 1945.
AULA DE FRANCÊS (José Gonçalves/Ari Monteiro)
Ano de lançamento : 1947
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Continental
Intérprete: Zé da Zilda e Zilda do
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundaçao Joquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Dona Vitória contou-me uma história
Que agoradando aula de francês
Mas eu na sua história não caí
Porque o seu diploma eu nunca vi
A aula de francês que ela dá
É atendendo inglês na Praça Mauá
bis
Custei, mas consegui descobrir
Aonde que ela ia trabalhar
E quando o pessoal do Tio Sam está pra chegar
Vitória começa a se enfeitar
Ai, é de amargar
Dá aula de inglês na Praça Mauá
bis
BALZAQUIANA (Wilson Batista/ Nássara)
Ano de lançamento : 1949
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Continental
Intérprete: Jorge Veiga (com Orquestra Tabajara)
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Não quero broto, não quero
Não quero não
Não sou garoto
Pra viver mais de ilusão
Sete dias da semana
Eu preciso ver
Minha balzaquiana
bis
O francês sabe escolher
Por isso ele não quer
Qualquer mulher
Papai Balzacdizia
Paris inteiro repetia
Balzac tirou na pinta
Mulher só depois dos trinta
Obs.: gravada originalmente em 18/11/1949 por Jorge Goulart acompanhado por
Severino Araújo e Sua Orquestra Tabajara pelo selo Continental e lançada em discos 78
rpm. Primeira composição de Nássara e Wilson Baptista, Balzaquiana enaltece as
qualidades da mulher acima de 30 anos, personagem constante nos livros do escritor
romântico Honoré de Balzac. Foi gravada por Jorge Goulart e traduzida para o francês
por Michel Simon, para ser lançada durante as comemorações do centenário da morte
do autor, em 1950 (Lapiccirella, 1996: 128). Na segunda parte, que se notar ainda a
alusão à melodia de La Vie en Rose, célebre canção gravada por Edith Piaf (1915-1963)
em 1942.
Outras gravações: Jorge Goulart (Coletânea Discos Revivendo Marchas de carnaval,
volume 4).
MALANDRO EM PARIS
Ano de lançamento : 1950
Álbum : 78 rpm
Gravadora: RCA Victor
Intérprete: Linda Batista
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Acervo ao Chiado Brasileiro
Fonte (letra): Transcrição de Nancy Aparecida Alves
Quem nesse mundo não quer la vie en rose
La vie en rose, sombra, água fresca e quelque chose
E uma casinha bem pertinho de la mer
Moleza assim, como essa, quem não quer?
Ter um chateau num boulevard lá em Paris
Como é charmant tudo isso é très joli
Comer a tal da [sol] marron glacé
Comprar lá em Pigalle uma renard enchanté
Perfumes de [alfazema] automóveis Citroën
Modas, polinet, vestidos de soirée
Muito champagne, cordon rouge e caviar
Com Jean Gabin me chamando de mon coeur
Um promenade toda tarde no Bois*...
Moleza assim, como essa, quem não quer?
*Obs: referência ao Bois de Boulogne, parque da cidade de Paris. Jean Gabin (1904-
1976): célebre ator francês.
BAIÃO EM PARIS (Antônio Amorim Diniz – Duque/ Ronaldo Lupo)
Ano de gravação: 1950
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Todamérica
Intérprete: Ronaldo Lupo
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Voulez-vous, madame, dançar o meu baião
Je vous jure, madame, danse que isto é bom
Um passo pra cá e outro pra
Pode crer, madame, très joli será
Que sensação o meu baião
Tem cotação lá em Paris
Danse, madame, danse avec moi
Danse, madame, depois peça bis
bis
.
Obs: um dos compositores desta canção, Duque, foi também co-autor do samba Les
Batutas (1922); vale lembrar que a canção retoma inclusive os mesmos versos, agora
em português: o que era petit pas par-ci, petit pas par-là , transformou-se em “um
passo pra cá e outro pra lá”.
O BAIÃO EM PARIS (Humberto Teixeira)
Ano de lançamento: 1951
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Continental
Intérprete: Carmélia Alves
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Prenez [humeur], chevalier
Tout le monde à Pigalle!
O baião tá em Paris
Allons-nous tous à Montmartre
O baião tá em Paris
Vamos todos a Pigalle
Aprender o que ele diz
Lá no Brás, em Hollywood
Ele fez o que ele quis
O baião da Paraíba
Oh lá em Paris
bis
Ma non mimi simoné frou-frou
Cai no passo do zabumba que vem lá do meu rechaud
C’est une danse très jolie beaucoup
Todo mundo baionando que é gostoso pra chuchu
Baião baião baião baião
Oh là
Oh là
Oh là
O baião tá em Paris
Eu vou mostrar pra vocês !
Monsieur le baion
Enchanté de vous voir
Oh, merci, merci beaucoup
Voilà!
Obs: Pigalle e Montmartre são bairros da cidade de Paris com intensa vida noturna.
Outras gravações: Nazaré Pereira (1958, Cesame/ 1980, Top Tape).
VOU PRA PARIS (Roberto Cunha)
Ano de lançamento: 1954
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon
Intérprete: Hebe Camargo
Fonte (catalogação): Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Coleção Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Afinal de contas eu vou pra Paris amanhã
Amanhã de manhã
Amanhã de manhã
Sem pagar as contas eu vou pra Paris amanhã
Amanhã de manhã
Amanhã de manhã
Se é do seu gosto
Você vai também
Sem pagar imposto
você vai também
Pra ser meu encosto
Lá em Paris meu bem
E eu não ter desgosto
Vivendo em Paris sem ninguém
Afinal de contas eu vou pra Paris amanhã
Amanhã de manhã
Amanhã de manhã
Amanhã de manhã
(orquestra)
Amanhã de manhã
(orquestra)
QU’EST-CE QUE TU PENSES? * (Haroldo Barbosa/ Bidu Reis)
Ano de lançamento: 1955
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Continental
Intérprete: Os Cariocas
Fonte (catalogação): Catálogo digital Fundação Joaquim Nabuco. Catálogo As
cantoras do Rádio (Miécio Caffé)/ MIS.
Fonte (fonograma): Acervo particular de Miécio Caffé.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Qu’est-ce que tu penses ?
Carnaval não canse ?
Canse, mas balance
Desde France até Bangu
Qu’est-ce que tu penses ?
Carnaval não canse ?
Canse, mas balance
E balance pra chuchu
O turista em Madureira
Não enxerga na poeira
Quando eu tomo a bebedeira
Procurando me esbaldar
O turista vai embora
Guarda a gaita e dá o fora
Quarta-feira às 7 horas levanto
E vou trabalhar
Qu’est-ce que tu penses ?
Carnaval não canse ?
Canse, mas balance
Desde France até Bangu
Qu’est-ce que tu penses ?
Carnaval não canse ?
Canse, mas balance
E balance pra chuchu
* Obs : grafado corretamente. Outro samba de mesmo título. O anterior (Qu’est-ce que
tu pense ? ) é de autoria de Moreira da Silva e Francisco Moreno.
CAN-CAN (João de Barro)
Ano de lançamento: 1955
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Continental
Intérprete: Marlene acompanhada de Vero e sua Orquestra.
Fonte (catalogação): Catálogo digital Fundação Joaquim Nabuco. Catálogo As
cantoras do Rádio (Miécio Caffé)/ MIS.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Vamos, vamos
Vamos dançar o can-can
Vamos, vamos
Vamos até de manhã
bis
O can-can chegou da França
Lá das bandas de Paris
Todo mundo dança dança
Todo mundo pede bis
Oh là
Vamos, vamos
Vamos dançar o can-can
Vamos, vamos
Vamos até de manhã
bis
O can-can que coisa louca
Não há quem não enlouqueça
Ao tentar botar a perna
Lá por cima da cabeça
Oh là
FRANCESA OU NÃO FRANCESA (Pedro Rogério/ Lombardo Filho)
Ano de lançamento: 1956
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Polydor
Intérprete: Alberto Miranda
Fonte (catalogação): Catálogo digital Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte (fonograma): Coleção Acervo Roberto Lapiccirella.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Eu tenho uma pequena
Lá naquele banga
E quando eu passo de manhã
Ela me diz alô
É uma pequena mesmo sensacional
Tem um quê de piramidal
É granfa toda chique e só diz : mon amour
Pour toujours, mon amour
Porém não entendo nada desse tal de francês
Prefiro falar mesmo em português
Nicolette tem uma amiguinha, a Janete
E uma priminha, a Paulete
Que é abafante é da gente tontear
Nicolette, teu crime é não saber me amar
Francesa ou não francesa
Tu tens o tal l’argent
Viver contigo era uma beleza, Nicolette
Francesa ou não francesa
Tu tens o tal l’argent
Viver contigo era uma beleza...
