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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÍVEL MESTRADO
BÁRBARA SILVA COSTA
A (IN)SUFICIÊNCIA DO PARADIGMA DOGMÁTICO NO MODO DE
OBSERVAR E ENSINAR O DIREITO
São Leopoldo
2007
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BÁRBARA SILVA COSTA
A (IN)SUFICIÊNCIA DO PARADIGMA DOGMÁTICO NO MODO DE
OBSERVAR E ENSINAR O DIREITO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Direito da Área de
Ciências Jurídicas da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Leonel Severo Rocha
São Leopoldo
2007
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Catalogação na Publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil - CRB 10/1184
C837i Costa, Bárbara Silva
A (In)suficiência do paradigma dogmático no modo de
observar e ensinar o direito / por Bárbara Silva Costa. 2007.
232 f. : il. ; 30cm.
Dissertação (mestrado) -- Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2007.
“Orientação: Prof. Dr. Leonel Severo Rocha, Ciências
Jurídicas”.
1. Direito - Ensino superior - Mecanicismo. 2. Direito -
Ensino superior - Mudança epistemológica. 3. Direito -
Ensino superior - Paradigma dogmático. 4. Teoria do sistema.
social. I. Título.
3
Dedico este estudo à minha mãe,
Elza Marione da Silva.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Professor Leonel Severo Rocha, pelas críticas, conselhos e por me
apresentar uma nova forma de observar o direito e a sociedade.
Ao Professor Agostinho Oli Koppe Pereira, pela orientação inicial do trabalho e
inesquecível acompanhamento no estágio docência.
Aos professores do Programa de Mestrado em Direito da UNISINOS, pelos
aprendizados e reflexões. Sou grata, em especial, aos mestres Rodrigo González e Albano
Pepe.
Aos colegas, por possibilitaram debates maduros. Em especial, agradeço ao Luis,
Rafael e Luciano, pelas suas inestimáveis amizades.
À secretária do Programa de Pós-Graduação, Vera, por ser atenciosa e prestar um
excelente serviço.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
oportunidade de fazer o mestrado com bolsa.
Às instituições ESADE, FARGS, IPA, PUCRS, UFRGS, ULBRA, UNILASALLE,
UNIRITTER e UNISINOS, representadas por seus coordenadores, por autorizarem a
realização da pesquisa de campo em suas instalações e abrirem espaço para entrevistas.
Aos 530 alunos ingressantes dos cursos de direito que participaram desta pesquisa,
pela sua importante contribuição.
Ao eterno mestre e amigo Dani Rudnicki, pelas orientações marcantes e confiança no
meu trabalho.
À Professora Virgínia Beatriz Dias Corrêa, por dar início ao caminho que me trouxe
até aqui.
À minha família, por todo apoio e compreensão. Sou grata, em especial, a Bianca,
Marione, Toti, Flávia, Celeni, Maria Helena e Nelson.
Por fim, ao Maurício, pelas palavras de incentivo e carinho.
“Como as crianças, nos sentimos seguros aprendendo o que o mundo
já sabe e se cansa de repetir”.
(Luis Alberto Warat)
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não
pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério
de recusa ao velho não é apenas o cronológico.
(Paulo Freire)
RESUMO
Estudar a (in)suficiência da dogmática jurídica no modo de observar e ensinar o direito
implica necessariamente em conhecer o contexto de seu surgimento. O modo como se
pretende realizar esta atividade parte da percepção cientificista, desenvolvida por Descartes e
Newton, durante os séculos XVI e XVII. A busca por um conhecimento certo, seguro, puro e
verdadeiro também pode ser encontrado no direito. A dogmática, considerada paradigma
científico do direito dominante na modernidade, influencia ainda hoje as estruturas judiciária
e educacional brasileiras. Ocorre que, tanto o modelo mecanicista, quanto o pensamento
jurídico encontram-se limitados diante das complexidades, desordens, incertezas e
inseguranças do mundo. Entretanto, permanecem presentes no imaginário dos juristas, os
quais apresentam concepções reducionistas, minimalistas, disjuntivas e insuficientes do
direito e da sociedade. Nesse sentido, é possível falar em uma crise de paradigmas, a qual
exige uma nova forma de ver o mundo, considerando os riscos e os paradoxos existentes. A
institucionalização do saber jurídico no Brasil sofreu inúmeras críticas durante a década de
1970, enfrentando o modelo teórico do direito e o modo como esse era ensinado. Em que pese
seja possível constatar críticas de extrema profundidade ao assunto, a maior parte dos debates
centrava-se no problema do descompasso entre quantidade e qualidade dos cursos de direito.
Esse debate, ainda atual nos dias de hoje, justifica a importância de um estudo indicativo do
real aumento dos cursos jurídicos no país durante os últimos anos. As instituições de ensino,
freqüentemente criticadas no que se refere à qualidade, foram pesquisadas. Através de
entrevista com coordenadores de nove cursos jurídicos da região metropolitana de Porto
Alegre, almeja-se averiguar quais são os principais objetivos e desafios enfrentados pelas
Instituições de Ensino Superior gaúchas. Outro fator normalmente apontado como
responsável pela crise do ensino refere-se aos alunos, os quais estariam interessados apenas
em conhecimentos técnicos e na obtenção do diploma. Por meio da aplicação de questionários
a 530 discentes ingressantes, foi possível conhecer o perfil desse aluno e suas expectativas em
relação ao curso. Em seguida, abordou-se a atuação da OAB enquanto organização voltada ao
controle epistemológico do ensino. Apesar de promover uma série de debates em torno da
crise do modelo de ensino existente, apresenta uma atuação contraditória no que tange à
realização do Exame de Ordem e de avaliações externas dos cursos jurídicos. Essa abordagem
foi desenvolvida através dos impactos sentidos pelas instituições pesquisadas. Através dos
resultados obtidos na pesquisa de campo, pretende-se demonstrar as dificuldades encontradas
em modificar o paradigma de ensino existente, o qual está comprometido com uma percepção
epistemológica inadequada ao século XXI. Diante disso, propõe-se um novo modelo
epistemológico. Por meio dos aportes fornecidos pela Teoria dos Sistemas Sociais, busca-se
apresentar uma nova forma de observar os sistemas jurídico e educativo.
Palavras-chave: Mecanicismo, Paradigma Dogmático, Ensino Jurídico, Alunos, Instituições
de Ensino Superior, Cursos de Direito, Mudança Epistemológica, Complexidade, Teoria dos
Sistemas.
ABSTRACT
To study the (in) adequacy from law dogmatic in the way to observe and teach law
necessarily implies in knowing the context of its appearance. The way of how is wanted to
perform this activity comes from the scientific perception developed for Descartes and
Newton in XVI and XVII centuries. The quest for a correct, safe, pure and true knowledge
also can be found in law study. The dogmatic, considered scientific paradigm from dominant
law in modernity continues influencing today the Brazilian law and educational structures.
The mechanics models and the law thinking are limited in front of the complexities, disorders,
uncertainties and insecurities of the world. However, it remains recurrent in imagination of
jurists who present reducing, minimalist, excluding and insufficient conceptions from law
study and society. Observing this, it’s possible to talk in a paradigm crisis which demands a
new way to see the world considering the risks and existing paradoxes. The institution of law
knowledge in Brazil had innumerous criticism over the 70´s facing the theorist model from
law and the way it was thought. Considering it can be possible to identify really deep
criticism to the subject, the major part of debates was centered in the problem of the
disassociation between the quantity and quality of law courses. This debate is present in the
current days and justifies the importance of an indicative study of real increase of law courses
in the country during the last years. The Colleges, which are frequently criticized about
quality, were researched. Trough interviewing with coordinators of nine law courses in Porto
Alegre metropolitan region is expected to check what the main objectives are and challenges
faced by the Colleges in Rio Grande do Sul. Other factor usually pointed as responsible for
the teaching crisis refers to the students, who would be interested only in technical knowledge
and in diploma obtaining. Trough a questionnaire application to 530 students which are
entering in law courses was possible to know the profile of this student and his expectations
regarding the course. On following, it was approached the OAB action as an organization
driven to the epistemological control of teaching. In spite of to promote lots of debates under
the crisis of the existing teaching model presents a contradiction action considering the OAB
exams and the external evaluations of law courses. This approach was developed through the
impacts felt by the institutions researched. Through the results of field survey is expected to
demonstrate the difficulties found to change the teaching existing paradigm which is
committed with an epistemological perception inadequate to XXI century. Considering this, it
was proposed a new epistemological model. Though the contribution supplied by the Social
Systems Theory it is demanded to present a new way to observe the educational and law
systems.
Keywords: Mechanics, Paradigm Dogmatic, Law Study, Students, Colleges, Law Courses,
Epistemological Change, Complexity, Systems Theory.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Gráfico: crescimento dos cursos de direito autorizados no Brasil (2000-2007) ............ 78
FIGURA 2 Gráfico: gênero .............................................................................................................. 97
FIGURA 3 Gráfico: gênero (por instituição) ................................................................................... 98
FIGURA 4 Gráfico: idade .............................................................................................................. 99
FIGURA 5 Gráfico: estado civil .................................................................................................... 99
FIGURA 6 Gráfico: filhos .............................................................................................................. 100
FIGURA 7 Gráfico: número de filhos .......................................................................................... 100
FIGURA 8 Gráfico: renda familiar ................................................................................................ 101
FIGURA 9 Gráfico: renda (por instituição) ................................................................................... 102
FIGURA 10 Gráfico: escola em que cursou o Ensino Médio ........................................................ 103
FIGURA 11 Gráfico: escola em que cursou o Ensino Médio (por instituição) ............................. 104
FIGURA 12 Gráfico: turno em que cursou o Ensino Médio ......................................................... 104
FIGURA 13 Gráfico: aspirações profissionais .............................................................................. 109
FIGURA 14 Gráfico: auto-avaliação do desempenho ................................................................... 111
FIGURA 15 Gráfico: descrição do curso ....................................................................................... 112
FIGURA 16 Gráfico: realização de atividades interdisciplinares .................................................. 113
FIGURA 17 Gráfico: opinião sobre o que os cursos deveriam priorizar ...................................... 117
FIGURA 18 Gráfico: pretensão em realizar o Exame de Ordem .................................................. 118
FIGURA 19 Gráfico: opinião sobre a prova .................................................................................. 119
FIGURA 20 Gráfico: conhecimento sobre a avaliação dos cursos realizada pela OAB ............... 119
FIGURA 21 Gráfico: estatística dos Exames da OAB/RS ............................................................ 128
FIGURA 22 Ilustração: graus de autonomia dos sistemas parciais da sociedade ......................... 166
FIGURA 23 Ilustração: fases da autonomia jurídica segundo Teubner ........................................ 168
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Instituições que participaram da pesquisa................................................................... 19
QUADRO 2 Cursos de direito recomendados pela OAB em 2007................................................ 137
QUADRO 3 Comparativo entre paradigmas.................................................................................. 158
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Número de alunos matriculados e índice de respondentes por instituição .................. 22
TABELA 2 Número de cursos de direito e vagas oferecidas por Estado ....................................... 78
TABELA 3 Índice de aumento dos cursos de direito ..................................................................... 78
TABELA 4 Gênero ........................................................................................................................ 97
TABELA 5 Gênero (por instituição) ............................................................................................ 98
TABELA 6 Idade .......................................................................................................................... 98
TABELA 7 Estado civil ............................................................................................................... 99
TABELA 8 Filhos ........................................................................................................................ 100
TABELA 9 Número de filhos ...................................................................................................... 100
TABELA 10 Renda familiar ........................................................................................................ 101
TABELA 11 Renda familiar (por instituição) .............................................................................. 102
TABELA 12 Escola em que cursou o Ensino Médio .................................................................. 103
TABELA 13 Escola em que cursou o Ensino Médio (por instituição) ........................................ 103
TABELA 14 Turno em que cursou o Ensino Médio ................................................................... 104
TABELA 15 Situação profissional .............................................................................................. 105
TABELA 16 Atividade exercida .................................................................................................. 105
TABELA 17 Situação profissional (por instituição) .................................................................... 106
TABELA 18 Escolha do curso ..................................................................................................... 107
TABELA 19 Expectativas em relação ao curso ........................................................................... 108
TABELA 20 Aspirações profissionais ......................................................................................... 109
TABELA 21 Carreira pública desejada ........................................................................................ 109
TABELA 22 Escolha da instituição ............................................................................................. 110
TABELA 23 Auto-avaliação do desempenho .............................................................................. 111
TABELA 24 Descrição do curso ................................................................................................. 112
TABELA 25 Realização de atividades interdisciplinares ............................................................ 112
TABELA 26 Atividades oferecidas ............................................................................................. 113
TABELA 27 Opinião sobre a necessidade do curso ser diferente ............................................... 113
TABELA 28 Sugestões apresentadas .......................................................................................... 114
TABELA 29 Características de um bom professor de direito .................................................... 115
TABELA 30 Problemas do ensino jurídico ................................................................................ 116
TABELA 31 Opinião sobre o que os cursos jurídicos deveriam priorizar .................................. 117
TABELA 32 Pretensão em realizar o Exame de Ordem ............................................................. 118
TABELA 33 Opinião sobre a prova ............................................................................................ 118
TABELA 34 Conhecimento sobre avaliação dos cursos jurídicos realizada pela OAB ............. 119
TABELA 35 Estatística dos exames da OAB/RS ........................................................................ 128
LISTA DE ABREVIATURAS
ABEDI Associação Brasileira de Ensino do Direito
ALMED Associação Latino-Americana de Metodologia e Ensino do Direito
CAPES Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
ESADE Escola Superior de Administração, Direito e Economia
FARGS Faculdades Rio-Grandendes
IED Introdução ao Estudo do Direito
IES Instituições de Ensino Superior
IPA Centro Universitário Metodista Ipa
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
OAB/RS Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção do Rio Grande do Sul
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ULBRA Universidade Luterana do Brasil
UNILASALLE Centro Universitário La Salle
UNIRITTER Centro Universitário Ritter dos Reis
UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13
2 PERCEPÇÃO MECANICISTA DO DIREITO E SEU ENSINO .................................24
2.1 VISÃO CARTESIANA-NEWTONIANA DO MUNDO MODERNO .......................... 24
2.2 DESENVOLVIMENTO DO PARADIGMA DOGMÁTICO ......................................... 34
2.3 LEGADO EDUCACIONAL ........................................................................................... 52
3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SABER JURÍDICO NO BRASIL ........................... 74
3.1 BREVE DIAGNÓSTICO DOS CURSOS JURÍDICOS................................................. 76
3.2 ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR ..................................... 79
3.3 PERFIL E EXPECTATIVAS DISCENTES .................................................................. 97
4 ATUAÇÃO DA OAB NO CONTROLE EPISTEMOLÓGICO DO ENSINO ........ 122
4.1 EXAME DE ORDEM .................................................................................................... 126
4.2 AVALIAÇÕES EXTERNAS ........................................................................................ 134
4.3 IMPACTOS DAS AVALIAÇÕES NOS CURSOS DE DIREITO ............................... 139
5 A CONTRIBUIÇÃO DA PROPOSTA SISTÊMICA .................................................. 149
5.1 MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA ............................................................................... 149
5.2 OBSERVANDO O DIREITO A PARTIR DA TEORIA DOS SISTEMAS ................. 160
5.3 EDUCAÇÃO (JURÍDICA) SOB UM OLHAR SISTÊMICO ...................................... 170
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 181
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 189
APÊNDICE ...................................................................................................................... 205
1 INTRODUÇÃO
As discussões em torno do ensino jurídico têm provocado intensa polêmica no Brasil.
Desde a década de 1970 o debate vem sendo travado por juristas que manifestaram críticas ao
modelo educacional adotado pelas escolas de direito. Roberto Lyra Filho, Luis Alberto Warat
e José Eduardo Faria representam os juristas que exerceram importante papel nesse sentido,
questionando não apenas a educação proporcionada, como também o próprio modelo teórico
ensinado.
As críticas normalmente realizadas ao ensino do direito não se baseiam em aspectos
epistemológicos, mas em currículos, conteúdos ministrados, metodologias de ensino e
objetivos discentes centrados na obtenção do diploma. Dentre os principais questionamentos
realizados, destaca-se o argumento de que o crescente aumento do número de instituições não
é acompanhado de sua necessária qualidade. Tal descompasso é freqüentemente abordado
pelos meios de comunicação e por renomados autores da área jurídica.
A relação entre quantidade e qualidade remete à indicação do número exato e
atualizado de cursos autorizados no país, sendo esta uma tarefa árdua, uma vez que esse dado
é alterado em curto espaço de tempo. Tendo em vista a freqüente referência ao problema da
proliferação dos cursos de direito e a análise isolada de dados a esse respeito, é possível
observar a necessidade de revisar algumas fontes que forneçam essas informações. Assim,
acredita-se ser possível aproximar-se da realidade no que tange ao aumento do número de
instituições autorizadas pelo Ministério da Educação nos últimos anos.
A matéria vem sendo amplamente discutida pela comunidade acadêmica (podendo ser
destacada a atuação da ALMED e da ABEDI), bem como a preocupação manifestada pela
OAB em manter a qualidade dos cursos jurídicos.
A OAB se manifesta a respeito do assunto desde o final dos anos 80, início de 1990,
período em que promoveu inúmeros seminários sobre o tema. Sua atuação, desde então, é
direcionada para frear o movimento de abertura indiscriminada dos cursos de direito. Através
da realização do Exame da Ordem e de avaliações externas dos cursos jurídicos, a OAB
acredita estar contribuindo para o controle de qualidade das escolas de direito.
O baixo índice de aprovação no Exame de Ordem é recorrentemente associado à má
formação dos bacharéis em direito, o que significa que o mesmo tem sido utilizado como
parâmetro em relação à qualidade das instituições. O debate, amplamente difundido na
literatura do ensino crítico do direito, representa um outro problema poucas vezes
mencionado: trata-se do motivo pelo qual, não apenas o Exame da OAB, mas o sistema
educativo em geral, está baseado em uma estrutura de pensamento insuficiente diante de um
mundo complexo.
Manter uma estrutura avaliativa pautada em uma perspectiva desenvolvida no século
XVII demonstra-se um grande equívoco nos dias de hoje. Entretanto, tal característica não é
proveniente apenas da literatura pedagógica elaborada neste período, e sim do
desenvolvimento do paradigma científico adotado na modernidade.
O pensamento cartesiano-newtoniano representou uma ruptura na visão de mundo do
homem ocidental. Com o advento das Revoluções Científicas, iniciadas no século XVI por
Copérnico, Kepler e Galileu, rompe-se com a percepção orgânica, teocêntrica e pautada em
autoridades bíblicas. Através de novas concepções de tempo e espaço, surge um novo método
de investigação científica.
Neste contexto, desenvolve-se a racionalidade cartesiana. Visando a elaboração de um
método que lhe permitisse construir uma completa ciência da natureza, Descartes buscava
verdades e certezas racionais do conhecimento científico. Seu projeto tornou-se realidade
através do pensamento de Newton, ao desenvolver uma formulação matemática completa da
concepção mecanicista.
Os feitos científicos de Descartes e Newton ocasionaram uma percepção fragmentada,
matematizada, disjuntiva e reducionista da realidade. A busca por conhecer o todo através da
simples soma das partes influenciou diversas áreas do saber. A adoção desse modelo
paradigmático foi desenvolvida tanto pelas teorias pedagógicas quanto pelo pensamento
jurídico moderno.
No direito, o desenvolvimento de um conhecimento neutro e puro impossibilitou o
seu questionamento, tornando-o acrítico. A ciência jurídica (teoricamente) isolou-se das
demais áreas do saber. Através de construções dogmáticas, desenvolveu-se uma atividade
analítica pautada na obseração do direito posto. Esse modelo teórico, amplamente difundido
em compêndios e escolas jurídicas, apresenta algumas dificuldades referentes às posturas
pedagógicas que não dão espaço para o desenvolvimento de um pensamento crítico e
reflexivo. Nessa estrutura educativa (e avaliativa) o que importa passa a ser o conhecimento
da norma, pois é desse modo que se adquire segurança para enfrentar os anseios da
sociedade.
Apesar de ter apresentado grande contribuição para o desenvolvimento da ciência
(jurídica), acredita-se que os paradigmas cartesiano-newtoniano e dogmático foram superados
diante de um mundo complexo. No campo científico, o pensamento mecanicista foi
surpreendido por descobertas como a teoria da relatividade e a física quântica, colocando em
xeque os conceitos de tempo e espaço elaborados na física de Newton. Na área jurídica, as
críticas realizadas aos modelos dogmático, tecnicista e normativista ocasionaram movimentos
contestadores da teoria jurídica desenvolvida e do modo como era ensinada nas
Universidades. Entretanto, conforme apontado anteriormente, poucos foram os que
enfrentaram a discussão epistemológica que permeia o assunto.
A certeza e a segurança do conhecimento científico foram substituídas pela incerteza,
desordem e insegurança. Constata-se a presença de novos vínculos, sujeitos e direitos, os
quais necessitam ser pensados sob outra perspectiva que leve em consideração a
complexidade, os riscos e os paradoxos.
Tais postulados influenciaram o desenvolvimento de diversas áreas do saber: a física
(mencionada acima), química, biologia, cibernética e ciências sociais. Assim, a complexidade
é elevada à condição de novo paradigma.
Por meio dos aportes fornecidos pela Teoria dos Sistemas, apropriada para as ciências
sociais por Niklas Luhmann, rompe-se com a tradicional relação todo/parte e sujeito/objeto
em detrimento de uma visão de ambiente/entorno e observação de segunda ordem. A busca
pela unidade é superada pela observação da diferença. A divisão estanque entre disciplinas é
substituída por conceitos como interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
No sistema jurídico ocorre uma grande modificação na percepção de Estado,
soberania nacional, aplicação da lei. Os novos direitos não mais se adaptam ao pensamento
normativista, tendo se tornado uma percepção limitada diante de uma sociedade globalizada.
Um fato que, em um primeiro momento, teria repercussões locais, logo atinge proporções
globais, revelando o caráter transnacional dos novos problemas a serem enfrentados.
Os cursos jurídicos passam a ter a função de preparar profissionais capazes de
apresentar respostas aos novos problemas que um mundo global exige. Desse modo, surge a
necessidade de alterar o paradigma de ensino praticado na atualidade por grande parte das
instituições.
Diante do exposto, constata-se que o debate anteriormente traçado em torno dos
métodos avaliativos utilizados pela OAB nos cursos jurídicos conduz a uma discussão teórica
muito mais profunda do que normalmente vem sendo elaborada. Assim, verifica-se a
urgência da realização de um trabalho que aborde a complexidade do problema.
Pretendendo enfrentar as temáticas apresentadas, o segundo capítulo deste trabalho
abordará, em linhas gerais, a percepção mecanicista, a qual apresenta conceitos também
apropriados pelo pensamento dogmático e pela educação (jurídica). Nesse capítulo, pretende-
se demonstrar as heranças do mecanicista no pensamento jurídico adotado ainda hoje. Desse
modo, as questões que conduzirão o capítulo serão: Em que consiste o pensamento
cartesiano-newtoniano? É possível observar uma identificação entre o paradigma científico
cartesiano com o pensamento dogmático moderno? De que forma tal pensamento influenciou
a estrutura educativa (jurídica) existente?
Em seguida, objetiva-se traçar um diagnóstico do ensino jurídico brasileiro,
apresentando seu cenário no tocante ao aumento do número de cursos autorizados no país nos
últimos anos. Através da observação integrada de dados, almeja-se analisar
comparativamente o crescimento do número de instituições. Dessa forma, busca-se
compreender a fonte de tantas críticas realizadas atualmente.
Conforme foi mencionado, o crescente aumento do número de cursos tem preocupado
diversos segmentos voltados à comunidade acadêmica, mas será que os dados são realmente
alarmantes? A partir de que momento ocorre essa alteração no cenário do ensino jurídico? A
quantidade de cursos realmente implica na redução da qualidade do ensino?
Diante de inúmeros questionamentos à abertura desenfreada de cursos, optou-se por
observar o problema (também) do ponto de vista interno das instituições superiores. Através
de uma abordagem empírica, buscou-se conhecer quais são seus principais objetivos e
desafios enfrentados.
Os alunos, normalmente apontados como desinteressados (ou interessados somente no
diploma
1
) também integram a investigação proposta por este trabalho. Ainda no terceiro
capítulo, será apresentada uma série de questionamentos interessantes, dentre os quais podem
ser destacados os que seguem: Quem são os alunos do curso de direito? O que eles esperam
do curso? Porque o escolheram? Que motivos apresentam para a escolha de uma instituição?
Quais são suas expectativas? Que aspirações profissionais possuem? Que características
atribuem a um bom professor de direito?
No quarto capítulo, abordar-se-á a atuação da OAB no controle epistemológico do
ensino. Através de observações em torno do Exame de Ordem e da realização de avaliações
externas aos cursos, serão apontados os conhecimentos e parâmetros utilizados como
necessários para uma boa avaliação dos alunos e instituições. Desse modo, questiona-se: A
realização do Exame de Ordem é um meio adequado para avaliar o bacharel? Que
argumentos podem ser apresentados nesse debate? Que tipo de perspectiva pedagógica se
encontra em sua aplicação? A OAB tem legitimidade para realizar avaliações externas dos
cursos de direito? Qual a posição das instituições diante de tais avaliações? O aluno é
influenciado por esses resultados ao optar pela instituição em que pretende cursar?
Por fim, o último capítulo trabalhará com a necessidade de mudança epistemológica.
Através dos elementos fornecidos pela Teoria dos Sistemas Autopoiéticos, desenvolvida por
Luhmann e elaborada por Teubner, propõe-se uma nova observação dos sistemas jurídico e
educativo. Diante disso, este capítulo responderá aos questionamentos que seguem: Em que
consiste uma proposta de mudança epistemológica? Qual a contribuição da Teoria dos
1
Nesse sentido, ver MELO FILHO, Álvaro. Impasses e Alternativas nos Cursos de Direito no Brasil. In
CONSELHO FEDERAL DA OAB. Revista da OAB. V. 29. Brasília: Conselho Federal da OAB, 1981.
1
8
Sistemas para a observação do sistema jurídico? Em que medida tal pensamento pode auxiliar
a compreensão pedagógica (jurídica) dos problemas abordados ao longo da dissertação?
O projeto insere-se na linha de pesquisa “Sociedade, Novos Direitos e
Transcacionalização”, integrante do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Direito, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Após apresentar os objetivos do trabalho, importa tecer algumas considerações acerca
do método empregado na pesquisa. Através de uma abordagem dialética de interpretação da
realidade, busca-se integrar percepções quantitativas e qualitativas sobre o tema, uma vez que
ambas são imanentes aos fenômenos, estando inter-relacionadas
2
. A escolha metodológica
ocorreu em razão de considerar que os fatos sociais não podem ser observados isoladamente,
abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais, científicas, etc.
Utilizou-se, ainda, método monográfico
3
, o qual parte do pressuposto de que o estudo
de um caso em profundidade pode ser considerado representativo de muitos outros. Assim,
apesar da pesquisa ter sido realizada com instituições da região metropolitana de Porto
Alegre
4
, acredita-se que os resultados obtidos são representativos de um universo maior.
O estudo será delineado através de: a) pesquisa bibliográfica, b) pesquisa documental,
c) levantamento de dados e d) estudo de campo. A primeira vincula-se à utilização de obras
que desenvolvem o tema. Em se tratando da segunda, destaca-se o uso de fontes de registros
estatísticos da OAB, INEP e CNPQ. Sobre o terceiro ponto, destaca-se o levantamento de
dados quantitativos referente ao perfil dos alunos pesquisados
5
. Por fim, efetuou-se estudo de
campo qualitativo, o qual será apresentado através da abordagem aprofundada acerca das
expectativas discentes.
2
Para Gil: “No processo de desenvolvimento, as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas e
essa transformação opera-se por saltos”. GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5 ed. São
Paulo: Atlas, 1999, p. 31.
3
“[...] o método monográfico consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições,
grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações”. MARCONI, Marina de Andrade;
LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 108.
4
Ressalta-se que a apresentação das instituições pesquisadas será referida mais adiante.
5
Gil destaca que “De modo geral, as pesquisas abrangem um universo de elementos tão grande que se torna
impossível considera-los em sua totalidade. Por essa razão, nas pesquisas sociais é muito freqüente trabalhar com
uma amostra, ou seja, com uma pequena parte dos elementos que compõem o universo. É o que ocorre,
sobretudo, nas pesquisas designadas como levantamento ou experimento”. GIL, ibidem, p. 99.
O estudo de campo foi realizado por meio de entrevistas parcialmente estruturadas
6
com nove coordenadores de cursos de direito
7
da região metropolitana de Porto Alegre, tendo
como meta investigar os principais objetivos e desafios enfrentados pelas instituições que
representam
8
.
A opção pelo estudo nas instituições da região metropolitana ocorreu em virtude da
facilidade de acesso/localização das mesmas. Além disso, acredita-se que essa região contém
instituições com diversas características referentes ao caráter público e privado, de orientação
religiosa e com diferentes Projetos Pedagógicos Institucionais. Segue, abaixo, a relação das
instituições que participaram da pesquisa, a cidade e o seu ano de criação
9
:
Unidade Ano de criação
Centro Universitário La Salle UNILASALLE Canoas 2000
Centro Universitário Metodista Ipa IPAMETODISTA Porto Alegre 2002
Centro Universitário Ritter dos Reis UNIRITTER Canoas 1971
Escola Superior de Administração, Direito e
Economia ESADE Porto Alegre 2006
Faculdades Rio-Grandenses FARGS Porto Alegre 2002
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul PUCRS Porto Alegre 1947
Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS São Leopoldo 1967
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre 1900
Universidade Luterana do Brasil ULBRA Canoas 1994
Instituição de Ensino
10
Quadro 1 Instituições que participaram da pesquisa
6
Segundo Laville e Dionne, a entrevista parcialmente estruturada é aquela “ [...] cujos temas são particularizados
e as questões (abertas) preparadas antecipadamente. Mas, com plena liberdade quanto à retirada eventual de
algumas perguntas, à ordem em que essas perguntas estão colocadas e ao acréscimo de perguntas improvisadas”.
Cf. LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A contsrução do saber: manual de metodologia da pesquisa em
ciências humanas. Tradução de Heloísa Monteiro e Francisco Settineri. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte:
UFMG, 1990, p. 186-190.
7
A escolha pelos coordenadores ocorreu em virtude de representarem o curso de sua instituição. Nesse sentido,
importa mencionar as considerações de Triviños, para quem: [...] ao invés da aleatoriedade, decide
intencionalmente, considerando uma série de condições (sujeitos que sejam essenciais, segundo o ponto de vista
do investigador, para o esclarecimento do assunto em foco; facilidade para se encontrar com as pessoas; tempo
dos indivíduos para as entrevistas etc). [...]”. TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências
sociais. São Paulo: Atlas, 1987, p. 132.
8
Sobre roteiro de entrevista, observaram-se os apontamentos de Goode e Hatt: “[...] é uma lista de pontos ou
tópicos que um entrevistador deve seguir durante a entrevista. Neste caso é permitida apreciável flexibilidade
quanto a maneira, ordem e linguagem obedecidas pelo entrevistador ao propor as questões”. GOODE, William
J.; HATT, Paul K. Métodos em pesquisa social. Tradução de Carolina Martuscelli Bori. 7 ed. São Paulo: Ed.
Nacional, 1979, p. 172.
9
Destaca-se que a reigião meteopolitana de Porto Alegre possui 11 instituições de ensino, no entanto, somente
nove foram consideradas nesta pesquisa. As instituições Fundação Escola Superior do Ministério Público e
Instituto Educacional São Judas Tadeu não integraram este estudo tendo em vista o elevado número de
instituições participantes, sendo a maioria integrante da rede privada de ensino (88%), acredita-se que os dados
obtidos foram suficientes para a realização do trabalho.
10
Cumpre ressaltar que algumas destas instituições possuem mais de um campus de funcionamento, no entanto,
optou-se pelas sedes mencionadas em virtude de terem sido os primeiros cursos de direito implantados.
O tempo dedicado às entrevistas variou. Em média, duraram 30 minutos, mas em
alguns casos, conforme a disposição dos entrevistados e das implicações apresentadas ao
longo da pesquisa, esse tempo superou duas horas de conversa.
Sobre as entrevistas, destaca-se que, em muitas pesquisas, o pesquisador opta por
encaminhar o elenco de perguntas ao respondente antes da entrevista para que esse possa
preparar suas respostas. Nesse estudo, porém, evitou-se que o respondente fornecesse
respostas “padrão”, que não correspondam às reais opiniões e posições pessoais e
institucionais. Por esse motivo, decidiu-se por não encaminhar as perguntas com
antecedência, pois dificilmente o respondente apresentaria as mesmas respostas caso a
pesquisa fosse enviada anteriormente.
Antes de dar início aos questionamentos, solicitou-se a autorização para que a
declaração fosse gravada e utilizada no estudo. Em seguida, os objetivos da pesquisa foram
apresentados, dando início a entrevista.
Neste trabalho, optou-se por não identificar os entrevistados. Tal decisão ocorreu, em
primeiro lugar, para que estes se sentissem à vontade em expor suas opiniões pessoais,
juntamente com a versão apresentada em nome da instituição. Ademais, cumpre ressaltar que
a não identificação foi requerida por dois representantes de cursos jurídicos, os quais
chegaram a manifestar o cuidado que a pesquisa deveria tomar para preservar suas
identidades
11
. Assim, a transcrição das entrevistas ocorrerá do seguinte modo:
a) cada coordenador receberá uma identificação numérica (ex. coordenador 1,
coordenador 2...);
b) utilizar-se-á o termo “coordenador” para ambos os gêneros (feminino e
masculino);
c) as passagens das entrevistas selecionadas serão transcritas do mesmo modo como
os entrevistados as responderam;
d) caso a resposta transcrita contenha termo que identifique a instituição ou o gênero
do entrevistado, essa sofrerá modificação (ex. “Como coordenadora da Pucrs...”
“Como coordenador desta instituição...).
11
Tal solicitação se deve às opiniões apresentadas em relação à avaliação realizada pela OAB para auferir um
selo de qualidade aos cursos jurídicos.
Os coordenadores dos cursos foram questionados sobre uma base comum de
perguntas, as quais abordaram os seguintes assuntos: objetivos do curso, perfil de aluno
egresso desejado, características do ensino proporcionado, conciliação de um ensino crítico
com a preparação para provas e concursos, capacidade de um professor formado nos moldes
tradicionais romper com sua prática educativa, resistência ao processo de mudança,
atividades interdisciplinares e avaliação dos cursos jurídicos.
A pesquisa realizada nas nove instituições mencionadas possibilitou ainda a
observação do sistema educacional jurídico sob a ótica do corpo discente
12
, razão pela qual o
último ponto proposto no terceiro capítulo vincula-se às perspectivas dos discentes ao
ingressarem no curso.
Com o objetivo de verificar quem são os estudantes de direito, utilizou-se outra
técnica de pesquisa. Através da aplicação de questionários, buscou-se conhecer seus dados
pessoais (como sexo, idade, atividade profissional, número de filhos, renda familiar e outros),
expectativas em relação ao curso (motivo pelo qual o escolheu, aspirações profissionais, auto-
avaliação, escolha da instituição, etc). Por esse motivo, este trabalho se propõe a realizar uma
análise quantitativa e qualitativa sobre o tema.
Através da permissão concedida pelos coordenadores, foram aplicados 530
questionários aos alunos ingressantes dos cursos de direito, integrantes do turno da noite,
matriculados na disciplina de Introdução ao Estudo Direito.
A escolha pelos alunos ingressantes se justifica por se encontrarem no início do curso.
Uma pesquisa realizada nesse período possibilita o contato com suas motivações pessoais ao
optarem pelo curso.
Os alunos do turno da noite foram selecionados em virtude da realidade em que vive
ser considerada diversa dos estudantes do período diurno. Na grande maioria das vezes, o
trabalho é requisito para que consigam arcar com as despesas do curso, já que a grande parte
dos alunos matriculados em instituições privadas possui uma renda familiar baixa (conforme
12
Ressalta-se que se firmou um compromisso de devolução dos dados coletados. Tanto coordenadores quanto
alunos receberão o retorno da pesquisa.
será demonstrado mais adiante). O pouco interesse desse aluno deve-se à sua própria
condição física, pois, após uma jornada de trabalho, a assistência às aulas pode representar
um sacrifício
13
.
Optou-se por realizar a pesquisa com os discentes matriculados na disciplina de
Introdução ao Estudo do Direito por ser uma das únicas disciplinas comuns nos currículos das
instituições pesquisadas. Integrante do primeiro semestre, ela é pré-requisito de diversas
outras cadeiras, sendo cursada pela maior parte dos ingressantes.
Destaca-se que os 530 respondentes do questionário representam 51,1% dos alunos
matriculados na disciplina de IED, no período noturno, das instituições mencionadas, no
primeiro semestre de 2007. Com o intuito de especificar essa informação, a tabela abaixo
apresenta o número de alunos matriculados em IED e o índice de respondentes de cada
instituição:
TABELA 1 Número de alunos matriculados e índice de respondentes por instituição
Instituição Matriculados Respondentes %
ESADE 53 42 79,2%
FARGS 26 15 57,7%
IPA 93 50 53,8%
PUCRS 334 78 23,4%
UFRGS 70 40 57,1%
ULBRA 51 33 64,7%
UNILASALLE 42 31 73,8%
UNIRITTER 136 73 53,7%
UNISINOS 232 168 72,4%
TOTAL 1037 530 51,1%
Analisando a tabela anterior, verifica-se que o curso com menor índice de
respondentes (23,4%) pertence à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tal
incidência ocorreu porque a instituição somente permitiu a realização da pesquisa antes/após
as aulas e durante o intervalo. Desse modo, seria possível cumprir com a exigência da
Universidade de não comprometer o horário destinado às atividades acadêmicas.
O questionário aplicado, não identificado, apresentou questões fechadas e abertas. Em
se tratando dessas últimas, os alunos tiveram ampla liberdade para expressarem suas
13
ENGELMANN, Wilson. O Ensino Jurídico. In. Estudos Jurídicos. São Leopoldo: Unisinos, v.26, n.66,
Jan./Abr., 1993, p.114.
opiniões. Após a coleta dos dados, esses foram submetidos à tabulação através da elaboração
de categorias que sistematizassem as opiniões apresentadas.
Apesar deste trabalho se propor a analisar os resultados da pesquisa empírica nos
capítulos três e quatro, destaca-se que essa abordagem será adotada ao longo do
desenvolvimento de todo o trabalho. Dessa forma, acredita-se ser possível conciliar opiniões
discentes e docentes com a compreensão epistemológica do tema.
2 PERCEPÇÃO MECANICISTA DO DIRETO E SEU ENSINO
Conhecer o pensamento cartesiano-newtoniano revela-se de fundamental importância,
pois tal perspectiva influencia ainda hoje grande parte das áreas do saber. O modo como o
direito passou a ser pensado na modernidade revela claramente a tendência mecanicista,
podendo ser constatada a partir do seu desenvolvimento teórico e de suas práticas educativas.
Abordar o desenvolvimento do paradigma elaborado por Descartes e Newton torna-se
fundamental, uma vez que integram a percepção de mundo moderno do Ocidente. Tal
pensamento implicou a fragmentação ocorrida tanto na concepção de mundo como de
indivíduo. A partir dessa perspectiva, o conhecimento é analisado a partir de seus
componentes, concebendo suas partes de forma isolada e independente.
Hoje, fala-se em crise desse modelo científico, sendo necessária sua revisão.
Entretanto, poucos são aqueles que enfrentam a base desse pensamento para então efetuar
uma crítica. Com o intuito de abordar essa problemática, este capítulo desenvolverá,
inicialmente, uma introdução acerca deste paradigma científico.
Em um segundo momento, sem a pretensão de esgotar o tema, almeja-se demonstrar
de que modo o pensamento mecanicista influenciou o pensamento jurídico moderno.
Por fim, serão apresentadas algumas considerações a respeito da educação (jurídica)
sob esta perspectiva.
2.1 VISÃO CARTESIANA-NEWTONIANA DO MUNDO MODERNO
A abordagem a respeito da perspectiva cartesiana-newtoniana inicia no século XVI,
uma época de profundas transformações na visão de mundo do homem ocidental. Abrem-se
novos horizontes vinculados às noções de tempo e espaço, formando-se uma nova sabedoria,
que apresenta concepções diversas das que prevaleceram na Idade Média. A rejeição às idéias
até então vigentes na Europa passam a ser verificadas em novas percepções políticas,
religiosas, científicas, dentre outras.
Até a Idade Média
14
, a visão de mundo dominante na Europa era orgânica e
teocêntrica, estando pautada no respeito às autoridades bíblicas. Os estudos desse período
centravam-se em Deus, na alma humana e na ética. Nessa época, a estrutura científica
assentava-se em duas referências: Aristóteles
15
e a Igreja.
No século XIII, Tomás de Aquino desenvolveu a estrutura conceitual que permaneceu
incontestada durante todo o medievo. O período em que viveu foi caracterizado pela
racionalização pela qual passava a Idade Média das cidades e a disputa de poder político
entre Igreja e o poder secular (Império). Aquino elabora seu pensamento pela combinação da
racionalidade aristotélica com as noções de pecado, próprias da teologia cristã. A teologia e a
filosofia desenvolvidas por ele unem-se por meio das idéias de fé e razão, estando ambas
direcionadas a Deus
16
.
A descrença e a dúvida passaram a ser abordados por pensadores que expressaram o
clima de ceticismo propiciado pelas conquistas da Renascença e pela falência dos valores da
Idade Média
17
.
A partir do século XVI, o desenvolvimento da ciência baseou-se em um novo método
de investigação e as concretizações científicas realizadas fizeram com que esse período fosse
chamado de Idade da Revolução Científica
18
.
14
As informações referentes ao período anterior ao século XVI não são objeto deste estudo, razão pela qual
serão apresentados superficialmente.
15
Aristóteles era considerado uma autoridade em razão do desenvolvimento da racionalidade prática e de
concepções como prudência e virtude. Cf. ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. 2 ed. Brasília: Ed. Universidade
de Brasília, 1992.
16
Ver AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001.
17
Três pensadores podem ser mencionados nesse sentido: o alemão Agripa de Nettesheim (1487-1535), o qual
proclama a incerteza das ciências; o médico português Francisco Sanchez (1552-1632), que lecionou na França,
em Montpellier e Toulouse, revelando-se adversário das doutrinas aristotélicas e adotando a dúvida como
recurso metodológico; e o pensador francês Michel de Montaigne (1533-1592), que modernizou e enriqueceu a
argumentação do ceticismo e ressaltou a influência que os fatores pessoais, sociais e culturais exercem sobre as
idéias. PESSANHA, José Américo Motta. Descartes. Vida e Obra. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000,
p.08.
18
Ver KUHN, Thomas. A revolução copernicana: a astronomia planetária no desenvolvimento do pensamento
ocidental. 1 ed. Lisboa: Edições 70, 1990 e KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo:
Perspectiva, 1996.
Assim, entre os séculos XVI e XVII, abandonou-se a noção de universo orgânico,
vivo e espiritual em detrimento de uma noção mecanicista do mundo. Logo, as concepções
herdadas de uma tradição religiosa, pautadas na fé, foram substituídas pelo racionalismo e
pela experimentação científica. Tal período foi marcado por uma idéia de razão desenvolvida
pelas mudanças revolucionárias ocorridas na física, na astronomia e na matemática.
Contrariando as concepções geocêntricas, defendidas pela Igreja, ganhou espaço na
época, a teoria heliocêntrica, que afirmava ser o sol o centro do universo. Na divulgação desta
nova concepção, destacaram-se Copérnico, Kepler e Galileu.
Kuhn escreve sobre a crise do modelo ptolomaico na astronomia durante o século
XVI, afirmando o que segue:
Quando de sua elaboração, no período de 200 a.c. a 200 d.c., o sistema precedente,
o ptolomaico, foi admiravelmente bem sucedido na predição da mudança de
posição das estrelas e dos planetas. Nenhum outro sistema antigo saíra-se tão bem:
a astronomia ptolomaica é ainda hoje usada para cálculos aproximados; no que
concerne aos planetas, as predições de Ptolomeu eram tão boas quanto as de
Copérnico. Porém, quando se trata de uma teoria científica, ser admiravelmente
bem sucedida não é a mesma coisa que ser totalmente bem sucedida. Tanto com
respeito às posições planetárias, como em relação aos equinócios, as predições
feitas pelo sistema de Ptolomeu nunca se ajustaram perfeitamente às melhores
observações disponíveis. Para numerosos sucessores de Ptolomeu, uma redução
dessas pequenas discrepâncias constituiu-se num dos principais problemas da
pesquisa astronômica normal [...]
19
.
O início da Revolução Científica é atribuído ao astrônomo e matemático Nicolau
Copérnico. Para ele, a Terra deixou de ser o centro do universo para tornar-se um dos muitos
planetas na galáxia. Seu pensamento mudou a forma de ver o homem, tendo sido retirada sua
posição de figura central da criação de Deus
20
.
Influenciado por Copérnico, o alemão Johannes Kepler, desenvolveu as leis empíricas
do movimento planetário, que vieram a completar o trabalho de Copérnico. Sua maior
inovação foi demonstrar que os planetas não se moviam em órbitas circulares, mas em
elipse
21
.
19
Id. Ibid, p.95.
20
Ver As Revoluções dos Orbes Celestes. Tradução de A. Dias Gomes, Luis Albuquerque. 2 ed. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1996.
21
Consultar MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freiras. Kepler: a descoberta das leis do movimento planetário. Rio
de Janeiro: Editora Odysseus, 2003.
Mas foi Galileu Galilei quem provocou uma verdadeira mudança na opinião cientifica
da época. Ele já era famoso por ter descoberto as leis da queda dos corpos e o princípio da
inércia. Após, voltou sua atenção para a astronomia, aplicando a observação científica dos
fenômenos celestes. Através do uso de um telescópio, Galileu superou a velha cosmologia e
comprovou que as hipóteses propostas por Copérnico eram cientificamente válidas.
Para os conservadores, eram inaceitáveis as observações telescópicas desenvolvidas
por Galileu na tentativa de afirmar a superioridade do sistema copernicano e a realidade do
movimento da terra
22
.
Cabe lembrar que Galileu foi o primeiro a combinar a experimentação científica com o
uso da linguagem matemática para formular as leis da natureza por ele descobertas. Galileu
dirigiu a atenção dos cientistas para as propriedades quantificáveis da matéria, sendo
extremamente bem sucedido em toda ciência moderna
23
.
Nesse período, surgem duas orientações metodológicas utilizadas no pensamento
moderno. Uma foi desenvolvida por Francis Bacon e outra por René Descartes.
Em se tratando da primeira, deve-se levar em consideração a perspectiva empirista
24
proposta por Bacon, a qual primava pela observação e experimentação. Para tanto, suas leis
seriam formuladas indutivamente, partindo da consideração dos casos ou eventos particulares
para chegar a generalizações. Tais conhecimentos são freqüentemente questionados em razão
da sua utilização para domínio e controle da natureza.
25
22
MARICONDA, Pablo Ruben. Introdução: O Diálogo e a condenação. In GALILEI, Galileu. Diálogo sobre os
dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Tradução de Pablo Ruben Mariconda. São Paulo:
Discurso Editorial, 2001, p. 18.
23
CAPRA, Fritjof. O Ponto de mutação. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 2006, p.50-1.
24
Destaca-se que a perspectiva empirista exerceu grande influencia no pensamento de John Locke, durante o
século XVII. Voltando seu pensamento ao estudo do indivíduo, Locke negou a existência de idéias inatas
(diferentemente de Descartes), alegando que a mente humana, ao nascer, é desprovida de qualquer
conhecimento, podendo assim ser comparada a uma tabula rasa. Tal perspectiva originou a postura behaviorista,
desenvolvida no século XX por diversos autores, dentre eles Burrhus Skinner. Sobre o pensamento de Locke,
consultar LOCKE, John. Pensamientos sobre la educación. Madrid: Ediciones Akal, 1986. Aprofundamentos
acerca do behaviorismo e da obra de Skinner, consultar BAUM, William M. Compreender o behaviorismo:
ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: ArtMed, 1999.
25
Ver BACON, Francis. Novum Organun ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza.
Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo: Nova Cultural, 1997-1999.
Diferentemente do que sustentavam muitos autores escolásticos, a percepção
empirista sustentava que uma análise semântica não era suficiente para a compreensão da
natureza. Era preciso utilizar a experiência para desenvolver um conhecimento científico.
Outra orientação metodológica é inaugurada por René Descartes, através do método
racional, dedutivo, que busca na matemática os recursos para alcançar a certeza científica.
Sobre o assuno, Luhmann esclarece:
Debito al impresionante alegato de Bacon y Descartes, la ciência solo se decide a
aceptar como verdad lo que ella misma há examinado y encontrado correcto, y no,
por ejemplo, a seguir fuentes o autoridades que ya saben previamente lo que es
cierto. Acepta una metodologia deductiva o ‘geométrica’, pero pensada en
principio como seguro avance paso a paso partiendo de verdades evidentes por las
que es empezar. En este sentido, para la ciência del siglo XVIII los ‘elementos’
representan aún cosas dadas por la naturaleza a las que el conocimiento puede
referirse, pero a los que no puede constituir por sí mismos como elementos de
ciência
26
.
Descartes pretendia desenvolver um método que lhe permitisse construir uma
completa ciência da natureza, acerca da qual poderia ter absoluta certeza. Convicto na crença
da certeza do conhecimento científico, preocupava-se em distinguir a verdade do erro em
todos os campos do saber.
Verifica-se que essa visão e sistema de valores foram formulados em decorrência de
uma drástica mudança no modo como as pessoas descreviam o mundo e em seu pensamento.
A nova percepção do cosmo propiciou à civilização ocidental aqueles aspectos que são
característicos da era moderna, tendo se tornado a base do paradigma que dominou a cultura
nos últimos trezentos anos
27
.
Outro ponto importante do método cartesiano é a sua sustentação analítica, que
preconiza a decomposição dos problemas em suas partes, seguida pela disposição em sua
ordem lógica. Nessa perspectiva, a natureza funcionaria conforme as leis mecânicas, fazendo
com que tudo no mundo material pudesse ser explicado em função da organização e do
movimento de suas partes.
26
LUHMANN, Niklas. Teoría de la sociedad y pedagogia. 1 ed. Barcelona: Paidós, 1996, p. 51.
27
CAPRA, op. cit., p.49.
Na busca de caminhos que chegassem à verdade científica, Descartes elabora uma
nova teoria, que é apresentada na obra Discurso do Método:
O primeiro era não aceitar jamais alguma coisa como verdadeira que eu não
conhecesse evidentemente como tal: isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e
a prevenção, e nada incluir em meus julgamentos senão o que se apresentasse de
maneira tão clara e distinta a meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião de
colocá-lo em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas
parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de conhecer, para subir aos poucos, como por degraus, até o
conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não
se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, fazer em toda parte enumerações tão completas, e revisões tão gerais
que eu tivesse a certeza de nada omitir.
Os longos encadeamentos de razões, todas simples e fáceis, que os geômetras
costumam utilizar para chegar a suas mais difíceis demonstrações, me haviam feito
imaginar que todas as coisas passíveis de serem conhecidas pelos homens se
seguem umas às outras do mesmo modo, e contando que nos abstenhamos de
aceitar alguma como verdadeira que não o seja, e que mantenhamos sempre a
ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver nenhuma tão
afastada à qual enfim não se chegue, nem tão oculta que não se descubra. E não foi
muito difícil buscar por quais era preciso começar, pois eu já sabia que era pelas
mais simples e mais fáceis de conhecer; e considerando que, entre todos os que até
agora buscaram a verdade nas ciências, apenas os matemáticos puderam encontrar
algumas demonstrações, isto é, algumas razões certas e evidentes, não duvidei de
que não fosse pelas mesmas que eles examinaram; disso eu não esperava nenhuma
outra utilidade a não ser que elas acostumariam meu espírito a se alimentar de
verdades e a não se contentar com falsas razões
28
.
Logo, o método é construído a partir da dúvida, da fragmentação, da ordem e possui
uma forte influência da matemática.
Descartes buscava unificar todos os conhecimentos humanos a partir de bases seguras,
pautadas em verdades e certezas racionais. A matemática servia de base para um campo
bastante limitado de aplicações, o das artes mecânicas. Certo da existência de um acordo
fundamental entre as leis matemáticas e as leis da natureza, ele pretendia elaborar um tratado
de matemática, almejando discorrer sobre uma “matemática universal
29
.
28
DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2006, p. 55-56.
29
GAUKROGER, Stephen. Descartes: uma biografia intelectual. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999, p.16.
Levando em consideração a percepção matemática desenvolvida por Descartes,
observa-se o motivo pelo qual seus métodos consistiam em subdividir os problemas em
quantas partes fossem necessárias para que então fosse possível se compreender o todo
30
.
Assim, encarava o universo como sendo uma máquina, tendo o relógio como metáfora
perfeita.
De acordo com suas idéias, a fé deveria ficar confinada ao culto de cada um, não
invadindo as esferas dos costumes, da política, da filosofia e da ciência em geral. Em seu
livro Meditações sobre a filosofia primeira
31
, Descartes aplicou seu método ao conhecimento
de Deus e à demonstração racional da imortalidade da alma
32
.
Segundo o pensamento cartesiano, alma e corpo são concebidos separadamente. O
pensamento se associa à percepção de alma, estando diretamente relacionada com a razão. O
corpo, por sua vez, integra a existência material, não podendo ser aplicado à alma. Descartes
conclui que “as coisas que se concebe clara e distintamente serem substâncias diferentes,
como se concebe o espírito e o corpo, são, de fato, substâncias diferentes e realmente distintas
umas das outras”. Assim, “a deterioração do corpo não traz como conseqüência a morte da
alma”. A alma, ao contrário do corpo, é uma substância pura. Nesse sentido, considera que “o
corpo humano pode facilmente morrer, mas que o espírito ou a alma do homem (o que não
pode ser diferenciado de maneira alguma) é imortal por sua natureza”
33
.
A partir dessas idéias, Descartes propõe um método universal, que pode ser aplicado
nas diversas áreas do conhecimento. O modo de estruturar o conhecimento deste período
influenciou fortemente no desenvolvimento do pensamento ocidental, podendo ser
denominado de paradigma mecanicista ou cartesiano.
30
Cumpre destacar que esse aspecto do pensamento cartesiano ocasionou a atitude generalizada do reducionismo
na ciência, considerando que todos os aspectos dos fenômenos podem ser compreendidos se forem reduzidos às
partes que o constituem.
31
DESCARTES, René. Meditações sobre a filosofia primeira. Tradução de Gustavo de Fraga. 1 ed. Coimbra:
Almedina, 1976.
32
O ceticismo desempenhou um papel preponderante nas Meditações, sendo comum presumir-se que teria
motivado a epistemologia cartesiana. Contudo, o autor ressalta que seu interesse pelo ceticismo foi relativamente
tardio e ganhou forma no contexto de suprir sua filosofia natural de uma legitimação metafísica, tarefa que
Descartes sequer chegou a considerar antes da condenação de Galileu, em 1633, e que foi reação direta a essa
condenação. O ceticismo era simplesmente um meio para se chegar a um fim, e esse fim não tinha relação com
uma certeza sobre a existência de um mundo material, mas sim com o estabelecimento das credenciais
metafísicas de uma filosofia natural mecanicista, cujo esteio central - o movimento da Terra ao redor do Sol
fora condenado pela Inquisição. GAUKROGER, op. cit., p.33.
33
DESCARTES, René. Discurso do Método, As Paixões da Alma e Meditações. Tradução de Enrico Corvisieri.
São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.242-3.
