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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A FORMAÇÃO DA CIDADANIA NO CENÁRIO EDUCACIONAL
BRASILEIRO: avanço ou retrocesso
ORIENTADOR PROF. DRA. ROSA MARIA F. MARTINI
KELLI CRISTINA MULLER
PORTO ALEGRE
2007
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“A educação é uma arte, cuja prática necessita ser
aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, de posse
dos conhecimentos das gerações precedentes, está sempre
melhor aparelhada para exercer uma educação que
desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção
e de conformidade com a finalidade daquelas, e, assim, guie
toda a humana espécie a seu destino. (...) Entre as
descobertas humanas há duas dificílimas e são: a arte de
governar os homens e a arte de educar”.
KANT, 1786
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“(...) todos os seres humanos, apesar das
inúmeras diferenças biológicas e culturais que os
distinguem entre si, merecem igual respeito,
como únicos entes no mundo capazes de amar,
descobrir a verdade e criar a beleza. É o
reconhecimento
universal de que, em razão
dessa radical igualdade, ninguém nenhum
indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo
religioso ou nação pode afirmar-se superior aos
demais”.
FÁBIO KONDER COMPARATO (1999)
DEDICATÓRIA
Aos educadores, que lutam por uma
educação melhor, principalmente, por
acreditarem que é possível educar para a
cidadania.
A todos os cidadãos brasileiros que
sentem seus direitos violados no dia-a-dia ante
ao quadro de fragilidade política e social que se
apresenta no país, no qual se apresentam como
personagens de um cenário, cujo reflexo espelha
uma sociedade que vive sob vigência de uma
cidadania negada.
AGRADECIMENTOS
O processo de aprendizagem e produção do saber nunca é solitário, por isso agradeço
profundamente:
A Deus que no silêncio desta atividade manifestou-se com pluralidade de linguagens e
nos auxiliou na elaboração desta produção acadêmica.
A Jesus Cristo que é tudo, neste nada.
Aos meus familiares. Ao meu pai, com quem aprendi a perceber a beleza da vida e a
capacidade de sonhar, de sonhar sempre... A minha mãe, pelos ensinamentos de educadora:
solidariedade e prática de vida.
A minha gratidão à orientadora profa. Rosa Martini pela dedicação e ensinamentos.
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................................08
ABSTRACT..................................................................................................................................09
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................10
PARTE I .......................................................................................................................................17
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS...................................................................................................17
1.1 Direitos humanos e cidadania no cenário brasileiro: entre o prescrito e vivido....................22
1.2.Origem e motivos do estudo.....................................................................................................33
1.3Demarcando o objeto de estudo.................................................................................................37
1.4 Objetivos do estudo..................................................................................................................38
1.5.Problema...................................................................................................................................41
PARTE II.......................................................................................................................................44
2.1 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA.............................................44
2.2 Breve histórico dos direitos humanos......................................................................................45
2.3 A construção da cidadania ao longo da historia......................................................................51
2.4 O contexto da Cidadania e Democracia no Brasil...................................................................56
PARTE III.....................................................................................................................................66
3.1 AUTONOMIA COMO CONDIÇÃO DA CIDADANIA....................................................66
3.2 A questão moral em Kant-autonomia.......................................................................................69
3.3 A relação entre autonomia e esclarecimento em Kant..............................................................71
3.4 Considerações sobre a educação na visão de Kant...................................................................77
PARTE IV....................................................................................................................................80
4.1EDUCAÇÃO E CIDADANIA...............................................................................................80
4.2 O enfoque da educação para a cidadania.................................................................................80
4.3 Base e alicerce da educação para a cidadania..........................................................................87
4.4 A formação do professor na possibilidade da construção da cidadania...................................93
PARTE V......................................................................................................................................99
5.1 A CONSTRUÇAO DA CIDADANIA NA ESCOLA PUBLICA: O DISCURSO
OFICIAL DAS POLITICAS PUBLICAS DA EDUCAÇAO, EMPREGO EXCLUSÃO....99
5.2 Educação para todos: Um direito constitucionalmente garantido..........................................106
5.3 O Contexto da formulação das Políticas Públicas Educacionais no Brasil...........................111
5.4 Nova cidadania - um conceito pós-moderno para educação..................................................111
5.5 LDB reflexões e discurso.......................................................................................................119
5.6 Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental...........................................133
5.7Cidadania e Formação Técnico Profissional desafios no processo de globalização excludente 138
5.7.1 Concepção e organização do ensino técnico-profissional ..................................................140
PARTE VI....................................................................................................................................148
6.1
EXCLUSAO DA TECNOLOGIA NA ESCOLA EXEMPLO DE CIDADANIA NEGADA......148
6.2 Exclusão digital no Brasil : desafios e perspectivas................................................................149
6.3 Alternativas e perspectivas para a inclusão digital..................................................................151
6.4 A educação contra a exclusão digital.......................................................................................152
6.5 As redes de movimentos sociais no processo de democratização da sociedade......................154
6.6 A educação e o movimento social da cibercultura...................................................................156
6.7 A educação e os caminhos do virtual .....................................................................................157
CONSIDERAÇOES FINAIS.....................................................................................................158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................165
RESUMO
Este estudo pretende desenvolver de forma teórica, conceitual e histórica a questão da cidadania
no cenário das diversas etapas da história da educação brasileira. Pretende também verificar
como a idéia de cidadania tem passado do plano ideal para a realidade das práticas pedagógicas.
Essas questões irão nortear este estudo, partindo da constatação de que a maioria da população
brasileira não tem os direitos básicos assegurados para garantir uma vida digna, entre estes:
educação, saúde, moradia, trabalho, lazer. O Estado Brasileiro avançou em termos político-
jurídicos, em termos dos ideais proclamados da democracia, a exemplo da Constituição Federal
(1988) e dos principais acordos e pactos internacionais de garantia e proteção aos direitos
humanos de que é signatário; mas o modelo de gestão governamental fundamentado no
neoliberalismo dificulta o fortalecimento da democracia e da cidadania, sendo esta entendida
enquanto garantia dos direitos civis, políticos e sociais. É neste quadro de fragilidade do regime
democrático e da cidadania, e por acreditarmos na educação enquanto instrumento de formação
da cidadania e na escola como instituição social que trabalha com a socialização do
conhecimento, formação de hábitos, valores e atitudes, que procuramos verificar qual a
contribuição da escola para a formação da cidadania. Nesta direção, tomamos como referência a
LDB/1996, devido à ênfase dada aos direitos do aluno, ao ensino cidadão, à gestão democrática e
ao professor profissional, espera-se detectar se a cidadania proclamada nos textos da LDB (Leis
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996), tem condições de se realizar nas práticas
pedagógicas. Foram realizadas análises documentais de conteúdo dos textos legais (leis) e
documentos oficiais, com o propósito de verificar se os princípios defendidos encontravam
amparo nas propostas de atendimento educacional apresentadas para formação da cidadania. As
interpretações e considerações que emergem desta investigação se assentaram em referenciais
teóricos apresentados por autores que estudam política de educação. Os resultados da
investigação apontam alguns requerimentos necessários ao desenvolvimento de um projeto
pedagógico nessa direção: apoio institucional e definição de política governamental; vivências de
gestão democrática; projeto pedagógico orientado para a formação da cidadania, enquanto
proposta global de escola; domínio dos conteúdos específicos dos direitos humanos e da
cidadania por todos os atores da escola de forma a poder integrá-los aos conteúdos curriculares;
prática pedagógica que respeite o aluno como sujeito produtor do conhecimento e a escola como
espaço sistemático de exercício da cidadania. Concluindo, estes achados vêm confirmar a tese de
que estes requerimentos contribuem para a construção de um projeto pedagógico. Nesta
perspectiva, o educador é o elemento fundamental, a partir da sua decisão e da adesão ao projeto;
o que requer uma formação profissional fundamentada nos conteúdos da cidadania democrática.
Palavras-chaves:formação da cidadania – possibilidades-legislação educacional -cenário
educacional
ABSTRACT
This study it intends to develop of theoretical, conceptual and historical
form the question of the citizenship in the scene of the diverse stages of the
history of the Brazilian education. It also intends to verify as the
citizenship idea has passed of the ideal plan for the reality of practical the
pedagogical ones. These questions will go to guide this study, leaving of the
constatação of that the majority of the Brazilian population does not have the
basic rights assured to guarantee a worthy life, between these: education,
health, housing, work, leisure. The Brazilian State advanced in politician-
legal terms, in terms of the proclaimed ideals of the democracy, the example
of the Federal Constitution (1988) and of the main agreements and
international pacts of guarantee and protection to the human rights of that he
is signatory; but the model of governmental management based on the
neoliberalismo makes it difficult the fortalecimento of the democracy and the
citizenship, being this understood while guarantee of the civil laws, social
politicians and. It is in this picture of fragility of the democratic system
and the citizenship, and for believing the education while instrument of
formation of the citizenship and the school as social institution that works
with the socialization of the knowledge, formation of habits, values and
attitudes, that we look for to verify which the contribution of the school for
the formation of the citizenship. In this direction, we take as reference the
LDB/1996, due to emphasis given to the rights of the pupil, to education
citizen, the democratic management and the professional professor, expects to
detect if the citizenship proclaimed in the texts of the LDB (Laws of Lines of
direction and Bases of the Nacional/1996 Education), has conditions of if
carrying through in practical the pedagogical ones. Documentary analyses of
content of the legal texts (laws) and official documents had been carried
through, with the intention to verify if the defended principles found support
in the presented proposals of educational attendance for formation of the
citizenship. The interpretations and considerações that emerge of this inquiry
if had seated in theoretical referenciais presented by authors who study
education politics. The results of the inquiry point some necessary petitions
to the development of a pedagogical project in this direction: institucional
support and definition of governmental politics; experiences of democratic
management; pedagogical project guided for the formation of the citizenship,
while school proposal global; domain of the specific contents of the human
rights and the citizenship for all the actors of the form school it to be able
to integrate them it the curricular contents; practical pedagogical that
respects the pupil as subject producer of the knowledge and the school as
systematic space of exercise of the citizenship. Concluding, these findings
come to confirm the thesis of that these petitions contribute for the
construction of a pedagogical project. In this perspective, the educator is
the basic element, from its decision and of the adhesion to the project; what
he requires a professional formation based on the contents of the democratic
citizenship.
Word-keys: formation of the citizenship - educational possibility-legislation
- educational scene
APRESENTAÇÃO
Um direito que ignora ou esquece a realidade social, morre por “velhice” ou inutilidade...
Há princípios, valores e legítimos interesses a acautelar por parte do Estado, mas há também o
dever de atenção à realidade social que se vai alterando pela força da própria vida coletiva. No
ordenamento jurídico nacional e educacional, as questões de cidadania não podem deixar de
ocupar um lugar cimeiro e a mobilidade humana, realidade de sempre, hoje extraordinariamente
acelerada, não pode deixar de levantar novas questões, de seguir novos caminhos e
perspectivas.É neste contexto que se situa este trabalho, partindo da realidade princípio da
equiparação e os regimes legais da atribuição e aquisição da cidadania no cenário educacional,
usando também a legislação educacional proveniente da Constituição de 1988. A matéria em si e
a realidade político-social aparecem com especial incidência. Em se tratando de Educação
Brasileira, muitas são as interfaces que necessitam ser analisadas para que se fundamente uma
discussão da educação contemporânea de nossa população. Parte-se, portanto, do princípio de
que a realidade atual sofre conseqüências do tempo histórico, permeado por interferências
políticas, econômicas e sociais desse percurso.
Ou em outras palavras: o impressionante descompasso entre uma Constituição que
reconhece e assegura direitos e uma sociedade que reconhece violações constantes e gravíssimas
dos direitos humanos.Este contexto tem causas diversas e uma história comum: história de um
Estado, no qual o autoritarismo e a centralização do poder político dominou e continua porejar
nas mais diferentes estruturas do poder.
Por outro lado, há avanços e recuos. A Constituinte consegue, pela insistência de poucos
segmentos políticos, alinhavar compromissos em torno de temas ligados à grande parte da
população brasileira, esculpir no texto final matérias de ampla abrangência social, contemplando
vários direitos que a modernidade relegou a sociedade política.
11
Uma breve retrospectiva histórica contribuirá para uma análise dos problemas colocados
hoje na educação: o espaço da escola, ou mais, o fazer concreto educacional tem sido o
implementador de ações sociais em favor do desenvolvimento do homem como um todo? Ou
este tem sido um fomentador da continuidade da elite e de exclusão da classe trabalhadora?
No campo da política educacional, as pautas governamentais têm um peso muito
significativo. Suas propostas e ideologias chegam à Instituição Escola com fortes traços de
obrigatoriedade de efetivação. Esta relação de transmissão de valores e políticas por parte da
Escola se caracteriza pelo fato desta Instituição ser considerada a “formadora” da população.
Discutir as políticas educacionais e o papel da Escola como seu agente aplicador para a
formação da cidadania é, sem dúvida, compreender a função da Escola na contemporaneidade.
Pretende-se, aqui, indagar a função da Escola e levantar o questionamento das históricas
conquistas e perdas educacionais, além, é claro, de investir na análise da educação no Brasil
enquanto um ato político social ou um ato eminentemente político- econômico.
No momento em que a humanidade chegou ao terceiro milênio, seu futuro suscita uma
reflexão e intenso debate. Os avanços dos conhecimentos, em particular o da ciência e da
tecnologia, dá-nos a esperança de um futuro de progresso para a humanidade, mas a atualidade, a
cada dia, mostra-nos os desvios, os perigos, às vezes, extremos e os conflitos aos quais o mundo
contemporâneo encontra-se exposto.
Por isso a educação, da qual o progresso humano depende em larga escala, atrai fortes
exigências. Cada vez com maior intensidade, impõe-se a idéia de que ela constitui uma das mais
poderosas armas de que dispomos para modelar o futuro em prol para o exercício da cidadania,
seguindo as correntes favoráveis e tentando evitar os escolhos.
A exclusão virtual é mais uma forma de cidadania negada sobre prisma da construção do
conhecimento nas escolas públicas que não dispõem de instrumentos de tecnologia.
O que faz a educação brasileira, hoje, para formar atores do futuro? E como a educação
pode desempenhar um papel dinâmico e construtivo para preparar os indivíduos e as sociedades
do século XXI?
A resposta para primeira pergunta, infelizmente, é quase nada, porém leis como a Lei das
Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB-1996), aprovada no congresso, expressa avanços
conquistados pelos movimentos sociais e pode ajudar bastante o país a sair dessa caótica crise na
12
educação. Dentro de seu discurso bem elaborado, fica claro que há um imperativo do plano ideal
para o real.
Já a segunda pergunta não é tão difícil responder. Em primeiro lugar, devemos supor que
a educação deva cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural. Todos nós temos que
trabalhar para que a educação contribua para formar uma mão- de- obra qualificada e criativa
que se adapte à evolução da tecnologia, além de participar da "revolução da inteligência" que
move nossas economias.
Todas as pessoas têm que contribuir para que a educação promova o avanço de
conhecimentos de maneira que o desenvolvimento econômico possa ser acompanhado pelo
domínio responsável do meio ambiente físico e humano. E a educação não cumpriria sua função,
se não formasse cidadãos enraizados em suas perspectivas culturais e, apesar disso, aberto as
outras culturas e empenhados no progresso da sociedade.
Todo o projeto consciente para a educação do futuro deverá abranger o emprego de
modernas tecnologias disponíveis, integrando os recursos oferecidos pela informática e pela
telecomunicação. A incorporação definitiva da telemática, da robótica e da multimídia aos
recursos materiais colocados à disposição dos educadores representará um avanço decisivo para
o desenvolvimento da criatividade e da inteligência das nossas futuras gerações. Este avanço
trará como conseqüência alterações profundas no ensino ministrando nas salas de aula e abrirá,
por outro lado, uma nova dimensão para a educação; mas este quadro não se apresenta de
maneira uniforme no país: o discurso oficial incorporado nas leis educacionais é perfeito, no
entanto não perpassa para o plano real.
O MEC acordou agora para essa metodologia, adaptando o programa de TV a distância
para que professores em regiões sem recursos consigam atualizar seus conhecimentos e repassá-
los aos alunos. O apoio tecnológico é necessário, porém não é suficiente para o desenvolvimento
de um programa educacional que prepare as futuras gerações para o enfrentamento das questões
básicas que impedem o desenvolvimento sustentado dos países. Todos os sistemas educacionais
têm que se adaptarem à evolução da sociedade. Neste ponto, a educação tem a responsabilidade
de preparar a transformação. Quer se trate de valores individuais ou sociais: estrutura familiar,
papel das mulheres, lugar reservado às minorias, quer problemas relativos à urbanização e ao
meio ambiente. A educação deve considerar todo um encadeamento de fatores que evoluem e
influenciam uns aos outros. Isto não acontece neste país em que todas as leis educacionais
13
provém de artigos introdutórios . A Constituição estabelece um conjunto de princípios que
delimitam os fundamentos e os objetivos da República, dentre estes destacam-se: a cidadania e a
dignidade da pessoa humana (art.1 e 3). Seus discursos perpassam a formação da cidadania.
Cidadania e educação estão ligadas ao aspecto do conhecimento e da sociedade da informação.
Justifico que a escola por si só não dá conta das demandas do mundo global, mais precisamente
do conhecimento que a sociedade exige hoje. Percebe-se que as leis tramitam o domínio da
leitura, da escrita, do cálculo, mas não garantem o mercado de trabalho hoje. Há uma cidadania
negada neste aspecto.
Assim construir uma sociedade justa livre e solidária, garantir o desenvolvimento
nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e
promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade, ou quaisquer outras
formas de discriminação, constituem os objetos fundamentais do Estado Brasileiro. A escola a
educação estão ligadas ao Estado.
Uma educação que visa uma maior harmonia para o futuro, deve, necessariamente,
difundir valores de abertura ao outro, de compreensão mútua. Em resumo, tem e deve já difundir
e realçar os meios de informação (informática). A educação pode ter a pretensão de ser universal,
enquanto fator histórico, criar uma linguagem universal que permita superar certas contradições,
enfrentando certos desafios e, apesar de sua diversidade, transmitir uma mensagem a todos os
habitantes do planeta.
Nessa linguagem idealmente acessível a todos, toda a sabedoria do mundo e toda a
riqueza de suas civilizações e culturas exprimir-se-iam sob uma forma imediatamente
compreensível a todos os setores da sociedade. A criação de uma linguagem acessível a todos
exigirá que todos aprendam a dialogar melhor e a mensagem veiculada por essa linguagem
deverá ser dirigida ao ser humano em todas as suas dimensões.
Mensagens com aspirações ao universal devem ser incentivadas com todas as mudanças
necessárias à plena consideração das pessoas em sua infinita variedade. Essa é, sem dúvida,
nossa maior dificuldade. Principalmente porque hoje nós temos praticamente três certezas neste
mundo, no qual se dilacera uma cidadania negada.
A primeira certeza, a confirmação e expansão do círculo vicioso global -miséria-
ignorância-exclusão-desigualdades-violência- é um espelho que retrata uma cidadania negada. A
miséria empurra os homens das regiões mais pobres para as mais ricas, onde esperam encontrar
14
uma vida melhor (que é um direito de qualquer ser humano: tentar viver melhor) e também as
populações rurais para os centros urbanos, enquanto a ignorância gera temores, extremismos e
intolerância.
A segunda, a acentuação das desigualdades na distribuição das riquezas do planeta torna-
se insuportável. As comunidades nacionais vivem em nível de desenvolvimento muito diferentes
e no interior das comunidades as diferenças de riqueza também se acentuam. A terceira, a escola
que reforça o direito da cidadania no aspecto do conhecimento e da cultura não está preparando
os jovens para o mercado de trabalho exigente de um conhecimento :a informática.
Todas estas desigualdades ameaçam a cultura e o conhecimento do mundo moderno. Por
isso, a educação para o século XXI tem que fomentar uma cultura para as novas tecnologias, que
é uma exigência deste mesmo século.
Apesar de ser difícil de se definir a cultura , ela pode ser delineada passo a passo, através
da reflexão dos que trabalham por ela. Sua primeira característica a ser definida refere-se aos
vínculos entre desenvolvimento, democracia e cidadania. Taís vínculos não cessam de se
estreitar e suas sinergias de se fortalecer. Trata-se dos três vértices de um triângulo interativo que
temos que criar e recriar a cada dia.
Os paradigmas da educação para o futuro têm necessariamente que estar embasados em
quatro pressupostos: o primeiro, as pessoas têm que aprender a conhecer. Considerando-se as
rápidas transformações causadas pelo progresso científico e as novas formas de atividades
econômicas e sociais, é importante conciliar uma cultura geral suficientemente ampla com a
possibilidade de aprofundamento em um pequeno número de matérias. Esta cultura geral
constitui de certa forma o passaporte para a educação permanente, à medida em que desperta o
gosto e fornece as bases para se aprender ao longo de toda a vida.
O segundo, aprender a fazer. Além da aprendizagem de um oficio, é fundamental e
conveniente a aquisição de uma aptidão que possibilite enfrentar novas situações e que facilite o
trabalho em equipe - dimensão hoje negligenciada nos métodos de ensino. Esta competência e
estas qualificações tornam-se mais acessíveis quando os estudantes têm a possibilidade de se
testarem e se enriquecerem, participando de atividades profissionais ou sociais paralelamente a
seus estudos. Isto justifica o lugar mais importante que as diferentes formas possíveis de
alternância entre escola e trabalho deveriam ocupar.
15
O terceiro, aprender a ser. O século XXI exigirá de todos uma maior capacidade de
autonomia e julgamento - o que implica o fortalecimento da responsabilidade pessoal na
realização do destino coletivo.
O quarto, aprender a viver junto, por fim, desenvolvendo o conhecimento dos outros de
sua história, de suas tradições e de sua espiritualidade. E, a partir daí criar uma nova mentalidade
que, graças à percepção de nossas crescentes interdependências e à análise compartilhada dos
riscos e desafios do futuro que conduza a realização de projetos comuns ou, pelo menos, a gestão
inteligente e pacífica dos inevitáveis conflitos.
A estratégia de reforma a longo prazo parte de três agentes principais que contribuem
para o sucesso das reformas educacionais: a comunidade local (pais, diretores de escolas e
professores), as autoridades públicas e a comunidade internacional.
A participação da comunidade local na avaliação das necessidades, graças ao diálogo
com as autoridades públicas e com os grupos interessados no interior da sociedade, é uma
primeira etapa essencial para expandir o acesso à educação e melhorar sua qualidade.
A continuidade desse diálogo - mediante utilização da mídia, debates no interior
da comunidade, educação e formação dos pais e capacitação dos professores - geralmente
promove a conscientização, a faculdade de discernimento e o desenvolvimento das capacidades
endógenas. De qualquer maneira, nenhuma reforma pode obter êxito sem o apoio e a
participação ativa dos professores.
Deve-se dar atenção particular ao status social, cultural e material dos educadores, bem
como aos instrumentos necessários ao ensino eficaz: livros, meios de comunicação modernos,
ambiente cultural e econômico da escola.
Visto sob este ângulo, o aprimoramento do sistema educacional exige que o setor político
assuma toda a sua responsabilidade. Ele não pode deixar as coisas acontecerem como se o
mercado fosse capaz de corrigir as falhas como se bastasse uma espécie de auto-regulamentação.
Cabe às autoridades públicas fixar claramente as opções e, após um amplo entendimento com
todos os interessados, escolher uma política pública que trace as diretrizes, estabeleça os
fundamentos e defina as linhas do sistema, garantindo sua regulação por intermédio das
adaptações necessária.
O princípio da igualdade de oportunidades deve prevalecer em todas as escolhas.
16
É imprescindível a implantação de um modelo pedagógico que forme o cidadão contemporâneo
e o profissional competente, comprometido com o seu tempo e lugar. É necessário fornecer aos
nossos alunos uma educação global que, além de capacitação técnica, confira-lhe uma visão
humanista e ética frente à vida, a qual constitui o valor supremo para a orientação das nossas
ações e decisões.
Esta formação deve assegurar a faculdade de acompanhar a evolução cultural, científica e
tecnológica, bem como as transformações sociais. Este cidadão, certamente, será capaz de viver
com a intolerância sem ser intolerante, conviver com a desigualdade sendo justo, transpor
obstáculos e compreender os fatos, construir o belo e realçar a vida por não ignorar a feiúra e a
morte.
Espera-se dele a colaboração na criação de novos paradigmas que assegurem a igualdade
de oportunidades, o acesso democrático aos bens materiais e aos princípios básicos da cidadania,
garantindo a dignidade humana em todos os recantos do planeta. Dessa forma, estaremos
educando para o futuro, para a prosperidade e para que sejam homens novos.
No entanto, indaga-se se os valores ideais proclamados na legislação educacional
provenientes da Carta de 1988 que alargou significativamente a abrangência dos direitos
humanos de seu preâmbulo e previu a edificação de um estado de direitos da cidadania com
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista, e sem preconceitos, preparando para o
mercado de trabalho que vigora na prática educativa real.
PARTE I
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Em se tratando de Educação Brasileira, muitas são as interfaces que necessitam ser
analisadas para que se fundamente uma discussão da educação contemporânea de nossa
população. Parte-se, portanto, do princípio de que a realidade atual sofre conseqüências do tempo
histórico, permeado por interferências políticas, econômicas e sociais deste percurso. Uma breve
retrospectiva histórica contribuirá para uma análise dos problemas colocados hoje na educação: o
espaço da escola, ou mais, o fazer concreto educacional tem sido o implementador de ações
sociais em favor do desenvolvimento do homem como um todo? Ou este tem sido um fomentador
da continuidade da elite e de exclusão da classe trabalhadora?
No campo da política educacional, as pautas governamentais têm um peso muito
significativo. Suas propostas e ideologias chegam à Instituição Escola com fortes traços de
obrigatoriedade de efetivação. Essa relação de transmissão de valores e políticas por parte da
Escola se caracteriza pelo fato desta Instituição ser considerada a “formadora” da população. A
grande questão e o desafio que se coloca, como chamamos a atenção, é que a lei, existe, em
princípio, para garantir a cada indivíduo os seus direitos, em especial a Constituição Federal e a
LDB, Plano Nacional de Educação, Direitos Humanos, PCNs , no entanto, sabemos que não são
suficientes para garantir a sua efetiva concretização, pois há uma cidadania negada retratada no
país pela própria desigualdade social presente.
Os direitos humanos a cidadania apesar de estarem na vida das nossas instituições sociais,
nunca fizeram parte do nosso patrimônio cultural. E como fazer valer os direitos proclamados e
nunca conquistados?
18
Esta questão é que vai permear este trabalho, no sentido de verificar até que ponto a
escola consegue contribuir para a formação da cidadania democrática, ou seja, para fazer valer os
direitos legalizados, normativos e ampliar a conquista de novos direitos.
Por fim, é necessário tecermos algumas palavras sobre o papel da educação no processo
de solidificação dos direitos humanos e da cidadania, cujo fundamento também se encontra no
texto constitucional brasileiro.
Discutir as políticas educacionais e o papel da Escola como seu agente aplicador é, sem
dúvida, compreender a função da Escola na contemporaneidade. Pretende-se, aqui, indagar a
função da Escola e levantar o questionamento das históricas conquistas e perdas educacionais,
além, é claro, de investir na análise da educação no Brasil, enquanto um ato político social ou um
ato eminentemente político- econômico. A própria prática do domínio da leitura, da escrita e do
cálculo, é um exercício de atribuir a conquista da cidadania, mas atualmente somente estes
exercícios na prática não são suficientes para as demandas no mercado de trabalho. A exclusão
virtual é mais uma forma da cidadania negada ao cidadão por parte da educação. É a exclusão
em prol da construção do conhecimento, pois as escolas públicas, na sua a maioria, não dispõem
de instrumentos de tecnologia,o citado na legislação educacional, o que reforça um debate forte
sobre formas para o desenvolvimento a ciência e a cultura. (Cap.III, Art. 39. A Lei de Diretrizes
e Bases).
Portanto, o objeto de preocupação teórica que desenvolvemos neste trabalho pretende
enfrentar temas que envolvem a idéia a ser devidamente justificada no corpo do trabalho-“ a
formação da cidadania no cenário educacional brasileiro”- onde questionamos: a possibilidade da
escola formar para a cidadania na modernidade numa perspectiva hermenêutica, histórica e
multidisciplinar -(enquanto resgate de informações através da consulta bibliográfica de fontes
primárias e secundárias, e de fatos ocorridos no tempo demarcado no trabalho).
Para tanto, faz-se mister é que se recuperem algumas informações e elementos teóricos
lançados no tempo e que dizem respeito a estas questões :
Parte II -Ressaltamos os DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA e
uma necessidade atenta a estes termos que estão interligados. Os direitos humanos e a cidadania
são sempre contemporâneos, são sempre passado, presente e futuro, são sempre direitos das
presentes e futuras gerações (para usar a linguagem de nossa Carta Constitucional 1988).
19
Tratar da temática da cidadania, no espaço escolar público, requer um entendimento da evolução
histórica dos conceitos de direitos humanos, cidadania e democracia e das suas relações com o
contexto político e social, tendo em vista que estes conceitos se entrelaçam e são produzidos
nestas relações;
Parte III- AUTONOMIA COMO CONDIÇÃO DA CIDADANIA- a idéia que
autonomia, qualidade e cidadania são conceitos inter-relacionados, não existindo um sem o
outro. Exemplificando: a qualidade, sob seu aspecto político, é fundamentação da cidadania, pois
capacita o professor para "elaborar projeto pedagógico próprio", o que por sua vez só é possível
num contexto permeado pela autonomia. Ainda sob esta idéia vale ressaltar que a idéia de
autonomia é intrínseca à idéia de democracia e cidadania. “Cidadão é aquele que participa(...); e
só pode participar (...) da tomada de decisões quem tiver poder e tiver liberdade e autonomia
para exercê-lo. Isto faz da cidadania e da autonomia (...) duas categorias estratégicas de
construção de uma sociedade melhor em torno das quais há freqüentemente consenso(...).”A
formação do ser humano passa necessariamente, na concepção kantiana, pela disciplina e pela
instrução; a disciplina impede ao homem de desviar-se do seu destino, tira-o de sua selvageria,
transforma a animalidade em humanidade, cumpre, neste sentido, uma função negativa (de
punição): “No homem, a brutalidade requer polimento por causa de sua inclinação à liberdade; o
animal bruto, pelo contrário, isto não é necessário, por causa de seu instinto”, (Ibid:14).
Kant visava mais à realização da autonomia individual uma espécie de emancipação do
indivíduo de crescimento pessoal, os conteúdos kantianos são retirados dos próprios sujeitos -os
alunos -que através da instrução chegam ao esclarecimento.
KANT (2004:11):
“O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-
se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução.
Conseqüentemente, o homem é infante, educando e discípulo. (...) os animais,
portanto, não precisam ser cuidados, no máximo precisam ser alimentados,
aquecidos, guiados e protegidos de algum modo.”
Esta é a terceira fase na elaboração teórica do conceito de pessoa, como sujeito de direitos
universais, anteriores e superiores, por conseguinte, a toda ordenação estatal, adveio com a
20
filosofia kantiana, ressaltamos sob prisma kantiana, o primeiro postulado ético de Kant
1
é o de
que só o ser racional possui a faculdade de agir segundo a representação de leis ou princípios; só
um ser racional tem vontade, que é uma espécie de razão, denominada razão prática. A
representação de um princípio objetivo, enquanto obrigatório para uma vontade, chama-se ordem
ou comando (Gebor) e se formula por meio de um imperativo. Segundo o filósofo, há duas
espécies de imperativo. De um lado, os hipotéticos, que representam a necessidade prática de
uma ação possível, considerada como meio de se conseguir algo desejado. De outro lado, o
imperativo categórico, que representa uma ação como sendo necessária por si mesma, sem
relação com finalidade alguma, exterior a ela. Ora o princípio primeiro de toda a ética é o de que
o ser humano e, de modo geral, todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, não
simplesmente como meio do qual esta ou aquela vontade possa servir-se a seu talante. A pessoa
vive em condição de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio
edita. Os direitos humanos e a cidadania são marcados pela Constituição de 1988 como direitos e
valores mais importantes da convivência humana. Aqueles sem aos quais as sociedades acabam
perecendo, fatalmente, por um processo irreversível de desagregação.
Parte IV- EDUCAÇÃO E CIDADANIA-“A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho” (grifo nosso). Constituição Brasileira – Art. 205, 1998.
Neste capítulo, procuramos explicitar os motivos da ênfase na temática da educação em
direitos humanos e cidadania, principalmente nas últimas décadas, focalizando as concepções de
educação e de formação do educador, destacando também o papel da escola na perspectiva da
construção da cidadania. A Constituição Brasileira de 1988 inclui, em seu sistema, institutos
garantidores destas instituições e que levam ao aperfeiçoamento dos direitos declarados e
referenda esta compreensão, à medida em que mostra a imprescindibilidade de sua constante
adequação às novas realidades.
Parte V- A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NA ESCOLA PÚBLICA: O DISCURSO
OFICIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO, EMPREGO, EXCLUSÃO:Este
capítulo examina rapidamente as principais leis, planos e programas federais que especificam as
diretrizes nacionais das políticas públicas de educação no Brasil.
1
Cf. a sua obra Fundamentos da metafísica dos Costumes, que é uma introdução das Crítica da Razão Prática.
21
Entre os documentos privilegiados para análise destacam-se a Constituição Federal
(CF/1988), a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), o Plano Nacional de
Educação (PNE, Lei nº 10.172/01), as Diretrizes Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental
(Parecer CEB/CNF nº04/98 e Resolução CEB/ nº02/98), as Diretrizes Curriculares do Ensino
Fundamental e Médio no Sistema de Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul ( Resolução
nº243/99 do Conselho Estadual de Educação) e Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Fundamental (PCNs/1997), EJA e Ensino Técnico.
A leitura combinada da Constituição, da Lei 9394/96 e da Resolução CNE/CEB 1/2000
mostra que tais ordenamentos se mantêm fiéis ao mesmo espírito: de propiciar a educação de
forma justa, democrática e acessível a todos, inclusive àqueles que a ela não tiveram acesso na
idade própria. Trata-se de democratizar o acesso à educação como direito à cidadania, mas que
cidadania a que prepara para a leitura, escrita e cálculo? E no mercado de trabalho, como estes
novos cidadãos estão sendo preparados para esta demanda? Estas questões enfatizam que a escola
por si só não dá conta. A cidadania e educação estão ligadas ao aspecto do conhecimento, da
sociedade e da informação. Justifico que a escola por si só não dá conta das demandas do mundo
global, mais especificadamente do conhecimento que a sociedade exige hoje. Percebe-se que as
leis tramitam o domínio da leitura, da escrita e do cálculo, mas não garantem a entrada no
mercado de trabalho. Há uma cidadania negada neste aspecto, também em relação ao ensino
técnico profissional.
Parte VI- A EXCLUSÃO DA TECNOLOGIA NA ESCOLA É UM EXEMPLO REAL
DE CIDADANIA NEGADA NA PRÁTICA EDUCATIVA: A exclusão virtual é mais uma forma
da cidadania negada ao cidadão por parte da educação. A exclusão em prol do conhecimento tão
citado na legislação educacional reforça um debate forte sobre formas de educação, para o
desenvolvimento a ciência e a cultura (Cap.III, Art. 39). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), 9.394/96, apresenta-se como um marco muito significativo na educação
brasileira, uma vez que prevê a inclusão e a ampliação do atendimento educacional,em rede
pública, aos educandos nos níveis de educação infantil e de jovens e adultos, quanto ao
instrumentos de tecnologia para serem usados na escola.No entanto, esta escola não apresenta
condições para o desenvolvimento deste exercício prático, uma vez que não dispõe da ferramenta
para ser apresentada aos alunos, as poucas que dispõem pertencem a classes favorecidas. O acesso
às classes menos privilegiadas é negado. Cabe ressaltar que é nítido este reflexo, onde é reforçada
22
a idéia que perpassa de uma lei que dispõe de um discurso perfeito de formação para a cidadania,
mas nos tramites legais e não reais.
E por fim, as considerações finais, ora justificando que a escola por si só não dá conta da
demanda global, que é tão reforçada pelas políticas educacionais, quanto a possibilidade da
escola publica contribuir para a formação da cidadania democrática na modernidade, os direitos
que constituem a cidadania são sempre conquistas, resultando de um processo histórico no qual
indivíduos, grupos e nações lutam para adquiriu-los e faze-los valer.
1.1 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA NO CENÁRIO BRASILEIRO: ENTRE O
PERSCRITO E VIVIDO
Segundo a Enciclopédia Mirador (1995: 2392), cidadania em sentido etimológico é:
“Cidadania é a condição daqueles que residem na cidade. Ao mesmo tempo, o
termo se refere à condição de um indivíduo como membro de um Estado, como
portador de direitos e obrigações”. O sentido da “cidadania” é plurifacetado:
cidadania política, civil, econômica, social. Liga estas várias dimensões a idéia
de que à “cidadania” subjaz uma relação de direitos e de deveres entre o
indivíduo e a comunidade política na qual se insere. Ao associar igualdade e
cidadania, pretende-se aprofundar as várias dimensões da cidadania — política,
social, econômica e cultural dentro de um novo “contrato de gênero” e, bem
assim, evidenciar que cada pessoa é responsável pela promoção da igualdade.”
Cada cidadão é, pois, o sujeito de deveres e direitos, enquanto subordinado ao poder do
Estado, e o sujeito de direitos, enquanto fração do povo soberano, em nome de quem o poder é
exercido. É, assim, o sujeito que reivindica e promove a mutação do Direito, a ele se submetendo.
É, no dizer de CLEVE (1999: 91-98):
“(...) o homem envolto nas relações de força que comandam a historicidade e a
natureza da política. O cidadão é o agente reivindicante possibilitador, da
floração continua de direitos novos, e direito a igualdade.”
23
Conforme consta na Constituição Brasileira, Art. 5º, (1988): “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
A cidadania é assim, antes de mais, um sentido para redescobrir e compreender a luz dos
seus últimos desenvolvimentos. A cidadania implica também instrumentos para garantir de
direitos, mas, sobretudo para promover e controlar a eficácia do direito. Finalmente, a cidadania é
exigência de acesso aos órgãos do poder, às instituições e à informação — outro rosto do poder-
isto é, importa uma cidadania real e não apenas formal.
A educação para a cidadania é o processo educativo que inclui em seus conteúdos e em sua
proposta pedagógica o desenvolvimento da consciência dos direitos humanos e dos deveres
sociais. Uma educação conscientizadora e emancipadora, que garanta qualidade de ensino e
acesso à cidadania e a democracia, tem sido proposta tanto pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), de 1996, quanto pela Constituição Federal do Brasil, de 1988. Conforme o Art.
2o da LDB: "a educação... tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Neste sentido, a LDB/1996 mantém uma conquista da própria Constituição de 1988, ao
ampliar as definições legais de criança e de infância, tornando-se um marco na história da
construção social deste novo sujeito de direitos.
Na história do Brasil nunca se falou tanto em cidadania como nas últimas décadas. Essa
temática vem se constituindo em um dos focos de interesse de diferentes instâncias da sociedade:
movimentos sociais, meios de comunicação, partidos políticos, organizações sindicais, instituições
governamentais e não-governamentais e o meio acadêmico.
Mas em que consiste ser cidadão? Como se constrói, como se manifesta, como se
reconhece a cidadania? – indagamos sob ponto de vista teórico kantiano, pois Kant foi dos
primeiros a exprimir, em termos definitivos, essa noção da liberdade civil do indivíduo, limitada
dentro o Estado pela liberdade dos outros indivíduos.Neste momento em que ondas de mudanças
revolucionam as relações humanas, em todos os seus aspectos, fazendo emergir uma nova ordem
social, que reflexões podemos fazer sobre o tema, buscando compreender os novos papéis sociais
que se delineiam.Como a "escola cidadã é escola autônoma, e, portanto, escola de qualidade
política"?
24
Kant visava à realização da autonomia individual uma espécie de emancipação do
indivíduo de crescimento pessoal, os conteúdos Kantianos são retirados dos próprios alunos. No
capitulo II determinaremos a concepção Kantiana da filosofia moral e política. A autonomia é
fundamental a sua filosofia prática, e, por conseguinte, a Metafísica dos Costumes. Kant em sua
obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes, escrita em 1785, propôs o Imperativo Categórico.
De acordo com esta proposta a autonomia não é incondicional, mas passa por um critério de
universalidade.
A autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual ela é para si mesma uma lei
- independentemente de como forem constituídos os objetos do querer. O princípio da autonomia
é, pois, não escolher de outro modo, mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio querer,
sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal.
A questão da autonomia é aqui fundamental, pois ela evidencia a devida relação existente
entre a liberdade e a lei. Não só, com o conceito de “autonomia”, Kant pretendeu solucionar o
problema subjacente entre liberdade e lei. É nesse novo clima que, a partir dos anos 60, o princípio
de respeito da autonomia pessoal se torna uma das principais ferramentas da filosofia moral, em
particular da ética aplicada aos conflitos de interesses e valores vigentes nas sociedades
secularizadas das democracias pluralistas ocidentais. Junto com o conceito mais antigo de justiça
que constitui de uma certa forma seu "antagonista complementar" e que já Aristóteles considerava
a síntese de todas as virtudes do cidadão, o princípio de autonomia forma os alicerces morais do
"projeto" moderno que legitimam seu "programa" civil embasado naquela que Bobbio (1992)
indicou como o surgimento da "cultura dos direitos".
De fato, ambos os princípios (autonomia, justiça) participam da necessária, mas difícil,
tarefa da construção da cidadania moderna por meio da coabitação entre duas exigências
igualmente legítimas, mas logicamente em conflito: 1) o particularismo das liberdades,
preferências e interesses pessoais, pertencentes ao campo dos direitos de cada indivíduo; 2) o
universalismo das necessidades e interesses comunitários e coletivos, pertencentes ao campo dos
direitos de todos os indivíduos, nascidos da Aufklärung (séc.XVIII).
A complexidade da questão da autonomia depende do fato de que ela diz respeito tanto à
construção da cidadania em âmbito social quanto ao fato de que em cada indivíduo socializado
existem dois pontos de vista diferentes e a princípio antagônicos: o pessoal e o impessoal, ou para
utilizar uma outra terminologia, o ponto de vista do eu e o ponto de vista do outro. O ponto de
25
vista pessoal (ou do eu) afirma as motivações individualistas, ao passo que o ponto de vista
impessoal (ou do outro), identifica-se com a exigência de imparcialidade e ou eqüidade, e é nessa
tensão fonte de conflitos e dilemas morais que se constitui a subjetividade do indivíduo, quer dizer,
o projeto de sua humanidade, que é simultaneamente individual e coletiva.
A motivação por essas questões eclodiu, principalmente, com o processo de
redemocratização da sociedade brasileira, após longo período de mutilação da cidadania, no qual
os direitos civis e políticos foram cerceados e, devido ao distanciamento que separa o direito
proclamado e a sua concretização, mesmo a despeito de o Brasil ter avançado em termos político-
jurídicos dos ideais proclamados da democracia, conforme o que está prescrito no Art. 5º da
Constituição Federal.
O Estado Brasileiro, além de suas leis específicas, tem um Programa Nacional de Direitos
Humanos-1966, e é signatário dos principais acordos e pactos internacionais de garantia e proteção
dos direitos humanos. É regido pela Constituição (1988) mais liberal e democrática da história do
país, conhecida como a “Constituição Cidadã”, na qual os direitos foram ampliados em todas as
dimensões: civil, política, social e cultural.
WEFFORT (1996: 79), comentando a concepção de cidadania em Kant acentua:
“ (...) primeiro, a liberdade legal de obedecer somente à lei à qual ele deu
consentimento; segundo, a igualdade civil, que consiste em não ter, entre seus
concidadãos, ninguém superior a ele, mas apenas outra pessoa, possuindo ele a
faculdade moral de obrigá-la juridicamente tanto quanto ela pode obrigá-lo;
terceiro, o atributo da independência civil, pelo qual o cidadão deve sua
existência e sustento não ao arbítrio de uma outra pessoa, mas a seus próprios
direitos e poderes como um membro da república (donde sua própria
personalidade civil não pode ser representada por uma outra pessoa em questões
que envolvam direitos).”
No entanto, o avanço da democracia, no campo do ordenamento jurídico, não foi
acompanhado de políticas públicas mais conseqüentes, de forma a assegurar à maioria da
população os direitos fundamentais, principalmente os sociais, e fortalecer o regime democrático.
Esta situação faz com que a sociedade brasileira conviva com uma permanente contradição – o
desrespeito aos direitos humanos e a negação da cidadania pelo próprio Estado.
26
O fato de a sociedade brasileira ser organizada e estruturada por um modelo econômico
capitalista, extremamente excludente, caracterizado por grande concentração de renda - aliás, uma
das maiores do mundo -, constitui um dos principais fatores da desigualdade social, da
discriminação e da violência, sendo esta última presente nas diferentes instituições da sociedade.
A pobreza no Brasil é tão aguda que 19,5% das famílias têm renda per capita mensal de até meio
salário mínimo, e a desigualdade também é explicitada em relação à raça.
Na área da educação, apesar de ter havido avanços em relação ao aumento do número de
matrículas, das taxas de escolaridade no ensino fundamental e uma queda da taxa de
analfabetismo,
( no período de 1960 a 2004, de 39,5% de analfabetos passou para 15,5%), estes resultados não
aparecem de forma homogênea no país. Esta desigualdade se repete em relação aos professores e a
salário.
Além dessas desigualdades regionais, as taxas de evasão e repetência evidenciam índices
elevados, como já citados anteriormente.
Estas grandes diferenças geram relações profundamente desiguais: privilégios para alguns
e, conseqüentemente, a ausência de direitos, para muitos. Cardia (1995) chama a atenção para um
fator extremamente preocupante no comportamento da população, ou seja, no Brasil as
desigualdades econômicas e sociais apresentam-se como uma normalidade, pois não são
percebidas como injustiças graves por aqueles que as sofrem.
No conjunto dos dados estatísticos, o Brasil atravessa uma crise econômica e social que se
apresenta de forma mais visível nas grandes cidades. Essa crise tem se agravado nos últimos anos
com o fortalecimento do projeto neoliberal, que não favorece a efetivação da cidadania.
Percebe-se que o Ensino, a Escola e a Educação Pública no país até então têm servido a
uma minoria da população e não contribuem para o favorecimento de uma sociedade que
corresponda aos ideais da cidadania. Pelo contrário, o ensino brasileiro prima pela divisão do
trabalho manual e trabalho intelectual, estatele, assim, a divisão de classe e é definitivamente
excludente. Pode-se, portanto, afirmar que o caráter da formação do homem enquanto um
transformador da sociedade, em prol da busca da igualdade de direitos e do respeito mútuo, foi
relegado a segundo plano. A educação brasileira, ao contrário, difundiu os ideais economicistas da
ordem capitalistas.
27
Segundo CANDAU et alii (1995: 11), a política neoliberal implantada no país dificulta o
fortalecimento da cidadania e da democracia, pois:
Incorpora o discurso democrático e favorece a democracia e a cidadania de
baixa intensidade. Promove mudança estrutural com reformas econômicas e
políticas e exclui e compromete direitos sociais conquistados. Reconhece a
importância da educação básica, mas assume um enfoque técnico-científico de
seu tratamento e não valoriza o profissional da educação”.
Algumas iniciativas de políticas governamentais educacionais estão sendo propostas, nos
últimos anos, no sentido de fomentar uma cultura de respeito e proteção aos direitos humanos, a
cidadania, a exemplo dos Programas Nacional e Estaduais de Direitos Humanos, os Parâmetros
Curriculares Nacionais, o Programa Nacional do Livro
2
e a LDB/1996, juntamente com o Projeto
Político Pedagógico da escola.
Reforçando o nosso entendimento sobre a importância do Projeto Político Pedagógico em
ser um instrumento poderoso para a gestão democrática da escola pública, para a formação da
consciência coletiva, para a mudança de hábitos tanto dos alunos, quanto de seus familiares e da
comunidade em geral e na imersão do homem na vida pública de sua comunidade, citamos
novamente, FREIRE (2002: 96), que afirma:
“O que importa é que a escola de nossa atualidade eduque seu aluno e suas famílias no
sentido da responsabilidade social e política, de que somos tão carentes ainda.
Responsabilidade que só se ganha vivendo. Que só se obtém inserindo em projetos
onde seja ela experimentada
.”
Como podemos observar, o sentido de autônomo, está diretamente relacionado a
liberdade de escolha, ou seja, quem detém autonomia, tem a prerrogativa de escolher o que deve
ou não deve fazer. Outra característica é o fato da autonomia não isentar as pessoas ou os grupos
de possuírem regras e de segui-las, apenas faculta a escolha das regras a serem seguidas.
Para GADOTTI e ROMÃO (1997: 44):
2
Os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam uma proposta de organização curricular na perspectiva da educação
comprometida com a
cidadania, elegendo os princípios norteadores: dignidade humana; igualdade de direitos; participação e co-
responsabilidade pela vida social. Documento de Introdução dos Parâmetros Curriculares. MEC/SEF, Brasília, 1997. Em relação
ao Programa Nacional do Livro Didático, sob a responsabilidade do MEC (1996), o objetivo é melhorar a qualidade dos livros, a
partir
da análise e re-elaboração de conceitos e conteúdos que apresentam situações de preconceitos, discriminação e
impropriedade teórico-metodológica.
28
“No Brasil, a autonomia na escola encontra suporte na própria Constituição,
promulgada em 1988, que institui a “democracia participativa” e cria
instrumentos que possibilitam ao povo exercer o poder “diretamente” (Art. 1º).
No que se refere à educação, a Constituição de 1988 estabelece como
princípios básicos: o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas” e a
“gestão democrática do ensino público” (Art. 206). Esses princípios podem ser
considerados como fundamentos constitucionais da autonomia da escola .”
Essas iniciativas, embora tenham a sua validade, ainda são muito tímidas diante do
quadro de desigualdade econômico-social e da baixa produtividade da escola para grande parte
da população brasileira.
Neste quadro de esgarçamento do tecido social, a violência está presente e se manifesta
sob as mais diferentes formas: da criminalidade comum à criminalidade institucional (polícia),
bem como a exploração de crianças e adolescentes, a discriminação, a intolerância.
Pinheiro et alii (1999), ao analisarem a problemática da violência na sociedade brasileira,
mostram a relação desta à persistência das graves desigualdades sociais e altas taxas de
desemprego, de práticas autoritárias nos diferentes setores da sociedade, bem como em órgãos
estatais e pela impunidade. Para esses autores:
“É fundamental reconhecer não apenas os graves problemas enfrentados no
país mas também as dificuldades e obstáculos para superação desses
problemas. Somente a partir de uma visão clara desses problemas, dificuldades
e obstáculos, será possível formular e implementar políticas eficazes para
proteger e promover os direitos humanos”. (Ibid:100)
Essa realidade brasileira mostra que apenas a formulação de leis não garante os direitos
aos cidadãos, havendo, portanto, uma diferenciação entre a proclamação do direito e a forma de
desfrutá-lo (Norberto Bobbio,1986).
Entendemos que para desfrutar o direito é necessário que o indivíduo tenha condições de
exercer a sua cidadania. Este exercício está relacionado ao nível de conhecimento e de
conscientização que o indivíduo tem dos direitos e deveres, dos mecanismos para efetivá-los e do
nível de organização que a sociedade possa ter para fazer valer os direitos. Esta é uma ação que
tem início no plano individual, mas exige uma articulação coletiva.
29
A grande questão que se evidencia no início deste século não é mais o de fundamentar os
direitos dos homens, mas de garanti-los.
Conforme ressalta BOBBIO (1992:25):
“O problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num
sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses
direitos, qual é a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou
históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para
garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
continuamente violados”.
Concordamos com Bobbio no sentido de que a garantia dos direitos humanos é um
problema político e está relacionada ao nível de compromisso que os gestores das políticas
públicas têm em assegurá-los e do poder da população de reivindicá-los.
Nesta direção, acreditamos que a escola, entre outras instâncias da sociedade, como
partidos políticos, sindicatos, igreja, movimentos sociais, associações de classe, ou seja, os
estratos mais organizados da sociedade, têm um papel fundamental a desempenhar nesse
processo.
No campo da escola, esta aparece como um “locus” privilegiado, à medida em que
trabalha com conteúdos, valores, crenças, atitudes e possibilita o acesso ao conhecimento
sistematizado, historicamente produzido, de forma que o aluno se aproprie dos significados dos
conteúdos, ultrapassando o senso comum de maneira crítica e criativa.
O grande desafio colocado às instituições que visam contribuir para a formação de
cidadãos conscientes, possibilitando a estes o exercício da cidadania ativa, como afirma
Benevides (1991), “é o de romper com a cultura escravocrata, clientelista e patrimonialista que
embasa a formação do povo brasileiro, e que permeia as diferentes relações no conjunto das
instituições sociais”. A escola não está isenta destas influências.
A situação do Brasil, país colonizado com a prática da escravidão, gerou uma cultura de
submissão, de autoritarismo, com comportamentos de servidão, de mando e de privilégios em
que o indivíduo é desrespeitado em sua condição fundamental de pessoa humana, tratado como
“objeto” de manipulação dos seus “proprietários”, enfim, não é considerado cidadão.
Se concebermos a escola como uma instituição social, criada na e pela modernidade para
a formação dos cidadãos de uma determinada sociedade, o que significa, de fato, formar o
30
cidadão enquanto sujeito consciente dos direitos e deveres no campo individual e no campo
coletivo? Até que ponto a escola consegue romper com a cultura sedimentada no autoritarismo e
no clientelismo, fruto de uma sociedade escravocrata, paternalista, para criar uma nova cultura de
respeito ao cidadão como sujeito de direitos? Estas são algumas preocupações que nos
instigaram a desenvolver este estudo.
Em se tratando de Educação Brasileira, para a formação da cidadania, idéia reforçada
pela legislação vigente da educação, LDB/1996, muitas são as interfaces que necessitam ser
analisadas para que se fundamente uma discussão da educação contemporânea de nossa
população. Parte-se, portanto, do princípio de que a realidade atual sofre conseqüências do tempo
histórico, permeado por interferências políticas, econômicas e sociais deste percurso.
O ideal de uma educação que se empenhe em formar e aprimorar a conduta dos jovens,
de forma que esta venha a ser fundada no respeito a certos princípios fundamentais da vida
pública e da dignidade do ser humano, - ou seja, o ideal de uma formação para o exercício da
cidadania e para a conduta ética -, está entre os objetivos mais amplos e ao mesmo tempo mais
consensuais da ação educativa escolar.
A cidadania é o ponto de partida, é o germe capaz de fazer brotar novos direitos, novos
comportamentos aptos a transformar a sociedade, tornando-a mais solidária e humana. O
conceito de cidadania, em síntese, não se esgota na compreensão de ser cidadão aquele que
participa dos negócios da cidade. Vai além. Trata-se: “do direito subjetivo de ter direitos; do
direito que tem o indivíduo de lutar pelos seus ideais, por seus valores, o direito de empreender
todo o esforço possível na busca da felicidade, prerrogativas essas que não podem ser negadas ao
ser humano, sob pena de ele tornar-se apenas um súdito, à mercê do Estado.”
3
O Estado controlou e reformou a Constituição Federal de l988, que fundamentou a lei
LDB 9394/96, que teria um caráter unificador de propostas educacionais para a população
brasileira considerando, certamente, os fins sociais do ensino.
A Lei 9394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, consagra ao
aluno um lugar de destaque ao afirmar, logo em seu Artigo 2º que "A educação... inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania ... ".
3
Jornal do Conselho Federal da OAB. n. 55. p. 7, 1997.
31
A política educacional começa a se modificar após a Primeira Guerra Mundial, quando
surge uma geração de grandes educadores, como Anísio Teixeira, entre outros. Datam deste
período diferentes reformas do ensino nos Estados. O Manifesto dos Pioneiros da Educação de
1932 sintetizou esse movimento, explicitando os pontos centrais de uma ampla reforma da
educação nacional e influiu poderosamente em toda a orientação posterior. Datam da década de
30 a criação das primeiras universidades brasileiras e amplas reformas do ensino nos demais
níveis, que foram importantes, apesar da inspiração burocrática que as guiou, pois eram
decorrentes da implantação de um regime autoritário.
A redemocratização que se seguiu à Segunda Guerra Mundial levou a um novo ímpeto
reformista de cunho mais popular. Surge, nesta época, um admirável movimento em prol da escola
pública, universal e gratuita, que repercutiu diretamente no Congresso Nacional e culminou com a
promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, da LDB 4024/61, após
difícil trajetória que durou 13 anos.
Com a instalação de um novo regime autoritário, em 1964, arrefece o debate popular, mas a
ação governamental promove uma considerável ampliação do sistema de ensino, inclusive o do
superior. Criam-se agências de apoio à pesquisa e à pós-graduação. Amplia-se o ensino obrigatório
de quatro para oito anos. Algumas leis fundamentais são promulgadas, como a 5.540/68 e a
5.692/71, e introduzem mudanças importantes nos diferentes níveis de ensino que continuam em
vigor até hoje, principalmente aparecendo a cidadania como objetivo fundamental à educação.
A Constituição de 1988, promulgada após amplo movimento de redemocratização do país,
abre um novo período. Ampliam-se consideravelmente as responsabilidades do Poder Público para
com a educação, dando origem ao novo movimento de reforma que está em curso atualmente.
Examinando as principais leis de políticas públicas de educação no Brasil (CF/1988 e
LDB1996), reforça-se a idéia de formação para a cidadania como objetivo fundamental- o que já
acontecia em leis anteriores.
É clara a defesa da educação como direito nestas leis. Esta é uma das características da
expansão da educação, que se tornou “um dos requisitos para que os indivíduos tenham acesso ao
conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade, constituindo-se em condição necessária para
se usufruir outros direitos constitutivos do estatuto da cidadania”.
32
Neste sentido, a LDB mantém uma conquista da própria Constituição de 1988, ao ampliar
as definições legais de criança, tornando-se um marco na história da construção social deste novo
sujeito de direitos.
Seguindo este contexto, discutir as políticas educacionais e o papel da escola como seu
agente aplicador é, sem dúvida, compreender a função da escola na contemporaneidade.
As finalidades da educação escolar, portanto, reduzem a aprendizagem de
conhecimentos úteis, imediatamente aplicáveis, tanto nas possíveis atividades profissionais, quanto
na convivência social.
Como fica, neste contexto, a formação integral da personalidade, a formação da
cidadania? A educação proporciona, hoje, a qualificação do jovem para o mercado do trabalho?
Nota-se que a educação não está aliada aos novos sistemas de informação como
informática, que é uma ferramenta imprescindível para o domínio no mercado de trabalho.
Pretende-se aqui indagar a possibilidade da escola contribuir para a formação da cidadania.
É possível a escola contribuir para a organização da sociedade civil? Qual o seu papel?
Conforme justificativa da LDB/1996, em seu discurso oficial, a escola tende a contribuir
para a formação da cidadania, da autonomia, conforme as leis anteriores e a atual vigente. A
educação é primordial para o preparo da cidadania, por isso pretende-se constatar se os valores
ideais proclamados nas leis aparecem nas práticas educativas da escola.
Estas questões irão nortear este estudo, partindo da constatação de que a maioria da
população não tem direitos básicos assegurados que possam garantir uma vida digna, entre estes:
educação, saúde, moradia, trabalho, lazer.
O Estado Brasileiro avançou em termos político-jurídicos dos ideais proclamados da
democracia, a exemplo da Constituição Federal e dos principais acordos e pactos internacionais de
garantia e proteção aos direitos humanos de que é signatário, mas o modelo de gestão
governamental fundamentado no neoliberalismo dificulta o fortalecimento da democracia e da
cidadania. E a cidadania, neste caso, fica entendida como garantia dos direitos civis, políticos e
sociais.
É nesse quadro de fragilidade do regime democrático e da cidadania, e por acreditarmos na
educação enquanto instrumento de formação da cidadania e na escola como instituição social que
trabalha com a socialização do conhecimento, formação de hábitos, valores e atitudes, que
procuramos verificar qual a contribuição da escola para a formação da cidadania democrática.
33
Nesta direção tomamos como referência a LDB/1996, devido à ênfase dada aos direitos do aluno,
ao ensino cidadão, à gestão democrática e ao professor profissional.
É, portanto, neste contexto que procuraremos investigar como a escola pode contribuir para
a formação da cidadania democrática, sob articulação de pressupostos teóricos com as principais
relações conceituais de cidadania e utilizando o método hermenêutica interpretativo. Pretendo
examinar se os conceitos teóricos refinados na análise aparecem nas práticas educativas. Foram
realizadas análises de conteúdo dos textos legais e de documentos oficiais, com o propósito de
verificar se os princípios defendidos encontravam amparo nas propostas de atendimento
educacional apresentadas para formação da cidadania. As interpretações e considerações que
emergem desta investigação se assentaram em referenciais teóricos apresentados por autores que
estudam a política de educação.
1.2.ORIGEM E MOTIVOS DO ESTUDO
Poderíamos justificar a proposta deste estudo apenas nos atendo às questões expressas na
Lei. A Constituição de 1988 elenca os direitos civis, políticos e sociais do cidadão e os
fundamentos do Estado Democrático de Direito: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político, assim como os
objetivos fundamentais da República na construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a
redução das desigualdades, a promoção do bem de todos, eliminando-se os preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade, religião etc. Fundamentos que estão expressos e merecem reflexão e
ser vivenciados em aula, tanto nas aulas do Ensino Superior nas Instituições Formadoras, quanto
nas aulas da Educação Básica, favorecendo a abordagem interdisciplinar dos conteúdos necessária
à formação do futuro educador.
É sabido que algumas espécies de direito devem ser alcançados para que a cidadania possa
ser exercida em plenitude: Direitos Civis – direito à vida e à liberdade, à propriedade, à igualdade
perante a lei; Direitos Políticos – direito de se organizar por afinidade de interesses e opinião, de
votar e ser votado, de participar dos destinos da sociedade; Direitos Sociais – asseguram a
participação do indivíduo na riqueza coletiva, direito ao trabalho, à educação, ao salário justo, aos
serviços de saúde e a uma velhice tranqüila (Bobbio, 1992).
34
Assim, a abordagem dos direitos é essencial como reflexão e análise na escola, tendo em
vista o contexto atual. O novo século não trouxe a paz esperada para todos. No século em que
deveria imperar a paz, a democracia e os direitos humanos, a paz e a segurança estão ameaçadas.
Há terrorismo e armas de destruição em massa, desrespeito à vida, à natureza e à pessoa humana.
Há a guerra.
Temos que trazer à consciência estes assuntos, tematizando que o homem vive em
sociedade, convive com outros homens e é pertinente a reflexão de formas pacíficas de
convivência e respeito ao outro, visto que vivemos num mundo globalizado econômica e
culturalmente.
A motivação em investigar a formação da cidadania no espaço escolar público está
relacionada a alguns fatores que fazem parte da nossa história de vida. Em primeiro lugar, na
condição de profissional, como docente, sempre inserido na escola pública, sobretudo em contato
com docentes e discentes. O nosso interesse é de produzir um conhecimento que subsidie o debate
sobre a escola enquanto espaço formador da cidadania, visto que os estudos sobre esta temática,
focalizando a escola, ainda são muito reduzidos. Em segundo lugar, esperamos contribuir para o
fortalecimento e ampliação do referido trabalho, através de maior fundamentação teórico-
metodológica. Finalmente, em terceiro, por acreditarmos na escola como um dos espaços da
sociedade que pode contribuir para o fortalecimento da democracia em nosso país.
Esta motivação nos remete à década de 80, quando é iniciado, no Brasil, o processo de
abertura política, após longo período de ditadura militar –1964 a 1979. Nesse período os direitos
civis e políticos dos brasileiros foram brutalmente violados, através da eliminação do Estado
Democrático de Direito, com o fechamento do Congresso Nacional, a criação da Lei de Segurança
Nacional e a implantação de Atos Institucionais como instrumentos legais de repressão.
É nessa década que o debate sobre os direitos humanos surge com maior força, no Brasil e
em países da América Latina que estavam vivenciando situações semelhantes, a exemplo da
Argentina e do Chile. O conteúdo dessa discussão estava centralizado em denúncias de violações
dos direitos políticos e civis e em defesa dos presos políticos, tendo, como seus principais
interlocutores, parte dos integrantes da Igreja Católica e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
A esse processo de restauração dos direitos civis e políticos incorpora-se a defesa dos
direitos sociais, como a saúde, a educação, a habitação, entre outros. A problemática das violações
dos direitos humanos passa, também, a ser tema de outros grupos sociais, chamados de minorias,
35
conhecidos por suas identidades étnicas (negros e índios), comportamentais e de gênero
(mulheres).
Até que ponto a escola contribui para a organização civil?
É fundamental ressaltar os espaços criados por outras organizações e movimentos da
sociedade, ao assumirem papel político importante, enquanto focos de resistência ao governo
militar: o movimento dos artistas, dos sindicatos, das associações de classe e das associações
científicas, envolvendo intelectuais/pesquisadores de diversas áreas, ligados às instituições de
ensino superior, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência- SBPC. Na área mais
específica da educação, destacamos a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação-ANPEd e as Conferências Brasileiras de Educação- CBE, espaços conquistados pelos
educadores para debater as questões relacionadas ao Estado, sociedade e educação. Nas demais
áreas, a V Conferência Anual da Ordem dos Advogados, realizada em 1974, abordou a temática
dos direitos humanos e a Associação Brasileira de Imprensa-ABI muito contribuiu na luta pela
democratização da informação, quando o país vivia a censura de imprensa.
É nesse contexto que os direitos políticos são restaurados com a Lei da Anistia e com as
eleições diretas para os diferentes cargos eletivos: presidente, governador, prefeito e representantes
nas Câmaras e no Senado.
Em 1984, a mobilização popular foi se ampliando e culminou com a campanha pelas
eleições diretas. Essa se constituiu na maior campanha popular na história do país, até então,
considerando-se o número de pessoas que foram às ruas externar a opinião. O movimento pró-
Constituinte, antes e durante a Assembléia Nacional Constituinte, dedicou-se intensamente à
discussão da Constituição, com uma larga consulta aos setores mais representativos e organizados
da sociedade.
Esse processo de distensão do regime militar trouxe para o cenário da administração
pública políticos anistiados, novos atores e novas propostas de políticas públicas.
Naquele momento havia um forte apelo da população por um governo que apresentasse
propostas democráticas, o que ficou evidenciado no próprio “slogan” da campanha: “a esperança
está de volta”.
Uma das metas prioritárias desse governo era o atendimento às demandas fundamentais da
população, entre as quais a educação. Assim, o governo colocava-se como instrumento de
36
mudanças, estimulando a participação da sociedade, visando à eliminação de distorções sociais e
de práticas de exploração de segmentos sociais de menor força política e econômica, de maneira:
“Contribuir para o combate às políticas cartoriais e clientelistas que têm
caracterizado a ação governamental nas últimas décadas e conseqüentemente, a
superação do mito do Estado paternalista. [Visava ainda ao] engajamento
progressivo das populações beneficiárias na concepção, execução e avaliação dos
programas governamentais” (Plano Nacional em Educação em Direitos
Humanos- PNEDHP, 2003)
O Conselho Nacional de Educação, ao elaborar o plano de educação para o período,
definiu, como princípio norteador da política educacional, a educação como um dos principais
instrumentos de formação da cidadania.
Esse projeto tinha como objetivos: desenvolver uma proposta de gestão escolar - tendo
como base o respeito aos direitos humanos - que contribuísse para a conquista coletiva da
cidadania; desenvolver um processo contínuo e sistemático de capacitação de diretores e técnicos
das equipes da Secretaria e dos Departamentos Regionais, diretores de escolas, professores,
supervisores e orientadores educacionais, dentro da temática dos direitos humanos, tomando como
ponto de partida a reflexão da prática pedagógica; socializar saberes no campo da administração
escolar, de modo que o pessoal envolvido no projeto compartilhasse significados; desenvolver
habilidades no sentido de provocar mudanças qualitativas na prática pedagógica e nas condições de
vida da clientela escolar e rever a proposta curricular de 1º e 2º Graus, de maneira a possibilitar ao
aluno entender as relações sociais e as novas formas de produção do mundo do trabalho. O projeto
foi desenvolvido em três fases: sensibilização, conhecimento/proposição e avaliação. Todas as
etapas foram realizadas simultaneamente nos Departamentos Regionais de maneira a subsidiar a
administração do sistema educacional para execução do projeto nas escolas. O principal objetivo
dessa dinâmica era contribuir para a escola incorporar no projeto pedagógico a diretriz que
fundamentava o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos- 2003: “A educação é um dos
principais instrumentos de formação da cidadania”.
O desenvolvimento do projeto contou com a interlocução de diferentes experiências de
educação, em direitos humanos e cidadania, que se estavam iniciando no Brasil, quer no âmbito de
Secretarias de Educação de Estados e Municípios, quer em trabalhos desenvolvidos por entidades
37
não-governamentais. Merecem destaque os trabalhos realizados, no período 1987/1990, pelas
Secretarias de Educação dos Estados de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, nas Comissões
Justiça e Paz de São Paulo, do Rio Grande do Sul, da Paraíba, e Centro Heleno Fragoso, no Paraná.
Essas experiências passaram por diferentes fases: de ampliação ou de refluxo.
Em 2003 foi apresentado para a sociedade brasileira o Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos – PNEDH, como resultado do trabalho do Comitê Nacional de Educação em
Direitos Humanos, instituído pela Portaria 66 de 12 de maio de 2003, da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos - SEDH, que reúne especialistas da área. A partir do PNEDH, fica mais fácil
visualizar como a sociedade civil, organizações governamentais e não-governamentais, organismos
internacionais, universidades, escolas de educação infantil, do ensino fundamental e médio, mídia
e instituições do sistema de segurança e justiça. Todas estas instituições podem contribuir na
construção de uma cultura voltada para o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana,
principalmente dando ênfase a atividades que promovam a cidadania.(BRASIL. Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos. Ministério da Educação, 2003: 5).
Trata-se de uma primeira versão que deverá ser debatida nas diversas regiões do país, por
todas as instâncias comprometidas com esta causa. Há muito tempo se faz necessário um
documento que contemple as políticas e ações a serem desenvolvidas pelos diversos órgãos
públicos e entidades da sociedade civil no que se refere à educação em direitos humanos. Nesta
perspectiva, e como passo importante neste processo, a Secretaria Especial de Direitos Humanos -
SEDH e o Ministério da Educação – MEC, com o apoio de outros órgãos do Governo, passam a
formular e implementar planos e programas integrados, garantidas as suas especificidades de
atuação.(Ibid: 5).
1.3. DEMARCANDO O OBJETO DE ESTUDO
O Conselho Nacional da Educação, ao definir o Plano da Nacional da Educação (Lei nº
10.172/01), reafirma a educação enquanto instrumento de formação da cidadania, como princípio
norteador da política educacional. Este princípio ganha mais força quando é reconhecido que “a
educação de qualidade é direito de todos e aponta o Ensino Fundamental como direito social
básico e uma necessidade social imperiosa” (PNE – 1996/1999: 10). A definição desses princípios
38
recebeu influência da nova Lei de Diretrizes e Bases, sancionada em 1996, que contou, em seu
projeto inicial, com uma grande mobilização dos educadores em todo país, pois, de acordo com o
Art. 2º da LDB: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O Plano Nacional de Educação para esse período concebe o ensino cidadão como “a oferta
de um ensino que apresente o conhecimento, a tecnologia, a arte e cultura como processos
históricos, e o aluno passe a ser o centro das preocupações da escola e o mesmo tenha seus direitos
assegurados” (1999: 20).
“ A escola é vista como um local que “explora e aprofunda laços de solidariedade
e interdependência inerentes à atividade pedagógica, aberta e inovadora, que
instiga a compreensão conceitual e a organização do pensamento e tematiza o
mundo do trabalho, todavia, precisa ser construída de imediato (...)” (Ibid:10).
Assim, com o objetivo de materializar a tônica de política dos direitos do aluno, foram
criadas leis, voltadas para a democratização da política educacional: “a criação de um espaço
legalmente instituído dentro da escola, com as competências necessárias para garantir a proteção
dos direitos do aluno no sentido de evitar a sua violação, no âmbito da escola. (...) Um espaço onde
se possa estimular o debate público. Onde a escola, unida a outros segmentos, consiga discutir,
ampliar e redimensionar estruturas que possam situar o aluno-cidadão como sujeito transformador
de uma prática, e, portanto, defensor dos seus direitos”.(grifo nosso)
É, portanto, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996-BRASIL, que
se focaliza o nosso objeto de estudo – as possibilidades da escola contribuir para a formação da
cidadania. Ä educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir
no trabalho e em estudos posteriores”. LDB, Art. 22, 1996.
1.4. OBJETIVOS DO ESTUDO
39
Ao focalizarmos a educação como instrumento de formação da cidadania, temos a clareza
de que a escola sozinha não dá conta da tarefa de formar o cidadão, uma vez que a formação da
cidadania vai além de seus muros. Ela é forjada no dia-a-dia das relações dos indivíduos e no
conjunto das organizações da sociedade, a exemplo dos movimentos sociais que têm apresentado
contribuições relevantes neste processo.
Vale destacar que o nosso propósito, nesta pesquisa, não é avaliar a política educacional do
Estado, mas utilizá-la como referência enquanto instrumento de planejamento orientador do
projeto pedagógico no espaço escolar.
O objetivo geral deste estudo é, portanto, investigar como a escola pública pode contribuir
para formação da cidadania democrática, identificando as possibilidades.
São os seguintes os objetivos específicos:
Investigar as possibilidades e limites que a escola pública se encontra, atualmente, para
preparar e formar para o exercício da cidadania, de acordo na legislação educacional e com
o Plano Nacional de Educação;
Analisar se o discurso do avanço da legislação educacional é efetivada na prática educativa
quanto à formação da cidadania na atualidade;
Identificar as condições essenciais para efetivação de um projeto de escola pública voltado
para a formação da cidadania democrática no mundo global.
Este estudo parte do pressuposto de que a concretização de uma proposta de escola nesta
perspectiva tem como principal determinante o nível de consciência e de conhecimento que o
educador tem dos direitos e deveres; além de uma vivência cidadã que se efetiva no campo
individual, mas, principalmente, enquanto sujeito coletivo. Isto requer um trabalho compartilhado
e participativo de todos os atores que estão envolvidos no projeto pedagógico. Desta forma, a
efetivação de uma política educacional deve assegurar processos de capacitação dos sujeitos
responsáveis pela sua implantação.
Neste entendimento, a formação destes sujeitos deve possibilitar, além da apropriação dos
conhecimentos básicos, dentro de um contexto histórico e político dos direitos humanos e da
cidadania, a mudança de valores, atitudes e posturas. Esta formação compreende a apreensão de
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uma nova cultura em que o educador se perceba, bem como perceba o aluno e os demais
integrantes do trabalho escolar, como sujeitos de direitos e deveres, e veja a escola como espaço de
exercício permanente de construção coletiva da cidadania.
A política educacional é aqui compreendida como proposta de política de governo,
enquanto ação pública, no sentido do bem comum, do bem coletivo, que tem nas suas diretrizes os
elementos orientadores do projeto escolar a ser efetivado na prática pedagógica.
Nessa mesma direção, AZEVEDO (1997: 59-60) afirma que:
“A escola e principalmente a sala de aula são espaços em que se concretizam as
definições sobre a política e o planejamento que as sociedades estabelecem para
si próprias, como projeto ou modelo educativo que se tenta pôr em ação. Sendo a
política educacional parte de uma totalidade maior, deve-se pensá-la sempre em
sua articulação com o planejamento mais global que a sociedade constrói como
seu projeto e que se realiza por meio da ação do Estado”.
Analisar a escola enquanto “lócus” de formação da cidadania democrática, a luz de uma
determinada política educacional, requer explicitação dos conceitos básicos que orientaram este
trabalho. Compreendemos que a formação da cidadania imbricará no entendimento que se tem em
democracia em determinado contexto social, cultural e político e econômico. Partimos do principio
que o regime democrático é o que oferece melhor condição de respeito e a função dos direitos
humanos, bem como a formação da cidadania.
Compreendemos que a formação da cidadania está imbricada no entendimento que se tem
de democracia e direitos humanos em um determinado contexto social, cultural, político e
econômico.
Partimos do princípio de que o regime democrático é o que oferece melhor condição para o
respeito e a fruição dos direitos humanos, bem como a formação da cidadania. Compreendemos
democracia na perspectiva de Comparato (1989), como sinônimo de soberania popular com total
respeito aos direitos humanos, fundada nos princípios da liberdade e da igualdade. A igualdade é,
aqui, entendida no sentido de igualdade diante da lei e de garantia do acesso aos bens sociais e às
condições básicas necessárias a uma vida digna para todos os indivíduos. A liberdade é algo
inerente à condição do ser humano, em termos da liberdade de expressão, de pensamento, de ir e
vir, de participar e de intervir na construção do projeto de sociedade em que o indivíduo está
inserido.
41
Neste trabalho, assumiremos o conceito de cidadania e autonomia Kantiana, a partir do
pressuposto do direito, condição primeira, sem a qual deixam de existir os outros direitos, e do
reconhecimento da dignidade intrínseca ao ser humano. São os direitos fundamentais a toda
pessoa, sem distinção de etnia, opção sexual, credo religioso, opinião política, sexo, nível de
instrução, posição sócio-econômica, julgamento moral ou nacionalidade. E a cidadania, na
perspectiva democrática, é a materialização dos direitos legalmente reconhecidos e garantidos pelo
Estado, o que inclui o exercício da participação política e o acesso aos bens materiais. É, também,
a condição de participar de uma comunidade com valores e história comuns, a qual permite aos
indivíduos uma identidade coletiva. É, na verdade, o pleno exercício do direito.
Nesta direção, educar para a cidadania democrática é essencialmente romper com a cultura
autoritária, de submissão, de mando, impregnada nas diferentes relações sociais; é criar uma nova
cultura a partir do entendimento de que todo e qualquer indivíduo é portador de direitos e deveres;
é garantir o acesso ao conhecimento que lhe permita apreender a complexidade das relações e
determinações do conjunto da sociedade; é prepará-lo para sua inserção no mundo do trabalho,
para compreender o avanço tecnológico e a participação ativa na organização da sociedade.
Para que a escola possa desenvolver um trabalho nesta perspectiva, faz-se necessária a
construção de um projeto pedagógico, democrático e participativo, em que a formação do sujeito
possa ser assumida coletivamente. Este processo se desenvolve na prática diária, através da
apreensão dos conteúdos curriculares e na vivência do exercício da cidadania.
A partir desses pressupostos, esta pesquisa limita-se a hermenêutica interpretativa, análise
documental e de conteúdo dos textos legais e documentos oficiais, com o propósito de verificar se
os princípios defendidos encontravam amparo nas propostas de atendimento educacional
apresentadas para formação da cidadania. As interpretações e considerações que emergem desta
investigação se assentam em referenciais teóricos apresentados por autores que estudam política de
educação.
1.5. PROBLEMA
O Brasil possui diferenças sociais marcantes em termos de riqueza e bem-estar,
conseqüência de uma das piores distribuições de renda do planeta. Em algumas regiões, as
desigualdades sociais caracterizam um verdadeiro apartheid.
42
Partindo, assim, da constatação de que a maioria da população brasileira não tem os direitos
assegurados que possam garantir uma vida digna, entre estes: educação, saúde, trabalho, moradia.
É neste quadro de fragilidade do regime democrático e da cidadania e também por
acreditarmos na educação enquanto instrumento de formação da cidadania, (como está na
legislação educacional) e na escola como instituição social que procuraremos verificar a
contribuição desta.
No campo da política educacional, as pautas governamentais têm um peso muito
significativo. Suas propostas e ideologias inseridas na legislação chegam à Instituição Escola com
fortes traços de obrigatoriedade de efetivação. Esta relação de transmissão de valores e políticas
por parte da Escola se caracteriza pelo fato desta instituição ser considerada a “formadora” da
população.
Discutir as políticas educacionais e o papel da Escola como seu agente aplicador é, sem
duvida, compreender a função da escola na contemporaneidade.
Os formuladores de políticas educacionais, apropriando-se de um discurso pedagógico
atualizado, enfatizam, assim, o significado de uma educação geral visando à formação da
cidadania. Todas as leis do ensino nacional, da atual LDB/1996 as anteriores 4024/61 e 5692/71,
reforçam a idéia de educação para formação da cidadania.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF/1988, Art. 205)
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (LDB n. 9.394/96, Art. 2)
É clara a defesa da educação como direito nessas leis. Esta é uma das características da
expansão da educação, que se tornou “um dos requisitos para que os indivíduos tenham acesso ao
conjunto de bens e serviços disponíveis na sociedade, constituindo-se em condição necessária para
se usufruir outros direitos constitutivos do estatuto da cidadania” .
Neste sentido, a LDB mantém uma conquista da própria Constituição de 1988, ao ampliar
as definições legais de criança e de infância, tornando-se um marco na história da construção
social desse novo sujeito de direitos em que a educação é primordial para o preparo da cidadania e
constatar se os valores ideais proclamados nas leis aparecem na prática da escola e dos professores.
43
As finalidades da educação escolar, portanto, reduzem-se à aprendizagem de
conhecimentos úteis, imediatamente aplicáveis, tanto nas possíveis atividades profissionais, quanto
na convivência social.
As perguntas norteadoras desta investigação são as seguintes:
É possível a escola pública contribuir para a formação da cidadania democrática na
modernidade? Quais as possibilidades e limites? Conforme LDB/1996, a escola tende a contribuir
para a formação da cidadania e da autonomia? O problema, a formação da cidadania e educação,
está ligado ao aspecto do conhecimento, da sociedade e da informação?
Justifico que a escola por si não conta das demandas do mundo global, mais
especificadamente do conhecimento que a sociedade exige hoje. Percebe-se que as leis tramitam
o domínio da leitura, da escrita e do cálculo, no entanto não garante o mercado de trabalho hoje.
Há uma cidadania negada neste aspecto. Estas perguntas encaminham uma investigação teórica,
com as principais relações conceituais que compõem e integram o conceito de cidadania e, ao
mesmo tempo, examinam, através dos conceitos teóricos refinados na análise, como aparecem
nas práticas educativas, do plano ideal para o real.
Para responder a estas perguntas será realizada uma pesquisa teórica, utilizando análise
hermenêutica interpretativa, transcrevendo, interpretando os documentos oficiais e, juntamente com a
literatura de autores que tratam desta temática, visando testar a possibilidade conceitual elaborada
como resposta ao problema.
PARTE II
2.1 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA
O próprio Kant relata o impacto dos Discursos de Rousseau em seu espírito impregnado
pelas Luzes:
“colocava no conhecimento a honra da humanidade e menosprezava a plebe
ignorante. Rousseau me abriu os olhos. Aquela superioridade que me cegava se
esvaeceu; aprendo a honrar aos homens; e me consideraria mais inútil que o
mais comum dos trabalhadores se não acreditasse que estas reflexões possam
ter um valor para os demais, estabelecendo um direito para a
humanidade”(KANT , CRP, 1986)
Começamos refletindo: Que cidadania? As pessoas como motor de igualdade. O sentido
da “democracia” mudou e, logo, o sentido da “cidadania. Desde o fim do século XX, passou-se,
quase sem se dar por isso, de uma democracia de representação a uma democracia de controle.
Para a cidadã ou o cidadão de hoje, não basta eleger representantes de quatro em quatro ou de
cinco em cinco anos; há também que controlar como se garantem e promovem os programas,
incluindo a igualdade, bem como intervir e sancionar — direta ou indiretamente.
A cidadania é assim, antes de mais, um sentido para redescobrir e compreender a luz dos
seus últimos desenvolvimentos. A cidadania implica também instrumentos, para garantir de
direitos, mas, sobretudo, para promover e controlar a eficácia do direito. Finalmente, a cidadania
é exigência de acesso aos órgãos do poder, às instituições e à informação — outro rosto do
poder. Isto é, importa uma cidadania real e não apenas formal.
45
“O exercício da cidadania numa democracia, por sua vez, pressupõe a consciência pelos
indivíduos que a compõem dos seus direitos e deveres enquanto cidadão” (BOBBIO, 1992).
Tratar da temática da cidadania, no espaço escolar público, requer um entendimento do
conceito de direitos humanos, cidadania e democracia e das suas relações com o contexto
político e social, tendo em vista que estes conceitos se entrelaçam e são produzidos nestas
relações.
Esta questão é que vai permear este trabalho, no sentido de verificar até que ponto a
escola consegue contribuir para a formação da cidadania democrática, ou seja, para fazer valer os
direitos legalizados, normativos e ampliar a conquista de novos direitos.
A República Federativa do Brasil, formulada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
fundamentos: a soberania; a cidadania, a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político” (Constituição Federal, 1988).
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania, a
dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa; o pluralismo político”.
2.2 Breve histórico dos direitos humanos
Tratar da temática da cidadania, no espaço escolar público, requer um entendimento da
evolução histórica dos conceitos de direitos humanos, cidadania e democracia e das suas relações
com o contexto político e social, tendo em vista que esses conceitos se entrelaçam e são
produzidos nessas relações.
Como afirma Norberto Bobbio (1992), sem os direitos do homem protegidos e
reconhecidos, não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para
solução pacífica dos conflitos, e os direitos não são exercitados. A democracia é a sociedade dos
cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos os direitos
fundamentais.
46
Ao buscarmos o significado da palavra direito, entre os diferentes significados, optamos pelo
que está mais ligado à teoria do Estado ou da política, que é o direito como ordenamento
normativo, considerando que o objeto de estudo está relacionado a uma ação pública
governamental. Neste sentido, direito:
“É o conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo
unanimidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais
para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como as relações
familiares, as relações econômicas, as relações superiores de poder, também
chamadas de relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das
formas através das quais o grupo social reage a violação das normas de
primeiro grau ou a institucionalização da sanção” (Norberto Bobbio, 1999,
p.349).
Este conceito de direito tem uma relação com o surgimento dos direitos humanos.
Historicamente, eles surgem como uma tentativa dos homens para regular os conflitos de
interesses e disciplinar as relações entre os mesmos. Eles foram estabelecidos e evoluíram diante
da necessidade da sociedade em ter o que se chama equilíbrio da ordem social, ou seja, a
existência de direitos e deveres para todos os homens igualmente.
A história dos direitos humanos começa na Baixa Idade Média, na passagem do Séc. XII
ao Séc. XIII. É o início do movimento para se pôr limites ao poder dos governantes, embora,
nessa época, os direitos humanos não eram concebidos como direitos inerentes à pessoa humana.
Esse movimento, no entanto, representou o primeiro passo para o acolhimento de que havia
direitos comuns a todos os indivíduos.
É importante destacar que a afirmação ou ampliação dos direitos do homem tem, em
geral, uma ligação muito próxima com os grandes acontecimentos, quer de conflitos, de guerras
e revoluções, como também das grandes invenções científicas e tecnológicas. Exemplo disso são
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, a Revolução Francesa,
inspirada nos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade, a Declaração de Direitos da
Revolução Americana e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, após a 2ª
Guerra Mundial.
47
Inicialmente os direitos humanos foram concebidos como direitos naturais, impostos por
Deus, sendo utilizados contra os burgueses, em favor dos reis, em favor da aristocracia.
Posteriormente, o pressuposto teológico é rejeitado sob o argumento de que o fundamento dos
direitos humanos não está em Deus e, sim, na razão. O fundamento racionalista não rejeita os
direitos naturais, mas desloca a sua explicação para a razão. A lei passa a ser valorizada, mas,
naquele momento, era vista como natural, na concepção de Aristóteles e São Tomás de Aquino.
Acreditava-se que existia uma lei natural que a razão poderia descobrir, e, pela razão, o homem
precisa ser livre, ter liberdade de expressão, de locomoção (Dalmo Dallari, 1995).
O disciplinamento ou limitação do poder político surge da aliança entre a idéia de direito
natural e a de sociedade civil, sendo esta entendida, no início, como a sociedade econômica,
através da qual os atores reivindicavam a liberdade de empreender, permutar e exprimir idéias
(Alain Touraine, 1996).
No final da Idade Média, surge a burguesia como classe social, que se fortalece através da
atividade econômica. Essa, no entanto, era uma classe marginalizada do poder político, o que a
impedia de defender os direitos pessoais e o seu patrimônio. Foi o burguês, associado aos
pensadores liberais – como Espinoza, Locke, Rousseau e Montesquieu –, que defendeu a
liberdade e a igualdade como valores. O valor da liberdade aparece já no embrião dos direitos
humanos. Essa liberdade, no entanto, não era em benefício de todos, mas sim das classes
específicas, principalmente, em favor do clero e da nobreza e com algumas concessões em
benefício do povo.
No conjunto das legislações, documentos e declarações, inclusive a Declaração Universal
dos Direitos Humanos – 1948, em que se explicitam os direitos fundamentais, a ênfase maior é
dada ao direito à liberdade. O grande avanço da história da humanidade foi o reconhecimento
posterior no campo jurídico, da igualdade do acesso aos direitos, principalmente, aos direitos
econômicos e sociais.
Algumas críticas têm sido feitas no sentido de que o surgimento dos direitos humanos
teve como objetivo atender aos interesses burgueses, bem como a compreensão de que a idéia de
homem enquanto cidadão é muito abstrata. Uma das principais críticas é feita por Marx em
relação ao primado do homem abstrato e universal, principalmente ao conceito de homem que é
destacado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, por não estar este situado
historicamente e culturalmente (Fábio Comparato, 1989).
48
Comparato, ao analisar essa posição de Marx, mostra que “o titular desses direitos, com
efeito não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente;
é o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização”
(1999, p. 42).
Sem dúvida, a defesa dos direitos humanos surge fundamentalmente do ideário liberal
burguês, na tentativa de defender uma determinada classe social, ou seja, em favor dos direitos
pessoais e do patrimônio da classe burguesa. Mas, ao mesmo tempo, é necessário compreender a
contradição posta para a sociedade no momento em que os direitos são declarados, considerados
universais, e não são respeitados pelo próprio Estado que os referendou.
Neste sentido, Marilena Chauí (1989) chama atenção para a importância das declarações e
das leis, pois cada direito, uma vez proclamado, abre campo para a declaração de novos direitos.
E a ampliação das declarações de direitos entra em contradição com a ordem estabelecida. Esta
contradição é essencial para a história dos direitos humanos, porque se é verdade que o Estado
está preso aos interesses de uma classe, também é verdade que, contraditoriamente, não pode
deixar de atender aos direitos de toda a sociedade para não perder a legitimidade.
Essa contradição é a chave da democracia moderna, que só é possível nesse tipo de
regime, democrático, devido à possibilidade do confronto e do conflito.
O que procuramos defender, neste trabalho, é a concepção de direitos humanos que
engloba a liberdade e a igualdade de direitos para todos, não só no campo político, mas, também,
no campo das conquistas sociais produzidas pelo homem, de forma a possibilitar o exercício da
cidadania democrática.
Nesse entendimento, direitos humanos são aqueles direitos comuns a todo ser humano.
São aqueles direitos que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca do homem.
Independem do reconhecimento formal dos poderes políticos – por isso são universais, naturais
ou acima e antes da lei, históricos e interdependentes –, embora devam ser garantidos por esses
poderes. A igualdade aqui defendida não tem relação com:
49
“as condições físicas, intelectuais ou psicológicas, pois cada pessoa tem sua
individualidade, sua personalidade, sua cultura, sua religiosidade, e tem de ser
respeitada. As pessoas são diferentes, mas se apresentam iguais enquanto seres
humanos, tendo as mesmas necessidades e faculdades essenciais. São, portanto,
portadoras dos mesmos direitos” (Dalmo Dallari, 1998).
Ao mesmo tempo em que as pessoas são iguais, elas são livres, e esta liberdade é
intrínseca a todo ser humano. E para que a liberdade individual prevaleça é necessário que as
pessoas tenham as mesmas oportunidades e condições, de forma que possam exercer sua livre
escolha.
Quando falamos em direitos na perspectiva democrática, ou seja, o espaço político de
todos, a relação direito/dever é intrínseca, e está relacionada à concepção de governo republicano,
no sentido do bem comum, do bem coletivo. Portanto, “o poder é de todos” significa que cada
indivíduo tem o direito de participar dele, mas também o dever de fazê-lo (Renato Janine Ribeiro,
1998).
Os direitos humanos são naturais porque dizem respeito à dignidade da pessoa humana e
existem antes de qualquer lei, intrínsecos a todo ser humano; são universais porque não se
referem apenas a um membro de uma sociedade política; e são históricos porque foram
modificando-se e ampliando-se ao longo da história da humanidade. Os direitos humanos são
comuns a todos os homens, são públicos e não privados e estão vinculados à própria condição
humana.
O princípio da complementaridade solidária dos direitos humanos foi proclamado pela
Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, em 1993. O fundamento de todos os
direitos é o direito à vida, pois sem ela os outros não existiriam. Além de serem universais,
naturais e históricos, os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes, porque “à medida
que são acrescentados ao rol dos direitos fundamentais da pessoa humana, eles não podem mais
ser fracionados (Maria Victoria Benevides, 1998, p.44).
Os direitos humanos são, na verdade, todos os direitos fundamentais para que a pessoa
tenha uma vida digna. E a dignidade, sendo uma condição inerente a todo indivíduo, está
necessariamente atrelada às condições materiais e ao respeito à liberdade.
50
Conforme Dalmo Dallari (1998):
“ todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as
condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como
também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em
sociedade pode proporcionar. É a esse conjunto de condições que se dá o nome
de direitos humanos” (p.7).
Uma corrente moderna de pensadores apresenta, a partir de uma análise histórica, os
direitos humanos em três gerações – ou dimensões -,concebidas de forma interdependente e
intercomplementar.
A primeira geração de direitos – liberdades individuais ou direitos civis –, expressos nas
declarações de final do Século XVIII, e consagradas em várias Constituições Ocidentais, são os
direitos à liberdade, direito de locomoção, propriedade, segurança, expressão e crença religiosa,
fundamentados no liberalismo.
A segunda geração – direitos sociais –, focalizados pela social-democracia européia, no
final do século XIX, destacados no sistema Constitucional do México e da Alemanha no início
dos anos 90, são os direitos à saúde, e à educação, fruto das lutas dos trabalhadores.
A terceira geração – direitos coletivos –, reconhecidos no Séc. XX, são os direitos ao
desenvolvimento, à solidariedade, ao meio ambiente, à paz e de participar do patrimônio comum
da humanidade. Esses direitos incluem também respeito à livre determinação dos povos. Essas
três gerações de direitos explicitam os valores da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e
fraternidade (Fábio Comparato, 1989).
Os direitos sociais surgem com base no princípio da solidariedade e se efetivam através
das políticas públicas, como forma de garantir amparo e proteção social aos mais pobres e mais
fracos, ou seja, condições de uma vida digna. É também com base nesse princípio – da
solidariedade – que em vários sistemas jurídicos contemporâneos é consagrado o dever de se dar
à propriedade privada uma função social (Fábio Comparato, 1999).
A grande questão e o desafio que se coloca, como chamamos a atenção no início do
trabalho, é que a lei existe, em princípio, para garantir a cada indivíduo os seus direitos. No
entanto, sabemos que ela não é suficiente para garantir a sua efetiva concretização.
51
Os direitos humanos, apesar de estarem na vida das nossas instituições sociais, nunca
fizeram parte do nosso patrimônio cultural. E como fazer valer os direitos proclamados e nunca
conquistados?
Esta questão é que vai permear este trabalho, no sentido de verificar até que ponto a
escola consegue contribuir para a formação da cidadania democrática, ou seja, para fazer valer os
direitos legalizados, normativos e ampliar a conquista de novos direitos.
2.3 A construção da cidadania ao longo da história
Ao iniciarmos a reflexão sobre a evolução do conceito de cidadania uma questão se coloca:
quais são as concepções de cidadão e de cidadania que têm permeado a história da humanidade?
Para um bom entendimento far-se-á uma correlação das diferentes concepções de democracia nas
diversas épocas históricas. Democracia e liberalismo (democracia e liberdade) Democracia e
socialismo (democracia e igualdade). As teorias da democracia para a cidadania. A configuração
do Espaço Público. O Conceito do Político.
O tema da cidadania será alicerçado, como se vê, num sólido corpo doutrinário que se
alcandorou ao princípio estrutural da nova ordem civilizacional e da maioria dos ordenamentos
nacionais de inspiração democrática. Tal não impede que as questões de cidadania, se encontrem
na ordem do dia.
Cidade, civilização e cidadania, soam conceitos próximos e provêm da mesma raiz lexical.
São também noções caras a democracia participativa.
Historicamente
4
, a concepção de cidadão decorre da idéia da igualdade política e da
participação de todos. Essa idéia permeou a Grécia antiga e foi resgatada pela Revolução Francesa.
Os gregos criaram um modelo de organização política, em que as cidades se constituíam
em Estados independentes, com autonomia política, cultural e religiosa. A “pólis” significava,
inicialmente, um tipo de instituição urbana – a cidade Estado –, e era a relação homem-Estado que
distinguia as “pólis” no contexto político. Essas “pólis” evoluíram, passando da monarquia para
aristocracia, desta para a tirania, depois à democracia.
4
Conforme citado na Enciclopédia Mirador Internacional, v. 5 (1995: 2392-2041), coloca as concepções de cidadania que
tem permeado ao longo da história
52
Ao cidadão grego era exigida uma série de atividades públicas e participação política,
tornando-o co-responsável pela vida da comunidade, derivando daí o conceito de cidadania. O
direito de participar, no entanto, era restrito a um determinado número de pessoas. As mulheres, os
estrangeiros e escravos eram excluídos dessa participação.
A palavra cidadania foi usada na Roma Antiga no sentido de indicar a situação política da
pessoa e os direitos que ela podia exercer. Mas não eram todas as pessoas que tinham os mesmos
direitos, e estas eram separadas em classes sociais. Isso repercutia na forma de participação e na
seleção de quem podia exercer a cidadania.
Os romanos faziam distinção entre a cidadania e a cidadania ativa. Os cidadãos ativos
eram os que podiam pagar impostos e, portanto, tinham o direito de participar das atividades
políticas, bem como ocupar os altos cargos da administração pública (Benevides, 1991).
Na Idade Média a relação política predominante foi a de servidão, na Europa, nos Séc.
XVII e XVIII, a sociedade era organizada em classes: os nobres, as pessoas comuns e a burguesia.
Essas classes apresentavam grandes diferenças em relação às condições econômicas e ao poder que
detinham. Esse poder se tornava absoluto nas mãos dos reis, denominando-se, na época, de
absolutismo.
É essa forma de poder que leva os burgueses e os trabalhadores a um processo de
organização, nos Estados Unidos em 1950, à revolução na Inglaterra, nos anos de 1688 a 1689, e à
Revolução Francesa, em 1789. Esta última, na verdade, constituiu-se em um marco na história da
humanidade, devido à repercussão da mesma em outras partes do mundo, cujos fundamentos
buscavam a defesa da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
É nesse contexto que nasce a moderna concepção de cidadania, no sentido de eliminar
privilégios, embora posteriormente ela tenha sido utilizada para garantir novos privilégios.
A Constituição Francesa, elaborada em 1791, mantém a idéia da diferença de cidadania e
cidadania ativa, utilizada pelos romanos. Para ser cidadão ativo era necessário ser francês, do sexo
masculino, ser proprietário de bens imóveis e renda elevada. Estavam excluídos da categoria de
cidadãos ativos, as mulheres, os trabalhadores e as camadas mais pobres da sociedade. Para a
conquista da cidadania essas categorias tiveram que iniciar uma nova luta durante o Séc. XIX.
Como se pode observar, o conceito de cidadania, embora esteja relacionado ao
pertencimento a um Estado e à participação em comunidade, tem sua evolução diretamente
relacionada às lutas e conquistas que foram sendo ampliadas ao longo da história da humanidade.
53
Essas características diferenciam os direitos humanos da cidadania, uma vez que esta
depende das leis de cada país. Ela não é universal, é particularizada e define a pertença a um
Estado. Ela dá ao indivíduo um status jurídico, ao qual se ligam direitos e deveres particulares.
Esse “status” depende das leis próprias de cada Estado (Canivez, 1991).
Marshall (1967), em seu clássico estudo “Cidadania, Classes social e Status”, ao tomar
como referência o contexto da Inglaterra, analisa as mudanças ocorridas no Séc. XX, em relação
à concepção de direitos e deveres do cidadão, relacionando o conceito de cidadania às três
gerações de direitos: os civis, os políticos e os sociais.
“Os direitos políticos estão relacionados ao direito de participar no exercício
do poder político como um membro de um organismo investido da autoridade
política ou como eleitor dos membros de tal organismo. Os direitos civis são os
necessários à liberdade individual, liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa,
pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o
direito à justiça. Enquanto que os direitos sociais referem-se a um mínimo de
bem-estar econômico e segurança, ao direito de participar por completo da
herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões
que prevalecem na sociedade”.(Ibid: 61)
Os direitos de cidadania foram ampliando-se gradativamente e de forma inter-
relacionada. Ao surgirem os direitos civis, o “status” de liberdade foi sendo ampliado, a partir do
pressuposto de que todos os homens são livres. No momento em que os direitos civis se
fortaleceram, abriu-se espaço para o reconhecimento dos direitos políticos, mas esses eram
privilégio de uma classe econômica limitada. Os direitos políticos, de fato, começam a ser
incorporados à cidadania, para uma maioria da população, somente no Séc. XX, após as
diferentes lutas dos trabalhadores e a elaboração das leis que passam a garanti-los. Os direitos
sociais são os mais difíceis de serem materializados, considerando-se que requerem mecanismos
de distribuição de renda e de implementação de políticas sociais.
Institucionalizar a educação é uma das garantias desses direitos, embora, na perspectiva
liberal burguesa, essa institucionalização não seja concebida como um direito do indivíduo, mas
uma concessão do Estado para atender a ampliação da democracia política, como também para
atender o mercado.
54
É neste sentido que Marshall (1967) justifica a necessidade de qualificação dos
indivíduos:
“Tornou-se cada vez mais notório, com o passar do século XIX, que a
democracia política necessitava de um eleitorado educado e que a produção
científica necessitava de técnicos e trabalhadores qualificados. O dever de
auto-aperfeiçoamento e autocivilização são, portanto, um dever social e não
somente individual porque o bom funcionamento de uma sociedade depende da
educação dos seus membros”. (Ibid: 74)
No entendimento de Marshall, à medida que os direitos de cidadania vão se ampliando,
garantem, em princípio, a igualdade social. Mas a igualdade social defendida por esse autor é em
relação à posição social, ou seja, a cidadania é um status concedido àqueles que são membros
integrais de uma comunidade, e a igualdade de status é mais importante do que a igualdade de
renda (Ibid: 76-95).
Neste sentido, Coelho (1969) chama a atenção para o fato de que a cidadania, na
perspectiva de Marshall, se refere à aparência e não fundamento, lastro econômico. Para ela, a
afirmação de que a igualdade de status é mais importante do que a igualdade de renda só pode
ser feita em condições especiais, em que a sociedade esteja bem próxima da igualdade de renda e
seus membros possam almejar outras melhorias sociais.
Para Dallari, a idéia de cidadania está intimamente relacionada às condições básicas para
participar da vida pública, o que exige assegurar os direitos fundamentais aos indivíduos, ou seja,
a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar
ativamente da vida e do governo de seu povo (1998, p.14).
Touraine (1996) destaca a responsabilidade dos cidadãos de um país como um dos
alicerces da democracia, no contexto dos Estados Nacionais:
“não há cidadania sem a consciência de filiação a uma coletividade política, na
maior parte dos casos, a uma nação, assim como a um Município, a uma
região, ou ainda a um conjunto federal. (...) Assim, o termo cidadania refere-se
diretamente ao Estado Nacional” (p.93).
Essa filiação a uma comunidade é definida por direitos e garantias que demarcam as
diferenças em relação aos indivíduos que não fazem parte da comunidade, pois sem o sentimento
55
de identidade coletiva, que se processa através da língua, religião e história, não seria possível a
existência de nações democráticas modernas.
E o que significa a cidadania democrática? Entendemos que esta é uma forma de
contraposição à cidadania liberal que tem predominado na história do nosso país. A construção
da cidadania democrática exige o controle dos cidadãos sobre os governantes, como forma de
proteção contra o poder arbitrário. Conforme Cardia (1995: 38), é necessário que os cidadãos se
sintam participantes da formulação das leis para que possam percebê-las como resultados das
transações entre iguais e internalizá-los.
Essa mesma autora desenvolveu uma pesquisa, na cidade de São Paulo, em que analisou
a relação entre as atitudes da população e os direitos, violações e as implicações dessas relações
para a construção da cidadania democrática. Os dados mostram que parte da população não
apresenta reação de indignação diante de violações do direito. Ela chama a atenção para o fato de
que essa atitude pode ser um indicador de um processo coletivo de desativação dos mecanismos
de autocontrole moral, a que denomina de exclusão moral, a qual pode estar sendo alimentada
pela ausência de uma cidadania democrática.
A ausência da cidadania democrática ocorre quando os governados não têm controle
sobre os governantes, pela alienação dos governados em relação à produção das leis e pela
transgressão dos direitos sociais e econômicos. Estas características parecem deixar bastante
claro que vivemos, no Brasil, exatamente essa ausência da cidadania democrática.
A existência da cidadania democrática requer assegurar a vigência do regime democrático
fundamentado na liberdade, no seu sentido mais amplo, e na garantia da igualdade para todos, o
conjunto dos direitos conquistados ao longo da história. É a ultrapassagem da cidadania – na
concepção liberal, cuja ênfase é o princípio da liberdade - para a cidadania que garanta a inclusão
social de todos os indivíduos, independentemente de qualquer tipo de diferença que os mesmos
apresentem. Isto requer a materialização do Estado Democrático de Direito, conforme prescreve
a Constituição Brasileira no Art. 1º.
56
2.4 Contexto da cidadania e democracia no Brasil
Em se tratando de cidadania primeiramente vamos questionar, como a cidadania e
democracia foram construídas no Brasil? Quais os impasses, dificuldades e progressos que se
evidenciam na construção da cidadania democrática no nosso país?
Ao tentarmos responder essas questões é importante indagarmos inicialmente: O que
significa, de fato, ser cidadão na sociedade brasileira? E no mundo globalizado, quando grande
parte da população vive à margem dos benefícios sociais, econômicos e culturais?
Conforme indaga FRÓES (1998):
“O que significa ser cidadão nesta sociedade plural, que vai desde a dimensão
de uma sociedade tecnológica de ponta, até aquela outra, de uma república de
guabirus? Onde as fronteiras geopolíticas perderam o seu significado e os
países considerados – em função de indicadores econômicos – como de
primeiro mundo, abarcam, hoje, no interior de suas respectivas sociedades,
todo o espectro dos vários terceiro e quarto mundos em que (aqueles mesmos
indicadores econômicos) dividiram o planeta? Onde a história dos vencedores
perde a hegemonia e os vencidos desenvolvem outras formas de fazer história?
Onde outras formas de manifestação do conhecimento humano vêm sofrendo
modos revolucionários de transformação, como é o caso da ciência e da
tecnologia?”
A essa situação de marginalidade dos direitos Milton Santos (1997) denomina de
“cidadanias mutiladas”, ou seja, aquelas manifestas pela negação das oportunidades de ingresso
ao trabalho, nas diferenças de remuneração entre homens e mulheres e nas oportunidades de
promoção, na inexistência de educação, do não atendimento à saúde, à habitação e ao lazer.
Segundo esse autor, cidadão é o indivíduo que tem a capacidade de entender o mundo, a
sua situação no mundo e de compreender os seus direitos para poder reivindicá-los (Ibid: 133).
Ao tomarmos como referência essa definição de cidadão e diante do quadro da
marginalidade de direitos em que vive grande parte da população brasileira, são poucos os que
podem ser considerados, realmente, cidadãos no sentido da cidadania democrática. O que
realmente existe é o cidadão “legal”, cujos direitos estão garantidos através das leis, mas que está
distante do acesso ao direito “real”.
57
Carvalho (1995), ao analisar a evolução histórica de cidadania do povo brasileiro, em
relação aos direitos civis, mostra que existem no Brasil diferentes categorias de cidadãos:
a) Os cidadãos doutores são aqueles que se encontram acima da lei, os privilegiados que sempre
escapam dos rigores da lei, através do poder do dinheiro ou do prestígio social. São em geral os
brancos, ricos, bem vestidos, gozam de boa saúde e têm formação universitária.
b) Os simples cidadãos são os que estão teoricamente sujeitos aos rigores e benefícios da lei, mas
na prática dependem da boa vontade dos representantes para materializar seus direitos. Em geral,
são os trabalhadores assalariados, com carteira assinada, de classe média baixa, pequenos
proprietários rurais ou urbanos, que têm educação básica. Podem ser brancos, negros ou mulatos.
Em geral, estas pessoas não têm clareza dos seus direitos, e quando têm não conhecem os
mecanismos para sua concretização.
c) Os cidadãos elementos constituem grande parte da população brasileira que é marginalizada
nas grandes cidades. São pessoas que trabalham sem carteira assinada, empregados domésticos,
fazem trabalhos esporádicos, menores abandonados e mendigos. Na sua maioria são mulatos,
analfabetos e sem educação fundamental. São considerados cidadãos porque pertencem a uma
comunidade política nacional, mas na verdade não conhecem os direitos e estes são
sistematicamente violados por outros cidadãos e pelo próprio governo.
A história evidencia que o processo de desenvolvimento da democracia e da cidadania no
Brasil foi permeado por caminhos bastante complexos e tortuosos, devido principalmente à
formação cultural do povo brasileiro, forjada no contexto das determinações econômicas,
políticas e sociais e, conseqüentemente, pela falta de políticas públicas que garantam o acesso
aos direitos básicos à maioria da população. É nesse contexto que são produzidos o “cidadão
elemento”, que compõem os altos índices estatísticos da exclusão social.
Essa formação é extremamente marcada ao longo da história, por um longo período de
escravidão, que gerou comportamentos de submissão, mando e conformismo em relação à
negação de direitos, até nossos dias atuais. O homem escravo, ao perder a sua liberdade, perdeu a
própria dignidade ao ser tratado como “coisa”, “objeto” ou “mercadoria”.
58
Carvalho (1995) destaca dois conjuntos de fatores que influenciaram a construção da
cidadania no Brasil, herdados do período de colonização portuguesa: de forma positiva, os
portugueses deixaram uma enorme colônia dotada de unidade territorial, lingüística, cultural e
religiosa, e, de forma negativa, uma população analfabeta, uma sociedade escravista, uma
economia baseada na monocultura do açúcar e no latifúndio, um Estado policial e fiscalizador,
de maneira que, no final da Colônia, não havia nem cidadãos brasileiros nem pátria brasileira.
Nesse período, a luta pelos direitos ficou centralizada na independência política do país e na
construção da identidade nacional.
Coligado às experiências do período de escravidão, a cultura brasileira foi permeada pela
prática do coronelismo, caracterizada por pessoas – coronéis - que detinham o poder econômico
e político. O poder desses coronéis funcionava como um sistema de dominação privada em
âmbito nacional, especialmente no período de 1889 a 1930.
Nessa época, o voto, além de ser restrito a uma pequena parcela da população – uma vez
que as mulheres e, em alguns períodos, os negros e os analfabetos não votavam –, não
representava um exercício de efetiva participação na vida política do país. O eleitor não operava
como membro de uma sociedade política ou de um partido político, mas como dependente de um
chefe local, a quem devia fidelidade, e as eleições representavam a oportunidade de o eleitor
trocar seu voto por mercadoria, dinheiro, roupa ou emprego.
Esse sistema começou a declinar, tornando-se uma questão mais localizada, ou
seja, mais regional, nos Estados do Norte e Nordeste. Na região do Centro-Sul, o coronelismo foi
sendo substituído pelo clientelismo, “dependente não tanto dos proprietários de terra quanto
daqueles que estivessem instalados na esfera do poder estatal” ( Francisco Weffort, 1992, p.26).
As estratégias e mecanismos de dominação política e de exploração econômica, no Brasil,
ampliaram-se, resultando em um estado de elites e oligarquias, no qual estas não tinham
compromissos reais com os interesses da população, agindo em benefício de interesses
individuais e de pequenos grupos.
Esta dominação se mantém, até hoje, pelas habilidades que as elites têm de funcionarem
como intermediárias entre os recursos públicos e o atendimento aos interesses privados, ou seja,
os interesses da sua clientela, a qual lhes assegura a permanência no poder.
É, portanto, o uso do poder político para usufruir dos benefícios públicos em favor do
atendimento privado. Esta relação é o que Victor Nunes Leal (1949) chama de reciprocidade,
59
uma vez que há um favorecimento da parte dos chefes políticos e do eleitor. Os chefes políticos
têm a garantia do voto que lhes assegura a permanência nos cargos eletivos e funcionais nos
órgãos públicos, a manutenção do poder. Em contrapartida, há uma troca de benefícios para o
eleitor como retribuição pela sua lealdade.
Esta prática política só contribui para reproduzir o individualismo, pois, da parte do
eleitor, geralmente são atendidos os interesses mais imediatos para suprir necessidades básicas
pessoais: alimentação, remédio, moradia, emprego, educação. Para os chefes políticos, os
interesses são a médio e longo prazo, pois fazem parte de projetos de manutenção no poder de
uma forma hereditária – “de pai para filho” – ,ou seja, a perpetuação do poder. Esta prática é
traduzida na frase “É dando que se recebe”, bastante conhecida na história da política brasileira e
que perpassa o conjunto das relações da sociedade.
O clientelismo favorece a perpétua privatização da coisa pública e as “lealdades” exigidas
pelos coronéis. Não se trata de uma representação republicana, uma vez que não se orienta pelo
interesse comum, público. Nos órgãos legislativos, os representantes desse clientelismo tornam-
se intermediários de favores, de proteção frente ao executivo.O representante político, por não
representar os interesses de uma maioria, passa a ter um papel secundário na função legislativa.
Ao mesmo tempo, esta prática de conceder privilégios para alguns e negar os direitos para
muitos provoca um descrédito na população em relação ao real papel dos representantes do povo,
pois os benefícios são individuais, para aqueles que têm acesso e influência junto aos “donos do
poder”.
Uma outra característica da nossa sociedade é o patrimonialismo, gerado e fortalecido
com a concentração de renda nas mãos de poucos detentores do poder econômico, originários
dos latifúndios da cultura do café e, no Nordeste, principalmente, da cultura da cana de açúcar.
Aliado a essas características, o acesso à educação pública só foi, de fato, materializado
enquanto política governamental com o processo de industrialização, diante da necessidade de
mão-de-obra para o mercado de trabalho e da pressão da sociedade mais organizada.
A educação, na verdade, nunca se constituiu como prioridade neste país, principalmente
no período colonial, até porque o governo não tinha interesse em alfabetizar a população, e muito
menos os escravos. Até 1872, 50 anos após a Independência, somente 16% da população sabia
60
ler. Com relação ao ensino superior a situação não era diferente, e nenhuma universidade foi
instalada no período colonial. O brasileiro, para cursar a universidade, tinha que ir para Portugal,
em especial Coimbra, o que era restrito a uma pequena parcela da população de poder aquisitivo
alto.
Esse contexto evidencia o porquê de terem o regime democrático e a nossa cidadania se
apresentado sempre frágeis. Sérgio Buarque de Holanda (1956), ao analisar o processo da
democracia no Brasil, em seu livro Raízes do Brasil, apresenta alguns entraves que dificultaram a
sua concretização e que confirmam os estudos já referendados neste trabalho. Ele mostra que a
democracia foi importada por uma aristocracia rural e semifeudal, que procurou acomodá-la,
onde fosse possível, aos seus interesses ou privilégios. Os movimentos aparentemente
reformadores, no Brasil, partiram sempre de cima para baixo: de inspiração intelectual e/ou
sentimental, sem contar com a população.
Comparato (1994) reforça essa análise, enfatizando que esses e outros fatores
contribuíram negativamente para a formação política do brasileiro, e afetam a vigência do regime
democrático: um primeiro conjunto engloba os fatores ligados à nossa herança cultural, como o
caráter autocrático da sociedade; quatro séculos de escravismo - negação do princípio da
democracia, de que todos os homens nascem iguais, em dignidade e direitos; descrença na
educação; civilização privatista e, portanto, anti-republicana. O segundo grupo inclui fatores
mais recentes: a política unidimensional da industrialização em substituição às importações, a
partir da década de 30; o consumismo como substituto à participação ativa do cidadão na vida
política; o populismo como disfarce democrático da política oligárquica.
Outros aspectos, quer no âmbito mundial quer no acional, podem ser acrescentados aos já
mencionados por Sérgio Buarque de Holanda e Fábio Comparato, como elementos que têm
contribuído para a fragilidade do regime democrático e que determinam a exclusão social da
maioria do povo brasileiro.
A autora Bacelar (1998), ao analisar o modelo econômico adotado no Brasil e seus efeitos
para as condições de vida da população, busca explicitar a relação desse modelo com a exclusão
social. No âmbito mundial, a riqueza é criada mais na “esfera financeira” e não na “produtiva”,
avança a globalização e a revolução tecnológica se concretiza. Os Estados Unidos assumem cada
61
vez mais a liderança hegemônica com o fim da Guerra Fria e o desmonte da União Soviética, bem
como a crise japonesa.
No Brasil, as elites estabelecem um pacto hegemônico, articulado aos interesses externos e
conquistam apoio das camadas mais pobres da população e parte da classe média, com a proposta
de estabilização. Isto aparece de forma concreta com o advento do Plano Real, mas, na verdade,
esse modelo econômico mostrou sua fragilidade, com uma economia estagnada, o crescente
aumento do desemprego, da dívida externa e a perda do poder aquisitivo da classe média. A saída
encontrada para tentar minimizar a dívida externa é a privatização, que resulta em favorecimento
aos grandes grupos empresariais, cujo principal objetivo é a especulação do capital.
Esse quadro é o que Bacelar denomina de falência do Estado, em que os governos
encontram justificativa para a não-garantia dos direitos fundamentais para a maioria dos cidadãos
brasileiros. Na medida em que o Estado não garante os direitos básicos, fundamentais para a
população, afeta a vigência do regime democrático e repercute diretamente na efetivação dos
direitos humanos e no exercício da cidadania.
Para Benevides (1995), a democracia é o regime político que se funda na soberania
popular, mas com o pleno e integral respeito aos diretos humanos, e, também, para Norberto
Bobbio (1986), a democracia nasceu com a perspectiva de eliminar para sempre das sociedades
humanas o poder invisível e dar vida a um governo cujas ações deveriam ser desenvolvidas
publicamente, esse regime, no Brasil, está muito mais no plano formal do que no plano real.
No momento em que a democracia se apresenta fragilizada, a consciência da cidadania
enfraquece, porque muitos dos indivíduos se sentem mais consumidores do que cidadãos, mais
cosmopolitas do que nacionais, ou porque são, de fato, marginalizados ou excluídos da sociedade,
no sentido da participação política e do acesso aos bens sociais.
O regime democrático é hegemônico no Ocidente e foi referenciado na Conferência
Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, como o regime político que oferece
melhores condições para a garantia e ampliação dos direitos humanos e a vivência da cidadania.
Mas, no Brasil, a crença na democracia aparece abalada, principalmente, pelo distanciamento
entre os direitos declarados e os direitos concretizados, em especial os direitos sociais.
62
Essa fragilidade afeta a crença no regime democrático. É o que mostra a pesquisa
realizada, recentemente, pelo Datafolha (Jornal Folha de São Paulo, 16/07/2000), com o objetivo
de verificar como a população percebe a democracia no Brasil. Apenas 47% dos entrevistados, em
um universo de 11.534 eleitores de todo o país, consideram a democracia como o melhor regime.
A grande surpresa desta pesquisa é o percentual de pessoas que apóiam a ditadura - 18% -, e
também o percentual dos que acham que tanto faz uma democracia ou uma ditadura – 29%.
Algumas explicações para esses resultados demonstram que o fator econômico afeta a
crença no regime, ao mesmo tempo que o crescimento do apoio à ditadura reflete as dificuldades
sociais da população e o clima de insegurança pessoal em que as pessoas estão vivendo.
Conforme destaque em jornal:
“em qualquer país do mundo a democracia se legitima por seus procedimentos
(eleições livres, etc), mas também por sua eficácia (o bem-estar geral). Em
países de cultura democrática relativamente frágil, como o Brasil, a eficácia é
ainda mais importante” (Folha de S. Paulo, 16/07/2000, p.29).
Um ponto a merecer destaque dos educadores e, principalmente, daqueles que se
preocupam com a formação da cidadania dos seus alunos é o fato de a preferência pelo regime
democrático aparecer mais alta entre os adultos, com maior nível de escolaridade, enquanto os
jovens e os que possuem menor tempo/nível de escolaridade revelam mais indiferença. Quanto
mais alto o nível de escolaridade, mais aumenta a crença no regime democrático, ou seja, os que
têm 1º grau, 40%, o 2º grau, 55%, e nível superior, 71%.
Por outro lado, é preocupante o percentual dos jovens – 35% que são indiferentes à
democracia ou à ditadura. Isto nos leva a indagar qual é a educação que está sendo forjada no
espaço escolar, e até que ponto está contribuindo para a formação de cidadãos críticos e
conscientes do seu papel no projeto de sociedade.
E a democracia enfraquecida é vulnerável ao poder autoritário, que pode destruí-la pelo
caos, violência e guerra civil, como pelo poder das oligarquias ou partidos que acumulam recursos
econômicos ou políticos para impor suas escolhas a cidadãos reduzidos ao papel de eleitor.
63
Para TOURAINE (1996:36):
“Por falta de pressão moral e social, a democracia transforma-se rapidamente em
oligarquia, pela associação do poder político com todas as outras formas de
dominação social. A democracia não surge do Estado de direito, mas do apelo a
princípios éticos – liberdade, justiça – em nome da maioria sem poder e contra os
interesses dominantes”.
O fortalecimento da democracia não é possível sem a compreensão do eleitor sobre a
importância da participação consciente no projeto de construção da sociedade, que passa pelo
significado do voto. Embora saibamos que a eleição, apenas, não garanta a efetividade da
democracia, ela é um dos instrumentos legais, conquistados pela sociedade e o momento em que
os sujeitos podem exercitar o direito de escolher seus representantes.
Um outro aspecto, que é um pressuposto para a existência da democracia, é a necessidade
do respeito às diferenças culturais, o respeito à diversidade cultural, de crenças, origens e
projetos. O que define a democracia não é apenas um conjunto de garantias institucionais ou a
vontade da maioria, mas o respeito pelos projetos individuais e coletivos que combinam a
afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social,
nacional ou religiosa.
O que se coloca como um risco à democracia e à cidadania é o favorecimento de grupos que
se impõem em defesa de suas identidades ao assumirem práticas antidemocráticas, em nome da
diversidade e da diferença cultural. Não é possível entender que a liberdade cultural venha
contrapor-se aos direitos conquistados historicamente, visto ter a humanidade evoluído na
conquista dos direitos.
Como podemos observar, a luta pela democracia e pelos direitos da cidadania é secular,
contra, principalmente, as relações de dominação, exploração, autoritarismo, os modos de
discriminação e violação dos direitos do homem. Essa luta vem se processando nas relações
estabelecidas em diferentes instâncias da sociedade, nos movimentos sociais e políticos, no
64
sentido de criar uma nova cultura, em que a democracia possa ser vista como uma possibilidade
de criar novos comportamentos e relações de respeito ao indivíduo como sujeito de direitos.
Ao refletir no contexto da construção da democracia moderna, alguns fatores são
determinantes: o Estado democrático de direito, que limita o poder arbitrário do Estado, de forma
a garantir a todos a igualdade de direitos; a soberania popular, através da representatividade dos
governantes, e a recusa da arbitrariedade do poder e a garantia da cidadania, enquanto exercício
pleno da liberdade e igualdade (Alain Touraine, 1996). Assim, ao mesmo tempo em que a
democracia, nos termos aqui referendados, é condição para a existência da cidadania, aquela não
sobrevive sem a garantia desta.
O Brasil é regido por uma Constituição que garante o Estado democrático de Direito
fundamentado nos princípios da soberania, da cidadania, da dignidade, do trabalho, da livre
iniciativa e do pluralismo político.
Mas, segundo RIBEIRO (1998: 49):
O Estado democrático não é suficiente para garantir a sua vigência se não
pertencer a uma sociedade democrática. Não é possível haver uma sociedade
discriminadora ao mesmo tempo que um Estado de formas democráticas, pois a
“democracia é, necessariamente, uma cultura, e por isso mesmo se expande do
que se refere ao Estado para o que diz respeito à sociedade como um todo” .
A concretização de uma sociedade democrática exigirá pensar o Estado na direção dos
direitos humanos, o que requer a reforma da sociedade no rumo dos mesmos direitos e dos
valores democráticos.
Um dos avanços na conquista dos direitos como forma de fortalecer a democracia foi a
promulgação da Constituição Brasileira de 1988, devido não só ao processo de elaboração, com
uma ampla participação de diferentes segmentos da sociedade, mas, essencialmente, pela criação
dos institutos jurídicos de participação direta – iniciativa popular, plebiscito e referendo, a partir
do pressuposto de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente”.
Estes institutos são mecanismos para corrigir distorções da democracia representativa.
Maria Victória Benevides mostra em seu estudo, A Cidadania Ativa (1991):
65
“A atuação desses mecanismos como corretivos necessários à representação
tradicional. A autora deixa claro que o exercício direto do poder não é possível
nas sociedades modernas, devido às complexidades e à ampliação populacional.
Essa participação se viabiliza através de instrumentos legais, como está previsto
na Constituição Brasileira. É a forma de associar a ação direta da população
com a ação semi-direta, através da representação.”
Para Benevides (1991) o pressuposto básico que orientou o seu estudo que orientou o seu
estudo a “Cidadania Ativa ” consiste na identificação entre democracia e soberania popular. A
cidadania ativa é materializada através da participação popular, sendo esta considerada:
Como princípio democrático (...) Não é um favor e, muito menos, uma
linguagem retórica. É a realização concreta da soberania popular, e supõe a
participação do povo como possibilidade de criação, transformação e controle
sobre o poder ou os poderes. Essa forma de participação é que possibilitará
uma educação política, entendida como cidadania ativa. (Ibid: 19-20).
Compreendemos, portanto, que a construção de uma sociedade democrática exige a
formação de uma nova cultura que é permeada pela educação e se materializa nas diferentes
situações de aprendizagem do sujeito, enquanto indivíduo político-social. A escola tem um papel
e uma função a desempenhar nesta construção.
Uma questão se impõe: é possível que a escola contribua para a cidadania? Este é o ponto
orientador das discussões a seguir.
PARTE III
3.1 AUTONOMIA COMO CONDIÇÃO DA CIDADANIA
A idéia que autonomia, qualidade e cidadania são conceitos inter-relacionados, não
existindo um sem o outro. Exemplificando: a qualidade, sob seu aspecto político, é fundamentação
da cidadania, pois capacita o professor para "elaborar projeto pedagógico próprio"(DEMO), o que
por sua vez só é possível num contexto permeado pela autonomia. Ainda sob esta idéia vale
ressaltar GADOTTI (1997:46) quando diz que a idéia de autonomia é intrínseca à idéia de
democracia e cidadania. Cidadão é aquele que participa(...); e só pode participar (...) da tomada de
decisões quem tiver poder e tiver liberdade e autonomia para exercê-lo. Isto faz da cidadania e da
autonomia "(...) duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das
quais há freqüentemente consenso(...)(pg.39).
O processo de conquista da autonomia é importante para o desenvolvimento da cidadania.
Destacamos primeiramente a autonomia, por ser um reconhecido valor hoje que se constitui numa
categoria central da essência da vida humana, e como tal, confere o poder de determinar os
processos e as estratégias de ação, escolher caminhos e alternativas, bem como objetivar desejos e
ideais no sentido de efetivar a ação crítica nas mais diversas situações que a vida nos impõe
(SOARES & PEREIRA, 1997: 04).
No mundo globalizado em que vivemos, a autonomia tornou-se uma necessidade material,
sócio-cultural, psicológica e política, e, portanto é impossível não ser trabalhada pela educação
formal.
Seguindo a linha de CASTORIADIS (1992) para pensar este conceito, temos em mente que
todo projeto que ambiciona uma maior politização na educação jamais dispensa a autonomia como
um objetivo por excelência, pois é ela que possibilitará ao homem "instituir", "criar suas próprias
leis", deixando de viver sempre sob os desígnios de um "instituído" que lhe é estranho.
67
Conforme (SOARES & PEREIRA, 1997:13), a escola que têm como princípio norteador à
autonomia, "(...) permite que os poderes humanos de organização e reorganização criativa da
experiência, sejam operativos no contexto educacional(...)"(DOLL,1977:117).Esse sistema aberto
permite que professores, alunos, coordenadores e diretores estabeleçam uma comunicação
dialógica, propícia à criação de estruturas metodológicas mais flexíveis para reinventar sempre que
for preciso. A confirmação desse contexto só poderá ser dada numa escola autônoma, onde as
relações pedagógicas são humanizadas. Portanto, "pode-se dizer que a autonomia faz parte da
própria natureza da educação (...)"(GADOTTI, 1997: 44).
Por outro lado, de nada adianta uma Lei de Gestão Democrática do Ensino Público que
"concede autonomia" pedagógica, administrativa e financeira às escolas, se os professores não
sabem o significado político da autonomia, a qual não é dádiva, mas sim uma construção contínua,
individual e coletiva. A questão da autonomia na Lei 9.394/96 – LDB, como sendo parte do
trabalho da escola, que são orientados por cinco eixos (flexibilidade, autonomia, responsabilidade,
planejamento e participação), que devem ser observados na construção do projeto político-
pedagógico da escola, sendo que a autonomia se fará na prática cotidiana da escola (VIEIRA,
1998: 56).
A escola autônoma, não é uma escola sem regra ou sem controle do Estado, a escola
autônoma que deseja caminhar para se tornar uma escola cidadã, necessita compreender que a sua
autonomia se limita a estabelecer as regras pelas quais ela será gerida, de forma democrática, com
a participação de todos os atores envolvidos em suas ações educacionais, porém, essas regras
estarão sujeitas a uma lei maior, que em primeiro lugar é a Constituição Federal e a LDB vigente,
além das normas do Conselho Nacional de Educação – CNE e do Conselho Estadual de Educação
– CEE de seu Estado.
Para Kant a elaboração de uma Constituição Civil perfeita deverá se realizar por meio do
direito para que possa ser garantida a cidadania e a realização moral da espécie humana. Que as
leis ditadas pelo direito concordem subjetivamente com as disposições internas de forma que as
leis externas possam ser acatadas por todos. A liberdade deve, pois, realizar-se na moralidade e na
legalidade, já que agir de acordo com o direito é uma exigência da ética; a ação externa da
liberdade deve ser efeito da adoção da máxima moral.
A primeira formulação sistemática do conceito de autonomia, aplicado ao indivíduo, deve-
se a Kant, para quem o sujeito moral em questão é a pessoa, isto é, o indivíduo racional e livre, e é
68
por isso que a ética kantiana será conhecida como "racionalismo ético". Em Fundamentação da
Metafísica dos Costumes (1993), Kant afirma que a lei moral autônoma é aquela que tem na
"vontade boa" (das gute Wille) seu fundamento e legitimidade, sendo o único princípio
fundamental (Kant utiliza o termo "supremo") da moralidade e, portanto, garantia da personalidade
moral. Ela se contrapõe a heteronomia que é, propriamente, ausência de moralidade, pois estaria
embasada na "vontade má" (das böse Wille) e na irracionalidade.
De fato, Kant considera que o homem se situa em três dimensões diferentes, mas
relacionadas hierarquicamente. Enquanto ser vivo pertence ao reino animal e tem disposição para a
animalidade, enquanto ser vivo e racional, possui disposição para a humanidade e, finalmente,
enquanto ser racional, autônomo, livre e responsável, possui disposição para a personalidade.
Enquanto ser vivo é animal como outro qualquer. Enquanto ser vivo e racional é homem e a
racionalidade distingue-o do animal. Enquanto ser vivo, mas racional e livre e responsável é
pessoa, torna-se pessoa pelo próprio exercício da sua liberdade. De animal a homem e de homem a
pessoa - eis os passos a percorrer para autenticamente ser homem. Ser autenticamente homem é ser
pessoa. E ser pessoa é ser capaz de se determinar a si mesmo, ser autônomo e livre, respeitando e
obedecendo à lei moral que ele próprio, porque autônomo e livre, criou. Enfim, ser pessoa é ser
moral.
Determinemos um pouco mais a concepção kantiana de autonomia, fundamental à sua
filosofia prática, e, por conseguinte à sua Metafísica dos Costumes. A questão da autonomia é aqui
fundamental, pois ela evidencia a devida relação existente entre a liberdade e a lei. Não só, com o
conceito de “autonomia”, Kant pretendeu solucionar o problema subjacente entre liberdade e lei.
No Primeiro Artigo Definitivo para Paz Perpétua (1795), Kant propõe a república mundial
(Weltrepublik),fundada na cidadania mundial. Kant coloca a constituição republicana como a única
em consonância com o princípio de liberdade, com o princípio de todos obedecerem uma
legislação comum, e com a lei da igualdade dos súditos enquanto cidadãos, imaginou o futuro da
humanidade apoiado numa Sociedade das Nações formada por um confederação de repúblicas
espalhadas por toda a terra e unidas pelo comércio.
69
3.2 A questão da moral em Kant -autonomia
O conceito de “autonomia”, fundamental à ética kantiana, (CASSIRER, 1948: 287):
consiste na vinculação da razão teórica e da razão moral na medida em que esta tem a consciência
de vincular-se a si mesma mediante as leis que estabelece por si mesma para si mesma. A
autonomia, neste sentido é autocracia, uma vez que a razão por sua livre vontade estabelece para si
as leis que inspiram e regulam seus atos. É exatamente neste sentido que os atos podem
efetivamente se qualificarem como morais (KANT, apud CASSIRER, 1948: 288).
E é por ser determinada objetivamente pela lei moral e subjetivamente por respeito a ela
que a vontade pode se qualificar como autônoma, e neste sentido ser considerada moral (KANT,
Mds,1995: 89).
Deste modo, a lei moral não pode ser considerada negativamente, isto é, no sentido de uma
força coercitiva da vontade e do livre-arbítrio da razão. Ela é considerada, com Kant, como uma
força que inspira e regula, ou mais precisamente determina de modo fundamental (Kant, Mds,
1995: 213) a razão no exercício de sua vontade e liberdade, justamente porque é postulada pela
própria razão. Em outras palavras, antes da razão agir efetivamente (embora, a rigor, cabe ao
arbítrio e não à razão agir), ela postula suas máximas morais que regulam sua própria vontade e
ação. É neste sentido que as máximas morais, enquanto juízos, são a priori.
E é por meio dessas máximas e, em sua forma universal, as leis morais que se evidencia o
poder da razão prática se autodeterminar, mediante sua a percepção transcendental – isto é, a
autoconsciência
5
– e se garante sua objetividade enquanto vontade livre, não porque não sofra
influências sensíveis, no espaço e no tempo,
6
mas porque se autodetermina e se autogoverna pelas
próprias leis universais que estabelece e pelas quais nutre um sentimento (Gefühl) de respeito,
fundamental para garantir semanticamente tais máximas e leis morais como necessárias e, assim
5
Parece-nos que a solução kantiana para a terceira antinomia e neste sentido, com sua filosofia prática, pretender uma
ampliação de sua filosofia transcendental, consistiu basicamente (ainda que talvez não suficientemente) numa
tematização mais detalhada e mais acurada de um elemento já presente na Crítica da Razão Pura que era a da
precedência da autoconsciência, pelo conceito de “apercepção” diante da consciência dos fenômenos, isto é, da
apreensão sensível dos dados da intuição. Não só Kant identificou na apercepção um traço fundamental para a
apreensão sensível dos fenômenos como constatou, na filosofia prática, talvez a partir da Fundamentação da
Metafísica dos Costumes e da Crítica da Razão Prática, a objetividade da autoconsciência – garantindo, assim, um
fundamento objetivo à liberdade, tematizando-a positivamente. Cf. TORRETTI, 280-316; e CASSIRER, p. 287ss.
6
Kant não negligencia, porém a possibilidade de que o sujeito seja afetado por impulsos sensíveis, cf. MdS, p. 213.
Mas o objetivo aqui é exatamente demarcar positivamente a liberdade fugindo dos limites da terceira antinomia
.
70
condicionar o seu arbítrio e agir como livres (CASSIRER, 1948: 291). É exatamente neste sentido
que se pode perceber a força semântica da autonomia como o campo de objetividade próprio da
metafísica dos costumes: ela não consiste apenas na consciência da objetividade da lei moral,
postulada pela razão; mas também em concomitância equivalente a autonomia é o sentimento de
respeito pela lei (onde, inclusive, se garante seu traço sensível).
7
A moral, para Kant, diz respeito às leis que regulam a conduta do ser racional, enquanto
este é livre. O ser racional distingue-se dos demais por não ter sua conduta necessariamente
regulada pelas leis da natureza. Enquanto ser livre, sua conduta é regulada por outro tipo de lei: as
leis da liberdade, que compõem a moral.
As leis da liberdade serão estudadas principalmente em dois momentos da obra de Kant.
Primeiramente, investigar-se-á o fundamento da moralidade, em sua obra intitulada
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, e o estudo das leis da liberdade propriamente ditas
será apresentado na Metafísica dos Costumes. O termo metafísica tem um conceito muito preciso
na obra de Kant que distingue uma parte empírica de qualquer forma de conhecimento e uma parte
não – empírica ou racional. Somente esta segunda pode receber o nome de ‘metafísica’. (...) A
metafísica dos costumes é o estudo das leis que regulam a conduta humana sob um ponto de vista
meramente racional"(Kant, Mds, 1784).
Intuitivamente, já se pode vislumbrar, a partir do exposto, ainda que de maneira
simplificada, a estrutura do sistema moral kantiano. A Fundamentação apresenta o imperativo
categórico como fundamento de todas as leis morais, ou seja, leis da liberdade. A Metafísica
apresenta dois tipos de leis da liberdade: as éticas e as jurídicas. Temos, com isso, uma grande
esfera chamada moral que engloba duas esferas menores, o direito e a ética. Ainda que não
saibamos como se dará a relação entre direito e moral, a partir dos dados analisados podemos
afirmar, pelo menos, que o direito integra o sistema moral.
7
Neste ponto, isto é, na interpretação da relevância fundamental do sentimento de respeito enquanto sensibilidade para
caracterizar a autonomia, Cassirer, Terra e Loparic parecem estar de acordo, ainda que aqueles não falem numa
interpretação semântica da filosofia transcendental kantiana, o que parece ser o traço distintivo do último.
71
3.3 A relação entre autonomia e esclarecimento em Kant
Kant visava mais à realização da autonomia individual uma espécie de emancipação do
indivíduo de crescimento pessoal, os conteúdos kantianos são retirados dos próprios sujeitos
(alunos).
No tempo de Kant a freqüência à escola era absolutamente irregular somada a total
ausência de estabelecimento de ensino, além disso, a própria idéia da valorização da infância era
desconhecida. A invenção da infância é um fenômeno relativamente recente; a criança era
compreendida como um adulto em miniatura na medida em que ela era submetida a um processo
de adestramento pelo adulto. Não existia ainda uma pedagogia da criança, apenas do adulto. Daí a
importância da obra de Rousseau, na qual Kant muito se inspirou. É a partir de século XVIII que a
criança deixa de ser um adulto em miniatura e passa a ser valorizada como criança, como um ser
que possui sua maneira própria de pensar, sentir, agir e ser.
Pelo fato de valorizar a experiência da criança, a pedagogia de Kant passou a ser
considerada uma espécie de empirismo lógico. Esta expressão justifica porque ele entende que o
ser humano é livre; isto significa dizer que ele não pode ser compreendido como as coisas são os
objetos de ciência ou os animais em geral, mas ele precisa ser compreendido como objeto de
conhecimento da ordem da razão prática. Quer dizer, como afirma KANT (2004:11):
“O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se
o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução.
Conseqüentemente, o homem é infante, educando e discípulo. (...) os animais,
portanto, não precisam ser cuidados, no máximo precisam ser alimentados,
aquecidos, guiados e protegidos de algum modo.”
A formação do ser humano passa necessariamente, na concepção kantiana, pela disciplina e
pela instrução; a disciplina impede ao homem de desviar-se do seu destino, tira-o de sua
selvageria, transforma a animalidade em humanidade, cumpre, neste sentido, uma função negativa
(de punição): “No homem, a brutalidade requer polimento por causa de sua inclinação à liberdade;
o animal bruto, pelo contrário, isto não é necessário, por causa de seu instinto”, (Ibid:14).
Ao contrário da disciplina, a instrução é a parte positiva da educação; está intimamente
ligada à razão, à capacidade de apreensão e perfectibilidade, características que são intrínsecas à
sua natureza: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem, senão pela educação. Ele é
72
aquilo que a educação faz dele. Nota-se que ele só pode receber esta educação de outro homem, os
quais a receberam igualmente de outros”, (Ibid: 15). Portanto, a disciplina e a instrução constituem
para a pedagogia kantiana duas pré-condições da educação do ser humano e a educação por sua
vez depende do conhecimento e da experiência.
Entretanto, o princípio fundamental da pedagogia kantiana está relacionado à palavra
Aufklärung que significa esclarecimento: sair das trevas. Esclarecimento que é dado pelas luzes da
razão e que possibilita ao indivíduo abandonar a ignorância e permite sua ascensão a um nível
superior de cultura, educação e formação. A Aufklärung aplicada à educação tinha como proposta
a noção de perfectibilidade do ser humano. Todo ser humano tanto do ponto de vista da ontogênese
(ser) como do ponto de vista da filogênese (espécie) caminha para um aperfeiçoamento contínuo.
O ser humano se aperfeiçoa continuamente, basicamente por duas razões: primeiro porque ele é
um ser vivo, segundo porque é um ser inacabado, é um ser que está em projeto. Esta incompletude
deve-se, em parte, à sua condição de ser livre; se ele não fosse livre, ele não poderia escolher
outras alternativas capazes de mudar sua posição. Ele estaria determinado a ser o que ele é. Assim
como a idéia de esclarecimento em Kant está ligada à autonomia, a idéia de perfectibilidade só
pode estar ligada à liberdade.
Que, porém um público se esclareça ['Aufkäreg'] a si mesmo é perfeitamente possível;
Mais que isso, se lhe for dada à liberdade, é quase inevitável. Pois encontrar-se-
ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores
estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido a si mesmos o jugo
da maioridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do
próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. (...) Para
este esclarecimento ['Aufklärung'], porém nada mais se exige senão liberdade. E
a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de
fazer um uso público de sua razão em todas as questões (KANT, 1974:102-4
).
A incompletude do ser humano não se vincula a um pressuposto psicológico, sociológico
ou religioso, mas ocorre em função de uma qualidade moral e metafísica, essencialmente humana,
que é sua liberdade. A condição de ser livre possibilita ao ser humano a busca de perfectibilidade.
Não é por acaso que um dos silogismos kantianos mais conhecidos afirma que se o homem é livre,
logo ele pode se aperfeiçoar. Kant, assim como Rousseau, é extremamente otimista, racionalista e
intui que o ser humano caminha para o melhor - para a perfeição -, mas ele precisa ser educado.
73
Portanto, a teoria da Aufkärung que ele propõe, tem ao menos três elementos centrais, quais sejam:
a autonomia do pensamento - livre pensar -, o aperfeiçoamento - perfectibilidade - e a educação -
formação.
Mas o que significa ser esclarecido? A esta pergunta, KANT (1974:100) responde:
Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele
próprio é culpado.É através da razão que o homem chega a sua
maioridade(iluminismo). A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado
dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas
na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.
Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o
lema do esclarecimento [Aufklärung].
Esclarecimento significa ser livre, possuir autonomia, ser senhor de si mesmo por um
processo de uma melhoria moral e cultural. Por que os homens, em geral, gostam de obedecer e
por que eles não alcançaram a maioridade moral e cultural?
Em parte, responde KANT (1974:100), em função da preguiça e da covardia:
“A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos
homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha -
naturalistei maiorennes -, continuem, no entanto de bom grado menores durante
toda a vida”. Mas também os tutores, professores, pois têm grande
responsabilidade sobre o estado de menoridade que atinge os subalternos. Existe,
é claro, uma culpa recíproca entre aquele que é preceptor e aquele que é criança.
De certa forma toda criança tem de ser mandada e gosta disto e todo adulto tem
de mandar e se satisfaz com isto. Trata-se de um pacto medíocre feito entre o
mandante e o mandado. Situação cômoda para ambos, mas principalmente para o
segundo.
Eis então a situação do homem colocada por Kant. Um homem que mesmo depois de ter
sido libertado do controle alheio, há muito tempo pela própria natureza, ainda continua "de boa
vontade, menor em toda a vida",(Kant, Mds,1993: 11). Há que se enfatizar também, que Kant diz
que esta condição tornou-se quase uma espécie de natureza humana, e que muitos homens vivem
de bom grado nesta situação, como se isto os agradasse muito.
74
Poderíamos dizer em geral, que ao tentar responder a pergunta sobre o que é o
Esclarecimento, Kant irá, na verdade exortar a utilização de algo de que fomos naturalmente
dotados: a Razão. Assim, é o uso da razão, que permitirá a ascensão da menoridade para a
maioridade, sendo que é justamente nisto que consiste o Esclarecimento.
E como se dá esta passagem da menoridade para a maioridade? Pelo uso público e privado
da razão responde Kant. E devemos ter em conta que nosso filósofo aponta a liberdade como
condição essencial para que isto aconteça. Cabe aqui uma questão inicial, que procuraremos
responder depois. Se na menoridade o homem está praticamente submisso e escravizado, como
poderá ele chegar ao esclarecimento se não possui liberdade. Parece que este é um paradoxo que se
apresenta inicialmente. Tentaremos respondê-lo depois.
Voltemos agora para o uso público e privado da razão. O uso privado da razão se dá
enquanto alguém está representando uma instituição, e por isso deve encarnar a ideologia do
sistema. Assim, por exemplo, um sacerdote enquanto exerce suas funções não pode querer
contestar a ideologia da instituição que representa, no seu caso particular a Igreja. Caso contrário
teria de renuncia, pois deve transmitir aos fiéis justamente o pensamento da Igreja, e não haveria
como exercer sua função criticando a ideologia que representa no momento.
Já ao fazer uso público da razão, o indivíduo não está mais falando em nome de uma
instituição nem por si mesmo. Mas tão somente em nome da razão universal, "na qualidade de um
erudito, que se dirige por escrito a um público em entendimento genuíno" (Kant, 1794: 11). Sendo
assim tem condições de analisar qualquer ideologia, tendo apenas como parâmetro a razão
universal. E fala a todos os homens capazes de entendê-lo, e mesmo que não atinja a nenhum
homem estará falando para todos os homens, em nome da razão universal. Quanto ao uso público
da razão, Kant afirma que é a mais inofensiva das liberdades, pois não interfere no poder decisório
das instituições.
Utilizando novamente o exemplo de Kant, no caso do clérigo, que está obrigado a ensinar
em conformidade com o símbolo da Igreja, como erudito, "tem plena liberdade e até a missão de
participar ao público todos os seus pensamentos cuidadosamente examinados sobre o que há de
errôneo naquele símbolo"(Ibid: 14). Ao fazer uso da razão (público e privado), o homem consegue
sua emancipação, ou seja, atinge a maioridade.
O conceito kantiano de esclarecimento está diretamente ligado ao conceito de emancipação,
que irá fazer o indivíduo pensar por si mesmo, ao invés de se submeter por autoridade. Devemos
75
ter em conta que Kant viveu numa época onde o homem tentou com todas as forças livrar-se da
autoridade da Igreja e do Absolutismo, e que o iluminismo foi justamente o movimento que se
lançou com mais voracidade contra estas formas de autoritarismo em nome da liberdade. Porém, é
bom deixar claro que em Kant, não houve apenas uma investida da razão contra a autoridade e sim
uma crítica da própria razão e de suas possibilidades de alcançar a verdade. Ou seja, Kant procurou
esclarecer qual era o verdadeiro alcance, o verdadeiro poder da razão.
Voltando agora à questão referente à liberdade exigida por Kant como condição a priori
para o esclarecimento, nos perguntamos: se o esclarecimento é justamente a conquista da
autonomia do pensamento, como podemos exigir a liberdade para atingi-la? Para Kant, a liberdade
é a priori uma potencialidade, cabe justamente ao homem realizá-la. E eis que o esclarecimento é
justamente a possibilidade de realizar-se essa liberdade que está em potência no homem. Kant,
afirma que "Esclarecimento seria o meio através do qual o homem torna fato uma liberdade
potencial”. Bem, esta efetivação da liberdade não deve ser algo imposto, uma exigência a priori,
pois assim o homem seria apenas um instrumento da lei natural. Cabe ao homem realizar sua
própria natureza, sua própria liberdade, "transformando uma possibilidade moral num imperativo
moral".
Quanto à época em que viveu, Kant afirma que não é uma época esclarecida, mas uma
época em esclarecimento. Segundo ele, ainda faltava para que os homens de sua época atingissem
verdadeiramente a verdadeira autonomia para o uso da razão sem o auxílio ou coerção de outrem.
Kant vê progressos em sua época, mas ainda vê muitos homens caídos sob o jugo da autoridade,
principalmente no que se refere à religião. Em seu opúsculo ele afirma que pôs como ponto central
do Iluminismo a saída da menoridade, principalmente em questões de religião, pois em campos da
arte e ciências os governos não tem interesse em exercer tutela sobre os súditos.
Podemos afirmar que Kant concebe o Esclarecimento como a conquista da autonomia no
pensar humano. A confiança na razão que lança luzes sobre toda a obscuridade que cerca o
homem. Esta autonomia do homem, conquistada a partir do uso da razão, do pensar por si próprio,
que irá desenvolver todas as potencialidades humanas, abrindo campo para o progresso da
humanidade. Desta forma, o homem poderá realizar sua liberdade com plenitude, o que
possibilitará sempre um aperfeiçoamento ético do homem.
É por isso que Kant insiste na idéia de que o ensino deve buscar o lema: “pensar por si
mesmo”. Isto quer dizer, julgar questões segundo o exame próprio, segundo a autonomia
76
intelectual e a ousadia moral. Aprender a pensar não significa, portanto, aprender pensamentos
ensinados pelo professor. Para Kant pode-se apenas a aprender a filosofar, exercer o talento da
razão; aprende-se a filosofar pelo exercício e pelo uso que se faz para si mesmo de sua própria
razão. O papel da reflexão ou da razão autônoma não está em treinar a memória e nem a erudição.
Essa asserção kantiana permite leques de inferência, a exemplo da improcedência de se
fazer com que o aluno tenha simplesmente erudição ou que memorize conteúdos. Tais
parcialidades apenas conseguirão torná-lo dependente, pois esta não é a maneira correta de usar a
razão. Quando o professor se deixa levar por este tipo de laisser-aller - ou displicência - tem-se a
indicação de que ele não pensa, não tem coragem de posicionar-se, permanece numa condição de
absoluta menoridade; ele não pesquisa, não estuda e limita-se a passar esquemas prontos o que,
na prática, significa um servilismo. É isto que FREIRE (1975: 98) chama hoje de educação
bancária:
Para o 'educador-bancário', na sua antidialogicidade, a pergunta, obviamente,
não é a propósito do diálogo, que para ele não existe, mas a respeito do
programa sobre o qual dissertará a seus alunos. (...) Para o educador-educando,
dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma
doação ou uma imposição... (...) A educação autêntica, repitamos, não se faz de
'A' para 'B' ou de 'A' sobre 'B', mas de 'A' com 'B', mediatizados pelo mundo.
Mesmo considerando tudo isto, fica ainda uma questão, mais do que isto, um paradoxo:
como aprender a pensar se o aluno não está amparado teoricamente, ou seja, se ele ainda não
possui conhecimentos suficientemente sólidos? Kant não se preocupa com este problema. Para
ele tanto o educando como o educador tem uma disposição natural para aprender é um
pressuposto socrático. Todo ser humano tem naturalmente a mesma pré-condição para ser
autodidata: só se aprende nadar nadando; só se aprende andar andando; pensar, pensando; o
autodidatismo exige esforço, pois como se poderia aprender a andar se não andando?
É necessário ficar atento, de acordo com Kant, pois a prática pedagógica é determinada,
basicamente, por dois métodos. O primeiro é o método do esclarecimento, é quando o professor
interroga sua razão, buscando posicionar-se. O segundo é o método catequético quando ele
interroga apenas a sua memória. O próprio professor tem de fazer uso do esclarecimento, da
prática da reflexão, ou seja, pensar por si, pois se ele treina a memória dos alunos, simplesmente,
o método será catequético, mas se ele se posicionar na razão, o método será dialógico. Kant é um
77
teórico racionalista que acredita na razão, jamais vai pensar que o ser humano é incapaz de
autonomia. Ele acredita no indivíduo do ponto de vista do seu agir prático e de seu conhecimento
teórico-científico. Resumindo, pode-se dizer que para Kant, o ser humano atinge sua maturidade
ou sua maioridade se ele conseguir pensar por si, colocar-se no lugar do outro e pensar de forma
conseqüente.
3.4 Considerações sobre a Educação na visão de Kant
Se a educação não foi tema da reflexão sistemática de Kant, isso de modo algum
significa que para ele este tema não tinha importância. Não admira que o próprio KANT (2004:
20) admitia que “a educação é o maior e mais árduo problema que pode ser proposto aos
homens”.
Nosso objetivo é apresentar e comentar em linhas mais básicas o conteúdo deste escrito,
no intuito em Kant, um conhecimento introdutório e, na medida em que aqui não ofereceremos
uma análise exaustiva das diversas possibilidades e caminhos a que o texto aponta.
Na introdução, a primeira sentença Kant anuncia: “O homem é a única criatura que
precisa ser educada” (2004:11). Kant recorre à comparação do ser humano em relação aos
demais animais e constata que estes precisam basicamente de nutrição, mas não maiores
cuidados, uma vez que seu instinto os capacita desde cedo à sobrevivência.
A educação compreende fundamentalmente dois momentos, a saber, a disciplina (parte
negativa) e a instrução (parte positiva). Diferente dos demais animais, cuja finalidade da
existência está pré-estabelecida pela natureza, o homem deve estabelecer por si mesmo o projeto
de sua existência. Para isso ele não pode abrir mão da racionalidade. Como ele não consegue
fazer isso por conta própria e de modo imediato, torna-se necessária à presença do outro. Deste
modo, uma geração educa a outra no intuito de desenvolver as disposições naturais existentes no
ser humano (ainda sem a marca da moral), em direção ao bem. Estas disposições, entretanto, só
podem ser desenvolvidas em seu pleno sentido no conjunto da espécie humana, jamais no
indivíduo.
Para o filósofo de Königsberg, a educação pode ser entendida sob duas perspectivas
fundamentais: física, ou seja, aquela em que as questões mais importantes são: a formação de
hábitos de higiene, cuidados com a saúde e conservação do corpo; ou prática, isto é, aquela em
78
que a preocupação fundamental é a formação do caráter. Esta última é também designada como
educação moral.
Ainda na introdução Kant enfatiza: “Tornar-se melhor, educar-se e, se é mau, produzir
em si a moralidade: eis o dever do homem” (2004: 19-20). A educação, além disso, deve ser
pensada e estabelecida de um modo cosmopolita de tal forma que o homem seja: a) disciplinado;
b) torne-se culto; c) torne-se prudente ou que adquira civilidade; e d) moralize-se. Podemos
perceber que a aspiração à universalidade, tão afeta a Kant, se faz presente também em sua
concepção de educação, de modo especial quando se refere à perspectiva cosmopolita.
O maior trabalho de Kant sobre a educação é um conjunto de preleções intitulado Sobre a
Pedagogia (Über Pädagogik) editado por um ex-estudante chamado Friedrich Theodor Rink,
inicialmente publicado em 1803, um ano antes da morte de Kant. Nessa época, Kant tem bem
amadurecida a concepção de que a organização social da Alemanha está bastante longe dos
ideais do Esclarecimento, devido ao despotismo político e à falta, no sistema educacional do seu
país, de princípios universais advindos de uma moralidade apriorística e que aplicados no
processo educativo levassem os homens à liberdade e à felicidade.
É, portanto, inserido neste pensamento que Kant lança uma pergunta que até hoje nos faz
pensar: “Como poderíamos tornar os homens felizes, se não os tornamos morais e sábios?”(Ibid:
451). Para que os homens se tornem morais e sábios, e, portanto, felizes, é preciso que sejam
educados e sobre isto, escreveu Kant:
“Com a educação presente, o homem não atinge plenamente a finalidade da
sua existência. Na verdade, quanta diversidade no modo de viver ocorre entre os
homens! Entre eles não pode acontecer uma uniformidade de vida, a não ser que
ajam segundo os mesmos princípios, e seria necessário que esses princípios se
tornassem como que uma segunda natureza para eles. Podemos trabalhar num
esboço de educação mais conveniente e deixar indicações aos pósteros, os quais
poderão pô-las em prática pouco a pouco.”(KANT, 2004: 445)
Poder-se-ia, de modo precipitado, apontar logo a crítica do universalismo intolerante dos
filósofos da Aufklärung a esta passagem de Kant, mas podemos entendê-la dentro do seu ideal de
cosmopolitismo e naquilo que ele próprio reconhece ter aprendido com Rousseau. O próprio Kant
relata o impacto dos Discursos de Rousseau em seu espírito impregnado pelas Luzes:
79
“Colocava no conhecimento a honra da humanidade e menosprezava a plebe ignorante.
Rousseau me abriu os olhos. Aquela superioridade que me cegava se esvaeceu; aprendo a
honrar aos homens; e me consideraria mais inútil que o mais comum dos trabalhadores se
não acreditasse que estas reflexões possam ter um valor para os demais, estabelecendo
um direito para a humanidade” (I.u.cosm.1986: 442)
Escrito sobre a inspiração de Rousseau, entre outras influências, Sobre a Pedagogia não é o
único texto de Kant sobre educação. Também são relevantes as seções de Methodenlehre
(Doutrina do Método) na segunda Crítica e na Metafísica dos Costumes, os dois pequenos ensaios
sobre o Instituto Philanthropinum.
Kant, em um ponto, de fato declara que a pedagogia é “a contrapartida da metafísica dos
costumes” (Mds, 1994: 217), portanto, a teoria educacional de Kant é lida de um modo melhor
como um capítulo dentro do seu projeto maior de ética aplicada, onde “aplicada” significa o estudo
empírico da cultura e da natureza humana para se encontrar aquilo que auxilia e os obstáculos que
existem para a espécie como um todo para levar a cabo os princípios morais a priori.
Isso porque a moralidade para os seres humanos é, na visão de Kant, o resultado pretendido
de um processo educacional extensivo já que “atrás da educação repousa o grande segredo da
perfeição da raça humana” (Ibid: 444). A própria moralidade, ao menos no que concerne aos seres
humanos, deste modo, pressupõe a educação. A moralidade não pode simplesmente ser um
produto causal da educação, mas ela pressupõe a educação como uma pré-condição necessária uma
vez que “por natureza o ser humano não é um ser moral em absoluto” (Ibid: 492).
Kant, em outro texto, explica mais sobre este ponto dizendo que “a idéia da moralidade
pertence à cultura” (Idéia ..1986: 26). “Pertence” talvez seja muito forte aqui, porque a moralidade
na visão de Kant não pode ser simplesmente o resultado causal de qualquer combinação de
processos naturais tais como a educação ou a cultura. A moralidade “pertence” à cultura no sentido
em que ela necessariamente pressupõe o desenvolvimento cultural e pode somente crescer a partir
dele. Mas a moralidade não “pertence” à cultura no sentido em que, em um certo nível de cultura,
alguém necessariamente “vê” a moralidade.
Kant descreve os estágios e divisões da educação em uma variedade de modos diferentes e
por vezes inconsistentes na sua Pädagogik. De início, Kant usa várias palavras diferentes para se
referir a sua área de pesquisa. De longe seu termo favorito é “educação” (Erziehung).
Ocasionalmente, no entanto, “pedagogia” (Pädagogik), “doutrina da educação” (Erziehungslehre)
80
(2004: 455), e “arte da educação” (Erziehungskunst) (Ibid: 446-47) são todas usadas como
substitutas. Todos os quatro termos são usados intercambiados, embora as três últimas
ocasionalmente refiram-se mais à Teoria da Educação e a primeira refira-se mais ao próprio
processo educativo.
O primeiro estágio ou aspecto da educação é o cuidado (Wartung) (Ibid: 441) aqui também, uma
variedade de termos intercambiáveis é empregada para se referir ao que é basicamente o mesmo
processo: “manutenção” (Verpflegung) (Ibid: 441,456), “sustento / auxílio.”
PARTE IV
4.1 EDUCAÇAO E CIDADANIA
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (grifo nosso). Constituição Brasileira –
Art. 205, 1998.
Neste capítulo, procuramos explicitar os motivos da ênfase na temática da educação em
direitos humanos e cidadania, principalmente nas últimas décadas, focalizando as concepções de
educação e de formação do educador, destacando o papel da escola na perspectiva da construção
da cidadania democrática.
4.2 O enfoque na educação para cidadania
Anísio Teixeira (1930) sugere, então, que a escola assuma seu papel formador, que é
formar, o novo homem, um homem adequado ao mundo moderno industrializado rumo ao
progresso.
82
Mas este homem não é o homem meramente disciplinado e automatizado. A
escola deve ser agente da contínua transformação e reconstrução social,
colaboradora da constante reflexão e revisão social frente à dinâmica e
mobilidade de uma sociedade democrática: “o conceito social de educação
significa que, cuide a escola de interesses vocacionais ou interesses especiais de
qualquer sorte, ela não será educativa se não utilizar esses interesses como meios
para a participação em todos os interesses da sociedade... Cultura ou utilitarismo
serão ideais educativos quando constituírem processo para uma plena e generosa
participação na vida social” (TEIXEIRA, 1930,p. 88-89).
Logo, formar o ser social, para Teixeira, é formar o homem democrático, é formar o
cidadão. Para alcançar tal objetivo seria preciso uma educação também democrática. Percebe-se,
então, que a educação escolar para Anísio Teixeira, assim como para Dewey, considera o homem
enquanto cidadão ativo e participativo no seu grupo social, tema que nos remete ao
desenvolvimento da cidadania, por meio da educação.
Tendo como princípio que cidadania é participação do indivíduo nos destinos da sociedade,
na qual o indivíduo exercerá seus direitos e deveres com responsabilidade e consciência social, a
educação é pensada por Anísio Teixeira como processo para formar cidadãos, indivíduos aptos a
viver de forma plena - individual, política e socialmente - no seu grupo social.
Assim como a democracia, a cidadania não nasce espontaneamente numa sociedade, sendo
construída pela tomada de consciência da coletividade. Cidadania implica em direitos e deveres
para com o grupo social. Só será cidadão o indivíduo que compreender-se como agente
participativo e responsável pela sociedade na qual se encontra. A escola é campo fértil para o
exercício da cidadania, uma vez que a escola é uma "micro-sociedade" (Teixeira, 1956: 6) de uma
sociedade mais ampla. Na escola o indivíduo deve ter condições para desenvolver sua capacidade
de convivência em grupo de forma harmônica, se o ambiente escolar for organizado para isto.
Com o processo de redemocratização do país, a educação e cidadania ganham força no
Brasil e na América Latina, nas décadas de 80 e 90, através de experiências no âmbito da educação
formal e informal.
No Brasil, muito se tem falado em educação nesta perspectiva e esta temática tem servido
como “slogan” de campanhas políticas, de programas de governos, programas de instituições não-
governamentais e partidos políticos das mais diferentes tendências.
83
É a partir deste movimento, no conjunto da sociedade, que a educação para a formação da
cidadania tem se constituído em diretriz dos principais documentos legais e orientadores de
políticas públicas do nosso país, a exemplo da Constituição de 1988, conforme destacamos no
início do Capítulo, da Lei de Diretrizes e Bases-LDB-1996, do Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA (Lei Federal 8.069/1990), dos Programas Estaduais e do Programa Nacional de
Direitos Humanos-1996 e das Propostas de Políticas Educacionais.
As experiências sobre essa temática vivenciada nas duas últimas décadas podem ser
agrupadas em três campos, conforme o local de oferta: nas Instituições Governamentais, enquanto
políticas educacionais; no campo das Organizações Não-Governamentais, com projetos
localizados e direcionados, especialmente, para a educação informal e nas instituições de ensino
privado, com experiências pontuais.
Na década de 80 as propostas de educação em direitos humanos e cidadania tiveram início
com os movimentos ligados à igreja através das Comissões Justiça e Paz.
Enquanto propostas de políticas educacionais, estas surgem com as políticas de governos
que buscavam administração democrática. A Secretaria da Educação busca conceber a educação
como um dos principais instrumentos para a formação da cidadania, enquanto diretriz da política
educacional e também busca formas de concretizá-la.
Em instituições de ensino privado, as experiências começaram a ser vivenciadas, embora
muito tímidas. Um dos exemplos localiza-se nas Universidades Católicas do Rio de Janeiro e de
São Paulo com a oferta da disciplina sobre o conteúdo dos direitos humanos nos currículos dos
cursos de Direito.
É na década de 90 que se observa uma ampliação de propostas de políticas governamentais
na escola pública e de projetos em entidades não-governamentais.
Ressaltamos algumas experiências de políticas educacionais que tiveram maior visibilidade
aqui no Estado do RS entre outras: uma lição de cidadania; em Porto Alegre, na Secretaria de
Educação do Município, o Projeto Escola Cidadã, 1993 a 1996, no governo da prefeitura, Tarso
Genro. A experiência de Porto Alegre adquire uma especificidade, uma vez que, embora a mesma
tenha começado a ganhar forma a partir de 1993. Essa administração foi reconduzida para a
terceira gestão, 1997 a 2000, o que certamente permite uma melhor consolidação das políticas.
Neste estudo, embora não tenhamos o objetivo de analisar essas experiências, é possível
destacar pontos comuns entre as mesmas, no que se refere à fundamentação político-ideológica. De
84
um modo geral, elas buscavam: a universalização da educação fundamental e a melhoria da
qualidade da escola pública, enquanto “locus” de construção do conhecimento, de forma a
possibilitar a inserção do indivíduo na sociedade; a valorização do educador; a contribuição para o
fortalecimento da democracia através da gestão democrática e da transparência da coisa pública; o
respeito à diversidade cultural e ao indivíduo enquanto sujeito de direitos.
Em termos de políticas em âmbito nacional, no período de 1995-1997, o Ministério de
Educação e Desporto–MEC coordenou o processo de elaboração dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs. Um dos objetivos dos PCNs é atender ao preceito Constitucional de oferecer
uma proposta de reorientação curricular para a Educação Básica às Secretarias de Educação,
escolas, instituições formadoras de professores, instituições de pesquisa dos diferentes Estados e
Municípios brasileiros.
Um dos eixos norteadores dos PCNs é o fortalecimento da Educação Básica voltada
para a cidadania como uma das formas de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino. A
novidade não é do ponto de vista da teoria, mas do ponto de vista da prática. Por muito tempo se
refletiu, dentro da escola, sobre cidadania. E agora, num ato de coragem, ousadia e compromisso
social, a escola vem tentando, e com relativo sucesso, fazer acontecer à cidadania. Claro que hoje
há possibilidades pedagógicas e curriculares que facilitam e motivam
Esta diretriz visa, também, atender ao que determina a Lei de Diretrizes e Bases – 1996, no
Art. 27: “os conteúdos curriculares da Educação Básica observarão: a difusão de valores
fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e
à ordem democrática”.
Vale a pena ressaltar que os PCNs são, para a escola, a grande ferramenta que possibilita,
com o uso adequado dos temas transversais, romper os limites dos muros da escola, na busca de
oferecer ao educando e ao professor (inclua-se muitas vezes os pais...) a prática da teoria.Um dos
eixos norteadores dos PCNs é o fortalecimento da Educação Básica voltada para a cidadania
como uma das formas de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino.
Nessa direção, os PCNs, também, propõem que as problemáticas sociais em relação à ética,
saúde, meio-ambiente, pluralidade cultural e orientação sexual sejam integralizadas aos conteúdos
curriculares sob a forma de temas transversais.
85
A transversalidade, segundo esses documentos, pressupõe um “tratamento integrado das
áreas e um compromisso com as relações interpessoais e sociais com as questões que estão
envolvidas nos temas” (Ibid: 64).
A proposta de trabalhar com temas mais contemporâneos através do procedimento de
integralização com as áreas de conteúdos curriculares vem ao encontro de um consenso existente
entre as entidades que trabalham com a temática dos direitos humanos e cidadania. O que se tem
definido é que no Ensino Fundamental e Médio essa temática não deve se limitar a uma disciplina,
mas permear os conteúdos daquelas que formam o currículo escolar e deve ser uma diretriz do
projeto político-pedagógico da escola.
No entanto, o processo de elaboração dos PCNs foi objeto de muitas críticas no meio
acadêmico, principalmente por não ter incorporado as diferentes experiências curriculares já
realizadas e as que estavam em curso no país, bem como o conhecimento acumulado nas instâncias
de pesquisa na área de currículo. Além disso, os educadores não tiveram uma participação
orgânica e sistemática durante o processo de sua elaboração.
Os PCNS têm avanços e orientações de trabalho na escola de não encaminhar só no plano
cognitivo, mas também o desenvolvimento de atitudes práticas de exercício e cidadania.
Os dados desta pesquisa pela presente realidade que a escola atual apresenta, mostraram
que, embora os professores do Ensino Fundamental tenham recebido os PCNs diretamente do
MEC, a maioria dos entrevistados afirmaram não ter conhecimento do seu conteúdo e,
conseqüentemente, não faziam uso desse material como referência para a sua prática pedagógica,
o que não tem ocorrido na realidade.
As justificativas por parte de professores podem se dar para tal comportamento por falta
de tempo e a ausência de ações coordenadas pela Secretaria/Escola que os motivassem a estudar os
PCNs. Esses dados nos permitem inferir que o comportamento dos professores, possivelmente, é
uma resposta ao processo de elaboração dos PCNs, o qual eliminou a participação dos principais
atores, pois sabemos que estes são os agentes mediadores entre as políticas educacionais e a sua
efetivação no âmbito da escola, razão pela qual é imprescindível a sua participação na elaboração
das propostas educacionais.
No campo das organizações não-governamentais, o interesse em vivenciar trabalhos nessa
temática foi bastante ampliado, tornando-se impossível mencionar as várias experiências que estão
ocorrendo no Brasil. Um exemplo, nesta linha, é o da Novamérica, com sede no Rio de Janeiro,
86
que desenvolve projetos na linha de capacitação de professores, e, atualmente, possui uma
produção significativa de apoio a trabalhos nesta direção.
Outras experiências estão sendo realizadas pelos Conselhos Estaduais de Defesa dos
Direitos do Homem e do Cidadão, através de ações na área de formação de educadores em direitos
humanos, no campo da educação formal e informal.
As propostas localizadas em instituições de ensino têm se caracterizado, principalmente,
pela oferta de disciplina em Direitos Humanos e Cidadania nos cursos de Direito, iniciadas no
final da década de 80. Nos últimos anos tem havido um movimento de ampliação destes
trabalhos em outros cursos de graduação e de pós-graduação.
Vale destacar a criação na Universidade de São Paulo, em 1997, da Cátedra UNESCO de
Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância. Através da Cátedra, a
Faculdade de Educação vem oferecendo curso regular destinado aos alunos das licenciaturas
diversas. O Departamento de Educação da PUC – Rio de Janeiro- também vivencia experiência
semelhante com a disciplina Educação, Direitos Humanos e Cidadania.
Em relação aos trabalhos na pós-graduação, muitos cursos foram criados em várias
instituições, cursos de Especialização no final dos anos 90, como o das implantaram Núcleos de
Estudos e Pesquisa nesta área.
Este breve levantamento de ações desenvolvidas sobre a temática dos direitos humanos e
cidadania demonstram que há uma tendência de ampliar e concretizar o discurso político-
educacional através de propostas de diferentes instâncias da sociedade brasileira, evidenciando a
importância e a necessidade de maior investimento em pesquisas na área.
Neste contexto, compreendemos que a escola, nos seus diferentes níveis e modalidades,
assumir, hoje, esta formação parece inquestionável, pois, como afirmam Candau et ali
(1995:13), “formar para cidadania e a democracia é um objetivo irrenunciável da escola, e
essa preocupação passa necessariamente pela afirmação teoria-prática dos direitos humanos”.
87
4.3 Fundamentos da educação para a cidadania
Para TEIXEIRA (1956: 10):
Ora, numa sociedade democrática não cabe um homem voltado
exclusivamente para seus próprios interesses, portador de um saber estático. O
homem é um ser social, um ser que desenvolverá suas especificidades
individuais, mas ciente de sua importância e repercussão no âmbito social.
Porém, essa consciência não é inata, ela é construída. Segundo Anísio, a escola
é local propício para a construção desta consciência social. Nela o indivíduo
adquire valores; nela há condições para formar o ser social. “Como a escola
visa formar o homem para o modo de vida democrático, toda ela deve procurar,
desde o início, mostrar que o indivíduo, em si e por si, é somente necessidades
e impotências; que só existe em função dos outros e por causa dos outros; que a
sua ação é sempre uma trans-ação com as coisas e pessoas e que saber é um
conjunto de conceitos e operações destinados a atender àquelas necessidades,
pela manipulação acertada e adequada das coisas e pela cooperação com os
outros no trabalho que, hoje é sempre de grupo, cada um dependendo de todos
e todos dependendo de cada um”.
Ao abordarmos os fundamentos da educação para a cidadania partimos, inicialmente, do
princípio de que a educação é essencial à formação da cidadania democrática, sendo esta entendida
como a concretização dos direitos políticos, civis e sociais que permitem ao indivíduo a inserção
na sociedade.
A educação, nesta perspectiva, deve possibilitá-lo à transposição da marginalidade para a
materialidade da cidadania. Ela é um dos seus atributos, faz parte da sua essência. Não é possível
pensarmos na sua conquista sem educação, embora tenhamos a clareza, também, dos seus limites,
principalmente no mundo globalizado em que os meios de comunicação exercem uma forte
influência na formação dos indivíduos.
A importância da educação nesta direção é confirmada em pesquisas realizadas por Cardia
(1995), ao evidenciarem a relação existente entre o desconhecimento da população sobre seus
direitos e a não-utilização de mecanismos para concretização ou denúncia de violação dos direitos.
Este desconhecimento parte, exatamente, dos grupos que apresentam as condições sociais e
de escolaridade menos favoráveis e têm os direitos mais violados.
88
Segundo Bobbio (1986), esta constatação vem confirmar que a educação para a cidadania é
uma promessa não cumprida, apesar de terem os discursos sobre democracia, nos últimos séculos,
incorporado à idéia de que a única forma de o súdito transformar-se em cidadão é garantir-lhe o
direito à cidadania ativa e a educação para democracia surgiria no exercício da prática
democrática.
Isto mostra que não basta garantir o acesso e permanência do indivíduo na escola; é
imprescindível reavaliar a finalidade da educação, seus objetivos e o papel social da escola, de
forma a poder responder às novas exigências que emergem na sociedade, entre estas as questões
referentes aos direitos humanos e à cidadania.
Educar nesta direção é compreender que direitos humanos e cidadania significam prática de
vida em todas as instâncias de convívio social dos indivíduos: na família, na escola, no trabalho, na
comunidade, na igreja e no conjunto da sociedade. É trabalhar com a formação de hábitos, atitudes
e mudanças de mentalidades, calcada nos valores da solidariedade, da justiça e do respeito ao
outro, em todos os níveis e modalidades de ensino.
Desta forma entendemos, como Benevides (1991), que a formação para a cidadania requer:
1- “a educação para a participação da vida pública, o que implica na tomada de
consciência dos direitos e deveres do cidadão; 2 - a educação para a ética na
política, que consiste na formação através da valorização e do desenvolvimento
das virtudes republicanas e das virtudes democráticas”. [E ainda], que a educação
para a cidadania, assim como sua extensão para os direitos humanos, uma vez
que decorre de uma opção radical pelos valores republicanos e democráticos, tem
como premissa a superação da antiga visão liberal - e “neo-liberal” reformada -
sobre educação e cidadania” (Ibid:8).
Educar para a cidadania tomando-se por base os valores republicanos e democráticos
significa desenvolver conteúdos e práticas no sentido de que:
• quanto aos valores republicanos, entende-se como o respeito às leis legitimadas e
aprovadas pelo povo; respeito ao bem público, ao bem coletivo acima dos interesses privados; a
responsabilidade no exercício do poder nas diferentes instâncias de atuação do indivíduo.
• quanto aos valores democráticos, compreende-se o respeito à igualdade e o repúdio aos
privilégios; a aceitação da vontade da maioria legitimamente formada, com total respeito às
89
minorias e aos direitos humanos (Jornal da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, nº
3, julho, 1998).
Além destes aspectos que devem orientar um projeto de educação voltado para formar a
cidadania, acreditamos que ele pode se efetivar em dois níveis: no sistema educacional – só é
possível através da vontade política dos agentes definidores e formuladores das políticas
educacionais no país – e na adesão dos executores dessas políticas nas diferentes instâncias do
sistema. Na escola e nos espaços educativos informais, é imprescindível a adesão dos atores ao
projeto pedagógico, de forma coletiva, o que requer a participação de todos os sujeitos envolvidos
com o trabalho, nas diferentes etapas de planejamento: elaboração, execução e avaliação.
Nesta compreensão de educação para formação da cidadania democrática, qual é o papel da
escola?
Acreditamos que a escola é um espaço possível para a realização da tarefa de educar nesta
perspectiva. Esta posição é reforçada Silva (1999), ao considerar a escola como o lugar
privilegiado para a educação em direitos humanos, “por que é onde se dá a transmissão cultural e a
formação para a convivência social. Ela se encarrega de transmitir cultura às novas gerações, por
isso, valores e hábitos”.
Esta escola é o que Touraine (1998) denomina de escola democratizante, ou seja, é a que
assume o compromisso de capacitar os indivíduos para serem atores, ensina a respeitar a
liberdade do outro, os direitos individuais, a defesa dos interesses sociais e os valores culturais.
É importante, ainda, que a escola trabalhe com o aluno o respeito à cultura do outro, às
diferenças, em termos de necessidades, opções e características dos sujeitos.
Estas características da escola democratizante são reforçadas por BRAYNER (1995), ao
destacar a necessidade de o aluno adquirir competências em diferentes campos:
90
“No campo lingüístico-argumentativo, capaz de gerar códigos elaborados
necessários a formulações generalizantes e abstracionistas exigidas no circuito da
comunicabilidade inter-subjetiva produtora de verdades consensualmente
válidas, espaço decisivo de geração de palavras e de ação; a competência
propositiva, capaz de gerar táticas e estratégias alternativas e que forçosamente
re-envia a confrontação argumentativa ao espaço público e ao diálogo; a
competência decisória, que exige a visibilidade do outro, em voz e ação; a
competência auto-inquiridora que nos permite interrogar os fundamentos de
nossa própria inserção no mundo, de nossas relações com ele e com os outros”
(
BRAYNER ,1995, p.141-142).
Para o alcance destas competências é importante, como afirmam Vera Candau e outras
(1995), que “a escola seja um espaço onde se formam as crianças e os jovens para serem
construtores ativos da sociedade na qual vivem e exercem sua cidadania”. Essas autoras,
retomando Sime (1991), chamam a atenção no sentido de que esta proposta educativa deve ter
como eixo central a vida cotidiana, vivenciando:
“uma pedagogia da indignação e não da resignação. Não queremos formar seres
insensíveis e sim seres capazes de se indignar, de se escandalizar diante de toda
forma de violência, de humilhação. A atividade educativa deve ser espaço onde
expressamos e partilhamos esta indignação através de sentimentos de rebeldia
pelo que está acontecendo”(SIMEN, 1991, p.110 ).
Um dado importante evidenciado na pesquisa de Cardia (1995) é que os professores, a
igreja e os sindicatos são destacados pela população como os que mais ajudam à efetivação dos
direitos humanos.
“Os professores ajudam a realização dos direitos porque educam a população e
a educação é um instrumento fundamental para a população viver o direito.
Permite vencer duas barreiras do acesso aos direitos: a falta de conhecimento das
leis e dos direitos e de como fazer valer estes direitos” (Ibid: 28).
Estes achados reforçam a necessidade e a importância de a escola assumir o compromisso
de trabalhar a educação de maneira que possa contribuir para a aquisição dos conhecimentos dos
91
direitos, como reivindicá-los e, também, como ampliá-los. Neste projeto, o papel do professor é
fundamental, uma vez que é o agente mediador entre o conhecimento sistematizado historicamente
e o aluno enquanto produtor do saber escolar.
Paiva (1997), reconhece a importância da escola, chama a atenção para o fato de que a
formação da cidadania no interior da escola envolve, necessariamente, um contexto que possibilite
este projeto de escola, e que está condicionado ao modelo de sociedade que se quer
construir, ou seja:
“assegurar os direitos humanos dentro das escolas depende, portanto, do
nível em que a sociedade logra assegurá-los fora da escola. O espaço escolar foi
dessacralizado, tornou-se um espaço como qualquer outro, reflexo em que a
escola se insere e do seu entorno imediato. Defender os direitos humanos na
escola tem hoje, portanto, as mesmas conotações e oferece dificuldades que a sua
defesa encontra na sociedade em geral. Defendê-los universalmente passando
pelas escolas supõe também a disposição de reconstruir a escola pública como
instrumento verdadeiramente democrático de construção de uma sociedade
marcada por uma maior equidade” (PAIVA, p. 5).
Os comentários apresentados pela autora mostram que a escola deve ser vista como uma
instância dentro da engrenagem da sociedade que poderá contribuir para a educação em direitos
humanos e cidadania, mas, ao mesmo tempo, convive com os limites e determinações da própria
sociedade. Acreditamos que nesta contradição das sociedades capitalistas, que limitam os direitos
e, ao mesmo tempo, os asseguram legalmente, podemos encontrar as possibilidades de avançar no
fortalecimento da cidadania democrática.
Neste mesmo sentido, Coutinho (1994) admite que são necessárias e imprescindíveis
algumas condições para a concretização de uma proposta educacional democrática. Em primeiro
lugar: a educação tem que se tornar um direito universal para que todo indivíduo se aproprie da
cultura e do conhecimento produzido pela sociedade, e a escola é o principal “locus” para
apropriação desse conhecimento. Em segundo lugar: assegurar o pluralismo de pensamento e de
idéias para todos, ou seja, a liberdade de expressão e o respeito à diversidade. Em terceiro lugar:
garantir a gestão democrática dos serviços educacionais em todos os níveis e instâncias do ensino,
o que vai exigir da escola um permanente diálogo com a sociedade civil de um modo geral.
92
Para a escola concretizar uma proposta pedagógica nesta perspectiva precisa democratizar
as relações, as estruturas e os materiais, transformando-se em uma “escola democratizante”, no
dizer de Touraine (1996).
Este modelo requer pensar outro formato de trabalho pedagógico, em que os conteúdos
curriculares tenham como eixo norteador a temática dos direitos humanos e da cidadania, e a
prática pedagógica priorize o diálogo, o debate, a participação, problematização e a crítica. O
aluno nest e processo é o agente ativo e produtor do seu conhecimento; o professor, o mediador
entre o aluno e o conhecimento historicamente sistematizado, e a escola, local de exercício
permanente da cidadania.
É importante que a escola, na sua proposta metodológica, considere, conforme propõe Vera
Candau et alii (1995):
“A vida cotidiana como referência da ação educativa. O conhecimento da realidade é o
ponto de partida no sentido de possibilitar ao aluno diferentes estágios, de aprendizagem:
conhecer, compreender a realidade social e apresentar propostas para sua melhoria e
transformação. É na trama diária das relações, emoções, perguntas, conflitos, socialização e
produção do conhecimento que se cria e recria continuamente a nossa existência. Entendemos que
os acontecimentos do cotidiano, propostas e políticas governamentais são conteúdos que devem
fazer parte do currículo escolar. É importante que o aluno perceba as tramas e complexidades em
que são engendradas as políticas públicas e as suas determinações.”
1. A escola enquanto local de exercício permanente da cidadania ativa. Os sujeitos do trabalho
escolar devem ser vistos como os autores e atores do projeto pedagógico nas suas diferentes
etapas: planejamento, elaboração, execução e avaliação.
2. A prática educativa como dialógica, que busca a superação das práticas autoritárias como
condição para a existência da escola democrática.
93
3. O compromisso com uma sociedade que tenha como base a afirmação da dignidade da
pessoa humana. Este compromisso requer a afirmação de valores como a solidariedade, a justiça e
a ética.
Portanto, a escola, ao propor trabalhar nesta direção, precisa abrir as portas para o contato
com a comunidade, no sentido de compreender o contexto local, condição inicial para entender as
relações e determinações mais gerais do conjunto da sociedade. É papel da escola trabalhar as
competências básicas já mencionadas, pelos diversos autores, cumprindo, assim, a sua função
social, que é de garantir a socialização dos conhecimentos básicos à formação do cidadão.
Trabalhar, nesta perspectiva, como afirma Bosi (1988), é vivenciar processos de
sensibilização, percepção e reflexão sobre a temática, o que implica também mudança de
mentalidade, cujo caminho se dá através da formação inicial e continuada dos educadores.
4.4 A formação do professor na possibilidade da construção da cidadania
Primeiramente o discurso oficial inserido na LDB (Titulo VI) dos Profissionais da
Educação-Art.61- deixa claro a formação de profissionais de educação, de modo a atender aos
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do
desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;
II aproveitamento da formação e experiência anteriores em instituições de ensino e outras
atividades.
Ao pensarmos na construção da escola democrática, cuja referência é a educação para a
cidadania, a formação do educador coloca-se como uma exigência, pois sabemos que é necessário
operar uma mudança radical do modelo de formação do educador e, conseqüentemente, da escola.
Essa mudança radical implica repensar a formação do educador nos mesmos parâmetros,
até porque as análises, sobre tal formação nos diferentes níveis e momentos, inicial ou continuada,
têm constatado a má qualidade dos cursos, em termos da sua inadequação aos sistemas públicos de
ensino, além da defasagem de conteúdos e de métodos.
94
Os velhos conceitos e paradigmas até então utilizados como fundamentos dessa formação
não têm sido suficientes para responder às questões que têm permeado e inquietado a sociedade de
um modo geral. O aumento da violência, a deterioração econômica e da qualidade de vida da
maioria da população e a problemática da baixa qualidade dos sistemas educacionais de ensino
emergiram no cenário escolar especialmente nas últimas décadas, decorrentes da inexistência de
políticas sociais mais conseqüentes.
Paiva (1997) chama a atenção para o fato de que a rápida massificação dos sistemas de
educação, acompanhada da urbanização/favelização, trouxe uma nova escola que não tem
correspondido às exigências das sociedades modernas.
No cenário educacional brasileiro, Paiva comenta que a escola pública é hoje freqüentada
por uma população que habitualmente não tinha acesso à escola, até porque a não-garantia desse
direito para toda a população, durante muito tempo, foi vista como uma coisa “normal” e
“legítima”, dentro da concepção liberal do “dote” e da “capacidade individual”, ou seja, os
indivíduos chegavam à escola por mérito e esforço pessoais e, portanto, só estes mereciam ter
acesso à educação. Por outro lado, esta é uma população que vê cotidianamente seus direitos serem
atingidos sob as mais diferentes formas, no conjunto da sociedade, e, inclusive, dentro da própria
escola.
A democratização do acesso à educação ocorreu ao mesmo tempo em que as cidades
cresceram e ampliou-se à violência, o tráfico de drogas, a disputa entre grupos. A escola tornou-se,
também, palco de lutas e de conflitos, como reflexo da problemática vivenciada pela sociedade
como um todo. Nesse cenário, os direitos humanos são cada vez mais desrespeitados. São
inúmeros os exemplos de práticas de violência, verbal e física, que acontecem no interior da
escola, apontados em pesquisas mais recentes. Essas práticas aparecem não só entre os alunos, mas
entre estes e os professores, manifestadas através de insultos, palavrões, ameaças, destruição das
instalações físicas da escola e, de forma simbólica, através de gestos, preconceitos e pelo uso da
avaliação da aprendizagem como instrumento disciplinar.
A escola tradicional deu lugar a uma escola popular de massa, na qual não existe mais lugar
para cumprimento de ritos e regras tradicionais descolados dessas questões. Mas essa
transformação não foi acompanhada de processos de formação e capacitação dos professores de
maneira a habilitá-los para trabalhar com essa nova realidade.
95
Além disso, a formação inicial dos educadores não tem sido, novamente, alimentada por
processos de capacitação contínua e sistemática. O modelo mais comum é a capacitação pontual,
sem seqüência, e acrescenta-se, ainda, que as metodologias usualmente empregadas estão calcadas
nas concepções de ensino enquanto transmissão/repasse de informação e a aprendizagem como
processo passivo de assimilação. A problematização do conhecimento, do confronto teórico-
prático, o debate de idéias e de posições praticamente inexistem nas práticas educacionais e na
formação do educador.
A partir dessas constatações, entendemos que uma proposta de formação do educador que
visa contribuir para a formação da cidadania deve ter como fundamentos os princípios da
democracia, pois acreditamos que a concretização da verdadeira democracia requer dos cidadãos o
conhecimento das causas e processos que determinam as injustiças sociais e, ao mesmo tempo, das
alternativas coletivas para superá-las.
A formação do educador que tem como perspectivas essas questões e, conseqüentemente, a
melhoria da qualidade do ensino deve partir da compreensão da formação cultural do nosso povo
brasileiro, do respeito às diferentes culturas e do entendimento da evolução histórica dos direitos
humanos, da cidadania e da democracia.
O processo de globalização, os avanços tecnológicos e a ampliação dos meios de
comunicação têm contribuído para aumentar as diferenças culturais no conjunto das sociedades,
gerando as sociedades multiculturais. Hoje essas sociedades convivem com uma multiplicidade de
grupos que ganharam força e espaço, de tal forma que as suas reivindicações não são mais vistas
pelo Estado apenas como reivindicações de grupos isolados e dissonantes da sociedade. Este teve
que reconhecer que a sociedade atual não é mais formada pelas categorias mais amplas e
generalizadas, mas se compõe de novas identidades culturais.
Assim, cabe ao Estado reconhecer, de fato, essas novas categorias e à sociedade civil cabe
contribuir para que os novos grupos possam ser gestados de forma a apresentarem as suas
diferenças. Na verdade, esta é a luta pela conquista dos direitos específicos, que, em sua maioria,
têm ficado submersos ao que Boaventura Santos, chama de “universalismo antidiferencialista dos
direitos”.
Este autor comprova em suas pesquisas que tanto o universalismo antidiferencialista que
opera pela descaracterização das diferenças, como o universalismo diferencialista, que opera pela
negação das hierarquias que organizam a multiplicidade das diferenças, só contribuíram para
96
ampliar as desigualdades ao reduzirem a um simplismo as complexas relações entre igualdade e
identidade, e entre igualdade e diferença, pois o universalismo antidiferencialista inferioriza pelo
excesso de semelhanças e o universalismo diferencialista pelo excesso de diferença. Por isso, nem
toda diferença é inferiorizada, desde que respeitada a sua especificidade.
Boaventura Santos chama a atenção para um novo imperativo categórico que deve presidir essa
articulação: temos o direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferiorize; temos o direito a
ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza.
Estes conteúdos devem preparar o educador a viver em uma sociedade cada vez mais
complexa, quer pela problemática da exclusão social e econômica, quer pela extensão e agilidade
de informação que os meios de comunicação oferecem, quer pelos avanços de novos
conhecimentos tecnológicos, aos quais só uma pequena parcela da população brasileira tem acesso,
inclusive pelas diferenças de identidades culturais dos grupos que compõem a sociedade.
No Brasil, o educador não pode deixar de conhecer as causas e conseqüências das constantes
e sistemáticas discriminações e preconceitos contra os pobres, as mulheres, os negros, os índios, os
homossexuais, as quais muito têm contribuído para justificar as permanentes formas de exclusão e
tratamentos desiguais.
O autor Milton Santos (1997) destaca três dados centrais para entender as questões do
preconceito, do racismo e da discriminação:
“o primeiro é a corporalidade, o segundo é a individualidade e o terceiro é a
questão da cidadania. A corporalidade inclui dados objetivos que nos leva a
pensar na localização, a mobilidade e a destreza de cada um de nós, a
individualidade inclui dados subjetivos e permite a partir do bom senso, alcançar
certo grau de exercício de transindividualidade, com a consciência sobre as
pessoas e sobre os outros e a cidadania inclui dados políticos e propósitos
jurídicos. É a consciência de direitos e supõe a consciência dos direitos que
temos e a capacidade de reivindicar”( SANTOS, M. p. 133-134).
O que se almeja, hoje, não só no Brasil, mas nos diferentes países que lutam pela defesa
dos direitos humanos, é o respeito, essencialmente, às diferenças em relação à raça e gênero,
respeitando-se a igualdade de direitos. O movimento das mulheres é um dos exemplos em que as
mesmas querem exercer plenamente seus direitos enquanto iguais e enquanto diferentes.
97
A grande questão que se coloca é como reconhecer essas diferenças e ao mesmo tempo
garantir a igualdade. Algumas propostas têm sido colocadas para que seja possível garantir um
mínimo de inserção das minorias do ponto de vista socioeconômico, e não numérico – negros,
mulheres, idosos, deficientes –, em diferentes cargos e ocupações públicas em nossa sociedade,
como é o caso das “cotas”, enquanto política de “ação afirmativa”, conforme menciona Ruth
Cardoso (1997). Embora essa proposta tenha causado muita polêmica, ela precisa ser vista
enquanto processo transitório, até que a sociedade tenha um maior nível de consciência do respeito
aos direitos dos indivíduos de forma igual para todos.
Essas questões devem fazer parte do conteúdo a ser trabalhado no processo de formação do
educador em direitos humanos e cidadania.
Este embasamento deve possibilitar ao educador momentos de construção de saberes, de
práticas, de hábitos, de atitudes e da conscientização de valores que possam contribuir para a
construção da cidadania democrática.
No entanto, sabemos que desenvolver uma proposta de formação do educador baseada
nestes fundamentos não é tarefa fácil, porque significa trabalhar uma nova cultura de compreensão
de mundo, de sociedade e de indivíduo, a partir do pressuposto da igualdade de direitos para todos.
É, na verdade, criar uma contra-cultura, no sentido de combater práticas discriminatórias,
preconceituosas, de privilégios, de dominação e de desigualdade de acesso aos direitos.
• Visão de formação do educador
Ao focalizarmos a formação do educador nesta perspectiva, torna-se necessário
explicitarmos, a que formação estamos nos referindo. Entendemos que a formação do profissional
da educação está em permanente processo de construção. Ela é engendrada em diferentes
momentos e espaços: o primeiro momento é o da formação inicial, que deve habilitar o
profissional para o exercício da atividade pedagógica em suas múltiplas especificidades, desde a
tarefa docente, diretamente em sala de aula, como as tarefas administrativas e pedagógicas –
direção, orientação/coordenação pedagógica; o segundo momento é a formação, permanente,
contínua, que acontece durante toda a trajetória profissional do educador, e se constitui em
elemento inerente ao trabalho do educador e condição para melhor qualidade de ensino.
A formação é aqui entendida enquanto processo que se dá de forma sistemática e contínua a
partir do confronto da reflexão-ação-reflexão, ou seja, do conhecimento teórico-prático. A
98
formação continuada é a ação sistemática que busca no conhecimento produzido historicamente e
no cotidiano do trabalho escolar o seu conteúdo de reflexão-teorização-instrumentação e
transformação, priorizando as reais necessidades e possibilidades da instituição escolar. É no
encontro da prática pedagógica com o conhecimento teórico que o professor é capaz de apreender
o seu significado, explicitar o real e oferecer ao aluno condições e instrumentos básicos para que o
mesmo possa intervir na realidade social.
Nesta direção, Garrido Pimenta (1999) chama atenção para a necessidade de se pensar a
formação do educador “como um continuum de formação inicial e contínua”, entendendo que “a
formação é auto-formação, uma vez que os professores reelaboram saberes iniciais em confronto
com suas práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares”(Ibid: 29).
Este processo é o que Peter Woods (1995) chama de prática reflexiva, pois requer a formação
do professor criativo, enquanto aquele que possibilita ao aluno a introdução do novo. O ato criativo
traz mudanças, e para que este processo aconteça é importante que o professor esteja sintonizado,
culturalmente, com o contexto sócio-político dos seus alunos e dos seus pais, para que possa
estabelecer relações com o processo de ensino de forma inovadora e motivadora. Isto requer um
constante olhar sobre a sua prática e sobre o resultado do ensino na perspectiva da ação reflexiva.
Antônio Nóvoa (1995) observa que a formação continuada deve possibilitar ao educador:
“a reconstrução de suas identidades, estimulando-o a uma perspectiva crítico-
reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e
que facilite as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação
implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre percursos e
os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também
uma identidade profissional”.
A formação do professor na perspectiva reflexiva deve ser vista como uma “política de
valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das instituições escolares”
(Selma Garrido Pimenta, 1999, p.31), e requer condições favoráveis de trabalho, de salário, de
forma a garantir a participação desse profissional em uma formação contínua.
99
Neste processo de formação, o educador precisa ser considerado como profissional o que
significa assegurar o acesso aos conhecimentos básicos que lhe garantem os direitos na condição
de sujeito e na condição de trabalhador.
PARTE V
5.1 A CONSTRUÇAO DA CIDADANIA NA ESCOLA PUBLICA: O DISCURSO OFICIAL
DAS POLITICAS PUBLICAS DA EDUCAÇAO, EMPREGO EXCLUSÃO
Este capítulo examina rapidamente as principais leis, planos e programas federais que
especificam as diretrizes nacionais das políticas públicas de educação no Brasil.
Entre os documentos privilegiados para análise destacam-se a Constituição Federal
(CF/1988), a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), o Plano Nacional de
Educação (PNE, Lei nº 10.172/01) e as Diretrizes Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental
(Parecer CEB/CNF nº04/98 e resolução CEB/n 02/98), e as Diretrizes Curriculares do Ensino
Fundamental e Médio no Sistema de Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul (Resolução
nº243/99 do Conselho Estadual de Educação), Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Fundamental (PCN/1997), EJA e Ensino Técnico.
Na LDB, Lei 9394/96, o sistema é centralizado no Ministério da Educação (MEC) que tem
a prerrogativa de elaborar a política educacional. O CNE apenas elabora normas, perdendo assim
seu caráter liberativo, definidor da política educacional. Portanto, torna-se órgão cuja participação
é apenas consultiva, não conquistando o caráter co-gestionário que lhe era previsto, ocorre um
alijamento de propostas progressistas de educação na promulgação da lei.
A educação básica tem, por finalidade desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício a
cidadania e fornecer-lhes meios indispensáveis para progredir no
trabalho e em estudos posteriores, LDB, Art 22 ,1996. (DISCURSO
OFICIAL)
101
O desafio que o país enfrenta no momento é o de articular um novo modelo de
desenvolvimento que possa trazer para o conjunto da sociedade brasileira a perspectiva de um
futuro melhor. É preciso dar um salto adiante no sentido de uma administração pública menos
burocrática e mais gerencial, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada
para o controle dos resultados e descentralizada, mais próxima do cidadão, que, numa sociedade
democrática, é quem dá legitimidade às instituições.
O direito à educação desempenha historicamente a função de ponte entre os direitos
políticos e os direitos sociais: o alcance de um nível mínimo de escolarização torna-se um direito-
dever intimamente ligado ao exercício da cidadania política. O Estado deve garantir que todas as
crianças sejam escolarizadas, considerando as exigências e a natureza da cidadania, estimulando o
desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania
genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. O
processo de extensão da cidadania vincula-se assim à dinâmica democrática.
A cidadania se expande e se afirma na sociedade na medida em que os indivíduos adquirem
direitos e ampliam sua participação na criação do próprio Estado. Neste final de século, está
surgindo o direito do cidadão de considerar que o patrimônio público seja efetivamente de todos e
para todos. Esse direito deverá merecer cada vez mais a atenção de políticos, juristas e da
sociedade como um todo.
Os direitos que constituem a cidadania são sempre conquistas, resultado de um processo
histórico no qual indivíduos, grupos e nações lutam para adquiri-los e fazê-los valer. A cidadania,
no entanto, é também uma prática; por isso, sociólogos, antropólogos e educadores salientam a
importância crescente dos movimentos sociais para construção da cidadania pela afirmação dos
direitos sociais.
O Título I da Constituição Federal do Brasil, e lei maior do País, cita como princípios
fundamentais da República Federativa: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Estado e sociedade devem formar uma democracia, um todo indivisível. O Estado, com
competência e limites de atuação definidos na Constituição, tem seu poder de legislar e de
tributar legitimado pelo processo eleitoral. A sociedade manifesta seus anseios e demandas por
canais formais ou informais de contato com as autoridades constituídas. É pelo diálogo
102
democrático entre o Estado e a sociedade que se definem as prioridades a que o governo deve
ater-se para a construção de um país mais próspero e justo.
A leitura combinada da Constituição, da Lei 9394/96 e da Resolução CNE/CEB 1/2000
mostra que tais ordenamentos se mantêm fiéis ao mesmo espírito, de propiciar a educação de
forma justa, democrática e acessível a todos, inclusive àqueles que a ela não tiveram acesso na
idade própria. Trata-se de democratizar o acesso à educação como direito à cidadania.
É evidente que a política educacional, com seus pressupostos e diretrizes, prioriza a
gestão democrática, nº10.576/RS, em articulação com a sociedade e dá realce a esses
pressupostos com a definição do que se denominou de Tônicas da Política Educacional, como
prioridades básicas para esta gestão.
Com a preocupação e o dever de buscar caminhos, formas de intervenção governamental
na escola pública, que pudessem contribuir para superar as dificuldades diagnosticadas e garantir
uma educação de qualidade, a Secretaria de Educação prevê a realização de ações integradas no
conjunto da esfera pública e que tenham como características a continuidade das políticas. Dessa
forma, define as Tônicas da Política Educacional:
Particularmente, com relação ao Estado Brasileiro, a Constituição Federal de 1988 trouxe a
tríplice dimensão do desenvolvimento da pessoa, do preparo para o exercício da cidadania e da
qualificação para o trabalho. O referido documento também aponta a “Educação como direito de
todos” (artigo 205), ampliando assim ainda mais, a importância da mesma, a busca da consolidação da
cidadania para o homem do século XXI.
Propõe que a educação possa atingir dimensão tecnológica, científica e comportamental -
exigindo ainda a esse mesmo trabalhador, a sua capacitação, reflexão critica, o fazer, o criar e educar-
se permanentemente - apesar dos limites impostos pelo processo produtivo.
No campo da Educação existe uma contradição do sistema capitalista, a partir do momento em
que a sociedade determina a ação escolar por um lado mas a escola reage, gerando focos de
divergência e movimentos contrários à manutenção da situação vigente. Nesse sentido MELLO (1985,
p. 36), diz que a escola... “... não é nem redentora dos injustiçados, nem mera reprodutora passiva das
desigualdades sociais, mas sim uma das mediações na qual mudanças sociais em direção à democracia
podem acontecer”.(grifo nosso)
103
O Plano Nacional de Educação (PNE) Lei nº10.172/01é um instrumento da política
educacional que estabelece diretrizes, objetivos e metas para todos os níveis e modalidades de
ensino, para a formação e valorização do magistério e para o financiamento e a gestão da
educação, por um período de dez anos. Sua finalidade é orientar as ações do Poder Público nas
três esferas da administração (União, estados e municípios), o que o torna uma peça-chave no
direcionamento da política educacional do país.
O PNE tem respaldo legal na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), aprovada em dezembro de 1996. A LDB, em sintonia com a
Declaração Mundial de Educação para Todos, determinou a elaboração de um plano nacional de
educação no prazo de um ano, a contar da data da sua publicação. Entretanto, depois de três anos
de tramitação no Congresso Nacional e muito debate com a sociedade civil organizada e
entidades da área educacional, o PNE foi sancionado em janeiro de 2001.
Mesmo assim, o Plano aprovado não contemplou a vontade da sociedade civil organizada,
que também havia elaborado e apresentado uma proposta de plano ao Congresso, que por sua vez
buscou fundir a proposta da sociedade com a do Poder Executivo. O resultado desta fusão foi
denominada pelas entidades da área educacional, que trabalharam ativamente na elaboração do
Plano Nacional da Educação da Sociedade, de “mera carta de intenções” do governo para a área da
educação.
Todos os documentos analisados Constituição Federal (CF/1988), a nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB/1996), o Plano Nacional de Educação (PNE, Lei n. 10.172/01) e as
Diretrizes Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental (Parecer CEB/CNF nº04/98 e Resolução
CEB/nº02/98), e as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e Médio no Sistema de
Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul (Resolução n 243/99 do Conselho Estadual de
Educação), Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN/1997), EJA e Ensino
Técnico, reforçam a idéia de formar e preparar para o exercício da cidadania e para o mercado de
trabalho, perpassam nestes discursos, mas merece destacar o fato da população necessitar o
domínio do conhecimento básico transcrito nestes documentos para atender as exigências do
mercado de trabalho, principalmente no desenvolvimento tecnológico/digital que
conseqüentemente fica excluído.
104
Cabe lembrar que com a aprovação da LDB/1996, tínhamos vigente quatro legislações
educacionais, originadas em períodos distintos da história brasileira - antes e durante a ditadura
militar - que tratavam a educação de forma fragmentada, desconsiderando a idéia de Sistema
Nacional de Educação (SNE). São elas
8
: 4.024/61, 5.540/68, 5692/71 e 7.044/82 (retira a
obrigatoriedade de ensino profissionalizante para o 2° grau).
Conforme discurso nestes documentos: formar o cidadão é dar orientações básicas de
respeito e condição social. A condição social é que faz o cidadão. É conscientizar, e para isso é
fundamental a leitura, a escrita e a compreensão do mundo. Através da educação o aluno vai saber,
conhecer seus direitos, suas obrigações. Esta ênfase é dada na escola, sobre os direitos do aluno,
fundamentados na legislação educacional.
Merece destacar que o aluno cidadão necessita dominar não somente a leitura, o cálculo e a
escrita, mas também poder dominar o conhecimento básico para atender as exigências do
desenvolvimento tecnológico/ as novas formas de produção do mundo de trabalho e a concorrência
as escassas ofertas de trabalho. Isto não vem ocorrendo, onde é nítido o reflexo da exclusão e do
desemprego. A violação do direito a educação produz o cidadão elemento, no dizer de José Murilo
de Carvalho (1995), ou seja, o indivíduo, formado, diferente diante do mundo globalizado, que não
é capaz de decodificar a linguagem da sociedade tecnológica/digital, e, conseqüentemente, fica
excluído.
Merece destaque, também, o fato de o analfabetismo predominar em uma população
economicamente ativa, que necessita dominar o conhecimento básico para atender as exigências do
desenvolvimento tecnológico, as novas formas de produção do mundo do trabalho e a concorrência
às escassas ofertas dos postos de trabalho.
Um outro dado a acrescentar a problemática o analfabetismo é o baixo índice de
escolarização no sistema educacional, pois o número de alunos matriculados, inicialmente não
8
Dermeval Saviani explicita que a "Lei n° 4024/61 está ainda em vigor, modificada, porém, em aspectos substantivos
pela legislação posterior. Com efeito, após o golpe militar de 1964, a necessidade de ajustar a educação à ordem sócio-
política então implantada levou à aprovação, em 28/11/68, da Lei n° 5.540/68, que reformulou a parte da Lei n° 4.024
referente ao ensino superior, o mesmo ocorrendo em 1971 quando foi aprovada, em 11/08, a Lei n° 5.692/71, que
modificou toda a parte da LDB relativa aos ensinos primário e ginasial (1° grau) e colegial (2° grau)." SAVIANI,
Dermeval. Análise do substitutivo ao projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional : texto aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da CD/ com
comentários de Dermeval Saviani ... [et al.]. - São Paulo: Cortez, ANDE, 1990. p. 103.
105
indica que tenham concluído o ensino fundamental, 41% da população adulta tinham menos de 4
anos de estudo e apenas 5.3% dessa população completavam 12 anos de escolaridade.
Esta escolaridade caracteriza uma outra categoria denominada de analfabetos funcionais.
Neste grupo estão incluídos indivíduos que freqüentavam a escola, nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, mas por não terem completado este nível de escolaridade e terem abandonado a
escola, apresentam dificuldades na leitura e escrita. Em geral, são pessoas que não conseguem
compreender um texto simples, como anúncio de jornal, por exemplo.
Metas do Plano Nacional de Educação não são cumpridas
A maior parte das 76 metas estabelecidas para o ensino básico não foi cumprida mais de
quatro anos depois da promulgação do Plano Nacional de Educação (lei 10.172/01). É o que
mostra um relatório produzido pela consultoria legislativa da Câmara de Deputados, a pedido da
Comissão de Educação e Cultura da Câmara.
O PNE tem como principais objetivos elevar a escolaridade da população, melhorar a
qualidade de ensino, reduzir as desigualdades e democratizar a gestão do ensino público. Para
tanto, foram estabelecidas 294 metas, com prazos entre 2001 e 2011.
O ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza (1995-2002), cuja equipe elaborou o
plano, dis-se que as metas eram "perfeitamente exeqüíveis". E acrescentou: "É um plano realista,
tínhamos plena convicção de que poderíamos fazer tudo que está ali".
Já ministro, Tarso Genro, disse que as metas "são utopias necessárias, desejáveis", para as
quais freqüentemente não há "recursos disponíveis".
Das 22 metas para a educação infantil estudadas pelo relatório, apenas uma foi cumprida.
Quatro foram atendidas em parte e nove não foram cumpridas. Não há dados para avaliar as
demais.
106
Entre as não atingidas, está a de estabelecer um programa nacional de formação para que
todos os professores tenham habilitação específica de nível médio --ainda há 16% sem essa
formação.
No ensino fundamental, das 8 metas analisadas, 3 não foram cumpridas, 4 estão em
andamento lento, e não há dados da última.
O PNE previa para 2005 a universalização (100%) do acesso ao ensino fundamental. De
2000 a 2003, cresceu de 94,5% para 97,2% a porcentagem de crianças de 7 a 14 anos na escola, o
que indicava que a meta não seria cumprida. O plano também exigia a redução em 50% da
repetência em cinco anos. Entre 2000 e 2002, a taxa foi de 22,7% para 20,4% --ou seja, queda de
apenas 10,2%. A evasão, que também deveria recuar 50% no mesmo prazo, diminuiu de 26,6%
para 25,9% -isto é, só 2,63%- entre 2000 e 2002.
Dentre as metas para o ensino médio, o relatório examinou 11. Apenas uma está em
andamento. Oito não foram cumpridas e não há dados sobre as duas restantes.
Pelo PNE, até 2003 todos os formandos do ensino fundamental deveriam ter vagas no
médio. Em 2002, quase 28 milhões de alunos concluíram o ensino fundamental, mas em 2003
apenas 9.072.942 se matricularam no nível médio.
Outra meta exigia que se reduzissem em 5% ao ano a repetência e a evasão. De 2002 para
2003, ambos os índices registraram crescimento --a evasão subiu de 12,32% para 12,50% e a
repetência, de 7,44% para 8,23%.
A possibilidade da escola de formar para a cidadania, atualmente, é nítida que é negada de
certa forma, onde produz este cidadão excluído que faz parte da maioria da população brasileira.
Há uma distorção do discurso ideal para o real na legislação educacional brasileira
A análise dessas políticas educacionais mencionadas acima, permite avaliar como elas
podem facilitar ou dificultar a aquisição de padrões democráticos para a formação da cidadania,
uma vez que a política educacional não tem um papel neutro.
107
A escola pública propõe-se a trabalhar em busca de uma proposta democrática de modo
contribuir para a formação da cidadania, dos seus sujeitos construtores do projeto da sociedade,
seguindo a legislação educacional vigente. A escola não pode perder de vista as necessidades do
mundo moderno, carece as políticas públicas formuladoras da legislação educacional, questionar a
atual conjuntura do contexto educacional para a cidadania moderna.
Assim, a adentrarmos no processo de formulação das leis educacionais, questiona-se d os órgãos
governamentais maiores investimentos na área educacional, no que tange as novas tecnologias que
não imperam na prática educativa, mas sim nos discursos da legislação educacional atual.
5.2 Educação para todos: um direito constitucionalmente garantido
O tipo de organização política e econômica de um Estado é um aspeto que,
primordialmente, define e limita seu papel perante as políticas públicas
9
, que, no entender de
Rossetti, são compostas por um conjunto interrelacionado de ações que abrangem a “Política de
Defesa Nacional”, a “Política Econômica”, a “Política Exterior” e a “Política Social”. (Rossetti,
1989, In Santos, 1997a: 13)
A delimitação das ações que compõem cada uma destas frentes não é uma questão
facilmente resolvida, pois as relações que se estabelecem entre as mesmas ultrapassam os limites
impostos por definições de caráter meramente formal. Nesse sentido, por exemplo, Vieira
considera que:
Formando um todo, a política econômica e a política social apenas formalmente
se distinguem e às vezes dão a enganosa impressão de que se tratam de coisas
muito diferentes. Não se pode analisar a política social sem se remeter à questão
do desenvolvimento econômico, ou seja, à transformação quantitativa e
qualitativa das relações econômicas, decorrente de processo de acumulação
particular de capital. O contrário também precisa ser observado: não se pode
examinar a política econômica sem se deter na política social. (Vieira, 1992: 21)
9
Segundo Santos (1997a: 13), deve-se entender a política pública como a ação desempenhada pelo Estado, através de
seus inúmeros agentes e nas três esferas de governo (Federal, Estadual e Municipal).
108
A partir dessa compreensão, esse mesmo autor considera que na história do capitalismo,
as questões relacionadas com a política social irrompem com o aparecimento do movimento
operário, em especial no século XIX . (Vieira, 1992:22) Deste modo, as orientações da política
econômica e social fixadas pelos governos, que definem e sustentam suas propostas, emergem
como resultado dos enfrentamentos políticos entre as diferentes classes sociais que defendem
interesses e objetivos distintos e, muitas vezes, antagônicos. Esse mesmo autor complementa:
.. quando se toca em política econômica, política social, política educacional,
política habitacional, política de saúde, política previdenciária, e em outras
análogas, está -se mencionando uma estratégia de governo que normalmente se
compõe de planos, de projetos, de programas e de documentos variados.
(Vieira, 1992: 20)
Para Demo, a política social pode ser contextualizada de partida, do ponto de vista do
Estado, como proposta planejada de enfrentamento das desigualdades sociais. (Demo, 1996: 14)
. Quanto ao Brasil, há muitos desafios para serem transpostos, há muito o que conquistar para
que a justiça e a solidariedade imperem como valores sociais supremos e o princípio da
igualdade, tão conclamado em nossas leis, seja garantido para todos. Nessa direção, no âmbito da
política educacional, há que se conquistar e exigir, de nossos governantes, o constante
compromisso de investir no sentido de pôr fim à desigualdade quanto ao acesso e permanência
na escola e, conseqüentemente, melhorar a qualidade do ensino.
Quando o discurso e as propostas políticas, em âmbito nacional, assumem como meta
garantir educação para todos, há que se considerar que os alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais e, dentre estes, particularmente, os portadores de deficiência, ainda se
deparam com tratamento desigual, que se legitima ora pela ausência de recursos especiais que
lhes permitam estar e ficar no sistema escolar, ora pela indevida exclusão desse segmento da
população do ensino comum.
Há várias explicações para tais atitudes, mas, certamente, à organização e ao
funcionamento das escolas deve ser remetida parcela de responsabilidade. Sobre o exposto,
Mantoan se pronuncia da seguinte maneira:
109
“A escola elementar espera que os alunos que nela adentram estejam em
condições de realizar trocas intelectuais simbólicas. Sua expectativa não é
improcedente, porque para atingir os objetivos a que se propõe é
imprescindível tal condição. Ela não pode desviar -se de sua vocação
fundamental mas, nem por isso, relegar ao abandono ou mesmo desconhecer as
necessidades daqueles que não estão preparados para freqüentá-la a contento”.
(Mantoan, 1997: 30-31)
A escola, ao ser planejada para atender a todos os alunos da mesma maneira, deixa de
considerar suas características individuais e, portanto, trata -os desigualmente. Recorrendo a
Gortázar, podemos encontrar as seguintes considerações sobre o exposto:
Somente a certeza de que a igualdade educacional não pode ser obtida,
oferecendo -se o mesmo a todos os alunos, senão a cada um deles aquilo que
necessitem, tornará possível a integração escolar das crianças com deficiências.
A igualdade entendida como diversidade, como desenvolvimento das
potencialidades educacionais através de uma oferta múltipla, pressupõe uma
escolha decidida de integração escolar. (Gortázar, 1995: 324)
Atendimento educacional direito do aluno dever do estado. Reafirmando a presença de
garantias legais e responsabilidades das esferas públicas em manter e desenvolver a educação
escolar brasileira e, mais especificamente, serviços e auxílios educacionais, Mazzotta considera
que:
... a partir da Constituição Federal de 1988 e das Constituições Estaduais de
1989, tal responsabilidade tem sido mais largamente assumida e cumprida pelos
municípios. Tal ocorrência se deve, particularmente, ao que dispõe a primeira nos
Artigos 208 (garantindo, além de outros, “atendime nto educacional,
preferencialmente na rede regular de ensino”) e 211 (Parágrafo 2º: “Os
municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental”), e as segundas,
reiterando tais dispositivos federais (no . (Mazzotta, 1996: 186)
Considerando o exposto, outro fator que assume destaque nessa Constituição é seu caráter
descentralizador, com tendência municipalista. Pralon e Ferreira destacam um exemplo que
expressa tal tendência:
110
No Artigo 30 estabelece a competência dos municípios e reflete a tendência a
municipalização das políticas públicas. Destacando -se as áreas de educação pré -
primária e ensino fundamental e de saúde – ambas realizadas através de programas
que contam com a cooperação técnica e financeira do Estado e da União. (Pralon e
Ferreira, In: Andrade, 1998: 74-75
)
Também reiterando diretrizes constitucionais, no detalhamento das atribuições das
esferas de governo, essa lei educacional dispõe:
Os Municípios incumbir-se-ão de:
V - oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o
ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis somente quando
estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e
com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição
Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (Brasil. LDB n.º 9.394, art.
11) (Grifo nosso)
Considerando que, historicamente, a maioria dos municípios brasileiros organizou redes
próprias de ensino direcionadas à educação infantil, essas diretrizes apontam para a expansão dos
sistemas municipais de ensino, pois estabelecem responsabilidades relacionadas a outros níveis de
ensino.
São grandes a preocupação e o esforço investidos em mudanças na educação básica
brasileira nas últimas décadas, principalmente no final dos anos de 1980, com a consolidação da
Constituição Federal de 1988, e durante todo o período dos anos de 1990, repleto de reformas
educacionais. Esses fatos tornam o intervalo que vai de 1988 a 2002 um recorte histórico
importante para a análise das legislações e reformas federais na área da educação. Tais documentos
constituem um campo variado de estudos, desde a estrutura curricular, financiamento da educação,
avaliação de desempenho e fluxo escolar, formação docente e também aspectos específicos como
gênero, raça e direitos humanos. Este estudo tratará justamente de um aspecto específico: a
dimensão da incorporação do gênero nas políticas públicas de educação.
A produção de conhecimento sobre o atual desenvolvimento de políticas públicas de
educação pela perspectiva da redução da desigualdades sociais no sistema público de ensino
111
brasileiro é ainda escassa e segue a tendência geral das pesquisas na educação, caracterizadas pela
precária divulgação (Rosemberg, 2001).
Poucas são as investigações que abordam o impacto da discriminação nas políticas públicas
educacionais.
As reflexões sobre o atual desenvolvimento de políticas educacionais e suas conseqüências
para um sistema de ensino que reproduz de alguma maneira a desigualdade não foram ainda
suficientemente desenvolvidas.Nas escolas, as relações de gênero também ganham pouca
relevância entre educadores e educadoras, assim como no conteúdo dos cursos de formação
docente. Ainda temos os olhos pouco treinados para ver as dimensões no dia-a-dia escolar, talvez
pela dificuldade de trazer para o centro das reflexões não apenas as desigualdades entre os sexos,
mas também os significados de gênero subjacentes a essas desigualdades e pouco contemplados
pelas políticas públicas que ordenam o sistema educacional.
Portanto, a proposta aqui inserida é identificar o contexto nacional que colaborou para a
introdução da educação para o exercício da cidadania que consta nas legislações e reformas
federais concernentes à educação e verificar quais os avanços e desafios destas políticas públicas
educacionais com vistas ao campo que elas vêm definindo, o da ampliação dos direitos, tendo a
educação escolar como uma importante dimensão da construção da cidadania.
O que essa ótica de análise pode apontar de novo para a superação de preconceitos e
discriminações? E no mercado de trabalho, como estes novos cidadãos estão sendo preparados
para esta demanda?
Nesta direção, propomos aqui o exame da Constituição Federal (CF/88) e das principais
legislações, planos e parâmetros federais no âmbito da educação brasileira: a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (Lei nº9.394/1996), o Plano Nacional de Educação (Lei nº10.172/2001) e os
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental – PCNs. Sabemos que a análise
desses documentos implica tarefa difícil, dada a extensão, o amplo material já produzido sobre eles
e a impossibilidade prática de levantar e examinar decretos e resoluções que os complementam.
Assim, não pretendemos produzir uma reflexão exaustiva desses documentos.Optamos por
um recorte menos abrangente, procurando evidenciar as contribuições e contradições que o
conceito pode adicionar ao exame de algumas das principais legislações federais e reformas
relativas ao campo das políticas públicas de educação.
112
5.3 O contexto da formulação das políticas públicas educacionais no Brasil
A Constituição Federal, a LDB/1996, o PNE/2001 e os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental são documentos datados, frutos de determinados
momentos históricos e, por isso, expressam valores e costumes da sociedade ou, mais
especificamente, de um segmento social e cultural dominante.
O desafio de compreender a lógica do conteúdo do gênero nesses documentos exige dois
movimentos analíticos: um deles, voltado para o exame dos referidos documentos na perspectiva
dos direitos e da construção da cidadania, não necessariamente da referência explícita à
expressão cidadania; o outro, dirigido à idéia abstrata de cidadania contida nos documentos, mas
tomando a normatização neles prevista como expressão não só da permanência de costumes e
formas de controle de um determinado momento histórico, mas também de propósitos que
procuram dar novos significados à prática social. Em ambos os movimentos, a análise foi
orientada pela perspectiva teórica de gênero visando apontar possíveis decorrências do marco
normativo no acirramento e/ou na minimização das desigualdades de gênero na educação pública
brasileira.
O ponto de partida para a análise da legislação que fundamenta as principais políticas
educacionais no Brasil – seja da perspectiva da nova cidadania (moderna) – "Temos que
construir e reconstruir uma linguagem que possa corresponder ao nosso projeto de reconstrução
do mundo" (Armand Mattelard).
5.4 Nova cidadania - um conceito pós-moderno para educação
O contexto histórico pós-moderno (ou, a condição pós-moderna) caracteriza-se por
profundos desenvolvimentos e transformações que estão acontecendo no campo tecnológico, na
produção econômica, na cultura, nas formas de sociabilidade, na vida política e na vida
cotidiana. Nesta nova realidade social é necessário apropriar-se de novos conceitos e categorias
que se tornaram imprescindíveis para compreensão das atuais configurações e seus movimentos,
e para tomadas de decisão.
113
Dos inúmeros conceitos que surgiram com a pós-modernidade, é preciso salientar aqui o
de nova cidadania. Bastante evidenciado nos trabalhados das sociólogas Annick Madec e Numa
Murard sobre políticas sociais e classes populares, quer dizer, em síntese, que a livre participação
dos indivíduos é ponto constitutivo por excelência, da cidadania.
A nova cidadania está se consolidando cada vez mais devido a inúmeras questões
advindas de uma ordem e influências globalizantes e pós-tradicionais. Entre elas destaca-se:
novos desafios econômicos, sóciopolíticos e tecnológicos, os problemas a eles associados e as
indefinições que cercam as suas soluções (exemplo recorrente nas obras de Giddens, os riscos de
grande conseqüência, os quais à medida em que começarem a exigir soluções, não teremos
conhecimento de seus possíveis resultados); a insuficiência dos partidos e do Estado tradicional
em lidar com estes problemas e com situações complexas e diferenciadas que se modificam
rapidamente exigindo mais participação dos atores sociais e sistemas mais democráticos; a
preocupação do Estado com macroquestões (destaca-se aqui suas problemáticas de inserção no
mundo globalizado), deixando de lado problemas mais específicos que precisam ser tratados em
espaços de decisão mais próximos dos indivíduos ( e sob este aspecto torna-se necessário
considerar a afirmação de D.Bell de que "o Estado-nação tornou-se pequeno demais para os
grandes problemas, e grande demais para os pequenos problemas da vida"); o pluralismo (de
todos os tipos) que traz em sua essência o direito de ser diferente; e por fim, a emergência de um
novo tempo espaço tecnológico (o ciberespaço tempo) que altera radicalmente nossas maneiras
de ser, viver, e fazer política no mundo pós-moderno.
A partir disto podemos observar num primeiro momento (da política pós-moderna), que a
nova cidadania está diretamente relacionada aos novos movimentos sociais representados por
inúmeros agentes, como tal é exercida em diversos níveis de espaços articulados, reconstituindo
gradualmente os espaços comunitários e abrindo novas dimensões para inserção dos indivíduos.
Isto é o que a torna mais global e mais participativa, possibilitando aos indivíduos tomarem parte
principal no seu processo de desenvolvimento.
Com a abertura de novas possibilidades de participação para grupos antes excluídos, a
nova cidadania habilita novos aspectos da vida social para se tornarem parte do processo
político, reconfigurando as formas de ação e o campo da política. Sob a ótica dos novos
movimentos, de um lado, as condições de vida cotidiana e reais são o ponto de partida para o
exercício da nova cidadania, a qual busca instituir novos direitos e solucionar os problemas
114
específicos de forma autônoma; de outro, a nova cidadania é um processo contínuo de
emancipação através de conquistas, relacionando-se estreitamente com o pensamento de P.Demo
que "participação é conquista".
Num segundo momento ( sob uma ótica hiper-pós-moderna ao invés de pós-pós-
moderna), mas não desvinculado do primeiro, o conceito e o reconhecimento do exercício de
uma nova cidadania atrelou-se às novas tecnologias de comunicação e informação. Sob esta ótica
a nova cidadania é gerada pela interatividade (no ciberespaço tempo todas as autoridades e
"auras" são postas em xeque), pela garantia de expressão para todos e pela transcendência virtual
dos aspectos territoriais e culturais locais.
Destaca-se aqui o impacto político da Internet, que ao descentralizar os sistemas de
comunicação fez do novo cidadão não somente um consumidor, mas igualmente um produtor de
informação e controlador do seu meio de comunicação, ao contrário das tecnologias "tradicionais"
que por natureza são excludentes, no sentido de que poucos produzem a informação, e a maioria
consome passivamente.
Já no que se refere a questão da esfera pública (central em qualquer conceito de cidadania),
é no ciberespaço tempo que a nova cidadania é exercida, e por isto o termo "público", e todo o
entendimento tradicional de participação, ação política e democracia devem ser desconstruídos.
Para que estas questões e o exercício da nova cidadania não continuem sendo privilégio de uma
minoria, a hiper-pós-modernidade coloca como desafio a conquista da inclusão digital.
Não obstante não explicitarem o termo, vários outros teóricos já trabalharam/trabalham
com este novo enfoque de cidadania, dos quais destaca-se: C.Castoriadis (o qual sempre se
preocupou com a relação entre participação - "na vida pública e nos negócios comuns, tanto quanto
os outros"-, autonomia e cidadania, e também teceu várias críticas tanto à política tradicional -
dimensão do poder explícito, voltada para a heteronomia dos indivíduos - como a fragmentação
entre os novos movimentos sociais); E.Laclau e C.Mouffe (estes, analisam a pós-modernidade
como um contexto propício para o desenvolvimento de uma nova política caracterização pela
ação/reação de novos agentes políticos em substituição às classes da política tradicional); A.Heller,
e A.Giddens (ambos na linha de Laclau e Mouffe, sendo a "política de contexto" (Heller) e
a"política geradora" (Giddens) caminhos do exercício pleno da nova cidadania . Já no que diz
respeito à nova cidadania no ciberespaçotempo, P.Lévy não somente tem analisado as inúmeras
115
possibilidas das novas tecnologias, como também tem desenvolvido vários projetos contra o que
hoje está sendo chamado de info-exclusão.
Como todo o conceito pós-moderno, o de nova cidadania não tem um significado nem
conteúdo rígidos, pois estes são redefinidos nas "especificidades dos contextos e de cada luta
política" (A.Heller). A nova cidadania não se esgota mais no direito de voto e a outros direitos
formais garantidos por via externa (característica da cidadania tradicional, na qual o Estado sempre
foi o mediador por excelência de seu exercício, e sendo esta na verdade uma concepção elitista da
política). Por propiciar a participação dos que antes estavam excluídos da vida política,
reconhecendo novos contextos, formas/possibilidades de participação livres de qualquer
determinismos, podemos reconhecer que a nova cidadania se trata de cidadania ampliada.
A década de 1980 é representativa, na história do Brasil, como o período de abertura
democrática do país. O foco das mudanças que permearam o processo de redemocratização da
sociedade brasileira foi a garantia dos direitos sociais e individuais e o marco definitivo desse
processo, além das eleições diretas para a presidência da República, foi a elaboração da nova
Constituição Federal.
Contudo, na década de 1990, o cenário pautado por demandas e negociações de direitos
sociais sofre uma inflexão e cria-se uma contradição entre os objetivos de melhoria das condições
de vida da população brasileira – previstos na Constituição de 1988 – e a adoção de reformas
políticas de ajuste econômico.
O esforço oficial dessas reformas tem início em 1990, no governo de Fernando Collor de
Mello, passa por uma breve interrupção com o governo de Itamar Franco e é retomado com maior
ênfase nos governos de Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, com a introdução de
reformas neoliberais que viriam a afetar as políticas sociais voltadas para as populações mais
pobres, repercutindo nas políticas públicas de educação. As políticas do governo de Fernando
Henrique Cardoso foram cunhadas como neoliberais por terem indícios de que se apoiavam nos
pressupostos básicos dessa corrente teórica: preconização do esvaziamento das organizações
coletivas e das demandas populares, redução da esfera de responsabilidade do Estado quanto à
oferta de serviços relacionados às políticas públicas sociais (Anderson, 1995; Pereira, Spink,
1999).
Sua lógica foi a de reformar sem aumentar as despesas, procurando adequar o sistema
educacional às orientações e necessidades prioritárias da economia (Silva Jr., Sguissardi, 1999).
116
Essa redefinição de rumos evidencia-se ao se compararem as décadas de 1980 e 1990: uma repleta
de conquistas de direitos sociais, garantidos pela nova Constituição, outra marcada pelas
reorientações políticas sob a ótica neoliberal.
As mudanças na conjuntura política e econômica brasileira, com a introdução de reformas
neoliberais, afetaram as políticas sociais voltadas para as populações mais pobres, justamente no
momento em que diminuem as oportunidades de emprego e de geração de renda, provocando um
quadro repleto de contradições: de um lado, a conquista de direitos sociais com a promulgação da
Constituição Federal de 1988; de outro, reorientações políticas que levaram à restrição dos espaços
e bandeiras públicos e democráticos, a redução de questões políticas a problemas técnicos, sob o
argumento de má gestão, desperdício, falta de formação e inadequação de currículos.
Esta redefinição de rumos evidencia-se ao se compararem as décadas de 1980 e 1990: uma
repleta de conquistas de direitos sociais, garantidos pela nova Constituição, outra marcada pelas
reorientações políticas sob a ótica neoliberal. As mudanças na conjuntura política e econômica
brasileira, com a introdução de reformas neoliberais, afetaram as políticas sociais voltadas para as
populações mais pobres, justamente no momento em que diminuem as oportunidades de emprego
e de geração de renda, provocando um quadro repleto de contradições: de um lado, a conquista de
direitos sociais com a promulgação da Constituição Federal de 1988; de outro, reorientações
políticas que levaram à restrição dos espaços e bandeiras públicos e democráticos, a redução de
questões políticas a
Vera Peroni (2003) assim sintetiza a redefinição das políticas para a educação básica neste
período: a qualidade, antes ligada à gestão democrática ou à formação para a cidadania, passa a ser
enfaticamente associada à reforma e modernização dos sistemas administrativos, à implantação de
programas de avaliação, à compra de material didático, à capacitação dos professores sem um forte
direcionamento de recursos para a recuperação dos salários.
Um exemplo dessas reorientações foi a aprovação da nova LDB em dezembro de 1996,
após oito anos de tramitação no Congresso Nacional, mediante intervenção do governo federal.
Em consonância com a LDB e com o objetivo de estabelecer metas educacionais para as quais
deveriam convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto – MEC –, foram
elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Plano Nacional de Educação. Os primeiros
foram produzidos por equipe instituída pelo próprio MEC, constituindo-se em referência
nacional para a estrutura curricular dos ensinos fundamental e médio de todo o sistema
117
educacional do país. O segundo foi objeto de ampla e longa discussão, já que sofreu um processo
de tramitação no Congresso Nacional semelhante ao da LDB.
A abrangência, o caráter inédito e a grande visibilidade das reformas federais implantadas
no final dos anos de 1990 criaram um campo de discussão envolvendo os contestadores da matriz
ideológico-doutrinária do governo de Fernando Henrique Cardoso. Não cabe aqui um exame
aprofundado desse caráter e de sua marca na atual LDB, no PNE e nos PCNs , o que já foi
realizado por inúmeros autores/as Silva (1994); Gentili (1995); ; Peroni (2003); Oliveira (2000).
Entre eles cabe destacar Altmann (2001); Oliveira (2001); Pinto (2002); Santos (2002); Valente,
Romano (2002).
A análise aqui empreendida considera marca indelével a mencionada contradição entre a
forte reorientação pela ótica neoliberal e a defesa de várias conquistas de direitos sociais com base
na Constituição Federal, mas enfatiza os aspectos das políticas educacionais concernentes à
manutenção e/ou supressão das desigualdades sociais.. Para tanto, faremos uma rápida retomada
desses documentos, enfatizando suas principais características para, em seguida, refletir sobre seu
conteúdo com base na ótica das relações de gênero.
Não se pode falar em inclusão social das minorias no Brasil sem antes entender a
fragilidade da democracia brasileira vinculada a não produção nesse país de uma
cidadania plena. De acordo com Santos, “a cidadania é produto da modernidade
que consiste numa “conquista lenta, dura [...] conceito produzido na Europa,
aperfeiçoado durante séculos e que redundou na produção da democracia e no
estabelecimento de cada individuo como opositor do Estado – cidadão, dotado
pelas leis de um conjunto de direitos inalienáveis” (2000, p. 9).
Diante dessa caracterização de cidadania, o autor expõe que a história brasileira se
“desenvolve a partir da não-existência da cidadania”, posto que é uma sociedade que assegura
privilégios a alguns segmentos sociais. Se a cidadania diz que o indivíduo é, como apresenta
DaMatta, o sujeito das leis universais, por que razão no Brasil não há cidadania plena? DaMatta
responde a essa questão mostrando que o Brasil sofre com um dilema, que é visto pelo autor como
a oscilação entre o “esqueleto nacional feito de leis universais” e o “sistema de relações pessoais”
que apela para o privilégio. O brasileiro, então, navega entre essas “duas unidades sociais básicas”
(2001, p. 97) produzindo o chamado “jeitinho brasileiro”, que é a forma encontrada pelo sujeito da
118
pessoalidade de resolver seus problemas. Assim, o direito ganha o formato de favorecimento.
E foi isso que aconteceu com a educação brasileira nas duas últimas décadas. O Estado
controlou e reformou a Constituição Federal de l988 com a Emenda Constitucional nº 14, que
fundamentou a lei 9424/96 – FUNDEF. Esta lei possibilitou a municipalização do Ensino
Fundamental e delegou `as prefeituras a mercantilização da educação, quando estabelece o número
de aluno x arrecadação. Outro exemplo, foi a promulgação da LDB 9394/96 que derrubou de vez a
expectativa de se criar um Sistema Nacional de Educação, que teria um caráter unificador de
propostas educacionais para a população brasileira considerando, certamente, os fins sociais do
ensino.
Vale lembrar, também, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Estes por sua
vez, são altamente contraditórios e reforçam, segundo Nereide Saviani, a fragmentação do ensino e
formação para ao trabalho:
“As finalidades da educação escolar, portanto, reduzem-se à aprendizagem de
conhecimentos, úteis, imediatamente aplicáveis, tanto nas possíveis atividades
profissionais, quanto na convivência social. Como fica, nesse contexto a
formação integral da personalidade, a formação da cidadania? Ou o cidadão que
se quer formar é aquele submetido ao mercado?” (Saviani, 1999:25)
Por último, sem esgotar os exemplos, pode-se citar o Plano Nacional da Educação, que
após muitas lutas e discussões de intelectuais, professores e entidades membros do Fórum
Nacional em Defesa da Escola Pública, foi elaborado o Plano Nacional de Educação: Proposta
da Sociedade Brasileira” ( I Coned, l996). Nesse caso, mais uma vez, o governo federal atropelou
a proposta oriunda da sociedade civil organizada aprovando seu próprio plano de educação. Esse
plano_ nascido no bojo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 4.024, de
dezembro de 1961, o Conselho de Educação do Distrito Federal, como os Conselhos Estaduais
criados em toda a Federação, rompendo uma inércia de décadas_ materializava os primeiros
propósitos, implícitos na LDB, de descentralização administrativa dos sistemas de ensino do país.
Implantar a lei e praticar o novo estilo de convivência com a União foram tarefas carregadas de
aprendizado, nem sempre sem tensões e sofrimento. Estávamos imersos em uma reforma
educacional, que envolvia administração, inovações curriculares, novos conceitos e novas práticas.
119
Passados dez anos, de novo enfrentamos uma reforma, consubstanciada na Lei nº5.692/71,
que redesenhava o ensino primário e médio, com nova nomenclatura, estrutura e funcionamento do
sistema educacional, fundamentado o novo modelo na filosofia subjacente a uma nova realidade
nacional de caráter social, econômico e político.
As modificações do quadro institucional brasileiro, ocorridas na década dos anos 80,
culminaram com a elaboração de uma nova Constituição, que gerou a mais recente Lei de
Diretrizes e Bases, a de nº 9.394/96. Estamos, novamente, em processo de implantação de novas
práticas inspiradas em conceitos atualizados de gestão, de organização curricular e de práticas
docentes, entre outros tópicos não menos importantes.
Este processo de repensar a educação, ao longo destas três décadas, não deve ser
considerado retardativo do desenvolvimento educacional brasileiro. Ele tem sido uma decorrência
das mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas por que vem passando o mundo e o Brasil,
particularmente, de forma acelerada e às vezes bem radical. Os papéis do Estado mudam quando
mudam as realidades e os problemas, indicando novas soluções, políticas e prioridades e bem
assim novos objetivos.
O sistema educacional brasileiro é considerado por Plank como "complexo" e formado por
um "exército de burocratas". Culpa da pulverização das responsabilidades. Cada estado e
município possui o seu sistema de ensino, que exige uma máquina administrativa para seu
sustento. A Constituição de 1988 e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)
estimularam a municipalização do ensino fundamental. Por conta disso, Plank diz que é impossível
fazer algum tipo de cobrança por causa da "difusão de responsabilidades dentro do sistema". A
divisão entre escolas públicas estaduais e municipais, tem sido, segundo ele, um dos elementos
determinantes da desigualdade.
Mostra que a forte tradição clientelista dos políticos brasileiros tem boicotado o
desenvolvimento de um sistema universal de educação básica, tido hoje como a base de todas as
sociedades desenvolvidas e democráticas. Em síntese é o seguinte: depois de quase 70 anos de
divulgação do famoso Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, redigido por Anísio Teixeira e
outros educadores em 1932, os ideais de uma escola pública, gratuita e de qualidade para todos,
proclamados naquela ocasião, continuam distantes. O novo Plano Nacional de Educação,
120
sancionado com vetos pelo presidente Fernando Henrique no início deste ano, de certa forma,
reitera aqueles mesmos ideais.
5.4 LDB REFLEXÕES E DISCURSO
O programa especial coordenado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação de Mobilização Nacional por uma Nova Educação Básica tem como objetivo
disseminar as novas diretrizes elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação e homologadas
pelo Ministério da Educação, ouvindo diferentes segmentos sociais a respeito do tema, tendo em
vista o aperfeiçoamento das referidas diretrizes, bem como convocar a todos para zelar pela sua
observância e pela implementação de suas propostas.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – Lei Federal n.º9.394/96,
promulgada em 20 de dezembro de 1996, apresenta consideráveis avanços na concepção curricular
da educação básica brasileira. Tais avanços podem colocar o ensino de nossas crianças (ensino
básico, já citado anteriormente) e para jovens e adultos (EJA) em maior sintonia com as
exigências da sociedade da informação e do conhecimento, da inclusão social, da cidadania
participativa e responsável e da economia globalizada.
A LDB foi complementada pela Lei Federal n.º 10.172/2001, promulgada em 9 de janeiro
de 2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação. Essa Lei, que tramitou no Congresso
Nacional desde 1997, definiu as grandes metas a serem atingidas pelo País, no prazo de 10 anos,
em todos os níveis e modalidades de ensino. Uma das atribuições do Conselho Nacional de
Educação, conferidas pela Lei Federal n.º 9.131/95, de 24 de novembro de 1995, é justamente a de
“subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação” (nova redação
do Artigo 7º da Lei Federal n.º 4.024/61, § 1º, Alínea “a”).
Quase um ano antes da promulgação da LDB, fora criado o Conselho Nacional de
Educação – CNE (Lei Federal n.º 9.131/95, de 24 de novembro de 1995). O CNE foi criado como
órgão normativo do estado nacional para a área educacional e de assessoramento do Ministério da
Educação, caracterizado, na LDB, como um órgão da Estrutura Educacional “com funções
normativas e de supervisão e atividade permanente” (Artigo 9º, § 1º), a quem compete, inclusive,
resolver “as questões suscitadas na transição entre o regime anterior e o que se institui”, com a
121
atual LDB (Artigo 90). Entre suas atribuições legais, o CNE deve deliberar sobre a aplicação da
legislação nacional e formular as diretrizes organizacionais e pedagógicas aos sistemas de ensino e
às escolas. Esta responsabilidade relativa às diretrizes curriculares nacionais é compartilhada com
o executivo, a quem cabe homologar as decisões do Conselho sobre a matéria.
Desde a promulgação da LDB, o CNE, por de suas duas câmaras, vem se dedicando à
elaboração das diretrizes curriculares nacionais para os vários níveis e modalidades de educação,
dentro do princípio da flexibilidade contemplado pela LDB. O ano de 1997 foi especialmente
dedicado à discussão da nova Lei, dado o seu caráter inovador, que deveria ser compreendido e
incorporado por todos os que atuam na educação. Nos anos seguintes, o CNE iniciou seus
trabalhos de definição de diretrizes curriculares nacionais. Foram definidas diretrizes para o
ensino fundamental, a educação infantil, o ensino médio, a educação profissional de nível técnico,
a formação de professores na modalidade normal de nível médio, a educação de jovens e adultos,
a educação indígena, a educação especial, a formação inicial de professores em nível superior, a
educação a distância, a educação no campo, a educação profissional de nível tecnológico, os
cursos seqüenciais por campo do saber e os diversos cursos de nível da educação superior.
Esta é uma mudança de ordem cultural muito importante proposta pela atual LDB. Os
Conselhos de Educação não mais definem currículos mínimos por curso, nível ou modalidade de
ensino. O que eles definem, agora, são diretrizes curriculares nacionais destinadas a orientar os
sistemas de ensino e, sobretudo, as escolas, na concepção, elaboração, execução e avaliação de
seus projetos pedagógicos. Países federativos, de dimensões continentais e de grande diversidade
regional como o Brasil, não comportam um currículo nacional obrigatório, na forma de conteúdos
ou disciplinas a serem ensinadas, com cargas horárias nacionalmente definidas. Por esta razão, as
diretrizes, seguindo orientação da atual LDB, não configuram um currículo único ou mínimo,
segundo a concepção tradicional,mas identificam as competências a serem desenvolvidas pelos
alunos, deslocando a ênfase do ensino para a aprendizagem e para o desenvolvimento de
competências, como foco central das normas nacionais.
Ao realizar esse deslocamento, o CNE flexibiliza os conteúdos como meios e busca
unidade e consenso nacional em torno dos resultados da escolarização, em termos de
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem e de constituição de competências.
Reafirma-se, com este movimento nacional de mobilização por uma nova educação básica,
o pacto federativo na área educacional, orientado pelo princípio da cooperação recíproca, em
122
regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A União, pelo
trabalho do Conselho, homologado pelo Ministério da Educação, traça diretrizes amplas e
flexíveis, mas obrigatórias, cumprindo, assim, a incumbência que lhe é atribuída pelo Artigo 8º, §
1º, da LDB. Já os planos curriculares, com conteúdos ou disciplinas específicas e suas respectivas
cargas horárias, métodos de ensino, formas de avaliação, são competência e responsabilidade dos
respectivos sistemas de ensino, no âmbito da união, dos estados, e dos municípios, em especial,
das escolas públicas e privadas, das comunidades educativas, com ênfase na atuação dos docentes
(Artigo 13) e na concepção e execução dos projetos pedagógicos dos estabelecimentos de ensino
(Artigo 12), expressão da autonomia da Escola.
Com isso, é possível garantir a unidade em torno do que os alunos devem aprender, bem
como, a diversidade na escolha dos conteúdos e dos métodos de ensino, de acordo com as
necessidades e características de diferentes regiões e alunados.
O CNE discutiu tudo isso amplamente com os setores diretamente envolvidos na ação
educacional, ao longo da elaboração das diretrizes curriculares nacionais, em inúmeras audiências
públicas regionais e nacionais. Estiveram presentes e ofereceram suas preciosas contribuições: as
associações da área educacional, os gestores de sistemas de ensino público da União, dos Estados
e Distrito Federal e dos Municípios, os representantes do ensino privado, os professores e
educadores em geral. Além das audiências públicas nacionais e regionais, foram realizados
diversos seminários, conferências e diferentes tipos de encontros em todo o país.
Muitas das contribuições colhidas ao longo desses debates foram incorporadas na versão
final dos vários documentos normativos definidores de diretrizes curriculares nacionais.
Na medida de sua homologação pelo Ministro da Educação, essas diretrizes curriculares
nacionais entraram em fase de implementação, sob responsabilidade do executivo federal, estadual
e municipal, conforme o caso, cabendo então ao CNE acompanhar e zelar por sua aplicação, o que
se iniciou nos anos de 98/99 e foi se intensificando nos últimos anos,sempre balizada, também,
pelas determinações e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. É importante destacar,
também, que os três níveis de governo vêm oferecendo o necessário suporte técnico e institucional
para a implementação dessas diretrizes, por meio de recomendações, programas específicos ou
disponibilização de informações técnicas, entre os quais citamos, a título de exemplo, no âmbito
federal:
123
• os Parâmetros ou Referenciais Curriculares Nacionais dos diferentes níveis e modalidades de
ensino;
• os programas “Parâmetros em Ação”, “Como fazer” e outros instrumentos dedicados à educação
continuada de professores da educação básica e da educação profissional;
• os diferentes tipos de avaliação de desempenho dos sistemas, das escolas e dos alunos.
Como é do conhecimento daqueles que trabalham com educação, mudanças dessa ordem não são
imediatas e nem dependem apenas de normas ou de documentos de orientação técnica. Elas
dependem, fundamentalmente, de mudança de cultura, de prática e de hábitos, alguns dos quais
bastante cristalizados no dia a dia da escola. Essas diretrizes curriculares nacionais, na realidade,
somente serão eficazes se obtiverem a efetiva adesão dos professores, no interior das escolas, com
o efetivo apoio dos respectivos sistemas de ensino.
Visto assim, da ótica de seu tempo pedagógico, não de seu tempo legal, o trabalho de
implementar as diretrizes curriculares nacionais está apenas começando. É contínua, mas
gradativa, a disseminação das novas normas curriculares nas escolas do país e sabe-se que esse
processo deverá levar a ajustes, acomodações e aprimoramentos dessas mesmas diretrizes, à luz da
prática dos professores e da colaboração das comunidades escolares e dos vários segmentos da
sociedade.
Por esta razão, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação,
convencida de que seu trabalho de estabelecer diretrizes curriculares nacionais para a educação
básica não estaria concluído sem ouvir os diferentes segmentos da sociedade civil, decidiu fazer
uma ampla consulta à sociedade, bem como aos órgãos gestores do sistema de ensino e aos
docentes com atuação em sala de aula. Essa audiência foi realizada tanto com aqueles que já
foram consultados durante a elaboração das diretrizes, como com aqueles outros setores que,
embora não diretamente atuantes na área da educação, dela dependem para educar os seus filhos,
formar seus trabalhadores, compartilhar suas práticas e produtos culturais, construir seus
processos políticos e institucionais, expandir seus mercados de produção e de consumo, enfim,
consolidar os valores democráticos que a nossa Constituição Federal consagra.
Assim, no momento em que cabe ao executivo, nas três esferas, desencadear o processo de
implementação das novas diretrizes curriculares nacionais, coloca-se outro papel ao CNE: no
exercício de seu dever de acompanhar a aplicação das diretrizes curriculares nacionais, submetê-
las à apreciação de instituições e de pessoas representativas da sociedade brasileira, buscando não
124
apenas disseminá-las, mas aperfeiçoá-las e validá-las. Essa consulta foi feita tomando como ponto
de partida algumas perguntas decisivas, que foram respondidas pelos segmentos consultados, sob
a ótica da sua área de atuação profissional, social ou política:
- “o que se considera indispensável que todos os alunos aprendam ao longo de sua
escolarização no ensino fundamental e médio?”
- “no relacionamento com os concluintes da educação básica, o que se espera em termos de
preparo para a cidadania e o trabalho?”
- “as competências definidas nas diretrizes curriculares nacionais e os objetivos de
aprendizagem sinalizados para a educação básica estão de acordo com as expectativas e demandas
da sociedade brasileira neste início de século?”
- “que críticas, comentários ou contribuições teriam os distintos grupos ou setores sociais
consultados a oferecer, para tornar mais claras, pertinentes, relevantes e adequadas, as
competências definidas para a educação básica e para a educação profissional de nível
técnico?
Consciente de que a melhor qualidade da educação básica brasileira não depende só de
boas normas, mas de sua efetiva aplicação, o CNE, de modo especial sua Câmara de Educação
Básica, está convencido que essa participação pode ajudar a construir consensos
sobre o que ensinar a nossas crianças e jovens; orientar a sociedade sobre o que esperar da
educação básica, informá-la, para estar atenta ao cumprimento dos objetivos da lei e às
orientações normativas dela resultantes; bem como se sentir responsável pelo seu cumprimento,
em todos os sistemas de ensino e em todas as escolas do país, onde estudam seus filhos, seus
trabalhadores, seus atores políticos, culturais e econômicos.
Com esses objetivos, as diretrizes curriculares nacionais para a educação básica foram
submetidas à análise de diferentes segmentos sociais, durante grande parte dos anos de 2001 e
2002, para avaliar se as competências e os objetivos de aprendizagem propostos correspondem às
expectativas e necessidades educacionais da sociedade brasileira, vistas na perspectiva de cada
segmento social.
Nesse sentido, desde 3/10/2001, foram realizadas as seguintes audiências de consulta à
sociedade, analisando as Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para os vários níveis e
modalidades da Educação Básica e da Educação Profissional -LDB 9394/96:
125
Art. 39: A educação profissional, integrada as diferentes formas de educação, trabalho, a
ciência e a tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
Já este discurso insere-se também para a Educação de Jovens e Adultos(EJA):
Art. 37: A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. E diz em seu parágrafo
primeiro que os sistemas e ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderem efetuar seus estudos....condições de trabalho .
Analisando assim a Educação Básica ou na Educação Profissional, técnicas têm o objetivo
de identificar as competências essenciais (conhecimentos, habilidades e valores articuláveis pelo
cidadão para orientar a sua ação) a serem garantidas pela Escola Básica, no âmbito de cada ciência
e da tecnologia , área do conhecimento, em termos de educação para o trabalho e a cidadania e o
pleno desenvolvimento da pessoa humana, com crescente grau de autonomia intelectual.Em todos
discursos oficiais das leis perpassa a idéia de preparação para o exercício da cidadania.
: Dadas às competências definidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica, que conhecimentos, habilidades e valores devem ser trabalhados pelos professores da
Educação Básica e como devem ser trabalhados, no âmbito de sua especialidade, objetivando uma
educação básica para o trabalho e a cidadania e o pleno desenvolvimento da pessoa humana, com
crescente grau de autonomia intelectual?- Há que se trabalhar pela articulação e definição de
pacto federativo em torno de uma nova educação nacional, centrada no compromisso com
resultados de aprendizagem e constituição de competências. (grifo nosso).
A LDB (Lei n. 9.394/1996) que começa a ser debatida após a Constituição de 1988,
passando por oito anos de tramitação no Congresso, revoga todos os textos legais até então em
vigor. Por um lado, revela a conquista dos profissionais da educação e de todos os segmentos
mobilizados nesse processo: entidades e movimentos ligados à educação, e parlamentares eleitos
no início da década de 1990.Por outro, encerra sérias derrotas quanto às demandas desses setores,
pois, em 1996, o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional sofreu intervenção do
governo federal, sob a coordenação do Ministério da Educação, em favor de um projeto
substitutivo elaborado pelo então senador Darcy Ribeiro
10
10
Darcy Ribeiro foi ministro da educação no Governo João Goulart – quando da aprovação da primeira LDB – e
primeiro reitor da Universidade de Brasília; em meados de 1990 exerceu o mandato de senador pelo PDT-RJ,
126
Quanto às diferenças em relação ao projeto de lei debatido desde 1988, há vários recuos,
entre eles, a indefinição quanto ao número de alunos por sala de aula (Art. 25), o que tem
redundado na superlotação das classes e em péssimas condições para o trabalho docente, realidade
distante da meta prevista no projeto original (20 alunos/sala para a educação infantil, 30
alunos/sala para o ensino fundamental e 40 alunos/sala para o ensino médio). A nova LDB também
prevê a garantia de educação de jovens e adultos (Art. 4 o , VIII), mas centrada apenas no ensino
fundamental; após esse nível, resta aos cidadãos somente o supletivo e a educação à distância (Art.
32, § 4º ). Não pressupõe a liberdade de organização e associação de estudantes e, no caso das
condições de trabalho docente, reduz a proposta original de um piso salarial nacional para a
pulverização de diferentes pisos salariais municipais e estaduais (Art. 67, III).
À medida que o desenvolvimento econômico ocorre as sociedades tornam-se mais
complexas, a educação se generaliza, passando a ocorrer um crescente processo de equalização
social e, portanto, de desconcentração da força material e riqueza, e a capacidade de organização
política da sociedade como um todo aumenta. Aos poucos os regimes políticos autocráticos vão
dando lugar a regimes democráticos. Este processo ganha um extraordinário impulso com o
surgimento do capitalismo e da mais-valia capitalista. Neste momento a apropriação do excedente
econômico deixa de ser o resultado do uso da força por meio do controle do Estado e passa a ser o
resultado de uma troca de equivalentes no mercado. Abre-se, então, a possibilidade do surgimento
da democracia moderna.
A cidadania se expande e se afirma na sociedade à medida em que os indivíduos adquirem
direitos e ampliam sua participação na criação do próprio Estado. Neste final de século, está
surgindo o direito do cidadão de considerar que o patrimônio público seja efetivamente de todos e
para todos. Esse direito deverá merecer cada vez mais a atenção de políticos, juristas e da
sociedade como um todo.
Os direitos que constituem a cidadania são sempre conquistas, resultado de um processo
histórico no qual indivíduos, grupos e nações lutam para adquiri-los e fazê-los valer. A cidadania,
no entanto, é também uma prática; por isso, sociólogos, antropólogos e educadores salientam a
quando apresentou ao Senado o Projeto de LDB “Lei da Educação”, subscrito pelos senadores Marco Maciel
(PFL-PE) e Maurício Corrêa (PDT-DF).
127
importância crescente dos movimentos sociais para construção da cidadania pela afirmação dos
direitos sociais.
A leitura combinada da Constituição, da Lei 9394/96 e da Resolução CNE/CEB 1/2000
mostra que tais ordenamentos se mantém fiéis ao mesmo espírito, de propiciar a educação de
forma justa, democrática e acessível a todos, inclusive àqueles que a ela não tiveram acesso na
idade própria. Trata-se de democratizar o acesso à educação como direito à cidadania .
a) Pressupostos básicos
Diante desse quadro de exclusão social de grande parte dos brasileiros, em que os direitos
fundamentais não são garantidos para toda a população, o governo assume o compromisso de
administrar o Estado na condição de representante dos seus interesses. Nesse entendimento,
propõe-se a assegurar os direitos Constitucionais, no que determina o Estado democrático de
Direito.
É com essa compreensão do papel do Estado que a política governamental procurou romper
com a concepção de Estado paternalista e clientelista que sempre permeou as políticas públicas em
Pernambuco. Conforme Silke Weber (1993), essa concepção está presente nos Planos Estaduais de
Educação, nos períodos de 1976 – 1979; 1980 – 1983; 1984 – 1987. No RS, não foi legalmente
oficializado plano de educação , mais segue orientações das políticas educacionais nacional.
Já na LDB sancionada (Lei n°. 9394/96 - Lei Darcy Ribeiro) o sistema é centralizado no Ministério
da Educação (MEC), que tem a prerrogativa de elaborar a política educacional. O CNE apenas
elabora normas, perdendo, assim, o seu caráter deliberativo, definidor da política educacional.
Portanto, torna-se um órgão cuja participação é apenas consultiva, não conquistando o caráter co-
gestionário que lhe era previsto no substitutivo Cid Sabóia. Quanto ao Fórum, este desaparece do
texto da Lei.
Analisando o estilo da gestão Fernando Henrique Cardoso, percebemos que este é a
expressão do que se tem praticado em termos políticos no Brasil, ou seja: o alijamento das
propostas progressistas de educação na promulgação da lei. Quando da tramitação do projeto de
nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - I LDB (Lei nº 4024/61), cujo
debate nos remete aos anos vinte deste século, Cury (1982) assinala que, tanto os "pioneiros da
128
educação" (escola-novistas, liberais, etc) como os "católicos", eram segmentos da própria classe
dirigente que se confrontavam, visando ver consagrada sua proposta educacional de modo
integral na Constituição de 1934.
Analisando a breve existência dessa Constituição (já que Vargas a destituiu com o Estado
Novo), Cury assinala que ela representou, ao mesmo tempo, o momento de conflito e
acomodação entre os elementos da classe dominante. As camadas subalternas foram alijadas
desse processo e assim continuou quando, em 1937, sobreveio o Estado Novo.
Em 1946, a questão da necessidade da definição política de uma Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional foi reativada e os mesmos grupos, católicos e liberais, voltaram à cena. O
primeiro representando, dentro da classe dominante, os interesses privatistas e oligárquicos e o
segundo, os interesses da burguesia liberal, defensora da industrialização e do progresso
concebido nos moldes do pensamento deweyniano: escola pública, gratuita, laica, co-educacional
e diferenciada, segundo as aptidões individuais.
Como ressalta Saviani (1986, p.147), mais uma vez, entretanto, os segmentos dos
trabalhadores organizados em partidos e outras instituições foram alijados do processo,
representando assim, a I LDB, a expressão política da conflituosa ideologia dominante no país, a
qual acabou gerando, no Legislativo, uma conciliação das divergências no texto da Lei.
Essa estratégia de conciliação foi, entretanto, fugaz, pois, logo após a promulgação da Lei,
sobreveio o Regime Militar em 1964, estabelecendo uma ruptura política que procurou dar
continuidade à ordem sócio-econômica internacionalizante, então abalada pelos movimentos
reformistas da sociedade civil. Saviani analisa que a Ditadura reformou a organização escolar
prevista na I LDB no intuito de preservar o sentido social da educação enquanto "mecanismo de
ascensão social, legitimação das diferenças e justificação do s privilégios".
Para entender melhor as causas que levaram o Brasil a adotar essas reformas
educacionais, faz-se necessário analisar as condições históricas em que se deram tais medidas.
129
Na década de 1950 vigorava o modelo econômico de "substituição das importações" ou
constituição do Departamento I da Economia (bens de produção). A industrialização surgiu como
uma bandeira, em torno da qual se uniram as diferentes forças sociais. Industrialismo e
nacionalismo, assim, confundiram-se.
No entanto, no início dos anos 1960, uma contradição veio à tona: o modelo econômico
tornava-se cada vez mais internacionalizado versus a o discurso de uma ideologia política
nacional-desenvolvimentista. Tal contradição, segundo Saviani, é encontrada latente em todo o
processo. Ela foi se impondo à medida em que a industrialização avançava, até emergir por
inteiro quando cessou o modelo de "substituição de importações". Em 1969, o país já não
dependia de importação de manufaturas, não sendo mais preciso lutar por ela.
Se, para os empresários nacionais e internacionais e as classes intermediárias, a
industrialização era um fim em si mesma, para o operariado e as forças da esquerda ela era
apenas uma etapa. Por isso, atingida a meta, a elite buscou consolidar seu poder, ao passo que as
forças da esquerda levantaram nova bandeira: nacionalização das empresas estrangeiras, controle
da reserva de lucros, reformas sociais, etc. Tais objetivos eram, assim, decorrência da ideologia
política do nacionalismo-desenvolvimentista, o qual passou a entrar em conflito com o modelo
econômico então vigente: o internacionalismo.
Nesse sentido, a ideologia do nacionalismo-desenvolvimentista entrou em crise e foi
substituída pela Doutrina da Segurança Nacional, elaborada no seio da Escola Superior de
Guerra. Portanto, a Revolução de 1964 representou uma ruptura somente no plano político e não
no nível sócio-econômico, que estaria, a partir de então, cada vez mais aberto ao capital
internacional, exceto nas chamadas "áreas estratégicas" até a década de noventa.
Esse continuísmo também prevaleceu na educação, tendo as leis reformistas a orientação
de ajustarem o ensino ao direcionamento político então vigente. Daí se poder entender melhor os
convênios MEC-USAID que subsidiaram essas reformas. Foi a abertura do país ao
internacionalismo como regra de orientação da política educacional, que visou mais "ideologizar"
do que "ensinar". Nesse sentido, as Reformas do Ensino Superior (Lei nº 5040/68) e Fundamental
130
e Médio (Lei nº 5692/71) mantiveram os cinco primeiros títulos da LDB, mas alteraram a
estrutura funcional, financeira e didático-pedagógica dos então ensinos de 1º, 2º e 3º graus,
indicando, com isso, a continuidade do valor social da educação e do seu ajustamento à ruptura
política promovida pelo regime militar de 1964, apoiado pelos EUA e que teve nos Acordos
MEC-USAID, no campo educacional, sua expressão ideológica mais cabal .
As Reformas dos Ensinos de 1º, 2º e 3º graus reforçaram o modelo elitista e tecnicista de
educação. A Reforma Universitária deslocou o padrão de excelência dos cursos de graduação e
pós-graduação para, em geral, as escolas públicas, deixando para as escolas particulares a tarefa
de absorver os contingentes de alunos, caracterizados por duvidoso padrão de qualidade.
Já a Reforma do então ensino de 1º e 2º graus ensejou a universalização do ensino
profissional no nível médio para, no fundo, dificultar o acesso das camadas populares ao ensino
superior. Para Saviani: "a discriminação manteve, conciliando-se, por essa via, a defesa dos
interesses elitistas com a exigência de ampliação do sistema de ensino". (7)
E quanto à qualidade da educação, a relação público-privado inverteu-se no 1º e 2º graus,
ficando as instituições privadas com um padrão de qualidade superior às públicas nestes graus de
ensino, garantindo, assim, a ascensão das elites ao Ensino Superior, e mantendo, portanto, a
pirâmide educacional e cultural elitista e excludente no país.
Quando da transição da Ditadura Militar para a Nova República, nos anos 1985-86, o
Congresso Constituinte e várias entidades da sociedade civil começaram a se articular no intuito
de elaborar, além de uma nova Constituição, uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Em 1988, o então deputado Otávio Elíseo, do PSDB, apresentou um Projeto de LDB à
Câmara dos Deputados, o qual expressava os primeiros anseios da comunidade educacional
recém representada pelo Fórum Educacional em Defesa da Escola Pública e inspirado num texto
apresentado por Saviani na Conferência Brasileira de Educação - CBE - daquele ano.
131
De lá até o seu desfecho em 1996, um longo e conflituoso processo foi travado com uma
ampla participação da sociedade civil, incluindo as camadas trabalhadoras e seus partidos, exceto
os partidários da Informática na Educação (técnicos e pesquisadores), os quais - em sua maioria -
mostraram-se politicamente indiferentes a esse processo.
Contudo, o que vimos surgir em seu lugar foi uma série de medidas que concorrem para a
privatização do sistema público de ensino, acentuando ainda mais a já tão elitizada e excludente
educação nacional que longe está de ser para todos.
No que se refere à educação pública nacional, parece que neste momento a história tanto
do Brasil populista como ditatorial repete-se nos dias atuais. Como bem assinala Saviani: "Com
efeito, desde as suas origens até os diais atuais, o Poder Legislativo não tem contado, salvo raras
exceções, com representantes das camadas trabalhadoras. Tal constatação, à vista do caráter do
Parlamento, que o define como o órgão da sociedade política mais diretamente ligado à sociedade
civil, significa que a organização dos aparelhos privados de hegemonia tem sido
predominantemente, senão exclusivamente, uma prerrogativa decorrente dos interesses
burgueses". (Ibid 149)
E, nesse momento histórico, os interesses da elite estão mais hegemônicos, pois com a
desarticulação do chamado "socialismo real" a partir dos anos 90, uma nova fase do capitalismo
se acentua no mundo e mais perversamente no Brasil, dada a nossa condição periférica no
capitalismo internacional.
Frente a isso é lícito supor que a atual fração representante do poder, ora instalada no
Executivo - e que ocupa a maioria do Legislativo - encontra-se subordinada a uma capa
financeira mundial, devido à crescente pressão do FMI e do Banco Mundial sobre o Estado
brasileiro no sentido do seu descomprometimento com as demandas sociais. A crescente onda de
privatizações de setores estratégicos e protegidos (ainda que não explicitamente) na maior parte
do mundo capitalista - telecomunicações e energia, principalmente - está indo ao encontro da
tendência mundial de um Estado mínimo social, num cenário de crescente desemprego (por trás
do discurso da terceirização), deterioração do padrão de vida, aumento acentuado da miséria e
132
analfabetismo ou semi-alfabetismo, além da deterioração aguda do meio ambiente, a qual poderá,
em curtíssimo prazo, causar sérios obstáculos à sobrevivência da vida na Terra.
A globalização dos negócios não implica a globalização dos benefícios. Contrariamente,
os países já se organizaram em blocos econômicos (NAFTA, Comunidade Européia, Tigres
Asiáticos) e ao Terceiro Mundo está sendo "oferecida a opção" de ser o grande mercado
consumidor. E por trás do cenário da globalização, o que há, entre os blocos, não é liberdade de
mercado e de competição. Para protegerem os seus mercados, há intervenção, regulações,
retaliações, aumento das tarifas aduaneiras. Mas, frente ao mercado terceiro-mundista é o
contrário: há pressões de todos os blocos, incluindo as multinacionais, para ocuparem livremente
todo esse mercado.
É mister destacar a análise de Costa sobre o atual neoliberalismo quanto à educação no
contexto brasileiro: "A equação dos problemas da educação, ao menos no caso brasileiro, pode
ser pensada como dependente de uma reorientação de toda a direção adotada pelo Estado. Isto
significa a busca de caminhos desafinados com o receituário internacionalmente hegemônico,
mas sem desconsiderar a necessidade de reformas profundas no plano do Estado. Aumento e
redistribuição de recursos sociais, a retomada do desenvolvimento em novos padrões, etc, são
possibilidades que não podem ser descartadas pela adesão pouco refletida ao determinismo
econômico e ao fatalismo daí decorrente. Isto não significa desconsiderar as especificidades do
sistema educacional, mas que talvez necessitemos voltar a olhar para fora e ver que não há
alternativas pedagógicas ou administrativas para muitos de nossos problemas". (COSTA, 1994,
p. 518.)
Michael Peters percebe no neoliberalismo uma filosofia política e econômica
desenvolvida por Hayek, e que foi usada na década de oitenta por Thatcher e Reagan contra o
Estado de bem-estar com uma mistura de políticas baseadas no "livre" comércio, ataque aos
sindicatos e à abolição da negociação salarial em favor dos contratos de trabalho. A seu ver:
"Para os neoliberais, o compromisso com o livre mercado envolve dois conjuntos de
reivindicações: as reivindicações por eficiência do mercado como um mecanismo de alocação
133
superior para a distribuição de recursos públicos escassos, e as reivindicações por um mercado
como uma forma moralmente superior de filosofia política. O neoliberalismo como uma filosofia
política envolve um retorno a uma forma primitiva de individualismo: um individualismo que é
"competitivo", " possessivo" e construído freqüentemente em termos da doutrina da "soberania
do consumidor". Isso envolve uma ênfase na liberdade sobre a igualdade, onde a liberdade é
construída em termos negativos e termos individualistas. A liberdade negativa é a liberdade
proveniente da interferência estatal que implica numa aceitação das desigualdades geradas pelo
mercado. O neoliberalismo é anti-Estado e anti-burocracia. Seu ataque ao governo é baseado em
argumentos econômicos e éticos. ". (PETERS, 2000)
A nosso ver, a tendência à privatização é decorrência da supremacia que os interesses das
elites sintonizadas com que as empresas transnacionais passaram a gozar após o choque do
petróleo produzido pelos árabes, tal como assinala Perry Anderson, influenciando o Estado,
mediante lobby, a executar seus planos e metas, re-direcionando todas as mercadorias na ótica do
mercado, incluindo a educação e a saúde, pois, como diz Peters: "eles são serviços e produtos
como qualquer outro a ser comercializado no mercado". (2000)
Bobbio afirma que o primado do privado representa:
"a revanche dos interesses privados através da formação dos grandes grupos
que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. O
Estado pode ser corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem
e se compõem, para novamente decompor-se e recompor-se, estes conflitos,
através do instrumento jurídico de um acordo continuamente renovado,
representação moderna da tradicional figura do contrato social". (1986, p. 27
)
E ainda, segundo Joaquim Severino: "É por isso que as instituições políticas, incluindo o
Estado, vão se configurando apenas como formalidades esvaziadas de todo conteúdo real que
expressasse sua vitalidade social. O poder desse Estado acaba se expressando como manifestação
de força dos segmentos mais privilegiados em detrimento dos menos favorecidos. A instituição
"Estado" é instrumentalizada, servindo ainda como anteparo para o poder arbitrário e
descompromissado com os interesses coletivos. Trata-se, no Brasil, de uma instituição que,
134
apesar de estatal, não é efetivamente pública, mas autenticamente privada, apesar de custeada
com o sangue e o suor do trabalho realizado pelo conjunto da sociedade civil ".
11
Por fim, deixamos em aberto a seguinte questão: o atual discurso político educacional de
não é a expressão de um discurso cada vez mais comprometido com o capitalismo globalizado do
que com a soberania da educação e do povo brasileiro?
5.6 Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental
Ao final de 1995, uma versão preliminar dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Fundamental foi encaminhada para consulta e avaliação a professores de diferentes graus de
ensino, especialistas da educação e de outras áreas, além de instituições governamentais e não-
governamentais. Dessa consulta resultou uma série de pareceres, com base nos quais o Ministério
da Educação reelaborou a proposta, encaminhando a nova versão ao Conselho Nacional de
Educação para que deliberasse a respeito.
Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental foram
publicados logo após a aprovação da nova LDB, constituindo referência nacional para o ensino
fundamental
12
. Essas orientações, em consonância com a LDB, conferem maior flexibilidade ao
trato dos componentes curriculares, configurando –como o próprio nome diz – apenas uma
referência e, portanto, não se impondo como uma diretriz obrigatória. Mesmo assim, pretendem
estabelecer uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do MEC, tais
como as relativas aos projetos voltados para formação inicial e continuada de professores/as,à
análise e compra de livros e outros materiais didáticos e à avaliação nacional (PCN,v.1, p.36). Na
concepção do MEC, trata-se, pois, de uma proposta de conteúdos que deve orientar a estrutura
curricular de todo o sistema educacional do país.
Os PCNs têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos estados e
municípios e pretende contextualizá-la em cada realidade social. Neste sentido, a proposta
11
SEVERINO, Joaquim. "Os embates da cidadania: ensaio de uma abordagem filosófica da nova LDB". Brziznski,
Iria (org.): LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. SP, Ed. Cortez, 1997
12
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM – foram publicados e distribuídos às escolas
em 1999.
135
curricular das instituições escolares envolvidas deve contar com a participação de toda a equipe
pedagógica, a fim de garantir o diálogo entre tais orientações e as práticas já existentes nas
instituições.
A análise dos PCNs (Brasil, 1997) está restrita aos dez primeiros volumes, que
correspondem à introdução aos parâmetros, seis volumes dedicados às áreas específicas e três
volumes que tratam dos temas transversais para o ensino fundamental. Vamos deter-nos
especificamente na Introdução aos PCNs, no volume oito (Apresentação dos temas transversais e
ética), no volume nove (Meio Ambiente e Saúde) e no volume 10 (Pluralidade Cultural e
Orientação Sexual). Os PCNs têm avanços, orientações de trabalho nas escolas. Como podemos
nas escolas não encaminhar só no plano cognitivo, mas também o desenvolvimento para
atividades práticas do exercício da cidadania?
A reflexão sobre liberdade de conhecimento e a reforma educacional brasileira dos anos
1990, propõe um pensar sobre como as políticas públicas para a educação básica no Brasil atual –
especialmente as relativas ao estabelecimento de Parâmetros Curriculares Nacionais – há uma
contribuição ou não para a edificação de uma proposta educacional voltada à liberdade de
conhecimento.
Uma nova concepção de educação pode ser percebida nas políticas encaminhadas pelo
MEC ao longo dos governos FHC. Afinada ao novo modelo de Estado implantado nesse mesmo
governo, a educação pública passa nos anos 1990 a ser entendida como responsabilidade de todos,
embora as diretrizes curriculares e a avaliação escolar devam ficar a cargo do MEC. No caso dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, a comunidade escolar tem a opção de aderir ou não a eles, mas
será avaliada pelo MEC a cada etapa de seu trabalho. O Estado, preestabelecendo um corpo de
conhecimentos e uma forma específica de analisá-los – através dos PCNs – e avaliando as escolas
públicas a partir desses mesmos conteúdos – via SAEB, ENEM, Provão –, “deixa livre” as redes
estaduais e municipais de ensino e as unidades escolares para “gerenciarem” e
“operacionalizarem” o novo currículo (im)posto.
No que este corpo de conhecimentos difere do anteriormente trabalhado nas escolas? Por
que adotar este novo modelo curricular?
A “educação para a cidadania” proposta pelos PCNs tem em vista desenvolver entre
crianças e jovens – a partir dos Temas Transversais – valores gerais de solidariedade, compaixão,
tolerância, preparando-as para participar no futuro, dentro ou fora do local de trabalho, de ações
136
voltadas, em última instância, aos excluídos ou àqueles que não dispõem de uma condição de vida
minimamente digna, mas também às questões voltadas à saúde e à preservação ambiental, bem
como aquelas ligadas à aceitação das diferenças – religiosas, culturais, de opção sexual ,etc.
O problema é que esta “nova cidadania” vem carregada de um forte apelo fatalista (“vai
faltar água se não pouparmos”; “a camada de ozônio será destruída se usarmos produtos com
CFC”) e de cunho individualizante (“cada um deve fazer o que está à mão para reverter parte das
mazelas sócio-ambientais”), em detrimento de uma visão abrangente dos fatores sociais que
causam a exclusão, o preconceito, as epidemias e a devastação do meio ambiente, e das
possibilidades efetivas de solução desses problemas no mundo capitalista globalizado do século
XXI.
Além disso, os PCNs propõem o ensino por competências: saber agir e reagir com
pertinência; saber combinar os recursos e mobilizá-los num contexto; saber transferir, saber
aprender e a aprender a aprender; saber se engajar (Ramos, 2001, p.249-250).
Ainda que os apologistas das competências afirmem que o que se propõe é apenas um
novo método de trabalho dos conteúdos escolares básicos em substituição ao seu antigo
tratamento tradicional descontextualizado e estanque dado pelas disciplinas escolares, a mudança
de foco do saber acumulado para o saber vivido do aluno pode pôr em risco a liberdade de
conhecimento se essa bagagem prévia de conhecimentos trazida pelas crianças e jovens para a
escola não for trabalhada arduamente para se chegar ao conhecimento científico e aos embates
mais amplos que o caracterizam. Nos PCNs, ao contrário, o conhecimento sistematizado aparece
como desvinculado da história, “desideologizado”, assim como as competências a serem
trabalhadas para a vida profissional e cidadã.
Os jovens devem sair da escola básica (o que, a partir da Lei de Diretrizes e Bases de
1996, significa ensino fundamental e médio) com a certeza de que só terão bom desempenho
profissional e pessoal se continuarem aprendendo ao longo da vida. Esta verdade se torna cruel,
no entanto, quando analisamos o quadro de desemprego estrutural que assola o mundo e em
especial os países capitalistas periféricos. Diante dele, os indivíduos passam a ser
responsabilizados pela sua capacidade pessoal ou não de competir e garantir os recursos para sua
sobrevivência e, ao mesmo tempo, de contribuir para a diminuição dos contrastes sociais
existentes.
137
Esta nova proposta educacional acredita ser capaz de preparar futuros
profissionais/cidadãos a partir de valores e atitudes a “faça sua parte” e, ao mesmo tempo,
valores e atitudes agressivas para competir num mercado de trabalho cada vez mais precário e
restrito no contexto do aclamado “progresso tecnológico”. A escola tem um papel fundamental
na difusão deste novo modelo de cidadania e, num país tão grande e com tamanhas diferenças
regionais como o Brasil, os programas escolares passam a sofrer, nos anos 1990, um processo de
padronização através de parâmetros curriculares e avaliações nacionais.
Nos PCNs, não cabe à educação escolar básica, nem no seu último estágio (o Ensino
Médio), a preparação para a pesquisa científica e o desenvolvimento de novos conhecimentos.
Ao contrário, a ênfase está no manuseio das novas tecnologias e na preparação subjetiva dos
educandos para lidar com as instabilidades características do atual mercado de trabalho e com as
novas formas de participação política que marcam nossos dias.
Não por coincidência, os valores ligados à “nova cidadania” difundidos pelos PCNs se
assemelham à visão do Banco Mundial, como podemos visualizar neste trecho do relatório do
seminário “Novas parcerias em políticas de combate à pobreza”, realizado em Belo Horizonte,
em 1997, por esse banco, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
Social (BNDES) e do governo Estadual de Minas Gerais:O seminário foi convocado como parte
do Plano de Ação de Participação para a América Latina, que previa seminários regionais em
toda a América Latina. (...) Durante o seminário se debateu questões mais amplas como as
relações entre governo-sociedade civil, novos atores da sociedade civil engajados no combate à
pobreza, e estudos de caso sobre programas específicos de combate à pobreza dos governos e da
sociedade civil. (Garrison, 2000, p.67)
No que se refere às escolas públicas brasileiras, esses “novos atores da sociedade civil” são
principalmente empresas que, através de fundações, institutos e demais ONGs, vêm buscando
realizar atividades voltadas à responsabilidade social direta ou indiretamente vinculadas à
educação. Um exemplo disso é o manual “O que as empresas podem fazer pela educação”,
publicado pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, composto atualmente por
808 empresas, das quais quase 40% são de grande porte. Neste manual, a produção de materiais
didáticos é um dos focos de ação sugeridos a empresas que desejam colaborar com a escola
pública no país (p.52-53). Nesta mesma direção, o Projeto Cuidar do Instituto Souza Cruz e o
Programa de Educação Afetivo-Sexual da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira assumem a
138
tarefa de implementação dos temas transversais nas escolas da rede pública, fornecendo
gratuitamente materiais didáticos próprios ancorados nos princípios gerais delimitados nos PCNs.
Verificamos assim que os PCNs se configuram num instrumento de controle por parte do
Estado do que se deve ensinar e aprender nas escolas públicas de todo o país, de acordo com os
princípios gerais definidos pelos organismos capitalistas internacionais – tanto no que se refere à
adaptação de tecnologia pelos países de capitalismo periférico quanto com relação ao modelo de
cidadania “colaboradora”, que não questione os fundamentos da nossa sociedade –, bem como
numa importante via de acesso do setor empresarial nacional às políticas públicas educacionais,
favorecendo a possibilidade de intervenção direta das empresas privadas no currículo, na seleção
de materiais e na gestão dos recursos das escolas públicas brasileiras.
Infelizmente, a liberdade de conhecimento não é garantida neste modelo de educação e ,
talvez, por isso professores sintam tanta dificuldade em convencer seus alunos de que “o
conhecimento liberta”.
5.6 Cidadania e Formação Técnico Profissional desafios no processo de globalização
excludente
Conforme discurso oficial da legislação Lei 9394/96, do Capitulo III DA Educação
Profissional, Art. 39 “ a educação profissional, integrada as diferentes formas de educação, ao
trabalho, a ciência e a tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões da vida
produtiva.
Parágrafo único: O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental,
médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto,
contará com a possibilidade de acesso a educação profissional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu discurso oficial, deixa claro a
possibilidade da educação para o acesso educacional,no entanto a realidade que se apresenta
parece distante demais do tema da cidadania e da formação técnico-profissional no
desenvolvimento de atitudes práticas de exercício da cidadania. Há uma distância entre o
discurso legal em relação a transparência da questão da globalização excludente que assume o
139
capitalismo neste século, como estratégias de enfrentamento da crise na recomposição e elevação
do lucro e da superestrutura ideológica do neoliberalismo que a legitima. Todavia sem a
compreensão destas determinações estruturais mais amplas e sua crítica fica difícil vislumbrar as
alternativas de processos educativos e de formação técnico-profissional que se articulem para uma
cidadania construtiva no processo de transformações das relações sociais vigentes. Talvez esta seja
uma das lacunas e desafios a enfrentar.
Cidadania e a formação técnico-profissional. De imediato cabe ressaltar que a
compreensão da materialidade efetiva da cidadania e da formação técnico-profissional, como dos
processos educativos mais amplos que se dão a nível da escola ou das relações e práticas sociais,
somente pode dar-se adequadamente se referidos à trama das relações e aos embates que se travam
no plano estrutural e conjuntural da nossa sociedade neste século.
Ao mesmo tempo que se veicula a crença, sob o ideário neoliberal, de que a humanidade
finalmente atingiu a cidadania global e se convenceu de que as relações sociais capitalistas são as
únicas fundadas na ordem natural e, portanto, as únicas possíveis e viáveis, uma perversa e
profunda contradição salta aos olhos hoje. Como entender e explicar que nunca a humanidade teve
em suas mãos tanta capacidade científica e técnica para satisfazer as necessidades humanas e
diminuir o tempo de trabalho necessário à subsistência ampliando assim o tempo livre, isto é,
tempo de fruição, de gozo, de lazer, de lúdico e, perversamente, chegamos ao fim deste século
com dois terços da humanidade excluídos e sem atenderem sequer as mínimas necessidades
biológicas e a construção de um tempo torturado e de sofrimento do desemprego aberto e
subemprego?
Existem hoje no mundo aproximadamente 800 milhões de seres humanos desempregados
ou subempregados e uma avassaladora tendência estrutural ao desemprego tecnológico. No Brasil
o desemprego aberto oficial está perto de 6% da população economicamente ativa e, em São
Paulo, 13%. Mas, 40% desta população é subempregada, sem carteira assinada. Tanto os
desempregados como os subempregados não têm nenhuma proteção social efetiva do Estado.
Aproximadamente 3.500 crianças e jovens trabalham hoje no Brasil em condições de brutal
violência e de exclusão à educação, cultura e lazer.
140
Que tipo de práticas educativas de formação técnico-profissional são produzidas nas mais
diferentes esferas da sociedade e, em especial, na escola para ajustar a educação aos processos de
exclusão sem culpa? E, para aqueles que acreditam que as pessoas vêm em primeiro lugar e não
podem ser sacrificadas (Hobsbawn, 1992), que tipo de projeto de sociedade devemos buscar e
construir e que tipo de valores e de conhecimentos devemos desenvolver para uma cidadania
efetiva e quais as implicações para os processos de formação e profissionalização?
No plano sócio-econômico, o ajustamento de nossas sociedades há a globalização
excludente e uma cidadania para poucos. Estamos construindo sociedades onde um terço está
incluído no emprego mais estável e no consumo e dois terços excluídos; No plano cultural,
ideológico e ético-político, há naturalização da exclusão ou a 'exclusão sem culpa ' e a idéia de que
não há outra alternativa possível que não seja a refuncionalização do capitalismo; No âmbito
teórico, há a crise da razão e emergência do pós-modernismo que cristaliza um extremo
individualismo narcísico, reifica o localismo, o particularismo, o subjetivismo num processo de
mau infinito e de zombaria da história (Jameson, 1994); e, finalmente, no plano pedagógico, há
reiteração do dualismo e fragmentação, uma qualidade para poucos e a metamorfose do direito à
educação e formação técnico-profissional em mercadoria ou serviço que se compra.
O segundo ponto de análise é, justamente, o de se pensar quais são os desafios para
processos educativos e de formação técnico-profissional, numa perspectiva de construção de
relações sociais alternativas - democráticas, solidárias ou socialistas
13
- e, portanto, de uma
cidadania efetiva. Neste item é possóvel sustentar que a formação, técnica e profissional, para uma
sociedade que busque construir relações solidárias, democráticas e socialistas não apenas para o
futuro, mas no presente, pressupõe o desenvolvimento unilateral das capacidades humanas em
contraposição ao desenvolvimento unilateral e fragmentário hoje reinante. Neste sentido é na luta
pela construção de uma sociedade que assente num industrialismo de novo tipo, orgânico e
unitário, que rompa com o taylorismo, fordismo e sua versão pós-moderna, o toyotismo, que
13
Um dos aspectos que vale a pena insistir, lembrado por P. Anderson (1995) é de que a esquerda tem que aprender
da direita a não transigir no plano ético-político e no plano teórico. A perspectiva concreta da utopia socialista, penso,
não obstante a crise do socialismo real, é um destes pontos que não podemos transigir. Isto não significa reforçar
posturas voluntaristas que sem dimensionar as condições objectivas hoje existentes no Brasil imaginam a
possibilidade imediata de uma revolução socialista. Por certo, no Brasil deste fim de século, a construção de um bloco
de poder democrático-popular como contraposição à histórica hegemonia conservadora, que se reafirma hoje de forma
assustadora, será um passo significativo para formas sociais de carácter socialista.
141
ganha sentido a luta por uma escola básica de 1º e 2º graus unitária. Esta é a formação técnico-
profissional de novo tipo que necessitamos defender e construir neste fim de século na sociedade
brasileira .
5.7.1 Concepção e organização do ensino técnico-profissional
O atual anteprojeto de lei que dispõe sobre Educação Profissional e Ensino Técnico
concretiza, no plano da legislação, de forma candente, a concepção produtivista de formação e de
cidadania para a classe trabalhadora. Ao reiterar as dicotomias teórica e prática, geral e específico,
técnico e político e prever, no caso da formação profissional básica, a possibilidade de níveis que
não pressupõem o ensino fundamental e, no caso do ensino técnico, possa ser oferecido de forma
independente do ensino médio, ignora, ao mesmo tempo, a ampla e densa discussão crítica de
mais de duas décadas no horizonte de superação do tecnicismo e situa-se numa direção inversa das
efetivas necessidades da propalada competitividade no contexto das inovações tecnológicas e da
reestruturação produtiva.
Certamente, para quem acompanhou nas últimas décadas o debate sobre educação
tecnológica e os problemas e perspectivas do ensino do segundo grau em geral e, especificamente
do ensino técnico, tem enorme dificuldade em entender o pastiche que expressa o anteprojeto de
lei sobre a Educação Profissional, a organização da Rede Federal. Educação profissional. A
proposta, nas várias versões barganhadas, explicita um inequívoco retrocesso no campo teórico,
pedagógico e no plano da luta por uma cidadania efetiva.
No caso da rede de Escolas Técnicas Federais, velhos e surrados argumentos constituem-se
em álibi fácil para seu desmonte e enquadramento no processo de ajustamento, flexibilização,
descentralização, autonomia, cujo significado real (como vimos) é o de privatização. Os
argumentos são de que a rede de Escolas Técnicas é cara e quem a freqüenta é uma elite. De fato é
um ensino caro e abriga, na sua maioria, alunos da combalida classe média. A solução, todavia,
não é nem o seu desmonte e desqualificação e nem a sua privatização.
142
No plano pedagógico, a idéia matriz é de um cardápio literalmente do tipo fast food. O
Projeto posiciona-se, aqui também, na direção inversa do debate e das experiências que se vêm
acumulando especialmente a partir dos anos 80 no sentido de um segundo grau unitário
14
que
implica a não separação da formação geral da específica, teórica e política da técnica e prática. A
construção, mediante as categorias e conceitos básicos das ciências, desta dimensão unitária é
imprescindível para preparar mais gerações que rompam com a nossa histórica subserviência
científica e torná-las efetivamente aptas para o trabalho sob a nova base científico-técnica e ao
exercício efetivo da cidadania. A maioria das Escolas Técnicas- não só é coletânea deste debate-
tem avanços nas suas mudanças curriculares e organizacionais nesta direção.
É senso comum, hoje, a nível dos países avançados de que o segundo grau faz parte da
formação básica e é condição para um desempenho adequado no plano técnico da produção, na
multiplicação das vocações científicas e no exercício da cidadania. O viés que o anteprojeto traz é
de acreditar, uma vez mais, que com uma educação que separa a formação técnica e profissional
específica da formação gera, cria-se as condições necessárias e suficientes para uma formação
abstrata e polivalente ou se constitua em espaço de requalificação ou preparação para a
empregabilidade.
15
O que efetivamente o anteprojeto sinaliza é de que o governo brasileiro quer
transformar as escolas Técnicas Federais no SENAI dos anos 40, dando-lhe, sobretudo, a função
de requalificação de contingentes de trabalhadores desempregados ou uma formação técnica
modular com menor duração e com currículos pragmáticos, uma política de conhecimento oficial
(Appel, 1994) reducionista.
14
Unitário, no plano epistemológico e científico, significa sempre síntese do diverso. Os conceitos de
molécula, átomo, célula, mercadoria, etc. expressam a unidade que condensa a diversidade da química,
física, biologia e da economia.
15
Diferentemente das concepções formuladas a partir da década de 40 e reafirmadas em forma de teoria
na década de 60 ( teoria do capital humano ) que enfatizavam que o papel da formação técnica e
profissional era de formar para o posto de trabalho, actualmente, a crise estrutural do desemprego e os
processos de precarização e flexibilização do mesmo, transformam aquele papel de formar para o posto de
trabalho para o de preparar para a empregabilidade Na realidade, por traz desta metamorfose que se
esquece a materialidade do seu fundamento ( as relações mercantis, firma-se, com mais ênfase que antes, à
ideologia que o trabalhador é o responsável pela sua situação de empregado ou desempregado.
143
No plano da gestão e organização, historicamente no Brasil, o ensino profissionalizante a
partir dos anos 40 com a criação do SENAI e SENAC, esteve sob o controle, praticamente único,
das organizações patronais e, o ensino técnico- industrial, mantido como uma espécie de enclave,
com uma gestão autocrática e subordinada, pedagogicamente, ao mercado. Na perspectiva
produtivista,a indagação básica sempre tem sido: como ajustar o ensino técnico-industrial e
agrotécnico e a formação profissional às demandas do ajustamento do mercado à economia, quer
seja no capitalismo monopolista e dependente,quer seja, hoje, do mercado globalizado? A direção
assumida pelo anteprojeto acima aludido encaminha-se na direção de um ajustamento subordinado
o qual reserva para o Brasil o papel de fornecedor de mão-de-obra barata e consumidor das
inovações científicas e técnicas. O horizonte, a curto prazo, é de natureza financeira (como gastar
menos em formação e educação) e também imediatista. O anteprojeto de lei em pauta, na
realidade, efetiva uma senaização das Escolas Técnicas Federais. E dentro desta lógica o SENAI,
SENAC, etc., ficariam como estão hoje sob o controlo único dos empresários ou passariam a
constituir-se empresas de serviços ou, simplesmente, uma unidade de negócios na venda de
serviços de formação profissional. Nada mal se os futuros empreendedores deste negócio
herdarem o rico patrimônio construído com a concessão do fundo público durante mais de 50
anos. O uso de uma soma fantástica de recursos que equivaleu em 1995 a R$ 1.590.000 (um
bilhão e quinhentos e noventa milhões), sem controle democrático acabam por ter uma utilização
que vai da construção de sedes suntuosas, financiamento de campanhas políticas, entre outras
coisas, como mostra a análise feita pelo jornal Folha de São Paulo ( caderno Mais, 16.05.1996: 1-
5). A direção que as forças democráticas do país apontam tanto para as Escolas Técnicas como
para as instituições de formação profissional, como veremos no item abaixo, são de outra
natureza.
O exame das propostas em curso para ensino Técnico Industrial e para a formação
profissional explicita de forma clara a natureza da contradição que governos como o brasileiro
enfrentam ao se pautarem nos cânones da democracia liberal conservadora ou neoliberal e de um
ajuste subordinado aos processos de globalização em termos de política econômica, social e, como
decorrência, as políticas educacionais. A efetiva competitividade no plano da reestruturação
produtiva, como assinalamos acima, demanda inequivocamente uma formação básica de
elevadíssima qualidade que inclua o primeiro e segundo graus. Este é hoje um consenso a nível
dos que pesquisam a relação trabalho e educação como de resto por governantes, empresários e
144
centrais sindicais dos países de capitalismo avançado.
16
A contradição consiste no fato que para
que isso ocorresse seria necessário implementar uma política não de ajuste subordinado mas, com
a base numa democracia de caráter popular - de massa portanto - e efetivar reformas de base como
a reforma agrária, taxação das grandes fortunas, impostos progressivos sobre o capital para
viabilizar a sociedade brasileira.
A opção em curso, no Brasil, de um ajuste conservador em termos político-social
econômicos tem como resultado no campo educativo e na formação técnica-profissional um claro
retrocesso. Trata-se de um recuo talvez pior do imposto pelas políticas do golpe civil militar
explicitadas na reforma Universitária de 1968 e na reforma do ensino de 1º e 2º graus, Lei
5692/71. O resultado lastimável é a continuidade de um tipo de educação e formação que tem
como horizonte preparar mão-de-obra, no limite, para se ajustar a entender e consumir
subordinadamente a ciência e a técnica embutida nos processos de trabalho, nunca para criar
ciência e tecnologia. Na expressão de Florestan Fernandes, uma política que decreta a
continuidade de um Brasil 'gigante de pés de barro. Nação com história,. mas determinada lá fora.
Como os antigos escravos e seus descendentes prosseguiremos presos a uma liberdade ilusória que
é, por si só uma terrível escravidão'. (Fernandes, F. 1991:36)
A grande ênfase dada à formação técnica e profissional para a empregabilidade e as
estratégias massivas de requalificação de desempregados tem uma dupla violência: uma técnico-
científica e outra ideológica, sendo a segunda mais perversa. A violência no âmbito técnico-
científico fica evidenciada na seguinte questão: requalificar uma massa de trabalhadores sem
escola básica de 1º e 2º graus, em cursos dados durante 60 dias, como assinala uma proposta do
SENAI, requalifica para que tipo de emprego numa conjuntura endêmica de desemprego
estrutural? O mesmo valeria para a proposta. do ensino técnico modular. É sob esta face que opera
a violência ideológica. Esta traduz-se no fato perverso que uma vez dado o ensino modular (de
segunda categoria) ou feitos os 60 dias de requalificação o Estado (mínimo para os direitos
sociais) e, mais amplamente, as classes dirigentes cumpriram com seu dever. Se os
16
Se tomarmos por exemplo a CGT (central geral de trabalhadores) da França, como indica Jean Michel
Joubier encarregado da formação profissional desta Central de trabalhadores, 'não pode haver Formão
profissional inicial de qualidade se não houver, ao mesmo tempo, um ensino geral, científico, tecnológico
e cultural de qualidade e de alto nível'. (Joubier, 1994-13)
145
desempregados não encontrarem emprego, agora requalificados, é porque individualmente
escolheram a qualificação ou requalificação errada ou não se aplicaram de forma competitiva.
Uma vez mais a vítima da exclusão passa constituir-se no culpado da sua situação.
A educação técnico-profissional para o ideário de uma sociedade de democrática efetiva e
viabilizadora de condições de exercício real da cidadania no mundo do trabalho e no amplo plano
do conjunto das relações sociais e do desenvolvimento das múltiplas dimensões da vida humana
tem, neste fim de século, como pressuposto mínimo a universalização do ensino de segundo grau
politécnico (ou tecnológico em sentido dado por Gramsci), unitário, universal e público. Isto
significa que tanto do ponto de vista da produção quanto do desenvolvimento humano este
patamar constitui-se na mais efetiva formação técnico-profissional. Trata-se de uma formação que,
ao mesmo tempo, desenvolva o mais elevado domínio do avanço tecnológico; forneça as bases
unitárias das ciências da natureza e das ciências humano-sociais que permitam a cada aluno, não
apenas dominar o avanço técnico existente como consumidores daquilo que os centros
hegemônicos produzem, mas de criar conhecimento novo; e, por fim, o desenvolvimento da
capacidade crítica para que cada aluno-cidadão possa discernir o serviço de que e de quem está a
tecnologia, a ciência e influenciar para sua democratização. Uma consciência crítica capaz de
definir que tipo de tecnologia é humanamente desejável e como compartilhar coletivamente em
termos de satisfação do conjunto das necessidades do ser humano a extraordinária potencialidade
do avanço tecnológico.
Colocada esta perspectiva como prioridade crucial e definidas políticas para garantir o
fundo público necessário para que isto se desenvolva na esfera pública, sem o que peca em seu
pré-requisito básico, ser uma formação democrática, ou seja, equalitária, pode-se pensar em
programas específicos para minimizar a imensa dívida social e ética com várias gerações de
trabalhadores, hoje adultos, que não tiveram acesso ao patamar acima indicado. De igual modo,
como se pode pensar em programas de formação técnica e profissional específicos e, neste
contexto, como democratizar a estrutura existente do SENAI, SENAC, SESI, etc. e criar centros
públicos de formação técnico-profissional.
Desde meados da década de oitenta, nas discussões da constituinte e, em seguida no longo
e reiteradamente negociado projeto de LDB as instituições científicas, educacionais e sindicais
que se pautam pela perspectiva democrática sistematicamente têm se feito as seguintes perguntas:
O que fazer com o ensino técnico-profissional se o mesmo está, há mais de 50 anos, sob o controle
146
unilateral de empresários, na sua grande maioria, de mentalidade elitista, oligárquica e
escravocrata? Como superar a perspectiva adaptativa e subordinada exclusivamente ao mercado?
O que fazer com o sistema de ensino Técnico Industrial e Agrotécnico para avançar na ruptura das
gestões autocráticas e torná-lo menos elitista, romper com seu caráter, também, de subordinação e
atrelamento unidimensional ao mercado? Como evitar a tendência de tomar este sistema de ensino
um enclave, um sistema à parte e incorporável na perspectiva do sistema unitário de escola básica
sem que o mesmo seja jogado na vala comum das precárias condições de trabalho da maioria das
escolas públicas de 1º e 2º graus?
A resposta concreta a estas questões, tanto no plano ético-político, epistemológico, teórico-
prático e organizacional vem sendo dada, nos limites de forças não hegemônicas e numa
conjuntura adversa, tanto no plano institucional, particularmente em algumas prefeituras, como a
de Porto Alegre, Belo Horizonte, Santos, Diadema, para citar as mais em evidência, no interior da
Central Única dos Trabalhadores (CUT), em iniciativas como a UNITRABALHO que congrega
Universidades e a CUT num contraponto aos vínculos empresariais que a Universidade tem
assumido em muitos casos.
No plano estratégico da direção política, no caso da formação profissional, o embate é não
para acabar com as instituições como SENAI, SENAC, mas submetê-las a um sistemático controle
democrático. A perspectiva de gestão tripartida, defendida no processo constituinte e na LDB,
ainda que complexa, está em pauta. Talvez, como assinalam alguns sindicatos europeus este
controle deva ser ampliado numa perspectiva quadripartida com a participação de instituições
científicas e culturais. Neste sentido não é mais possível manter do ponto de vista financeiro, (os
dados acima indicados são eloqüentes), pedagógico e ético-político, o monopólio da gestão destas
instituições na mão única dos empresários. Também não é democrático, pura e simplesmente
transferir, por justificativa de qualquer tipo, para as mãos de um grupo restrito de pessoas o
patrimônio destas instituições, na perspectiva em curso de transformar estas instituições em
unidades de negócio na prestação de serviços de formação técnico-profissional. Tratar-se-ia, como
vem acontecendo em alguns casos (A FGV-RJ é um deles), de uma transferência de fundos
públicos por meio século acumulado e investido na mão de um pequeno grupo de tecnocratas que
transformam estas instituições em escritórios de negócios.
147
O passo mais avançado, totalmente na contra-corrente privatista, é a idéia dos centros
públicos de formação profissional, idéia encampada pelo departamento de formação da CUT e por
várias instituições científicas e sindicais que constituíram o Fórum de entidades em defesa da
educação pública no processo constituinte e no processo (ainda inacabado) da nova LDB.
E o que fazer com as inúmeras escolas de formação profissional mantidas por sindicatos de
trabalhadores ou escolas mantidas por ONGs, cooperativas, bancos ou empresas com ou sem
subsídio do Estado?
Em relação às escolas regulares de formação técnico-profissional mantidas por sindicatos,
um número expressivo hoje no Brasil não podem , face à crise que enfrentam, nem serem
abandonadas e nem continuarem a serem mantidas pelas mensalidades dos sindicatos e dos
trabalhadores. A luta é para que possam integrar-se no sistema unitário de educação, mantidas
financeiramente pelo fundo público e controladas democraticamente através de organizações
específicas no âmbito da Estado e da sociedade civil. O sindicato é uma destas organizações
inequivocamente. Quando se trata de cursos de formação profissional também devem participar
dos fundos públicos, com parte dos recursos concedidos hoje à SENAI, SENAC, SESI, SESC, etc.
Os cursos e programas de formação profissional mantidos por ONGs ou empresas de
comunicação (Rede Globo, por exemplo) também, devem ter controle por parte do Estado e
sociedade civil, nos mesmos moldes das escolas dos sindicatos. Tanto os recursos investidos
nestas modalidades de formação técnico-profissional, quanto a perspectiva político-pedagógica
não pode ser exclusividade da óptica privatista. A educação e a formação são concessões do
Estado e, mais amplamente, da sociedade. Há, por vezes, fabulosos subsídios diretos e indiretos
implicados .
A natureza da formação profissional, como ocorrem em diferentes países europeus, deve
ser pauta de negociação. É importante que os trabalhadores, através de suas organizações
políticas, sindicais, culturais e científicas, tenham informações e controle democrático sobre o tipo
de formação que se desenvolve na Fundação Bradesco, nos programas da Rede Globo através da
Fundação Roberto Marinho. Quem define a filosofia, os conteúdos metodologia destes
programas? Qual o custo e de onde provêm os recursos? Quem presta conta a quem? Quantos e
quem são atendidos?
No sistema de Escolas Técnicas Federais, nas duas últimas décadas, tem havido avanços
significativos no processo interno de democratização e de gestão e a estruturação de projetos
148
político-pedagógicos que buscam a perspectiva de uma educação unitária. Exatamente quando
este processo assumia dimensões mais orgânicas a nível nacional, surge o projeto do MEC que se
direciona diametralmente num sentido contrário: da modulação fragmentária, do dualismo e,
sobretudo, de um anacrônico reducionismo da formação técnica. Transforma-se estas escolas
técnicas num espaço da requalificação, reiterando a ideologia de que por este caminho os
desempregados terão chances de emprego ou de futura empregabilidade. As resistências ao
anteprojeto que desestrutura o ensino técnico reúne interesses diversos, misturando elementos de
caráter corporativo, particularmente de alguns sectores administrativos e acadêmicos, com os
embates genuinamente democráticos na perspectiva da superação da fragmentação e dos
dualismos e construção de uma educação unitária. Aqui também a direção da luta é no sentido de
radicalizar o processo de democratização da gestão e da construção coletiva do projeto pedagógico
que envolva dimensões científicas, culturais, lúdicas e estéticas. Mesmo que o anteprojeto venha a
ser aprovado, certamente ele significará um atraso e atrapalhará. Mas a história recente mostra que
leis impostas de cima para baixo à sociedade acabam por não vingar. A Lei 5692/71 é, neste
sentido, um exemplo claro. Os embates em curso e as forças democráticas que os sustentam
indicam-nos que nem tudo está perdido.
PARTE VI
6.1 EXCLUSÃO DA TECNOLOGIA NA ESCOLA :EXEMPLO DE CIDADANIA
NEGADA
A exclusão da tecnologia na escola é um exemplo real de cidadania negada na prática
educativa
A exclusão virtual é mais uma forma da cidadania negada ao cidadão por parte da
educação. A exclusão em prol do conhecimento, tão citado na legislação educacional, reforça um
debate forte sobre formas de educação, para o desenvolvimento a ciência e a cultura( Cap.III, Art.
39). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 9.394/96, apresenta-se como um
marco muito significativo na educação brasileira, uma vez que prevê a inclusão e a ampliação do
atendimento educacional,em rede pública, aos educandos nos níveis de educação infantil e de
jovens e adultos, quanto ao instrumentos de tecnologia para serem usados na escola. Entretanto
esta escola não apresenta condições para o desenvolvimento deste exercício prático, uma vez que
escolas não dispõem da ferramenta para ser apresentada aos alunos: a informática. As poucas que
dispõem pertencem a classes favorecidas que podem dispor de forma mais fácil de um
computador .O acesso as classes menos privilegiadas é negado.
Logo, acredito que a escola, como instituição que é, seja o ambiente propício para
possibilitar a interação da criança com o meio social, apresentando a tecnologia ao aluno.
O uso da Internet na escola é exigência da cibercultura, isso é do novo ambiente
comunicacional e cultural que surge com a interconexão mundial de computadores em forte
expansão no inicio do século XXI. É um novo espaço de sociabilidade, de organização, de
conhecimento e de educação.
A educação do cidadão não pode estar alheia ao novo contexto socioeconômico-
tecnológico, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da mídia
150
de massa, mas na informação digitalizada como nova infra-estrutura básica, como novo modo de
produção. O computador e a Internet definem essa nova ambiência informacional e dão o tom da
nova lógica comunicacional, que toma o lugar da distribuição em massa, própria da fábrica e da
mídia clássica, até então símbolos societários.
Cada vez se produz mais informação on-line socialmente partilhada. É cada vez maior o
número de pessoas cujo trabalho é informar on-line. Cada vez mais pessoas dependem desta forma
de comunicação para trabalhar e viver.
A economia assenta-se na informação on-line. As entidades financeiras, as bolsas, as
empresas nacionais e multinacionais dependem dos novos sistemas de informação on-line e
progridem, ou não, à medida que os vão absorvendo e desenvolvendo. A informação on-line
penetra a sociedade como uma rede capilar e ao mesmo tempo como infra-estrutura básica. A
educação on-line ganha adesão neste contexto e tem aí a perspectiva da flexibilidade e da
interatividade próprias da Internet.
Se a escola não inclui a Internet na educação das novas gerações, ela está na contramão da
história, alheia ao espírito do tempo e, criminosamente, produzindo exclusão social ou exclusão da
cibercultura.
6.2 Exclusão digital no Brasil: desafios e perspectivas
O mais completo estudo elaborado sobre a exclusão digital no Brasil estima que quase nove
em cada dez brasileiros não têm acesso a computador ou Internet . O "Mapa da Exclusão Digital"
- resultado de uma parceria entre a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Comitê para
Democratização da Informática (CDI), expõe o apartheid digital no país, onde um quarto dos
habitantes do Distrito Federal tem computador doméstico e 98% dos maranhenses são excluídos.
O mesmo estudo aponta vias eficientes para erradicar mais essa brutal diferença do país que é
campeão em desigualdade: políticas voltadas à inclusão digital dos empobrecidos. Existe uma luz
no fim do túnel: a cada quatro meses, um milhão de brasileiros passa a ter um computador em
casa. Porém, o forte ritmo de expansão da tecnologia, da indústria cultural e da comunicação, não
deve mascarar o grande fosso entre os que tem acesso e os que estão a margem da era digital.
(FGV/CDI,2004)
151
Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontam que, no
mundo, apenas 5% da população (305 milhões de pessoas) têm acesso à Internet, assim
distribuída: Estados Unidos e Canadá (44,9%), Europa (27,4%), Ásia (22,6%), América Latina
(3,5%), África (0,6%). Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, autor do livro Exclusão
Digital - A miséria na Era da Informação: "Nosso planeta é tão desigual que a Ilha de Manhattam,
sozinha, tem mais linhas telefônicas do que todo o continente africano". Outros dados do
economista americano Jeremy Rifkin: 40% da população mundial continuam sem tomada na
parede, e 65% nunca deram um telefonema sequer. (1999) No Brasil, o quadro de exclusão é
semelhante. A desigualdade econômica do país aparece nas estatísticas do mundo digital: só
12,46% têm computador em casa e 8,31% dispõem de acesso doméstico à Internet. Os indicadores
sócio-econômicos, que fazem do Brasil uma das quatro nações mais injustas, se refletem no
chamado mundo digital. Apenas 12,46% dos brasileiros têm computador em casa e somente
8,31% dispõem de acesso doméstico à Internet. Uma estatística dramática que coloca quase nove
em cada dez habitantes no índice da exclusão digital. Desse total, 80% pertencem às classes A e
B.
Neste país contraditório, onde quase cem milhões de eleitores votam eletronicamente, onde
grande parte da população acerta as contas com o Imposto de Renda pela Internet e que possui um
dos sistemas financeiros mais informatizados do mundo, o alto índice de exclusão digital contrasta
com o ritmo acelerado de expansão da informática. Dados recentes do IBGE apontam o número
de habitantes com computadores domésticos, chegando a 27 milhões de brasileiros. A cada quatro
meses, um milhão de brasileiros passam a ter computador em casa. A taxa de incluídos digitais
cresceu significativamente nos últimos anos. O número de pessoas com acesso ao computador
aumentou em 50%. Passou de 10% para 15% entre 2000 e 2002. A exclusão digital caminha junto
com a social, atingindo as pessoas de menor escolaridade, os negros e os moradores das áreas
geográficas menos desenvolvidas do país. Entre os negros, apenas 4% têm computador em casa.
Já entre os brancos, o percentual sobe para 15,14%.
152
6.3 Alternativas e perspectivas para a inclusão digital
O relatório do PNUD reconhece a inclusão tecnológica como um dos fatores mais
importantes para o desenvolvimento humano. Nos últimos anos, o número de doações de
computadores a escolas e organizações do terceiro setor cresceu muito, graças à renovação do
parque tecnológico de grandes corporações multinacionais presentes no país e também graças à
mobilização da sociedade civil que exige responsabilidade social do mundo empresarial. Essas
empresas ganham de diversas formas: desocupando espaço físico, tendo benefícios fiscais e
fazendo marketing social.(PNUD,2002)
Na iniciativa pública, a exclusão digital não tem sido combatida a contento, principalmente
devido ao desvio da finalidade do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
(FUST). O FUST arrecada 1% do faturamento bruto das empresas de telecomunicações, como
forma de redução de impostos com a finalidade de combater a exclusão digital. Infelizmente o
FUST ainda não tem sido usado adequadamente para o fim que foi criado, mas o governo federal
tem prometido, através do Ministério das Comunicações, corrigir este problema. Algumas
prefeituras têm criado alternativas, a exemplo de Porto Alegre, que tem adotado o uso do software
livre - também chamado de código aberto - nos órgãos públicos e na rede oficial de ensino como
estratégia de democratização da informática e do conhecimento.
Na iniciativa privada, a experiência de inclusão digital mais significativa é a do
movimento que se denomina Comitê para a Democratização da Informática (CDI). A ONG
fundada no Rio de Janeiro em 1995 pelo empresário Rodrigo Baggio, já capacitou 263 mil pessoas
de baixa renda, em 617 Escolas de Informática e Cidadania (EICs) localizadas em 10 países,
sendo que 92% dos atendidos são brasileiros, em 19 Estados. Nas escolas, além de noções básicas
de informática, os alunos aprendem noções de cidadania. O projeto político-pedagógico
implementado nas escolas do CDI é inspirado no pensamento do educador Paulo Freire. A
previsão do CDI para 2007 é de ter 3 mil escolas e 45 mil computadores, formando um milhão de
alunos anualmente.
153
6.4 A educação contra a exclusão digital
O estudo do CDI e da FGV mostra ainda que quanto maior o nível educacional, maior é a
chance de ter acesso a computador e Internet. Dos que possuem 12 anos de estudo ou mais,
30,54% têm computadores. Entre os que têm nenhum ou menos de um ano de instrução, 95,94%
não têm acesso a computadores. Esse grupo corresponde a 25% da população brasileira. O
crescimento da educação a distância (EaD) tem acontecido de forma exponencial no Brasil,
principalmente a EaD mediada por computador. O governo federal tem percebido este movimento
da sociedade e através do MEC tem criado setores com responsabilidade sobre esse fenômeno
educacional. Para a maioria dos pesquisadores da área, a chave para a informatização e o
desenvolvimento tecnológico do país está na educação, como afirma o pensador da cibercultura
Pierre Lévy. Para ele, os números da informatização apontados pelo IBGE no censo 2000 são
animadores. ''Para a inteligência coletiva, o principal obstáculo à participação não é a falta de
computador, mas o analfabetismo e a falta de recursos culturais''.
O Brasil é um dos países do mundo onde a Internet mais cresce e é o oitavo em conexões.
(NUA Internet Survey e Data Folha,1999). Na Era da Globalização e da Sociedade da Informação,
possui tecnologia multimídia e sociedade de consumo maiores que muitos países considerados
desenvolvidos.
A cada 18 meses duplica o crescimento da rede e da tecnologia de informação, o que
indica que a educação brasileira não pode prescindir das novas tecnologias da informação. Na
nova sociedade do conhecimento a TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) acelerou
drasticamente e melhorou o processo de compartilhamento do conhecimento.(Ayala II)
Muitos ainda tem restrições ao uso da Rede (Internet, WEB) e é verdade que questões
contraditórias que estão dialéticamente colocadas na sociedade como um todo, também estão
presentes nela: direitos humanos e racismo, feminismo e machismo, educação sexual e
pornografia. Porém, nos oferecem dados interessantes pesquisas realizadas nos Estados Unidos -
onde a rede possui maior capilaridade: do universo pesquisado de usuários da Internet, em 60%
das mulheres e 51% dos homens, a troca de mensagens via rede, melhorou contatos com os
familiares, 71% das mulheres e 61% dos homens melhorou o relacionamento com os amigos. E
talvez o dado mais importante: 24 milhões utilizaram a rede para localizar parentes e amigos
com os quais já tinha perdido contato. ( Pew Internet, American Life project,2000)
154
Estes dados nos levam a considerar a observação de Ayala de que "à medida que as novas
tecnologias de comunicações e os computadores ficarem cada vez mais sofisticados, as
comunidades do conhecimento prosperarão em todo o mundo." (Ayala II).
Com isso, acreditamos que está surgindo a e-ducaç@o, ou seja, a educação on-line, que
tem como base a Internet, como ferramenta e lógica de trabalho, acesso à informação,
conhecimento, comunicação e método de aprendizagem. Este é o tipo de educaç@o que terá na
Internet 2, com sua banda larga e a sua potencialidade multimídia, uma enorme possibilidade
interdisciplinar. Segundo Peter Drucker, pensador da administração, a maior revolução trazida
pela Internet será o Ensino a Distância para adultos; e a educação (o ensino on line) representa a
possibilidade de países pobres avançarem aos saltos. A educação está trazendo novas alternativas
de informação e comunicação e novos mercados e alternativas de trabalho.
Estes dados nos ajudam a pensar o futuro da educação no Brasil. Como vimos, no ensino
fundamental, há muito o que fazer, mas no ensino médio, apesar das limitações, parece que
lentamente, através de diversos programas , como por exemplo o PROINFO do MEC, as coisas
começam a mudar: 22% das escolas públicas de ensino médio já têm acesso à Internet e 66% têm
laboratório de informática, número superior às escolas particulares (22%). Além disso, 82,2% das
escolas têm biblioteca (INEP,1999). Porém, sabemos que ainda é muito pouco. O computador, às
vezes, não chega às escolas, e quando chega as atividades são mínimas . Na rede privada, aluno
faz software, na pública espera o acesso à Internet. O laboratório já existe, mas, na maioria das
vezes, é subutilizado e somente para cursos de informática e não inserido como prática cotidiana
das aulas. Muitas coisas estão surgindo rumo à educação, entretanto muito ainda há por fazer.
A educação a distância cresce vertiginosamente no Brasil. As universidades públicas estão
investindo em um consórcio nacional, a UNIREDE, que já está apoiando projetos da TV Escola e
PROINFO na área de metodologia e formação, justamente as áreas mais carentes e importantes
deste processo em curso. As universidades privadas não estão ficando para trás, investem na
Internet e na educação a distância e um grupo delas criou a Universidade Virtual Brasileira
(UVB). A UVB é uma rede de cooperação universitária voltada para a pesquisa, o
desenvolvimento de sistemas, infra-estrutura e criação de estratégias pedagógicas, visando à oferta
de cursos por educação a distância que também já começou a atuar. Várias outras experiências
importantes de EAD existem no Brasil, como o LED-UFSC (Laboratório de Educação a
Distância da UFSC) que foi um dos projetos pioneiros no país. O LED- UFSC está ampliando sua
155
atuação fazendo parte de um consórcio internacional, o VIAS, juntamente com MIT
(Massachusetts Institute of Tecnology) e possui ambicioso projeto de articulação global de
educação a distância utilizando como principal ambiente a grande rede (WEB) , a Internet e suas
possibilidades futuras.
A rede está criando novos empregos e fazendo desaparecer outros. A informatização do
sistema bancário é um exemplo de como milhões de empregos podem desaparecer, com a
mudança de um sistema produtivo. Na área da comunicação e da informação, novas profissões e
cursos universitários estão surgindo todo dia. O jornalismo digital é uma das áreas promissoras
nesta nova era e as universidades e cursos que não se atualizarem ficarão defasados. Especialistas
em conteúdos, em conhecimentos nas mais variadas áreas, terão oportunidade na rede, trabalhando
prioritariamente através do tele-trabalho, ou seja on line. Estão surgindo várias novas profissões e
outras estão sendo revigoradas e reformuladas, como WEB Designer, Designer Multimídia,
Jornalista Digital e novas áreas de trabalho como: Tecnologia da Informação, Design Gráfico,
Engenharia da computação, Engenharia do Conhecimento, Ciência da Computação, Ciência da
Informação/ Biblioteconomia, Mídia Digital, entre outras. Haverá ainda muita mudança de
rótulos, funções e habilidades neste processo de aquisição de competências. (BLATTMANN,
RADOS, FRAGOSO, 2003, p.79)
6.5 As redes de movimentos sociais no processo de democratização da sociedade
Atualmente vem se desenhando uma nova trindade nas concepções de desenvolvimento: o
Estado, o Mercado e a Sociedade Civil (WOLFE, 1992). A professora Ilse SCHERER-WARREN
relaciona as principais correntes teóricas do pensamento atual, no contexto da área de pesquisa dos
movimentos sociais, através de duas tendências principais: uma, que trata a questão a partir de
uma relação dual - sociedade civil versus Estado; e outra, que considera uma relação tripartite -
estado/mercado/sociedade civil.
Para Norberto BOBBIO, que segue a primeira tendência, a sociedade civil é o campo das
várias formas de mobilizações, associações e organização das forças sociais, que se desenvolvem
à margem das relações de poder que caracterizam as instituições estatais. Dentro desta visão,
Calhoun (apud. SCHERER- WARREN, 1994) distingue a sociedade civil por sua capacidade de
156
associativismo e autodeterminação política independente do Estado. Estas associações, que podem
assumir a forma de comunidades, movimentos ou organizações, advindas da igreja, de partidos ou
de grupos de mútua ajuda, têm o papel de intermediação junto à instituição Estado.
A segunda tendência, que considera a relação tripartite Estado-mercado-sociedade civil,
aponta a sociedade civil como integrante de um terceiro setor, em contraste com o Estado e o
Mercado e refere-se genericamente a uma ação, a entidades não-governamentais, independentes
da burocracia estatal e sem fins lucrativos, independentes dos interesses do mercado. A própria
noção de ONG (Organização Não-Governamental) tende ser compreendida como parte deste
setor.
Entretanto, Alan WOLFE, seguindo esta tendência tripartite, considera o terceiro setor
como a própria sociedade civil, que denomina tamm de setor social. A noção de Wolfe de
associativismo na vida cotidiana aproxima-se daquela de Tocqueville, incluindo-se aí a mútua
ajuda, ações de solidariedade comunitária e familiar, além de ONGs e outros movimentos. Além
disso, segundo este autor, altruísmo/gratuidade seriam outros elementos constitutivos da
sociedade civil (SCHERER-WARREN, 1994, p.6).
A sociedade civil brasileira tem destacado uma outra trindade enquanto agente político na
busca de articulação de redes de movimentos, na articulação entre organizações populares, no
sentido de formar um coletivo mais abrangente. Alguns agentes são oriundos do movimento
sindical e há ainda aqueles que realizam um trabalho de mediação junto a movimentos populares
através das ONGs (organizações não-governamentais) (SCHERER-WARREN, 1993, p.116). É
dentro deste quadro conjuntural, que conta com novos movimentos sociais, que surge nos anos 80
o Movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil. Na década de noventa, estes
movimentos se caracterizaram pelo fortalecimento em forma de rede, as chamadas redes de
movimentos. Segundo Ilse Scherer-Warren, "as redes de movimentos que vêm se formando no
Brasil apresentam algumas características em comum: busca de articulação de atores e
movimentos sociais e culturais; transnacionalidade; pluralismo organizacional e ideológico;
atuação nos campos cultural e político" (ibid, p.199)1. Podemos ainda acrescentar a
horizontalidade como característica dessas redes de movimentos sociais no Brasil (SOUZA,1996).
157
6.6 A educação e o movimento social da cibercultura
Pierre LÉVY, na obra "Cibercultura" , sustenta a tese de que "a emergência do ciberespaço é
fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana
escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência
coletiva) e suas aspirações coerentes. (1999,p.123). Acreditamos, como Lévy, que a
democratização do ciberespaço e sua conseqüente contribuição para a democratização da
sociedade como um todo não é simplesmente " o acesso a equipamentos informáticos", ou ainda
"um acesso ao conteúdo", nem um acesso a mídia , nem um simples acesso a informação, mas
sim um "acesso de todos aos processos de inteligência coletiva,(...) ao ciberespaço como sistema
aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos
problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos
saberes".( LÉVY,1999,p.196). Em outras palavras, só como uma educação integral, holística
entendendo a e-ducaç@o como a utilização da mídia, da rede, da WEB, como espaço de diálogo,
de reelaboração das informações transformando o conhecimento em instrumento de
CIBERCIDADANIA.
É importante destacar que as escolas não têm condição para favorecer este tipo de
educação aos alunos, são poucas escolas que dispõem de recursos como laboratórios de
informática para subsidiarem o conhecimento aos seus alunos.Se a escola não disponibiliza destes
instrumentos , como o aluno vai inteirar-se neste meio de educação?
6.7 A educação e os caminhos do virtual
"Precisamos rapidamente humanizar a tecnologia antes que ela nos desumanize". Esta frase do
filósofo Martin Buber, que foi citada pelo neurologista americano Oliver Sacks durante entrevista
concedida ao programa "Roda Viva", da Rede Cultura de Televisão, pode muito bem demonstrar
um dos grandes desafios da humanidade na virada do milênio. A virtualização da sociedade se
coloca com uma discussão fundamental para se pensar que mundo queremos e teremos no futuro
próximo. " A virtualização é o movimento pelo qual se constitui e continua a se criar a nossa
espécie. No entanto, ela é freqüentemente vivida como inumana, desumanizante, como a mais
aterradora das alteridades em curso. Ao analisá-la, ao pensá-la, ao enaltecê-la às vezes, tentei
158
humanizá-la" diz Pierre Lévy (1996,p.147), como se tivesse respondendo ao filósofo Martin
Buber.
Vários pesquisadores têm trabalhado nesta perspectiva. Alguns, como Lee Li-Jen Chen e
Brian Games da University of Calgary do Canadá, têm inclusive refletido sobre as dimensões da
gestão da comunicação mediada por computador e a importância das organizações virtuais globais
e dos agentes inteligentes utilizados no ciberespaço para o desenvolvimento da comunicação, do
conhecimento e do progresso social. Desenvolvendo o conceito de "socioware" para a
comunicação cibernética, levando em consideração o conhecimento e o processo social em
organizações virtuais, eles descrevem várias formas de ferramentas de suporte na Internet e as
categorizam em termos de modelo e "organismos cibernéticos". Os autores demonstram como "o
crescimento exponencial da Web e a crescente disponibilidade de ferramentas e serviços
colaborativos na Internet têm facilitado a criação de infra-estrutura, disseminação de
conhecimento inovador, tais como: livrarias eletrônicas, jornais digitais, ambiente de descoberta
de recursos, sistemas de co-autoria distribuída e comunidades científicas virtuais" (CHEN,
GAINES,1997,p.5). Neste sentido, Lévy diz que devemos dar sentido à virtualização, inventando
uma "nova arte da hospitalidade" e que "a mais alta moral dos nômades deve tornar-se neste
momento de grande desterritorialização, uma nova dimensão estética, o próprio traço da criação".
( LÉVY,1996,p.150) . A utilização destes elementos, da mídia e do conhecimento para uma
educação transformadora, crítica, com uma concepção transdisciplinar, holística, visando o bem
social, reforçando a cidadania e a democracia, é o que chamamos CIBERCIDADANIA. A e-
ducação é um dos territórios de disputa da cibercidadania. Por tudo isso, e acreditando que, como
diz o professor Murilo César RAMOS , o cenário de luta já está armado, sendo que nós, como
atores sociais, é que faremos o enredo da peça, termino este trabalho parafraseando o Prof. Pierre
LÉVY: "Bem-vindos à nova morada do gênero humano. Bem-vindos aos caminhos do virtual!"
(1996, p.150)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar como a questão da cidadania está sendo trabalhada na atualidade,
Num primeiro momento nota-se claramente que a LDB/1996 tem de novo a tentativa de
aumentar a participação das tecnologias, erradicalisação do analfabetizmo, educação para todas as
culturas, inclusão e demais avanços da LDB, no sentido de expandir a cidadania tão proclamada nos
textos oficiais. Mas num segundo momento nota-se que estes discursos não passam de meros discursos
teóricos, brevemente foram analisados alguns documentos oficiais da legislação educacional,
LDB/1996 entre outros documentos privilegiados, foi dado ênfase a questão da cidadania, aos direitos
do aluno, ao ensino cidadão, à gestão democrática e ao professor profissional, com o intuito de
detectar se a cidadania proclamada nos textos da LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional/1996), tem condições de se realizar nas práticas pedagógicas.
“Formar o cidadão é dar as orientações básicas de respeito e de condição social. A condição
social é que faz o cidadão. É conscientizar e para isso é fundamental a escrita, a leitura, a
compreensão do mundo. Através da educação, o aluno vai saber conhecer os seus direitos, as suas
obrigações e saber respeitar o próximo. Saber ser gente” (grifo nosso)
Vera Candau et alii:
“A luta pelos direitos humanos se dá no cotidiano, em nosso dia-a-dia, e afeta profundamente a vida de
cada um de nós e de cada grupo social. Não é mera convicção teórica que faz com que os direitos
sejam realidade, se essa adesão não é traduzida na prática em atitudes e comportamentos que marquem
nossa maneira de pensar, de sentir, de agir, de viver”(1995, p.99).
É possível a escola pública contribuir para a formação da cidadania democrática na
modernidade? Quais as possibilidades e limites?
Ao tentarmos responder as questões orientadoras do processo de análise dos documentos
oficiais da legislação que rege o ensino nacional, partimos do pressuposto de que a proposta de
160
mudança na educação está primeiramente associada aos interesses de políticas e órgãos
governamentais, em aplicarem verbas para interior do espaço escolar está e esta a depender da
compreensão e da adesão dos educadores para tal proposta, sem perdermos de vista os determinantes
sócio-econômicos e políticos em que a escola está inserida.
Os direitos que constituem a cidadania são sempre conquistas, resultado de um processo histórico no
qual indivíduos, grupos e nações lutam para adquiri-los e fazê-los valer. A cidadania, no entanto, é
também uma prática, por isso sociólogos, antropólogos e educadores salientam a importância
crescente dos movimentos sociais para a construção da cidadania pela afirmação dos direitos sociais.
O Titulo I da Constituição Federal do Brasil,a lei maior do país, cita como princípios
fundamentais da República Federativa: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político.
A leitura combinada da constituição, da Lei 9394/96 e da resolução CNE?CEB 1/2000 mostra
que tais ordenamentos se mantêm fiéis ao mesmo espírito, de propiciar a educação de forma justa,
democrática e acessível a todos, inclusive aqueles que a ela não tiveram acesso na idade própria.
Trata-se de democratizar o acesso à educação como direito à cidadania.
Diante do quadro de exclusão social da grande parte dos brasileiros, em que os direitos
fundamentais não são garantidos para toda população, o governo assume o compromisso de
administrar o estado na condição de representante dos seus interesses. Nesse entendimento, propõe-se
a assegurar os direitos Constitucionais, no qual determina o Estado democrático de direito.
Verifica-se no entanto que na teoria, ou inserido nas leis, num primeiro momento a LDB
apresenta e propõe, e faz permitir que todos os direitos, são direitos a todos, mas num segundo
momento, vê-se claramente que a teoria não se configura na prática
É com essa compreensão do papel do estado que a política governamental procurou romper
com a concepção de Estado paternalista e clientalista que sempre permeou as políticas publicas na
formulação das leis educacionais, conforme Silke Weber (1993), essa concepção esta presente nos
planos nacionais de educação nos períodos de 1976-1987, no RS não foi legalmente oficializado plano
de educação, mas segue a orientações das políticas educacionais federais nacionais.
A condição dos educadores tem como pressuposto a sua competência nos campos político e
técnico imbricados em um só processo – a formação profissional. Deduzimos pelo fato da educação
estar muito bem respaldada em suas leis e amparada pela Constituição Federal, em seus princípios,
cabe dizer então que na prática ocorre falhas no sistema educativo, em exercer as leis na prática, pois
161
parte do plano ideal para o real, não se evidencia a formação da cidadania no cenário educacional
brasileiro, partindo de pressupostos teóricos-práticos, da atual conjuntura do povo brasileiro, onde a
cidadania é negada, basta verificar o contraste social em que o país apresenta.
A exclusão da tecnologia sobre prisma da construção do conhecimento é mais uma forma de
cidadania negada ao cidadão. È evidente seu reflexo nas escolas, onde a maioria não dispõe da
tecnologia para a qualificar para o mercado de trabalho. Sendo que este deveria ser um dos papéis da
escola.
É a partir desta convicção que reafirmamos uma outra posição, a de que os formuladores de
políticas educacionais precisam considerar os educadores – executores das políticas – como sujeitos
autores, sujeitos ativos e parceiros na construção das políticas educacionais em suas diferentes etapas.
Buscar compreender a função principal da escola a de socializar os conhecimentos
historicamente construídos nos remete a uma questão: qual conhecimento e em que direção se busca
esta elaboração? Isso quer dizer, pensar no projeto de escola é percebê-la enquanto instituição social
que tem na concepção de sociedade o homem e a educação os seus fundamentos.
Ao mesmo tempo é compreender que no espaço escolar são tecidas relações, construídos
valores, comportamentos e atitudes, que estão fundamentados nesta concepção
Assim, lutar pela construção de uma escola que contribua para a formação da cidadania
democrática, no contexto de uma sociedade com tradições escravocrata, autoritária e clientelistas tão
arraigadas, é em primeiro lugar saber o conceito da cidadania e saber valer-se dos seus direitos,
reivindicando eles, é perceber que essa luta deve permear o conjunto das instituições sociais, no
sentido de romper com essa cultura e criar uma contra-cultura, calcada nos princípios democráticos de
liberdade e de igualdade, nos valores republicanos do bem comum e do bem coletivo, com vistas à
construção de uma sociedade baseada nos valores da solidariedade e justiça social.
A construção da escola pública no contexto da sociedade brasileira, parte inicialmente da
contradição em que vive o seu povo: o Estado é regido por leis, normas, pactos avançados em termos
de garantia dos direitos humanos e o próprio Estado é agente violador dos direitos e se mantém
distante da sua materialização.
É esta contradição no regime democrático que permite avançar, respaldada nos instrumentos
legais, a reivindicação dos direitos instituídos. Há, portanto, uma tensão que perpassa o conjunto das
instituições sociais, o direito legitimamente assegurado e não materializado, em que a escola é palco
onde se reproduzem essas violações, mas pode contribuir para combatê-las.
162
Neste contexto, e ao analisarmos a escola enquanto possibilidade de espaço democrático de
construção da cidadania, orientada por uma política governamental nesta direção, ficam evidentes as
dificuldades e possibilidades que há de se lograr e enfrentar na escola, bem como no conjunto da
sociedade.
Os resultados dessa investigação, agrupados em eixos orientadores da análise, apontam um
conjunto de fatores intervenientes quer positivamente, quer como limites na construção de uma
formação da cidadania no espaço escolar.
Entre os fatores restritivos é possível destacar os estruturais e os internos ao campo escolar.
Fatores estruturais
•O fortalecimento da política neoliberal, que não favorece a implantação de políticas sociais, e o
Estado apresenta-se com a sua capacidade de intervenção bastante reduzida, enquanto gestor dessas
políticas.
•A fragilidade do regime democrático decorrente da precariedade das condições sociais, econômicas e
culturais da maioria da população, tendo como conseqüência a exclusão social e a mutilação da
cidadania.
•A cultura escravocrata, de favorecimento e patrimonialista, gerando comportamentos de privilégios,
de mando e submissão, em detrimento do reconhecimento do indivíduo enquanto sujeito de direitos,
dificultando romper com essa cultura e criar uma contracultura fundamentada nos princípios
democráticos e nos direitos humanos.
•Os baixos índices de escolaridade e de taxas significativas de jovens e adultos analfabetos,
dificultando a que estes possam exercer a sua condição de cidadãos.
•O processo de globalização e o avanço da tecnologia, contribuindo para eliminar do mercado a mão-
de-obra menos qualificada, ampliando o desemprego estrutural e a marginalidade social.
•O fato de a educação ser considerada prioridade mais no campo formal do que real, evidenciando-se
na definição das propostas orçamentárias das políticas governamentais.
Esse conjunto de fatores produz um corpo de educadores e de alunos que não têm os seus
direitos básicos totalmente materializados, com uma cidadania fragilizada.
163
Os dados que emergiram desta analise apresentam na realidade de nossas escolas, um
educador desrespeitado na sua condição de trabalhador, com salários aviltantes e condições de
trabalho e de vida distantes da concretização de uma vida digna a que todo sujeito tem direito. O
aluno, em condições bem mais precárias, é o que se pode denominar de “cidadão elemento”: aquele
que está à margem dos principais benefícios que a sociedade oferece, e compõe as estatísticas da
exclusão social.
No campo da política educacional
•O fato de a educação ser vista como instrumento de manutenção de poder político e não como direito
social.
•Os entraves burocráticos administrativos de uma estrutura em que a administração não é vista como
meio para a concretização de uma educação de qualidade.
•A fragilidade da fundamentação teórica dos documentos orientadores da política educacional no que
se refere às tônicas: direitos do aluno, ensino cidadão e gestão democrática.
•Formação do educador que não contempla a discussão da temática dos direitos humanos e da
cidadania, aliada à não oferta de um programa de capacitação sistemático, contínuo, voltado para esses
conteúdos, com metodologias significativas em que o sujeito é o autor do seu processo de
conhecimento.
•Precárias condições de trabalho do educador, dificultando o desenvolvimento de momentos de
estudos mais sistemáticos.
•Período curto para implantação do Projeto Escola Legal no RS– final do governo, 19997/1998.
Embora nos documentos conste que a Declaração dos Direitos do Aluno foi resultante de amplo
debate, a maioria dos sujeitos da pesquisa desconhecia o seu conteúdo, o que podemos inferir que o
projeto não atingiu o público previsto e sua efetivação está atrelada necessariamente ao conhecimento
e à adesão que os educadores venham a ter em relação ao projeto.
•A cultura autoritária, de privilégios, preconceitos e violência permeando as relações sociais e
dificultando o avanço da construção de gestões democráticas, uma vez que a democracia, enquanto
idéia nova, está em processo de construção inicial para o povo brasileiro, historicamente falando.
•A falta de conscientização da comunidade escolar e local no entendimento da educação pública de
qualidade, enquanto bem social e direito de todos os indivíduos e dever do Estado e da escola, como
patrimônio público, coletivo, cabendo à sociedade a responsabilidade de participar do seu projeto.
164
Diante desse conjunto de fatores que dificultam a implementação de uma proposta voltada para
a formação da cidadania, é importante verificar, a partir da própria contradição que o regime
democrático aponta, as possibilidades que permeavam o campo da política mais ampla e o campo da
escola.
•O processo de redemocratização do país fez emergirem propostas de políticas educacionais com
vistas ao fortalecimento da democracia, através da reivindicação e ampliação dos direitos sociais e os
direitos de solidariedade planetária ligados à preservação do meio ambiente e ao respeito à diversidade
cultural.
•O fortalecimento da sociedade civil com ampliação de grupos e movimentos que têm participação no
processo de gestão e intervenção nas políticas públicas, possibilitando maior transparência da coisa
pública.
•O aumento da consciência política, embora de forma muito lenta e gradual, da sociedade em relação
aos direitos dos indivíduos e os deveres do poder público.
•No campo da escola
As pesquisas apontam que as escolas consideradas bem sucedidas, legitimadas pela sociedade,
apresentam características bem marcantes. Essas características evidenciam que é possível a escola
pública contribuir para a cidadania democrática, no momento em que ela viabilize um projeto
pedagógico articulado a uma proposta maior de modelo de sociedade. Lutar pela democratização é
lutar pelos mesmos ideais da sociedade como um todo.
A educação torna-se fator não somente de crescimento humano da pessoa. Transforma-se em
meio de inclusão e ascensão social, de afirmação profissional, de exercício pleno da cidadania.
Cidadania só de define, se antes conceituarmos o papel do Estado. É neste ponto que os cidadãos
brasileiros não se entendem mais. O sistema político, democrático e republicano, nos dá todo o direito
de defender o Estado que queremos.
Verificamos assim que os PCNs ,se configuram num instrumento de controle por parte do
Estado do que se deve ensinar e aprender nas escolas públicas de todo o país, de acordo com os
princípios gerais definidos pelos organismos capitalistas internacionais – tanto no que se refere à
adaptação de tecnologia pelos países de capitalismo periférico quanto com relação ao modelo de
165
cidadania “colaboradora”, que não questione os fundamentos da nossa sociedade –, bem como numa
importante via de acesso do setor empresarial nacional às políticas públicas educacionais, favorecendo
a possibilidade de intervenção direta das empresas privadas no currículo, na seleção de materiais e na
gestão dos recursos das escolas públicas brasileiras.
Infelizmente, a liberdade de conhecimento não é garantida neste modelo de educação.
Quanto à educação técnico-profissional numa perspectiva da cidadania, no contexto da globalização e
da ideologia que a sustenta construído numa subjetividade coletiva de exclusão sem culpa, há imensos
desafios a serem enfrentados concomitantemente no plano ético-político, epistemológico, teórico e da
praxis. Estes desafios ampliam-se em sociedades como a brasileira, cujos governantes e classes
dirigentes têm como projeto político-social, como única alternativa possível, o ajuste neoconservador a
globalização excludente.
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