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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO ROCHA SOUSA SEVERINO
AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: expressão das
desigualdades sociais
NATAL - RN
2007
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MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO ROCHA SOUSA SEVERINO
AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: expressão das
desigualdades sociais
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito
para a obtenção do grau de Mestre em Serviço Social.
Orientadora:
Profª Drª Denise Câmara de Carvalho.
NATAL- RN
2007
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MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO ROCHA SOUSA SEVERINO
AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO MERCADO DE TRABALHO: expressão das
desigualdades sociais
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito
para a obtenção do grau de Mestre em Serviço Social.
Aprovado em: _____/_____/2007
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª Drª Denise Câmara de Carvalho (Presidente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________
Profª Drª Ana Elizabete Mota (Membro Titular Externo)
Universidade Federal do Pernambuco
____________________________________________________
Profª Drª Severina Garcia de Araújo (Membro Titular Interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
____________________________________________________
Profª Drª Silvana Mara de Morais dos Santos (Suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NATAL
2007
A Emanuel, Amanda e Mariana razão dos desafios enfrentados.
A Francisco José, pela comunhão de vida balizada no amor e respeito.
Aos meus pais Osmar Sousa e Maria Honorina, fonte de amor inesgotável.
AGRADECIMENTOS
A DEUS, Senhor e condutor de todo esse processo, que tornou possível este sonho.
Às Pessoas com deficiência, por me ensinarem que os limites são superados quando se luta
em prol de objetivos pretendidos.
À Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), por oportunizar-me as condições
materiais para a concretização do mestrado.
Ao Departamento de Serviço Social, por viabilizar nossa liberação para o mestrado.
A Francisco José, pelo desprendimento, compreensão, incentivo e apoio sem medidas.
Aos meus filhos Emanuel, Amanda e Mariana, por suportarem pacientemente minha
presença/ausente, em especial à solicitude incansável de Mariana em elucidar as dúvidas nas
digitações deste trabalho.
Aos meus pais, Osmar Sousa e Maria Honorina, pelo exemplo de luta e determinação.
Aos meus familiares, pelo estímulo e confiança depositados.
À professora e orientadora Denise Câmara de Carvalho, que conjuga consistentes
contribuições e sensibilidade, conquistando nossa admiração e respeito.
A todos e todas professores(as) do Mestrado de Serviço Social da UFRN, pelas valiosas
discussões, na direção de ampliação de nossos horizontes cognitivos, com destaque para
aquelas que integraram a Banca de Qualificação, professoras Silvana Mara de Morais dos
Santos e Severina Garcia de Araújo, pelas primorosas contribuições, as quais incorporei neste
trabalho, mas sobretudo por acreditarem e me incentivarem em avançar nos posicionamentos
críticos das análises efetuadas.
A Gilcélia Batista Góis, pela interlocução e observações valiosas em toda a trajetória do
mestrado.
Às minhas colegas de mestrado, pela oportunidade de reflexões fecundas na construção
coletiva dos nossos projetos. Destaco a amizade de Jane Cristina Guedes e Renata Rocha
Pereira, com quem partilhei incondicionalmente angústias e alegrias.
À coordenação e à secretaria do mestrado, pelo apoio e compreensão desprendidos.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a construção desta Dissertação.
Por que prender a vida em conceitos e normas?
O Belo e o Feio... O Bom e o Mau... Dor e Prazer...
Tudo, afinal, são formas
E não degraus do Ser!
Mário Quintana.
RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trata do processo de inclusão de pessoas
com deficiência no Mercado de Trabalho em Mossoró-RN, trazendo para o debate acadêmico
temática relevante para a sociedade brasileira, para a profissão de Serviço Social e áreas afins
e para as pessoa com deficiência. Objetiva apreender os determinantes que viabilizam o
processo de inclusão das pessoas com deficiência no Mercado de Trabalho em Mossoró,
tendo como parâmetro a Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de
Deficiência. A perspectiva teórica crítica que perpassa este trabalho respalda-se nas idéias de
Marx para a compreensão acerca do trabalho, bem como em Pochmann, Antunes acerca do
mercado de trabalho, a respeito da categoria exclusão/inclusão fundamenta-se em Martins,
Yasbek e Sposati e sobre deficiência na Política Nacional para a Integração das Pessoas
Portadoras de Deficiência. A pesquisa é de natureza qualitativa e tomou como sujeitos
investigativos 26 (vinte e seis) pessoas, sendo 09 (nove) pessoas com deficiência, inseridas no
mercado de trabalho formal e regulamentado, e 17 (dezessete) gestores de empresas privadas
e instituições públicas da cidade de Mossoró-RN. Para a coleta de dados utilizamos técnicas
de observação assistemática, entrevista semi-estruturada e análise documental. Os resultados
da pesquisa assinalam que sejam quais forem as modalidades de utilização da força de
trabalho humano no atual contexto, elas são preponderantemente funcionais ao capitalismo e
avançam em direção a exploração, alienação e subordinação do trabalho ao capital; a Política
Nacional para a Integração das Pessoas com Deficiência expressa e reproduz a dinâmica
contraditória da sociedade de classe, reflete os matizes neoliberais através da seletividade e da
articulação entre os entes federados e organizações da sociedade civil para a sua
operacionalização; há uma desproporcionalidade entre os percentuais das cotas e a quantidade
de pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho, correspondendo apenas a uma
ínfima magnitude numérica; as atividades desenvolvidas são de baixo status social e é
expressiva a quantidade de trabalhadores que recebe entre um a dois salários mínimos. Estes
dados conduzem-nos a inferir que a citada política viabiliza, em parte, a inclusão das pessoas
com deficiência no mercado de trabalho, uma vez que, tal inclusão efetiva-se nas dimensões
seletiva ou focalizada, marginal, precária e instável.
Palavras-chave: Trabalho. Mercado de Trabalho. Exclusão/Inclusão. Deficiência. Política
Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência
ABSTRACT
This work was developed in the extent of the Post Graduation Program in Social Service of
the Federal University of Rio Grande do Norte. It talks about the process of inclusion of the
disabled people in the Job market in Mossoró-RN, bringing for the academic debate relevant
thematic for the Brazilian society, for the profession of Social Service and similar areas and
for the people with deficiency. It has the objective to apprehend the determiners that make
possible the process of the disabled people's inclusion in the Job market in Mossoró, having as
parameter the National Politics for the Integration of People Bearers of Deficiency. The
critical theoretical perspective is backed in Marx's ideas for the understanding concerning the
work, as well as in Pochamann, concerning the job market, regarding the exclusion/inclusion
category is based in Martins, Yasbek and Sposati and on deficiency in the National Politics
for the Integration of the Disabled People. The research is of qualitative nature and it took as
subjects 26 (twenty-six) people, being 09 (nine) people with deficiency, inserted in the formal
job and regulated market, and 17 (seventeen) managers of private companies and public
institutions of the city of Mossoró-RN. For the collection of data we used techniques of non-
systemic observation, semi-structured interview and documental analysis. The results of the
research mark that any modality of the human workforce used in the current context, they are
functional to the capitalism and they move forward towards exploration, alienation and
subordination of the work to the capital; the National Politics for the Integration of the People
with Deficiency expresses and reproduces the contradictory dynamics of the class society, it
reflects the neo liberal shades through the selectivity and of the articulation among the
federated beings and organizations of the civil society for its operational system; there is a
misproportion between the percentages of the quotas and the amount of people with
deficiency inserted in the job market, just corresponding to a tiny numeric magnitude; the
developed activities are of low social status and it is expressive the amount of workers that
receives between one and two minimum wages. These data drive us to infer that the
mentioned politics make possible, partly, the inclusion of the disabled people in the job
market, though, such inclusion is executed in the selective or focused dimensions, marginal,
precarious and unstable.
Key-Words: Work. Job market. Exclusion/Inclusion. Deficiency. National politics for the
Integration of the Disabled People
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
QUADRO 1: Ranking dos Estados brasileiros, segundo a taxa de Pessoas com Deficiência 78
QUADRO 2: Ranking dos municípios brasileiros segundo a taxa de Pessoas com
Deficiência................................................................................................................................79
QUADRO 3: Tipos de Deficiência no Brasil..........................................................................96
QUADRO 4: Número de Deficiências e Pessoas Deficientes – Censo do IBGE (2000)........97
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o sexo ...80
TABELA 2: Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo a faixa
etária...................................................................................................................81
TABELA 3: Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo
a escolaridade e organização ............................................................................81
TABELA 4: Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o ano de
inserção no mercado de trabalho........................................................................86
TABELA 5: Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo a atividade
que realiza e a escolaridade................................................................................87
TABELA 6: Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o salário.92
TABELA 7: Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o salário e a
escolaridade........................................................................................................94
TABELA 8: Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o tipo de
deficiência..........................................................................................................95
TABELA 9: Tipos de Deficiência no Brasil estimados pela OMS (1996)............................96
TABELA 10: Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo o ramo de
atividade............................................................................................................99
TABELA 11: Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo o tempo de
funcionamento.................................................................................................100
TABELA 12: Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo a quantidade de
funcionários.....................................................................................................101
TABELA 13: Estrutura Ocupacional do Mercado de Trabalho segundo o número de Pessoas
com Deficiências Incluídas..............................................................................103
LISTA DE SIGLAS
ABI Associação Brasileira de Imprensa
ADEFIM Associação dos Deficientes Físicos de Mossoró
BPC Benefício de Prestação Continuada
BM Banco Mundial
BIRD Banco Interamericano para Reconstrução e Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEBASE Curso Básico de Segurança
CORDE Coordenadoria Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de Deficiência
CONADE Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência
CIPA Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
DRT Delegacia Regional do Trabalho
EPI Equipamento de Proteção Individual
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FMI Fundo Monetário Internacional
FUNGER Fundação de Geração de Emprego e Renda
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LOAS Lei Orgânica de Assistência Social
OMS Organização Mundial de Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PNIPPD Política Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de Deficiência
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROGER Programa de Geração de Emprego e Renda
RGPS Regime Geral da Previdência Social
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas
SINE Sistema Nacional de Emprego
SPE Sistema Público de Emprego
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................
14
CAPÍTULO I – DISCUTINDO AS CATEGORIAS DE ANÁLISE...................................
27
1.1. O Trabalho na Sociedade Capitalista: breves considerações..........................................27
1.1.1. O Trabalho no Contexto da Acumulação Flexível......................................................... 31
1.1.2. A Centralidade do Trabalho na Contemporaneidade: discutindo abordagens
teóricas........................................................................................................................................35
1.1.3. O Mundo do Trabalho: situando o contexto brasileiro...................................................43
1.2. Configuração do Mercado de Trabalho no Brasil...........................................................47
1.3. A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência..................................................................................................................................52
1.4. Exclusão/Inclusão Social: interlocução entre aportes teóricos........................................ 56
CAPÍTULO II – CARACTERIZAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS
DETERMINANTES E DEMANDAS ORGANIZACIONAIS EM FACE DA
POLÍTICA DE INCLUSÃO NO TRABALHO....................................................................
76
2.1. Caracterização das Pessoas com Deficiência................................................................. 76
2.2. Determinantes e Demandas Organizacionais em face do Processo de Inclusão de
Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho em Mossoró
RN.............................................................................................................................................. 98
CAPÍTULO III – O TRABALHO NA PERSPECTIVA DE INCLUSÃO DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: um processo contraditório............................................
117
3.1. Trabalho: um processo contraditório expresso na exclusão/inclusão da força de
trabalho.......................................................................................................................................117
3.2. Percepção das Pessoas com Deficiência no Processo de Inclusão no Mercado de
Trabalho..................................................................................................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 153
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 162
APÊNDICES
APÊNDICE A - Roteiro de Entrevista com Pessoas com Deficiência
APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista com Empresário
14
INTRODUÇÃO
Este estudo inscreve-se no universo mais geral do debate sobre inclusão social,
ampliado em âmbito mundial a partir da década de 1990. Demarca como objeto investigativo
o processo de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em Mossoró-RN,
a partir de 1999.
Referendada preponderantemente no arcabouço teórico-metodológico da teoria social
de inspiração marxiana, o estudo em tela delineia como objetivo apreender os determinantes
que viabilizam o processo de inclusão de Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho em
Mossoró-RN, mediados pela Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de
Deficiência, criada em 1989 e regulamentada por meio do Decreto 3.298, de 20 de dezembro
de 1999.
Para tanto, parte-se do pressuposto de que a Política Nacional para a Integração de
Pessoas com Deficiência viabiliza a inclusão desse segmento social no mercado de trabalho.
Todavia, tal inclusão efetiva-se nas dimensões seletiva ou focalizada, marginal, precária,
instável. Isto porque, embora as políticas sociais resultem da correlação de forças entre as
classes sociais antagônicas, elas reproduzem a lógica da sociedade capitalista, que é
estruturalmente excludente. Exclusão compreendida não no sentido de que existe alguém fora
da sociedade, mas como processo de múltiplas privações, decorrentes do descompasso entre a
riqueza socialmente produzida e a apropriação privada desta pelos detentores do capital,
traduzindo-se em extrema desigualdade social.
Este pressuposto, erigido com base em algumas categorias analíticas, entre as quais a
concepção de trabalho elaborada por Marx, precisamente na formulação sobre o processo de
trabalho e processo de produzir mais-valia, compreende o trabalho como categoria central na
sociedade humana. Em relação às categorias mercado de trabalho e exclusão/inclusão, seguem
o mesmo percurso, sem se distanciarem do rigor teórico metodológico de autores de tradição
marxista, de forma que possibilitam realizar mediações entre o teórico e o empírico, na
perspectiva de desvendar e analisar o objeto de estudo identificando gênese, conexões e
vínculos com a totalidade social.
Contudo, a apreensão do nosso objeto de estudo conduz à recorrência a outras
categorias analíticas, precisamente a Deficiência e a Política Nacional para a Integração de
Pessoas com Deficiência, as quais são subsidiadas em documentações nacionais e
internacionais e em autores que tratam dessa temática.
15
A Política Nacional para a Integração de Pessoas com Deficiência ao tratar da
equiparação de oportunidades, na seção de acesso ao trabalho, preceitua como “finalidade
primordial da política de emprego a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado
de trabalho ou a sua incorporação ao sistema produtivo mediante regime especial protegido”
(Decreto nº 3.298/1999, Art. 34).
Este arcabouço legal determina as esferas privada e pública para o acesso ao trabalho
das pessoas com deficiência, resguardando as seguintes especificidades: “A empresa com cem
ou mais empregados está obrigada a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com
beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência
habilitada”. (Id. Ibidem, Art. 36).
No âmbito público, assegura à pessoa portadora de deficiência, classificada em
concurso público, o índice de cinco por cento, ante as vagas existentes no certame. (Id.
Ibidem, Art. 37).
Entendemos que a discussão acerca de uma categoria deverá ser norteada pela
compreensão sobre a mesma, embora no processo possa ocorrer ampliação, reformulação e
até negação dessa mesma categoria, mas que se parta de um fio condutor que expresse um
pensamento, uma representação ideal de um traço característico da realidade. Nessa
perspectiva, Deficiência é definida como “uma restrição física, mental ou sensorial, de
natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais
atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”
(CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS
DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA,
1999).
Segundo o Decreto em discussão 3.298/1999 (Art. 36 § 2º), beneficiário da
Previdência Social reabilitado é aquele segurado vinculado ao Regime Geral da Previdência
Social submetido ao processo de reabilitação desenvolvido ou homologado pelo Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), enquanto Pessoa Portadora de Deficiência Habilitada é
aquela com qualificação em diversos níveis (básico, técnico ou tecnológico e superior),
devidamente comprovada mediante certificado ou diploma emitido pelo Ministério da
Educação ou órgão congênere, ou aquela que apresente certificado comprobatório de
participação em processo de habilitação ou reabilitação profissional promovido ou mediado
pelo INSS.
A Política relativa às pessoas com deficiência estabelece como modalidades de
inserção da pessoa com deficiência no processo de trabalho as colocações dos tipos:
16
competitiva, seletiva e por conta própria. Contudo, em nosso estudo nos deteremos nas
modalidades referentes às colocações dos tipos competitiva e seletiva, considerando que a
nossa pesquisa está circunscrita às organizações públicas e privadas, cujos contratos de
trabalho são regulamentados nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, à exceção
do trabalho autônomo, em cooperativa ou em regime de economia familiar, intermediados por
entidades beneficentes de assistência social que caracterizam a definição de trabalho por conta
própria nos meandros desta lei.
A terminologia relativa à Pessoa com Deficiência não é consensual. No Brasil, o
Governo Federal utiliza a nomenclatura pessoa portadora de deficiência. Não obstante, a
literatura que trata dessa temática apresenta denominações distintas, como: pessoas portadoras
de necessidades especiais, pessoas com necessidades especiais, portadores de necessidades
especiais, portadores de deficiência, pessoa com deficiência. É com esta última nomenclatura
que nos aproximamos. Isto porque compreendemos que esta denominação traduz e indica
alguma limitação que a pessoa manifesta sem, contudo, significar que a deficiência atinja a
pessoa na totalidade. Entretanto, esta noção não evita a estigmatização, nem tampouco a
possibilidade de serem encontradas outras nomeações no corpo do trabalho, visto que a
bibliografia que trata dessa temática é diversificada, consoante as conjunturas em que são
elaboradas e a visão de seus autores.
Pensar o processo de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
remete situá-lo na sociedade em que se realiza. Porém, para os propósitos deste estudo nos
deteremos à sociedade capitalista, a qual é estruturalmente excludente; característica essa
inerente à dinâmica de acumulação. Supõe, portanto, ter como ponto de partida a
compreensão acerca de trabalho. Para tanto, adota-se como eixo condutor a formulação
marxiana que o concebe como o intercâmbio material entre o homem e a natureza. Nessa
processualidade, o trabalho comparece como categoria ontológica, o que significa reconhecê-
lo como elemento central na constituição da realidade social, historicamente determinado, que
na sua concretude desenvolve-se e adquire novas determinações, configura-se como categoria
“onto-histórica”, ou seja, pelo trabalho o homem transforma a natureza e ao mesmo tempo se
autotransforma, originando, dessa transformação recíproca, novas necessidades, novas
possibilidades, novas habilidades, novos conhecimentos, novas prévias ideações (na
expressão de Lukács), assumindo conformações distintas em cada época, ainda que mantendo
alguns elementos comuns, como nos indica Marx (1978).
Entretanto, na sociedade burguesa, regida pela lógica da lucratividade, predomina o
antagonismo entre a expansão do capital e a minimização do consumo da força de trabalho,
17
traduzindo-se na expulsão progressiva de significativos contingentes de trabalhadores do
mercado de trabalho, sobretudo daqueles que apresentam alguma deficiência. Isto porque a
deficiência é vista como sinônimo de improdutividade ou antônimo de eficiência, sendo
concatenada à produtividade, ao lucro.
Decorre dessa assertiva que a exclusão social não é um fenômeno novo na sociedade
capitalista, mas ganhou novos contornos no atual cenário mundial, marcado por profundas
transformações na organização e funcionamento da sociedade, resultantes da reestruturação
produtiva, da mundialização do capital, do ideário e práticas neoliberais.
O conjunto dessas mudanças repercute no mundo do trabalho, alterando
profundamente as modalidades de organização, gestão e controle da força de trabalho, cujos
efeitos são desastrosos para a classe trabalhadora, pois afetam tanto a materialidade quanto a
subjetividade dessas classes.
As transformações no mundo do trabalho vêm acompanhadas de intensas mudanças
nas relações entre o Estado e a sociedade civil, derivadas das políticas de ajustes
recomendadas no Consenso de Washington, consubstanciadas no receituário neoliberal que
exalta o mercado e desqualifica o Estado, tributando a este todas as mazelas da sociedade.
No Consenso de Washington, expressão que qualifica o encontro realizado em
Washington em 1989, liderado por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Banco Mundial, foi prescrito um
conjunto de medidas a serem implementadas pelos países de capitalismo periférico, como:
disciplina fiscal, estabilidade monetária, reforma tributária, desregulamentação da economia,
liberalização das taxas de
juros, taxa de câmbio competitiva, revisão das prioridades dos
gastos públicos, maior abertura ao investimento estrangeiro direto e fortalecimento do direito
de propriedade. Não obstante, na nossa concepção, tais medidas constituem-se injunções aos
países economicamente dependentes, na perspectiva de facilitar e agilizar o ressurgimento da
ortodoxia liberal e, desse modo, manter a dominação dos países centrais sobre aqueles.
A estratégia neoliberal é reduzir o raio de intervenção do Estado, sobretudo nas ações
sociais. Disso decorrem duas implicações diretas: transferência de responsabilidades estatais
para a sociedade civil e, por conseguinte, um retorno à filantropia e à fragilização do sistema
de proteção social, conformando o desmonte da cidadania social.
Neste cenário, explicitam-se os elementos que configuram a dimensão socioeconômica
na atual conjuntura, os quais apontam para uma realidade contraditória e adversa: de um lado
os que dominam, dirigem, os detentores do poder e da riqueza; do outro lado, o agravamento
da exclusão social, evidenciado nos milhões de pobres, no “desemprego estrutural, na
18
subproletarização do trabalho, presente nas formas de trabalho precário, parcial, temporário,
subcontratado, terceirizado, vinculados à economia informal” (ANTUNES, 2000, p. 52), no
desrespeito aos direitos humanos, na restrição dos direitos trabalhistas e sociais, na negação
da cidadania do contingente de trabalhadores que aí se incluem.
Na sociedade brasileira, os impactos destas transformações assumem expressões
particulares, assim como reiteram os traços históricos constitutivos da nossa formação social,
econômica e política, marcada pela concentração de riqueza, propriedade e poder que,
conjugadas à coexistência de formas de trabalho arcaico e moderno, regidas, às vezes, por
“relações de violência” e “relações clandestinas”, acentuam o desemprego, a pobreza, as
desigualdades sociais, a exclusão social.
As considerações precedentes confirmam os dados imediatamente seguintes: o Brasil é
campeão mundial de concentração de renda e pentacampeão de concentração de riquezas
(GONÇALVES, 1999). O grau de desigualdade no Brasil é superior a qualquer país da
América Latina. Em termos mundiais, equipara-se a Serra Leoa (África Ocidental), Paraguai e
África do Sul.
Nas décadas correspondentes à reconversão do capital, isto é, o pós - 1970, observa-se
que o grau de desigualdade de renda aumentou, a renda apropriada pelos 20% mais ricos
aumentou 11%, enquanto a dos 50% mais pobres diminuiu 6%. Entre os anos de 1960 e 1980,
a participação na renda manteve-se inalterada para os mais pobres, enquanto a participação
dos mais ricos aumentou de 39,7% para 47,9%. Nos anos de 1980, a situação agravou-se, com
a participação dos 10% mais pobres caindo para 0,8% e a dos 10% mais ricos aumentando
para 48,7%. A renda média dos 10% mais ricos, que era 33,9 vezes maior que a dos 10% mais
pobres em 1960, aumentou para 40 vezes mais em 1970, e na década de 1980 passou a ser
mais de 60,1 vezes (GONÇALVES, 1999).
Nestes períodos imediatamente citados, constata-se o declínio da renda média e o
aumento substancial das desigualdades. Conseqüentemente, a pobreza aumentou e o nível de
bem-estar social decresceu. A década de 1990 segue as precedentes no tocante à desigualdade
de renda. Dados sobre a renda familiar indicam que a relação entre a parcela de renda dos
10% mais ricos sobre a renda dos 40% mais pobres cresceu de 4,8 em 1986 para 6,1 em 1990,
ascendeu para 6,5 em 1993, atingiu 7,2 em 1994 e voltou a subir em 1996.
Tais desigualdades e injustiças traduzem-se, dentre outras faces, na pobreza e na
exclusão social de significativos segmentos das classes subalternas. São, portanto, produzidas
e reproduzidas na sociedade de classes na qual a apropriação da riqueza socialmente gerada é
19
extremamente desigual. Pobreza e exclusão social atualizam na contemporaneidade, de forma
aguda, os impactos nefastos do trabalho sob a égide da recomposição do capital.
Nesse contexto, as pessoas com deficiência são duplamente excluídas. A primeira
forma de exclusão advém dos próprios mecanismos de acumulação capitalista, que produzem
contingentes populacionais majoritários excedentes, “sobrantes”, “desnecessários”, pois
sequer encontram espaço no mercado de trabalho, conduzindo-os à situação de pobreza ou à
miséria. A segunda modalidade relaciona-se à condição de ser deficiente, seja na área física,
ou sensorial, ou cognitiva, situando-se na contramão dos padrões estabelecidos nas novas
modalidades de organização, gestão e consumo da força de trabalho, exigidas na
reestruturação da acumulação flexível.
Ademais, é significativa a quantidade de pessoas com deficiência, seja em âmbito
mundial, seja no Brasil. Tal assertiva confirma-se tomando como referência os dados
fornecidos por organizações internacionais ou instituição nacional, como segue: a
Organização Mundial da Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas (ONU) estimam
que 10% da população mundial é composta por pessoas com deficiências, enquanto o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informa, com relação ao censo demográfico de
2000, que este percentual no Brasil é de 14,5%, o que corresponde a 24.600.256 pessoas com
deficiência.
Os percentuais correspondentes às pessoas com deficiência anteriormente citados,
articulados ao fenômeno da exclusão a que está historicamente submetido esse segmento
populacional, agrava-se no cenário da sociedade capitalista na contemporaneidade, na qual se
instala um novo desafio para a classe trabalhadora, expresso na diminuição de postos de
trabalho, na “desestabilização dos estáveis”, na “instauração da precariedade”, na
desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas, nas exigências de qualificação para a
inserção no mercado de trabalho. Tal quadro expõe a relevância da temática enquanto objeto
de investigação, que requer maior aprofundamento e questionamentos, especialmente em se
tratando das formas em que se efetiva a inclusão de pessoas com deficiências no mercado de
trabalho.
Neste sentido, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência preconiza instrumentos destinados à inclusão dessas pessoas no mercado de
trabalho, quais sejam: a articulação entre entidades governamentais e não-governamentais
voltadas ao atendimento da pessoa portadora de deficiência; o fomento à formação de
recursos humanos; a aplicação da legislação específica que disciplina a reserva de mercado de
20
trabalho em favor da pessoa portadora de deficiência e a fiscalização do cumprimento desta
legislação (Decreto 3.298/1999, Capítulo V).
A implementação da legislação em discussão, numa conjuntura adversa ao emprego,
conforme evidenciado anteriormente, instiga-nos a indagar:
a) como se configura a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho,
mediada pela Política Nacional para a integração de Pessoa Portadora de Deficiência?
b) dos instrumentos legais, definidos por essa legislação, quais os que vêm sendo
acionados para inserir as pessoas com deficiência no mercado de trabalho local?
c) que demandas são requeridas às pessoas com deficiência para sua inserção no
mercado de trabalho?
d) quais são as condições e relações de trabalho que são estabelecidas com as pessoas
com deficiência no ambiente de trabalho?
e) quais são as características sócio-econômicas e culturais das pessoas com
deficiência, sujeitos da pesquisa, inseridas no Mercado de Trabalho em Mossoró-RN?
A partir dessas indagações emerge a questão central deste estudo: como a Política
Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de Deficiência viabiliza a inclusão desse
segmento no mercado de trabalho em Mossoró-RN?
Tais questionamentos expressam-se em objetivos específicos a serem perseguidos de
forma a subsidiar o alcance do objetivo geral. Os objetivos específicos são assim delineados:
* Identificar os instrumentos que são acionados para a inclusão de pessoas com
deficiências no mercado de trabalho formal;
* Analisar as demandas requeridas das pessoas com deficiências, visando sua inserção
no mercado de trabalho formal, regulamentado;
* Traçar o perfil das pessoas com deficiências, sujeitos desta pesquisa, sob os aspectos
socioeconômico e cultural, ressaltando os aspectos da formação e qualificação profissional.
Nosso interesse pela temática, pessoas com deficiências, e em particular sobre a
inclusão dessas no mercado de trabalho, advém da prática docente, notadamente lecionando a
disciplina Supervisão de Estágio, quando das orientações a trabalhos acadêmicos que
versaram sobre este tema e também do Seminário Temático IV, intitulado “Pessoas
Portadoras de Deficiências” que foi por nós ministrado. Neste seminário, foi realizado um
trabalho objetivando investigar a operacionalização da Política Nacional de Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência nas áreas de saúde, educação, previdência social e trabalho,
no contexto local. Os resultados apresentados, principalmente na área de trabalho, revelaram
distorções em relação à legislação em vigor, impactando nossa atenção e, ao mesmo tempo,
21
desencadeando inquietações de forma a nos impelir a um estudo mais aprofundado, na
perspectiva de desvendar essa problemática, as contradições do real e assim, indicar
proposições condizentes às demandas detectadas.
Tendo em vista o alcance do objetivo proposto neste estudo, realizamos, no período de
junho a novembro de 2006, uma pesquisa de natureza qualitativa, na cidade de Mossoró, junto
às pessoas com deficiência inseridas no Mercado de Trabalho e com os gestores de empresas
privadas e instituições públicas, sem contudo, deixar de recorrer à quantificação de alguns
dados, quando se fez necessário, possibilitando, assim, mais visibilidade aos mesmos.
Constituíram-se sujeitos da nossa pesquisa as pessoas com deficiência (física,
auditiva, visual e mental), reconhecidamente em idade economicamente ativa, inseridas no
Mercado de Trabalho e os empregadores ou gestores da área de recursos humanos das
organizações, seja na esfera privada, seja na esfera pública, notadamente aquelas concernentes
ao estabelecido no arcabouço legal, isto é, aquelas empresas/instituições que atendem às
exigências legais a respeito das cotas para esse segmento social.
A cidade de Mossoró-RN constituiu-se lócus da pesquisa, em razão deste município
despontar como o segundo maior município no contexto estadual potiguar, ou seja, com uma
população de 227.357 (duzentos e vinte e sete mil, trezentos e cinqüenta e sete) habitantes
(IBGE – 2005). Relacionando a população local ao percentual de 17,26% de pessoas com
deficiência, adotado pelo IBGE, estima-se um contingente de aproximadamente 39.241 (trinta
e nove mil, duzentos e quarenta e uma) pessoas com deficiência. O município de Mossoró
agrega um número significativo de empresas com mais de cem empregados, supondo-se o
cumprimento da legislação relativa às pessoas com deficiência, implicaria na inserção laboral
de significativa parcela desse contingente populacional. Entretanto, percebe-se que nos
espaços públicos é ínfima a presença de pessoas com deficiências, principalmente no mercado
de trabalho.
Mossoró caracteriza-se economicamente pelas atividades no setor de comércio,
serviços e indústrias de extração e transformação. Quanto à dimensão política, visualiza-se a
dinastia de um grupo, liderado pela família Rosado, que há mais de sete décadas desenvolve
práticas clientelistas, perpetuando a cultura do favor; característica essa recorrente no Estado e
na sociedade brasileira, em que a “cultura senhorial, o patrimonialismo, o clientelismo, a
privatização do público, a tutela, o favor” são mediações quase universais. (BEHRING, 2003,
p.109-110).
Para a definição do universo desta pesquisa, incursionamos em levantamentos
documentais do IBGE, Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)
22
e Delegacia Regional do Trabalho (DRT), objetivando identificar as empresas existentes no
município de Mossoró e, entre essas, aquelas condizentes com a aplicação da Lei 7.853/89, ou
seja, empresas que registram em seus quadros funcionais acima de 100 trabalhadores, para
posterior articulação com o número de pessoas com deficiência inseridas no mercado local.
Assim, constatamos, no cadastro nacional de empresas do SEBRAE, exercício 2004, o
total de 104 (cento e quatro) organizações, sendo 50 (cinqüenta) empresas privadas e 54
(cinqüenta e quatro) instituições públicas.
A DRT, para o exercício 2003/2004, por meio do Núcleo Auxiliar de Apoio à
Fiscalização – Pró-Dignidade – Programa Brasil, Gênero e Raça relacionou, em consonância
com o percentual de cotas designado pela Lei referente à pessoa com deficiência, 78 (setenta e
oito) empresas a serem notificadas, em que observamos o seguinte: Dessas, 10 (dez) estavam
abaixo do coeficiente fixado pela Lei, 24 (vinte e quatro) cumpriam esta legislação, 14
(quatorze) a cumpriam em parte e 30 (trinta) não a cumpriam. Diante desses dados,
verificamos que 66 (sessenta e seis), isto é, o equivalente a 63% (sessenta e três por cento) das
empresas no município de Mossoró, infringe a referida Lei. Nesse período, registrava-se um
total de 150 (cento e cinqüenta) pessoas com deficiências inseridas no mercado de trabalho
local, dentre as quais 122 (cento e vinte e duas) são do sexo masculino e 28 (vinte e oito) do
sexo feminino.
Analisando comparativamente os dados obtidos no SEBRAE e na DRT, observamos
que 44 (quarenta e quatro) empresas privadas estão incluídas nas duas listagens. Em
considerando essa similaridade e na perspectiva de vislumbrar a totalidade das organizações
radicadas nesse município, adicionamos as 6 (seis) empresas que constam exclusivamente na
relação do SEBRAE à lista da DRT (78), alcançando o total de 84 (oitenta e quatro) empresas
privadas e 54 (cinqüenta e quatro) instituições públicas, totalizando 138 (cento e trinta e oito)
organizações. Logo, o universo da nossa investigação foi definido em relação a esse total.
Em virtude da amplitude do universo a ser pesquisado constituir-se de 138 (cento e
trinta e oito) organizações, impôs-se a utilização da técnica de amostragem. A seleção da
amostra articulou critérios de representatividade e aleatoriedade. A representatividade
efetivou-se em torno de 12% (doze por cento) do universo, por constituir-se um percentual de
relevância para populações finitas. Este percentual corresponde a 10 (dez) empresas privadas
e 7 (sete) instituições públicas das 138 (cento e trinta e oito) registradas. Portanto, a amostra
em relação aos gestores é proporcional ao número de organizações selecionadas, isto é, 17
(dezessete).
23
Quanto à amostra das pessoas com deficiência, optamos pela representatividade em
relação ao sistema de cotas aplicado às organizações, definindo-se assim: para as empresas
acima de 1000 (mil) funcionários entrevistamos 02 (duas) pessoas com deficiência; para as
empresas que empregam entre 501 (quinhentos e um) a 1000 (mil) funcionários,
entrevistamos também 02 (duas) pessoas com deficiência; para as empresas que registram
entre 201 (duzentos e um) a 500 (quinhentos) empregados, entrevistamos 01 (uma) pessoa,
seguindo o mesmo critério para as empresas que empregam entre 101 (cento e um) e 200
(duzentos) operários, subtotalizando nesse espaço ocupacional 06 (seis) trabalhadores. Em
relação às instituições públicas, o percentual da cota para pessoas com deficiência é fixado em
5%, dada a classificação obtida em concurso, independente do número de funcionários da
instituição. Assim sendo, tomamos como referência um representante de cada instância dos
poderes Federal, Estadual e Municipal, contabilizando um subtotal de 03 (três) funcionários,
que adicionados aos da esfera privada totalizaram uma amostra de 09 (nove) pessoas.
Portanto, o quadro amostral foi constituído de: 17 (dezessete) gestores e/ou representantes de
recursos humanos e 09 (nove) pessoas com deficiência, totalizando 26 (vinte e seis)
entrevistados.
Para a coleta de dados foram utilizadas as seguintes técnicas: observação
assistemática, entrevista semi-estruturada e análise documental, objetivando identificar
instrumentos, apreender as demandas, as condições e relações de trabalho materializadas para
a inclusão de pessoas com deficiência ao mercado de trabalho, traçar o perfil das pessoas com
deficiências, sujeitos desta pesquisa, nos aspectos socioeconômico e cultural, perquirindo as
contradições que se fazem presentes no movimento do real e que permitiram o desvelamento
do objeto de estudo.
Os roteiros de entrevista foram elaborados atendendo às especificidades dos
segmentos a que se destinaram. Utilizou-se, assim, dois roteiros distintos de entrevista: um
para os empresários ou gestores e outro para as pessoas com deficiência. Em relação ao
contingente demandante do capital, as entrevistas foram previamente agendadas e
aconteceram no ambiente de trabalho, em razão da conveniência daqueles. Em se tratando das
pessoas com deficiência, as entrevistas também foram previamente agendadas e realizaram-se
preferencialmente fora do “chão da fábrica”, precisamente na residência de alguns. Outras
entrevistas foram efetuadas no próprio ambiente de trabalho, decorrentes da sugestão do
gestor e da aceitação da mesma pelo entrevistado. Porém, em ambas as situações prevaleceu a
decisão do entrevistado.
24
Realizamos as entrevistas com os gestores e com as pessoas com deficiência no
período compreendido entre os meses de junho e novembro do ano de 2006, cuja
interpretação e análise dos dados obtidos estão expostas no capítulo II e capítulo III. É
pertinente esclarecer que as falas dos gestores, das pessoas com deficiência e as organizações
citadas no decorrer dos Capítulos II e III são identificadas com nomes fictícios.
Os dados primários foram articulados às fontes secundárias levantadas, estabelecendo-
se os nexos da pesquisa documental e da revisão da literatura.
A revisão da literatura perpassa todo o processo investigativo com o aprofundamento
das categorias de análise deste estudo. Neste sentido, propusemo-nos a fazer uma interlocução
com autores que discutem as categorias exclusão/inclusão, destacando os estudos de Martins,
Nascimento, Yazbek e Sposati, balizando nossa formulação em Martins. Acerca da categoria
trabalho nos apoiamos no aporte teórico de Marx e, sobre mercado de trabalho nos
fundamentamos em Pochmann, Antunes e no Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº
7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência. No entanto, é importante frisar que, no decorrer do processo,
outros autores, estudiosos da temática, puderam ser acrescentados.
No que diz respeito à pesquisa documental, esta foi realizada em instituições diversas.
Entretanto, todas estão voltadas e se inter-relacionam de alguma forma, no âmbito das
respectivas competências e finalidades, visando assegurar o exercício dos direitos e, por
conseguinte, a inclusão de pessoa com deficiência, dentre outros segmentos. Nesta
perspectiva, para a obtenção de dados referentes à formação e qualificação profissional,
pesquisamos o Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Quanto à
efetivação da fiscalização e operacionalização do aparato jurídico formal, especificamente no
âmbito local, buscamos a Sub-Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e, quanto aos
indicadores sócio-econômicos, pesquisamos o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e a Fundação Getúlio Vargas. Para a caracterização das pessoas com deficiência,
pesquisamos os dados de identificação pessoal e funcional das pessoas com deficiência nas
fichas cadastrais nos departamentos de Recursos Humanos das organizações investigadas.
Outrossim, desejamos destacar a delimitação da temporalidade para efeito desta
investigação se deu a contar da data em que passou a vigorar a legislação pertinente às
pessoas com deficiências, isto é, o ano de 1999, estendendo-se aos dias atuais.
Todavia, é pertinente ressaltar que, antecedendo o momento da realização das
entrevistas, procedemos a um pré-teste junto a um grupo de trabalhadores com deficiência,
diferente daquele que faz parte da amostra, visando observar a compreensão dos
25
questionamentos, identificar dúvidas, ambigüidades, necessidade de introdução ou supressão
de questões.
A análise dos dados constitui-se o cerne da pesquisa. Partindo dessa premissa, uma
vez coletados os dados, procedemos à sua ordenação, organização e posterior análise e
exposição. Espera-se, através desse movimento teórico-empírico, responder aos
questionamentos que nortearam este estudo, trazendo à tona as contradições que perpassam a
problemática estudada, buscando, por meio da crítica e desvelamento do objeto, obter
elementos que possam subsidiar novas Políticas que objetivem a inserção no Mercado de
Trabalho de pessoas com deficiência.
A nossa dissertação está estruturada em três capítulos, assim distribuídos: o Capítulo I
aborda e discute a fundamentação teórico-metodológica das categorias que dão suporte à
análise do objeto investigativo e ao alcance dos objetivos pretendidos.
O Capítulo II é constituído por dois itens. O primeiro esboça a caracterização das
pessoas com deficiência mediante dados de identificação pessoal como: sexo, faixa etária,
escolaridade e estado civil, assim como enfoca os dados de identificação das características
referentes à inserção/inclusão no mundo do trabalho (atividade, salário, proteção social,
regularidade no emprego, ascensão profissional, jornada de trabalho, horário de trabalho) e
tipo de deficiência. O segundo item trata da análise dos determinantes e demandas
organizacionais em face do processo de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho em Mossoró, expressos através da análise da estrutura ocupacional do mercado de
trabalho, notadamente na particularidade de inserção das pessoas com deficiência,
considerando os setores com maior e menor capacidade de criação de novos empregos, o
tempo de funcionamento das organizações, o tamanho dos estabelecimentos, o tempo de
serviço do trabalhador na mesma organização, os motivos para a admissão, tipos de
deficiências, demandas postas a estes trabalhadores, vínculo empregatício materializado,
funções que desempenham, salário que percebem, benefícios ocupacionais concedidos,
qualificação ofertada pelas organizações e adaptações realizadas para o exercício profissional.
Ambos os itens abrangem a análise dos dados coletados nas entrevistas com os gestores e na
documentação pesquisada.
O Capítulo III é apresentado em dois itens. O primeiro trata do trabalho como
processo contraditório, confrontando a teoria com o que foi apreendido na fala dos
entrevistados. O segundo item aborda a percepção das pessoas com deficiência acerca do
significado de está inserido no mercado de trabalho, em que o trabalho altera sua vida, as
dificuldades das pessoas com deficiência de serem inseridas no mercado de trabalho, as
26
discriminações vivenciadas no espaço ocupacional e na sociedade. Em certo sentido, este
capítulo constitui-se a expressão dos elementos que conduzem ao alcance dos objetivos
perseguidos neste trabalho.
As Considerações Finais, expressando a síntese da síntese, apresentam os principais
resultados obtidos no processo investigativo, analisados à luz das formulações teórico-
metodológicas, na perspectiva de suscitar novos questionamentos, apontar limites e distorções
na efetivação do aparato legal em face da dimensão da problemática da inclusão de Pessoas
com Deficiência no Mercado de Trabalho, assim como identificar instrumentos e demandas
acionadas na direção de inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho local e,
desta maneira, contribuir fornecendo subsídios para a Política destinada a esse segmento
social, na direção de sua efetivação/ampliação, numa dimensão distinta daquela que Martins
nomeia de inclusão marginal, precária, instável.
Por fim, explicitam-se as referências e os apêndices.
27
CAPÍTULO 1
1. DISCUTINDO AS CATEGORIAS DE ANÁLISE
Neste capítulo, examinamos as categorias que conformam nosso objeto de
investigação, que se reporta ao processo de inclusão de pessoas com deficiência no Mercado
de Trabalho. Com esse propósito, foram discutidas as seguintes categorias: trabalho, mercado
de trabalho, deficiência, exclusão/inclusão e a Política Nacional para a Integração de Pessoas
portadoras de Deficiência, na particularidade do acesso ao trabalho.
1.1 O Trabalho na Sociedade Capitalista: breves considerações
Pensar a categoria trabalho na sociedade capitalista conduz às formulações marxianas,
a começar pela própria conceituação de trabalho. Nesse sentido, Marx concebe-o como:
Um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser
humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio
material com a natureza [...] Atuando assim sobre a natureza externa e
modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza (1980,
p.202).
Nesta troca material entre o homem e a natureza, o homem age ativa e
propositadamente sobre a natureza, dela se apropria, subjuga-a com a finalidade de satisfazer
suas necessidades, ao mesmo tempo em que engendra condições para o desenvolvimento de
sua vida social. Logo, as formas como os homens produzem a sua vida material refletem na
sua reprodução social. A atividade trabalho é um ato social.
Sob essa formulação, Marx chancela o trabalho como categoria fundante no mundo
dos homens. Isto porque o trabalho, ao produzir dupla e recíproca transformação entre a
natureza e o homem, gera para esse novas habilidades, conhecimentos e também novas
necessidades e possibilidades. Portanto, o trabalho é atividade central e decisiva na produção
do novo ser social, de novas e sucessivas situações objetivas e subjetivas, novas realidades
que caracterizam a história da humanidade.
No processo de trabalho, o homem cunha a sua marca, o seu domínio sobre a matéria,
e isto porque, na medida em que a transforma, imprime-lhe também a forma por ele
previamente idealizada. Ademais, a ação transformadora sobre a matéria implica
simultaneamente mudança na própria natureza humana, o que significa que o processo de
trabalho incorpora o contínuo desenvolvimento da capacidade humana, e este, por sua vez,
28
altera permanentemente as modalidades de sua concretude. Há, portanto, correspondência
entre o desenvolvimento das forças produtivas com as diferentes formações econômicas e
sociais ou, como formula Marx,
O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas
como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para
medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e além disso, indicam
as condições socais em que se realiza o trabalho (Op. cit. 1980, p.204).
No âmbito desse estudo, o foco de análise sobre trabalho centra-se na forma
“exclusivamente humana”. Isso pressupõe que outros animais realizam trabalho. Todavia, as
operações por eles efetivadas são distintas e os distinguem do homem. Tal distinção não é
fortuita, antes, reside no fato de que somente o homem tem capacidade de projetar em sua
mente o possível resultado de sua intervenção. O clássico exemplo de Marx reforça esse
pensamento:
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
mais de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o pior
arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um
resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador (Op.
cit. 1980, p.202).
O processo de trabalho em seus elementos simples e abstratos – força de trabalho
humana, objetos de trabalho e meios de trabalho – destina-se à criação de valores de uso, a
apropriação dos elementos naturais às necessidades humanas; “é condição necessária do
intercâmbio material entre o homem e a natureza; [...] sendo antes comum a todas as suas
formas sociais” (Op. cit. p.208).
Entretanto, sob o capitalismo, a natureza do trabalho voltada para a produção de
valores de uso, atividade vital, na sua dimensão concreta, é subsumida pelo caráter abstrato
(assalariado, fetichizado e estranhado), cuja finalidade é a criação de valores de troca. Nessa
sociedade, a forma de consumo da força de trabalho apresenta dupla característica: o
trabalhador trabalha sob o controle do capitalista e o produto do seu trabalho lhe é estranho,
pertence ao capitalista. Neste sentido, a força de trabalho comparece no processo produtivo
equiparada às demais mercadorias, repassa seu valor de uso ao capitalista que dela se apropria
e a incorpora, elemento vivo, aos demais elementos mortos do produto.
Do ponto de vista do capitalista, o processo de trabalho é simplesmente o consumo das
mercadorias que comprou, logo, um processo entre coisas. Sob essa ótica, a força de trabalho
29
é uma mercadoria pertencente ao capitalista, e isso porque, nessa formação social, é plasmada
a separação entre as condições objetivas e as condições subjetivas de trabalho. Nela, o
trabalhador alcança o status de trabalhador livre, porém destituído dos meios e instrumentos
de trabalho.
Nestas condições, o ser livre não passa de mera formalidade, antes é condição sine qua non
para, na relação mercantil, o trabalhador vender o que ele dispõe, sua força de trabalho,
como mercadoria. Essa relação é marcada pela compra e venda de mercadorias, em que os
sujeitos demandantes de mercadorias negociáveis comparecem como supostamente iguais.
Tal igualdade, porém, reduz-se ao aspecto jurídico da troca, pois as relações entre os
proprietários dos meios de produção e os trabalhadores são de subalternidade, exploração.
Essa constatação é originaria das análises de Marx acerca da categoria processo de
trabalho como mediador do processo de valorização do capital. Nessa mediação é desvelada a
falsa igualdade, uma vez que capitalistas e trabalhadores participam do processo de produção
em condições distintas. Logo, o resultado desse processo é apropriado também de forma
diversa: o indivíduo que trabalha personifica o pobre em potencial, repleto de necessidades,
excluído da riqueza objetiva, dispõe somente de sua capacidade de trabalho e, como tal,
constitui-se em mera potência que poderá ser materializada caso encontre lugar no mercado
de trabalho, ou seja, quando demandada pelos capitalistas, mesmo assim, mantém-se alijado
das condições necessárias à sua realização objetiva na criação de seus meios de sobrevivência,
enquanto o capitalista apropria-se da mais-valia produzida pelo trabalhador durante o
processo de trabalho.
A mercadoria derivada do processo de trabalho, enquanto caráter predominante e
determinante da produção, produz valores de uso tão somente como substrato de valor de
troca, deve agregar valor, valor excedente, mais-valia. A produção capitalista utiliza os
“meios de produção [...] não só como meios de realização do trabalho, mas também [...] como
meios para a exploração do trabalho alheio” (MARX, 1985, p.87).
Destarte, tanto a formação quanto a manutenção da sociedade burguesa sustentam-se
na propriedade privada dos meios de produção e na reprodução da força de trabalho enquanto
mercadoria produtora de valores de uso, como substrato de valores de troca, como fonte de
agregação de valor, valor excedente, enquanto dispêndio de energia física e intelectual,
trabalho assalariado, cuja compreensão é abstraída dos estudos de Marx em O Capital,
O trabalho assalariado é [...] para a produção capitalista uma forma
socialmente necessária do trabalho, assim como o capital, valor elevado a
30
uma potência, é uma forma necessária que devem adotar as condições
objetivas do trabalho para que este último seja trabalho assalariado. De modo
que o trabalho assalariado constitui uma condição necessária para a formação
de capital e se mantém como premissa necessária e permanente da produção
capitalista (Op. cit. p.73).
No processo de produção, na sociedade capitalista, a força de trabalho humano
metamorfoseada em mercadoria é o único elemento variável e capaz de gerar mais valor,
valor maior do que aquele determinado pela quantidade de trabalho materializado em sua
compra, produz, portanto, mais-valia. A diferença entre o processo de produzir valor com o
processo de produzir mais-valia consiste no prolongamento do trabalho excedente, na
quantidade de tempo socialmente necessário à sua produção.
Entretanto, tida como mercadoria, a força de trabalho enquanto produtora de valor
encontra-se disfarçada sob forma fetichizada, decorrente da igualdade dos trabalhos humanos
aos produtos do trabalho como valores, o dispêndio da força humana de trabalho equivale à
quantidade de valor dos produtos de trabalho e as relações sociais estabelecidas entre os
homens configuram-se como uma relação entre coisas. Assim,
A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características
sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características
materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por
ocultar a relação social entre os trabalhos individuais produtivos e o trabalho
total, ao refleti-la como relação social existente, a margem deles, ente os
produtos do seu próprio trabalho. Através dessa simulação, os produtos do
trabalho humano se tornam mercadorias, coisas sociais (MARX, 1975, p.81).
Deste modo, a força de trabalho humano, convertido em mercadoria, participa do
processo produtivo na direção de sua degradação, pois, à medida que se desenvolvem as
forças produtivas, simultânea e contraditoriamente crescem a produção da riqueza da classe
dominante e a miséria da classe trabalhadora. Essa situação agrava-se nas recentes mudanças
empreendidas no contexto de reestruturação da produção na sociedade capitalista
contemporânea.
Entende-se por reestruturação da produção um conjunto de medidas destinadas à
reorganização das forças produtivas na revitalização do capital impactando o processo de
produção, o consumo da força de trabalho, o mercado de trabalho, o padrão de consumo, as
relações sociais.
No item a seguir aprofundaremos essa discussão, situando o trabalho no contexto da
acumulação flexível.
31
1.1.1 O Trabalho no Contexto da Acumulação Flexível
O atual cenário mundial é marcado por profundas alterações no padrão de acumulação capitalista, cujos rebatimentos têm
desencadeado transformações no mundo do trabalho. Tais mudanças inscrevem-se em contraposição à crise que eclode nos anos de 1970. Na
concepção de Antunes (1999), estas mudanças são atribuídas a um conjunto de fatores, quais sejam: queda da taxa de lucro decorrente dos
aumentos dos salários, fruto das lutas sociais desenvolvidas nos anos pós-Segunda Guerra Mundial; esgotamento do padrão de acumulação
sustentado no paradigma fordista/taylorista; hipertrofia da esfera financeira frente aos capitais produtivos; ampliação da concentração de
capitais dadas as fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; na Europa, ocorre a crise do Estado do Bem-Estar Social,
provocando a crise fiscal do Estado capitalista e, por conseguinte, a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o
setor privado; intensificação das privatizações das empresas estatais, das desregulamentações e flexibilização do processo produtivo, dos
mercados e da força de trabalho. A partir de então, generaliza-se o modelo japonês denominado toyotismo, em combinação/substituição à
rigidez da linha de produção em massa e em série, ao trabalho parcelar, à fragmentação de funções, as unidades fabris concentradas e
verticalizadas antes dominantes em vários países do capitalismo avançado.
O enfretamento da crise exige mudanças no processo produtivo, configuradas na
acumulação flexível. Esta, segundo Harvey (1993), apóia-se na flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
A nova dinâmica de acumulação no molde toyotista articula um conjunto de inovações
tecno-científicas de base microeletrônica, informacional e robótica, desconcentração
produtiva materializada na terceirização, novos padrões de organização, gestão, consumo,
regulamentação e controle da força de trabalho, nova sociabilidade promotora da adesão e do
consentimento do trabalhador aos objetivos do capital, polivalência, precarização das
condições e relações de trabalho, desterritorialização da produção, intensificando o que Marx
chamou de “trabalho social combinado”, consubstanciado pela participação de trabalhadores
de diversas partes do mundo no mesmo processo produtivo.
Em relação à organização da produção, destaca-se a terceirização, as empresas “mãe”,
ao mesmo tempo em que transferem trabalhadores socialmente protegidos, engendra formas
de inclusão ancoradas na insegurança, na precarização, na redução salarial, em contratos
temporários. Emerge o trabalhador polivalente, multifuncional, que exerce várias funções
simultaneamente sem, contudo, obter aumento de salário.
No toyotismo, proliferam estratégias de gestão expressas nos círculos de controle de
qualidade (CCQs), gestão participativa, qualidade total, dentre outras, destinadas ao
desenvolvimento da nova materialidade do capital e de novas formas de captura da
subjetividade do trabalhador mediante o envolvimento manipulatório, a apropriação do
saber e do fazer desse, dando-lhe a pseudo-impressão de que participa do processo
decisório, quando, na verdade, o que, o como e o para quem produzir lhe é alheio, assim
como o é o resultado do processo de trabalho. Surge, como efeito da informatização, o
envolvimento interativo entre o ser humano que trabalha e o novo maquinário. Instaura-se
a subsunção real da subjetividade operária pela lógica do capital, reconstrói-se, segundo
32
Gramsci (1985), o nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado – a participação
ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalho. Nessa processualidade, amplia-
se o fetichismo da mercadoria, a alienação do trabalho, embora esta pareça minimizada
pela suposta “diluição” entre os que pensam e os que executam na hierarquia empresarial.
Intensifica-se a exploração e o controle sobre a força de trabalho.
Desencadeia-se, assim, uma nova sociabilidade, que propugna relações sem conflitos
marcadas por relações entre iguais, compatível com as novas formas de domínio do capital
sobre o trabalho. Altera-se também o sentido qualitativo do ser do trabalho. É consensual
entre os estudiosos a progressiva exigência de maior escolaridade e qualificação
profissional como requisito básico para inserção no processo produtivo. Entretanto, tal
injunção não significa ampliação de postos de trabalho, tampouco a melhoria de condições
de trabalho, antes coexiste com maior precarização do emprego. A citação a seguir é
bastante ilustrativa a esse respeito:
Os setores em que a elevação da qualificação vem ocorrendo de maneira mais
efetiva (as grandes empresas industriais) são exatamente aqueles em que o
emprego vem diminuindo em maiores proporções. Assim, o emprego estaria
crescendo nos setores informal ou formal precarizado, nos quais a elevação
da qualificação é muito menor [...] De cada 100 novas ocupações geradas
entre 1990 e 1994, 81 se concentraram no setor informal e na pequena
empresa; em 1995, esse número subiu para 84. Portanto, o emprego cresce
especialmente entre os trabalhos mal pagos e de alta rotatividade (LEITE,
1997, p. 67).
As transformações no mundo do trabalho nas últimas décadas do século XX e no
limiar do século XXI refletem nas condições de vida, de trabalho e na organização política da
classe operária, cujas implicações são nefastas para os trabalhadores, uma vez que significa
racionalização de trabalho vivo, crescimento exponencial da força de trabalho excedente,
solapa o trabalho organizado e, por conseguinte, os direitos sociais e trabalhistas a ele
atinentes, retrocesso da ação sindical, expresso no sindicalismo de empresa, leia-se
sindicalismo subordinado ao ideário patronal, “sindicalismo de envolvimento, sindicalismo
manipulado e cooptado” (ANTUNES, 2000. p.34).
Neste cenário, as conseqüências para a classe trabalhadora enfeixam-se em múltiplas
formas, com destaque para o desemprego estrutural. Observa-se um movimento contraditório:
de um lado, a redução do operário fabril tradicional; do outro lado, a ampliação do
subproletariado, expresso no trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, o
assalariamento no setor de serviços; incorporação do trabalho feminino e exclusão de jovens e
de idosos. É visível, portanto, “um processo de heterogeneização, fragmentação, e
complexificação da classe-que-vive-do-trabalho” (Op. cit. p.50).
O desemprego no setor formal tem como conseqüência mais imediata o crescimento
da economia informal. O acelerado crescimento da economia informal não é exclusividade
33
dos países em desenvolvimento, também tem sido cimentado em países de capitalismo
avançado, emerge a convergência entre modalidades de trabalho de países capitalistas
periféricos e de países capitalistas avançados. Essa coexistência do arcaico com o moderno
no sistema produtivo evidencia-se, quando se supunha sua superação. Para Harvey,
O que talvez seja mais inesperado é o modo como as novas tecnologias de
produção e as novas formas de coordenantes de organização permitiram o
retorno dos sistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalista, que Marx
tendia a supor que sairiam do negócio ou seriam reduzidos a condições de
exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem
intoleráveis sob o capitalismo avançado. O retorno da superexploração em
Nova Yorque e Los Angeles, do trabalho em casa e do ‘teletransporte’, bem
como o enorme crescimento das práticas do setor informal por todo o mundo
capitalista avançado, representa de fato uma visão bem sombria da história
supostamente progressista do capitalismo (1993, p.175).
Destarte, pode-se inferir que a classe trabalhadora está polarizada entre
qualificados/desqualificados, homens/mulheres, jovens/velhos, mercado formal/mercado
informal, estáveis/precários, imigrantes/nacionais, brancos/negros. E, acrescentamos, está
também polarizada entre eficientes/deficientes, donde questionamos: neste universo tão
nitidamente demarcado por opostos, com “primazia” para os que atendem aos requisitos do
mercado, mesmo que nem para estes haja vagas suficientes, do ponto de vista dos padrões de
eficiência, como incluir aqueles que estão na contra-mão de tais exigências, como se supõe
serem as pessoas com deficiência?
As metamorfoses no mundo do trabalho são acompanhadas pelo processo de
mundialização do capital e pelo ideário neoliberal. A mundialização do capital vem se
revelando um processo contraditório, desigual e assimétrico. Tal processo vem sendo
intensificado por meio da revolução tecnológica, que possibilita extraordinária mobilidade
espaço-temporal, e pelo neoliberalismo, cuja essência é a liberalização das barreiras legais e
políticas às transações comerciais e financeiras.
A mundialização do capital impacta o papel do Estado-nação evidenciado na
dissolução da unidade constitutiva deste e do capital nacional, na diminuição do controle
democrático, na crise fiscal decorrente da inflexão do gasto público e da renúncia fiscal, fruto
da pulverização da grande indústria e do crescimento da informalidade. Com efeito, elegem-
se os organismos financeiros internacionais como protagonistas e gestores da economia
mundial, cuja intervenção reúne um conjunto de medidas orientadas para a
desregulamentação dos mercados, redução do déficit fiscal e do gasto público, privatização,
capitalização da dívida e um maior espaço para o capital internacional. Toda essa ofensiva
34
reanimou as agonizantes taxas de lucro do capital mundial, mas foi incapaz de retomar o
crescimento econômico. Contudo, na visão de Santos (1994), os Estados Nacionais continuam
sendo a unidade econômica política e cultural sobre o qual a globalização ancora-se.
Perry Anderson (1995), ao inquirir o balanço do neoliberalismo, qualifica-o com uma
reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar. Para seus
defensores, qualquer limite do mercado pelo Estado ameaça a liberdade econômica e política.
Tais argumentos encontraram ressonância em face da crise capitalista que irrompeu
em 1973. A crise é atribuída ao poder excessivo e nefasto dos sindicatos, ao movimento
operário que havia solapado as bases de acumulação capitalista através de pressões sobre os
salários e a intervenção demasiada do Estado no provimento de serviços sociais.
Em resposta à crise, são prescritas algumas recomendações, tais como: Estado forte
para combater o poder dos sindicatos, mas parco nos gastos sociais e nas intervenções
econômicas; estabilidade monetária obtida via disciplina orçamentária, contenção de gastos
sociais, restauração natural das taxas de desemprego; reforma fiscal favorecendo os
rendimentos mais altos.
Em âmbito europeu, como na Inglaterra, por exemplo, este conjunto de medidas
metamorfoseia-se em programas de governo iniciados com Margareth Thatcher (Inglaterra-
1979), espraia-se noutras plagas, rompendo fronteiras geopolíticas, porém salvaguardando as
particularidades de cada país, afirma-se como programa hegemônico na atualidade, cujos
efeitos são perversos, principalmente para a classe trabalhadora.
As considerações anteriores conduzem-nos a inferir que o trabalho no contexto da nova
dinâmica de acumulação flexível experimenta amplas e profundas alterações que atingem não
apenas a materialidade da classe trabalhadora, mas também a subjetividade dessa,
transformações que transcendem o campo econômico, atingem as esferas social, política,
cultural e ambiental.
No plano econômico, os resultados têm sido medíocres, seja em termos de elevação da
produtividade média do trabalho, seja quanto à expansão do comércio internacional. No plano
social, o desemprego é a sua face mais visível, intensifica a insegurança, a exploração, a
alienação, a precarização da força de trabalho humano, cresce sem paralelo a desigualdade
entre os países e dentro dos próprios países, a pobreza amplia-se, excluindo significativo
contingente populacional. Revisitam o cenário político e cultural idéias que se supunha
superadas e que são extremamente nocivas à humanidade, como o racismo, o chauvinismo, a
xenofobia, fundamentalismos, etnocentrismos. O meio ambiente experimenta crescente
35
degradação, torna-se predatória a relação produção/natureza, que não se dá sem resistências, a
exemplo do aquecimento global, de catástrofes de grandes proporções como os tsunames.
Neste contexto, o arcabouço teórico que defende a centralidade do trabalho na
constituição do ser social é posto em xeque por alguns estudiosos, conforme abordaremos no
item a seguir.
1.1.2 A Centralidade do Trabalho na Contemporaneidade: discutindo abordagens
teóricas
As mudanças no mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo, precisamente a
partir do último quartel do Século XX, têm suscitado em alguns autores o questionamento da
centralidade do trabalho, notadamente a teoria social de Marx, argumentando que ela se tornou
insuficiente para a compreensão de tais mudanças. Dentre esses, destacam-se: André Gorz,
Claus Offe, Habermas. Todavia, para os limites deste trabalho, resgatamos as análises de
Antunes, pautadas na interlocução entre Lukács e Habermas. Lukács, porque marxista
contemporâneo, recupera e reforça a centralidade do trabalho na produção teórica intitulada
Ontologia do Ser Social, onde reafirma a indissociação entre teleologia – causalidade, embora,
na contemporaneidade, as relações entre elas se desenvolvam de modo substancialmente novo,
ou, nós diríamos, em sintonia com as novas determinações postas pela dinâmica do capitalismo
contemporâneo, sem, contudo, distanciar-se da sua conformação como categoria fundante,
originária da práxis social, da constituição do ser social. Ademais, Antunes compartilha da
concepção habermasiana da defesa da subjetividade como elemento fundamental na
emancipação do ser social, porém com constructos teóricos distintos.
Nesta direção, Antunes (1999, p.135) inicia sua análise indagando e respondendo: “por
que a categoria trabalho tem estatuto de centralidade na Ontologia de Lukács?” Porque, para o
pensador húngaro, todas as demais categorias ontológicas contêm em sua natureza um caráter
social, mas as propriedades e modos de se efetivar se desenvolveram somente no ser social já
constituído. Lukács complementa seu pensamento da seguinte forma:
Somente o trabalho tem na sua natureza ontológica um caráter claramente
transitório. Ele é em sua natureza uma inter-relação entre homem (sociedade)
e natureza, tanto com a natureza inorgânica [...], quanto com a orgânica,
inter-relação [...] que se caracteriza acima de tudo pela passagem do homem
que trabalha, partindo do ser puramente biológico ao ser social [...]. Todas as
determinações que, conforme veremos, estão presentes na essência do que é
novo no ser social estão contidas in nuce no trabalho. O trabalho, portanto,
pode ser visto como um fenômeno originário, como modelo, protoforma do
ser social [...] (LUKÁCS, 1980, citado por ANTUNES, p.136).
36
Da assertiva acima, apreende-se que, pelo trabalho, o homem intervém na natureza,
cuja inter-relação possibilitou o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social.
Tal assertiva deriva da teoria de Marx acerca do trabalho. O pensador alemão afirma que o
trabalho é o único ponto onde a posição teleológica pode ser ontologicamente demonstrada no
momento de sua efetivação. Deste modo, a essencialidade do trabalho consiste tanto na sua
posição teleológica quanto como protoforma da práxis social.
O ser social, para responder aos seus carecimentos, para se (re) produzir, (re) cria tais
condições através do trabalho, atividade esta previamente idealizada que, ao ser objetivada,
origina novas situações, seja no plano objetivo, seja no plano subjetivo (conhecimentos e
habilidades). Disso decorre que o trabalho torna-se protoforma de toda a práxis social.
No ato do trabalho, teleologia e causalidade interpenetram-se e se complementam. A
teleologia contém a finalidade da ação, enquanto a causalidade é a expressão do movimento
que se desenvolve na execução da finalidade desencadeada, pensada teleologicamente.
Portanto, o trabalho na ontologia do ser social tem no ato teleológico sua característica
central, produz a especificidade do ser social. Nessa dinâmica, a consciência humana
ultrapassa a fronteira da condição instintiva e atinge o patamar de atividade autogovernada.‘O
lado ativo e produtivo do ser social “torna-se pela primeira vez ele mesmo visível através do
pôr teleológico presente no processo de trabalho (e de práxis social)”’ (Op. cit. p.138).
O trabalho, em seu sentido original, trabalho concreto, produtor de valores de uso cuja
finalidade é a reprodução humana, realizado teleologicamente e conscientemente pelo ser
social, configura-se como referencial ontológico criador da práxis social.
Concomitante ao desenvolvimento da práxis social ocorre também o desenvolvimento
das inter-relações com outros seres sociais, voltado para a produção de valores de uso. Esta
interação implica na emergência da práxis social interativa. Tal desdobramento é explicado
por Lukács:
Esse problema surge assim que o trabalho se torna suficientemente social,
passando a depender da cooperação entre muitas pessoas; isso
independentemente do fato de que já tenha emergido o problema do valor de
troca ou se a cooperação é ainda orientada apenas para a produção de valores
de uso (1980, citado por ANTUNES, p.139).
Nestes termos, a práxis social interativa é a expressão mais desenvolvida e
complexificada da práxis social, nela está presente a linguagem e o pensamento conceitual
como elementos desse complexo, os quais se desenvolvem contínua e indissociadamente.
37
Contudo, o trabalho continua sendo o elemento predominante neste processo, embora haja
influencia recíproca entre eles.
Logo, o trabalho (ato teleológico primário) é a forma fundamental, mais simples e
elementar daqueles complexos, denota a especificidade do ser social. “Precisamente por essa
razão, é necessário enfatizar continuamente que as características específicas do trabalho não
podem ser transpostas de modo direto para as mais complexas formas de práxis social” (Op.
cit. p.141) [...] uma vez que, as formas mais desenvolvidas da práxis social resultantes da
interação entre os seres sociais de que são exemplos a práxis política, a religião, a ética, a
filosofia, a arte (atos teleológicos secundários), radicam-se no trabalho, e constituem-se,
portanto, um prolongamento e avanço em relação à posição teleológica primária.
Lukács destaca o papel ontológico do trabalho e a função que o trabalho exerce na
constituição do ser social na construção de sua autonomia e, por isso, diferencia-o das formas
de ser que lhes precederam. Em relação à primeira abstração, galga essa qualificação por ser a
base sobre a qual se desenvolvem e complexificam outros complexos, como a arte, a poesia, a
música, a pintura, a literatura, o ato criativo, a conquista de liberdade. A segunda
consideração assinala que, se o trabalho torna-se autodeterminado, autônomo, livre, e, por
isso, dotado de sentido, não é senão por esses elementos que o ser social pode humanizar-se e
se emancipar.
A liberdade tem, então, sua gênese ontológica no trabalho, no seu sentido mais
simples, como criador de valores de uso, resultante de um pôr teleológico. Neste sentido, a
liberdade está vinculada à posição teleológica. Para Antunes,
O ato teleológico, expresso por meio da colocação de finalidades é, portanto,
uma manifestação intrínseca de liberdade, no processo de trabalho, é um
momento de interação entre subjetividade e objetividade, causalidade e
teleologia, necessidade e liberdade (1999, p.145).
Na Teoria da Ação Comunicativa, Habermas desloca a centralidade do trabalho para a
ação comunicativa ou esfera da intersubjetividade. Suas abstrações sobre a subjetividade
desenvolvem-se com base no conceito de mundo da vida. Este é entendido como:
O lugar transcendental onde o que fala e o que ouve se encontram, onde eles
podem reciprocamente colocar a pretensão de que suas declarações se
adequam ao mundo (objetivo, social ou subjetivo) e onde eles podem criticar
e confirmar a validade de seus intentos, solucionar seus desacordos e chegar
a um acordo (HABERMAS, 1992, citado por ANTUNES, p.126).
38
Segundo Antunes (1999), Habermas desenvolve sua tese contrapondo-se à
centralidade do trabalho na sociedade contemporânea, com base nas categorias sistema e
mundo da vida. Concebe sistema constituído pelo trabalho, economia e política (poder), e
mundo da vida formado pela ação comunicativa, subjetividade, linguagem, cultura, pessoa,
sociedade.
Antunes acrescenta que, para Habermas, o problema da teoria social de Marx consiste
em articular e separar as categorias sistema e mundo da vida. Para ele, a compreensão da
separação entre essas categorias aflora com a complexificação da sociedade moderna, com o
advento de novos níveis de diferenciação sistêmica, originando novos subsistemas.
As esferas econômicas e políticas sobrepõem-se ao sistema interativo, à esfera
comunicacional. Isso Habermas nomeia de colonização do mundo da vida, ou seja, o
empobrecimento da cultura na prática comunicativa e a reificação decorrentes do predomínio
dos imperativos econômicos e político-administrativos.
Nesta perspectiva, a colonização do mundo da vida é incompatível com a unidade
entre sistema e mundo da vida, formando uma totalidade, dividida apenas abstratamente,
conforme preceitua Marx. E, acrescenta, Marx concebe tão fortemente a sociedade capitalista
como uma totalidade que desconsidera o intrínseco valor evolutivo que os subsistemas
regidos por meios possuem, não percebe que a diferenciação entre aparato de Estado e
economia (subsistemas) abre novas possibilidades de direção e instiga a reorganização de
relações de classes velhas, feudais. (Op. cit.).
Ainda conforme Antunes, o autor da Teoria da Ação Comunicativa assinala que esse
equívoco marxiano desvirtua a sua teoria da revolução ao conceber um “Estado futuro”, onde
a objetividade do capital será dissolvida e o mundo da vida retornará a sua “espontaneidade”
mediante a revolução do proletariado industrial.
Em suas considerações, Antunes afirma que Habermas critica a teoria de valor de
Marx, nas categorias reificação e alienação. Sobre a primeira, supõe a inexistência de critério
para distinguir a destruição das formas tradicionais da vida frente à reificação dos mundos da
vida pós-tradicionais. Em relação à alienação, atribui o uso indiscriminado sobre todos os
modos de trabalho assalariado, sobretudo a partir da predominância do trabalho abstrato, no
qual
o conceito de alienação perde determinação. [...] uma vez que não permite
distinguir entre o aspecto de reificação e o da diferenciação estrutural do
mundo da vida. [...] A teoria do valor não fornece base para o conceito de
reificação, que lhe possibilite identificar síndromes de alienação relativa ao
grau de racionalização alcançado no mundo da vida.
39
[...] Em um mundo da vida amplamente racionalizado, a reificação pode ser
mensurada somente em contraste com as condições da socialização
comunicativa, e não em relação a uma nostálgica intenção, que
frequentemente romantiza o passado pré-moderno das formas da vida (Op.
cit. p.153).
A tessitura crítica à teoria marxista prossegue, agora relacionada à
“sobregeneralização de um caso específico de subsunção do mundo de vida sob o sistema”
(Idem, p.153). A reificação não deve restringir-se à esfera do trabalho social, mas alargar-se
para os âmbitos público e privado, atingir além do produtor o consumidor.
Na concepção de Antunes, esse conjunto de críticas traduz a insatisfação de Habermas
com a teoria de Marx para a análise do capitalismo tardio, permeado pela intervenção
governamental, democracia de massas e o Welfare State. Habermas provoca: o approach
economicista desmorona-se frente à inexistência do conflito de classes e aos sucessos do
reformismo nos países europeus desde a Segunda Guerra Mundial. Nesse universo pacificador
do mundo do trabalho, a teoria de reificação de Marx e Lukács é suplantada pela teoria da
consciência de classe. Assim, delineia-se a perda de uma vida cheia de sentido, a utopia da
emancipação humana baseada no trabalho. Isto porque as condições capazes de possibilitar
uma vida emancipada “não mais emergem diretamente de uma revolucionarização das
condições de trabalho, isto é, das transformações do trabalho alienado em atividade
autodirigida”. (HABERMAS, 1991, citado por ANTUNES, 1999).
As proposições de Habermas levam-nos a refletir sobre a importância da ação
comunicativa na perspectiva da emancipação humana, ao mesmo tempo em que reforça nossa
comunhão com o entendimento e o posicionamento de Antunes que, ao se contrapor a
Habermas, defende a centralidade do trabalho na contemporaneidade. Antunes detém sua
contestação em torno da problematização da separação entre trabalho e interação ou entre
sistema e mundo da vida proposta por Habermas.
O autor de Os Sentidos do Trabalho compreende que a práxis interativa como
expressão da subjetividade situa-se na esfera do trabalho, onde o ato teleológico manifesta-se
pela primeira vez. Reconhece a linguagem, a comunicação, como elementos constitutivos
centrais do ser social, em sua gênese e em seu salto ontológico em relação às formas
precedentes, mas esses complexos são insuficientes para conferir a esfera intercomunicacional
o papel fundante e estruturante de socialização do homem. Reforça ainda que tais complexos
estão intrinsecamente articulados como momentos da práxis social, e, portanto, refuta o
argumento da fragmentação, do desaclopamento, ao tempo que tributa ao trabalho o lugar de
centralidade, porque ele congrega teleologia e causalidade, ou o ato teleológico interagindo
40
com a causalidade, originando o ser social. No trabalho, mediante o ato teleológico, o ser
revela sua subjetividade, cria e responde ao mundo causal.
Habermas separa o sistema do mundo da vida ao transferir para o mundo da vida a
subjetividade. Com efeito, dilui a articulação inter-relacional entre teleologia e causalidade,
entre mundo da objetividade e mundo da subjetividade, questão primordial para a
compreensão das dimensões da vida social, do ser social. Por conseguinte, a colonização do
mundo da vida pelo sistema apresenta-se como uma versão frágil, sob a predominância do
trabalho abstrato e fetichização da mercadoria e suas repercussões reificadas no interior da
esfera comunicacional.
Entretanto, “mundo da vida” e “sistema não são subsistemas que possam ser
separados, mas partes constitutivas da totalidade social. Aí reside a recusa de Habermas à
noção de totalidade em Marx, desdobrando-se para a crítica à teoria do valor. Todavia,
trabalho e interação são momentos distintos de um todo articulado ou, parafraseando Lukács,
se entre as posições teleológicas primárias e as posições teleológicas secundárias existe
alargamento, complexificação e distanciamento, isso não implica separação.
Antunes (1999) retoma a crítica a Habermas quanto à tese de pacificação dos conflitos
de classes e do Welfare State, e a refaz indicando a fragilidade do constructo habermasiano,
ao desconsiderar que os mecanismos e funcionalidade do capital pudessem erodir as bases da
suposta pacificação dos conflitos sociais e a prevalência do espaço público pelo privado,
como se vislumbra recentemente.
No entanto, a defesa de Antunes quanto à centralidade da categoria trabalho na
sociedade contemporânea não se reduz à polêmica em torno da separação entre trabalho e
interação, resultando na ênfase na ação comunicativa propugnada por Habermas. Ele alarga
seus horizontes analíticos com base na formulação marxiana entre trabalho concreto e
trabalho abstrato e conclama que essa discussão necessariamente deve qualificar qual a
dimensão de que se está tratando: se da crise do trabalho concreto (Habermas, Offe, Gorz) ou
do trabalho abstrato, visando evitar duplo equívoco. O primeiro induz à generalização da
crise, quando ela reside no trabalho abstrato. O segundo rechaça o papel do trabalho como
protoforma da atividade humana emancipada.
Intencionalmente, Antunes recupera a distinção marxiana sobre trabalho abstrato e
trabalho concreto. Para Marx, trabalho abstrato é “dispêndio de força humana de trabalho, no
sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano abstrato cria o valor das
mercadorias”. Enquanto trabalho concreto “é dispêndio de força humana de trabalho, sob
41
forma especial, para determinado fim, e nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz
valores de uso”. (MARX, 1975, p.54).
Antunes (2000) compila sua argumentação em defesa da centralidade do trabalho em
cinco teses, conforme indicaremos a seguir:
1) em meio a uma tendência à maior intelectualização do trabalho fabril, a
subproletarização, a redução quantitativa do trabalhador no processo produtivo, o trabalho
abstrato detém importância substancial na criação de valores de troca, ainda que resultando da
interação entre trabalho vivo e trabalho morto. A “diminuição do fator subjetivo do processo
de trabalho em relação aos seus fatores objetivos” ou “o aumento crescente do capital
constante em relação ao variável” reduz relativamente, mas não elimina o papel do trabalho
coletivo na produção de valores de troca (MARX, 1975, citado por ANTUNES, 2000, p.83).
Igualmente, o trabalho abstrato intensifica a sua lógica destrutiva na produção de mercadorias,
como trabalho estranhado, fetichizado, porém não o destitui de potencial emancipatório.
A superação da sociedade do trabalho abstrato impõe o reconhecimento do papel
central do trabalho assalariado, da “classe-que-vive-do-trabalho” como sujeito potencialmente
capaz de efetuar a transição para a sociedade emancipada, fundada no trabalho concreto. Para
tanto, necessárias se fazem: a redução da jornada de trabalho e a ampliação do tempo livre, a
transformação do trabalho estranhado em trabalho social enquanto manancial e alicerce para a
emancipação humana, a articulação dessas ações a um projeto global que as expresse e
realize.
2) No universo da sociabilidade humana é inadmissível a extinção do trabalho social,
trabalho concreto criador de valores de uso, coisas úteis, intercâmbio entre o ser social e a
natureza, atividade indispensável à existência humana. Por isso, considerado como
protoforma do ser social, realização teleológica, origina o ser social e sua ruptura com esta
base originária, assim como o seu vir-a-ser.
3) A emancipação humana no contexto da sociedade capitalista realiza-se mediante
revoltas e rebeliões originárias no e do trabalho pela classe trabalhadora, na perspectiva de
suplantar o trabalho abstrato pelo trabalho concreto.
4) A permanência da “classe-que-vive-do-trabalho”, embora heterogeneizada,
complexificada e fragmentada, cujo desafio consiste em identificar mecanismos capazes de
aglutinar todos os segmentos que a compõem e lutar contra todas as tendências à
individualização das relações de trabalho, ao neocorporativismo, às contradições acirradas no
ambiente de trabalho.
42
5) O capitalismo foi incapaz de eliminar as múltiplas formas e manifestações de
estranhamento. Antes, porém, intensificou-o e o ampliou de forma despótica. Estranhamento
entendido como a existência de barreiras sociais que se opõem ao desenvolvimento da
individualidade em direção à omnilateralidade humana. Potencializou a contradição entre o
desenvolvimento técnico-científico e o aviltamento humano, não produziu o desenvolvimento
de uma individualidade cheia de sentido. Alargou da esfera da produção para a esfera do
consumo, com tendência à captura do tempo livre para o consumo de mercadorias.
Em síntese, pode-se reter que, enquanto perdurar a sociedade capitalista, com as
características que lhes são particulares, malgrado inovem as estratégias para a sua
manutenção, expressas recentemente, na flexibilização, na desregulamentação, o trabalho
abstrato produtor de mercadoria experimenta redução quantitativa, mas não é eliminado, logo,
a centralidade nesta lógica societal ainda é a do trabalho na sua dimensão abstrata.
Após esse aprofundamento teórico orientado pela interlocução com os autores Lukács
e Habermas, que discutem a temática do trabalho sob pontos de vista distintos, referendamo-
nos em Antunes, que privilegia a teoria marxista para a apreensão, entendimento e
reafirmação da centralidade do trabalho como eixo desencadeador da transição para uma
sociedade emancipada, fundada no trabalho concreto.
Embora as mudanças recentes no mundo do trabalho atinjam todas as economias
capitalistas, elas repercutem de forma distinta em certos países, regiões, consoante as suas
particularidades. Nesta perspectiva, situamos o contexto brasileiro reafirmando a herança
perversa de campeão mundial de concentração de renda e riqueza, além de ter uma economia
subordinada aos ditames dos especuladores internacionais. Esses fatos têm implicações
desastrosas para a classe trabalhadora nacional, evidenciados nos milhões de pobres,
miseráveis, excluídos, conforme trata o item seguinte.
1.1.3 O Mundo do Trabalho: situando o contexto brasileiro
No Brasil, as recentes transformações no mundo do trabalho somente se intensificaram
a partir do início dos anos 1990, ao incorporarem e aprofundarem as estratégias de
reestruturação produtiva, sobretudo em direção à racionalização nos diferentes ramos
industriais, sob o impacto da política econômica implantada pelo governo Collor,
consubstanciada em um plano de estabilização econômica, de cunho recessivo, brusca e
indiscriminada liberalização do comércio exterior, sintonizada com os organismos financeiros
internacionais. Conforme Fiori,
43
Um plano único de ajustamento das economias periféricas, chancelado, hoje,
pelo FMI e pelo BIRD (...) Um programa ou estratégia seqüencial em três
fases: a primeira, consagrada à estabilização macroeconômica, tendo como
prioridade absoluta um superávit fiscal primário envolvendo invariavelmente
a revisão das relações fiscais intergovernamentais e a reestruturação dos
sistemas previdenciário público; a segunda dedicada ao que o Banco Mundial
vem chamando de “reformas estruturais”: liberalização financeira e
comercial, desregulamentação dos mercados e privatização das empresas
estatais; e a terceira etapa, definida como a retomada de investimentos e do
crescimento econômico (FIORI, 1995, p.234).
No receituário neoliberal, a estabilidade econômica, a privatização das empresas estatais,
as reformas estruturais são fundamentais. O Estado deve ser mínimo, principalmente na
execução de políticas sociais, porque é fonte de déficit público. Protagoniza-se a
estabilidade. Subvertem-se prioridades, o pleno emprego é substituído pela estabilidade
dos preços. A autoridade monetária deve ser independente para poder recusar-se a
financiar déficits do Tesouro; os orçamentos devem ser equilibrados, ou então
superavitários, para amortizar a dívida pública; os gastos públicos devem ser cortados.
Assim, sob a batuta neoliberal, em comunhão com a reestruturação produtiva e a
mundialização do capital na busca de recuperação da taxa de lucro, tem-se como
conseqüência a ampliação drástica do desemprego, embora a lei geral de acumulação
capitalista explique que ele é inerente àquele modo de produção.
O fragmento do texto a seguir é bastante ilustrativo acerca das prerrogativas neoliberais,
sobretudo no território brasileiro na atualidade. Embora a citação de Polanyi reporte-se aos
anos de 1920, o que interessa destacar é que as medidas utilizadas pelos liberais naquele
lapso temporal não mudaram e foram largamente utilizadas como prioridades para inserir o
Brasil na rota neoliberal na contemporaneidade. Confiramos:
Os anos de 1920 viram o prestígio do liberalismo econômico no seu apogeu.
Centenas de milhares de pessoas haviam sido afetadas pelo flagelo da
inflação; classes sociais inteiras, nações inteiras, haviam sido espoliadas. A
estabilização da moeda se tornara o ponto focal no pensamento político de
povos e governos; a restauração do padrão ouro era o objetivo supremo de
todo o esforço organizado na área econômica. O pagamento dos empréstimos
externos e o retorno às moedas estáveis eram reconhecidos como as pedras de
toque da racionalidade política. Nenhum sofrimento particular, nenhuma
violação da soberania, era considerada um sacrifício demasiado grande para a
recuperação da integridade monetária. As privações dos desempregados, sem
emprego devido à deflação, a demissão de funcionários públicos, afastados
sem uma pensão, até mesmo o abandono dos direitos nacionais e a perda das
liberdades constitucionais eram considerados um preço justo a pagar pelo
cumprimento da exigência de orçamento estável e moedas sólidas, estes a
priori do liberalismo econômico (POLANYI, 1980, p.147).
44
Em âmbito nacional, o processo de reestruturação produtiva tem se apoiado em um
conjunto de estratégias de redução de custos e de reforço à capacidade de adaptação e
inovação. Quanto à redução de custos, são crescentes, nos setores mais avançados da indústria
brasileira, as tendências à terceirização, à realocação de plantas industriais para regiões com
pouca ou nenhuma organização sindical, à flexibilização da jornada de trabalho e ao uso
corrente de contratos de trabalho temporários. No tocante as estratégias de reforço à
capacidade de adaptação e de inovação, observa-se uma ampla difusão de programas de
qualidade e produtividade.
Diante dessa avalanche, a década de 1990 configura-se como um divisor de águas na trajetória dos principais indicadores da situação do
trabalho no Brasil. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2005), após
cinqüenta anos de progressivo aumento no trabalho assalariado e formalização das relações de trabalho, houve acentuada regressão no
mercado de trabalho, evidenciada através do aumento do desemprego, crescimento de vínculos de trabalho vulneráveis, queda dos
rendimentos e concentração de renda.
Outro indicador citado pelo DIEESE (2005) a respeito da situação do trabalho a nível
nacional é o aumento da insegurança no emprego. O que outrora era um paradigma de
relações de trabalho, o emprego por tempo integral, de longa duração, protegido pela
legislação trabalhista e pelos contratos de trabalho acordados pelos sindicatos, experimenta,
na década de 1990, um implacável ataque. Com efeito, cresce o assalariado sem carteira
assinada, o trabalho de autônomos que operam em condições precárias, o emprego doméstico,
a ocupação de crianças e idosos. De um lado, diminui o núcleo protegido dos empregos e, do
outro, aumenta a margem dos trabalhadores vulneráveis.
A insegurança amplia-se também em relação à renda, resultado da queda de tributação,
de rendas indiretas, mas, sobretudo, porque o mercado de trabalho precarizou-se, deixando a
remuneração de amplos segmentos da população à mercê de flutuações selvagens da atividade
econômica, das taxas de juros e do câmbio.
Instala-se o reino da precarização e da desregulamentação das relações de trabalho.
Muitos atribuem esse processo à inflexão dos direitos trabalhistas brasileiros, como se os
dispositivos legais que foram consolidados desde 1943 fossem rígidos e invibializassem a
ampliação da inserção nacional em uma economia mundialmente articulada. Talvez,
propositadamente, não articulem tal desfecho ao ressurgimento da abordagem liberal, que
corrói direitos trabalhistas, exige a abertura econômica, a sobrevalorização da moeda, a
estagnação econômica, uma política econômica que privilegia o rentismo em detrimento da
geração de condições de crescimento para o capital produtivo, esvazia as políticas sociais e de
infra-estrutura.
45
O desmonte dos direitos trabalhistas ganha amplitude no governo Fernando Henrique
Cardoso, através de medidas autoritárias, como as Medidas Provisórias (MPs), Decretos,
Portarias e Projetos de Lei (PLs) em regime de votação urgente, suprimindo o debate na
sociedade e no Parlamento. A esse respeito, Pochmann e Borges (2002, p.67 a 71) organizam
uma relação contendo as principais medidas flexibilizadoras, são elas:
o MP nº 1.053, transformada na Lei nº 8.542, de dezembro de 1992, trata da “livre
negociação” entre patrão e empregado, proibindo a indexação dos salários, cujo efeito
são as perdas salariais e, por conseguinte, perda do poder aquisitivo dos trabalhadores;
o Lei nº 8.949, de dezembro de 1994, estatui formas solidárias de trabalho, a qual foi
incorporada pelo patronato para driblar os encargos trabalhistas;
o Lei nº 9.032, de maio de 1995, diz respeito ao reajuste do salário mínimo, substituiu o
salário contribuição pelo salário benefício, além de reduzir em 50% o valor do auxílio-
acidente;
o Portaria 865, de setembro de 1995, isenta de multa as empresas que desrespeitam as
convenções e acordos trabalhistas;
o Lei nº 9.300, de 1996, trata de reduzir o valor das indenizações dos assalariados
rurais, excluindo dos valores rescisórios a incorporação das parcelas pagas na vigência
contratual;
o Decreto 2.100, de dezembro de 1996, o governo denunciou a Convenção 158 da OIT,
extirpando do direito brasileiro a norma mundial que limita o poder discricionário do
empregador de demitir sem motivo;
o Portaria nº 02, de maio de 1996, duplica o tempo de trabalho temporário de três para
seis meses, flexibilizando os critérios para a contratação;
o Lei nº 9.525, de 1997, fraciona as férias dos servidores públicos em três etapas;
o MP nº 1.523, transformada na Lei nº 9.528, de 1997, inova na forma de extinção do
contrato de trabalho mediante a solicitação da aposentadoria proporcional;
o MP nº 1.530, transformada na Lei nº 9.468, de 1997, institui o Plano de Demissão
Voluntária dos servidores federais, seguida pelos Estados e Municípios;
o Lei nº 9527, de dezembro de 1997, retira vantagens dos servidores públicos federais
regulados pelo regime jurídico único;
o MP nº 1.539, transformada na Lei nº 10.101, de dezembro de 2000, regulamentou a
participação nos lucros e resultados, mas dissociada dos salários e benefícios;
46
o MP nº 1.415, transformada na Lei nº 9.971, de maio de 2000, fixa o valor do salário
mínimo desconsiderando os preceitos constitucionais que preconizam a cobertura cm
alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação;
o Lei nº 9.061, de 1998, institui o contrato por tempo determinado. Tal mecanismo,
além de legitimar o trabalho temporário, isenta o empregador de pagar aviso prévio e
da multa de 40% sobre o FGTS no momento da rescisão e de intensificar a exploração
da jornada semanal superior às 44 horas sem fazer jus ao pagamento de horas extras;
o MP nº 1.709, renumerada para 2.168, junho de 2004, criou o contrato parcial de
trabalho, cuja duração não exceda a 25 horas semanais, acompanhada de redução
proporcional do salário e do tempo de férias;
o MP nº 1.726, de 1998, criou a demissão temporária, por um período de cinco meses;
o Lei nº 9.608, de 1998, concebe o serviço voluntário como atividade não empregatícia,
portanto destituída de custos atinentes às relações trabalhistas regulamentadas;
o Lei nº 9.955, de 2000, cria o “procedimento sumaríssimo” nas ações judiciais com
valor inferior a 40 salários mínimos;
o Lei nº 9.958, de 2000, institui as comissões paritárias de conciliação prévia, que
inviabilizam reclamação dos direitos na Justiça;
o MP nº 1.960, transmutada em Lei nº 10.206, de 2001, proíbe a indexação salarial e a
correção automática dos salários;
o MP nº 2.104, transformada em Lei nº 10.208, de 2001, concede ao empregador a
opção pelo pagamento ou não do FGTS e seguro-desemprego do trabalhador
doméstico.
Constitui-se também indicador da situação de pobreza e exclusão social de amplos
segmentos da população o valor do salário mínimo, que teve apenas insignificantes e
eventuais aumentos em seu valor real. Ainda conforme o DIEESE (2005), no final da década
de l980, a média anual dos valores do salário mínimo correspondia a 40,7% do valor real que
esse possuía em São Paulo em 1940, época da sua instituição. Naquela época, o salário
mínimo equivalia a 3,7 salários mínimos de 1999, e cerca de 63% dos ocupados neste ano
receberam menos do que um salário mínimo de 1940. Ou seja, 2/3 da população ocupada em
1999 recebeu como remuneração do seu trabalho menos do que um salário mínimo vigente há
sessenta anos, a despeito da industrialização, do aumento da riqueza gerada e do processo de
desenvolvimento alcançado no país nesse período.
O rebaixamento sistemático do salário mínimo viabilizou a dispersão entre os
rendimentos do trabalho, que não encontra paralelo no mundo. Conseqüentemente, a
47
apropriação, por uma minoria, da renda gerada é de uma injustiça flagrante. Poucos ganham
muito, enquanto a maioria, que recebe o mínimo ou próximo dele, busca, através da
remuneração da sua força de trabalho, abocanhar uma ínfima parcela de toda a riqueza
produzida no país.
Observa-se que, o perfil delineado pelo processo de reestruturação produtiva no Brasil
tem contribuído para a acentuação das características perversas do modelo de desenvolvimento
econômico instaurado no país a partir de 1955, quais sejam: heterogeneidade produtiva e
tecnológica entre grandes e pequenas empresas, segmentação do mercado de trabalho, elevado
grau de concentração de renda e conseqüente maior exclusão social.
Os impactos da reestruturação produtiva, aliados à mundialização financeira e ao
desmantelamento dos direitos trabalhistas, engendraram e intensificaram alterações no
mercado de trabalho. No item seguinte, situaremos a categoria Mercado de Trabalho, que nos
permitiu entender os mecanismos e as contradições que são postas à inserção das pessoas com
deficiência no mercado de trabalho brasileiro, diante das mudanças no mundo do trabalho, as
quais convergiram para uma nova configuração desse, na direção de sua desestruturação.
1.2 Configuração do Mercado de Trabalho no Brasil
O mercado de trabalho reflete a ordem econômica. Logo, a sua configuração
metamorfoseia-se em consonância com o crescimento ou crises cíclicas que o capitalismo
experimenta. Entretanto, interessa tratar, neste estudo, do mercado de trabalho brasileiro no
período correspondente do pós-segunda Guerra Mundial aos tempos recentes, marcado pelas
transformações estruturais, tecnológicas, produtivas, organizacionais e culturais derivadas do
novo padrão de acumulação capitalista.
Entendemos mercado de trabalho como:
A relação contratual de compra e venda da força de trabalho é o que
caracteriza o mercado de trabalho, visto que o mercado configura-se como o
espaço, o ambiente ou a possibilidade de comercialização de uma
mercadoria. No caso a mercadoria comercializada é a força de trabalho (...) .
Neste sentido, esse mercado, na sociedade capitalista caracteriza-se pelas
relações de troca, mediadas pela moeda, que permeiam o trabalho como
mercadoria a ser comercializada como forma de viabilizar a subsistência do
trabalhador
(SOUSA et all, 2002, p. 5).
48
Segundo Pochmann (2000), o mercado de trabalho brasileiro apresenta dois momentos
distintos: o primeiro equivale à sua estruturação, nos marcos das décadas de 1940 a 1970,
caracterizada pela expansão dos empregos assalariados com registro, no segmento
organizado
1
, redução do desemprego, de ocupações sem registro, sem remuneração e por
conta própria, fruto do processo de industrialização e institucionalização das relações de
trabalho, materializada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O momento seguinte,
isto é, o pós-1980, aponta na direção da desestruturação, traduzida na inversão das
características do período que o antecedeu. Tal desestruturação decorre da estagnação
econômica, da hiperinflação e dos impactos perversos dos planos de ajustes preconizados
pelas agências multilaterais, orientados para a geração de saldos na balança comercial para
pagamento dos serviços da dívida externa, estabilização monetária, privatizações das
empresas estatais.
Em relação aos anos 1990, os sinais de desestruturação do mercado de trabalho são
mais evidentes. Em cada dez ocupações geradas, apenas duas eram assalariadas. Das oito
ocupações não-assalariadas, cinco regem-se por conta própria e três não são remuneradas.
Essa constatação expõe o movimento de dessalariamento, provocado fundamentalmente pela
eliminação dos empregos com registro e crescimento dos empregos assalariados sem registro.
Concomitante ao dessalariamento, ocorre o crescimento da subutilização da força de trabalho,
fruto do crescimento do desemprego.
A estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro é bastante heterogênea,
expressa-se na segmentação dos ocupados por ramo de atividade econômica e a posição que
nela ocupam. De acordo com o DIEESE (2005), mesmo em face das alterações no mercado de
trabalho, predomina a contratação sob forma assalariada (58,7%), a qual coexiste com uma
expressiva parcela de trabalhadores por conta própria (23,2%), assim como com trabalhadores
não remunerados em negócios da família e até em atividades não remuneradas de
subsistência.
Além da heterogeneidade, a estrutura ocupacional do mercado de trabalho caracteriza-
se também pela fragilização, evidenciada na constituição da maior parte da força de trabalho
ser absorvida pelo setor de serviços, que reúne 41,2% dos ocupados, seguido dos setores
primário, com 24,2%, e secundário, com 12,7%; pelo crescimento das relações de trabalho
1
Por segmento organizado, entendem-se os postos e trabalho mais homogêneos, gerados por empresas
tipicamente capitalistas, fundamentalmente os empregos regulares assalariados. O segmento não-organizado
compreende as formas de ocupações mais heterogêneas, cuja organização não assume característica tipicamente
capitalista, ou seja, peculiar das economias em estágio de subdesenvolvimento, que são incluídas de forma
dependente e subordinada à dinâmica capitalista.
49
desregulamentadas, incluindo-se nessas relações trabalhadores autônomos e domésticos. No
entanto, a expansão da participação relativa do setor terciário não responde pela totalidade da
absorção dos trabalhadores que perderam postos de trabalho nos outros setores.
Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) referentes ao ano
de 1999, compilados pelo DIEESE (2005), relacionados à população economicamente ativa,
evidenciam que essa população está concentrada em três regiões – Sudeste, Nordeste e Sul, e
é constituída por jovens e adultos na faixa etária compreendida entre 20 a 39 anos. Entretanto,
em se tratando da participação relativa total dos empregos, verifica-se uma redução dos
trabalhadores mais jovens. A escolaridade registrada é de menos de oito anos de estudo e
predomina o sexo masculino.
Dado complementar sobre o mercado de trabalho é-nos apresentado por Pochmann
(2000). Quanto ao aumento da participação relativa no total dos empregos regulares e
regulamentados, restringem-se às empresas com menos de 500 empregados. Enquanto isso,
houve redução relativa dos empregados com menos de cinco anos de serviço numa mesma
empresa.
As taxas expressivas de desemprego aberto
2
nos anos 1990 confirmam os limites da
absorção contínua das ocupações no mercado de trabalho não-organizado, e sinalizam
também uma fase em que o emprego regular e regulamentado
3
encontra-se deslocado da
centralidade das políticas macroeconômicas. Em substituição àquelas, são demandadas
políticas públicas de emprego, denominadas por Pochmann (2000) de políticas ativas e
compensatórias, ou de ativas e reativas ou passivas pelo DIEESE (2005), porém, o conteúdo
dessas políticas é similar.
As políticas de emprego ativas, conforme o enunciado de Pochmann:
Representam um conjunto de medidas direcionadas à elevação da quantidade
de postos de trabalho, principalmente as medidas que atuam sobre os fatores
determinantes da demanda da mão-de-obra, como a expansão das atividades
econômicas que usam mais intensivamente o trabalho (2000, p.115).
Tais políticas efetivam-se através das seguintes medidas: redução de carga fiscal,
elevação do crédito, aumento do gasto público, direcionamento do orçamento público para
maior ocupação, subvenção no custo do trabalho e da produção, ampliação de programas
2
Designa a situação em que o trabalhador não realiza qualquer trabalho remunerado e permanece
sistematicamente à procura de emprego.
3
Diz respeito a emprego cujo período de contratação efetua-se sem interrupção, sem ser alternado com períodos
de demissões, e está registrado em carteira de trabalho.
50
sociais, complementação de renda, melhor distribuição de renda, redução da jornada de
trabalho, redistribuição da propriedade fundiária, abertura de cooperativas de trabalho,
estímulo à exportação e contenção das importações, aumento do emprego público (gastos
sociais), frentes de trabalho urbano e rural, pré-aposentadorias e ações para segmentos
específicos do mercado de trabalho (deficientes, jovens, mulheres), entre outros (Op. cit.
p.115).
As políticas públicas de emprego compensatórias, “são as ações que objetivam
impedir a redução do nível de emprego e favorecer o tratamento social dos que não possuem
emprego” (Idem). As medidas que a materializam são: a preparação da mão-de-obra para os
requisitos profissionais, a intermediação da mão-de-obra, a garantia de renda básica de
sobrevivência, a ampliação da idade mínima para o jovem ingressar no mercado de trabalho, a
ampliação dos limites de aposentadoria, os adicionais para o ato de rompimento do contrato
de trabalho, a restrição à mobilidade ocupacional regional, entre outros (Idem).
No Brasil, as políticas públicas de emprego passam a ser inseridas na agenda
governamental somente a partir do final dos anos 1980, em face da desestruturação do
mercado nacional de trabalho. Todavia, são as políticas de caráter compensatório que têm
constituído o eixo prioritário das intervenções públicas sobre o mercado de trabalho nacional.
Portanto, tais estratégias estatais evidenciam nitidamente plena sintonia com as mudanças no
mundo do trabalho sob a orientação neoliberal, com destaque para o ataque ao emprego
regulamentado como suposto responsável pela crise de acumulação capitalista. Observa-se
que, o Estado vem incrementando políticas compensatórias, mantenedoras da avidez dos
detentores do capital.
Recentemente, passaram a se destacar, no âmbito das políticas públicas de emprego no
Brasil, os investimentos na formação e qualificação profissional e nos serviços de
intermediação e recolocação de mão-de-obra. Para tanto, foram criados o Programa de
Geração de Emprego e Renda (PROGER) - instrumento de política ativa; o Fundo de Amparo
ao Trabalhador (FAT), que destina recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), para o apoio financeiro a projetos privados de investimentos,
visando à geração de novos postos de trabalho; o Sistema Nacional de Emprego (SINE),
criado em l975, para intermediação de mão-de-obra, além de se propor a elevar o nível de
qualificação profissional da força de trabalho. Mas a grande alavanca para a organização do
Sistema Público de Emprego (SPE) deu-se a partir de 1990, com a criação do FAT. O atual
SPE gerencia cinco programas de atendimento aos trabalhadores: seguro-desemprego,
51
intermediação de mão-de-obra, qualificação profissional, geração de emprego e renda e apoio
à produção de dados sobre o mercado de trabalho.
Confrontando a finalidade da criação, a institucionalização e a forma como estão
estruturados os mecanismos acima enunciados com o alcance e eficácia de suas ações,
observam-se resultados pífios, voltados mais para protelar ou mascarar o desemprego do que
para criar novos postos de trabalhos. Com isso, deslocam o foco de atenção, pressão e
reivindicação da classe trabalhadora, arrefecem as tensões próprias de conjunturas nas quais a
população sobrante ocupa magnitude numérica, bem como dissociam o desemprego da falta
de investimento no setor produtivo, muito embora esse, quando concentrado nas mãos de
poucos, reproduz desigualdades, dentre elas a inacessibilidade de muitos trabalhadores ao
processo produtivo.
Em consonância com as informações do DIEESE (2005) e os enunciados de
Pochmann (2000), quando se trata de políticas de emprego e renda, a formação profissional
ocupa um lugar de destaque, pois, em qualquer área do mercado de trabalho, os trabalhadores
que recebem maior remuneração são aqueles que, em geral, possuem melhor nível
educacional. Entretanto, a qualificação não é o único fator determinante da diferenciação
salarial. O objetivo da qualificação profissional é instrumentalizar o trabalhador para obter um
emprego.
Na nossa compreensão, a qualificação, por si só, não constitui a solução para o
desemprego estrutural, como resultado da incapacidade da economia de gerar um número
suficiente de empregos para absorver o conjunto da força de trabalho. O desemprego faz parte
da própria dinâmica de acumulação do capital, ao criar uma superpopulação relativa
subordinada aos seus interesses, requisitando-a ou rejeitando-a, dependendo da variação da
taxa de acumulação. Assim, nesse momento histórico em que a taxa de lucro é inferior à taxa
de produtividade, cresce de forma exponencial o número de desempregados que participam de
programas de qualificação.
Tais políticas que pretendem incluir trabalhadores em potencial nos processos
econômicos, na produção e na circulação de bens e serviços, atendem estritamente àquilo que
é racionalmente conveniente e necessário à mais eficiente reprodução do capital, e também ao
funcionamento da ordem política, em favor dos que dominam. Esse é um meio de atenuar a
conflitualidade social de classe e de manutenção da ordem vigente.
Com base neste entendimento e sob esta perspectiva é que situamos a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, cujo objetivo na particularidade do
aspecto trabalho é inserir esse contingente populacional no mercado de trabalho, o que nos
52
conduz a interpelar: como essa política vai viabilizar a inclusão das pessoas com deficiência?
Quantos serão incluídos através dessa política? Que tipo de trabalho será ofertado? Quais as
condições de trabalho materializadas? Uma lei garante a inclusão? Por que uma política
focalizada na questão da deficiência? Quais os interesses que estão subjacentes a essa
medida? Espera-se responder a tais indagações no decorrer deste trabalho.
1.3 A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência é uma
deliberação datada do ano de 1989. Situando-a na trajetória histórica relativa às práticas de
atendimento às pessoas com deficiência, observa-se a predominância de ações filantrópicas,
sendo a intervenção estatal, portanto, débil e tardia. Ultrapassar o dever moral para o dever
legal é prática que se reporta ao último quartel do século XX. No escopo dos documentos
internacionais, estes aparecem em 1975, com a aprovação dos direitos das pessoas portadoras
de deficiência pela ONU, que preceitua a consideração das necessidades dessas pessoas. No
Brasil, esse trânsito faz-se a partir da Constituição Federal de 1988.
Observando-se a data da criação dessa Política e a conjuntura nacional da década de
1980, marcada no âmbito político pela efervescência das manifestações de movimentos
populares, a mobilização dos trabalhadores urbanos e rurais e de vários segmentos sociais
dentre eles: mulheres, indígenas, afro-descendentes, crianças, bem como de instituições, tais
como: Igreja Católica, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), respectivamente, todos lutando em prol de direitos sociais, culmina com a
incorporação de vários direitos sociais na Constituição Federal, promulgada em 1988. Entre
eles, destaca-se “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou
tê-la provida por sua família”, conforme prescreve o Art. 203, alínea V. Entretanto, o
Benefício de Prestação Continuada (BPC) só alcança legitimidade em 1995, através do
Decreto nº 1.744, assim como outras leis, dentre as quais podemos citar a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), cuja aprovação ocorre somente em dezembro de 1993.
As conquistas inscritas na citada Constituição Federal de 1988 contrariam as
tendências neoliberais que se espraiam mundialmente. Todavia, a correlação de forças na
sociedade e particularmente a ala conservadora do Congresso, em sintonia com aqueles
postulados, irá sob o sofisma de que tais benefícios e serviços, juridicamente garantidos,
53
inviabilizariam o desenvolvimento nacional, e postergariam a regulamentação de muitos
direitos, cedendo, assim, aos interesses dominantes, de que são exemplares as vitórias
presidenciais subseqüentes.
Instaura-se, a partir de então, sob bases legais, as prerrogativas para tornar as ações
estatais na área social, sobretudo, da seguridade social, um direito do cidadão e dever do
Estado. Nesta perspectiva, é sancionada a Política Nacional para a Pessoa Portadora de
Deficiência, cuja regulamentação efetiva-se mediante o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro
de 1999.
A Política Nacional para a integração de Pessoa Portadora de Deficiência define
Deficiência como “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,
fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do
padrão considerado normal para o ser humano” e “pessoa portadora de deficiência a que se
enquadra nas seguintes categorias: deficiência física, auditiva, visual, mental e múltipla”
(Decreto nº 3.298/1999, Art. 3º).
A compreensão sobre os tipos de deficiências, balizada no arcabouço legal, esboça-se
a seguir:
Deficiência física diz respeito à “alteração completa ou parcial de um ou
mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da
função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membros, paralisia
cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
deformidades estéticas e as que não produzem dificuldades para o
desempenho das funções”.
Deficiência auditiva caracteriza-se pela “perda parcial ou total das
possibilidades auditivas sonoras”.
Deficiência visual diz respeito “a acuidade visual igual ou menor que 20/200
no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou
ocorrência simultânea de ambas as situações”.
Deficiência mental relaciona-se ao “funcionamento intelectual
significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos
e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas”.
Deficiência múltipla é a “associação de duas ou mais deficiências” (Op. cit.,
Art. 4º).
O Decreto 3.298/1999 representa um marco na legislação brasileira, relativo às
pessoas com deficiências, uma vez que institui o direito de cidadania e a dignidade da pessoa
humana como elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito. Introduz, entre
seus Princípios, “a plena integração no contexto sócio-econômico e cultural, o bem-estar
social, pessoal e econômico, igualdade de oportunidade na sociedade”. Define, entre outras, as
54
seguintes Diretrizes: mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão social da pessoa
portadora de deficiência, respeitada as suas peculiaridades em todas as iniciativas
governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho [...]; ampliação das alternativas
de inserção econômica, proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no
mercado de trabalho.
O referido Decreto objetiva “o acesso, o ingresso e a permanência da pessoa portadora
de deficiência em todos os serviços oferecidos à comunidade” de forma a garantir a inclusão
social dessas. Para tanto, estabelece os seguintes Instrumentos:
I- a articulação entre entidades governamentais e não-governamentais que
tenham responsabilidades quanto ao atendimento da pessoa portadora de
deficiência, em nível federal, estadual, do Distrito Federal e municipal;
II- o fomento à formação de recursos humanos;
III- a aplicação da legislação específica que disciplina a reserva de mercado
de trabalho, em favor da pessoa portadora de deficiência, nos órgãos e nas
entidades públicos e privados;
IV- o fomento da tecnologia de bioengenharia voltada para a pessoa
portadora de deficiência;
V- a fiscalização do cumprimento da legislação pertinente à pessoa portadora
de deficiência. (Op. cit., Capítulo V, Art. 8º)
Para a operacionalização desta política foi criada a Coordenadoria Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Trata-se de um órgão com
competências definidas no sentido de coordenar, elaborar, providenciar recursos, acompanhar
e orientar a execução de ações destinadas à integração das pessoas portadoras de deficiência,
em estreito relacionamento com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e o Ministério
Público.
O arcabouço normativo preconiza, em termos deliberativos, a instituição do Conselho
Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE), cuja constituição é
paritária, com representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, e com sua
composição e funcionamento disciplinados pelo Ministério de Estado da Justiça. Contudo,
poderão ser instituídas outras instâncias deliberativas no âmbito dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
Em se tratando do acesso ao trabalho, o documento legal salienta como finalidade
precípua da política de emprego a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho
nos parâmetros da legislação trabalhista e previdenciária.
Este texto legal apresenta três modalidades de inserção laboral da pessoa portadora de
deficiência: colocação competitiva, seletiva e por conta própria. A primeira estatui o processo
55
de contratação regular, salvaguardando a legislação trabalhista e previdenciária, independente
da adoção de procedimentos especiais para a sua concretização, não sendo excluída a
possibilidade de utilização de apoios especiais. A segunda forma diferencia-se da primeira no
sentido de depender de procedimentos e apoios especiais. A terceira maneira realiza-se
mediante trabalho autônomo em cooperativas ou em regime de economia familiar vinculadas
a instituições de assistência social.
Ainda ancorada na legislação em discussão, a mesma considera procedimentos
especiais, “os meios utilizados para a contratação de pessoas que, devido a seu grau de
deficiência, transitória ou permanente, exija condições, tais como jornada variável, horário
flexível, proporcionalidade de salário, ambiente de trabalho adequado às suas especificidades”
(§ 2º, Art. 35), além de:
Apoios especiais significam a orientação, a supervisão e as ajudas técnicas
que auxiliem compensar uma ou mais limitações funcionais motoras,
sensoriais ou mentais da pessoa portadora de deficiência, de modo a superar
as barreiras de mobilidade e da comunicação, possibilitando a plena
utilização de suas capacidades em condições de normalidade (Op. Cit, § 3º).
Nosso objeto de estudo tem como eixo central a apreensão e análise da
operacionalização das modalidades de inserção no mercado de trabalho formal,
regulamentado. Neste sentido, demarcam-se as empresas privadas e instituições públicas com
as seguintes particularidades:
A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de dois a
cinco por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social ou
com pessoas portadoras de deficiência habilitada, na seguinte proporção:
I. até duzentos empregados, dois por cento;
II. de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento;
III. de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou
IV. mais de mil empregados, cinco por cento (Id. Ibidem. Art. 36).
Em se tratando das instituições públicas, a legislação determina que:
Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever
em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos,
para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a
deficiência de que é portador; sendo reservado no mínimo o percentual de
cinco por cento em face da classificação obtida (Id. Ibidem, Art. 37, § 1º).
Contudo, o alcance do objetivo pretendido pressupõe a articulação de todas as categorias analíticas, ao longo deste estudo, o que
vimos desenvolvendo em termos de compreensão e entendimento conceitual. A seguir abordaremos as categorias exclusão/inclusão.
56
1.4 Exclusão/Inclusão Social: interlocução entre aportes teóricos
A noção de exclusão/inclusão revisita a retórica de acadêmicos, de políticos e da mídia no início dos anos 1990. Entretanto, é
consensual entre os autores que tratam dessa temática atribuir sua sistematização ao francês René Lenoir, assim como relacioná-la à
crescente degradação do mercado de trabalho, fruto das alterações no padrão de acumulação, assentada no tripé: reestruturação produtiva,
mundialização do capital e neoliberalismo, que engendram a dificuldade da inserção ou permanência profissional que, por sua vez, produz
acúmulos de privações, gerando ruptura progressiva dos laços sociais. Contudo, convém mencionar que a exclusão não é um fenômeno novo,
não é uma especificidade das sociedades capitalistas contemporâneas, mas permeou as sociedades holista
4
e escravista, conforme nos indica
Castel (1998).
Entre os autores estudados, Nascimento (1994), Escorel (1998) e Sposati (1999)
enfocam a exclusão como a ruptura de vínculos sociais expressos nas múltiplas privações,
discriminação, vulnerabilidade, fragilidade, perda de direitos, conforme enfocaremos abaixo.
Para Nascimento (1994), exclusão social refere-se ao esgarçamento de laços sociais, de
vínculos sociais. Abarca discriminação, perda de direitos, até a “ausência de direito a ter
direitos”. Para este autor, a exclusão social tem sua raiz na redução progressiva de postos de
trabalho numa sociedade onde os direitos vinculam-se ao trabalho assalariado, e o desemprego
prolongado provoca a perda dos mesmos, culminando com a visão de que o indivíduo é um
incômodo e um perigo para a sociedade.
O desemprego contribui para o crescimento da pobreza, da miséria e da violência
criminal, surgem tendências à intolerância e mesmo ao extermínio. Segundo Nascimento
(1994), tal ideologia justificadora da eliminação dos miseráveis pode estar na raiz das
chacinas, massacres e, inclusive, nos assassinatos perpetrados contras mendigos e moradores
de rua, considerados inúteis, incômodos e potencialmente perigosos. Sob esse ponto de vista, o
excluído configura-se como um grupo inmodo e socialmente ameaçador, sendo-lhe
reservada, possivelmente, sua eliminação.
Escorel (1998) trata a exclusão social como um processo que inclui trajetórias de
vulnerabilidade, fragilidade ou precariedade, de ruptura de vínculos, em cinco dimensões da
existência humana em sociedade: a dimensão do trabalho, a sócio-familiar, a política, a
cultural e a humana. As trajetórias de vulnerabilidade dos vínculos com o mundo do trabalho
são: o desemprego, o emprego precário e ocasional, a instabilidade. Na dimensão sócio-
familiar, há a fragilização e precariedade das relações familiares, de vizinhança e de
4
Robert Castel apropria-se deste termo de autoria de Dumont para designar a sociedade que não possibilita a
todos os indivíduos expressarem livremente suas vontades, serem autônomos, independentes, mas que sua
autodeterminação vincula-se a capacidade de se apropriar da natureza do seu trabalho. Assim ele é proprietário
de si mesmo porque tem bens que o colocam fora dessas situações de dependência das pessoas que nada têm,
que não podem ser indivíduos por si próprios. (Castel citado por Garcia, 2007).
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comunidade, levando o indivíduo ao isolamento e à solidão. Na dimensão política, as
trajetórias de vulnerabilidade são de precariedade no acesso e no exercício dos direitos e de
incapacidade de agir e de se fazer representar na esfera pública. Na dimensão cultural, a
exclusão é caracterizada pela indiferença, pelo não reconhecimento, pela discriminação, pela
estigmatização, pela hostilidade. Na dimensão humana, os grupos sociais excluídos vivem no
limite da existência e tendem a ser reduzidos à busca exclusiva de sobrevivência,
impossibilitados de exercer as potencialidades da condição humana.
Diferentemente dos autores acima indicados, Castel (1998) compreende que a
exclusão não é a ausência de relação social, nem tampouco um fenômeno que ocorre às
margens da sociedade, antes, porém, identifica-a como uma questão que coloca em xeque o
estatuto do salariado, um conjunto de relações sociais particulares da sociedade, onde os
sujeitos ocupam diferentes posições em relação com o centro: antigos trabalhadores que se
tornaram desempregados de longa duração, jovens que não encontram emprego, população
mal escolarizada, mal alojada, mal cuidada. Os “excluídos” são, na maioria das vezes,
vulneráveis que estavam “por um fio” e que caíram, o que não se restringe a estes, existe
também um movimento entre essa zona de vulnerabilidade e a de integração, marcado pela
desestabilização dos estáveis, dos trabalhadores qualificados que se tornaram precários, dos
quadros bem considerados que podem ficar desempregados.
Em Lesbaupin e Castel, observa-se uma equivalência quanto ao entendimento da
exclusão social, comparando-a a uma nova questão social – correspondente ao pauperismo no
início do século XIX – derivada de significativas transformações no processo produtivo,
associadas às políticas neoliberais nos marcos da mundialização da economia. O novo
paradigma de acumulação assentado nestas bases propugna um conjunto de medidas voltadas
para desregulamentação do mercado financeiro e do mercado de trabalho, implementação de
políticas de abertura econômica que acirram a competitividade internacional, a flexibilização
do trabalho praticada pelas empresas e consolidada nas legislações trabalhistas, a prática
indiscriminada de reengenharia e de downsizing pelas empresas. Essas estratégias
desencadeiam uma redução progressiva de postos de trabalho, numa relação inversamente
proporcional à reposição de empregos no setor formal e regulamentado, transformando uma
parte expressiva de trabalhadores em um contingente de “inúteis ao mundo”. Para esses
autores, paralelamente à reestruturação em curso tem-se a destruição sistemática dos pilares do
Estado Social, com destaque para a erosão do pleno emprego, resultando num contingente de
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trabalhadores sem trabalho, entregues à própria sorte, desprovidos de alternativas e de uma
rede de proteção social, submetem-se à economia informal.
Todavia, o trabalho informal não é uma novidade do atual momento histórico, mas é
observado e denunciado desde a fase do capitalismo concorrencial, no século XIX. A esse
respeito, Netto (2006) extrai do livro de Engels, intitulado A situação da classe trabalhadora
na Inglaterra, o seguinte fragmento do texto, escrito em 1845, mas que se mantém atualizado:
Em todas as grandes cidades [...] podemos ver uma multidão de pessoas [...]
que sobrevivem graças a pequenos ganhos ocasionais. É espantoso ver as
ocupações a que esta população supérflua recorre. [...] A grande maioria dos
desempregados torna-se vendedores ambulantes. [...] Fitas, rendas, galões,
frutas, bolos, em resumo, todos os artigos imagináveis são oferecidos por
homens, mulheres, crianças [...]. Fósforos e outras coisas deste gênero [...]
constituem também artigos de venda. Outros ainda circulam pelas ruas
tentando encontrar alguns trabalhos ocasionais. Que resta a estas pessoas,
quando não encontram trabalho e não querem se revoltar contra a sociedade,
senão mendigar? Não nos espantamos ao ver esta multidão de mendigos, com
quem a polícia sempre tem contas a ajustar e que, na sua maior parte, são
homens em condições de trabalhar. [...] Às vezes erram, em companhia da
família, cantando lamúrias na rua ou apelando para a caridade dos transeuntes
com algum pequeno discurso. [...] Ou então toda a família se instala
silenciosamente, na calçada de uma rua animada, e deixa, sem dizer nada,
que o seu aspecto indigente por si só produza efeitos (ENGELS, 1986, citado
por NETTO, 2006, p23-24
).
Ao trazermos essa discussão para o lapso temporal atual, observamos que a obra de
Tavares (2004), intitulada Os fios (in)visíveis da produção capitalista: informalidade e
precariedade do trabalho converge na mesma direção. Nela, a autora afirma que a partir de
1990 há uma tendência à expansão do trabalho informal, perceptível no crescimento das
relações informais, ao extrapolarem as unidades produtivas de caráter individual ou familiar,
voltadas apenas para atividades de subsistência, orientadas para a reprodução do trabalhador e
do seu núcleo familiar e passam a ser incorporadas pelo núcleo capitalista mediante a
terceirização, consubstanciada na subcontratação, nos moldes de trabalho domiciliar,
cooperativas, trabalho autônomo e outras práticas que ocultam a exploração e dificultam o
dimensionamento do desemprego.
Nesse sentido, a terceirização “cai como uma luva” para os detentores do capital,
porque transfere para os trabalhadores a execução e a responsabilidade inerentes ao processo
produtivo e, no bojo dessas alterações, subjaz a redução dos custos variáveis da produção, pela
não obrigatoriedade dos custos sociais do emprego. Permite ainda uma exploração mais
intensa dessa forma de trabalho, seja pela articulação sistemática da mais-valia absoluta com a
mais-valia relativa, seja pela desregulamentação das leis trabalhistas ou de leis trabalhistas
que, em lugar de garantirem proteção social ao trabalhador, ampliam a extração do
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sobretrabalho. Portanto, na sociedade capitalista, a exploração do trabalhador impõe-se
sempre, mesmo que mudem as formas de organização da produção, pois estas tocam apenas
tangencialmente, não alteram a contradição fundamental expressa na relação capital-trabalho.
Todavia, a exploração do trabalho informal, além de ser amparada legalmente, é
dissimulada, porque não é discutida como uma relação capital-trabalho, mas como trabalho
por conta própria, serviço, trabalho autônomo. Difunde uma suposta relação entre
empregadores, quando na verdade o trabalhador autônomo não necessariamente transfigura-se
em um capitalista, ele é apenas um “pequeno patrão”. Ademais, a pretendida autonomia, tão
em voga pelos apologistas do capital, cria a ilusão de que o trabalho deixou de ser
subordinado simplesmente porque o trabalhador não sofre a vigilância direta do empregador.
Entretanto, o suposto trabalho autônomo é executado segundo uma programação determinada
de resultados, e, portanto, sobre maior controle e exploração. Trata-se, portanto, de uma falsa
autonomia.
Em síntese, para Tavares, neste momento de acumulação flexível, o trabalho informal
representa o aviltamento do trabalhador, seja pelo assalariamento decrescente, seja pela
ausência de direitos trabalhistas, consentida pelo Estado e subordinada ao capital, assim como,
distancia-se da função suplementar ou intersticial e passa a ser parte de sua organização
produtiva.
Assim, o trabalho informal, pela sua flexibilidade, aparece como uma alternativa
adequada ao capital, porque participa efetivamente da produção sem implicar nos custos
sociais do trabalho formal, e porque, aparentemente, não se configura como uma relação entre
opositores.
Nesse contexto, atualizam-se as situações típicas do capitalismo do século XIX: as
jornadas de trabalho ampliam-se, os trabalhadores empregados a elas se submetem, na
perspectiva de manter sua fonte de sustento; o trabalho sem proteção legal cresce
progressivamente; salários aviltantes predominam; lidera a superexploração e a demissão
massiva dos trabalhadores, favorecida pela incorporação tecnológica e a desregulamentação; o
retorno do trabalho em domicílio; a exploração do trabalho infantil volta a crescer. Nestas
circunstâncias, o exército de reserva cumpre a função de pressionar a redução dos salários, e
impele o movimento sindical para ações defensivas. Mas, segundo Lesbaupin (2000), a
conjuntura atual diferencia-se da do século XIX particularmente porque uma parte dos
trabalhadores expulsos do mercado de trabalho sequer é necessária ao capital, eles não são
sequer exército de reserva. Este “desenvolvimento”, associado ao desmantelamento dos
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direitos trabalhistas e sociais, ao desmoronamento do Estado Social, alimenta e amplia a
exclusão social.
É patente, portanto, que o trabalho continua sendo uma referência na sociedade
humana, não apenas na dimensão econômica, mas também psicologicamente,
simbolicamente, como confirma um dos sujeitos da nossa pesquisa:
O trabalho é tudo para mim, em todos os pontos é tudo, porque a gente se
sente valorizado, né?, tô ganhando, né? Eu não tenho outra alternativa, pra
mim, a alternativa é o trabalho, eu não quero ficar parado de jeito nenhum. O
trabalho dignifica qualquer ser humano (Sic. DANIEL).
Na concepção de Castel (1998) a opção mais radical de inclusão pressupõe que todos
os membros da sociedade mantenham um vínculo empregatício com as prerrogativas que lhes
são atinentes. A ênfase dessa proposição baseia-se no fato de que o trabalho continua sendo o
principal fundamento da cidadania, nas dimensões econômica e social. O trabalho e,
sobretudo, o trabalho assalariado, que, é evidente, não é o único trabalho socialmente útil, mas
se tornou sua forma dominante, tem no salário o reconhecimento e a remuneração do trabalho
“em geral”, isto é, atividades potencialmente úteis para todos. Assim, na sociedade
contemporânea, e para a maioria de seus membros, o trabalho é o fundamento de sua
cidadania econômica e social, representa a participação de cada um numa produção para a
sociedade e, portanto, na produção da sociedade. É, assim, o ponto convergente concreto
sobre o qual se constroem direitos e deveres sociais, responsabilidades e reconhecimento, ao
mesmo tempo sujeições e coerções.
Segundo Sposati (1999), o fenômeno da exclusão comporta inúmeras interpretações, é
relativo, cultural, histórico e gradual, pode variar entre os países, em diferentes momentos em
um mesmo país, como também sua graduação em um mesmo momento. É polar, isto é, tem
necessariamente um oponente, a inclusão. Isto significa que a exclusão ocorre em relação a
uma situação de inclusão, e possui impreterivelmente um parâmetro. Exclusão envolve, além
do caráter econômico da pobreza, preconceito, discriminação, processos éticos, culturais.
É consensual, entre os autores estudados, considerar a exclusão como um fenômeno multidimensional, que possui causas estruturais -
como a econômica – e relação de convívio. Manifesta-se através da impossibilidade de poder partilhar, desdobrando-se na vivência da
privação, recusa, abandono, expulsão, negligência. “É uma situação de privação coletiva que inclui pobreza, discriminação,
subalternidade, não-eqüidade, não acessibilidade, não representação pública em situações multiformes” (Op. cit., p.67). Em certo sentido
expressa as desigualdades sociais existentes na sociedade capitalista.
Martins compreende que:
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A exclusão é constituída por múltiplas experiências de privações, limitações,
anulações e de inclusões enganadoras.[...] a exclusão se traduz em privação:
privação de emprego, privação de meios para participar do mercado de
consumo, privação de bem-estar, privação de direitos, privação de liberdade,
privação de esperança (1997, p.18).
As reflexões precedentes indicam que o fenômeno da exclusão social é amplo, multifacetado, dialético. Tais características refletem na
multiplicidade de concepções na tentativa de conceituá-lo. Com efeito, implica, para os propósitos deste trabalho, na imperiosidade em
delimitar o contexto em que se dissemina, qual a concepção da exclusão a ser adotada, assim como tornar transparente nosso
entendimento acerca dessa temática.
Martins (2002), ao tratar da temática exclusão/inclusão social, situa-a na sociedade capitalista, na qual o desenvolvimento econômico
efetiva-se em descompasso com o desenvolvimento social, onde o desenvolvimento econômico “nega-se na perversidade das exclusões
que gera e dissemina”, ao excluir contingentes populacionais da produção, da distribuição e dos frutos da riqueza socialmente produzida,
dos benefícios sociais, culturais e políticos produzidos, mas não equitativamente distribuídos.
Corroboramos com Martins, no sentido de que a exclusão social radica-se no modo de produção capitalista. Ademais, compreendemos
que a exclusão social como expressão da questão social é originária deste modelo socioeconômico. A sociedade capitalista difere, nesta
dimensão, das formações econômicas e sociais precedentes, porque na sociedade escravista os escravos eram mercadorias, propriedade,
e, como tal, destituídos da condição de ser humano. Na sociedade feudal, os servos viviam em estado de submissão aos senhores, as
relações sociais eram perpassadas pela desigualdade natural, tida como legítima. Portanto, nas condições aludidas, tais sociedades não
conformavam a possibilidade de exclusão social, embora fossem excluídos em outras dimensões, como: cultural, política, étnica.
Entretanto, a sociedade capitalista caracterizada pela divisão entre proprietários dos meios de produção e trabalhadores ‘livres’ que
vendem sua força de trabalho, onde a força de trabalho personifica a condição de mercadoria; mercadoria com dupla e indissociável
característica: produtora de mais valia e estranhamento, ou seja, os produtos do trabalho por elas objetivados não lhes pertencem, antes
são propriedade do capitalista que os contratou, comprou sua força de trabalho. Nessa dinâmica aqueles que não são incluídos ao
processo de trabalho, ou o são de formas degradantes são qualificados como excluídos.
Contudo, a compreensão da exclusão na sociedade capitalista constitui um desafio, face ao renascimento e revigoramento de formas de
diferenciação social que imputam às pessoas das classes subalternas lugares sociais não participativos, excludentes. O desafio
potencializa-se em razão da diversidade de mecanismos excludentes, sobretudo aqueles mascarados com base na igualdade jurídica. Nas
sociedades antecedentes, as relações sociais não estavam perpassadas por uma ideologia de igualdade social, as pessoas eram desiguais
porque nasciam desiguais, distinguiam-se aquelas que tinham direito natural daquelas que não o tinham. Sob o capitalismo, postula-se a
igualdade entre os sujeitos de classes sociais antagônicas como condição sine qua non para estabelecerem as relações contratuais
inadmissíveis entre sujeitos desiguais, o trabalhador participa do contrato como proprietário da força de trabalho, o contrato é selado
então entre supostos iguais, entre proprietários, embora a suposta igualdade seja meramente formal, fictícia, e encubra a desigualdade
econômica.
Martins e Stoel convergem no sentido de que a utilização da noção de exclusão para
classificar as desigualdades sociais revela a insuficiência da teoria de classes sociais para
explicar as características da sociedade atual, expressa à medida que a classe operária é
deslocada do centro das explicações, dos combates sociais e da consciência dos que atuam
politicamente e, em seu lugar, focalizam a exclusão. Tal substituição irrompe na anulação
política da classe operária, mascara o caráter essencialmente classista da desigualdade,
mitifica a contradição histórica entre capital e trabalho. Nesse percurso, a exclusão social
comparece como um “normalizador” da pobreza e da desigualdade, ao tempo em que permite
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uma visão da sociedade movida pelo aspecto moral, ancorada basicamente no bem para co-
existir com a realidade visível da pobreza.
Por esta ótica, a retórica da exclusão reafirma o projeto do capitalismo e expõe
também uma dupla vitória deste, expressa através do modo degradado de inserção social, ou
por meio da interpretação suave das contradições do capital e dos problemas sociais que deles
derivam.
Na concepção de Martins, o termo exclusão faz parte de um conjunto de
categorizações imprecisas para definir os problemas resultantes do desenvolvimento da
sociedade capitalista, acentuados na contemporaneidade, é apenas rótulo abstrato, que não
corresponde ao sujeito. “Expressa uma incerteza e uma insegurança teórica [...] como também
uma verdade e um equívoco. Revela o supérfluo e oculta o essencial” (MARTINS, 2002,
p.27).
Neste sentido, para Martins (Op. cit) está havendo certa fetichização da idéia da
exclusão. Todos os problemas sociais passam a ser denominados mecanicamente através
dessa coisa vaga e indefinida a que chamam de exclusão, como se a exclusão fosse um deus-
demônio que explicasse tudo, quando não explica nada ou não revela o que há de específico
em cada situação problema. Ao contrário, confunde a prática e a ação da vítima. O rótulo
acabou sobrepondo-se à lógica, que parece empurrar os pobres para fora da sociedade, das
relações sociais, privando-os dos direitos que dão sentido a essas relações. Quando, de fato,
esse movimento age inversamente está empurrando para dentro, embora na condição
subalterna e relativamente desnecessária, os reprodutores mecânicos do sistema econômico.
Todavia, essa dinâmica excludente constitui-se em via dupla, as vítimas desses processos
também proclamam seu inconformismo, sua revolta, sua esperança, sua reivindicação. Tais
reações oscilam em conformidade com a correlação de forças em cada conjuntura,
materializam-se no sistema econômico e no sistema de poder que as produzem, e fazem parte
deles, ainda que protestando ou negando-os.
Simultaneamente e contraditoriamente, a utilização do termo exclusão revela certo
reducionismo interpretativo que suprime as mediações que se interpõem entre a economia e
outros níveis e dimensões da realidade social, interpretações do mundo e da vida.
Ainda conforme Martins (1997), nomeiam de exclusão aquilo que se constitui o
conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária, instável,
marginal. Ela é, na sociedade contemporânea, apenas um momento da dinâmica de um
processo mais amplo.
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Castel (1977) denomina como uma das armadilhas da exclusão essa heterogeneidade de
seus usos, uma vez que a exclusão designa uma infinidade de situações diferentes, e,
encobrindo a especificidade de cada uma, apenas rotula com uma qualificação puramente
negativa que designa a falta, sem dizer no que ela consiste nem de onde provém.
Este estudioso, seguindo o seu raciocínio, aponta a segunda armadilha, ou seja, a
autonomização das situações limites que só têm sentido quando inseridas no processo. A
exclusão dá-se efetivamente pelo estado de todos os que se encontram fora dos circuitos vivos
de trocas sociais. Convém salientar que esses estados não têm sentido em si mesmos, pois são
resultado de trajetórias diferentes.
Na atualidade, em geral, a exclusão nomeia situações que traduzem uma degradação relacionada a um posicionamento anterior. A
situação vulnerável de quem vive do trabalho precário, ou de quem ocupa uma moradia de que pode ser expulso se não cumprir seus
compromissos. Distingue metaforicamente “zonas” diferentes para a vida social em relação ao trabalho e às redes de sociabilidade. Neste
sentido, os “excluídos” povoam a zona mais periférica, caracterizada pela perda do trabalho e pelo isolamento social, mas hoje é impossível
traçar fronteiras nítidas entre essas zonas. Sujeitos integrados tornam-se vulneráveis, particularmente em razão da precarização das relações
de trabalho, e as vulnerabilidades oscilam cotidianamente para aquilo que chamamos de “exclusão”. Castel ressalta que tais processos
originam-se no centro e não na periferia da vida social. Situações limites inscrevem-se num continuum de posições que interrogam a coesão
do conjunto da sociedade. Na maioria das vezes, o “excluído” é, de fato, um desfiliado cuja trajetória é feita de uma série de rupturas em
relação a estados e equilíbrio anteriores mais ou menos estáveis, ou instáveis.
Certamente, exclusão diz respeito a situações objetivas de privação: privação de
emprego, dos meios de participação no mercado de consumo, de bem-estar, de direitos.
Relaciona-se às desigualdades econômicas, políticas, sociais, culturais e étnicas. Neste
sentido, para Martins, a exclusão possivelmente corresponde à pobreza, e tal possibilidade
envolve processos contraditórios. Um diz respeito à mistificação da pobreza e o outro à sua
desmistificação.
Ao tomarmos o conceito de pobreza para exclusão, podemos estar escamoteando o
fato de que a pobreza, hoje, mudou de forma. Outrora, pobre era o (a) que não tinha o que
comer, era aquele (a) mal vestido (a), ostensivo (a). Atualmente, a pobreza, além da privação
objetiva do alimento, inclui a negação subjetiva da pobreza pelos próprios pobres. Eles (a)
preferem não se reconhecer como tais, incorporam a aparência e o aparente, o disfarce, para
camuflar sua condição de precariedade, negam no imaginário e no cotidiano a exclusão social
a que estão submetidos (a). Isto se deve, em parte, ao fato de que a pobreza no mundo
moderno é relativa. A linha que separa ricos de pobres é uma linha móvel, constantemente
redefinida por uma cultura que também muda.
Desta forma, a exclusão representa para além da privação em si, engloba a
interpretação que dela faz a vítima, produz uma reinclusão em relações sociais precárias e
marginais; uma reinclusão ideológica no imaginário da sociedade de consumo e nas fantasias
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do mercado. Nos tempos recentes, a desigualdade separa materialmente, mas unifica
ideologicamente. Caracteriza-se por criar uma sociedade dupla, polarizada em dois mundos
que se excluem reciprocamente, embora parecidos na forma, em ambos podem ser
encontradas as mesmas coisas, aparentemente as mesmas mercadorias, as mesmas idéias
individualistas, a mesma competição, mas as oportunidades são completamente desiguais. O
imaginário que cimenta essa ruptura é um imaginário mercantilizado, enganador e
manipulável.
Por outro lado e de certo modo, a palavra exclusão está desmistificando a palavra pobre,
através desse pseudoconceito, não revelador, que encobre de algum modo o que seria o
pobre, que relativiza a concepção de pobre e, assim, revela a suposta abrangência
explicativa das palavras pobre e pobreza. Desmistifica porque o falseamento, além de
temporário, aflora na diferenciação social, na posição que o pobre ocupa na sociedade de
classe, ao desmoronar o mundo fictício, fantasioso, virtual, em face da desigualdade de
oportunidades, da inacessibilidade à riqueza produzida, na impossibilidade de mobilidade
social, conduzindo, inclusive, a atitudes anti-sociais, ilegais.
Malgrado a exclusão seja a face mais explícita da pobreza, todavia a exclusão não se
reduz à pobreza material.
A pobreza nem sempre é exclusão e a pobreza de fato excludente é apenas o
pólo visível de um processo cruel de nulificação das pessoas, descartadas
porque não conseguem submeter-se a ressocialização que delas faz apenas
objeto de um objeto, instrumento de um processo social de produção de
riqueza que passou a usar as pessoas como se elas fossem apenas matérias-
prima da coisa a ser produzida, como se fosse objeto e não sujeito
(MARTINS, 2002, p.20).
A pobreza possui caráter econômico, mas possui também uma dimensão moral, social,
política, cultural. Para tanto, requisita-se indagar e saber se o uso mecânico e economicista da
palavra exclusão corresponde, na consciência das vítimas da exclusão, àquilo que nelas é
juízo moral condenatório que as penaliza, exatamente porque é o reconhecimento de sua
condição de excluído que irá viabilizar a inclusão, ainda que tão somente em consonância
com a reprodução e conformação da sociedade capitalista.
Ao contrário de Martins, Sposati distingue exclusão de pobreza. Para ela, a exclusão não
se define pela linha da pobreza, esta se caracteriza pela renda, salário e capacidade de
consumo, descreve-se, quantifica-se, através de um mínimo de consumo necessário para
viver. Enquanto a exclusão não se reduz à capacidade de reter bens, abarca atitudes,
comportamentos, valores culturais. Por este prisma, pobre é aquele incapaz de aquisições
materiais suficientes para sua subsistência, enquanto o excluído pode ser rico, mas
discriminado em decorrência de sua cor, orientação sexual, sexo, deficiência, faixa etária.
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As considerações antecedentes assinalam uma diferença central entre as concepções de
exclusão entre Martins e Sposati, exposta quando Sposati, além de associar a exclusão à
discriminação, equipara ricos e pobres. Desta maneira, encobre as desigualdades entre as
classes sociais fundamentais, desfoca a exclusão da matriz que a (re) produz , ou seja, do
modo de produção capitalista que na sua própria conformação cria contradições, com
destaque para o antagonismo entre o crescimento da riqueza socialmente produzida e a
pobreza crescente de seus produtores, cujos desdobramentos atingem negativamente diversas
dimensões da existência humana.
Ora, transferir a exclusão social dessa contradição fundamental para o aspecto
comportamental, relacional, é focalizar os holofotes na superfície, é negar-se a mergulhar em
águas mais profundas, é desvanecer face às impossibilidades históricas de incluir todos os
trabalhadores no processo produtivo, enquanto perdurar o sistema vigente, é também negar as
conquistas historicamente obtidas mediante a luta e o sacrifício daqueles que acreditaram em
uma sociedade menos desigual, que exige, para sua reversão, a superação da ordem capitalista
que gera e dissemina as desigualdades sociais, a exclusão social.
Como processo dialético, a exclusão manifesta-se tanto nas privações que produz e
difunde como na criação de estratégias de sobrevivência para as vítimas, ainda que tal
participação efetive-se tão somente na condição de consumidor ou beneficiário residual. A
“inclusão”, nestes termos, requisita a condição de ser pobre ou miserável, transmuta-se em
“privilégio”, pois não incorpora padrões básicos e universais de cidadania.
Excluído e exclusão são construções, projeções daqueles que se sentem e se julgam
participantes dos benefícios da sociedade, por isso se arvoram o direito de julgar os diferentes,
os que não estão tendo acesso aos meios e recursos, qualificando-os de excluídos. “O discurso
sobre a exclusão é dos integrados, dos que aderiram ao sistema”, daqueles que se consideram
incluídos (MARTINS, 2002, p.30).
Para Martins (2002), a categoria exclusão, em certo sentido, é fruto de duas orientações
interpretativas opostas: uma transformadora e outra conservadora.
A orientação transformadora denomina excluído, “as vítimas da exploração capitalista” –
a classe operária – que “ao mesmo tempo seria portadora de uma possibilidade histórica”, isto
é, a possibilidade de transformação social, a qual está associada aos trabalhadores que estão
inseridos no processo produtivo, porque eles personificam a contradição entre o caráter social
da produção e a apropriação privada dos resultados dessa, porque são eles os produtores da
mais valia. Entretanto, quando a exploração e a alienação atingem os limites da legitimidade,
os protagonistas dessas condições manifestam seus protestos, lutam em prol das
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transformações das relações e condições de trabalho e os realizam em maior ou menor
intensidade, a depender da correlação de forças na arena econômica e política. Reivindicam
porque estão incluídos, porque são produto e expressão da desigualdade da apropriação da
riqueza por eles gerada. Exatamente por essa mesma razão é que o desempregado é visto
como um obstáculo no processo de transformação social, porque não tem como interferir
ativamente na dinâmica social.
A orientação conservadora se manifesta na diluição da identidade do trabalhador na
figura do excluído. Tal mudança sobrepõe o excluído ao trabalhador. Com efeito, a figura do
trabalhador perde visibilidade, e em seu lugar emergem novos personagens para análise social
e da consciência política – a família, a desagregação familiar, o mendigo, a criança de rua, o
desempregado. O desempregado está excluído do processo de trabalho, da realização da
contradição entre capital e trabalho. Portanto, não incorpora a teoria da transformação
revolucionária inerente à condição operária, por isso são excluídos das possibilidades de fazer
história. Destarte, as categorias excluído e exclusão, são categorias de orientação
conservadora, uma vez que não tocam nas contradições ou as toca tangencialmente, sem nada
transformar.
Todavia, paradoxalmente, a sociedade que exclui é a mesma que captura, e ela o faz
duplamente, seja como “consumidor marginal”, seja como “protestador cúmplice”.
O excluído personifica a condição de consumidor marginal, porque suas necessidades
estão limitadas pelo que pode ser satisfeito pelos resíduos do sistema. Mediante o consumo,
revela-se um meio de afirmação social e de definição de identidade, pois, embora a sociedade
capitalista forje progressivamente novas ‘necessidades’ para (re) alimentar o consumo, este
vai se efetuar em proporção direta à capacidade aquisitiva de cada classe social, seja
quantitativamente ou qualitativamente. A esse respeito, um entrevistado assim se expressa:
A gente precisa trabalhar pra ter as coisas. Antes eu não tinha uma bicicleta
hoje já tenho. Eu sei que meu salário é pouco mais de qualquer maneira dar
pra gente ir se mantendo dentro dos limites, né? (Sic. MARCOS).
A outra forma de capturação do excluído concretiza-se porque do seu imaginário
includente e cúmplice decorrem formas de protesto social voltadas para a realização de
valores e possibilidades reprodutivas da sociedade que o marginaliza. Assim, a forma de
protesto é reveladora da ânsia conservadora de inclusão e não de transformação social e de
superação das contradições responsáveis pela exclusão. O protesto não compromete a
67
reprodução do sistema, ao contrário, constitui um clamor pela integração no sistema vigente,
conforme nos indica Martins.
Paradoxalmente, a exclusão ventila a possibilidade da mudança e da superação das
condições de adversidade, além do imediato e além do cotidiano, põe em movimento a
interpretação crítica e a reação da vítima, isto é, a sua participação transformativa no próprio
interior da sociedade que exclui, o que representa a sua concreta integração.
Nas suas formulações teóricas, Martins nos situa diante de uma “nova mentalidade”, a
“mentalidade do moderno colonizado”, do homem que já sabe querer ser um verdadeiro igual,
que pode imitar, mimetizar os ricos e poderosos, confundindo o falso com o verdadeiro. E
pensa que nisto está a igualdade. Ela se torna, assim, um poderoso agente do falseamento da
nova sociedade, a sociedade da imitação, do falso novo da reprodutividade e da vulgarização,
no lugar da invenção, da criação, da revolução.
Martins (2002), nas suas elucubrações, denuncia que a luta contra a exclusão é uma
luta conformista, toma os integrados na sociedade de consumo como referência para definir o
destino das vítimas extremas dessa mesma sociedade. É uma concepção que nega a história, a
práxis e à vítima de construir historicamente seu próprio destino, a partir de sua própria
vivência e não a partir da vivência de outrem.
Destarte, a preocupação com a inclusão indica a intuição de um direito da sociedade, o
de definir através de seus valores dominantes o modo como os excluídos devem ser incluídos
– a inclusão, isto é, a participação social como um direito e um dever.
A exclusão alcança visibilidade neste momento histórico porque os excluídos
demoram muito a serem incluídos e, quando isso acontece, implica certa degradação. A
sociedade moderna está criando uma grande massa de população sobrante, que tem pouca
chance de ser de fato reincluída nos padrões atuais do desenvolvimento econômico. O período
da passagem da exclusão para a inclusão está se transformando em um modo de vida. Esse
modo de vida expressa-se também na criatividade dos excluídos. Essa reinclusão dá-se no
plano econômico, mas não se dá no plano social, moral e político, não se dá sem deformações
no plano moral.
A sociedade burguesa intensificou a partir das últimas décadas do século XX, uma
nova clivagem na classe trabalhadora. De um lado, os integrados de algum modo, no circuito
reprodutivo econômico, têm direitos reconhecidos, têm um lugar assegurado no sistema de
relações econômicas, sociais e políticas. Do outro, uma população em condições sub-humana
reflete o desemprego, o trabalho precarizado baseado na insuficiência e privações que
68
transbordam para além do aspecto econômico. Na composição dessa população, encontra-se
expressiva magnitude numérica de pessoas com deficiência.
Stoer (et all, 2004) problematizam exclusão/inclusão em diferentes contextos (sociais e culturais) locais, nacionais e
supranacionais, nomeados de lugares e, dentre esses lugares, selecionaram o corpo, o trabalho, a cidadania a identidade e o território. Esta
visão revela-se inovadora à medida que concebe o corpo como lugar da exclusão/inclusão.
Ao tratar da exclusão/inclusão no lugar trabalho, avançam na discussão da
transformação do conhecimento em fator da produção na sociedade contemporânea pós-
fordista. A sociedade do conhecimento torna-se a expressão exacerbada da dominação e da
exploração, “pois se os processos produtivos fordistas/tayloristas sugavam o corpo humano,
os processos pós-fordistas sugam também sua alma” (STOER et all. 2004, p.8).
Tais transformações invertem profundamente os processos de denúncia e de
reivindicação na sociedade capitalista. Antes, a luta travava-se em torno da exploração do
trabalho pelo capital. Agora, os movimentos dos trabalhadores lutam pela oportunidade de
trabalho, mesmo diante da certeza de que serão explorados pelo capital. Neste particular, o
trabalho alienante continua sendo lugar de exclusão/inclusão social. Torna-se lugar de
inclusão daqueles poucos cooptados ou catapultados para os empregos de maior remuneração
e prestígio, para servirem de contra-prova à tendência estrutural antidemocrática da sociedade
burguesa.
Neste mundo “mercantilizado” e “globalizado”, surgem duas tendências que,
aparentemente, estarão na contramão das lutas da tradição crítica e humanista: de um lado, a
reivindicação do reconhecimento das diferenças, não mais das igualdades homogeneizadoras,
como afirmação da cidadania; de outro, a conclamação da regulação como instrumento de
garantia da justiça social, e não mais a emancipação, para garantir-se o mínimo de proteção
pessoal contra a investida excludente do capital globalizado. A cidadania afirma-se também
no direito às diferenças, de modo que elas não justifiquem as desigualdades, bem como
construídas sobre os pilares da igualdade, que não se identifique com as uniformidades.
Stoer (et all, 2004) e Sposati (1999) defendem um único conceito para exclusão social
e inclusão social, advogam sua indissociabilidade. “A exclusão é permanentemente
comprovada com um cenário de algo que está incluído” (STOER, 2004, p.27).
Stoer et all (2004) aborda o corpo como lugar dos processos de exclusão/inclusão
social e, situando a deficiência nesse âmbito, o corpo comparece como um lugar da
deficiência, e é nele que se alicerça a avaliação que conduz à exclusão. Para este autor, a
exclusão de pessoas com deficiência radica em três razões principais.
69
Em primeiro lugar, por se considerar que a deficiência é uma condição imutável e uma
“tragédia pessoal” que não é possível melhorar, ao tempo em que solicita uma intervenção do
tipo assistencial, caritativo ou ocupacional.
Em segundo lugar, transita-se da dependência para o reconhecimento da autonomia e
da cidadania das pessoas com deficiência. Contrapondo-se à perspectiva paternalista,
desenvolveu-se o modelo de direitos que, ao consagrar na legislação os direitos da pessoa com
deficiência e ao prever sansões para qualquer ato discriminatório, muda o eixo da relação do
nível de boa vontade para a regulação do Estado, amparado nas obrigações constitucionais e
legais. Assim, a pessoa com deficiência é reconhecida como pessoa com autonomia, com
direito a participação nas decisões políticas e cujos direitos de cidadania são invioláveis.
A terceira razão relaciona-se a atitudes que imputam as pessoas com deficiência como improdutivas e dispendiosas à sociedade, uma vez
que, em geral, encontram-se alijadas no processo produtivo. Nesta perspectiva, o não acesso ao trabalho é reconhecidamente identificado
como fonte de exclusão social. O exercício da própria cidadania torna-se dependente da relação de trabalho regulamentado. Ser excluído
significa não ter lugar no processo de trabalho.
Em termos sociais, ser alguém significa, portanto, estar incluído no processo de
trabalho, o que indica que a identidade depende muito dos lugares que se ocupa na estrutura
ocupacional, derivada da organização do processo laboral. Neste sentido, a própria cidadania
parece ter suas origens no processo de trabalho e na relação salarial.
Castel (1977) elenca mais cinco armadilhas da exclusão, além das duas citadas
anteriormente neste trabalho, que se reportaram ao uso indiscriminado e autonomizado do
termo exclusão. Alertar para essas armadilhas justifica-se em razão de que, segundo ele, a
exclusão vem se impondo como sinônimo para definir todas as modalidades de miséria do
mundo. As armadilhas são as seguintes:
* Tanto para a reflexão quanto para a ação. Para a reflexão miniminiza a necessidade de
questionar sobre as dinâmicas sociais globais que são responsáveis pelos desequilíbrios atuais.
Descrevem-se os estados de despossuir, mas criam-se impasses sobre os processos que os
geram, procede-se a impasses setoriais, renunciando-se à recolocação nos mecanismos atuais
da sociedade. A ação é marcada pela incongruência entre os interesses do mercado e a
proteção social.
* Focalização da ação social: delimitar zonas de intervenção que podem dar lugar às
atividades de reparação, caracterizando populações-alvo a partir de déficit preciso, mas a
maior parte das populações com problemas não é de inválidos, deficientes. De fato, elas se
tornaram inválidas pela conjuntura. Não é o caso de tratá-las com uma intervenção
especializada para “reparar” ou “cuidar” de uma incapacidade pessoal. São os “normais
inúteis” que Castel (1995) qualifica de “sobrantes”. Esse drama decorre das novas exigências
70
da competitividade e da concorrência, da redução de oportunidades de emprego, fazendo com
que não haja mais lugar para todos na sociedade em que nos resignamos a viver.
Compreendemos que, nesta particularidade, Castel distancia-se da formulação marxista
referente à sociedade capitalista, na qual, pela natureza que lhe é inerente, nunca houve, não
há e não haverá emprego para todas as pessoas. A superpopulação relativa faz parte da
dinâmica da acumulação capitalista.
* A despeito de sua inconsistência teórica, a noção de exclusão abrange um grande
consenso. A luta contra a exclusão toma lugar nas políticas sociais mais gerais, com
finalidades preventivas e reparadoras, que teriam por objetivo controlar, sobretudo, os fatores
de dissociação social. Essa tentação de deslocar o tratamento social para as margens não é
nova, corresponde a um princípio econômico no qual parece mais fácil e mais realista intervir
sobre os efeitos de um disfuncionamento social que controlar os processos que o acionam,
porque a tomada de responsabilidade desses efeitos pode se efetuar sobre um modo técnico,
enquanto o controle do processo exige tratamento político.
Reproduz-se o mesmo deslocamento do centro para a periferia quando se reduz a
questão social à exclusão. Assim, evidenciam-se os efeitos mais visíveis da crise, encobrindo
um processo geral de desestabilização da condição salarial. É a desagregação das proteções
que foram progressivamente ligadas ao trabalho que explica a retomada da vulnerabilidade de
massas e, no final do percurso, da exclusão. É no coração da sociedade salarial que aparecem
as fissuras que são responsáveis pela exclusão; é, sobretudo, sobre as regulações do trabalho e
do sistema de proteção ligados ao trabalho que é preciso intervir para “lutar contra a
exclusão”.
* O emprego do termo exclusão é legítimo nas seguintes práticas: a realização da
supressão completa da comunidade; a construção de espaços fechados e isolados da
comunidade: guetos, “dispensários” para leprosos, “asilos” para pessoas com transtornos
mentais, prisão para os criminosos; certas categorias da população vêem-se obrigadas a um
status especial que lhes permita coexistir na comunidade, mas com a privação de certos
direitos e da participação em certas atividades sociais (sufrágio censitário – privava do direito
ao voto os plebeus).
Sob essas modalidades tão diversas, a exclusão apresenta traços comuns. Ela impõe
uma condição específica que repousa sobre regras, mobiliza aparelhos especializados e se
completa por meio de rituais, a exemplo dos leprosos. Assim, a exclusão não é arbitrária nem
acidental. Emana de uma ordem de razões proclamadas. Ousar-se-ia dizer que ela é
71
“justificada”, se entendemos por isso que repousa sobre julgamentos e passa por
procedimentos cuja legitimidade é atestada e reconhecida.
Quer seja total ou parcial, definitiva ou provisória, a exclusão, no sentido próprio da
palavra, é sempre o desfecho de procedimentos oficiais e representa um verdadeiro status. É
uma forma de discriminação negativa que obedece a regras estritas de construção.
* O termo encobre duas lógicas distintas. Uma, a exclusão procede por discriminações
oficiais. A outra consiste em processos de desestabilização, como a degradação das condições
de trabalho ou a fragilização dos suportes de sociabilidade. Ambas alimentam uma
desestabilização geral da sociedade. Observa-se uma multiplicidade de categorias da
população que sofrem um déficit de integração com relação ao trabalho, à moradia, à
educação, à cultura, e, portanto, estão ameaçadas de exclusão, num tratamento explicitamente
discriminatório dessas populações.
Para Castel (1997), a modalidade mais radical de exclusão, a erradicação total, ou a
supressão completa da sociedade, parece impossível, exceto pela degradação absoluta da
situação política e social. Porém, é difícil que uma sociedade que tenha guardado um mínimo
de referências democráticas possa suprimir puramente e simplesmente seus inúteis ou seus
indesejáveis ao mundo. Relegá-los em espaços especiais parece menos improvável. A
exclusão por atribuição de um status especial a certas categorias da população é, sem dúvida,
a ameaça da conjuntura atual. Relaciona-se à ambigüidade profunda das políticas de
discriminação positiva, que visam compensar as desvantagens sofridas por algumas categorias
sociais em matéria de acesso ao trabalho, moradia, educação e cultura.
Situando essa discussão na realidade nacional, cuja posição no ranking mundial é de recordista em concentração de renda e
desigualdade social, tais características, associadas à inexistência de garantias sociais universais – pois no Brasil não se consolidou o
Estado de Bem-Estar Social –, as formas de trabalho atípico pautadas na insegurança, donde a exclusão econômica assume o
protagonismo e é revigorada pela cultura patrimonial predominante no Brasil, explicita-se assim, a construção da sociedade por castas,
dividida entre proprietários e não proprietários. Neste contexto, “o acesso aos serviços públicos é considerado uma manifestação de
miserabilidade ou incapacidade de obter acesso a um serviço pago ou de mercado” (SPOSATI, 1999, p.71).
Na concepção de Sposati, a cultura patrimonial não incorpora padrões básicos de
cidadania. A inclusão dos que menos têm é circunstancial, casuística, meritocrática e seletiva.
Ou, na expressão de Martins, é uma inclusão marginal, precária, instável. O Estado promove a
inclusão, não afiançando a garantia e direitos sociais em suas ações. Consubstancia as
atenções sociais com concessões partilhadas com a filantropia da sociedade e não assumidas
como responsabilidade pública.
Aqui, a inclusão dá-se pela exclusão, como condição indigna e desqualificada de vida
humana. Em conseqüência desta concepção, o senso corrente na sociedade é bastante
72
rebaixado. O mendigo, a criança de rua, a pessoa com deficiência, segmentos populacionais
potencialmente excluídos ou ainda em situações limiares, são qualificadas de exclusão.
A despeito da perspectiva que defende o vínculo dominante de inserção na sociedade
moderna continua a ser a integração pelo trabalho, as transformações no processo produtivo
em curso adquirem preponderância nas trajetórias de exclusão social.
Nesta trajetória analítica acerca do processo exclusão/inclusão, corroboramos com
aqueles que o apreendem como uma determinação polar, inerente à dinâmica estrutural do
sistema vigente. Portanto, fica patente que a exclusão não é arbitrária, nem tampouco
acidental ou pontual, ou integral. Por seu turno, a inclusão é circunstancial, casuística,
seletiva, balizada pelo status negativo, pela desqualificação social. Prosseguindo neste
raciocínio, esboça-se o nosso entendimento acerca de exclusão social como o corolário de um
conjunto de privações, discriminações, pobreza, subalternidade, vulnerabilidades, negação de
cidadania, que, por sua vez, constituem-se manifestações das desigualdades sociais, podendo
produzir rupturas de relações sociais.
A trajetória das pessoas com deficiência revela o quanto elas são desqualificadas,
estigmatizadas, discriminadas, segregadas, privadas do acesso a bens e serviços, de direitos,
de liberdade, de emprego. Todas ou cada uma dessas situações converge para a exclusão
desse segmento social. Partindo dessa compreensão, infere-se que a exclusão social não se
esgota pelo afastamento do mercado de trabalho, embora a perspectiva adotada nesta
investigação reconheça o trabalho como preponderante para definir a condição social do
indivíduo, uma vez que para nós o trabalho detém centralidade em todas as iniciativas de
inclusão social.
Convém ressaltar que, compreendemos as iniciativas de inclusão no mercado de
trabalho, em particular a inclusão viabilizada parcialmente pela Política Nacional para a
Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência na sociedade capitalista, é condicionada pela
própria lógica da acumulação, ou seja, balizadas na teoria marxista, entendemos que é
imanente ao processo produtivo, a (re) produção de uma superpopulação relativa, que pode
ser demandada ou suprimida pelos capitalistas, em conformidade com as flutuações da taxa de
lucro. Logo, sob essas determinações, não haverá trabalho para todos os sujeitos, por
conseguinte, sempre haverá trabalhadores sobrantes, desempregados, excluídos. A inclusão no
mercado de trabalho para muitos é temporária, restrita. As transformações deste quadro estão
longe de ocorrer na sociedade capitalista.
O raciocínio precedente aplica-se principalmente para os sujeitos da nossa
investigação, as pessoas com deficiência, pois elas sofrem as mesmas determinações e
73
conseqüências perversas da dinâmica de acumulação capitalista, acrescida da condição da
deficiência, a qual, por seu turno, em geral, está conectada também à questão estrutural. A
desigualdade na distribuição de riqueza tem como contra-face a pobreza que, por sua vez,
desencadeia a desnutrição, doenças crônico-degenerativas, péssimas condições de vida. Essas
condições aliadas aos precários e restritos serviços sociais, sobretudo na área da saúde,
expressos nos parcos programas preventivos relativos à assistência pré e pós-natal, na
imunização de doenças como poliomielite, sarampo, tétano, coqueluche; assim como na
ausência de diagnósticos precoces, na insuficiência de programas de orientação familiar,
dentre outros, conformam o conjunto de fatores que concorrem para a ampliação da exclusão
social das pessoas com deficiências.
Entre as primeiras aproximações conclusivas, achamos importante destacar que tanto a
exclusão social quanto a existência de um número notável de deficiências originam-se no
sistema social vigente. Logo, a luta pela inclusão social e para atenuação da quantidade
expressiva de deficiência exige transformações estruturais, impõe o engendramento de uma
nova sociabilidade distinta da instituída.
74
CAPÍTULO 2
2. CARACTERIZAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E OS
DETERMINANTES E DEMANDAS ORGANIZACIONAIS EM FACE DA
POLÍTICA DE INCLUSÃO NO TRABALHO
Para melhor entendimento da problemática - objeto de estudo - necessário faz-se situá-
los historicamente, observando suas múltiplas determinações, caracterização e as demandas
que lhes são postas.
2.1. Caracterização das Pessoas com Deficiência
As deficiências constituem um problema social que acompanha o homem desde os
tempos mais remotos da civilização. Não obstante, as concepções de deficiência e as
modalidades de tratar as pessoas com deficiências sofreram alterações no decorrer da história.
Na Antiguidade, a deficiência foi vista como deformação humana, manifestação das forças
sobrenaturais. Na Idade Média, como expressão da natureza. Na Idade Moderna, como
seqüela, lesão, diminuição da capacidade orgânica e, na Contemporaneidade, como uma
alteração física, mental ou sensorial, que restringe a capacidade de desenvolver atividades nos
parâmetros convencionais. Quanto à forma de tratar as pessoas com deficiências é múltipla e
consoante a visão sobre deficiência em momentos históricos distintos, variando da
condenação à morte, à esterilização, à segregação, à filantropia, à luta pela conquista e
efetivação dos direitos de cidadania. A efetivação de direitos vem se constituindo numa luta
que vem sendo travada desde a última década do século XX, como já vimos apontando neste
trabalho.
A terminologia utilizada para referir-se às pessoas deficientes também é bastante
diversificada. Segundo Sassaky (2003),
[...] os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do
Brasil, estão debatendo o nome pelo qual elas desejam ser chamadas.
Mundialmente, já fecharam a questão: querem ser chamadas de “pessoas com
deficiência em todos os idiomas. E esse termo faz parte do texto da
Convenção Internacional para a Proteção dos Direitos e Dignidade das
Pessoas com Deficiência, a ser aprovada pela Assembléia Geral da ONU.
(www.saci.org.br, 2003
).
75
A legislação brasileira relativa a esse segmento social estatui a denominação pessoa
portadora de deficiência. Contudo, conforme já mencionamos na Introdução deste trabalho, a
literatura especializada nessa temática apresenta nomenclaturas distintas, como: pessoas
portadoras de necessidades especiais, pessoas com necessidades especiais, portadores de
necessidades especiais, portadores de deficiência e pessoa com deficiência, sendo esta última
a opção a ser utilizada neste trabalho, porque compreendemos que esta terminologia revela
que a pessoa tem alguma limitação, mas não abrange todo o seu ser.
Entendemos que, em todas as terminologias enunciadas, está presente a tentativa de
superar a ambigüidade, bem como o sentido supostamente pejorativo da palavra deficiente.
Contudo, concordamos com Sassaki (1997) no sentido de que o termo “necessidade especial”
não seja tomado como sinônimo de deficiências [...] é aceitável que se diga ou escreva
“pessoas deficientes”. O que não se aceita é o uso dos vocábulos “deficiente” e “deficientes”
como substantivo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
estimam que 10% da população mundial tem algum tipo de deficiência. Tal generalização
miniminiza as especificidades nacionais, regionais, locais, sobretudo aquelas relacionadas às
condições de pobreza e desigualdades sociais que, de certa forma, geram ou contribuem para
a existência das deficiências.
Nessa direção, situamos o Brasil, onde, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE - 2000), o percentual de pessoas com deficiência é de 14,5%. Não
obstante, observa-se que, esse índice varia entre Regiões, Estados e até mesmo entre
cidades de um mesmo Estado.
O dado imediatamente citado correspondia, na época, a 24.600.256 pessoas com
deficiência, denota a existência de um contingente expressivo de pessoas com deficiências
que, associado à exclusão que acompanha a trajetória dessa população, agudiza-se na
sociedade capitalista contemporânea. A nova dinâmica de acumulação sob a batuta da
flexibilização intensifica o desemprego, a instabilidade, a insegurança, a desregulamentação
dos direitos trabalhistas e sociais, a redução salarial, o investimento continuado em
qualificação para a inserção e permanência no mercado de trabalho.
Destarte, a conjuntura atual chancela a adversidade ao emprego, sobretudo, formal e
regulamentado. Confrontando esse fato com a vigência de uma legislação que determina a
inclusão de pessoas com deficiências no mercado de trabalho nestes moldes, instiga-nos a
apreender como se efetiva a operacionalização desta lei, no contexto da cidade de Mossoró-
RN.
76
Todavia, é oportuno frisar que, antes de analisar a questão posta anteriormente,
esboça-se um panorama da situação relativa às pessoas com deficiência no âmbito do Brasil,
seguido da Região Nordeste, para adentrarmos na realidade do Estado do Rio Grande do
Norte e aportarmos no município de Mossoró.
De acordo com a Fundação Getúlio Vargas (2003) dentre os Estados brasileiros que
apresentam as taxas mais elevadas de pessoas com deficiência estão: Paraíba (18,76%), Rio
Grande do Norte (17,64%), Piauí (17,63%), Pernambuco (17,40%) e Ceará (17,34%),
enquanto que dentre os Estados que apresentam as taxas mais baixas de pessoas com
deficiência estão: São Paulo (11,35%), Roraima (12,50%), Amapá (13,28%), Distrito Federal
(13,44%) e Paraná (13,57%). No ranking nacional, os Estados nordestinos e um da Região
Centro-Oeste ocupam as dez piores colocações. Esses números podem ser melhor
visualizados no quadro 1.
QUADRO 1
Ranking dos Estados brasileiros, segundo a taxa de Pessoas com Deficiência.
DEZ MAIORES % DEZ MENORES %
Paraíba 18,76 São Paulo 11,35
Rio Grande do Norte 17,64 Roraima 12,50
Piauí 17,63 Amapá 13,28
Pernambuco 17,40 Distrito Federal 13,44
Ceará 17,34 Paraná 13,57
Alagoas 16,78 Mato Grosso 13,63
Maranhão 16,14 Mato Grosso do Sul 13,72
Sergipe 16,01 Rondônia 13,78
Tocantins 15,67 Acre 14,13
Bahia 15,64 Santa Catarina 14,21
Fonte: CPS/IBRE/FGV a partir dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE.
Apesar de taxas tão significativas, quando se examina a situação da deficiência
relativa aos municípios brasileiros, percebe-se uma disparidade dos números de algumas
cidades com a média do Estado em que estão inseridas. O quadro 2 mostra a relação dos
municípios com maior e menor percentual de pessoas com deficiência que se destacam no
ranking nacional. Se por um lado o Rio Grande do Norte comparece como o segundo Estado
com maior número de pessoas com deficiência no Brasil, com 17,64%, por outro lado, três de
seus municípios estão entre as cinco cidades brasileiras que menos têm pessoas com
deficiência, são elas: Jardim de Angicos, com 2,48%; Santana do Seridó, com 2,67% e
Viçosa, com 2,95%. Contrastando com esses números, Pilões, cidade desse mesmo Estado, é
77
o segundo município brasileiro com maior número de pessoas com deficiência, com uma taxa
de 32,98%. Essas inferências justificam os percentuais indicados nessas cidades pelo fato de
dar visibilidade às diferenças percentuais nas cidades que possuem similar contingente
populacional. Porém, não foram realizados por nós estudos sobre os determinantes das
deficiências em maior e menor percentual.
QUADRO 2
Ranking dos municípios brasileiros segundo a taxa de Pessoas com Deficiência
CINCO MENORES % CINCO MAIORES
%
Fernando de Noronha (PE) 0,55 São Gonçalo do Piauí (PI)
33,41
Jardim de Angicos (RN) 2,48 Pilões (RN)
32,98
Santana do Seridó (RN) 2,67 Formosa do Sul (SC)
32,04
Viçosa (RN) 2,95 Irati (SC)
32,03
São Gonçalo do Gurguéia (PI) 3,10 Belém do Piauí (PI)
31,98
Fonte: CPS/IBRE/FGV a partir dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE
Nesse desdobramento geográfico, focaliza-se a cidade de Mossoró que, de acordo com
os dados do IBGE (2005), indica uma população de 227.357 habitantes e um índice de
17,26% de pessoas com deficiência, o que corresponde a aproximadamente 39.241 pessoas
com deficiência, ocupando a 54ª (qüinquagésima quarta) posição a nível do Estado do Rio
Grande do Norte.
Para a caracterização das pessoas com deficiência, em idade economicamente ativa,
incluídas no processo produtivo em Mossoró, no período de realização da pesquisa de campo,
nos meses de junho a novembro de 2006, foram levantados os dados pessoais, condições e
relações de trabalho na estrutura organizacional(atividade, salário, proteção social,
regularidade no emprego, ascensão profissional, jornada e horário de trabalho) e os tipos de
deficiências.
A caracterização das pessoas com deficiência inseridas atualmente no Mercado de
Trabalho em Mossoró resulta dos dados coletados junto aos gestores do departamento de
pessoal ou departamento de recursos humanos, com base numa amostra composta de 17
(dezessete) unidades organizacionais, sendo 10 (dez) empresas privadas em diferentes ramos
de atividades, englobando os setores primário, secundário e terciário, e 07 (sete) instituições
públicas, nas três esferas governamentais, nas áreas de saúde, educação, previdência social,
assistência social e segurança.
A amostra utilizada deriva do universo de 138 (cento e trinta e oito) organizações,
sendo 84 (oitenta e quatro) empresas privadas e 54 (cinqüenta e quatro) instituições públicas,
78
pautada nos critérios de representatividade e aleatoriedade, bem como em consonância com o
aparato legal, que determina que as empresas que possuem acima de 100 (cem) empregados
são obrigadas a contratar pessoas com deficiência numa porcentagem que varia entre 2% e
5% e as instituições públicas são obrigadas a reservar 5% das vagas para as pessoas com
deficiências classificadas em concursos públicos. Por conseguinte, esta caracterização reflete
o universo de 113 (cento e treze) trabalhadores com algum tipo de deficiência que estão
inseridos no mercado de trabalho formal.
O aspecto relativo aos dados de identificação agrega: sexo, faixa etária, escolaridade e
estado civil. Em se tratando do sexo, constata-se maior incidência do sexo masculino, com
a presença de 86 (oitenta e seis) homens, e 27 (vinte e sete) mulheres. Mesmo com essa
diferença flagrante da inserção laboral desse segmento social atinente ao sexo, na realidade
local, esse fato não difere da tendência mundial que, segundo Antunes (2000), aponta para
um aumento progressivo da inserção feminina no mundo do trabalho que, no caso em
análise, dá-se no mercado formal, regulamentado, com equivalência de atividades e dos
direitos trabalhistas.
Observa-se também a sintonia da amostra com os dados do IBGE (Censo Demográfico
– 2000) no que diz respeito à existência de mais homens com deficiência do que mulheres.
TABELA 1
Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o sexo
Mossoró-RN: 2006
PRIVADO PÚBLICO SUB-TOTAL
SEXO
N° % % %
MASCULINO 74 75,5 12 80,0 86 76,0
FEMININO 24 24,5 3 20,0 27 24,0
TOTAL 98 100,0 15 100,0 113 100,0
No tocante à idade, a Tabela 2 ilustra os dados obtidos, salientando assim que, essas
informações confirmam a literatura no que tange às faixas etárias consideradas produtivas
para o capital, onde os jovens e os “considerados idosos” - as pessoas acima de 40 anos -
tendem a ser expulsos do mercado de trabalho. Ressalte-se que, entre os 12 (doze)
trabalhadores que têm de 48 anos acima, 10 (dez) estão inseridos como trabalhadores
rurais, num trabalho temporário, utilizado apenas em época de safra, isto é, estão
empregados no período de agosto a fevereiro. No outro extremo, também é visível a
dificuldade da inserção no processo produtivo para os mais jovens, apenas 06 (seis) são
absorvidos pelo mercado de trabalho, reafirmando o sofisma da qualificação, como se uma
maior aquisição cognitiva significasse o passaporte para o emprego. Por outro lado, a
pesquisa indicou que há proporcionalidade entre os salários mais altos e um maior grau de
profissionalização.
79
TABELA 2
Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo a faixa etária
Mossoró-RN: 2006
PRIVADO PÚBLICO SUB-TOTAL
FAIXA ETÁRIA
N° % % %
18-22 6 6,0 - - 6 5,3
23-27 14 14,2 - - 14 12,3
28-32 16 16,2 1 6,6 17 15,0
33-37 20 20,4 4 26,7 24 21,3
38-42 14 14,2 6 40,0 20 17,7
43-47 16 16,2 4 26,7 20 17,7
48 acima 12 12,8 - - 12 10,7
TOTAL 98 100,0 15 100,0 113 100,0
Em relação à escolaridade, a Tabela 3 expõe os seguintes dados:
TABELA 3
Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo a escolaridade e
organização.
Mossoró-RN: 2006
PRIVADA PÚBLICA SUB-TOTAL ORGANIZAÇÃO
ESCOLARIDADE
N° % N° % %
ANALFABETO 7 8,0
- - 7 6,0
ENSINO FUNDAMENTAL
INCOMPLETO
59 60,0 2 13,3 61 54,0
ENSINO FUNDAMENTAL
COMPLETO
16 16,0 2 13,3 18 16,0
ENSINO MÉDIO INCOMPLETO
5 5,0 - - 5 4,4
ENSINO MÉDIO COMPLETO
9 9,0 7 46,6 16 14,0
ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO
- - - - - -
ENSINO SUPERIOR COMPLETO
2 2,0 4 26,8 6 5,6
TOTAL
98 100,0 15 100,0 113 100,0
Observa-se que, dos dados da Tabela 03, todos os trabalhadores não alfabetizados,
assim como a quase totalidade dos que têm ensino fundamental incompleto, 61 (sessenta e
um) trabalhadores, estão inseridos em organizações privadas, no setor primário, na produção
agrícola, desempenhando a função de trabalhador rural, a qual, em tese, parece prescindir de
mão-de-obra mais qualificada. Isso revela, em geral, a relação de proporcionalidade entre
80
escolaridade e função executada, o que, por conseguinte, refletirá no salário, como
evidenciaremos posteriormente. Não surpreende que o setor público comparece com o nível
de exigência de qualificação mais explícito no momento de admissão, expresso na maioria
dos trabalhadores com ensino superior e médio, supondo-se resultar da exigência em
participação em concursos públicos.
Do que se observa na Tabela 3, imbricam-se dois veios explicativos, que são ao
mesmo tempo determinante e resultado da baixa escolaridade. Primeiro, a baixa escolaridade
pode estar relacionada à dificuldade de inclusão de pessoas com deficiências no sistema
educacional, pois só recentemente essa aquisição prefigura como direito, no caso específico
do Brasil dá-se através da Constituição Federal de 1988, no Plano Decenal de Educação para
Todos 1993/1994 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – nº 9.394 de 1996, estendendo-
se a níveis estadual e municipal.
No Estado do Rio Grande do Norte, este direito efetiva-se com a Constituição
Estadual, promulgada em 3 de outubro de 1989 (Título VII, Da Ordem Social, Capítulo III da
Educação, Da Cultura e do Desporto, Art. 134), e no município de Mossoró através da Lei
Orgânica Municipal de Mossoró (Título V, Da Ordem Econômica e Social, Capítulo II – Da
Política Educacional, Cultural e Esportiva, através do Art. 168).
Tal suposição adquire consistência quando amparada nos dados do Censo
Demográfico de 1991, retomados por Retratos da Deficiência no Brasil (2003), o qual
apresenta que cerca de 60% das pessoas com deficiência não foram alfabetizadas,
contrapondo-se a 23% de pessoas sem deficiência. A situação agrava-se nas séries seguintes, a
exemplo do ano de 2001, quando 4,4% de pessoas com deficiência foram matriculadas, esse
número decresce para 0,6% para o ensino fundamental e 0% para o ensino médio. Dito de
outra forma, no Brasil, do total das pessoas com deficiências, aproximadamente 12%
completaram 4 anos de estudo, enquanto na população total esse percentual é de 15%. Entre
as pessoas com deficiências que concluíram 8 anos de estudo o percentual é de 2,7%, contra
5,6% da população total. Em relação a 9 e 11 anos de estudo, esses percentuais encontram-se
em 2,9% e 9,4%, respectivamente. Associem-se a essa dificuldade de inclusão na escola as
desigualdades econômicas e as barreiras físicas e atitudinais que perpassam o cotidiano de
muitas pessoas com deficiência, conduzindo-as a situações de exclusão escolar e social.
O segundo elemento, decorrente do primeiro, pode, até certo ponto, exprimir a
dificuldade de ampliação da inclusão desse contingente social no Mercado de Trabalho. Nesse
sentido, o depoimento de um chefe de recursos humanos de uma empresa busca justificar essa
situação:
81
Nós temos critérios de admissão, por exemplo, para ser contratado pela
fábrica a gente exige no mínimo o 2º grau incompleto, mas eu não uso esse
critério para as pessoas portadoras de deficiência, primeiro porque é muito
difícil você encontrar pessoas portadoras de deficiência. Segundo, se eu for
usar o mesmo critério eu estaria criando uma barreira, porque, assim, o que
eu percebo é que a grande maioria de pessoas com deficiência, o nível de
escolaridade deles é menor, então eu não posso usar o mesmo critério.
Portador de deficiência se ele soube fazer o nome dele eu contrato, até porque
ele só vai precisar assinar documento e entrar no banco para tirar o dinheiro
dele e se ele não souber a gente dá oportunidade pra ele aprender na escola
que nós temos aqui. (Sic, SOCORRO)
Contudo, imputar à escolaridade, e em particular a qualificação, o atributo pelo
problema do desemprego, seria minimizar a sua análise, uma vez que ele está intimamente
relacionado à questão estrutural, inerente à acumulação capitalista, onde a qualificação
comparece como um elemento importante, mas não deve ser a panacéia das estratégias
poupadoras de mão-de-obra. Outrossim, seria transferir responsabilidades dos governantes na
adoção de políticas públicas macroeconômicas, de isentar as empresas de sua
responsabilidade social e de responsabilizar o indivíduo da não inserção no mercado de
trabalho, seria falsear a idéia de que o desemprego não resulta do desequilíbrio entre a
população economicamente ativa e as ofertas de trabalho, mas das inadequações dessa
população às exigências do mercado de trabalho. Noutras palavras, seria responsabilizar os
trabalhadores pela falta de emprego, decorrente da sua inadequação às novas exigências de
qualificação postas nas economias mundializadas.
Por outro ângulo, considerando-se a restrição, a seletividade e a competitividade
acirradas que marcam o mercado de trabalho nos anos recentes, certamente “aumentam as
chances” de inserção no mercado de trabalho para aqueles (as) que detêm maior qualificação,
embora isso não se consolide como garantia de emprego.
Em se tratando do estado civil, os dados revelam uma maior incidência de casados, 67
(sessenta e sete) pessoas, seguido dos solteiros, com 42 (quarenta e duas), 03 (três) estão
divorciadas e 01 (uma) união não legalizada.
Os dados empíricos vêm confirmar que a inserção/inclusão de pessoas com deficiência
no mundo do trabalho constitui-se em um desafio para esse segmento social. Inúmeras e
distintas são as barreiras de natureza econômica, social, política, cultural, além das
arquitetônicas, que permeiam o cotidiano dessas pessoas, denunciando relativa invisibilidade
no cenário social e, de forma particular, no contexto produtivo. Concorrem, dentre outras,
nessa direção, como já mencionamos: baixa escolaridade, precariedade na fase de
82
capacitação, isto é, profissionalização, desinformação do empregador, discriminação nos
rendimentos e na recusa à contratação, ineficiência nos servos sociais destinados a este
segmento, fragilidade do amparo assistencial.
Em geral, tais barreiras encontram-se entrecruzadas na relação entre deficiência versus
inserção/inclusão no mercado de trabalho. Sousa estabelece a distinção entre inserção e
inclusão no mercado de trabalho nos seguintes termos:
A inserção no mercado de trabalho não significa, necessariamente, que a
pessoa tenha seus direitos sociais e em especial os trabalhistas, respeitados.
[...] Portanto, estar inserido no mercado de trabalho e no processo produtivo
não significa que a pessoa faça parte deste sistema, de fato e de direito, em
toda a sua plenitude como cidadão. Quanto à inclusão, esta pressupõe, além
do respeito aos direitos sociais e especialmente aos direitos trabalhistas, o
respeito à sua condição de cidadão (SOUZA, 1998, p. 88).
Contudo, para o propósito do nosso estudo buscamos desvelar o processo de inclusão
de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal. Logo, tem-se como ponto de
partida o trabalho no setor formal regulamentado, onde a carteira de trabalho assinada ou o
vínculo empregatício, regido seja pela Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) ou pelo
Regime Jurídico Único, asseguram direitos trabalhistas e sociais, numa palavra, direitos tidos
de cidadania. Nesta perspectiva, o ser cidadão está condicionado à posição que o trabalhador
ocupa no mercado de trabalho formal, reconhecido legalmente, o que Fleury (1994) e Santos
(1994) nomeiam de “cidadania regulada”, contrapondo-se ao princípio de universalidade que
deve perpassar o acesso do cidadão a todos direitos sociais, independente de ter ou não uma
ocupação.
Assinalamos ainda que a decisão em pesquisar o segmento formal regulamentado está
em sintonia com uma das categorias de análise, a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, que proclama como finalidade primordial da política de
emprego a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho mediante regime
especial de trabalho protegido.
Ressaltamos também que a nossa pesquisa circunscreve-se às modalidades de inserção
laboral de pessoa com deficiência nas colocações competitiva, seletiva, uma vez que a
colocação por conta própria, nesta legislação, diz respeito ao trabalho autônomo em
cooperativas ou em regime de economia familiar vinculado a entidades beneficentes de
assistência social.
Neste sentido, demarcamos o período precedente à promulgação do Decreto que
regulamenta a Lei que trata da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
83
Deficiência (1999) como divisor de águas da inserção desse segmento no mercado de
trabalho, mediados por esta legislação e os anos subseqüentes. Assim, constatam-se dois
momentos de maior incidência na data de admissão dos trabalhadores sujeitos deste estudo. O
primeiro corresponde aos anos de 2004/2005 com 43 (quarenta e três) trabalhadores, ou 44%
admissões de pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho na esfera privada, e
26 (vinte e seis), ou 25,5%, de inserção nos anos de 2002 e 2003. Articulando esse dado aos
da DRT – Mossoró, no tocante à relação das empresas notificadas a cumprir a cota PPD’s em
Mossoró nos anos de 2003/2004, emerge sem muito esforço analítico a explicação para tal
fato, o qual expressa também a subutilização do aparato legal, que para fazer valer um direito
utiliza medidas coercitivas.
Outro dado que merece realce diz respeito a 17 (dezessete) trabalhadores absorvidos
pelo mercado de trabalho antes de 1999, dos quais 80% são servidores que trabalham na
esfera pública, prioritariamente inseridos mediante concurso público, com destaque para a
esfera federal e em menor quantidade para o âmbito estadual, excetuando-se a esfera
municipal, onde os dois servidores inserem-se através da prática clientelista, assumindo cargo
comissionado.
Os dados imediatamente mencionados mostram a dicotomia da inserção de pessoas
com deficiência no mercado de trabalho formal no âmbito público e privado. Nas instituições
públicas predomina a modalidade via concurso, antecipando-se à política concernente às
pessoas com deficiência, enquanto nas empresas realiza-se preponderantemente por força da
legislação. O depoimento seguinte confirma tal inferência:
Quando eu cheguei na Usibrás tinha uma pessoa com deficiência. Eu fui
contratada para exercer a função de gerente de RH. Dentro das funções de
gerente de RH eu fui chamada e foram me apresentar os problemas que a
empresa tinha, multa, pendências com o Ministério do Trabalho com relação
aos portadores de deficiência [...] A motivação para admitir pessoas
portadoras de deficiência foi o cumprimento de uma legislação. Eu não
estaria sendo uma pessoa séria se eu dissesse que o dono olhou pra mim e
disse: agora vamos contratar as pessoas portadoras de deficiência, não, foi a
questão da legislação. (Sic, SOCORRO)
A Tabela 4, a seguir, expõe o número de trabalhadores admitidos nas esferas pública e
privada, antes e depois que a Política Nacional para a Integração de Pessoas com Deficiência
entrou em vigor.
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TABELA 4
Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o ano de inserção
no mercado de trabalho
Mossoró-RN: 2006
PRIVADA PÚBLICA
SUB-
TOTAL
ANO DE
ADMISSÃO
N° % N° % N° %
ANTES de 1999 5 5,0 12 80,0 17 15,0
2000-2001 10 10,0 2 13,0 12 10,5
2002-2003 25 25,5 1 7,0 26 23,0
2004-2005 43 44,0 - - 43 38,0
2006 15 15,5 - - 15 13,5
TOTAL 98 100, 15 100, 113 100,
Quanto ao aspecto relacionado à atividade que as pessoas com deficiência realizam,
predomina a função de trabalhador rural, com 42 (quarenta e dois) trabalhadores em empresa
particular. Na seqüência, aparece auxiliar de serviços gerais, com 17 (dezessete) casos
também no contexto empresarial, seguido de 16 (dezesseis) outras funções (encarregado,
servente, soldador, jardineiro, embalador, repositor de mercadorias, apontador, copeira, caixa,
plantonista, cabo, técnico previdenciário e pedagogo), 08 (oito) serviços administrativos, 08
(oito) operários (as), 06 (seis) motoristas e 06 (seis) atendentes, conforme o exposto na Tabela
5.
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TABELA 5
Pessoas com Deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo a atividade que
realiza e a escolaridade
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO ESCOLARIDADE
PRIVADA PÚBLICA ANA EFI EFC EMI EMC ESC
SUB-
TOTAL
ATIVIDADE
N° % N° % % N° % % % % % %
TRABALHADOR
RURAL
42 43,0 - - 7 16,7 32 76,0 2 4,7 1 2,3 - - - - 42 31,5
AUXILIAR DE
SERVIÇOS
GERAIS
15 15,0 2 13,3 - - 6 35,0 9 53,0 - - 2 12,0 - - 17 15,0
OPERÁRIO
8 8,0 - - - - 6 75,0 1 12,5 - - 1 12,5 - - 8 7,0
MOTORISTA
6 6,0 - - - - - - 2 33,4 1 16,6 2 33,4 1 16,6 6 5,3
VIGILANTE
3 3,0 - - - - 3 100,0 - - - - - - - - 3 2,7
ATENDENTE
3 3,0 3 20,0 - - 2 33,3 2 33,3 - - 2 33,3 - - 6 5,3
RECEPCIONISTA
3 3,0 1 6,7 - - 2 50,0 1 25,0 - - - - 1 25,0 4 3,5
SERVIÇOS
ADMINISTRATIVOS
3 3,0 5 33,0 - - 2 25,0 1 12,5 - - 3 37,5 2 25,0 8 7,0
OPERADOR DE
POÇO
3 3,0 - - - - 2 66,6 - - - - 1 33.3 - - 3 2,7
OUTROS
12 12,0 4 27,0 - - 6 37,5 5 31,0 2 12,5 1 6,5 2 12,5 16 14,0
TOTAL
98 100,0 15 100,0 7 - 61 - 23 - 4 - 12 - 6 - 113 -
Nesta pesquisa, os dados demonstram que predominam as funções de baixo status
social, as quais estão diretamente relacionadas à baixa qualificação profissional. Malgrado
essa não seja a regra no mundo do trabalho na economia mundializada, sob a égide da
flexibilização, pois o oposto também se comprova, ou seja, trabalhadores altamente
qualificados, com formação acadêmica, em número cada vez maior, exercerem atividades
aquém de sua qualificação, pois para as atividades que efetivamente exercem eles são
superqualificados. Nas palavras de Kurz,
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Em todo o mundo ocidental, o taxista graduado em filosofia tornou-se o
emblema de uma carreira social negativa [...] Historiadores diplomados
trabalham em fábricas de pão de mel, professores desempregados tentam a
vida com “babysitter”, juristas supérfluos vendem seus produtos culturais
indianos. Muitas pessoas com passado intelectual arrastam-se vida a fora,
com seus 30, 40 anos de idade, em projetos intelectuais difusos, semi-
estudantis, e flutuam em suas atividades entre o emprego de entregador de
mercadorias, o jornalismo de ocasião e experiências artísticas improdutivas
(KURZ, Folha de São Paulo – 11/07/1999).
Convém salientar que trabalhadores que detêm melhor nível educacional estão
inseridos na esfera pública, no âmbito federal. Dentre esses, um número expressivo foi
inserido antes dessa Lei entrar em vigor. Isto evidencia que, diferentemente da esfera privada,
a esfera pública absorve pessoas com deficiência independente da imposição legal. Traduz
também e simultaneamente o concurso público como forma democrática de inserção no
mercado de trabalho, rompendo com o clientelismo e o paternalismo tão arraigados na cultura
nacional.
Averiguando acerca da possibilidade de ascensão profissional, articulamos o tempo de
trabalho na atividade e o desempenho em outras funções, onde constatamos que um
contingente expressivo de 95 (noventa e cinco) pessoas nunca desempenhou função distinta
daquela do período de admissão, o que denota que é muito baixa a perspectiva de ascensão no
âmbito de trabalho, sobretudo nas empresas particulares.
Dentre os procedimentos legais elencados para a inserção de pessoas com deficiência
no mercado de trabalho, nas modalidades competitiva e seletiva, estão a flexibilização da
jornada de trabalho e do horário de trabalho. Nesse sentido, os dados coletados evidenciam
que apenas uma pessoa tem a jornada de 4 horas diárias, um horário flexível, e ela também é a
única com deficiência mental (síndrome de down) do universo pesquisado. As demais pessoas
com deficiência têm jornada e horário de trabalho equivalentes às pessoas sem deficiência,
consoante ao estabelecido pelas empresas ou instituições a que se vinculam, ou seja, nas
empresas privadas a jornada é de 8hs e nas instituições públicas é de 6hs, salvo casos de
plantões. A não implementação de procedimentos especiais sugere múltiplas interpretações.
Primeira, as organizações contratam pessoas com deficiência, cuja deficiência, em geral, é
relativamente leve ou que se adequam às estruturas físicas existentes, dispensando a utilização
de procedimentos especiais. Segundo, ignoram as necessidades especiais das pessoas com
deficiência, não realizando as adaptações necessárias, ou finalmente não concretizam a
contratação. As falas seguintes confirmam nossa interpretação.
87
Os nossos funcionários que tão aqui, a gente tenta muito não contratar, não
por discriminação, em geral o aspecto físico da loja. A gente tenta sempre
contratar um que não tenha deficiência nos membros inferiores porque a
nossa loja tem muitos degraus, batentes, a gente tinha que mexer muito com
o espaço da loja pra adaptar esse pessoal. Então a gente tenta botar mais
deficientes dos membros superiores, deficiente visual, auditivo (Sic,
FRANCISCO).
Na empresa A, a entrevistada mostra que:
Pelo fato de nossas unidades de produção agrícola, que seria uma fazenda,
ficar na zona rural, no mínimo 30km de Mossoró. Ele vai ficar na fazenda
durante toda a semana, ele vai ficar no alojamento coletivo, no caso, fazendo
refeições no refeitório, então é assim uma forma de hospedagem que muitas
vezes não permite a todo e qualquer deficiente uma oportunidade, o próprio
deficiente não se sente muito seguro de estar nesse ramo de atividade. Eu
digo isto porque nós fizemos uma reunião com a ADEFIM, buscando
funcionários e quando agente falou que tinha que ficar na fazenda, em
alojamento coletivo, então praticamente todos desistiram. Eles temeram a
questão da adaptação (Sic, TEREZINHA).
Os conteúdos dos depoimentos imediatamente explicitados reforçam nosso
pressuposto de que, no Brasil as admissões de pessoas com deficiência no mercado de
trabalho formal, no setor privado, são determinadas pelo aspecto político, expresso na
legislação relativa a esse segmento social.
Não se observa vontade empresarial em ofertar novos postos de trabalho que
requeiram a realização de adaptações, como expressa a fala do gestor:
Houve uma situação em que um entrevistado, caso fosse ficar teria que fazer
adaptações para a função de telefonista. Isso implicaria em gastar em torno
de R$ 5.000,00 a R$ 6.000,00 e aí não estamos numa situação boa para fazer
esse investimento (Sic, CATARINA).
No que tange à proteção social, constata-se que 98 (noventa e oito) pessoas têm
carteira de trabalho assinada, 13 (treze) são estatutárias e 02 (duas) têm portarias relacionadas
ao cargo comissionado.
Contudo, convém salientar a situação dos trabalhadores rurais que, embora tenham
vínculo mediado pela CLT, seus contratos são temporários, são denominados contratos de
safra.
Segundo a entrevistada da empresa A, este tipo de contrato está registrado na carteira de
trabalho, engendra o recolhimento das obrigações sociais, mas tem um prazo determinado
de 06 (seis) meses, correspondente ao período de agosto a fevereiro. Essa modalidade de
contrato decorre de uma solicitação posta pelas empresas da área de fruticultura ao
88
sindicato da categoria dos trabalhadores rurais com a concordância, acompanhamento,
legitimação e oficialização do Ministério do Trabalho. Difere, portanto, do contrato de
experiência, aquele de 45/45 dias em que, decorrido esse prazo, automaticamente o
trabalhador é incorporado ao quadro funcional, com todas as prerrogativas a ele atinentes.
Conforme a entrevistada:
O contrato de safra a gente tem tanto o benefício para o trabalhador como
também para o próprio empresariado, em termos de custo também ficou uma
coisa mais leve e até permite mais admissões (Sic, Terezinha).
Essa constatação é emblemática no contexto da acumulação flexível, como
evidenciam as estratégias de organização e gestão da produção, as quais de um lado redundam
na potencialização da produtividade e, do outro lado, ocorre o crescimento do trabalho por
tempo determinado, parcial, à subcontratação, culminam num conjunto de inseguranças para
aqueles que vivem da venda de sua força de trabalho, expressos na insegurança crescente de
permanência no mercado de trabalho, no emprego, no salário, na renda, nos direitos, na
representação do trabalho, como nos mostra Mattoso (1995).
As mudanças na base da produção e na orientação política de cunho neoliberal
rebatem nas organizações dos trabalhadores, na regulação do trabalho.
Em muitos países de capitalismo desenvolvido ocorre o redimensionamento dos
sindicatos, antes combativos, reguladores, fiscalizadores dos salários, das jornadas de
trabalho, das legislações de proteção aos trabalhadores, configurando-se como mediadores
entre o capital e trabalho. Emerge o sindicalismo atrelado/subordinado ao ideário patronal,
manipulado, cooptado (Antunes, 2000).
No Brasil, a estrutura sindical configurou-se historicamente com o predomínio de
forte intervencionismo, patrocinado e controlado pelo Estado, cooptado, corporativista,
agravando-se mais neste contexto de metamorfoses no âmbito do trabalho. Tais práticas
pulverizam, fragilizam, despolitizam o movimento sindical, deslocam o eixo da luta dos
direitos trabalhistas e sociais em prol dos interesses das empresas capitalistas. Contudo,
convém salientar que, em determinadas conjunturas a depender das correlações de forças,
registram-se alguns sindicatos combativos na defesa dos direitos dos trabalhadores.
A situação em análise reflete explicitamente a reorientação sindical, quando defende o
contrato de trabalho por tempo determinado, efetiva negociações coletivas de trabalho por
empresa, no caso, por empresas do mesmo ramo de atividade, distanciando-se, assim, da
dimensão política, coletiva e do status de guardião dos interesses da classe trabalhadora.
89
Revela, outrossim, plena sintonia com o ideário que o informa, corroborando com a
flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
Segundo Neto (1997), a decantada flexibilização no mundo do trabalho encontra
ressonância nas medidas legislativas, seja no momento de inserção no mercado de trabalho,
mediante incentivos ao trabalho part-time, emprego precário, temporário, redução de tutela do
direito do trabalho das categorias subprotegidas e pela deliberação das lógicas privatistas na
oferta e na demanda de trabalho; seja no momento da demissão, limitando o campo de
aplicação e o rigor da tutela contra a dispensa individual e por nova legitimação das reduções
de pessoal; seja na vigência contratual concernente às condições de trabalho, remuneração e
outros direitos conquistados e legitimados.
Neste sentido, Neto (1997) fundamenta suas elucubrações em legislações nacionais,
senão vejamos: Lei nº 5.105. de 13 de setembro de 1966, instituiu o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS), minando com o pouco que havia de limite ao poder patronal em
romper as relações de trabalho sem justa causa; Lei nº 6.019, de 03 de janeiro de 1974, que
regulou o trabalho temporário; Projeto de Lei nº 1.724-E, de 1996, sobre o contrato de
trabalho por tempo determinado, quando previsto em convenção ou acordo coletivo, assegura
o acréscimo do número de empregados na empresa. No entanto, sua essência reside em
desconectar o contrato por tempo determinado da natureza dos serviços prestados ou das
atividades da empresa, generalizando o emprego, mas particularizando a modalidade de
contratação. Com efeito, reduz os custos de demissão, mascara os argumentos da suposta
geração de emprego, sistematizados nos discursos empresarial e governamental.
Pochmann e Borges (2002), analisando o processo de flexibilização das leis
trabalhistas nacionais, no período dos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, alargam de forma significativa a relação da desregulamentação nesta área, conforme
expusemos no capítulo anterior.
Em relação ao salário, todos os gestores foram unânimes em afirmar que este
corresponde ao salário definido em convenções do sindicato de cada categoria. Em assim
considerando, constatou-se que 78 (setenta e oito) trabalhadores percebem o salário
compreendido acima de um a dois salários mínimos (370,00; 385,00; 400,00; 420,00; 434,00;
480,00; 520,00; 550,00; 580,000). Recebem salário mínimo 26 (vinte e seis) trabalhadores, 07
(sete) servidores têm vencimentos acima de dois a quatro salários mínimos e apenas 02 (dois)
servidores federais percebem acima de 04 (quatro) salários mínimos. Observe-se os números
da Tabela 6.
90
TABELA 6
Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o salário.
Mossoró-RN: 2006
PRIVADA PÚBLICA SUB-TOTAL
SALÁRIO MÍNIMO
N° % N° % N° %
1 25 25,5 1 6,5
26 23,0
ACIMA DE 1 A 2 73 74,5 5 33,5
78 69,0
ACIMA DE 2 A 4 - - 7 47,0
7 6,0
ACIMA DE 4 - - 2 13,0
2 2,0
TOTAL 98 100,0 15 100,0
113 100,0
Se relacionarmos os baixos salários percebidos pelas pessoas com deficiência à ampla
conexão difundida entre deficiência e ineficiência, vinculada à morosidade ou ao dispêndio
excessivo de tempo socialmente necessário à realização de atividades, encontra-se explicação
para tal medida (arbitrária) nas formulações teóricas de Marx, que revelam a compatibilização
dessa ação com os interesses capitalistas. É sabido que essa formação social apresenta como
finalidade a produção de mais-valia, obtida através da exploração intensiva e extensiva da
força de trabalho humano. Vejamos o que diz Marx a esse respeito:
Se um trabalhador utiliza mais tempo na produção de uma mercadoria do que
o socialmente exigido, se o tempo de trabalho para ele individualmente
necessário se desvia bastante do tempo socialmente necessário ou do tempo
de trabalho médio necessário, não poderá seu trabalho ser aceito como
trabalho médio, nem sua força e trabalho como força de trabalho média. Esta
não se vende ou apenas se vende abaixo do valor médio da força de trabalho.
(1975, p. 372).
Se adicionarmos os trabalhadores com deficiência, que percebem entre um e dois
salários mínimos, obtém-se um total de 104 (cento e quatro) pessoas, o que representa 92% do
universo pesquisado. Este dado, por si mesmo, é suficientemente incisivo, embora não
exclusivo, para supor o nível de pobreza a que está submetido esse segmento social, expressa
ao mesmo tempo nas múltiplas faces das privações que daí decorrem.
Segundo dados de Retratos da Deficiência no Brasil, a discriminação com as pessoas
com deficiência é tão evidente que indivíduos com iguais características (escolaridade,
gênero, raça, idade, UF e tamanho da cidade) ganham 12,65% a mais do que as pessoas com
deficiências. Com efeito, vai-se delineando o frágil tipo de inclusão a que esse segmento
social alcança na sociedade capitalista.
91
Para mensurar a pobreza, a metodologia em voga não é consensual, unívoca. A adoção
de indicadores aplicáveis em âmbito universal é questionável. Por conseguinte, os parâmetros
apresentados são diversos. O Banco Mundial (1990) define a linha de pobreza ao equivalente
à renda anual de US$ 370 dólares, e a linha de indigência (ou pobreza extrema) a uma renda
anual de US$ 275 dólares. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-
1997) estima US$ 2 dólares diários, per capita, para classificar a linha abaixo da pobreza.
Entretanto, a literatura é enfática em assinalar que a caracterização da pobreza não se restringe
aos aspectos sócio-econômicos, embora a sua explicação e compreensão remetam
indubitavelmente a estes. A esse respeito, Netto assim se expressa:
É constituinte insuprimível da dinâmica econômica do modo de produção
capitalista a exploração, de que decorrem a desigualdade e a pobreza. No
entanto, os padrões de desigualdade e de pobreza não são meras
determinações econômicas: relacionam-se, através de mediações
extremamente complexas, a determinações de natureza político-cultural
(2006, p.9).
As considerações precedentes explicitam que há distinção entre pobreza e os
indicadores para mensurar a pobreza. Segundo o enfoque marxista, a pauperização vivenciada
pelos trabalhadores é fruto da exploração a que estes estão submetidos no modo de produção
capitalista. A pauperização apresenta dupla face: relativa ou absoluta. A pauperização
absoluta caracteriza-se pela degradação das condições de vida e do trabalho dos proletários, e
manifesta-se na “queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e moradia,
intensificação do ritmo de trabalho, aumento do desemprego” (Op.cit. p.10). A pauperização
relativa concretiza-se pela apropriação parcial do total dos valores criados pelos
trabalhadores, os quais são apropriados pelos capitalistas.
Netto (2006) indica que a pobreza na ordem do capital não resulta das carências e da
escassez que ocorriam nas formações sociais precedentes, mas, paradoxal e
contraditoriamente, é fruto de uma contínua produção de riquezas. “Na sociedade burguesa
a pobreza se produz pelas mesmas condições que propiciam os supostos, no plano
imediato, da sua redução e, no limite, da sua supressão” (Id. ibidem).
Conforme foi refletido anteriormente, classificam-se para a mensuração da linha
abaixo da pobreza o valor de US$ 2,00 diários per capita. Articulando essa determinação, a
realidade salarial constatada em meio aos trabalhadores com deficiência “incluídos” no
mercado de trabalho em Mossoró, esses são elementos suficientes para oferecer sustentação
teórica-empírica para afirmarmos que, no universo pesquisado, 92% das pessoas com
deficiência encontram-se situadas na linha abaixo da pobreza.
92
Decerto, estes trabalhadores integram as estatísticas mundiais, onde, segundo
Pochmann (2004), entre 1981 e 2001, o número de pobres no mundo cresceu de 2.419 para
2.733 bilhões de pessoas, aumentou 13% em termos absolutos, ainda que em termos relativos
esse percentual tenha se reduzido, no mesmo período, de 65,9 para 52,8%. Netto (2006),
baseado nos dados do PNUD/2005, reforça que os 500 indivíduos mais ricos do mundo têm
um rendimento conjunto maior do que o rendimento dos 416 milhões de pessoas mais pobres.
Situando a discussão a nível de Brasil, o quadro é estarrecedor, pois
Os 1% mais ricos, pouco mais que 1,5 milhão de pessoas [...] controlam 17%
da renda nacional e possuem 53% do estoque líquido de riqueza privada do
país. [...] Em média, para cada US$ 1 dólar recebido pelos 10% mas pobres,
os 10% mais ricos recebem US$ 65,8. Ou seja: os mais ricos se apropriam de
uma renda quase 66 vezes maior que os mais pobres (POCHMANN, 2004, p.
62).
Se cruzarmos os dados concernentes ao salário versus educação, predominam as
pessoas que ganham acima de 1 salário a dois, e estas também são recordistas em nível de
escolaridade correspondente ao ensino fundamental incompleto, mais precisamente a 4ª série
primária (nomenclatura anterior à atual), ou considerando o ensino fundamental completo,
esse número subiria para 57 (cinqüenta e sete). Por outro lado, também se constata que a faixa
salarial superior a 4 salários é simétrica às pessoas com curso superior, embora não seja a
regra, pois o oposto também se comprova, uma vez que quatro pessoas com o 3º grau
conformam o conjunto daqueles que ganham acima de 1 a 2 salários, conforme pode-se
observar na Tabela 7, abaixo:
TABELA 7
Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o salário e a
escolaridade
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO ESCOLARIDADE
SUB-
TOTAL
PRIVADA PÚBLICA ANA EFI EFC EMI EMC ESC
SALÁRIO
N° % N° % N % % % % % % %
1 25 25,0 1 6,5 - - 14 23,0 8 35,0 1 25,0 3 25,0 - - 26 23,0
ACIMA DE 1 A 2 73 75,0 5 33,5 7 6,0 45 74,0 12 52,0 2 50,0 8 67,0 4 67,0 78 69,0
ACIMA DE 2 A 4 - - 7 47,0 - - 2 3,0 3 13,0 1 25,0 1 8,0 - - 7 6,0
ACIMA DE 4 - - 2 13,0 - - - - - - - - - - 2 33,0 2 2,0
TOTAL 98 100 15 100,0 7 6,0 61 100, 23 100, 4 100, 12 100, 6 100, 113 100,
Na Tabela 8 explicitam-se os tipos de deficiências, relacionando-as aos tipos de
organizações.
93
Sobre o tipo de deficiência, a pesquisa evidencia de forma preponderante a deficiência
física, com 76 (setenta e seis) pessoas, ou seja, 67% das 113 pesquisadas, seguida de 25 (vinte
e cinco) pessoas - 22% - com deficiência auditiva, dentre essas, 01 (uma) com deficiência de
linguagem (gagueira), 11 (onze), ou 10% com deficiência visual, 01 (uma) com deficiência
mental e 01 (uma) múltipla (física e auditiva), tomada e/ou contabilizada como deficiência
física.
Observa-se, assim, que, somente 10% das pessoas com deficiência visual estão
trabalhando, quando pressupúnhamos que essas pessoas tivessem mais oportunidades de
trabalho e pudessem ser em maior número inseridas no mercado de trabalho, em postos
ligados às redes de comunicação telefônica, por exemplo.
TABELA 8
Pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho segundo o tipo de deficiência
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO
PRIVADO PÚBLICO
SUB-TOTAL
TIPO DE DEFICIÊNCIA
N° % % N° %
FÍSICA 64 65,0 12 80, 76 67,0
AUDITIVA/LINGUAGEM 22 22,0 3 20, 25 22,0
VISUAL 11 11,0 - - 11 10,0
MENTAL 1 1,0 - - 1 1,0
MÚLTIPLA 1 1,0 - - 1 -
TOTAL 98 100,0 15 100 113 100,0
Se traçarmos um paralelo entre os dados coletados e o Censo Demográfico – 2000
sobre o tipo de deficiência no Brasil, observamos, com base no quadro 03, exatamente uma
inversão sobre a deficiência física a nível nacional e local, considerando a particularidade de
inserção no mercado de trabalho. Isto suscita questionamentos: qual o conceito de
deficiência? Por que a proeminência de deficientes físicos inseridos no mercado de trabalho
local, quando a estatística nacional destaca a maior incidência de deficiência visual, será uma
especificidade local? Que outros fatores podem estar contribuindo nessa particularidade?
Em relação à primeira questão, talvez a mudança de metodologia adotada pelo IBGE
(2000) para a classificação das deficiências, pautada na Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), ao ampliar a concepção de deficiência de
incapacidade para limitação de atividades, explique tal inversão, ressoando e coadunando-se
94
com a percepção empresarial que considera uma pessoa com “escoliose” ou com “problema
renal” como deficiente, conforme enunciado do sr. Paulo:
Temos outro caso aqui também de um funcionário que ele, parte dos órgãos
dele também tem uma deficiência porque ele só tem um rim (Sic, PAULO).
QUADRO 3
Tipos de Deficiência no Brasil
Tipo de
deficiência
Visual Motora Auditiva Mental Física
Total de
deficiências
Homem
7.259.074 3.295.071 3.018.218 1.545.462 861.196
15.979.021
Mulher
9.385.768 4.644.713 2.716.881 1.299.474 554.864
18.601.700
Total 16.644.842 7.939.784 5.735.099 2.844.936 1.416.060 34.580.721
Fonte: CEDIPOD-http://www cedipod.org.br/Ibge1.htm
Em contrapartida, se compararmos os dados investigados à estimativa da OMS (1996)
concernente aos tipos de deficiências existentes no Brasil, vislumbra-se uma aproximação
entre eles, com exceção da deficiência mental, mas nas demais segue a mesma ordem.
TABELA 9
Tipos de Deficiência no Brasil estimados pela OMS (1996)
TIPOS DE DEFICIÊNCIA TOTAL
MENTAL 5%
FÍSICA 2%
AUDITIVA 1,5%
VISUAL 0,5%
MÚLTIPLA 1%
MOTORA -
TOTAL 10%
Ademais, o quadro 04 mostra que o total de deficiências é superior ao número de
deficientes. Isto se explica em razão de que as pessoas incluídas em mais de um tipo de
deficiência foram contabilizadas apenas uma vez, assim como revela que as mulheres com
deficiência superam os homens.
95
QUADRO 4
Número de Deficiências e Pessoas Deficientes – Censo do IBGE (2000)
Deficiências
(A)
Deficientes
(B)
Deficiências
Múltiplas (A-
B)
Homem
15.979.021 11.420.544 4.558.477
Mulher
18.601.700 13.179.712 5.421.988
Total 34.580.721 24.600.256 9.980.465
Fonte: CEDIPOD-http://www.cedipod.org.br/Ibge1.htm
Ao longo deste item pudemos observar que as características acima delineadas acerca
das pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho em Mossoró apontam para uma
realidade de privações sucessivas em distintas dimensões, e predominam: baixa escolaridade;
baixo índice de inserção no mercado de trabalho; ocupação em funções de baixo status social;
baixo salário, sobretudo se considerarmos que além do baixo salário eles em sua maioria são
casados, possivelmente chefes de família, o que os situa na linha abaixo da pobreza; quase
inexiste ascensão profissional e esforço em adoção de procedimentos que favoreçam o
alargamento da inserção no espaço produtivo, há uma seletividade entre os próprios tipos de
deficiência, prevalecendo os tipos mais leves em detrimento dos mais severos, convergindo
para ampliar a exclusão daqueles que historicamente são excluídos, ou incluídos de forma
precária e perversa.
O período de maior admissão de pessoas com deficiência em empresas particulares
acontece entre os anos 2004 e 2005, não restando dúvida de que elas, em geral, decorrem da
imposição da lei destinada a esse segmento populacional, enquanto na esfera pública 80% das
contratações antecederam a implementação da política relativa a esse segmento social.
Os resultados referentes aos demais dados revelam sintonia com as tendências do
mercado de trabalho a nível nacional e mundial, que por sua vez se inscrevem e refletem as
mudanças em curso no mundo do trabalho, com ênfase para a precarização das relações de
trabalho, ampliação do desemprego e pauperização da classe trabalhadora.
O que expusemos neste item bem reflete as desigualdades sociais existentes na
sociedade capitalista, além do preconceito e do estigma sofridos pelas pessoas com
deficiência, que se deparam com inúmeros obstáculos para sua inserção no Mercado de
Trabalho, numa luta contínua, que vem obtendo alguns ganhos por determinação da lei.
No item a seguir, analisaremos os determinantes e as demandas organizacionais em
face do processo de inclusão das pessoas com deficiência no Mercado de Trabalho.
96
2.2 Determinantes e Demandas Organizacionais em face do Processo de Inclusão
de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho em Mossoró – RN
A análise dos determinantes organizacionais em face do processo de inclusão de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal suscita uma explicação e o
entendimento de empresa privada e instituição. Por empresa privada compreende-se “unidade
produtiva, característica do sistema capitalista, baseada na livre iniciativa individual e na
obtenção e livre disposição de renda”. (Dicionário de Sociologia, 1981, p.113).
Enquanto instituição,
[...] se refere essencialmente a estrutura, e como tal se aplica a organização
ou grupos dotados de certa estabilidade estrutural assentada em norma e
valores dos próprios grupos ou organizações ou então em valores da
sociedade onde se inserem” (Dicionário de Ciências Sociais, 1986, p.612).
Para contextualizar a realidade organizacional local, adotamos como ponto de partida
um estudo exploratório realizado com dados da Sub-Delegacia Regional do Trabalho e do
SEBRAE, referentes ao exercício 2004, tendo como o parâmetro para a nossa investigação o
sistema de cotas para empresas privadas e instituições públicas preconizado pela Política
Nacional relativa à Pessoa com Deficiência, conforme discorremos na Introdução deste
trabalho.
Para a análise da estrutura ocupacional do mercado de trabalho, notadamente na
particularidade de inserção das pessoas com deficiência, consideramos os setores com maior e
menor capacidade de criação de novos empregos, o tempo de funcionamento das
organizações, o tamanho dos estabelecimentos, o tempo de serviço do trabalhador na mesma
organização, os motivos para a admissão, tipos de deficiências, demandas postas a estes
trabalhadores, vínculo empregatício materializado, funções que desempenham, salário que
percebem, benefícios ocupacionais materializados, qualificação ofertada pelas organizações e
adaptações realizadas para o exercício profissional.
As organizações privadas e públicas são as demandantes diretas dos empregos
assalariados e regulamentados das pessoas com deficiência no mercado de trabalho em
Mossoró. Tais organizações são compostas por ramos de atividades bem diversificados, quais
sejam: serviços (assim distribuídos: comércio, empresas terceirizadas que prestam serviços a
Petrobras, assistência social, saúde, segurança, educação, previdência social), indústria e
97
agricultura. A tabela 10 expõe essa diversidade da demanda organizacional, situando as
esferas privada e pública, como segue:
TABELA 10
Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo o ramo de atividade
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO
PRIVADA PÚBLICA
SUB-TOTAL
RAMO DE ATIVIDADE
F E M*
COMÉRCIO 3 - - - 3
INDÚSTRIA 2 - - - 2
EMPRESAS TERCEIRIZADAS 2 - - - 2
ASSISTÊCIA SOCIAL - - 1 1 2
SAÚDE 1 - 1 - 2
SEGURANÇA - - 1 - 1
EDUCAÇÃO 1 1 - 1 3
PREVIDÊNCIA SOCIAL - 1 - - 1
AGRICULTURA 1 - - - 1
TOTAL 10 2 3 2 17
*F= federal, E=estadual, M=municipal
A estrutura ocupacional a nível local reproduz uma tendência mundial, marcada pelo
crescimento do setor de serviços e desindustrialização, fruto da desregulamentação da
economia, da flexibilização dos mercados, da primazia da financeirização em detrimento dos
investimentos produtivos. Esse movimento redesenha a ordem dos setores que compõem a
economia, onde o setor de serviço comparece como o principal responsável pela ocupação da
força de trabalho humano, sem, contudo, significar correspondência com os postos de trabalho
extintos nos setores primário e secundário. Ademais, as relações de trabalho nesse setor, de
maneira geral, efetuam-se à margem da legislação trabalhista, no segmento não organizado,
numa explícita progressão da precarização da força de trabalho. Como destaca Pochmann:
No setor terciário, o emprego no segmento organizado cresceu a uma taxa
média anual de 3,9% no período de 1985/90
e de 1,3% no período 1990/96,
enquanto o segmento não-organizado registrou variações anuais do emprego
de 5,8% nos anos de 185/90 e de 6,4% nos anos 1990/96 (2000, p.100).
98
Nesta direção, a literatura especializada conceitua serviços com um duplo sentido. Em
Marx, apresenta-se com uma conotação genérica e outra específica, mas não são conceitos
distintos, constituem uma unidade, porém em distintos níveis de abstração. Em seu aspecto
mais abstrato, serviço é uma extensão do conceito de valor de uso. Nessa dimensão “serviço
nada mais é que o efeito útil de um valor de uso, mercadoria ou trabalho” (Marx, 1968, p.
216).
Ao observarmos na literatura a compreensão de serviços de consumo, apreendemos
que esses, conforme Paul Singer, constituem um conjunto heterogêneo de atividades
econômicas que ocupam certos espaços na divisão social do trabalho e na esfera de
especialização dos capitais. Sua característica principal é a de fornecer trabalho como mero
valor de uso, para um consumo privado. Portanto, os serviços podem ser identificados como
serviços de consumo, contrapondo-se aos serviços de produção e circulação de mercadorias, e
com essa conotação estão incluídos o comércio, o transporte, as atividades bancárias e
financeiras, dentre outros.
Quanto ao tempo de funcionamento das organizações pesquisadas, observamos na
tabela 11 que do universo pesquisado não foram identificadas empresas que tenham iniciado
suas atividades nos últimos cinco anos.
TABELA 11
Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo o tempo de funcionamento
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO
PÚBLICA
PRIVADA
F E M
SUB-TOTAL
PERÍODO
N° % % % % N %
6 – 10 ANOS 3 - - - 3
11 - 15 2 1 3
16 - 20 1 - - - 1
21 - 25
26 - 30 3 - - - 3
ACIMA DE 30 1 1 3 1 6
NÃO SOUBE RESPONDER - - - 1 1
TOTAL 10 2 3 2 17
Os dados da tabela 11 reiteram, ao lado de outras informações, os efeitos perversos das
mudanças no mundo do trabalho para a classe trabalhadora, sobretudo no período pós-1990,
99
cujos reflexos incidem na retração acentuada da criação de novos estabelecimentos
organizacionais, na redução da capacidade de geração de novos empregos regulares e
regulamentados, na diminuição do poder de compra dos assalariados, na subutilização da
força de trabalho, no fomentando a economia informal, na perda de direitos trabalhistas, no
desemprego, resultando na ampliação da pobreza, das desigualdades sociais, da exclusão
social.
A análise da situação nacional do emprego inscreve-se em duas interpretações
distintas. Uma tributa a diminuição dos empregos, a reestruturação econômica, a ajustes na
economia, visando alavancar maior inserção na economia mundial. Portanto, superada essa
fase, o nível de emprego voltaria a crescer. Outra imputa a orientação da política
macroeconômica que associou recessão, desregulamentação, redução do papel do Estado,
abertura comercial indiscriminada, elevadas taxas de juro e câmbio, sintonizada e subordinada
aos interesses de organismos financeiros internacionais, cujos resultados não indicam
transitoriedade, mas tendem para a sua manutenção, senão para o agravamento.
Em se tratando do tamanho das organizações, ou precisamente quantos trabalhadores
compõem o quadro funcional de cada organização, conforme expomos na Tabela 12, é
importante ressaltar que, a instituição com menos de cem funcionários é pública, logo não
foge aos parâmetros da legislação em análise, uma vez que o percentual da cota aplica-se aos
candidatos aprovados no certame e não em relação ao número de funcionários existentes na
instituição.
TABELA 12
Organizações que inserem Pessoas com Deficiência segundo a quantidade de funcionários
Mossoró-RN: 2006
ORGANIZAÇÃO
PRIVADO PÚBLICO
SUB-TOTAL
QUANTIDADE DE
FUNCIONÁRIOS
N° % % %
ABAIXO DE 100 - 1 1
100 - 200 4 2 6
201 - 500 4 3 7
501 - 1000 1 - 1
ACIMA DE 1000 1 - 1
NÃO SOUBE RESPONDER - 1 1
TOTAL 10 7 17
100
Analisando o tamanho das organizações sobre o prisma do sistema de cotas e
articulando ao número de pessoas com deficiência inseridas nesses espaços ocupacionais, em
se tratando de empresas particulares, observamos o seguinte: uma empresa situada com
percentual de 2% contrata um número de pessoas com deficiência acima do que é
determinado legalmente; nas demais organizações há equivalência entre aquelas que cumprem
a cota e aquelas que estão em desacordo com esta. O desrespeito à legislação traduz-se na não
ocupação de 113 (cento e treze) postos de trabalho, o correspondente a 50% de pessoas com
deficiências excluídas do mercado de trabalho formal em Mossoró. Contudo, convém
assinalar que entre aquelas que estão infratoras à desproporcionalidade entre as cotas e o
número de pessoas com deficiência agrava-se mais à medida que a empresa registra um
número maior de funcionários.
Os dados supra mencionados permitem inferir que as organizações que mais
empregam pessoas com deficiência na cidade de Mossoró têm entre cem e quinhentos
trabalhadores. Tal resultado assemelha-se à análise de Pochmann (2000) acerca da estrutura
do emprego regular e regulamentado realizada a nível nacional anos de 1980 a 1995, assim
como está em correspondência com os dados registrados em Retratos da Deficiência no
Brasil (IBRE/FGV – 2000), em que as empresas empregadoras de 100 a 200 funcionários
apresentam taxa de empregabilidade média de 2,7%, contrapondo-se aos 2% exigido pela lei;
nas empresas com 201 a 500 trabalhadores a taxa de empregabilidade de pessoas com
deficiência é de 2,9%, contra os 3% exigidos por lei. Quando se examinam as empresas que
contabilizam de 501 a 1000 empregados nos seus quadros funcionais, observa-se que a taxa
de pessoas com deficiência é de 2,8%, em oposição aos 4% da cota definida. Infração legal
similar ocorre nas empresas com mais de 1000 funcionários, que contratam apenas 2,3%,
contra os 5% estipulados legalmente.
Portanto, a nível nacional, a violação as cotas fixadas implica que 518.012 novos
postos de trabalho formal deixaram de ser criados para as pessoas com deficiência, o que
ampliaria duas vezes o contingente hoje incluído. Situando esta informação num universo de
26 milhões de trabalhadores formais ativos, em que tão somente 537 mil são pessoas com
deficiência, representando apenas 2% do total ou considerando que a categoria de inativos
ocupa a posição mais expressiva da população brasileira, nela as pessoas sem deficiência
somam 32%, enquanto as pessoas com deficiência representam 52%. Tais dados reafirmam de
forma contundente a exclusão desse segmento populacional no mercado de trabalho formal e,
ao mesmo tempo, denuncia a fragilidade da legislação, embora a ela ainda se possa tributar
101
como legado estratégico de inclusão social (Retratos da Deficiência no Brasil - IBRE/FGV –
2000).
TABELA 13
Estrutura Ocupacional do Mercado de Trabalho segundo o número de Pessoas com
Deficiências Incluídas
Mossoró-RN : 2006
NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS NAS
ORGANIZAÇÕES
NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS
COM DEFICIÊNCIAS
PRIVADA PÚBLICA PRIVADA PÚBLICA
102 - 5 -
167 - 3 -
460 - 2 -
- - - 2
260 - 6 -
239 - 8 -
- 412 - 5
- 74 - 2
- 260 - 1
738 - 10 -
152 - 3 -
- 189 - 1
310 - 8 -
- 110 - 2
100 - 1 -
2.658 - 52 -
- 236 - 2
5.186 1.281 98 15
Observando-se a Tabela 13 e cotejando o número de funcionários com deficiência e o
número de funcionários sem deficiência inseridos no mercado de trabalho formal em
Mossoró-RN, visualiza-se uma tremenda desproporcionalidade entre esses. No rastro do
raciocínio utilizado pela FGV, a nível nacional, acerca da violação das cotas para a inserção
de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal e aplicando-o ao universo
pesquisado, constata-se que dos 6.467 trabalhadores em exercício laboral apenas 113 são
pessoas com deficiência, representam tão somente 1,7% do total dos trabalhadores. Expõe-se
assim, de maneira inequívoca, a exclusão das pessoas com deficiência nessa modalidade de
trabalho e, por conseguinte, a contradição da Política Nacional para a Integração de Pessoas
Portadoras de Deficiência que preconiza a inclusão desse contingente populacional no
mercado de trabalho formal mediante o sistema de cotas.
Observa-se também uma alteração em relação ao tamanho das organizações
relacionada ao número reduzido de empresas com mais de 500 funcionários. Isto reflete
diretamente os pressupostos da acumulação flexível, orientam para a descentralização das
102
unidades produtivas acompanhada, para a produção vinculada à demanda, para a introdução
do trabalhador polivalente. O conjunto dessas prerrogativas tem implicações diretas na
redução de contratações, ou em contratações via empresas terceirizadas, em plantas
produtivas compatíveis com o paradigma hegemônico, em curso.
Nas entrevistas, ao indagarmos sobre a presença de pessoas com deficiências no
quadro de pessoal, apreendemos que todos os gestores foram unânimes em responder
afirmativamente. No desdobramento dessa interrogação, questionamos a partir de quando a
organização começou a empregar esse contingente social. Tal indagação objetivava identificar
o tempo de serviço desses trabalhadores na empresa, por conseguinte se o trabalho é ou não
temporário e se a admissão estava implicitamente relacionada ou não à vigência da legislação
relativa a esse segmento. As respostas obtidas foram as seguintes: 04 (quatro) organizações -
sendo 02 (duas) privadas e 02 (duas) públicas (uma na esfera estadual e outra na esfera
federal) – contrataram pessoas com deficiência no período anterior a 1999; outras 04 (quatro)
organizações admitiram esse contingente entre os anos de 2000 e 2001; 03 (três) empresas
contrataram pessoas com deficiência nos anos de 2004 e 2005; 04 (quatro) entrevistados não
quiseram responder; uma empresa admitiu esse segmento social quando o quadro de pessoal
ultrapassou cem funcionários e ainda uma empresa contabiliza na cota relativa às pessoas com
deficiência um empregado que adquiriu deficiência no próprio exercício laboral.
Em face do exposto, podemos afirmar que a inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho local não se efetua exclusivamente por força da legislação, a exemplo da
esfera pública, onde 80% das contratações datam do período anterior à vigência da Política
Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de Deficiência. Por outro lado, a citada
política tem um papel preponderante nesta direção na esfera privada. Esta digressão cristaliza-
se quando cruzamos o ano de admissão com o número de admissões realizadas e, de maneira
inequívoca, destaca-se o ano de 2004 com o maior número de contratações, sobretudo na
esfera privada, correspondendo ao período de notificação das empresas, no tocante às cotas
para as pessoas com deficiência, pela DRT.
Entre as instituições pesquisadas, no tocante à questão em análise, é pertinente
sublinhar algumas particularidades. Em uma, ficou explícito que não há contratação de
pessoas com deficiência, e a explicação do entrevistado é a seguinte:
[...] porque nossa atividade realmente não admite, ou seja, não admite em
razão do grau de periculosidade, necessidade de atividade que disponha de
visão, dos movimentos, então a deficiência ela vai, digamos assim, limitar
nossa atividade. Então quando ocorre um caso desse tipo o nosso integrante
103
ele é reformado, quer dizer é uma nomenclatura que a gente usa para
aposentadoria por invalidez (Sic, JOÃO).
Na empresa B, ficou implícito que, para cumprir a exigência da cota atinente à pessoa
com deficiência, a organização contabiliza como deficientes empregados que no decorrer do
exercício profissional adquiriram limitações. Não há, portanto, contratação desse segmento
social.
As situações anteriormente relatadas revelam atitudes preconceituosas em relação às
pessoas com deficiência, chancelam o descrédito, destacam a deficiência, desqualificam o
sujeito em suas potencialidades. Ora, sob o véu da periculosidade, tentam mascarar a
discriminação com as pessoas que apresentam alguma deficiência. Tal sofisma é reforçado,
em face da contradição manifesta na realocação de funções, decorrentes de acidentes no
trabalho. Como se pode desvelar, como expressa a fala a seguir:
[...] alguns policiais militares, a junta [médica] determina que ele fique apto
com restrições. Quais são as restrições, por exemplo? É serviço ostensivo,
[então, a junta o] encaminha para atividades burocráticas pra que não perca
esse homem, quer dizer uma pessoa que tenha oito, dez anos de serviço,
então faltam 20 anos. Se a polícia reformar esse homem, o Estado vai perder
20 anos de serviço, ele pode produzir em outra atividade (Sic, JOÃO).
Quanto aos motivos para a admissão de pessoas com deficiência, dez entrevistados
responderam que decorre da injunção legal, as demais respostas são variadas e quando
relacionadas às instituições públicas, surgem como resultado de concurso que, em 80% dos
casos, antecedeu essa legislação. Portanto, é incontestável que a Política Nacional para a
Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência, expressão da Lei 7.854/1989, possibilita
parcialmente a inclusão de pessoas no mercado de trabalho, principalmente no setor privado.
Todavia, a modalidade de inclusão que se materializa no contexto institucional é outra
questão que será analisada posteriormente.
No tocante ao tipo de deficiência, verificamos que predomina a deficiência física,
seguida da auditiva, visual e somente uma mental. Ancorada no baixo índice de contratação
de pessoas com deficiência mental supõe-se maior discriminação e resistência para com as
pessoas com esse tipo de deficiência. Associado ao preconceito observa-se também o
desconhecimento de alguns entrevistados sobre o que é deficiência, essa desinformação
acentua-se e desvela-se em geral quando indagamos sobre os tipos de deficiência. O
depoimento seguinte confirma nosso pressuposto:
104
No edital não consta nenhuma exigência, agora não só para deficiente, mas
para todos os servidores, consta a questão mental. A deficiência mental,
porque tanto o servidor que não tem deficiência quanto o que tem deficiência
[tem que se submeter] ao exame psiquiátrico, esse exame é necessário (Sic,
APARECIDA).
Entre os determinantes para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho analisamos as demandas postas pelas organizações. Demandas entendidas como
“requisições técnico-operativas que, através do mercado de trabalho, incorporam as
exigências dos sujeitos demandantes” (MOTA, AMARAL, 2000, p. 25). Nessa perspectiva,
afloraram com destaque as demandas relacionadas à avaliação médica e à qualificação
profissional, e, contraditoriamente, a facilidade de locomoção.
Em relação à primeira exigência, o aval do médico perito do INSS simboliza a
garantia de que a organização está fazendo o “dever de casa”, objetiva confirmar a própria
deficiência. Isto evidencia e reforça que a “adesão” da empresa aos propósitos legais
relacionados à política em análise dá-se mais em razão de evitar sanções do que em
reconhecer a pessoa com deficiência como capaz de inserir-se no processo de trabalho de
forma eficiente. A fala de um entrevistado reitera nossa compreensão:
“a exigência que nós fazemos é que a pessoa se declare deficiente, assine
uma declaração ou traga uma declaração do próprio médico da área que a
pessoa tem deficiência” (Sic, FRANCISCO).
No que diz respeito à qualificação profissional, em tese as respostas apontaram para a
compatibilidade entre a função que está sendo ofertada e a qualificação profissional exigida,
mas essa é também, em algumas situações, relativizada. Em meio a essas demandas, algumas
empresas requisitam cursos obrigatórios (Primeiros Socorros, Direção Defensiva, Segurança,
Meio Ambiente e Saúde - SMS, curso básico de segurança no trabalho - CEBASE, Atestado
de Saúde Ocupacional -ASO).
Nessa particularidade, as empresas, salvo para se proteger das injunções legais, e é
exatamente nessa circunstância que a qualificação é relativizada, supõe-se tratar as pessoas
com deficiência de maneira flexível. Todavia, importa reter que o protagonismo da
qualificação profissional no contexto da economia globalizada atua concomitantemente como
estratégia para responsabilizar o indivíduo da situação de desemprego como também para
acompanhar o desenvolvimento de novas tecnologias que intensificam a exploração e a
alienação e, ao mesmo tempo, são poupadoras de mão-de-obra, mesmo que qualificada.
A literatura especializada aborda como uma das modalidades de acentuação das
105
limitações das pessoas com deficiência as barreiras físicas, culturais, sociais, que impedem a
acessibilidade aos diversos sistemas da sociedade disponíveis aos demais cidadãos. Nesta
direção, detectamos opiniões de gestores que dissimuladamente determinam como demanda
para a “inserção” de pessoas com deficiência a facilidade de locomoção, exigência
incompatível com sua limitação motora, senão vejamos:
[...] uma das primeiras exigências que a gente usa é que ele não tenha
dificuldade de locomoção, mas se ele se locomova bem. Independente de sua
deficiência, nós a contratamos (Sic, FRANCISCO).
O gestor da empresa C comunga das atitudes que intensificam as limitações fundadas
nas barreiras arquitetônicas. Ele verbaliza sua opinião da seguinte maneira:
Nós temos algumas funções aqui dentro que precisa muito de se movimentar,
de subir escada, quando eu sei que surgiu vaga, mas que é nesta área eu
realmente não tenho como colocar pessoas com deficiência (Sic,
SOCORRO).
Tais depoimentos sugerem dupla interpretação: Primeira, o desinteresse das
organizações em adaptar o ambiente de trabalho às pessoas em suas limitações específicas
conseqüentemente reduzem a capacidade de ampliação de contratação. Segunda, essa
exigência exprime a ampliação da exclusão, em vez de favorecer a inclusão desse segmento.
Ao analisarmos esses posicionamentos, observamos que a incapacidade acentua-se mais em
função da relação entre as pessoas com deficiência e o ambiente de trabalho do que
prioritariamente em face da limitação das pessoas.
Quanto ao processo de admissão para as pessoas com deficiência é praticamente igual
ao das demais pessoas, salvaguardadas as peculiaridades das esferas privada e pública. No
âmbito privado, caracteriza-se por entrevista, seleção de currículo, exames médicos,
acrescidos do laudo do perito do INSS, afirmando a aptidão para a função, documentos
pessoais. Algumas empresas utilizaram a mediação das associações de classe, sindicatos,
instituições voltadas para a formação e mediação de mão-de-obra, como a Fundação de
Geração de Emprego e Renda (FUNGER) e SINE, respectivamente. No âmbito público
predomina concurso público, exceto em se tratando da esfera municipal, onde se constatou
cargo comissionado, decorrente de indicação política.
É pertinente salientar o gérmen de articulação entre entidades governamentais e não-
106
governamentais, em particular entre empresas e associações, sindicatos de classes; articulação
essa imprescindível na construção de uma sociedade democrática, desde que as organizações
representativas de classes façam-se reconhecer como instâncias de influência, canais de
expressão de necessidades, proposições, reivindicações, negociações, disseminação de
informações e de oportunidades profissionais, de desenvolvimento de capacidade
organizativa, apoio mútuo e não como mero apêndice dos interesses governamentais ou
empresarias.
Em se tratando de instituição pública, indagamos quando foi realizado o último
concurso e, em seguida, se através desse houve a inserção de alguma pessoa com deficiência.
Em relação à primeira questão, observa-se que os concursos foram realizados nos anos de
1990, 1991, 1992, 2003, 2005 e 2006, totalizando sete concursos. A instância com maior
resistência à realização de concursos é a estadual, seguida da municipal, em contraposição ao
âmbito federal. Quanto a segunda indagação, os entrevistados relataram que todas as
inserções estão dissociadas do último certame, pois elas ingressaram em concursos anteriores.
Consideramos insignificante a quantidade de concursos realizados no período da
vigência da Política relativa à Pessoa com Deficiência. Outrossim, entendemos que, essa
medida governamental faz parte da Reforma Administrativa, assim como está associada à Lei
de Responsabilidade Fiscal, que impõe regras rígidas para o gasto com pessoal, ao lado de
estratégias de estímulo a programa de demissão voluntária, de demissão de funcionários
públicos não estáveis, fechamento e privatização de organismos estatais, dentre outras
iniciativas, todas, porém, sintonizadas aos ditames neoliberais, direcionadas de forma
ambígua, pois ao tempo em que exigem a contenção de gastos com pessoal no setor público,
canalizam os recursos advindos dessa redução para sanear o setor financeiro privado e demais
despesas promovidas, sobretudo, para a decantada estabilidade monetária. Esse conjunto de
medidas contribui indubitavelmente para o crescimento do desemprego e amplia o fosso entre
ricos e pobres.
O mundo do trabalho sob os impactos da recomposição do ciclo de reprodução do
capital redireciona também o mercado de trabalho, o consumo da força de trabalho. Estes se
pautam em modelos distintos daquele que presidia o paradigma fordista-taylorista. É
crescente, nos tempos recentes, a utilização da subcontratação
5
, do trabalho temporário,
5
Subcontratação diz respeito “principalmente a relações (sejam relações diretas entre trabalhador e empresa,
sejam relações indiretas envolvendo um intermediário) nas quais (i) a forma de relação entre empresa usuária e
os trabalhadores envolvidos é de dependência e autonomia: (ii) o conteúdo da relação é, apesar de tudo,
assimétrico por causa da dependência do trabalhador em relação à empresa usuária, resultado da organização dos
trabalhadores e da subcontratação técnica à empresa usuária. Assim, o termo ‘subcontratação’ é mais
107
parcial, em domicílio, do trabalho informal. Esse arcabouço precarizado, em geral, rege-se e
exprime vínculos empregatícios frágeis, onde o contrato regular, a carteira de trabalho
assinada e, com ela, a garantia de direitos e benefícios, o assalariamento, não são comuns a
todos os que trabalham.
Neste cenário, situamos nossa investigação, e inquirindo acerca do vínculo
empregatício materializado, constatamos três situações. Predomina o contrato de trabalho
regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas, seguida de regime estatutário e dois cargos
comissionados. De maneira geral, os dados coletados conduzem-nos a afirmar que, no
contexto pesquisado, as relações de trabalho são regulamentadas, ocorrem no segmento
organizado, são assalariadas, supõe relativa “segurança” para os trabalhadores. Portanto,
diferenciam-se daquelas práticas que configuram, de forma crescente, o mercado de trabalho a
nível mundial, nas últimas décadas do Século XX e anos iniciais do Século em curso.
Entretanto, esse quadro comporta duas observações antagônicas. De um lado, é
inegável que em conjuntura de ampla precarização e informalidade no mundo do trabalho, um
grupo de trabalhadores com certas garantias concernentes ao setor formal é um fato positivo,
mas, por outro lado, tal “conquista” ecoa em decorrência da força de uma legislação,
desvirtuando, assim, o potencial de luta e conquistas da classe trabalhadora.
Sintonizados com as mudanças no mundo do trabalho em curso urge, pois, conhecer
qual o tipo de contrato materializado nas relações trabalhistas. Nesse sentido, mesmo com a
implantação do Regime Geral Único, nele persiste a distinção entre o setor privado e público.
Portanto, em se tratando do setor privado, a maioria dos entrevistados afirmou que
inicialmente é firmado um contrato de experiência de 45/45 dias, equivalente a 90 dias, e,
passado esse período, automaticamente, com exceção daqueles que não se adaptaram ou da
situação do contrato de safra relatado anteriormente, o contrato passa a ser por tempo
indeterminado, nas condições previstas na CLT. No setor público, cujo vínculo é estatutário,
os contratos são por tempo indeterminado. Logo, nessa situação, os trabalhadores galgam
estabilidade.
As questões relativas às funções e salário foram tratadas no item anterior, na
caracterização das pessoas com deficiência.
Quanto aos benefícios ocupacionais decorrentes do vínculo de trabalho
regulamentado, constatamos que nove empresas disponibilizam algum tipo de benefício,
freqüentemente usado para se aferir a situações em que o conteúdo da relação parece ser similar a uma relação de
emprego, enquanto a forma é de tipo comercial, ou ao menos quando parece haver algum tipo de combinação
entre os aspectos comerciais e de emprego na relação estabelecida” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO, 1995, p.6)
108
enquanto oito não os oferecem. Entre os benefícios concedidos estão: vale transporte, que,
embora regulamentado apenas é disponibilizado se solicitado, vale-refeição, assistência
médica e odontológica, cesta básica, convênio com farmácia, auxílio-creche. Observa-se,
entre as organizações concedentes, que há maior participação das empresas privadas. Por
outro lado, os benefícios consignados pelas instituições públicas são mais amplos. Não
constatamos nenhum benefício específico para as pessoas com deficiência.
Os gestores entrevistados foram unânimes em afirmar que as empresas não recebem
nenhum tipo de subsídio, subvenção do Estado, para inserir pessoas com deficiências no seu
quadro de pessoal.
Na tentativa de articular acesso/permanência ao mercado de trabalho e qualificação,
visto que de forma recorrente, o mercado de trabalho exige como requisito básico a elevação
da formação e qualificação da mão-de-obra, indagamos aos gestores se a organização oferece
cursos, treinamentos para os funcionários. Nesta direção, obtivemos nove respostas
afirmativas no âmbito privado e seis no âmbito público, e uma resposta negativa em ambos
segmentos. Diante disso, presume-se ser conveniente salientar algumas particularidades. Em
algumas empresas, a obrigatoriedade de cursos antecede e perpassa o período de contratação,
conforme se pode confirmar no depoimento seguinte:
Esses cursos já são obrigatórios da empresa, já faz parte do contrato. Para ele
entrar ele tem que ter os cursos e pra ele se manter nos vencimentos dos
mesmos ele tem que fazer reciclagem, renovar todos os cursos (Sic,
PAULO).
Todavia, estudos revelam a existência de discordância em torno da qualificação como
meio de acesso ao mercado de trabalho. Noutra angulação, contudo, parece consensual que as
novas competências requeridas viabilizam a utilização de inovações tecnológicas direcionadas
e capazes de atender aos objetivos da produção, a incrementar o aumento da produtividade
com maior qualidade. Nessa perspectiva, expõe-se a fala de um entrevistado:
Nós temos uma coordenação de Recursos Humanos agora voltada para o
servidor, uma política muito voltada para o servidor e que implementou
muito essa área de recursos humanos, porque é nela que são feitos os
treinamentos. Temos uma secção na área de recursos humanos que é de
desenvolvimento, do treinamento, do reforço, até porque um servidor bem
treinado pra não ficar aquela conotação de adestrado, para o desenvolvimento
de pessoas, agora. O servidor bem capacitado o salto é qualitativo para a
empresa (Sic, APARECIDA).
109
O desdobramento da questão anterior trata dos tipos de cursos, treinamentos
oferecidos pelas organizações. Nesta particularidade, estes são inerentes à natureza das
atividades realizadas. Os cursos/treinamentos implementados são os seguintes: motivação,
stress no trabalho, desenvolvimento de equipe, direção defensiva, primeiros socorros, cargas
perigosas - MOPE, CEBASE, SMS -, recepcionista, gestão de pessoas, formação continuada
na área de educação, instrumental, ações sócio-educativas, legislação previdenciária, questão
rural, noção básica de higiene, manuseio de agrotóxicos e defensivos agrícolas, boas práticas
de colheita, embalagem, controle infecto-hospitalar, boas práticas de fabricação, segurança no
trabalho, política de qualidade.
Em âmbito internacional e nacional, são previstas algumas medidas de promoção da
ampliação de oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência mediante a adoção
de procedimentos especiais, traduzidos em adaptações do local de trabalho, das ferramentas,
das máquinas e do material, em face às dificuldades físicas e comunicacionais. Neste sentido,
consultamos se a organização precisou fazer alguma adaptação para acolher e/ou facilitar o
processo de trabalho desse segmento. Dos resultados obtidos, apreendemos que 82% dos
estabelecimentos não realizaram qualquer tipo de adaptação. Todavia, tal atitude não
representa a ausência de dificuldades das pessoas com deficiência incluídas no mercado de
trabalho, antes exprime atitudes de “seletividade” ou acomodação de conveniência em relação
ao espaço físico, à deficiência ou à limitação.
O processo seletivo concretiza-se na medida em que o candidato escolhido apresenta o
tipo de deficiência compatível com o ambiente físico da organização, que não implique a
necessidade de modificações ergonômetras. Essa poderá inclusive acontecer, mas destina-se a
atender a outros interesses distintos e distantes da promoção da redução de obstáculos para a
pessoa com deficiência, embora não o impeça de utilizar. Nossa análise respalda-se, entre
outros, no depoimento abaixo:
Quando o pessoal [refere-se as pessoas com deficiência] entrou, eles não tem
deficiência nos membros inferiores como eu falei, [no processo seletivo, o
gestor de recursos humanos descarta as pessoas com deficiência física nos
membros inferiores] então não foi preciso colocar adaptação pra eles
trabalharem. Sim a gente fez algumas mudanças, mas não para os nossos
deficientes e sim para nossos clientes deficientes que se locomovem dentro
da nossa loja, mas o funcionário em si a gente não necessitou fazer essa
mudança (Sic, FRANCISCO).
Tal atitude, ao lado de outras anteriormente analisadas, convergem para a redução do
número de trabalhadores com deficiência a serem inseridos no mercado de trabalho, explica
110
porque “o número real de trabalhadores com deficiência empregados em estabelecimentos
comuns ou especiais está muito abaixo daquele correspondente ao número de pessoas
deficientes capazes de trabalhar” (Programa de Ação Mundial para as pessoas com
Deficiência aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, pela Resolução 37/52, de 3
de dezembro de 1982). Emanam desse depoimento elementos analíticos para além da
necessidade de adaptações materiais, relacionados à negação dos direitos humanos mais
elementares, como o de ir e vir, e o respeito à diversidade.
Quanto às organizações que realizaram adaptações nas estruturas físicas e imobiliárias
das empresas, essas materializaram-se na criação de rampas e banheiros. Outrossim,
observamos que, em algumas empresas, explícita ou implicitamente, esse processo não difere
do anterior, ou seja, as adaptações vinculam-se prioritariamente às conveniências
empresariais, como evidencia o depoimento de um gestor:
A gente tá criando muita rampa. Agora se você me perguntar se isso é só em
benefício do portador de deficiência, não. Mas porque foi percebido alguns
probleminhas que dificultam o acesso de todos (Sic, SOCORRO).
Buscamos também, nesta pesquisa, apreender se a pessoa com deficiência corresponde
à função em exercício. Para tanto, formulamos questões voltadas para avaliar, através dos
gestores, o desempenho dessas pessoas nas organizações. Ao analisarmos os resultados das
entrevistas, observamos que as falas expressam praticamente unanimidade em direção a
desempenhos tidos como satisfatórios, onde a deficiência dilui-se no exercício profissional,
onde o profissionalismo manifesta-se. As opiniões nesse sentido foram sintetizadas nas
seguintes expressões: “as pessoas com deficiência realizam as atividades com destreza,
habilidade, responsabilidade, pontualidade”. “É como que para mostrar que a deficiência não
é o seu limite”. Ou ainda manifesta com o pensamento abaixo:
Eu vejo o deficiente, ele tem uma vontade a mais, uma vontade maior pelo
fato de ser deficiente quando consegue um emprego ele agarra com unhas e
dentes, ele veste a camisa da empresa, passa a ser um colaborador, defende a
empresa, realmente é um guerreiro (Sic, PAULO).
Ao contrário da concepção anterior, constatamos uma avaliação de desempenho
negativo, embora não exclusiva das pessoas com deficiência, em que se observa a instituição
de uma cultura de “desvalorização” do emprego. O relato seguinte denota essa situação:
111
Inicialmente ele tá precisando do emprego, faz tudo que for necessário, e eu
digo já me direcionando as pessoas portadoras de deficiências [...] Então,
com o passar do tempo, tem interesse em sair para receber o seguro
desemprego. Falta muito, porque não é uma cultura só do deficiente não, é
uma cultura geral.[...] Eu contrato pessoas que depois de dois meses, quando
dar direito a receber o fundo de garantia, colocam todos os empecilhos
possíveis para serem botados pra fora, para receber o fundo de garantia, os
40% e aí, passam alguns meses em casa pra batalhar emprego de novo.[...] Eu
tive problema com três portadores de deficiência, eles vinham trabalhar,
chegavam no horário, batiam o ponto e depois do almoço não retornavam,
essa atitude foi repetida várias vezes na semana (Sic, SOCORRO).
A pesquisa revela que, malgrado os gestores reconheçam que a pessoa com deficiência
apresenta atitudes, valores, desempenho profissional iguais aos demais cidadãos, essa visão
parece restrita ao momento da avaliação, devendo se ampliar ao momento da contratação,
onde o olhar para a pessoa com deficiência possa focalizar suas potencialidades e não suas
limitações, possa criar condições favoráveis e condizentes às necessidades pessoais especiais,
possa haver coerência entre esses dois momentos, resultando na superação de barreiras e
preconceitos ainda tão presentes no mercado de trabalho, consubstanciando-se numa inclusão
mais ampla.
Buscando aprofundar nossa análise, indagamos como os gestores analisam a Lei que
trata da integração das pessoas com deficiência, na particularidade da inserção no Mercado de
Trabalho. Todos foram unânimes em considerá-la como positiva, em diversas dimensões:
oportuniza aos deficientes o acesso a um emprego, a valorização da sua capacidade, do seu
potencial, da possibilidade de uma vida independente, acesso à renda, aos bens de consumo, a
direitos advindos do trabalho regulamentado, contribui para a superação do preconceito,
restaura a auto-estima. A esse respeito, é importante destacar o depoimento de uma gestora,
no sentido de revelar que mesmo se tratando de “uma gota d’água no oceano” o sistema de
cotas desencadeia um processo de reconhecimento de premente necessidade de programas de
inserção das pessoas com deficiência no Mercado de Trabalho. Ela assim se exprime:
Eu analiso a lei como muito favorável a inclusão de pessoas portadores de
deficiência, eu acho que foi o momento em que, foi como se tivesse acendido
uma luz pra o empresário, a sociedade civil, essa questão de determinar as
cotas eu também acho de extrema importância, porque você acaba dando ao
empresário um objetivo a ser alcançado, pode-se ultrapassar, mas não pode
ficar aquém e eu acho que isso também é importante, que faz com que a
gente tenha uma preocupação maior em tá admitindo, avaliando,
acompanhando o rendimento mais de perto dessas pessoas (Sic,
TEREZINHA).
112
Por outra parte, observa-se que, simultaneamente ao reconhecimento de que a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência viabiliza a inserção dessas
pessoas no mercado de trabalho, evidencia-se também a clareza de que ela, por si mesma, é
insuficiente para o acesso e permanência de todo esse segmento populacional em idade
economicamente ativa, sendo, portanto, a qualificação profissional, a reciclagem, o
acompanhamento e adoção de incentivos fiscais, subvenções governamentais, meros
mecanismos utilizados para despistar da verdadeira causa, radicada no próprio sistema em
curso.
A lei é boa, é válida, agora contanto que sejam proporcionados meios para
que ela seja cumprida adequadamente. A empresa não pode manter uma
pessoa dentro, se a pessoa não tem habilidade necessária, apenas para
cumprir uma lei. E quando eles estão inseridos deveria haver algum incentivo
do Estado, seria bem interessante também eu eles proporcionassem pra
empresas esses subsídios para treinamento de funcionários dentro da própria
empresa, mas a partir do momento que o empregado tá lá, quem se
responsabiliza é a empresa de treina-lo e mantê-lo ali e não o governo (Sic,
CONCEIÇÃO)
.
Igualmente apreendemos das entrevistas junto aos gestores que existe convicção da
incongruência entre o número de pessoas com deficiência absorvidas pelo mercado de
trabalho formal mediada pela legislação e aquelas que estão na periferia desta:
A lei existe, mas ela precisa ser mais colocada em prática, eu acho que existe
necessidade de pessoas, de mais pessoas com deficiências inseridas no
mercado de trabalho em todos os segmentos, tanto municipal, estadual,
federal, como privado, acho que as pessoas precisam acordar pra isso, que as
pessoas com deficiências têm valor, têm capacidade, são pessoas de um
potencial e que precisam de uma oportunidade, de uma chance para colocar
todo esse potencial em prática (Sic, FÁTIMA).
Os conteúdos expressos nas falas dos gestores fornecem-nos subsídios para afirmar
que, no desdobramento das questões, afloraram antagonismos, contradições, discriminações
abertas e dissimuladas, seja em relação ao tipo de deficiência a ser absorvida, com destaque
para a deficiência mental; ao nível de inserção versus a falta de adequações físicas às
necessidades pessoais; a manifestação de um discurso humanitário, em defesa desse segmento
e do reconhecimento de suas potencialidades; incompatibilidade entre às funções
desempenhadas; aos salários pagos; a desproporcionalidade entre o número definido pelo
sistema de cota consoante a totalidade de funcionários e o número de pessoas com deficiência
admitido ou, na constatação flagrante entre o número de funcionários verbalizados, sem a
113
devida correspondência, em algumas situações, com o número registrado no cadastro
funcional.
A resistência em disponibilizar informações relacionadas aos dados pessoais desses
funcionários constituiu uma das dificuldades encontradas na investigação, ao tempo em que se
desvelavam as contradições do real. Neste sentido, convém registrar que uma empresa
pesquisada não permitiu o acesso a tais informações. Essa atitude levanta suspeita de
irregularidade, nessa particularidade, pois inúmeras vezes nos questionaram se éramos do
Ministério do Trabalho, assim como havia uma preocupação muito presente em afirmar
recorrentemente que a empresa estava sem pendências com aquela instiuição.
Constatamos que as empresas que possuem entre 501 e 1000 funcionários e acima de
1000 funcionários são as que menos contratam pessoas com deficiência. Outrossim, em geral,
os gestores imputam a tímida quantidade de pessoas incluídas no mercado de trabalho local ao
falso argumento de que elas são pouco qualificadas. Todavia, a contradição aflora quando se
relaciona a baixa qualificação e o desempenho dessas pessoas avaliado pelos gestores como
“muito bom”, são “profissionais normais”.
Sob o véu da qualificação encobre-se o preconceito para com as pessoas com
deficiência e, principalmente, deixa-se de relacionar a causa central da inacessibilidade dos
trabalhadores, em geral, a postos de trabalho devido ao movimento da superacumulação
capitalista que, na busca acirrada por lucro, impõe mudanças na composição orgânica do
capital, onde a mais-valia relativa sobrepõe-se à mais-valia absoluta, criando uma
superprodução superior à desejada taxa de lucro, redundando na eliminação de empregos.
Os resultados alcançados com a pesquisa permitem-nos afirmar que a contratação de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal na esfera privada em Mossoró-RN,
está preponderantemente conectada à legislação em vigor, destinada a esse segmento social,
embora tal inclusão configure-se como seletiva, pois se orienta pelo estabelecimento de cotas.
Revela também uma inclusão precária, ou melhor dizendo, que faz aflorar às desigualdades,
pois as funções desempenhadas por essas pessoas são de baixo status social, situando-se entre
as profissões facilmente substituídas, acompanhadas de baixos salários, conduzindo-os a
situações de precariedade, de limitado acesso aos bens e serviços disponíveis na sociedade
movida pela lógica mercantil. Situando o trabalho nesta conjuntura imbuída de insegurança
para a classe trabalhadora, seria exceção para esse contingente uma inclusão marcada pela
estabilidade.
No capítulo seguinte, tentamos aprofundar a análise, trazendo e retomando uma
reflexão sobre a centralidade do trabalho, fazendo uma incursão nas categorias deste estudo,
114
com base na interlocução com autores marxistas e com os dados apreendidos junto às pessoas
com deficiência, parte dos sujeitos desta pesquisa, podermos estabelecer novos nexos, que
revelem as contradições que se fazem presentes na realidade vivida pelas pessoas com
deficiência, no que se reporta ao recorte analítico do nosso objeto de estudo.
115
CAPÍTULO 3
3. O TRABALHO NA PERSPECTIVA DE INCLUSÃO SOCIAL DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: um processo contraditório
3.1 Trabalho: um processo contraditório expresso na exclusão/inclusão da força
de trabalho
Na Constituição Federal de 1988, Art. 193, o trabalho inscreve-se como base da ordem
social, a qual tem como objetivo a promoção do bem-estar e da justiça social. Assim sendo,
nesta Constituição, o trabalho - ao lado da educação, saúde, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados – é preconizado
entre os direitos sociais, tributa-se e equipara-se, portanto, à via para o alcance da cidadania
social.
Na formulação marxista, o trabalho, numa forma exclusivamente humana, é a base da
atividade econômica, e é mediante a sua realização, em interação com a natureza, que são
obtidos produtos para a satisfação material das necessidades humanas, “condição natural
eterna da vida humana” (Marx, 1980, p.208). Todavia, nesse processo, o homem transforma
concomitantemente a si mesmo, como ser humano e social, embora o ser social não se reduza
ao trabalho, conforme refletimos no capítulo I.
Dos enunciados precedentes, abstrai-se que o trabalho inscreve-se, aparentemente,
como base para fenômenos distintos, um de natureza social e outro econômico, porém ambos
convergindo para o mesmo fim: o atendimento das necessidades humanas e a constituição do
ser social, cujo alcance indica a manutenção e reprodução humana.
Contudo, as formulações acerca do modo de produção capitalista empreendidas por
Marx possibilitam-nos compreender que o aspecto econômico é indissociável do aspecto
social, e mais, dos aspectos jurídicos, políticos e ideológicos. Para este autor, existe uma
interpenetração entre eles, todos os aspectos estão assentados sob a mesma base econômica,
conforme o próprio Marx nos esclarece:
Na produção material da própria vida, os homens contraem relações
determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de
produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas
relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real
sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de
produção da vida material condiciona o processo em geral de vida social,
116
político e espiritual. (...) Com a transformação da base econômica, toda a
enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez (1978,
p.129).
Ademais, a mesma matriz teórica indica que, historicamente, o trabalho assume
conformações distintas, consoantes ao modo de produção dominante em cada formação
social. Para o que interessa neste estudo, analisaremos o trabalho na sociedade capitalista,
cuja característica central é a exploração do trabalho fundamentada na extração da mais-valia,
obtida pelo tempo de trabalho excedente e intensificação do ritmo de trabalho.
Como nos reportamos no Capítulo 1, a exploração do capital orienta-se pela busca
desenfreada de lucro, razão de existência da produção capitalista. O lucro é alcançado na
esfera da produção, oriundo de um acréscimo de valor, materializado em mercadoria,
concretizado quando o capitalista obtém mais dinheiro do que aquele empregado no início da
produção, cujo valor é determinado pela quantidade de trabalho utilizado em seu valor de uso,
pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua realização. Tal lucro é chamado de mais-
valia.
A mais-valia resulta da relação entre trabalho necessário e trabalho excedente. O
processo de produção de mais-valia efetiva-se quando o capitalista, para a produção de
mercadorias, investe dinheiro em outras mercadorias: meios de produção (instalações,
máquinas, equipamentos, matérias primas, insumos) e força de trabalho humano, e dela extrai
mais valor, mediante trabalho excedente. Estas mercadorias, porém, participam do processo
de forma distinta, consoante as suas especificidades. A mercadoria meios de produção é
adquirida por um valor, determinado pelo tempo pretérito de trabalho socialmente necessário,
e esse valor não cria novos valores, somente transfere o seu valor à mercadoria produzida.
Essa invariabilidade de valor denomina-se capital constante. O valor da mercadoria força de
trabalho é obtido igualmente ao das demais mercadorias e materializa-se no salário
correspondente à sua (re) produção. Entretanto, a força de trabalho humano, ao ser acionada,
cria uma identidade própria, gera um valor superior ao que foi desembolsado para a sua
aquisição ou, retomando Marx, “o vendedor da força de trabalho, como o de qualquer outra
mercadoria, realiza seu valor de troca e aliena seu valor de uso” (MARX, 1980, p.218).
Ao refletirmos sobre a mais-valia, observa-se que a força de trabalho, ao ser utilizada
pelo seu comprador, na jornada de trabalho, cria o valor equivalente à sua (re) produção. Esse
tempo de trabalho é chamado de tempo necessário. No entanto, a força de trabalho
simultaneamente gera um valor excedente através da extensão do tempo necessário à sua
117
manutenção, o qual é designado de tempo excedente. É desse tempo de trabalho excedente
que se extrai a mais-valia, da qual o capitalista se apropria. É, pois, mediante a extração da
mais-valia que se concretiza a exploração do trabalho humano.
Segundo Netto e Braz (2006), a exploração dos trabalhadores intensifica-se a partir do
advento da organização científica do trabalho iniciada sob o paradigma taylorista, e nós
acrescentamos que ela se potencializa com a acumulação flexível, balizada no modelo
toyotista. Tal exploração combina a produção de mais-valia absoluta, extraída do
prolongamento da jornada de trabalho, com a produção de mais-valia relativa, obtida pela
intensificação do ritmo de trabalho. Portanto, o desenvolvimento das forças produtivas
contribui simultaneamente para o crescimento da produtividade e para o aumento do tempo de
trabalho excedente, resultando na ampliação da mais-valia apropriada pelo capitalista.
Entretanto, como já foi explicitado anteriormente, a lógica que move o modo de
produção capitalista é a busca ininterrupta de lucro, requisito indispensável para a sua
sobrevivência. Para tanto, parte da mais-valia extraída através da exploração da força de
trabalho, no trabalho excedente, é reconvertida em capital, o qual será reaplicado para ampliar
a produção de mercadorias. A isto Marx (1984) chama de acumulação de capital.
A acumulação capitalista, na sua dinâmica de auto-reprodução, conduz o capitalista a
investir mais capital nos meios de produção do que na força de trabalho. Essa
desproporcionalidade de investimento entre estas mercadorias desencadeia como principal
conseqüência para os trabalhadores a constituição do exército industrial de reserva, isto é,
uma quantidade expressiva de trabalhadores que não encontra compradores para a sua força
de trabalho, ou nas palavras de Marx, uma superpopulação relativa, que aparece como
sobrante às necessidades de acumulação. Netto e Braz (2006, p.132), apoiando-se na teoria
marxiana, ressaltam que “tal exército é componente necessário e constitutivo da dinâmica
histórico-concreta do capitalismo. Não há exemplo de economia capitalista sem desemprego:
suas taxas podem variar”. Apreende-se, pois, que há uma relação diretamente proporcional
entre a reprodução ampliada do capital e a reprodução dos trabalhadores excedentes, na
medida em que a taxa de acumulação decresce, a demanda pela força de trabalho também
diminui.
Ou, nas palavras do próprio Marx,
A acumulação capitalista produz constantemente – e isso em proporção à sua
energia e às suas dimensões – uma população trabalhadora adicional
relativamente supérflua ou subsidiária, ao menos no concernente às
necessidades de aproveitamento por parte do capital (1984, p.199).
118
No entanto, a produção capitalista, além da exploração que lhe é imanente, expõe de
maneira inconteste um paradoxo fundamental: a produção é social enquanto a riqueza
socialmente produzida é apropriada pelos capitalistas. Com efeito, a apropriação privada da
riqueza, gera a pobreza daqueles que a produziram. Portanto, é lógico deduzir que o processo
de criação da riqueza é, contraditoriamente, o mesmo que gera a pobreza. Todavia, da
contradição fundamental desdobra-se outra, manifesta na colisão entre as relações sociais de
produção e o desenvolvimento das forças produtivas, que aflorou com o desenvolvimento do
capitalismo. As relações sociais que antes contribuíram para o desenvolvimento das forças
produtivas, inverte-se, e passa, então, a freá-lo. Nesta direção Marx expressa-se:
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais
da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes
ou, o que nada mais é do que a expressão jurídica, com as relações de
propriedade dentro das quais aquelas até o fim então se tinham movido. De
formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações se
transformam em seus grilhões (1978, p.130).
Essas contradições, associadas à exploração capitalista, têm múltiplas implicações
nefastas para os trabalhadores, das quais ressaltamos duas mais agudas, que são: a ampliação
da superpopulação relativa e da pauperização, que se expandem em sincronia com o
desenvolvimento destrutivo do capital.
Por esse veio teórico, compreende-se porque o capitalismo na contemporaneidade
detém um exército industrial de reserva, formado por uma população de desempregados,
subempregados e de trabalhadores precarizados com percentuais tão elevados como dantes
nunca se registrou na história humana, atingindo, na década de 1990, 6% e 7%,
correspondendo, conforme a OIT, a mais de 800 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, ao
observarmos um estudo da Região Sudeste e outro da Região Nordeste, evidencia-se, segundo
o DIEESE, que em 2005 a taxa de desemprego aberto oscilou entre 20,6% em São Paulo e
20,7% no Recife. Contraditoriamente, explicita-se o crescimento exponencial de riqueza nas
mãos de uma minoria que, conforme Netto (2006), está concentrada nas mãos de 447
bilionários, o equivalente à renda da metade mais pobre da população mundial, cerca de 2,8
bilhões de pessoas vivendo na pobreza. Esse quadro desolador e inquietante Marx já
resenhava há mais de um século.
Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a
energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do
proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército
119
industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas
mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do
exército de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. [...] Quanto
maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército de
reserva, tanto maior o pauperismo oficial (1984, p. 209)
As formulações precedentes revelam e reiteram a importância do trabalho na vida
humana, embora no decorrer do tempo tenha sido alvo de transformações e, sob certas
formações sociais, de forma mais intensa no capitalismo, tenha se distanciado e desvirtuado
para muitos homens e mulheres daquilo que é sua razão de existir, satisfação de necessidades
humanas, dada a exploração e contradições que lhes são próprias, acarretando desemprego e
pobreza, as quais se intensificam quando não se obtém trabalho. Portanto, o trabalho reafirma-
se como condição imprescindível à (re) produção humana.
Ora, se se concebe o trabalho como alicerce para o alcance de todos os bens materiais
e espirituais, o primeiro questionamento que daí advém é: como fazer valer esse direito,
juridicamente garantido, numa conjuntura adversa ao emprego? Segundo, a sociedade
capitalista tem como característica dispor de um contingente de força de trabalho sobrante
como parte constitutiva dessa dinâmica. Partindo dessa premissa, por que a legislação
estabelece o trabalho como direito que deve ser acessado por todos? Como se configura a
cidadania dos que estão desempregados na sociedade burguesa?
Historicamente, as pessoas com deficiência constituem-se, pela sua condição, parte da
população sobrante, conforme confirmam os registros efetuados no Capítulo II. No Brasil,
apenas 2,05% das pessoas com deficiência em idade economicamente ativa e em condições de
trabalho encontram-se inseridas no mercado de trabalho. A exclusão relaciona-se à condição
de ser deficiente, associada a estigmas (discriminação, preconceito), baixa qualificação, e a
suposta baixa produtividade, como pode ser observado nas seguintes falas:
Eu acho que existe preconceito, as barreiras são muito grande, porque a gente
não pode trabalhar por exemplo, no comércio, tem que ter a compreensão do
patrão pra ser admitido. Eu sofri isso na pele, passei na seleção das casas
pernambucanas, mas quando eu me apresentei para fazer a entrevista fui
discriminado, mas de uma forma sem me magoar. Vamos esperar, você vai
ser chamado, aguarde, aquele empurrando com a barriga como diz o ditado
popular, né? (SIC, ANTONIO).
Na fala do sr. Emanuel evidenciam-se as dificuldades relacionadas à baixa
qualificação e à baixa de produtividade decorrente da deficiência. Ele assim se expressa:
Para ser operador de máquina a pessoa tem que ter o 2º, eu não tenho.
Reconheço que eu não dava pra essa função porque meu grau de estudo é
120
pouco. Eu tenho um problema de deficiência na mão, eu não tenho condição
de ficar subindo e descendo, levando uma coisa, tem as máquinas para subir,
lá é alto e só com uma mão, praticamente eu não tenho força nessa mão e,
isso tudo atrasa, né, nem que eu não queira (SIC, EMANUEL).
As considerações anteriores são suficientes para inferirmos que o trabalho na
sociedade capitalista constitui um processo contraditório, porque os mesmos mecanismos que
incluem a força de trabalho humano são também os mesmos que excluem uma quantidade
significativa de trabalhadores do processo de trabalho. Todavia, tal contradição não anula a
centralidade do trabalho para a constituição do ser social.
No item seguinte, esboçaremos a percepção que as pessoas com deficiência têm acerca
do processo de inclusão no mercado de trabalho.
3.2 Percepção das Pessoas com Deficiência no Processo de Inclusão no Mercado
de Trabalho
A análise da inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho em
Mossoró-RN tem como ponto de partida o pressuposto de que o trabalho é o principal meio de
satisfação de necessidades humanas, sejam elas de natureza material, sejam elas de natureza
espiritual, constituindo-se também determinantes da emancipação humana. Portanto, a
ausência do trabalho, o desemprego, o subemprego e o trabalho precário conduzem o ser
social a situações de extrema vulnerabilidade, a exclusão social.
Para a reafirmação do pressuposto acima, mister se faz esclarecer que os dados
relacionados às pessoas com deficiência entrevistadas no tocante a sexo, faixa etária,
escolaridade, estado civil, bem como a identificação de setores com maior índice de
empregabilidade, atividades desenvolvidas, período de maior concentração de admissões,
além de como se dá o processo de admissão, ascensão profissional, salário pago às pessoas
com deficiência, foram contemplados alcançando os mesmos resultados apreendidos nas
informações dos gestores, conforme expusemos no segundo capítulo. Mesmo assim, alguns
aspectos são retomados neste capítulo, por compreendermos que a articulação entre os
resultados obtidos possibilita a apreensão de distintas percepções dos sujeitos acerca das
mesmas questões, favorecendo a observação das contradições, das (des) vinculações entre os
dados.
Neste sentido, quando retomamos o dado referente ao estado civil, tem-se como
finalidade enfatizar que 59% dos entrevistados são compostos por pessoas casadas, sendo
121
compreensivo que a posição deles nas relações familiares seja predominantemente de chefes
de família. Essa constatação é relevante no contexto analítico, uma vez que, articulada com os
dados relativos à renda, torna-se indicativa e imperativa em relação ao grau de pobreza a que
esse segmento está submetido. Pobreza que se intensifica em face da deterioração dos
serviços sociais públicos e do acesso restrito aos mesmos, nas áreas de assistência social,
saúde, educação, habitação, para citar alguns exemplos.
Observa-se que o acesso restrito aos serviços sociais públicos é conseqüência das
orientações neoliberais que, sob o argumento de crise fiscal, chancela cortes nos gastos
sociais, bem como, preconiza a sua transferência para a esfera privada, implementando-se,
assim, a lógica dualista, a qual configura-se em uma política pobre para os mais pobres e uma
política rica para os mais ricos.
No desdobramento dessa lógica dualista, prevalece, neste momento histórico, em
âmbito nacional, em se tratando de proteção social para a classe pobre ou segmentos da classe
pauperizada, política de assistência social, numa clara distribuição de responsabilidade entre o
Estado (nas esferas Federal, Estadual e Municipal), instituições privadas e organizações da
sociedade civil, com tendência à “refilantropização”, respaldada na insistente evocação à
solidariedade e ao voluntariado.
No tocante ao endereço residencial dos entrevistados, observamos que essas pessoas
moram em bairros periféricos, portanto, distanciados do centro da cidade, corroborando,
destarte, para evidenciar que as desigualdades sociais geradas pela distribuição desequilibrada
de riquezas e renda estendem-se também nas formas de ocupação da cidade. Quando as
entrevistas foram realizadas nas residências pudemos observar o tipo de habitação e os
utensílios/eletrodomésticos utilizados por seus habitantes, conduzindo-nos a afirmar que são
residências muito pequenas, em condições parcialmente precárias, com móveis e
eletrodomésticos simples e/ou obsoletos, reveladores do baixo poder aquisitivo e da pobreza
em que esse segmento populacional encontra-se.
Contudo, as desigualdades sociais traduzidas na ocupação espacial periférica ampliam-
se quando vinculadas à questão da acessibilidade. Um olhar sobre a cidade de Mossoró capta
imagens flagrantes da ausência, ou de recentes e, em geral, inadequadas, ações direcionadas
para a eliminação de barreiras arquitetônicas, voltadas para facilitar o acesso, com segurança e
autonomia, das pessoas com deficiência, nos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,
nas edificações, nos transportes e nos sistemas e meios de comunicação. Tais barreiras, ao
inviabilizarem o acesso dessas pessoas aos serviços e bens comunitários, convergem para
122
segregá-las, confiná-las ao espaço doméstico, alijando-as de seus direitos, dentre eles o de ir e
vir. Nega-lhes, assim, o direito à cidadania, ao tempo em que se reforça o preconceito para
com esse segmento social.
Entretanto, as barreiras arquitetônicas espraiam-se também no interior das
organizações, contribuindo para reduzir consideravelmente o número de pessoas com
deficiência a serem inseridas no mercado de trabalho. Tais barreiras, ao lado de outras, por
um ângulo, funcionam como uma seleção da seleção, entre os próprios deficientes, onde são
rejeitadas as deficiências mais graves. Por outro ângulo, representam o subterfúgio dos
empregadores para a contratação desproporcional ao designado na legislação. Em ambas as
situações, reproduz-se o que deveria ser eliminado: a discriminação.
A esse respeito, um dos entrevistados mencionou, entre as dificuldades de inserção de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho local, “a falta de transporte coletivo
adaptado”. A compreensão dele caminha em direção à nossa no sentido de que a inclusão das
pessoas com deficiência, em qualquer âmbito, requisita políticas transversais, com ações
articuladas em distintas áreas, senão tais ações correm o risco de naufragar.
Nessa perspectiva, longe de considerar a inclusão como processo linear, mas
apreendendo-o como uma sucessão de iniciativas que se interpenetram e são
interdependentes, iniciado com a valorização, o reconhecimento, o apoio incondicional da
família, vão-se adensando oportunidades de acesso relacionadas à educação, a saúde, a
qualificação, a acessibilidade, dentre outras, como pré-requisitos à possibilidade de inserção
no mercado de trabalho. Tal inserção conduz a novos acessos, os quais devem ser balizados
na direção do respeito às diferenças, na redução das desigualdades e não como forma de
reproduzi-las, pois assim se estaria caminhando na contra-mão da inclusão social ou
reforçando a exclusão social.
O processo de admissão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho traz à
tona duas denúncias. Uma diz respeito à atualidade dos traços históricos da cultura clientelista
e de apadrinhamento da sociedade brasileira, identificada nas expressões dos entrevistados:
“minha admissão foi através da senhora Prefeita”, “foi através de amigos, parentes”. As
admissões realizadas nestes parâmetros denunciam o falso argumento da competência e da
qualificação tão disseminados pelos gestores. Entretanto, outras admissões rompem com essa
lógica e tendem a utilizar a via democrática materializada através de concurso público, em
processos seletivos por meio de entrevista; ou como mencionam três entrevistados: “botei
123
uma ficha lá e fui chamado”, “minha admissão foi mediante a Associação de Deficientes
Físicos de Mossoró - ADEFIM”, “eu sou concursado”.
Dos resultados apreendidos, observa-se a ênfase atribuída ao papel desempenhado
pelas associações, em particular a ADEFIM, como suposta agenciadora de emprego desse
contingente populacional no mercado de trabalho local. Para as pessoas com deficiência
entrevistadas, essa associação é sinônimo de inserção no mercado de trabalho. Esse
entendimento pode ser observado com o seguinte depoimento:
Eu passei foi quase 4 anos atrás [de emprego] pra cima e pra baixo, todo dia
eu saía, e eu não encontrava emprego não, porque logo eu dizia que era
deficiente, levava o papelzinho de deficiente. [Quando] me informaram a
ADEFIM [...]. Aí quando eu fui lá na ADEFIM mandaram eu fazer ficha.
Quando dei fé a assistente social ligou pra lá e [o presidente da ADEFIM]
pegou e ligou pra mim. Você apareça aqui, que você tá empregado, e eu
comecei a trabalhar Aí foi quando eu consegui um emprego (Sic, PEDRO).
Essa percepção comporta duas observações. A primeira diz respeito ao papel da
associação como mediadora de emprego. Com isso, não estamos obscurecendo a importância
da associação nessa direção, sobretudo considerando a conjuntura atual extremamente
favorável ao desemprego, mas chamando a atenção para que ela não se restrinja à essa ação e,
assim, distancie-se e se desvirtue do seu papel político. Destarte, estaria aderindo ao engodo
dos que se sentem ameaçados por uma classe efetivamente combativa. A segunda,
intimamente relacionada à primeira, requer o desenvolvimento de um trabalho político-
educativo sobre as verdadeiras atribuições da associação. O alcance dessa finalidade remete,
indubitavelmente, à ampliação e difusão da associação como meio de canalizar e fortalecer as
lutas, defender interesses e aspirações das pessoas com deficiência, exige que se faça uma
discussão dos direitos/deveres, no sentido de dar visibilidade, pressionar e fazer ecoar nos
espaços públicos a efetivação dos seus direitos, assim como sugerir ações que possam ser
introduzidas na agenda governamental, de forma a possibilitar novos acessos rumo ao
atendimento de suas reivindicações, não apenas restritas as necessidades vitais, mas também
em direção a uma vida emancipada. Eis, pois, um longo caminho a percorrer, um desafio
instigante para aqueles que acreditam em uma nova ordem social diferente da instituída.
Nos depoimentos das pessoas com deficiência evidencia-se, de forma contundente, a
desconexão entre o processo de admissão e o alcance, mesmo que limitado e seletivo, da
política nacional relativa às pessoas com deficiência. Essa afirmação é inconteste, pois em
124
anos que precederam a legislação, salvo raríssimas exceções, as empresas privadas não
disponibilizavam vagas para pessoas com deficiência. No entanto, essa mudança não os
remete a questionar por que, em tão pequeno espaço de tempo, as empresas introduziram em
seus quadros funcionais pessoas com deficiência, se a cultura que atravessa a sociedade
brasileira, e em particular a classe dominante, nesse sentido, permanece praticamente
inalterada? Que razões poderiam explicar então esse redirecionamento de atitude em relação a
esse segmento populacional?
Ora, seria ingenuidade pensar que os capitalistas, num lapso ético, redefiniram suas
concepções e ações sobre a lógica que os movem e passaram a creditar às pessoas com
deficiências um potencial de produtividade e eficiência igual ao das pessoas sem deficiências.
Para os detentores do capital, em sua grande maioria, o que as diferencia é que em tese as
pessoas com deficiência produzem menos, no tempo socialmente necessário, comprometendo,
por conseguinte, o alcance da mais-valia. De fato, o que foi alterado neste sentido decorre da
intervenção e regulação estatal, conformando a Política Nacional para a Integração de Pessoas
Portadoras de Deficiência, cuja operacionalização redireciona esse processo, ainda que
atendendo a interesses contraditórios, pois de um lado viabiliza, embora nos parâmetros
determinados pelo capital, o acesso de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e, por
outro lado, insere apenas uma ínfima quantidade em relação ao definido por cotas, o que não
corresponde, em geral, conforme apontamos no capítulo anterior, nem ao alcance das próprias
cotas, nem tampouco ao contingente das pessoas com deficiência desempregadas e em
condições de serem inseridas no processo produtivo.
A análise da Política Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de Deficiência
remete inexoravelmente a situá-la entre as políticas sociais, o que, por sua vez, suscita uma
breve retrospectiva de como essas se constituíram e qual a formatação que assumem na
contemporaneidade, sobretudo particularizando a realidade brasileira.
Neste sentido, parte-se da concepção de política social, apreendida em Mota (2000),
como um mecanismo de intervenção e regulação do Estado, implementado nos marcos do
capitalismo monopolista, em resposta a um conjunto de necessidades sócio-econômicas,
jurídicas e políticas, originárias das relações entre capital-trabalho.
É perceptível, a partir da concepção precedente, a relação entre Estado, sociedade e
economia, donde as políticas sociais são expressões de enfrentamento da questão social, a
partir do seu reconhecimento pelo Estado como direito e responsabilidade pública. Nessa
perspectiva, as primeiras legislações e medidas de proteção social ocorrem somente a partir
do final do século XIX, tendo como pioneiras a Alemanha, sob inspiração de Bismarck
125
(1883), e Inglaterra, sob inspiração de Beveridge (1879). Ambas implantaram o seguro social
para cobrir as perdas salariais motivadas por incapacidade ao trabalho (velhice, acidente de
trabalho, invalidez, doença, desemprego).
Originárias da relação entre Estado, sociedade e economia, emergem as diferentes
formas de regulação das relações sociais, ora com preponderância do Estado de Direito, ora
com o protagonismo do mercado. Por conseguinte, são as formas de regulação hegemônicas
em determinadas conjunturas que determinam a natureza das políticas sociais.
Assim, para os liberais, o mercado é a via natural de regulação das relações sociais.
Através de sua ação espontânea e invisível haveria um equilíbrio entre os indivíduos. A
intervenção do Estado deveria ser mínima, apenas para “proteger” os indivíduos que, em
razão de suas debilidades pessoais ou sociais, encontrar-se-iam em situação de desvantagem
em relação aos demais. Portanto, sob o liberalismo, as políticas sociais caracterizam-se como
compensatórias, residuais, focalizadas tão somente naqueles que não conseguiram atender a
suas necessidades mais prementes através do mercado, da família ou da comunidade.
Contudo, segundo Behring (2000), no final do século XIX e início do século XX, as
idéias liberais são postas em xeque, ante os acontecimentos políticos e econômicos, dentre
eles destacam-se: o movimento operário, a Revolução Russa de 1917, a instauração e difusão
do fordismo, a concentração e o monopólio do capital e a crise de 1929/33, denominada de
grande depressão, que impactaram os detentores do poder econômico e político, conduzindo-
os a reconhecer os limites do mercado auto-regulável.
A contestação aos argumentos liberais potencializa-se na Teoria Geral de Keynes, a
qual indica também a legitimidade do Estado para intervir com medidas econômicas e sociais,
ou seja, com medidas “anticrise” ou “anticíclicas”. Estas atendem, simultaneamente, tanto às
necessidades de reprodução dos trabalhadores, através de emprego e serviços sociais, quanto
aos interesses do capital, uma vez que funcionam como “uma baforada de oxigênio”, ao gerar
uma “demanda efetiva”, ou seja, disponibilizam meios de pagamento e garantem
investimentos, mediante a apropriação pelo Estado do valor socialmente criado e pelo
controle de alguns empreendimentos do processo produtivo, resultando numa certa
redistribuição de renda materializada em forma de salário indireto e de serviços sociais, por
meio de políticas sociais.
É, pois, no pós Segunda Guerra Mundial, numa conjuntura de franca expansão do
capitalismo em sua fase monopolista, acompanhado do paradigma fordista e sob a regulação
estatal nos moldes Keynesiano, que se funda, expande e consolida, na Europa Ocidental, o
Estado de Bem-Estar Social, assentado no tripé: pleno emprego, serviços sociais e assistência
126
social. Entretanto, os anos finais da década de 1960 sinalizam uma crise de superprodução
acompanhada de uma queda da taxa de lucro, alçando proporções extremas em 1973. Instala-
se, a partir de então, um novo período depressivo, cuja conseqüência principal para a classe
trabalhadora manifesta-se no desemprego estrutural, no subemprego e no emprego
precarizado.
Esta crise criou as condições propícias à introdução e difuo do receituário neoliberal.
Para os neoliberais, a crise resulta, de um lado, do poder excessivo dos sindicatos,
pressionando os salários e os gastos sociais do Estado e, do outro lado, da redução dos lucros
e do crescimento da inflação. Em outros termos, a crise é tributada ao keynesianismo e ao
Estado de Bem-Estar Social. Portanto, a sua reversão está diretamente relacionada ao ataque
das suas causas, tendo como principal foco a redução do Estado, mormente em se tratando dos
gastos sociais e do desmonte dos direitos sociais conquistados anteriormente.
No Brasil, as políticas sociais surgem lentamente, tardiamente e de forma segmentada.
A primeira medida de proteção social data do final do século XIX, quando “em 1889 os
funcionários da Imprensa Nacional e os ferroviários conquistam o direito à pensão e a 15 dias
de férias” (BEHRING & BOSCHETTI, 2006, p.79). Não obstante, o marco da política social
brasileira foi a lei Eloy Chaves, de 1923, determinando a instituição de Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPs) para algumas categorias estratégicas, como: ferroviários,
portuários, bancários, dentre outras. Nos governos Vargas, amplia-se a criação de
significativos direitos trabalhistas, sistematizados na CLT, numa dupla intenção de antecipar
as reivindicações da classe trabalhadora e a busca de legitimação política. No período
subseqüente, até 1964, outras regulamentações foram incorporadas, assim como foram criadas
instituições correlatas. Contudo, o que se pretende reter são as características da política social
no período demarcado, que são: fragmentadas, seletivas e corporativistas.
No período da ditadura militar, o bloco militar, em busca de adesão e legitimidade das
classes subalternas, expande, moderniza e introduz o sistema dual de acesso às políticas
sociais: para quem pode e para quem não pode pagar. Todavia, mantém as características dos
períodos precedentes, ou seja: políticas sociais compensatórias, seletivas, fragmentadas e
setorizadas.
Na Nova República, implantada numa conjuntura de crise econômica e de plena
efervescência política rumo à redemocratização, elabora-se e aprova-se a Constituição de
1988, a qual introduz, no âmbito da ordem social, “princípios de universalização,
responsabilidade pública e gestão democrática”, numa nítida intenção de reforma da política
social brasileira. Porém, a partir dos anos de 1990, até os dias atuais, têm sido de “contra-
127
reforma do Estado e de obstaculização e/ou redirecionamento das conquistas de 1988” (Op.
cit. p.147), cujas implicações para as políticas sociais traduzem-se, de um lado, na efetividade
parcial daqueles princípios, e do outro, na radicalização da redução do orçamento para a área
social, conformando o desmonte dos direitos sociais.
No atual contexto de hegemonia neoliberal, as políticas sociais brasileiras avançam
regressivamente ao substituir a universalização pela seletividade, privatização; o dever do
Estado pela parceria com organizações da sociedade civil e a gestão democrática por práticas
decretistas, medidas provisórias. Logo, como refém dessa lógica, personifica as características
que lhes são imanentes ou, parafraseando Sonia Draibe (1988), no neoliberalismo as políticas
sociais assentam-se no trinômio articulado da focalização, privatização e descentralização.
Neste contexto, e com essas características, as políticas sociais expõem e reafirmam
um paradoxo: de um lado, há uma crescente demanda por programas sociais, do outro lado, as
demandas do capital exigem a redução com tais despesas.
Portanto, a política social atende tanto as necessidades do capital quanto as dos
trabalhadores, isso leva a supor que:
O significado da política social não pode ser apanhado nem exclusivamente
pela sua inserção objetiva no mundo do capital nem apenas pela luta de
interesses dos sujeitos que se movem na definição de tal ou qual política, mas
historicamente, na relação desses processos na totalidade [...] (e) serão
sempre resultado de um processo conflituoso de negociação e luta de
interesses, que se colocam em condições desiguais nas arenas de negociação
disponíveis no Estado democrático de direito (BEHRING, 2000, p.35/6).
O percurso teórico oferece-nos subsídios suficientes para indicarmos que a Política
Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência está sintonizada com o perfil
que as políticas sociais adquirem no neoliberalismo. Isto porque incorpora e reflete tal marca
à medida que focaliza suas ações num segmento extremamente vulnerabilizado – as pessoas
com deficiência; rege-se pelo sistema de cotas, não deixando margem para ambigüidades
quanto ao seu caráter seletivo, assim como revela a natureza contraditória, pois à medida que
se propõe à inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, cria, ao mesmo
tempo, as condições de limitar o acesso de um grande contingente desse segmento; sua
materialização efetiva-se em articulação entre os entes federados, organizações privadas e
entidades da sociedade civil.
As políticas sociais com base no sistema de cotas recebem inúmeras denominações,
tais como: políticas de ação afirmativa, discriminação positiva, reserva de vagas, ação
compensatória. Segundo Moehlecke (2002), essa discussão origina-se nos Estados Unidos, na
128
década de 1960, e passa a ser veiculada no debate e na agenda pública brasileira a partir da
década de 1980, quando é formulado o projeto de lei nº. 1.332, de 1983, propondo uma “ação
compensatória” para reparar os afros descendentes das discriminações, mas o mesmo não
encontra respaldo no Congresso Nacional.
Entretanto, a Constituição de 1988 incorpora em seu texto, no Título II – Dos Direitos
e Garantias Fundamentais, capítulo II – Dos Direitos Sociais, o direito ao trabalho, dentre
outros, e o Título III – Da Organização do Estado, capítulo VII – Da Administração Pública,
Art. 37, define “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”. Instaura-se, a partir de
então, com base nos parâmetros jurídicos, ações afirmativas que normatizariam e
conformariam as políticas correspondentes, cuja implementação efetiva-se sob o pioneirismo
da Política Nacional para a Integração de Pessoa Portadora de Deficiência de 1999, seguida
das políticas destinadas aos afros descendentes em 2001, e do Decreto nº 5.390/2005 que
aprova o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Essas medidas governamentais
exprimem o reconhecimento nacional de práticas discriminatórias em relação à raça, etnia,
gênero e pessoas com deficiência.
Essas políticas públicas surgem para combater a discriminação e as desigualdades,
principalmente decorrentes de motivos raciais, étnicos, de gênero, de deficiências, religioso e
outros, cujo objetivo é proporcionar igualdade de oportunidades a todos, mormente quanto ao
ingresso no mercado de trabalho, ascensão profissional, acesso ao ensino superior e
participação na vida política.
Neste sentido, para Guimarães (1997, p.233), essas políticas surgem “como
aprimoramento jurídico de uma sociedade cujas normas e valores morais pautam-se pelo
princípio da igualdade de oportunidades na competição entre indivíduos livres”. Deste modo,
a desigualdade de tratamento no acesso a bens e serviços fundamentais – educação e emprego
– justifica-se em função da promoção da igualdade para aqueles grupos que têm sido
subordinados ou excluídos.
Todavia, as políticas de ação afirmativa não são destituídas de polêmicas. Uma dessas
controvérsias está relacionada à sua (in) constitucionalidade com base no princípio de que
“todos são iguais perante a lei”. A outra emerge sobre o princípio da universalidade, uma vez
que o sistema de cota nega-o. Merece destaque também a observação de Hernandez (2000),
citado por Moehlecke (2002), de que essas ações são insuficientes para lidar com os
problemas que se propõem a reduzir, a discriminação e as desigualdades raciais, pois não
conseguem desfazer as interconexões de raça e classe. E nós nos apropriamos da reflexão de
129
Hernandes para estendê-la às pessoas com deficiência, pois compreendemos que a superação
da discriminação e da desigualdade vivenciadas por esse segmento está intimamente
relacionada à base econômica, irradiando-se a outras dimensões, como: social, política,
cultural.
Ao questionar os entrevistados se eles conheciam a Lei 8.753, que trata da Política
Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência, constatamos que 44% deles
responderam negativamente, outros disseram que já ouviram falar, mas não sabem exatamente
o que ela aborda, apenas uma pessoa disse conhecê-la, assim expressando-se:
O que eu sei é que todas as empresas ela[s] tem, tipo assim, ela é obrigada
entre aspas a contratar um percentual de pessoas com deficiência, eu não sei
quantos por cento, não sei se o quadro lá na empresa tá completo. Por
exemplo, sobre o salário que a gente recebe eu tenho dúvida, porque eu tenho
pra mim que esse salário é abatido em impostos, essas coisas (Sic, TADEU).
Os resultados obtidos não deixam dúvida do desconhecimento ou do frágil e restrito
conhecimento sobre a Política relativa às pessoas com deficiência, salvo com inúmeras
limitações e fragmentações, quando diz respeito ao aspecto relacionado ao emprego, pois no
tocante às demais dimensões que essa política trata, a desinformação é total. Tal fato, na nossa
compreensão, tem implicações distintas. Malgrado as políticas sociais, no contexto de
mundialização do capital, sobre a égide neoliberal, caracterizem-se pela focalização,
privatização e descentralização, esse quadro adquire conotação mais grave face à
desinformação acerca de um direito que poderia ser reclamado junto ao Estado. Como
“prescindir” de um direito, quando as estatísticas evidenciam um percentual expressivo de
trabalhadores e, entre esses as pessoas com deficiência, fora do mercado de trabalho,
principalmente porque segundo esta pesquisa, essa política tem se conformado como o canal
que viabiliza o acesso dessas pessoas ao mercado de trabalho.
A constatação anterior reitera o pressuposto marxista de que a superestrutura – que
compreende as instâncias política, jurídica, as ideologias, as formas de consciência social – é
condicionada pela estrutura econômica da sociedade. Neste caso em particular, a
desinformação, relacionada à questão cultural, está sintonizada com a ideologia dominante,
que por sua vez reflete os interesses da classe burguesa. Interessa, pois, à burguesia, deixar
subjacente o mínimo de acesso às informações à classe opositora, pois assim não corre risco
de ter a sua hegemonia ameaçada.
Nessa direção, a classe dominante, na expressão althusseriana, dispõe dos “aparelhos
do Estado” para disseminar e reproduzir a sua ideologia. Assim o faz porque o Estado
130
aproxima-se daquela conformação atribuída por Marx e Engels no Manifesto do Partido
Comunista (1997), de “comitê da classe burguesa”. Isso talvez explique porque, nesta
particularidade, o Estado, em vez de possibilitar as pessoas com deficiência o acesso ao
trabalho no interior das instituições públicas, transfere, em parte, essa responsabilidade para a
sociedade civil, exercendo prioritariamente a função de agente fiscalizador, disciplinador,
utilizando-se também de medidas coercitivas. Agindo assim, o Estado representa os interesses
da burguesia e contribui para garantir a manutenção da ordem instituída. Para se contrapor a
essa ideologia, nesse aspecto, urge, pois, além da difusão e da democratização da legislação
que trata dos direitos das pessoas com deficiência no meio deles próprios, alargar e transpor o
debate para o âmbito da sociedade civil, no sentido de que o Estado seja, no mínimo,
expressão da condensação de forças, com assinala Poulantzas (1986).
Em geral, a ideologia dominante é profundamente e sutilmente arraigada pela classe
dominada. Na realidade brasileira, essa ideologia é ainda mais incorporada em decorrência da
herança escravista que marca de forma destrutiva a nossa cultura, valores, idéias, ética,
fazendo-nos acreditar na nossa suposta inferioridade. Não fosse suficiente essa combinação
perversa, a ela se acresce a condição de ser deficiente, acentuando o sentimento de
subordinação. O conjunto desses fatores repercute negativamente para esse segmento social.
Nesse sentido, a inserção de pessoas com deficiência no mundo do trabalho chega a se
constituir em auto-desqualificação, ao se perceberem como um “estorvo” ou “atraso” para a
empresa. Para atenuar o suposto “atraso” que a sua admissão cria para a organização, as
pessoas com deficiência sugerem a utilização de algum incentivo a ser oferecido pelo Estado
às empresas, ou eles se desdobram para provar que sua deficiência não gera a redução da
produtividade. Essa percepção é verbalizada por um entrevistado, conforme destacamos a
seguir:
Eu tenho consciência que eu não desenvolvo um trabalho igual a uma pessoa
que não tem deficiência, isso quer dizer em certa parte já é um atraso pra
empresa, eu não dou o mesmo rendimento que outra pessoa que não tem
deficiência. Se a empresa recebesse algum incentivo, talvez mais pessoas
com deficiência fossem empregadas. Agora eu falo assim, mas por outro
lado, eu vejo lá na empresa, quem é portador de alguma deficiência trabalha
mais do que pessoas que se acham normais, tá entendendo, trabalha mais que
eles, agora não porque ele não tenha condições de trabalhar, faz corpo mole,
não tem aquele empenho, vejo muito isso lá, de alguns, né? (Sic,
ANTONIO).
No entanto, mesmo desconhecendo ou conhecendo superficialmente alguns aspectos
relacionados a esta Política no tocante ao trabalho, muitos afirmaram ser essencial conhecê-la,
131
entendê-la, e apontaram a associação de classe como o espaço onde essa legislação poderia
estar sendo disseminada, discutida.
Essa desinformação certamente desemboca no crescimento da redução do acesso ao
trabalho e talvez explique porque quando indagamos sobre as admissões demarcadas no pós –
2000 essas não são percebidas pelos sujeitos demandantes como fruto de uma regulação
estatal, derivada de lutas empreendidas pelas classes subalternas, sobretudo deflagradas pelos
movimentos sociais na década de 1980.
Em se tratando da possibilidade de ascensão profissional, a maioria dos entrevistados
afirmou não ter desempenhado outras funções no espaço organizacional. Entretanto, é
freqüente encontrar depoimentos como os seguintes: “lá eu faço de tudo um bocado”. Ou:
Sou polivalente. Sou contratada como professora, mas eu tenho a sala de
informática, que no momento está desativada e eu estou aqui na secretaria
como auxiliar de secretaria, mas o que precisar aqui eu faço, o que tocar eu
danço (Sic, VITÓRIA).
Neste depoimento, esboça-se dupla e entrelaçada contradição. Uma diz respeito à
polivalência tão em voga nos marcos da reestruturação produtiva, o que não implica em
promoção, mas em super-exploração. A outra revela a negação, neste momento, da redução da
capacidade produtiva vinculada à deficiência, veiculada no contexto produtivo.
Certamente, a polivalência é duplamente funcional ao capital, uma vez que, de um
lado, redunda em maior exploração e alienação da força de trabalho humano e, do outro,
mascara a retenção da ascensão profissional e, com isso, isenta de aumento salarial e,
conseqüentemente, ao manter os custos e ampliar a produtividade, significa maior
lucratividade. Quanto aos que mudaram de função, esta alteração não correspondeu à
promoção profissional, mas à adequação às necessidades da empresa.
Indagando os entrevistados sobre a que atribuem o não remanejamento de função, as
interpretações são distintas: alguns não sabem, outros porque no concurso já está definida a
função a ser desenvolvida, outros conectam a própria deficiência e a baixa qualificação como
óbices para galgar promoções, conforme se pode constatar com o depoimento a seguir:
Ainda não tive capacidade de entrar em outra função. A deficiência prejudica
sempre, porque eu tenho um problema muito grande de visão, mas outro
motivo também é a pessoa não ser preparada para isso, isso conta também,
ne? (Sic, GABRIEL)
132
Tais percepções traduzem um misto de reconhecimento da deficiência como limitação,
ou pode significar conformismo. Assim, a deficiência associa-se à incapacidade, subestimam-
se as potencialidades latentes no sujeito, refletindo na falta de expectativa, a qual se propaga
na aceitação passiva e paralisante da sua condição, expressa na concepção de que a
oportunidade de estar inserido no mercado de trabalho simboliza um prêmio, um favor.
Destarte, adensam-se e reforçam-se novos limites aos já existentes. A fala de um entrevistado
é bastante ilustrativa a esse respeito:
É porque o meu serviço é só aquele que eles botaram. Porque é serviço
maneiro e eu não posso pegar um serviço mais pesado, porque lá tem serviço
mais pesado (Sic, RAFAEL).
Conforme mencionado anteriormente, a Política Nacional para a Integração de Pessoas
com Deficiência estabelece entre as estratégias de inserção dessas pessoas no mercado de
trabalho a efetuação de adaptações à função a ser exercida. Nesta direção, questionamos as
pessoas com deficiência que entrevistamos se essa prática é operacionalizada nas empresas
onde estão inseridas e, de forma uníssona, foi confirmada a sua inexistência. Isso sugere que
as pessoas com deficiência admitidas, em geral, têm uma deficiência moderada. Logo, há
compatibilidade entre a deficiência de que é possuidor com a função que desenvolve, sem
requisitar “investimento” da empresa, nesta particularidade. Revela, outrossim, que um
número expressivo de pessoas com deficiências mais graves, destacando-se a deficiência
mental, permanece excluído do mercado de trabalho, dada a sua deficiência requerer
adaptações.
Dentre as estratégias de adaptações para a inserção de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, definem-se a flexibilidade da jornada de trabalho e horário de trabalho.
Nesse sentido, constatamos através da pesquisa que não ocorrem tais adaptações, antes as
admissões seguem o curso normal, sem observância das limitações inerentes a esse
contingente. Esse fato revela que a inserção dessas pessoas não difere das pessoas sem
deficiência. Com isso, fica evidente mais uma vez que a legislação é burlada, sendo seu
cumprimento parcial, seja em se tratando de não abarcar todos os graus de deficiência, seja
em virtude das cotas não serem cumpridas na íntegra, seja em relação à inobservância de
procedimentos e apoios especiais, conforme assinalamos no capítulo anterior.
Nesses parâmetros, o processo de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de
trabalho mostra-se paradoxal, na medida em que insere tão somente pessoas com deficiências
133
leves, refuta as adaptações e apoios especiais previstos como necessários à ampliação da
inserção de uma quantidade expressiva de pessoas com deficiências mais graves,
constituindo-se, desta maneira, como instrumento que alimenta a discriminação e a exclusão
relacionada à deficiência. Todavia, as contradições que se esboçam nas políticas sociais são
expressões das contradições reproduzidas pelo Estado, quando atende prioritariamente aos
interesses da classe dominante, em detrimento da classe subalterna. De forma mais ampla,
reproduz as contradições do sistema social vigente. Esse entendimento conduz-nos a
questionar se podemos qualificar de políticas inclusivas práticas extremamente limitadas,
seletivas e discriminatórias como a então enfocada e a interrogar, de que forma é a inclusão
daqueles que são privados de vender sua força de trabalho, ou a vendem de forma precarizada,
ou estão em ocupações não assalariadas, uma vez que na sociedade capitalista o trabalho
assalariado ocupa centralidade no atendimento de necessidades humanas, configura-se
também como protagonista de todas as iniciativas de inclusão social.
O enfrentamento dessa situação remete à disseminação e ao debate desta Política em
todos os quadrantes, sobretudo nos espaços de representações desse segmento, para que
produza conhecimento do seu teor e esse, por sua vez, desencadeie pressões, lutas, mediações,
no sentido de sua materialização de forma menos discriminatória. O desconhecimento de
direitos é uma das maneiras de inviabilizar a sua concretização, por conseguinte, concorre ao
lado do não acesso de outros direitos, para a negação da cidadania. Tal prática é recorrente no
Brasil, onde tradicionalmente foi difundida a cultura do favor, do clientelismo, do
patrimonialismo, o reverso da cidadania.
Entretanto, entendemos que as medidas anteriormente propostas apenas podem
contribuir com a redução das desigualdades na operacionalização da política, mas cientes de
que elas apenas tocam tangencialmente a questão, sem alterar o que de fato a desencadeia.
Portanto, corroboramos com aqueles que pensam que a radicalização da exclusão social está
intimamente relacionada à superação do modo de produção vigente.
Propaga-se no âmbito empresarial, político e da mídia que o elevado grau de
escolaridade e a qualificação continuada são fatores atenuantes para o enfrentamento do
desemprego nesta fase de reestruturação do capital. Compreendemos que esses requisitos são
extensivos também para viabilizar o processo de inserção de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, mas não determinantes. Nesta direção, dentre os 09 (nove)
entrevistados, constatamos a predominância de baixa escolaridade e que apenas 02 (dois)
participaram de algum curso, treinamento.
134
Desta constatação emanam algumas posturas antagônicas, quais sejam: a retórica da
qualificação difundida nos espaços supra mencionados não condiz com os requisitos exigidos
para as contratações das pessoas com deficiência. Tal posicionamento leva a supor que as
admissões estão diretamente relacionadas ao cumprimento da legislação pertinente a esse
contingente. No entanto, as ambigüidades desvelam-se em face das funções que
desempenham, dos salários que percebem, da quase inexistência de ascensão profissional,
dentre outros.
Por outro lado, na medida em que as empresas denotam a sublimação da qualificação
profissional, transferem preponderantemente a sua materialização para o Estado ou para
instituições da sociedade civil conveniadas ou em parceria com o mesmo, e em menor escala
a promovem. Esse descompasso entre a retórica da qualificação e a sua materialização revela-
se pela quantidade e periodicidade dos cursos e treinamentos ofertados. No caso específico
desta pesquisa, foram citados, dentre outros: cursos de informática, treinamentos para
alfabetização – de crianças (das Escolas de Ensino Fundamental) e adultos (realizado em
parceria com o Estado, porém no âmbito empresarial) – desempenho pessoal, primeiros
socorros, CIPA, CEBASE. Entretanto, a ideologia difundida sobre essa temática é de tal
forma incorporada pelos trabalhadores em exercício ou em potencial que esses passam a se
auto-responsabilizarem pela sua formação, do que são exemplos o maior tempo de preparação
nas universidades e a participação em sucessivos cursos preparatórios.
Articulando as questões referentes aos cursos/treinamentos que participaram com os
benefícios que os mesmos trouxeram para a vida profissional, observamos que tão somente 02
(dois) entrevistados responderam afirmativamente, 01 (um) não respondeu e 06 (seis) não os
reconhecem nesta dimensão. A predominância de respostas avaliando os cursos como
negativos para a vida profissional remete-nos indubitavelmente aos seguintes
questionamentos: o que representa para eles qualificar-se? A quem interessa essa
qualificação? Que conteúdos estão sendo trabalhados? Existe relação entre os conteúdos
tratados e as aspirações profissionais? A metodologia utilizada está em consonância com o
público alvo?
O exercício reflexivo da relação entre teoria versus empirismo, assim como a inter-
relação entre os elementos apontados, não flui com facilidade para os entrevistados, ou ainda
se pode supor que a maneira como está se desenvolvendo a qualificação não condiz com os
interesses e/ou necessidades imediatas daqueles a quem se destinam, ou está desfocada da
área onde o funcionário está lotado. Nesse sentido, o funcionário que textualmente verbalizou
que os cursos/treinamentos não lhe trouxeram nenhum benefício proclama:
135
Os cursos que participei não trouxeram benefícios para a função que estou
desempenhando, porque eram voltados para a área de gerenciamento (Sic,
MARCOS).
Os entrevistados, ao avaliarem que os cursos/treinamentos lhes trouxeram benefícios,
pronunciaram-se no sentido de relacionar os ganhos à ampliação de conhecimentos para o
desempenho profissional, ou estão voltados para a proteção pessoal, como é o caso da
utilização do EPI. Trata-se, assim, da expansão de horizontes cognitivos e de preservação da
vida, mas, ao mesmo tempo, também são convertidos pelos capitalistas em potenciais de
exploração e maior acumulação de riquezas, na medida em que a aquisição de novos
conhecimentos ou o aprimoramento dos mesmos pode ser canalizada para o exercício de
diversas e simultâneas atividades, para o manuseio de novas tecnologias, ou, numa linguagem
marxista, para a exploração da mais-valia relativa.
A respeito do Equipamento de Proteção Individual (EPI), seu uso favorece a isenção
de acidentes. O não envolvimento em acidentes, além de preservar a vida, simboliza, por
outro lado, o não afastamento do trabalho que, por conseguinte, redunda em manutenção da
produtividade, ajuda a manter a taxa de mais-valia. Em síntese, além de não gerar déficits
para a empresa, também não onera Estado com a utilização do benefício correspondente a
acidente no trabalho.
Portanto, atribuir a qualificação como panacéia ao desemprego encobre múltiplas
contradições. Além das assinaladas anteriormente, destaca-se aquela tida como contradição
fundamental, baseada na exploração capitalista, que na sua própria dinâmica cria uma
superpopulação excedente, uma massa de desempregados que ora flutua no mercado, ou que
jamais encontrará compradores para ela. Portanto, o pleno emprego é incompatível com o
modo de produção capitalista.
José de Sousa Martins (1997) acrescenta que, associada a essa contradição central do
capitalismo, vislumbra-se de forma progressiva a inserção de trabalhadores no mercado de
trabalho de forma precária, instável e marginal. Logo, a tão decantada qualificação em parte é
uma forma de mascarar essa contradição. Enfatiza-se, outrossim, o que é consensual entre
muitos autores, que o enfrentamento dessa problemática, a nível econômico, está relacionado
ao crescimento da produção, contanto que esse crescimento efetue-se de forma igual entre os
que dele participam.
O atual cenário mundial, no tocante ao mundo do trabalho, aponta como características
centrais o desemprego, o trabalho precarizado, terceirizado, informal. Comporta esclarecer
136
que, conforme anunciamos inicialmente, o foco deste estudo não abrange o setor informal,
mas apenas os empregos formais e regulamentados. Contudo, os dados colhidos na nossa
investigação evidenciam que predominam relações de trabalho formalizadas, acompanhadas
de direitos correlatos, mas também expõem as tendências atuais. Sob o véu da regulamentação
encontramos empregos com direitos flexibilizados, especificamente contratos sazonais, assim
como empregos em empresas terceirizadas.
Isso nos remete a inferir que a Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência, ao transferir para o setor privado a contratação de pessoas com deficiência,
deixa subjacente sua adesão à lógica que move o mundo empresarial e todas as alterações que
experimenta para adequar-se as imposições capitalistas. Deste modo, sob a aparência da
formalidade, é disfarçada a precarização nela contida.
Por outro lado, o trabalho na economia formal não impede que as atividades
desenvolvidas encontrem-se distantes daquelas reconhecidamente de elevada qualificação,
alta remuneração, estabilidade, a exemplo dos sujeitos entrevistados. Esta constatação
confirma a tese de Antunes de que a classe trabalhadora encontra-se fragmentada. De um
lado, no núcleo do processo de trabalho, encontram-se trabalhadores de respeitável
intelectualização, salário e segurança no trabalho. Do outro lado, na periferia do processo
produtivo, observa-se uma subdivisão entre a força de trabalho consumida em ocupações de
fácil reposição no mercado de trabalho e aquela ainda mais fragilizada, incluindo o trabalho
precário, parcial, temporário, subcontratado. É pertinente dizer que, mesmo em meio a toda
essa turbulência no mundo do trabalho, admite-se como ponto favorável o fato de
praticamente todos os trabalhadores com deficiência inseridos no mercado de trabalho terem
sua carteira de trabalho assinada ou serem estatutários. Essa particularidade adquire
relevância numa sociedade em que a cidadania está associada ao trabalho regulamentado.
Nestas circunstâncias, o trabalho é, pois, condição sine qua non para tornar-se
cidadão. Deste modo, comparece como elemento primordial de acesso à cidadania, malgrado
configure-se como cidadania regulamentada, restrita apenas àqueles que estão inseridos no
mundo produtivo de maneira formal. O alcance da cidadania nesses parâmetros precisa ser
revista, pois é destituída de seu caráter de universalidade, implicando que uma camada
majoritária da população passa a ser preterida dos direitos a ela atinentes.
O vínculo empregatício que perpassa as relações de trabalho na realidade pesquisada é
preponderantemente celetista, seguido de estatutário e apenas um caso de cargo comissionado.
Esses vínculos, exceto o último, de certa maneira implicam o acesso a alguns direitos, mas
não estão imunes de serem reduzidos, precarizados, uma vez que esta política está plenamente
137
sintonizada com as práticas neoliberais tão ávidas em desmantelar e fragilizar os direitos da
classe trabalhadora.
Em se tratando da indagação acerca de benefícios ocupacionais materializados pelas
empresas/instituições, constatamos entre os entrevistados que 05 (cinco) os recebem, embora
entre esses, 02 (dois) não reconheçam o vale transporte ou o transporte para deslocamento
para a empresa como tal. Entre os que recebem e identificam os benefícios ocupacionais
totalizam 04 (quatro). Os benefícios extra-salariais recebidos são: vale transporte, auxílio
alimentação e plano de saúde. Tais benefícios são mais amplos em instituições públicas
federais. Na esfera privada, predomina o vale transporte.
A predominância do benefício vale transporte na esfera privada encontra explicação na
construção marxista
6
que demonstra como o transporte participa do processo produtivo como
parte para a redução de custos da produção e aumento da lucratividade. Igualmente, essa é a
leitura que fazemos dos demais benefícios ocupacionais citados - plano de saúde e auxílio
refeição – pois entendemos que eles não são concedidos por acaso, antes são intencionais,
estão relacionados à reprodução material daqueles trabalhadores, pois sem a satisfação dessas
necessidades básicas os capitalistas não teriam a força de trabalho imprescindível à
reprodução do capital. Convém assinalar que tais concessões estão intrinsecamente ligadas à
correlação de forças, ao potencial organizativo da classe trabalhadora, ao poder de barganha
dos trabalhadores na arena de negociações, e na atual conjuntura vinculam-se também às
estratégias de gestão implementadas pelas organizações, objetivando a adesão e o
consentimento dos trabalhadores à lógica do capital e, conseqüentemente, à redução dos
níveis de conflito entre capital e trabalho. Deste ponto de vista, esses benefícios ora são
concedidos, ampliados, ora são restritos, negados.
Em relação ao tipo de deficiência, constatamos entre os entrevistados 06 (seis) pessoas
com deficiência física, seguidas de 02 (duas) com deficiência visual e 01 (uma) auditiva.
Indagando sobre a origem de tais deficiências, predomina a deficiência adquirida, cujas
causas são variadas, como: doenças (crônico-degenerativas e ocupacional), acidentes
(trânsito, trabalho, brincadeira infantil).
Os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) referentes ao ano de 1995, citados
por Retratos da Deficiência no Brasil, destacam as seguintes causas de deficiências:
enfermidades crônico-degenerativas (21,0%); causas externas (18,0%); enfermidades
transmissíveis (16,8%); transtornos congênitos e parinatais (16,6%); desnutrição e outras
6
Afirmação feita pelo Prof. Dr. Sérgio Lessa, durante o Curso Sujeito Revolucionário, realizado pela UFRN, em
Julho de 2006.
138
(11,0%); alcoolismo e abuso de drogas (10,0%) e alterações psicológicas (6,6%). Fazendo um
cotejamento das causas das deficiências identificadas nos documentos da OMS com as
detectadas nesta pesquisa observamos que as causas expressam-se da mesma forma.
Todavia, o Programa de Ação Mundial para as Pessoas Com Deficiência (1982)
detalha e amplia as causas das deficiências, incluindo as causas econômicas, políticas,
culturais, patológicas e ambientais. Examinemos, pois:
a) As guerras e suas conseqüências e outras formas de violência e destruição: a fome,
a pobreza, as epidemias e os grandes movimentos migratórios.
b) A elevada proporção de famílias carentes e com muitos filhos, as habitações
superpovoadas e insalubres, a falta de condições de higiene.
c) As populações com elevada porcentagem de analfabetismo e falta de informação
em matéria de serviços sociais, bem como de medidas sanitárias e educacionais.
d) A falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas causas, prevenção e
tratamento; e isso inclui a estigmatização, a discriminação e idéias errôneas sobre a
deficiência.
e) Programas inadequados de assistência e serviços de atendimento básico de saúde.
f) Obstáculos, como a falta de recursos, as distâncias geográficas e as barreiras sociais,
que impedem que muitos interessados beneficiem-se dos serviços disponíveis.
g) A canalização de recursos para serviços altamente especializados, que são
irrelevantes para as necessidades da maioria das pessoas que necessitam desse tipo de ajuda.
h) Falta absoluta, ou situação precária, da infra-estrutura de serviços ligados à
assistência social, saneamento, educação, formação e colocação profissionais.
i) O baixo nível de prioridade concedido, no contexto do desenvolvimento social e
econômico, às atividades relacionadas com a igualdade de oportunidades, a prevenção de
deficiências e a sua reabilitação.
j) Os acidentes na indústria, na agricultura e no trânsito.
k) Os terremotos e outras catástrofes naturais.
l) A poluição do meio ambiente.
m) O estado de tensão e outros problemas psico-sociais decorrentes da passagem de
uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna.
n) O uso indevido de medicamentos, o emprego indevido de certas substâncias
terapêuticas e o uso ilícito de drogas e estimulantes.
o) O tratamento incorreto dos feridos em momentos de catástrofe, o que pode ser
causa de deficiências evitáveis.
139
p) A urbanização, o crescimento demográfico e outros fatores indiretos.
As causas das deficiências imediatamente mencionadas levam-nos a inferir que
políticas públicas articuladas e de fato comprometidas com o bem-estar da população
poderiam se constituir instrumentos de prevenção e, conseqüentemente, reduzir o número de
pessoas com deficiências, exceto em se tratando de fenômenos naturais, como terremotos,
catástrofes.
Deste ponto de vista decorrem outras iniciativas a nível organizacional, do que pode
ser citado a constituição e o funcionamento das Comissões Internas de Prevenção de
Acidentes (CIPAs), onde, a título de exemplo, observa-se a resistência de trabalhadores ao
uso do equipamento de proteção individual (EPI), o que poderia reduzir significativamente o
número de acidentes do trabalho, entre os quais alguns resultam em deficiência. Nossa tese
confirma-se com o depoimento de um entrevistado:
Eu trabalhei treze anos na Maísa. A Maísa quando veio cuidar desse negócio
de equipamento de proteção individual já foi muito tarde, já foi no final, aí eu
perdi 40% da audição (Sic, MATEUS).
Todavia, o EPI por si só não assegura a proteção do trabalhador. Necessário faz-se um
trabalho de esclarecimento, sensibilização para a sua utilização, pois é recorrente a resistência
ao mesmo. O operário que adquiriu deficiência auditiva motivada pela ausência de
equipamento de proteção individual completa sua declaração da seguinte forma: “Depois que
eu entrei nessa empresa [refere-se a empresa que trabalha atualmente], quando eu tô dentro do
barulho mesmo, quando o barulho me atinge aí eu uso o EPI”. Mesmo vitimado pelo não uso
do EPI, o trabalhador mostra resistência ao seu uso.
Conforme expusemos no decorrer deste trabalho, encontramos alguns autores que
concebem o trabalho como fator de integração social (Castel, 1998) e outros como categoria
fundante no mundo dos homens (Marx, 1980; Lukács, 1980; Antunes, 1999) pois, através do
trabalho, o indivíduo mantém-se em interação com os seus semelhantes, descobre-se, realiza,
reproduz, desenvolve, potencializa e concretiza suas capacidades cognitivas, relacionais,
operacionais e humanas.
Afirmando ao longo deste estudo que, a força de trabalho subordinada aos ditames do
capital tem seu consumo cristalizado em consonância com a contradição própria da dinâmica
de acumulação, expressa à medida que não há correspondência entre as relações de produção
e as forças produtivas, quando as relações de produção funcionam como grilhões daquelas,
140
desencadeando a desproporcionalidade entre a produção (crescente) e a taxa de lucro
(decrescente), deriva dessa discrepância uma expulsão de trabalhadores do processo
produtivo. Dito de outra maneira, o capitalismo tanto gera a inserção de trabalhadores no
mercado de trabalho, como os deixa fora desse mercado. O que vai determinar a ampliação ou
redução do consumo dessa força de trabalho é a taxa de lucro obtida nesse movimento.
Entendemos que esse constructo marxista explica porque o mundo do trabalho na
contemporaneidade experimenta o desemprego ininterrupto e crescente. A acumulação
capitalista, ao elevar a composição orgânica do capital, impele o empreendedor a investir
prioritariamente em capital constante, secundarizando o capital variável, isto é, a força de
trabalho humano. Essa decisão, também instigada pela concorrência e competição entre os
capitalistas, apresenta entre os resultados o aumento da produtividade do trabalho, sobretudo
pela incorporação de novas tecnologias, sem a devida simetria com a taxa de lucro. A
conseqüência dessa incompatibilidade exprime-se na exclusão progressiva de trabalhadores
do mercado de trabalho, que por sua vez, acentua a exclusão do mercado de consumo, dos
benefícios a ele relacionados, dos bens materiais e simbólicos. A situação dos trabalhadores
desempregados agrava-se, sobretudo, em sociedades como a brasileira, onde os benefícios
sociais, com exceção dos benefícios assistenciais destinados às pessoas ou famílias
comprovadamente miseráveis, vinculam-se ao emprego, porque entre nós não foi consolidado
o Estado de Bem-Estar Social, marcado por garantias de um patamar de cidadania de
dimensão universal.
Compreendemos que a percepção daqueles que estão envoltos na situação em análise é
imprescindível para o entendimento do processo de inserção no mercado de trabalho, embora
sem nos distanciarmos de outra tese que assinala que nem sempre a compreensão dos sujeitos
está sintonizada com a teoria ou a confirme, pois sua percepção de mundo e do que lhes
rodeia é extremamente direcionada por seus valores. Em assim pensando, questionamos o que
significa estar empregado para as pessoas com deficiência entrevistadas, e ressaltamos aqui
que a própria condição de ser deficiente já se configura como fator de discriminação, que
limita a inserção no mercado de trabalho, bem como em outras áreas.
Para eles o trabalho significa “muita coisa”, “tudo”. Nessas expressões estão
embutidos tanto o aspecto material, enquanto meio para a satisfação das necessidades básicas,
quanto o aspecto subjetivo, relacionado ao reconhecimento, à valorização, à dignidade, ao
desenvolvimento de habilidades, à perspectiva de um futuro melhor, conforme indica o
depoimento seguinte:
141
Você trabalhando consegue várias coisas, você pega no dinheiro compra as
coisas pra dentro de casa, e realmente é muito bom a pessoa ter um emprego
porque desenvolve mais naquele emprego, pode seguir em frente e pra uma
coisa melhor no futuro, vai tentar progredir, tentar ser mais naquele seu
trabalho (Sic, LUCAS).
Entrevistados desta pesquisa atribuem ao trabalho a porta de entrada que capacita as
pessoas com deficiência para as diferentes áreas. O trabalho significa, ao mesmo tempo, uma
forma de enfrentar a própria limitação inerente à deficiência, e desta maneira os nivela, torna-
os iguais às pessoas não deficientes, assim como os distancia da noção de incapacidade,
inutilidade, improdutividade, de que na concepção deles, são exemplos os beneficiários de
prestação continuada. Ressalta ainda que sua visão acerca do trabalho enaltece a pessoa e
secundariza a deficiência, conforme se pode observar:
Eu acho que o emprego é o que faz a pessoa ser digna, ser capaz de enfrentar
qualquer coisa, principalmente assim no caso a pessoa com deficiência. Ela
tem que está empregada para que não seja totalmente diferente no mundo,
porque assim, para eu receber o meu salário eu presto um serviço, diferente
assim de uma pessoa que é aposentada, não faz nada, fica em casa só
esperando aquele benefício. Minha visão é totalmente diferente, até porque
eu tenho nível de estudo, né?, também tem isso, e assim, pra mim não só
como deficiente, mas como pessoa em primeiro lugar é muito importante,
muito importante mesmo (Sic, ANTONIO).
A declaração acima expressa e sintetiza inúmeras percepções e significados para o
trabalho, ao tempo em que dá visibilidade ao trabalho como categoria central e parte
constitutiva da vida humana. Por outro lado leva a presumir que a falta de trabalho remete à
pobreza, à exclusão social, à degradação humana.
Abstrai-se também desse depoimento que o ingresso da pessoa com deficiência no
mundo do trabalho torna-a apta a enfrentar qualquer outra situação na vida. Isso pressupõe
que o referido acesso é difícil, restrito, constituindo-se em desafio, cujo enfrentamento dilui as
demais barreiras em seu entorno. O trabalho é, pois, nessa perspectiva, fonte de capacitação,
auto-superação humana, de desenvolvimento, de emancipação, de humanização e reprodução
social. Isto porque todo ato de trabalho resulta em alguma transformação da natureza, mas não
se limita a essa finalidade imediata, simultaneamente possibilita a origem e o
desenvolvimento de novas capacidades humanas, da conquista de novas liberdades, novos
saberes que se (re) produzem historicamente. Assim sendo, o trabalho traduz e explica sua
conotação teleológica, sua centralidade na vida dos homens. Conforma-se também como força
motriz para romper com as diferenças, os estigmas que perpassam o cotidiano daqueles que
têm alguma deficiência.
142
O acesso ao trabalho, na perspectiva de direito social, supõe a conquista de uma das
dimensões da cidadania. Cidadania compreendida segundo o modelo marshalliano como o
conjunto de direitos que inclui: direitos civis – de locomoção, de imprensa, de credo, de
propriedade, à liberdade de pensamento e de expressão; direitos políticos – de votar e ser
votado, de participar de assembléias, associações, sindicatos, partidos políticos e direitos
sociais – identificados como o acesso a umnimo de bem-estar econômico e de segurança,
voltados para proporcionar a vida de um ser civilizado (Marshall, 1967).
Cidadania enquanto expressão de igualdade formal entre sujeitos desiguais é
relativamente aceita pela sociedade burguesa, desde que não ameace os fundamentos do
capitalismo, mas, a partir do momento em que a luta dos de “baixo”, da classe subalterna,
amplia-se em prol da universalização da cidadania, a qual passa necessariamente pela
incorporação do direito civil e nele exige a transformação do direito à propriedade, de
natureza individual e privada, para a apropriação de todos da riqueza coletivamente
produzida, a cidadania revela-se incompatível com o capitalismo, é, pois, rechaçada pela
classe dominante.
Deste ponto de vista, na opinião de Coutinho (2000) e Dias (1996), a universalização
da cidadania é incompatível com a sociedade de classes. Em conjunturas de expansão da taxa
de lucro a burguesia pode até tolerá-los, porém em épocas de recessão age no sentido de
restringi-los, suprimi-los. Isto explica porque no neoliberalismo ocorre um ataque tão
veemente aos direitos sociais, conquistados brava e historicamente pelos trabalhadores, pois
sua efetivação pelo Estado, na perspectiva de universalização, implica na redistribuição da
riqueza socialmente produzida, através de benefícios e serviços sociais.
Pudemos apreender nesse processo analítico que o trabalho inscrito entre os direitos
sociais, situando-se, portanto, entre os direitos de cidadania, apresentado numa perspectiva de
inclusão social, como se propõe a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência mascara múltiplas contradições. A primeira diz respeito à seletividade. Ora, para
alcançar o patamar de inclusão, necessariamente deveria ser um direito regido pelo princípio
da universalização, onde todos os sujeitos teriam livre acesso ao trabalho. Entretanto, esta
política orienta-se pelo princípio da seletividade, onde são definidas cotas em
proporcionalidade à quantidade de trabalhadores empregados, consoante o exposto
anteriormente. Sob esses condicionantes são incluídos no Mercado de Trabalho apenas uma
quantidade reduzida de pessoas com deficiência.
A segunda contradição deriva das reflexões cristalizadas no decorrer deste trabalho
acerca da lei geral da acumulação capitalista, levando-nos a inferir que a sociedade capitalista
143
é incompatível com o pleno emprego. Portanto, preconizar a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência como via de acesso ao trabalho é saber
previamente que não haverá lugar para todos. Com efeito, restringe-se a cidadania tão
somente aos que se inserem no mercado de trabalho regulamentado, cuja tendência na
atualidade é ampliar a flexibilização e a desregulamentação dos direitos trabalhistas. Trata-se,
portanto, de uma cidadania regulada e restrita.
A terceira contradição relaciona-se aos direitos sociais. Na perspectiva aludida, esses
devem ter orçamento redistributivo, incidindo as maiores contribuições para os empregadores
e para o orçamento fiscal, implicando em onerar os capitalistas e desonerar os trabalhadores e
não pautados na conjugação da lógica contributiva, a exemplo dos benefícios da previdência
social, e da mercantilização dos serviços sociais básicos, como é o caso da saúde, educação e
habitação. Nestas condições, para nós, a noção de cidadania mascara as desigualdades,
disfarçada na igualdade formal, ainda que possa concretizar direitos sociais, políticos,
mantém-se intocável no campo da economia, de onde advém a produção e a reprodução das
desigualdades sociais.
A última contradição identificada, porém não menos importante, trata da questão da
responsabilidade do Estado na concretização desses direitos. Na situação em análise, esse
dever público consubstancia-se em parceria com empresas privadas e organizações da
sociedade civil, precisamente entidades beneficentes de assistência social, distanciando ainda
mais o seu alcance para muitos que deles necessitam, confirmado na resistência das empresas
que têm acima de 500 funcionários, como evidenciamos no decorrer deste trabalho.
Igualmente importante também na concretização da cidadania e da inclusão social é o
exercício do princípio de gestão democrática, com ampla participação de todos nas decisões.
Retomando o depoimento do sr. Antonio, observa-se a percepção do entrevistado em
refutar a incapacidade das pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho. Para ele,
a deficiência de fato é aquela que torna o sujeito inválido para o trabalho, assim, equipara os
deficientes aos inativos. Esta percepção, contudo, é extremamente reducionista, pois relaciona
a possibilidade de acesso ao mundo produtivo às condições particulares do sujeito. Em assim
pensando obscurece as interconexões que perpassam o processo, como a restrição do acesso à
educação, à saúde, à locomoção, dentre outros. Tal posicionamento supõe o desvencilhamento
de uma análise conjuntural e estrutural, na qual essa situação encontra respostas. Ou, dito de
outra maneira, tal percepção reflete a ideologia burguesa, exprime a lógica liberal, tributando
a responsabilidade dos fracassos, das dificuldades, das limitações ao próprio sujeito.
144
Na seqüência, indagamos em que o emprego alterou a vida dos entrevistados. Das
nove pessoas com deficiência entrevistadas, duas admitiram que o emprego não alterou sua
vida. Das que mencionaram que melhoraram de vida, expressaram-se como segue:
Eu tava desempregado, né, só em eu me empregar foi muita coisa pra mim
[...] aí melhorou tudo pra mim. Só em ganhar um salário melhora tudo pra
mim, antes eu não ganhava, não tinha como comprar nada, agora eu já posso
comprar as coisas que eu preciso, agora eu sou independente (Sic,
GABRIEL).
Para o sr. Antonio, a mudança que o trabalho traz em sua vida evidencia-se assim:
Trabalhando eu posso me estabilizar em qualquer coisa que eu quero. Antes
eu dependia de todos e de tudo. Hoje, com o meu trabalho eu tenho minha
independência. O trabalho resgata até mesmo o estímulo, antes eu não me
valorizava, meu estímulo estava muito baixo (Sic, ANTONIO).
A fala do sr. Tadeu vem corroborar com a perspectiva de que por meio do trabalho os
sujeitos podem planejar suas vidas, sonhar com o amanhã renovado de esperanças.
Observemos o que ele diz:
Tava desempregado e desesperado, pois não tinha como me manter e depois
que comecei a trabalhar tenho onde fazer minha feira, tem onde comprar, o
pessoal confia.[...] Pra mim também manter a mente ocupada (é positivo,
pois) amanhecia o dia sem fazer nada só pensando besteira, sem ter o que
fazer. Hoje não, eu tenho o que fazer, já amanhece o dia e sei que vou
trabalhar, tenho minha responsabilidade, me sinto mais gente, útil, produtivo
(Sic,TADEU).
Na concepção dos entrevistados, portanto, as alterações atreladas ao emprego
conferem-lhes não apenas a satisfação de necessidades materiais, mas igualmente de
valorização humana, de responsabilidade e respeito ante os seus semelhantes. Tais concepções
reforçam a atualidade das teorias que defendem o trabalho como categoria central no mundo
dos homens, como protoforma do ser social.
Em relação aos entrevistados que consideram fácil o ingresso de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, tal facilidade está relacionada à implementação da
legislação pertinente às pessoas com deficiência, senão vejamos:
Antigamente existia muita dificuldade para o deficiente trabalhar. Hoje não
existe mais por causa dessa Lei. Antigamente quando não existia essa Lei
tinha dificuldade, porque a maioria das empresas não queria pegar pessoas
145
que tinha deficiência, o deficiente tinha que ter um pistolão muito forte que
botasse pra trabalhar. Depois da Lei mudaram várias coisas, porque uma
empresa, pelo que entendi, tem capacidade de botar, vamos supor 20%, 10%
de pessoas deficientes pra trabalhar pela Lei, não é assim? (Sic, TADEU)
É emblemática nesse depoimento a compreensão de que a legislação inscreve-se como
a solução para o problema do desemprego das pessoas com deficiência. É como se na
sociedade capitalista houvesse espaço para todas elas no mercado de trabalho, como se essa
possibilidade fosse factual no sistema vigente. Tal entendimento reflete a desvinculação do
problema das causas estruturais do desemprego, que por sua vez está relacionado à
contradição central do capitalismo expressa na apropriação dos meios e produção nas mãos
dos detentores do capital. Desse ponto de vista, emerge uma visão acrítica da realidade, pois o
fato de uma pessoa estar empregada através da mediação de uma lei, não significa que a
mesma absorva todas as pessoas na condição aludida. Um olhar sobre as estatísticas revela o
equívoco destas pessoas, sendo corroborado no universo investigado, uma vez que, entre as
17 (dezessete) organizações constatamos um total de 6.467 funcionários registrados, desses
apenas 113 (cento e treze) são pessoas com deficiência, correspondendo assim, 1,7% do total
de empregados. Portanto, está muito longe de todas as pessoas com deficiência, em idade
economicamente ativa, serem inseridas no mercado de trabalho, assim como todos os
trabalhadores de maneira geral.
A ausência do senso crítico acerca do desemprego não se esgota na questão estrutural,
mas também abarca aspectos estruturantes, conforme enfoca um entrevistado que considera
que a dificuldade para a inserção no mercado de trabalho está relacionada ao ponto de vista de
quem o analisa. Essa posição está associada ao fato de que as empresas, ao demandarem
pessoas com deficiência a serem selecionadas, exigem qualificações consoantes as suas
necessidades. Neste sentido, solicitam das associações, em particular a ADEFIM, pessoas
com deficiência para comporem seus quadros funcionais. Todavia, dada a desqualificação das
mesmas, essas vagas não são preenchidas, redundando na interpretação de que existem vagas
para todos os trabalhadores no mercado de trabalho.
É incontestável que, no contexto atual, a qualificação configura-se como um
componente imprescindível que alavanca e viabiliza o acesso ao mercado de trabalho. No
entanto, na nossa percepção, não se pode reduzir ou eliminar a dificuldade de acesso das
pessoas com deficiência no mercado de trabalho ao simples fato da qualificação. Estaríamos
assim, incorrendo numa análise simplista, destituída de nexos que se inter-relacionam e sem
uma visão de totalidade.
146
No tocante às dificuldades de ingresso no mercado de trabalho relacionadas ao tipo de
deficiência, constata-se que existe uma relação diretamente proporcional entre o tipo e grau de
deficiência e a inserção no processo de trabalho. Quanto mais grave a deficiência menor é a
possibilidade de inserção no mercado de trabalho.
Nossa pesquisa indicou que o maior número de pessoas com deficiência incluída no
mercado de trabalho local é composto por pessoas com deficiência física leve. Observamos no
universo pesquisado apenas um deficiente físico cadeirante.
Paralelamente, observamos também, no período de nossa investigação, mediante
anúncios no jornal local, que os comunicados de emprego para esse segmento direcionam-se
para os deficientes físicos (Gazeta do Oeste, 11/03/2007 – comunicado mais recente). Mesmo
em meio a essa segmentação e discriminação, ainda segundo essa fonte, apenas 30% dos
deficientes físicos vinculados à Associação dos Deficientes Físicos de Mossoró (ADEFIM)
estão inseridos no mercado de trabalho formal. Essa mesma edição da Gazeta traz outras
matérias sobre esse contingente, com destaque para as atividades culturais e estampa uma
manchete nos seguintes termos “Sou deficiente e tenho carteira assinada”, o conteúdo da
matéria evidencia as conquistas e potencialidades dessas pessoas.
Quanto às dificuldades relatadas pelas pessoas com deficiência entrevistadas,
destacam-se o preconceito, as barreiras físicas (escadas, portas estreitas, banheiros e
transportes coletivos não adaptados), pouca qualificação, intensa concorrência, o
desconhecimento da política específica desse contingente populacional e pouca fiscalização
dos órgãos competentes designados para tal finalidade, o que convergiria para aumentar o
número de empresas notificadas e, por conseguinte, aumentaria o número de admissões.
A legislação é interpretada pelas pessoas com deficiência de forma ambígua. Ora é
percebida como facilitadora, ora como discriminadora do processo de inclusão no Mercado de
Trabalho. Para alguns entrevistados, ela opera no primeiro sentido, pois é tão somente em
razão de sua criação e operacionalização que muitas pessoas com deficiência tiveram acesso
ao trabalho. Todavia, na concepção de uma entrevistada, o que deve ser considerado no
momento da admissão é a competência e não a deficiência. A competência deveria se
sobrepor à legislação. Ela assim se manifesta:
Nós sabemos que tem uma lei, né, que obriga as empresas a contratarem, que
eu já acho errado porque é um tipo de discriminação. Você contrata uma
pessoa não porque ela seja deficiente, mas porque ela é capaz. Eu acho uma
dificuldade a pessoa achar que por ser deficiente não é capaz. Aí já é uma
barreira grande. Depois o acesso às empresas, tem muitas barreiras, tem
escadas, tem portas estreitas, os banheiros não são adaptados e, depois assim,
o preconceito mesmo que existe. Quando você vê logo de cara, você não vai
147
conhecer [a pessoa], você primeiro já vem e barra, então isso aí é uma
dificuldade muito grande e eu acho que é a pior de todas, porque realmente é
aí onde se caracteriza o preconceito. Preconceito é assim, você faz um
conceito sem saber que a pessoa é capaz ou não. Infelizmente a gente mora
num país que precisa dessa lei. Eu até acho que não precisaria saber se é
branco, preto, deficiente ou não, mas saber se é capaz e pronto, não importa o
que mais. (Sic, VITÓRIA).
Dos relatos anteriores pode-se chegar a duas inferências. Uma é que a legislação age
preponderantemente como viabilizadora da inserção de pessoas com deficiência no mercado
de trabalho. O depoimento seguinte conclama nesse sentido:
Antes dessa lei eu procurei emprego, mas o empregador vê a gente com certo
tipo de deficiência e não aceita. Eu digo assim, me referindo ao comércio.
Hoje em dia tá melhor, porque essas empresas contratam, mais no comércio
antigamente era muito difícil, era besteira a pessoa procurar, porque eles não
davam oportunidade. Começou a melhorar agora, de um tempo para cá (Sic.
LUCAS).
A outra é que, mesmo sob pontos de vistas distintos, nenhum entrevistado sinalizou
que compreendia o desemprego relacionado a causas estruturais e conjunturais. Antes, as
explicações estão associadas às questões mais imediatas e do senso comum. Desmistificar
essas teias que encobrem essas interpretações não é tarefa fácil e rápida, mas também não está
no plano do inatingível. Ambas, entretanto, denotam e conformam a exclusão das pessoas
com deficiência.
Historicamente, o ingresso de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem se
revelado lento e tardio. Com essas características, e inserido no contexto capitalista,
naturalmente excludente, é expressiva a quantidade dessas pessoas fora do processo de
trabalho. Para além da questão estrutural, pois nela, na nossa concepção, radica-se a causa da
exclusão social, requerendo para sua reversão a construção de uma nova sociabilidade distinta
da vigente, outras medidas podem ser acionadas na direção da ampliação de vagas para esse
segmento.
Nesse sentido, em relação aos empresários, urge, pois o desenvolvimento de um
trabalho educativo e de sensibilização em torno da pessoa com deficiência, para que possam
volver o olhar, focalizando as lentes no potencial dessas pessoas, que muitas vezes encontra-
se latente à espera de uma oportunidade para se revelar, ou requisite algumas adaptações para
mostrar sua capacidade laborativa, superar o preconceito, adaptar as estruturas às
necessidades das pessoas com deficiências, cumprir as cotas na íntegra – significaria dobrar o
contingente hoje empregado (consoante a Retratos da Deficiência no Brasil) – ou, no caso de
descumprimento das cotas, aplicar o valor equivalente aquelas em contribuições para um
148
fundo que financiasse ações voltadas para o atendimento dessas pessoas, seja em
treinamentos, reabilitação, aquisição de aparelhos e equipamentos, dentre outros.
Em se tratando do Estado, compete: planejar e executar políticas, no caso das políticas
sociais em particular, implementá-las na direção da transversalidade e seguindo os princípios
instituídos na Constituição de 1988, de forma que contemplem as necessidades daqueles que
as demandam, pois, conforme sinalizamos anteriormente, a inserção no mercado de trabalho
requisita a mobilização de ações em diversas áreas, resulta da interpenetração de distintas
intervenções.
Não obstante, a operacionalização das ações imediatamente mencionadas depende de
recursos para financiá-las. Portanto, supõe a definição e a garantia de um percentual no
orçamento estatal. Esse orçamento, nessa perspectiva, depende do crescimento econômico que
vislumbre uma redistribuição eqüitativa de renda.
Compete também ao Estado, em se tratando da legislação, divulgá-la com mais
freqüência e de forma mais diversificada, torná-la acessível, assim como ampliar e tornar mais
rigoroso o trabalho de fiscalização no cumprimento das cotas, ampliar os benefícios da
assistência social, compatibilizando com os direitos trabalhistas, adotar isenções fiscais para
as empresas que empregam pessoas com deficiência, dentre outras medidas.
Quanto às pessoas com deficiências, propõe-se a capacitação continuada, o
conhecimento de seus direitos para poder reivindicá-los, associar-se a entidades de classe,
assim como fomentar a articulação entre elas, buscando o fortalecimento recíproco em prol da
defesa dos interesses e aspirações de seus associados.
Averiguar a satisfação no ambiente de trabalho na tentativa de desvelar as
discriminações e preconceitos vivenciados, conduziu-nos a indagar como as pessoas com
deficiência sentem-se no ambiente de trabalho. Nesse sentido, as pessoas entrevistadas
revelaram que se sentem bem, são bem tratadas, sentem-se iguais, relacionam-se bem com
seus pares, todos têm atenção com eles, sentem-se apoiadas por todos na hierarquia
institucional.
Compreendendo que a exclusão também se manifesta na dimensão cultural, mediante
a discriminação, o não acesso, ou o acesso restrito as atividades artísticas – que compreendem
a dança, a música, a literatura, o teatro, as artes plásticas – indagamos às pessoas entrevistadas
se elas já haviam sido discriminadas em razão da deficiência. Observamos através do discurso
a negação do fato por alguns entrevistados. Essa atitude expressa uma consciência ingênua da
sua situação em face da discriminação social que está posta, assim como encontra eco na
formulação de Martins, que assinala que as vítimas da exclusão elaboram um juízo
149
condenatório que as penaliza. A negação da discriminação traduz, pois, o subterfúgio do
sofrimento gerado pela discriminação e, de forma mais intensa, pela exclusão.
Contudo, um dos entrevistados admitiu que sofre discriminação não por parte dos
colegas de trabalho, mas pelo público que atende. Outro afirmou que foi discriminado no
momento da seleção quando observaram a deficiência e passaram a protelar a contratação,
fazendo-o compreender que tal atitude foi motivada pela deficiência, pois havia sido aprovado
nos demais requisitos. Outro sofreu discriminação pelos colegas de trabalho logo que foi
contratado. Percebe-se, mediante a fala dos mesmos, que é difícil para eles admitirem a
discriminação, sobretudo porque ela está vinculada à deficiência. Neste sentido, o depoimento
a seguir elucida em que consistiu a discriminação. Examinemos:
Chamava a gente de deficiente, mesmo a chefe do setor mandou uma vez
fazer uma coisa que eu não podia fazer, mas ela sentiu que eu não podia fazer
e mandava outro. Aí ele reclamava, dizia que eu era bonitinho, só queria tá
dentro pra ganhar dinheiro, não queria fazer o serviço que era pra mim fazer.
No início teve isso, mas depois foi se adaptando e foi se adequando a
entender minha deficiência. Eu fui conversando com ele, falei que existia a
lei, fui abrindo os olhos dele. Aí deu tudo certo no final, mas no começo eu
fui discriminado (Sic, LUCAS).
As discriminações vivenciadas no espaço ocupacional refletem as discriminações
experimentadas a nível mais amplo, ou seja, na sociedade. Assim pensando, indagamos se
essas pessoas haviam sido discriminadas nesse contexto e a maioria respondeu negativamente,
apenas 03 (três) dos entrevistados vivenciaram esta situação.
Paradoxalmente, a mesma lei que facilita a inclusão provoca também discriminação,
ante a efetivação de um direito. Essa afirmação pode ser comprovada com o depoimento a
seguir:
Às vezes eu vou pra fila de banco, a gente sabe que tem nosso espaço de
chegar e ser atendido logo sem entrar em qualquer fila. Mesmo eu chegando
lá, o pessoal fica olhando para mim, ou fica olhando pra minha perna ou pro
braço, pra ver se vê uma deficiência, já que a minha deficiência não é assim
muito grande, aí quando eu vou lá pra frente, diz: rapaz o que você quer aí na
frente? Respondo: rapaz eu sou deficiente e cadê sua deficiência? Aí de início
é sempre aquele choque. Sempre que eu vou pra fila, já vou sabendo que vai
ter aquilo. Isso machuca um pouco porque é prova que o pessoal não tem
muito conhecimento ainda, né, não sabe aceitar. Eu agora mostro meu cartão
e digo: olhe meu direito tá aqui, é lei, não quero conversa não, vou logo pra
frente da fila. (Sic, LUCAS).
150
À medida que analisamos o que expressaram os entrevistados, observamos que o
termo exclusão abrange: privações, discriminações, pobreza, subalternidade, negação de
cidadania que, por sua vez, constituem-se manifestações das desigualdades sociais.
Ao situarmos a problemática das pessoas com deficiência na luta continuada pelo seu
espaço na sociedade e, de forma particular, pela inclusão no mercado de trabalho, buscamos
no decorrer dos três capítulos resultantes de nossa pesquisa, analisar as contradições
econômicas, sociais e culturais que estão postas na vida desse segmento populacional,
aprofundando as categorias exclusão/inclusão como fio condutor desta análise, reafirmando a
centralidade do trabalho como eixo “oxigenador” da inclusão/exclusão e da vida social.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho é resultado da interlocução entre formulações teóricas e empiria, no
sentido de apreender os determinantes que viabilizam o processo de inclusão de pessoas com
deficiência no Mercado de Trabalho no município de Mossoró-RN, tendo como referência a
Lei 7.853 de 1989, que trata da Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de
Deficiência.
Neste sentido, estabelecemos como pressuposto que a Política Nacional para a
Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência, na particularidade deste estudo, viabiliza em
parte a inclusão desse segmento social no mercado de trabalho, uma vez que, tal inclusão
efetiva-se nas dimensões seletiva ou focalizada, marginal, precária, instável.
Este pressuposto é o ponto de chegada, derivado da compreensão que se tem, a
exemplo de alguns pensadores de tradição marxista, do trabalho como categoria central, como
protoforma da constituição do ser social, independente da formação social onde é
desenvolvido. Na sociedade capitalista na contemporaneidade essa posição é reafirmada,
sobretudo por aqueles que estão desempregados ou subempregados, privados na sua maioria
da inserção em empregos assalariados com registro, do mercado de consumo, dos bens e
serviços, de direitos e deveres, enfim, da produção da emancipação humana fundamentada e
firmada no trabalho.
Advém do construto teórico marxiano, precisamente da lei geral da acumulação
capitalista que, na sociedade burguesa, a relação entre capital e trabalho é perpassada por
contradições, sendo que a contradição fundamental reside na apropriação privada da riqueza
socialmente produzida. Essa contradição desdobra-se em outras, com destaque para aquela
expressa na dinâmica de reprodução ampliada de acumulação de capital, na qual são criados,
embora contraditoriamente, mecanismo de exclusão/ inclusão de consumo da força de
trabalho humano. É gerado, assim, um processo de desigualdade social que se manifesta na
superpopulação relativa, a qual é demandada em consonância com a oscilação da taxa de
lucro: se essa cresce, amplia-se a utilização da força de trabalho humano, se decresce há uma
redução daquela. Portanto, fica patente que é inerente ao movimento de acumulação
capitalista gerar desemprego, porque o aumento da composição orgânica do capital requisita a
ampliação e valorização do capital constante, mediante a introdução permanente de novos
equipamentos, maquinários, técnicas, em detrimento de gradativa desvalorização do capital
variável, constituída pela força de trabalho humano.
152
Logo, os trabalhadores expulsos do processo de trabalho têm comprometido tanto a
consolidação da sua materialidade quanto de sua subjetividade, uma vez que é através do
trabalho que o homem atende às suas necessidades de reprodução, que cria e se recria
enquanto ser social. Por isso é que o trabalho constitui-se como o principal meio de
integração, de emancipação do homem, e o desemprego ou subemprego nega essa
possibilidade humano-social.
Karl Marx oferece-nos elementos suficientes para explicar porque o capitalismo, para
sua reprodução, precisa constantemente revolucionar as forças produtivas e que essas em uma
certa etapa de seu desenvolvimento entram em contradição com as relações de produção,
transformando-as em reféns. Seguindo essa lógica, compreende-se porque na
contemporaneidade, o capital, ao elevar a sua composição orgânica, prioriza o capital
constante, seja concentrando-o, seja centralizando-o. Assim, o capitalista, ao introduzir novas
tecnologias, simultaneamente responde às pressões dos trabalhadores, descartando expressiva
força de trabalho do processo produtivo, e enfrenta seus concorrentes. Isto explica porque as
últimas décadas do Século XX e primeiros anos do Século em curso registram o crescimento
cada vez mais acentuado do desemprego. Com efeito, crescem progressivamente a pobreza, as
desigualdades sociais, a exclusão social daqueles que não encontram lugar no mercado de
trabalho.
Com base em nossa pesquisa, observamos que, sejam quais forem as modalidades de
utilização da força de trabalho humano no atual contexto, os resultados apontam que elas são
preponderantemente funcionais ao capitalismo e avançam nas formas de exploração,
alienação, subordinação do trabalho ao capital, redundam na degradação de vida e trabalho da
classe trabalhadora; estando a classe trabalhadora à mercê de sua própria sorte ou à mercê da
avidez incontida do capitalismo.
Essas considerações tornam-se mais contundentes na medida em que, com a análise
das entrevistas junto aos gestores e pessoas com deficiência, apreendemos que não há uma
compreensão histórica dos ganhos que possam ser alcançados na luta junto ao Estado nos
desdobramentos de uma política voltada para as classes trabalhadoras no enfrentamento das
desigualdades sociais.
No âmbito das iniciativas governamentais na direção de atenuar o desemprego, nem
mesmo em temporalidades de protagonismo do keynesianismo, associado ao
fordismo/taylorismo, em países que consolidaram o Estado de Bem-Estar Social e de franca
expansão do capital, foram capazes de assegurar o pleno emprego como se propuseram. Tais
medidas, denominadas anti-crise, também foram funcionais ao capital, uma vez que os
153
empreendimentos e empregos criados pelo Estado geraram renda e, por conseguinte,
consumo, realimentando, assim, a dinâmica de acumulação.
No percurso investigativo, constatamos que a Política Nacional para a Integração de
Pessoas Portadoras, malgrado a criação de condições normativo-institucionais voltadas para a
inclusão desse contingente populacional no contexto sócio-econômico e cultural, expressa e
reproduz a própria dinâmica contraditória de sociedade de classes. Isto porque, ao definir
como objetivo a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o faz como base
no sistema de cota. Ora, essa forma de pensar a “inclusão” cria simultânea e
contraditoriamente a forma de excluir, uma vez que limita o número de pessoas a serem
absorvidas. Ademais, é imanente a própria dinâmica e acumulação criar uma superpopulação
sobrante, e acrescente-se a essa contradição a condição da deficiência, que torna desigual a
competição entre os sujeitos demandantes dos empregos. Portanto, na nossa compreensão,
essas cotas funcionam como a seleção da seleção, acirram de certa forma as desigualdades
sociais, promovem a “inclusão” tão somente nos moldes estritamente necessários à
reprodução do capital.
Apreendemos dos dados da nossa pesquisa que esta seleção da seleção espraia-se e é
incorporada pelos empresários, sendo manifesta a recusa da utilização de procedimentos e
apoios especiais, muitas vezes necessárias a inserção de pessoas com deficiência no mercado
de trabalho. Verificamos que são inseridas no mercado de trabalho apenas as pessoas que
apresentam deficiências leves, que não exigem alteração na jornada e no horário de trabalho,
não requisitam adequações no imobiliário, nos espaços físicos. Quando estas mudanças
efetivam-se não se destinam preponderantemente a esse público interno, mas externo. A
inexistência dessas medidas redunda na redução do número de pessoas com deficiência que
poderiam ser inseridas no mercado de trabalho. Assim, vai-se tecendo veladamente a exclusão
da proposta que se propõe a incluir, aprofundando as desigualdades sociais, econômicas
presentes na sociedade capitalista e relativas ao tipo e grau de deficiências.
A respeito dos instrumentos definidos pela Política em análise para o alcance do
objetivo propugnado, verificamos, no tocante à articulação entre os entes federados e o setor
privado, que essa modalidade de operacionalização de uma política social constitui uma
estratégia que reflete os matizes neoliberais tão exemplarmente incorporados pelo Estado. Do
processo investigativo, elucidamos aspectos que nos conduziram a aproximações, tais como:
as empresas privadas, por serem movidas pelo lucro, inserem em seus quadros funcionais tão
somente trabalhadores estritamente necessários a obtenção desse objetivo, logo, a “adesão” do
empresariado a essa política é indissociável ao aspecto punitivo da lei, conforme confirmaram
154
explicitamente 58% dos entrevistados, ou seja, as admissões de pessoas com deficiência em
seus quadros funcionais resultam preponderantemente da injunção desta Política.
Ademais, nos anos precedentes ao disciplinamento e a fiscalização da Lei 7.853/1989,
observamos, no lócus pesquisado, o mínimo de admissões de pessoas com deficiência no
setor privado. Esse quadro inverte-se nos anos de 2004/2005, momento em que a fiscalização
notifica as empresas no município de Mossoró. Por outro lado, essa fiscalização, apesar de ter
resultado no crescimento de admissão desses sujeitos, mostrou também a ineficácia desta
legislação em face dos resultados reveladores da desproporcionalidade entre os percentuais
das cotas e a quantidade de pessoas com deficiência inseridas no mercado de trabalho. Essa
assimetria é correspondente ao tamanho da empresa.
No universo pesquisado, observamos também que as empresas que têm em seus
quadros funcionais entre 500 e 1000 e acima de 1000 funcionários são as que menos
empregam pessoas com deficiência. Essa realidade bem reflete os dados da Fundação Getúlio
Vargas de que no Brasil entre os 26 milhões de trabalhadores formais ativos, apenas 2% são
pessoas com deficiência, ou seja, entre as pessoas com deficiência em idade economicamente
ativa e em condições de trabalho, 97,95% estão excluídas do processo produtivo. Em âmbito
local, com base nos resultados da pesquisa, em se tratando do mercado de trabalho formal,
apenas 1,7% das pessoas com deficiência estão inseridas. Logo, pode-se inferir que a
“inclusão” que a referida política propõe-se a fazer é no mínimo questionável.
Esse questionamento amplia-se quando tratamos da questão da formação de recursos
humanos. Seja realizados pelo Estado, seja promovidos no interior das empresas,
apreendemos que os cursos ofertados são principalmente restritos às pessoas já inseridas no
processo de trabalho, voltados às necessidades empresarias. Com efeito, convergem para
incrementar a produção. Tais iniciativas têm um enfoque de reciclagem, sendo os cursos de
formação profissional que antecedem a inserção no mercado de trabalho iniciativas
incipientes, pífias, descontinuadas e, em geral, desconectadas das demandas do mercado e das
demandas das pessoas com deficiência.
Deste modo, a tão decantada formação profissional estandartizada como instrumento
que alavanca a empregabilidade, além de ser uma falácia, inscreve-se como instrumento
ideológico que conseguiu unificar segmentos sociais antagônicos, como: Estado, mercado,
sindicatos e trabalhadores em prol da luta para a redução do desemprego, quando na verdade
escamoteia a verdadeira raiz do desemprego, expressa na própria dinâmica de acumulação
capitalista. A nosso juízo, não é a formação de recursos humanos que vai reduzir o índice de
desemprego, ou a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, embora a
155
pesquisa mostre que as pessoas com maior nível de escolaridade são as que conseguiram
empregos com salários mais altos. Esses são dados irrelevantes face às desigualdades sociais e
econômicas, cujo enfrentamento parece não estar na agenda das políticas públicas do Estado.
As demandas requisitadas pelos empregadores para a inserção de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho emergem com contradições relativas à qualificação que se
faz imprescindível no processo de admissão. Não obstante, como em geral as pessoas com
deficiência apresentam baixo nível de escolaridade, notadamente prevalece o ensino
fundamental incompleto, mas essa exigência em algumas empresas é postergada ante a
imperatividade da legislação em atingir a cota estipulada para esse contingente populacional.
Desta forma, o temor da notificação sobrepõe-se à qualificação. O atestado médico do perito
do INSS foi apresentado com uma requisição muito freqüente. Para nós, essa forma, ao lado
das citadas anteriormente, confirma a “inclusão” das pessoas com deficiência somente como
resposta à injunção legal, além de significar e reforçar para o sujeito a sua limitação.
Entretanto, paradoxalmente para a comprovação da limitação, exige-se que as pessoas com
deficiência não apresentem problemas de locomoção, ou seja, pessoas com deficiência física
nos membros inferiores são excluídas, dentre outras exclusões. Reafirma-se assim, a
desigualdade social, econômica, a estigmatização marcada pelo preconceito ou, como já
mencionamos neste trabalho: a seleção da seleção, ou a exclusão da exclusão, ou uma
inclusão seletiva.
Os resultados da pesquisa evidenciam, em relação às condições e relações de trabalho
das pessoas com deficiência incluídas no mercado de trabalho local, que predominantemente
elas desenvolvem atividades de baixo status social (trabalhador rural, encarregado de serviços
gerais, servente, soldador, jardineiro, embalador, repositor de mercadorias, apontador,
copeira, caixa, balconista, operários motorista, atendente, serviço administrativo). Entre os
entrevistados, 92% recebem entre um a dois salários mínimos. Esse salário comparado à
estimativa do PNUD de dois dólares diários per capita para classificar a linha da pobreza,
leva-nos a concluir o grau de pobreza e, por conseguinte, de privações que daí advêm para as
pessoas com deficiência “incluídas” no mercado de trabalho. Sobre esse fato, afirmamos que a
inclusão das pessoas com deficiência, é uma inclusão precária, reafirma o desigual.
Esse quadro ganha contornos extremos se considerarmos a realidade brasileira, que
tradicionalmente destaca-se no “ranking” mundial, entre as primeiras colocações em
desigualdade de renda e riqueza. Além desse ranço, as políticas sociais públicas não se
pautam pelos princípios de universalidade, redistributividade – exceto a assistência social e
saúde – que se propõem a garantir padrões básicos de cidadania, consubstanciados em
156
concessões partilhadas com a sociedade civil, seja mediante empresas, como é o caso da
política em discussão, seja através de organizações não governamentais ou filantrópicas.
A Política em debate no universo pesquisado segue a tendência mundial em se
tratando da estrutura ocupacional, quanto: ao tamanho das organizações que mais empregam
pessoas com deficiência – entre 100 a 500 funcionários –, tempo de funcionamento e setores
com maior ou menor capacidade de criação de novos empregos, que no caso é o de serviços.
A literatura evidencia que o crescimento no setor de serviços deriva da reestruturação
produtiva visando à recomposição do capital, e que as relações de trabalho nesse setor em
geral realizam-se orientadas pela flexibilização dos direitos trabalhistas, no segmento não
organizado, convergindo para a precarização da força de trabalho. Neste sentido, destacamos
que, embora 99% das relações de trabalho sejam realizadas conforme a normatização da CLT,
isto não impede que o desmonte dos direitos trabalhista não incida sobre os contratos. Logo,
as relações trabalhistas, neste contexto, revelam-se frágeis, ancoradas no feixe da
flexibilização. Com efeito, a proteção social nessas condições reflete a mesma fragilidade.
Analisar o processo de exclusão/inclusão ou das desigualdades sociais enfrentadas por
esse segmento da população – pessoas com deficiência –, que representa mais de 14% da
população brasileira (conforme dados do IBGE, 2000), supõe conhecer, desvelar além das
questões estruturais, conjunturais, a percepção que têm os sujeitos por ela atingidos. Nesta
direção, em se tratando da Política voltada para a inclusão de pessoas com deficiência, em
Mossoró (com 17,64% da população com algum tipo de deficiência) apenas 22% dos
entrevistados afirmaram ter ouvido falar a respeito da Lei 7.835, desconhecem o seu teor,
assim como não conectam as admissões de pessoas deficientes realizadas nos tempos
recentes, a vigência desta política. Ora, o desconhecimento de direitos torna-os inacessíveis, e,
por conseguinte, interdita sua reclamação e efetivação junto às instâncias governamentais,
restringindo, portanto, o seu acesso e, conseqüentemente, contribuindo para manter as
desigualdades sociais.
Não obstante, entendemos que a desinformação não é um fato isolado, nem acidental.
Ao contrário, a classe dominante, para manter a ordem social vigente, além de criar a base
material, cria também a superestrutura, constituída, entre outros fatores, pela ideologia para
difundir seus valores e interesses. Entre esses interesses está o de deixar à margem do
conhecimento significativos contingentes populacionais, visto que a educação, a cultura, ao
lado de outros elementos estruturantes, poderiam ser via da transformação social, desenhando-
se assim como uma ameaça à sua hegemonia.
157
A ideologia dominante é inculcada de tal forma pelas classes subalternas, que estas
passam a reproduzir aqueles valores, ideários como se fossem seus. Assim, particularizando a
situação das pessoas com deficiência, elas se auto-percebem ora como sujeitos limitados,
improdutivos, ineficientes, em face ao padrão de produtividade, eficiência corrente na
sociedade burguesa, ora utilizam a limitação na busca de superação da deficiência, ora para o
conformismo, a auto desqualificação. Para nós, aí também reside uma manifestação da
exclusão social, quando as pessoas não correspondem aos padrões dominantes na sociedade, o
desrespeito à diversidade constitui mais um elemento de desigualdade social.
Nessa mesma lógica, enfeixam-se os benefícios ocupacionais, resultantes da
correlação de forças entre trabalhadores e capitalistas, que entendemos serem movidos pela
ambigüidade, pois amenizam os impactos de custos sobre a renda dos trabalhadores, mas, ao
mesmo tempo, convergem para a reprodução da força de trabalho.
Deste estudo, pudemos observar que entre as causas das deficiências predominam as
deficiências crônico-degenerativas. Estes dados mais atentamente analisados remetem
inexoravelmente a associar as causas das deficiências a fatores estruturais, basicamente à
desnutrição, à pobreza e a todos os derivados a ela concernentes. Assim, a causa que, em
geral, gera as deficiências é a mesma que exclui as pessoas com deficiências.
A desigualdade originária do modo de produção capitalista é reproduzida em distintas
dimensões, como: cultural, política, étnica. Atentamos nesta pesquisa para à dimensão
socioeconômica, onde observamos que aí ocorre uma “inclusão” perversa, visto que apenas as
pessoas com deficiências leves e tão somente por mediação da política são inseridas nesse
contexto. Esta “inclusão” (re) alimenta a discriminação, rebaixa a auto-estima, fortalece a
desqualificação dessas pessoas.
Apesar de todos os limites estruturais e conjunturais indicados no decorrer deste
trabalho, estar inserido no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência significa tudo,
ou seja, satisfação de necessidades materiais e subjetivas, reconhecimento do ser social e
humano, igualdade com os não deficientes em se tratando do potencial de produtividade,
competência, conquista de liberdade, autonomia, numa palavra – inclusão. Mesmo que essa
inclusão efetive-se nos moldes do que é racionalmente conveniente ao capital.
As observações feitas com base no apreendido neste estudo e as contradições
desveladas a partir da percepção dos sujeitos da pesquisa sobre eles próprios e o contexto no
qual estão inseridos conduzem-nos a um panorama pessimista, do muito que há a ser feito, do
muito que se há de lutar.
158
Ao longo de nosso trabalho e o que perpassou nosso estudo, conduz-nos a inferir que a
Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência está sintonizada com
o perfil que as políticas sociais adquirem no neoliberalismo, orientam-se pelo trinômio
articulado da focalização, privatização e descentralização. Como vimos, a referida política
focaliza suas ações num segmento extremamente vulnerabilizado – as pessoas com
deficiência –, rege-se pelo sistema de cotas, não deixando margem para ambigüidades quanto
ao seu caráter seletivo; sua materialização efetiva-se em articulação entre os entes federados,
organizações privadas e entidades da sociedade civil. Assim, revela sua natureza
contraditória, pois à medida que se propõe a inserção de pessoas com deficiência no mercado
de trabalho, cria ao mesmo tempo as condições de limitar o acesso de um grande contingente
desse segmento, relativiza os princípios constitucionais de universalidade, redistributividade,
responsabilidade pública, gestão democrática e, sobretudo, atende preponderantemente àquilo
que é racionalmente conveniente e necessário à mais eficiente reprodução do capital.
Com base nas considerações precedentes, confirma-se o pressuposto que orientou este
trabalho, qual seja: a Política Nacional para a Integração de Pessoas Portadoras de Deficiência
viabiliza parcialmente a inclusão desse segmento social, supondo-se em nosso entendimento
que essa emerge como forma de minimizar as desigualdades sociais, como um tipo de
inclusão e inserção no Mercado de Trabalho é extremamente questionável.
Por outro lado, é importante lembrar que a reatualização da noção de
exclusão/inclusão no início dos anos 1990 não é acidental, basta observar a conjuntura sob a
hegemonia do ideário neoliberal, para compreender porque todos os problemas sociais
decorrentes do desenvolvimento do capitalismo, intensificados na contemporaneidade são
rotulados de exclusão.
O que vislumbramos assim neste estudo, à medida que aprofundamos as categorias de
análise que deram sustentação ao nosso objeto, foi que as reflexões e questionamentos sobre
trabalho indicam a sua centralidade, e elucidando a exclusão, como equívoco, que no dizer de
Martins revela o supérfluo e oculta o essencial, o que de fato traduz é extrema desigualdade
social.
Por esta ótica, a retórica da exclusão reafirma o projeto do capitalismo e expõe
também uma dupla vitória deste, expressa através do modo degradado de inserção social, ou
por meio da interpretação suave das contradições do capital e dos problemas sociais que deles
derivam.
Entendemos que a Política em discussão pode contribuir com a redução das
desigualdades na medida em que viabilize a inclusão das pessoas com deficiência no mercado
159
de trabalho, o que era praticamente impossível antes de sua operacionalização. Contudo,
entendemos também que essas medidas apenas tocam tangencialmente a questão sem alterar o
que de fato a desencadeia. Portanto, corroboramos com aqueles que pensam que a
radicalização da exclusão social está intimamente relacionada com a superação do modo de
produção vigente. Lutar pela inclusão numa sociedade estruturalmente excludente remete
inexoravelmente à luta pela superação da ordem capitalista que gera e dissemina as
desigualdades sociais.
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168
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Entrevista nº______ Data _____/_____/_____
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1. Dados Pessoais
1.1. Nome do entrevistado:_________________________________________
1.2. Local da entrevista: ___________________________________________
1.3. Sexo: ( )Masculino ( ) Feminino
1.4. Idade: _____________
1.5. Nível de escolaridade: ( )Analfabeto ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( )
Ensino Fundamental Completo ( ) Ensino Médio Incompleto ( ) Ensino Médio
Completo ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo.
1.6. Estado civil: ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( )Separado(a) ( )Viúvo(a) ( )
Outros(a)
1.7. Posição nas relações familiares: ( ) Filho(a) ( ) Pai/Mãe ( ) Parente
( ) Agregado
1.8. Endereço: ___________________________________________________
II – DADOS SOBRE O OBJETO DE ESTUDO
2.1. Local de Trabalho:
2.2. Quando foi admitido(a) nesta empresa/instituição?
2.3. Como ocorreu sua admissão nesta empresa/instituição?
2.4. Você tem conhecimento da Lei nº 7.853 – Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência?
2.5. Qual a atividade que você realiza?
2.6. Há quanto tempo você trabalha nesta atividade?
2.7. Você já desempenhou outras funções nesta empresa/instituição?
2.7.1. Caso afirmativo, qual(is)?
2.7.2. Caso negativo, você atribui a que?
2.8. Para desempenhar esta função houve alguma adaptação à sua necessidade?
2.9. Você já participou de algum curso ou treinamento específico antes de ser admitido aqui?
2.9.1. Caso afirmativo, o treinamento foi promovido por qual instituição?
2.10. Você tem conhecimento acerca do PNQ?
2.11. A empresa/instituição tem ofertado cursos de qualificação profissional?
2.11.1. Caso afirmativo, qual (is) o(s) curso(s) de que você participou?
2.12. Se participou, o(s) curso(s) lhe trouxe(ram) algum benefício no trabalho?
2.12.1. Caso afirmativo, qual(is)?
2.13. Qual é a sua Jornada de trabalho?
2.14. Qual é o seu horário de trabalho?
2.15. Sua carteira de trabalho está assinada?
2.16. Qual é o seu vínculo empregatício?
2.16.1. No caso de ser contrato, qual é o tipo de contrato?
2.17. Qual é o seu salário?
2.18. Você recebe algum benefício da empresa/instituição?
2.18.1. Caso afirmativo, qual (is)?
2.19. Qual o tipo de sua deficiência?
2.20. Qual a origem da deficiência?
169
2.20.1. Se a deficiência foi adquirida, qual a causa?
2.21. O que significa estar empregado para você?
2.22. O emprego alterou sua vida? ( ) Sim ( ) Não
2.22.1. Caso afirmativo, cite três alterações.
2.23. Na sua opinião, existe dificuldade para a pessoa com deficiência ser inserida no mercado
de trabalho?
2.23.1. Caso, afirmativo, mencione três dificuldades para a inserção de pessoa com
deficiência no mercado de trabalho, no setor organizado.
2.24. Que sugestões você aponta para a ampliação de vagas para pessoa com deficiência no
mercado de trabalho?
2.25. Como você se sente, de maneira geral, no ambiente de trabalho?
2.26. Você já foi discriminado no trabalho em razão da deficiência?
2.26.1. Caso afirmativo, em que constituiu a discriminação?
2.27. E na sociedade, você já foi discriminado?
2.27.1. Pode descrever a discriminação?
Observações complementares.
170
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM EMPRESÁRIO OU GESTOR
Entrevista nº___ Data /___/___/2006
I – DADOS GERAIS
1.1. Nome do(a) entrevistado(a):
1.2. Local da entrevista:
1.3. Ramo de atividade/área de atuação:
1.4. Há quanto tempo a empresa/instituição está em funcionamento?
1.5. Quantos empregados/servidores estão registrados atualmente?
1.6. No quadro de pessoal consta a presença de pessoa com deficiência?
1.7. Quais os motivos que impulsionaram a empresa/instituição a admitir pessoas com
deficiência?
1.8. Qual(is) o(s) tipo(s) de deficiência encontrada(s) no quadro de pessoal, atualmente?
1.9. Quais as demandas(exigências) postas para a inserção de pessoa com deficiência nesta
empresa/instituição?
1.10. Como se realiza a admissão de pessoas com deficiência nesta empresa/instituição?
1.10.1. Em se tratando de instituição pública, quando foi realizado o último concurso nesta
área?
1.10.2. Através deste último concurso, houve inserção de pessoas com deficiência?
1.10.3. Caso afirmativo, quantas pessoas foram inseridas? E para quais funções?
1.11. Qual o vínculo empregatício materializado? ( )Contrato ( )Efetivo
1.11.1. Caso o vínculo seja mediante contrato, qual é o tipo de contrato materializado?
1.12. Que função(ões) a(s) pessoa(s) com deficiência, em geral, desempenha(m)?
1.13. Qual o salário que as pessoas com deficiência percebem?
1.14. As pessoas com deficiência recebem algum benefício?
1.14.1. Caso afirmativo, qual(is)?
1.15. A empresa/instituição recebe algum subsídio, subvenção do Estado, nesta direção?
1.16. A empresa/instituição oferece cursos, treinamentos para os empregados/servidores?
1.16.1. Caso afirmativo, qual(is)?
1.17. A empresa/instituição precisou fazer alguma adaptação para acolher e facilitar o trabalho
das pessoas com deficiência?
1.17.1. Caso afirmativo, qual(is)?
1.18. Como você avalia o desempenho das pessoa com deficiência nesta empresa/instituição?
1.19. Como você analisa a Lei que trata da integração das pessoas com deficiência?
Observações complementares.
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