Cabe lembrar que foi o físico e matemático Isaac Newton o grande responsável pelo
questionamento do cartesianismo. Antes de elaborar sua própria filosofia natural, no início da
década de 1660, Newton era cartesiano e buscou implementar o projeto proposto por
Descartes. Completando a revolução científica, Newton desenvolveu uma formulação
matemática completa da concepção mecanicista da natureza, sintetizando os trabalhos dos já
mencionados de Copérnico, Kepler, Bacon, Galileu e Descartes.
O universo newtoniano é considerado como um sistema mecânico, o que funciona em
conformidade com as leis matemáticas exatas. Newton introduziu a combinação apropriada
entre os métodos empírico/indutivo e o racional/dedutivo. Em sua obra Princípios
Matemáticos de la Filosofia Natural, escreve:
Como los antiguos consideraban de la mayor importancia la mecánica para la
investigación de los casos naturales, y como los modernos rechazando formas
substanciales y cualidades ocultas han intentado reducir los fenômenos de la
naturaleza a las leyes matemáticas, he querido en este trabajo cultivar la
matemática en todo en cuanto se relaciona com la filosofia
34
.
Nessa obra, Newton comprova a validade da lei da gravidade para todo o sistema
solar, explicando o movimento de partículas materiais através de suas equações do
movimento. Em sua teoria, sustenta uma postura determinista ao descrever que toda causa
origina um efeito.
Newton elaborou as três leis dos corpos em movimento, que se tornaram o
fundamento da mecânica clássica. Esses estudos influenciaram fortemente o desenvolvimento
das ciências
35
durante os séculos XVIII e XIX, fazendo com que a imagem de mundo descrita
por Descartes, como sendo uma máquina perfeita, fosse considerada como um fato
34
NEWTON, Isaac. Princípios Matemáticos de la Filosofia Natural. Tradução de Antônio Escohotado. Madrid:
Tecnos, 1987, p. 5.
35
A perspectiva cartesiana-newtoniana influenciou fortemente o desenvolvimento das ciências humanas.
Hobbes, por exemplo, adotou o princípio geométrico da teoria mecanicista às ciências morais. A esse respeito,
“[...] o sistema de Hobbes se baseia em um materialismo mecanicista absoluto, em condição de unificar a
Lógica, a Filosofia Natural, a Filosofia Civil (ou política) dentro de um modelo rigorosamente dedutivo”.
CRESPI, Franco; FORNARI, Fabrizio. Introdução à sociologia do conhecimento. 1 ed. São Paulo: EDUSC,
2000, p. 43.
comprovado pela teoria newtoniana
36
. Dessa forma, constata-se a importância da física ao
tornar-se a base de todas as outras ciências.
Como exemplo de adepto do pensamento cartesiano, pode-se mencionar Edmund
Husserl. Incomodado com o ceticismo, o filósofo alemão, que inicialmente havia estudado
matemática
37
, investiga o pensamento, não o concebendo a partir de condicionantes que lhes
sejam exteriores. Para ele, todas as ciências possuem uma essência, pois primeiramente
utilizam a lógica e a matemática.
A concepção husserliana buscava fornecer consistência científica à filosofia, podendo,
através de uma base racional, atingir outras ciências. Sendo considerado o fundador da
fenomenologia, Husserl publicou inúmeras obras
38
, tendo influenciado Martin Heidegger,
Jean-Paul Sartre, Jacques Derrida e outros
39
.
Em sua obra Meditações Cartesianas
40
, Husserl retorna ao pensamento desenvolvido
por Descartes
41
, conduzindo-se para a elaboração de sua filosofia fenomenológica, que possui
como método a descrição da essência. Já em A crise da humanidade européia e a filosofia,
apresenta uma crítica à concepção positivista que reduz a ciência ao mero conhecimento dos
fatos
42
.
36
Sobre o assunto, Gaukroger faz uma ressalva: “Na física, o mecanicismo nem sempre significou a mesma
coisa para todos os autores. Em sua manifestação de meados do século XVII, ele implicava a redução da
dinâmica à cinemática e, à medida que outras áreas da física (que não a mecânica) passaram a ser estudadas de
perto no século XVIII, ele passou também a ser interpretado como uma redução de todos os fenômenos físicos à
mecânica. Nem todas essas tentativas podem ser interpretadas como cartesianas, mas muitas o foram. No século
XVIII, por exemplo, houve várias tentativas de desenvolver uma alternativa cartesiana ao newtonianismo, as
quais tentaram reestruturar a física newtoniana em termos de uma filosofia natural francamente cartesiana”.
GAUKROGER, op. cit., p.25.
37
A primeira obra importante de Husserl foi denominada de Filosofia da Aritmética, tendo sido escrita no ano de
1891.
38
Dentre as obras do filósofo, destacam-se: HUSSERL, Edmund. Investigações Lógicas: elementos de uma
elucidação fenomenológica do conhecimento. Tradução de Andréa Maria Altino de Campos Loparic. São Paulo:
Abril Cultural, 1975 (sua principal obra) e Idem. A crise da humanidade européia e a filosofia. Tradução de
Urbano Zilles. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
39
Apesar da influência existente, atenta-se para o fato de que cada um dos autores desenvolveu sua teoria
traçando caminhos distintos dos realizados por Husserl.
40
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas: introdução à fenomenologia. Tradução de Maria Gorete Lopes
e Sousa. Porto: Res, 1985.
41
Sobre sua nova filosofia, Husserl escreve: “In un’audace e anzi eccessiva accentuazione del senso
dell’universalità, che già si rivela in Descartes, questa nuova filosofia persegue nientemeno che lo scopo di
riunire scientificamente nell’unità di um sistema teoretico tutte le questioni ragionevoli, atraverso uma metódica
apoditticamente evidente e attraverso um progresso infinito ma razionale di ricerca”. Idem., La crisi delle scienze
europee e la fenomenologia trancedentale: introduzio ne allá filosofia fenomenológica. Milano: Il Saggiatore,
1961, p. 38.
42
Idem., A crise..., op. cit., 1996.
Como pode ser percebida, a ciência tinha como fundamento a experiência, a
observação e a razão. O fundamento do conhecimento científico pautava-se na elaboração de
uma teoria coerente e logicamente argumentada. Edgar Morin sintetiza o conhecimento deste
período através de três idéias:
A primeira era a idéia de ordem. O universo é ordenado. O universo obedece a um
determinismo universal e, às vezes, nos parece que nele há o acaso, é que não
conhecemos o suficiente, nosso conhecimento é íntimo. E, além disso, esta ordem,
na concepção clássica da física, é uma ordem mecânica.
O conhecimento, por outro lado, era também baseado no princípio da separação. Já
no plano do pensamento filosófico, ou do pensamento em geral, Descartes havia
fundado os progressos do conhecimento na capacidade de separar a dificuldades
umas das outras, resolvê-las sucessivamente, de maneira a bem resolver o
problema. Este princípio de separação estava de alguma forma confirmado, no
desenvolvimento das ciências, pela separação das disciplinas umas em relação às
outras. [...]
Tudo isso também significa que o observador está inteiramente separado de sua
observação, a partir do momento em que essa é verificada e confirmada da maneira
que descrevo
43
.
As concepções apresentadas tornaram-se paradigmas dominante das ciências,
passando a orientar a observação e a produção científica até o século XX, momento em que
os pressupostos de ordem e certeza foram surpreendidos pelo surgimento da desordem e da
incerteza. Nesse contexto, novas descobertas demonstraram as limitações da perspectiva
cartesiana-newtoniana.
Com o advento do pensamento evolucionista, desenvolvido na Biologia por
Lamarck
44
e Darwin
45
, a postura mecanicista restou comprometida. Na matemática, destaca-
se Rudolf Clausius, por ter sido um dos fundadores da termodinâmica moderna, tendo
influenciado o físico austríaco Ludwig Boltzmann ao enunciar o segundo princípio da
termodinâmica, dizendo que, no tempo, a entropia tende a crescer, sendo o fenômeno
calorífero um fenômeno de agitação ao acaso das moléculas
46
.
43
MORIN, Edgar. Por uma reforma do pensamento. In PENA-VEGA, Alfredo (org.); NASCIMENTO, Elimar
Pinheiro do. O Pensar Complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999, p.
22-3.
44
Ver LAMARCK, Jean-Baptiste. Filosofia Zoológica. Tradução de José González Llana. Valencia: F. Sempere,
1910.
45
DARWIN, Charles. A origem das espécies. Tradução de Aulyde Soares. Brasília: Universidade de Brasília,
1982.
46
Consultar BOLTZMANN, Ludwig. Escritos de Mecânica y Termodinâmica. Tradução de Ordonez Rodriguez,
Francisco Javier Odon. 1 ed. Madrid: Alianza, 1986.
Apesar das importantes contribuições mencionadas, o pensamento mecanicista
desenvolvido por Newton ainda era considerado. A partir das três primeiras décadas do
século XX é que tal perspectiva foi superada pelas descobertas decorrentes da teoria da
relatividade e da teoria quântica
47
, superando assim os conceitos de tempo e espaço
desenvolvidos pela física newtoniana. Dessa forma, a percepção cartesiana-newtoniana de
certeza foi substituída pela idéia de incerteza, desenvolvida por cientistas como Einstein
48
,
Heisenberg, Schrodinger
49
, Bohr
50
e outros.
Apesar de superada, a postura cartesiana-newtoniana, sustentada na lógica e na
matemática, ainda é adotada por autores de diversas áreas do conhecimento, inclusive do
direito. Com o intuito de trabalhar o modo como se deu essa apropriação, o próximo item
deste capítulo propõe-se a refletir acerca da forma como tal perspectiva influenciou a
formação do pensamento jurídico moderno.
2.2 DESENVOLVIMENTO DO PARADIGMA DOGMÁTICO
O enfrentamento da influência da visão cartesiana-newtoniana na formação do
pensamento jurídico moderno implica necessariamente algumas considerações acerca da
dogmática jurídica. Para tanto, Puceiro ressalta: “El processo de configuración del paradigma
dogmático de ciencia jurídica no puede ser comprendido al margen de su inserción dentro de
la problemática más general del lugar del saber jurídico dentro de la teoría general de la
ciência”
51
.
47
Convém lembrar que este período é denominado por Bachelard de era do novo espírito científico. Ver
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento.
Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 9.
48
EINSTEIN, Albert. A evolução da física: o desenvolvimento das idéias desde os primitivos conceitos até a
relatividade... 1 ed. São Paulo: Nacional, 1939.
49
Ver HEISENBERG, Werner; BORN, Max; SCHRODINGER, Erwin; AUGER, Pierre. Problemas da física
moderna. 3 ed., São Paulo: Perspectiva, 2000.
50
Ver BOHR, Niels et al. Textos fundamentais da física moderna: sobre a constituição de átomos e moléculas.
Tradução de Mário José Saraiva, Rui Namorado. v. 2. 3 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.
51
PUCEIRO, Enrique Zuleta. Paradigma dogmático y ciência del derecho. Madrid: Editoriales de Derecho
Reunidas, 1981, p. 21.
A importância do estudo da dogmática jurídica ocorre em virtude de ser considerada
um paradigma científico utilizado pela ciência do direito dominante na modernidade
52
. Tal
perspectiva encontra-se presente no imaginário dos juristas, uma vez que toda estrutura
judiciária e educacional sustenta-se sobre esse paradigma.
O direito foi influenciado pelo Medievo, sendo possível relacioná-lo com a noção de
dogma da época. Nesse sentido, adquire uma dimensão de sacralidade transcendente
53
.
O pensamento dogmático, em sentido estrito, surgiu em Bolonha nos séculos XI e,
sobretudo, XII. Nesse período ocorre a redescoberta de boa parte da tradição clássica,
ressurgindo os textos do direito romano salvos pela consolidação bizantina de Justiniano
54
. A
realização de resenhas críticas dos digestos justinianeus e da Littera Boloniensis passaram a
ser utilizadas como textos escolares na universidade.
Sobre os textos, Ferraz Júnior salienta:
Aceitos como base indiscutível do direito, tais textos foram submetidos a uma
técnica de análise que provinha das técnicas explicativas usadas em aula, sobretudo
no Trivium Gramática, Retórica e Dialética, caracterizando-se pela glosa
gramatical e filológica, donde a expressão glosadores, atribuída aos juristas de
então. Em sua explicação, o jurista cuidava de uma harmonização entre todos eles,
desenvolvendo uma atividade eminentemente exegética que se fazia necessária
porque os textos nem sempre concordavam [...]
55
.
52
Para Rocha, a dogmática jurídica vista por alguns como sinônimo de ciência do direito, uma vez que este
conjunto de conhecimentos sobre as normas jurídicas que a compõe seria capaz de responder às exigências
epistemológicas da cientificidade. Nessa concepção, valores e dogmas são vistos como paradigmas. ROCHA,
Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. São Leopoldo: Unisinos, 1998, p.48.
53
Ressalta-se, novamente, que neste período Tomás de Aquino desenvolverá uma idéia de ser humano a partir
dos pressupostos propostos por Aristóteles e pela tradição cristã.
54
Sobre o assunto, Lopes esclarece: “Como reapareceu o texto de Justiniano no Ocidente é ainda uma questão
disputada entre os historiadores. Alguns atribuem o fato ao interesse da Cuia Pontifícia em restabelecer a herança
imperial da Sé Romana. Sabe-se que na Itália do século VI, reconquistada por Justiniano, vigorara o direito
romano recolhido no Código, no Digesto, nas Novelae e Instituta. Consta que tal extensão de vigência havia sido
feita a pedido do papa Virgílio em 554. Não era surpresa que a cópia dos textos tivessem sido salvas. [...]
Segundo alguns, teriam existido duas versões antigas e autênticas: uma conhecida como littera pisana-florentina
(assim chamada pelo manuscrito ter pertencido às cidades de Pisa e Florença) e uma littera boloniensis. [...] O
manuscrito bolonhês, no entanto, é que se multiplicou e se transformou na littera vulgaris (ou vulgata). [...]”.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições Introdutórias. 2 ed. São Paulo: Max Limonad,
2002, p. 115.
55
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4 ed. São
Paulo: Atlas, 2003, p. 62.
Uma das características desse período consiste na tendência exegética de caráter
dogmático do pensamento jurídico medieval. Através da atuação dos glosadores, cultivou-se
o respeito pela autoridade dos textos romanos a serem interpretados
56
.
Mas, é a partir do Renascimento que o direito perderá progressivamente seu caráter
sagrado. Isso ocorre em virtude do novo método de investigação científica desenvolvido na
época. Assim como na ciência, a fé foi substituída por uma percepção racionalista do
universo, fruto da revolução científica ocorrida no final do século XVI. Tal transformação
influenciou o direito através da sua dessacralização e tecnicização, deixando de lado os
valores medievais conservados até então.
As transformações desse período implicaram em modificações políticas, que passam a
estar vinculadas à noção de soberania nacional e o princípio da separação dos poderes
57
.
Hespanha destaca que a consolidação dos Estados nacionais na forma de poder soberano
reivindicou uma exclusividade do poder político e não uma superioridade em relação ao
mesmo, como se imaginava na ordem medieval corporativa escalonada (reis, príncipes,
senhores e corporações medievais)
58
.
Em um ambiente racionalista, ocorre a reafirmação do sujeito e da razão individuais,
tornando o individualismo
59
a marca do jusnaturalismo moderno. Surge, então, a concepção
de contrato social
60
, que passa a integrar as reflexões políticas e jurídicas da época. O
conceito de liberdade, elaborado através da esfera individual de vida e propriedade, implicará
na distinção decorrente entre o público e o privado
61
.
56
Rocha expõe que as relações entre ciência e sistema datam do século XVII, momento em que o jusnaturalismo
rompeu com os procedimentos utilizados pelos glosadores, baseados na autoridade do Direito Romano. ROCHA,
Epistemologia Jurídica..., op. cit., p.55-56.
57
Desenvolvido em MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Tradução de Fernando
Henrique Cardoso; Leôncio Martins Rodrigues. 2 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.
58
HESPANHA, Antônio Manuel. Poder e instituições na Europa do antigo regime. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1984, p. 35.
59
A percepção individualizada do homem rompe com a idéia de animal político, proposta pelo pensamento
aristotélico. Tal abordagem pode ser consultada em ARISTÓTELES. Política. Tradução de Manuela García
Valdés. Madrid: Gredos, 1999.
60
Consultar ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Tradução de Antônio de P. Machado. São Paulo:
Formar, 1978. .
61
Sobre o assunto, consultar LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de Jacy Monteiro. São
Paulo: Ibrasa, 1963.
Com o desenvolvimento do pensamento de Galileu até as descobertas de Newton
62
,
delineia-se a herança sistemática do paradigma dogmático, proveniente do jusnaturalismo
racionalista da era moderna. O direito racional relacionará o pensamento jurídico ao
sistemático, fazendo com que se adote uma forma dedutiva, matematizada e geometrizada da
compreensão do direito e da natureza.
Sobre o tema, Puceiro ressalta que:
La expresión típica de este modelo científico en el ámbito del saber jurídico es la
versión racionalista del derecho natural, hondamente influenciada por la
concepción protestante de que las leyes fijas del movimiento físico, los principios
del entendimiento y los de la moral son aspectos parciales de un orden más vasto,
querido y estabelecido por Dios como expresión de su racionalidad y providencia
infinita. [...] Em el fondo, late la idea de la matéria como uma realidad inerte, de
propriedades geométricas y mecánicas, predicables, tanto respecto de la
naturaleza inanimada como de la naturaleza social. Es evidente también la
primacía de la noción euclidiana de certeza, inspirada em los cánones de la
geometria y de las ciências demonstrativas de un orden universal, abarcable de
modo exhaustivo por la razón humana a través de descomposiciones y
composiciones sucesivas operadas por el cálculo racional
63
.
Os sistemas racionais, desenvolvidos primeiramente pela astronomia, influenciaram a
teoria do direito, ocasionando o refinamento dos métodos de interpretação dos textos. A
percepção de sistema foi considerada como um meio de se obter a ordem, possibilitando a
segurança e o fundamento do conhecimento.
Contudo, importa relembrar os dois métodos que integraram o pensamento filosófico
da época (ambos já apresentados no item anterior deste capítulo). Um deles relaciona-se ao
caráter empírico-demonstrativo; e o outro, integra a perspectiva racional dedutiva,
desenvolvida primeiramente por René Descartes.
Com o direito natural europeu não foi diferente. Esse acompanhará a nova filosofia.
Uma parte da teoria jurídica será influenciada pelo empirismo
64
, enquanto que a outra será
sustentada pelos postulados idealistas desenvolvidos de Descartes a Kant.
62
No mesmo sentido, escreveu LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Tratados fundamentales. 2 ed. Buenos Aires:
Losada, 1946.
63
PUCEIRO, op. cit., p. 24.
64
Para Rocha: “o empirismo jurídico omite de suas análises os modernos avanços da epistemologia
(notadamente após os trabalhos de Bachelard, Canguilherm, Piaget e outros), constituindo-se em um saber
cientificamente ultrapassado”. ROCHA, Epistemologia Jurídica..., op. cit., p.54.
Samuel Pufendorf foi o responsável por desenvolver a sistemática jurídica por meio
do método dedutivista do jusnaturalismo moderno. A partir da natureza humana, elabora todo
o sistema jurídico do direito natural
65
.
Assim, verifica-se que os pressupostos cartesiano-newtonianos passam a exercer
grande influência sobre o pensamento jurídico europeu, que recebe um caráter lógico-
demonstrativo de sistema fechado. Via exatidão matemática, a razão passa a legitimar a teoria
do direito, sendo mantida ainda hoje em códigos e compêndios jurídicos.
Segundo Andrade:
[...] o jusnaturalismo moderno, ao produzir uma teoria jurídica norteada pela idéia
de sistema e pelo método sistemático, segundo o rigor lógico da dedução, desloca o
ponto de partida da teoria jurídica da autoridade para a razão, introduzindo a noção
de sistema como herança que não mais abandonará e que constituirá uma das notas
típicas do paradigma dogmático, não obstante o deslocamento que fará em relação
aos axiomas norteadores do sistema jusnaturalista
66
.
Grócio, por sua vez, propõe demonstrações através da utilização do método a
posteriori, que prima por exemplos históricos. Sobre essa tendência, Ferraz Júnior
compreende que a ciência moderna passa a utilizar-se de um procedimento empírico-
analítico. Os modelos de direito natural passam a ser entendidos não como hipóteses
científicas a verificar, como se viu em Descartes, mas como um exemplo que se torna viável
na experiência. Desse modo, a teoria jurídica consegue transformar o conjunto de regras que
compõem o direito em regras técnicas controláveis na comparação das situações vigentes
com as situações idealmente desejadas. Logo, ocorre a modificação de seu estatuto teórico.
Não se trata mais de contemplação, manifestação de autoridade ou exegese, mas sim da
capacidade de reprodução artificial de processos naturais
67
.
Outro dado que merece destaque é o fato de que, entre os séculos XVI e XVIII, o
direito tornou-se cada vez mais escrito, o que se evidencia com o crescimento da quantidade
65
Sobre o assunto, ver PUFENDORF, Samuel. Os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do
direito natural. Tradução Eduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
66
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e identidade. 2 ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 36.
67
FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 69.
de leis existentes
68
. Tal fenômeno contribuiu para uma concepção de direito baseada na
segurança e na precisão de seu entendimento.
Cumpre ressaltar a importância do direito natural nas Revoluções Francesa e
Americana
69
. Conforme Barretto, a idéia de direito universal, expressa pela tradição
jusnaturalista, serviu de fundamento para toda ordem jurídica positiva. Essa concepção
recebeu forma jurídica nas Declarações de Direitos do Homem do final do século XVIII
70
e na
Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, que proclamam
direitos (chamados naturais) da pessoa humana como tal
71
. Tais Declarações atestam o caráter
individualista do direito natural moderno, em que os direitos do homem são inatos e
inalienáveis
72
.
Para Lopes:
O ideal de uma ciência positiva, ou positivista, assenta-se na tradição idealista da
filosofia do fim do século XVIII. Em primeiro lugar, define-se uma distinção entre
sujeito e objeto
73
do conhecimento e suas relações recíprocas. Em segundo lugar,
propõe uma objetividade do conhecimento demonstrável pela manipulação e pela
experimentação. [...] A ciência é então destacada da interpretação e da razão
prática, e associada à razão instrumental
74
e ao cálculo. O universo tem uma
68
Convém lembrar o caráter privilegiado que a lei passa a assumir como fonte de direito e a concepção do
direito como sistema de normas postas.
69
Azevedo sustenta ser possível verificar que “Da Revolução Francesa, via Escola da Exegese, resultou uma
ciência jurídica positivista, que cindiu o discurso jurídico, afastando sua dimensão crítico-valorativa”.
AZEVEDO, Plauto Faraco. Ensino Jurídico e Politicidade do Direito. In Revista da Associação dos Juízes do Rio
Grande do Sul. n.16, ano XXIV, Mar.1997, p. 95.
70
São elas: Declaração de Direitos de Virgínia, de 12 e junho de 1776; Declaração da Independência dos Estados
Unidos, de 04 de julho do mesmo ano; e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de
1789.
71
BARRETTO, Vicente de Paula. Perspectivas Epistemológicas do Direito no século XXI. In ROCHA, Leonel
Severo (org.); STRECK, Lênio Luiz. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Programa de Pós-
Graduação em Direito. São Leopoldo: Centro de Ciências Jurídicas UNISINOS, 2004, p. 253.
72
Diante do exposto, Comparato constata que as Declarações do século XVIII representaram a emancipação
histórica do indivíduo em relação aos grupos, clãs, família, estamento e organização religiosa ao qual ele estava
submetido. Fora lhe assegurada a legalidade e a garantia de igualdade de todos perante a lei. COMPARATO,
Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 52-3.
73
A separação entre sujeito e objeto acarretou em uma suposta impressão de neutralidade do sujeito, como se
esse não interagisse com o objeto e não fizesse parte do seu próprio ambiente. Segundo Boaventura de Souza
Santos a relação sujeito/objeto pressupõe um distanciamento, o estranhamento mútuo e a subordinação total do
objeto ao sujeito. Nesse sentido, configura-se um paradigma que pressupõe uma única forma de conhecimento
como válido. Conforme SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna: ciência e
senso comum. Rio de Janeiro: Graal, 1989, p. 34.
74
Max Weber é considerado o responsável por essa perspectiva. Sobre o assunto, Albano Pepe escreve: “Seu
conceito de racionalidade implica numa razão científica e técnica que se distancia deliberadamente das questões
relativas aos valores, pois compreende nos alicerces da economia capitalista, no estado constitucional, na
administração pública, nas organizações sociais e na ética profissional, uma única forma de racionalidade, a
racionalidade instrumental com respeito a fins”. PEPE, Albano Marcos Bastos. A recepção Habermasiana da
Sociologia do Direito de Max Weber. In ROCHA, Leonel Severo (org.), MORAIS, José Luis Bolzan de;
linguagem matemática, e é possível conhecê-la prescrevendo os fenômenos. O
empirismo associa-se, pois, ao idealismo: a descoberta das leis e a formulação das
hipóteses (elementos ideais) são verificadas, ou falsificadas, como diz Popper, pela
experimentação e pela observação
75
.
Nesse período, o Estado constitui-se com base no estado de natureza, como resultado
do contrato social. Bobbio aponta que, mesmo na organização do Estado, os homens
conservaram ainda certos direitos naturais fundamentais
76
.
Ao término do século XVIII, início do XIX surge no campo filosófico-jurídico a
Escola Histórica do Direito
77
, tendo como principal representante Savigny
78
. Frequentemente
associado a uma perspectiva romântica
79
, o historicismo resgata o passado, abrindo mão de
alguns princípios racionalistas. Isso porque somente através do estudo histórico do direito é
que seria possível adquirir um correto entendimento da ciência e de todo o direito. Assim,
substitui-se o abstrato e o universal pelo concreto e o particular, abrindo espaço para o
desenvolvimento do positivismo
80
jurídico alemão. Nesse sentido, Puceiro ressalta que “Para
el historicismo, el derecho es lo dado; lo historicamente puesto por uma voluntad
determinada en um contexto espacial y temporal especifico”
81
.
Luhmann, ao tratar do assunto, considera que, tendo em vista o desmoronamento da
ordem estamental e a crescente temporalização e historicidade das descrições das estruturas
STRECK, Lênio Luiz. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Programa de pós-graduação em Direito da
Unisinos: mestrado e doutorado. Porto Alegre: Livraria do Advogado. Ed.; São Leopoldo: Unisinos, 2005, p.144.
75
LOPES, op. cit., p. 222.
76
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi,
Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 42.
77
“Savigny forma o solo rígido com a análise histórica, possibilitando o desenvolvimento da escola do Direito
Livre e da Escola da Livre Investigação Científica, na perspectiva de impor aos juristas não só a fria leitura dos
códigos, mas a interdisciplinaridade, utilizando-se das escolas sociológicas numa linha globalizante no Direito.”
CARVALHO, Salo de. Mitos sobre a escola do direito livre. In Estudos Jurídicos. São Leopoldo: Unisinos, v.
26. set./dez., 1993, p. 126.
78
Em sua obra SAVIGNY, Friedrich Karl von. SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Sistema del derecho romano
actual. 1. ed. Madrid: F. Gongora, 1878, o autor sustenta que o sistema perde em parte o caráter absoluto da
racionalidade dedutiva que envolvia o sistema jurídico em sua totalidade perfeita.
79
Nesse sentido, observar o disposto em FERRAZ JÚNIOR, op. cit., p. 72.
80
Apesar de muitos autores considerarem erroneamente as concepções de Direito Natural e Direito Positivo
como posturas dicotômicas, torna-se relevante observar que a percepção científica desenvolvidas nos séculos
XVI e XVII, por Descartes e Newton, influenciaram as proposições utilizadas pelo Positivismo do século XIX.
De acordo com Crespi e Fornari, Auguste Comte utiliza a racionalidade científica proveniente da Física para
estabelecer os nexos obrigatórios e as lógicas objetivas que subsistem entre as formas do saber e a realidade
social. Sobre o tema, ver CRESPI; FORNARI, op. cit., p. 72.
81
PUCEIRO, op. cit., p. 26.
sociais, a diferença fundamental que estabelecia a unidade classe social seria substituída
pela de progresso
82
.
Para Savigny
83
e Ihering
84
, o direito não se reconhece a partir do seu conteúdo (como
na teoria do direito natural), mas a partir de sua forma de aparição na vida social. É a
positividade que constitui formalmente o objeto direito.
A dogmática foi ocupando um lugar de destaque. Conforme pode ser visto, a razão
jusnaturalista foi substituída pelo fenômeno histórico
85
, ocasionando o surgimento da
dogmática moderna. Segundo Ferraz Júnior, operacionalmente, isto significou uma síntese do
material romano com a sistemática do jusnaturalismo. Para ele, “esta vinculação de
historicismo com a Teoria do Direito Prático custou à Ciência do Direito, no sentido de uma
ciência histórica, uma falta de rigor que, no entanto, foi compensada pelo enorme
desenvolvimento da Dogmática desde então”
86
.
A partir da Escola Histórica foram originadas as condições para que o método
sistemático fosse adotado. Para tanto, o positivismo jurídico passa a apresentar um
pensamento dogmático que procura legitimar seu ideal de ciência por meio das garantias de
segurança que a lei proporcionaria
87
.
82
LUHMANN, El derecho...op. cit., p.97.
83
Ver SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Metodología jurídica. Tradução de Hebe Caletti Marenko. Buenos Aires:
Depalma, 1994.
84
Ver IHERING, Rudolf Von. A finalidade do direito. 1 ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979 e IHERING, Rudolf
Von. A luta pelo direito. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1980..
85
Destaca-se a importância do pensamento kelseniano na rejeição de uma perspectiva historicista e relativista do
direito. Tal afirmação pode ser realizada através de uma análise de suas palavras no prefácio da primeira edição
de sua Teoria Pura. Observe: “Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto
é, purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica
consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica do seu objeto. Logo desde o começo
foi meu intento elevar a Jurisprudência, que - aberta ou veladamente se esgotava quase por completo em
raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar,
não as suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao
conhecimento do direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda ciência:
objetividade e exatidão”. KELSEN, Hans. Prefácio à primeira edição. In Teoria Pura do Direito. Tradução de
João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.XI.
86
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.
60.
87
ROCHA, Epistemologia Jurídica... op. cit., p.56.
Conforme Andrade:
[...] o paradigma dogmático, embora herdeiro de uma tradição jurídica secular,
recebe sua formulação originária (fundacional) da Escola Histórica, recebendo uma
formulação acabada (relativamente ao seu approach e ideologia de base) do
positivismo jurídico em sua fase madura, sob o influxo, então, de um conceito
moderno de Estado
88
.
Bobbio expõe a tentativa da Escola Histórica de romper com as concepções filosóficas
racionalistas, cuja matriz encontrava no pensamento cartesiano. O autor chama a atenção para
o fato de que a Escola Histórica e o positivismo jurídico não são a mesma coisa, contudo, a
primeira preparou o segundo graças a sua crítica radical ao direito natural
89
.
No século XIX, de um lado, ocorreu a revitalização do pensamento de Kant (via
neokantismo
90
) e, de outro, do positivismo que engendrou a sociologia empirista
91
e
principalmente o neopositivismo lógico
92
.
O direito passou a privilegiar a lei
93
e o ordenamento jurídico positivo
94
, assimilando o
fenômeno do Estado moderno por intermédio de um direito regulador racional
95
,
supranacional e capaz de operar em todas as circunstâncias. O jusnaturalismo racionalista e o
iluminismo são duas correntes que confluem no espírito de clareza e sistematização a
impulsionar o movimento de codificação do direito
96
. Refletindo o desejo de ordem,
88
ANDRADE, op. cit., p. 28.
89
BOBBIO, op. cit., p. 42.
90
Tendo como um dos seus principais expoentes Hans Kelsen.
91
Podendo ser mencionado o pensamento de Émile Durkhein. Sobre o autor, consultar DURKHEIM, Émile. As
regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz. 2 ed. São Paulo: Nacional, 1982.
92
ROCHA, Leonel Severo. A problemática jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Fabris,
1985, p. 27.
93
Segundo o entendimento de Arendt: “Nos sécs. XVII, XVIII e XIX a função das leis não era garantir direitos,
mas proteger a propriedade. Logo, era a propriedade que assegurava a liberdade. No séc. XX houve uma
demasiada exposição das pessoas, as quais não eram protegidas. Sentiu-se a necessidade de proteger os
indivíduos e as liberdades individuais. Assim, demonstram-se coincidentes as idéias de propriedade e liberdade
em ambas as Revoluções (Americana e Francesa), pois tentaram recuperar ‘antigos direitos”. ARENDT,
Hannah. Da Revolução. São Paulo: Ática, 1988, p. 145.
94
Na concepção sistêmica, o direito não é determinado nem por autoridades terrestres, nem pela autoridade dos
textos, nem tampouco pelo direito natural ou por revelação divida: o Direito determina-se a ele mesmo por auto-
referência, baseando-se na sua própria positividade. [...] o direito positivo é auto-produzido, não apenas no
sentido de que é produto do homem, mas sobretudo no sentido de que é produto do próprio direito”. TEUBNER,
Gunther. O Direito como Sistema Autopoiético. Liboa: Clouste Gulbenkian, 1989, p.02-03.
95
“Neste momento, tanto no tocante à religião como no que respeita ao direito, o sentimento de segurança
triunfa sobre o sentimento de dependência. Sob este ponto de vista psicológico podemos definir: - direito, a fé no
Estado; religião, a fé em Deus”. IHERING, Rudolf Von. A Evolução do Direito. 1 ed. Salvador: Progresso, 1950,
p. 313.
96
WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 1 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1980, p. 366.
hierarquia
97
e a concentração legislativa no poder do Estado, inúmeros códigos são
elaborados
98
.
Destaca-se a importância da criação do Código de Napoleão, datado de 1804. Sobre o
assunto, Gilissen escreve:
A partir da promulgação do Code Civil, os juristas começaram a estudá-lo,
dedicando-se mais especialmente à análise do seu texto. Consideravam-no como
algo de absolutamente novo, que era necessário explicar sem ter o passado em
conta. Atribuíram à análise textual uma importância capital, explicando um artigo a
partir de outro, combinando-os entre si, elaborando assim na base das disposições
legais teorias novas, muitas vezes imprevistas, que os autores do Código não tinha,
decerto, imaginado. Isolavam assim o Code Civil e também outros códigos do
meio social no qual ele tinha nascido e no qual ele devia ser aplicado;
consideravam-no em si, como um todo, do qual eles deviam deduzir por via de
raciocínio todas as soluções teoricamente possíveis. Método, portanto, puramente
dogmático, baseado na análise exegética dos texto legais
99
.
Diante do apresentado anteriormente, nota-se que o movimento codificatório, de
inspiração iluminista, marca o período de transição para o século XIX, possibilitando a
positivação do direito natural por um código posto pelo Estado. Ademais, destaca-se o
surgimento da Escola da Exegese
100
, que passou a exercer grande influência nos países em
que predominaram os postulados napoleônicos
101
. A partir desse momento, a tarefa do jurista
torna-se tipicamente dogmática
102
, incentivando teorizações e sistematizações da experiência
jurídica
103
, que ainda hoje são configuradas na dogmática jurídica
104
.
97
“La construcción más influyente (o al menos la más tradicional) acerca de la unidad del derecho trabajó com la
imagen de jerarquía de fuentes o tipos de derecho: derecho eterno, natural, positivo. Esta construcción pudo
apoyarse en una sociedad estratificada y em uma correspondiente arquitectura jerarquizada del mundo, pero
planteó precisamente la necesidad del orden jerárquico de manera dogmática [...]”. LUHMANN, El derecho...
op. cit., p. 73-74.
98
O surgimento dos Códigos iluministas ocorreu em 1756, com o Codex Bavaricus (de Max José III da Baviera).
Em seguida, podem ser mencionados o Código de Josefino (de 1786) e o Código Civil Prussiano (de 1794).
Hespanha aborda ainda a tentativa de Marques do Pombal, em Portugal, de remodelar as fontes do direito através
da Lei da Boa Razão (1769). HESPANHA, Antônio Manuel. Poder e instituições na Europa do antigo regime.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, p. 73p.
99
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Tradução de Antônio Manuel Hespanha; L. M. Macaísta
Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995, p. 515.
100
Sobre a Escola da Exegese, consultar PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. Tradução de Vergínia K. Pupi.
São Paulo: Martins Fontes, 2000.
101
Tal direcionamento se deu, no mundo germânico, através da doutrina dos Pandectistas.
102
Convém lembrar que, com a criação dos cursos jurídicos no Brasil, os professores da Escola de Recife
começaram a desenvolver um pensamento jurídico voltado ao Código Civil francês, razão pela qual o país
adotou uma perspectiva de direito voltada à exegese. Assim, o Código Civil de 1916 foi redigido no modelo
francês. Tal modelo epistemológico influenciou o pensamento de Pontes de Miranda, considerado o grande
modelo de jurista brasileiro. Assim, pode-se dizer que ser um bom jurista implicaria em conhecer e comentar os
códigos.
103
Sobre esse aspecto: “[...] el paso del pensamiento jurídico de sistemas de conceptos a sistemas de acciones
posibilita una problematización funcional de la dogmática. Esto no significa que la dogmática pueda ser
A teoria jurídica dominante passa a ser determinada por uma metodologia positivista.
Pautadas em abordagens eminentemente analíticas, as posturas juridicistas voltam-se aos
aspectos empírico-lógicos
105
das normas. Fruto dessa postura teórica, utilizam-se os aspectos
normativos do direito, em detrimento de suas dimensões políticas
106
.
Sobre o método da ciência jurídica, Bobbio escreve:
[...] o positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que na
atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou
criativo do direito (empregando uma imagem moderna, poderíamos dizer que o
juspositivismo considera o jurista uma espécie de robô ou de calculadora
eletrônica)
107
.
A idéia geral de ciência do positivismo fundamenta-se na experiência
108
, considerando
os fatos verificáveis (passíveis de observação, recolhimento e experimentação metódicos)
como princípio e fim da investigação científica. Para a totalidade dos fatos, vale a lei geral da
causalidade, em que todo fenômeno tem a sua causa, cronologicamente anterior, a qual, de
harmonia com as leis naturais, produz necessariamente aquele efeito. Desse modo, Larenz
estabelece que a função da ciência passa a ser a descoberta das leis de harmonia mediante as
quais o determinismo realiza-se em pormenor e, a partir desta descoberta, explicar os
fenômenos
109
.
sustituida por la problemática, pero el nuevo concepto de sistema da a la reflexión sobre la función y el concepto
de la dogmática uma base distinta”. LUHMANN, Niklas. Sistema jurídico y dogmática jurídica. Madrid: Centro
de Estudios Constitucionales, 1983, p. 20.
104
Cumpre ressaltar que muitos são os autores que resumem, erroneamente, o direito positivo ao puro e simples
entendimento da lei. De fato, durante o século XIX ocorreu a redução do jurídico ao legal, culminando no que
foi designado por legalismo. Tal fenômeno ocorreu para conferir maior segurança a uma sociedade que passava
por inúmeras transformações.
105
Essa perspectiva revela a continuidade de uma tradição iniciada no século XVI. A utilização da idéia de
sistema como método foi incorporada à dogmática jurídica, que passa a utilizar como procedimento a subsunção.
106
Essa separação entre as dimensões políticas e jurídicas deve-se à idéia de neutralização dos interesses
concretos na formação do direito, cujo objetivo estava atrelado à exigência política da separação/divisão dos
poderes.
107
BOBBIO, O Positivismo... op. cit., p. 42.
108
Conforme Gadotti “O positivismo, cuja doutrina visava a substituição da manipulação mítica e mágica do real
pela visão científica, acabou estabelecendo uma nova fé, a fé na ciência, que subordinou a imaginação científica
à pura observação empírica. Seu lema sempre foi “ordem e progresso”. Acreditou que para progredir é preciso
ordem e que a pior ordem é sempre melhor do que qualquer desordem. Portanto, o positivismo tornou-se uma
ideologia da ordem, da resignação e, contraditoriamente, da estagnação social”. GADOTTI, Moacir. História das
idéias pedagógicas. 7 ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 103.
109
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 4 ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2005, p.43.
Utilizando-se de uma epistemologia positivista, a teoria jurídica dominante
estabeleceu uma ruptura entre teoria e práxis
110
. Visando a uma maior independência e
liberdade na manipulação do direito, a dogmática jurídica, instaurada no século XIX,
transformou-se em algo abstrato. Ferraz Júnior salienta que, em contrapartida:
[...] paga-se um preço por isso: o risco de um distanciamento progressivo, pois a
dogmática, sendo atração de abstração, vai preocupar-se de modo cada vez mais
preponderante com a função das suas próprias classificações, com a natureza
jurídica dos seus próprios conceitos
111
.
No entendimento de Rocha, apesar de ser um saber epistemológico superado, a
desvinculação entre teoria e prática cumpre importantes funções políticas, quais sejam:
[...] a primeira, voltada à constituição de uma episteme, um sistema lógico-
dedutivo de conhecimentos, apto a solucionar as lides privadas da sociedade; a
segunda, político-legislativa, preocupada com a justificação do ordenamento
jurídico, que, por sua vez, centra-se, fundamentalmente, na elaboração legal, na
origem legítima da lei. De acordo com esse raciocínio, escamoteia-se qualquer
possibilidade de discussão acerca dos aspectos político-ideológicos da norma
jurídica após a sua vigência, quando esta for considerada legítima em sua gênese.
Assim, a lei tem um momento político o de sua constituição mas, a partir de
sua vigência, sofre um processo de neutralização, que coloca em torno da validez
jurídica qualquer questionamento
112
.
Assim, o início do século XX mantém uma percepção de dogmática atrelada a dois
elementos: a compreensão dos fenômenos jurídicos por meio de conceitos gerais
113
, obtidos
por processos de abstração lógica
114
; ou pela vinculação do direito com a realidade empírica.
Nessa perspectiva, a razão funciona como uma postura metodológica a ser empregada
em meio a uma sociedade indeterminada. Pela elaboração de um sistema jurídico normativo e
hierarquizado, o direito positivo terá a finalidade de controlar as decisões
115
. Hans Kelsen foi
110
Cumpre ressaltar que essa perspectiva dual entre teoria e práxis permanece ainda hoje no imaginário dos
juristas. As passagens apresentadas na pesquisa de campo comprovam tal afirmação.
111
FERRAZ JÚNIOR, Função social .... op. cit., p. 76.
112
ROCHA, Epistemologia Jurídica... op. cit., p.54.
113
A definição de determinados conceitos implicou em conhecimentos caracterizados pelas suas posturas
dicotômicas. Como exemplo, pode-se mencionar a tradicional divisão realizada entre o Direito Público e o
Privado. Sobre as funções do Direito Público, consultar JELLINEK, op. cit.
114
Nota-se, aqui, a influência do jusnaturalismo através da utilização do método dedutivo, proposto inicialmente
por Descartes.
115
Tal questão relaciona-se com o dogma da completude, princípio esse que considera o ordenamento jurídico
completo para fornecer ao juiz em cada caso uma solução sem recorrer à equidade. Essa idéia nasce do Direito
romano, tendo se tornado parte integrante da concepção estatal do direito nos tempos modernos. Ver Bobbio,
Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10 ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 119-120.
o responsável pela divulgação dessa concepção, elaborando um uma teoria que restou
difundida em todo Ocidente como matriz teórica emblemática do direito na modernidade.
No século XX, a racionalidade moderna esteve intimamente relacionada com o
paradigma da linguagem. Nesse sentido, desenvolveu-se uma percepção analítica
116
do
normativismo
117
, que pretendia desenvolver uma linguagem rigorosa para a ciência do
direito. Essa deve ser objetiva, descritiva e detalhada, pois somente assim seria possível
construir um conhecimento rigoroso
118
.
Hans Kelsen e Norberto Bobbio foram os principais representantes da Teoria
Analítica
119
, postulando o desenvolvimento de uma ciência do direito pautada em proposições
normativas que descrevem sistematicamente o objeto direito
120
. Os meios com que chegam
a essa finalidade são a Semiótica de Pierce
121
e a Semiologia de Saussure
122
.
116
Destaca-se que “a análise certamente sempre fez parte da filosofia, mas Russell trouxe um novo e
específico significado ao termo. [...] Uma boa parte da filosofia analítica seria, então, a se analisar a linguagem e
a matemática e mostrar como cada elemento da análise se refere a algo no mundo material ou a outro elemento
da linguagem ou a matemática. Para Russell, a realidade é, em última instância, analisável; isto é, ela pode ser
dividida em elementos e relações irredutíveis”. GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Filosofia e história da
educação brasileira. Barueri, São Paulo: Manole, 2003, p. 187.
117
Neste texto, adota-se o entendimento de Rocha, ao dividir epistemologicamente a Teoria do Direito e três
perspectivas. Sobre o assunto, ver ROCHA, Leonel Severo. Três matrizes da Teoria Jurídica. In Anuário do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. São Leopoldo, 1998, p.121-136.
118
Warat considera que por trás das questões do método, há uma série de pressupostos sobre a própria concepção
de ciência, sendo aceitos como opiniões intocáveis. Trata-se do imaginário da linguagem científica que dá a seus
enunciados atribuições impossíveis, como por exemplo, estabelecer palavras sem ambigüidade, impondo a ilusão
da linguagem como versão objetiva do mundo. O direito e sua linguagem. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,
1995, p.98.
119
Cabe lembrar que, além do normativismo kelseniano e do pensamento de Bobbio, tal matriz teórica também
foi desenvolvida na Argentina, notadamente, com os trabalhos de Alchurrón, Buligyn e Vernengo. ROCHA,
Três Matrizes... op. cit., p.124.
120
Segundo Mazurek, “A teoria analítica do direito pertence ao domínio científico da filosofia analítica e
emprega o seu método. [...] Ao analisar a função dos conceitos jurídicos pela descrição do seu uso na linguagem
corrente transformam-se problemas da teoria do direito em questões de definição lingüística.” Conforme
MAZUREK. Teoria analítica do Direito. In KAUFMANN, A.(org.); HASSEMER, W. Introdução à Filosofia
do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira.
Revisão Científica e coordenação de António Manuel Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002,
p.371
121
As linhas gerais do pensamento de Pierce podem ser encontradas em OGDEN, C. K. O significado de
significado. Um estudo da influencia da linguagem sobre o pensamento e sobre a ciência do simbolismo. 1. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
122
Sobre o autor, consultar SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 11 ed. São Paulo: Cultrix,
1980.
Para os autores analíticos (Bobbio e Kelsen), a linguagem rigorosa no direito somente
será possível através de uma linguagem própria
123
. Assim, eles constroem o normativismo
através da criação de determinadas definições, as quais conferem sentido às coisas. Dentre os
conceitos desenvolvidos, destaca-se o de norma jurídica
124
.
O desenvolvimento da postura kelseniana, inserida em um contexto positivista, será
influenciado pelos postulados kantianos
125
e pelo Círculo de Viena
126
, mais conhecido como
neopositivismo lógico. No primeiro aspecto, destaca-se a tentativa de purificação de sua
teoria, de elaboração de uma ciência pura
127
. Em se tratando da segunda, essa se preocupará
com o afastamento da metafísica e a verificabilidade dos enunciados produzidos graças a
uma coerência lógica
128
.
A formulação de uma teoria pautada na purificação da ciência do direito
129
, fica
evidente na obra kelseniana:
123
Destaca-se que esse pensamento utiliza-se de metalinguagens. Quanto mais metalinguagem a teoria possuir,
mais sofisticada ela será. Seu sucesso decorre da segurança que esta matriz confere ao direito, característica
muito difícil de ser obtida.
124
Com relação ao tema, Bobbio salienta que “[...] o melhor modo de aproximar-se da experiência jurídica e
apreender seus traços característicos é considerar o direito como um conjunto de normas ou regras de conduta”.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Fernando Pavan Baptista, Ariani Bueno Sudatti.
Bauru: EDIPRO, 2001, p.23.
125
Trata-se do dualismo desenvolvido por Kant entre ser e dever ser. Em sua teoria, Kelsen desenvolveu uma
ciência do direito pautado no dever ser, ocasionando assim uma exaltação aos aspectos lógicos que constituem a
teoria pura do direito. Para tanto, utiliza-se do conceito de norma jurídica. Em suas palavras, o autor esclarece:
“Com o termo “norma” se quer significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve
conduzir de determinada maneira”. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista
Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.05.
126
Sobre o Círculo de Viena, consultar STEGMÜLLER, Wolfgang. A filosofia contemporânea: introdução
crítica. São Paulo: E.P.U., 1977.
127
Warat sustenta que o postulado da pureza metódica constitui o ponto de partida e o princípio metodológico
central da teoria kelseniana, com o qual se fundamentam as condições de positividade de uma ciência do direito
situada em um plano lógico-estrutural, excluída de qualquer elemento extranormativo. Assim, propõe-se
impedir, por razões metodológicas, qualquer contaminação das normas jurídicas com sua consideração genética,
causal ou axiológica. Suas considerações podem ser encontradas em WARAT, Luis Alberto. Do postulado da
pureza metódica ao princípio da heteronímia significativa. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p.235.
128
Nesse sentido, destaca-se: “A antinomia teórica suscitada ao longo da história do pensamento jurídico pelo
encontro das correntes jusnaturalistas e juspositivistas prendeu a filosofia do direito entre as tenazes dos
dualismos: condenou-a, ao sabor das controvérsias e das polêmicas, ao choque das contradições provocado, por
ambos os lados, pela segurança dogmática dos doutrinários”. GOYARD-FABRE, Simone. Os fundamentos da
ordem jurídica. Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.77.
129
Segundo Warat, a Teoria Pura se apresenta como um programa para a elaboração de um saber jurídico
autônomo e auto-suficiente. Trata-se de um conhecimento baseado em uma análise metodologicamente
imanente, que exclui a referência de fatores e saberes extra-jurídicos. WARAT, Luis Alberto. A pureza do poder.
Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983, p. 32.
Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela
se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e exclui deste
conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa
rigorosamente, determinar como Direito
130
. Quer isso dizer que ela pretende
libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhes são estranhos. Esse é o
seu princípio metodológico
131
.
Kelsen substitui a palavra verdade por validade. Assim, as normas passam a pertencer
a um sistema válido a partir de uma estrutura piramidal, baseada em um sistema dedutivo
132
.
Em sua teoria, o jurista afastou os aspectos teleológicos
133
, voltando-se a um caminho
lógico
134
.
Na percepção lógica, as ciências passam a ser consideradas como um conjunto de
regras segundo as quais as teorias são construídas e verificadas. Para tanto, utilizam-se de
procedimentos e proposições. Nesse sentido, convém lembrar a importância da lógica
deôntica (dever ser) e paraconsistente, desenvolvida por Vernengo.
O direito trabalhará muito com proposições
135
, que são enunciados universais que
podem ser identificados e verificados. Isso pode ser encontrado nas palavras de Vernengo,
130
Luhmann, ao abordar esse aspecto do pensamento kelseniano, afirma que tal perspectiva evita o nível
ideológico, sobretudo no campo valorativo. Tampouco se mantém uma concepção de direito “extra-jurídica”.
Seguindo as palavras do autor: “Em relação à norma, esta se refere a uma forma específica de expectativa fática,
a qual pode ser observada psiquicamente ou mediante o sentido pensado que se faz compreensível no processo
de comunicação. Tais expectativas ou existem ou não existem. E quando se quer formular que tais expectativas
deveriam existir, não há que se retroceder ao nível do dever ser normativo existente por si; pelo contrário, há que
permanecer no plano das expectativas, isto é, das expectativas que antecipam normativamente o que é possível
esperar normativamente”. LUHMANN, El derecho... op. cit., p.86.
131
KELSEN, op. cit., p.01.
132
Conforme o entendimento de Villey, a partir de Descartes, a dedução torna-se soberana, até mesmo no direito.
VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2005, p. 603.
133
Tais aspectos foram sustentados por Jellinek ao abordar uma necessária consideração dos fins do Estado.
134
Para o entendimento de Goyard Fabre: “Também é indubitável que o positivismo pretende privilegiar a
ordem hipotético-dedutiva dos sistemas, isto é, um método de construção teórica cujo critério de validade é a
transparência lógica. [...] Mas o “contrapeso positivista” não é a antítese do jusnaturalismo. Há nessa
interpretação uma falsa simetria. Por um lado, as dicotomias ou as “disjunções” que oporiam ponto por ponto as
estruturas do positivismo dos modernos ao direito natural dos antigos por exemplo, a representação ao ser, o
logos à natureza, o indivíduo à comunidade, a teoria à prática, o conhecimento ao dado imediato... têm a
rigidez de divisões que não correspondem à verdade das doutrinas jurídicas”. GOYARD-FABRE, op. cit., p.77.
135
Kelsen aponta as designações de “não” Direito, “contradição” e “quebra” do mesmo, como se representasse
algo que está fora do Direito e contra ele. Segundo o seu entendimento, essa representação induz a um erro, pois
ela interpreta como contradição a relação entre uma norma que prescreve determinada conduta e uma conduta
fática que é oposta da prescrita. Destaca que uma contradição lógica apenas pode existir entre duas proposições
das quais uma afirme que A é e a outra que A não é, ou das quais uma afirme que A deve ser e a outra que A não
deve ser. Ambas as proposições não podem substituir uma ao lado da outra, pois apenas uma delas pode ser
verdadeira. Em seguida, conclui que a existência ou validade (vigência) de uma norma que prescreve uma
determinada conduta não é “quebrada” pela conduta oposta como se quebra uma cadeia que prende um
indivíduo. Afirma também que a norma não é “lesada” como pode ser lesado um indivíduo. KELSEN, op. cit.,
p.126-127.
para quem: “Para aludir solamente al sentido, verdadero o falso, de um enunciado, y no a su
formulación linguistica contingente en este o aquél lenguaje, hablaremos de
‘proposiciones’”
136
.
O pensamento jurídico contemporâneo passou a ser constituído pela perspectiva
liberal adotada na Europa durante o século XIX. A teoria jurídica começou a sustentar a
ausência valorativa na construção da ciência jurídica, pautando-se em uma suposta
universalidade, sistematicidade, objetividade, neutralidade da lei e imparcialidade do
Judiciário. Assim, adotou-se a dogmática jurídica enquanto matriz doutrinária
137
.
O problema é que o dogmatismo significou uma atitude de acatamento e submissão do
jurista ao estabelecido como direito positivo, estando relacionado a uma postura acrítica de
um direito que permanece inerte diante das transformações da sociedade. Tal postura,
analítica, apesar de ter apresentado grande utilidade, é considerada insuficiente diante de uma
sociedade complexa, pois oculta os paradoxos ou tentapurificar” o direito de suas
influências. Caracteriza-se, então, por ser uma epistemologia que pretende evitar os riscos,
gerando segurança. Nesse sentido, evidencia-se a ênfase conferida à segurança jurídica como
certeza de razão abstrata e geral desse período
138
.
No paradigma dogmático, convergem uma matriz epistemológica (saber) e uma
matriz política (poder) e diversos processos a ambas relativos, de forma que ele é tributário,
tanto do discurso cientificista quanto do discurso estatalista-legalista do século XIX,
encontrando-se vinculado à promessa epistemológica de edificação de uma ciência do
direito
139
.
O problema está no fato de que a auto-suficiência dessa teoria encontra-se limitada
diante de um discurso que sustenta uma pretensa neutralidade do direito. Nessa mesma linha
136
VERNENGO, Roberto José. Teoria General del Derecho. 2 ed. Buenos Aires: Cooperadora de derecho y
ciencias sociales, 1976.
137
Segundo o entendimento de Warat: “Os dogmáticos consideram sua atividade como científica. Os juristas, em
regra, aceitam sem discussão que sua atividade é científica. Partem do velho aforisma, forjado a partir do
iluminismo, de que basta que uma atividade tenha um método e um objeto para que seja científico. Os
dogmáticos afirmam que sua atividade é científica porque está baseada em raciocínios lógico-demonstrativos.
Epistemologicamente isto é inaceitável, pois o discurso jurídico é persuasivo e não demonstrativo”. WARAT,
Luis Alberto. Introdução Geral do Direito II. A epistemologia jurídica na modernidade. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1995, p. 37.
138
ROCHA, Leonel Severo (org.). Paradoxos da Auto-Observação: Percursos da Teoria Jurídica
Contemporânea. Curitiba: JM Editora, 1997, p.19.
139
Idem. Crítica da “teoria crítica do direito”. In Seqüência. Florianópolis, n.6, 1982, p. 126.
de pensamento escreve Luis Alberto Warat, ao analisar os postulados de uma pureza
metódica na produção de significações jurídicas, manifesta os problemas do pensamento
jurídico moderno:
Quando se sustenta a existência de um conhecimento neutro e puro, se está
tacitamente afirmando a impossibilidade de seu questionamento, com o que se
constitui um lugar retórico importante, o “topoi” da neutralidade. O resto é
simples. Basta poder revestir com este “topoi” algum interesse político, econômico
ou ideológico, para que este se torne legitimado e se apresente como única opção
racional
140
.
A busca por uma pureza metódica, a inclinação para o isolamento e a neutralidade do
direito ocorrem em virtude da busca pelo ideal de segurança nas relações jurídicas. Essa,
conforme o entendimento de Barzotto, depende de uma rigorosa circunscrição do jurídico,
não apenas em relação aos valores, mas também em relação aos fatos
141
.
A dificuldade em manter essa perspectiva, está relacionada com o que foi denominado
por Warat de sentido comum teórico dos juristas. Segundo ele:
O sentido comum teórico dos juristas deve ser entendido como um conglomerado
de opiniões, crenças, ficções, fetiches, hábitos expressivos, estereótipos que
governam e disciplinam anonimamente a produção social da subjetividade dos
operadores da lei e do saber do direito, compensando-os de suas carências. Visões,
recordações idéias dispersas, neutralizações simbólicas que estabelecem um clima
significativo para os discursos do direito antes que eles se tornem audíveis ou
visíveis
142
.
Almejando combater a mentalidade do jurista pautada em ficções e ilusões
epistêmicas, Warat propõe uma maior atenção ao que ele designou de princípio da
heteronímia significativa, implicando necessariamente na retomada das significações
anteriormente excluídas pelo sistema jurídico. Ou seja, busca-se formular um novo critério de
sentido diverso do modelo kelseniano, sendo possível a visualização de um novo modelo de
significações que não esteja vinculado apenas ao sistema de normas jurídicas válidas
143
.
A matriz teórica dominante no direito, que é praticamente a mesma em todo o mundo
ocidental, não é fruto de apenas uma elaboração científica dos juristas. Ela é constituída por
140
WARAT, Do postulado... op. cit., p.238-239.
141
BARZOTTO, Luís Fernando. O Positivismo Jurídico Contemporâneo: Uma introdução a Kelsen, Ross e
Hart. São Leopoldo: Unisinos, 2004, p.18.
142
WARAT, O direito... op. cit., p.96.
143
Idem, Do postulado... op. cit., p. 235-240.
relações políticas e um conflito histórico de saberes, o que implica uma ambigüidade
permanente das relações do saber jurídico com o social, escamoteada permanentemente pelo
ideal monolítico da ciência jurídica hegemônica
144
.
Tendo em vista as considerações anteriores, nota-se que a tentativa de criação de uma
ciência do direito implicou no seu isolamento de outras formas de atribuição de produção de
sentidos jurídicos, tais como a ideologia e a política, por exemplo. Desse modo, observa-se a
tendência dessa visão a uma perspectiva jurídica fragmentada. Essa separação/ocultação da
existência de outras influências no pensamento jurídico possibilita constatar a herança do
modelo mecanicista no modo como o direito passou a ser pensado, aplicado
145
e ensinado.
Nesse contexto, a dogmática ganhou importância na ciência do direito, passando a ser
objeto do ensino jurídico e de compêndios utilizados pelos juristas. O sucesso das
construções dogmáticas implicou no desenvolvimento de uma atividade analítica, pautada na
análise do direito posto, que mesmo sob uma metodologia histórica, exige do historiador
objetividade, característica principal da ciência moderna. Para tanto, consolidou-se um
conceito moderno de Estado, influenciado pela normatização, codificação e positivação do
direito.
Diante do exposto, acredita-se que o caráter dogmático do direito está fortemente
comprometido com uma percepção mecanicista, introduzida pelos pensamentos de Descartes
e Newton. Tal perspectiva também é encontrada no desenvolvimento das teorias pedagógicas
do ensino, as quais passam a ser apresentadas no próximo item deste capítulo.
144
ROCHA, A problemática... op. cit., p.21.
145
Em se tratando da aplicação do Direito, destaca-se o pensamento de Ferraz Júnior: “O fenômeno da aplicação
exige do jurista, inicialmente, uma identificação do que seja o direito a ser aplicado. Dessa identificação se
ocupa, primeiramente, o pensamento dogmático. Sujeito ao princípio da inegabilidade dos pontos de partida, o
pensar dogmático tem, portanto, de identificar suas premissas. [...] Afinal, direito é uma palavra dotada de
ambiguidade e vagueza. Daí a questão: como identificar o direito? [...] o jurista sabe que há critérios gerais,
direitos comuns, configurados em normas chamadas leis, estabelecidas conforme a constituição do país.”
FERRAZ JÚNIOR, Introdução ao... op. cit., p.93-94.
2.3 LEGADO EDUCACIONAL
Após analisar o modo como o paradigma cartesiano-newtoniano influenciou o
pensamento jurídico, importa mencionar o modo como ele introduziu percepções
mecanicistas e reducionistas na estrutura educacional moderna. Conforme previamente
apresentada, essa herança, datada do século XVI, modificou radicalmente a forma de
conceber o conhecimento científico e, consequentemente, o modo como este passou a ser
ensinado nas universidades.
Sem a intenção de esgotar o tema, este item do capítulo se propõe a considerar,
simultaneamente, o desenvolvimento do pensamento pedagógico (proveniente das ciências
naturais), com o histórico e a metodologia de ensino características da educação jurídica.
O ensino do direito inicia em Bolonha, no século XII, propondo-se a realizar a união
entre o direito justinianeu e a filosofia grega. Logo, esse período foi marcado pela
redescoberta de grande parte da tradição clássica. Nesse contexto, estabeleceu-se uma íntima
relação entre o estudo do texto e o ensino do direito:
O estudo e o ensino do Direito eram quase inexistentes na Europa Ocidental durante
a Alta Idade Média. A influência do Direito romano tinha lentamente decrescido,
para desaparecer quase inteiramente nos séculos X e XI. Cerca de 1100, dá-se na
Itália um ‘renascimento’ do Direito romano
146
, na seqüência do seu ensino nas
universidades nascentes. À medida que estas se multiplicam na Europa, o estudo e o
ensino do Direito romano desenvolvem-se; durante seis séculos, até o fim do século
XVIII, só o Direito romano é ensinado aí, ao lado do Direito canônico; embora as
primeiras cátedras do Direito moderno apareçam no século XVII, não conseguirão
eclipsar o Direito romano senão no começo do século XIX. Todo o ensino do
Direito é feito em latim
147
.
Nesse período, o ensino do direito ocidental estava associado à idéia de direito natural
clássico. Assim sendo, retoma a concepção ética desenvolvida pelo pensamento aristotélico.
146
“[...] em face da diversidade e da barbárie dos costumes locais, um direito se oferecia ao estudo e à admiração
de todos, tanto professores como estudantes. Este direito era o direito romano. Direito fácil de conhecer: as
compilações de Justiniano expunham o seu conteúdo, na língua que a Igreja tinha conservado e vulgarizado e
que era a de todas as chancelarias e de todos os sábios: o latim”. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito
contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 42-43.
147
GILISSEN, op. cit., p. 337.
Ao longo dos séculos XII a XV, formaram-se duas escolas sucessivas. Trata-se dos
glosadores e comentadores. Os glosadores tiveram um trabalho mais limitado em relação ao
texto. Isso porque a glosa era um comentário do texto, seguindo sempre a sua ordem. O seu
interesse maior consistia em comprová-lo enquanto instrumento da razão da verdade da
autoridade. Os comentadores, por sua vez, também denominados de pós-glosadores, não
estavam interessados no texto clássico puro, mas sim no seu valor contemporâneo
148
.
No século XVI, as universidades perderam parte da importância que tinham. Segundo
Lopes, “como corpo reconhecido pelos soberanos e Estados nacionais, as universidades
começam a exigir de seus membros um juramento de fidelidade. Então o vigor do
pensamento transfere-se para uma nova instituição: a academia”
149
.
A racionalidade desenvolvida por Descartes representa uma ameaça às autoridades,
uma vez que o conhecimento não estava mais centrado em Deus e nem nos postulados de
uma ética clássica. As concepções desenvolvidas durante a Revolução Científica propiciaram
uma nova visão acerca do mundo, do homem, da natureza, do direito e da educação. Através
dos estudos de Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes, Newton e outros, a busca pelo
conhecimento verdadeiro baseava-se em uma percepção metodológica geometrizada, capaz
de quantificar, medir e precisar determinado objeto.
A educação sofrerá direta influência dessa percepção de mundo. A pedagogia realista,
contrária ao formalismo humanístico, sustenta a superioridade do domínio do mundo exterior
sobre o interior e a supremacia das coisas sobre as palavras. Assim, desenvolve sua paixão
pela razão (iniciada em Descartes) e o estudo da natureza (proposto por Bacon). A educação
torna-se científica, devendo preparar o homem para a vida e para a ação
150
.
Locke será o responsável pelo desenvolvimento de uma concepção pedagógica
amplamente difundida na educação. Foi ele o responsável por comparar o nascimento de uma
criança a uma tabula rasa. Seu conhecimento provém do meio físico e social, denotando uma
forte influência do empirismo em sua estrutura de pensamento
151
.
148
WIEACKER, op. cit., p. 48, 88-89.
149
LOPES, op. cit., p. 214.
150
GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã.o Paulo: Cortez, 1992, p. 78.
151
A lógica mecanicista aplicada à educação (jurídica), mantém a tradicional divisão entre sujeito e objeto. No
ambiente escolar, o sujeito (professor) é o elemento conhecedor, o centro do conhecimento. Já o objeto, pode ser
Tal maneira de compreender a educação embasou a corrente do behaviorismo
152
,
desenvolvida na filosofia e na psicologia
153
. Segundo Becker, fruto dessa estrutura
educacional, o aluno egresso dessa escola renuncia ao direito de pensar
154
, reprimindo sua
curiosidade e criatividade
155
.
Nessa época, tanto o homem quanto a natureza passam a ser encarados como um
simples mecanismo. Assim, o direito passa a ser visto como procedimento, tendo uma forte
tendência ao dedutivismo e a abstração. Dessa forma, o estudo do direito natural não estaria
mais associado à moral, e sim a uma perspectiva racional desenvolvida pela física,
astronomia e matemática
156
. O conhecimento desse direito, no entanto, ficou a cargo de
pessoas cultas (letrados, professores, eruditos), responsáveis pelo advento dos futuros
tratados, codificações e comentários.
Com o surgimento da reforma pombalina, ocorreram inúmeras modificações no
ensino da universidade de Coimbra. Até a reforma, a educação esteve direcionada ao fator
religioso
157
. Através das modificações introduzidas, em 1772, começaram a ser utilizados
manuais e compêndios dentro da estrutura educativa. Esses, por sua vez, deveriam seguir o
modelo racional da época, intimamente relacionado com a idéia de poder soberano e da
comparado ao indivíduo (aluno) que, desde o seu nascimento, nada tem em termos de conhecimento, sendo
considerado como tabula rasa.
152
Behaviorismo é uma corrente que dominou o pensamento e a prática da psicologia, em escolas e consultórios
até 1950. Ele restringe o seu estudo ao comportamento tomado como um conjunto de reações dos organismos
aos estímulos externos. Seu princípio sustenta-se no argumento de que somente é possível teorizar e agir sobre o
que é cientificamente observável. Através desse pensamento, ficam descartados conceitos e categorias centrais
para outras correntes teóricas (como ocorre com a consciência, vontade, inteligência, emoção e memória).
Aprofundamentos sobre o tema podem ser feitos através da consulta a obra BAUM, op. cit.
153
Conhecido pelo método estímulo-resposta, ele destaca a necessidade de repetição de uma tarefa para alcançar
o aprendizado. Ver SKINNER, Burrhus Frederick. Tecnologia do ensino. Tradução Rodolpho Azzi. São Paulo:
Herder, 1972. Apesar de ser abordado mais adiante no texto, destaca-se que tal lógica influenciou fortemente a
pedagogia, podendo ser associada aos exames aplicados aos egressos dos cursos jurídicos, que se baseiam na
mera reprodução das tipologias legais.
154
Tal lógica influenciou fortemente a pedagogia, podendo ser associada aos exames aplicados aos egressos dos
cursos jurídicos, os quais se baseiam na mera reprodução das tipologias legais.
155
BECKER, Fernando. Educação e Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001, p. 18-9.
156
Arendt aponta que a razão passou a ser a Lei maior, devendo conferir validade à nova lei nacional e às antigas
leis morais. ARENDT, op. cit., 145p.
157
A partir de então “A igreja católica, progressivamente excluída de seus tradicionais domínios feográficos e
ideais, isto é, do Estado pontifício e da função da assistência e da instrução, ficou frequentemente conduzindo
uma batalha de defesa. Ela não abandona a antiga polêmica, já travada contra os luteranos, os iluministas e a
Revolução Francesa, sobre os dois temas: o da escola e o da imprensa”. MANACORDA, Mario Alighiero.
História da educação: da antiguidade aos nossos dias. Tradução de Gaetano Lo Mônaco. 8 ed. São Paulo,
Cortez, 2000, p. 292.
criação de uma legislação nacional
158
. Desse modo, observa-se uma alteração do papel dos
juristas na sociedade
159
.
Sobre o ensino do Direito Romano, Gilissen aborda:
O Direito romano, ensinado nas universidades, era encarado como um ‘Direito
erudito’, por oposição ao Direito efetivamente aplicado nas diversas regiões da
Europa Ocidental. Não deixou todavia de impor-se cada vez mais até, finalmente,
ser reconhecido quase por toda a parte como Direito supletivo das leis e costumes
territoriais e locais. A uma fase de infiltração que, muitas vezes, durou três a quatro
séculos, do século XII ao XV, sucedeu-se em vários países o reconhecimento legal
do ius commune o Direito romano tal como era ensinado nas universidades
como Direito supletivo das leis e costumes; servia para preencher as lacunas do
Direito em vigor. Deu-se, geralmente, o nome de ‘recepção’ do Direito romano a
esse fenômeno de adoção dum Direito estrangeiro; talvez sem razão, porque quase
em nenhum lugar o ius commune suplantou o Direito nacional ou local. Aliás, os
diversos países reagiram diferentemente, face à penetração do Direito romano
160
.
Na busca de uma razão jurídica influenciada pela matemática, surgem as codificações,
que pretendiam reorganizar/sistematizar o direito. Assim, o jurista, formado na tradição do
mencionado ius commune foi afastado da universidade, abrindo espaço para uma nova ordem
jurídica, pautada nos Estados nacionais e no poder da burguesia.
Conforme Gadotti, a Revolução Francesa já estava presente no discurso dos grandes
pensadores e intelectuais da época, chamados “iluministas” ou “ilustrados” pelo apego à
racionalidade e à luta em favor das liberdades individuais, contra o obscurantismo da Igreja e
a prepotência dos governantes
161
.
A educação do século XVIII, com o apoio de Rousseau
162
, sustentou a necessidade de
realizar uma transição do controle da educação da Igreja para o Estado, vindo à tona um
tratamento da educação laica, gratuita e estatal.
158
Venâncio Filho sustenta que o velho ensino rotineiro, voltado basicamente ao estudo do direito romano, era
renovado pelas correntes do iluminismo e do enciclopedismo, dando-lhe uma ênfase ao direito nacional e
voltando os olhos para as fontes das leis das nações européias. VENÂNCIO FILHO, Alberto. Análise histórica
do ensino jurídico no Brasil. In ____________. (org.); ALBUQUERQUE, Guiomar Freitas de. Encontros da
UnB: Ensino Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1978-1979, p. 14.
159
Para Rocha, “A forma característica da sociedade moderna é a diferenciação: separam-se indissoluvelmente
as esferas do poder, do saber, da lei, da religião, do prazer implicando a necessidade da legitimação constante de
suas áreas de atuação”. ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do
sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 13.
160
GILISSEN, op. cit., p. 350.
161
GADOTTI, História das... op. cit., p. 87.
162
Ver ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
Sendo assim, o iluminismo educacional representou o fundamento da pedagogia
burguesa, a qual ainda insiste na transmissão de conteúdos e na formação social
individualista. A burguesia teria percebido a necessidade de oferecer uma instrução mínima
aos trabalhadores, conduzindo a educação para a formação do cidadão disciplinado
163
.
Nesse sentido, importa referir outro grande teórico que exerceu influência tanto no
direito quanto na área da educação. Trata-se de Immanuel Kant. Sua concepção de pedagogia
sustenta-se na noção de disciplina. Segundo o pensamento kantiano:
A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete ao
homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis.
Mas isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à
escola, não para que aí aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a
ficar sentadas tranquilamente e a obedecer pontualmente àquilo que lhes é
mandado, a fim de que no futuro elas não sigam de fato e imediatamente cada um
de seus caprichos
164
.
As perspectivas desenvolvidas por Rousseau e Kant influenciaram alguns pedagogos
no século XVIII, dentre os quais se podem destacar: Pestalozzi
165
, Herbart
166
e Froebel
167
.
No final do século XVIII e início do XIX, a educação (jurídica) foi marcada pela
postura positivista
168
, intimamente relacionada ao racionalismo do século XVI e XVII, e à
163
GADOTTI, Ibidem, p. 90.
164
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. 3 ed. Piracicaba: Editora
Unimep, 2002, p. 13.
165
Segundo Manacorda: “Enquanto inovadores ingleses experimentavam o ensino mútuo, na Suíça atuava J. H.
Pestalozzi, declaradamente seguindo a trilha aberta por Rousseau, mas bem diferente deste, especialmente pelo
seu operoso filantropismo e pela sua capacidade de traduzir os princípios em prática. Sua ambição foi a de
“juntar aquilo que Rousseau separa”, isto é, o homem natural e a realidade histórica; e o fez aderindo ao seu
tempo e também fechando-o dentro dos limites ideais de uma sociedade predominantemente pré-industrial.
Todavia, seu exemplo concreto e suas intuições de psicologia infantil e de didática constituíram um dos pontos
de partida de toda a nova pedagogia e de todo o novo engajamento educativo do oitocentos”. MANACORDA,
op. cit., p. 261.
166
Herbart foi um filósofo alemão do século XIX responsável por inaugurar a análise sistemática da educação,
mostrando a importância da psicologia na teorização do ensino. Seus escritos sobre educação podem ser
consultados em HERBART, Johann Friedrich. Pedagogia geral. Tradução de Ludwig Scheidl. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2003.
167
Para Froebel, o desenvolvimento da criança estava associado a uma atividade espontânea, uma atividade
construtiva e um estudo da natureza. Nesse último ponto é que se pode referir a influência da educação
sustentada por Rousseau e Kant. Seu trabalho sobre educação pode ser analisado em FROEBEL, Friedrich W. A.
A educação do homem. Tradução de Maria Helena Câmara Bastos. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo
Faculdade de Educação, 2001.
168
Como se sabe, o pensamento pedagógico positivista consolidou a idéia burguesa da educação, tendo como
principal expoente Auguste Comte. Nessa perspectiva, somente uma doutrina positivista serviria de base da
formação científica da sociedade, pois a ciência deveria ser afastada da ideologia, buscando um conhecimento
filosofia idealista do final do século XVIII
169
. Os juristas desenvolviam seus pensamentos
direcionados à lei e ao ordenamento jurídico positivo. Diante das transformações ocorridas na
sociedade, coube aos professores o desenvolvimento de uma tarefa exegética da legislação.
Assim, utilizavam-se do método dedutivo.
O positivismo, visto sob o olhar da pedagogia, diferentemente do que estabelecia
Kant
170
, passou a privilegiar a educação para o presente. Nesse sentido, constata-se a
contribuição de Whitehead
171
, Russell e Wittgenstein
172
.
A exemplo do direito, a filosofia analítica, desenvolvida por Russell e outros, também
influenciou os filósofos da educação, inclinados para a filosofia da linguagem ordinária e
conceitual
173
. Nessa lógica, uma análise acerca do conceito de ensino ou de educação, por
exemplo, tentaria separar um determinado conceito de outros, conferindo bastante atenção
aos vários contextos lingüísticos nos quais o conceito aparece
174
.
Enquanto isso, no Brasil, instalava-se, em 1826, a Assembléia Geral Legislativa e
cogitava-se desde logo a criação dos cursos jurídicos
175
. Tais colégios eram considerados
necessários, pois se fazia urgente obter para o país futuros magistrados. Sentia-se notória falta
neutro. Essa noção foi fortemente combatida pelo sociologismo marxista. Sobre o autor, ver COMTE, Auguste.
Curso de filosofia positiva; Discurso sobre o espírito positivo; Discurso preliminar sobre o conjunto do
positivismo; Catecismo positivista. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
169
Conforme já mencionado, destacam-se, aqui, Rousseau, Kant, Pestalozzi, Herbart e Hegel.
170
Kant sustentava que “Um princípio da pedagogia, o qual mormente os homens que propõem planos para a
arte de educar deveriam ter ante os olhos, é: não se deve educar as crianças segundo o presente estado da espécie
humana, mas segundo um estado melhor, possível no futuro, isto é, segundo a idéia de humanidade e da sua
inteira destinação. Esse princípio é da máxima importância. De modo geral, os pais educam seus filhos para o
mundo presente, ainda que seja corrupto. Ao contrário, deveriam dar-lhes uma educação melhor, para que possa
acontecer um estado melhor no futuro. Mas aqui se deparam dois obstáculos: os pais não se preocupam
ordinariamente senão com uma coisa, isto é, que seus filhos façam boa figura no mundo. E os príncipes
consideram os próprios súditos apenas como instrumento para os seus propósitos”. KANT, op. cit., p. 22.
171
Para quem “a educação é a arte de utilizar os conhecimentos”. Ver WHITEHEAD, Alfred North. Os fins da
educação. São Paulo: Nacional, 1966, p. 16.
172
Ambos vincularam o conhecimento científico com o desenvolvimento da lógica, fortemente influenciada pela
filosofia analítica.
173
“[...] de ahí que e dacto de transmisión educativa necesita vestirse siempre de un aire de objetividad,
neutralidad y universalidad; necesita contar siempre com el respaldo de uma falacia de autoridad en la
transmisión de sus contenidos”. WARAT, Luis Alberto. Educacion y derecho. In Epistemologia e ensino do
direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 367.
174
GHIRALDELLI JÚNIOR, op. cit., p.188.
175
Naquele momento: “O verdadeiro objetivo da reforma escolar era o de ajudar o pensamento natural-científico
e positivista a abrir espaço na educação. Com isso, queria-se reprimir a influência da Igreja Católica, das
comunidades cristãs, que estavam orientadas humanisticamente no campo escolar. As disciplinas principais não
seriam mais o latim, o grego e a retórica, mas a matemática e a física. A prova para seus novos pensamentos é a
fundação em 1827 das duas primeiras faculdades de Direito no Brasil.” MÄDCHE, Flávia Clarici. Abrindo
perspectivas: a intersubjetividade na pedagogia de Paulo Freire. Porto Alegre: Dacasa, 1998, p. 25.
de bacharéis formados para os lugares da administração. As elites nacionais necessitavam,
pela força da independência, constituir quadros para a administração do novo país
176
. A
formação do novo Estado, neste ponto, confunde-se com a criação dos próprios cursos, pois
assim as academias seriam encarregadas de reproduzir a sua ideologia.
177
Diante do exposto, constata-se que, no Brasil, o século XIX foi marcado por uma
nova percepção da atividade jurídica. A formação de bacharéis tinha a finalidade de prover o
quadro burocrático imperial. Dessa forma, é possível afirmar que o jurista surge no país para
exercer as funções do Estado
178
:
No contexto político, social e econômico em que se insere a criação dos cursos
jurídicos no Brasil, as faculdades de Direito têm duas funções básicas a
desempenhar. A primeira delas se situa a nível cultural-ideológico: as faculdades
atuam como as principais instituições responsáveis pela sistematização da ideologia
política-jurídica
179
, o liberalismo, cuja finalidade é promover a integração ideológica
do Estado moderno projetado pelas elites dominantes. A segunda função se
relaciona com a operacionalização desta ideologia, que se revela na formação dos
quadros para a gestão do Estado Nacional.
180
Sob os ideais liberais, iniciou-se uma nova percepção no discurso dos juristas e
operadores jurídicos. As faculdades passaram a formar os burocratas e defensores do direito
do Estado, preservando ideais liberais através da educação que a academia proporcionava aos
seus egressos
181
.
176
Sobre a formação anterior à criação dos cursos jurídicos no Brasil, Nogueira destaca: “Antes da instauração
dos estudos superiores no Brasil, aos moços aqui nascidos, no século XVIII ou começos do século XIX, só uma
possibilidade se oferecia: cursar uma universidade européia. Na Universidade de Montpellier muitos brasileiros
estudavam Medicina; Coimbra tinha a preferência, por questões de idioma e de facilidade na carreira, daqueles
que pretendiam dedicar-se ao Direito”. NOGUEIRA, José Luis de Almeida. A academia de São Paulo: tradições
e reminiscências. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 17.
177
GALDINO, Flávio Antônio Esteves. A Ordem dos Advogados do Brasil na Reforma do Ensino Jurídico. In
CONSELHO FEDERAL DA OAB. Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil. Brasília, DF:
Conselho Federal da OAB, 1997, p. 158.
178
“A implantação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, um em São Paulo e outro em Recife
(transferido de Olinda, em 1854), refletiu a exigência de uma elite, sucessora da dominação colonizadora, que
buscava concretizar a independência político-cultural, recompondo, ideologicamente, a estrutura de poder e
preparando nova camada burocrático-administrativa, setor que assumiria a responsabilidade de gerenciar o país”.
WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 80.
179
Ademais, ressalta-se que: “Além de seus aspectos conservadores, individualistas, anti-populares e não
democráticos, o liberalismo brasileiro deve ser visto igualmente por seu profundo traço “juridicista”. Foi essa
junção entre individualismo político e formalismo legalista que se moldou ideologicamente o principal perfil de
nossa cultura jurídica: o bacharelismo liberal. De fato, a vertente “juridicista” do liberalismo brasileiro teria
papel determinante na construção da ordem político-jurídico nacional.” Id. Ibidem., p. 80.
180
FARIA, José Eduardo. A função social da dogmática e a crise do ensino e da cultura jurídica brasileira. In
Sociologia Jurídica: crise do Direito e práxis política. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 159-60.
181
Com efeito, coube à classe burguesa “o mérito, não pequeno, de haver sido a primeira a compreender,
inteiramente, o valor político do Direito e a grande força de coesão que é capaz de proporcionar ao poder
O ensino jurídico desde o império teria se caracterizado por uma visão lógica e
harmônica do direito, por uma cultura abertamente desinteressada, uma percepção ingênua da
realidade social, uma concepção do mundo voltada para a perpetuação das estruturas de poder
vigentes e por um saber sobre o presente como algo a ser normatizado e sobre o futuro como
eterna repetição do presente
182
.
Os cursos, muitas vezes restritos a uma visão positivista-legalista do fenômeno
jurídico, consolidam uma postura pedagógica marcada pela glosa dos textos legais, sem
qualquer preocupação crítico-reflexiva. Desse modo, ensina-se a lei na maior parte das
escolas de direito do país. De forma precária e através de comentários que tocam as raias da
evidência ou do uso freqüente do argumento de autoridade, observa-se uma crescente perda
de significação social do direito
183
.
No Império, embora localizados nas províncias, os cursos eram criados, mantidos e
controlados pelo Governo Central. Esta fiscalização abrangia recursos, currículos, “método”
de ensino, nomeação dos professores, do diretor, definição dos programas e até dos
compêndios adotados.
184
Tais compêndios teriam a função de conciliar os tradicionais valores jusnaturalistas
com a implementação de um modelo jurídico positivista. Sobre o assunto, Adorno escreve:
Um exame da relação de fontes recomendadas sugere que a organização dos cursos
jurídicos reproduziu, no âmbito acadêmico, a difícil síntese entre patrimonialismo e
liberalismo que marcou a nascença do Estado brasileiro. De fato, a recomendação de
manuais e de compêndios revela uma preocupação em conciliar, sem grandes
conflitos, e de modo harmônico, o tradicional e o moderno, o teórico e o prático,
constituindo bête noire o objetivo a ser alcançado, e mesmo a essência da arte da
prudência e da moderação políticas que as academias de Direito elegeram como
moto perpétuo. Assim, se na cadeira de Economia Política recomendavam-se J. B.
político.”AZEVEDO, Plauto Faraco. Ensino Jurídico e Politicidade do Direito. In Revista da Associação dos
Juízes do Rio Grande do Sul. n.16, ano XXIV, Mar.1997, p. 94.
182
ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.92.
183
SANTOS, André Leonardo Copetti; MORAIS, José Luis Bolzan de. O ensino jurídico e a formação do
bacharel em Direito: diretrizes político-pedagógicas do curso de Direito da Unisinos. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2007, p. 60.
184
Com relação aos compêndios, era conferida propriedade aos professores para sua adoção. Poderiam ainda
escreve-lo, desde que o seu conteúdo não confrontasse o sistema jurado pela nação. A maior parte desses
compêndios tratava do estudo do direito público e constitucional. Tais compêndios, se escritos pelo professor,
deveriam obter aprovação da Assembléia Geral (nome do Parlamento brasileiro no período imperial), para
posterior publicação. MACEDONIA, Leonardo. Livro do Centenário dos cursos jurídicos no Brasil: 1827-1927.
Porto Alegre: Livraria Americana J.O. Rentzsch & Cia, 1927, p. 14.
Say, Sismondi, Ricardo, Malthus e Smith bastiões do pensamento econômico
moderno e, se em Direito Criminal, no quarto ano, lia-se Jeremy Bentham e
Beccaria, em contrapartida, se ensinava Direito Civil, no terceiro ano, pelo
jurisconsulto português Melo Freire e se indicava Burlamarqui um ‘antiquado no
fundo e na forma’, segundo experiente comentarista na cadeira de Direito
Natural
185
.
Com relação aos estudantes, Venâncio Filho esclarece que pouca presença se fazia as
aulas. A vida acadêmica era a presença nos grêmios, nos jornais literários, nos cafés de
filosofia, a maçonaria, as campanhas políticas e militares. Já os professores
186
, viviam num
círculo fechado, contrário às influências externas, glorificadas de forma doentia, não
reconhecendo o esforço meritório daqueles que não pertencessem a esse círculo estreito.
187
Com a República, inúmeras tentativas de reformas do ensino foram intentadas
188
.
Contudo, a mera modificação das matérias não conseguiu de fato melhorar a qualidade do
ensino oferecido. Fator esse que contribuiu para que, em 1927, ano em que se comemorava
100 anos da criação dos cursos jurídicos brasileiros, a Universidade do Rio de Janeiro
promovesse um Congresso de Ensino Superior a tratar especificamente sobre o ensino
jurídico.
Na ocasião, discutiu-se o método do ensino jurídico, tendo sido concluído que este não
deveria ser nem prático, nem puramente teórico. Definiu-se que deveria ser adotado o
denominado “método misto”, o qual ficaria responsável por conjugar teoria e prática. Em que
pese as conclusões do evento tenham sido “inovadoras”, de fato, em sala de aula a proposta
não ocorreu (e conforme as observações realizadas na pesquisa de campo, continuam a
inexistir).
O tempo passou, mas muitas escolas jurídicas continuam mantendo uma concepção de
ensino paternalista e dedicada a mera reprodução do conhecimento. Tal concepção conduz
todo o processo educativo, desde o ingresso na vida escolar, até a formação universitária
189
.
185
ADORNO, op. cit., p. 150.
186
Os professores dos cursos jurídicos do país eram chamados de lentes, pois apenas se limitavam a ler as
aulas aos alunos. Isso porque o direito era compreendido como uma repetição.
187
VENÂNCIO FILHO, Análise histórica... op. cit., p. 20-21.
188
Principalmente no que tange ao conteúdo dos currículos.
189
Podendo ser incluídos programas de pós-graduação.
Com o intuito de combater essa percepção acerca da educação, surgiram, tanto no
campo pedagógico quanto no jurídico, críticas ao ensino que até então vinha sendo
desenvolvido.
Na área da educação, ressalta-se o papel desenvolvido pelos pensadores da Escola
Nova, que representou um movimento na tentativa de renovar a educação oferecida. Tal
teoria primava por uma escola capaz de instigar mudanças sociais, tendo influenciado no
desenvolvimento da sociologia e da psicologia da educação.
O pensamento de John Dewey, importando conceitos do empirismo de Froebel,
evidenciava uma preocupação com questões como a valorização do pensamento do aluno, a
união entre teoria e prática e o questionamento da realidade
190
. No Brasil, a corrente
filosófica do pragmatismo (ou instrumentalismo) inspirou o movimento da Escola Nova,
liderado por Anísio Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como integrantes
da educação
191
.
Os métodos de ensino, através de contribuições como as de Kilpatrick
192
, avançaram
em relação ao que era desenvolvido anteriormente. Destacam-se, ainda, as perspectivas
adotadas por Maria Montessori
193
, Édouard Claparède
194
, Jean Piaget
195
e Roger Cousinet
196
.
Questionando os pressupostos sustentados pela Escola Nova, surgem alguns
educadores críticos, os quais revelam o caráter político do sistema educacional do Estado
190
Sobre o filósofo norte-americano, ver DEWEY, John. Experiência e educação. Tradução de Anísio Teixeira.
São Paulo: Nacional, 1971.
191
Nesse sentido, destaca-se a obra TEIXEIRA, Anísio. Educação para a democracia. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1936.
192
O autor era discípulo de John Dewey, preocupando-se também com a formação do homem para a democracia
e para a sociedade em constante mutação. Essas idéias podem ser consultadas em KILPATRICK, William
Heard. Educação para uma civilização em mudança. Tradução Noemy S. Rudolfer. 4 ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1965.
193
Seus trabalhos envolvendo o desenvolvimento da educação infantil podem ser consultados em
MONTESSORI, Maria. Pedagogia científica: a descoberta da criança. Tradução de Aury Azélio Brunetti. 1 ed.
São Paulo: Flamboyant, 1965.
194
O psicólogo suíço sustentava a necessidade de estudar o funcionamento da mente infantil e de estimular na
criança um interesse ativo pelo conhecimento. Sobre o autor, ver CLAPARÈDE, Édouard. Psicologia da criança
e educação experimental. 1 ed. São Paulo: Ed. Brasil, 1956.
195
Seguidor e colaborador de Claparède, Piaget desenvolveu uma teoria do conhecimento pautada no
desenvolvimento natural da criança. Sua idéia, de que o conhecimento é construído pelo aluno, inaugurou a
corrente construtivista. Sobre o assunto, consultar PIAGET, Jean. A epistemologia genética; Sabedorias e
ilusões da filosofia; problemas da epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
196
Cousinet opôs-se às práticas de ensino pautadas nas escolas memoristas e intelectuais francesas. Seu trabalho
pode ser encontrado em COUSINET, Roger. A educação nova. 1 ed. São Paulo: Nacional, 1959.
moderno. Nessa linha, destacam-se as idéias marxistas de um pensamento antiautoritário, as
quais foram apresentadas por Antonio Gramsci
197
, Anton Makarenko
198
e Paulo Freire
199
.
Contudo, não se pode esquecer das perspectivas críticas desenvolvidas na segunda
metade do século XX, foram caracterizadas por posturas radicais em torno da atividade
educativa. Nesse sentido, destacaram-se os trabalhos de Louis Althusser
200
, Pierre Bourdieu e
Jean Claude Passeron
201
.
Assim como na área da educação, o ensino do direito também foi criticado por
inúmeros autores. Conforme já observado anteriormente, o tema está em pauta desde 1927
202
,
momento em que se realizou um congresso no Estado do Rio de Janeiro. Na década de 50, a
aula inaugural proferida por San Thiago Dantas retomou a discussão do método a ser
utilizado pelos cursos jurídicos.
Assim como na educação, a segunda metade do século XX caracterizou-se pelo
surgimento de diversos autores críticos ao direito e consequentemente ao seu ensino. Dentre
os juristas que manifestaram críticas severas neste sentido, pode-se mencionar Roberto Lyra
Filho, Luis Alberto Warat e José Eduardo Faria.
Lyra Filho, inspirado no pensamento marxista
203
, apresentou importante contribuição
ao pensamento jurídico crítico ao criar a Nova Escola Jurídica Brasileira, também designada
de Nair. O jurista manifestava uma percepção diferenciada do direito, recusando-se a adotar
197
O filósofo italiano acreditava ser necessário dar acesso à cultura das classes dominantes para que todos
pudessem ser cidadãos plenos. O aprofundamento de seu pensamento pode ser realizado através da obra
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 9 ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
198
O educador ucraniano se preocupava com um modelo de escola baseado na vida em grupo, na autogestão, no
trabalho e na disciplina. Suas idéias podem ser verificadas em MAKARENKO, Antón Semiónovich. A força da
coletividade In Pedagogia do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2003.
199
O educador brasileiro objetivava conscientizar as parcelas desfavorecidas da sociedade, levando-as a
compreender sua situação de oprimidas. Dessa forma, poderiam agir em favor da própria libertação. Dentre as
inúmeras obras do autor, destaca-se FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 24 ed. São Paulo: Paz e Terra,
1997.
200
Conforme ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos do estado. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1987.
201
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Tradução de Reynaldo Bairão. 3 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
202
Deve-se levar em consideração que, a partir da década de 20, iniciaram-se as críticas ao modelo positivista.
Tal acontecimento pode estar associado à destruição das bases da Física e da Matemática (conforme indica o
capítulo 2.1 deste trabalho).
203
Tal influência fica evidente na leitura da obra LYRA FILHO, Roberto. Karl meu amigo: diálogo com Marx
sobre o direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1983.
uma perspectiva do direito simplificada a noção de norma, demonstrando assim os limites do
positivismo jurídico
204
.
Ferraz Júnior avalia os pontos críticos do ensino do direito associando-os às
concepções teóricas que são utilizadas. Segundo o seu entendimento:
[...] O primeiro e mais importante deles está na própria concepção de ensino, que
coloca mal o problema do saber especializado, vendo-o como um tecnicismo
neutro, uma arte de saber voltado para o julgamento, acaba por se reduzir à mera
instrumentação burocrática de uma decisão. Nestes termos a formação do bacharel
é entendida como uma acumulação progressiva de informações, limitando-se o
aprendizado a uma reprodução de teorias que parecem desvinculadas da prática
(embora não o sejam), ao lado de esquemas prontos de especialidade duvidosa, que
vão repercutir na imagem atual do profissional como um técnico a serviço de
técnicos
205
.
A questão da especialização
206
, que será aprofundada no próximo capítulo, representa
uma das críticas apresentadas pelo autor, sendo uma tendência em diversas áreas do
conhecimento. Ademais, destaca-se a percepção tecnicista e supostamente neutra do julgador
ao proferir uma decisão. Outros pontos suscitados referem-se ao conteudismo, reprodução do
conhecimento, desvinculação entre teoria e prática e a imagem do profissional jurídico
207
.
204
Segundo o autor: “[...] para resumir o que traz a NAIR, é preciso, antes de tudo, explicar o que tal escola não
é. Com este fim, enumero cinco preposições negativas, de índole estrutural: a) a NAIR não é um sistema de
dogmas, forjados ou esposados; b) a NAIR não é, tampouco, uma revolução copernicana, dentro das idéias
jurídicas, nem a adaptação de qualquer modelo anterior, nacional ou estrangeiro; c) a NAIR não é, ademais, um
partido político ou clube jacobino, angariando recrutas e distribuindo carteirinhas de membro deliberante, para as
assembléias, com vozerio, patrulheiros, diretores de consciência revolucionária e rachas fragorosos; d) a NAIR
não é, por outro lado, um conjunto de intelectuais narcisistas e incapazes de absorver, tanto as contradições não-
antagônicas internas, quanto o elenco mínimo de princípios comuns, de que resulta o seu posicionamento
conjunto; e) finalmente, a NAIR não é grupo de gabinete, mas está, sempre, num ir-e-vir, entre as tarefas
indispensáveis da elaboração teórica e os compromissos da práxis avançada; e assim é que participamos, com a
nossa pequena contribuição, de todas as campanhas de vanguarda supra-partidária anistia;
reconstitucionalização; combate à lei de segurança do poder, que se disfarça como segurança nacional; e diretas,
já, nenhuma das quais encontrou, ainda, a plena realização de sua meta”. Humanismo dialético. In Direito e
Avesso. Boletim da Nova Escola Jurídica Brasileira. Brasília: Edições NAIR, 1983. Disponível em
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/04700620800247739754480/cuaderno1/numero1_31.pdf.
205
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Ensino Jurídico. In VENÂNCIO FILHO, Alberto (org.);
ALBUQUERQUE, Guiomar Freitas de. Encontros da UnB: Ensino Jurídico. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1978-1979, p.70.
206
Sobre o assunto, Santos acredita que o paradigma em questão avança para a especialização e
profissionalização do conhecimento, gerando uma nova simbiose entre saber e poder. Essa visão exclui
totalmente os leigos. Trata-se de uma racionalidade formal, ou instrumental. O discurso proferido por essa lógica
é distanciado do que se passa na sociedade. SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-
moderna: ciência e senso comum. Rio de Janeiro: Graal, 1989, p.35.
207
Sobre a imagem do profissional, importa referir as palavras de Melo Filho: “O título universitário perdeu o
seu significado de atestado de saber para ser simples símbolo de duvidoso status social, e o mercado de trabalho
de diversas profissões se desmoralizou pelo fluxo dos despreparados”. MELO FILHO, Impasses e ... op. cit., 10.
Outro autor que apresentou inúmeras críticas ao modelo de direito adotado e ensinado
na academia foi Luis Alberto Warat
208
. Em seus textos iniciais, Warat reflete acerca das
práticas interpretativas alienantes do direito, considerando-as fantasiosas, ambíguas,
imprecisas e enigmáticas
209
. Ao se referir aos processos tradicionais de educação, o autor
comenta o problema existente em manter um ensino pautado na objetividade, neutralidade,
universalidade e passividade do aluno
210
. Assim, sustenta a necessidade educar a partir de
uma função libertadora
211
.
Em se tratando da passividade discente, convém observar a submissão do aluno à fala
do professor. Desse modo, o ensino se sustenta na reprodução do conhecimento, que acaba
por corroborar com uma perspectiva acrítica do direito e da realidade social. Assim, a certeza
do futuro está na reprodução pura e simples do passado. Tal aspecto é desenvolvido por José
Eduardo Faria, ao afirmar que:
Em termos pedagógicos, esse ensino massificador é veiculado pelas tradicionais
aulas magistrais
212
, nas quais os professores costumam falar para classes silentes
que, passivamente, limitam-se a anotar o que ouvem. Trata-se de um esforço
absolutamente desnecessário, pois quase tudo que é dito na sala não passa de
repetição pasteurizada do conteúdo dos manuais mais elementares. As técnicas
pedagógicas inerentes às aulas magistrais têm, assim, uma característica peculiar:
elas permitem transferir o conteúdo das notas do professor diretamente ao caderno
do aluno, sem a intermediação das informações pela “cabeça pensante” dos
alunos
213
.
A dificuldade desse tipo de educação está no perfil do aluno egresso dessa estrutura, o
qual renunciou ao direito de pensar desistindo do exercício da política. Esse estudante
208
Importa mencionar a sua contribuição nas atividades desenvolvidas pela Associação Latino-Americana de
Mediação, Metodologia e do Ensino do Direito (ALMED).
209
WARAT, Luis Alberto. Utopias, conceitos e cumplicidades na interpretação da lei. In Epistemologia e ensino
do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 351-359.
210
Sobre esse último aspecto, o autor critica a educação moderna, afirmando que se trata de uma pedagogia em
que tudo vem de fora. Desse modo, um fica estático e o outro ensina. Em sua perspectiva surrealista, o jurista
recusa-se a ver o mundo da maneira pura como o vêem os homens da ciência. WARAT, Luis Alberto. A
pedagogia do novo. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2004, p. 407-424.
211
Idem. Educacion y derecho. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004, p. 361-372.
212
Com relação ao tema, Capella escreve: “Los cursos regulares de las distintas disciplinas están organizados
como una sucesión de ‘clases magistrales’. La expresión refleja el supuesto (que raramente responde a la verdad)
de que quien las dicta es un verdadero maestro em su especialidad que no já puesto por escrito el saber que
publica verbalmente”. CAPELLA, Juan Ramón. El aprendizaje del aprendizaje. una introdución al estúdio del
derecho. 2 ed. Madrid: Editorial Trotta, 1998, p. 25.
213
FARIA, José Eduardo. Ensino Jurídico: Mudar cenários e substituir paradigmas teóricos. In CONSELHO
FEDERAL DA OAB. OAB Ensino Jurídico: parâmetros para elevação de qualidade e avaliação. Brasília:
Conselho Federal da OAB, 1993, p.54-55.
acredita que sua ação seja incapaz de promover qualquer mudança
214
. Nesse sentido, cabe
lembrar o pensamento de Rocha ao reconhecer que a função dos juristas é postular o direito
de inventar ou recriar, constantemente, mecanismos que lhes possibilitem o diálogo com o
social
215
.
Diante do exposto ao longo deste capítulo, reflete-se sobre o modo como podem ser
rompidas essas perspectivas (jurídica/educativa) reducionistas e insuficientes. De cordo com
as entrevistas realizadas, muito se fala um ensino crítico, em práticas inter/transdisciplinares e
na união entre teoria e prática. Entretanto, tais concepções não podem ser entendidas de
maneira simplificada. Por trás dessa discussão, encontra-se um dos grandes desafios da
educação jurídica atual: a quebra de paradigmas
216
. Nesse sentido, importa mencionar dois
fatores que contribuem para a resistência ao processo de mudança: 1º) a percepção disjuntiva
de conhecimento adotada na estrutura educativa (influenciada pela perspectiva racional
desenvolvida nos séculos XVI e XVII); 2º) os sistemas avaliativos adotados nas escolas
(jurídicas) e posterior a elas (exames da OAB, concursos...).
Em se tratando do primeiro ponto, percebe-se que grande parte das práticas
pedagógicas existentes mantém uma percepção cartesiana-newtoniana no modo de conceber
o conhecimento. Em que pese tenham sido apresentadas diversas posturas críticas que
pretendem romper com o paradigma científico adotado na modernidade, percebe-se grande
resistência em adotar uma nova perspectiva.
A resistência referida acima, conforme se apontará nas entrevistas, advêm dos
professores, os quais são formados por uma estrutura tradicional de ensino, reproduzindo o
ensino que tiveram aos seus alunos. Além disso, Ventura atenta ao fato de que: “de modo
geral, os professores encaram com naturalidade a evidência de que ensinam Direito através da
transmissão dos conteúdos que aprenderam, sem ter, de fato, aprendido a ensinar”
217
.
De acordo com as entrevistas realizadas, convém antecipar as palavras de um dos
coordenadores ao referir que Os professores já imaginam que sabem tudo e muitos, talvez os
que mais necessitassem não freqüentam os programas de qualificação[...]”. Além disso,
214
BECKER, op. cit., p.18-19.
215
ROCHA, A problemática...op. cit., p. 32.
216
Tema a ser enfrentado com maior profundidade no capítulo 5.1 deste texto.
217
VENTURA, Deisy. Ensinar Direito. Barueri, Barueri, São Paulo: Manole, 2004, p. 01.
importa mencionar que as deficiências do ensino também são atribuídas aos discentes, uma
vez que eles, segundo o entrevistado, vêm para cá para ter aulas no modelo tradicional e de
acordo com o paradigma liberal. Os alunos vêm para isso. E é muito fácil ao professor pactuar
com os alunos para continuar com o antigo modelo”.
Após demonstrar as dificuldades de transformação do pensamento discente e docente,
importa enfrentar a problemática da fragmentação do conhecimento. Essa, pode ser
observada através das disciplinas
218
e departamentos, segmentados na estrutura educacional.
Os currículos universitários distribuem conteúdos em disciplinas do primeiro ao
último semestres. O parâmetro normalmente utilizado varia, podendo ser constituído através
de índices de manuais ou até mesmo de Códigos
219
. Ademais, cabe destacar a grande
incidência dessa observação em disciplinas como Direito Civil (I, II, III...), Penal (I, II, III...),
as quais são oferecidas de forma verticalizada e isolada ao longo do curso.
As Instituições de Ensino Superior brasileiras, visualizando as mudanças sociais ou as
exigência Ministeriais referentes às Diretrizes Curriculares dos Cursos, alteram seus
currículos com o intuito de “atualizar” seu ensino através da criação e até mesmo
multiplicação de disciplinas e departamentos. Contudo, segundo Paviani, nessa luta por
espaço curricular, as denominadas disciplinas de formação geral acabam sendo colocadas em
segundo plano em benefício das disciplinas de formação profissionalizante
220
.
Sobre a incapacidade dos responsáveis pelos programas curriculares em conjugar
disciplinas de caráter formativo com disciplinas informativas, Faria escreve:
218
As disciplinas, no entendimento de Paviane, são sistematizações ou organizações de conhecimento, com
finalidades didáticas e pedagógicas provenientes das ciências. Apesar de dependentes do progresso da ciência,
elas apresentam uma tendência conservadora e uma falsa autonomia. Isso porque ela se tornou um modelo auto-
suficiente e distante das concepções de realidade e de conhecimento científico. PAVIANI, Jayme.
Interdisciplinaridades. Conceito e distinções. Caxias do Sul, RS. Educs; Porto Alegre: Edições Pyr, 2005, p. 26,
16 e 28.
219
Tal questão está relacionada com a já mencionada formação do sentido comum teórico, que possui uma
relação direta com o processo de aprendizagem nas escolas de direito. Isso porque o ensino jurídico continua
preso às velhas práticas calcadas na cultura de manuais, de duvidosa cientificidade. Desse modo, forma-se um
imaginário de ensino jurídico simplificado, repetido nas salas de aula e também em cursos de preparação para
concursos, bem como fóruns e tribunais. STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma
exploração hermenêutica da construção do Direito. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.82-83.
220
PAVIANI, ibidem, p. 120.
Em nome de um ensino basicamente profissionalizante mas, organizado em total
descompasso tanto com as necessidades do mercado quanto com a própria
realidade sócio-econômica do país, o ensino jurídico despreza a discussão relativa
à função social das leis e dos códigos, contentando-se em valorizar somente seus
aspectos técnicos e procedimentais
221
. Sem densidade teórica e sem rigor lógico-
formal, esse tipo de ensino se destaca pelo seu senso comum normativista, pela
reprodução de uma vulgata positivista e pelo recurso a uma erudição ligeira,
retórica, burocrática, sempre subserviente aos clichês e estereótipos dos
manuais
222
.
Uma das formas de incentivar a oferta de atividades que forneçam ao aluno uma
concepção mais ampla do direito e da sociedade ocorre através do estudo de conteúdos como
Sociologia, Filosofia, Ciência Política, dentre outros
223
. Tais conteúdos não precisam ser
tratados do ponto de vista disciplinar, podendo estar presentes em espaços fora do ambiente
da sala de aula.
Sobre o tema, Ventura aponta ser desolador constatar que muitas instituições
constituíram estruturas onerosas (como bibliotecas, laboratórios, contratação de professores
titulados) por obrigação
224
. Suas considerações remetem a uma das grandes dificuldades do
ensino jurídico brasileiro, que está relacionada ao fato de “mudanças institucionais” serem
impulsionadas por alterações legislativas. Acredita-se que esta é uma deficiência de
mentalidade que não é modificada com leis e decretos. Desse modo, é ineficiente a tentativa
de mudança sustentada somente na alteração legislativa. González, ao se referir à realidade
brasileira, aponta ser bastante comum a busca por fazer reformas através de uma imposição
legal com pretensão de moldar a sociedade conforme novos princípios
225
.
Nesse sentido, cumpre destacar que, em que pese tais conteúdos sejam obrigatórios
226
,
eles possuem uma profunda rejeição por parte dos alunos, que não concebem a sua
221
McLuhan apresenta importante contribuição neste sentido ao afirmar que “Como pedaços de metal moldados
se tornam as partes que compõem uma locomotiva, os especialistas humanos tornar-se-iam componentes da
grande máquina social. Nestas condições, a educação era uma tarefa relativamente simples: bastava descobrir as
necessidades da máquina social e depois recrutar e formar as pessoas que responderiam a essas necessidades”.
MCLUHAN, Herbert Marshall. O futuro da educação. In GADOTTI, História das... op. cit., p. 293.
222
FARIA, Ensino Jurídico: Mudar..., op. cit., p.54.
223
Convém lembrar que, normalmente, tais disciplinas integram os primeiros semestres do Curso de Direito.
224
VENTURA, op. cit., p. 83-84.
225
GONZÁLEZ, Rodrigo Stumpf. Direito, Democracia e Nova Institucionalidade: uma análise da criação de
Conselhos Municipais de Controle de Políticas Públicas. In ROCHA, Leonel Severo (org.); STRECK, Lênio
Luiz. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo:
Centro de Ciências Jurídicas UNISINOS, 2004, p.33-34.
226
A Resolução nº 9 do Conselho Nacional de Educação, a qual institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos
Cursos de Graduação em Direito, estabelece a obrigatoriedade por parte da instituição, através do seu Projeto
Político Pedagógico e em sua organização curricular, de três eixos interligados de formação, quais sejam:
vinculação com o direito
227
. Tal afirmação, típica de uma concepção disjuntiva (cartesiana-
newtoniana) do conhecimento, pode ser observada nas passagens obtidas na pesquisa de
campo. Observe:
“Não deveria ter tantas cadeiras introdutórias.”
(aluno, 18 anos, estagiário)
“Eu acho que algumas cadeiras não deveriam estar no curso de Direito.”
(aluno, 48 anos, empreiteiro)
“A cadeira de Filosofia Geral e Jurídica não deveria ser no primeiro semestre porque ainda não
sabemos escrever como o professor acha certo
228
.”
(aluna, 24 anos, estudante)
“Poderiam excluir matérias inúteis do 1º semestre.”
(aluno, 18 amos, operador de telemarketing)
“Algumas matérias, como por exemplo Antropologia, poderiam ser agregadas a outras disciplinas,
abrindo um espaço maior para a prática, mais próxima ao final do curso.”
(aluno, 28 anos, servidor público)
“Deveriam ser retiradas as disciplinas comuns a todos os cursos.”
(aluno, 23 anos, bombeiro)
Têm matérias desnecessárias, que nunca serão usadas e que só servem para
as faculdades faturarem”.
(aluno, 48 anos, investigador particular)
Além das respostas apresentadas acima, interessante se faz observar a consideração de
uma aluna em pesquisa realizada no ano de 2003
229
:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as
relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos
essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação,
observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e
contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas,
políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros
condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito
Internacional e Direito Processual; e
III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos
demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de
Curso e Atividades Complementares. BRASIL. Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004. Institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito e dá outras providências, p. 02.
227
As disciplinas de formação geral, também chamadas de propedêuticas, ou perfumarias, conforme observação
de Pereira, são desvalorizadas, importando apenas as disciplinas de caráter técnico profissionalizante. PEREIRA,
Aloysio Ferraz. Reforma Curricular: Perfumarias Fundamentais. In: O Direito nos anos 90. São Paulo: Unimep,
1996, p. 7-14.
228
Sobre a fala do aluno, importante analisar o seguinte comentário: “A cultura de cátedra (isto é muito sério no
Direito) quer que nós sejamos para os outros. Ser para os outros é uma das maiores formas de alienação. Quando
um porofessor examina, de modo em que normalmente o faz, está querendo que o aluno seja para ele. Fale o que
ele quer ouvir. Um horror. [...]”.WARAT, Luis Alberto. A pedagogia do novo. In Epistemologia e ensino do
direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 417.
Quando me perguntam: “- Como vai o Curso de Direito?”, eu respondo: “- Não
sei, pois até agora só vi História, o que eu odeio, por sinal”
230
.
Analisando as respostas apresentadas, verifica-se que os alunos não valorizam as
disciplinas do eixo de formação fundamental, normalmente oferecidas no início do curso. Tal
perspectiva é encontrada nas falas daqueles que defendem a retirada de tais disciplinas em
detrimento de outras de cunho profissionalizante
231
.
Logo, constata-se a presença do elemento tão criticado por parte dos críticos (da
educação e do direito) ao abordarem as concepções tradicionais de ensino (jurídico). De fato,
é possível perceber que os alunos, em grande parte, estão interessados no estudo da técnica
jurídica, pois essa é a que define o direito, em suas concepções. Tal argumento pode ser
verificado ao analisar o trecho em que o aluno expõe que o espaço para determinadas
disciplinas (como Antropologia) deveria ser repensado, pois existiria a necessidade de se
priorizar a prática desde o início do curso.
A questão suscitada remete a uma outra. Trata-se, mais uma vez, da concepção
dissociada de teoria e prática. Seria este mais um problema relacionado ao nosso legado
educacional, que, na percepção de Rocha, está permeado por concepções que
229
A pesquisa mencionada foi realizada para o embasamento do Trabalho de Conclusão de Curso, exigido para
obtenção do título de bacharel em Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis. Uma das técnicas de pesquisa
utilizadas na ocasião refere-se à realização de grupo de discussão, ocorrida nos dias 24, 25 e 27 de novembro de
2003, juntamente com os alunos integrantes do primeiro e segundo semestres do Curso de Direito do Uniritter,
com sede em Canoas. Na ocasião, participaram da atividade dez alunos, que manifestaram opiniões sobre a
estrutura curricular da instituição, a qual havia sido implantado no primeiro semestre do mesmo ano. O
aprofundamento dos resultados da pesquisa podem ser consultados em: COSTA, Bárbara Silva. A Estrutura
Curricular do Curso de Direito do Uniritter: reflexões sobre o processo de mudança. 135f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) Centro Universitário Ritter dos Reis. Canoas. 2004, p.100.
230
Essa afirmação representa um grave problema na formação acadêmica. Primeiramente, demonstra que os
professores não estão conseguindo deixar claro a importância do estudo da evolução histórica dos institutos para
a compreensão do direito. Além disso, a fala estabelece uma forma de observar o direito desvinculada de sua
constituição histórica. “Os professores transmitem conhecimentos, coisas dopassado, ensinam sempre histórica,
o que já foi. Nunca ajudam, não fazem com que você possa ascender-se no presente, desfruta-lo, torna-lo
mágico, fazer do presente um instrumento surrealista. O conhecimento é tal quanto pode prever, tornar
conhecidas coisas do mundo. Por isso só coisifica, encerra o objeto, o torna previsível, morto. Para saber do
passado ou do futuro, adquirimos conhecimentos; para entender o presente, precisamos ficar acesos,
ascendidos”. WARAT, A pedagogia do... op. cit., p. 415.
231
A recusa a disciplinas de outras áreas do conhecimento fica evidente em algumas das passagens mencionadas.
Tal postura revela a resistência ao processo interdisciplinar por parte do corpo discente. Tal rejeição a
determinados conteúdos pode se dar, no entendimento de Capella, tanto do ponto de vista interno quanto externo
ao direito. Segundo o autor: “La exigencia concreta de interdisciplinariedad depende de las dimensiones del
problema que nos ocupa en cada caso: así, puede haber uma exigencia interdisciplinar “estrecha” (entre derecho
público y derecho privado, por ejemplo) o “amplia” (entre derecho, economia, historia, etc.) según la natulaleza
de la problemática afrontada”. CAPELLA, op. cit., p. 36.
compartimentalizam o saber, gerando reducionismos e observações hipersimplificadas acerca
da sociedade
232
. A demanda dos alunos pode ser constatada através dos trechos que seguem:
“Poderia ser mais prático logo no primeiro semestre”.
(aluna, 18 anos, estudante)
“Sei que é recente ainda, mas poderia ser um pouco mais prático”.
(aluno, 22 anos, estudante)
“O curso deveria ser mais prático”.
(aluna, 20 anos, estagiária)
“Proporcionando mais atividades que simulem a prática”.
(aluna, 21 anos, estudante)
“Deveria ter mais prática e menos polígrafos”.
(aluna, 22 anos, estudante)
Levando-se em consideração as passagens acima, demonstra-se que grande parte dos
alunos manifesta o desejo de modificar o curso em que estão matriculados referindo a
necessidade de possibilitar ao aluno a prática desde o início do curso
233
.
Dentre as manifestações apresentadas na pesquisa de campo, verifica-se que apenas
um aluno (0,18% dos respondentes) manifestou que o curso não deveria estir centralizado
somente na dogmática jurídica
234
. Sua resposta pode ser conferida abaixo:
Acho que o curso deveria ser menos dogmático, dando mais chances para o
aluno pensar e ter novas idéias”.
(aluna, 20 anos, estagiária)
O segundo fator apontado como causador da resistência a uma nova concepção
paradigmática, refere-se à estrutura avaliativa em que os cursos jurídicos estão inseridos:
232
ROCHA, Leonel Severo. Prefácio. In TRINDADE, André (org.) Direito Educacional: sob uma ótica
sistêmica. Curitiba: Juruá, 2007, p.7.
233
Antecipando um dado obtido na pesquisa de campo, importa mencionar que 50,2% dos alunos ingressantes
descrevem seu curso como sendo teórico e prático. 42,3% apontou a necessidade do curso realizar atividades
práticas desde o início do curso.
234
No mesmo sentido, Fragale acredita ser necessário se libertar das armadilhas de um ensino excessivamente
dogmático, elaborado a partir de uma simplória e mecanicista reprodução da topografia legal. Assim, Projetos
Pedagógicos poderão construir identidades institucionais e, sobretudo, alcançar a maturidade sem serem
mutilados ou remendados pelas transformações legislativas efetuadas ao sabor das circunstâncias. FRAGALE
FILHO, Roberto. Impactos das mudanças legislativas nos projetos pedagógicos. In Anuário ADEBI.
Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas. Ano 1, n.1. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2003, p.103.
[...] a maioria dos professores de Direito tem adotado uma postura de mensageiro da
verdade sobre as normas e instituições jurídicas de suas respectivas áreas de ensino.
Por este prisma as aulas transformam-se numa simples transmissão de
conhecimentos pelo “que sabe” aos “que não sabem”, reduzindo todo o ensino a
uma “concepção bancária
235
” em que o professor limita-se a “depositar” na mente
do aluno estas informações e a solicitar-lhe uma “prestação de contas” mediante as
provas e exames
236
.
A estrutura educativa, conforme apresentado anteriormente, mantém uma percepção
pedagógica apropriada ao século XVII, ao considerar a relação aluno/professor como sendo
integrante de uma concepção mecanicista entre entre sujeito e objeto. Tal perspectiva exige
do corpo discente a memorização de conteúdos que serão cobrados em exames e concursos.
Como exemplo, pode-se mencionar a realização do Exame de Ordem e dos concursos
públicos, os quais, em grande medida, exigem do bacharel em direito a memorização dos
conteúdos dispostos na legislação.
Sobre os processos avaliativos, mais uma vez serão apresentados alguns relatos
realizados na pesquisa desenvolvida em 2003
237
:
Eu me sinto extremamente insegura porque eu tenho a plena noção de que não
entrou nada na minha cabeça, eu não absorvi nada.
Insegurança é a palavra correta, porque hoje mesmo eu acabei de fazer uma
prova, nós já estamos no final do semestre e eu disse a minha colega: -Meu Deus,
eu não sei nada!”.
Eu não sou contra o professor exigir do aluno desde que ele dê uma aula que ele
possa cobrar
238
.
Não adianta o professor chegar na aula e colocar a matéria a toque de caixa se
as pessoas não vão absorver. Tu não consegues absorver as coisas que eles vão te
dando. O professor tem que dar aula para a vida.
235
Sobre a educação bancária, Freire esclarece: “ [...] em que pese o ensino “bancário”, que deforma a necessária
criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeito pode, não por causa do conteúdo cujo
“conhecimento” lhe foi transmitido, mas por causa do processo mesmo de aprender, dar, como se diz na
linguagem popular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do ‘bancarismo’”.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 5 ed. São Paulo: Paz e Terra,
1996, p. 27-28.
236
FILHO, Álvaro Melo. Metodologia do Ensino Jurídico. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 77.
237
COSTA, Bárbara Silva. A Estrutura Curricular do Curso de Direito do Uniritter: reflexões sobre o processo
de mudança. 135f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) Centro Universitário Ritter dos
Reis. Canoas, 2004, p.98, 99 e 103.
238
A questão apresentada pelo discente também é desenvolvida por Warat ao afirmar: “A maioria dos
professores é muito aberta, progressista, até o momento do exame, nesse instante tudo muda e você deve
responder a velhas leis da cultura erudita ou é reprovado”. WARAT, A pedagogia... op. cit., p. 415.
O problema está no fato de que os exames a que os alunos são submetidos ao término
da graduação
239
são cruciais para a satisfação pessoal e profissional dos rumos de suas
atividades profissionais. Conforme será verificado na pesquisa de campo, ao ingressar no
curso de direito, a maior parte dos alunos almeja a carreira pública e afirma pretender realizar
o Exame de Ordem.
No quarto capítulo deste trabalho será abordado o baixo índice de aprovação na prova
da Ordem tem resultado em inúmeras críticas em torno da qualidade dos cursos jurídicos no
Brasil. Diante disso, a partir de 1990, constatam-se diversas manifestações acerca do
necessário controle do ensino em questão.
O resultado dos exames e avaliações passam a significar um padrão de qualidade das
IES. Essas, por sua vez, enfrentam o olhar atento da mídia e as exigências de alguns dos
alunos, que começam a fazer cobranças no seguinte sentido:
“Aqui tu pagas e tem que ter o bom serviço prestado. Caso contrário, vou para
qualquer outra instituição”.
(aluno, 24 anos, estagiário)
A avaliação do curso se dá no momento que os alunos saem daqui e conseguem
passar em concurso, na OAB, conseguem se dar bem na carreira”.
(aluna, 19 anos, estudante)
Enfim, questiona-se o paradigma adotado pelo sistema jurídico e educacional. Como
será apresentado, a metodologia de ensino encontra-se presa a um purismo normativista, que
possibilitou a construção de clichês que distanciaram os cursos de direito das demais áreas
científicas
240
. Tudo isso porque aos estudantes foi ensinado apenas a separar, compartimentar,
isolar e não a unir os conhecimentos. Edgar Morin aponta que, fruto dessa inteligência
parcelada, compartimentada, mecanicista e reducionista, ocorre o rompimento da
239
O argumento apresentado pode ser aplicado a qualquer nível de escolaridade, podendo incluir o ensino
fundamental, médio, vestibular...
240
SANTOS; MORAIS, op. cit., p. 61.
complexidade do mundo em fragmentos disjuntivos, fracionando os problemas e separando o
que está unido
241
.
É preciso adquirir um novo olhar sobre essas questões. Perceber a insuficiência da
perspectiva adotada torna-se cada vez mais importante. Para tanto, faz-se necessário quebrar
paradigmas, romper com essa estrutura reducionista de ver o mundo. Tal noção deve partir do
conceito de complexidade, possibilitando a realização de novos olhares sobre o direito e o seu
ensino. Uma das formas escolhidas para traçar esse caminho implica em, primeiramente,
conhecer a realidade dos cursos jurídicos, bem como o tipo de ensino desejado pelos alunos.
Assim, o próximo capítulo enfrentará tais questões ao abordar o modo como os saberes foram
institucionalizados no Brasil.
241
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da
Silva; Jeanne Sawaya. 8 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003, p. 43.
3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SABER JURÍDICO NO BRASIL
Há uma literatura significativa no Brasil sobre as mazelas do ensino jurídico pátrio
242
.
Um dos principais fatores apontados refere-se ao crescimento desenfreado do número de
cursos de direito autorizados no Brasil.
A compreensão da proliferação dos cursos jurídicos deve ser analisada a partir da
expansão de cursos superiores no país, a qual se deve ao surto de crescimento pós 1960,
ocorrido em razão da influência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
243
.
De acordo com Venâncio Filho, a autorização para abertura de novas faculdades não
primava pela avaliação das condições de ensino e financeiras das instituições. No Parecer
365/67, por exemplo, o Conselho Federal de Educação, criado pela lei mencionada,
manifestou ser “impossível a recusa à autorização para funcionamento, quando se trata de um
estabelecimento particular e não se comprometam fundos públicos”
244
.
O aumento da demanda por educação após os anos 60 se deve aos rumos econômico-
políticos tomados no país. Fatores como a implantação de indústrias, o acréscimo do número
de empregos, a instalação de multinacionais e a ampliação dos serviços burocráticos
tornaram-se cruciais para o aumento da oferta de ensino superior.
A expansão do sistema escolar foi, no entendimento de Romanelli, um processo
improvisado, agindo o Estado mais com vista ao atendimento das pressões do momento do
que propriamente ao estabelecimento de uma política nacional de educação
245
. Para a autora,
esse é o motivo pelo qual cresceu a distribuição de oportunidades educacionais. Contudo,
242
Podem ser mencionados como importantes críticos do ensino do direito os seguintes autores: San Thiago
Dantas, Roberto Lyra Filho, Luiz Alberto Warat e José Eduardo Faria.
243
Lei nº 4.024, de 1961. Para maiores informações ler ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação
no Brasil. 23 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
244
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo. São Paulo: Perspectiva, 1979, p.318-9.
245
Conforme Ferraz Jr. “Com o tempo, porém, as estruturas antigas absorveram as reformas sem reformar,
gerando uma curiosa situação em que as roupas novas no corpo velho se revelaram uma dolorosa confirmação do
ditado: o hábito não faz o monge. E a crise, ao invés de diminuir, assumiu novas características”. FERRAZ
JÚNIOR, O Ensino... op. cit., p.70.
esse crescimento não se fez de forma satisfatória, nem em relação à quantidade, nem em
relação à qualidade
246
.
A ampliação do número de vagas no ensino superior deu-se pela abertura
indiscriminada de escolas superiores isoladas
247
, autorizadas pelo Conselho Federal de
Educação. Embora o artigo 2º da Lei 5.540/68
248
, que promovia a reforma universitária,
estabelecesse como regra a organização universitária e, como exceção, os estabelecimentos
isolados, a regra tornou-se a exceção e a exceção, a regra. Começaram a prevalecer as escolas
isoladas, que, em grande parte, tornavam-se empresas lucrativas, predominando os
estabelecimentos isolados, de iniciativa privada, com baixo custo e expansão
indiscriminada
249
.
De acordo com Freitag, em 1973, os cursos que mais se expandiam eram aqueles que
requeriam menos investimento, instalações e laboratórios. O direito se enquadra nessa lista,
contando, na época, 72% dos alunos na rede privada
250
.
No final dos anos 80, a abertura dos cursos jurídicos encontrou grande resistência por
parte de alguns segmentos da comunidade jurídica. A OAB, por exemplo, promoveu
inúmeros encontros que objetivaram discutir os rumos do ensino jurídico no país
251
.
Fruto da abertura do mercado de cursos de direito, os dados indicativos do número de
vagas ofertadas pelas faculdades tem aumentado significativamente. Hoje, o ensino jurídico
oferece mais de 220 mil vagas por ano
252
, sendo um dos cursos mais procurados nas
246
ROMANELLI, op., cit., p.61.
247
“A educação de massa é o fruto da era da mecanicidade. Ela se desenvolve com o crescimento dos poderes de
produção e atinge seu esplendor no momento em que a civilização ocidental chega ao máximo de divisão e
especialização, tornando-se assim mestra na arte de impor seus produtos à massa”. MCLUHAN, Herbert
Marshall. O futuro da educação. In GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. 7 ed. São Paulo:
Editora Ática, 1999, p. 293.
248
Segundo Ghiraldelli “A Lei 5.540/68 criou a departamentalização e a matrícula por disciplina, instituindo o
curso parcelado através do regime de créditos. Adotou-se o vestibular unificado e classificatório, o que eliminou
com um passe de mágica o ‘problema dos excedentes’ (aqueles que, apesar de aprovados no vestibular,
conforme a média exigida, não podiam efetivar a matrícula por falta de vagas)”. GHIRALDELLI JÚNIOR, op.
cit., p.133.
249
ROSSATO, Ermelio. A expansão do ensino superior no Brasil: do domínio público à privatização. Passo
Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 2006, p.76.
250
FREITAG, Bárbara. Estado, escola e sociedade. São Paulo: Edart, 1978, p.105.
251
Destaca-se que esse ponto será aprofundado no capítulo 4.
252
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Notícia: Marca de 1078 cursos de Direito confirma
preocupação da OAB. Disponível em http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=10846.
Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas), atraindo alunos de diferentes perfis e
expectativas.
Buscando enfrentar os impasses criados pela ampliação da oferta de cursos jurídicos
no país, este capítulo abordará, em um primeiro momento, um breve diagnóstico do ensino
jurídico hoje. Com isso, pretende-se comparar os índices de crescimento dos cursos
autorizados nos últimos anos.
Em seguida, abordar-se-ão os objetivos e dificuldades enfrentadas pelas instituições
em termos de educação jurídica. Para tanto, serão apresentados os materiais obtidos nas
entrevistas realizadas com os coordenadores de alguns cursos jurídicos
253
.
Por fim, pretende-se conhecer o perfil e as expectativas dos alunos ingressantes dos
cursos de direito.
3.1 BREVE DIAGNÓSTICO DOS CURSOS JURÍDICOS
A abertura de novos cursos jurídicos é freqüentemente veiculada pelos meios de
comunicação e pela literatura como sendo um dos principais responsáveis pela crise
enfrentada pelo ensino do direito, o que se reflete nas informações referentes ao número de
cursos existentes, índice de cursos por região do país, e crescimento das instituições de ensino
ao longo do tempo.
Na pesquisa realizada, constatou-se que o Brasil possui 1.078 cursos de direito
autorizados, os quais oferecem anualmente, para ingresso, 223.287 vagas
254
. Com base nos
estudos realizados pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB, somente a região sudeste
concentra 55% das vagas ofertadas pelo direito em todo país, contendo um número total de
496 faculdades, o equivalente a 46% do número total de cursos. O estudo revelou que,
sozinho, o Estado de São Paulo oferece 64.102 vagas por ano, representando 21% do ofertado
pelas faculdades brasileiras.
253
Os cursos jurídicos em questão são os apresentados previamente na Introdução deste trabalho.
254
Esses dados foram extraídos da pesquisa realizada pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB, publicada na
Internet no dia oito de setembro de 2007. O número de vagas informados na pesquisa é de 223.278 e apresenta
um erro na sua publicação, pois conforme a tabela indicativa dos cursos por Estados, a soma correta das vagas
equivale a 223.287. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Marca de 1078 cursos de Direito confirma
preocupação da OAB. Disponível em http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=10846.
Em contrapartida, a região Norte conta com apenas 59 faculdades de direito, o que
representa 5,4% do total desses cursos em todo país. Os Estados com o menor número de
cursos e vagas na região (e em todo o país) são: Acre e Roraima, cada um com três
faculdades, as quais oferecem, respectivamente, 340 e 270 vagas. Nessa região, o Pará é o
Estado com maior número de cursos (15) e vagas ofertadas (5.672).
A seguir, encontram-se as informações referentes ao número de cursos de direito e o
número de vagas oferecidas, com destaque ao Estado de São Paulo
255
:
TABELA 2 Número de cursos de direito e de vagas oferecidas por Estado
Estado
Cursos de
Direito
%
Cursos
Nº de vagas
ofertadas
%
Vagas
Acre
3
0,3%
340
0,2%
Alagoas 13 1,2% 2.160 1,0%
Amazonas
11
1,0%
1.674
0,7%
Amapá
6
0,6%
845
0,4%
Bahia 54 5,0% 8.850 4,0%
Ceará
17
1,6%
2.755
1,2%
Distrito Federal
22
2,0%
6.900
3,1%
Espírito Santo
35
3,2%
5.640
2,5%
Goiás
36
3,3%
10.042
4,5%
Maranhão
16
1,5%
2.685
1,2%
Minas Gerais
131
12,2%
20.117
9,0%
Mato Grosso do Sul 21 1,9% 3.402 1,5%
Mato Grosso
29
2,7%
4.812
2,2%
Pará
15
1,4%
5.762
2,6%
Paraíba 16 1,5% 2.910 1,3%
Pernambuco
27
2,5%
5.660
2,5%
Piauí
25
2,3%
2.270
1,0%
Paraná
84
7,8%
15.416
6,9%
Rio de Janeiro
101
9,4%
31.086
13,9%
Rio Grande do Norte
14
1,3%
3.280
1,5%
Rondônia
10
0,9%
1.650
0,7%
Roraima
3
0,3%
270
0,1%
Rio Grande do Sul
76
7,1%
9.992
4,5%
Santa Catarina
62
5,8%
7.427
3,3%
Sergipe 11 1,0% 1.470 0,7%
São Paulo
229
21,2%
64.102
28,7%
Tocantins
11
1,0%
1.770
0,8%
Total
1.078
100%
223.287
100%
No ano 2000, o país contava com apenas 442 instituições reconhecidas e aprovadas
nesta área
256
. O que significa que nos últimos sete anos houve um acréscimo de 636 cursos
255
Tabela elaborada com base nos dados fornecidos pelo site http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=10846.
256
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Educação Superior: Cursos e
Instituições. Disponível em http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/funcional/busca_curso.stm. Consulta
realizada no dia 15 de julho de 2007.
aprovados (equivalente a 57,6%)
257
. O desenvolvimento desse dado pode ser melhor
visualizado na seguinte tabela:
TABELA 3 Índice de aumento dos cursos de direito (2000-2007)
Cursos de
Direito
aprovados
no Brasil
Fr
Índice de
aumento dos
Cursos
autorizados
%
2000 442 0 0,00%
2001 504 62 12,30%
2002 599 95 15,90%
2003 703 104 14,80%
2007 1078* 375 34,70%
Cursos
reconhecidos
em 2007
1078 621 57,61%
Cursos de Direito aprovados no Brasil
0
375
703
599
504
442
1078
104
95
62
0
12,3%
14,8%
15,9%
34,8%
0
200
400
600
800
1000
1200
2000 2001 2002 2003 2007
0,0%
5,0%
10,0%
15,0%
20,0%
25,0%
30,0%
35,0%
40,0%
Freqüência Índice de aumento dos Cursos autorizados %
Figura 1 Gráfico: crescimento dos cursos de direito autorizados no Brasil (2000 2007)
É digno de nota que, em 1993, o país contava com apenas 160 cursos e já se falava em
crise da educação jurídica atribuída à proliferação do ensino. Cada curso oferecia, em média,
200 vagas anuais, representando uma média de 36.000 alunos ingressantes. Nessa época,
registrava-se aproximadamente 150.000 alunos regularmente matriculados
258
.
257
Os dados obtidos na pesquisa foram extraídos do site do Inep, contudo, o índice de cursos autorizados no ano
de 2007 foi retirado da pesquisa realizada pela Comissão de Ensino Jurídico da OAB, pois esse estudo é mais
recente.
258
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Critérios de Avaliação Externa dos Cursos Jurídicos. In CONSELHO FEDERAL
DA OAB. OAB Ensino Jurídico: parâmetros para elevação de qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal
da OAB, 1993.
Os dados apresentados demonstram a mudança de cenário do ensino jurídico nos
últimos anos. Esse movimento leva à associação entre os fatores quantidade e qualidade
259
.
Alberto Venâncio Filho descreve a existência do problema das polaridades entre quantidade
versus qualidade
260
. Em decorrência dessa associação, José Eduardo Faria acredita que o
produto dessa formação é a inserção de bacharéis desqualificados no mercado
261
, sendo este
um dos grandes desafios a serem enfrentados pelas instituições superiores.
3.2 ATUAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
O contato com os principais objetivos e desafios dos cursos jurídicos ocorreu por
intermédio de entrevistas realizadas com coordenadores dos cursos de direito. No início da
entrevista, os coordenadores foram questionados sobre os objetivos do curso de direito da
instituição a qual estavam representando. As respostas mais frequentes referem-se ao estudo
teórico e prático do direito, bem como a importância de um ensino pautado numa visão crítica
do direito e da realidade social. Observe-se a passagem que segue:
Pesq. Quais são os objetivos do curso de direito desta instituição?
Coord. 1 - Os objetivos são claros: a formação teórica e dogmática dos alunos. Mas
eu acho que o grande diferencial da nossa instituição tem sido a formação de um
profissional que tenha capacidade de crítica da realidade social. Eu acho que tem
uma preocupação muito grande com inclusão social. O perfil do nosso aluno tem
que ser um perfil que conteste a realidade social.
Nesta passagem, embora o entrevistado tenha mencionado a preocupação do curso
com a formação teórica e dogmática, verifica-se maior atenção a uma visão crítica da
realidade social, a qual é mencionada durante três momentos em sua fala. O relato, sustentado
na necessidade de desenvolvimento da capacidade de crítica do aluno foi tematizado por
diversos autores da área pedagógica, dentre os quais se pode mencionar o pensamento de
Paulo Freire
262
. Nesse mesmo sentido, importa mencionar a seguinte resposta:
259
Dentre os inúmeros trabalhos que desenvolve a questão da resistência à qualidade, destaca-se os escritos de
ADEODATO, João Maurício. Uma opinião sobre o ensino jurídico brasileiro. In CONSELHO FEDERAL DA
OAB. OAB Ensino Jurídico: parâmetros para elevação de qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal da
OAB, 1993, p.43-50.
260
Sobre o assunto, consultar VENÂNCIO FILHO, Análise histórica... op. cit., p.33.
261
FARIA, Ensino Jurídico... op. cit., p.53-9.
262
O assunto será aprofundado no capítulo 5 deste trabalho, entretanto, acredita-se que a antecipação do
pensamento de Freire contribuiria para a percepção do tema. O educador escreve sobre a impossibilidade do
professor se tornar um crítico quando, mecanicamente, memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de
Coord. 7 - Formar, fundamentalmente, bacharéis profissionais que sejam capazes
de lidar com as situações cotidianas do direito e que tenham um viés de
curiosidade. [...] Nós queremos formar profissionais que sejam questionadores.
Nós fomentamos essa discussão. Isso é o que nos diferencia das outras instituições.
Este trecho refere a necessidade de uma formação capaz de habilitar o bacharel a
apresentar respostas aos problemas cotidianos que vier a enfrentar. Além disso, destaca o
desejo do curso em formar profissionais curiosos e questionadores. Note-se que, em ambas as
passagens, os entrevistados sustentam ser este o diferencial da instituição em relação às
demais.
A importância conferida a uma postura diferenciada em relação à concepção de direito
e o necessário contato entre teoria e prática são argumentos suscitados por outro dos
entrevistados.
Coord. 2 - Primar por um pensamento crítico, preparar o aluno, em um primeiro
momento, para conhecer o direito. Ter uma visão não só da teoria, mas também da
prática.
Mas também o curso de direito não deixa de lado a questão dogmática do direito,
que nós sabemos que, hoje, a questão dos concursos públicos, da prova da OAB,
ela ainda possui uma parte bastante focada na parte dogmática do direito.
Entretanto, o curso entende que apenas essa parte dogmática não serve mais. O
próprio movimento da transnacionalização, dos efeitos da globalização, os próprios
novos direitos que vão surgindo, a importância dos direitos humanos, vê-se que a
parte dogmática não consegue mais dar conta desses, digamos, casos difíceis, que já
não são mais tão excepcionais e que estão cada vez mais desafiando o jurista, seja
no exercício da pesquisa, seja no exercício da advocacia. [...]
São casos que a gente não resolve mais apenas consultando a lei. Deve-se ir além
da lei. A hermenêutica é fundamental. Por aí o curso de direito procura trabalhar,
quer dizer, a parte dogmática é importante, o aluno tem que conhecer o texto da lei,
mas antes de conhecer a lei, deve-se saber por quê aquela lei é assim, quais são os
fundamentos, quais são as escolas que têm aquele modo de pensar.
Um aspecto interessante da fala do coordenador refere-se a uma tendência de grande
parte dos cursos jurídicos. Trata-se da concepção verticalizada de ensino, que, primeiramente
aborda a teoria para depois aproxima-la da prática. Como poderá ser constatado no próximo
item deste capítulo, essa é uma das maiores críticas realizadas pelos acadêmicos aos cursos
de direito, pois segundo algumas manifestações, nota-se que os discentes desejam um ensino
frases e de idéias inertes do que um desafiador. Trata-se de um profissional que “fala bonito de dialética, mas
pensa mecanicamente”. FREIRE, Pedagogia da... op. cit., p. 29-30.
voltado às questões práticas desde o início do curso (mesmo que essa opção tenha que ser
feita em detrimento de disciplinas teóricas).
Apontada a necessidade e ao mesmo tempo a crítica da dogmática
263
, o entrevistado
relata a sua incapacidade de apresentar soluções aos problemas transnacionais enfrentados
pelo jurista. Tal postura também pode ser encontrada nos estudos de Nussbaum
264
e José
Eduardo Faria
265
.
Além da concepção teoria/prática, a passagem acima permite ainda introduzir uma
discussão que tem chamado atenção de muitos coordenadores de curso. A importância do
estudo da dogmática tem sido cada vez mais observada, uma vez que ela integrará o “rol de
conhecimentos necessários” para que o aluno realize exames avaliativos (OAB, concursos).
Apesar disso, importa referir que essa instituição a que se vincula o entrevistado acredita que
a dogmática não soluciona as problemáticas apresentadas pelos casos difíceis
266
. Dessa
forma, despreza-se uma concepção reducionista, meramente legal na solução de conflitos
sociais, fator esse também bastante criticado por autores como Carbonnier
267
, Vicente
Barretto
268
, Warat
269
, Ramírez
270
e outros.
O direcionamento verificado na resposta anterior também se fez presente em outras
manifestações. Como exemplo, destaca-se a seguinte passagem:
263
Sobre o assunto, consultar WARAT, Luiz Alberto. Sobre la dogmática jurídica. In Revista Seqüência, CPGD-
UFSC, Florianópolis, n. 2, 1980, p.33-55.
264
NUSSBAUM, Martha. Martha CravenCultivating Humanity. In Legal Education. The University of Chicago
Law Review, Winter 2003. Volume 70. Issue: 1. Start page: Tradução de Luiz Reimer Rodrigues
Rieffel.Cultivando a humanidade na educação jurídica.
265
FARIA, José Eduardo. A cultura e as profissões jurídicas numa sociedade em transformação. In NALINI,
José Renato (org.). Formação Jurídica. 2 ed. São Paulo: RT, 1999, p. 13-4.
266
Embora o entrevistado não tenha esclarecido o conceito de “casos difíceis” utilizado, acredita-se que se deva
a perspectiva desenvolvida por Herbert Hart. Para Hart, os casos difíceis / hard cases são aqueles que, “na larga
maioria dos casos preocupam os tribunais, pois nem as leis, nem os precedentes em que as regras estão
legadamente contidas admitem apenas um resultado”. Nesses casos, “o juiz tem de escolher entre os sentidos
alternativos a dar às palavras de uma lei ou entre interpretações conflitantes do que um precedente ‘significa’”.
HART, Herbert. O conceito de Direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2005, p.16-7.
267
CARBONNIER, Jean. A parte do direito na angústia contemporânea. VENÂNCIO FILHO, Alberto (org.);
ALBUQUERQUE, Guiomar Freitas de. In Encontros da UnB: Ensino Jurídico. Tradução de Ana Maria Villela.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1978-1979.
268
BARRETTO, Vicente. Sete notas sobre o ensino jurídico. ibidem.
269
WARAT, Epistemologia e... op. cit.
270
RAMÍREZ, Cristián Riego. El rol y orientación de la investigación en una faculdad de derecho: de la
investigación disciplinaria a la investigación de problemas de impacto público. In Desafíos para la educación
legal en América Latina: Documentos de trabajo del encuentro Educación Legal em América Latina: nuevos
desafíos a las Facultades de Derecho. Clile:Faculdad Diego Portales, 2004.
8
2
Coord. 5 - Nós trabalhamos bem com a lei, mas não somos legalistas, no sentido
estrito. A gente procura incentivar o questionamento da própria lei, a finalidade da
lei, o modo de aplicá-la. [...]”.
Outra abordagem que revela a preocupação com uma percepção mais ampla da
dogmática jurídica pode ser observada na passagem que segue:
Coord. 3 - Eu diria que são três os objetivos do curso. A grande tarefa é conciliar
esses três objetivos:
O primeiro é, eu diria, formar estudantes que tenham uma integração zetética, uma
capacidade de aplicação teórica boa.
Em segundo lugar, e de forma complementar, (veja que eu não vejo aí uma
contradição), é preciso formar também bacharéis que tenham capacidade no campo
da dogmática também. Porque, afinal, o direito ele é, em última análise, a solução
de conflitos sociais, ou instrumento de solução de conflitos sociais. A formação de
alguém com habilidades na área dogmática é importante, isso não implica
exclusivamente o desenvolvimento de uma cultura do litígio, por exemplo. Isso não
quer dizer que nós queiramos formar alguém exclusivamente para atuar dentro de
um processo litigioso.[...]
Por último, os cursos de direito tem um papel importante na formação ética
humanista dos seus estudantes. No meu ponto de vista, o maior problema dos
cursos de direito não está nem na zetética nem na dogmática, mas nesse terceiro
ponto: os cursos de direito em geral têm muitas dificuldades no que tange a essa
questão humanista, ética. Não só determinadas práticas da advocacia, mas a
pobreza nas discussões que o Brasil tem atravessado. A pobreza nas discussões
ética, reforma política [...] o vazio dessas discussões tem a ver com a nossa
incapacidade de formar estudantes para essas questões maiores, que não são
exclusivamente jurídicas.
Em se tratando dessa declaração, destaca-se a ênfase apresentada pelo entrevistado em
não tratar de zetética e dogmática como decorrentes de uma contradição
271
. Recusando uma
postura dicotômica sobre o assunto, destaca-se a importância atribuída a uma percepção da
dogmática diversa da apresentada tradicionalmente
272
. Ademais, assim como estabelece
Vieira, percebe-se a necessidade de um ensino vinculado a padrões éticos
273
.
A preocupação com a ética também é apresentada por outro coordenador, ao afirmar
que:
271
Sobre a existência de uma tendência doutrinária que apresenta em termos antinômicos a relação entre zetética
e dogmática, consultar FERRAZ JÚNIOR, Introdução ao... op. cit.
272
Sobre o assunto, consultar FARIA, O ensino jurídico... op. cit.
273
VIEIRA, José Ribas. O Realismo Fantástico: Os Cursos de Direito no Brasil. In CONSELHO FEDERAL DA
OAB. OAB Ensino Jurídico: parâmetros para elevação de qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal
Brasília da OAB, 1993, p.61-73.
Coord. 8 - Um primeiro objetivo é preparar o aluno como cidadão. O direito tem
esses valores. Dar lições de ética, cidadania... até porque eu acho que estamos em
um momento em que o país passa por uma crise ética e moral. [...]
O segundo objetivo é a qualificação profissional do aluno. Buscamos preparar o
aluno para usar os subsídios teóricos na prática. Cada vez mais o mercado de
trabalho exige um profissional que saiba usar esse aplicativo e que tenha esse
conhecimento.
E eu acho que um terceiro objetivo é preparar também para a prova da ordem, que
faz parte dessa iniciação profissional. É uma prova cada vez mais afunilada. É uma
peneira. Então o objetivo primordial também é esse: preparar não só para a oab,
mas também dar ênfase para a OAB.
Em se tratando do primeiro ponto apresentado, constata-se a preocupação em formar
cidadãos.
274
Em seguida, a resposta apresentada expõe o temor do curso a prova da OAB.
Essa postura também esteve presente na entrevista concedida pelo coordenador 2 (já referida
anteriormente) e pelo coordenador 6, que revela a preocupação do curso com a inserção do
profissional no mercado de trabalho.
Coord. 6 - Nós montamos um curso de direito preocupados com o nosso egresso.
Preocupados de alguma forma em colocar esse aluno no mercado. Seja no mercado
dos concursos públicos, seja na atividade privada, seja no mercado acadêmico.
Essa é a nossa preocupação porque, o que eu vejo na Escola da Magistratura e na
Escola do Ministério Público, são alunos perdidos que saíram da faculdade e que
não sabem pra onde ir e não sabem o que fazer, como se colocar no mercado e
emocionalmente muito ruins porque a cada ano que passa o aluno vai ficando mais
distanciado de um rumo de trabalho.
A perspectiva apresentada acima revela uma das grandes dificuldades dos egressos
das escolas jurídicas. A falta de clareza nos rumos que o bacharel deseja traçar faz com que,
muitas vezes, eles optem por profissões que não estão de acordo com o seu perfil
profissional. Diante disso, seria possível relacionar tal acontecimento com o desejo desse
profissional de ingressar em uma carreira pública, obtendo assim estabilidade e uma situação
financeira definida
275
. Desse modo, evidencia-se a relação desta situação com a ampliação do
mercado de cursos preparatórios para concursos.
274
Nesse sentido, convém lembrar que Rui Barbosa, em seus pareceres sobre educação, já sustentava a
importância de uma escola voltada para a vida e a formação do cidadão. Aprofundamentos sobre o tema podem
ser feitos através das obras BARBOSA, Rui. Reforma do ensino secundário e superior. In Obras completas. v. 9,
tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942 e ROCHA, Leonel Severo. A Democracia em Rui
Barbosa: o Projeto Político Liberal-Racional. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1995.
275
Esses anseios serão apresentados no próximo item deste capítulo, momento em que serão abordadas as
expectativas dos alunos ingressantes dos cursos jurídicos.
Outro ponto que chamou atenção, o qual vem sendo trabalhado por Warat
276
,
relaciona-se com a preocupação das instituições com a capacitação discente para resolução de
conflitos
277
. Para tanto, os respondentes manifestaram a importância da mediação, chamando
a atenção para o fato de que os cursos não preparam os acadêmicos somente para o processo
litigioso. Esse aspecto pode ser consultado nas passagens que seguem:
Coord. 4 - Nós queremos profissionais que consigam administrar conflitos, mas
não apenas num espírito litigante.
Coord. 3 [...]Eu acho que nós temos outras coisas como a prevenção de conflitos,
a mediação que , também são importantes. Então é uma visão de dogmática ampla
e um pouco mais qualificada do que uma visão mais convencional.
Em seguida, questionou-se o perfil desejado de egresso. Verifica-se que a maior parte
das instituições deseja um aluno autônomo, capaz de criar conhecimento jurídico. Essas
considerações podem ser consultadas nas passagens que seguem:
Pesq. Qual o perfil de aluno egresso desejado por esta instituição?
Coord. 2 - Que o aluno possa criar conhecimento jurídico, e não simplesmente
reproduzir o conhecimento. Parece que grande parte dessa questão tradicional do
ensino do direito, apropria a construção positivista do direito, pois ela sempre
esteve muito atrelada à reprodução do conhecimento, quer dizer, ele já estava
pronto, reproduzido e sem questionamento. O perfil desse egresso é ter essa
capacidade, quer dizer, de refletir sobre o conhecimento dado e a partir dele
construir um conhecimento novo.
Coord. 4 - O nosso objetivo é formar um profissional crítico, reflexivo, mas
preparado para atuar no mercado.
A primeira passagem revela o interesse institucional em formar profissionais capazes
de criar um novo conhecimento, não se contentando em meramente reproduzir o que já está
posto. Sobre o assunto, importa recordar o exposto no primeiro item deste capítulo, quando se
abordava a educação no final dos anos 60, início dos 70. Este momento foi fortemente
influenciado pelas concepções tecnicistas e formalistas do direito. Pelo incentivo a um ensino
276
Sobre mediação e conciliação como uma nova cultura jurídica, consultar WARAT, Luis Alberto. Confissões e
Ilusões: Manifesto para Contradogmáticas. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004, p. 97-104.
277
“Por mais aberto aos elementos da realidade que possa ser, e por mais que procure trazê-los para o seio da
classe, o coletivo de docentes não pode assegurar sozinho, sobretudo no interior da sala de aula, a formação geral
e profissional completa do aluno. No mesmo sentido, é preciso que o aluno desenvolva a aptidão para ser posto à
prova, em outros cenários, relativamente ao conhecimento apreendido em sala de aula. [...]”. VENTURA, op.
cit., p. 83.
pautado no positivismo jurídico, constatava-se uma educação marcada muito mais pela
influência burocrática do que intelectual
278
.
Inúmeros são os autores que abordam o problema do excessivo tecnicismo e da
reprodução do conhecimento. No campo da educação, por exemplo, Paulo Freire representa
um grande expoente neste sentido. Para ele, quanto mais se exerce a capacidade de aprender
criticamente, mais se constrói e desenvolve o que ele denomina de curiosidade
epistemológica
279
.
Outra questão que merece destaque refere-se à última resposta apresentada. O trecho
mencionado chama a atenção pelo uso da palavra “mas”, que exprime ressalva, restrição
280
,
introduzindo uma oração cujo sentido opõe-se ao exposto anteriormente. Nesse sentido,
pode-se afirmar que, na percepção do entrevistado, a idéia de preparo para atuar no mercado
pode não estar associada com a formação de um profissional crítico e reflexivo.
Verificou-se, ainda, a preocupação de alguns coordenadores com a formação de
profissionais com habilidades
281
e competências para solucionar problemas. Tal consideração
apresenta uma peculiaridade. O termo “competência”, desenvolvido por Green
282
e outros, é
normalmente trabalhado no curso de administração e parece estar integrando cada vez mais a
organização dos cursos jurídicos
283
.
Coord. 3 - Nós queremos formar alguém que tenha habilidades e competências
para enfrentar os fatos sociais que têm muito rapidamente mudado de feição. O
nosso objetivo central é que o educando tenha capacidade de, ele próprio, resolver
problemas, mais do que buscar soluções prontas.
278
BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 1998, p.371.
279
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. 5 ed. São Paulo: Olho d’água, 2003.
280
Definição presente rm HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua
portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 483.
281
Aguiar, escrevendo sobre habilidades, expõe: “Não devemos ser inocentes e acreditar que as habilidades, em
suas diversas manifestações, são fruto exclusivo do aprendizado planejado, de currículos e tabelas institucionais.
Elas também são urdidas a partir de origens biológicas genéticas, biográficas, circunstanciais, sociais, históricas
e psicológicas de cada um”. AGUIAR, Roberto A. R. de. Habilidades: ensino jurídico e contemporaneidade. Rio
de Janeiro: DP&, 2004, p. 25.
282
Sobre competência, Green escreve: “A palavra competência é utilizada de maneira diferente pelos
especialistas em recursos humanos e estrategistas de negócios. [...] Os praticantes de recursos humanos
constantemente pensam em competência como a descrição das características das pessoas. Aqui está a definição
de seu uso: Uma competência individual é uma descrição escrita de hábitos de trabalhos mensuráveis e
habilidades pessoais, utilizados para alcançar um objetivo de trabalho”. GREEN, Paul C. Desenvolvendo
competências consistentes: Como vincular sistemas de Recursos Humanos a estratégias organizacionais.
Tradução Ana Paula Andrade. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1999, p. 07.
283
As relações entre diferentes sistemas serão apresentadas no capítulo 5 deste trabalho.
Além da compreensão acerca dos termos “habilidades” e “competência”, dois fatores
mencionados chamam atenção. O primeiro deles vincula-se a percepção de mudança rápida
dos fatos sociais (mencionado anteriormente por outro coordenador). O segundo fator reforça
a questão da reprodução do conhecimento. Nesse sentido, importa mencionar a proposta de
Rocha, ao sustentar a necessária formação crítica do profissional do direito, que transcenda a
mera repetição das codificações
284
.
A preocupação em formar profissionais conscientes do seu papel social
285
fica
evidente quando outro entrevistado afirma:
Coord. 5 - O nosso egresso tem que ser um aluno consciente de tudo o que ele
pode ser dentro da sociedade. Deve ter autonomia e conhecer o papel
transformador que ele tem.
Sobre o trecho acima, convém destacar a sustentação da necessária autonomia do
egresso. Tal perspectiva também pode ser encontrada nos escritos de Gadotti, ao defender
uma escola autônoma e com uma função social diferenciada
286
.
Com o intuito de conhecer o modo como os entrevistados descrevem o ensino jurídico
de suas instituições, foram apresentadas as seguintes alternativas, solicitando-lhes que
optassem por apenas uma: “teórico”, “prático”, “teórico e prático” e “é impossível defini-lo
deste modo”. Tal questionamento parte de uma estrutura usual, que mantém uma distinção
dual entre teoria e prática. Em decorrência disso, inseriu-se a última opção, a qual poderia ser
respondida por aqueles que vislumbram teoria/prática por meio de uma insuficiência
epistemológica.
A maior parte dos entrevistados (oito) definiu o ensino como sendo “teórico e
prático”. Desses, três esclareceram que, embora o curso seja teórico e prático, confere-se uma
maior importância à capacitação prática do curso. O único respondente que optou pela
284
ROCHA, Direito Educacional... op. cit., p.12.
285
Sobre o assunto, Morais e Santos associam os cursos restritos a uma visão positivista-legalista do fenômeno
jurídico com a crescente perda de significação social do Direito. Ver SANTOS; MORAIS, op. cit., p. 60.
286
“Nesse momento, lutar por uma escola autônoma é lutar por uma escola que projete, com ela, uma outra
sociedade. Pensar numa escola autônoma e lutar por ela é dar um sentido novo à função social da escola e do
educador que não se considera um mero cão de guarda de um sistema iníquo e imutável, mas se sente
responsável também por um futuro possível com equidade.” GADOTTI, Escola Cidadã...op. cit., p.47.
alternativa “é impossível classificá-lo deste modo” o fez por considerar que o curso possui
vários eixos, dentre os quais se pode mencionar o teórico, o prático e o crítico.
Entre aqueles que optaram pela alternativa “teórico e prático”, destacam-se as
passagens:
Pesq. Como você definiria o ensino desta instituição?
Coord. 6 - Teórico e prático. Ao longo do curso a nossa idéia é sempre trazer a
prática, os processos... A idéia é prática, porque senão a gente coloca um menino aí
na rua que não sabe nem onde fica o fórum.
Coord. 8 - O objetivo do curso, cada vez mais, é teórico e prático. Só teórico não!
Até porque o próprio programa enseja que se tenha essa questão prática.
Coord. 4 - Teórico e prático, mas com mais ênfase para a prática.
Venâncio Filho enfrenta a problemática da polaridade referente ao método de ensino
teoria versus prática, afirmando que “aqueles que pensam que o ensino superior no Brasil é
teórico demais, evidentemente não sabem o que é teoria”. Em seguida, o autor sustenta uma
aparente contradição na percepção individualizada desses conceitos, pois na sua concepção,
teoria e prática se completam
287
.
A próxima pergunta refere-se à prioridade do curso. Do mesmo modo como na
questão anterior, foram apresentadas alternativas aos entrevistados. Apesar de considerar a
hipótese de que os cursos observem todos os itens apresentados, em maior ou menor grau,
solicitou-se que optassem por apenas uma das seguintes alternativas: “o aprofundamento
teórico do direito”, “a prática profissional”, “a preparação para prova da OAB e concursos
públicos” e “outras alternativas”
288
.
Sobre essa pergunta, importa mencionar que a maior parte dos entrevistados
confirmou a importância da preparação para o exame da ordem e para concurso, no entanto,
ressaltaram que esse não é o principal objetivo da instituição. Essa conclusão pode ser
tomada levando-se em consideração as respostas que seguem:
Pesq. Este curso de direito prioriza...
287
VENÂNCIO FILHO, Análise histórica... op. cit., p.34-35.
288
Convém destacar que essas duas últimas questões também foram inseridas no questionário aplicado aos
alunos. Os resultados da análise encontram-se no item 2.3.
Coord. 6 - A prática profissional! Claro que sempre embasada na teoria. A
preparação para concursos e para a prova da OAB me parece que é uma
conseqüência. Nós não estamos aqui treinando alunos para a prova da OAB e nem
para concursos. Estamos aqui para formar alunos que sejam bons profissionais no
mercado.
Coord. 7 - Eu opto pela prática profissional. Nós não nos dedicamos a formar
alunos para concursos, embora a prova da OAB venha sendo passada como um
componente em face dessas divulgações e recomendações. É um componente
preocupante porque nós somos uma instituição privada e disputamos uma fatia de
mercado. Isso passa a ser uma questão economicamente preocupante.
Com relação às respostas apresentadas, observa-se que o primeiro coordenador não
enfatizou a prova da ordem em sua prática educativa, pois a considera uma “conseqüência
do processo educacional voltado para a prática profissional. Já a segunda posição revela uma
atenção ao exame, em virtude de ser um dos dados levados em consideração pela OAB ao
recomendar determinados cursos
289
.
Sobre esse último trecho, convém observar a clareza com que o entrevistado apontou
a importância do fator mencionado para a “sobrevivência” de uma instituição privada.
Utilizando-se de termos próprios da economia, apesar de afirmar que o foco do curso não está
sobre o exame, admite a importância deste para garantir sua “fatia de mercado”.
Em seguida, questionou-se o modo como o curso de direito concilia um ensino crítico
e reflexivo com a preparação dos acadêmicos para provas e concursos. Tal pergunta se deve
ao fato de, normalmente, esses exames exigirem um olhar simplificado dos fenômenos
jurídicos, em que basta a mera memorização da lei por parte do aluno. Nesse sentido,
diversos enfoques emergiram:
Pesq. É possível conciliar um ensino jurídico crítico e reflexivo com a preparação
para provas e concursos?
Coord. 1 - Eu penso que sim, é possível. Claro que nós temos preocupação também,
como qualquer outra instituição, com a opinião da OAB sobre o curso. Mas não é a
nossa principal preocupação. O professor ele tem toda condição de demonstrar, por
exemplo, qual é a corrente doutrinária majoritária, a resposta que ele deveria dar em
uma prova de concurso e simultaneamente incentivar a crítica a esse contexto.
Coord. 2 - Eu penso que o projeto político pedagógico do curso de direito tem esse
desafio. Ao mesmo tempo ele quer preparar o aluno para concursos públicos, para
OAB, outras carreiras jurídicas, mas também quer que o aluno não seja mero
reprodutor do conhecimento. Que ele possa trabalhar com a dogmática de modo
crítico, questionador, de modo a verificar as lacunas. Assim, o conhecimento
jurídico do aluno pode conciliar numa eficiência maior da dogmática jurídica.
289
A recomendação ocorre através da divulgação de uma lista de cursos, considerados pela OAB, como
detentores de um selo de qualidade. O tema será especificado no capítulo 2 do trabalho.
Note-se que, em ambas as passagens, os entrevistados mencionam a atenção conferida
ao Exame da OAB por parte das instituições, como um desafio a ser enfrentado.
No primeiro caso, assim como verificado na questão anterior, o coordenador destaca a
importância concedida à prova, mas ao mesmo tempo ressalta não ser a principal
preocupação da instituição. Isso seria possível através de uma atuação docente que mediasse
os conhecimentos necessários para a realização do exame e expressasse simultaneamente a
crítica com relação àquele ponto do conteúdo.
Para Morin, o ponto levantado anteriormente configura a grande dificuldade de
reforma, pois uma reforma da Universidade suscita um paradoxo: “não se pode reformar a
instituição (as estruturas universitárias), se anteriormente as mentes não forem reformadas;
mas só se pode reformar as mentes se a instituição for previamente reformada”. Mas “Q uem
educará os educadores? É necessário que se auto-eduquem e eduquem escutando as
necessidades que o século exige, das quais os estudantes são portadores.”
290
.
De forma não muito diferente se manifesta o segundo entrevistado, enfatizando a
preocupação do curso com a aprovação dos alunos em provas e concursos, mas ao mesmo
tempo cuidando para que o acadêmico não se torne apenas um reprodutor do conhecimento.
Outro grande desafio a ser enfrentado pelas instituições refere-se às práticas
pedagógicas interdisciplinares. Morin atribui essa dificuldade ao princípio da separação das
disciplinas. Isso porque, ao longo da história, “era inteiramente legítimo circunscrever um
domínio disciplinar para fazer progredir o conhecimento sem levar em conta as
interferências”
291
.
Por outro lado, Paviane atenta que a mera redução da interdisciplinaridade a um
simples arranjo entre disciplinas ou a colaboração entre professores, sem um exame de suas
290
MORIN, Edgar. Educação e Complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. ALMEIDA, Maria da
Conceição de (org.); CARVALHO, Edgard de Assis. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2005, p.22-23.
291
Idem. O pensar complexo... op. cit., p.22.
implicações epistemológicas e metodológicas, transforma sua prática num modismo
intelectual, ou, ainda, numa inútil justaposição de atividades
292
.
Assim, os entrevistados foram questionados acerca da realização de práticas
pedagógicas interdisciplinares. Fruto ou não de um modismo intelectual (conforme sustenta
Paviane), todos declararam atentar para a questão suscitada.
Pesq. Qual é a postura do curso em relação às práticas pedagógicas
interdisciplinares?
Coord. 2 - A gente tem visto que o direito, especialmente o conhecimento jurídico,
ele tem sido aproveitado em outros cursos. Aí sim, me parece que o direito rompe
com essa barreira que até então ele tinha, de ser fechado e de ensinar apenas para o
jurista, mas também mostrar e discutir o direito com profissionais da área da
Administração, Filosofia. Parece que por aí a gente começa a praticar a
interdisciplinaridade e essa trans, em que se derrubam essas barreiras disciplinares.
Quando o curso de direito sai do seu currículo e vai para outros currículos, ele
ingressa principalmente em unidades que são organizadas por programas de
aprendizagem. Então ali fica bem mais explícita essa relação aberta do
conhecimento jurídico com os demais. Esse é um exercício que a gente também
está falando. Eu diria que é uma caminhada que a gente tá iniciando. Aos
pouquinhos a gente vai experienciando.
Coord. 8 - Existe! Primeiro, começa com a assessoria pedagógica. Nós temos
algumas disciplinas que geram um pouco de dificuldade, mas que trazem essa
interdisciplinaridade. A gente tenta desenvolver a idéia de que todos os ramos têm
relação.
Interessa observar a tentativa da primeira instituição em relacionar o curso de direito
com outros cursos. Em geral, quando questionados sobre atividades interdisciplinares, os
entrevistados apontavam a tentativa de conectar diferentes disciplinas integrantes do currículo
do curso jurídico. No caso da primeira passagem apresentada, denota-se uma tentativa de
realizar interdisciplinaridade entre cursos diversos.
Outra questão que pode ser identificada em ambas as respostas é que se trata de um
desafio novo a ser enfrentado pelas instituições. Tal afirmação fica evidente no momento em
que o primeiro respondente afirma ser este um caminho a ser percorrido. No mesmo sentido,
a segunda resposta admite encontrar certa dificuldade, mas, de maneira muito superficial,
afirma haver “essa interdisciplinaridade”.
292
PAVIANI, op. cit., p.08.
O desafio é grande e exige profissionais competentes para o exercício da atividade
acadêmica. Assim, reflete-se sobre a atuação de um professor, formado nos moldes
tradicionais, encarar a mudança de suas práticas educativas visando a uma postura
interdisciplinar do conhecimento.
Nesse sentido, convém lembrar o entendimento de Fela Moscovici, para quem toda
mudança provoca resistência. Segundo a autora, em geral, as pessoas sentem medo do novo,
do desconhecido, do que não lhes é familiar. A percepção vem acompanhada de um
sentimento de ameaça à situação já organizada e segura da pessoa
293
.
Diante do exposto, os entrevistados foram questionados de que modo os professores
dotados de uma formação tradicional, muitas vezes tendente ao dogmatismo exacerbado e a
manutenção de conhecimentos estanques e separados, pode ser aproveitado dentro de uma
estrutura que prima (verdadeiramente) por uma atuação mais atualizada e interdisciplinar do
profissional do direito. Nesse sentido, destaca-se a seguinte resposta:
Pesq. De que modo um professor, formado nos moldes tradicionais, exerce uma
atuação pedagógica interdisciplinar?
Coord. 3 - Os programas de qualificação de professores que nós temos estão
tentando assumir esse caminho agora bem mais difícil. Os professores já imaginam
que sabem tudo e muitos, talvez os que mais necessitassem não freqüentam os
programas de qualificação. Nos programas de qualificação há coisas muito
interessantes: por exemplo, o vínculo direito com cinema, literatura, ou a presença
de teóricos, professores que não são exclusivamente da área do direito e que têm
sido muito importantes. Aí também há um esforço nos programas de qualificação
para ver essa formação tradicional que prejudica o ensino jurídico mais
contemporâneo. [...]
Agora, as deficiências são muitas. Elas começam com os alunos, que vêm para cá
para ter aulas no modelo tradicional e de acordo com o paradigma liberal. Os
alunos vêm para isso. E é muito fácil ao professor pactuar com os alunos para
continuar com o antigo modelo.
É muito mais difícil deixar o tradicional. É muito mais fácil ser convencional, até
porque se angaria a simpatia dos alunos. É mais fácil dar uma aula magistral.
Trabalhar com o método do caso
294
, por exemplo, é muito mais difícil. É muito
mais difícil trabalhar habilidades com os alunos do que conteúdos propriamente. E
então há uma batalha cultural aí em cima.
293
MOSCOVICI, Fela. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. 12 ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2002. p.159.
294
Sobre o método de caso, Ravina escreve “consiste en el descubrimiento por parte del alumno de los principios
que regulan una determinada área del derecho, tomando como base casos extraídos de la práctica judicial. Los
estudiantes de derecho estadounidenses, a diferencia de los continentales, no acumulan libros de doctrina, sino
estos libros de cases law que constituyen el verdadero libro de texto para ellos”. RAVINA, Carlos Morales de
Setién. Introdução. In La fuerza del derecho: Pierre Bourdieu y Gunther Teubner; estúdio preliminar y
traducción Carlos Morales de Setién Ravina. Santafé de Bogotá: Siglo del Hombre Edittores, Faculdad de
Derecho de la Universidad de los Andes, Ediciones Uniandes, Instituto Pensar, 2000, p. 170.
Mas a gente está tentando despertar nos professores a consciência de que, bom, a
gente prepara os alunos para entender uma determinada lei e aí vem outra. Aí o
aluno precisa pagar um curso e alimentar uma indústria de preparatórios para isso,
quando ele próprio, com um ensino jurídico mais consistente, deveria estar apto
para ele enfrentar isso.
Eu sou otimista, os professores vêm tomando conhecimento disso, agora é um
trabalho ainda de anos.
A resposta apresentada pelo entrevistado merece destaque em vários sentidos.
Primeiramente, cabe salientar que o meio com o qual a instituição espera mudar o
comportamento do professor é a realização de cursos de qualificação docente
295
. Embora
tenha sido selecionada apenas essa passagem para uma análise mais detalhada, essa atividade
foi mencionada por oito dos nove entrevistados.
Outro ponto que merece destaque é o desafio enfrentado pelas instituições para que os
professores disponham-se à qualificação. Assim, os programas de qualificação visam a
romper a lógica fechada das disciplinas e departamentos, proporcionando contato entre áreas
diversas que se complementam, como é o caso de palestras ministradas por profissionais que
não integram a área jurídica.
O problema está no fato de que nem sempre os professores de direito estão dispostos a
aceitar contribuições de profissionais da área da educação, pois se sentem confortáveis em
sua atividade, manifestando uma profunda resistência à mudança. Essa resistência fica
evidente a partir do seguinte depoimento:
Coord.2 - Enfrentamos alguma resistência. Talvez não seja resistência, mas
desconfiança. Principalmente, pelo lado do jurista, sobre a eficiência desse modo. A
gente tem aquela idéia de que está fechado na sua disciplina, no seu conteúdo, no
seu manual. Principalmente no direito a gente tem que desmistificar modos de
relação do direito com as outras ciências, e aí partir para a construção de um novo
conhecimento.
Outro problema relatado pelo coordenador 3 que merece destaque é o fato de os
alunos normalmente desejarem o ensino tradicional. Tal postura acarreta em outra grande
dificuldade, que são os pactos realizados entre professores e alunos para que a aula aconteça
nos moldes tradicionais. Assim, existe uma grande chance do professor sustentar seus
295
Sobre os programas de qualificação, nota-se que, em geral, são atividades oferecidas aos professores duas
vezes ao ano, durante o período de férias das instituições de ensino. Podem apresentar programas para todos os
cursos ou para cada um de acordo com as suas especificidades.
ensinamentos nos moldes legalistas e reducionistas, não enfrentando os problemas complexos
que devem ser observados pelo profissional da área jurídica.
Além das considerações referidas, importa ainda destacar que a formação do
professor, na ótica do entrevistado, implica em um longo caminho a ser percorrido. O meio
pelo qual se pretende melhorar a atuação docente ocorre, conforme já mencionado, através
dos programas de qualificação. No entanto, os professores que mais necessitam costumam
ignorar tais atividades.
Passando para outra questão, solicitou-se que aos entrevistados que apresentassem
suas opiniões sobre a avaliação dos cursos jurídicos hoje. Dentre os principais argumentos
apresentados, ressaltam-se os que seguem: em geral os cursos são qualificados; baixo
investimento em pesquisa; descompasso entre qualidade e quantidade de cursos; e problemas
com o nível escolar dos alunos.
Em se tratando da primeira alternativa, convém mencionar o relato apresentado por
um dos respondentes.
Pesq. Como você avalia os cursos jurídicos hoje?
Coord. 6 - Os cursos jurídicos hoje são muito melhores do que antes, como na
minha época. Acho que o ensino jurídico melhorou consideravelmente porque
abriu portas para o aluno para que ele se especializasse como a Medicina já fazia.
A referência à especialização, conforme mencionado no início deste capítulo, data da
década de 1970. Em termos de currículo, por exemplo, Melo Filho aponta que a proposta do
Parecer 162/72, do Conselho Federal de Educação, visava à especialização profissional,
proporcionando aos acadêmicos uma habilitação específica. Nos anos seguintes, a
complexidade das relações fez com que a oferta de cursos de especialização fosse
ampliada
296
.
Além do fator mencionado, convém lembrar a importância dos objetivos propostos
pela Portaria 1886/94, a qual primava pela flexibilização do ensino. Isso significa que,
primeiro, o aluno deveria ter uma formação geral do curso para que, em seguida, pudesse
optar pelos ramos que desejasse se especializar.
296
MELO FILHO, Metodologia do... op. cit., p. 30-1.
O segundo argumento apresentado refere-se ao baixo investimento em pesquisa nos
cursos jurídicos. Com o intuito de verificar essa informação, foram analisados os índices de
investimentos do CNPq realizados em bolsas e no fomento à pesquisa segundo área do
conhecimento, durante os anos de 1998 a 2006
297
. Com base nos dados obtidos, verifica-se
que, em 2006, a área do direito representou a 64ª posição no ranking total de investimentos
realizados
298
. Sobre esse assunto, convém analisar as palavras de um dos entrevistados:
Coord. 5 - O principal problema do ensino jurídico ainda é o baixo investimento
em pesquisa. Os professores pesquisadores não são maioria e geralmente os que
trabalham neste campo têm ainda pouco respaldo institucional. Esse é um
problema muito grave. A quantidade de publicações aumentou, a estatística das
produções melhorou, mas o grande problema é que a qualidade dessas publicações
não corresponde, ou seja, nós não estamos produzindo um pensamento jurídico
crítico com essas publicações. De nada adianta aumentar o volume de produção
quando essa produção reproduz uma certa cultura bacharelesca. Daí nós temos um
problema: muitas bibliotecas são muito frágeis, baseadas em manuais apenas.
Atrelada à questão do investimento em pesquisa está o aumento do número de
publicações na área jurídica. Nesse sentido, importa mencionar os resultados obtidos nos
sensos realizados pelo CNPq em relação aos indicadores de produção científica de
professores doutores. Entre os anos de 1997 a 2000, por exemplo, o índice de livros
publicados chegou a 979, enquanto que, entre 2000 e 2003, esse número chegou a 2.880
publicações
299
. Dessa forma, constata-se um real aumento do número de obras publicadas nos
últimos anos, fator esse que, conforme o coordenador, mais uma vez implica no contraditório
descompasso entre quantidade e qualidade. Nesse mesmo sentido, observa-se o trecho
abaixo:
Coord. 2 - Existe um grande número de cursos jurídicos no Brasil. Essa questão
relativa à quantidade e qualidade não permite que se possa dizer que apesar da
quantidade das escolas, as universidades estão formando bacharéis com qualidade.
O que a gente vê, nos exames da OAB é que a quantidade das escolas não é reflexo
direto na qualidade daqueles alunos que estão formados. Então isso merece maior
reflexão. Até que momento não seria a época de dizer: “Olha, não se abrem mais
escolas jurídicas”! Como em algumas outras áreas se faz, colocando critérios
297
CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO. Estatísticas e
indicadores de pesquisa no Brasil segundo grandes áreas do conhecimento 2000-2004. Disponível em
http://ftp.cnpq.br/pub/doc/aei/indpesq_area.pdf.
298
Os primeiros lugares da classificação foram: Agronomia, Física, Química, Ciência da Computação, Medicina,
Geociências, Engenharia Elétrica, Saúde Coletiva, Bioquímica, Educação, Genética, Engenharia Mecânica,
Ecologia, Engenharia Química...
299
Idem. Estatísticas e indicadores de pesquisa no Brasil segundo grandes áreas do conhecimento 2000-2004.
Disponível em http://ftp.cnpq.br/pub/doc/aei/indpesq_area.pdf. Acesso em 22 de agosto de 2007.
rigorosos que tem que ser preenchido e comprovado pela escola para que ela possa
abrir um novo curso.
Em não tendo sido exigida maior seriedade, se abriram aí em todas as esquinas... E
hoje nós temos esse problema: da quantidade imensa de bacharéis que não
conseguem nem sequer advogar por não passar na prova da OAB.
Do mesmo modo como se manifestou o entrevistado acima, a passagem que segue
revela a desqualificação das escolas jurídicas atribuídas aos fatores de ausência de
fiscalização, adoção de modelos jurídicos de realidade diversa da apresentada pelo país e a
mera reprodução do texto legal:
Coord. 1 - Eu penso que o excesso de cursos atrapalha porque com um maior
número de cursos fica difícil a fiscalização, o controle, e consequentemente há uma
perda de qualidade. Penso que os cursos jurídicos eles se transformaram de um
modo geral em reprodutores de um conhecimento que muitas vezes a gente não
sabe de onde vem. O Direito brasileiro, como o país é jovem, em comparação aos
nossos mestres europeus, ele copia demais modelos. Ele importa demais modelos
externos completamente afastados da nossa realidade social. Então eu penso que o
jurista, de um modo geral, ele tem dificuldades de criar o Direito de acordo com a
nossa realidade, ou pelo menos de adaptar. Eles copiam os nossos legisladores, que
também não têm a formação técnica necessária.
Outro ponto que merece destaque é apresentado por um dos entrevistados ao tratar das
deficiências que o aluno traz do ensino fundamental e médio. Tal apontamento pode ser
verificado nas palavras que seguem:
Coord. 3 - Existe uma incapacidade do nosso educando, que eu diria que é
geracional, de escrever, argumentar, construir autonomamente soluções para
problemas concretos. Readequar um curso de direito tornando-o mais conteudista e
mais dogmático não é a solução. Isso vai resultar em um aprofundamento da crise e
não em uma solução.
Essa dificuldade, trazida pelo acadêmico desde o ensino fundamental, é claramente
observada nas respostas apresentadas pelos ingressantes nos questionários. Ao longo da
análise de dados, foi possível perceber a carência de conhecimentos essenciais da Língua
Portuguesa
300
.
300
Destacam-se como erros mais recorrentes as seguintes palavras: difício, rasuavelmente, rasuável, espositiva,
atrae, emportante, ascenssão, intender, cituação, tálves, encinar, impresa, concurço, estam, comesei, houvi,
dentre outras.
Em seguida, questionou-se sobre a opinião dos entrevistados acerca da avaliação
realizada pela OAB que aufere um selo de qualidade aos cursos jurídicos
301
. Sobre o assunto,
dois entrevistados não se manifestaram a respeito. Outras respostas relevantes referem-se aos
seguintes argumentos: é importante, mas incapaz de estabelecer quais instituições são
melhores que outras; é uma realidade a ser enfrentada; possui dúvidas quanto à
uniformização desta avaliação no país; questiona a legitimidade da OAB para realizar tais
avaliações; a avaliação não é realizada com seriedade, dentre outros.
Ainda sobre o OAB Recomenda, questionou-se se os entrevistados conheciam os
critérios da avaliação realizada pela Ordem. As respostas obtidas demonstram que a maior
parte (7 respondentes, o equivalente a 77,8%) desconhece os critérios utilizados.
Em seguida, os entrevistados foram questionados sobre os impactos da publicação
OAB Recomenda 2007 na instituição. As respostas mais significativas foram: o maior
impacto é sentido pelo mercado; a instituição foi questionada pela imprensa/alunos; houve
impacto na parte administrativa do curso; não causou impacto porque o Projeto Pedagógico é
sólido; não pode se manifestar a respeito
302
.
Após conhecer a posição das instituições sobre os objetivos e desafios a serem
enfrentados em termos de educação jurídica, importa mencionar quais são as expectativas
discentes ao ingressarem em um curso de direito. Para tanto, questiona-se: Qual é o perfil de
um aluno do curso de direito? Por que ele escolheu esse curso? Quais são suas aspirações
profissionais? O que ele espera do ensino? Que fatores são importantes no momento da opção
pela instituição? Como ele se avalia? Qual é a sua percepção de um bom professor de
direito? O que ele pensa a respeito do ensino jurídico? Como ele define o seu curso? Pretende
realizar o exame da OAB? Conhece a avaliação OAB Recomenda? Esses são alguns dos
questionamentos que serão enfrentados no item que segue.
301
Sobre o assunto, ressalta-se que, neste capítulo, será apresentado apenas um panorama das respostas obtidas.
A análise acerca dos comentários na íntegra já foi desenvolvidas no capítulo anterior, momento em que será
discutida a atuação da OAB na busca pela qualidade do ensino do direito.
302
Do mesmo modo que as questões anteriores, não houve um aprofundamento destas respostas porque serão
aprofundadas no capítulo 4 deste trabalho.
3.3 PERFIL E EXPECTATIVAS DISCENTES
Com o intuito de estabelecer uma divisão didática dos resultados obtidos, o trabalho
será conduzido da seguinte forma: 1º) será realizada uma apresentação do perfil dos
acadêmicos; 2º) analisar-se-á as demais questões referentes às percepções discentes sobre o
curso em relação as suas expectativas/aspirações profissionais, auto-avaliação, realização de
atividades interdisciplinares, características de um bom professor, problemas do ensino
jurídico, realização do Exame da Ordem e a avaliação dos cursos jurídicos realizada pela
OAB.
Em se tratando do primeiro item proposto, Perfil dos acadêmicos, constata-se que, dos
530 respondentes existe um equilíbrio entre o índice de alunos do sexo feminino (51,7%) e
masculino (48,3%).
TABELA 4 Gênero
Sexo Fr %
Feminino 274 51,7%
Masculino 256 48,3%
Em branco 0 0,0%
Total de respondentes
530 100%
Sexo
Feminino;
51,7%
Masculino;
48,3%
Em branco;
0,0%
Figura 2 Gráfico: gênero
Contudo, tal harmonia entre os resultados não é encontrada em todas as instituições
pesquisadas. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (80%) e nas Faculdades Rio-
Grandenses (73,3%), por exemplo, a diferença de gênero chega a percentuais muito
significativos.
TABELA 5 Gênero (por instituição)
fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr %
Feminino
41
52,6%
102
60,7%
19
57,6%
17
54,8%
37
50,7%
23
46,0%
23
54,8%
4
26,7%
8
20,0%
Masculino
37
47,4%
66
39,3%
14
42,4%
14
45,2%
36
49,3%
27
54,0%
19
45,2%
11
73,3%
32
80,0%
Total 78 100% 168 100% 33 100% 31 100,0% 73 100% 50 100,0% 42 100% 15 100% 40 100%
FARGS UFRGS
Sexo - por
Instituição
PUCRS UNISINOS ULBRA UNILASALLE UNIRITTER IPA ESADE
Sexo - por Instituição de Ensino
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
80,0%
100,0%
Feminino Masculino
Figura 3 Gráfico: gênero (por instituição)
Em se tratando da idade, verifica-se que a maior parte dos respondentes (48,1%)
possui entre 18 e 22 anos. Destaca-se, ainda, que 17,9% dos alunos possuem mais de 37
anos
303
.
TABELA 6 Idade
Idade Fr %
Menos de 18 52 9,8%
De 18 a 22 255 48,1%
De 23 a 27 75 14,2%
De 28 a 32 49 9,2%
De 33 a 37 37 7,0%
De 38 a 42 20 3,8%
De 43 a 46 14 2,6%
De 47 a 50 12 2,3%
De 51 a 60 11 2,1%
Mais de 60 1 0,2%
Em branco 4 0,8%
Total de respondentes 530 100%
303
Apesar do baixo índice em relação aos demais, convém lembrar que algumas instituições incentivam o
ingresso de acadêmicos com idade avançada, através da concessão de descontos nas mensalidades escolares.
Idade
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
Figura 4 Gráfico: idade
Constata-se que a maioria dos alunos (80,2%) é solteiro. Tal índice demonstra-se
coerente tendo em vista a faixa etária dos acadêmicos informada anteriormente.
TABELA 7 Estado Civil
Estado Civil
Fr %
Solteiro
425 80,2%
Casado
78 14,7%
União estável
1 0,2%
Separado
7 1,3%
Divorciado
13 2,5%
Viúvo
1 0,2%
Em branco
5 0,9%
Total de respondentes
530 100%
Estado Civil
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0
%
Solteiro
Casado
União estável
Separado
Divorciado
Viúvo
Em branco
Figura 5 Gráfico: Estado Civil
100
No mesmo sentido da questão anterior, verifica-se que a maior parte dos discentes
(80,6%) não possui filhos. Em se tratando dos alunos que possuem filhos (18,7%), a maioria
(51,5%) possui apenas um.
TABELA 8 Filhos
Possui filhos Fr %
Sim 99 18,7%
Não 427 80,6%
Em branco 4 0,8%
Total de respondentes
530 100,0%
Possui filhos
Não;
80,6%
Em
branco;
0,8%
Sim;
18,7%
Figura 6 Gráfico: filhos
TABELA 9 Número de filhos
Número de Filhos Fr %
Um 51 51,5%
Dois 30 30,3%
Três 10 10,1%
Quatro 7 7,1%
Mais de quatro 1 1,0%
Total de respondentes
99 100%
Número de Filhos
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
Um Dois Três Quatro Mais de
quatro
Figura 7 Gráfico: número de filhos
101
Outro fator que merece destaque relaciona-se com a renda familiar dos acadêmicos.
Nesse item, observou-se que o maior índice apresentado nas respostas (34,5%) contempla os
alunos com renda familiar entre R$381,00 e R$1.900,00
304
. Destaca-se, ainda, que o
perentual de alunos com renda acima de R$3.421,00 é de 33,4% dos respondentes.
TABELA 10 Renda familiar
Renda Familiar Fr %
Menos de R$380,00 3 0,6%
De R$381,00 a R$1.900,00 183 34,5%
De R$1.901,00 a R$2.660,00 76 14,3%
De R$2.661,00 a R$3.420,00 58 10,9%
De R$3.421,00 a R$4.180,00 44 8,3%
De R$4.181,00 a R$4.940,00 41 7,7%
Mais de R$4.940,00 92 17,4%
Em branco 33 6,2%
Total de respondentes 530 100%
Renda Familiar
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0%
Menos de R$380,00
De R$381,00 a R$1.900,00
De R$1.901,00 a R$2.660,00
De R$2.661,00 a R$3.420,00
De R$3.421,00 a R$4.180,00
De R$4.181,00 a R$4.940,00
Mais de R$4.940,00
Em branco
Figura 8 Gráfico: renda familiar
Com relação à renda familiar, o gráfico abaixo revela uma diferença no perfil dos
alunos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul em relação às demais instituições. Na PUCRS, 25,6% dos discentes
304
Ressalta-se que a solicitação realizada aos alunos através do questionário refere-se à renda familiar, e não
individual do respondente.
102
possuem renda familiar superior a R$4.940,00. Na Ufrgs, esse dado acresce para 47,5% do
alunado
305
.
TABELA 11 Renda familiar (por instituição)
fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr
%
Menos
de
R$380,00
0 0,0% 2 1,2% 1 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
De
R$381,00
a
R$1.900,00
16 20,5% 68 40,5% 10 30,3% 11 35,5% 31 42,5% 21 42,0% 17 40,5% 5 33,3% 4 10,0%
De R$1.901,00 a
R$2.660,00
9 11,5% 25 14,9% 2 6,1% 3 9,7% 15 20,5% 7 14,0% 12 28,6% 0 0,0% 3 7,5%
De R$2.661,00 a
R$3.420,00
10 12,8% 15 8,9% 7 21,2% 3 9,7% 8 11,0% 4 8,0% 4 9,5% 3 20,0% 4 10,0%
De R$3.421,00 a
R$4.180,00
8 10,3% 14 8,3% 4 12,1% 3 9,7% 3 4,1% 2 4,0% 4 9,5% 1 6,7% 5 12,5%
De R$4.181,00 a
R$4.940,00
7 9,0% 13 7,7% 5 15,2% 5 16,1% 3 4,1% 4 8,0% 1 2,4% 1 6,7% 2 5,0%
Mais
de
R$4.940,00,
20 25,6% 26 15,5% 3 9,1% 4 12,9% 10 13,7% 3 6,0% 3 7,1% 4 26,7% 19 47,5%
Em branco
8 10,3% 5 3,0% 1 3,0% 2 6,5% 3 4,1% 9 18,0% 1 2,4% 1 6,7% 3 7,5%
Total
78 100% 168 100% 33 100% 31 100% 73 100% 50 100% 42 100% 15 100% 40 100%
ESADE FARGS UFRGS
Renda Familiar - por Instituição de Ensino
PUCRS UNISINOS ULBRA UNILASALLE UNIRITTER IPA
Renda Familiar - por Instituição de Ensino
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
PUCRS
UNISINOS
ULBRA
UNILASALLE
UNIRITTER
IPA
ESADE
FARGS
UFRGS
Menos de R$380,00 De R$381,00 a R$1.900,00 De R$1.901,00 a R$2.660,00
De R$2.661,00 a R$3.420,00 De R$3.421,00 a R$4.180,00 De R$4.181,00 a R$4.940,00
Mais de R$4.940,00, Em branco
Figura 9 Gráfico: renda familiar (por instituição)
305
Cumpre ressaltar que, dentre os cursos pesquisados, a Ufrgs e a Pucrs são as instituições com maior tempo de
implantação do curso de direito. Em se tratando da primeira, foi fundada em 17 de fevereiro de 1.900, com a
denominação de Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre. Já a segunda, foi criada em 13 de janeiro de 1947.
103
Quando questionados sobre a escola em que concluíram o ensino médio, o número de
alunos que cursaram todo/maior parte em escola pública foi superior (52,3%). No entanto,
evidencia-se que essa informação não é compatível com a realidade dos ingressantes da
UFRGS e da PUCRS. Levando-se em consideração a renda dos acadêmicos dessas
instituições, torna-se mais fácil compreender os motivos que justificam os índices de alunos
advindos de escolas particulares, os quais superam 66%.
TABELA 12 Escola em que cursou o Ensino Médio
Ensino Médio Fr %
Todo/maior parte em escola
pública 277 52,3%
Todo/maior parte em escola
particular 247 46,6%
Em branco 6 1,1%
Total de respondentes
530
100%
Onde cursou o Ensino Médio
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
Todo/maior
parte em escola
pública
Todo/maior
parte em escola
particular
Em branco
Figura 10 Gráfico: escola em que cursou o Ensino Médio
TABELA 13 Escola em que cursou o Ensino Médio (por instituição)
fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr % fr %
Todo/maior
parte em escola
pública
25 32,1% 91 54,2% 20 60,6% 20 64,5% 36 49,3% 32 64,0% 33 78,6% 8 53,3% 12 30,0%
Todo/maior
parte em escola
particular
52 66,7% 76 45,2% 12 36,4% 11 35,5% 37 50,7% 17 34,0% 7 16,7% 7 46,7% 28 70,0%
Em branco
1 1,3% 1 0,6% 1 3,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 2,0% 2 4,8% 0 0,0% 0 0,0%
Total 78 100% 168 100% 33 100% 31 100% 73 100% 50 100% 42 100% 15 100% 40 100%
FARGS UFRGS
Ensino Médio
UNIRITTER
IPA ESADEPUCRS UNISINOS ULBRA
UNILASALLE
104
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
70,0%
80,0%
% % % % % % % % %
PUCRS UNISINOS ULBRA LA SALLE UNIRITTER IPA ESADE FARGS UFRGS
Ensino Médio - por Instituição de Ensino
Todo/maior parte em escola pública Todo/maior parte em escola particular Em branco
Figura 11 Gráfico: escola em que cursou o ensino médio (por instituição)
Apesar de Estudar no período da noite, evidencia-se que 64% dos acadêmicos
cursaram todo/maior parte do ensino médio durante o período diurno.
TABELA 14 Turno em que cursou o ensino médio
Ensino Médio Fr %
Todo/maior parte no diurno 339 64,0%
Todo/maior parte no
noturno 137 25,8%
Em branco 54 10,2%
Total de respondentes 530 100%
Em que turno estudou no Ensino Médio
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
80,0%
Todo/maior parte
no diurno
Todo/maior parte
no noturno
Em branco
Figura 12 Gráfico: turno em que cursou o Ensino Médio
Conforme justificado na introdução, constata-se que a maior parte dos ingressantes do
turno da noite exerce atividade profissional (70,9%). Nesse sentido, destacam-se as seguintes
105
profissões com maior índice de respostas: estagiário (24,5%), Assistente
Administrativo/Auxiliar de escritório/Secretária (18,4%). Assim, é possível identificar um
perfil bastante significativo do aluno que procura o Curso de Direito.
TABELA 15 Situação profissional
Exerce
atividade
Profissional
Fr %
Sim 376 70,9%
Não 152 28,7%
Em branco 2 0,4%
Total de respondentes 530 100%
TABELA 16 Atividade exercida
Atividade Exercida Fr %
Estagiário 92 24,5%
Assistente Adm., Auxiliar de
escritório, Secretária 69 18,4%
Área comercial, vendas 50 13,3%
Funcionário Público 38 10,1%
Militar 11 2,9%
Gerente, Coordenador
executivo, Supervisor 10 2,7%
Professor 10 2,7%
Bancário 8 2,1%
Empresário 8 2,1%
Técnico em operações,
segurança do trabalho,
informática 7 1,9%
Contador, Analista Fical 6 1,6%
Metalúrgico, Industriário,
Construtor, Eletrecista 6 1,6%
Motorista, cobrador de
ônibus, motoboy 6 1,6%
Corretor de seguros 5 1,3%
Cargo de confiança 4 1,1%
Médico, Enfermeiro 4 1,1%
Vigilante 2 0,5%
Administrador de Empresas 2 0,5%
Zelador 2 0,5%
Não informou a atividade 3 0,8%
Outras atividades 13 3,5%
Em branco 20 5,3%
Total de respondentes 376 100%
306
306
Destaca-se que a categoria “outras atividades” não foi especificada na tabela em virtude do baixo índice de
respondentes por profissão. Foram mencionadas as atividades que seguem: Assistente Social (1), Contínuo (1),
Aeroviário (1), Cabeleireiro (1), Cozinheira (1), Investigador Particular (1), Autônomo (1), Conselheiro Tutelar
106
Em se tratando da realização de atividade profissional, verifica-se que a única
instituição em que o índice dos alunos que trabalham é igual ao dos que não exercem
atividade profissional é a UFRGSs. Dentre os alunos que trabalham, 50% são funcionários
públicos.
Abaixo, encontram-se mais informações sobre o exercício de atividade profissional
por instituição de ensino:
TABELA 17 Situação profissional (por instituição)
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
fr
%
Sim
40
51,3%
126
75,0%
23
69,7%
24
77,4%
60
82,2%
39
78,0%
31
73,8%
13
86,7%
20
50,0%
37
47,4%
42
25,0%
9
27,3%
7
22,6%
13
17,8%
11
22,0%
11
26,2%
2
13,3%
20
50,0%
Em branco
1
1,3%
0
0,0%
1
3,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
0
0,0%
Total 78 100% 168 100% 33 100% 31 100% 73 100% 50 100% 42 100% 15 100% 40 100%
ULBRA
UNILASALLE
UNIRITTER IPA ESADE FARGS UFRGSExerce Atividade
Profissional
PUCRS UNISINOS
Após a apresentação do perfil do aluno, passa-se a analisar o segundo item proposto
referente às Percepções Discentes. Tal enfoque implica na abordagem de uma série de
fatores. O primeiro deles refere-se ao motivo pelo qual o aluno escolheu o curso de direito.
Como se tratava de uma questão aberta, os alunos tiveram ampla liberdade para
escrever seus motivos. Após a aplicação dos questionários, as respostas foram submetidas à
tabulação, através da elaboração de categorias que sintetizassem todas as opiniões
apresentadas
307
.
Constatou-se que a maior parte dos alunos escolhe o curso por se identificar com ele
(43,8%)
308
. Outras respostas apresentadas referem-se ao amplo mercado de trabalho (14,9%)
e ao desejo de adquirir conhecimentos da área (13,4%). Os demais resultados podem ser
consultados na tabela que segue:
(1), Personal Trainer (1), Auxiliar de treno automobilístico (1), Publicitário (1), Músico (1) e Auxiliar de
Exportação (1).
307
Algumas tabelas não apresentarão o percentual total da questão. Isso significa que alguns alunos responderam
mais de uma alternativa, ultrapassando o limite de 100%.
308
Em contrapartida, apenas quatro alunos (0,8%) informaram não saber o motivo pelo qual escolheram o curso.
107
TABELA 18 Escolha do curso
Porque estuda Direito
Fr %
Identificação com o curso 232 43,8%
Amplo mercado de trabalho 79 14,9%
Adquirir conhecimentos 71 13,4%
Realização pessoal 58 10,9%
Contribuir com a sociedade 54 10,2%
Realizar concursos públicos 44 8,3%
Realização/crescimento
profissional 32 6,0%
Por ser um curso abrangente
30
5,7%
Influência de amigos/familiares 28 5,3%
Deseja atuar na área jurídica 26 4,9%
Advogar 22 4,2%
Promover a justiça
21
4,0%
Obter boa remuneração 13 2,5%
Por já atuar na área jurídica
9
1,7%
Obter o diploma 7 1,3%
Outros motivos
16
3,0%
Não sabe 4 0,8%
Em branco 7 1,3%
Total de respondentes 530
Os outros motivos apresentados foram: obter um futuro melhor (4), por necessidade
profissional (3), status (2), estabilidade (2), trabalhar na terceira idade (2), conhecer pessoas
(1), obter formação tradicional (1), e por ter sido enganado (1).
Quando questionados sobre o que esperam do curso, verifica-se que os discentes
almejam: adquirir conhecimentos (39,4%), tornar-se bons profissionais (11,9%), obter uma
boa formação universitária (11,5%) e realizar-se profissionalmente (11,1%).
108
TABELA 19 Expectativas em relação ao curso
O que espera do Curso
Fr %
Adquirir conhecimentos 209 39,4%
Tornar-se um bom profissional
63
11,9%
Obter uma boa formação
61
11,5%
Realização profissional
59
11,1%
Realização pessoal
43
8,1%
Ingressar no mercado de trabalho
34
6,4%
Contribuir com a sociedade
31
5,8%
Obter o diploma
27
5,1%
Realizar concursos públicos
25
4,7%
Atuar na área jurídica
23
4,3%
Obter boa remuneração
20
3,8%
Que corresponda às expectativas
20
3,8%
Conhecer as leis
19
3,6%
Ampliar a visão de mundo
18
3,4%
Desenvolver prática e teoria
conjuntamente
18 3,4%
Exercer advocacia
13
2,5%
Assegurar um futuro melhor
9
1,7%
Possibilitar maior justiça social
7
1,3%
Obter uma formação humanista
7
1,3%
Encontrar bons professores
7
1,3%
Obter aprovação no exame da
OAB
7 1,3%
Proporcionar um contato com a
realidade
6 1,1%
Conhecer a sociedade
6
1,1%
Desenvolver conceitos éticos
5
0,9%
Obter uma segunda alternativa
de atividade profissional
5 0,9%
Tornar-se um profissional
técnico
4
0,8%
Não sabe
4
0,8%
Identificar-se com o curso
4
0,8%
Preparo para resolução de novos
problemas sociais
3 0,6%
Outras alternativas
11
2,1%
Em branco 16 3,0%
Total de respondentes 530
As outras alternativas apresentados foram: dinamismo (2), criar autonomia (1),
adquirir status social (1), realizar pesquisas (1), as melhores (2), objetividade (1), que seja
difícil (1), relacionar-se com pessoas (1), ensinar os conhecimentos adquiridos (1).
A próxima questão questionou quais são as aspirações profissionais dos acadêmicos.
Sobre esse ponto, a maior parte dos alunos (63,6%) deseja ingressar em uma carreira pública
e apenas 21,1% pretende exercer atividade privada na advocacia.
109
Carreira Pública desejada
Fr %
Juiz 141 41,8%
Promotor 100 29,7%
Delegado 41 12,2%
Servidor da Polícia Federal 17 5,0%
Procurador 11 3,3%
Diplomata 9 2,7%
Carreira Militar 8 2,4%
Defensor Público 5 1,5%
Analista Judiciário 2 0,6%
Outras alternativas 5 1,5%
Não especificou 71 21,1%
Em branco 0 0,0%
Total de respondentes 337
TABELA 20 Aspirações profissionais
Aspirações Profissionais
Fr %
Carreira Pública 337 63,6%
Carreira Privada - advocacia 112 21,1%
Carreira Acadêmica 11 2,1%
Outras alternativas 72 13,6%
Não decidiu 45 8,5%
Em branco 24 4,5%
Total de respondentes 530
Aspirações Profissionais
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0%
Carreira Pública
Carreira Privada - advocacia
Carreira Acadêmica
Outras alternativas
Não decidiu
Em branco
Figura 13 Gráfico: aspirações profissionais
A categoria “outras alternativas”, refere-se aos casos em que os respondentes não
especificaram a atividade profissional, apenas indicaram áreas do conhecimento que possuem
interesse.
Dentre aqueles que desejam atuar na carreira pública (337 alunos), 41,8% almejam a
magistratura e 29,7% a promotoria.
TABELA 21 Carreira pública desejada
309
309
As outras alternativas mencionadas foram: Ministro da Justiça (1), Inspetor de Polícia (1), Auditor Fiscal (1),
Tabelião (1) e Oficial de Justiça (1).
110
Após, questionou-se sobre os motivos pelos quais os alunos optaram por sua
Instituição de Ensino Superior. Assim, constatou-se que 48,3% tomou sua decisão em virtude
da qualidade/seriedade/conceito do curso; 31,9% optou em razão da localização; 18,7%
apontou o custo da mensalidade como fator determinante de escolha e 11,5% relatou ter
decidido por causa da indicação de amigos e familiares.
TABELA 22 Escolha da instituição
Porque escolheu a IES
Fr %
Qualidade, seriedade, conceito do curso
256
48,3%
Localização, proximidade da residênci/trabalho
169
31,9%
Custo da mensalidade
99
18,7%
Indicação de amigos/familiares
61
11,5%
Tradição
27
5,1%
Possui o selo da OAB
18
3,4%
Instituição Pública e Gratuita
17
3,2%
Identifica-se com os valores da instituição
17
3,2%
Não ser aprovano na UFRGS
15
2,8%
Curso o Ensino Médio na mesma rede educacional
15
2,8%
Possibilidade de conseguir bola (PROUNI e outras)
13
2,5%
Ter sido aprovado no vestibular, facilidade de ingresso
10
1,9%
Qualidade do corpo docente
8
1,5%
Trabalha na instituição ou possui parente trabalhando
6
1,1%
Currículo do curso
5
0,9%
Índice de aprovação na prova da Ordem
3
0,6%
Nivel dos colegas
3
0,6%
Outras alternativas
11
2,1%
Em branco 9 1,7%
Total de respondentes 530
As outras alternativas apresentadas foram: oportunidade de crescimento profissional
(2), horário acessível (2), obter o diploma (2), possibilidade de realizar atividades
interdisciplinares (1), bom atendimento prestado (1), o campus pertence somente ao curso de
direito (1), deseja especializar-se (1), por impulso (1).
Como a pesquisa foi realizada no final do semestre letivo, o questionário apresentou a
seguinte questão: Como você avalia o seu desempenho no curso de Direito?
As respostas apresentadas demonstram que a maioria dos discentes (64,3%) avalia seu
desempenho de maneira positiva e apenas 3,6% admitem sua insatisfação quanto à auto-
avaliação.
111
TABELA 23 Auto-avaliação do desempenho
Como avalia seu desempenho
Fr %
Muito Bom, Bom, Satisfatório 341 64,3%
Razoável, Regular, Médio,
Poderia ser melhor 116 21,9%
Ruim, Insatisfatório 19 3,6%
Não sabe responder por estar no
início do curso 27 5,1%
Em branco 27 5,1%
Total de respondentes 530 100%
Auto-Avaliação
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0%
Muito Bom, Bom, Satisfatório
Razoável, Regular, Médio , Poderia
ser melhor
Ruim, Insatisfatório
Não sabe responder por estar no
início do curso
Em branco
Figura 14 Gráfico: auto-avaliação do desempenho
Após, questionou-se o modo como o aluno descreveria o seu curso. Do mesmo modo
como foi feito com os coordenadores em entrevistas, os respondentes se depararam com um
elenco pré-determinado de categorias, dentre as quais, solicitou-se que eles optassem por
apenas uma alternativa.
Após a realização da tabulação, apurou-se que a maioria (50,2%) descreve o seu curso
como sendo “teórico e prático”. Apesar disso, não se deve ignorar o alto percentual (41,7%)
apresentado por aqueles que optaram pela alternativa “teórico”
310
.
310
Ressalta-se que a alta incidência dos alunos que responderam a categoria “teórico” pode estar relacionada ao
fato desses alunos estarem iniciando o curso, momento em que, na percepção dos ingressantes, inexistem
atividades de caráter “prático”.
112
TABELA 24 Descrição do curso
Como descreveria o ser Curso
Fr %
Teórico 221 41,7%
Prático 4 0,8%
Teórico e Prático 266 50,2%
É impossível classificá-lo desse
modo 33 6,2%
Em branco 6 1,1%
Total de respondentes 530 100%
Como descreveria seu Curso de Direito
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
Teórico Prático Teórico e
Prático
É
impossível
classificá-lo
desse modo
Em branco
Figura 15 Gráfico: descrição do curso
Ainda sobre a questão anterior, chama atenção o fato de duas instituições
apresentarem um índice diferenciado em relação às demais
311
. Na UFRGS, 52,5% descrevem
seu curso como sendo teórico. Na PUCRS esse número sobe para 56,4%.
Quando questionado se o curso em que está matriculado incentiva a realização de
atividades interdisciplinares, 47% respondeu afirmativamente. Convém ressaltar, ainda, o alto
índice de alunos que responderam à alternativa “não sabe” (34,5%)
312
.
TABELA 25 Realização de atividades interdisciplinares
Curso
incentiva
realização
de
atividades interdisciplinares
Fr %
Sim 249 47,0%
Não 78 14,7%
Não sabe 183 34,5%
Em branco 20 3,8%
Total de respondentes
530 100,0%
311
Isso porque todas as outras apresentaram maior percentual na alternativa “teórico e prático”.
312
Acredita-se que a justificativa para esse percentual elevado seja o fato de que os alunos estão cursando o
primeiro semestre, sem terem sido apresentados a esse conceito ate o momento.
113
Curso incentiva realização de atividades
interdisciplinares
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
Sim Não Não sabe Em branco
Figura 16 Gráfico: realização de atividades interdisciplinares
TABELA 26 Atividades oferecidas
Exemplos de atividades oferecidas
Fr %
Atividades Complementares (Cursos, Palestras, Simpósios...)
101 40,6%
Disciplinas curriculares como Filosofia, Sociologia...
18 7,2%
Serviço de atendimento jurídico
33 13,3%
Pesquisas, Grupos de estudos, Cursos de Especialização
11 4,4%
Centro Acadêmico
2 0,8%
Viagens de intercâmbio
1 0,4%
Discussões em aula sobre diferentes disciplinas
15 6,0%
Tribunal do Júri Similado
6 2,4%
Visitas orientadas
7 2,8%
Prática profissional
8 3,2%
Cursos de idiomas
3 1,2%
Cinema
3 1,2%
Leituras
2 0,8%
Cursos a distância
5 2,0%
Não cursou ainda
7 2,8%
Estágio
8 3,2%
Em branco 61 24,5%
Total de respondentes 249
Perguntou-se aos acadêmicos se eles acreditam que seus cursos deveriam ser
diferentes. Diante do questionamento, 71,7% responderam que não, enquanto que 24,5%
optaram pela alternativa sim. Convém destacar que a Ufrgs foi a única instituição em que o
índice de respostas “sim” foi superior (57,5%).
TABELA 27 Opinião sobre a necessidade do curso ser diferente
O Curso deveria ser diferente
Fr %
Sim 130 24,5%
Não 380 71,7%
Em branco 20 3,8%
Total de respondentes 530 100,0%
Dentre as sugestões apresentadas, com um percentual de 42,3% dos respondentes,
destaca-se a oferta por parte das instituições de atividades práticas desde o início do curso.
114
TABELA 28 Sugestões apresentadas
Sugestões apresentadas
Fr %
Oferecer atividades práticas desde o início do curso
55 42,3%
Extinguir ou reduzir as disciplinas introdutórias
9 6,9%
Maior qualificação/didática dos professores
9 6,9%
Professores mais comprometidos
9 6,9%
Aulas mais dinâmicas
8 6,2%
Liberdade para o aluno expressar seus pensamentos sem ser constrangido
5 3,8%
Maior exigência
4 3,1%
Alterar método de ensino
4 3,1%
Maior integração entre aluno e professor
3 2,3%
Priorizar aspectos teóricos do direito
3 2,3%
As atividades devem ser realizadas em aula
3 2,3%
Professores mais flexíveis
2 1,5%
Reduzir exigência da leitura
2 1,5%
Maior organização das instituições
2 1,5%
Reduzir curso das mensalidades
2 1,5%
Outras alternativas
16 12,3%
Não sabe
9 6,9%
Em branco
25 19,2%
Total de respondentes 130
As outras alternativas apresentadas foram: realizar mais atividades interdisciplinares
(1), tornar o curso menos dogmático (1), oferecer disciplinas de Língua Portuguesa (1), os
alunos devem ser mais comprometidos (1), melhorar o atendimento aos alunos (1), aumentar
a oferta de material escrito (1), maior rigor no cumprimento do conteúdo programático e
carga-horária, aplicar provas dissertativas (1), oferecer palestras interessantes (1), maior
flexibilidade nos prazos de entrega de trabalhos (1), menos burocracia no estágio (1), excluir
disciplinas de Religião do currículo (1), formar advogados éticos (1), reduzir o número de
alunos nas turmas (1), conduzir o ensino de acordo com o mercado de trabalho (1), utilizar a
Internet (1) e reduzir o número de Faculdades (1).
Após, questionou-se quais são as características de um bom professor de direito. As
principais respostas obtidas foram: um profissional com habilidades didáticas (31,5%) e que
tenha conhecimento da matéria (26,6%).
115
TABELA 29 Características de um bom professor de direito
Características de um bom professor
Fr %
Didático
167
31,5%
Conhecimento da matéria
141
26,6%
Mantenha um bom relacionamento com o aluno
44
8,3%
Com experiência prática, experiente, respeitado na carreira
38
7,2%
Concilie teoria e prática
35
6,6%
Claro, objetivo
34
6,4%
Dinâmico
32
6,0%
Compreensivo com o aluno, respeitoso, educado
22
4,2%
Disposto a sanar dúvidas
20
3,8%
Calmo, paciente
20
3,8%
Goste da atividade docente
18
3,4%
Interessado no aprendizado do aluno
16
3,0%
Atualizado
15
2,8%
Comunicativo
15
2,8%
Humilde
14
2,6%
Exigente
12
2,3%
Utilize exemplos
12
2,3%
Inteligente
12
2,3%
Boa dicção e oratória
12
2,3%
Incentive o pensamento crítico
11
2,1%
Profissional ético
10
1,9%
Comprometido
9
1,7%
Potencial de liderança
9
1,7%
Sério, seguro
9
1,7%
Saiba argumentar
8
1,5%
Assíduo
8
1,5%
Titulado
8
1,5%
Inovador, criativo
7
1,3%
Flexível
5
0,9%
Pesquisador
5
0,9%
Motivado
4
0,8%
Prepare a aula
3
0,6%
Organizado
2
0,4%
Outras alternativas
9
1,7%
Em branco
32 6,0%
Total de respondentes 530
As outras alternativas apresentadas foram: não conhece nenhum (1), prepare a aula a
partir de livros (1), não proponha trabalhos (1), realize trabalhos em grupo (1), consciente da
sua função (1), questionador (1), acredite no direito (1), prepare o aluno para o mercado de
trabalho (1), indique boas leituras (1).
Outra pergunta realizada refere-se à opinião dos alunos sobre os principais problemas
do ensino jurídico atual. Como se trata de um debate amplamente difundido nos meios de
comunicação buscou-se conhecer o pensamento dos ingressantes sobre o assunto. Foram
apontados como principais problemas: professores inexperientes/desqualificados (13,2%), a
proliferação de faculdades (10,8%) e a teoria distanciada da realidade/prática (9,8%).
116
TABELA 30 Problemas do ensino jurídico
Problemas do Ensino Jurídico
Fr %
Professores inexperientes, desqualificados
70
13,2%
Proliferação dos cursos
57
10,8%
Teoria distanciada da realidade prática
52
9,8%
Cursos de má qualidade
40
7,5%
Formação de maus profissionais 33 6,2%
Falta de compromisso dos alunos 22 4,2%
Custo das mensalidades 16 3,0%
Descumprimento da lei
15
2,8%
Tecnicismo excessivo
8
1,5%
Atuação governamental, corrupção
8
1,5%
Falta de oportunidades no mercado de trabalho
5
0,9%
Falta de ética
5
0,9%
Pouca exigência
5
0,9%
Falta de recursos no ensino público 5 0,9%
Falta de material didático 4 0,8%
Uso de vocabulário técnico
3
0,6%
Alterar alguns conteúdos programáticos
3
0,6%
Conteudismo
3
0,6%
Curso muito extenso
3
0,6%
Diversidade curricular
3
0,6%
Injustiça
3
0,6%
Deficiência do ensino fundamental e médio 3 0,6%
Ensino voltado ao estudo de Códigos e Concursos 2 0,4%
Incapacidade teórica na comporeensão do direito
2
0,4%
Pouca leitura dos clássicos
2
0,4%
Falta de preparo para o Exame da Ordem e Concursos
2
0,4%
Falta de compreensão social
2
0,4%
Bibliotecas defasadas
2
0,4%
Prioriza ensino dogmático
2
0,4%
Não sabe 58 10,9%
Outras alternativas 9 1,7%
Em branco
32 6,0%
Total de respondentes 530
As outras alternativas apresentadas foram: realidade brasileira (1), ausência de espaço
para o aluno desenvolver suas idéias (1), atividade docente desenvolvida como segunda
opção de carreira (1), uso demasiado de manuais (1), formalismo (1), estrutura do curso (1),
cursos não trabalham com a dimensão do humano (1), turmas numerosas (1), problemas no
ensino da Língua Portuguesa (1).
Almejando conhecer a opinião dos alunos sobre o que é mais importante para o curso,
foram apresentadas algumas alternativas tendo sido solicitado que eles apenas marcassem a
resposta que acreditavam ser a mais adequada. A pergunta, anteriormente apresentada nas
117
entrevistas, questiona: Na sua opinião, os cursos jurídicos devem priorizar:
313
As
alternativas mais selecionadas foram: a prática profissional (55,5%), a preparação para
aprovação em concursos públicos/prova da OAB (34,7%) e o aprofundamento teórico do
direito (24,7%).
TABELA 31 Opinião sobre o que os cursos jurídicos deveriam priorizar
Os
Cursos
Jurídicos
deveriam
priorizar:
Fr %
A
O aprofundamento teórico
do
Direito
131 24,7%
B A prática profissional 294 55,5%
C
A preparação para aprovação em
Concursos / Prova OAB 184 34,7%
D Não tem opinião a respeito 34 6,4%
E Outro(s) 46 8,7%
F Em branco 11 2,1%
Total de respondentes 530
Os cursos jurídicos deveriam
priorizar
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
A B C D E F
Figura 17 Gráfico: opinião sobre o que os cursos jurídicos deveriam priorizar
As outras alternativas apresentadas foram: relação entre teoria e prática (12), maior
conhecimento moral/ético (6), maior aproximação com a sociedade (6), todas as opções (6), o
aprendizado do aluno (4), uma formação humana (4), escolha dessas opções pelo aluno ao
longo do curso (2), não deveria priorizar nada (2), prática profissional criativa (1),
contratação de professores mais experientes (1), uma formação crítica (1).
Apesar de estarem cursando o primeiro semestre, os dados sobre aspirações
profissionais (já analisados) revelam que a maior parte dos alunos sabe o que quer ao
ingressar no curso. Diante disso, questionou-se se eles pretendem realizar o exame de Ordem
313
Apesar da questão ter apresentado as alternativas, alguns alunos responderam mais de uma alternativa.
118
ao concluírem o curso. Diante disso, constata-se que a grande maioria (89,1%) afirma
pretender realizar a prova. Apenas 3% não se submeterão ao exame e 6,8% admitem não
terem pensado a respeito.
TABELA 32 Pretensão em realizar o Exame de Ordem
Pretende
realizar
a
prova
da
OAB
Fr %
Sim
472
89,1%
Não
16
3,0%
Não
sabe
/
não
pensou
a
respeito
36
6,8%
Em branco
6
1,1%
Total de respondentes 530 100,0%
Pretende realizar a prova da OAB
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
80,0%
100,0%
Sim Não Não sabe /
não pensou
a respeito
Em branco
Figura 18 Gráfico do perfil geral dos acadêmicos (pretensão em realizar a prova da OAB)
Quando questionadas suas opiniões sobre a prova, 37,4% manifestam opiniões
positivas, enquanto que 25,1% se posicionaram de maneira negativa.
TABELA 33 Opinião sobre a prova
Opinião sobre a prova
Fr %
Positiva 198 37,4%
Negativa 133 25,1%
Não sabe 85 16,0%
Em branco 114 21,5%
Total de respondentes 530 100%
119
Opinião sobre a prova da OAB
Positiva
37%
Negativa
25%
Não sabe
16%
Em branco
22%
Figura 19 Gráfico: opinião sobre a prova
Por fim, foi apresentada a seguinte questão: “Você conhece a avaliação realizada pela
OAB que aufere um selo de qualidade aos cursos jurídicos?”. Em seguida, apresentaram-se
as alternativas “sim”, “não” e “não sabe”. Ao todo, 74,2% dos alunos afirmaram desconhecer
a avaliação.
TABELA 34 Conhecimento sobre a avaliação dos cursos jurídicos realizada pela OAB
Conhece avaliação da OAB
referente a um selo de
qualidade aos Cursos
Jurídicos
Fr %
Sim 112 21,1%
Não 393 74,2%
Em branco 25 4,7%
Total de respondentes 530 100,0%
Conhece a avaliação dos Cursos
Jurídicos realizadas pela OAB
0,0%
20,0%
40,0%
60,0%
80,0%
Sim Não Em branco
Figura 20 Gráfico: conhecimento sobre a avaliação dos cursos jurídicos realizada pela OAB
Dentre os 21,1% que afirmaram ter conhecimento da avaliação dos cursos realizada
pela OAB, solicitou-se que justificassem sua resposta. Ao analisar as respostas, constatou-se
120
que a maioria, apesar de ter respondido a alternativa “sim”, confundiu-se, tendo apresentado
justificativa referente à questão anterior (sobre a prova da OAB). Abaixo, podem ser
observadas algumas das respostas apresentadas sobre a avaliação e o exame de Ordem:
a) sobre a avaliação dos cursos realizada pela OAB:
“Acho que a avaliação é inválida, visto que permanece o lado
subjetivo dos avaliadores”.
(aluno, 18 anos, estudante.)
“Acho muito importante e lamento que o meu curso não tenha
esse selo de qualidade”.
(aluno, 19 anos, funcionário público)
“Isso faz com que possamos identificar o melhor local para estudarmos”.
(aluna, 24 anos, estudante)
“Acho que é boa. Só assim podemos avaliar qual instituição forma os melhores
profissionais”.
(aluna, 48 anos, professor)
“Sei da exigência do selo, mas não do modo de recebê-lo”.
(aluna, 32 anos, estudante)
“Acredito que seja uma espécie de propaganda e a vejo como
desnecessária e discriminatória”.
(aluno, 23 anos, funcionário público)
“Ouvi falar que é um ranking das melhores universidades,
mas não me aprofundei no assunto”.
(aluno, 28 anos, funcionário público)
b) sobre o exame de Ordem:
“A avaliação elimina candidatos mal preparados,
logo qualifica os advogados do país”.
(aluno, 17 anos, estudante)
“Certifica que o aluno está apto a exercer a profissão”.
(aluna, 24 anos, auxiliar administrativa)
“É bastante exigente, mas bem aplicada, de forma que somente os preparados serão
aprovados”.
(aluno, 18 anos, estudante)
“Sei que tem argumentos teóricos e mais, fazer uma petição”.
(aluna, 54 anos, estagiária)
Diante das diferentes interpretações apresentadas, observa-se que a avaliação das
instituições realizada pela OAB não é tão conhecida por parte dos alunos. Cabe destacar que,
dentre os ingressantes que manifestaram opinião sobre a avaliação, a maioria integra o corpo
121
discente das instituições que foram recomendadas, as quais divulgaram amplamente seus
resultados na comunidade acadêmica.
Os demais alunos, integrantes de cursos não recomendados, quando se manifestam,
alegam seu descontentamento em relação ao fato, indicando a ausência de transparência no
processo avaliativo realizado pela Ordem dos Advogados. No entanto, essa não é apenas uma
opinião discente isolada, pois tal fator foi inúmeras vezes mencionado por diversos dos
coordenadores entrevistados. Essa abordagem será realizada no próximo capítulo, momento
em que se abordará o papel da OAB na tentativa de zelar pela qualidade dos cursos jurídicos.
122
4 ATUAÇÃO DA OAB NO CONTROLE EPISTEMOLÓGICO DO ENSINO
Diante do contexto do ensino jurídico apresentado no capítulo anterior, a OAB passou
a exercer uma função mais ativa na busca pela qualidade dos cursos de direito. Com o intuito
de compreender seu empenho nesse objetivo, abordar-se-á, primeiramente, sua atuação desde
a década de 90. Em seguida, serão apresentados os dois mecanismos de controle
epistemológico utilizados pela Ordem na busca de qualidade do ensino, quais sejam: a
realização do Exame de Ordem e de avaliações externas dos cursos jurídicos.
A OAB sempre se manifestou contrária ao movimento de abertura desenfreada dos
cursos de direito no país. A Ordem sustenta o dever do Poder Público de controlar o
descompasso entre a quantidade e a qualidade dos cursos
314
. Constatando as deficiências da
educação jurídica, constituiu, em 1991, a Comissão de Ciência e Ensino Jurídico da OAB,
composta por Conselheiros Federais e por advogados de todo o país, sendo também
professores de Direito
315
.
Paulo Luiz Neto Lôbo, reconhecendo a importância da Comissão e da própria OAB,
sustenta que:
O ano de 1991 significa o marco inicial da sistematização dos esforços,
conducentes à reforma
316
. Antes dele, as iniciativas foram isoladas de
pesquisadores, de especialistas e de pensadores, cujos resultados, diagnósticos e
reflexões, todavia, formaram o indispensável arcabouço teórico para o processo de
mudança. Em 9 de agosto de 1991, o Conselho Federal da OAB, um dos mais
fortes críticos da baixa qualidade dos egressos dos cursos, criou a Comissão de
Ensino Jurídico (CEJ), desde então composta por professores de direito. No dia 29
de janeiro de 1993, o MEC recriou
317
a Comissão de Especialistas em Ensino de
Direito (CEED), para assessorá-lo na área
318
.
314
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Recomenda 2007: por um ensino de qualidade. 3 ed. Brasília:
Conselho Federal da OAB, 2007, p.7.
315
O Conselho Federal da Ordem, através do seu presidente, Marcelo Lavenère Machado, instituiu a Comissão
de Ciência e Ensino Jurídico, composto por Álvaro Villaça de Azevedo, Edmundo Lima de Arruda Júnior, José
Geraldo de Sousa Júnior, Paulo Luiz Netto Lobo, Roberto Armando Ramos de Aguiar e Sérgio Ferraz. A função
da comissão era realizar o levantamento de dados e fazer diagnósticos da situação do ensino do direito para que,
com base neles, efetivassem propostas concretas de correção das distorções encontradas. RODRIGUES, Horácio
Wanderlei; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Ensino do Direito no Brasil: Diretrizes Curriculares e avaliação das
condições de ensino. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 33.
316
A reforma refere-se ao movimento de transformação do ensino do direito da época.
317
A expressão “recriou” foi utilizada tendo em vista que a referida comissão fora criada anteriormente em 1980,
momento em que o Ministério da Educação nomeou os seguintes professores como integrantes da Comissão de
Especialistas do Ensino do Direito: Alexandre Luiz Mandina (Rio de Janeiro), Lourival Vilanova (Pernambuco),
Orlando Ferreira de Melo (Santa Catarina) e Rubens San’Anna (Rio Grande do Sul). Destaca-se que, a partir de
1981, a comissão foi reestruturada, tendo sido incluídos os professores Adherbal Meira Matos (Pará), Álvaro
Melo Filho (Ceará), Aurélio Wander Bastos (Rio de Janeiro) e Tércio Sampaio Ferraz Júnior (São Paulo). A
123
A Comissão instituída pela OAB tinha como objetivo fazer um diagnóstico da
situação dos cursos de direito no país
319
. O trabalho realizado levou em consideração a
alteração das demandas sociais, novos sujeitos
320
, ética, etc. O grupo de 1991 entendeu que a
simples alteração curricular, suscitada na época, não bastava para reformar o ensino jurídico,
sendo necessário o engajamento de um corpo docente comprometido com mudanças no
comportamento pedagógico. Além disso, manifestaram a necessidade de um ensino que
reunisse as disciplinas de formação geral, as profissionalizantes, atividades práticas e outras
que possibilitassem a escolha do aluno, como monitorias e iniciação científica.
A partir de 1990, a comissão publicou diversas obras, resultantes de seminários
promovidos. Com o intuito de instigar o debate acerca do assunto, esses eventos contavam
com a participação de diversas Instituições de Ensino Superior, de docentes e profissionais do
ensino.
Na tentativa de fomentar a discussão sobre a elevação da qualidade dos cursos de
direito, foram realizados congressos regionais. Desses encontros, a principal conclusão
referiu-se às reformas curriculares, sustentando-se a necessidade de tornar o ensino mais
voltado ao humanismo
321
. Ao término do trabalho da Comissão, elaborou-se um anteprojeto,
que foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação em novembro de 1994. Concluídos os
trabalhos da comissão, a proposta foi levada ao Ministro da Educação, Murilo Hingel, que
finalidade desse grupo era de verificar em profundidade a organização e o funcionamento dos cursos de direito e
apresentar propostas de alteração do currículo mínimo. RODRIGUES; JUNQUEIRA, op. cit., p. 31.
318
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Ensino Jurídico: realidade e perspectiva. In Anais da XVII Conferência Nacional
dos Advogados. V. 1 Rio de Janeiro: Conselho Federal da OAB, 2000, p.13.
319
O resultado desse trabalho foi apresentado na XIV Conferência Nacional da OAB, realizada em Vitória (ES)
em setembro de 1992. Encontra-se no livro OAB Ensino Jurídico: diagnósticos, perspectivas e propostas. Em
1993 a Comissão elaborou uma nova obra através do levantamento de dados realizado com 88 instituições
respondentes.
320
Em virtude da Constituição Federal de 1988.
321
A busca por um ensino voltado ao humanismo seria possível através da inclusão no currículo mínimo de
disciplinas como Sociologia, Economia, Introdução ao Direito e Ciência Política. Já as disciplinas
profissionalizantes referidas foram: Direito Civil, Comercial, Penal, Constitucional, Tributário, Processo Civil,
Penal, Administrativo, Trabalho e Internacional. Sugeriu-se também o oferecimento de atividades
complementares e optativas relacionadas às novas demandas da sociedade, bem como a prática obrigatória do
Estágio Supervisionado e Monografia de Graduação. Além disso, entendeu-se que a melhora do ensino se daria
também por uma transformação dos Projetos Pedagógicos institucionais.
124
aprovou a Portaria 1886, de 30 de dezembro de 1994, publicada no Diário Oficial no dia 04 de
janeiro de 1995
322
.
Embora a análise detalhada da Portaria 1886/94 não seja o principal objeto de estudo
deste texto, serão mencionadas rapidamente algumas de suas contribuições para o ensino
jurídico do país.
Dentre seus objetivos, encontra-se a transformação do ensino e, conseqüentemente,
dos operadores do direito. Trata-se de um fim pedagógico que tem como meios a implantação
de valores sociais, humanos e políticos no cidadão. Esse ideal seria alcançado na medida em
que os profissionais formados tivessem maior entendimento das Ciências Sociais, Ciência
Política, Filosofia e Economia
323
.
Ainda sobre a Portaria, destaca-se a exigência imposta pelo artigo 2º
324
, em virtude da
qual os cursos noturnos devem possuir a mesma qualidade dos diurnos. Esse artigo merece
atenção, pois o acadêmico do turno da noite, via de regra, possui um perfil diferenciado dos
demais discentes. Em geral, trabalham para cobrir as despesas do curso. Sobre a necessidade
de manter a mesma qualidade para os cursos diurnos e noturnos, Demo manifesta seu
pessimismo a respeito afirmando o que segue:
(...) Há uma boa intenção, além de uma necessidade aí, porque a maioria dos jovens
só pode estudar à noite. Esse direito não lhes poderia ser negado. Mas, ao instituir os
cursos noturnos e assumir que terão a mesma qualidade dos diurnos, sem apresentar
qualquer condição específica, repassa a idéia fátua de que é viável fazer a mesma
qualidade em condições absurdamente diferentes. Na prática, aceita-se isso também
porque se imagina que em ambas as circunstâncias se trata sempre e apenas de mero
322
A Portaria 1886 trouxe transformações significativas, tais como a implantação de matérias fundamentais ao
lado de matérias jurídicas, a obrigatoriedade da apresentação de uma monografia no final do curso, a prática do
estágio supervisionado e a formação do aluno dentro de um período de 5 a 8 anos.
323
O artigo 6º da Portaria definiu que o currículo deveria sustentar-se em disciplinas fundamentais e
profissionalizantes. As primeiras são: Introdução ao Direito, Filosofia (Geral e Jurídica, Ética geral e
profissional), Sociologia (Geral e Jurídica), Economia, Ciência Política (com Teoria do Estado). Já as disciplinas
profissionalizantes são: Direito Constitucional, Civil, Administrativo, Tributário, Penal, Processual Civil,
Processual Penal, Trabalho, Comercial e Internacional.
324
Nesse mesmo sentido, BRASIL. Lei nº 9394, art. 47, §4º, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece a
obrigatoriedade das instituições do período noturno oferecerem cursos de graduação nos mesmos padrões de
qualidade mantidos no período diurno.
125
ensino. Nesse sentido, quem tem quatro horas de ensino, de dia ou de noite, está
fazendo a mesma coisa, ou seja, não está aprendendo quase nada
325
.
Dentre as inovações propostas pela Portaria, encontra-se o artigo 8º
326
, o qual previa a
já mencionada flexibilização curricular
327
ao gosto e necessidade dos alunos, além de
reconhecer a complexidade do direito contemporâneo, permitindo a especialização em áreas
específicas.
Como pode ser percebido, as propostas apresentadas na tentativa de melhora da
qualidade dos cursos jurídicos abarcaram discussões envolvendo currículo, cursos noturnos,
conteúdos ministrados, dentre outros. Primando pela defesa de um ensino do direito mais
adequado às necessidades sociais, buscava-se conter a demanda por cursos oportunistas,
dentre os quais podem ser mencionados aqueles oferecidos apenas nos finais de semana ou até
mesmo nas madrugadas.
Quanto à realização de cursos jurídicos durante o final de semana, o Parecer n.º
512/69, referente à denúncia pública feita contra a Faculdade de Direito de Bragança Paulista,
aborda a questão publicada na primeira página da “Tribuna Paulista”, de 05/06/1968, sob o
título “Estudantes dormem na rua”. A denúncia relatava que os estudantes, somente na noite
de sexta-feira e no sábado, compareciam às aulas, em sua quase totalidade, oriundos das
cidades vizinhas. Ao término do documento, o Parecer fez a seguinte indicação: “O professor
designado para efetuar a sindicância compareceu à Faculdade numa sexta-feira à noite, e,
apesar de ser este o dia em que há maior afluxo de estudantes, a freqüência era de apenas
50%. Daí podemos concluir a que ponto fica reduzida a freqüência nos outros dias. É pena
que o verificador não tenha lá comparecido nos dias de recesso”
328
.
Sobre a abertura de cursos durante o período da madrugada, convém lembrar a atuação
do Ministro da Educação, Tarso Genro, em 12 de fevereiro de 2004, que determinou a
325
DEMO, Pedro. A nova LDB: ranços e avanços. 6 ed. São Paulo: Papirus, 1997, p.80.
326
Art. 8º. A partir do 4º ano, ou do período letivo correspondente, e observado o conteúdo mínimo previsto no
art. 6º, poderá o curso concentrar-se em uma ou mais áreas de especialização, segundo suas vocações e
demandas sociais e de mercado de trabalho.
327
Cabe destacar a definição de currículo apresentada por Melo Filho: “O currículo deve ser vislumbrado não
como um elenco ou aglutinação de disciplinas, mas como um processo integrado e dinâmico, em permanente
avaliação, o qual se concretiza em atos na sala de aula e na vida dos alunos”. MELO FILHOS, Metodologia do...
op. cit., p.49.
328
Parecer n.º 512/69, CESU, aprovado em 11 de julho de 1969 - Proc 975/69 - C.F.E. e outros.
126
suspensão das homologações de Cursos de Direito no país por um período de 90 dias. O
ministro considerou graves as denúncias da OAB de que muitos cursos foram criados com o
único objetivo de obter lucros
329
. Ademais, em um documento entregue ao ministro, a OAB
diz ter conhecimento de cursos que oferecem horários pré-matutinos, ou seja, de madrugada
330
.
Assim, verifica-se a tentativa da OAB de evitar o agravamento da situação do ensino
jurídico no país. Por esse motivo, as Comissões de Ensino Jurídico ainda hoje exercem um
papel ativo no cenário brasileiro, buscando conter a abertura de novos cursos e realizando
avaliações de instituições já existentes. Outra forma de primar pela qualidade dos cursos
relaciona-se à exigência do chamado “Exame da Ordem”, o qual é imposto aos egressos que
pretendem exercer atividades que exijam o registro do profissional no seu respectivo órgão de
classe. Essa questão passa a ser analisada a partir desse momento.
4.1 EXAME DE ORDEM
Objetivando avaliar a capacidade dos acadêmicos de apreender conteúdos
considerados necessário para a atividade profissional, a OAB utiliza o Exame de Ordem
como instrumento para o ingresso na advocacia.
Já em 1978, Barreto sustentava a necessária atuação da OAB no controle do exercício
da advocacia. Segundo o autor, o aperfeiçoamento do Exame de Ordem configura-se como
um filtro de qualificação, obrigando as faculdades a serem reformuladas para atender às
exigências de qualidade técnicoprofissional do advogado
331
.
329
Cumpre ressaltar que a preocupação do ministro foi considerar as condições de oferta inferiores ao número
necessário para uma concessão pública.
330
GENRO, Tarso. Suspensão de autorização para cursos de direito. São Paulo, 12 de fevereiro de 2004.
Educação. Disponível em http://noticias.uol.com.br/educacao/ultnot/ult105u3078.jhtm. Acesso em 09 de junho
de 2004.
331
BARRETTO, Sete notas sobre... op. cit., p. 84.
127
No mesmo sentido da passagem anterior, Adeodato defende a atuação da OAB no
controle de profissionais que atuarão na advocacia. O meio utilizado é o Exame de Ordem,
indispensável para o exercício da profissão
332
.
Sobre o assunto, Melo Filho manifesta:
Modernamente, persiste a OAB com animus de zelar pela dignidade,
independência, prerrogativas, prestígio e valorização da advocacia, e, como
corporação ‘ligada ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente
qualificada’ exercita o controle de acesso à profissão (regulamentando a
quantidade e qualidade dos serviços prestados de acordo com as exigências do
mercado), bem como disciplina a atividade profissional (o poder de ditar normas
porque se rege, de julgar disciplinarmente seus membros pela aplicação do código
deontológico e de lhes impor contribuições)
333
.
O Exame é composto por duas provas. Conforme o Regulamento do segundo Exame
da OAB-RS, realizado em 2007
334
, a primeira prova é objetiva, sem consulta e versa sobre
disciplinas correspondentes aos conteúdos que integram o Eixo de Formação Profissional do
curso de graduação em direito.
Obtendo aprovação na primeira etapa
335
, o egresso submete-se a uma prova prática-
profissional. A prova compreende cinco questões, com consulta facultativa, na forma de
situações-problemas (questões práticas) e redação de uma peça processual.
Buscando observar o desempenho dos candidatos no Exame da OAB/RS ao longo dos
anos, pesquisou-se o índice de inscritos e aprovados na prova desde o ano de 2001. Os dados
obtidos foram:
332
ADEODATO, Uma opinião sobre... op. cit., p. 43-4.
333
MELO FILHO, Inovações no Ensino... op. cit., p. 107.
334
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Regulamento do Exame de Ordem 02/2007, do Rio Grande do
Sul. Disponível em http://www.officium.com.br/OAB2/regulamento.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2007.
335
São considerados aprovados na prova objetiva, os candidatos que obtiverem, no mínimo, 50% (cinqüenta por
cento) de acertos do total das questões formuladas. Já na segunda etapa, os egressos aprovados devem obter, no
mínimo, nota final seis.
128
TABELA 35 Estatística dos exames da OAB/RS
Estatística
Exame
OAB/RS
Presentes Aprovados
Índice de
Aprovação
2001/1 1888 845 44,80%
2001/2 1688 822 48,70%
2001/3 1469 742 50,50%
2002/1 1751 724 41,30%
2002/2 1797 809 45,00%
2003/1 3150 963 30,60%
2003/2 3216 1043 32,40%
2004/1 4413 2146 48,60%
2004/2 3893 1453 37,30%
2005/1 5441 2621 48,20%
2005/2 4753 1186 25,00%
2006/1 5.456 2.427 44,50%
2006/2 3674 1062 28,90%
2006/3 3661 1215 33,20%
2007/1 4.412 1.529 34,70%
336
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Estatísticas dos Exames da OAB/RS
Presentes Aprovados
Figura 21 Gráfico: estatística dos exames da OAB/RS
Analisando os dados acima, verifica-se que o número de inscritos no exame aumentou
significativamente a partir do ano de 2004. O gráfico demonstra ainda o baixo índice de
aprovação dos egressos. Apesar disso, é necessário lembrar que os índices de aprovação do
Estado do Rio Grande do Sul são superiores aos de outras regiões do país.
Objetivando conhecer a procedência dos egressos aprovados no exame da OAB, no
dia 08 de maio de 2007, em contato telefônico com o Presidente da Comissão de Estágio e
Exame da Ordem do Rio Grande do Sul, Carlos Alberto de Oliveira, questionou-se se a OAB
336
Os dados contidos na tabela foram extraídos do seguinte endereço eletrônico: ORDEM DOS ADVOGADOS.
Dados estatísticos dos resultados dos Exames de Ordem do Rio Grande do Sul entre o período de 2001 a 2007.
Disponível em http://www.oabrs.org.br/exame_ordem_estatisticas.php#. Acesso em 20 de setembro de 2007.
129
não possuía estatísticas indicando o percentual de aprovados no exame advindos de
instituições públicas e privadas. O Presidente afirmou que a OAB apenas informa às
instituições a respeito do seu desempenho no exame, mas que não está disponível nenhum
dado estatístico sobre esse aspecto. Contudo, o advogado assegurou que o índice de
aprovação dos alunos provenientes de instituições públicas é superior em relação aos
advindos de instituições privadas
337
.
Sobre o assunto, importa mencionar a pesquisa realizada em 1992, pelo Conselho
Federal da OAB, em que fica evidente o distanciamento dos egressos advindos de instituições
públicas em relação aos provenientes de instituições privadas. Nesse sentido, Vieira ressalta
as variações de qualidade acadêmica do ensino ministrado
338
.
Convém ainda relembrar que os ingressantes das instituições públicas foram os únicos
a manifestar que o curso de direito em que estão matriculados deveria ser diferente. Diante
disso, questiona-se se o êxito das avaliações das instituições públicas se deve ao seu ensino
ou a qualidade dos alunos que recebem, uma vez que apresenta processo seletivo mais
competitivo em razão da tradição e gratuidade.
Não se sabe ao certo o número de acadêmicos que se formam a cada ano em cursos de
direito, mas acredita-se que a maior parte dos egressos se submete ao Exame da OAB
justamente por ser um requisito para o exercício da advocacia e para a realização de
determinados concursos públicos. Levando-se em consideração os dados já apresentados na
pesquisa de campo, sabe-se que, dos 530 respondentes, 472 (89,1%) pretendem realizar a
prova. Dentre os demais, 16 alunos (3%) não pretendem realizar o exame, 36 alunos (6,8%)
não sabem/não decidiram e 6 (1,1%) não responderam a essa questão.
A pesquisa empírica permitiu ainda que se conhecesse a opinião dos alunos a respeito
do Exame da Ordem. Nesse sentido, apesar do alto índice de reprovações, constatou-se que a
maioria dos respondentes, 198 alunos (37,4%), manifesta uma opinião positiva a respeito da
prova. Tal perspectiva fica evidente a partir de algumas respostas selecionadas, as quais
podem ser conferidas abaixo:
337
A informação disponibilizada pelo Presidente pode ser confirmada a partir dos resultados que serão
apresentados no próximo item desse capítulo sobre as Instituições de Ensino Superior recomendadas pela OAB.
Nesse estudo ficará evidente o alto índice de recomendação de instituições públicas em relação às privadas.
338
VIEIRA, O Realismo... op. cit., p. 65.
130
Concordo, pois muitos recebem o diploma de graduação, mas na verdade têm um
conhecimento medíocre.
(aluno, 18 anos, estudante)
É uma prova que qualifica e separa o bom do mau aluno!
(aluno, 19 anos, auxiliar administrativo)
Acho que é uma prova fundamental para testar o conhecimento do jurista.
(aluno, 24 anos, estudante)
Acho necessária para fazer avaliação dos bacharéis que têm condições.
(aluno, 18 anos, estagiário)
Nota-se que as respostas apresentadas manifestam-se positivamente com relação ao
exame da ordem por considerá-lo uma maneira de separar os bons alunos dos maus. Assim,
de acordo com a opinião discente, a prova consiste em testar os conhecimentos dos
profissionais aptos, capacitados para ingressar no mercado de trabalho, e daqueles que não
teriam tais condições.
Apesar do alto índice de respostas positivas, a freqüência de acadêmicos que se
manifestou contrariamente à realização do exame também foi bastante significativa.
Manifestaram-se, nesse sentido, 133 alunos, representando um total de 25,1% dos
respondentes. Alguns dos argumentos apresentados foram:
Pelo que ouço falar, é uma prova com muitos conceitos que são considerados
desnecessários (decorar).
(aluna, 18 anos, estudante)
Muito pega ratão.
(aluno, 23 anos, estagiário)
Acredito que seja bem difícil. Devemos nos aprofundar no Código, acho que ele
será um grande companheiro nesta etapa.
(aluna, 46 anos, assistente social)
Sou contra, é reserva de mercado! Também pode ser um caça-níquel para os
cursos de preparação.
(aluno, 42 anos, funcionário público)
Nos trechos indicados acima, percebe-se uma forte crítica realizada ao exame. Na
primeira frase, é possível observar a rejeição do aluno em relação à prova, em decorrência da
necessidade de se decorar muitos conceitos. De fato, se analisadas mais detidamente algumas
das questões do exame, em especial as integrantes da primeira etapa, percebe-se uma forte
exigência do bacharel neste sentido.
131
Já a segunda passagem expõe a existência de questões que induzem o aluno ao erro,
sendo um método considerado inadequado para atestar os conhecimentos do egresso.
A terceira frase representa o necessário apego ao Código para a realização da prova,
sendo considerado por parte da aluna “um grande companheiro nesta etapa”. Eis aqui uma
tendência comportamental dos estudantes de direito, os quais em grande medida reduzem o
direito ao seu aspecto legal.
Por fim, convém observar a última passagem, em que o aluno enfrenta a problemática
exposta no primeiro capítulo deste trabalho, ao considerar a prova como um mecanismo de
reserva de mercado ou até mesmo uma forma de incentivar a demanda por cursos
preparatórios.
Assim como os alunos, os coordenadores também manifestaram diferentes posições a
respeito da realização do Exame. Dentre as respostas obtidas nas entrevistas, destaca-se a que
se encontra abaixo:
Coord. 3 O Exame de Ordem, do ENADE ou qualquer concurso público, nenhum
desses instrumentos é deletério para o ensino jurídico. Pelo contrário, eu acho que
esses instrumentos, que têm características diferentes, eles só podem, do meu ponto
de vista, contribuir para a melhoria do ensino jurídico.
O Exame da OAB deu visibilidade ao que os cursos estavam fazendo. Nesse
sentido, a primeira parte do exame tem uma estrutura de prova objetiva, que cobra a
memória do candidato. Agora eu já diria que só isso não resolve o problema do
exame. A segunda etapa exige capacidade de argumentação, escolha das peças
processuais, enfim, uma certa habilidade do pensamento jurídico que não é
estritamente de memória. Bem ou mal, com todas as fragilidades, mas eu acho que
o exame importante.
A passagem acima ressalta os aspectos positivos do Exame. Embora reconheça alguns
problemas na elaboração da prova (especificamente no que tange à necessária memorização
de conteúdos) afirma a sua importância para o controle de qualidade do ensino do direito.
Segundo Lôbo, como a grande maioria dos egressos dos cursos jurídicos procura
inscrever-se na OAB, é intuitivo que o Exame de Ordem acarrete uma demanda crescente
pela melhoria dos cursos de direito. Exigem-se melhores professores, instalações, acervo
bibliográfico, estágio, o que resulta em mais investimento por parte da instituição. Segundo o
132
autor “somente assim, será possível vencermos a visão esperta e predatória de que basta para
o curso jurídico saliva (barata) e giz”. Por outro lado:
[...] aí reside o equívoco. O Exame de Ordem por apreender apenas alguns
aspectos da formação jurídica, principalmente as práticas não avalia o curso nem
mesmo o estudante, mas tão-somente constitui modo de seleção para o exercício da
profissão de advogado, uma entre tantas que o bacharel em direito pode
escolher
339
.
Outra resposta que merece destaque salienta que o ensino jurídico não deve estar
voltado apenas ao Exame de Ordem, tendo em vista que a carreira advocatícia é apenas uma
dentre as possibilidades de exercício profissional do bacharel em direito. Observe:
Coor. 5 - O foco não é concursos públicos e prova da OAB. Isso porque é um curso
de Direito, e não uma escola de advocacia ou escola da magistratura. Uma escola de
Direito tem que dar ao aluno o mínimo de conhecimento para ele transitar nas
diversas carreiras jurídicas que o habilite a fazer a prova da oab, que o habilite a
passar em um concurso público para magistratura, mas que também o habilite, por
exemplo, a ser professor, a continuar pesquisas, a entrar em um mestrado e
doutorado.
Da fala apresentada acima, destaca-se a apresentação da carreira docente e de
pesquisador. Apesar disso, convém lembrar que, dentre os alunos ingressantes, apenas 2,1%
(11 alunos) almeja atuar na atividade acadêmica, o que representa um problema grave para o
ensino do direito.
Abaixo, segue outro relato de um dos entrevistados, o qual aponta as contradições
existentes no sistema avaliativo utilizado no Exame.
Coord. 7 - A prova da OAB passou a ser um componente observado pela
instituição em face da divulgação de recomendação. [...] Mas há um outro dado aí
que ainda é mais preocupante. O nível de exigência da OAB, e isso é uma questão
que a gente já começa a discutir, é um nível de exigência que provavelmente se os
advogados formados se submetessem ao Exame eles não passariam. Quer dizer,
isso começa a ter uma preocupação nossa nesse momento, em função de verificar
que o MEC preconiza uma determinada política, um determinado conteúdo que
nós devemos cumprir, e as exigências que a OAB faz, são exigências de outra
natureza.
Vou te dar um exemplo de uma coisa que para mim é incompreensível até hoje.
[...] É um pouco paradoxal que tu passes o tempo inteiro da instituição trabalhando
com a lei, manuseando os Códigos (até porque isso é ferramenta de trabalho) e que
tu, de repente, tenhas que se submeter a uma prova, a uma avaliação e que tu não
339
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Três situações distintas: Estágio, Exame de Ordem e Exame de Final de Curso. In
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Ensino Jurídico: novas diretrizes curriculares. Brasília: Conselho
Federal da OAB, 1996, p. 146.
133
possa usar isso, sendo que o conteúdo exclusivo da prova é lei. E ao mesmo tempo,
nós não podemos formar nenhum decorador de lei. Exige-se que o aluno saia da
faculdade sabendo a lei, decorando a lei.
As questões, por exemplo, do Provão, elas não são questões por excelência
construídas para alguém que está pensando o Direito, mas para quem decorou
melhor a lei. Infelizmente é isso.
Isso é uma coisa paradoxal, porque a gente observa que quem ultrapassa essa
primeira fase acaba encontrando maior dificuldade na segunda, porque ou tu
recorre à lei ou tu te prepara para pensar o Direito. Então o Exame tem uma
questão que não está bem resolvida.
A OAB critica as instituições porque os índices de aproveitamento são baixos. As
instituições criticam os exames por considerá-los inadequados. E nesse meio,
ficam os alunos. Nós estamos chegando em um momento de impasse realmente.
[...]
Primeiramente, convém salientar o argumento relacionado ao alto nível de exigência
do Exame, que pode ser associado ao baixo índice de aprovação já mencionado. Embora a
OAB manifeste que o insuficiente aproveitamento esteja vinculado com a desqualificação dos
cursos jurídicos, o entrevistado ressalta o caráter paradoxal da prova.
Em seguida, o coordenador apresenta o descompasso existente entre as exigências da
OAB na realização do Exame e a perspectiva de ensino almejada pelo MEC. Tal contradição
só não ocorre no que tange aos métodos avaliativos que, segundo ele, baseiam-se em decorar
leis
340
. Tal acontecimento, de acordo com o pensamento de Warat, resulta em concepções
que integram um imaginário abalado, tornando os intérpretes dos discursos simples
produtores alienados que reivindicam para si o desejo de alienar os outros
341
.
Após apresentar algumas considerações acerca do Exame da Ordem, convém observar
outra forma utilizada pela OAB na tentativa de primar pela qualidade do ensino jurídico.
Trata-se da realização de avaliações externas, as quais possibilitam a concessão de um selo de
qualidade para algumas Instituições de Ensino Superior do país.
340
Essa questão será aprofundada no capítulo 4 deste trabalho.
341
WARAT, Utopias, conceitos ... op. cit., p. 352.
134
4.2 AVALIAÇÕES EXTERNAS
A OAB justifica sua atuação na realização de avaliações externas dos cursos jurídicos
no Estatuto da Advocacia (Lei 8906/1994) que, em seu artigo 54, XV, estabelece a
competência do Conselho Federal para colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos
e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação,
reconhecimento ou credenciamento desses cursos.
Assim, a OAB tomou a iniciativa de publicar um estudo indicando um rol de cursos
jurídicos detentores de um selo de qualidade
342
. Essa iniciativa ocorreu, primeiramente, em
sessão plenária do Conselho Federal da OAB, realizada aos sete dias do mês de dezembro de
1999. Nessa ocasião, estabeleceu-se uma meta a ser alcançada periodicamente, qual seja a
atribuição de um selo de qualidade aos cursos de direito que se destacassem em cada unidade
da federação pelo nível de ensino oferecido. Caberia à Comissão de Ensino Jurídico indicar,
conforme os critérios que lhe parecessem adequados, os cursos que mereciam receber essa
certificação
343
.
Surge então o programa OAB Recomenda, cujo objetivo seria de atuar como indutor
de qualidade do ensino jurídico, na medida em que fosse capaz de despertar nas instituições
que o ministram interesse de obter o selo que dele resulta.
A primeira edição do programa OAB Recomenda, realizada em janeiro de 2001, sob
gestão do Presidente Reginaldo Oscar de Castro, contou com a recomendação de 52 cursos.
Já a segunda edição, ocorrida em janeiro de 2003, sob a Presidência de Rubens Approbato
Machado, indicou 60 cursos no rol das instituições recomendadas. Na sua terceira edição,
342
Cumpre ressaltar que, desde o início da década de 90, a OAB realiza levantamentos estatísticos que definem a
qualidade dos cursos jurídicos brasileiros. Em estudo realizado no ano de 1992, por exemplo, a OAB, com o
apoio de especialistas, desenvolveu um questionário endereçado aos cursos jurídicos. Na ocasião, utilizou-se dos
seguintes critérios: capacitação docente, desempenho da atividade docente, estrutura acadêmica, estrutura
material, capacitação discente e conteúdo/forma de estrutura curricular. Através desses indicativos, os cursos
submetidos à avaliação foram classificados em: bons/excelentes, regulares e insuficientes. Informações
detalhadas podem ser consultadas nas obras CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Ensino Jurídico:
diagnósticos, perspectivas e propostas. Brasília: Conselho Federal da OAB, 1992 e OAB Ensino Jurídico:
parâmetros para elevação de qualidade e avaliação. Brasília: Conselho Federal Brasília da OAB, 1993.
343
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Recomenda... op. cit., p.8.
135
datada de janeiro de 2007, último mês da administração do Presidente Roberto Antônio
Busato, foram recomendados 87 cursos
344
.
Os critérios utilizados na publicação são:
a) resultado do Exame de Ordem;
b) resultado do Exame Nacional de Cursos (antigo Provão).
Cabe lembrar que o aumento da incidência de cursos recomendados relaciona-se
diretamente com crescimento do número de cursos jurídicos nos últimos anos. Conforme
pode ser visto no primeiro capítulo deste trabalho, em 2001 o país contava com 504 cursos.
Em 2007, já são 1.078, o que representa um acréscimo superior a 100% nos últimos seis anos.
A indicação a que se propõe analisar este trabalho é denominada “OAB Recomenda,
Gestão 2004/2007, Por um Ensino Jurídico de Qualidade”, publicada em janeiro de 2007
345
.
Na publicação de 2007, a OAB introduz o livro manifestando sua preocupação com a
precariedade do ensino jurídico, que acaba atingindo toda a Justiça, na medida em que
compromete a formação de todos os que participam da sua administração. Em seguida, expõe
que a Ordem dos Advogados é chamada a se manifestar nos processos de abertura de novos
cursos. No entanto, salienta que cabe ao MEC a última palavra nesse processo, independente
de sua manifestação
346
.
Convém destacar a participação da OAB no processo de reconhecimento dos cursos.
A Ordem manifesta a desproporção entre as instituições recomendadas e as aprovadas pelo
MEC. De fato, constata-se a veracidade do argumento apresentado. Como exemplo disso,
observa-se a informação do Ministério da Educação, veiculada no mês de julho de 2007,
afirmando que manterá os cursos de direito com parecer contrário do Conselho Federal da
OAB. Dos últimos 20 cursos aprovados pelo MEC, a OAB somente foi favorável a abertura
344
Ibidem., p.08-09.
345
Tal publicação compõe a terceira edição, tendo como integrantes da Comissão de Ensino Jurídico desta
gestão Paulo Roberto de Gouvêa Medina (Presidente), José Geraldo de Souza Júnior (Vice-Presidente), Ademar
Pereira (Secretário), Marília Muricy Machado Pinto, Paulo Roberto Moglia Thompson Flores (ambos Membros
Efetivos), bem como os Membros Consultores João Maurício Leitão Adeodato, Milton Paulo de Carvalho,
Paulo Roney Ávila Fagundez e Robertônio Santos Pessoa.
346
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Recomenda... op. cit., p.6.
136
de um. Sobre o assunto, o secretário de Educação Superior do Ministério, Ronaldo Mota,
afirma que "o MEC não abre mão de seu protagonismo nem tampouco de sua competência
decisória nestes processos"
347
.
A OAB manifesta que a indicação de determinados cursos como detentores de um
selo de qualidade não estabelece um ranking, apenas orienta o consumidor
348
, utilizando-se
de avaliações feitas pelo próprio Governo Federal. Assim, o programa, teria o sentido de
premiação, e não de um julgamento
349
.
Os critérios utilizados para a recomendação nesta terceira edição são os mesmos das
edições anteriores. A OAB considerou os resultados obtidos pelos cursos no Exame da
Ordem
350
e no Exame Nacional de Cursos (antigo Provão)
351
. Ambos completam-se para
uma análise adequada dos cursos. Além dessas avaliações, levam-se em consideração as
análises feitas pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB
352
.
O universo de estudo inicial do programa incluía 717 instituições pertencentes ao
Censo de Educação Superior de 2004 (o último disponível até o início de 2006).
Cabe lembrar que, segundo o programa OAB Recomenda a Comissão absteve-se de
adotar critérios subjetivos na avaliação dos cursos. Em edições anteriores, pensou-se em
instituir um conselho de especialistas, então denominado “Grande Júri”, ao qual se atribuiria
a missão de indicar os cursos a serem contemplados com o selo de qualidade. Para tanto,
seriam realizadas visitas in loco. Contudo, essa edição do programa veio a optar pela
regularidade do desempenho como critério de recomendação
353
.
347
NOTÍCIA. Mec mantém cursos de direito reprovados pela OAB. Goiânia, 05 de julho de 2007. Educação.
Disponível em http://www2.opopular.com.br/ultimas/noticia.php?cod=312304. Acesso em 10 de julho de 2007.
348
Observa-se que o termo “consumidor” utilizado pela Ordem denota o caráter de educação como negócio.
349
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Recomenda... op. cit., p.6-8.
350
Em se tratando do Exame de Ordem, a OAB expõe que não se trata de condicionar os cursos para o preparo a
prova em seus Projetos Pedagógicos. Idem. Ibidem., p.9
351
Destaca-se que o Provão foi substituído no ano de 2006 pelo ENADE, Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes. O Enade é realizado por amostragem e a participação no Exame consta no histórico escolar do
estudante ou, quando for o caso, sua dispensa pelo MEC. O Inep/MEC constitui a amostra dos participantes a
partir da inscrição, na própria instituição de ensino superior, dos alunos habilitados a fazer a prova. Informações
disponíveis em INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS Informações sobre
o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Disponível em
http://www.inep.gov.br/superior/enade/enade_default.htm. Acesso em 22 de setembro de 2007.
352
CONSELHO FEDERAL DA OAB. Ibidem., p. 10,11 e 17.
353
CONSELHO FEDERAL DA OAB. OAB Recomenda... op. cit., p.12.
137
A avaliação tinha como pré-requisito tratar-se de cursos reconhecidos, cujos egressos
já tivessem se submetido às provas do exame de ordem e a, pelo menos, um Exame Nacional
de Cursos. Nesta edição do programa, dos 1.017 Cursos existentes até a realização da
pesquisa, foram avaliados somente 322 (o equivalente a 31,6% do total), pois conforme a
OAB, os critérios adotados para esta análise e a preocupação de recomendar cursos com um
conceito firmado no cenário do ensino jurídico, não permitiriam abarcar um número maior de
instituições
354
.
Utilizando os critérios já expostos pela OAB, em 2007 foram recomendados os
seguintes cursos de Direito:
Estado Instituição de Ensino Superior
Acre
Universidade Federal do Acre - Rio Branco
Alagoas
Universidade Federal de Alagoas - Maceió
Amazonas
Universidade Federal do Amazonas Manaus
Universidade Federal da Bahia - Salvador
Bahia
Universidade Salvador - Salvador
Ceará
Universidade Federal do Ceará Fortaleza
Centro Universitário de Brasília - Brasília
Distrito Federal
Universidade de Brasília - Brasília
Faculdades Integradas de Vitória Vitória
Espírito Santo Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória
Universidade Católica de Goiás - Goiânia
Goiás Universidade Federal de Goiás - Goiânia
Maranhão:
Universidade Federal do Maranhão - São Luís
Mato Grosso:
Universidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - Dourados
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Três Lagoas
Mato Grosso
do Sul:
Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal -
Campo Grande
Centro Universitário Newton Paiva - Belo Horizonte
Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior - Juiz de Fora
Faculdade de Direito Milton Campos - Nova Lima
Fundação Universidade Federal de Viçosa - Viçosa
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Belo Horizonte
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Betim
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Poços de Caldas
Universidade Estadual de Montes Claros - Montes Claros
Universidade Federal de Juiz de Fora - Juiz de Fora
Minas Gerais:
Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte
354
Ibidem., p.12-13.
138
Universidade Federal de Ouro Preto - Ouro Preto
Universidade Federal de Uberlândia - Uberlândia
Universidade Fumec - Belo Horizonte
Universidade Presidente Antonio Carlos - Barbacena
Centro Universitário do Estado do Pará - Belém
Universidade da Amazônia - Belém
Universidade Federal do Pará - Belém
Pará Universidade Federal do Pará - Marabá
Centro Universitário de João Pessoa - João Pessoa
Paraíba:
Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa
Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro - Jacarezinho
Faculdades Integradas Curitiba - Curitiba
Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Curitiba
Universidade Estadual de Londrina - Londrina
Universidade Estadual de Maringá - Maringá
Paraná Universidade Federal do Paraná - Curitiba
Pernambuco
Universidade Federal de Pernambuco - Recife
Piauí
Universidade Federal do Piauí - Teresina
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
Universidade Cândido Mendes - Rio de Janeiro
Universidade Católica de Petrópolis - Petrópolis
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense - Niterói
Rio Grande do
Norte
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal
Centro Universitário Ritter dos Reis - Canoas
Fundação Universidade Federal do Rio Grande - Rio Grande
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre
Universidade de Passo Fundo - Carazinho
Universidade de Passo Fundo - Passo Fundo
Universidade de Santa Cruz do Sul - Santa Cruz do Sul
Universidade Federal de Pelotas - Pelotas
Universidade Federal de Santa Maria - Santa Maria
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Erechim
Rio Grande do
Sul
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Frederico
Westphalen
Fundação Universidade Federal de Rondônia - Cacoal
Rondônia Fundação Universidade Federal de Rondônia - Porto Velho
Universidade da Região de Joinville - Joinville
Universidade do Extremo Sul Catarinense - Criciúma
Universidade do Oeste de Santa Catarina - Joaçaba
Universidade do Oeste de Santa Catarina - São Miguel do Oeste
Universidade do Planalto Catarinense - Lages
Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis
Santa Catarina
Universidade Regional de Blumenau - Blumenau
Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Lorena
São Paulo
Faculdade de Direito de Franca - Franca
139
Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - São Bernardo do Campo
Faculdade de Direito de Sorocaba - Sorocaba
Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente -
Presidente Prudente
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Campinas
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo
Universidade Católica de Santos - Santos
Universidade de São Paulo - São Paulo
Universidade Estadual Paulista de Júlio de Mesquita Filho - Franca
Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo
Universidade São Judas Tadeu - São Paulo
Sergipe
Universidade Federal de Sergipe - São Cristóvão
Quadro 2 Cursos de direito aprovados pela OAB
Observando a tabela acima, constata-se que, dos 322 cursos avaliados, 87 foram
recomendados. Desse índice, verifica-se que o Estado de Minas Gerais obteve maior
freqüência de instituições detentoras do selo de qualidade da OAB, totalizando 14 cursos. Em
seguida, os Estados que apresentaram número elevado de indicação foram: São Paulo, com
12 cursos; e o Rio Grande do Sul, contendo 11 cursos.
Em que pese a OAB manifeste que a recomendação dessas instituições não pretenda
incentivar a criação de um ranking dos cursos jurídicos
355
, deve-se observar o impacto dessa
publicação na comunidade jurídica, em especial em relação à posição das Instituições, através
de seus coordenadores de curso, e o modo como essa divulgação repercute na opinião de
alunos ingressantes das instituições (recomendadas ou não pela OAB).
4.3 IMPACTOS DAS AVALIAÇÕES NOS CURSOS DE DIREITO
Como pode ser percebido no primeiro capítulo, as Instituições de Ensino Superior
primam por um ensino crítico e reflexivo, que torne o aluno capaz de produzir novos
conhecimentos jurídicos. Um dos grandes desafios institucionais é a formação de
profissionais capazes de atuarem, com competência, diante da realidade que se coloca a sua
frente. Para tanto, embora nem todas as profissões jurídicas necessitem da habilitação
profissional, grande parte das carreiras jurídicas exige seu registro para o exercício da
atividade. Diante disso, a preparação para provas e concursos passa a ser uma questão a ser
355
Lembre-se de que, conforme a posição da OAB, tal estudo intenta ser um indicativo ao consumidor.
140
observada pelos gestores, implicando não apenas na “boa imagem” desta perante o mercado,
como também sendo fator considerado no momento da realização de avaliações externas dos
cursos realizadas pela OAB.
Tendo em vista a OAB Recomenda 2007, buscou-se conhecer qual foi o impacto
sofrido pela instituição diante da publicação. Para que fosse possível acessar essa informação,
os entrevistados foram abordados com os seguintes questionamentos: O que você pensa a
respeito da avaliação dos cursos jurídicos realizadas pela OAB para a concessão de um selo
de qualidade? Você conhece os critérios utilizados pela OAB nesta avaliação? Quais foram
os impactos sofridos nesta instituição?
Antes de apresentar as manifestações, é necessário destacar que os entrevistados
integram três categorias de instituições: 1ª. Instituições recomendadas pela OAB; 2ª.
Instituições não recomendadas; 3ª. Instituições que não foram submetidas à avaliação por não
terem formado sua primeira turma antes da realização do último Provão do MEC, realizada
no ano de 2003.
Dentre as respostas obtidas, destacam-se as que seguem:
Coord. 2 - As avaliações externas elas são hoje presentes, então é algo que a gente
não pode fugir. A gente precisa é enfrentar os desafios que essas avaliações
provocam.
A minha grande dúvida é a seguinte: se é possível uniformizar esta avaliação.
Assim como a prova de todo estado, onde são avaliados alunos de diferentes
escolas jurídicas, de diferentes enfoques, se é possível avaliar.
Esse é um debate que a gente tem travado aqui na coordenação. Se uma prova, que
eu aplico para uma escola tradicional, pode avaliar o conhecimento na nossa escola
jurídica, que também ensina a questão dogmática, mas faz uma outra leitura. E a
gente vê que, na prova, muitas vezes isso não aparece. Aparece uma preocupação
dogmática do aluno saber qual é o artigo do Código em que isso está previsto. Isso
porque a primeira parte é uma prova objetiva em que o aluno não tem acesso à
legislação e muitas vezes as questões são reprodução dos artigos do texto da lei. Aí
a nossa dúvida se esse tipo de avaliação, realizada nesses moldes, ela tem condições
de dizer: ‘olha, aquela instituição é melhor que a outra’.
Nessa avaliação, não aparecem outras características da escola: o corpo docente, a
infraestrutura não é avaliada, muitas vezes também o perfil do aluno dependendo da
escola ou da região. Isso são variáveis que muitas vezes não são controláveis na
avaliação.
Daí se nivela como se todos os alunos e todas as cidades fossem iguais, tendo o
mesmo ensino ao mesmo tempo.
141
A primeira resposta contém uma série de questões importantes. A primeira delas
refere-se ao fato de que essas avaliações são inevitáveis, devendo ser enfrentadas pela
instituição. Outro ponto que merece destaque relaciona-se com a uniformização dos
processos avaliativos diante de diferenças regionais e de perfil dos alunos. Além disso, cabe
ressaltar que, para o entrevistado, a prova da OAB
356
, em especial a primeira etapa, possui
apenas uma preocupação dogmática do direito. Por todos os argumentos apresentados, o
coordenador sustenta que esses fatores são incapazes de diferenciar as instituições e
recomendar uma ou outra.
No mesmo sentido da resposta anterior encontra-se a declaração que segue:
Coord. 7 - [...] Algumas instituições, a gente tem observado por aí, estão se
voltando para preparar para a Prova da OAB. Outras, não estão nem preocupadas
com isso. Agora no momento em que a OAB começa a divulgar, propagandear
determinadas listas, isso vai acabar se transformando em um problema.
O fato, por exemplo, de uma instituição X não ter um índice grande de aprovados
ou ter um índice grande de aprovados não significa que a formação daquele
bacharel foi suficiente. Talvez tenha sido para passar naquela prova, o que não
quer dizer que tenha formado bacharéis brilhantes. E nem tampouco creio assim ó:
‘ah, a instituição X aprovou um percentual fantástico’. Também não quer dizer
nada do ponto de vista profissional. Eles podem estar vocacionados para fazer a
prova.
Então, quer dizer: ainda acho que temos um longo caminho pela frente para
percorrer junto à OAB e junto ao próprio MEC.
A resposta acima apresenta aspectos muito semelhantes aos expostos pelo
coordenador 2. Primeiro, porque aborda ser inevitável a atenção do curso para a prova da
OAB em decorrência da recomendação de determinados cursos jurídicos. Outro ponto que
merece destaque é que, para o entrevistado, a realização dessas avaliações não implica
necessariamente na qualidade dos cursos jurídicos.
Embora algumas perguntas não estivessem no roteiro, ao longo da entrevista algumas
questões foram mencionadas. Em uma ocasião, questionou-se acerca do modo como ocorre a
comunicação entre a Comissão de Ensino Jurídico da OAB e a Banca que elabora o Exame
de Ordem. Apesar de receoso, um entrevistado admitiu a existência dificuldades nesse
campo:
356
Nesse sentido, deve-se lembrar que os resultados da prova da Ordem integram a avaliação realizada na
publicação OAB Recomenda.
142
Coord. 3 - As Comissões de Ensino Jurídico têm com a Comissão de Estágio e
Exame de Ordem um vínculo muito frágil. Então, só ali há diferenças de visão de
mundo. Eu concordo com a tua pergunta. Realmente poderia haver maior
integração entre essas comissões, porque as Comissões de Ensino Jurídico, quando
elas avaliam os cursos, recomenda os cursos ou não, ela tem uma perspectiva que
talvez não seja a mesma daqueles que elaboram o exame de ordem. Mas o exame
de ordem, com todas as suas precariedades, ele é bom para os cursos de direito. [...]
Aliás, se você tomar o selo OAB Recomenda, tão criticado por alguns colegas
meus que se viram em uma situação complicada de ter que explicar para a
imprensa o por quê o curso deles não tiveram o selo. Alguns colegas alegaram não
saber os critérios para emitir o selo. Na verdade a OAB tem uma publicação em
que os critérios são razoavelmente claros.
Em seguida, os entrevistados foram questionados se conheciam os critérios utilizados
pela OAB para a recomendação dos cursos. Conforme pode ser consultado abaixo, a maioria
desconhece tais critérios:
Coord. 8 - Eu acho relevante mas eu não acho que isso possa atestar de uma forma
cabal a qualidade de um curso. Eu acho que a avaliação depende de vários
critérios. Eu não posso me posicionar em algumas situações. Como por exemplo,
eu não sei como funciona, mas estou buscando saber agora, quais os critérios que
são utilizados. A gente se baseia sempre no ouvir falar.
Agora, pelo que eu tenho notícia, os critérios poderiam ser mais claros, mais
objetivos e mais focados. Me parece que não se levou em conta outros critérios. Se
levou em conta apenas dois ou três critérios e utilizou pessoas, não que não fossem
habilitadas para fazer a avaliação, mas não eram tão ligadas à atividade docente
com tanta experiência. Só que uma pessoa que não tem experiência docente não
pode avaliar um curso. [...]
Eu acho que é válido um selo, mas desde que haja critérios objetivos, claros e
possíveis de adequação. Se o próprio MEC dá a chance para que o curso venha a se
estruturar, eu não entendo porque a OAB não poderia dar também esse tipo de
chance.
Pelo o que eu tenho notícia, o resultado da OAB não explica o porquê que se
chegou a tal resultado. Agora, eu acho importante, porque vários alunos batem aqui
na porta perguntando assim: ‘é verdade que a OAB proibiu o curso porque ele não
entrou na OAB Recomenda? Eu não vou conseguir mais ser advogado?’. Aqui
mostra como isso não está esclarecido.
Tem que ter um selo, mas tem que ser esclarecido como são os critérios para os
alunos e professores, porque as pessoas ficam um pouco espantadas: ‘Ah, mas o
que é esse selo?’ É uma indicação da OAB que tem que ser muito criteriosa. Eu
acho muito arriscado a gente já, de classe, dizer: ‘Essa, essa, essa e essa nós
indicamos’. Eu acho que tem que ter muito critério para dizer isso. Até porque
ficam de fora muitas instituições que são tradicionais. [...]
Hoje, além de eu me preocupar com o MEC, eu tenho que me preocupar também
com o selo OAB Recomenda.
Coord. 6 - Eu não sei nem que critérios a OAB usa, até porque não vejo divulgados
os critérios. Eu vejo as publicações dos resultados nos jornais, mas efetivamente
não sei quais são os critérios utilizados.
143
Outro(a) coordenador(a) manifesta que conhece os critérios, no entanto, afirma que
eles não são divulgados como deveriam.
Coord. 7 - Para o público externo é que não ficaram claros os critérios da OAB.
Pra te dar uma idéia do que aconteceu conosco, eu recebi a visita que durou dez
minutos de uma advogada credenciada da OAB que me perguntou meia dúzia de
coisas a respeito do curso, dos professores, e nada mais. [...] O que ela perguntou
eram informações que são de conhecimento público. Eu te diria que a nossa
entrevista aqui avançou séculos na frente em relação ao que ela perguntou para
avaliar o curso. Posteriormente, a única informação que nós tivemos foi a
divulgação da lista das instituições recomendadas pela OAB.
No que a OAB pecou? Primeiro, ela não divulgou os critérios pelos quais chegou
às recomendações. Isso só foi divulgado no site da OAB e dentro da exposição de
motivos da recomendação. Mais clandestino impossível! O público não acessou
isso para ver.
Outra resposta levantou a problemática da legitimidade da OAB
357
para realizar essas
avaliações.
Coord. 4 - Eu acho que não é papel da OAB conferir esse tipo de selo. Por uma
questão bem simples: então nós teríamos que fazer um selo do Ministério Público,
do Judiciário... Daqui a pouco tu vai ter uma parede cheia de selos. Eu não sei
como funcionam exatamente essas avaliações.
A OAB tem um papel muito importante que é controlar o exercício da advocacia, é
qualificar os advogados. A questão dos pareceres, seja para implementação dos
novos cursos, seja no próprio sistema OAB Recomenda, sob o ponto de vista
educacional é inócuo.
Por fim, questionou-se sobre os impactos da publicação do OAB Recomenda na
instituição. A maior parte dos entrevistados admitiu que o curso sofre alguma conseqüência
em virtude da divulgação dos resultados. Algumas respostas podem ser conferidas abaixo:
Coord. 8 - Eu acho que sim, essa divulgação provoca impactos na instituição, mas
acho que não inibe o nosso aluno. A maioria dos nossos alunos gosta e acredita na
instituição.
O impacto foi muito pequeno dos alunos mais desinformados. As pessoas
mandavam e-mails e um aluno ligou dizendo que o curso não estava mais
autorizado. Os outros alunos eles confiam na nossa responsabilidade para reverter
essa situação, mas há aspectos políticos a serem observados.
357
Questionando a sua legitimidade, convém lembrar as palavras de Rodrigues: “Um equívoco, porque os
cursos jurídicos formam bacharéis em Direito, e estes não se tornam necessariamente ou exclusivamente
advogados. Portanto, não pode a OAB exercer o monopólio no controle de sua qualidade. Talvez a solução seja
a criação de um sistema externo de avaliação, com a participação da Ordem, mas que congregue outras
instituições da sociedade civil, além do ministério público e da magistratura [...]”.RODRIGUES, Horácio
Wanderlei. Ensino jurídico para que(m)? Tópicos para Análise e Reflexão. In CONSELHO FEDERAL DA
OAB. OAB ensino jurídico: diagnóstico, perspectivas e propostas. 2 ed. Brasília: Conselho Federal da OAB,
1996, p. 110.
144
Coord. 4 - É um fator a ser considerado sim. Veja bem, nós temos uma missão que
é uma missão de ensino. Isso significa fazer educação, mas também é um negócio.
O OAB Recomenda representa uma questão financeira na medida em que tu pode
afastar ou atrair alunos.
Coord. 3 - O nosso Projeto Pedagógico não está baseado apenas na preparação para
advocacia. Então por mais que esse dado (ou do exame de Ordem, ou de receber ou
não o selo) seja importante, não é esse dado o centro de gravidade do Projeto
Pedagógico. É claro que não receber o selo nos afetou. Muitos alunos de boa
qualidade, por exemplo, já optariam, por outras instituições. Só aí já há um efeito
externo e mercadológico gravíssimo. Mas eu diria que uma instituição não pode
reagir a não receber selo simplesmente alterando todo o Projeto Pedagógico para
então ganhar o selo. Não é isto! Ela tem que ver um fracasso esporádico como um
sintoma de alguns problemas que são maiores do que esse.
Coord. 7 - Os resultados não interferem na instituição porque a gente não mudou a
postura que vínhamos adotando. O que pode gerar é uma interferência no futuro de
existência dos cursos. Na medida em que tu cria um ranking, é natural, porque é a
lógica do mercado, que tu possa ter reflexos do ponto de vista da continuação do
curso. O que nós queremos não é nos adequar às exigências da OAB. Até porque
nós não formamos advogados. É evidente que nós formamos alunos para todas as
carreiras jurídicas.
Conforme pode ser constatado, grande parte dos entrevistados manifestaram que os
resultados da avaliação realizada pela OAB possui certo impacto no desenvolvimento das
atividades institucionais
358
. O principal fator mencionado refere-se aos aspectos
mercadológicos dessas divulgações. Apesar disso, importa ainda referir que muitos dos
coordenadores destacaram que o curso de direito não pretende apenas formar advogados,
portanto, sustentam que a publicação do rol de cursos recomendados não deve apresentar uma
dimensão exagerada por parte das instituições.
Apesar do último respondente esclarecer que “o que nós queremos não é nos adequar
às exigências da OAB”, cabe destacar outra passagem da entrevista em que este afirma:
Coord. 7 - Nós estamos exigindo da OAB que ela também nos dê um parâmetro de
onde ela detecta que tem esses problemas e com base em quê. Porque é muito fácil
dizer assim: ‘a formação geral dos advogados não é boa’. Mas, no entanto, a gente
vê excelentes instituições, com tradição, que continuam tendo o mesmo
desempenho. Então algum problema está havendo.
A fala acima revela um pedido de orientação por parte da instituição para a OAB para
que esta manifeste parâmetros a serem seguidos pelos cursos jurídicos. Logo, apesar de ter
358
Tais aspectos serão abordados com maior profundidade no último capítulo deste trabalho, momento em que
será realizado uma abordagem sistêmica sobre o tema.
145
afirmado enfaticamente que não desejam se adequar às exigências da OAB, a resposta obtida
ao longo da entrevista é considerada contraditória a declaração realizada sobre o assunto.
Buscando enfrentar o principal problema apontado pelos coordenadores acerca da
publicação de um elenco de cursos detentores do selo de qualidade OAB Recomenda, a
seguir, serão apresentadas algumas abordagens discentes a esse respeito. Assim, acredita-se
ser possível visualizar se a divulgação referida efetivamente ocasiona problemas
mercadológicos para as instituições de ensino. Abaixo, encontram-se algumas passagens a
esse respeito:
“Isso faz com que possamos identificar o melhor local para estudarmos”.
(aluna, 24 anos, estudante)
“Acho que é boa. Só assim podemos avaliar qual instituição forma os melhores
profissionais”.
(aluna, 48 anos, professor)
“Ouvi falar que é um ranking das melhores universidades, mas não me aprofundei
no assunto”.
(aluno, 28 anos, funcionário público)
“Acho que é comprada”.
(aluna, 18 anos, estagiária)
“Penso que é uma boa forma de qualificar os cursos, oportunizando uma melhor
forma de escolher qual instituição freqüentar”.
(aluna, 18 anos, estagiária)
“Creio que a instituição demonstra preocupação quanto à qualidade dos serviços de
advocacia. O selo demonstra que a instituição reconhece e recomenda o ensino
desta ou aquela faculdade”.
(aluno, 18 anos, estudante)
“Acho que é uma boa. Só assim podemos avaliar qual instituição forma os
melhores profissionais”.
(aluno, 19 anos, estagiário)
“Ótima, pois assim os alunos já reconhecem um pouco mais a instituição em que
está se agregando”.
(aluna, 17 anos, estagiária)
Levando-se em consideração as respostas acima e os dados apresentados no primeiro
capítulo, entende-se que, embora seja baixo o índice de alunos que manifestem conhecer a
avaliação realizada pela OAB (apenas 21,1%, o equivalente a 112 alunos), os que conhecem
acreditam que essa avaliação é positiva para alertar ao aluno quais instituições formam os
melhores profissionais. Diante disso, é possível constatar que, na ótica dos alunos, a
publicação da avaliação influencia a imagem de qualidade que a instituição passa a exercer
146
no mercado, sendo essa a responsável pelo maior ou menor interesse dos discentes ao
escolher a instituição a se matricular.
Diante do exposto, entende-se que, embora os entrevistados não revelem que as
avaliações influenciem o modo de ensinar do curso, grande parte manifesta preocupação em
manter ou alcançar resultados favoráveis na avaliação realizada pela OAB. Isso se deve,
conforme escrito anteriormente, aos impactos mercadológicos que essas publicações acabam
gerando na realidade institucional desses cursos.
Assim, diferentemente do que preconiza a OAB, questiona-se se efetivamente a
divulgação dessas listas não funcionaria como um ranking das instituições existentes. Outra
questão que parece ficar mal explicada refere-se à ausência de divulgação acerca dos critérios
utilizados pela mesma na elaboração desta avaliação, pois apesar de baixo o índice de
coordenadores e ingressantes que abordam conhecer os critérios, a grande maioria teve
acesso somente ao elenco de instituições recomendadas.
Ocorre que, da forma como estão estabelecidas hoje, as avaliações integram a
realidade das instituições e seus egressos. Com a proliferação dos cursos jurídicos, ampliou-
se a defesa daqueles que sustentam a necessidade de controlar a qualidade dos cursos
jurídicos, sendo a avaliação externa realizada pela OAB um indicativo dessa atuação. Por
outro lado, configurou-se a ausência de divulgação dos critérios utilizados, fazendo com que
fosse posta em dúvida a seriedade desse processo no que tange aos interesses políticos de
determinadas instituições.
Os alunos, por sua vez, enfrentam (em sua grande maioria) o Exame de Ordem, o qual
é elogiado por muitos em relação ao controle da qualidade (ética e técnica) dos profissionais
que exercem a advocacia. Entretanto, a prova, em especial na primeira etapa, é alvo de
inúmeras críticas em razão do método adotado, o qual é pautado na memorização de
conteúdos dispostos em leis.
Além dos argumentos apresentados acima, questiona-se que tipo de direito e ensino
são exigidos para que futuros profissionais e instituições sejam bem avaliados. Tal pergunta
implica necessariamente em considerar a concepção de direito que vem sendo aplicada e
ensinada na sociedade. Na tentativa de responder a tais questionamentos, verifica-se que o
147
conhecimento exigido em grande parte das avaliações (Exame da Ordem, concursos) baseia-
se em concepções de direito minimalistas e ultrapassadas, sustentadas em manuais impróprios
para os dias de hoje, que não enfrentam as complexidades que o mundo lhes apresenta.
Nesse sentido, concorda-se com o entendimento de Warat e Cunha ao defenderem
uma necessária reformulação dos processos de educação jurídica tradicionais. É preciso
questionar as propostas técnicas em vigor e reconsiderar os conteúdos transmitidos
359
.
Além de questionar a elaboração da teoria do direito e o modo como esta é ensinada,
importa considerar a influência que o pensamento cartesiano-newtoniano exerceu na área
jurídica. Como exemplo, pode-se mencionar a tradicional fragmentação da estrutura do saber
em disciplinas, a qual é herdeira de uma racionalidade elaborada no século XVII. Em geral,
as provas/exames/concursos, exigem a memorização de uma teoria inadequada aos dias de
hoje, pois separam totalmente o direito das demais áreas do conhecimento. Tal característica
revela um grande problema na percepção de direito ensinada nas escolas jurídicas, pois se
esconde atrás de concepções “neutras” almejando a segurança das relações jurídicas.
Como pode ser percebida ao longo dos primeiros capítulos, a estrutura educacional
ainda se encontra atrelada a uma perspectiva fragmentária do conhecimento. A massificação
das instituições superiores no Brasil implicou a necessária especialização do profissional da
área jurídica. A formação, tradicionalmente centrada na técnica jurídica, apresenta inúmeras
dificuldades no enfrentamento dos problemas de uma sociedade complexa.
Conforme Morin, a contextualização e a globalização são procedimentos
absolutamente normais do espírito. No entanto, a partir de um certo nível de especialização,
que passa a ser a hiper-especialização, o fechamento e a compartamentização impedem de
contextualizar e globalizar
360
.
Os cursos jurídicos, de acordo com os depoimentos colhidos, almejam um ensino
crítico, reflexivo e que seja capaz de criar novos conhecimentos. Para tanto, são necessários
professores preparados para realizar o processo ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a
359
WARAT, Luis Alberto; CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. Ensino Jurídico e Saber Jurídico. Rio de Janeiro:
Eldorado Tijuca, 1977, p. 59.
360
MORIN, Por uma... op. cit., p. 25.
148
prática de atividades interdisciplinares é considerada um grande desafio, pois assim como as
ciências tradicionalmente foram desenvolvidas para adquirirem autonomia, os docentes
também não estão preparados para realizar atividades em conjunto (tanto entre disciplinas
integrantes da área jurídica como o desenvolvimento de propostas que abarquem diferentes
áreas do saber).
Assim, antes de questionar a concepção de direito adotada e o modo como esse é
ensinado, é preciso analisar o motivo pelo qual a mudança de modelo (epistemológico)
adotado é tão difícil. Tal conhecimento, paradigmático, está na base da formação do
pensamento (jurídico) moderno. Nesse sentido, como pode ser percebido na pesquisa de
campo, ainda é possível encontrar resquícios das perspectivas desenvolvidas por Descartes e
Newton (as quais serão apresentadas a seguir). Embora seus escritos configurem o
pensamento dominante da modernidade, hoje, fala-se em uma necessária reforma
paradigmática.
149
5 A CONTRIBUIÇÃO DA PROPOSTA SISTÊMICA
5.1 MUDANÇA EPISTEMOLÓGICA
361
Após analisar algumas limitações do paradigma cartesiano-newtoniano no modo de
pensar e ensinar o direito torna-se necessário adotar um novo olhar epistemológico. A crise
de paradigmas existentes nas diversas áreas do conhecimento exige uma nova forma de ver o
mundo, considerando as complexidades, os riscos e os paradoxos existentes.
O primeiro passo implica em observar a crise do paradigma científico existente, a
qual ocasiona o questionamento dos princípios científicos, proporcionando assim a criação de
uma nova teoria. Tal crise é indispensável para que ocorra o que foi denominado por Kuhn de
Revolução Científica. Segundo o autor:
[...] consideramos revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento
não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente
substituído por um novo, incompatível com o anterior
362
.
A geometrização do saber, conduzida pelo pensamento cartesiano e pela mecânica
newtoniana, revela-se como uma perspectiva insuficiente. Segundo Bachelard, o pensamento
científico é levado por construções mais metafóricas do que reais. A matemática
desenvolvida na física, já não é descritiva, mas formadora, fazendo com que a ciência da
realidade procurasse o porquê matemático
363
em vez do como fenomenológico
364
.
Segundo Souza Santos, o conhecimento científico reside na objetividade que decorre
da separação entre teoria e prática, ciência e ética... Nessa perspectiva, o universo dos
observáveis é reduzido ao universo dos quantificáveis, fazendo com que o conhecimento
rigoroso vincule-se à matemática.
365
.
361
Dentre os autores que abordam o tema, destacam-se Kuhn, Bachelard, Morin e Warat.
362
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira; Nelson
Boeira. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 125.
363
Ravina estabelece que “A análise do empírico conduz a modelos formalizadores com base lógica ou
matemática, tendo intenção de explicações causais [...]”.Cf. RAVINA, Introdução... op. cit., p. 33.
364
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico.contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996, p. 7-8.
365
SANTOS, Introdução a uma... op. cit., p.34.
150
Pautada em uma racionalidade apropriada ao século XVI, a ciência foi desenvolvida
através dos postulados da ordem, recusando as concepções de desordem, incerteza e
insegurança. Desse modo, a tradição do pensamento formou um ideário adotado por diversas
áreas do saber relacionado a uma percepção mecanicista, formalista e reducionista.
Conforme pode ser percebido no capítulo anterior, no século passado, as
descobertas ocorridas na física incentivaram a substituição da certeza pela incerteza e o
indeterminismo do conhecimento. Os impactos dessa nova perspectiva acarretaram o
desenvolvimento da Lógica (conforme pode ser visto no capítulo 3 deste trabalho), da sica,
da Química, da Biologia, da Cibernética e das Ciências Sociais
366
. Passa-se a adotar uma
nova percepção de complexidade, a qual pode ser elevada à condição de novo paradigma.
Segundo Morin, os próprios desenvolvimentos do século XX e da nossa era
planetária fizeram com que nos defrontássemos cada vez mais amiúde e, de modo inelutável,
com os desafios da complexidade”
367
. Nesse sentido, o autor, conjuntamente com Le
Moigne, escreve:
Pensar a complexidade esse é o maior desafio do pensamento contemporâneo,
que necessita de uma reforma no nosso modo de pensar. O pensamento científico
clássico se edificou sobre três pilares: a “ordem”, a “separabilidade”, a “razão”.
Ora, as bases de cada um deles encontram-se hoje em dia abaladas pelo
desenvolvimento, inclusive a das ciências, que originalmente foram fundadas sobre
esses três pilares
368
.
Diante de um mundo complexo, as críticas ao ensino foram auferindo a existência de
uma crise da Teoria do Direito e também do sistema jurídico educacional, sendo esta causada
pela incapacidade dos operadores do direito de apresentarem respostas às novas condições de
uma sociedade que vive em constantes transformações
369
.
366
Convém destacar que, neste momento, será desenvolvida a Teoria Geral dos Sistemas.
367
MORIN, Educação e Complexidade... op. cit., p. 18.
368
MORIN, Edgar; LE MOIGNE, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. 2 ed. São Paulo: Fundação
Peirópolis, 1999, p. 199.
369
Como exemplo de novos problemas a serem enfrentados pelo profissional da área jurídica, pode-se mencionar
os efeitos da globalização cultural, a qual conduz ao reaparecimento de identidades culturais em diversas partes
do mundo. Assim, os nacionalismos locais florescem como resposta às tendências globalizantes, porque os
velhos Estados-nação estão a ficar mais fracos. GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização.
Tradução de Saul Barata. 3 ed. Lisboa: Presença, 2001, p. 24.
151
Grande parte das críticas realizadas ao ensino jurídico não se vincula apenas às escolas
brasileiras, mas demonstra-se uma tendência da maioria das instituições as quais utilizam
semelhantes bases teóricas na abordagem do curso.
Hoje, é necessário aceitar a existência de novos vínculos, sujeitos e direitos a serem
pensados também com outra perspectiva, sob pena de se reproduzir uma mentalidade
insuficiente às necessidades que o mundo global exige
370
. Esses novos direitos não se
enquadram no pensamento normativista. Nesse sentido, acredita-se que as tendências na
educação jurídica se opõem aos novos modelos de influência e deliberação no mundo de
hoje
371
.
Deve-se levar em consideração, ainda, que emerge a cada hora uma série de situações-
problemas que afetam todos os tipos de pessoas de todas as classes sociais e nacionalidade.
Um fato que, em um primeiro momento, deveria ter repercussão local, logo atinge proporções
globais, transpassando barreiras territoriais e culturais
372
.
Segundo Faria:
O papel das profissões jurídicas e das instituições de direito vem sendo atravessado
pela própria natureza coletiva e classista dos complexos conflitos emergentes nos
últimos tempos. O aparecimento de movimentos sociais crescentemente
organizados, desafiando a rigidez lógico-formal dos sistemas jurídicos mediante a
politização de questões aparentemente técnicas, procurando assim, criar novos
direitos a partir de fatos políticos, tem aberto caminho para práticas contraditórias
que comprometem o ordenamento. [...] Tais práticas têm exigido respostas rápidas
e pragmáticas por parte do Estado
373
.
A faculdade de direito passa a ser especialmente importante para romper com as
bases da cultura jurídica tradicional e no desenvolvimento de uma educação que produza um
370
Arnaud atenta que “Os grandes problemas do momento passam a ser prioritariamente o da transformação do
modo de produção do direito, do modo de tratamento dos litígios e o da proteção aos indivíduos assegurada até
aqui pelo Estado contra a opressão de grupos sociais ligados ao processo de transnacionalização econômica,
social e política”. Diante disso, salienta que “os profissionais do direito serão chamados a participar ativamente
muitas vezes fora do controle estatal - na construção de regimes transnacionais e supranacionais”. ARNAUD,
André-Jean. O direito entre modernidade e globalização. Lições de filosofia do Direito e do Estado. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999, p. 22-23.
371
NUSSBAUM, Martha Craven. NUSSBAUM, Cultivating Humanity op. cit., p.01.
372
MÄDCHE; Flávia Clarici; DUTRA, Jéferson Luiz D. Introdução à Teoria Sistêmica. In ROCHA, Leonel
Severo (org.), STRECK, Lênio Luiz. Anuário 2003. Programa de Pós-Graduação em Direito. Mestrado e
Doutorado. São Leopoldo: Centro de Ciências Jurídicas UNISINOS, 2003, p. 102.
373
FARIA, A cultura e... op. cit., p. 13-14.
152
profissional preparado para atuar em um mundo complexo. Isso implica em alterar o
paradigma de ensino até hoje praticado no país
374
.
Nesse contexto, deve-se compreender que as profissões jurídicas tendem a se
transformar profundamente, exigindo uma educação diversa. Assim, as faculdades devem
formar operadores jurídicos preparados não somente para aplicar a lei diante dos casos
concretos, mas também em ensinamentos que visem propostas por mudanças no ordenamento
jurídico quando necessário, no sentido de adaptar o mesmo aos conflitos resultantes de
interesses transindividuais das atuais sociedades (hiper) complexas
375
.
Logo, a concepção individualista ou privatista do direito não mais se adapta às
diversas relações jurídicas que envolvem sujeitos coletivos como os sindicatos, associações e
ONGS. Os conflitos intercoletivos ou de massa e os direitos coletivos que surgem atualmente,
derivados principalmente das novas categorias de direitos, criam novas relações, necessitando
que haja uma superação do modelo tradicionalmente adotado pela academia.
Diante de tais dificuldades, Teubner apresenta uma importante contribuição ao assunto
ao propor uma percepção de direito voltada à análise dos fenômenos contemporâneos.
Menciona como exemplos os conflitos intra-organizacionais, ou na observação de
determinadas formas modernas de emergência de um direito parcialmente autônomo, surgida
nomeadamente no direito internacional, no direito das organizações internacionais ou na “lex
mercatória”
376
.
A insuficiência da teoria jurídica no atendimento aos novos direitos do mundo
globalizado é influenciada pela cultura jurídica, a qual se relaciona à práxis cotidiana do
operador do direito, informada por uma determinada bagagem valorativa e conceitual que lhe
é inculcada durante sua formação
377
.
374
COSTA, Bárbara Silva (org); RUDNICKI, Dani. Ensino Jurídico e Realidade Prisional: impressões
dos acadêmicos de Direito do UniRitter sobre presídios gaúchos. Porto Alegre: Ed. UniRitter, 2005, p.11.
375
RUDNICKI, Dani. Ensino Jurídico Brasileiro: uma perspectiva pedagógica 141f. Dissertação (Mestrado em
Direito) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 1999, p.24.
376
TEUBNER, Gunther. O Direito como Sistema Autopoiético. Liboa: Clouste Gulbenkian, 1989, p.77-79.
377
FILHO, Roberto Freitas. O Ensino Jurídico e a mudança do modelo normativo In Revista de Informação
Legislativa. Brasília: Senado Federal Subsecretaria de Edições Técnicas. Ano 41, n. 164, out./ dez. 2004, p.
192.
153
Assim, existe a necessidade de refletir sobre a (in)capacidade das academias de
prepararem seu corpo discente para a atuação efetiva dos profissionais diante das incertezas,
dos paradoxos e dos riscos. O problema é que a educação proporcionada pelas escolas
jurídicas mantém uma lógica pautada na repetição do passado. Tal característica, no
entendimento de Warat, “nos impede de receber os sinais novos, determina a morte do
pensamento, do sentimento e da ação”
378
.
Nesse contexto, Bachelard escreve sobre a psicologia da paciência científica, a qual
significa acrescentar à lei dos três estados do espírito científico uma espécie de lei dos três
estados de alma, quais sejam:
Alma pueril ou mundana, animada pela curiosidade ingênua, cheia de assombro
diante do mínimo fenômeno instrumentado, brincando com a física para se distrair
e conseguir um pretexto pára uma atitude séria, acolhendo as ocasiões do
colecionador, passiva até na felicidade de pensar.
Alma professoral, ciosa de seu dogmatismo, imóvel na sua primeira abstração,
fixada para sempre nos êxitos escolares da juventude, repetindo ano após ano o seu
saber, impondo suas demonstrações, voltada para o interesse dedutivo,
sustentáculo tão cômodo da autoridade, ensinando seu empregado como fazia
Descartes, ou dando aula a qualquer burguês como faz o professor concursado.
Enfim, a alma com dificuldade de abstrair e de chegar à quintessência,
consciência científica dolorosa, entregue aos interesses indutivos sempre
imperfeitos, no arriscado jogo do pensamento sem suporte experimental estável;
perturbada a todo momento pelas objeções da razão, mas absolutamente segura de
que a abstração é um dever, o dever científico, a posse enfim purificada do
pensamento do mundo!
379
Sobre o Positivismo Jurídico, entende-se que este não atingiu seus objetivos. Apesar
de buscar conter as dificuldades da modernidade não está preparado para o fato de que a
sociedade está se alterando profundamente
380
. As idéias de soberania territorial, de
territorialidade da aplicação da lei, monismo jurídico, segurança jurídica, por exemplo, não
resistem a uma ordem mundial
381
.
A metafísica cartesiana desintegra a visão de mundo em universos separados.
Assim, constata-se que o racionalismo jurídico desembocará num sistema de regras jurídicas
378
WARAT, Luis Alberto. O outro lado da dogmática jurídica. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho
acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 174.
379
BACHELARD, op. cit., p. 12-13.
380
BARZOTTO, op. cit., p.10.
381
Aprofundamentos sobre o tema podem ser realizados através da consulta ao livro de IANI, Otavio. A era do
globalismo. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
154
estáticas e falsamente universais, imutáveis. Diante disso, verifica-se o perigo existente na
fundação do direito sobre um pensamento puro
382
.
Observa-se, ainda, a necessidade de novas teorias que enfrentem a sociedade
moderna e sua complexidade produzida pela possibilidade de se tomar decisões sempre
diferentes. Logo, se no velho paradigma, primava-se pela crença cartesiana-newtoniana da
certeza do conhecimento científico, em um novo modelo, entende-se que todas as concepções
e teorias científicas são limitadas e aproximadas. Isso porque a ciência nunca pode fornecer
uma compreensão completa e definitiva
383
, pois o conhecimento não pode ser visualizado
como algo terminado ou inquestionável. Ao contrário, o conhecimento deve estar sempre
buscando novas possibilidades e a evolução do saber.
Dessa forma, o Positivismo Jurídico
384
, que acabou se difundindo por todo o ocidente
como matriz teórica representante do direito, tornou-se limitado diante de uma sociedade
globalizada, ou transnacionalizada
385
.
Como pode ser percebido nos primeiros capítulos, ainda hoje encontramos no
pensamento jurídico, nas práticas educativas e em processos avaliativos a influência do
pensamento cartesiano-newtoniano. Segundo Villey, os dualismos mecanicistas pesarão por
muito tempo na consciência ocidental, uma vez que ainda somos seus prisioneiros. Fruto
dessa concepção se mantém a tradicional separação entre sujeito e objeto, homem e natureza,
conhecimentos morais e ciências ditas objetivas, valor e fato, ser e dever-ser, dentre outras
386
.
382
VILLEY, Michel de. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 2005, p.606-607.
383
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Tradução de Newton
Roberval Eichemberg. 5 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p.49.
384
Conforme foi demonstrado no primeiro capítulo, na concepção positivista, o que passa a ser suscetível de
conhecimento científico advém da lógica e da matemática. As leis que se extraem dos fatos sensíveis se
comprovam na experimentação. Nesse sentido, Larenz dirá que “neste ponto de partida do pensamento
positivista revela-se como paradigmático o modelo das ciências da natureza como ciências exatas, sendo, nessa
medida, o positivismo um ‘naturalismo’”. LARENZ, op. cit., p.42.
385
“A transnacionalização é a união de dois pólos espaciais inconciliáveis na lógica tradicional: o local e o
universal. [...] Trata-se da produção da simultaneidade entre a presença e a ausência que somente é possível
devido a sua impossibilidade. Este paradoxo é constitutivo da nova forma de sociedade que começamos a
experimentar, e, nesse sentido, é um convite a reinventar, uma vez mais, o político e o Direito”. ROCHA, Leonel
Severo. SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.45.
386
VILLEY, ibidem., p.605.
155
Em se tratando dessa concepção diferenciada entre sujeito e objeto, Luhmann
387
, ao
esclarecer o motivo pelo qual se recusa a adotar uma opção “puramente analítica” na
determinação de sua teoria, considera:
[...] Sin embargo, no se suprime la apreciación de que todo lo que se dice es dicho
por um observador. La teoría que deja la determinación de los limites al objeto, es
también una teoría de um observador. Pero este observador debe organizar la
observación em um nível de segundo orden en caso de que quiera hacer justicia al
objeto que por si mismo determina sus limites; o cuando menos admitir esto tan
solo como tema. El observador de segundo orden
388
debe observar su objeto como
si tratara de um observador; esto significa: como un objeto que se orienta a si
mismo mediante la distinción sistema/entorno
389
.
Na proposta construtivista, o conhecimento não se baseia na descoberta de uma
realidade pré-posta, mas na construção fundada em uma observação do que lhe parece ser
realidade. Desse modo, procura vencer a dicotomia clássica entre sujeito e objeto que suporta
a epistemologia tradicional
390
.
O direito, assim como as demais áreas do conhecimento, sofreu direta influência do
pensamento mecanicista, resultando na elaboração de teorias que, em busca de uma pureza
metódica, afastaram fatores considerados externos a ele. Essa tendência normativista acarreta
atualmente dificuldades epistemológicas
391
. Isso porque a epistemologia do neopositivismo
analítico tende a ser contraposta pela epistemologia construtivista (a qual será apresentada
mais adiante) que privilegia as características da sociedade atual
392
.
A pureza da teoria jurídica kelseniana revelou-se como um mito. De acordo com o
pensamento de Morin, hoje em dia é possível dizer que inexiste um fundamento único, último
387
Destaca-se que tal concepção será melhor desenvolvida nos próximos itens deste capítulo.
388
Para a teoria dos sistemas, o paradoxo somente é visível para o observador de segunda ordem, ou seja, um
meta-observador que indica os pontos onde as distinções se aplicando a si mesmas, impossibilitam-se. Através
da observação complexa, é possível visualizar os paradoxos quando se aplicam as distinções (meta-descrições)
sobre as distinções primeiras. ROCHA, Paradoxos da... op. cit., p.18.
389
LUHMANN, El derecho de... op. cit., p. 68-69.
390
ROCHA, Leonel Severo, DUTRA, Jéferson Luiz Della Valle. Notas introdutórias à concepção sistemista do
contrato. In: Anuário 2004. Programa de Pós-Graduação em Direito. Mestrado e Doutorado. São Leopoldo:
Centro de Ciências Jurídicas UNISINOS, 2004, p.286.
391
A Filosofia Analítica considera a epistemologia como um discurso que dispõe sobre as condições de
cientificidade de um saber. A procura de um rigor teórico tem sido condicionada (entre outros aspectos) a uma
ótica que situa o conhecimento como exterior ao objeto analisado, através da imposição de rígidos limites entre
o saber científico e o vulgar. Kelsen procura adaptar esta perspectiva para a teoria jurídica. ROCHA, Paradoxos
da... ibidem., p.20.
392
PAVIANI, op. cit., p.108-9.
156
e seguro do conhecimento
393
. Assim, faz-se necessário pensar em uma reformulação do
paradigma epistemológico dominante na modernidade.
Conforme o entendimento de Villey, infelizmente raríssimos serão os juristas que
aceitarão discutir Galileu, Bacon ou Descartes, pois todos são educados nos hábitos da
filosofia moderna, sendo pouquíssimos aqueles que têm a vontade de sair deles
394
. Nesse
sentido, convém lembrar o surgimento de alguns movimentos diferenciados do pensamento
jurídico atual, dentre os quais é possível apontar a invasão das posturas críticas do direito.
Apesar de se autodenominarem “críticas”, essas mantêm os principais equívocos dos
posicionamentos que criticam. Essas posturas recusam na sua totalidade a teoria anterior,
impondo um “novo” modelo alicerçado sobre antigas bases.
Santos, ao abordar os problemas existentes na tentativa de elaborar uma teoria
crítica, expõe o que segue:
Em resumo, as dificuldades em construir hoje uma teoria crítica podem formular-se
do seguinte modo. As promessas da modernidade, por não terem sido cumpridas,
transformaram-se em problemas para os quais parece não haver solução.
Entretanto, a condições que produziram a crise da teoria crítica moderna não se
converteram ainda nas condições da superação da crise. Daí a complexidade da
nossa posição transicional, que pode resumir-se assim: enfrentamos problemas
modernos para os quais não há soluções modernas. Segundo uma posição, que
podemos designar por pós-modernidade reconfortante, o facto de não haver
soluções modernas é indicativo de que provavelmente não há problemas modernos,
como também não houve antes deles promessas da modernidade. Há, pois, que
aceitar e celebrar o que existe. Segundo outra posição, que designo por pós-
modernidade inquietante ou de oposição, a disjunção entre a modernidade dos
problemas e a pós-modernidade das possíveis soluções deve ser assumida
plenamente e deve ser transformada num ponto de partida para enfrentar os
desafios da construção de uma teoria crítica pós-moderna
395
.
Diante do apontado acima, importa mencionar o pensamento de Rocha ao sustentar
que a preocupação com a Epistemologia tem sido tradicionalmente uma atitude autoritária,
pois esta não possui uma outra função senão a de impor um sentido uno, mesmo provisório,
aos saberes. Desse modo, torna-se uma postura que deve ser abandonada enquanto exterior
procura de verdades e, consequentemente, deslocada para o interior das relações sociais. Ou
393
MORIN, O pensar... op. cit., p. 22.
394
VILLEY, op. cit., p.754-755.
395
SANTOS, Boaventura de Souza. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição
paradigmática. v. 1. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000,
p. 29.
157
seja, numa ótica política plural, a epistemologia deve passar de crítica exterior do objeto a
objeto da crítica
396
.
Conforme previamente apresentado, a racionalidade mencionada conduziu a
formação do pensamento jurídico na modernidade influenciando fortemente o ensino do
direito. Segundo Streck, a crise do ensino jurídico representa uma crise do direito, a qual está
relacionada com uma crise de paradigmas que apresenta duas faces. A primeira delas é uma
crise do modelo decorrente da tradição liberal-individualista, de que os operadores do direito
são reféns. A outra, é a crise do paradigma epistemológico da filosofia da consciência. Como
fruto dessas crises, tem-se um direito alienado da sociedade
397
.
A aproximação do direito com a sociedade necessita da quebra de paradigmas. Para
tanto, é preciso adotar uma nova epistemologia, a qual trabalha com o conhecimento como
sendo uma mediação. Essa postura articula teoria e prática como indissociáveis, sendo a
única forma de conhecer o real
398
.
Uma das grandes dificuldades encontradas para que seja possível conhecer o real está
no fato de que todos aprenderam a lidar com o direito a partir de um prisma estático. Desse
modo, vê-lo em movimento torna-se alvo de inúmeras reações.
Diante de uma sociedade que se poderia chamar de transnacional, torna-se
necessário compreender o problema existente em manter uma perspectiva minimalista do
mundo. Nesse sentido, importa mencionar os esforços de Ludwig Von Bertalanffy ao
aprofundar, nos anos 50, a Teoria Geral dos Sistemas
399
partindo da idéia de que a maior
parte dos objetos da física, astronomia, biologia
400
e sociologia formam um sistema
401
.
396
Em seguida, o autor menciona a necessidade de se evitar a institucionalização do método, porque a sua
unificação, como toda a sistematicidade, elimina a liberdade de invenção e gera o autoritarismo da verdade
absoluta. Isso porque o discurso da ciência absoluta é uma das faces mais autoritárias do poder. Assim, a única
certeza que resta é a repulsa às concepções sistematizadas e fechadas dos saberes. ROCHA, Paradoxos da... op.
cit., p.31-32.
397
STRECK, op. cit., p.83-84.
398
ROCHA, Epistemologia Jurídica... op. cit., p.54.
399
Sobre o autor, consultar BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas. Tradução de Francisco
M. Guimarães. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1975.
400
Em se tratando especificamente da Biologia, importa mencionar que o centro de argumentação de Maturana e
Varela é constituído por duas vertentes: A primeira, sustenta que o conhecimento não se limita ao processamento
de informações oriundas de um mundo anterior à experiência do observador, o qual se apropria dele para
fragmentá-lo e explorá-lo. A segunda linha afirma que os seres vivos são autônomos, isto é, auto-produtores
capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio, ou seja, vivem no conhecimento e
158
Diferentemente da proposta mecanicista, que analisa o todo através da simples soma
das partes que o compõem, a percepção sistemista
402
observa o todo de maneira diferenciada.
Através de determinados conceitos
403
essa proposta altera o paradigma epistemológico e a
própria concepção de ciência. Diante do exposto, almejando apresentar de maneira clara e
resumida a diferença paradigmática existente no modo de observar o mundo, elaborou-se o
seguinte quadro comparativo:
Paradigmas
Cartesiano-newtoniano Complexidade
Teoria dos Sistemas Autopoiéticos
Relação todo/parte Relação sistema/entorno(ou ambiente)
Divisão sujeito/objeto Observação de segunda ordem
Universo determinista, ordenado e harmônico
Máquina, mecanicismo
Desordem, complexidade, contingência
Certeza Paradoxos, riscos
Unidade Diferença (unidade e multiplicidade)
Fragmentação Observação complexa (múltiplas influências)
Impossibilidade de relação entre diferentes
disciplinas
Interdisciplinaridade, Transdisciplinaridade,
Multidisciplinaridade
Epistemologia sistemática Epistemologia sistêmica (auto-referente)
Quadro 3 Comparativo entre paradigmas
Talcot Parsons possui papel de destaque na elaboração do pensamento sistêmico,
pois desenvolveu os primeiros elementos de uma linguagem conceitual geral para as ciências
sociais
404
, tendo, mais tarde, exercido significativa influência no pensamento de Niklas
Luhmann
405
.
conhecem no viver. Ver MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as
bases biológicas da compreensão humana. Tradução de Humberto Mariotti; Lia Diskin. São Paulo: Palas
Athenas, 2001, p.14.
401
A proposta sistêmica será apresentada em suas linhas gerais. A partir de seus principais conceitos, no próximo
capítulo serão analisadas as suas contribuições para o direito.
402
Niklas Luhmann foi um dos principais autores a desenvolver essa matriz teórica, tendo seu pensamento
revisto por diversos autores, dentre eles, Günther Teubner.
403
Tais conceitos serão desenvolvidos, em suas linhas gerais, mais adiante neste capítulo.
404
Parsons considerava os sistemas sociais como os constituintes do sistema mais geral de ação. Para ele,
existem dois sistemas de ação. O primeiro refere-se ao ambiente físico e o segundo é denominado “realidade
última”. PARSONS, Talcot. O Sistema das Sociedades Modernas. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo:
Pioneira, 1974, p. 15.
405
O pensamento de Luhmann pode ser dividido em duas fases, quais sejam: A primeira, datada do início dos
anos 60 até meados da década de 80, aperfeiçoa o estrutural-funcionalismo de Talcot Parsons, dirigindo-se para
uma concepção da teoria dos sistemas funcional-estruturalista, tendo por base a os conceitos de complexidade,
contingência e risco, e a diferenciação entre sistema e ambiente, através de um mecanismo de seleção de
equivalentes funcionais que servem para a redução de complexidade. Na segunda fase, Luhmann introduziu uma
nova concepção de sistema social, a qual fora produzida por dois biólogos e neurofísicos chilenos: Humberto R.
Maturana e Francisco Varela. Essa mudança implicou na substituição da teoria dos sistemas abertos,
caracterizada pela diferença entre sistema e ambiente, pela teoria dos sistemas autopoiéticos. Desse modo,
tomando como referência o conceito de autopoiesis, Luhmann passa a definir o sistema social como sistema
autopoiético, fechado e auto-referenciado. Consultar: NEVES, Clarissa Baeta (org), SAMIOS, Eva Machado
159
Luhmann entende estarem esgotadas as possibilidades da sociologia clássica para a
descrição da sociedade moderna. Por esse motivo, propõe a superação dos obstáculos
epistemológicos. Assim, os sistemas sociais vão se produzindo na sociedade com a função de
reduzir a complexidade
406
.
Diferentemente do modelo cartesiano-newtoniano, a concepção adotada por
Luhmann parte do fato de que toda observação e toda descrição devem apoiar-se numa
distinção. Para que algo possa ser designado deve ser, primeiramente, distinguido. Quando a
distinção destaca algo a separando de outras coisas, então se designam objetos. Em
contrapartida, se a distinção acontece mediante separação efetuada por noções contrárias,
então se designam conceitos. Dessa forma, um entendimento teórico do direito pressupõe a
formação de conceitos, pelo menos no sentido que aqui se esboçou
407
.
Com o intuito de construir uma teoria da sociedade como sistema social, Luhmann
pretende observar integralmente a sociedade
408
. Para tanto, torna-se necessário desenvolver,
de maneira relacionada, novas concepções, dentre as quais poderiam ser destacadas:
sociedade como sistema, evolução, diferenciação, comunicação e observação. Desse modo, o
sistema não deve ser mais tratado como “uno”, como um teórico da unidade, mas da
diferença. Esse esforço teórico é desenvolvido na nova teoria dos sistemas que os considera
como autopoiéticos
409
, auto-referentes, operacionalmente fechados
410
e cognitivamente
abertos
411
.
Barbosa. Niklas Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, Goethe-
Institut/ICBA, 1997, p. 10. e ROCHA; DUTRA, Notas introdutórias... op. cit., p.291.
406
AMADO, Juan Antonio Garcia. A sociedade e o direito na obra de Niklas Luhmann. In ARNAUD, André-
Jean (org.). Niklas Luhmann: do sistema social à Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 313.
407
LUHMANN, El derecho... op. cit., p.79-80.
408
Dentre as inúmeras características que podem ser atribuídas à sociedade, Luhmann destaca duas, quais sejam:
a complexidade e a contingência. “Como complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades
do que se pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas párea as demais
experiências poderiam ser diferentes das esperadas”. Ver Idem. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo
Bayer. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983, p.45.
409
Lembre-se que a aplicação do conceito de autopoiesis à teoria dos sistemas foi desenvolvida pelos biólogos
chilenos Maturana e Varela. Sobre isso, escrevem: “Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por
literalmente- produzirem de modo contínuo a si próprios, o que indicamos quando chamamos a organização que
os define de organização autopoiética. [...]”. MATURANA, VARELA, op. cit., p. 52.
410
NEVES, Clarissa Eckert Baeta. A Educação na perspectiva de Niklas Luhmann. In Encontro Anual da
Anpocs realizado em Caxambu, Minas Gerais. São Paulo: Anpocs, 2003, p.11.
411
Eis aqui o grande paradoxo do fechamento operacional, uma vez que esse representa a condição de abertura
dos sistemas cognitivos. Luhmann esclarece que os “sistemas abertos são aqueles que, através de relações de
trocas com seu ambiente, através de input e output, podem manter-se num estado de ordem complexa”. Ver em
LUHMANN, Niklas. Por que uma “Teoria dos Sistemas”? In NEVES; SAMIOS, op. cit., p.39.
160
Isso porque, embora exista articulação entre os sistemas, é possível verificar que os
subsistemas constituem unidades que vivem simultaneamente em clausura operacional e
abertura informacional cognitiva em relação ao respectivo meio envolvente
412
.
Para a teoria sistêmica, a sociedade é percebida como um sistema composto de
inúmeros subsistemas, ou sistemas parciais. Nesse contexto, a comunicação é o elemento que
constitui o sistema social e seus subsistemas
413
.
Assim, verifica-se que a extrema complexidade
414
apresentada por uma sociedade
de risco
415
revela a necessidade de um novo enfoque epistemológico à teoria do direito,
podendo esta ser analisada sob a ótica de uma matriz teórica de caráter pragmático-sistêmica.
Tal enfoque, que visa suplantar as tradicionais matrizes epistemológicas (adotadas pelo
direito), passa a ser apresentada a seguir.
5.2. OBSERVANDO O DIREITO A PARTIR DA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS
416
A contribuição da teoria dos sistemas sociais para o direito se deve, em primeiro
lugar, por ser um pensamento que amplia o olhar acerca do sistema jurídico
417
. Trata-se,
412
TEUBNER, O Direito... op. cit., p. 139.
413
Para Luhmann “A comunicação é a criação de uma realidade emergente, nomeadamente da sociedade que,
por seu lado, assenta na reprodução contínua da comunicação pela comunicação. Esta pode ser a causa de efeitos
de união nos sistemas conscientes individuais tanto como de irritações, dissociações e rejeições passageiras ou
pormenores”. LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicação. Tradução de Anabela Carvalho. 3 ed.
Lisboa: Veja, 2001, p. 71.
414
Complexidade, para Luhmann “non è um concetto dell’osservazione e della descrizione. [...] La distinzione
che constituisce la complessità há la forma di um paradosso: complessità è l’unità di uma molteplicità”. Idem;
DE GIORGI, Raffaele. Teoria della società. Teoria della società. Milano: FrancoAngeli, 1996, p.40-1.
415
Sobre risco, Rocha escreve que se trata da própria contingência, uma vez que uma decisão sempre implica a
possibilidade de que as suas conseqüências ocorram de maneira diferente. ROCHA, Introdução à... op. cit., p.
39. Informações mais detalhadas podem ser consultadas em BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una
nueva modernidad. Traducción Jorge Navarro. Barcelona: Paidós, 1998.
416
Antes de iniciar este item, ressalta-se que este trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema. Através dos
aportes fornecidos pela teoria dos sistemas sociais, busca-se uma observação diferenciada do sistema jurídico,
rompendo com o modelo paradigmático adotado pela modernidade. Ao longo do desenvolvimento do assunto,
serão recorrentemente utilizadas as obras de Niklas Luhmann, Gunther Teubner e Leonel Severo Rocha.
417
“De observador, passamos a observados (por nós mesmos) Mas o que vemos? O momento de reflexão diante
de um espelho é sempre muito peculiar, porque nele podemos tomar consciência do que, sobre nós mesmos, não
é possível ver de nenhuma outra maneira: como quando revelamos o ponto cego, que nos mostra a nossa própria
estrutura, e como quando suprimimos a cegueira que ela ocasiona, preenchendo o vazio. A reflexão é um
processo de conhecer como conhecemos, uma ato de voltar a nós mesmos, a única oportunidade que temos de
161
portanto, de uma percepção diferente daquela instituída pelas matrizes teóricas influenciadas
pelo pensamento cartesiano-newtoniano, as quais foram responsáveis por definir a
modernidade.
Diante do exposto, Antunes, ao escrever o prefácio da obra “O direito como sistema
autopoiético”, de Teubner, constata que o atual debate em curso na filosofia e na teoria do
direito parece dominado por um impasse: 1º) de um lado, temos as teorias analítico-
formalistas (de que a “Teoria Pura” ainda é paradigma). Essas estão centradas
exclusivamente na positividade do direito, estando alheias à relação entre direito e a
sociedade; 2º) de outro modo, as teorias sociológicas abordaram exaustivamente todo tipo de
interações sociais do direito, não fazendo justiça a sua própria autonomia. Assim, surge a
teoria dos sistemas autopoiéticos, a qual é capaz de oferecer ao direito a possibilidade de
ultrapassar a falsa alternativa entre um sistema normativo autônomo ou um sistema decisional
socialmente condicionado
418
. A teoria dos sistemas autopoiéticos parte da afirmação de que o
sistema do direito é um sistema parcial (subsistema) do sistema da sociedade
419
.
Através do paradigma sistêmico, o direito não será visto somente como conjunto de
regras ou normas jurídicas, mas como um complexo sistema parcial funcionalmente
diferenciado
420
. A partir da diferenciação entre sistema e ambiente (apresentada
anteriormente) o sistema social se diferencia funcionalmente formando subsistemas, os quais
desempenham uma função na sociedade
421
.
Luhmann adaptou a teoria para as ciências sociais através da compreensão de um
sistema social baseado na comunicação
422
. Através dos aportes fornecidos pela teoria
autopoiética, aplicada aos sistemas sociais, ele apresenta uma visão ampla do funcionamento
do direito e sua complexidade. Isso porque, diferentemente do que estabelece o pensamento
descobrir nossas cegueiras e reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são, respectivamente, tão
aflitivos e tão tênues quanto os nossos”. MATURANA; VARELA, op. cit., p. 29-30.
418
ANTUNES, José Engrácia. Prefácio. In TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1989, p. XIX-XX.
419
LUHMANN, El derecho ... op. cit., p.88.
420
Em obra italiana, Luhmann e De Giorgi estabelecem que “Da quando esiste la sociologia si occupa della
differenziazione. Verso la fine del secolo scorso il concetto di differenziazione permise alla sociologia di
abbandonare le teorie del progresso, di passare ad analisi strutturali e di recepire, comunque, dalle scienze
economiche la valutazione positiva della utilità della divisione del lavoro. [...]”. Idem; DE GIORGI, Teoria
della... op. cit., p. 247.
421
ROCHA; DUTRA, Notas introdutórias... op. cit., p. 292-293.
422
Lembre-se que, para Luhmann, “sem comunicação não existem relações humanas nem vida humana
propriamente dita”. LUHMANN, A improbabilidade... op. cit., p. 39.
162
tradicional, a explicação sistêmica se concentra e considera múltiplas influências,
possibilidades e interpretações. Busca ampliar o foco de observação e acatar a
complexidade
423
.
Segundo Rocha:
A sociedade contemporânea é constituída por uma estrutura paradoxal, na qual
ampliam-se a justiça e a injustiça, o direito e o não-direito, a segurança e a
insegurança, a determinação e a indeterminação. Em outras palavras, nunca a
sociedade foi tão estável e nunca a sociedade foi tão instável, pois a lógica binária
não tem mais sentido na paradoxalidade comunicativa
424
.
No caso do sistema jurídico, verifica-se que esse possui uma função e um código
binário (direito e não direito), os quais estão diretamente relacionados com o processo de
diferenciação funcional. Nesse sistema, especificamente, essa função passa a ser a redução da
complexidade social
425
. Desta forma, o principal problema trabalhado por Luhmann será
captar e reduzir complexidade do mundo
426
.
Luhmann esclarece que
O sistema opera de maneira seletiva, tanto no plano das estruturas como no dos
processos: sempre há outras possibilidades que se possam selecionar quando se
busca uma ordem. Justamente porque o sistema seleciona uma ordem, ele mesmo
se torna complexo, já que se obriga a fazer uma seleção da relação entre seus
elementos
427
.
A teoria Luhmanniana propõe alternativas epistemológicas na observação do
sistema jurídico. Desde o construtivismo radical de Von Förster, o qual foi seguido por
423
MÄDCHE; DUTRA, op. cit., p. 101.
424
ROCHA, Introdução à... op. cit., p.45.
425
Garcia Amado estabelece que “O problema desencadeante da gênese e manutenção da ordem social é
designado em Luhmann com dois conceitos estritamente relacionados: complexidade e dupla contingência”. Ver
em AMADO, Juan Antonio Garcia. A sociedade e o direito na obra de Niklas Luhmann. In ARNAUD, André-
Jean (org.). Niklas Luhmann: do sistema social à Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, p. 301.
426
Para que ocorra a redução da complexidade, o sistema desenvolve inúmeras estratégias, dentre as quais suas
podem ser apontadas: 1ª) transposição de problemas e 2ª) dupla seletividade. “A primeira estratégia dá-se a
redefinição do problema da complexidade do mundo em problemas do sistema. A complexidade do mundo como
ponto de referência de análise funcional, enquanto exterior ao sistema, precisa ser transformada em problemas de
sistema. [...] A dupla setetividade é para Luhmann a segunda estratégia a conduzir funcionalmente no interior do
sistema à redução da complexidade. Reduzir progressivamente a complexidade significa para o sistema aumentar
sua própria complexidade interna. Ela consiste, ao mesmo tempo, em proceder a seleção progressiva das
possibilidades do mundo e isto significa “ganhar espaços do mundo”, ordena-las na forma de código em
situações concretas. Esta era, originalmente, a concepção funcional de estrutura e processo para Luhmann”.
NEVES; SAMIOS, op. cit., p.12-3.
427
LUHMANN, Niklas. Introducción a la teoría de sistemas. México: Universidad Iberoamericana, 1996, p. 17.
163
Luhmann, busca-se descrever o modo como são utilizados os paradoxos do direito. Assim,
contrariamente ao modelo anterior, que primava pela certeza e segurança, a teoria dos
sistemas falará em paradoxos do direito como sendo uma condição necessária para a
compreensão e crítica do mesmo
428
.
Conforme pode ser visto no item anterior deste capítulo, o sistema do direito opera
na forma de comunicação, protegendo os limites que a sociedade mesmo traça. Com a ajuda
da teoria dos sistemas operacionalmente fechados, é fixada uma posição frente ao debate
sustentado por longo tempo entre a semiótica e a análise lingüística
429
.
Segundo Luhmann:
Se si descrive la società come um sistema, allora, dalla teoria generale dei sistemi
autopoietici, segue che si deve trattare di um sistema operativamente chiuso. Sul
piano, delle operazioni propie del sistema non c’è alcun contatto con l’ambiente.
Questo vale anche quando e su questo difficile principio, che contraddice
l’interna tradizione della teoria della conoscenza, dobbiamo richiamare
espressamente l’attenzione queste operazioni siano osservazioni oppure
operazioni la cui autopoiesi richiede um’autoosservazione. [...]
430
.
Na perspectiva sistêmica, a unidade de um sistema (incluindo suas estruturas e
limites) se produzirá e reproduzirá por meio de operações do próprio sistema. Esse fenômeno,
já apresentado acima, chama-se “fechamento operacional”, o qual é válido tanto para o
sistema da sociedade como para o sistema do direito. A forma de operação que produz e
reproduz o sistema da sociedade é a comunicação plena de sentido. Isto permite afirmar que o
sistema do direito (enquanto sistema parcial da sociedade), ao utilizar a forma operativa da
comunicação, não pode fazer outra coisa senão criar formas no meio de sentido através da
comunicação
431
.
Após considerar as características do fechamento operativo dos sistemas, importa
mencionar o seu caráter cognitivamente aberto. Tal compreensão é necessária para que se
428
No entendimento de Rocha, diferentemente do que propôs a lógica clássica, a teoria dos sistemas não propõe
a eliminação dos paradoxos, e sim a sua ampliação e seu desenvolvimento. Para tanto, é preciso perceber que os
paradoxos surgem quando as condições de possibilidade também são as condições de sua impossibilidade.
ROCHA, Paradoxos da... op. cit., p.17-8.
429
Diante do exposto, Luhmann afirma que a utilização apenas da perspectiva da linguagem impede a
compreensão do discurso jurídico como “autônomo”, ou como um sistema operacionalmente fechado.
LUHMANN, El derecho... op. cit., p. 90-91.
430
Idem; DE GIORGI, Raffaele. Teoria della...op. cit., p. 30.
431
Idem. El derecho... ibidem., p 89.
164
entenda o modo como o sistema jurídico se relaciona com seu ambiente e com os demais
subsistemas sociais
432
. Inicialmente, essas relações foram importadas dos modelos
cibernéticos
433
, utilizando-se dos conceitos de input/ouput para o desenvolvimento da teoria
dos sistemas abertos. A perspectiva aberta dos sistemas implica em considerar os estímulos
ocasionados por informações provenientes de seu meio envolvente
434
. Tal acontecimento
poderá ser denominado de irritação ou perturbação. No pensamento de Luhmann, “El sistema
autopoiético no es teleológico no opera em función de um fin -, encuentra asociado a una
historia mutua de câmbios concordantes com el entorno. A este procedimiento se lê lhama
‘acoplamiento estructural’”
435
.
Diante do exposto, observa-se que a perspectiva operativa fechada do sistema jurídico
é o que lhe possibilita adquirir autonomia. Entretanto, tal sistema também se apresenta como
cognitivamente aberto. Ambos os aspectos suscitados serão responsáveis pela consideração
dos sistemas enquanto autopoiéticos. Sobre o tema, Teubner esclarece:
A teoria autopoiética oferece uma análise das soluções da prática jurídica para o
problema da indeterminação do direito graças à conjugação dos seguintes
elementos: auto-referência
436
, paradoxo, indeterminação e estabilidade através de
valores próprios. Através da aplicação da sua própria distinção entre legal/ilegal, o
sistema jurídico constrói-se a si mesmo na base de um círculo auto-referencial
437
.
432
Diferentemente do que propõem alguns autores, nas relações intersistêmicas nenhum subsistema pode
pretender ter uma posição privilegiada em relação aos demais. Rocha e Dutra escrevem que tal fato não é
possível nem mesmo na Economia, conforme descrevem alguns autores. Ver ROCHA; DUTRA, Notas
introdutórias... op. cit., p. 292.
433
Maturana e Varela desenvolvem o tema ao escreverem que “Essa ciência foi definida originalmente por
Norbert Wuiner como ‘a ciência do controle e a comunicação em sistemas complexos (computadores, seres
vivos)’, ainda que sua versão moderna (Pask, Von Foerster) se refira a ela como o estudo das relações (de
organização) que os componentes de um sistema devem ter para existir como uma entidade autônoma”.
MATURANA; VARELA. Op. cit., p. 36.
434
O assunto remete ao denominado por Luhmann e De Giogi como acoplamento estrutural. Segundo o autor:
“Attraverso accoppiamenti strutturali um sistema può essere raccordato a sistemi altamente complessi
dell’ambiente, senza che esso debba raggiungere o ricostruire la loro complessità. La complessità di questi
sistemi dell’ambiente resta intrasparente per il sistema, essa non viene neppure ripresa dal sistema nel proprio
modo di operare perchè, per usar ela terminologia di Ashby, per questo manca la requisite variety. Essa viene
ricostruita nel próprio operare per lo piú nella forma di pressupposto e disturbio o di normalità e irritazione.
[...]”. LUHMANN; DE GIORGI, Teoria della... op. cit., p.35.
435
Idem.; SCHORR, Karl Eberhard. El sistema educativo: problemas de reflexión. México: Universidad de
Guadalajara, Universidad Iberoamericana, Instituto Tecnológico y de Estúdios Superiores de Occidente, 1993, p.
25.
436
Sobre referência sistêmica, importa mencionar que “se entiende la referencia de um sistema con respecto a su
entorno. A partir de cada sistema parcial se dan tres tipos de referencias sistémicas: la referencia al sistema total,
la referencia a otros sistemas parciales y la referencia a sí mismo, y todo ello com distintos entornos em cada
caso. [...]” Idem. Ibidem., p. 49.
437
TEUBNER, O Direito... op. cit., p. 24.
165
A teoria da autopoiesis abre uma ruptura com o tradicional tabu da circularidade
através da introdução de uma nova perspectiva. Essa noção busca lidar com a questão da auto-
referência e pretende fazer da circularidade um modelo válido. Pretende-se, assim, apresentar
uma nova postura espistemológica que se “assente no postulado de que a realidade possui,
independentemente mesmo do conhecimento humano e da sua apreensão cognitiva, uma
estrutura circular
438
. Luhmann, ao tratar sobre o assunto, escreve que “toda comprensión
tiene que ver con situaciones circulares, con situaciones que em si mismas remiten a si
mismas [...]”
439
.
Assim, pode-se descrever o direito como um sistema autopoiético e auto-
diferenciador, pois é ele mesmo quem produz todas as distinções e descrições que utiliza, e a
unidade do direito vincula-se com a sua auto-produção: “autopoiesis”. De acordo com isto, a
sociedade deve ser tratada como o ambiente social que possibilita e suporta esta auto-
produção
440
.
O sistema jurídico é constituído por atos de comunicação particulares. Tal sistema se
reproduz através de atos jurídicos que geram novos atos jurídicos. Esses atos comunicativos,
próprios do subsistema jurídico, regulam-se a partir de expectativas
441
jurídicas
especializadas, as quais vinculam os processos sistêmicos internos, permitindo a fixação de
suas fronteiras. Em todas essas operações, o sistema jurídico, ao descrever seus componentes
utilizando suas próprias categorias, começa a estabelecer normas reguladoras das suas
próprias operações, estruturas, processos, limites, meio envolvente e até sua própria
identidade. A definição do seu meio envolvente
442
é denominada por Teubner como
“realidade jurídica”
443
. Buscando tornar didática a perspectiva adotada pelo autor, elaborou-se
uma representação acerca das considerações referidas, a qual pode ser conferida abaixo:
438
TEUBNER, O Direito... op. cit., p.21.
439
LUHMANN, Teoría de...op. cit., p. 93.
440
Idem. El derecho... op. cit., p.85.
441
Sobre expectativas, Lhumann escreve que a função da complexidade é a de aumentar a complexidade dos
sistemas sociais, aumentando assim o âmbito de experiência e de ações expectáveis de forma a adequar-se a um
mundo complexo, com múltiplas situações e exigências instáveis. Idem. Teoría de... ibidem., p.50.
442
Sobre o tema, importa referir o pensamento luhmanniano ao considerar que “[...] Diferenciación del sistema
significa la formación de sistemas parciales. Esto se lleva a cabo de tal manera que dentro del sistema de la
sociedad se diferencian otros sistema sociales que operan bajo circunstancias determinadas y para los cuales el
resto de la sociedad constituye el entorno. Em analogia com el uso del idioma em la biologia, hablaremos de um
entorno intrasocial. El concepto, aparentemente paradójico, de um entorno interno indica que deben analizarse
simultáneamente varias referencias del sistema al mismo tiempo”. Idem; SCHORR, El sistema... op. cit., p. 37.
443
TEUBNER, O Direito... ibidem., p.140.
166
Figura 22 Ilustração: Graus de autonomia dos sistemas parciais da sociedade
O esquema demonstrado acima representa o processo comunicativo existente para o
surgimento de um subsistema social autônomo. Para Teubner, a chave para a sua
compreensão reside na relação tripartida entre auto-observação, auto-constituição e auto-
reprodução. Através das operações sistêmicas, o sistema começa a constituir seus próprios
componentes, conduzindo à emergência de círculos auto-referenciais em relação aos atos
jurídicos, normas jurídicas, processos jurídicos e dogmática jurídica
444
.
Nafarrate descreve o modelo autopoiético como sendo circular, não tendo mais
sentido falar em causas e efeitos. Tudo o que ocorre em um sistema se encontra determinado
por sua própria organização (e não pelas perturbações provenientes do meio ambiente).
Conforme pode ser visto, os sistemas autopoiéticos se encontram associados a uma história
mútua de trocas com o ambiente. Esse procedimento é denominado pelo autor de acoplamento
estrutural
445
.
Esse processo de autonomia dos sistemas autopoiéticos comunicativos está
intimamente relacionado com a complexidade das sociedades Pós-Modernas, pois conforme
estabelece Teubner, o princípio da complexidade social adequada, tomado de Luhmann,
estabelece que a ordem legal das sociedades deve ter mecanismos que lhe permitam operar
em um entorno complexo de subsistemas semi-autônomos funcionalmente diferenciados.
Logo, chega-se à conclusão de que uma ordem legal Pós-Moderna deve estar
orientada a processos auto-reflexivos em subsistemas sociais diferenciados
446
.
444
TEUBNER, O Direito... op. cit., p.70.
445
NAFARRATE, Javier Torres. Nota a la versión en español. In LUHMANN, Niklas e SCHORR, Karl
Eberhard. El sistema educativo: problemas de reflexión. México: Universidad de Guadalajara, Universidad
Iberoamericana, Instituto Tecnológico y de Estúdios Superiores de Occidente, 1993, p. 25.
446
TEUBNER, Gunther. Elementos materiais e reflexivos no direito moderno. In La fuerza del derecho: Pierre
Bourdieu y Gunther Teubner; estúdio preliminar y traducción Carlos Morales de Setién Ravina. Santafé de
Atos / circuitos de comunica
ç
ão
Sistemas
autopoi
é
ticos
de segundo grau (autonomia)
sociedade
Autonomia
Meio envolvente
Fronteiras
Identidade
Atos / circuitos de comunica
ç
ão espec
í
ficos
Atos / circuitos de comunica
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Sistemas
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sociedade
Autonomia
Meio envolvente
Fronteiras
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Atos / circuitos de comunica
ç
ão espec
í
ficos
167
Diante do exposto, convém destacar os três tipos existentes de referências
sistêmica
447
: referência ao sistema total, referência a outros sistemas parciais e referência a si
mesmo. A primeira forma aborda a função dos sistemas parciais em relação ao sistema social
em sua totalidade (o vínculo já relatado entre sistema e entorno). Já a referência a outros
sistemas ocorre quando há o entrelaçamento de sistemas diferenciados (estando relacionada
com as intervenções intersistêmicas). Por fim, a terceira forma, também denominada de
reflexão, relaciona-se com a possibilidade de um sistema diferenciado referir-se a si
mesmo
448
.
O conceito de reflexão também é desenvolvido pela teoria de Teubner ao explica que a
crise do direito moderno está ligada a insuficiência do modelo de racionalidade empregado
pelo direito, um modelo que corresponde a necessidades funcionais de uma sociedade distinta
desta em que vive o homem contemporâneo e que exige mecanismos novos, mecanismos
reflexivos de resolução de conflitos
449
.
Segundo o autor, o conceito de reflexividade deve ser observado através de duas
delimitações: 1º) deve avaliar qual a posição atual do direito no contexto de uma sociedade
funcionalmente diferenciada; e 2º) deve determinar quais as conseqüências operacionais dessa
avaliação. Assim, segundo o autor, só se pode falar de direito reflexivo “se o sistema jurídico
se identifica a si mesmo como um sistema autopoiético, e extrai dessa auto-identificação
conseqüências operacionais”
450
.
Teubner, respondendo às críticas realizadas por Rottleuthner em relação à linguagem
da teoria dos sistemas autopoiéticos
451
, desenvolve uma representação esquemática da
compreensão dos graus de autonomia através da articulação hipercíclica do sistema jurídico.
Bogotá: Siglo del Hombre Edittores, Faculdad de Derecho de la Universidad de los Andes, Ediciones Uniandes,
Instituto Pensar, 2000, p. 93.
447
Por referência sistêmica, entenda-se a referência de um sistema em relação ao seu ambiente.
448
LUHMANN; SCHORR, El sistema... op. cit., p. 49-51.
449
RAVINA, Introdução... op. cit., p. 18.
450
TEUBNER, O Direito... op. cit., p.138-139.
451
A crítica mencionada por Rottleuthner, também compartilhada por muitos críticos da teoria dos sistemas,
refere-se à obscuridade e ausência de clareza terminológica e conceitual da teoria. O próprio Luhmann escreve
sobre a crítica realizada aos conceitos da teoria. Tal afirmação fica evidente quando o autor manifesta que:
“Assim como outras teorias, a Teoria dos Sistemas também tem desvantagens. A desvantagem da Teoria dos
Sistemas (se é que isso pode ser considerado realmente como desvantagem) está na grande complexidade e na
abstração de seus conceitos. Seu campo conceitual é interdisciplinar e sua compreensão seria apenas
fragmentária se se recorresse aos meios habituais das disciplinas científicas. Nenhum jurista pode estar
informado adequadamente, principalmente devido aos rápidos desenvolvimentos científicos e tecnológicos.
168
Segundo ele, se aplicada a idéia de hiperciclo ao direito, é possível constatar que a autonomia
se desenvolve em três fases: 1ª) denominada de direito socialmente difuso, 2ª) direito
parcialmente autônomo, e 3ª) direito autopoiético. Abaixo, encontra-se a representação
realizada pelo autor
452
:
Figura 23 Ilustração: Fases da autonomia jurídica segundo Teubner
Cumpre ressaltar ainda que o sistema jurídico é capaz de detectar a presença de
conflitos no seu meio envolvente através de sensores especificamente jurídicos, os quais
podem ser verificados por meio de conceitos apresentados pela doutrina ou mesmo por
Deste esforço teórico não deveriam ficar excluídas as aplicações práticas, mas na realidade estas surgem
esporádica e pontualmente: por causalidade e mais bem em forma de estímulos que de conclusões lógicas. Por
isso, desde o princípio, renuncia-se a idéia de uma teoria que pudesse orientar a prática, descreve-se o sistema do
direito como um sistema que se observa e se descreve a si mesmo e que, por conseguinte, ao desenvolver suas
próprias teorias se comporta de maneira construtivista; quer dizer: sem nenhuma intenção de representar o
mundo exterior ao sistema”. LUHMANN, El derecho... op. cit., p.77.
452
Em se tratando da primeira fase, direito socialmente difuso, Teubner afirma que os elementos, estruturas,
processos e limites do discurso jurídico são idênticos aos da comunicação social geral ou, pelo menos,
determinados heteronomamente por esta última. Já a segunda fase, direito parcialmente autônomo, possui lugar
quando o discurso jurídico começa a definir seus próprios componentes e a usá-lo operativamente. O direito
apenas ingressa na terceira e última fase ao tornar-se autopoiético, momento em que os componentes do sistema
são articulados entre si num hiperciclo. Essas informações, bem como o esquema reproduzido acima, encontram-
se na obra TEUBNER, O Direito... op. cit., p.77-78.
169
normas definidoras dos limites jurídicos. Tais conflitos são previstos por expectativas
jurídicas e processados através de normas, processos e doutrinas jurídicas. Em sua aplicação,
é possível identificar a produção de uma decisão final e imperativa de resolução do conflito, a
qual poderá ligar-se, no futuro, a novas comunicações jurídicas
453
.
Conforme pode ser percebido, com o conceito de observação sistêmica explora-se o
caminho de uma epistemologia construtivista considerada de maneira geral. Nesta
epistemologia não somente se quer incluir os sistemas especializados na cognição, mas todo o
tipo de sistemas que usam observações auto-produzidas para regular sua relação com o
ambiente. Por conseguinte ficam incluídos sistemas como a religião, a arte, a economia, a
política e, sobre tudo, o direito. A reunião de construções tão diversas e policontextuais deve
ser efetuada a partir da teoria dos sistemas autopoiéticos
454
.
Nesse sentido, escreve Rocha:
A teoria autopoiética, ao contrário do que muitos pensam, não tem o escopo de
solucionar todos os problemas do Direito, mas sim possibilitar, através de uma
visão complexa da sociedade e do Direito, a potencialização dos sistemas
complexos e suas observações para a construção de respostas a perguntas as quais
não sabemos o conteúdo. Assim, deve-se estar preparado para responder às
perguntas da voraz Pós-Modernidade [...] inserida em uma Matriz Epistemológica
Pragmática (Sistêmica), onde o sistema (auto)observa-se a fim de permitir a
operacionalidade do sistema num processo de desparadoxização dos paradoxos da
auto-referência
455
.
Os conceitos desenvolvidos (mas não esgotados) até o momento revelam uma nova
perspectiva no modo de observar o direito. Diferentemente do modo como a teoria do direito
tradicional abordou a questão, a teoria dos sistemas autopoiéticos permite um novo olhar do
sistema jurídico integrado com os demais subsistemas sociais e o próprio ambiente do sistema
social. Com isso, pretende-se observar a sociedade em sua totalidade. Especialmente em
Luhmann, a teoria crítica da sociedade está relacionada com o interesse na análise da
453
TEUBNER, O Direito... op. cit., p 142.
454
LUHMANN, El derecho... op. cit., p.69.
455
ROCHA, Leonel Severo; CARVALHO, Delton Winter de. Auto-referência, Circularidade e Paradoxos na
Teoria do Direito. In ROCHA, Leonel Severo (org.); MORAIS, José Luis Bolzan de; STRECK, Lênio Luiz.
Anuário 2002. Programa de Pós-Graduação em Direito. São Leopoldo: Centro de Ciências Jurídicas
UNISINOS, 2002, p.252.
170
sociedade como um todo, sendo necessário observar as implicações sociais, econômicas,
políticas
456
, jurídicas, educacionais e outras
457
.
Diante do exposto ao longo deste capítulo, é possível observar que o enfrentamento
dos desafios da complexidade do mundo encontra resposta na matriz sistêmica proposta pela
teoria de Luhmann e também desenvolvida por Teubner. Tal referencial teórico possibilita a
(re)construção da teoria jurídica sob novos postulados, não mais centrados em uma percepção
influenciada pela perspectiva reducionista cartesiana-newtoniana
458
. Sua construção teórica
possibilita a abordagem de um outro subsistema de grande importância para a compreensão
deste trabalho: trata-se da observação do sistema funcional educativo (aplicado ao direito), o
qual passa a ser desenvolvido no item que segue.
5.3 REFLETINDO A EDUCAÇÃO (JURÍDICA) SOB UM OLHAR SISTÊMICO
459
Conforme estabelece a teoria dos sistemas, o sistema da sociedade moderna
caracteriza-se pela diferenciação funcional
460
. As funções dos sistemas são orientadas por
uma grande quantidade de possibilidades, pontos de vista de comparação entre possibilidades
456
BÜLLESBACH, Alfred. Princípios de teoria dos sistemas. In KAUFMANN, Arthur (org.); WINFRIED,
Hassemer (orgs.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Tradução de
Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Revisão Científica e coordenação de António Manuel Hespanha.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 409.
457
Contudo, a perspectiva adotada por Teubner recusa-se a aceitar a preponderância de um sistema sobre o
outro, bem como o contato direto de um para com o outro. Sobre possibilidades de intervenção intersistêmica, o
autor aponta três formas de intervenções indiretas entre os sistemas. São elas: 1ª) observação sistêmica mútua,
2ª) articulação pela interferência e 3ª) comunicação pela organização. Informações detalhadas podem ser
consultadas em TEUBNER, O Direito... op. cit., p 155-199.
458
Segundo Mèlic: “[...] Luhmann combate de nuevo la metafísica ontológica que según sus propias palabras
estaba obligada a subestimar la dimensión social de todo experimentar pensando que la razón (el buen sentido)
era lo que mejor estaba repartido del mundo. La referencia al Discurso del método de Descartes es evidente. Al
inmovilismo e unmutabilidad de la ontologia tradicional, Luhmann le opone la dinamicidad del sistema. [...]”.
MÈLIC, Joan-Charles. Introducción: el laberinto de la teoría de la sociedad. In LUHMANN, Niklas. Teoría de la
sociedad y pedagogia. 1 ed. Barcelona: Paidós, 1996, p. 16.
459
A abordagem do tema será desenvolvida através dos aportes fornecidos pela teoria luhmanniana. Para tanto,
importa mencionar a existência de apenas duas obras acessíveis a consultas sobre o sistema educativo na obra e
Luhmann. Serão utilizados como principais referenciais deste capítulo os livros: Idem; SCHORR, El sistema...
op. cit. e Idem. Teoría de... ibidem. Destaca-se, ainda, a utilização do trabalho de NEVES, A Educação... op. cit.
460
Para Luhmann e De Giorgi: “È difficile determinare quali siano stati gli inizi di questo processo di
differenziazione, perchè non è possibile delimitarli rispetto a ciò che chiamiamo preadaptive advances. Decisivo
è il fatto che, ad um certo momento la ricorsività della riproduzione autopoietica comicia a comprendere se
stessa e raggiunge uma chiusura a partire dalla quale, per la política conta solo la política, per l’arte solo l’arte,
per l’educazione solo la predisposizione e la disponibilità all’apprendimento, per l’economia solo il capitale e il
profitto, mentre i corrispondenti ambienti sociali interni. [...] LUHMANN; DE GIORGI, Teoria della... op. cit.,
p.290-291.
171
realizadas e outras que estão por se realizar. No entendimento de Luhmann, toda observação e
toda descrição devem apoiar-se numa distinção, pois para que algo possa ser designado, deve
ser, primeiramente, distinguido
461
.
Dentre os subsistemas existentes, este capítulo se propõe a abordar o sistema
educativo. Através de conceitos desenvolvidos principalmente por Luhmann, pretende-se
abordar os elementos que caracterizam o sistema educativo enquanto sistema parcial
diferenciado funcionalmente.
Inicialmente, importa mencionar as considerações de Mèlic ao relatar que a teoria
desenvolvida por Luhmann é pouco utilizada na área da Pedagogia. Segundo o autor, a
cibernética tem exercido forte influência no desenvolvimento das teorias pedagógicas. Os
pedagogos permanecem citando Bertalanffy e ignorando as contribuições apresentadas pela
perspectiva luhmanniana
462
.
Luhmann sustenta que a ambição crítica e social da pedagogia elaborada nas últimas
décadas oferece poucos elementos úteis, uma vez que articulou as relações entre educação e
sociedade de maneira deficiente em muitos sentidos, não desenvolvendo uma base teórica
social suficiente. Para o autor, os pedagogos estavam preocupados com o ser humano a ser
educado, ignorando as contingências sociais
463
.
Segundo Rocha, a educação é a melhor forma de construção de uma sociedade mais
científica e democrática. Entretanto, carece de observações diferenciadas acerca de seus
labirintos de significações, e das formas com as quais se comunicam frente às perspectivas da
complexidade
464
.
Apesar de ignorado por muitos autores da área da educação, o pensamento de
Luhmann aplicado à perspectiva do sistema educativo apresenta interessantes percepções para
a observação do mesmo. Para o pensamento luhmanniano, as teorias sociais que não
observam o sistema educativo como um sistema autopoiético cometem, pelo menos, seis
erros, quais sejam:
461
LUHMANN, El derecho... op. cit., p.79.
462
MÈLIC, op. cit., p. 09.
463
LUHMANN; SCHORR, El sistema... op. cit., p. 32 e 58.
464
ROCHA, Direito Educacional... op. cit., p.07.
172
1) Non pueden percibir la dinámica específica de lo educativo. 2) No tienen la
suficiente sensibilidad para detectar el tiempo própio de lo educativo y lo
confunden com el de las urgencias del entorno. 3) Dan preeminência al ser social
del entorno y tratan los câmbios sociales como idénticos para todos los sistemas. 4)
No se dan cuenta de que todas las perturbaciones sociales non hacen sino generar
uma dinámica de evolución, propia solamente del sistema educativo. 5) Hablan de
retroalimentación social com respecto a la sociedad suponiendo de antemano
que el sistema educativo existe em aras de la sociedad, y olvidan que el sistema
educativo es una función de la sociedad. 6) No se dan cuenta de que todas las
reformas y los câmbios, em el sistema educativo, están posibilitados previamente
por el mismo sistema
465
.
As críticas realizadas por Luhmann às teorias que não concebem o sistema educativo
como sistema autopoiético se sustentam em alguns pressupostos que o autor utiliza para
demonstrar a existência do sistema educativo enquanto subsistema funcional da sociedade.
Através de operações próprias, esse sistema contém alguns pressupostos, os quais são
apresentados pela teoria luhmanniana ao elaborar uma teoria da educação. Os pressupostos
são:
a) levando em consideração que todo sistema social é autopoiético, as diferenças do
sistema educacional são produzidas pelo próprio sistema;
b) educação é a intenção de educar, a qual não deve ser tratada do ponto de vista do
sujeito, como faz a fenomenologia, mas da ótica dos sistemas;
c) não existe um fim da educação, pois o sistema educacional é autopoiético,
operacionalmente fechado, acoplado estruturalmente, reproduz-se por e desde si mesmo
466
;
d) o processo educacional também é orientado por um código binário;
e) o educando é uma máquina não trivial
467
.
Em se tratando do primeiro ponto proposto, importa relembrar que a diferenciação de
um sistema implica na formação de sistemas parciais. Sendo resultado de um contexto
histórico determinado, a diferenciação do sistema educativo ocorreu no início do século
XVIII, período em que existia uma crescente organização estatal do sistema político
468
. Nesse
contexto, a educação passou a ter funções diferenciadas em relação à religião e aos
465
NAFARRATE, op. cit., p. 28.
466
Antunes lembra que “Um sistema autopoiético constitui um sistema auto-referencial no sentido de que os
respectivos elementos são produzidos e reproduzidos pelo próprio sistema graças a uma seqüência de interação
circular e fechada”. ANTUNES, op. cit., p.X.
467
NEVES, A Educação... op. cit., p.17.
468
Ressalta-se que, nesta época, constata-se a existência de outros sistemas parciais, dentre os quais podem ser
destacados o subsistema científico, político, econômico e religioso.
3
ensinamentos da Igreja. A partir desse momento, é possível educar dentro de um subsistema
próprio para outros sistemas (dentre os quais pode ser mencionado o sistema do direito).
Com a diferenciação funcional do sistema educativo a família perdeu a posição central
na educação, cedendo espaço para o ingresso na escola e na sociedade. Entretanto, Luhmann
observa que a escola, enquanto instituição especial de um sistema funcional, não é
representativa da vida social, somente socializa em termos escolares e não sociais
469
.
Na segunda metade do século XVIII, a literatura francesa passa a defender uma
educação pública, voltada para o Estado
470
. O surgimento de uma educação nacional fez com
que a família passasse a desenvolver um papel secundário, atuando paralelamente na
preparação do educando.
Através do currículo e das interações efetuadas pelo ensino, inicia-se o
reconhecimento da diferenciação do sistema educacional. A partir da autonomização do
subsistema educativo, é importante compreender que esse não pode ser confundido com
elementos de outros subsistemas sociais, como por exemplo, a economia e a política.
Considerando o exposto, verifica-se que grande parte dos entrevistados descreve a
existência de uma vinculação entre o sistema educativo com os sistemas político e econômico.
Entretanto, tal perspectiva deve ser considerada com ressalvas. No entendimento de
Luhmann, não compete ao sistema educacional tomar decisões políticas, contudo, este está
atrelado a tais decisões quando se trata de planos de aula, ordenamento de avaliação,
distribuição de disciplinas, etc. Segundo o pensamento sistêmico, algumas redes vêm sendo
alcançadas, envolvendo partidos políticos e a administração educacional. Assim, a política
educacional e a universitária é parte importante da política simbólica, onde se podem
comprovar atividades no nível das falas e decisões
471
.
A abordagem apresentada acima possibilita considerar algumas iniciativas da
comunidade acadêmica na tentativa de influenciar as decisões políticas no que tange às
Diretrizes Curriculares dos Cursos Jurídicos, tempo de duração dos cursos e critérios de
469
LUHMANN; SCHORR, El sistema... op. cit., p. 39.
470
Idem. Ibidem., p.46.
471
NEVES, A Educação... op. cit., p.26.
174
avaliação. Nesse sentido, destaca-se o papel desempenhado pela ABEDI, ALMED, OAB e
outros.
A questão suscitada remete à pesquisa de campo (referida nos primeiros capítulos)
acerca da posição dos coordenadores de curso entrevistados em relação ao ensino jurídico.
Conforme foi constatado, grande parte dos entrevistados manifestou a preocupação de suas
instituições com os impactos econômicos causados pela divulgação da avaliação OAB
Recomenda, bem como a inserção de seus egressos no mercado de trabalho. Além do aspecto
financeiro, em alguns momentos foram levantadas suspeitas acerca das relações políticas
existentes entre os cursos recomendados e os membros integrantes das Comissões de Ensino
Jurídico da Ordem.
Da mesma forma, em se tratando especificamente do ensino jurídico, é possível
questionar o que segue: Qual o papel do Ministério da Educação no controle de qualidade dos
cursos de direito no país? A OAB possui esta mesma legitimidade? De que modo a
publicação de um rol de cursos avaliados influencia o funcionamento do sistema educativo
(jurídico)? Essas tentativas de controle influenciam o sistema educativo?
Assim, embora a OAB mantenha um papel importante na busca da qualidade dos
cursos jurídicos do país, jamais poderá desenvolver a função própria do sistema educativo.
Suas iniciativas podem causar ruído/perturbação, contudo, as modificações do sistema
educativo somente poderão ocorrer através de suas próprias operações. Além disso, em
termos sistêmicos, a sua atuação, no que tange à fiscalização dos cursos jurídicos, seria
questionável.
Fazendo uma leitura luhmanniana sobre o tema, é possível afirmar que o sistema
educacional será percebido tanto do ponto de vista de sua auto-referência, quanto da
existência de referências externas. Essa relação, com o ambiente e com os demais subsistemas
sociais, é processada no interior do próprio sistema, não ocorrendo diretamente entre um
sistema e outro, conforme a leitura de alguns autores.
Apesar das tentativas, no entendimento da teoria dos sistemas, a decisão somente pode
partir de operações realizadas no interior do próprio sistema funcional. Na perspectiva
luhmanniana, é preciso compreender que os elementos dos sistemas econômico e político não
175
se confundem com os do sistema educativo. Ademais, ressalta-se novamente a
impossibilidade de sobreposição de um sistema em relação aos demais, pois nenhum sistema
pode desempenhar as funções de outro
472
.
Tal concepção torna-se fundamental em virtude do necessário caráter operativo
fechado dos sistemas parciais. No entanto, Neves esclarece que isso não significa que, no
sistema educacional, poder e custo não tenham nenhuma importância. Diante disso, na
perspectiva sistêmica, em que pese sejam observados regulamentos jurídicos e dependências
financeiras, eles jamais poderão ser utilizados pelo sistema educativo como fonte de poder
para dominar tendências pedagógicas e substituí-las por outras coisas
473
. De acordo com o
desenvolvimento do item anterior deste capítulo, é possível observar que o caráter
autopoiético do sistema educativo implica na utilização de operações pedagógicas produzidas
pelo próprio sistema.
Para Luhmann:
[...] el sistema educativo puede autoobservarse, distinguiendo las actividades
propias de aquellas que atribuye al entorno, es decir, por ejemplo de la política, de
la aspiración al beneficio econômico, de la religión, del arte. De outro modo no se
podría llegar siquiera a la idea de dar clase sobre política, sobre arte, etc
474
.
O segundo aspecto levantado por Luhmann refere-se à intenção de educar, não
devendo ser tratada do ponto de vista do sujeito
475
. Esse é um dos aspectos mais questionados
por parte de alguns críticos da matriz sistemista, os quais a rotulam como sendo anti-
humanista.
Sobre o aspecto levantado, Rocha e Dutra esclarecem que tal mal entendido ocorre
porque o conceito de pessoa/sujeito, para a teoria dos sistemas, é substituído pelo de
comunicação. Essa matriz teórica rejeita conceitos humanistas e antropocêntricos porque
representam uma única possibilidade de fundamentar cientificamente e não metafisicamente a
noção de sujeito. A perspectiva sistemista considera a pessoa como integrante do ambiente do
sistema. É no ambiente, formado pelo conjunto de individualidades, que se reflete toda a
472
Esse acontecimento implicaria no conceito de “corrupção” utilizado pelo pensamento sistêmico.
473
NEVES, A Educação... op. cit., p.18.
474
LUHMANN, Teoría de... op. cit., p. 144.
475
Isso porque Luhmann rejeita o modo como a fenomenologia abordou o tema.
176
complexa rede de comunicação também chamada sociedade
476
. Sendo assim, as
manifestações referidas (de alunos e coordenadores) são consideras formas comunicativas do
sistema social.
Através da teoria dos sistemas autopoiéticos, o sistema educativo se reconhece através
da intenção de educar. Em outras palavras, é possível dizer que a intenção de educar é o fator
determinante para sua diferenciação.
Segundo Luhmann:
La intención de educar sirve al sistema educativo, en lugar de un código próprio,
como aquel símbolo que enlaza operación con operación y simboliza com ello la
unidad del sistema. Para eso, igual que en el caso del código, no es necesario que
la unidad del símbolo sea observada, es decir: distinguida y denominada. Basta
con que permita el establecimiento de uma relación recursiva, que se retrotraiga y
avance hacia operaciones pasadas y futuras. La intención pedagógica tiene uma
existência exclusivamente social. [...]
477
.
Como decorrência das boas intenções, surge a seleção, a qual já se encontra
estabelecida na cultura escolar. Assim como todos os demais, o sistema educativo também
apresenta um código binário. O código próprio do sistema educativo está centrado na
distinção melhor/pior. Seus resultados podem influenciar sobre as oportunidades externas de
seleção. Desse modo, os sistemas serão responsáveis pela inclusão social ou não do sujeito
478
.
O sistema produz seleções em conformidade com seus próprios critérios. Através do
resultado de notas e provas, é possível determinar as oportunidades externas de seleção, sendo
o código de seleção o elemento que permite distinguir entre um resultado melhor ou pior.
Sendo assim, a inclusão dos indivíduos no sistema educacional adquire o caráter de carreira, a
qual é entendida por Luhmann e Schorr como elogio/censura, acesso/não acesso ao curso
superior, carreiras escolares/universitárias
479
.
476
ROCHA; DUTRA, Notas introdutórias... op. cit., p.288.
477
LUHMANN, Ibidem., p. 146-147.
478
LUHMANN, Niklas. Apêndice In El sistema educativo: problemas de reflexión. México: Universidad de
Guadalajara, Universidad Iberoamericana, Instituto Tecnológico y de Estúdios Superiores de Occidente, 1993,
p.IV.
479
Idem.; SCHORR, Karl Eberhard. Pressupuestos Estructurales de una pedagogia reformista. Analisis
sociológicos de la pedagogia moderna. In Revista de Educación. Nº 29, Madrid: Ed. Agisa, 1990, p. 76.
177
O resultado da construção de uma rede de seleções formalizadas pode ser
caracterizada, no entendimento de Luhmann, através de alguns aspectos:
1º) a seleção é desvinculada de camadas sociais. Embora a neutralização da origem
social não seja alcançada totalmente, as estatísticas revelam que crianças de melhores famílias
têm mais chances no sistema de seleção;
2º) os resultados da seleção são anotadas e formam uma memória de sistema, que
possibilita esquecer o resto;
3º)os resultados do processo de seleção servem como indicadores para o sucesso ou
insucesso da educação;
4º) a rede de seleção reveste o sistema de educação de incerteza auto produzida;
5º) enquanto a educação opera na base do bom e do certo, a seleção aparece como
decisão;
6º) os resultados da seleção tem por base a dissolução de um paradoxo. A
transparência dos resultados e a intransparência do procedimento de decisão
480
.
O primeiro ponto levantado por Luhmann relaciona-se com o postulado da igualdade
de chances, iniciada no século XVIII. Ocorre que, de fato, as crianças iniciam a escola
apresentando diferenças trazidas pelo próprio ambiente, as quais não podem ser ignoradas
481
.
A educação passa a ter a função de nivelamento, possibilitando o acesso de todos a todos os
sistemas parciais da sociedade. Sendo assim, os mecanismos de seleção é que constatam as
desigualdades existentes.
De fato, Luhmann observa que a neutralização da origem social não é totalmente
alcançada, chegando a referir a existência de pesquisas que indicam o melhor desempenho de
alunos de determinadas famílias no processo de seleção. Tal afirmação fica evidente ao
analisar os resultados da pesquisa de campo.
Conforme demonstrado no primeiro capítulo deste trabalho, dentre as instituições
pesquisadas, o curso de direito da UFRGS (instituição mais concorrida e com processo
480
LUHMANN apud Neves, A Educação... op. cit., p. 33-34. O uso de apud justifica-se por ser uma tradução de
uma obra não traduzida de Luhmann no idioma alemão.
481
Como exemplo de diferenças produzidas no ambiente, é possível recordar os casos em que, na pesquisa de
campo, alguns alunos avaliaram seu desempenho como regular ou ruim em razão de terem ficado sem estudar
durante anos, ingressando na Universidade com grandes dificuldades no aprendizado.
178
seletivo mais severo) destacou-se em relação às demais instituições privadas. Tal afirmação
pode ser realizada levando em consideração a superioridade da renda de seus ingressantes e o
índice de alunos que cursou o ensino médio em escola particular.
De acordo com as próprias palavras de Luhmann, os resultados desse processo de
seleção servem como indicadores para o sucesso ou o insucesso da educação. Como exemplo,
pode-se mencionar os índices de aprovação no exame da ordem, os quais, segundo a
declaração do presidente da comissão de estágios e exame da ordem (em conversa telefônica
anteriormente mencionada) apresentam maior êxito por parte dos egressos de instituições
públicas.
Os cursos jurídicos recebem alunos com diferentes graus de formação e preparação
para a Universidade. Cabe, então, aos cursos de direitos (principalmente os integrantes da
iniciativa privada) minimizar essas desigualdades para que o aluno egresso dessas instituições
tenha condições de se inserir no mercado de trabalho e que possam realizar processos
seletivos ou exames, os quais provavelmente serão exigidos para o exercício da maior parte
das profissões jurídicas
482
.
Diante do exposto, ressalta-se que a seleção opera como decisão em um sistema
baseado no bom e no certo (decorrentes do código melhor/pior). Assim, a inclusão, na
perspectiva da teoria luhmanniana, não significa integrar a sociedade, mas sim, possibilitar o
acesso de todos a todos os sistemas funcionais.
Por fim, Luhmann considera que um dos erros mais importantes da tradicional teoria
dos sistemas consiste em considerar os educandos como uma “máquina trivial”. Segundo
Mèlic:
Éstas se caracterizan por una regulación constante: reaccionan a un determinado
input produciendo um determinado output, y no tienen em cuenta su respectiva
situación. Las “máquinas no triviales”, por el contrário, no responden siempre de
la misma manera, sino que lo hacen según su estado momentâneo. A uma pregunta
em ocasiones responden de una forma y a veces de outra. Son menos seguras que
lãs triviales, pero más flexibles. Todos los “sistemas psíquicos” (niños,
educandos...) son “máquinas no triviales”. Parece que todo el mundo debería estar
de acuerdo aqui, pero ni pedagogos, ni maestros, ni educadores em la práctica lo
tiene em cuenta, y tratan al educando como una “máquina trivial”
483
.
482
Lembrando que mais de 60% dos acadêmicos de direito almejam exercer alguma carreira pública.
483
MÈLIC, op. cit., p. 22.
179
Levando-se em consideração o conteúdo desenvolvido no capítulo 3.2 deste trabalho,
observa-se que todo sistema educativo apresenta essa dificuldade: trata o aluno como
“máquina não trivial”. Buscando a certeza e a confiabilidade do conhecimento (herança do
paradigma cartesiano-newtoniano), as teorias modernas foram construídas sob um modelo
mais confiável, pautada em uma estrutura educativa preocupada com a lógica do
estímulo/resposta. Isso porque as máquinas triviais são mais fáceis de observar e avaliar.
Tal perspectiva acompanha o aluno na escola, na universidade e posterior a ela
(através de concursos, exames seletivos) Assim, não há espaço para a complexidade e a
insegurança
484
. Nessa perspectiva, a proposta pedagógica de Luhmann apresenta-se como
uma nova forma de observar o sistema educativo.
No entendimento de Luhmann, a pedagogia deveria se preparar para programar a
educação em conformidade com os códigos instituídos. Para tanto, o educando deve ser
considerado uma “máquina não trivial”. Nesse sentido, o autor expressa que:
[...] una teoría reflectida del sistema educativo que quiera hacer justicia a esta
situación haya de romper necesariamente com premisas tradicionales de tipo
normativo, cargada de valores o incluso con cariz teleológico de la unidad, para
convertirse em reflexión de la diferencia. Desde este punto de vista, el sistema
tendría su unidad como diferencia, a saber, como diferencia entre sistema y
entorno, entre delimitación y apertura, entre codificación y programación
485
.
Apropriando tais conhecimentos para o ensino do direito, importa mencionar as
palavras de Rocha, para quem:
Os profissionais do ensino jurídico devem buscar uma perspectiva diferenciada de
educação, primando pela fuga de um saber compartimentalizado. Caso contrário,
estaríamos fadados a formação de um quadro técnico-burocráta de profissionais
despreparados para reflexões no mundo pós-moderno, onde a complexidade, a
fluidez das relações comunicacionais e a incerteza tornam-se a realidade. [...]
Necessita-se de uma formação crítica do profissional do direito, que transcenda a
me ra repetição das codificações e seus “enquadramentos”, que permita trabalhar de
forma mais elaborada com o tempo, considerando situações paradoxais e um
universo contingencial
486
.
484
De acordo com o pensamento luhmanniano: “[...] l’autoreferenza, la riproduzione autopoietica e la chiusura
operativa con la monopolizzazione di um próprio tipo di operazione, cioè la comunicazione, portano al fatto che
un sistema della società costruisca una própria compressità strutturale e cosi organizzi la própria autopoiesi”.
LUHMANN; DE GIORGI, Teoria della... op. cit., p.40.
485
LUHMANN, Apêndice... op. cit., p.VIII.
486
ROCHA, Direito Educacional... op. cit., p.11-12.
180
Propõe-se, então, um novo olhar acerca do sistema educativo (jurídico), capaz de
romper com os equívocos das teorias cientificistas elaboradas na modernidade. Apesar das
teorias pedagógicas terem apresentado importantes contribuições ao tema, constata-se que o
potencial do pensamento luhmanniano aplicado à educação ainda é pouco explorado. Nesse
sentido, este capítulo pretendeu, em linhas gerais, apresentar a contribuição da teoria dos
sistemas autopoiéticos para a observação da sociedade.
181
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste trabalho foram abordadas três idéias centrais: um diagnóstico da
situação atual do ensino jurídico, a atuação da OAB na tentativa de manter a sua qualidade e
os modelos paradigmáticos que estão ocultos no processo educativo (jurídico).
Com relação ao primeiro ponto, é possível observar que, de fato, houve um
crescimento do número de cursos autorizados no país nos últimos sete anos. Conforme as
estatísticas apresentadas, verifica-se que esse dado dobrou em um curto espaço temporal.
Apesar de parecer recente, o problema da proliferação dos cursos jurídicos inicia-se
com a expansão dos cursos superiores no país desde a década de 1960. Já neste período
afirmava-se que a crescente abertura de instituições não foi acompanhada de sua necessária
qualidade.
Como se viu, a expansão dos cursos foi um processo improvisado, tendo sido
incentivada pelas pressões sofridas nos rumos político e econômico. Desde então, o número
de vagas ofertadas tem se ampliado significativamente, sendo alvo de inúmeras críticas por
autores que contribuíram para uma percepção diferenciada do ensino do direito.
De acordo com o exposto, sustenta-se a necessidade de observar a questão de forma
mais ampla, não apenas mencionando isoladamente o número de instituições autorizadas nos
últimos tempos. É preciso ampliar o foco sobre o problema, compreendendo-o do ponto de
vista contextual vivenciado pelo Brasil.
Nesse debate, as iniciativas privadas institucionais são alvo de inúmeras críticas.
Assim, através do contato com os coordenadores de curso, buscou-se conhecer o modo como
enfrentam a atuação da Ordem na avaliação dos cursos jurídicos.
Através do contato com os entrevistados, constatam-se diversas manifestações a
respeito. De um lado, estão aqueles entrevistados que ressaltam a importância da OAB,
afirmando que os métodos avaliativos utilizados não são perfeitos, mas representam uma
grande conquista na área do ensino, uma vez que controla a qualidade dos bacharéis inseridos
182
no mercado em função advocatícia (com relação ao Exame). Por outro lado, há quem ponha
em xeque toda e qualquer avaliação realizada pela OAB considerando-a inadequadas em
termos pedagógicos (uma vez que prima pela memorização do aluno) e em relação à
avaliação externa (tendo em vista não divulgarem adequadamente os critérios utilizados para
a publicação de um ranking de instituições detentoras do Selo OAB Recomenda).
As entrevistas foram fundamentais para conhecer o que pretendem instituições
(tradicionais ou autorizadas recentemente) em termos de educação jurídica hoje. De acordo
com as passagens mencionadas no primeiro capítulo, é possível observar uma tendência a
busca por um ensino crítico, questionador, interdisciplinar e capaz de transformar a realidade
social. Ao longo da pesquisa, verificou-se que um dos grandes desafios a ser enfrentado pelos
cursos centra-se na resistência ao processo de mudança, a qual pode estar associada à
formação desse professor. Nesse sentido, cumpre ressaltar as palavras de Bachelard:
[...] No decurso de minha longa e variada carreira, nunca vi um educador mudar de
método pedagógico. O educador não tem o senso do fracasso justamente porque se
acha um mestre. Quem ensina manda. Daí, a torrente de instintos. Von Monakow e
Mourgue assinalaram essa dificuldade de reforma dos métodos pedagógicos ao
invocar o peso do institnto nos educadores: Há indivíduos para quem todo conselho
referente aos erros pedagógicos que cometem é absolutamente inútil, porque os
ditos erros são a mera expressão de um comportamento instintivo
487
.
Apesar das palavras de Bachelard, o problema está posto em questão e as instituições
tentam (pelo menos a partir de suas declarações) romper com esse problema. O meio utilizado
para tanto são Programas de Qualificação Docente, os quais em grande parte são oferecidos
no período de férias e, conforme declarado por um dos entrevistados, não contam com a
participação dos professores que mais precisam.
Analisando a fala desse coordenador, necessário se faz considerar as palavras de
Morin, para quem:
Na minha opinião, só poderemos começar a reforma do pensamento na escola
primária e em pequenas classes. Não quero dizer que na Universidade já seja muito
tarde, que tudo esteja perdido, não seria tão desrespeitoso. Diria, porém, que é
nesse nível que devemos nos beneficiar da maneira natural e espontaneamente
complexa do espírito da criança, para desenvolver o sentido das relações entre os
problemas e os dados. Sempre nos deparamos com este problema de fundo, o fato
de que a reforma do pensamento só pode ser realizada por meio de uma reforma da
487
BACHELARD, op. cit., p. 24.
183
educação. Só que sempre retornamos à aporia bem conhecida: é preciso reformar as
instituições, mas se as reformarmos sem reformar o espírito, a reforma não serve
para nada, como tantas vezes ocorreu nas reformas do ensino de tempos passados.
Como reformar os espíritos se não reformamos as instituições? Círculo vicioso.
Mas se tivermos o sentido de espiral, em dado momento começaremos um processo
e o círculo vicioso se tornará um círculo virtuoso. O problema no segundo
paradoxo colocado por Marx a respeito da educação: quem educará os educadores?
É preciso que eles se eduquem a si mesmos
488
.
A reforma do pensamento, descrita por Morin, encontra grande resistência no ensino
do direito. Primeiro, porque deve ser considerada por toda estrutura educativa, não apenas a
Universidade. As dificuldades são claramente constatadas ao se tratar do necessário aspecto
inter/transdisciplinar do conhecimento. Visando apresentar respostas aos novos problemas
complexos, que não são mais resolvidos através de um ensino pautado no modelo de
disciplinas acadêmicas.
Após conhecer os objetivos e desafios das instituições, o trabalho possibilitou o
contato com a percepção discente a respeito do curso. Nesse momento, constataram-se
algumas diferenças no perfil de alunos matriculados em instituições públicas em relação aos
de cursos privados. Em geral, observou-se que o perfil do aluno da noite é de um jovem de 18
a 22 anos, solteiro, sem filhos, com renda familiar entre R$381,00 e R$1.900,00, cursou o
ensino médio em escola pública, no período diurno e exerce atividade profissional.
Suas impressões sobre o curso revelam que a maioria:
a) estuda direito por se identificar com o curso
489
;
b) espera adquirir conhecimento;
c) pretende ingressar na carreira pública como juiz;
d) escolheu a instituição pela qualidade, seriedade e conceito;
e) avalia positivamente seu desempenho no primeiro semestre;
f) descreve o curso como “teórico e prático”;
g) sustenta que o curso incentiva a realização de atividades interdisciplinares;
h) não acredita que o curso deveria ser diferente;
i) associa o bom professor com um profissional didático;
j) apresenta como principal problema do ensino jurídico a existência de professores
inexperientes e desqualificados;
488
MORIN, Por uma... op. cit., p. 34.
489
Apenas 10% dos respondentes mencionaram a “contribuição social” e 4% afirmaram “promover a justiça”.
184
k) pretende realizar o Exame de Ordem;
l) possui uma opinião positiva sobre a prova;
m) não conhece a avaliação OAB Recomenda.
Acredita-se que o conhecimento acerca do perfil e das opiniões discentes torna-se
fundamental para que se aborde o ensino do direito. Dessa maneira, é possível observar o tipo
de ensino almejado por este aluno ao ingressar no curso, momento de muitas expectativas e
busca por realizações.
Através de algumas passagens da pesquisa empírica e da utilização de referenciais
teóricos, analisou-se que uma das grandes dificuldades encontradas em termos de educação
(jurídica) na atualidade está associada à mantença de um paradigma inadequado diante de
uma sociedade complexa. Nesse sentido, concorda-se com Capra ao referir que “o método de
pensamento de Descartes e sua concepção de natureza influenciaram todos os ramos da
ciência moderna e podem ser ainda hoje muito úteis. Mas só o serão se suas limitações forem
reconhecidas”
490
.
O pensamento mecanicista, conforme demonstrado no segundo capítulo, exerceu
importante papel na construção do pensamento jurídico moderno, contribuindo para uma
concepção de direito dominante na modernidade. Assim, recusa-se a aceitar a postura
tradicionalmente referida que considera o racionalismo jurídico e o positivismo de forma
dicotômica.
Como se viu, o direito racional implicou no pensamento jurídico sistemático,
dedutivo, matematizado e geometrizado (características próprias do pensamento desenvolvido
por Descartes e Newton).
Por meio do positivismo jurídico, o direito passou a privilegiar a lei, o ordenamento
jurídico positivo, as noções de Estado forte, soberania, territorialidade na aplicação da lei.
Possibilitou, ainda, o desenvolvimento da percepção analítica normativista, a qual foi
representada por Kelsen e Bobbio. Pretendendo construir uma linguagem rigorosa para a
ciência do direito, o mesmo deveria ser descrito e detalhado.
490
CAPRA, op. cit., p.53.
185
Coube aos analíticos, a construção de uma linguagem própria para o direito, o qual
esteve pautado no conceito de norma. Tal pensamento contribuiu para a criação do
neopositivismo lógico, que objetivava elaborar uma ciência pura do direito, sustentada em
uma linguagem rigorosa, universal e sofisticada.
O problema está no fato de que tais teorias, dominantes na matriz teórica do direito,
implicaram no acatamento e na submissão do jurista ao estabelecido como direito positivo.
Ocasionou uma visão acrítica do direito como se ele fosse inerte às transformações sociais.
Através da busca pela segurança, construiu-se um discurso supostamente neutro e puro, o qual
se encontra na base do pensamento jurídico, integrando o senso comum teórico dos juristas.
Diante disso, importa mencionar as palavras de Warat:
A repetição do passado nos impede de receber os sinais do novo, determina a morte
do pensamento, do sentimento e da ação. Em síntese, nos aliena, nos exclui ou nos
devora. Repetir o passado é uma forma de esgotar o presente, de desestimular sua
força criativa, de introduzir uma pulsão destrutiva: uma forma de instalar a apatia e
o cinismo como condições da transmodernidade. Um eterno presente de
sobrevivência e um futuro indecifrável
491
.
No campo pedagógico, é possível perceber uma concepção de conhecimento baseada
em uma percepção matemática e geométrica, capaz de quantificar e precisar determinado
objeto. Locke teve um papel de destaque no pensamento educativo difundido na modernidade,
ao considerar o nascimento de uma criança a uma tabula rasa.
Manifestando-se contrariamente às teorias tradicionais do ensino, surge a Escola
Nova, a qual primava pelo oferecimento de uma educação renovadora. O caráter político
existente na idéia de educação centrada no Estado é analisado, implicando na elaboração de
novas teorias preocupadas em discutir teoria/prática e a aproximação do conhecimento da
realidade social.
Assim como na pedagogia, o ensino do direito também foi abordado de maneira
crítica. A criação da Nova Escola Jurídica, promovida por Lyra Filho, é um exemplo disso.
Através de posturas questionadoras, demonstraram-se os limites de uma educação voltada à
noção do direito simplificada na idéia de norma jurídica. Dessa forma, considera-se que a
491
WARAT, Luis Alberto. O outro lado da dogmática jurídica. In Epistemologia e ensino do direito: o sonho
acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 174.
186
postura tradicional de ensino forma profissionais despreparados para atuar em um mundo
complexo. Diante disso, desenvolveu-se no quarto capítulo uma necessária reforma
paradigmática.
Demonstrados os limites dos paradigmas cartesiano-newtoniano e dogmático no modo
de pensar e ensinar o direito torna-se necessária uma nova forma de ver o mundo. O modo
escolhido para tanto, encontra amparo na Teoria dos Sistemas Autopoiéticos, desenvolvida
por Niklas Luhmann.
De modo diverso ao que estabelece a sociologia tradicional Luhmann observa a
sociedade de maneira diferenciada. O direito, não é mais visto somente do ponto de vista
normativo, mas como complexo sistema parcial funcionalmente diferenciado.
Através da teoria luhmanniana, não é mais possível perceber o direito afastado de
outros subsistemas (como a política e a economia, por exemplo). Contudo, as relações
existentes entre os sistemas possuem algumas peculiaridades, não podendo ser mencionadas
de maneira simplificada.
Diante do modelo autopoiético, circular, constata-se que seu pensamento apresenta
importantes contribuições para a observação dos sistemas jurídico e educativo. Apesar de
pouco referido pelos autores da área pedagógica, Luhmann apresenta uma série de questões
relevantes. Uma delas refere-se à necessidade de considerar o educando como “máquina não
trivial”.
Um dos grandes erros do sistema educativo está no fato de tratar o aluno como
“máquina trivial”. Essa noção está centrada em uma estrutura focada em estímulo-resposta,
tendo como conseqüência a memorização. Nessa maneira de pensar, as respostas são
apresentadas sempre da mesma maneira.
Diante do exposto, observa-se a falha do sistema educativo (jurídico). Todo sistema
avaliativo está focado nesta maneira inadequada de pensar o ensino. A busca pela certeza e
segurança (próprias do paradigma mecanicista moderno) impossibilitou a abertura de espaço
para o novo, o imprevisível.
187
O Exame de Ordem, concursos públicos e outros meio avaliativos estão sustentados
nesse padrão de conhecimento, que dificulta uma reflexão e observação diferenciada do
sistema educativo (jurídico). Apesar de se manifestar criticamente em relação à qualidade dos
cursos jurídicos, a OAB, assim como diversos outros meios que avaliam o ensino, exerce uma
atividade contraditória. Critica o modelo de ensino existente no país, mas mantém uma
estrutura avaliativa incapaz de cumprir com os objetivos de assegurar a formação de um
profissional apto a apresentar respostas aos problemas da sociedade.
Diante das considerações anteriores, constata-se que muitos autores que se
autodenominam “críticos” do ensino do direito apresentam uma percepção superficial acerca
do problema envolvendo a quantidade e a qualidade dos cursos. Através das posturas
desenvolvidas neste trabalho, é possível observar que o aumento de instituições não implica
necessariamente na redução da qualidade das instituições, pois o verdadeiro problema está no
caráter epistemológico do saber jurídico ensinado, e não apenas na utilização de novas
técnicas de ensino. A ampliação do número de instituições aumenta o prestígio da dogmática
jurídica, pois grande parte dos cursos oferece um ensino focado na leitura dos mesmos
manuais.
Fruto dessa percepção de ensino surge um mito de que todos os problemas podem ser
resolvidos com uma lei. Os novos problemas são encarados a partir de antigos paradigmas
insuficientes nos dias de hoje. Na perspectiva pedagógica, os processos avaliativos (sendo a
OAB um deles), funcionan como controladores epistemológicos do ensino, contribuindo para
uma estrutura educativa resistente às mudanças que uma sociedade complexa exige.
Como proposta, seria possível pensar em uma avaliação estruturada na reflexão do
direito, e não na sua repetição ou memorização. Através de questões que integrassem
conhecimentos de diversas áreas do saber (não apenas jurídicas), haveria a possibilidade de
compreender que os problemas do mundo são complexos. Por meio de atividades de pesquisa,
extensão e pós-graduação, os alunos poderiam constatar que um problema de Direito Civil,
possui implicações Penais, Ambientais, Administrativas, Sociológicas, Filosóficas,
Antropológicas e Psicológicas.
A mudança proposta deveria ser incentivada desde as classes iniciais, pois não devem
ser a Universidade e a OAB as únicas responsáveis por superar os problemas da educação de
188
base. Para tanto, necessita-se de maior integração entre os conhecimentos elaborados pela
pedagogia, filosofia e sociologia.
Esse trabalho evidencia a importância da formação do operador jurídico para a
sociedade. A sua atuação diária reflete-se na vida de milhares de pessoas. Por esse motivo,
deve esse profissional ter acesso a um ensino capaz de lhe mostrar formas diferenciadas de
pensar o direito e a sociedade. Sabendo que o tipo de ensino que possuímos é reflexo da
percepção cientificista moderna, é preciso refletir acerca da formação de novas gerações de
profissionais, que devem conhecer não apenas o direito, mas a sociedade em geral.
O meio pelo qual isso é possível pode ser encontrado na matriz teórica sistêmica, cuja
grande contribuição está no enfrentamento da complexidade, dos paradoxos e dos riscos de
uma sociedade que vive em constantes transformações.
189
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205
APÊNDICE
QUESTIONÁRIO
* Os dados obtidos nesta pesquisa serão utilizados na dissertação de Mestrado da acadêmica Bárbara
Costa, integrante do Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
* Fica assegurado o anonimato das questões.
* Este questionário possui perguntas abertas e fechadas. Em se tratando dessas últimas, solicita-se a
escolha de apenas uma das alternativas.
* Ao término da pesquisa, os resultados serão apresentados aos respondentes interessados através do
envio de e-mail.
Sexo Idade Instituição Semestre Estado civil Nº de filhos Naturalidade (cidade)
( )F ( )M
Renda Familiar
( ) Menos de R$ 380,00 ( ) De R$1.901,00 a R$2.660,00 ( ) De R$3.421,00 a R$4.180,00 ( ) Mais de R$49440,00
( ) De R$381,00 a R$1.900,00 ( ) De R$2.661,00 a R$3.420,00 ( ) De R$4.181,00 a R$4.940,00
Como fez seu Ensino Médio? Em que turno você fez seu Ensino Médio?
( ) Todo / maior parte em escola pública
( ) Todo / maior parte em escola particular
( ) Todo / maior parte no diurno
( ) Todo / maior parte no noturno
Exerce atividade profissional?( ) Sim ( ) Não Qual? _________________________________________
I
-
DADOS PESSOAIS
II
FORMAÇÃO ACADÊMICA
1. Por que você estuda Direito?
2. O que você espera do Curso de Direito?
3. Quais são as suas aspirações profissionais?
(carreira desejada)
4. Por que você escolheu esta Instituição
de Ensino Superior?
5. Como você avalia o seu desempenho no curso de Direito? Por quê?
206
( ) Autorizo a utilização deste material para fins de pesquisa.
( ) Gostaria de receber os resultados desta pesquisa através do
e
-
mail
que segue: ___________________________________
6.
Como você descreveria o seu Curso de Direito?
( ) teórico
( )prático
( ) teórico e prático ( ) é impossível classificá-lo como sendo teórico e/ou prático
7.
O seu curso incentiva
a realização de atividades interdisciplinares?
( ) Sim
( ) Não ( ) Não sabe
Caso você tenha respondido a alternativa “sim”, mencione exemplos de atividades realizadas:
III CURSOS JURÍDICOS
1
1
. Na sua opinião, os Cursos Jurídicos devem priorizar:
( ) O aprofundamento teórico do direito
( ) A prática profissional
( ) A preparação para aprovação em Concursos Públicos / Prova da OAB
( ) Não tem opinião a respeito
( ) Outro(s) Quais? ____________________________________________________________
1
2
. Você pretende realizar a prova da OAB?
( ) Sim
( ) Não
( ) Não sabe / não pensou a respeito
1
3
. Qual a sua opinião sobre a
prova?
1
4
. Você conhece a avaliação realizada pela OAB que aufere um selo de qualidade aos Cursos Jurídicos?
( ) Sim
Caso você tenha respondido a alternativa “sim”, escreva a sua opinião a respeito:
( ) Não
8. Você acredita que o seu Curso de Direito deveria ser diferente?
( ) Sim Caso v
ocê tenha respondido a alternativa “sim”, apresente sugestões:
( ) Não
10
. Quais você acredita que sejam
os principais problemas do Ensino Jurídico brasileiro?
9.
Quais você acredita que sejam as principais características de um bom professor de Direito?
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