Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
“UM AGRICULTOR EXEMPLAR”: LINGUAGEM
AVALIATIVA NO GÊNERO HISTÓRIA DE VIDA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Andréa Franciéle Weber
Santa Maria, RS, Brasil
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
“UM AGRICULTOR EXEMPLAR”: LINGUAGEM AVALIATIVA
NO GÊNERO HISTÓRIA DE VIDA
por
Andréa Franciéle Weber
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em Letras, Área de Concentração em Estudos Lingüísticos,
da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre em Letras.
Orientadora: Prof. Dra. Nina Célia Almeida de Barros
Santa Maria, RS, Brasil
2007
ads:
iii
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Artes e Letras
Programa de Pós-Graduação em Letras
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a
Dissertação de Mestrado
“UM AGRICULTOR EXEMPLAR”: LINGUAGEM AVALIATIVA NO
GÊNERO HISTÓRIA DE VIDA
elaborado por
ANDRÉA FRANCIÉLE WEBER
como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Letras
___________________________________________________
COMISSÃO EXAMINADORA:
_____________________________________
Nina Célia Almeida de Barros, Drª. (UFSM)
(Presidente/Orientadora)
_____________________________________
Marco Antônio Esteves da Rocha, Dr. (UFSC)
(1º argüidor)
_____________________________________
Désirée Motta-Roth, Drª. (UFSM)
(2ª argüidor)
Santa Maria, 15 de fevereiro de 2007.
iv
Pirueta
Si muriera el alfabeto
morirían todas las cosas.
Las palabras son las alas.
La vida entera
depende
De cuatro letras.
Federico García Lorca
v
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos aqueles que, como eu e os
personagens das narrativas aqui estudadas, têm sua
história de vida marcada por esforço e superação.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço
a Deus;
à minha família;
à professora Nina;
à Cooperativa Regional Alfa;
aos professores, funcionários e colegas do PPGL;
ao Alexandre, à Nara e à Joseline;
aos demais amigos
por terem contribuído, direta ou indiretamente, para
a concretização deste estudo e de mais uma
importante etapa em minha vida.
Muito obrigada!
vii
RESUMO
Dissertação de Mestrado
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
“UM AGRICULTOR EXEMPLAR”: LINGUAGEM AVALIATIVA NO
GÊNERO HISTÓRIA DE VIDA
AUTORA: ANDRÉA FRANCIÉLE WEBER
ORIENTADORA: NINA CÉLIA ALMEIDA DE BARROS
Data e Local do Exame: Santa Maria, fevereiro de 2007.
A difusão social dos meios de comunicação de massa tem propiciado o surgimento
de novos neros textuais na atualidade. Entre eles, estão as histórias de vida, que
são publicadas por um jornal de cooperativa agropecuária e circulam no meio rural
das regiões oeste, extremo-oeste e planalto-norte do estado de Santa Catarina. Este
estudo procura descrever esse gênero, em especial, a linguagem avaliativa que o
configura. Também visa a testar a viabilidade da Teoria da Valoração quando
aplicada à Língua Portuguesa e o uso de ferramentas computacionais nesse tipo de
análise. Para tanto, foi selecionado um corpus composto por 23 exemplares das
histórias de vida, publicados no ano de 2005, o qual foi analisado sob as categorias
de campo e conteúdo ideacional (Halliday, 1997), movimentos retóricos (Swales,
1990), índices de atitude e vozes do discurso jornalístico (Martin e White, 2005).
Para complementar a análise decorrente da leitura das histórias de vida, utilizamos
as ferramentas do programa computacional WordSmith, que forneceu dados sobre
freqüência lexical e ocorrência dos termos no contexto lingüístico. Informações
contextuais sobre o gênero foram obtidas através de entrevistas com produtores e
consumidores das histórias de vida e de observação participante no local de
produção do jornal. Os resultados indicam que os movimentos retóricos das histórias
de vida são, por um lado, estreitamente dependentes do contexto de produção das
entrevistas e, por outro, dos objetivos comunicativos do gênero. O conteúdo
ideacional dos textos, por sua vez, é idêntico em todos os exemplares, centrando-se
no processo de crescimento econômico do personagem. Em relação à linguagem
avaliativa, as histórias de vida compreendem principalmente índices de julgamento,
tanto explícitos quanto implícitos, baseados em estima social positiva, os quais são
intensificados pelo uso dos advérbios sempre e nunca e de linguagem conotativa. A
voz predominante no discurso do gênero é a voz do correspondente, na qual estão
presentes julgamentos autorais de estima social. Assim, por meio desses recursos
de linguagem, as histórias de vida concretizam seu objetivo retórico que é o
fornecimento de um exemplo de agricultor para os demais agricultores, visando à
permanência do homem no campo e ao aumento da produção e da produtividade
agrícola.
Palavras-chave: Gêneros textuais, Linguagem avaliativa, Jornalismo Rural, Histórias
de vida.
viii
ABSTRACT
Master’s Degree Dissertation
Programa de Pós-Graduação em Letras
Universidade Federal de Santa Maria
“AN EXEMPLAR AGRICULTOR”: EVALUATIVE LANGUAGE IN THE
GENRE HISTORY OF LIFE
AUTHOR: ANDRÉA FRANCIÉLE WEBER
SUPERVISOR: NINA CÉLIA ALMEIDA DE BARROS
Date and Place of Examination: Santa Maria, February 2007.
The social spread of mass communication has allowed the emergence of new current
textual genres. Among them, the histories of life, which are published by an
agricultural cooperative journal and are read in the rural environment of the regions
west, north-west and north of the state of Santa Catarina. This study aims at
describing such genre, in special, the evaluative language that characterizes the
histories of life. It also aims at testing the feasibility of the Appraisal Theory to be
applied to the Portuguese Language and the use of computer tools to this kind of
analysis. For such, a corpus of 23 pieces of histories of life published in 2005, which
were analyzed under the categories of field and ideational content (Halliday, 1997),
rhetorical movements (Swales, 1990) and attitude and voices in the journalistic
speech (Martin e White, 2005). For complementary analysis from the histories of life
reading, we applied our corpus to the tools of the software WordSmith, which
provided data on the lexical frequency and terms occurrence in the linguistic context.
Contextual information on the genre was gotten through interview with producers and
consumers of histories of life and of the participative observation in the place of
production of the journal. The results indicate that the rhetorical movements of history
of life are, on one hand, strictly dependent on the production context of the interviews
and, on the other hand, on the communicative objectives of the genre. The ideational
content is identical in all the texts, focusing in the process of economic growth of the
character. Concerning evaluative language, the histories of life mainly approach
judgment rates, either explicit or implicit, based on social positive esteem, which are
intensified by the use of the adverbs ever and never as well as connotative language.
The most noticeable in the genre is the voice of the correspondent, in which authorial
judgments of social esteem are present. This way, through these language
resources, the histories of life consolidate its rhetoric objective that is to provide an
example of farmer to the other farmers, aiming at the keeping the man in the
countryside and the agricultural productivity increase.
Key-words: Textual Genres, Evaluative language, Rural journalism, Histories of life.
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 -
Classificações de Beltrão e Melo para os gêneros do jornal
(Bonini, 2003)..................................................................................
37
Quadro 2 -
Classificação de Chaparro para os gêneros do jornal (Bonini,
2003)................................................................................................
37
Quadro 3 -
Modelo de introdução de artigos científicos em inglês (Swales,
1990)................................................................................................
41
Quadro 4 -
Semântica interpessoal em relação à léxico-gramática e à
fonologia (Martin e White, 2005)......................................................
48
Quadro 5 -
Organização esquemática da Teoria da Valoração........................ 49
Quadro 6 -
Julgamento: estima social (Martin e White, 2005)...........................
53
Quadro 7 -
Julgamento:sanção social (Martin e White, 2005).......................... 53
Quadro 8 -
Interação entre índices atitudinais implícitos e explícitos (Martin e
White, 2005)....................................................................................
55
Quadro 9 -
Características dos informantes...................................................... 73
Quadro 10-
Movimentos retóricos nas histórias de vida.....................................
77
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Estratos da linguagem (Martin e White, 2005).................................. 47
Figura 2 - Sistema semântico interpessoal e variáveis de relações (Martin e
White, 2005)......................................................................................
49
xi
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1 - Cadeia de transferência de tecnologia para o difusionismo
(Bordenave, 1988)......................................................................
21
Esquema 2 -
O processo de comunicação eficiente segundo o difusionismo
(Bordenave, 1988)......................................................................
21
Esquema 3 - Estratégias para implicitar (ou inscrever) e explicitar (invocar)
atitude (Martin e White, 2005).....................................................
56
Esquema 4 -
Sistema de vozes jornalísticas (Martin e White (2005)............... 58
xii
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Exemplar 01/2005 A cara da coragem............................................
108
Anexo B - Exemplar 01/2005 Espírito jovem aos 70....................................... 109
Anexo C - Exemplar 02/2005 Fidelidade apesar da distância......................... 111
Anexo D -
Exemplar 02/2005 Trabalho é o sentido da vida.............................
113
Anexo E - Exemplar 03/2005 Mais que uma pedra no meio do caminho........
115
Anexo F - Exemplar 03/2005 Meu lampião de gás... ....................................
117
Anexo G -
Exemplar 04/2005 Coragem e valentia na chegada....................... 118
Anexo H -
Exemplar 04/2005 A luta continua.................................................. 119
Anexo I - Exemplar 05/2005 Mulher; mãe e agricultora................................. 120
Anexo J - Exemplar 05/2005 Saúde e disposição aos 74 anos...................... 122
Anexo K - Exemplar 06/2005 Cabeça nas nuvens e pés firmes no chão........
123
Anexo L - Exemplar 06/2005 Herói desde pequeno........................................
124
Anexo M -
Exemplar 07/2005 Vida e esperança nas montanhas de Nova T...
125
Anexo N -
Exemplar 07/2005 Em sintonia com o passado..............................
126
Anexo O -
Exemplar 08/2005 Relíquias que funcionam.................................. 128
Anexo P - Exemplar 08/2005 A caminho do Paraíso.......................................
129
Anexo Q -
Exemplar 09/2005 O sonho era voar.............................................. 130
Anexo R- Exemplar 09/2005 Saudosismo vivo...............................................
131
Anexo S - Exemplar 10/2005 Sem medo do cooperativismo.......................... 132
Anexo T - Exemplar 10/2005 Pedro Beal tem saudades do passado............. 134
Anexo U -
Exemplar 11/2005 Viver é aventurar-se..........................................
135
Anexo V - Exemplar 12/2005 Saudade do canto dos passarinhos..................
136
Anexo X - Exemplar 12/2005 No colo do vovô................................................ 137
xiii
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................
ABSTRACT...............................................................................................................
LISTA DE QUADROS................................................................................................
LISTA DE FIGURAS..................................................................................................
LISTA DE ESQUEMAS.............................................................................................
LISTA DE ANEXOS...................................................................................................
INTRODUÇÃO...........................................................................................................
CAPÍTULO 1 - REVISÃO DA LITERATURA............................................................
1.1 Comunicação rural e comunicação cooperativa..........................................
1.1.1 Comunicação rural................................................................................
1.1.1.1 Primeiras experiências brasileiras em comunicação e extensão
rural..........................................................................................................
1.1.1.2 Novos conceitos...........................................................................
1.1.2 Comunicação cooperativa.....................................................................
1.2 Gêneros jornalísticos......................................................................................
1.2.1 Movimentos retóricos............................................................................
1.2.2 Histórias de vida como gênero textual..................................................
1.3 Contexto e metafunções.................................................................................
1.4 O sistema de atitude.......................................................................................
1.4.1 Julgamento............................................................................................
1.4.2 As vozes do discurso jornalístico..........................................................
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA...............................................................................
2.1. Coleta dos dados........................................................................................
2.2. Passos da análise das entrevistas e da observação participante..........
2.3. Passos da análise das histórias de vida...................................................
2.3.1 Identificação dos movimentos retóricos das histórias de vida...............
2.3.2 Obtenção da lista de termos..................................................................
2.3.3 Agrupamento dos termos......................................................................
2.3.4 Análise das ocorrências dos termos em seu contexto..........................
2.3.5 Observação dos índices de julgamento................................................
2.3.6 Exame das vozes jornalísticas..............................................................
CAPÍTULO 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................
3.1 Contexto das histórias de vida....................................................................
3.1.1 Produção...............................................................................................
3.1.2 Circulação e consumo...........................................................................
3.2 Movimentos retóricos nas histórias de vida..............................................
3.3 Campo e função ideacional nas histórias de vida.....................................
3.4 Linguagem avaliativa nas histórias de vida...............................................
3.4.1 Índices de julgamento............................................................................
3.4.2 As vozes do discurso jornalístico..........................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................
vii
viii
ix
x
xi
xii
14
17
17
18
19
24
30
35
41
43
45
47
51
57
60
60
61
62
62
62
63
64
64
65
66
66
66
71
77
79
86
86
93
100
105
INTRODUÇÃO
Estava muito frio e úmido naquele dia. Era quase noite e as crianças
estavam encolhidas- vestiam um casaquinho- sentadas em um
morrinho de terra. Eu tinha derrubado mato o dia inteiro. Mas ainda faltava
uma coisa: queimar o xaxim. Essa terra era cheia de xaxim. Lembrando
assim parece impossível que hoje não exista quase mais nenhum. Eles
eram altos e, na ponta, os bugios se balançavam. A gente cortava os
xaxins até quase o chão, depois fazia um buraco no meio do toquinho que
sobrava e botava fogo, e deixava queimando em brasa até consumir toda
a raiz pra dentro da terra. Naquele dia, eu tinha cortado uns 50 pés de
xaxim, e quando peguei as crianças pra irmos pra casa; quando cheguei
com elas em cima do morro, olhei pra trás e vi aquelas pontas
vermelhas no escuro, parecia um céu estrelado em pleno chão...
A imagem do chão estrelado por causa da brasa queimando os xaxins nunca
saiu da minha cabeça, até porque foram muitos anos ouvindo essa mesma história e
tantas outras parecidas. Porém, as histórias que minha mãe repete tanto, não são
nada excêntricas, raras, estranhas para quem viveu como ela a saga do
desbravamento de uma região que, até os anos 40, praticamente desconhecia a
mão e a cultura (em todos os sentidos possíveis do termo) do homem ‘branco e
civilizado’. Esse desbravamento, feito em alemão, polonês e italiano, hoje é contado
com um sotaque carregado ou folgado nos erres.
As histórias que conta minha mãe também conta seu João, seu Pedro, dona
Maria, os Zelig, os Marconi, os Biaroski. E elas se transformaram em um gênero
textual que chamamos de ‘história de vida’ e que é publicado mensalmente nas
páginas do jornal da cooperativa agropecuária CR
1
. Esse jornal, JR, circula no meio
rural das regiões oeste, extremo-oeste e planalto-norte do estado de Santa Catarina,
tendo como público outros agricultores que viveram ou ouviram dos mais velhos
histórias semelhantes.
No entanto, ao serem apropriadas pelo jornal, essas histórias, mais do que
resgatar o passado, adquiriram uma finalidade retórica: persuadir os leitores de JR a
adotarem posturas semelhantes às desses desbravadores, como o pioneirismo, a
persistência, a valorização do trabalho e da agricultura, entre outras que a
cooperativa considera importantes para a manutenção do jovem no campo e para o
aumento da produção e da produtividade agrícola.
1
Para preservar o nome da instituição e das fontes de informação desta pesquisa, não revelaremos
os nomes nem do jornal, que chamaremos de JR, nem da cooperativa que o produz, que trataremos
por CR. Também os entrevistados pela pesquisa serão identificados por números (informante 1,2,
3...) ou por seu cargo na cooperativa (diretor do jornal).
15
O objetivo deste estudo foi o de descrever a configuração lingüística do
gênero história de vida, em especial, a linguagem avaliativa que ele apresenta. Essa
descrição está centrada na observação de suas condições de produção, circulação e
consumo, na exposição de seu conteúdo ideacional, na identificação dos
movimentos retóricos do gênero e na observação dos recursos avaliativos que
ocorrem nos textos. Ao realizar esse levantamento, procuramos também discutir a
inserção do gênero no contexto da comunicação rural e cooperativa, suas
estratégias persuasivas, o paradoxo de direcionar um veículo impresso a um público
pouco escolarizado, o papel do jornalista na produção dessas histórias, entre outras
questões sociais que permeiam o uso da linguagem.
Por meio da descrição das histórias de vida, também buscamos testar a
utilidade da coleta de dados a partir de ferramentas computacionais para este tipo
de análise, bem como a viabilidade da aplicação da Teoria da Valoração, de
produção recente e pouco difundida no Brasil, a textos em língua portuguesa.
Acreditamos que este estudo pode contribuir para a melhor compreensão e
eficiência dos processos comunicativos que envolvem o meio rural, que estes
freqüentemente são prejudicados pela distância social que separa produtores e
consumidores das mensagens midiáticas. A descrição das histórias de vida pode
também ajudar no estabelecimento de uma mais adequada nomeação e definição
para o gênero, uma vez que o campo jornalístico convive com a falta de
uniformidade na demarcação dos gêneros com que trabalha. Por fim, o trabalho com
novas teorias e métodos pode fornecer aos estudos lingüísticos um parecer sobre a
viabilidade dessas novas perspectivas de compreensão da linguagem, a partir do
que teorias e métodos podem ser aperfeiçoados.
Para realizar esta investigação, utilizamos o referencial da Lingüística
Sistêmico-Funcional, no que se refere à investigação do campo e do conteúdo
ideacional das histórias de vida. A Teoria da Valoração, que também se insere sob o
marco dessa perspectiva de estudos da linguagem, por sua vez, forneceu os
parâmetros da análise da linguagem avaliativa presente nos textos, especialmente
das avaliações sobre seres humanos, chamadas de ‘julgamentos’. Já a configuração
do gênero textual foi estudada com base nos movimentos retóricos propostos por
Swales (1990), que identificam também os processos subjacentes à produção
lingüística. Para complementar a análise decorrente da leitura das histórias de vida,
recorremos a listas de palavras extraídas de nosso corpus de estudo por meio de
16
recursos computacionais. Com esse mesmo propósito, também fizemos uso de
entrevistas e da observação do processo de produção do jornal.
Este trabalho está dividido em três capítulos, além da introdução e das
considerações finais. O primeiro capítulo, Revisão da literatura, inicia relacionando
as histórias de vida ao contexto da comunicação rural e cooperativa. Na seqüência,
discute os gêneros jornalísticos e os diferentes usos da expressão ‘história de vida’
nas ciências humanas. As concepções de contexto e as metafunções relacionadas a
ele o o terceiro aspecto abordado, ao qual segue a descrição dos índices de
atitude.
No segundo capítulo, Metodologia, relatamos os procedimentos adotados na
coleta de dados e os passos realizados para a análise das entrevistas, das
informações obtidas por meio da observação participante e do texto das histórias de
vida.
O último capítulo, Resultados e discussão, inicia apresentando e discutindo o
contexto de produção, circulação e consumo das histórias de vida. Passa, depois,
para a descrição dos movimentos retóricos observados no gênero e para a análise
de seu campo e conteúdo ideacional. Finaliza destacando os aspectos avaliativos da
linguagem das histórias de vida, por meio da identificação dos índices de julgamento
e da classificação das vozes jornalísticas presentes nos textos.
As Considerações Finais retomam os resultados e discutem o papel social do
gênero na comunidade em que circula. Além disso, relacionam os resultados com a
literatura especializada da área e avaliam os pontos positivos e negativos do
referencial teórico e das técnicas de coleta de dados utilizadas neste estudo.
17
CAPÍTULO 1 - REVISÃO DA LITERATURA
1.1 Comunicação rural e comunicação cooperativa
Não é possível compreender o gênero história de vida, conforme nos
propomos neste estudo, sem fazer referência ao contexto comunicativo amplo em
que ele se insere. O contexto comunicativo a que nos referirmos, neste momento,
diz respeito a duas áreas específicas da comunicação social, que são a
comunicação rural e a comunicação cooperativa. Embora, em última instância, os
processos de comunicação midiática sejam semelhantes, já que, grosso modo,
envolvem emissores, mensagens, um canal para escoamento da informação e
receptores, as áreas da comunicação social costumam ser divididas de acordo com
seus objetivos e público-alvo. Com o tempo, cada área toma contornos específicos,
produzindo conceitos e práticas próprias. É assim que a comunicação rural e a
comunicação cooperativa obtiveram certa autonomia, desenvolvendo estratégias
comunicativas adequadas à condição social de seus receptores, passando a centrar-
se em conteúdos de interesse desses sujeitos e também da instituição representada,
dando preferência a certos tipos de linguagem, adotando determinados princípios e
estabelecendo uma relação específica com seu público.
O gênero história de vida reflete em grande medida essas especificidades da
comunicação rural e da comunicação cooperativa, seja do ponto de vista da
estrutura, do conteúdo ou do modo de produção. Para entendê-las melhor,
passaremos agora a uma breve descrição das atividades de comunicação dirigidas
ao público rural vigentes ou, pelo menos, propostas no Brasil a partir da segunda
metade do século XX. Cabe ressaltar que, na apresentação desse tema, optamos
por separar comunicação rural de comunicação cooperativa, embora saibamos que
esta, quando promovida por cooperativas agropecuárias, acaba tomando muitos dos
preceitos e técnicas daquela. Por outro lado, no que se refere à comunicação rural,
ao discuti-la, não pudemos isolá-la de um outro fenômeno, qual seja, o da extensão
rural, que ambos, apesar de conceitualmente distintos, o indissociáveis e
bastante semelhantes na prática.
Em suma, esta seção, visando à melhor contextualização do gênero história
de vida, expõe alguns fatos relevantes envolvendo a comunicação rural e
18
cooperativa na história brasileira, bem como algumas das idéias que nortearam e
norteiam tais atividades.
1.1.1. Comunicação rural
Podemos definir extensão rural como um conjunto de estratégias -
informativas, organizativas, creditícias, econômicas - que tem como objetivo
promover o desenvolvimento rural. Essa prática teve início nos EUA, no final do
século XIX, com um grupo de fazendeiros do país que passou a reunir-se para
discutir e receber orientação acerca de problemas de produtividade da lavoura e de
comercialização dos seus produtos. Com o tempo, esses encontros foram
complementados pelo maior contato com a pesquisa agrícola realizada nas
universidades e por feiras e concursos para a exposição dos resultados obtidos
pelos produtores. Por fim, o governo norte-americano começou a contribuir com
esse processo educativo, produzindo panfletos informativos e enviando técnicos do
governo federal e estadual para fornecer orientação aos produtores interessados em
expandir seus negócios na agricultura e na pecuária. Nascia, assim, a extensão
rural, cuja expressão é uma tradução do inglês agricultural extension e nomeia a
prática de estender, expandir, alastrar o conhecimento produzido nos campos
experimentais das Universidades e Institutos de Pesquisa aos produtores rurais
(Fonseca,1985, p. 38 e 39).
a Comunicação Rural se refere ao estabelecimento de contato com o
trabalhador do campo por meio de processos comunicativos midiáticos. Ela pode
abarcar, fazer parte ou existir independentemente de projetos de extensão rural
oficializados, tanto que, em muitos locais, a comunicação rural se estabeleceu antes
mesmo da idéia de extensão. Na origem norte-americana da extensão rural, a
comunicação dirigida ao homem do campo consistia apenas no uso de tecnologia
midiática voltada à persuasão desse público. Mas, assim como a extensão rural,
também o conceito e as práticas de comunicação rural variam conforme o modelo de
extensão/comunicação adotado, de modo que, hoje, as concepções envolvendo
essas duas áreas já não o as mesmas daquelas vigentes nos século XIX. Essa
transformação será descrita nos itens seguintes.
19
1.1.1.1 Primeiras experiências brasileiras em comunicação e extensão rural
As primeiras iniciativas governamentais e privadas no país de difundir
informações agrícolas para o campo ocorreram no Brasil Imperial. Como bem
observa Duarte (2005), a difusão de informações agrícolas está na raiz da
divulgação científica brasileira e pode ser considerada anterior à própria produção
de ciência no país. Na segunda metade do século XIX, artigos, notas e textos
jornalísticos sobre a cultura do algodão, borracha, cana e indústrias extrativas
tornaram-se relativamente comuns na imprensa brasileira e, junto com manuais,
exposições e livros, ajudaram a difundir a ciência agrícola. Em 1869, o Imperador
Dom Pedro II lançou a Revista Imperial do Instituto Fluminense de Agricultura e
assinou seu primeiro editorial.
Além disso, destaca-se a prática sistemática e planejada do governo do
estado de São Paulo de levar informações agrícolas para o campo através de
boletins, folhetos e periódicos sobre agricultura, os quais começaram a circular
regularmente a partir de 1899. A Secretaria da Agricultura desse mesmo estado
também instituiu, em 1906, a revista O Immigrante, que era editada em seis línguas
para orientar imigrantes sobre como ocupar e fazer produzir as terras do país.
Também nas rádios e jornais do início do século XX, um dos temas mais freqüentes
eram as informações sobre agricultura (Bordenave, 1988, p.23 e 24; Duarte, 2005).
Nos anos 30, o governo brasileiro criou o serviço de publicidade agrícola, que
teve seu apogeu nas décadas de 40 e 50, quando foi organizado o Serviço de
Informação Agrícola (SIA) nacional, dotado de corpo técnico e equipamentos
adequados. O SIA desenvolveu um amplo programa de informação rural, utilizando
diversos meios de difusão de notícias e ensinamentos técnicos. Um noticiário era
distribuído diariamente à imprensa, além de uma elevada quantidade de programas
que o serviço mandava irradiar por emissoras oficiais e comerciais, através de uma
cadeia radiofônica que, na época, era a maior do país. O SIA também chegou a
produzir cerca de 350 filmes exibidos em circuitos nacionais (Bordenave, 1988, p. 23
e 24). Note-se, contudo, que essas tentativas de levar informação agrícola para o
campo não caracterizavam nem integravam um programa de extensão rural
organizado, o qual viria a ser instituído, no país, apenas na década de 40.
No Brasil, o estado pioneiro na implantação de programas de extensão e
educação rural foi Minas Gerais, que o fez com o intuito de conter a migração rural-
20
urbana que ocorria de forma acelerada no país por volta dos anos 20, abalando a
tranqüilidade dos grandes centros urbanos e comprometendo a produção de
alimentos para seu abastecimento. A diferença entre extensão e educação rural,
nesse período histórico, era a de que a extensão constituía um processo educativo
informal, enquanto a educação rural dizia respeito ao ensino formal e, nesse caso,
visava à criação de escolas no campo envolvendo ensino regular e agrícola.
Inicialmente, tais programas foram implantados de forma experimental e provisória,
de modo que, somente no ano de 1948, começam a ser institucionalizados os
serviços de extensão rural no país, a partir de convênios realizados entre o governo
brasileiro e o norte-americano (Fonseca, 1985, p. 55).
Esse modelo norte-americano adotado pelo Brasil é atualmente chamado de
difusionista, por estar centrado na idéia de difusão de informações ao campo. Correa
Junior (199-) define o difusionismo como um conjunto de linhas teórico-
metodológicas de orientação funcionalista surgidas nos Estados Unidos, nos anos
40, sob o nome de diffusion research, voltadas para a difusão de inovações
tecnológicas ao campo. O funcionalismo, nas teorias da comunicação de massa, se
contrapunha à idéia de que a influência dos media se dava sobre cada indivíduo
isoladamente, como se a dinâmica social em que estão imersos os fenômenos
comunicativos pudesse ser descartada desse processo (Wolf, 2001). Sendo assim, o
difusionismo levava em conta não a persuasão direta que a mensagem midiática
exercia sobre cada agricultor, mas também a influência de um agricultor sobre o
outro e a da comunidade sobre cada indivíduo. Foi esse modelo o importado pelo
governo brasileiro no momento da implantação do seu programa de extensão rural, e
é esse modelo que, com algumas alterações, orientou a relação das instituições
interessadas no desenvolvimento agrícola (como as cooperativas agropecuárias, por
exemplo) com o homem do campo durante praticamente toda a segunda metade do
século XX no país.
O difusionismo acredita que o desenvolvimento acontece quando se
introduzem entre os agricultores novas idéias, de maior eficiência produtiva. O
objetivo principal, nesse modelo, é o de encurtar o tempo que geralmente
intermedeia o lançamento de uma inovação pelos centros de pesquisa e sua adoção
generalizada pelos agricultores. O ideal, para o difusionismo, seria que a maioria
desenvolvesse as qualidades de inovação, inclinação para o risco, racionalidade
técnica e econômica, de modo que cada dia fosse mais fácil e rápida a introdução de
21
novas práticas e produtos na agricultura. Por isso, o modelo coloca forte ênfase na
comunicação, tanto das informações necessárias para avaliar e aplicar inovações,
quanto das mensagens motivadoras e persuasivas, que promovem uma atitude
inovadora geral, isto é, uma disposição favorável a considerar mudanças nos
sistemas de produção (Bordenave, 1988, p. 31-34).
O modelo supõe o estabelecimento de uma cadeia eficiente de transferência
de tecnologia, exemplificada no esquema 1:
Pesquisa
básica
Pesquisa
aplicada
Extensionistas
Difusão planejada
Informação agrícola
Adoção pelos agricultores
inovadores
Imitação
Esquema 1- Cadeia de transferência de tecnologia para o difusionismo (Bordenave, 1988)
No esquema acima, observamos que as descobertas científicas aplicáveis à
agricultura obtidas nos centros de pesquisa são difundidas aos agricultores por meio
de profissionais das ciências agrárias (extensionistas) e de veículos midiáticos, seja
em forma de notícias ou de publicidade (informação agrícola). Tais inovações seriam
inicialmente adotadas por agricultores menos conservadores, que, com o tempo,
seriam imitados por aqueles mais avessos a mudanças.
De acordo com o autor, a maneira encontrada para estabelecer essa corrente
de influência entre os agricultores (da imitação dos inovadores pelos demais até
chegar aos retardatários) foi o uso intenso de líderes naturais, assim como a
formação de grupos instrumentais, como comitês locais, conselhos de
desenvolvimento, clubes de mães, etc. (ver esquema 2). Também foi intenso o uso
de técnicas de marketing e da publicidade comercial, que incluíam desde slogans e
apelos emocionais até ameaças. A campanha tornou-se, assim, o método básico da
informação rural difusionista, consistindo no uso combinado, intenso e concentrado
de mensagens e meios numa região limitada (Bordenave, 1988, p. 33).
Servos
Mensagens
Meios de comunicação
Extensionistas
Líderes
Agricultores
Esquema 2- O processo de comunicação eficiente segundo o difusionismo (Bordenave, 1988)
22
Podemos perceber que esse modelo de difusão de informações para o campo
se preocupa fundamentalmente com aquele que é um dos principais problemas da
extensão rural até os dias de hoje: a resistência do produtor agrícola a inovações
tecnológicas. Em outras palavras, sua tendência a reproduzir os modos de produção
agrícola herdados dos pais e avós. Para combatê-la, agentes de comunicação e
extensão rural utilizaram e utilizam todo tipo de estratégia, especialmente
persuasivas. O gênero história de vida, como veremos, faz parte de uma dessas
estratégias.
Duarte (2005) explica que, nessa primeira fase da extensão rural brasileira, o
foco estava na mensagem e não no homem; a liderança e a pressão de grupos eram
aproveitadas; a adoção de inovações era considerada boa em si mesma; a
capacidade própria e o saber popular eram desconsiderados; mesmo a tecnologia
inadequada aos pequenos produtores era recomendada a eles; a formação de
grupos era utilizada não como instrumento de organização, mas de persuasão.
Dessas características que Duarte lista, destaca-se o fato de os profissionais da
comunicação rural manterem seu foco na mensagem, elaborando campanhas de
qualidade técnica, mas nem sempre de eficiência comunicativa, que aspectos
culturais dos seus receptores, como grau de instrução e escolar e saberes populares
relacionados à agricultura, não eram levados em conta no momento dessa
produção.
Entrou-se em uma nova fase, por volta da década de 50, na qual foi utilizada
grande quantidade de recursos visuais na comunicação rural. Contudo, embora os
técnicos soubessem manipular os meios, os efeitos não estavam à altura esperada.
Logo, a obsessão pelos meios acabou diminuindo e passou-se a pensar mais nos
efeitos das mensagens. Com isso, surgiu a idéia de que era preciso conhecer as
características psicológicas, sociológicas, econômicas e culturais do público rural,
para manipulá-lo melhor. Os pesquisadores e extensionistas, então, concentraram
seus estudos sobre a noção de símbolo, constatando que o símbolo tem o
significado que lhe o receptor e esse significado depende de vários fatores, entre
eles a experiência e a cultura de quem interpreta (Bordenave apud Amaral, 1993, p.
50 e 51).
Pela descrição do autor, não é difícil constatar que os conceitos e práticas da
comunicação rural, nesse período, acompanham algumas mudanças de perspectiva
que acontecem tanto na pesquisa em comunicação quanto nos estudos da
23
linguagem, áreas que passam a considerar o papel ativo do receptor na
interpretação das mensagens.
Vale a pena comentar que “manipulação”, nessa época, não recebia o sentido
negativo que tem hoje (Bordenave apud Amaral, 1993, p. 50 e 51). Da exposição
efetuada pelo autor, conclui-se que esse entendimento decorre do fato de, em
primeiro lugar, não existir a percepção de que o homem rural tivesse cultura,
saberes e aspirações próprias e válidas, as quais nem sempre equivaliam as dos
comunicadores e extensionistas rurais. Em segundo lugar, mesmo que a
manipulação fosse entendida negativamente por alguns, como um processo de
dominação, ela possuía objetivos positivos, uma vez que visava à melhoria da vida
do homem rural. Isto é, as medidas manipulativas eram consideradas necessárias,
porque o homem rural não ‘sabia’ progredir sozinho.
Como o modelo difusionista não resultou os efeitos esperados na América
Latina, ele teve de ser adaptado para uma realidade rural bem mais precária que a
norte-americana. Uma das adaptações realizadas no modelo foi a focalização em
problemas muito mais básicos que o da produção e da produtividade agrícola, como
em medidas de higiene e de economia doméstica. Segundo Fonseca (1985, p.92),
também foram incluídas medidas educativas que melhorassem a qualidade de vida
do homem rural e garantissem sua entrada no ritmo e na dinâmica da sociedade de
mercado. Era preciso que ele deixasse de ser retraído, parado e desconfiado
(concepção dos extensionistas da época) e passasse a produzir mais para consumir
mais adubos, vacinas, equipamentos, produtos domésticos e assim por diante.
Outra adaptação do modelo norte-americano foi a redução do uso de recursos
midiáticos. Com isso, segundo Bordenave (1988, p. 24-26), a tarefa persuasivo-
comunicativa dos agentes de extensão rural foi mais valorizada e a difusão direta de
informações pelos meios de comunicação foi reduzida a uma função de apoio ao
contato pessoal. Em outras palavras, os extensionistas passaram a exercer o papel
central na comunicação com o agricultor, enquanto utilizavam os recursos midiáticos
como apoio a suas atividades. Assim, como acontece até hoje em se tratando de
comunicação rural, mensagens que são veiculadas pelo rádio ou por via impressa
são depois discutidas com os agricultores em encontros presenciais, que servem
para dirimir as dúvidas existentes, as quais são, muitas vezes, decorrentes da
dificuldade de interpretação das mensagens midiáticas.
24
O modelo difusionista de extensão rural, apesar das adaptações, predominou
praticamente inalterado e inquestionado no Brasil até a década de 70, e seus
reflexos podem ser encontrados ainda hoje nas práticas de extensão e comunicação
rural do país (Pippi, 2005). Para Correa Junior (199-), existem 3 principais motivos
que explicam a forte influência do difusionismo no Brasil. O primeiro deles é a
existência de poucos trabalhos sobre o mundo rural brasileiro. O segundo, os
impulsos dados pelo Estado a essas práticas com o objetivo de obter o máximo
controle sobre todas as áreas do país. O terceiro motivo, pouco comentado, é a
crença exagerada no poder de influência dos meios de comunicação, em que é
subentendida uma relação direta, linear, unívoca e necessária de um emissor
poderoso sobre um receptor fraco e passivo. E, se até esse período qualquer
receptor era considerado passivo e fraco frente ao poder persuasivo da mídia, tal
poder crescia enormemente diante do homem rural que, como vimos, era
considerado um tipo retraído, parado e desconfiado que, além de tudo, vivia isolado
e quase sempre sem acesso a meios formais de educação.
Correa Junior (199-) explica que o difusionismo também influenciou
sobremaneira a produção acadêmica brasileira em comunicação rural, tanto que
continua sendo responsável pela visão homogeneizada do setor rural no país, pela
visão do homem do campo apenas como objeto de modernização, pelo uso
exacerbado do quantitativo e pela repetição temática. A comunicação rural é, por
isso, muitas vezes, nos dias atuais, ainda tratada como sinônimo de difusionismo.
No entanto, por volta da década de 70, uma nova proposta de relação com o
homem do campo surge, dando um viés mais educativo à comunicação rural. Esses
novos conceitos estão descritos na seqüência.
1.1.1.2 Novos conceitos
O modelo difusionista foi amplamente utilizado pela ABCAR (Associação
Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural), criada em 1950 para gerenciar
a extensão rural pública no país. Mais tarde, na década de 70, a ABCAR passa a se
chamar EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural).
Com essa passagem, também mudaram os conceitos e a forma de praticar extensão
e comunicação rural no Brasil. De acordo com Bordenave (1988, p. 28 e 29), a
extensão rural deixou, nesse momento, de ser uma tarefa principalmente produtivista
25
e tecnificadora, e a responsabilidade básica do extensionista passou a ser a de
capacitar as famílias rurais para a percepção, o equacionamento e a solução de
seus problemas de ordem técnica, econômica e social.
Para Amaral (1993, p. 39 e 40), com a implementação da EMBRATER,
começou-se a ver a extensão rural menos como um processo comunicativo e mais
como educativo. Ela passou a ser entendida como um sistema que leva em conta a
experiência individual e coletiva das pessoas, suas aspirações, que questiona a
validade das políticas do governo para o meio rural. O uso dos meios de
comunicação teve, então, o objetivo de conscientizar a população rural, e todo o
extensionista passou a ser visto como um comunicador.
Tal mudança de postura ocorreu, em grande parte, devido às críticas à
extensão agrícola latino-americana, que emergiam especialmente na voz de Paulo
Freire, no período em que ficou encarregado da área pedagógica do recém
implantado programa de extensão rural e reforma agrária do Chile (ver Freire, 1977).
Freire e outros extensionistas criticavam a extensão agrícola tradicional que, à
semelhança de outros métodos de educação tradicionais, era chamada por eles de
“educação bancária”, porque procurava depositar conhecimentos na mente do
produtor rural. Para eles, a comunicação é a essência de qualquer atividade de
extensão rural e deve ser fundamentalmente dialógica. Paulo Freire acreditava que,
através de um processo comunicacional democrático, seria possível educar o
agricultor, desenvolver nele consciência e autonomia, as quais, por sua vez,
permitiriam alcançar-se uma transformação estrutural no campo. Essas novas idéias
deixaram apenas alguns reflexos na prática extensionista do Brasil, sem, contudo,
alterar os objetivos do programa de extensão rural nacional, que continuavam
ligados principalmente à difusão de tecnologia e ao desenvolvimento econômico.
No entanto, essas críticas ao difusionismo serviram para que grupos ligados à
extensão rural iniciassem uma discussão acerca da importância da compreensão da
dinâmica social inerente à agricultura, especialmente no que se refere à valorização
dos conhecimentos dos sujeitos que vivem no campo. Assim, encontraremos hoje,
por exemplo, veículos midiáticos em cujo conteúdo referências positivas a tais
sujeitos, como detentores de saberes, de cultura, de capacidade administrativa,
ainda que carentes de orientação técnica atualizada sobre o trabalho agrícola. Isso
pode ser observado, de certa forma, no gênero história de vida.
26
Nas décadas de 70 e 80, as atividades dos serviços de extensão rural
continuaram centrando-se na transferência de tecnologia proveniente da revolução
verde, a qual se baseava na utilização de variedades genéticas que incrementavam
espetacularmente a produtividade agrícola. Esse processo de modernização ocorreu
em toda a América Latina e permitiu um avanço tecnológico, mas significou também
a consolidação da agricultura empresarial em detrimento da familiar, bem como
acelerou o processo de deterioração do meio ambiente (Vela e Heguedus, 1999, p.
14 e 15).
Além da ampliação dos meios de comunicação às zonas rurais e às áreas
mais isoladas do país no intuito do Estado de promover a integração nacional,
também se observou, nesse período, um boom de mensagens para o setor rural nos
meios de comunicação brasileiros. A modernização da agricultura exigia maior
agressividade na difusão de técnicas e conhecimentos sobre a atividade agrícola,
tarefa em que a mídia pôde contribuir de forma relevante. Na televisão, surgiram
vários programas destinados ao meio rural. Em 1989, a TV Bandeirantes possuía 4
programas desse tipo. Na TV Globo, em 1980, iniciava o programa Globo Rural,
idealizado quando foi detectada a existência, principalmente no estado de São
Paulo, de 4 milhões de aparelhos receptores de TV no campo e mais de 300
potenciais anunciantes de fertilizantes e implementos agrícolas. Também no rádio,
veículo característico de regiões mais isoladas, apareceram muitos programas
destinados à informação rural (Amaral, 1993, p. 43 e 44).
No decorrer dos anos, a extensão rural brasileira, bem mais autônoma em
relação aos modelos importados, acresceu à idéia de informar os agricultores sobre
as novidades técnicas a de desenvolver neles a capacidade de administração,
gestão e planejamento de suas propriedades e recursos (o espírito empresarial),
para que, com o tempo, eles fossem necessitando cada vez menos dos auxílios
governamentais ou dos das instituições privadas de fomento. A problemática
ambiental também ganhou importância nos programas de extensão a partir da
década de 90, numa tentativa de aliar a produção agrícola à preservação dos
recursos naturais, os quais, hoje, estão seriamente comprometidos, devido,
inclusive, à incorreta atuação da extensão rural do passado.
Mesmo alterando o modelo difusionista na direção de relações mais
horizontais, Callou (2004, p.3) acredita que o Brasil nem mesmo chegou próximo de
um programa de extensão/comunicação rural como o proposto por Paulo Freire.
27
Para ele, até mesmo a participação, o dialogismo, que as instituições
governamentais de extensão rural passaram a pregar a partir da década de 70,
ocorreu apenas no discurso e não passou de um disfarce que contribuía para fazer
valer políticas públicas determinadas verticalmente. Dessa forma, até mesmo as
expressões mais tradicionais da cultura dita popular, como folhetos de cordel,
almanaques, teatro de fantoches, foram utilizadas como estratégia persuasiva para
viabilizar a adoção tecnológica. O autor acredita ainda que, embora as práticas de
difusão de inovações tenham contribuído para modernizar o campo, o
desenvolvimento propriamente dito do meio rural não ocorreu; pelo contrário, criou-
se um grave problema ambiental, de êxodo rural e de aumento da concentração de
terra. Por isso, argumenta, a grande maioria dos pesquisadores pós-paulo-freireanos
não tem mais dúvida de que a comunicação participativa ou horizontal é o ponto de
partida para a construção de qualquer projeto voltado aos contextos populares.
Na trajetória da extensão e da comunicação rural brasileira, a intervenção
governamental tem, indiscutivelmente, o papel de protagonista, pois, por muito
tempo, grande parte das ações de desenvolvimento do campo estiveram ou
reduzidas ou fortemente vinculadas ao apoio estatal. Contudo, conforme Olinger
(1998, p. 18, 48, 75, 76), a tendência da extensão rural no país é a de ser exercida
cada vez mais pela iniciativa privada (agroindústrias, cooperativas, escritórios
particulares, ONGs, etc.), a exemplo do que acontece em países desenvolvidos
como os Estados Unidos, cujo modelo de extensão rural, vale lembrar, o Brasil
importou meio século atrás.
Essa passagem da iniciativa pública para a privada é vista pelo autor como
uma espécie de tendência natural, pois ela significa que os programas públicos
deram certo e capacitaram o produtor brasileiro a andar “com as próprias pernas”.
Por outro lado, tal passagem também é favorecida por uma crise no sistema público
de extensão rural de todos os países latino-americanos, ocasionada pela
interferência político-partidária dos governos e pelo desajustamento dos profissionais
com relação às rápidas inovações tecnológicas. As cooperativas agropecuárias se
incluem na iniciativa privada e, por isso, seus serviços de extensão e comunicação
rural tendem a ganhar cada vez mais importância no setor rural do país como um
todo e na vida de cada associado em particular.
Olinger (1998, p. 74) também descreve a fase atual da extensão rural
brasileira como indefinida, porém, delineando-se na direção da qualidade da
28
produção, da preservação ambiental, da competitividade e da sustentabilidade do
desenvolvimento, privilegiando o aprimoramento da base produtiva e da qualidade
de vida da família rural.
Acompanhando essa proposta há, segundo o autor acima citado, uma
tendência na extensão rural para o uso de meios massivos de comunicação
(televisão, vídeo, rádio, publicações) em substituição aos métodos de extensão
“educativos” (demonstrações, visitas, excursões, dias de campo, grupos de gestão,
treinamentos de curta duração). Segundo ele, isso ocorre, entre outros fatores, por
uma questão de comodidade, de falta de competência para executar tarefas
práticas, de desconhecimento da realidade rural pelos egressos das escolas de
Ciências Agrárias e pela falta de atualização dos agentes de extensão (Olinger,
1998, p.75 e 76).
Para Olinger (1998, p. 75 e 76), essa tendência é um erro de visão, pois o
nível cultural da maioria dos agricultores familiares brasileiros ainda não é suficiente
para interpretar mensagens visuais e/ou auditivas de modo a levá-las à prática com
eficácia. Por outro lado, uma avaliação realizada pelo autor dos efeitos do programa
televisivo Globo Rural conclui ser ele um bom motivador, pois leva o produtor rural a
procurar soluções para seus problemas junto aos serviços de extensão, secretarias
de agricultura e outros meios de informação. Nenhum método, diz Olinger, é mais
eficaz do que a presença física do agente de extensão na propriedade do agricultor,
para que ele aprenda a fazer, em contato direto com os que sabem fazer, na prática.
Duarte (2005) postula que a nova perspectiva em comunicação e extensão
rural no país vem sendo desenhada alguns anos pela emergência de diversos
movimentos sociais, especialmente aqueles que envolvem agricultura e meio
ambiente, que buscam investir o agricultor de poder, “empoderá-lo”, para tomar
decisões de forma consciente. Uma das principais causas dessa mudança é
atenuação do isolamento característico do homem rural, ocasionada pelo próprio
desenvolvimento econômico do campo e pelo avanço e popularização das
tecnologias de comunicação. Hoje, “o agricultor não é mais um fazendeiro instalado
em sua propriedade agrícola aguardando a presença de um extensionista ou
ouvindo rádio para saber a melhor maneira de combater uma praga”, ele pode ter o
mesmo acesso a cinema, teatro, vídeo, Internet que um morador da cidade, pode até
mesmo, morar na cidade. Também proliferam novos atores agindo no espaço rural,
os quais estão dispostos a estabelecer uma relação de comunicação com o
29
agricultor, como ONGs, grupos cooperativados, mercado de informação agrícola
privada em sites da Internet e empresas de insumos que fornecem assistência
técnica mediante compra de produtos. Tudo isso faz com que, segundo o autor, o
paradigma dominante da comunicação de massa seja substituído pela comunicação
interpessoal e por acordos organizacionais.
Também os estudos de comunicação e extensão rural - e por conseqüência
sua prática- vêm passando por transformações consideráveis nos últimos dez anos,
conforme análise de Callou (2004, p. 6). Para ele, essas transformações são
conseqüência da influência dos estudos sobre desenvolvimento local, da
disseminação dos estudos culturais ingleses nas pesquisas em comunicação da
América Latina e das novas concepções sobre o rural brasileiro, as quais enlaçam
atividades agrícolas e não agrícolas (como turismo, culinária e artesanato, por
exemplo) num mesmo território agrário. É conveniente ressaltar que os estudos
culturais latino-americanos são citados por muitos pesquisadores como uma das
principais influências para a mudança de paradigma na comunicação/extensão rural,
por contrariarem a própria idéia de passividade do receptor, incluírem a de mediação
na recepção midiática e a de hibridização da cultura rural e urbana, folclórica e
popular, popular e massiva, e assim por diante (ver Jesús Martín-Barbero, 1987 e
Néstor García-Canclini, 1995).
Atualmente, a extensão rural é mais comumente compreendida, no Brasil,
como “...difusão, transferência ou vulgarização de técnicas de trabalho, produção e
comercialização, úteis e sustentáveis, aos produtores rurais, por meio de métodos
educativos” (Olinger, 1998, p. 7). a comunicação rural pode ser definida como “o
conjunto de fluxos de informação, de diálogo e de influência recíproca existentes
entre os componentes do setor rural e entre eles e os demais setores da nação
afetados pelo funcionamento da agricultura, ou interessados no melhoramento da
vida rural. Os meios e canais através dos quais aqueles fluxos circulam podem ser
de natureza pessoal (formal ou informal), como no caso das visitas mútuas, das
reuniões, das feiras e exposições, das festas e velórios, como de índole impessoal,
quando se empregam meios de comunicação, tais como jornal, dio, revistas,
cartazes, cinema e audiovisuais” (Bordenave, 1988, p.7).
A explanação realizada até aqui mostra que, ao longo da segunda metade do
século XX, as concepções acerca do papel social da extensão e da comunicação
rural mudaram consideravelmente. De uma perspectiva manipuladora, persuasiva,
30
focada na difusão de tecnologia, passou-se a outra mais educativa, promotora da
autonomia do agricultor e centrada no desenvolvimento rural como um todo, isto é,
não de seus aspectos tecnológicos, mas também produtivos, comerciais,
econômicos e sociais. Do mesmo modo, a crença no poder ilimitado da comunicação
de massa deu lugar a uma visão mais moderada, na qual o levados em conta a
cultura, os saberes, os interesses do homem rural. Isso não significa que os meios
de comunicação já não têm espaço nas atividades de comunicação rural; pelo
contrário, eles continuam sendo muito utilizados, tanto que certos autores, como
citado acima, reclamam do excesso de uso de veículos comunicativos nessa área. O
que já não tem espaço atualmente é idéia de que sozinhos, ou seja, sem as relações
presenciais entre agricultores e entre estes e extensionistas, os veículos de
comunicação serão capazes de promover com eficiência o desenvolvimento do meio
rural tal como é esperado. Os meios ficam, e provavelmente ficarão, relegados à
função de apoio ao contato pessoal na extensão agrícola.
Como introduzido no início desta seção, estratégias de comunicação dirigidas
ao meio rural também podem ser executadas por cooperativas agrícolas e, quando
isso acontece, entram em cena novos preceitos (que atuam complementarmente aos
da comunicação rural), os quais caracterizam a comunicação cooperativa. Na
verdade, comunicação cooperativa é aquela executada por instituições que adotam
esse regime organizativo, sejam elas voltadas à agropecuária, ao artesanato, à
habitação, à educação ou a qualquer outro ramo. O que ocorre com as histórias de
vida analisadas neste estudo é que elas são dirigidas ao meio rural e produzidas por
uma cooperativa, o que faz com que nelas sejam percebidas características dessas
duas áreas. Assim, cabe apresentar também alguns aspectos importantes
relacionados à comunicação cooperativa, como seu público e seus princípios de
atuação.
1.1.2 Comunicação cooperativa
As primeiras associações cooperativas surgiram oficialmente em 1844 em
Rochdale, Manchester, na Inglaterra, reunindo tecelões interessados em buscar
alternativas de trabalho para sua sobrevivência. A definição de cooperativa fornecida
pela OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) é a de “uma associação
autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e
31
necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de
propriedade coletiva e democraticamente gerida”. Os princípios do movimento
cooperativista são praticamente os mesmos em todo o mundo e prevêem adesão
voluntária e livre; gestão democrática e livre; participação econômica dos membros;
autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação e
interesse pela comunidade.
Bialokorski Neto (2005) explica, resumidamente, que a missão fundamental
outorgada à economia empresarial cooperativa é a de servir como intermediária
entre o mercado e as economias dos cooperados para promover o incremento desta,
podendo promover também a integração do produtor à cadeia produtiva. As
sociedades cooperativas são caracterizadas como sociedades de pessoas em que
a agregação inicial do fator de produção/trabalho, sendo que, nas assembléias
gerais, cada associado tem apenas o direito a um único voto. Atualmente, há
cooperativas em vários setores da economia e estas se subdividem nos chamados
ramos ou segmentos, como o agropecuário, que é a associação de produtores
rurais, o habitacional, que é a associação com o intuito da construção de unidades
habitacionais, o de trabalho, que é a associação de profissionais, cujo propósito é
prestar serviços, ou, ainda, o de saúde, o de serviços, o mineral, entre outros.
No Brasil, as cooperativas agropecuárias são as mais representativas em
número de associados e produção econômica. Conforme a OCB, o ramo
agropecuário é composto de produtores rurais e pescadores cujos meios de
produção pertencem ao próprio associado. Essas cooperativas geralmente cuidam
de toda a cadeia produtiva, desde o preparo da terra até a industrialização e
comercialização dos produtos.
O princípio cooperativista de educação, formação e informação é, hoje,
viabilizado aos associados das cooperativas agropecuárias através de diversos
meios de comunicação, tais como jornal, revista, rádio, reuniões e encontros. Na
estrutura das cooperativas, explica Pereira (1999), o tradicionalmente
responsáveis por esse trabalho os departamentos de comunicação e educação, os
quais também têm respondido pela comunicação voltada ao mercado, ao divulgar a
imagem institucional, produtos e serviços da empresa. Para ele, tem igualmente sido
papel dos departamentos de comunicação e educação das cooperativas implantar e
manter a democracia participativa em todas as relações dentro da empresa, o que é
32
uma tarefa desafiadora nesses tempos em que a competição mercadológica tem
recebido prioridade com relação à função social das cooperativas.
No início da década de 70, a comunicação social passou a ser explorada mais
intensamente pelo movimento cooperativista brasileiro, especialmente no ramo
agropecuário, quando o país vivia o auge das grandes produções agrícolas para
exportação. Nessa época, surgiram os primeiros jornais direcionados aos produtores
rurais associados. Os objetivos iniciais da comunicação cooperativa eram, além de
criar um canal de comunicação entre as aspirações dos associados e as
deliberações da direção, incentivar o hábito de leitura na zona rural e desenvolver
um veículo para a defesa dos anseios do agricultor, principalmente do pequeno,
quase sempre marginalizado das decisões oficiais (Rossato apud Maio, 2004).
Poderíamos acrescentar que, hoje, ainda, entre as atribuições da
comunicação cooperativa voltada ao meio rural estão a transferência de tecnologia
para o campo, a mobilização dos agricultores para a adoção dessas tecnologias, a
promoção da integração entre associados e instituição, a legitimação e defesa do
próprio sistema cooperativo, entre outras incumbências. Dessa relação de
incumbências, podemos observar que, enquanto as duas primeiras estão ligadas à
comunicação rural, as duas últimas dizem respeito à comunicação cooperativa.
Promover a integração entre associados e cooperativa, bem como defender o
sistema cooperativista, são estratégias para a manutenção da própria instituição.
Afinal, os agricultores devem sentir-se motivados a permanecerem associados à
cooperativa e, para isso, por meio da comunicação social, a instituição divulga uma
imagem positiva de si e do sistema cooperativista, bem como procura “agradar” o
associado, publicando entrevistas e fotografias suas. Outras formas de integração
podem ser realizadas pessoalmente, por meio de eventos festivos ou reuniões de
trabalho e estudo.
Para Maio (2004), a comunicação cooperativa é ainda mais abrangente que o
jornalismo rural porque seu conteúdo vai além das informações técnicas, políticas,
econômicas e sociais que afetam a vida do homem do campo: ela inclui a defesa
dos princípios cooperativistas. Assim, textos que divulgam o intercâmbio entre
cooperativas, a relação de igualdade entre cooperados (um homem, um voto), as
iniciativas de educação cooperativista, a suposta transparência de gestão são
comuns nos jornais dessas organizações.
33
A comunicação cooperativa também pode ser considerada uma alternativa
de comunicação rural, desde que os comunicadores não percam a sintonia com os
objetivos primordiais dessa área: fomentar o diálogo com o produtor rural para que,
juntos, possam promover mudanças sociais que garantam mais qualidade de vida ao
homem do campo (Maio, 2004). Porém, em muitos jornais de cooperativa (impressos
ou não), os objetivos relacionados à comunicação rural superam os referentes à
divulgação da cooperativa e do cooperativismo, de modo que poderíamos também
classificar a comunicação cooperativa não como uma alternativa de comunicação
rural, mas como uma subcategoria, um segmento integrante, um ramo desta.
O cooperado, principal alvo da comunicação cooperativa, tem certas
particularidades como público. Uma delas é que, ao associar-se, o indivíduo passa a
ser dono da cooperativa, apesar de nem sempre ter consciência disso (Maio, 2004).
Ao mesmo tempo em que é dono, também é fornecedor e consumidor, uma vez que
entre os deveres do associado está o de ser fiel à instituição, dando a ela
exclusividade na venda de sua produção agrícola e na compra de insumos,
combustíveis e, até mesmo, alimentos industrializados. É, portanto, dono e leitor do
jornal da instituição.
Outra característica do blico da comunicação cooperativa é a de este ser
relativamente homogêneo do ponto de vista econômico, social e cultural. Como as
cooperativas têm uma atuação limitada geograficamente e também
economicamente, elas acabam reunindo em seu quadro de associados pessoas com
interesses, trabalho e situação financeira parecida. A proximidade espacial, por sua
vez, também facilita uma maior semelhança cultural. É o caso da cooperativa
agropecuária da região oeste de Santa Catarina da qual tratamos neste estudo.
Desse modo, ao invés de lidar com um público médio, à maneira dos veículos de
comunicação autônomos, o profissional da comunicação cooperativa tem nas mãos
uma certa uniformidade de pensamentos, de sentimentos e de situação social que
facilita seus diagnósticos e intervenções.
Tal uniformidade vai estar presente no gênero história de vida, vai emergir
dos relatos dos agricultores. Essa característica pode constituir um fator decisivo na
aceitação desse gênero textual por parte de seu público, já que a semelhança com o
outro é capaz de despertar um sentimento de identificação nos leitores.
Em um amplo estudo sobre os departamentos de comunicação e educação
de sete cooperativas agropecuárias do oeste de Santa Catarina, realizado no final
34
da década de 90, Pereira (1999) constata que existe uma tendência mais técnica
tanto na comunicação com os associados quanto na com o público externo. Nessas
instituições, ganhou espaço a comunicação voltada para a tarefa de mostrar a
empresa cooperativa para o mercado, procurando apresentar da melhor forma a
imagem da organização e os seus produtos aos demais segmentos sociais,
potenciais consumidores. Perdeu espaço a comunicação que se preocupa com a
educação dos associados, baseada no pressuposto de que as relações
democráticas internas são fundamentais para definir a posição da cooperativa no
mercado e na sociedade.
Com relação aos meios utilizados para a comunicação entre associados e
cooperativas, Pereira (1999) observa que o rádio continua tendo grande importância
na comunicação rural, devido à facilidade de acesso ao veículo e à linguagem
simplificada e estreitamente ligada à tradição de comunicação oral dos agricultores.
A televisão, por sua vez, tem peso muito pequeno na comunicação cooperativa, em
razão dos seus altos cultos, a ponto de o existir (na época da pesquisa) nenhum
programa regular de cooperativas nesse meio.
O autor também vislumbra o declínio do jornal impresso, que possivelmente
nunca esteve em alta”, devido à baixa escolaridade dos produtores rurais, à falta do
hábito de leitura, às dificuldades para a inteira compreensão da mensagem escrita e
ao seu baixo poder aquisitivo. Uma esperança para a comunicação escrita seriam os
jovens rurais, que m apresentando grau de escolaridade mais elevado, mas que,
por outro lado, são as principais vítimas do êxodo rural. Já a Internet é, para Pereira,
uma alternativa viável de comunicação com o campo, ainda que pouco difundida até
o momento.
De fato, parece paradoxal que instituições como as cooperativas
agropecuárias que, muitas vezes, trabalham com indivíduos de baixa escolaridade,
tenham a tradição de produzir jornais impressos e dirigi-los a seus associados. No
entanto, poderíamos citar pelo menos três razões que explicam esse fenômeno e
que vão, em certa medida, de encontro à visão pessimista de Pereira quanto ao
futuro da comunicação cooperativa rural. A primeira razão para a insistência na
produção de veículos impressos é o fato de eles contribuírem para a difusão de uma
boa imagem da cooperativa, que não agricultores terão acesso ao jornal, mas
outras pessoas da comunidade. As ginas impressas também facilitam a venda de
publicidade, pois o anunciante pode ver onde se publicado seu anúncio e conferir
35
depois, diferentemente do que ocorre com o rádio, em que esses processos são
menos palpáveis. A terceira razão para a circulação de veículos impressos é que as
dificuldades de leitura dos agricultores, pelo menos na região oeste de Santa
Catarina, são contrabalançadas pela utilização de grande número de figuras nos
textos e pela possibilidade de esclarecer dúvidas com vizinhos, parentes
(especialmente esposa e filhos, geralmente com maior grau de instrução) ou com os
próprios extensionistas rurais. Dessa forma, é possível que os jornais rurais
continuem circulando e aaumentem sua importância na medida em que cresce o
grau de escolaridade dos agricultores.
Pelo exposto, podemos concluir que as atividades de comunicação em uma
cooperativa agropecuária estão focadas, ao mesmo tempo, no desenvolvimento do
campo e no desenvolvimento da cooperativa. Por isso, conceitos e práticas picas
da comunicação rural, como a difusão de informações agrícolas, andam lado a lado
com a ideologia cooperativista e com estratégias empresariais de publicidade.
Neste estudo, a descrição dos processos comunicativos voltados ao meio
rural se justifica pela necessidade de conhecer tais dinâmicas para poder
compreender o gênero história de vida em seus aspectos temáticos e contextuais.
Agora, torna-se necessária uma teorização sobre os gêneros textuais,
especialmente sobre os gêneros jornalísticos, a fim de discutir o que os estudos na
área da comunicação social e da lingüística destacam a respeito do fenômeno.
Também é conveniente a explanação sobre os diferentes conceitos que a expressão
história de vida recebe nas ciências humanas, com o objetivo de esclarecer a
escolha da nomenclatura do gênero aqui analisado.
1.2 Gêneros jornalísticos
Nos estudos da comunicação social, autores conflitam no momento de definir
qual fenômeno deve ser chamado de gênero jornalístico. Isto é, nem sempre
pesquisadores da comunicação nomeiam de gênero materializações discursivas,
como uma reportagem, uma notícia ou um editorial. Alguns consideram gêneros as
diferentes áreas da atividade laboral, de modo que teríamos os neros informativo,
o opinativo e o interpretativo, entre outros, cada um deles composto por aquilo que a
lingüística chama de gêneros textuais, como notícias, reportagens, editoriais, etc.
Além disso, existe discordância também quanto à nomenclatura de certos gêneros (o
36
que alguns chamam de nota outros podem chamar de notícia) e à definição sobre se
um determinado fenômeno lingüístico pode ser ou não considerado um gênero
autônomo (o perfil é considerado por alguns um gênero autônomo enquanto por
outros um subtipo de reportagem).
Desses dois últimos problemas compartilha a definição das histórias de vida
analisadas neste estudo. Por isso, cabe uma discussão mais detalhada sobre o
conceito de gênero jornalístico do ponto de vista dos estudos da comunicação
social.
As diferenças sobre a noção de nero jornalístico no campo da
comunicação são acentuadas pelos diversos significados atribuídos à palavra
gênero na ngua portuguesa. Sem sair das ciências sociais e humanas, temos os
gêneros sociais, gramaticais, literários, retóricos e outros, além, evidentemente, dos
jornalísticos e textuais. Por designar “um conjunto de espécies que apresentam
características comuns convencionalmente estabelecidas” (Ferreira, 19-, p. 682), o
termo gênero acaba sendo utilizado para a denominação das mais diversas
situações, as quais, muitas vezes, integram um mesmo campo de estudo, gerando
uma certa confusão conceitual.
Bonini (2003, p. 4), ao fazer um levantamento na bibliografia que circula na
área da comunicação, a fim de entender como ela concebe os gêneros jornalísticos
e quais destes têm mais representatividade nesse meio, conclui que uma mescla
de tratamento teórico e prático do fenômeno da linguagem, o que leva a uma
flutuação do conceito de gênero nas diferentes obras.
Segundo ele, de modo geral, muitos textos que tratam do tema, além de
bastante desatualizados, são construídos como uma espécie de compêndio de
dicas, privilegiando procedimentos práticos ao debate acadêmico e tratando o
gênero como parte da técnica jornalística. Na verdade, é comum que os autores
enfatizem o ensino da técnica jornalística (coleta de informações, o trato com as
fontes, organização das informações, relato, composição do jornal), tomando como
eixo da explicação a notícia. Também são privilegiados aspectos como categorias do
jornalismo (opinativo, informativo, interpretativo, etc.); trabalho nas editorias (política,
economia, cultura, etc.), trato com as fontes e com as agências de notícias,
objetividade, neutralidade, veracidade, credibilidade (Bonini, 2003, p.4).
Essas categorias do jornalismo a que se refere Bonini também são, muitas
vezes, chamadas de gêneros. Observando o quadro 1, identificamos a divisão da
37
atividade jornalística em jornalismo informativo, interpretativo e opinativo. Alguns
autores em vez de a expressão “jornalismo opinativo, interpretativo e informativo”
utilizariam “gênero opinativo, interpretativo e informativo”. Além disso,
acrescentariam o “gênero diversional”, que engloba textos como o resumo das
novelas, piadas, dicas de filmes, as variedades e algumas espécies humorísticas,
ainda que essa categoria não seja tão legitimada nos círculos acadêmicos (Marques
de Melo, 1997, p.32-35).
BELTRÃO MELO
Jornalismo Informativo
1. Notícia
2. Reportagem
3. História de interesse humano
4. Informação pela imagem
Jornalismo Informativo
1. Nota
2. Notícia
3. Reportagem
4. Entrevista
Jornalismo Interpretativo
5. Reportagem em profundidade
Jornalismo Opinativo
6.Editorial
7. Artigo
8. Crônica
9. Opinião ilustrada
10. Opinião do leitor
Jornalismo Opinativo
6. Editorial
7. Comentário
8. Artigo
9. Resenha
10. Coluna
11. Crônica
12. Caricatura
13. Carta
Quadro 1-Classificações de Beltrão e Melo para os gêneros do jornal (Bonini, 2003, p.5).
no quadro 2, constatamos que categorias que a lingüística nomeia de
“gênero” Chaparro trata por “espécies”.
Gênero COMENTÁRIO Gênero RELATO
Espécies
argumentativas
Espécies gráfico-
artísticas
Espécies
narrativas
Espécies práticas
1. Artigo
2. Crônica
3. Cartas
4. Coluna
1. Caricatura
2. Charge
1. Reportagem
2. Notícia
3. Entrevista
4. Coluna
1. Roteiros
2. Indicadores
3. Agendamentos
4. Previsão do tempo
5. Cartas
6. Orientações úteis
Quadro 2-Classificação de Chaparro para os gêneros do jornal (Bonini, 2003, p.5).
Conforme Bonini (2003, p.4), os gêneros textuais mais citados nos estudos de
jornalismo são a notícia, a reportagem, a entrevista e o editorial. Para ele, o aspecto
flutuante dos gêneros se revela quando esses textos tomam a notícia e a
38
reportagem como mesmo gênero ou uma pela outra. O conceito de gênero, diz
ainda, é empregado de modo intuitivo e a variedade abordada é pequena e sempre
restrita aos textos mais típicos do meio. Conclui, então, que tais obras “pouco podem
nos informar sobre os vários gêneros que compõem o jornal”.
Com o desenvolvimento das comunicações, que leva ao surgimento de novos
meios, surgem também novos gêneros comunicativos, que costumam ser rotulados
a partir dos velhos ou tratados simplesmente por “matéria”. Ou seja, embora um
texto noticioso-interpretativo veiculado na Internet seja relativamente distinto de um
texto noticioso-interpretativo veiculado em um jornal impresso, a tendência será
tratar os dois por reportagem, fazendo-se, talvez, uma distinção entre reportagem
para Internet e reportagem para o jornal impresso. Do mesmo modo, é comum no
meio jornalístico, a utilização do superordenado “matéria”, que serve para designar
qualquer gênero que envolva coleta de informações (a notícia é uma matéria, o
editorial não), inclusive aqueles que, por suas características, não se enquadram, de
forma evidente, em um gênero já conhecido.
Outra crítica de Bonini é a de que, ao se construir uma tipologia tomando por
base apenas os traços que a linguagem revela, como pode ser verificado no quadro
2, quando Chaparro divide as espécies em argumentativas, narrativas e gráfico-
artísticas, desconsidera-se o uso efetivo que o sujeito faz de tais características.
Segundo ele, o sujeito social e lingüisticamente ancorado escreve/fala ou lê/ouve
uma carta ou uma notícia, mas não uma descrição ou uma narração, que são
características internas da linguagem sobre as quais se tem pouca consciência. O
gênero entendido como uma categoria abstrata e geral diz muito pouco sobre a
ocorrência efetiva da linguagem em um meio social (Bonini, 2003, p.6).
Por fim, o autor conclui que grande parte da literatura da área da
comunicação trabalha com um conceito de gênero ultrapassado em outros
campos do debate acadêmico. Além disso, a metodologia aristotélica (com tipologias
abstratas), muitas vezes utilizada, oferece poucas respostas quanto à compreensão
de objetos de linguagem em meios sociais específicos. Essa literatura, esclarece o
autor, oferece uma rica quantidade de tulos relativos aos gêneros e às atividades
com gêneros, embora se tenha que desenvolver critérios de seleção para escolher
com quais se quer trabalhar (Bonini, 2003, p.13).
Ao estudar a compreensão dos jornalistas acerca dos gêneros textuais com
que trabalham, Bonini (2002, p.79 e 80) chega à conclusão de que, embora possa
39
parecer lógico que os estudos científicos devam fornecer as diretrizes de trabalho
dos jornalistas e que haja uma co-alimentação desses estudos com a prática
profissional, isso acontece em um grau muito inferior ao imaginado. Os estudos
científicos têm um papel secundário no estabelecimento dos neros jornalísticos,
porque a prática jornalística exige respostas imediatas e estratégias retóricas
eficazes para a sobrevivência do próprio jornal. Por isso, na bibliografia da área,
menos preocupação em ensinar estruturas textuais e mais em desenvolver senso
crítico sobre a produção jornalística (2002, p. 79-80).
Além disso, segundo Bonini (2002, p.96-97), os rótulos atribuídos aos
gêneros, quase em sua totalidade, giram em torno do contexto prático em que os
textos são utilizados cotidianamente; logo, a função social é o primeiro critério de
identificação de um gênero. Em outras palavras, os jornalistas tentam atribuir rótulos
que mapeiam situações comunicativas, independentemente das partes estruturais
que possam caracterizar os gêneros. O pesquisador também explica que os
movimentos retóricos baseados em conteúdo não o relatados pelos jornalistas, ao
que parece, a partir do esquema cognitivo do gênero, mas do esquema cognitivo de
determinados fatos do mundo (p.144).
Assim, quando o jornalista sai a campo para cobrir um fato, ele não pensa,
inicialmente, se tal fato será descrito na forma de uma notícia, de uma reportagem,
de uma nota, de uma entrevista ou de qualquer outro gênero. O jornalista coleta as
informações, realiza as entrevistas e fotografa ou filma o acontecido, para depois
analisar o que tal fato “rende”, isto é, ele avalia se o fato despertará interesse do
público ou não; se muitas ou poucas informações; se as entrevistas coletadas
podem ser descritas na íntegra ou não; se as fotos têm qualidade, e assim por
diante. Por exemplo: um fato muito interessante, passível de ser desdobrado e
transformado em uma reportagem, se limitará a uma notícia, caso não haja boas
fotografias para ilustrá-lo.
Da mesma maneira, ainda que um jornalista conclua que certo fato pode
render uma reportagem, o profissional, no momento de redigi-lo, não se baseará em
um modelo retórico de reportagem previamente e rigorosamente definido, mas fará a
narração dos fatos conforme eles se apresentaram na realidade ou conforme lhe
parecer mais adequado.
Se no campo jornalístico a noção de gênero textual ainda não é muito clara,
na lingüística, seu conceito é relativamente consensual, e o que se discute é a
40
melhor nomeação para o fenômeno. De acordo com Rojo (2005, p. 185 e 186), os
grupos que tratam os gêneros por discursivos são aqueles que se centram no estudo
das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-
históricos; enquanto os grupos que preferem a denominação gênero textual,
concentram-se na descrição da composição e da materialidade lingüística dos
textos. Todos, contudo, adverte a autora, acabavam por fazer descrições de
gêneros, de enunciados ou de textos pertencentes ao gênero. As duas vertentes,
também, encontram-se enraizadas nas releituras da herança bakhtiniana.
Para Bakhtin (1992, p.279), os gêneros discursivos são tipos relativamente
estáveis de enunciados que se ligam a diferentes esferas da atividade humana.
Segundo ele, ignorar a natureza do enunciado e as particularidades do gênero pode
levar o estudo lingüístico à abstração, desvirtuar sua historicidade e enfraquecer o
vínculo existente entre língua e vida. O autor propõe, em suma, uma concepção
dialógica para o estudo dos gêneros, na qual o seu contexto de produção e consumo
tem grande relevância.
Para Swales (1990, p. 58), um gênero compreende uma classe de eventos
comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos de
comunicação. Tais propósitos são reconhecíveis por membros especialistas da
comunidade discursiva de origem. Além dos propósitos comunicativos, exemplares
de um gênero exibem vários padrões de similaridade em termos de estrutura, estilo,
conteúdo e audiência pretendida. Se todas essas expectativas são realizadas, o
exemplar será visto como um protótipo por sua comunidade discursiva de origem.
Autores como Miller (1984) e Bazerman (2005) têm reafirmado essa
perspectiva em suas obras, inclusive, aplicando o conceito de gênero textual (e seus
exemplos concretos) ao ensino de língua e retórica. De acordo com Miller (1984, p.
159), gêneros são ações retóricas tipificadas baseadas em situações recorrentes.
Por constituirem uma ação social, os neros nos ajudam a entender melhor as
situações nas quais nos encontramos e as possibilidades de termos sucesso na
ação conjunta (Miller, 1984, p. 165). Já Bazerman (2005, p.22-34) argumenta que os
processos de tipificação contribuem para criar padrões comunicativos que fazem
com que a mensagem seja mais facilmente compreendida pelas pessoas. Essas
formas tipificadas emergem como gêneros textuais. De acordo com o autor (2005,
p.149), por sua relação com o contexto, o estudo dos gêneros é importante para o
indivíduo, levando-o a se relacionar melhor com o mundo que o cerca, como no caso
41
de um iniciante em um ramo da atividade laboral, que vai conhecer e “vestir“ um
novo sistema discursivo.
Por fim, destaca-se a constatação de Marcuschi (2002, p. 19 e 20) de que os
gêneros textuais surgem emparelhados às necessidades e atividades sócio-
culturais, bem como na relação com as inovações tecnológicas, de modo que, nos
últimos séculos, foram as novas tecnologias, especialmente as ligadas à
comunicação, que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais.
Com relação aos métodos de análise dos gêneros, nos limitaremos a
descrever aquele que foi utilizado neste estudo, o qual parte da concepção de que
os gêneros são produzidos com objetivos comunicativos mais ou menos definidos e
refletem em grande medida as práticas que os subjazem, de modo que é possível
depreender dos textos os movimentos retóricos que os compõem.
1.2.1 Movimentos retóricos
Swales (1990) não chegou a descrever claramente os procedimentos
empregados na análise do gênero em seu estudo sobre artigos acadêmicos. No
entanto, em um modelo idealizado sobre o gênero, denominado CARS - Creating A
Research Space, descreve o modo como o escritor procede para produzir uma
introdução de artigo de pesquisa. Esse modelo pode ser visualizado no quadro 3.
MOVIMENTO 1: ESTABELECER TERRITÓRIO
Passo 1- Estabelecer a importância da pesquisa e/ou Diminuindo o esforço teórico
Passo 2- Fazer generalização/ões quanto ao tópico e/ou
Passo 3- Revisar a literatura (pesquisas prévias)
MOVIMENTO 2: ESTABELECER O NICHO
Passo 1A- Contra-argumentar ou Enfraquecendo os possíveis
questionamentos
Passo 1B- Indicar lacuna/s no conhecimento ou
Passo 1C- Provocar questionamento ou
Passo 1D- Continuar a tradição
MOVIMENTO 3: OCUPAR O NICHO
Passo 1A- Delinear os objetivos ou Explicitando o trabalho
Passo 1B- Apresentar a pesquisa
Passo 2- Apresentar os principais resultados
Passo 3- Indicar a estrutura do artigo
Quadro 3- Modelo de introdução de artigos científicos em inglês (Swales, 1990, p. 141)
42
Como, nesse modelo, a organização do texto é apresentada sempre em
relação ao ponto de vista do produtor/escritor, o quadro acima descreveria, então,
algo como um conjunto de estratégias que o cientista e em marcha para produzir
seu texto (Bonini apud Kindermann e Bonini, 2006, p. 40).
A divisão em movimentos e passos demonstra que a inovação metodológica
desse modelo está na forma como pretende depreender a estrutura de uso da
linguagem, considerando os aspectos da prática discursiva subjacente ao texto e
não só comparando diferentes exemplares do mesmo nero, a fim de identificar
similaridades. O gênero passa a ser apresentado como uma prática ou
representação da prática, tanto que sua descrição é realizada por meio de verbos
(estabelecer, revisar, delinear, etc.) indicativos de uma ação de linguagem. Cada
subparte do gênero constitui uma sub-ação que o falante/escritor executa para
chegar a uma ação de linguagem global, correspondente ao gênero como um todo
(Kindermann e Bonini, 2006, p. 43).
O modelo metodológico de Swales foi aplicado por Kindermann e Bonini
(2006) em reportagens do Jornal do Brasil. O estudo identificou quatro subgêneros
da reportagem e seus respectivos movimentos retóricos e passos. Os subgêneros
encontrados são: A reportagem como aprofundamento da notícia, A reportagem a
partir de entrevista, A reportagem de pesquisa e A reportagem de retrospectiva. A
reportagem de aprofundamento da notícia é aquela que desmembra ou
seqüência a fatos noticiados anteriormente, o que na literatura jornalística é
conhecido por “suíte”. A reportagem a partir da entrevista utiliza as opiniões de um
ou mais entrevistados, pessoas consideradas aptas para falar do assunto, para
comentar um determinado fato. Reportagem de pesquisa é a denominação dada ao
subgênero em que o repórter procura contextualizar ao máximo o fato motivador,
fornecendo causas, conseqüências, dados, opiniões, comparações, etc. Por fim, a
reportagem retrospectiva pode tanto comparar um fato com outro semelhante como
descrever as causas do fato atual.
Os autores, ao comentarem a realização da sua pesquisa, alertam sobre a
dificuldade de delimitar-se o gênero textual escolhido, no sentido de que, em um
jornal, por exemplo, não é facilmente identificável qual texto constitui uma
reportagem, uma notícia, uma coluna, entre outros gêneros. Afinal, embora os
gêneros sejam unidades reconhecíveis pelos membros da comunidade em que
circulam, nem sempre eles estão claramente definidos, seja devido às semelhanças
43
estruturais de muitos deles, às constantes mudanças que sofrem ou à falta de
necessidade, para a comunidade leiga, de uma distinção muito precisa.
No caso do jornalismo, como vimos na seção anterior, nem mesmo os
próprios profissionais conhecem ou chegam a um consenso no momento da
definição dos gêneros textuais com que trabalham. Esse fato sim pode ser
problemático, pois ele dificulta o aprendizado dos iniciantes na área, bem como o
entendimento entre os profissionais. Nesse sentido, se o modelo de Swales permite
visualizar as práticas que motivam e organizam os gêneros e foi útil para a descrição
e ensino de gêneros acadêmicos, como artigos (Swales, 1990) e resenhas (Motta-
Roth, 2002), é possível que também seja útil na descrição e no ensino de gêneros
jornalísticos, contribuindo para a superação das dificuldades acima destacadas.
A falta de padronização na nomenclatura dos gêneros jornalísticos é um dos
problemas que encontramos ao selecionarmos as histórias de vida como gênero a
ser estudado. Tal gênero era tratado, por seus produtores, como “entrevista” ou
“matéria” e, na literatura da comunicação social, não referência a nenhum gênero
jornalístico sob a denominação ‘história de vida’. Essa expressão é, por sua vez,
utilizada para designar uma técnica de coleta de dados, como observamos a seguir.
1.2.2 Histórias de vida como gênero textual
Com relação às histórias de vida, não encontramos na literatura, nem da
lingüística, nem da comunicação, a referência a elas como um gênero jornalístico.
Encontramos sim, um gênero semelhante, o perfil, que o Manual de Redação e
Estilo de O Globo define como “a reportagem sobre uma pessoa”, da qual fazem
parte depoimentos dela própria e de pessoas conhecidas, bem como observações
do repórter sobre gestos e hábitos observáveis no comportamento do entrevistado
(O Globo, 1992, p. 28). O perfil, no entanto, não exige que os fatos descritos façam
parte do passado, nem que figurem entre os mais relevantes da vida do indivíduo.
Na literatura jornalística, a história de vida é considerada um tipo de entrevista
mais “humana”. Segundo Medina (2000), as entrevistas jornalísticas costumam
constituir uma espécie de enfrentamento entre repórter e entrevistado, pois este,
freqüentemente, tem medo do que pode ser feito com aquilo que disse, uma vez que
a imprensa tende a distorcer os depoimentos, espetacularizando-os, focando
aspectos negativos, desmembrando as frases de seu contexto, entre outros
44
processos pouco éticos. Além disso, as pessoas consultadas pelos jornalistas
costumam ser as chamadas “fontes oficiais”, especialistas de cada área sempre
dispostos a “aparecer no jornal”. Desse modo, não são contempladas as pessoas
comuns, que têm tanto histórias para contar quanto capacidade para comentar fatos
que vivenciaram ou observaram. A história de vida, como técnica de coleta,
permitiria a participação dessas pessoas normalmente excluídas da mídia, bem
como possibilitaria que os fatos fossem abordados sob a perspectiva da vivência
humana, comum, e sem desvirtuamentos voltados ao sensacionalismo.
Santos (199-, p. 2-4), tratando das pesquisas historiográficas, também define
a história de vida como uma técnica de coleta de informações que, junto com as
entrevistas e os depoimentos, faz parte da história oral. Ele caracteriza a história de
vida como um processo em que o entrevistado conta os fatos sob seu ponto de vista
e de forma bastante livre, sem uma organização cronológica, muitas vezes relatando
o passado a partir do presente, o que faz com que toda história de vida, para que
seja recontada, tenha que passar por um processo posterior de reorganização
efetuado pelo entrevistador. Também destaca que, no momento da entrevista, as
lembranças são ordenadas pelo entrevistado com o intuito de conferir um sentido à
vivência do sujeito que narra sua história. Essa característica, associada ao fato de
que, como ressalta Bosi (2004), a recordação acaba se configurando em uma função
social exercida pelos mais velhos, que vivem em um tempo em que suas
produções já não são mais significativas para a sociedade, fazendo com que eles se
debrucem sobre um passado idealizado, torna os feitos do passado quase sempre
superdimensionados em relação ao seu real aspecto.
Referindo-se às ciências sociais, Haguette (1992, p. 80) explica que a história
de vida não representa uma autobiografia em termos convencionais, porque quem
conduz a seleção de temas é o entrevistador e não o entrevistado, como também
não constitui, nem pura realidade, nem pura ficção, que respeita e distorce ao
mesmo tempo os fatos do mundo real.
Pela descrição realizada acima, observamos que a história de vida é
concebida, tanto nos estudos de comunicação quanto nos de história e de ciências
sociais, como técnica de coleta de informações, sem nenhuma referência muito
evidente a um nero jornalístico que a esse processo estivesse associado, embora
as informações coletadas sob essa técnica resultem em um gênero, seja ele um
relatório, um diário, uma entrevista. No entanto, as noções acerca da técnica história
45
de vida se aproximam muito mais das observadas no gênero tratado neste estudo do
que noções encontradas na conceituação do gênero textual perfil, apresentado pelo
Manual de O Globo. Entre essas noções, estão a aproximação das histórias de vida
com a ficcionalidade, a interpretação da realidade sob um ponto de vista muito
particular, a reescrita que o entrevistador efetua depois da entrevista e o fato de
esse tipo de entrevista ser aplicada quase que exclusivamente a pessoas mais
velhas.
Tendo sido discutidas conceitos e categorias referentes aos gêneros
jornalísticos, passa a ser necessária a discussão sobre a configuração lingüística
desses gêneros. Essa abordagem será feita a partir da perspectiva da Lingüística
Sistêmico-Funcional e da Teoria da Valoração, em que serão considerados o
conteúdo ideacional, os índices de avaliação e as vozes do discurso jornalístico.
1.3 Contexto e metafunções
A Lingüística Sistêmico-Funcional procura estudar a linguagem na sua
relação com a estrutura social, partindo da idéia de que o falante dispõe de um
sistema a partir do qual faz uma série de escolhas para se comunicar nas variadas
situações sociais. Para tanto, a teoria leva em consideração, em suas análises, não
o texto, local da materialização lingüística, como também o contexto. Halliday
(1997, p. 10) conceitua texto como uma instância da linguagem que está tomando
parte em algum contexto de situação, seja qual for o meio de expressão pelo qual
ele se concretize. O texto é essencialmente uma unidade semântica (e não um
conjunto de sentenças ou uma sentença de tamanho ampliado), que constitui um
processo e um produto. É um produto na medida em que ele é de alguma forma
material, podendo ser retomado, estudado, recordado, pelo locutor ou pelo
interlocutor; e é um processo porque é um contínuo de escolhas semânticas, um
movimento através da rede de significados potenciais.
Já o contexto é apresentado por Halliday (1997, p. 5-7) como algo que
antecede o texto e pode ser dividido em contexto de situação e contexto de cultura.
O primeiro compreende o ambiente em que o texto é produzido e o segundo se
refere a toda a história cultural de determinado grupo social, história que determina a
própria natureza do código. O conhecimento de ambos os contextos é necessário
para o entendimento de um texto.
46
Os contextos são de extrema importância para a Lingüística Sistêmico-
Funcional, pois é através deles que os participantes são capazes de fazer predições
sobre os significados que estão envolvidos na interação. Assim, ao ler um texto,
obteremos pistas que nos ajudam a identificar o possível contexto de situação em
que ele foi produzido. Do mesmo modo, ao conhecermos um determinado contexto
de situação, podemos fazer inferências sobre que textos ele poderá produzir
(Halliday, 1997, p.36 e 37)
O autor (1997, p. 12) propõe que o contexto de situação seja analisado a
partir de três estruturas: campo, relações e modo do discurso. O campo (field) se
refere à natureza da atividade social em questão, seus atos e objetivos, descreve o
que está acontecendo. As relações (tenor) se referem aos participantes, aos papéis
que eles assumem nessa atividade. E o modo (mode) diz respeito ao papel da
linguagem nessa atividade, à organização simbólica do texto, a sua função no
contexto, ao canal (fônico ou gráfico) e ao modo retórico, incluindo categorias como
persuasivo, expositivo, didático e outras.
Com relação ao sistema lingüístico propriamente dito, Halliday (1998, p. 244)
distingue três macrofunções ou funções da linguagem: a ideacional (dividida em
experiencial e lógica), a interpessoal e a textual. De acordo com Freitas (2005, p.57-
58), a função ideacional está relacionada ao campo do discurso e serve para a
expressão do conteúdo, do assunto que está sendo abordado; a função interpessoal
está ligada à variável de relações do discurso e reflete como os participantes da
interação expressam suas visões do mundo, seus julgamentos, os papéis sociais em
jogo, enfim, as identidades sociais de ouvintes e falantes; por fim, a função textual se
vincula ao modo do discurso e diz respeito ao estabelecimento de relações entre as
frases, à organização do texto, que permite que o falante possa produzi-lo e o leitor
compreendê-lo.
As três funções, conforme Cabral (2002, p. 9), originam os três modos de
analisar um texto: a interpessoal trata o texto como se fosse um diálogo, envolvendo
os modos de interação entre participantes; a textual analisa a organização da
informação distribuída em tema e rema; e a ideacional analisa processos,
participantes e circunstâncias.
Vinculada à categoria relações, foi desenvolvida a Teoria da Valoração. Essa
teoria, como explica White (200-), buscou uma compreensão mais sutil da semântica
discursiva de tal categoria, como as conseqüências retóricas e de posicionamento
social que se associam às variadas opções que oferece a léxico-gramática.
47
Interessa-nos, nessa teoria, particularmente, o sistema de atitude, que passamos a
detalhar na seqüência.
1.4 O sistema de atitude
A Teoria da Valoração é um projeto de investigação ainda em curso, que foi
desenvolvido a partir de um trabalho realizado nos anos 80 e 90, para o projeto
Write it Right, que atendia escolas marginais ou com desvantagens da Austrália.
Nesse projeto, os pesquisadores buscaram os requerimentos de lecto-escritura para
diferentes domínios do discurso, como a ciência, a tecnologia, a mídia, a história e a
literatura. Tornou-se necessário, então, investigar em que contextos, por quais meios
lingüísticos e com que objetivos retóricos os escritores comunicavam juízos de valor,
atribuíam proposições a fontes externas ou modalizavam seus enunciados (White;
200-; Martin e White, 2005, p. 7 e 8)
Para a teoria, a linguagem é um sistema semiótico estratificado que envolve
três ciclos de codificação em diferentes níveis de abstração. Desses níveis, os mais
concretos são o da fonologia e o da grafologia, seguidos do nível da léxico-
gramática e, por último, do da semântica do discurso, como podemos ver na figura 1.
Na verdade, os níveis mais altos não estão simplesmente acima dos mais baixos, os
primeiros utilizam-se dos segundos para concretizarem-se lingüisticamente.
Semântica do
discurso
Gramática e
léxico
Fonologia e
grafologia
Figura 1- Estratos da linguagem (Martin e White, 2005, p. 9).
A valoração estaria situada no nível mais alto, o da semântica do discurso. O
quadro 4 detalha essas relações, incluindo as categorias de análise lingüística que
compõem cada uma das três grandes áreas. As setas indicam em que áreas este
estudo está situado.
48
Registro
Semântica do discurso Léxico-gramática Fonologia
Relações (tenor)
Poder/status
Solidariedade/
contato
Negociação
-funções do discurso
- mudança
Valoração
-engajamento
- atitude
afeto
julgamento
apreciação
-gradação
Envolvimento
- nominalização
- tecnicidade
-abstração
-antilinguagem
- insultos
-modos verbais
-tagging
- léxico avaliativo
- verbos modais
- adjuntos modais
- polaridade
- numeração
- intensificação
- repetição
- maneira/ extensão
- lógico- semântica
- vocativos
- nomes próprios
- léxico técnico
- léxico especializado
- gíria
- tabu lexical
- metáfora
gramatical
- tom (e chave)
- altura do som
- qualidade da voz
- fonestesia
- acento
- sussurro
- acrossemia
- pig latins
- escritas secretas
Quadro 4- Semântica interpessoal em relação à léxico-gramática e à fonologia (Martin e White,
2005, p. 35)
Como salientado anteriormente, a Teoria da Valoração, na Lingüística
Sistêmico-Funcional, se situa na categoria relações. Os autores incluem nessa
categoria, além do sistema de valoração, dois outros, o de negociação e o de
envolvimento. O sistema de negociação está interessado nos aspectos interativos do
discurso, nas suas funções. O sistema de envolvimento concentra-se especialmente
sobre aspectos de solidariedade, isto é, a atuação da linguagem na formação de
grupos, como por exemplo através de gírias, léxicos especializados e outras
variações. Por fim, o sistema de valoração busca compreender como
falantes/escritores utilizam a linguagem para realizar avaliações sobre coisas,
pessoas, fatos. A figura 2 ilustra a organização desses sistemas.
49
S
o
l
i
d
a
r
i
e
d
a
d
e
P
o
d
e
r
N
e
g
o
c
i
a
ç
ã
o
V
a
l
o
r
a
ç
ã
o
E
n
v
o
l
v
i
m
e
n
t
o
Figura 2- Sistema semântico interpessoal e variáveis de relações (adaptado de Martin e White,
2005, p. 34).
O sistema de valoração se divide em três partes: atitude, engajamento e
gradação. A atitude inclui sentimentos, reações emocionais, julgamentos sobre o
comportamento de pessoas e avaliações a respeito de coisas ou fatos. O
engajamento se refere ao papel das vozes em torno das opiniões ativadas no
discurso. a gradação diz respeito ao estabelecimento de graus através dos quais
os sentimentos serão amplificados ou minimizados (Martin e White, 2005, p. 35).
Cada categoria apresenta subdivisões próprias, como podemos ver no quadro 5. É
importante fazer a ressalva, porém, de que, para facilitar a apresentação da teoria, o
esquema abaixo subdivide as categorias de forma rigorosa, quando, nas
manifestações lingüísticas, elas se encontram fortemente relacionadas.
Sistema de Valoração
Atitude Engajamento Gradação
Afeto Julgamento Apreciação Contração
dialógica
Expansão
dialógica
Força Foco
Quadro 5- Organização esquemática da Teoria da Valoração
Neste trabalho, delimitaremos o estudo à noção de atitude, e dentro dela,
mais particularmente, à categoria denominada julgamento. É importante, contudo,
realizar um breve esboço das outras duas categorias que, junto com a de
julgamento, compõem a atitude: as categorias de afeto e apreciação. Isso
possibilitará a realização de comparações oportunas ao longo da análise, que
contribuirão para a compreensão do próprio conceito de julgamento.
O afeto lida com recursos para a construção de reações emocionais, como,
por exemplo, sentimentos positivos ou negativos em relação a um evento, pessoa,
fato, fenômeno, etc. Em uma sentença como Os terríveis eventos da semana
50
passada nos deixaram com sentimentos- em ordem de ocorrência- de horror,
angústia, ira, e agora, um desânimo geral, observamos a adoção de uma postura
sentimental (horror, angústia, ira, desânimo) diante de determinado fenômeno
(terríveis eventos da semana passada), de modo que o falante indica como esse
fenômeno o afetou emocionalmente (Martin e White, 2005, p. 35).
A apreciação, por sua vez, trabalha com recursos para a construção de
valores acerca de coisas, incluindo fenômenos naturais e processos (Martin e White,
2005, p. 36). Em Martin, 2004, temos um exemplo possível:
Ele [o jaguar tipo-E] é uma obra prima do estilo, com proporções dramáticas, porém
perfeitamente calculadas e bem-elaboradas...
No enunciado acima, o falante avalia um evento sem demonstrar afeto
explicitamente. Embora se subentenda que ele gostou do jaguar tipo-E, o falante
preferiu utilizar uma expressão lingüística que não evidencia esse sentimento.
Diríamos, então, que ele preferiu uma apreciação a um índice de afeto.
O julgamento diz respeito apenas a avaliações comportamentais de seres
humanos, que estão baseadas em princípios normativos (Martin e White, 2005, p.
35-36). Um enunciado que expressa julgamento é
Os escolhidos para representar a Austrália deveriam não ser talentosos, mas
deveriam estar acima da crítica. Espera-se que a prática do esporte ensine honra,
fair play, trabalho em equipe, liderança e habilidades sociais.
Nesse exemplo (extraído de Martin, 2004), os futuros representantes políticos
da Austrália estão tendo sua conduta avaliada com base em valores sociais
específicos considerados importantes para um governante naquele país.
O julgamento se distingue da apreciação porque aquele avalia
comportamentos humanos, enquanto esta valora construtos mais abstratos, como
planos políticos, objetos manufaturados e objetos naturais. Os humanos também
podem ser ‘apreciados’ em lugar de ‘julgados’, em ocasiões em que são tratados
mais como entidades do que como participantes, se consideramos sua aparência
estética e não seu papel social. Em outras palavras, quando dizem respeito a
51
pessoas, avaliações estéticas o consideradas apreciações, e avaliações éticas,
julgamentos (White, 200-).
Embora os valores de afeto, julgamento e apreciação sejam tratados em
separado, ao efetuar-se uma aplicação da teoria aos textos, facilmente percebemos
que essa separação não é tão nítida assim. Isso também foi percebido por White
(2004), que considera as três categorias fundamentalmente interligadas, na medida
em que todas têm a ver com a expressão de ‘sentimentos’. A diferença, diz ele, é
que a fundamentação desses sentimentos varia ao longo dos três modos, pois, no
afeto a ação da emoção é indicada de forma direta, como reações incidentais e
personalizadas de sujeitos humanos a algum estímulo; enquanto no julgamento e na
apreciação, esses sentimentos são apresentados como qualidades inerentes ao
fenômeno avaliado em si. Assim, Ele foi cruel ao deixar o gato na chuva ancora a
avaliação nas reações momentâneas e individuais do falante, mas Aquele é um belo
quadro ancora a avaliação nas propriedades objetivas’ do fenômeno avaliado. No
caso do julgamento, os sentimentos o reconstruídos como propostas sobre a
forma correta de comportamento e, no caso da apreciação, como proposições sobre
o valor das coisas.
A próxima seção detalha os valores de julgamento.
1.4.1 Julgamento
Martin e White (2005, p. 52) explicam que, no julgamento, entramos na região
da construção de significados envolvendo as atitudes das pessoas e o
comportamento que elas têm. Passamos a fazer algo semelhante a avaliar o seu
caráter. Os autores dividem os julgamentos em aqueles que lidam com estima social
e aqueles que lidam com sanção social. Os primeiros têm relação com normalidade
(quão usual alguém é); capacidade (quão capaz alguém é) e tenacidade (quão
resoluto alguém é). os segundos se relacionam à veracidade (quão verdadeiro
alguém é) e à propriedade (quão ético alguém é).
A estima social tende a ser controlada na cultura oral, através de conversas,
fofocas, piadas e histórias de variados tipos, especialmente aquelas que envolvem
humor, uma vez que o humor, freqüentemente, tem a função de realizar críticas.
52
Compartilhar valores nessa área é fundamental para a formação de redes sociais
(família, amigos, colegas, etc.).
A sanção social, por outro lado, é mais comumente codificada na escrita,
através de decretos, regras, regulamentos e leis, que dispõem sobre como o
comportamento é vigiado pelo Estado ou pela Igreja. A sanção social tem como
sustentáculo as penalidades ou punições contra aqueles que não cumprem o
código. Compartilhar valores nessa área, portanto, faz com que sejam cumpridas
obrigações civis e observações religiosas.
Os julgamentos de sanção social, explica White (200-), abrangem questões
de legalidade e moralidade. Da perspectiva religiosa, contrariar uma sanção social
pode ser considerado um pecado. Da perspectiva legal, um crime. Assim, contrariar
uma sanção social é arriscar-se ao castigo legal ou religioso, por isso, o termo
sanção. Os julgamentos de estima social, por seu turno, implicam avaliações
segundo as quais a pessoa julgada terá uma estima mais alta ou mais baixa em sua
comunidade, mas essas valorações não têm implicações legais ou morais. Desse
modo, os valores negativos de estima o considerados disfuncionais ou
inadequados, o desaconselhados, mas não o avaliados como pecados ou
crimes.
No julgamento, tanto quanto nas outras categorias atitudinais, é possível
reconhecer avaliações positivas e negativas, isto é, características que a sociedade
admira ou reprova. No entanto, os autores ressaltam que é muito difícil, por exemplo,
construir uma lista com palavras que expressam esses valores, aporque um item
lexical pode ter seu sentido alterado pelo contexto em que aparece (Martin e White,
2005, p.52). Além disso, segundo White (200-), dado que o julgamento está
fortemente determinado por valores culturais e ideológicos, na análise dos meios de
comunicação em outros contextos culturais que não os ocidentais, de língua inglesa
e provenientes de setores da classe média, como os utilizados para a construção da
teoria, não se devem aplicar necessariamente as mesmas subcategorias.
Os quadros 6 e 7 resumem as categorias propostas pela Teoria da Valoração
para a análise do julgamento.
53
Positiva (admiração) Negativa (crítica)
Normalidade
(É especial ou
não?)
Sortudo, felizardo,
encantador, normal, natural,
familiar, frio, estável,
predizível, atualizado,
avançado....
Infeliz, excêntrico, estranho,
peculiar, errático, impredizível,
retrógrado, obscuro...
Capacidade
(É capaz ou
não?)
Poderoso, vigoroso, robusto,
saudável, atlético, adulto,
maduro, experiente,
engraçado, inteligente,
sensível, lúcido, centrado,
educado, competente...
Lento, fraco, simplório, desajeitado,
imaturo, infantil, tolo, estúpido,
neurótico, insano, ingênuo,
ignorante, incompetente,
improdutivo....
Estima
social
Tenacidade
(É tenaz ou
não?)
Bravo, heróico, paciente,
cauteloso, cuidadoso,
meticuloso, perseverante,
resoluto, confiável, leal,
constante, flexível,
adaptável...
Tímido, covarde, impaciente,
impetuoso, caprichoso, descuidado,
fraco, desleal, inconstante,
obstinado, irresponsável...
Quadro 6- Julgamento: estima social (Martin e White, 2005, p. 53).
Positiva (elogio) Negativa (condenação)
Veracidade
(É honesto ou
não?)
honesto, sincero, verdadeiro,
franco, direto, discreto...
Desonesto, falso, impostor,
manipulador, enganador...
Sanção
social
Propriedade
(É ético ou
não?)
Bom, moral, ético,
respeitador de leis, justo,
sensível, modesto, humilde,
polido, altruísta, generoso,
caridoso...
Mau, imoral, corrupto, injusto,
insensível, cruel, vão, arrogante,
rude, descortês, irreverente,
mesquinho...
Quadro 7- Julgamento: sanção social (Martin e White, 2005, p. 53).
Apesar de a maneira mais evidente de expressar uma avaliação ser através
do léxico utilizado, especialmente com o uso de adjetivos, é possível que índices de
julgamento sejam ativados nos textos por meio de realizações implícitas.
De acordo com Martin e White (2005, p. 62), a seleção de significados
ideacionais pode ser suficiente para invocar avaliações na ausência de léxico
atitudinal que indique explicitamente quais sentimentos devem ser ativados pelo
leitor. No entanto, ao consideramos que realizações implícitas são possíveis, dizem
os autores, cria-se um problema analítico, pois introduzimos um indesejável
elemento de subjetividade na análise. Por outro lado, se descartássemos a
possibilidade de realizações implícitas, estaríamos afirmando que o autor, ao efetuar
a seleção ideacional de significados, não está levando em consideração os
sentimentos que ela poderá despertar em seu leitor, o que é uma postura
insustentável. Além disso, segundo White (2004), esse tipo de análise também não
54
levaria em conta a interação, muitas vezes crucial em termos retóricos, entre
avaliações explícitas e implícitas.
Assim, em uma frase como “George W. Bush fez seu discurso de posse como
o presidente dos Estados Unidos que recebeu 537.000 votos a menos que seu
oponente” (exemplo extraído de White, 2004), não há nada explicitamente avaliativo,
mas o enunciado tem o potencial de evocar avaliações de injustiça, impropriedade,
ilegitimidade nos leitores que compartem uma dada noção de democracia, de
processo eleitoral, de representação popular no governo. Essas avaliações implícitas
pressupõem normas sociais compartidas e estão fortemente sujeitas à posição do
leitor, que interpretará os índices de julgamento de um texto de acordo com seu
próprio posicionamento ideológico e cultural (White, 2004).
Como exemplo da interação entre avaliações implícitas e explícitas, os
autores (p. 63 e 64) apresentam um exame da arte indígena, em que um crítico
avalia pinturas indígenas que recobrem as portas de uma escola na comunidade
Yendumu, na Austrália. Ele as aprecia como espetaculares, notáveis e principal
façanha da arte internacional, bem como considera modesta a sugestão do diretor.
Desse modo, estabelece uma prosódia de avaliação positiva, que é reforçada pelas
avaliações explícitas positivas de afeto (excitação, interesse, satisfação, orgulho).
Em 1986, o novo diretor da escola (Mr. Terry Lewis) trouxe
considerável excitação para a comunidade Yendumu por seu interesse e
apoio à tradicional cultura e linguagem Warlpirl. Uma de suas mais
modestas sugestões foi a de fazer o visual da escola menos “europeu”,
encarregando um homem mais velho de pintar as portas da escola com
desenhos tradicionais. Os resultados foram mais espetaculares do que
qualquer um imaginaria.
Tanto moradores europeus quanto aborígines de Yendumu sentiram
considerável satisfação e orgulho pela façanha. Visitantes da comunidade
estavam igualmente entusiasmados, e comentários sobre essas notáveis
pinturas começaram a se espalhar. Minha própria reação foi a de ver essa
proeza como a principal da arte internacional contemporânea, bem como
uma façanha da cultura indígena. Para mim, estas portas lembram
publicações e imagens negociadas nas galerias de arte de Sydney, Paris e
Nova Iorque.
Fora de contexto, os termos façanha, proeza e façanha descrevem essas
portas de maneira não-atitudinal, isto é, como simples nominalizações em torno de
uma atividade realizada. Talvez essa seja a leitura mais plausível para façanha na
primeira vez em que ocorre. Mas como o texto se desenrola e a prosódia de
apreciação positiva vai sendo desenvolvida, o leitor é guiado para uma interpretação
55
atitudinal, de modo que, na segunda vez em que a palavra façanha é utilizada,
comparando as portas a publicações e imagens do círculo internacional da arte, não
dúvida sobre a apreciação positiva que a seleção ideacional do texto está
encarregada de invocar. A atitude explícita, em outras palavras, inicia e reforça, a
prosódia que orienta leitores nas suas avaliações do material ideacional não-
atitudinal apresentado pelo texto (Martin e White, 2005, p. 63-64).
O quadro 8 demonstra como a interação entre índices explícitos e implícitos
também pode ocorrer entre as diferentes categorias que compõem a atitude. Em
enunciados em que os participantes o explicitamente julgados de acordo com um
papel social, uma apreciação implícita de suas façanhas pode ser reconhecida.
Similarmente, em enunciados em que uma atividade é explicitamente apreciada,
pode estar implícito um julgamento sobre quem a realiza.
Julgamentos explícitos e apreciações implícitas
Ele revelou-se um jogador fascinante Foi uma partida fascinante (impacto)
Ele revelou-se um jogador esplêndido Foi uma partida esplêndida (qualidade)
Ele revelou-se um jogador equilibrado Foi uma partida equilibrada (equilíbrio)
Ele revelou-se um jogador simples Foi uma partida simples (complexidade)
Ele revelou-se um jogador inestimável Foi uma partida inestimável (valor)
Apreciações explícitas e julgamentos implícitos
Foi uma partida mediana Ele jogou medianamente (normalidade)
Foi uma partida decisiva Ele jogou decididamente (capacidade)
Foi uma partida corajosa Ele jogou corajosamente (tenacidade)
Foi uma partida honesta Ele jogou honestamente (veracidade)
Foi uma partida responsável Ele jogou responsavelmente (propriedade)
Quadro 8- Interação entre índices atitudinais implícitos e explícitos (Martin e White, 2005, p.
68).
Martin e White (2005, p. 65) se referem também à linguagem conotativa,
como um artifício eficiente para provocar uma resposta atitudinal nos leitores. As
figuras de linguagem, portanto, também são formas de realização implícita de
avaliação, as quais dependem do contexto cultural dos participantes do ato
comunicativo para sua adequada interpretação. Como exemplo, os autores fornecem
o seguinte fragmento, em que o julgamento e o afeto são provocados pela metáfora.
56
John Howard disse que ele sabe o quão vulneráveis as pessoas se
sentem nestes tempos de mudança econômica. Ele não sabe. Para eles,
estar se sentindo vulnerável equivale a um homem que tem seu braço
arrancado por um leão, e senta na esquina, pega seu cotoco de braço
e espera para que o leão termine de comer e venha para cima dele de
novo. Isso é algo mais que vulnerabilidade. É injúria, e choque, e medo, e
fúria...(Ellis, 1998).
Intensificações também são indicativas de valores de avaliação, porque elas
graduam um processo, e a gradação é um aspecto característico do vocabulário
atitudinal. Uma palavra com sentido denotativo como quebrar, por exemplo, pode ser
intensificada de vários modos e em vários graus: demolir, destruir, desmontar,
derrubar, despedaçar, destroçar, etc. Então, exemplificam os autores, quando o
primeiro ministro usa a palavra estraçalhar, em seu discurso de Redfern Park, para
caracterizar o tratamento da cultura indígena pelos invasores europeus, realiza um
julgamento negativo sobre o comportamento desses invasores (Martin e White,
2005, p.65).
A linguagem conotativa, concluem, têm o efeito de intensificar sentimentos e,
assim, pode ser comparada a recursos de intensificação classificados como força na
categoria gradação (Martin e White, p. 67).
O esquema 3 sintetiza as possibilidades de expressão dos índices de atitude
em um texto.
Provocar
Convidar
Sinalizar
Oferecer
Explicitar
Implicitar
Foi nossa ignorância e nosso preconceito
Nós os prendemos como carneiros
Nós trouxemos doenças
Nós estraçalhamos seu modo de vida
Esquema 3 - Estratégias para implicitar (ou inscrever) e explicitar (invocar) atitude (Martin e
White, 2005, p. 67).
As avaliações explícitas, especificamente as de julgamento, são
determinantes para a classificação das vozes do discurso jornalístico. A
(im)possibilidade de realização de julgamentos de estima ou sanção social pelo
jornalista, por sua vez, está relacionada aos diversos gêneros jornalísticos e ao grau
de opinião que cada um deles permite. Essa discussão fará parte da seção seguinte.
57
1.4.2 As vozes do discurso jornalístico
A observação de textos noticiosos da mídia impressa inglesa em seu contexto
usual de publicação nos jornais fez com que Martin e White (2005) identificassem
algumas taxonomias para os gêneros e atividades ligadas ao jornalismo utilizadas
pelos profissionais da área. Essas taxonomias são indicadas por classificações
como “notícia”, análise”, “opinião” e “comentário”, e elas têm, inclusive, locais
específicos de publicação no jornal. Por exemplo, é habitual que seções designadas
como de “notícias” precedam aquelas denominadas “comentário” ou ”opinião”,
embora a distinção não seja sempre mantida.
