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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE ENFERMAGEM
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
ACESSO E ACOLHIMENTO AOS USUÁRIOS EM UMA UNIDADE DE
SAÚDE DE PORTO ALEGRE/RS NO CONTEXTO DA
MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE
DONATELA DOURADO RAMOS
PORTO ALEGRE, FEVEREIRO DE 2001
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DONATELA DOURADO RAMOS
ACESSO E ACOLHIMENTO AOS USUÁRIOS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE
DE PORTO ALEGRE/RS NO CONTEXTO DA MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Enfermagem da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial à
obtenção do título de MESTRE em
ENFERMAGEM .
Orientadora: Dra. Maria Alice Dias da Silva
Lima
PORTO ALEGRE, FEVEREIRO DE 2001
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de
Porto Alegre/RS no contexto da municipalização da saúde/Donatela
Dourado Ramos ; orientaçda Maria Alice Dias da Silva Lima
Porto Alegre, 2001.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal
Do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de Mestrado
em Enfermagem.
1. Acesso. – 2 . Acolhimento: Usuários . – 3 . Unidade de Saúde .
- 4 . Municipalização. – I. Título
Bibliotecária Responsável
Lúcia Vauthier Machado Nunes
C
RB 10/193
R 175 a Ramos, Donatela Dourado
Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de
Porto Alegre/RS no contexto da municipalização da saúde/Donatela
Dourado Ramos ; Orientação de Maria Alice Dias da Silva Lima
Porto Alegre, 2001.
129 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal
Do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de Mestrado
em Enfermagem.
1. Acesso. – 2 . Acolhimento: Usuários . – 3 . Unidade de Saúde .
4 . Municipalização. – I. Título
CDD 6107365
BANCA EXAMINADORA
ProF. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima (orientadora)
Prof. Dr. Airton Tetelbom Stein
ProF. Dra. Marta Júlia Marques Lopes
ProF. Dra. Olga Rosária Eidt
AGRADECIMENTOS
À Drª Maria Alice Dias da Silva Lima, pela enorme dedicação e paciência
em todos os momentos de revisão e orientação.
À colega e amiga Nádia de Souza, pelo incentivo para que eu fizesse o
curso de mestrado.
Às professoras e colegas do curso de mestrado, pelos momentos de
aprendizagem e companheirismo.
À equipe da Gerência Distrital de Saúde III e da Unidade de Saúde
Camaquã, pela acolhida.
Ao meu esposo Alceu e a meus filhos Daniel, Michelle e Graziela, pelo
apoio e paciência.
À minha irmã Gioconda e a meu sobrinho Vítor Augusto, pela valiosa
assessoria técnica.
E muito especialmente aos usuários entrevistados, que tornaram possível
esta pesquisa.
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS
RESUMO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................8
2 OBJETO DE ESTUDO E REFERENCIAL TEÓRICO.....................................13
3 O CONTEXTO DA MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE.....................................28
4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA...................................................................39
4.1 Caracterização do estudo. ..........................................................................39
4.2 Seleção do espaço de pesquisa..................................................................39
4.3 Caracterização do cenário...........................................................................42
4.4 Coleta de dados...........................................................................................50
4.5 Análise dos dados........................................................................................54
5 ACESSO E ACOLHIMENTO NO COTIDIANO DA UNIDADE DE SAÚDE....58
5.1 Acesso.........................................................................................................60
5.1.1 Acesso geográfico....................................................................................61
5.1.2 Acesso econômico...................................................................................68
5.1.3 Acesso funcional......................................................................................75
5.2 Acolhimento............................................................................................... 95
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................113
ABSTRACT...................................................................................................120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................122
ANEXOS.......................................................................................................127
Anexo A - Roteiro de entrevista com o usuário............................................128
Anexo B - Termo de consentimento livre e esclarecido................................129
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Diário de Campo I .......................................................................42
QUADRO 2 - Composição da equipe de saúde da U.S.Camaquã / SMS -
2000..........................................................................................46
QUADRO 3 - Caracterização dos usuários entrevistados na U.S.Camaquã
2000..........................................................................................52
QUADRO 4 - Diário de Campo II ......................................................................54
QUADRO 5 - Caracterização do atendimento e perfil dos usuários entrevistados
na U.S. Camaquã, 2000...........................................................60
QUADRO 6 - Caracterização do acesso geográfico à U.S. Camaquã.............63
QUADRO 7 Acesso Econômico........................................................................69
QUADRO 8 – Acolhimento............................................................................... 96
RESUMO
O objeto deste estudo é a visão dos usuários quanto aos fatores que
influenciam a qualidade do atendimento prestado em uma unidade básica de
saúde de Porto Alegre, relativos ao acesso e ao acolhimento, considerando-os
como elementos que compõem o modelo assistencial, no contexto da
municipalização da saúde. Tem por objetivo caracterizar a forma como vem
ocorrendo o acesso dos usuários ao atendimento e o acolhimento a eles
dispensado. Trata-se de estudo descritivo, de abordagem qualitativa. A coleta
de dados foi realizada através das técnicas de entrevista semi-estruturada e
observação participante, no período de 13 de janeiro a 17 de abril de 2000. Os
dados foram analisados através da análise de conteúdo, do tipo temática
(Bardin, 1995). As categorias encontradas apontam para diversas facilidades e
dificuldades quanto ao acesso dos usuários, do ponto de vista geográfico,
econômico e funcional, bem como quanto ao acolhimento, no que diz respeito à
forma de abordagem do usuário pelos trabalhadores em saúde. Nos resultados
encontrados foi evidenciado o predomínio de aspectos relativos ao acesso,
principalmente quanto ao acesso funcional. Com relação ao acolhimento, o
modo de organização do serviço e a competência profissional determinaram
facilidades quanto à forma de abordagem e conseqüente satisfação dos
usuários. Algumas dificuldades identificadas devem-se à má recepção e ao
desempenho profissional insatisfatório. Concluiu-se que se faz necessária a
implementação de medidas gerenciais que auxiliem na resolução dos
problemas encontrados na unidade estudada e na rede assistencial. Entre
essas medidas destacam-se a necessidade de aumento do quadro de
profissionais, a implantação de modalidade complementar de atendimento
odontológico, a antecipação de horário de abertura do prédio para a marcação
de consultas, a facilitação de acesso às consultas e exames especializados, a
utilização efetiva do critério de moradia do usuário para priorização de
atendimento (territorialização) e a ampliação da capacitação de recursos
humanos no que diz respeito ao acolhimento.
8
1 INTRODUÇÃO
A temática desta investigação envolve a visão dos usuários quanto aos
fatores que vêm repercutindo sobre o cotidiano do atendimento prestado em
um serviço da rede básica de saúde de Porto Alegre, no que diz respeito ao
acesso e ao acolhimento, enquanto elementos que compõem o modelo
assistencial, tendo por contexto o novo cenário trazido pela municipalização da
saúde na cidade.
O objeto deste estudo está intimamente ligado à questão crucial,
sempre presente no país, sobre a condição e as possibilidades concretas que o
poder público tem para enfrentar o enorme desafio que significa a melhoria da
atenção à saúde da população. Além disso, o processo de municipalização
1
nesta cidade é relativamente recente e carecemos de análises que possibilitem
uma avaliação da qualidade dos serviços e do atendimento.
As reflexões sobre esse tema sempre estiveram presentes em minha
vida profissional, como enfermeira de saúde pública, ligada à assistência e à
gerência de serviços básicos de saúde da rede municipal de Porto Alegre, há
20 anos. Em virtude dessa trajetória e por ter participado na luta pela
9
municipalização da saúde, na cidade, tenho inúmeras inquietações quanto ao
desenrolar desse processo e suas repercussões sobre a assistência.
Trata-se de um estudo relevante para a Enfermagem já que, tanto
nesta cidade quanto em inúmeros outros municípios brasileiros, os enfermeiros
cada vez mais são chamados a ocupar cargos e funções de gerência em
unidades básicas de saúde, coordenações e assessorias, no âmbito municipal
ou estadual, além das funções de assistência direta ao cliente ou de formação
de recursos humanos que venham a compor os quadros do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Seja na assistência ou na função de gerência, é fundamental, tanto
para o enfermeiro quanto para qualquer profissional de saúde, conhecer como
os usuários dos serviços de saúde avaliam o atendimento a eles prestado, no
sentido de repensar a prática profissional, se necessário, ou de poder intervir
sobre a forma de organização dos serviços, com vistas a seu aperfeiçoamento.
Gradualmente fui firmando a convicção de que os municípios
constituem o nível de governo mais apropriado para exercer a gestão dos
serviços de saúde, por representarem a instância de governo mais próxima do
cidadão. Talvez essa concepção tenha se consolidado em minhas experiências
na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, ao longo de sua
história, no que diz respeito às características dos serviços prestados, bem
como particularmente pela atuação conjunta com representantes de usuários e
de prestadores de serviços nas áreas de saúde, educação e segurança, desde
o início da década de 80. Essa atuação deu-se em parceria com inúmeros
1
Em 1993, iniciou-se em Porto Alegre o processo de municipalização, através da modalidade de gestão
incipiente (Brasil, 1993), ampliada em agosto de 1996 para a modalidade semi-plena (Brasil, 1996) e para
10
outros técnicos de saúde e lideranças populares em diferentes fóruns, tais
como: Comissões Locais Interinstitucionais de Saúde, Comissão
Interinstitucional Municipal de Saúde, depois transformados respectivamente
em Conselhos Locais e Conselho Municipal de Saúde (CMS), Conferências
Municipais de Saúde, bem como representando a SMS em comissões técnicas
de planejamento sobre a municipalização, já no início da década de 90.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre manifestou,
desde 1989, ser indispensável a municipalização dos serviços de saúde para a
construção de um novo modelo de assistência. No bojo da Proposta de
Organização e de Funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) que
integra o Plano Municipal de Saúde de 1991, entre as características
delineadas para o modelo assistencial, consta a democratização do direito à
saúde, a ser alcançada pela melhoria das condições de vida e trabalho e pelo
acesso igualitário, equânime e universal a serviços de boa qualidade. Identifica-
se a proposta de um modelo clínico-epidemiológico, no qual o acolhimento está
expresso pela necessidade de atendimento da rede básica à demanda
imediata, bem como aos programas de saúde pública. Modelo esse não
apenas centrado na doença, na figura do médico, no hospital e nas altas
tecnologias, mas sim na promoção de saúde do indivíduo, família e grupos da
comunidade, inseridos num amplo contexto sócio-econômico-político-cultural,
com a contribuição dos diversos profissionais de saúde. Conforme Sirena
(2000), esse modelo está centrado na qualidade de vida das pessoas e do
meio ambiente e na relação com a comunidade.
a gestão plena em 1998 (Brasil, 1996).
11
Os princípios expressos no Plano Municipal de Saúde de 1991 foram
reafirmados em 1996 através do documento Diretrizes Estratégicas da SMS em
1996 (Porto Alegre, 1996), construído a partir do I Fórum de Integração da
SMS, no qual se discutiu a missão institucional. Foi expressa a necessidade de
buscar a eqüidade no acesso à saúde, através da priorização da intervenção
junto aos grupos de maior carência sócio-sanitária, além da qualificação dos
serviços de saúde, pela adoção de padrões mínimos de funcionamento, entre
outros fatores. Compartilho da posição de que deve haver priorização, pelo
poder público, dos grupos de maior risco sócio-sanitário, porém sem
desconsiderar o princípio legal da universalidade do atendimento ao cidadão. É
preciso levar em conta, conforme enfatiza Unglert (1990), que o acesso à
saúde extrapola a assistência à saúde em si e que a acessibilidade aos
serviços de saúde é fundamental para a concretização da eqüidade.
Pretendo, através deste estudo, contribuir para a reflexão e
conseqüente ação que possa resultar no aperfeiçoamento do trabalho em
saúde, a partir da qualificação da assistência prestada. Trata-se de uma
tentativa de colaborar na avaliação da forma como a SMS vem exercendo seu
papel de gestora municipal dos serviços básicos de saúde, no que diz respeito
às medidas que vêm sendo tomadas, considerando-se acesso e acolhimento
como elementos que podem favorecer a reorganização dos serviços.
Abordando essa questão, Acurcio e Guimarães (1996) apontam o interesse de
planejadores e dirigentes de saúde em avaliar o impacto da política de saúde
sobre o acesso à atenção e a possibilidade de modificá-lo.
12
Uma das formas de avaliar a qualidade dos serviços de saúde é
através da ótica dos usuários. Conforme Oliveira (1998), vem crescendo a
importância do reconhecimento técnico sobre a perspectiva do usuário em
estudos de avaliação de qualidade de serviços de saúde. O autor salienta que
o resgate do papel do usuário como protagonista do sistema de saúde tem
impacto direto na melhoria da relação entre ele e o serviço. Ressalto, ainda, a
contribuição de Oliveira (1996), ao afirmar que a valorização da fala dos
pacientes é fundamental para que possamos influir na democratização e
descentralização dos serviços de saúde. Comenta esse autor que a avaliação
dos serviços é pouco praticada em nosso meio, seja por falta de vontade
política dos dirigentes do sistema, seja por falta de pressão da população.
Nesse sentido, este estudo tem por objetivo: caracterizar como vem se
dando o acesso dos usuários ao atendimento e como esses consideram que
vem sendo prestado o serviço que lhes é oferecido, quanto à forma como são
acolhidos. Com vistas à investigação dessa temática optou-se por um recorte
da realidade, a partir da ótica de usuários de uma unidade de saúde de Porto
Alegre, municipalizada a partir de 1996.
13
2 OBJETO DE ESTUDO E REFERENCIAL TEÓRICO
No bojo das transformações pelas quais vêm passando o sistema de
saúde em nosso país, especialmente após a lei do SUS, produto da luta do
movimento sanitário, articulado com o movimento popular e sindical e apoiado
por partidos políticos, encontra-se a universalização do acesso aos serviços e a
descentralização da gestão para o nível local ( Castro e Jaeger, 1994).
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu-
se no país o Sistema Único de Saúde (SUS) que preconiza entre seus
princípios: a universalidade da atenção, integralidade das ações,
hierarquização dos serviços, eqüidade, controle social sobre o sistema de
prestação de serviços e descentralização do comando. A saúde passa a ser
encarada, no texto legal, como um “direito de todos e dever do Estado” (Brasil,
1990). Em decorrência do preceito legal, o fortalecimento do setor público e do
papel dos municípios é apontado como essencial para a melhoria da qualidade
da atenção à saúde.
Halal ( 1996, p.15) aponta “a municipalização da saúde como uma das
mais importantes experiências federativas em curso no país”. Esse autor alerta
14
para o fato de que se trata de um processo que exige tempo, decisão política,
bem como participação social.
Segundo Heimann (1992, p. 39) a municipalização é uma estratégia
que visa produzir o “maior impacto possível nos principais problemas de saúde
da população”, fortalecendo a descentralização e participação da esfera
municipal na gestão do SUS, bem como o controle social sobre os serviços de
saúde. Estará essa estratégia produzindo em nosso meio os efeitos desejados,
apontados por Heimann? Embora não seja objetivo deste estudo responder de
modo global a essa questão, ela permeia a investigação, uma vez que
considero o acesso e o acolhimento dois elementos essenciais do atendimento,
para que se possa influir efetivamente sobre o estado de saúde do indivíduo e
da coletividade. A responsabilidade pela organização do sistema local passou a
ser do município, ainda que se possa afirmar que tamanha responsabilidade
deve ser compartilhada com as outras esferas de governo.
Sendo assim, considero indispensável procurar aferir, de algum modo,
os reflexos que o processo de municipalização da saúde em Porto Alegre
estaria produzindo sobre a assistência prestada ao cidadão, no que diz respeito
à forma de organização dos serviços básicos de saúde, quanto ao acesso e ao
acolhimento.
Após 1992, houve o fortalecimento do Movimento Municipalista em
Saúde, apesar da pressão dos setores privativistas que influenciaram o
governo Collor. Naquele ano, ocorreu a IX Conferência Nacional de Saúde,
considerada importante marco para a consolidação das conquistas oriundas da
VIII Conferência e garantidas na Constituição de 1988.
15
Conforme Jovchelovitch (1993), no estado do Rio Grande do Sul a
municipalização iniciou-se em 1985 com as Ações Integradas de Saúde (AIS),
que possibilitaram alguns avanços, tais como, o fortalecimento da rede
ambulatorial básica, contratação de recursos humanos, articulação com
serviços públicos municipais, revisão do papel dos serviços privados. Em 1987,
ocorreram no estado as primeiras assinaturas dos termos de adesão dos
municípios ao Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). Nesse
mesmo ano, o Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
(INAMPS/RS) repassa a rede de assistência médica ao estado, iniciando-se
assim o processo de descentralização.
Em Porto Alegre, o processo de municipalização foi bastante retardado,
entre outras questões, devido a diferenças na concepção da política de saúde
entre os partidos governantes do município e do estado, culminando com a
gestão semi-plena em 1996, após anos de negociação.
Ao ingressar na gestão semi-plena o município de Porto Alegre
assumiu a responsabilidade total pelas ações e serviços do SUS, após cumprir
com requisitos legais, tais como: Fundo Municipal de Saúde, Conselho
Municipal de Saúde, plano municipal de saúde, relatórios de gestão,
contrapartida de recursos para a saúde, comissão de elaboração do plano de
carreira, cargos e salários (Brasil, 1993).
Em 1998, o município ingressou na gestão Plena do Sistema Municipal
(Brasil, 1996), uma vez que já elaborava a programação municipal, gerenciava
as unidades públicas da rede básica, operava uma Central de Marcação de
Consultas Ambulatoriais – depois ampliada para procedimentos – fazia o
16
controle, avaliação e pagamento aos prestadores de serviços, operava o
Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informações
Ambulatoriais (SIA/SUS), além das ações de vigilância sanitária e
epidemiológica, um dos passos iniciais de todo o processo.
A partir das vivências do cotidiano constatei que, antes da
municipalização, Porto Alegre, assim como outros municípios, apresentava um
sistema de saúde caracterizado por: desarticulação das instituições de saúde,
falta de uma programação conjunta, ausência de um sistema de referência e
contra-referência, baixa resolutividade no atendimento e cobertura inadequada
da população, além de múltiplos gastos e superposição de ações. Todos esses
fatores, juntamente com a escassez e inadequada capacitação de recursos
humanos, de modo geral traziam empecilhos ao acesso e ao acolhimento dos
usuários, na rede de serviços de saúde.
Os serviços de origem municipal, em Porto Alegre, segundo uma ótica
pessoal, pela própria história institucional, e por terem constituído uma rede
muito pequena antes do desencadeamento do processo de municipalização,
acumularam discussões e experiências favoráveis, no que diz respeito às
questões ligadas ao acesso, acolhimento, vínculo e resolutividade.
Ao longo do tempo transcorrido desde 1993, quando se iniciou a gestão
incipiente, o processo de municipalização em Porto Alegre vem gradualmente
se consolidando, a tal ponto que o Ministério da Saúde divulgou, em recente
pesquisa, ser essa a capital do país onde a população apontou o melhor
atendimento com um índice de 20,77% de problemas, contrastando com o
índice nacional de 42,11% e apontou 38,15% de elogios ao atendimento pelo
17
SUS na cidade, em contraposição ao percentual do país de 21,96% (SUS,
2000). Desse modo, temos um indicativo favorável que demonstra uma boa
aceitação pela população em relação ao SUS, especialmente pelo forte
controle social, exercido pelos cidadãos porto-alegrenses, através de seus
diferentes fóruns de participação.
No entanto, mesmo nesses serviços, há muitas questões a resolver no
sentido de aperfeiçoar as respostas a serem dadas ao usuário. O processo
está em andamento e assim como o desenho representativo do diagnóstico
dessa situação não é homogêneo na rede como um todo, também o ritmo e as
características das mudanças imprimidas não são uniformes .
O papel de gestor significa para a instituição municipal (SMS) a
construção de um modelo assistencial diverso do até então vigente.
Modelo assistencial, na visão de Merhy, Cecílio e Nogueira Filho
(1991), diz respeito à produção de serviços de saúde, a partir dos saberes da
área, assim como de projetos políticos de construção dos grupos sociais
envolvidos. Segundo Campos (1994a), é um conceito que transita entre o
técnico e o político, já que concretiza as diretrizes da política sanitária com um
certo saber técnico.
O modelo assistencial proposto por ocasião da municipalização da
saúde em Porto Alegre, a partir da gestão semi-plena, ocorrida em agosto de
1996, trouxe repercussões sobre a assistência prestada aos usuários da rede
básica do SUS ? Estarão os usuários satisfeitos com o acesso aos serviços ?
É possível perceber mudanças nas práticas cotidianas de atendimento? Como
se encontra o acesso aos serviços da rede básica? Como o usuário é acolhido
18
nos serviços básicos? Tem encontrado resposta aos seus problemas de
saúde? Que tipo de vínculo se estabelece entre o usuário e a equipe de
saúde?
O modelo assistencial previsto no Plano Municipal de Saúde de Porto
Alegre (Porto Alegre, 1991) estabelecia a necessidade de uma rede
assistencial capaz de proporcionar: atendimento ambulatorial básico,
atendimento às urgências e emergências em nível pré-hospitalar e hospitalar,
serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e ações coletivas de vigilância
epidemiológica e sanitária. A partir da leitura do documento compreende-se
que o planejamento das ações e programas estaria assentado sobre
informações epidemiológicas, estudos de demanda e de recursos disponíveis,
priorizados segundo as instâncias deliberativas de controle social (Conselhos
Locais de Saúde e Conselho Municipal de Saúde) .
No documento Elementos Organizadores de Rede de Serviços com
vistas a sua Qualificação (Reck e Hickel, 1996) a direção da SMS expressou
claramente a importância fundamental do acesso e do acolhimento para
reverter a perversidade do sistema em que o usuário é jogado à própria sorte .
No ano de 1996, na 2ª Conferência Municipal de Saúde, Porto Alegre
reafirma sua crítica ao modelo liberal-privativista, propondo um modelo de
atenção baseado no conceito ampliado de saúde e centrado nas necessidades
da população. Na rediscussão de suas diretrizes estratégicas, ocorrida em
1999, a SMS destacou a importância do redimensionamento da relação entre
oferta e demanda através do projeto Porto Saúde 2000, comprometendo-se a
19
ampliar o acesso da população à saúde pela garantia da oferta de serviços e
do bom acolhimento (Sirena, 2000).
A III Conferência Municipal de Saúde de Porto Alegre, ocorrida em
maio de 2000, buscou aprofundar o debate sobre o controle social, a partir da
discussão das diretrizes da II Conferência e da avaliação dos três anos e meio
de municipalização (Sirena, 2000).
A tentativa que vem sendo feita em Porto Alegre, a partir de 1989, bem
como em Campinas, pelo que nos relata Campos (1994b), é de luta contra a
hegemonia do modelo neo-liberal de prática médica, buscando recriar uma
consciência sanitária que permeie a maioria da sociedade. Segundo esse
autor, a melhoria das condições de vida para os grupos sociais que
habitualmente não têm acesso ao progresso tecnológico, passa pela mudança
nos padrões de funcionamento do sistema de saúde.
Campos (1994b) ressalta que a necessidade de alteração do modelo
de prestação de serviços de saúde, parte do reconhecimento da grave crise de
eficácia, pela qual passa o referido modelo no Brasil contemporâneo. Sem
dúvida, o modelo do pronto atendimento ainda é o vigente nos serviços
primários, baseado na queixa-conduta e não na atenção integral ao indivíduo,
muito menos nas ações em defesa da vida coletiva.
Pode-se exemplificar essa afirmação a partir de vivências cotidianas
nos serviços básicos, citando a precariedade do atendimento médico
ambulatorial prestado por inúmeros profissionais a 12, 16 ou até 24 clientes,
que muitas vezes se dá em um tempo médio de 1
a 2 horas.
20
Adverte ainda Campos (1994b) sobre o desafio colocado aos serviços
básicos de saúde quanto à necessidade de absorção da demanda espontânea,
sem a dependência ao modelo de pronto-atendimento, por si só limitado e
pouco resolutivo.
Para tanto, acredito que se faz necessário incorporar o atendimento
clínico individual, agregando recursos humanos capazes de fazer vigilância
sanitária e epidemiológica, partindo do referencial desenvolvido por Merhy,
Campos e Cecílio (1994), que descrevem os eixos centrais que constituem o
modelo tecno-assistencial em defesa da vida : acesso, acolhimento, vínculo e
resolutividade .
O acesso à saúde, segundo Unglert (1995), está ligado às condições
de vida, nutrição, habitação, poder aquisitivo e educação, englobando a
acessibilidade aos serviços que, por sua vez, extrapola a dimensão geográfica,
abrangendo também o aspecto econômico, relativo aos gastos diretos ou
indiretos do usuário com o serviço, o aspecto cultural envolvendo normas e
técnicas adequadas aos hábitos da população e o aspecto funcional pela oferta
de serviços adequados às necessidades da população.
Reis, Santos, Campos et al. (1990), fazendo uma revisão bibliográfica
sobre a avaliação da qualidade dos serviços de saúde, bem como Stein (1998),
citam Donabedian como um dos principais autores que tem se dedicado a esse
tema, destacando três categorias essenciais nesse tipo de estudo: estrutura,
processo e resultado. A estrutura compreenderia a disponibilidade adequada
de serviços, incluindo equipamentos e pessoal capacitado. O processo refere-
se às atividades desenvolvidas no atendimento propriamente dito. O resultado
21
diz respeito ao desfecho, isto é, à repercussão do cuidado oferecido à saúde
do indivíduo que pode se evidenciar no momento ou no futuro.
Conforme Reis, Santos, Campos et al. (1990), os estudos mais
modernos a respeito envolvem uma ou mais categorias donabedianas e, por
isso, propõem que sejam agrupados em estudos Corporativos
Racionalizadores e Antropossociais. Nesse último grupo encontram-se os
estudos de acessibilidade e de satisfação dos pacientes. A acessibilidade
envolve dois aspectos que podem facilitar ou dificultar a obtenção dos cuidados
de saúde pelo cliente: o sócio-organizacional e o geográfico. Tomando por
base essas categorias, o presente estudo preocupa-se tanto com a estrutura
do serviço e com as atividades que compõem o processo de trabalho, quanto
com a acessibilidade.
Uma das vertentes encontradas na literatura, que apresenta a
acessibilidade como indicador da qualidade do serviço de saúde, se baseia na
avaliação do acesso a partir do estudo da distribuição e organização dos
serviços (Reis, Santos, Campos, et al. 1990, p. 57-58). Esses autores, a partir
de vários estudos de satisfação dos pacientes, concluem que os fatores mais
importantes que interferem na percepção desses sobre a qualidade de seus
cuidados de saúde são: “interesse pessoal do médico pelo paciente,
acessibilidade, bons médicos, acompanhamento por pessoal bem treinado,
informações dos médicos, pessoal solícito e privacidade”. A acessibilidade
seria a capacidade de obtenção, pelo paciente, de cuidados de saúde, quando
necessário, de modo fácil e conveniente ( Acurcio e Guimarães, 1996).
22
Outros autores, tratando da questão do acesso, como Santos e Bravo,
citados por Adami (1993), classificam respectivamente como parâmetro ideal
de deslocamento ao serviço de saúde a caminhada a pé de no máximo vinte a
trinta minutos. No caso do tratamento ambulatorial da hanseníase, Adami
(1993) comenta que a Organização Panamericana de Saúde (OPS) define que
a distância entre a residência do paciente e o serviço não deve ultrapassar
cinco quilômetros. Precisam, ainda, ser levados em conta, aspectos como
custo do transporte coletivo, tempo de espera por esse e tempo de
deslocamento. Do ponto de vista funcional, salienta aquela autora aspectos
levantados pela OPS quanto à necessidade dos serviços serem oportunos,
contínuos, atenderem a demanda real e serem capazes de assegurar o acesso
a outros níveis hierárquicos do sistema.
Diversos fatores são considerados obstáculos à real utilização dos
serviços, tais como: custo, localização, forma de organização, demora para
obtenção do atendimento (Frenk, citado por Adami, 1993). Ressalta ainda
Adami (1993) que é a utilização dos serviços e não apenas sua existência que
comprova o acesso real a eles.
Merhy (1994) diz que o acolhimento compreende a humanização das
relações entre trabalhadores e serviço de saúde com seus usuários. O
encontro entre trabalhador de saúde e usuário se dá num espaço intercessor
(Merhy, 1997) no qual se produz uma relação de escuta e responsabilização, a
partir do que se constituem vínculos e compromissos que norteiam os projetos
de intervenção. Esse espaço intercessor permite que o trabalhador em saúde
use de sua principal tecnologia, o saber, tratando o usuário como sujeito
23
portador e criador de direitos. A abordagem ao usuário deixaria então de
caracterizar-se por uma frieza aparentemente científica e a relação não estaria
centrada na valorização dos atos e procedimentos em si. O objetivo da
intervenção seria o controle do sofrimento ou a produção de saúde.
Segundo Franco, Bueno e Merhy (1999), o acolhimento evidencia as
dinâmicas e os critérios de acessibilidades a que os usuários estão
submetidos. Esses autores propõem a utilização do acolhimento como um
dispositivo interrogador das práticas cotidianas nos serviços de saúde, que
permite captar ruídos nas relações que se estabelecem entre usuários e
trabalhadores com o fim de alterá-las, para que se estabeleça um processo de
trabalho centrado no interesse do usuário. O acolhimento, segundo os autores
citados, constitui-se em tecnologia para a reorganização dos serviços, com
vistas à garantia de acesso universal, resolutividade e humanização do
atendimento.
Entre outros autores, Matumoto (1998) destaca que o trabalho em
saúde realiza-se a partir do encontro entre usuário e trabalhadores da equipe
de saúde, a partir da captação de uma necessidade do usuário pelo
trabalhador e sua incorporação como objeto de trabalho. Desse modo se
concretiza a dinâmica do atendimento como parte do processo de trabalho em
saúde, no qual se insere o acolhimento, também entendido como processo.
Campos (1994b) e Matumoto (1998) enfatizam a importância de que os
serviços de saúde se responsabilizem pelos problemas de uma região, questão
essa ligada à noção de vínculo.
24
O vínculo seria o estabelecimento de um laço de “responsabilidade e
compromisso” entre trabalhador de saúde e usuário. Segundo Merhy (1994, p.
138) é “sentir-se responsável pela vida e pela morte do paciente”. Esse vínculo
pressupõe a busca de autonomia do paciente em relação ao serviço de saúde.
Com base nesses autores e a partir da vivência na rede básica de
saúde, identificam-se situações em que esses elementos estão presentes.
Entendo por acesso a consideração entre a distância da Unidade de Saúde e o
local de moradia do indivíduo, tempo e meios utilizados para o deslocamento à
Unidade de Saúde, dificuldades a enfrentar para a obtenção do atendimento
(filas, local e tempo de espera), tratamento recebido pelo usuário, priorização
de situações de risco, urgências e emergências, respostas obtidas para
demandas individuais e coletivas, possibilidade de agendamento prévio.
Por acolhimento entendo a postura que o trabalhador em saúde deve
procurar desenvolver, de colocar-se no lugar do usuário para sentir quais são
suas necessidades e, na medida do possível, atendê-las ou direcioná-las para
o ponto do sistema que seja capaz de responder àquelas demandas. É uma
responsabilidade de todo o trabalhador em saúde, que inclui o vigilante, o
recepcionista, os funcionários de nível médio e os profissionais de nível
superior.
Por resolutividade entendo o uso de todas as tecnologias disponíveis
na tentativa de diminuir o sofrimento e eventualmente eliminá-lo, quando for
possível intervir sobre as causas geradoras dos problemas, buscando sempre
ampliar a autonomia do usuário em relação a esses problemas. Autonomia
essa que será mais ampla, na medida em que o serviço de saúde possa intervir
25
mais precocemente, isto é, realizando ações de promoção e prevenção em
saúde.
Através da experiência profissional, na prática diária, tenho observado
inúmeros problemas nos serviços básicos de saúde com relação a esses
aspectos: acesso, acolhimento, vínculo e resolutividade. É impossível deixar de
considerar as peculiaridades quanto ao caminho percorrido pelos diversos
serviços, que se refletem nitidamente nos resultados alcançados até aqui. As
diferenças substanciais em sua história institucional, conforme seus vínculos de
origem, suas políticas internas, o tempo e o acúmulo de discussão sobre as
práticas exercidas, faz com que não se desenhe um quadro homogêneo. Os
diferentes portes dos serviços, definidos pela área física, composição da
equipe, área de responsabilidade, determinam as ações que podem ser
desencadeadas, desde que existam diretrizes político- administrativas claras,
por parte do órgão gestor máximo da saúde na cidade – SMS.
Para exemplificar um pouco as afirmações que faço, podemos dizer
que: há serviços com áreas físicas tão pequenas que não dispõem de uma
sala de espera, outros em que, mesmo contando com um bom local para
espera, não se encontraram fórmulas para extinguir as filas. Outros ainda em
que, pela grande demanda reprimida, existe comercialização de lugar na fila de
espera. Às vezes as condições materiais são boas e busca-se praticar um bom
atendimento, mas inexiste qualificação adequada dos funcionários da recepção
ou, pelo contrário, monta-se um bom serviço de recepção, triagem e pré-
consulta que culmina com um mau atendimento no momento da consulta na
qual se estabelecem relações frias, desumanizadas, de desinteresse.
26
Pode haver também um bom acesso, adequado acolhimento,
estabelecimento de vínculo entre usuário e equipe, mas prejuízo na
resolutividade por falta de integração entre os diferentes níveis hierárquicos do
sistema.
Esse é, em resumo, o desafio de qualificação que a rede básica tem de
enfrentar, através de medidas político-gerenciais efetivas que passam,
necessariamente, por um trabalho de parceria com a comunidade, através de
suas instâncias representativas.
Portanto, o problema em foco diz respeito ao grande número de
trabalhadores públicos em saúde diretamente envolvidos na questão, bem
como a usuários do serviço de saúde, objeto último do trabalho desses
servidores. Diz respeito a toda a população da cidade de Porto Alegre,
independentemente de classe social, idade, escolaridade ou condição
econômica, uma vez que todo cidadão está sujeito, em determinado momento,
a necessitar do sistema público de saúde, que deverá estar preparado para
atendê-lo.
Matumoto (1998, p.17), ao discutir o atendimento, apresenta o acesso
aos serviços como “uma primeira etapa a ser vencida pelo usuário quando
parte em busca da satisfação de uma necessidade de saúde”. A seguir, no
encontro que se estabelece com os trabalhadores em saúde, o usuário se
envolve numa disputa de interesses, buscando atingir autonomia em relação a
sua saúde, com base na criação de vínculos. A partir das relações que se
estabelecem no atendimento, surge o acolhimento relacionado à utilização dos
recursos disponíveis para a solução dos problemas dos usuários.
27
É necessário ter consciência de que este é um longo e árduo caminho
a percorrer, que envolve a valorização e profissionalização do servidor público,
a transformação dos processos de trabalho até a mudança do modelo de
atenção à saúde em defesa da vida (Campos, 1994b). É um processo
dinâmico, que está em andamento, do qual sinto-me privilegiada por tomar
parte ativa. Para melhor colaborar com seu êxito, se faz necessário procurar
lançar luz sob seus pontos vulneráveis. É com esse propósito geral que desejo
dar minha contribuição através da realização deste estudo.
Nesta investigação parto da premissa de que vêm ocorrendo
transformações no sistema municipal de saúde da cidade de Porto Alegre, a
partir do momento em que a rede básica passou a ser gerenciada
integralmente pela Prefeitura Municipal. Essas transformações vêm influindo de
algum modo sobre o acesso e o acolhimento aos usuários dos serviços
básicos. Em vista disso, busquei caracterizar a forma como vem se dando o
acesso e o acolhimento aos usuários em uma unidade municipalizada da rede
básica de saúde de Porto Alegre-SMS, a partir de sua ótica.
28
3 O CONTEXTO DA MUNICIPALIZAÇÃO DA SAÚDE
Devido à participação em diversos grupos de trabalho, onde discutia-se
o processo de municipalização, acompanhei várias dificuldades já previstas
pelos gestores, pelos técnicos de saúde da SMS e pela população organizada
em torno das questões de saúde, antes mesmo da assinatura do termo de
municipalização em Porto Alegre. Entre elas, processos históricos peculiares e
bastante diferenciados entre as instituições públicas prestadoras de serviço na
cidade, conforme sua esfera de governo; herança pelo município de uma rede
de serviços completamente sucateada, composta por áreas físicas insuficientes
e abandonadas, do ponto de vista de manutenção; carência de materiais e
equipamentos (em quantidade e qualidade); falta de abastecimento regular de
insumos; fluxos internos altamente burocratizados; carência numérica de
recursos humanos; falta de qualificação e atualização de pessoal envolvido em
atividades-meio e em atividades-fim, desmotivação geral dos funcionários para
o trabalho, além das discrepâncias salariais. Tais previsões se confirmaram
totalmente (Ferla, et al. 1992) , até mesmo porque antes de assumir a gerência
da rede básica de saúde da cidade, o corpo técnico da SMS já vinha realizando
diagnósticos da situação, a partir do cadastramento da rede pública e privada-
29
conveniada, atividade esta na qual tive a oportunidade de participar
diretamente.
O levantamento da rede ambulatorial instalada no serviço público da
cidade demonstrou a existência de alguns enormes prédios construídos na
década de 70 (Postos de Assistência Médica – PAMs), oriundos do ex-
INAMPS, grandemente destruídos pela ação do tempo, pela falta de
manutenção, com capacidade ociosa devido à falta de recursos humanos,
materiais e de equipamentos e com um atendimento basicamente voltado para
a doença. Esses serviços, a partir da lei do SUS, incorporaram a seu
atendimento um enorme segmento da população que até então não tinha
acesso a eles, o dos cidadãos considerados indigentes (não previdenciários).
Era semelhante a situação dos grandes Centros de Saúde da cidade,
oriundos da Secretaria Estadual de Saúde, totalmente inviabilizados em sua
possibilidade de responder às demandas de saúde da população pelas
mesmas razões anteriormente expostas, além do baixo investimento na
qualificação de pessoal, apesar de uma proposta de ação preventiva.
Acrescido a isso havia um grande número de pequenos postos (Postos
Avançados da Secretaria Estadual) com áreas físicas minúsculas, sem
autonomia administrativa e de resolutividade quase nula, se considerarmos a
irregularidade do atendimento prestado, em virtude da escassez de recursos
humanos de nível superior, falta de capacitação de pessoal de nível médio,
irregularidade de abastecimento de insumos e inexistência de equipamentos
para o funcionamento adequado dos serviços.
30
Especialmente a partir da década de 80, a rede básica de saúde da
cidade enfrentou um gradual e lento processo de sucateamento. Na década de
90 vamos encontrá-la “agonizante”.
Paralelamente a isso havia uma rede, numericamente muito pequena
em relação à rede estadual, constituída por serviços municipais que, assim
como aquela, sempre atendeu a população mais carente a partir de diretrizes
político-assistenciais sintonizadas com as recomendações da Organização
Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde (MS). Historicamente essa
rede contava com um bom aporte de recursos materiais e financeiros para as
demandas de sua população-alvo (regiões periféricas da cidade).
A política do município não se caracterizava pela expansão da rede em
quantidade, mas sim por seu aperfeiçoamento material, através da ampliação
ou construção de áreas físicas adequadas e através da diversificação e
qualificação da equipe de saúde. Os programas implantados, que visavam à
promoção de saúde e prevenção da doença, habitualmente tinham
continuidade, sofrendo aperfeiçoamentos, especialmente pela luta de seus
técnicos em atividade conjunta com as lideranças comunitárias.
Muitos programas propostos pelo Ministério da Saúde, entre os quais
Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), Programa de
Atenção Integral à Saúde da Criança (PAISC), Programa de Atenção Integral à
Saúde do Adolescente (PAISA) e outros, assim como os propostos pela
Secretaria Estadual do Rio Grande do Sul, como o Programa do Egresso
Hospitalar, eram implantados na rede básica municipal e se consolidavam,
persistindo até hoje ou evoluindo para outros programas.
31
Quanto à participação da população na gestão dos serviços, apesar da
afirmação de Castro e Jaeger (1994) no sentido de que inexistia até 1988,
como política institucional, não podemos deixar de considerar a tentativa feita
no início da década de 80, através do Projeto Restinga (Silva,1981), embora se
tratasse de experiência quase isolada e que não teve continuidade, por força
de influência da política geral e da política de saúde sobre o município.
Enquanto na maior parte das unidades de saúde havia falta de
medicamentos, materiais de curativo, inexistência de pessoal de enfermagem
qualificado para a aplicação de imunizações e injetáveis, a rede municipal
contava com esses recursos e mantinha em funcionamento diversos
programas de promoção à saúde e prevenção, que foram sendo introduzidos
em diferentes momentos. Entre esses destaca-se o PRÁ-NENÊ, PRÁ-
CRESCER e atividades tais como: aplicação de Teste do Pezinho; distribuição
de preservativos e de anticoncepcionais orais; colocação de Dispositivo Intra-
Uterino (DIU); grupos educativos com gestantes, nutrizes, adolescentes,
mulheres em idade fértil, hipertensos, diabéticos e outros. No entanto,
corroborando a afirmação de Castro e Jaeger (1994) verificávamos, na época,
que o impacto produzido sobre a saúde da população da cidade como um todo
não era significativo, exceto para as comunidades diretamente envolvidas, pela
restrição das áreas de atuação dos serviços, ainda que essas não fossem
fechadas, mas devido ao fato de que a rede municipal era numericamente
pequena, constituída por 11 unidades de saúde em 1989.
Esses elementos aqui descritos sobre a diversidade de características
das práticas desenvolvidas nos serviços ambulatoriais de saúde, em especial
32
os da rede básica, conforme suas instituições de origem, permitem ao menos
dar uma idéia inicial sobre o atendimento prestado.
Os problemas da rede a ser municipalizada, acrescidos das limitações
orçamentárias, provocadas pela defasagem no repasse de verbas do governo
federal ao município, pelo baixo investimento crônico em saúde, por parte do
governo federal e estadual, além das diferenças político-ideológicas entre os
partidos governantes do município, estado e federação, compuseram um
quadro extremamente difícil, embora absolutamente previsível. Esse quadro
ainda apresenta seus reflexos, até o momento atual, já que ao longo de muitos
anos tem havido uma falta de investimento em saúde, resultando no desmonte
da rede de serviços.
Porto Alegre já vinha empregando nos últimos dez anos mais de 10%
de seu orçamento em saúde (Castro e Jaeger, 1994), medida que
posteriormente, foi recomendada pela X Conferência Nacional de Saúde em
1996 (Brasil, 1997), para que União, estados e municípios investissem no
mínimo 10% no setor. Esse fato demonstra uma priorização política da
questão. Um dos temores da direção da SMS na época, de seus técnicos,
entre os quais me incluo, e da população organizada através dos conselhos de
saúde, conforme expressam Castro e Jaeger (1994), era a falta de garantia
quanto ao repasse de recursos dos governos federal e estadual ao município, o
que de fato veio a ocorrer por diversas ocasiões.
Levando-se em conta a demanda crescente por serviços de saúde, a
partir da universalização do atendimento, do aumento da miséria, produto da
recessão econômica, com conseqüente piora das condições de vida e saúde
33
da população, temos um panorama do desafio que significa gerenciar a saúde
numa cidade de 1.288.879 habitantes
2
como Porto Alegre, especialmente se
considerarmos que a rede própria municipal era de 23 serviços em 1996, tendo
sido ampliada para 84 serviços em 1999, a partir da incorporação dos
municipalizados e da implantação dos postos do Programa de Saúde da
Família (PSF).
Assim como outras cidades brasileiras, Porto Alegre viveu e convive
ainda com o enorme desafio de deslocar o foco de atendimento centrado nas
emergências dos grandes hospitais públicos ou conveniados ao SUS e dos
serviços de pronto atendimento para a rede básica, já que sabidamente a
grande maioria dos casos que chegam àqueles serviços poderiam ser
resolvidos no primeiro nível de atenção. No entanto, para que isso ocorra, é
necessário equipar adequadamente os serviços básicos, dotá-los de acesso
fácil a exames complementares, criar um fluxo organizado que permita a
referência e contra-referência aos demais níveis hierárquicos do sistema,
qualificar melhor os recursos humanos.
A criação da Central de Marcação de Consultas Especializadas,
medida tomada em 1996, vem redirecionando esse fluxo, procurando privilegiar
o ingresso do usuário no sistema a partir da rede básica. O trabalho
desenvolvido pela Central de Marcação vem dando visibilidade, antes
inexistente, às carências e recursos, no que diz respeito ao acesso real da
população SUS-dependente às especialidades médicas e aos exames de alto
custo. Os serviços com baixa oferta ao SUS acabam não se tornando
2
Dados obtidos a partir da contagem populacional realizada pelo IBGE, em 1996 e registrados no
Caderno de Textos, por ocasião da III Conferência Municipal de Saúde de Porto Alegre (Porto Alegre,
34
disponíveis na prática, ou sendo acessíveis apenas a uma pequena parcela da
população que ingressa no sistema através dos serviços de pronto
atendimento, situação essa que pode ser extrapolada para o país como um
todo, conforme descreveu Cecílio (1997).
Segundo Mendes (1995, p. 46) nos anos 80 surge o processo
denominado de “universalização excludente”, a partir do qual, apesar de
inscrita no texto constitucional a universalização do direito à saúde (princípio da
Reforma Sanitária), tal responsabilidade havia se tornado absolutamente
inviável para um Estado mergulhado em profunda crise econômico-social. As
camadas sociais médias e o operariado mais qualificado são forçados a buscar
a atenção médica supletiva, enquanto o sub-setor público preocupa-se com os
segmentos sociais mais carentes, exercendo uma “atenção primária seletiva”
(Mendes, 1995, p. 52). Afirma que “o arcabouço jurídico limita-se ao sistema
público de saúde” referindo-se à Constituição de 1988 e à lei 8080, que “não
conseguem incluir dispositivos reguladores do setor privado” (Mendes, 1995, p.
48).
O que temos observado, na prática, atualmente é que representantes
da chamada classe média cada vez mais buscam os serviços do SUS,
especialmente quando não situados em áreas periféricas da cidade, seja por
suas dificuldades de acesso financeiro a outros convênios, seja pela melhor
qualificação dos serviços oferecidos pelo SUS.
Revendo experiências sobre o processo de municipalização, cabe
ressaltar o relato de Campos (1994b), sobre o ocorrido em Campinas - São
2000a).
35
Paulo, que caracterizou-se pela tentativa de reforma dos padrões de
funcionamento do sistema de saúde, baseada numa visão político-ideológica
radicalmente diversa do padrão neo-liberal hegemônico. Constituiu-se em um
período de grande politização dos trabalhadores em saúde da rede pública e
de setores populares organizados, os quais passaram a sentir-se participantes
ativos da história. Entre as estratégias utilizadas naquela cidade, uma foi a
instalação de centros de saúde que deveriam ser a principal porta de entrada
do sistema local de saúde, ao invés dos serviços de pronto-atendimento e que
deveriam estar articulados com os outros níveis de atenção. Esse ainda é um
desafio não completamente vencido. É interessante analisar a compreensão
daquele grupo técnico-político quanto ao fato de que o Centro de Saúde deve
ter a máxima resolutividade dos problemas de saúde, incluindo até mesmo
procedimentos que seriam considerados de maior complexidade .
De acordo com Campos (1994b), além de procurar acabar com a
ruptura entre a epidemiologia e a clínica, também havia por diretriz a intenção
de promover reformas estruturais do ponto de vista administrativo. Para tanto,
foi conferida a maior autonomia possível a cada unidade de saúde, no que diz
respeito à organização de seu processo de trabalho; implantou-se o
planejamento local (estratégico e normativo) baseado nas diretrizes gerais de
governo e contando com a participação popular; reforçou-se a atuação dos
coordenadores de serviços; criaram-se Diretorias Regionais de Saúde com
equipes multidisciplinares, buscando desestruturar o corporativismo dos grupos
profissionais; criaram-se mecanismos que promovessem relações horizontais
entre os serviços; instituiram-se Planilhas de Avaliação de Desempenho de
36
cada serviço, segundo o alcance de metas; criaram-se instâncias colegiadas de
direção do sistema de saúde.
Conforme Corbishley (1998), o processo de municipalização na cidade
de Juiz de Fora – MG iniciou-se na década de 1990, a partir do qual várias
ações foram desencadeadas, como: a territorialização dos serviços;
treinamento de pessoal; padronização de medicamentos; reorganização do
serviço de epidemiologia; definição de políticas de atenção à Saúde Mental,
Saúde da Criança, do Adolescente, da Mulher, do Trabalhador e Saúde Bucal,
controle das ações de vigilância sanitária, hierarquização e regionalização da
rede.
A autora relata que foi criada em 1995 uma Central de Marcação de
Consultas que agilizou a marcação de 42.000 consultas/mês para
especialistas, bem como um Sistema de Atendimento Pré-Hospitalar de
Urgências e Emergências, através de 8 ambulâncias. Todas essas ações
político-administrativas certamente tiveram impacto sobre o atendimento.
Entre os problemas levantados por Corbishley (1998) estão: as
dificuldades de comunicação entre o nível central da SMS e o nível local, bem
como com a população; inexistência de instrumento padronizado para a
referência e contra-referência (dificuldades neste fluxo); serviços de apoio
diagnóstico pertencentes ao serviço público são de pequena complexidade;
inexistência de uma equipe de supervisão para avaliação local dos serviços;
número insuficiente de trabalhadores de enfermagem na SMS; falta de
isonomia salarial entre os profissionais de nível superior; inexistência de
autonomia financeira das unidades básicas de saúde; heterogeneidade entre
37
as Unidades Básicas de Saúde (UBS) levando a autora a categorizá-las em
três tipos, conforme o modelo assistencial predominante: Tradicional, De
Transição e Inovador .
No Rio Grande do Sul, podemos citar a experiência de Pelotas, cujo
processo de municipalização iniciou-se com a gestão “incipiente” em 1994
(Halal, 1996) com uma reorganização da estrutura administrativa da Secretaria
Municipal e com o fortalecimento do Conselho Municipal de Saúde. Entre 1993
e 1995 o município passou a gerenciar uma rede básica que cresceu de 33
para 55 postos de saúde. Além da construção de quatro novos postos ocorreu
o investimento na recuperação dos prédios municipalizados e o processo de
sensibilização dos recursos humanos. Iniciou-se a informatização do sistema
de regulação dos serviços, a implantação de diversos programas para a
qualificação da assistência e estabeleceu-se uma parceria técnica com as
universidades locais.
O acúmulo de discussão sobre o tema da municipalização , no âmbito
dos Conselhos Locais de Saúde (CLS) e Conselho Municipal de Saúde (CMS)
de Porto Alegre, órgão existente desde 1985 e fortemente atuante, tem se
constituído em fator decisivo tanto no desencadeamento quanto no andamento
do processo de municipalização da saúde em Porto Alegre. Processo esse
longamente gestado, durante a primeira metade da década de 90, período em
que muitas disputas políticas foram travadas entre os diferentes atores sociais
envolvidos. Nesse processo sócio-histórico é possível identificar características
semelhantes entre os processos experimentados pelos diversos municípios
brasileiros, apesar da existência de peculiaridades. Percebe-se também
38
influências mútuas entre os municípios administrados por uma mesma
orientação político-partidária.
A descrição dessas experiências sobre o processo de municipalização
em algumas cidades do estado e do país teve a intenção de contextualizar o
cenário no qual o atendimento vem sendo desenvolvido nos serviços de saúde.
Essa caracterização tornou-se necessária para possibilitar uma maior
compreensão acerca do acesso e do acolhimento, como elementos que se
constituem nesse contexto.
39
4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
4.1Caracterização do estudo
O presente estudo tem abordagem qualitativa, por buscar no ambiente
natural sua fonte direta de dados, os quais são predominantemente descritivos.
Segundo Lüdke e André (1986), o pesquisador nesse enfoque busca descobrir
como um dado problema se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas
interações do dia-a-dia. Trata-se de um estudo descritivo, uma vez que visa à
descrição e exploração de aspectos de uma situação (Polit e Hungler, 1995).
4.2 Seleção do espaço de pesquisa
O estudo foi realizado na Unidade de Saúde Camaquã (U.S.Camaquã),
uma unidade de grande porte
3
, que compõe a rede de serviços da Secretaria
Municipal de Saúde de Porto Alegre.
A exploração do espaço de pesquisa deu-se, inicialmente, a partir de
um contato com a Gerência Distrital III, à qual está subordinada a U. S.
Camaquã, em 25 de junho de 1999.
A idéia da pesquisa foi, desde o início, muito bem aceita, porque vinha
ao encontro de uma necessidade da gerência distrital, porém a expectativa da
equipe da gerência era de que a pesquisa pudesse ser desenvolvida em todas
3
Com uma área de atuação de, no mínimo 10.000 habitantes, segundo critérios da Assessoria de
Planejamento da SMS (ASSEPLA)
40
as suas unidades de saúde. Como expliquei que isso seria impossível, pelos
objetivos a que se propunha, pelas limitações de uma dissertação de mestrado
e por minhas próprias limitações como pesquisadora iniciante, disse-lhes de
minha intenção de pesquisar um único serviço. Mas para encontrar uma
proposta alternativa, que contemplasse o interesse da gerência e o meu e, por
acreditar, realmente, que isso fosse possível, passei a realizar visitas de
aproximação a três serviços da Gerência Distrital III, um de pequeno, um de
médio e um de grande porte, acatando sugestão do gerente distrital. Antes
disso, porém, no dia 07 de julho de 1999, participei de uma reunião ordinária
dos dezenove serviços que integram a área de responsabilidade da Gerência
Distrital III com a finalidade de expor a proposta do projeto de pesquisa. Nessa
ocasião, ficaram agendadas as visitas aos referidos serviços, que aconteceram
em julho e agosto de 1999.
Após os contatos com os três serviços inicialmente escolhidos e a partir
das discussões feitas com minha orientadora, compreendi que o estudo
precisaria concentrar-se em um único serviço para que pudesse atingir o grau
de profundidade desejado e, então, minha opção recaiu sobre a U. S.
Camaquã. Voltei a discutir isso com a equipe da Gerência Distrital, que
compreendeu minha opção. A escolha recaiu sobre esse serviço por ser
municipalizado, de grande porte, por ter sido um dos que, segundo a gerência
distrital, tinha sofrido várias transformações na sistemática de atendimento e
mesmo assim, possivelmente, ainda tivesse muitas melhorias a sofrer em
virtude da municipalização, que talvez a pesquisa pudesse vir a apontar. De
certa forma é um serviço típico de origem federal (Posto de Assistência
41
Médica), que passou à gerência do município, trazendo consigo historicamente
características de um modelo assistencial bastante diverso daquele que
apregoa o SUS. Houve a preocupação ética de escolher um serviço que não
integrasse a gerência distrital à qual se vincula a unidade de saúde onde atuo,
para maior liberdade na investigação e que, ao mesmo tempo, se situasse em
região da cidade próxima ao meu local de trabalho, por razões práticas.
A visita inicial de aproximação ao local onde se desenvolveria o estudo
foi muito proveitosa ( 09 de julho de 1999), tendo se estabelecido contato com
a gerente da unidade. Naquele dia percorri com ela a área física, a qual só
conhecia parcialmente, obtive muitas informações sobre a composição da
equipe, o funcionamento do serviço e, especialmente, acerca das mudanças
imprimidas após a municipalização.
A etapa de seleção do espaço de pesquisa, portanto, foi desenvolvida
entre 25 de junho de 1999 e 25 de agosto de 1999, em cinco períodos de
observação, que totalizaram nove horas e meia e incluíram as visitas de
aproximação à gerência distrital, ao colegiado de gerentes dos serviços, às
unidades que inicialmente foram cogitadas para inclusão no estudo e a visita
inicial ao serviço onde posteriormente se desenvolveria a investigação (quadro
1).
Quadro 1 - DIÁRIO DE CAMPO I
Data Período Local Foco da observação Total de
horas
25/06/99 15 – 17h30min Gerência Distrital III Gerência Distrital 2h30min
07/07/99 10 – 11h30min Gerência Distrital III Colegiado de gerentes 1h30 min
42
09/07/99 15 – 17h15min U.S. Camaquã U.S. Camaquã 2h15 min
14/07/99 14h45-16h30min U.S. Belém Novo U.S. Belém Novo 2h15 min
25/08/99 10h15-11h05min U.S. J das Palmeiras U.S. J das Palmeiras 50 min
4.3 Caracterização do cenário
Para caracterizar o cenário, serão apresentados, primeiramente, alguns
dados sócio-econômicos da cidade de Porto Alegre. A população total é de
1.288.879 habitantes, segundo a contagem populacional de 1996 do IBGE,
entre os quais 27,4% constitui-se de crianças e adolescentes, 62,3% estão em
idade produtiva e 7,7% são idosos. Para cada indivíduo com idade até 15 anos
ou mais de 65 anos, há dois na idade produtiva.
O Produto Interno Bruto (PIB) representa 14,6% do PIB estadual e gira
em torno de R$ 9.921.079.361. O PIB per capita é de R$ 7.721,00
ultrapassando o do estado que é de R$ 7.001,00. A concentração da
população se dá em área urbana num percentual de 98,7%. A densidade
populacional é de 2.733.70 habitantes/ km², sendo que em 1996, 22% da
população habitava áreas irregulares. O nível médio de escolaridade é de 8
anos, 82% da população possui rede de esgoto e 99% é abastecida com água
potável (Porto Alegre, 2000a).
Destacam-se nos dados acima os indicadores positivos relativos à
escolaridade, cobertura da população por rede de água e esgoto e, em
contrapartida, um alto percentual de população em áreas de habitação
irregular, o que demonstra o êxodo rural e o empobrecimento geral da
43
população, embora os continuados esforços da política municipal para combate
a esse problema.
Complementando os dados apresentados anteriormente, destacam-se
a coleta de lixo regular, que cobre 100% da população, o baixo índice de
analfabetismo, que era de 3,2% em 1998 e o elevado índice de áreas verdes
na cidade, que perfaz 24.740.4467m² entre parques, praças e outras áreas, o
que lhe confere o título de capital mais arborizada do país proporcionalmente
ao número de habitantes (Porto Alegre, 2000a).
Porto Alegre é uma cidade cuja força de trabalho está concentrada no
setor terciário (comércio e serviços) num percentual de 88, 5%. A expectativa
média de vida é de 71,4 anos, enquanto no Brasil é de 67,58 anos. A
mortalidade infantil é de 16,25% e a mortalidade geral é de 7,8%. As maiores
causas de morte entre crianças, menores de 1 ano, estão ligadas a afecções
perinatais e anomalias congênitas. Entre crianças de 1 a 4 anos as doenças
respiratórias são as maiores causadoras de morte, enquanto na adolescência e
na faixa etária até 49 anos predominam as causas externas. A partir dessa
idade, predominam as doenças circulatórias e neoplasias como causa de morte
(Porto Alegre, 2000a), o que demonstra um perfil epidemiológico semelhante
ao dos países desenvolvidos.
É importante referir ainda que a mortalidade por AIDS triplicou na
população como um todo e entre os homens, enquanto aumentou sete vezes
entre as mulheres, no período de 1990 a 1995. Segundo a Assessoria de
Planejamento da SMS (Porto Alegre, 2000a) o ritmo de crescimento da
44
mortalidade por AIDS tem diminuído na cidade, nos últimos anos,
possivelmente pelos progressos no controle da doença.
A cobertura vacinal ultrapassa 100% para as vacinas antipólio, tríplice
bacteriana, sarampo e contra a tuberculose, já que são vacinadas em Porto
Alegre crianças oriundas de municípios vizinhos.
Pode-se dizer que os indicadores gerais e os específicos de saúde, que
refletem a qualidade de vida, são diferenciados em relação a inúmeros
municípios do país. Há necessidade de que as políticas sociais continuem a ser
priorizadas para manter e melhorar ainda mais esses índices.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre é um órgão da
administração direta da Prefeitura Municipal. Sua missão conforme definida em
2000, é:
“Garantir um sistema único de saúde que assegure o acesso universal e
eqüânime às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da
saúde, em todos os níveis, com controle social, a todos os cidadãos porto-
alegrenses e assistir à população de outros municípios do RS, nas ações de
média e alta complexidade, respeitados os recursos financeiros”. (Porto
Alegre, 2000a, p.29)
A partir de agosto de 1996, a SMS assume a gerência de toda a rede
básica de saúde da cidade, quando se inicia a etapa de municipalização semi-
plena. Inicia-se um processo de descentralização gerencial, através da criação
de seis gerências distritais que passam a agrupar os onze distritos sanitários já
existentes na cidade, obedecendo a critérios geográficos e epidemiológicos,
discutidos e aprovados pelo Conselho Municipal de Saúde.
A gerência distrital III administra os distritos sanitários 3 e 9, que
incluem um número de 19 bairros e vilas, situados na zona sul e extremo-sul da
45
cidade, onde vivem cerca de 214.848 cidadãos que dispõem de 19 serviços de
saúde.
A U. S. Camaquã é o maior serviço do distrito sanitário 3 e um dos
maiores serviços da gerência distrital III. Situa-se no bairro Camaquã, é um
serviço oriundo do ex-INAMPS, criado em 1973, que até 1998 denominava-se
de PAM Camaquã (Posto de Assistência Médica) e antes da universalização do
atendimento atendia apenas cidadãos que contribuíam diretamente para a
Previdência Social, desenvolvendo ações curativas, centradas na consulta
médica de especialidades básicas. Com a reorganização da rede básica
municipal e o início do processo de territorialização dos serviços de saúde, isto
é, a definição de territórios de responsabilidade, a U. S. Camaquã passou a
responsabilizar-se por uma população de 18.000 pessoas.
A unidade, no entanto, não trabalha com área de atuação fechada, ou
seja, atende a demanda espontânea, mesmo que proveniente de outras áreas,
para não contrariar o princípio da universalidade e as tendências históricas de
movimentação da população da cidade, já que muitos clientes moradores em
áreas de atuação de outros serviços possuem vínculos antigos com a equipe
de saúde dessa unidade.
A equipe de saúde da U.S. Camaquã compõe-se de 39 funcionários,
distribuídos conforme quadro a seguir:
Quadro 2 – Composição da equipe de saúde da U.S.Camaquã/SMS-2000
Cargo Manhã Tarde M/T Total
Auxiliar administrativo 04 03 07
Auxiliar de enfermagem 04 04 01 09
Auxiliar odontológico 01 01 02
Odontólogo 02 02 04
46
Clínico 01 01
Pediatra 03 01 04
Gineco-obstetra 01 01 02
Psiquiatra 02 02
Psicólogo 02 02
Assistente social 01 01
Farmacêutico 01 01
Nutricionista 01 01
Enfermeiro 01 01 01 03
Total
18 15 06 39
Fonte: Pesquisa direta, Ramos D.D. Coleta de dados em unidade de saúde.
Porto Alegre, janeiro de 2000.
A composição dessa equipe é variada, no que diz respeito às origens
institucionais dos servidores que, originalmente, eram todos federais. A partir
do processo de estadualização se incorporaram funcionários da Secretaria de
Saúde e Meio Ambiente (estadual) e com a municipalização os funcionários
municipais. Atualmente a equipe se compõe de 21 servidores federais, 07
estaduais e 11 municipais. A vigilância e a limpeza são prestadas por serviços
terceirizados.
A Unidade de Saúde Camaquã situa-se em uma rua tranqüila, do bairro
que leva o mesmo nome, em um grande terreno, bastante arborizado, com
ampla área para estacionamento e área gramada, bem cuidada, dando um
aspecto muito aprazível.
A área física da unidade é de 787 m², edificada em três blocos de
alvenaria em piso único (dois deles frontais, que compõem as entradas
principais, e um anexo ao fundo do terreno). O acesso principal se dá por
rampas com poucos degraus.
A unidade possui uma grande sala de espera, com capacidade para
cerca de trinta pessoas sentadas, em frente ao guichê de recepção, equipada
47
com televisão e vídeocassete, quase sempre ligados em programas de
desenho animado ou exibindo filmes educativos sobre saúde. Nesse local se
realizam grupos educativos. Possui, também, quatro corredores com espera
dirigida, em frente aos consultórios e/ou salas de procedimentos.
Para o atendimento de consultas com os diversos profissionais de nível
superior a unidade conta com nove consultórios. Há cinco salas de
procedimentos de enfermagem (vacinas, curativos, nebulizações, coleta de
material para exames e verificação de sinais vitais, limpeza e esterilização de
materiais).
A unidade conta com sala de RX odontológico, farmácia, sala de
reuniões e grupos educativos e com três salas para atividades administrativas.
Conta, ainda, com três salas para a guarda de diferentes tipos de materiais,
além de cozinha, sala de lanches, sanitários públicos e de funcionários. Deve
ser destacado ainda um espaço bastante peculiar, por sua utilidade, que é o
fraldário. A maioria das salas possui identificação externa e a área, de modo
geral, é bastante limpa. A unidade abriga a sede da respectiva gerência distrital
que ocupa duas salas bastante amplas para suas atividades administrativas.
Para quem chega à U. S. Camaquã chama a atenção o ambiente
tranqüilo. Há duas entradas frontais que dão acesso às áreas de atendimento,
nas quais se situam separadamente os guichês de recepção geral e o de
farmácia. A maioria dos clientes já é usuário da unidade e, portanto, conhece
bem a área física. No entanto, também merece destaque a importância do
trabalho dos vigilantes que estão muito atentos e prontamente fornecem
informações a quem chega, de maneira muito cordial e educada, mesmo que
48
não sejam solicitados. Seu trabalho vai além da prestação de informações, já
que direcionam os clientes para os consultórios e salas de atendimento, por
ordem de chegada, a partir de fichas numeradas fornecidas pela recepção, as
quais eles conduzem juntamente com os respectivos prontuários aos
profissionais encarregados do atendimento. Para as consultas de maior
demanda, como por exemplo as de pediatria, as mães com crianças aguardam
sentadas na sala de espera principal, em frente à televisão, e são
encaminhadas em pequenos grupos pelo vigilante para o corredor em frente
aos consultórios.
Na sala de espera principal há uma prateleira com folhetos educativos
e um cartaz solicitando que os folders sejam lidos e seu conteúdo seja
divulgado a outras pessoas.
O guichê com dois nichos, protegido por um vidro aberto embaixo, é
atendido por uma funcionária administrativa, com o auxílio, se necessário, de
algum auxiliar de enfermagem. Ali são prestadas informações sobre as
atividades desenvolvidas no serviço, organizadas as consultas do dia,
conforme a disponibilidade, autorizados exames diagnósticos, recebidos os
documentos de referência e contra-referência para consultas e procedimentos
especializados, agendadas previamente consultas para a própria unidade de
saúde e em serviços especializados próprios, contratados ou conveniados,
através de comunicação telefônica com a Central de Marcação da SMS.
Na mesma sala onde se desenvolvem essas atividades, internamente
há um telefone que recebe um grande número de ligações dificultando o
trabalho de recepção, quando a funcionária encarregada está sozinha. Isso
49
aconteceu no período de férias de verão, pois normalmente há outros
funcionários circulando por esse local, já que ali ficam as folhas-ponto, e, em
sala contígua, a guarda de prontuários e uma pequena sala de lanches. As
ligações telefônicas freqüentemente correspondem a pedidos de informações
sobre a dinâmica de atendimento do serviço.
O guichê de recepção é um local bastante movimentado, onde chegam
clientes constantemente, embora não chegue a formar-se uma fila maior do
que quatro a cinco pessoas. É um setor que exige a presença constante de
pelo menos um funcionário e isso foi observado sempre, o que demonstra
respeito ao usuário.
Durante todo o período de observação da U.S. somente em uma
ocasião observei a presença de uma ambulância do SAMU (Serviço de
Atenção Médica de Urgência), que aguardava uma criança com
broncoespasmo importante, que não reverteu após nebulização. Isso
provavelmente deve-se ao fato de as pessoas saberem das limitações do
serviço para o atendimento de situações de urgência.
No outro guichê, onde funciona a farmácia, o atendimento é
permanente havendo inclusive a dispensação de medicamentos controlados.
Nesse local também não havia fila maior do que quatro a cinco pessoas e a
maioria saía com o atendimento das receitas trazidas (internas ou externas).
4.4 Coleta de dados
Para a coleta de dados foram utilizadas as técnicas da entrevista
semi-estruturada e observação participante.
50
A entrevista, segundo Minayo (1992), permite a obtenção de
informações através da fala individual, revelando a estrutura, valores, normas,
símbolos e representações de grupos.
A entrevista semi-estruturada foi empregada por permitir a interação
entre pesquisador e entrevistado, possibilitando conhecer a ótica do usuário no
que diz respeito ao atendimento por ele recebido, especialmente no que se
refere a facilidades e dificuldades quanto ao seu acesso e acolhimento no
serviço investigado.
As entrevistas foram dirigidas aos usuários do serviço em questão,
preferencialmente realizadas logo após o término do atendimento. Algumas
vezes foram realizadas antes do atendimento, mas somente nos casos em que
os usuários já haviam sido atendidos diversas vezes pelos profissionais com
quem iriam consultar logo a seguir. Todas as entrevistas foram gravadas com a
autorização dos sujeitos, realizadas pela própria pesquisadora, em sala
especialmente cedida pela gerente do serviço, com total privacidade e silêncio.
A aceitação dos usuários quanto à sua participação na pesquisa foi
muito boa, já que somente duas clientes, entre todos os que foram abordados
com essa finalidade, não aceitaram ser entrevistadas.
Inicialmente havia dúvidas quanto ao local mais apropriado para a
realização das entrevistas, se no próprio serviço de saúde onde o usuário
estaria sendo atendido, ou em seu domicílio. Após a revisão bibliográfica inicial,
optou-se pela realização das entrevistas no serviço de saúde. Essa decisão
baseou-se na experiência relatada por Kloetzel et al. (1998), em estudo
realizado com 270 usuários para avaliação da qualidade de serviço
51
ambulatorial em Pelotas, onde ficou demonstrado que o inquérito domiciliar
seria dispensável, já que as respostas obtidas no domicílio foram semelhantes
às obtidas no serviço, logo após a consulta. Relatam esses autores que o
mesmo achado foi referido por Ehnsfors e Smedby, em 1993.
Foram feitas três entrevistas piloto para testagem do roteiro (Anexo A)
que, após pequenos ajustes, mostrou-se adequado à finalidade do estudo.
O início da coleta de dados deu-se a partir da aprovação do projeto
pela SMS (Comitê de Ética e Pesquisa), bem como pela concordância da
gerência do distrito sanitário ao qual se vincula o serviço escolhido e pela
gerência do serviço propriamente dito. A aceitação e receptividade por parte da
gerência distrital e gerência do serviço foi total, o que facilitou sobremaneira o
desenvolvimento dessa fase de pesquisa.
Em 13 de janeiro de 2000, após mudanças no projeto inicial, sugeridas
no processo de orientação e a partir do exame de qualificação, e já de posse
da autorização para a realização da pesquisa pelo gabinete do secretário e
respectivo Comitê de Ética e Pesquisa, retomei os contatos com a U. S.
Camaquã para dar continuidade à coleta de dados propriamente dita.
O número de entrevistas não foi estabelecido previamente, tendo sido
interrompidas quando percebeu-se que os dados começaram a se repetir,
utilizando-se o princípio de saturação, de acordo com Polit & Hungler (1999).
Foram realizadas dezessete entrevistas e a partir da entrevista 14 observou-se
repetição de informações. As entrevistas foram ordenadas numericamente,
conforme a sequência cronológica de realização, utilizando-se nomes fictícios
para os sujeitos (Quadro 3).
52
Quadro 3 - Caracterização dos usuários entrevistados na U. S. Camaquã,
2000
Código Nome
fictício
Idade Área de
atuação
Data da
entrevista
Duração da
entrevista
E1 Marilda 30 anos Não 20/01/2000 15 min
E2 Jacira 45 anos Sim 20/01/2000 05 min
E3 Dalvina 65 anos Não 25/01/2000 10 min
E4 Márcia 21 anos Não 25/01/2000 07 min
E5 Maira 18 anos Sim 25/01/2000 10 min
E6 Josué 44 anos Não 25/01/2000 10 min
E7 Iria 50 anos Sim 28/02/2000 25 min
E8 Erica 22 anos Sim 28/02/2000 09 min
E9 Thais 15 anos Não 02/03/2000 15 min
E10 Sueli 44 anos Sim 02/03/2000 15 min
E11 Rosemeri 38 anos Sim 02/03/2000 15 min
E12 Marta 58 anos Sim 16/03/2000 08 min
E13 Zulmira 68 anos Sim 16/03/2000 15 min
E14 Circe 56 anos Não 31/03/2000 15 min
E15 Rafaela 14 anos Sim 31/03/2000 15 min
E16 Lucia 31 anos Sim 17/04/2000 15 min
E17 Isaura 49 anos Sim 17/04/2000 10 min
O grupo de informantes foi constituído a partir do desejo de participar
do estudo, mediante Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B), elaborado
segundo Goldim (1997). O termo de consentimento era lido e explicado aos
sujeitos antes do início da entrevista, bem como assinado por eles e pela
pesquisadora, ficando uma via com esta e outra com os informantes.
A observação foi utilizada como técnica complementar à entrevista
(Minayo, 1992), com a intenção de captar informações sobre o contexto do
serviço, sua forma de organização e funcionamento, mais do que como forma
de captar a atuação dos membros da equipe de saúde, embora isso tenha
ocorrido em determinados momentos.
Através da observação participante foi possível explicitar aspectos que
somente através das entrevistas não teriam ficado suficientemente claros.
Confirmando o exposto por Lüdke e André (1986), a observação permitiu um
53
contato direto com a realidade que estava sendo investigada, descortinou
aspectos novos do problema, além de ter permitido que a experiência pessoal
da pesquisadora auxiliasse na compreensão do fenômeno estudado. A
familiaridade com o tipo de ambiente, em função de minha atuação profissional,
foi decisiva para uma boa interação com a equipe.
As observações foram realizadas nas diversas salas de espera da
Unidade de Saúde, nas salas de procedimentos, junto aos guichês de recepção
e farmácia, bem como durante atendimentos em grupo. O registro das
observações foi feito em um diário de campo, contendo aspectos descritivos e
reflexivos. O registro era feito, inicialmente, logo após a saída da unidade ou no
turno seguinte. No decorrer do processo de investigação, porém, passei a fazer
o registro durante os períodos de observação.
A observação ocorreu entre o dia 13 de janeiro de 2000 e 17 de abril
de 2000, simultaneamente à realização das entrevistas, incluindo 9 períodos de
2 horas e meia, em média, no turno da manhã , totalizando 25 horas e 35
minutos de observação sobre o funcionamento da unidade em estudo (quadro
4).
Quadro 4 - DIÁRIO DE CAMPO II
Data Período Foco de observação Total de horas
13/01/2000 9h30min–12h Recepção
Contatos Gerente US
2h 45 min
20/01/2000 9–12h Sala de espera
Contatos Gerente US
3 horas
25/01/2000 9h-11h45min Recepção- Sala de espera
Farmácia
2h 45 min
28/02/2000 9–12h Sala de vacinação
Recepção
3 horas
02/03/2000 8h45–11h45min Sala de espera
Enfermagem
3 horas
13/03/2000 9h –11h50min Grupo de mulheres 2h 50 min
16/03/2000 9h –11h30min Grupo de Diabéticos 2h 30 min
54
30/03/2000 8h45min–11h Sala de Espera 2h 15 min
17/04/2000 8h–11h30min Recepção – Odonto –
Grupo de Mulheres
3h 30 min
Durante a observação participante, também foram obtidas informações
de diferentes pessoas, entre as quais: o gerente distrital e seus assessores, a
gerente da unidade investigada e diversos membros que compõem a equipe
dessa unidade de saúde.
4.5 Análise dos dados
Na pesquisa qualitativa a análise não é uma etapa que ocorra
rigorosamente após a coleta de dados. Na prática, já se dá em parte,
simultaneamente ao desenvolvimento dessa fase. (Triviños, 1990)
Para fins de análise nesta investigação utilizamos a técnica da análise
de conteúdo, do tipo análise temática, segundo Bardin (1995). Consiste em
um conjunto de técnicas de análise das comunicações, através de
procedimentos sistemáticos e objetivos, para obtenção de indicadores que
permitam inferir conhecimentos relacionados às condições de produção e
recepção da comunicação.
As etapas da Análise de Conteúdo compreendem a pré-análise
(sistematização das idéias iniciais), onde recorre-se à leitura flutuante (leitura
exaustiva e repetida que visa uma aproximação do material), escolha dos
documentos, segundo regras definidas, formulação das hipóteses e dos
objetivos, preparação do material. A segunda etapa constitui-se na exploração
do material (codificação ou enumeração por regras previamente definidas).
55
Finalmente, a última fase consiste no tratamento dos resultados obtidos e
interpretação.
A Análise Temática é uma das técnicas de Análise de Conteúdo na
qual busca-se interpretar os significados. Para tanto, são organizadas
categorias de fragmentação da comunicação (Bardin, 1995), segundo critérios
de classificação.
Bardin (1995, p.65-66) comenta que a Análise Temática pode ser
empregada para trabalhar com material qualitativo, oriundo de entrevistas que
tratam do “modo como as pessoas vivem a sua relação com os objetos
quotidianos”.
Segundo Bardin (1995, p. 105) a Análise Temática procura descobrir
“os núcleos de sentido que compõem a comunicação, sendo eficaz quando
aplicada a discursos diretos e simples”.
Neste estudo as entrevistas foram transcritas e lidas para que fossem
extraídos os elementos essenciais que permitissem a compreensão dos
diversos ângulos do problema. Buscou-se analisar e interpretar as falas dos
usuários do serviço. As transcrições foram feitas pela pesquisadora e por uma
auxiliar de pesquisa, sendo revisadas posteriormente. Além disso, procedeu-se
à análise do material coletado a partir das observações realizadas na unidade
de saúde, como forma de complementar e elucidar melhor as falas dos
usuários.
Foi empregado o software denominado Ethnograph versão 5.0 (Qualis
Research Associates) para facilitar a organização dos dados qualitativos com
vistas à categorização.
56
A classificação dos dados das entrevistas e da observação centrou-se
em duas categorias temáticas: acesso e acolhimento. Dentro do tema do
acesso, o material coletado foi organizado em três sub-categorias, quais sejam:
acesso geográfico, acesso econômico e acesso funcional (acesso
propriamente dito).
Em cada uma dessas sub-categorias foi possível encontrar elementos
geradores de facilidades ou dificuldades. No acesso geográfico foram
identificados elementos como forma, tempo de deslocamento e distância; no
acesso econômico, entre as facilidades, destacaram-se forma de
deslocamento, acesso a procedimentos e obtenção de medicamentos e, entre
as dificuldades, o custo de deslocamento, de procedimentos, de medicamentos
e a condição social atual.
Com relação ao acesso funcional, os elementos listados a seguir
representaram facilidades e/ou dificuldades: organização do sistema e do
serviço, área de atuação, tempo e freqüência de uso do serviço, flexibilidade de
rotinas, agendamento de consultas, duração, tempo de espera e condições de
espera pelo atendimento, consulta com clínico, psicólogo, odontólogo,
especialistas, psiquiatra, grupos e atividades educativas, grupo de mulheres,
Programa Porto Alegre Respira Aliviada, emergência, via informal para
obtenção de atendimento, acesso a medicamentos, filas, equipe resistente a
mudanças, não comparecimento do psiquiatra e do auxiliar de consultório
dentário, comércio de consultas.
Para organização dos dados relativos ao acolhimento no serviço de
saúde investigado, o material coletado foi agrupado de acordo com a forma
57
utilizada para abordagem do usuário. Entre as facilidades destacou-se a forma
de recepção, o respeito ao usuário, a relação humanizada e o desempenho
profissional, que determinaram o vínculo estabelecido com o profissional e a
confiança no mesmo, bem como a credibilidade do serviço junto à comunidade.
Entre as dificuldades surgiu a má qualidade da recepção, a necessidade
permanente de um funconário nesse setor e o inadequado desempenho
profissional.
5 O ACESSO E O ACOLHIMENTO NO COTIDIANO DA UNIDADE DE
SAÚDE
58
Este capítulo foi organizado a partir da categorização resultante da
análise e interpretação dos dados, apenas para fins de apresentação, já que na
prática, há uma interface entre os diversos elementos que são apontados ao
longo da discussão.
Foi possível identificar que o acesso e o acolhimento consistem em
fatores que efetivamente contribuem para a procura dos serviços básicos de
saúde pelo usuário. Verificou-se um predomínio de elementos que apontam
para o tema do acesso em relação ao do acolhimento. As razões pelas quais
isso ocorreu podem ser atribuídas ao fato de que talvez o instrumento de coleta
de dados tenha privilegiado esse tipo de informação, ou porque seja mais fácil
para o usuário tratar de fatos cotidianos relativos ao acesso, por ser algo mais
concreto do que os que dizem respeito ao acolhimento.
Facilidades de acesso do ponto de vista geográfico, econômico e
organizacional do serviço foram repetidamente levantadas pelos usuários
entrevistados, embora também tenham ficado claras as dificuldades mais
importantes: consultas básicas nas áreas de odontologia, clínica médica e
ginecologia, consultas e exames especializados.
Constataram-se, preponderantemente, situações que facilitaram o
acolhimento ao usuário, embora também tenham sido identificadas algumas
que o dificultaram.
Conforme Leite, Maia e Sena (1999, p. 166), “acolher deve configurar-
se como uma prática na qual o usuário passa a ser o sujeito central e
justificador do processo assistencial...”, representando um desafio na
construção de um modelo de “porta aberta” .
59
Percebeu-se que a conjugação de fatores facilitadores do acesso e/ou
acolhimento propiciaram a satisfação do usuário com o atendimento,
determinando a escolha do serviço de saúde, e estabelecendo freqüentemente
um bom vínculo, expresso através de um longo tempo de uso do serviço,
conforme demonstra o Quadro 5 na página 60. Esses achados confirmam as
afirmações de Merhy (1994), ao se referir à necessidade de uma atuação em
saúde que busque a construção de um vínculo entre usuários e trabalhadores,
com garantia de acesso a ações de saúde pelos usuários, bem como
acolhimento humanizado nos serviços.
Santos (1995) encontrou como resultado de uma investigação sobre a
qualidade de serviços de atenção à criança, que a expectativa de usuários que
buscam serviços preventivos está mais relacionada à relação interpessoal,
enquanto a de usuários que buscam ações curativas também envolve a
eficácia do serviço. No presente estudo, entrevistando usuários adultos
relativamente ao atendimento recebido por eles ou por seus familiares,
inclusive crianças, constatamos que tanto a eficácia do serviço quanto a
relação interpessoal foram valorizados.
Quadro 5 - Caracterização do atendimento e perfil dos usuários entrevistados
na U.S. Camaquã, 2000.
Código Nome
Fictício
Motivo do
atendimento
Tempo de
espera pelo
atendimento
Tempo de
uso do
serviço
Freqüência
de uso
E1 Marilda Coleta de exames 1h25min 15 anos Mensal
E2 Jacira Vacinação 5min 1ª vez 1ª vez
E3 Dalvina Consulta
psiquiátrica
* 1 ano Bimensal
E4 Márcia Consulta
pediátrica
30min 20 anos **
E5 Maira Consulta
pediátrica
45min 4 meses Mensal
E6 Josué Consulta 45min 20 anos Mensal
60
pediátrica
E7 Iria Consulta clínica 5min 4 anos Semanal
E8 Erica Vacinação 1h 1
a 5m Mensal
E9 Thaís Consulta
ginecológica
30min 1ª vez 1ª vez
E10 Sueli Consulta
ginecológica
2h 10 anos Mensal
E11 Rosimari Consulta de
nutrição
15min 2 anos Mensal
E12 Marta Grupo de
diabéticos
5min 6 meses Semanal
E13 Zulmira Grupo de
diabéticos
5min 17 anos Semanal
E14 Circe Consulta
odontológica
20min 12 anos Semestral
E15 Rafaela Consulta
odontológica
20min 12 anos 15/30dias
E16 Lúcia Consulta
odontológica
40min 12 anos Semestral
E17 Isaura Consulta
odontológica
1h15min 18 anos semestral
* o médico não compareceu ** não consultava há um ano
5.1 Acesso
Adami (1993) e Unglert (1995) tratam da questão do acesso à saúde
como um sistema complexo que inclui a acessibilidade aos serviços de saúde,
classificando-a em acesso geográfico (distância, tempo e meios de locomoção,
obstáculos a serem transpostos, tempo de permanência fora do trabalho),
acesso funcional (tipos de serviços oferecidos, horário de funcionamento e
qualidade), acesso cultural (inserção dos serviços de saúde nos hábitos e
costumes da população) e acesso econômico (a totalidade dos serviços de
saúde não está disponível a todos os cidadãos). Utilizou-se a classificação
proposta por esses autores, embora não tenham sido destacados elementos
relativos ao acesso cultural.
O maior número de elementos encontrados foi na sub-categoria
referente ao acesso funcional.
61
5.1.1 Acesso geográfico
O acesso geográfico foi caracterizado por três elementos: forma de
deslocamento, tempo de deslocamento e distância entre a residência do
usuário e o serviço de saúde investigado. Todas elas poderiam representar
facilidades ou dificuldades de acesso.
A forma de deslocamento utilizada pelo usuário é, sem dúvida, fator que
facilita ou dificulta o seu acesso ao serviço de saúde.
Verificou-se que as formas de deslocamento variaram entre deslocamento
a pé, de ônibus (um a três), de lotação e de carro. A forma de deslocamento
mais freqüente foi a pé, provavelmente porque a maioria dos entrevistados (11)
mora na área de atuação. Essa é a forma mais prática e também a mais
econômica, o que demonstra a importância da proximidade entre o serviço de
saúde e a residência do usuário.
Sueli nos fala do significado de caminhar a pé até a unidade de saúde:
“Venho a pé. Dá para vir assim, caminhando, eu até gosto de vir caminhando, eu adoro
caminhar, olhando o luar, o céu, as estrelas, a lua , a chuva!”
Essa idéia foi confirmada por Zulmira, quando comentou a oportunidade
de encontrar as vizinhas, com quem pára para conversar, ao caminhar em
direção ao posto de saúde, para participar do grupo de diabéticos.
Em especial, a possibilidade de uso de automóvel próprio traz inúmeras
vantagens, entre as quais o menor tempo necessário para deslocamento, o
conforto diante do mau tempo e a possibilidade de chegada mais cedo e,
portanto, maior chance de obtenção do atendimento, como afirma Sr. Josué:
P
4
: “Me diga uma coisa: o sr. pegou a ficha hoje mesmo?”
4
A pesquisadora será identificada por P e o usuário ou usuária por U.
62
U: “Hoje mesmo. Eu cheguei aqui era mais ou menos 15 prás 6.
P: “15 prás 6. E já tinha muita gente na fila?”
U: “Tinha, tinha uma seis pessoas, né? Tava chovendo né? Se tivesse bom
teria mais, né. Eu vim neste horário porque eu tenho condução, senão não
dava prá vir na hora da chuva. Vim de carro...
Ah! Aqui é pertinho, é...5 minutos mais ou menos, mais ou menos 3 km. É
rapidinho...”
O tempo despendido pelos usuários para deslocamento de sua residência
à unidade de saúde variou de 05 a 35 minutos (quadro 6). Porém, seis sujeitos
entrevistados eram moradores de fora da área de atuação, sendo um de outro
distrito sanitário, no entanto, todos dispõem de serviços de saúde próximos à
sua residência. Essa constatação confirma o que diz Adami (1993), ao
asseverar que a proximidade geográfica entre a moradia do cliente e o serviço
de saúde não se constitui no elemento central determinante de sua escolha, já
que esse fator pode não significar acesso real, ou seja, garantia de
atendimento
. “Começa que se eu quero medicamento eu tenho que ir no Santa Marta, ou
vim aqui, ou no Modelo, porque lá nunca tem remédio prá nós que moramos ali..., então eu
prefiro ir mais longe...” (Dalvina)
Quadro 6 - Caracterização do acesso geográfico à U.S.Camaquã
Código Nome Fictício Forma de deslocamento Tempo de deslocamento
E1 Marilda Dois ônibus 35min
E2 Jacira A 30min
E3 Dalvina Três ônibus
ou carro
50min
15min
E4 Márcia Ônibus
ou carro
20min
10min
E5 Maira A 20min
E6 Josué Carro 5min
E7 Iria A 30min
E8 Erica A 5min
E9 Thaís A 5min
E10 Sueli A 15min
E11 Rosimari A 10min
E12 Marta A 5min
E13 Zulmira A 10min
E14 Circe Lotação (micro-ônibus) 20min
63
E15 Rafaela A 10min
E16 Lúcia Ônibus 10min
E17 Isaura A 30min
Além disso, mesmo que o atendimento esteja garantido aos usuários que
moram próximo dos serviços, isso não significa qualidade de atendimento,
conforme manifestou a mesma cliente:
P: “O clínico que a senhora consultava é aqui? Ou perto da sua casa?”
U: “ Perto da minha casa tem, mas eu não vou porque a gente não é... não
vou dizer que os médicos não atendem bem, mas os que tão lá dentro, não
atendem bem. Então prefiro vim mais longe...” (Dalvina)
Leite, Maia e Sena (1999) alertam-nos para o fato de que a questão do
acesso ultrapassa a presença física dos recursos, dependendo muito mais da
coerência do padrão tecnológico oferecido pelo serviço com o tipo de
demandas da comunidade.
Experiências prévias negativas junto a outros serviços de saúde, mais
próximos de sua residência, levam o usuário a optar pela unidade em que,
além do acesso facilitado exista um bom acolhimento, mesmo que isto lhe exija
um maior deslocamento.
“Não, lá eu só sempre fui lá na emergência prá minha menina. Mas eles
nunca me deram um laudo assim que eu pudesse saber que a guria tava
com um problema de coração, né? Quando eu fui ver já tava o problema
que era irreversível... e eu vou continuar aqui, né porque ela é uma boa
pediatra e é bom a criança ter sempre o mesmo médico, né? E aí o meu
marido perguntou porque eu não quis fazer no outro posto, né? Ali prá mim
é até mais perto. Mas como eu já conheço pela minha família que tem
contato com ela, né? Eu prefiro mil vezes pegar uma pessoa que a gente
sabe que não vai ter desinteresse com o nenê...” (Márcia)
No caso de Márcia a experiência de perda da primeira filha, que foi a
óbito, segundo ela, sem um diagnóstico precoce de um problema cardíaco, foi
decisiva para a rejeição do serviço mais próximo de sua casa, onde costumava
ser atendida. Isso confirma a preocupação ressaltada por Merhy (1994),
64
quando se refere à importância de um modelo de assistência mais voltado às
necessidades do cidadão e à atual insegurança da clientela no que diz respeito
ao tipo de atendimento ao qual está sendo submetida.
A busca por profissionais competentes para o atendimento e a confiança
na experiência e capacidade dos membros da equipe de saúde influenciam
fortemente a escolha do usuário quanto ao serviço que deverá ser procurado.
Verificou-se que experiências bem sucedidas, com o próprio cliente ou
com seus familiares, são determinantes para a sua opção pelo serviço. Essas
constatações confirmam os achados de Reis, Santos, Campos et al. (1990), ao
demonstrarem a relação entre a satisfação dos usuários e a competência e
interesse demonstrados pelo médico em relação ao paciente, como um dos
fatores que indicam a qualidade do serviço de saúde.
P: “Então hoje qual foi o motivo da tua vinda? Por que tu vieste? Foi prá
consultar com o pediatra?”
U: “ É. Prá consultar prá nenê. Ela precisa nos 10 primeiros, 10, 15 dias ela
tem que consultar. Aí eu vim aqui, porque a pediatra é muito boa, né? É a
pediatra das minhas sobrinhas também.”
P: “ Tu já tinha informação, que o pessoal da família costuma consultar com
ela e gosta , é isto?”
U: “ E´.” (Márcia)
Vários usuários manifestaram-se de forma semelhante à Márcia,
confirmando o que diz Oliveira (1998) quando refere-se à escolha do
profissional de saúde em função das indicações que ocorrem pela própria
família, por amigos, vizinhos ou até mesmo na sala de espera da unidade de
saúde.
Foi possível constatar que, uma vez estabelecido um vínculo forte entre
usuário e serviço, e/ou com determinados profissionais, a partir de uma relação
de confiança, mesmo que o cliente se mude para outro bairro mais distante, ele
permanece usando o serviço de saúde:
65
P: “ Quer dizer que tu moravas mais pertinho?
U: Mais perto, né, e mesmo morando longe a distância pra mim não é o
problema né, eu dou um jeito porque aqui tem médicos muito bons, né...
então agora que no caso eu tô com a minha filha pequena eu voltei a
freqüentar de novo o posto, por causa que a pediatra que atende ela é a
Dra. Rosângela ...a mesma que atendia meu menino quando tinha 15 dias e
atendeu até bastante tempo né....” (Marilda)
“... a gente usa muito o posto aqui. Porque a gente se mudou pra ali, mas é
perto. Então a gente usa muito...Não, ela consulta com o ginecologista. Eu
inclusive talvez amanhã venha tirar uma ficha prá ela, prá minha esposa.
Tem a Dra. Elizete que já é conhecida da gente. Que eu consultava com
ela. Tem umas pessoas que a gente já conhece.” (Josué)
Percebe-se que há uma estreita relação entre acesso geográfico e
acolhimento, pois, embora existam facilidades decorrentes da disponibilização
de serviços de saúde próximos da casa do cidadão, identificam-se fatores
determinantes da escolha do serviço que passam pela forma como o usuário é
recebido e a resolutividade desses serviços. Quando o serviço de saúde é
próximo à residência do usuário e a qualidade está garantida, conforme a
indicação de familiares, amigos e/ou vizinhos, a opção recai sobre esse
serviço. A manifestação de Jacira demonstra que o reconhecimento da
comunidade quanto à competência da unidade, através de seu serviço de
vacinação, foi capaz de alterar uma opção inicial por outro serviço mais
distante, recomendado pela pediatra que a cliente costuma consultar, através
do convênio que possui para assistência à saúde:
“ Fica mais longe, né? Dependo de condução, como eu tive conversando
com as pessoas do condomínio que vieram vacinar aqui, disseram: ‘não,
vai lá no posto Camaquã, que o posto é bom, tudo...tu vai te dar bem’.
Então eu vim, que fica mais fácil. Aqui ficava mais fácil...” (Jacira)
A forma como o serviço se organiza, facilitando o acesso dos clientes
antigos, independentemente do local de sua residência atual, favorece a
66
manutenção do vínculo usuário-serviço, como podemos verificar através da
manifestação de Circe, que procurou atendimento odontológico:
P: “ Ah! Medianeira. Não é tão pertinho.”
U: “Não é tão pertinho.”
P: “Vem de outro bairro. Há quanto tempo a sra. utiliza aqui o posto?”
U: “Com essa dentista, desde 88. Eu sempre venho e faço revisão com ela,
né? O atendimento para mim é ótimo!“
P: “Então já está fazendo aí, mais de 10 anos, não é? 12 anos quase? Seu
atendimento já estava marcado hoje?”
U: “Estava marcado.”
P: “Já fica marcado o próximo quando a sra. sai do atendimento ou a sra.
vem mais perto da data do retorno prá marcar?”
U: “Não, eu venho mais perto prá marcar.”
P: “E aí a sra. vem com que antecedência? 1 mês?”
U: “Não, uns 10 dias.”
P: “Porque já está com autorização, né?”
U: “É.”
Isso demonstra a relação entre o acesso geográfico e o acesso funcional,
ou seja, mais uma vez fica claro que o usuário está disposto a deslocar-se mais
do que o necessário para ser atendido em um local em que, apesar de mais
distante de sua casa, é bem recebido por uma equipe de profissionais que já
conhece, onde teve experiências prévias bem sucedidas, e onde seu ingresso
e permanência são facilitados, através de diversos mecanismos, entre os quais
o agendamento prévio de consultas, o qual será discutido posteriormente
quando for tratada a questão do acesso funcional.
O acesso geográfico também deve ser analisado do ponto de vista das
condições climáticas características do extremo-sul, nas quais o frio e a chuva
intensos podem dificultar o deslocamento dos usuários. O caso de Dalvina
ilustra esse fato, pois no dia em que a entrevistei chovia muito, e ela foi
obrigada a pegar três ônibus (um a mais dos que os dois habituais) para se
deslocar à unidade de saúde, a fim de evitar o trecho de caminhada. Quando
vem com a filha, que também é cliente do serviço de saúde mental, ganha
67
carona de automóvel com o neto. Para atenuar a desvantagem de ter que usar
três ônibus, Dalvina, devido à sua idade, é favorecida por lei municipal que a
isenta de pagamento em veículos de transporte coletivo. Não fosse assim,
teríamos aí certamente mais um empecilho ao acesso de muitos usuários. Aqui
podemos estabelecer um dos nexos entre acesso geográfico e acesso
econômico.
Outro aspecto a considerar no estudo do acesso geográfico é a questão
da segurança. Iria nos fala que habitualmente se dirige a pé à unidade de
saúde, até por recomendação médica, quando o motivo do atendimento não
exige que ela chegue muito cedo, como, por exemplo, quando vai para fazer
nebulização. Para consultar com a médica clínica, no entanto, foi necessário
madrugar e, neste caso, quem enfrentou a fila foi seu marido:
“ Ah, a gente, eu me acordo às 5 horas, o ônibus passa lá em casa mais ou
menos cinco e meia, vinte prá seis que tem o primeiro ônibus que tem, o
Padre Reus que passa lá, que vem pro centro e a gente pode pegá prá vim
prá cá. Certo, que é de madrugada. E´isso aí, não vai andá, porque os
assaltos é muito perigoso. Mas quem veio pegá ficha prá mim foi meu
marido!” (Iria)
No que diz respeito, portanto, ao acesso geográfico a distância a ser
percorrida pelo usuário para chegar ao serviço de saúde é fator importante a
ser considerado. Quanto menor essa distância for, mais prática e econômica
será a forma de deslocamento e menor será o tempo gasto. Quanto mais
rápido o deslocamento, mais chance tem o serviço de ser escolhido pelo
usuário. Porém, embora esses fatores sejam inegáveis na opção por um
serviço de saúde, não serão decisivos, se não estiverem acompanhados de um
bom acolhimento e boa resolutividade, o que demonstra a interface ente esses
elementos e o acesso geográfico.
68
Para a escolha de um serviço de saúde são fundamentais também as
experiências prévias que envolvem os usuários e seus familiares, positivas no
serviço em questão ou negativas em outros serviços, ainda que esses últimos
estejam situados mais próximos da residência do usuário.
5.1.2 Acesso econômico:
O acesso econômico foi caracterizado a partir de facilidades e
dificuldades que o usuário encontra para obter o atendimento. Dentre as
facilidades identificaram-se: forma de deslocamento, procedimentos e obtenção
de medicamentos. As dificuldades encontradas foram: custo de deslocamento,
custo de procedimentos, custo de medicamentos e condição social atual
(quadro 7).
Quadro 7 - ACESSO ECONÔMICO
Forma de deslocamento
FACILIDADES Procedimentos
Medicamentos
Custo de deslocamento
DIFICULDADES Custo dos procedimentos
Custo de medicamentos
Condição social atual
No estudo do acesso econômico ao serviço de saúde, um dos primeiros
aspectos a considerar é o custo do deslocamento do usuário, que é
69
proporcional à distância de sua moradia e à forma como ele se desloca.
Conforme já mencionado na discussão do acesso geográfico, foram diversas
as formas de deslocamento dos usuários estudados, predominando a mais
econômica, isto é, a caminhada. Não foi referido pelos sujeitos da pesquisa, o
custo de deslocamento do domicílio à unidade de saúde e vice-versa, mesmo
por aqueles que usam transporte próprio ou coletivo. Porém, isso foi levantado
caso existisse a necessidade de deslocamento para a realização de exames
diagnósticos, o que será melhor explicitado posteriormente.
Santos (1995) se refere à condição sócio-econômica dos usuários como
fator determinante da escolha do serviço público, em relação ao serviço
privado, até por um reconhecimento de que o cuidado médico é semelhante em
ambos, variando a rapidez e facilidade de acesso a certos procedimentos.
Através da fala de Êrica vemos a importância dos aspectos econômicos
sobre a saúde da população : “ porque o meu filho, ele tem um plano de saúde do
estado, mas é que é muito difícil tu ir no Doutor. Um remedinho é 10, 15 reais, então eu trago
aqui primeiro...”
Mesmo encontrando algumas dificuldades, às quais Êrica se refere
com críticas em sua entrevista:
“eu acho que o atendimento ruim aqui é ali na
recepção...estão te olhando e não te atendem...eu acho que as pessoas têm
má vontade
comigo na recepção ...”, não deixa de utilizá-lo por gostar da maior parte dos
profissionais que prestam o atendimento e, em especial, porque as alternativas
de que dispõe envolveriam gastos como: pagamento de consultas ou compra
de medicamentos. Por isso sua primeira opção é sempre a Unidade de Saúde
Camaquã.
70
Por outro lado, Rosemari expressa claramente sua satisfação com a
unidade de saúde em estudo, dizendo com grande espontaneidade: “Eu adoro
este posto, é muito bom”
! Como se durante a entrevista ela pudesse estar
refletindo sobre as facilidades de que dispõe ali, entre as quais refere-se `a
vantagem do serviço de coleta de exames laboratoriais em funcionamento na
U.S.:
U: “ Esse laboratório que vem né, duas vezes, bah é muito bom.”
P: ”Já aproveitaste também?”
U: “Já, duas vezes.”
P: “ Facilita isto também, né?”
U: “Muito, bah! Prá mim que tenho três crianças pequenas, prá me deslocar,
pegar um ônibus, ir pro centro é super complicado.”
P: “ Além do tempo que tu economizas, tu economizas dinheiro também.”
U: “É verdade, eu adoro este posto. É muito bom.”
No entanto, essa mesma usuária não deixa de referir-se às deficiências
da unidade, no que diz respeito às dificuldades de obtenção de consulta de
clínica médica e de ginecologia. Conta que teve que pagar uma consulta
particular para ela própria :
U: “...no ano passado como eu fiquei muito doente eu tive que pagar a
consulta e depois eu consegui consultar lá no outro posto que tem aquele
programa ...”
P: “ O Respira Porto Alegre Aliviado?”
U: “Isto, maravilhoso” (Rosemari)
Marilda, que também utiliza o serviço laboratorial, que mantém
convênio com a unidade de saúde, relata não ter conseguido realizar todos os
exames solicitados para a filha de 1 ano e 5 meses porque não teve condições
de comprar o coletor de urina, o qual não lhe foi fornecido na U.S.:
“.nem sempre eu tenho o dinheiro assim na hora disponível , né , porque o
meu marido sai de manhã e só chega de noite, né. Então às vezes eu
tenho, tenho que comprar uma coisa, né?.Comprar uma fruta, uma coisa
prá ela e acabei deixando, mas agora na semana que vem que tem consulta
com a Dra. de novo, aí vou pedir prá ela uma requisição e vou providenciar
o coletor, o mais rápido possível, prá ela fazer o examezinho direitinho, né?
É só este aí que ficou pendente.”
71
Desse modo podemos verificar que a falta de um pequeno item, como
um coletor de urina, pode inviabilizar ou retardar uma série de procedimentos
de apoio diagnóstico, os quais em alguns casos talvez fossem essenciais para
a elucidação do problema, determinando possivelmente a necessidade de nova
consulta médica e, eventualmente, dificultando o acesso de outro usuário a
essa. Sem entrarmos no mérito de quem seria a competência de suprir este
material, se da unidade, do laboratório conveniado ou se a usuária poderia ter
priorizado a sua compra, o fato é que no caso de Marilda não foi suficiente, ao
menos no primeiro momento, a disponibilização da coleta de exames na
própria unidade de saúde.
Explicitando melhor a questão do acesso econômico e do acesso ao
medicamento é importante considerar a fala de Lúcia :
U: “ Medicação também aqui é uma coisa muito positiva.”
P: “Quando tu precisaste tinha?”
U: “Exato, exatamente. Em relação assim, quando tu consulta com o médico
ele vai te receitar o remédio que tem aqui. Porque quem é que procura o
posto? É a população carente, né?
P: “Claro!”
U: “ Daí ela consulta com o pediatra...Muitas vezes tu procura um posto e o
médico sabe que tu é uma pessoa carente e daí ele te receita um remédio
que tem que tu tem que procurar comprar na farmácia. O povo não tem
dinheiro p’ra comprar. Ele já procura o posto porque ele quer conseguir o
medicamento de graça, gratuito e aqui tem este aspecto positivo, não digo
todas as vezes, mas na maioria das vezes tu consegue.”
Santos (1995) ressalta a importância dada à obtenção de
medicamentos pelos usuários nos serviços públicos, em vista da dificuldade de
comprá-los, o que contribui para a escolha do serviço.
Na reunião do grupo de diabéticos que tive a oportunidade de observar,
o médico que o coordena, ao relacionar as diversas vantagens do uso de
insulina, expressou-se da seguinte forma:
Há remédios comprados que custam
72
R$80,00 ou R$100,00 e a insulina é de graça no posto. É preferível doer no braço ou no
bolso?”
Lúcia apresenta também a migração que os usuários fazem na cidade,
entre as diferentes unidades de saúde, em busca de remédios, porque muitas
vezes não estão disponíveis no local e no momento onde se deu o
atendimento:
“ Às vezes tu vem do posto da ... prá buscar o medicamento aqui porque
lá não há. Por que que não há ? Se o Estado tem que suprir esta
necessidade...
Se eu consulto lá eu tenho que vir pegar medicação aqui..”.
Marilda se refere à mesma dificuldade:
“....isto é normal quando a gente não conseguiu comprar , né, aí a gente vai
de um posto pro outro posto, pro outro...” (Marilda )
Essa dificuldade de acesso também ocorre com certos itens
medicamentosos ainda não disponíveis na lista básica da rede municipal, em
virtude do custo para o gestor: “Certos anticoncepcionais a gente não consegue. Os
mais modernos tu tem que comprar.” ( Lúcia )
Lúcia traz também a dificuldade de encontrar preservativos masculinos,
os quais são distribuídos gratuitamente, nas unidade municipais, desde o final
da década de 80, mas que nem sempre estão disponíveis, pela crescente
procura, em virtude das campanhas educativas de prevenção às doenças
sexualmente transmissíveis (DST) e à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS) e pelo aumento do número de serviços da rede a partir da
municipalização. Do mesmo modo, refere-se à falta de acesso ao preservativo
feminino, ainda não disponível na rede como um todo. Mesmo assim, Lúcia
reconhece a qualidade do serviço em estudo: “ Então a dificuldade tá geral na saúde,
né? Mas entre umas exceções aqui ainda tá melhor. Eu ainda procuro aqui.”
73
Na observação realizada numa das reuniões do grupo de mulheres,
coordenado pela psicóloga, verificamos a angústia de Emília em relação ao
agravamento do enfisema pulmonar de seu marido, que necessitaria de
oxigênio em casa. O procedimento representa um grande custo, com o qual ela
não tinha condições de arcar:
“ O meu medo é começar e não poder continuar.”
As colegas do grupo de mulheres fizeram sugestões no sentido de que
ela solicitasse ajuda aos filhos, bem como na igreja onde tem uma participação
ativa num trabalho voluntário.
A condição sócio-econômica do indivíduo, sua estrutura familiar e
inserção no mercado de trabalho, são primordiais para a forma como ele
encara seus problemas de saúde. Na entrevista, Thais, uma adolescente de
15 anos, expressou bem a dificuldade de aceitação de seu estado de gravidez
em função desses fatores:
“Só botou o aparelho na barriga assim e eu tinha esperança que eu não
tava mas, infelizmente eu tou, porque para mim não é grande coisa, porque
eu sou solteira, moro com a minha irmã e para ela vai ser um sacrifício
também. Ela já tem uma filha e se eu tivesse um trabalho bom, arrumado
minha própria casa que minha mãe deixasse, pra mim não teria nenhum
problema. Mas como eu estou com a minha irmã, tem um pouquinho de
problema.”
Desse modo podemos perceber claramente vantagens e desvantagens
para a saúde do indivíduo e de sua família se considerarmos a questão do
acesso econômico propriamente dito. Além disso, os fatores que facilitam ou
dificultam o acesso geográfico, podem ser atribuídos a aspectos relacionados à
questão econômica, entre os quais se destaca a forma de deslocamento do
usuário ao serviço de saúde, a qual repercute sobre o tempo gasto para o
deslocamento, horário de chegada ao serviço e, por conseqüência, sobre a
probabilidade de obtenção do atendimento. Do mesmo modo os procedimentos
74
e/ou medicamentos não disponíveis no serviço público estarão acessíveis
àqueles usuários que dispuserem de melhores recursos econômicos. Portanto,
pode-se perceber a interface que se estabelece entre os diferentes elementos
do acesso, seja ele considerado do ponto de vista geográfico, econômico ou
funcional.
5.1.3 Acesso funcional
O acesso funcional, tal como está sendo entendido para fins desse
estudo, envolve o acesso propriamente dito aos serviços de que o cidadão
necessita, incluindo-se os tipos de serviços oferecidos, os horários previstos e
a qualidade do atendimento.
A facilitação do acesso ao uso dos serviços de saúde juntamente com
outros fatores, em especial, o acolhimento, favorece o vínculo do usuário e,
portanto, contribui muitas vezes para o tempo de utilização do serviço e para
a freqüência do atendimento. É o que podemos verificar no depoimento a
seguir:
U: “ Olha, ah, faz bastante tempo. Só que eu tinha né parado de freqüentar
porque não tinha ... meu filho estava grande. Mas meu filho tinha 15 dias,
quando eu comecei a freqüentar. Claro, quando eu era solteira eu vinha
seguido também consultar com o médico de pele, com a Dra. Marlene, né,
vinha no dentista, né, então já morei aqui na Padre Reus muito tempo,
então sou freqüentadora assídua daqui, né.”
P: “Mais ou menos de quanto em quanto tempo tu costumas vir atualmente
no posto?”
U: “ Atualmente uma vez por mês.”
P: “ Uma vez por mês.”
U: “ É uma vez por mês que eu trago ela, quando ela precisa, ou então de
2 em 2 meses.”
P: “Que idade ela está mesmo?”
U: “ Ela tá com 1 ano e 5 meses.” (Marilda)
Segundo Stein (1998), o acesso aos serviços de saúde tanto pode ser
determinado, quanto medido pelo uso regular de uma fonte de atendimento.
Esse autor salienta que a possibilidade de acesso a um médico definido, que
75
atue em atenção primária, está relacionada a um melhor acesso aos serviços
de saúde como um todo.
Um mecanismo de organização que o serviço adotou, dentro da política
geral da Secretaria Municipal de Saúde, é o de agendamento prévio de
consultas. Esse é um instrumento que humaniza a assistência, facilita o acesso
efetivamente e permite priorizar casos de risco ou grupos específicos que
devem ser atendidos por determinados programas, permitindo incidência sobre
o modelo exclusivo de pronto atendimento. Campos (1994a) refere-se a formas
de organização dos centros de saúde de modo a absorver a demanda
espontânea, rompendo com o círculo vicioso do modelo de pronto-atendimento
de baixa resolutividade.
O serviço investigado, embora não priorize rigorosamente os
moradores da área de atuação, como seria de desejar pelo critério de
territorialização, vem utilizando-se do agendamento com grande aceitação pela
comunidade, procurando respeitar o critério do tempo de uso, isto é, para a
odontologia por exemplo, os usuários já vinculados ao serviço têm prioridade
para agendamento. No caso da clínica médica, onde há grande demanda
reprimida, não está sendo realizado o agendamento prévio, em virtude da
pequena oferta de consultas. São instrumentos de organização gerencial do
serviço. Alguns usuários manifestaram-se assim a respeito:
U: “Aí agora, né, eu trago no médico sempre que eu preciso, eu venho aqui
e consulto pra ela, né. Peço p’ro meu marido vim tirar quando eu quero a
ficha do dia, ele vem, tira a ficha do dia ou então eu deixo agendado, passo
ali, as gurias agendam, depois eu venho consultar...Este agendamento eu
passo no guichê né, e, por exemplo, vamos supor que hoje eu tenha
consultado com a Dra. Rosângela. A Dra. Rosângela diz: ‘volta o mês que
vem’, daí eu passo ali e marco.”
P: “A Dra. Rosângela te dá uma autorização pra tu marcar?”
U: “Não, não, não precisa, não me dá...Vamos supor que ela tenha
problema de garganta, ela faz o tratamento de 10 dias.
Se ela melhorá e tu
76
achá que ela não precisa, tu não agenda. Mas se ela estiver bem e não der
nada né, que às vezes acontece de não dar nada mesmo, aí não precisa.”
(Marilda)
U: “Tive que vim cedinho naquela época, depois que você consulta aí é
muito bom que o médico já deixa marcadinha a consulta ... é uma
maravilha.”
P: “A sra. nunca mais entrou na fila, então?”
U: “Não, não”.
P: “ Foi só a primeira vez?”
U: “Só a primeira vez.”
P: “Demorou um pouquinho p´ra conseguir”
U: Só, mas foi muito bom isto aí.” (Dalvina)
P: “E hoje tu vieste consultar com a nutricionista para ti ou para tua guria?”
U: “ Para mim e para ela.”
P: “Marcou as duas juntas? Já estava com esta consulta marcada antes?”
U: “Já.”
P: “P’ra ti e p’ra tua guria. Normalmente tu marca junto?
U: “ Marco junto.”
P: “Sempre deixa marcado previamente?”
U: “ Deixo.”
P: “E tu já sais da consulta e já marca ou tu marcas uns dias antes?”
U: “Não, eu já saio da consulta e deixo marcado.”
P: “ Facilita, né?”
U: “E´”
P: “Isto tu achas uma coisa boa?”
U: “ Eu acho.” (Rosemari)
A sistemática de agendamento não é exatamente igual para todos os
tipos de atendimento. A enfermeira responsável pela gerência da unidade
informou sobre os critérios de agendamento utilizados pelo serviço, o qual teve
início em abril de 1998, conforme descrito a seguir.
Para a Pediatria, independentemente de endereço do usuário o
agendamento pode ser feito em qualquer dia, em qualquer horário, na
recepção. Pode ser realizado para a primeira consulta ou para reconsultas na
proporção de 50% (oito) para a demanda do dia e 50% (oito) de consultas
agendadas previamente para cada pediatra. O agendamento pode ser feito
com até 15 dias de antecedência. O absenteísmo é mínimo, sendo encaixados
substitutos, em caso de ausência de clientes agendados. Os clientes são
77
marcados em blocos de horários, alternando-se os agendados previamente
com os do dia. São dados 15 minutos de tolerância aos agendados, em caso
de sobra de consultas poderão consultar ao final do turno, se houver atraso.
Essa estratégia, que tem sido empregada em serviços da rede municipal de
Porto Alegre, desde 1993, poderia ser associada à facilitação do acesso aos
serviços. A adaptação feita na unidade em estudo é a não obrigatoriedade de
ser morador da área de atuação, aspecto que poderia ser questionado, já que
os moradores da área, teoricamente, poderiam estar tendo dificuldades de
acesso. Como o atual estudo não se propõe a responder a essa questão, não
se pode afirmar, com certeza, que isso venha realmente ocorrendo.
Para a Ginecologia às quartas-feiras são agendadas 40
consultas/semana ( de 5
a
à 4
a
) o que corresponde a 100% da agenda. Para
mostrar exames, as clientes não entram na fila. Esse sistema não é
considerado o ideal, já que o agendamento só ocorre uma vez por semana, o
que limita consideravelmente o acesso pelo usuário, dificultando inclusive a
realização de procedimentos que necessitam de marcação prévia, como por
exemplo a colocação de Dispositivo Intra-uterino ( DIU ). Entende-se, porém,
que a sistemática adotada deve-se ao fato da existência de um único médico
ginecologista na unidade, o que por si só, restringe as possibilidades de
acesso.
Para a Psiquiatria as primeiras consultas são agendadas diretamente
com a enfermeira responsável pela unidade, à tarde, para evitar que os
usuários entrem em filas. As reconsultas são marcadas pelo próprio psiquiatra.
Exceto pela manifestação de uma auxiliar de enfermagem que disse haver
78
reclamações quanto à escassez de consultas em psiquiatria, não foi possível
identificar esse problema. O sistema de marcação de consultas parece
funcionar bem.
Para a Nutrição, as primeiras consultas e retornos podem ser
agendadas previamente sempre na recepção. Isso demonstra um critério
absolutamente universal de acesso, sem qualquer restrição, significando
grande facilitação pelo serviço.
No caso da Odontologia a marcação é feita semanalmente, de acordo
com o número de vagas que se abrem em função do término dos tratamentos,
já que os clientes entram uma única vez na fila e podem deixar marcadas as
consultas subseqüentes.
Vejamos o que nos diz Circe sobre o agendamento para a
Odontologia:
P: “Certo. Então, o seu atendimento já estava marcado hoje?”
U: “Estava marcado.”
P: “Já fica marcado o próximo quando a senhora sai do atendimento ou a
sra. vem mais perto da data do retorno p´ra marcar?”
U: “Não, eu venho mais perto p´ra marcar.”
P: “E aí a senhora vem com que antecedência? 1 mês?”
U: “Não, uns 10 dias.”
P: “Porque já está com autorização, né?
U: “ É.”
O documento utilizado para realizar o agendamento no balcão de
recepção, para qualquer tipo de consulta, é a carteira específica para este fim,
usada por diversos serviços da rede básica municipal.
Não vem sendo utilizado como critério de agendamento prévio o
endereço do usuário nem mesmo para as especialidades mais disputadas.
Segundo Unglert (1995), o estabelecimento de uma base territorial é
fundamental para a caracterização dos problemas de saúde de uma população,
79
bem como para a avaliação do impacto do sistema sobre aqueles e ainda para
o estabelecimento da responsabilização pelos serviços sobre sua população
adscrita.
Quando o usuário precisa do atendimento no mesmo dia, isso é
possível, porém é necessário chegar bastante cedo e disputar o lugar na fila.
Isso só não ocorre nas especialidades onde 100% da agenda é marcada
previamente.
P: “ Ok! ...então o atendimento pro dia de hoje não estava marcado antes,
né? Foi pega a ficha hoje.”
U: “ É´, porque se fosse agendar, ia ser só p´ro dia 4...ai prá mim não
dava...”
P: “4, agora de fevereiro, semana que vem?”
U: “ É, 4 de fevereiro, já ia passar, né?”
P: “Tu não queria esperar porque tu queria fazer a primeira revisão antes?”
U: “É, mas tem que fazer, né? Que o médico me orientou.”
P: “Qual é o hospital que tu ganhaste o nenê?”
U: “No Hospital de Clínicas.”
P: “ E o médico lá te pediu prá consultar com que idade do nenê?
U: “ Com 10.”
P: “ 10 dias?”
U: “10 a 15 dias, dentro deste período.”
P: “E tu te apressou prá vir logo, né?”
U: “É.” (Márcia)
P: “ Um hum. Então o senhor veio, mas não trouxe ele naquele horário, veio
sozinho prá pegar a ficha?”
U: “Não, vim e peguei a ficha às 7 horas, quando começaram a dar ficha...”
P: “Que ficha mais ou menos o senhor pegou? Prá pediatra?”
U: “Aqui. De manhã tinha 6 na minha frente. Aqui não me lembro, acho que
foi sétima ou oitava ficha.” (Josué)
“O meu cunhado, ele mora logo aqui em cima , então eu pedi para ele pegar
uma ficha pra mim, que eu estava precisando né. Aí ele veio então, ele veio,
consegui”. (Thais)
P: “E como é que foi para ti conseguir esta consulta hoje? Que horas tu
tiveste que chegar ?”
U: “Cedo. A minha mãe teve que acordar acho que 4 da manhã, estava
chovendo.”
P: “E ela veio pra cá que horas ?”
U: “Ela, acho que ela veio, ela saiu de casa às 4 da manhã. Quatro e cinco,
quatro e 10.”
P: “Tá. E ela... O posto abriu às 7 né? Aí ela conseguiu, qual foi a ficha?”
U: “A nº 1.” (Erica)
80
A dificuldade de acesso à consulta odontológica foi um dos problemas
levantados por 5 dos 17 usuários entrevistados. Porém, alguns salientaram
que, há muitos anos atrás (19, 20 anos), por diversos fatores, não havia tanta
dificuldade para obtenção do atendimento. Hoje, há um aumento da procura
em virtude do alto custo desse tipo de tratamento, pelo empobrecimento da
população, pela qualificação do serviço prestado na rede pública, pela política
de saúde bucal da cidade que garante o tratamento completado, permitindo
inclusive o acesso à periodontia e endodontia (Porto Alegre, 1995).
Conforme o relatório de Prestação de Contas 2000 da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre (Porto Alegre, 2000b), nos serviços próprios da SMS,
foram atendidas 48.312 primeiras consultas odontológicas e realizados 497.499
procedimentos no período de janeiro a novembro de 2000. Nos serviços
municipalizados, gerenciados pela PMPA, no mesmo período, foram realizadas
90.086 primeiras consultas e 1.144.639 procedimentos.
O atendimento odontológico beneficiou 2852 crianças de 32 escolas e
creches comunitárias da cidade, envolvendo ações de educação em saúde
bucal, fluorterapia, consultas e procedimentos (Porto Alegre, 2000b).
Entretanto, há uma alta demanda reprimida e uma grande disputa pelo
atendimento em toda a cidade e, em especial na U.S.Camaquã, que também
conta com um serviço de RX odontológico, aumentando-lhe portanto a
resolutividade. Em função desses fatores, os usuários precisam permanecer
em filas desde a madrugada:
U: “... a única queixa que eu acho que tenho, como todo mundo, é o
problema de dentista...prá gente conseguir dentista tem que dormir aqui, aí
é difícil né?...
81
Pelo fato de eu morar longe demais, prá mim tentar conseguir um dentista
eu acho que não só no caso neste posto acho que a maioria dos posto que
eu vejo muita queixa do pessoal que qué consulta com o dentista e tem que
dormir dum dia pro outro, se não tu não consegue, né?
Ainda me lembro que eu achava mais fácil ...porque o dentista era
diariamente prá a gente conseguir ficha. Então todo o dia a gente conseguia
ficha. Apesar que eu vinha 4h e meia, né, tirá ficha ...que eu vinha 4 e meia
/5 horas , mas era todo o dia que eu conseguia, agora né, é só um dia na
semana ...ainda tu tem que vim aqui né, que nem eu tava conversando
outro dia com o guarda ...
Prá mim é a maior dificuldade que eu encontro porque se eu morasse perto
também seria uma dificuldade, porque como eu ia deixar a minha filha, né,
porque ela mama de noite, no peito ainda, ela mama de noite, então seria
uma dificuldade, no caso eu teria que vim de barraca, estacionar aqui na
frente e ...”
P: “Que horas o pessoal costuma chegar? Tu sabes?”
U: “Eu andei pesquisando com o guarda, prá mim ter uma idéia mais ou
menos, diz que tem que chegar às 10 horas...”
P: “ 10 horas da noite?”
U: “... o pessoal chega bem antes, 10 horas é fechada a porta, daí não tem
aquele negócio, assim, ah por exemplo, se eu preciso que a Senhora fique
prá mim, eu tô cansada, preciso ir em casa buscar alguma coisa, descansar
um pouco, não dá prá fazer uma troca ...no momento que chega as 10
horas, que é fechada a porta, o pessoal fica aqui dentro”.
P: “O pessoal aguarda aqui dentro?”
U: “O pessoal aguarda aqui dentro. Né, então, no momento que fecha a
porta ali não ...”
P:“ Não dá prá entrar...”
U: “É, não tem mais troca, entendeu? O pessoal vem cedo...ele disse que
tipo 6 horas já tem pessoa aqui, já de mala e cuia.” (Marilda)
“ Prá dentista tem que posar toda a noite”. (Emília)
“ Fiquei toda a noite e não consegui” .(Ema)
Por essas manifestações, aqui registradas, podemos ter uma idéia das
dificuldades enfrentadas pelos usuários para a obtenção do atendimento
odontológico. Isso nos permite compreender porque alguns acabam por desistir
de tentar:
P: “A senhora já consultou alguma vez p’ro dentista?”
U: “Não porque não adianta.”
P: “ A senhora já tentou alguma vez vir na fila?”
U: “Não porque eu sei que não se consegue. A gente conversa com as
pessoas.”
P: “Com as vizinhas?”
U: “ E´.” (Marta)
Outros já desistiram, especialmente devido à sua idade avançada:
P: “A sra. já consultou aqui com o odonto?”
82
U: “Não.”
P: “Já tentou? Já veio prá fila?”
U: “Já, mas chegou na hora não consegui. Eu estou precisando, mas não
tento mais. Não se consegue.” (Zulmira)
Em compensação os serviços desenvolveram mecanismos internos
para amenizar a dificuldade de acesso, como podemos compreender através
da fala de Lúcia:
P: “E da primeira vez, como é que foi? Tu teve que enfrentar uma fila ou
não?”
U: “E´, geralmente as pessoas tem que vir ou ligar um dia antes prá saber
quantas fichas tem. Se há fichas, se houver fichas, muita gente já fica à
tarde de um dia pro outro, prá garantir uma vaga, porque é difícil, a procura
é muito grande.”
P: “Tu precisou passar por isto ou não? Como é que foi contigo?”
U: “Não, porque na época há 19 anos, quanto tempo dá? Deixa eu vê de
cabeça..”.
P: “Tu já és cliente há mais ou menos 11 anos, 12 anos.”
U: “Há 12 anos atrás eu peguei o primeiro Assunção (ônibus) que é às 6 da
manhã e eu consegui ficha. Às vezes não se consegue da primeira vez, tem
que tentar porque antes a gente não tinha esta facilidade de saber quantas
fichas tem, como agora. Se tu liga um dia antes e tu sabe que tem 4
fichas...”
P: “Tu já calcula que horário tem que chegar...”
U: “Exato, tu chega aqui tem 4 pessoas, tu pode ir embora porque tu sabe
que tu não vai pegar...Mas anos atrás não, tu tinha que ficar esperando a
Dra chegar para ver a agenda e ver quantas fichas teria.
P: “ E muitas vezes esperava em vão porque não tinha como encaixar..”.
U: “ Isto, não tinha ficha disponível.”
P: “ Então no começo tu teve que passar por esta primeira fila.’
U: “E´, agora não. Tá mais organizado, eles mesmo remarcam.
P: “ Hoje, por exemplo tu já vai sair daqui com o atendimento marcado ou só
com uma autorização para marcar?”
U: “Não, é marcado.”
P: “Já fica marcado.”
U: “A secretária do dentista já marca na carteirinha o próximo dia da
consulta.” (Lucia)
U: “Hoje eu tenho a consulta, aí fica marcado dentro de 6 meses, porque eu
sou, tem algumas pessoas que são clientes antigos, já vem de 10 anos
atrás...
P: “Certo. Este sistema então facilitou bastante?
U: “ Sim. Por exemplo, eu chegava 3 horas, aí eu não conseguia. Tem um
número limite, se tinha 10 por dia e vinham 20, 30 pessoas não era
possível.
P: “Dependendo do dia não adiantava mais.”
U: “... já conheço o atendimento, vale a pena esperar...e depois com esta de
agendar...” (Isaura)
Procurei informações com a auxiliar de odontologia sobre a integração
com a escola da região, pois ao contactar com os clientes que aguardavam a
83
consulta odontológica na sala de espera em busca de sujeitos para a
entrevista, verifiquei que uma criança havia sido encaminhada pela escola. A
auxiliar confirmou que há uma integração com uma escola municipal da região
(Neusa Brizola), através da qual são marcados alunos de lá, até mais ou
menos 12 anos, por meio de contato telefônico da orientadora educacional com
a unidade de saúde ou por encaminhamento escrito. Essa é uma orientação da
política municipal de saúde bucal, já que há muitos anos não existem
consultórios odontológicos nas escolas. A auxiliar comenta que são sempre
casos de grande necessidade. Diz também que a iniciativa partiu da chefia da
U.S., oferecendo o serviço à escola.
Quanto à sistemática de agendamento de consultas odontológicas,
sabe-se que são inúmeras as dificuldades em função da grande demanda
reprimida, e que diferentes tentativas têm sido feitas pelos serviços municipais
para atenuar o problema da falta de acesso pela população. Sabe-se que até
mesmo o sorteio de vagas em alguns locais foi tentado, como forma de evitar
as longas filas da madrugada e até mesmo a comercialização de lugares em
filas. A forma adotada pelo serviço em estudo tem muitos aspectos positivos,
como por exemplo a priorização de alunos das escolas da região, bem como
de clientes antigos para a garantia de tratamento completado e revisões
periódicas. No entanto, mais uma vez pode-se questionar se os moradores da
área de atuação, que deveriam estar sendo priorizados pelo critério de
territorialização, estarão sendo atendidos por seu serviço de referência.
84
Além da dificuldade de acesso ao atendimento odontológico foi
repetidas vezes citada a dificuldade de obtenção de consulta clínica e
ginecológica.
U: “... agora tá deficiente de médico. Agora não adianta. Acho que nem tem
clínico geral, porque só tem um, parece na parte da tarde...
E´, é...no caso...Ter mais médico na parte da tarde. Só tem um assim. Isso
é péssimo. Só um né. Só um clínico geral, se não me engano...Aí tinha um
monte de gente brigando na fila p´ro clínico, tava terrível...um queria passar
na frente do outro, porque eu acho que tem uma quantidade x de fichas e só
um médico p´ra atender, quer dizer que...”
P: “ Chegou a dar briga na fila?”
U: “Não chegou a dar briga(riso) eles tavam tentando se acertar ali, né?”
(Josué)
A falta de profissionais médicos em número suficiente em relação à
demanda é um problema gerencial que extrapola a dimensão da gerência da
unidade de saúde, passando pelo âmbito da gerência distrital, mas podendo
ser equacionado em outra instância de decisão, ou seja, pelo próprio
secretário, prefeito e câmara de vereadores, na medida em que a criação de
novos cargos passa por todas essas instâncias de deliberação.
No entanto, não se pode deixar de considerar que, mesmo com o
aumento do quadro de pessoal, não há garantia de que a oferta seja suficiente
em relação à demanda. Uma das alternativas seria valorizar a atuação de
profissionais com uma visão integral do indivíduo e com formação para atuar
junto à comunidade, em contraposição ao modelo baseado na especialização
do atendimento.
Foram também referidas condições inadequadas de espera até o início
do atendimento às 7 horas da manhã e feitas algumas sugestões:
U: “Bom, as sugestões que eu tenho é que eles mudassem o modo de
distribuir as fichas né, o pessoal chega muito cedo, é perigoso, é ruim, tem
gente que trabalha, que está cansado, precisa dormir né. O sistema de
horário das fichas é ruim e
outra também que eu...com outro especialista
que eu nunca consegui.”
P: “ O gineco?”
85
U: “É´. Tive que pagar a consulta que eu não consegui.”
P: “ Como é que tu fizeste para tentar?”
U: “É que aqui é uma vez por semana que dão ficha para o ginecologista, aí
eles agendam para a próxima semana, só que aí eu cheguei às 3 horas da
manhã e não consegui ficha.” (Erica)
U: “E aí eu não tô satisfeita exatamente com parte clínica que eu tô
precisando ... Fui encaminhada pelos outros hospital, nunca consegui
dentista aqui também, que eu queria, que eu tenho um problema sério de
dente, quero saber se eu tenho que arrancar todos, eu não tenho condições
de pagar. O meu marido é aposentado.
Mas quem veio pegá ficha p´ra mim foi meu marido.”
P: “ Ah tá! Que horas ele veio p´ra fila?”
U: “ Exatamente, ele saiu de casa 5 horas, 6 horas ele já tava aí porque
quinze p´ras seis ele tava na fila.”
P: “E aí ele conseguiu?”
U: “Conseguiu ficha”(Iria)
U: “Isto aí é uma crítica, eu queria que tivesse mais clínico. Pois é, ah! É
péssimo.”
P: “Faz tempo que tu não consultas com o clínico?”
U: “Faz, inclusive no ano passado no inverno, eu tô assim bem preocupada
com este inverno que vai vir, né? Porque no ano passado, eu também tenho
problema respiratório e eu não consegui consulta e foi muito ruim...
E´, eu acho que o serviço de ginecologia tem um médico que é muito bom,
todo o mundo fala muito bem dele mas, é muito difícil a gente conseguir .
P: “ Tu nunca consultaste com ele?”
U: “ Nunca consegui.”
P: “ Já tentaste?”
U: “ Tentei.” (Rosemari)
“E´ uma parte, um aspecto negativo que eu acho é na parte da ginecologia,
que é muito difícil de conseguir uma ficha, também tem a mesma dificuldade
do dentista. Tem que madrugar p’ra conseguir uma ficha, no inverno é
difícil, as pessoas ficam ali no frio (aponta para a rua) muitas vezes não
conseguem.. .” (Lucia).
Entre as sugestões ressalta-se uma, já levantada anteriormente por
outros entrevistados, no que tange às condições de espera a que são
submetidos os clientes que passam a madrugada na fila. Isso parece destoar
das características humanizadas de atendimento identificadas pelos usuários
participantes deste estudo e, aparentemente, na opinião deles, não seria algo
de difícil resolução.
As dificuldades apontadas quanto à forma como os usuários aguardam o
atendimento, durante a madrugada, parece ser problema de fácil solução, em
nível da gerência da unidade, com pequenas medidas de ajuste no que diz
86
respeito ao local de espera que aparentemente pode ser transferido para a sala
interna da unidade.
U: “ E outro problema é sobre esse pessoal que tá na rua, chovendo.
Inclusive o guarda tá na rua conversando com o pessoal. A porta aberta,
dois, três aqui dentro e gente na fila pegando chuvisqueiro, não sei porque
? Se é uma coisa que tem espaço pro pessoal ficá ali dentro. No inverno é
assim também. Porque eu já vim no inverno aqui tirar ficha, ficam sentados
naqueles bancos congelando, né? E aqui fica fechado até ás 6 e meia. Hoje
abriu 7 horas. Tava aberto. Ele tava conversando, mas ninguém tava ali
dentro. A porta aberta. (Josué)
U: “ Um apoio assim em relação a quem tá esperando p’ra pegar ficha lá na
rua, no relento, no inverno, o guarda poderia abrir e deixar entrar e ficar
esperando aqui dentro...as pessoas mais de idade, nem que ele tranque a
porta, qualquer coisa ali. O pessoal fica deitado no chão, né, quando tem
que posar ali p’ra pegar ficha.” (Lucia)
Essa questão estaria resolvida se fosse abolido o sistema de distribuição
de fichas no início da manhã, caso essa atividade pudesse ser diluída ao longo
do dia. Para isso, no entanto, há necessidade de maior disponibilização de
consultas, que não precisariam ser exclusivamente médicas. Nesse sentido, a
experiência do acolhimento adotada em Betim, demonstra a possibilidade de
melhor aproveitamento dos profissionais, entre eles o enfermeiro, conforme
citado por Bueno (1997).
Iria comentou também sobre a dificuldade de estabelecimento de vínculo
com os médicos clínicos atualmente, pela troca freqüente de profissional em
virtude de contratos temporários:
“Eu me tratei com quase todos os clínicos... Foi que começô essa troca de
clínico, né. Que agora o contrato de 1 mês, 2 meses, vai embora. Qué dizê,
não dá tempo do Dr. conhecê o paciente, né. Vô dizê assim eu, eu
realmente conheço a Dra.,. uma Dra. maravilhosa que me trato. Eu conheci
a Dra. Marlene, a Dra. Elizete, o Dr. Flávio, que ele foi embora daqui...
É, o clínico, não se consegue ficha pro ginecologista, eles querem que a
gente teje aqui 5 horas da manhã, 4 horas. Tem gente que pode, eu não
tenho condições de vim posá aqui. Tem pessoas que tem carro que pode
vim às 3 horas da manhã, eles vem, eles pode. A gente
que depende de
ônibus não tem condições. Dentista não. Faz 3 anos que eu também não
consegui..” (Iria)
87
A mesma cliente ressaltou ainda a dificuldade de acesso à consulta com
cardiologista, exemplificando que seu esposo atravessa a cidade para ser
atendido por este especialista no Centro de Saúde do IAPI: O que a gente quer é
mais médicos aqui e não ter que ficar viajando para outro lugar”.
Erica também falou a respeito da dificuldade de acesso a consultas
com alguns especialistas para os quais seu filho foi encaminhado pelo pediatra.
Lúcia refere-se à mesma dificuldade:
U: “ Outra coisa negativa que eu sei é...prá marcar o especialista, passa
pelo clínico, tem que pegar o encaminhamento e demora...”
P: “ Que tipo de especialista tu tentaste?”
U: “Ortopedista. Foi preciso ortopedista pro meu guri há mais de um ano e
eu não consegui aqui. Tive que passar pro outro posto e o outro posto me
conseguiu o especialista. Foi bastante difícil. Mas eu sei que é um problema
geral, que em qualquer posto de saúde acontece isto. Espera até um ano,
às vezes até mais.” (Lúcia)
“Eu tenho um problema, preciso de cardiologista. Não tenho. Faz tempo que
não consigo. Um clínico atende como voluntário pela associação (Dr. Régis)
aos sábados” (Ema)
Josué iniciou criticando bastante o posto, em função do mesmo
problema:
“ o atendimento não é bom... eu pedi uma ficha, uma vez prá coluna aqui,
que a Dra. Elizete me receitou e eu tava com um problema, não podia nem
caminhar...eu esperei 8 meses, vim aqui e a ficha ainda estava ali, eu retirei
a ficha, aí fui noutro hospital, onde fui atendido em 15 dias.”
No decorrer da entrevista, porém, percebeu-se que a situação relatada
acima foi a única ocorrida com ele que, na verdade, parece ter sido fruto de
uma falta de acesso da Unidade de Saúde ao exame especializado que o
cliente necessitava para um problema da coluna vertebral. Exemplificou de
várias formas estar usando o serviço e estar satisfeito com ele no que diz
respeito à pediatria, ginecologia, vacinas. Apontou problemas como falta de
clínico, conforme já apresentado anteriormente, reconheceu progressos e fez
88
uma sugestão quanto à melhoria das condições de espera durante a
madrugada:
P: “Uma sugestão que o senhor teria é o pessoal poder entrar para
aguardar?”
U: “É, porque se a pessoa já vem aí porque tá doente, tem gente que não
pode estar se molhando, e tava aí.!”
Entre as dificuldades de acesso referidas pelos usuários entrevistados,
foi citada algumas vezes a necessidade de um atendimento de urgência no
local:
D.Ema comenta que não há emergência para saúde mental.
“Além do que muitos se escondem, porque quem usa remédio e tem
depressão é louco. Quem convive com a gente sofre no final de semana.”
D.Luiza diz que o Postão é muito demorado.
“Vem gente de toda a parte. Nosso posto tinha que ter emergência.” (Diário
de Campo- D.C.13/3/00)
Essa necessidade foi confirmada durante a observação:
Por algumas vezes, observei que as funcionárias que faziam a recepção,
encaminhavam os clientes que chegavam ao Centro de Saúde próximo,
dotado de um serviço de Pronto atendimento 24 horas. Observei também
que numa manhã por volta de 9h30min, uma ambulância do Serviço de
Assistência Médica de Urgência (SAMU) aguardava uma criança de
aproximadamente 4 anos para remoção, com um quadro de bronco
espasmo importante, não revertido após duas nebulizações e já atendido
pelo pediatra da U.S. ( D.C. 13/01/00)
Solicitações por serviços de emergência freqüentemente são feitas por
lideranças comunitárias nas reuniões em que se discute saúde, porém,
serviços desse tipo são estruturas que envolvem grande volume de recursos
financeiros para sua instalação e, principalmente manutenção. Sua instalação
na cidade tem que ser amplamente discutida e, pelos estudos já existentes na
SMS, só se justifica em pontos estratégicos, atualmente desprovidos, o que
não é o caso da U.S.Camaquã por sua proximidade com um serviço de pronto
atendimento em outro bairro.
89
Stein (1998) relaciona alguns fatores que levam os indivíduos a preferir
consultar em um serviço de emergência, ao invés de buscar uma consulta
ambulatorial, entre eles o fato de a emergência estar aberta 24 horas por dia, o
que permite aos pacientes consultarem fora de seu horário de trabalho. Afirma
esse autor que muitas vezes um serviço de emergência é procurado não por
falta de acesso a serviços primários, mas sim por conveniência.
Um dos fatores que deve ser levado em conta no estudo do acesso
funcional é o tempo de espera que o usuário leva para obter o atendimento,
desde o momento de sua chegada ao serviço. Para demonstrar como ocorreu
com os sujeitos pesquisados, apresentamos estas informações através do
Quadro n° 5 (página 60). Vale relembrar que o tempo de espera pelo
atendimento variou entre 5 min e 1h25 min.
Um importante parâmetro para a medida do acesso funcional é a
disponibilidade de medicamentos aos usuários dos serviços. A maioria dos
depoimentos atestou a existência desse insumo na unidade estudada.
“ A medicação quase sempre a gente encontra aqui, né ? tudo o que
precisa tem ali....se não tem as gurias dizem que tal dia, quando tu passar
aqui tu pega..” (Marilda)
“ Dificilmente eu não chego aqui e eu não saio com meu remedinho na
mão.” (Dalvina)
P: “ Ela te receitou... eu vi pela tua receita que ela te receitou várias
coisas.Tu conseguiste todos os remédios, não?”
U: “ Só não consegui dois porque tão em falta. Que é o soro e a vitamina A
e D.”
P: “ Ela te receitou também Sulfa...”
U: “Antibiótico...”
P: “Normalmente tu encontra os remédios aqui?”
U: “Um hum, aqui sim.” (Maira)
P: “ Remédios? O que que o Sr me diz a respeito...de remédios? Tem tido
alguma dificuldade?”
U: “ É, a semana passada inclusive, a minha mãe tá fazendo uns exames,
eu vim prá pegar 2
a
feira e não tinha. Hoje, aquela moreninha que tava ali,
minha irmã de criação, veio pegar o remédio e tinha. Na semana passada
90
tava em falta, então eu acho que tá melhorando isso aí, né. Teve uma
época que não tinha, parece que agora tá melhor. É porque, graças a Deus,
a gente não ocupa tanto assim. Mas a gente conversa com o pessoal.”
(Josué)
P: “ Conseguiu o remédio aqui?”
U: “Aqui, eu consegui.”
P: “E a nebulização a senhora está fazendo todos os dias?”
U: “Tô fazendo. Fiz fim-de-semana lá na emergência, no Postão ...” (Iria)
Eventualmente há falta de alguns itens como relatou Erica:
U: “ Ah! Medicamentos não tenho do Posto.”
P: “Quando tu precisou faltou, não tinha?”
U: “É. Agora em dezembro, não tinha nem soro caseiro aqui. Soro caseiro
não, o hidratante. Não tinha na farmácia no Posto, né? Mais ou menos é
isso e às vezes o remédio tem que comprar.” ( Erica)
P: “A senhora pega seus remédios aqui?’
U: “ Sim.”
P: “Costuma achar todos ?”
U: “ Costumo.” (Marta)
P: “Costuma encontrar todos os remédios aqui?
U: “Às vezes sim.”
P: “E quando não tem, o que a senhora faz?”
U: “ Procuro em outros postos.” (Zulmira)
Alguns aspectos podem ser comentados no que diz respeito à
qualidade dos serviços oferecidos, que favorecem o acesso ao usuário, tais
como a flexibilidade de rotinas e a preocupação com a infra-estrutura, aspectos
esses detectados através da observação e também referidos pelos usuários.
Uma situação observada deu-se quando o psiquiatra esteve impossibilitado de
comparecer por um imprevisto e os clientes previamente agendados que o
aguardavam foram automaticamente reagendados, dentro de um espaço de
seis dias. Foi uma medida muito bem aceita por todos. Iria referiu que quando
precisa atualizar uma receita com o médico, isto lhe é permitido após o término
das consultas do dia, sem a necessidade de marcação de nova consulta.
Em outro momento foi possível observar a atuação das
auxiliares de enfermagem que não se movimentam a partir de uma
91
escala rígida. Para exemplificar essa afirmação, observei que há
uma responsável fixa pela sala de vacina, mas ela não se limita a
atender apenas ali, indo auxiliar onde é mais necessário no
momento. Isso também ocorre com todas as demais, que se
revezam nos procedimentos. Parece haver uma boa integração
entre elas e a divisão de tarefas parece ocorrer de forma harmônica,
sem conflitos e sem rigidez.
Thais, em sua fala, também salientou diversos aspectos
positivos do serviço, que envolvem a consulta com o pediatra, a
vacinação, a flexibilidade de rotinas quanto ao horário de
nebulização, no final da tarde e a limpeza do ambiente.
Erica referiu-se com muita satisfação a uma pequena sala que funciona
exclusivamente como local para troca de fraldas dos bebês, que a maioria dos
postos não tem. Isso demonstra uma sensibilidade da gerência do serviço
quanto a uma real necessidade com que as mães se defrontam em muitos
locais públicos.
A disponibilidade de múltiplos tipos de atendimento de saúde existentes
na unidade facilitam a vida do usuário e favorecem sua opção por aquele
serviço. É o que se depreende da fala de Zulmira: “Eu consulto com a nutricionista,
consultava com o clínico, vejo a pressão, quando tem remédio pego aqui...”
Existem cartazes divulgando a coleta de exame citopatológico para colo de
útero, o grupo de diabéticos , o período de férias do ginecologista, a regra
de exclusão do agendamento odontológico em caso de ausência a uma
consulta agendada, entre outros. (D.C 13/1/00)
Nas observações que realizei no serviço, nos contatos com a gerência da
U.S. e com os funcionários verifiquei a preocupação em dotar a unidade de
92
melhor infra-estrutura funcional, no que diz respeito a pequenas reformas para
aproveitamento mais racional da área física. Durante o período da coleta de
dados havia uma reforma em andamento na sala de curativos.
A manifestação a seguir demonstra o interesse da profissional pela
qualidade de seu trabalho e ao mesmo tempo exemplifica uma forma de
democratização da gestão do serviço, a partir da circulação de informações
entre a equipe:
Uma das odontólogas reivindica a troca do equipamento de RX dentário,
por dificuldade de fixação no local exato da face do cliente e sugere que, no
final do ano, quando ocorrer novo período para a solicitação de compra de
equipamentos isso seja incluído(D.C. 09/7/00)
Esses aspectos observados, relativos à preocupação da equipe e
gerência da unidade de saúde com uma infra-estrutura que garanta eficácia,
eficiência e conforto aos usuários, bem como a forma de organização do
proceso de trabalho com a necessária flexibilidade, sem no entanto, significar
desorganização estão de acordo com o que preconiza Merhy (1994), quando
levanta a questão da importância de estabelecermos uma nova relação de
compromisso entre usuários e trabalhadores de saúde e de procurarmos
constituir uma nova forma de gerir o processo institucional.
A organização do sistema de saúde na cidade definiu serviços de
referência em diversas áreas, entre as quais na área de saúde mental e a
unidade Camaquã é referência nesta área para seu distrito sanitário.
Essa reestruturação determinou uma relotação de diversos
profissionais dessa área, tendo sido deslocados alguns de outros locais para a
U.S.Camaquã, o que nem sempre ocorreu com plena satisfação por parte dos
envolvidos. Se essa medida político-administrativa trouxe alguma insatisfação
93
aos funcionários relotados, parece ter beneficiado os usuários, que passaram a
consultar mais perto de sua casa, a partir da descentralização dos serviços de
saúde mental.
U: “olha, eu fiquei conhecendo este posto aqui foi quando que...eu me trato,
me tratava lá na Alberto Bins, não é? Na psiquiatria e aí como lá fechou,
onde que eu moro pertencendo a Vila Nova, eu pertenço a esse lado, né?
Aí eu procurei aqui pra procura remédio, pra especialista de nervos, né?
Faço tratamento.”
P: “Então, mais ou menos, quanto tempo faz que a senhora está usando
aqui o posto? Que a senhora vem consultar aqui?”
U: “Ai, faz uns 11 pra 12 meses, porque eu trouxe a minha filha também.”
(Dalvina)
Foram identificados muitos fatores ligados ao acesso funcional, isto é,
ao acesso propriamente dito ao serviço de saúde. Cada um desses fatores
representou uma facilidade e/ou uma dificuldade, de acordo com as
circunstâncias envolvidas. É importante salientar que esses elementos
interagem entre si e com os demais, ou seja, com os relativos ao acesso
geográfico e econômico, bem como com os ligados ao acolhimento,
favorecendo ou não a resolutividade do serviço.
É importante lembrar, conforme enfatiza Unglert (1995), que para que
exista acesso real aos serviços de saúde, há necessidade de participação dos
servidores de nível local e da comunidade no processo, já que não se trata de
mera questão que possa ser planejada por técnicos em nível central.
5.2 Acolhimento
O acolhimento denota a postura dos trabalhadores da unidade para o
atendimento das necessidades de saúde do usuário. Essa postura, conforme
94
percebida pelos entrevistados, permitiu a constatação de fatores que facilitam
esse atendimento e evidenciou situações que geram dificuldades nas relações.
O encontro entre trabalhador de saúde e usuário traz à tona as
necessidades de ambos, as quais estão mediadas pelas diversas formas de
organização dos serviços de saúde (Matumoto, 1998).
Os fatores identificados como aqueles que denotam a qualidade do
atendimento foram: boa recepção, respeito ao usuário, relação humanizada e
bom desempenho profissional.
Apesar de ter havido um predomínio dos fatores facilitadores
identificados pelos usuários (quadro 8), também foram citadas algumas
situações pontuais de má recepção, falta de interesse pelo cliente e, até
mesmo, certa rispidez no tratamento. Foram referidas, no entanto, e
observadas preponderantemente situações que demonstram bom acolhimento.
QUADRO 8 – ACOLHIMENTO
FORMA DE
ABORDAGEM
DO USUÁRIO
FACILIDADES
Recepção
Respeito ao usuário
Relação humanizada
Desempenho profissional
Vínculo com o profissional
Confiança no profissional
Credibilidade do serviço
na comunidade
Recepção
Desempenho profissional
qualidade
Necessidade permanente
de um funcionário
95
Conforme já discutido quando se tratou do acesso geográfico, a
distância física entre o serviço de saúde e o local de moradia do usuário,
muitas vezes não se constitui impedimento para que este se desloque e até
use regularmente uma unidade, desde que outros fatores se sobressaiam.
Entre eles, a forma como o usuário é recebido pela equipe de saúde, e a
confiança advinda do tipo de atendimento oferecido, isto é, a competência
técnica dos profissionais gerando qualidade da atenção e, portanto,
resolutividade, são decisivos. Para ilustrar essas afirmações, selecionamos
algumas falas dos usuários entrevistados:
U:“ Mais perto, né, e mesmo morando longe a distância pra mim não é o
problema né, eu do um jeito porque aqui tem médicos muito bom, né...
então agora que no caso eu tô com a minha filha pequena eu voltei a
freqüentar de novo o posto, por causa que a pediatra que atende ela é a
Dra. Rosângela ...a mesma que atendia meu menino quando tinha 15 dias e
atendeu até bastante tempo né...
P:“ Tem um posto lá perto de casa. Tu não chegou a consultar lá?”
U: “ Já, já consultei. Mas é que...”
P: “ Aqui tu gosta mais!”
U: “Não sei, eu vou lhe dizer uma coisa...aqui eu tenho mais confiança nos
médicos daqui, sabe?
Não é que desdenhe o posto lá perto da minha casa,
não mesmo, porque tem funcionários competentes, excelentes também, né?
Mas eu prefiro a médica daqui, né. Por que eu tô acostumada, tanto uma
como outra, qualquer uma delas que eu tiro ficha, posso tira a ficha bem
tranqüila que eu sei que a minha filha vai ser bem atendida. Eles atendem
super bem. Todas as vacinas da minha filha eu fiz tudo aqui, né. Eu tô
acostumada a vir aqui, as gurias já me conhecem, me tratam super bem.” (
Marilda)
U: “ A vacina aqui é ótima.”
P: “Tu sempre faz aqui?”
U: “Sempre faço aqui.”
DIFICULDADES
96
P: “Tu nunca tiveste nenhum problema?”
U: “ Não, não.”
P: “ Gostaste do atendimento?
U: “ Gostei, aqui é bom.” (Erica)
“E´, da pediatria em geral eu gosto de todas as doutoras.” (Rosemari)
U: “Já consultei com a Dra. Rosângela (excelente), com a Dra. Marilúcia e
com a Dra. Ilda”
P: “ Gostaste de todas elas?”
U: “Todas elas maravilhosas.” (Rosemari)
Algumas clientes, mesmo consultando com um dos pediatras da
unidade em estudo, preferem continuar vacinando seu filho em outro serviço,
mais distante de sua casa, porque lá já tiveram boas experiências que lhes
permitiram adquirir confiança na equipe de enfermagem, responsável pela
vacinação.
P: “ Todas as vacinas tu faz lá (examino os carimbos contidos na carteira de
vacinação), e também o Teste do Pézinho tu fizeste lá, né?”
U: “ É que lá, eu sou atendida lá. “
P: “Mas fica mais perto p´ra ti aqui?”
U: “ Fica mais perto p´ra mim aqui.”
P: “ Tu já tava acostumada a ir lá antes? “
Usuária: “ Já .”
P: “ É? Tu gosta mais de fazer a vacina lá?”
U: “ É . Aqui eu nunca fiz.”
P: “ Não chegaste a fazer nenhuma vez aqui?”
U: “ É que lá tem umas mulher, que eu confio, né? ... e aqui eu tenho medo
de ...”
P: “Mas tu não tiveste nenhuma experiência negativa?”
U: “Não.” (Maira)
Merhy (1994) nos diz que o usuário espera, em sua relação com o
trabalhador de saúde, um certo grau de acolhimento, capaz de produzir
benefícios que alterem seu quadro de problemas de saúde, gerando ações
efetivas.
Márcia refere-se à opção que fez pela U.S. Camaquã, após o óbito de
sua primeira filha:
“É, eu ia lá na emergência quando ela tava mal, eles me diziam que era
ataque de bronquite, bronquite, nunca me falaram do coração da guria, né?
Então eu nunca confiei, depois disso eu não confiei mais lá naquele posto.
Então eu prefiro pegar uma pessoa que a gente já tem uma referência boa,
né?”
97
No que diz respeito à forma de abordagem do médico, algo bastante
valorizado e referido nas entrevistas, um dos critérios utilizados pelos usuários
é o exame físico que ele realiza, o qual entre outras coisas, pode determinar a
escolha do profissional e do serviço.
U: “É ... ou até mais cedo... a Dra. pode tá atendendo... porque ela revista
tudo, né?”
P: “Ela demorou contigo?”
U: “Ela demora com todo mundo. Ela faz geral.”
P: “ É? Tu observaste assim que ela faz um exame bem minucioso,
detalhado?”
U: “É, detalhado.” (Maira)
“Eu achei muito boa, bem interessada, pergunta, quer saber, vai atrás do
que a criança realmente tem, né...
Ele está com alergia, ela foi ver o ouvido foi ver a garganta.” (Erica)
Oliveira (1998) contribui para relativizar essa afirmação, já que em seu
estudo identificou diversos critérios referidos pelos pacientes para definir um
bom médico, entre os quais a ênfase é dada às qualidades de relacionamento
médico-paciente. O mesmo autor, no entanto, conclui que não há um modelo
único de “bom médico”.
O atendimento prestado pela nutricionista foi referido mais de uma vez
como sendo excelente:
“ Adoro... Ela tem paciência de escutar o que a pessoa diz, não é
como os outros”. (Iria)
U: “E o atendimento foi bom. E com a nutricionista também, apesar da
espera, eu fui super bem atendida. Até a nutricionista aqui no bairro, ela,
olha, ela é super bem conceituada, várias pessoas já me falaram, me
falaram sobre ela, que o trabalho dela é muito bem visto.
P: “ Vizinhos seus?”
U: “ E´, a gente mora aqui na comunidade. Vai ao colégio. Sabe? Então
todo o mundo conhece.” (Rosemari)
Campos (1994b) enfatiza a urgência da valorização da fala e da escuta
entre usuário e profissional para que se diminua a dependência do homem
98
moderno da instituição médica, no processo de resgate da clínica e da saúde
pública.
A relação usuário-profissional de saúde que se estabelece e, em
especial, as perguntas que o usuário se sente encorajado a fazer, as respostas
que obtém, ou os esclarecimentos e orientações espontâneas que lhe são
dadas, conferem-lhe a segurança necessária para enfrentar eventuais dúvidas
e dificuldades e aumentam a relação de confiança já existente.
U: “Fui muito bem atendida no setor de vacinas. Gostei. Eu achei o
atendimento ótimo...eu fiz perguntas...eu fui respondida..”
P: “Tu fizeste perguntas sobre alguns efeitos? Sobre alguma reação? “
U: “Sobre os efeitos. Alguma reação. Qual é a reação do nenê após a
vacina ? Se ia ter febre? Foi-me dito que sim, que o nenê ia ter febre, que
eu não me assustasse, que isso aí é normal e que qualquer coisa que eu
visse que não estava bem que eu procurasse o pediatra dele. Tive essa
orientação ali na sala de vacina.” (Jacira)
P: “Me diz uma coisa: me conta um pouquinho sobre este atendimento do
dia de hoje. O que tu achou?
U: “ É bom, foi muito bom! Eu gosto da Dra. né? Ela explica bastante as
coisas p´ra gente direitinho. Me receitou um remédio, apesar dela não
doente, mas p’ra... me explicou que ela tinha que ta com o narizinho sempre
abertinho, né? Não deixar trancar porque ela mama bastante...ela tá com
um bom desenvolvimento.” (Márcia)
P: “Tu costuma perguntar p´ra Dra. sempre durante a consulta? Tirar
alguma dúvida?”
U: “E´, dos remédios, quanto tempo? Se faz mal, se tem algum perigo? Se
dá mais cedo, mais tarde? Ela me explica tudo direitinho como deve ser.”
(Maira)
Merhy (1994) salienta que o usuário tem interesse de se tornar cada
vez mais autônomo, isto é, adquirir conhecimentos que lhe permitam cada vez
mais resolver seus problemas de saúde. Esse interesse, no entanto, não é
incompatível com o vínculo que vai se consolidando entre o usuário e sua
família com os profissionais e serviços de saúde. Foram identificados vários
clientes que freqüentam a unidade por muitos anos (ver Quadro 5 na página
60), o que permite fazer uma reflexão sobre a importância do acolhimento ali
encontrado.
99
P: “ Vem de outro bairro. Há quanto tempo a sra. utiliza aqui o posto?”
U: “ Com essa dentista, desde 88.”
P: “Puxa!”
U: “ Eu sempre venho e faço revisão com ela, né?”
P: “ Um hum.”
U: “ O atendimento para mim é ótimo!
P: “ Então já está fazendo aí, mais de 10 anos, não é? 12 anos quase.”
(Circe)
P: “Estão acostumados a freqüentar há muito tempo o posto?”
U: “Muito tempo, meu menor tem 14, o mais velho tem 19.”
P: “Desde pequeninhos eles vêm ?
U: “Desde pequeninhos e eu também. E´aquele amor de família. Até uns
anos atrás a minha mãe de 91 anos vinha. Vinha ao médico como se ele
fosse da família, aquela confiança, sabe assim uma coisa
excelente.”(Isaura)
Na família de Sr. Josué, a esposa consulta há muitos anos com o
ginecologista, ele com a clínica, que agora não está mais no serviço, e os filhos
preferencialmente com uma das pediatras. Embora, conforme ressalta Merhy
(1994), haja usuários que preferem não estabelecer vínculo com os
trabalhadores de saúde, recorrendo quando necessário a serviços de urgência,
essa família nos demonstra o contrário, assim como diversos outros sujeitos
desta investigação.
A boa recepção e a relação humanizada existente no serviço
investigado, não se restringe aos profissionais de saúde, estendendo-se a
outros membros da equipe, como podemos perceber através da fala de
Marilda:
“...tanto é que o guarda mais antigo daqui é da época que eu tava grávida
ainda... do meu filho. Ele me disse: ‘tu te lembra ?’ (eu tinha me esquecido
deste detalhe ) ‘tu lembra uma vez que tu ia saindo daqui por este corredor,
que tu caiu de barriga?’
Tu saiu chorando’ Eu nem me lembrava – Ele disse : ‘Tu tá ficando velha’.”
Chama a atenção nesta U.S. o trabalho dos guardas que
constantemente estão informando os clientes e chamam de três em três
aproximadamente, conforme a seqüência numérica de fichas para cada
100
médico, ordenando tranqüilamente a clientela enquanto aguarda o
atendimento: Observo um guarda mais antigo ensinando um mais novo a substituí-lo nesta
tarefa enquanto vai tomar um cafezinho. São 9h30min (D.C. 17/4/00)
No entanto, esta mesma cliente já deve ter enfrentado situações de má
recepção no serviço em estudo, pois refere-se a isso, embora de forma suave:
“ Claro tem algumas que a gente vê que tá com o “pé meio destapado” mas
isso é normal né, eu não, não, isso aí não é motivo para gente tá se
estressando com elas. Cada um sabe do “seu sapato onde aperta” e eu
acho que é só isso aí.” (Marilda)
Outras clientes, porém, foram mais incisivas quando se referiram ao
assunto:
U: “ Ontem eu vim aqui com outro Dr. né? Ai, o nenê tava com febre e eu
pedi pruma moça que ...p´ra medir a temperatura dele e ela pediu p´ra mim
sentar no banco e não me chamou. Deu tempo de o médico me atender .”
P: “ Ela esqueceu de ti ali?”
U: Esqueceu.” (Maira)
“ Sempre fui muito bem atendida pela parte da manhã, sempre digo aqui
p´ra doutora que trata da minha pressão, que a equipe da manhã é
maravilhosa. Mas não todos, os últimos... Do ano passado até agora eu não
tô satisfeita com a parte da tarde, principalmente da dra” (Iria)
“ Eu acho que o atendimento ruim aqui é ali na recepção... É de má vontade
mesmo. Ali na recepção é bem má vontade.... A recepção geralmente do
Posto aqui eu acho péssima. Às vezes tu sente porque tu sabe quando a
pessoa está fazendo um serviço, e tu acha que vai esperar mas sabe,
quando a pessoa sabe e não te atende, que tu está ali há horas, para dar a
carteirinha. Mas o resto do posto é muito bom.” (Erica)
U: “ Me chamou a atenção uma coisa ruim...Tem uma funcionária ... ela é
super grosseira... A última vez até era ela que tava ali marcando
consulta..”.
P: “Ali no balcão de recepção?”
U: “E´, ali. Muito mal. Mas era gritante, assim como eu lhe disse, né? Eu tô
sempre aqui na comunidade e de pessoas comentarem: Bah, meu Deus,
aquela funcionária é terrível. Eu acho que de repente até talvez ela tenha
mudado, com o horário que tem menos gente. Isso aí é uma coisa que tem
que falar na Secretaria de Saúde.” (Rosemari)
Dos 17 entrevistados, 2 referiram situações de má recepção, por parte
de uma funcionária e de uma médica. No caso de Iria houve um mal entendido
gerado pela forma ríspida de falar da médica com ela, porque a cliente
101
confundiu-se na ordem de sua consulta. Isto provocou uma ida a outra unidade
de saúde e uma repetição desnecessária da consulta previamente realizada.
Este é um exemplo de um atendimento resolutivo, se considerarmos o aspecto
estritamente técnico, não acompanhado de um bom acolhimento, já que o
segundo médico consultado manteve a mesma conduta da primeira consulta.
As experiências descritas por Leite, Maia e Sena (1999) e Franco,
Bueno e Merhy (1999), buscaram reorganizar os serviços, na tentativa de
garantir acesso universal, resolubilidade e atendimento humanizado, isto é,
inverter a lógica do atendimento de quem chega primeiro para quem precisa
mais. Nesse sentido todos têm que ser ouvidos, e, na medida do possível, ter
seus problemas de saúde atendidos.
Campos (1994b) afirma que o acolhimento deve ser capaz de
desencadear a criação de formas alternativas para a resolução dos problemas.
Leite, Maia e Sena (1999), em estudo realizado em Belo Horizonte,
relacionam facilidades e dificuldades para a construção do acolhimento,
identificadas pelos trabalhadores em saúde, ligadas ao processo de trabalho e
aos profissionais. Entre as dificuldades foram identificadas: a falta de
articulação da equipe, não compreensão do processo de trabalho, a falta de
protocolos clínicos, o acúmulo de trabalho para o enfermeiro, a carência de
recursos humanos, o excesso de demanda e a inadequação da área física.
Também foi levantada a falta de interesse dos profissionais. Entre as
facilidades para a construção do acolhimento foram apontadas: a
disponibilidade, a integração, o bom relacionamento entre os profissionais e a
aceitação da nova sistemática pelos usuários.
102
Usuárias como Dalvina e Lúcia deixam de ir à unidade de saúde que
fica quase ao lado de sua casa para ir à U.S.Camaquã, exatamente porque
foram mal acolhidas no serviço que deveria ser a sua referência. Merhy (1994)
nos alerta para a frieza, aparentemente científica, que caracteriza muitos
profissionais de saúde, os quais valorizam os procedimentos em si na
abordagem dos usuários.
Houve um predomínio, entre as manifestações dos sujeitos
entrevistados, quanto à vivência de situações de bom acolhimento na
U.S.Camaquã, materializadas por boa recepção e respeito ao usuário por parte
da equipe.
“ A medicação quase sempre a gente encontra aqui, né ? tudo o que
precisa tem ali....se não tem as gurias dizem que tal dia, quando tu passar
aqui tu pega ou então...sabe são muito atenciosas ...é o que sempre me
prendeu neste posto aqui né, é o paciente ser bem tratado, porque eu já
freqüentei outros postos ...eu acho assim que aquelas moça do guichê elas
são super mal educadas, né não só comigo pelo fato de eu ser nova ...com
pessoas de idade elas são super estúpidas, né? Então eu acho assim que
no momento que tu estudou, tu fez faculdade, que tu tá ali dentro prá
atender, prá lidar com o público, o mínimo que tu tem que ter é um pouco de
...ser generosa com as pessoas e um pouco de educação que isso faz
muito bem né? E isso aí tem alguns posto que já não é assim, né? E este
aqui eu não tenho queixa das ...né de nenhuma delas, por isto que eu
atravesso a cidade prá ser bem atendida ...não só prá mim, como prá minha
filha também...” (Marilda)
“Ah, eu acho muito do bom, muito bem atendido aqui, eu e minha filha, ela
diz: Mãe que maravilha isto aqui, não parece que a gente mora perto do
posto lá que não faz ...(propositadamente interrompe-se) aqui eu não tenho
queixa de nenhuma enfermeira, acho tudo legal, os guarda, desde guichê,
da marcação de consulta, desde farmácia a gente tem um atendimento
especial...” ( Dalvina)
“Funcionários tratam a gente bem, como pessoa ...Muita gente trata os
outros como bicho (ri) eu já vi, eu já passei por isto. São bem educados
(sorri). Muito bom.” (Maira)
“A Dra. Ilda ? Mas é uma dra. maravilhosa, hum, hum. Todos os pediatra
que tão aqui são maravilhosos.” (Iria)
U: “ ... eu vim para agendar, eu nem sabia que agenda às 4as. feiras né, eu
vim agendar ginecologista para a minha guria que tem 18 anos...mas é que
graças a Deus, falando com a Beatriz, enfermeira; acho que é enfermeira.”
P: “ É funcionária administrativa.”
103
U: “ É administrativo ali... Muito querida, adoro ela porque muitas vezes ela
quebrou o meu galho...
Daí ela falou, Sueli: eu vou ver se tem alguma desistência, se tiver, eu te
encaixo. Fui a última a ser atendida. Todos os enfermeiros, não tenho
queixas. Todos os enfermeiros não tenho nenhuma queixa deles aqui, o
posto é maravilhoso! Não, prá mim está tudo bem, está tudo legal. Sempre
que precisei
para a família fui bem atendida, graças a Deus” (Sueli)
Uma das formas de manifestação de respeito ao usuário, que foi citada
por Dalvina e Maira, é a pontualidade habitual dos médicos. Esse fator
contribuiu para que Dalvina não apenas se conformasse com a ausência do
psiquiatra, que ocorreu quando fazíamos uma observação, mas também saísse
em sua defesa junto à outra cliente muito revoltada por ter esperado em vão
pelo profissional. A situação observada motivou meu interesse por entrevistá-
la, já que demonstrava a existência de um bom vínculo entre a cliente e o
médico. Oliveira (1998) relata que encontrou na urna de reclamações sobre o
serviço básico investigado, referência ao atraso dos médicos para as consultas
marcadas, o que demonstra a importância dada a este aspecto.
A rapidez no atendimento do balcão de recepção, de manhã cedo,
após a abertura do posto, também foi citada por Josué para exemplificar o bom
atendimento .
Entre as falas dos usuários, no que diz respeito à questão do
acolhimento, destaca-se a fala de Thais, uma menina de 15 anos, que foi à
consulta com o ginecologista com a suspeita de uma gravidez indesejada,
pelas circunstâncias psicológicas, sociais e familiares que ela está vivenciando
no momento. A suspeita confirmou-se e ela relatou que uma funcionária
conversou com ela antes da consulta médica, ajudando-a muito a sentir-se
melhor diante da perspectiva da mudança de vida. Essa pessoa verificou-lhe os
sinais vitais, pesou-a e fez os registros prévios à consulta. Foi a mesma
104
funcionária que a atendeu no balcão, marcando-lhe a consulta e conversando
de forma cordial. Essa atitude permitiu que Thais diminuísse sua ansiedade em
relação à consulta e se sentisse mais segura. Isso também ocorreu, segundo
ela, porque conversou com outras clientes que se achavam na sala de espera:
“ ... eu falei com uma das senhoras ali fora, todas elas tiveram pontos positivos sobre o Dr., e
eu já me acalmei.”
A opinião de outros usuários, dos familiares e vizinhos sobre os
serviços prestados pela unidade de saúde e sobre o desempenho profissional
dos membros da equipe que nela atuam, é fundamental e rapidamente se
difunde, influindo decisivamente sobre quem se aproxima pela primeira vez do
serviço. Essa constatação corresponde ao resultado encontrado por Santos
(1995) em estudo de avaliação da qualidade dos serviços públicos, sob a ótica
do usuário.
Isso ficou claro em vários depoimentos, entre os quais o de Marta:
P: “ A senhora acha que agora sabe mais sobre a doença do que antes?”
U: “Eu praticamente não sabia nada da doença. Agora eu não tenho mais
medo. Antes eu pensava muito sobre isto. Perdi noites de sono pensando.
Agora eu acho natural porque vejo que tanta gente tem a mesma coisa.”.
P: “Como chegou aqui? No grupo?”
U: “Falavam muito bem. - Conversando com as vizinhas.”
Lúcia confirma esta afirmação dizendo que:
P: ”Teu guri já está em acompanhamento há tempos?”
U: “Desde os 7 anos.”
P: “ E´, que idade ele está agora?”
U: “12 anos de idade.”
P: ”12. Opa! Sempre aqui com a mesma Dra.?”
U: “ Sempre aqui com a mesma Dra.”
P: “ Que bom, e tu lembra aqui quando tu começaste como é que foi? Quem
é que te encaminhou? Foi por tua iniciativa, ou como é que foi?”
U: “E´, a minha sogra mora no Camaquã, então tem esta informação, né. E
através dela eu soube da odonto–pediatra, do atendimento aqui.”
Ema, integrante do grupo de mulheres, relatou que:
“ Quando cheguei, alguém no guichê informou que haveria psicóloga”.
105
Ao tomar informações sobre a psicóloga, com uma cliente,soube que ela
era ótima. (DC, 13/03/2000)
Embora haja situações em que os primeiros contatos do usuário com o
profissional não se dêem de forma empática, é interessante observar como a
continuidade do acompanhamento pode desfazer a primeira impressão:
“ No começo do tratamento eu achava a Dra. odonto pediatra um pouco
severa, talvez seja a maneira dela de ser, um pouco agressiva. Mas hoje eu
já acostumei, também cada pessoa tem a sua maneira de ser, né? Não
deixa de ser uma boa profissional. Eu acho bom o tratamento. Ele se trata
aqui desde os 7 anos e vai continuar se tratando.” (Lucia)
A mesma cliente, Lúcia, levanta como ponto positivo a organização do
serviço e a educação dos funcionários
“..Não digo em todas as áreas, mas pelo menos, na odonto pediatria é bem
organizado, as pessoas são bem educadas, os funcionários são educados.
Isto é um ponto positivo porque em outros postos tu não encontra isto.
Geralmente as pessoas quanto mais humildes chegam prá receber o
atendimento são mal tratadas. Então aqui não existe isto.”
Para esclarecer a importância que atribui a um bom acolhimento, por
parte da equipe de recepção, faz uma comparação com uma empresa privada:
“É porque quem é que te recebe na empresa. Se a recepcionista recebe
mal, o cliente não vai fugir? A mesma coisa no posto: o paciente que é
recebido mal não volta mais.”
Lúcia apresenta de forma muito clara aquilo que habitualmente ocorre
quando nos dirigimos a um estabelecimento comercial, isto é, se formos mal
tratados ou recebidos com desatenção, certamente não retornaremos e nossa
opção recairá sobre outro estabelecimento do mesmo gênero. Porém, em se
tratando de serviços de saúde, isso nem sempre é possível, pelas dificuldades
inerentes ao usuário, conforme já discutido quando se tratou da questão do
acesso. Portanto, algumas vezes o indivíduo se obriga a retornar a serviços de
saúde nos quais identifica um mau atendimento, por falta real de opção,
especialmente em virtude de suas limitações de ordem econômica. `A medida
106
que os serviços da rede básica se qualificam e aumentam numericamente,
ampliam-se para o usuário as possibilidades reais de acesso.
A fala de Circe resume o pensamento da maioria dos entrevistados a
respeito da qualidade do atendimento prestado na U.S.Camaquã: “Eu acho que o
atendimento aqui neste posto é de primeira. Muito bom
”. Esse aspecto foi corroborado
por Rafaela, quando se manifestou sobre o atendimento recebido no dia da
entrevista
“Foi muito bom. Eles tratam muito bem as pessoas. O melhor que eu acho daqui é
o bom atendimento.”
No grupo de mulheres, questionei sobre o significado da participação
no grupo e obtive depoimentos muito interessantes, como o que segue:
“Considero-me privilegiada por estar aprendendo neste grupo. Este grupo foi uma bênção.”
(Luiza)
Esses depoimentos falam por si e dizem do significado e da
importância que essas mulheres atribuem a um grupo como esse, oferecido na
unidade de saúde. Quando fiz uma das observações no grupo de mulheres,
chegou uma nova participante, Leci, que foi muito bem recebida, como
podemos perceber pela seguinte manifestação de Neiva: “ Este grupo vai te ajudar
muito. Até onde tu pode ir, até onde tu vai agüentar. Eu estou há dois anos. Me ajudou muito.”
Numa das observações que realizava na sala de espera, fiquei
impresionada com a alegria com que os clientes chegavam para participar do
grupo de diabéticos.
No dia da reunião do grupo de diabéticos que observei, percebi uma forma
sutil de acolhimento praticada pelo médico coordenador (Dr.Fernando), que
denominei de respeito ao usuário, identificada no momento em que ele
responde à pergunta de um participante sobre a eficácia dos chás caseiros:
“O chá de Jambolão funciona, tem que saber fazer. Não pode ser muito
forte.” e vai além disto, tranqüilamente cede espaço de seu tempo como
educador no grupo para que um senhor que comparecia pela primeira vez
(Sr. Alceu) pudesse comentar um método natural que o curou(apresentou
uma erva de chá). Dr. Fernando salientou que não tomassem a erva errada,
107
cujo exemplar foi trazido pelo sr. Alceu para demonstração. Dr.Fernando
esclareceu também os benefícios de frutas e verduras associadas a outras
formas de tratamento.
(D.C.16/03/00)
Considerei extremamente expressiva a atitude do Dr. Fernando que
mesmo estando aposentado e, portanto, colaborando voluntariamente na
realização sistemática do grupo de diabéticos, preocupou-se em continuar
atendendo os clientes do grupo que necessitassem de maior controle, em vista
da ausência momentânea de um clínico na U.S.
Verifiquei o interesse demonstrado pelo grupo, em função da
ampla presença de pessoas (clientes ou não), certamente em função
da forma de condução da atividade. A irmã de uma cliente, mesmo
não sendo moradora da cidade compareceu à reunião, assim como
Alceu, que descobriu o grupo e pediu uma oportunidade para dividir
com outros de forma solidária sua experiência.
Constatou-se a simplicidade e ao mesmo tempo a
profundidade dos conceitos trazidos pelo médico coordenador do
grupo, que abordou questões importantíssimas em linguagem
absolutamente acessível a qualquer participante. Isso não é algo
comum entre os profissionais médicos, que aliás dificilmente
interessam-se em tomar parte neste tipo de atividade e têm reais
dificuldades de fazê-lo por falta de preparo específico. A iniciativa, a
coordenação e realização de grupos costuma ser de outros
profissionais como psicólogo, enfermeiro, assistente social,
nutricionista, mas dificilmente do médico, exceção feita ao médico
geral comunitário. Especialmente se considerarmos que se trata de
108
um especialista, no caso endocrinologista. Não podemos deixar de
considerar que Dr. Fernando foi por muitos anos o clínico da
Unidade. E o mais interessante é que mesmo aposentado continua
desenvolvendo essa atividade e tem grande carisma entre a equipe
e a clientela. Entende-se perfeitamente que isso se deve a sua
dedicação e faz parte não apenas de seu perfil profissional mas
também pessoal, conforme já me havia sido relatado pela
coordenadora da unidade. Isto foi claramente manifesto quando
expressou sua preocupação com os clientes descompensados,
tendo afirmado:Vou ter que fazer um esquema para atender vocês...”. Essas
palavras e sua atitude traduzem bem as noções de vínculo e
responsabilização comentada por autores como Merhy (1997).
Seu interesse foi demonstrado também na preocupação em
fornecer folhetos educativos peculiares às necessidades dos
clientes. Com criatividade respeitou a individualidade dos
participantes, sem a preocupação com padronizações, mesmo
tendo um grupo inesperadamente grande do ponto de vista
numérico. Soube improvisar diante da impossibilidade de uso do
quadro branco e explorou bem os livros trazidos. Permitiu a
participação dos clientes, através de um clima de informalidade, que
traduziu-se na espontaneidade das perguntas e colocações. Enfim,
demonstrou respeito aos usuários e preocupação com as questões
sociais quando comentou os custos do tratamento. A observação
desse trabalho mais ainda reforçou a importância e o alcance dos
109
grupos educativos como atividades fundamentais em saúde pública,
onde se pretenda consolidar um modelo de atenção que não seja
apenas baseado na consulta médica. A postura do coordenador do
grupo demonstrou ser de responsabilização pela qualidade da
assistência, o que denota um profissional de saúde altamente
engajado do ponto de vista ético, moral e social, preocupado com o
direito dos usuários de serem mais autônomos e saudáveis. Campos
(1994b) nos diz que o trabalho em um centro de saúde pode ser um
espaço para a realização profissional, para o exercício da
criatividade, para sentir-se útil e transcender o papel tradicional do
trabalho e a alienação social.
Ao final da atividade no grupo de diabéticos, Dr. Fernando retira-se para um
consultório para atender individualmente os clientes descompensados,
identificados pelo teste de glicemia realizado antes da reunião. Solicita a
minha ajuda no recolhimento dos cartões individuais de controle junto aos
clientes. Recolho os cartões, examinando e comentando os resultados com
cada um. Mostro ao enfermeiro Marcelo uma sra. cuja glicose estava em
400, que me afirmou estar fazendo tudo o que lhe é recomendado: a dieta,
insulina, exercícios. Tem consulta marcada na Medicina Interna da Santa
Casa daqui a um mês. Ele fica conversando com ela que logo após dirige-
se à farmácia para pedir insulina. Logo após, observo que ela fica
aguardando com mais 5 pacientes para falar com o Dr. que continua
atendendo a paciente que sentia-se mal e não havia participado da reunião.
Reforço junto àquela cliente mais descompensada a importância de
aguardar para falar com o médico e faço-a refletir dizendo-lhe que algo não
está bem; a alimentação, a dose de insulina ou talvez o exercício físico.
Digo que ela não pode aguardar um mês para consultar, pois a glicose está
muito alta (D.C.20/01/00).
Na semana seguinte, o atendimento aos clientes do grupo deu-se de
forma individual, contando com a participação do enfermeiro da U.S. em
conjunto com o Dr.Fernando, através do exame dos pés e de orientações
específicas a respeito. Isso demonstra que a criatividade pode colocar em ação
múltiplas formas de atendimento das demandas de uma comunidade, não
necessariamente centradas apenas na consulta médica. Segundo Merhy
110
(1994), a superação do modelo assistencial liberal-privatista passa pelo
tratamento aos usuários como sujeitos portadores e criadores de direitos. Essa
modalidade de atendimento em conjunto pelo médico e pelo enfermeiro,
exemplifica a afirmação de Merhy (1997) de que as ações do trabalhador em
saúde podem elevar-se acima da quotidianeidade, buscando alternativas no
desempenho profissional que incluam a preocupação com o acolhimento das
necessidades do usuário.
Franco, Bueno e Merhy (1999) afirmam que o acolhimento pretende
uma inversão da lógica de funcionamento do serviço de saúde, buscando
atender a todas as pessoas que o procuram, através da escuta, resolubilidade
e atendimento humanizado. Isso só pode dar-se através de uma alteração na
forma de relação trabalhador-usuário, no sentido do exercício da solidariedade
e cidadania e do deslocamento do eixo da posição central do médico para a
valorização de uma equipe multiprofissional.
Foi possível perceber que aspectos ligados ao serviço e ao usuário
facilitam ou dificultam o acesso ao mesmo, entre os quais, os que poderiam ser
classificados como geográficos, econômicos e organizacionais. Do mesmo
modo, o acolhimento existente na unidade de saúde tem papel primordial para
que a escolha do cliente recaia sobre ele, superando eventuais dificuldades e
determinando de forma concreta um vínculo duradouro entre usuário e serviço.
111
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O acesso e o acolhimento são elementos essenciais a serem
considerados em estudos que buscam avaliar a qualidade dos serviços de
saúde. Em especial, a opinião dos usuários precisa ser, cada vez mais, levada
em conta por políticos, administradores e técnicos da área de saúde, tanto no
planejamento quanto na alocação de recursos humanos, materiais e
financeiros.
112
O foco desta investigação consistiu na perspectiva dos usuários de um
serviço da rede básica de saúde sobre o cotidiano do atendimento recebido,
tomando por base o acesso e o acolhimento, tendo por pano de fundo as
mudanças organizacionais imprimidas, em virtude do processo de
municipalização, que trouxe consigo a mudança do gestor dos serviços na
cidade.
O desafio de mudança nas características do modelo assistencial
predominante, centrado na queixa-conduta e na figura do médico, ainda se faz
presente, e passa pela necessidade de significativas transformações, no que
diz respeito às possibilidades de acesso a um atendimento de qualidade e de
uma real acolhida às necessidades de saúde do cidadão. Medidas nessa
direção influem decisivamente sobre a procura pelo tipo de serviço,
contribuindo para a reorganização do sistema como um todo, de modo a torná-
lo menos centrado no hospital e na supervalorização das especialidades
médicas.
Este estudo identificou elementos da estrutura do sistema de saúde, do
processo de trabalho e do próprio usuário, que facilitam e dificultam o acesso e
o acolhimento desse ao atendimento. Houve um predomínio de elementos
relacionados ao tema do acesso em relação ao do acolhimento. A partir disso,
se pode sugerir a necessidade de um aprofundamento, em estudos futuros, no
que diz respeito à questão do acolhimento.
Os usuários apontaram facilidades e dificuldades de acesso,
considerando-se os aspectos geográficos, econômicos e organizacionais. No
primeiro grupo destacaram-se a forma e tempo de deslocamento, bem como a
113
distância entre moradia do usuário e serviço de saúde. Verificou-se que os
aspectos econômicos e organizacionais pesam bastante na escolha do serviço
pelo usuário, porém o acolhimento é fator preponderante sobre os demais,
determinando a escolha. O vínculo que se estabelece em função desse
conjunto de elementos facilitadores dá origem ao tempo de uso do serviço, o
qual mostrou-se bastante significativo, no caso do grupo de sujeitos estudados.
As dificuldades identificadas, no que diz respeito ao acesso, foram
predominantemente quanto à obtenção de consultas odontológicas, de clínica
médica e ginecologia. Também foram referidas dificuldades de acesso a certos
tipos de consultas com especialistas, tais como: cardiologista, ortopedista,
neurologista e a exames especializados.
Quanto ao acolhimento, identificou-se que a forma de organização do
serviço e a competência profissional da equipe foram fatores de grande
importância, geradores de facilidades e satisfação por parte dos usuários,
embora tenham sido referidas dificuldades pontuais com alguns elementos da
equipe.
Ainda, durante o período de realização do estudo, e
independentemente deste, foram tomadas medidas gerenciais no sentido de
melhorar o acesso à consulta de clínica e de ginecologia, através da
designação de um profissional médico de cada uma dessas áreas pela
Secretaria Municipal de Saúde, o que certamente amenizou as dificuldades
apontadas pelos usuários. Seria necessário ampliar um pouco mais esse
quadro funcional com, pelo menos, mais um médico clínico, um ginecologista-
obstetra e um odontólogo.
114
A gerência do serviço estudava uma proposta de criação de um pronto-
atendimento em odontologia para propiciar uma facilitação do acesso a esse
atendimento, sem no entanto, deixar de oferecer a possibilidade de tratamento
completado à maioria dos clientes, ou seja, seria disponibilizado um
atendimento híbrido, exatamente conforme o preconizado por um modelo
assistencial voltado para as necessidades do usuário sem descuidar-se dos
parâmetros epidemiológicos.
Com relação aos problemas ligados às condições de espera dos
usuários, durante a madrugada, conforme eles mesmos sugeriram, creio que é
possível resolver permitindo-lhes a entrada na sala de espera principal da U.S.,
ainda que seja necessário barrar a passagem, nesse horário, para outras áreas
do prédio.
Podemos afirmar que a unidade em estudo ainda trabalha nos moldes
tradicionais de organização, centrada na consulta médica, através da
distribuição de fichas, onde não se conseguiu eliminar a fila e muitos usuários
ainda deixam a unidade sem ter seu problema resolvido. No entanto, há uma
preocupação forte com o atendimento humanizado e os entrevistados em sua
maioria referiram-se a isso como algo concreto no cotidiano do serviço. Os
demais membros da equipe de saúde (não-médicos) que realizam o
atendimento, foram citados como profissionais competentes e por isso
respeitados na comunidade. Há uma série de medidas gerenciais que vêm
procurando atenuar as dificuldades de acesso a que estão submetidos os
usuários do serviço. Isso demonstra uma certa fase de transição em que se
situaria o serviço, na tentativa de melhor atender às necessidades da
115
população, especialmente da população mais carente residente no território de
sua responsabilidade. São medidas que buscam o aperfeiçoamento do trabalho
em saúde e que, segundo Merhy (1997), devem estar pautadas pela ética do
compromisso com a vida.
Um aspecto que merece ser ressaltado é a necessidade que existe de
ser repensado o processo de trabalho de enfermagem, a partir de uma
avaliação mais detida do trabalho do auxiliar de enfermagem e do enfermeiro.
Algumas tecnologias do processo de trabalho precisam ser revistas, tais como
a triagem, o trabalho com grupos, a consulta de enfermagem, entre outras,
como meios que podem favorecer a mudança de lógica do sistema, de modo a
torná-lo mais centrado no sujeito e na equipe.
A ampliação do quadro de enfermeiros com atividade centrada na
consulta de enfermagem, respaldada pelo protocolo de atendimento já
existente na SMS e no desenvolvimento de atividades educativas em grupos,
certamente atenuaria as dificuldades geradas pela demanda reprimida para a
consulta médica, diminuindo as filas de espera e ampliando os mecanismos de
acesso e acolhimento com repercussões sobre a resolutividade do serviço.
A utilização efetiva do critério de local de moradia para facilitação do
acesso certamente iria contribuir, de forma decisiva, para a reorganização
democrática do sistema local de saúde. A priorização dos moradores da área
de atuação do serviço, conforme prevê o critério de territorialização, poderia
favorecer uma assistência mais humanizada, pelo estímulo à continuidade do
atendimento.
116
Se faz necessário também facilitar o acesso a serviços especializados,
através de um fluxo ágil de referência e contra-referência, que parta da rede
básica em direção a outros níveis hierárquicos do sistema de saúde. Para
tanto, a SMS necessita ampliar seu poder de negociação com a rede
conveniada e contratada e, desse modo, afirmar-se cada vez mais como
gestora do Sistema Único de Saúde na cidade.
De modo geral, o ambiente encontrado na U.S. estudada foi bastante
acolhedor e as manifestações dos usuários entrevistados demonstraram
satisfação com o atendimento, o que não significa que mudanças não precisem
ser feitas no sentido de aperfeiçoá-lo. Mudanças essas que continuem a
demonstrar preocupação com o investimento nos recursos humanos, em
quantidade e qualidade, especialmente na continuidade pela SMS da promoção
de eventos de capacitação voltados para o acolhimento ao usuário.
Cabe ressaltar as facilidades encontradas pela pesquisadora na
relação com o campo de estudo, tanto no que diz respeito à abertura pela
gerência distrital, quanto pela gerência e equipe da unidade de saúde. Os
usuários mostraram-se, em sua maioria, disponíveis e interessados em
participar da pesquisa. Esses fatores podem ser considerados como reflexos
do processo de democratização do sistema de saúde.
Constatou-se que o panorama identificado no sistema de saúde da
cidade de Porto Alegre, antes do desencadeamento do processo de
municipalização, já começou a modificar-se. A existência de um gestor único
eliminou a desarticulação das instituições prestadoras de serviços de saúde, as
quais passaram a atuar sob diretrizes comuns e com uma programação
117
conjunta. O sistema de referência e contra-referência, embora necessite
avançar muito no que diz respeito à agilidade dos fluxos, já existe na cidade,
reordenando as demandas com vistas à hierarquização. A cobertura da
população se amplia cada vez mais, a partir da criação de novos serviços, mas
principalmente pelo gradual uso do princípio da territorialização. Os
investimentos em saúde não são planejados e decididos apenas pelos técnicos
e políticos, mas, sim pelo concurso desses juntamente com a população
organizada, que exercita sua cidadania, através de diferentes fóruns de
representação. Na prática, essa forma de funcionamento diminui em muito a
possibilidade de desperdício de recursos, evita o clientelismo e a superposição
de ações e, sem dúvida, tem representado um aumento significativo na
resolutividade do sistema. Sistema esse que vem passando por um processo
indiscutível de reorganização, para a qual contribuem decisivamente medidas
que visem a favorecer o acesso e o acolhimento ao usuário, enquanto
ferramentas tecnólogicas.
118
ABSTRACT
The object of this study is the users’ vision about the factors that
influence the quality of care given in a basic health unit in Porto Alegre. This
vision is related to the access and the embracement, that are considered
elements of the assistance model in the context of the health municipalization. It
aims to characterize the way the users’ access and the embracement have
been occurring. It is a descriptive study, of qualitative approach. The data
collection was done through the technics of semi-structured interview and
participant observation, between January 13 and April 17, 2000. The data were
analyzed through the contents analysis of the theme type (Bardin, 1995). The
categories that were found show many facilities and difficulties in the
geographic, economic and functional access, as well as in the embracement
referring to the way the health workers approach the users. The results showed
the prevalence of the aspects referring to the access, mainly functional.
Concerning the embracement, the way the service was organized and the
professional competence have determined facilities. These facilities referred to
the way the approach was done and to the consequent user’s satisfaction.
Some difficulties that were identified are due to the poor reception and to the
unsatisfactory professional performance. The conclusion was that it is
119
necessary the implement of management measures that help in the solution of
the problems found in the studied unit and in the assistance system. Among
these measures the most important ones are the need to increase the number
of professionals, the start of a complementary type of odontologic care, the
anticipation of the building opening hours for the user’s appointments, the
easier access to specialized consults and tests, the effective utilization of the
user’s address criteria for the priorization of the assistance (territorilization) and
the enlargement of the human resources capability related to the embracement.
120
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(Org.). Distrito Sanitário. São Paulo: Hucitec, 1995. p.221-235.
125
ANEXOS
126
ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM O USUÁRIO
Data: Pesquisador:
Nome da Unidade:
Idade: Sexo:
Local de Moradia:
Horário de Início: Horário de Término:
1- Há quanto tempo você utiliza este serviço?
2- Com que freqüência costuma vir? ( nos últimos seis meses)
3- Quanto tempo leva de sua casa até aqui? Como se
desloca ?
4- Qual foi o motivo de sua vinda no dia de hoje?
5- A que horas chegou no posto? A que horas foi atendido?
6- Seu atendimento estava previamente agendado?
7- Fale-me um pouco sobre o atendimento recebido no dia de
hoje.
8- Que pontos positivos gostaria de destacar sobre este
serviço? (quanto à localização, área física, atendimento, tempo de espera
p/ o atendimento ...)
9- Que aspectos poderiam ser melhorados neste serviço?
Quais são suas sugestões?
10- Gostaria de me falar mais alguma coisa sobre isto?
ANEXO B
127
Título da Pesquisa: Acesso e acolhimento aos usuários em uma
unidade de saúde de Porto Alegre/RS, no contexto da municipalização da
saúde.
Pesquisador: Donatela Dourado Ramos
Telefones para contato: 2303093
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Esta pesquisa está sendo realizada pela Enfermeira Donatela Dourado
Ramos , aluna do Curso de Mestrado da Escola de Enfermagem da UFRGS,
sob a orientação da Prof. Dra. Maria Alice Dias da Silva Lima . O objetivo deste
estudo é identificar os fatores que vêm repercutindo sobre o acesso e o
acolhimento no atendimento aos usuários deste serviço de saúde.
A coleta de dados ocorrerá através de entrevistas realizadas com
usuários deste serviço, bem como através da observação do atendimento.
As entrevistas serão gravadas em fita cassete e registradas
posteriormente por escrito, ficando garantido o anonimato e o caráter sigiloso
das informações recebidas .
Os participantes da pesquisa receberão esclarecimentos quanto a
possíveis dúvidas durante sua realização e terão acesso aos resultados
obtidos.
A participação no estudo não terá qualquer implicação legal que possa
determinar prejuízo aos funcionários e usuários do serviço de saúde em que
será realizado.
Declaro ter sido informado(a) dos objetivos e dos procedimentos da
pesquisa e que concordo em participar da mesma. Estou ciente de que poderei
recusar-me a responder qualquer pergunta, e de que tenho a liberdade de
retirar-me desta pesquisa em qualquer etapa, se assim o desejar .
Assinatura da Pesquisadora Assinatura do Participante da Pesquisa
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