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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ANDREA DOMANICO
“CRAQUEIROS E CRACADOS:
BEM VINDO AO MUNDO DOS NÓIAS!”
Estudo sobre a implementação de estratégias de redução de danos para
usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil
Tese de doutorado
Salvador
2006
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II
ANDREA DOMANICO
“CRAQUEIROS E CRACADOS:
BEM VINDO AO MUNDO DOS NÓIAS!”
Estudo sobre a implementação de estratégias de reduçao de danos para
usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduaçao em Ciências Sociais, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, da
Universidade Federal da Bahia, como requisito
parcial para obtenção do grau de Doutora em
Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Edward John
Batista das Neves MacRae
Salvador
2006
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III
________________________________________________________________________
DOMANICO, Andrea.
“CRAQUEIROS E CRACADOS: BEM VINDO AO MUNDO DOS
NÓIAS!” - Estudo sobre a implementação de estratégias de redução de danos
para usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil
/ Andrea Domanico. – Salvador: A. Domanico, 2006. 220 páginas
Orientador: Prof. Dr. Edward John Batista das Neves MacRae
Tese (Doutorado) Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, 2006.
1. Crack. 2. Redução de Danos. 3. Política de Saúde. 4. Terceiro Setor. 5.
Aids. 6. Hepatites Virais.
TERMO DE APROVAÇAO
IV
ANDREA DOMANICO
“CRAQUEIROS E CRACADOS:
BEM VINDO AO MUNDO DOS NÓIAS!”
Estudo sobre a implementação de estratégias de reduçao de danos para
usuários de crack nos cinco projetos-piloto do Brasil
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora
em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca
examinadora:
Vladimir de Andrade Stempliuk_______________________________________
Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo.
Marcos Luciano Messeder______________________________________________
Doutor em Antropologia e Sociologia pela Universite Lumiere Lyon 2
Iara Maria de Almeida Souza___________________________________________
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia
Miriam Cristina Marcilio Rabelo________________________________________
Doutora em Antropologia pela University of Liverpool
Edward John Batista das Neves MacRae________________________________
Orientador - Doutor em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo
Salvador, Novembro de 2006
V
DEDICATÓRIA (in memoriam)
Ao meu amigo, o redutor de danos Décio Ciavaglia, por ter me
ensinado que a sabedoria está em pequenas atitudes.
VI
AGRADECIMENTOS
o sempre muitas pessoas que temos que agradecer pelo término de um
trabalho como este, mas existem algumas que não podemos deixar de nomear
são elas:
Meu querido orientador, Edward John Batista das Neves MacRae, pelo
convite inicial, paciência e cumplicidade.
A PROCESS e à FAPESB, pelo apois finaceiro.
A banca de qualificação, Dra. Miriam Cristina Marcílio Rabello e Dr.
Paulo César Borges Alves, pelas recomendaçoes e sugestões feitas na
qualificação.
A Dôra secretária do programa de pós gradução, por todos seus
encaminhamento e esclarecimentos necessários à conclusão desta tese
As amigas da UFBA, “Xuxu”, Katia Brandão e “Bice”, pelo acolhimento e
companheirismo que só as baianas têm.
Os (as) coordenadores (as) dos projetos piloto, que por questões éticas
não posso nomear, fica o mais profundo agradecimento, por todo apoio a
pesquisa e disponibilização dos dados.
O Centro de Convivência É de Lei por todo apoio institucional e de seus
usuários sempre disponíveis às discussões sobre uso de drogas.
A todos usuários de drogas e de crack que repartiram comigo suas
alegrias e angústias e me ensinaram tudo sobre as “cenas de uso de drogas”.
Aos colegas do Programa Nacional de Hepatites Virais com especial
carinho, à Gerusa Maria Figueiredo, por todo apoio institucional, Marta Pereira
de Carvalho por todo apoio afetivo e Liandro Lindner por sua ajuda na revisão
bibliográfica.
Aos colegas do Programa Nacional de DST/aids em especial a Vânia
Costa por todo seu apoio institucional e amizade.
A Denise Doneda, Carla Silveira, e Cristiane Meirelles ex-assessoras
doPrograma Nacional de DST/aids pela ousadia em bancar os projetos-piloto.
A amiga Ana Maria Novaes colas, pela sua total diponibilidade e
acolhimento ainda maior na fase final do trabalho.
O amigo Paulo Roberto Giacomini pela cuidadosa, delicada e dedicada
revisão de texto.
VII
O amigo Sergio Vidal pela ajuda na revisão bibliográfica e carinho
desprendido na fase final.
A minha analista Rahel Boraks, por ter me ajudado a acreditar no
desenvolvimento humano.
O meu melhor amigo Vladimir Andrade Stempliuk, pelas incansáveis
buscas de indexados, leituras de sábado à tarde e ínumeras comemorações ao
final de cada capitulo.
A minha melhor amiga, Cristina Maria Brites por todos telefonemas
desesperados, pelo apoio incondicional na contrução da tese e por ter me
ajudado a enxergar que: “A cabeça pensa, onde os pés tocam.” (Paulo Freire).
Aos meus pais e irmãos, por todo apoio aos estudos e por me ensinarem
que: “A grandeza não está em receber as honras, mas em merecê-las.”
(Aristóteles).
A minha amada esposa, amiga e companheira Zora Yonara Torres Costa,
pelo acalento, pela confiança e por ter me ensinado, na prática que para viver
um grande amor: “... É preciso um cuidado permanente não com o corpo
mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente — e esfria
um pouco o amor. que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem
covardia; saber ganhar dinheiro com poesia para viver um grande amor.”
(Vinícius de Moraes).
VIII
No meio do caminho
Carlos Drumond de Andrade
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
IX
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar o processo de implantação e
desenvolvimento das estratégias de redução de danos associados ao uso de
cocaína fumada (crack), através do estudo dos cinco projetos-piloto para
usuários de crack desenvolvidos no Brasil, financiados pelo Programa Nacional
de DST/Aids do Ministério da Saúde. Este estudo é relevante por levar em
conta as especificidades que o uso seguro de crack exige.
Os projetos piloto desenvolvidos entre 2002 e 2005, implantaram ações
de redução de danos associados ao uso de crack com o objetivo de prevenir a
transmissão de doenças infecto-contagiosas pelo uso compartilhado dos
equipamentos de uso de crack e diminiur a disseminação das doenças
sexualmente transmissíveis pela dificuldade de uso de preservativos. Esta
pesquisa de campo buscou abarcar de que forma os projetos foram
implementados e desenvolvidos e quais os principais entraves na sua execução.
Para a realização deste estudo forma abordados os seguintes aspectos: a
história do crack no mundo e no Brasil; as respostas do governo brasileiro e do
movimento social à epidemia de aids e a repercussão dos empréstimos do
Banco Mundial nestas respostas; a história da redução da danos no mundo e
no Brasil e a implementação dos projetos de redução de danos associados ao
uso de crack.
Na discussão buscamos entender porque é o dificil implementar
estratégias de redução de danos para usuários de crack e podemos perceber
que a forma como os financiamentos aconteceram afetaram diretamente na
execução dos projetos submetendo as instituições e suas equipes ao que
intitulamos de “ditadura dos projetos”. Além de observarmos o alto grau de
exclusão que os usuários de crack estavam expostos nos remetendo a
discussão sobre o “pânico moral”.
Nossas considerações finais vão na direção de propor uma discussão ampla
com a sociedade sobre as estratégias de redução de danos associados ao uso de
drogas, como forma de garantir os direitos à saúde dos usuários de drogas.
X
ABSTRACT
This study aims to analyze the setting up and the development of harm
reduction strategies for the use of smoked cocaine (crack) through the
observation of five pilot projects in Brazil, financed by the National STD/AIDS
Program at the Ministry of health. This study is important because it takes into
account the specificities necessary for the safer use of crack cocaine.
The pilot programs developed between 2002 and 2005 carried out harm
reduction activities aimed at preventing the transmission of infectious diseases
through the shared use of equipment used for the smoking of crack cocaine
and at diminishing the spread of sexually transmitted diseases due to the lack
of condoms. The field work tried to take in account the different ways the
projects were put in practice and the main difficulties they encountered.
This study consists of a history of crack cocaine use in the world and in
Brazil, the responses made by the Brazilian government and the social
movements to the AIDS epidemic including the repercussions of the World
Bank loans, the history of harm reduction in the world and in Brazil and the
implementation of the projects for the reduction of harm associated to the use
of crack cocaine.
The discussion tries to understand why it is so difficult to carry out harm
reduction strategies for crack cocaine use and how the manner of financing
them directly affected the execution of these projects by submitting the
institutions and their work teams to what has been called “the dictatorship of
projects”. We also observed the high degree of exclusion to which crack cocaine
users are submitted, leading us to discuss the subject of “moral panics”.
Our final considerations prose a wide discussion with society at large on
strategies for the reduction of harm associated to drug use as a means of
assuring the rights to health of drug users.
XI
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................01
Capítulo 1. Rolam as pedras... Da cocaína ao crack.......................................09
Das folhas ao pó..................................................................................12
Do pó `a pedra.....................................................................................13
1.1. A entrada do crack no Brasil.........................................................17
1.2. As diferentes formas de uso do crack e os danos à saúde..............19
1.3. O Pânico Moral em torno do uso de crack......................................23
Capítulo 2. As pedras do caminho para se chegar ao caminho das
pedras – Pressupostos teóricos metodológicos.......................................32
2.1 As técnicas de coleta de dados........................................................35
Capitulo 3. Pedras preciosas? A ditadura dos projetos....................................40
3.1. As Mudanças no terceiro setor.......................................................41
3.2. A aids e a resposta brasileira..........................................................44
3.2.1. As Ong/aids......................................................................46
3.3. Os empréstimos do Banco Mundial – A ditadura dos projetos.........50
3.3.1. AIDS 1 (1993 – 1997).........................................................54
3.3.2. AIDS 2 (1998 – 2003).........................................................57
3.3.3. AIDS 3 (2003 – 2007).........................................................58
3.4. Acordo do Governo Brasileiro com a USAID....................................60
3.5. O Sistema Único de Saúde.............................................................63
Capítulo 4. “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.” -
A Redução de Danos à saúde associados ao uso de drogas.............................66
4.1. Os Projetos de Redução de Danos no Brasil....................................71
4.1.1. Os programas de troca da agulhas e seringas
usadas por novas. (PTS)......................................................79
4.1.2. Os programas para usuários de crack anteriores
aos projetos pilotos – as primeiras tentativas......................81
Cinema na rua – Salvador...................................................82
O uso de filtro – Santos.......................................................83
A Elaboração dos cachimbos individuais.............................84
4.1.3. A redução de danos para cocaína inalada...........................86
4.2. O crescimento dos programas de redução de danos no Brasil.........89
4.3. A tendência hegemônica à instrumentalização................................92
XII
Capitulo 5. “Tinha uma pedra no caminho.” - Projetos Piloto de redução
de danos para usuários de crack....................................................................95
5.1. Projeto 1. Seu surgimento............................................................106
5.1.1. O projeto em si.................................................................108
5.1.2. Como o projeto é executado..............................................111
5.1.3. Considerações..................................................................117
5.2. Projeto 2. Seu surgimento............................................................120
5.2.1. O projeto em si.................................................................122
5.2.2. Como o projeto é executado..............................................127
5.2.3. Considerações..................................................................132
5.3. Projeto 3. Seu surgimento............................................................134
5.3.1. O projeto em si.................................................................136
5.3.2. Como o projeto é executado..............................................140
5.3.3. Considerações..................................................................144
5.4. Projeto 4. Seu surgimento............................................................147
5.4.1. O projeto em si.................................................................150
5.4.2. Como o projeto é executado..............................................152
5.4.3. Considerações..................................................................156
5.5. Projeto 5. Seu surgimento............................................................158
5.5.1. O projeto em si ................................................................161
5.5.2. Como o projeto é executado..............................................163
5.5.3. Considerações..................................................................168
Capitulo 6. Análise e discussão....................................................................171
6.1. A ditadura dos projetos................................................................174
6.2. O pânico moral.............................................................................189
Considerações Finais....................................................................................195
Referências...................................................................................................197
ANEXOS.......................................................................................................212
1. Roteiro de entrevista...........................................................................213
2. Consentimento Informado...................................................................214
3. Planilha de monitoramento.................................................................216
4. Organograma do Ministério da Saúde..................................................220
1
INTRODUÇÃO
Minha trajetória profissional e de pesquisa vem se consolidando, nos
últimos 12 anos, no âmbito da implementação de estratégias de redução de
danos à saúde associados ao uso de drogas. Na minha dissertação de
mestrado
1
procurei verificar por que os usuários de drogas injetáveis de um
Projeto de Redução de Danos (PRD) continuavam compartilhando os
equipamentos de injeção nas cenas grupais de uso de cocaína, mesmo
depois de receberem informação e equipamentos novos para o uso de
cocaína injetável (Domanico, 2001).
A questão central era a produção de conhecimentos críticos sobre as
práticas concretas nas cenas grupais de uso de cocaína de um determinado
grupo de usuários de drogas injetáveis; conhecimentos que pudessem
contribuir para a formulação de estratégias preventivas pautadas nas reais
necessidades e práticas socioculturais desses usuários.
As preocupações teóricas da pesquisa de mestrado revelavam, na
verdade, as preocupações teóricas e práticas da psicóloga social enquanto
1
Controlando a maluquez – A redução de danos no contexto de uso de cocaína injetável. Dissertação
de Mestrado do Programa de Estudos e Pós-graduação em Psicologia Social da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2001.
2
uma das profissionais responsáveis pela coordenação do Programa de
Redução de Danos
2
(PRD) do Centro de Convivência “É de Lei”
3
.
As conclusões e indicações foram fundamentais para reafirmar a
importância das estratégias de redução de danos associados ao uso de
drogas injetáveis especialmente em relação à prevenção do HIV/aids
4
e
hepatites virais e a necessidade de ampliação do acesso aos equipamentos
estéreis de injeção.
No entanto, as restrições para o aprofundamento de análises
impostas pelos limites de uma pesquisa de mestrado e pelos desafios da
dinâmica e riqueza inerentes à prática cotidiana mantiveram anestesiadas
várias inquietações prático-teóricas que pretendemos confrontar nesta tese
de doutorado.
Na prática profissional cotidiana, e durante a realização da pesquisa
de mestrado, tinha me inquietado o fato de termos uma precária produção
teórica que contemplasse abordagens para as diferentes drogas e as
diferentes formas de uso de uma mesma droga.
Estas preocupações não puderam ser contempladas no meu mestrado,
uma vez que o objeto de pesquisa centrava-se nas cenas grupais de uso de
2
Teremos uma boa descrição deste conjunto de estratégias no capitulo quatro.
3
O Centro de Convivência É de Lei!”, fundado em 1998, esteve ligado à Universidade de São Paulo
até 2001 quando se constituiu como Organização da Sociedade Civil (OSC). O “É de Lei”, primeiro
Centro de Convivência para usuários de drogas no Brasil, se caracteriza como espaço de interação
social para promoção da Redução de Danos sociais e à saúde associados ao uso de drogas,
desenvolvendo estratégias para construção da cidadania e defesa dos Direitos Humanos de usuários
de drogas.
4
Neste texto, a palavra “aids” é grafada com letras minúsculas, seguindo as observações de Castilho
(1997): “A palavra ’aids’ passou a ser do ponto de vista gramatical, equivalente a ‘sífilis’, ‘coqueluche’,
‘conjuntivite’; nome de doenças são substantivos comuns. (...) Baseado nessas considerações e no
fato que esta palavra vem sofrendo o mesmo processo de evolução lingüística da palavra ‘laser’ (sigla
de light amplification by stimulated emition of radiation), entre outros anglicismos incorporados pela
língua portuguesa no Brasil, não parece haver razão para grafá-la com maiúscula, a não ser quando
corresponde a nomes próprios de entidades (como Programa Nacional de DST e Aids) ou siglas que
incorporem a palavra (PN-DST/Aids).”
3
cocaína injetável, cuja prática, naquele grupo, não era mesclada com o uso
de cocaína fumada (crack). Além disso, o recorte da pesquisa o permitia
contemplar minhas preocupações em ampliar a perspectiva de redução de
danos para outras formas de uso de drogas que o a injetável, pelo menos
do ponto de vista investigativo, uma vez que esta ampliação já se fazia
presente no âmbito de minha atuação profissional e revelava-se necessária,
conforme indicavam algumas pesquisas nesta área.
Pesquisar as outras formas de uso de cocaína, em especial o uso do
crack, implica no reconhecimento de particularidades socioculturais que
interferem na adoção de comportamentos menos arriscados para o uso de
drogas. Particularidades cujo desvelamento considero fundamental para
orientar estratégias preventivas que tenham maiores chances de aceitação e
incorporação objetiva nesse grupo social.
Em 1989, o primeiro programa de redução de danos à saúde
associados ao uso de drogas vem vinculado à questão do uso injetável. A
escolha por essa via de administração foi feita em função do crescente
aumento de notificação de aids por uso de drogas injetáveis. Os outros
projetos que surgiram também tinham como população alvo esses usuários,
e isso se deve a pelo menos um fator de extrema importância: os Programas
de Redução de Danos (PRD) eram financiados pelo Programa Nacional de
DST/aids do Ministério da Saúde, cuja ênfase era dada ao uso de droga
injetável por sua evidente eficácia na transmissão do HIV/aids e das
hepatites virais por meio do uso compartilhado dos equipamentos de injeção.
existia no final dos anos 1980 uma epidemia crescente de uso de
crack, mas os estudos puderam comprovar os riscos de transmissão de
4
doenças por essa via de uso na sua relação com as práticas de sexo
desprotegido muito tempo depois, quando os usuários de drogas foram
acessados e convencidos a participar de pesquisas que buscavam
compreender e traçar o perfil das suas práticas sexuais. Até hoje o foram
comprovadas as reais possibilidades de transmissão do HIV pelo uso
compartilhado dos equipamentos no consumo de crack.
O que pretendo analisar na tese de doutorado é o processo de
implantação e desenvolvimento das estratégias de redução de danos
associados ao uso de cocaína fumada (crack), através do estudo dos cinco
projetos-piloto para usuários de crack desenvolvidos no Brasil, financiados
pelo Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.
“Craqueiros e cracados: Bem vindo ao mundo dos nóias”, é um título
fantasia, onde craqueiro é o termo usado para se referenciar os usuários de
crack, e cracados” é um termo criado por um grupo de técnicos para se
referirem às pessoas que trabalham com os usuários de crack. Bem vindo ao
mundo dos nóias, diz respeito ao mundo”
5
do uso de crack, onde um dos
efeitos é a paranóia. Os usuários de crack também usam o termo “nóia”
tanto para referenciar o usuário de crack como para referenciar o efeito
causado pelo uso de crack.
Ao longo dos anos de trabalho como psicóloga clínica, e posteriormente
como psicóloga social, pude acompanhar a entrada do crack no mercado
nacional, observando o pânico moral, as manchetes “demonizantes” em
torno dessa droga e as informações distorcidas sobre seus efeitos. A
5
Essa noção de “mundo” foi aqui utilizada apenas para indicar a cena de uso do crack e uma das
motivações relatadas pelos usuários, a nóia. Portanto, o termo “mundo” não significa nenhuma
dicotomia entre “mundos” daqueles que usam e não usam crack ou outras drogas.
5
oportunidade de acompanhar seu surgimento e disseminação nas camadas
mais pobres da população brasileira serviu para evidenciar os descuidos que
a saúde pública tem com essa camada da população.
Os poucos projetos que trabalham com usuários de crack no Brasil
buscam, na sua maioria, o tratamento destes usuários concebendo a
abstinência como a única estratégia possível. A redução de danos como
estratégia preventiva para os danos sociais e à saúde para os usuários de
crack ainda caminha a passos pequenos, seja por falta de incentivo
financeiro, pessoal ou programático, seja por desconhecimento de estratégias
eficazes para com os usuários de crack.
Os cinco projetos-piloto surgiram com a expectativa de contemplar as
aflições de vários técnicos da redução de danos que estavam encontrando
nas cenas grupais de uso de drogas o crack como droga de escolha, além de
do crescente número de craqueiros que estavam sendo acessados como
novos usuários. A implementação desses projetos foi fundamental para o
conhecimento sobre as práticas preventivas que poderiam ser
implementadas com os craqueiros; contudo, a forma como os projetos foram
financiados e a estrutura das organizações onde eles foram locados
repercutiu na sua continuidade e isso será abordado aqui na tese.
Ainda que consideremos a importância e eficácia da transmissão
sangüínea do HIV/aids e hepatites virais em relação à transmissão sexual,
do ponto de vista da prevenção coloca-se um problema fundamental às
abordagens preventivas junto aos grupos de usuários de drogas, uma vez
que estes podem agregar duas formas muito específica de exposição ao
6
HIV/aids e hepatites virais: a via sangüínea, no caso de usuários de drogas
injetáveis, e a via sexual, no caso dos outros usuários.
Isso revela a necessidade de estudos e pesquisas que contribuam para
elucidar as particularidades de comportamentos sexuais e de uso de drogas
nessa população face aos riscos de transmissão de doenças.
Podemos dizer, genericamente, que a adoção de atitudes preventivas
frente aos fatores que geram os processos saúde-doença expressa o acesso e
a apropriação, por parte dos sujeitos, de bens materiais e imateriais
socialmente produzidos. Nesta direção, podemos inferir que a adoção de
comportamentos menos arriscados em relação ao uso de drogas em relação
aos riscos de transmissão de doenças revela, ao mesmo tempo, as condições
socioculturais de transformação de valores e atitudes e as possibilidades de
acesso aos bens materiais, por parte de grupos e indivíduos.
Porém, quando nos debruçamos sobre o comportamento sexual dos usuários de drogas, estudos (Nappo, 2004; CEBRID, 2004) revelam
que sob o efeito de algumas drogas psicotrópicas – dentre elas álcool, maconha e cocaína –, os diferentes grupos (homens e mulheres
com orientação heterossexual, homossexual e bissexual) tornam-se mais vulneráveis à exposição de riscos associados às práticas sexuais
desprotegidas.
Considerando a importância da transmissão sexual das DST (Doenças
Sexualmente Transmissíveis) entre os usuários de drogas e a precariedade
de estudos sobre as práticas socioculturais desse grupo, podemos inferir que
um dos grandes desafios colocados aos pesquisadores sociais
comprometidos com a saúde pública e com a produção de conhecimentos de
relevância social no interior das estratégias de contenção do avanço das DST
é o desvelamento dos fatores que determinam os processos de saúde-
doença dos diferentes grupos sociais enquanto sujeitos históricos, partícipes
da construção de uma realidade complexa e culturalmente diversa.
7
No capítulo 1, reconstruímos a história da cocaína e o surgimento do
crack no mundo e no Brasil discutindo os principais problemas de saúde
relacionados ao seu consumo e o pânico moral gerado em torno do uso do
crack.
No capítulo 2, apresentamos nossa abordagem teórico-metodológica e
as técnicas de coleta de dados da pesquisa empírica.
Nos capítulo 3, descrevemos as mudanças no terceiro setor frente o
neoliberalismo, a criação do programa de aids e o fomento do empréstimo
internacional, bem como o impacto dessa modalidade de financiamento no
interior das ONG (Organizações o-Governamentais), e o quanto estas
ficaram submetidas à “ditadura dos projetos”.
No capítulo 4, dissertamos sobre a redução de danos associados ao
uso de drogas, seu surgimento no mundo e seu desenvolvimento ao longo de
17 anos de implantação no Brasil.
No capítulo 5, apresentamos o processo de implantação dos cinco
projetos-piloto de redução danos para usuários de crack no Brasil,
apontando suas especificidades históricas e de funcionamento. Trata-se de
uma descrição desse processo, resultado de nossa pesquisa empírica.
No capítulo 6, apresentamos os resultados de nossa análise sobre os
cinco projetos-piloto na perspectiva de reconstruir as mediações teórico-
metodológicas usadas como referência a partir da realidade empírica desses
projetos: suas perspectivas, seus objetivos, seus procedimentos.
E por fim, fazemos as considerações finais sobre todo material
pesquisado e analisado.
8
9
1. Rolam as pedras...
Da cocaína ao crack
Historicamente, o ser humano sempre utilizou substâncias psicoativas
para finalidades de natureza lúdica, religiosa e curativa. A folha da coca
(Erythroxylon coca) vem sendo usada milhares de anos, na América,
sendo geralmente mastigada junto com um produto de natureza alcalina,
como cal, cinzas, ou uma matéria produzida a partir de certos moluscos.
Esta combinação ajuda a liberação da cocaína presente nas folhas e é de
grande importância para a produção de seus efeitos psicoativos. Relata-se
que esse uso suprime as sensações de fome, de frio e cansaço causados pela
altitude, ajudando até hoje as populações andinas, de origem indígena, a
suportar suas duras condições de vida e a realizar tarefas árduas em
condições de subnutrição (Hurtado, 1995).
Contudo, a Europa demorou a comprovar seus efeitos, uma vez que
durante seu transporte para aquele continente as folhas perdiam suas
propriedades psicoativas. Além disso, os europeus o sabiam mastigá-las
da forma correta e, assim, por muito tempo, consideraram que os efeitos
relatados eram fruto da imaginação de povos primitivos ou de pactos com o
diabo (Ashley, 1975).
10
O século XIX testemunhou o desenvolvimento da química e o
aperfeiçoamento de seus métodos de pesquisa. Em decorrência desse
aprimoramento, nessa época foram isolados os princípios ativos de
numerosas plantas psicoativas, possibilitando o desenvolvimento de várias
novas drogas como a morfina (1803), a heroína (1859) e a própria cocaína
(1859). Em 1883, esta última era testada no exército alemão como
estimulante para soldados nos campos de batalha, e logo chamou a atenção
de Freud, que se tornou seu maior “propagandista”. Ele a considerava de
grande valia como estimulante, na terapia de depressão, no tratamento de
perturbações digestivas, no tratamento da tuberculose, nos tratamentos de
abstinência de alcoolistas e opiômanos, no alívio da asma, como afrodisíaco
e como anestésico local (Ashley, 1975).
Após o reconhecimento das propriedades da cocaína pelos cientistas
ela passou a ser utilizada de diversas maneiras, inicialmente por injeção
endovenosa ou por aspiração intranasal. Outras formas de administração
surgiram em seguida através de vinhos, pastilhas e ungüentos, largamente
comercializados por laboratórios farmacêuticos, principalmente de
nacionalidade alemã. Em 1887, a Coca-Cola começou a ser produzida nos
Estados Unidos. Bebida feita a partir da folha da coca e da noz de cola (cola
nítida), estimulante largamente usada na África Ocidental, tem como
princípios ativos a cafeína e a teobromina. Mas, em 1903, uma decisão da
Comissão Presidencial norte-americana levou à proibição do uso de cocaína
em alimentos e, a partir de então, as folhas utilizadas no produto deveriam
passar por um processo de descocainização antes de serem adicionadas à
11
bebida, restando aos seus produtores os direitos de comercialização do
psicoativo retirado (Hurtado, 1995).
Apesar da grande popularidade de que gozou entre 1885 e 1905,
diversas vozes críticas se levantaram contra o uso generalizado e não-
medicamentoso da cocaína. Na virada do século, o consumo de opiáceos e de
cocaína passou a ser visto como problema social nos Estados Unidos, assim
como o de bebidas alcoólicas. Essa mudança de atitude deveu-se a um
poderoso movimento pela temperança envolvendo diferentes interesses
econômicos e políticos, como os de grupos religiosos, da emergente indústria
farmacêutica, de diferentes nações industrializadas em competição e de
segmentos da corporação médica.
Nos Estados Unidos, sentimentos racistas fomentaram campanhas
contra o uso de cocaína, retratada como uma droga muito usada por negros,
que os levaria a praticarem atos de violência contra a população branca.
Internacionalmente, discutia-se o controle e a proibição dos opiáceos, cuja
produção e comercialização eram principalmente identificados com o Império
Britânico. Este, em meados do século XIX, travara duas guerras com a
China para garantir seu direito a suprir os traficantes chineses com o
produto. A campanha contra esse comércio internacional era principalmente
movida pelos Estados Unidos, que via aí uma possibilidade de se impor como
nova potência mundial capaz de confrontar na Ásia o principal agente
político da época.
Frente à impossibilidade de continuar operando esse lucrativo negócio,
a Grã-Bretanha conseguiu mudar a ênfase da “questão do ópio” para “o
problema mundial das drogas”, aproveitando para incluir no rol das
12
substâncias a serem proscritas a cocaína, cuja produção era em grande
parte dominada por laboratórios da Alemanha, sua grande rival. A derrota
desse país na Primeira Guerra Mundial levou à consolidação dessa proibição
no Tratado de Versalhes (Ashley, 1975).
Embora a cocaína continuasse a ser usada, ela perdeu muito do seu
antigo prestígio em meados de 1920, sendo identificada como prática de
populações marginalizadas, como os negros norte-americanos, e somente
voltou a ser largamente utilizada a partir da década de 1970. Atualmente, as
principais plantações de coca encontram-se na América do Sul,
principalmente na Bolívia, Peru e Colômbia, países onde a planta é cultivada
pela população camponesa de etnia indígena, tanto para usos tradicionais
quanto para fornecer matéria prima ao tráfico ilícito de cocaína.
Das folhas ao
Primeiramente, logo após a colheita, as folhas são colocadas ao sol
para uma rápida secagem. Depois, são enviadas para outras localidades que
devem ser próximas, para evitar a decomposição do princípio ativo presente
nas folhas, onde são convertidas em “pasta-base”. Para tanto, são moídas e
colocadas em uma prensa com ácido sulfúrico, querosene ou gasolina, e
comprimidas até formarem uma massa contendo até 90% de sulfato de
cocaína.
Outros e variados solventes podem ser usados nesse processo,
dificultando muito a sua repressão que se exerce, em grande parte, por meio
de tentativas de controle dos insumos.
13
Após a obtenção da pasta o processo torna-se mais complexo,
necessitando de equipamento mais sofisticado e treinamento específico para
se remover as impurezas remanescentes. Nessa etapa a pasta deve ser
tratada com ácido hidroclórico, que age como solvente e produz o cloridato
de cocaína, branco e cristalino. Nesta forma a cocaína pode ser aspirada,
ingerida ou dissolvida em água, para ser injetada. Ao contrário da pasta
base, não pode ser fumada, pois ao se acender, a cocaína se decompõe antes
de se volatilizar.
Anteriormente, a complexidade dessa última etapa exigia que a pasta
fosse transportada para os grandes centros metropolitanos. Hoje, as técnicas
necessárias já estão mais disseminadas em regiões próximas das plantações,
mas a atuação das forças de repressão leva a freqüentes deslocamentos dos
laboratórios de refino, dificultando a manutenção de padrões de pureza do
produto final. Normalmente, esses laboratórios de produção encontram-se
próximos a rios ou possuem pistas clandestinas de pouso para o escoamento
da produção e sua posterior distribuição pelo mundo afora (Leite, 1999:16).
Do pó à pedra
A partir da década de 1970, a difusão do uso de drogas nas camadas
sociais médias americanas e européias impulsionou uma retomada do uso
do cloridrato de cocaína (pó) por aspiração intranasal. Nas cadas
seguintes, a prática se difundiu e essa substância veio a substituir as
anfetaminas (que passaram a ter sua venda controlada) e a maconha,
quando estas faltavam no mercado devido à repressão governamental.
Porém, o alto preço manteve o seu uso confinado às camadas de maior poder
14
aquisitivo. A partir do início da década de 1980, alguns dependentes e
usuários freqüentes descobriram uma forma de usar o produto que produzia
efeitos mais intensos, embora de menor duração. Era o consumo de
freebase”, fumado em cachimbos de vidro que, aceso, produz vapores de
cocaína relativamente pura. Para produzi-lo, misturava-se cloridrato de
cocaína numa base líquida (tal como amoníaco, bicarbonato de sódio ou
hidróxido de sódio) para remover o ácido hidroclórico. O alcalóide de cocaína
resultante era então dissolvido e purificado em um solvente como éter e
aquecido em fogo brando até que a maior parte do líquido se dissolvesse.
Já o crack, outra forma fumável de cocaína, surgiu algum tempo
depois, entre setores carentes da população negra e latina das decadentes
áreas centrais de Nova York, Los Angeles e Miami. Sua produção era similar
à do freebase”, mas prescindia do processo de purificação final: o cloridrato
de cocaína era dissolvido em água, adicionava-se bicarbonato de sódio,
aquecia-se a mistura que, ao secar, adquiria a forma de pedras duras e
fumáveis. Essas pedras continham não somente alcalóides de cocaína, mas
também bicarbonato de sódio e todos os outros ingredientes que haviam sido
adicionados anteriormente ao pó. Mas, apesar do crack não ser tão puro
quanto o freebase”, ao ser aceso, libera um vapor que é em grande parte
cocaína pura, produzindo um efeito parecido àquele. Porém, ao contrário do
freebase”, geralmente preparado pelos próprios usuários a partir do pó, o
crack era geralmente produzido pelos traficantes e vendido pronto para
ser fumado.
O crack logo se tornou muito popular, embora seu uso não se tornasse
tão comum quanto o do pó, o cloridrato de cocaína. Porém, devido ao fato
15
que fumar é uma forma mais eficiente de levar uma droga ao cérebro, a
diminuição da quantidade de cocaína necessária para produzir um efeito
forte possibilitou uma redução considerável no preço, tornando assim
acessível às camadas mais pobres o uso do que até então era considerado “o
champanhe das drogas”.
Esse produto também permitia que se auferissem maiores lucros da
pasta-base que ainda chegava aos Estados Unidos para ser refinada e
transformada em cocaína em pó. Mas, muitas vezes, os insumos químicos,
como éter e acetona, necessários para a transformação da pasta base em
cocaína, não estavam prontamente disponíveis devido ao controle
governamental exercido sobre a sua comercialização. Para evitar maiores
perdas financeiras, os traficantes passaram então a produzir essa forma
menos pura, no entanto, mais facilmente vendável. A “epidemia do crack”
pode, portanto, ser considerada, de certo modo, um resultado da política
proibicionista antidrogas, uma vez que a ausência dos componentes
químicos obrigou” os comerciantes de drogas a recuperar o uso de cocaína
fumada.
O nome crack, ao que tudo indica, se deve ao barulho provocado pela
“queima” da pedra durante o seu uso. Mais do que isso, este subproduto da
cocaína, representava, de fato, uma inovação da produção. Era uma maneira
de comercializar a cocaína, uma mercadoria cara e de prestígio, em
pequenas unidades baratas. Apresentada dessa maneira, esse tipo de
cocaína fumável era vendida nas ruas por jovens negros e latinos para uma
nova clientela. Seu sucesso se deveu a vários fatores. Por um lado, havia um
grande contingente de jovens desempregados dispostos a trabalhar no novo
16
negócio de preparação caseira do crack e de vendê-lo em sua própria
vizinhança. Era uma ocupação mais rentável que qualquer outro emprego
disponível a eles, tanto na economia oficial quanto na criminosa. Além disso,
essa inovação mercadológica, ao transformar a cocaína em pó em pedras
fumáveis, mudava a maneira como a droga era consumida e reforçava de
forma dramática a natureza da intoxicação cocaínica, tornando-a breve, mas
intensa. Assim, o novo produto logo se tornou um grande sucesso de vendas
e fonte de lucro para todos os escalões do tráfico (Reinerman e Levine, 1997).
É importante ficar claro que o crack pode ser obtido de duas formas. A
partir do cloridrato, onde sua confecção é caseira e de pequena escala, e a
partir da pasta-base, onde sua confecção é mais industrializada. Essa nova
maneira de se usar cocaína também apresentava a possibilidade de se
aproveitar à substância, mesmo quando úmida e de difícil aspiração. Até
então, quando os usuários encontravam a cocaína neste estado, tinham
somente duas alternativas. Tentavam secá-la, colocando-a num prato de
louça a ser aquecida aos poucos, para sua posterior aspiração, ou a diluíam
em água, para torná-la injetável. Contudo, injetar drogas requer
equipamentos disponíveis e não ter medo desta via de administração, além
de outros elementos de caráter sociocultural que descreveremos com mais
precisão no capítulo três.
Injetar cocaína representa também um risco de overdose que muitos
usuários preferem evitar. Além disso, a partir do final da década de 1980,
essa prática passou a carregar o estigma de ser uma importante via de
transmissão do vírus HIV, que provoca a aids.
17
1.1. A entrada do crack no Brasil
É difícil precisar exatamente quando o crack fez sua primeira aparição
no mercado brasileiro de drogas ilícitas. Relatos de usuários em São Paulo
apontam para o ano de 1987, já os relatórios elaborados pelo DENARC
(Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo) começam a
notificá-lo em 1989. Essa discrepância é compreensível, uma vez que os
usuários normalmente travam contato com novas substâncias ilícitas algum
tempo antes de ocorrerem às primeiras apreensões policiais e as posteriores
notificações oficiais.
A divulgação de novas substâncias entre os freqüentadores do “mundo
das drogas” ocorre de forma extremamente eficaz e rápida, criando novos
mercados. As condições de exclusão de numerosos setores jovens da
população urbana, que haviam garantido o sucesso do crack nas grandes
metrópoles norte-americanas, produziram efeitos análogos no Brasil.
Atualmente, a maior parte dos “craqueiros” conhecidos é proveniente das
camadas mais desprivilegiadas da população. Isso não significa que não haja
usuários de outras classes sociais, mas, além de menos numerosos, estes
conseguem utilizar suas condições
6
de classe para garantir maior discrição
às suas práticas ilícitas e um abrandamento dos próprios danos sociais e de
saúde. Afinal, conforme demonstram estudos norte-americanos, os danos
resultantes do uso da cocaína em suas várias formas m menos relação
com suas propriedades farmacológicas do que com as circunstâncias sociais
do seu uso (Morgan e Zimmer, 1997).
6
Entre essas condições, por exemplo, eso acesso a internet e a participação na maior rede de
relacionamentos do mundo (ORKUT). Encontramos várias comunidades virtuais onde se discute o
uso de crack entre ela temos: Crack, Amigos do crack, Eu uso crack, O fantástico mundo do crack,
Como carne e fumo crack.
18
O crack caseiro tornou-se muito atraente e, para produzi-lo, bastava
diluir pequenas quantidades de cocaína (seca ou úmida) e bicarbonato de
sódio ou amoníaco em água e aquecer a mistura. Formava-se uma
substância oleosa que, uma vez fria transformava-se em uma película
fumável de crack, a “casquinha” ou pitilo”. Este método continua a ser
empregado por alguns usuários que procuram evitar o crack preparado,
normalmente disponível no mercado, pois o consideram muito impuro.
A partir de meados de 1988, primeiramente em São Paulo, começam a
surgir outras maneiras de preparar o crack, misturando-se diferentes
produtos à cocaína. Hoje, em diferentes regiões do país encontram-se outros
preparados de cocaína ou pasta-base que continuam conhecidos como
“crack” ou adquirem outras denominações, como “bazuko”, “merla”, “mela”,
ou “oxi”, por exemplo.
Assim como variam os seus componentes, também são diversas as
condições para difusão do seu uso. No Rio de Janeiro, por exemplo, o crack
que era pouco encontrado, teve sua apreensão aumentada em 52 % no ano
de 2006. E, segundo o jornal O Globo, teve um aumento de 37% de uso,
relatado por usuários que procuram serviços de tratamento (O Globo, 2006).
Sua difusão ocorreu de forma muito periférica dentro das grandes rotas do
tráfico. Segundo estudiosos do tema, isso se deve à atuação do alto comando
do tráfico de drogas carioca que tentou barrar a distribuição e o uso dessa
substância, acreditando que ela levaria a uma desorganização nas vidas,
tanto dos fregueses quanto dos vendedores, que seria contraproducente aos
seus interesses de longo prazo.
19
1.2. As diferentes formas de uso do crack e os seus danos à saúde.
O crack pode ser fumado de diferentes maneiras. A primeira forma que descreveremos é a
do crack fumado em forma de “cigarros”. A “pedra” é quebrada, misturada com tabaco ou
com maconha, enrolada numa “seda” e fumada. A grande maioria dos usuários que fumam
crack em cigarros mistura as pedras com a maconha
7
e o fumam na forma de “baseado”.
Esta parece ser a maneira menos danosa psiquicamente, pois a “nóia”
8
,
que é um dos
efeitos do crack, é minimizada pelo efeito da maconha, e isso pode ser importante na
medida em que administrar a paranóia parece ser um dos principais problemas dos usuários
de crack.
O crack também pode ser fumado em cachimbos, em latas de alumínio e em copos de água
descartáveis. Embora os apetrechos para o uso sejam diferentes, a forma de colocar a
“pedra” em combustão é sempre a mesma, ou seja, primeiro coloca-se cinza de cigarros no
local em que será queimado o crack e por cima a “pedra”. Em seguida, esta é acesa,
utilizando-se um isqueiro ou fósforos e aspira-se a fumaça.
Para se fumar na lata” é necessário esvaziar o seu conteúdo, caso ela
esteja cheia, amassá-la ao meio, e fazer pequenos furos com um prego fino
ou uma agulha no local amassado. será colocada a cinza e a pedra para
ser queimada. O uso de latas é mais prejudicial, porque estas geralmente
são coletadas na rua ou no lixo e podem estar contaminadas com diferentes
agentes infecciosos. Além disso, essa forma favorece a aspiração de uma
7
A maconha é considerada pela Organização Mundial de Saúde como perturbadora do Sistema
Nervoso Central. Os usuários que usam crack com maconha relatam que se sentem mais tranqüilos,
menos perseguidos e paranóicos.
8
A “paranóia” é o efeito provocado pelo uso de crack que aparece na maioria dos usuários de
cocaína-crack. É um sentimento de perseguição que pode levar à violência. Sob a paranóia os
usuários desconfiam e tudo e de todos, ouvem vozes e sons que lhes provocam medo e pavor.
Muitas vezes criam situações onde ficam acuados e escondidos.
20
grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo, assim, uma
intoxicação pulmonar muito intensa.
No Rio Grande do Sul, foi feita uma pesquisa recentemente pelo Centro
de Pesquisa em Álcool e Droga da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
9
, onde se constatou que os usuários de crack:
(...)correm risco de ter ossos enfraquecidos, demência, e até
agravamento do Mal de Alzheimer por aquecer as latas de
refrigerantes a cada vez que inalam a droga [...] Os males
ocorrem em razão da exposição excessiva ao alumínio, que se
desprende com mais facilidade com o calor (Zero Hora, 2006)
.
Os recipientes mais recomendáveis para se fumar crack, do ponto de
vista da redução dos danos conhecidos associados a esta prática de uso, são
os copos plásticos descartáveis de água mineral. Para usá-lo, pega-se um
desses copos, com água mineral, colocando-o na horizontal. Em seguida,
com a brasa de um cigarro, faz-se um buraco na sua lateral, esvaziando-se
metade da água. Este é o local por onde deverá ser aspirada a fumaça. Na
cobertura de alumínio, no topo do copo, fazem-se pequenos buracos com um
alfinete ou agulha, onde será colocada a “pedra” para ser fumada. Usados da
forma descrita, esses copos parecem ser os cachimbos” mais adequados e
menos danosos, uma vez que ao passar pela água no seu interior, a fumaça
será umedecida e terá suas partículas sólidas retidas no líquido evitando sua
aspiração.
Fumar crack pode ocasionar vários tipos de danos. São indubitáveis os
problemas respiratórios causados pela inspiração de partículas sólidas no
ato de fumar essa droga. Por ser um estimulante, causa também perda de
9
A publicação da pesquisa está no prelo. Tivemos acesso aos dados preliminares por meio da
reportagem do jornal Zero Hora.
21
apetite, falta de sono e agitação motora. Estes efeitos dificultam, por sua vez,
a ingestão de alimentos, podendo levar à desnutrição, desidratação e
gastrite. Observam-se, também, outros sintomas como rachaduras nos
lábios, causados pela falta de ingestão de água e de salivação, cortes nos
dedos das mãos causados pelo ato de quebrar as “pedras” para uso, além de
queimaduras nos dedos e, em alguns usuários, no nariz, causadas pela
chama usada para fumar o crack ou até mesmo pela sua própria combustão.
O estudo de Ramachandaran (2004) aponta vários problemas
pulmonares entre os usuários de crack atendidos em um serviço da
Pensilvânia. Entre os problemas relatados estão: edema pulmonar,
hipersensibilidade a pneumonia, bronquioespasmo, hemorragia alveolar.
o estudo de Souza (2002) realizado no Hospital Evandro Chagas, no Rio de
Janeiro com 675 homens que fazem sexo com homens e usam crack,
apontou o uso de crack como fator de risco para o sexo desprotegido.
A tese de doutorado defendida por Nappo em 1996, foi um estudo
importante. Nas 42 entrevistas realizadas, a autora buscou conhecer as
relações culturais e os padrões de uso relacionados aos consumidores de
crack e de baque
10
sob a ótica dos usuários. No contexto sociocultural,
descreve o estilo de vida decorrente do uso de crack e de baque, estilo de
vida anterior ao uso de drogas, cultura do uso, forma de preparo da droga.
Descreve as histórias de consumo e a iniciação ao uso. Entre as conclusões,
podemos destacar, além da defesa da metodologia qualitativa para a
pesquisa com usuários de drogas, as descobertas nas semelhanças de
diferenças entre os “craqueiros” e “baqueiros”, ou seja, altos índices de
10
Baque é injeção de cocaína. Este nome se deve ao fato de que a injeção de cocaína provoca um
efeito estimulante muito intenso, “um baque”.
22
exclusão social, risco acrescido para DST por dificuldade no uso do
preservativo, e grande sensação de paranóia.
As comprovações de Nappo também apareceram no estudo de
Hatsukami (1996). Um estudo bastante amplo de revisão de todos os artigos
que apareceram no medline entre 1976 a 1996 usando os termos smoked
cocaine, crack cocaine, freebase e cocaine-base”, que tinha por objetivo geral
revisar e discutir as diferenças e similaridades entre o uso de crack e o
cloridrato de cocaína, e determinar como esses achados poderiam afetar a
política de intervenção e tratamento dos usuários de cocaína nas suas
diferentes formas.
As conclusões de Hatsukami em 1996 podem ser comprovadas até
hoje, em especial no que diz respeito à forte e rápida dependência causada
pelo uso de cocaína fumada (crack) quando comparada com o uso de cocaína
inalada e à rapidez do efeito e necessidade maior de outra dose entre os
usuários de crack.
outros problemas, de ordem psicológica e social, raramente
descritos por pesquisadores, embora facilmente detectados no contato com
os usuários. Assim, observa-se freqüentemente, em usuários de crack, um
total descuidado em relação à sua aparência e asseio pessoal. Ocorrem
também graves perdas dos vínculos familiares e sociais, sendo comum ouvi-
los dizer que anteriormente tinham famílias, mas que estas teriam desistido
de ajudá-los devido à sua insistência em continuar usando a droga.
Relatam também que antes estudavam e trabalhavam, mas que depois
que o uso de crack se tornara sua principal atividade, abandonaram essas
ocupações e suas garantias de inserção social. A “paranóia” também merece
23
uma atenção especial, pois, como sabemos, este sintoma aparece em quase
todos os usuários e é a responsável pela maioria das brigas nas cenas
grupais de uso, nas quais amizades de longa data podem ser terminadas em
função da droga.
Outra questão de grande importância e complexidade é a da troca de
sexo por drogas e a realização de pequenos delitos para a aquisição de
dinheiro para comprar a droga, fatos esses relatados no contato direto com
usuários, e em diferentes estudos nacionais e internacionais (Nappo, 2001;
Hatsukami, 1996; Harocopos et al, 2003; Barnaby et al, 2004; entre outros).
Mas afirmar que é o crack que provoca tais comportamentos é uma
atitude preconceituosa. É necessário aprofundar estudos no perfil
sociocultural dos usuários de crack dentro de suas realidades para que
possamos fazer afirmações sobre o crack versus sexo e crack versus
pequenos delitos.
1.3 O pânico moral em torno do uso do crack
O uso de crack no mundo, e na sociedade brasileira em especial,
surgiu no final da década de 1980 e seu aparecimento gerou várias reações
na sociedade, entre estas iremos destacar o pânico moral. De uma maneira
simplista, podemos dizer que o pânico moral é criado e imposto pelos
empresários morais. Contudo, para tal afirmação é necessário que façamos
um breve debate sobre as regras na sociedade, sua criação, sua imposição e
a repercussão de tal atitude.
Desta forma diremos que as regras são criadas por algumas pessoas
frente à emersão de um fenômeno social que é encarado como um problema,
24
e por isso precisa ser resolvido. Assim, Becker nos relata:
“As regras são
produtos da iniciativa de alguém e podemos pensar nas pessoas que mostram tal
iniciativa como empresários morais.” (Becker, 1976: 108).
Esses empresários morais serão divididos em duas classes: os
criadores e os impositores de regras, onde os criadores são os que se
interessam pelos conteúdos das regras, ou seja:
As regras existentes não o satisfazem porque há um mal que o
perturba profundamente. Ele sente que nada pode estar certo
no mundo até que as regras sejam feitas para corrigi-lo. Opera
com uma ética absoluta; o que se é, sem restrição, total e
verdadeiramente mal. Qualquer meio para eliminar este mal é
justificável. (Becker, 1976: 108).
É como se eles tivessem a obrigação de eliminar o que diagnosticaram
como mal, no nosso caso, o crack.
Mas o mal não é eleito aleatoriamente, ele tem motivos para assim ser
considerado. Quando surgiu o crack e seu uso foi disseminado entre a
população de rua nas grandes metrópoles e os efeitos do seu uso ficaram
muito visíveis à população geral (magreza causada pela desnutrição, sujeira
causada pelo uso da drogas durante vários dias consecutivos, pequenos
delitos para compra de drogas e fissura pela ausência dela), a justificativa
ficou simples para o criador de regras porque, como o efeito do uso de crack
ficava evidentemente associado como ruim, ele conseguiu apoio de várias
instituições para a criação de regras, como por exemplo, “eliminação do
crack”, “salvação do craqueiro”, “proteção dos filhos(as) das craqueiras” etc.
Até hoje ouvimos histórias sobre usuários de crack que fumaram uma vez e
ficaram totalmente dependentes, ou que fumaram uma vez e sua vida
acabou etc.
25
Ou seja, os criadores de regras têm motivações que poderiam ser
consideradas por muitos como humanitárias, eles criarão regras que salvará
a sociedade de um grande mal, Becker nos conta que eles se sentem como
cruzados, uma vez que sua missão é sagrada. Independentemente dos que
serão “salvos” pensam:
Os cruzados morais querem caracteristicamente ajudar
aqueles que estão abaixo deles a conseguir um status melhor.
O fato de que aqueles que estão abaixo deles nem sempre
gostarem dos meios propostos para sua salvação é uma outra
questão (Becker, 1976: 110).
“Com a criação de um novo conjunto de regras, descobrimos freqüentemente
que se estabelece um novo conjunto de agências e funcionários de imposição.
(Becher, 1976: 114)”.
Os impositores se preocupam que as regras sejam
cumpridas e se houver uma organização para isso a cruzada torna-se
institucionalizada. Em alguns casos, nem se trata de impor com destreza as
regra, mas o fato dela existir faz com que o trabalho do impositor se torne
imprescindível e lhes dá boa razão para que seu lugar continue existindo.
Quando o crack surgiu e seu uso se banalizou entre a população das
camadas mais pobres da sociedade, pudemos observar a criação de regras
sobre seu uso por muitos técnicos da saúde (médicos, psiquiatras,
psicólogos e assistentes sociais) ligados ao atendimento de usuários de
drogas que começaram disseminar a idéia de que o crack era a droga do
mal” e se encarregaram de tornar o crack a pior droga do momento. os
impositores, que na época estavam mais ligados às questões judiciais, se
encarregaram se qualificar a polícia, em especial, como a força responsável
para combater o mal, com a ajuda da mídia obviamente. Este movimento
26
teve repercussões diretas na forma como a sociedade brasileira lidou com o
uso de crack, surgindo o pânico moral.
Segundo Cohen:
(...) pânico moral se refere ao processo pelo qual ‘empresários
morais’ (moral entrepreneurs) e/ou a mídia instigam
inquietações populares, em escalas maciças, sobre
determinadas questões sociais. (in put Silva, 2005: 153).
Fica fácil perceber que no nosso caso, estes empresários morais se
valeram do pânico moral para justificar várias de suas atitudes. A demora de
respostas mais assertivas e menos opressoras dos gestores de saúde pública,
por exemplo, ou a descrença na implementação de estratégias de redução de
danos para os craqueiros (já que o pânico moral tem como efeito o
imobilismo, o medo, a impotência etc).
As regras são iniciativas de alguém, no nosso caso, os especialistas
vinculados à guerra contra as drogas”, que tiveram uma atuação política
importante na sociedade conservadora, reacionária e preconceituosa, na
qual vivemos. Desta maneira, empresários morais que pregavam a
abstinência como a única forma de “se lidar” com o uso da droga, ou que
acreditavam que prender e/ou tratar os usuários seria a melhor maneira de
deter seu uso tornaram-se a referência social quando se referisse a uso de
crack.
Os juristas, por sua vez, acreditavam que colocar usuários e
traficantes na mesma categoria e encarcerá-los poderia ser a solução para o
problema do uso de crack.
27
Após a atuação dos empresários morais, pudemos verificar o
surgimento do pânico moral em torno do crack e observamos os seus quatro
eixos de sustentação.
Segundo Peritti-Watel, são esses os eixos: o exagero dos fatos, a
amplificação por associação, as profecias da desgraça e a simbolização. No
nosso caso, o “exagero dos fatos” (exagération des faits) pode ser relatado
pela forma com que a mídia e alguns técnicos da saúde lidavam com a
questão, era muito comum ouvirmos falar que o crack causa dependência
quase que imediata, que seu uso leva à marginalidade e que para parar de
usar, morrendo. A “amplificação por associação” (amplification par
association) onde um fato aparece como conseqüência de outro e assim por
diante, pode ser descrito como: hoje usa-se crack, amanhã torna-se
dependente, depois de amanhã está cometendo delitos, ou seja, a
amplificação por associação pôde provocar uma associação forjada entre
crack e criminalidade.
“As profecias evocam as conseqüências futuras que situam o problema a um
nível de gravidade mais elevado. (Peretti-Watel, 2005: 111)”
, ou seja, as
“profecias da desgraça” se realizavam na medida em que tínhamos acesso
somente a casos de usuários de crack que se prejudicaram socialmente,
perderam emprego, abandonam a escola etc. E por fim, a “simbolização”
(symbolisation), onde fatos atribuídos ao estereótipo de usuário de crack
eram apoiados por intervenções que os colocavam no papel de desviantes.
Ou seja, determinados grupos ou veículos de comunicação que tinham
legitimidade política para interferir na formação de uma opinião pública,
28
passaram a veicular um conjunto de valores e de referências morais que
geraram um pânico no interior da sociedade frente à questão do uso de
crack.
No Brasil encontramos pouca bibliografia sobre nico moral.
Tentamos uma busca com a palavra-chave tanto no portal da CAPES como
na BIREME, e surgiram alguns artigos, relacionados à prostituição e a aids.
Tendemos a pensar que o Pânico Moral é um conceito pouco conhecido e,
por conseqüência, pouco explorado na realidade brasileira. Alguns
pesquisadores (MacRae, Andrade e Leite) nos revelaram em comunicação
oral que este conceito ainda suscita discussões dentro das Ciências Sociais
pela sua fragilidade, e mais do que isso, por poder ser usado para quase
todas as situações em que a exclusão apareceu. De qualquer forma,
podemos observar com muita clareza o pânico moral em torno do uso de
crack.
Referimos-nos ao “pânico moral” em relação ao uso de crack, que se
inicia nos anos 90, momento no qual o seu uso surge de forma epidêmica em
São Paulo. A mídia tratava a questão como mortal, assustadora e sem
possibilidades de convivência. Para ilustrar destacamos o levantamento
realizado pela Escola Paulista de Medicina (EPM) das manchetes de vários
jornais que circulavam na cidade de São Paulo entre 1990 e 2000. Este
clipping está reduzido, ele o retrata todas as manchetes sobre crack da
mídia na época, constam somente as manchetes que têm relação com a
EPM, mas serve para que possamos ter uma idéia do pânico moral gerado
com o surgimento do crack. Por exemplo:
29
A droga do medo – Folha de São Paulo
21% dos usuários assaltam por cocaína – Folha de São Paulo
Abstinência não põe fim a danos da droga – Folha de São Paulo
Repressão amplia limites da cracolândia – Folha de São Paulo
Ex-viciada revela como sobreviveu à guerra do crack Folha de São
Paulo
Educadores arriscam a vida para salvar viciados O Estado de São
Paulo
Os cachimbos da morte – Revista Época
Crack avança e vicia policiais militares – Folha de São Paulo
PM reforçará policiamento no quadrilátero das pedras O Estado de
São Paulo
Crack provoca mais homicídios – Diário de São Paulo
Uso de cocaína entre jovens de rua cresce em SP O Estado de São
Paulo
Uso de drogas cresce entre meninos de rua – Jornal da Tarde
88% dos meninos de rua já usaram drogas – Folha de São Paulo
Abstinência e seqüelas – Folha de São Paulo
Pesquisa mostra efeito das drogas em recém-nascidos Folha de São
Paulo
Projeto vai tratar dependente de crack – Folha de São Paulo
Pesquisa revela crescimento no uso de crack – Diário Popular
Menores viciados em crack são resgatados das ruas O Estado de São
Paulo
Outro fato que ficou globalmente conhecido, aumentando ainda mais o
pânico moral: o mito
11
dos crack babies. Esse mito consistia em mostrar
através de dados epidemiológicos, médicos e biológicos que filhos de mães
usuárias de crack nasciam prematuros, dependentes da droga, com sérios
problemas físicos etc.
Se por um lado havia alguns dados de realidade que apareciam nos
estudos, por outro, estes dados eram superestimados, incentivados pelos
seguidores da “guerra contra as drogas” marcada principalmente pela
ampliação de fatos; desta forma, era assustador para a sociedade que uma
11
Mito: interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. (www.michaelis.uol.com.br)
30
mulher grávida o conseguisse se abster da droga mesmo sabendo dos
danos que o crack poderia gerar à saúde do seu bebê. Os empresários
morais, por sua vez, se valiam do mito para aumentar ainda mais o combate
ao crack e, por conseqüência, a seus usuários.
Godde cite egalement mythe des crack babies (les ‘bébés du
crack’). Toujours Durant les années 1980, des etudes
américaines ont montre que les enfants nés de mères
cocaïnomanes étaient plus souvent prématurés, avaient à la
naissabce un poids et une circonférence crânienne inférieurs à
la moyenne, presentaient aussi parfois diverses anomalies
physiques et comportementales, voire des lesions cérébrales.
(Peretti-Watel, 2005: 119)
Ao longo dos anos, os estudos epidemiológicos, médicos e biológicos
passaram a ser questionados por alguns cnicos, que no atendimento das
mulheres craqueiras e de seus filhos observaram que os fatos relatados pelos
estudos estavam mais relacionados com as condições de algumas usuárias
do que com o uso de crack em si, ou seja, os crack babies estavam
diretamente relacionados com as condições de exclusão dessas usuárias,
condições onde era negado o pré-natal, por exemplo.
em relação à reação da sociedade civil, observamos uma grande
diferença entre os portadores do HIV/aids (como veremos no capítulo três) e
os usuários de crack (capítulo cinco), pois os craqueiros o conseguiram,
ainda, reagir (capítulo seis) ao pânico moral como aponta Galvão:
(...) é possível pensar que o pânico moral também ajudou a
garantir uma certa “excepcionalidade” na condução de ações
frente à epidemia. Se um contexto de acusação com os seus
mecanismos de acusação foi formado – como apresento na
minha dissertação de mestrado (Galvão, 1992), utilizando
Mary Douglas (1976) –, também houve uma forte reação dos
“acusados”, o que faz a AIDS diferir de outras enfermidades
igualmente estigmatizantes, como a hanseníase(...) (Galvão,
2000: 181)
31
A reação que caminha a passos pequenos está sendo fomentada pelos
cracados, encontrando diversas barreiras, como veremos a seguir, no
capítulo quatro.
Após toda esta descrição sobre o surgimento do crack no mundo e no
Brasil, no próximo capítulo iremos descrever nossos pressupostos teórico-
metodológicos, e como foi feita nossa coleta de dados.
32
2. As pedras do caminho para se chegar ao caminho das pedras -
Pressupostos teóricos metodológicos.
Procuramos adotar, em nossa pesquisa, uma perspectiva teórico-
metodológica capaz de apreender os elementos sociohistóricos que
configuram o campo da redução de danos para os usuários de crack na
realidade brasileira.
Nessa direção, realizamos uma pesquisa teórica que procurou
resgatar, no âmbito da literatura, as diversas esferas que incidem sobre a
prática de uso de drogas, mais especificamente sobre o uso de crack e sobre
as respostas sociais e de saúde nessa área, dando ênfase aos financiamentos
para as organizações não governamentais.
Nosso objeto é a análise do processo de implantação e desenvolvimento
das estratégias de redução de danos associados ao uso de droga para as
questões relacionadas ao uso de cocaína fumada (crack), através do estudo
dos cinco projetos-piloto para usuários de crack desenvolvidos no Brasil,
financiados pelo Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde.
Nossa aproximação com o objeto, na perspectiva de construir nosso
referencial de análise, exigiu um trabalho teórico de resgate dos elementos
centrais que, a nosso ver, oferecem as bases sociohistóricas que determinam
33
as experiências de redução danos no interior dos cinco projetos-piloto por
nós analisados.
Assim, optamos pela discussão teórica dos seguintes elementos:
História da cocaína e o surgimento do crack. Esse histórico é
fundamental para a compreensão das propriedades da cocaína e do
crack, de suas formas de uso, das determinações culturais, políticas e
econômicas que incidem sobre essa prática e, principalmente, para
situar a emergência do crack em nosso meio e os desafios que o uso
dessa droga coloca para o campo da redução de danos, identificados
também, a partir de nossa experiência profissional nessa área. Além
de discutirmos o pânico moral em torno do uso de crack.
Configuração do chamado terceiro setor e suas mudanças frente à
globalização e os espaços organizacionais que assumem a elaboração e
operacionalização das respostas de prevenção ao HIV/aids no Brasil.
Procuramos identificar, ainda que de forma introdutória, os elementos
que incidem sobre a criação do Programa Nacional de aids; as
principais mudanças no campo da prevenção ao longo da história da
epidemia; as modalidades de financiamento; o papel das ONG; a
vinculação da epidemia com a redução de danos; a diferença entre a
direção social no campo da saúde afirmada pelo SUS e aquela
afirmada pelos organismos internacionais que fomentam recursos
financeiros nessa área, em um contexto de reorganização do Estado e
das políticas sociais. E as suas conseqüências para o funcionamento
das instituições encarregadas de aplicar as políticas e controlar os
serviços prestados à população. No interior dessa discussão mais
34
conjuntural, procuramos dar destaque à noção de “ditadura dos
projetos”, criada por Galvão (1997), que a nosso ver, do ponto de vista
teórico, permite matizar as particularidades, os limites e os desafios
das experiências de redução de danos para o uso de crack
implementadas pelos projetos-piloto.
História da redução de danos no mundo e no Brasil e as estratégias de
redução danos frente à diversidade de usos da cocaína. A partir da
literatura especializada, procuramos situar à emergência da redução
de danos no Brasil e no mundo, sua base de legitimidade social no
âmbito da prevenção do HIV/aids, as primeiras experiências na área
de repercussão nacional e internacional, os projetos de troca de
agulhas e seringas, a incorporação da redução de danos no âmbito do
Programa Nacional de aids, as principais estratégias de redução de
danos, a importância dos projetos de pesquisa na área, a criação das
associações e redes de redução de danos e a ampliação do campo de
atuação da redução de danos, especialmente em relação ao uso de
crack, e a prevenção de outras doenças, e não somente do HIV/aids.
Destacaremos também, de forma sucinta, a tendência hegemônica à
instrumentalização da redução de danos.
Os elementos históricos, econômicos, políticos, culturais e ideológicos tratados em nossa
pesquisa teórica interessam, ao mesmo tempo, tanto para contextualizar o corpo de
conhecimento que vem se constituindo no campo das abordagens sobre o uso de drogas,
quanto para situar às particularidades de nosso objeto de pesquisa.
35
As referências conceituais utilizadas em nossa pesquisa empírica sintetizam, assim, a
própria complexidade do “fenômeno” do uso de crack em nossa realidade e as
particularidades das respostas formuladas a essa prática no âmbito da redução de danos.
Com base nessas referências conceituais mais genéricas, encaminhamos nossa pesquisa
empírica na perspectiva de articular uma diversidade de técnicas capazes de apreender a
dinâmica e a complexidade do processo de implantação e execução dos cinco projetos-
piloto, objeto central de nossa tese.
Além dos dados colhidos em campo, nossa pesquisa empírica conta, também, com uma
descrição detalhada do contexto e da concepção que resultaram na implementação dos
projetos-piloto.
2.1. As técnicas de coleta de dados
As técnicas de coleta de dados estão sempre relacionadas com o
referencial teórico que será usado para analisá-las, mas nada impede que
além das técnicas recomendadas por um referencial outras sejam utilizadas.
Segundo Becker
(1999:12)
,
“os sociólogos deveriam se sentir livres para
inventar os métodos capazes de resolver os problemas de pesquisas que estão
fazendo”.
Zaluar (2004) defende que a pesquisa de campo deve ser feita pelos
seus pares; contudo, devem-se tomar certos cuidados na coleta de dados,
usar “alguém” da comunidade para coletá-los ou trabalhar com diferentes
técnicas.
No nosso caso, esta pesquisadora circulava entre os projetos de
redução de danos e suas intervenções de campo, bem como, ao longo de sua
trajetória profissional, construiu um acúmulo teórico sobre as abordagens
36
no campo das drogas e dos referenciais apropriados e desenvolvidos pela
área de redução de danos. Outro dado importante é o fato desta mesma
pesquisadora ter sido uma das idealizadoras dos projetos-piloto,
coordenando um dos projetos por um ano.
Essa inserção diferenciada (pesquisadora, idealizadora dos projetos-
piloto, coordenadora de um dos projetos e integrante das redes de relações
profissionais das equipes dos demais projetos) foi considerada ao longo do
processo de coleta e análise de dados.
Embora nossa pesquisa empírica não tenha sido realizada nos marcos
da etnografia clássica, as técnicas de coleta de dados por nós utilizadas são
usualmente encontradas na etnografia, o que justifica nosso reconhecimento
do debate nessa área acerca dos desafios no uso dessas técnicas.
O debate no interior da pesquisa etnográfica indica a complexidade
dos elementos que devem ser considerados na produção do sentido e da
veracidade dos dados obtidos em campo. No nosso caso, aquela inserção
diferenciada expressa um elemento a mais dessa complexidade no campo da
etnografia. Os dados de campo deveriam ser considerados na trama de
significados produzidos pelos sujeitos e na sua articulação com as
expectativas que estes poderiam criar em relação aos resultados da pesquisa
quanto à legitimidade, avaliação e continuidade das ações desenvolvidas em
cada um dos projetos-piloto.
Considerando a complexidade da pesquisa etnográfica, Zaluar traduz
um dos desafios encontrados no uso da técnica de entrevistas para a coleta
de dados.
“Em outras palavras, as entrevistas, descobri, não eram constituídas de
37
significados, mas de discursos sobre significados cujo sentido eu deveria buscar
fora do dito” (Zaluar, 2004:12).
Tendo em vista nossa inserção diferenciada nesse campo de pesquisa e
a necessidade de outras modalidades de aproximação com a realidade
empírica dos projetos-piloto, complementares e mediadores dos significados
dos discursos colhidos nas entrevistas, decidimos ainda no início da
pesquisa, que trabalharíamos também com outros dados colhidos por outras
técnicas.
Nessa direção, além de Zaluar, incorporamos os alertas de Victória
(2000) sobre as cnicas de coleta de dados.
O uso de técnicas combinadas,
isto é, a utilização coerente de mais de uma técnica, permite suprir lacunas e tornar
mais completa a coleta de informações em campo” (Victória, 2000:61).
Da mesma forma, tomamos como referência as discussões realizadas
por MacRae:
Dos métodos qualitativos empregados na coleta de dados
sobre diferentes aspectos do ‘mundo das drogas’, talvez os
mais comuns sejam as entrevistas abertas e as discussões em
grupo, por sua relativa rapidez em produzirem um
considerável corpo de dados para análises (2004: 29-30).
Para nos assegurarmos que seriam contempladas as questões teórico-
metodológicas que incidem sobre a pesquisa empírica, realizamos a coleta de
dados por meio da combinação das seguintes cnicas: visitas às
organizações nas quais os projetos se realizam, entrevistas, observação do
trabalho de campo e das atividades realizadas na sede das organizações,
discussões em grupo, além da coleta de dados documentais: projetos,
relatórios produzidos por suas equipes e pelos consultores externos,
38
planilhas de monitoramento do campo e atas das reuniões dos
coordenadores dos projetos.
Utilizamos à técnica de entrevistas abertas junto aos coordenadores
dos cinco projetos investigados onde procuramos coletar os dados relativos
ao funcionamento do projeto, às atividades desenvolvidas, às modalidades de
encaminhamento e parcerias realizadas, e ao perfil dos usuários atendidos.
O roteiro
12
utilizado nas entrevistas abertas pode ser caracterizado
como semi-estruturado e procurou garantir a apreensão dos elementos
centrais de cada projeto. Todas as entrevistas foram gravadas mediante
consentimento informado e assinado
13
.
As discussões em grupo
14
defendidas por MacRae (2004), como uma
técnica que aumenta a proposta da entrevista aberta, foram também
utilizadas por nós. Os grupos de discussão foram realizados nas várias
reuniões dos projetos-piloto envolvendo seus coordenadores e consultores
nacionais e internacionais. Na fase final de coleta de dados, durante a visita
aos projetos, realizamos, também, discussões em grupo com os demais
integrantes das equipes de cada projeto.
Trabalhamos, ainda, com a observação participante na busca por
estabelecer um contato direto com a equipe dos projetos e os usuários que
as mesmas acessavam.
Enquanto as entrevistas e grupos de discussão se voltam
primariamente para as opiniões expressas pelos sujeitos, a
observação mais atenção aos comportamentos e relações,
contextualizando as verbalizações (MacRae, 2004:31)
.
12
Em anexo.
13
Em anexo.
14
“Consiste em reuniões de pequeno número de informantes, entre seis e doze pessoas, escolhidas
por serem membros de uma determinada categoria” (MacRae, 2004: 31).
39
A observação participante e a pesquisa documental, conforme
procuramos indicar nas observações feitas pelos autores que discutem as
questões teórico-metodológicas da pesquisa empírica foram utilizadas na
perspectiva de apreensão de elementos que, embora presentes na realidade
empírica escapam ao pesquisador porque estão ausentes dos discursos dos
sujeitos ou porque o próprio significado desses discursos depende do sentido
fornecido pelos dados colhidos em outras fontes: nas relações, nas teorias,
nos documentos
15
etc.
Os resultados da pesquisa empírica encontram-se sistematizados nos
itens que tratam da história e funcionamento de cada um dos projetos e em
nossa análise final.
No próximo capítulo descreveremos o surgimento das ONG no Brasil e
as ONG-aids e sua repercussão na resposta brasileira à epidemia de aids
com o fomento do empréstimo do Banco Mundial e a despolitização das
instituições por ele financiadas.
15
Colocaremos em anexo a planilha de monitoramento dos projetos-piloto feita pelo Programa
Nacional de DST/aids em parceria com o Programa Nacional de Hepatites Virais.
40
3. Pedras preciosas?
A ditadura dos projetos
A origem histórica das ONG, sua natureza e objetivos no interior da
sociedade civil brasileira é uma discussão densa e complexa que fugiria aos
objetivos de nossa pesquisa. Contudo, se fazem necessárias algumas
definições para que possamos contextualizar a discussão das ONG/aids e o
fomento do Banco Mundial
16
.
Desta forma, Gonh é uma das referências para
situar esse processo:
Alguns autores datam o surgimento das ONG no Brasil desde
a época da Colônia [Moura, 1994]. Eles se referem ao trabalho
de grupos de religiosos caritativos, de difícil comparação com
as ONG atuais porque a Igreja e o Estado não eram separados
por lei. Acreditamos que as modernas ONG são produtos do
século XX, quando o Estado passa a ter papel central na vida
das nações. Elas são um fenômeno mundial [...]. O Banco
Mundial tem dado grande atenção às ONG desde a década de
80, considerando-as como mais eficientes que as agências
governamentais, priorizando ações em parceria com elas. A
dimensão social do desenvolvimento passou, para o Banco
Mundial, a ser o campo das ONG. Em 1989, o Banco assim
definiu as ONG: ‘grupos e instituições que são inteiramente ou
largamente independentes do governo e caracterizadas
principalmente por objetivos humanitários ou cooperativos, em
vez de comerciais’ [Korten, 1991; Cohn, 2000:53-54). (GOHN,
2000.)
16
Para facilitar a leitura usaremos Banco Mundial quando quisermos nos referir ao Banco
Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD.
41
Mas, para Malvasi, o termo Organização Não-Governamental (ONG) foi
usado pela primeira vez em 1940 pela Organização das Nações Unidas
(ONU):
(...)para marcar especificidades de entidades não-oficiais que
executavam projetos de interesse social com financiamento
público. O que distinguia estas entidades era ser ou não
governos, sendo questão definir seu caráter público ou privado
(Malvasi, 2004: 14).
No Brasil na década de 1970 vivia-se num Estado de rigidez e
repressão e obviamente, antidemocrático; surge então uma
“rede de ação
solidária e reivindicativa, estimulada principalmente pelas Comunidades
Eclesiásticas de Base da Igreja Católica (CEB)” (Malvasi, 2004: 20)
. Esta rede ficou
conhecida por Movimentos Sociais e Populares e podemos dizer que foi
nesses movimentos que brotaram os “pais” das ONG Brasileiras. No processo
de redemocratização, os movimentos que eram independentes de partidos e
sindicatos passam a tomar dois caminhos diferentes: um formando partidos
políticos e outro criando organizações autônomas, também conhecidas como
Organizações Não Governamentais.
3.1. As mudanças no terceiro setor
17
Autores vinculados à teoria social crítica
18
são unânimes em
considerar que as organizações não-governamentais surgem num contexto
de avanço das políticas neoliberais que, desde finais da década de 70,
ganham força no continente latino-americano e operam no âmbito da esfera
econômica e das políticas sociais sob aplausos das elites, adesão cordial da
17
Também conhecido como Sociedade Civil Organizada, que são entidades e organizações sem fins
lucrativos – fundações, institutos, associações, organizações não governamentais, entre outras.
18
Sader (2005); Laurell (1997); Pereira (2001) entre outros.
42
maioria dos governantes e dificuldades de resistência por parte de grupos
organizados que se vinculam aos interesses das camadas populares
19
.
As políticas que enfeixam o chamado campo neoliberal afetam de
forma particular a realidade dos países latino-americanos. No entanto, de
um modo geral assumem características muito próximas: reforma do Estado
visando estabilização e ajuste estrutural. Diretrizes que têm significado
drástica redução dos gastos públicos com as políticas sociais dentre elas a
de saúde –; transferência das responsabilidades públicas e estatais no
âmbito da seguridade social para as organizações do terceiro setor e
programas de saúde e sociais de caráter focalista e marcados pela
descontinuidade.
A consolidação dessas políticas no continente latino-americano é
tributária de um ideário que se alimenta do fracasso da experiência do
socialismo real do leste europeu, da chamada crise das esquerdas mundiais
partidos, sindicatos e movimentos sociais de corte classista –, e da
construção ideológica que atesta a incapacidade do Estado de promover o
desenvolvimento e de gerir políticas sociais de qualidade.
Em aliança com as outras grandes potências capitalistas da
Europa Ocidental e o Japão, apoiando-se nas instituições
econômicas e financeiras internacionais como o Fundo
19
Sader (2005) indica a “sublevação de Chiapas”, em 1994, promovida pelo Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN) contra a Nafta (acordo de integração do México às economias dos EUA e
Canadá), como o primeiro movimento antiglobalização. Além desse movimento, o autor cita também o
movimento ATTAC (Ação de Taxação das Transações Financeiras em Apoio à Cidadania), iniciado
na França em finais da cada de 90, e a manifestação de Seatle, em 1999, contra a reunião da
Organização Mundial do Comércio (OMC). Sob a mesma perspectiva de resistência à globalização
econômica e ao neoliberalismo, várias entidades e movimentos sociais participaram do primeiro
Fórum Social Mundial (FSM), em 2001, na cidade de Porto Alegre, com o objetivo de construir uma
alternativa de “um outro mundo” e de se opor ao encontro econômico de Davos. Desde 2001 várias
edições do Fórum Social foram realizadas, em âmbito mundial e regional. Ainda que pese a
importância desses movimentos de resistência e do FSM o que podemos observar é que estas
iniciativas ainda não foram capazes de construir uma alternativa política ao avanço do neoliberalismo
em âmbito mundial.
43
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a
Organização Mundial do Comércio (OMC), os Estados Unidos
impuseram o neoliberalismo como forma de reorganização do
sistema econômico internacional. Suas teses principais são as
de que o livre comércio e a livre circulação de capitais
favorecem o crescimento econômico e o acesso crescente de
todos aos bens produzidos em todas as partes do mundo. Isso
implica o enfraquecimento das barreiras protecionistas em
nível nacional, favorecendo a livre competição, fazendo com
que os que competem em melhores condições as economias
mais desenvolvidas conquistem mais espaços, em
detrimento dos países que chegaram mais tarde à competição
internacional. [...]Implica também a privatização de empresas
estatais, pelo privilégio que se ao mercado como forma de
regulação econômica, em vez de ao Estado, e acarreta
igualmente o debilitamento dos direitos dos trabalhadores,
com a chamada “flexibilização laboral”. [...] Ao mesmo tempo a
privatização das empresas estatais e os cortes nos recursos
públicos enfraqueceram os direitos dos trabalhadores,
deteriorando a prestação de serviços públicos pelo Estado
(Sader, 2005: 27-28).
É nesse contexto que, de forma contraditória, criam-se as
possibilidades de emergência dos projetos de redução de danos no interior de
organizações não-governamentais e, de forma excepcional, nos programas de
DST/aids vinculados à esfera governamental.
Os elementos contraditórios desse processo serão explorados por nós
no item em que tratamos da noção “ditadura dos projetos” cunhada por
Galvão (1997) em sua análise sobre as mudanças de paradigmas na atuação
das ONG-aids a partir das novas modalidades de financiamento dos projetos
implementados por estas entidades para responder, em parceria com o
Estado, às demandas colocadas pela epidemia do HIV/aids.
Os riscos aos avanços e conquistas constitucionais podem ser
observados pela acentuada retração do Estado na gestão direta dos serviços
e programas voltados à efetivação dos direitos sociais, resultando na
transferência de recursos públicos para entidades privadas terceiro setor
44
que passam a administrar recursos, bens e serviços que, deslocados da
esfera pública para a privada, alteram a configuração do espaço de
realização da cidadania.
3.2. A aids e a resposta brasileira
A aids, inicialmente chamada de “câncer-gay”, surgiu no Brasil
primeiramente na mídia (1981), principalmente em revistas e jornais, e
depois em notificações de casos a partir de 1982. Este fato foi de suma
importância para a história social da aids, que começa a ser construída a
partir de notícias da infecção vinda dos Estados Unidos (Galvão, 2000).
A resposta que o governo brasileiro vai dar para o controle desta
epidemia se inicia em 1983, com a criação do primeiro programa estadual
de aids no Brasil, no Estado de São Paulo. Nesta época, o sistema de saúde
do país passava por um “momento difícil” após o agravamento da crise da
Previdência que servirá, em 1986, como pauta da Conferência de Saúde para
a reforma sanitária e a criação do Sistema Único de Saúde. Também em
1986 será criado Programa Nacional de aids.
Explicar de que maneira o Programa Nacional de aids e os
empréstimos do Banco Mundial rebateram no perfil e na atuação das
Organizações Não-Governamentais no Brasil, e como estas organizações
contribuíram para as respostas da epidemia de aids entre usuários de
drogas nos interessa especialmente porque a emergência e o
desenvolvimento da redução de danos no Brasil são diretamente afetados
por esta modalidade de financiamento e de organização das respostas à
epidemia do HIV/aids na realidade brasileira.
45
Os projetos de redução de danos executados no interior dos programas
estaduais e municipais de DST/aids respondem à mesma lógica de
financiamento via repasse de empréstimos firmados entre o governo federal e
o Banco Mundial. Ou seja, ainda que alguns projetos de redução de danos
tenham sido abrigados na esfera do governo, seu financiamento e execução
atendiam ao mesmo tratamento dos projetos realizados pelas ONG.
A década de 80 no Brasil é marcada pela saída de um regime
militar que durou quase vinte anos e que deixou marcas
profundas na sociedade civil brasileira: desmoronamento do
sistema de ensino, ruína do sistema público de saúde,
desarticulação dos movimentos sociais (Galvão, 1997: 71).
A partir de 1982 começam a surgir casos de aids no Brasil, primeiro
entre os homossexuais, depois entre os hemofílicos e usuários de drogas
injetáveis, e em 1985 surgem os primeiros casos de mulheres.
No Brasil, já havia algumas organizações não governamentais que
tinham militância nos movimentos homossexual e feminista, e que
desenvolviam trabalhos voluntários anteriores ao surgimento da aids. Com a
epidemia, parte dessas organizações atuou diretamente no cuidado dos
doentes de aids e, posteriormente, trabalhou na construção da resposta
brasileira à epidemia junto ao governo federal. Essa resposta foi concebida
em um contexto bastante complexo de mudanças no perfil dos movimentos
sociais urbanos organizados principalmente em torno da luta pela
redemocratização da sociedade e do Estado brasileiros na cada de 80 de
reorientação política e econômica do Estado e das políticas públicas e, no
caso da aids, de articulação de setores da sociedade que passam a
46
pressionar o Estado para construção de uma política de saúde nesse
campo
20
.
No caso da aids, surge um movimento em torno do qual se une a
sociedade civil organizada, os profissionais de saúde e os portadores do HIV
com seus parentes e amigos.
Galvão (2000) divide as fases de “combate” à epidemia de 1981 a 1984,
com a identificação dos primeiros casos de aids e a tomada de consciência
do problema; de 1985 a 1991 com a criação das primeiras organizações; e de
1992 a 1996, período no qual a autora identifica como de maior participação
dos poderes públicos. Esta divisão proposta por Galvão, que pode ser
considerada didática, permite-nos situar do ponto de vista histórico o
surgimento dos empréstimos do Banco Mundial e sua repercussão nas
organizações não governamentais. As fases analisadas por Galvão recobrem
apenas um período da epidemia de aids e de suas respostas; no entanto,
para a finalidade de nossa pesquisa e considerando que nos últimos dez
anos não houve mudanças substanciais do ponto de vista do financiamento
e execução do programa de aids – exceção feita à descentralização nas
modalidades de repasse, a partir de 2003 a nosso ver suas considerações
permanecem atuais.
3.2.1. As ONG/aids
Definir o que é uma ONG/aids foi motivo de acaloradas discussões em
diversos eventos. Mas aqui citaremos a definição usada por Galvão, a de que:
20
Com relação à reorientação política e econômica do Estado e das políticas públicas no contexto do
neoliberalismo, ver especialmente Laurell (1997).
47
“ONG/aids é aquela que desenvolve alguma atividade relacionada à aids”
(Galvão,
2000:40).
Parte dessas instituições vinha de movimentos sociais organizados
como os de homossexuais. Mas é a partir de 1985, em São Paulo, que surge
a primeira ONG-aids, o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids). E iniciam
seus trabalhos de forma assistencialista, ou seja, eram formadas por
voluntários que cuidavam dos doentes de aids. Apesar do crescente mero
de portadores, a aids ainda estava associada aos viajantes ao exterior que se
infectavam e vinham a adoecer no Brasil.
No período entre 1985 e 1989, que Galvão define como “anos
heróicos”, aparecem os “primeiros militantes” da aids, formado basicamente
por portadores do HIV e seus amigos e parentes. Foi uma época na qual
surgem respostas diversas para o controle da epidemia
“muitas delas
estruturadas mais na ação pessoal do que institucional” (Galvão, 2000: 61).
Foi em 1985, também, que surgiram as casas de apoio aos doentes de
aids, uma vez que o sistema de saúde estava sem condições de cuidar destes
doentes que junto de uma patologia fatal, carregavam o estigma de
homossexuais ou profissionais do sexo, ambos considerados promíscuos e
que por isso não poderiam ficar nos hospitais, junto das “pessoas de
família”.
Em 1986, os hemofílicos tentariam fazer um movimento a parte, que
não decolou, e não se sabe por que, mas o importante é que a questão da
infecção via sanguínea só iria ganhar visibilidade um pouco mais tarde
quando um número substancial de usuários de drogas injetáveis começou a
aparecer nos serviços de aids.
48
A partir de 1989 surgiram as primeiras organizações formadas por
pessoas com HIV/aids. Essas organizações foram fundamentais nas
respostas à epidemia, que passa a agregar discursos centrados também nas
pessoas com aids além da prevenção da epidemia.
Nos anos de 89 e 90 outros movimentos sociais começaram a se
preocupar com a aids. Entre eles, podemos destacar os movimentos de
mulheres, de profissionais do sexo e segmentos do setor privado, que
passam a firmar parcerias com as ONG. Nesse mesmo momento, muitos
militantes morrem e um número significativo de militantes não soropositivos
passa a integrar o movimento de aids.
Entre 1990 e 1991, período que Galvão nomeia de “polarização e
transição” foi uma fase de muitas mudanças de fato. A principal foi à saída
da coordenadora do Programa Nacional de aids em um período muito
conturbado por conta das mudanças do governo Collor.
Na década de 90, o movimento social de aids expressou alguns
conflitos internos quanto à sua composição e bandeiras de luta. Nos
encontros e eventos, surgiram muitas discussões entre as entidades
formadas exclusivamente por soropositivos e as formadas por vários
militantes, as primeiras (de soropositivos) se consideravam as mais legítimas
para falar de aids por terem contato direto com a doença, enquanto outras
alegavam que na busca por direitos não é necessário ter a patologia para
lutar pela garantia de políticas sociais.
A entrada das profissionais do sexo na cena de prevenção ao HIV/aids,
no início de 90, traz à tona um grupo de pessoas atingidas pela epidemia que
até então estava oculta para o recebimento de intervenções preventivas. Esta
49
participação será fundamental para a inserção do “peer education” como
trabalho de discussão da formação de multiplicadores de informações para
os grupos mais atingidos na época, ou seja, o trabalho com gay feito por gay,
aquele com profissionais do sexo feito por profissionais do sexo, e aquele
com usuários de drogas injetáveis feitos por usuários de drogas injetáveis.
No caso brasileiro, ainda não foi devidamente analisado o
papel da epidemia de HIV/AIDS em dar visibilidade a
determinadas reivindicações sociais trazidas por segmentos da
sociedade civil tradicionalmente estigmatizados. Não há dúvida
que uma das conseqüências da epidemia de HIV/AIDS não
somente na América Latina foi ajudar a conferir, senão
legitimidade, maior visibilidade às ações desenvolvidas por
grupos gays e de trabalhadoras(es) do sexo. (Galvão, 2000:82).
A partir de 1992, surgem os empréstimos de cooperação internacional
direcionados ao controle da epidemia de HIV/aids. Estes empréstimos
financiaram atividades dos órgãos do governo, pesquisas em universidades
atividades de organizações não-governamentais.
Galvão nomeia o período de 1992 a 1996 como o de “maior
participação dos poderes públicos”. Em 1992, uma nova mudança na
coordenação do Programa Nacional de aids
21
provoca uma reestruturação
deste, que passa a incorporar profissionais com trajetória internacional e
nacional nos cenários da epidemia. Foi em 1992 que se iniciou a negociação
com o BIRD.
Também em 1992 cresce a participação de grupos feministas para a
prevenção do HIV/aids, mas ainda com muita resistência, pois a agenda do
feminismo estava direcionada ao direito ao aborto e precisou ter agregada a
prevenção ao HIV/aids.
21
Alguns aspectos da trajetória dos programas nacional e estadual serão tratados no interior da
discussão sobre o financiamento do Banco Mundial.
50
em 1994 inicia-se a mobilização de algumas minorias por causa do
empréstimo do Banco Mundial que tem como objetivo trabalhar com “peer
education” junto às populações de risco
22
, ou seja, travestis, profissionais do
sexo, homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis.
A partir de 1995 surge no cenário a Rede Nacional de Pessoas Vivendo
com HIV/aids, onde a principal reivindicação será o tratamento digno e
gratuito aos portadores do HIV/aids.
3.3. Os empréstimos do Banco Mundial -
A “ditadura dos projetos.”
Não nos ateremos a outros agentes financiadores como, por exemplo, a
Fundação Ford e ao Fundo das Nações Unidas para a População (FUNUAP) e
Mac Artur, etc, pois estes priorizam o financiamento de ações específicas
para determinados grupos, diferentemente do Banco Mundial, que fomentou
linhas de atuação por meio de convênios/empréstimos com o governo
brasileiro, em especial com o Programa Nacional de aids.
Essa modalidade de parceria foi parte das estratégias do governo para
responder à epidemia e rebateu na criação de organizações o
governamentais no interior de grupos que não estavam ainda organizados,
22
As noções de “grupos ou populações de risco” foram usadas no campo da prevenção no início da
epidemia do HIV/aids, posteriormente passou-se a usar a noção de comportamento de risco”. A
literatura da área indica que tanto a noção de grupo quanto de comportamento de risco, assentadas
no conceito de risco em epidemiologia, contribuíram para reforçar o estigma e o preconceito em
relação às pessoas afetadas pelo HIV/aids, ainda que seu uso tenha sido na perspectiva de orientar
estratégias de prevenção. A partir da década de 90 a noção de vulnerabilidade torna-se hegemônica
no campo da prevenção e do tratamento do HIV/aids. Essa noção é oriunda do campo dos Direitos
Humanos e contribui para a apreensão dos aspectos sociais e políticos do processo saúde-doença.
Para uma discussão mais aprofundada ver especialmente Ayres (1997); Ayres et al (1999), e Bastos
(1996).
51
mas que vinham sendo atingidos diretamente pela epidemia, como os
usuários de drogas injetáveis.
Anterior ao empréstimo do Banco Mundial, o Programa Nacional de
aids executou o Projeto PREVINA
23
, iniciado em 1989, que abrangia os
grupos de risco, denominação na época usada para grupos que tinham mais
chance de se infectar, como profissionais do sexo (masculino e feminino),
homossexuais masculinos, internos do sistema penal e usuários de drogas
injetáveis.
A partir de 1994, as organizações o governamentais passam a
competir em concorrências públicas para ter seus projetos financiados pelo
Programa Nacional de aids. Estes projetos tinham atividades direcionadas à
prevenção com mudanças de práticas sexuais e de comportamentos.
A aids passou a ser considerada uma doença que precisava de
tratamento e as ONG deixam de atuar “apagando incêndios” e investiram na
condição de prestadoras de serviços e elaboradoras de projetos específicos.
As mudanças no cenário internacional, como a queda do muro de Berlim
24
, e
a certeza de que a aids estava se pauperizando forçaram a recomposição do
cenário de cooperação internacional onde eficácia e impacto passam a ser
almejados e as ações de prevenção passam a ser executadas em forma de
projetos (Galvão, 2000).
23
Trataremos do projeto PREVINA um pouco mais à frente.
24
“A queda do muro de Berlim é, do ponto de vista histórico, um marco na reorganização das forças
econômicas e políticas internacionais. O avanço do neoliberalismo, que dentre outros aspectos, pode
ser identificado pelo fenômeno da globalização econômica e das exigências do Fundo Monetário
Internacional - FMI, sistematizadas no Consenso de Washington, de ajuste fiscal e monetário e de
reforma do Estado (Estado Mínimo) aos países de capitalismo periférico, decorre tanto das exigências
do capital quanto da ausência de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo; ausência que a
queda do muro simboliza pelo esgotamento da experiência do socialismo real” (Brites, C.M.
comunicação oral, 2006)
52
Em grande parte, os projetos de prevenção desenvolvidos pelas
ONG estão baseados na implementação de respostas imediatas
que buscam atuar quase sempre com a mesma velocidade da
ação do vírus. Por isso mesmo, são marcas desses projetos a
transitoriedade e o deslocamento, tanto de estratégias quanto
de objeto. (Galvão, 2000: 109).
Mas o que observamos é que os casos de aids cresciam em maior
proporção do que os projetos conseguiam intervir, ou seja, ações
direcionadas e focadas em determinados grupos não conseguiram conter o
crescimento da epidemia.
Os projetos iniciais das ONG na década de 80 estavam mais voltados a
reivindicar uma ação política na saúde pública, enquanto os projetos que
foram apoiados pelos empréstimos internacionais sofreriam uma série de
mudanças
“(...)não somente do que é esperado com o financiamento, mas também
a forma como os projetos passam a ser apoiados” (Galvão, 2000: 110).
Segundo Galvão
:
Aqui é possível mencionar dois paradigmas de prevenção em
HIV: o primeiro baseado na ação política e cultural; e o
segundo na intervenção comportamental, que busca ter uma
precisão quase que cirúrgica em sua ação e está baseada em
noções de saúde pública, algumas delas bastante estritas.
(Galvão, 2000: 111).
Principalmente no segundo caso, estas mudanças de paradigmas
teriam conseqüências diretas nas organizações, que passaram a ampliar
seus quadros funcionais no campo financeiro-administrativo, uma vez que
as agências internacionais eram bem rígidas nos relatórios financeiros. Estas
mudanças causaram a despolitização nas entidades que tinham de contar
com profissionais e não militantes, criando uma ação mais diretiva e menos
ativista, causando assim uma tendência que Galvão denominou de
“ditadura dos projetos”, o que:
53
(...) leva a que o crescimento da epidemia acarrete uma
resposta interna na ONG, ou seja, como uma imagem refletida
em um espelho, a ONG cria novo projeto para atender à nova
demanda, (principalmente se possibilidade de
financiamento). Aqui o que percebemos com o passar do tempo
é que não só a epidemia, mas também a ONG, vai ficando “fora
de controle” (Galvão, 1997, 98).
Um dos impactos da “ditadura dos projetos”, a nosso ver, foi a
substituição, por grande parte das ONG, de seus quadros militantes e
voluntários por trabalhadores mal remunerados. A “ditadura dos projetos”,
nesse sentido, descaracterizou e ainda descaracteriza o campo de atuação
inicial das ONG – da organização e ação política.
É nesse contexto que o Programa Nacional de aids e as organizações
não governamentais construíram as respostas à epidemia, através de
estratégias que expressaram as prioridades nesse campo ao longo dos
últimos 20 anos, tendo como principal fonte de financiamento os
empréstimos do Banco Mundial.
Em seus quase 20 anos de existência, o Programa Nacional de
DST/Aids passou por várias designações, mudando de nome e de secretarias
dentro do Ministério da Saúde; mudanças que, segundo Galvão (2000), é de
difícil compreensão, pois o registros que expliquem o porquê das
mesmas. Atualmente o Programa Nacional de DST/Aids está na Secretaria
de Vigilância em Saúde
25
.
Após a eleição de Collor, houve mudanças no Ministério da Saúde,
com a entrada de Alceni Guerra (Ministro da Saúde), que afastou a então
coordenadora do Programa Lair Guerra e nomeou outro coordenador
Eduardo Cortes que teve sua gestão marcada pelo confronto com as ONG,
25
O Organograma do Ministério da Saúde está em anexo.
54
com as atividades que essas desenvolviam, e com a OMS [Organização e
Mundial de Saúde] (Galvão, 2000).
Com as ONG, sua principal briga foi por causa de campanhas criadas
em sua gestão que veiculavam na mídia as seguintes mensagens: “Se você
não se cuidar, a AIDS vai te pegar!”, ou a “Eu tenho AIDS e vou morrer”, que
para as ONG contribuíram para aumentar o estigma social da doença e
eram incompatíveis com as ações de prevenção. O que, entre outros
elementos, expressavam o pouco diálogo com as entidades na época. Com a
OMS, o confronto do então coordenador impediu a entrada do Brasil nos
protocolos para os testes da vacina para o HIV.
Em 1992, Lair Guerra antiga coordenadora retornou ao Programa
Nacional e passou a valorizar o papel das ONG para o controle da epidemia.
Criou no Programa um setor chamado “Articulação com ONG”, mas foi
somente entre 1993 e 1994 que esse setor começou a funcionar mais
efetivamente.
3.3.1. AIDS I (1993-1997)
Em maio de 1992, uma missão do Banco Mundial visitou o Brasil
para:
(...) identificar com o Ministério da Saúde as prioridades e os
possíveis componentes de um projeto para prevenir e
controlar a disseminação do vírus da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida, conhecida como a AIDS, e das
outras doenças sexualmente transmissíveis. (Galvão,
2000:140).
Uma das mudanças mais importantes no tocante à
participação da sociedade civil aconteceu por intermédio do
‘AIDS I’, que propiciou, em escala nacional, uma aproximação
do Programa Nacional de AIDS das entidades da sociedade
civil, com atividades em HIV/AIDS. (Galvão, 2000:134).
55
Os relatórios produzidos pelo Banco Mundial indicavam que no caso
específico da aids os investimentos deveriam ser direcionados para as
atividades das ONG e para a prevenção.
As ONGs são vistas como mais eficientes para chegar aos mais
pobres, assim como aos integrantes dos ‘grupos de risco’,
como homossexuais, usuários de drogas e profissionais do
sexo, e a prevenção é a solução, pois, para o Banco, a AIDS
além de ser concebida como doença mortal tem o tratamento
para as pessoas com HIV/AIDS avaliado como caro [...].
(Galvão, 2000: 136).
A idéia de investimento em saúde caminhou para estratégias que
indicariam a reforma do sistema de saúde trabalhando no tripé setor
público, organizações o governamentais e setor privado; desta forma, no
empréstimo feito pelo Brasil para o “Projeto de Controle da AIDS e DST”, o
recurso não poderia ser usado nem para medicamentos, nem para
tratamento das pessoas com HIV/Aids (Galvão, 2000).
O empréstimo começou a ser negociado com o governo brasileiro em
1992, mas o recurso demorou a chegar. Em 1993, ainda sem assinar o
contrato, o Programa Nacional abre a primeira concorrência para os projetos
de organizações não governamentais.
O montante do acordo foi de um total de 250 milhões de dólares,
sendo que 160 eram do Banco Mundial e 90 milhões era contrapartida do
Tesouro Nacional. Os recursos deveriam ser repassados para organizações
não governamentais ou outras organizações da sociedade civil
26
e, também,
para o pagamento dos consultores do Programa Nacional de DST/Aids.
26
De acordo com o primeiro edital de concorrência, poderiam se candidatar grupos de base
comunitária (como associações de profissionais do sexo), ONGs/AIDS, organizações feministas,
sindicatos, grupos gays, hospitais, fundações universitárias, entidades de planejamento familiar,
institutos de pesquisa e universidades. (Galvão, 2000)
56
Segundo o Staff Appraisal Report (World Bank, 1993) os objetivos
gerais do Projeto eram: (a) reduzir a incidência e transmissão do HIV e DST;
(b) fortalecer as instituições públicas e privadas responsáveis pelo controle
das DST e HIV/AIDS. Considerados como componentes do projeto, a
Prevenção contou com 41,1% dos recursos, os Serviços de Tratamento com
33,8%, o desenvolvimento institucional com 18,6% e a vigilância, pesquisa e
avaliação com 6,5%. Isso demonstra que as ações da sociedade civil
poderiam estar associadas a qualquer um dos componentes (Galvão, 2000;
Solano, 2000).
Nesta época, em termos conceituais, o AIDS I priorizou os chamados
“grupos de risco” visando às mudanças de comportamento (behavior change)
e outras teorias como Helth Belief Model and Risk Reduction Model, sendo
estes os modelos de prevenção presentes no AIDS I. A incorporação dessas
referências na realidade brasileira significou, num primeiro momento, uma
importação de modelos de prevenção, sem que se levassem em consideração
as particularidades e a diversidade sociocultural de nossa realidade. O
confronto com a importação desses modelos ocorreu com a incorporação
da noção de vulnerabilidade e com a experiência concreta das equipes dos
projetos junto aos segmentos priorizados em suas ações. Embora não seja
possível comprovar o real impacto dessa incorporação mecânica de modelos
de prevenção na dinâmica da epidemia, fica a dúvida se o número de
infecções evitadas poderia ter sido maior se tivéssemos conseguido nos ater
às questões culturais brasileiras.
Nesta época, as Organizações que tinham seus projetos aprovados,
recebiam o recurso diretamente do Programa Nacional de aids devendo
57
prestar contas a este Programa, que por sua vez se encarregaria de prestar
contas ao Banco Mundial.
No período final de encerramento do primeiro empréstimo junto ao
Banco Mundial, verificou-se um crescente número de organizações não
governamentais concorrendo aos financiamentos, através da apresentação
de projetos, junto ao Programa Nacional.
Embora a particularidade dos projetos de redução de danos seja
tratada por nós no quarto capítulo, vale ressaltar que foi no contexto da fase
final do AIDS I que, com o incentivo do Programa Nacional, surgirá no Brasil
uma nova categoria de agentes de saúde: os redutores de danos, ou seja, os
agentes de saúde dos Projetos de Redução de Danos, especialmente
capacitados para trabalhar com a população de usuários de drogas
injetáveis. A partir de 1997, ganha maior visibilidade o movimento social de
redução/redutores de danos, com a fundação de organizações estaduais e
nacionais que tinham como objetivo garantir os direitos à saúde dos
usuários de drogas injetáveis, inicialmente, e de todos os usuários de drogas
posteriormente.
3.3.2. AIDS II (1998 – 2003)
Assinado em setembro de 1998 o AIDS II, teve um recurso de 300
milhões de dólares, sendo que 165 milhões foram repassados pelo Banco
Mundial e 135 milhões foi contrapartida do governo brasileiro. Segundo o
site do Grupo Banco Mundial:
Os objetivos do segundo projeto de controle de DST/AIDS são
reduzir a incidência de infecções por HIV e outras doenças
sexualmente transmissíveis (DST). Ampliar e melhorar o
diagnóstico, tratamento e atenção às pessoas com HIV, DST e
58
AIDS. Os componentes do projeto incluem: prevenção de AIDS
e DST; diagnóstico, tratamento e cuidados para pacientes com
AIDS, DST e/ou HIV; e fortalecimento das instituições
públicas e privadas ligadas ao controle da AIDS/DST”
(www.obancomundial.org).
O que podemos perceber é que os objetivos e os componentes de
atuação eram os mesmos do AIDS I.
Segundo Solano (2000), em texto publicado nos cadernos ABONG, que
fez uma ampla pesquisa sobre o empréstimo do Banco Mundial e suas
repercussões nas ONG e no Programa Nacional, o Banco Mundial, para
conceder o AIDS II, fez uma série de recomendações que deveriam ser
cumpridas para melhor execução do empréstimo. Um dos problemas
encontrados no AIDS I foi a dificuldade das instituições para executar a
prestação de contas e os relatórios de atividades. Desta forma, no AIDS II o
Programa Nacional teve que capacitar as entidades para executarem com
eficiência a prestação de contas dos recursos financeiros repassados.
O relatório apontou, também, as dificuldades da instância
governamental para monitorar e avaliar os projetos, problemas que foram
enfrentados no AIDS II.
3.3.3. AIDS III (2003 – 2007)
Em outubro de 2003 o governo brasileiro, por meio do Programa
Nacional de aids assinou mais um acordo com o Banco Mundial. Desta vez o
acordo foi de 200 milhões de dólares, sendo que 100 milhões são
contrapartida do governo brasileiro. O empréstimo vai até dezembro de 2006.
Segundo o site do Banco Mundial:
As principais metas do acordo são: melhoria da cobertura e da
qualidade das intervenções de prevenção e assistência;
59
fortalecimento dos gastos do Programa com o monitoramento e
avaliação das ações; e introdução de novas tecnologias no
campo de vacinas e tratamento. (www.obancomundial.org).
Observamos que no acordo do AIDS III as mudanças de metas indicam necessidade de melhoria dos serviços já implantados,
preocupação com o sistema de avaliação e monitoramento, e a introdução de um novo componente: tecnologias no campo de vacinas e
tratamento.
Outra mudança significativa nesse contexto e que afeta diretamente a
relação das organizações não governamentais com o poder público, é a
exigência de cumprimento dos novos procedimentos de concorrência, de
repasse de recursos e de prestação de contas, que passam a ser
descentralizados e assumidos pelas esferas municipal e estadual. A atual
Política de Incentivo Fundo a Fundo (Lei 2313/02), prevê um fluxo contínuo
de recursos para o fomento de ões locais, visando a gestão de ações
estratégicas e o controle social no âmbito local. Assim, a relação das ONG
com o poder público se desloca da esfera federal para a municipal, exigindo
a reconstrução de espaços de negociação e de articulação técnica e política
com o poder local.
Na realidade, desde o AIDS I estava previsto que as atividades
desenvolvidas pelas ONG e pela instância federal deveriam ser repassadas,
ao longo dos anos, à instância estadual para que fossem incorporadas pelas
secretarias estaduais e municipais, cumprindo o princípio de
descentralização previsto nas Leis 8080/1990 (Lei Orgânica da Saúde) e
8142/1990 (SUS) que regulamentam o Sistema Único de Saúde do Brasil.
A implementação desse processo tem gerado problemas bastante
sérios, pois muitas organizações o governamentais tiveram cortes de
recursos, interrompendo suas atividades. Os Programas Estaduais, por sua
vez, têm dificuldades para elaborar as concorrências públicas e, em alguns
casos, os recursos tiveram que ser devolvidos para a instância federal.
60
As ONG, em face desses problemas, começaram a pressionar o
Programa Nacional para que o repasse de recursos fosse feito pela instância
federal que, por sua vez, alega que o processo de descentralização é um
princípio legal que deve ser cumprido, inclusive em relação aos recursos
advindos dos acordos internacionais.
Em vários eventos e reuniões, o governo tem explicitado essa nova
orientação. No entanto, muitas organizações alegam que os recursos
estaduais não são repassados, não somente por dificuldades em executar
concorrências, mas também porque as organizações trabalham com
populações altamente discriminadas como prostitutas, gays e usuários de
drogas.
3. 4. Acordo do Governo Brasileiro com a USAID
Segundo informação divulgada no site www.aids.gov.br/usaid, “a agência
norte-americana tem repassado recursos para o desenvolvimento de programas de
prevenção ao HIV/AIDS no Brasil desde 1987”.
Os recursos vindos da USAID (United States Agency for International
Development Agência Norte Americana para o Desenvolvimento
Internacional) eram repassados de forma direta para algumas entidades, que
participavam de concorrências específicas. A partir de 1998, iniciou-se um
programa de financiamento amplo para a prevenção da aids que durou cinco
anos. Nos primeiros três anos a USAID financiou cerca de 6 milhões de
dólares e nos últimos dois anos mais 4 milhões de dólares para organizações
não governamentais e organizações da sociedade civil. Nesse primeiro
financiamento, a USAID não fez exigências para que o Brasil seguisse a
61
política americana de combate à aids, conhecida como ABC (Abstinence, Be
faithful and if its necessary, and use Condom Abstinência, Seja fiel e, se
necessário, use Camisinha).
Em 2003, o governo brasileiro assinou outro acordo com a USAID,
com um montante de 48 milhões de dólares que deveriam ser repassados
para uma ONG brasileira, a PACT do Brasil, que seria responsável pelas
concorrências, monitoramentos e avaliações dos projetos financiados. Com a
reeleição do presidente norte-americano George W. Bush, em 2004, o acordo
passa por uma reformulação que cria um impasse no movimento social de
aids no Brasil.
Quando o acordo foi assinado com o Brasil, ficou claro que as
reivindicações do movimento social, como a legalização da prostituição, não
poderiam ser questionadas. Mas, na segunda concorrência do empréstimo,
em 2004, a PACT colocou no texto do edital que
“não aceitarão trabalhos que
legitimem a prostituta como profissional”.
E a USAID faz a declaração que “o governo dos Estados Unidos se opõe
à prostituição e às atividades relacionadas, considerando isto prejudicial, pois
contribuiu para o fenômeno de tráfico de pessoas. Nenhum dos fundos
aprovados dentro deste acordo deve ser utilizado para a promoção e defesa
da prática de legalização da prostituição ou comercialização sexual”.
(www.agenciaaids.com.br, 02/05/2005)
O impasse se concretiza e o Programa Nacional de aids, com o apoio
da CNAIDS (Comissão Nacional de DST/AIDS)
27
e o respaldo do movimento
27
A Comissão Nacional de AIDS CNAIDS, instituída em 1986, tem como objetivo assessorar o
Ministério da Saúde na definição de mecanismos técnico-operacionais para o controle da Aids,
62
social, decide romper o contrato. “Não vamos permitir que as nossas ONG
sejam submetidas a uma legislação estrangeira.” (Pedro Chequer,
Coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, em entrevista à Agência de
Notícias da Aids, www.agenciaaids.com.br, 29/04/2005).
O rompimento deste acordo gera certo desconforto, tanto por parte das
ONG que tinham projetos financiados pela USAID e deram continuidade a
eles, como por parte de algumas instituições de redução de danos, uma vez
que o acordo não legitimava essa medida de saúde pública.
Quando o acordo foi assinado, algumas associações de redução de
danos reivindicaram uma posição do Programa Nacional, pois desde o início
estava claro que não se poderia elaborar e executar projetos de redução de
danos, porque isso se opunha à política norte-americana de “diga não as
drogas”. Segundo a representante dos redutores de danos na Comissão de
Articulação dos Movimentos Sociais (CAMS)
28
:
É claro que este acordo não poderia vigorar, mas somente
agora, quando falaram da legalização da prostituição é que o
PN decide romper; quando proibiram os projetos de redução de
danos, o PN não fez nada. Se que ele próprio questiona a
efetividade das ações que financiou ao longo de quase 15
anos? Nós redutores de danos, temos nos sentido
discriminados, mas somos solidários às prostitutas, por isso
vamos apoiar o rompimento. (declaração na reunião da CAMS
em fevereiro de 2005)
coordenar a produção de documentos técnicos e científicos e assessorar a pasta na avaliação de
desempenho dos diversos componentes da ação de controle da Aids. (www.aids.gov.br).
28
A Comissão Nacional de Articulação com Movimentos Sociais – CAMS visa promover maior
integração entre o Programa Nacional e seus parceiros, para atingir a excelência dos resultados das
políticas públicas, focadas na prevenção e assistência das DST/HIV/aids, e a promoção dos direitos
humanos de pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil. Nessa perspectiva, sua composição procura
fomentar a articulação e a participação da sociedade civil, compreendendo, nesse conjunto, as
organizações não governamentais que trabalham com aids (ONG/aids) e os movimentos sociais
consolidados ao longo dos últimos anos como parceiros no enfrentamento da epidemia.
(www.aids.gov.br).
63
Atualmente, as formas de financiamento existentes para as ONG são
os recursos repassados, fundo a fundo, da instância federal e direcionados
para as concorrências estaduais e municipais, através dos Planos de Ações e
Metas (PAM) e fundos de agências financiadoras nacionais e internacionais,
com recursos bem específicos para algumas populações, como gays,
mulheres e adolescentes.
3.5. O Sistema Único de Saúde
“As políticas de saúde vêm sendo centrais nas políticas públicas pelo
menos um século” (Buss, 2005:11).
No início do século XX, o Brasil passou por
várias mudanças institucionais e, em 1953, foi criado o Ministério da Saúde.
Nesse contexto, surgem grandes institutos que iniciam assistência
ambulatorial e hospitalar à população que podia arcar com os gastos,
enquanto que a grande “massa” fica a mercê de instituições beneficentes e
de misericórdia. A partir de 1960 cresce o sistema da previdência social e os
serviços de tecnologia em saúde começam a ser disponibilizados à população
geral. Mas, a partir de 1980, a crise na previdência desencadeada entre
outros elementos pelas pensões e aposentadorias que começaram a exigir
grande parte dos recursos, contribui para a discussão da reforma sanitária
no Brasil.
Na década de 1980 o Banco Mundial divulga o documento “Financing
health services in developing countries: an agenda for reform”, no qual critica
os modelos de saúde dos países em desenvolvimento que asseguram
gratuidade. O SUS surge como resultado de um amplo processo de
mobilização política no contexto de luta pela redemocratização da sociedade
64
e do Estado brasileiro. É fruto, entre os elementos, das conquistas expressas
na Constituição de 1988 considerada por alguns autores como
Constituição Cidadã –, no caso da Saúde, do movimento sanitário.
O SUS tem sua origem na crise do modelo vigente e numa
intensa mobilização popular em torno da Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1986, que desembocou no
debate da Constituinte e, finalmente, na Constituição Federal
de 1988 (Buss, 2005:12).
Os princípios e a concepção de atenção integral à Saúde expressos no
SUS apontam para uma direção social contrária àquela afirmada pelo
relatório do Banco Mundial, em 1980. Anos depois, o Banco Mundial começa
a defender que os países em desenvolvimento deveriam ter um pacote
essencial de serviços e uma ação reguladora sobre o mercado dos serviços de
saúde
29
(Lima et al, 2005).
Em 1989 o Ministério da Saúde se une ao INAMPS (Instituto Nacional
de Assistência Médica e Previdência Social). Esta fusão demorou a acontecer,
pois aglomerava duas mega estruturas: uma que tratava das doenças e
outra que tratava da saúde pública.
O Sistema Único de Saúde, criado na assembléia constituinte em
1988, tem como princípios norteadores a universalidade, a integralidade, a
participação e a descentralização, sendo que:
As leis posteriores à Constituição, as 8.080 e 8.142, ambas de
1990, definiram ordenamentos institucionais que, junto às
Normas Operacionais Básicas nos anos subseqüentes,
complementaram a letra constitucional e moldaram o processo
de implementação da política
30
(Lima, et al. 2005: 16).
29
“A criação do SUS, no Brasil, tem sido também analisada como resultado de um movimento que se
apresentou na contracorrente das reformas da saúde de cunho neoliberal, baseada no conceito de
ajuste estrutural defendido pelo Banco Mundial na década de 1980. [...] No receituário do Banco
Mundial e do FMI, à esfera pública caberia uma ação direcionada para os grupos sociais
impossibilitados de responder as ofertas de mercado para o provimento dos serviços de saúde” (Lima
et al, 2005: 17).
30
Definiram-se fóruns de negociação e deliberação com assento dos novos atores políticos gerados
pelo SUS, tais como as Comissões Intergestoras – Bipartite e Tripartite. Esses fóruns se somaram às
65
Do ponto de vista da saúde, as questões relacionadas ao atendimento
de populações socialmente discriminadas ainda enfrenta dificuldades. No
nosso caso, os usuários de drogas são atendidos em serviços especializados,
mas as estratégias de prevenção acontecem de forma muito focalizada, desta
forma é necessário incentivar a discussão entre gestores e sociedade civil
organizada. Discussões que abordem os avanços conceituais e normativos do
SUS, especialmente pela quebra da universalidade e da integralidade no
atendimento e pela inversão do significado da perspectiva de
descentralização. Esta, originalmente prevista para ampliar o controle social
sobre a política de saúde, se transforma em estratégia de controle econômico
e de ampliação da participação da esfera privada na prestação e gestão dos
serviços de saúde.
No próximo capítulo estaremos descrevendo os programas de redução
de danos no mundo e no Brasil e seus desdobramentos em estratégias de
prevenção para os diferentes usos de cocaína.
instâncias de participação e controle social, como as conferências nacionais de saúde que tiveram
seu papel definido a partir de 1986, e os conselhos de saúde, criados pela Constituição de 1988. Foi
se forjando uma complexa engenharia política de representação e articulação de interesses. (Lima, et
al., 2005: 16)
66
4. “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.”.
A Redução de Danos sociais e à saúde associados ao uso de drogas
Desde os primórdios da humanidade, o homem tem criado e utilizado substâncias para cuidar dos seus semelhantes e também para seu
uso lúdico. O desenvolvimento e a aprendizagem do uso dessas substâncias incluem testes e adaptações para que as pessoas que as
utilizam sintam-se melhores após o seu uso, ou seja, para que elas não tenham sentimentos desagradáveis. (Escohotado, 2000)
Ainda que seja bastante controverso hoje em dia o significado da
palavra droga, servindo como forma de dizer que algo é muito ruim, como
por exemplo ‘isso é uma droga!’, sua origem vem da palavra droog (holandês
antigo) que significa folha seca. Isto porque, antigamente, a maioria dos
medicamentos era à base de vegetais. A definição da Organização Mundial de
Saúde é de que, droga é qualquer substância capaz de modificar a função
dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de
comportamento (www.epm.br).
Mas, se nos voltarmos à história das drogas, observaremos inúmeros
relatos sobre as tentativas de minimizar os efeitos maléficos do uso de
algumas substâncias. Ainda na idade média temos relatos sobre a melhor
foram de beber vinho, e também encontramos relatos sobre a ingestão de
alguns alucinógenos. (Escohotado, 2000). Então, podemos pensar que
sempre houve uma preocupação com a forma de ingerir drogas, e esta
preocupação nos uma noção, ainda que preliminar, da redução de
danos à saúde associados ao uso de drogas.
Além do ponto de vista histórico, temos também alguns estudos
antropológicos analisando diferentes culturas ao longo do desenvolvimento
67
humano que relatam, além dos padrões de consumo, os cuidados com
determinadas formas de uso de algumas drogas no interior de diversas
culturas (MacRae, 1992, 2000; Becker, 1966; Zimberg, 1984).
Neste sentido, entendemos a Redução de Danos como um conjunto de
estratégias que visam minimizar os danos causados pelo uso de diferentes
drogas, sem necessariamente ter de se abster do seu uso. (O’Hare, 1994,
Marlatt, 1999). E, como o queremos extrapolar o marco histórico de
emergência da redução de danos no interior da literatura, nos remetemos
aos vários autores que datam a oficialização da Redução de Danos em 1926,
na Inglaterra, a partir da publicação do Relatório Rolleston (O’Hare, 1994,
Mesquita, 1994, Wodak, 1998). Esse relatório foi elaborado por um grupo de
médicos que indicava que a melhor maneira de tratar pacientes dependentes
de morfina ou heroína era promover a administração da droga por um
médico, que deveria administrar e monitorar o uso de morfina ou heroína
naquela pessoa. (O’Hare, 1994; Mesquita, 1994; Wodak, 1998; Romani,
1999; Davenport- Hines, 2004)
Segundo Davenport-Hines (2004), as recomendações do Relatório
Rolleston foram indicadas em situações específicas, ou seja, os médicos
apoiavam um método em uso. Na época, a G Bretanha não tinha um
problema social de uso injetável de heroína ou morfina como nos Estados
Unidos, onde existia um uso bastante difundido entre os jovens pobres.
Os usuários da Grã Bretanha, além de serem em número reduzido, não
faziam uso de morfina ou heroína de forma endovenosa, sendo sua
administração subcutânea ou intramuscular.
68
Desta forma, o Relatório Rolleston foi um marco porque defendia que
não se poderia tratar dependentes impondo-lhes a abstinência de forma
abrupta; recomendava o acompanhamento dos usuários que desejavam se
abster do uso de morfina ou heroína de forma a propiciar um alívio dos
sintomas da abstinência ou ajudando na administração das drogas aos que
queriam continuar usando-as. (O’Hare, 1994, Mesquista, 1994; Davenport-
Hines, 2004).
Davenport-Hines (2004) relata também, que muitos médicos que
participaram das reuniões para a produção do Relatório, eram usuários de
morfina ou heroína e isto pode de fato ter sido um diferencial para suas
conclusões finais.
Marlatt (1999), por sua vez, afirma que o Reino Unido é o pioneiro na
prescrição de drogas como heroína com o intuito de reduzir os danos à
saúde dos usuários de drogas. A estratégia iniciada com o Projeto Rolleston,
na década de 1920, foi posteriormente desaprovada por razões político-
partidárias. Mas o Departamento de Saúde de Merseyside (que abrange
várias cidades, no qual Liverpool é a maior delas) continuou com o projeto,
que se tornou referência na década de 1980.
O modelo Merseyside da década de 1980 era composto de vários
serviços, tais como a prescrição de drogas como cocaína e heroína, e serviços
de orientação e aconselhamento. Os programas de troca de seringas usadas
por novas que compõem o projeto, surgem somente em 1986, após ter sido
comprovado o sucesso de programa análogo de Amsterdã (Reale, 1997).
Para entendermos o surgimento dos Programas de Troca de Seringas
Usadas por Novas, temos de fazer um breve resgate histórico da política de
69
drogas da Holanda. Em 1972, o governo começa a instituir grandes
mudanças na política nacional de drogas por causa do aumento dos
problemas relacionados ao uso destas substâncias. Em 1976, preocupado
com os riscos relacionados a seu uso, o governo holandês adota uma Lei
31
que diferencia drogas de risco aceitável (maconha e haxixe) das drogas de
risco inaceitável (cocaína, heroína, anfetaminas e LSD) (Domanico, 2001). A
partir daí, busca auxiliar os usuários de drogas a melhorar seu estado físico
e social com a participação direta dos próprios usuários.
Em 1980, em Amsterdã, é fundada a “Junkiebond (associação de
usuários de droga injetáveis), cujo objetivo é melhorar as condições de vida
dos usuários de drogas. Esta “Associação”, preocupada com a disseminação
da Hepatite B entre os usuários de injetáveis inicia com o apoio do governo,
em 1984, na cidade de Amsterdã, um projeto experimental de troca de
agulhas e seringas usadas por novas (PTS). Cabe aqui ressaltar que os PTS
surgem com a preocupação de prevenir hepatites e, posteriormente, quando
se passa a ter certeza da transmissão do vírus HIV pela via sangüínea, a
prevenção ao HIV passa a ser uma meta a mais desses programas (Bastos,
1994).
Em 1985, a Austrália inicia, em âmbito nacional, projetos de troca de seringas (PTS) como uma estratégia preventiva no combate à
epidemia do HIV/aids (Wodak, 1998); em 1987, o Canadá implanta seus PTS (Mesquita, 1994). Os Estados Unidos, de forma precária,
iniciam alguns projetos no final da década de 1980 (Bastos, 1998). Outros países da Europa como França, Alemanha e Suíça também
iniciaram projetos de redução de danos na mesma época (O’Hare, 1994).
31
Em contraste com a maioria dos países onde a política de drogas é de responsabilidade do
Ministério da Justiça, é o Ministro da Saúde o responsável pela coordenação da política de drogas
holandesa e pelas políticas direcionadas à prevenção e à assistência. O Ministro da Casa Civil é
responsável pela gerência das ações preventivas e o Ministro da Justiça é responsável pela aplicação
da legislação antidrogas, calcada no controle do ópio (Opium Act). Esse "Opium Act" declara que a
posse, o comércio, o transporte e a produção da maioria das drogas são passíveis de punição legal
(Verster, 1998: 116).
70
Com o desenvolvimento de tais programas, o conceito de Redução de
Danos foi sendo revisto, ampliado e incorporado por muitos gestores de
saúde pública e organizações o governamentais preocupados com a
prevenção de doenças infecto transmissíveis associadas ao uso de drogas.
A redução de danos
32
é um conjunto de estratégias que tem por
objetivo oferecer alternativas de cuidados à saúde que possam ser adotadas
sem abandonar a prática de uso de drogas (Ministério da Saúde, 2006). Ou
seja, enquanto não for possível a adoção da abstinência, outros riscos à
saúde podem ser evitados, como por exemplo, as doenças infecto-
contagiosas transmissíveis por via sangüínea, como é o caso do HIV/aids,
hepatites e sífilis.
Esta abordagem leva em consideração a complexidade do fenômeno, a
diversidade dos usos e as particularidades culturais dos usuários,
possibilitando, desta forma, uma melhor compreensão da hierarquia de
riscos no cotidiano do uso de drogas.
A redução de danos parte do pressuposto que é impossível acabar com
as drogas no mundo, eliminando totalmente seu consumo. (Mesquita, 1998).
Comporta ações voltadas para as drogas lícitas e ilícitas e suas intervenções
não são controladas exclusivamente pelos órgãos governamentais e policiais.
Opõe-se, portanto, ao modelo preventivo tradicional que, ao desconsiderar a
complexidade que envolve os diferentes usos de drogas, busca um objetivo
unívoco: a abstinência, meta esta idealizada e restritiva. A redução de danos
32
A redução de danos à saúde pelo uso indevido de drogas tem sido o único instrumento
comprovadamente eficaz que a saúde pública possui para controlar o curso da epidemia entre os
usuários de drogas injetáveis. Este fato é amplamente constatado na experiência internacional, onde
agentes de saúde especialmente treinados abordam esta população. (www.aids.gov.br).
71
está fundamentada nos princípios de democracia, cidadania, direitos
humanos e de saúde (Brites, 1999).
4.1. Os Projetos de Redução de Danos no Brasil.
A cocaína entra no Brasil no início do século XX e tem seu uso
reservado às elites. A partir da década de 1970, uma banalização do seu
uso e o seu consumo começa a se transformar num problema de saúde
pública, principalmente pelo aumento do mero de usuários dependentes.
(Domanico e MacRae, 2005).
Os usuários de drogas injetáveis, que na época tinham a anfetamina
33
como droga de escolha, após a sua proibição, na década de 1970, começam
a usar cocaína injetável. Esta substituição se por dois motivos: o
primeiro, porque a cocaína é um estimulante, causando os mesmos efeitos
que a anfetamina, e o segundo, porque os usuários começaram a se deparar
com uma grande quantidade de cocaína disponível no comércio ilícito.
A entrada de grandes quantidades de cocaína no território brasileiro
pode ser considerado uma conseqüência da política norte-americana
conhecida como “Guerra às Drogas” (Mesquita, 1992), orientação que
estabelece, a partir dos anos 70, uma política repressora aos países andinos
produtores de coca, fazendo surgir rotas alternativas para o tráfico de drogas
e colocando o Brasil na rota internacional do tráfico de cocaína. Como
principal conseqüência, presencia-se uma maior quantidade de drogas
circulando no Brasil (Mesquita, 1992 e Rossi, 1996).
33
Anfetaminas são drogas estimulantes do Sistema Nervoso Central. Para entender melhor sobre a
história do uso de drogas injetáveis no Brasil, ver Domanico, 2001.
72
Os trabalhos de Mesquita (1992) e Bastos (1996), entre outros,
apontam para o crescimento do número de casos de aids, por uso de drogas
injetáveis, nas cidades que passaram a integrar as rotas de tráfico de
cocaína.
Santos, cidade litorânea do Estado de São Paulo passa a ser um dos
principais portos de escoamento da droga para a América do Norte e Europa,
e isso aparece refletido na saúde quando, em 1988, a cidade passa a ser
considerada a “capital da aids” (Mesquita, 1992).
Em 1989, o novo governo que assume a administração da prefeitura
de Santos toma uma atitude ousada como forma de tentar conter a epidemia
entre os usuários de drogas injetáveis. É criado na Secretaria de Saúde, por
meio do Programa Municipal de aids, o primeiro programa de redução de
danos associados ao uso de drogas injetáveis do Brasil (Bueno, 1994). A
idéia principal era: uma vez que os usuários de drogas não conseguiam
abandonar o uso de drogas, que pelo menos não se infectassem pelo
compartilhamento das seringas no uso de droga injetável.
O Programa visava à distribuição de seringas novas trocadas pelas
usadas:
A medida gerou imensa polêmica nacional em todos os meios
de comunicação e fóruns específicos, após o Ministério Público
em Santos enquadrá-la como crime, previsto na lei vigente
sobre drogas no Brasil, a Lei 6.368 de 1976. De acordo com a
interpretação daquele momento, a proposta se chocava com
um dos artigos da referida lei, que considera crime qualquer
forma de auxilio/incentivo àqueles que se utilizam substâncias
entorpecentes (Mesquita, 1994: 169).
Doneda e Marques relatam, em 1998, que este primeiro Programa de
Redução de Danos suscita, até hoje (1998) questionamentos. É importante
ressaltar que mesmo hoje em dia, passados mais oito anos, a colocação de
73
Doneda e Marques ainda é verdadeira. Várias pessoas não entendem os
princípios da proposta e consideram estes projetos como incentivo ao uso de
drogas. Infelizmente, alguns gestores públicos concordam com esta posição.
“Muitos deles, baseados, apenas, na incompreensão da real natureza e dimensão da
drogadição na sociedade em geral, e da brasileira em particular” (Doneda e
Marques, 1998:137).
O programa de Santos foi interrompido, teve seu coordenador
processado e todo o material de prevenção apreendido. Até que, em 1991, na
mesma cidade, surgiu uma ONG, composta por diversos profissionais de
saúde ligados ao primeiro programa, que visava desenvolver pesquisas em
aids entre usuários de drogas injetáveis. Além de acessá-los nos serviços de
saúde, a ONG começou a desenvolver
“um estudo da soro prevalência do HIV e
comportamentos de risco entre UDIs, que teve importante papel na consolidação
deste relacionamento entre profissionais e usuários” (Bueno, 1994: 208).
Após este estudo, a equipe da ONG pôde apreender os rituais de uso e
as práticas desenvolvidas pelos usuários acessados. E, como ocorria na
cidade à proibição por parte do Ministério Público da distribuição de
seringas novas, a ONG se valeu de uma experiência que estava tendo êxito
no exterior, e começou a desenvolvê-la aqui – a distribuição de Hipoclorito de
Sódio para desinfecção das seringas.
Os agentes de saúde da ONG, seguindo o exemplo da experiência do
exterior haviam observado que no ritual de uso grupal de drogas, os
usuários tinham a prática de lavar as seringas antes da sua reutilização
para remover qualquer vestígio de sangue que pudesse coagular na agulha e
entupi-la. Então, começaram a distribuir o hipoclorito de sódio com uma
74
concentração de 5,25% para que os usuários efetuassem a lavagem de
suas seringas.
O desenvolvimento da ação era de explicação simples: deveria se lavar
duas vezes a seringa com água, duas vezes com o hipoclorito e duas vezes
com água novamente. Contudo, na prática, os projetos subseqüentes ao de
Santos não conseguiram implementar esta técnica entre seus usuários. Os
usuários de drogas injetáveis de vários projetos não se adaptaram à lavagem
de seringas, eles alegavam que, na prática, a estratégia era muito demorada
e “deixava gosto” nas seringas. E, embora fosse de fácil explicação para os
usuários, muitos cnicos tinham dificuldade de passar essa informação por
saberem que o procedimento a lavagem das seringas eliminava o vírus
HIV, mas não eliminava os vírus das hepatites B e C (HBV, HCV) (Domanico,
2001).
(...)desde 1993 temos recursos disponíveis para a prevenção de
aids em função de um empréstimo que o Banco Mundial fez ao
Ministério da Saúde do Brasil, com esta finalidade. Uma fração
dos recursos desse empréstimo foi com outros recursos
doados, a fundo perdido, pelo Programa das Nações Unidas
para o Controle Internacional das Drogas (UNDCP)
totalizando 10 milhões de dólares, com o objetivo específico de
prevenir a epidemia de aids entre UDI (Mesquita, 1998: 103).
Os projetos implementados antes de 1993 eram executados com os
recursos das secretarias estaduais ou municipais de saúde, sempre
insuficientes para implementar todos os projetos necessários. Pensava-se
então que, com este incremento financeiro, haveria uma demanda dos
serviços para o trabalho de redução de danos com usuários de drogas
injetáveis, mas isso não aconteceu.
75
Como forma de incentivar a elaboração de projetos, a Coordenação
Nacional de DST/Aids cria um setor específico para estas demandas. O setor
conhecido como “Projeto de Drogas” tinha como principais objetivos:
(...)prevenir ao uso indevido de drogas e as infecções do HIV e
outros agentes etiológicos de transmissão sexual, entre a
população em geral, com ênfase nos segmentos com
comportamentos de risco mais freentes, e reduzir ou
estabilizar a transmissão sexual e sanguínea entre usuários de
drogas injetáveis (Doneda & Marques, 1998: 142).
Este setor elege dez
34
Estados como prioritários por apresentarem um
quadro epidemiológico com alta taxa notificação de casos de aids, pelo uso
de drogas injetáveis. O Projeto de Drogas era subdividido em seis grandes
projetos: escolas, centros de referência nacional, centros de treinamento,
projetos comunitários, centros de tratamento, recuperação e reinserção
social e projetos de redução e danos. Para os projetos de redução de danos, a
prioridade, na época, foi dada aos usuários de drogas injetáveis por causa da
eficiência dessa via de uso na transmissão sangüínea do vírus HIV.
Esse incentivo financeiro repasse da Coordenação Nacional de
DST/Aids, por meio de convênios com o Banco Mundial vai fomentar o
surgimento de alguns projetos de redução de danos a partir de 1994 nas
cidades de São Paulo e Salvador.
Em São Paulo, o próprio Programa Estadual de DST/Aids cria um
projeto para acessar os usuários de drogas injetáveis, mas por questões
judiciais, não consegue implantar a troca de seringas, sendo que esta ação
será implementada por uma ONG a partir de 1995.
34
Os 10 estados prioritários foram: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de
Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Ceará e Bahia.
76
Também em 1995, surge o primeiro programa de troca de seringas em
Salvador, no CETAD
35
. O fato deste programa estar alocado em um centro de
estudos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia pode
ter sido um fator importante para sua aceitação pela comunidade onde o
projeto estava sendo desenvolvido. Mas, mesmo assim, o programa recebeu
represálias sociais e seus coordenadores foram considerados, por muitos
soteropolitanos, como incentivadores ao uso de drogas. Entretanto, a
coragem dos médicos responsáveis pela criação e implementação do PRD foi
fundamental.
Entre 1994 e 1996 é realizado o Projeto Brasil
36
, estudo epidemiológico
sobre prevalência de HIV e comportamento entre usuários de drogas
injetáveis em sete cidades brasileiras. Este estudo vai contribuir para
mostrar que a epidemia entre os usuários de droga injetáveis apresentava
tendência de crescimento, e que era necessário pensar em estratégias de
saúde pública que alcançassem estes usuários nas suas especificidades
(Mesquita, Bueno, Telles e Bastos, 1998 – Conferência Internacional de
Redução de Danos, comunicação oral).
Ainda em 1996, com o empréstimo do Banco Mundial (BIRD)
conhecido como “AIDS 1”:
(...) modificações na Coordenação Nacional de DST e Aids, em
1996, deram um novo impulso ao Projeto de Prevenção de
Redução de Danos. Desde então, são inúmeras as iniciativas
apoiadas pela Coordenação Nacional, contando com a parcela
daqueles recursos de 10 milhões de dólares supracitados
(Mesquita, 1998: 107).
35
O CETAD Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas, ligado à Faculdade de Medicina da
Universidade Federal da Bahia, desenvolve projetos para usuários de drogas e foi o primeiro
programa a assumir a troca seringas no Brasil. Digo assumir porque os outros projetos faziam isso na
clandestinidade.
36
O projeto Brasil fazia parte de um estudo multicêntrico desenvolvido em sete cidades com alta
incidência de HIV por uso de droga injetável.
77
Como reflexo das mudanças na coordenação, podemos citar o
incentivo à criação de diversas Organizações Não Governamentais cujo
objetivo era implementar projetos com estratégias para reduzir os danos à
saúde entre usuários de drogas injetáveis.
Em 1997, foi fundada a Associação Nacional de Redutores de Danos
(ABORDA), com o objetivo de “lutar pelos direitos dos redutores de danos e
usuários de drogas”. Na verdade, mais do que a luta pelos direitos dos
usuários de drogas, o surgimento da ABORDA tem a ver com o busca do
reconhecimento da figura do redutor de danos como profissional da saúde,
bem como dar legitimidade aos usuários de drogas nos espaços de controle
social.
No início dos Projetos de Redução de Danos no Brasil, havia duas
denominações atribuídas aos profissionais que estabeleciam contato direto
com os usuários de drogas: os agentes de saúde e os agentes comunitários.
Agentes de saúde eram profissionais capacitados para serem multiplicadores
de informações sobre aids e drogas, e os agentes comunitários eram
membros da rede de interação social dos usuários de drogas que recebiam
treinamento para atuar como agentes de saúde.
A maioria dos agentes comunitários que trabalhava com redução de
danos era de usuários de drogas na “ativa” ou ex-usuários. É neste contexto
que surge a categoria de “redutor de danos” como uma forma de dar maior
visibilidade e legitimidade social aos usuários de drogas que estavam
desenvolvendo o trabalho de agente comunitário. O surgimento da categoria
78
de redutor de danos foi fundamental para a ampliação da Redução de Danos
no Brasil (Ministério da Saúde, 2001).
É importante ressaltar que até hoje o lugar social do “redutor de
danos” ainda suscita acaloradas discussões. Alguns técnicos
37
que
trabalham na implementação, coordenação e avaliação dos programas de
Redução de Danos também se consideram “redutores de danos” e isso, para
alguns redutores, que o são técnicos, é incoerente. A principal defesa da
categoria (Redutores de danos) é que a qualificação de cnicos distancia os
usuários, enquanto que os técnicos alegam que para ser um redutor de
danos basta ter capacidade de circular e passar informações
38
para os
usuários de drogas.
Atualmente, duas associações nacionais de redução/redutores de
danos e mais de 25 associações estaduais estão oficialmente registradas na
Receita Federal. Todas carecem de recursos humanos e materiais, embora
muitas tenham conseguido se consolidar enquanto instâncias de controle
social.
Segundo Fonseca (2006)
39
140 projetos de redução de danos estão
ativos no Brasil. Esse número pode ser maior, na medida em que o
levantamento realizado por Fonseca levou em consideração os projetos
financiados diretamente pelo Programa Nacional de DST/Aids e, na
realidade, temos conhecimento da existência de projetos financiados e
executados pelas Coordenações Estaduais e Municipais que, até o momento,
não foram incluídos no universo considerado pelo Programa Nacional de
37
Na sua grande maioria os técnicos são profissionais da saúde, como médicos, psicólogos,
enfermeiras e assistentes sociais.
38
No caso as informações são as estratégias de prevenção.
39
Comunicação por email na lista da ABORDA, 2005.
79
DST/Aids. Dos que fazem parte desse universo, 50% trabalham com troca de
seringas e menos de 10% desenvolvam estratégias para usuários de crack.
4.1.1. Os programas de troca da agulhas e seringas usadas por novas
(PTS).
Ao analisar a história do movimento de RD no mundo, Bastos (2003)
afirma que os programas de troca de agulhas e seringas usadas por novas
(PTS) foram os primeiros a surgir. Esses programas basicamente fornecem
equipamentos
40
novos em troca dos usados para o uso de drogas injetáveis.
Por trás desse ato aparentemente simples, alguns objetivos específicos de
prevenção são alcançados. O mais importante, é estabelecer a ponte com os
usuários de drogas para ajudar a retirar os equipamentos contaminados da
cena de uso, evitando a sua reutilização; e garantir que o material seja
recolhido e descartado em local adequado, evitando que infecte terceiros,
como catadores de lixo, por exemplo.
Os programas de troca de seringas podem fazer parte dos programas
de redução e danos. Esta distinção se faz necessária porque programas de
redução de danos têm outros objetivos e atividades incorporadas na
execução dos projetos. Desta forma, um programa de redução de danos
normalmente tem um programa de troca de seringas. Contudo, existem
programas de troca de seringas, em diversos países do mundo, que visam
somente à troca de equipamentos; no Brasil, todos os PTS estão inseridos
nos PRD.
40
A quantidade de equipamentos no Kit varia em cada projeto. Mas, todos distribuem para cada
seringa um frasco de diluição, um frasco de água destilada, compressas de álcool para assepsia no
local da injeção e preservativos, além de um folder explicativo sobre o uso de preservativos e
estratégias de redução de danos para o uso injetável de droga.
80
Os programas de redução de danos desenvolvem estratégias que visam
promover um contato entre os usuários e as instituições de saúde e os
equipamentos sociais, com o objetivo de difundir noções básicas de
preservação da saúde, prevenção de doenças e busca de consolidação dos
direitos de cidadania (Brites, 1999).
No Brasil, dentre outros motivos, o incentivo do Programa Nacional de
DST/Aids aos PRD está associado ao fato que os usuários de drogas
injetáveis eram pessoas de difícil acesso e pouco conscientes da importância
do seu lugar dentro da cadeia de transmissão do HIV/aids.
Com a implantação dos programas de redução de danos, o contato
com os usuários de várias drogas aumentou, e foi possível acompanhar a
entrada de crack nas cenas grupais de uso de drogas. Isto se tornou uma
preocupação para alguns cnicos e redutores, pois no contato com os
craqueiros ficava evidente sua vulnerabilidade às DST/aids diante dos
relatos de práticas de sexo desprotegido.
As pessoas que tiveram esta primeira impressão nos contam, que era
perceptível a grande intoxicação na hora do uso de crack e a posterior
fissura
41
. Observaram, também, que por causa dela muitos usuários de
crack comercializavam sexo como uma forma de conseguir dinheiro para a
continuidade do uso da droga. Estudos atuais (NAPPO, 2001) demonstram
que estas percepções eram corretas. um grande número de usuários de
crack com DST/aids, com hepatites e com sífilis, contraídos deste modo.
41
Fissura é uma vontade incontrolável de usar droga, muito comum no uso de cocaína-crack.
81
4.1.2. Os programas para usuários de crack anteriores aos projetos
pilotos – as primeiras tentativas.
Um dos mais importantes princípios norteadores da abordagem de
redução de danos é a necessidade de se ouvir os usuários, para depois
engajá-los no processo de prevenção. As estratégias de redução de danos
requerem o estabelecimento de um contato direto entre os técnicos em saúde
pública e os usuários, para os primeiros apreenderem com os segundos as
especificidades do uso de cada droga antes de elaborar e promover formas
mais seguras de consumo. Com esse contato é possível apreciar as
diferenças entre o que técnicos de saúde pública e usuários consideram ser
riscos aceitáveis e mudanças de conduta possíveis de se almejar. Esse
contato também facilita a elaboração de estratégias assistenciais promovidas
paralelamente à redução de danos. Assim, antes mesmo do surgimento dos
projetos-piloto, alguns grupos já haviam ensaiado algumas tentativas de
abordar a questão.
Cinema na rua – Salvador
Em 1996, a equipe do CETAD
42
que desenvolvia projetos de redução de
danos para usuários de drogas injetáveis, em Salvador, começou a observar
um crescente mero de usuários de crack nas suas intervenções de rua.
Esse fato motivou a equipe a pesquisar estratégias preventivas a serem
implementadas entre este novo grupo de usuários. A primeira estratégia foi a
42
CETAD – Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas da Universidade Federal da Bahia
82
de aproximação e optou-se pela apresentação de vídeos na rua (Nuñez,
1998).
Levava-se uma televisão com vídeo-cassete aos locais freqüentados pelas pessoas acessadas e exibiam-se vários tipos de filmes.
Segundo a responsável pelo projeto:
(...) o objetivo desta atividade foi oferecer produtos sócio-
culturais alternativos no próprio contexto social dos usuários,
que estimulassem a reflexão, reformulação e/ou
questionamento sobre os conhecimentos e comportamentos de
risco para as DST/AIDS, outras doenças infecto-contagiosas, o
abuso de drogas tais como o crack, cocaína injetável (Nuñez,
1998:30).
Junto com tal atividade, foi realizada uma pesquisa buscando
conhecer o perfil psicossocial dos usuários de crack naquela cidade, a fim de
determinar o consumo de crack e de outras drogas, e ainda conhecer as
práticas sexuais de tais usuários. Nas exibições dos filmes, havia momentos
de oficinas de sexo-mais-seguro, com distribuição de preservativos.
Após dois anos, por falta de recursos para sua continuidade, o projeto
foi encerrado e os usuários acessados foram incorporados pelos outros
projetos do CETAD.
O uso de filtro – Santos
Inspirada pela participação na VIII Conferência Internacional de
Redução de Danos no Brasil, realizada em 1998, a Organização Não
Governamental ASPPE
43
, que trabalhava com projeto de redução de danos
para usuários de drogas injetáveis, passou a pesquisar estratégias
diferenciadas que poderiam ser implementadas junto aos usuários de crack
aos quais tinha acesso. Essa busca foi motivada pela constatação que, nas
43
A ASPPE – Associação Santista de Pesquisa, Prevenção e Educação em DST/Aids, é uma
organização não governamental que vem desenvolvendo ações de prevenção e assistência às
DST/aids com diversas populações vulneráveis desde 1994.
83
intervenções de rua com os usuários de drogas injetáveis, o projeto
encontrava um mero muito grande de usuários de crack, sendo
necessário a elaboração de uma nova estratégia para essa população.
A nova realidade chamou a atenção para o fato de não
existirem estratégias de redução de danos voltadas para esta
população. Através desta percepção surgiu a idéia de formular
um projeto que primeiramente conhecesse o perfil dos
usuários de crack para posteriormente intervir junto a eles de
forma mais adequada (Villarinho, 2001:02).
O projeto para os usuários de crack foi iniciado em 2000, contando
com o apoio da Prefeitura Municipal de Santos e financiamento do Programa
Nacional de DST/Aids. Tinha como objetivo contatar usuários de crack,
distribuir preservativos entre eles e estimulá-los a responder a um
questionário que ajudasse a equipe a compreender melhor o fenômeno do
uso dessa substância e suas especificidades.
No contato com os usuários, a equipe descobriu que os problemas de
saúde que mais afetavam os craqueiros” eram, na sua maioria, problemas
respiratórios causados pelas partículas sólidas absorvidas quando a pedra
de crack era fumada. Dessa forma, a equipe concluiu que uma importante
contribuição à redução de danos à saúde para estes usuários seria evitar a
ingestão dessas partículas. A maneira encontrada pela equipe do projeto foi
adaptar filtros como os de cigarros nos cachimbos de crack.
Uma parte do filtro ficaria dentro do cano do cachimbo e a outra parte
ficaria do lado de fora, evitando contato direto do lábio com o cachimbo.
Como estes filtros não puderam ser adaptados ao uso de copo (copo plástico
descartável com água) ou lata (de alumínio), a equipe então, resolveu
pesquisar, junto aos usuários, algo que poderia ser adaptado aos copos e às
latas. Pensou-se em filtros de papel para coar café, tipo “Melita”, como uma
84
tentativa de auxiliar os usuários nesta prática, mas a dificuldade de fixá-los
fez com que se desistisse de tal procedimento. Segundo o relatório do
projeto:
(...) um dos argumentos mais fortes trazidos por quem aprovou
o filtro foi a redução da tosse causada pelo consumo do crack
e no pigarro típico deste usuário, além de ficar menos
cansado. Isso provavelmente acontece porque o filtro acaba
retendo as partículas sólidas e a borra formada após a
combustão do crack os quais vão direto ao pulmão, causando
irritação no aparelho respiratório (Villarinho, 2001:10).
Após três anos, este projeto, assim como o anterior, teve seu recurso
cortando, sendo que a população atendida foi encaminhada para os serviços
de saúde e/ou outros equipamentos sociais.
A elaboração dos cachimbos individuais
Numa reunião com representantes de vários projetos de redução de
danos, realizada em Salvador em 2001, o coordenador de um projeto
44
apresentou o projeto de redução de danos para usuários de crack que estava
desenvolvendo na sua cidade. A necessidade da implementação deste projeto
deu-se pelo grande número de usuários de crack que eram acessados nas
ruas, e a equipe percebeu que tais usuários necessitavam de estratégias
adequadas à sua via de administração da droga. O uso de filtro de Santos foi
testado entre esses usuários, mas nesta população tal uso se mostrou
ineficaz e, em oficinas realizadas com eles, a equipe decidiu pesquisar um
outro insumo para o uso do crack: o cachimbo.
A solicitação feita pelos usuários acessados foi a de se criar um
cachimbo adequado à realidade daquele grupo. Pensou-se em um cachimbo
44
Não citarei a cidade porque este projeto faz parte dos projetos piloto, e optamos por questões
éticas não revelar as cidades onde são executados.
85
para uso individual, porque era sabido que o seu compartilhamento
transmitia doenças como tuberculose e herpes. Desconfiava-se, também, que
nos casos em que os usuários apresentavam fissuras labiais sangrantes,
poderia até haver um aumento do risco de transmissão do HIV e das
hepatites
45
. Procurou-se, então, uma fábrica de cachimbos para tabaco e um
dos proprietários, depois de entender o projeto, começou a idealizar e a
produzir protótipos de cachimbos para testes entre usuários de crack.
Os primeiros protótipos tinham uma piteira de plástico, mas estas
desagradaram os usuários. Foram testados vários protótipos até se chegar a
um padrão de cachimbo de madeira com uma grelha de metal. Esta grelha
de metal tem a função de receber a pedra de crack. Essa versão não foi
considerada como definitiva e ainda estão sendo testadas alterações nesse
cachimbo, tal como a inclusão de um pequeno filtro (similar ao de cigarros) a
ser colocado na parte mais próxima da boca, como forma de barrar a
inalação de partículas sólidas. Este projeto será mais detalhado no capítulo
cinco como projeto um.
4.1.3. A redução de danos para cocaína inalada.
Em 2001, aconteceu a primeira Conferência Latina de Redução de
Danos, em Barcelona, com uma grande participação de redutores de danos e
técnicos brasileiros. Nesta conferência, houve um grande número de mesas
que discutiram as estratégias de redução de danos para cocaína e crack,
45
O risco de transmissão de HIV e hepatites virais é hipotético, uma vez que não foram realizados
estudos provando esta via de transmissão. Contudo, do ponto de vista de prevenção, é necessário se
implementar estratégias antes que a transmissão de doenças sejam comprovadas, ou seja, se existe
um risco hipotético ele deve ser prevenido.
86
uma vez que a problemática do uso de cocaína estava crescendo
assustadoramente nos países latinos.
Naquela época as conferências latinas eram diferentes da Conferência
Internacional de Redução de Danos que discutem basicamente a redução de
danos para uso de heroína, pois nestas conferências é dada ênfase a
trabalhos e estudos mais expressivos, de caráter científico e que utilizam
metodologias de monitoramento e avaliação combinadas com estudos de
soro prevalência para diversas doenças infecto-transmissíveis que
aconteciam nos países da Europa e nos Estados Unidos, com financiamento
governamental ou de institutos de pesquisa, nos quais a prevalência do uso
de heroína injetável é maior. Hoje em dia, tanto a conferência latina como a
internacional discutem estratégias de redução de danos para crack.
Na conferência de 2001, a delegação brasileira foi bastante solicitada
pelos colegas europeus e contribuíram muito, tanto nas discussões de
plenária, como na apresentação de temas livres, pois a cocaína é uma droga
bem conhecida pelos redutores de danos do Brasil.
Nas visitas aos estandes, os brasileiros se depararam com um kit
chamado kit sniff
46
, que era distribuído para o uso de drogas inaladas, na
França. Este kit suscitou curiosidade por parte dos participantes, que
trouxeram vários exemplares para discussão com seus parceiros nos
projetos do Brasil.
46
O Kit sniff, é colocado dentro de uma caixinha de papelão, dois canudos de silicone, dois lenços de
papel, uma bandejinha de papel laminado, um frasco para acondicionamento da droga, um
preservativo, um gel lubrificante, um folder explicativo, um cartão com telefones para socorro de over-
dose e dois frascos de soro fisiológico.
87
Concomitante a isso, um redutor de danos, Décio Ciavaglia
47
com
recursos próprios e ajuda das profissionais do sexo da Central do Brasil
Rio de Janeiro, criava outro kit para uso de cocaína inalada. Sua justificativa
era simples: ele observava no seu trabalho de campo que as prostitutas
usavam cocaína em grande quantidade compartilhando notas de dinheiro
que eram enroladas para confecção de canudos, além de prepararem a droga
para uso em qualquer lugar: cadeiras, pastas ou mesmo carteiras e cartões.
A preocupação de Décio era primeiro, com a falta de higiene na forma
de inalação da droga. E, a partir de 2002, após a criação do Programa
Nacional de Hepatites Virais, uma preocupação ainda maior atinge o
redutor, ou seja, ele descobriu que o compartilhamento de canudos poderia
ser um vetor de transmissão para os vírus da hepatite C (McMahon, JM, et
al, 2004).
O Kit de Décio, conhecido como Kit “cheire bem”
48
foi apresentado no I
Seminário de Redução de Danos: outras estratégias são possíveis?
49
,
organizado pelo Centro de Convivência “É de Lei”, entre os dias 31 de
outubro e 03 de novembro de 2002. Em 2003, o kit cheire bem, que foi
apresentado em forma de pôster na II Conferência Latina de Redução e
Danos, em Perpignan, França, recebeu premiação com a isenção da
47
Décio Ciavaglia era um funcionário público aposentado que iniciou seu trabalho como redutor de
danos na Associação Carioca de Redução de danos em meados de 2001. Morreu em junho de 2005.
48
O Kit cheire bem, era colocado dentro de um saco plástico um cartão recoberto com plástico, um
cartão de informações sobre hepatites virais, um folder de informações sobre DST/aids e outro sobre
direitos humanos, dois canudos de plástico com um revestimento de borracha, um cotonete, e dois
frascos de soro-fisiológico.
49
O I Seminário de redução de danos: outras estratégias são possíveis? Foi realizado pelo Centro de
Convivência É de Lei”, contou com a participação de aproximadamente 150 pessoas, entre eles
redutores de danos e técnicos de serviços de saúde. Teve uma programação ampla discutindo
estratégias para outros usos de drogas além da injetável e sua interface com a transmissão de
doenças.
88
inscrição para participação na III Conferência, realizada em Barcelona, em
2005.
No final de 2004, o Centro de Convivência “É de Lei” teve o “Programa
de Redução de Danos ‘É de Lei’: Inclusão e Fortalecimento”, aprovado pela
Coordenação Estadual de DST/Aids. O projeto previa a distribuição do Kit
Sniff
50
e, em julho de 2005, a Associação Carioca de Redução de Danos
lança no II Seminário Estadual de Redução de Danos, no Rio de Janeiro, o
seu próprio kit para cocaína inalada.
As observações feitas a partir desses fatos nos mostram a ampliação
da redução de danos como estratégia preventiva de saúde. Mas a
precariedade de dados epidemiológicos acaba o possibilitando uma
avaliação do impacto dessas estratégias sobre a saúde dos usuários. Como
resultado, estes projetos inovadores só têm sido realizados por um esforço de
“militância” de alguns gestores.
Ainda que saibamos o quanto a Redução de Danos vai além das
questões associadas à saúde, no Brasil grande parte dos projetos em
andamento realizam atividades somente relacionando a redução de danos
diretamente com os problemas de saúde. Este ponto discutiremos melhor na
análise dos dados apontando para a incoerência desta postura. Deixando
também para uma breve discussão as questões relacionadas à exclusão
social e à violência estrutural, as quais os usuários de drogas qualificadas de
ilícitas estão submetidos.
É importante ressaltarmos que na fase anterior ao surgimento das
estratégias de redução de danos, as intervenções dirigidas aos usuários de
50
Este kit sniff é muito parecidos com o primeiro kit sniff, mas tem ainda alguns papeis (pos-it) para
confecção de canudos, caso o usuário não goste de canudo de silicone.
89
drogas visavam exclusivamente à promoção da abstinência e o tratamento. A
partir da aceitação dos conceitos de redução de danos, os usuários de
drogas, aqui no Brasil, começam a ganhar” representatividade dentro dos
movimentos sociais de saúde e, posteriormente, nos movimentos de direitos
humanos.
4.2. O crescimento dos programas de redução de danos no Brasil.
A partir do surgimento das ONG de redução de danos em 1997,
começa-se a verificar um aumento no número de projetos que acessam
usuários de drogas. Além de atividades de prevenção, surgem alguns
projetos para a realização de estudos epidemiológicos. Um dos mais
importantes visou traçar a Situação de Base dos usuários de drogas
injetáveis dos Projetos de Redução de Danos do Brasil, o projeto AJUDE
Brasil (Ministério da Saúde, 2001) foi extremamente importante, pois
apontava algumas mudanças de comportamento dos usuários acessados
pelos Programas.
Indicava, por exemplo, uma diminuição no compartilhamento dos
equipamentos de injeção, um aumento no uso de preservativos, e também
um aumento na procura de atendimentos voltados para cuidados à saúde.
Tais resultados apontaram para a necessidade da continuidade das
ações de redução de danos com distribuição de equipamentos e também a
ampliação das estratégias para garantir a inclusão dos usuários de drogas
nos serviços de saúde que não queriam ou não podiam abandonar o uso de
drogas, mas queriam seguir o tratamento para o HIV/aids. Os dados
demonstravam, também, uma crescente epidemia de crack entre os usuários
90
de drogas injetáveis, e em alguns lugares, uma migração do uso de cocaína
injetável para o uso de cocaína fumada (Ministério da Saúde, 2001).
Ainda em 1998 acontece em São Paulo a VIII Conferência
Internacional de Redução de Danos e podemos considerá-la um marco
histórico para a redução de danos no Brasil, pois na sua abertura, o então
Secretário de Saúde do Estado de São Paulo anuncia a assinatura da Lei que
regulamentaria a distribuição de seringas novas para os usuários de drogas
injetáveis no Estado de São Paulo
51
.
A Lei de São Paulo serviu de exemplo para diversos Estados que
adotariam leis estaduais
52
semelhantes como forma de garantir a
disponibilização de seringas para usuários de drogas injetáveis.
Além disso, a conferência internacional contribuiu para a discussão e
defesa das estratégias de redução de danos na mídia, como forma de conter
a disseminação de doenças. Vários jornais impressos e televisivos
apresentaram reportagens em defesa da redução de danos, fato de suma
importância para o reconhecimento da redução de danos como política
pública.
Com o incentivo do Programa Nacional de aids, via financiamento,
outras associações de redução de danos surgiram no Brasil e, aos poucos, as
estratégias de redução de danos para outras drogas começaram a ser
discutidas.
Outro marco histórico para a redução de danos é quando, em 2002,
acontece o seminário do “É de Lei” outras estratégias são possíveis? Na
51
Lei Estadual nº 9.758/97.
52
Santa Catarina (Lei Estadual 11.063/98); Rio Grande do Sul (Lei Estadual nº 11.562/00) e Mato
Grosso do Sul (Lei Estadual nº 2.404/01). Minas Gerais
91
cidade de o Paulo, contando com todas as associações de redutores e
redução de danos do Brasil, além da participação de coordenadores
estaduais e municipais de vários projetos na área. Este evento tinha por
objetivo discutir a ampliação das estratégias de RD para outras drogas, bem
como discutir uma agenda nacional para os projetos de redução de danos,
além de fomentar a discussão sobre a manutenção dos projetos por meio de
outras fontes de financiamento além das governamentais.
Apesar do grande número de participantes, a discussão sobre os
financiamentos via governo federal (Programa Nacional de aids) não ganham
força. Neste mesmo ano foi anunciado pelo Programa Nacional que os
processos de concorrências para financiamento dos projetos apoiados pelo
governo federal (via Programa nacional de DST/aids) iniciariam em 2003
suas concorrências descentralizadas, ou seja, seriam realizadas pelos
programas estaduais. Somente em 2004, quando se torna regra o processo
de descentralização e muitas instituições perdem seus financiamentos é que
esta discussão sobre a descentralização reaparece. Este fato será mais bem
abordado no capítulo seis, onde faremos a análise e a discussão sobre os
financiamentos dos projetos de redução de danos para usuários de crack.
4.3. Tendência hegemônica à instrumentalização.
A tendência à instrumentalização (transformando a redução de danos
numa estratégia de mera distribuição de insumos) tem significado um
esvaziamento de sua dimensão política, cuja direção social estaria associada,
pelo menos em suas origens históricas em nosso meio, à afirmação dos
direitos de cidadania.
92
O processo de instrumentalização da redução de danos poderá ser
analisado no interior de uma tendência mais geral no campo da produção
teórica e de planejamento das políticas sociais que, em certo sentido,
respondem às exigências do pensamento “pós-moderno”, ao recusar a
objetividade, a capacidade da razão de produzir conhecimentos teóricos que
expliquem a realidade e, principalmente, a possibilidade de uma razão crítica
capaz de orientar ações ética e politicamente comprometidas.
Por ser a ideologia da nova forma de acumulação do capital, o
pós-modernismo relega à condição de mitos euro-cêntricos
totalitários os conceitos que fundaram e orientaram a
modernidade: as idéias de racionalidade e universalidade, o
contraponto entre necessidade e contingência, os problemas
da relação entre subjetividade e objetividade, a história como
dotada de sentido imanente, a diferença entre natureza e
cultura etc (Chauí: 2001, 22-23).
Os efeitos da recusa desses conceitos, que se expressam na
valorização da dimensão instrumental da razão, são assim analisados pela
autora:
A ciência e a tecnologia contemporâneas submetidas à lógica
neoliberal e à ideologia pós-moderna, parecem haver-se
tornado o contrário do que delas se esperava: em lugar de
fonte de conhecimento contra as superstições, criaram a
ciência e a tecnologia como novos mitos e magias; em lugar de
fonte libertadora das carências naturais e cerceamento das
guerras, tornaram-se, por meio do complexo industrial-
militar, causas de carências e genocídios. Surgem como
poderes desconhecidos, negando a possibilidade da ação ética
como racionalidade consciente, voluntária, livre e responsável,
sobretudo porque operam sob a forma do segredo (o controle
das informações como segredos de Estado e dos oligopólios
transnacionais) e da desinformação propiciada pelos meios de
comunicação de massa. (Chauí: 2001, 25).
Na mesma direção, em artigo que analisa uma experiência a de um
hospital público a partir da participação do sistema privado de atendimento
93
médico nessa mesma instiuição, Cohn faz as seguintes considerações sobre
a dicotomia entre política e técnica.
Tal esforço remete não a necessidade de se pensar a
superação da dicotomia entre as dimensões política e técnica,
hoje ainda presente na grande maioria das análises sobre a
questão da saúde no país, mas a partir daí a própria
necessidade de superação da concepção da existência no
Brasil de um sistema dual de proteção social, com distintas
lógicas de articulação com o sistema econômico: um
subsistema securitário, baseado na lógica contributiva, e,
portanto em tese na captação de poupanças individuais, e um
subsistema assistencialista, baseado no financiamento com
recursos orçamentários, e, portanto em tese redistributivista.
(Cohn e Elias, 2002, 177).
A análise desta tendência será demonstrada no capítulo seis. Mas aqui
cabe ressaltar que a nosso ver ao longo da implementação dos projetos de
redução de danos no Brasil, houve uma falta de investimento na dimensão
política nos projetos de redução de danos e isso é uma conseqüência da
ditadura dos projetos defendia por Galvão (1997), onde as equipes tiveram
que responder tecnicamente ao financiamento havendo então pouca
valorização na organização política.
Isso aparece também na capacitação das equipes, que atualmente não
tem nenhum padrão
53
para a formação do redutor. Geralmente o redutor é
convidado para trabalhar nesta função por ser usuários de drogas e
conseguir incorporar estratégias de prevenção além de circular nas cenas de
uso de drogas com facilidade. Mas não nenhum critério de participação
política, em centros comunitários, associações de bairro ou outros
53
O que estamos chamando aqui de padrão refere-se a um conteúdo mínimo, discutido e aprovado
pelas associações de redução de danos. Este conteúdo deveria contemplar noções de direitos
humanos, controle social, uso de drogas e praticas de prevenção e cuidados à saúde.
94
movimentos sociais de moradia, etc., demonstrando que não há preocupação
da equipe com a formação política anterior ou posterior a contratação.
A tendência à intrumentalização também se refletiu na adequação dos
insumos disponibilizados, ou seja, o insumo de fato, é um meio de chegar ao
usuário, mas se a equipe não tem uma preocupação em tornar aqueles
usuários cidadãos sua atuação passa a ser a de mero distribuidor de
equipamentos.
Desta forma a ação de redução de danos que pressupõe uma
afirmação de direitos de cidadania, acaba sendo transformada em uma
preocupação com atividades instrumentais de distribuição de equipamentos
para a prevenção de doenças, ato este que consideramos reduzir a própria
compreensão da redução de danos enquanto medida de saúde pública e
afirmação de direitos de à saúde.
No próximo capítulo estaremos descrevendo nossa pesquisa empírica
dos cinco projetos-piloto para usuários de crack.
5. “Tinha uma pedra no caminho...”
95
Projetos Piloto de redução de danos para usuários de crack.
Em Brasília, em abril de 2002, o Programa Nacional de DST/Aids do
Ministério da Saúde reuniu as associações estaduais e nacionais de
redução/redutores de danos. Essa reunião teve como objetivo principal
discutir um projeto que iria traçar o perfil estrutural e de atendimento
dessas associações
54
no Brasil. Enviaram representantes 18 associações, e
cada uma teve 15 minutos para apresentar as atividades que vinha
executando.
Essas associações, na sua maioria, acessavam usuários de drogas
injetáveis (UDI)
55
e sua rede de interação social. No entanto, algumas
instituições manifestaram preocupação com o crescente mero de usuários
de crack, que estavam sendo abordados nas intervenções de rua, e
admitiram seu despreparo para intervir preventivamente com eles.
À noite, depois do jantar, três associações reuniram-se com o
coordenador de um projeto (projeto 1), que trabalhava exclusivamente com
“craqueiros” e tinha como prática o fornecimento de cachimbos de madeira
56
.
Nesse pequeno encontro, conversou-se sobre a possibilidade de cada
associação desenvolver um projeto visando exclusivamente reduzir danos
associados ao uso de crack.
Contudo, para a implementação de estratégias tão inovadoras, uma
série de dificuldades teriam que ser superadas. Uma das principais era a
54
Atualmente (junho 2006) temos aproximadamente 30 associações entre as estaduais e as
nacionais, sendo que alguns estados têm mais que uma estadual como, por exemplo, São Paulo,
Pernambuco e Rio Grande do Sul.
55
Para facilitar a leitura usaremos, a partir de então, usuários de injetáveis.
56
Mais adiante abordaremos em destaque a inserção deste equipamento mas, por hora, podemos
afirmar que a distribuição do cachimbo é uma forma de conter o compartilhamento dos cachimbos,
durante o consumo grupal.
96
obtenção de um financiamento específico para a execução de tais projetos.
Ainda em Brasília, os representantes destas instituições procuraram a
assessora técnica coordenadora do setor de prevenção do Programa Nacional
de DST/Aids (PN-DST/Aids)
57
e solicitaram ajuda.
Na reunião, a coordenadora foi bem acessível e indicou que os projetos
deveriam utilizar metodologias semelhantes nas ações preventivas,
utilizando o mesmo insumo
58
, o cachimbo de madeira neste caso, e o mesmo
instrumento para coleta de dados. Combinou-se a elaboração de um
questionário padrão que seria aplicado aos usuários acessados pelos
projetos.
Para o questionário se propôs que fossem feitas questões em relação
às práticas sexuais do perfil socioeconômico e cultural dos usuários
acessados pelos projetos. Desta forma, os representantes acordaram em
adaptar alguns questionários existentes visando usuários de crack, e usá-
los como padrão para que pudessem comparar os dados coletados. Buscava-
se verificar a exposição ao vírus HIV, pela prática de sexo desprotegido, uma
vez que há carência de estudos nacionais que apresentem tal dado.
A compreensão do perfil socioeconômico, cultural e do perfil do uso de
crack serviria para avaliar o grau de marginalidade desses usuários, fator
que pode contribuir para o aumento de práticas de risco específicas dessas
populações (Nappo, 2004).
57
Para facilitar a leitura, toda vez que nos referirmos ao PN-DST/Aids, usaremos o termo Programa
Nacional de aids.
58
Insumo: sm. Econ polít Neologismo com que se traduz a expressão inglesa input, que designa
todas as despesas e investimentos que contribuem para a obtenção de determinado resultado,
mercadoria ou produto até o acabamento ou consumo final (Michaelis on-line). No nosso caso,
insumos designam os materiais distribuídos nas atividades de campo, ou seja, preservativos,
cachimbos, seringas, protetores labiais, piteiras de silicone etc.
97
Na ocasião, levou-se em consideração que, mesmo o Programa
Nacional de aids desenvolvendo suas ações nos marcos teóricos do conceito
de vulnerabilidade, e priorizando trabalhos com populações em maior risco
social, receava-se que muitos assessores técnicos do próprio Programa
pudessem questionar o financiamento de projetos tão específicos. Isso de
fato ocorreu e houve questionamentos devido a falta de estudos
epidemiológicos que comprovassem a grande exposição a riscos a que esses
usuários estavam vulneráveis.
Alguns assessores, seguindo a epidemiologia clássica, defendiam que
as ações preventivas deveriam ser desenvolvidas somente junto a populações
investigadas anteriormente e apresentassem exposição comprovada aos
riscos. Os assessores que discordaram do financiamento desses projetos-
piloto demonstraram publicamente suas opiniões, em reuniões e eventos,
argumentando que eram desnecessários tais projetos, uma vez que a
transmissão por uso injetável era comprovada e a transmissão indireta
(sexo-desprotegido) a que os craqueiros estavam expostos era de mesma
natureza daquela apresentada por grande parte da população. Para eles, a
intervenção junto a usuários de crack deveria ser limitar às intervenções
dirigidas à população em geral.
“Por que temos que fazer ações específicas para os “craqueiros”? Eles
usam droga e não estão nem aí com nada. Dar camisinha pra quê? Pra eles
trocarem por droga?” Esse foi o discurso de um Assessor Técnico do
Programa Nacional para algumas ONG/aids numa reunião em Brasília na
qual se discutia a cota de preservativos a ser distribuída nas intervenções de
rua para cada população. Tal posição parece demonstrar um grande
98
preconceito em relação a todos os usuários de drogas, e aos craqueiros em
especial, ao ignorar suas especificidades, como o alto grau de marginalidade
em que eles vivem e a grande exclusão social a que os “craqueiros” estão
submetidos.
na primeira fase de desenvolvimento (junho a dezembro de 2002)
dos projetos-piloto, pôde-se comprovar a grande exposição dos usuários de
crack às DST/Aids por prática sexual desprotegida. “O que eles dizem pra
gente é que eles precisam de mais camisinha, porque eles transam muito e se
não tiver eles fazem sem mesmo, dizem que precisam transar para controlar a
fissura...” Esta foi a justificativa do coordenador de um dos projetos na
primeira reunião dos quatro
59
projetos-piloto que foi referendada pelos
representantes de três outros projetos.
Os coordenadores também constataram que o compartilhamento dos
cachimbos ocorria com freqüência, e isso tornava os craqueiros vulneráveis a
outras enfermidades como as hepatites, tuberculose e herpes.
Nos primeiros meses de execução, percebeu-se a necessidade de se
fazer a troca dos cachimbos fornecidos pelos projetos, uma vez que, após
aproximadamente duas semanas de uso, o cachimbo se deteriorava. A troca
possibilitava a retirada do material inadequado das cenas de uso, além de
criar canais de comunicação com os usuários, na tentativa de entender a
complexidade e as especificidades do uso de crack.
Entre os coordenadores destes quatro projetos, alguns consultores em
redução de danos e alguns assessores do Programa Nacional de aids, foi
acordado que passariam a se reunir com freqüência trimestral, com o
59
O quinto projeto-piloto será incorporado posteriormente como relataremos mais à frente.
99
objetivo de discutir adaptações às novas estratégias e aos novos insumos,
bem como suas dificuldades nas intervenções. Este acordo foi
parcialmente cumprido, que os projetos conseguiram se reunir somente
duas vezes no seu primeiro ano de execução. Na primeira reunião em
Brasília, outro projeto desenvolvido de forma muito semelhante, trabalhando
com a construção e distribuição de cachimbos de bambu pelos craqueiros
numa cidade do interior, entrou para o “rol” dos projetos-piloto.
Quando os projetos se iniciaram, foi criado no site “yahoo grupos” uma
lista de discussão sobre redução de danos para crack denominada
“cracados”. Tanto nas discussões da internet, como nas reuniões dos
projetos, percebeu-se, por exemplo, que o cachimbo de madeira distribuído
só satisfazia aos usuários do projeto 1, o mesmo que o havia criado.
Os usuários de outros dois projetos (projeto 2 e projeto 3) achavam o
cachimbo fornecido muito grande, pois, por viverem em situação de rua,
preferiam algo menor, mais fácil de esconder no caso de revista policial.
Diferiam, também, dos usuários do projeto 4, que não gostavam do
cachimbo do jeito que ele era e por isso faziam uma série de adaptações. Os
usuários do projeto 4 são, na sua maioria, moradores da comunidade, e
fazem uso em locais protegidos, em suas casas ou galpões, por isso tinham
menos necessidade de esconder seus cachimbos e preferiam os seus, de
tubos de PVC. Isso indicava a importância de se estar atento às
especificidades regionais quando se pesquisa novos métodos de abordagem e
novos insumos a serem utilizados. Do ponto de vista das necessidades,
hábitos e aprendizagem sobre o modo de usar as drogas, que muitas vezes
aquilo que é idealizado pelas equipes não correspondem às expectativas e
100
necessidades identificadas pelos próprios usuários, ou que leve a não adoção
(ou adaptação ou abandono) do equipamento de prevenção que é fornecido
pelas equipes).
Na segunda reunião chegou-se à conclusão da necessidade de se criar
um novo tipo de cachimbo, respeitando as características de cada projeto,
levando em consideração as particularidades de práticas, modos e condições
de consumo dos usuários. Sabemos que é uma prática comum entre os
craqueiros raspar o cachimbo após usá-lo, para aproveitar, em uma última
fumada, o resto de resina que nele permanece depositado. Se o cachimbo for
de material poroso, como metal, plástico e até madeira, o usuário corre o
risco de ingerir partículas do próprio apetrecho, arrancadas durante a
raspagem. A expectativa dos técnicos dos projetos era que fosse um
cachimbo de vidro ou de outro material resistente ao calor e não-poroso,
para que não acumulasse “borra”, e não pudesse ser raspado. Mas, de
início pensou-se que o de vidro talvez não fosse tão recomendado porque
tinha a desvantagem de ser facilmente quebrável.
Atualmente, o insumo que tem tido maior aceitação entre os usuários,
e considerado, pelos “cracados”, o mais importante é o protetor labial, usado
para proteger os lábios das queimaduras e fissuras causadas pelo uso
contínuo de crack. Estes protetores contêm, entre outras substâncias,
própolis e calêndula, que ajudam na cicatrização das fissuras e de
queimaduras existentes; contém, ainda, filtro solar que protege os lábios
contra a desidratação causada pelo uso da droga.
“Todos os craqueiros nos pedem os protetores. E você viu no campo que
eles usam mesmo. Nossa equipe percebeu uma diminuição nas feridas na
101
boca deles, depois que começamos a distribuir o protetor. E você sabia que foi
eles que nos ensinaram que se deve usar o protetor antes de fumar o crack?
Pois é... eles nos ensinaram isso, pois serve de proteção às queimaduras.”
Esta fala da coordenadora do projeto 2 aponta para a necessidade de um
contato direto com usuários para a discussão de estratégias de prevenção.
Outros insumos que também m sido bem aceitos pelos usuários são
pequenos tubos de silicone, que podem ser adaptados aos mais diversos
tipos de cachimbos, com a intenção que na hora do uso, cada usuário tenha
o seu e desta forma eles sirvam como protetores dos lábios, no caso do
compartilhamento do cachimbo ser inevitável.
Os projetos-piloto de redução e danos para o crack, com exceção do
Projeto 5 que entrou para o grupo posteriormente, iniciaram seus trabalhos
em 2002 e tiveram via Programa Nacional de aids pelo menos três
financiamentos. Em 2004, inicia-se o processo de descentralização dos
financiamentos dos projetos através do qual o Programa Nacional repassa a
verba para os Programas Estaduais, e estes então, devem fazer
concorrências públicas para os financiamentos das ações das ONG.
Ainda em 2004, estreitou-se uma parceria com o Programa Nacional
de Hepatites Virais (PNHV)
60
e esta parceria se efetivou na contratação de
dois consultores internacionais para fazer uma visita e uma “avaliação”
detalhada dos projetos. A escolha de dois consultores franceses deu-se por
suas inserções em uma instituição que possui uma experiência bastante
exitosa em intervenções diretas com usuários de drogas em situação de risco
60
Para facilitar a leitura, toda vez que nos referirmos ao PNHV usaremos o termo Programa Nacional
de Hepatites.
102
social. Além disso, esta instituição estava iniciando um trabalho com a
distribuição de kits
61
para usuários de crack.
Esta consultoria teve como principal objetivo trazer alguém de fora que
pudesse ter um olhar mais “técnico” e menos “militante” para as
intervenções que estavam acontecendo. Tinha também o objetivo de verificar
a qualidade das intervenções de rua, a intersetorialidade entre a rua a sede
dos projetos, as parcerias com os equipamentos sociais e observar a
distribuição dos insumos e a aceitação dos mesmos pelos usuários.
Na realidade, mais do que uma avaliação, estes consultores vieram em
busca de uma parceria internacional, pois, assim como os projetos-piloto no
Brasil, o projeto de distribuição de kit para craqueiros na França estava
numa fase experimental, tanto para a escolha dos insumos como da forma
de abordagem e implementação das estratégias de redução de danos.
Esta parceria se devia ao fato dos projetos do Brasil ter uma larga
experiência na abordagem de usuários de cocaína, pois desde que a redução
de danos foi implementada no Brasil as estratégias internacionais foram
adaptadas. Como a droga de escolha nos países onde a redução de danos
surgiu era a heroína, no Brasil as intervenções tiveram que ser modificadas.
A cocaína, por ser uma droga estimulante e de ação rápida, requer uma
freqüência maior de uso e uma quantidade de insumos maiores, além de
exigir que as intervenções face-a-face sejam mais rápidas.
O relatório elaborado em parceria com os programas nacionais foi
parcialmente disponibilizado para os projetos. Na fase de coleta de dados,
61
O Kit kiff, distribuído pelo EGO, contém, em um saco plástico com fecho a vácuo, oito swabs, seis
piteiras de silicone, um cachimbo de vidro, folhas laminadas para confecção das grelhas, dois
elásticos, três sachês de protetor labial, um preservativo e um gel lubrificante.
103
pudemos conversar com os representantes dos programas nacionais e
tivemos acesso parcial ao relatório dos consultores internacionais. Todos
foram bastante enfáticos em relação à qualidade das intervenções.
Dos cinco projetos, somente um teve avaliação “excelente”, outro
“ótimo” e os três restantes receberam a avaliação “boa”, o que significa que
algumas intervenções deveriam ser melhoradas, e as parcerias ser mais bem
constituídas. Observaram, também, a necessidade de uma capacitação
continuada dos redutores, uma vez que é comum a rotatividade deles.
Em junho de 2005, os projetos-piloto foram questionados, via telefone
pelo Programa Nacional de aids e Programa Nacional de Hepatites, sobre o
desenvolvimento das suas atividades. O projeto 4 estava parado por falta de
recursos, o projeto 5 tinha sido incorporado pelo programa municipal de
DST/aids, dois (projetos 1 e 2) estavam participando do processo de
concorrência estadual e o projeto 3 informou que não havia participado da
concorrência porque havia recebido uma informação de que não poderia
participar da mesma, já que tinha projeto ainda em execução.
Depois de obtidas estas informações pelo telefone, os Programas
Nacionais de aids e de Hepatites, decidiram realizar uma reunião em cada
município onde os projetos estavam sendo desenvolvidos com os
coordenadores estaduais e municipais de DST/aids e de Hepatites Virais e o
coordenador do projeto. Combinou-se com a coordenação nacional de saúde
mental que a coordenação estadual e municipal participariam das reuniões.
O objetivo da reunião era apresentar o projeto para os parceiros
estaduais e municipais, além de levá-los a uma visita aos locais onde as
equipes dos projetos atuavam para que os gestores compreendessem as
104
especificidades do uso de crack e a necessidade de manutenção dos projetos.
Foi solicitado ainda, que os projetos preenchessem uma planilha de
monitoramento, que subsidiaria uma proposta para o trabalho com usuários
de crack que seria disponibilizada na página do Ministério da Saúde.
No município do projeto 1, a reunião realizada não estava completa,
pois as coordenações estaduais de DST/aids e de Hepatites Virais o
compareceram. A instituição executora se mostrou bastante preocupada com
o relacionamento com a coordenação estadual de DST/aids, pois segundo o
coordenador do projeto, “nunca atende” a seus pedidos e não aprovou o
projeto de continuidade alegando duplicidade de intervenção. O município,
por sua vez, se comprometeu a repassar os recursos para a manutenção da
sede, além de cestas básica e vales-transporte para os redutores de danos.
No município do projeto 2, as coordenações estadual e municipal de
hepatites virais não compareceram, apesar do projeto ser uma referência ao
programa nacional de hepatites para o trabalho com usuários de crack. No
referido município, o processo de descentralização havia sido implantado
e, embora o projeto para usuários de crack estivesse aprovado na
concorrência estadual (junho de 2005), até novembro, data da nossa visita, o
recurso ainda não havia sido disponibilizado.
Na reunião com o projeto 3, houve um conflito entre a coordenação
estadual e o diretor da ONG responsável. A entidade afirmou que havia
recebido uma informação de um técnico da coordenação estadual para que
não participasse da concorrência estadual, em razão de possuírem um
projeto aprovado pelo estado na época da concorrência, e que isso
inviabilizaria sua participação em outra concorrência. O coordenador
105
estadual alegou que eles não poderiam ter recebido essa informação de
ninguém porque isso era uma inverdade. Após a discussão na qual não se
chegou a um consenso sobre o tema, ficou decidido que o município
estabeleceria parceria com a associação, na qual esta capacitaria os
redutores contratados pelo município para trabalhar com usuários de crack.
Embora o projeto 4 tivesse paralisado suas atividades havia seis
meses, os gestores presentes, coordenadores estaduais de DST/aids e
Hepatites Virais, se mostraram disponíveis para ajudar na articulação com o
município, pois todos reconheciam a importância estratégica do projeto. No
dia seguinte a esta reunião foi realizado outro encontro entre os
representantes dos programas nacionais com a coordenação municipal de
aids. Neste, se decidiu que o município repassaria a verba para a
continuidade do projeto por mais seis meses.
Somente na reunião do projeto 5 houve a participação de todos os
gestores. Na realidade, este projeto foi incorporado pelo município e isto
facilitou a articulação intraprogramas. O maior problema, na época, era a
contratação dos redutores porque o município, por questões burocráticas,
não poderia fazê-lo. Sugeriu-se, então, que a coordenação de saúde mental
contratasse os redutores e estabelecesse uma parceria com o programa
municipal de DST/aids para ceder os contratados.
Observamos uma dificuldade de se manter os projetos por meio de
financiamentos para ONG; esta estratégia, que se mostrou eficiente no
surgimento dos projetos de redução de danos, tem se tornado pouco eficaz
na atualidade.
106
5.1. Projeto 1. Seu surgimento
Este projeto obteve seu primeiro financiamento em 1998 e foi
implantado pelo seu coordenador atual que, por motivos pessoais, havia
mudado de cidade e decidiu conceber um projeto semelhante ao que ele
havia trabalhado no Rio de Janeiro.
No Brasil havia desde 1995 uma política de redução de danos
implantada e por isso não foi difícil conseguir a inserção do projeto dentro de
uma ONG/aids que existia na cidade. A importância do projeto era evidente,
pois na cidade havia uma notificação de HIV por uso de drogas injetável
bastante grande, ou seja, 30,8%.
Uma equipe de usuários de injetáveis, que havia sido capacitada para
trabalhar como redutores de danos desenvolveu o projeto. Suas atividades
iniciais incluíam trabalhar nas cenas grupais de uso de drogas
62
, com
distribuição do kit para uso injetável
63
, além de realizar intervenções que
ensinavam o uso seguro de drogas e o uso de preservativos.
Em 2000, tanto os usuários de injetáveis, como os redutores de danos
do projeto, começaram a relatar uma diminuição na disponibilização de
cloridrato de cocna (cocaína em pó)
64
nos locais de tráfico, e o surgimento,
em grande quantidade, de crack. Este fato torna-se, ainda mais relevante
quando, numa intervenção, um usuário procura a equipe e relata: “Eu acho
62
Abordaremos a importância da participação dos redutores de danos nas cenas grupais de uso de
drogas no capitulo seis, na análise e discussão.
63
O Kit para uso seguro de drogas injetáveis, que pode ter uma variação de cidade para cidade,
contém basicamente seringas, potes para diluição da droga, água destilada para usar na diluição,
compressas anti-sépticas para assepsia do lugar da injeção, além de um folder explicativo sobre as
técnicas de injeção segura e preservativos. Nestes kits podem variar, ainda, a quantidade dos
insumos e o local onde eles são disponibilizados, podendo ser num saco, caixinha de papel ou estojo
de plástico para óculos.
64
Para facilitar a leitura usaremos o termo cocaína, quando nos referirmos ao cloridrato de cocaína.
107
legal o trabalho, as conversas, mas este folder para UDI não serve pra mim
porque eu uso crack.”.
A partir de então, o projeto decidiu juntar um grupo de usuários de
crack, e fazer uma série de conversas para entender como o uso da droga
acontecia para construir com eles estratégias que pudessem ser usadas na
hora do uso buscando minimizar os danos à saúde.
Na época, a maior preocupação era com a ingestão das partículas
sólidas, que são queimadas ao fumar a droga e entram no sistema
respiratório causando inúmeros problemas, principalmente nos pulmões. Na
ingestão várias partículas podem ser absorvidas, partículas que fazem parte
da composição do crack, da cinza do cigarro ou mesmo da raspagem da
“borra” que é feita após o uso de algumas pedras de crack.
A equipe do projeto, junto dos usuários, decidiu pensar num cachimbo
que pudesse ser raspado e, como nesta cidade uma fábrica de cachimbos
tradicional, a equipe foi até a fábrica e conversou com seus donos que se
dispuseram a ajudar. “Eles compraram a idéia e fizeram alguns protótipos. O
primeiro foi aquele do saci-pererê mesmo, depois aquele com a piteira de
plástico e depois eles foram fazendo todas as adaptações que a gente pedia
até chegar neste protótipo”. Esta fala do coordenador do projeto nos remete a
um fato bastante interessante, de que quando se explica à população geral
as questões de prevenção de doenças que podem ser evitadas no momento
do uso de drogas ela tende a entender os princípios da redução de danos.
Esta fábrica tornou-se referência para a venda de cachimbos no Brasil
todo, sendo até hoje a única fábrica de cachimbos de madeira para usuários
de crack. Um outro projeto (projeto 5) também está comercializando, em
108
larga escala, cachimbos artesanais confeccionados pelos próprios usuários,
em oficinas de geração de renda, por 1/3 do preço do produzido na fábrica.
Muitos usuários deste projeto tinham a prática de fumar em latas, e
esta era uma preocupação grande da equipe, pois como geralmente as latas
são pegas no lixo, esses usuários estavam vulneráveis a infecção de doenças.
Recebiam as informações sobre os riscos pela equipe, em uma tentativa de
fazê-los abandonar o uso da lata e migrar para os cachimbos.
5.1.1. O projeto em si (A estrutura de funcionamento do projeto)
O projeto é desenvolvido dentro de uma ONG/aids, e teve
financiamentos do Programa Nacional de aids; atualmente quem mantem o
projeto é a Coordenação Estadual de DST/aids, ainda que relatem uma
relação conflituosa com o gestor.
Segundo os coordenadores da ONG, o financiamento do projeto
sempre foi problemático. Transcorridos 12 meses do primeiro financiamento,
ocorreu uma lacuna de três ou quatro meses até chegarem os recursos do
financiamento seguinte. Isso dificultou as ações que vinham sendo
desenvolvidas, que somente foram mantidas porque os redutores de danos
aceitaram trabalhar voluntariamente no projeto. Apesar disso, os
coordenadores relataram que houve uma redução da eficácia das ações, pois
neste período os redutores acabaram tendo que fazer “bicos” para poder se
sustentar diminuindo suas horas de trabalho de campo.
Até dezembro de 2005, o projeto era financiado pelas Coordenações
Estadual e municipal. A prefeitura financiava parte do projeto, basicamente
109
a manutenção de sede além de cestas básica e vale transporte para os
redutores da equipe.
O projeto teve poucos problemas de aceitação na comunidade onde é
executado, pois desde o início, e ao longo do seu desenvolvimento, buscou
fazer um trabalho de sensibilização com a população geral, com a mídia e
com a polícia. Neste sentido, a experiência do coordenador foi fundamental,
pois o trabalho com redução de danos no Rio de Janeiro lhe ensinou que tal
estratégia era importante para a garantia do apoio da comunidade como um
todo.
Este projeto ficou conhecido nacionalmente quando solicitou apoio aos
diversos projetos de redução de danos do Brasil para defender-se junto ao
Ministério Público Estadual. A ONG recebeu uma intimação para enviar um
representante ao órgão para prestar esclarecimentos sobre o trabalho
desenvolvido, ou seja, por quê se estava distribuindo os cachimbos para
usuários de crack. A queixa foi registrada por um advogado que teve acesso
ao kit para uso de crack e o considerou inadequado para ações de saúde
pública.
O apoio dos outros projetos e do próprio Programa Nacional de aids foi
fundamental. Este fato teve repercussão ainda maior quando o apresentador
de um programa sensacionalista, convidou o advogado que entrou com a
ação para uma entrevista e fez colocações extremamente agressivas em
relação ao projeto, e à redução de danos como política pública de saúde.
Se por um lado o acontecimento colocou em xeque o projeto de
redução de danos naquela cidade, por outro, contribuiu para que o tema
fosse discutido com a população em geral, o que proporcionou um grande
110
apoio que via o projeto como referência para o trabalho com usuários de
crack, obrigando o Ministério Público a arquivar o processo. Após dois
meses, a mídia da cidade fez uma série de reportagens tecendo elogios ao
projeto.
Em novembro de 2005, apesar o saber como faria para continuar
suas ações, porque a continuidade de financiamento tinha sido negada pela
coordenação estadual, a equipe do projeto decidiu sair da ONG onde era
executado e fundou sua própria ONG, um Centro de Convivência para
usuários de drogas. Este, além executar o projeto na rua, tinha como
objetivo desenvolver uma série de oficinas e atividades de inclusão para os
usuários de drogas.
5.1.2. Como o projeto é executado
O projeto é desenvolvido nos locais de uso de droga, com usuários
adultos e adolescentes oriundos de comunidades carentes, muitos em
situação de risco social. A equipe é constituída por usuários de drogas e um
corpo técnico composto por psicólogos e assistentes sociais. Os redutores
são usuários de injetáveis e crack que estão “na ativa”, ou seja, usando
drogas.
Ao longo da execução do projeto, ocorreram diversas alterações. Por
exemplo, uma assistente de coordenação foi trabalhar com profissionais do
sexo, um redutor que era evangélico decidiu ficar somente na igreja, um
outro redutor se reorganizou e começou a ser moto-boy.
Quanto ao contrato de trabalho, havia dois tipos. Alguns redutores
fixos, que recebiam mensalmente e tinham como função realizar o trabalho
111
de campo, confeccionar relatórios e participar de reuniões, e alguns “amigos
do projeto”, que eram contratados para a realização de tarefas específicas, de
acordo com a demanda da coordenação.
A diferença entre eles é que os “amigos do projeto” não têm obrigações
burocráticas, e desenvolvem suas ações de forma voluntária. Podem ser
tanto pessoas que participam das cenas de uso e discutem com os usuários
as formas seguras para o uso de drogas, quanto pessoas que simplesmente
têm insumos nas suas casas, onde os usuários podem passar para retirá-
los.
É necessário que para o trabalho com usuários de crack o redutor
tenha um perfil diferenciado, ou seja, saiba efetuar intervenções rápidas
quando no local de uso da droga, pois como o crack é fumado e entra e sai
da corrente sanguínea com muita rapidez causa também muito rapidamente
uma fissura intensa e este efeito pode atrapalhar a intervenção, na medida
em que o craqueiro fica muito irritado e arredio quando está fissurado. Além
do fato do trabalho de campo acontecer nos locais de uso que são geralmente
em locais públicos (terrenos baldios) e como a diferença entre uso e porte de
drogas é bastante confuso, o redutor acaba ficando suscetível à violência que
a ilicitude das drogas provoca.
O trabalho feito por redutores e amigos do projeto acontece nas cenas
de uso de pelo menos três grandes regiões da cidade. Uma próxima a um
comércio de drogas (tráfico), outra próxima da área de prostituição de
mulheres, homens e travestis, e outra dentro de um parque. À equipe
técnica cabe a supervisão de campo e a administração do projeto.
112
O horário é diferente de região para região, mas geralmente a
intervenção ocorre do final da tarde em diante, não se estendendo muito
além da meia-noite. Mas, ela depende de diversas variáveis, tais como o
horário que os usuários estão disponíveis às intervenções, se estão na
“correria” para conseguir a droga, ou se a estão usando compulsivamente.
Outra variável importante é o grau de violência do local. Nos dias em
que a repressão policial está mais intensa, as atividades no campo são
realizadas com mais rapidez. A briga de gangues do tráfico também pode ser
uma variável, e a qualidade da droga que está disponível na região outra,
pois quando se tem uma droga mais forte e o seu efeito é mais intenso, os
usuários ficam mais arredios às intervenções.
O trabalho realizado no campo é composto por intervenções face-a-face
com usuários de crack, que recebem um kit para uso de crack
65
ou, se
preferirem, podem receber os insumos individualmente, o cachimbo, ou
os swab ou preservativos. a orientação para que troquem o cachimbo
usado por um novo, mas nem sempre o usuário consegue seguir esta
recomendação porque eles têm medo de andar com o insumo usado, por
causa da repressão policial, ‘se você tem um cachimbo é porque vai usar
droga’.
A distribuição de preservativos é feita pelos redutores/amigos do
projeto, mas quando é desenvolvido na área de prostituição, um controle
sobre o número de preservativos para que estes não virem moeda de troca
por droga. Normalmente, os usuários recebem três preservativos os/as
profissionais do sexo vinculados ao projeto recebem uma cota maior.
65
O kit deste projeto é composto por um cachimbo e madeira, um folder explicativo, um preservativo
e swabs (compressas anti-sépticas).
113
Nas áreas de atuação tem sempre um amigo do projeto com uma
quantidade de insumos e preservativos para ser distribuído nos dias em que
a equipe não está no campo, como forma de evitar falta de equipamentos na
hora do uso.
Depois de alguns anos de atuação, a equipe do projeto percebeu a
necessidade de intervenções focadas nas especificidades de gênero,
promovendo, a partir de então, dentro da comunidade acessada, oficinas
para mulheres usuárias de drogas e/ou parceiras de usuários, com
distribuição inclusive de preservativos femininos. A coordenadora da
atividade nos conta: “A distribuição dos preservativos femininos acontece de
modo singular, pois todo o nosso trabalho é voltado para que a mulher seja
protagonista das cenas da sua história de vida e, em particular, da sua vida
sexual”.
Em novembro de 2005, a equipe do projeto inaugurou um Centro de
Convivência para usuários de drogas. A idéia é agregar outras atividades tais
como uma série de oficinas e reuniões; como por exemplo, oficinas de
informação, onde se no jornal a notícia que foi transmitida pela televisão e
se comparam às informações, como uma forma de ajudar os usuários a
criarem senso crítico em relação às informações divulgadas.
O Centro de Convivência pretendia desenvolver, também, oficinas de
geração de renda, de cidadania e de sexo mais seguro. A idéia principal era
que o centro pudesse servir como espaço de lazer e um local onde os
usuários se reúnam para conversar, assistir a filmes etc.
A inauguração do centro o anulou o trabalho de campo, porque
havia usuários que não saiam do lugar de uso de drogas por diversos
114
motivos, que iam desde brigas com gangues rivais e ameaças de morte a
problemas com a polícia. Sem contar, ainda, que havia usuários que
trabalhavam no comércio de drogas (tráfico) e não podiam deixar seu ponto
de venda.
Tanto no campo como na sede, a principal atividade do projeto era
desincentivar o compartilhamento do cachimbo nas cenas grupais de uso de
crack, caracterizando esta estratégia como uso menos arriscado de droga.
Mas, mesmo depois de anos de trabalho, os usuários do projeto ainda
emprestam seu cachimbo para que outros usuários o usem, alegando que
um cachimbo que é usado várias vezes ajuda a droga ficar mais forte. O
coordenador nos fala: “É sempre aquela coisa... Quando a oferta é grande
eles não compartilham, mas tem a história de que quando eles estão na ‘nóia’,
jogam fora o cachimbo... É tem também a crença deles que um cachimbo que
tá mais sujo faz a droga dar maior efeito...”
Entre os usuários do projeto um mero razoável que diz não mais
compartilhar o cachimbo; outros alegam compartilhar com segurança, usam
o cachimbo primeiro e depois emprestam para os outros “craqueiros”
usarem. Quando o cachimbo volta às suas mãos, limpam a piteira com swab
e o usam novamente. No final da sessão de uso, a “borra” é do dono do
cachimbo. Mas há uma minoria que não compartilha nunca seus cachimbos.
Este projeto tem como principais insumos, os cachimbos de madeira e
os swab
66
. Depois de perceber que os usuários machucavam suas mãos no
preparo da pedra de crack para fumar, foi discutido com eles qual seria
66
Existe no mercado brasileiro, pelo menos dois tipos de swab, uma compressa de algodão de 3 cm x
3 cm embebida em álcool, geralmente disponibilizada nos kits para uso de droga injetável, e outro
tipo, muito requisitada pelos usuários deste projeto, de papel de aproximadamente 15 cm X 7 cm
embebido em álcool.
115
melhor maneira de evitar tais ferimentos. Nessa discussão, os “craqueiros”
falaram para a equipe que eles precisavam quebrar a pedra para que ela
entrasse em combustão mais facilmente, e era nesse ato que geralmente eles
machucavam os dedos.
A equipe ponderou que lavar as mãos antes de manipular a pedra era
a melhor alternativa para evitar tais ferimentos, alem de evitar que os
machucados contaminassem o crack. Mas, como isso não era possível
porque os locais onde a droga é usada geralmente não têm pia e a “fissura
impede que os usuários procurem um lugar para se lavar, decidiu-se testar
dois tipos de swabs disponíveis no mercado brasileiro. Os usuários
preferiam o maior, que podem usar para limpar as mãos antes e após o uso
de crack, retirar a maquiagem no caso das profissionais do sexo, e usar
como papel higiênico como no caso dos moradores de rua.
Já em relação aos cachimbos, esses usuários apontaram algumas
controvérsias. Um, por exemplo, disse-nos que preferia usar a lata porque
após o uso a jogava fora e desta forma não ficaria com o apetrecho em sua
mão, evitando qualquer constrangimento em caso de batida policial. Outro,
disse-nos que mantinha o cachimbo em casa para o caso de aparecer a
droga, mas não saia na rua com ele. Somente um usuário que nos encontrou
na rua disse que o cachimbo é o seu “fiel companheiro”.
Em relação ao uso da lata, muitos usuários, após anos de intervenção
continuam usando-a. Parece que a sua confecção faz parte do “ritual” de uso
da droga. Primeiro tem-se de se achar a lata, depois prepará-la
67
para o uso
67
O preparo da lata para uso já foi descrito no capítulo 1.
116
e por fim jogá-la fora, como se a dispensa dela fizesse o usuário dispensar
seu pensamento sobre o seu uso.
Este projeto não trabalhava com protetor labial, nem com as piteiras
de silicone, embora tenha recebido uma doação do projeto 2, mas até o
momento da nossa visita (novembro de 2005) o havia feito, uma avaliação
com os usuários sobre a sua eficácia.
No kit deste projeto, que é disponibilizado dentro de um estojo de
plástico, vem também um cartão sobre a vacinação contra a hepatite B. A
equipe nos contou que este cartão é muito requisitado pelos usuários, que o
utilizam para bater a pedra de crack após quebrá-la. Nesta cidade é pratica
entre os usuários bater a pedra de crack até ela virar pó, para então ser
misturada à cinza de cigarro para ser fumada. Diferente de usuários de
outros projetos que somente quebram a pedra e a misturam com a cinza
para usar a droga.
A equipe do projeto nos contou que nas reuniões com os usuários
sempre buscavam discutir quais as formas de ajudá-los a reduzir os danos
na hora do uso da droga; sabiam que disponibilizar insumos era
fundamental, mas havia muito que fazer, ainda. O próprio coordenador do
projeto diz: “Os insumos são os pontos de contato, é a forma que a gente tem
de vincular o usuário ao projeto, e a forma que a gente tem para se vincular ao
usuário, mas a informação e o material informativo-educativo, os
encaminhamentos médicos, a participação em oficinas, eu acho que isso é a
real prevenção junto a esta população, acho que insumo apenas não resolve o
problema deles não, porque, quando não tem, eles compartilham mesmo.”
117
5.1.3. Considerações
Na última visita a campo, a impressão que se teve é que o projeto
estava parado, ou caminhando de forma muito precária algum tempo. Os
redutores com quem conversamos relataram que estavam sem receber havia
quatro meses, e isso gerou um desconforto quando souberam que o projeto
tinha financiamento até dezembro de 2005. Segundo o coordenador do
projeto, os salários dos redutores estavam ajudando a pagar parte das
despesas com a reforma da sede, sem que eles soubessem.
Foi muito significativo também o fato de não encontrarmos nenhum
usuário no campo a não ser um “amigo do projeto”, que nos mostrou alguns
cachimbos usados e falou sobre o seu uso. Além de um usuário que nos
disse que só usava na lata porque “esse negócio de cachimbo é besteira”.
Sempre ouvimos falar que os usuários acessados tinham uma relação
de confiança com a equipe a ponto de relatarem suas intimidades. Estes
fatos eram demonstrados nas reuniões onde se levavam gravações, vídeos
etc, demonstrando o trabalho. Contudo, na nossa visita não conseguimos
observar isso.
A questão da distribuição e do incentivo ao uso do preservativo
masculino, é falha. Os redutores/amigos do projeto relatam que não utilizam
preservativos nas suas relações e demonstraram muita dificuldade em
explicar como se coloca o preservativo.
A equipe também tem dificuldades em falar sobre aspectos preventivos
na saúde como um todo. Por exemplo, sobre a necessidade de se fazer o
exame preventivo de câncer de colo para as mulheres, ou melhor, explicar às
118
mulheres que elas devem ir ao ginecologista pelo menos uma vez ao ano. Ou
mesmo explicar sobre os sinais de doenças sexualmente transmissíveis.
As dificuldades aparecem também na cobertura vacinal da equipe.
Somente parte dela é vacinada contra a hepatite B, e ninguém havia sido
vacinado contra o tétano. Vacinas obrigatórias para quem lida com material
perfuro-cortante, uma vez que os redutores recolhem equipamentos sujos
(cachimbos e seringas usadas) no campo. Sem contar que o recolhimento
dos materiais é feito sem as devidas técnicas de biossegurança
68
.
Na reunião com os gestores, a equipe disse que, quando solicitam, os
usuários são encaminhados para serviços de saúde por guia formal, ou
somente via oral, e que os principais problemas de saúde relatados são tosse
e problemas de pele.
A equipe não sabia nos explicar se os “craqueiros” eram atendidos ou
não, pois muitos pegam o encaminhamento, mas não comparecem aos
serviços, ou quando comparecem não suportam a burocracia do serviço.
Algumas parcerias nos parecem importantes para que o projeto
aconteça, como por exemplo, a fábrica de cachimbos, alguns políticos e a
própria mídia local. com os gestores de saúde, a única parceria possível
será a municipal, já que a estadual glosou a continuidade do projeto.
Tínhamos este projeto como uma referência para o trabalho com
usuários de crack, mas depois da nossa visita, ficamos nos perguntando
sobre o que teria acontecido no projeto que no contato direto se mostrou o
inadequado, pois as informações básicas de saúde e transmissão de doenças
68
As técnicas de biossegurança são um conjunto de medidas que buscam proteger as pessoas que
lidam com materiais contaminados, que o desde a cobertura vacinal adequada a formas de
manipulação de materiais, como a utilização de luvas e pinças.
119
pelo uso compartilhado de equipamentos eram pouco discutidas. Além do
fato de os redutores terem dificuldades de ensinar corretamente o uso de
preservativos.
Tudo isso pode nos levar a pensar que a implantação de projetos
deveria ser mais bem monitorada pelos agentes financiadores, sejam eles
governamentais ou não. E que os redutores de danos e amigos de projeto
devem ter uma capacitação continuada, uma vez que as informações de
cuidados à saúde devem ser discutidas cotidianamente para que a sua
introjeção seja mais eficaz.
5.2. Projeto 2. Seu surgimento
Podemos dizer, com certeza, que a instituição onde o projeto 2 se
encontra, foi a “mentora” dos projetos-piloto. Tanto em eventos anteriores a
2002, como em reuniões dos projetos de redução de danos, esta instituição,
sempre que possível, colocava em discussão a crescente epidemia de crack
entres seus usuários e a angústia causada na equipe pela ausência de
estratégias eficientes de redução de danos entre os “craqueiros”.
Desde sua fundação em 1998, acessava um número grande de
usuários de crack. Parte deles eram novos usuários que apareciam na sede
da instituição e estavam iniciando seu uso de drogas pelo crack. Outra parte
era de usuários de injetáveis que usavam crack quando a cocaína disponível
não era de boa qualidade para injeção.
120
Observava-se que o uso de injetável estava diminuindo, enquanto o
uso de crack estava crescendo, e isso se devia a pelo menos dois fatores:
primeiro, o uso injetável exigia prática de injeção, ou alguém que ajudasse o
usuário a se injetar, bem como equipamentos disponíveis para o uso
(seringas, frascos de diluição, água limpa, compressas etc.), diferentemente
do crack, que podia ser usado numa lata encontrada no lixo; segundo, que
para alguns usuários, o uso de injetável estava associado diretamente com a
transmissão da aids.
A instituição, por sua vez, que tinha os princípios da convivência
segura com a droga como base para o seu funcionamento, começou a
explicar, nas reuniões com os usuários na sede ou nos locais de uso de
drogas, que o compartilhamento dos cachimbos poderia ser um vetor para a
transmissão de doenças.
Antes do surgimento oficial dos projetos-piloto, a equipe que
acessava craqueiros levou grande parte dos seus usuários para o serviço de
saúde onde testaram e tratavam tuberculose, pois em 2000 houve uma alta
incidência de tuberculose entre os usuários que freqüentavam a instituição.
Desta forma, era bem evidente para a equipe que o trabalho com usuários
de crack exigiria articulações com equipamentos de saúde que tratassem
outras doenças além da aids.
Na reunião de Brasília em 2002, o coordenador do recém-criado
Programa Nacional de Hepatites Virais foi questionado pela então vice-
presidente da instituição se o Programa Nacional de Hepatites iria investir na
prevenção das hepatites virais entre os “craqueiros”, uma vez que,
121
provavelmente, o uso compartilhado de cachimbos e/ou latas nas cenas
grupais de uso de drogas possibilitava a transmissão das hepatites B e C.
O coordenador do Programa Nacional de Hepatites respondeu que o
programa era recém-criado e que, a princípio, não havia pensado em nada
específico para essa população, até porque desconhecia estudos que
comprovassem dados sobre a eficácia de transmissão de hepatites pelo uso
compartilhado de equipamentos para uso de drogas.
A vice-presidente da instituição, por sua vez, reagiu com indignação,
respondendo ao coordenador do programa que esperava que ele o
cometesse o mesmo erro do Programa Nacional de aids, que precisou
primeiro notificar uma epidemia entre usuários de injetáveis para depois
implementar estratégias de redução de danos.
Esta indignação acabou em 2003 quando foi mudada a
coordenação do Programa Nacional de Hepatites, que a partir de então
passou a ter uma aproximação maior com os projetos de redução de danos,
por uma de suas assessoras da prevenção. Atualmente esta instituição é
referência do Programa Nacional de Hepatites para trabalho de prevenção
entre usuários de drogas.
5.2.1. O projeto em si
O projeto oficial, como projeto-piloto, surge em 2002, mas sua equipe
tinha longa experiência com usuários de drogas em geral e injetáveis em
especial, desde 1994. Em 1998, um grupo de usuários de drogas e duas
técnicas saem da ONG/aids, onde desenvolviam o projeto de redução de
122
danos com usuários de drogas injetáveis e fundam, no centro da cidade, um
centro de convivência
69
para usuários de drogas.
Este centro de convivência estava inicialmente, alocado em um núcleo
de prevenção à aids dentro de uma Universidade Pública. Mas, em 2001,
atendendo à determinação da reitoria, o núcleo solicitou que a Instituição se
constituísse juridicamente, porque ele não poderia mais receber
financiamentos que não fosse exclusivamente via Universidade. Desta forma
em 2001, o Centro de Convivência se constitui juridicamente como uma
Organização da Sociedade Civil (OSC)
70
. Em 2002, numa reunião em Rio
Branco entre as associações de redução/redutores de danos, o centro de
convivência, devido ao seu trabalho desenvolvido é reconhecido pelas 17
associações presentes como uma associação estadual de redutores de danos
e usuários de drogas.
Ao longo do seu desenvolvimento, a instituição começou a discutir
entre a equipe que era necessário um projeto específico para usuários de
crack, pois esta tinha uma enorme experiência com usuários de injetáveis,
mas pelo pouco que conhecia, observava que o uso de crack iria requerer
estratégias diferentes daquelas que estavam acostumadas a implementar.
Em 2002 surge o projeto-piloto, que caminhou razoavelmente bem de
2002 a 2004, sofrendo alterações da equipe e de horários de campo, de tipos
de intervenção, funcionando às vezes com uma equipe reduzida, outras
vezes em intervenções grandes, com a equipe ampliada. Em 2004, o projeto
69
Este foi o primeiro Centro de convivência para usuários de drogas fundado no Brasil.
70
Em 2001, no Brasil, uma mudança no código civil determina que todas entidades sem fins
lucrativos devem se constituir como Organizações da Sociedade Civil e não mais como Organizações
Não Governamentais.
123
sofre a reprovação do financiamento por parte do Programa Municipal junto
ao Programa Estadual de DST/aids
71
, sem nenhuma explicação.
Quando os diretores da instituição receberam a notificação da
reprovação, solicitaram de imediato uma reunião com os coordenadores
municipais e estaduais, que não aconteceu de imediato. Somente pôde ser
realizada em março de 2004, após um protesto da instituição na abertura de
uma conferência internacional que acontecia em São Paulo.
Os membros da equipe do projeto entraram na plenária na mesma
hora que a prefeita da cidade, colocaram a camiseta da instituição e
levantaram letras compondo a frase “Não Aprovado”, gritando o nome do
projeto; após isto, cada um saiu um para um lado, aplaudidos pela plenária
que sabia da não aprovação do projeto.
Pressionados pelos participantes da conferência, os programas
municipal e estadual se viram obrigados a fazer uma reunião, ainda na
conferência, para explicar o por quê da não aprovação do projeto para os
Programas Nacionais de Hepatites e de aids.
Na reunião, os gestores estaduais e municipais alegaram que a não
aprovação do projeto se devia ao fato deles entenderem que o projeto era de
pesquisa, pois aplicava um questionário e desta forma deveria ter a rubrica
de financiamento dos projetos de pesquisa e não só projeto de ONG. Além do
fato de o Programa municipal dizer que não havia intersecção entre crack e
aids.
71
Como parte do processo de descentralização, os projetos que eram financiados pelo Programa
Nacional de Aids deveriam receber um parecer de aprovação conjunto dos programas estadual e
municipal de aids.
124
Foi esclarecido pelo Programa Nacional de aids que em primeiro lugar,
esta instituição fazia parte dos cinco projetos-piloto do Brasil e era a melhor
avaliada como projeto de intervenção. Segundo, era evidente a
vulnerabilidade dos usuários de crack às DST/aids, por sexo desprotegido. E
terceiro, que o projeto era de intervenção e que o fato de aplicar um
questionário o o qualificava como de pesquisa. Depois desta reunião, o
projeto teve sua aprovação, mas só recebeu seus recursos em maio.
Ainda, em relação aos financiamentos, outro problema apontado é que
os recursos internacionais nunca tiveram usuários de crack como população
prioritária, sem contar ainda que muitos profissionais de saúde o
entendem a redução de danos como política de direitos humanos. Na fala da
coordenadora do projeto isso ficou claro. Por que os gestores têm dificuldade
de financiar projetos para usuários de crack? Acho que passa por várias
questões, desde falta de vontade política e falta de verba, ou preconceito. Sei
lá, parece que eles não vêm relação com a aids, ou com as outras doenças.”
O projeto teve, ainda, um problema bastante sério com a polícia. Como
grande parte das atividades do projeto é executada na rua, com adolescentes
e adultos em situação de rua, houve sempre ações de repressão por parte da
polícia com os usuários. “E na rua é complicado, a repressão acontece com os
usuários e com a equipe, eles batem nos usuário, tomam os insumos que são
pagos com dinheiro público, e por conta da operação limpeza
72
da prefeitura
72
O despreparo policial para o entendimento da atuação da Redução de Danos como Saúde Coletiva
e promoção da Cultura dos Direitos Humanos mostra uma Policia repressora e truculenta frente aos
usuários acessados em campo, trazendo uma situação limite. As ações da Policia Militar na área
onde o projeto é desenvolvido podem apresentar alguns comportamentos, como revelam relatos dos
usuários nos campos de atuação dos redutores de danos, tais como humilhação aos usuários,
espancamentos, apreensão e destruição dos insumos de prevenção que os usuários recebem dos
redutores de danos, destruição dos pertences dos usuários, coação, ameaças e/ou prática de
violência física e moral para com os mesmos. A “Operação Limpeza” promovida no mês de março de
125
eles começaram a expulsar com hostilidade todas as pessoas que moram na
rua, são grosseiros com os redutores, os mandam embora com truculência,
tem dias que dá uma tristeza... um desespero...” Nos conta a coordenadora.
Não foram poucas as tentativas de conversa da equipe do projeto com
o comando da Polícia Militar, até mesmo os Programas Nacionais de Aids e
de Hepatites tentaram, algumas vezes, marcar uma reunião com o
comandante do batalhão da área onde o projeto ainda é desenvolvido mas a
resposta foi sempre negativa.
O acesso aos serviços públicos sempre foi complicado, seja a serviços
de saúde, ou aos de assistência social, porque os profissionais não estão
preparado para atender usuários de drogas. Em geral, o lugar não é
adequado às especificidades dos usuários, funcionando com horários fixos,
com longas esperas, exigindo silêncio e quietude por parte dos usuários que
têm que ser mesmo “pacientes”, sem contar que muitas vezes são lugares
extremamente assépticos, constrangendo os craqueiros que, freqüentemente,
estavam sujos e mal vestidos.
Atualmente (jun.2006) o projeto conta com uma equipe de 13 pessoas
entre técnicos e redutores. Os cnicos possuem graduação em psicologia,
jornalismo e serviço social e os redutores são estagiários de psicologia e
serviço social. Quando o projeto foi iniciado, contava com dois psicólogos na
coordenação e usuários de crack como redutores, mas, ao longo do trabalho
começou-se a perceber que os craqueiros tinham dificuldades de cumprir as
2004 na área trouxe debate que acontece nas grandes metrópoles do mundo, sobre a revitalização
do centro. (Silva, NA, pôster apresentado na III Conferência Latina de Redução de Danos, em
Barcelona em 2005.).
126
funções de redutores, e optou-se por usar estagiários, ou usuários de outras
drogas como redutores de danos.
A rotatividade acontece e a equipe tenta explicar: “Acho que tem vários
motivos: a dificuldade do trabalho, o baixo salário, o não reconhecimento
desta atividade, temos uma alta rotatividade... Tem a questão do próprio uso
de drogas de cada um, os financiamentos... Porque aí a gente fica sem receber
e o pessoal precisa fazer um bico, sai e não volta mais... Tem a coisa do
salário que estamos sem, e ficamos sem um profissional que reduza os
danos da equipe, é difícil trabalhar assim...” Nesta fala da presidente da
instituição podemos perceber a dificuldade do repasse do recurso, e o quanto
isso afeta a equipe e o trabalho como um todo.
As atividades desta instituição como um todo, e o projeto em especial,
têm recebido um grande reconhecimento por parte de outros projetos do seu
Estado e do Brasil. Desta maneira, foi convidada e paga para capacitar
projetos e serviços em redução de danos para crack, o que pode significar
uma forma de manutenção financeira do projeto, pois obriga a equipe a
pesquisar novas tecnologias de intervenção, assim como novos insumos.
5.2.2. Como o projeto é desenvolvido
Grande parte dos usuários é atendida na rua, na sua maioria jovens e
adultos em situação de risco social. Os atendidos na sede do projeto são de
baixa renda, mas não vivem em situação de rua. Esta diferença é visível
quando se está na sede da instituição, pois como esta se situa numa galeria,
no centro de uma grande metrópole, sua localização acaba, por vezes,
127
excluindo alguns usuários, pois eles têm que pegar um elevador, e o acesso
acaba sendo reservado aos que estão mais bem vestidos. Os mais sujos não
conseguem ir à sede e dependem exclusivamente das intervenções realizadas
na rua.
O trabalho feito na rua geralmente acontece três vezes por semana,
com uma equipe de pelo menos três redutores de danos que circulam nas
ruas onde uso de crack. Eles também entram nos locais de uso, terrenos
baldios, casas ocupadas, e distribuem os vários insumos
73
, além de
informações sobre o acesso aos diversos serviços de saúde e sociais.
Normalmente, as intervenções são no período da tarde, raramente à noite
porque ao anoitecer os usuários se encontram muito intoxicados e não
conseguem dar atenção aos redutores e às suas intervenções preventivas.
Uma vez por semana um técnico vai para a rua com os redutores,
como forma de supervisionar as atividades e manter contato direto com os
usuários que não conseguem ir à sede.
A equipe tem percebido que uma grande dificuldade dos usuários
saírem do seu local de uso para ir até a sede. As dificuldades vão desde suas
precárias condições de vestuário à paranóia devido ao uso do crack. Em
função dessa percepção, a instituição adaptou a unidade móvel
74
que
73
A instituição tem uma serie de insumos para distribuição, alem do kit-nóia: que contem dentro de
um estojo de plástico um cachimbo de madeira, protetores labiais e piteiras de silicone, os redutores
têm na sua bolsa de campo o kit nervoso (kit para uso de droga injetável), e preservativos, além de
folder sobre transmissão de doenças, uso de preservativos e uso seguro de drogas.
74
A unidade móvel é uma Kombi branca, com os logotipos da instituição, do Programa Nacional de
DST/Aids e da UNODC (Union Nation Office on Drugs and Crime Organismo Internacional das
Nações Unidas, financiador-parceiro do Programa de /aids). Possui dois toldos vermelhos, um na
porta lateral e outro na porta traseira, além de duas mesas e oito cadeiras de ferro, desmontáveis;
conta ainda com um gerador de energia que permite a utilização de equipamentos de som e
microfones, televisão e aparelhos de DVD, e também em ocasiões especiais, como festas ou
eventos, um cachimbo e uma seringa de aproximadamente 7 metros são inflados em cima da Kombi.
128
possuía, com recursos de financiamentos para as intervenções de rua; o
carro foi carinhosamente apelidado pelos usuários de “nóia–móvel”.
A unidade que era somente usada para transporte da equipe, após as
adaptações começou a fazer parte das atividades que eram exclusivas da
sede, na rua. “Decidimos levar a sede para o campo. E estava indo tudo bem,
mas aí, quando a gente começou a ter uma atuação maior, veio a “operação
limpa”, a polícia foi super hostil com a equipe e os usuários sumiram do
campo, e aí tivemos que suspender tudo. Atualmente o “nóia-móvel” é
usado para o transporte que a gente faz dos usuários aos serviços de saúde”.
Esta fala da coordenadora demonstra a dificuldade que o projeto enfrenta,
na sua relação com a polícia, que tem dificuldades em entender as
estratégias de redução de danos como direito à saúde.
Ainda sobre a utilização do carro na rua, nunca tiveram problemas
como a quebra e/ou roubo de material. Depois que a operação limpeza
diminuiu (nov 2005) a freqüência de suas intervenções, o projeto iniciou
outra atividade no campo o “Cinema da Praça”, em que se exibe um filme e
depois se promove um debate.
Dentro das atividades desenvolvidas na sede da instituição, a
prioridade é discutir a convivência com a droga e com os outros usuários, já
que o projeto tem grande mero de poli-usuários que participam das
atividades da sede. E grande discriminação entre os usuários das
diversas drogas, ou mesmo de diversas vias de uso. Na fala de um deles isso
fica visível: “Eu não fumo pedra, meu negócio é cheirar pó, esse negócio de
fumar pedra é coisa de nóia. Eles fumam, vendem até a mãe, brigam com todo
129
mundo e depois da “depre” m pedir desculpa... Eu agora tenho tido mais
paciência com eles, mas tem dia que eu quero dar umas porradas.”
Muitas vezes, os usuários que chegavam eram acompanhados pelos
seguranças da galeria, até a sala do Centro, e relatam sua indignação
sentindo-se discriminados pela sua condição de usuário.
Isso, em geral, era um problema, pois havia dificuldade de acesso dos
usuários que sentiam-se perseguidos pelos seguranças. Se estivessem mal
vestidos e o tivessem tomado banho, a dificuldade de acesso à sede era
maior. A entidade por sua vez, havia feito varias reuniões com os
seguranças da galeria, mas a cada mudança de síndico havia necessidade de
nova reunião. Todos esses problemas foram agravantes à freqüência dos
usuários.
Na sede, além da distribuição de insumos, havia atividades
estruturadas, como um colóquio semanal onde se discute sexo seguro e uso
seguro de drogas, além de questões correlatas. Ocorria também uma reunião
semanal com um grupo de mulheres que discutia sexualidade; ainda,
exibição de vídeos, além de outras atividades propostas pelos usuários.
No início do projeto a sede ficou meio esvaziada, agora, depois de
quatro anos na rua, se observa um número crescente de usuários que a
freqüentam. A idéia é que se consiga uma casa térrea para a sede, mas a
doação prometida pela Secretaria Municipal de Habitação não se efetivou até
o momento (jun. 2006).
O projeto iniciou a distribuição do cachimbo de madeira, mas ele não
foi bem aceito pelos usuários. Alegavam vários problemas: primeiro achavam
o cachimbo muito grande e, por isso, muito difícil de esconder no caso de
130
uma batida policial; segundo que, quando raspavam a “borra”, ela vinha com
pedacinhos de madeira, ficando com gosto na hora de fumar; terceiro,
alegavam que o cachimbo “roubava” a droga na hora do uso porque sua
grelha não é vedada, e por fim o fato de o ser desmontável, o que
dificultava a raspagem da piteira.
Por conta disso, o projeto decidiu rapidamente pensar juntamente com
os usuários sobre alguns insumos que pudessem reduzir os danos na hora
do compartilhamento. Esta atitude foi fundamental para aceitação dos novos
insumos, pois a construção de estratégias junto com os usuários tem se
mostrado eficaz em todo mundo.
Surgiu, então, as piteiras de silicone, que são usadas individualmente,
quando o compartilhamento acontece. A lógica, é que cada usuário tenha
sempre a mão piteiras
75
de silicone que são adaptadas aos diversos tipos de
cachimbo na hora do uso. Após a utilização, o usuário tira a sua piteira e
passa o cachimbo para o outro, que adapta a sua piteira e fuma a droga.
o protetor labial, também disponibilizado pelo projeto, surge por
conta de uma discussão na lista “cracados”. Numa das diversas discussões
por email, sobre as fissuras labiais causadas pelo uso continuo de crack,
lembrou-se que o kit francês disponibilizava um protetor labial para os
“craqueiros”.
Não se tinha a fórmula do protetor disponível, mas uma técnica de um
outro estado, numa conversa com uma farmacêutica, conseguiu convencer a
profissional, a desenvolver a fórmula de um protetor, que protegesse os
75
As piteiras de silicone são de diversos diâmetros , sendo que na hora do campo o usuários
escolhem a que melhor se adapta ao seu cachimbo.
131
lábios das queimaduras causadas pelo uso de crack, além de cicatrizar as
feridas já existentes
76
.
Depois de conseguir a fórmula, esta mesma técnica foi a uma fábrica
de batons que se dispôs a manipular e comercializar os protetores.
Atualmente, outra fábrica comercializando também um protetor muito
parecido como o distribuído por este projeto.
Houve uma grande aceitação por parte dos usuários deste projeto, e
por parte dos usuários dos outros projetos também, pois a instituição doou
alguns protetores aos projetos-piloto, mas somente esta ONG trabalha com a
disponibilização do insumo. Os outros projetos alegaram que, como o
orçaram recursos para a compra dos protetores, têm dificuldade para
comprá-los. Isso pode nos demonstrar o obstáculo que os projetos m para
readaptar seus orçamentos às suas próprias necessidades.
A instituição conta com uma equipe de assistentes sociais que
trabalham em todos os projetos, e fazem encaminhamentos dos usuários
vinculados para outros serviços além dos de saúde. Grande parte dos
usuários precisa retirar documentos e carece de albergues. Outra parte
solicita ajuda para reencontrar a família, e uma pequena parte pede
reinserção educacional.
Como dissemos anteriormente, este projeto é uma referência para o
trabalho com usuários de crack no seu estado, e tem sido referência para a
pesquisa, junto aos craqueiros, de novos insumos para o uso seguro de
crack.
5.2.3. Considerações
76
O protetor labial é um baton de um grama. Composto de filtro solar, hidratante, calêndula, própolis
e vitamina E, protege de queimaduras e cicatriza feridas na boca.
132
A equipe possui redutores e técnicos de ambos os sexos, embora os
freqüentadores do centro sejam na sua maioria, de homens. O grupo de
mulheres, que surgiu cinco anos, oscila na freqüência, tendo épocas de
intensas atividades e épocas de atividades restritas.
Observa-se também um grande mero de adolescentes em situação
de risco social. Nesta cidade, muitos usuários acessados são o que
chamamos de “filhos do crack”: crianças que foram geradas por pais
moradores de rua, que usavam crack e que morreram, deixando seus
filhos sem família. Apesar disso, muitos desses usuários acessados sabem
ler, o que demonstra que aprenderam a ler com os outros na rua ou
freqüentaram a escola por alguns anos.
Há um número significativo de meninas usuárias de crack que relatam
saber que o uso de preservativos evita gravidez, mas como falta preservativo
na hora da relação sexual, elas transam sem, e isso se reflete no grande
número de meninas grávidas que encontramos nas intervenções de rua.
Na última visita (nov. 2005) que fizemos ao projeto, pudemos perceber
que a operação limpeza”, que tinha afastado muitos usuários do seu local
de uso e conseqüentemente das intervenções do projeto, produziu algumas
conseqüências sobre a instituição. Sua equipe apresentou-se cansada e
desmotivada, e junto a isso, havia o fato de todos estarem sem receber
alguns meses.
Percebeu-se também, que uma dificuldade em dar mais noções de
cidadania, por parte da instituição, aos usuários de maior vulnerabilidade
social. Pois, quando a operação limpeza ocorreu, por parte do município, o
projeto não serviu como base de resistência dos usuários acessados.
133
É bem verdade que, grande parte dos usuários acessados tem um
grande grau de vulnerabilidade social, e por isso a introjeção de conceitos de
cidadania ficou muito difícil, apontaremos para outros fatores sobre esta
dificuldade na discussão, mas de fato, ajudar os usuários a obter este
resgate parece ser o caminho possível para a redução de danos sociais.
Tentando deixar de lado o fato de termos participado da concepção e
implantação do projeto no seu início como uma das coordenadoras do
projeto e vice-presidente da instituição, nossa impressão sobre o projeto foi
ótima. Mas o que mais nos impressionou foi a relação estabelecida entre os
usuários e os redutores, tanto nas intervenções de rua como nas atividades
de sede percebemos os usuários fazendo perguntas diretas para a equipe
como, por exemplo, sobre a vida pessoal deles, se usavam drogas, se
haviam usado crack, o que sentiram, e se usam preservativos,
demonstrando uma intimidade na relação.
Por fim, o projeto tinha, também, uma especificidade importante no
que diz respeito aos encaminhamentos. Como a população vinculada, era
composta por um número grande de jovens em situação de rua, o
possuindo documentos nem moradia fixa, o acesso ao serviço de saúde
ficava comprometido.
A maneira que a equipe reagiu a esta demanda foi a de acompanhar
seus usuários aos serviços, como forma de garantir o atendimento. A equipe
nos conta: “Eles vão ao serviço de saúde desde que acompanhados com a
equipe. A gente sempre trabalhou com encaminhamentos, mas percebemos
que isto não funcionava, então decidimos que iríamos levá-los aos serviços e aí
eles começaram a ir... Sim, eles são atendidos, são geralmente colocados como
134
os últimos da fila, mas são atendidos. Tem se mostrado fundamental nossa
presença como forma de garantir os atendimentos.”
5.3. Projeto 3. Seu surgimento
A instituição onde o projeto 3 acontece foi a segunda a se compor
como associação estadual de redutores de danos no Brasil, por volta de
1997. Este fato é importante no seu histórico porque assim como outros
projetos, a associação acompanhou o surgimento da epidemia de crack no
seu campo e no seu estado como um todo.
O estado onde o projeto foi desenvolvido desde o final da década de 90
passa a concentrar um grande mero de notificações de HIV por uso de
drogas injetáveis, sendo que grande parte dos usuários acessados pelo
projeto já era portador do HIV.
Com o surgimento do crack nas cenas grupais de uso de drogas na
cidade em questão, acompanhou-se o mesmo fenômeno que estava
acontecendo em outras cidades do Brasil: o desaparecimento da cocaína em
e o surgimento do crack, com uma oferta em todas as áreas do comércio
de drogas (tráfico). Os usuários de injetáveis, que de fato faziam uso mais
freqüente da cocaína, começam a experimentar a nova droga e a usá-la com
freqüência, uma vez que estava cada vez mais difícil achar a cocaína de boa
qualidade para injeção.
Desta migração do uso de injetável para o uso fumado, poucos
usuários escaparam e encontramos um grande mero de novos usuários
que ia aos locais de comércio de drogas para experimentar o crack.
135
As grandes reportagens jornalísticas, no final dos anos 90, sobre a
potência e os malefícios do crack, que tinham a intenção de informar a
população, foram percebidas por grande parte dos usuários como
propaganda de divulgação. Um dos usuários do projeto nos relatou: “Eu nem
usava droga direito, de vez em quando, dava um “tirinho”
77
, mas quando
falaram do crack no Globo Repórter, dizendo que era uma droga que viciava
na primeira vez que usava, fui correndo atrás. E aí, quando eu usei e não me
viciei na primeira vez, fiquei frustrado... Fiquei usando até me viciar, e hoje ta
f*#! de largar.”
Já em 2002, as conseqüências do uso de crack na população acessada
pelo projeto de redução de danos para o uso de drogas injetáveis, eram
visíveis. Usuários que normalmente mantinham um controle sobre o seu
uso, trabalhavam, e buscavam tratar o HIV, tinham, em muito pouco tempo
de uso de crack, entrado num vel de dependência intensa, abandonado o
trabalho, o tratamento e suas famílias.
A instituição vinha um tempo conversando com a instituição do
projeto 2 sobre o crescente aumento de consumo de crack entre os usuários
acessados no campo e sobre que tipo de intervenção poderia ser feita com
eles. Na reunião de Brasília, foram as duas maiores defensoras da criação
dos projetos-piloto.
Mas surgiu um outro problema. Esta instituição não tinha como
prática de campo reuniões com seus usuários. Desta forma, construir
estratégias com os craqueiros foi o seu primeiro problema. Até que surgiu
77
“Dar um tirinho” significa cheirar cocaína, na gíria dos usuários de drogas..
136
entre os usuários acessados, um que mostrou capacidade de interlocução
com a equipe, ensinando para eles tudo que era necessário.
De fato, o projeto 3 foi levado a cabo, desde o seu surgimento, por este
usuário que se tornou redutor que chamaremos de X. Primeiro, ele
capacitou a equipe explicando as diferentes maneiras de fumar a pedra, em
seguida discutiu que tipos de estratégias poderiam ser usadas para
aproximação com os usuários, e depois mapeou as áreas de comércio e uso
de crack. A partir deste momento a equipe estava pronta para ir à rua e
trabalhar com craqueiros.
5.3.1. O projeto em si
A instituiçao teve financiamento para projetos de sustentabilidade e
para trabalho com usuários de injetáveis mas todos financiados pelo
Programa Nacional de aids, e atualmente (out. 2005) está sem
financiamento. A equipe não soube explicar com clareza o porquê de não ter
entrado na concorrência estadual para financiamentos. Disseram que, na
época da concorrência, receberam uma informação via telefone, de um
assessor do estado, que não poderiam participar porque tinham um projeto
em andamento aprovado, mas esta informação o foi confirmada pela
coordenação estadual.
Na realidade, a relação entre a coordenação estadual, municipal e o
projeto se mostrou bastante tumultuada. Quando surgiu um incentivo a
financiamentos para os programas de redução de danos no Brasil, este
município teve um projeto aprovado (1996) que foi executado pela prefeitura
por parte da equipe que hoje está na ONG.
137
Depois de um ano, teve de interromper o projeto por questões
políticas, e os membros do projeto que eram contratados pelo Município,
decidiram fundar a ONG que entre outros, desenvolveu o projeto para
usuários de crack. Com a mudança de governo em 2004, o município
implementou novamente um projeto para trabalhar com usuários de
injetáveis e solicitou a capacitação dos seus redutores para a ONG em
questão, que ofereceu o treinamento gratuitamente.
Contudo, a prefeitura relatou que não pretendia trabalhar com
usuários de crack, com os usuários de drogas injetáveis e isso gerou um
grande dilema, pois a equipe do projeto alegou que havia poucos usuários de
injetável na cidade e que a prefeitura deveria investir nas intervenções para
os craqueiros, criando um conflito politico bem grande.
Conflito este, incentivado pelo estado, que por sua vez toma partido do
município e nega que tenha dado a informação para a ONG que ela não
podia participar da concorrência, apesar de assumir que tem uma relação
bem problemática com o presidente da instituição, que é conselheiro de
saúde e faz denúncias sobre a gestão da secretaria de saúde. A alternativa
encontrada na reunião entre estado, município, programas nacionais e a
coordenadora de projeto, foi a de contratar a equipe para as capacitações dos
diferentes projetos de redução de danos que seriam desenvolvidos no interior
do estado. A instituição, por sua vez relatoa que o processo de
descentralização no Estado estava sendo manipulado, onde somente os
amigos do rei” receberam financiamentos.
Quando eram financiados pelo Programa Nacional de aids, nunca
tiveram problemas além da demora do repasse, a falta de recursos para a
138
aquisição de insumos foi um erro da instituição, que não tinha prática no
planejamento de projetos.
Não relataram problemas com a polícia, muito pelo contrário, o projeto
para usuários de crack sempre foi muito bem aceito em toda cidade,
servindo de referência em capacitação para a Secretaria de Segurança
Pública, bem como para as secretarias Municipal e Estadual de Saúde.
O que podemos observar na entrevista com a coordenadora e na
conversa de grupo com os redutores é que os acordos de contratação entre a
coordenação do projeto e o resto da equipe pode ter sido o principal
problema para o mau andamento do projeto.
Tanto os redutores como a coordenadora do projeto nos relataram que
alguns usuários (as) foram contratados porque estavam namorando
membros da diretoria da instituição e isso aconteceu logo no início do
projeto com a assistente de coordenação que namorava a presidente da ONG
e a coordenadora que namorava um redutor (X).
Se por um lado para o desenvolvimento do projeto foi fundamental a
contratação de X, sua participação na equipe foi sempre problemática
porque a cada conflito matrimonial, que não eram poucos, a equipe sofria
conseqüências, que iam desde discussões dos amigos de X com os amigos da
esposa às discussões com a coordenadora (esposa) e os redutores porque ela
protegia o marido quando ele cometia deslizes no campo, como usar droga
em horário de trabalho.
Este projeto insistiu e investiu na contratação de usuários de crack
como redutor embora fosse sabido que o perfil do redutor que trabalha
139
com craqueiros” deve ser diferente do que trabalha com “baqueiros”
78
, pois
o redutor que trabalha com usuário de injetável pode ser usuário “na ativa” e
freqüentar os locais de uso onde trabalha, fora do seu horário de trabalho
para fazer uso da droga sem que isso afete sua relação com os usuários e o
seu trabalho de campo (Domanico, 2001). Enquanto que os redutores que
trabalham com os usuários de crack demonstram maiores dificuldades nas
relações com usuários e nas intervenções preventivas quando sob efeito do
crack.
Essas relações foram discutidas nas reuniões entre os projetos-piloto e
uma alternativa encontrada pelos membros das equipes, foi a de que: se o
projeto quiser trabalhar com usuário de crack como redutor, é melhor que
esses redutores desenvolvam suas ações em locais diferentes dos escolhidos
para fazer seu uso de drogas, segundo os cracados isso se justifica porque é
uma maneira de ajudar o redutor a se abster do uso no horário de trabalho
uma vez que a fissura causada pelo uso de crack é mais intensa.
A atitude de usar droga nos horários de trabalho não seria um
problema se o redutor conseguisse continuar seu trabalho sob o efeito do
crack; o problema é que isso o acontece. Todos os projetos que
trabalharam com usuários de crack relataram que, depois do uso, o redutor-
usuário perdia a capacidade de continuar percorrendo as áreas para a
execução das intervenções e acabava ficando na área usando a droga.
78
Baqueiros são pessoas que tomam “baque”, injeção de cocaína.
140
Após a ocorrência da morte violenta
79
do principal redutor, o X, o
projeto começou a decair, houve um desânimo geral e os problemas entre os
redutores e a equipe tomaram um rumo incontrolável, além, obviamente, do
final do financiamento e da ausência de recursos para o pagamento da
equipe. A coordenadora do projeto nos coloca isso de uma forma muito clara:
“A falta de dinheiro junto, com a falta de compromisso dos redutores, as
brigas entre os redutores do projeto de crack com os dos redutores do projeto
UDI... Tudo virou motivo de briga... Uma hora era porque o projeto com os
usuários de crack tinha supervisão e o com usuários de drogas injetáveis não
tinha... Depois porque o projeto para usuários de crack era piloto e o de UDI
não era... Ficou uma loucura, tudo era motivo de briga... Picuinhas em geral...
Foi f#@$!”
5.3.2. Como o projeto é desenvolvido
A equipe iniciou os projetos de campo com usrios de injetáveis
coordenado por uma assistente social e um grupo de usuários de drogas que
foi capacitado para trabalhar como redutores de danos. Posteriormente, o
projeto passou a ser coordenado por uma redutora que tinha nível médio.
Como relatamos anteriormente, houve uma rotatividade grande de
redutores, sendo que parte deles eram usuários de injetáveis, que
começaram junto a outros usuários verificar a migração para o crack. A
equipe por sua vez que não tinha qualificação para trabalhar com craqueiros
79
O redutor foi assassinado em 2005, num local de comércio de drogas, após uma discussão com
outro usuário que disse que ele havia sido preso, porque tinha sido delatado pelo redutor que negou a
acusação, mas não escapou da morte, com quatro tiros; este redutor havia sido preso e após sua
prisão o usuário que o matou também foi preso. Logo após a morte do redutor, o assassino foi morto
pela policia.
141
começou a discutir com eles como era feito o uso de crack e os usuários
contaram que usavam na lata ou no cachimbo que eles próprios
confeccionavam.
Os cachimbos eram feitos de diferentes maneiras, com pilhas usadas,
isqueiros e cápsulas de bala de revólver. A equipe considerava que esse
material era inadequado, pois na hora da raspagem partículas de alumínio
poderiam ser ingeridas. Os cachimbos feitos de pilha eram ainda mais
problemáticos, pois seus usuários ingeriam, além de partículas de metal, o
resto das substâncias das pilhas.
A equipe do projeto encontrou nos locais de campo cachimbos
confeccionados com seringas que eram distribuídas para o uso de drogas
injetáveis. Estas eram aquecidas e dobradas em forma de L onde numa das
extremidades era confeccionada uma grelha com papel alumínio onde o
crack era fumado. A utilização de seringas como cachimbo assustou ainda
mais a equipe que começou a perceber que algumas das seringas utilizadas
para confecção dos mesmos tinham sido usadas antes para injetar drogas.
Desta maneira, a equipe decidiu fazer uma reunião com os usuários para se
discutir sobre a confecção de cachimbos mais apropriados.
Os tipos de cachimbos e o seu compartilhamento se apresentavam
como os maiores problemas a serem resolvidos pelos redutores e na tentativa
de buscar uma solução a equipe do projeto começou a desenvolver oficinas
de confecção de cachimbos nos locais de uso de crack, como forma de
conscientizar os craqueiros sobre os riscos do compartilhamento e da
absorção de substâncias tóxicas no processo da “raspagem”. A maioria dos
cachimbos confeccionados nessas oficinas eram inadequados, feitos de metal
142
mas ainda assim a equipe entendia que esta estratégia poderia servir para
aumentar o vínculo com os usuários e isso aconteceu de fato embora nas
oficinas os cachimbos de seringas não apareceram e nenhum dos usuários
assumiu usá-los.
Os redutores seguiam uma rotina de trabalho, segunda-feira a equipe
ficava na sede, onde havia uma variação de atividades, preparação do
material de campo, supervisão com a equipe e grupo de estudo. De terça a
sexta ocorria as visitas ao campo, geralmente no final da tarde, com curta
duração porque as áreas de atuação eram muito violentas, com brigas de
gangues, batidas policial, etc.
A coordenadora relatou os vários horários testados para o campo: à
noite os usuários estavam muito intoxicados e refratários às intervenções; no
meio da tarde, também era problemático, pois os usuários estavam “na
correria”, atrás do dinheiro para comprar a droga; de manhã, tampouco era
viável, pois os usuários estavam dormindo. Desta maneira a solução dada
pela equipe foi a de adaptar os horários para cada área, segundo os
redutores havia área que o melhor horário era de madrugada onde eram
acessado um maior número de usuários, mas o problema era conseguir um
redutor para trabalhar nestes horários.
O projeto-piloto funcionou ao longo de quatro anos com as oficinas de
cachimbos e intervenções de rua, onde eram passadas as orientações sobre o
uso seguro de crack, incentivando o não compartilhamento dos cachimbos.
Os insumos distribuídos sempre foram bem controlados, por causa da
quantidade disponível. Os cachimbos, por exemplo, que foram comprados
em pequena quantidade na primeira versão do projeto, ou doados pelo
143
projeto 5, eram distribuídos somente para os usuários cadastrados. os
preservativos que eram repassados pela coordenação estadual, eram
distribuídos nas intervenções semanais.
Os usuários deste projeto o se adaptaram aos cachimbos de
madeira e muitos relatavam que preferiam usar latas ou seus antigos
cachimbos de metal. A equipe não chegou a trabalhar com o protetor labial,
nem com as piteiras de silicone, uma solução bem aplicável a este projeto,
que tinha uma população de jovens muito parecida com a do projeto 2.
Atualmente
80
(outubro de 2005), o projeto caminha de forma
voluntária somente com dois redutores na rua. No contato com os poucos
usuários que encontramos (na nossa ultima visita), ouvimos algumas
reclamações: a de que estão sentindo falta de equipe para conversar, a de
falta preservativos e a de que falta até lata na rua para eles usarem crack.
Um deles diz: “Agora com este negócio de reciclagem não sobra mais lata para
a gente usar... Ai a Fulana (coordenadora do projeto) disse para gente comprar
um refrigerante e tomar, para depois usar a lata, mas você acha que eu vou
tomar refrigerante? Que nada, eu tomo uma cerveja mesmo.”
Outra reclamação dos usuários foi de não ter mais a sede do projeto
para tomar banho. Até junho de 2005, enquanto o projeto tinha
financiamento e parte dos salários eram usados para pagar as contas da
sede, era oferecida a possibilidade de banho. Numa das reuniões na sede
aberta aos usuários, um deles solicitou que o projeto colocasse um chuveiro
no banheiro para que eles pudessem tomar banho. A equipe fez um acordo
entre os usuários e os redutores para que o banho fosse organizado.
80
Hoje em dia (junho de 2006) o projeto acabou.
144
A coordenadora nos conta: “Eles levavam o sabonete, a gente só dava a
água, e depois do banho, eles limpavam o banheiro. Então quando um usuário
saia, ia um redutor e olhava o banheiro, se estivesse legal ele podia embora.
Era o único serviço que a gente podia oferecer a eles, um dia um usuário
pediu para colocar um chuveiro quente. Eu disse que não tínhamos como
pagar a luz, compramos o chuveiro e eles fizeram um “gato” (risos) e começou
a ter banho quente. Agora que perdemos a sede, perdemos tamm esta
atividade.”
Apesar de inicialmente ter sido coordenado por uma assistente social,
este projeto nunca desenvolveu atividades mais direcionadas à inclusão
social, como ajuda na obtenção de documentos, encaminhamentos a
albergues, etc.
5.3.3. Considerações
A população acessada é muito parecida com a de outros projetos, no
que diz respeito à relação entre os adultos e adolescentes. Observamos que
estes usuários não se misturam devido a diferenças em sua disposição a
tornar público seu uso. Enquanto o adolescente usava droga na frente de
todo mundo sem muita preocupação com isso, os adultos procuravam se
esconder para fazer seu uso.
Havia um grande número de mulheres acessadas, a maior parte delas era profissional do sexo que nos relatou um aumento de horas de
trabalho em função do uso de crack, pois precisavam de dinheiro para comprar a droga.
A maioria dos usuários acessados sabia ler embora quase todos tivessem abandonado a escola, outros nos relataram a dificuldade em
manter seus estudos em função do uso de crack, um usuário nos disse: “Ta difícil, mas não posso deixar faculdade, acho que vou perder
este ano, mas tudo bem o que eu não quero é deixar de estudar.” Observamos que os craqueiros sabem ler porque comentavam o folder
ou qualquer material escrito que lhes era disponibilizado, embora muitos estejam em situação de rua.
145
A coordenadora havia nos dito que o projeto estava parado,
trabalhando somente com dois voluntários, há alguns meses e isso apareceu
refletido na nossa visita ao campo, pois nenhum usuário fez referência a uso
de crack, solicitando somente preservativos e reclamando da ausência de
banho.
Sobre os encaminhamentos para serviços de saúde, os usuários
solicitam, mas raramente conseguem ir aos serviços para apurar seus
sintomas, que são principalmente feridas no corpo, tosse e pigarro. Alegam
que têm receio de serem maltratados por serem usuários de drogas e
reagirem com agressividade a este maltrato.
O projeto orienta informalmente os usuários para que fumem
maconha para a diminuição da fissura, ou então para que voltem para o uso
injetável caso tenham sido UDI anteriormente. Estas recomendações são
uma maneira de diminuir o consumo de cocaína, que o efeito da cocaína
fumada é mais rápido que o da cocaína injetada, mas essas recomendações
não são seguidas pelos usuários.
De todos os projetos visitados, este nos pareceu o mais frágil, tanto na
sua execução, como na sua continuidade, bem comprometida. A
coordenadora atual está grávida de seis meses e o financiamento para a
manutenção da equipe não foi conseguido. Ela acha que o problema é mais
pessoal do institucional: “Não acho que o problema é com o redutor que
trabalha com crack... O problema é outro... É que o atual presidente da
associação tem problemas pessoais sérios, que afetam a articulação com o
Estado, sem falar, é claro, que a morte do X (marido) mexeu muito com todos
nós. E mais do que isso, sem financiamento fica muito difícil manter a equipe.”
146
O que pudemos observar é que os usuários acessados perderam muito
rapidamente as poucas informações de saúde que receberam; é como se a
equipe tivesse que estar presente o tempo todo para lembrá-los das
estratégias de redução de danos, por isso é que concluímos que as
intervenções estavam frágeis.
Outro exemplo dessa fragilidade está no próprio gerenciamento da
instituição que mantém o projeto. Ao longo de oito anos, não conseguiu se
estabelecer numa sede, estando atualmente com seus equipamentos
espalhados nas casas dos diretores, não possuindo, portanto, uma
referência concreta para os usuários.
O gerenciamento do projeto também foi problemático na sua execução.
Seus financiamentos eram basicamente para pagar a equipe e equipar a
sede, para que os redutores pudessem desenvolver as atividades
burocráticas necessárias, mas isso teve conseqüências no campo, como a
diminuição de horas de trabalho na rua por conta do administração do
projeto, bem como poucos equipamentos disponibilizados por falta de
recursos para compra dos insumos.
O fato do projeto não disponibilizar os insumos adequados aos seus
usuários, neste caso algo parecido com as piteiras de silicone e os protetores
labiais, pode ter dificultado aos craqueiros introjetar estratégias de
prevenção na hora do uso, especialmente aos que fumam nas latas. E, sem
dúvida nenhuma, o fato de não se propor estratégias de inclusão social
dificulta a formação dos usuários como cidadãos portadores de direito. Mas
nem tudo está perdido, a própria coordenadora reconhece: “O grande desafio
nosso é fazer a inserção dos usuários de drogas na sociedade e a
147
conscientização dos programas de redução e danos. A única opção para os
usuários de crack, ainda que a gente não tenha conseguido fazer tudo, é o
projeto de redução de danos, pois somente na redução de danos o usuário de
crack é tratado como cidadão.”
5.4. Projeto 4. Seu surgimento
O projeto 4 está, também, dentro de uma ONG, mas foi o único que
teve como seu primeiro financiamento um projeto para usuários de crack. A
equipe que estava em Brasília, e defendeu o projeto, não era a mesma que
iria executá-lo; mas o fato dessa associação de redução de danos ter
realizado oficinas de confecção de cachimbos na comunidade acessada foi
um fator importante para que a associação defendesse um financiamento
para suas ações com usuários de crack.
A associação onde está o projeto 4 foi fundada em 1999, por um grupo
de técnicos e redutores que executavam o trabalho de redução de danos
em um Centro de Atendimento a usuários de drogas de uma universidade
pública. Sua fundação acontece, entre outros motivos, para que as
intervenções de rua pudessem acontecer independentes do vínculo com a
Universidade.
Em 2001, a presidência da instituição, que estava sob
responsabilidade de um médico, passa para um redutor de danos. Assim, as
atividades da associação, que antes estavam mais direcionados à pesquisa,
passam então a se voltar às intervenções de rua, diretamente com usuários
de drogas.
148
Na realidade, na área onde o projeto é desenvolvido atualmente (agosto
de 2005) era realizado um trabalho de troca de seringas usadas por novas
pelo centro da universidade e pelo atual presidente da instituição que nele
trabalhava. E a partir de 2000 começa a haver uma diminuição drástica no
uso de cocaína injetável e um aumento considerável no uso de crack.
No trabalho de campo, o redutor-presidente começou a ficar
impressionado com a criatividade que os craqueiros tinham para
confeccionar seus cachimbos, que eram feitos dos mais variados materiais
possíveis e imagináveis, inclusive de seringas também. Por isso, depois de
uma conversa com os usuários decidiu-se fazer uma oficina de confecção de
cachimbos. O Centro da Universidade disponibilizou um pequeno recurso
financeiro para que o redutor pudesse adquirir o material necessário para a
confecção dos cachimbos que os usuários achavam mais adequados.
E foi assim que tudo começou. Sem financiamento específico, primeiro
conversando com os usuários e perguntando qual seria o material necessário
para o que acreditavam ser o cachimbo ideal, os usuários disseram que era
tubos de PVC e uma dobra de tubo também chamada de joelho, além de um
laminado que tinha que ter uma espessura diferente para a grelha que
deveria ser presa com fita crepe.
O redutor nos contou que quando foram comprar os tubos conversou
com o dono do armazém e que este forneceu gratuitamente alguns a mais,
pois compreendeu que os cachimbos que seriam confeccionados ajudariam a
evitar que os craqueiros usassem qualquer material pego no lixo. A
associação de moradores da comunidade emprestou a sede para que a
oficina acontecesse.
149
Depois da oficina, o cachimbo de PVC tornou-se um sucesso e sua
circulação na rua começou a crescer e conseqüentemente e por conta disso a
equipe começou a temer uma intervenção mais repressora da polícia: “Eu
comecei a ficar com medo da questão legal, o cachimbo começou a circular na
rua e foi um ‘boom’... E eu fiquei com medo da polícia e, num segundo
momento, a gente começou a percebe... e, você até nos deu um toque, que
aquele não era o cachimbo ideal, por conta de na hora da raspagem ia com
PVC e tudo...”
Por isso quando teve em Brasília a reunião para a definição dos
projetos piloto, a associação que tinha tido esta experiência, se mostrou
super disponível a participar. Sendo também a responsável, junto com o
projeto 1, pela confecção do questionário padrão.
Sua principal característica era que o projeto acontecia dentro de uma
comunidade, com seu total apoio e reconhecimento.
5.4.1. O projeto em si
O projeto teve financiamento do Programa Nacional de aids e
caminhou bem entre 2002 e 2003. Em 2004, a associação decidiu solicitar
ao agente financiador recurso para comprar um carro, pois uma unidade
móvel poderia viabilizar ainda mais o projeto, que poderia oferecer transporte
dos usuários a serviços de saúde e aumentar as intervenções de campo.
Mas o Programa Nacional de aids cortou parte do financiamento do
projeto, e o recurso para a aquisição da unidade móvel não pôde ser usado,
porque o valor liberado para a compra do carro era inferior ao preço do
mesmo. Além de não dar para comprar o carro, o recurso repassado o
150
permitia a aquisição dos equipamentos necessários para sua utilização,
desta forma o recurso foi devolvido posteriormente.
Esse foi o primeiro de vários problemas de financiamento que o projeto
teve. Depois, o aditivo para continuidade do projeto demorou a ser liberado.
Em 2005, a entidade não entrou na concorrência estadual, ficando sem
financiamento, mas quando aconteceu a reunião com os gestores locais e os
programas nacionais (ago. 2005), o município prometeu um repasse de
recursos para a instituição, que não pôde ser feito por falta na
documentação exigida pelo Programa Municipal de DST/aids.
Um outro problema que afetou muito a manutenção do projeto, e
podemos pensar que talvez tenha sido o problema que realmente assustou a
equipe, foi o receio da repressão policial. “Por conta que o delegado na época
das negociações que fomos falar da coisa do cachimbo e o cara disse que era
tudo muito bonitinho, mas ele queria um estudo que comprovasse a exposição
dos usuários de crack e disse que ele não ia perseguir ninguém, mas ia
cumprir a lei se pegasse alguém com o cachimbo; a gente ficou com medo e
estabeleceu algumas estratégias, uma era trabalhar com um grupo controle, só
aqueles recebiam o insumo, outra era só distribuir o cachimbo na sede.”
De fato, o receio em relação à polícia atrapalhou em muito o bom
andamento do projeto. Também, o Centro da Universidade não se posicionou
como era o esperado, pois anteriormente havia se colocado como o defensor
da redução de danos para o uso de injetável. A equipe esperava que o centro
se posicionasse da mesma forma em relação ao uso de crack. Mas, frente à
fala do delegado, o centro recuou alegando que o projeto era da associação o
dele com injetável. Isto serviu como um “banho de água fria” na equipe.
151
Hoje, podemos avaliar que alguns fatos podem ter contribuído para a
posição do Centro. O primeiro é que após a oficina de cachimbos e a
aprovação do projeto-piloto, a equipe da associação ganha uma visibilidade
nacional e internacional, apagando aquela hegemônica que até então o
centro conservava. Segundo, que o redutor-presidente passa ser convidado
para uma série de eventos como presidente da associação e o como
redutor do Centro. E, por fim, o projeto de redução de danos para usurários
de crack passa a ser referenciado como uma boa experiência nacional,
sobrepondo-se a referência que o Centro tinha com os projetos de injetáveis.
Essa confusão de papéis, se tornaria mais aguda na figura do
presidente da associação, mas aparece na equipe como um todo, pois muitos
deles trabalhavam no centro também, dificultando uma separação real das
intervenções de rua, além de oprimir a equipe para fazer intercâmbios
nacionais, bem como supervisões em outros projetos.
A equipe do projeto não relatou brigas ou outras confusões apesar de
trabalhar com grande parte dos redutores usuários de crack na ativa. Os
principais problemas apontados foram às discussões entre os usuários e os
redutores e a falta de anotações de campo, porque alguns redutores na hora
do campo começaram a usar a droga e abandonaram o trabalho algumas
vezes. O coordenador do projeto considerava essas intercorrências normais
de quem trabalha com redução de danos.
Sobre a continuidade do projeto
81
, havia na época (ago/2005) uma
total incerteza, pois após um ano sem financiamento, a equipe, que é uma
referência na comunidade, relatava cansaço com o trabalho voluntário. Além
81
Em junho de 2006 o projeto tinha acabado.
152
disso, ao longo de 2005, os redutores e técnicos tiveram de “tirar do próprio
bolso” recursos para o pagamento da sede. Contudo, como era referência
nacional, estadual e municipal, era provável a união de alguns militantes
numa “força tarefa” para que conseguir os documentos necessários para que
a associação participasse da concorrência estadual. Mas a associação não
solicitou ajuda e não participou da concorrência estadual.
5.4.2. Como o projeto é desenvolvido
A equipe é formada por um grupo de redutores de danos que
pertenciam ao Centro
82
ou ao outro departamento da universidade pública, e
outros redutores pertencem à própria comunidade. É importante lembrar
que os membros que pertencem à universidade não são contratados como
redutores. Seus vínculos com a Universidade caracterizam-se pelo
funcionalismo público ou contratação por projeto para serem desenvolvidos
nas atividades da universidade, sendo que as ações da ONG devem ser
desenvolvidas em outros horários, fora do de trabalho.
O projeto é executado numa comunidade carente de um bairro no
subúrbio de uma grande capital. Nesta comunidade comércio de drogas e
um número substancial de usuários de drogas. O acesso a esta comunidade
aconteceu por conta do projeto da universidade, que trabalhava com troca de
seringas.
Com o aumento do consumo de crack no final da década de 90, e a
mudança na direção da ONG, em 2001, fica evidente para a equipe que seria
82
Em 2004, houve uma divergência pessoal e administrativa entre os diretores do centro de
tratamento da universidade blica, causando divisão da equipe que pôde ir para outra área da
universidade, com a fundação de um novo serviço ligado a outro departamento.
153
necessária uma sede próxima da área onde o trabalho era desenvolvido.
Dessa maneira, a direção da ONG fez um acordo com a comunidade e alugou
uma sala no meio do bairro, onde passou a desenvolver parte das suas
atividades à tarde e nos finais de semana.
A oficina de cachimbos de PVC foi o marco para os usuários
começarem a discutir os danos causados pelo uso de crack. Após esta
oficina a entidade recebeu financiamento para desenvolver um projeto para
usuários de crack e começou a distribuir o cachimbo de madeira nas
intervenções de rua. Somente depois essas atividades passaram a acontecer
na sede da instituição e na casa do “redutor-morador”
83
.
A distribuição de preservativos continuou nas ruas da comunidade, e
essa atividade era como um chamariz onde era feito o convite aos usuários
de drogas para participar da discussão sobre uso seguro de drogas, de crack
em especial, e uso de preservativos. Outra intervenção, extremamente eficaz,
era a disponibilização do insumo em locais de uso de drogas que poderiam
ser a casa de um usuário, ou mesmo lugares abandonados que eram
conhecidos na comunidade como locais de uso de crack. Então, o redutor ia
com os cachimbos e distribuía aos craqueiros e aproveitava e
conversava sobre a redução de danos associados ao uso de drogas, além de
sempre falar sobre o uso correto do preservativo como forma de evitar as
doenças sexualmente transmissíveis.
83
Neste projeto existe a figura do redutor-morador, pessoas capacitadas como redutores de danos
que moram na comunidade onde o projeto acontece, têm obrigações com os horários de reuniões,
com relatórios e com o controle dos materiais distribuídos, contudo não têm obrigação com atividades
específicas de campo, que neste caso pode ser 24 horas. Normalmente, o redutor-morador tem um
acordo com os usuários, que sabem em quais horários podem passar na sua casa para a retirada dos
materiais.
154
A disponibilização dos insumos nos locais de uso e nas casas do
redutor-morador era fundamental, pois assim se tinha uma garantia de
insumos na área de uso durante 24 horas por dia, atendendo o usuário da
comunidade e os usuários esporádicos, que iam à comunidade somente pra
comprar e usar a droga, um redutor nos diz: “Ce vê, o cara vai na boca
pegar uma pedra. Mas para usar ele precisa de várias coisas, da pedra, do
cachimbo, da cinza, de um local... então, se ele vai na casa de um cara que
tem tudo isso, ele não compartilha e usa direitinho, porque tem muita gente
que vai lá para usar, porque sabe que naquela área é “Real Madri”, tem
crack... Não tem outra coisa além disso, por isso é importante ter insumo em
tudo que é lugar, manja?”
Ocorria também uma atividade mensal que era chamada de “conversa
sobre droga”, onde se discutia de tudo, desde a qualidade da droga na área
naquela semana até como reduzir danos na hora do uso. Os homens eram
separados das mulheres, e nessas conversas pudemos observar uma
diferença bastante grande em relação aos dois.
As mulheres associavam seu uso de drogas ao sexo desprotegido, e
relatavam suas preocupações com a gravidez e com doenças. os homens
associavam ao uso de drogas somente a violência policial e era raro
relatarem questões sobre o uso de preservativo.
Este projeto não encontrou problemas com o uso da lata, nunca houve
a prática de fumar na lata. Eles sempre usaram o cachimbo que faziam de
qualquer coisa, mostrando grande criatividade. Mas o compartilhamento
ainda era bastante usual, além da prática de fumar a “borra”, também
chamada de resina na região.
155
Os craqueiros mais antigos não se adaptaram ao cachimbo
distribuído, normalmente fazendo uma série de adaptações a ele. Serravam a
piteira, mudavam a grelha, cortavam a base onde se fuma, enfim; o mais
importante é que neste projeto se criou a “cultura” do cachimbo, onde cada
um conseguia ter o seu. Havia compartilhamento, que um número grande
de usuários costumava emprestar seu cachimbo como forma de garantir a
resina da ultima fumada.
Mas, da mesma maneira que a criatividade na confecção dos
cachimbos ocorria, os usuários do projeto, depois de acirradas discussões
sobre os malefícios da sua raspagem, criaram uma maneira de retirar a
borra sem precisar raspar. Chamam esta forma de limpeza de “ciência”.
Novamente podemos perceber a importância do contato direto com os
usuários, e da discussão e construção com eles de formas de uso mais
seguro; o coordenador do projeto nos conta: “Eles perceberam que a
raspagem era furada, porque vinha um monte de coisas junto, e aí começaram
a lavar os cachimbos com álcool. Então, eles enchem o cachimbo com álcool,
fecham com os dedos e chocalham o álcool dentro deles, eles despejam o
líquido num prato e colocam fogo, aí fica um óleo no prato que eles misturam
com cinza de cigarro, raspam tudo junto colocam no cachimbo e fumam.
Este projeto não contava com outros insumos além do cachimbo de
madeira. Também observamos poucas fissuras lábias entre seus usuários.
As piteiras de silicone poderiam ser um insumo importante para a proteção
no caso do compartilhamento, mas essa construção deverá ser feita em
discussões com os craqueiros.
156
5.4.3. Considerações
Os usuários acessados pelo projeto eram na maioria homens, com
uma porcentagem de 40% de mulheres, parceiras de usuários e amigas
deles. A média de idade é de 28 anos. Parte deles eram usuários de injetáveis
que migraram para o uso de crack.
O projeto que caminhava de uma maneira voluntária, ou seja, sem
financiamento, e estava acessando um crescente número de jovens que
estavam iniciando o uso, e da maneira mais exposta possível,
compartilhando os cachimbos e entrando para a prostituição, tanto os
homens como as mulheres. Muitos deles fazendo o que os usuários chamam
de “bolo doido”, o redutor nos explica: “É correria para trocar sexo por
drogas... Transar com cinco, com seis caras... Tem umas que vão para um
lugar que não tem crack, que tem o pessoal só biritando e ai elas vão mesmo,
com um, com dois; o negocio é conseguir dinheiro.”
Sobre o uso de drogas, pudemos observar que os homens de fato
consomem mais, mas as mulheres têm uma relação diferente com a
substância. Os usuários nos contam que: “Não sei o que nas mulheres,
que elas ‘pipam’ para trepar, mesmo... Transam mesmo... Ficam taradas...”
O projeto encaminhava os usuários para Unidades Básicas de Saúde,
mas na região qualquer pessoa tinha dificuldade para conseguir
atendimento, porque o serviço de saúde da cidade onde o projeto acontecia
era muito ruim. Atualmente (jan. 2006), um grande número de programas de
saúde da família (PSF), dessa cidade foi capacitado em redução de danos, o
que deve facilitar o atendimento de usuários por conta de problemas
157
dentários, pulmonares e dermatológicos, além de muitas doenças
sexualmente transmissíveis.
A equipe que havia trabalhado com usuários de injetáveis e pôde
trabalhar com as duas populações nos relatou que usuários de crack eram
mais difíceis de trabalhar porque o efeito da droga é muito intenso e isso faz
com que a fissura chegue rapidamente.
Era considerado mais fácil lidar com o uso de injetável, porque o
usuário tomava sua dose e saia do local de uso para dar uma volta, ver as
pessoas, e depois voltava para o local para tomar outra dose, diferente do
usuário de crack, que ficava no local de uso sem sair, por isso, a
necessidade de intervenções nos locais de uso.
A diminuição do trabalho de campo deste projeto nos deixou bastante
preocupados. As dificuldades na organização burocrática da entidade
dificultaram o repasse do recurso do município, que também o
disponibilizou um serviço de orientação jurídica.
A entidade também teve dificuldade para solicitar ajuda de outras
instituições ou pessoas ligadas ao movimento social. Todas estas
dificuldades da associação podem demonstrar o cansaço por parte da sua
direção, que usou a maior parte do seu tempo para procurar junto com os
usuários respostas criativas aos seus problemas no uso seguro de drogas, e
acabou o tendo disponibilidade para a burocracia institucional necessária
para a manutenção da entidade: “Depois de tudo que a gente fez com esses
projetos-piloto eles se acabam... Eu acho que o Ministério ficou com medo de
comprar esta briga com a sociedade; depois de tudo, e aí? A gente não pode
fazer tudo, eu tava lá com eles... e aí tem a burocracia, não agüentei.”
158
Na nossa ultima visita ao campo (Jan. 2006), por exemplo, fomos
convidados para participar de uma cena de uso dentro da casa de um
usuário, demonstrando para nós, mais uma vez, a relação de confiança com
a equipe do projeto, pois se estávamos com eles (equipe) éramos confiáveis o
suficiente para adentrar a intimidade da casa.
5.5. Projeto 5. Seu surgimento
O projeto 5, que era desenvolvido numa ONG/aids, em julho de 2005,
foi incluído no Programa Municipal de Aids. Teve sua inclusão como projeto-
piloto de forma bem diferente, era desenvolvido por uma ONG/aids que o
fazia parte do movimento de redução e danos, portanto, o estava
representado na reunião das associações de redução de danos/redutores de
danos, em Brasília, que deu origem aos projetos-piloto.
Antes de ser piloto ele surgiu como projeto de redução de danos, em
2001, quando a equipe que trabalhava na ONG decidiu enviar um projeto
para concorrência nacional, para trabalhar com usuários de injetáveis, e teve
o projeto aprovado para o financiamento.
O projeto 5 começou a ser desenvolvido com o objetivo de conter a
epidemia de aids entre os usuários de injetáveis da cidade. A coordenadora
do projeto que estava no final da sua formação em serviço social, e
escrevendo sua monografia sobre o uso de injetável, começou a deparar com
o crescente aumento de usuários que relatavam estar usando crack, ao invés
de injetável.
Neste momento, uma redutora do projeto, que era usuária de crack e
de injetável, contou para equipe como era o uso de crack e disse para a
159
coordenadora que sabia fazer um cachimbo de bambu. A coordenadora
solicitou que ela fizesse alguns cachimbos, foi para o campo, e os distribuiu
para os usuários testarem. Eles aprovaram, e iniciaram uma discussão mais
direta com a equipe sobre o uso de crack e os insumos necessários para seu
uso.
Em 2003, caiu bruscamente o número de distribuição de seringas
para o uso injetável e cresceu a demanda por cachimbos. Nesta cidade
também aconteceu o fenômeno da migração do uso para novas modalidades
de uso de droga pelos mesmos motivos: cocaína de baixa qualidade e de
difícil acesso, grande quantidade de crack disponível no mercado, e uma
epidemia de aids entre os usuários de injetáveis.
Ainda em 2003, houve um encontro da Associação Brasileira de
Redução de Danos, para se debater Advocacy
84
, quando a coordenadora do
projeto 5 conversou com uma assessora do Programa Nacional de aids sobre
a questão do crack e contou que estavam fornecendo cachimbos
confeccionados pelos seus redutores aos craqueiros. A coordenadora o
sabia da existência dos quatro projetos-piloto, mas, quando mostrou o
cachimbo confeccionado e distribuído pelo projeto, imediatamente a
assessora, que na época era a responsável pelo acompanhamento dos
projetos, disse que iria sugerir a entrada do projeto 5 para o “rol” dos
projetos-piloto. E, foi exatamente o que aconteceu na primeira reunião dos
projetos que ocorreu em outubro de 2003, em Brasília.
84
Advocacy é “um conjunto de ações dirigidas a quem toma decisões, em apoio a uma causa política
específica, levando em conta a conjuntura de aliados, adversários e pessoas não
mobilizadas”.(Projeto Somos Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e Intervenção para ONGs
que trabalham com Gays e outros HSH, org. Toni Reis e David Harrad, série manuais, 65, pg 57,
PN-DST/Aids/SVS/MS, Brasília, 2005
160
Na reunião, que contou com a participação dos coordenadores dos
projetos, alguns assessores do Programa Nacional de aids e mais alguns
redutores de outros projetos indicados pelo Programa Nacional de aids, o
projeto 5 foi apresentado e aceito no grupo dos projetos-piloto.
A representante do projeto explicou como ele era desenvolvido, e
mostrou o cachimbo que era confeccionado pelos seus redutores, mas
assumiu que tinha alguns problemas com a instituição, causados, talvez,
pela visibilidade do projeto de redução de danos. Assim, aquela entidade que
inicialmente tinha sido tão acolhedora, passou a impor algumas regras para
a continuidade do projeto.
E este se desenvolveu obedecendo as regras, até que, em julho de
2005, por acreditar que os usuários de crack deveriam ter suas intervenções
garantidas, o município assumiu o projeto, levando consigo inclusive, dois
integrantes da equipe: a coordenadora e o assistente de coordenação.
Infelizmente, problemas burocráticos impediram a contratação dos
redutores de danos e em janeiro de 2006 o CAPS-AD
85
da cidade teve um
projeto de redução de danos aprovado e contratou a coordenadora e sua
equipe para dar continuidade ao projeto.
5.5.1 O projeto em si
Os financiamentos do projeto sempre ocorreram por meio do Programa
Nacional de aids, e com o processo de descentralização o projeto foi
incorporado primeiramente pelo Programa Municipal de aids da cidade e
atualmente (junho de 2006) está no Programa de Saúde Mental; tem
85
CAPS-AD e: Centro de Apoio Psicosocial – Álcool e Drogas.
161
destaque na falta de grandes problemas políticos, nunca tiveram problemas
com a comunidade, com a polícia ou com outros projetos sociais
desenvolvidos na cidade.
Com a polícia, em especial, a relação é ótima. Todas as vezes que havia
alguma atividade da polícia que fosse contra a redução de danos ou mesmo
contra os usuários de drogas a coordenação do projeto intervinha e era
atendida pelo comando policial e suas considerações eram levadas em conta.
Com a mídia também a relação era ótima, todas as reportagens publicadas
sobre o projeto foram mostradas à coordenadora antes da publicação e/ou
apresentação.
Desta maneira, um dos poucos problemas relatados foi à dificuldade
no repasse do recurso financeiro do Ministério da Saúde, problema
enfrentado por todos os projetos financiados pelo Programa Nacional de aids,
uns com mais tranqüilidade, pois ao longo do projeto, conseguem fazer uma
reserva de dinheiro que pode manter a equipe enquanto o repasse não
chega, outros com mais desespero, implicando inclusive na diminuição ou
mesmo na interrupção das atividades. O projeto 5 ficou seis meses sem
receber os recursos e relata que diminuiu o trabalho nessa época mas não o
encerrou.
Quanto à relação com a ONG onde esteve alocado, a coordenadora não
quis entrar em detalhes e a instituição não pôde nos atender, mas o que
pudemos perceber é que talvez a ONG não tivesse idéia da repercussão que o
projeto para usuários de drogas daria à instituição.
Isso gerou receio na instituição, pois, como seu trabalho era de
prevenção de aids com adolescentes começou a solicitar para o projeto que
162
fizesse suas reuniões com os usuários em outro lugar, como forma de evitar
o contato entre usuários de drogas e os adolescentes. Esta atitude foi vista
como preconceito demonstrado em relação ao usuário de drogas, era como
se o contato com os adolescentes pudesse induzi-los ao uso de drogas. As
várias vezes que a equipe quis colocar isso em discussão na instituição,
sentiu-se oprimida pela direção.
A equipe decidiu ficar na instituição, que não impedia os
financiamentos, nem intervinha no projeto, até que conseguissem se
estabelecer em outro lugar. Em 2005, parte da equipe foi convidada para ir
para o Programa Municipal de aids que incorporou uma parte da equipe.
Outra parte tentou fundar uma ONG para trabalhar com usuários de
drogas, desenvolvendo atividades de autogestão, como a confecção de
cachimbos, por exemplo, mas teve dificuldades de implementação e sua
inauguração não aconteceu.
O problema maior era a dificuldade de contratação dos redutores pela
prefeitura, que estava afetando o desenvolvimento do projeto que modificou
suas áreas de atuação. A coordenadora que contava com um número e
redutores de danos nas diversas áreas de comércio de drogas da cidade,
estava somente com seu assistente de projeto e um redutor voluntário.
Tanto o voluntário quanto os “amigos do projeto” tinham insumos que
supriam os usuários que não conseguiam ir até o serviço da prefeitura para
retirar os cachimbos e os preservativos, mas o projeto tinha outras
atividades além dessas que estavam funcionando precariamente.
Na reunião com os gestores locais e os Programas Nacionais de aids e
de hepatites, a alternativa, como relatamos, foi a de que a área de Saúde
163
Mental, que podia contratar redutores de danos para desenvolver ações
junto aos CAPS-AD, contratasse a equipe que estava capacitada e
estabelecesse uma parceria com o programa municipal de aids para a
continuidade das ações com os craqueiros.
5.5.2. Como o projeto é desenvolvido
A equipe sempre foi formada por cnicos e redutores-usuários, o
necessariamente usuários de crack, mas usuários de drogas. Mantê-los na
equipe nos períodos em que não pagamento sempre é muito difícil, até
porque são pessoas pobres que geralmente têm o salário de redutor como a
única remuneração. Desta forma, quando interrupção de salário iniciam
a busca por “bicos” (que para os homens geralmente é de ajudante de
construção, repositor de estoques etc., e para mulheres geralmente é como
diarista).
O projeto que tem redutor-usuário, como este, pode, também,
significar ter de alterar as áreas de trabalho deles, pois de vez em quando os
redutores têm que trocar de área de atuação por estarem com problema no
local em que atuam. Estes problemas vão desde dívida de droga até brigas
pessoais com outros usuários. Neste projeto, houve usuários que foram
embora da cidade por dívida de droga com traficante.
A equipe foi formada para o trabalho com usuários de injetável, mas
depois teve de adaptar-se para falar de crack. Essas adaptações foram feitas
em construção com os usuários sendo talvez por isso que o projeto pôde se
desenvolver tão bem.
164
Até julho de 2005, o projeto era desenvolvido por redutores de danos
em áreas periféricas da cidade, locais de compra e consumo de crack. Na sua
maioria, os usuários do projeto são moradores das comunidades, e são
acessados nos seus locais de moradia. A comunidade, por sua vez, também é
foco de ações preventivas de maior amplitude, ou seja, distribuição de
camisinhas e informações gerais sobre prevenção das DST/aids/hepatites.
A parte do trabalho que é desenvolvida nas cenas grupais de uso de
drogas é feita com certa tranqüilidade, pois alguns redutores são usuários e
isso facilita sua entrada nos locais de uso. Foi assim que o projeto ganhou
força, iniciou com a discussão sobre o melhor tipo de cachimbo, e oficinas de
confecção na casa de alguns usuários, que compreendiam a necessidade
desta discussão e entendiam que a ONG onde o projeto era desenvolvido não
permitia que as oficinas fossem na sua sede.
Mas, além das oficinas de cachimbo, que eram feitas mais no começo
do trabalho de cada área, outras oficinas compõem as atividades do projeto.
O que a equipe chama de “oficina” é uma reunião de usuários com alguns
redutores que debatem temas de saúde, de direitos humanos, direitos
sociais, etc.
Normalmente o projeto era desenvolvido na rua. A demanda por
cachimbos na sede apareceu depois de uma reportagem sobre o projeto
veiculada numa emissora local, o que motivou alguns usuários a ir à
instituição, onde pediam os cachimbos no portão. Para evitar maiores
problemas com a ONG a equipe do projeto mapeou de onde eram esses
usuários e os informavam os horários de campo que fariam naquela área, ou
próxima dela, para que os usuários não precisassem ir à ONG.
165
O horário também devia ser respeitado, geralmente o trabalho era feito
no final da tarde. Quando o projeto foi iniciado, as intervenções eram feitas à
noite e havia um acesso a mais usuários, mas a qualidade da intervenção
não era boa, pois eles já estavam muito intoxicados. Pegavam o material mas
não conseguiam conversar direito com a equipe, que sentia que os
craqueiros acessados não conseguiam incorporar as informações. Ainda
hoje, alguns comerciantes de droga ficam com os insumos, mas foi feito um
acordo para que os insumos não virassem moeda de troca.
Em outubro de 2005 os trabalhos se desenvolviam em uma área de
prostituição próxima da sede do Programa Municipal de aids, após a
migração do projeto para o município. O trabalho era sendo feito neste local
por vários motivos, primeiro porque a imprensa relatou que as prostitutas
estavam consumindo crack, depois porque souberam que alguns usuários
retiravam cachimbos para vendê-lo nesta área, terceiro porque é perto da
sede atual do projeto e, por fim, como o trabalho está sem redutores, sua
coordenação poderia ir a campo somente com o assistente de coordenação.
O trabalho nas outras áreas continuava de forma voluntária, realizado
por alguns “amigos do projeto”. Alguns usuários conseguiam ir à sede do
projeto para retirar seus insumos e, como esta estava dentro de um serviço
de saúde capacitado para receber esses usuários, os atendimentos de saúde
eram garantidos.
Os insumos distribuídos eram os cachimbos de madeira,
confeccionados por alguns redutores-usuários com a ajuda de um
marceneiro. No início do projeto, os cachimbos eram feitos de bambu, mas
depois, com o aumento da demanda e nas conversas com os usuários, foi
166
sugerido que se criasse um outro tipo de cachimbo que fosse desmontável;
nisso tiveram a ajuda de um torneiro mecânico que criou com eles o
cachimbo que é atualmente (out. 2005) distribuído.
A confecção do cachimbo é bem barata, porque a parte aonde vai a
grelha é doada por uma fábrica de cabos de vassouras, e a piteira, que
também é de madeira, é confeccionada no torno. O custo maior é na compra
do laminado para fazer a grelha e da fita crepe para prendê-la.
Observamos também, neste projeto, uma dificuldade em trocar
cachimbos. Pode-se pensar que isso se deve a dois motivos: ou os usuários
não compreendem a real necessidade de retirar os equipamentos sujos dos
locais de uso, ou os usuários têm receio de andar com os cachimbos usados
até o local da troca por causa da repressão policial. Há uma casa de uso que
é o único lugar onde os craqueiros após usarem a droga não raspam o
cachimbo e o colocam na caixa coletora para ser retirada pelo redutor, mas a
coordenação do projeto não soube explicar por que isso acontece neste local.
Os usuários vinculados preferem o cachimbo a lata, eles dizem que se
sentem mais seguros por causa do herpes e das hepatites. outros
usuários revelam que usam o cachimbo procurando diminuir as fissuras
labiais que, após a orientação dada pela equipe do projeto começaram a
perceber como sendo causadas pelo crack. Passaram então a usar os
cachimbos e perceberam que isso diminuía as lesões.
Sobre as piteiras de silicone, a coordenadora do projeto tinha
ressalvas, pois achava que ela poderia ser compartilhada pois os usuários
podiam se confundir na hora do uso. o protetor labial será testado assim
que o programa municipal fizer a aquisição, pois o trabalho do não uso da
167
lata leva um tempo para ser implementado, como nos conta a coordenadora:
“A gente tenta fumar no cachimbo, mas a melhor forma de usar a pedra é na
lata porque ela segura a bola melhor. Então, quando um usuário te diz isso
fica difícil, porque você está trabalhando com uma questão de gosto, e isso tem
que ser levado em conta, é muito diferente do uso injetável que é sempre no
mesmo jeito.”
Além da distribuição de insumos, o projeto tinha um acesso muito
bom ao serviço de saúde, que funcionava e atendia bem os usuários. Tinham
também uma boa interlocução com a Secretaria da Criança e do Adolescente
e com a Secretaria de Educação, onde buscavam capacitar os professores
sobre as questões do uso de drogas.
O projeto, mesmo estando numa fase de adaptação, esperando a
contratação de redutores, tinha o reconhecimento de todos os gestores,
municipais e estaduais, para que ele possa ser uma referencia como projeto
piloto de redução de danos para usuários de crack.
5.5.3. Considerações
Aos poucos, os usuários do projeto foram se dando conta das
complicações causadas pelo uso de crack, complicações respiratórias,
problemas de pele etc. E quando conseguiram ir à unidade de saúde foram
atendidos, mas em relação ao problema com drogas, havia poucos lugares
para tratamento. O projeto os encaminhava para o Centro de Apoio
Psicossocial Álcool e Drogas, embora os cnicos deste centro relatassem
dificuldades de atender usuários de crack. Uma capacitação para os
funcionários já estava marcada quando visitamos o projeto.
168
Observamos um pequeno mero de usuários de injetáveis que
continuam somente nesta prática, e encontramos um grande número de
usuários novos que iniciaram seu uso pelo crack e nunca usaram injetável.
A relação dos usuários com a equipe do projeto era de confiança, o que
possibilitava a entrada na cena de uso de crack por qualquer pessoa que
estivesse acompanhada por um membro da equipe.
As diferenças entre homens e mulheres acessados, eram relatadas
pelos homens craqueiros, que diziam que as mulheres usuárias de crack
eram mais agressivas com seu uso, com seu consumo e com as relações na
cena; alguns usuários disseram que as mulheres eram difíceis de controlar:
“Eu não quero usar com esta mulher, ela é muito ia.Nem com aquela outra
que também é f@#$.”
Entre os adolescentes e os adultos, o que verificamos é que como os
usuários adultos iniciaram seu uso drogas na cocaína injetável antes de
migrar para o crack, observamos uma melhor administração do uso, ao
contrário do que ocorreu entre os adolescentes que iniciaram seu uso pelo
crack. Além disso, o uso de drogas entre os adolescentes é sempre mais
problemático, pois faz parte da adolescência a não aceitação do limite.
A relação com o município era boa, mas o foi sempre assim. A
coordenação anterior fornecia os preservativos e os insumos para o uso
injetável, mas, segundo a coordenadora do projeto, não gostava do trabalho
de Redução de Danos, e isso pode ser observado quando o projeto teve
abertura para a capacitação dos Programas de Saúde da Família em 2005,
na atual gestão.
Nossa impressão foi a melhor em relação a este projeto. Observamos
169
uma grande aceitação da equipe por parte dos usuários que vinham à equipe
solicitar insumos e nos conhecer sem receio algum. Quando estivemos no
campo das profissionais do sexo, que estavam no seu horário de trabalho,
fomos também muito bem recebidos e elas não se recusaram, em nenhum
momento, a responder as perguntas que fazíamos.
Quando estávamos no serviço de saúde conversando com a equipe do
projeto, pudemos observar a facilidade que os usuários tinham em chegar ao
serviço para retirar seus insumos, demonstrando que a capacitação da
equipe do serviço feita pelos redutores do projeto tinha sido muito bem
aceita e incorporada pelos servidores.
Mas as atividades nas áreas periféricas da cidade mantidas pelos
redutores estavam paradas, obrigando os “amigos do projeto” a “segurar” as
intervenções. Desta maneira, as poucas intervenções que são realizadas têm
que dar conta de um mero grande de usuários que ainda não conseguem
ir à sede buscar seus insumos.
E por fim, observamos a falta de atividades mais estruturadas que
fossem além de saúde. Mas observamos essa preocupação na equipe, de se
articular melhor para que o projeto fosse uma referência em direitos
humanos para os usuários de drogas, e de crack em especial.
As palavras da coordenadora nos emocionam, demonstrando que
ainda muito que se fazer para que os usuários de drogas sejam aceitos
como cidadãos portadores de direito: O desafio da Redução de Danos é
ultrapassar as barreiras discriminatórias e moralistas que a gente enfrenta.
Porque você é discriminado pelo trabalho que você faz independente se você
esta trabalhando com saúde, com direitos humanos de presos, prostitutas,
170
usuários de drogas... Acho que o desafio é humanizar as pessoas, e a redução
de danos é muito ampla porque ela faz uma humanização que quebra
preconceitos...”
171
6. Análise e discussão
Esta tese tem como objetivo analisar o processo de implantação e
desenvolvimento das estratégias de redução de danos sociais e à saúde
associados ao uso de cocaína fumada (crack), através do estudo dos cinco
projetos-piloto para usuários de crack desenvolvidos no Brasil, financiados
pelo Programa Nacional de DST/Aids, do Ministério da Saúde.
A pesquisa teórica que realizamos pretendeu situar os marcos das
mudanças políticas e de gestão da saúde no âmbito das respostas que o
Estado organizou nas últimas duas décadas para responder à epidemia do
HIV/aids, especialmente na sua relação com as ONG/aids; algumas
determinações que incidem sobre o uso de cocaína e sobre o surgimento do
crack, e os marcos da trajetória histórica da redução de danos no mundo e
no Brasil.
Os projetos-piloto, objeto de nossa pesquisa empírica, emergiram num
contexto de mudanças econômicas e políticas que se expressam na relação
entre o Estado e a chamada sociedade civil organizada, através da
proliferação de entidades e organizações de natureza privada sem fins
lucrativos e que compõem o chamado terceiro setor.
Como vimos, a forma de financiamento e as exigências técnicas e
administrativas para a gestão dos recursos imprimiram um novo perfil de
172
atuação nas organizações, que passaram a assumir a prestação de serviços
voltados à prevenção e à assistência aos segmentos considerados prioritários
no controle da epidemia.
Passou-se de uma militância política e de defesa dos direitos de
cidadania a uma modalidade de intervenção técnica voltada a interferir nos
comportamentos e práticas dos segmentos considerados mais vulneráveis
aos riscos de infecção pelas DST/aids e hepatites virais e aos danos
associados ao uso de drogas.
Esse giro, a nosso ver, responde às exigências das políticas neoliberais
implementadas no continente latino-americano a partir da década de 80 e no
caso brasileiro, à hegemonia do neoliberalismo emergente nos anos 90 e, que
no âmbito da saúde, coloca em risco os avanços e conquistas coroados pela
Constituição de 88 e, principalmente, distorce o significado da direção social
das políticas de saúde tributárias da reforma sanitária e da implementação
do Sistema Único de Saúde (SUS).
Esses elementos configuram o contexto de implantação e
desenvolvimento dos projetos-piloto analisados em nossa pesquisa empírica.
Assim, do ponto de vista teórico-metodológico, os dados colhidos em campo
serão analisados à luz dessas determinações que configuram a chamada
“ditadura dos projetos”, noção apresentada no capitulo três que será
utilizada como conceito teórico mediador entre as determinações mais
amplas postas pelas mudanças econômicas e políticas que incidem sobre a
relação entre o Estado brasileiro e as organizações responsáveis pela
implementação dos projetos-piloto e as condições objetivas nas quais se
173
realizam as propostas de redução de danos aos usuários de crack no interior
desses projetos.
Assim, nossa análise sobre as modalidades de financiamento, perfil e
qualificação da equipe executora, orientação teórico-prática das estratégias e
atividades realizadas pelas equipes, articulação entre esses elementos às
reais necessidades dos usuários de crack atendidos por esses projetos, na
perspectiva de redução de danos, terão como referência a noção de
“ditadura dos projetos”.
À noção “ditadura dos projetos”, enquanto conceito teórico mediador
de nossas análises, pretendemos articular uma outra noção que a nosso ver
permite analisar alguns elementos presentes na realidade de execução dos
projetos-piloto e que resultam dos processos de exclusão experimentados
pelos usuários de drogas ilícitas, e no caso de nosso objeto de estudo, pelos
usuários de crack. Trata-se da noção de “pânico moral”, elaborada por
Cohen (1980), que contribui para pensar os rebatimentos da exclusão social
dos usuários de crack no interior das respostas formuladas pelas equipes
dos projetos-piloto. Essa noção apresentada no capítulo um será resgatada
na segunda parte desse capítulo para que possamos garantir uma análise
mais abrangente e capaz de apreender a complexidade que envolve tanto o
fenômeno do uso de crack quanto as respostas formuladas pelas equipes dos
projetos-piloto com o objetivo de reduzir os danos associados ao uso de
crack.
174
6.1. A Ditadura dos projetos
Tomando como referência a “ditadura dos projetos” analisaremos e
discutiremos os financiamentos dos projetos de redução de danos para
usuários de crack e a tendência hegemônica de instrumentalização da
redução de danos apresentada no capítulo quatro.
Dos cinco projetos analisados, todos tiveram financiamento exclusivo
do Programa Nacional de DST/aids e relataram dificuldades em conseguir
outros financiamentos de entidades nacionais ou internacionais,
principalmente pela não inclusão da categoria usuário de droga (crack) como
população prioritária. Desta forma, nossa análise nos remete aos seguintes
aspectos:
a) As entidades normalmente não m outras fontes de financiamentos
de suas atividades, portanto há uma tendência a escolher projetos que
atendam a populações que são consideradas prioritárias pelas agências de
fomento no campo do HIV/aids. Isso nos remete a dois resultados que
consideramos inadequados: o focalismo das ações e a falta de
identificação política com os direitos das populações atendidas.
Não consideramos o focalismo um bom resultado, e contrariamente é
muito ruim, pois no caso dos projetos de redução de danos é de suma
importância que os usuários atendidos possam receber outras intervenções
para além das orientações para o uso seguro de drogas. Observamos isso
com muita clareza no projeto um, por exemplo, onde os redutores não
sabiam dar informações de cuidados à saúde como um todo e mal falavam
sobre o uso de preservativos. No projeto três, a equipe relatou dificuldades
175
para garantir direitos sociais como albergue, alimentação e vale-transporte e
de qualquer outra atividade que ia além dos encaminhamentos para os
serviços de aids (CTA, SAE). No projeto quatro, por exemplo, os redutores
tinham muito conhecimento sobre uso seguro de drogas, mas relataram que
precisavam saber muito mais sobre direitos à saúde.
Neste sentido, sugerimos que de suma importância a ampliação do
conceito de redução de danos para além da saúde, ou seja, poderia ser
pensado em introduzir esta discussão através dos conselhos de assistência
social e direitos humanos em outras instância garantidoras de direito,
somando o conceito para redução de danos sociais e à saúde, por exemplo.
A falta de identificação política com os direitos da população atendida,
no nosso caso a de usuários de crack, não apareceu de forma transparente.
Observamos tal aspecto nas entrelinhas das discussões de grupos. Nos
projetos um, dois e três, os poucos usuários que participaram da discussão
tiveram muita dificuldade de relatar suas reais necessidades para a garantia
dos seus direitos sociais; mais do que isso, nas entrevistas com os
coordenadores pudemos perceber que apenas algumas respostas sobre
encaminhamentos e acompanhamentos a serviços eram as politicamente
corretas.
E quando perguntávamos sobre a participação dos usuários acessados
nas instâncias de controle social, tivemos a resposta unânime que os
usuários não estavam preocupados com isso, que a princípio sua
preocupação era somente com o uso de drogas, demonstrando para nós um
176
distanciamento das reais necessidades dos craqueiros, que a principio é
garantia do direito ao uso seguro de drogas.
Desta forma a falta de identificação política com a população
atendida precisa ser sanada. Nossa sugestão aqui é que se estabeleçam
canais de discussão entre os usuários e as equipes dos projetos para que o
protagonismo dos usuários de crack seja incentivado através de participação
em eventos e ajuda na formação de uma identidade política, fazendo assim
com que os usuários de crack possam se sentir portadores de direitos e não
precisar que “outros” falem por eles.
b) O financiamento dos projetos se restringe aos insumos e à ajuda de
custo, que gera limitação das ações como qualificação da equipe,
manutenção da infra-estrutura dos projetos, rotatividade na equipe que não
pode ter dedicação exclusiva ao trabalho dificultando a produção de dados,
registros e levantamentos que contribuam para a reflexão e avaliação das
propostas implementadas.
A restrição dos financiadores foi relatada por todos os projetos onde
alguns membros das equipes retiravam parte dos seus salários para a
manutenção da sede da instituição, e compra de lanches para reuniões, por
exemplo, limitando suas ações tanto para intervenções intra como
extramuros da sede.
A limitação das ações se intersecciona com o item anterior, mas para
dar conta da sua especificidade, acreditamos que será necessário melhorar a
qualificação da equipe, que vai além da ampliação do conceito de redução de
danos, buscando outras instâncias formadoras, como conselhos de saúde de
177
assistência social, por exemplo. Acreditamos que neste sentido a rotatividade
da equipe possa ser diminuída.
c) A prioridade das agências em relação a determinados segmentos
também cria mudanças constantes de objetos e de estratégias causando
dificuldades para a consolidação de experiência e criação de identidade
da organização com as necessidades de determinados segmentos, por
exemplo, os usuários de drogas ilícitas e os de crack.
Isso foi amplamente discutido no capítulo cinco, onde contamos a
história de cada projeto. Todos iniciaram suas intervenções com usuários de
drogas injetáveis que tinham como prioridade a prevenção das DST/aids e
hepatites virais através do incentivo do não compartilhamento dos
apetrechos para o uso de drogas injetáveis. Com o surgimento dos projetos-
piloto, a experiência de redução de danos para uso de injetável teve que ser
readaptada para o uso de cocaína fumada.
O mesmo aconteceu em relação à criação de identidade. Primeiro, os
projetos estavam locados em ONG/aids, depois foram para ONG de redução
de danos, outros para centros de convivência com objetivos diversos, como a
garantia de direitos sociais, de direitos à saúde e de direitos humanos,
muitas vezes gerando confusão na população atendida que não se
identificava com a equipe que estava fazendo a intervenção.
Essas mudanças de objetos e estratégias estão diretamente
relacionadas com as prioridades das agências financiadoras que tem como
conseqüência a dificuldade na consolidação de experiência afetando
diretamente o trabalho de campo.
178
para dar conta da dificuldade na criação de uma identidade da
organização no caso de organizações não governamentais, nossa proposta é
a incorporação pelos serviços de saúde dos projetos de redução de danos,
porque desta maneira a identidade da organização poderia ser a mantida e
suas ações seriam a de fazer o controle social, pois não estariam submetida
às prioridades das agencias financiadoras executando ações no lugar do
Estado.
A dificuldade nos financiamentos também aparece no processo de
descentralização por parte dos estados e municípios por o “saberem” fazer
os editais para as concorrências elencando populações excluídas
socialmente. Atualmente, somente três projetos conseguiram manter suas
atividades (projeto um, dois e cinco) em execução; podemos ampliar a
análise destes fatos sob o olhar de outros elementos:
d) Ausência de compromisso com a política de redução de
danos, uma vez que tal postura requer desconstrução de estigmas e respeito
à diversidade do uso de drogas. Neste sentido, alguns coordenadores de
programas municipais e estaduais relataram dificuldades em defender a
política de redução danos nas suas cidades, pois tal atitude é encarada por
algumas comunidades como incentivo ao uso de drogas.
Estes coordenadores nos revelaram que em algumas cidades sofreram
pressão tanto da comunidade como dos conselhos de saúde, que
reivindicavam que o recurso para as concorrências deveria ser destinado a
outras populações; que a questão do uso de drogas deveria ter como meta a
179
abstinência, ou seja, da política de “não às drogas” e não à política de
“redução de danos”.
Para dar conta disso, nossa sugestão em relação à ausência de
compromisso com a política de redução de danos por parte de alguns
gestores é sensibilizá-los as questões relacionadas aos direitos humanos e
melhorar os conhecimentos de custo - beneficio das estratégias de redução
de danos, uma vez que os estudos apontaram que a redução de danos
contribuiu de forma eficaz como barreira a epidemia de aids entre usuários
de drogas injetáveis. No nosso caso poucos estudos foram feitos em relação
ao custo - beneficio da redução de danos para usuários de crack, mas nos
estudos feitos comprovação de que é mais barato fornecer insumos e
acesso a serviços do que simplesmente tratar os craqueiros.
e) Observamos também uma dificuldade de compreender a
concepção da descentralização que atende aos objetivos iniciais do SUS,
ou seja, a ampliação do controle e da participação social, onde atualmente
estes aspectos têm se transformado apenas numa transferência de
responsabilidade, delegando às instâncias estaduais e municipais
atribuições para as quais não estão totalmente capacitadas.
Ainda que existam estas dificuldades, e apesar do SUS ter
completado 18 anos, observamos que em alguns estados os projetos tiveram
aceitação e conseguiram sua sustentabilidade, mesmo que sob forma de
recursos repassados. Assim, o projeto dois está sendo financiado pelo
programa estadual de DST/aids seguindo a lógica da descentralização, e o
projeto cinco foi incorporado, junto com parte de sua equipe, pela
180
coordenação municipal de saúde mental que está responsável pelo projeto de
redução de danos na cidade. Podemos observar que nas cidades onde isso
ocorreu um comprometimento político com os projetos de redução de
danos e com os usuários de crack. O projeto cinco foi o primeiro projeto
sobre o qual temos referência de incorporação dentro da saúde mental neste
ano, seguindo as recomendações que constam na Portaria 1.028, de de
julho de 2005
86
, onde os projetos podem ser desenvolvidos dentro de um
CAPS-AD e isso pode significar um avanço na luta por tornar a redução de
danos uma política pública.
Para dar conta da dificuldade de compreender a concepção da
descentralização acreditamos que a alternativa vai além da compreensão
dos princípios do SUS (integralidade, equidade, participação social e
universalidade), se faz necessário um melhor entendimento da função de
servidor publico como executor do que está previsto nas leis, no nosso caso o
SUS.
Mas podemos observar também na análise dos projetos-piloto, que a
instrumentalização da redução de danos é um reflexo da “ditatura dos
projetos”, que exige respostas rápidas e mensuráveis. Analisaremos isto
observando a ruptura com a dimensão política, a adequação dos insumos e
da capacitação da equipe para o trabalho com usuários de crack. Neste
sentido colocamos os aspectos:
86
Edição Número 126 de 04/07/2005.
Ministério da Saúde Gabinete do Ministro
PORTARIA Nº 1.028, DE 1º DE JULHO DE 2005
Determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de
produtos, substâncias ou drogas que causem dependência, sejam reguladas por esta Portaria.(em
anexo)
181
f) Sobre a dimensão política: as equipes dos projetos demonstraram
dificuldade de proporcionar o protagonismo dos usuários de drogas, pois
mesmo considerando que o era objetivo dos projetos a construção de uma
participação ativa na luta pelos direitos dos usuários de drogas, a redução
de danos tem como um de seus pressupostos a consolidação dos direitos de
cidadania. Desta maneira, a concepção de Redução de Danos que estava na
base desses projetos não levou a um investimento da equipe nesta direção.
Neste sentido estamos analisando uma contradição de base, ou seja, a
redução de danos é uma concepção que tem como um de seus pressupostos
a afirmação dos direitos humanos e de cidadania.
No entanto, na medida em que a realidade social brasileira reproduz
de forma ampliada as desigualdades e nega cotidianamente a cidadania,
identificamos uma tendência entre as equipes dos projetos-piloto de
transformar a redução de danos em simples estratégias de prevenção com a
distribuição de insumos. Ou seja, não enfrentam politicamente a violação
dos direitos de cidadania dos usuários atendidos e resumem a perspectiva
de redução de danos à distribuição de insumos. Porém, podemos observar
que a forma como a redução de danos foi implementada no Brasil foi
também uma grande contradição na realidade da sociedade brasileira,
sociedade esta profundamente desigual e excludente do ponto de vista do
atendimento dos serviços e das políticas sociais, e isso rebate potencialmente
na atuação dos programas/projetos de redução de danos que o
conseguem ser mais ampla.
Para se lidar com a dificuldade de proporcionar o protagonismo do
usuário crack, acreditamos que no interior das equipes que executam os
182
projetos deve haver uma discussão com os usuários de drogas acessados
sobre o lugar dos usuários de drogas como cidadão portador de direitos,
neste sentido a formação política das instituições e a consolidação da
experiência devem se unir.
g) Restrição da redução de danos aos seus conteúdos estratégicos,
técnicos e instrumentais, mudando a ação cultural e política para ação
técnica (ditadura dos projetos). Tal tendência se refletiu diretamente na
adequação dos insumos disponibilizados onde alguns projetos conseguiram
promover esta adequação e outros não.
Todos os projetos tinham equipes de redutores de danos
trabalhando no campo, com a experiência anterior de trabalhos com o uso
de droga injetável. Para o uso de droga injetável a resposta dos projetos e do
próprio poder público na adequação dos insumos foi mais eficiente e ágil, na
medida em que as equipes passavam a conhecer a realidade do uso injetável
e informavam ao poder público que o equipamento disponibilizado o era
adequado, a resposta era mais assertiva. Isso talvez porque para o uso de
droga injetável as adequações dos insumos eram mais bem justificadas,
como prevenção a doenças, enquanto que no crack a justificativa tem a ver
com a melhoria da relação do usuário com a sociedade.
Para o uso de crack, as diversas maneiras de usar a droga, os diversos
elementos como o tamanho da “pedra” ou a qualidade da droga, criaram
uma variedade e possibilidades de redução de danos. Algumas equipes
conseguiram se adaptar a esta realidade, outras o. Ou seja, se por um
lado uma equipe conseguia ver que o equipamento o era adequado, por
183
outro ficava “calcificada” na capacidade de criar um novo insumo e isso
rebate diretamente nas intervenções com os usuários, pois a equipe que não
conseguiu atender as demandas dos usuários, exigiu que os “craqueiros” se
adaptassem ao insumo disponibilizado sem levar em consideração a
solicitação feita pelos “craqueiros”.
Desta forma, os projetos que iniciaram suas ações com a preocupação
fundamental de evitar a ingestão de partículas sólidas e o compartilhamento
dos apetrechos (cachimbos e/ou latas) no uso de crack, não atingiram sua
adesão geral ao cachimbo de madeira (cachimbo padrão) disponibilizado. Em
outro projeto, observamos na visita a campo que se construiu junto com os
usuários outro modelo de cachimbo de madeira que teve maior adesão dos
usuários. Os outros três projetos não conseguiram que seus “craqueiros”
aderissem ao cachimbo de madeira, continuando com seus cachimbos
artesanais, de metal e de plástico. Desses três projetos restantes, somente
um conseguiu “criar” e adequar um insumo que ajuda a evitar a transmissão
das doenças, a piteira de silicone
87
, disponibilizada para os usuários que não
conseguem abandonar o hábito de compartilhamento. Esse mesmo projeto
também foi o que implementou o uso de protetor labial por grande parte dos
seus usuários na hora de “fumar a pedra”, conforme observamos nas várias
visitas a campo que efetuamos na época de coleta de dados. Este projeto
parece ter conseguido a inclusão de um insumo que atendesse às reais
necessidades dos usuários de crack atendidos, levando em consideração as
especificidades do uso de crack daqueles usuários.
87
Esta piteira existe no kit kiff disponibilizados para os usuários de crack de Paris. No Brasil a equipe
do projeto teve que procurar os tubos de silicone que se adaptavam aos diferentes tipos de
cachimbos confeccionados pelos seus usuários.
184
A nossa sugestão para a adequação dos insumos é o mais simples
possível, ouvir o usuário e construir insumos que não alterem o seu ritual de
uso (a dificuldade de implantar o cachimbo padrão em vários projetos se deu
principalmente porque o cachimbo era muito diferente do costumeiramente
usado pelos craqueiros). No caso da introdução de novos insumos, como
aconteceu com o protetor labial, a eficácia da implantação, se deveu ao fato
de que no projeto no qual foi implantado houve várias discussões com os
craqueiros de como deveria ser o protetor e de forma ele deveria ser usado.
h) Observamos também que a tendência à instrumentalização teve
como resultado uma fragilidade na capacitação das equipes. No caso da
participação do controle social, por exemplo, somente em um dos projetos a
equipe relatou a participação no Conselho Municipal da Política de Drogas
88
,
e dois projetos participavam do Fórum de ONG/aids do Estado. A
participação no Conselho Estadual de Saúde foi relatada somente por um
projeto e nenhum se referiu ao Conselho de Assistência Social ou a outros
órgão de controle social.
A capacitação da equipe aparece refletida na contratação das equipes
que relataram dificuldades na escolha de redutores para trabalhar nas cenas
de crack pela inexperiência com as dificuldades inerentes ao trato com os
usuários. Essas são geradas pelo alto grau de intoxicação em que os
craqueiros se encontram nos locais de uso e pelo alto índice de violência
existente nas cenas”. Tal situação pode ser justificada pela total exclusão e
descaso da sociedade com esta parcela da população, onde a criminalidade e
88
Dependendo da cidade o nome pode mudar, antigamente todos eram conhecidos conselho
municipal de entorpecentes (COMEN).
185
a violência resultam da articulação entre processos de exclusão social
(precariedade das políticas sociais, preconceitos, discriminação) e a atual
legislação de drogas que contribui para acentuar esse processo, que a
presença do Estado ocorre através da ação policial marcada pela
truculência, pela corrupção e discriminação de pobres e negros.
Além dos riscos inerentes a esta atividade, as dificuldades do trabalho
aparecem na forma como os redutores são contratados, tendo que se
submeter às formas de pagamento dos projetos para essa atividade, como
baixo valor de ajuda de custo, descontinuidade no pagamento.
Observamos também a relação entre a forma de contratação e a falta
de investimento na capacitação política das equipes, tendo como
conseqüências a ausência de identificação com a perspectiva de afirmação
dos direitos humanos e de cidadania da redução de danos.
No entanto, o processo de contratação e de capacitação das pessoas
que integravam as equipes dos projetos revelou várias contradições. A baixa
remuneração das equipes gera duas ordens de dificuldades: a) por um lado
reduz as exigências de contratação, que se paga muito pouco; b) por
outro, mesmo se pagando pouco, num país com altos índices de desemprego
e profundas desigualdades, a remuneração se torna o grande atrativo para
que as pessoas se vinculem aos projetos. Da mesma forma, a
descontinuidade do financiamento gera a interrupção das ações e uma alta
rotatividade no interior da equipe. Tudo isso, aliado à ausência de
investimento na formação política, leva a uma falta de identificação das
pessoas que executam as ações de redução de danos.
186
Essas mudanças não ocorrem apenas entre os redutores, mas também
entre os coordenadores, o que é ainda mais complicado, dadas as exigências
e responsabilidades de planejamento e articulação das ações dos projetos
que estão implicadas nessa função. A mudança de coordenação em alguns
projetos dificultou sua execução e também foi motivada pela modalidade de
remuneração e incerteza quanto à continuidade do financiamento, pois na
medida em que um coordenador conseguia uma ocupação financeiramente
mais interessante abandonava o projeto, mostrando mais uma vez que em
alguns casos a ausência de compromisso político com a redução de danos
rebatia na continuidade de algumas ações.
O vínculo das equipes, de forma contraditória, passa pela
remuneração oferecida pelos projetos e o pela defesa da política de
redução de danos e dos direitos dos usuários de droga. Assim, aquela aposta
da redução de danos na formação de quadros políticos, capacitados para
interferir na correlação de forças entre o Estado e os segmentos organizados
da sociedade, na perspectiva de reconhecimento da redução de danos como
medida de Saúde Pública se inviabiliza nesse processo.
Observamos que quando o projeto é interrompido, especialmente por
falta de financiamento, tanto os redutores como os usuários atendidos o
demonstram nem interesse nem capacidade de articulação política para
reivindicar sua continuidade junto aos poderes públicos. Isso, a nosso ver,
revela uma falta de consciência política acerca da importância da redução de
danos na luta pela afirmação dos direitos humanos e de cidadania dos
usuários de drogas.
187
A fragilidade na capacitação da equipe poderia ser sanada com um
padrão ou programa mínimo, discutido entre todos os projetos de redução de
danos, que um redutor deveria aprender. Noções de direitos humanos, da
historia das drogas, vulnerabilidade às doenças e risco social, etc.
Obviamente que este item vai de encontro também com os outros acima
mencionados como criação de identidade da organização, formação política
em controle social e advocacy.
Outro dado que observamos, mas que não conseguimos categorizar, é
a grande capacidade de circulação das equipes nas redes de usuários de
drogas e nas cenas de uso. Esse foi um dos pontos positivos encontrados
no trabalho executado pelas equipes dos projetos, uma vez que essa
aproximação com a realidade de uso e com as redes de relações dos usuários
cria a possibilidade de tornar as equipes e a redução de danos uma
referência importante para os usuários.
Além disso, do ponto de vista da consolidação da experiência de
redução de danos, é importante a presença do redutor nos locais de uso,
pois permite o conhecimento das condições de uso, das motivações para o
uso e das referências sócio-culturais dos usuários.
No entanto, observamos que esta proximidade com as redes dos
usuários e com as cenas de uso tornou-se endógena. Ou seja, as equipes
reproduziam o mesmo movimento dos usuários no interior dessas redes sem
com isso garantir que sua presença fosse identificada como um braço da
saúde e da cidadania nos espaços de convivência e de interação dos usuários
de drogas. A presença das equipes nesses espaços não contribuiu para a
188
construção de alternativas de interação social dos usuários, para a
identificação de canais diferenciados de participação cidadã e nem para
ampliar o acesso e a busca ativa dos usuários aos equipamentos e serviços
sociais e de saúde.
Em relação à capacidade de circulação das equipes na rede de
usuários de drogas e nas cenas de uso, acreditamos que esta capacidade
deve servir para além do estabelecimento de vínculos de confiança e
consolidação da experiência. Elas precisam ajudar na criação de canais de
discussão com os usuários para a necessidade de ampliação de suas redes
sociais, bem como para a criação de outros espaços de convivência além da
cena de uso de drogas.
No processo de análise dos dados observamos que além dos elementos
de caráter estrutural (desigualdade e exclusão social, violação de direitos
humanos e de cidadania) e conjuntural (mudanças econômicas e políticas no
âmbito do planejamento e da gestão dos programas de saúde para as DST,
Hepatites e HIV/aids), elementos de natureza sociocultural também incidiam
sobre a realidade de execução dos projetos-piloto. Assim, embora não
tivéssemos a intenção inicial de analisar em nossa tese as particularidades
socioculturais que incidem sobre as possibilidades de acesso dos usuários
de crack aos serviços de saúde e a outros equipamentos sociais, sentimos a
necessidade de introduzir outro conceito teórico mediador que permitisse
iluminar esses aspectos presentes na atuação das equipes dos projetos-
piloto.
189
Por isso, além da noção de “ditadura dos projetos” que permitiu, em
nossa análise, articular as determinações de natureza estrutural e
conjuntural que configuram as relações entre o Estado e as organizações
executoras da redução de danos para usuários de crack e a realidade de
implantação dos projetos-piloto, utilizaremos o conceito de “pânico moral”
na perspectiva de iluminar os elementos de natureza sociocultural presentes
na realidade empírica dos projetos analisados.
6.2. Pânico Moral
A nosso ver, algumas das dificuldades encontradas pelos “cracados”
para implantação dos projetos de redução de danos e alguns elementos
presentes no processo de exclusão social dos usuários podem ser pensados à
luz desse conceito.
a) Em relação à polícia somente uma equipe relatou que não tinha
dificuldades na sua relação com a instituição e/ou seus servidores, pois em
todos os outros projetos ouvimos relatos da equipe sobre a violência policial
com os usuários e com a própria equipe. Numa visita a campo no projeto
dois pudemos constatar o despreparo policial. Enquanto a equipe estava
num lado da rua conversando e distribuindo insumos, no outro lado a
polícia passava e com um alicate quebrava os cachimbos dizendo: “A
secretaria de saúde distribui e a secretaria de segurança recolhe”. A
denúncia para a corregedoria da polícia militar foi feita, mas até o momento
(junho de 2006) passado mais de dois anos, nenhum contato com a
instituição foi feito por parte da polícia militar.
190
No ano anterior (2005), em um evento na cidade em questão, o
subprefeito disse, em alto e bom som, que a cidade precisava ser limpa dos
craqueiros e que havia pessoas que estavam distribuindo cachimbos para
eles continuarem fumando crack. De imediato a representante do Ministério
da Saúde, que estava na mesa respondeu que isso era uma medida de saúde
pública com o objetivo de evitar que esses usuários adoecessem, mas o
subprefeito disse que a cidade precisava ser limpa dos usuários e eles
tinham é que parar de fumar crack, arrancando palmas da plenária.
Neste sentido em relação aos problemas apontados com a polícia
nossa sugestão é a de que as instituições devem se articular com os
comandos policiais e escolas de formação para que a discussão sobre
redução de danos seja feita na academia de policia e a equipe que faz o
trabalho de campo também pensar em estratégias de intervenção com os
policiais de rua.
Isso pode demonstrar que a sociedade reage de forma contundente ao
pânico moral e suas reações são incentivadas por órgãos governamentais e
por gestores também proporcionando os aspectos abaixo relacionados:
b) A precariedade de políticas públicas para os craqueiros também
nos pareceu um reflexo do pânico moral, pois embora seja uma epidemia
nacional, seu uso não tem a mesma importância, e a mesma visibilidade,
que o uso injetável, pelo menos no que diz respeito à redução de danos.
Sabemos que a redução de danos surge no interior do Programa
Nacional de aids, que a forma de organizar a resposta da aids é também
determinada por prioridades que o Estado e o financiador colocam. Mas,
191
devido ao fato do uso de crack não estar relacionado como via de
transmissão direta (sangüínea) e por acontecer numa população
marginalizada, sua visibilidade política ficou comprometida, reproduzindo
uma marginalização no interior da marginalização, onde os craqueiros” são
os últimos da lista.
A marginalização dessa forma específica de marginalização social
também apareceu nas concorrências dos Programas Estaduais e Municipais
de aids. O projeto dois, por exemplo, recebeu um parecer negativo porque o
programa municipal não via ligação direta entre crack e aids. Esse projeto
conseguiu manter seu financiamento após um protesto numa conferência
internacional, quando o Programa Nacional e o Estadual solicitaram uma
reunião e conseguiram que o município desse o parecer positivo.
A instituição que locava e ainda loca o projeto, fez questão de dizer que
o parecer negativo não se devia somente ao fato da prefeitura não entender a
transmissão indireta (relação sexual desprotegida) do HIV e outras DST entre
os usuários de crack. Devia-se, principalmente, à discriminação contra os
“craqueiros”, porque esta mesma prefeitura não havia implementado em
nenhum equipamento social estratégias para o tratamento de usuários de
crack, nem estratégias de redução de danos para esses usuários. A
prefeitura de que estamos nos referindo tinha como funcionários pelo menos
50 redutores de danos, que desenvolviam suas ações nas ruas e dentro de
serviços de saúde, exclusivamente com usuários de drogas injetáveis.
192
Outras instituições como a do projeto um, do projeto três e do projeto
quatro, relatam o quanto se sentiram discriminados nos processos de
seleção nas concorrências estaduais.
Sobre a precariedade de políticas públicas para os craqueiros, nossa
contribuição é no sentido de incentivar as instituições não governamentais a
exercer o controle social sobre instituições públicas, além das de saúde, para
a criação de políticas de inclusão para os craqueiros.
c) Observamos a discriminação para com os cracados que parecem
ser tão discriminados como os usuários que atendem. Em reuniões e eventos
com outros técnicos da redução de danos observamos por diversas vezes as
colocações preconceituosas e desmerecedoras em relação a estes cnicos.
Ouve-se muito a alegação de redutores de danos que para crack não o
que se fazer, desqualificando todo o trabalho que os cracados” estavam
desenvolvendo valendo-se de teorias demonizantes para justificar seu
preconceito para com os técnicos.
Em relação à discriminação para com os cracados acreditamos que
trabalhos científicos devem ser incentivados com o objetivo de mostrar a
eficácia do trabalho de redução de danos com craqueiros.
d) Discriminação para com os craqueiros onde o pânico moral
apareceu refletido nos serviços de saúde. Pudemos observar isto quando
observamos os dados repassados pelas equipes dos projetos nos mostrando
que os serviços de saúde eram discriminatórios e a eqüidade, princípio
fundamental do SUS não existia, uma vez que tais serviços não atendiam os
diferentes de forma diferente, simplesmente não efetuando o atendimento.
193
Quando nos referimos a discriminação dos craqueiros, nos referimos
especificamente ao serviços de saúde, nesta caso a sugestão que podemos
fazer é no sentido de sensibilizar e capacitar os serviços de saúde para o
atendimento diferenciado (equidade) aos usuários de crack, diferenciado
para que se possa garantir a continuidade nos tratamentos de saúde como
uma forma de incluí-los na instituição pública para a buscas de outros
direitos.
E por fim, a circulação nas redes sociais
89
dos “craqueiros” também
aparece como um ponto para análise, embora também, não tenhamos
conseguido incorporá-lo numa categoria mais ampla. Se por um lado é de
extrema importância que isso aconteça, porque são nessas redes que as
informações de prevenção são decodificadas pelos usuários em estratégias
que tenham sentido, por outro lado limitam a formação dos usuários como
cidadãos.
Isso porque as equipes circulavam nas mesmas redes de exclusão dos
usuários. Então o que era extremamente positivo a busca ativa dos
usuários, reconhecimento da diversidade, conhecimento dos rituais das
praticas sócios culturais e das cenas de uso acaba reproduzindo a lógica
de exclusão.
Ainda que os três projetos persistentes tenham dificuldades de
continuidade e os outros dois projetos tenham interrompido suas ações,
pode-se dizer que estas equipes ajudaram muitos usuários de crack a
89
Para uma discussão mais aprofundada sobre redes sociais, ver Brites (1999) e Bastos (1996)
194
repensar seu uso de drogas e seus direitos sociais. Nas planilhas de
monitoramento, encontramos encaminhamentos para serviços de saúde que
foram executados, inclusão de usuários de crack em equipamentos sociais e
de saúde, participação dos usuários de crack em associações de
comunidades etc.
Neste sentido, o reconhecimento da dimensão política da redução de
danos afirmação dos direitos humanos e de cidadania articula-se com
uma aposta na construção de uma base de legitimidade social e política,
visando sua incorporação como medida de Saúde Pública. Essa aposta, na
trajetória da redução de danos no Brasil, sempre esteve ligada à atuação das
equipes dos projetos de redução de danos.
Numa visita a campo, o reconhecimento dos cracados como membros
das redes dos craqueiros serve de incentivo para a continuidade de
pesquisas no campo do uso de crack. Mas para isso é fundamental a sua
identificação com o usuário, rompendo com o pânico moral e o se
submetendo a ditadura dos projetos. Como nos disse um usuário numa
visitas a campo: “Mas vocês são tudo ia mesmo, porque ficar aqui no meio
da gente, falando sobre como usar crack, camisinhas, essas coisas...
Agüentando a nossa nóia, voltando sempre apesar das brigas e ainda sendo
amigo da gente? Não é coisa de gente normal não.”
195
Considerações finais.
Algumas considerações podem ser feitas tanto no âmbito
governamental como no âmbito não governamental frente o que observamos
e analisamos no desenvolvimento dos projetos-piloto de redução de danos
para usuários de crack. No nosso caso a forma como os financiamentos
aconteceram afetaram diretamente na execução dos projetos submetendo as
instituições e suas equipes ao que intitulamos de “ditadura dos projetos”.
Além de observarmos o alto grau de exclusão que os usuários de crack
estavam expostos nos remetendo a discussão sobre o “pânico moral”.
Nossas considerações finais caminham no sentido de entender porque
é tão difícil implementar estratégias de redução de danos para usuários de
crack tanto no âmbito governamental, como no âmbito não governamental.
Se por um lado temos certeza de que a redução de danos contempla o
conjunto de estratégias mais assertivas na garantia do direito ao uso de
drogas e ao respeito à diversidade dos usuários, por outro observamos que a
forma como ela foi implantada no Brasil acarretou equívocos na sua
atuação.
196
Nossas considerações servem como uma reflexão a mais que precisa
ser feita para a continuidade dos projetos em execução e para o
desenvolvimento de outros. Neste sentido, o caminho proposto vai na direção
de que as estratégias de redução de danos associados ao uso de drogas
devem ser amplamente discutidas pela sociedade, onde as organizações o
governamentais exerçam o controle social para sua implantação e execução e
o governo garanta que suas ações possam ser incorporados pelos seus
diversos setores avalizando a transversalidade que a fenômeno de drogas
exige, e como uma política pública tenha dentro dos diversos ministérios
recursos financeiros e humanos
197
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212
ANEXOS
213
Anexo 1
TERMO DE CONSENTIMENTO
Você esta sendo convidado a participar de uma pesquisa sobre os cinco projetos
pilotos de redução de danos para usuários de crack existentes no Brasil.
Esta pesquisa faz parte da tese de doutorado intitulada “Craqueiros e cracados: Bem vindo
ao mundo dos nóias.” Desenvolvida no programa de pós-graduação em ciências sociais na
Universidade Federal da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Edward John Batista das
Neves MacRae.
Sua participação consciente e voluntária neste estudo é fundamental, uma vez que um
dos objetivos do nosso estudo é contribuir para o conhecimento das formas para desenvolver
projetos de redução de danos para usuários de crack. Neste sentido, conhecer alguns aspectos
da sua experiência é de extrema importância.
Ao aceitar participar desta pesquisa você deve fornecer alguns aspectos da sua vida
profissional, através de uma entrevista que será gravada. A utilização do gravador tem por
objetivo garantir a fidelidade das informações fornecidas por você.
Se você assim desejar, sua identidade não será revelada, e todas as informações
fornecidas por você serão sigilosas. Utilizaremos nomes fictícios para todas as pessoas que
forem citadas durante a entrevista, inclusive você, para garantir a confidencialidade, já que
todas as informações que forem utilizadas no relatório final poderão se tornar publicas.
Você também pode interromper a entrevista a qualquer momento sem nenhum
prejuízo pessoal.
Durante a entrevista, caso você queira dar alguma informação a entrevistadora, mas
não queira que esta informação seja gravada, basta solicitar que interromperemos a gravação.
Ao aceitar participar, você deve assinar este termo de consentimento juntamente com a
entrevistadora, termo no qual você terá uma cópia.
Eu, ............................................................................., declaro que li/ouvi as
considerações, exigências e objetivos deste estudo e concordo em fornecer as informações
solicitadas através de uma entrevista que sra. gravada.
____________________________________/____/200_.
_____________________________________________
entrevistado
______________________________________________
entrevistadora
Responsável pela entrevista
Andrea Domanico
Estrada de São Lázaro, Edifico Bosque de Ondina, 127 apto 802
Federação – Salvador - Bahia
214
Anexo 2
Roteiro de entrevista
DADOS DO PROJETO
1. Nome:
2. Data do primeiro financiamento:
3. Coordenador atual:
4. Membros d equipe:
5. Formação de cada um:
6. Nome do primeiro coordenador (a):
7. Outros coordenadores:
USUÁRIOS ATENDIDOS PELO PROJETO
1. Fale-me um pouco dele?
2. Que tipo de doença eles têm?
3. Eles procuram serviços de saúde? São atendidos?
O PROJETO EM SI
1. Quando surgiu o projeto?
2. Quantos financiamentos já tiveram?
3. Teve problemas para financiar o projeto?
4. Que tipos de financiamento já teve?
5. Teve algum problema que afetasse o desenvolvimento do projeto? Que
tipo de problema?
6. A equipe é a mesma? Teve dificuldades com a equipe? Que tipo de
dificuldades?
7. Teve outros problemas? De que tipo?
8. Como o projeto é desenvolvido?
9. Foi sempre desta maneira?
10. Que tipo de insumos vcs distribuem?
215
11. Como vocês pensam em dar continuidade ao projeto?
12. Como é trabalhar com estes usuários fora do campo, vocês fazem alguma
reunião.
13. O que eles perguntam?
14. Você já viu cena de uso?
15. Qual o futuro da redução de danos para crack
16. Você acha que os PP podem ser referências para outros. O seu pode?
17. Há diferencia entre homens e mulheres
18. Há diferencia entre homens e adolescentes
19. Se você tivesse que pensar numa substituição o que você usaria?
20. O que mais podemos fazer do que distribuir insumos, documentos...
21. Qual a relação entre crack e aids?
22. Porque você decidiu trabalhar com RD
23. Qual o grande desafio da RD?
216
Anexo 3
Planilha de Monitoramento de Campo
P
ROJETOS
C
RACK
NOME DA INSTITUIÇÃO:
NOME DO PROJETO:
MUNICÍPIO:
1. Número de técnicos que atuam no projeto de crack:
( ) Vinculados ao Programa Municipal de DST/Aids
( ) Vinculados a outros programas. Qual(is)?____________________________
( ) Consultor contratado via projeto
( ) Voluntários
( ) Outros, descreva: ________________________________________________
2. Número de redutores que atuam no projeto de crack:
( ) Remunerados
( ) Não Remunerados (voluntários)
3. Tipo de vinculação dos redutores de danos:
( ) contratados pelo Programa Municipal de Aids
( ) contratados através de Projeto financiado pelo Programa Estadual de Aids
( ) contratados através de Projeto financiado pelo PN DST/Aids
( ) contratados pela Atenção Básica
( ) outro tipo de vínculo, descreva:
4. A equipe foi capacitada para questões relacionadas a:
( ) Aids/DST?
Como?
( ) Hepatites?
Como?
( ) Saúde mental?
Como?_____________________________________________________________
( ) Tuberculose?
Como?
( ) Outras? Quais? Hanseníase, Leptospirose.
Como?
5. A equipe do projeto está vacinada? (hepatite B, tétano, BCG)
( ) Sim, para: ( ) Hepatite B
( ) BCG
( ) tétano
( ) Sim, parte da equipe. Quem? ______________________________________
para: ( ) Hepatite B
( ) BCG
( ) tétano
( ) Não
Caso SIM, descreva a maneira como se deu a articulação para esta vacinação:
217
Quando o programa de redução de danos foi implantado, a coordenação do projeto entrou em
contato com o setor de imunização da prefeitura, e um técnico responsável foi até a sede do
Grupo Reviver para vacinar a equipe.
6. Existe alguma estratégia de vacinação oferecida para os usuários acessados pelo
projeto?
( ) Sim ( ) hepatite B
( ) BCG
( ) tétano
( ) Não
Caso SIM, descreva a maneira como se a articulação e encaminhamento para
vacinação:
7. Qual a área de atuação do projeto (citar nomes)?
8. Faça a descrição da área geográfica de abrangência das ações do projeto (se é em área
aberta: terreno baldio/mocó ou casa/moradia etc):
9. Descreva o perfil e a quantidade aproximada da população acessada. Descreva
qualitativamente esses grupos populacionais, detalhando características deles (por sexo,
orientação sexual, faixas etárias, profissionais do sexo, população geral, travestis,
moradores de rua etc)
10. Descreva como faz o encaminhamento dos usuários acessados para serviços de saúde (por
ex. hospitais, ambulatório de DST/Aids, UBS, etc)
11. Descreva a interlocução e parcerias com outros setores do governo (por ex. educação,
justiça, assistência social).
12.Insumos: descrição da aquisição e disponibilização de:
A. Preservativo masculino
Como adquire
Como distribui
B. Preservativo feminino
Como adquire
Como distribui
C. Kit RD
Como adquire
Como distribui
D. Cachimbo
Como adquire
Como distribui
218
E. Piteira de silicone
Como adquire
Como distribui
F. Protetor labial
Como adquire
Como distribui
13. Relação com Coordenação Municipal e Coordenação Estadual de Aids. Coloque
todos os pontos importantes - de insumos a apoio técnico das ações.
14. Descreve a relação com a Coordenação Estadual de Hepatites
15. O município dispõe de:
( ) Coordenação de saúde mental
( ) CAPS para transtornos mentais (CAPS I, CAPS II, CAPS III e/ou CAPSi)
( ) CAPS para álcool e drogas (CAPSad)
( ) Coordenação municipal de hepatites virais
( ) SAE
( ) CTA
Relação com a saúde mental:
16. O projeto mantém relação com a coordenação de saúde mental:
( ) não mantém
( ) mantém relação para o encaminhamento para os casos de transtorno mental
( ) mantém relação para o encaminhamento para os casos que procuram tratamento para o
uso de álcool e outras drogas – CAPSad
( ) mantém relação com o hospital psiquiátrico para o envio da pessoa quando em crise em
decorrência do transtorno mental e/ou por necessidade de desintoxicação
( ) mantém relação com o hospital geral para o envio da pessoa por necessidade de
desintoxicação do álcool e outras drogas
17. O Projeto, nos casos onde a pessoa solicita ajuda para o tratamento do uso de álcool
e outras drogas tem como parceiros:
( ) hospitais psiquiátricos
( ) ONG que atuam no tratamento da dependência química
( ) CAPS ad
( ) outros, quais?
219
18. Indique a institucionalização das ações via PAM ou por meio de outro mecanismo.
Colocar aqui como garante a continuidade das ações com o fim do financiamento do
projeto. Se não consegue manter as ações, colocar aqui também.
19. Dificuldades. Colocar aqui aspectos financeiros, técnicos e políticos.
20. Faça considerações que achar pertinentes sobre o trabalho.
220
Anexo 4
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de Línguas
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Baixar livros de Literatura de Cordel
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Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo