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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BÁSICAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS: QUÍMICA
DA VIDA E SAÚDE
Neila Seliane Pereira Witt
EUTANÁSIA, VIDA/ MORTE: PROBLEMATIZANDO ENUNCIADOS
PRESENTES EM REPORTAGENS DE JORNAIS E REVISTAS
Porto Alegre
2007
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Neila Seliane Pereira Witt
EUTANÁSIA, VIDA/ MORTE: PROBLEMATIZANDO ENUNCIADOS
PRESENTES EM REPORTAGENS DE JORNAIS E REVISTAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em
Ciências: Química da Vida e Saúde, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação em
Ciências.
Orientadora: Nádia Geisa Silveira de
Souza
Porto Alegre
2007
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Neila Seliane Pereira Witt
EUTANÁSIA, VIDA/ MORTE: PROBLEMATIZANDO ENUNCIADOS
PRESENTES EM REPORTAGENS DE JORNAIS E REVISTAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação em
Ciências: Química da Vida e Saúde, da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação em
Ciências.
Orientadora:
______________________________________
Nádia Geisa Silveira de Souza
Banca examinadora:
______________________________________
Paula Regina Ribeiro - ICBS/UFRGS
______________________________________
José Roberto Goldim -
FAMED/ UFRGS.
______________________________________
Johannes Doll - FACED/UFRGS
4
Para meus pais, por terem me ensinado que, com
amor e determinação, somos capazes de superar
limites e realizar sonhos...
5
AGRADECIMENTOS
Na conclusão deste estudo, quero agradecer a todos que, de algum
modo, estiveram comigo neste processo e que foram fundamentais para que
esta escrita se concretizasse.
Agradeço, com muito carinho, pela oportunidade de realizar este
trabalho e por ter me introduzido neste campo de estudos, à minha querida
orientadora, Nádia Geisa Silveira de Souza. É uma pessoa a quem devo um
agradecimento especial pela presença; pela incitação à escrita de minhas
experiências; pelos conhecimentos compartilhados; pela paciência; pelo
estímulo; pelas sugestões de leituras; pelos empréstimos de textos e livros;
enfim, pela imensa amizade.
Aos professores da banca examinadora, agradeço pela leitura, pelas
sugestões e indicações que muito contribuíram para este estudo.
Aos professores das disciplinas do Mestrado e aos colegas do
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, que me
possibilitaram grandes trocas de experiências e aprendizados que ficaram
inscritos em mim e que estão presentes neste estudo.
Agradeço, em especial, ao professor Diogo Souza, por seu empenho
em possibilitar a produção desse tipo de trabalho, que entrelaça a
educação, a ciência e a saúde, entre outros conhecimentos.
Ao pessoal do grupo de estudos do corpo nas práticas culturais do
Programa de Pós Graduação em Educação (UFRGS), que sempre incluiu em
sua amizade a abertura a discussões e a partilha de produções, de
conhecimentos e de críticas. Eles me levaram a gostar ainda mais de
nossos estudos e a compreender a diversidade de articulações que
possibilitam.
A esta instituição, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por
seu ensino público de qualidade, onde pude realizar minha Licenciatura e
Bacharelado em Ciências Biológicas e o Mestrado em Educação em
Ciências.
6
À CAPES, órgão financiador da minha bolsa de Mestrado.
Ao meu marido, Fabio, pelo aprendizado que compartilhou comigo,
pela paciência, amor, presença e amizade; por aceitar meu jeito e ausência
(mesmo presente); por ter sabido lidar com as minhas incertezas; pelos
momentos de afastamento da escrita, indispensáveis para manter a
“normalidade” e, principalmente, por ter me apoiado nesta caminhada, que,
apesar de árdua, é muito prazerosa e enriquecedora.
Às minhas irmãs, Ana Paula e Marilaine, pela amizade, cumplicidade,
escuta e amor e por sempre acreditarem e torcerem por mim. Elas me
transmitiram muita força nos momentos bastante difíceis que tive que
atravessar durante esta caminhada e sempre me incentivaram a continuar.
Por último, mas não menos importante, meu agradecimento àqueles a
quem nunca recompensarei suficientemente pelo zelo e pela vida que me
deram e que sempre foram exemplos de dignidade, conduta e dedicação:
meus pais, Mario e Neila. Não dá para expressar com palavras o que
significam em minha vida, nem a importância que tiveram as suas
sugestões, que muito me ajudaram na conclusão deste estudo. Obrigada
por terem dado a mim tudo o que precisei para crescer e me desenvolver,
por me proporcionarem uma família da qual muito me orgulho de fazer
parte, pelas palavras calmas e sábias e pelos abraços amorosos que
fizeram com que me sentisse a pessoa mais importante do mundo.
A você que está se dispondo a ler o que escrevi nesta dissertação,
agradeço e me sinto honrada pelo seu interesse e pela sua participação
nesta mútua entrega. Minha, por expor meus pensamentos, sentimentos,
trajetórias... E sua, por se dispor a entrar no meu mundo e a colocar-se nos
caminhos que ele abre. Afinal, na leitura, partilham-se idéias e
aprendizados, exploram-se novos sentidos, ensaiam-se novas meforas; na
leitura, busca-se o que o texto leva a pensar, aquilo que dá o que dizer,
aquilo que fica por dizer... (Larrosa, 2003 e 1994).
7
A existência da cultura, isto é, de um
patrimônio coletivo de saberes (saber fazer, normas,
regras organizacionais, etc.), só tem sentido porque
as gerações morrem e é constantemente preciso
transmiti-la às novas gerações. Só tem sentido como
reprodução, e este termo assume o seu sentido pleno
em função da morte” (Morin, 1988, p. 10). Nesse
sentido, “(...) não existe uma muralha entre a
natureza e a cultura, mas sim uma engrenagem de
continuidades e descontinuidades” (idem, p. 16).
8
RESUMO
As questões relacionadas à prática da eutanásia, que têm sido
apresentadas, em nossa sociedade, especialmente através da mídia, levaram-me
à realização deste estudo.
A partir de aproximações com leituras do campo dos Estudos Culturais, nas
suas versões pós-estruturalistas, dos Estudos da Ciência e de estudos de Michel
Foucault, passei a interrogar como a rede de enunciados relacionados à vida, à
morte e à eutanásia aparecem na mídia impressa.
Neste estudo, estou entendendo o corpo como produção de práticas
sociais; a materialidade biológica, ao ser inscrita por discursos e práticas de
diferentes instâncias culturais que se articulam ou se confrontam, configura-se
naquilo que nomeamos de corpo; o morrer não apenas como um fato biológico,
mas também como um processo construído socialmente cujas transformações
alteram comportamentos e sentimentos; e a medicina como um saber/poder que,
principalmente a partir do século XIX, numa política dirigida à vida, vai incidir
sobre o corpo e os fenômenos biológicos, controlando e regulamentando o
indivíduo e sua vida/morte.
Hoje, a mídia tem ocupado destacado lugar na veiculação e instituição de
determinadas verdades, funcionando como uma importante estratégia de
regulação do corpo e da vida. Nesse sentido, os enunciados que nos interpelam
cotidianamente, ao serem incorporados, configuram determinados modos de
pensar e agir.
No estudo, analisei edições dos jornais Zero Hora (ZH), de Porto
Alegre/RS, e Folha de São Paulo, de São Paulo, e da revista Veja, publicadas ao
longo do ano de 2005 e 2006, que tratavam de casos relacionados à eutanásia.
A partir das discussões e dos relatos apresentados pelas reportagens,
percebi a ocorrência de movimentos voltados a debater e a repensar as formas
como se tem exercido o poder sobre a vida das pessoas, como, por exemplo, as
mobilizações da sociedade em manifestações públicas de apoio ou protesto às
decisões sobre a vida/morte de pacientes com doenças terminais ou sem chance
de cura, assim como a existência de embates entre médicos e advogados na
9
busca pela legitimação da prática médica em suspender ou limitar procedimentos
e tratamentos que prolonguem ou mantenham a “vida” dos pacientes.
Compreendi que, os avanços da tecnociência e da ampliação do poder de
intervenção médica no “curso” da vida/morte têm atuado como estratégias para
salvar e manter a vida, sem que se questionem as condições do paciente e da
vida que está sendo mantida.
Por fim, percebi o caráter e a força política dessas discussões e
manifestações, mobilizando órgãos como o Conselho Federal de Medicina a
aprovar uma Resolução favorável aos limites do saber e do poder sobre a vida,
além de contribuir para a aceitação da ortotanásia na sociedade e trazer
discussões sobre os alicerces em que as leis, normas e códigos brasileiros se
amparam.
Minha proposta foi possibilitar um outro espaço de pensar e problematizar
determinadas práticas diante da possibilidade de liberdade de decisão e ação das
pessoas em situações de morte e chamar a atenção para a posição hegemônica
dos discursos – religioso, jurídico, médico – no gerenciamento da vida/morte.
Palavras-chave: eutanásia e os processos do morrer, saber médico/científico,
biopoder, tecnologias da ciência, enunciados na mídia impressa.
10
ABSTRACT
Issues related to euthanasia practice that have been shown in our society,
especially through media, motivated this study.
From approximations to the Cultural Studies in its post-structuralist
versions, Science Studies, and works of Michel Foucault, I have questioned how
utterances related to life, death, and euthanasia have been shown in media.
In this study, body is understood as a production of social practices; the
biological materiality, on being inscribed by discourses and practices from different
cultural instances that are articulated or confronted, conforms what we have
named as body; dying is seen not only as a biological fact, but also as a process
that is socially constructed, whose transformations alter behaviors and feelings;
and medicine is taken as a knowledge/power that, particularly from the nineteenth
century, in a policy directed towards life, has acted on the body and the biological
phenomena, controlling and regulating the individual and his/her life/death.
Presently, media has had a marked role in spreading and instituting certain
truths, functioning as an important strategy to regulate body and life. In this sense,
utterances that have stricken us daily, when they are embodied, conform certain
ways of thinking and acting.
In this study, I have analyzed issues of two newspapers (Zero Hora, from
Porto Alegre/RS, and Folha de São Paulo, from São Paulo), and a magazine
(Veja), published over the years 2005 and 2006, presenting cases related to
euthanasia.
From the discussions and reports considered, I have noticed the occurrence
of movements to both debate and rethink the ways power has been exerted on
peoples’ lives. For instance, mobilizations of society in public manifestations to
either support or protest against decisions about life/death of terminal patients with
no chances to be cured, as well as the existence of disputes between physicians
and lawyers in search of legitimization of the medical practice to suspend or limit
procedures and treatments that prolong or maintain patients’ “lives”.
I have understood that, despite the great developments in techno-science
and the amplification of power of medical intervention, more comprehensive
reflections to show impacts of these new treatments and their possible
11
consequences have not been made. Such interventions in the “course” of
life/death have acted as strategies to save and maintain life, in a logic ruled by life,
without questioning the conditions of either the patient or the life that is
maintained.
Finally, I have perceived the political character and strength of those
discussions and manifests, mobilizing institutions, such as the Federal Medical
Board, to approve a Resolution that favors the limits of knowledge and power over
life, besides contributing towards the acceptance of orthothanasia in society and
bringing about discussions on the foundations on which Brazilian laws, norms and
codes are grounded.
My proposal has been to provide another space to think and problematize
certain practices, in relation to the possibility of freedom to decide and act of
people facing death situations, as well as to draw attention to the hegemonic
position of – religious, juridical, and medical – discourses in life/death
management.
Key Words: euthanasia and death processes, medical/scientific knowledge,
biopower, science technologies, utterances in printed media.
12
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Demonstração de Harvey das válvulas nas veias, de seu livro sobre a
circulação do sangue, De motu cordis, 1628 (http://images.google.-
com.br/images?svnum=10&hl=ptBR&lr=&q=harvey+1628)............... 22
Figura 2 - A lição de Anatomia do Dr. Tulp (HAGENS, 2000, p. 227, apud Kruse,
2003).................................................................................................. 22
Figura 3 - Imagens tridimensionais (Bergamo, 2005a, p. 134)............................ 24
Figura 4 - Mapa da vascularização superficial (Bergamo, 2005a, p. 133)........... 25
Figura 5 - A Primeira Demonstração Pública de Anestesia - realizada por William
Thomas Green Morton, 1846 (http://lexi-kon.freenet.de/images/de-
/thumb/8/89/Boston.jpg/400pxBoston.jpg)......................................... 30
Figura 6 – Terri Schiavo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1-
903200513.htm)..................................................................................59
Figura 7 – Jhéck Breener (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian-
/ff0109200501.htm).............................................................................59
Figura 8 - Piergiorgio Welby (http://noticias.terra.com.br/mundo/interna-
/0,,OI1312373-EI294,00.html).............................................................59
Figura 9 - Prótese (RUMO, 2005, p. 47)...............................................................67
Figura 10 – Corpo-máquina (RUMO, 2005, p. 47)................................................67
Figura 11 - Técnica de maturação do óvulo (BERGAMO, 2005b, p. 113)............68
Figura 12 – Quadro informativo (FONTENELLE, 2005, p. 115)............................70
13
Figura 13 – Pré-doentes (NEIVA, 2005, p. 88-89)................................................73
Figura 14 – Lista de sites (BUCHALA, 2005, p. 115)............................................76
14
SUMÁRIO
17 INTRODUÇÃO
20 CAPÍTULO I: DOS CONHECIMENTOS DO CORPO...
20 OLHARES E PROCEDIMENTOS LANÇADOS PARA O CORPO:
CONSTITUINDO O SABER MÉDICO...
25 OS CONHECIMENTOS SOBRE O CORPO, AS MUDANÇAS NA
SAÚDE E NA ORGANIZAÇÃO DAS CIDADES...
27 ORGANIZAÇÕES MÉDICAS E SANITÁRIAS...
30 TÉCNICAS MÉDICAS DIRECIONADAS AO CORPO E À VIDA DA
POPULAÇÃO...
33 A CONSTITUIÇÃO DA MEDICINA COMO UM SABER CIENTÍFICO...
36 CAPÍTULO II: MODOS DE MORRER E LUGARES DA MORTE...
36 LOCAL DE MORRER: FALANDO DE “ONTEM” PARA BUSCAR
ENTENDER HOJE...
40 UMA OUTRA ABORDAGEM SOBRE A MORTE...
47 QUANDO A SIMPLES IDÉIA DA MORTE PASSA A COMOVER...
49 MORTE X CURA OU MORRER CURADO...
53 CAPÍTULO III: TECENDO A REDE: CAMINHOS E ESCOLHAS...
53 MOTIVAÇÕES DAS ESCOLHAS DOS OBJETOS DE ESTUDO...
57 MATERIAL DE ANÁLISE
62 CAPÍTULO IV: MORTE NUMA SOCIEDADE PROVEDORA DA VIDA, DA
JUVENTUDE E DA SAÚDE OU DA IMORTALIDADE?
15
62 PROBLEMAS E SENTIMENTOS DESPERTADOS PELAS IMAGENS
DA MORTE...
64 NOÇÕES DE CORPO: ULTRAPASSANDO O ORGÂNICO...
68 À MARGEM DA VIDA: TECNOLOGIAS DE IMORTALIDADE...
79 CAPÍTULO V: EUTANÁSIA NO BRASIL
79 O MORIBUNDO REPRESENTA O QUE DESCONHECEMOS...
81 ENTRE ENCONTROS E DESENCONTROS: TERMOS, DEFINIÇÕES,
LEGISLAÇÃO E POSICIONAMENTOS DA IGREJA EM RELAÇÃO À
EUTANÁSIA...
81 1 – SUICÍDIO
81 Suicídio propriamente dito
82 Suicídio assistido
82 Suicídio passivo
83 2 - EUTANÁSIA
Eutanásia relacionada ao tipo de ação:
88 Eutanásia ativa, positiva ou direta
88 Eutanásia passiva, negativa ou indireta
88 Eutanásia de duplo efeito
Eutanásia relacionada ao consentimento do paciente:
89 Eutanásia voluntária
89 Eutanásia involuntária
89 Eutanásia não-voluntária
89 3- DISTANÁSIA
91 Tratamento fútil ou obstinação terapêutica
92 Cuidados paliativos
16
94 4 – ORTOTANÁSIA
95 5 – MISTANÁSIA, ESTANÁSIA SOCIAL OU CRIPTONÁSIA
96 Mistanásia em quem não chega a ser paciente: por omissão
97 Mistanásia e o erro médico...
97 (A) Mistanásia por imperícia
98 (B) Mistanásia por imprudência
99 (C) Mistanásia por negligência
100 Mistanásia por má prática
103 6 – MORTE NATURAL
104 7 – LEITURA RELIGIOSA DA EUTANÁSIA
107 CAPÍTULO VI: QUESTÕES DE VIDA E DE MORTE...
107 DIFERENTES OLHARES SOBRE A VIDA, A MORTE E A
EUTANÁSIA...
120 DISCUTINDO RESOLUÇÕES SOBRE O VIVER E O MORRER...
133 CONSIDERAÇÕES: AMARRANDO PROVISORIAMENTE OS FIOS DA
REDE...
139 REFERÊNCIAS
147 ANEXO: ARTIGO PUBLICADO
17
INTRODUÇÃO
“... esses exercícios de pensamento e de escrita supõem um
duplo jogo. Por isso podem permitir, às vezes, um duplo
benefício, mas implicam, ao mesmo tempo, um duplo risco”
(LARROSA, 1994, p. 35).
“Escrever é pois ‘mostrar-se’, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto
próprio junto ao outro” (FOUCAULT, 1969, p. 150, apud SOUZA,
2001).
Busco aqui, de modo sucinto, apresentar ao leitor a escrita que produzi no
decorrer da pesquisa. Neste ensaio, não busco fazer nenhuma delimitação,
prescrição ou recomendação, mas trazer ferramentas para se pensar de outras
maneiras as relações entre o que se fala e se faz quando o tema é a vida e a
morte. Este estudo trouxe desestabilizações: colocou-me em diferentes lugares,
fez-me pensar as relações de poder/saber com que nos relacionamos
cotidianamente e questionar quem e como se produzem os conhecimentos e os
limites em que nos colocamos. Nesse sentido, busquei outras maneiras de olhar e
pensar sobre o que tem sido dito sobre vida/morte, procurando distanciar-me de
visões fixas e estáveis e ver como a “verdade” atinge tais fenômenos e as práticas
a eles associadas. Os objetivos desta pesquisa foram conhecer como se vem
pensando a morte e a eutanásia nos dias de hoje; problematizar como os
discursos médicos, jurídicos e religiosos articulam-se, regendo a vida das
pessoas em situação de morte iminente e colocar em questão os enunciados
difundidos pela mídia impressa, suas “verdades” e “neutralidade”.
Nesse percurso, busquei nos estudos de autores como Michel Foucault,
Rosa Fischer, Paula Sibilia, Marisa Costa, Zygmunt Bauman, Philippe Ariès, José
Goldim, Carlos Francesconi, Norbert Elias, Maria Kovács, Johannes Doll e Leocir
Pessini, entre outros, ferramentas para pensar e analisar as práticas implicadas
na constituição dos sentidos atribuídos à vida e à morte e difundidos pela mídia
impressa na sociedade brasileira.
O texto desta dissertação é composto por seis capítulos. No capítulo inicial
— Dos conhecimentos do corpo... —, lanço um olhar histórico sobre a produção
do saber médico e científico a partir dos conhecimentos extraídos do corpo.
Abordo as formas de olhar para o corpo humano em diferentes épocas e as
mudanças que os conhecimentos produzidos sobre o corpo, especialmente os
18
médicos, provocaram na saúde, na organização das cidades, nas técnicas
desenvolvidas para diagnosticar as doenças e, finalmente, na constituição do
biopoder direcionado à regulamentação da vida e do corpo da população na
formação do Estado moderno.
No segundo capítulo — Modos de morrer e Lugares da morte... —, passo a
contar sucintamente a história da morte a partir de mudanças sociais e culturais
ocorridas ao longo de várias décadas, configurando os processos de morte.
Discuto, por exemplo, os locais em que se morria e os sentimentos e
comportamentos que se tinha em relação ao doente e ao momento da morte,
travando comparações com a atualidade.
No terceiro capítulo — Tecendo a rede: caminhos e escolhas...—, trato das
motivações que me levaram a optar por essa temática e a fazer um estudo a partir
dos enunciados abordados na mídia impressa. Apresento, também, as
ferramentas conceituais e o material selecionado para a realização das análises.
No quarto capítulo — Morte numa sociedade provedora da vida, da
juventude e da saúde ou da imortalidade? —, discuto práticas e modos de viver
hoje relacionados às dificuldades de nos vermos como mortais e falarmos sobre
assuntos ligados à morte. Na busca do ultrapassamento da organicidade do
corpo, discuto o prolongamento da vida, a institucionalização da morte e o uso de
tecnologias biomédicas voltadas à imortalidade e suas relações com o
autocuidado.
No quinto capítulo — Eutanásia no Brasil —, falo do moribundo, de sua
“vida” e do que ele representa. Busco frisar algumas classificações a fim de tornar
um pouco mais claros os termos utilizados para as definições hoje disponíveis
sobre as formas de morte. Trago também uma breve discussão envolvendo as
leis, o Código de Ética Médica e os posicionamentos da Igreja Católica em
relação à eutanásia.
No sexto capítulo — Questões de vida e de morte... —, abordo como se
fala de eutanásia atualmente e as polêmicas geradas em torno dessa prática
médica. Examino trechos de reportagens que trazem diálogos com médicos,
propostas de Resoluções para a legalização da ortotanásia, discussões com
advogados e os casos mais veiculados pela mídia impressa. Tais situações
suscitaram polêmicas, discussões e mobilizações públicas, em âmbitos nacional e
19
internacional, tornando visível a existência de diferentes pontos de vista,
dificuldades e problemas ligados às decisões sobre a vida, a morte e a autonomia
das pessoas em situação de morte iminente.
20
CAPÍTULO I - DOS CONHECIMENTOS DO CORPO...
Neste capítulo, por meio de um breve retorno à história, busco mostrar o
desenvolvimento do saber médico e científico a partir dos conhecimentos
extraídos do corpo humano e das formas de olhá-lo em diferentes épocas. Trago
também algumas das mudanças provocadas pelos conhecimentos produzidos
sobre o corpo para a constituição do biopoder.
OLHARES E PROCEDIMENTOS LANÇADOS PARA O CORPO:
CONSTITUINDO O SABER MÉDICO...
Na modernidade, explicações que até então se fundavam nos discursos
religiosos de modo crescente foram se integrando e, em certa medida, sendo
substituídas pelos discursos científicos. Na busca pelas explicações acerca da
vida e num processo gradativo de controle e regulamentação das populações que
se configuram nas cidades, o homem e o seu corpo tornam-se objetos de
conhecimento daquilo que constituirá as chamadas ciências do homem. Nesse
processo, os saberes anatômicos e fisiológicos voltam-se cada vez mais para o
interior do corpo humano, na procura de explicações para a vida, as quais
constituirão, posteriormente, campos de saber – médicos nos hospitais,
psiquiátricos nos asilos, anatômicos e fisiológicos nas universidades, dentre
outros – a partir dos quais os corpos serão ao mesmo tempo individualizados
como objetos de exame e vigilância e agrupados como doentes/sadios,
loucos/razoáveis.
Acontecimentos como o distanciamento do destino divino, somados a um
conjunto de fatores que transformam as sociedades ocidentais diante do novo
papel de Estado, vão cada vez mais interferir e configurar a vida das pessoas
(Tucherman, 1999). Nesse processo de objetivação dos indivíduos, produzem-se
simultaneamente saberes e procedimentos que serão investidos no corpo,
regulando-o e subjetivando-o, configurando o sujeito moderno.
Na criação e normalização da população e das sociedades ocidentais, os
saberes adquiridos e fabricados sobre o corpo humano desempenharam
relevante papel. No século XVII, os conhecimentos sobre a circulação do sangue
vão “modificar a imagem-modelo da compreensão do corpo, estabelecendo um
novo entendimento para a sua estrutura, seu estado de saúde e sua relação com
21
a alma” (Tucherman, 1999, p. 77). Desde os gregos, o coração era visto como um
importante órgão do corpo, isto é, fonte de força vital, gerador do calor vital e
lugar do espírito. Para eles, a circulação do sangue iniciava no tubo digestivo,
indo para as partes periféricas e transformando-se em carne, portanto, era uma
circulação aberta (Souza, 1996). Na descrição de William Harvey, o coração
bombeava sangue através das artérias do corpo, recebendo-o das veias (Figura
1). Tal idéia não foi aceita na época, pois significava entender a trajetória do
sangue como fechada, rever as relações entre a respiração e a pulsação
cardíaca, como também as explicações sobre a alimentação do corpo pelo
sangue e sua participação no processo de construção dos órgãos (Souza, 1996).
As investigações de Harvey sinalizaram o início da fisiologia moderna, visto que
introduziram outras compreensões e estudos sobre os movimentos que
aconteciam nos órgãos e no corpo, as relações entre a forma e a função dos
órgãos, além de um “novo método” de trabalho científico, produto da aplicação do
método mensurativo à investigação biológica (idem).
Harvey estabelece a relação do conhecimento científico com o princípio da
observação e do experimentalismo pessoal. Nesse entendimento, o Divino, ou a
presença de Deus no mundo, não explica de que modo o coração faz o sangue
circular. Entre o final do século XVII e o início do XVIII, a partir de suas
observações e dissecações, constatou-se que a alma não tinha um lugar
específico e localizável no corpo e que o sistema neurológico não precisava de
espírito para sentir, mas sim da atividade dos gânglios; assim, teve origem uma
outra compreensão sobre o corpo, contestando “a antiga noção de que a fonte de
energia era a alma” (Tucherman, 1999, p. 78).
22
Figura 1 – Demonstração de Harvey das válvulas nas veias, em seu livro sobre a
circulação do sangue, De motu cordis, 1628.
Com relação às dissecações e observações, abro um parêntese para o
estudo de Kruse, que destaca em sua tese a importância dada ao corpo como
objeto de estudo da anatomia, trazendo o exemplo de quadros e pintores,
principalmente dos séculos XVI e XVII (Kruse, 2003). Os quadros guardavam as
cenas de dissecação dos corpos para que fosse possível pensar nelas. Outro
ponto a destacar é o fato de mostrarem a aliança estabelecida entre a ciência e a
arte, que é exemplificada na Figura 2:
Figura 2 - A lição de Anatomia do Dr. Tulp.
23
A figura acima reproduz o quadro de Rembrandt, nomeado A lição de
anatomia do Dr. Tulp, que retrata a dissecação do corpo de um holandês
chamado Aris Kindt, acusado de roubar um casaco e, por isso, condenado à
morte em 1632. Depois de enforcado, seu corpo foi doado ao Dr. Tulp, que
contratou um jovem retratista, Rembrandt, para pintar a cena da necropsia (Kruse,
2003). Na tela, o médico aparece em destaque e é o único que usa chapéu, talvez
uma representação da época para realçar o seu saber. Fazendo uso do bisturi, o
médico disseca o braço do morto, em referência ao “pecado do roubo, associado
desde a Bíblia ao mau uso das mãos” (idem, p. 28).
Os quadros, nessa época, tinham uma utilidade; no caso desse quadro, o
corpo ali retratado era um objeto de estudo, dando a possibilidade de a ciência
investigar e se apropriar da vida e da morte. Essas imagens possibilitam que
pensemos o corpo de determinadas formas, relacionadas a “determinados
vínculos sociais, no entendimento que os regimes que definem as verdades sobre
o corpo, a saúde e a doença em cada época são contingentes e provisórios”
(Kruse, 2003, p. 46).
Se antes se retratava em quadros o corpo ou o esqueleto a partir de uma
percepção da sua superfície externa, hoje podemos vê-los e estudá-los de outras
maneiras. A ciência e os aparatos tecnocientíficos têm disponibilizado aparelhos
que permitem ver o interior do corpo, por meio de técnicas que aprimoraram a
visibilidade, a vigilância e o controle da saúde/doença, bem como os diagnósticos
e os tratamentos. Isso pode ser exemplificado pela reportagem intitulada
“Máquinas que vêem” (Bergamo, 2005a). Nela, uma imagem retrata a visão que
podemos ter do corpo, nos dias de hoje, a partir de técnicas de ressonância
magnética e tomografia computadorizada, que permitem que enxerguemos o
interior dos corpos numa tela de computador em tempo real e com imagens
tridimensionais (Figura 3).
24
Figura 3 - Imagens tridimensionais.
Se na época de William Harvey a descrição da circulação dava-se a partir da
dissecação, hoje fabricou-se um aparelho, chamado Vein Viewer (observador de
veias), capaz de mapear em tempo real as veias do corpo humano, mostrando até
mesmo os vasos mais finos (Bergamo, 2005a); isso marca as transformações
ocorridas nas tecnologias e conhecimentos sobre o funcionamento do corpo. O
aparelho projeta o mapa da vascularização superficial na pele do paciente em
frações de segundo. Sua finalidade é facilitar a coleta de sangue, o tratamento de
varizes e a aplicação de injeções (Figura 4). Esse é um exemplo de tecnologia
que tornou possível vasculhar e mapear o funcionamento no interior do corpo, em
tempo real, criando condições para se dispensar o uso do bisturi
para olhá-lo por
dentro.
25
Figura 4 - Mapa da vascularização superficial.
OS CONHECIMENTOS SOBRE O CORPO, AS MUDANÇAS NA SAÚDE E NA
ORGANIZAÇÃO DAS CIDADES...
Entre o final do século XVII e o início do XVIII, as idéias de Harvey
provocaram o surgimento de novos conceitos no campo da saúde pública e
mudanças urbanas, pois serviram de modelo para a formação das cidades, com a
facilitação da liberdade de trânsito das pessoas e do seu consumo de oxigênio
(idem). Uma vez que as constatações e desenvolvimento de novas teorias sobre
o corpo passaram a constituir o modelo de organização das cidades, a cidade era
planejada como “composta por artérias e veias contínuas, através das quais os
habitantes pudessem se deslocar como as hemáceas e os leucócitos num plasma
saudável” (Tucherman, 1999, p. 79).
Seguindo essa analogia, o ar era como o sangue e, por isso, deveria
percorrer o corpo, nele penetrando através da epiderme. Isso veio a conferir um
novo significado à idéia de impureza, que, mais do que uma mancha na alma,
seria a conseqüência de um desastre moral – “indicava pele suja, em função da
experiência humana social” (idem, p. 80). Nesse sentido, a saúde do corpo
passou a ser pensada por um “novo paradigma: o de uma corrente que constrói
uma nova imagem de saúde individualmente corporal, mudando as relações entre
26
o corpo e o ambiente humano” (Tucherman, 1999, p. 80). Desse modo, a saúde
passa a ser pensada em relação ao ambiente e também como responsabilidade
individual, não mais apenas como uma dádiva de Deus. A cidade passa a ser
organizada em função da limpeza (drenagem de buracos cheios de urina e fezes
para esgotos subterrâneos), as pessoas adquirem novos hábitos de vestir (evitar
transpiração) e de higiene (banho); conseqüentemente, criam-se “novas leis de
saúde pública dividindo entre os cidadãos e o governo a responsabilidade pela
nova imagem de limpeza e saúde” (Tucherman, 1999, p. 81).
Será por intermédio do desenvolvimento das estruturas urbanas que se
desenvolverá na França a medicina social (Foucault, 2002b). As cidades
francesas, no final do século XVIII, eram “multiplicidades emaranhadas de
territórios heterogêneos e poderes rivais” (idem, p. 85). O autor traz o exemplo de
Paris, que não formava uma unidade territorial onde se exercia um único poder,
mas tinha um “conjunto de poderes senhoriais detidos por leigos, pela igreja, por
comunidades religiosas e corporações, poderes estes com autonomia e jurisdição
próprias” (idem, ibidem). Além desses, ainda existiam os representantes dos
poderes estatais – representantes do rei, o intendente da polícia, os
representantes dos poderes parlamentares.
Foi na segunda metade do século XVIII que iniciou, pelo menos nas
grandes cidades, a constituição da cidade como unidade, com a organização do
corpo urbano de modo coerente e homogêneo e dependendo de um poder único
e bem regulamentado (Foucault, 2002b). Essas mudanças se deram por razões
econômicas, para unificar as relações comerciais e a produção das indústrias em
desenvolvimento. A política também foi uma das razões, pois o aparecimento de
uma população operária pobre (plebe) circulando junto à população rica
(burguesa) estabeleceu confrontos frente às desigualdades econômicas que
passaram a se dar no interior das cidades, “daí a necessidade de um poder
político capaz de esquadrinhar esta população urbana” (idem, p. 86).
É nesse contexto que “aparece e se desenvolve uma atividade de medo,
de angústia diante da cidade” (idem, p. 87). O medo urbano, como Foucault
denominou a angústia e o medo da cidade, vai se caracterizar por pequenos
pânicos, como, por exemplo, a construção de oficinas e fábricas, amontoamento
da população, casas altas demais, aumento populacional, epidemias urbanas,
27
cemitérios que se tornam cada vez mais numerosos e invadem pouco a pouco a
cidade, esgotos, caves sobre as quais são construídas as casas, que corriam
perigo de desmoronamento (Foucault, 2002b). Esse medo ou “pânico urbano é
característico deste cuidado, desta inquietude político-sanitária que se forma à
medida que se desenvolve o tecido urbano” (idem, p. 87). Para dominar esses
fenômenos, medidas político-médicas foram tomadas, como a intervenção da
quarentena, em um plano de urgência aplicado contra a peste e doenças de
causas epidemiológicas. O plano da quarentena
1
“foi um sonho político-médico da
boa organização sanitária das cidades, no século XVIII” (idem, p. 88).
ORGANIZAÇÕES MÉDICAS E SANITÁRIAS...
Houve dois grandes modelos de organização médica na história ocidental:
um suscitado pela lepra e outro, pela peste. O esquema médico de reação à lepra
consistia “de exclusão, de exílio, de forma religiosa, de purificação da cidade, de
bode expiatório” (Foucault, 2002b, p. 89). O leproso, “logo que descoberto, era
expulso do espaço comum, posto fora dos muros da cidade, exilado em um lugar
confuso onde ia misturar sua lepra a dos outros” (idem, p. 88). A medicalização de
uma pessoa consistia em mandá-la para fora da cidade, para purificar o espaço
urbano; assim, estava-se também purificando os outros, ou seja, tratava-se de
uma medicina de exclusão.
Já o esquema de reação à peste não tinha por princípio a exclusão, mas o
“internamento; não mais o agrupamento no exterior da cidade, mas, ao contrário,
a análise minuciosa da cidade, a análise individualizante, o registro permanente;
não mais um modelo religioso, mas militar(idem, p. 89). É a revista militar dos
vivos e dos mortos, e não a purificação religiosa, que serve de modelo para essa
organização político-médica. Conforme Foucault, a higiene pública “é uma
variação sofisticada do tema da quarentena e é daí que provém a grande
1
A quarentena tinha um sistema de vigilância e de registro em que as pessoas deviam
permanecer em suas casas. A cidade devia ser dividida em bairros; desse modo, a vigilância
esquadrinhava o espaço urbano. Os inspetores que percorriam as ruas tinham por função
fiscalizar a presença das pessoas em suas casas. Eles emitiam um relatório ao prefeito da cidade,
informando tudo o que observavam. Os inspetores passavam e pediam que as pessoas se
apresentassem em determinada janela; se uma pessoa não aparecia, era porque estava doente,
contaminada pela peste. Tratava-se de uma exaustiva revista dos vivos e dos mortos, acrescida
da desinfecção das casas pela queima de perfumes (Foucault, 2002b).
28
medicina urbana que aparece na segunda metade do século XVIII e se
desenvolve, sobretudo, na França” (Foucault, 2002b, p. 89).
A medicalização da cidade, por meio da medicina social urbana no século
XVIII, colocou também a prática médica diretamente em contato com ciências que
não eram médicas, fundamentalmente, a química. Foi com a análise do ar, da
corrente de ar, das condições de vida e de respiração e com o controle do ar
urbano que a medicina e a química entraram em contato (idem). E foi a partir de
sua socialização, no estabelecimento de uma “medicina coletiva, social, urbana”
(Foucault, 2002b, p. 92), e não por sua forma privada, que a medicina passou a
ser científica. A medicina urbana foi “uma medicina das coisas: ar, água,
decomposições, fermentos; uma medicina das condições de vida e do meio de
existência” (idem, ibidem). Por meio dela, estabeleceu-se a relação entre
organismo e meio “simultaneamente na ordem das ciências naturais e da
medicina” (idem, p. 93).
A constituição de um saber médico com caráter científico deu-se pela
transformação da medicina, que “passou da análise do meio à dos efeitos do meio
sobre o organismo e finalmente à análise do próprio organismo” (Foucault, 2002b,
p. 93). Nesse sentido, a noção de higiene pública, como “técnica de controle e de
modificação dos elementos materiais do meio que são suscetíveis de favorecer
ou, ao contrário, prejudicar a saúde” (idem, ibidem), está correlacionada à noção
de salubridade. Salubridade, não como sinônimo de saúde, mas como “a base
material e social capaz de assegurar a melhor saúde possível dos indivíduos”,
assim como o estado das coisas e do meio enquanto relacionados à saúde, à
higiene pública (Foucault, 2002b, p. 93). Conforme Foucault, “grande parte da
medicina científica do século XIX tem origem na experiência desta medicina
urbana que se desenvolve no final do século XVIII” (idem, ibidem).
Nesse século, os pobres não eram considerados fonte de perigo, pois o
pobre “funcionava no interior da cidade como uma condição da existência urbana”
(Foucault, 2002b, p. 94). Eles eram bastante úteis e exerciam funções
fundamentais, como, por exemplo, entregavam cartas (as casas não eram
numeradas, e só os pobres detinham conhecimento tão minucioso da cidade),
despejavam o lixo, eliminavam dejetos, transportavam água, apanhavam móveis
29
velhos e trapos, retirando-os da cidade, redistribuindo-os, vendendo-os, etc.
(idem).
Somente em meados (segundo terço) do século XIX, o pobre passou a
representar perigo, pois, durante a Revolução Francesa e as grandes agitações
sociais do começo do século na Inglaterra, “a população pobre tornou-se uma
força política capaz de participar de revoltas” (Foucault, 2002b, p. 94). Com o
estabelecimento do sistema postal e de carregadores, produziram-se “revoltas
populares contra esses sistemas que retiravam dos mais pobres o pão e a
possibilidade de viver” (idem, ibidem). Segundo Foucault, “a coabitação em um
mesmo tecido urbano de pobres e ricos foi considerada um perigo sanitário e
político para a cidade”, ocasionando a organização e separação dos bairros e de
habitações ricas e pobres, o que acabou atingindo o direito de propriedade e de
habitação privadas (Foucault, 2002b, p. 94-95). Com a constituição do pobre
como um perigo médico, aparece no século XIX, sobretudo, na Inglaterra, “uma
medicina que é essencialmente um controle da saúde e do corpo das classes
mais pobres para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes
ricas” (idem, p. 97).
A medicina social inglesa foi a que teve futuro, diferentemente da medicina
urbana francesa, que “era um projeto geral de controle sem instrumento preciso
de poder” (idem, ibidem). Essa medicina ligava três pontos: a assistência ao
pobre, o controle de saúde da força de trabalho e o esquadrinhamento geral da
saúde pública. Ela permitia, assim, a realização de três sistemas médicos que se
sobrepunham e coexistiam – “uma medicina assistencial destinada aos pobres,
uma medicina administrativa encarregada de problemas gerais como a vacinação,
as epidemias, etc., e uma medicina privada” que beneficiava quem podia pagá-la
(Foucault, 2002b, p. 97). O sistema inglês proporcionava a organização de
diferentes formas e faces de poder (medicina assistencial, administrativa e
privada). Tal delimitação dos setores possibilitou, “durante o final do século XIX e
primeira metade do século XX, a existência de um esquadrinhamento médico
bastante completo”, que se mantém até a atualidade (idem, p. 97-98).
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TÉCNICAS MÉDICAS DIRECIONADAS AO CORPO E À VIDA DA
POPULAÇÃO...
Em meados do século XIX, foram inventados diversos aparelhos e técnicas
com a finalidade de diagnosticar e tratar as doenças, iniciando-se também o uso
de substâncias, como o éter, para diminuir a dor durante o procedimento cirúrgico
(Figura 5).
Figura 5 - A Primeira Demonstração Pública de Anestesia - realizada por William
Thomas Green Morton, 1846.
O microscópio foi uma das ferramentas mais inovadoras dessa época, pois
possibilitou o conhecimento dos microorganismos e dos meios de sua proliferação
a partir dos estudos de Pasteur, o que proporcionou o desenvolvimento da
microbiologia e da imunologia. Os conhecimentos de Pasteur modificaram as
práticas médicas, adicionando aos procedimentos, como, por exemplo, o de
cirurgia, a preocupação em eliminar os microorganismos. A preocupação com a
contaminação gerou a adoção de práticas como a fervura dos instrumentos e das
bandagens que seriam utilizados pelos médicos.
Essas mudanças na constituição dos saberes levaram à concepção de
verdade como restrita aos conhecimentos passíveis de verificação empírica, o
que produziu uma fragmentação nos saberes sobre o corpo, uma vez que estes
passaram a ser estruturados a partir dos órgãos doentes (Kruse, 2003). Essas
31
novas abordagens e técnicas converteram os médicos nos detentores do saber
científico, ou experts; por outro lado, aqueles que desenvolviam outras práticas
médicas eram considerados bruxos e charlatões. Outras práticas relacionadas à
saúde, desqualificadas pela medicina tradicional, apesar de terem sofrido muitas
mudanças, permanecem até a atualidade, quando nos referimos à medicina
alternativa e aos saberes ditos populares.
Nos dias de hoje, os discursos científicos fazem-se presentes na busca por
explicações “verdadeiras” sobre as práticas dirigidas ao nosso corpo, por meio da
voz dos especialistas. Conforme o caso a que se destinam, são chamados
diferentes experts, entre eles, os médicos, os advogados, os psicólogos, os
religiosos, etc., que ocupam lugares legitimados pela sociedade. Os especialistas,
ao utilizarem um saber científico para explicar e categorizar determinada situação,
tornam-se porta-vozes das verdades legitimadas pela ciência, vistas como
fundadas num saber “neutro”, “racional” e “verdadeiro”.
Ao retomar as estratégias direcionadas ao corpo, é possível ver que, desde
o final do século XVIII, o corpo já era alvo
de uma biopolítica da espécie: o corpo não individual, mas da
espécie humana, preocupado com a sobrevivência, com o
prolongamento da vida, com a proteção da higiene pública e com
uma incipiente preocupação com a preservação do meio ambiente
(TUCHERMAN, 1999, p. 92).
O corpo e, nele, a saúde, a doença e a morte passaram a ser
responsabilidade e propriedade tanto dos mecanismos estatais/científicos quanto
do sujeito. O sujeito moderno, ao mesmo tempo em que se torna objeto dos
representantes dos campos de saber/poder, cujas verdades incidem em seu
corpo, passa a ser visto como auto-suficiente, racional e capaz de livre arbítrio;
assim, segundo Foucault, “o homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do seu
próprio conhecimento” (idem, p. 84). Nesse sentido, as biopolíticas atuaram como
estratégias direcionadas à regulamentação da vida das pessoas, estando
vinculadas ao biopoder. Esse poder articulou dois pólos, que diziam respeito à
espécie humana e ao corpo no sentido de objetos a serem manipulados (Dreyfus;
Rabinow, 1995). O primeiro pólo centrou-se no adestramento do corpo, assim
como na
32
ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no
crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua
integração em sistemas de controle eficazes e econômicos – tudo
isso assegurado por procedimentos de poder que caracterizam as
disciplinas: anátomo-política do corpo humano (FOUCAULT,
2001, p. 131).
Essa forma de poder exercida sobre os corpos Foucault chamou de poder
disciplinar, cujo principal objetivo era produzir “um ser humano como um ‘corpo
dócil’” e também produtivo (Dreyfus; Rabinow, 1995, p. 149). A disciplina,
segundo Fonseca (2000), é capaz de normalizar, pois analisa, decompõe os
indivíduos, os lugares, o tempo. Ela “classifica os termos, estabelece seqüências
e ordenações entre eles, fixa procedimentos de adestramento e de controle e, a
partir daí, estabelece uma separação entre o ‘normal’ e o ‘anormal’” (idem, p.
227). Fonseca diz ainda que a norma,
recobrindo a superfície que vai do orgânico (corpo) ao biológico
(espécie), recupera em seus procedimentos mecanismos mais
gerais de intervenção e de poder, como aqueles das medidas de
administração empreendidas pelo Estado (FONSECA, 2000, p.
226).
Nesse sentido, a norma disciplinar consiste em tentar definir as pessoas,
seus gestos e atos por um modelo que é deduzido do normal (idem).
Retomando a explicação que Foucault traz sobre o biopoder, o segundo
pólo a que o autor se refere centrou-se no corpo-espécie, ou seja, nos fenômenos
da espécie humana, entendendo o corpo como ser vivo e suporte dos processos
biológicos da população, como os nascimentos, a mortalidade,
o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as
condições que podem fazê-los variar; tais processos são
assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles
reguladores: uma bio-política da população (FOUCAULT 2001, p.
131).
A partir do século XIX, esses dois pólos passam a articular-se,
configurando um conjunto de tecnologias direcionadas à vida com base nas
disciplinas do corpo e nas regulações da população, que normalizam o coletivo e
extraem dele a sua máxima utilidade. Em outras palavras, a união dessas duas
formas de poder caracteriza o biopoder e a nossa situação atual (Dreyfus;
33
Rabinow, 1995). O poder de Estado passa a ter uma forma que é ao mesmo
tempo individualizante e totalizadora.
Essa astuciosa combinação das técnicas de individualização e dos
processos de totalização teve origem numa antiga tecnologia de poder, originada
nas instituições cristãs, o poder pastoral (idem). O poder propagado pelo
cristianismo tem como características: 1) o pastor exerce o poder sobre um
rebanho, e não sobre uma terra, com o objetivo final de assegurar a salvação
individual no outro mundo; 2) o pastor reúne, guia e conduz o seu rebanho (basta
que o pastor desapareça para que o seu rebanho se disperse); 3) o papel do
pastor é garantir a salvação de seu rebanho, cuidando de cada indivíduo, dia
após dia, durante toda a sua vida; 4) a relação do pastor para com o seu rebanho
é de devotamento; tudo o que ele faz está voltado para o bem de seu grupo, e,
por esse bem, o pastor é capaz de se sacrificar, diferentemente do poder real,
que exige o sacrifício dos súditos para salvar o trono (Foucault, 1979 apud
Ferreira, 2005; Dreyfus; Rabinow, 1995).
A CONSTITUIÇÃO DA MEDICINA COMO UM SABER CIENTÍFICO...
Na constituição do Estado moderno, ocorre uma transformação nos
objetivos do poder pastoral, criando-se uma série de objetivos “mundanos”
(Dreyfus; Rabinow, 1995). O objetivo do pastor não é mais a salvação no outro
mundo, mas assegurá-la neste mundo por meio das ações de outros
representantes do poder do Estado – o médico, a família, a polícia, o
professorado, etc. A salvação passa a significar saúde, bem-estar, segurança,
proteção contra acidentes. O poder pastoral, modificado e difundido no corpo
social, foi ampliado ao ser exercido pelo poder do Estado e da polícia. Esta última
foi inventada no século XVIII não só para assegurar a lei e a ordem, como
também para garantir a higiene, a saúde, os padrões urbanos, a manutenção e o
crescimento das riquezas (idem; Foucault, 2002b).
Em analogia com o antigo poder, em que o papel do pastor era garantir a
salvação de seu rebanho, cuidando de cada indivíduo dia após dia, a salvação
configura-se no desenvolvimento de saberes sobre o homem e na incidência de
estratégias direcionadas à população e ao indivíduo e exercidas por diferentes
estruturas, como a medicina, a família, a psiquiatria, a educação e os
34
empregadores. Esses poderes individualizados acabaram encontrando apoio em
diversas instituições, o que possibilitou sua ampliação por todo o corpo social
(Dreyfus; Rabinow, 1995). A relação do pastor para com o seu rebanho é de
devotamento; logo, tudo o que ele faz está voltado para o bem de seu grupo, ou
seja, para o bem da população (Foucault, 1979 apud Ferreira, 2005; Dreyfus;
Rabinow, 1995). Nesse entendimento, a instituição é ao mesmo tempo capaz de
gerar saberes e de ser o local de “acontecimentos acessíveis ao controle e à
aplicação dos novos saberes e, principalmente, de preparar as massas a viverem
num Estado governamentalizado” (Veiga-Neto, 2000, p. 190).
A combinação do dispositivo pastor-rebanho com o da cidade-cidadão
“dará ensejo aos Estados Modernos, em seu poder, ao mesmo tempo
coletivizante e individualizante” (Ferreira, 2005, p. 60). Nesse sentido, “podemos
considerar o Estado como a matriz moderna da individualização ou uma nova
forma de poder pastoral” (Dreyfus; Rabinow, 1995, p. 237) e a modernidade como
resultado da combinação e do deslocamento das práticas pastorais – em que o
indivíduo é pastor e ovelha de si mesmo – e o advento da Razão de Estado, ou
seja, uma razão do coletivo (Veiga-Neto, 2000). Foi a partir dessa ruptura do
saber existente que a razão moderna constituiu saberes sobre o corpo, a saúde e
a doença como objeto da medicina, os quais a marcaram como saber científico.
Nessa perspectiva, o médico, como um bom e dedicado pastor, muitas
vezes visto como o representante de Deus neste mundo, obstinadamente
encontrou-se (encontra-se) na busca de novos saberes e do desenvolvimento de
pesquisas científicas cujos resultados sejam mais eficazes e satisfatórios na
direção da “salvação” neste mundo, por meio da cura ou do prolongamento da
vida. Essa busca acaba, muitas vezes, entrando em confronto com outros direitos,
como, por exemplo, a possibilidade de a pessoa decidir sobre as ações em torno
do seu próprio corpo, da sua vida e da sua morte.
A realizar esse breve retorno à história, minha intenção foi procurar pensar
sobre como lidamos com o corpo e a vida/morte no presente, sem ter a pretensão
de empreender um trabalho ou uma abordagem de historiador. Ao falar dos
estudos que empreendeu para pensar sobre como nos tornamos o que estamos
sendo hoje, Foucault vai nos dizer que não buscou
35
(...) fazer um trabalho de historiador, mas descobrir por que e
como se estabelecem relações entre os acontecimentos
discursivos. Se faço isso, é com o objetivo de saber o que somos
hoje. (...) Em um certo sentido, não somos nada além do que
aquilo que foi dito, há séculos, meses, semanas... (FOUCAULT,
2003a, p. 258).
Assim, considero que entender os processos implicados na formação dos
saberes ditos científicos, que configuram determinadas formas de olhar, ensinar e
aprender sobre o corpo, e os efeitos das práticas pedagogizantes presentes em
nossa sociedade possa atuar como um importante movimento no sentido de
conhecer e pensar a constituição da medicina nos moldes contemporâneos. Para
Foucault, a importância não está em buscar as transformações de um objeto ao
longo de um período em uma determinada cultura, mas tornar problemático e,
assim, histórico tudo o que é visto e tido como “objeto natural” (Kruse, 2003).
Dessa maneira, ao trazer algumas formas como a medicina viu, descreveu,
determinou e estudou o corpo ao longo dos tempos, tenho como propósito
entender a medicina à que hoje temos acesso e que vem sendo promulgada em
reportagens da mídia. Talvez esse percurso possa gerar outras formas de
pensarmos determinadas práticas médicas, especialmente aquelas direcionadas
ao prolongamento da vida a qualquer “custo”.
36
CAPÍTULO II – MODOS DE MORRER E LUGARES DA MORTE...
Neste capítulo, parto das mudanças sociais e culturais ocorridas ao longo
do tempo para contar um pouco da história da morte e da configuração dos
processos de finitude.
LOCAL DE MORRER: FALANDO DE “ONTEM” PARA BUSCAR ENTENDER
HOJE...
Hoje, diferentemente de outras épocas, quando falamos na morte das
pessoas, geralmente não pensamos em um entretenimento, como, por exemplo,
assistir a gladiadores na arena, “a enforcamentos, esquartejamentos e suplícios
na roda”, momentos em que “nenhum sentimento de identidade unia esses
espectadores àqueles que, na arena, lutavam por suas vidas” (Elias, 2001, p. 8-
9). Esses acontecimentos, comparados aos que hoje vivemos, nos possibilitam
perceber o quanto nossa identificação com outras pessoas e nossos sentimentos
de compartilhar sofrimentos aumentaram diante da morte.
A resolução de problemas relacionados à morte implica a ajuda de pessoas
necessitadas que só podem esperar auxílio de outras. Se, em outras épocas, não
era tão problemática a noção da espécie humana ou de alguns indivíduos como
uma comunidade de mortais, hoje temos dificuldade de nos reconhecermos como
tais, o que nos leva a não nos identificarmos com os moribundos e dificulta a
resolução dos problemas sociais da morte. Parece contraditório, mas, apesar de
nos identificarmos com o sofrimento diante da morte, não conseguimos nos
mobilizar na ajuda a doentes terminais, por exemplo, pois nos vemos diante de
conflitos e sentimentos gerados pela iminência da morte do outro, que relutamos
em reconhecer como parte dos processos associados às nossas vidas. Nesse
sentido, a morte é hoje um dos grandes perigos biossociais na vida humana, pois,
tanto como processo quanto como imagem mnemônica, é empurrada mais e mais
para os bastidores da vida social – “para os próprios moribundos, isso significa
que eles também são empurrados para os bastidores, são isolados” (Elias, 2001,
p. 19).
Nos dias de hoje, quando falamos da morte, esta nos traz a idéia do seu
acontecimento em uma instituição hospitalar, sob os cuidados e aplicação de
37
aprimoradas técnicas médicas e científicas. No entanto, temos conhecimento das
dificuldades da rotina em hospitais públicos, onde, na maioria das vezes, há mais
pessoas do que leitos, o que faz do nosso modelo atual de morte algo tão
dramático e quase tão visível quanto as mortes nas arenas. Segundo Ariès
(2003), vamos ao hospital para morrer, pois quando os médicos não conseguem
mais curar, não vamos ao hospital em busca de cura, mas de um lugar para
morrer.
Grande parte da população que procura o hospital no sentido da cura
muitas vezes encontra somente um lugar para morrer, algo que se assemelha,
talvez, com os asilos que existiram até o século XVIII. Na época anterior ao
século XVIII, o hospital era uma instituição tanto de assistência ao pobre, que
estava morrendo e precisava de assistência espiritual e de cuidados materiais
ministrados por pessoal religioso ou leigo, quanto de separação dos indivíduos
que colocavam em risco a saúde da população (Foucault, 2002b).
O aumento da expectativa de vida é um dos efeitos do poder médico, que
modificou o modo de se ver, por exemplo, um homem de 40 anos, que no século
XIII era tido quase como um velho e no século XX é considerado quase jovem
(Elias, 2001). Passamos a ter uma vida mais longa, adiamos a morte, e seu
espetáculo deixa de ser corriqueiro. Assim, com mais facilidade nos esquecemos
da morte e também de que ela faz parte do curso normal da vida (idem).
Transformações sociais e culturais, ao longo de várias décadas,
concorreram para a configuração da morte. No entanto, segundo Ariès, tais
mudanças foram “extremamente lentas por sua própria natureza ou se situam
entre longos períodos de imobilidade” (Ariès, 2003, p. 20). Esses acontecimentos
configuraram o modelo de morte presente nos dias de hoje, ou seja, uma morte
institucionalizada pelas técnicas médicas em hospitais.
No período que vai do século V até o fim do século XVIII, a morte era
esperada pelo moribundo. De acordo com Ariès (2003, p. 27), “não se morre sem
se ter tido tempo de saber que se vai morrer”. O aviso era dado por signos
naturais ou, ainda, por convicção íntima, acontecimentos que se mantiveram até
os nossos dias por meio do imaginário popular em histórias, contos e causos
(Ariès, 2003; Kovács, 2003a).
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Essa morte que se anuncia não poderia ser repentina, nem inesperada, ou
seria considerada uma morte terrível, pois deixaria de ser anunciada; isso porque,
num mundo familiarizado com a morte, a sua repentinidade a tornava infame,
monstruosa e vergonhosa como a peste ou a morte súbita, que deveriam ser
apresentadas como excepcionais, não sendo nem mesmo mencionadas; afinal,
eram uma maldição (Ariès, 2003, Kovács, 2003a). Mortes desonrosas eram
também as mortes tidas como clandestinas – que não tinham testemunhas ou
cerimônias – e as causadas por assassinatos ou acidentes; nestes dois últimos
casos, proibia-se a sepultura cristã, já que não havia tido tempo para o
arrependimento (Kovács, 2003a).
A clássica cena da morte era representada pelo moribundo reunindo os
familiares em torno do leito para as suas últimas recomendações e despedidas. O
moribundo tinha que cumprir os últimos atos do cerimonial tradicional. O primeiro
era referente ao lamento da vida, uma recordação triste, mas muito discreta,
direcionada aos seres e às coisas amadas (Ariès, 2003). Após o lamento
nostálgico da vida, vem o segundo ato, que corresponde ao perdão dos
companheiros, dos assistentes, sempre numerosos, que rodeavam o leito do
moribundo, a prece; por fim, havia o último ato, a absolvição sacramental. Esta
era dada pelo padre, que lia os salmos; a extrema-unção era reservada aos
clérigos e dada solenemente aos monges na igreja (idem). Após a última prece,
ao moribundo restava apenas a espera pela morte. Caso ela demorasse a chegar,
o moribundo deveria esperá-la em silêncio (idem).
Podemos perceber que a morte fazia parte da vida das pessoas. Todos
admitiam a morte. Quando a pessoa percebia que iria morrer, a morte era
esperada no leito de sua casa
2
. O enfermo não a retardava, preparando-se
calmamente para esse momento e, antecipadamente, designando quem ficaria
com seus bens materiais. A morte era uma cerimônia pública e organizada pelo
próprio moribundo. O quarto do moribundo tornava-se um lugar público, onde se
2
Elias (2001) critica essa descrição da morte, em que não se morre sozinho, mas rodeado por
amigos e familiares. O autor refere que, nesse período, a morte era violenta, ocasionada pelas
guerras, ou se dava na infância, por causas diversas, entre elas as epidemias, a desnutrição, as
infecções e a falta de medicamentos, o que tornava as mortes muito dolorosas. Nesse sentido, ele
se opõe à visão de Ariès (2003). Ao trazer esses dois pontos de vista, não pretendo, tal como
Áries, idealizar a morte, mas me utilizei de sua descrição para mostrar cenas que também existiam
naquela época, com a intenção de apontar as diferentes atitudes perante a morte no decorrer do
tempo, nas diferentes sociedades e culturas.
39
entrava livremente – “os médicos do fim do século XVIII, que descobriram as
primeiras regras de higiene, queixavam-se do excesso de pessoas no quarto dos
agonizantes”, dentre as quais, se incluíam as crianças (Ariès, 2003, p. 34). O fato
de ser um evento público era relacionado ao medo que se tinha de morrer só, que
era o maior temor (Kovács, 2003a). Outro ponto a destacar era a simplicidade
com que todo esse cerimonial era cumprido, dispensando gestos de emoção
excessivos e dramáticos (Ariès, 2003). Mesmo os grandes guerreiros que
praticavam atos heróicos apresentavam simplicidade na hora da morte. A essa
morte próxima e familiarizada, Ariès chamou de “morte domada”, não por ela ter
sido selvagem, mas por assim ter-se tornado (idem, p. 36).
Dessa maneira se morreu durante séculos, mas, como vivemos num
mundo sujeito a mudanças, hoje essa morte próxima e familiarizada passou a ser
muito diferente da que conhecemos. A morte passou a ser um “evento solitário,
principalmente quando ocorre em um hospital, dentro de uma UTI” (Kovács,
2003a, p. 30). Hoje passamos a nos preocupar em afastar as crianças dos
moribundos e das coisas relacionadas à morte. A morte passou a amedrontar “a
ponto de não mais ousarmos dizer seu nome” (Ariès, 2003, p. 36).
A partir do século XVIII, o homem das sociedades ocidentais tende a dar
à morte um sentido novo, passando a exaltá-la e dramatizá-la, mas a
complacência com a idéia da morte vai ser a grande mudança que surge no final
desse século.
Do século XVI ao XVIII, cenas ou motivos inumeráveis, na arte e
na literatura, associam a morte ao amor, Tanatos a Eros – temas
erótico-macabros ou temas simplesmente mórbidos, que
testemunham uma extrema complacência para com os
espetáculos da morte, do sofrimento, dos suplícios (ARIÈS, 2003,
p. 65).
Porém, no século XIX, houve uma nova postura diante da morte,
afastando-a da idéia de assistir-lhe como a uma solenidade banal, como era
considerada. As pessoas, diante da morte, passam a expressar a dor, e essa
manifestação é devida a um sentimento novo que surge – a intolerância com a
separação.
40
UMA OUTRA ABORDAGEM SOBRE A MORTE...
Para exemplificar a morte desse tempo, trago alguns trechos do livro A
Morte de Ivan Ilitch
3
. Esse livro narra a morte de um burguês russo “obcecado por
idéias de conveniência, de respeitabilidade, de situação social; um alto funcionário
exatamente ‘como manda o figurino’” (Ariès, 2003, p. 282).
No primeiro capítulo do livro, Tolstói descreve o velório de Ivan Ilitch, que
se dá no ano de 1882, e de todos os deveres que o morto obriga aos vivos, como:
falar baixo, chorar, fazer sinal da cruz, pisar leve, andar lentamente, ter um olhar
entristecido, usar roupas escuras, presenciar o serviço religioso, o velamento do
corpo e o funeral...
Ao saber da morte de Ivan Ilitch, seus melhores amigos (os mais
chegados) sentem-se obrigados a comparecer ao velório, mas não por vontade
própria, e sim pelo dever dos ritos que a morte institui como norma. Os colegas de
trabalho pensam nas promoções e nomeações que resultariam daquele
falecimento e sentem-se alegres por ser a morte do outro, e não a sua, o que os
certifica de que estão vivos. É interessante essa observação do dever moral que
as pessoas próximas estabelecem com a família do morto, pois esse dever é
constituído por normas que não estão escritas em lugar nenhum, exceto nas
práticas cotidianas, que são variantes culturais. Assim, a moral estabelece regras
que garantem uma identidade entre as pessoas, ou seja, ela está contida nos
códigos, que tendem a regulamentar o agir das pessoas, prevendo as ações
humanas (Goldim, 2003).
A partir do segundo capítulo, Tolstói vai descrever momentos da vida de
Ivan Ilitch, de sua luta e conquista de bens e de prestígio, a compra de sua casa e
a escolha minuciosa da mobília e objetos que compõem uma bela residência
burguesa. Nesse momento, acontece o acidente, quando Ivan Ilitch, mostrando ao
tapeceiro como queria que as cortinas fossem colocadas, pisou em falso, caiu da
escada e bateu o lado do corpo no ferrolho da janela.
Desse momento em diante, a sensação de mal-estar aumenta, e o
temperamento de Ilitch se altera. O mau humor passa a ser constante, e a vida já
3
“A Morte de Ivan Ilitch”, Leon Tolstói. São Paulo: Martin Claret, 2005.
41
não lhe parece mais a mesma. Sua mulher já não estava tolerando sua presença
e exigiu que procurasse um médico “famoso”.
Até meados do século XVIII, a medicina era profundamente individualista,
uma vez que a formação médica estava centrada no conhecimento de textos e na
transmissão de receitas, sendo que a experiência no hospital não fazia parte
dessa formação. A cura desenvolvia-se numa relação individual entre médico e
doente, assim como na luta do médico como aliado da natureza e contra a
doença. Foi a partir da introdução de mecanismos disciplinares no espaço
confuso do hospital que ocorreu a medicalização, produzindo-se um saber médico
e transformando-se o hospital num espaço de cura (Foucault, 2002b).
Durante a consulta, Ilitch se sentiu como se estivesse em um tribunal, só
que agora o juiz era o médico. Tudo o que ele queria saber era se haveria perigo
de morte ou não. As dores não desapareciam, ficavam mais fortes e constantes;
mesmo sabendo que estava piorando, consultava diferentes médicos, fazia
diferentes tratamentos em busca da melhora, mas a dor e o gosto ruim que sentia
na boca só aumentavam, enquanto seu apetite desaparecia. As pessoas de sua
família se irritavam e o condenavam por vê-lo tão exigente e triste, como se fosse
culpa sua. No tribunal, seus amigos zombavam, dizendo que em breve deixaria o
posto. Nem mesmo o jogo de cartas, coisa que mais gostava de fazer, lhe dava
prazer. Passava grande parte da noite sem dormir, com dores fortes e assim
“vivia”, sentindo-se
(...) à beira do abismo, inteiramente só, sem ente que o compreendesse e o
lastimasse
4
.
O medo da morte é sempre forte e coloca os sentimentos de desespero e
de tormento acima de quaisquer outros. Mesmo sabendo que estava morrendo,
era incapaz de compreender essa idéia, pois não se considerava um simples
mortal, o que Ivan Ilitch traz no exemplo de silogismo
5
que aprendera em um
manual,
(...) os homens são mortais, logo Caio é mortal (...) parecia exato em se tratasse
de Caio, mas não da sua própria pessoa. Caio era homem em geral e devia morrer. Ele,
4
Tolstói, 2005, p. 48
5
Raciocínio dedutivo, em que a partir de duas premissas tem-se a conclusão, ou seja, é o
resultado das relações que as proposições estabelecem entre si.
42
porém, não era Caio; não era um homem em geral; era um homem à parte, inteiramente
à parte dos outros seres
6
.
(...) Caio é de fato mortal, e é justo que morra. Mas eu (...), Ivan Ilitch, com todas
as minhas idéias, com todos os meus sentimentos – isso é coisa totalmente diversa. E é
impossível que eu tenha que morrer. Seria por demais horrível. (...) Eu e meus amigos
compreendemos perfeitamente que somos muito diferentes de Caio. E eis que agora...
(...) Como compreender isto?
7
.
A morte iminente não se ocultava mais, estava presente, e o abismo que
separava Ivan Ilitch de Caio tinha desaparecido, mostrando que a morte é um
grande nivelador. E ela vem com “desculpas” que sempre são consideradas
“estúpidas”, como a queda de Ivan Ilitch, cuja conseqüência estava tirando-lhe a
vida.
Provavelmente, na proximidade de nossa morte, nós também olharemos
para Caio e Ivan Ilitch como seres ilógicos e distantes da nossa realidade, como
seres que morreram, mas com quem é impossível nos identificarmos, e, por isso,
sempre lutamos obstinadamente até o fim. Luis Fernando Veríssimo diz,
ironicamente:
Sei que você não gosta do assunto,
isso de virar defunto ou, mais apropriadamente,
presunto.
Mas ninguém escapa da sina
de ter muita proteína
e morrer, assim, al punto.
A biologia, meu caro, não erra:
estamos todos na cadeia alimentícia
da terra.
Voltando à história de Ivan Ilitch, sua principal angústia era
(...) aquela mentira aceita por todos, não sabia por que, de que ele estava apenas
doente e não moribundo e que bastava que se mantivesse calmo e se tratasse, para que
tudo se resolvesse. E, no entanto, sabia perfeitamente que, por mais que fizessem, tudo
redundaria apenas em sofrimentos ainda mais terríveis e na morte. E essa mentira o
atormentava. Sentiu-se muitas vezes a pique de gritar-lhes enquanto forjavam à sua volta
suas mesquinhas invencionices: basta de mentiras! Vocês sabem e eu próprio sei que
estou morrendo! Parem, pois, de mentir! Nunca, porém, teve coragem de agir assim
8
.
Nesse momento não se fala da morte, da cura e da expectativa de vida,
mas “todos inclusive o próprio doente, fingem otimismo” (Ariès, 2003, p. 283). As
atitudes diante da doença grave ou da morte fazem com que haja uma ruptura
das comunicações, iniciando-se o isolamento (idem). Pouco a pouco, são
6
Tolstói, 2005, p. 54
7
Idem, p. 55
8
Idem, p. 60.
43
retiradas do doente as capacidades de observação, reflexão, decisão,
responsabilidades... E ele passa a ser tratado como alguém capaz de esquecer,
até mesmo de tomar os remédios. Vão se depositando limites naquele corpo, e os
saberes passam a ser de domínio do médico.
Ivan Ilitch só precisava que tentassem entender a situação em que se
encontrava e que o cuidassem, sentissem pena, lastimassem seu estado. Ele
queria atenção, carinho e acolhimento, e não distanciamento diante de tal
vulnerabilidade e ilusões de cura.
Essa circunstância reportou-me a um mandamento, embora me pareça que
nunca tenha sido praticado: amar o próximo como a si mesmo. Mas o que seria
necessário o próximo ter feito para merecer amor? Ser tão parecido comigo que
nele posso amar a mim mesmo; ou ser mais perfeito do que eu para que possa
amar nele o ideal de mim mesmo... “Mas, se ele é um estranho para mim e se não
pode me atrair por qualquer valor próprio ou significação que possa ter adquirido
para a minha vida emocional, será difícil amá-lo” (Freud, 1976, apud Bauman,
2004, p. 97).
Então, apesar de ser um preceito supostamente legítimo da vida civilizada,
amar o próximo pode ser também contrário ao tipo de razão que a civilização
promove, ou seja, “a razão do interesse próprio e da busca da felicidade”
(Bauman, 2004, p. 97). Essa razão faz com que nos perguntemos sobre os
motivos para amar o próximo e o benefício que isso nos trará – simplesmente por
ser um próximo? Ou amar o próximo como amamos a nós mesmos poderia ter
outro significado? Como, por exemplo, o de “respeitar a singularidade de cada um
– o valor de nossas diferenças, que enriquecem o mundo que habitamos em
conjunto e, assim, o tornam um lugar mais fascinante e agradável”, aumentando a
abundância de suas promessas (idem, p. 101). Além do que, o próximo
representa os valores de reconhecimento, admissão e confirmação da própria
dignidade de portar um valor singular, insubstituível e não-descartável (idem).
Talvez esse último significado, o respeito à singularidade do ser humano, devesse
estar mais presente em nossa racionalidade, ao invés da busca mesquinha por
interesses e benefícios geradores de felicidades tão móveis, frágeis e
substitutivamente consumíveis. Talvez devêssemos deixar de enxergar o amor
nos detalhes e enxergá-lo numa perspectiva maior. Afinal, grande parte das
44
regras, jogos e avaliações interferem na nossa expressão de amor uns pelos
outros, pois pretendem nos proteger, mas essa proteção vem repleta de razões
que nos aprisionam e acabam mantendo a vida e o amor à distância (Ross e
Kessler, 2004).
Retornando à história... Quando a esposa de Ivan Ilitch o viu deitado de
costas, gemendo e olhando fixamente diante de si, para o encosto do divã, ela
começou a falar dos remédios... Então, ele disse:
Em nome de Cristo, deixem-me morrer em paz!
Em seguida...
(...) O médico veio à hora de costume. Ivan Ilitch não lhe respondeu senão por
“sim” e “não”, sem tirar dele o olhar de rancor; por fim disse-lhe: – O senhor sabe muito
bem que não pode ajudar-me; deixe-me, portanto, em paz
9
!
As pessoas lutam até o fim. Nem mesmo o doente quer continuar sendo
medicado, mas os outros, ou seja, os vivos, querem vê-lo quieto, sem gritar ou
gemer de dor. A previsão e o anúncio da morte são sempre aterrorizantes e
intoleráveis aos vivos. Pode-se dizer que uma parte do modelo contemporâneo da
morte já estava esboçada nas burguesias daquela época, pois a contrariedade
em admitir abertamente a morte, de si mesmo ou do outro, impõe o isolamento
moral ao moribundo. Isso inclui, além da pouca interação, a quase ausência de
comunicação e a imposição de cuidados e tratamentos que não visam à cura,
mas à amenização dos sofrimentos de todos os envolvidos.
A morte, esse abismo para o qual todos nós caminhamos com maior ou
menor consciência, abre-se diante do personagem, que começa a perceber a
futilidade de sua existência e de suas conquistas. Ivan Ilitch começa a afundar no
sofrimento, no medo, na angústia, no ódio, no pânico e no desespero. Seu rancor
contra os outros e contra si mesmo é enorme, mas desaparece de repente. Duas
horas antes da sua morte, Ivan Ilitch consegue compreender o sofrimento dos
vivos e experimenta uma profunda compaixão pela sua mulher e pelo seu filho.
Sim, eu estou atormentando – pensou. – Eles têm pena de mim; mas é melhor
para eles que eu morra. Quis dizer-lhes, mas não teve forças. Aliás, para que falar? –
pensou – O que é preciso é agir
10
.
9
Tolstói, 2005, p. 75.
10
Idem, p. 79.
45
No último momento, Ivan Ilitch aceitou a morte, dando-lhe uma razão de
ser na sua vida e vendo-a como um novo caminho, e não como o fim de todos os
seus caminhos.
Nesse momento, o silogismo inverteu-se: ele também era mortal, logo,
todos somos mortais; assim como Caio, todos merecem compaixão e
compreensão. João Cabral de Melo Neto fala que
... somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Enfim, a morte de uma pessoa é o momento da grande revelação, é a hora
em que a pessoa se vê sem mentiras, sem ilusões, sem subterfúgios.
Acredito que a história da morte de Ivan Ilitch fala do drama de uma vida
baseada em representações que pretendem atender às normas sociais. Porém,
por mais que a vida de Ivan Ilitch tenha sido considerada exemplar, ela tinha um
defeito, pois era composta pela morte.
Durante o velório, quando um dos amigos de Ivan Ilitch quis saber sobre
seus últimos momentos de vida, a viúva fala:
– Ele sofreu terrivelmente nos últimos dias.
– Sofreu muito?
– Oh! Horrivelmente! Não parou de gritar não só durante os últimos minutos, mas
durante horas inteiras. Gritou sem cessar três dias seguidos. Era de não se agüentar
mais. Não compreendo como pude resistir. Ouviam-se os gritos dele através de três
portas. Oh! O que tive de suportar!
– Será que ele conservou completa lucidez?
– Sim – murmurou a viúva – até o último minuto. Despediu-se de nós um quarto
de hora antes do fim, e chegou mesmo a pedir-me que fizesse Volódia sair do quarto
11
.
Talvez a resposta que ela devesse dar fosse: no último momento de vida,
ele reconheceu que estava morrendo e estava sentindo-se livre, pois o medo da
morte tinha deixado de existir, desapareceu e, portanto, parou de atormentá-lo.
11
Tolstói, 2005, p. 23.
46
Ou seja, ao final de todo o “balanço” que fez de sua vida, ele a recriou e
descobriu, conferindo um sentido àquilo que não tinha sentido até então: a morte.
Com relação à questão de como se comportar frente aos limites da existência e
da morte, Johannes Doll vai dizer que ela “não é nova e acompanha o ser
humano desde que ele tomou consciência de que sua vida possui um fim” (idem,
2004, p. 116). O autor refere que a possibilidade de pensar na sua própria morte é
uma característica que diferencia o ser humano dos animais.
No entanto, por mais que detenha o conhecimento de sua finitude, o ser
humano obstinadamente tenta encobrir a consciência que tem dela. Nesse
sentido, o filósofo grego Epikur, na carta dirigida a seu aluno Menoikeus, tenta
demonstrar que não precisamos nos preocupar com a morte, explicando:
Desta forma, a morte, o pior de todos os males, representa um
nada para nós. Enquanto nós estamos, ela não está, e quando ela
está, nós não estamos mais. Conseqüentemente, ela não tange
nem os vivos, nem os mortos, pois onde eles estão, ela não está,
e estes, na verdade, não existem mais
(1973, p. 40, apud
DOLL, 2004, p. 120).
Epikur parece sugerir que as preocupações e o pensar sobre a morte
seriam dispensáveis. Porém, as reflexões e problematizações que fizemos sobre
os processos de morte têm importante papel em nossas vidas. Nesse
entendimento, não poderíamos concordar com Epikur, pois “pensar a condição
humana e a limitação da vida é pensar no sentido da nossa própria existência”;
assim, “a reflexão sobre a finitude nos ensina a viver de forma mais consciente”
(Doll, 2004, p. 120). Além disso, ao tomarmos conhecimento da limitação do
tempo de nossas vidas, o tempo passa a ser valioso. Por isso, é justamente essa
limitação que vai fazer com que aproveitemos da melhor forma possível o período
que ainda temos (Doll, 2004; Ross, 1998).
47
QUANDO A SIMPLES IDÉIA DA MORTE PASSA A COMOVER...
Parto do exemplo da morte de Ivan Ilitch para dizer que, especialmente
desde o século XIX, se percebe que a simples idéia da morte passa a comover.
São, então, trazidos para a cena da morte a emoção, o choro, a súplica e o gesto
que eliminam o caráter banal e costumeiro da morte – não esquecendo as
grandes transformações da família, no século XVIII, com as relações sendo
fundadas no sentimento e na afeição.
O exagero do luto no século XIX significa que os sobreviventes aceitam
com mais dificuldade a morte do outro do que o faziam anteriormente. A morte
temida não é mais a própria morte, mas a do outro. Houve uma grande ruptura
entre as atitudes diante dos mortos da Antiguidade e as da Idade Média. Na Idade
Média, os mortos eram confiados, ou antes, abandonados à Igreja, e pouco
importava o lugar exato de sua sepultura, que, na maior parte das vezes, não era
indicada nem por um monumento nem mesmo por uma simples inscrição (Ariès,
2003). O objetivo era a proteção do corpo pelos santos até o dia do julgamento,
sendo essa proteção uma segurança para o morto e para os vivos, pois havia o
temor dos vivos de serem perturbados pelos mortos. Acreditava-se que a
proximidade com os santos era muito proveitosa para os defuntos e que as
orações os fortaleciam, ou seja, havia um aquecimento da alma dos mortos, o que
favorecia a restituição à vida eterna, a salvação das almas (Kovács, 2003a, p. 32).
Os defuntos mais ricos eram enterrados no interior das igrejas, mas seus
ossos também tomavam o caminho dos ossários. As localizações mais
procuradas eram: o coro, perto do altar, onde se reza a missa, garantindo maior
proteção dos santos; o lugar próximo à imagem da Virgem Maria; e a proximidade
do crucifixo (Kovács, 2003a). Nessa época, não havia a idéia de que o morto
devia ter um local só para si. Na Idade Média, ou mesmo nos séculos XVI e XVII,
pouco importava o destino que teriam os ossos, contanto que permanecessem
perto dos santos ou na igreja. Foi assim que os corpos começaram a encher os
altares e, por fim, os pátios das igrejas. Pela falta de espaço, em função do
crescimento das cidades, começaram a ser retirados da terra os ossos antigos
das sepulturas para dar lugar a novos corpos. Porém, para o enterro na igreja,
tinha-se que pagar valores altos, restando aos pobres as valas comuns e os
48
ossários. Nas valas, os corpos eram amontoados; quando cheias, as valas eram
recobertas de terra, o que deixava aos corpos a possibilidade de serem
devorados por animais. Foi somente no fim do século XVIII que o enterro nas
igrejas foi proibido (Ariès, 2003).
Podemos perceber que essas diferenças entre mortos ricos e pobres estão
presentes em diferentes tempos. Essa diferença hoje é traduzida pela localização
dos cemitérios nas cidades e pelo lugar da sepultura, sua construção e
ornamentação (Kovács, 2003a).
Por volta do século XIV e, sobretudo, desde o século XVIII, observa-se
uma preocupação mais forte e mais freqüente em localizar a sepultura. Essa
tendência testemunha um sentimento novo que se exprime cada vez mais, apesar
de a visita devotada ou melancólica ao túmulo de um ente querido ser um ato
ainda desconhecido.
Nesse período, passa-se a reprovar a igreja por ter cuidado da alma e por
não ter dispensado cuidado ao corpo, por apropriar-se do dinheiro cobrado pelas
missas aos mortos e desinteressar-se pelos túmulos (Ariès, 2003). Os túmulos
tornavam-se, então, o signo da presença dos mortos para além da morte, que não
era tida como supunha a imortalidade das religiões de salvação, como o
Cristianismo. Tratava-se de uma resposta à afeição dos sobreviventes e à sua
repugnância em aceitar o desaparecimento do ente querido (Ariès, 2003).
A necessidade que surgiu foi a da existência de um lugar exato onde o
corpo fosse colocado, sendo esse lugar uma propriedade exclusiva do defunto e
de sua família. Essa necessidade da individualização do espaço e do
pertencimento a um proprietário identificado tornou a sepultura uma grande
inovação. Com essa mudança, vieram outras, como as visitações aos túmulos. As
visitas ocorrem como se fossem à casa de um parente ou a uma casa própria,
cheia de recordações, conferindo ao morto uma espécie de imortalidade, daí a
idéia de memorial (Ariès, 2003). Pensa-se, e mesmo sente-se, que a sociedade é
composta de mortos e vivos e que os mortos são tão significativos e necessários
quanto os vivos. Assim, o “cemitério retomou um lugar na cidade, lugar ao mesmo
tempo físico e moral, que havia perdido no início da Idade Média, mas que havia
ocupado durante a Antigüidade” (Ariès, 2003, p. 77). Essa atitude traduz o desejo
49
humano de ser lembrado após a sua morte; caso contrário, isso seria a verdadeira
morte. Tal prática mantém-se até os dias de hoje.
MORTE X CURA OU MORRER CURADO...
Dentre as modificações ocorridas com relação aos cuidados com o doente
ou moribundo, encontra-se a substituição da família pelas práticas médicas e a
tomada do corpo/vida pelo poder médico, “não por qualquer tipo de médico, mas
pelo médico do hospital” (Ariès 2003, p. 288), que dispensa o médico da família,
juntamente com o padre e a própria família na assistência. Ocorre um
deslocamento da morte, da casa e do quarto do doente para o hospital. O médico
do hospital apropria-se dos poderes da família e do moribundo, pois no hospital o
moribundo passa para o mundo especializado da doença (Ariès, 2003). Nesse
sentido, “no hospital, o médico é ao mesmo tempo um homem de ciência e um
homem de poder” (idem, p. 289). Essas transformações deram-se a partir da
metade do século XIX, e delas outras apareceram. A partir de agora, passo a
comentá-las mais detalhadamente.
A partir da metade do século XIX, aqueles que cercam o moribundo
tendem a poupá-lo e a ocultar-lhe a gravidade de seu estado – a verdade começa
a ser problemática (Ariès, 2003). Porém, passamos a poupar não só o moribundo,
como também a sociedade e até mesmo os familiares, da perturbação das
emoções excessivamente fortes ou insuportáveis causadas pela agonia e pela
presença da morte em meio à plena vida feliz, pois é assim que a vida deve ser
percebida. Nesse entendimento, as imagens da morte tornaram-se
cada vez mais raras, desaparecendo completamente no decorrer
do século XX; o silêncio que, a partir de então, se estende sobre a
morte significa que esta rompeu seus grilhões [ou laços] e se
tornou uma força selvagem e incompreensível (ARIÈS, 2003, p.
159).
Essa conspiração do silêncio em relação ao doente visa a mantê-lo na
ignorância de seu estado para que ele não sofra e para que não faça sofrer os
que estão à sua volta. No entanto, tal encenação não dura por muito tempo;
afinal, o paciente sabe o que está se passando, seja pelas informações de seu
50
próprio corpo, seja pelo que capta em seu entorno. Assim, essas atitudes tendem
a dificultar a comunicação, tão preciosa nesses momentos (Kovács, 2003a).
Ocorre, então, um esvaziamento da carga dramática, dando início ao
processo de escamoteamento da morte. Essa vontade de fazê-la desaparecer
sem que os espectadores se dêem conta, tornando-a despercebida, teve mais
força quando a morte foi deslocada para o hospital. Isso aconteceu entre 1930 e
1950, na medida em que o hospital se tornou o local onde se prestam os cuidados
que já não se podem oferecer em casa (Ariès, 2003).
A partir daí, o hospital tornou-se o lugar privilegiado da morte – “vamos ao
hospital não mais para sermos curados, mas (...) para morrer” (Ariès, 2003, p. 85).
Mas, quando ocorre a morte, procura-se fazer com que tudo se mantenha
acontecendo da mesma maneira, como se nada especial tivesse ocorrido. Esse é
o início de uma mentira, a de que a morte não existe. Isso torna muito difícil falar
da morte (idem). Segundo Ariès, “o interdito da morte ocorre repentinamente após
um longo período de vários séculos, em que a morte era um espetáculo público
do qual ninguém pensaria em esquivar-se e no qual acontecia o que se buscava”
(idem, p. 89).
É visível uma transformação – algo que antes era considerado uma
exigência passa a ser proibido. No século XX, a morte tornou-se um tabu, talvez
maior que o tabu existente em torno do sexo. Um exemplo é a relação que se
tinha com o nascimento, em que se dizia às crianças que se nascia dentro de um
repolho; em contrapartida, elas assistiam às grandes cenas de despedida à
cabeceira do moribundo. Hoje, essa prática foi invertida; as crianças passaram a
ser iniciadas desde cedo no entendimento do amor, mas, quando ficam sabendo
por que deixaram de ver ou visitar seus avós ou outras pessoas hospitalizadas, se
surpreendem.
A “necessidade da felicidade, o dever moral e a obrigação social de
contribuir para a felicidade coletiva, evitando toda causa de tristeza ou de
aborrecimento” (Ariès, 2003, p. 90), parecendo estar sempre feliz, mesmo que se
esteja deprimido, faz desaparecer o lugar para expressão da tristeza que a perda
ou a doença grave trazem.
Essas atitudes fazem com que passemos a nos limitar. Ninguém quer falar
do que está acontecendo, reduzindo-se ao lar a vazão dos sentimentos;
51
publicamente, é preferível o silêncio. A família passa a lidar com a perda de
maneira contida e, para evitar o constrangimento das pessoas, deve manifestar
força e controle (Kovács, 2003a). As manifestações de luto são condenadas e
desaparecem – “não se adota mais uma aparência diferente daquela de todos os
outros dias” (Ariès, 2003, p. 87).
Uma dor demasiado visível não inspira pena, mas repugnância; é
um sinal de perturbação mental ou de má-educação, é mórbida.
Dentro do círculo familiar ainda se hesita em desabafar, com
medo de impressionar as crianças. Só se tem direito de chorar
quando ninguém vê ou escuta: o luto solitário e envergonhado é o
único recurso (idem, p. 97).
Ariès chamou essa forma ou estilo de morrer no hospital – sozinho, inibido,
silenciado, escondido e, na maioria das vezes, não acompanhado pela família –
de “morte interdita”. Esta é vista como fracasso, acidente, impotência ou imperícia
médica. Os médicos passaram a ser “os donos da morte, de seu momento e
também de suas circunstâncias”, o que antes cabia à família (Ariès, 2003, p. 86).
Apesar de, em outros séculos, ser extremamente temida, hoje a morte
repentina remete à idéia de uma morte boa, ou seja, morrer dormindo na cama de
seu quarto passou a ser o sonho da morte de muitas pessoas. Apesar de
desejada, é uma ocorrência rara, pois a intervenção dos exames periódicos
certamente anunciará a causa dessa probabilidade, que, então, passará a ser
medicada, o que impedirá seu acontecimento ou a deslocará para o hospital.
“Evita-se a morte feia, sem elegância, perturbadora” (Kovács, 2003a, p.
73), que causa constrangimentos. Por meio de calmantes, tranqüilizantes ou
sedativos, busca-se promover a passividade do moribundo, o alívio e silêncio dos
sofrimentos, pelo menos dos físicos e, assim, a possibilidade de expressá-los
(idem). Essas atitudes passam a ser refletidas pela repressão do processo de
luto, a qual, segundo os psicólogos de hoje, pode causar doenças nos familiares.
Para eliminar a morte da superfície aparente, os funerais foram
simplificados e houve um aumento no número de cremações e das cerimônias
rápidas (Kovács, 2003a). A cremação é a maneira mais radical de fazer
desaparecer e esquecer tudo o que pode restar do corpo, de anulá-lo. Segundo
Ariès (2003), as urnas quase não são visitadas em comparação com os túmulos
dos enterrados. Nesse sentido, a cremação exclui as obrigações de visita aos
52
mortos e, conseqüentemente, causa a interdição da manifestação pública da
morte e dos sentimentos e expressões de luto.
As pessoas deixam de demonstrar sentimentos de dor e expressões de
luto não por indiferença ou por insensibilidade, mas por medo de perder o controle
sobre si e mostrar publicamente sua depressão. Conforme Ariès (2003, p. 257), “o
novo consenso exige que se esconda aquilo que antigamente era preciso exibir e
mesmo simular o seu sofrimento”.
Ainda segundo esse autor (idem, p. 158), “as imagens da morte traduzem
as atitudes dos homens diante da morte numa linguagem nem simples nem
direta, mas cheia de artimanhas”, palavras e significados. Isso possibilita que
entendamos o morrer não apenas como um “fato biológico, mas [como] um
processo construído socialmente”, por isso, sujeito a mudanças permanentes,
alterando comportamentos e sentimentos (Menezes, 2004, p. 24).
53
CAPÍTULO III – TECENDO A REDE: CAMINHOS E ESCOLHAS...
Neste capítulo, apresento o que motivou meu interesse pela temática e
pelo desenvolvimento de um estudo com base na mídia impressa. Trago, ainda,
as ferramentas teóricas e o material de análise.
MOTIVAÇÕES DAS ESCOLHAS DOS OBJETOS DE ESTUDO...
Nossas escolhas não são livres porque nossos pensamentos não
o são. Nossos pensamentos estão conformados pelos discursos
que nos cruzam desde sempre (VEIGA-NETO, 1996, p. 18).
Entender que nossas escolhas não são livres leva-me, inicialmente, a
explicar para o leitor alguns entendimentos, caminhos percorridos e escolhas que
fui fazendo ao longo da elaboração desta dissertação.
Nos estudos que tenho empreendido, tomo a mídia como um domínio
pedagógico que, mais do que simplesmente levar as “informações diárias” às
pessoas, produz “verdades” sobre o mundo. Ou seja, a mídia, mais do que meio
ou veículo de informações de massa, ensina alguma coisa, transmite “uma
variedade de formas de conhecimento que, embora não sejam reconhecidas
como tais, são vitais na formação da identidade e da subjetividade” das pessoas
(Silva, 2001, p. 140). Assim, considero que as informações veiculadas nos meios
de comunicação configuram-se como elementos dos dispositivos
12
midiáticos, que
muitas vezes atingem lugares aonde instituições como hospitais e escolas ainda
não chegaram.
Diante da força da mídia na produção e veiculação de sentidos, a partir dos
quais passamos a pensar o mundo, compreendo que os meios de comunicação
(jornais, revistas, rádio, televisão...) conferem profundos efeitos na arte de
gerenciar a vida cotidiana das pessoas. A mídia, por meio da informação e
comunicação, constrói significados e atua decisivamente na formação dos sujeitos
sociais e de seus corpos, os quais são tidos como mais uma mercadoria ou objeto
de consumo (Amaral, 2000). Ao falar sobre a função pedagógica da mídia,
Fischer (1997) diz que
12
Estou utilizando o sentido de dispositivo como uma formação criada por elementos sociais,
discursivos e não-discursivos, que se relacionam num determinado momento histórico com uma
função estratégica de dominação (Foucault, 2002b, p.244).
54
as diversas modalidades enunciativas (...) dos diferentes meios e
produtos de comunicação e informação – televisão, jornal,
revistas, peças publicitárias – parecem afirmar em nosso tempo o
estatuto da mídia não só como veiculadora mas também como
produtora de saberes e formas especializadas de comunicar e de
produzir sujeitos, assumindo nesse sentido uma função
nitidamente pedagógica (idem, p. 61).
A mídia como produtora de saberes vem constituindo-se como uma das
“armas” mais potentes da hegemonia cultural. Nesse sentido, “aquilo que não
passa pela mídia (...) vai se tornando estranho aos modos de conhecer, aprender
e sentir” (Fischer, 1997, p. 62); por outro lado, é capaz de ligar o estranho e a
diferença às teias de códigos e signos comuns (Rocha, 1995 apud Amaral, 2000).
Mais do que disponibilizar enunciados “de várias formações discursivas (...), a
mídia constrói, reforça e multiplica enunciados propriamente seus, em sintonia ou
não com outros discursos e outras instâncias de poder” (Fischer, 1997, p. 65).
Nessa perspectiva, a mídia tem atuado como uma importante instância que
veicula “verdades” que funcionam como estratégias reguladoras na sociedade
contemporânea.
Esse entendimento levou-me a problematizar a rede de enunciados
relacionada ao morrer (eutanásia, aborto, assassinato, câncer...) presentes em
textos de reportagens veiculadas em jornais e revistas. Torna-se oportuno
relembrar que, nos dias de hoje, a mídia se configura como uma instância com
destacado papel de formadora de opiniões, uma vez que se encontra implicada
na constituição de nossas subjetividades. Kellner (2001), ao discutir o papel
constitutivo dos anúncios publicitários, fala da importância de nos alfabetizarmos
criticamente em relação à mídia, ou seja, “aprender como apreciar, decodificar e
interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e
operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações
concretas” (idem, p. 109). Isso não significa questionar os discursos presentes
nas mídias em tom de denúncia, como se estivéssemos “acima” ou “fora” de tais
produções culturais. Entretanto, ao perceber tais inscrições em funcionamento,
devemos buscá-las em nós mesmos, seja para mudá-las ou não, seja para tentar
entendê-las de outras maneiras.
A partir desses entendimentos, minha proposta foi analisar os enunciados
produzidos e difundidos por jornais e revistas. Comecei, então, a construção do
55
meu percurso investigativo. Ao mesmo tempo em que construía esse caminho, fui
me deparando com uma multiplicidade de trajetos, dentre os quais eu tinha que
constantemente escolher qual trilhar. Mesmo assim, a cada passo escolhido,
abriam-se mais estradas... A pesquisa parecia ter vontade própria, coisas que eu
não imaginava que pudessem surgir apareciam para me desafiar e não me
deixavam outra saída senão conhecê-las e abordá-las. Esses momentos de
constante apropriação são intensos, inquietantes, cheios de medo e curiosidade.
Foi através desse desafio que o caminho foi tomando forma. Essa forma resultou
no meu olhar e na minha leitura sobre as coisas presentes nesse universo
informativo e constitutivo da vida, da morte, da saúde, do saber, dos poderes...
Todavia, esse é o caminho que os Estudos Culturais têm a nos oferecer,
visto que estamos falando em estudos cujo nome já nos dá pistas – são vários os
caminhos, e não apenas um. Sendo assim, os Estudos Culturais não definem a
priori uma metodologia única à espera de ser aplicada. Não podem ser
entendidos como uma teoria que tenha uma determinada metodologia. Segundo
Costa (1996, p.10), “não importa o método que utilizamos para chegar ao
conhecimento; o que de fato faz a diferença são as interrogações que podem ser
formuladas dentro de uma outra maneira de conceber as relações entre saber e
poder”.
Outro ponto dessa perspectiva teórica que merece ser esclarecido refere-
se ao entendimento de cultura vista como integrando o conjunto das produções e
formas de vida que caracterizam uma sociedade. Nesse sentido, esse campo
recusa e interroga as separações entre “alta” e “baixa” cultura, existindo apenas
determinadas culturas, sem distinções entre maior ou menor “saber”. Ou seja, a
cultura “não mais consiste na soma do ‘melhor que se tenha pensado e dito’,
considerada como o auge de uma civilização desenvolvida – o ideal da perfeição
à qual, conforme a antiga visão, todos aspiravam” (Hall, 1997, p.33). Foi a partir
desses sentidos atribuídos à cultura que busquei realizar as análises das
reportagens, ou seja, entendendo-as como artefatos culturais, uma vez que são
produções sociais implicadas na criação de significados e verdades que integram
os processos constitutivos de subjetividades e de identidades. Nas palavras de
Hall (1997, p. 26), “devemos pensar as identidades sociais como construídas no
interior da representação, através da cultura, não fora delas”.
56
Como um conceito encontra-se relacionado a outro, utilizo-me do que
Costa (1998) nos diz para falar do significado a partir do qual estou usando a
representação nesta pesquisa. Para a autora, a representação é “o resultado de
um processo de produção de significados pelos discursos, e não como um
conteúdo que é espelho e reflexo de uma realidade anterior ao discurso que a
nomeia” (idem, p.40). As representações são móveis e não apresentam uma
fórmula única ou correta de compreensão das coisas, são apenas “noções que se
estabelecem discursivamente, instituindo significados de acordo com critérios de
validade e legitimidade estabelecidos segundo relações de poder” (idem, p.41).
Assim, os enunciados presentes nas reportagens não se aproximam de
uma verdade ou de um real que está à espera de um registro; afinal, a verdade é
uma coisa deste mundo, portanto, criada e inventada (Foucault, 2002b). Se a
realidade é uma invenção, “o que interessa não é investigar uma suposta
metafísica da realidade; o que interessa é o sentido que damos ao mundo. E este
sentido só pode ser dado através de enunciados” (Veiga-Neto, 1996, p.29). Nesse
entendimento, “os enunciados fazem mais do que uma representação do mundo;
eles produzem o mundo” (idem, p.29).
Neste momento, torna-se relevante pensar acerca da noção de sentido
com que estou operando neste estudo. Segundo Souza (2001, p. 131), “os
diversos sistemas de significação, ao definirem o significado das coisas,
codificam, organizam e regulam nossas ações, constituindo nossas culturas”. Daí
a importância em compreendermos o modo como a cultura é modelada, uma vez
que ela nos governa, “regula nossas condutas, ações sociais e práticas e, assim,
a maneira como agimos no âmbito das instituições e na sociedade” (Hall, 1997, p.
39).
Desse modo, estou entendendo o sentido como algo atribuído, produzido
ou fabricado nas relações de uns com os outros, ou seja, na teia sociocultural
com que nos relacionamos e constituímos cotidianamente. Nessa perspectiva, os
sentidos não são fixos, mas mutáveis, na medida em que incorporamos e
resignificamos outros signos e, com isso, transformamos nosso pensar e agir
frente às diversas circunstâncias, num constante devir. A respeito da noção de
sentido e suas relações com a morte, Elias traz as seguintes discussões:
57
O “sentido” é uma categoria social; o sujeito que lhe corresponde
é uma pluralidade de pessoas interconectadas. Em suas
relações, sinais que trocam entre si – que podem ser diferentes
para cada grupo – assumem um sentido, um sentido comunal,
para começar (ELIAS, 2001, p. 63). (...) O sentido das palavras e
o da vida de uma pessoa têm em comum o fato de que o sentido
associado a elas por essa pessoa não pode ser separado do
associado a elas por outras (idem, p. 65).
É a partir dessa compreensão que venho problematizar o que, nos dias de
hoje, a mídia vem apresentando acerca do morrer. Estou acompanhando, pelas
“lentes” dos jornais e revistas, a ocorrência de grandes embates na busca da
legitimação da prática médica em suspender ou limitar procedimentos e
tratamentos que prolonguem ou mantenham a vida dos doentes terminais. Essa
legitimação se dá por meio de estratégias sutis, como, por exemplo, pela
justificativa de preservação da dignidade de morrer o mais próximo possível do
natural, deixando a obstinação terapêutica e toda a sua tecnologia para os que
têm chance de viver.
Esses elementos motivaram-me a discutir a produtividade dos enunciados
presentes nas reportagens, na tentativa de mostrar como eles constituem
algumas das verdades instituídas em nossa sociedade. Em outras palavras, o que
estou problematizando é como esses enunciados estão constituindo certos
sentidos que se estabelecem como verdades em torno do processo de
vida/morte.
MATERIAL DE ANÁLISE
A partir do entendimento de que os textos publicados nas reportagens dos
jornais e revistas são difundidos para muitas pessoas e de que essas reportagens
carregam significados constituidores de determinados objetos – entre eles, a
medicina, a saúde, a eutanásia, a vida, a morte... – e das subjetividades, iniciei o
movimento de seleção do material de análise. Para dar início a essa seleção, tive
que estabelecer critérios de modo que pudesse escolher, dentre as inúmeras
reportagens, algumas para analisar neste estudo. Então, busquei centrar meus
apontamentos em questões que tratavam das temáticas propostas pelo projeto
inicial desta pesquisa, entre elas, eutanásia, vida e morte.
58
A escolha dos jornais – Zero Hora (Porto Alegre/RS) e Folha de São Paulo
(São Paulo/SP) – deveu-se ao fato de que estes abrangem diferentes áreas de
circulação (estadual e nacional); são produzidos em estados diferentes e, por
isso, têm características próprias; lideram o mercado dentro do seu segmento; e
têm publicações diárias. O jornal Zero Hora é editado pelo grupo RBS e
caracteriza-se pela grande circulação na região sul do país, principalmente na
capital gaúcha; já o jornal Folha de São Paulo é editado pela Empresa Folha da
Manhã S. A. e caracteriza-se pela ampla circulação, uma vez que atua em nível
nacional.
Outro meio de divulgação da mídia impressa que analisei foi a revista Veja.
Esta é uma revista semanal da Editora Abril, com circulação nacional, que trata de
assuntos nacionais e internacionais. Em meio às minhas investigações, entre
outras revistas da mesma categoria, esta foi a que apresentou maior número de
reportagens sobre as temáticas em questão.
No período entre 2004 e 2006, fomos colocados em contato com a morte e
a eutanásia por diferentes formas de acesso, ou seja, por meio de jornais
impressos, revistas, cinema, Internet, televisão ou rádio. Essa constatação pode
ser percebida, por exemplo, pelo lançamento de vários filmes que retratam a
morte, a eutanásia e o suicídio, entre eles: As Invasões Bárbaras (2003, Canadá -
Denys Arcand); Menina de Ouro (2004, EUA - Clint Eastwood); Mar Adentro
(2004, Espanha - Alejandro Amenábar). Diante desse conjunto de meios de
veiculação de situações, informações e discussões associadas à eutanásia e,
posteriormente, à ortotanásia, tomei como objeto de análise as reportagens
veiculadas na mídia escrita mais recente.
Considerei casos em torno da eutanásia mais apresentados pela mídia
impressa por suscitarem polêmicas, discussões e mobilizações públicas
internacionalmente, tornando visíveis diferentes pontos de vista e problemas
associados a decisões relativas à vida/morte e à autonomia das pessoas em
situação de morte iminente. Um dos casos que analisei neste estudo foi o da
americana Terri Schiavo (41 anos de idade), ocorrido em 2005, que teve a
eutanásia solicitada por seu marido.
59
Figura 6 – Terri Schiavo
Outra situação que mobilizou a mídia impressa ocorreu em São Paulo, no
ano de 2005, em que o pai de Jhéck (um menino de quatro anos) queria pedir à
Justiça a eutanásia do filho.
Figura 7 –
Jhéck Breener
O último caso, tão difundido quanto os anteriores e bastante recente,
ocorreu na Itália, no ano de 2006, tendo como desfecho a morte induzida de
Piergiorgio Welby (60 anos de idade).
Figura 8 -
Piergiorgio Welby
Em decorrência das discussões geradas em relação à eutanásia e à
ortotanásia, abordo também algumas reportagens que debatem a aprovação da
ortotanásia pelo Conselho Federal de Medicina, ocorrida em 2006.
Dentre os casos e matérias que discutiam as novas tecnologias de
intervenção no corpo, seja para diagnóstico, seja para tratamento, selecionei
reportagens que correspondem ao período que vai do início do ano de 2005 ao
final de 2006. Os critérios para a seleção das reportagens foram: a superação dos
limites do corpo, a previsão e o controle sobre a vida e o seu prolongamento. Em
meio a muitas matérias, as reportagens selecionadas para serem analisadas
foram as seguintes:
60
– “Tubo de Americana com Dano Cerebral é Tirado Após Tumulto”. Folha de São
Paulo, São Paulo, 19 mar. 2005.
– “’Terri Está nas Últimas Horas’ diz pai”. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 mar.
2005.
– “Pais desistem; EUA Esperam Morte de Terri”. Folha de São Paulo, São Paulo,
28 mar. 2005.
– “Tribunal Volta a Negar Apelo de Pais de Terri Schiavo”. Folha de São Paulo,
São Paulo, 31 mar. 2005.
No 13º Dia de Agonia, Morre Terri Schiavo”. Folha de São Paulo, São Paulo, 01
abr. 2005.
Vaticano Afirma que ‘Princípios da Civilização’ Foram Violentados”. Folha de
São Paulo, São Paulo, 01 abr. 2005.
– “Eles Praticam a Eutanásia”. Zero Hora, Porto Alegre, 03 abr. 2005.
– “Terri Morreu, as Dúvidas Continuam”. Veja, São Paulo, 06 abril 2005.
– “Entre a Saúde e a Doença”. Veja, São Paulo, 04 maio 2005.
– “Máquinas que Vêem”. Veja, São Paulo, 11 maio 2005.
– “Eutanásia não Fere Ética Médica, diz CRM”. Folha de São Paulo, São Paulo,
04 jul. 2005.
– “Rumo ao Homem Biônico”. Veja, São Paulo, edição especial, Julho 2005.
– “Médico Defende Fim do Tratamento de Jhéck”. Folha de São Paulo, São Paulo,
02 set. 2005.
– “Família do Pai de Jhéck é Contra a Eutanásia”. Folha de São Paulo, São
Paulo, 06 set. 2005.
– “Pai Desiste de Pedir a Eutanásia do Filho”. Folha de São Paulo, São Paulo, 07
set. 2005.
– “Mãe diz Esperar Avanço da Ciência para Salvar Jhéck”. Folha de São Paulo,
São Paulo, 07 set. 2005.
– “Estado Promete UTI na Casa de Jhéck”. Folha de São Paulo, São Paulo, 09
set. 2005.
– “O Consultório da Internet”. Veja, São Paulo, 14 setembro 2005.
– “Deixem Jeson em Paz”. Veja, São Paulo, 14 setembro 2005.
– “Vítima de Doença Degenerativa, Jhéck Completa Cinco Anos e Segue
Internado”. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 set. 2005.
61
– “Agora, sem Hormônios”. Veja, São Paulo, 27 julho 2005.
– “Doação de Órgãos: a Vida de Presente”. Veja, São Paulo, 28 setembro 2005.
– “Conselho de Medicina Discute Norma que Aprova Ortotanásia”. Folha de São
Paulo, São Paulo, 28 jul. 2006.
– “Jhéck Respira Parte do Dia sem Aparelhos”. Folha de São Paulo, São Paulo,
31 jul. 2006.
– “Médico Pode Limitar Ajuda a Doente Terminal”. Folha de São Paulo, São
Paulo, 10 nov. 2006.
– “Resolução é um Crime”, diz Promotor. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 nov.
2006.
– “Médico tem Amparo para Interromper Tratamento”. Zero Hora, Porto Alegre, 11
nov. 2006.
– “Procurador quer Revogar Permissão à Ortotanásia”. Folha de São Paulo, São
Paulo, 17 nov. 2006.
– “Como Você Quer Morrer?” Zero Hora, Porto Alegre, 18 nov. 2006.
– “Resolução de Ortotanásia Entra em Vigor”. Folha de São Paulo, São Paulo, 29
nov. 2006.
– “Itália: Ministra Faz Greve de Fome a Favor da Eutanásia”. Terra, 04 de dez.
2006.
– Constitucionalista diz que lei ampara ortotanásia no país. Folha de São Paulo,
São Paulo, 04 dez. 2006.
– “Itália Faz Vigília Por Homem Que Pede Para Morrer”. Terra, 16 dez. 2006.
– “Morre Italiano Doente que Lutava Pela Eutanásia”. Terra, 21 dez. 2006.
– “Médico diz que Praticou Eutanásia em Italiano”. Terra, 21 dez. 2006.
– “Morte de Italiano Volta Foco à Eutanásia”. Folha de São Paulo, São Paulo, 22
de dez. 2006.
As análises das reportagens aparecem em meio a discussões que abordo
ao longo deste estudo. Elas servem de mote para a abordagem de diferentes
questões relacionadas à morte, como, por exemplo, a busca pelo prolongamento
da vida através da superação da organicidade do corpo biológico ou pelo uso de
tecnologias biomédicas voltadas à imortalidade. Essas são algumas das
discussões presentes a partir do próximo capítulo.
62
CAPÍTULO IV – MORTE NUMA SOCIEDADE PROVEDORA DA
VIDA, DA JUVENTUDE E DA SAÚDE OU DA IMORTALIDADE?
Neste capítulo, discuto as dificuldades de nos vermos como mortais e
falarmos sobre assuntos ligados à morte, na atualidade. Discuto também
questões relacionadas ao ultrapassamento da organicidade do corpo e suas
relações com o autocuidado.
PROBLEMAS E SENTIMENTOS DESPERTADOS PELAS IMAGENS DA
MORTE...
Numa sociedade centrada na vida, na juventude e na saúde, passamos a
ter dificuldades para nos vermos como mortais – afastamo-nos da velhice, dos
“velhos” e da morte e isolamos os moribundos. Evitamos pensar e discutir o
envelhecimento e a morte como processos contínuos e gradativos no percurso da
vida humana. Temos dificuldades de lidar com os sentimentos relacionados à
doença, ao envelhecer e à morte, circunstâncias que nos remetem a
pensamentos relacionados à nossa própria finitude e que, muitas vezes, geram
decisões e atitudes direcionadas à separação e ao isolamento do mundo dos
vivos. Em outras palavras, “a morte do outro torna-se dramática e insuportável e
se inicia um processo de afastamento social da morte” (Menezes, 2004, p. 27).
Diversos autores vêm tratando dos processos associados ao morrer, da exclusão
da morte do cotidiano ou do imaginário que criamos de imortalidade. Dentre eles,
o sociólogo Norbert Elias vai nos dizer que:
A morte não tem segredos. Não abre portas. É o fim de uma
pessoa. O que sobrevive é o que ela ou ele deram a outras
pessoas, o que permanece nas memórias alheias (ELIAS, 2001,
p. 77). A morte não é terrível. Passa-se ao sono e o mundo
desaparece – se tudo correr bem. Terrível pode ser a dor dos
moribundos, terrível também a perda sofrida pelos vivos quando
morre uma pessoa amada. Não há cura conhecida. Somos parte
uns dos outros (idem p. 76).
Com relação à questão de como pensar e se comportar diante dos limites
da existência e do processo de morte, podemos dizer que ela “não é nova e
acompanha o ser humano desde que ele tomou consciência de que sua vida
possui um fim” (Doll, 2004, p. 116). Conforme referido anteriormente, a
63
possibilidade de pensar na sua própria morte é uma característica que diferencia
os seres humanos dos animais. Porém, por mais que detenha o conhecimento de
sua finitude, o ser humano obstinadamente tenta encobrir a consciência desse
processo por meio de mecanismos que sustentem a sua existência.
Embora a morte não tenha como ser abolida, houve enormes avanços na
arte de repelir e impedir as causas de seu acontecimento, assim como de
estender o tempo de vida. Um dos resultados foi que a morte, esse “inimigo
invisível”, desapareceu de vista e do discurso (Bauman, 1998). Entretanto, nossa
vida passou a ser policiada do início ao fim, tornando-nos, pelo menos
temporariamente, “inválidos acompanhando a vida das janelas do hospital” (idem,
p. 195). Para chegar a essas condições, nossa cultura desenvolveu estratégias,
como, por exemplo, esconder a morte daqueles próximos à própria pessoa,
colocar os doentes terminais aos cuidados de profissionais;
confinar os velhos em guetos geriátricos muito antes de eles
serem confiados ao cemitério (...); transferir funerais para longe de
locais públicos; moderar a demonstração pública de luto e pesar;
explicar psicologicamente os sofrimentos da perda como casos de
terapia e problemas de personalidade (BAUMAN, 1998, p. 198).
Enfim, o processo de morte, assim como outros fenômenos da vida social,
pode ser vivenciado de distintas formas, de acordo com os significados
compartilhados por esta experiência. Elias (2001) vai nos dizer que:
[Os que estão para morrer] necessitam mais que nunca da
sensação de que não deixaram de ter sentido para outras pessoas
(idem. p. 68). Talvez devêssemos falar mais aberta e claramente
sobre a morte, mesmo que seja deixando de apresentá-la como
um mistério (idem, p. 77).
Isso nos leva a pensar que os sentidos do morrer não são fixos, podendo
ser transformados segundo o momento histórico e os contextos socioculturais. A
relação estabelecida hoje pelos indivíduos e pela sociedade com a morte afastou-
a do cotidiano, transformando-a em um tabu, privando o homem de sua própria
morte (Menezes, 2004). O problema passou a ser o conhecimento da morte. A
previsão do fim absoluto da pessoa criou problemas e despertou – a partir da
imagem da morte de que se tem consciência – os terrores e temores dos seres
humanos, afinal, “a morte é um problema dos vivos” (Elias, 2001, p. 10). Essa
64
preocupação diante do tema representa apenas uma outra expressão do nosso
interesse em manter a vida.
Mesmo diante da previsão do próprio fim, ocorre a tentativa de suprimir
esse conhecimento indesejado e encobri-lo com noções mais satisfatórias. O
medo de nossa transitoriedade é amenizado com a ajuda de uma fantasia pessoal
e relativamente privada de vida eterna em outro lugar (Elias, 2001). A
possibilidade de mortalidade faz com que encaremos a morte como uma afronta e
uma indignidade. De acordo com Bauman (1998, p. 191), “estar ciente da
mortalidade significa imaginar a imortalidade, sonhar com a imortalidade,
trabalhar com vistas à imortalidade (...) ainda que seja somente esse sonho que
enche a vida de significado”. Com esse entendimento, procuramos pensar na
morte
13
, afastando-a o máximo possível ou acreditando que nunca ocorrerá
conosco – “os outros morrem, eu não” (Elias, 2001, p. 07).
A administração dos medos humanos faz com que não nos reconheçamos
como mortais e finitos, ao mesmo tempo em que impede e dificulta que falemos
sobre os processos de morrer, o que torna as práticas relacionadas à morte
importantes fontes de poder de umas pessoas em relação a outras (idem). A
exemplo disso, têm-se as práticas relacionadas aos cuidados com os doentes, as
quais passaram das famílias e dos religiosos para o monopólio dos médicos e
suas instituições, onde o poder médico vai intervir “para aumentar a vida, para
controlar seus acidentes, suas eventualidades, suas deficiências” (Foucault,
2002a, p. 295).
NOÇÕES DE CORPO: ULTRAPASSANDO O ORGÂNICO...
Ao pensarmos na medicina e em seus modelos atuais, percebemos que ela
“produziu uma morte em hospital, medicamente monitorizada e controlada,
inconsciente, silenciosa, escondida e isolada” (Menezes, 2004, p. 33). Se, por um
lado, segundo Foucault (2002b), a história do hospital não se encontra
relacionada à cura, por outro, era para o hospital que, antes do século XVIII, eram
13
“O número de definições que surgiram como conseqüência do desenvolvimento tecnológico já
deixa bem claro que não é esta uma definição puramente médica e, por isso, tem implicações
morais e legais” (Fransisconi & Goldim, 2005, p. 73). Porém, falar da morte de um corpo humano é
também falar do momento em que as pessoas deixam de existir, ou seja, é a morte do corpo
humano e da vida humana biológica (Engelhardt, 1998).
65
levados os pobres moribundos a fim de que tivessem assistência espiritual na
morte e não representassem perigo de contágio para a cidade. Foi a partir do final
do século XVIII que ocorreu a reorganização da instituição hospitalar e sua
articulação com a prática médica, o que criou condições para a constituição do
saber médico extraído do indivíduo e confrontado entre os hospitais. O indivíduo e
a população tornam-se, então, “objetos de saber e alvos da intervenção da
medicina” (Foucault, 2002b, p. 111). Assim, a medicina pode ser entendida como
“um saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população,
sobre o organismo e sobre os processos biológicos e que vai, portanto, ter efeitos
disciplinares e efeitos regulamentadores” (Foucault, 2002a, p. 302).
Sibilia (2003), ao falar da tecnociência, comenta que “esses mistos de
poder-saber conformam os contextos nos quais vivemos e falamos, eles nos
constituem e nós os constituímos permanentemente” (idem, p. 41). Essa relação
entre poderes e saberes é capaz de criar incessantemente as tecnologias de
poder
14
.
Analisando o funcionamento da tecnociência moderna e contemporânea,
Sibilia (2003) diz que a filosofia da tecnociência contemporânea se inscreve em
duas figuras míticas da cultura ocidental, Fausto e Prometeu. Para a autora,
essas duas tradições não constituem necessariamente um par de oposições, mas
duas linhas em perpétua tensão, sendo que ambas podem existir em um mesmo
período histórico.
As aspirações da tradição prometéica pretendem dominar tecnicamente a
natureza e o faz visando ao bem da humanidade, à emancipação da espécie e,
fundamentalmente, das classes “oprimidas” (Sibilia, 2003). Tendo o conhecimento
científico como libertador, a tradição prometéica deseja melhorar as condições de
vida por meio da tecnologia e da dominação racional da natureza. Essa tradição
enfatiza a ciência como “conhecimento puro”, tendo uma visão meramente
instrumental da técnica e primando pela fé no progresso material, na perfeição da
técnica e nos avanços da ciência como conhecimento racional da natureza. Ela
14
Esse poder é constituído por mecanismos, em que, um conjunto de ações de uns sobre outros,
‘conduz condutas’ e ordena o campo das possibilidades dos outros (Dreyfus; Rabinow, 1995). Ele
“coloca em jogo relações entre indivíduos (ou entre grupos)” (idem, p. 240). “Pois não devemos
nos enganar: se falamos do poder das leis, das instituições ou das ideologias, se falamos de
estruturas ou mecanismos de poder, é apenas na medida em que supomos que ‘alguns’ exercem
um poder sobre os outros” (idem).
66
aposta na melhora gradativa das condições de vida dos seres humanos, por isso,
tem vistas ao futuro, mas este não é pensado como infinito, pois haveria limites
com relação ao que pode ser conhecido, feito e criado. Nesse sentido, visa ao
aperfeiçoamento do corpo, mas este será sempre naturalista, e não
transcendentalista, ou seja, não se pretende ir além dos limites impostos pela
“natureza humana” (idem).
Na atual sociedade tecnológica, o antigo prometeísmo está em decadência.
Os avanços mais recentes na área biotecnológica e da informática a serviço do
“deciframento da vida” fazem vigorar a tradição fáustica. Esta tradição esforça-se
para desmascarar os argumentos prometéicos, revelando o caráter
essencialmente tecnológico do conhecimento científico (Sibilia, 2003). Na
perspectiva fáustica, os procedimentos científicos não visam à verdade ou ao
conhecimento da natureza íntima das coisas, mas à compreensão dos fenômenos
para exercer a previsão e o controle total sobre a vida. Essa perspectiva não
pretende a melhora das condições de vida, mas é atravessada pelo estímulo
insaciável e infinitista, desconhecendo os limites, buscando o domínio e a
apropriação total da natureza e superando suas limitações biológicas, inclusive, a
mortalidade (idem). A visão fáustica vincula-se à noção cada vez mais presente
de superação dos limites do corpo que tem sido tema de discussões
contemporâneas.
Esse foi o caso da discussão apresentada na reportagem intitulada “Rumo
ao homem biônico” (RUMO, 2005). A reportagem trata da criação de projetos em
andamento para a produção de próteses que respondam aos comandos do
cérebro, como, por exemplo, aparelhos como câmera e microfones que possam
ser conectados ao cérebro, dando visão a cegos e audição a surdos. Uma mescla
de tecido humano com materiais artificiais, apresentada pela revista, vem
configurando novas noções de corpo, ou seja, um corpo-máquina a partir da
incorporação de objetos que passam a fazer parte do sujeito, ultrapassando os
limites da sua organicidade e garantindo sua utilidade e produtividade. Isso é
apontado nestas imagens trazidas pela reportagem (Figura 9 e 10):
67
Figura 9 - Prótese
Figura 10 - Corpo-máquina
Um outro exemplo de superação do orgânico relacionado à origem da vida,
que já se tornou procedimento de rotina nos consultórios médicos, vem a ser a
fertilização in vitro. Essa tecnologia garante que as mulheres com problemas de
fertilidade possam gerar filhos. Esse foi o tema da reportagem intitulada “Agora
sem hormônios” (Bergamo, 2005b), que fala de uma técnica de fertilização em
que a maturação e a fecundação de óvulos ocorrem fora do corpo da mulher.
Segundo a reportagem, a medicina reprodutiva tornou-se uma das áreas que
mais evoluíram nos últimos anos, atendendo, talvez, à lógica de fazer viver, como
é apontado por esta imagem trazida pela reportagem (Figura 11).
68
Figura 11 – Técnica de maturação do óvulo.
À MARGEM DA VIDA: TECNOLOGIAS DE IMORTALIDADE...
Como vinha discutindo, as relações entre poder/saber criaram tecnologias
direcionadas à superação do orgânico, ao prolongamento da vida e à
imortalidade, ou seja, o “fim da morte”. Pesquisas da atualidade, como a
engenharia genética, a criogenia e os fármacos são exemplos de que esses
“projetos”, além de aceitáveis, tornaram-se realizáveis pelas biotecnologias.
Dentre elas, está a de uma vida sem sofrimentos, em função dos psicofármacos;
sem fim, com o uso da bioengenharia e do congelamento dos organismos à
espera de técnicas médicas mais eficazes; e também uma vida controlada e
melhorada através de práticas eugênicas. Enfim, todas essas promessas e
buscas poderiam acabar por fazer, segundo Bellino (1997), concorrência com os
cemitérios em um futuro não tão distante.
As conquistas tecnocientíficas presenciadas nos últimos anos exigem que
se revisem os limites médicos e jurídicos entre vida e morte: “as condições antes
consideradas como morte passaram a ser reversíveis, exigindo a elaboração de
novas leis, definições e práticas” (Hughes, 2001 apud Sibilia, 2003, p. 51). O
borramento das fronteiras entre a morte e a vida, que antes eram nitidamente
definidas, traz conceituações probabilísticas que determinarão o estado do
paciente e as chances de recuperação.
Não morremos mais como antigamente e percebemos mudanças, no
campo médico, geradas por modificações que foram criadas na hospitalização,
nas unidades de terapia intensiva e nos transplantes, que “caracterizam três
69
grandes tendências do século XX que alteraram totalmente o horizonte da morte e
do morrer” (Valls, 2004, p. 176). Essas mudanças trouxeram outras, entre elas, a
doação de órgãos, que devem ser retirados ainda vivos do paciente, ou seja,
“quando o paciente estiver legalmente morto” (idem, ibidem).
A definição de morte legal tem como pressuposto a utilização dos órgãos
para fins de transplantes, efeito das preocupações com a vida e em manter vivo
aquele que está considerado sem salvação ou condenado à morte. Ou seja, a
morte torna-se legal quando tem como função gerar ou prolongar a vida de
outros. Tal argumento vincula-se à noção cada vez maior de morte encefálica
15
,
que vem constituindo a definição de morte na nossa sociedade.
Segundo reportagem da revista Veja, intitulada “Doação de órgãos: a vida
de presente” (Fontenelle, 2005), houve um crescimento da doação de órgãos,
principalmente pelas famílias de pessoas com morte encefálica. De acordo com a
reportagem, “de cada quatro famílias, apenas uma recusa a doação” (idem). Mas
isso não tem conseguido diminuir a fila de pacientes à espera de órgãos, reflexo
do acesso cada vez maior da população aos transplantes. A reportagem aponta
um levantamento da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, mostrando
que o número de doadores e transplantados cresce ao ritmo de 10% ao ano. Para
esclarecer as perguntas mais comuns de potenciais doadores, de seus parentes e
de candidatos a transplantes, a reportagem apresenta ao leitor um quadro (Figura
12) que informa, por exemplo, como se tem a certeza de que houve morte
encefálica; que a intenção de doar não precisa ser documentada; quais as partes
do corpo que podem ser doadas; quem não pode ser um doador; que não se
pode escolher o receptor após a morte; que os custos da doação são pagos pelo
Sistema Único de Saúde; o tempo de liberação do corpo; que a retirada dos
órgãos não deforma o corpo e que órgãos podem ser doados em vida (fígado,
medula óssea, pâncreas, rim e pulmão).
15
Morte encefálica é definida pela parada irreversível de todas as funções cerebrais, ou seja, só é
constatada a morte encefálica caso estejam inativas todas as funções cerebrais, incluindo o tronco
cerebral, que controla a respiração, o batimento cardíaco e a pressão sangüínea (Martin, 1998).
70
Figura 12 – Quadro informativo.
Seguindo a discussão sobre as possibilidades de cura que a doação de
órgãos propõe, nada garante que não ocorrerá rejeição
16
e que todo o esforço,
custo e desgaste gerados pelas cirurgias de transplante sejam válidos, exceto por
prorrogar um pouco o prazo da morte. Quando se passou a dividir o corpo e olhar
para as suas partes – os seus órgãos –, possibilitou-se a criação das diversas
especialidades disponibilizadas hoje, porém a partir de entendimentos de pontos
isolados, e não da complexidade da vida em seu conjunto. Tal complexidade
associada a um olhar especializado muitas vezes pode fazer com que o
tratamento médico gere efeitos colaterais (como problemas em outros órgãos), e
não a tão esperada cura.
16
Sobre a rejeição, a mesma reportagem, “Doação de órgãos: a vida de presente” (Fontenelle,
2005), traz uma manchete intitulada “O fim da rejeição” em que comenta a chance de sucesso, as
medidas de prevenção, apontando o exemplo do transplante de medula, que durante décadas,
causou problemas que hoje estão bastante reduzidos em função dos imunodepressores –
medicamentos contra a rejeição.
71
Nesse sentido, os caminhos apontados pelos “avanços” da medicina
também podem representar riscos. Na tentativa de driblar a morte a qualquer
custo ou através de diferentes estratégias, criam-se e buscam-se
permanentemente maneiras que nos possibilitem fazer viver ou agir sobre a vida.
Enfim, a recusa em aceitar a finitude acabou gerando várias linhas de fuga.
As mudanças médicas cruzam-se, ainda, com a desvalorização
sociocultural da morte, tendo como efeito mudanças nas cerimônias de funerais e
de velamento do corpo. Tais processos foram associados por Foucault aos
mecanismos
17
de biopoder, cuja focalização na vida, desde o século XIX, teria
atenuado o sentido da morte, como discuti no capitulo anterior. Segundo o autor,
o biopoder ocupa-se dos processos que são próprios da vida, dos fenômenos
coletivos de uma população (como natalidade, mortalidade, longevidade,
doenças, etc.). Esse poder lida com o corpo múltiplo, com estatísticas de uma
população, com a população “como problema político, como problema a um só
tempo científico e político, como problema biológico e como problema de poder”
(Foucault, 2002a, p. 292-293). Os mecanismos de ação da biopolítica têm como
finalidade a regulamentação da população, buscando prever seus eventos,
“controlar (eventualmente modificar) a probabilidade desses eventos, em todo
caso em compensar seus efeitos” (idem, p. 297).
Assim, a partir do século XIX, configura-se uma medicina cujas ações se
dirigem aos problemas de higiene e de saúde pública, enquadrando-se numa
política de regulamentação da vida da população, ou seja, como um campo de
saber em que as estratégias pretendem fazer viver. Porém, essas estratégias de
fazer viver hoje se confrontam com o direito de morrer. Ao estarmos sob os
cuidados de uma instituição hospitalar, não temos mais o direito de decidir pela
nossa morte, estamos ali buscando manter a vida. No entanto, temos que nos
questionar sobre que vida estamos mantendo e qual o “preço” que estamos
dispostos a pagar. Será que viver é estar inconsciente, imóvel, sob ação de
sedativos, “vivo” graças aos tubos e máquinas disponibilizados pela tecnociência?
17
Estou utilizando mecanismo no sentido de um conjunto de ações de uns sobre outros, que
“conduz condutas” e ordena o campo das possibilidades dos outros (Dreyfus; Rabinow, 1995).
72
Esta é a vida que o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
18
nos
assegura quando declara: “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à
segurança pessoal”?
Uma das questões que têm perturbado a aceitação natural de se manter a
vida é o penoso período de tempo longe da família e dos amigos, acompanhado
por estranhos numa cama de hospital em que as pessoas ali nomeadas pacientes
podem ter em comum apenas a doença. No hospital, enquanto se aguarda uma
possível recuperação, gradativa e ironicamente, ocorre a perda dos companheiros
de quarto. Situações como essas levam-nos a pensar se o “avanço”
tecnocientífico pode ser ou não considerado em prol do indivíduo. Nessa
perspectiva, os pactos entre o homem e a ciência fizeram com que o objeto de
cuidado da medicina passasse a ser a vida humana, e não a pessoa, gerando a
despersonalização da doença e a desumanização da medicina (Bellino, 1997).
Segundo Foucault,
O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma
espécie viva num mundo vivo, ter um corpo, condições de
existência, probabilidade de vida, saúde individual e coletiva,
forças que se podem modificar, e um espaço em que se pode
reparti-las de modo ótimo. (...) o biológico reflete no político
(FOUCAULT, 2001, p. 134).
Ao aprendermos que somos uma espécie viva, para onde caminhamos? O
percurso leva-nos às práticas e estudos de “técnicas e procedimentos destinados
a dirigir a conduta dos homens”, tendo como idéia central o “governo dos vivos”.
Assim, o custeio (movimentação da economia) dos exames e remédios para
prevenir os riscos
19
ao longo da vida fica a critério das pessoas, por meio de
suportes preventivos como, alimentação, esportes, vitaminas, terapias, entre
outros (Foucault, 1997, p. 101). Tal argumento vincula-se, por exemplo, a
procedimentos que determinam a variação estabelecida na taxa de normalidade,
definida por critérios que aumentam o número de pré-doentes, ou seja, pessoas
18
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos da Organização
das Nações Unidas, assinado em 10 de dezembro de 1948. Nela, são enumerados os direitos que
todos os seres humanos possuem (ORGANIZAÇÃO, 2006).
19
Risco é “uma regra que permite ao mesmo tempo unificar uma população e identificar os
indivíduos que a compõem segundo um mecanismo de auto-referência” que pressupõe que todos
os indivíduos possam ser afetados pelos mesmos males, ou seja, todos estão expostos e
partilham as respectivas responsabilidades (Ewald, 1993, p. 97).
73
que apresentam características que podem propiciar o surgimento de certos
distúrbios.
Esse assunto foi apontado em uma reportagem da revista Veja intitulada
“Entre a saúde e a doença” (Neiva, 2005). A reportagem traz a noção de que a
prevenção de riscos não tem esperado nem mesmo que a doença se manifeste
para que o médico exija exames para detectar a pré-doença e determinar seu
controle e a intervenção no corpo. Essa noção está sendo cada vez mais aceita e
vem constituindo a definição de saúde e a mudança nos hábitos de vida. A revista
mostra um quadro com as novas definições para o diagnóstico de algumas
doenças, como se pode ver na Figura 13.
Figura 13 – Pré-doentes.
A reportagem traz, ainda, uma discussão sobre a tomografia
computadorizada, informando que este exame analisa a quantidade de cálcio nas
artérias, um marcador de risco cardíaco, pois indica acúmulo de gordura e,
conseqüentemente, a chance de ocorrer uma obstrução nos vasos. Assim, uma
74
pessoa que se considerava saudável passa a ser considerada pré-doente. Tais
diagnósticos e as possibilidades a eles associadas geram outros efeitos, segundo
a reportagem: “para alguém que, de uma hora para outra, passa a ser
considerado pré-doente, essa notícia pode ter um efeito negativo preocupante”
(Neiva, 2005, p. 90). Assim, tais procedimentos podem causar medo e mudanças
no comportamento das pessoas, efeitos de um diagnóstico precoce que pretende
aumentar a chance de cura e diminuir o risco de seqüelas, mas que pode
promover angústia.
Um outro exemplo trazido pela mesma reportagem, relacionado aos efeitos
de diagnósticos “preventivos”, refere-se ao carcinoma in situ em mamas de
mulheres. A presença dessas células anormais não significa o desenvolvimento
de um tumor maligno. No transcorrer do texto, a reportagem apresenta os
seguintes questionamentos:
Alguns médicos se perguntam se é mesmo necessário informar
uma mulher que ela tem esse problema muito antes do
surgimento da doença (NEIVA, 2005, p. 91). Pelas novas regras
da medicina [e com os chamados exames de rotina], pode-se
estar doente mesmo quando existe o bem-estar físico, mental e
social (idem, p. 92). Talvez seja preciso estabelecer também um
padrão de normalidade para quem vive à caça de novos padrões
de anormalidade (idem, ibidem).
A partir dessa reportagem, percebo que hoje outro problema apresentado
são as doenças relacionadas ao estilo de vida que as pessoas optam por manter,
doenças que são entendidas como resultado de resistência ou falta de
informação. Como já comentei, tem-se à disposição várias prescrições de
diferentes áreas médicas, indicando, regras, normas e padrões de vida (como as
dietas, os exercícios, as análises, os exames preventivos...) direcionados a
assegurarem a saúde, objetivo principal.
Um outro ponto a ser mencionado é que essas prescrições têm sido
difundidas por diferentes meios de informação, seja pelos programas de televisão
e pelas reportagens de revistas e jornais, seja pela Internet. Esta última tem
oferecido importantes aportes para o autocuidado, pois, através do conhecimento
disponibilizado por esse meio, o sujeito tem a chance de se apropriar de detalhes
da sua doença e de seu corpo de forma que haja um disciplinamento de seu
comportamento e de seus hábitos. Isso indica que hoje, para determinada
75
camada da população, a informação sobre a sua doença não está somente na
consulta ao médico. Ao mesmo tempo, essa prática vem gerando cobranças de
atualização dos médicos relativamente aos novos tratamentos, uma vez que a
difusão da informação possibilitou maior acesso a ela por determinados grupos
sociais.
A esse respeito, a reportagem da revista Veja intitulada “O consultório da
internet” (Buchala, 2005) fala sobre a nova maneira de apropriação das
características das doenças, de seus tratamentos e da repercussão que têm tido.
A matéria comenta que o paciente, na sala de consulta, não é mais o mesmo,
pois deixou de aceitar resignado às decisões do seu médico. O novo paciente
vem munido de informações que recolhe no consultório informal da Internet,
causando muitas dúvidas e até mesmo a possibilidade de o paciente sugerir
outros tratamentos. Em contraste ao paciente de poucos anos ou mesmo sem
acesso a tal tecnologia, o novo paciente não se conforma apenas com a
imposição do médico. Ele exige um diálogo que o convença dos propósitos dos
tratamentos prescritos e de que determinado tratamento é a melhor opção.
Conforme a fala de um médico à revista, “o saldo positivo disso tudo é que
médicos que não estavam habituados a conversar detalhadamente com seus
pacientes estão tendo de mudar de atitude” (Buchala, 2005, p. 115).
Ao mesmo tempo em que a reportagem retrata a Internet como uma ótima
fonte de informação, chama a atenção para os problemas associados às
consultas a sites com informações equivocadas. A revista apresenta ao leitor uma
lista de sites internacionais e nacionais considerados confiáveis, salientando,
ainda, que a lista foi preparada com a ajuda de profissionais (Figura 14).
76
Figura 14 – Lista de sites.
A articulação de estratégias direcionadas à “autonomia” do sujeito e ao
biopoder fez com que houvesse um aumento dos cuidados de si em relação à
saúde. O biopoder engendra o nosso cotidiano e vida através da naturalização de
suas estratégias e, por que não dizer, da universalização dos cuidados com a
saúde. Hoje algumas opções, como a de ser sedentário ou fumante, entre outros
comportamentos, caracterizam a nova categoria denominada comportamento
pessoal de risco. As pessoas que optam por manter essas práticas ou “vícios” são
vistas como descuidadas e desleixadas com relação a si mesmas. Nesse
entendimento, é possível dizer que o biopoder visa à administração e
regulamentação da vida da população, interferindo nas possíveis escolhas dos
sujeitos e nos modos de viver vistos como saudáveis ou não – ou seja, na
sociedade, se aprendem formas de ser saudável e de ser doente. Segundo Sibilia
(2003), a naturalização do biopoder foi sendo construída ao longo da história,
ocorrendo, assim, a incorporação do controle
20
e gerando menos resistências
20
O sentido de controle que utilizo é com relação a uma operação mais macro, que não pega o
detalhe, que não é e nem precisa ser contínua, por isso não é da ordem do microfísico. O controle
pode ser considerado mental ou abstrato, não acompanha o processo, nem se dá em tempo real,
mas visa ao resultado a partir de comparações entre as coisas que estão submetidas a regras
(Foucault, 2002b, Ewald, 1993).
77
explícitas, uma vez que o poder passa a ser exercido de formas mais sutis e
sofisticadas, imbricado aos saberes.
Associados à promoção da saúde, encontram-se os discursos de juventude
e beleza, atrelados às regras de mercado, consumo e produção cujas estratégias
de propaganda e/ou marketing têm a finalidade de produzir sujeitos
consumidores, que movem a indústria de academias, fisioterapias, roupas
esportivas, alimentos diet e light, fármacos, cosméticos, cirurgias
plásticas/estéticas, etc. Em uma rede de discursos que circula em diversas
instâncias (mercado, mídia, medicina, ciência...), a imperfeição e incompletude de
nosso corpo vêm sendo produzidas ao mesmo tempo que a saúde e a beleza – e
por meio de atitudes e cuidados necessários ao atendimento das exigências que
são para o “nosso próprio bem” ou para o bem de nosso corpo. Numa sociedade
de consumo regida pela política do mercado, para suprir os “desejos” e as
“necessidades” dos corpos consumidores, encontram-se à disposição tantos
objetos e procedimentos quanto forem “necessários” para garantir vida longa,
saúde, juventude e beleza, que conferem as promessas do mais antigo desejo
humano: a vida eterna.
Enfim, o biopoder é “fundamental para o desenvolvimento do capitalismo,
cujo objetivo é produzir forças, fazê-las crescer, ordená-las e canalizá-las, em vez
de barrá-las ou destruí-las” (Sibilia, 2003, p. 163). Para isso, o biopoder atua
constantemente, por meio de novos saberes e técnicas, para ajustar-se e para
conquistar novos espaços, onde podem acontecer os embates, as resistências, as
fugas imanentes ao viver. Nesse sentido, a morte, momento em que o indivíduo
se encontra na iminência de escapar ao poder, deixa de interessar aos
mecanismos do biopoder.
Outra discussão presente na atualidade refere-se às regulamentações das
ações e do direito à propriedade relacionadas à tecnociência da indústria
biotecnológica, em que a fabricação da vida, seja de um organismo, seja de suas
estruturas, se tornou mais um dos “produtos que possam ser úteis para o
mercado” (Sibilia, 2003, p. 174) e vendáveis para aquela parcela da população
humana cujo poder aquisitivo permite adquirir os produtos da biomedicina. No
caso da genética, por exemplo, a patente de material genético dos organismos
vivos, ao legalizar a propriedade intelectual, autoriza a sua transformação em
78
mercadoria e regula a posse de vidas (idem). No sistema capitalista
contemporâneo, encontramo-nos diante de novas fontes de recursos econômicos.
A produtividade do corpo e do tempo da vida extraída pelo trabalho não é mais
suficiente. Hoje, a biocolonização permite que novas colônias sejam invadidas e
exploradas, como, por exemplo, o interior dos corpos de pessoas, plantas e
animais (Sibilia, 2003).
Diante disso, interrogo-me a quem pertence o “meu” corpo. Este corpo,
cuidado e investido ao longo da vida, será meu mesmo? Qual o meu poder de
decisão sobre o meu corpo e a minha vida?
Numa sociedade regida pela vida, pelo fazer viver e pela produtividade do
indivíduo, ponho-me a pensar sobre as finalidades dos mecanismos de
prevenção, controle e tratamento direcionados à saúde do corpo e à manutenção
da vida. Fico pensando na produtividade de um paciente terminal
21
sob os
cuidados médicos na UTI (Unidade de Tratamento Intensiva) de um hospital. Em
casos em que não há a possibilidade de cura para a medicina atual e em que a
vida do paciente se encontra na dependência de equipamentos, que razões
movem os investimentos na vida? Ao que parece, na lógica em que nos
movemos, mesmo no termo da vida, as estratégias de poder, médicas, religiosas
e tecnológicas direcionam-se ao controle daquilo que resta ao indivíduo, tornando,
neste caso, o paciente produtivo enquanto “viver”.
Para as diferentes formas de morrer, hoje, a medicina criou categorias,
como, por exemplo, tratamento fútil, distanásia e eutanásia, entre outros,
definidos a partir de quem e do tipo de intervenção realizada no processo de
vida/morte. No capitulo a seguir, apresento e discuto tais definições.
21
Paciente terminal é aquele que vai morrer num período relativamente curto de tempo, de três a
seis meses, independentemente das ações médicas que são colocadas em prática (Fransisconi &
Goldim, 2005).
79
CAPÍTULO V – EUTANÁSIA NO BRASIL
Neste capítulo, trago algumas discussões sobre a “vida” do moribundo.
Apresento a conceituação de termos utilizados para definir as formas de morte na
atualidade e discussões sobre questões relacionadas à eutanásia sob diferentes
olhares – Lei, Código de Ética Médica, Igreja.
O MORIBUNDO REPRESENTA O QUE DESCONHECEMOS...
A ordem, o que busca nos dar segurança, consiste na resposta aos nossos
medos. Segundo Bauman (1998), a ordem
significa um meio regular e estável para os nossos atos; um
mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não
estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia
estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente
prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente
impossíveis (idem, p. 15).
Ao falar do sonho de pureza não realizável, Bauman usa as palavras de
Mary Douglas, que faz analogia da desordem com a sujeira, dizendo que esta é
essencialmente a desordem e que “não há nenhuma coisa que seja sujeira
absoluta. Ela existe ao olhar do observador” (Bauman, 1998, p. 16). Lendo sobre
esse olhar sobre a sujeira e entendendo-a como algo atribuído, pensei na forma
como vive um doente terminal
22
em uma UTI – o moribundo que espera pela
morte e ocupa um leito que poderia ser de uma pessoa com chances de vida,
aquele que dá despesas, mas que, acima de tudo, desafia o saber médico e
científico, pois não responde mais aos medicamentos, não levando aos resultados
esperados. Nesse sentido, ele é causador da desordem, por isso, acaba isolado
ou recebendo ajuda para encontrar a sua morte um pouco antes – por uma
intervenção denominada eutanásia –, o que nada mais é que a busca da tão
sonhada ordem. Sobre essa analogia do ser humano com a sujeira, o autor vai
dizer que,
22
Doente terminal é aquele paciente que não tem mais possibilidade de cura e que não responde
aos recursos médicos (Martin, 1998).
80
entre as numerosas corporificações da “sujeira” capaz de minar
padrões, um caso (...) [é] de importância muito especial (...) a
saber, aquele em que são outros seres humanos que são
concebidos como um obstáculo para a apropriada “organização do
ambiente”; em que, em outras palavras, é uma pessoa ou, mais
especificamente, uma categoria de pessoa, que se torna “sujeira”
e é tratada como tal (BAUMAN, 1998, p. 17).
Talvez a sujeira seja uma palavra carregada de significados fortes e
indesejáveis, mas cada um de nós é guiado por preconceitos sobre as coisas, não
necessariamente contra, mas pré-constituídos, pois ingressamos num mundo pré-
fabricado.
Considerando a sujeira como um elemento que desafia o propósito dos
esforços de organização e a própria possibilidade de esforços eficientes, o
estranho passa a ser a verdadeira síntese dela (Bauman, 1998). O estranho é
aquele que
despedaça a rocha sobre a qual repousa a segurança da vida
diária. Ele vem de longe; não partilha as suposições locais – e,
desse modo, “torna-se essencialmente o homem que deve colocar
em questão quase tudo o que parece ser inquestionável para os
membros do grupo abordado” (idem, p. 19).
O moribundo passa a ser o estranho, aquilo que representa o que se
desconhece, ou seja, ele representa o estado de morte iminente e, por isso,
causa estranhamento e até mesmo medo. Esses elementos acabam dificultando
a nossa aproximação do moribundo, pois estaríamos nos confrontando com a
idéia da nossa própria morte e com todos os temores que ela causa. Essa falta de
aproximação dificulta, tanto para o médico quanto para o paciente, a aptidão em
reconhecer a morte e enfrentá-la.
Sem o estímulo da esperança pela vida, sem apoio e com o isolamento, o
paciente mergulha numa depressão profunda, passando a sentir-se condenado à
morte, mesmo que ainda lhe reste algum tempo de vida (Ross,1998). Se
desenvolvêssemos o hábito de pensar, de vez em quando, na morte e no morrer,
talvez fosse menos difícil nos defrontarmos com ela em vida (idem). Afinal, como
conseguiremos ajudar as pessoas que estão na iminência de morte se não
conseguimos encarar a morte com serenidade? Diante da saúde e da perfeição
corporal, referências centrais em nossa sociedade, há a necessidade de uma
nova significação para a vida ainda possível. A morte precisa de um novo sentido
81
para ter um novo enfrentamento e para que haja um lugar para o paciente que
está vivo, até que a morte chegue. “Este paciente certamente ocupa um lugar
especial, a ponto de ser objeto de intervenção de uma rede extensa de
profissionais: sua morte é tematizada, discutida e detalhadamente avaliada”
(Menezes, 2004, p. 213). Em outras palavras, sua vida e sua morte passam a ser
controladas por especialistas.
ENTRE ENCONTROS E DESENCONTROS: TERMOS, DEFINIÇÕES,
LEGISLAÇÃO E POSICIONAMENTOS DA IGREJA EM RELAÇÃO À
EUTANÁSIA...
No livro A ordem do discurso, Michel Foucault faz um diálogo entre a
instituição e o desejo, em que a instituição responde ao desejo dizendo:
Você não tem por que temer começar; estamos todos aí para lhe
mostrar que o discurso está na ordem das leis; que há muito
tempo se cuida de sua aparição; que lhe foi preparado um lugar
que o honra mas o desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder,
é de nós, que ele lhe advém. (....) o que há, enfim, de tão perigoso
no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem
indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo? (FOUCAULT,
2003b, p. 07-08).
A morte, na contemporaneidade, é objeto de diferentes práticas. Com o
surgimento das instituições médicas dirigidas ao cuidado dos doentes em
terminalidade, emergem categorias específicas de processos de morrer. A partir
dessas categorias, são produzidos discursos em torno dos modelos de morte que
começam a ser difundidos na sociedade. Os significados atribuídos são tantos
quantos os nomes. Então, para que possamos prosseguir com a discussão, cabe
frisar algumas classificações, uma vez que a clareza terminológica é
indispensável para fundamentar juízos consistentes.
1 – SUICÍDIO
Suicídio propriamente dito: é uma ação que o sujeito faz contra si próprio e
que resulta em morte (Kovács, 1985).
O suicídio é um ato voluntário, de caráter consciente e intencional, pelo
qual uma pessoa tem a intenção da sua própria morte e a provoca. Pode ser
realizado de diversas formas – por atos (tiro ou envenenamento) ou por omissão
(greve de fome). Ambas as formas de suicídio têm em comum a introdução de
82
uma causa de morte, não existente anteriormente (Goldim, 1997). Segundo
Kovács (1985), entre as situações mais associadas ao suicídio, estão a ausência
de significado ou de sentido na vida e a impossibilidade de modificação de
situações frustrantes ou tensionantes que configuram a situação de desamparo.
Entre os fatores que podem predispor ao suicídio, estão: a perda de emprego, os
problemas econômicos, o sentimento de inutilidade, a perda da auto-estima e a
causa mais comum, que é o luto (idem).
O Código Penal Brasileiro declara no Artigo 122º que tanto o induzimento,
a instigação, quanto o auxílio ao suicídio são crimes (Brasil, 1940).
PARTE ESPECIAL - TÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
CAPÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A VIDA
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o
faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a
três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único - A pena é duplicada:
Aumento de pena
I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência.
Suicídio assistido: quando uma pessoa auxilia na concretização da morte de
uma outra, que não consegue executá-la sozinha. A assistência ao suicídio de
outra pessoa pode ser feita, por exemplo, pela prescrição de doses altas de
medicação, pela indicação de uso, através de persuasão ou de encorajamento
(Goldim, 2004b). Independentemente do ato, a pessoa que contribui para a
ocorrência da morte da outra compactua com a intenção de morrer através da
utilização de um agente causal (idem).
No meio hospitalar, pode ocorrer quando o profissional da saúde oferece
os meios para o paciente consumar a sua morte (Fransisconi & Goldim, 2005).
Essa situação, do ponto de vista legal, é considerada crime.
Suicídio passivo: deixar de fazer alguma ação, daí podendo resultar em morte;
por exemplo, não tomar medicamentos. Essa situação é difícil de ser
comprovada. Suicídio sempre implica a necessidade de uma cuidadosa
83
investigação, já que diversos fatores podem estar envolvidos nessa ação (Kovács,
2003b).
2 - EUTANÁSIA
O termo “eutanásia” vem do grego, podendo ser traduzido como "boa
morte" ou "morte apropriada". O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623,
em sua obra Historia vitae et mortis, como sendo o "tratamento adequado às
doenças incuráveis“ (Fransisconi & Goldim, 2005, p. 74). De maneira geral,
entende-se por eutanásia a ação em que uma pessoa causa “deliberadamente a
morte de outra pessoa que está mais fraca, debilitada ou em sofrimento”; mesmo
com a solicitação do próprio paciente ou de seus familiares próximos, é legal e
eticamente inadequada (idem, ibidem).
Esse termo tem sido utilizado de maneira confusa, pois tem assumido
diferentes significados, conforme o tempo e o autor que o utiliza. Os elementos
que caracterizam a eutanásia são a intenção e o efeito da ação, situando-se,
portanto, “no nível das intenções e no nível dos métodos empregados” (Pessini,
2001, p. 406). Nesse entendimento, uma dosagem de morfina, por exemplo, que
visa ao alívio da dor e não à abreviação ativa da vida é somente o desejo do
médico e a esperança de que o paciente não sofra mais. Assim, não deve ser
chamado de eutanásia e nem de ação que abrevia a vida. Nomeia-se de
eutanásia apenas o procedimento que desencadeia a morte do paciente por
intenção do médico (idem).
A eutanásia, segundo Martin, é “um ato médico que tem por finalidade
acabar com a dor e a indignidade na doença crônica e no morrer, eliminando o
portador da dor” (Martin, 1998, p. 172). Porém, segundo o mesmo autor, apressar
o óbito de um doente terminal
com a intenção de ganhar mais rapidamente a herança seria
mistanásia, se não simplesmente assassinato. Apressar o óbito
deste mesmo doente terminal, motivado por compaixão e com a
intenção de mitigar seu sofrimento, seria eutanásia. Boas
intenções não levam, necessariamente, a bons resultados.
Compaixão por aquele que sofre é, sem dúvida, um sentimento
que enobrece a pessoa (idem, p. 182).
84
Os debates sobre os sentidos deste termo acabam gerando confusão, mas
“é importante que as pessoas percebam com clareza o que estão aprovando e o
que estão condenando” (Martin, 1998, p. 172). A eutanásia, “tanto em sua origem
etimológica (“boa morte”) como em sua intenção, quer ser um ato de misericórdia,
quer propiciar ao doente que está sofrendo uma morte boa, suave e indolor”
(idem, p. 174).
É importante enfatizar que “a autonomia do paciente, não sendo um direito
moral absoluto”, pode confrontar-se com a autonomia do profissional de saúde
(Muñoz; Fortes, 1998, p. 61). Afinal, este, por razões éticas, pode se opor aos
desejos do paciente de realizar procedimentos como a eutanásia ou o aborto,
mesmo que haja amparo legal para tais ações (idem).
A Constituição brasileira assegura o direito à autonomia a todos os
cidadãos quando determina que “ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Muñoz; Fortes, 1998, p. 61).
Nesse entendimento, o Artigo 146º do Código Penal exige o respeito a esse
direito, pois pune aquele que constranger a outra pessoa a fazer o que a lei não
manda ou a deixar de fazer o que a lei manda (idem).
CAPÍTULO VI - DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL
SEÇÃO I - DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
Constrangimento ilegal
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe
haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a
lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa
23
.
Com essa determinação, a legislação penal brasileira coloca uma exceção
à autonomia, ou seja, quando se tratar de caso de iminente perigo de vida ou para
evitar suicídio, a desconsideração à autonomia do paciente deixa de ser crime.
Nesse sentido, a legislação brasileira garante ao cidadão o direito à vida, mas não
sobre a vida, tendo plena autonomia para viver e não para morrer (Muñoz; Fortes,
1998).
23
Brasil, 1940.
85
No Brasil, a eutanásia é considerada homicídio, portanto, ilícita e imputável,
mesmo que a pedido do paciente, como é dito no Código de Ética Médica
(Conselho Federal, 1988):
CAPÍTULO V - RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
É vedado ao médico:
Art. 66 - Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda
que a pedido deste ou de seu responsável legal.
Em nosso Código Penal, legisla indiretamente sobre a questão da
eutanásia o Artigo 121º, que atribui ao juiz a decisão de atenuar a pena se o crime
for cometido por motivo de relevante valor moral (Brasil, 1940).
PARTE ESPECIAL - TÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
CAPÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A VIDA
Homicídio simples
Art 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte
ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.
Segundo Goldim (2004a), está tramitando no Senado Federal, um projeto
de lei 125/96, elaborado desde 1995, estabelecendo critérios para a legalização
da "morte sem dor". O projeto prevê a possibilidade de as pessoas com
sofrimento físico ou psíquico solicitarem a realização de procedimentos que visem
à sua própria morte. Nesse caso, os procedimentos serão autorizados por uma
junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema
86
do solicitante. Caso o paciente não possa expressar a sua vontade, um familiar ou
amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização.
Conforme afirmação de Goldim (2004a), está ocorrendo a tramitação do
Anteprojeto de Lei que altera os dispositivos do Código Penal e dá outras
providências, legislando sobre a questão da eutanásia em dois itens do Artigo
121º.
Homicídio
Art. 121. Matar alguém:
Pena - Reclusão, de seis a vinte anos.
...
Eutanásia
Parágrafo 3o. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e
maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena - Reclusão, de três a seis anos.
Exclusão de Ilicitude
Parágrafo 4o. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se
previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que
haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente,
cônjuge, companheiro ou irmão
24
.
Entretanto, a redação desses parágrafos tem deixado margem a diversas
interpretações, tanto que alguns autores estão denominando, equivocadamente, a
situação prevista no parágrafo 4º de ortotanásia. Além disso, a redação não
estabelece critérios uniformes de morte torácica ou encefálica para todas as
situações (Goldim, 2004a).
Atualmente, é aceito pela medicina ocidental
25
o conceito de morte dado
pelo Comitê sobre morte cerebral da Escola de Medicina de Harvard, deliberado
em 1968, que define a morte de uma pessoa pelo diagnóstico de morte
encefálica, ou seja, pela parada irreversível de todas as funções cerebrais,
inclusive, do tronco cerebral (Parizi, 1998; Engelhardt, 1998; Varga, 2001). Dessa
forma, só há morte se houver lesão irreversível de todo o encéfalo. No Brasil, o
conceito de morte encefálica foi formalizado somente no ano de 1991;
atualmente, esse conceito é definido pela Resolução nº. 1.480/97, conforme
24
Goldim, 2004.
25
O critério encefálico para o estabelecimento da morte de uma pessoa é aceito mundialmente, já
o critério cerebral, ou seja, o não funcionamento dos hemisférios cerebrais não é aceito em
qualquer país nem pela medicina de forma geral.
87
determina a Lei nº. 9.434/97 (Parizi, 1998, Conselho Federal, 1997). No Artigo 4º
dessa Resolução, consta que
Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma
aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.
“Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para
a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária” no seu
Artigo 5º:
a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas
b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas
c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas
d) acima de 2 anos - 6 horas
No Artigo 6º, a Resolução aborda a questão dos “exames complementares
a serem observados para constatação de morte encefálica”, os quais deverão
demonstrar de forma inequívoca:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Voltando à discussão sobre o conceito do termo “eutanásia”, Kovács (1998)
vai dizer que este envolve tirar a vida de uma pessoa por considerações
humanitárias, para aliviar o sofrimento e a dor, e que, nos dias atuais, não se
concebe mais a divisão entre eutanásia ativa e passiva (idem). Ela diz ainda que,
em alguns países, existe a proposta de substituir o termo “eutanásia” pelo direito
de morrer com dignidade ou em paz. Morrer em paz se refere
àquelas situações em que se toma a decisão de não continuar
mantendo a vida, suprimindo determinadas terapias ou não
aplicando-as a um enfermo em que não existem possibilidades de
sobrevivência, seja porque ele próprio expressou sua vontade
explicitamente ou porque se pode pressupor (PESSINI, 1994 apud
KOVÁCS, 1998).
Mesmo que Maria Júlia Kovács desconsidere a divisão entre eutanásia
passiva e ativa, muitos autores mantêm tal separação. Então, vamos aos diversos
tipos de eutanásia:
Eutanásia relacionada ao tipo de ação:
88
Eutanásia ativa, positiva ou direta: se dá pelo uso de medicamentos que
induzam à morte, como, por exemplo, pela administração de injeção letal ou
overdose; constitui o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do
paciente, por fins misericordiosos (Goldim, 2003).
Eutanásia passiva, negativa ou indireta: se dá dentro de uma situação de
terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica (omissão), ou pela
interrupção do tratamento; é a ação negada com o propósito de causar ou
acelerar a morte, pela suspensão ou retirada de medidas heróicas, inclusive de
alimento, hidratação e oxigenação, com o objetivo de minorar o sofrimento
(Francesconi; Goldim, 2005).
Essa retirada dos procedimentos que prolongam a vida, na atualidade,
segundo Kovács (2003b), não é mais considerada como eutanásia, desde que
diante de um caso irreversível, sem possibilidade de cura e quando o tratamento
causa sofrimento adicional. A interrupção dos tratamentos, nesse caso, recebe o
nome de ortotanásia, ou seja, a morte na hora certa - distinção ainda não aceita
por muitos profissionais (idem). Segundo Maurice Abiven, diretor da Unidade de
Serviços Paliativos do Hospital Universitário de Paris, citado por Kovács (2003b),
não há eutanásia passiva, sendo esta uma expressão inadequada. Há,
simplesmente, respeito à natureza.
Outro ponto que deve ser destacado é que o conceito de eutanásia passiva
traz muita confusão ao ser associado à suspensão de certos tratamentos que
promovem o prolongamento da vida no caso de quadros irreversíveis (Kovács,
2003b). Deixar morrer no momento em que a morte é inevitável é diferente de
provocar a morte de uma pessoa. Ao cessar os tratamentos que prolongam a
vida, a eutanásia passiva traz a idéia da perda da obstinação terapêutica na
procura de manter a vida, mesmo onde a morte já esteja prevalecendo. A
obstinação terapêutica, muitas vezes, vem acompanhada de intenso sofrimento,
tanto para o paciente quanto para os seus familiares, constituindo, assim, o termo
“distanásia”, prolongamento do processo natural de morrer, do qual falarei mais
adiante (Kovács, 2003b).
Eutanásia de duplo efeito: ocorre “quando se inicia um tratamento que visa
aliviar o sofrimento do paciente terminal, mas dele advém um aceleramento do
89
processo de morte”; em outras palavras, o alívio da dor repercute no
encurtamento da vida (Francesconi; Goldim, 2005, p. 75). Um exemplo dessa
situação é a analgesia e sedação, aplicada em pacientes gravemente enfermos,
que têm como objetivo principal aliviar os sintomas e promover qualidade de vida,
e não provocar o óbito, embora este possa ocorrer (Kovács, 2003b).
Eutanásia relacionada ao consentimento do paciente:
Eutanásia voluntária: “a que é solicitada pelo paciente” (Francesconi; Goldim,
2005, p. 75).
Eutanásia involuntária: “quando não desejada pelo paciente”, é a ação que
leva à morte, sem que o paciente tenha explicitamente consentido (Francesconi;
Goldim, 2005, p. 75). Nesse caso, não deveria mais ser chamada de eutanásia,
mas de homicídio; “com o atenuante de que é executada para aliviar o sofrimento,
possivelmente dos cuidadores, familiares ou profissionais” (Kovács, 2003b).
Eutanásia não-voluntária: “quando não se conhece a vontade do paciente”
(Francesconi; Goldim, 2005, p. 75), isto é, “quando a morte é provocada sem que
o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela” (Goldim, 2003).
3- DISTANÁSIA
É a agonia prolongada, é a morte com sofrimento físico ou psicológico do
indivíduo lúcido. Pode ser entendida como a forma de prolongar a vida de modo
artificial, sem perspectiva de cura ou melhora, quando utilizado com este sentido,
pode ser confundido, com a futilidade (Fransisconi & Goldim, 2005).
Distanásia pode ser caracterizada como o adiamento do momento da
morte, valendo-se de todos os recursos para proporcionar maior tempo de “vida”
ao paciente, mesmo que não haja chances de cura para ele. A distanásia é
também chamada de “obstinação terapêutica”, uma vez que provoca maior
sofrimento do paciente (Pessini, 2001).
A distanásia tem em comum com a eutanásia a prática de provocar a morte
“fora de hora”. Ou seja, a distanásia valoriza a proteção da vida, sem levar em
consideração se as medidas terapêuticas são inúteis, fazendo com que o
processo de morte seja prolongado, enquanto que a eutanásia se preocupa com a
90
qualidade de vida e, por isso, encurta esse período (Martin, 1998). A questão
técnica entra em choque com a questão ética, pois a primeira preocupa-se em
“prolongar os sinais vitais de uma pessoa em fase avançada de sua doença e
cuja terminalidade se constata a partir de critérios objetivos como, por exemplo, a
falência progressiva e múltipla de órgãos” (Martin, 1998, p. 187). Já a questão
ética preocupa-se com o período de tempo em que se deve investir e com o
sentido que tem esse investimento terapêutico (idem).
No atual Código de Ética Médica, o objetivo da medicina foi modificado:
não consiste apenas em “prolongar ao máximo o tempo de vida da pessoa”
(Martin, 1998, p. 187). Conforme o Artigo 2° do Código de Ética Médica, o objeto
de atenção do médico passou a ser a saúde da pessoa, e o critério para avaliar
seus procedimentos é se eles vão beneficiá-la ou não (Conselho Federal, 1988).
Mesmo com essa mudança de ênfase, continua firme a convicção encontrada em
códigos anteriores de que o médico deve guardar absoluto respeito pela vida
humana (Art. 6° do Código de Ética Médica), o que é reforçado pela ambigüidade
das interpretações que o Código de Ética Médica propicia.
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da
qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em
benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou
moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua
dignidade e integridade
26
.
Outro exemplo dessa interpretação dúbia é a leitura do Artigo 57º (idem).
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 57 - Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu
alcance em favor do paciente
27
.
Esse Artigo dá margem ao entendimento de que o médico deve fazer tudo
e em qualquer circunstância para manter a vida do paciente durante o máximo de
26
Conselho Federal, 1988.
27
Idem.
91
tempo que puder. Essa premissa adquire mais ênfase quando considerado o
crime previsto no Artigo 133º do Código Penal, sobre a omissão de socorro.
CAPÍTULO III - DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE
Abandono de incapaz
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos
28
.
Por outro lado, conforme Pessini (2001), quando uma determinada
intervenção médica não mais beneficia o paciente em estado crítico, terminal, em
estado vegetativo persistente
29
, ou a criança concebida com sérias deficiências
congênitas, o tratamento torna-se fútil e inútil. Nesse sentido, a insistência em
implementar essa intervenção vai resultar numa situação distanásica (idem).
Sendo assim, a distanásia traz outras discussões, como, por exemplo, sobre o
tratamento fútil e os cuidados paliativos, que discuto a seguir.
Tratamento fútil ou obstinação terapêutica: este tratamento questiona a
qualidade de vida, a economia (relação comercial/empresarial), a autonomia da
pessoa na liberdade de decisão e a possibilidade de reabilitar ou não (Pessini,
2001).
A futilidade deve ser definida em função da relação entre tratamento
terapêutico e cuidado. O tratamento será considerado fútil quando agregar riscos
crescentes, sem um benefício associado. Medidas de conforto básico,
alimentação, hidratação e controle de dor visando ao cuidado do paciente nunca
são fúteis. Futilidade é a ausência de uma finalidade útil ou que tenha um
resultado útil num procedimento diagnóstico ou intervenção terapêutica. Quando a
28
Brasil, 1940.
29
No estado vegetativo, o paciente é considerado vivo em função da permanência do
funcionamento do tronco cerebral. Só é constatada a morte encefálica caso estivessem inativas
todas as funções cerebrais, incluindo o tronco cerebral (responsável por funções automáticas:
respiração, batimentos cardíacos e pressão sanguínea), ou seja, a morte irreversível do cérebro
(Martin, 1998).
92
qualidade de vida é o objetivo, a determinação da futilidade pode envolver um
julgamento de valor (Goldim, 2000).
Segundo Kovács (2003b), os tratamentos fúteis são entendidos como
aqueles que não conseguem manter ou restaurar a vida, garantir o bem-estar,
trazer à consciência, aliviar o sofrimento; ao contrário, só levam a sofrimentos
adicionais. Nesse sentido, a grande dificuldade é determinar o que são
tratamentos ordinários (obrigatórios para salvar o paciente ou oferecer alívio e
controle de seus sintomas) e quais são os extraordinários, também denominados
de fúteis.
Cuidados paliativos: têm como proposta o cuidado, mesmo quando curar não
é mais possível, levando em consideração o não-abandono e tratamento dos
sintomas.
Em relação ao cuidado paliativo, Pessini (2001) vai dizer que, segundo a
Organização Mundial da Saúde, este se refere ao:
cuidado ativo total dos pacientes cuja doença não responde mais
ao tratamento curativo. O controle da dor e de outros sintomas, o
cuidado dos problemas de ordem psicológica, social e espiritual
são o mais importante. O objetivo do cuidado paliativo é conseguir
a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas
famílias (idem, p. 209).
Apesar de essa definição abranger boa parte das premissas para uma boa
qualidade de vida do moribundo e de seus familiares, parece-me que ainda
faltaria acrescentar alguns elementos, como, por exemplo, a compaixão, a
humildade (do médico em reconhecer a derrota, sem sentir que ela fere a sua
onipotência, deixando de sentir-se impotente frente à cura, à reabilitação, à
prevenção...), a honestidade (a família e o paciente têm o direito de saber o que
está acontecendo e por que) e a necessidade do atendimento à família e ao
moribundo por uma equipe multidisciplinar, com atendimento psicológico,
espiritual, social, nutricional, econômico, etc. (Pessini, 2001).
Com relação à família, acredito que esta, nos dias de hoje, precise de mais
cuidado e de políticas sérias que lhe possibilitem acompanhar os familiares
doentes e viver o luto. Afinal, não seria direito dos cuidadores estar com seu ente
querido; ter acesso às informações; entender os procedimentos médicos; ter a
93
segurança do conforto do paciente e de serem confortados; adquirir confiança nas
decisões; entender as razões da morte; ter amparo institucional? É importante
lembrar que as condições do sistema de saúde, no Brasil, levam muitos familiares
a se deslocarem do interior para a capital, sem recursos suficientes para se
manterem na cidade. Por outro lado, não podem permanecer em suas casas, pois
estariam abandonando seu familiar em situação de doença ou de morte iminente.
Ainda restam outras questões para se discutir a respeito das definições e
dos entendimentos sobre os cuidados paliativos. Por exemplo, no entendimento
Menezes, esses cuidados “postulam a qualidade do viver, em contraposição a
uma quantidade do viver, às custas de sofrimento” (Menezes, 2004, p. 58 -59). O
objetivo é “a melhor ‘qualidade de vida’ durante o tempo restante de vida,
oferecendo ‘dignidade’ e mantendo a identidade social do enfermo” (idem, p. 41).
Deve-se possibilitar uma “comunicação aberta, seguida da escuta e cumprimento
dos desejos do moribundo, o que depende basicamente da atuação das pessoas
com que este se relaciona”, ou seja, a equipe médica e os parentes (Menezes,
2004, p. 41). Uma das questões centrais do discurso dos paliativistas é a recusa
da eutanásia, pois afirmam que a demanda pela prática da eutanásia surge
apenas quando os doentes não são bem cuidados no período final da vida (idem).
A Medicina Paliativa atualmente é reconhecida em vários países
(Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Austrália e alguns da Europa) e é disciplina
obrigatória no currículo de formação médica. No Brasil, ainda não é reconhecida
como especialidade, mas existem movimentos favoráveis à sua legitimação
(Menezes, 2004). O movimento dos cuidados paliativos traz, segundo Kovács
(2003b), um grande progresso no que concerne aos cuidados no fim da vida,
restituindo o bem-estar global e a dignidade ao paciente gravemente enfermo,
favorecendo-lhe a possibilidade de viver sua própria morte, um respeito por sua
autonomia, sem abandono.
A discussão sobre a morte com dignidade traz a idéia da humanização da
morte, o que não consiste em seu apressamento, nem no seu prolongamento
indefinido, mas na eliminação do sofrimento, sem que seja rápida demais nem
muito demorada (idem). Essa definição de morte digna vai ao encontro dos
argumentos defendidos pelo movimento dos cuidados paliativos, que não
propõem a prática da eutanásia.
94
Mas será que não há uma idealização da “bela” e “boa” morte nos
programas de cuidados paliativos? Alguns autores, como Kovács (2003b),
criticam os programas de cuidados paliativos, especialmente pelo fato de não
abrirem espaço para a discussão sobre o direito de morrer. Afinal, entre os
grandes temores do processo de morrer, na atualidade, há o de sofrer muito, ter
dor insuportável, ver a degradação do corpo, ser dependente, sobrecarregar a
família e deixar grandes ônus financeiros (idem). Nesse sentido, os cuidados
paliativos não seriam o melhor caminho entre a eutanásia, o suicídio assistido e a
distanásia, e nem mesmo uma possibilidade de operacionalização da ortotanásia,
que é a morte na hora certa. Por outro lado, ainda restam outras questões, como,
por exemplo: será que o acesso a esses cuidados é disponibilizado para todos os
casos, inclusive a um paciente que tenha AIDS ou a pacientes idosos, com seus
múltiplos sintomas, elementos que dificultam a garantia de uma boa qualidade de
vida (idem)? Parece-me que, nos países pobres, pouco se sabe sobre os
cuidados paliativos, pois as prioridades giram em torno da sobrevivência; nesse
caso, o cuidado paliativo pode ser entendido como uma prática pouco acessível.
Embora grandes avanços tenham sido obtidos no controle da dor, muitos
outros sintomas ainda não são cuidados de maneira efetiva, como, por exemplo, a
fadiga, a solidão, o enfraquecimento, a dependência e a perda de controle do
corpo (Kovács, 2003b). A isso tudo, soma-se a sensação de ser uma sobrecarga
para a família – esses elementos constituem os principais motivos para se desejar
a morte (idem). Por isso, encerrar toda a polêmica sobre eutanásia com o
desenvolvimento de programas paliativistas pode ser considerado muito simplista.
4 – ORTOTANÁSIA
É definida como sendo a utilização de meios adequados para tratar uma
pessoa que está morrendo. “Poderia ser associada, caso fosse um termo
amplamente adotado, aos cuidados paliativos adequados prestados aos
pacientes” (Fransisconi & Goldim, 2005, p.76).
A ortotanásia é entendida como “possibilidade de suspensão de meios
artificiais para manutenção da vida quando esta não é mais possível“ um exemplo
lícito é o desligamento de aparelhos quando este não mais promove recuperação
e acaba causando sofrimento adicional (Kovács, 2003b). Ou seja, a conduta de
95
desligar equipamentos será lícita se não significar encurtamento da vida (idem).
Conforme Martin (1998, p. 172), a ortotanásia “procura respeitar o bem-estar
global da pessoa, abre pistas para as pessoas de boa vontade garantirem, para
todos, dignidade no seu viver e no seu morrer”.
5 – MISTANÁSIA, EUTANÁSIA SOCIAL OU CRIPTONÁSIA
É a morte miserável, fora e antes da hora, de crianças, jovens, adultos e
anciãos (Fransisconi & Goldim, 2005). Remete a situações como:
– Grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos,
sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não
conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico;
– Pacientes que se tornam vítimas de erro médico e
– Pacientes que acabam sendo vítimas de má prática por motivos
econômicos, científicos ou sociopolíticos (Martin, 1998, p. 172).
A mistanásia “é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da
maldade humana” (Martin, 1998, p. 172). É um tipo de prática condenado pelo
Código de Ética Médica, no seu Artigo 54º.
Capítulo IV - Direitos Humanos
É vedado ao médico:
Art. 54 - Fornecer meio, instrumento, substância, conhecimentos ou participar, de qualquer
maneira, na execução de pena de morte
30
.
Apesar de a mistanásia provocar a morte antes da hora, tal como a
eutanásia, elas se diferenciam em um ponto importante: enquanto a mistanásia
provoca a morte de uma maneira dolorosa e miserável, a eutanásia provoca a
morte de uma maneira suave e sem dor (idem). O argumento utilizado pelos
defensores da eutanásia é que não estão dispostos a sacrificar os seres
humanos, priorizando o respeito por sua autonomia e liberdade, valores que os
dignificam em presença de doenças que causam “dependência progressiva e a
perda de controle sobre a vida e sobre as funções biológicas”, bem como do
sentido que se atribui ao fim da vida e à morte (Martin, 1998, p. 181). O
30
Conselho Federal, 1988.
96
argumento contra a eutanásia baseia-se em que se deve proteger a dignidade da
pessoa, eliminando o sofrimento e a dor, mas não através da eliminação do
portador desses problemas. No atual Código de Ética Médica, o Artigo 6º dá
continuidade a essa tradição, afirmando claramente a preocupação com o valor
da vida humana, quando diz:
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em
benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou
moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua
dignidade e integridade
31
.
Esta formulação amplia a noção biologista do ser humano, pois afirma que
o tratamento deve ser em benefício do paciente e que não se deve usar a
medicina para gerar sofrimento, nem para ofender a dignidade e integridade das
pessoas, tampouco causar seu extermínio.
Mistanásia em quem não chega a ser paciente: por omissão
Segundo Martin, a forma mais comum de mistanásia no Brasil é a “omissão
de socorro estrutural que atinge milhões de doentes durante sua vida inteira e não
apenas nas fases avançadas e terminais de suas enfermidades” (Martin, 1998, p.
175). A ausência ou a precariedade de serviços de atendimento médico, em
muitos lugares, garante que pessoas que poderiam ser tratadas morram antes da
hora, padecendo enquanto vivem de dores e sofrimentos que, com o
conhecimento e tecnologia de que dispomos, em princípio, poderiam ser evitados
(idem).
Nesse sentido, fatores geográficos, sociais, políticos e econômicos juntam-
se para espalhar pelo nosso país a morte miserável e precoce instituída pela
mistanásia. Segundo Martin,
Numa sociedade onde recursos financeiros consideráveis não
conseguem garantir qualidade no atendimento, a grande e mais
urgente questão ética que se levanta diante do doente pobre na
fase avançada de sua enfermidade não é a eutanásia, nem a
distanásia, destinos reservados para doentes que conseguem
quebrar as barreiras de exclusão e tornar-se pacientes, mas, sim,
a mistanásia, destino reservado para os jogados nos quartos
31
Conselho Federal, 1988.
97
escuros e apertados das favelas ou nos espaços mais arejados,
embora não necessariamente menos poluídos, embaixo das
pontes das nossas grandes cidades (MARTIN, 1998, p. 175).
Os planos de saúde particulares e o apelo às medicinas alternativas
tradicionais e novas são dados sintomáticos da ausência de serviços de saúde
em função do sucateamento dos serviços públicos e da elitização dos serviços
particulares (idem). É pela complexidade das causas dessa situação que vem se
gerando na sociedade certo sentimento de impotência, com a propagação da
mentalidade “salve-se quem puder” (Martin, 1998).
Mistanásia e o erro médico...
Outro tipo de prática mistanásica é aquela dos doentes que, embora
consigam ser admitidos como pacientes, se tornam vítimas de erro médico – seja
em consultórios particulares, em postos de saúde ou em hospitais.
O Código de Ética Médica fala de três tipos de erro médico: de imperícia,
de imprudência e de negligência (Artigo 29º).
Capítulo III - Responsabilidade Profissional
É vedado ao médico:
Art. 29 - Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados
como imperícia, imprudência ou negligência
32
.
A partir de agora, estarei abordando alguns dos erros que surgem no caso
do paciente crônico ou terminal e que constituem a prática mistanásica.
a - Mistanásia por imperícia: ocorre quando o médico “deixa de diagnosticar em
tempo uma doença que poderia ter sido tratada e curada porque ele descuidou da
sua atualização e da sua formação continuada” (Martin,1998, p. 176). Conforme o
art. 5º do Código de Ética Médica:
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 5° - O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do
progresso científico em benefício do paciente
33
.
32
Conselho Federal, 1988.
33
Idem.
98
A desatualização do médico pode condenar o paciente a uma morte
dolorosa e precoce. Por exemplo, quando a equipe médica deixa de tratar de
forma adequada “a dor do paciente crônico ou terminal por falta de conhecimento
dos avanços na área de analgesia e cuidado da dor” (Martin, 1998, p. 176),
especialmente se esse conhecimento for de acesso relativamente fácil.
b - Mistanásia por imprudência: pode ser considerada, por exemplo, quando o
médico não deseja perder tempo com pacientes desenganados e quer deixar de
fazer exames, prescrevendo tratamentos ou procedimentos que colocam o
paciente em risco de tratamento inadequado e de sofrimento desnecessário,
ambos características típicas da mistanásia (Martin,1998). Essa postura é
condenada pelo Artigo 62º do Código de Ética Médica.
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 62 - Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente,
salvo em casos de urgência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse
caso, fazê-lo imediatamente cessado o impedimento
34
.
Outra forma de imprudência que pode levar a resultados mistanásicos
ocorre quando o profissional de saúde efetuar qualquer procedimento médico sem
o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente, levando em
consideração apenas o fato de o seu estado ser crônico ou terminal, ao mesmo
tempo em que desconsidera os Artigos 46º e 56º do Código (Martin,1998).
Capítulo IV - Direitos Humanos
É vedado ao médico:
Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento
prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida.
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de
práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida
35
.
34
Conselho Federal, 1988.
35
Idem.
99
Desconsiderar a autonomia do paciente em estado crônico e terminal é
uma imprudência que pode causar um “mal-estar mental e espiritual devido à
perda sensível de controle sobre sua vida, tornando miserável e mistanásico o
processo de morrer” (Martin,1998, p. 177).
c - Mistanásia por negligência: estarei apontando aqui a mistanásia provocada
por omissão de socorro na relação médico-paciente já estabelecida ou pelo
abandono do paciente. É verdade que casos de negligência que provocam danos
ao paciente crônico ou terminal, aumentando seu sofrimento e tornando mais
miserável sua morte, podem ser fruto da má prática do médico, mas muitas vezes
sua negligência decorre de “cansaço e sobrecarga de serviços devido às
condições de trabalho impostas a muitos profissionais em hospitais e postos de
saúde” (Martin,1998, p. 177).
É importante levar em conta formas de mistanásia por negligência em que
o médico precisa se responsabilizar e que o atual Código de Ética Médica procura
evitar: a omissão de tratamento e o abandono do paciente crônico ou terminal
sem motivo justo (idem).
Conforme o Artigo 7° do Código de Ética Médica, o médico não é obrigado
a atender qualquer um indiscriminadamente, mas o apelo à solidariedade
humana, nesse caso, pesa mais que o princípio da autonomia do médico.
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 7° - O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a
prestar serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em
casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente
36
.
O Artigo 58º reforça essa condição de solidariedade ao vedar ao médico
que deixe de atender paciente.
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 58 - Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em caso de
urgência, quando não haja outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo
37
.
36
Conselho Federal, 1988.
37
Idem.
100
O médico que, na ausência de outro, se omite em casos de urgência ou
causa danos irreversíveis ao paciente, provocando uma morte precoce e/ou
dolorosa, “é responsável por uma negligência que constitui não apenas um erro
culposo, mas também, uma situação mistanásica” (Martin,1998, p. 178).
Essa posição é válida para os pacientes de modo geral, mas aplica-se de
modo especial aos pacientes crônicos e terminais. No caso destes, o Código traz
(além dos Artigos 36º e 37º, que vedam ao médico abandonar plantão e pacientes
de modo geral) o Artigo 61º, que trata especificamente da problemática do
abandono do paciente crônico e terminal, vedando ao médico o abandono de
paciente sob seus cuidados (idem).
Capítulo V - Relação com Pacientes e Familiares
É vedado ao médico:
Art. 61 - Abandonar paciente sob seus cuidados.
§ 1° - Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o
paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao
atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou seu responsável legal,
assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações
necessárias ao médico que lhe suceder.
§ 2° - Salvo por justa causa, comunicada ao paciente ou ao a seus familiares, o médico não
pode abandonar o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável, mas
deve continuar a assisti-lo ainda que apenas para mitigar o sofrimento físico ou psíquico
38
.
O abandono do paciente crônico ou terminal que implica recusa de
continuar a assisti-lo, ainda que apenas para atenuar o sofrimento físico ou
psíquico, devido às suas conseqüências, constitui uma prática mistanásica, que é
“rejeitada pela profissão médica no Brasil desde os primórdios da sua tradição
codificada” (Martin,1998, p. 178).
Mistanásia por má prática
A grande distinção entre a mistanásia por erro médico e a mistanásia por
má prática, segundo Martin (1998), está na diferença entre a fraqueza humana e
a maldade. Ele diz que o erro, mesmo culposo devido à “imperícia, imprudência
ou negligência, é fruto da fragilidade e da fraqueza humana e não de uma
38
Conselho Federal, 1988.
101
intenção proposital de prejudicar alguém” (idem, p. 178). Já a mistanásia por má
prática ocorre quando
o médico e/ou seus associados, livremente e de propósito, usam a
medicina para atentar contra os direitos humanos de uma pessoa,
em benefício próprio ou não, prejudicando direta ou indiretamente
o doente ao ponto de menosprezar sua dignidade e provocar uma
morte dolorosa e/ou precoce (idem, ibidem).
Essa é uma forma de usar a medicina para maltratar o paciente. Nesse
caso, a gravidade é ainda mais complexa, pois viola um relacionamento especial
de confiança e de vulnerabilidade estabelecido entre o paciente e o profissional
de saúde (Martin, 1998). Esse é um dos princípios fundamentais estabelecidos
pelo Código de Ética Médica, que diz:
Capítulo I - Princípios Fundamentais
Art. 2° - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da
qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional
39
.
Algumas das situações que ilustram essa forma de mistanásia são, por
exemplo, o caso de idosos internados em hospitais ou hospícios, onde não
dispõem de “alimentação e acompanhamento adequados, provocando assim uma
morte precoce, miserável e sem dignidade” (Martin, 1998, p. 179). Esse exemplo
leva-nos a dois tipos de mistanásia; um que
ocorre numa cidadezinha pobre do interior, num abrigo para
idosos abandonados mantido a duras penas por pessoas de boa
vontade e com poucos recursos, e a mistanásia por má prática
que surge numa empresa hospitalar quando a verba destinada à
alimentação e acompanhamento dos idosos for desviada para
beneficiar financeiramente donos, administradores ou funcionários
da instituição, deixando os pacientes numa situação de miséria,
provocando-lhes uma morte indigna e antes da hora (idem, p.
179).
Esse exemplo mostra a malícia do uso maldoso da medicina contra o ser
humano para tirar proveito dele, ao invés de promover seu bem-estar (Martin,
1998).
Outro exemplo de mistanásia por má prática é a retirada de um órgão vital,
para transplante, antes da morte da pessoa. O atual Código de Ética Médica
39
Conselho Federal, 1988.
102
procura evitar essa prática, proibindo ao médico que cuida do paciente (potencial
doador) e que é responsável pela declaração de óbito de participar da equipe de
transplante (idem). Com essa determinação, o Código age de duas formas: uma
ética, em que solicita respeito pelo direito à vida da pessoa, mesmo nos seus
últimos momentos; e outra que é pragmática, pois, caso as pessoas desconfiem
“que possam ser mortas para fornecer órgãos para outros, é bem possível que o
número de pessoas recusando ser doador aumente” (Martin, 1998, p. 180).
Há formas de mistanásia que merecem um breve comentário, tanto por
causa de sua importância histórica quanto pela tendência de confundi-las com
eutanásia. Um bom exemplo da aliança entre a política e as ciências biomédicas
a serviço da mistanásia foi a política nazista de purificação racial, baseada numa
ciência ideologizada (Martin, 1998). Nessa situação, as pessoas não precisavam
ser doentes terminais para serem consideradas candidatas ao extermínio, mas se
enquadrarem nas categorias que as consideravam defeituosas ou indesejáveis
para serem “sistematicamente eliminadas: doentes mentais, homossexuais,
ciganos, judeus” (idem, p. 175). Outro exemplo de mistanásia é o uso de injeção
letal em execuções nos Estados Unidos, principalmente se a aplicação for feita
por pessoal médico qualificado (idem). Este é um tipo de má prática condenado
pelo Código [Brasileiro] de Ética Médica, no Artigo 54º.
Capítulo IV - Direitos Humanos
É vedado ao médico:
Art. 54 - Fornecer meio, instrumento, substância, conhecimentos ou participar, de qualquer
maneira, na execução de pena de morte
40
.
Outro tipo de mistanásia que se dava nos campos de concentração, onde
havia grande quantidade de pessoas consideradas cobaias humanas
descartáveis, foi a praticada em nome da ciência, em que seres humanos foram
vítimas de experiências “que em nada respeitavam nem a integridade física nem o
direito à vida dos participantes” (idem, p. 176).
O Brasil não está à margem da reação mundial a esse tipo de
comportamento. O nosso Código de Ética Médica preocupa-se em garantir a
integridade e a dignidade de seres humanos que participam de experiências
40
Conselho Federal, 1988.
103
científicas e exige, nessa situação, cuidados especiais para defender os
interesses do paciente crônico ou terminal (Artigo 130º).
Capítulo XII - Pesquisa Médica
É vedado ao médico:
Art. 130 - Realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente
com afecção incurável ou terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para o
mesmo, não lhe impondo sofrimentos adicionais
41
.
Pode-se dizer que as situações de mistanásia provocadas por erro, apesar
de serem graves, são conseqüências da fraqueza e fragilidade da condição
humana e, por isso, não devem ser julgadas com base nos mesmos critérios que
se julgam situações mistanásicas em que pessoas são vítimas de má prática por
motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos ou de outra forma de má prática,
fruto da maldade humana (Martin, 1998).
6 – MORTE NATURAL
Segundo Martin, até um momento relativamente não muito distante na
“história da humanidade, a chamada morte natural por velhice ou doença
simplesmente fazia parte da vida e, em grande parte, fugia do nosso controle”
(Martin, 1998, p. 171). Essa morte consistia na morte “tranqüila” de uma pessoa,
na maioria das vezes velha, em sua cama, em companhia de pessoas de sua
relação (Menezes, 2004). Não estendendo essa discussão, vê-se que a morte
tem sofrido diversas modificações ao longo do tempo e de acordo com a cultura.
Nesse entendimento, a morte tranqüila passou a ser entendida como aquela em
que
a dor e o sofrimento são minimizados por paliação adequados, na
qual os pacientes não são abandonados ou negligenciados, e na
qual os cuidados com aqueles que não vão sobreviver são
avaliados tão importantes como aqueles que são dispensados a
quem irá sobreviver (Hastings Ctr Report, 1996 apud
FRANCESCONI, 2000).
Nesse sentido, a medicalização da morte trouxe um aumento do poder
sobre os processos ligados à chamada morte natural. Esse poder acarretou uma
41
Conselho Federal, 1988.
104
diversificação dos significados da mão curadora do médico – hoje essa mão
causa receios, pois, em alguns casos, pode ser associada à do assassino (Martin,
1998).
7 LEITURA RELIGIOSA DA EUTANÁSIA
A eutanásia traz dois princípios que se chocam. De um lado, está a
autonomia do paciente, que quer cuidar de seu próprio processo de morte; do
outro, está a sacralidade da vida, postulada pelas principais religiões, que
consideram como transgressão a disposição sobre o próprio corpo (Kovács,
2003b).
Segundo Kovács (2003b), a "Declaração sobre a Eutanásia", de 5 de maio
de 1980, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, é o documento mais
completo da religião católica sobre a eutanásia. Nela, a eutanásia é condenada
como violação da lei de Deus, ofensa à dignidade humana e crime contra a vida,
sendo, por essas razões, moralmente reprovável (Kovács, 2003b; Martin, 1998).
Conforme afirmação da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, é
considerada eutanásia a
ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim
de eliminar toda a dor.
Essa afirmação é apoiada pelas palavras do Papa João Paulo II, na sua
Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 65 (1995), quando diz que
em conformidade com o Magistério dos meus Predecessores e em comunhão
com os Bispos da Igreja Católica, confirmo que a eutanásia é uma violação grave da Lei
de Deus, enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Tal
doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida
pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal.
A eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou
do homicídio.
Porém, isso não significa que se tenha de preservar a vida a custo do
prolongamento da agonia e do sofrimento. Assim, a interrupção de um tratamento
105
que não oferece cura ou recuperação e causa muita dor e sofrimento não é
considerada eutanásia, conforme as palavras do Papa:
A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio
ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte
42
.
O ponto central das discussões entre ética e religião é o questionamento
sobre a autoridade divina e a possibilidade de autodeterminação ou autonomia do
ser humano, já que a vida não é só biológica, mas um misto de estilos, valores,
crenças, opções... (Kovács, 2003b).
Na visão religiosa, a autonomia do ser humano sobre a sua vida, quando
defrontada com o poder de Deus, perde a razão; afinal, nenhum poder poderia
equiparar-se ao divino. Em outras palavras:
recusando ou esquecendo o seu relacionamento fundamental com Deus, o
homem pensa que é critério e norma de si mesmo e julga que tem inclusive o direito de
pedir à sociedade que lhe garanta possibilidades e modos de decidir da própria vida com
plena e total autonomia
43
.
Reivindicar tais direitos e legitimá-los legalmente, segundo a doutrina
católica:
equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o
significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte
da verdadeira liberdade: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o
pecado é escravo do pecado» (Jo 8, 34)
44
.
Outra justificativa alegada para a reprovação da eutanásia consiste no fato
de essa prática pretender
medir o valor de uma vida humana apenas segundo parâmetros de «normalidade
e de bem-estar físico
45
.
Nesse caso, a Igreja explica que, ao prevalecer a
42
João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 65 (1995).
43
João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 64 (1995).
44
João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 20 (1995).
45
João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 63 (1995).
106
tendência para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-
estar, o sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso libertar-
se a todo o custo. A morte, considerada como «absurda» quando interrompe
inesperadamente uma vida ainda aberta para um futuro rico de possíveis experiências
interessantes, torna-se, pelo contrário, uma «libertação reivindicada», quando a
existência é tida como já privada de sentido porque mergulhada na dor e inexoravelmente
votada a um sofrimento sempre mais intenso
46
.
Num tal contexto, torna-se cada vez mais forte a tentação da eutanásia, isto é, de
apoderar-se da morte, provocando-a antes do tempo e, deste modo, pondo fim
«docemente» à vida própria ou alheia. Na realidade, aquilo que poderia parecer lógico e
humano, quando visto em profundidade, apresenta-se absurdo e desumano
47
.
Com esses excertos, torna-se claro que tanto a teologia moral quanto a
ética médica condenam a morte direta e proposital do portador da dor. Também,
ao condenar-se a eutanásia, não é o controle da dor, nem a defesa da dignidade
da pessoa humana doente ou moribunda que se condena, mas sim o resultado,
que acaba matando a pessoa a fim de matar sua dor (Martin, 1998).
Mas como poderíamos defender e promover os valores positivos da
eutanásia (quem não deseja uma boa morte, suave e sem dor?) sem cair no
extremo de matar a pessoa depositária da dignidade humana que fundamenta
todos os outros direitos? Com vistas às questões relacionadas à discussão sobre
a eutanásia, o Conselho Federal de Medicina aprovou uma nova resolução sobre
a ortotanásia, em que considera ético limitar ou suspender procedimentos que
prolonguem a vida do doente incurável em fase terminal. Essa discussão aparece
no Capítulo 6.
46
João Paulo II, na sua Carta Encíclica Evangelium Vitae n° 64 (1995).
47
Idem.
107
CAPÍTULO VI – QUESTÕES DE VIDA E DE MORTE...
Neste capítulo, discuto e analiso reportagens cujo tema central é a
eutanásia. Elas apresentam diálogos com médicos e abordam situações que
geraram discussões e mobilizações públicas, trazendo à tona problematizações
relativas às decisões ligadas à vida/morte das pessoas em situação de morte
iminente. Discuto também algumas estratégias regulamentadoras da vida e
questões levantadas sobre as propostas para legalização da ortotanásia.
DIFERENTES OLHARES SOBRE A VIDA, A MORTE E A EUTANÁSIA...
Numa tentativa de levantar elementos para entender como vem sendo
pensada a eutanásia, trouxe inicialmente a reportagem intitulada Eles praticam a
eutanásia (Netto; Trezzi, 2005), que trata desse tema a partir de depoimentos de
médicos gaúchos. Nessa reportagem, a prática da eutanásia aparece como rotina
para apressar a morte de pacientes terminais, sugerindo-se que sejam revistos os
critérios utilizados para interromper o tratamento de quem agoniza.
Nas entrevistas a respeito da eutanásia, tornaram-se visíveis as
preocupações dos médicos em relação à falta de amparo legal em detrimento das
questões religiosas e morais. Eles afirmam que a prática da eutanásia serve para
diminuir a agonia física, psicológica e financeira de pacientes e seus familiares,
além de atenuar a falta de leitos e verbas para a saúde. Um dos médicos diz:
Por não tornarmos legal uma ação centrada na vontade, geramos uma indústria
da saúde que trabalha com a seqüela e lucra com os custos hospitalares
48
.
Nesse sentido, mesmo que à custa de um maior sofrimento para os
doentes e os familiares, a distanásia, assim como os cuidados paliativos, refletem
as preocupações contemporâneas com o fazer viver e um prolongamento da vida.
Esses cuidados correspondem a um novo dispositivo social de domínio das
emoções diante da morte. Torna-se necessário, aos padrões atuais de
sensibilidade, o crescente autocontrole e distanciamento emocional, elementos
indicadores das mudanças das relações do homem com seu corpo e,
conseqüentemente, com a sua morte (Menezes, 2004).
48
As falas extraídas das reportagens estão identificadas pelo uso do grifo em itálico.
108
No transcorrer da reportagem, ocorre um diálogo entre o médico e o
repórter, do qual extraí o trecho que segue (Netto, Trezzi, 2005):
ZH – Existe eutanásia no Brasil?
Médico – Sobre ela fala-se pouco e se pratica muito.
ZH – Qual o momento para a eutanásia?
Médico – Com alguma freqüência, os familiares confessam que não agüentam mais.
ZH – Esse é o recado?
Médico – Sim, é muito claro (...) uma pessoa que a família amou ou ama muito é
transformada em um pedaço de carne em cima de uma cama.
Essa conversa mostra que a eutanásia, apesar de proibida por lei, está
acontecendo e sendo aceita tanto pelos médicos quanto pelas famílias
49
.
Também é apresentada nesse diálogo a existência do medo da punição por
assassinato, por isso, o médico não decide pela morte, mas passa a decisão à
família. Tal argumento vincula-se à noção cada vez mais presente em nossa
sociedade de que as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de
seus enfermos irrecuperáveis. Por isso, muitas vezes, os familiares optam por
dispensar as tecnologias da ciência, recusando-se a lutar contra o invencível e
reconhecendo que todos irão, em algum momento, morrer.
Embora dois dos casos que trago para levantar discussões acerca de como
lidamos, hoje, com pacientes em situação de terminalidade não sejam exemplos
de eutanásia, discuto-os por terem sido amplamente divulgados pela mídia e
gerado controvérsias.
O marido de Terri (Theresa Marie Schiavo), Michael Schiavo, foi um dos
exemplos mais recente de que as famílias já admitem o direito de decidir sobre o
destino de seus parentes com doenças incuráveis, dispensando os usos das
49
Denys Arcand, diretor do filme “As invasões bárbaras”, em uma entrevista à revista Veja
(intitulada O começo do fim), falando sobre a eutanásia, tema desse filme, disse: “embora, como
todos saibamos, ela seja feita todos os dias, em hospitais de todo o mundo, como um ato de
misericórdia sobre o qual todos se silenciam, a eutanásia é e será, por muito tempo um tabu de
ordem religiosa: nossa vida não pertence a nós, e sim a Deus e, por extensão, ao Estado. Mas
acredito que esse tabu seja vencido. Na Holanda, por exemplo, que é o país mais civilizado do
mundo, a eutanásia já foi legalizada. A morte de Remy, entretanto, é a minha visão de morte ideal”
(Boscov, 2004). Remy é o nome do personagem principal do filme, que optou por morrer com uma
overdose de cocaína, ou seja, uma forma de eutanásia. Com o apoio da família e dos amigos,
abreviou o sofrimento de um câncer terminal. O diretor conclui sua fala dizendo: “É assim que eu
gostaria de ir-me: num lugar belo, cercado por minha família e meus amigos, no momento que me
parecer mais adequado” (Boscov, 2004).
109
tecnologias. Terri, americana de 41 anos de idade, estava há 15 anos em estado
vegetativo, ou seja, ela encontrava-se inconsciente e incapaz de realizar qualquer
movimento voluntário, em razão da inatividade de seu córtex cerebral devido à
falta de oxigênio causada por parada cardíaca ocorrida quando tinha 26 anos de
idade. Segundo informações contidas na reportagem intitulada Terri morreu, as
dúvidas continuam (Schelp, 2005), apesar da oposição dos pais, o marido de
Terri, Michael Schiavo, depois de uma longa batalha judicial, conseguiu
autorização para que a sonda de alimentação fosse retirada. Seu marido é
considerado seu guardião legal e, segundo a reportagem Pais desistem; EUA
esperam morte de Terri (Leite, 2005b), ele tentava, desde 1998, desligar o tubo
que alimentava a mulher, afirmando que ela sempre disse que jamais gostaria de
ser mantida viva desse modo. A expectativa dos médicos com relação à morte de
Terri era que ocorresse por inanição, devido à remoção do tubo, levando de uma
a duas semanas para acontecer. Segundo os médicos, sua morte seria quase
indolor (TUBO, 2005; Leite, 2005b).
O procedimento levou Terri à morte por inanição e desidratação, após 12
dias, nove horas e 15 minutos da retirada do tubo que a mantinha viva desde
fevereiro de 1990, conforme informações da reportagem intitulada No 13º dia de
agonia, morre Terri Schiavo (Leite, 2005d). Nos EUA, TVs e sites alardeavam
cada desdobramento e cada derrota judicial dos pais de Terri contra seu marido
(idem), como é demonstrado por este trecho extraído da mesma reportagem:
Toda noite, algum canal ou apresentador realizava um programa especial sobre o
caso Terri. Dezenas ficaram acampados em frente à clínica, em Pinellas Park. Pouco
depois da morte, as TVs já mostravam pessoas cantando e rezando.
Antes e depois da morte de Terri, ocorreram várias manifestações, muitas
delas em frente ao hospital. Pessoas carregavam cartazes, ajoelhavam-se,
rezavam e tentavam invadir o hospital para dar água para Terri. No dia 30 de
março, já haviam sido detidos 48 manifestantes em frente à clínica (Leite, 2005c).
A cada dia, crescia a tensão entre defensores da decisão do marido e opositores
da morte de Terri, como é demonstrado por este excerto da reportagem intitulada
”Terri está nas últimas horas”, diz pai (Leite, 2005a):
110
Ontem, nove pessoas foram presas em manifestações em frente à clínica, entre
elas uma criança de 10 anos. Na quarta-feira, mais dez tinham sido detidos tentando
levar água para a mulher. Anteontem à noite, um homem foi preso após assaltar uma loja
de armas numa tentativa para "resgatar Terri Schiavo", segundo a polícia.
Consta, na mesma reportagem, que Terri já tinha ficado sem o tubo por
duas vezes em meio à batalha judicial que se arrastou desde 1998, mas nunca
por tanto tempo. No ano de 2001, foram dois dias; em 2003, seis. Ainda nessa
reportagem, os parentes e amigos dos pais de Terri relataram:
... ela está com uma cor acinzentada, os olhos fundos, a língua e os lábios secos.
Seu irmão, Bobby Schindler, afirmou que olhar para ela era como olhar uma "foto de
prisioneiro de campos de concentração"
50
.
Esse relato ocorreu a cinco dias de sua morte. Pode-se perceber, pelas
reportagens, que as diversas mobilizações geradas foram em torno da vida e da
morte e de quem teria ou não o poder de determinar o “futuro” de Terri. Em
contrapartida, pouco se falou sobre como essa mulher estava vivendo, se essa
condição poderia ser chamada de vida ou, ainda, se aplicar uma medicação que
levasse a uma morte rápida e, talvez, sem dor, não teria sido mais solidário com a
situação da paciente.
Outra questão pouco discutida foi a do significado da morte por inanição.
Para alguns médicos, o suprimento de líquidos e nutrientes equivale a uma forma
de medicamento, uma vez que Terri não podia nutrir-se sem o uso de aparelhos
que bombeassem materiais nutritivos para dentro de seu corpo. Entretanto,
segundo a reportagem intitulada Vaticano afirma que "princípios da civilização"
foram violentados (VATICANO, 2005), a morte dessa mulher foi qualificada, pelo
Vaticano, como “uma violação dos princípios cristãos e da civilização”. Na
reportagem, Joaquín Navarro-Valls, porta-voz do Vaticano, disse que "alimentar
uma pessoa jamais poderia ser considerado como um recurso excepcional"
(VATICANO, 2005). A reportagem trouxe também o pronunciamento do cardeal
Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz, que
qualificou os que induziram a morte da americana como "cúmplices de um
homicídio” e que se tratou ”não apenas de uma tragédia humana, mas também
50
Leite, 2005a.
111
uma tragédia ética, jurídica e cultural" (idem), comparando a morte de Terri "a
uma sentença de morte executada por meio de métodos cruéis" (idem).
Mas será que morrer por sede e fome, mesmo com autorização judicial,
tem alguma coisa a ver com a eutanásia? Ou a situação e seu desfecho mostram
a urgência de se debater sobre as “verdades” legitimadas em relação ao morrer?
Talvez a pena de morte por uma injeção letal que não causa “dor”, sem
desconsiderar os sofrimentos que possam acontecer naquele momento, seja um
modo bem mais humano de tratar uma pessoa que está doente, o que me parece
ir ao encontro dos princípios da eutanásia.
Um caso, no Brasil, que envolveu deliberações pela manutenção da vida
ou não e que teve grande repercussão foi a decisão de Jeson de pedir a
eutanásia do filho, Jhéck. Na época, o menino de quatro anos de idade era
portador de uma doença degenerativa do sistema nervoso central, tendo perdido
a fala, a visão e os movimentos dos braços e das pernas. A criança estava
internada há quatro meses no CTI (Centro de Terapia Intensiva) infantil do
hospital Unimed de Franca (SP), alimentando-se por meio de sonda e respirando
com a ajuda de aparelhos. Segundo nota publicada na revista Veja, intitulada
Deixem Jeson em paz (Petry, 2005), não suportando ver seu filho preso em uma
cama de hospital, inerte, Jeson queria pedir à justiça que seu filho fosse
submetido à eutanásia. No entanto, Rosemara, mãe de Jhéck, opunha-se à
decisão do ex-marido, e sua luta consistia em manter a vida do filho. Por um lado,
a decisão da mãe foi respeitada e recebeu apoio da sociedade; por outro, a
resposta que o pai recebeu foi a de acusação. Ele foi chamado de assassino por
querer matar seu filho e teve questionada, inclusive, a sua sanidade mental
(Petry, 2005).
De acordo com o que Erlan, irmão de Jeson, disse na reportagem intitulada
Família do pai de Jhéck é contra a eutanásia (Toledo, 2005a), a família não
apoiou o pai porque tem formação católica e acredita que a eutanásia não é a
melhor medida para a criança. Erlan disse:
112
Acredito que ele está agindo movido pelo desespero. Somos contra a decisão
dele e ficamos até meio constrangidos com isso, porque ninguém está apoiando o
Jeson
51
.
Em uma reportagem, Jeson disse saber que lutaria “contra o mundo”
(Toledo, 2005a), porém, ao que parece, as frentes de “batalha” geradas pela sua
ação levaram-no a recuar e desistir de obter uma autorização da justiça para
realizar a eutanásia no filho. Segundo a reportagem intitulada Pai desiste de pedir
a eutanásia do filho (Toledo, 2005b), Jeson afirma:
Estou desistindo oficial e definitivamente. Quero dar chances à mãe e estou
entregando meu filho a Deus.
Consta nessa mesma reportagem que, de acordo com o advogado de
Jeson, a defesa da eutanásia na Justiça iria se basear no conceito de vida:
Valeria a pena viver com aparelhos assim? Queríamos uma definição do conceito
de vida. Ele está ou não vivo? Essa era a tese
52
.
Segundo a reportagem intitulada Médico defende fim do tratamento de
Jhéck (MÉDICO, 2005), o médico defendeu o direito de Jeson pleitear
judicialmente a morte do filho. De acordo com o especialista, o pai não quer o
homicídio do filho, mas o término do sofrimento da criança, como sugere o
excerto abaixo:
A suspensão do esforço terapêutico é uma situação que não vejo com ressalvas.
Se é a vontade de Deus que ele viva, ele viverá. Se não for a vontade de Deus, ele não
viverá. Se ele morrer, essa não terá sido a vontade divina?
53
Segundo reportagem intitulada Mãe diz esperar avanço da ciência para
salvar Jhéck (MÃE, 2005), após a desistência de Jeson, Rosemara disse que se
sentia aliviada:
Foi a melhor notícia que poderia ocorrer. Não esperava que ele [Jeson de Oliveira]
fosse desistir e creio que as orações tenham servido para isso. Estou aliviada demais
54
.
51
Toledo, 2005a.
52
Toledo, 2005b.
53
MÉDICO, 2005.
54
MÃE, 2005.
113
Rosemara afirmou, na mesma reportagem, que agora só espera o avanço
da ciência para curar o filho:
Esperamos o avanço da ciência, da medicina, para descobrir uma forma de curar
o meu filho. Agora vou cuidar dele com a cabeça fria e espero um dia poder levá-lo para
casa. Infelizmente, agora não há condições para isso, mas espero um dia conseguir
55
.
Sem ignorar ou menosprezar as crescentes mudanças ocorridas na
medicina e nas biotecnologias, o tom muitas vezes sensacionalista da mídia em
torno dos feitos das tecnociências cria expectativas em muitas pessoas, como,
por exemplo, em Rosemara, a respeito de possíveis “curas” num futuro, mesmo
que médicos especializados digam o contrário. Assim, se, em outras épocas, a
promessa de “Salvação da Vida” encontrava-se “fora” deste mundo, hoje parece
que a promessa e a “Salvação” encontram-se neste mundo, na medicina, nas
biotecnologias, na ciência... No entanto, quando não “encontramos” respostas
neste mundo, especialmente em situações que envolvem vida e morte, mesmo os
médicos evocam explicações e “divindades” do discurso religioso, como mostrou
o excerto anterior.
A reportagem comenta que, segundo Rosemara, o ex-marido deve ter
desistido por causa da pressão que sofreu da família de ambos, uma vez que até
a sua própria família se posicionou contra, além de ter passado a ser pressionado
nas ruas e no local onde mora. Nas palavras de Rosemara, a desistência do pai
se deu não apenas pela pressão da sociedade, mas também pelas orações:
Só pode ter sido essa pressão e as orações que todos fizeram
56
.
Em meio ao sofrimento de seu filho, à desesperança dos médicos, às
manifestações públicas e às opiniões de familiares, marcadas por discursos
religiosos e legalistas voltados para a manutenção da vida, parece que o pai veio
a desistir da eutanásia do filho e a aceitar o prolongamento do seu processo de
morte.
Quando grande parte da sociedade mobiliza-se de diferentes formas contra
determinada atitude, especialmente numa situação que envolve decisões
implicadas na morte de um familiar tão próximo, talvez se torne difícil não se
55
MÃE, 2005.
56
Idem.
114
“curvar” e “abrir” mão daquilo que tomamos como convicção. Talvez, naquele
momento, não houvesse outra saída para Jeson, visto que estava sendo julgado e
condenado pela opinião pública e por seus familiares, o que mostra as
dificuldades, os embates e os enfrentamentos daqueles comportamentos que se
movem na direção de enfrentar ou romper com o instituído.
Mas quais seriam os motivos da mãe em não aceitar a eutanásia do filho?
O que levou tal decisão a ter apoio popular? Sem minimizar os sofrimentos
associados à doença de um filho ou à sua morte, com tais questões, estou
procurando pensar sobre o que nos move a apoiar a vida a qualquer custo, em
quem estamos pensando e no que estamos nos apoiando nessas decisões.
Afinal, poucos se arriscaram em contestá-la. O que estava em discussão,
efetivamente, era o sofrimento do menino pela sua situação? Ou não seria o
papel instituído para o ser mãe?
A resposta dada pelo Estado de São Paulo a essa polêmica, foi a de
custear e montar uma UTI na casa de Rosemara para que ela acompanhasse seu
filho até os últimos momentos de “vida” ou, talvez, a sua recuperação. Segundo a
reportagem Estado promete UTI na casa de Jhéck (Toledo, 2005c), o diretor
clínico e chefe do Centro de Terapia Intensiva Infantil do hospital Unimed de
Franca (Luís Fernando Peixe), foi procurado pela coordenadora de Regiões de
Saúde do Estado (Maria Iracema Guillaumon Leonardi), que ofereceu aquilo que
fosse necessário para a criança ser tratada em casa. Isso mostra que tanto a
condição clínica do menino quanto a possibilidade de eutanásia são situações
controversas também no campo médico. Conforme as palavras do médico:
Ele precisa de respirador artificial, monitor de oxigênio, monitor cardíaco, cama
hospitalar, colchão d'água e alguns materiais necessários para continuar vivendo.
Na reportagem, foram apontados, ainda, os valores dos aparelhos
custeados pelo Estado (Toledo, 2005c):
Somente o respirador artificial custa de R$ 40 mil a R$ 60 mil - os outros
equipamentos ainda não foram orçados, porque podem ser comprados no país ou
mesmo importados.
Conforme o pronunciamento da assessoria da Secretaria da Saúde, na
mesma reportagem, não houve privilégio a Jhéck por conta da divulgação que o
115
caso alcançou na mídia. Foi dito, ainda, que cerca de 200 pacientes são
atendidos em casa pelo Estado e que o critério para receber esse serviço é
médico, sem a necessidade de intervenção judicial (Toledo, 2005c).
Segundo a reportagem intitulada Vítima de doença degenerativa, Jhéck
completa cinco anos e segue internado (VÍTIMA, 2005), no dia 21 de setembro, os
familiares de Jhéck comemoraram o aniversário de cinco anos do garoto.
De acordo com a reportagem Jhéck Respira Parte do dia sem Aparelhos
(Ribeiro, 2006), Jhéck está há quase um ano morando na casa da mãe,
amparado pela UTI domiciliar, e encontra-se, há cerca de três meses, respirando
parte do dia sem a ajuda de aparelhos. Além dos cuidados especiais com a
alimentação e com a higiene pessoal, Jhéck toma três tipos de remédios.
Segundo consta na matéria, Rosemara disse:
hoje Jhéck consegue sorrir, após ficar quase um ano sem conseguir mostrar
nenhuma reação. "Ele demonstra com os olhos os sentimentos e consegue prestar
atenção nas coisas que estão a sua volta"
57
.
Essas expressões, conforme algumas explicações médicas, podem ser
apenas um reflexo involuntário; afinal, Jhéck é portador de uma doença
degenerativa do sistema nervoso central: ele perdeu os movimentos dos braços,
das pernas e do pescoço, alimenta-se por meio de sonda e não fala. Apesar de o
menino estar “vivendo”, talvez as máquinas e outros suportes materiais não sejam
capazes de criar condições de vida para além de funcionamentos puramente
orgânicos que permitam a aquisição de pensamentos cujas manifestações de
lembranças, sentimentos, sensações e afetos nos tornam humanos. Todavia,
mesmo na situação em que se encontrava o menino, houve comemoração de seu
aniversário. Não estou aqui desconsiderando ou depreciando as demonstrações
de afeto; ao contrário, tais atitudes integram as nossas memórias e identidades,
mas me interrogo: será que ele completou mais um ano de vida? Que
pensamentos movem as pessoas a manterem um outro ser em tais
circunstâncias?
Diferentemente do desfecho do caso de Terri, Jhéck teve apoio para voltar
para sua casa, mesmo diante dos problemas econômicos que o Setor de Saúde
Pública enfrenta no Brasil. Nesse caso, parece que as manifestações públicas em
57
Ribeiro, 2006.
116
“favor” da mãe e/ou do garoto geraram efeito. Nesse sentido, se Terri fosse
brasileira, talvez pudesse estar “vivendo” em casa. Ou, ao contrário, se Jhéck
fosse americano, poderia não estar “vivendo” na dependência de aparelhos em
sua casa. Com esses movimentos de pensamento, pretendo chamar a atenção
para o quão relativas ou circunstanciais são nossas decisões, mesmo em casos
extremos como esses, o que torna necessário ter coragem para falar, debater,
questionar e se posicionar diante da luta por algumas “vidas”, num mundo
marcado por algumas mortes e, até mesmo, genocídios autorizados/silenciados.
Em casos extremos, em que a “vida” é mantida somente através de
equipamentos, que benefícios há em se manter a pessoa “viva”? Qual o poder de
decisão da pessoa em relação à sua vida? O que significa viver?
A partir desses questionamentos, trago a discussão de outro caso,
bastante recente e com repercussão internacional, que foi a morte induzida do
italiano Piergiorgio Welby, de 60 anos de idade. Segundo a reportagem intitulada
Morte de italiano volta foco à eutanásia (MORTE, 2006), em decorrência de uma
distrofia muscular de que sofrera por 42 anos (doença genética degenerativa),
Welby não podia mover nenhum órgão do corpo, com exceção dos olhos, estava
conectado a um respirador artificial e imóvel em uma cama desde 1997.
Welby foi presidente de uma associação de defesa dos doentes e já havia
reivindicado à Justiça e também, de maneira oficial, aos seus médicos o direito de
interromper o tratamento terapêutico que o mantinha com vida, mas prostrado em
uma cama (MÉDICO, 2006). Conforme a mesma reportagem, nos últimos meses,
ele liderou uma campanha pelo seu direito de morte e, em setembro, havia
enviado um vídeo ao presidente italiano, Giorgio Napolitano, em que falava
(através do computador que sintetizou sua voz) de suas condições e pedia o
direito de morrer. Seu apelo dividiu a opinião da sociedade italiana sobre a
possibilidade de legalização da eutanásia. No vídeo, que foi transmitido pela
televisão, ele dizia:
Se eu fosse suíço, holandês ou belga, poderia aforrar este sofrimento. Mas sou
italiano, e aqui não existe piedade.
A reportagem trouxe também o depoimento do médico Mario Riccio, que
induziu a morte de Welby. Depois de ter seu pedido negado por várias instâncias
117
judiciais, o anestesista Mario Riccio desligou o respirador artificial que mantinha o
paciente vivo, mas primeiro ministrou um coquetel de sedativos, nas suas
palavras, "para que ele não sofresse com a falta de ar" (MÉDICO, 2006). Ricco
alegou que a suspensão do tratamento era a vontade do paciente:
"Aceitei sua vontade de morrer", declarou o médico
58
.
A confirmação da morte de Welby ocorreu meia hora depois de desligado o
aparelho. Sua irmã, Carla, disse que tudo aconteceu "como ele queria" e pediu
aos políticos que chegassem a um ponto de consenso e que deixassem “de lado
as ideologias, os rancores", porque o mundo muda rapidamente e a Itália já está
"muito atrás" (MÉDICO, 2006).
Na Itália, o responsável pela eutanásia está sujeito a até 15 anos de prisão.
Segundo a reportagem Morte de italiano volta foco à eutanásia (MORTE, 2006),
os políticos da oposição conservadora na Itália pediram que o médico fosse preso
imediatamente. O deputado democrata-cristão Luca Volonté disse: "Esse médico
cometeu um homicídio, não pode ficar impune”. Enquanto as forças políticas
debatiam sobre as questões de sua morte, entendidas como eutanásia, “o mundo
católico se opôs ao pedido” de Welby (MORRE, 2006).
A mesma reportagem trouxe a informação de que a eutanásia é tema de
debate crescente em diversos países
59
e comenta que Welby se tornou muito
conhecido na Itália após
aparecer em reportagens de televisão, escrever poemas e um diário no seu blog,
além de lançar o livro "Deixem-me morrer".
Diferente dos casos Terri e Jhéck, o caso Welby gerou também reações
favoráveis da população à prática de eutanásia. As manifestações em favor pelo
seu direito de morte ocorreram das mais variadas formas. A ministra italiana de
Comércio Exterior, Emma Bonino, por exemplo, iniciou uma greve de fome de
58
MÉDICO, 2006.
59
Desde 1984, a eutanásia não é penalizada na Holanda - e foi legalizada em 2001. No ano
seguinte, a Bélgica aprovou lei parecida com a holandesa. Na Suíça, apesar de ilegal, uma brecha
da lei permite "suicídios assistidos" desde 1942 - desde que o próprio paciente ministre a droga
letal. Desde 1994, o Estado de Oregon, nos EUA, permite o suicídio assistido. Outros países
permitem a interrupção do tratamento por vontade do paciente, mesmo com risco de morte, como
o Reino Unido. A americana Terri Schiavo esteve no meio de uma polêmica nos EUA quando seu
marido pediu na Justiça que seu tubo de alimentação fosse desligado. Ela ficou em estado
vegetativo por 15 anos. A Justiça americana permitiu o desligamento.
118
dois dias para apoiá-lo (ITÁLIA, 2006a); outras oito pessoas iniciaram greve de
fome para apoiar o direito de Welby morrer e em defesa da eutanásia. Uma delas
disse: "Não encontramos médicos dispostos a praticar a eutanásia" (Idem). Outras
formas de manifestação foram as vigílias de apoio a Welby ocorridas em várias
cidades italianas. Cerca de 200 pessoas reuniram-se diante da Prefeitura de
Roma com velas acesas e bandeirolas em favor do seu direito de morrer em paz
(ITÁLIA, 2006b).
Tais situações, amplamente noticiadas, vêm reforçar a necessidade de
repensar e discutir questões e assuntos relativos à vida e à morte, especialmente
quando nos encontramos atravessados por lógicas voltadas ao ultrapassamento
da organicidade do corpo e ao prolongamento da vida e à infinitude neste mundo,
associadas a visões que atribuem a um Soberano o poder de vida e de morte
neste mundo ou fora dele.
Na contemporaneidade, o processo de morte pode ser prolongado pela
manutenção artificial de algumas funções vitais. Entretanto, por quanto tempo se
deve prorrogar ou abreviar a morte por meio da intervenção médica? Essa
questão constitui-se como objeto de controvérsias nos meios de comunicação,
nos tribunais e nos hospitais. Como podemos observar nesta fala de um médico,
chefe do serviço de neurologia de um hospital privado, na entrevista ao jornal
Zero Hora (Netto, Trezzi, 2005):
Essas situações foram criadas pelo avanço da medicina. Estados vegetativos são
uma criação nossa. Agora temos de enfrentar o monstro. Temos de nos adequar, assim
como fizemos com o transplante e com a morte cerebral. Ponho muito menos energia no
tratamento de infecções respiratórias ou no ressuscitamento de paradas cardíacas
quando não há chance de recuperação. Perguntam-me: ‘Chamo o intensivista?’. Eu digo:
‘Não, não chama’. Durmo tranqüilo. Nunca fiz tudo o que poderia. Fiz tudo o que deveria.
E não considero eutanásia.
Essa fala mostra que, apesar de o médico praticar um tipo de eutanásia (a
eutanásia passiva), ele não considera que a sua atitude se enquadre nessa
prática. Porém, poderíamos inferir, segundo o seu relato – ao dizer que nunca fez
tudo o que poderia, mas o que considerou como seu dever –, que ele “julga” a
hora de morrer de seus pacientes (sem chance de recuperação) quando deixa de
chamar o intensivista. Por outro lado, se concordarmos com a utilização
119
indiscriminada da tecnociência, estaremos incentivando as instituições de saúde,
aparelhadas com instrumentos cada vez mais sofisticados, a “driblar” a morte,
recaindo, então, nas seguintes questões: como os médicos devem proceder
diante de um paciente terminal
60
ou sem chances de recuperação? O ser humano
tem o direito de decidir qual vida tem valor e qual é descartável? Que posições
ocupam os sentimentos e os desejos dos pacientes?
Uma outra interpretação possível para o procedimento do médico pode ser a
de que ele talvez tenha optado por não causar ainda mais sofrimento a seus
pacientes. Nesse caso, o médico estaria deixando a vida seguir seu “curso
natural”, promovendo, assim, a ortotanásia.
Os artigos 5º e 6º do Código de Ética Médica ditam como princípios
fundamentais que:
Art. 5° - O médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do
progresso científico em benefício do paciente.
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em
benefício do paciente
61
.
Aqui talvez tivéssemos que pensar e debater sobre o significado de benefício
do paciente e em que medida a sua voz é escutada. Se o médico tem o direito de
escolher o tratamento mais adequado, no caso de pacientes terminais, o que
fazer quando não há perspectiva de alterações? Outra questão vem a ser o direito
de escolha do paciente frente a um tratamento ou a outras condições materiais
que não mudarão o seu quadro. Os casos examinados neste estudo tornaram
visível que, mesmo quando política e publicamente o paciente requer o direito de
decidir sobre a sua condição de vida e morte, seus desejos, sentimentos e
reivindicações geram manifestações contrárias à sua “liberdade” de escolha. Isso
mostra a rede de governamento em que nosso corpo e vida se encontram
inseridos. Também me faz pensar o quão pouco olhamos para a condição do
outro, imersos nas verdades instituídas que nos outorgam o direito de soberanos
para julgar as decisões de alguém sobre sua vida/morte.
60
Paciente terminal é aquele que vai morrer num período relativamente curto de tempo, de 3 a 6
meses, independentemente das ações médicas que são colocadas em prática (Fransisconi &
Goldim, 2005).
61
Conselho Federal, 1988.
120
DISCUTINDO RESOLUÇÕES SOBRE O VIVER E O MORRER...
Com vistas às questões relacionadas à discussão sobre a eutanásia, o
Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) propôs
62
uma polêmica
Resolução, que foi assunto da reportagem intitulada Eutanásia não fere ética
médica, diz CRM (Collucci, 2005). Na reportagem consta que a resolução
considera ético limitar ou suspender procedimentos que prolonguem a vida do
doente incurável em fase terminal e que, apesar da resolução não se referir à
eutanásia ativa, ela propõe que a decisão de suspender os procedimentos que
mantêm vivo o paciente, como a respiração artificial, deverá respeitar a vontade
do paciente ou, na sua impossibilidade, a do seu representante legal (Collucci,
2005).
A mesma reportagem traz as seguintes falas de advogados:
Apesar da prática médica [a eutanásia] já existir, essa resolução não isenta o
médico ou o familiar que autorizar a suspensão do tratamento de responder a uma ação
penal por eutanásia.
A eutanásia não é autorizada por lei. A resolução não tem respaldo legal.
Como havia comentado no capítulo anterior, o código penal não prevê a
prática de eutanásia como crime, mas ela pode ser enquadrada no Artigo 121º,
em que será considerada como homicídio doloso se houver intenção de matar.
Nesse caso, o médico, se condenado, pode pegar entre seis e 20 anos de prisão.
Porém, se a eutanásia for enquadrada no Artigo 122º, ela é considerada como
auxílio ao suicídio, com a pena variando de dois a seis anos de prisão (Goldim,
2004a).
Essa Resolução foi publicada no site do Conselho Regional de Medicina
(CRM) e foi dele retirada por decisão do Ministério Público na semana seguinte à
publicação da reportagem. O Ministério Público entendeu que não faz sentido
propor uma consulta pública para algo que o código penal entende como crime.
Assim, o Conselho Regional de Medicina estuda outra forma de salvaguardar os
médicos, visto que, para validar uma proposta de resolução como essa, seria
necessário alterar a legislação.
62
Em julho de 2005.
121
Foi realizado em São Paulo, quase um ano após essas discussões, o
fórum Terminalidade da vida, ocorrido nos dias 27 e 28 de julho de 2006, em que
o Conselho Federal de Medicina discutiu a Resolução que aborda a suspensão de
procedimentos que permitem o prolongamento da vida, as obrigações dos
médicos nestas circunstâncias, o direito do paciente de receber cuidados para o
alívio do sofrimento e o procedimento do médico diante da morte encefálica
(COMEÇA, 2006).
Segundo publicação do Conselho Regional de Medicina do Paraná
(Conselho Regional, 2006), uma minuta da Resolução, ou seja, uma primeira
redação do documento oficial, já está pronta. Nesta proposta, consta como ético e
"permitido que o médico limite ou suspenda tratamentos e procedimentos que
prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal" (Conselho
Regional, 2006). O texto também fala que, em caso de morte encefálica e se o
paciente não for doador de órgãos, os aparelhos devem ser desligados - o que
ainda hoje deixa muitos médicos apreensivos, por medo de ações penais (idem).
A minuta do Conselho Federal de Medicina traz os seguintes artigos:
Artigo 1º - É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante.
Explicações - O médico tem a obrigação de esclarecer sobre os tratamentos adequados
para cada situação. Quando o doente estiver incapaz e não houver representante, a
decisão caberá ao médico.
Artigo 2º - O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar
sintomas, assegurando-se assistência integral.
Artigo 3º - È vedado ao médico manter os procedimentos que asseguravam o
funcionamento dos órgãos vitais quando houver sido diagnosticada a morte encefálica
em não-doador de órgãos
63
.
Essa minuta foi apresentada no fórum mencionado anteriormente, com a
intenção de discutir a Resolução com representantes de associações de doentes
crônicos e, por último, submetê-la à aprovação do Conselho Federal de Medicina,
conforme consta na reportagem intitulada Conselho de medicina discute norma
63
Conselho Regional, 2006.
122
que aprova ortotanásia (Collucci, 2006a). Essa reportagem traz a seguinte
argumentação sobre o entendimento da proposta de Resolução:
Em 2005, o Ministério Público paulista condenou medida semelhante proposta
pelo conselho médico do Estado por entender que era eutanásia, prática ilegal pela qual
se busca abreviar a vida de um doente incurável. Para os médicos, a resolução trata da
ortotanásia, o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida
quando não há mais chances de recuperação.
Segundo informações que constam na reportagem, essa norma tem a
intenção de tranqüilizar os médicos de que é possível interromper a "obstinação
terapêutica desnecessária", desde que seja a vontade do doente ou de seu
representante legal (Collucci, 2006a). No entanto, para isso, torna-se necessário
romper com o pensamento regido pela infinitude da vida, reconhecendo um limite
para a utilização de tratamentos e de equipamentos que a prolongam
artificialmente.
Porém, segundo a reportagem intitulada Médicos querem aprovar
eutanásia ‘light’ este ano, que traz informação do presidente da comissão de
bioética, biotecnologia e biodireito da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil
de São Paulo), a regulamentação da ortotanásia é válida apenas para levantar o
debate sobre o assunto e servir de orientação moral para o médico, indicando que
ele não estaria agindo contra o Código de Ética Médica (Cipriano, 2006). Isso não
protege o médico legalmente e só teria esse efeito caso a legislação vigente fosse
alterada (idem).
Segundo essa proposta de Resolução, o termo “ortotanásia” define-se
como:
o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida quando
não há mais chances de recuperação
64
.
Percebe-se que tal definição se aproxima das noções de eutanásia passiva
ou indireta, em que a morte do paciente ocorre numa situação de terminalidade,
porque não se inicia uma ação médica ou porque se interrompe a intervenção,
tendo como objetivo minorar o sofrimento (Francesconi & Goldim, 2005). Já a
ortotanásia, para Francesconi & Goldim, refere-se à prática que se utiliza de
64
Collucci, 2006a.
123
meios adequados para tratar uma pessoa que está morrendo e que “poderia ser
associada, caso fosse um termo amplamente adotado, aos cuidados paliativos
adequados prestados ao paciente” (idem, 2005, p. 76).
Em relação ao cuidado paliativo, Pessini (2001, p. 209) vai dizer que,
segundo a Organização Mundial da Saúde, este se refere ao:
cuidado ativo total dos pacientes cuja doença não responde mais
ao tratamento curativo. O controle da dor e de outros sintomas, o
cuidado dos problemas de ordem psicológica, social e espiritual
são o mais importante. O objetivo do cuidado paliativo é conseguir
a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas
famílias.
O autor vai dizer, ainda, que os objetivos da medicina paliativa são:
1. Concentração efetiva na dor e no sofrimento e em seu cuidado;
2. Preocupação tanto com a condição corporal como com a vida
interior do paciente; 3. Um processo de decisão que respeita a
autonomia do paciente e o papel de seus representantes legais
(DRANE; PESSINI, 2005, p. 130).
Dessa forma, é possível ver que ainda há um debate em torno desses
conceitos; no entanto, podemos inferir, segundo a definição apresentada pela
proposta de Resolução, que o sentido de ortotanásia inclui o direito de suspender
procedimentos e tratamentos usados para prolongar a vida de doentes terminais e
sem chances de cura, mas que essa conduta não tem por finalidade o
encurtamento da vida. Esse é um dos fatores que pode distingui-la da eutanásia
passiva ou indireta, pois, segundo alguns autores, esta age diretamente para
abreviar a vida do paciente e evitar o sofrimento. Por mais que os objetivos
pareçam contraditórios – afinal, a ortotanásia não objetiva abreviar o momento de
morte, mas evitar o sofrimento desnecessário do paciente –, as práticas parecem
ser muito semelhantes.
Não seria essa uma nova estratégia de mudar o nome da mesma prática
para não remeter à idéia de crime, já que o termo “eutanásia” vem carregado de
significados?
Enfim, o que se percebe é a existência de movimentos voltados a
discussões acerca das formas como se tem exercido o poder sobre a vida das
pessoas. Talvez tais movimentos criem condições para se repensarem os
sentidos atribuídos aos processos e práticas relacionados ao viver/morrer, visto
124
que têm atuado como espaços geradores de opiniões, posições de autoridades e
de outras propostas de intervenção e de legalização. A ortotanásia, debatida e
problematizada desde julho de 2005 até o momento desta escrita, constitui um
exemplo, pois, depois de tantas discussões e publicações, essa medida teve a
aprovação do Conselho Federal de Medicina (RESOLUÇÃO, 2006a). Essa prática
médica foi aprovada no dia 9 de novembro de 2006 e passou a vigorar a partir do
dia 28 de novembro do mesmo ano, quando foi publicada no Diário Oficial da
União
65
. A Resolução traz as seguintes determinações:
Ementa:
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou
suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-
lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na
perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu
representante legal
66
.
Na íntegra:
Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.
§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as
modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.
§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma
segunda opinião médica.
Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os
sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico,
psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as
disposições em contrário
67
.
Comparada à minuta apresentada pelo Conselho Federal de Medicina, no
fórum Terminalidade da vida, ocorrido nos dias 27 e 28 de julho de 2006,
percebe-se que o propósito e as determinações pouco mudaram:
65
D.O.U., 28 nov. 2006, Seção I, pg. 169. RESOLUÇÃO CFM Nº 1.805/2006.
66
Conselho Federal, 2006.
67
Idem.
125
Artigo 1º - É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante.
Explicações - O médico tem a obrigação de esclarecer sobre os tratamentos adequados
para cada situação. Quando o doente estiver incapaz e não houver representante, a
decisão caberá ao médico.
Artigo 2º - O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar
sintomas, assegurando-se assistência integral.
Artigo 3º - É vedado ao médico manter os procedimentos que asseguravam o
funcionamento dos órgãos vitais quando houver sido diagnosticada a morte encefálica
em não-doador de órgãos
68
.
A aprovação da Resolução sobre a ortotanásia foi assunto da reportagem
intitulada Médico tem Amparo para Interromper Tratamento (Gonzatto, 2006), que
informa que, em reunião plenária do Conselho Federal de Medicina, foi aprovada
por unanimidade
69
a adoção da ortotanásia. Essa matéria apontou explicações
sobre a definição, dizendo:
Na prática, ela permite ao médico atender à vontade de um paciente em estado
terminal, ou de sua família, e eliminar tratamentos que prolongariam sua vida, mas não
trariam perspectivas de recuperação
70
.
A reportagem trouxe, ainda, a fala do médico intensivista
71
Renan Stoll
Moraes, que disse:
(...) essa norma é um avanço muito grande porque vai regulamentar uma coisa
que fazemos hoje, sempre em comum acordo com a família (...) Ficamos mais tranqüilos,
porque o órgão regulador da profissão admite que isso existe
72
.
Para Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente do Conselho Federal de
Medicina, não há perigo de as pessoas confundirem a norma com eutanásia. Na
reportagem intitulada Médico pode limitar ajuda a doente terminal (Collucci,
2006b), ele diz:
68
Conselho Regional, 2006.
69
Collucci, 2006b.
70
Gonzatto, 2006, p. 26.
71
Trabalha nos hospitais Nossa Senhora da Conceição e Santa Casa de Porto Alegre.
72
Gonzatto, 2006, p. 26.
126
Nós somos absolutamente contra a eutanásia, não só porque é eticamente
condenável, mas também porque, no nosso país, não é permitida. Eutanásia significa
deliberadamente provocar a morte. Obviamente que nem o paciente, nem a família, e
nem nós, médicos, queremos isso.
Sobre a resolução, ele diz que esta é doutrinária, pois faz o médico
entender que existe um momento em que não é possível fazer mais nada em
benefício do paciente (Collucci, 2006b).
As reportagens mostraram também que essa Resolução, além de não ser
apoiada pela legislação brasileira, desperta opiniões contrárias, como é apontado
na fala de Bráulio Pinto, presidente em exercício da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB/RS) (Gonzatto, 2006, p. 26):
Não pode ser delegada a qualquer pessoa a decisão sobre se a vida deve ou não
ser prolongada. É um atentado contra o ser humano, não importa se é chamado de
eutanásia ou ortotanásia.
Não há como esconder isso atrás de um nome mais bonito ou incrementado. Toda
vez que um médico deixar de lutar pela manutenção da vida do ser humano, estaremos
diminuindo a valoração dessa vida.
Conforme a reportagem intitulada “Resolução é um crime”, diz promotor
(RESOLUÇÃO, 2006b), para o presidente da Comissão de Bioética e Biodireito
da OAB-SP, Erickson Gavazza Marques, a ortotanásia “é uma forma de
eutanásia” e o médico e a família que a autorizarem poderão ser processados por
homicídio. Segundo suas palavras:
(...) a resolução contraria a legislação vigente, principalmente o Código Penal,
que prevê como crime o fato de você não dar assistência a uma pessoa que está em
perigo de vida, sobretudo se você tiver o dever de fazer.
Na reportagem intitulada Procurador quer revogar permissão à ortotanásia
(Collucci, 2006c), o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Wellington
Marques de Oliveira, diz que a resolução é um “atentado ao direito à vida”.
Conforme consta nessa reportagem, o corregedor do Conselho Federal de
Medicina, Roberto D’Ávila, disse:
127
Não podemos nos prender a formalismos legais. Não somos donos do doente. Ele
tem o direito de optar
73
.
Nessa mesma reportagem, o médico José Maria Orlando, presidente da
AMIB (Associação de Medicina Intensiva), fez o seguinte comentário:
Não é possível que em pleno século 21 continuemos com um Código Penal de
1947, quando nem se sonhava com os equipamentos de suporte à vida aos doentes
graves. Da mesma forma que eles salvam vidas, eles tamm as prolongam inutilmente.
A necessidade das discussões acerca da terminalidade, não só pelos
médicos e advogados, como também pelas famílias e pacientes, apareceu
também na reportagem intitulada Como você quer morrer? (Rodrigues, 2006).
Nela, o médico coordenador da UTI (Hospital Santa Rita e Santa Casa/ RS),
André Torelly, diz (Rodrigues, 2006, p. 4):
Perceber que um tratamento intensivo só poderá levar a mais sofrimento por
causa de poucas horas de vida é ter uma compreensão madura sobre a morte. Aos
poucos vamos evoluindo nisso.
Independente das posições contrárias e favoráveis, cada caso terá como juízes
médico, paciente e familiares.
No dia 29 de novembro de 2006, um dia após a publicação da Resolução
sobre a ortotanásia no Diário Oficial da União, em nota, a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), colocou-se favorável à Resolução, trazendo
citações da Encíclica Evangelium vitae (O Evangelho da vida, 1995), de João
Paulo II, em que o Papa, após ter afirmado claramente sua posição contrária à
eutanásia, afirma (CONFERÊNCIA, 2006):
distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado ‘excesso terapêutico’,
ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque
não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque demasiado
pesadas para ele e para sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia
iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam
somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo interromper os
cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes (n° 65).
73
Collucci, 2006c.
128
Apontando para a recomendação de que seja feito um sério discernimento,
por parte dos médicos, sobre as condições do paciente e dos meios terapêuticos
à disposição, o Papa afirma (idem):
A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio
ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte (n° 65).
Pode-se perceber, conforme essa nota da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, que a Igreja, outro poder constitutivo da sociedade brasileira,
não teve como resistir aos debates, às mobilizações, às questões ligadas ao
difundido uso dos atuais meios de tratamento e equipamentos de manutenção da
vida. Ou seja, nos dias de hoje, no espaço hospitalar, o corpo do paciente
encontra-se submetido a um conjunto de estratégias do campo médico cujos
procedimentos e tecnologias criaram possibilidades “ilimitadas” de interferência na
saúde/doença e na vida/morte dos pacientes. Essa circunstância produz a
necessidade de posicionamentos de diferentes instâncias sociais e das pessoas
em geral, seja por solidariedade com a dor do outro, seja porque estamos
cotidianamente na iminência desses acontecimentos.
Apesar de a Resolução ter deixado claro que a limitação ou suspensão de
procedimentos e tratamentos é permitida em pacientes que estejam na fase
terminal de doenças graves ou incuráveis, pode-se perguntar: em que consiste
essa fase? Há algum período de vida diagnosticado/garantido pelos médicos, ou
seja, um prazo até a morte?
Esses questionamentos levaram-me a pensar na possibilidade de
ocorrência de duas situações. Numa delas, o médico diz que o paciente tem cinco
meses de vida e pergunta se você, responsável pelo paciente, concorda em
suspender as medidas terapêuticas que já não estão mudando a condição do
paciente. Digamos que você concorde porque quer evitar o sofrimento dessa
pessoa durante o período que lhe resta, mas logo depois, ou dias após a
suspensão, a pessoa morre. A intenção não foi causar a morte, mas a pessoa
dependia de tais medidas para continuar viva; então, o que você fez? Você
concordou em acelerar o processo de morte?
Na outra situação, o médico diz que é necessário mudar a dosagem de
certo medicamento porque a atual já não está dando conta de aliviar a dor. Ele
129
pergunta se você aceita aumentar a dose (de morfina, por exemplo). Você aceita
porque não quer manter o sofrimento da pessoa, mas ela acaba morrendo. Você
concordou em acelerar o processo de morte?
Essas duas situações remetem à eutanásia, seja a ativa, pela
administração de medicamento que pode provocar a morte, seja a passiva, pela
suspensão de medidas terapêuticas que podem ter como conseqüência a morte.
Esta última refere-se também à ortotanásia. Nesse sentido, ambas têm como
premissa aliviar a dor e o sofrimento, mas expõem o paciente à abreviação do
processo de morte. Onde está a diferença? Na intenção da ação?
Estou querendo problematizar, com esse exercício de pensamento, as
questões ligadas às categorizações e às práticas médicas diante de situações de
muita dor física e psicológica. Apesar de alguns nomearem de eutanásia e outros
de ortotanásia, ambos os procedimentos médicos têm como problema central o
sofrimento do paciente terminal. Ao pensar no sofrimento, interrogo-me se os
questionamentos quanto à eutanásia não poderiam se relacionar, por exemplo, ao
deslocamento do poder de decisão sobre a vida e a morte, vista pela Igreja e seus
seguidores como estando nas mãos de Deus, soberano cujo poder, para muitos,
rege o destino dos vivos e não-vivos. Ou, ainda: a outra lógica soberana, a da
longa duração da vida, criada pelos tratamentos e tecnologias que podem alterar
as condições orgânicas do corpo, não estaria também integrando os problemas
que levantamos relativamente à eutanásia?
A reportagem intitulada Constitucionalista diz que lei ampara ortotanásia no
país (CONSTITUCIONALISTA, 2006) traz uma entrevista realizada com Luís
Roberto Barroso, em que ele fala a respeito dos valores legais da resolução
aprovada, dizendo:
Não há nenhuma dúvida, nem ética nem jurídica, à luz dos valores sociais e dos
princípios constitucionais, de que a ortotanásia é legítima. A resolução é uma
interpretação da Constituição.
Suicídio assistido e eutanásia (...) ética e juridicamente (...) podem realizar
adequadamente valores constitucionais, pelas mesmas razões, de respeitar a vontade do
paciente, quando ela possa ser manifestada, e o sofrimento seja insuportável.
Ele sugere que o Código Penal deva ser interpretado levando em
consideração princípios como o da liberdade e o da dignidade humana, uma vez
130
que a liberdade envolve o direito à autodeterminação (desde que seu exercício
não interfira no direito de uma outra pessoa); já o segundo princípio legitima a
resolução, ou seja, a dignidade compreende, além do direito à vida, o direito a
uma morte digna (CONSTITUCIONALISTA, 2006).
Com base nas reportagens e na legislação, percebe-se que a Resolução
pode não isentar o profissional de ser responsabilizado criminalmente pela
acusação de homicídio, no caso da ortotanásia, mas admite que a prática da
ortotanásia não fere o código de ética médica e livra o médico de um
procedimento disciplinar institucional ao aplicá-la. Além disso, essa decisão legal
fortalece politicamente a aceitação da ortotanásia na sociedade e acende
discussões sobre os alicerces em que as leis, normas e códigos brasileiros têm se
amparado.
Enfim, percebemos a existência de movimentos voltados ao debate das
formas como se tem exercido o poder sobre a vida e a morte das pessoas.
Entretanto, não basta apenas mudar as categorizações e os conceitos; o Código
Penal também precisa ser revisto. Certeau (2003), ao falar a respeito das leis,
comenta que a “análise do sistema permite detectar as variantes e os regimes da
máquina que faz dos corpos a gravura de um texto, e interrogar-se sobre o olho
ao qual se destina esta escritura ilegível em seus suportes” (idem, p. 235). Ao
tomar o corpo como superfície de inscrição dos mecanismos de poder exercidos
nele, inclusive a lei, o autor chama a atenção para a necessidade de um aparelho
mediador que intervenha nas relações de uns com os outros. Os instrumentos da
justiça, do cassetete do policial, algemas e prisão até a condenação a textos
publicados pela imprensa, ao atuarem no corpo, modelam-no, definem-no,
circunscrevem-no e conformam-no, tornando-o efeito e mecanismo disseminador
ou multiplicador dessas normas (Certeau, 2003).
Desse ponto de vista, o corpo transforma-se e atua na formação de redes
ou caminhos que transformam os “próprios seres vivos em impressos da ordem”
(idem, p. 236). Em outras palavras, os corpos são tidos e usados como
instrumentos que fazem parte dos objetos “destinados a gravar a força da lei
sobre o seu súdito, tatuá-lo para fazer dele uma demonstração da regra, produzir
uma ‘cópia’ que torne a norma legível” (idem, p. 232). Assim, a lei vista como
norma captura os corpos e organiza o espaço social a partir da articulação de
131
técnicas inscritas nos corpos, os quais poderão agir na direção da manutenção
daquilo que se tornou legalizado. Ao mesmo tempo, as mudanças sociais,
políticas, médicas e técnicas geram outros discursos, que circulam através da
mídia, dos fóruns, das manifestações públicas, veiculando e correlacionando
outras verdades no campo social. Tais verdades, ao atuarem como estratégias de
confronto ao instituído, podem criar condições para a emergência de outras
normatizações, Resoluções e intervenções em relação, nesse caso, ao processo
de morrer e à vida/morte.
No contexto brasileiro, hoje, é possível ver a existência de um
descompasso entre o pensamento e as práticas médicas, que ocorrem no
cotidiano do hospital em relação ao paciente terminal, e o que a legislação
determina. Isso exige que sejam revistas e debatidas as normatizações, visto que
a credibilidade conferida às normas faz crer que elas falam em nome do “real” e
do verdadeiro. Assim, a lei inscreve-se “graças ao que dela já se acha inscrito:
são as testemunhas (...) ou exemplos que a tornam digna de crédito para outros”
(Certeau, 2003, p. 241). Ou seja, “o discurso normativo só ‘anda’ se já se houver
tornado relato, um texto articulado em cima do real e falando em seu nome, isto é,
uma lei historiada e historicizada, narrada por corpos” (idem, ibidem).
As normas só são fixadas a partir da produção de mais relatos, ou seja, da
disseminação de discursos normativos que se fazem acreditar e avançam sobre
os corpos em direção a formulações de leis (idem). Para Certeau, a lei “joga com
o corpo: ‘Dá-me o teu corpo e eu te darei sentido, dou-te um nome e te faço uma
palavra de meu discurso” (idem, p. 242).
Um movimento que se impõe vem a ser pensar a serviço de quem se
colocam as verdades instituídas e veiculadas pela imprensa. Refletir sobre tais
produções humanas e seus efeitos pode funcionar como uma estratégia para
participar politicamente das decisões sobre a vida e a morte. Nesse sentido,
Foucault (2002b) vai dizer que
132
a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas
coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder [e] cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ (...): isto
é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como
se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são
valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que
têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro (idem, p.
12).
Em nossa sociedade, a verdade é centrada no discurso científico e nas
instituições que o produzem. Constantemente submetida à incitação econômica e
política, adquire diversas formas e é imensamente difundida e consumida,
produzida e transmitida sob o controle de dominação de alguns grandes
aparelhos políticos ou econômicos; enfim, é objeto de embates políticos e sociais
(Foucault, 2002b).
Pode-se dizer que, nos últimos anos, ocorreram importantes mudanças em
relação ao processo de morrer, pois as discussões nos fóruns reunindo
especialistas resultaram na aprovação recente da ortotanásia, não só pelo
Conselho de Medicina, mas também por representantes da Igreja. No entanto,
como já mencionei, ao considerarmos o sofrimento do paciente terminal e sua
possibilidade, ou mesmo a de sua família, de decidir sobre os destinos de sua
vida/morte, torna-se relevante e urgente debatermos sobre a eutanásia. Porém,
para isso, temos que pensar nossas relações com a vida – o apego dominante à
vida e às pessoas, muitas vezes, visto como amor – e com a morte. Procurar
pensar a morte como iminente e inevitável talvez nos leve a outras relações com
os outros, com a vida e com nós mesmos.
133
CONSIDERAÇÕES: AMARRANDO PROVISORIAMENTE OS FIOS DA REDE...
Retomando algumas considerações que fiz durante a produção da
pesquisa, pretendo, de forma breve, revisitar as reflexões feitas neste estudo.
Para dar início, afirmo que não busquei nem pretendi dizer verdades, nem
oferecer respostas definitivas sobre as questões aqui discutidas, uma vez que a
verdade é uma invenção humana, efeito das circunstâncias a partir das quais
olhamos e pensamos o mundo. Dessa perspectiva, aquilo que dizemos existir no
mundo não passa de invenções produzidas na rede de “sentidos” que circula na
teia sociocultural com que nos relacionamos e nos constituímos cotidianamente.
Ao entender a realidade como invenção, interessei-me por investigar a
produção de sentidos relacionada às práticas médicas direcionadas à
manutenção e ao prolongamento do morrer “através de enunciados” (Veiga-Neto,
1996, p.29). Procurei colocar em evidência as “verdades” veiculadas em
reportagens da mídia impressa que integram os processos constitutivos das
nossas subjetividades. Ao perceber tais produções em funcionamento, não as
questionei em tom de denúncia, mas tentei pensá-las de outras maneiras – talvez
abrindo “brechas” para aquilo que é apresentado como fixo.
Como disse num outro momento do texto, parti do entendimento de que a
mídia atua como uma instância produtora de saberes que, mais do que
disponibilizar enunciados “de várias formações discursivas (...), constrói, reforça e
multiplica enunciados propriamente seus, em sintonia ou não com outros
discursos e outras instâncias de poder” (Fischer, 1997, p. 65). Para alcançar esta
produtividade, a mídia vale-se de aproximações com outras instituições sociais,
tais como a medicina, as leis, a religião, entre outras. Dessa forma, mais do que
simplesmente levar “informações diárias” às pessoas, a mídia produz “verdades”
sobre o mundo que funcionam como estratégias reguladoras na sociedade
contemporânea.
Por essas motivações e entendimentos, retomo as propostas deste estudo,
em que procurei conhecer como se vem pensando a morte e a eutanásia nos dias
de hoje, problematizar como os discursos médico, jurídico e religioso articulam-se,
regendo a vida das pessoas em situação de morte iminente, e colocar em questão
os enunciados difundidos pela mídia impressa, suas “verdades” e “neutralidade”.
134
Conforme as palavras de Veiga-Neto (1996, p.19), “devemos desconfiar das
bases sobre as quais se assentam as promessas e as esperanças nas quais nos
ensinaram a acreditar”.
Para problematizar tais questões no presente, dirigi meu olhar para a
história, com o propósito de mostrar que aquilo que temos no mundo foi produzido
nela, a partir da busca de elementos para pensar nas mudanças ocorridas na
produção dos saberes extraídos do corpo e das formas de entendê-lo, conhecê-lo
e olhá-lo nas diferentes épocas. Nesse percurso, procurei conhecer e mostrar o
que essas mudanças acarretaram no desenvolvimento de diferentes formas de
conhecer e intervir no corpo, tanto na doença/saúde quanto nos procedimentos
ligados aos saberes. A partir da modernidade, os conhecimentos e as práticas
adquiridos nesse processo direcionaram-se ao indivíduo e à população,
provocando alterações na organização do ambiente, na medicina, nas técnicas.
As diferentes estratégias voltadas à vigilância, ao exame e ao controle do corpo
produziram campos de saber e possibilitaram a emergência de um poder
direcionado à regulamentação da vida da população, chamado por Foucault de
biopoder, normalizando a vida e extraindo dela e do corpo a sua máxima utilidade.
Tais compreensões do funcionamento do poder fizeram-me ver que
estamos sujeitos a esses mecanismos ainda hoje, pois, ao mesmo tempo em que
nos tornamos objeto dos representantes dos campos de saber/poder, em que
suas verdades incidem em nosso corpo, passamos a ser vistos como auto-
suficientes, racionais e capazes de livre arbítrio, tornando-nos, assim, segundo
Foucault, “ao mesmo tempo, sujeito e objeto do (...) próprio conhecimento” (idem,
p. 84).
Retornei à história para compreender e mostrar também as mudanças
ocorridas nos processos de finitude ao longo do tempo e problematizar as formas
de morrer nos dias de hoje. Procurei chamar a atenção para a morte não apenas
como um fato biológico, mas também como efeito de processos socioculturais
cujas transformações alteram comportamentos e sentimentos. Nesse sentido, o
morrer pode ser vivenciado de distintas formas, de acordo com os significados
compartilhados nessa experiência nas diferentes épocas.
Ao discutir os locais onde se morria, os modos de lidar com esse processo,
os sentimentos e comportamentos em relação ao doente e ao morrer, tentei
135
apontar transformações, da morte familiarizada à morte no presente. Por
exemplo, de uma morte esperada no leito da casa do enfermo, que não era
retardada nem antecipada e que tornava o quarto do moribundo um lugar público,
onde se entrava livremente, para uma morte solitária, escondida, técnica,
podendo ser antecipada, mas que, muitas vezes, acaba retardada por diversos
tratamentos e procedimentos.
Tentei mostrar, ainda, as mudanças sociais e culturais ocorridas ao longo
de várias décadas, configurando a morte institucionalizada, com a intenção de
tornar visíveis procedimentos e questões relativas às condições de isolamento,
monitoramento e controle do doente. Apontei também o silenciamento de
assuntos relativos a situações de morte iminente, entre elas, a autonomia do
paciente e do médico em decisões sobre a morte.
Outro aspecto apresentado em relação à institucionalização do doente e da
morte refere-se às classificações inventadas para as formas de morrer, os
procedimentos, os tratamentos e as mortes ocorridas sob o monitoramento dos
especialistas nos hospitais – eutanásia, distanásia, ortotanásia, entre outros.
Percebi que, apesar da tentativa de enquadrar as situações de morrer, tais
conceitos ainda causam divergências, sendo motivadores de debates nos meios
de comunicação, nos tribunais e nos hospitais. A respeito das tentativas de
enquadramento, Bauman (1999) diz que, ao procurar-se enquadrar as coisas em
determinados lugares, se percebe que elas podem não ser enquadradas nas
categorias existentes ou, ao contrário, podem encaixar-se em mais de uma.
Ao procurar conhecer como se fala da morte relacionada à eutanásia nos
dias atuais, percebi que a intervenção médica no morrer articula uma rede de
“verdades” ligadas a discursos normativos (religioso, ético e/ou legal) cuja
existência circunscreve a vida e a morte. Para Foucault, cada vez mais, a lei
funciona como norma e a instituição judiciária se integra num contínuo de
aparelhos (médicos, administrativos, etc.) cujas funções são, sobretudo,
reguladoras. Assim, “uma sociedade normalizadora é o efeito histórico de uma
tecnologia de poder centrada na vida” (Foucault 2001, p. 135).
Dessa perspectiva, hoje, o funcionamento da instituição hospitalar, regido
por normas e procedimentos cientificistas, muitas vezes destina seus recursos à
manutenção e ao prolongamento da vida. Por outro lado, grande parte da
136
população que procura o hospital na busca pela cura, muitas vezes encontra
somente um lugar para morrer, pois, quando os médicos não conseguem mais
curar, o hospital passa a ser apenas um local de morte (Ariés, 2003).
As discussões trazidas pelas reportagens levaram-me a ver que, apesar de
a participação no momento da morte ter diminuído, o contato com a iminência da
morte pode ter se intensificado, uma vez que a mídia, conforme Doll (2004),
aumentou a presença da morte cotidianamente através do entretenimento, o que
demonstra a fragilidade do processo de tentar esconder a morte. Ao mesmo
tempo, tais práticas cotidianas da mídia, especialmente a televisiva, podem gerar
também uma banalização da morte.
Discussões e relatos presentes nas reportagens trouxeram, ainda, a
ocorrência de movimentos da sociedade, por meio de manifestações públicas de
apoio ou protesto às decisões sobre a vida/morte de pacientes com doenças
terminais ou sem chance de cura, assim como a existência de embates entre
profissionais de diferentes áreas (medicina e direito, especialmente) no
movimento de legalização das práticas médicas que suspendem ou limitam os
procedimentos e tratamentos que prolonguem ou mantenham a “vida” dos
pacientes. Atualmente, vêm ocorrendo mobilizações para debater e repensar as
formas como se tem exercido poder sobre a vida das pessoas e sua liberdade de
decisão, gerando problematizações diante de legislações que não amparam as
decisões do paciente, da família ou do médico. Esses movimentos ou reações
têm sido motivados pelo direito à liberdade, o que envolve o direito à
autodeterminação e à preservação da dignidade humana. Isso compreende, além
do direito à vida, o respeito pela autonomia e o direito a uma morte digna, ou seja,
o direito de morrer o mais naturalmente possível, deixando a obstinação
terapêutica e o uso da tecnologia para os que têm chance de recuperação.
Mesmo com essas divulgações dos “avanços” da tecnociência e da
ampliação do poder de intervenção médica, não aconteceram reflexões mais
amplas por parte das pessoas em geral que pudessem mostrar, além dos
impactos proporcionados por essas novas condições de tratamento e as suas
possíveis conseqüências, questionamentos sobre as condições do paciente e da
vida que está sendo mantida.
137
Outra situação amplamente difundida na mídia impressa foi a aprovação da
Resolução sobre a ortotanásia pelo Conselho Federal de Medicina. Foi possível
perceber um posicionamento favorável aos limites do saber e do poder sobre a
vida e, ainda, o caráter e a força política dessas discussões e manifestações que,
além de contribuir para a aceitação da ortotanásia na sociedade, mobilizam
questionamentos sobre as leis, normas e códigos brasileiros.
Diante dos movimentos atuais, nem mesmo a Igreja teve como exercer
grande resistência frente aos debates, às mobilizações e às questões ligadas ao
difundido uso dos atuais meios de tratamento e equipamentos de manutenção da
vida.
Nos dias de hoje, em razão da criação de possibilidades “ilimitadas” de
interferência na saúde/doença e de vida/morte dos pacientes, emerge uma
necessidade de posicionamentos das pessoas em geral, seja por solidariedade
com a dor do outro, seja porque estamos cotidianamente na iminência de nos
depararmos com decisões sobre os destinos da “vida”.
Ao procurar conhecer os efeitos da aprovação da Resolução sobre a
ortotanásia, constatei também que, apesar de essa prática ter sido apoiada pelo
Conselho Federal de Medicina e pela Igreja, ela continua proibida por lei e, por
isso, ainda causa medo de punição por homicídio. Alguns profissionais da saúde
relataram em entrevistas a jornais que praticam, além da ortotanásia, a eutanásia
e que as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de seus enfermos
irrecuperáveis; por isso, muitas vezes, dispensam as tecnologias da ciência.
Assim, mesmo que os médicos pratiquem a ortotanásia ou a eutanásia com vistas
a poupar o sofrimento do paciente, eles não decidem por ela, mas passam a
decisão à família.
Nesse sentido, torna-se relevante e urgente debatermos sobre a eutanásia
e sobre questões relacionadas ao “amor”, à morte e ao sofrimento do doente e
das pessoas próximas a ele. Pensando no sofrimento, interrogo-me se os
questionamentos e a forte oposição à eutanásia não poderiam estar
fundamentados, por exemplo, no deslocamento do poder de decisão sobre a vida
e a morte, do ponto de vista da Igreja, das mãos de Deus, o Soberano. Ou, ainda,
na crença no poder da tecnociência, que pode prolongar a vida e alterar as
condições orgânicas do corpo, outra lógica soberana.
138
Afinal, a serviço de quem se colocam as verdades instituídas e veiculadas
pela imprensa? Refletir sobre tais produções humanas e seus efeitos pode
funcionar como uma estratégia para participar politicamente das decisões sobre a
vida e a morte. Evitar falar, questionar e discutir nos deixará ainda mais
despreparados para o enfrentamento de decisões e de questões relacionadas à
iminência de morte.
Com essas análises, não busquei categorizar ou enquadrar as práticas ou
os discursos de médicos, de advogados e da Igreja, nem julgar se estão certos ou
errados. Procurei, isso sim, conhecê-los e torná-los visíveis para, talvez, criar
outros espaços para pensar e problematizar determinadas práticas médicas,
jurídicas, religiosas e da comunidade em geral, diante da possibilidade de
liberdade de decisão e ação das pessoas em situações de morte.
Considero as discussões e o pensar em torno dessas questões como
estratégias para que as pessoas possam conhecer e compreender os efeitos das
verdades que regem as suas opiniões sobre o seu corpo e sua morte e a dos
outros, e, assim, talvez interrogar as práticas soberanas sobre o morrer. Essas
discussões podem nos possibilitar conhecer e desnaturalizar a rede de discursos
e práticas que atuam em nossa sociedade ligados aos cuidados do corpo, à
saúde, à prevenção dos riscos associados às doenças que podem levar à morte
(medicalização – exames periódicos, medicamentos, etc.). Além disso, pensar
sobre as discussões que têm ocorrido a respeito das formas de morrer e sobre a
prorrogação ou não da morte por meio da intervenção médica significa pensar
sobre quem estamos sendo no mundo. Afinal, “pensar sobre a condição humana
e sobre a limitação da sua vida é pensar sobre o sentido da nossa própria
existência” (Doll, 2004, p. 120).
Penso que vou sendo inventada, permanentemente, nas relações que
estabeleço com o mundo, na medida em que sou interpelada nas/pelas relações
cotidianas, as quais me imprimem histórias/acontecimentos. Quando me dispus a
ouvir e me deixar habitar pelas vozes presentes em jornais, revistas, livros, aulas,
elas geraram conflitos, conhecimentos, sentimentos, outros pensamentos em mim
a respeito da vida/morte. Neste momento, vejo o percurso desta pesquisa como
uma experiência não só de escrita, mas de pensamento e de vida como pessoa
ou futura professora de biologia, onde tenho muito caminho a trilhar...
139
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2005.
147
ANEXO: ARTIGO PUBLICADO
148
EUTANÁSIA, VIDA E MORTE: PROBLEMATIZANDO ENUNCIADOS
PRESENTES NA MÍDIA
74
.
Neila Seliane Pereira Witt - PPGEC-ICBS/UFRGS
Nádia Geisa Silveira de Souza - PPGEC-ICBS/UFRGS
Introdução
O medo de nossa transitoriedade é amenizado com a ajuda de uma certeza pessoal e
relativamente privada de vida eterna em outro lugar. Nesse entendimento procuramos
pensar na morte
75
afastando-a o máximo possível ou acreditando que nunca ocorrerá
conosco – “os outros morrem, eu não” (Elias, 2001, p. 07).
Essa administração dos medos humanos faz com que não nos reconheçamos como
mortais e finitos, ao mesmo tempo em que impede e dificulta que falemos sobre os
processos de morrer, o que torna as práticas relacionadas à morte importantes fontes de
poder de umas pessoas em relação a outras (Elias, 2001). Desse entendimento, buscamos
conhecer como vem se pensando, nos dias de hoje, sobre a morte e a eutanásia
76
, a partir de
enunciados
77
e de experiências relacionadas ao processo de morte. Estamos entendendo
que “o morrer não é apenas um fato biológico, mas um processo construído socialmente”,
podendo sofrer transformações permanentes, alterando comportamentos e sentimentos
(Menezes, 2004, p. 24). Entre as diversas instâncias que falam da morte, optamos nesse
momento por investigar como os enunciados relacionados à eutanásia, aparecem na mídia
impressa, devido ao papel constitutivo da mídia na contemporaneidade. O entendimento de
74
Esse artigo foi apresentado no 2º Seminário Brasileiro de Estudos Culturais e Educação,
ocorrido na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), nos dias 2 a 4 de agosto de 2006; e
publicado em CD, ISBN 85-7528-170-4.
75
“O número de definições que surgiram como conseqüência do desenvolvimento tecnológico já
deixa bem claro que não é esta uma definição puramente médica e, por isso, tem implicações
morais e legais” (Fransisconi & Goldim, 2005, p. 73). Porém, falar da morte de um corpo humano é
também falar do momento em que as pessoas deixam de existir, ou seja, é a morte do corpo
humano e da vida humana biológica (Engelhardt, 1998).
76
Eutanásia é o ato de causar “deliberadamente a morte de outra pessoa que está mais fraca,
debilitada ou em sofrimento”, o termo vem do grego, podendo ser traduzido como “boa morte” ou
“morte apropriada” e foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra Historia vitae et
mortis, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis” (Fransesconi & Goldim, 2005,
p. 74).
77
Segundo Esther Díaz (1993), o enunciado, não é nem uma palavra, nem uma frase, nem uma
proposição, porém pode sê-lo. O enunciado atravessa objetos, conceitos, sujeitos e técnicas.
Trata-se de um ato de discurso técnico que surge de regras estabelecidas segundo um
jogo/regime de verdade. O termo regime, está sendo entendido como o “conjunto de regras,
princípios e procedimentos produzidos pelo discurso que regulam a produção e a separação do
verdadeiro de seu oposto” (Souza, p. 122, 2001).
149
que os enunciados, que integram as narrativas
78
das reportagens, inscrevem nos corpos
noções do processo de morte, que passam a integrar as nossas subjetividades, moveu-nos, a
procurar conhecer a rede de enunciados veiculados em alguns jornais sobre a morte e a
eutanásia.
Ao colocar em evidência os enunciados e os discursos
79
, relacionados a morte, nos
propomos a problematizar a posição hegemônica e não questionável que determinados
discursos têm ocupado na trama social, o que não tem possibilitado condições para que se
discuta com as pessoas em geral as práticas, as legislações e os sentimentos relacionados
aos processos de morte.
Nessa perspectiva, trazemos neste artigo a análise de duas reportagens: uma do
jornal Zero Hora (Porto Alegre/RS), intitulada “Eles praticam a eutanásia”, do dia 03 de
abril de 2005, que trata de uma entrevista com médicos gaúchos sobre a eutanásia; e a
outra do jornal Folha de São Paulo (São Paulo/SP), intitulada “Polêmica na UTI”, do dia
04 de julho de 2005, que traz uma proposta de Resolução sobre a eutanásia do Conselho
Regional de Medicina do estado de São Paulo. Para a análise e discussões estabelecemos
conexões com questões do campo dos Estudos Culturais nas suas versões pós-
estruturalistas e com proposições de Michel Foucault.
A sociedade como provedora da vida, da juventude e da saúde...
Numa sociedade centrada na vida, na juventude e na saúde passamos a ter dificuldades
para nos ver como mortais, afastando a velhice, os “velhos” e a morte e isolando os
moribundos. Evitamos pensar e também discutir o envelhecimento e a morte como
processos contínuos e gradativos no percurso da vida humana. Temos dificuldades de lidar
com os sentimentos relacionados à doença, ao envelhecer e à morte, afinal essas
circunstâncias nos remetem a pensamentos relacionados à nossa própria finitude que,
muitas vezes, geram decisões e atitudes direcionadas à separação e ao isolamento do
78
“Aquilo que se marcou, que virou texto cunhado no papel nada mais é do que a minha narrativa;
é a história que estou contando, daquilo que eu, com meus olhos de aprendiz-pesquisador, passei
a olhar como importante e que constitui como relevante para o trabalho” (Santos, 1998, p. 37).
Costa (2001), a partir dos estudos de Foucault, comenta a esse respeito, dizendo que “as
narrativas constituem o aparato de conhecimentos/saberes produzidos pela modernidade com a
finalidade de tornar administráveis os objetos sobre os quais falam” (idem, p. 42).
79
Estamos entendendo os discursos não como “conjuntos de signos (elementos significantes que
remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os
objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que
utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os tornam irredutíveis à língua e ao
ato da fala. É esse mais que é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever” (Foucault, 2004,
p. 55).
150
mundo dos vivos. Em outras palavras “a morte do outro torna-se dramática e insuportável e
se inicia um processo de afastamento social da morte” (Menezes, 2004, p. 27). Embora, a
morte não tenha como ser abolida, houve enormes avanços na arte de repelir e impedir as
causas de seu acontecimento, assim como, estender o tempo de vida. Um dos resultados foi
que a morte, esse “inimigo invisível”, desapareceu de vista e do discurso (Bauman, 1998).
No entanto, nossa vida passou a ser policiada do início ao fim, tornando-nos, pelo menos
temporariamente, “inválidos acompanhando a vida das janelas do hospital” (idem, p. 195).
Para chegar a essas condições a nossa cultura desenvolveu estratégias, como, por exemplo,
esconder a morte daqueles próximos a própria pessoa,
colocar os doentes terminais aos cuidados de profissionais; confinar os
velhos em guetos geriátricos muito antes de eles serem confiados ao
cemitério (...); transferir funerais para longe de locais públicos; moderar a
demonstração pública de luto e pesar; explicar psicologicamente os
sofrimentos da perda como casos de terapia e problemas de personalidade
(Bauman, 1998, p. 198).
Enfim, o processo de morte, assim como outros fenômenos da vida social, pode ser
vivenciado de distintas formas, de acordo com os significados compartilhados por esta
experiência. Os sentidos do morrer modificam-se segundo o momento histórico e os
contextos sócio-culturais. A relação estabelecida hoje, pelos indivíduos e pela sociedade
com a morte, afastou-a do cotidiano, transformando-a em um tabu, privando o homem de
sua própria morte (Menezes, 2004). O problema passou a ser o conhecimento da morte,
essa previsão do fim absoluto da pessoa cria problemas e desperta – a partir da imagem da
morte que se tem consciência – os terrores e temores dos seres humanos, afinal “a morte é
um problema dos vivos” (Elias, 2001, p. 10). Essa preocupação diante do tema representa
apenas uma outra expressão do nosso interesse em manter a vida. A exemplo disso têm-se
as práticas relacionadas aos cuidados com os doentes, as quais passaram das famílias e dos
religiosos para o monopólio dos médicos e suas instituições, onde o poder médico vai
intervir “para aumentar a vida, para controlar seus acidentes, suas eventualidades, suas
deficiências” (Foucault, 2002a, p. 295).
Ao pensar na medicina e seus modelos atuais percebemos que ela “produziu uma
morte em hospital, medicamente monitorizada e controlada, inconsciente, silenciosa,
escondida e isolada” (Menezes, 2004, p. 33). Se por um lado, segundo Foucault (2002b), a
história do hospital não se encontra relacionada à cura, por outro, era para lá que, antes do
século XVIII, eram levados os pobres moribundos, a fim de que tivessem assistência
151
espiritual na morte e não representassem perigo de contágio para a cidade. Foi, a partir do
final do século XVIII, que ocorreu a reorganização da instituição hospitalar e sua
articulação com a prática médica, o que criou condições para a constituição do saber
médico extraído do indivíduo e confrontado entre os hospitais. O indivíduo e a população
tornam-se então, “objetos de saber e alvos da intervenção da medicina” (Foucault, 2002b,
p. 111). Assim, a medicina pode ser entendida como “um saber-poder que incide ao
mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e sobre os processos
biológicos e que vai, portanto, ter efeitos disciplinares e efeitos regulamentadores”
(Foucault, 2002a, p. 302).
Sibilia (2003), ao falar da tecnociência comenta que “esses mistos de poder-saber
conformam os contextos nos quais vivemos e falamos, eles nos constituem e nós os
constituímos permanentemente” (idem, p. 41), assim essa relação entre poderes e saberes é
capaz de criar incessantemente as tecnologias de poder
80
.
O “fim da morte” é o objetivo explícito das tecnologias da imortalidade que estão
presentes em pesquisas da atualidade entre elas, a engenharia genética, a criogenia e os
fármacos. Esses projetos ou utopias parecem, hoje, além de aceitáveis, realizáveis pelas
promessas científicas. Dentre elas uma vida: sem sofrimentos em função dos
psicofármacos; sem fim através da bioengenharia e do congelamento dos organismos à
espera de técnicas médicas mais eficazes; e também uma vida controlada e melhorada
através de práticas eugênicas. Enfim, todas essas promessas e buscas poderiam acabar por
fazer, segundo Bellino (1997), concorrências com os cemitérios em um futuro não tão
distante.
As conquistas tecnocientíficas presenciadas nos últimos anos exigem que se
revisem os limites médicos e jurídicos entre vida e morte: “as condições antes consideradas
como morte passaram a ser reversíveis, exigindo a elaboração de novas leis, definições e
práticas” (Hughes, 2001 apud Sibilia, 2003, p. 51). O borramento das fronteiras entre a
morte e a vida, as quais antes eram nitidamente definidas, traz conceituações
probabilísticas que determinarão o estado do paciente e as chances de recuperação.
80
Para Foucault o poder configura-se como, algo que "não se dá, não se troca nem se retoma,
mas se exerce, só existe em ação”, esse poder só existe em relação entre uma pessoa ou um
grupo de pessoas e outra pessoa ou grupo (Foucault, 2002b, p. 175). Não é repressivo, negativo e
violento, “o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não
pesa só como uma força que diz não, mas de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer,
forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo
o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir” (idem, p. 8).
152
Não morremos mais como antigamente e percebemos mudanças no campo médico,
em conseqüência de modificações que foram criadas na hospitalização, nas unidades de
terapia intensiva e nos transplantes, as quais “caracterizam três grandes tendências do
século XX que alteraram totalmente o horizonte da morte e do morrer” (Valls, 2004, p.
176). Essas mudanças trouxeram outras, entre elas a doação de órgãos os quais devem ser
retirados ainda vivos do paciente, ou seja, “quando o paciente estiver legalmente morto”
(idem, ibidem). Essa definição de morte legal tem como pressupostos a utilização dos
órgãos para fins de transplantes, efeito das preocupações com a vida e em manter vivo,
aquele que está considerado sem salvação ou condenado a morte. Ou seja, a morte torna-se
legal quando tem como função gerar ou prolongar a vida de outros. Numa tentativa de
driblar a morte a qualquer custo ou através de diferentes estratégias, estamos criando e
buscando permanentemente maneiras que nos possibilitem poder viver, ou o poder sobre a
vida. Enfim, a recusa em aceitar a finitude acabou gerando várias linhas de fuga.
Às mudanças jurídicas e médicas, cruza-se ainda com uma desvalorização
sociocultural da morte tendo como efeito, mudanças nas cerimônias de funerais e de
velamento do corpo. Tais processos Foucault associou aos mecanismos
81
de biopoder, cuja
focalização na vida, desde o século XIX, teria atenuado o sentido da morte. Segundo o
autor, o biopoder se ocupa dos processos que são próprios da vida, dos fenômenos
coletivos de uma população (como natalidade, mortalidade, longevidade, doenças, etc.).
Esse poder lida com o corpo múltiplo, com estatísticas de uma população, com a população
“como problema político, como problema a um só tempo científico e político, como
problema biológico e como problema de poder” (Foucault, 2002a, p. 292-293). Os
mecanismos de ação da biopolítica têm como finalidade a regulamentação da população,
buscando prever seus eventos, “controlar (eventualmente modificar) a probabilidade desses
eventos, em todo caso em compensar seus efeitos” (idem, p. 297). Assim, a partir do século
XIX, configura-se uma medicina cujas ações dirigem-se aos problemas de higiene e de
saúde pública, que se enquadra numa política de regulamentar a vida da população, ou
seja, como um campo de saber em que as estratégias pretendem fazer viver. Porém, essas
estratégias de fazer viver, hoje, se confrontam com o direito de morrer, afinal ao estarmos
sob os cuidados de uma instituição hospitalar não temos mais o direito de decidir pela
nossa morte, estamos ali buscando manter a vida. No entanto, temos que nos questionar
81
Estamos utilizando mecanismo no sentido de um conjunto de ações de uns sobre outros, que
“conduz condutas” e ordena o campo das possibilidades dos outros (Foucault, 1995).
153
sobre que vida estamos mantendo e qual o preço que estamos dispostos a pagar. Será viver,
estar inconsciente, imóvel, sob ação de sedativos, “vivendo” graças aos tubos e máquinas
disponibilizados pela tecnociência?
Uma das questões que vêm perturbando a aceitação natural de se manter a vida vem
sendo o penoso espaço de tempo longe da família e dos amigos; acompanhado por
estranhos numa cama de hospital em que as pessoas, ali nomeadas pacientes, podem ter em
comum apenas a doença. Nessa instituição, enquanto se aguarda uma possível recuperação,
gradativa e ironicamente ocorre a perda dos companheiros de quarto. Situações como
essas, nos levam a pensar se o “avanço” tecnocientífico pode ser ou não considerado em
prol do indivíduo. Nessa perspectiva, os pactos entre o homem e a ciência fizeram com que
o objeto de cuidado da medicina passasse a ser a vida humana e não a pessoa, gerando a
despersonalização da doença e a desumanização da medicina (Bellino, 1997). Segundo
Foucault,
O homem ocidental aprende pouco a pouco o que é ser uma espécie viva
num mundo vivo, ter um corpo, condições de existência, probabilidade de
vida, saúde individual e coletiva, forças que se podem modificar, e um
espaço em que se pode reparti-las de modo ótimo. (...) o biológico reflete
no político. (Foucault 2001, p. 134)
Ao aprendermos que somos uma espécie viva, para onde caminhamos? Essa
trajetória nos leva às práticas e estudos de “técnicas e procedimentos destinados a dirigir a
conduta dos homens”, que tem como idéia central o “governo dos vivos”. Assim, o custeio
(movimentar a economia) dos exames e remédios para prevenir os riscos
82
ao longo da
vida fica a critério das pessoas através de suportes preventivos como, alimentação,
esportes, vitaminas, terapias, entre outros (Foucault, 1997, p. 101).
Hoje, doenças relacionadas ou causadas pelo estilo de vida que as pessoas optam
manter são entendidas como resultado de resistência ou falta de informação, afinal tem-se a
disposição várias prescrições de diferentes áreas médicas indicando, regras, normas e
padrões de vida (como as dietas, os exercícios, as análises, os exames preventivos...)
direcionadas a assegurarem a saúde, um objetivo principal.
A articulação de estratégias direcionadas a “autonomia” do sujeito, aos mecanismos
de biopoder, fizeram com que houvesse um aumento dos cuidados de si, sobre a sua saúde.
82
Risco é “uma regra que permite ao mesmo tempo unificar uma população e identificar os
indivíduos que a compõe segundo um mecanismo de auto-referencia” que pressupõe que todos os
indivíduos possam ser afetados pelos mesmos males, ou seja, todos estão expostos e partilham
as respectivas responsabilidades (Ewald, 1993, p. 97).
154
O biopoder está engendrado ao nosso cotidiano, através da naturalização de suas
estratégias e, porque não dizer, da universalização dos cuidados com a saúde. Falando
disso, hoje algumas opções como a de ser sedentário ou fumante entre outras, caracterizam
a nova categoria denominada comportamento pessoal de risco. As pessoas que optam em
manter essas práticas ou “vícios” são vistas como descuidadas e desleixadas com relação a
si mesmas. Nesse entendimento, é possível dizer que o biopoder visa a administração e
regulamentação da vida da população. Interferindo nas possíveis escolhas dos sujeitos e
modos de viver vistos como saudáveis ou não, ou seja, na sociedade se aprendem formas
de ser saudáveis e de ser doentes. Segundo Sibilia (2003), esta naturalização do biopoder
foi sendo construída ao longo da história, ocorrendo assim a incorporação do controle
83
,
gerando menos resistências explícitas, uma vez que o poder passa a ser exercido através de
formas mais sutis e sofisticadas, ou seja, imbricado aos saberes.
Associado à promoção da saúde emergem os discursos de juventude e beleza,
atrelados às regras de mercado, consumo e produção cujas estratégias de propaganda e/ou
marketing têm a finalidade de produzir sujeitos consumidores que movem a indústria de
academias, fisioterapias, roupas esportivas, alimentos diets/lights, fármacos, cosméticos,
cirurgias plásticas/estéticas, etc. Em uma rede de discursos que circula em diversas
instâncias (mercado, mídia, medicina, ciência...) a imperfeição e incompletude de nosso
corpo vêm sendo produzidas ao mesmo tempo em que a saúde e a beleza – através das
atitudes e cuidados necessários ao atendimento das exigências que são para o “nosso
próprio bem” ou para o bem de nosso corpo. Numa sociedade de consumo, regida pela
política do mercado, para suprir os “desejos” e as “necessidades” dos corpos consumidores
encontram-se a disposição tantos objetos e procedimentos quanto “necessite” para garantir
vida longa, saúde, juventude e beleza, que conferem as promessas do mais antigo desejo
humano, a vida eterna. Enfim, o biopoder é “fundamental para o desenvolvimento do
capitalismo, cujo objetivo é produzir forças, fazê-las crescer, ordená-las e canalizá-las, em
vez de barrá-las ou destruí-las” (Sibilia, 2003, p.163) e para isso, o biopoder atua
constantemente através de novos saberes e técnicas, para ajustar-se e para conquistar novos
espaços, que estão sempre sujeitos a embates e resistências conferidas à vida. Nesse
83
O sentido de controle que estamos fazendo uso é com relação a uma operação mais macro,
que não pega o detalhe, que não é e nem precisa ser contínuo, por isso não é da ordem do
microfísico. Pode ser considerado mental ou abstrato, não acompanha o processo, nem se dá em
tempo real, mas visa o resultado a partir de comparações entre as coisas que estão submetidas a
regras (Foucault, 2002b, Ewald, 1993).
155
sentido a morte deixa de interessar ao mecanismo de biopoder, pois ela representa o
momento em que o indivíduo lhe escapa.
Como a morte e a eutanásia aparecem na mídia? Quem fala? Como fala?
Estamos entendendo a mídia como um domínio pedagógico, que, mais do que
simplesmente levar as “informações diárias” às pessoas, produz verdades sobre o mundo.
Ou seja, a mídia mais do que meio ou veículo de informações de massa, ensina alguma
coisa, transmite “uma variedade de formas de conhecimento que embora não sejam
reconhecidas como tais, são vitais na formação da identidade e da subjetividade” das
pessoas (Silva, 2001, p. 140). Nesse sentido, consideramos como dispositivo
84
pedagógico
da mídia as informações e comunicações por ela veiculadas as quais muitas vezes chegam
a lugares que instituições como hospitais e escolas ainda não chegaram.
Diante da força da mídia na articulação e produção de representações e sentidos,
compreendemos que os meios de comunicação (jornais, revistas, rádio, televisão...)
conferem profundos efeitos na arte de moldar a vida cotidiana das pessoas. A mídia, por
meio da informação e comunicação, constrói significados e atua decisivamente na
formação dos sujeitos sociais e de seus corpos, os quais são tidos como mais uma
mercadoria ou objeto de consumo (Amaral, 2000). Ao falar sobre a função pedagógica da
mídia, Fischer (1997) diz que
“as diversas modalidades enunciativas (...) dos diferentes meios e
produtos de comunicação e informação – televisão, jornal, revistas, peças
publicitárias – parecem afirmar em nosso tempo o estatuto da mídia não
só como veiculadora mas também como produtora de saberes e formas
especializadas de comunicar e de produzir sujeitos, assumindo nesse
sentido uma função nitidamente pedagógica”(idem, p. 61).
A mídia como produtora de saberes constitui uma das armas mais potentes da
hegemonia cultural, nesse sentido “aquilo que não passa pela mídia (...) vai se tornando
estranho aos modos de conhecer, aprender e sentir” (Fischer, 1997, p. 62), por outro lado, é
capaz de ligar o estranho e a diferença às teias de códigos e signos comuns (Rocha, 1995
apud Amaral, 2000). Mais do que disponibilizar enunciados “de várias formações
discursivas (...), a mídia constrói, reforça e multiplica enunciados propriamente seus, em
sintonia ou não com outros discursos e outras instâncias de poder” (Fischer, 1997, p. 65).
84
Estamos utilizando o sentido de dispositivo, como uma formação criada por elementos sociais,
discursivos e não-discursivos, que se relacionam num determinado momento histórico com uma
função estratégica de dominação (Foucault, 2002b, p.244).
156
Nessa perspectiva, a mídia está funcionando como uma importante instância que veicula
“verdades” que funcionam como estratégias de regulação na sociedade contemporânea.
Esse entendimento nos levou a problematizar como temáticas entorno da morte
(eutanásia, aborto, assassinato, câncer...) aparecem nesse veículo. Por se tratar de uma
reportagem, é oportuno lembrar que nos dias de hoje, a mídia mais do que um veículo de
informações configura-se como uma instância que adquiriu destacado papel como
formador de opiniões, uma vez que se encontra implicada na constituição de nossas
subjetividades. Nessa direção, Kellner (2001) nos fala da importância de nos
alfabetizarmos criticamente em relação à mídia, ou seja, “aprender como apreciar,
decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e
operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em situações concretas”
(idem, p. 109). Isso não significa questionar os discursos presentes nas mídias em tom de
denúncia, como se estivéssemos “acima” ou “fora” de tais produções culturais. Entretanto,
ao perceber tais inscrições em funcionamento, devemos buscá-las em nós mesmos, seja
para mudar ou não, seja para tentar entendê-las de outras maneiras.
Numa tentativa de levantar elementos para entender como vem se pensando a
eutanásia, trouxemos inicialmente a reportagem do jornal Zero Hora (Porto Alegre/RS),
intitulada “Eles praticam a eutanásia”, do dia 03 de abril de 2005, que trata da eutanásia a
partir de depoimentos de médicos gaúchos. Nela, essa prática aparece como rotina para
apressar a morte de pacientes terminais e rever os critérios utilizados para interromper o
tratamento de quem agoniza.
Nas entrevistas a respeito da eutanásia tornaram-se visíveis as preocupações dos
médicos em relação à falta de amparo legal, em detrimento das questões religiosas e
morais. Eles afirmam que a prática da eutanásia serve para diminuir a agonia física,
psicológica e financeira de pacientes e seus familiares, além de atenuar a falta de leitos e
verbas para a saúde. Um dos médicos diz:
Por não tornarmos legal uma ação centrada na vontade, geramos uma indústria da saúde que
trabalha com a seqüela e lucra com os custos hospitalares
85
.
Nesse sentido, mesmo que, à custa de um maior sofrimento para os doentes e os
familiares, a distanásia
86
por meio dos cuidados paliativos
87
reflete as preocupações
85
As falas extraídas das reportagens estão neste artigo identificadas pelo uso do grifo em itálico.
86
Distanásia é a agonia prolongada, é a morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo
lúcido. Pode ser entendida como a forma de prolongar a vida de modo artificial, sem perspectiva
157
contemporâneas com o fazer viver e um prolongamento da vida. Esses cuidados
correspondem, a um novo dispositivo social de domínio das emoções diante da morte, ou
seja, torna-se necessário aos padrões atuais de sensibilidade o crescente autocontrole e
distanciamento emocional, elementos indicadores das mudanças das relações do homem
com seu corpo e, conseqüentemente, com a sua morte (Menezes, 2004).
No transcorrer da reportagem ocorre um diálogo entre o médico e o repórter, do
qual extraímos o trecho que segue:
ZH – existe eutanásia no Brasil?
Médico – sobre ela fala-se pouco e se pratica muito.
ZH – qual o momento para a eutanásia?
Médico – com alguma freqüência, os familiares confessam que não agüentam mais.
ZH – esse é o recado?
Médico – sim, é muito claro (...) uma pessoa que a família amou ou ama muito é transformada em
um pedaço de carne em cima de uma cama.
Essa conversa nos mostra que a eutanásia, apesar de proibida por lei, é praticada e
aceita tanto pelos médicos quanto pelas famílias. É presente também a existência do medo
da punição por assassinato, por isso, o médico não decide pela morte, mas passa a decisão
à família. Hoje, as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de seus
enfermos insalváveis e por isso, muitas vezes, dispensam as tecnologias da ciência, afinal
seria lutar contra o invencível, pois temos que reconhecer que todos irão em algum
momento morrer.
O processo da morte pode ser prolongado pela manutenção artificial de algumas
funções vitais, mas por quanto tempo se deve prorrogar ou abreviar, a morte por meio da
intervenção médica? Essa questão constitui-se como objeto de controvérsias nos meios de
comunicação, nos tribunais e nos hospitais. Como podemos observar nessa fala de um
médico, chefe do serviço de neurologia de um hospital privado na entrevista ao jornal Zero
Hora:
de cura ou melhora, quando utilizado com este sentido, pode ser confundido, com a futilidade
(Fransisconi & Goldim, 2005).
87
“O cuidado paliativo é definido pela Organização Mundial da Saúde como o cuidado ativo total
dos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. O controle da dor e de
outros sintomas, o cuidado dos problemas de ordem psicológica, social e espiritual são o mais
importante. O objetivo do cuidado paliativo é conseguir a melhor qualidade de vida possível para
os pacientes e suas famílias” (Pessini, 2001, p. 209).
158
Essas situações foram criadas pelo avanço da medicina. Estados vegetativos são uma criação
nossa. Agora temos de enfrentar o monstro. Temos de nos adequar, assim como fizemos com o
transplante e com a morte cerebral. Ponho muito menos energia no tratamento de infecções
respiratórias ou no ressucitamento de paradas cardíacas quando não há chance de recuperação.
Perguntam-me: ‘Chamo o intensivista?’. Eu digo: ‘Não, não chama’. Durmo tranqüilo. Nunca fiz
tudo o que poderia. Fiz tudo o que deveria. E não considero eutanásia.
Como pudemos ver nas falas desse médico apesar dele praticar um tipo de eutanásia
(a eutanásia passiva
88
), ele não considera que a sua atitude se enquadre nessa prática.
Porém, poderíamos inferir segundo o seu relato – ao dizer que nunca fez tudo o que
poderia, mas o que considerou como seu dever – que ele julga a hora de morrer de seus
pacientes (sem chance de recuperação), quando deixa de chamar o intensivista. Por outro
lado, se concordarmos com a utilização indiscriminada da tecnociência estaremos
incentivando as instituições de saúde muito bem aparelhadas, com instrumentos cada vez
mais sofisticados para ao ressuscitamento de pacientes, recaindo então na seguinte questão:
Como os médicos devem proceder diante de um paciente terminal
89
?
Souza (2001, p. 131), diz que “os diversos sistemas de significação, ao definirem o
significado das coisas, codificam, organizam e regulam nossas ações, constituindo nossas
culturas”. Daí a importância em compreendermos o modo como a cultura é modelada, uma
vez que ela nos governa, “regula nossas condutas, ações sociais e práticas e, assim, a
maneira como agimos no âmbito das instituições e na sociedade” (Hall, 1997, p. 39).
Com vistas às questões relacionadas a discussão sobre a eutanásia o Cremesp, propôs
uma polêmica resolução a qual foi assunto da reportagem da Folha de São Paulo (São
Paulo/SP), intitulada “Polêmica na UTI”, do dia 04 de julho de 2005, que trataremos a
seguir
90
.
Na reportagem consta que a resolução considera ético limitar ou suspender
procedimentos que prolonguem a vida do doente incurável em fase terminal [e que apesar
da] resolução não se referir à eutanásia ativa, [ela propõe que a] decisão de suspender os
88
Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de
terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida
extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento (Fransisconi & Goldim, 2005).
89
Paciente terminal é aquele que vai morrer num período relativamente curto de tempo, de 3 a 6
meses, independentemente das ações médicas que são colocadas em prática (Fransisconi &
Goldim, 2005).
90
Essa resolução foi retirada do site do Conselho Regional de Medicina (CRM) por decisão do
Ministério Público na semana seguinte à publicação da reportagem. O Ministério Público entendeu
que não faz sentido propor uma consulta pública para algo que o código penal entende como
crime. Agora o CRM estuda outra forma de salva-guardar os médicos.
159
procedimentos que mantêm vivo o paciente, como a respiração artificial, deverá respeitar
a vontade do paciente ou, na sua impossibilidade, a do seu representante legal (Folha de
São Paulo).
A mesma reportagem traz as seguintes falas de advogados:
Apesar da prática médica [a eutanásia] já existir, essa resolução não isenta o médico ou o
familiar que autorizar a suspensão do tratamento de responder a uma ação penal por eutanásia.
A eutanásia não é autorizada por lei. A resolução não tem respaldo legal.
Considerando as várias questões sobre o fim da vida, podemos observar que existe
uma pluralidade de respostas possíveis e que vários pontos de vista devem ser
considerados e avaliados, não se tratando de um relativismo sem limites. Pois de um lado
está a lei e a religião e do outro a condição de ação do médico diante dos pacientes
terminais, da falta de recursos (apoio legal, infra-estrutura, medicamentos...) e das famílias.
A tecnociência vem nos apresentando meios de manter a vida, situação inversa à
eutanásia, isto é, a distanásia. Com isso cria-se outro problema, uma forma de vida, muitas
vezes, dolorosa ou poderíamos dizer um demorado e penoso processo de morrer, no qual
“o cuidado com as pessoas às vezes fica muito defasado em relação ao cuidado com seus
órgãos” (Elias, 1990, p. 103), exigindo ainda gastos elevados de famílias, de Planos de
Saúde ou do Estado. Para enfrentar essa situação a solução que aparece é a eutanásia que,
apesar de praticada, contraria o Código Penal e por isso é negada pelos médicos. Para
fechar esse artigo, mas não a reflexão, encerramos com uma questão: Se conseguíssemos
pensar ou se fosse possível nos colocarmos no lugar do paciente terminal, será que
preferiríamos morrer mais rapidamente em casa, ou demoradamente num hospital?
Conclusões
Ao procurar conhecer como se fala da morte relacionada à eutanásia, nos dias
atuais, percebemos que essa temática articula “verdades” ligadas a discursos religiosos,
ético e/ou legislativo que exercem o poder de delimitar a vida, investindo no homem
enquanto ser vivo.
Nesse entendimento, as práticas discursivas veiculadas nos meios de comunicação
de massa (revistas, jornais, televisão, rádio), ao produzirem e instituírem os significados
idealizados para o corpo e para o estilo de viver, constituem-se em elementos culturais
importantes na complexa rede social que governa as nossas vidas. Afinal, na cultura de
consumo os meios de comunicação de massa veiculam imagens estilizadas do corpo
160
bonito, jovem enfatizando a aparência visual, que ao educarem a população para cuidar do
corpo, procuram reduzir os custos com a saúde. Ao mesmo tempo, o descuido ou a
negligência com o corpo, gera discriminações em relação à pessoa e, até mesmo a sua
moral. Nesse contexto, a velhice e a morte passaram a ser consideradas como decadência e
derrota e, portanto, devem ser evitadas ao máximo, por outro lado, a morte poderá ser
justificada em nome da defesa da vida, ou seja, na utilização dos órgãos em transplantes.
A partir desse estudo, procuramos tornar visível a maneira como, as nossas
experiências encontram-se impregnadas por essas práticas discursivas, chamar a atenção
para os seus efeitos na constituição daquilo que nos tornamos ou do que, referimos como
“o meu corpo” ou “a minha vida” e enfatizar que um dos maiores problemas, na decisão de
morte, está em evitarmos falar desse processo.
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Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/ff0407200501%2ehtm>
Acessado em 04 de julho de 2005.
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