Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
DÉBORA FERNANDES COELHO
A COMPREENSÃO DO MUNDO VIVIDO PELAS GESTANTES PORTADORAS DO
VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV)
PORTO ALEGRE
2004
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Débora Fernandes Coelho
A GESTANTE PORTADORA DO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV)
PERCEBENDO SUA CORPOREIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado de
Enfermagem da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial à obtenção de título de Mestre em
Enfermagem.
Orientadora: Dra. Maria da Graça Corso da Motta
Porto Alegre
2004
ads:
3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
C672g Coelho, Débora Fernandes
A compreensão do mundo vivido das gestantes portadoras do Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV) / Débora Fernandes Coelho; orientadora: Maria da Graça Corso da Motta. –
Porto Alegre: PPGENF/UFRGS, 2004.
126f. : il.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de
Enfermagem. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem.
1. Gravidez – HIV positivo 2. Gravidez – HIV positivo – Relação corpo e mente 3.
Gravidez – HIV positivo – Relação interpessoal 4. Gravidez - Corpo – Existencialismo I.
Motta, Maria da Graça Corso da. II. Título.
CDD 618.2
616.9792
128.2
158.2
128.6
142.78
CDU 618.2:616.9AIDS
618.2:159.923.2
618.2:159.9.019.4
618.2:141.32
611.9:141.32
Bibliotecária Responsável: Carla Maria Goulart de Moraes - CRB10/1252
4
AIDÉTICO: antes de pronunciar essa
palavra, lembre que uma palavra pode
esconder muitos sentidos. Uma palavra
carrega ódio. Uma palavra carrega
repulsa. Uma palavra carrega desprezo.
Uma palavra exclui. Uma palavra isola.
Uma palavra machuca. Uma palavra
humilha. Uma palavra, às vezes, mata.
UMA PALAVRA NÃO É SÓ UMA
PALAVRA”.
(BAHIA, 2001)
5
AGRADECIMENTOS
Às professoras do Curso de Mestrado pelos seus ensinamentos e suas
sugestões para aperfeiçoamento do meu conhecimento científico em construção.
Às colegas do Núcleo de Estudos pelo apoio e o aprendizado em pesquisa,
em especial a Dra. Anna Maria Hecker Luz, exemplo de força e capacidade.
Às colegas e ao colega do Curso de Mestrado pela boa convivência e troca
de conhecimentos.
Aos colegas voluntários da ONG Mais Criança pelo estímulo, disponibilidade
e parcerias estabelecidas.
Às amigas do coração Janice Regina Rangel Porto e Ana Paula Xavier
Ravelli pela presença e apoio nos momentos em que mais precisei.
À pequena/grande baby, presente de Deus nessa caminhada, amiga,
companheira, guerreira e exemplo de ser humano resiliente: Cristiane Cardoso de
Paula.
Às gestantes Soropositivas para o HIV que seguem sua existência lutando
pela dignidade e pela força de viver. Meu muito obrigada pelas valiosas lições de
vida.
À equipe do SAE que me acolheu no final da caminhada, em especial à
enfermeira Gisele que acreditou em mim e me proporcionou o contato direto com o
mundo dos portadores de HIV.
À Dra. Maria da Graça Corso da Motta, orientadora e amiga, por ter me
acompanhado nessa trajetória com muita paciência, carinho e, acima de tudo, amor.
Foi o anjo que me guiou nos momentos alegres e tristes da caminhada.
6
Ao meu amor Alex pela paciência e auxílio em todos os momentos,
principalmente quando se tratava das “neuras” da construção de um trabalho
científico.
Ao mano Ligue e à Andréa pela amizade e presença constantes nos
momentos de entretenimento para abrandar a tensão.
Aos meus pais, Luiz Carlos e Rejane pela maneira como me ensinaram a
viver. São meus maiores exemplos de honestidade, bondade, amorosidade e força,
enfim, meu maior motivo para seguir sempre em frente.
7
8
COELHO, Débora Fernandes. A Gestante Portadora do Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV) Percebendo sua Corporeidade. Porto Alegre:
UFRGS, 2004. 126f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.
RESUMO
O estudo busca compreender como a gestante portadora do Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV) percebe sua corporeidade em um estar no mundo
gerando outro ser, corroborando com os conceitos de corpo e corporeidade do
filósofo existencialista Merleau-Ponty. Trata-se de um estudo qualitativo, com
enfoque fenomenológico. Realizou-se para coleta das informações a entrevista semi-
estruturada, proposta por Triviños. Participaram do estudo oito gestantes
soropositivas para o HIV, em acompanhamento pré-natal, na cidade de Porto Alegre,
vinculadas às atividades da Organização não-governamental MAIS CRIANÇA –
Grupo de Apoio à Criança Soropositiva. Utilizou-se para interpretação das
informações a abordagem hermenêutica proposta por Crossetti e Motta, com
fundamentação de Paul Ricouer. Nos discursos das participantes desvelaram-se
dois temas: As concepções de corpo no mundo das gestantes soropositivas para o
HIV e O estar no mundo com o Vírus.
Descritores: mulheres grávidas; soropositividade para o HIV; relações mente-corpo
(metafísica); existencialismo; compreensão; relações interpessoais.
9
ABSTRACT
1
This study tries to understand how a pregnant woman infected with HIV perceives
her corporeity in being-in-the-world bearing another being, confirming Merleau-
Ponty`s concepts of body and corporeity. It is a qualitative study with a
phenomenological approach. A semi-structured interview proposed by Triviños was
carried out to collect information. Eight HIV-positive pregnant women linked to the
activities of the Non-governmental Organization MAIS CRIANÇA (Support Group to
HIV-positive Children) took part in the study. The information collected was
interpreted with the hermeneutical approach proposed by Crossetti and Motta, based
upon Paul Ricoeur. The discourses of the participants gave rise to two themes: to be
in the world while infected with the virus and HIV-positive pregnant women`s
conceptions of body-in-the-world.
Descriptors: Pregnant Women; HIV seropositivity; mind-body relations
(metaphisics); existencialism; comprehension; interpersonal relations.
Title: The understanding of the HIV-positive pregnant women`s lived world
1
Tradução de: Instituto de Línguas Cervantes. Porto Alegre-RS.
10
RESUMÉN
2
El estudio busca comprender cómo la mujer en estado de gestación portadora de lo
Vírus de Inmunodeficiencia Humana (VHI) percibe su corporeidad estando en el
mundo generando otro ser, corroborando con los conceptos de cuerpo y corporeidad
del filósofo existencialista Merleau Ponty. Se trata de un estudio cualitativo con
enfoque fenomenológico. Se realizó para colecta de las informaciones la entrevista
semi estructurada, propuesta por Triviños. Participaron del estudio ocho mujeres en
estado de gestación Sero- positivas para el VHI en acompañamiento prenatal en la
ciudad de Porto Alegre, vinculadas a las actividades de la Organización no
gubernamental MÁS NIÑO - Grupo de Apoyo al Niño Sero-positivo Se utilizó para
interpretación de las informaciones el abordaje hermenéutico propuesto por Crossetti
y Motta fundamentado por Paul Ricouer. En los discursos de las participantes
surgieron dos temas: Estar en el mundo con el virus y Las concepciones del cuerpo
en el mundo de las mujeres en estado de gestación Sero-positivas para el VHI.
Descriptores: mujeres embarazadas; seropositividad para VIH; relaciones mente-
curpo (metafísica); existencialismo; comprensión; relaciones interpersonales
Titulo: La comprensión del mundo vivido por mujeres en estado de gestación
portadoras de lo Vírus de la inmunodeficiencia Humana ( VHI)
2
Tradução de: Instituto de Línguas Cervantes. Porto Alegre.
11
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RESUMÉN
1 APRESENTAÇÃO .................................................................................................12
2 ENCONTRO COM A GESTANTE SOROPOSITIVA PARA O HIV .......................15
3 OBJETIVO.............................................................................................................27
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA — BREVE REFLEXÃO.......................................28
4.1 DESCREVENDO A TRAJETÓRIA DE UM FATO EXISTENCIAL: HIV/AIDS E
MULHERES ..............................................................................................................28
4.2 CORPOREIDADE: O MODO DE SER NO MUNDO DAS GESTANTES
SOROPOSITIVAS PARA O HIV ...............................................................................37
4.3 O CUIDADO PARA A INTEGRALIDADE DO SER PORTADOR DO HIV...........41
5 CAMINHADA METODOLÓGICA...........................................................................47
5.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO.....................................................................47
5.2 CAMPO DE ESTUDO .........................................................................................49
5.3 PARTICIPANTES................................................................................................50
5.4 COLETA DAS INFORMAÇÕES..........................................................................52
5.5 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES .........................................................................53
5.6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS...............................................................................58
6 DESVELANDO O MODO DE SER NO MUNDO DA VIDA DAS GESTANTES
SOROPOSITIVAS PARA O HIV...............................................................................59
7 REFLEXÕES A PARTIR DA COMPREENSÃO DO MUNDO DA VIDA..............110
REFERÊNCIAS.......................................................................................................116
APÊNDICE A..........................................................................................................123
APÊNDICE B..........................................................................................................124
APÊNDICE C..........................................................................................................125
APÊNDICE D..........................................................................................................126
ANEXO A................................................................................................................128
12
1 APRESENTAÇÃO
O ser humano se constrói a partir das relações que mantém com o mundo,
as coisas e o outro que cohabitam juntos na existência. O seu modo de ser no
mundo da vida é o resultado de todas as suas relações junto a esse espaço e tempo
definidos pela sua existência. As facticidades que o ser humano vivencia durante
sua trajetória existencial definem sua realidade e conduzem sua história. O ser
humano é ser de história e a constrói a partir de suas experiências como um ser no
mundo. Desse modo, a gestante soropositiva para o Vírus da Imunodeficiência
Humana (HIV) vivencia diferentes relações em sua experiência existencial, entre
elas a soropositividade de um vírus incurável, que requer constante preocupação na
manutenção de sua integralidade como ser humano e a possibilidade iminente de
transmissão desse vírus para o ser que está gerando.
O objetivo deste estudo é compreender de que modo a gestante portadora
do HIV percebe sua corporeidade em um estar no mundo gerando outro ser. Para
tanto, utiliza-se o conceito de corporeidade proposto por Merleau-Ponty (1908-1961),
que se aproxima do modo de ser da gestante soropositiva para o HIV no mundo da
vida. Passa-se a pensar o corpo como unidade plena da gestante no mundo, sua
integralidade, que, com ele, se comunica e estabelece relações.
Descreve-se, inicialmente, a trajetória pessoal em direção ao tema do
estudo, o envolvimento no mundo do cuidado da mulher, em especial, da gestante
portadora do HIV e parte-se para a questão norteadora do estudo: Qual a
compreensão de corporeidade da gestante portadora do HIV ao estar no mundo
gerando outro ser? A reflexão com enfoque filosófico acerca do tema vem com o
intuito de contribuir para o aperfeiçoamento da prática de cuidado diária que os
profissionais de saúde, em especial, os de enfermagem, estabelecem com esses
13
seres no mundo de suas relações, proporcionando um saber mais profundo acerca
das necessidades existenciais das gestantes soropositivas para o HIV, num
momento peculiar de sua existência.
Após, apresenta-se breve reflexão teórica para elucidar o tema proposto,
pautada em três eixos: a trajetória do HIV/AIDS no encontro com a mulher; o
conceito de corporeidade que conduz a interpretação dos discursos e o cuidado
como base do ser, saber e fazer da enfermagem.
A caminhada metodológica percorrida institui-se como uma investigação
qualitativa com enfoque fenomenológico. Utilizou-se para coleta das informações a
entrevista semi-estruturada descrita por Triviños (2001), aproximando o pesquisador
do pesquisado mediante o encontro aberto para o diálogo do modo de ser no mundo
da vida. As informações foram analisadas e interpretadas seguindo os passos do
método hermenêutico proposto por Motta (1997) e Crossetti (1997), sob a luz da
hermenêutica de Paul Ricoeur (1978).
O campo de estudo foi a organização não-governamental MAIS CRIANÇA –
Grupo de Apoio à Criança Soropositiva. As participantes do estudo foram oito
gestantes soropositivas para o HIV em acompanhamento pré-natal. A partir dos
discursos das entrevistas, apresenta-se o capítulo intitulado Desvelando o modo de
ser no mundo da vida das gestantes soropositivas para o HIV, com dois temas: As
concepções de corpo no mundo das gestantes soropositivas para o HIV e O estar no
mundo com o vírus.
O último capítulo apresenta as reflexões a partir da análise e interpretação
das informações disponibilizadas pelas gestantes soropositivas para o HIV ao
desvelarem seus modos de ser no mundo da vida, a partir de sua trajetória
existencial na construção de sua história como ser humano único. Percebe-se que,
14
ao buscar nas raízes filosóficas explicações para a angústia e o sofrimento humano,
possibilita-se alcançar o entendimento do ser humano em sua integralidade e, assim,
proporciona-lhes um cuidado de saúde humanizado, preservando sua dignidade e
ajudando-o a enfrentar a facticidade existencial da doença, aproximando-se de suas
essências, procurando minimizar o impacto desta realidade e contribuindo para a
sua adaptação e reorganização no mundo da vida.
15
2 ENCONTRO COM A GESTANTE SOROPOSITIVA PARA O HIV
Nos primeiros semestres do curso de graduação em Enfermagem, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aproximei-me da pesquisa como prática
de construção do saber científico. Durante as disciplinas iniciais do curso tive a
oportunidade de dar os primeiros passos no ato de pesquisar. Recordo-me,
nitidamente, das palavras da professora ao dizer que a pesquisa “serve para
satisfazer o pesquisador frente à inquietação advinda de determinado assunto que
lhe é de interesse”. Portanto, pesquisar, antes de tudo, é a busca do aprimoramento
da prática em cada saber científico, visto ser, aí, o foco das inquietações. A partir
daí, a pesquisa tornou-se presente em minha trajetória acadêmica e interessei-me
em praticá-la cada vez mais.
Nessa trajetória, fui monitora de um evento nacional de pesquisa em
enfermagem, o qual me permitiu, tanto o contato com a produção científica da área
no país quanto, conhecer as pesquisadoras que compõem o corpo docente da
Escola de Enfermagem da qual eu fazia parte. Assim, logo após o término do
evento, participei de um projeto de pesquisa, do qual resultou minha primeira
publicação em uma revista científica de Enfermagem.
No quarto semestre de graduação em Enfermagem me inscrevi em um
núcleo de pesquisa da Escola para concorrer a uma bolsa de iniciação científica da
Universidade, em parceria com o CNPq, que tem como finalidade inserir o aluno de
graduação na área de pesquisa. Ao ser selecionada, passei, gradualmente, a
desenvolver as etapas de investigação com as pesquisadoras, enriquecendo meu
conhecimento.
16
Concomitante à produção científica, desenvolvi atividades relacionadas à
prática profissional de Enfermagem na área de assistência materno-infantil, tendo
em vista que as integrantes desse núcleo são especialistas no cuidado à criança e à
mulher.
Mediante atividade voluntária, no atendimento às mulheres, desenvolvida em
comunidade de classe popular de Porto Alegre, descobri minha inclinação para
cuidar desse grupo, confirmada ao cursar a disciplina de Enfermagem no Cuidado à
Mulher, da graduação em Enfermagem.
A fim de estreitar meus laços com essa área, realizei estágio voluntário
extracurricular em unidade do centro obstétrico de um hospital universitário. Nessa
unidade, desenvolvi atividades pertinentes à enfermeira — cuidado às mulheres em
pré-parto, parto e pós-parto e estágio prático na disciplina de Administração em
Enfermagem na Unidade de Internação Obstétrica, incluindo meu estágio curricular.
Essas experiências reafirmaram meu interesse pelo cuidado dessa clientela porque,
dentre outras atividades, atua-se, nessa área, muito mais com a felicidade do ser
humano em trazer ao mundo uma nova vida do que perdê-la. Cabe ressaltar o
fascínio que o “ser mulher” provoca em mim, principalmente em relação à
maternidade — acontecimento de sua vida, desvelando-se como um período
peculiar da sua experiência existencial.
Nesse sentido, um grupo especial de mulheres provocou-me inquietações
relativas ao cuidado a elas dispensado – as mulheres infectadas pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV). Mulheres que, ao estarem no ciclo grávido-
puerperal, enfrentam, além de todas as transformações significativas desse período,
o sofrimento pela presença de um vírus que tem, por conseqüência, a Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (AIDS), doença sabidamente letal. A isso, adiciona-se a
17
efetiva possibilidade de transmissão do vírus para o seu filho, condenando-o
igualmente.
Constatei que os cuidados prestados a essas mulheres se diferenciam dos
prestados às demais, pois é preciso intervir quanto à maternidade associada ao
vírus, reduzindo, ao máximo, as chances de transmissão vertical — da mãe para o
bebê.
Há uma variedade de cuidados direcionados a essas mulheres e seus
bebês, entre os quais a orientação de não amamentar o filho. A mulher é informada,
desde o início da gestação, sobre as conseqüências negativas do seu leite e, em
alguns casos
3
, as mamas são enfaixadas logo após o parto para não haver estímulo
da lactogênese.
Confesso ter me sentido mal ao submeter a mulher ao enfaixamento de suas
mamas: mesmo consciente da necessidade da não-amamentação nesses casos,
possuo a forte imagem da amamentação como um símbolo associado à
maternidade, e, além disso, na formação acadêmica e na mídia, a idéia central é a
de que o aleitamento materno — auxílio imunológico para o novo ser — reforça,
também, a formação do vínculo mãe-bebê, momento de troca estreita de carinho. O
fato de desestimular a mulher a amamentar contraria os conceitos construídos na
cultura brasileira acerca da maternidade e, naturalmente, os meus.
Outra questão importante, no que tange à feminilidade da mulher, é o
enfaixamento das mamas, que fere, esteticamente, o ponto de referência físico-
feminino.
3
A orientação para o enfaixamento das mamas de mulheres soropositivas para o HIV está presente em:
BRASIL. Ministério da Saúde. Parto, Aborto e Puerpério – assistência humanizada à mulher. Brasília: Ministério
da Saúde, 2001. No entanto, sabe-se que algumas maternidades buscam outras alternativas a fim de bloquear a
produção de leite materno como: orientação do uso de sutiã firme apertado; uso de gelo nas mamas.
18
No meio científico há drogas
4
que inibem a lactação, fazendo um bloqueio
hormonal na produção do leite, mas a técnica preferencial usada para o grupo de
mulheres infectadas com HIV não é essa, constatando-se mais uma discriminação
por elas sofrida, além das já enfrentadas em decorrência do estigma que a presença
do vírus acarreta.
Sabe-se que, com o avanço científico obtido nos últimos anos em relação ao
tratamento de portadores do HIV, a perspectiva de qualidade e tempo de vida
aumentou consideravelmente, e houve acentuada diminuição nos casos de
transmissão perinatal. Assim, o uso dos medicamentos preconizados para as
mulheres no período gravídico permite seus filhos nasçam sem o vírus e vivam
sadios. No entanto, muitas portadoras do HIV não usam a medicação, o que
interfere no seu prognóstico de vida.
Os medicamentos anti-retrovirais indicados durante a gestação — com uma
variedade de efeitos colaterais (Anexo A) — causam indisposições freqüentes em
quem os usa e pode justificar, de alguma forma, a não adesão da mulher a esse
tratamento, em alguns casos. Ao refletir sobre alguns dos motivos que podem
impedir a mulher de não tomar a medicação, deparo-me com a seguinte questão:
sentem-se sadias, sem nenhum sinal/sintoma aparente da presença do vírus e, no
momento que passam a ingerir apresentam sinais que as desestabilizam
organicamente, fazendo com que passem a sentir um corpo, antes, simbolicamente
sadio, com indícios de doença. O início do uso dos anti-retrovirais pode ser o
primeiro contato real dessa mulher com a presença do vírus, causando-lhe grande
desconforto e certa revolta, pois já está fragilizada por ser portadora do vírus.
4
Existe em algumas maternidades resistência na prescrição das drogas pela equipe médica, pois alegam que as
drogas podem apresentar expressivos efeitos adversos, o que não justifica a relação risco/benefício.
19
Portanto, acredito que a equipe de saúde que cuida de uma gestante
soropositiva para o HIV deve estar atenta e preparada para vivenciar questões
particulares da experiência dessa mulher. Deve-se buscar conhecer sua cultura,
suas crenças, percepções e conflitos, pois percebo que são necessárias estratégias
de cuidado adequadas para cada mulher. Somente assim obter-se-á resultados
efetivos para cada ser em sua experiência existencial, cuja relação com o outro deve
ser pautada na premissa de que cada um possui sua singularidade e unicidade no
mundo.
Com essas inquietações, desenvolvi meu estudo de conclusão de curso de
graduação em enfermagem
5
sobre o cuidado de enfermagem à mulher soropositiva
para o HIV, no período grávido-puerperal, entrevistando enfermeiras atuantes no
pré-natal, parto e puerpério. Os resultados da pesquisa confirmaram muitas
observações que fiz durante os estágios, ao questionar enfermeiras sobre suas
percepções e preocupações advindas da prática de cuidado, a partir de seu próprio
reconhecimento como cuidadoras.
O presente estudo levou-me a refletir acerca do cuidado das enfermeiras e,
também, a uma avaliação dos outros membros da equipe, nesse processo.
A partir das informações obtidas através de entrevistas com as enfermeiras,
percebi que existe preocupação quanto ao desempenho da prática profissional — o
cuidado. Há um grande empenho para que o cuidado seja realizado com excelência,
nesse grupo especial de mulheres, ficando evidente, em seus relatos, as
dificuldades e deficiências existentes em sua prática.
5
Trabalho publicado pela Revista Brasileira de Enfermagem – REBEN. COELHO, D.F.; MOTTA, M.G.C. Cuidado
à Mulher Soropositiva no Ciclo Grávido-Puerperal: Percepções de enfermeiras. Revista Brasileira de
Enfermagem, Brasília, v. 55, n. 1, p. 92-100, jan./fev. 2002.
20
As enfermeiras denotam que, apesar das dificuldades pessoais enfrentadas
ao estabelecerem o contato com a mulher portadora do HIV, a responsabilidade de
um cuidado qualificado e livre de qualquer intercorrência que venha prejudicar o
desenvolvimento de sua prática faz parte de todas as suas ações. A importância de
suas potencialidades educacionais como orientadoras se evidencia em vários
momentos.
Acreditam que a comunicação é um instrumento estratégico para atingir os
objetivos estabelecidos para essas mulheres, evidenciando a necessidade de uma
comunicação sem ruídos entre quem cuida e quem é cuidado.
Percebe-se a preocupação de se colocarem no lugar do outro, sendo essa
habilidade uma forma de avaliar como o cuidado está sendo desenvolvido e, a partir
da avaliação, buscar alternativas para suprir as carências identificadas.
O estudo possibilitou-me vislumbrar a importância real da profissional
enfermeira no processo de maternidade da mulher soropositiva para o HIV,
reportando-me a algumas experiências que vivenciei, enquanto estagiária de
enfermagem, desempenhando o cuidado a essas mulheres.
Ficaram latentes as lacunas existentes no desempenho do cuidado às
mulheres soropositivas para o HIV no processo de maternidade, no entanto, há, por
parte das entrevistadas, a busca constante de conhecimento, no intuito de se
atualizarem. Evidencia-se, claramente, a consonância entre a evolução científica e
as facilidades adquiridas para o desempenho da prática profissional. As
participantes do estudo compartilham os ganhos advindos da evolução científica, no
decorrer dos anos, para o tratamento de pacientes soropositivos para o HIV.
As principais estratégias de cuidado utilizadas na prática diária das
enfermeiras voltam-se para a proteção da criança que a mulher soropositiva para
21
HIV está gerando. Existe uma estreita relação com o cuidado prestado e os
resultados positivos acerca da existência dessa criança saudável, portanto, as
enfermeiras possuem, intrinsecamente, a responsabilidade pelo sucesso da vida
dessa criança. Por outro lado, se não houver uma interação eficaz com outros
membros da equipe multidisciplinar, o sucesso ficará comprometido, pois, a
enfermeira faz parte de uma equipe e não possui autonomia suficiente para
contemplar todas as necessidades da mãe e de seu filho.
O relato de uma enfermeira sobre o preconceito existente no meio
profissional para com essa mulher chamou-me atenção. As palavras dela confirmam
o grande poder que exercemos sobre a vida dessa mulher, podendo interferir no seu
processo de existir no mundo e provocar danos que podem ser irreversíveis a esse
ser que se encontra em situação extremamente vulnerável.
Portanto, essa investigação serviu de subsídio para meu futuro profissional,
proporcionando-me a reflexão para organizar as premissas básicas do meu papel
como enfermeira, desempenhando cuidados às mulheres soropositivas na
maternidade. Além disso, acredito que o estudo contribuiu para os profissionais que
atuam com pacientes portadores do HIV quanto às estratégias para a integralidade
do cuidado prestado, priorizando um cuidado multidisciplinar e contínuo. Reforça-se
a necessidade de respeito às individualidades de cada ser para que o objetivo seja
atingido.
A partir da realização desse estudo, outras indagações continuaram a fazer
parte da minha vida profissional sobre o mundo da mulher soropositiva e a
maternidade, de modo que concorri a uma vaga do curso de Mestrado em
Enfermagem, cujo anteprojeto baseava-se na vivência dessa mulher, na busca de
22
suas experiências na qualidade de ser no mundo
6
. Ao ser aprovada, refleti sobre as
minhas inquietações, principalmente no que tange ao estar no mundo
7
da mulher
soropositiva para o HIV e a maternidade. Voltei-me, assim, para as percepções
dessa mulher em sua experiência existencial, reforçada pela minha experiência em
estar com ela em uma Organização Não-Governamental (ONG).
Desde que passei a me interessar mais pelas questões que envolvem o
HIV/AIDS, mais especificamente quanto à gestante e seu bebê, senti necessidade
de participar de um grupo no qual se discutissem e promovessem ações específicas
sobre esse assunto, e pudesse me aproximar do mundo desses seres.
Assim, em maio de 2002, uma professora da Escola de Enfermagem da
UFRGS, membro do MAIS CRIANÇA – Grupo de Apoio à Criança Soropositiva,
convidou-me para fazer parte da equipe de um projeto que estava iniciando nessa
organização não-governamental (ONG), cuja coordenadora era ela. Prontamente,
comecei a participar das reuniões de organização do projeto e, gradativamente,
passei a envolver-me em outras atividades do grupo, tornando-me membro
voluntário.
Uma das atividades realizadas pela ONG é a parceria com o Serviço de
Assistência Especializada em DST/HIV/AIDS (SAE) da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, onde há grupos de gestantes soropositivas para o HIV, em
acompanhamento pré-natal. Esse grupo se encontra todas as terças-feiras, no turno
da manhã, dia agendado para consulta médica das gestantes. As mulheres recebem
informações sobre os cuidados durante a gestação, com o bebê após o parto,
tratamento medicamentoso, falam sobre dúvidas, anseios, preocupações, entre
6
Ser no mundo é o resultado das experiências desse ser com outros seres, no qual a subjetividade e a inter-
subjetividade mesclam-se a estas experiências, sejam elas presentes ou passadas (MERLEAU-PONTY, 1994).
7
Estar no mundo é o partilhar com todos os seres humanos, todos os homens, todos os povos, todos os tempos
e todos os lugares, ou seja, é o ser em relação com o outro ser e com o mundo (FÉDIER, 1989).
23
outros. Percebe-se que os encontros do grupo permite a troca de informações sobre
as vivências entre mulheres que enfrentam as mesmas dificuldades, e as auxilia a
buscar estratégias de enfrentamento de sua experiência existencial. Os encontros
são coordenados por um profissional da área de saúde (enfermeiro, assistente social
e psicóloga), membro da equipe interdisciplinar do SAE, capacitado para atender as
gestantes.
Realizam-se quatro reuniões de grupo por mês. Há o grupo da primeira
terça-feira do mês; o da segunda terça-feira do mês; o da terceira terça-feira do mês
e o da quarta terça-feira do mês, denominados grupo A, B, C e D. Cada grupo
possui 12 vagas para gestantes. A periodicidade de participação de cada gestante é
mensal e a inserção nos grupos ocorre à medida que vão surgindo as vagas devido
a rotatividade do ciclo gravídico. A mulher desliga-se do grupo após o nascimento do
bebê, sendo convidada a apresentar seu recém-nascido no primeiro encontro de seu
grupo, após o parto
8
.
Na análise dos registros dos grupos no SAE, constatei que foram
cadastradas em grupos no período de janeiro de 2003 a dezembro do mesmo ano
174 gestantes soropositivas para o HIV em acompanhamento pré-natal no serviço.
À medida que me inseri na ONG, passei a fazer parte de um grupo,
inicialmente como observadora, a fim de que as gestantes se adaptassem a minha
presença e proporcionassem abertura para um ambiente de troca. Após o período
de adaptação, tornei-me membro efetivo de um grupo. Inicialmente, ía para o SAE,
uma terça-feira por mês, e ficava durante a manhã trocando conhecimentos com as
mulheres no espaço grupal junto a um profissional do serviço que coordenava o
encontro daquele grupo do dia. No entanto, a partir de outubro de 2003, passei a
8
Estratégia utilizada para manter o vínculo da mulher ao serviço, a fim de que continue seu acompanhamento
ginecológico e com o infectologista, e haja o acompanhamento da criança pela pediatra.
24
fazer parte da equipe interdisciplinar do SAE, na função de Enfermeira estagiária
voluntária vinculada à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Assim, além das
atividades inerentes à enfermeira, que desempenhava no SAE, diariamente, assumi
a coordenação dos grupos de gestantes, responsabilizando-me por todas as
incumbências pertinentes à organização de todos os encontros dos grupos:
agendamento das gestantes no sistema, coordenação de reuniões semanais com as
responsáveis (coordenadora de cada grupo), busca das gestantes ausentes nos
grupos, abertura de novas vagas de acordo com o desligamento das gestantes e
marcação da primeira consulta do recém-nascido. Além da coordenação geral,
também assumi a coordenação de um grupo, por entender que a troca
proporcionada nesse espaço permite uma aproximação da realidade existencial que
essas mulheres vivenciam como ser no mundo.
Em um desses encontros, durante uma conversa informal com as mulheres,
a fala de uma delas chamou-me a atenção, pois, pela primeira vez, eu ouvia tão
explicitamente o modo com que um portador do HIV se percebe, questão às vezes
esquecida pelos profissionais que o cuida. Conversávamos sobre relações sexuais,
em todos os seus aspectos, até mesmo nas posições sexuais de preferência. E foi
nesse tópico que uma gestante disse: “O meu corpo é capaz de tudo...Faço tudo
com ele. Se os médicos não dissessem que tenho o HIV dentro dele, nunca eu
ficaria sabendo. Não me sinto com o corpo doente e tenho certeza que meu filho não
será doente, porque eu cuido, agora aprendi a tomar os remédios sem sentir nada”.
Essa gestante está em sua terceira gestação. Na gestação anterior o teste acusou o
vírus, no entanto ela se negou a fazer o tratamento, por sentir-se muito mal ao tomar
os remédios, e o filho, hoje, é doente de AIDS, fazendo tratamento no serviço de
assistência especializada.
25
Naquele momento, uma série de indagações fizeram-se presentes acerca de
minhas percepções sobre essa mulher, e questionei-me sobre as prioridades
enfocadas pelos profissionais no desempenho do cuidado a essas mulheres. Passei
a perceber que ao se saber como essa mulher se percebe enquanto corpo,
possibilita uma compreensão maior das atitudes, conceitos, crenças, culturas e
conhecimentos que ela possui ao se relacionar com o mundo e consigo mesma,
buscando estratégias de cuidado que contemplem esse existir em sua integralidade.
Compartilho com a idéia de que o corpo é a unidade plena do homem, que não pode
ser separada por partes. Merleau-Ponty (1994) declara que não tem corpo, mas é
corpo. Enfim, é o elo do homem com o mundo (SANTIN, 1994).
Assim, questiono-me: Qual a compreensão de corporeidade dessa mulher
ao estar no mundo, gerando outro ser?
Nesse estudo será utilizado o conceito de corporeidade segundo a
perspectiva filosófica existencialista de Merleau-Ponty, que Santin (1994) define
como o modo de ser do homem inserido no mundo da vida da realidade. É a
construção espaço-temporal do mundo da vida humana com todas as suas
possibilidades e dimensões.
Essa temática vem inquietando-me e entendo que há muito a investigar em
relação à mulher soropositiva para o HIV, o que motivou a realização deste estudo.
Assim, o presente estudo abordará as percepções da mulher gestante
infectada com o HIV, partindo-se do seu próprio reconhecimento como corpo que
está gerando outro corpo. A relevância do estudo é a de proporcionar à enfermagem
uma reflexão e conseqüente implementação na definição das estratégias de cuidado
a essa mulher.
26
O saber cuidar em Enfermagem, em relação à gestante soropositiva para o
HIV, evidencia-se como uma prática complexa, visto que se trata de um fato
existencial que compreende questões que envolvem afeto, sexualidade, cultura,
espaço do ser feminino no mundo, dentre outras, cujas inquietações e dificuldades
permeiam a vida dessa mulher e do cuidador em Enfermagem, enquanto seres no
mundo com o outro. Assim, compreender a corporeidade da gestante soropositiva
para o HIV remete ao fato existencial para além da doença, na busca, mediante o
cuidado, da construção de um futuro ser saudável, o filho, visto que o estigma do
HIV traz, intrínseco, sua finitude, em relação à gestação e à perspectiva de vida.
Portanto, o estudo pretende aprofundar um tema atual e de relevância para
o cuidado das necessidades existenciais deste ser no mundo como corpo, que trará,
ao mundo, um novo ser cuja existência será vivenciada com os estigmas e
preconceitos do HIV.
27
3 OBJETIVO
A partir dos questionamentos advindos da temática, o objetivo deste estudo
é:
- Compreender de que modo a gestante portadora do HIV percebe sua
corporeidade ao estar no mundo, gerando outro ser.
28
4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA — BREVE REFLEXÃO
A dissertação de mestrado é um estudo teórico, de natureza reflexiva, que
requer embasamento no universo teórico já elaborado, com a necessária revisão e
identificação do que já existe em termos de material bibliográfico sobre o tema do
estudo (LAKATOS E MARCONI, 1992).
Neste capítulo, apresenta-se, inicialmente, a trajetória da infecção do HIV
desde a sua descoberta, dando ênfase aos aspectos de infecção na mulher, as
repercussões em sua existência e a situação atual da epidemia no mundo.
Na seqüência, apresentam-se os conceitos de corpo e corporeidade para o
entendimento do tema e sua utilização no decorrer do estudo, enfatizando o corpo e
a corporeidade sob perspectiva filosófica, embasada nos pensadores que abordam
as questões existenciais da experiência humana. Para finalizar, faz-se breve revisão
sobre o cuidado, como prática do saber e fazer em enfermagem, necessário à
justificativa do tema de pesquisa.
4.1 DESCREVENDO A TRAJETÓRIA DE UM FATO EXISTENCIAL: HIV/AIDS E
MULHERES
No início dos anos 1980, o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) começa
a tomar notoriedade. Inicialmente, chamado de peste “gay”, por estar disseminado
nesse grupo. Com o passar do tempo, outros grupos apresentaram o vírus, sendo,
então, denominados de grupos de risco. Hoje, já não existem os famosos grupos de
risco, mas sim as situações de risco a que os indivíduos podem estar expostos
(NASCIMENTO, 2000).
29
Para melhor compreensão das diferentes interfaces que permeiam o
contexto da epidemia apresenta-se, como alternativa, o conceito de vulnerabilidade.
Segundo Ayres, França Junior e Calazans (1997, p.21), o conceito de
vulnerabilidade possibilita a avaliação objetiva, ética e política, das condições de
vida a que se submete cada indivíduo exposto ao problema e “os elementos que
favorecem a construção de alternativas reais para nos protegermos”.
O termo vulnerabilidade origina-se da advocacia no entanto, torna-se
fortemente visível com a epidemia da AIDS a partir da década de 1990, numa
tentativa de retirar “o caráter de culpabilibidade individual (grupo de risco,
comportamento de risco) e se pensar numa possibilidade mais coletiva”, mais
abrangente, de possibilidade à infecção pelo HIV (AYRES, FRANÇA JUNIOR E
CALAZANS,1997, p.21-22).
A vulnerabilidade é um constructo conceitual, a qual revela um instrumento
de inteligibilidade de situações de saúde e seus determinantes, que envolvem os
planos biológico/individual, social e programático/institucional. Tal constructo
conceitual, nos diferentes planos, é um todo indivisível, sendo que, ao ocorrer
alguma mudança em um dos planos, sempre remeterá aos demais (AYRES,
FRANÇA JUNIOR E CALAZANS, 1997; AYRES, 2003).
A vulnerabilidade individual refere-se "àquilo que uma dada pessoa singular
pensa, faz e quer", que a coloca, de alguma forma, exposta à aquisição de um
agravo de longa duração, seja pela idade, estrutura física, o tipo de informação de
que dispõe, como utiliza essa informação, valores, projetos de vida, enfim, tudo o
que ela pode fazer por si mesma. A vulnerabilidade social atribui-se às condições
culturais, econômicas e políticas que precisam ser pensadas quando se quer
compreender as razões pelas "quais as pessoas pensam, fazem e querem coisas"
30
que as expõem a um agravo de longa duração e todas as suas conseqüências,
sendo a família parte desse contexto social. E a vulnerabilidade programática
reporta-se a situação institucional enquanto saúde, educação, comunidade. Refere-
se ao grau de alerta e preocupação com o problema quanto ao modo que a pessoa
se organiza para enfrentá-lo (planejamento, recursos, capacidade, gerência e
avaliação) que impede ou limita a intervenção sobre as razões sociais que levam o
indivíduo "a modos de pensar, fazer e querer", que o expõe aos agravos de longa
duração (AYRES, 1998; AYRES, FRANÇA JUNIOR E CALAZANS, 1997).
Assim, Sprinz et al. (1999) salientam que, nos dias atuais, somente
pertencer à espécie humana é suficiente para infectar-se com o HIV.
Devido ao grupo de pessoas infectadas no início da epidemia, muitas
metáforas foram incorporadas à questão do HIV. Por infectar inicialmente gays e
usuários de drogas, a sociedade passou a considerar a AIDS como a doença do
outro, porque os grupos infectados eram classificados como pessoas à margem, não
fazendo parte dos padrões culturais vigentes.
Por isso, houve um grande silêncio sobre a incidência da infecção em
mulheres, pois não eram consideradas suscetíveis à infecção pelo HIV, por
manterem corretamente sua posição na sociedade. Assim, existiram dificuldades em
reconhecê-las suscetíveis. Além disso, durante muitos anos, as campanhas
promovidas pelo Ministério da Saúde na luta contra a AIDS não tinham como foco as
mulheres, deixando claro que não precisavam se incomodar com questões relativas
à epidemia.
De acordo com Knauth (1997) as mulheres, mesmo infectadas, pensam a
AIDS como uma doença do outro. Através da via de infecção, buscam se diferenciar
desse outro associado à AIDS. Consideram-se diferentes, visto que se infectam na
31
própria relação conjugal. Desse modo, ao se tornar decorrente da sua condição
social (de mulher, esposa, mãe), esse fato estabelece, para elas, uma diferença
entre os infectados: os que procuraram a doença (homossexuais, prostitutas,
usuários de drogas) e os que se infectaram legitimamente (mulheres com
relacionamentos estáveis).
Knauth (1997, p. 300), reforça que seria como separar-se a AIDS em dois
tipos distintos: “a AIDS dos outros e a AIDS das pessoas comuns, das pessoas ‘de
bem’. A primeira é vista como o resultado de comportamentos condenáveis,
irresponsáveis (...); a segunda é uma obra do acaso, que decorre da natureza
masculina e do desempenho de um papel social (de esposa)”.
Em contraponto a essa afirmação, a Fiocruz (2001) destaca que os casos de
AIDS continuam a aumentar entre as mulheres. Esse fato preocupa os profissionais
da saúde, pois as mulheres correm o risco de se tornarem o principal grupo
infectado, visto que, em 1982, quando a doença foi constatada no Brasil não havia
registros de mulheres infectadas. Esse quadro modificou-se quando os casos
começaram a aparecer, tendo uma mulher infectada para cada 18 homens.
Atualmente, a proporção é de uma mulher portadora do vírus para cada dois
homens, sendo que, em algumas regiões, esta proporção é de um para um ou, até,
duas mulheres portadoras do vírus para um homem.
Segundo Sprinz et al. (1999), a suscetibilidade de contaminação por via
sexual é quatro vezes maior na mulher do que no homem e, na maioria dos casos, a
infecção nas mulheres deve-se à via de transmissão heterossexual.
Para Serra (2001, p.4), no momento, “o verdadeiro grupo de risco está
situado entre as mulheres com mais de 30 anos, com relacionamentos estáveis, que
32
não têm a percepção do risco que correm ou não conseguem a colaboração do
parceiro para tomar as medidas preventivas”.
A vulnerabilidade das mulheres diante do HIV, evidenciada pelo atual perfil
dos casos da epidemia, traz à tona, também, a fragilidade dos mecanismos para sua
proteção, causada pelas enormes limitações das mulheres no espaço de suas
relações pessoais, sua inferioridade econômica e social (VERMELHO, BARBOSA E
NOGUEIRA, 1999).
Além disso, existem culturas que não toleram o sexo casual de nenhum dos
membros que optaram pela vida conjugal; em outras, tolera-se para ambos, mas, na
maioria, espera-se que só as mulheres permaneçam fiéis a seus maridos. Com isso,
supõe-se que as esposas devem consentir na infidelidade de seus maridos, mas,
desde o surgimento da AIDS, as conseqüências desse consentimento têm trazido
outras repercussões (GENEBRA, 1995).
Conforme relatório do Programa da Organização das Nações Unidas (ONU)
para AIDS (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS - UNAIDS) e da
Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em novembro de 2002, 5 milhões
de pessoas foram infectadas em 2002 pelo HIV. Destas, 4,2 mil foram mulheres,
sendo que 800 mil eram crianças menores de 15 anos. Hoje, 42 milhões de pessoas
vivem com AIDS no mundo, das quais 19,2 milhões são mulheres e 3,2 mil têm
menos de 15 anos. O relatório reforça o impacto da doença no mundo, enfocando o
alastramento da epidemia nas regiões e países mais populosos do planeta (AIDS,
2002a).
O mesmo relatório aponta o Brasil como exemplo na luta contra a AIDS, com
esforços efetivos para neutralizar a vulnerabilidade, o estigma e a discriminação dos
portadores do HIV (UNAIDS, 2002).
33
A UNAIDS destaca que, pela primeira vez na história da epidemia, as
mulheres representam 50% dos adultos que vivem com HIV. Estima-se que, hoje, 3
milhões de crianças sejam portadoras do HIV e que 13,4 milhões tenham ficado
órfãs devido à AIDS (AIDS, 2002b).
No Brasil, existe um caso de AIDS em mulheres para 1,7 casos em homens.
Na faixa etária de 13 a 19 anos, a epidemia de AIDS já é maior entre as meninas,
principalmente em função de o início de sua atividade sexual ocorrer, em geral, com
homens mais velhos e, conseqüentemente, mais expostos ao risco de infecção por
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), em especial a AIDS. Não se pode,
também, descartar a hipótese de violência em alguns casos, e a falta de informações
efetivas de como se prevenir e a dificuldade de negociar a prevenção (VILELA E
SANEMATSU, 2003).
As mesmas autoras relatam que se estima que existam 597 mil pessoas
entre 15 e 49 anos infectadas pelo HIV (O,65% do total da população). Embora 30%
dos(as) brasileiros(as) já tenham feito o teste anti-HIV, calcula-se que cerca de 300 a
400 mil pessoas tenham o vírus e ainda não foram diagnosticadas. Tudo indica que
uma importante parcela sem diagnóstico seja composta por mulheres.
A epidemia da AIDS, no Rio Grande do Sul, está concentrada nas 40
maiores cidades, que detêm 92% dos 17,8 mil casos diagnosticados nos últimos 20
anos. Do total, 75% concentram-se na região metropolitana, sendo Porto Alegre a
terceira colocada nacional de casos notificados, perdendo apenas para São Paulo e
Rio de Janeiro. O coordenador da Política de Controle de DST/AIDS da Secretaria
Estadual da Saúde declara que, através dos registros, as mulheres estão cada vez
mais infectadas. Ressalta que o número de infectados é impreciso, porque inexiste
vigilância efetiva, reforçando a necessidade do cadastramento das gestantes
34
portadoras, pois isso beneficia a efetividade da redução da transmissão vertical.
Enfim, a coordenadora municipal de Políticas de DST/AIDS de Porto Alegre constata
que a epidemia se caracteriza, no momento atual, como heterossexual, atingindo as
mulheres e as populações de baixa renda (WINCK, 2002).
Spindola e Banic (1998) relatam que o aumento dos casos de mulheres
infectadas é preocupante, porque, em sua maioria, são mulheres em idade fértil que
podem gerar crianças portadoras do HIV. Ressaltam ainda que esse crescimento na
infecção é resultado da falta de informação sobre o vírus e suas formas de
transmissão.
A publicação do Ministério da Saúde (BRASIL, 2001, p. 158) sobre a
assistência à mulher portadora do HIV durante o parto e puerpério informa que,
atualmente, no Brasil, “mais de 90% dos casos de AIDS em crianças estão
relacionados à transmissão do HIV da mãe para o filho”. Portanto, considera-se o
conjunto HIV e gestação uma situação de alto risco, que deve ser tratada.
O motivo fundamental do tema gestação e HIV ser abordado diz respeito
à especial condição de discriminação social e preconceito que sofre
a mulher HIV+ durante a gestação e o parto. Considerando que uma
abordagem adequada e completa à mulher HIV+ durante o pré-
natal, o parto e o puerpério é capaz de reduzir os riscos materno-
infantis a níveis muito próximos a de gestantes não infectadas, a
freqüência da condição, a possibilidade de intervenções efetivas e a
necessidade de reverter a discriminação sofrida por essas mulheres,
justificam essa decisão. (BRASIL, 2001, p.158).
Segundo o manual de Recomendações para Profilaxia da Transmissão
Vertical do HIV e Terapia Anti-Retroviral em Gestantes, do Ministério da Saúde,
2002-2003, a taxa de transmissão vertical do HIV, sem qualquer intervenção, situa-
se em torno de 20% e, com o uso de determinadas intervenções pode ser reduzida
para taxas menores ou iguais a 1%. No Brasil, embora as intervenções preconizadas
pela OMS e pelo Ministério da Saúde estejam disponíveis para toda população de
35
gestantes infectadas pelo HIV e seus filhos, existem dificuldades da rede em
disponibilizar diagnóstico laboratorial da infecção pelo HIV, cobertura insuficiente de
mulheres testadas no pré-natal, principalmente nas populações mais vulneráveis ao
HIV, e a qualidade do pré-natal deixando a desejar, resultam na administração de
Ziduvudina (AZT) injetável em menos de 50% dos partos do total de mulheres
estimadas como infectadas pelo HIV. No entanto, apesar de todas essas
dificuldades, nos últimos anos a incidência de casos de AIDS em crianças vem
decrescendo progressivamente (BRASIL, 2002).
A mesma publicação reforça que, até março de 2002, foram notificados ao
Ministério da Saúde 8.398 casos de AIDS em menores de 13 anos de idade, sendo
7.229 (86,1%) devidos à transmissão vertical do HIV. Uma assistência de qualidade
desde o pré-natal para todas as mulheres e crianças, independente da condição de
soropositividade do HIV, caracteriza-se como medida de intervenção eficaz para
reversão desse quadro.
No Brasil, a maior parte das mulheres descobrem o diagnóstico de portadora
do HIV no pré-natal ou quando aparece alguma doença oportunista, sua ou do
parceiro, situações em que a mulher já está fragilizada. Esta fragilidade é, ainda,
agravada, muitas vezes, pela suspeita de infidelidade do companheiro e pela dor e
insegurança daí decorrentes, por sentimentos de culpa pela infecção e, no caso das
grávidas, pela preocupação com a saúde do bebê (BRASIL, 2003).
Salienta-se a não-adesão ao tratamento, como fator que interfere na
redução das possibilidades de eficácia das medidas recomendadas para profilaxia
da transmissão vertical das mulheres e seus filhos. Essa atitude pode ser traduzida
como falta de informação e conhecimento das mulheres, falha dos profissionais da
36
equipe de saúde que assistem essa dupla na veiculação das informações e das
estratégias utilizadas para informar as mulheres.
Em sua tese de doutorado sobre as vivências e (con)vivências de crianças
portadoras de HIV/AIDS, Pedro (2000) constata que as mães de crianças portadoras
do HIV possuem desconhecimento da doença e do tratamento. Nos relatos das
mães percebe-se a necessidade de trocas de experiências com outras pessoas que
compartilham da mesma situação, com um espaço para que expressem seus
sentimentos, e o desvelamento das dificuldades nas mudanças dos estilos de vida.
Segundo Pedro (2000, p.61), os profissionais da saúde e da educação têm
um caminho extenso pela frente quando se trata do HIV. Um tempo longo de
descobertas, novos conhecimentos, desafios e “tantos outros para auxiliar a criança
a se reencontrar com a sua história e quem sabe, deixar de ser ‘portadora’, para se
tornar a Mariana, a Elis, o José...”
Mesmo dando ênfase para o cuidado à criança que convive com o
HIV/AIDS, a fala da autora acima citada pode ser adaptada para todos os
profissionais que cuidam dos seres portadores do HIV/AIDS, independente do
momento do desenvolvimento humano em que o ser cuidado se encontra.
Segundo Spindola e Banic (1998) os resultados de sua pesquisa sobre o ser
mãe portadora do HIV, demonstram que as mulheres soropositivas para o HIV
encaram de maneira diferente a maternidade. Para algumas, o fato de possuírem o
vírus não interfere no deslumbramento que o nascimento de um bebê proporciona.
Para outras, este momento é percebido com tristeza, dúvidas, receios e
preocupação com o futuro dela e de seu bebê. As autoras reforçam que ser mãe
portadora do HIV é vivenciado como um momento de reflexão sobre o futuro.
37
Assim, é o futuro que baseia os pensamentos dessas mulheres, como se o
presente não existisse. A esperança de cura é uma constante no pensamento delas.
4.2 CORPOREIDADE: O MODO DE SER NO MUNDO DAS GESTANTES
SOROPOSITIVAS PARA O HIV
Neste estudo, quando se fala em corpo não se pode associá-lo ao sentido
usual da palavra, aquela em que se subtende a divisão entre corpo e alma, matéria
e espírito ou sujeito e objeto. O corpo precisa ser entendido além do dualismo
vigente na antropologia ocidental, no qual se apresenta como parte do ser humano e
não sua totalidade. O corpo ocupa o lugar central do ser humano, expressando-se
como um todo vivo e orgânico. Portanto, entender o corpo nessa perspectiva é
conhecer o homem em sua totalidade, designando dimensões totais do humano.
Polak (1997) confirma essa necessidade de olhar o corpo através de outros
conceitos quando diz que o cuidar em enfermagem, ao conceituar o homem
enquanto corporeidade, necessita libertar-se do pensamento racionalista, que se
constitui do dualismo corpo-mente, corpo-espírito, passando a ver o homem como
ser total, único em sua existência.
Assim, entende-se o corpo além dos conceitos físico-biológicos de
bonito/feio, magro/gordo, pálido/corado ou fraco/forte. Nesse momento, ele é
percebido como um corpo que pensa, sente, expressa, comunica, enxerga, enfim,
que vive em constante relação consigo e com o mundo. Por isso, apresenta-se a
corporeidade como condição humana, caracterizada pelas relações do homem no
mundo.
38
Entende-se como corporeidade a maneira de ser do homem no mundo da
vida. É a construção espaço-temporal do mundo da vida humana, com todas suas
possibilidades e dimensões (SANTIN, 1994). Portanto, “o corpo é o ponto de partida
para todo e qualquer discurso referente ao homem [...] o núcleo irradiante, principal e
único”. Nessa perspectiva, o homem une-se ao mundo (POLAK, 1997, p.136).
Com isso, para que exista vida humana torna-se imprescindível o estar no
mundo enquanto corpo. Segundo Santin (1995), através do estar no mundo o
homem consegue expressar-se e reconhecer-se. Na possibilidade de relacionar-se
com o mundo, o homem torna-se humano, formando uma unidade de ser no mundo.
Para Motta (1997, p.42), “a existência significa relações, pois a vida é um
movimento de relações em que a interdependência do ser é explicitada. A vida é
experiência em relação. Sem relações o ser humano não existe”.
Sendo assim, é com o corpo que o homem se relaciona, por isso, necessita
do corpo para tornar-se humano. É pelas relações que o homem estabelece com os
outros homens que ele conhece a si próprio.
O filósofo existencialista que caracterizou a abordagem de corporeidade
como a totalidade do ser representando o humano do homem foi Merleau-Ponty,
definindo-a como “a maneira específica da presença do homem no mundo”
(SANTIN, 1995, p.41). Portanto, faz-se necessário discorrer acerca de suas idéias.
De acordo com Gonçalves (1994), as idéias de Merleau-Ponty (1908-1961)
baseiam-se na busca de compreensão da existência humana, na tentativa de
desvelar o enigma do ser. Seu pensamento remete a um novo olhar antropológico,
no qual o sensível possui significação central na existência humana. Assim, o
filósofo possui uma visão de corpo integrada à totalidade humana.
39
A mesma autora diz que Merleau-Ponty caracteriza o homem como um ser
no mundo que precisa ser compreendido a partir de sua facticidade, ou seja, essa
compreensão caracteriza-se dentro do movimento de suas relações. É através de
suas vivências, como ser no mundo, que se compreende o homem em sua
totalidade. Continua, dizendo que ocorre uma reflexão acerca da percepção,
relatando que, através da consciência perceptiva é que acontece o sentido do corpo
na relação do homem com o mundo. Portanto, o homem desvela-se conforme ele é
percebido pelo outro.
A corporeidade, para Merleau-Ponty apud Polak (1997, p. 25), “é a essência
expressa pelo visto-vidente, sensível, e por isso, “senti-sentant”, isto é, que sente e é
sentido, é também tocado-tocante, visto no processo de coexistência, num
recruzamento, num quiasma”.
Entende-se, assim, que o homem, ao perceber o outro, percebe a si mesmo,
ou seja, através da relação com o outro que enxerga a si próprio, expressando-se
como se é percebido. É no mundo das relações que o corpo se mostra e se
comunica. Sendo assim, o corpo é linguagem, percepção e visão. Com o corpo, o
homem mostra quem é e o que quer desse mundo em um movimento harmônico de
comunicação.
Para Polak (1997), o corpo constitui-se de comunicação e discurso. Ao falar,
gesticular ou até mesmo ao estar em silêncio, ele possibilita ao inteligível e ao
sensível uma união e, assim, um sentido. Com isso, o corpo se mostra e se
concretiza no mundo, tornando-se corpo único e singular.
Segundo Motta (1998), o corpo é o lugar de expressão do homem, é um
agrupamento de significados que o caracteriza como um ser no mundo. Essa
40
expressão é realizada através de recursos como a linguagem falada, expressões
corporais, símbolos, habilidades e cultura.
A mesma autora reforça que o corpo é um “centro receptor e gerador de
informações, captando as emoções, as sensações e as condições das
circunstâncias ambientais e vitais do ser” (p.43). O compreender dessas informações
proporciona ao homem uma orientação para sua manifestação existencial no mundo.
Portanto, Merleau-Ponty (1994, p.315) considera o corpo
o lugar ou antes a própria atualidade do fenômeno da expressão,
nele a experiência visual e a experiência auditiva, por exemplo, são
pregnantes uma da outra, e seu valor expressivo funda a unidade
antepredicativa do mundo percebido e, através dela, a expressão
verbal e a significação intelectual. Meu corpo é a textura comum de
todos os objetos e é, pelo menos em relação ao mundo percebido, o
instrumento geral de minha compreensão.
O mesmo autor diz que o homem é um corpo que percebe e é percebido em
sua relação com o outro, ocupando, assim, um espaço expressivo, com um
aglomerado de significados vividos. O corpo configura-se um sistema simbólico, cuja
cultura e contexto social de cada ser determinam suas diferenças e sua
singularidade como ser no mundo.
Segundo Santin (1995, p.46), “a construção do corpo simbólico emerge das
relações sociais. Esta construção não é apenas um corpo individual, mas um corpo
construído sob o olhar do outro, para que ele possa ser olhado pelo outro”.
Pretende-se, aqui, desvelar de que modo age este ser no mundo, envolvido
em suas relações sociais, culturais e simbólicas, que está gerando outro ser.
41
4.3 O CUIDADO PARA A INTEGRALIDADE DO SER PORTADOR DO HIV
O cuidado é inerente ao ser humano. Desde seu surgimento no mundo, os
homens cuidam de si mesmo e dos outros. O ato de cuidar vai sendo aprimorado à
medida que os seres humanos vão se relacionando com o mundo. Portanto,
aprende-se a cuidar seguindo os passos do desenvolvimento humano, ou seja,
através da vivência primeira com os familiares, amigos, amores e filhos. Torna-se
imprescindível o convívio com o outro para o desenvolvimento do cuidado, pois é
através do outro que se abre a possibilidade de conhecer a si mesmo.
Assim, cuidar é encontrar o outro e, nesse encontro, interage-se com o
mundo e com o semelhante. Não existe cuidado sem encontro, mesmo no auto-
cuidado o ser necessita se encontrar.
Segundo Boff (2001), a essência humana não se caracteriza somente na
inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas no cuidado. Assim, é através do
cuidado que se organiza a criatividade, a liberdade e a inteligência. Com o cuidado,
identificam-se os princípios, os valores e as atitudes que permeiam a existência do
homem, conduzindo suas ações no mundo.
O mesmo autor refere que o ser humano necessita de cuidado para existir.
Através do cuidado ele constrói sua estrutura no mundo, seu autoconhecimento.
Heidegger apud Boff (2001, p.34) diz que “do ponto de vista existencial, o cuidado se
acha a priori
9
, antes de toda atitude e situação do ser humano, o que sempre
significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato”. Ou seja, o
cuidado é primordial no existir do ser humano, antes que ele faça qualquer coisa.
9
Grifo do autor.
42
A Enfermagem é a ciência e a arte do cuidar. É ciência à medida que utiliza
conhecimentos científicos para o desenvolvimento de técnicas específicas no cuidar;
e arte, por reconhecer no cuidado um momento de inspiração que envolve o
desvelar da criatividade e do sensível.
De acordo com De Paula (2003, p.4), a ação desenvolvida durante o
processo de relação entre o cuidador e ser cuidado caracteriza-se como cuidar, e o
cuidado é “o resultado do encontro, ou seja, do evento inter-humano firmado pela
presença e interação na experiência existencial”.
Nessa perspectiva, cuidar é mais que um ato. Consiste em uma atitude de
envolvimento afetivo, ocupando-se, preocupando-se e responsabilizando-se com o
outro (BOFF, 2001).
Para que ocorra a interação entre o cuidador e o ser cuidado, o cuidador
necessita conhecer-se a si próprio antes de conhecer o outro. Assim, possibilita-se a
valorização do ser humano como ser que pensa, sente, decide, percebe, envolvido
em um sistema de trocas, no qual cuida e é cuidado. Portanto, um dos valores
fundamentais envolvidos no encontro é a empatia, caracterizada pelo colocar-se no
lugar do outro, enxergando o outro como a si próprio.
De acordo com Botten apud Radünz (1998, p.8), empatia é “a habilidade
para entender o que a outra pessoa experiencia e porque ela reage de uma maneira
peculiar[...]estar presente e ser capaz de compartilhar os sentimentos da outra
pessoa”.
Segundo Waldow (1998), corroborando as idéias de Mayeroff, o cuidado
apresenta ingredientes fundamentais que constituem as qualidades primordiais para
cuidar e que têm servido de suporte para o cuidado na Enfermagem. São eles:
Conhecimento – o ser cuidador deve identificar e compreender as necessidades do
43
ser cuidado, intervindo de forma adequada sobre elas; Alternar ritmos – habilidade
de quem cuida em possuir um comportamento mais flexível frente a quem está
sendo cuidado, ou seja, modificar seu comportamento a partir das necessidades do
outro; Paciência – respeito ao ritmo de crescimento do outro e da sua própria
maneira de ser; Honestidade – apreende estar aberto a si mesmo e ao outro,
respeitando o outro como ele é; Confiança – compreender que o outro tem
capacidade de crescer e se realizar, também respeitando o modo e o ritmo de cada
um; Humildade – aprender a estar aberto para o outro; Esperança – espera de que o
outro cresça no processo de cuidar e, por último, Coragem – capacidade de deixar o
outro ser, apesar do desconhecido.
Para que ocorra o cuidado faz-se necessário entender a ação cuidar como
um processo, através do qual chega-se ao resultado – cuidado (CROSSETTI, 1997).
Waldow (1998, p.149) define esse processo como
desenvolvimento de ações, atitudes e comportamentos com base em
conhecimento científico, experiência, intuição e pensamento crítico,
realizadas para e com o paciente/cliente/ser cuidado no sentido de
promover, manter e/ou recuperar sua dignidade e totalidades
humanas.
Radünz (1998, p.15) colabora com a definição de cuidar, caracterizando o
processo pelo encontro intersubjetivo no compartilhar do momento existencial
Cuidar profissionalmente ou cuidar em enfermagem é olhar
enxergando o outro, é ouvir escutando o outro; observar, percebendo
o outro, sentir, empatizando com o outro, estando disponível para
fazer com ou para o outro aqueles procedimentos técnicos que ele
não aprendeu a executar ou não consegue executar, procurando
compartilhar o saber com o cliente e/ou familiares a respeito, sempre
que houver interesse e/ou condições para tal. Ao cuidar, procurar-se-
á estabelecer também uma política assistencial de saúde e de
enfermagem, garantindo acesso ao tratamento, à medicação, etc..., o
que certamente, garantirá uma qualidade da assistência.
Ao deparar com questões relativas ao cuidado do ser portador do HIV,
muitas vezes identifica-se um processo de cuidar diferente daquele que comumente
44
se estabelece entre o ser cuidador e o ser cuidado. Devido às metáforas existentes
sobre essa epidemia, fato já explicitado no início do capítulo, muitos cuidadores de
enfermagem não conseguem estabelecer um processo integral de cuidar, visto que
juízos morais, preconceitos e medo permeiam o encontro.
Segundo Teixeira et al. (1999), há um desconforto nos profissionais de
enfermagem em cuidar de pacientes portadores do HIV pelo medo de infecção, visto
que o risco é de aproximadamente 0,3% em caso de acidente de trabalho. As
autoras reforçam que uma das medidas básicas para que os profissionais se
protejam é desempenhando um trabalho com tranqüilidade e sem medo. Portanto, o
conhecimento das maneiras de transmissão e a manutenção de um número
adequado de pessoal na equipe de enfermagem, para que os procedimentos e os
cuidados sejam feitos com calma, contribuem para a proteção.
Percebe-se no desenvolvimento do cuidado, que alguns membros da equipe
têm dificuldade em não fazer julgamentos sobre o estilo de vida do ser cuidado.
Esse fato é justificado pela gama de sentimentos, valores e crenças que constitui
cada ser humano em sua experiência existencial.
Segundo Marin, Paiva e Barros (1991), o diagnóstico do HIV estabelece, na
maioria das vezes, um julgamento moral sobre o portador, passando a ser
classificado como um ser carente de boas qualidades. Para a gestante, ao saber-se
portadora, surge a necessidade de redefinir-se quanto à própria vida, estando
presente o medo da rejeição, do abandono e a necessidade em manter a dignidade.
As autoras relatam que as gestantes soropositivas para o HIV tendem a ficar mais
atentas às formas de relacionamento estabelecidas entre elas e a equipe de saúde.
45
Concorda-se com Padoin (1999) ao dizer que o preconceito está presente
nas atitudes e na prática do cuidado de enfermagem, manifestado pelo
comportamento discriminatório, medo, insegurança e desconhecimento.
O preconceito existente, diz Sadala (2000), com portadores e os problemas
envolvidos com a AIDS, levam o profissional da saúde a expressar rejeição às
pessoas portadoras do HIV. Conseqüentemente, a discriminação aos portadores do
HIV pelos profissionais de saúde e pelo sistema de saúde, caracteriza-se em
desrespeito aos seus direitos de cidadão, tanto nos aspectos sociais e legais quanto
nos éticos e morais.
De acordo com Marin, Paiva e Barros (1991), por se tratar de um vírus
vinculado à sexualidade, algumas mulheres omitem serem portadoras, por medo ou
vergonha de se exporem. Assim, cuidar de uma paciente portadora do vírus HIV, em
algumas situações, provoca forte impacto nos profissionais de saúde. O fato de
alguns profissionais pertencerem à mesma faixa etária da paciente pode fazer com
que eles reconheçam sua própria vulnerabilidade, surgindo a necessidade de
reavaliarem os significados e as qualidades de suas próprias vidas.
Para Vermelho, Barbosa e Nogueira (1999), a resposta social à AIDS é o
reconhecimento de rejeição, através do pânico e preconceito. Embora os meios de
comunicação discutam o tema, percebe-se, nos serviços de saúde, a desinformação
e o despreparo dos profissionais para lidar com o problema.
Radünz (1998), ao definir enfermagem como o cuidar do ser humano, fala
sobre a dignidade que se deve ter com o outro nesse desempenho, representada
pelo respeito durante o processo de vida de cada ser que venha a necessitar de
cuidado.
46
Portanto, cuidar de um ser portador de HIV é cuidar de um ser humano
necessitando de um cuidado integral, sem intervenções que possam prejudicar a
qualidade do processo de cuidar. O cuidador precisa manter a sua atitude de cuidar
pautada nas qualidades necessárias, anteriormente citadas, que vão ao encontro do
pensamento de Waldow (1998), embasada em Mayeroff, para que o produto final
seja completo – o cuidado. Nesse sentido, Padoin (1999, p.114) salienta que em
“uma situação de enfermagem e para prestar um cuidado humanizado é necessário
acontecer o Encontro
10
, pois, os atos de enfermagem influenciam na vida de uma
pessoa”.
10
Grifo do autor
47
5 CAMINHADA METODOLÓGICA
Para responder às questões que uma pesquisa se propõe a desenvolver é
necessário procurar o caminho que melhor se adapte aos objetivos propostos.
Assim, entende-se por metodologia o caminho do pensamento e a prática exercida
na abordagem da realidade, pois, a metodologia ocupa lugar central para o
desenvolvimento de um estudo científico (MINAYO et al., 1997).
Portanto, a caminhada metodológica percorrida neste estudo para
compreender a percepção das gestantes portadoras do HIV sobre a sua
corporeidade como um estar no mundo gerando outro ser, está alicerçada na
abordagem qualitativa, com enfoque fenomenológico de interpretação hermenêutica,
proposta por Motta (1997) e Crossetti (1997), à luz de Paul Ricoeur, à medida que se
busca compreender um fato existencial.
5.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO
Este estudo apresenta-se como uma pesquisa qualitativa, com enfoque
fenomenológico, visto que a abordagem qualitativa permite o encontro de respostas
para questões particulares, ou seja, visualiza a realidade concreta e compreende os
fenômenos que permeiam o cotidiano das pessoas, não permitindo uma
quantificação da realidade.
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo et al. (1997, p.21-22), “trabalha com
o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.
48
Sendo assim, a mesma autora reforça que a abordagem qualitativa
“aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado
não-perceptível e não-captável em equações, médias e estatísticas” (p.22).
O estudo qualitativo busca aprofundar a complexidade dos fenômenos, fatos
e processos particulares e específicos de contingentes delimitados em tamanho,
possibilitando uma grande abrangência (MINAYO E SANCHES, 1993).
Nessa necessidade de compreender a percepção das mulheres gestantes
portadoras do HIV sobre a sua corporeidade, como um ser no mundo gerando outro
ser, o enfoque fenomenológico adapta-se ao objetivo proposto, à medida que busca
a vivência dessas mulheres a partir de seu próprio reconhecimento como corpo, no
enfrentamento de um fato existencial de sua experiência humana.
De acordo com Lopes, Rodrigues e Damasceno (1995, p.51), a
fenomenologia constitui-se em um caminho para assistir e pesquisar em
enfermagem, pois, o foco central de sua ação é o ser humano. Assim, surge “a
possibilidade do olhar fenomenológico para o outro, nosso semelhante situado no
mundo em sua totalidade de vida”.
Segundo Polit e Hungler (1995), as investigações embasadas em uma
perspectiva fenomenológica não se constituem de hipóteses explícitas, pois, seu
intuito é a oportunidade do desvelamento da experiência humana, sem restrições
preconcebidas. Portanto, trata-se de uma abordagem do pensamento sobre as
experiências de vida das pessoas.
Para Dartigues (1973), a efetividade da fenomenologia está pautada na
análise das vivências intencionais da consciência a fim de perceber o sentido dos
fenômenos. Não há fenômeno que não seja fenômeno para uma consciência, e não
há objeto que não seja dirigido a uma consciência.
49
Portanto, utilizar um enfoque fenomenológico possibilita ao pesquisador
‘voltar às coisas mesmas’ no mundo da experiência humana, procurando a essência
de cada ser que vivencia sua experiência existencial.
5.2 CAMPO DE ESTUDO
O estudo teve como campo a sede da ONG MAIS CRIANÇA – Grupo de
Apoio à Criança Soropositiva, em Porto Alegre, RS.
O Grupo de Apoio à Criança Soropositiva - MAIS CRIANÇA é uma
organização não-governamental, reconhecida como entidade de utilidade pública e
prestadora de serviço de apoio relacionados à AIDS. É uma entidade jurídica, de
direito privado, autônoma, sem fins lucrativos, de caráter assistencial e educativo,
estruturada a partir do trabalho voluntário que tem sua sede e foro na cidade de
Porto Alegre, RS.
Criada em 1998 e oficializada em 1999, a ONG MAIS CRIANÇA tem por
objetivo promover a qualidade de vida das crianças e adolescentes carentes
portadoras do HIV/AIDS, garantindo-lhes assistência e acompanhamento adequado.
Faz um acompanhamento crítico das políticas e atuações governamentais relativas à
epidemia. Participa do fórum de ONG/AIDS do Rio Grande do Sul, da Comissão
Municipal de DST/AIDS da Secretaria Municipal de Saúde, Comissão Estadual de
DST/AIDS, da Secretaria Estadual da Saúde. Atua nas áreas de prevenção,
assistência e informação, desenvolvendo projetos de oficinas informativas, apoio às
famílias e é centro de referência.
Por ser a única ONG/AIDS no Estado que trabalha com crianças e
adolescentes, sempre é indicada como referência por outras ONG’s e OG’s quando
50
se trata do tema HIV/AIDS em crianças e adolescentes. Isso coloca a ONG MAIS
CRIANÇA em posição estratégica por dar visibilidade ao tema em relação ao
público-alvo, e dessa posição tem-se valido para ocupar espaços de discussão
sobre políticas públicas e para dar visibilidade ao problema para a sociedade.
Desde 1999, além de desenvolver ações ligadas às crianças soropositivas e
suas famílias, faz-se um movimento direcionado aos adolescentes e jovens adultos.
Atualmente, desenvolve dois projetos aprovados pelo Ministério da Saúde,
Estudantes Multiplicadores – desenvolvido em escolas municipais e estaduais de
Porto Alegre, com crianças e adolescentes de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental
– e Descobrindo novos caminhos para o cuidado das gestantes soropositivas
e seu bebê, desenvolvido com gestantes soropositivas que realizam o tratamento no
Serviço de Assistência Especializada em DST/AIDS – SAE, da Secretaria Municipal
de Porto Alegre. Realiza, também, projetos de apoio às famílias, fornecendo cestas
básicas e acompanhamento para geração de renda, com cursos de qualificação
(costura, padaria) e alfabetização, mantendo uma turma do MOVA – Movimento de
Alfabetização de Adultos.
5.3 PARTICIPANTES
As participantes da pesquisa são oito gestantes soropositivas para o HIV
com acompanhamento pré-natal no Serviço de Assistência Especializada em
DST/HIV/AIDS – SAE, da Secretaria Municipal de Porto Alegre e que participam das
atividades realizadas pela ONG MAIS CRIANÇA.
Foi utilizado o critério de repetição das informações, portanto, o número de
participantes alcançado foi determinado ao passo que as informações começaram a
51
se repetir. Esse critério é definido por Trentini e Paim (1999), como o início da coleta
de informações sem um número de participantes determinado, visto que se deve
buscar a maior quantidade de informações relativas ao tema da pesquisa. Com isso,
quando ocorrer repetição das informações considera-se o número de participantes
adequado.
A fim de manter o anonimato das participantes do estudo optou-se por
codificar cada participante pela letra G (gestante) seguida de número arábico
seqüencial, portanto a identificação das participantes do estudo caracteriza-se por:
G1, G2, G3, G4, G5, G6, G7 e G8.
A seguir apresenta-se algumas características que se considera pertinente
de cada gestante participante do estudo:
G1 – 26 anos, 5ª série do ensino fundamental, do lar, dois filhos da união
anterior;
G2 – 20 anos, 2ª série do ensino fundamental, catadora de papel, cinco
filhos anteriores;
G3 – 32 anos, 4ª série do ensino fundamental, do lar, sete filhos anteriores;
G4 – 33 anos, 2º grau completo, do lar, dois filhos anteriores;
G5 – 36 anos, 4ª série do ensino fundamental, do lar, três filhos anteriores;
G6 – 22 anos, 3ª série do ensino fundamental, diarista, um filho anterior;
G7 – 27 anos, ensino médio completo, do lar, dois filhos anteriores;
G8 – 18 anos, 4ª série do ensino fundamental, do lar, três filhos anteriores.
52
5.4 COLETA DAS INFORMAÇÕES
A coleta das informações foi realizada através de entrevistas semi-
estrutruradas, com roteiro de questões norteadoras (Apêndice A) relacionadas ao
foco do estudo.
Triviños (2001) entende por entrevista semi-estruturada aquela que
estabelece um conjunto de questões básicas, aplicadas a cada um dos participantes
do estudo, a fim de obter-se as informações necessárias do que está sendo
estudado, oferecendo um campo amplo de interrogações.
Para Minayo (1996), esta técnica privilegia a obtenção de informações
através da fala individual, assim, trazendo um nível profundo da realidade – o
subjetivo, o qual somente se torna possível com a contribuição do indivíduo
entrevistado, que revela condições estruturais, sistemas de valores, normas e
símbolos, e transmite, através de uma pessoa, representações de determinados
grupos. A mesma autora ressalta que a entrevista semi-estruturada possibilita que o
entrevistado discorra sobre o tema proposto sem respostas ou condições prefixadas
pelo pesquisador.
Lakatos e Marconi (1992) definem entrevista como um encontro entre duas
pessoas, para que uma obtenha informações a respeito de determinado assunto.
Trata-se de uma conversa efetuada face a face, metodicamente, proporcionando ao
entrevistador os dados necessários. Na entrevista semi-estruturada pode-se explorar
mais amplamente uma questão.
De acordo com Richmond apud Carvalho (1987, p. 11), a entrevista é um
“método de acesso às pessoas, devendo o entrevistador comparar, conciliar,
preencher lacunas no apuramento dos dados pertinentes à solução”.
53
Na perspectiva de um enfoque fenomenológico, as entrevistas foram
realizadas na busca da compreensão e não da explicação do fato existencial que
enfoca o presente estudo, portanto, a pesquisadora teve uma atitude compreensiva
e não explicativa das informações coletadas (CARVALHO, 1987).
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, com agendamento e
solicitação do uso do gravador prévio, para facilitar posterior resgate na íntegra das
falas das entrevistadas. O tempo médio de cada entrevista variou mantendo-se,
entre 15 minutos até 36 minutos.
As questões norteadoras foram: Como você está vivenciando o ser mãe
portadora do HIV? Como você está vendo e sentindo seu corpo que está gerando
um bebê? Você gostaria de falar mais alguma coisa?
As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra, buscando a
fidedignidade das informações obtidas, fazendo anotações sobre atitudes, gestos,
timbre de voz durante os encontros. As gravações das fitas serão anuladas após
cinco anos da realização do estudo, conforme recomendação da Lei de Direito
Autoral 9610, de 19 de fevereiro de1998 (SILVEIRA, 1998).
5.5 ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES
Para análise das informações coletadas foi utilizada a abordagem
hermenêutica proposta por Motta (1997) e Crossetti (1997). Esta abordagem
possibilita a descoberta de um sentido para o esclarecimento da existência humana,
nesse sentido buscando-se o que se esconde na linguagem do que se diz, na
perspectiva de apreender a experiência vivida em sua integralidade. Portanto, a
54
interpretação pauta-se no sentido e não na análise das significações, objetivando-se
ir além da linguagem (RICOEUR, 1990).
Segundo Polit e Hungler (1995, p. 270), “pesquisadores qualitativos coletam
e analisam materiais pouco estruturados e narrativos que propiciam campo livre ao
rico potencial das percepções e subjetividade dos seres humanos”.
Para Ricoeur (1990, p.17), a hermenêutica é “a teoria das operações da
compreensão em sua relação com a interpretação dos textos”. Reforça, ainda, que a
hermenêutica universal exige o ir além das aplicações particulares, discernindo as
operações comuns aos dois grandes ramos hermenêuticos: o epistemológico e o
ontológico. Para isso, é necessário a revelação não somente acima dessa
particularidade dos textos, mas da particularidade das regras, entre as quais perde-
se a arte de compreender.
Cabe explicitar que a hermenêutica epistemológica preocupa-se com a
conversão do saber em conhecimento científico, enquanto a ontológica remete ao
compreender, não como conhecimento, mas como maneira de ser, nas relações
com o Eu e com o Outro (RICOEUR, 1990).
Com a hermenêutica pretende-se a compreensão do sentido do ser,
enfocando sua expressão no mundo (MOTTA, 1997). Portanto, para a interpretação
dos discursos obtidos neste estudo foi utilizada a hermenêutica proposta por Motta
(1997) e Crossetti (1997).
Essa abordagem divide-se em cinco fases:
1. Leitura inicial do texto: caracteriza-se pelo primeiro contato com as
transcrições das informações coletadas, visando compreender os significados
iniciais referentes à percepção de corporiedade das gestantes soropositivas para o
HIV. Destaca-se que a pesquisadora realizou todas as entrevistas e as transcreveu
55
posteriormente, possibilitando um contato inicial mais estreito com as informações
coletadas.
2. Distanciamento: configura condição primordial para interpretação, na qual
o pesquisador se abstém de suas crenças e/ou preconceitos, com o intuito de não
se colocar no texto, levando-o a fazer uma “reflexão descontaminada” do que
emerge do mundo do corpo nos discursos (CROSSETTI, 1997). Acredita-se que o
pesquisador precisa se tornar um ser reflexivo, isolado da intenção do texto, para a
compreensão. Ricoeur (1990) traz a idéia de que o investigador somente perdendo a
si se encontrará, o que é importante para esta etapa. Motta (1997) confirma esta
idéia a partir da preocupação constante no encontro com o outro, no qual é
necessário ver os fatos como eles se mostram, sem interferências de crenças,
teorias e juízos, havendo o compromisso com o rigor fidedigno dos fatos e dos
depoimentos. Esta etapa configurou-se, segundo a opinião da pesquisadora, a mais
complexa, pois à medida que esta se inseria no mundo das participantes, era um
desafio distanciar-se de suas significações. No entanto, a necessidade de distanciar-
se torna-se imprescindível para a interpretação das informações coletadas.
3. Análise estrutural: a (re)leitura é profunda e crítica, levando à explicação,
à compreensão e à interpretação do que emergiu da leitura inicial, buscando o
significado do que está oculto nos discursos. Para Ricoeur (1990), a interpretação só
é viável após o aprofundamento da semântica. A hermenêutica considera a frase
uma unidade de análise, passando, a seguir, para o parágrafo, a seção, o capítulo e,
finalmente, para o texto como um todo. O significado é representado em unidades
de sentença. Busca-se, nesta etapa, reavivar, tematizar e compreender os
significados que emergem do momento existencial proposto pelo estudo. Assim,
esse significado é compreendido fazendo emergir os temas e subtemas originados
56
dos discursos. Motta (1997) ressalta que a compreensão da complexidade e da
riqueza dos conteúdos vivenciais é construída em um “movimento de ir e vir” com
espaço e tempo definidos. Após todo o processo de leitura e distanciamento, foi
possível agrupar informações que se aproximavam de conteúdo das participantes,
portanto emergiram dois temas: AS CONCEPÇÕES DE CORPO NO MUNDO DAS
GESTANTES SOROPOSITIVAS PARA O HIV, cujos subtemas são: A saúde, eu
estou bem, não sinto nada, só na barriga
*
*; É um desânimo de força física, mas
também um desânimo de emoção*; O meu corpo é tudo o que tenho [...] é a minha
vida*; Corpo que tem marcas: o estigma do vírus, e Mais um corpo para cuidar*. O
ESTAR NO MUNDO COM O VÍRUS, cujos subtemas são: Agora estou aceitando e
não aceitando*; É fundamental o remédio nesse momento, é o remédio que salva*;
A culpa é minha, eu não me cuidei*; Sinto saudades [...] mas eles não querem saber
de mim*; A vida é essa, devemos vivê-la*; Tenho no meu corpo a morte e a vida*.
4. Identificação da metáfora: Dá ênfase a interpretação hermenêutica, ou
seja, desvela o que está oculto no discurso. Assim, após obter-se os temas e
subtemas faz-se a compreensão destes, o que recebe o nome de metáfora. A
interpretação hermenêutica é um discurso dialogado entre o texto em sua
progressão e o significado e a referência contextual do estudo. Portanto Lakony
apud Motta (1997) define esta fase como contextual, ou seja, criação momentânea
da linguagem, gerando novo significado.
5. Apropriação: finaliza o processo de análise e interpretação hermenêutica
de Ricoeur (1978), na qual o sentido dos discursos, antes obscuro, passam a frente
do texto, tornando-se mais visíveis (Crossetti, 1997). O termo apropriação significa
estar apto para compreensão da metáfora do mundo do texto e do conjunto de
*
Os títulos que apresentarem este símbolo foram retirados dos discursos das participantes do estudo.
57
imagens do mundo projetadas na frente do texto. Refere-se ao pesquisador
realmente apropriar-se do que é desvelado dos discursos para compreensão, tornar
seu o que antes era desconhecido (MOTTA, 1997).
58
5.6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Segundo Goldim (2000, p. 102) avaliar os aspectos éticos de um projeto de
pesquisa é “mais do que a simples adequação à legislação e diretrizes existentes, é,
isto sim, uma busca de argumentos que justifiquem a sua realização”.
O projeto de pesquisa foi aprovado pela Banca de Qualificação em abril de
2003, encaminhado à Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (Apêndice B) para apreciação da proposta do presente estudo,
sendo aprovado conforme Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS nº
196/96 (BRASIL, 1996), bem como liberação pela coordenação da ONG MAIS
CRIANÇA (Apêndice C).
O respeito aos aspectos éticos foram preservados, procurando proteger os
direitos dos indivíduos envolvidos, levando em consideração seu direito à
autodeterminação – os prováveis informantes podem decidir se querem ou não
participar do estudo e encerrar sua participação, a qualquer momento, recusando-se
a dar informações ou solicitando esclarecimentos que acharem conveniente (POLIT
E HUNGLER, 1995).
A concordância do entrevistado foi obtida através de um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice D) contendo esclarecimentos com
linguagem adequada sobre: o objetivo do estudo, o papel do pesquisador,
segurança ao anonimato, o caráter confidencial das informações, o direito de não
participação em qualquer momento.
59
6 DESVELANDO O MODO DE SER NO MUNDO DA VIDA DAS GESTANTES
SOROPOSITIVAS PARA O HIV
Neste capítulo apresenta-se, a partir da abordagem hermenêutica proposta
por Crossetti (1997) e Motta (1997), com fundamentação em Paul Ricoeur (1978), a
compreensão da percepção de corporeidade das gestantes soropositivas para o HIV
em um estar no mundo gerando outro ser.
O encontro com as gestantes soropositivas para o HIV, via enfoque
fenomenológico, foi possível compreensão dos fenômenos do mundo das gestantes,
sejam eles percebidos, sentidos, falados, realizados ou pensados. Ao conduzir um
retorno às coisas mesmo, proporcionou-se aos seres envolvidos a reflexão e, a partir
dela, a interpretação de seus mundos próprios. Desse modo, emergiram dois temas
dos discursos expressos no oculto das informações coletadas: AS CONCEPÇÕES
DE CORPO NO MUNDO DAS GESTANTES SOROPOSITIVAS PARA O HIV e O
ESTAR NO MUNDO COM O VÍRUS.
A fim de melhor visualizar os subtemas que estruturam a compreensão de
corporeidade das gestantes soropositivas para o HIV, apresenta-se, sob forma de
esquema ilustrativo desses constructos.
60
A saúde, eu tô bem, não sinto nada, só na barriga*
É um desânimo de força física, mas também um desânimo de emoção*
O meu corpo é tudo o que tenho [...] é a minha vida*
Corpo que tem marcas: o estigma do vírus
Mais um corpo para cuidar*
AS CONCEPÇÕES DE CORPO NO MUNDO DAS GESTANTES
SOROPOSITIVAS PARA O HIV
Tenho no meu corpo a morte e a vida*
É fundamental o remédio nesse momento, é o remédio que salva*
A culpa é minha, eu não me cuidei*
Sinto saudades [...], mas eles não querem saber de mim*
O ESTAR NO MUNDO COM O VÍRUS
A vida é essa, devemos vivê-la*
Agora estou aceitando e não aceitando*
61
A CONCEPÇÃO DE CORPO NO MUNDO DAS GESTANTES SOROPOSITIVAS
PARA O HIV
Este tema configura-se a partir da concepção de corpo que emergiu dos
discursos das participantes do estudo. Ao longo da história da humanidade,
diferentes conceitos de corpo apareceram nos pensamentos filosóficos,
antropológicos e no pensamento científico, na busca constante de se esclarecer as
questões relacionadas a ele e ao seu funcionamento.
Pensar o corpo faz parte da história do mundo, no entanto, o conhecimento
sobre o corpo e a corporeidade ainda é insuficiente e obscuro na cultura brasileira
(POLAK, 1996).
Percebe-se, nos discursos das gestantes portadoras do HIV, que diferentes
concepções de corpo se entrecruzam em suas existências, ligados às experiências
vividas de cada uma delas, e que os conceitos são construídos pelo ser de acordo
com as relações que ele estabelece com o mundo, as coisas e os outros. Assim,
existem diferentes visões de corpo, estabelecidas pela consciência perceptiva do
ser, interpelada com sua cultura, ou seja, o meio onde vive.
Ao buscar compreender a concepção de corporeidade das gestantes
soropositivas para o HIV surgem variadas formas de se pensar o corpo e, assim,
determinar seu modo de ser, inclusos nos subtemas: A saúde, eu tô bem, não sinto
nada, só na barriga*; É um desânimo de força física, mas também um desânimo da
emoção*; O meu corpo é tudo o que tenho [...] é a minha vida*; Corpo que tem
marcas: o estigma do vírus, e Mais um corpo para cuidar*.
62
A saúde eu tô bem, não sinto nada, só na barriga*
Neste subtema, os discursos emergidos das participantes do estudo
desvelam que o corpo é pensado por partes. Ele é dividido em fragmentos que, de
certa forma, não são interligados entre si, pois, dependendo da parte envolvida, esta
não representa o corpo como um todo e não responde por ele, mas é apenas algo
que faz parte, no entanto não é integrado. O discurso a seguir exemplifica esta
percepção:
Na barriga eu sinto, tenho muita dor, estou com problemas, o resto
não, o meu corpo tá normal, graças a Deus, isso aí vai ficar normal
até não sei quantos anos, tá bem normal. (G1)
Percebe-se que, para a gestante, a barriga não faz parte integrada do corpo,
pois, ao dizer que o corpo está normal, oculta a possibilidade de que a dor que sente
na barriga faça parte desse corpo ou que influencie seu funcionamento.
O fato de as gestantes serem portadoras do HIV faz com que o vírus se
torne mais uma parte desse corpo. A gestação configura-se mais um constituinte
desse corpo e a “barriga” é a representação desse “algo mais” que influencia o seu
estar no mundo, o que reforça-se a noção de corpo constituído por partes.
Eu ando meio doente, não por causa da doença [AIDS], mas por
causa da barriga, eu tô sentindo dor. (G4)
No discurso se desvela o corpo e suas partes como matéria que sente dor,
incomoda, mas que não interage com o mundo. A percepção da barriga ocorre
apenas como objeto que provoca instabilidade ao resto do corpo e influencia seu
processo de saúde e doença, ou seja, de integridade ou perturbação.
Se não fosse isso aqui [aponta para barriga] eu não tinha nada, nem
ía lembrar desse bicho [HIV] que tenho dentro, mas isso [aponta para
a barriga novamente] dói, incomoda...(G4)
63
O corpo, a partir desses discursos, assemelha-se à conceituação de corpo
num discurso linear, conjunto de partes distintas entre si, submisso à análise
intelectualista. É um corpo construído a partir da perspectiva mecanicista, de
máquina, maquinaria. Essa divisão do corpo em partes ou funções é a base das
diferentes especializações que surgiram no pensamento biomédico (GRANATO,
2002).
O corpo mecanizado divide-se em partes, é dicotômico, dissociado da alma,
corpo-mente, que caracteriza a visão de doença como mecanismo biológico e a
saúde como oposto, como ausência de doença (POLAK, 1996).
De acordo com Santin (2001), a cultura antropológica ocidental evidencia
que o humano está para além do corpo, não se situa nele, mas no logos
11
, na
mente, na psique, na alma, na inteligência, na consciência.
Assim, se percebe uma hierarquia em relação ao corpo e à mente, ou seja, o
corpo serve como veículo para ela, como reservatório, nada além. Estabelece-se o
corpo como o lugar em que o humano se instala e se constitui, se oculta e se
desvela, no entanto, esse corpo apenas se configura “um momento, uma condição,
uma transitoriedade do ser humano, nunca seu ponto central, isto é, seu modo de
ser” (SANTIN, 2001, p.110).
11
Grifo do autor.
64
É um desânimo de força física, mas também um desânimo da emoção*
O pensamento dualista, base de muitos conceitos que influenciam a visão de
mundo, está evidente na concepção de corpo das participantes deste estudo.
No subtema aqui analisado, os discursos das gestantes apresentam a força
física influenciada pela dor (processo biológico) e pela emoção (mente). Constata-se
que o emocional influencia o fazer, o ter força no corpo, no entanto, percebe-se que
ambos (dor e emoção) não interagem e, como se, pertencessem a lugares distintos.
O corpo se estabelece como matéria, como algo mecânico que possui força,
influenciado pela emoção e por acontecimentos biológicos, evidenciado nos
discursos a seguir.
Tenho um desânimo de vez em quando, não tenho vontade de fazer
nada, tem dias que eu tô bem, outros que tenho dor nas pernas que
desanima, tem dias que eu tiro tudo do lugar dentro de casa e
arrumo tudo, reviro tudo, mas tem dias que não tenho vontade de
fazer nada, de não fazer faxina, acho que da preocupação, de pensar
o futuro, de pensar no que pode acontecer, acho que um pouco
muito é tudo emocional, mas tem dor no corpo também. (G3)
Se eu for ver força física eu tenho, eu faço, eu sinto, eu converso
bastante com meu marido, ele me acompanha em tudo, vou no
médico dele ele vem no meu, então força, força mesmo eu tenho,
mas eu tenho verdadeiramente é medo e as vezes o medo freia a
gente, faz com que eu pare, com que eu pense besteira, mas eu
estou sempre indo nas coisas. (G3)
A partir de fundamentação teórica baseada em diferentes concepções do
corpo na história, Polak (1996, p.36) descreve que, na perspectiva de Aristóteles, a
“matéria” (corpo) é vista como necessária à “forma” (alma/mente), tanto quanto a
forma é necessária à matéria. A forma era considerada o princípio cósmico, e que o
homem contém em si matéria e forma, sendo a forma a força motora, o princípio do
movimento.
65
No discurso de uma gestante percebe-se que a força física do corpo é o
essencial para a continuidade no mundo e ela determina o estar bem ou não para
seguir em frente. A emoção está para além do corpo, evidenciando o corpo como
matéria que tem força. Se essa força for desestabilizada a máquina apresenta
problemas e não consegue funcionar.
Faz muito tempo que eu não caio, eu só ando amolada, assim
depressiva, esse troço, mas é só isso, porque o resto mesmo, dizer
ruim, como eu andei não, eu andei um ponto de andar toda torta no
hospital, meu irmão me levando no colo, não saía nem caminhando,
não consiga mais nem caminhar de tão fraca que eu tava, muito
vômito e diarréia, era só tempo de eu comer, tomar água e voltar
tudo de novo. (G5)
Segundo Polak (1996), o corpo mecanizado é receptor de ordens, seguidor
de normas prescritas pelo seu dono. O ser com essa concepção tem dificuldade em
identificar as sensações discretas do corpo: ouvir, interpretar, valorizar as suas
mensagens. Mostra certo desconhecimento, certa dificuldade em expressar o que
lhe é prazeroso ou não. Percebe-se, ainda, o agir robotizado, direcionado por
resultados e não por sentimentos e ideais de transformação da promoção humana.
A autora também ressalta que a compreensão do corpo-máquina se observa
em todas as camadas sociais, mais intensamente nas camadas populares, devido
ao maior envolvimento delas com atividades físicas excessivas. O trabalho braçal
acarreta maior desgaste físico, maior cansaço, menor reflexão sobre si e,
conseqüentemente, menor conhecimento das suas finalidades.
O atual perfil epidemiológico do portador do HIV é característico das
camadas mais pobres da população, portanto as gestantes participantes desse
estudo pertencem a essa população, e muitas dependem da força física para
manterem sua existência e a dos outros que dependem dela.
O importante é que eu tenha força no meu corpo, preciso empurrar a
carroça, porque é disso que eu e meus filhos temos para viver.
66
Tenho que ter sempre força, meu corpo tem que ser forte, isso que
eu preciso do meu corpo, pra isso que ele serve. (G3)
Boltanski (1989), ao analisar as classes sociais e suas relações com o
corpo, diz que o grau de instrução de um grupo ou de uma pessoa é um bom
indicador de como se faz uso do corpo. Se as pessoas têm intensa carga de
trabalho e desgaste por excesso de atividade física darão pouca atenção ao corpo,
manterão com ele uma relação menos consciente. Já, Polak (1996) salienta que ao
se conceber o corpo mecanizado, se inscreve o corpo utensílio, ou seja, o corpo
objeto de uso pessoal, que não é sentido, nem percebido como corpo que merece
atenção, respeito e, acima de tudo, consciência.
O meu corpo é tudo o que eu tenho [...] é a minha vida*
Ao dar importância ao corpo para a continuação da existência e para a
manutenção da vida, valoriza-se o corpo como essencial e indispensável para se
estar no mundo e o homem se aproxima da concepção de corpo que o coloca como
plenitude. O filósofo Merleau-Ponty (1994, p.208) diz: “estou em meu corpo, ou,
antes, sou meu corpo”.
No discurso das participantes deste estudo surge a valorização do corpo
como algo que mantém sua existência, independente do que interfere em sua
continuidade. Percebe-se que o corpo passa a ser essencial para o seu existir,
deixando claro que ele o conecta e as mantém no mundo.
Eu acho que, tá fraco [o corpo], mas é o que eu ainda tenho nessa
vida. (G2)
Sem ele [corpo] não estaria aqui e nem poderia viver, ele que me
carrega, ele me mostra (G4)
67
O corpo surge, nesse momento, como veículo do ser no mundo. Com ele o
ser se mantém ligado ao mundo da vida e passa a valoriza-lo para manter sua
existência.
Para Merleau-ponty (1994, p. 134), “o corpo próprio não pode ser
desdobrado diante de mim, ele existe comigo”. Assim, o corpo-próprio é o meio de
comunicação com o mundo.
Gonçalves (1994) afirma que a existência do homem no mundo sem um
corpo é impossível. Com esse corpo ele se mostra e se constrói.
As participantes do estudo revelam que com o corpo que estabelecem suas
relações no mundo. Denota-se que apesar da doença debilitar a força desse corpo é
com ele que elas continuam sua trajetória existencial na construção de suas
histórias.
De acordo com Merleau-Ponty (1994), o corpo é o veículo do ser no mundo,
no qual se ter um corpo é juntar-se a um mundo definido, confundir-se com alguns
projetos e engajar-se neles. O autor diz que: “a existência corporal que crepita
através de mim sem minha cumplicidade é apenas o esboço de uma verdadeira
presença no mundo” (p. 229), e que “o corpo é a forma escondida do ser próprio ou,
reciprocamente, que a existência pessoal é a retomada e a manifestação de um
dado ser em situação”.
Em relação à concepção de corpo, as gestantes revelam, em seus relatos,
que as questões existenciais, independentes do conhecimento do ser humano, faz
parte do seu vivido. Essas questões ficam mais evidentes no enfrentamento das
facticidades existenciais, como a doença que traz a marca da finitude.
68
Corpo que tem marcas: o estigma do vírus
Neste subtema apresenta-se a percepção das gestantes portadoras do HIV
sobre as manifestações da doença no corpo. Fica evidente, nos discursos, que os
sinais da doença, no corpo, são relativos ao corpo físico, são marcas que
transformam esse corpo na imagem da doença. As marcas no corpo são o anúncio
de desequilíbrio.
Eu descobri pela minha filhinha de quatro anos que ela também se
encheu de ferida no corpo, feridas horríveis na cabeça, no pescoço
horríveis, aí eu baixei hospital com ela. (G2)
De acordo com Lazzarotto (1999), o corpo do soropositivo e do doente de
AIDS pertencem a um sistema simbólico construído pelo sangue, pelo sexo (que é
associado a uma conduta imoral) estabelecendo uma maneira diferenciada de
socialidade. Assim, de acordo com Santin (1995), o corpo faz parte de um sistema
simbólico que sustenta toda ordem social, pois, o corpo não é dado completo, mas,
vai se construindo diante e para o outro, em termos físicos e em dimensões
simbólicas.
As manifestações do HIV/AIDS no corpo como veículo do ser no mundo
podem causar conseqüências que geram sofrimento para as gestantes soropositivas
para o HIV. As marcas da doença trazem a possibilidade do afastamento do outro
devido ao preconceito e ao estigma advindos do HIV. Nos discursos, se percebe que
a revelação do diagnóstico para o outro gera o abandono pela família da gestante
apenas pela possibilidade de que, depois de algum tempo, esse corpo comece a
apresentar as características próprias desse diagnóstico.
Quando eu soube do HIV e disse pra ela eu disse ‘mãe não pega tu
ficar comigo’, mas ela disse ‘não é que vai ficar ruim pra mim, os
outros vão falar, vai começar a aparecer coisas no teu corpo, na
69
pele, tu vai começar a ficar esquelética, como é que vai ficar minha
vida, todo mundo vai passar na frente da minha casa e dizer ‘a mãe
de uma aidética que não presta. (G1)
Dias, Duque e Silva (2003) dizem que as mulheres soropositivas para o HIV
se confrontam com a preocupação das alterações de sua imagem corporal
associada à soropositividade que, caso ocorram, possuem conseqüências
marcantes em sua existência que vão desde a sua estética até o abandono do outro.
Tunala et al. (2003) reforçam essa idéia, dizendo que em estudo realizado
exclusivamente com mulheres soropositivas, essas demonstraram que o que mais
as incomodava era o fato de os outros poderem perceber a sua condição de
soropositividade, denunciada através das alterações que sofrem, ao longo do tempo
em sua imagem corporal.
Concorda-se com Lazzarotto (1999) quando conceitua imagem corporal
como uma construção simbólica da pessoa, a partir do olhar do outro, se
estabelecendo para os portadores do HIV ou doentes de AIDS o passaporte para a
sua integração à sociedade de pessoas saudáveis. Para Gonçalves (1994), a
imagem corporal constitui-se um sistema aberto na relação com o mundo, com
novas experiências que levam a novas significações. A mesma autora diz que o ser
no mundo com um corpo pode estar condicionado a limitações impostas por ele, e
estar vulnerável. O corpo está exposto a infinitas coisas que ameaçam a sua
integridade. Ser no mundo com o corpo que é presença viva do prazer e da dor, do
amor e do ódio, da alegria e da depressão, do isolamento e do comprometimento.
Reforça, ainda, que o corpo está limitado às leis físicas, biológicas e a outros
elementos que constituem o mundo e que fogem ao seu controle.
De acordo com Goffman (1988), possuir uma marca ou uma impressão que
sinaliza para um grupo a relação entre atributos e estereótipo de determinado
70
indivíduo, que avisa aos demais que essa pessoa é marcada e que não deve ser
aceita plenamente é o que se define como estigma.
Existe uma crença de que a pessoa com um estigma não se constitui
completamente humana. Partindo desse princípio, faz-se vários tipos de
discriminações, através das quais, muitas vezes sem pensar, se reduz suas chances
de vida (GOFFMAN, 1988).
A percepção da gestante sobre as repercussões que uma estigmatização
acarreta para a relação do ser com o outro é construída pela experiência vivida
deste ser. Há um entendimento de que as marcas e reações causadas pela doença
no seu corpo biológico e na sua construção simbólica de corpo não são universais e
que não a constitui como ser humano diferente, pertencente a uma imagem corporal
construída e única.
Dizem que quando tu vê uma pessoa muito magra tu já sabe que é
aidético, as pessoas olham e já dizem que tem, isso aí que eu acho
ruim, as pessoas criarem um jeito de corpo que tem como
soropositivo, uma cara pra isso. (G1)
A AIDS é considerada uma doença estigmatizante devido a um processo de
simbolização construído socialmente, no qual marcas físicas constituem
manifestações perceptíveis. À medida que essas marcas funcionam como um sinal
desencadeador de uma emoção que se manifesta numa conduta de afastamento,
tem-se o estigma (PÁDUA, 1986).
Seffner (1995) enfatiza que o uso da designação “aidético” para a pessoa
com AIDS cumpre o papel de reduzir e marginalizar a totalidade das qualidades da
pessoa. Esse termo vem carregado de estigma. Por sua vez, Goffman (1988) afirma
que uma pessoa estigmatizada pode se definir como não-diferente dos outros
humanos apesar dele e daqueles que os cercam terem consciência da sua
71
marginalização. No entanto, Lazzarotto (1999) evidencia que as pessoas consideram
determinado indivíduo soropositivo ou doente de AIDS a partir da identificação de
seu corpo, o que se mostra.
Mais um corpo para cuidar*
Nesse subtema apresenta-se a experiência da gestante enquanto corpo que
sente um outro corpo dentro do seu. Desvela-se, aqui, a concepção de corpo mais
uma vez plena de sentido e significado como corpo que sente, que se movimenta e
que estabelece relação com o mundo. A construção simbólica de corpo capaz de
gerar outro corpo e protegê-lo se aparece nos discursos das gestantes. Perceber-se
corpo integral capaz de relacionar-se com outro corpo dentro de si surge nos
depoimentos.
Eu sinto um outro corpo dentro de mim, ele tenta se comunicar
comigo, ele me chuta, ele se mostra. Esqueço tudo de ruim quando
isto acontece. Eu sou capaz. O meu corpo ainda pode. (G8)
Que coisa mais fantástica sentir o bebê se mexendo, sentir que tem
outra vida dentro de mim. Acho que agora eu tenho dois corpos e
sou responsável por ele. É uma alegria. (G6)
Nos discursos, mostra-se a percepção da gestante quanto à sua capacidade
de gerar outro corpo. Constata-se que a possibilidade de ter um outro corpo dentro
de si lhe confere estar no mundo em sua integralidade, sentir o movimento do outro
corpo dentro de si lhe disponibiliza apaziguar as facticidades que abalam sua
existencialidade.
De acordo com Maldonado, Nahoum e Dickstein (1981) necessita-se de um
filho para preencher lacunas de nossa própria existência, para fazer companhia e,
portanto, evitar o sentimento de solidão. Com isso, esse outro ser que a gestante
72
soropositiva para o HIV está gerando vai-se infiltrando em sua existência,
preenchendo lacunas, e mostrando-lhes que “seu mundo privado deixou de ser
apenas seu, e, agora, instrumento manejado pelo outro, dimensão de uma vida
generalizada que se enxertou na sua...” (MERLEAU-PONTY, 1992, p.22).
Nos discursos das gestantes soropositivas para o HIV se percebe que
mulher e feto cingem-se em um só corpo e formam uma única vida. Capalbo (1993,
p. 177) diz que este outro, “não está fora de nós, ele está em nosso ser existente,
concreto, ele se entrelaça em todo nosso ser corpóreo. Assim, denota-se que esse
outro permite que se transcenda do aqui, vivido, às vezes, com mágoas, tristezas,
solidão para uma situação melhor, na qual se sente mais realizado.
A alegria verbalizada por G6 ao sentir o ser que está gerando se mexer
desvela a importância da gestação em sua existência, pois se percebe que
sentimentos de tristeza, medo, raiva passam a ser substituídos pela alegria. Na
visão de Merleau-Ponty (1994) acerca da alegria, não é a presença do outro ser que
traz alegria às gestantes soropositivas para o HIV, mas a forma de amá-lo, o
comprometimento, a cumplicidade com ele, o que existencialmente sentem vai
determinar seu estado de prazer. O mesmo autor diz que “não existe ação das
coisas sobre o sujeito, existe apenas uma significação (p. 584)”. Reforça ao dizer
que “a alegria é, portanto, a maneira pela qual o sujeito [gestante soropositiva para o
HIV estabelece suas relações com o mundo, é uma significação existencial”
(MERLEAU-PONTY, 1994, p. 510).
De acordo com Levinas (1982), a relação com um filho é uma relação
misteriosa, pois é “uma relação com outrem em que outrem é radicalmente outro, e
em que apesar de tudo é de alguma maneira, eu” (p.61). O mesmo autor diz que “o
73
filho não é um acontecimento qualquer que me acontece como, por exemplo, a
minha tristeza, a minha prova ou o meu sofrimento. É um eu, é uma pessoa” (p.64).
Esta relação misteriosa descrita por Levinas (1982) é identificada no relato
das gestantes, relação que lhes confere força e vontade de continuar a lutar pela
manutenção de suas existências, pois, se sentem preocupadas e responsáveis pelo
corpo que pulsa dentro do seu corpo e, por isso, desejam cuida-lo.
Percebe-se que as participantes do estudo expressam uma relação de
responsabilidade com o filho que está gerando. Levinas (1982) reforça esse caráter
de proximidade nas relações descrevendo que se trata de uma atitude humana que
não se pode recusar. Assim o autor diz que”sou eu apenas na medida em que sou
responsável” (p.93).
Motta (1997) diz que a atitude de responsabilidade com o outro reforça os
laços nas relações do ser no mundo, caracterizando-se como um existir autêntico.
Desvela-se nos discursos das gestantes soropositivas para o HIV alegria em
estarem gerando um novo ser, semelhante às outras mulheres que vivenciam a
experiência de ser mãe sem conviverem com a soropositividade.
Eu estou alegre, é muito bom sentir meu filho dentro da barriga.
Quando ele mexe eu até esqueço que tenho essa doença. É tudo pra
mim. (G2)
Spíndola e Banic (1998) dizem que a maternidade é um momento muito
especial na vida da mulher. Sente-se feliz por ser a produtora de uma nova vida e de
conviver com este ser em seu íntimo. Constatam que para grande número de
mulheres, a interação com o outro ser se configura como momentos de ternura,
alegria e plena realização.
74
As mesmas autoras relatam que apesar da presença do vírus, nesse
momento, o que prevalece é um sentimento maior com significado de esperança,
recomeço e futuro.
O ESTAR NO MUNDO COM O VÍRUS
O ser humano, lançado no mundo, se constrói a partir das diversas relações
que mantém no espaço e tempo de sua existencialidade, configurando, assim, seu
estar no mundo. É a partir dos resultados das relações que o ser mantém com o
mundo e com os outros seres que lhe é conferida a possibilidade de ser no mundo.
Assim, os discursos das gestantes soropositivas para o HIV desvelam o dinamismo
das relações estabelecidas por esses seres humanos lançados no mundo.
De acordo com Motta (1997), o estar no mundo pode ser descrito como
transcendência, não estando encerrado em si mesmo, mas aberto para o diferente
de si. O modo de existir do homem não “é”, mas é a possibilidade ou projeto de
existir.
No tema O estar no mundo com o vírus apresenta-se o ser no mundo a partir
das relações estabelecidas no seu existir com os significados emanados de sua
experiência vivida, a fim de estabelecer o seu modo de ser no mundo da vida.
Assim, desse tema emergiram os seguintes subtemas: Agora estou aceitando e não
aceitando*; É fundamental o remédio nesse momento, é o remédio que salva*; A
culpa é minha, eu não me cuidei*; Sinto saudades [...], mas eles não querem saber
de mim*; A vida é essa, devemos vivê-la* e Tenho no meu corpo a morte e a vida*.
75
Agora estou aceitando e não aceitando*
O diagnóstico de uma doença desestabiliza e ameaça a trajetória existencial
do ser no mundo configurando-se como uma facticidade para o ser que recebe a
notícia. A ansiedade de saber como será daqui para frente sua existência passa a
ser uma constante em seu pensamento e permeia todas suas ações, delineando sua
existência. Quando o diagnóstico gira em torno da não cura acentua-se a
desestabilização, pois uma série de implicações permeiam a existência, por
exemplo, a perspectiva da finitude de sua trajetória existencial.
De acordo com Santin (1995), o diagnóstico de uma doença configura-se
como uma ameaça à vida, caracterizando-se como um período crítico da existência
humana.
O diagnóstico do HIV foi desvelado em diferentes momentos da trajetória
existencial das gestantes participantes deste estudo, no entanto, a grande maioria
soube-se portadora durante uma gestação e até mesmo após a gestação, quando o
filho passou a apresentar a doença. Diferentes reações são desveladas pelas
gestantes sobre sua condição de soropositividade para o HIV e a gestação. No
entanto, o medo do futuro de sua trajetória existencial permeia o seu existir.
Desvela-se, nos discursos, que o desespero é a primeira reação diante da
revelação do diagnóstico, o qual está intimamente relacionado ao desconhecimento
do ser tem sobre sua situação e, também, relaciona-se a todas as interferências que
se tem do senso-comum em relação ao HIV. No entanto, o discurso de uma gestante
mostra que, à medida que vai recebendo informações sobre o que realmente tem e
quais serão os encaminhamentos a partir desse diagnóstico em sua trajetória
76
existencial, os pensamentos vão voltando ao lugar e vai-se pensando na
reorganização de sua vida, a partir dessa facticidade em sua existência.
Eu entrei em desespero [quando soube do diagnóstico], tentei
também me matar, parei no hospital porque eu furei minha veia aqui
do braço, mas não morri, lógico se eu tô aqui, aí depois comecei a
participar, a médica me explicou mais, eu comecei a saber mais, eu
assistia palestra lá no postão onde eu fiz o exame, lá eles tem
palestra e ele explicam como que é, como é ser soropositivo, que
não é assim morrer, aí aquilo tudo ali eu fui entendo, me tratando,
tomando a medicação, tomando remédios, me cuidando, controlando
a carga viral, o CD4. (G2)
A tentativa de fuga da realidade envolve a existência do ser ameaçado pelo
desconhecido. O suicídio pode representar a solução para sua existência, pois
percebe que o desconhecido é ameaçador e angustiante, sendo assim, parece
melhor optar pelo não-enfrentamento dessa facticidade.
Motta (1997) diz que a doença quando está presente na vida do ser,
desestrutura-a, atuando em todas as áreas de seu mundo, e passa a ser
responsável pelo sofrimento e pela dor que o ser vivencia. Assim, ela significa uma
ameaça à existência do ser, uma agressão ao seu modo de ser.
A mesma autora reforça que a doença abala a relação do homem com o
mundo, o sofrimento passa a caracterizar sua existência e, assim, a vinculação do
homem com o mundo se torna dolorosa.
Nos discursos das gestantes desvela-se uma dificuldade em compreender o
diagnóstico da soropositividade de acordo com o momento da gestação porque
estão passando. O discurso abaixo mostra que, ao ouvir o diagnóstico da
soropositividade para o HIV, dias antes do parto, faz com que a gestante não
consiga assimilar muito bem o que está acontecendo e quais as repercussões de
tudo isso. Nesse momento, percebe-se o ser em “suspensão”, sem definir-se quanto
ao processo.
77
Fiquei sabendo que tinha na semana passada e o meu parto já está
marcado para amanhã, então fica até difícil de pensar alguma coisa,
na verdade acho que a ficha ainda não caiu é muita coisa importante
junto. (G6)
Ao relatar que a “ficha não caiu” a gestante tenta dizer que não está
conseguindo contabilizar o que lhe foi revelado devido à importância dos eventos
simultâneos que vêm ocorrendo em sua trajetória existencial.
O medo é o sentimento que permeia a vida da gestante soropositiva para o
HIV. Saber-se soropositiva e grávida faz com que uma série de preocupações
passem a fazer parte de sua existência. O fato de estar esperando um outro ser
intensifica este medo, pois se sente responsável por essa vida e a possibilidade de a
doença acometê-la gera conflitos em seu existir no mundo, e de não poder cuida-lo
devido à sua incapacidade causada pela doença.
Eu me sinto meio com medo, um pouco triste e um pouco feliz
porque eu soropositiva e a gente sente aquele medo de a criança
pegar, de ficar doente, de eu ficar doente também. (G2)
Será que a criança vai nascer com isso? Será que eu vou durar para
cuidar? Muitas dúvidas. Não sei nada e não tem como saber, só
depois que ela nascer. (G4)
O medo, segundo Moretto (2001), vem associado à ansiedade. Muitas vezes
está associado às incertezas que sua condição existencial produz. A
soropositividade do HIV durante a gestação traz muitas incertezas, principalmente
quando se trata do futuro da criança que a gestante está gerando.
Raphael-Leff (1997) descreve que, nas gestações, o ventre materno torna-se
um receptáculo de esperanças, vontades, desejos e ansiedades. O mesmo autor diz
que a história interior difere para cada gestação, uma criança imaginária é posta ao
lado do embrião já implantado no ventre da mãe e, muitas vezes, mesmo antes da
78
concepção, o bebê é delineado na realidade psíquica da mãe. Então, quando existe
falta de conhecimento sobre o seu bebê, devido sua condição existencial, o ventre
torna-se um receptáculo para fantasias, desejos, temores e esperanças das
mulheres.
A soropositividade para o HIV da gestante deixa em aberto qual será o
resultado do exame feito na criança quando estiver no mundo. Essa indefinição
quanto ao sucesso da negatividade para o HIV da criança que a mulher está
gerando interfere nos pensamentos dela durante o processo de maternidade.
De acordo com Ávila (1998), as gestações que vêm acompanhadas de
algum problema que coloque a mãe e a criança em risco são vividas com maior
ansiedade pela gestante, principalmente pelo temor de estar gestando uma criança
com problemas.
Corrobora-se a afirmação de Raphael-Leff (1997) quando declara que a
mulher pode focalizar aspectos positivos ou negativos de seu processo de duas vias,
ou seja, vê em si um ser passivo, uma generosa armazenadora, uma envenenadora
ou uma hospedeira explorada. Por outro lado, pode imaginar seu filho um hóspede
inocente, um parasita consumindo suas energias, um intruso contaminando seu
íntimo.
O diagnóstico de soropositividade para o HIV faz com que a gestante não se
sinta naturalmente grávida. Ela percebe que sua gestação implica condições que a
fazem ser considerada não-natural e deixa explícito que o desejo de ter um filho está
presente, mas não na condição soropositiva. A ambivalência entre triste e feliz
acentua a dicotomia entre a doença e a vida.
Estou triste por eu não ter uma gravidez natural, eu ser soropositiva,
ter que tomar um monte de remédio, eu queria estar grávida, mas
não ser soropositiva. Feliz porque eu vou ter meu filho, ter um nenê,
79
eu adoro meu filho já, eu sei que é o sétimo filho que eu vou ter, mas
eu amo igual, amo todos eles. (G2)
Desvela-se, também, que o diagnóstico do HIV interfere no existir da
gestante, mas ela enfrenta com normalidade sua condição, aceitando sua realidade
e adaptando-se a ela. A continuidade de sua trajetória existencial e a necessidade
de concretizar seus projetos fazem com que a gestante perceba que sua vida
precisa continuar e que aceitar a realidade ajuda a enfrentar as facticidades da
existência.
As gestantes soropositivas para o HIV aceitam sua condição imposta pela
doença e adaptam-se a ela, vivendo de acordo com o seu próprio modo de ser, não
fugindo da realidade, conforme afirmam nos relatos:
É a mesma coisa que nem as outras, só que a gente tem mais
dificuldade, tem a preocupação com o nenê, se ele vai nascer
saudável, se vai ter que fazer o tratamento. (G3)
Eu sou gente também, não é porque eu tenho o vírus que eu não
tenho direito de ser gente. (G2)
É a mesma coisa que os outros, não é porque eu tô com o HIV que
eu vou ser diferente, as mesmas coisas que eu tive nas outras
gestações eu estou tendo nesta, eu não tô sentindo nada de
diferente. (G6)
Espero tratar essa doença como algo normal, como qualquer outra
doença, olhar como qualquer outra doença que precise de
tratamento, ir até o fim lutando. (G1)
Na duração da existência, essas gestantes vivem dentro de seu tempo
construindo a sua história. Preocupam-se com o que pode vir a acontecer, mas
enfrentam e continuam sua trajetória no aguardo dos fatos. Merleau-Ponty (1994)
afirma que o sujeito está imerso no corpo e este participa do sujeito. O corpo integra
o sujeito no mundo e se constitui no ponto de vista dele. Para tanto, percebe-se que
80
essas gestantes estabelecem com o mundo uma existência autêntica, conforme o
pensamento heideggeriano, pois vivem de acordo com suas possibilidades.
É fundamental o remédio nesse momento, é o remédio que salva*
As constantes descobertas científicas acerca de tratamentos para doenças
de difícil controle e prognósticos reservados são inevitáveis para o progresso no
âmbito da saúde mundial. Constantemente, ouve-se falar dos avanços da ciência
para a manutenção da existência humana. Percebe-se que a tecnologia na área da
saúde humana está baseada na visão de que o ser humano é máquina que precisa
de manutenção para funcionar bem. O advento de novos medicamentos que
mantêm o equilíbrio do corpo biológico do ser humano, que o afasta do mau
funcionamento é, sem dúvida, essencial para a manutenção de sua existência. No
entanto, pensar o ser humano apenas como saúde-doença em seu aspecto
funcional, faz com que não ocorra a valorização da essência desse ser e de suas
potencialidades como ser no mundo diante de uma existência autêntica.
Percebe-se nos discursos das gestantes soropositivas para o HIV que há um
incentivo na sua relação com o mundo e com o outro para a valorização do corpo
biológico, que define seu modo de ser diante de sua condição existencial. Constata-
se um estímulo para a valorização do equilíbrio do corpo biológico, o qual
determinará os rumos de sua existência. O tratamento medicamentoso passa a ser
considerado um dever que precisa ser seguido. Assim, nos discursos, o tratamento
medicamentoso determina seu existir e mantém sua existência, e a criança que está
gerando.
O conselho veio atrás de mim, porque eu não tava fazendo o
tratamento, eu tava desistindo, mas foi aí parece que alguma coisa
81
me empurrou, o pai das crianças disse ‘não pára, vai’, daí agora eu
tô fazendo o tratamento direitinho, sem o tratamento não sou nada.
(G1)
Ao referir que não fazer o tratamento é desistir, nota-se que a continuidade
da vida está relacionada à manutenção de seu corpo biológico como uma máquina,
reafirmando que sem o tratamento não se é nada.
No discurso a seguir percebe-se que o tratamento retira a naturalidade da
existência e que a gestante passa a viver de acordo com as regras que o tratamento
impõe ao seu modo de vida. Seu existir fica pautado aos condicionantes do
tratamento e seu modo de ser molda-se à sua maneira. Desvela-se, então, uma
dependência do ser ao tratamento medicamentoso, demonstrando que seu espaço e
tempo de existência são guiados pela medicação.
Essa gravidez é mais difícil porque tem um monte de coisa que eu
preciso cuidar mais, tem hora pra remédio, tenho que me policiar,
preciso sempre tá certa da hora, sei lá não é tão natural. (G3)
Eu acho que é demais de remédio, eu tomava três vezes por dia e
agora ele trocou eu tomo duas vezes,mas a mesma quantidade e
meu organismo não acostumou ainda, hoje eu vomitei, é que antes
quando era três vezes ao dia eu me perdi, as vezes passava do
horário, então ele passou pra duas vezes. Mas eu tô fazendo tudo
certinho. (G1)
Eu conto no relógio, porque eu durmo cedo, né, umas 8 horas, como
é as 10 horas o remédio eu fico acordada até lá, ou senão eu peço
para alguma das gurias me chamar, daí eu tomo lá escondida,
porque eu tenho lá um lugarzinho meu, eu vou lá e tomo. (G1)
Sei que é importante [tomar o remédio]. Quando eu tomo com leite
eu não vomito ele, eu vomito quando tomo com água, mas eu só
tenho leite pros filhos, não posso tomar o leite deles, não sei qual o
efeito que faz, sei lá, eu não consigo mastigar eles, é muito amargo,
dizem que se mastigasse era melhor, mas eu não consigo, não nem
pensar. (G3)
Percebe-se, no discurso, a reprodução de um saber técnico, demonstrando
que o aprendizado sobre o funcionamento do seu corpo e a necessidade do uso da
82
medicação para manutenção de sua existência foi estimulado durante a relação com
o outro, nesse caso a equipe de saúde. A explicação da importância do uso da
medicação está pautada em um discurso reproduzido pelos profissionais técnicos. A
gestante soropositiva justifica todo seu saber acerca de sua facticidade existencial a
partir de termos técnicos utilizados: resistência, carga viral.
Se eu deixar de tomar o organismo cria resistência e dá força pra
carga viral. O remédio dizem que estimula o apetite, mas eu fico
sem, mas acho que isso é da gravidez. (G3)
De acordo com Crossetti (1997), o mundo ocidental tem se destacado pelo
progresso de todas as áreas do conhecimento devido à evolução das ciências
naturais. Ocorrem descobertas e acontecimentos variados fazendo com que a forma
de vida do homem esteja em constante movimento. Esses fatos levam prazer,
conforto e comodidade ao homem, todavia, se reconhece que está ocorrendo o
empobrecimento de valores e sentimentos na existência humana.
As práticas de saúde estão dominadas pela concepção mecanicista da vida,
modificando, assim, as relações entre os seres humanos. O corpo humano tem sido
reduzido em componentes básicos e funções orgânicas fundamentais. A doença é
percebida como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos e o papel do
profissional da saúde é intervir física ou quimicamente para consertar o defeito em
um mecanismo enguiçado (CAPRA apud CROSSETTI, 1997). Os discursos das
gestantes evidenciam o uso dessas práticas na relação com os profissionais de
saúde.
Fica evidente nos discursos das participantes do estudo que há um
incentivo dos profissionais da saúde para o tratamento, a fim de que esta
reestabeleça sua saúde e assuma os cuidados do filho. No entanto, esse incentivo
está pautado na utilização das medicações para alívio dos sintomas da doença e,
83
assim, a volta da força física para poder continuar vivendo. O resultado positivo do
uso da medicação reforça a percepção de que seu uso seja fundamental e que
apenas isso pode mantê-la com força.
Os médicos disseram pra mim ‘mãezinha sabe o que tu faz? Tu vai
te tratar, vai procurar um hospital para ti cuidar que nós cuidamos do
teu filho para quando ele sair daqui tu já esteja boa para cuidar dele’
Eu ía para o hospital e passava o dia inteiro vomitando no lado da
cama, diarréia também, daí foi de tanto eles falarem que eu fui para
Santa Casa, daí eu comecei a melhorar mesmo, comecei a tomar a
medicação. Agora acredito neles só o remédio é que me ajuda. (G5)
A gestação é um processo natural para o corpo biológico da mulher, que
possui uma estrutura biológica que se adapta ao processo gestacional e, por isso,
sua evolução segue em equilíbrio. O uso de medicamentos em uma gestação
considerada normal, geralmente não é preconizado. Portanto, faz parte do senso
comum saber que medicações somente serão usadas durante uma gestação
quando algo nesse corpo não está correspondendo naturalmente.
As gestantes reconhecem fundamental a medicação para o sucesso da vida
de seu filho e para a manutenção de sua força física, porém, elas revelam a
necessidade constante de buscarem estratégias para ocultar do outro com quem
convivem, o uso dos medicamentos. Mostrar ao outro o uso da medicação durante a
gestação pode significar a revelação de sua soropositividade até então mantida em
sigilo.
Sabe-se que a revelação do diagnóstico de portador do HIV é uma
dificuldade para todos que convivem com ele, pois existe muito preconceito e
discriminação aos portadores devido à relação do HIV com questões relacionadas a
estilos de vida desregrados e atos não aceitos pela sociedade. A revelação durante
uma gestação é percebida com o agravante de estar colocando em risco a vida de
outro ser. Nos discursos das gestantes, percebem-se diversas estratégias utilizadas
84
para ocultar do outro o uso da medicação: um esconderijo para guardá-las e tomá-
las, e, quando isso não é possível, várias justificativas dadas ao outro sobre o
porquê de seu uso.
Eu deixo debaixo de uma planta que só eu cuido, todos os dias vou
até ela e finjo que estou olhando, daí pego e tomo, levo sempre água
junto. (G7)
Daí uma pergunta, ‘ah, o que é isso?’ ‘É remédio para dor de
cabeça’, mas elas não fazem muita pergunta, elas querem mais que
eu fique bem. (G1)
A participante G7 reside com a família do companheiro que faleceu
recentemente em um acidente de moto. Ela não confirmou a soropositividade do
companheiro, pois ele foi a óbito antes, no entanto, diz que só pode ter sido
infectada através de relação sexual com ele, ex-usuário de drogas injetáveis. Ela se
queixa da dificuldade que tem para tomar a medicação todos os dias devido a
necessidade de escondê-la, porém, revelar que toma medicação durante a gestação
lhe traria a possibilidade de ser expulsa de casa, pois os familiares iriam querer
saber o porquê. No discurso de G7 se desvela a preocupação em não revelar seu
diagnóstico e as conseqüências que essa revelação lhe traria:
Eu preciso esconder sempre, é difícil, mas eu escondo, até quando
chove tenho que ir lá tomar. È melhor pra mim, se eles desconfiarem
o que eu tenho me botam pra correr, vão até dizer que o filho que eu
to esperando não é do meu marido, vão dizer que ele não tinha essa
doença, daí eu to perdida. (G7)
Devido a alta complexidade do vírus e sua resistência dentro do organismo
humano as medicações anti-retrovirais são substâncias de ação potente no
organismo, por isso, apesar de agirem sobre o vírus de forma eficaz e controlarem a
sua disseminação, provocam uma série de reações adversas: como vômitos,
emagrecimento, lipodistrofia, erupções cutâneas.
85
Essas reações representam uma ameaça na revelação do diagnóstico de
sua soropositividade, e uma preocupação quanto à possibilidade de transmissão do
vírus para outras pessoas, através das lesões que as reações manifestam no corpo.
Nos discursos, aparece o medo das gestantes de transmitirem o vírus através das
erupções cutâneas que advieram após o uso da medicação. O vômito não as
preocupa porque também faz parte das reações de uma gestação, no entanto, o
emagrecimento e as lesões na pele podem revelar distúrbio no organismo e os que
convivem com elas podem buscar investigar seus motivos.
Eu perguntei para enfermeira ‘olha, não tem perigo eu passar pra
outras pessoas?’ ‘não, isso daí tu não te preocupa que isso daí vem
mas logo vai é só o efeito do remédio’ aí no caso se ficar muito eles
já marcaram pra mim de ir lá esse mês mesmo pra elas verem o que
podem fazer, mas até agora não veio reação mais forte, é que nem
ela disse, dá reação, mas dá mínima e as vezes dá forte ou fraca,
mas até agora não deu, graças a Deus. (G1)
A culpa é minha, eu não me cuidei*
O ser humano em sua relação com mundo e com o outro busca
compreender as facticidades que acontecem no seu estar no mundo. O subtema A
culpa é minha, eu não me cuidei apresenta como as gestantes soropositivas para o
HIV percebem a responsabilidade de estarem com o vírus e justificam sua
soropositividade.
Devido ao HIV estar associado à sexualidade dos seres e esta ser uma
questão polêmica em suas vidas por estar cercada de muitos tabus, valores e
crenças, ser portador desse vírus, muitas vezes, leva ao sentimento de culpa
associada ao fato de não terem conseguido se cuidar frente à ameaça de se
infectar. As gestantes relatam que sabiam como se cuidar, mas que não o fizeram e,
por isso, são culpadas. Surge, nesse momento, a necessidade de se
86
responsabilizarem pelo ato cometido e se comprometerem com a manutenção de
sua existência e do outro que estão gerando. Denota-se que, por estarem grávidas
as preocupações estão centradas no filho que vai nascer e a culpa está relacionada
a esse outro ser.
Eu sabia, eu tinha como me cuidar é complicado saber que a culpa é
minha, mas, agora, sei que eu tenho que cuidar algo mais que uma
simples gestação, tenho que cuidar mais além, pensar mais longe,
para não estragar tudo de novo, a minha vida eu já estraguei, não
posso estragar de outros. (G3)
Fui egoísta, pensei somente em mim, no meu prazer, na minha
vontade, por isso preciso carregar esta culpa pro resto da minha
vida. (G4)
O sentimento de culpa causa sofrimento na vidas das gestantes, a
possibilidade de ter um filho doente gera um abalo em sua existência e influencia no
seu estar no mundo. A culpa sentida pela gestante a leva a se dar conta que sua
vida está desorganizada e, pelo discurso, ao usar o termo estragada, reporta-se à
possibilidade de não mais recuperá-la.
O investimento em campanhas de prevenção ao HIV/AIDS é altíssimo e, de
certa forma, universal, com ampla divulgação na mídia de massa, mesmo assim,
mulheres continuam se infectando por via sexual, fato este justificado pela história
inicial do vírus que não vinculava a mulher aos grupos de risco, a não ser que
fossem profissionais do sexo. Por isso, as mulheres com relacionamentos estáveis,
ainda hoje, não se consideram vulneráveis ao vírus (KNAUTH, 1998).
Conforme Rocha (2003), as mulheres ocupam, hoje, papel de destaque na
infecção pelo HIV e se configuram como um grande desafio, pois precisam dar-se
conta de que o vírus não faz parte de seu papel social de esposa.
Percebe-se que as atitudes e estilos de vida das gestantes a partir do
momento que se sentem culpadas pelo HIV passam a ser determinadas pensando
87
na responsabilidade que se têm com o outro, seu filho. Em seus discursos, está
presente o seu papel como culpada e de seu filho como inocente.
Segundo Ferreira (1986) a palavra culpa pode ser traduzida como uma ação
negligente ou imprudente ou danosa a outrem, bem como responsabilidade por ação
ou omissão prejudicial, reprovável ou criminosa, mas não intencional.
Na prática diária, ao desenvolver cuidado aos portadores de HIV e doentes
de AIDS observa-se a ambigüidade no sentimento de culpa das mulheres
infectadas: ora a culpa é da própria mulher, ora é do homem que não se cuidou e
não a estimulou para se cuidar. Essa ambigüidade fica nítida ao se cuidar de uma
gestante e de uma não-gestante. As gestantes verbalizam, na maioria das vezes,
que a culpa é delas que não se cuidaram, culpa essa em relação à vida da criança
que estão gerando. Em poucos momentos, a gestante amplia esse sentimento de
culpa também para o homem, pelo qual foi infectada. Percebe-se que a mulher
quando está grávida centraliza suas preocupações na criança e não na sua própria
vida, devido a esse sentimento de culpa.
Quando o filho que a mulher gerou apresenta uma doença, o sentimento de
culpa é reforçado e o convívio consigo mesma torna-se difícil. A mulher se
desestabiliza em pensar que o sofrimento do filho foi por sua culpa. No discurso a
seguir, desvela-se a não-aceitação pela culpa de ver o filho sofrer com a facticidade
da doença tendo ele recém iniciado sua relação com o mundo.
Eu tinha colocado meu filho recém-nascido no hospital, eu era a
culpada dele está sofrendo, eu me odiava por isso, aí eu comecei ir
no hospital. (G5)
Como pode um inocente sofrer tanto? Eu tava firme, mas ele
sofrendo, isso não é justo. (G4)
88
A relação da doença como castigo de um pecado cometido está presente
nas falas das gestantes. Atribui-se a Deus o poder de condenar a mulher pelo estilo
de vida que ela mantinha no mundo da vida. Apesar de dar-se conta que não
estabelecia relações que prejudicassem o outro, senão a si mesma, a justificativa
recai sobre sua culpa quanto à existência do ser que está gerando, revelado no
discurso a seguir:
Eu não era boa coisa pra ter essa doença, Deus me condenou, me
deu uma doença ruim pra mim pagar, eu não sei o que eu tenho que
pagar, acho que é por colocar essa criança em risco, isso eu tenho
culpa, porque eu nunca fiz o mal pra ninguém, se fiz mal fiz pra mim
mesmo, aprontei pra mim, machuquei eu, sofri eu. (G1)
Padoin (1999) salienta que na luta contra o HIV/AIDS não existem culpados
ou inocentes, mas seres humanos lutando pela sobrevivência, cidadania e liberdade.
De acordo com Berlingüer apud Polak (1997), na grande maioria das
sociedades a idéia de doença está ligada a algum deus que pune, a doença se
relaciona com o pecado ou com a necessidade para nossa purificação espiritual.
Assim, se denota a saúde como algo sagrado, e a doença como algo sujo,
pecaminoso que afeta o corpo na sua purificação.
O tabu que permeia a relação do ser humano com sua sexualidade está
presente nos discursos das gestantes. O sexo concebido como pecado surge na
justificativa da soropositividade da gestante. A condenação por ter cometido o
pecado é aceita, assim, se compreende que o ato pecaminoso foi praticado por ela,
portanto, o ser que está sendo gerado não tem motivos para ser condenado pelo
pecado, pois ele não o cometeu. A culpa recai, na sua percepção, somente nela e,
por isso, Deus a condena.
89
Minha mãe sempre disse que transar era pecado, taí Deus me
mandou essa doença, mas essa criança não fez nada, por isso
acredito que ele não vai ter. (G7)
Nichiata, Shima e Takahashi (1995), ao buscarem a compreensão do
fenômeno da AIDS no Brasil, afirmam que a maneira como surgiu a doença,
percebida em homossexuais masculinos e usuários de drogas – associado a “grupos
de risco”, fez com que a resposta da sociedade permanecesse por muito tempo
alienada em relação à síndrome. Com isso, Riscado (1998) salienta também o
preconceito fortemente marcando a história da epidemia.
Percebe-se que a limitação da transmissão em um grupo de risco leva a um
julgamento equivocado de que, um tipo específico de comportamento irá condenar
ou livrar as pessoas da infecção, o que, muitas vezes, impede que as pessoas se
protejam adequadamente, sendo consideradas, a partir daí, seres vulneráveis.
A alienação e o medo que a sociedade tem são reforçados pelos meios de
comunicação que ainda ligam a infecção aos “grupos de risco”, e reforçam o fato de
não ter cura e levar à morte. As atitudes indesejáveis da sociedade tiveram papel
fundamental na construção social e cultural da epidemia do HIV/AIDS, como uma
doença que veio para quem “merece” ou “procura” ou ainda a “Peste Gay” e o
“Castigo de Deus” (PADOIN, 1999).
O desabafo de uma gestante revela que a culpa não existe quando se tem
consciência de suas possibilidade e limitações no mundo da vida.
Uma coisa que eu quero deixar bem claro é que quando falei do meu
marido eu não quero que pensem que ele tem culpa, que eu acho
que ele tem culpa, porque não sou uma pessoa que vivo nesse
mundo e diferente de muitos ainda tenho uma condição que me
proporciona algumas coisas que eu sei que a maioria da população
não tem, assino jornal diariamente, assisto TV a cabo, então me
considero informada e se isso aconteceu é porque eu também não
me cuidei, eu também não exigi os meus direitos enquanto mulher,
esposa desse século, vivi como as mulheres do século passado
achando que o marido era soberano, ninguém tem culpa, não existe
90
culpa, aconteceu, sei lá, aconteceu...(choro). Por favor, eu não quero
mais falar. (S6)
Sinto saudades [...] mas eles não querem saber de mim*
Nesse subtema apresenta-se a gestante portadora do HIV em relação com
os outros seres humanos que fazem parte de sua existencialidade. Revela-se, nos
discursos, uma série de sentimentos que emergem da relação com o outro:
abandono, preconceito, solidão, necessidade, rejeição e outros tantos.
Percebe-se, nos discursos das gestantes, a necessidade da presença do
outro em seu existir, a falta de apoio do outro devido a revelação de sua
soropositividade. Ressalta-se a importância do ser familiar na vida da gestante para
o enfrentamento de sua condição existencial e o sofrimento causado pela sua
ausência.
Eu falei pro meu pai que eu era soropositiva, faz dois anos que eu
falei e ele disse que simplesmente não podia fazer nada, que a
errada era eu, eu era suja mesmo, ele não se admirava, mas eu não
queria nada dele mesmo, só queria uma palavra amiga dele, mas ele
não soube me dar. (G2)
Eu não tenho uma mãe, uma irmã para me apoiar, todos sumiram
desde que souberam, eu conto com as pessoas estranhas quando
estou doente, quando eu me sinto mal eu peço pras pessoas
estranhas me acodirem. (G5)
De acordo com Koller (1995), a família para o ser portador do HIV ou doente
de AIDS, além de suas características próprias de núcleo familiar, precisaria ser
fonte de amor, encorajamento e dedicação para auxiliá-lo nessa situação. No
entanto, percebe-se que, às vezes, nesse cenário há abandono, desprezo, raiva e
desamor.
91
Padoin (1999) reforça que ao se falar de AIDS, encontra-se seres humanos
em situação de abandono e/ou isolamento, situações que permeiam estigmas e
preconceitos, condutas ditas perniciosas no fazer humano.
De acordo com Spindola e Banic (1998), as mulheres portadoras do HIV
convivem com o medo, a insegurança e, muitas vezes, com o abandono de
familiares e amigos.
Em outros momentos dos discursos, a rejeição do outro se transforma em
dor, manifestada com sofrimento e expressões de choro durante as falas. A dor
simbólica permeia o existir das mulheres pela rejeição do outro. A influência que o
outro estabelece sobre outros seres que poderiam se relacionar com elas reforça
esse sofrimento.
Minha família eu não tenho, minha mãe não quer saber de mim por
causa da doença, meus irmãos tão sumido, ninguém quer saber de
mim, então ninguém fala comigo, e as únicas pessoas que eu tinha
do meu lado eram os meus filhos, mas daí o pai deles veio buscar
ele, então família eu não tenho, isso dó, dói muito. (G2)
Ela [a mãe] se separou de mim depois que eu fiquei grávida e ela
soube que eu era, porque ela disse que não queria uma filha aidética
doeu, sabe, eu chorei, eu sofro bastante, mas que nem eu disse
preciso dela, eu até quero ir atrás dela, mas ela disse que não é pra
mim nem botar os pés no portão da casa dela, e então ela foi
influenciando a minha família , eu é pior que uma dor na carne, é
uma dor que enlouquece a cabeça ela tá sempre funcionando,
sempre moendo. (G1)
Spindola e Banic (1998) afirmam que a natureza humana faz com que
vivamos em grupo, em comunidade. Precisa-se do convívio com outras pessoas, de
se relacionarem uns com os outros, sendo esta uma característica fundamental do
existir do ser humano. Salientam que quando o ser humano se sente rejeitado e
abandonado por familiares e amigos, vivencia sentimentos e sensações singulares.
A dor da solidão os leva à tristeza e depressão. Sabe-se que na mulher grávida os
92
sentimentos afloram com mais intensidade. Quando são portadoras do HIV ficam
carentes de afeto e atenção, necessitando sentir amor, carinho e compreensão
daqueles que a cercam.
O olhar do outro como julgamento do estilo de vida das gestantes desvela-se
em seus discursos. O preconceito permeia o modo de existir dessas mulheres. O
outro se revela como uma ameaça à sua vida íntima e ao mundo de suas relações.
Eu tinha vergonha de ter HIV muito por causa do preconceito das
pessoas, elas olham e parece que tu é a pior pessoa do mundo,
ainda mais quando é mulher, falam que ou tu é prostituta ou tu é
trouxa porque acreditou no teu marido, dize que teu marido saía com
todo mundo nas tuas costas. (G3)
Percebe-se que algumas gestantes não revelam o diagnóstico com medo do
abandono do outro que ainda mantém uma relação com elas no mundo da vida. A
experiência do abandono é marcante na vida desses seres que não acreditam em
outra alternativa que não seja essa ao revelarem o diagnóstico, portanto, buscam,
de todas as formas, fugirem dessa possibilidade. A revelação do diagnóstico como
uma possibilidade ronda o existir das gestantes portadoras do HIV. Há segurança de
que não estão causando nenhum mal aos seres que se relacionam com elas, mas
não querem revelar sua doença pelo medo do abandono.
Amigo mesmo, quando descobrirem o que eu tenho me deixarão de
lado, por enquanto duas amigas eu tenho por enquanto, mas acho
que quando descobrirem vão sair de perto, que por amor de Deus
não quero que descubram, porque eu não tô passando nada pra
elas, mas se eles descobrirem eles me largam de mão. (G1)
De acordo com Padoin (1999) o portador do HIV ou doente de AIDS, devido
ao estigma da doença, enfrenta um estado pior que a própria doença, o medo da
denúncia decorrente da ignorância e do preconceito. Chacon (1996) ilustra esta
93
afirmação ao perceber que as pessoas ficam acuadas e muitas passam a ser
clandestinas, terminando por abandonar seus filhos, familiares e amigos.
O termo preconceito se refere a um julgamento prévio e negativo das
pessoas, sendo mantido, mesmo que alguns fatos o contradigam, isto é, o
julgamento é formado antes do conhecimento dos fatos. A confirmação
comportamental que provém do preconceito é a discriminação, assim, o
comportamento é mais importante para nós do que a atitude de preconceito
(JONES, 1973).
De acordo com Japiassu e Marcondes (1993), o preconceito possui um
sentido eminentemente pejorativo, sendo a opinião admitida sem ser discutida,
constituída pela visão de mundo ingênua que se transmite culturalmente e que é
internalizada pelos indivíduos, influenciando seu modo de agir e de considerar as
coisas.
Nos discursos das gestantes surge o outro como ameaça de revelação do
diagnóstico e este outro faz parte dos profissionais de saúde que cuidam da
gestante portadora do HIV. Percebe-se que a relação entre o profissional de saúde e
a gestante, às vezes, não é pautada pela confiança.
Se a gente vai pedir ajuda nessas assistência social eles pedem um
monte de coisa, lá na vila mesmo, eles vão na nossa casa e ficam
falando de mim pra ele, dele pra mim, as agentes saem de casa em
casa e comentam a vida de todo mundo, não são profissionais como
a senhora que guarda nossos segredos, lá não, porque eles moram
na vila daí contam tudo pra todo mundo. (G3)
Elas [agentes comunitárias de saúde] se dão com a vizinha do lado e
ainda falam da gente, nos chamam de folgados, de sem vergonha,
só ganha ajuda quem elas querem que ganhe, a fofoca é muito forte
lá dentro, as pessoas vem e comentam com a gente que elas falam,
eu prefiro andar uma hora e ir no postão lá de vocês do que ser
atendido no posto lá, a gente prefere ir no postão, agora eu vou ter
passe livre. (G3)
94
Devido aos modelos de organização atual da saúde pública, em específico,
os posto do Programa Saúde da Família (PSF), os profissionais de saúde e os
usuários da rede básica possuem uma estreita relação pela proximidade de suas
casas com o posto de saúde.
As agentes comunitárias de saúde, membros da equipe do PSF, são
pessoas contratadas da própria comunidade para servirem de elo da comunidade
com o serviço de saúde e, com isso, manter a população mais próxima do serviço.
Para tanto, percebe-se, nos discursos acima, que as agentes comunitárias, por
serem conhecidas e por visitarem várias casas de suas vizinhanças próximas,
ameaçam simbolicamente as gestantes soropositivas para o HIV com a possibilidade
de revelarem sua situação. Trata-se de uma ameaça simbólica pelo fato de que isso
já faz parte do imaginário das gestantes, devido ao fato de serem iguais, esta querer
expor sua situação.
Ao desenvolver atividades de enfermagem relativos aos cuidados em saúde
pública, é comum ouvir relatos de usuários da rede básica queixando-se da
intromissão das agentes comunitárias de saúde nos desvelamentos de suas
intimidades para o resto da comunidade em que residem. Mas, percebe-se pelos
discursos das mesmas gestantes, que o profissional de saúde que presta cuidados a
gestantes soropositivas para o HIV, em alguns momentos, configuram-se como seus
apoiadores na busca de sua unicidade e integralidade no mundo. Para elas, os
profissionais de saúde são incentivadores para que enfrentem a doença. No entanto,
essas características cabem aos profissionais que lidam especificamente com a
questão do HIV.
Percebo é que os profissionais que trabalham com HIV são
diferentes, a gente sabe que tem profissionais bons e ruins, mais
esses são mais atento, mais pelos direitos, eles nos incentivam a
exigir nossos direitos. (G3)
95
Eu não procuro muito outro posto de saúde que não seja aqui, eu sei
que eu tenho que tratar depois de grávida no postinho mais perto lá
de casa, mas eu me sinto melhor aqui, nem que eu tenha que andar
duas horas sempre venho aqui. (G5)
Deus que me perdoe, eu já fiquei tanto dentro de hospital, eu ía e
voltava com diarréia e vomitando, cruzes, mesmo assim toda vez que
eu vou não tenho o que me queixar, assim, se procuro um posto fora
daqui, eu procuro o que eu ía desde pirralha, assim me sinto em
casa, não tenho o que me queixar. (G5).
Desvela-se, pelas falas, a construção de comportamentos que salientam a
diferença com que os portadores de HIV são tratados pelo outro, e a não aceitação
da diferenciação enquanto não se sabiam soropositivos está presente nos discursos.
Tu entrava assim na casa e via que o sofá era um lado tapado com
um lençol pra ela e as crianças e no outro lado para as outras
pessoas, olhava assim na prateleira era só o copo dela separado,
colher e prato, eu achei um absurdo aquilo ali, ai eu peguei e abri a
minha boca, naquela época eu jamais ia saber que ía ter porque eu
estudei no colégio sobre isso. (G1)
Eu sei que falam de mim, eu sei se eu vou pedir um copo d’água eu
tenho certeza que eles vão lavar aquele copo com água quente ou
vão até botar fora aquele copo porque eu sou soropositiva, eu tenho
certeza se eles vão me dar um prato de comida eles vão botar fora
aquele prato, vão fazer qualquer coisa, mas não peço pra ninguém,
porque eu sinto o cinismo sabe, não é aquela amizade, aquela
pureza, que eu quero ter sabe alguém que esteja comigo para
conversar, mas não tem ninguém. (G2)
Nos discursos das gestantes percebe-se que elas buscam justificativas a fim
de esclarecerem o porquê da rejeição do outro. Surge, assim, a falta de
conhecimento como justificativa de rejeição do outro.
Ele [o pai] não tem culpa, tem pouco estudo, escuta um monte de
besteira dos outros que fazem a cabeça dele. Tenho um irmão que tá
na cadeia e um irmão doente que ele cuida, minha mãe é morta. (G2)
Minha família não aceita, mas são ignorantes, eu sei disso, eu
entendo, agora minha família mesmo é só meu marido e meus
filhos.(G3)
96
No contexto do HIV existe uma estreita relação com a questão da
informação vinculada à prevenção. A crença de que quem tem informação não se
infecta e não discrimina é veiculada constantemente como a chave para o
estabelecimento de uma consciência preventiva acerca do vírus. No entanto, ao
mesmo tempo em que os discursos das gestantes deste estudo confirmam essa
crença, também estas colocam uma interrogação quanto a isso. Há uma
ambigüidade nos discursos entre o preconceito e o conhecimento, pois refletem e
questionam sobre o preconceito que sofrem daqueles que possuem conhecimento.
Uma vez eu passei mal e meu marido chamou uma ambulância, daí
quando o médico da ambulância soube que era soropositiva, fez uma
cara assim de nojo, daí eu falei pra ele ‘a isso não pega assim
doutor, só conversar comigo não pega’ aí ele deu uma enrolada e
disse ‘ah, pede pro teu marido ficar do teu lado pra ti te sentir mais
segura até chegar no hospital’ e saiu de perto. (G1)
Dizem que o preconceito existe porque as pessoas não têm muito
bem a informação do que é, mas uma enfermeira tem até faculdade,
e o pior é o médico que todo mundo acha. que tá aí pra salvar a
gente e que nada, até olha com nojo. (G6)
Considera-se que os profissionais da saúde são parte da sociedade, a qual
esta possui valores decorrentes da cultura em que estão inseridos. Os profissionais
carregam consigo uma conotação sociocultural da AIDS. Por isso, segundo
Rosenthal (1987), percebe-se que o profissional de saúde carrega uma bagagem de
preconceitos que adviram de sua formação cultural, moral e religiosa.
O mesmo autor diz que alguns profissionais de saúde ao se depararem com
um paciente portador do HIV, o percebem depositário de tudo que aprendeu a
condenar, por isso, precisará estar com um mínimo de preparo para enfrentar a
contradição, ou seja, prestar cuidado àquele a quem rejeita ou discrimina.
97
A vida é essa, devemos vivê-la*
Nesse subtema apresenta-se a angústia e o sofrimento enfrentados pelas
gestantes soropositivas para o HIV. Denota-se a consciência sobre a facticidade da
doença interferindo na integridade de seu existir, no entanto, se percebe a
dificuldade para manter a continuidade de sua história.
Os discursos desvelam que as gestantes sofrem pelas factidades que
entrelaçam sua existência e se angustiam com as dificuldades enfrentadas, dando-
se conta de suas limitações, porém as enfrentam. Possuem consciência de que o
existir tem seu tempo e que precisa aproveitá-lo enquanto ainda lhes resta.
Eu sofro bastante, mas tem que ir pra frente, se eu esperar e fazer
que não vejo eu morro antes do meu tempo. (G1)
Eu tenho uma doença que pode me matar, mas eu tenho que viver
enquanto eu posso, eu não posso só ficar esperando a morte, eu sei
que vou morrer, mas não sei quando. (G2)
Revelam que vivem dentro de suas próprias possibilidades de acordo com
seu modo de ser. Os discursos mostram a dinâmica do mundo da vida.
Está mudando muita coisa nesses últimos dias, meus filhos estou
enxergando diferente, estou vendo coisas que não via, parece
valorizando mais o sorriso, a esperteza, a presença, (choro), meu
marido que eu não dei valor para olhar ele como uma pessoa que
errava, eu pensava que ele não errava, que ele era perfeito, muita
coisa que eu não dei valor nesse tempo, agora vejo que faz sentido
(G6)
Está muito difícil, muito confuso tudo agora, mas acredito que as
coisas vão voltar para o normal, a vida da gente é essa e devemos
vivê-la com que temos, com os obstáculos que temos. (G3)
Na existência autêntica, a partir do pensamento heideggeriano, o homem
acolhe a angústia e suas revelações, supera e transcende a sua vida cotidiana,
98
mergulhando no silêncio e na solidão, fica face a face consigo, assumindo sua
condição humana, colocando-se na verdade (VERNEAUX, 1968).
Desvela-se nos depoimentos das participantes a forca e a persistência que
possuem em enfrentar as dificuldades surgidas no decorre de suas existências.
Percebe-se que, em alguns momentos, não conseguem definir quais os motivos que
as levam a continuar existindo com forca e vontade em suas trajetórias existenciais.
Em vários momentos tentam buscar explicações do porquê e de onde vem a
forca que as impulsiona seguir adiante, apesar de todo sofrimento enfrentado na
experiência de vida dessas mulheres.
O fato de serem portadoras do HIV, vírus incurável, e a possibilidade de
transmitirem esse para o ser que estão gerando é apenas uma das adversidadesw
que enfrentam em sua trajetória. Nos relatos, evidencia-se que fome, miséria,
desemprego, solidão, preconceito, discriminação e falta de oportunidades permeiam
o mundo das gestantes soropositivas para o HIV. No entanto, mesmo com essas
dificuldades que desorganizam suas existências, elas conseguem enfrentar e
continuam suas histórias no mundo da vida.
Não sei bem o que faz eu continuar nessa luta, de onde vem essa
força que eu não sinto que tenho, mas eu tenho, não sei mesmo,
acho que é meus filhos, eu acho que é, mas também não sei porque
eu sinto vergonha deles, de fazer eles passarem por isso, por essa
vida. (G2)
Pelo relato acima, percebe-se que aparece uma incógnita de como
consegue continuar a existência frente a todo sofrimento. A responsabilidade pelas
vidas dos seres que vieram ao mundo a partir de sua existência aparece mais uma
vez nesse relato. No entanto, evidencia-se que existe, também, uma vergonha pela
vida oferecida a estes seres.
99
A força que as motiva continuar a luta pela sobrevivência é justificada,
muitas vezes, pela ajuda recebida dos outros seres que convivem em seus mundos
sociais. Mesmo assim, reconhecem que apenas a ajuda do outro não as mantém,
precisando de um estímulo próprio para manutenção de suas existências.
Eu comecei a criar força porque eu comecei a ganhar ajuda, aquela
miséria, aquela coisa, que nem eu tava na mesma situação que
agora, mas eu ganhei lençol, ganhei colchão, limpei minha casa,
limpinha, cuidava e daí entraram na minha casa um dia e pegaram
tudo que eu tinha de bom e depois disso aí eu não consegui mais ter
nada de bom, aquilo que eu tinha não consegui mais, foi um
sacrifício, não digo que foi um sacrifício, mas foi um luta que eu
consegui alguma coisa, sabe pode ser maloca, pode ser uma casa
pobre, mas sendo bem limpinha, bem arrumadinha tu já sente
melhor, uma salinha, ai não precisa ser móveis chiques, mas um
sofazinho, um paninho limpinho no sofá, um guardanapinho, assim
que eu gosto né, então isso aí pra mim... (G2)
Merleau-Ponty (1994) mostra que é necessário se estar inserido no mundo
social, com o qual se mantém contato em razão do único fato de existirmos, e que se
tem unido ao ser antes de qualquer objetivação. Relata que se pode até fugir dele,
mas não se deixa de estar situado em relação a ele. O mundo social é aquele que
enfeixa verdadeiramente seu sentido, ou melhor, fornece uma direção à existência.
A psicologia vem estudando um novo termo para a existência humana, na
busca de encontrar razões que justifiquem a capacidade que alguns seres possuem
em superar as adversidades de suas existências.
Esses estudos evidenciam que enquanto muitos seres humanos frente a dor,
depressão, doenças e desesperanças se deixam morrer, outros, mesmo passando
por fome, privações, humilhações, doenças, conseguem sobreviver apesar de todo
essa situação difícil. A partir dessas observações se buscou explicações para essa
capacidade de superação encontrara nos seres e se concluiu que os sobreviventes,
geralmente, possuem um “sentido”, uma motivação para que continuem vivos
(BOCCALANDRO, 2003).
100
Assim, apresenta-se o conceito de resiliência que pode ser entendido como
um recurso de enfrentamento que facilita a superação da adversidade, a
sobrevivência ao “stress” e a transcender perdas (CICCHETTI e GARMEZY, 1993).
Pelos depoimentos das participantes do estudo se evidencia a superação
das adversidades pela continuidade de suas histórias. Percebe-se que a capacidade
de enfrentamento surgidas com a facticidade da doença em suas vidas está
presente. Fica evidente que a vontade de continuar sua existência é fator primordial
para o desenvolvimento da força propulsora em seguir a existência.
Não existe tempo de vida, tem casos de pessoas que são portadoras
desde 1989 e estão vivos ainda, e antes era mais difícil porque a
informação era bem menor, tem que querer viver, tem que viver, não
se entregar pro preconceito, procurar a informação, uma coisa que
eu vejo que só o remédio também só ele não é suficiente, é preciso
querer viver, querer ser feliz, não adianta viver triste. (G3)
Sabe-se que a resiliência pode ser vista como o resultado da interação entre
aspectos individuais, contexto social, quantidade e qualidade dos acontecimentos no
decorrer da vida e os chamados fatores de proteção encontrados na família e no
meio social (JUNQUEIRA e DESLANDES, 2003).
Kotliarenco, Caceres, Fontecilla (1997) reforça que a resiliência se
caracteriza como a interação entre atributos pessoais, os apoios do sistema familiar
e aqueles provenientes da comunidade.
Boccalandro (2003) destaca que não se tem mais dúvidas de que existem
indivíduos resilientes, no entanto, ainda não se sabe com precisão se a resiliência
nasce com o indivíduo ou se algumas situações na vida preparam melhor, ou a
desenvolvem melhor nos seres humanos.
101
Pelos depoimentos das gestantes soropositivas para o HIV constata-se que
existem vários fatores que as influenciam em buscar a superação das adversidades
surgidas em suas vidas, como, por exemplo, a criação de seus filhos.
Reforça-se que resiliência é a capacidade (força e flexibilidade) que o ser
humano tem em superar situações adversas com o mínimo de disfuncionalidade no
seu comportamento, adaptando-se ou ajustando-se a nova situação que se
apresenta em sua existência (D’AURIA, 2003).
As gestantes soropositivas para o HIV desse estudo demonstram que
possuem capacidade de se recuperarem e se moldarem a cada facticidade em sua
existência, enfrentando os desafios que a realidade existencial lhes oferece.
Portanto, se percebe que são seres resilientes, pois possuem equilíbrio entre a
adversidade e a habilidade de lutar, além do aprendizado obtido com o sofrimento
de sua existência, o que caracteriza, sob olhar dos pensadores existencialista, o ser
autêntico.
Tenho no meu corpo a morte e a vida*
O ser humano é um ser em construção, um ser inacabado que, ao longo de
sua trajetória existencial, vai acumulando experiências que constituem uma história
esta carregada de facticidades, que o fazem estar lançado no mundo. As relações
que o ser estabelece com o mundo e com os outros fazem dele um ser em
temporalidade sempre em construção. A perspectiva do fim dessa construção, ou
seja, a possibilidade de que esse ser não acabe linearmente de construir sua história
e concluir seus projetos de vida abalam sua existência.
102
Há sempre algo a fazer, sempre o novo permeia o existir do ser humano,
portanto dar-se conta de que se pode não continuar a fazer gera sofrimento para o
ser em construção.
O “Ser-aí” estabelecido por Heidegger (1993) é um ser no mundo, assim o
homem é existência, portanto existindo ele é. De acordo com Santin (1995), o ser é
sujeito e objeto de si e tem em sua trajetória existencial o bem mais precioso. Esse
ser é facticidade estabelecida em tempo e espaço, e sua existência está vinculada à
espacialidade e à temporalidade, constituindo-se como um ser histórico. Existe uma
ligação entre o homem e o mundo que o relaciona.
Motta (1997, p.80) diz que a vida é existência, apresentando os significados
e valores concedidos pelo ser no mundo. È vivendo no mundo que o ser humano
tem “possibilidade de crescer e desenvolver suas potencialidades”. Assim, ao estar
no mundo o ser humano possui a perspectiva de “vir a ser”.
A morte é o anúncio desse fim, deparar com sua possibilidade é constatar
que o futuro, cheio de planos e expectativas, pode não chegar e, assim, muitas
coisas serem deixadas para trás. A questão da finitude humana configura-se como
uma das grandes problemáticas da existência, pois pensar a morte é pensar o fim de
uma história com tempo e espaço definidos na trajetória existencial.
Conforme o pensamento Heideggeriano, o homem é um ser para a morte. A
existência autêntica configura-se primordialmente em olhar a existência sem ilusão,
chegando ao nada: a morte (VERSIANI, 1976).
Para Crossetti (1997, p.136) “por ser o homem finito, a vida desliza nas
cercarias da morte. Ainda que se oculte , se sente ameaçado e exposto, não
podendo dissimular esta fragilidade própria da condição humana”.
103
Corrobora-se com o pensamento de Motta (1997) quando afirma que a
morte é uma realidade existencial enfrentada por todos os seres no mundo, no
entanto, experienciar essa realidade existencial é doloroso e difícil. Busca-se, de
todas as formas, fugir da morte e a justificativa para essa fuga está, quase sempre,
ancorada no fato de que muito ainda se há de fazer, muitos ainda precisam de mim,
o mundo conta ainda comigo, enfim, uma extensa lista de hipóteses para continuar
vivendo em relação com este mundo, com a perspectiva de que essa relação não se
acabará, pois não se sabe o que vem além dela.
Compreender a finitude existencial é tema de muitos trabalhos e
pensadores, no entanto a dificuldade do ser humano em incorporá-la como real e
próxima constitui-se um desafio ao longo de toda a sua existência. Apesar de ser
uma das poucas certezas que se tem quando se vive não se consegue enfrentá-la.
O diagnóstico de uma doença incurável leva o ser humano a deparar com a
perspectiva de sua finitude existencial e, com isso, a possibilidade da não realização
de seus projetos. A facticidade da doença desestabiliza sua existência e o confronta
com a possibilidade de brevemente não estar no mundo e, assim, seus projetos não
terem conclusão. Ser portador do HIV gera, no ser humano, uma série de questões
para serem enfrentadas no decorrer de sua trajetória marcada pela facticidade do
vírus. Por se tratar de uma epidemia relativamente nova no mundo científico, a idéia
de morte ainda está muito latente, apesar dos avanços conquistados pelas
pesquisas nesses vinte anos de epidemia, garantindo aos portadores maior
perspectiva de anos de vida.
Nos discursos das gestantes soropositivas para o HIV, a perspectiva de
morte está presente ao longo de todas as entrevistas. A facticidade de serem
portadoras do vírus associa-se intimamente à possibilidade de morte a qualquer
104
momento. Evidencia-se a dicotomia que enfrentam no momento que estabelecem a
maternidade como perspectiva de uma nova vida e o vírus como a morte anunciada,
ambos presentes em uma mesma história e acontecendo simultaneamente.
Vai nascer meu filho, mas eu descubro que tenho HIV, parece meio
diferente, porque as pessoas pensam no HIV como morte, mas está
nascendo, ontem pensei nisso,[...],ou seja, as pessoas me vêem
grávida com uma vida a mais dentro de mim, mas se souberem do
HIV vão ver a morte também dentro de mim, sei lá é confuso, está
tudo muito confuso, está tudo, como posso dizer, embolado...(G6)
Quando a gestante diz que o outro a vê como morte e vida percebe-se que
esse é o seu olhar sobre sua situação, pois se sabe que o ser humano constrói sua
existência a partir do olhar do outro. A dualidade vida-morte desorganiza a trajetória
dessas mulheres, e a expectativa de quanto tempo ainda resta para que chegue a
morte influencia na organização dessa nova vida que está para chegar.
De acordo com Crossetti (1997), mesmo tendo consciência da morte o
homem não se percebe como alguém que nasce morrendo, pois estabelece a morte
como um evento ruim que lhe pega e lhe faz mal, não a percebendo como uma
possibilidade interior que lhe acomete.
A imagem construída da trajetória do HIV na vida dos seres humanos leva à
idéia imediata de morte, de que o fim está próximo, não há mais nada a fazer. O não
ter cura remete ao pensamento de que não há o que fazer e que precisa se preparar
para o fim de sua trajetória existencial:
Na época [quando soube do diagnóstico há 7 anos] eu achava que
quem era soropositivo morria certo, não tinha o que fazer, era morte,
essa doença é pra morrer. (G2)
Segundo Parker (2003), no início da epidemia do HIV/AIDS a idéia de morte
imediata estava presente no pensamento de todos os seres humanos expostos ou
não ao problema, a possibilidade de se continuar vivendo defrontava-se com muitos
105
fatores como a falta de respostas de pesquisas sobre o tratamento, o preconceito
que os portadores enfrentavam na sociedade e a vergonha de continuar vivendo,
entre outros. A partir da década de 1990, ocorreram grandes avanços no mundo
científico, surgindo os primeiros medicamentos anti-retrovirais, que começam a
mudar a perspectiva de vida dos portadores. Atualmente, apesar do preconceito e
da discriminação e sem a perspectiva de cura da AIDS, a morte tornou-se incerta,
não se tem hora para morrer desde que o portador do vírus se cuide.
Paiva (2003, p.56) reforça que no imaginário das pessoas ainda figura a
morte como protagonista da AIDS, assim, todos os que são portadores do HIV
esperam a morte a qualquer momento, fato que impossibilita, muitas vezes, o ser
humano de continuar sua trajetória e o imobiliza. Percebe-se que a preocupação
com a hora fatídica da morte faz com que os seres parem de viver, seria como dizer
“uma morte em vida”.
Deparar com a possibilidade da morte a partir da perspectiva da morte do
outro configura-se um agravo existencial, ainda mais quando esse outro é seu fruto,
ou seja, seu filho, sua continuidade na existência. O dar-se conta, através da doença
do outro e de suas marcas, que a morte pode chegar a qualquer momento
desestabiliza o ser em construção. Nos discursos a seguir, os diagnósticos do HIV
vieram através da filha e do companheiro doente:
No hospital a doutora fez os exames nela e disse pra mim, me
chamou numa sala e disse que a minha filha tinha uma grande
possibilidade de ser soropositiva, e que eu, meu esposo e os meus
outros filhos podiam ter e tinham que fazer o exame. Aquilo ali foi um
choque, porque eu pensava na minha filha, eu vi aquilo ali, um monte
de ferida na cabeça dela, ela não podia nem abrir a boca eu pensava
que agora ela ía morrer. (G2)
Quando ele começou a ficar direto doente eu comecei a desconfiar,
nada curava ele, sempre tosse, sempre febre, tava ficando uma
coisinha de pequeno, mas eu perguntava e ele dizia que era
fraqueza pela tristeza de não ter as coisas e eu me aquietava. Mas
106
no dia que ele morreu eu perguntei pro médico e o médico me disse
que ele tinha isso e que não se cuidava. Na hora pensei na minha
morte. (G6)
Com o silêncio inicial da epidemia nas mulheres, pois não eram
consideradas “grupo de risco”, o diagnóstico, muitas vezes, estabelecia-se a partir
da morte de seu companheiro sexual. As mulheres não se preocupavam com a
questão do HIV, apenas ouviam falar, mas não incorporavam como uma
possibilidade para elas. À medida que crianças passavam a apresentar sinais e
sintomas de doença e nas investigações constatava-se que era AIDS, as mulheres
foram se dando conta que podiam ter o vírus (GUIMARÃES, 2001).
Apesar de já ter experienciado a proximidade da morte através dos
distúrbios que a doença acarreta no corpo biológico e vivenciar a força com que a
doença desestabiliza esse biológico, as gestantes travam uma luta contra sua
finitude e deixam explícito esse fato:
Essa doença é horrível, eu já tive quase morta dentro de um hospital,
hoje em dia eu tô aqui, mas quem me viu lá nunca pensava que eu ía
me salvar, eu já tive ruim lá na Santa Casa quase morta, eu de um
lado e o meu nenê do outro, ruim também ele lá entubado, o meu
guri, agora tá lá também bonito, lindo, mas para a gente estar aqui
nós passamos um monte primeiro para a gente tá aqui, lutamos um
montão para tá aqui. (G5)
A luta representa a vontade de continuar vivendo e a força como um artifício
contra o mal que possa retirar esse corpo biológico e simbólico de suas relações
com o mundo e com o outro. A cada restabelecimento do corpo biológico frente ao
agravo causado, mais ânimo e vontade de continuar sua trajetória existencial, a fim
de cumprir seus projetos e ver a concretização dos empreendimentos que o ser
lançou no mundo durante sua existência. Percebe-se que os filhos são um desses
empreendimentos e como todo bom empreendedor, a existência desses filhos
107
saudáveis é de inteira responsabilidade dele. Proteger esses filhos da morte e
proporcionar uma boa perspectiva de vida faz parte do imaginário dessas gestantes.
Ver seus filhos sofrendo causa revolta e culpa que, também proporciona mais força
para lutar contra a morte, pois precisam criá-los.
Preciso dar tudo para os meus filhos, a culpa dessa vida deles é
minha, não posso morrer antes, eu preciso criar eles. (G3)
Eu faço tudo para a morte não me pegar, essa doença não vai me
levar, eu luto, eu preciso lutar, meus filhos dependem de mim. (G2)
Por que que eu fiz isso pra eles? E se eu morrer como vai ser?(G6)
Segundo Verneaux (1968), para Heidegger a morte está integrada ao ser
como potencialidade permanente. O ser é destinado a morrer, é a sua possibilidade
mais pessoal e não pode privar-se dela.
De acordo com Vitória (2003), o protocolo 076 utilizado desde 1994, a fim de
prevenir a transmissão do vírus da mãe para a criança através da gestação, foi um
avanço indiscutível na luta contra a epidemia. Sabe-se, hoje, que os índices de
infecção em recém-nascidos de mães que fazem o tratamento são baixíssimos. No
entanto, os problemas que envolvem mãe e criança não param no fato somente da
não transmissão, mas enfrenta-se a questão da orfandade, pois mães continuam
infectadas e desenvolvem complicações até chegarem à morte e deixam seus filhos.
De Paula (2003) destaca que na trajetória da epidemia muitas crianças
perderam seus pais em decorrência dessa doença, as quais ficam sob a guarda de
outros familiares que, por vezes, não se sentem preparados para cuidá-las ou são
encaminhadas para casas de apoio.
De acordo com os discursos das gestantes soropositivas para o HIV, a
perspectiva da morte iminente remete à possibilidade de não verem seus filhos
crescer. Acompanhar o ciclo vital dos filhos faz parte da vontade dos pais, pois
108
representa ver os empreendimentos de seu fruto durante a trajetória existencial. A
morte rompe com essa expectativa e acaba com a perspectiva de acompanhar
esses momentos. Pensar a finitude como o fim desse acompanhamento é uma
constante nos discursos, como se desvela a seguir:
Comento com a minha mãe se será que eu vou durar uns dois anos,
queria durar até meu filho ficar homem, porque tenho um filho de oito
anos e queria ver ele virar homem, mas minha mãe diz que tem
gente que dura bastante tempo, 10,15 anos tomando a medicação
certa. (G7)
Se eu botei no mundo, eu que crio, é muito fácil deixar pros outros
criar, mas eu sei, eu posso morrer, daí não tem. (G1)
Cabe ressaltar que G7 ficou sabendo de seu diagnóstico a partir da morte de
seu companheiro e a gestação após esse diagnóstico, portanto a presença da morte
em sua trajetória existencial é marcante e suas preocupações giram sempre em
torno da hora de sua morte, pois sente o diagnóstico de HIV marcado pela morte
iminente, que “chega quietinha, sem avisar”.
O pensamento Heideggeriano diz que o dar-se conta do ser humano sobre
sua finitude representa a possibilidade da impossibilidade do seu ser no mundo. No
momento em que a morte passa a existir, esta se caracteriza como forma de ser do
ser no mundo. E, assim, configura-se como a chave da interpretação da vida (MAC
DOWEL, 1993).
O filho é uma extensão dos sonhos dos pais. Logo, é uma responsabilidade
desses pais. A possibilidade de não poder acompanhar a trajetória desse filho causa
desconforto e sentimentos de impotência e irresponsabilidade evidenciados nas
falas acima. Percebe-se que a não existência desse filho por muito tempo após seu
nascimento causa preocupação e abala a gestante ao longo de toda a gestação:
Essa noite eu tava preocupada, deitei preocupada pensando, só
pensava que o nenê nasceu e morreu, será que a criança vai se criar
109
até um certo ponto e depois vai morrer? Essa doença ele não vai
resistir!(G7)
A criança é o depósito de todas as expectivas e esperança dos pais, é um
ser com potencialidades que está iniciando sua trajetória existencial no mundo.
Portanto, a possibilidade de finitude de um filho, antecipando o final precoce de sua
trajetória, não permitindo que ele revele todas suas aptidões e possibilidades como
ser no mundo. A morte precoce de um filho representa a injusta inversão do ciclo da
vida (MOTTA, 1997). A mesma autora diz que o confronto com a morte provoca
diversos sentimentos, como angústia e impotência, pois ao enfrentar a morte do
outro, de maneira consciente ou inconsciente, o ser humano dá-se conta de sua
própria finitude, e daí advém o estresse exarcebado.
A preocupação sobre a hora e a possibilidade da finitude existencial dela e
do outro, seu filho, permeia a vida das gestantes soropositivas para o HIV. A Força
que estabelecem para viver está implicada com a necessidade de manter sua
existência. A morte passa a ser o mal simbólico que vem tirar todas as perspectivas
que haviam estabelecido para sua trajetória existencial.
110
7 REFLEXÕES A PARTIR DA COMPREENSÃO DO MUNDO DA VIDA
Ao fim do estudo que buscou compreender a corporeidade da gestante
soropositiva para o HIV em um estar no mundo gerando um outro ser apresenta-se
uma série de reflexões provindas da interpretação das informações e do contato com
as pesquisadas nos encontros de cuidado que se realizaram durante a trajetória
existencial, pessoal e, principalmente, a profissional na função de enfermeira.
O aprendizado obtido na realização deste trabalho contribuiu para que se
ampliasse o olhar sobre o cuidado prestado às mulheres soropositivas para o HIV. O
ensaio no mundo do pensar filosófico proporcionou perceber o corpo desses seres
no mundo como uma unidade plena, sem fragmentos ou encaixes de peças, além da
dualidade corpo-mente hierarquizada, corpo que representa o elo do ser com o
mundo e, assim, determinante da sua existência humana. Assim, vislumbrou-se um
corpo que se expressa por gestos, palavras, olhares, fluidos, em constante
movimento, inacabado e em contínua construção de sua história, única e real,
comunicando-se com o mundo e se fazendo perceber por ele. Perceber que o ser
humano se constrói a partir da relação com o outro ser e que sua existência reflete a
existência do outro, passando a compreender, que no encontro de cuidado, ser que
cuida e ser cuidado estabelecem uma relação de troca, na qual percebe-se a
responsabilidade do cuidador para transmissão de seus conhecimentos e a
necessidade da valorização das vivências do outro, proporciona uma reflexão para
revisão de práticas de cuidado.
Constata-se que a reflexão é a chave para se chegar ao íntimo do próprio
ser. Refletir sobre a existência do outro vai ao encontro da reflexão da própria
existência como ser humano que cohabita este mundo com os outros seres. Refletir
111
sobre a espacialidade e a temporalidade de cada ser humano, como ser único no
mundo em sua integralidade na construção de sua história, possibilita a revisão e a
valorização da própria história.
A utilização do enfoque filosófico para a busca de respostas, a fim de
apaziguar as inquietações no mundo do cuidar em enfermagem, configura-se como
uma estratégia para buscar o entendimento da realidade existencial dos seres que
se encontram no mundo do cuidado. Dar voz aos que se calam nos bancos de
postos de saúde e hospitais para que expressem suas vivências carregadas de
angústias, preocupações, medos, ansiedades, culpas, dúvidas, enfim, todos os
sentimentos que permeiam as facticidades do existir humano, a partir do
estabelecimento de sua relação com o mundo e com o outro, proporciona, ao mundo
do cuidar, a oportunidade de revisar práticas, de valorizar a realidade de cada um e,
com isso, perceber a própria dimensão humana, além de confirmar a unicidade e a
integralidade de cada ser que se encontra no mundo do cuidado.
O compartilhar de vivências e experiências da trajetória existencial é
princípio primordial para a construção do elo necessário no estabelecimento de um
cuidado humanizado. Conhecer o outro que se cuida e respeitar sua dignidade
existencial é básico para o estabelecimento do cuidado. Portanto, precisa-se
incorporar ao mundo do cuidado cumplicidade e respeito entre os que compartilham
do encontro.
Valorizar o conhecimento do outro e contribuir para seu aperfeiçoamento
destaca-se como necessário para o desenvolvimento do cuidado humanizado.
Possuir a compreensão de que todos os seres humanos são corpos que tocam e
são tocados, sentem e são sentidos e que percebem e são percebidos contribui para
a evolução das práticas de cuidado.
112
Almeja-se, no mundo do cuidado em saúde, não desprezar o conhecimento
técnico-científico, mas somar a busca de conhecimento com a essência do ser
humano, valorizando a trajetória existencial e o conhecimento obtido pelas relações
com o mundo e com os outros enriquece a construção do saber cuidar.
No mundo da saúde, não são raras as situações em que se esquece da
dimensão humana, apesar de se cuidar da saúde humana, e trata-se da dimensão
física e material do ser humano, valorizando a busca do equilíbrio orgânico desse
ser. A pretensão do ajuste laboratorial das moléculas sangüíneas do paciente passa
a ser o foco de suas ações. O uso de novos medicamentos que trazem a perspectiva
do equilíbrio orgânico prevalece sobre a necessidade da compreensão do mundo da
vida dos seres humanos que necessitam de cuidados. Para tanto, vive-se no
paradigma mecanicista do corpo visto como engrenagem, conjunto de peças que
precisam funcionar harmonicamente e, assim, despreza-se a riqueza da experiência
existencial da subjetividade e inter-subjetividade no mundo da vida de cada ser que
está construindo sua história.
A partir dos discursos das gestantes soropositivas para o HIV desvela-se
que as concepções de corpo giram em torno do paradigma mecanicista. O corpo é
percebido e sentido como uma máquina que precisa funcionar. A gestação e a
presença do vírus nesse corpo são interpretados como uma ameaça à harmonia de
seu funcionamento. Mesmo sabendo que a gestação não configura-se como algo
ruim para sua existência, nota-se que ela é sentida, nessa perspectiva de corpo,
como uma peça a mais, que não faz parte da engrenagem habitual. A doença
ameaça a estabilidade desse corpo-máquina, visto como corpo físico que tem força,
e que influencia a mente, afetando a emoção. Corpo e mente andam separados em
113
alguns discursos, corpo sinônimo de força, e mente sinônimo de vontades, emoções,
reforçando, por essa concepção, a dualidade do conceito de corpo.
No entanto, em alguns discursos, o corpo aparece como elo com o mundo,
corpo que coloca as gestantes no mundo e as torna visíveis, corpo que se relaciona
com o outro e abriga, ao mesmo tempo, o outro, corpo único em sua existência que
precisa ser preservado. O corpo desvela-se para algumas das gestantes como vida,
bem maior de sua existência.
Configura-se, também, na compreensão das concepções de corpo das
gestantes soropositivas para o HIV, o corpo marcado pelas facticidades de sua
existência humana, corpo que ameaça denunciar, a qualquer momento, a essência
da vida humana, suas angústias, suas aventuras. Um corpo que se mostra para o
mundo e se despe de seus esconderijos. A percepção de corpo-denúncia está muito
atrelada à trajetória da infecção do HIV no mundo da vida.
E, para somar às diferentes concepções de corpo que se desvelaram nos
discursos mostra-se o corpo-abrigo, aquele que possibilita o desenvolvimento de
outro ser junto dele, corpo de relação ousada com o mundo, que o enfrenta e o
desafia. Percebe-se um corpo em relação íntima e profunda com outro corpo, que
passará a estabelecer relações com o mundo e com os outros após seu nascimento.
Desvela-se, também, esse corpo-abrigo com responsabilidade sobre a vinculação do
outro corpo no mundo.
Nos discursos das gestantes aparecem os seus modos de ser no mundo da
vida, revelando o existir em suas relações com o mundo e com os outros seres.
Percebe-se a ambigüidade que o diagnóstico de HIV gera na vida do ser humano,
que permeia, ao mesmo tempo, momentos de aceitação e não aceitação de sua
condição existencial.
114
A substância química torna-se essencial para a manutenção de seu corpo no
mundo da vida, no entanto, esta o pode ameaçar perante suas relações. Percebe-se
a importância da medicação para manutenção dessas gestantes no mundo da vida,
assim, o remédio ocupa papel central na definição da existência delas.
O estudo permite vislumbrar que o sofrimento e ang[ustia presentes na vida
das gestantes soropositivas para o HIV são uma constante e elas possuem
consciência de suas limitações no mundo da vida, no entanto, continuam
construindo suas histórias e ocupando seus espaços na temporalidade de suas
existências.
O preconceito e a discriminação rondam a existência das gestantes. Elas
vivem com o estigma do vírus presente em seu modo de viver no mundo da vida. O
olhar do outro constrói sua trajetória existencial e define seus modos de existir.
Assim, a busca em compreender o mundo das gestantes portadoras do HIV
não acaba com o final deste estudo, ela é contínua à medida que se convive com
esses seres no mundo. Precisa-se estar atento para a busca da realidade vivida por
essas mulheres e não de experiências percebidas por outros que não vivenciam as
mesmas facticidades. Penetrar na realidade vivida possibilita a aproximação da
essência e serve como apoio e orientação para o aprimoramento da práxis cotidiana
do cuidar em Enfermagem.
Este estudo pretende ser mais um subsídio e incentivo ã reflexão filosófica e,
conseqüentemente, vislumbrar concepções que dão sentido ao saber cuidar em
saúde. Os resultados aqui obtidos apontam para a relevância de se refletir sobre o
saber e fazer no cuidado em saúde, em especial em situações limítrofes do ser
humano como a doença (HIV/AIDS) e a importância da filosofia como recurso que
favoreça a esse pensar.
115
Portanto, emergem, aqui, as seguintes recomendações:
- Para o mundo do ensino: oferecer espaços de reflexão sobre o
HIV/AIDS na formação acadêmica, utilizando os fundamentos
filosóficos como recurso facilitador para pensar o saber e fazer em
Enfermagem, tendo como foco o ser humano na sua integralidade;
- Para o mundo do cuidado: que o cuidador em saúde possa, a
partir da disponibilidade da compreensão e escuta do ser cuidado,
adequar aos cuidados técnico-científicos necessários aos
portadores de HIV e doentes de AIDS as necessidades
existenciais de cada ser;
- Para o mundo da pesquisa: incentivar estudos que abordem a
temática da existencialidade humana, considerando a necessidade
de repensar o saber e o fazer dos profissionais da saúde em
relação aos avanços tecnológicos e a busca do resgate dos
valores humanos no cuidado à saúde, valorizando a história de
vida dos que são cuidados.
116
REFERÊNCIAS
AIDS atinge 42 milhões de pessoas. Correio do Povo, Porto Alegre, Geral, 27 nov.
2002a.
AIDS: epidemia ameaça a estabilidade mundial. Correio do Povo, Porto Alegre,
Geral, 1º dez. 2002b.
ÁVILA, A.A. Socorro, atrás da barriga tem gente! São Paulo: Editora Atheneu,
1998.
AYRES, J.R.C. de M. Vulnerabilidade dos jovens ao HIV/AIDS: a escola e a
construção de uma resposta social. In: SILVA, L.H.A (org.). A escola cidadã no
contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 413-423.
________. Vulnerabilidade. Porto Alegre (RS):2003. [3 páginas]. Não disponível:
URL: <http://www.yahoo.com.br> [e-mail]. Recebido em: 5 set 2003.
AYRES, J.R.C. de M ; FRANÇA JUNIOR, I ; CALAZANS, G.J. AIDS, Vulnerabilidade
e Prevenção. In: Seminário de Saúde Reprodutiva em Tempos de AIDS, 2, 1997, Rio
de Janeiro. Anais...Rio de Janeiro:ABIA, 1997, p. 20-37.
BOCCALANDRO, M.P.R. A resiliência na abordagem holística. Home page.
Disponível em: www.pucsp.br/clinica/boletim08_04.htm. Acessado em: 18/10/2003.
BOFF, L. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 7.ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2001.
BOLTANSKI, L. As classes sociais e o corpo. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 sobre pesquisa
envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União 16/10/1996: 21082-21085.
_______. Ministério da Saúde. Parto, Aborto e Puerpério – assistência humanizada
à mulher. Brasília: Ministério da Saúde, 2001.
_______. Ministério da Saúde. Recomendações para Profilaxia da Transmissão
Vertical do HIV e Terapia Anti-Retroviral em Gestantes – 2002/2003. Brasília:
Ministério da Saúde, 2002.
_______. Ministério da Saúde. Comportamento da população brasileira sexualmente
ativa. Home page. Disponível em http://www.aids.gov.br/final/ biblioteca/ibope_2003/
briefing.doc. Acesso em: 25/10/2003.
CAPALBO, C. A fenomenologia e a questão do inconsciente. Rev. Bras. Filos. V.41,
n.170, p.168-78, 1993.
CARVALHO, A. de S. Metodologia da Entrevista – uma abordagem
fenomenológica. Rio de Janeiro: Agir, 1987.
117
CHACON, T.P. Prefacio. In: LIMA, A.L.; et al. HIV/AIDS: perguntas e respostas. São
Paulo: Atheneu, 1996.
CICCHETTI, D ; GARMEZY, F.A. Resilience in maltreated children: processes
leading to adaptative outcome. Development and Psychopatology, n.5, p. 629-647,
1993.
CROSSETTI, M. G. O Processo de Cuidar: uma aproximação à questão
existencial na Enfermagem. 1997. Tese (Doutorado em Filosofia da Enfermagem) -
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis.
D’AURIA, A. Maestria Pessoal e Resiliência. Home page. Disponível em:
www.racional.com.br/esarh/aurea.htm. Acessado em: 18/10/2003.
DARTIGUES, A. O que é a Fenomenologia. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973.
DE PAULA, C.C. Encontro de cuidado, vivido e dialogado, da equipe de enfermagem
com o ser-criança que convive com AIDS. Porto Alegre: UFRGS, 2003. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem) – Programa de Pós-graduação em Enfermagem,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
DIAS, M.R.; DUQUE, A.; SILVA, M.G. O VIH e o Corpo da Mulher: a contaminação
da imagem feminina. Home page. Disponível em: www.aidscongress.net/article.
php?id_comunicacao = 173. Acessado em: 10/10/2003.
FÉDIER, F. Heidegger: anatomia de um escândalo. Petrópolis: Vozes, 1989.
FERREIRA, A.B.H. Novo dicionário da língua portuguesa. 32. ed. Rio de Janeiro:
Ed. Nova Fronteira, 1986.
FIOCRUZ, Programa Radis. Mulheres, Casadas e com AIDS. Revista Súmula, Rio
de Janeiro, n. 82, jun. 2001.
GENEBRA. Organização Mundial da Saúde. SIDA – imágenes de la epidemia.
Genebra. Organização Mundial de Saúde, 1995.
GUIMARÃES, C.D. AIDS no Feminino: por que a cada dia mais mulheres contraem
AIDS no Brasil? Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
GOLDIM, J. R. Manual de Iniciação à pesquisa em saúde. 2. ed. revista e
ampliada. Porto Alegre: Dacasa, 2000.
GONÇALVES, M.A.S. Sentir, Pensar, Agir – corporeidade e educação. Campinas:
Papirus, 1994.
118
GRANATO, M.J.C. A constituição do real a partir da corporeidade. Home page.
Disponível em: http://www.cfch.ufrj.br/jor_pesq/Epistem/granato.html. Acessado em:
10/12/2002.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo – parte I. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário de filosofia. 2 ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1993.
JONES, J.M. Racismo e preconceito. São Paulo: Editora da USP, 1973.
JUNQUEIRA, M.de F.P da S.; DESLANDES, S.F. Resiliência e maus-tratos à
criança. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, v.19, n.1, p.94-105, jan./fev.,
2003.
KNAUTH, D.R. O Vírus Procurado e o Vírus Adquirido: a construção da
identidade entre mulheres portadoras do vírus da AIDS. Estudos Feministas.
Florianópolis, v.5, n.2, p.291-301, 2º semestre, 1997.
KOLLER, E.M.P. Cuidando de famílias sob o impacto do vírus HIV em seu espaço
sócio-cultural. Florianópolis: UFSC, 1995. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)
– Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis.
KOTLIARENCO, M.A.; CACERES, I. FONTECILLA, M. Estado de Arte em
Resiliência. Washington: Organização Panamericana de Saúde, 1997.
LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.de A. Metodologia do trabalho científico. 4.ed.
São Paulo: Atlas, 1992.
LAZZAROTTO, A.R. A concepção da atividade física dos pacientes soropositivos e
doentes de AIDS do Serviço de Assistência Especializada do Centro Municipal de
Atendimento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS de Porto Alegre.
Porto Alegre: UFRGS, 1999. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento
Humano) – Programa de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
LEVINAS, E. Ética e Infinito. Lisboa: Edições 70, 1982.
LOPES, R. L. M.; RODRIGUES, B. M. R. D.; DAMASCENO, M. M. C.
Fenomenologia e a Pesquisa em Enfermagem. Revista de Enfermagem da UERJ.
Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 49-52, maio, 1995.
MACDOWELL, J. A gênese de ontologia fundamental de Martin Heidegger. São
Paulo: Loyola, 1993.
MARIN, H.F; PAIVA, M.S; BARROS, S. M.O. AIDS e Enfermagem Obstétrica. São
Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1991.
MALDONADO, M.T; NAHOUM, J.C.; DICKSTEIN, J. Nós estamos grávidos. 3 ed.
Rio de Janeiro: Bloch, 1981
119
MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1992.
________. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
4.ed., São Paulo – Rio de Janeiro: Hucitec – Abrasco, 1996.
MINAYO, M.C. de S.; SANCHES, O. Quantitativo-Qualitativo: oposição ou
complementaridade? Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n.3, p. 239-
62, jul/set, 1993.
MINAYO, M. C. de S (org.); DERLANDES, S.F; NETO, O.C; GOMES, R. Pesquisa
social: teoria, método e criatividade. 7. ed., Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
MORETTO, V.L. Gestantes portadoras de diabete: Características e vivências
durante a gestação. Porto Alegre: UFRGS, 2001. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) – Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
MOTTA, M. G. C. da. O ser doente no tríplice mundo da criança, família e
hospital: uma descrição fenomenológica das mudanças existenciais. 1997. Tese
(Doutorado em Filosofia da Enfermagem) - Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
________. O Ser Doente no Tríplice Mundo da Criança, Família e Hospital: uma
descrição fenomenológica das mudanças existenciais. Pelotas: Universitária/UFPEL,
1998.
NASCIMENTO, D.R. A AIDS no Final do Século. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
SAÚDE COLETIVA, 6, Salvador, 2000. Anais. Salvador: Abrasco, 2000. 1 CD-ROM.
NICHIATA, L.; SHIMA, H.; TAKAHASHI, R. Buscando a compreensão do
enfrentamento da AIDS no Brasil. Rev. Latino – Americana de Enfermagem,
Ribeirão Preto, v. 3, n. 1, p. 149-158, jan., 1995.
PADOIN, S.M.M.. Em busca do estar melhor do ser-familiar e do ser-com AIDS. In:
PROCHNOW, A.G.; PADOIN, S.M.M.; CARVALHO, V.L. Diabetes e AIDS: a busca
do estar melhor pelo cuidado de enfermagem. Santa Maria: Pallotti, 1999.
PÁDUA, I. SIDA: doença estigmatizante. An. Fac. Med. Uni. Fed. Minas Gerais,
Belo Horizonte, v.32, n.1, p. 22-27, jan./abr., 1986.
PAIVA, V. Sem mágicas soluções: a prevenção do HIV e da AIDS como um
processo de Emancipação Psicossocial. Revista Divulgação em Saúde para
Debate. Rio de Janeiro, v.1, n.27, p.58-69, agosto, 2003.
PARKER, R. Construindo os alicerces para a resposta ao HIV/AIDS no Brasil: o
desenvolvimento de políticas sobre o HIV/AIDS, 1982 – 1996. Revista Divulgação
em Saúde para Debate. Rio de Janeiro, v.1, n.27, p.8-49, agosto, 2003.
120
PEDRO, E.N.R. Vivências e (Con)vivências de Crianças Portadoras de HIV/AIDS
e seus Familiares: implicações educacionais. 2000. Tese (Doutorado em
Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
POLAK, Y.N.de S. A Corporeidade como Resgate do Humano na Enfermagem.
1996. Tese (Doutorado em Filosofia da Enfermagem) - Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
________. A Corporeidade como Resgate do Humano na Enfermagem. Pelotas:
Universitária/UFPEL, 1997.
POLIT, D.F.; HUNGLER, B.P. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 3.ed.,
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
RADÜNZ, V. Cuidando e se cuidando: fortalecendo o self do cliente oncológico e o
self da enfermeira. Goiânia: AB, 1998.
RAFHAEL-LEFF, J. Gravidez: a história interior. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
RICOEUR, P. O Conflito das Interpretações: ensaios de hermenêutica. Rio de
Janeiro: Imago, 1978.
_____________. Interpretações e Ideologias. 4. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1990.
RISCADO, J.L. de S. AIDS, prevenção e prontidão profissional: um estudo sobre
comportamento sexual, conhecimento, representações e prontidão profissional com
estudantes da área da saúde da Universidade Federal de Alagoas. São Paulo:
PUC/SP, 1998. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Curso de Pós-
Graduação em Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
1998.
ROCHA, S. AIDS: uma questão de desenvolvimento? In: PASSARELLI, C.A.;
PARKER, R.; PIMENTA, C.; TERTO JUNIOR, V. AIDS e Desenvolvimento:
interfaces e política públicas. Rio de Janeiro: ABIA, 2003.
ROSENTHAL, C. Paciente é discriminado pela sociedade e pelos médicos. Rev.
Paulista de Hospitais, n. 7, v. 35, p. 131-133, jul./set., 1987.
SADALA, M.L.A. Cuidar de Pacientes com AIDS – o olhar fenomenológico. São
Paulo: UNESP, 2000.
SANTIN, S. Educação Física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. Porto
Alegre: Edições EST/ESEF-UFRGS, 1994.
________. Educação Física: Ética. Estética. Saúde. Porto Alegre: Edições EST,
1995.
________. Educação Física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento. 3 ed.
ampliada. Porto Alegre: Edições EST/ESEF-UFRGS, 2001.
121
SEFFNER, F. A AIDS, estigma e corpo. In: LEAL, O. (org.). Corpo e significado.
Porto Alegre: Ed. Da Universidade, 1995.
SERRA, J. In: Mulheres, Casadas e com AIDS. Revista Súmula, Rio de Janeiro,
n.82, p. 4, jul.2001.
SILVEIRA, N. A Propriedade Intelectual e as Novas Leis Autorais. 2.ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.
SPINDOLA, T.; BANIC, M. Ser mãe portadora do HIV – análise compreensiva.
Revista de Enfermagem da Escola Anna Nery, Rio de Janeiro, v.2, n1/2, p. 101 –
109, abr./set., 1998.
SPRINZ, E.; FINKELSZTEJN, A.; et al. Rotinas em HIV e AIDS. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1999.
TEIXEIRA, A.B.; OLIVEIRA, M.; RODRIGUES, I.M.; VEGA, M.S. Cuidados de
Enfermagem. In: SPRINZ, E.; FINKELSZTEJN, A.; et al. Rotinas em HIV e AIDS.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
TRENTINI, M.; PAIM, L. Pesquisa em Enfermagem: uma modalidade convergente-
assistencial. Florianópolis: UFSC, 1999.
TRIVIÑOS, A.N.S. Bases Teórico-Metodológicas da Pesquisa Qualitativa em
Ciências Sociais:idéias gerais para a elaboração de um projeto de pesquisa. 2.ed.
Porto Alegre: Ritter dos Reis,2001.
TUNALA, L.; PAIVA, V.; VENTURA-FELIPE, E.; et al. Lidando com fatores
psicossociais que dificultam a adesão das mulheres portadoras do HIV aos cuidados
de saúde. Home page. Disponível em: www.aidsportugal.com/article.php?sid=456.
Acessado em: 18/05/2003.
UNAIDS destaca o exemplo brasileiro. Correio do Povo, Porto Alegre, 27 nov.
2002.
VERMELHO, L.L; BARBOSA, R.H.S; NOGUEIRA, S.A. Mulheres com AIDS:
desvendando histórias de risco. Cadernos de Saúde Pública, v. 15, n. 2, Rio de
Janeiro, p. 1-18, abril/jun, 1999.
VERNEAUX, R. Lecons sus L’Existentialiems – La metaphysique de M.Heidegger.
6.ed. Paris: Chez Pierre Pequi, 1968.
VERSIANI, M. A grande herança. Jornal de São Paulo, São Paulo, 27 de maio,
1976.
VILELA, W; SANEMATSU, M. (org.). Mulheres com HIV/AIDS – elementos para
construção de direitos e qualidade de vida. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão,
2003.
122
VITÓRIA, M.A.de A. A experiência do Brasil no fornecimento e no acesso universal
às drogas anti-retrovirais. Revista Divulgação em Saúde para Debate. Rio de
Janeiro, v.1, n.27, p.116-121, agosto, 2003.
WALDOW, V.R. Cuidado Humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra
Luzzatto, 1998.
WINCK, L. Avanço da AIDS entre as mulheres. Correio do Povo, Porto Alegre,
Geral, 1º dez. 2002.
123
APÊNDICE A
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
A Gestante Portadora do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) Percebendo
sua Corporeidade
Data:
Início:
Término:
Local:
DADOS PESSOAIS:
Idade:
Nº de filhos/idade:
Tempo de diagnóstico:
Escolaridade:
Origem:
1. Como você está vivenciando o ser mãe portadora do HIV?
2. Como você está vendo e sentindo seu corpo que está gerando um bebê?
3. Você gostaria de falar mais alguma coisa?
124
APÊNDICE B
125
APÊNDICE C
126
APÊNDICE D
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisa: A Gestante Portadora do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)
Percebendo sua Corporeidade
Pesquisadora: Débora Fernandes Coelho Contato: 3024.4952 ou 9947.1360
Orientadora Responsável: Drª Maria da Graça Corso da Motta Contato: 3316.5241
Este estudo é uma pesquisa de uma mestranda do Curso de Mestrado da
Escola de Enfermagem da UFRGS, requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Enfermagem. O objetivo do estudo é compreender como a gestante
portadora do HIV percebe sua corporeidade em um estar no mundo gerando outro
ser.
A coleta de informações será por meio de entrevistas com as mulheres
gestantes HIV+ sorteadas que participam do MAIS CRIANÇA – Grupo de Apoio à
Criança Soropositiva. Esta entrevista constará de questões referentes as suas
percepções sobre corporeidade com um ser no mundo.
As entrevistas serão gravadas e transcritas, sendo as fitas desgravadas
após 5 anos conforme Lei do Direito Autoral nº 9610 de 19 de fevereiro de 1998,
com garantia de anonimato dos participantes. Para preservar o anonimato, as
entrevistadas serão identificadas por nomes fictícios. Coloco-me a disposição para
esclarecimentos durante o desenvolvimento das entrevistas e garanto-lhe que os
resultados serão divulgados para as participantes.
Pelo presente declaro ter sido informada das finalidades, dos objetivos e do
desenvolvimento da pesquisa e concordo em participar da mesma. Tenho ciência
127
de que poderei recusar-me a responder qualquer pergunta e que posso negar-me a
participar do estudo sem que isso traga alguma repercussão no meu tratamento
nessa instituição.
Débora Fernandes Coelho: _______________________________
Assinatura da pesquisadora
Nome: _______________________________
Assinatura da participante
Porto Alegre, ______ de ________________ de 2003.
OBS: Documento apresentado em duas vias; uma para a pesquisadora e outra para
o entrevistado
128
ANEXO A
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo