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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM AGRONEGÓCIOS – CEPAN
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRONEGÓCIOS
ESTUDO DAS VARIÁVEIS RELEVANTES NA ADOÇÃO DO
PROCESSAMENTO UHT NAS AGROINDÚSTRIAS DE LATICÍNIOS DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Agronegócios do Centro
de Estudos e Pesquisas em Agronegócios da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Agronegócios
Jean Philippe Révillion
Professor Orientador: Dr. Antonio Domingos Padula
Professor Co-orientador: Dr. Adriano Brandelli
PORTO ALEGRE
Novembro de 2000
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2
“ Concluo dizendo que o pensamento complexo o é o pensamento onisciente. Pelo contrário, é o pensamento que
sabe que é sempre local, situado em um tempo e em um momento. O pensamento complexo não é o pensamento
completo; pelo contrário, sabe de antemão que sempre incerteza. Por isso mesmo escapa do dogmatismo arrogante
que reina nos pensamentos o-complexos. Mas o pensamento complexo não cai num ceticismo resignado porque,
operando uma ruptura total com o dogmatismo da certeza, se lança valorosamente à ventura incerta do pensamento, se
une assim à aventura incerta da humanidade desde seu nascimento. Devemos aprender a viver com a incerteza e não,
como nos quiseram ensinar a milênios, a fazer qualquer coisa para evitar a incerteza. Certamente é bom ter certeza, mas
se é falsa certeza isso é muito ruim. Porque o problema verdadeiro continua consistindo em privilegiar a estratégia e não
o programa. “
Edgar Morin
(Epistemologia da Complexidade, 1996)
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3
AGRADECIMENTOS
Aos Professores orientadores Antonio Domingos Padula e Adriano Brandelli pela
paciência, tolerância e estímulo.
Aos colegas do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos desta Universidade
pela confiança.
Aos Professores Antonio Domingos Padula, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz
Neto, Denis Borenstein, Edi Madalena Fracasso, Eugênio Avila Pedrozo, Jaime Evaldo
Fensterseifer, Luiz Carlos Federizzi, Luis Felipe Machado do Nascimento, Marco Antonio
Montoya, Paulo Dabdab Waquil e Paulo Schmidt pelo compartilhamento de seu
conhecimento e experiência.
Aos colegas da primeira turma do mestrado acadêmico em Agronegócios pelo
companheirismo.
Ao graduando de Economia, bolsista CNPq, Cristiano Machado Costa pela
colaboração e entusiasmo.
Aos técnicos e gerentes das agroindústrias de processamento de leite longa vida do
estado do Rio Grande do Sul, pois sem cuja colaboração não seria possível o
desenvolvimento desse estudo, pelo compartilhamento de sua experiência, ponderação e
previsão.
Aos representantes de equipamentos e insumos associados ao processamento UHT
pela disponibilização de conceitos, informações e perspectivas relativas a atual tecnologia
de processo/produto e suas perspectivas de evolução.
4
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS...........................................................................................
7
LISTA DE QUADROS.........................................................................................
8
LISTA DE TABELAS..........................................................................................
9
RESUMO...............................................................................................................
10
ABSTRACT...........................................................................................................
11
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DA PESQUISA.............................................
12
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................
17
1.1 Tecnologia e competitividade...........................................................................
17
1.2 O modelo evolucionista de NELSON & WINTER..........................................
19
1.3 Inovação tecnológica e dinâmica setorial – a proposta de DOSI.....................
21
1.4 As ferramentas de análise da dinâmica setorial de PORTER...........................
28
1.5 O estabelecimento de estratégias competitivas pelas organizações................. 29
1.6 O recorte de análise do impacto da inovação tecnológica em um setor...........
35
1.7 Elementos e estrutura para a análise do fenômeno objeto do estudo...............
37
2. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA....................................
39
2.1 Estrutura da pesquisa e amostras......................................................................
39
2.1.1 Levantamentos de dados em fontes secundárias........................................... 39
2.1.2 Levantamentos de experiência.......................................................................
40
2.1.3 Estudos de casos selecionados.......................................................................
41
2.2 Nível de análise.................................................................................................
45
2.3 Unidade de análise............................................................................................
45
2.4 Enfoques da análise..........................................................................................
46
2.4.1 Analise da relação ambiente competitivo – tecnologia.................................
46
2.4.2 Analise da relação estratégia competitiva – tecnologia.................................
47
2.4.3 Análise da adequação da relação estratégia competitiva – tecnologia.........
47
5
3. ANALISE DA RELAÇÃO AMBIENTE COMPETITIVO
TECNOLOGIA.....................................................................................................
49
3.1 Poder de negociação dos fornecedores.............................................................
49
3.1.1 Fornecedores de matéria-prima.....................................................................
49
3.1.2 Fornecedores de insumos e equipamentos.....................................................
52
3.1.2.1 Produtos complementares e vantagem competitiva....................................
57
3.2 Poder de negociação dos clientes..................................................................... 59
3.3 Risco de novos entrantes.................................................................................. 61
3.4 Risco de produtos substitutos...........................................................................
63
3.4.1 Desempenho relativo dos produtos................................................................
63
3.4.2 A trajetória da substituição............................................................................
65
3.4.3 Ampliação do desempenho dos produtos......................................................
68
3.4.4 Mudança no valor relativo dos produtos....................................................... 69
3.5 Competição no segmento agroindustrial......................................................... 71
3.5.1 Barreiras de entrada às agroindústrias processadoras de leite UHT no
estado do Rio Grande do Sul..................................................................................
71
3.5.1.1 Economias de escala...................................................................................
71
3.5.1.2 Identidade de marca....................................................................................
73
3.5.1.3 Custos de mudança.....................................................................................
74
3.5.1.4 Exigências de capital..................................................................................
74
3.5.1.5 Acesso a distribuição..................................................................................
75
3.5.1.6 Curva de aprendizagem..............................................................................
75
3.5.1.7 Acesso favorável à matéria-prima..............................................................
76
3.5.1.8 Política governamental...............................................................................
76
3.5.1.9 Retaliação esperada.................................................................................... 77
3.5.2 Determinantes da rivalidade atual................................................................. 77
3.5.2.1 Crescimento do setor..................................................................................
77
3.5.2.2 Concentração e equilíbrio...........................................................................
79
3.5.2.3 Custos de mudança.....................................................................................
82
3.5.2.4 Modificação dos padrões concorrenciais....................................................
83
3.5.2.5 Barreiras de saída........................................................................................
85
3.5.2.6 Identidade de marca....................................................................................
85
3.5.2.7 Estrutura de preços em vigor......................................................................
86
3.5.2.8 Restrições ambientais.................................................................................
86
3.6 Principais elementos presentes no ambiente competitivo do setor de leite
fluido no estado do Rio grande do Sul que influenciaram a adoção da tecnologia
UHT........................................................................................................................
87
4. ANÁLISE DA RELAÇÃO ESTRATÉGIA COMPETITIVA-
TECNOLOGIA.....................................................................................................
89
4.1 Liderança de custo............................................................................................
89
4.1.1 Economias ou deseconomias de escala..........................................................
89
4.1.2 Controle do efeito da utilização da capacidade.............................................
91
4.1.3 Controle de elos entre atividades de valor.....................................................
91
4.1.4 Controle de inter-relações..............................................................................
92
4.1.5 Controle da integração...................................................................................
96
6
4.1.6 Controle da oportunidade.............................................................................. 96
4.1.7 Controle da localização..................................................................................
97
4.1.8 Controle de fatores institucionais..................................................................
98
4.1.9 Custo de insumos adquiridos....................................................................... 98
4.1.10 Controle da aprendizagem...........................................................................
99
4.2 Diferenciação....................................................................................................
99
4.2.1 Diferenciação pela escolha da tecnologia/produto........................................
99
4.2.2 Diferenciação pela imagem de marca............................................................
101
4.3 Enfoque.............................................................................................................
101
4.3.1 Estratégias de enfoque buscando diferenciação............................................ 101
4.3.1.1 Segmentação pelo mix e variedade de produtos oferecidos.......................
101
4.3.1.2 Segmentação pela seleção de canais de distribuição empregados..............
102
4.3.2 Estratégias de enfoque buscando posicionamento de baixo custo.................
103
4.4 Coerência das estratégias genéricas adotadas...................................................
104
4.5 Principais elementos presentes na estratégia competitiva das agroindústrias
processadoras de leite UHT do estado do Rio grande do Sul que influenciaram a
adoção dessa tecnologia..........................................................................................
105
5. ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DA RELAÇÃO ESTRATÉGIA
COMPETITIVA – TECNOLOGIA....................................................................
108
5.1 Adequação da relação estratégia competitiva – tecnologia..............................
108
5.2 Eficácia e eficiência da relação estratégia competitiva – tecnologia................
109
5.3 Emergências e restrições do sistema.................................................................
111
5.4 Perspectivas de evolução da relação estratégia competitiva-tecnologia...........
113
CONCLUSÕES.....................................................................................................
120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS...............................................................
126
ANEXOS................................................................................................................
134
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Determinantes da vantagem competitiva nacional.................................
19
Figura 2
: Evolução das importações brasileiras de leite UHT (em milhões de
litros)......................................................................................................
62
Figura 3: Brasil: distribuição percentual da venda de leite fluído no mercado
formal.....................................................................................................
67
Figura 4: RS: distribuição percentual da produção de leite fluído no mercado
formal.....................................................................................................
67
Figura 5: Participação dos laticínios com SIF na recepção de leite no estado do
Rio Grande do Sul em 1997.................................................................
72
Figura 6: Recebimento de leite cru B e C sob Inspeção Federal (SIF) e
participação das empresas no ano de 1999..........................................
80
Figura 7: Processamento de leite UHT no estado pelas agroindústrias com
Serviço de Inspeção Federal (SIF) em 1999........................................
81
Figura 8: Principais elementos do ambiente competitivo do segmento
agroindustrial processador de lácteos do RS impactantes sobre a
adoção da tecnologia UHT.....................................................................
88
Figura 9: Relações dinâmicas entre o ambiente competitivo, a tecnologia e a
estratégia competitiva em um setor industrial........................................
121
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Padrões de inovação e difusão tecnológica de acordo com o tipo de
setor......................................................................................................
27
Quadro 2: Objetivos secundários e estruturas de análise do estudo......................
38
Quadro 3: Empresas fornecedoras de máquinas de envase asséptico para leite
fluído que utilizam embalagens cartonadas.........................................
54
Quadro 4: Empresas que oferecem sistemas assépticos em embalagens
plásticas.............................................................................................
55
Quadro 5: Grupos estratégicos do segmento agroindustrial processador de leite
UHT do RS: estratégias genéricas e principais direcionadores
explorados............................................................................................
107
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Leite fluído: perdas após o tratamento térmico.....................................
64
Tabela 2: Evolução da produção formal de leite UHT e pasteurizado tipo “A”,
“B” e “C” no Brasil (1990 a 1999) em milhões de litros.....................
66
Tabela 3: Evolução da produção formal de leite UHT e pasteurizado tipo “B” e
“C” no RS (1990 a 1999) em milhões de litros......................................
66
Tabela 4: Diferentes preços do leite de acordo com o produto.............................
69
Tabela 5: Resumo do mercado brasileiro de leite e derivados..............................
78
10
RESUMO
A implementação de uma inovação tecnológica na década de 1990, representada pelo
sistema UHT (Ultra Alta Temperatura) de produção de leite longa vida, provocou
profundas mudanças estruturais no complexo agroindustrial lácteo no Brasil e no Rio
Grande do Sul. Nesse período, observou-se a nítida e crescente tendência de substituição
do leite pasteurizado pelo leite UHT, que é hoje o principal produto lácteo consumido no
país. O principal objetivo desse trabalho foi o de identificar os elementos considerados no
processo de adoção e implementação da tecnologia UHT nas agroindústrias processadoras
de leite fluído no estado do Rio Grande do Sul. Em uma primeira etapa, buscou-se
caracterizar os fatores relevantes no ambiente competitivo que influenciaram a adoção da
tecnologia UHT ,de acordo com o modelo das “cinco forças” de PORTER (1989), e
entender de que maneira essa tecnologia moldou as características dessa cadeia produtiva.
A partir da definição desse cenário, procurou-se apreender o impacto da tecnologia UHT
sobre os “direcionadores de custo e diferenciação” de PORTER (1989) envolvidos no
desenvolvimento das estratégias competitivas individuais das agroindústrias processadoras.
Finalmente, buscou-se estabelecer um quadro de análise que permitisse um entendimento
da adequação entre tecnologia e estratégia competitiva buscando subsídio em diversos
autores que estudaram essa relação. As principais variáveis presentes no ambiente
competitivo foram a crescente demanda pelo leite longa vida e a indução tecnológica do
segmento processador por uma empresa fornecedora de equipamentos de processo,
embalagens e serviços associados. Por outro lado, analisando-se as estratégias genéricas
adotadas em cada grupo estratégico e os direcionadores explorados, foi possível
estabelecer que: a) as agroindústrias de grande capacidade de processamento buscando a
liderança de custos, exploram preponderantemente direcionadores como economias de
escala, utilização da capacidade, inter-relações tangíveis e intangíveis, oportunidades e
custo de insumos e b) as agroindústrias de média capacidade de processamento,
constrangidas a competir em custos, exploram a associação entre direcionadores como elos
com fornecedores, inter-relações tangíveis e localização, de maneira a compensar outros
determinantes menos favoráveis às suas particularidades. Complementarmente, a
possibilidade de enfocar segmentos de mercado específicos e, estratégias de diferenciação,
permitiram a exploração de políticas arbitrárias.
11
ABSTRACT
The introduction of a technological innovation in the 90’s, the UHT (Ultra High
Temperature) processing technology for longlife milk, has caused dramatic changes in the
dairy agroindustrial complex in the state of Rio Grande do Sul and in Brazil. During that
decade, the longlife milk has replaced pasteurized milk, which is now the most important
product in the national market. The main objective of this study was to identify the
variables considered in the process of adoption and development of the UHT technology in
the dairy industries in the state of Rio Grande do Sul. First, we attempted to characterize
the relevant competitive environment factors which influenced the adoption of the UHT
technology using the “five-forces framework” of PORTER (1989), and understand in
which way this technology has molded the characteristics of the dairy production chain.
From this scenario, we seeked to understand the impact of the UHT technology over the
“drivers of cost and differentiation” of PORTER (1989) involved in the development of the
competitive strategies of the dairy industries. Finally, we attempted to establish a
framework of analysis to apprehend the fit between technology and the competitive
strategy subsidized by many authors who studied this relationship. The main variables in
the competitive environment were the growing demand for the longlife milk and the
technological induction of the industry by a firm that supplies it with processing
equipment, packages and associated services. Analyzing the strategies and the drivers
explored in each strategic group it was possible to stablish that: a) the companies with
higher processing capacity, searching for cost leadership, explore predominantly drivers as
economies of scale, capacity utilization, tangible and intangible interrelationships, timing
and control cost of purchased inputs and b) the companies with medium processing
capacity, constrained to compete in costs explore predominantly the association between
drivers as vertical linkages with suppliers, tangible interrelationships and location, in a way
to compensate others determinants less favorable to their particularities. Complementary,
differentiation strategies and the possibility to focus specific market segments allowed the
exploration of discretionary policies independent of other drivers.
12
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DA PESQUISA
A implementação de uma inovação tecnológica na década de 1990, representada
pelo sistema UHT
1
de produção de leite longa vida, provocou profundas mudanças
estruturais no complexo agroindustrial
2
cteo no Brasil e no Rio Grande do Sul,
constituindo-se numa fonte de análise estratégica fundamental.
Nesse período observou-se a nítida e crescente tendência de substituição de um
produto perecível sem refrigeração e de vida de prateleira de poucos dias, o leite
pasteurizado, por um produto independente da cadeia de frio e de vida de prateleira de
vários meses, o leite UHT. De fato, o leite UHT é hoje o principal produto lácteo
consumido no país e representa o produto de maior evolução de vendas na década de 1990.
No início de sua difusão no estado, início da década de 1980, a adoção da inovação
representada pela tecnologia UHT permitiu a oferta de um produto singular no mercado de
leite fluído, o que garantiu às agroindústrias
3
líderes de mercado a obtenção de um preço-
prêmio que recompensou a estratégia de diferenciação adotada.
Mais recentemente, a adoção da mesma tecnologia de processamento pelas
cooperativas processadoras de leite fluído e derivados cteos levou o mercado gaúcho de
leite UHT a um acirramento da concorrência via preços. Nessa situação, em que as
1
Leite UHT (“Ultra High Temperature”) é o leite homogeneizado que foi submetido, durante 2 a 4 segundos,
a uma temperatura entre 130°C e 150°C, mediante um processo rmico de fluxo contínuo, imediatamente
resfriado a uma temperatura inferior a 32°C e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e
hermeticamente fechadas (Portaria 370 de 04 de setembro de 1997 do Ministério da Agricultura e da
Reforma Agrária, 1997).
2
Um complexo agroindustrial tem como ponto de partida uma determinada matéria-prima, no caso o leite “in
natura”, que seguindo diferentes processos industriais transforma-se em diferentes produtos finais
(BATALHA, 1997), dentre eles o leite UHT.
3
Uma agroindústria é uma empresa que processa matérias-primas oriundas da agricultura, incluindo
produção vegetal e animal (AUSTIN, 1981).
13
estratégias de controle de custos são inescapáveis, os ganhos de escala e o controle de
outros “direcionadores”
4
específicos são críticos para o sucesso individual, reforçando a
tendência de concentração no segmento agroindustrial
5
.
Em grande parte, essa condição é conseqüência da dependência tecnológica do
segmento agroindustrial processador que, frente a hegemonia de uma empresa ofertante de
equipamentos e embalagens de processamento UHT, tem restringido as considerações no
estabelecimento de alternativas de processo/produto. De fato, a indução tecnológica do
setor, apesar de sua rápida evolução, caracteriza-se pela baixa apropriabilidade das
inovações ofertadas, o que, conseqüentemente, limita a sustentabilidade das estratégias
competitivas diferenciadas.
Frente a esse quadro de perspectiva de erosão da atratividade do segmento
agroindustrial processador de leite UHT no estado do Rio Grande do Sul, conseqüência a
atual situação de oferta tecnológica simultânea e ilimitada, é necessária a análise das
características da dinâmica presente nesta cadeia produtiva de maneira a perscrutar os
cenários e possibilidades futuras associadas a sua evolução.
Considerando-se a forte dinâmica imposta pela interação recíproca entre a
estratégia das organizações e o ambiente competitivo, especialmente influenciada pela
introdução de uma tecnologia inovadora, é importante acompanhar e, se possível, prever as
diversas fases por que passa a estrutura de um determinado setor.
De fato, enfocando-se a cadeia produtiva
6
de leite fluído do estado do Rio Grande
do Sul, percebe-se que, na década de 1990, a difusão da tecnologia UHT moldou o
ambiente competitivo e balizou as estratégias individuais das agroindústrias processadoras.
4
Os direcionadores” descritos por PORTER (1989) o os elementos determinantes na potencialização das
atividades de valor em fontes de diferenciação ou de vantagem de custo em relação à concorrência. No sub-
ítem 1.4 deste estudo, detalha-se e exemplificam-se os conceitos envolvidos para o entendimento deste
termo.
5
Neste estudo o conceito de segmento agroindustrial é considerado equivalente ao conceito de “setor” ou o
conceito de “indústria” de PORTER (1989).
6
Para BATALHA (1997:24) o conceito de cadeia de produção é equivalente ao conceito de “filière” com o
sacrifício de algumas nuanças semânticas”, ou seja, para esse autor, uma cadeia de produção é definida a
partir de um determinado produto final e envolve as várias operações técnicas, comerciais e logísticas
necessárias a sua produção, perpassando diversos segmentos (em especial comercialização, processamento e
produção de matérias-primas).
14
Um dos principais efeitos sobre o ambiente competitivo do setor produtivo de
lácteos no estado refere-se à ampliação dos limites geográficos do mercado de leite fluído.
Por exemplo, a tecnologia UHT possibilitou que os países concorrentes do Mercosul se
fizessem presentes no mercado gaúcho. As vantagens estruturais da cadeia produtiva de
seus países e as vantagens conjunturais proporcionadas pelo câmbio brasileiro sobre-
valorizado permitiram a consolidação da presença competitiva do leite UHT importado no
mercado brasileiro. Por outro lado, a possibilidade de oferta do leite UHT gaúcho, em
outros estados da Federação, sustenta as estratégias concorrenciais das agroindústrias
processadoras de grande capacidade de processamento.
Um segundo efeito importante dessa tecnologia sobre o ambiente competitivo do
setor lácteo no estado relaciona-se com a consolidação de uma estrutura industrial que
apresenta fortes barreiras de entrada, diminuindo o acesso de novos concorrentes. A
importância dos investimentos necessários à implantação do sistema de processamento
UHT e a sensibilidade à escala dessa tecnologia alijam desse mercado as agroindústrias
processadoras de pequeno volume de recebimento de matéria-prima.
Porém, a percepção exógena dos elementos presentes na dinâmica setorial não
permite explorar as relações particulares entre o ambiente competitivo, a inovação
tecnológica e a estratégia competitiva dos principais grupos estratégicos presentes no
segmento agroindustrial processador de leite UHT no estado do Rio Grande do Sul.
Assim, a análise dos elementos considerados no processo de adoção e
implementação
7
do processamento UHT nas agroindústrias processadoras de lácteos do
estado do Rio Grande do Sul constitui-se em uma primeira contribuição visando apreender
a adequação entre tecnologia e estratégia competitiva dos agentes desse segmento, de
maneira a dimensionar seu impacto sobre a competitividade das organizações do setor e
sobre o desenho da cadeia produtiva.
7
Nesse estudo, o conceito de adoção” refere-se ao momento da seleção e compra dos ativos industriais e da
aprendizagem básica necessários a utilização da tecnologia de processamento UHT. A “implementação”
refere-se ao processo contínuo de exploração de características dessa tecnologia de processo/produto em
função das particularidades presentes na cadeia de valor de cada agroindústria processadora.
15
Para tanto, é necessária a realização do exercício de imersão nesse ambiente
competitivo, buscando a apreensão da dinâmica dos inúmeros fatores setoriais e
organizacionais envolvidos que, individualmente ou através de inter-relações, determinam
a escolha e a eficácia das opções tecnológicas.
Por natureza essa proposta é de caráter interdisciplinar, pois é necessário associar
conhecimentos técnicos específicos, que permitam a consideração aprofundada das
tecnologias disponíveis, com conceitos e ferramentas de caráter econômico e gerencial, de
forma a apreender os impactos dessas tecnologias na economia industrial. Essa
interdisciplinaridade expressa-se nas múltiplas facetas estratégicas que originam-se nas
relações entre a tecnologia, o ambiente competitivo e a estratégia competitiva das
empresas.
Em uma primeira etapa, esse trabalho busca caracterizar os elementos presentes no
ambiente competitivo do setor processador de leite UHT no estado do Rio grande do Sul
que influenciaram a adoção dessa tecnologia e busca entender de que maneira essa
tecnologia moldou as características deste ambiente.
A partir da definição desse cenário, esse trabalho procura apreender quais as
variáveis da estratégia competitiva individual das agroindústrias gaúchas processadoras de
leite UHT que foram relevantes na implementação dessa tecnologia. Na busca deste
objetivo, espera-se analisar a cadeia de valor das agroindústrias processadoras e entender a
importância das relações da tecnologia com os direcionadores de custos e diferenciação
que permitiram a concretização das estratégias individuais.
Finalmente, busca-se estabelecer um quadro de análise que permita um
entendimento da adequação entre tecnologia e estratégia competitiva, considerado no
processo de adoção e implementação da tecnologia de processamento UHT nas
agroindústrias processadoras no estado do Rio Grande do Sul. Dessa maneira, pretende-se
identificar os elementos relevantes considerados pelas agroindústrias processadoras,
emergentes da interface ambiente competitivo - inovação tecnológica estratégia
competitiva.
16
De um lado, essa abordagem deve ser delimitada temporalmente, considerando-se a
constante evolução das inter-relações entre o ambiente competitivo, as inovações
tecnológicas e a estratégia competitiva das organizações, representantes das três principais
forças autônomas e dinamizadoras do setor processador de leite UHT no estado do Rio
Grande do Sul. Assim, a análise setorial proposta nesse estudo limita-se à cada de 1990,
período de maior relevância na difusão dessa tecnologia no setor processador de leite
fluído no estado. De outro lado, a necessária complexidade e profundidade da análise
proposta só é possível considerando-se as particularidades do setor enfocado.
Essa avaliação deve contribuir para subsidiar a análise da competitividade do
segmento produtivo de leite fluido do estado do Rio Grande do Sul, permitindo a definição
de ações e políticas adequadas ao seu desenvolvimento.
17
1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Tecnologia e competitividade
Em 1911
8
, SCHUMPETER definiu as bases de uma nova teoria econômica baseada
no reconhecimento do caráter instável da atividade econômica, cujo princípio é a
concorrência e, que têm como principal dinamizador a inovação
9
tecnológica
10
(HANSÉN
& WAKONEN, 1997) ; (POSSAS, 1989).
No final da década de 70, autores neo-shumpeterianos” sedimentam o referencial
teórico de uma teoria microeconômica alternativa, não mais centrada na firma
isoladamente ou em mercados classificados e analisados por critérios morfológicos
estáticos, mas na dinâmica de transformação das próprias estruturas de mercado a partir de
sua base produtiva, pela interação estratégia - estrutura (POSSAS, 1989).
De fato, a tradição do pensamento econômico neo-clássico, baseada em
pressupostos de estabilidade e equilíbrio dos processos econômicos, não mais se adaptava
à análise dos movimentos de uma dinâmica econômica capitalista que, através das
estratégias desenvolvidas por seus agentes, estimulava a mudança estrutural e consolidava
as assimetrias relativas entre eles (POSSAS, 1990) ; (MARIOTTO, 1991).
8
Ano de publicação, pela primeira vez, da obra Teoria do Desenvolvimento Econômico, em língua alemã.
9
Para SCHUMPETER (1982) a inovação surge da “nova combinação” revolucionária de materiais e forças
na produção. Esse conceito engloba os cinco casos seguintes: a) introdução de novos produtos; b) adoção de
novos processos, de produção ou de distribuição; c) abertura de novos mercados; d) acesso a novas fontes de
matérias-prima ou de insumos; e e) estabelecimento de um nova estrutura setorial de um setor (pela
concentração ou desconcentração).
10
Para HARIHARAN & KAZANJIAN (1990), tecnologia é a estrutura de conhecimento estabelecida pela
organização no desenvolvimento de suas atividades que criam valor ou têm potencialidade de criar valor para
o consumidor dos produtos da empresa.
18
Assim, a concorrência passa a assumir um papel central na análise dinâmica,
abrindo-se em duas direções analíticas complementares: a) fatores relacionados a
configuração das estruturas de mercado, como a assimetria na lucratividade/capacidade de
investimento dos agentes e o progresso tecnológico; e b) fatores relacionados a firma e a
incerteza do ambiente, gerando estratégias individuais que pouco se apoiam sobre critérios
objetivos de maximização (POSSAS, 1990).
Essa perspectiva autoriza a abordagem de PORTER (1989) que enfatiza a análise
concorrencial dos agentes de um setor industrial através da consideração: a) das
características do ambiente competitivo na qual a firma se insere, determinando a
atratividade do setor em termos de rentabilidade a longo prazo e as oportunidades
específicas de implantação de estratégias competitivas individuais; e b) dos determinantes
da posição competitiva individual das organizações dentro de um setor, relacionados com a
exploração dos direcionadores de custo e/ou diferenciação na consolidação dessas
estratégias.
Percebe-se, portanto, a convergência dos autores quanto à importância da análise de
dois elementos determinantes da dinâmica setorial: a) as forças atuantes no ambiente
competitivo do setor; e b) os elementos determinantes da estratégia competitiva individual
das organizações.
Nesse contexto, sedimentado pela importância da inovação tecnológica como
ferramenta concorrencial, o processo de seleção pelas empresas de novas oportunidades,
considerando suas chances de sucesso em um determinado ambiente competitivo, baliza as
estratégias individuais, marcadas pela incerteza e pelo risco (POSSAS, 1989).
PORTER (1991) sugere um diagrama para explicar os determinantes da vantagem
competitiva nacional de um setor considerado (figura 1). Quatro grupos de atributos do
ambiente de uma empresa são determinantes na sua capacidade de inovar, pois delimitam
as fontes de pressão que originam esses movimentos e definem as possibilidades de
estímulos e capacidades para a implementação da inovação.
19
Figura 1: Determinantes da vantagem competitiva nacional.
Fonte: PORTER (1991: 111)
Nota-se a importância, nesse modelo, da oferta tecnológica e de suas características,
associados aos fatores de produção e aos setores relacionados, interagindo com as
características do setor industrial e o perfil das empresas que o constituem, indicando as
possibilidades de adoção e implementação das inovações tecnológicas, e o destino das
interações entre a estratégia individual das organizações e o progresso técnico, o mercado.
Uma série de autores vêm estudando a questão do impacto da inovação tecnológica
sobre a estrutura setorial e sobre a estratégia competitiva individual das organizações. Os
subtítulos a seguir pretendem introduzir alguns conceitos de relevância a esse trabalho
sem, contudo, a pretensão de esgotar as referências sobre o tema.
1.2 O modelo evolucionista de NELSON & WINTER
A linha evolucionista” de NELSON & WINTER (1982) destaca que os processos
de geração e difusão de inovações são influenciados tanto pela demanda, demand pull”,
quanto pela lógica interna da “trajetória natural” da tecnologia, “technology push”. Assim,
tanto a seleção do padrão tecnológico pelo mercado, também expressa pela expectativa das
empresas em relação ao impacto mercadológico potencial da inovação, quanto a inserção
das opções tecnológicas dentro do quadro referencial da “trajetória natural” vigente e, sua
potencial adaptação às necessidades e potencialidades da organização, são determinantes
em sua aceitação.
Estratégia individual, estrutura
e rivalidade setorial
Fatores de produção
Características da
demanda
Setores relacionados ou de
suporte
20
O paralelo entre esses conceitos e a teoria darwiniana -se pela analogia entre a
evolução e a seleção biológica imposta pelo meio e, àquela imposta pelas mudanças
econômicas, entendidas tanto no aspecto técnico-produtivo (processos e produtos) quanto
na estrutura e dinâmica dos mercados (concentração, diversificação, rentabilidade,
crescimento). Dessa maneira, as inovações de processos e produtos seriam as ferramentas
de adaptação das organizações aos mecanismos de seleção inerentes à concorrência e ao
mercado (NELSON & WINTER, 1982).
Nesse enfoque, independente dos fatores imediatos que incitam a inovação e dos
padrões de sua difusão, a “irreversabilidade” de sua “trajetória” pela cumulatividade e
recursividade do desenvolvimento tecnológico é uma de suas características fundamentais
(DOSI, 1988, p.1145). A amplitude e variedade da base de informações, conhecimentos e
capacitações a disposição das organizações, que subsidia a busca de inovação, é delimitada
pela predisposição tácita
11
dos indivíduos, gerando padrões de seleção das opções de
solução tecnológica.
A seleção de projetos de investimento de pesquisa e desenvolvimento em uma
empresa seguem, então, uma “estratégia de busca”, não determinística, heurística,
dependente de fatores econômicos, da lucratividade e, de fatores técnicos e oportunidades
de inovação adequados ao perfil e capacitação dos quadros da organização (POSSAS,
1989, p.163).
Dessa maneira, a evolução tecnológica dentro de um setor ocorre de maneira
cumulativa, criando-se “vizinhanças tecnológicas” (POSSAS, 1989, p.163) às inovações,
ou “sub-tecnologias” (PORTER, 1989, p.167), ou “bases de conhecimento” (NELSON &
WINTER, 1982), situação que pavimenta a formação de “trajetórias tecnológicas” (DOSI,
1988, p.1128), ou seja, uma situação de concentração das iniciativas de pesquisa e
desenvolvimento em determinadas linhas tecnológicas que impulsionam sua difusão
preferencial, processo limitado pelos “trade-offs” econômicos e tecnológicos definidos por
11
DOSI (1988) refere-se àqueles elementos do conhecimento individual, não explícitos, compartilhados por
colegas que possuem a mesma experiência e que, associados com as informações científicas blicas e
universais, condicionam o desenvolvimento de modelos mentais (pré-conceito tecnológico).
21
um “paradigma tecnológico” (DOSI, 1988, p.1127). Assim, um forte impulso à inovação
deriva da ruptura (parcial ou total) de paradigmas tecnológicos vigentes, o que implica a
formação de novas “trajetórias” com características e dimensões completamente novas.
Paralelamente, é importante enfatizar a descontinuidade e mudança dos processos
de busca de inovações, condicionados pela tendência de retornos decrescentes das
trajetórias tecnológicas, paralela a evolução do ciclo do produto; completado pelo processo
de seleção das inovações, validando-as ou não, através de sua implementação e eventual
difusão (POSSAS, 1989).
De fato, no enfoque evolucionista, os mecanismos da difusão tecnológica,
substituição de produtos/processos e imitação terão um curso e um ritmo decorrente da
combinação de três elementos: a) o vel de lucratividade esperado pela introdução da
inovação; b) a influência das preferências dos consumidores e dos dispositivos
institucionais; e c) os processos de investimento e imitação (POSSAS, 1989).
Dessa maneira, vários atributos da inovação: a) vantagem relativa; b)
compatibilidade; c) complexidade; d) “selecionabilidade”; e e)”observabilidade” são
impactantes sobre sua difusão (ROGERS apud SCHROEDER, 1990).
1.3 Inovação tecnológica e dinâmica setorial – a proposta de DOSI
POSSAS (1989) defende a corrente neo-schumpeteriana da “Science Policy
Research Unit” da Universidade de Sussex/Inglaterra, considerando a falta de
aprofundamento da análise evolucionista em seus aspectos de ligação entre o processo
inovador e a dinâmica industrial, em especial em sua limitada apreciação teórica das
estruturas de mercado, além de seus aspectos tecnológicos.
A proposta de DOSI, expoente teórico dessa linha, enfatiza as assimetrias
tecnológicas e produtivas como determinantes dos padrões da dinâmica industrial, “as
quais são geradas ou reforçadas essencialmente pela geração e difusão de inovações
tecnológicas”, incorporando ainda uma análise neo-clássica das estruturas de mercado
oligopolísticas, o que permite “explicar a própria constituição das estruturas de mercado
22
em seus aspectos técnicos-produtivos, em regra tomados como dados” (POSSAS, 1989:
167).
“Incorpora-se nessa proposta elementos da teoria não-
neoclássica do oligopólio, especialmente na versão de SYLOS-
LABINI, tanto no que diz respeito à (re)constituição da estrutura da
indústria e do mercado a partir de uma inovação radical, como no
que toca à análise do processo de formação de preços ao longo do
tempo, quando em presença de curvas de aprendizado, e de
economias dinâmicas de escala, e de possibilidades alternativas de
decisão de estratégia competitiva da(s) empresa inovadora(s) frente
ao conhecido “trade-off” entre lucratividade a curto prazo e
expansão com barreiras à entrada (lucratividade a “longo prazo”)”
(POSSAS, 1989: 173).
Assim, DOSI propõe a criação de um marco teórico dinâmico:
“para o estudo da economia industrial, apoiado na atividade
inovadora e seus efeitos econômicos mais diretos a nível da indústria
e dos mercados, permitindo integrar a criação e transformação das
estruturas industriais pelo progresso técnico, com os padrões de
geração deste último através da concorrência na própria indústria, de
outro lado o que pode ser realizado mediante a endogeneização
da dinâmica tecnológica no interior das estruturas de mercado
industriais“ (POSSAS, 1989: 167).
Essa mesma percepção é defendida por PORTER (1989: 180) ao notar que “o
padrão de evolução tecnológica é o resultado de uma série de características de um setor e
deve ser compreendido no contexto da evolução estrutural geral da indústria”. “A inovação
é tanto uma resposta a incentivos criados pela estrutura industrial geral como modeladora
dessa estrutura”.
Nessa perspectiva, a inovação tecnológica torna-se fator de mudança estrutural em
função de três características econômicas: a) a oportunidade” de sua adoção; b) a
“cumulatividade”; e c) a “apropriabilidade”, limitada pela heurística da trajetória
tecnológica” (POSSAS, 1989).
A “oportunidade” refere-se a relevância e rentabilidade potencial da opção
tecnológica enquanto que a “apropriabilidade” refere-se ao seu domínio
através
de patentes,
segredos industriais, pioneirismo e barreiras à imitação e/ou concorrência (DOSI, 1988).
23
Já a natureza cumulativa de uma trajetória tecnológica deve-se ao seu caráter
excludente frente a trajetórias alternativas do mesmo paradigma (e, com mais forte razão,
de outros paradigmas), situação constantemente ameaçada pela possibilidade de
surgimento de inovações radicais, ou seja, revogação e substituição do paradigma
dominante, conseqüente a incerteza e imprecisão envolvendo a escolha das opções
tecnológicas (POSSAS, 1989).
Assim, o processo de internalização e rotinização da seleção tecnológica, limitado
pelos padrões de “cumulatividade” expressos nas rotinas organizacionais” e, dependente
de sua integração dentro das “fronteiras da empresa” definidas pelo escopo das suas
“competências centrais” (DOSI, 1988: 1133), apontam para a importância das
características particulares das empresas para o processo de inovação.
Complementarmente, DOSI (1988) enfatiza que o aparecimento de novos
paradigmas sofre uma distribuição desigual em um determinado setor pelas “assimetrias
tecnológicas” entre as empresas, ou seja, sua predisposição a inovar e sua estrutura de
custos particular. Da mesma forma, a “variedade tecnológica” de um setor, fruto da
assimetria no acesso a tecnologia ou na capacidade de gerar inovações, e a “diversidade
comportamental” das organizações, fruto de seu perfil organizacional impactante sobre a
estratégia tecnológica individual, também são fontes de assimetria na difusão tecnológica.
Assim, a relação entre as formas de “diversidade” e as características tecnológicas a
elas associadas, e os padrões de difusão e as estruturas de mercado na indústria geram
inúmeras resultantes. Por exemplo, a “capacidade tecnológica” das empresas possui uma
relação direta com a taxa de difusão, por outro lado, quanto maior as “assimetrias
tecnológicas” iniciais, maior a possibilidade de difusão por seleção, comparada à difusão
por aprendizagem, provocando concentração setorial. A diversidade comportamental
relaciona-se com a difusão, incrementando-a pela inovatividade das empresas pioneiras
(POSSAS, 1989: 172).
“Em síntese, a eficácia (irreversibilidade) do processo de
difusão em afetar a estrutura do mercado depende da adequação
entre as distribuições entre firmas de parcelas de mercado
(estrutura de mercado inicial) e das assimetrias de capacidade
24
tecnológica: quanto melhor combinarem, mais tende a se acentuar a
estrutura preexistente e melhor atua a seleção via mercado; e vice-
versa; quando o potencial tecnológico das firmas não corresponde à
sua posição relativa em tamanho e participação no mercado, é
provável que a dinâmica industrial impulsionada por difusão de
uma inovação afete e instabilize a estrutura preexistente (DOSI et
al. apud POSSAS, 1989: 172).
É de especial relevância o potencial do paradigma tecnológico em criar assimetrias
na busca de diferenciação ou baixo custo. Por exemplo, outros fatores iguais, maior seria o
escopo para as empresas mais preparadas à exploração do paradigma vigente obterem uma
vantagem competitiva e crescerem mais rapidamente. De fato, existe uma
complementariedade óbvia entre as descobertas e conceitualizações derivadas dos estudos
sobre inovação e as análises de barreiras de entrada e mobilidade na economia industrial
(DOSI, 1988).
Note-se que os conceitos de “apropriabilidade”, cumulatividade” e “predisposição
tácita” apresentam uma relação direta com os conceitos desenvolvidos em economia
industrial como barreiras de entrada e mobilidade, no sentido de que representam
estratégias de diferenciação entre novos entrantes e novas empresas (DOSI, 1988).
“Em resumo: cada atividade produtiva é caracterizada por
uma distribuição particular das empresas de acordo com seus
investimentos em pesquisa e desenvolvimento, geração de
inovações, tamanho, graus de assimetria na qualidade dos produtos
e eficiência de produção. Contudo, a figura de um setor que emerge
a qualquer tempo é o resultado de um processo competitivo que
seleciona sobreviventes a partir da “variedade tecnológica” e da
“diversidade de comportamento” das empresas, premiando ou
penalizando inovadores e permitindo graus variados de imitação e
difusão tecnológica. Então, um entendimento satisfatório da relação
entre inovação e distribuição das características também implica na
análise dos processos de aprendizagem e concorrência através do
qual um setor evolui” (DOSI, 1988: 1157).
De fato, o enfoque de DOSI privilegia, como a corrente evolucionista, os processos
de seleção, mas prioriza também os mecanismos de aprendizado, como elementos
fundamentais da difusão de inovações. “Suas implicações são distintas: enquanto os
primeiros operam no sentido de ampliar as vantagens competitivas tecnológicas das firmas
25
líderes, os últimos tendem a difundir, em diferentes graus, o potencial inovativo e imitativo
das firmas na indústria” (POSSAS, 1989: 170).
Os principais mecanismos de aprendizagem são: a) o investimento em pesquisa e
desenvolvimento; b) os processos informais de acumulação de conhecimento tecnológico
dentro das empresas; e c) o desenvolvimento de “externalidades” intra e intersetoriais -
desenvolvimento de infra-estruturas específicas, economias de escala, tecnologias
complementares e padrões tecnológicos - (POSSAS, 1989).
DOSI (1988) considera que a busca, desenvolvimento e adoção de novos processos
e produtos é resultante tanto da interação entre as capacidades e estímulos gerados
endogenamente nas empresas e setores específicos como dos determinantes amplos
gerados exogenamente aos setores industriais como: o fluxo de informações tecnológicas, a
oferta de capacitações técnicas (recursos humanos especializados), a receptividade do
consumidor a inovações, as características do mercado (particularmente aspectos da
concorrência e demanda), facilidades financeiras (padrões e critérios de alocação de
recursos), tendências macroeconômicas de impacto e políticas públicas associadas.
Para esse autor, cada paradigma tecnológico apresenta uma relação específica entre
os fatores endógenos e exógenos, assim, cada paradigma apresenta características
particulares de seleção, bases de conhecimento e combinações entre a oferta pública e
privada de tecnologia.
Contudo, em qualquer situação é importante distinguir entre os fatores que
“induzem, estimulam ou restringem” a mudança tecnológica e as conseqüências
decorrentes da sua adoção (DOSI, 1988: 1145). Os mecanismos de indução relacionam-se
com uma grande gama de fontes: a) gargalos tecnológicos em atividades inter-
relacionadas; b) escassez de imputs” críticos ou abundância desses; c) variações radicais
dos custos/variabilidade dos insumos; d) evolução da demanda; e) mudanças nos preços
relativos de equipamentos de processo; e f) padrões de concorrência setorial.
Dessa maneira, cria-se uma “rede estruturada” de externalidades, padrões
consistentes e, as vezes, hierárquicos ligando diferentes setores industriais e tecnologias,
em outras palavras “gargalos tecnológicos e oportunidades, experiências e capacidades
26
corporificadas em pessoas e organizações, capacitações e memórias, transbordando de uma
atividade econômica para outra, tendendo a organizar condições contextuais que são
específicas ao país, região ou até, empresa, além de determinarem diferentes
incentivos/estímulos/restrições à inovação” (DOSI, 1988: 1146).
“Genericamente falando, a crescente evidência da relação
dinâmica entre setores industriais e tecnologias ilumina variados e
complexos processos de aprendizagem através dos quais as
empresas exploram nichos específicos de oportunidades
tecnológicas, melhoram seus processos de seleção e aprimoram
suas capacidades no desenvolvimento e processamento de novos
produtos, explorando, em parte, seu conhecimento acumulado, em
parte, em artefatos e conhecimento desenvolvidos externamente e,
em parte copiando de seus concorrentes. Paralelamente, a interação
com o mercado seleciona, em diferentes graus, direções
particulares do desenvolvimento tecnológico, permitindo o
crescimento de certas empresas e penalizando outras. Nessa
dinâmica, as assimetrias tecnológicas e a variedade de
comportamentos são, ao mesmo tempo, a resultante e a fonte da
transformação tecnológica e organizacional” (DOSI, 1988: 1158).
PAVITT apud DOSI (1988) elaborou uma taxonomia de processos de geração e
difusão de inovações, dos quais destacam-se quatro tipos de setores: a) os “dominados por
fornecedores”, cujas inovações são basicamente processuais e geradas externamente; b) os
“intensivos em escala”, onde as inovações, de produto e processo, são sensíveis à
economias de escala; c) os “fornecedores especializados”, geralmente de insumos; e d) os
“intensivos em ciência” cujo processo de inovação está diretamente vinculado a um
paradigma tecnológico, viabilizado por um paradigma científico. DOSI propôs alguns
padrões de inovação e difusão tecnológica associados a esses setores (quadro 1).
LUNDWALL apud SALLES & FERREIRA (1990) aborda as relações usuário-
produtor, enfocando os setores dominados por fornecedores, em especial as relações
qualitativas que se estabelecem entre os usuários e produtores de tecnologia, criando
interdependência entre os sujeitos econômicos e gerando uma forma hierárquica de
relação.
27
Quadro 1: Padrões de inovação e difusão tecnológica de acordo com o tipo de setor.
Dominados por
fornecedores
Intensivos em ciência
Intensivas em escala
Área da inovação Processo Novos paradigmas Processo/Produto
Apropriabilidade Baixa Alta Média
Oportunidade
tecnológica
Baixa Alta Média
Difusão Aprendizado Aprendizado Seleção /
aprendizagem
Fonte da adoção Estimulada por
fornecedores
Setor de P&D Fornecedores e/ou
Setor de P&D
Fontes de vantagens
competitivas
Aprendizado
Economia de
escala
Oportunidade
(pioneirismo)
Economia de escala
Elos entre atividades
de valor
Inter-relações
Integração vertical
Setores típicos Agricultura, têxtil
Química fina,
eletrônica,
biotecnologia
Elétrico-eletrônico,
alimentos,
metal-mecânico
Fonte: adaptado de POSSAS, 1989 e DOSI, 1988.
Apesar da proposta promissora de DOSI, persistem lapsos na definição de uma
abordagem analítica que integre tecnologia e planejamento organizacional, o que é
considerada uma importante barreira pelas organizações (HARIHARAN & KAZANJIAN,
1990). Para LIN (1997), não existe na literatura uma listagem completa de indicadores
capaz de mensurar o grau de capacitação tecnológica de uma organização.
De fato, diversos autores salientam a necessidade de integração entre tecnologia e
estratégia empresarial para que a organização seja competitiva (PORTER, 1989) ;
(SCHOEMAKER, 1992) ; (ITAMI & NUMAGAMI, 1992) ; (HAMILTON, 1997) ;
(CHANDY & TELLIS, 1998) ; (CHAHARBAGHI & WILLIS, 1999). No entanto, um
modelo rigoroso, especificando todas as relações com a configuração setorial, ainda não foi
validado (RIECK & DICKSON, 1993).
Na verdade o ajuste dinâmico entre essas dimensões: tecnologia - ambiente
competitivo – estratégia empresarial, parece ser um horizonte atual de análise acadêmica e,
sem dúvida, definidor do sucesso empresarial em um contexto de crescente concorrência.
28
A proposta desse enfoque representa um grande desafio metodológico: de um lado
“é essencial não restringir o foco de análise no estudo da tecnologia, pois essa restrição
limita a percepção das ligações entre uma tecnologia determinada e muitos dos fatores que
irão, inevitavelmente, determinar sua efetividade e significância” (ROSENBERG apud
SCHROEDER, 1990), de outro, é necessário explorar esses fatores de maneira a perceber
sua influência no contexto sistêmico da adoção tecnológica.
1.4 As ferramentas de análise da dinâmica setorial de PORTER
Em duas de suas obras fundamentais, Estratégia competitiva (1980) e Vantagem
competitiva
(1986), PORTER estabeleceu instrumentos acessíveis de análise e
compreensão das forças e elementos envolvidos na dinâmica concorrencial, definidora das
estruturas setoriais.
Em que pesem as muitas críticas a falta de amplitude das análises baseadas nesse
modelo, são indiscutíveis as vantagens de sistematização oriundas dessa ferramenta.
Talvez as restrições a sua utilidade provenham mesmo do erro de enfoque ao considerar a
análise “porteriana” um fim e não um meio (PADULA, 2000).
Para PORTER (1989), estratégia competitiva é a busca de uma posição competitiva
favorável em um setor industrial. Duas questões centrais baseiam a escolha da estratégia
competitiva de uma empresa: a “atratividade” do setor em termos de rentabilidade a longo
prazo e os determinantes da sua posição competitiva individual.
A rentabilidade potencial e a diagnose do setor é determinada a partir da análise de
cinco forças competitivas: a) o poder de negociação dos fornecedores desse setor; b) o
poder de negociação dos compradores desse setor; c) o risco do aparecimento de novos
concorrentes; d) o risco de lançamento de produtos substitutos; e e) a competição intra-
setorial.
Os principais elementos descritos por PORTER (1989), determinantes do poder
relativo dos fornecedores e dos compradores de um determinado setor industrial, são o
grau de diferenciação dos insumos
comprados (dos fornecedores) ou dos produtos
ofertados (aos compradores); os custos de mudança relativos entre os segmentos
29
comprador e fornecedor e o segmento industrial considerado; a presença de insumos
(dos
fornecedores) ou de produtos ofertados
(
aos compradores) substitutos; a concentração
relativa no segmento fornecedor e comprador em relação ao segmento industrial
considerado; e a ameaça de integração do segmento fornecedor e comprador para o
segmento industrial considerado em relação a possibilidade inversa.
A ameaça de substituição é analisada, considerando-se o desempenho e preço
relativo dos substitutos, os custos de mudança envolvidos e a propensão do comprador em
substituir.
A possibilidade de concorrência de novos entrantes” no setor industrial
considerado é perscrutada a partir das barreiras de entrada potenciais: economias de escala,
patenteamento de produtos/processos, identidade de marca, custos de mudança, exigências
de capital, acesso a distribuição, vantagens de custo decorrentes de exploração de curvas
de aprendizagem, acesso privilegiado a insumos e retaliação esperada.
Finalmente, os determinantes da rivalidade no próprio setor industrial considerados
por PORTER (1989) são: o crescimento do setor, a evolução da demanda, a variedade de
produtos ofertados, a identidade de marca dos concorrentes, os custos de mudança
relativos, a concentração e o equilíbrio no setor, a diversidade dos concorrentes e as
barreiras de saída presentes.
Complementarmente, PORTER (1989) enfatiza que a posição competitiva relativa
de uma organização dentro de um setor é determinada a partir da adoção de estratégias
genéricas: liderança de custo, diferenciação ou enfoque (com ênfase na liderança de custo
ou diferenciação). A sustentabilidade das três estratégias genéricas exige que a vantagem
competitiva de uma empresa resista à erosão pelo comportamento da concorrência
(barreiras de entrada) ou pela evolução do setor (mudanças estruturais).
1.5 O estabelecimento de estratégias competitivas pelas organizações
A implementação das estratégias competitivas pelas organizações é realizada
através da análise e intervenção sobre sua cadeia de valor (PORTER, 1989). Cadeia de
valor é o conjunto de atividades primárias (logística, produção, marketing e vendas) e de
30
apoio (gestão, pesquisa e desenvolvimento, compras), de uma empresa, necessárias à oferta
de seus produtos e serviços. A desagregação da cadeia de valor, ponderando as atividades
de relevância estratégica, permite compreender o comportamento dos custos e as fontes
existentes e potenciais de diferenciação. As diferenças entre cadeias de valor concorrentes
são uma fonte básica de vantagem competitiva. Contudo, a cadeia de valor (conjunto de
atividades) de uma empresa encaixa-se em uma corrente maior de atividades denominada
de sistemas de valor, como, por exemplo, uma cadeia agroindustrial, que pode sustentar ou
eliminar as vantagens obtidas por uma organização,
através da exploração de sua cadeia de
valores.
A desagregação da cadeia de valor genérica em atividades de valor individuais deve
refletir três princípios que são mutuamente exclusivos: o volume e o crescimento do custo
representado pela atividade; o comportamento do custo da atividade; e as diferenças entre
concorrentes na execução da atividade.
As atividades de valor são, portanto, os blocos de construção distintos da vantagem
competitiva. O modo como cada atividade é executada, combinado com sua economia,
determinará se uma empresa tem custo alto ou baixo em relação à concorrência. O modo
como cada atividade de valor é executada também irá determinar sua contribuição para as
necessidades do comprador e, assim, para a diferenciação.
Por sua vez, cada atividade de valor é influenciada pelo que PORTER (1989)
chama de direcionadores. Direcionadores são os determinantes estruturais do custo de uma
atividade e as razões subjacentes pelas quais uma atividade é singular. A exploração dos
direcionadores, na busca do controle de custos ou diferenciação, depende da capacidade
que uma empresa possuí para influenciá-los a seu favor. Em especial, a tecnologia pode
afetar um ou vários direcionadores, modificando a posição de custo relativo de uma
empresa e/ou sua potencialidade de diferenciação e, portanto, é um fator determinante da
competitividade.
Direcionadores normalmente interagem para determinarem o custo de uma
atividade e sua potencialidade de diferenciação. Muitas vezes, essas interações não são
reconhecidas, especialmente se a cadeia de valor de uma empresa estiver sofrendo
31
modificações. A habilidade para traduzir a percepção quanto à interação de direcionadores
em escolhas de estratégias pode, assim, constituir uma fonte sustentável de vantagem de
custo e de diferenciação.
Os principais direcionadores, determinantes do comportamento dos custos de
atividades de valor e definidores de sua potencialidade em ser uma fonte de diferenciação,
são descritos a seguir:
Economias ou deseconomias de escala
As economias de escala surgem da habilidade para executar atividades de formas
diferentes e mais eficientes em um volume maior, ou da habilidade para amortizar custos
intangíveis, como publicidade e pesquisa e desenvolvimento, sobre um volume maior de
vendas. Economias de escala podem resultar da eficiência na realização de uma atividade
em uma escala mais alta, bem como de aumentos que não chegam a ser proporcionais na
infra-estrutura ou nas despesas indiretas necessárias para sustentarem uma atividade à
medida que ela cresce. Deseconomias de escala surgem, por exemplo, quando o aumento
da demanda de um insumo inflaciona seu preço. O aumento da escala pode ser obtido
através de aquisições, extensões da linha de produtos, expansão do mercado ou da
atividade de marketing.
Aprendizagem
O custo de uma atividade de valor pode cair com o passar do tempo devido à
aprendizagem que aumenta sua eficiência, da mesma forma, a singularidade de uma
atividade pode ser o resultado da aprendizagem sobre como executá-la. Assim, a análise e
exploração da curva da aprendizagem associada a cada atividade de valor, a manutenção da
aprendizagem patenteada, e o aprendizado com a concorrência podem ser fontes de
vantagem competitiva.
Padrão de utilização da capacidade
32
Quando uma atividade de valor tem um custo fixo substancial a ela associado, o
custo de uma atividade será afetado pela utilização da capacidade. A busca do nivelamento
da utilização da capacidade procura reduzir a penalidade de flutuações na produtividade.
Elos entre atividades de valor
Elos verticais entre atividades de valor são complementaridades que se estabelecem
entre atividades distintas das cadeias de valor da empresa e dos fornecedores ou
compradores. A empresa pode identificá-los, examinando o modo como o comportamento
dos fornecedores e compradores afeta seus custos e sua potencialidade de diferenciação e
vice-versa. O controle de elos ocorre através da coordenação e otimização entre atividades
distintas, de cadeias de valor independentes, que podem impactar no custo ou na
singularidade da execução dessas atividades de valor.
Inter-relações
As inter-relações provêm de pontos comuns, de vários tipos, entre cadeias de valor
de diferentes setores industriais ou, de pontos comuns entre cadeias de valor de diferentes
unidades industriais de um mesmo setor.
A forma mais importante de inter-relações é quando uma atividade de valor pode
ser compartilhada com uma subsidiária. As inter-relações entre segmentos de produtos
diferentes o, também, estrategicamente importantes, quando as possibilidades de
compartilhamento de atividades de valor podem representar uma fonte relevante de
controle de custos e/ou diferenciação em relação à concorrência. Uma outra forma de inter-
relação envolve o compartilhamento de conhecimento e/ou experiência entre atividades de
valor similares, porém independentes.
Integração
O exame sistemático das possibilidades de integração e desintegração permite
analisar se cada atividade de valor emprega ou, poderia empregar, insumos adquiridos, ao
invés de produzidos com benefícios de custo e/ou singularidade.
Oportunidade
33
A oportunidade reflete as vantagens e desvantagens do pioneirismo ou não na
realização de uma atividade de valor. A oportunidade também provém das oportunidades
derivadas do ciclo comercial de um produto ou da dinâmica das condições do mercado.
Localização (em relação a fornecedores e compradores)
A localização geográfica de uma atividade de valor pode afetar seu custo e sua
singularidade.
Fatores institucionais
Fatores institucionais incluem políticas e regulamentação governamentais,
incentivos financeiros, grau de sindicalização dos funcionários, tarifas e tributos, que
podem ser direcionados a favor da empresa.
Políticas arbitrárias
O custo/singularidade de uma atividade de valor sempre é afetado pelas escolhas de
políticas feitas por uma empresa com razoável independência de outros direcionadores.
Escolhas de políticas arbitrárias refletem a estratégia de uma empresa e, freqüentemente,
envolvem “trade-offs” deliberados entre custo e diferenciação. Da mesma forma, as
escolhas de políticas arbitrárias são, talvez, o condutor da singularidade simples mais
prevalente. Entre eles destacam-se: a) características, desempenho e configuração do
produto; b) mix e variedade de produtos oferecidos; c) nível de serviço oferecido; d) índice
de gastos com atividades de marketing e desenvolvimento de tecnologia; e) tempo de
entrega; f) seleção dos compradores atendidos; g) canais de distribuição empregados; h)
escolha da tecnologia de processo; i) seleção de matérias-primas e insumos; j) política de
recursos humanos; e k) gestão da produção.
Custos de insumos adquiridos
O comportamento dos custos de insumos adquiridos brota da estrutura setorial que
molda a relação negocial entre empresa e fornecedor e dos condutores de custo que, juntos,
determinam as circunstâncias específicas presentes em uma empresa que podem
influenciar esse equilíbrio de poder. Por exemplo, direcionadores como economias de
34
escala, elos, inter-relações, integração, políticas arbitrárias e localização podem impactar
no custo final de um insumo através de fatores como volume de compras, coordenação
vertical, compartilhamento de compras entre unidades, integração vertical, seleção do
número e mix de fornecedores e custo de transporte.
Uma empresa conta com uma vantagem de custo quando seu custo cumulativo da
execução de todas as atividades de valor for mais baixo do que os custos dos concorrentes,
assim como, uma empresa diferencia-se da concorrência se puder ser singular em alguma
coisa valiosa para os compradores. A diferenciação resulta em desempenho superior, se o
preço-prêmio alcançado ultrapassar qualquer custo adicionado do fato de ser singular.
O ponto de partida para a análise dos custos é definir a cadeia de valores de uma
empresa e atribuir custos diretos e indiretos a atividades de valor. Uma das maneiras de
identificar direcionadores de custos em uma empresa é entrevistar especialistas, da própria
empresa ou não, que através de sua experiência percebem a sua importância relativa.
O controle dos direcionadores e a reconfiguração da cadeia de valor permitem a
consolidação de estratégias de liderança de custos ou diferenciação. A reconfiguração das
cadeias de valores provém de uma série de fontes como: a adoção de processos de
produção diferentes; o estabelecimento de diferenças relativas no grau de automação; pela
integração vertical; pelo enfoque no atendimento de um novo segmento-alvo, etc.
O valor estratégico da vantagem de custo/singularidade está baseado em sua
sustentabilidade: ela estará presente se for difícil imitar as fontes da vantagem de
custo/singularidade de uma empresa, ou seja, se existirem barreiras de entrada ou de
mobilidade que impeçam que concorrentes imitem suas fontes. Assim, qualquer vantagem
de custo ou diferenciação que tenha sua origem em múltiplas fontes dentro da cadeia de
valores possui uma sustentabilidade maior do que aquelas que provêm de uma única
atividade de valor.
Além de analisar o comportamento dos custos e as oportunidades de diferenciação
em um ponto no tempo, uma empresa deve considerar de que modo o custo relativo e a
potencialidade de diferenciação das atividades de valor irão evoluir. Para tanto, realiza-se
uma análise da dinâmica futura dos custos e fontes de singularidade, ou seja, da dinâmica
35
de interação dos direcionadores no decorrer do tempo, à medida que uma empresa cresce
ou as condições do setor se modificam.
Em especial, mudanças tecnológicas diferenciais que ocorrem em índices diferentes
podem afetar nitidamente o custo relativo de diferentes atividades de valor e de seus
direcionadores, assim como representar uma importante fonte de diferenciação.
1.6 O recorte de análise do impacto da inovação tecnológica em um setor
O espaço de análise delimitado por uma cadeia de produção agroindustrial é uma de
suas características que deve ser ressaltada para sua utilização como ferramenta de análise
das inovações tecnológicas (BATALHA, 1995).
Segundo PORTER (1991), o setor industrial ou o “negócio” específico de uma
empresa é o espaço privilegiado para analisar a relação entre estratégia competitiva e
ambiente setorial, determinantes da escolha tecnológica. Essa percepção é reforçada por
vários autores como DOSI (1988) ; SCHROEDER (1990) ; e SALLES & FERREIRA
(1990).
Assim, através de cortes verticais é possível uma segmentação fina do setor
industrial considerado, “de tal forma que o espaço de análise observado possa efetivamente
corresponder ao campo privilegiado da ação estratégica da empresa, da qual fazem parte as
ações estratégicas ligadas à tecnologia” (BATALHA, 1995: 44).
BATALHA (1995:49) refere-se ao conceito de “filière” ou “cadeia de produção” de
um determinado produto ofertado por um setor industrial como locus adequado da
abordagem das interações tecnologia – ambiente competitivo – estratégia empresarial.
MONTIGAUD (1991) define “filière” como o conjunto de atividades estreitamente
interligadas (produção, processamento, distribuição, consumo) e relacionadas
verticalmente por pertencerem a um mesmo produto ou a um produto semelhante. Segundo
o autor, é um campo de observação privilegiado para analisar as empresas em situações
estratégicas específicas.
36
A abordagem de “filière” estuda os itinerários seguidos por um produto (ou grupo
de produtos) na cadeia agroalimentar. Ela enfoca o conjunto de agentes (empresas e
administrações) e as operações (de produção, de logística, de financiamento) que
contribuem para a transformação e transferência do produto até o seu estado final de
utilização, assim como os mecanismos de ajuste dos fluxos dos produtos e dos fatores de
produção ao longo da “filière” até seu estado final (MALASSIS, 1979).
Para MORVAN (1991), filière” é uma sucessão de operações de transformação
determinadoras da produção de bens. A articulação dessas operações é amplamente
influenciada pela tecnologia utilizada e é definida pela estratégia própria dos agentes que
buscam a melhor valorização de seu capital. As relações entre as atividades e os agentes
revelam interdependências e complementaridades, as quais são fortemente determinadas
pelas relações hierárquicas, e cuja evolução molda a dinâmica do conjunto. A “filière” é
um sistema capaz de assegurar sua própria transformação.
A abordagem de “filière” assume vários papéis primordiais na análise das cadeias
agroindustriais: a) como instrumento de descrição técnico-econômica: evidencia as
tecnologias desenvolvidas, as capacidades produtivas, a natureza dos produtos finais e
intermediários, as estruturas de mercado utilizadas, assim como os tipos de ligações que se
estabelecem entre os mesmos; b) como modalidade de recorte do sistema produtivo:
permite identificar os agentes da cadeia produtiva e seu inter-relacionamento; c) como
método de análise de estratégia dos agentes; e d) como instrumento de política industrial
(MORVAN, 1991).
RAINELLI (1991) considera a análise de “filière” como uma análise meso-
econômica, na qual as modalidades de organização entre os agentes e as estratégias
desenvolvidas por estes definem os contornos e as estruturas do meso-sistema.
A consideração da natureza dos produtos (finais e intermediários), as tecnologias de
processamento e a natureza dos mercados consumidores é preliminar à definição e à
compreensão da lógica de uma “filière”, assim como a análise de sua evolução
(MORVAN, 1991).
37
Para LABONNE (1985), a abordagem de filière” pretende apreender a
complexidade da economia de um produto, ou seja, considerar a heterogeneidade das
condições de sua produção, de distribuição e de consumo, explicitando as relações
econômicas entre os segmentos de uma cadeia produtiva.
Em especial, é de característico interesse na análise de “filière”, o estudo de como
as inovações e limitações tecnológicas modificam os sistemas produtivos (RAINELLI,
1991) ; (MORVAN, 1991) , podendo ocasionar mesmo o desaparecimento de alguns,
levando a modificação da demografia industrial e, conseqüentemente, de sua configuração
(MORVAN, 1991).
LABONNE (1985) explicita os limites da abordagem de filière” ao enfocar um
produto ou uma categoria de produtos definida, considerando a crescente busca de
diversificação de produtos e atividades das organizações.
1.7 Elementos e estrutura para a análise do fenômeno objeto do estudo
Os conceitos e ferramentas abordados até o momento, fundamentam o universo
teórico no qual se insere esse estudo. O quadro abaixo sumariza e relaciona os principais
objetivos do estudo e a base conceitual que permite atingí-los.
38
Quadro 2: Objetivos secundários e estruturas de análise do estudo.
Objetivos secundários Estrutura de análise
Analisar quais os elementos presentes no ambiente
competitivo do setor de leite UHT no estado do Rio
grande do Sul que influenciaram a adoção dessa
tecnologia.
Modelo 5 forças de PORTER
(1989).
Analisar quais os elementos presentes na estratégia
competitiva individual das organizações que foram
relevantes na adoção da tecnologia UHT pelas
agroindústrias processadoras no estado do Rio Grande do
Sul.
Impacto da tecnologia UHT
nos direcionadores (de custo ou
diferenciação) de PORTER
(1989)
Entendimento da adequação entre tecnologia UHT de
processo/produto e estratégia competitiva das
agroindústrias processadoras no estado do Rio Grande do
Sul.
Conceitos de autores neo-
schumpterianos e análise
sistêmica
Fonte: elaboração do autor.
39
2. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Esse trabalho constitui-se de uma pesquisa exploratória, pois envolve os primeiros
estágios de investigação, fase em que o pesquisador não tem conhecimento suficiente sobre
o fenômeno a ser estudado para formular questões e/ou hipóteses específicas.
Segundo MATTAR (1994), a pesquisa exploratória é adequada para familiarizar e
elevar o conhecimento e a compreensão de um problema de pesquisa em perspectiva. Em
especial, o autor considera a pesquisa exploratória um auxiliar na determinação de
variáveis relevantes a serem consideradas num problema de pesquisa, condição
extremamente útil no presente estudo pela complexidade e caráter sistêmico do problema a
ser abordado.
Para BOYD et al. (1989: 92) o estudo exploratório é adequado quando “mudanças
que ocorrem no mercado provocam oportunidades para um novo produto ou criam
problemas para os produtos estabelecidos”, o que parece ser condizente com o atual
cenário do mercado de leite fluido.
2.1 Estrutura da pesquisa e amostras
Os métodos da pesquisa exploratória utilizados o o levantamento de dados em
fontes secundárias, levantamento de experiência e estudos de caso selecionados.
2.1.1 Levantamentos de dados em fontes secundárias
Dados secundários são aqueles que foram coletados para propósitos diferentes de
nosso problema de pesquisa científico (BOYD et al., 1989) ; (MATTAR, 1994). Neste
estudo, buscaram-se, em fontes de dados secundárias, elementos para a compreensão das
40
forças atuantes na definição do ambiente competitivo do segmento processador de leite
UHT no estado do Rio Grande do Sul.
Inúmeras publicações especializadas no complexo cteo, oriundas de organizações
governamentais, setoriais e privadas constituíram-se numa ampla fonte de informações
para a construção de uma análise crítica sobre ele.
De forma complementar, publicações técnicas especializadas forneceram
indicadores das principais atividades constituintes da cadeia de valor desse segmento e dos
direcionadores envolvidos.
2.1.2 Levantamentos de experiência
Os levantamentos de experiência, através de entrevistas individuais ou em grupo
com especialistas, são adequados para reforçar percepções de causa e efeito de fenômenos
observados (MATTAR, 1994).
BOYD et al. (1989) consideram que as entrevistas “de profundidade” devem ser
conduzidas sem um questionário formal, mas a partir de um roteiro básico, no qual o
entrevistado pode expressar-se livremente sobre os tópicos abordados. Dessa maneira são
possíveis de serem descobertos os fatores implícitos e determinantes nos fenômenos
estudados.
Os levantamentos de experiência, realizados com especialistas do setor processador
de leite UHT no estado do Rio Grande do Sul, representaram uma fonte de compreensão
dos fatores que determinaram as relações entre o ambiente competitivo e a tecnologia UHT
e, de que maneira essa tecnologia insere-se na implementação da estratégia competitiva
individual das organizações. Assim, consultaram-se dois professores universitários,
estudiosos da cadeia láctea gaúcha, e três empresários do setor, familiarizados com a
problemática do estudo.
No anexo 1 apresenta-se a estrutura do questionário utilizado nas entrevistas com
especialistas.
41
Da mesma maneira, abordaram-se as quatro principais empresas fornecedoras de
equipamentos e embalagens da agroindústria processadora de leite UHT, através de seu
corpo técnico e gerencial, para analisar a concorrência existente no segmento; e as
perspectivas de introdução de novas tecnologias e produtos. Sua contribuição subsidiou,
especialmente, o sub-ítem 3.1.2 Fornecedores de insumos e equipamentos” da análise do
ambiente competitivo do setor de leite UHT no estado do Rio grande do Sul.
2.1.3 Estudos de casos selecionados
Os estudos de caso selecionados permitem aprofundar o conhecimento de
problemas complexos e sistêmicos pela observação da dinâmica e interação de múltiplos
fatores, a partir de poucas situações específicas (BOYD et al., 1989) ; (MATTAR, 1994).
No estudo de caso, o pesquisador propõe-se a investigar um fenômeno
contemporâneo, em seu contexto real, onde os limites entre eles não são claramente
percebidos, através do uso de técnicas associadas: entrevistas, consulta a dados secundários
e observação (YIN, 1994).
Para YIN (1994) as evidências empíricas levantadas nos estudos de caso devem
gerar “feedback” para a teoria, ou seja, uma generalização analítica. Em especial, essa
técnica permite responder a perguntas do tipo “como?” e “por quê?” , ou seja,
compreender a natureza e a complexidade do processo em jogo.
Para BOYD et al. (1989) os estudos de caso são particularmente valiosos quando o
pesquisador está procurando resolver um problema de pesquisa no qual existem inter-
relações entre os vários fatores envolvidos, e para o qual é difícil compreender os fatores
individualmente sem considerar as relações entre eles. Conforme esses autores, o modo de
análise mais aplicável aos estudos de caso procura encontrar três classes de fatores: a)
características comuns a todos os casos do grupo selecionado; b) características comuns a
apenas alguns subgrupos; c) características exclusivas de casos específicos.
MATTAR (1994) afirma que o método deve atender a três requisitos centrais. Em
primeiro lugar, cada caso estudado deve ser suficientemente caracterizado e analisado, em
segundo lugar, o pesquisador deve apresentar uma atitude receptiva que favoreça a
42
obtenção de informações e a geração de hipóteses, e não, o estabelecimento de conclusões,
finalmente, o pesquisador deve ser capaz de integrar os diversos aspectos dos casos
pesquisados em uma interpretação unificada.
Um dos problemas levantados na utilização dessa estratégia de pesquisa é a
impossibilidade de generalização das observações, que os casos estudados não
representam (e o devem representar) a população. Na verdade, o objetivo do
levantamento de dados nos estudos de caso não é quantificar mas compreender (BOYD et
al., 1989).
O impacto da inovação tecnológica em um setor pode ser analisado a partir do
contexto formado pela interação entre o ambiente e “grupos estratégicos”, ou seja, um
grupo de empresas de uma indústria que estão seguindo uma estratégia igual ou semelhante
ao longo das dimensões estratégicas (PORTER, 1986: 133).
Assim, as organizações, objeto dessa análise, foram agrupadas em diferentes
categorias de agroindústrias processadoras de leite UHT de maneira a permitir a percepção
da relação tecnologia estratégia empresarial em cada uma delas. As oito agroindústrias
enfocadas representam a totalidade do segmento processador de leite longa vida no estado.
Os parâmetros utilizados para a classificação das empresas nos diferentes grupos
estratégicos foram a capacidade de processamento
12
, e a liderança tecnológica
13
em relação
ao processamento UHT. Esses dois parâmetros balizaram, em grande parte, a conformação
setorial e a definição das estratégias individuais, respectivamente, pela grande assimetria
na capacidade de processamento e pela possibilidade precoce de diferenciação das
agroindústrias de processamento de leite UHT no estado do Rio Grande do Sul. Contudo, é
relevante enfatizar que todas as agroindústrias lácteas enfocadas nesse estudo produzem
12
A capacidade de processamento, aqui indicada, não é a capacidade potencial de processamento da planta
industrial, mas o volume de processamento médio diário (considerando safra e entre-safra), observado pelos
técnicos responsáveis pela produção, em cada agroindústria de processamento no ano 1999-2000.
13
Para diversos autores, o conceito de liderança tecnológica envolve a proximidade entre a tecnologia
desenvolvida em uma empresa e o “estado da arte” da mesma (HARIHARAN & KAZANJIAN, 1990). Neste
trabalho, seguiremos a percepção de PORTER (1989) que atribui a liderança tecnológica aos “first movers”,
empresas que adotaram, primeiramente, uma tecnologia inovadora, conceito especialmente adequado a
setores induzidos tecnologicamente, onde o desenvolvimento da inovação é externa.
43
outros derivados lácteos e, algumas delas, outros produtos alimentícios de origem animal
ou vegetal.
Representando as agroindústrias de grande capacidade de processamento de leite
UHT (superior a 500.000 litros/dia na média anual), líderes na adoção da tecnologia UHT,
analisaram-se os casos das agroindústrias não cooperativadas GL1 e GL2 (Grandes /
Líderes), líderes desse mercado no Rio Grande do Sul.
A agroindústria GL1 é uma empresa de capital aberto que teve como origem a
principal cooperativa leiteira do estado do Rio grande do Sul, adquirida em 1996 pelo atual
grupo gestor. A cooperativa em questão era formada por mais de duas dezenas de
cooperativas de produtores que foram, preponderantemente, mantidos como fornecedores
após a venda do parque industrial, e que respondiam por 62% do volume de leite recebido
no estado. De fato, em 1980 a tecnologia UHT foi adotada pela cooperativa considerada
que teve a primeira produção industrial em 1982. Contudo, foi somente na década de 1990,
após a consolidação da agroindústria GL1, que a produção evoluiu até sua dimensão atual:
entre 1991 a 2000 a produção média de leite UHT passou de 120.000 l/dia para quase
1.800.000 l/dia, sendo essa agroindústria, atualmente, a principal produtora no estado. Em
1999, GL1 respondeu por quase metade da produção de leite UHT no estado.
A agroindústria GL2 é uma empresa multinacional que iniciou suas atividades no
estado do Rio Grande do Sul em 1993 com a incorporação de uma importante cooperativa
de laticínios que, na época, respondia por mais de 20% do volume total de recepção de
leite no estado. Em 1994, GL2 iniciou a produção de leite UHT no estado, sendo,
atualmente, a segunda maior produtora, atingindo uma produção média superior a 500.000
l/dia. Em 1999, GL2 produziu em torno de 35% da produção total de leite UHT no estado.
Representando as agroindústrias de média capacidade de processamento de leite
UHT (de 50.000 a 250.000 litros/dia na média anual), seguidoras da tecnologia UHT,
analisaram-se os casos das agroindústrias cooperativas MS1, MS2, MS3 (Médias /
Seguidoras). Complementarmente, analisou-se o caso da agroindústria MS4, que estudou a
implantação do sistema UHT, mas preferiu terceirizar a produção através de acordo com
MS2 e, da agroindústria MS5, que somente processa leite UHT para terceiros.
44
As agroindústrias de média capacidade de processamento iniciaram a produção de
leite UHT no estado do Rio Grande do Sul em 1998, com exceção de MS5 que iniciou em
1999, sua produção conjunta representa quase 16% da produção total de leite UHT do
estado. Todas elas são cooperativas de produção (de lácteos e outros produtos e serviços)
de longa tradição no estado.
Finalmente, representando a categoria das agroindústrias de pequena capacidade de
processamento de leite esterilizado (inferior a 10.000 litros/dia) que não adotou o sistema
UHT, mas sim um sistema descontínuo de esterilização do leite em autoclaves, analisou-se
o caso da agroindústria PI (Pequena / Inovadora). Essa é a única empresa no estado que
oferece um produto de concepção diferenciada em função da embalagem de polietileno. A
produção iniciou em 1998 e, apesar de representar uma pequena fração da produção total
de leite longa-vida no estado do Rio Grande do Sul, a empresa apresenta particularidades
dignas de análise.
O conceito de liderança aqui empregado adapta-se àquele desenvolvido por
FREEMAN (1982), especialmente ao de “líderes defensivos” que compõem estratégias de
empresas que não obrigatoriamente desenvolvem tecnologia própria, não são inovadores
absolutos, mas acompanham mudanças tecnológicas mundiais e privilegiam as inovações
incrementais e a capacidade de rápida resposta às novas necessidades de mercado.
Segundo o mesmo autor, as estratégias tecnológicas imitativas, aqui consideradas
como das “agroindústrias seguidoras”, caracterizam-se por buscar oportunidades não
aproveitadas pelas líderes, seja através de modificações técnicas incrementais nos produtos
e processos, seja servindo um “mercado geográfico cativo”.
Os técnicos e gerentes de empresas privadas que procederam às escolhas
estratégicas nas agroindústrias processadoras de leite UHT, foram os entrevistados nas
organizações para detalharem os elementos considerados relativos ao ajuste entre esta
tecnologia e a estratégia competitiva, no decorrer do processo de escolha e implementação
da mesma. A abordagem foi realizada através de entrevistas em profundidade, com uma
duração média de duas horas. No anexo 1 apresenta-se a estrutura que balizou as
entrevistas dos estudos de caso específicos.
45
Os estudos de caso ilustraram e exemplificaram mecanismos setoriais afetos aos
diferentes grupos estratégicos mas, também, permitiram analisar especificidades abordadas
individualmente.
De toda a maneira, a inserção de sua análise se dá na própria estrutura do trabalho e
não em capítulos aparte. Dessa forma, buscou-se evitar a consideração repetitiva de
inúmeros aspectos comuns, presentes em cada categoria e, sim, analisar a lógica comum
em cada uma delas e entender seu papel no setor através da estrutura de análise proposta.
2.2 Nível de análise
Nesse estudo, a estrutura de análise do ambiente competitivo e a análise da inserção
e importância da tecnologia na estratégia empresarial seguem os parâmetros indicados por
PORTER (1989), como uma maneira de prospectar as variáveis necessárias para
estabelecer um cenário que permita a discussão dos elementos enfocados.
O nível de análise situa-se no espaço das interações dinâmicas entre fatores
macroeconômicos e microeconômicos, que esse autor privilegia como “locus” analítico
as inter-relações entre os segmentos de um setor produtivo e os aspectos micro e macro
econômicos impactantes sobre essas inter-relações.
Essa abordagem deve permitir a estruturação do cenário onde as estratégias
competitivas individuais desenvolvem-se e, portanto, facilitar o entendimento dos
mecanismos envolvidos na implementação das estratégias das agroindústrias processadoras
de leite UHT do estado do Rio Grande do Sul.
2.3 Unidade de análise
A unidade de análise desse trabalho é o setor de processamento de leite UHT do
estado do Rio Grande do Sul. Considera-se setor, o segmento processador da cadeia
produtiva de leite e derivados, equivalente ao conceito de indústria” de PORTER (1986:
24): “uma indústria é um grupo de empresas fabricando produtos que o substitutos
bastante aproximados entre si”.
46
Os três principais segmentos dessa cadeia produtiva são o de produção (fornecedor
de matéria-prima), o agroindustrial processador de leite UHT (todos os agentes deste
segmento processam múltiplos derivados lácteos e, em alguns casos outros produtos
alimentícios ou não) e o de distribuição (grande e pequeno varejo).
Os limites verticais desse recorte situam-se de acordo com o estabelecido nas
abordagens de filière de produção”, neste caso a “filière” de leite UHT do estado do Rio
Grande do Sul (Anexo 2).
Assim, fica enfatizada a importância, neste trabalho, das considerações sobre a
tecnologia empregada, suas vantagens e desvantagens sobre tecnologias alternativas, suas
fontes, a estratégia dos fornecedores e, seu impacto na coordenação e configuração do
setor lácteo do Rio Grande do Sul.
Além disso, amplia-se o recorte de análise de maneira a perceber a “rivalidade
ampliada” descrita por PORTER (1986), pela necessidade de consideração de outros
atores subjacentes a “filière” de leite UHT do estado do Rio Grande do Sul, em especial os
possíveis substitutos do leite UHT, representados por agroindústrias processadoras de
produtos lácteos substitutos (em particular outros tipos de leite fluido) e, os entrantes
potenciais”, representados, nesse trabalho, por agroindústrias processadoras de leite UHT
de países concorrentes do Mercosul.
2.4 Enfoques da análise
2.4.1 Análise da relação ambiente competitivo – tecnologia
Este estudo pretende, a partir do modelo de abordagem setorial das cinco forças”
descrito por PORTER (1986), alimentado pelas informações obtidas em levantamentos de
dados em fontes secundárias, levantamentos de experiência e estudos de caso, construir
uma análise do ambiente competitivo do setor de leite UHT no estado do Rio Grande do
Sul que permita perceber os fatores relevantes que influenciaram a adoção dessa tecnologia
e o impacto decorrente na estrutura do setor.
47
2.4.2
Análise da relação estratégia competitiva – tecnologia
Nesse trabalho, o impacto da tecnologia UHT sobre os direcionadores de custo ou
singularidade é o foco de análise fundamental para apreciar os fatores relevantes na adoção
da tecnologia UHT pelas agroindústrias processadoras do estado do Rio grande do Sul.
Evidentemente as particularidades de cada organização limitam e definem de que
maneira a tecnologia age sobre cada direcionador potencialmente importante na definição
da estratégica individual, contudo, em se tratando de organizações de um mesmo setor,
muitas vezes espera-se reconhecer a repetição de relações tecnologia-direcionador
específicas, especialmente dentro das categorias estratégicas consideradas.
O roteiro utilizado nas entrevistas, concedidas nos estudos de caso, analisou
portanto, todos os direcionadores potenciais realçados por PORTER (1989). Dessa
maneira, buscou-se a consideração da maneira pela qual a tecnologia UHT impactou sobre
os direcionadores; e qual a importância dessa relação tecnologia-direcionador na
implementação da estratégia individual da categoria estratégica considerada.
2.4.3 Análise da adequação
da relação estratégia competitiva - tecnologia
A percepção da adequação
da relação “tecnologia estratégia competitiva” dessa
tecnologia específica foi subsidiada pela contribuição de autores que enfocaram o tema
direta ou indiretamente e que, iluminam as percepções estabelecidas a partir das
considerações decorrentes da relação ambiente competitivo tecnologia estratégia
competitiva, abordados de maneira segmentada nos itens 2.4.1 e 2.4.2.
Para tanto, é interessante retomar os conceitos desenvolvidos por MORIN (1987)
sobre a análise sistêmica e a complexidade, em especial no sub-ítem 5.3 pois essa é a
principal diretiva da análise.
Complementarmente, a análise da integração da tecnologia no organismo
empresarial e sua potencialidade como instrumento competitivo, objeto de estudo de
autores como FREEMAN (1982) ; DOSI (1988) ; POSSAS (1989); SCHROEDER (1990) ;
SALLES F° & FERREIRA (1990) ; PORTER (1991) , ITAMI & NUMAGAMI (1992) ;
48
SCHOEMAKER (1992), HAMILTON (1997) ; CHANDY & TELLIS (1998), balizaram a
percepção das relações entre estes elementos.
49
3. ANÁLISE DA RELAÇÃO AMBIENTE COMPETITIVO – TECNOLOGIA
Para PORTER (1986), a análise das forças que moldam a estrutura industrial é
condição preliminar à compreensão das estratégias individuais das organizações
participantes de um segmento.
A análise aprofundada das fontes subjacentes da pressão competitiva destaca os
pontos fortes e fracos críticos em uma organização ou segmento, destaca o seu
posicionamento relativo no segmento, esclarece as áreas em que mudanças estratégicas
podem resultar eficazes, em função de sua importância como oportunidades ou ameaças
(PORTER, 1986).
A análise do ambiente competitivo do segmento processador de leite UHT no Rio
Grande do Sul, desenvolvida a seguir, procura estabelecer um quadro de análise que
suporte um entendimento dos elementos considerados no processo de escolha desta
tecnologia, atendo-se à dinâmica das forças concorrenciais e setoriais preponderantes.
3.1 Poder de negociação dos fornecedores
3.1.1 Fornecedores de matéria-prima
Apesar dos recentes esforços do setor lácteo no sentido de incrementar e padronizar
a qualidade do leite, considera-se que, de uma maneira geral, tanto a legislação pertinente
quanto os mecanismos de controle e manutenção da qualidade da matéria-prima na
propriedade ainda são incipientes. Existem, evidentemente, padrões qualitativos mínimos
para garantir o processamento UHT e a qualidade do produto final, mas não existem
mecanismos que sustentem a diferenciação do leite no sentido de criarem-se pressões de
demanda diferenciadas. Conseqüentemente, o leite constitui-se num produto commodity”,
de baixa diferenciação, cujo lucro dos produtores é obtido a partir de uma certa escala
50
mínima de produção total e de uma produtividade mínima obtida por animal, sendo
restritas as possibilidades de manobras estratégicas no sentido de aumentar seu poder de
barganha.
A presença de uma oferta complementar de matéria-prima, considerando-se os
produtores de leite não especializados como fornecedores potenciais, diminui o poder de
barganha dos fornecedores especializados.
Contudo, dados do IBGE – Censo Agropecuário 95/96 (1998) - indicam que 83,2%
da produção total de leite do Rio Grande do Sul é obtida a partir de rebanho com finalidade
específica contra 73,1% no levantamento de 1985, uma evolução rumo à especialização
muito mais intensa do que a observada em outros estados brasileiros. De fato, considera-se
que do total de leite produzido no estado, de 1991 a 1999, a produção formal frente à
informal aumentou sua participação de 45% para 67% respectivamente
(MAA/DFA/DDA/SIPA/RS apud BITENCOURT, 2000).
Complementarmente, apesar do predomínio das pequenas unidades de produção de
leite, as propriedades com menos de 20 hectares respondem por quase a metade do total
produzido no estado (IBGE – Censo Agropecuário 95/96, 1998), existe uma crescente
tendência de concentração nesse segmento, pela seleção por parte das agroindústrias
lácteas dos produtores de maior capacidade de produção.
Esta perspectiva é especialmente válida considerando-se o mercado de leite
destinado ao processamento UHT, de forte ênfase concorrencial na escala de
processamento e com necessidades qualitativas (estabilidade protéica do leite) que
representam fortes mecanismos de seleção.
A necessidade de diminuir os custos de transporte e processamento da matéria-
prima, assim como, garantir a regularidade do fluxo de produção, o asseguradas através
do pagamento bonificatório em função do volume produzido individualmente por cada
produtor ou associação.
A qualidade também é um parâmetro seletivo, pois existem limites rígidos
aplicados no controle da matéria-prima que podem ser atingidos por
51
produtores/associações que, no mínimo, possuam sistemas adequados de resfriamento do
leite. Um padrão inadequado de qualidade inviabiliza o processamento de um lote pela
falta de estabilidade protéica ou, impacta sobre seus custos, pelo aumento da freqüência de
limpeza dos equipamentos e pela conseqüente diminuição da produtividade da
agroindústria processadora (em função da menor duração do turno de processamento
ininterrupto).
Analisando-se a distribuição dos produtores de leite no estado do Rio Grande do
Sul, no período compreendido entre 1991 e 1995, observa-se uma forte tendência de
concentração nesse segmento com uma diminuição de 33,5% no número de pequenas
unidades rurais com uma produção de até 50 litros diários. Por outro lado, o segmento dos
produtores com uma produção de 51 a 100 litros/dia e de mais de 100 litros/dia cresceu
348,2 % e 565,0 % respectivamente (FAGUNDES, 1997) ; (FONTE et al., 1998).
BRESOLIN (1999) observa que na década de 1990 o percentual de produtores
gaúchos de leite com produção superior a 100 l/dia passou de 2,0% para 11,4%, ao mesmo
tempo em que ocorreu uma diminuição de aproximadamente 25% no número total de
produtores. Da mesma forma, pesquisa desenvolvida pelo Ministério da Agricultura no
estado indica que, analisando os meses de setembro no período de 1995 a 1999, o número
de produtores caiu 20%, enquanto o volume de produção no mesmo período aumentou
36% (MAA/DFA/DDA/SIPA/RS apud BITENCOURT, 2000).
Caso mantenha-se essa perspectiva, existe uma forte tendência de concentração no
segmento produtivo do estado do Rio Grande do Sul, o que pode aumentar o seu poder
relativo de negociação frente a agroindústria. Porém, a o momento, frente a alta
concentração do segmento agroindustrial (BRANDÃO, 1999) esta perspectiva não é
efetiva. De fato, é necessário considerar que apesar de sua concentração recente, a maioria
(66,6%) dos produtores fornecedores de agroindústrias processadoras com SIF no estado
do Rio Grande do Sul ainda apresentam uma produção diária inferior a 50 litros
(MAA/DFA/DDA/RS apud BITENCOURT, 2000).
Além disso, a produção de leite sob inspeção federal, no estado do Rio Grande do
Sul, passou de aproximadamente 637 milhões de litros em 1990 para mais de 1,2 bilhões
52
de litros em 1997 (MAA/DFA/SIPA), o que demonstra que a concentração observada no
segmento produtivo não se traduziu em limitação da oferta.
Considerando-se as possibilidades de integração a jusante (produção em direção à
agroindústria) e a montante (agroindústria em direção à produção), percebe-se, por um
lado, que a integração à jusante é bastante dificultada pelo nível de investimento necessário
à implantação de uma planta de produção de leite UHT, por outro lado, a integração à
montante é muito mais factível, mas desinteressante pela baixa atratividade do segmento
produtivo que apresenta, de maneira geral, baixos padrões de retorno sobre investimento
(BRANDÃO, 1999).
De fato, MONTOYA & GUILHOTO (1999) demonstraram a tendência histórica de
diminuição da capacidade de apropriação da renda gerada nas cadeias agroindustriais pelo
segmento produtivo em benefício da rentabilidade dos segmentos à montante (insumos
agrícolas) e jusante (agroindústria e distribuição).
3.1.2 Fornecedores de insumos e equipamentos
Em torno de 99% do leite UHT industrializado no Brasil utiliza embalagem de
papel cartonado laminado (SANTOS, 1996 apud SANTOS 1999), sendo este o principal
insumo utilizado na produção de leite UHT.
Na realidade, até meados da década de noventa, somente um único fornecedor
oferecia a tecnologia de processo, os equipamentos e a embalagem necessários à produção
do leite UHT no país. De fato, toda a tecnologia de processo/produto utilizada na
agroindústria de laticínios gaúcha e brasileira é preponderantemente comprada das
empresas de equipamentos e embalagens (MASSOTE PRIMO, 1999).
A principal empresa fornecedora de equipamentos e embalagens para o sistema
UHT está presente 42 anos no Brasil, sendo a pioneira no país em 1978, na produção
das embalagens cartonadas laminadas adequadas ao envase asséptico. Considerando o
volume de vendas, a multinacional, aqui representada por essa empresa, é a segunda maior
produtora de embalagens do mundo, atingindo um faturamento de 7,5 bilhões de dólares
em 1996 (McDonald & Co apud MADI et al. 1998). No Brasil, é a 14ª maior empresa de
53
embalagens considerando o faturamento que atingiu 300 milhões de dólares em 1996
(Gazeta Mercantil apud MADI et al. 1998).
Complementarmente, é importante notar que o segmento agroindustrial processador
de leite fluido no Brasil, apesar de representar a principal fonte de demanda de embalagens
cartonadas laminadas, não é a única, pois uma série de outros segmentos processadores de
produtos alimentícios líquidos ou viscosos (sucos, molhos, etc) utilizam-nas.
Em todos os mercados onde a principal fornecedora de embalagens cartonadas
laminadas opera, esta busca a liderança. Assim ocorre no mercado americano (fornecendo
embalagens de leite pasteurizado e sucos), na Comunidade Econômica Européia (no
mercado de leite UHT e sucos) e na Argentina (nos mercados de leite UHT e vinhos).
No Brasil, esta estratégia baseia-se na formação de barreiras à entrada de
concorrentes, representadas, de um lado, pelo intenso investimento em pesquisa e
desenvolvimento associado a uma forte interação com as necessidades tecnológicas dos
clientes, e, de outro, pela escala de produção de embalagens e pelas exigências de capital.
Assim, aumentam-se os custos de mudança das agroindústrias processadoras de leite UHT
e consolida-se um posicionamento estratégico privilegiado.
De fato, a concorrência direta de outras empresas internacionais, produtoras de
equipamentos de envase asséptico e embalagens cartonadas laminadas (quadro 3), ainda é
pequena no Brasil (MADI et al. 1998). Alguns aspectos técnicos, como a
incompatibilidade entre o equipamento de envase asséptico predominante e a embalagem
cartonada laminada oferecida pelas concorrentes internacionais, limitam as possibilidades
de expansão da variedade de fornecedores de insumos no mercado brasileiro.
Efetivamente, a perspectiva de risco associada ao pioneirismo na adoção de novos
equipamentos de envase asséptico, de princípio de funcionamento idêntico ou diferente aos
equipamentos atualmente utilizados, e a incerteza associada à necessidade de importação
das embalagens (já que as empresas concorrentes ainda não produzem as embalagens
cartonadas laminadas adequadas ao envase asséptico no Brasil) restringe as possibilidades
de sua difusão no segmento agroindustrial processador de leite UHT como constatado em
todos os estudos de caso realizados.
54
Quadro 3: Empresas fornecedoras de máquinas de envase asséptico para leite fluído que
utilizam embalagens cartonadas.
Tetra Pak Combibloc International Paper
Local de produção de
embalagens:
São Paulo e Paraná /
Brasil
Estados Unidos da
América
Estados Unidos da
América
Máquinas envasadoras
(para 1l):
TBA/8 e TBA/11 CF507AL SA-50/2
Sistema de alimentação
de embalagens:
Rolos Embalagem pré-
formadas
Rolos
Flexibilidades das
envasadoras:
355 ml, 375 ml, 400
ml, 500 ml, 1.000
ml, e 1.055 ml
(ajuste de fábrica)
Qualquer volume
entre
500 ml - 1.100ml
(ajuste por
operador
)
200 ml, 225 ml,
250 ml, 375 ml,
450 ml, 500 ml,
750 ml, 1000 ml
(ajuste de fábrica)
Capacidade na faixa de 1
l:
6.500 e 7.000
unidades / hora
7.000 unidades /
hora
4.000 unidades /
hora
Fonte: Folhetos técnicos das empresas.
Contudo, o desenvolvimento de novos métodos de esterilização da embalagem,
especialmente a baixa temperatura, permitiram ampliar as possibilidades de materiais de
embalagem compatíveis com sistemas assépticos de envase (ANON, 1971), como os potes
e frascos termoformados e as garrafas de polietileno tereftalado (PET).
O quadro 4 apresenta uma relação de sistemas assépticos em embalagens plásticas
utilizados no envase de leite fluido, caracterizando a denominação comercial do
fornecedor, o país de origem, o material de embalagem, a capacidade volumétrica, e os
agentes esterilizantes das embalagens.
Porém, a presença de fornecedores de equipamentos de envase asséptico, adaptados
a embalagens plásticas, ainda é incipiente no Brasil, que sua inserção no mercado é
recente e de difícil posicionamento frente à hegemonia do líder. Por exemplo, desde 1998
uma importante multinacional oferece um sistema de envase asséptico de leite UHT,
utilizando, como material das embalagens, o filme de polietileno (Revista Indústria de
Laticínios, n.15, p.54, 1998) sem grande difusão.
55
Quadro 4: Empresas que oferecem sistemas assépticos em embalagens plásticas.
Sistema / país Material (capacidade)
Agente esterilizante
Astec / UK Copos plásticos Peróxido de
hidrogênio
Benco / Itália Copo termoformado (< 1l) Peróxido de
hidrogênio
Bem Hill /
Alemanha
Copos e tubos plásticos Irradiação ultravioleta
Boch / Alemanha Saco laminado e copo termoformado
(0,1-1,0l)
Peróxido de
hidrogênio e vapor
Fran Rica / Japão Copos termoformados
(100-200g)
Peróxido de
hidrogênio
Prepac / França Sacos plásticos
(0,1-1l)
Peróxido de
hidrogênio
Thimonnier / França
Filmes plásticos
(<1l)
Álcool e irradiação
ultravioleta
Serac / França Garrafas plásticas
(<1l)
Peróxido de
hidrogênio e vapor
Fonte: YOKOYAMA, 1987 apud ROMANO et al. 1998 (modificado).
Uma outra possibilidade é a embalagem de polietileno de alta densidade com
camadas de plástico (EVOH), que permitem a formação de uma barreira efetiva contra a
passagem de gases, como a camada de alumínio da cartonada multicamada. Algumas
agroindústrias processadoras de leite UHT argentinas possuem este sistema que permite
uma vida de prateleira de até 3 meses (“meia-vida") ou até 6 meses (“longa-vida”),
dependendo do número de camadas e sua composição.
Atualmente, a indústria de cerveja está sendo cortejada por grandes fornecedores de
embalagens como Rhodia-Ster, que oferece opções como garrafas PET (polietileno
tereftálico) com camadas plásticas impermeáveis aos gases: PET recoberto de carbono ou
filme plástico impermeável. Por outro lado, a Tetra Pak desenvolveu tecnologias
garantindo a impermeabilidade gasosa: o sistema Glaskin utiliza uma fina camada interna
de óxido de sílica ao PET, e a tecnologia Sealica, que recobre o PET com uma camada
externa de silicato, (Revista Isto é, n.1603, p. 90-91, 2000).
Esse movimento pode representar a possibilidade de sedimentação da oferta de
embalagens plásticas para o setor do leite fluido. Uma possível vantagem potencial da
56
embalagem plástica é a maior facilidade de reciclagem (WOLPERT apud SANTOS, 1999)
e o seu menor custo unitário frente a embalagem cartonada (SANTOS, 1999). Contudo,
algumas embalagens plásticas multicamadas apresentam problemas de separação dos
materiais componentes o que dificulta sua reciclagem (Tetra Pak, comunicação pessoal,
2000).
Nesse sentido, SANTOS (1999) realizou uma pesquisa utilizando a Técnica de
Matriz de Prioridade em um grupo de especialistas em embalagem e normas ambientais
oriundos do INMETRO, COPPE e COPPEAD/UFRJ, comparando as embalagens
cartonadas de alimentos esterilizados (processo UHT), plástica multicamadas (polietileno
de alta densidade-PEAD) de alimentos esterilizados e plástica de espessura mínima
(polietileno de baixa densidade-PEBD) para alimentos pasteurizados. Foram considerados
os seguintes critérios: a) custo de investimento (investimento em marketing, acesso à
tecnologia e assistência técnica e oferta de embalagens); b) demanda do consumidor
(preferência, relação custo-benefício); c) qualidade final do produto embalado (nutricional,
organoléptica e microbiológica); d) praticidade e vida útil; e) possibilidade de reciclagem
com menores custos, e f) facilidade de transporte.
Nos resultados obtidos, a embalagem utilizada no leite UHT obteve uma pontuação
superior frente aos concorrentes em todos os requisitos com exceção da possibilidade de
reciclagem, considerado como inferior frente à embalagem PEBD do leite pasteurizado. A
pesquisa indicou que existe preferência pela embalagem cartonada para o produto estéril
(48%) seguida da embalagem plástica de alta densidade para o produto estéril (30%) e,
finalmente, a de polietileno de baixa densidade para o produto pasteurizado (22%).
Esses resultados ilustram o grau de diferenciação positiva que a embalagem
cartonada laminada possui sobre seus potenciais concorrentes indiretos. Entretanto, caso a
pesquisa analise os custos unitários das diferentes opções, certamente, seria possível
perceber que nesse quesito a embalagem cartonada laminada apresenta uma forte
desvantagem que, considerando os atuais preços de mercado, eles são muito superiores
aos preços das embalagens plásticas.
57
Em resumo, a resultante de uma situação de oferta oligopólica de
equipamentos/embalagens adequadas ao processamento de leite UHT é o aumento do
poder de barganha do segmento fornecedor de insumos frente ao segmento agroindustrial
processador de leite UHT, que não apresenta o mesmo grau de concentração.
Complementarmente, considerando-se as possibilidades de integração à jusante
(fornecedores de embalagens em direção à agroindústria) e à montante (agroindústria em
direção a fornecedores de embalagens) percebe-se que as duas possibilidades são
extremamente remotas pela especificidade de ativos tangíveis e intangíveis de cada setor.
3.1.2.1 Produtos complementares e vantagem competitiva
O segmento fornecedor de equipamentos/embalagens/serviços de processamento
UHT é representado preponderantemente por uma empresa que utiliza estratégias
competitivas relacionadas com a oferta de produtos complementares.
De fato, a principal fornecedora utiliza três práticas estratégicas importantes: a)
controle sobre produtos complementares, b) enfardamento e c) subsídio cruzado, que
permitem a obtenção de vantagens competitivas frente à concorrência potencial, como
descrito por PORTER (1989).
Estas estratégias baseiam-se no oferecimento de uma completa variedade de
produtos “base” como equipamentos de processo (centrífugas clarificadoras e
desnatadoras, trocadores de calor de placas para pré-aquecimento do leite,
homogeneizadores da gordura, trocadores de calor tubulares UHT, injetores de vapor para
UHT direto, concentradores a vácuo, envasadoras assépticas) e serviços (assistência
técnica, desenvolvimento de novos produtos, pesquisas de mercado), sob condições de
baixa rentabilidade, no sentido de alavancar as vendas do produto rentável” (no caso,
responsável por quase 90 % do faturamento da empresa), a embalagem.
É importante ressaltar que, além dos produtos e serviços oferecidos pela
fornecedora dominante, esta oferece uma linha própria de crédito de financiamento para a
compra dos equipamentos de processo, considerada bastante favorável pelas agroindústrias
processadoras de leite UHT.
58
As vantagens competitivas dessa estratégia decorrem de inter-relações entre a
cadeia de valores da empresa e das agroindústrias processadoras, que podem ser
exploradas com o fornecimento de um pacote de produtos complementares. Assim, o
desempenho e a percepção de valor do conjunto de produtos/serviços ofertados são
determinados pela adequação/complementaridade resultante, oferecendo uma importante
possibilidade de diferenciação frente à concorrência de outras fornecedoras de insumos.
Finalmente, o controle de complementos aumenta as barreiras de mobilidade no
setor processador e entrada na indústria de insumos, caso as barreiras de entrada no
produto complementar forem significativas (PORTER, 1989), aumentando paralelamente
os custos de mudança para os compradores (PORTER, 1986).
Essas possibilidades são exploradas pela empresa fornecedora líder, considerando a
especificidade das associações (interfaces) entre a embalagem e o processo, presentes no
sistema UHT, instransponíveis para o segmento agroindustrial processador e a importância
relativa da venda de embalagens para a rentabilidade do negócio.
Além disso, sob a ótica do segmento agroindustrial, existem benefícios no
desempenho otimizado do pacote, como atestaram as agroindústrias objeto desse estudo,
através do controle do projeto, da instalação de plantas de processamento e da assistência
técnica realizados de maneira integrada, e da possibilidade de centralizar toda a
responsabilidade do sistema em uma única organização fornecedora.
Esse argumento é especialmente explorado pela empresa líder, ao enfatizar os
benefícios econômicos e administrativos da agroindústria processadora de centralizar, em
um só fornecedor, as necessidades de equipamentos de processamento e envase. Essa
possibilidade não está ao alcance de suas principais concorrentes, que não oferecem
equipamentos de processo, somente máquinas de envase asséptico e embalagens.
Contudo, considerando-se que “na maior parte dos setores parece haver uma
tendência no sentido de desenfardar à medida que uma indústria evolui” (PORTER, 1989:
398), parece oportuno analisar os limites dessa estratégia e as perspectivas decorrentes.
59
O crescimento da demanda de embalagens de leite UHT no Brasil, observado na
década de 1990, certamente ultrapassou os limites de escala de fabricação e custos para o
estabelecimento de novos fornecedores no país.
Paralelamente, a maior sensibilidade do segmento agroindustrial ao preço das
embalagens, decorrente do acirramento da concorrência no setor, pode desencadear
iniciativas conjuntas no sentido de fomentar a entrada de novos concorrentes no mercado
fornecedor. Em especial, a inexistência de patentes bloqueadoras à concorrência ou de
cláusulas contratuais de longo prazo com o segmento agroindustrial, que impeçam o acesso
a novos fornecedores, favorecem essa possibilidade.
Contudo, a manutenção da hegemonia do fornecedor atual pode ser sustentável se
as barreiras de entrada forem de difícil transposição, como o fortalecimento e a
amplificação das inter-relações entre sua cadeia de valor e a das agroindústrias. Por
exemplo, a oferta de tecnologias de processo mais eficientes (UHT direto) e a
diversificação da oferta de embalagens (cartonadas multicamadas e plásticas
multicamadas) associadas a uma constante qualificação do corpo técnico de suporte e das
condições de financiamento, multiplicam as fontes de inter-relações exploráveis.
Da mesma forma, o preenchimento de defasagens de posicionamento ou de produto
pela antecipação de lançamento de novos produtos alternativos, como o sistema de envase
asséptico em embalagens plásticas, sinalizada em 1999 através da formação de
coalização
14
da fornecedora líder com outra empresa, pode atuar como fator de detenção da
concorrência, que visualiza a sua ameaça de ativação como uma possível barreira de
entrada no mercado brasileiro.
3.2 Poder de negociação dos clientes
O segmento de distribuição de alimentos no Brasil, representado
preponderantemente pelo grande varejo supermercadista, manteve-se em crescente
14
Coalização, na definição de PORTER (1989), é quando uma empresa une forças com outra sem uma fusão
total, através de licenças, sociedades em cota de participação e acordos de fornecimento.
60
concentração durante a década de 1990: em 1999 o setor de supermercados fechou com o
triplo de fusões e aquisições em relação a 1998.
Conforme dados da Associação Brasileira de Supermercados, as cinco maiores
redes do setor Carrefour, Sonae, Pão de Açúcar, Bompreço e Sendas detém 42,6% do
mercado nacional (Jornal Zero Hora, 11/01/2000), no estado do Rio Grande do Sul a
concentração é ainda maior e duas redes (Sonae e Zaffari) respondem por 64,5% do
faturamento no setor (Jornal Zero Hora, 20/06/2000). Essa situação impõe uma forte
pressão na diminuição das margens de comercialização a montante da cadeia produtiva de
leite fluído, alijando desse contexto a possibilidade de sobrevivência de agroindústrias
deficientes no controle de custos.
Em especial, a distribuição do leite fluído no Brasil têm migrado rapidamente do
pequeno varejo e padarias para os hipermercados, esse fenômeno é paralelo ao crescimento
da parcela de mercado do leite UHT (JANK et al., 1999). De fato, dos estudos de caso
realizados, as agroindústrias GL1, GL2 e PI, responsáveis por quase 85% do leite longa
vida produzido no estado, possuem como principal canal de distribuição o grande varejo
da região metropolitana de Porto Alegre ou de outras capitais.
Complementarmente, a vida de prateleira muito mais longa do leite UHT, sem a
necessidade de refrigeração, permite considerar ofertas de fornecedores geograficamente
muito mais distantes do que em relação ao leite pasteurizado, aumentando assim o poder
de negociação das grandes redes de distribuição. Dessa maneira, o volume de compras dos
grandes agentes de distribuição é extremamente grande e, portanto, criam um cenário de
dependência crescente para o segmento agroindustrial.
Em especial, o leite UHT é um produto padronizado, pouco diferenciado, sendo o
seu custo o fator determinante na compra (JANK et al., 1999), o que diminui os custos de
mudança do setor varejista pela baixa fidelização do consumidor à marca. Porém,
usualmente observa-se a manutenção de uma ou duas “marcas fortes” nos hipermercados e
uma terceira marca, menos conhecida, que freqüentemente é substituída.
Além disso, considerando-se o poder econômico do segmento comprador e o
domínio das estratégicas informações geradas no momento do consumo, percebe-se o
61
estimulo às iniciativas de integração à montante (Jornal Zero-Hora, 24/04/2000).
Recentemente, iniciativas de coordenação de esforços do segmento fornecedor do grande
varejo, gerando a criação de uma associação de fornecedores agroindustriais, buscaram
reequilibrar a relação de poder entre os segmentos.
Como contra-ponto, nota-se a relevância do pequeno varejo local para as
agroindústrias de menor capacidade de processamento de leite UHT, nesses limites, a
marca da cooperativa local” é preferida pelos consumidores. Assim, as agroindústrias
MS1, MS2, MS3 e MS4 dependem fortemente desse nicho de mercado” para a
sustentabilidade de suas posições competitivas, como relatado nas entrevistas realizadas.
3.3 Risco de novos entrantes
Considera-se, como novos entrantes no mercado de leite UHT do estado do Rio
Grande do Sul, as agroindústrias processadoras de países do Mercosul que, por sua
competitividade e proximidade do mercado consumidor gaúcho, representam uma grande
ameaça de concorrência.
De fato, o Brasil é a principal possibilidade de escoamento da produção
excedentária dos países do Mercosul, tendo absorvido em 1999, cerca de 75% do total das
exportações lácteas da Argentina e 42% das do Uruguai (JANK et al. 1999).
A análise da evolução das importações brasileiras de leite UHT (Figura 2)
demonstra o seu forte crescimento a partir de 1994.
Complementarmente, o papel das grandes redes varejistas na importação do
produto para o Rio Grande do Sul é determinante, limitando o usual aumento de preços
pagos às agroindústrias gaúchas frente ao encolhimento da oferta de leite no período de
entre-safra (PADULA et al., 1999). Assim, em 1997, cerca de 10% de todo o leite UHT
comercializado no Rio Grande do Sul foi importado de países do Mercosul, atingindo um
preço de venda de 10 a 12% inferior ao produto nacional (OLIVEIRA, 1997).
62
Figura 2: Evolução das importações brasileiras de leite UHT (em milhões de litros).
Fonte: DECEX, MAARA, SUNAB, LEITE BRASIL, ABLV, ABIQ apud JANK et al.
(1999), modificado.
Considera-se que a entrada de derivados cteos dos concorrentes do Mercosul
decorre de um lado de fatores estruturais, como sua comprovada eficiência produtiva e
comercial e, de outro, da existência de condições conjunturais vantajosas no período, como
a abertura comercial do mercado lácteo brasileiro e a forte expansão da demanda, em um
ambiente de taxa de câmbio favorável. Esses fatores foram compensados parcialmente por
uma política governamental de defesa comercial que alternou diferentes instrumentos de
bloqueio às importações a partir de 1999.
Em especial, é importante enfatizar que se as relações inter-segmentos tiverem forte
especificidade geográfica e temporal, como no caso da cadeia agroalimentar do leite, a
baixa competitividade de um segmento pode comprometer a competitividade de toda a
cadeia (JANK et al. 1999). Nesse sentido, existe consensualidade em relação a menor
eficiência do setor produtivo lácteo brasileiro em relação a outros países produtores do
Mercosul, devido, preponderantemente, à baixa produtividade do rebanho e, a baixa
capacidade de investimento do produtor nacional (JANK & GALAN, 1997).
Porém, alguns autores demonstraram que, com o uso de alta tecnologia, o estado do
Rio Grande do Sul pode produzir leite a um custo bastante competitivo e com uma boa
potencialidade de retorno (SAÉZ, 1992 apud MATTUELLA, FENSTERSEIFER &
LANZER, 1995), em especial, considerando-se que o estado possui a maior
3 3 3
8
17
57
125
123
140
0
20
40
60
80
100
120
140
160
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
63
produtividade dia nacional (Revista Parmalat, 1997). Por outro lado, considerando-se
que no Rio Grande do Sul a produtividade dia é de 6,2 litros/vaca/dia ou em torno de
1.890 litros/vaca/ano (IBGE – Censo Agropecuário 95/96, 1998), certamente a obtenção de
alta produtividade é ainda restrita a uma pequena parcela do universo de produtores.
3.4 Risco de produtos substitutos
“Talvez o efeito mais comumente reconhecido da tecnologia sobre a estrutura
industrial seja seu impacto sobre a substituição” (PORTER, 1989, p. 162).
A oferta de produtos, direta ou indiretamente substitutos reduz os retornos
potenciais de um setor, colocando um teto nos preços que as empresas podem fixar com
lucro (PORTER, 1986).
3.4.1 Desempenho relativo dos produtos
Produtos substitutos para o leite UHT limitam-se, no escopo desse estudo, a tipos
de leite fluido pasteurizados (tipo C, A e B), pois representam seus principais concorrentes.
Os diversos tipos de leite fluido pasteurizado, presentes atualmente no mercado
brasileiro, não apresentam o mesmo desempenho do leite UHT, pois possuem uma vida de
prateleira efêmera de poucos dias, necessitando de refrigeração em toda a cadeia de
distribuição, frente a uma vida de prateleira de 4 meses, independente do resfriamento do
leite UHT. Além disso, os leites tipo B e C apresentam repetidas provas de sua baixa
segurança microbiológica (FREITAS & GLÓRIA, 1993) ; (ISEPON, 1990) ;
(CARVALHO, 1995).
Muitas vezes, evocam-se as potenciais diferenças nutricionais entre o leite
pasteurizado, o leite UHT e o leite esterilizado em autoclave, conseqüente aos diferentes
binômios temperatura/tempo usuais em cada processo, como fatores passíveis de
restabelecer a competitividade do leite fluido pasteurizado. Contudo, o tratamento UHT
não causa modificações no valor nutricional original da gordura, lactose, sais minerais e
vitaminas termo-estáveis (A, D, E, riboflavina, ácidos nicotínico e pantotênico e biotina)
do leite (PEREDA et al. 1998), ocorrendo, porém, uma perda que pode variar de 3 - 25%
64
das vitaminas termo-lábeis (tabela 1), perdas estas um pouco superiores às observadas no
leite pasteurizado. Por outro lado, a desnaturação das proteínas do soro implica em um
aumento de digestibilidade pela abertura da estrutura protéica, que se torna mais facilmente
hidrolizada no trato digestivo. o leite esterilizado em autoclave possui uma qualidade
nutricional nitidamente inferior aos outros produtos (tabela 1).
Deve-se considerar, porém, que as perdas nutricionais no leite UHT, especialmente
de vitaminas e a oxidação dos ácidos graxos insaturados das membranas dos glóbulos de
gordura, que provocam o aroma característico da rançificação, dependem da interação de
vários fatores, principalmente a presença de oxigênio residual no leite, a incidência de luz
no produto e o tempo e a temperatura de armazenamento. A presença de oxigênio residual
no leite depende principalmente dos cuidados prévios ao tratamento UHT, no sentido de
minimizar o contato do produto com o ar, da eficácia da barreira gasosa oferecida pela
embalagem e do tipo de tratamento UHT adotado. O tratamento UHT direto permite a
obtenção de baixos teores de oxigênio residual no produto (inferiores a 1mg/l) em relação
ao UHT indireto (8-9 mg/l) (PEREDA et al. 1998).
Tabela 1: Leite fluído: perdas após o tratamento térmico.
Componentes Leite UHT Leite
Pasteurizado
Leite Fervido Leite
Esterilizado
Vitamina A 0-25% n.d. n.d. n.d.
Vitamina D (IU) 8% 3% n.d. 12%
Vitamina E estável Estável Estável Estável
B1 5-15% 10% 10-20% 20-40%
B2 5-10% 0% n.d. 5-10%
Vitamina B6 10-25% 0-5% 5-8% 10-25%
Vitamina B12 10-20% 0-10% 20% 60-100%
Vitamina C 10-20% 5-20% 10-20% 30-50%
Ácido fólico 5-20% 3-5% 15% 40-50%
Biotina estável Estável Estável Estável
Lisina 3-4% 1-2% 5% 6-10%
Fonte: RENNER, 1974; PORTER, 1971; LEMBKE et al. apud SANTOS et al., 1999.
Além de servir como barreira aos gases como o oxigênio, a embalagem também
deve minimizar ou evitar a incidência de luz no produto. A embalagem cartonada
multicamada, constitui-se numa eficiente barreira a estes elementos (HAISMAN et al.
1992) ; (PEREDA et al. 1998). Considera-se que, durante os primeiros 3 meses de
65
armazenamento, as perdas vitamínicas do leite UHT mantêm-se estáveis em condições de
ausência de luz e baixa presença de oxigênio (PEREDA et al. 1998).
Complementarmente, a inexistência de bactérias lácticas no leite UHT é
popularmente considerada uma desvantagem frente ao leite pasteurizado, já que esses
microrganismos possuem ação probiótica no organismo humano. Contudo, GAUTIER
(1999) especifica que o leite pasteurizado o pode ser considerado um alimento
probiótico, devido a baixa incidência de bactérias lácticas usualmente presentes no
produto.
3.4.2 A trajetória da substituição
Em muitos setores, a trajetória da substituição entre produtos descreve uma curva
em S” quando a substituição como uma percentagem da demanda total é plotada contra o
tempo. A curva da substituição em forma de “S” está intimamente relacionada à conhecida
curva do ciclo de vida do produto (PORTER, 1989). Assim, quando um novo produto é
lançado no mercado, existem poucos concorrentes para satisfazer a demanda, é uma fase
de bonificação do produto pela diferenciação alcançada. Com o sucesso do produto, a
concorrência é atraída, o que diminui o volume de vendas da líder e/ou os preços de
mercado. Com a maturação do produto e a diminuição da diferenciação das marcas, a base
da concorrência desloca-se para o preço. Melhorias nos processos de produção e/ou
economias de escala levam a reduções nos custos de produção que permitem maior
agressividade na guerra de preços, modificações no produto ou na sua promoção permitem
a extensão do estágio de maturidade, mas uma fase de declínio ou estabilização (em
alimentos de primeira necessidade) é esperada. Contudo, com o aumento da renda, os
consumidores tendem a preferir produtos mais elaborados (AUSTIN, 1981).
Analisando-se a evolução do mercado de leite fluido na cada de 90, evidencia-se
um enorme recuo no consumo de leite pasteurizado tipo C, que era o produto líder de
mercado, em proveito do consumo de leite UHT, tanto em âmbito nacional (tabela 2) como
regional (tabela 3).
66
Tabela 2: Evolução da produção formal de leite UHT e pasteurizado tipo A”, B” e “C”
no Brasil (1990 a 1999) em milhões de litros.
Tipo
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99(*)
A
28 34 36 48 48 55 44 40 45 50
B
347 445 358 433 388 460 405 360 400 450
C
3.655 3.245 2.924 2.245 2.305 2.432 2.327 2.120 1.800 2.000
UHT
184 204 341 386 759 1.050 1.700 2.450 3.150 3.500
Total
4.214 3.928 3.659 3.112 3.500 3.997 4.476 4.970 5.395 6.000
*Estimativa
Fonte: LEITE BRASIL e ABLV, ABIQ apud Produtor Parmalat, novembro, 1999
(modificado).
Tabela 3: Evolução da produção formal de leite UHT e pasteurizado tipo “B” e “C” no RS
(1990 a 1999) em milhões de litros.
Tipo
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
B
6 10 13 15 15 20 17 12 8 6
C
420 381 370 354 324 334 301 253 218 182
UHT
25 32 56 77 151 190 345 407 458 553
Total
451 423 438 447 491 545 663 672 684 742
Fonte: MAA/DFA/DDA/SIPA/RS (modificado).
Paralelamente, pode-se perceber que os leites pasteurizados tipo A e tipo B
apresentam, nacada de 1990, uma evolução diferenciada da dinâmica de substituição do
leite pasteurizado tipo C (figura 3), o que sugere que as características de seus mercados
são singulares e específicas. Contudo, GOMES (1999) especifica que a concorrência do
leite UHT pressionou negativamente o preço do leite B, deixando em dificuldades muitos
produtores que verticalizaram o processamento.
67
Figura 3: Brasil: distribuição percentual da venda de leite fluido no mercado formal.
Fonte: Elaboração STG, dados básicos, LEITE BRASIL, julho, 1998 (modificado).
Analisando-se a evolução do mercado de leite UHT na década de 1990 no estado do
Rio Grande do Sul, estado pioneiro na adoção dessa tecnologia, é possível perceber que na
primeira metade da década a trajetória de substituição era modesta, a denominada “fase de
informação e testes”, sendo que, na sua segunda metade, iniciou-se a “fase de decolagem”
em direção ao limite de penetração máximo (figura 4).
Figura 4: RS: distribuição percentual da produção de leite fluido no mercado formal.
Fonte: MAA/DFA/DDA/SIPA/RS (modificado).
1%
1%
2%3%
4%
3%
3%
3%
2%
1%
25%
32%
38%
45%
61%
66%
79%
84%
90%
93%
75%
67%
61%
52%
35%
31%
17%
13%
8%
6%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99
B C U H T
13,9
0,8
0,8
1
1,4
1,41,5
1
0,9
0,7
11,1
11,5
9
7,2
6,8
11,3
8,2
9,8
39,3
42,7
86,7
52
60,8
65,8
72,1
79,9
82,6
4,4
5,2
9,3
12,4
21,7
26,3
38
49,3
53
0
20
40
60
80
100
90 91 92 93 94 95 96 97 98
A B C U HT
68
3.4.3 Ampliação do desempenho dos produtos
PORTER (1989) observa que os impactos de um produto na cadeia de valores do
comprador podem ser ampliados com a formação de elos entre várias atividades
complementares associadas. Assim, a menor freqüência de reposição dos estoques dos
compradores (varejo), decorrente da maior vida de prateleira do leite UHT, foi
extremamente importante na diminuição de custos de distribuição da agroindústria e nos
custos de comercialização dos compradores.
Complementarmente, o índice de perdas/devoluções do produto final, muito menor
no caso do leite UHT do que no caso do leite pasteurizado, também impactou
positivamente sobre os custos logísticos da agroindústria/varejo, minimizando o custo
associado às atividades relacionadas à devolução dos produtos degradados/não vendidos.
Da mesma forma, ao permitir uma estocagem em temperatura ambiente, o leite
UHT permitiu que o varejo se desonerasse dos custos incidentes na manutenção e
substituição de balcões frigoríficos, “realizada com certa freqüência devido ao desgaste e
obsolescência tecnológica” (DE CASTRO et al. 1999: 141).
Finalmente, o leite UHT beneficia-se de elos entre a atividade de consumo do
produto e outras atividades realizadas pelo consumidor final, como a busca de economias e
as atividades relacionadas ao processo de compra. Por exemplo, a intensa rivalidade desse
mercado, o baixo nível de perdas por desnaturação do produto (comum no leite
pasteurizado), a isenção da refrigeração e a diminuição da freqüência de compras (pela
possibilidade de estocagem do produto) favoreceram a diminuição de custos associados.
Além disso, as atividades de compra e estocagem do produto são facilitadas pelas
características conformacionais da embalagem dominante. De fato, o leite UHT vem
modificando os hábitos dos consumidores que se acostumaram a uma série de
“comodidades”, fundamentais para o sucesso deste produto no mercado nacional.
Por outro lado, existem possibilidades tecnológicas de aumentar a vida de prateleira
do leite pasteurizado que poderiam torná-lo mais competitivo no mercado de leite fluido.
Por exemplo, através da melhoria da qualidade da matéria-prima e/ou do uso de sistemas
69
mecânicos de clarificação do leite (bactocentrifugação e microfiltração). É possível
prolongar a vida de prateleira do produto por mais de 15 dias (ótima qualidade
microbiológica da matéria-prima e/ou bactocentrifugação) ou mais de 25 dias
(microfiltração) (PEACOCK, 1998). Esse produto de “meia-vida” poderia ser uma nova
alternativa frente ao domínio do leite UHT, ainda não explorada no mercado brasileiro de
leite fluido.
De fato, nos Estados Unidos, cerca de 95% do mercado de leite fluido é constituído
de leite pasteurizado com 12 dias de vida de prateleira (Gazeta Mercantil, 27/04/2000). No
Brasil, contudo, o nível de qualidade da matéria-prima e a manutenção deficiente da cadeia
de frio são fortes barreiras ao sucesso do leite pasteurizado “meia-vida” (SILVA et al.,
1999).
3.4.4 Mudança no valor relativo dos produtos
A relação valor/preço relativo (VPR) está sempre presente na avaliação de produtos
substitutos (PORTER, 1989).
A principal característica do consumidor brasileiro de leite fluido é a baixa
exigência (FILIPPSEN & PELLINI apud JANK et al., 1999) e a importância do fator preço
(JANK et al., 1999). Nesse sentido, o leite longa vida mostra-se extremamente competitivo
em relação aos VPR’s dos substitutos (tabela 4).
Tabela 4: Diferentes preços do leite de acordo com o produto.
Tipo: Produtor: Consumidor: Margem bruta:
A R$ 0,86 R$ 0,99 R$ 0,13
B R$ 0,33 R$ 0,82 R$ 0,49
C R$ 0,19 a 0,29 R$ 0,60 R$ 0,31 – 0,41
UHT R$ 0,19 a 0,29 R$ 0,75 R$ 0,46 – 0,56
Fonte: FARSUL apud Jornal Zero Hora 01/08/97.
O valor relativo de um produto para um comprador pode modificar-se a partir de
três fontes principais: o ritmo relativo da transformação tecnológica entre os produtos
substitutos, o desenvolvimento de infra-estrutura e fatores institucionais impactantes no
processo de substituição (PORTER, 1989).
70
Assim, a corrida tecnológica dos produtos concorrentes no mercado de leite fluido,
na busca de aumentar o VPR relativo de cada um deles, impulsionou uma série de
modificações de produto/processo na década de 1990. A substituição da embalagem do
leite pasteurizado, do saquinho de polietileno para a caixinha de cartolina recoberta de
polietileno e a substituição do tratamento UHT indireto pelo UHT direto, são exemplos
desta dinâmica.
Em especial, o consumidor brasileiro demonstrou especial preocupação em relação
à garantia da embalagem de alimentos na proteção do conteúdo (Segunda Pesquisa sobre
Embalagens e Consumo DIL/Research International/Alusa 1994 apud SANTOS, 1999),
aspecto, no qual a embalagem típica do leite UHT apresenta clara vantagem em relação a
seus concorrentes atuais. Paralelamente, iniciativas individuais de marketing com impacto
setorial modificaram a percepção do VPR relativo dos produtos pelo comprador.
Contudo, é importante notar que a relevância das fontes de alavancagem
disponíveis para o desenvolvimento de cada produto/mercado foi muito desigual,
considerando as assimetrias na capacidade financeira, tecnológica e logística dos
segmentos fornecedores de equipamentos/embalagens somado ao do segmento
agroindustrial processador de leite UHT, frente ao setor produtor de leite pasteurizado.
Essa ponderação valida-se, quando considera-se que a empresa líder no fornecimento de
insumos ao segmento agroindustrial processador, não restringe sua participação no
fornecimento de equipamentos e embalagens, mas compartilha atividades de pesquisa e
desenvolvimento na criação de novos produtos, subsidia estratégias de marketing e
desenvolve uma forte imagem institucional (nas áreas de segurança alimentar e proteção ao
meio ambiente), que fortalecem as estratégias de inserção no mercado de leite UHT
desenvolvidas pelas agroindústrias processadoras.
Deve-se considerar, mesmo, a capacidade do fornecedor de
equipamentos/embalagens dominante em moldar a estrutura industrial através de
campanhas de marketing a favor dos produtos de seus clientes ou contra os produtos
concorrentes destes (como o leite informal), como vem ocorrendo atualmente na dia
televisiva. É fácil, então, perceber porque as estratégias de defesa contra esse movimento
de substituição foram incipientes. De fato, muitas agroindústrias processadoras de leite
71
pasteurizado parecem aceitar a maturidade do produto, projetando sua substituição e, não,
confrontando o substituto.
Dessa forma, é possível inferir que parte do aumento de demanda per capita
ocorrido na década de 1990 deve-se, além de fatores econômicos incidentes sobre a
demanda, à penetração induzida do leite UHT, resultante da estratégia da fornecedora de
equipamentos/embalagens dominante.
3.5 Competição no segmento agroindustrial
Em um primeiro momento, é importante analisar as barreiras de entrada no
mercado gaúcho de leite UHT, quando da adoção desta tecnologia pelo grupo estratégico
representado pelas agroindústrias processadoras de média capacidade de processamento.
Isso ocorreu em 1997-1998, duas décadas após a introdução da tecnologia no país e vários
anos após sua adoção pelas agroindústrias líderes de mercado, de grande capacidade de
processamento
15
. Em um segundo momento, serão analisados os atuais determinantes da
rivalidade setorial nesse segmento da cadeia produtiva de leite UHT no Rio Grande do Sul.
3.5.1 Barreiras de entrada às agroindústrias processadoras de leite UHT no estado do Rio
Grande do Sul
3.5.1.1 Economias de escala
Economias de escala referem-se as possibilidades de diminuição dos custos
unitários de um produto (ou atividade), à medida que o volume absoluto por período
aumenta (PORTER, 1986).
Uma agroindústria de processamento com intensa necessidade de aplicação de
capital que, possui significantes economias de escala, obtém uma estrutura de custos
minimizada quando retém importante fatia de um mercado de forte demanda em relação a
uma empresa entrante de baixo volume (AUSTIN, 1981).
15
Como já referido, a primeira produção de leite UHT no Rio Grande do Sul ocorreu em 1981 pela
cooperativa adquirida em 1996 por uma das atuais líderes do mercado gaúcho.
72
A possibilidade de atingir economias de escala no processamento de leite UHT é
dependente do volume de matéria-prima disponível, da capacidade de recebimento e
processamento da agroindústria e da perspectiva de comercialização deste volume de
produto. Nesse sentido, as agroindústrias líderes tiveram as melhores condições de atingir
economias de escala considerando sua maior participação relativa no recebimento de
matéria-prima, sua localização privilegiada frente às grandes bacias leiteiras, sua maior
capacidade de investimento e de obtenção de crédito e, finalmente, a sua importante
participação no mercado de leite UHT.
A dimensão das assimetrias associadas ao volume de processamento pode ser
visualizada, considerando-se a divisão do mercado gaúcho processador de leite e
derivados, conforme o volume de recepção de matéria-prima nas agroindústrias com
Serviço de Inspeção Federal (SIF) em 1997 (figura 5).
Figura 5: Participação dos laticínios com SIF na recepção de leite no estado do Rio
Grande do Sul em 1997.
Fonte: Associação Gaúcha de Laticinistas apud FONTE et al. 1998.
51%
25,40%
6,50%
4,10%
3,60%
3,10%
1,70%
1,60%
0,60%
0,20%
1,60%
0,50%
Elegê S/A
Parmalat do Brasil S/A
Coorlac
Coop. Sul-Riograndense de latic. Ltda
Coop. Santa Clara Ltda
Coop. Suinocultores Encantado Ltda
Ivoti
Coop. Agropec. Petrópolis Ltda
Coop. Agric. Mista Aceguá Ltda
Chapecó
Coop. Caxiense
Outros
73
Percebe-se pela visualização da figura 5, que no período da adoção da tecnologia
UHT pelas agroindústrias seguidoras, em especial MS1, MS2, MS3, evidenciava-se uma
forte concentração nesse segmento já que 76,4 % do total do leite recebido no estado por
agroindústrias com SIF era processado por somente duas empresas. Em torno de uma
dezena de cooperativas respondia pelos restantes 23,6% do total de leite processado no
estado do Rio Grande do Sul.
Além dos elementos considerados no favorecimento da obtenção de escala no
processamento de leite UHT, as agroindústrias de maior capacidade de processamento
também possuíam melhores possibilidades de diminuição de custos em outras atividades
como marketing, vendas, logística interna e externa, e compras de insumos, pela sua
distribuição em um volume de vendas mais importante do que os outros grupos
estratégicos.
De fato, “ou as pequenas empresas e cooperativas se juntam para terem economia
de escala ou não serão competitivas. O leite UHT tem um custo industrial de R$ 0,04 a R$
0,08 por litro, o custo da embalagem varia de R$ 0,13 a R$ 0,15 por litro: a grande
empresa consegue cerca de 12% de desconto na compra da embalagem, enquanto a
pequena empresa não consegue desconto algum” (KRUG, 1999: 105).
Finalmente, é importante frisar, mais uma vez, que o volume mínimo de
processamento de uma planta UHT (atualmente em torno de 80.000 l/dia) não permitiu o
acesso ao mercado de leite longa-vida de pequenas agroindústrias processadoras de leite
fluido, aumentado a concentração do segmento pela importância que esse produto
assumiria para a competitividade no setor.
3.5.1.2 Identidade de marca
Os líderes do mercado de leite UHT possuíam uma identidade de marca que
representou uma limitação de acesso à concorrência aos canais de distribuição pela
concorrência e, além disso, limitou a expansão de seus mercados, especialmente em
relação ao grande varejo localizado nos principais centros de consumo.
74
3.5.1.3 Custos de mudança
Custos de mudança referem-se aos custos associados à seleção de novos
fornecedores, quando da substituição de processos/produtos. Envolvem também os custos
das adaptações processuais necessárias, os custos de (re)aprendizagem e os custos
inerentes ao risco de fracasso de novos produtos/processos (PORTER, 1989).
De maneira geral, deduz-se que a substituição da tecnologia de pasteurização pela
de processamento UHT envolveu baixos custos de mudança para as agroindústrias
processadoras de leite fluido no estado do Rio Grande do Sul. De fato, a identificação de
fontes de fornecedores de equipamentos e embalagens não representou uma dificuldade,
considerando-se as poucas opções disponíveis. Da mesma forma, os custos de
aprendizagem também foram baixos, considerando-se a disponibilidade de treinamento e
assistência técnica oferecida pela fornecedora líder de equipamentos/embalagens.
A única exceção a esse contexto refere-se a agroindústria PI que, em função das
características da opção tecnológica diferenciada (esterilização do leite em autoclave),
possui diferentes fornecedores para os equipamentos de processo (envase e esterilização) e
para os insumos (garrafas de polietileno e selos de alumínio). Nesse caso, o ônus da
multiplicidade de fornecedores expressou-se pelo aumento dos custos de transação,
representados pela seleção, negociação e controle de rios agentes, alguns deles
internacionais e de grande poder relativo de barganha. De fato, a notificada rotatividade
dos fornecedores exemplifica os elevados custos de mudança incorridos.
3.5.1.4 Exigências de capital
As necessidades de investimento para a implantação da tecnologia UHT envolvem
alguns milhões de dólares, constituindo-se em uma forte barreira de entrada para pequenas
agroindústrias processadoras de leite fluido. Contudo, é importante enfatizar que essas
necessidades de investimento foram amortecidas com a disponibilização de linhas de
financiamento oficiais e privadas (da própria fornecedora de equipamentos) sob condições
muito favoráveis.
75
No caso da agroindústria PI, a necessidade de investimento foi em torno de dez
vezes inferior, pois a tecnologia adotada é mais simples, adeqüando-se assim aos limites de
capacidade de recepção de matéria-prima e às possibilidades financeiras da empresa.
3.5.1.5 Acesso a distribuição
O acesso à distribuição, em especial ao grande varejo, foi limitado às agroindústrias
processadoras de leite fluido seguidoras em função de sua imagem de marca relativamente
mais fraca e sua limitada participação relativa no volume de fornecimento.
Considerando que a capacidade de pronto atendimento às necessidades de reposição
de estoques é característica fundamental na seleção de fornecedores, o que implica uma
ampla capacidade logística da agroindústria (PADULA et al., 1999), entende-se o
favorecimento aos grupos agroindustriais de maior capacidade de processamento e
estrutura logística.
Além disso, DE CASTRO et al. (1999) e MASSOTE PRIMO (1999) enfatizam as
barreiras existentes para as agroindústrias lácteas de menor porte na disputa por espaço
físico nas gôndolas do varejo, com privilégio daquelas com uma linha completa de
produtos. Realmente, a participação das agroindústrias de dia capacidade de
processamento de leite UHT no grande varejo, muitas vezes, ocorre somente como
resposta a um excesso de estoque e oferta a preço de custo, como foi relatado por MS1.
Como exceção, é importante notar que a agroindústria PI, apesar de sua relativa
pequena escala de processamento, garante, desde o início da oferta de seu produto,
presença no grande varejo, usufruindo de sua estratégia de diferenciação.
3.5.1.6 Curva de aprendizagem
Os ganhos de aprendizagem não representaram uma importante barreira de entrada,
considerando-se o fácil acesso à tecnologia decorrente da política da fornecedora
dominante de equipamentos/embalagem. Mais uma vez, como exceção, é interessante
enfocar o caso da agroindústria PI, pois para ela a curva de aprendizagem foi uma barreira
76
inicial importante, pela menor disponibilidade de assistência técnica, o que impactou sobre
os custos das atividades de processamento e fornecimento de insumos.
3.5.1.7 Acesso favorável à matéria-prima
A localização das agroindústrias processadoras de leite UHT líderes no estado foi
planejada de maneira a atender as principais bacias leiteiras no eixo noroeste-norte-centro
do estado, principalmente nas microregiões Cerro Largo, Santa Rosa, Santo Angelo, Três
Passos, Ijuí, Cruz Alta, Frederico Westphalen, Carazinho, Erechin, Sananduva, Passo
Fundo, Lajeado-Estrela, Montenegro e Santa Cruz do Sul que, juntas, responderam por
68,7 % da produção total no estado (IBGE – Censo Agropecuário 95/96, 1998).
Esta estratégia de localização implicou em diferentes potencialidades de evolução
na escala de processamento (considerando a maior especialização dos produtores) com
impacto nos custos logísticos (considerando a maior produtividade média dos
fornecedores) entre as líderes e as seguidoras na adoção da tecnologia UHT.
Considerando-se, porém, que “todo produtor de leite anseia por um mínimo de
segurança no planejamento do retorno aos seus investimentos” (MÜHLBACH, 1999: 113),
é possível perceber o interesse dos produtores em associar-se às cooperativas
processadoras de lácteos no estado, historicamente representantes de relações estáveis com
os produtores. De fato, a baixa incidência de oportunismo entre os cooperados destas
empresas denota a estabilidade desta relação como enfatizado por MS1.
3.5.1.8 Política governamental
O ambiente competitivo pode ser influenciado por limitações, como tarifas, quotas
de importação, padrões sanitários, incentivos à exportação, controle de preços, subsídios,
licenciamento, legislação anti-truste e demandas de patentes, impostas por instituições de
caráter econômico, de saúde-pública, políticas e legislativas (AUSTIN, 1981).
Considerando-se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) no ano de
1999, é importante notar que o leite UHT é isento de taxação (como todos os tipos de leite
fluído) quando produzido no estado do Rio Grande do Sul contra uma incidência de 7%
77
nos outros principais estados produtores como Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais (Terra Viva – Emp. E Consultoria Emp. Ltda apud MASSOTE PRIMO, 1999).
Essa diferença permite a exportação do produto gaúcho para outros estados,
compensando o custo do frete e limitando as possibilidades de concorrência no mercado
gaúcho de agroindústrias processadoras de outros estados.
3.5.1.9 Retaliação esperada
Considerando-se as disparidades entre as agroindústrias líderes e as seguidoras na
obtenção de vantagens concorrenciais e, principalmente, a não sobreposição de mercados,
provavelmente a possibilidade de retaliação pelas primeiras foi considerada pequena e, de
fato, não ocorreu.
3.5.2 Determinantes da rivalidade atual
Nesse sub-ítem pretende-se abordar a atual rivalidade entre as agroindústrias lácteas
gaúchas concorrentes no mercado de leite UHT. Dessa maneira, pretende-se abordar as
táticas e posicionamentos estratégicos utilizados nos movimentos concorrênciais de
maneira a perceber o impacto da adoção da tecnologia UHT sobre a competitividade das
agroindústrias do segmento.
3.5.2.1 Crescimento do setor
O mercado de leite UHT constitui-se no segmento de maior crescimento no
mercado lácteo brasileiro na década de 1990 (tabela 5), respondendo em 1999 pela
comercialização de 3,2 bilhões litros (67% do mercado de leite fluido) e com previsão de
comercialização de 3,7 bilhões de litros (72% do mercado de leite fluido) em 2000
(Associação Brasileira de Leite Longa Vida apud Gazeta Mercantil, 27/04/2000).
Esse crescimento refletiu a tendência geral de evolução positiva de todos os
produtos lácteos (tabela 5), com exceção do leite pasteurizado, respondendo a um aumento
de demanda que fica exemplificada comparando-se o consumo per capita aparente em
1990, de 106,34 litros, em relação ao de 1998, que atingiu 138,00 litros (IBGE, MARA,
MF, CNA apud GOMES, 1999).
78
Tabela 5: Resumo do mercado brasileiro de leite e derivados.
Milhões de litros equivalente leite fluido
1990 1998 Variação*
Consumo total 15.393 22.307 36%
Consumo per capita (l/hab./ano) 106 136 28%
Produção 14.484 20.087 29%
Formal 9.609 11.345 16%
Pasteurizado 4.030 2.745 - 27%
Longa Vida (UHT) 184 3.100 895%
Derivados 5.395 5.500 9%
Informal 4.875 8.472 52%
Importações 909 2.220 146%
Longa Vida / Fluido 4% 53%
Importação / Mercado Formal 9% 16%
Tamanho do mercado informal 34% 44%
* Triênio 1996/98 sobre o triênio 1990/92.
Fonte: DECEX/MAARA/LEITE BRASIL/SUNAB/ABLV/ABIQ apud JANK et al.
(1999).
Frente a essa evolução do mercado de leite UHT, todas as agroindústrias
processadoras de leite fluido no país e no estado do Rio Grande do Sul sentiram-se
constrangidas a ingressar na atividade, reconfigurando suas cadeias de valores pela
substituição do processamento de leite pasteurizado.
Em especial, houve substituição de produtos não somente na linha de leite fluido,
mas também em relação a outras categorias de produtos, especialmente os queijos, que sob
forte concorrência de importações do Mercosul, apresentavam uma perspectiva de
rentabilidade decrescente. Esse foi um dos fatores motivadores considerados pelas
agroindústrias MS1, MS2, MS3 e PI para a entrada no mercado de leite longa-vida.
Em 1999, do total de leite processado por agroindústrias com SIF no estado do Rio
Grande do Sul, que representa 90% do processamento “formal” de lácteos, 54,8% foi
direcionado para a produção de leite fluido (dessa fatia 74,6% foi processado como UHT)
e 45,2% para outros derivados (MAA/DFA/DDA/SIPA/RS apud BITENCOURT, 2000).
Assim, o rápido crescimento deste mercado assegurou uma posição confortável a
todos os concorrentes do segmento agroindustrial processador, porém, essa tranqüilidade
pode ser um indutor a um estado de acomodação inadequado às empresas de menor
79
capacidade de processamento. Em especial, é preciso considerar que o mercado de leite
UHT deve atenuar o atual ritmo de evolução pelo esgotamento da taxa de substituição do
leite pasteurizado e passar a depender para seu crescimento, preponderantemente, do
aumento da demanda de leite fluido. Neste momento, portanto, a rivalidade no segmento
agroindustrial pode intensificar-se e sua atratividade diminuir, caso não se façam presentes
fatores econômicos determinantes para o aumento da demanda.
Essa constatação confirma-se, analisando o preço médio deflacionado (IGP-DI) do
leite UHT no varejo, que apresenta uma moderada, mas constante tendência de decréscimo
desde 1995 até 1998 (ABRAS apud MASSOTE PRIMO, 1999), refletindo a intensificação
da concorrência nesse segmento.
3.5.2.2 Concentração e equilíbrio
Existem, hoje no Brasil, 76 agroindústrias processadoras de leite UHT com
capacidade instalada próxima de 4 bilhões de litros/ano (MASSOTE PRIMO, 1999). No
estado do Rio Grande do Sul, existem 6 plantas de processamento de leite UHT,
responsáveis por uma produção em 1999 de 553 milhões de litros
(MAA/DFA/DDA/SIPA/RS).
A dimensão das assimetrias associadas a escala de processamento de lácteos, no
estado do Rio Grande do Sul, pode ser visualizada considerando-se a distribuição do
volume de recebimento de matéria-prima nas agroindústrias processadoras com Serviço de
Inspeção Federal em 1999 (figura 6).
80
Figura 6: Recebimento de leite cru sob Inspeção Federal (SIF) e participação das empresas
no ano de 1999.
Fonte: MAA/DFA/DDA/SIPA/RS apud BITENCOURT, 2000.
Vale notar que, considerando-se somente o volume de processamento de leite UHT
no estado do Rio Grande do Sul (figura 7), o grau de concentração é superior ao
encontrado considerando o volume de recebimento de matéria-prima, que, na primeira
situação, as duas principais agroindústrias respondem por 84,48% do processamento de
leite UHT contra uma parcela de 73,73% do volume de recebimento.
As principais categorias de concorrentes no mercado de leite fluido no estado do
Rio Grande do Sul podem ser descritos como a) agroindústrias de grande capacidade de
processamento, líderes na adoção da tecnologia UHT; e b) agroindústrias de média
capacidade de processamento, seguidoras na adoção da tecnologia UHT. O papel
coordenador das empresas líderes no processamento de leite UHT no estado do Rio Grande
do Sul dá- se, além do pioneirismo na adoção dessa tecnologia, pela liderança de preços e
no estabelecimento de políticas para o setor.
19,96%
3,90%
3,87%
3,56%
2,98%
2,59%
2,45%
1,65%
3,27%
2%
53,77%
Elegê Alimentos S/A
Parmalat do Brasil S/A
Coop. Sul-Riograndense de Latic. Ltda
Coop. Santa Clara Ltda
Coorlac
Coop. Suinocultores Encantado Ltda
Coop. Tritícola Getúlio Vargas Ltda
Coop. Agropec. Petrópolis Ltda
Milkaut Laticínios Ltda
Coop. Agric. Mista Aceguá Ltda
Outros
81
Figura 7: Processamento de leite UHT no estado pelas agroindústrias com Serviço de
Inspeção Federal (SIF) em 1999.
Fonte: MAA/DFA/DDA/SIPA/RS apud BITENCOURT, 2000.
As agroindústrias de grande capacidade de processamento competem no mercado
gaúcho e, preponderantemente no mercado nacional, já que a maior parte da produção de
leite UHT dessas empresas é exportado para outros estados. Assim, as agroindústrias GL1
e GL2 exportam, nessa ordem, na safra e entre-safra gaúchas respectivamente, entre 75% e
60% e entre 60% a 40% aproximadamente de sua produção de leite UHT para outros
estados (principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná).
A agroindústria de maior capacidade de processamento de leite UHT no mercado
gaúcho não supera sua principal concorrente na produção nacional, que a última possuí
várias outras plantas de processamento espalhadas pelo país. Além disso, as duas principais
agroindústrias de processamento de leite e derivados no mercado gaúcho também
diferenciam- se pelo âmbito de atuação: uma preponderantemente nacional e outra
multinacional.
Essas diferenças entre as líderes, além de implicarem diferenças potenciais no
aproveitamento dos direcionadores de custo ou singularidade, tornam particularmente
importante o papel das agroindústrias seguidoras que atuam como moderadores da
agressividade das líderes no estado.
De fato, o preenchimento de um espaço estratégico no
mercado, como ofertantes de produto e na captação de matéria-prima, faz com que essas
49,18%
35,30%
6,39%
5,96%
2,67%
0,50%
Elegê S/A
Parmalat do Brasil S/A
Coop. Suinocultores Encantado Ltda
Coop. Agrop. Petrópolis Ltda
Coop. Sul-Riograndense de Latic. Ltda
Coorlat
82
agroindústrias tenham um importante papel regulador na intensidade da concorrência e,
conseqüentemente, na própria conformação da estrutura do setor no estado do Rio Grande
do Sul.
Assim, a manutenção do equilíbrio setorial no estado deve-se pela não sobre-
posição entre os mercados geográficos e pela complementaridade entre os canais de
distribuição privilegiados pelos dois principais grupos estratégicos presentes no segmento
agroindustrial processador de leite UHT do estado. De fato, as agroindústrias de média
capacidade de processamento, mesmo nos grandes centros urbanos, distribuem seus
produtos, preponderantemente, através do dio e pequeno varejo regional ou local. Por
outro lado, as agroindústrias de grande capacidade de processamento direcionam seus
produtos principalmente para o grande varejo dos principais centros urbanos do país.
Essa análise consolida-se ao considerarmos que a concorrência em lácteos - se
em nível regional, sendo o ritmo de aquisições de outras empresas e a expansão de acesso à
matéria-prima das principais concorrentes amortecidos e limitados pela presença das
médias agroindústrias de processamento no estado do Rio Grande do Sul. De fato, as
possibilidades de crescimento horizontal da produção, pelo aumento do número de
fornecedores, são restritas, considerando-se o mapeamento estabelecido, definidor das
bacias leiteiras atendidas por cada agroindústria, como observado pelas agroindústrias
MS1, MS2, MS3 e MS4.
Assim, em uma perspectiva de forte crescimento da produção de leite UHT no
estado, declarado como objetivo de curto prazo pelas agroindústrias GL1, GL2, MS1,
MS2, MS3, MS4 e MS5, o aumento da oferta de matéria-prima representa o desafio mais
importante pelas necessidades técnicas e financeiras para alavancar um substancial avanço
na produtividade do segmento produtor.
3.5.2.3 Custos de mudança
Os custos de mudança associados às considerações de seleção de novos
fornecedores de equipamentos de processo e embalagens são restritos pela incipiente oferta
de novas opções tecnológicas oriundas de outra fonte que não a atual. De fato, as barreiras
de entrada, formadas pela fornecedora líder de equipamentos/embalagens à concorrência,
83
como escala de produção; capacitação no desenvolvimento e difusão da pesquisa
tecnológica; investimento necessário para a implantação de plantas produtoras de
embalagens no território nacional; e integração com o segmento agroindustrial (através,
por exemplo, da oferta de produtos complementares), limitam a oferta tecnológica de
concorrentes. Assim, apesar da qualificação da fornecedora líder no desenvolvimento de
pesquisas específicas, ao setor processador de leite UHT, e sua difusão facilitada, a
possibilidade de estabelecimento de estratégias sustentáveis de diferenciação pelo
segmento agroindustrial é restringida pela baixa apropriabilidade das inovações
desenvolvidas por um segmento fornecedor que, ao contrário, estimula sua ampla difusão.
Contudo, quanto maiores os custos de mudança associados a possibilidade de
desenvolvimento de novos fornecedores tecnológicos e/ou à busca de autonomia no
desenvolvimento interno de pesquisa e desenvolvimento, capazes de gerar inovações
tecnológicas e não avanços incrementais, maior a potencialidade diferenciadora da adoção
de tal estratégia, e portanto, mais atrativa sua efetivação.
3.5.2.4 Modificação dos padrões concorrenciais
A tecnologia UHT modificou os padrões concorrenciais em relação à escala ideal
de produção, ampliou os limites geográficos do mercado de leite fluído, modificando as
inter-relações horizontais e verticais no segmento agroindustrial processador. De tal
maneira, que a obtenção de vantagens competitivas nesse mercado são possíveis através
de uma transformação completa da cadeia de valores das empresas concorrentes no
mercado de leite pasteurizado.
De fato, considerando-se a década de 1990, o leite UHT evoluiu de uma parcela de
mercado de leite fluido de 4,4% no Brasil e 5,8% no RS em 1990 para atingir,
respectivamente, 67% e 74,6% em 1999 (Gazeta Mercantil, 27/04/2000 e
MAA/DFA/DDA/SIPA/RS, 2000), percebe-se, portanto, a velocidade com que este
produto conquistou a hegemonia do mercado.
O escopo da indústria foi modificado pelas vantagens que as inter-relações entre
unidades empresariais proporcionaram pela possibilidade de compartilhamento de
atividades na aquisição de equipamentos e insumos e no sistema logístico. Por outro lado, a
84
vida de prateleira mais longa do produto, isento da necessidade da cadeia de frio, também
permitiu a coordenação de atividades de distribuição e marketing associadas com outros
produtos lácteos de vida de prateleira longa (como queijos e leite em pó).
Além disso, a introdução de novas variedades de leite UHT: enriquecido com
cálcio, com ferro, com vitaminas, com baixo teor de lactose e com ácidos graxos poli-
insaturados, atendendo segmentos diferenciados de consumidores (mais preocupados com
a saúde, com a forma física, com necessidades especiais, etc) também ampliaram as
possibilidades estratégicas no estabelecimento de uma linha de produtos mais variada.
A expansão do mercado de leite UHT permitiu às empresas de laticínios ampliar o
escopo geográfico, nesse sentido, a exportação de leite UHT produzido no Rio Grande do
Sul e, destinado principalmente aos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro, é realizada
preponderantemente pelas líderes.
Evidentemente as relações de poder entre os segmentos da cadeia produtiva
(agroindústria e distribuição por exemplo) e a rivalidade dentro do segmento agroindustrial
processador de leite fluído, são influenciadas de maneira determinante pela concorrência
no mercado representado por todos os derivados cteos, e não somente, o leite UHT. Isso
é tanto mais válido quanto mais as atividades de valor, compartilhadas pelas cadeias de
valor dos diferentes produtos lácteos, representarem uma fração significativa do custo total
ou originarem um impacto importante sobre a diferenciação. Assim, as agroindústrias
líderes de mercado, com atuação nacional e com capacidade de sustentar atividades de
marketing, garantidoras de uma forte imagem de marca, ampliam as potencialidades da
oferta de uma linha completa de produtos.
A ampliação do escopo vertical refere-se a integração vertical, usualmente sob a
forma de uma coalização, envolvendo acordos de cessão da tecnologia (utilizada nos
equipamentos, processamento e envase de leite UHT) e fornecimento de insumos
(embalagem) por parte do segmento fornecedor e a agroindústria.
85
3.5.2.5 Barreiras de saída
É importante ressaltar a alta especificidade dos ativos
16
da cadeia de leite UHT que
limita enormemente a possibilidade de ação de agentes oportunistas. Por isso, a pida
transição do sistema agroindustrial produtor de leite pasteurizado, com baixa
especificidade de ativos e pequenas barreiras tecnológicas e financeiras para o sistema
processador de leite UHT, foi nitidamente concentrador.
3.5.2.6 Identidade de marca
Somente as empresas com forte imagem de marca alcançam colocação garantida e
sobre-preço (em relação às agroindústrias de média capacidade de processamento) no
grande e médio varejo, como reconhecido por todas as agroindústrias objeto dos estudos de
caso.
Esse benefício é exclusivo das agroindústrias de grande capacidade de
processamento GL1 e GL2 que possuem os recursos necessários à consolidação de uma
estratégia de marketing capaz de sustentar sua imagem de marca e que, pela sua
importância relativa como fornecedor de leite UHT e outros derivados lácteos, possuem
certo poder de barganha frente ao grande varejo. De fato, DE CASTRO et al. (1999)
perceberam que as cadeias de varejo de menor porte procuram oferecer um “mix” de
produtos lácteos que inclua as marcas tradicionais, líderes de mercado e líderes de custo, já
as redes de varejo maiores buscam grandes fornecedores capazes de satisfazer
necessidades logísticas imediatas, nas duas situações existe, portanto, privilégio em relação
às agroindústrias líderes.
Assim, a atuação das agroindústrias seguidoras tende a ser limitada,
preponderantemente, ao pequeno varejo e/ou ao varejo local.
16
Apesar das quinas de envase asséptico serem passíveis de utilização na produção de outros produtos
líquidos, como sucos de frutas, a especificidade das plantas de processamento de lácteos (com controles
higiênicos rigorosos) limitam essas possibilidades.
86
3.5.2.7 Estrutura de preços em vigor
O modelo de definição de preços dominante no mercado gaúcho de leite UHT é a
liderança de preço, situação na qual os líderes determinam um preço prevalente que é
seguido pelas concorrentes. A coordenação entre ofertantes, não formalmente organizada,
freqüentemente existe em mercados de produtos de pouca diferenciação oligopolizados
(AUSTIN, 1981).
DE CASTRO et al. (1999) observaram que não ocorreu a definição prévia de
preços no mercado gaúcho de lácteos em 1998, ao contrário, a análise conjuntural do
mercado e a situação particular de estoques das partes (agroindústria grande varejo) são
os fatores considerados nas negociações.
Contudo, todas as agroindústrias seguidoras e, mesmo a inovadora de processo (PI),
possuem, como limite máximo de preços, tanto nos grandes mercados como nos pequenos
mercados locais, a faixa de preço estabelecida pelas agroindústrias líderes.
3.5.2.8 Restrições ambientais
Uma das prováveis possibilidades de diferenciação no mercado de leite UHT é
relativa ao impacto da política de gerenciamento de resíduos da embalagem adotados pelos
fornecedores de insumos/agroindústrias.
Essa questão torna-se relevante considerando-se a crescente concentração
populacional nos grandes centros urbanos e aos eminentes problemas relacionados ao
destino do lixo doméstico, que, permitem prever crescentes demandas do poder público e
dos consumidores no sentido de seleção de produtos com embalagens mais adequadas a
um sistema de gestão de resíduos eficiente. Em especial, deve-se citar o recente
sancionamento no Rio Grande do Sul do digo Estadual do Meio Ambiente que
responsabiliza a empresa fabricante ou geradora de resíduos pelo destino final das
embalagens (Jornal Zero Hora, 04/08/2000: 32).
Estima-se que as embalagens Tetra Brik asséptica, principal modelo utilizado no
leite UHT, representem menos de 1% do lixo doméstico produzido no Brasil (Tetra Pak
87
Ltda, 1999). Mesmo assim, o desenvolvimento de atividades junto a diversas prefeituras,
visando o estímulo para a implementação de sistemas eficientes de coleta seletiva (Tetra
Pak apud D’ALESSIO, 1998) e iniciativas de educação ambiental objetivando introduzir o
conceito de coleta seletiva e reciclagem (Brazilian Quality Index apud Tetra Pak, 1999),
assim como o estímulo à criação de um mercado de celulose reciclada (Tetra Pak apud
D’ALESSIO, 1998), subsidiam a construção das bases necessárias para a consolidação de
um sistema integrado de gerenciamento de resíduos sólidos.
Contudo, a principal questão ambiental relativa a reciclagem dessa embalagem é a
viabilização de um sistema logístico de recuperação e tratamento do material, considerando
as enormes quantidades consumidas e o custo do transporte em países continentais como o
Brasil.
No Brasil, as aparas e sobras da produção das embalagens cartonadas e material
pós-consumo, derivados da coleta seletiva, realizada em algumas cidades do país, são
reciclados (CEMPRE, 1999). Contudo, considerando-se que somente 0,73% dos 2,45
bilhões de caixas de um litro de leite UHT, consumidos no ano de 1997, foram recicladas
(inferência a partir de D’ALESSIO, 1998) ou, em torno de 10% atualmente (Tetra Pak,
comunicação pessoal em 2000), contra uma taxa de 65% em países como a Alemanha e
25% nos EUA (CEMPRE, 1999), percebem-se, assim, as deficiências estruturais desse
sistema de gerenciamento de resíduos sólidos.
Caso a amplitude da reciclagem de embalagem longa vida não seja equacionada de
acordo com a explosiva evolução de seu consumo, é possível prever o estímulo à oferta de
produtos que utilizam embalagens de materiais mais adequados a essa possibilidade.
3.6 Principais elementos presentes no ambiente competitivo do setor de leite fluido no
estado do Rio grande do Sul que influenciaram a adoção da tecnologia UHT
O modelo a seguir reproduz o diagrama das cinco forças de PORTER (1989),
explicitando os principais fatores em cada uma delas que impactaram sobre a adoção e
implementação da tecnologia UHT pelo segmento agroindustrial processador no Rio
Grande do Sul (figura 8).
88
É possível perceber a importância dos fatores associados ao poder de barganha dos
fornecedores de equipamentos e embalagens, principalmente pela concentração no
segmento fornecedor e pela exploração de estratégias associadas a oferta de produtos
complementares, e dos determinantes da rivalidade no segmento agroindustrial
processador, em especial, as barreiras de entrada nesse segmento, particularmente as
economias de escala, e os determinantes da rivalidade atual, como o crescimento do setor e
a crescente concentração no segmento.
Figura 8: Principais elementos do ambiente competitivo do segmento agroindustrial
processador de lácteos do RS impactantes sobre a adoção da tecnologia UHT.
Fonte: elaborado pelo autor.
Novos entrantes
Desestímulo à produção
de outros derivados
lácteos (queijos)
Fornecedores
Matéria-prima:
Especialização (qualidade m. p.)
Escala de produção
Tecnologia UHT:
Concentração
Barreiras de entrada a concorrentes
Economias de escala
Exigências de capital
Oferta de produtos
complementares
Concorrência
no segmento
Barreiras de entrada:
Economias de escala
Identidade de marca
Exigências de capital
Acesso à distribuição
Determinantes da rivalidade atual:
Crescimento do setor
Concentração e equilíbrio
Novos padrões concorrenciais
Identidade de marca
Compradores
Concentração
Substitutos
Desempenho relativo dos
produtos
Evolução da substituição
Ampliação do
desempenho dos produtos
89
4. ANALISE DA RELAÇÃO ESTRATÉGIA COMPETITIVA – TECNOLOGIA
Este capítulo pretende analisar quais as principais estratégias genéricas adotadas no
segmento agroindustrial processador de leite UHT no estado do Rio Grande do Sul, a partir
das categorias estratégicas definidas, e abordar os elementos associados que foram
relevantes para adoção dessa tecnologia.
4.1 Liderança de custo
A adoção da tecnologia UHT pelo segmento processador no estado do Rio Grande
do Sul permitiu a reconfiguração das cadeias de valor das agroindústrias que substituíram
as plantas de pasteurização, com forte impacto sobre sua estrutura de custos.
Paralelamente, essa inovação tecnológica também repercutiu de maneira direta e
indireta sobre vários direcionadores de custo, modificando e ampliando as possibilidades
de atuação sobre a cadeia de valor na busca da liderança de custo.
Considerando as características comuns de algumas atividades primárias das
cadeias de valor das agroindústrias processadoras de leite UHT, é possível analisar alguns
direcionadores críticos para o controle de custos nesse segmento.
4.1.1 Economias ou deseconomias de escala
O controle da escala é um dos direcionadores fundamentais na obtenção de baixos
custos na produção de leite UHT, como reiterado por todas as agroindústrias pesquisadas,
que os custos indiretos aumentam em uma proporção muito inferior em relação ao
aumento da produção total como observado nas agroindústrias MS1 e MS2.
90
Além disso, as empresas com uma linha diversificada de produtos UHT (como
creme de leite e leite fluído) e produtos de vida de prateleira longa (como leite em e
leite condensado) podem explorar a economia de escala em todo seu sistema logístico
externo.
Assim, fica patente a vantagem das agroindústrias processadoras líderes no estado
do Rio Grande do Sul, com grande capacidade de processamento, pela possibilidade de
amortização das atividades de produção e marketing sobre um maior volume de
processamento e vendas. De fato, PORTER (1986: 50) observa que atingir uma posição
de custo total baixo, quase sempre exige uma alta parcela de mercado relativa ou outras
posições vantajosas como acesso às matérias-primas”, ambas as condições contempladas
pelas agroindústrias gaúchas de grande capacidade de processamento.
Complementarmente, a escala é seletiva, pois o volume de processamento mensal
mínimo para rentabilizar o investimento em uma planta de processamento UHT básica, ou
seja, composta por exemplo de uma envasadora asséptica TBA-08 de capacidade de
processamento de 6.500 l/hora oscila entre 1,5 – 2,0 milhão de litros/mês (Tetra Pak,
comunicação pessoal, 2000).
Considerando esses argumentos e sua relatividade, é importante relatar que todas as
agroindústrias consultadas pretendem aumentar significativamente sua escala de
processamento de leite UHT em uma curta perspectiva de tempo .
Além disso, com a recente adoção do processamento UHT direto por algumas
agroindústrias, como GL1, GL2 e MS2, foi possível aumentar a eficiência potencial das
plantas de processamento. De fato, o sistema UHT direto é capaz de processar um maior
volume de leite por unidade de tempo pois sua vazão xima pode ser superior ao UHT
indireto e as paradas para limpeza podem ser muito mais espaçadas e realizadas com
menor freqüência, ou seja, o sistema não é tão sensível à deposição protéica. Usualmente,
observa-se nas agroindústrias gaúchas um aumento de 80% para 90% da relação tempo de
processamento efetivo / tempo total do ciclo de processamento (este último sempre maior
devido à necessidade de paradas para limpeza do equipamento, e cuja freqüência é
dependente da qualidade da matéria-prima).
91
4.1.2 Controle do efeito da utilização da capacidade
A diminuição da sazonalidade na produção de leite, conseqüente a práticas de
manejo adotadas pelos produtores especializados, permitiu a redução das flutuações na
produtividade das agroindústrias processadoras de leite UHT no Rio Grande do Sul.
Provavelmente esse fator foi mais explorado, através de uma seleção mais agressiva dos
fornecedores de matéria-prima, pelas empresas não-cooperativadas quanto as cooperativas
como notado pelos técnicos da agroindústria MS2.
Além disso, é importante lembrar que a possibilidade de processar outros produtos
(sucos de frutas principalmente) nas plantas UHT permitiu uma maior utilização da
capacidade das plantas. Assim, quando no início do ciclo de substituição do leite
pasteurizado pelo UHT, com uma demanda inferior à sua potencialidade de produção, a
agroindústria GL1 explorou essa possibilidade.
4.1.3 Controle de elos entre atividades de valor
Analisando-se a relação do segmento produtivo e o segmento agroindustrial, apesar
dos aparentes conflitos, percebe-se que existem fortes elos verticais entre as atividades
desenvolvidas nos mesmos. Esses elos entre atividades de valor provavelmente o mais
fortes nas cooperativas, pelo nível de entrosamento entre indústria e produtores, mas
também presentes nas empresas não-cooperativadas. Por exemplo, a diluição dos custos
fixos de produção no transporte da matéria-prima e no seu processamento e distribuição
são possíveis com os ganhos de escala e produtividade em ambos os segmentos.
Em especial, a qualidade da matéria prima é determinante na produtividade de uma
planta de processamento UHT. Por exemplo, o leite que apresente estabilidade ao teste do
alizarol
17
76° permite, potencialmente, um rendimento 74% superior ao leite que resiste
17
Refere-se a um teste de estabilidade protéica do leite quando misturado, em igual volume, com soluções
hidro-alcoólicas de concentração usualmente entre 72 a 78% de etanol. O álcool possui uma ação
desidratante que instabiliza as partículas de caseína pela perda do cálcio, provocando sua coagulação. O ideal
é que o leite resista sem precipitar com uma solução de etanol de pelo menos 74% de concentração. A
precipitação das proteínas ocorre quando o leite está acidificado, poss um equilíbrio salino inadequado
(leite mamítico) ou contenha um excesso de proteínas do soro. A sensibilidade da amostra à prova é dada
pelo nível de floculação verificada: a floculação fina deixada na parede do tubo de ensaio no qual é
conduzido o teste.
92
somente ao alizarol 72°. Colocando-se de outra maneira, o custo de processamento
estimado no primeiro caso é de US$ 0,149 / litro e no segundo US$ 0,159 / litro
(MASSOTE PRIMO, 1999). Assim, fica patente a importância da qualidade da matéria-
prima na otimização de uma planta de processamento UHT e, conseqüentemente, o
impacto competitivo de selecionar os fornecedores mais especializados.
Em relação aos fornecedores de equipamentos e insumos, principalmente
embalagens, o sistema de processamento UHT, oferecido pela fornecedora líder, permitiu o
estabelecimento de inúmeros elos verticais. Esses elos entre atividades abrangem
atividades de apoio como o desenvolvimento de tecnologia de processo, que fica
praticamente “terceirizado” pelo fornecedor e, atividades primárias, como operações,
logística interna e externa que ficam moldadas e sustentadas pelas características da oferta
tecnológica, como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologias complementares na
construção de estruturas modulares adequadas à estocagem e transporte do produto final.
Considerando os elos entre atividades horizontais, a tecnologia de processamento
UHT adotada modificou completamente a cadeia de valor da agroindústria com o
estabelecimento de elos característicos entre atividades primárias, como operações e
logística. Em especial, a possibilidade de estocagem e distribuição do leite UHT sem
refrigeração permitiram um grande impacto nos custos dessas atividades em relação ao
leite pasteurizado e foram, então, determinantes na adoção da tecnologia e na sua estrutura
de custos. Essa consideração genérica foi especialmente enfatizada nas agroindústrias MS1
e MS3.
4.1.4 Controle de inter-relações
Compartilhar uma atividade de valor resulta em uma vantagem de custo
significativa caso envolva uma atividade que represente uma fração importante dos ativos
ou dos custos operacionais e, se o compartilhamento reduzir o custo de execução desta
atividade pelo efeito favorável sobre outros condutores de custo, em especial, economias
de escala, aprendizagem ou padrão de utilização da capacidade (PORTER, 1989).
93
PORTER (1989) descreve três tipos gerais de inter-relações entre unidades
estratégicas de negócios: inter-relações tangíveis, inter-relações intangíveis e inter-relações
entre concorrentes.
Inter-relações tangíveis surgem de oportunidades de compartilhamento de
atividades na cadeia de valores entre unidades empresariais relacionadas, devido à
presença de tecnologias, distribuidores e compradores comuns. Essa característica
beneficia, em princípio, as organizações que dispõem de várias plantas de processamento
do mesmo produto, em detrimento das organizações menores, com poucas ou uma única
unidade de produção.
Essa possibilidade é amplamente explorada no setor processador no Rio Grande do
Sul, no qual observam-se iniciativas cooperativas como a aquisição e utilização de plantas
de processamento UHT em conjunto, ou a utilização compartilhada de plantas de
processamento UHT por diferentes agroindústrias que, isoladas, não seriam capazes de
arcar com o investimento e/ou não atingiriam o volume necessário para usar a capacidade
adequada de processamento da planta.
Portanto, quando duas agroindústrias atuantes no mercado de leite UHT, como
concorrentes ou não, compartilham a mesma unidade de processamento em momentos
diferentes, é possível melhorar o padrão de utilização da capacidade da planta e obter
ganhos de escala que podem gerar economias de custo. Dessa maneira, empresas que
individualmente possuem pequenas fatias de mercado podem competir mais
adequadamente com as líderes do setor que, por sua grande capacidade de processamento,
já usufruem das vantagens de custo decorrentes das economias de escala. Assim ocorre nas
agroindústrias MS1, MS2, MS3 e MS5 que processam leite UHT para associações de
produtores ou para outras agroindústrias lácteas (MS2 e MS5 processam leite UHT para
MS4), nos dois casos com marcas específicas das “tomadoras de serviços”.
Vale notar que as relações de cooperação nesse sentido foram impulsionadas pela
implementação de uma tecnologia de processamento homogênea. Essa, talvez, seja uma
das maiores contribuições decorrentes da ampla adoção desta tecnologia no sentido de
94
fomentar a coordenação e a cooperação no segmento agroindustrial processador, forçando
uma aproximação tática entre empresas de média capacidade de processamento.
Paradoxalmente, foi graças a padronização de insumos (embalagens) e do próprio
mercado de leite fluido, conseqüente a hegemonia do sistema de processamento UHT
adotado, que se tornou possível concretizar as iniciativas de cooperação.
Assim, diferentes formas de compartilhamento resultantes de inter-relações de
produção/aquisição como: compartilhamento do sistema logístico interno;
compartilhamento de instalações e equipamentos; compartilhamento do controle de
qualidade de insumos/processo/produtos; compartilhamento de atividades indiretas;
aquisição conjunta de insumos comuns e desenvolvimento de tecnologia compartilhada
podem significar oportunidades significativas de economia de custos, como citado pelos
técnicos das agroindústrias MS1, MS2, MS3, MS4 e MS5.
Também, as inter-relações entre segmentos de produtos diferentes são
estrategicamente importantes quando as possibilidades de compartilhamento de atividades
de valor podem representar uma fonte relevante de controle de custos e/ou de diferenciação
em relação à concorrência (PORTER, 1989). Assim, existem vários pontos de inter-relação
entre atividades de “filières” de produtos diferentes, seja entre outros derivados lácteos,
existentes em todas as agroindústrias analisadas, seja entre o leite UHT e outros produtos
alimentares como produtos cárneos ou produtos de origem vegetal, como ocorre nas
agroindústrias GL1, GL2, MS1, MS2, MS3, MS4, que são explorados pelo
compartilhamento da força de vendas, da logística externa e do marketing.
Assim, a estratégia horizontal das empresas diversificadas, ou seja, o conjunto
coordenado de metas e políticas entre unidades empresariais distintas (consideradas aqui
como unidades estratégicas de negócios), mas inter-relacionadas, é um item crítico no
estabelecimento da vantagem competitiva. De fato, a diversificação de muitas empresas
tem enfatizado a busca do “ajuste” do portfolio, ou seja, a seleção de unidades de negócios
relacionadas, criando inter-relações passíveis de exploração (PORTER, 1989).
À medida que aumenta o número de empresas buscando inter-relações entre
unidades estratégicas de negócio diferentes, cresce a “concorrência em múltiplos pontos”
95
entre essas organizações (PORTER, 1989), ou seja, multiplicam-se as interfaces de
concorrência com o aumento do número de inter-relações exploráveis.
Essa relação é especialmente importante, considerando-se que o leite UHT é
atualmente um dos produtos de maior impacto no faturamento de agroindústrias lácteas
diversificadas, como atestado por todas as agroindústrias enfocadas, e além disso,
representa um elemento indispensável do “mix” de produtos (lácteos ou não), sendo
considerado, na linguagem comercial, um “abridor de pedidos” do varejo.
Assim, diferentes formas de compartilhamento resultantes de inter-relações de
mercado como compartilhamento da imagem da marca; compartilhamento da publicidade e
promoção; venda cruzada de produtos; preços inter-relacionados de produtos
complementares; compartilhamento do departamento de marketing; compartilhamento da
força de vendas; compartilhamento da rede de serviço ao consumidor e processamento de
pedidos; e compartilhamento da distribuição podem significar oportunidades significativas
de economia de custos (PORTER, 1989).
As inter-relações intangíveis envolvem a transferência de “know-how” gerencial
entre cadeias de valores independentes, ou seja, unidades estratégicas de negócios que não
podem compartilhar atividades, mas, podem ser similares em termos genéricos no tipo de
comprador, tipo de relações com fornecedores, tipo de relação com o governo, etc.
Essa potencialidade pode ser explorada por agroindústrias processadoras de leite
UHT que atuam em outras cadeias produtivas como a do frango, de suínos, de grãos e que
se beneficiam de algumas experiências específicas úteis ao segmento de leite fluido. Por
exemplo, as relações das agroindústrias processadoras de leite UHT com fornecedores,
grande varejo, consumidores finais e poder público podem ser melhor elaboradas a partir
da experiência acumulada nessas outras cadeias produtivas, especialmente, se
considerarmos que estas foram predecessoras daquela como ocorreu nas agroindústrias
GL1, que foi adquirida por um grupo atuante no mercado de frangos de corte, e MS2, que
originou-se de uma agroindústria de produtos cárneos e grãos.
As empresas multinacionais atuantes no segmento agroindustrial processador de
leite fluido também podem explorar as inter-relações intangíveis, conseqüentes à
96
transferência de conhecimento derivado da atuação, nesse setor, em outros mercados
geográficos como é o caso da agroindústria GL2. Essa possibilidade torna-se
especialmente importante, considerando-se a possibilidade de similaridade entre a
evolução do mercado de leite UHT nos seus países de origem e o mercado nacional o que
lhes permite obter vantagens em várias atividades, como, por exemplo, antecipar
lançamentos de novos produtos, prever tendências de mercado e o impacto de iniciativas
de marketing associadas a elas.
De fato, a transferência de qualificações genéricas ou de “know-how” sobre como
gerenciar um tipo particular de atividade de uma unidade de negócio para outra pode
reduzir o custo da atividade ou torná-la mais singular e, superando o custo da transferência,
agregar competitividade à organização (PORTER, 1989). Essa pode ser uma importante
fonte competitiva, considerando-se as limitações gerenciais de cooperativas e pequenas e
médias agroindústrias lácteas (MASSOTE PRIMO, 1999).
4.1.5 Controle da integração
A exploração da desverticalização da produção de matéria-prima pelas empresas
não-cooperativadas, pertencentes ao grupo estratégico das agroindústrias líderes e de
grande capacidade de processamento, em contraste com a necessidade de integração da
produção pelas cooperativas, pode possibilitar vantagens de custo às primeiras.
Por outro lado, a integração de parte da distribuição, como entre as cooperativas
MS1, MS2 e MS4, é uma particularidade digna de consideração, mesmo que responda por
uma pequena parcela das vendas totais, por representar uma alternativa frente ao nível de
concentração do grande varejo e por reforçar a estratégia dessas agroindústrias de manter
uma forte participação no comércio local.
4.1.6 Controle da oportunidade
Indubitavelmente, foram grandes as vantagens auferidas pelas empresas inovadoras
na utilização do processamento UHT, concretizando sua situação de liderança no mercado
gaúcho de leite fluido. Porém, o preço-prêmio atingido pelo leite UHT, no início da década
de 1990, diminuiu gradativamente com o aumento da oferta conseqüente a entrada no
97
mercado de novos concorrentes regionais e internacionais e com a estabilização da
demanda.
Além disso, considerando uma outra perspectiva, é possível dizer que a vida de
prateleira mais longa do leite UHT, em relação ao leite pasteurizado, permitiu a todas as
agroindústrias de processamento analisadas a manutenção de estoques, buscando
aproveitar os ciclos de preços mais favoráveis. Em especial, considerando-se que a
diminuição da produção de leite no Rio Grande do Sul na entre-safra (abril a junho) atinge
em torno de 34% da oferta total de matéria-prima (BRESOLIN, 1999), existe um grande
interesse em aproveitar o aumento potencial do preço de venda do produto ao varejo (que
pode atingir de 20%) e/ou escapar do aumento de preços da matéria-prima no período.
Essa perspectiva consolida-se no atendimento a outros estados, nos quais a estrutura
setorial ou particularidades climáticas acentuam o efeito da entre-safra, permitindo, desse
modo, a participação em seu mercado de agroindústrias processadoras gaúchas de grande e
média capacidade de processamento.
De fato, a agroindústria MS1 direciona, na entre-safra, a maior parte de sua
produção de leite UHT para o mercado de Santa Catarina e Paraná onde, ao contrário do
que ocorre no Rio Grande do Sul, é possível canalizar a comercialização
preponderantemente para o grande varejo. Da mesma maneira, a agroindústria MS2
comercializa grande parte de sua produção no estado de São Paulo, aproveitando estrutura
de distribuição própria.
Finalmente, as grandes agroindústrias de processamento de leite UHT do Rio
Grande do Sul, GL1 e GL2, também aproveitam-se do período da entre-safra para
incrementarem a exportação para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa
catarina.
4.1.7 Controle da localização
A mudança do escopo geográfico, conseqüente da adoção da tecnologia UHT,
diminuiu o impacto da localização na estrutura de custos das agroindústrias processadoras
considerando as atividades de distribuição do produto final. De fato, todas as
98
agroindústrias consultadas enfatizaram a diminuição dos custos logísticos considerando a
diminuição das perdas de produto, a maior eficiência no transporte e a ausência dos custos
relacionados à manutenção de uma cadeia de frio, ao substituírem o leite pasteurizado pelo
UHT.
Contudo, a localização da agroindústria processadora em relação a seus
fornecedores continua sendo determinante nos custos de transporte e perdas da matéria-
prima, assim como, na perspectiva de crescimento da escala de processamento de acordo
com a potencialidade dos produtores. Além disso, a proximidade de agroindústrias, que
puderam compartilhar estruturas de processamento de leite UHT, foi determinante para a
efetividade da cooperação.
4.1.8 Controle de fatores institucionais
No Brasil, a ampla adoção pelo segmento agroindustrial processador de leite fluído
da tecnologia UHT determinou a regulamentação governamental pertinente (Portaria n.º
370 de 04 / 09 / 97 do Min. Agricultura e do Abastecimento), que não contempla outros
sistemas de esterilização do leite, impondo empecilhos legais a sua adoção.
4.1.9 Custo de insumos adquiridos
A evolução do custo relativo de insumos adquiridos e sua importância relativa no
custo final do produto o indicativos da importância desse direcionador, que assume
especial relevância considerando-se o grande poder de barganha do fornecedor de
embalagens no sistema de produção de leite UHT preponderante no Brasil.
De fato, o custo desse insumo atinge um patamar próximo ao da matéria-prima o
que limita a lucratividade do produto a níveis muito inferiores ao do leite pasteurizado tipo
C, causando preocupação no segmento agroindustrial processador como relatado por todas
as agroindústrias consultadas.
O aumento da demanda setorial implicou em um aumento do custo da embalagem
próximo a 40%, considerando-se o período de 1998 a 2000 para as agroindústrias MS1,
99
MS2 e MS4, frente a uma tendência de manutenção ou diminuição dos preços de venda do
produto final.
Além disso, existe uma significativa diferença (em torno de 12%) no preço da
embalagem em função do volume de compra, favorecendo as agroindústrias de grande
capacidade de processamento (KRUG, 1999).
4.1.10 Controle da aprendizagem
A adoção da tecnologia UHT e seu desenvolvimento como negócio nas
agroindústrias processadoras envolveu ganhos de aprendizagem, enfatizados especialmente
nas agroindústrias SM1 e SM2, principalmente nas atividades de manutenção e logística
interna e externa. Assim, apesar do desenvolvimento externo da tecnologia, sua adaptação
às necessidades e particularidades de cada agroindústria foi decorrente de um processo de
aprendizagem.
4.2 Diferenciação
“A diferenciação proporciona isolamento contra a rivalidade competitiva devido à
lealdade dos consumidores com relação a marca como também a conseqüente menor
sensibilidade ao preço” (PORTER, 1986: 52).
A diferenciação pode originar-se de várias fontes, em especial: a) características,
desempenho e configuração do produto; b) mix e variedade de produtos oferecidos; c)
nível de serviço oferecido; d) índice de gastos com atividades de marketing e
desenvolvimento de tecnologia; e) tempo de entrega; f) seleção dos compradores
atendidos; g) canais de distribuição empregados; h) escolha da tecnologia de processo; i)
seleção de matérias-primas e insumos; j) política de recursos humanos; k) gestão da
produção (PORTER, 1986).
4.2.1 Diferenciação pela escolha da tecnologia/produto
Em um primeiro momento no estado do Rio Grande do Sul, no início da década de
1990, a introdução do leite UHT beneficiou as agroindústrias inovadoras pela
singularidade criada para o comprador e a conseqüente exploração desse posicionamento
100
atrativo. Porém, a tecnologia UHT foi desenvolvida por fornecedores externos que
estimularam sua difusão, tornando a sustentabilidade da liderança tecnológica baixa, como
foi comprovado pela rápida disseminação de plantas UHT no estado e no país durante a
década de 1990.
A partir de sua difusão, a diferenciação, através da opção tecnológica, seria
possível através de inovações que enfatizassem as necessidades dos compradores ainda não
atendidas pelas empresas líderes em sua adoção. Dessa forma, seria possível a evolução
para uma estrutura setorial mais atrativa. Contudo, as estratégias adotadas pelas
agroindústrias processadoras seguidoras no estado do Rio Grande do Sul não foram
suficientes para evitar uma competição de custos com os líderes, especialmente no grande
varejo, levando a uma perda de lucratividade para o segmento e uma penalização para as
empresas de menor escala. De fato, mesmo as possibilidades de diferenciação na
embalagem dominante, como o uso de tampinhas ou novas formas, não são aproveitadas,
balizando a concorrência pelo fator custo.
Assim, a concepção de uma inovação estratégica que permita uma vantagem
sustentável às agroindústrias de menor capacidade de processamento parece ser o grande
desafio atual do setor no estado do Rio Grande do Sul. Nesse sentido, o caso da
agroindústria PI é importante. A empresa buscou uma estratégia de diferenciação com a
seleção de uma tecnologia de processo e configuração de produto, de maneira a não
concorrer com o sistema/produto prevalente. Contudo, se de um lado essa estratégia
garantiu um espaço privilegiado no grande varejo, por outro as tentativas de obtenção de
sobre-preço não foram consolidadas.
Essa mesma percepção foi compartilhada pelas agroindústrias processadoras MS1 e
MS4 que, no momento de análise das opções tecnológicas disponíveis, consideraram que
não seria possível estabelecer uma estratégia de diferenciação eficaz baseando-se somente
na modificação do produto. Em especial, a agroindústria MS1 considerou que a forte
imagem da embalagem dominante e a capacidade financeira e gerencial da multinacional
que a sustenta, tornam a perspectiva de um posicionamento alternativo de produto de alto
custo e risco.
101
4.2.2 Diferenciação pela imagem de marca
Uma das agroindústrias de grande capacidade de processamento no estado do Rio
Grande do Sul, GL2, atingiu um certo grau de diferenciação em função de importantes
esforços de marketing, o que se expressa pela obtenção de sobre-preço (em torno de 10%)
em alguns mercados locais e principalmente no grande varejo.
Evidentemente, o índice de gastos com atividades de marketing necessário a manter
tal posicionamento é restritivo às agroindústrias de média capacidade de processamento.
4.3 Enfoque
As estratégias de enfoque baseiam-se nas diferenças entre os segmentos de
consumidores e os segmentos do setor. A segmentação de mercado diz respeito à
identificação de diferenças nas necessidades do consumidor e no seu comportamento de
compra. A segmentação do setor refere-se às adaptações envolvidas em toda a cadeia de
valor das organizações no sentido de atender à segmentação de mercado (PORTER, 1989).
É assim que empresas as quais adotam estratégias de enfoque, otimizam sua cadeia de
valores para apenas um ou alguns segmentos, buscando liderança de custos ou
diferenciação em comparação com empresas que objetivam alvos mais amplos.
4.3.1 Estratégias de enfoque buscando diferenciação
4.3.1.1 Segmentação pelo mix e variedade de produtos oferecidos
O controle de políticas arbitrárias”, abordado por PORTER (1989), envolve, entre
outras possibilidades, a modificação das características, desempenho e configuração do
produto, no sentido de buscar a singularidade.
Uma das estratégias de enfoque, adotadas pelo segmento processador de leite UHT,
buscou atingir segmentos de consumidores com exigências complementares em relação à
constituição do produto. Inicialmente, a oferta de produtos com diferentes teores de
gordura (integral, semi-desnatado ou desnatado) e, mais recentemente, uma gama de
produtos adicionados de elementos com impacto na saúde dos consumidores como cálcio,
ferro, vitaminas ou óleos poli-insaturados, produtos para consumidores com necessidades
102
especiais como o leite com baixo teor de lactose e o leite UHT enriquecido para atender
faixas etárias especiais, permitiram sua implementação.
Essas estratégias de enfoque foram adotadas no estado do Rio Grande do Sul pelas
agroindústrias líderes no mercado de leite UHT e pioneiras na adoção dessa tecnologia
(GL1 e GL2). Na verdade, a exploração desses segmentos mais rentáveis não implicou no
abandono do segmento genérico, representado pelo leite UHT com variação somente no
teor de gordura, ao contrário, representou o aproveitamento das possibilidades de inter-
relações entre eles. De fato, esse mercado de leite UHT “modificado” responde por
aproximadamente 10% do mercado total de leite UHT e, nele, são críticos fatores
associados a sustentação da estratégia de enfoque como a capacidade de propaganda das
empresas e a força da marca.
Contudo, as vantagens competitivas associadas ao compartilhamento de atividades
de valor entre o segmento UHT genérico” e os segmentos específicos devem ser
apropriadas pela maioria das agroindústrias processadoras do estado, à medida que as
mesmas ampliem sua linha de produtos. Porém, para algumas agroindústrias estudadas,
como MS1, as necessidades de investimento em marketing, para atingirem um
posicionamento sustentável, constituem barreiras de difícil transposição.
4.3.1.2 Segmentação pela seleção de canais de distribuição empregados
As principais cooperativas agroindustriais gaúchas processadoras de leite UHT,
MS1, MS2, MS3 e MS4, concentram-se no atendimento do pequeno e médio varejo local
onde seus produtos atingem diferenciação frente às grandes agroindústrias processadoras.
Esse pequeno varejo local tanto pode ser próximo das cooperativas como localizar-
se em outros estados. No primeiro caso, o impacto social da cooperativa na comunidade
parece ser um dos elementos considerados pelos consumidores finais na sua preferência de
consumo. No segundo, a estruturação de um sistema de distribuição adequado, assim como
a oferta de produtos inter-relacionados, parecem ser os fatores preponderantes para a
relação indústria-canal.
103
Esse posicionamento representa uma das maiores vantagens comparativas desse
grupo estratégico, pois o varejo dos menores centros o possui a mesma concentração e
poder de barganha do grande varejo dos grandes centros urbanos.
Contudo, o grau de isolamento desses mercados locais contra a concorrência das
grandes agroindústrias processadoras não parece ter sido, até o momento, ponderada e
pode não representar uma barreira efetiva. Porém, o atendimento a esse mercado
pulverizado exige uma estrutura logística (representantes, filiais de distribuição,
vendedores, transportadores) de custo e organização elevados, o que pode retardar ou inibir
a definição de estratégias agressivas por parte das agroindústrias líderes no seu
atendimento.
Por outro lado, iniciativas da agroindústria GL2 no estabelecimento de um “mix”
de produtos diferenciados e adaptados para cada região do estado do Rio Grande do Sul,
considerando suas particularidades étnicas, sócio-econômicas e geográficas, representam
um afinamento estratégico que demonstra o seu interesse potencial na conquista de
mercados locais.
De fato, a manutenção de marcas regionais de leite UHT pelas agroindústrias
líderes de atuação nacional, competindo na mesma faixa de preço dos produtos das
agroindústrias de menor porte, ilustra uma estratégia competitiva diversificada, com
interesse nos segmentos locais.
4.3.2 Estratégias de enfoque buscando posicionamento de baixo custo
Estratégias de enfoque, buscando posicionamento de baixo custo dirigidas a
segmentos específicos, não foram adotadas pelo setor agroindustrial processador no estado
do Rio Grande do Sul. Uma das questões momentosas é questionar quanto a sua
possibilidade de sucesso, por exemplo, com o uso de embalagens mais baratas que a
cartonada multicamada preponderante no mercado. De fato, o exame permanente, em
busca de segmentos relevantes, deve nortear a busca de competitividade das agroindústrias
processadoras de leite UHT, nesse caso, novas possibilidades de processo e/ou
104
configuração de produto que, impactem no custo ou singularidade dos produtos, devem ser
criteriosamente analisadas.
Portanto, percebe-se a possibilidade de associar escala e diminuição de custos de
insumos através, por exemplo, da adoção do processamento UHT em embalagem de
polietileno, seja em sacos flexíveis, seja em garrafas, com uma vida de prateleira
equivalente ou inferior (30 dias por exemplo) ao produto atual, de maneira a atingir uma
demanda específica em que o baixo custo é o fator determinante de compra. Esta opção de
produto pode inclusive ser complementar em uma linha de leite fluido que mantenha o leite
UHT em embalagem cartonada multicamada.
Outra possibilidade de oferta de um produto, enfocando o mercado de leite fluído,
com posicionamento de baixo custo, de maneira potencialmente competitiva, seria a
produção de leite pasteurizado com uma vida de prateleira estendida (de 15-20 dias)
através das opções tecnológicas já abordadas.
A potencialidade dessa estratégia foi recentemente demonstrada quando houve
aumento do preço do leite UHT no Para(de R$ 0,90 para R$ 1,40), desencadeando sua
substituição pelo leite pasteurizado (vendido em torno de R$ 0,90), provocando uma queda
da demanda entre 20 a 25% durante os meses de julho e agosto de 2000 e, obrigando o
recuo de seu preço, frente aos estoques acumulados na agroindústria processadora (jornal
selectus 1.130 apud www.terraviva.com.br).
4.4 Coerência das estratégias genéricas adotadas
Para PORTER (1989), uma empresa que adota mais de uma estratégia genérica está
no “meio-termo”, posição em que a organização não consegue direcionar coerentemente
suas capacidades para a concretização de uma escolha estratégica excludente: busca da
liderança de custos ou diferenciação (de maneira ampla ou enfocada).
É importante considerar, em relação ao grupo estratégico representado pelas
agroindústrias de grande capacidade de processamento, que aproximadamente 90% de sua
produção de leite UHT é direcionada ao mercado “genérico” e, somente 10% dos produtos
são “modificados” no sentido de atender segmentos específicos de consumidores. É
105
possível mesmo considerar que essas duas categorias de produtos são complementares
sendo sua oferta importante para a qualificação da agroindústria frente ao varejo e frente ao
consumidor final, pelo reforço à imagem de marca decorrente. Portanto, a coexistência de
estratégias diferenciadas, de busca de liderança de custos e de enfoque não são incoerentes,
nesse caso, mas complementares.
Também é importante notar que a estratégia de diferenciação, pela imagem de
marca, e a estratégia de liderança de custos, são perseguidas por empresas diferentes do
mesmo grupo estratégico: das agroindústrias de grande capacidade de processamento
líderes na adoção da tecnologia UHT no Rio Grande do Sul sendo que, o controle de
custos, é crítico em ambos os posicionamentos.
Em relação às agroindústrias de média capacidade de processamento, constrangidas
a concorrer em custos no grande varejo e, buscando uma estratégia de enfoque no pequeno
varejo local, é necessário enfatizar que a aparente incongruência entre os posicionamentos
é atenuado pela característica oportunista da primeira opção. De fato, a opção de atuação,
servindo o grande varejo, é conseqüente a uma eventual necessidade de desova de
estoques” ou, preponderantemente, ao aproveitamento de condições vantajosas sazonais de
mercado de outros estados, onde a evolução positiva de preços decorrentes entre-safra é
mais intensa.
4.5 Principais elementos presentes na estratégia competitiva das agroindústrias
processadoras de leite UHT do estado do Rio grande do Sul que influenciaram a
adoção dessa tecnologia
As estratégias individuais das agroindústrias gaúchas processadoras de leite UHT
buscaram adequar as particularidades da tecnologia às suas cadeias de valor, de maneira a
explorar os direcionadores mais favoráveis às características concorrenciais intrínsecas a
cada categoria estratégica (quadro 5).
O grupo estratégico das agroindústrias de grande capacidade de processamento
explora um número maior de direcionadores na busca da liderança de custos, beneficiando-
se de vantagens particulares em relação aos outros grupos estratégicos, principalmente,
pela sua maior escala de produção. Contudo, elas também implementam estratégias de
106
diferenciação através do nível de gastos com marketing, especialmente GL2, e estratégias
de enfoque através da variedade de produtos oferecidos.
O grupo estratégico das agroindústrias de média capacidade de processamento,
muitas vezes constrangidas a competir em custos, exploram alguns direcionadores capazes
de minimizar sua menor escala de processamento e, além disso, estabelecem estratégias de
enfoque pela seleção dos canais de distribuição empregados, especificamente o pequeno e
médio varejo.
Finalmente, a agroindústria de pequena capacidade de processamento, analisada
nesse estudo, diferencia-se pelas características diferenciadas do processo adotado e do
produto ofertado.
107
Quadro 5: Grupos estratégicos do segmento agroindustrial processador de leite UHT do
Rio Grande do Sul, estratégias genéricas e principais direcionadores explorados.
Grupos Estratégicos: Agroindústrias de grande
capacidade de
processamento, líderes na
adoção da tecnologia UHT
Agroindústrias de
média capacidade
de processamento,
seguidoras na
adoção da
tecnologia UHT
Agroindústrias de
pequena
capacidade de
processamento,
inovadoras de
processo/produto
Estratégias genéricas:
Liderança
em custos
Enfoque
Diferenc.
Liderança
em custos
Enfoque
Diferenciação
Direcionadores:
Economias de escala X X
Utilização da capacidade
X X
Elos X X
Inter-relações:
Tangíveis X X
Intangíveis X
Entre setores X
Integração X
Oportunidade X X
Localização X X
Fatores institucionais
Custo de insumos X
Aprendizagem X X
Políticas arbitrárias
Características
produto/processo
X
Mix e variedade
produtos
X
Gastos com
marketing
X
Seleção dos canais
de distribuição
empregados
X
Fonte: elaborado pelo autor.
108
5. ANÁLISE DA ADEQUAÇÃO DA RELAÇÃO ESTRATÉGIA COMPETITIVA –
TECNOLOGIA
5.1 Adequação da relação estratégia competitiva - tecnologia
A adequação da relação entre estratégia competitiva e tecnologia, nos limites desse
estudo, foi um conceito exercitado nos capítulos anteriores como fruto das possibilidades
das agroindústrias processadoras de leite UHT do estado do Rio Grande do Sul
beneficiarem-se da exploração dos direcionadores, no sentido de empreender e sustentar
estratégias de concorrência em baixo custo e/ou diferenciação, de maneira geral ou
enfocada.
Nesse sentido, a adequação da relação estratégia competitiva - tecnologia foi
considerada como a resultante capaz de posicionar a organização em vantagem relativa
frente a seus concorrentes. Assim, o conceito de adequação aaqui adotado, refere-se à
eficiência na exploração dos direcionadores e na eficácia estratégica decorrente.
Em um primeiro momento desse capítulo, será analisado a exploração dos
direcionadores na sustentação das estratégias de cada grupo estratégico, sintetizando e
analisando os resultados até aqui apresentados.
Em um segundo momento, abordam-se as conseqüências estruturais decorrentes da
trajetória tecnológica setorial, utilizando os conceitos de MORIN (1987: 100): das
“interações” aleatórias entre os agentes de um setor (como relações de compra e venda e as
exigências qualitativas inter-segmentos) surgem as inter-relações” entre esses agentes
(como a percepção de necessidades dos clientes e pesquisa de novos produtos e o
desenvolvimento de novas tecnologias que permeiam os segmentos de uma cadeia
produtiva) e, nessa base de aparente desordem, firma-se a “organização” desses agentes
109
(estrutura setorial) de modo “inter-relacional” (relações de coordenação e submissão inter e
intra segmentos), que, a partir daí, tornam-se componentes de um todo, o “sistema”
formado pelo setor.
Em uma terceira etapa, procura-se questionar os limites da atual configuração
setorial definida pelas características da difusão tecnologica, através da contribuição de
diversos autores sobre o tema, que estudaram a integração tecnologia estratégia
empresarial como PORTER (1991), ITAMI & NUMAGAMI (1992), SCHOEMAKER
(1992), HAMILTON (1997) e CHANDY & TELLIS (1998), e o impacto da tecnologia
sobre a economia industrial como FREEMAN (1982), DOSI (1988), POSSAS (1989),
SCHROEDER (1990) e SALLES F° & FERREIRA (1990).
5.2 Eficácia e eficiência da relação estratégia competitiva - tecnologia
A sinergia e a complementaridade dos direcionadores dificultam, em muitos
momentos, a definição do limite de suas resultantes e, exemplificam a importância do
efeito mais do que somatório” de sua inter-relação na estruturação das estratégias
concorrenciais das agroindústrias analisadas.
Da mesma forma, a relação dinâmica e recíproca entre as características do
ambiente competitivo, favoráveis ou não à adoção de uma tecnologia inovadora, e o efeito
transformador dessa tecnologia sobre esse ambiente, torna contínuo e circular o processo
de causa e feito, modificando continuamente as possibilidades de sucesso da
implementação tecnológica. Complementarmente, as particularidades associadas a várias
características das agroindústrias processadoras potencializaram a resultante da exploração
dos direcionadores.
“Os processos de seleção dependem de uma combinação
complexa, setorialmente variável, de elementos que envolvem
desde a validação pelo mercado até as possibilidades oferecidas
pela trajetória tecnológica. Assim, não apenas os resultados
econômicos verificados “ex post” sancionam determinada inovação
ou escolha tecnológica, mas os critérios de decisão “ex ante” das
firmas frente à rentabilidade prospectiva e à adequação do novo
110
paradigma ou trajetória, ou ainda em relação à trajetória vigente,
conforme o caso são mecanismos de seleção igualmente
decisivos, e, como tal, parte destacada do processo de concorrência
“schumpteriana”, que preside à mudança tecnológica e à sua
difusão ... neste enfoque está inteiramente afastada a dicotomia
simplista entre teorias e modelos de “demand pull” e “technology
push” para explicar a incidência predominante do mercado” ou da
“tecnologia” na geração e difusão de inovações” (DOSI, 1994,
apud POSSAS, 1989, p. 170).
Portanto, a análise da adequação da relação estratégia competitiva e tecnologia é
possível, nos limites do escopo desse trabalho, como percepção agregada das categorias
agroindustriais consideradas no período específico demarcado. Nas palavras de
SCHROEDER (1990: 36) “o impacto competitivo de uma inovação é dinâmico, tendo
efeitos competitivos diferentes nos diferentes segmentos setoriais em momentos
diferentes” e o impacto da inovação na concorrência é assimétrico, afetando as empresas
de grupos estratégicos diferentes de maneira diversa”.
As agroindústrias de média capacidade de processamento de leite UHT do Rio
Grande do Sul, constrangidas a competir em custos com agroindústrias de maior escala de
produção, exploraram a associação entre direcionadores como elos com fornecedores,
utilização da capacidade, inter-relações tangíveis e localização de maneira a compensar
outros determinantes menos favoráveis às suas particularidades. Complementarmente, a
possibilidade de selecionar canais de distribuição específicos, permitiu a exploração de
políticas arbitrárias, estabelecendo uma estratégia de enfoque na busca da diferenciação.
Por outro lado, as agroindústrias de grande capacidade de processamento usufruem
dos benefícios inerentes a essa posição, explorando direcionadores como economias de
escala, utilização da capacidade, inter-relações, oportunidade e custo de insumos. Além
disso, ambas adotam políticas diferenciadoras em relação às outras categorias estratégicas,
oferendo uma variedade de produtos (UHT “modificados”) direcionada a segmentos
específicos e, uma delas, diferencia-se pela imagem de marca.
111
Assim, “o padrão de uso de uma inovação difere entre grupos estratégicos, cada
um adaptando a tecnologia de acordo com sua postura estratégica” (SCHROEDER, 1990:
37). De fato, a estratégia competitiva das agroindústrias de média capacidade de
processamento, sustentada pela exploração de certos direcionadores, é adaptada
preponderantemente a servir a mercados locais, ao pequeno e médio varejo, crescendo de
maneira limitada e gradual e contando com uma base de fornecedores pouco propensa ao
oportunismo.
as agroindústrias de grande capacidade de processamento estão envolvidas em
uma corrida concorrencial de âmbito nacional, servindo o grande varejo nas principais
capitais do país e, constrangidas a ganhar economias de escala no sistema de valores,
buscam a liderança absoluta em custos.
5.3 Emergências e restrições do sistema
“Podemos chamar emergências às qualidades ou
propriedades de um sistema que apresentam um caráter de
novidade em relação às qualidades ou propriedades dos
componentes considerados isoladamente ou dispostos de maneira
diferente num outro tipo de sistema”, “o todo é, portanto, neste
sentido, superior à soma das partes” (MORIN, 1987, p. 104).
Considerando o sistema composto pelos diferentes agentes envolvidos no negócio
de produção de leite UHT, produtores, processadores, fornecedores de tecnologia de
processo, compradores e consumidores, é possível perceber a emergência de características
essenciais a sua organização.
A solidariedade/cooperação entre as agroindústrias de média capacidade de
processamento entre si mesmas e, entre si e cooperativas de produtores, e a coexistência
entre as agroindústrias processadoras de grande e média capacidade de processamento são
“novas qualidades”, decorrentes da conformação setorial, oriundas da implementação
tecnológica e estratégica, definida a partir do desenvolvimento do mercado de leite UHT.
112
Dessa maneira, foi possível o estabelecimento de um certo equilíbrio setorial apesar
da assimetria presente entre as agroindústrias, ou seja, foi possível a manutenção dessa
estrutura setorial regional marcada por forte concentração. Assim, seria possível explicar a
sobrevivência das agroindústrias gaúchas de média capacidade de processamento, quando
em outros estados essa categoria encontra-se em franca extinção, engolfadas nos
movimentos de expansão dos grandes grupos da indústria láctea nacional e,
principalmente, multinacional.
Se é verdade que “a emergência pode contribuir retroativamente para produzir e
reproduzir aquilo que a produz” (MORIN, 1987: 107), talvez seja possível pensar no
(re)estabelecimento de um sistema cooperativo integrado no estado com um espaço
garantido por novas formas de coexistência entre o dinamismo das empresas não-
cooperativadas e a organização de cunho social das cooperativas.
Por outro lado, “há sempre, em todo sistema, e mesmo naqueles que suscitam
emergências, imposições sobre as partes, que impõem restrições e sujeições. Estas
imposições, restrições ou sujeições, fazem-lhes perder ou inibem neles qualidades ou
propriedades. O todo é, portanto, neste sentido, inferior à soma das partes” (MORIN, 1987:
109).
Assim, infere-se que a atual estrutura do setor lácteo no estado do Rio Grande do
Sul implica em restrições, principalmente pelo seu potencial concentrador (dos segmentos
fornecedores de insumos e agroindustrial processador) e restritivo à inovação tecnológica.
De fato, a cumulatividade da trajetória tecnológica é crítica nas perspectivas de expansão
do sistema, assim, “a predominância da ordem repetitiva abafa toda a possibilidade de
diversidade interna, e traduz-se em sistemas pobremente organizados e pobremente
emergentes” (MORIN, 1987: 113).
Contudo, se as características de um sistema, como a imposição de uma oferta
tecnológica hegemônica, foi causa da organização do próprio sistema e do surgimento de
emergências, nada impede que essas próprias emergências tornem-se uma nova
característica exigindo uma nova oferta tecnológica, mais diversificada e menos
concentrada. “Essa formulação paradoxal mostra-nos, ao mesmo tempo, que um sistema é
113
um todo que toma forma ao mesmo tempo que os seus elementos se transformam”
(MORIN, 1987: 111).
5.4 Perspectivas de evolução da relação estratégia competitiva-tecnologia
Alguns dos indicadores de uma inadequada atenção estratégica à tecnologia, citados
por HAMILTON (1997), incluem, entre outros, o excessivo tempo e recursos devotados ao
refinamento de tecnologias maduras, que não são por si uma fonte de vantagem
competitiva e a atenção inadequada a tecnologias emergentes (tecnologias chave), que
podem representar uma vantagem sobre os concorrentes.
As tecnologias de base, normalmente extensivas e caras, podem ter representado
uma vantagem competitiva antes de tornarem-se acessíveis à concorrência através de sua
difusão pelos fornecedores. Já as tecnologias chave nascem de tecnologias potenciais,
ainda não desenvolvidas ou descobertas no setor.
Por outro lado, SCHROEDER (1990) considera que, mesmo com o uso de
tecnologias maduras, é possível sustentar uma estratégia competitiva, desde que ganhos
incrementais contínuos sejam obtidos por intenso investimento em pesquisa e
desenvolvimento.
FREEMAN (1982) descreve um produto de ciclo maduro como aquele em que a) a
tecnologia é estável, ofertada em larga escala e sofrendo poucas inovações importantes; b)
o equipamento especializado exige alta intensidade de capital; c) o setor exige grandes
investimentos de entrada, apresentando tendência a concentração; d) o mercado é
dominado por compradores.
Assim, no seu atual estágio de desenvolvimento, a tecnologia de processamento
UHT pode ser categorizada como uma tecnologia madura, cujas tecnologias associadas e
avanços incrementais são desenvolvidos e ofertados no Brasil de maneira hegemônica por
um único fornecedor.
Contudo, além das particularidades da oferta tecnológica, estratégias de controle e
implicações exploráveis pelas agroindústrias lácteas, possibilidades consideradas
114
anteriormente neste trabalho, justifica-se analisar outras causas da incipiente movimento de
ampliação da variedade tecnológica.
HAMILTON (1997) observa a dificuldade das organizações em ampliar o escopo
de investimento além daqueles de fácil compreensão e previsão de retorno. O autor refere-
se aos investimentos iniciais necessários ao desenvolvimento de novos produtos, cercados
de incertezas em relação à tecnologia e mercados envolvidos. Assim, inúmeras vezes
transpareceu, nos estudos de caso realizados nesse estudo, a relutância das agroindústrias
processadoras em prospectar novas oportunidades tecnológicas, além daquelas de baixa
apropriabilidade ofertadas pela fornecedora líder.
A adoção de um comportamento cauteloso e defensivo na busca da inovação
tecnológica, mais adequado às atividades de rotina, deriva da perspectiva de decisões com
resultados imprevisíveis, de difícil reversão e de correção envolvendo altos custos. Talvez,
por ser o segmento processador de leite fluido tomador de tecnologia e não um
desenvolvedor da mesma, a hesitação e o receio frente a novas perspectivas de inovação
intensifiquem-se.
De fato, a difusão da inovação tecnológica no segmento agroindustrial processador
de leite UHT é fortemente induzida por um segmento fornecedor, limitando as estratégias
tecnológicas individuais ao “timing” da oferta. Além disso, a urgência e a inexorabilidade
da demanda, representada pela evolução extraordinária do mercado de leite UHT (“demand
pull”), também limitaram as possibilidades de análise de opções tecnológicas alternativas
pelo segmento agroindustrial. Assim, a “trajetória tecnológica”, representada pela evolução
da tecnologia UHT no segmento agroindustrial processador de leite do Rio grande do Sul,
ocorreu de uma maneira em que as características de “irreversibilidade” e
“cumulatividade” (DOSI, 1988: 1145) do processo fizeram-se especialmente presentes pela
característica exógena de sua fonte (“technology push”).
Perpetua-se, então, uma estrutura setorial estabelecida a partir dadiversidade
comportamental” (POSSAS, 1989: 172) das firmas, que beneficiou, quando da adoção
tecnológica, as agroindústrias inovadoras (“first movers”), menos aversas ao risco, que
rapidamente tornaram-se líderes do mercado de leite UHT e que, pela característica setorial
115
de baixa “variedade tecnológica”, configurou uma “organização” setorial bem definida
(POSSAS, 1989: 172-173).
Frente a essa situação, HAMILTON (1997) sugere o posicionamento estratégico
das organizações em relação à tecnologia, ou seja, o estabelecimento de um programa de
pesquisa e desenvolvimento capaz de conduzir a empresa do estágio de investimentos em
tecnologias maduras para investimentos em inovações tecnológicas, com a finalidade de
criar opções de investimento futuros. Essa abordagem permite um levantamento preliminar
das opções tecnológicas e sua adequação às características da organização, sem um grande
comprometimento financeiro, sendo assim trata-se de um processo contínuo de triagem e
análise das novas tecnologias.
Em muitas agroindústrias processadoras do Rio Grande do Sul, especialmente nas
de grande capacidade de processamento GL1 e GL2, mas não somente nelas, existe um
estado de permanente vigilância e avaliação de variantes tecnológicas ao processamento
UHT e/ou à sua opção de envase. Mesmo que muitas vezes utilizado como uma ameaça
velada aos excessos da fornecedora de insumos líder, esse posicionamento sinaliza para a
predisposição do setor em buscar alternativas tecnológicas capazes de sustentar estratégias
de diferenciação.
Isso pode significar um movimento do segmento processador de leite UHT no
estado do Rio Grande do Sul, no sentido de modificar o padrão tecnológico dominante, o
que pode redundar na abertura de múltiplas opções de ajuste entre a estratégia competitiva
das agroindústrias e a tecnologia.
Essa perspectiva seria muito mais adequada àqueles que defendem a escolha
tecnológica realizada a partir da consideração dos recursos internos da organização e, não
como realizada até o momento no segmento agroindustrial processador de leite UHT,
através da indução tecnológica, partindo de fatores externos (demanda de mercado, oferta
da fornecedora) com a conseqüente adaptação da empresa.
Dessa maneira, a adequação entre estratégia competitiva e tecnologia é
potencializada pela otimização da exploração dos benefícios tecnológicos em função das
116
características distintivas e capacidades centrais de cada organização (SCHOEMAKER,
1992).
Por outro lado, vários autores especificam a importância de uma presença de
fornecedores domésticos especializados” (PORTER, 1991: 112) que, junto com o setor
industrial, desenvolvem-se como “clusters” (SCHROEDER, 1990: 26).
Segundo a “hipótese de Schumpeter”, uma estrutura setorial envolvendo grandes
empresas, com maior capacidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, é
desejável para a alavancagem da inovação tecnológica. Segundo essa visão, o mercado
brasileiro de leite UHT em direção ao oligopólio no setor de beneficiamento de leite fluido
e no setor fornecedor de equipamentos e embalagens é, nesse requisito, um ambiente
propício ao desenvolvimento da inovação tecnológica.
De fato, as “externalidades inter-setoriais” (POSSAS, 1989) representadas pelo
desenvolvimento de uma infra-estrutura específica do segmento fornecedor capaz de
alavancar economias de escala na produção de insumos, elevados padrões tecnológicos
agregados nos produtos ofertados (equipamentos e embalagens) e tecnologias
complementares (manutenção, logística, marketing, etc) são determinantes na
competitividade acessada pelo segmento agroindustrial processador de leite UHT no estado
do Rio Grande do Sul.
Assim, os estímulos gerados exogenamente pelo segmento fornecedor na forma de
fluxos de informações tecnológicas, oferta de capacitações técnicas (nos serviços e
produtos ofertados), previsão das necessidades de mercado e facilidades financeiras criam
uma “rede estruturada de externalidades” (DOSI, 1988: 1146) capaz de dinamizar a
evolução tecnológica do segmento agroindustrial processador de leite UHT.
Para SCHROEDER (1990), o pleno desenvolvimento da tecnologia é resultado do
processo de aprendizado resultante de sua implementação. Desse ponto de vista, o processo
de envolvimento e o estabelecimento de um fluxo de informações entre fornecedores
tecnológicos e usuários representam uma oportunidade de adequação entre inovação
tecnológica e estratégia empresarial.
117
Assim, a capacidade do fornecedor dominante em prospectar as potencialidades e
necessidades das agroindústrias processadoras de leite UHT, assim como a livre oferta de
tecnologia de processo e produto e “sub-tecnologias” (PORTER, 1989: 167)
complementares, representa uma oportunidade de pida e eficazmente adequar a oferta
tecnológica às prerrogativas das estratégias individuais.
Contudo, para outros autores, o tamanho das organizações é secundário no
investimento em programas de desenvolvimento da inovação tecnológica. O principal fator
determinante seria o interesse em “canibalizar” investimentos de sistemas tecnológicos
maduros para incrementar sistemas tecnológicos inovadores; um dos principais limitadores
desse movimento é a especificidade dos ativos (CHANDY & TELLIS, 1998) , (ITAMI &
NUMAGAMI, 1992). Nesse sentido, a hegemonia de um único sistema produtivo,
caracterizado por ativos de alta especificidade como o sistema UHT, é um forte fator
inibitório a adoção da inovação tecnológica pelo setor e, segundo essa perspectiva, toda a
cadeia de produção de leite no Brasil encontra-se em uma posição de forte risco frente ao
desestímulo ao desenvolvimento e adoção de inovações no sistema de produção de leite
fluido.
Corroborando com essa perspectiva, DOSI (1988) observa que, apesar de existir
uma relação “grosseiramente” linear entre o tamanho das empresas e o gasto com pesquisa
e desenvolvimento, é importante considerar que a distribuição do tamanho das empresas
inovadoras dentro de um setor depende, fundamentalmente, das características
tecnológicas deste. Assim, em setores que possuem altas oportunidades tecnológicas
(química fina, biotecnologia) o nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento entre
as empresas é equivalente, independente de seu tamanho. Por analogia, infere-se que o
oposto também possa ser verdadeiro. Em setores induzidos tecnologicamente os
investimentos em pesquisa e desenvolvimento tendem a serem baixos, independente de sua
concentração.
DOSI (1988: 1153) complementa: “mais precisamente, as diferenças na distribuição
do tamanho das empresas, entre setores e intra-setor, estão relacionadas com as
características dos diferentes paradigmas tecnológicos e, pelo modo como as capacidades
inovativas podem ser exploradas pelas organizações individualmente”, como
118
“apropriabilidade”, “oportunidades tecnológicas”, escopo para automação e economias de
escala.
Para LUNDWALL apud SALLES & FERREIRA (1990), o monitoramento das
atividades dos usuários pelos produtores de tecnologia ocorre quando: a) o processo de
inovação nas unidades dos usuários pode ser apropriado pelos produtores de tecnologia; b)
as inovações de produto no usuário podem implicar em novas demandas para
equipamentos/processos; c) o conhecimento produzido por “learning by using” pode ser
transformado em novos produtos; d) os gargalos e a interdependência entre a oferta
tecnológica e a competência do usuário permitam estimar as possibilidades de inovação; e
e) o monitoramento do “learning” potencial e da competência do usuário permita estimar
as possibilidades em adotar novos produtos.
Particularmente, “se for um produto complexo, representando parcela considerável
do orçamento do usuário, a relação típica será de interdependência acentuada, envolvendo
a cooperação direta e a troca de informação”. Nesse contexto, é possível que “as atividades
inovativas e sua trajetória possam se desviar das reais necessidades dos usuários”
(SALLES F° & FERREIRA, 1990: 10).
Em especial, o estabelecimento de relações de dominação do produtor tecnológico e
o usuário pode criar barreiras ao aumento da diversidade no segmento ofertante de
tecnologia pela obliteração de outras oportunidades pelo paradigma tecnológico” vigente
(DOSI, 1988: 1127). Então, o que está em jogo não é a possibilidade de acompanhar a
evolução tecnológica associada ao processamento de leite UHT, eficientemente conduzida
pela fornecedora líder, mas sim, a perspectiva de usufruir de novas tecnologias de
processo/produto com características de apropriabilidade capazes de permitir a geração de
oportunidades de diferenciação.
DOSI (1988: 1142) observa que paradigmas tecnológicos mantêm, restritivamente,
a discussão, as regras e a cultura tecnológica concentradas em torno de seu eixo, assim,
inovações radicais ocorrem “se” e quando” as condições do ambiente competitivo,
estimulante à sua adoção (via novas oportunidades de mercado), o capazes, também, de
sustentar estruturalmente esses novos paradigmas, através do desenvolvimento
119
tecnológico, do desenvolvimento de fornecedores, do atendimento das necessidades
logísticas, da capacitação da mão de obra, etc.
Nesse caso, a possibilidade de implementação de “trajetórias tecnológicas
alternativas” (DOSI, 1988: 1145 e 1128) geradoras de inovações radicais deveria ser
suficientemente atrativa para compensar as barreiras de entrada e mobilidade estabelecidas
pelo padrão tecnológico dominante, condição só atingível com o investimento prioritário
em pesquisa e desenvolvimento pelo segmento agroindustrial fornecedor ou com o
desenvolvimento de fornecedores diversificados, ambas as prerrogativas inseridas em um
contexto de ciclo de produto concorrente em fase estabilizada (perspectiva de retornos
decrescentes), de tal maneira que as vantagens relativas de novos projetos de investimento
ofereçam retornos condizentes com seu custo e risco.
Enfim, é possível perceber queo existem caminhos certos ou errados na busca da
adequação entre tecnologia e estratégia empresarial, existem, sim, características dinâmicas
e evolutivas entre essa relação que criam vantagens e desvantagens potenciais para cada
grupo estratégico de um setor. Assim, a adequação da relação entre tecnologia e estratégia
empresarial deve ser analisada em função da evolução da relação vantagens/desvantagens
paralela às modificações ambientais, tecnológicas e estratégicas impactantes sobre o setor
industrial.
120
CONCLUSÕES
Este estudo procurou apreender os elementos relacionados à adoção de tecnologias
estratégicas em um segmento específico de uma cadeia agroindustrial. Para tanto, é
necessário analisar a inter-relação dinâmica entre a oferta tecnológica, fonte da inovação
neste setor, o ambiente competitivo e a estratégia individual das organizações.
A inovação, incremental ou radical, representa a oportunidade de desequilibrar o
ambiente competitivo de um setor a favor da organização pioneira em sua adoção. O
ambiente competitivo, representa o contexto, no qual as inovações terão sucesso ou não,
delimitando a “arena da concorrência”. A estratégia individual é a expressão da
capacitação gerencial da firma em perceber as oportunidades de sucesso das inovações
associadas à potencialidade da organização de adotá-las.
Contudo, a abordagem individual de cada um destes três elementos é insuficiente
para perceber a lógica da dinâmica estrutural de um setor. De fato, somente a consideração
das conseqüências de sua inter-relação permite analisar a “racionalidade” dos tomadores de
decisão, sob condições de incerteza, do segmento considerado.
O diagrama a seguir (figura 9), ilustra as relações dinâmicas e recíprocas entre essas
três forças autônomas: a tecnologia, o ambiente competitivo e a estratégia competitiva
individual adotada pelas organizações de um segmento. A observação dessas interações
são limitadas pela sua especificidade, a cada segmento considerado, e pela temporalidade
conseqüente à sua dinâmica ininterrupta. Além disso, essa abordagem é de caráter
interdisciplinar, considerando os diversos temas abordados: tecnologia de processo,
economia industrial e estratégia empresarial entre outros. Finalmente, a análise complexa
deve estar presente pela eminente interação entre os elementos considerados.
121
Figura 9: Relações dinâmicas e recíprocas entre o ambiente competitivo, a
tecnologia e a estratégia competitiva de um setor industrial.
Fonte: elaborado pelo autor.
Durante o desenvolvimento desse estudo, foi possível descrever a difusão da
tecnologia de processamento UHT, baseada nas características da oferta tecnológica,
considerando as particularidades do ambiente competitivo favoráveis a sua adoção e, a
implementação das estratégias competitivas decorrentes, adotadas pelo segmento
agroindustrial gaúcho processador de leite longa vida.
Dessa maneira, foi possível identificar os fatores ambientais e individuais das
agroindústrias que foram relevantes na adoção do processamento UHT pelo segmento
processador do estado do Rio Grande do Sul.
O recorte de análise setorial seguiu os limites estabelecidos no conceito de “filière”
ou cadeia de produção agroindustrial. A totalidade das agroindústrias processadoras de
leite UHT do estado do Rio Grande do Sul foram objeto de análise. A obtenção de dados
secundários e dados primários, obtidos a partir de entrevistas em profundidade com
especialistas do setor e técnicos e gerentes das agroindústrias processadoras e de seus
fornecedores tecnológicos, permitiu o atendimento aos objetivos propostos.
A análise dos elementos presentes no ambiente competitivo do setor de leite fluido
no estado do Rio grande do Sul que influenciaram a adoção da tecnologia UHT utilizou
como estrutura de abordagem o “modelo das 5 forças” de PORTER (1989).
Ambiente Competitivo
Tecnologia
Estratégia competitiva
Temporalidade Especificidade
Interdisciplinaridade
Complexidade
Evolução
Setorial
122
A partir dessa estrutura de análise foi possível observar que em relação ao
segmento produtor de matéria-prima a tecnologia UHT representou um incremento nas
exigências qualitativas e no aumento da escala de produção. Além disso, o segmento
fornecedor de equipamentos e embalagens é representado por uma empresa que
eficazmente vale-se de estratégias baseadas na oferta de produtos complementares no
sentido de manter sua liderança. Em relação ao risco de produtos substitutos ao leite UHT,
este é limitado pela “trajetória tecnológica vigente”. A presença de novos entrantes,
agroindustrias concorrentes processadoras de leite UHT, foi possível pela ampliação dos
limites geográficos dos mercados, especialmente concorrentes do Mercosul, em situações
conjunturais favoráveis. Também, o poder de barganha dos compradores das agroindústrias
processadoras de leite UHT, principalmente do grande varejo, foi ampliado acompanhando
a ampliação geográfica dos mercados. Atualmente a concorrência no segmento
agroindustrial processador de leite UHT, no Rio Grande do Sul, é intensa mas subdividida
entre as empresas de grande capacidade de processamento, concorrendo nacionalmente,
especialmente pela via do grande varejo e, as empresas de dia capacidade de
processamento, enfocando os mercados locais, dos pequenos e médios centros urbanos, via
o pequeno e médio varejo.
Em especial, duas das principais variáveis presentes no ambiente competitivo que
levaram a adoção da tecnologia UHT pelas agroindústrias de laticínios do Rio Grande do
Sul foram a crescente demanda pelo leite longa vida e a indução tecnológica do setor por
uma empresa fornecedora de equipamentos de processo, embalagens e serviços associados.
A analise dos elementos presentes na estratégia competitiva individual das
organizações, que foram relevantes na adoção da tecnologia UHT pelas agroindústrias
processadoras de leite fluído no estado do Rio Grande do Sul, foram abordados
considerando o impacto dessa tecnologia sobre os direcionadores (de custo ou
diferenciação) definidos por PORTER (1989).
Analisando-se as estratégias genéricas adotadas em cada grupo estratégico e os
direcionadores explorados, foi possível estabelecer que: a) as agroindústrias de grande
capacidade de processamento buscando a liderança de custos, exploram
preponderantemente direcionadores como economias de escala, utilização da capacidade,
123
inter-relações tangíveis e intangíveis, oportunidades e custo de insumos e b) as
agroindústrias de média capacidade de processamento, constrangidas a competir em custos,
exploram a associação entre direcionadores como elos com fornecedores, inter-relações
tangíveis e localização, de maneira a compensar outros determinantes menos favoráveis às
suas particularidades.
Complementarmente, as agroindústrias de grande capacidade de processamento
diferenciaram-se inicialmente pelo pioneirismo na adoção da tecnologia UHT e, mais
recentemente, pela imagem de marca de seus produtos e pela possibilidade de enfocar
segmentos de mercado específicos pela variedade de produtos oferecidos.
Por outro lado, as agroindústrias de média capacidade de processamento
conseguem evitar a concorrência direta de preços pela seleção de canais de distribuição,
em especial o médio e pequeno varejo. Contudo, questiona-se a sustentabilidade das
barreiras, aos concorrentes de grande capacidade de processamento, dessa estratégia de
enfoque.
Finalmente, a agroindústria de pequena capacidade de processamento, analisada
nesse estudo, buscou uma estratégia de diferenciação com a seleção de uma tecnologia de
processo e configuração de produto, de maneira a não concorrer com o sistema/produto
prevalente, o que possibilitou uma inserção privilegiada no grande varejo.
A emergência desse sistema é uma estrutura setorial em relativo equilíbrio pela
diferenciação de estratégias dos diferentes grupos agroindustriais e pela difusão e evolução
homogênea da tecnologia UHT.
Contudo, o incipiente movimento de ampliação da oferta tecnológica, como a
instalação de novos fornecedores domésticos de equipamentos e embalagens de envase
asséptico adequados ao leite fluído, interagindo com o atual perfil comportamental das
agroindústrias processadoras, dependentes da atualização tecnológica exógena, gera uma
organização setorial marcada pela hegemonia de um único sistema produtivo, o que pode
ser um fator inibitório a adoção da inovação tecnológica.
124
Limitações do estudo
A racionalização “post-facto” dos tomadores de decisão, consultados nas
agroindústrias, em relação à condução do processo inovador (adoção da tecnologia UHT),
não é distinguível das considerações realmente realizadas na época.
A análise de estudos de casos não é adequada a generalização dos resultados, ou
seja, não é possível estabelecer, a partir deste estudo, uma relação explicativa universal
para a adoção da tecnologia UHT pelas agroindústrias lácteas processadoras.
Evidentemente esse não foi o objetivo deste projeto e, sim, compreender a adoção e
implementação dessa tecnologia pelas agroindústrias lácteas do Rio Grande do Sul.
A análise dos direcionadores, dentro da proposta desse estudo, o foi realizada de
maneira a ponderar sua importância relativa nem calcular seu impacto econômico absoluto.
O estudo restringe-se a análise de um período no tempo, a década de noventa que,
apesar de representar a fase de implantação da tecnologia UHT e do desenvolvimento de
seu mercado, é insuficiente para explicar inteiramente a configuração resultante no setor
processador.
A estrutura de análise adotada o privilegia a percepção das conseqüências da
adoção da tecnologia UHT fora do recorte estabelecido, ou seja, na cadeia produtiva
informal de leite, nos pequenos produtores de leite e nas agroindústrias processadoras de
outros derivados lácteos que tiveram, de alguma maneira, sofrido modificações pela
implementação da tecnologia UHT.
A análise de produtos potencialmente substitutos, poderia incluir, além de todos os
outros derivados lácteos, outros produtos alimentícios como, por exemplo, sucos de frutas
e refrigerantes.
125
Sugestões para pesquisas futuras
A ponderação do impacto (hierarquização) dos diferentes direcionadores na
sustentação da estratégia individual das organizações pode representar um avanço na
compreensão destes na adoção e implementação da tecnologia UHT no setor cteo
gaúcho.
A análise de cenários futuros, considerando a evolução do ambiente concorrencial,
da oferta tecnológica, das potencialidades e estratégias individuais das agroindústrias de
laticínios do Rio Grande do Sul pode representar uma possibilidade de prever e ponderar as
ameaças e oportunidades potenciais, para as diferentes categorias de processadores, em
cada contexto analisado.
A ampliação da análise, considerando todas as “filières” de produtos lácteos
existentes e potenciais, poderia completar o estudo atual.
126
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134
ANEXOS
135
ANEXO 1: Elementos balizadores considerados nas entrevistas com especialistas (módulo
“relação tecnologia UHT x ambiente” e “relação tecnologia UHT x estratégia
empresarial”) e nos estudos de casos (todos os módulos).
DADOS INSTITUCIONAIS
Razão social
Marca(s) de leite UHT
Volume médio processado / mês
Produção média mensal de leite UHT
DADOS MERCADOLÓGICOS
Ano de implantação do sistema UHT
Principais mercados geográficos (% relativo dos municípios e estados envolvidos)
Possui rede distribuição própria ? (% / volume vendas e faturamento)
Principais canais de distribuição (% relativo de cada)
Participação do leite UHT no faturamento (% relativo / outros produtos)
Participação do leite UHT modificado” (cálcio, vitaminas etc) no volume de vendas e no
faturamento (% relativo / UHT total)
Sistemas de comunicação com clientes preponderantemente adotados (propaganda,
merchandising, promoção)
RELAÇÃO TECNOLOGIA UHT X AMBIENTE
UHT X PB* Fornecedores (m.p. e insumos)
UHT X Risco de novos entrantes (mercosul ou outros estados (?)
UHT X Risco de produtos substitutos
UHT X PB* Compradores (varejo e consumidores)
UHT X Rivalidade no Segmento:
Crescimento do setor
Concentração e equilíbrio
Barreiras de entrada
Custos de mudança
Diversidade de produtos e concorrência
Barreiras de saída
Gestão ambiental
*Poder de barganha
RELAÇÃO TECNOLOGIA UHT X ESTRATÉGIA EMPRESARIAL
Estratégia genérica:
A empresa compete em um mercado onde o fator mais importante é a) o preço; b) a
diferenciação do produto/serviços; c) o atendimento a segmentos de mercado (com baixo
preço ou singularidade)?
UHT X Direcionadores:
Aprendizagem:
O custo do processamento caiu com o passar do tempo (em função da racionalização das
atividades de produção)?
Isso foi importante para a sua diferenciação frente a concorrência?
136
Economia de escala:
Existe diferença de eficiência de processamento em função do volume?
Existe amortização de custos (indiretos) com o aumento do volume de processamento?
Elos horizontais:
Quais foram as principais melhorias na coordenação e otimização das atividades de
produção?
Como o custo das atividades de processamento é influenciado (ou poderia ser) pelo modo
como outras atividades são realizadas?
Que tipos de relações importantes existem entre a etapa de produção e as outras (logística,
distribuição, etc)?
Quais as principais relações entre a produção e outras atividades que são importantes na
sua diferenciação frente à concorrência?
Elos verticais:
Quais as principais relações entre a etapa de produção e os fornecedores?
De que maneira essas relações aumentam a competitividade desta empresa?
Inter-relações (produtos e/ou entre unidades produtivas):
Existem atividades compartilhadas entre diferentes unidades produtivas?
Existem atividades compartilhadas entre diferentes produtos (vendas, distribuição)?
Essas relações são particulares a essa empresa?
Integração
Existem atividades que foram ou poderiam ser terceirizadas que a empresa prefere
realizar?
Existem atividades que foram ou poderiam ser realizadas pela empresa que foram
terceirizadas?
Existe diferença entre esta empresa e as outras em relação a isso?
Oportunidade
A empresa foi pioneira (inovadora) na adoção da tecnologia UHT?
Existem ciclos comerciais relacionados ao mercado de leite UHT dos quais a empresa se
aproveita?
Localização:
A localização geográfica da empresa (ou da planta UHT) é um fator importante nos custos
ou na sua diferenciação frente à concorrência?
Utilização da capacidade:
Existem problemas de fornecimento que impeçam a utilização desejada da capacidade de
processamento da planta UHT?
Fatores institucionais:
Existem aspectos da legislação ou políticas públicas que beneficiaram ou prejudicaram a
implantação da tecnologia UHT?
Política de compras:
Existem mecanismos na empresa para diminuir o custo ou aumentar a qualidade dos
insumos adquiridos?
Qual a importância desses mecanismos para os custos totais da empresa e para sua
diferenciação frente à concorrência?
Políticas arbitrárias:
Para cada item abaixo especificar se impacto importante nos custos da empresa ou na
sua diferenciação frente à concorrência.
137
Desempenho e características dos produtos:
Existe uma vantagem ou desvantagem nas características do leite UHT que impactem
sobre o custo da empresa em produzi-lo/distribui-lo ou na sua diferenciação frente a
concorrência?
Mix e variedade de produtos oferecidos:
A variedade de leite UHT e/ou outros derivados lácteos impactam fortemente sobre o custo
da empresa ou na maneira como a empresa compete?
Tecnologia empregada (além processamento UHT):
Existem tecnologias associdas (informação, automação, etc) que são importantes na
definição dos custos ou na sua diferenciação frente à concorrência?
Qualidade de insumos:
A variação na qualidade de insumos (m.p. e embalagem) possui um impacto importante
nos custos ou na sua diferenciação frente a concorrência?
Controle de qualidade:
É um item importante nos custos e/ou na sua diferenciação frente à concorrência?
Gestão RH:
É um item importante nos custos e/ou na sua diferenciação frente à concorrência?
Gestão da produção:
É um item importante nos custos e/ou na sua diferenciação frente à concorrência?
138
ANEXO 2: “Filière” do leite UHT no estado do Rio Grande do Sul.
Produção do leite
Fatores: Especialização ; Produtividade ; Escada de produção ; Controle de qualidade ;
Localização
Operações: Criação de gado ; Coleta e estocagem do leite
Transporte da matéria-prima
Fatores: Granelização ; Logística ; Capacidade
Operações: Transporte ; Controle de qualidade
Processamento
Fatores: Tecnologia de processo ; Escala de processamento ; Produtividade ; Estratégia ;
Localização
Operações: Fomento do produtor ; Recepção do leite ; Controle de qualidade ; Limpeza ;
Desnate ; Tratamento térmico ; Envase ; Estocagem do produto ; Controle de qualidade do
produto no varejo
Distribuição
Fatores: Estratégia ; Escala de comercialização ; Localização
Operações: Comercialização ; Sustentação do canal / produto ; Controle de estoques
Consumo
Fatores: Necessidades ; Renda ; Evolução ; Informação ; Formação ; Localização
Operações: Compra ; Consumo
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