Se, por um lado, argumentam os autores, observa-se que essas
classificações dos gêneros e atividades jornalísticas não são consistentes com
respeito aos aspectos lingüísticos, por outro, é possível associá-las a certas
regularidades no uso de recursos avaliativos. Essa constatação levou à identificação
de classificações que originaram as chamadas vozes jornalísticas: a voz do repórter
e a voz do escritor (Martin e White, 2005, p. 164 e 165).
A expressão voz do repórter foi utilizada devido à forte associação entre essa
voz e o papel do jornalista de reportagem geral, cuja função é mais tipicamente
associada à cobertura de notícias propriamente dita. Já a denominação voz do
escritor se deve ao fato de o senso comum fazer distinções entre a cobertura de
notícias realizada pelo repórter, a qual tem um caráter mais descritivo, roteirizado,
burocrático, e algo menos roteirizado, mais individualizado, cuja escrita está
associada com análise, comentários e interesses humanos (Martin e White, 2005, p.
169). Posteriormente, a voz do escritor foi dividida em voz do correspondente e voz
do comentarista.
Na voz do repórter, os valores de julgamento manifestados no texto são
sempre mediados através da atribuição, isto é, o autor jornalista nunca é a fonte
imediata da avaliação, ele a atribui a uma fonte externa, ao contrário do que
acontece na voz do comentarista.
Na voz do comentarista, um amplo repertório de valores atitudinais é exposto
sem uma aparente necessidade de se fazer referências a fontes externas. Nesse
caso, os textos jornalísticos são construídos pelo autor de acordo com seus
interesses, e a linguagem está cheia de valores atitudinais. Essa voz é tipicamente
encontrada em gêneros como comentários, coluna de opinião e editoriais. São
58
aqueles textos em que não restrições para nenhum valor de julgamento, isto é,
qualquer valor, seja de estima ou de sanção social, pode ocorrer em situações não-
mediadas, sem atribuição da avaliação a fontes externas (Martin e White, 2005, p.
168-170).
A voz do correspondente, por sua vez, ocorre mais tipicamente em páginas
de análise de notícias, páginas de educação, de conhecimentos e na cobertura de
notícias políticas. Nesses textos, do mesmo modo que na voz do comentarista, o
jornalista faz julgamentos, mas ao contrário dela, está limitado a um pequeno
repertório de valores. Por outro lado, é semelhante à voz do repórter com respeito à
manifestação explícita de sanção social, que ocorre quando atribuída a fontes
externas. Em suma, a voz do correspondente caracteriza aqueles textos em que os
valores de julgamento de estima social ocorrem em contextos não-mediados, mas os
valores de julgamento de sanção social ocorrem somente em contextos de
atribuição. Assim, o autor julga a normalidade, a capacidade ou a tenacidade, mas
não a veracidade ou a propriedade dos indivíduos (Martin e White, 2005, p. 169 e
170).
O esquema 4 resume as características das três vozes presentes no discurso
jornalístico.
Voz do comentarista
( sem restrões co-textuais no julgamento - ocorrência livre
de sanção social e estima social não-mediadas)
Voz do correspondente
(nenhuma ou mínima sanção social inscrita autoral: se a
sanção social é explícita, então é atribuída. Sem restrições
para a estima social)
Voz do escritor
( julgamento autoral explícito)
Voz do repórter
(não-autoral ou não-mediada, julgamento explícito:
se o julgamento for explícito, então é atribuído)
Esquema 4 - Sistema de vozes jornalísticas (Martin e White, 2005, p. 173).
Para os padrões de afeto e apreciação, contudo, as características das vozes
jornalísticas não o equivalentes às do padrão de julgamento, já que afeto e
apreciação ocorrem com maior regularidade na voz do repórter (Martin e White,
2005, p. 174). Na verdade, explicam os autores (2005, p.177), a princípio, não são
observáveis grandes diferenças no uso de índices de afeto nas diferentes vozes
jornalísticas, até se atentar para quem é o autor dessa avaliação, isto é, se o
59
jornalista está descrevendo seu próprio estado emocional ou expressando o estado
emocional dos participantes do evento que ele está relatando. No primeiro caso, o
afeto é não-mediado e no segundo, mediado. A única situação em que respostas
afetivas do escritor ocorre na voz do comentarista, ou seja, nos textos que incluem
fontes autorais explícitas de sanção social.
Uma outra relação interessante de ser observada é aquela que acontece
entre vozes jornalísticas e o ato de dar ordens. Segundo Martin e White (2005, p.
179), o ato de ordenar por parte dos autores somente ocorre naqueles textos que
também realizam julgamentos de sanção social. Portanto, ordens autorais somente
ocorrem na voz do comentarista e, quando acontecem na voz do repórter ou na do
correspondente, são atribuídas a fontes externas.
A alta probabilidade de que textos que contêm ordens autorais também
contenham julgamentos de sanção social pode ser explicada por diferenças nos
objetivos retóricos dos textos. Muitos enunciados com voz de comentarista objetivam
persuadir o leitor da necessidade de alguma ação a ser tomada e, por isso, fazem
uso de ordens autorais. Em contraste, textos com voz do repórter e até do
correspondente não objetivam persuadir, mas relatar ou descrever, assim, eles não
possuem ordens autorais (Martin e White, 2005, p. 180).
Assim, do referencial teórico da Lingüística Sistêmico-Funcional,
selecionamos a categoria analítica campo para a análise do conteúdo ideacional que
envolve o nero história de vida. Da Teoria da Valoração, especificamente,
optamos por centrar nosso estudo sobre o sistema de atitude e, nele, enfocar os
índices de julgamento e as vozes do discurso jornalístico. Passemos agora à
metodologia utilizada na análise das histórias de vida.
60
CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA
Esta pesquisa consiste em um estudo qualitativo, voltado à descrição do
gênero textual história de vida. A opção por esse gênero textual se deveu a três
fatores. O primeiro deles é a sua originalidade, pois é difícil encontrarmos neros
semelhantes em veículos jornalísticos. Outro fator é o papel persuasivo que ele
exerce, uma vez que as narrativas aparentemente despretensiosas têm forte
influência sobre seu público para a adoção de posturas de interesse da instituição
que produz o jornal. Por fim, o resgate histórico que tal gênero jornalístico produz,
tendo em vista as transformações sócio-culturais que se observam no oeste do
estado de Santa Catarina e os poucos estudos históricos que se ocupam dessa
região.
A seguir, descrevemos os procedimentos metodológicos adotados para a
análise do objeto.
2.1 Coleta de dados
A coleta de dados para este estudo ocorreu “em duas frentes de trabalho”,
uma delas voltada à análise lingüística, mais especificamente das expressões de
julgamento, das vozes jornalísticas e dos movimentos retóricos, e outra às condições
de produção e consumo do gênero história de vida. Para a análise do texto das
histórias de vida, construímos um corpus com 23 exemplares do gênero, que
correspondem ao total publicado no ano de 2005 pelo jornal JR.
para o estudo das condições de produção e consumo, utilizamos técnicas
de coleta características das ciências sociais, quais sejam, a realização de
observação participante e a aplicação de entrevistas. Essas duas técnicas podem
ser definidas, segundo Haguette (1992), respectivamente, como a participação do
pesquisador no grupo que investiga e a interação entre duas pessoas, em que uma
delas visa a obter informações a partir de um roteiro de perguntas mais ou menos
preestabelecido.
A observação participante, nesta pesquisa, consistiu no acompanhamento da
produção do jornal, durante os dias 15 a 30 de julho de 2005, na Cooperativa C.
Nesse período, participamos do trabalho de seleção da pauta, da realização de
61
entrevistas e coleta de informações, da redação dos textos, da produção das
fotografias e infogravuras, da diagramação e venda de publicidade.
Com relação às entrevistas, uma delas foi realizada com o diretor da
assessoria de imprensa que produz JR e outras cinco com agricultores associados à
cooperativa CR, que são também leitores do jornal. A entrevista com o diretor
centrou-se na descrição do funcionamento do jornal, das atividades da assessoria,
da história de JR, dos conceitos que subjazem a produção do seu conteúdo e dos
objetivos de tal publicação, especialmente das histórias de vida. Essa entrevista foi
gravada e posteriormente transcrita.
as entrevistas com os agricultores envolveram seus hábitos de leitura,
preferências temáticas, opiniões sobre as histórias de vida e sobre o jornal, entre
outros aspectos relacionados ao consumo dos textos. Ao contrário da anterior, essas
entrevistas não foram gravadas, devido ao constrangimento gerado por gravadores
e câmeras nesse blico, que se envergonha da dificuldade de expressar-se
corretamente em língua portuguesa, em razão da baixa escolaridade e da influência
dos sotaques dos dialetos (alemães, poloneses e italianos) nos quais foram
socializados. Optamos, então, por anotar as respostas. Os entrevistados foram
escolhidos aleatoriamente e abordados no momento em que visitavam as
instalações da cooperativa para a realização de negócios.
Optamos por investigar a configuração lingüística do gênero ao lado de suas
condições de produção e consumo porque consideramos que a linguagem é mais
bem compreendida se relacionada ao seu contexto, que esses dois aspectos são
indissociáveis no momento da comunicação. Os exemplares do gênero, que
correspondem ao ano de 2005, foram selecionados porque, além de constituírem
publicações recentes, equivalem ao período da realização das entrevistas e da
observação participante, a fim de que o estabelecimento de relações entre os dados
obtidos pelas diversas formas de coleta pudesse ter coerência temporal.
A seguir apresentamos os procedimentos utilizados para a análise das
entrevistas, da observação participante e das histórias de vida.
2.2 Passos da análise das entrevistas e da observação participante
O primeiro passo visando à compreensão das condições de produção e
consumo de JR foi a descrição das etapas de produção do jornal tal qual verificadas
62
durante o período de observação participante. A partir dela, também pudemos
descrever as relações entre público e produtores e entre produtores do jornal e a
chefia da cooperativa.
A entrevista com o diretor do jornal, por sua vez, depois de transcrita, foi
analisada segundo categorias estabelecidas com base nas informações nela
contidas. Tais categorias o: história do jornal, produção e circulação, equipe
produtora, assessoria de imprensa, o público do jornal, estratégias comunicativas e
gênero história de vida.
As entrevistas com os associados foram organizadas em uma tabela em que
as questões, bem como os dados pessoais dos entrevistados, estavam relacionadas
às respostas de cada um. Essas entrevistas forneceram informações acerca dos
hábitos de consumo dos produtores e de seus pareceres com relação ao jornal.
2.3 Passos da análise das histórias de vida
A análise do corpus, neste estudo, foi composta de seis passos, os quais
estão apresentados nas seções abaixo.
2.3.1 Identificação dos movimentos retóricos das histórias de vida
Neste primeiro passo de análise, foram tomados os 23 exemplares do corpus
e identificados e categorizados os movimentos retóricos que os compõem. Tivemos
como contraponto para a realização dessa análise, a efetuada por Kindermann e
Bonini (2006) em reportagens veiculadas pelo Jornal do Brasil. Os movimentos
foram, então, associados às informações obtidas durante a observação das etapas
de produção do jornal e por meio da entrevista com o seu diretor, de modo que
pudéssemos justificar a existência de cada movimento.
2.3.2 Obtenção da lista de termos
No momento da definição da metodologia, supomos que a utilização de
programas computacionais poderia contribuir para a descrição de, pelo menos, um
aspecto do objeto, o campo (field) em que ele se insere e seu conteúdo ideacional,
que possibilitaria uma observação ampliada e detalhada do léxico que compunha
63
o nero história de vida. Escolhemos, então, um desses programas, o WordSmith,
desenvolvido por Mike Scott (Berber-Sardinha, 1999).
Desse programa, utilizamos as ferramentas WordList e Concordance. A
primeira gera uma lista com as palavras presentes no corpus, indicando, entre outros
índices, o de freqüência. A segunda gera uma lista de ocorrências de uma palavra,
expressão ou morfema no contexto em que ocorre no corpus.
Inicialmente, utilizamos a WordList para o estudo do nosso corpus constituído
pelas 23 histórias de vida. Optamos por descartar termos com menos de 3 letras,
depois de termos observado no corpus que eles não teriam grande importância para
o estudo, já que este objetiva compreender aspectos semânticos do gênero. A
ferramenta apresentou, então, 3811 termos (types), isto é, palavras distintas. A
freqüência dos termos variou de 425 a 1. É importante lembrar que, neste estudo,
estamos interessados apenas nas palavras distintas e não no número total de
palavras do corpus (tokens).
O próximo passo foi o agrupamento dos termos em lemmas.
2.3.3 Agrupamento dos termos
Dos 3811 termos da lista, selecionamos aqueles que demonstravam
possibilidade de agregação com outros de sentido semelhante. Assim, reunimos, em
blocos, palavras de mesmo radical, como família, familiar, familiares, famílias. O que
anteriormente chamamos de bloco recebe o nome técnico de lemma. Foram
realizados, então, 82 lemmas.
Depois da agregação dos termos em lemmas, consideramos desnecessário
ater-nos a palavras que tivessem recorrência menor ou igual a 5, pois sua pequena
freqüência indicava que eles não tinham grande significância para o gênero história
de vida.
Em seguida, agrupamos (“manualmente”, sem a ajuda do programa) os
termos em categorias semânticas maiores, criadas em decorrência da análise e
interpretação da listagem. Essas categorias são: protagonista da história, família,
posses, atividades agrícolas, cooperativa, processo de crescimento econômico do
protagonista, comportamento do protagonista, ações do protagonista e processos
vivenciados.
64
Se inicialmente supúnhamos que o WordSmith contribuiria para a
determinação do campo e da função ideacional das histórias de vida, ao final, por
meio dele, mais especificamente por meio da ferramenta WordList, ainda pudemos
averiguar se os itens lexicais ocorriam, em nosso corpus, na forma de adjetivos,
substantivos ou outras categorias gramaticais, a fim de descobrir sob qual forma as
avaliações eram realizadas nos textos das HV.
2.3.4 Análise das ocorrências dos termos em seu contexto
A partir da lista obtida com a WordList selecionamos alguns termos para a
aplicação da ferramenta Concordance, a fim de identificar a ocorrência deles no seu
contexto lingüístico. Solicitamos que a ferramenta nos indicasse os 5 termos que
antecedem e sucedem o selecionado.
Escolhemos para essa análise, alguns termos com grande recorrência no
gênero, conforme identificados na WordList, e outros que pudessem ter algum
aspecto avaliativo ou ser acompanhados de alguma avaliação. Alguns exemplos de
termos solicitados ao Concordance são: alegria, acreditar, coragem, boa, bom, bem,
avô, batalha, amizade, apesar, amor, associado, facilidade, exemplo, evolução,
disposição, dificuldade, desbravar, dedicar, cooperativista, cooperativismo, sempre,
nunca, novidade, mudança, lutar, melhor, gostar, líder, saudade, sabedoria, saúde,
saudável, simplicidade, sócio, sofrimento, trabalho, sou, união, orgulho, pai,
felicidade, força, grande, gente, preservar, produtor, pessoa, mudar e passar.
A ferramenta Concordance permite ao operador que solicite, em vez de um
termo, a ocorrência de um morfema ou expressão. Por exemplo, ele pode requerer o
radical simpl, a partir do que obtém a ocorrência de palavras como simplicidade,
simples, simplório, simplesmente, etc. Esse recurso também foi utilizado neste
estudo.
2.3.5 Observação dos índices de julgamento
Com base nos dados obtidos por meio das ferramentas computacionais e da
análise dos movimentos retóricos, concluímos que, em se tratando de linguagem
avaliativa, as histórias de vida tinham seu conteúdo voltado à descrição da vida de
pessoas, especialmente às suas atividades e aos seus valores. Por isso, decidimos
65
utilizar o referencial analítico da Teoria da Valoração, especificamente a categoria
julgamento, que conta das formas de avaliação do comportamento dos
indivíduos. Distinguimos, então, conforme propõe a teoria, os indicadores de estima
e de sanção social, bem como as avaliações implícitas e explícitas presentes nos
textos.
2.3.6 Exame das vozes jornalísticas
Uma vez conhecidos os índices de julgamento presentes nas histórias de vida
e situados em suas respectivas categorias, passamos à identificação dos emissores
dessas avaliações, isto é, começamos a investigar, no discurso das histórias de vida,
quais vozes emitiam os julgamentos e em que categoria esses julgamentos se
enquadravam. Essa distinção permitiu definir aquilo que a Teoria da Valoração
chama de chave avaliativa ou vozes do discurso jornalístico, que ela divide em voz
do repórter, voz do comentarista e voz do correspondente.
O próximo capítulo apresenta os resultados alcançados por meio dessa
metodologia.
66
CAPÍTULO 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este capítulo está dividido em 4 subcapítulos: Contexto das histórias de vida,
Movimentos retóricos nas histórias de vida, Campo e função ideacional nas histórias
de vida e Linguagem avaliativa nas histórias de vida. Cada um deles procura
organizar os resultados obtidos pelas diversas vias metodológicas em seções
coerentes do ponto de vista dos objetivos desta investigação. Desse modo, os
passos apresentados separadamente na metodologia podem ter suas informações
unidas em uma única categoria explicativa ou vice-versa. Isso acontece
particularmente na mescla entre dados contextuais e textuais, bem como dos
resultados obtidos via ferramenta computacional e por meio da leitura e análise dos
textos. Iniciaremos pela parte contextual.
3.1. Contexto das histórias de vida
Nesta seção, descreveremos as condições de produção, circulação e
consumo das histórias de vida (doravante também chamadas HV) e do jornal em
que elas o publicadas. Optamos pela denominação “Contexto” não porque
consideramos que linguagem e contexto sejam fenômenos completamente
diferentes e facilmente descrimináveis, mas porque os resultados aqui apresentados
foram obtidos por meio de entrevistas e de observação participante. Nesta
descrição, procuramos abordar tanto o contexto de situação quanto o contexto de
cultura, conforme conceitos estabelecidos por Halliday (1997).
3.1.1 Produção do jornal
A primeira tentativa da cooperativa agropecuária CR de levar informações
técnicas aos seus associados por meio de um veículo impresso ocorreu ainda na
década de 70, quando foi produzido na instituição um folhetim mimeografado
chamado Alfabetando. Na década seguinte, uma jornalista foi contratada para
assumir a assessoria de imprensa da cooperativa e efetivamente desenvolver um
jornal agrícola, com identidade e periodicidade bem definidas. No ano de 1987,
nascia o jornal JR, que até hoje circula nas regiões extremo-oeste, oeste e planalto-
norte catarinense.
67
Da publicação de 12 páginas, em preto e branco, impressa em papel jornal,
JR foi transformado em um jornal de 40 páginas, colorido, impresso em papel
couché. O refinamento da publicação, aliado a sua periodicidade mensal, faz com
que, atualmente, o jornal seja chamado de revista por muitos de seus leitores. Outro
fator que o torna muito semelhante ao modelo magazine é o fato de grande parte da
publicação ser dedicada a matérias de grande extensão e com aprofundamento
temático. Por outro lado, JR possui aspectos comuns aos jornais diários, tais como o
tamanho, o formato tablóide e a palavra “jornal” estampada na capa.
Trabalham na produção de JR duas jornalistas e um administrador
especialista em comunicação social, que é coordenador da assessoria de imprensa.
A diagramação, montagem e venda de espaços publicitários são atividades
terceirizadas. Além disso, em junho de 2005, foi instituída uma comissão editorial
formada pelos cargos mais altos da cooperativa, que acompanha e determina os
conteúdos veiculados na publicação. Essa comissão foi instalada devido à
significativa independência que o jornal havia tomado em relação aos interesses da
instituição; mais especificamente, JR estava publicando conteúdos econômica e
ideologicamente desinteressantes à CR.
O jornal JR é auto-sustentável, ou seja, os gastos com a sua produção são
totalmente ressarcidos com a venda de anúncios. Por ser um veículo de grande
circulação (cerca de 17 mil exemplares mensais) e dirigido a um público de difícil
alcance para o marketing comercial (o homem rural), as páginas de JR são muito
cobiçadas pelos anunciantes, especialmente por aqueles ligados à venda de
produtos agrícolas e veterinários. Com relação a esse fato, recentemente, os
produtores de JR têm enfrentado dois problemas principais. Um deles é o excesso
de anúncios publicitários, que comprometem não só o espaço que deveria ser
destinado às informações jornalísticas, mas também a própria credibilidade do jornal.
Outro é a necessidade de redução do número de páginas da publicação e a
supressão de conteúdos considerados desnecessários pela direção da cooperativa,
o que aumenta ainda mais a proporção de publicidade no veículo.
Sobre a supressão de certos conteúdos no jornal, vale a pena entrar em
maiores detalhes. A direção da instituição considera JR um veículo de difusão de
informações técnicas relativas à agricultura e à pecuária. Logo, devem ser
privilegiados pela publicação os conteúdos que contribuem para o aumento da
produção e da produtividade do campo. Informações sobre higiene no manuseio de
68
produtos, novidades tecnológicas, decisões da cooperativa, técnicas eficientes de
plantio, são alguns dos exemplos desse tipo de conteúdo. Porém, além dele, são
mantidos pelo jornal seções não-técnicas, de temática mais humanitária ou
integrativa, como, por exemplo, um espaço de variedades, no qual os leitores
homenageiam amigos e parentes, mandam fotos, divulgam eventos, entre outras
“amenidades”.
Essas e outras ‘amenidades’ deveriam ser suprimidas, de acordo com a
comissão editorial, por não contribuírem para o objetivo da publicação, além de
gerarem gastos extras. No entanto, a assessoria de imprensa crê que elas
contribuem para a captação de leitores e para a criação de uma espécie de empatia
entre instituição, veículo e público. Essa tensão envolve, não é difícil perceber, os
diferentes valores e objetivos que a extensão rural tem assumido, ao longo dos
anos, no contexto brasileiro, contrapondo modelos chamados difusionistas a outros
mais educativos e democráticos, conforme discussão apresentada na seção 1.1.
O trabalho de confecção do jornal inicia com o delineamento da pauta. Para
determinar os temas a serem abordados, a equipe da assessoria de imprensa,
inicialmente, consulta o corpo técnico da instituição, formado por médicos
veterinários, engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas e outros profissionais que
trabalham diretamente com os produtores rurais. Esses profissionais apontam
mudanças nas normativas agrícolas, novidades tecnológicas, dicas para a nova
safra, entre outros temas que precisam ser reforçados ao produtor rural.
Muitas pautas também são enviadas à assessoria, tanto por funcionários da
instituição quanto pelos próprios agricultores. Existe interesse de ambos os grupos
em aparecer no jornal”, seja para difundir sua imagem profissional, para divulgar
seus negócios ou, simplesmente, para alcançar um momento de fama. Também
disputam espaço em JR as diversas filiais da instituição. Assim, gerentes e
funcionários de cada filial cobram dos jornalistas que realizem matérias com
produtores rurais da sua região de atuação. Especialmente aqueles de regiões mais
distantes (como o planalto-norte, que fica cerca 400 km da sede da instituição),
sentem-se desprivilegiados pelo jornal. Os próprios produtores rurais também fazem
essa cobrança, sempre insatisfeitos com a cobertura que o jornal proporciona.
Contudo, tal insatisfação é praticamente insolúvel, pois, pelo seu tamanho e
periodicidade, o jornal não consegue dar voz a todos. Por essa descrição, vemos
69
que, na configuração de JR, estão em jogo muito mais que informações agrícolas,
estão envolvidos interesses de visibilidade e, até mesmo, vaidades.
Depois de delineada a pauta da próxima edição, ela é encaminhada à
comissão editorial, que exclui alguns assuntos e acrescenta outros, bem como
fornece os ângulos de abordagem para as temáticas.
A partir do momento em que a pauta foi definida, ao contrário do que se
pressupõe, os assuntos ou fatos não serão imediatamente enquadrados em certos
gêneros textuais e os jornalistas enviados a fazer uma notícia sobre a normativa do
leite”, “uma coluna sobre a estiagem” ou “uma reportagem sobre a colheita do
feijão”. Na verdade, entre os produtores do jornal, não existe uma clara definição
dos gêneros textuais com os quais o jornal é ou será constituído. Com exceção de
coluna, editorial, nota e variedades, as demais produções são tratadas
genericamente por matéria ou reportagem. Os jornalistas também realizam uma
divisão temática, da qual emergem algumas categorias como:
Matérias técnicas: aquelas realizadas no campo e que abordam assuntos
agrícolas e pecuários;
Cobertura de eventos: relato de palestras, encontros, reuniões que ocorrem
na sede da instituição, envolvendo a diretoria e funcionários;
Colheitas do tempo: é o nome da seção do jornal em que as HV são
publicadas;
Chama do futuro: é também o nome de uma seção do jornal na qual são
publicadas entrevistas com jovens agricultores.
Os demais conteúdos que não se enquadram nessa categoria são
simplesmente tratados por matéria sobre tal assunto.
A ausência de uma definição rigorosa para os gêneros jornalísticos observada
na prática profissional dos produtores do jornal JR vai ao encontro das observações
de Bonini (2002; 2003) sobre a falta de uniformidade no tratamento desse fenômeno
encontrada na bibliografia da área da comunicação social e sobre a forte relação dos
gêneros com a prática que os subjazem. Essa indefinição, ressalta o autor (apud
Kindermann e Bonini, 2006), aliada à variedade de gêneros existentes na atividade
jornalística, acaba dificultando também o trabalho do analista que, frente a um jornal
ou uma revista, não é capaz de distinguir com clareza quais textos podem ser
agrupados em quais gêneros.
70
Para a realização das reportagens no meio rural, os jornalistas de JR sempre
são acompanhados por funcionários da instituição, ocupem eles cargos técnicos ou
administrativos. Algumas vezes, os repórteres simplesmente observam e relatam o
trabalho rotineiro desses profissionais nas propriedades rurais; outras vezes, a visita
às propriedades ocorre somente para a realização da entrevista. Esse fato, como
veremos na seção 3.2, é motivador de alguns movimentos retóricos encontrados no
gênero história de vida.
Os agricultores que participarão das matérias são selecionados e contatados
com antecedência pelos próprios funcionários da cooperativa (e não pelos
jornalistas), de modo que à equipe de reportagem cabe apenas colher os
depoimentos e realizar as fotografias. Essa escolha é feita de forma criteriosa, pois
apenas os casos bem-sucedidos podem ter vez no jornal, que eles devem servir
de exemplo para outros agricultores. Assim, aparecem em JR aqueles produtores
que têm suas propriedades mecanizadas e com alta produtividade, que fazem um
manejo adequado da lavoura e dos animais, que têm uma vida comunitária ativa,
que são fiéis à cooperativa no momento de comercializar seus produtos. Embora o
critério do sucesso se aplique a todos os gêneros de JR, ele é especialmente válido
para as histórias de vida e assinala, de certa forma, uma autonomia bastante
limitada do repórter quanto à escolha das suas fontes, ou, por outro viés
interpretativo, um trabalho realmente conjunto da instituição visando ao alcance dos
seus objetivos.
A maioria das matérias de JR é realizada nas propriedades rurais,
estampando grandes fotos desses locais e de seus moradores, mesmo que o
assunto não exija esse tipo de complemento. Trata-se de uma estratégia com a qual
se busca: 1) exemplificar a informação técnica para facilitar a compreensão do
conteúdo; 2) provar que a técnica é viável e está adequada à realidade; 3) despertar
inveja ou ambição nos outros agricultores; 4) atrair leitores e agradar os
entrevistados por meio da veiculação de fotos, nas quais se privilegia o
aparecimento de toda a família.
Depois de obtidas as informações, a linha editorial do jornal determina que
elas sejam organizadas em textos de aproximadamente 30 linhas, ilustrados com
uma foto grande e de qualidade, com títulos curtos e atrativos e com uma linguagem
sem rebuscamentos. Acompanhará a matéria um anúncio publicitário
preferencialmente relacionado ao tema nela tratado. Se uma reportagem, por
71
exemplo, trata de mecanização rural, ela trará no rodapé da página um anúncio de
venda de máquinas agrícolas.
Depois de redigidos e organizados os textos com suas respectivas fotografias
e anúncios publicitários, todo o material do jornal é enviado para serviços
terceirizados de diagramação e montagem. Em seguida, erros gramaticais são
corrigidos, títulos e chamadas refeitos, matérias de capa são definidas e os últimos
ajustes realizados. Por fim, a montagem e a distribuição.
3.1.2 Circulação e consumo
O principal público de JR é o produtor rural associado à cooperativa, de modo
que 90% dos exemplares circulam no meio rural e 10% no meio urbano. O jornal é
distribuído gratuitamente e está disponível no dia de cada mês. O público do
jornal é estimado em 60 mil leitores, número elevado, tendo em vista o público
reduzido da maioria dos jornais institucionais, o número de habitantes das regiões
em que ele circula e sua especificidade temática. A circulação do jornal também é
ampla em termos de extensão, pois abrange aproximadamente 1/4 do estado de
Santa Catarina.
Para o público urbano, JR é encartado em jornais locais por assinatura,
chegando apenas às casas de moradores do centro e de zonas nobres das cidades.
A opção por dirigir o jornal ao meio urbano, mas apenas para certos setores da
sociedade, constitui uma estratégia de divulgação do trabalho da cooperativa e das
potencialidades do meio rural para grupos sociais mais poderosos e influentes, como
formadores de opinião, administradores públicos, empresários, autoridades
religiosas, entre outros.
Ao público rural o jornal é disponibilizado nas filiais da cooperativa, onde o
produtor deve retirá-lo. Para garantir sua circulação no campo, a assessoria lança
mão de algumas estratégias, como a divulgação em rádio (no programa informativo
da instituição) das manchetes da próxima edição do jornal.
A identidade do jornal JR está construída em torno da idéia de um veículo que
representa a realidade do campo, como indica seu slogan: a realidade do campo
sem disfarces. No Brasil, existe uma quantidade razoável de veículos jornalísticos
que repassam informações técnicas ao homem do campo, baseados ainda em um
modelo difusionista de extensão rural, mas poucos que procuram ‘representar a vida
72
no campo’ como JR se propõe a fazer. O jornal busca envolver o agricultor em uma
atmosfera na qual as informações técnicas se confundem com os sentimentos, os
valores, as histórias e a realidade de quem efetivamente vive a agricultura.
Embora o slogan de JR não seja completamente verdadeiro, afinal, os
disfarces acontecem e são necessários para a cooperativa atingir seus objetivos, a
postura de agregar conteúdo humanitário às questões técnicas tem dado bons
resultados, segundo a assessoria de imprensa. Uma das hipóteses para o sucesso
desse modelo é a baixa escolaridade dos produtores rurais a que ele se dirige e a
própria história desses agricultores, marcada pela forte ligação com a terra e com a
agricultura.
A maioria dos associados de CR é constituída de pequenos produtores rurais,
os quais utilizam mão-de-obra familiar para o trabalho agrícola. São descendentes
de colonos alemães, italianos e poloneses que, do RS ou do PR, migraram para SC
na metade do século XX. Por ter sido um objetivo de vida e uma difícil conquista dos
seus antepassados ou deles próprios, a terra tem, para grande parte desses
agricultores, um conceito que ultrapassa a idéia de fonte de renda. Assim, a terra
angaria significados como afeição, contemplação, tradição, tranqüilidade, fertilidade,
beleza, enfim, existe uma vida sacrificadamente construída em torno da terra que
a ela muito mais valor que o econômico.
a baixa escolaridade desses sujeitos faz com que eles tenham dificuldade
de compreensão e produção da língua escrita, desinteresse pelos veículos
impressos e pelas manifestações culturais de caráter mais erudito, além de
problemas de tomada de decisão, gestão de recursos, compreensão do contexto,
aceitação de elementos novos, busca por informações, adoção de tecnologia e
outras posturas que dificultam o trabalho de orientação técnica e administrativa da
cooperativa. JR, então, usa desses conteúdos mais humanitários (além da
linguagem simples) para atrair a atenção do leitor, gerar empatia, aumentar sua
auto-estima, motivá-lo a permanecer no campo e a ler o jornal. Muitas dessas
características foram discutidas na seção 1.1, referente à comunicação rural e
cooperativa, entre elas a incoerência de direcionar veículos escritos para um público
de baixa escolaridade e as principais dificuldades do homem rural para se inserir em
uma agricultura competitiva e moderna.
O público masculino de JR costuma demonstrar mais interesse pelas matérias
técnicas, que ajudam a aumentar a produtividade e os lucros da atividade agrícola.
73
Os homens procuram no jornal as matérias que tratam da sua atividade
especificamente (sojicultura, suinocultura, citricultura, etc.) e apenas eventualmente
lêem as demais. Já as mulheres, que são mais escolarizadas (algumas têm o ensino
médio completo), têm mais gosto pela leitura e se interessam sobre diversos
assuntos veiculados pelo jornal, desde as questões agrícolas, até recomendações
sobre saúde e dicas de culinária.
No meio rural em questão, a situação das mulheres é contraditória: se por um
lado elas têm maior instrução e costumam atuar em todos os trabalhos da
propriedade (desde os nada até os muito lucrativos), por outro, seu poder de decisão
sobre as questões econômicas da família ainda é bastante reduzido. os jovens,
outro grupo mais escolarizado, costuma ter anseios de sair do campo e trabalhar
com atividades urbanas mais lucrativas e menos cansativas, tanto que, como
destacado na seção 1.1, setores ligados à extensão rural, incluindo a cooperativa
CR, atualmente, voltam muitos de seus esforços para persuadir o jovem a
permanecer na agricultura.
Nos relatos expostos no quadro 9, podem ser observadas algumas
características dos produtores rurais que consomem JR e sua percepção com
relação ao jornal. Esses relatos são resultado das entrevistas realizadas com os
agricultores sócios da cooperativa CR, como explicado no capítulo 2.
Informante Características
1
64 anos; Ensino Primário completo; agricultor; morador urbano;
ascendência italiana; fala e compreende bem o dialeto italiano.
2
Idoso
2
; Curso Superior completo em Ciências Contábeis, profissão pela
qual é aposentado; ascendência italiana; compreende o dialeto italiano,
mas não fala.
3
37 anos; Ensino Fundamental completo; agricultor; morador rural;
descendente de italianos; fala e compreende bem o dialeto italiano.
4
37 anos; Ensino Primário completo; agricultor; morador rural; descendente
de italianos; fala e compreende pouco o dialeto italiano.
5
30 anos; Ensino Primário completo; agricultor; morador do campo;
ascendência polonesa; fala e compreende bem o dialeto polonês.
Quadro 9-Características dos informantes.
O informante 1 conhece o jornal JR cerca de 7 ou 8 anos e retira seu
exemplar na instituição quase todos os meses. Dos familiares, todos costumam ler o
2
O informante não quis revelar sua idade, apenas disse tratar-se de um idoso.
74
jornal. A esposa se interessa principalmente pelas receitas culinárias que ele veicula.
Ele próprio diz ler e apreciar todo o jornal, porque fala de agricultura e pecuária, que
são assuntos de seu interesse. Considera que todos os assuntos devem ser
publicados, mesmo aqueles que não dizem respeito aos produtos com que a
cooperativa trabalha, pois fornecem uma orientação positiva e, se um associado não
utiliza tais informações, outro pode fazê-lo, devido à diversidade de atividades que
cada propriedade costuma manter. Com relação às HV, diz gostar muito delas por
poder conhecer ou até rever o passado, e observa que os jovens também costumam
lê-las. Sobre a leitura do jornal, revela que certas partes são difíceis de entender.
Acredita que quanto mais simples forem a linguagem e a organização do texto
melhor será o jornal. Faz a ressalva de que, atualmente, o agricultor é mais
respeitado nas fotos e nos textos da mídia do que anos atrás. Em termos de hábitos
de leitura, costuma ler jornais locais e estaduais, informativos de associações e
empresas.
O informante 2 diz ler JR muitos anos, sem especificar exatamente
quantos. Também costuma retirar seu exemplar na cooperativa todos os meses.
Além dele próprio, também lêem o jornal sua esposa e o técnico agrícola que
trabalha em sua propriedade. Embora leia toda a publicação, maior importância
àquilo que se aplica ao seu ramo de atividade e aos debates em organizações rurais
das quais faz parte. Considera importante a publicação de matérias sobre áreas da
agricultura com as quais CR não trabalha, porque tudo que diz respeito ao
agronegócio e contribui para seu desenvolvimento é importante, do contrário, o
jornal seria limitado demais. Sobre as HV, afirma apenas que é um gênero “válido”.
Explica que, embora entenda bem o conteúdo do jornal, acredita que há informações
muito densas e aprofundadas, que o agricultor típico da região possivelmente não
compreenda na totalidade.
O terceiro informante conta que dois anos costuma ler com mais
freqüência o jornal JR e que o tem feito desde então. as matérias que
apresentam os investimentos da cooperativa, para controlar os lucros e prejuízos da
instituição da qual é sócio. Aprecia também as matérias que trazem informações
sobre sua área de produção agropecuária. Além dele, também o pai, que mora na
cidade, lê o jornal quando vai visitá-lo. Sobre conteúdos relacionados a outros ramos
agrícolas com os quais a cooperativa não trabalha, argumenta que são apenas
curiosidades, mas que podem ter alguma importância para pessoas que lidam com
75
esses produtos. Acerca das HV, diz que elas influenciam as pessoas a seguirem um
caminho de sucesso, mas na realidade é muito difícil manter-se sempre atualizado
tecnologicamente, como é proposto nos textos. Na leitura do jornal, o informante 3
diz ter dificuldade para entender certas informações e, quando isso ocorre, procura
dirimir as dúvidas com outras pessoas, como técnicos agrícolas ou vizinhos, por
exemplo. Reclama que o produtor rural costuma aparecer maltrapilho nas fotos,
diferentemente dos trabalhadores da indústria e do comércio, que aparecem sempre
muito bem arrumados. Então, segundo ele, os moradores da cidade olham as fotos e
pensam “só podia ser colono mesmo”. Acredita também que os produtores do jornal
deveriam tomar cuidado ao retratar certas atividades agrícolas. Por exemplo, quando
forem falar de suinocultura, fotografar os aportes tecnológicos e não “o porco
fuçando na comida”. Além de JR, o entrevistado diz ler o jornal de sua cidade, “para
ver fotos de seus conhecidos”, e também a Revista Granja e outros informativos
agrícolas que trazem informações sobre sua área de produção.
O informante 4 relata que do jornal JR apenas aquilo que lhe interessa no
momento, especialmente conteúdos relacionados a expectativas de plantio, às
novidades técnicas, aos preços do mercado e aos produtores que se destacam.
Considera importante que o jornal aborde rias áreas da agricultura e da pecuária,
pois são assuntos de interesse para todos aqueles que vivem e trabalham no
campo. Sobre as HV, diz que não é um conteúdo importante, apesar de o passado
dever ser valorizado. Para ele, os textos presentes em JR são facilmente
compreensíveis, pois não há palavras “difíceis”, trata-se de um “português para
colono”. Avalia positivamente as fotos publicadas pelo jornal, pois são retratados
todos os agricultores, do grande ao pequeno, em seu local de trabalho. Na sua
opinião, não adianta emprestar um terno ao colono” no momento da fotografia; por
isso, se ele aparece mal vestido, é porque essa é a realidade do seu cotidiano. Em
termos de hábitos de leitura, explica que, eventualmente, alguns livros didáticos
dos filhos.
Por fim, o quinto informante, diz ler o jornal JR desde jovem, porque o pai já
retirava exemplares na cooperativa. Hoje, ele e a esposa costumam lê-lo todos os
meses. Interessa-se principalmente por conteúdos que o ajudam a manter-se
informado acerca das tendências de mercado, das novidades tecnológicas, das
atividades da cooperativa, bem como pelos textos que contam histórias de outros
associados. Matérias sobre as mais variadas áreas da agricultura são importantes,
76
na sua opinião, porque ajudam no sustento e no bem-estar da família rural. Sobre as
HV, explica que elas mostram histórias de sucesso e por isso costuma lê-las. A
linguagem utilizada pelo jornal é clara e de fácil compreensão. As fotos, por sua vez,
mostram a realidade do agricultor, porque mostram também suas dificuldades. O
informante 5 também informativos de empresas agrícolas, livros religiosos e
revistas sobre agropecuária.
Dessa descrição, podemos observar que, de modo geral, os leitores
masculinos de JR costumam dar maior importância aos textos que tratam de sua
área de produção. Alguns gostam de acompanhar trajetórias de sucesso ou histórias
de associados, como as apresentadas nas HV. No entanto, apenas um entrevistado
demonstra perceber que as HV tentam persuadir o agricultor a manter-se atualizado
tecnologicamente; outros se referem a elas apenas como relatos do passado ou
histórias de sucesso.
Com relação à linguagem, não consenso sobre a dificuldade de
compreensão dos textos, pois, para alguns, a linguagem é simples e, para outros, as
informações são aprofundadas demais. Nesse sentido, é muito provável que os
entrevistados não tenham assumido suas próprias dificuldades, à exceção do
primeiro e do terceiro, de modo que podemos confiar mais na hipótese dos
problemas de compreensão. Sobre as fotografias também não consenso.
quem acredite que hoje o agricultor é mais respeitado nas fotografias do que
antigamente, quem diga que as fotografias apenas retratam a realidade ‘maltrapilha’
do agricultor e quem argumente que essa realidade poderia ser disfarçada ou
representada sob outros ângulos.
Também é perceptível a diferença que os agricultores sentem entre eles e o
‘povo da cidade’. Alguns comentam o preconceito que sofrem, a imagem negativa
que os moradores urbanos m do homem rural. A linguagem aparece, nesse caso,
como uma sinalizadora da condição social, tanto que o informante 4 se refere a um
‘português para colono’, de qualidade supostamente inferior àquele que pode ser
usado no diálogo com grupos sociais urbanos.
Da descrição das condições de produção, circulação e consumo das histórias
de vida e do jornal em que elas são publicadas, passaremos aos resultados da
análise dos movimentos retóricos do gênero, os quais estão, em grande medida,
atrelados às condições de produção acima apresentadas.
77
3.2. Movimentos retóricos nas histórias de vida
No quadro 10, apresentamos os resultados obtidos para o gênero textual
história de vida a partir da análise de seus movimentos retóricos. A primeira coluna
indica os movimentos retóricos e a segunda, o número de exemplares em que o
movimento aparece. Por se tratar de um pequeno número de histórias de vida
analisadas (23), não é possível afirmar que o gênero apresenta invariavelmente tais
movimentos e em tal recorrência, para tanto, seria necessário um corpus maior.
Além disso, esses movimentos servem para o gênero história de vida presente em
JR e, possivelmente, não para o de outros jornais; afinal, sua estrutura está
fortemente relacionada à temática dos textos, que é, por sua vez, praticamente
invariável, como veremos na seção 3.3, referente ao campo e à função ideacional
das histórias de vida.
Outra questão relevante acerca dos movimentos identificados no gênero é o
fato de que alguns deles aparecem uma única vez durante o texto e ocupam sempre
a mesma posição na página, como os movimentos 1, 2, 3, 4, 5 e 13, por exemplo.
Ao passo que outros são iterativos, como o movimento 9, que é desenvolvido ao
longo de toda a HV.
Movimento retórico
exempl.
1
Indicar a seção “Colheitas do Tempo”
23
2
Nomear o protagonista
1
3
Intitular
23
4
Especificar o conteúdo
14
5
Introduzir a história de vida
3
6
Identificar o personagem
23
7
Indicar local de moradia do personagem
23
8
Descrever a propriedade rural e o trabalho do personagem
17
9
Relatar trajetória histórica, experiências e opiniões do personagem
23
10
Expor comentário da família
15
11 Expor comentário de funcionário da cooperativa 15
12
Emitir comentários sobre o personagem
23
13 Extrair lição/ concluir a história de vida 5
Quadro 10 - Movimentos retóricos nas histórias de vida
Os primeiros quatro movimentos têm caráter mais estrutural, por isso mesmo
possuem lugar fixo na página, estão fora do bloco de texto maior e oferecem
facilidade de reconhecimento. O movimento 1 consiste na apresentação, por meio
78
de sua logomarca, da seção ou editoria da qual as HV fazem parte. O movimento 2 é
inexpressivo no corpus analisado, mas foi significativo em exemplares anteriores,
com o que se infere que o jornal está mudando a forma de apresentação dos
entrevistados no gênero. O título, definido como movimento 3, normalmente é
constituído por alguma parte expressiva da história ou da forma de pensar do seu
personagem principal. o movimento 4, denominado chamada no jargão
jornalístico, configura um subtítulo ou um comentário que especifica um pouco mais
o assunto apresentado no texto, já que o título, de modo geral, costuma ser bastante
genérico.
Os movimentos seguintes fazem parte do texto propriamente dito e são
retoricamente mais significativos. O número 5 visa a introduzir a história e não é
muito comum, o que indica que, freqüentemente, a história de vida inicia por outros
movimentos, especialmente 6, 7 e 9. A identificação do personagem (movimento 6)
equivale à apresentação de seu nome, idade e local de nascimento. Nesse
movimento, não foi incluída a indicação do local de moradia porque esta, muitas
vezes, tem uma importância particular para os objetivos do texto, uma vez que,
somente em um veículo de circulação reduzida faz sentido anunciar o local de
moradia com tanta precisão, tendo como referência não o município, mas a linha
(comunidade rural) em que vive o personagem. Além disso, a divulgação da
comunidade em que ele mora possibilita que os demais leitores do jornal possam
conferir de perto as informações da história de vida caso queiram fazê-lo. Por isso, a
indicação do local de moradia do personagem constituiu o movimento 7.
O movimento 8 descrever a propriedade rural e o trabalho do personagem é,
em outras palavras, enumerar suas posses agrícolas (hectares de terra, cabeças de
gado, etc.) e expor com que ramos da agricultura ou da pecuária ele lida (soja,
suínos, citricultura etc.). Esse movimento, juntamente com o número 9, Relatar
trajetória histórica, experiências e opiniões do personagem, é fundamental para o
alcance do objetivo principal das HV, que é fornecer um modelo de produtor rural
para os demais produtores, pois tais movimentos apresentarão o início (precário,
pobre) e o fim (feliz, confortável) de uma vida cujo meio foi muito trabalho e bons
valores.
Os movimentos 10 e 11 são particularmente ilustrativos para a observação de
Bonini (2002) de que os gêneros são estruturados de acordo com a configuração
dos fatos, pois tais movimentos são motivados pelas circunstâncias da entrevista,
79
uma vez que ela se desenrola sempre na casa do agricultor, na qual está presente
sua família e à qual um funcionário da instituição geralmente acompanha o repórter.
Os comentários do jornalista a respeito do que ele observa ou sabe sobre o
personagem de sua história podem ser interpretados como uma despreocupação
com a neutralidade do relato, por se tratar de uma publicação de assessoria de
imprensa. Ou então, esses comentários constituem uma característica do gênero, a
qual tem fins persuasivos possivelmente.
O último movimento (número 13) é a conclusão, que aparece poucas vezes
no corpus analisado e que consiste em uma espécie de lição que o jornalista extrai
do texto, das experiências do entrevistado. A conclusão e a introdução são
movimentos que, pela pouca freqüência com que se manifestam, podem ser
descartados como característicos do gênero história de vida. os demais estão
presentes ou na totalidade dos exemplares ou em pelo menos dois terços deles,
logo, podem ser considerados movimentos peculiares do gênero (salvo o movimento
2 que está caindo em desuso).
Nossa descrição, como se pôde observar, não incluiu, além dos movimentos,
os passos presentes na análise de artigos acadêmicos realizada por Swales (1990).
Isso se deve ao fato de as características do gênero história de vida se adaptarem
melhor a esse esquema constituído apenas por movimentos, uma vez que sua
estrutura está bastante relacionada a sua condição temática, a qual passamos a
analisar na seqüência.
3.3 Campo e função ideacional nas histórias de vida
De acordo com Halliday (1998), a função ideacional está relacionada ao
campo do discurso e serve para a expressão do conteúdo, do assunto que está
sendo abordado. A discussão que se desenrola nesta seção refere-se à constituição
temática das histórias de vida, à qual procuramos relacionar alguns aspectos
contextuais ao gênero, capazes de explicar a opção por tais assuntos.
Como apresentado no capítulo referente à metodologia, para realizar a
análise ideacional das histórias de vida, contamos com a ajuda do programa de
computador WordSmith, especificamente da ferramenta WordList. A opção pela
ferramenta computacional foi motivada pela constatação de que as temáticas
abordadas nos textos eram sempre muito semelhantes, apesar da pressuposição de
80
que cada história de vida deveria apresentar fatos consideravelmente diferentes,
uma vez que trajetórias pessoais, assim como avaliações sobre elas, são muito
particulares e não poderiam se repetir com tanta freqüência. Mesmo que a trajetória
desses entrevistados pudesse ser semelhante, por terem a mesma idade, pertencer
à mesma classe social, ter a mesma profissão e escolaridade, a semelhança não
poderia ser tão grande. Então, concluímos que o repórter conduz as entrevistas por
um mesmo caminho, que envolve recordações relacionadas à família, ao trabalho, à
melhoria financeira e produtiva da propriedade, ao meio ambiente, entre outras.
Essa percepção levou a uma primeira análise lexical, sem recursos
computacionais, que indicou a predominância de termos relacionados ao campo
semântico dos sentimentos e virtudes (gostar, orgulhar, sentir, coragem, etc.), do
empreendedorismo (trabalhar, investir, ampliar, etc.), da mudança (mudar, crescer,
evoluir, etc.), da destruição/ retrocesso (desmatar, crise, prejudicar, etc.) e da
cooperação (cooperar, associar, união, etc.). Além disso, levou à identificação dos
principais temas abordados nas histórias de vida: trabalho, família, cooperativa, meio
ambiente e tecnologia.
Atualmente, observamos que essa análise inicial enfrentava dois grandes
problemas. O primeiro deles é o fato de apresentar categorias semânticas
deficientes, pois assinalar virtudes é um processo diferente de expor sentimentos. O
segundo se refere à seleção lexical menos precisa que o analista realiza tendo como
ferramenta apenas sua intuição. A análise inicial mantém, contudo, o mérito de ter
percebido essa improvável semelhança entre as histórias de vida, de ter identificado
com certa eficiência os temas mais recorrentes e de relacioná-los ao gênero textual
e aos seus objetivos comunicativos.
Assim, a ferramenta WordList contribuiu para a análise oferecendo dados
seguros sobre os termos mais utilizados no gênero. Vejamos os resultados obtidos
em contraposição à análise intuitiva efetuada em momento anterior.
A ferramenta computacional permitiu que, de início, descartássemos temas
como preservação ambiental, que havíamos considerado de grande importância, e
hipóteses de que a referência à italianidade e a festas comunitárias fosse freqüente.
Assim, reorganizamos os termos mais freqüentes no gênero em novas categorias
semânticas, referentes ao protagonista da história, à família, às posses, às
atividades agrícolas, à cooperativa, ao processo de crescimento econômico do
81
protagonista, ao comportamento do protagonista, às ões do protagonista e aos
processos vivenciados por ele.
A primeira categoria inclui termos que são utilizados pelo jornalista para
nomear o personagem principal da história. São os mais utilizados produtor rural,
agricultor, associado, sócio, avô, pai, ele, além do próprio nome do entrevistado.
Produtor rural é o mais usada, seguido de agricultor, associado e sócio. A expressão
colono, muito comum na fala popular, é intencionalmente evitada pelo jornal e pela
cooperativa, devido ao preconceito que ela desperta, de modo que, no corpus
analisado, colono aparece apenas 3 vezes.
Também é importante observar, nessa categoria, que o personagem
raramente é tratado por esposo (2 ocorrências), enquanto a freqüência do termo
esposa é bastante alto (23 ocorrências). Isso indica o papel secundário da mulher na
entrevista e no reconhecimento do seu trabalho na agricultura. Outro indicativo do
“machismo” predominante no meio rural é a apresentação de apenas uma mulher
como protagonista em 23 histórias de vida analisadas, isto é, em todo o ano de
2005. Na verdade, no grupo social analisado, a mulher, até hoje, trabalha tanto
quanto ou mais que o homem, porém, continua de fora das tomadas de decisão
sobre o processo produtivo, conforme havíamos destacado na seção 3.1.2, na
qual descrevemos o público consumidor das HV.
A segunda categoria agrega termos que remetem ao campo semântico da
família, em que foram mais freqüentes palavras como família e seus cognatos, bem
como filho(s), filha(s), pai, neto(s), neta(s), nora, irmã(s), irmão(s), mãe, genro,
noivos, avô e pais. Essa categoria é uma das mais numerosas e havia sido
avaliada de forma intuitiva como tema recorrente.
A importância desse campo semântico decorre do fato de o meio rural em
questão ser conservador e dependente do trabalho dos membros da família na
propriedade. Por isso, as HV contemplam ano de casamento, nome da esposa,
nome e profissão dos filhos, etc. Também os filhos e a esposa contribuem com
depoimentos. As fotografias são igualmente significativas com relação a esse ponto:
grandes, coloridas e posadas, freqüentemente trazem o personagem ao lado de sua
família, sentado em uma varanda ou andando pela propriedade rural, por exemplo.
As fotografias podem ser visualisadas nas histórias de vida que compõem os anexos
de A até X.
82
As posses são a terceira categoria, da qual fazem parte termos como terra,
propriedade, casa, dinheiro, arado, chão e bois. A descrição das posses, tendo a
terra como a principal delas, deve-se a dois fatores: à necessidade de despertar no
público leitor inveja e ambição e ao fato de a trajetória dos protagonistas da história
ter sido marcada pela busca por solos férteis para plantar e por melhoria econômica.
Também essa categoria havia sido prevista intuitivamente como tema recorrente
das histórias de vida.
A descrição das posses mostra a possibilidade de melhorar de vida, contanto
que sejam tomadas as decisões e atitudes certas. Os relatos contam que, iniciando
a vida como agregados ou com poucos hectares de terra, em um galpão de madeira
improvisado para morar, os personagens possuem hoje muito mais do que isso:
vários hectares, máquinas agrícolas, um bom número de animais, atividades
diversificadas, casas confortáveis e assim por diante. Então, divulgar que é possível
progredir economicamente na agricultura é o objetivo desse campo semântico.
As atividades agrícolas com as quais lida o produtor rural também constituem
uma categoria importante, da qual fazem parte termos designativos dos ramos do
trabalho rural: suínos, milho, porco, roça, lavoura, feijão, leite, soja, vinho, trigo,
gado. Essas palavras apresentam as atividades agrícolas predominantes na região
oeste do estado de SC, tais como demonstram estudos geográficos e econômicos.
A descrição das posses e do trabalho dos produtores rurais também aparece
nesta análise como um movimento das histórias de vida (Descrição da propriedade e
do trabalho do personagem), por constituir um dos aspectos de maior relevância
para os objetivos retóricos do gênero (ver seção 3.2).
Com relação aos sinônimos suíno e porco, observamos que, nas histórias de
vida, eles não têm o mesmo valor lingüístico. A utilização do termo porco é
combatida por vários grupos ligados ao meio rural local, por remeter à sujeira, à
pecuária de subsistência, devendo ser substituída por suíno. Além disso,
argumentam, se porcos têm essa conotação, ela se estende aos criadores de
porcos, que devem ser tratados por suinocultores. No corpus analisado, observamos
que termos relacionados à suinocultura totalizam 40 ocorrências e à criação de
porcos 33; no entanto, os primeiros estão, na maioria das vezes, relacionados ao
tempo presente e à pujança econômica, enquanto os segundos, ao tempo passado
e às suas dificuldades. É possível também que a grande freqüência do termo porco
nos textos se deva ao fato de o jornalista se deixar contaminar pelo léxico do
83
entrevistado no momento do registro dos depoimentos. O mesmo vale para os
aparentes sinônimos lavoura e roça, com 17 e 26 ocorrências respectivamente, em
que o primeiro remete à agricultura mecanizada e lucrativa, enquanto ao segundo
está associada uma idéia de ‘caipirice’ e pobreza.
Essas opções semânticas, à semelhança do que acontece com o trio colono /
agricultor/ produtor rural citado no início desta seção, não deixam de constituir uma
espécie de linguagem avaliativa, com a qual se procura envolver o protagonista da
história de vida em uma imagem moderna e positiva de agricultor. Através de
escolhas lexicais, procura-se fugir dos preconceitos agregados a certas palavras
relacionadas à vida rural, as quais, freqüentemente, remetem à sujeira, à ‘caipirice’ e
à pobreza.
Apesar de identificado na análise intuitiva, o campo semântico relativo à
cooperativa superou nossas expectativas ao observarmos os dados fornecidos pelo
WordSmith, pois foram 114 ocorrências de termos com radical coop. Os
entrevistados são sócios da cooperativa CR, mas no passado foram sócios até de
outras cooperativas. Nas HV, tanto aquela como estas foram sempre fundamentais
para o sucesso do personagem na atividade agrícola. Algumas vezes, é um
funcionário da instituição, que não o jornalista, quem fala sobre esse assunto ou
sobre o papel exemplar do entrevistado como cooperativista. Aqui, evidentemente,
uma tentativa de CR de manter e obter sócios, bem como de fazer com que eles
sejam fiéis a ela na compra e na venda de produtos, já que a infidelidade vem sendo
um grande problema para a instituição.
O processo de crescimento econômico do agricultor, por sua vez, envolve
termos como dificuldades, trabalho, fácil, saudade, ajuda, tecnologia, luta, distância,
trabalho braçal, aprender, sofrimento, coragem, força, medo, problemas. Nessa
categoria estão, de certa maneira, a “fórmula do sucesso” e os “ossos do ofício”:
enfrentar as dificuldades, trabalhar, adotar tecnologia, sofrer, lutar, etc.
Entre as fórmulas do sucesso, um dos campos semânticos mais interessantes
é o que se relaciona à adoção de tecnologia, que contém termos como técnico,
tecnologia, técnicas. Tendo em vista que os agricultores são comumente resistentes
às novidades e tendem a reproduzir as formas de trabalho de seus pais, a extensão
rural historicamente tem dificuldades para inserir as inovações tecnológicas nesse
meio, bem como em fazer os produtores acatarem as orientações dos profissionais
das ciências agrárias, como discutido na seção 1.1 deste trabalho. Por isso, a
84
ênfase do jornal em mostrar que somente aqueles que adotam tais inovações
conseguiram progredir economicamente.
O sofrimento, a força, a persistência, o trabalho estão entre os ossos do ofício
e são características marcantes da vida e até da personalidade dos personagens
das HV. Dessa forma, ao mesmo tempo em que narra e comenta os fatos da vida, o
repórter também esboça o perfil do entrevistado, que se constrói, fundamentalmente,
em torno de valores ascéticos. O trabalho, nesse caso, não aparece como sacrifício,
mas como virtude e até prazer. A finalidade dessa descrição é sensibilizar os jovens
atuais sobre o quão demorada e difícil é a ascensão social, que estes,
influenciados por uma série de valores hedonistas predominantes no mundo
contemporâneo, almejam a fortuna fácil, como apresentado na seção 3.1.2, sobre o
público de JR.
O comportamento do protagonista é descrito sempre de forma positiva e
valorosa, por meio de termos como exemplo, felicidade, orgulho, acreditar, amar,
alegria, disposição, comprometimento, coragem, etc. Elas somam-se à categoria
anterior para configurar o perfil do entrevistado, mas agora fazendo referência mais
direta ao próprio sujeito e menos a sua trajetória. São particularmente interessantes,
nesse conjunto, o termo exemplo e seus cognatos, porque indicam um
comportamento exemplar por parte do protagonista, o qual deve servir de modelo
aos demais agricultores. Orgulho é o sentimento que o protagonista desperta nos
seus familiares e felicidade/alegria são traços de sua personalidade que se
mantiveram apesar de todas as dificuldades pelas quais passou.
Analisando os verbos de ão com maior recorrência nos exemplares do
gênero, podemos acercar-nos dos principais processos que marcaram a vida dos
protagonistas das histórias de vida. São eles produzir, trabalhar, passar, chegar,
associar, comprar, casar, plantar, morar, mudar, precisar, criar, melhorar, cuidar,
poder, começar, construir, deixar, morrer, buscar e adquirir. Esses verbos indicam
que os principais feitos da vida do protagonista estão relacionados ao trabalho
agrícola (plantar, produzir, trabalhar, criar), ao êxodo de sua terra natal (chegar,
deixar, mudar, morar) e ao processo de desenvolvimento econômico (adquirir,
construir, associar, começar, comprar, melhorar). Também temos alta recorrência de
casar e cuidar, dos quais o primeiro termo está relacionado à constituição da família
e o segundo, tanto a esta (cuidar dos filhos) quanto ao trabalho agrícola (cuidar dos
85
animais, cuidar dos negócios). Em suma, a vida do protagonista foi uma trajetória de
responsabilidades, compromissos e esforços.
Nessa listagem, também ‘verbos-coringa’, isto é, que são usados nas mais
diferentes construções (especialmente locuções verbais) e que por isso têm alta
freqüência no texto. É o caso de passar e poder. Outros verbos, embora
enquadrados em uma categoria poderiam, devido à polissemia, pertencer à outra.
Como exemplo, podemos apontar o verbo mudar, que, apesar de a maioria das
vezes fazer referência à mudança de lugar, é usado também como indicativo de
mudança de estado.
Não incluímos na análise dos processos os verbos dicendi, como relatar,
contar, lembrar, dizer, os quais constituem ações vividas no tempo presente da
história e exclusivamente relacionadas à entrevista.
Avaliando o uso das ferramentas computacionais utilizadas nesta análise,
observamos que a polissemia da língua é, sem dúvida, um dos principais motivos
para que os dados apresentados por uma ferramenta como a WordList sejam
relativizados e conferidos pelo analista. Como citamos anteriormente, a alta
freqüência de termos cognatos de mudar criou uma primeira impressão errônea de
que a transformação de estado do sujeito ou da realidade eram assuntos
importantes no corpus analisado. No entanto, esse termo remetia principalmente à
mudança espacial ou geográfica. Exemplo semelhante é o da palavra força, que nas
HV remete tanto à força física quanto à força de caráter.
Outra característica da ferramenta é que ela separa expressões que
podem ser compreendidas no conjunto, como é o caso de nomes de lugares (Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Bom Jesus do Oeste) e de expressões idiomáticas
como de mala e cuia, morto de medo e tantas outras. A sua análise fora do contexto
também pode levar a equívocos, como ocorreu neste estudo, em uma primeira
observação da WordList: a alta freqüência do termo grande fez supor a referência ao
caráter (um grande homem, uma grande inteligência), quando, na verdade, a maioria
de suas ocorrências se dava na designação do estado Rio Grande do Sul.
Se uma lista de termos obtida via computador é útil para impedir que a
qualidade da análise seja comprometida por constatações equivocadas do
pesquisador quanto à predominância de certos temas em um dado gênero, isso não
quer dizer que, para ser relevante, um tema tenha de ter seu léxico insistentemente
reiterado, logo, com grande número de ocorrências na listagem. Certamente,
86
existirão assuntos, em um determinado gênero textual, cuja expressividade não
depende da ocorrência numérica de termos associados a ele, mas sim de sua
significância social, cultural, retórica ou outra qualquer. Mesmo assim, a reiteração
não deixa de ser um fator importante e, nesse sentido, a ferramenta computacional
mantém-se útil para o analista.
Mais preocupante deve ser o fato de que uma lista de termos analisada
isoladamente pode levar a equívocos do ponto de vista temático, o que é decorrente,
como vimos acima, da polissemia das palavras e da segregação de expressões que
a ferramenta efetua. Para superar esse problema, há a possibilidade da aplicação da
ferramenta Concordance e a necessidade da atenta leitura do corpus.
3.4 Linguagem avaliativa nas histórias de vida
Neste estudo, incluímos sob a denominação ‘linguagem avaliativa’ duas
categorias: índices de julgamento e vozes do discurso jornalístico. Ambas fazem
parte da Teoria da Valoração e tratam dos recursos lingüísticos que contribuem para
a formação de avaliações positivas ou negativas.
3.4.1 Índices de julgamento
Martin e White (2005), como descrito na seção 1.4.1, classificam como índices
de julgamento as avaliações que recaem sobre o comportamento de pessoas, as
quais podem ser efetuadas de forma implícita ou explícita. Encontramos, nas HV,
vários casos de julgamento, efetuados dessas duas formas. Geralmente, os
julgamentos implícitos são ativados pelo repórter ao contar ‘neutralmente’ os fatos
da vida do protagonista da história, fornecendo informações sobre seu local e data
de nascimento, motivos que o trouxeram a Santa Catarina, como era o trabalho
agrícola alguns anos, e assim por diante. No entanto, apesar de aparentemente
carentes de índices avaliativos, muitas dessas informações históricas podem ser
consideradas julgamentos implícitos, porque o capazes de ativar juízos na mente
no leitor. Mais do que cada fato histórico recontado, a concatenação de todos eles
até o final do texto tem grande poder valorativo, pois encaminha o leitor a uma
interpretação positiva sobre o caráter do personagem da história, logo, para um
julgamento.
87
Como observamos na descrição da temática e dos movimentos retóricos do
gênero (seções 3.2 e 3.3), as HV geralmente iniciam contando um passado de
pobreza, sofrimento e muito trabalho, e finalizam apresentando um produtor rural
bem-sucedido tanto economica quanto pessoalmente. Também os fatos que
integram essa descrição não são selecionados despropositadamente, eles o
escolhidos para acionar tais juízos (ver seção 3.1.1). Assim, mesmo que não
houvesse julgamentos explícitos, o leitor formaria uma imagem final positiva do
entrevistado.
Abaixo temos um exemplo desse tipo de julgamento implícito, cuja leitura
levará à formação de juízos de persistência, coragem e determinação.
(1)
Lazarotto conta que os primeiros anos nas terras catarinenses não
foram nada fáceis. Não havia estrada, atalhos estreitos abertos
no mato a golpes de facão. Não havia carro e, em caso de doença,
o jeito era pôr o na estrada, enfrentar a escuridão e os bichos
do mato. No entanto, tudo valia por um pedaço de chão fértil. O
produtor da série ‘Colheitas do Tempo’ disse que se naquele tempo
existisse um pouco da tecnologia de hoje, tudo seria mais fácil (JR,
dezembro de 2005, p. 14).
Julgamento positivo implícito
Outra forma de realizar julgamentos implícitos ocorre através do uso de
figuras, de linguagem conotativa. Esse recurso amplia os efeitos de sentido da
avaliação, “provocando” mais do que “convidando” o leitor a fazer julgamentos,
usando termos de Martin e White (2005).
(02)
Na opinião do gerente da filial de Espuma, Nelinho Pedro Riboli, é
de associados assim que a cooperativa precisa para se
desenvolver e se manter firme nos seus propósitos. “Ele é
cooperativista de verdade, nunca desviou um leitão” (JR, junho,
2005, p. 15).
Julgamento conotativo de sanção social positiva: veracidade
(03)
Frederico se orgulha em dizer que nunca teve problema com
cartório, nem antes e nem depois que começou a trabalhar com os
agentes financeiros em Itaiópolis (JR, abril de 2005, p. 26).
Julgamento conotativo de sanção social positiva: veracidade
(04)
Ao seu lado João tem uma guerreira, a esposa Maria (JR, janeiro
de 2005, p. 21).
Julgamento conotativo de estima social positiva: tenacidade
88
Nos exemplos 02 e 03, os agricultores são avaliados como fiel e honesto
respectivamente. Realizam-se, portanto, julgamentos de sanção social positiva.
Porém, para ressaltar tal honestidade, o autor apela a construções metonímicas.
Vale observar, além disso, que, nos dois fragmentos, a avaliação é atribuída, ou
seja, não é realizada pelo repórter, mas por um funcionário da instituição e pelo
próprio protagonista que se auto-avalia. Já no exemplo 04, a palavra guerreira é
usada em sentido metafórico, para ativar juízos de força, coragem, persistência.
Segundo os autores da teoria, as construções que utilizam recursos conotativos
costumam ter mais poder persuasivo que as demais.
Simultaneamente a essas construções implícitas, o texto apresenta também
julgamentos explícitos, isto é, aqueles em que a avaliação pode ser identificada em
um único item ou em uma expressão lingüística. Abaixo, temos julgamentos
explícitos efetuados por meio de adjetivações.
(05)
“Nosso pai...procurou ser sempre amigo e justo” (JR, fevereiro de
2005, p. 12).
Julgamento de estima social positiva: normalidade
Julgamento de sanção social positiva: veracidade
(06)
Agenor Farias se tornou um grande homem, responsável e
comprometido com a seriedade nos negócios (JR, setembro de
2005, p. 18).
Julgamento de estima social positiva: tenacidade
(07)
Existe muita gente boa (JR, janeiro de 2005, p. 21).
Julgamento de sanção social positiva: propriedade
Apesar de Martin e White (2005) ressaltarem, em certas passagens do livro,
que uma avaliação não necessariamente deva se realizar por meio de adjetivos,
podendo ser identificada também em outras categorias gramaticais, ao apresentar o
sistema de atitude, especialmente os índices de julgamento, os autores utilizam
principalmente exemplos em que a avaliação aparece na forma de adjetivo. Todavia,
em nosso corpus, as adjetivações são numericamente pouco representativas e
dividem espaço com os substantivos, quando se trata de emitir juízos sobre pessoas
e seus comportamentos.
Essa constatação emergiu, inicialmente, da observação da lista de palavras
fornecida pela ferramenta WordList. Nela percebemos que não havia grande
ocorrência de adjetivos e, quando reunidos os termos em lemmas, isto é, por
89
semelhança de radicais, muitas vezes o adjetivo o existia ou era numericamente
igual ou inferior às outras categorias. Assim, em um lemma organizado com
cognatos de lutar, encontramos as seguintes palavras e sua freqüência no corpus:
lutou (1), lutaram (1), lutar (2), lutando (2), lutamos (1), lutam (1), luta (9). Em outro,
envolvendo cognatos de carinho, temos: carinhosamente (1), carinho (5), carinhoso
(1). E em outro temos: alegre (12), alegria (10) alegrias (3). No primeiro lemma, não
ocorre a forma adjetivada de lutar (lutador). No segundo lemma, o adjetivo carinhoso
aparece uma única vez, enquanto as outras duas classes totalizam seis ocorrências.
No último, o uso do adjetivo praticamente empata com o uso do substantivo em
número de ocorrências. Nos três exemplos, destaca-se o uso de substantivos (luta,
carinho e alegria-s), a partir do que cogitamos que os jornalistas nominalizam certas
expressões no momento de produção das HV, a fim de evitar o uso de adjetivos. A
leitura dos textos acabou por confirmar essa suposição.
Segundo Azeredo (2001, p. 246-250), as expressões nominais, que
constituem construções substantivas geralmente derivadas de verbos ou adjetivos,
podem desempenhar tanto papéis coesivos no texto quanto modalizantes,
conclusões a que o autor chega com a análise de textos jornalísticos. O papel
coesivo ocorre através da condensação de proposições/predicados por meio de
substantivos, enquanto a modalização serve para exprimir avaliações ou
interpretações que o enunciador realiza a respeito das atitudes de outros indivíduos,
cujo discurso esteja comentando ou citando.
Todavia, neste estudo, observamos que o uso de expressões nominais pode
ser útil para ‘disfarçar’ a avaliação que está sendo efetuada pelo autor. Ao optar por
um substantivo, o jornalista ou emissor do depoimento trata a qualidade como se
fosse uma característica inerente do sujeito ou do fenômeno avaliado, em vez de
uma opinião sua, resultante de sua percepção. É o que acontece, por exemplo, em
(08)
O profissionalismo também pode ser visto nas demais atividades
(JR, fevereiro de 2005, p. 12).
Julgamento de estima social positiva: capacidade
(09)
Sempre tive consciência de que era preciso preservar a mata. De
lá vem a água que bebo” (JR, fevereiro de 2005, p.10).
Julgamento de estima social positiva: tenacidade
90
(10)
“Não podemos nos esquecer do heroísmo e bravura desses
pioneiros. Foi preciso muita força de vontade e coragem ao abrir os
caminhos para a nossa geração” (JR, outubro, 2005, p. 18).
Julgamento de estima social positiva: capacidade
Julgamento de estima social positiva: tenacidade
(11)
Apesar dos cabelos brancos e dos sinais que a vida deixa no
corpo, Arthur conserva a simplicidade de quem busca na terra o
seu sustento (JR, dezembro de 2005, p. 15).
Julgamento de estima social positiva: normalidade
No caso das HV, não podemos esquecer que o jornalista não grava os
depoimentos nem os transcreve literalmente, de modo que ele próprio pode
nominalizar verbos e adjetivos (utilizados pelos entrevistados) ao redigir os textos.
Cada história de vida é em grande parte constituída de julgamentos positivos,
sejam eles explícitos ou implícitos, sobre o protagonista da história, seus familiares e
a cooperativa. Existem, porém, casos em que julgamentos negativos explícitos são
emitidos. Eles ocorrem quando o repórter ou os entrevistados falam a respeito de
“outras” pessoas, referidas de modo genérico e coletivo, as quais não compartilham
dos mesmos valores que os participantes da entrevista, como podemos observar
nos exemplos 12, 13, 14 e 15.
(12)
Algumas pessoas desistem diante dos problemas. Outras, como é
o caso do nosso personagem, lutam incansavelmente. Essas
pessoas têm a cara da coragem (JR, janeiro de 2005, p. 21).
Julgamento de estima social negativa: tenacidade
(13)
Quando Frederico se mudou de caçador para Itaiópolis, a 80Km de
Canoinhas, havia apenas cinco famílias moradoras e poucas a
exemplo dele conseguiram evoluir na agricultura. tiveram êxito
aqueles que foram valentes e tiveram garra para amostrar os
resultados na prática (JR, abril de 205, p. 26).
Julgamento de estima social negativa: capacidade
(14)
“Hoje em dia as pessoas querem muito mais com menos esforço”
(JR, maio, 2005, p.16).
Julgamento de estima social negativa: tenacidade
(15)
“Hoje tudo é mais difícil, as pessoas são mais complicadas” (JR,
dezembro de 2005, p. 15).
Julgamento de estima social negativa: normalidade
91
No entanto, julgamentos negativos são raros se comparados aos positivos.
Isso demonstra que o gênero história de vida procura atingir seus objetivos retóricos
evidenciando as qualidades dos seus associados, do seu modo de vida, mais do que
realizando críticas a outros indivíduos ou a outros hábitos.
Índices negativos, quando se referem ao protagonista da história, são, muitas
vezes, neutralizados pelo advérbio de negação nunca, enquanto índices positivos
são freqüentemente intensificados por sempre. Essa constatação foi obtida por meio
da ferramenta Concordance, do WordSmith, em cuja listagem observamos que, das
45 ocorrências do advérbio sempre no corpus analisado, praticamente todas elas
estavam em contextos de julgamento. o termo nunca teve 15 ocorrências, das
quais a grande maioria também estava relacionada ao comportamento do
protagonista da história.
Comportamentos normalmente considerados negativos, como ‘desanimar’,
‘apagar o sorriso’ e ‘ter problemas’, freqüentemente aparecem acompanhados pelo
advérbio nunca (nunca pensou em desanimar, o sorriso o se apaga nunca, nunca
teve problemas com cartório), enquanto comportamentos positivos, como ‘ser
cooperativista’, ‘pensar no futuro’ e ‘ter maquinário renovado’, mostram-se
freqüentemente acompanhados pela palavra sempre (sempre foi cooperativista,
sempre pensou no futuro de forma positiva, maquinário sempre renovado). Isso
contribui para que o perfil do protagonista resulte invariavelmente positivo no final da
leitura, e mais do que isso, positivo absoluto, indicando uma vida sem deslizes, sem
relativização de valores ou de conduta.
Não índices de julgamento, mas também de afeto e apreciação podem
despertar sentimentos relacionados a juízos. Conforme a teoria utilizada neste
estudo, uma apreciação explícita sobre uma atividade realizada por um sujeito leva à
realização de um julgamento implícito sobre esse sujeito, como nos exemplos 16 e 17.
(16)
Além de dignificar o homem, o trabalho favorece a circulação do
sangue”, comentou o produtor (JR, Maio, 2005, p. 16).
Apreciação explícita/ julgamento implícito
(17)
A vida nas montanhas de Nova Teotônia o foi nada fácil para
Domingos e Irma. Vencer o mato e o inço para cultivar o seu
sustento era um desafio diário (JR, julho de 2005, p. 20).
Apreciação explícita/ julgamento implícito
92
No exemplo 16, verificamos uma apreciação explícita sobre o trabalho, em
que suas qualidades são dignificar o homem e favorecer a circulação do sangue.
Também há um julgamento implícito sobre o emissor desse enunciado: o de um
homem trabalhador. De maneira semelhante, no exemplo 17, ocorre uma apreciação
explícita sobre a vida em Nova Teotônia, ao mesmo tempo em que se realiza um
julgamento implícito sobre Domingos e Irma, que são considerados pessoas
corajosas, já que venceram os desafios diários que o local impunha.
Lógica parecida podemos estabelecer para os índices de afeto: uma
avaliação afetiva sobre um certo fenômeno, pode sugerir qualidades do emissor da
avaliação. Vejamos os seguintes exemplos:
(18)
Albino revela que tem saudade dos tempos em que se praticava
mais a religião...(JR, março de 2005, p. 23).
Afeto explícito/ julgamento implícit
(19)
"Não gosto de ver máquina velha na propriedade. De velho chega
eu”, brinca (JR, junho de 2005, p. 14).
Afeto explícito/ julgamento implícito
No exemplo 18, observamos um índice de afeto explícito sobre os tempos
passados, dos quais Albino sente saudade porque neles se praticava mais a religião.
A expressão desse sentimento leva o leitor a realizar um julgamento sobre seu
emissor: Albino é uma pessoa religiosa. No exemplo 19, por sua vez, ao afirmar
explicitamente que não gosta de máquina velha, o emissor produz implicitamente um
julgamento sobre o produtor do enunciado, como de um homem aberto a mudanças,
inovador.
Martin e White (2005) expõem apenas que índices de apreciação explícitos
podem esconder julgamentos implícitos. Porém, os exemplos acima mostram que o
processo de realização de julgamentos pode acompanhar também os índices de
afeto. Sendo assim, talvez pudéssemos dizer que a possibilidade de ocorrência de
julgamentos implícitos é muitíssimo grande na linguagem, que considerável parte
das ações, objetos, fenômenos que se avaliam são produzidos por pessoas ou estão
de alguma forma relacionados à atividade humana.
No caso das HV, podemos afirmar que sua configuração lingüística, avaliativa
ou não, está orientada à realização de um julgamento. O gênero como um todo
93
constitui um julgamento, uma vez que, em cada história apresentada, temos a
avaliação positiva do comportamento de um indivíduo. Por seu objetivo retórico,
fornecer um modelo de agricultor, nas HV, quase toda avaliação, seja ela uma
apreciação, um índice de afeto ou um julgamento, converge para um parecer sobre o
comportamento humano.
Se no início desta seção dissemos que as HV apresentam vários casos de
julgamento, agora podemos dizer que esses julgamentos envolvem majoritariamente
valores de estima social. Assim, os personagens são avaliados em relação à
aceitação no seu grupo social, na condição de muito ou pouco benquistos, muito ou
pouco respeitáveis. Não é possível dizer que, com relação às categorias que
compõem a estima social (tenacidade, capacidade e normalidade), haja a
predominância de uma sobre a outra, até porque essas categorias nem sempre
estão adequadas aos índices com os quais se está lidando.
Com relação à sanção social, os julgamentos nessa categoria não são tão
abundantes, embora eles aconteçam, especialmente na voz de outros indivíduos
que não o repórter. Mas essa discussão é tema para a próxima seção, que trata dos
tipos de vozes presentes no discurso jornalístico, conforme modelo proposto por
Martin e White (2005), na Teoria da Valoração.
3.4.2 Vozes do discurso jornalístico
As HV permitem a manifestação de quatro pessoas no discurso: o próprio
jornalista, o protagonista da história, um ou mais familiares e um funcionário da
cooperativa CR. Em todos os exemplares, têm oportunidade de se manifestar sobre
o assunto o protagonista da história e o jornalista e, na grande maioria, porém não
necessariamente em todos, os familiares e o funcionário da instituição. Esse gênero
não possibilita que pessoas em outros papéis sociais participem da interação,
porque, como vimos nas seções 3.1 e 3.2, as condições de produção limitam o
repórter à seleção dessas fontes.
A voz do jornalista é a única que não vem marcada por aspas ou introduzida
por verbos dicendi e é a que predomina no texto por exercer um papel equivalente
ao de narrador. Contudo, quando os depoimentos aparecem entre aspas (do
protagonista, familiares e funcionário) não são transcrições ipsis litteris, pois os
jornalistas não costumam gravá-los, mas apenas anotá-los no decorrer de uma
94
conversa relativamente informal. Sobre esse último ponto, basta observar, no
exemplar de março de 2005, um depoimento em destaque, no qual Tadeu (o
protagonista) e Maria (sua esposa) assinam o mesmo fragmento em discurso direto:
(20)
“A escuridão das estradas não era motivo para deixar de visitar os
amigos para conversar, rezar junto à capelinha e jogar quatrilho. As
lanternas a querosene bastavam para iluminar os nossos serões”
(Tadeu e Maria)
Abaixo, temos alguns exemplos de como podem se manifestar essas vozes
no discurso das HV.
(21)
Conforme o gerente da CR em Bela Vista do Toldo, Jair Daniel
Vicente, Irineu é um exemplo na região. “Seu vínculo com o
cooperativismo é muito forte. Ele acreditou na CR desde o início”
(JR, abril, 2005, p. 27).
Depoimento de funcionário
(22)
Os filhos demonstram nas palavras o orgulho que têm do pai.
“Nosso pai nos orgulha muito, sempre pensou no futuro de forma
positiva” (JR, fevereiro, 2005, p. 12).
Depoimento dos filhos
(23)
Mas Clementina atesta que ele foi um bom pai. “Ele nunca bateu
nos filhos. Se eu queria dar um tapa, tinha que ser escondido dele”,
recorda (JR, setembro, 2005, p.27).
Depoimento da esposa
(24)
“Já sou aposentado, podia ficar o dia inteiro na bodega, mas prefiro
me dedicar ao trabalho. Eu gosto da terra” (JR, janeiro, 2005, p. 21)
Depoimento do protagonista
(25)
Mais tarde, finalmente surgia o cooperativismo - um porto seguro
para os agricultores da região (JR, março, 2005, p. 22) .
Depoimento do jornalista
(26)
Quando veio de Antonio Prado, RS, para explorar as terras
desconhecidas de Planalto Alegre, no Oeste de Santa Catarina,
Albino Cammatti tinha apenas nove anos (JR, março, 2005, p. 22).
Relato do jornalista
95
O jornalista, além de narrar fatos, algumas vezes também tece comentários
sobre eles ou sobre seus entrevistados. Contudo, observamos que os comentários,
quando constituem avaliações, mais especificamente julgamentos, limitam-se a
julgamentos de estima social. Assim, podemos classificar a voz do discurso das HV
como a voz do correspondente.
Conforme a teoria, a voz do repórter é aquela em que não é efetuado nenhum
tipo de julgamento autoral; a voz do correspondente é aquela em que são efetuados
apenas julgamentos autorais de estima social; e a voz do comentarista é aquela em
que qualquer tipo de julgamento pode ser realizado de forma autoral. Nessa
seqüência de apresentação, cada voz pressupõe a anterior, de modo que, nas
histórias de vida, encontramos tanto fragmentos sem julgamentos autorais (voz do
repórter), quanto partes com julgamentos autorais de estima social (voz do
correspondente).
Os exemplos abaixo ilustram a voz do repórter.
(27)
Natural da Argentina vive no Brasil desde os dois anos de idade,
quando os pais mudaram-se para o interior de Getúlio Vargas, no
Rio Grande do Sul. Em 1957, Gino casou com Therezinha Santin.
Com o filho Moacir ainda pequeno, em 1959, passaram a residir
em Santa Catarina. A primeira morada, em linha Batistello,
Chapecó, foi um paiol. "'Tinha frestas enormes", recorda (JR,
janeiro, 2005, p.22).
Sem julgamentos explícitos
(28)
Na opinião do gerente da filial de Espuma, Nelinho Pedro Riboli, é
de associados assim que a cooperativa precisa para se
desenvolver e se manter firme nos seus propósitos. “Ele é
cooperativista de verdade, nunca desviou um leitão” (JR, junho,
2005, p. 15).
Julgamento explícito de sanção social positiva
(29)
“Ele encara os problemas de frente, enquanto existem pessoas que
passam a vida fugindo deles” (JR, janeiro de 2005, p. 21).
Julgamento explícito de estima social positiva
(30)
Cooperativista desde guri . É assim que Irineu se define (JR, abril
de 2005, p. 27).
Julgamento explícito de estima social positiva
(31)
Conforme o gerente da Alfa em Bela Vista do Toldo, Jair Daniel
Vicente, Irineu é um exemplo na região (JR, abril de 2005, p. 27).
Julgamento explícito de estima social positiva
96
Nesses fragmentos, observamos casos em que ocorre a voz do repórter, pois
as avaliações ou não acontecem (exemplo 27) ou são atribuídas a fontes externas
(exemplos 28, 29, 30 e 31), seja por meio do discurso direto ou indireto, de modo
que o jornalista não avalia nunca, nem com julgamentos de estima, nem com de
sanção social. Ao agir dessa maneira, o redator das HV atua como o repórter típico,
que apenas relata fatos, sem se posicionar sobre eles ou sobre seus agentes. Isso
contribui para formar uma imagem de isenção e credibilidade para o veículo de
comunicação em que o repórter atua.
No entanto, sabemos que a isenção total é impossível e que se, por um lado,
o repórter não avalia, não opina, por outro, pode selecionar as opiniões e fatos que
mais convêm aos interesses da empresa jornalística ou dele próprio. No caso das
HV aqui analisadas, o repórter sempre selecionará fatos e depoimentos que
contribuem para a construção de uma imagem positiva da instituição que produz o
jornal. Dessa forma, como vimos na seção anterior, os julgamentos apresentados
nas HV, sejam eles de sanção ou de estima social, são invariavelmente positivos
quando se referem aos ‘de dentro’ (o entrevistado, sua família, a cooperativa), e
eventualmente negativos, quando se referem a sujeitos ‘de fora’ (não-associados,
agricultores com outros valores).
Apesar de existirem partes do discurso classificadas como voz do repórter, o
que equivale a dizer ‘sem julgamentos autorais’, momentos em que o jornalista
tece julgamentos autorais envolvendo estima social. Essa combinação configura
aquilo que a Teoria da Valoração chama de voz do correspondente, a qual vem
exemplificada a seguir.
(32)
Apesar do bom-humor, Deonildo passou por muitas nessa vida
(JR, fevereiro, 2005, p. 10).
Julgamento de estima social positiva
(33)
Um cooperativista exemplar. Assim podemos definir o associado
da Cooperalfa 27 anos, Deonildo Detoni (JR, fevereiro, 2005, p.
10).
Julgamento de estima social positiva
(34)
Destacou-se também por ser por ser um produtor consciente, pois
sempre preocupou-se (sic) em reflorestar determinadas áreas de
sua propriedade (JR, junho, 2005, p. 15).
Julgamento de estima social positiva
97
Nos exemplos 32, 33 e 34, o jornalista emite comentários sobre os
personagens das HV utilizando valores de estima social, mas também encontramos
em nosso corpus alguns poucos casos de sanção social não-atribuída, isto é,
julgamentos de sanção social efetuados pelo jornalista. Isso, de acordo com a Teoria
da Valoração, caracterizaria a voz do comentarista. No entanto, cremos que as HV
não podem ser consideradas textos de comentário, por sua considerável diferença
com relação a colunas de opinião, editoriais e outros gêneros textuais em que a voz
do comentarista predomina. Analisando mais cuidadosamente essas avaliações de
sanção social, chegamos à conclusão de que o repórter, apesar de não atribuir a
uma fonte externa o comentário, está tampouco emitindo sua própria opinião, já que,
possivelmente, ele não conhece o personagem ou os fatos suficientemente para
poder julgá-los. Os fragmentos abaixo tornam mais claras essas afirmações.
(35)
Seu José gosta da política séria e transparente. Ele prefere estar
de bem com as pessoas e com a consciência tranqüila a ter que se
utilizar da política em benefício próprio. É uma pessoa de boa
índole e querida da população. Durante os oito anos de política,
sempre trabalhou pensando no bem comum dos cidadãos (JR,
junho, 2005, p. 15).
Julgamento de sanção social positiva
(36)
Grande parte do sucesso de Joveli reside em sua humildade.
Aprendeu com os pais que trabalho era tudo na vida e sempre foi
assim. Da educação rígida, aprendeu a ser um pai bondoso e um
avô caridoso (JR, fevereiro de 2005, p.12).
Julgamento de sanção social positiva
Observe-se que, para avaliar que seu José (exemplo 35) é uma pessoa de
boa índole, o repórter deveria conhecer profundamente o entrevistado ou as
opiniões dos habitantes locais sobre ele, o que a observação das etapas de
produção do jornal, descrita no item 3.1.1, nos permite dizer que não é (ou
provavelmente não é) verdade. Supomos, então, que esse comentário a respeito de
seu José deve ter sido elaborado por ele próprio ou por algum dos presentes no
momento da entrevista, de modo que o jornalista apropriou-se de tais palavras ou,
simplesmente, esqueceu ou não achou necessário atribuí-las ao emissor do
comentário. O mesmo vale para seu Joveli, no exemplo 36.
Certamente, em um veículo jornalístico autônomo, especialmente quando
trata de assuntos polêmicos, envolvendo denúncias, por exemplo, jornalistas
tomariam mais cuidado no momento de emitir e atribuir julgamentos. Mas o gênero
98
estudado, em função das características apresentadas, de fato, dispensa essa
preocupação. Além disso, julgamentos positivos, como os que predominam nas HV,
geram muito menos polêmica do que negativos.
Essa espécie de confusão que o repórter realiza entre a voz do outro e a sua
própria voz pode também ser visualizada no exemplo 37, mas, nesse caso,
envolvendo uma apreciação e não um julgamento:
(37)
no Rio Grande, as terras onde morava a família Gollub eram
muito dobradas e, portanto, pouco favoráveis à produção de grãos
(JR, março, 2005, p.24).
Apreciação
Nesse fragmento, o jornalista faz uma apreciação das terras que possuía o
protagonista da história no Rio Grande do Sul, avaliando-as como dobradas
(montanhosas) e pouco propícias para o cultivo de grãos. Todavia, o contexto nos
permite deduzir que essa apreciação, embora transcrita na voz do jornalista, quem
realmente efetuou foi o protagonista da história, o Sr. Gollub, que é muito pouco
provável que o repórter tenha conhecido tais terras.
Ainda com relação às vozes do discurso, observamos que, nas HV, são
encontradas poucas ordens não-autorais e nenhuma autoral. Em outras palavras, o
escritor nunca ordens e nem os entrevistados costumam fazê-lo. A Teoria da
Valoração atribui esse fato aos objetivos retóricos dos textos, explicando que textos
com voz do repórter e do correspondente não objetivam persuadir, mas relatar ou
descrever, e que, por isso, eles não possuem ordens autorais. No caso das HV, essa
afirmação não procede, pois o objetivo do texto é, inegavelmente, persuadir. No
entanto, o gênero opta por uma estratégia persuasiva que não envolve diretivas,
ordens, enfrentamento ou crítica, mas o fornecimento ao leitor de um exemplo
positivo a ser seguido. É o que a retórica classificaria como “argumento pelo
exemplo” (Reboul, 2000).
Analisando as histórias de vida sob a perspectiva das vozes do discurso,
concluímos que elas não caracterizam o discurso jornalístico ideal ou típico, em que
uma simples narração de fatos e a busca de isenção por parte do repórter.
Seguindo a teoria, percebemos que as HV são configuradas sob a voz do
correspondente, aquela em que alguns comentários são possíveis. Porém, não
podemos dizer que os jornalistas que produzem JR exercem a “função” de
correspondente, tal como é conhecida no meio jornalístico. O correspondente, nesse
99
meio, é aquele que se distancia do local de base do veículo comunicativo em que
trabalha e passa a viver em meio ao fato. O exemplo clássico é o do
“correspondente de guerra”.
Percebemos também que, muitas vezes, os comentários do jornalista são, na
verdade, avaliações do entrevistado que o repórter veicula como se fossem de sua
autoria. É possível que esse processo ocorra sem a total consciência do jornalista,
da mesma maneira como ele acaba repetindo, na sua voz, o xico utilizado pelo
entrevistado, como verificamos na seção 3.3. White (2005) comenta rapidamente
essa apropriação que o jornalista faz da voz de outros no momento de realizar
avaliações, no entanto não chega a observar esse fenômeno nos índices de
julgamento. Essa mescla de vozes, possivelmente, não interfere na compreensão do
texto pelo leitor, ao qual ela provavelmente passará despercebida.
Por fim, tendo em vista essa ‘contaminação’ que sofre o repórter das vozes
dos outros, aliado aos processos de produção do gênero história de vida descritos
no início deste capítulo, como, por exemplo, o controle gido do trabalho jornalístico
pela diretoria da cooperativa, é inevitável questionar até que ponto o jornalista das
HV tem uma voz autônoma. A teoria considera, na voz do correspondente, os
julgamentos de estima social como promovidos pelo jornalista’, mas eles não
necessariamente equivalem ao ponto de vista desse profissional, pois podem ser
apropriados de outras vozes ou ser forjados pelo gênero e pela instituição que está
por trás de sua produção.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, nossa proposta foi a de descrever um gênero jornalístico pouco
explorado na literatura especializada. Essa opção trouxe algumas complicações
conceituais, das quais a primeira e a mais importante foi nomear o gênero analisado.
Optamos, depois de muita reflexão, por chamá-lo de história de vida (baseados na
técnica de coleta de dados de mesmo nome), ao invés de reportagem ou biografia,
que aquela não continha muitas das características destas, fosse em termos de
estrutura textual ou modo de produção e circulação. Porém, não poderíamos dizer
que outras histórias de vida que não as do jornal JR teriam invariavelmente as
mesmas características que observamos nesta análise, embora possam apresentar
certas semelhanças. De fato, as HV são um gênero muito peculiar, perfeitamente
adaptado às características culturais de seu público, a ponto de seus objetivos
retóricos talvez não alcançarem êxito fora do grupo social em que circula.
A produção das histórias de vida está fortemente atrelada a uma estratégia
comunicativa estabelecida por CR, a qual visa a difundir entre os agricultores valores
de persistência, trabalho, adoção de tecnologia e outros que poderão contribuir para
a prosperidade dos negócios agrícolas nos quais cooperativa e produtores rurais são
parceiros. Por isso, muito do gênero é estrategicamente pré-definido, como, por
exemplo, a seleção das fontes e dos temas a serem suscitados pelo repórter no
momento da entrevista e da escritura do texto. Assim, temos, no papel de
personagens das HV, sempre agricultores bem-sucedidos econômica e socialmente,
bem como a história desses personagens tem um encadeamento temático idêntico
em todos os exemplares. Esse encadeamento temático, vale recordar, remete a um
início de vida pobre, superado por meio de bons valores, muito trabalho,
persistência, adoção de tecnologia, fidelidade à cooperativa, combinação que resulta
em sucesso econômico e realização pessoal na agricultura.
Se, por um lado, muito do gênero é delineado antecipadamente, por outro,
certas características dos textos se adaptam às possibilidades concretas do repórter
no momento da realização das entrevistas. Por isso mesmo, a partir da análise dos
movimentos retóricos das HV, podemos dizer que, enquanto alguns estão mais
atrelados aos objetivos comunicativos do gênero, outros decorrem talvez
exclusivamente das suas condições de produção. Por exemplo, os movimentos
Expor comentário da família e Expor comentário de funcionário da cooperativa se
101
devem ao fato de família e funcionário estarem presentes no momento da entrevista,
enquanto o movimento Descrever a propriedade rural e o trabalho do personagem é
pré-definido com base nos objetivos persuasivos do gênero.
Com relação aos aspectos avaliativos da linguagem, os dados obtidos na
análise das HV mostram que, nesses textos, têm grande relevância as avaliações de
comportamentos humanos, chamadas julgamentos. Dos dois tipos de julgamentos
propostos pela Teoria da Valoração, nas histórias de vida, predominam aqueles
relacionados à estima social. Esse fato nos leva a confirmar nossa hipótese sobre a
função retórica do gênero, que é a de fornecer um exemplo de agricultor para os
demais agricultores da região. Observa-se que, ao selecionar pessoas benquistas e
bem-sucedidas na comunidade e expor sua trajetória de vida, o jornal afeta a estima
dos indivíduos em seu grupo social, gerando nos leitores sentimentos como inveja,
admiração, ambição, bem como despertando o desejo de estar no lugar do outro, de
também ser entrevistado pelo jornal, de ser tão estimado e reconhecido quanto os
personagens das HV. Os principais valores de estima encontrados nas HV estão
relacionados à bondade, alegria, trabalho, coragem, persistência e competência.
Os julgamentos são ativados, explicitamente, tanto por meio de adjetivos
quanto através de substantivos. A utilização desse último recurso, tão freqüente
quanto a do primeiro, serve para que o repórter ou o emissor do depoimento não se
comprometa sobremaneira nas suas avaliações, isto é, a qualidade é tratada como
inerente ao fato, objeto, indivíduo ou grupo social analisado e não como uma
avaliação particular sobre ele. Julgamentos também são realizados por meio de
recursos de implicitação. Estes são, sem dúvida, expressivamente ricos e também
freqüentes no gênero. Estruturas metonímicas e metafóricas e fatos da vida dos
personagens, marcados por dificuldades, superação e sucesso, apresentam
indiretamente valores de julgamento como honestidade, persistência,
empreendedorismo e coragem.
Outros recursos como o uso do advérbio sempre junto a contextos positivos
relacionados ao comportamento do protagonista, assim como do advérbio nunca em
contextos negativos, servem para intensificar as avaliações positivas, especialmente
os julgamentos sobre o protagonista, efetuados no gênero por familiares,
funcionários da cooperativa, jornalista e, até mesmo, pelo próprio protagonista da
história. Também certas seleções lexicais, que visam a combater preconceitos
relativos ao meio rural, embora não classificadas neste trabalho como linguagem
102
avaliativa, podem ser consideradas produtoras de uma imagem positiva sobre o
protagonista da história e sobre o homem e a vida rural como um todo. É o caso da
substituição do termo porco por suíno, de colono por produtor rural ou agricultor, de
roça por lavoura.
Essa configuração dos índices de avaliação, centrados na estima social,
levaram à identificação da voz presente no discurso das HV como equivalente à voz
do correspondente, na qual é permitida a realização de julgamentos autorais apenas
de estima social. O redator das HV também o costuma efetuar ordens, típicas da
voz do comentarista. Isso ocorre o porque o objetivo das HV não seja o de
persuadir, mas porque sua estratégia persuasiva não prevê ordens diretas, mas
sugestões apresentadas indiretamente.
Entre os propósitos desta pesquisa, constava o de testar o emprego da Teoria
da Valoração no português. Ao utilizá-la, na análise das HV, a primeira constatação
é a de que a categorização proposta pelos autores não é tão evidente quando
aplicada aos textos. Isso se deve ao fato de um mesmo índice de avaliação poder
ser enquadrado em várias categorias, dependendo da interpretação do analista.
Além disso, as avaliações implícitas são muito mais abundantes e importantes do
que a teoria faz supor, assim como os adjetivos não são os únicos meios utilizados
para efetuar avaliações, especialmente, julgamentos.
Outro problema que enfrentamos, este já previsto pelos autores da teoria, é o
de os componentes das categorias de estima e sanção social não estarem
totalmente adequados ao nosso contexto cultural. Um exemplo simples é o termo
frio, que Martin e White (2005) classificam como um valor positivo de estima social,
mas que no contexto latino-americano possivelmente seria avaliado negativamente.
Também classificações, como tenacidade, normalidade, capacidade, veracidade e
propriedade parecem não dar conta do variado leque de valores que uma sociedade
compartilha e dos amplos recursos de avaliação que o “tesouro lingüístico”
disponibiliza.
Por outro lado, categorias como avaliação, afeto e julgamento, bem como
sanção e estima social, embora nem sempre sejam tão claras e distintas,
demonstraram ser adequadas e possíveis de identificação no corpus de estudo. Do
mesmo modo, a proposta acerca das vozes jornalísticas é interessante e viável,
apesar das dúvidas quanto à efetiva autoria de certas avaliações.
103
Com relação ao uso de ferramentas computacionais para a análise lingüística,
embrenhar-se por esse campo foi um desafio, que nunca havíamos trabalhado
sob essa perspectiva. Consideramos ricos os dados obtidos com o WordSmith, além
de bastante esclarecedores sobre a constituição ideacional do corpus. A análise da
ocorrência dos termos, morfemas ou expressões no seu contexto lingüístico também
pode ser útil a estudos que tratam de recursos avaliativos ou, até mesmo, àqueles
que se dediquem de algum modo à análise discursiva. Cabe a ressalva, porém, de
que as listas de palavras, por si só, não dizem muito sobre o objeto, no caso de
análises como esta, podendo, inclusive, levar o analista a alguns equívocos. Por
isso, é conveniente que alguns dados sejam situados em seu contexto lingüístico,
com o intuito de conferir se a informação tem coerência semanticamente.
O principal objetivo retórico das HV, como já dissemos, é fornecer um
exemplo de produtor rural aos demais produtores e, por isso, elas constroem por
meio de linguagem avaliativa, sentidos positivos e negativos acerca de
comportamentos humanos. As publicações relativas à extensão rural, de um modo
geral, não costumam utilizar esse tipo de artifício, pois essa área tradicionalmente
utiliza os meios comunicativos para ensinar técnicas agrícolas ou divulgar novidades
tecnológicas e informações comerciais. Por isso mesmo, na própria cooperativa que
produz o jornal JR, o gênero história de vida foi criticado por não estar efetuando
nenhuma dessas demandas, de modo que não contribuiria para os interesses da
instituição.
De fato, o nero história de vida trabalha com a difusão de valores, os quais
não fertilizam solos nem fazem plantas produzirem grãos maiores e mais nutritivos.
Mas poderíamos dizer que eles fertilizam mentes e, com isso, incentivam os
indivíduos a adotarem comportamentos que contribuirão indiretamente para o
crescimento da produtividade agrícola almejado pela cooperativa e, provavelmente,
por toda a nação.
Além disso, embora somente certos fatos da vida dos agricultores sejam
incitados pelo repórter, tornando as HV, como documento histórico, muito limitadas,
não se pode negar que elas têm certo valor nesse sentido, já que resgatam o
passado colonial de uma região sobre a qual não muitos registros nem estudos
historiográficos. Esse gênero textual também deve receber o mérito de dar voz
àqueles que normalmente não possuem essa oportunidade, que as histórias de
velhos agricultores o têm lugar nos grandes meios de comunicação. E se essas
104
histórias não têm lugar em muitos veículos não é somente porque não ‘rendem’
notícia ou não são fatos importantes, mas também porque esses veículos o
urbanos e o meio urbano ainda discrimina o rural, apesar da crescente proximidade
cultural entre eles.
Com relação ao objeto analisado, JR e outros tantos jornais rurais o fontes
de pesquisa excepcionais para os estudiosos da linguagem por terem objetivos
comunicativos bem definidos e uma finalidade de persuasão evidente e até
assumida. Também são interessantes porque se dirigem a um grupo social cuja
linguagem (entre outras características culturais) difere consideravelmente da dos
seus produtores, que estes, além do maior grau de instrução, estão às voltas com
léxicos especializados.
Isso faz com que as dificuldades de comunicação nos processos de extensão
rural sejam constantes e intensas, justamente devido à distância social que separa
aqueles que detêm o conhecimento (os técnicos) e os que executam o trabalho (os
agricultores). Assim, estudos da linguagem talvez pudessem contribuir para a maior
eficiência dos processos de comunicação que envolvem esses grupos.
105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, M. F. Juan Díaz Bordenave e a comunicação para o homem rural.
1993. 347f. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural) - Universidade Federal de
Santa Maria, Santa Maria, 1993.
AZEREDO, J.C. Aspectos semântico-textuais do nome e da nominalização. In:
VALENTE, A. Aulas de português: perspectivas inovadoras. 3.ed. Petrópolis:
Vozes, 2001. p. 243-256.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. São Paulo: Cortez, 2005.
BERBER-SARDINHA. Usando WordSmith Tools na investigação da linguagem.
DIRECT Papers, São Paulo, n. 40, 1999. Disponível em http://lael.pucsp.br/direct.
Acesso em: out. 2006.
BIALOSKORSKI NETO, S. Agribusiness Cooperativo. In: ZYLBERSTAJN, D;
NEVES, M. F. (orgs). Economia e gestão dos negócios agroalimentares. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. p. 235-253.
BONINI, A. Gêneros textuais e cognição: um estudo sobre a organização cognitiva
da identidade dos textos. Florianópolis: Insular, 2002.
_______. Os gêneros do jornal: o que aponta a literatura da área de comunicação no
Brasil? In: Linguagem em (Dis) curso, Tubarão-SC, Unisul, v.4, n.1, 2003.
Disponível em
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/revista/revista.htm Acesso em:
2 fev. 2006.
BORDENAVE, J. E. D. O que é comunicação rural. São Paulo: Brasiliense, 1988.
BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
CABRAL, S.R.S. Estrutura textual e transitividade: a carta do leitor como
construção da experiência. 2002. 124f. Dissertação (Mestrado em Letras) -
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2002.
CALLOU, A. B. F. Estratégias de comunicação em contextos populares: implicações
contemporâneas no desenvolvimento local sustentável. In: ENCONTRO DA
ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE INVESTIGADORES DA COMUNICAÇÃO,
7, 2004, La Plata-AR. Anais eletrônicos...La Plata: Universidad Nacional de La Plata,
2004. Disponível em
http://www.eca.usp.br/alaic/trabalhos2004/g1/angelobras.htm.Acesso em: 20 abr.2006.
CORREA JUNIOR, W. F. Paradigmas da comunicação rural. Revista Agricoma,
[199-]. Disponível em www.agricoma.com.br/artigocomruralwilsonfonseca.htm.
Acesso em: 20 abr. 2006.
106
DUARTE, J. Comunicação e transferência de informação tecnológica para o
agricultor: caso brasileiro. Comunicação em agribussiness & meio ambiente, v. 2,
n. 2, julho de 2005. Disponível em http://www.agricoma.com.br/revanteriores.htm#.
Acesso em: 14 abr. 2006.
FERREIRA, A. B. H. (Ed). Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 15
reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 19-.
FONSECA, M. T. L. A extensão rural no Brasil, um projeto educativo para o
capital. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? 10 ed. Rio de Janeiro: Terra e paz, 1977.
FREITAS, I.L. A construção de identidade de garotas adolescentes em revistas
femininas. Revista Letras & Letras, Uberlândia-MG, n. 21 (1), jan/jun, p. 49-84,
2005.
GARCÍA-CANCLINI, N. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes,
1992.
HALLIDAY, M.A.K. El lenguage como semiótica social: la interpretación social
del lenguage y del significado: Colômbia: Fondo de cultura econômica, 1998.
HALLIDAY, M.A.K.; HASAN, R. Language, context, and text: Aspects of
language in a social-semiotic perspective. 5 ed. Geelong – Australia: Deakin
University, 1997.
KINDERMANN, C.A.; BONINI, A. A reportagem jornalística: uma caracterização
inicial do gênero a partir de exemplares publicados no jornal do Brasil. In: MOTTA-
ROTH, D.; BARROS, N.C.A.; RICHTER, M.G. Linguagem, cultura e sociedade.
Santa Maria: UFSM, 2006. p. 39-56
MAIO, A. M. D. Imprensa cooperativa rural: o apelo à qualidade. In: ENCONTRO
BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 27, 2004, Porto Alegre.
Anais...Porto Alegre, 2004. 1CD-ROM.
MARCUSCHI, L.A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO; A. P.;
MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs). Gêneros textuais e ensino. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2002.
MARQUES DE MELO, J. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes,
1994.
MARTÍN-BARBERO, J. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura
y hegemonía. Barcelona: Gustavo Gili, 1987.
MARTIN, J.R.; WHITE, P.R.R. The language of evaluation: appraisal in english.
Palgrave Macmillan: New York, 2005.
107
MEDINA, C. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo: Ática, 2000.
MILLER, C.R. Genre as a social action. Quaterly Journal of Speech, 70, p.151-167,
1984.
MOTTA-ROTH, D. A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER,
J. L.; MOTTA-ROTH, D. Gêneros textuais. Bauru: EDUSC, 2002. p. 77-116.
OCB. Organização das cooperativas do Brasil. Disponível em www.ocb.com.br.
Acesso em: maio 2005.
O GLOBO. Manual de redação e estilo. São Paulo: Globo, 1992.
OLINGER, G. Extensão rural: verdades e novidades. Florianópolis: EPAGRI, 1998.
PEREIRA, J. A. O papel dos departamentos de comunicação e educação em
cooperativas agropecuárias do oeste de Santa Catarina. 1999. Dissertação
(Mestrado em Comunicação Social) – Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 1999.
PIPPI, J. Ciência, tecnologia e inovação: interdiscursividade jornalística,
reformulação discursiva e heterogeneidades. 2005.130f. Dissertação (Mestrado
em Extensão Rural)- Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2005.
REBOUL, O. Introdução à retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROJO, R. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In:
MEURER, J.L.;BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs). Gêneros: teorias, métodos,
debates. São Paulo: Parábola editorial, 2005. p.184-207.
SANTOS, A. C. A. Fontes orais, trajetórias de vida e história. In: Arquivo público do
Paraná. Disponível em www.pr.gov.br/arquivopublico/pdf/palestra_fontes_orais.pdf.
[199-]. Acesso em: dez. 2006.
SWALES, J. M. Genre Analysis: English in academic and research settings.
New York: Cambridge University Press, 1990.
VELA, H.; HEGUEDUS, P. A extensão rural e o pensamento internacional. In: VELA,
H. (org). Extensão rural no MERCOSUL. Cruz Alta: UNICRUZ, 1999.
WHITE, P.R.R. Un recorrido por la teoría de la valoración. In: Appraisal website,
[200-].Disponível em http://www.grammatics.com/appraisal/. Acesso em: 23 maio
2006.
____________. A linguagem da valoração e da perspectiva. Débora de Carvalho
Figueiredo (trad.). In: Revista Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, Unisul, v. 4,
número especial, 2004. Disponível em
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/revista/revista.htm Acesso em:
2 jun. 2006.
WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial presença, 2001.
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo