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que quando passam por lá de barco à noite, vêem uma sombra de homem lá dentro, e
vários botos no porto. Maria, também ribeirinha, mas hoje residente em Moju, disse que
a irmã dela morreu por causa do boto. Sua irmã sempre teve muito medo do boto, até o
dia que encontrou um. Tornou-se uma pessoa doente (sempre febril, desanimada, fraca,
magra), não se casou, e morreu antes de completar 30 anos. Outro caso me foi relatado
no próprio território de Jambuaçu.
“O boto é o seguinte, tinha aqui no jambu açu uma mulher, irmã de uma que
chamava Odocia. Ela se agradou, quer dizer, um boto se agradou nela, numa
festa na Santana do Alto, e ela dançou com ele a noite inteira, e ela não sabia
que era boto. Ela ficou impressionada. Quando foi cinco horas da manha ele
disse, eu não posso amanhecer na festa, eu tenho que ir-me embora, aí ele se
despediu dela, e ela procurou ele depois, e não viu mais. Ele tinha dito que
na próxima festa ele ia. Aí não sei se foi aqui no São Bernardino, era
inverno, aí quando foi umas dez horas da noite, o bicho chegou, parou lá,
todo bonitão, uma pinta engraçada, o cara todo perfumado. Chegou e falou
com ela, começaram a se gostar de novo, e ela perguntava de onde ele vinha,
onde parava, até que ela dançou e quando foi cinco horas da manha ela quis
trancar ele, ela tava desconfiada ‘fica, nós vamos lá em casa’, ele disse não,
que não podia, e tentou despistar ela, foi embora de novo. Quando foi uma
virada ela ficou assim camuflada, ruim, né, aí tinha um curador, o Anastácio,
aí ele foi lá, ela tava amarela, começou adoecer, bem fininha. Aí chegou lá o
Anastácio deu uns banhos nela, aí ele tinha o poder de saber, quando foi na
hora do trabalho lá ele falou logo pra família dela, que o sofrimento dela era
assim, assim, assim. Aí eles ficaram meio não acreditando. Ele disse, vocês
querem ver, escuta uma coisa, só: se ela tem encontro marcado com ele, ela
pega um dente de alho e mete no bolso da saia, que o boto não vai nem
querer saber dela. O que ela fez, ela tinha encontro com ele, pra descobrir,
ela cismava, então o pai dela disse olhe, esse rapaz que você gosta, é boto.
Pega o dente de alho e enrola na sua saia. Aí quando foi no encontro
marcado da festa, ela pegou o dente de alho e foi festa. Sabe que o cara não
chegou perto dela. E ele não apareceu mais. Só que ele fica te perturbando,
ele vai levando sua sombra, seu nome...
Carmela: E tem gente que morre disso?
Morre, morre sim!” (Seu Cosme, Centro Ouro, 2007).
Como foi dito no Capitulo 1, a organização espacial das vilas engendra um fluxo