.......
Nicolette, teu crime é não saber me amar
Francesa ou não francesa
Tu tens o tal l’argent
Viver contigo era uma beleza, Nicolette
Francesa ou não francesa
Tu tens o tal l’argent
Viver contigo era uma beleza...
PRA QUE DISCUTIR COM MADAME (Janet Almeida/ Haroldo Barbosa)
Ano de lançamento : 1956
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Colúmbia/ RJ
Intérprete: Válter Damasceno
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Madame diz que a raça não melhora
Que a vida piora por causa do samba
Madame diz que o samba tem pecado
Que o samba coitado devia acabar
Madame diz que o samba tem cachaça
Mistura de raça mistura de cor
Madame diz que o samba democrata
É musica barata sem nenhum valor
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com madame
bis
No carnaval que vem também concorro
Meu bloco do morro vai cantar ópera
E na avenida entre mil apertos
Vocês vão ver gente cantando concerto
Madame tem um parafuso a menos
Só fala veneno meu Deus que horror
O samba brasileiro democrata
Brasileiro na batata é que tem valor
Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que o samba é vexame
Pra que discutir com madame
bis
GRAND MONDE DU CREOLÉU (Ari Barroso)
Ano de lançamento: 1957
Álbu
BRIGITTE BARDOT (Miguel Gustavo)
Ano de lançamento: 1961
Álbum : 33 rpm
Gravadora: Fermata
Intérprete: Jorge Veiga
Fonte (catalogação): Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Brigitte Bardot, Bardot,
Brigitte beijou, beijou
Lá dentro do cinema
Todo mundo se afobou
bis
BB, BB, BB
Por que é que todo mundo
Olha tanto pra você?
Será pelo pé? não é!
Será o nariz? não é!
Será o tornozelo? não é!
Será o cotovelo? não é!
Você que é boa e que é mulher
Me diga então por que é que é?!
Brigitte Bardot, Bardot,
Brigitte beijou, beijou
Lá dentro do cinema
Todo mundo se afobou
bis
LIÇÃO DE BAIÃO (Jadir de Castro/ Daniel Marechal)
Ano de lançamento: 1961
Álbum : Violão na madrugada / LP 33 rpm
Gravadora: Philips
Intérprete: Baden Powell
Fonte (catalogação): site www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma) : Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Un, deux
S’il vous plaît
Montrez ma chérie
Que vous savez danser
bis
Jogue o corpo para
Jogue o corpo para
O corpo e ...
Tudo legal pra começar
bis
O seu Renato, o professor
Já vai chegar pra lhe explicar
E os defeitos o seu Renato
Logo os corregirá
bis
Apprenez la leçon
Dansez le baion
Allons-y dansons
Ah! Que c’est bon!
bis
Obs: Adriana Calcanhoto se inspirou nesta gravação de Baden Powell, de 1961, lançada
pela gravadora Philips, para realizar a sua.
Outras gravações: Adriana Partimpim/Calcanhoto (2004, BMG).
CARTA A BRIGITTE BARDOT (Miguel Gustavo)
Ano de lançamento: 1962
Álbum: LP 33 rpm
Gravadora: Fermata
Intérprete: Jorge Veiga
Fonte (catalogação): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Brigitte, Brigitte Bardot
Eu sou um milionário brasileiro
Eu tenho fazendas de café
Eu me chamo Jorge Veiga
E sou parente do Pelé
(refrão)
Brigitte viens ici
Escreva para Jorge Veiga
Rua Honório, Caxambi, xi ........
Brigitte recebe todo dia
Milhares de propostas pra casar
Fazer música é a primeira
Por isso eu acho que BB deve aceitar
(refrão)
Brigitte, Brigitte Bardot
Je suis millionnaire et brésilien
J’ai une plantation de café
Je m’appelle Jorge Veigá
Et je suis parent de Pelé
(refrão)
- Brigitte Bardot, ma belle BB. Je ne pense qu’à toi. Je pourra (sic) dire: “affiche-
moi la pêche”. Mais ça BB, c’est le voeux que tout le monde voudrait bien
t’envoyer. BB, j’attendrai ta lettre. Écris chez moi. Écris à Jorge Veigá.
Brigitte, Brigitte Bardot,
Você pode até mesmo não querer
Mas esta é a proposta
Que o mundo inteiro queria lhe fazer
Brigitte Bardot BB
Naquela praia de Saint-tropez
É PROIBIDO PROIBIR (Caetano Veloso)
Ano de lançamento: 1968
Álbum : Compacto Simples
Gravadora: Phillips
Intérprete: Caetano Veloso
Fonte (catalogação): Fonseca, Herbert. Caetano, esse cara. Rio de Janeiro,
Revan, 1993.
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra): Fonseca, Herbert. Caetano, esse cara. Rio de Janeiro, Revan,
1993.
A mãe da virgem diz que não
E o anúncio da televisão
Estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo
E além da porta, há o porteiro, sim
E eu digo não
E eu digo não ao não
E eu digo é proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir
Me dê um beijo meu amor
Eles estão nos esperando
Os automóveis ardem em chamas
Derrubar as prateleiras
As estátuas, as estantes
As vidraças, louças, livros, sim
E eu digo sim
E eu digo não ao não
E eu digo é proibido proibir
É proibido proibir
É proibido proibir ....
“Cahi no areal na hora adversa que
Deus concede aos seus
Para o intervallo em que esteja a alma immersa
Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É o que me sonhei que eterno dura
É esse que regressarei*
Obs: Nesta gravação (em estúdio), Caetano incluiu versos do livro Mensagem, de
Fernando Pessoa, em português arcaico (Fonseca,1993: 92).
SAMBA DE ORLY (Chico Buarque/Toquinho/Vinícius de Moraes)
Ano de lançamento: 1971
Álbum : LP 33 rpm Construção
Gravadora: Phonogram
Intérprete: Chico Buarque
Fonte (catalogação): www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro
Fonte (letra): Nancy Aparecida Alves
Vai, meu irmão, pega esse avião
Você tem razão
De correr assim desse frio
Mas, veja, o meu Rio de Janeiro
Antes que um aventureiro lance mão
Pede perdão pela duração
Dessa temporada
Mas não diga nada
Que me viu chorando
E pros da pesada
Diz que eu vou levando
Vê como é que anda
Aquela vida à toa
E se puder me manda
Uma notícia boa
PARIS TROPICAL (Juca Chaves)
Ano de lançamento: 1972
Álbum : A sátira de Juca Chaves
Gravadora: Premier
Intérprete: Juca Chaves
Fonte (catalogação): site www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
He, he, he, ai, ai!
Esta é uma homenagem à fartura, à champagne, ao caviar... e à boa mulher francesa.
Ah, que saudade do feijão com arroz, da carne seca e da jaca.
Alô Brasil, alô Simonal, moro e namoro em Paris Tropical bis
Teresa é empregadinha e eu sou seu patrão
Vendi meu fusca e o meu violão
Tenho um jaguar, só ouço Bach
Eu como stroghonoff em lugar de feijão
Mas que Patropi nada, isto é que é um vidão
Alô Brasil, alô Jorge Ben
Eu vou de metrô, você vai de trem
Alô Brasil, alô Jorge Ben
Eu vou de metrô, você vai de trem
Paris não tem flamengo, nem Pelé e Tostão
Aqui Brigitte joga em qualquer posição
Francesa é o meu esporte
Do qual sou
Faço do Moulin Rouge o meu Maracanã
Que futebol, que nada
Bom mesmo é o can-can
Alô Brasil, alô meu Pelé
Eu bebo champagne, você bebe café
Alô Brasil, alô meu Pelé
Eu bebo champagne, você bebe café
He, he, he, ai, ai!
Alô Brasil, alô Simonal, moro e namoro em Paris Tropical...
Alô Brasil, alô Jorge Ben, eu vou de metrô, você vai de trem...
Alô Brasil, alô meu Pelé, eu bebo champagne, você bebe café
JOANA FRANCESA (Chico Buarque de Hollanda)
Ano de lançamento: 1973
Álbum : Compacto simples
Gravadora: Polygram
Intérprete: Chico Buarque
Fonte (catalogação): site www.itarget.com.br
Fonte (fonograma): CD coletânea RFI Brésil côté France (junho/2001).
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Tu ris tu mens trop
Tu pleures tu meurs trop
Tu as le tropique dans le sang et sur la peau
Geme de loucura e de torpor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda
D’accord, d’accord, d’accord
Mata-me de rir, fala-me de amor
Songes et mensonges, sei de longe, sei de cor
Geme de prazer e de pavor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda...
D’accord, d’accord, d’accord
Vem molhar meu colo, vou te consolar
Vem mulato mole, dançar dans mes bras
Vem moleque me dizer onde é que está
Ton soleil, ta braise
Quem me enfeitiçou, o mar marée bateau
Tu as le parfum de la cachaça e de suor
Geme de preguiça e de calor
Já é madrugada
Acorda, acorda, acorda
D’accord, d’accord, d’accord
BRIGITTE BARDOT (Tom Zé )
Ano de lançamento: 1973
Álbum : LP 33 rpm Todos os olhos
Gravadora: Continental
Intérprete: Tom
Fonte (catalogação): site www.cliquemusic.com.br (10.06.2005)
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
A Brigitte Bardot está ficando velha
Envelheceu antes dos nossos sonhos
Coitada da Brigitte Bardot que era uma moça bonita
Mas ela mesma não podia ser um sonho
Para nunca envelhecer
A Brigitte Bardot está se desmanchando
E os nossos sonhos querem pedir divórcio
Pelo mundo inteiro tem milhões e milhões de sonhos
Que querem também pedir divórcio
E a Brigitte Bardot agora está ficando triste e sozinha
Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar
Na hora exata que ela estiver com vontade de se suicidar bis
Quando a gente era pequeno pensava
Que quando crescesse ia ser namorado da Brigitte Bardot
Mas a Brigitte Bardot está ficando triste e sozinha
A Brigitte Bardot agora está ficando velha, triste e sozinha
Velha e sozinha
Sozinha
Só zi a
MONSIEUR BINOT (Joyce)
Ano de lançamento: 1981
Álbum : Água e Luz
Gravadora: EMI/Odeon
Intérprete: Joyce
Fonte (catalogação): site www.cliquemusic.com.br (08.05.2005)
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Olha aí, monsieur Binot
Aprendi tudo o que você me ensinou
Respirar bem fundo e devagar
Que a energia tá no ar
Olha aí, meu professor,
Também no ar é que a gente encontra o som
E num som se pode viajar
E aproveitar tudo o que é bom
Bom é não fumar
Beber só pelo paladar
Comer de tudo que for bem natural
E só fazer muito amor
Que amor não faz mal
Então, olha aí, monsieur Binot
Melhor ainda é o barato interior
O que dá maior satisfação
É a cabeça da gente, a plenitude da mente
A claridade da razão
E o resto nunca se espera
O resto é a próxima esfera
O resto é outra encarnação!!!
A NETA DE MADAME ROQUEFORT (Rogério Rossini/Nei Lopes)
Ano de gravação: 1983
Álbum : CD coletânea RFI Brésil côté France (junho/2001).
Gravadora: RFI Radio France Internationale.
Intérprete: Graça Biot
Fonte (catalogação): www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): site www.samba-choro.com.br (28.07.2006); revisão: Nancy
Aparecida Alves
Madame Roquefort traz cada vez melhor o seu charme burguês
E já tem quase oitenta e três
Da Rua do Chichorro foi morar no morro mas fala francês
Sua garçonière tem bufê, étagère e um lindo sumier
Só tem filé mignon, maionese, champignon, champanhe e vinho rosé
(do bom Chateau Duvalier que é o que tem melhor buquê)
Já por volta das sete, ela pega o chevette e vai fazer balé
Com sapatilha de croché,
Depois, no Arpoador, com seu maiô de tricô, ela não faz forfait
De bustier com fecho-eclair
E quando chega a noite ela vai à boîte no seu chevrolet
Mas quem dirige é o chofer
E você imagine que nem no Regine's ela paga couvert
hors-concours na discotèque, opinião de Eddie Barclay*)
Porém na gafieira, ela é bem brasileira no modo de ser
(collant grená, saia godê)
Comendo croquete, tomando grapette de pé no bu
Com seu vestido de plissê
E quando ouve um trumpete, mesmo em fita cassete
Pega rouge e baton fazendo um charme pro garçon
Retoca a maquiagem pra manter a boa imagem
E sai dançando ao som, um belo solo de piston
Uma canção de Jean Sablon**
E a neta de Madame, por mais que eu reclame,
Por sua vez, também não fala português
Seguindo a tradição, sua comunicação é no idioma inglês
(é tudo rock, wind-surf, calça jeans e dansing days)
Este país não é nada sério, já dizia um bom gaulês!
* Eddie Barclay (1921-2005) produtor musical francês: verteu várias canções da
bossa-nova para o francês, entre elas o Barquinho (Roberto Menescal/ Ronaldo Bôscoli),
intitulada Le petit bateau. ** Jean Sablon (1906-1994) : ator e cantor francês.
PRÊT-À-PORTER DE TAFETÁ (João Bosco/ Aldir Blanc)
Ano de gravação: 1984
Álbum : Gagabirô
Gravadora: BMG/Ariola
Intérprete: João Bosco
Fonte (catalogação): site oficial de João Bosco: www.joãobosco.com.br
Fonte (fonograma): Fernando Pinatti.
Fonte (letra): o próprio disco.
Pagode em Cocotá
Vi a nega rebolá
Num prêt-à-porter de tafetá
Beijei meu patuá
Oi, sambá, oi, ulalá
Me carrefour, o randevu vai começá
Além de me empurrá
"Kes-que-sé, tamanduá?
Purquá je sui du zanzibar"
Aí, eu me criei: pas de bafo, mon bombon
Pra que zangá?
Sou primo do Villegagnon
Voalá e çavá, patati, patatá
Boulevar, saravá, sou da Praça Mauá
Dendê, matinê, padedê, meu petit comitê, bambolê
Encaçapo você
Taí, seu Mitterrand
Marcamos pra amanhã em Paquetá
Num flamboyant em fleur
Onde eu vou ter colher
Pompadu? Zulu
Manjei toá bocu!...
Liberté...!
Fraternité...!
FROU-FROU (Rita Lee / Roberto de Carvalho)
Ano de gravação: 1990
Álbum : LP 33 rpm Rita e Roberto
Gravadora: Som Livre
Intérprete: Rita Lee
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br (08.05.2005)
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra): site www. letras.terra.com.br (15.10.2006)
Tanto fez, tanto faz
Raio laser ou lampião a gás
Tanto fez, tanto faz
Raio laser ou lampião a gás
É tudo luz
Eu quero esse fogo
Que sai do seu corpo
Apague o abat-jour
On fait l'amour, frou-frou
Un rendez-vous chez nous
U lá lá lá toujours
Frou, frou, frou, frou
.
LA BELLE DU JOUR (Alceu Valença)
Ano de gravação: 1992
Álbum : CD Desejos
Gravadora: Emi/Odeon
Intérprete: Alceu Valença
Fonte (catalogação) : site www.clique music.com.br
Fonte (fonograma): Coleção Acervo Roberto Lapiccirella
Fonte (letra): site www.letras.terra.com.br (15.10.2006)
La Belle du Jour
Ah ....... ê
Eu lembro da moça bonita da praia de Boa Viagem
E a moça do meio da tarde de um domingo azul bis
Azul era Belle du Jour era a bela da tarde
Seus olhos azuis como a tarde, da tarde de um domingo azul
La Belle du Jour
Belle du Jour ô, ô, ô, Belle du Jour
La Belle du Jour era a moça mais linda de toda a cidade
E foi justamente pra ela que eu escrevi o meu primeiro blues
Mas Belle du Jour no azul viajava
Seus olhos azuis como a tarde, da tarde de um domingo azul
La Belle du Jour
FLORES DO MAL (Frejat/ Guto Goff)
Ano de lançamento: 1992
Álbum : CD Supermercados da vida
Gravadora: WEA
Intérprete: Guinga
Fonte (catalogação) : www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra): site www.letras.terra.com.br (15.10.2006)
Não me atire no mar de solidão
Você tem a faca, o queijo e meu coração nas mãos
Não me retalhe em escândalos
Nem tão pouco cobre o perdão
Deixe que eu cure a ferida dessa louca paixão
Que acabou feito um sonho
Foi o meu inferno, foi o meu descanso
A mesma mão que acaricia, fere e sai furtiva
Faz do amor uma história triste
O bem que você me fez nunca foi real
Da semente mais rica, nasceram flores do mal
Huummm....
Não me atire no mar de solidão
Você tem a faca, o queijo e meu coração nas mãos
Não me retalhe em escândalos
Nem tão pouco cobre o perdão
Deixe que eu cure a ferida dessa louca paixão
Não me esqueça por tão pouco
Nem diga adeus por engano
Mas é sempre assim
A mesma mão que acaricia, fere e sai furtiva
Faz do amor uma história triste
O bem que você me fez nunca foi real
Da semente mais rica, nasceram flores do mal
MISE EN SCÈNE (Guinga/ Aldir Blanc)
Ano de lançamento: 1993
Álbum : CD Delírio Carioca
Gravadora: Velas
Intérprete: Guinga
Fonte (catalogação) : site www.daniellathompson.com (15.10.2006)
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): site www.letras.terra.com.br (15.10.2006)
Yves Montand de manhã en passant
L’ennui, le néant, ah, haja Fimatosan ...
Yves, livre, un bateau
Ivre d’amour pour toujours desencarnou ...
Oxalá voa lá dans la dance
Que um non sense sonhou
Ah notre ami pierrô
En lettressence narrou
Com nuance constante
O jardin de ma tante
En flagrante, ah, o Aldir Blanc garfou
Arecherche d’humor sivulplé
Quesque Jacy Borrô e Henriette se urinô
Delivrance é o que eu sou e bientôt
Alan Prost sujou, nega fulô
Si Pelé desse un plá na Cresson
Ai, que frisson da cor...
Ici un charivari: Rosane cede vers Jabor
E se é Jane ou Simone de mon âme
Todas são Notre Dame
Les femmes sont tu Bardot
Tom Jobim já falou:
Da fenêtre vê-se o Redentor
Ai, me matar por amor
Desce mais um Contreau que hoje eu tô
Depardieu de baton e ce si bon
Mais, helàs, se eu tiver, très malheur
Mais um revés, mulher
Que eu brinque com a Demonjô
Nas Onze e meia do Jô
Et d’après en mon rêve
Que eu tenha o prazer de rever
Yves Montand autrefois amanhã...
PARIS DE SANTOS DUMONT AOS TRAVESTIS (Moacyr Luz/ Aldir Blanc)
Ano de gravação: 1993
Álbum : CD Festas
Gravadora: Velas
Intérprete: Rosa Passos
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br (07.05.2005)
Fonte (fonograma): Keco Brandão.
Fonte (letra): site www.letras.terra.com.br (15.10.2006)
Paris, uma loura envolta em negliglé
Ton-sur-ton e dégradé
O meu francês é meio assim jabaculê
E esse impasse, me mudar
Da Vila pra Montparnasse
Eu sei que o tempo urge
Do verde-amarelo bis
Pra bleu blanc rouge
Da Conde Bonfim
Pro Moulin Rouge
Paris ....
Très bien, que beleza
Ver o pandeiro tocar a Marselhesa
Pra cada merci beaucoup
Eu mando um n’a pas de quoi
E le samba voilà
Oh mon amour eu vou derreter, Dieu
Qu’est-ce que c’est que vous voulez
Si la question é remexer
Paris, je t’aime eu vou voar pra ver
Paris, je t’aime eu vou voar pra ver
CATARINA DE MÉDECIS NA CORTE DOS TUPINAMBÔS E TABAJERES
(Márcio André/ Alvinho/ Aranha/ Alexandre da Imperatriz)
Ano de gravação: 1994 / 2000
Álbum : CD
Gravadora: BMG/ RJ
Intérprete: Pedro Jóia
Fonte (catalogação) : Acervo de Manuel Filho.
Fonte (fonograma): Acervo de Manuel Filho.
Fonte (letra): site www.letras.mus.br.
Alô Imperatriz chegando
Luiz Pacheco Drumond
A força da sua presença
Está muito mais viva dentro de cada um de nós
Dá licença
Alô Nação Leopoldinense !!! Chegou a hora!
Sou índio, sou forte
Sou filho da sorte,
Sou natural, eu sou natural bis
Sou guerreiro
Sou a luz da liberdade, carnaval
Hoje vou colorir toda a cidade
De alma pintada eu vou, eu vou, eu vou
Sou da Corte a fantasia
Trago o "novo mundo" de esplendor
A magia da floresta, levei
Enfeitando esta festa, cheguei (eu cheguei)
Puro na emoção, simples na paixão
Sonho e poesia em Ruão
Mon amour c'est si bon!
Esse jogo, essa dança bis
Tabajer, Tupinambôs
E lá nas margens do Sena
O Brasil a imagem
De nudez e coragem
Índios, marujos, enfim
Misturavam-se assim
Na mais linda paisagem
E a platéia no bis
Com a Imperatriz a delirar
Na França o bom selvagem
Deu o tom de igualdade
Fraternité, liberté
Outras gravações: Pedro Jóia, Coletânea Sambas de Carnaval 1994 (2000/BMG).
CABROCHINHA (Maurício Carrilho / Paulo César Pinheiro)
Ano de lançamento: 1995
Álbum : CD Rosa Amarela
Gravadora: BMG Ariola
Intérprete: Miúcha
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br (08.05.2005)
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : transcrição de Nancy Aparecida Alves.
Ó cabrochinha venha ver quem chegou
Chegou no bico do sapato seu mulato flozô
Bota um vestido curto, aquele justo lilás bis
Que tem um corte do lado e um decote atrás
Dei sorte na loteca, uma merreca pintou
Repara só na beca que o teu negou comprou
Vou te levar pra jantar cabrochinha dessa vez
Num restaurante francês
Mas si vu plé, ô messiê garçom, leva o menu que eu não entendo lhufas
Eu vou pedir esse Dom Perignon, um escargot e um filé com trufas
Depois daquela sobremesa que flamba
A gente volta pro samba, a gente encerra o glamur
No fim da noite um bangalô, penhoar, um abajur
Pra gente fazer l’amour, l’amour toujours
Obs: respeitou-se a ortografia “abrasileirada”.
Outras gravações: Mônica Salmaso (2004, Biscoito Fino); esta foi a gravação
apresentada em CD neste catálogo.
CARTE DE SÉJOUR (Raimundo Sodré)
Ano de gravação: 1996
Álbum : Real
Gravadora: Pathé
Intérprete: Raimundo Sodré
Fonte (catalogação) : site oficial de Raimundo Sodré.
Fonte (fonograma): CD coletânea RFI Brésil côté France (junho/2001)
Fonte (letra) : site oficial de Raimundo Sodré.
Madame Zamir
Eu vim tirar minha
Carta de Séjour
Quero aprender a dizer bonjour
É que là-bas, é que là-bas bis
A coisa lá ta feia
Tem gente andando até de meia
Pois eu nunca gozei
Quero agora gozar de TGV
Sem même pas voyager
Menino deixa de pressa
Pois tem gente no mundo a beça
Que tá pra morrer
Só vim trazer alegria
Pois eu vim lá da Bahia
Ver o que temos de bom
Quero também dizer ah bon !
Ah, bon por tanta alegria
Ah, bon por tanta guerra fria
Ah, bon por tanto ah bon
Quero também ganhar muito dinheiro
Morar em Trocadero
E passear lá no Leblon, ah bon!?
Madame Zamir eu vim tirar
“Qu’est que ça veut dire?”
“Monsieur, je suis [Wladimirá]
“Qu’est-ce que c’est?”
"Je vous en prie, monsieur"
“Je suis desolé”
“Ah bon!?”
Outras gravações: Raimundo Sodré, Coletânea Culture MIX Brésil coté France, 2001,
RFI (fonograma de que disponho).
CECY BOM (H.Berti /A.Homez)
Versão francesa de C’est si bon : Rita Lee
Ano de gravação: 1998
Álbum : CD Zona Zen
Gravadora: EMI/Odeon
Intérprete: Rita Lee
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br (07.05.2005)
Fonte (fonograma): Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra): RIBEIRO, Alexandre Dórea (editor). Rita Lírica, DBA/M Editora, São
Paulo, 1996.
Cecy bom
Como diz o francês
Quando fala de amor
Parece brasilês
É tão bom
“Sacanage” tupy
É um tal de oui, oui
Prazer se diz plaisir
Certa vez escrevi na toilete
Faire l’amour com suor e confete
Cecy bom
Ficar bem grudadinho
Feito um chicletinho
Naquele vai e vem
Mas é sabão
Me carece une caresse
Quando estou sem ninguém
Eu quero sempre alguém
Tudo igual num país tropical
Ou na Eiffel de Tonton
L’amour é sempre bom, si bon
Meu bem é Cecy bom, si bon
Merci, pardon, bonbon
Métro, boulot, dodo
Pery, Cecy, kibon
Vanja Orico achou très bon
Sônia Braga fechou!
Fait chaud!
VALSE AU BEURRE BLANC (Ed Motta)
Ano de lançamento: 2002
Álbum : DWITZA
Gravadora: Universal Music
Intérprete: Ed Motta
Fonte (catalogação) : www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra) : site letras.terra.com.br (10.06.06)
Do inglês fake ao faux-français, caímos diretamente no universo chansonnier
francês com direito a coral lírico e acordeon de Agostinho Silva. A letra é uma
relação de queijos e vinhos da melhor estirpe. Livarot e Chambertin
são, respectivamente, bons exemplos. Adoraria ter a música incluída na trilha sonora
de algum filme de Jacques Tatit, mas como não é mais possível, me contento em
embalar a trama de um de seus possíveis seguidores.
Obs: A letra é praticamente ininteligível. Trata-se de uma explanação do autor a respeito
da relação de vinhos e bebidas que enumera na canção. No site oficial de Ed Motta,
consta apenas a explicação acima.
MAL EM PARIS (Joyce)
Ano de lançamento: 2004
Álbum : CD Banda Maluca
Gravadora: Biscoito Fino
Intérprete: Joyce
Fonte (catalogação) : www.cliquemusic.com.br
Fonte (fonograma): Diógenes Dias da Rocha
Fonte (letra) : Nancy Aparecida Alves.
Meu amor sentiu-se mal em Paris
Tonto e pálido tal qual grão de giz
Viu as luzes da cidade
Desabarem por um triz
Descobriu que era mortal
Quase que ficou feliz
Meu amor sentiu-se o tal em Paris
Procurando amor total é o que diz
Como se na flor da idade
Descobrisse outro país
Bem que eu quis ser natural
Pena que eu não seja atriz
Meu amor me disse tchau em Paris
Paris
Hum...
TABELA I.2
CANÇÕES ESCRITAS DIRETAMENTE EM
FRANCÊS
LES BATUTAS (Pixinguinha/ Duque)
Ano de gravação: nunca foi gravada integralmente
Gravadora: não
Álbum: não há
Intérprete : Oito Batutas
Fonte (catalogação) : não
Fonte: (fonograma) : não há
Fonte (letra) : Almirante, No tempo de Noel Rosa, Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1977.
Nous sommes batutas
Batutas, batutas
Venus du Brésil
Ici tout droit
Nous sommes batutas
Batutas, batutas
Faisons tout le monde
Danser le samba
Le samba se danse
Toujours en cadence
Petit pas par-ci
Petit pas par-là
Il faut de l’aisance
Beaucoup d’élégance
Le corps se balance
Dansant le samba
La musique est simple
Mais très rythmique
Nous sommes certains
Que ça vous plaire
Nous sommes Batutas
Batutas uniques
Pour faire tout le monde
Danser le samba
SARAMBÁ (J.Thomas)
Ano de gravação: 1929
Gravadora: Brunswick
Álbum : 78 rpm
Intérprete : J. Thomas e Orquestra Brunswick.
Fonte (catalogação) : Catálogo digital da Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte: (fonograma) : Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : CD de Daúde.
Olha o Sarambá, ô tia
Olha o Sarambá , ô tia bis
Olha o sarambá, ô nega
Olha o Sarambá, ô tia
Le samba se danse
Toujours en cadence
Petit pas par-ci
Petit pas par-là bis
Il faut de l’aisance
Beaucoup d’élégance
Le corps se balance
Dansant le samba
Olha o Sarambá, ô tia
Olha o Sarambá , ô tia bis
Olha o sarambá, ô nega
Olha o Sarambá, ô tia ...
La musique est simple
Mais très rythmique
Nous sommes certains
Que ça vous plaira bis
Nous sommes heureux
Et uniques
Pour faire tout le monde
Danser le samba
Outras gravações : Anjos do Inferno (1945, Victor); Joel de Almeida e seus Turunas
(1957, Odeon); Silvio Caldas (1973, Entré CBS); Daúde (1999, Natasha records), entre
outras.
TEM FRANCESA NO MORRO (Assis Valente)
Ano de gravação: 1932
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Colúmbia
Intérprete: Araci Cortes
Fonte (catalogação) : TINHORÃO, José Ramos. História da Música Popular
Brasileira/ Assis Valente. São Paulo, Editora Abril Cultural, 1982. Catálogo digital
Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte: (fonograma) : Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : Antologia Musical Popular Brasileira. Coleção Acervo Roberto
Lapiccirella.
Donê muá si vu plé
Lonér de dancê avec muá
Dance ioiô, dance Iaiá
Si vu freqüente macumbe
Entre na virada e fini pur samba
Dance ioiô, dance Iaiá
(refrão)
Vian, petite francesa
Dancê le classique
En cime de mesa
Quando la dance comence
On dance ici, on dance aculá
Dance ioiô, dance Iaiá
Si vu nê vê pá dancê
Pardon ma cherrie
Adieu, je me vá
(refrão)
Tout le monde !
(orquestra)
(refrão)
Tem francesa no morro !
C’EST TOI L’AMOUR (Joubert de Carvalho/ Maria Eugênio Celso)
Ano de gravação: 1932
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Odeon
Intérprete: Marle Vallé
Fonte (catalogação) : Enciclopédia da Música Brasileira: erudita, folclórica e
popular (1977)
Fonte: (fonograma) : Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : Transcrição de Nancy Aparecida Alves
Mon coeur
Longtemps ivre mon coeur
Le temps, mon bonheur
Joli bonheur qui est grand
Si beau
Qui me viendrait je l’ai
Quand tu viens [tout]
C’est toi l’amour
Je l’ai bien vu
C’est toi l’amour
Le yeux qui durent
Dont j’ai rêvé un jour
Et le bonheur que m’ont promis tes yeux
C’est le bonheur que j’ai voulu toujours
C’est toi l’amour ....
Sourire charmant qui me sourit un jour
Et le bonheur que ces yeux m’ont donné
C’est le bonheur rêvé...
LA VIE EN SAMBA (Denis Brean/ Blota Jr.)
Ano de gravação: 1951
Álbum : 78 rpm
Gravadora: Copacabana
Intérprete: Dircinha Baptista
Fonte (catalogação) : Catálogo digital Fundação Joaquim Nabuco.
Fonte: (fonograma) : CD Dircinha Batista (coletânea)
Fonte (letra) : transcrição de Nancy Aparecida Alves
Tout le monde
De Blois
Du Vaudeville
Danse le samba
Danse le samba
Dansent Mesdames
Messieurs, petits enfants
Danse la société
de joujoux balangandans
Tout le monde
De Blois
Du Vaudeville
Danse le samba
Danse le samba oh là là !
Pourquoi le samba et la chanson
Bien très jolis
Et le samba est chéri à mon Paris
Ai ai ai, mon amour
Le samba est toujours rêve d’amour
La vie avec un samba est quelque chose
Si vous, vous voulez avoir la vie en rose
Santé, l’argent, l’amour et émotion
Chantez le samba, la grande sensation
Obs. : embora o vocábulo samba esteja no feminino em francês, a gravação privilegia o
português (= le sambá).
Outras Gravações: Lana Bittencourt (1958, Colúmbia).
DANCÊ MADEMOISELLE (Moreira da Silva/ Ribeiro Cunha)
Ano de gravação: 1963
Álbum : 78 rpm
Gravadora: EMI Odeon
Intérprete: Moreira da Silva
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br (05.05.2005)
Fonte: (fonograma) : Coleção Particular de Miécio Caffé.
Fonte (letra) : Transcrição de Nancy Aparecida Alves .
Dancê Mademoiselle, dancê
Dancê avec moi
Dancê Mademoiselle
Parce que je t’aime beaucoup
Mon petit pois
bis
Mademoiselle je vais parler
Je vais parler avec vous
Mademoiselle je ne sais pas
Pourquoi je t’aime beaucoup
Dancê Mademoiselle, dancê
Dancê avec moi
Dancê Mademoiselle
Parce que je t’aime beaucoup
Mon petit pois
JE VOUS AIME (Sam Coslow/ Haroldo Barbosa)
Ano de gravação: s/d
Álbum : 78 rpm
Gravadora:
Intérprete: Francisco Alves
Fonte (catalogação) : Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte: (fonograma) : Acervo Ao Chiado Brasileiro.
Fonte (letra) : Nancy Aparecida Alves.
Je vous aime, ma chérie
Je vous adore
Sei dizer
Sei repetir de cor
Je vous aime, ma chérie
Je vous adore
Nosso amor
Há de ser maior
Bem maior do que a chama da vida
Que terás para sempre, querida
Estas frases também
Dirás de cor
Je vous aime, ma chérie
Je vous adore
TOUCHE PAS À MON POTE (Gilberto Gil)
Ano de gravação: 1985
Álbum : Gil Deadorim Noite Neon
Gravadora: WEA
Intérprete: Gilberto Gil
Fonte (catalogação) : LP Gilberto Gil
Fonte: (fonograma) : LP Gilberto Gil
Fonte (letra) : LP Gilberto Gil
Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire peut-être
Que l’Être qui habite chez lui
C’est le même qui habite chez toi
Touche pas à mon pote
Ça veut dire quoi?
Ça veut dire que l’Être
qui a fait Jean-Paul Sartre penser
fait jouer Yannick Noah
Touche pas à mon pote
Il faut pas oublier que la France
A déjà eu la chance
De s’imposer sur la terre, par la guerre
Les temps passés ont pas
Maintenant nous venons ici
Chercher le bras d’une mère
Bonne mère
Touche pas à mon pote
(retorno)
Touche pas à mon pote
Il fait chanter Charles Aznavour
Il fait filmer Jean-Luc Godard
Il fait jolie Brigitte Bardot
Il fait petit le plus grand français
Il fait plus grand le petit chinois
COMO DIRIA SATIE (José Miguel Wisnik)
Ano de gravação: 1986
Álbum : Cida Moreira
Gravadora: Continental
Intérprete: Cida Moreira
Fonte (catalogação) : LP de Cida Moreira
Fonte: (fonograma) : LP de Cida Moreira
Fonte (letra) : LP de Cida Moreira
Bonjour, comme dirait Charles Aznavour
Bonsoir, comme dirait Simone de Beauvoir
Mon Dieu, comme dirait, Mireille Mathieu
Mon amour, comme dirait Madame Pompadour
Il fait chaud, comme dirait Arthur Rimbaud
Merci, comme dirait Claude Debussy
Il fait beau, comme dirait Jean-Jacques Rousseau
Je suis désolé comme dirait Mallarmé
Pas mal, comme dirait Pascal
Tant pis dirait Paul Valéry
Tiens, disait Chopin
Superbe dirait Malherbe
Quand même, comme dirait la Bohème
Parfait, dit Rabelais
Ça marche pas, dirait Marchais
Au revoir, dirait Giscard
À tout à l’heure, dirait Voltaire
Pardon, comme dirait Napoléon
C’est drôle, comme dirait Charles de Gaule
Je m’enfous, comme dirait Georges Pompidou
Enfin, comme dirait François Mitterrand
MARDI DIX MARS (GILBERTO GIL)
Ano de gravação: 1987
Álbum : CD Soy loco por ti America
Gravadora: WEA
Intérprete: Gilberto Gil
Fonte (catalogação) : CD de Gilberto Gil
Fonte: (fonograma) : CD de Gilberto Gil
Fonte (letra) : Transcrição de Nancy Aparecida Alves
Mardi dix mars
[Mieux] cela voudra ma poésie
Mardi dix mars
[Mieux] cela voudra ma poésie d’amour
Moi qui [est] toujours été à la recherche
De la passion
La plus profonde à vivre
Je vous dirais malgré
Que j ’en sois bien, bien, bien, bien proche
Il manquera toujours un rêve à poursuivre
[Mieux] cela voudra
Toujours, toujours, il manquera l’amour
À mettre en esclavage un coeur libre
Mardi dix mars
[Mieux] cela voudra la vie qui viendra
Ah..ah...ah...ah....
RIQUIXÁ (Luca Raele/ Guga Stroeter/ Fernando Cembranelli)
Ano de gravação: 1988
Álbum : Nouvelle Cuisine
Gravadora: WEA
Intérprete: Nouvelle Cuisine
Fonte (catalogação) : CD do grupo
Fonte: (fonograma) : CD do grupo
Fonte (letra) : cedida por Guga Stroeter
Nuits blanches, lunettes grises
Matisse, je m’émerveille
Une femme un diamant à l’aise
On n’a pas de nouvelles
Matin d’une toile douce
Désormais je l’appelle
La paresse éternelle
Je rêve dans mon pousse-pousse
Je pars seule en silence
Mes souvenirs mise en sène
Rapport d’une seule nuit
La vie dans une semaine
À peine un jour partout
Tes yeux d’un coup dans la Seine
Le souffle d’une mauvaise reine
MON TIERS MONDE (Gilberto Gil)
Ano de gravação: 1989
Álbum : CD Eterno Deus Mudança
Gravadora: WEA
Intérprete: Gilberto Gil
Fonte (catalogação) : CD de Gilberto Gil
Fonte: (fonograma) : CD de Gilberto Gil
Fonte (letra) : Transcrita por Nancy Aparecida Alves
Pas un instant à perdre
Plus que la mort, la mort des hommes dans la merde
Mon tiers monde s’engage dans la vie
Du fond même de mon coeur
Du fond même de mon coeur
C’est la chaleur, c’est la chaleur
Le bonheur de la pluie
Pour le moment ça marche
Ça ne fait rien, rien, la réalité sauvage,
Mon tiers monde s’angage dans la vie
Du fond même d’un sommeil
Du fond même d’un sommeil
J’ai le soleil, j’ai le soleil
Comme mon meilleur ami
Notre jour est consacré
À un Pan Universel
Soient les étoiles de mer
Soient les oiseaux du ciel
Soient les choses inanimées
Comme la pierre et l’océan
Soient les nombreux noms de Dieu,
Comme Oxalá, comme Tupan
PURQUÁ MECÊ (Maurício Pereira/ André Abujamra)
Ano de gravação: 1989
Álbum : Os Mulheres Negras
Gravadora: produção independente
Intérprete: Os Mulheres Negras
Fonte (catalogação) : o próprio CD
Fonte: (fonograma) : o próprio CD
Fonte (letra) : encarte do CD
Pour quoi monsieur
vous mange les oiseaux?
Mange voula voler
Mange voula voler
Mangez aussi les petits oiseaux bis
Tu mange tu voler
Aujourd’hui j’ai mangé trois tucanos bis
POUR QUOI MONSIEUR
POUR QUOI?
MANGÉ LES TUCANOS ?
LE FLEUR, LES ANIMAUX,
TRAVAUX DE NOS BON DIEU!
Purquá monsieur foi cumê os passarinho? bis
Eu quis vuá, já vuei, agora eu vô bis
Coma também um pequeno passarinho bis
Come que vai vuá bis
Só hoje cedo eu já comi uns três tucano bis
PURQUA MONSIEUR PURQUA ?
COMEU OS TUCANO?
A FLOR, O ANIMA, TRABALHOS DO
SENHOR!
Pour quoi monsieur?
(por que o senhor?)
Les tucanos
(O tucano)
Les animaux
(desanimou)
Nos bon Dieu
(E eu não sei)
Obs: as letras maiúsculas e minísculas foram transcritas do original, presente no encarte do CD.
LA LUNE DE GORÉE (Gilberto Gil/Capinan)
Ano de gravação: 1995
Álbum : Quanta
Gravadora: WEA
Intérprete: Chico Buarque e Fagner
Fonte (catalogação) : o próprio CD
Fonte: (fonograma) : o próprio CD
Fonte (letra) : encarte do CD
La lune qui se lève
Sur l’île de Gorée
C’est la même lune qui bis
Sur tout le monde se lève
Mais la lune de Gorée
A une couleur profonde
Qui n’existe pas du tout bis
Dans d’autres parts du monde
C’est la lune des esclaves
La lune de la douleur
Et la peau qui se trouve
Sur les corps de Gorée
C’est la même peau qui couvre
Tous les hommes du monde
Mais la peau des esclaves
A une douleur profonde
Qui n’existe pas du tout bis
Chez [des] autres hommes du monde
C’est la peau des esclaves
Un drapeau de liberté
CHANGEZ TOUT (Apollo/Otto)
Ano de gravação: 1998
Álbum : Samba pra burro
Gravadora: Trama
Intérprete: Otto
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br
Fonte: (fonograma) : do próprio CD. Coleção particular de Fernando Pinatti.
Fonte (letra) : site www.letras.terra.com.br
Changez tout
Changez tout
Pout toi
Pour ta mère
Changez tout
Pour toi [Dieu le veut]
N’oubliez pas de monter là haut
LOW (Apollo/Otto)
Ano de gravação: 1998
Álbum : Samba pra burro
Gravadora: Trama
Intérprete: Otto
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br
Fonte: (fonograma) : coletânea RFI
Fonte (letra) : site www.letras.terra.com.br
C'est un mec
Que je conassais a Caruaru
Lundi, Mardi, Mercredi, Jeudi
C'est un mec que a des [habis]
Pour le weekend
C'est legalize low
Legalize low bis
C'est un mec
Que je conassais a Caruaru
Lundi, Mardi, Mercredi, Jeudi
C'est un mec que a des [habis]
Pour le weekend
C'est legalize low
Legalize low bis
C'est pas ma faute
C'est pas la question
Ma mére est mort
Et mon pére il n'a pas de l'argent
C'est pour ça que je demande
Legalize low bis
CHER ANTOINE (Rodrigo Amarante)
Ano de gravação: 2001
Álbum : Bloco do Eu Sozinho
Gravadora: Abril Music
Intérprete: Los hermanos
Fonte (catalogação) : site www.cliquemusic.com.br
Fonte: (fonograma) : do próprio CD. Coleção particular de Fernando Pinatti.
Fonte (letra) : site www.letras.terra.com.br
Cher Antoine,
Je suis vraiment désolé
Mais je ne peux pas partir avec toi
Du 20 au 24 je dois travailler
J’ai quatre jours de congé
Ai, ai ...
Je vais à la campagne.
Je voyage en train, pour les montagnes,
c’est un drôle de chemin !
Je vais à la plage avec des amis (des amis)
Je vais faire du sport et après
Je vais faire du ski.
Feito pra mim, bom pra você. Deixa mudar e confundir!
Deixa de lado o que se diz. Tem no mercado, é só pedir!
Me faz chorar e é feito pra rir.
DIS-MOI COMMENT (Antônio Carlos Jobim/ Chico Buarque de Hollanda)
versão francesa : Chico Buarque de Hollanda
Ano de gravação: 2004
Álbum : Canções de Chico Buarque na interpretação de Zé Luiz Maziotti
Gravadora: Dabliú
Intérprete: Zé Luiz Maziotti
Fonte (catalogação) : o próprio CD
Fonte: (fonograma) : do próprio CD
Fonte (letra) : encarte do CD
Ah, si nous ne savons plus quelle heure il est
Si c’est mardi, si c’est le mois de mai
Alors dis-moi comment je dois partir
Si pour t’approcher
J’ai parcouru des routes dérobées
Les ponts derrière moi je les ai tous coupés
Où désormais pourrai-je revenir
Si nous, dans le ballet de nos nuits éternelles
Avons melés nos jambes, dis-moi quelles
Seront les jambes qu’iront me conduire
Si c’est dans ma peau que tu prends ta chaleur
Si c’est dans le charivari de ton coeur
Mon sang s’est égaré trompé de veine
Si dans le désordre de ta garde-robe
Voilà ma veste qui embrasse ta robe
Et mes chaussures qui se posent sur les tiennes
Si on ne connaît pas le mot de la fin
Si dans mes mains je garde encore tes seins
Avec quel masque puis-je m’en sortir
Non, tu ne peux pas rester là, l’air de rien
Je t’ai donné mes yeux, tu le sais bien
Alors dis-moi comment je dois partir
Obs. : a versão original é em língua portuguesa. Optamos em apresentá-la no catálogo
por ter sido traduzida (vertida) pelo próprio autor.
TABELA I. 3
CANÇÕES BRASILEIRAS COM ELEMENTOS
DA LÍNGUA E CULTURA FRANCESAS
I. CANÇÕES BRASILEIRAS COM ELEMENTOS DA LÍNGUA /CULTURA
FRANCESAS (ORGANIZADAS SEGUNDO O ANO DE LANÇAMENTO)
Ano de
lançamento
Disco
(número)
Título / Gênero
Autores
Música/Letra
Intérprete Gravadora
1909
78 rpm
108.286
A crítica do
maxixe francês
(cançoneta)
Desconhecido
Os Geraldos
(Dueto)
Casa Edison/
Odeon
1933 78 rpm Positivismo
Noel Rosa/
Orestes
Barbosa
Noel Rosa Colúmbia
1934
78 rpm
11057-B
Não tem
tradução
(samba)
Noel Rosa
Francisco
Alves
Odeon
1950
Novembro
78rpm
16319-A
Não tem
tradução
(samba)
Noel Rosa
Araci de
Almeida
Continental
1936
78 rpm
11.337-A
Matriz 5276
De babado
(samba)
Noel Rosa
Noel Rosa e
Marília Baptista
Odeon
1938
Gravação :
03.05.1938
Lançamento:
07/ 1938
78 rpm
11613-A
Matriz 5822
Paris
(marcha)
Alcyr Pires
Vermelho/
Alberto Ribeiro
Carmen
Miranda
Odeon
1938
78 rpm
11660-B
Bonjour, mon
amour
(marcha)
Ciro de Souza
Dircinha
Batista
Odeon
1939
Gravação :
26.07.1939
Lançamento:
set 1939
78 rpm
55.155-A
Matriz 178
Joujoux e
balangandans
(marcha)
Lamartine Babo
Mário Reis e
Mariah
Colúmbia
1940
Gravação:
09.07.40
Lançamento:
set 1940
78rpm
34647-A
Matriz 33466
Menina Fricote
(samba-choro)
HenriqL
asa/
Marília Baptista
Araci de
Almeida
16360-A
Matriz
N2CAB1548
Bardot
(marcha)
1968
Setembro
COMPACTO
SIMPLES
365257-A
É proibido
proibir
Caetano
Veloso
Caetano
Veloso
Phillips
1968
Setembro
COMPACTO
SIMPLES
365257-B
É proibido
proibir
Ambiente de
Festival
Caetano
Veloso
Caetano
Veloso
Phillips
1971
LP 6349-017
CONSTRUÇÃ
O
Samba de Orly
Chico Buarque/
Toquinho/
Vinícius de
Moraes
Chico Buarque Phillips
1972
LP 307.31.60
A SÁTIRA DE
JUCA CHAVES
Paris Tropical
(samba)
Juca Chaves Juca Chaves Premier
Regravação
1974
2.451.501
LP NINGUÉM
SEGURA
ESSE NARIZ
Paris Tropical
(samba)
Juca Chaves Juca Chaves Polydor
1973
COMPACTO
6.245.027
Joana Francesa
(valsa)
Chico Buarque
de Hollanda
Chico Buarque
de Hollanda
Polygram
Regravação
1989
1.500.006
LP 33 rpm
Fagner O
QUINZE
Joana Francesa
(valsa)
Chico Buarque
de Hollanda
Chico e Fagner Phillips
1973
LP 33 rpm
TODOS OS
OLHOS
SLP 10.121
Brigitte Bardot Tom Zé Tom Zé Continental
1981
LP Água e Luz
64.422.886
Monsieur Binot Joyce Joyce Emi/Odeon
1983 CD
A neta de
Madame
Roquefort
Rogério
Rossini/
Nei Lopes
Graça Biot
Regravação
1999 CPC 018
A neta de
Madame
Roquefort
Rogério
Rossini / Nei
Lopes
Nei Lopes CPC/UMES
1984
LP 33 rpm
GAGABIRÔ
823.694-1
Prêt-à-porter de
Tafetá
(samba-jazz)
João Bosco /
Aldyr Blanc
João Bosco
BMG Ariola
Barclay
1990
LP 33 rpm
197.900.607
Frou-fou
Roberto de
Carvalho/ Rita
Lee
Vânia Bastos Eldorado
1992
CD Desejos
799.425-1
La Belle du jour Alceu Valença Alceu Valença Emi/Odeon
1993
CD Festas
11-V015
Paris: de Santos
Dumont aos
Moacyr Luz/
Aldir Blanc
Rosa Passos
Velas
Editora
Miramar
1994 / 2000
CD Sambas
Carnaval 1994
Imperatriz
65072350
Matriz 2041002
Catarina de
Médecis na
Corte dos
Tupinambás e
dos Tabajeres
Márcio André/
Alvinho/
Aranha/
Alexandre da
Imperatriz
Pedro Jóia BMG
1995
CD Rosa
Amarela
7432167333-2
Cabrochinha
(Samba-choro)
Maurício
Carrilho/ Paulo
César Pinheiro
Miúcha BMG Ariola
Regravação
2004
CD Iaiá
BF 559
Cabrochinha
(Samba-choro)
Maurício
Carrilho/ Paulo
César Pinheiro
Mônica
Salmaso
Biscoito Fino
1996
Coletânea
2001
CD coletânea
RFI
Brèsil côté
France
Culture MIX
06/2001
Carte de Séjour
(choro)
Raimundo
Sodré
Raimundo
Sodré
CD coletânea
RFI
Brésil côté
France
Culture MIX
1998
CD ZONA ZEN
066.791.720-1
Cecy bom Rita Lee Rita Lee EMI/Odeon
1998
CD 0005
Samba Pra
Burro
Renault/
Peugeot
Pupilo/ Gilmar/
Otto
Otto Trama
2002
CD
44001170822
DWITZA
Valse au beurre
blanc
Ed Motta Ed Motta
Universal
Music
2004
CD
BANDA
MALUCA
Mal em Paris Joyce Joyce Biscoito Fino
TABELA I. 4
CANÇÕES BRASILEIRAS ESCRITAS DIRETAMENTE EM FRANCÊS
II. CANÇÕES BRASILEIRAS ESCRITAS DIRETAMENTE EM FRANCÊS
(ORGANIZADAS SEGUNDO O ANO DE LANÇAMENTO)
Ano de
lançamento
Disco (número)
Título /
Gênero
Autores
Música / Letra
Intérprete
Gravador
a
Ano de
composição:19
22
Nunca gravada
integralmente
Les batutas
(Samba-
maxixe)
Pixinguinha /
Duque
Os Oito
Batutas
Não há
1929
78 rpm
10.000-A
Matriz 23
Sarambá
(Samba-
maxixe)
J. Thomas
Orquestra
Brunswick /
Cantor: J.
Thomas
Brunswick
1930
78 rpm
10110 –A
Matriz 486
Sarambá
(Samba-
maxixe)
J. Thomas
Orquestra
Brunswick
Brunswick
Regravação
Gravação:
27.06.1945
Lançamento:
set. 1945
78rpm
80.03.18-A
Matriz 5-078210
Sarambá
(Samba-
maxixe)
Duque /
J.Thomas
Anjos do
Inferno
Regravação
LP 33rpm
10008 / faixa A-7
Sarambá
(Samba-
maxixe)
Duque
As Garotas e
Grande Otelo
Mocambo
Regravação
Gravação:
25.01.1957
Lançamento:
abril 1957
78rpm
14.193-B
Matriz: 11513
Sarambá
(Samba-
maxixe)
Duque/J.Thomas
Joel de
Almeida e
seus Turunas
Odeon
1973
LP 33 rpm
(104265/6)
Sarambá
(Samba-
maxixe)
Duque/J.Thomas Sílvio Caldas
Entré/CB
S
IRMÃOS
VITALE
Regravação
1999
CD / RVCD 135
Sua Majestade a
Rainha do Rádio
Disco 1 (coletânea)
Sarambá
(Maxixe)
J. Thomas/
Antônio Amorim
(Duque)
Emilinha
Borba
Revivend
o
Regravação
1997
CD
292.101
Daúde # 2
Sarambá
(Maxixe)
J.Thomas/
Antônio
Amorim (Duque)
Daúde
Natasha
Records
1999 7,89701E+11
Sarambá
(Maxixe)
J.Thomas/
Antônio
Amorim (Duque)
Daúde
Natasha
Records
1932
78rpm
22.148-A
matriz: 381309
Tem Francesa
no Morro
(Samba-
maxixe)
Assis Valente Araci Cortes Colúmbia
Regravação
1982
LP 81.126.074/0002-
44
HISTORIA DA MPB
ASSIS VALENTE
Tem Francesa
no Morro
(Samba-
Maxixe)
Assis Valente Araci Cortes
Abril
Cultural
Regravação
1984
LP 33rpm
358.404.004
Tem Francesa
no Morro
(Samba-
maxixe)
Assis Valente Araci Cortes Funarte
Regravação
1986
S/n
Tem Francesa
no Morro
(Samba-
maxixe)
Assis Valente Clara Sandroni Funarte
Regravação
2000
CD
DB 0096
Dois
Tem Francesa
no Morro
(Maxixe)
Assis Valente Cássio Gava Dabliú
1932 78rpm
C’est toi
l’amour
(Canção)
Joubert de
Carvalho/ Maria
Eugênio Celso
Marlene Vallé
1951
Lançamento:
03. 1950
78 rpm
12.987-B
Matriz 8604
La vie en
sambá
(Samba)
Denis Brean /
Blota Jr.
Dircinha
Baptista
Odeon
1951
78rpm
70.342.859
La vie en
sambá
(Samba)
Denis Brean/
Blota Jr.
Dircinha
Baptista
Copacaba
na
2000
CD Coletânea
Cantores do Rádio
529863-2
La vie en
sambá
(Samba)
Denis Brean/
Blota Jr.
Dircinha
Baptista
EMI
Odeon
1963
LP 33rpm
15605
Dancê
Mademoiselle
(Samba de
gafieira)
Moreira da Silva
/ Ribeiro Cunha
Moreira da
Silva
Odeon
1963
LP 33rpm
541535-2
O último dos
moicanos
Dancê
Mademoiselle
(Samba de
gafieira)
Almeidinha /
Moreira da Silva
Moreira da
Silva
EMI Music
S/d Do rádio
Je vous aime
(Bolero)
Sam Coslow/
Haroldo Barbosa
Francisco
Alves
Rádio
1985 LP
Touche pas à
mon pote
(Afro)
Gilberto Gil Gilberto Gil WEA
1986
LP
101.404.297
Como diria
Satie
(Valsa)
José Miguel
Wisnik
Cida Moreira
Continent
al
1987
CD 9-51012
MADE IN
PORTUGAL
MLMB
Mardi dix mars
(Reggae)
Gilberto Gil Gilberto Gil
CD Soy
loco por ti
América
WEA
1988
CD
406
Riquixá
(pousse-
pousse)
Luca
Raele/Guga
Stroeter/
Fernando
Cembranelli
Nouvelle
Cuisine
WEA
1989
CD
ETERNO DEUS
MUDANÇA
670.80.59
Mon tiers
monde
(Afro-ijexá)
Gilberto Gil Gilberto Gil WEA
1989/1990
LP
MÚSICA E
CIÊNCIA
670.42.37
Purquá Mecê
Maurício Pereira
/ André
Abujamra
Os Mulheres
Negras
LP WEA
faixa 7
CD 1989 /
1990
1995
CD
QUANTA
63.013.033
La Lune de
Gorée
(Balada)
Gilberto Gil Gilberto Gil WEA
1998
CD
SAMBA PRA
BURRO
Changez tout Apollo / Otto Otto Trama
2001
CD
BLOCO DO EU
SOZINHO
1.107.055
Cher Antoine
Rodrigo
Amarante /
Felipe Abrahão
Los Hermanos
Abril
Music
2004
CD 0119
CANÇÕES DE
CHICO BUAQUE
NA VOZ DE ZÉ
LUIZ MAZIOTTI
Dis-moi
comment
Chico Buarque
de Hollanda
Zé Luiz
Maziotti
Dabliú
Discos
Livros Grátis
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