Download PDF
ads:
1
SAMIR MUSTAPHA GHAZIRI
DA LEITURA NO IMPRESSO À LEITURA NA TELA: NOVAS
VEREDAS PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR NA ESCOLA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação da Faculdade de Filosofia
e Ciências – UNESP – campus de Marília, como parte
dos requisitos para obtenção do título de mestre em
Educação.
Área de Concentração: Ensino na Educação Brasileira.
Linha de Pesquisa: Abordagens Pedagógicas do Ensino
de Linguagens.
Orientador: Dr. DAGOBERTO BUIM ARENA
Marília – SP
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
SAMIR MUSTAPHA GHAZIRI
DA LEITURA NO IMPRESSO À LEITURA NA TELA: NOVAS
VEREDAS PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR NA ESCOLA
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Educação da Faculdade de Filosofia
e Ciências – UNESP – campus de Marília, como parte
dos requisitos para obtenção do título de mestre em
Educação.
BANCA EXAMINADORA
Presidente: DR. DAGOBERTO BUIM ARENA
MEMBROS: DR. JUVENAL ZANCHETTA JÚNIOR
DR. FRANCISCO ASSIS DE QUEIROZ
ads:
3
Ghaziri, Samir Mustapha
G411L Da leitura no impresso à leitura na tela : novas veredas
para a formação do leitor na escola / Samir Mustapha Gha-
ziri. - Marília, 2007.
179 f. : il.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2008.
1. Ciberespaço. 2. Leitura. 3. Educação - Processamento
de dados. I. Título.
CDD 371.33
4
AGRADECIMENTOS
Aprendi que se depende sempre, de tanta muita diferente gente.
Toda pessoa é as marcas das lições diárias de outras tantas
pessoas. É tão bonito quando a gente entende que a gente é
tanta gente, onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a
gente sente que nunca está sozinho, por mais que pense estar...
(Caminhos do Coração ou pessoa = pessoa)
Gonzaguinha
E sendo assim, gostaria de agradecer a todas estas pessoas!
Ao Professor Dagoberto Buim Arena, sempre paciente e disposto a ouvir e a ensinar.
Agradeço pela orientação segura, pela amizade, e pela alegria com que sempre me
recebeu e com a qual sempre recebe todos os seus alunos e orientandos.
Ao Professor e amigo Juvenal Zanchetta Júnior, por acreditar que a minha entrada no
Mestrado era possível, por todos os ensinamentos sobre a conturbada relação entre
mídia e escola, pelas fundamentais contribuições no exame de qualificação e pelas
conversas, nas quais muito aprendi, seja sobre a vida, sobre a educação, nas idas e
vindas de Assis à Marília.
Ao Professor e amigo Francisco Assis de Queiroz, por me ensinar o que é ser
historiador. Com você aprendi a importância do diálogo entre as ciências e o respeito
por todas elas. Obrigado pelo incentivo quando decidi fazer a pós em educação e
também pelas contribuições no exame de qualificação.
À Professora e amiga Raquel Lazzari Leite Barbosa, pelo aprendizado durante nossas
conversas e pelas contribuições no exame de qualificação.
5
Aos funcionários da biblioteca e da seção de Pós-Graduação, todos sempre dispostos
a ajudar, principalmente à querida Iara.
Ao grande amigo Oséias de Oliveira. Ensinou-me o que é ser professor e como dar
uma boa aula. Um dos primeiros a incentivar meu ingresso no Mestrado em Educação,
não mediu esforços para me ajudar no que fosse preciso. Obrigado pelo software,
fundamental na pesquisa, pelas referências bibliográficas, pelas leituras críticas do
trabalho, pela parceria e pela paciência nas longas conversas que tivemos.
À Elianeth Dias Kanthack Hernandes, por todo o apoio e incentivo quando enfrentei
o processo de seleção.
Ao amigo Guazeli, por não medir esforços para me ajudar com os computadores da
escola, em que muitas vezes sacrificou o seu próprio trabalho. A você devo o sucesso da
coleta de dados.
À querida amiga Ana Maria Esteves, por suas palavras de sabedoria e experiência,
saiba que elas sempre me acalmaram e me motivaram. Sou muito grato pelo carinho
com que sempre me tratou, pelo apoio e pela torcida.
Ao grande amigo Sérgio Fabiano Aníbal, pela disposição em ajudar e em aconselhar.
Suas palavras foram um dos principais pilares que me sustentaram durante este árduo
processo. Sua amizade foi fundamental para a execução deste trabalho.
Aos amigos de Assis, Walter E. Ferreira, Fernando Pessoa, Jordane B. Garcia,
Paulo Portes, Renan S. R. Manaia, Renan Fornazieiro, Felipe V. Lima, Bruno
Machado, Maikel Drachenberg, Felipe Modesto, Adriano Carbone e Thiago Dias.
Aos amigos de Foz, Robert C. Neto, Mehanna H. Mehanna, Hamzi N. Taha, Rene
L. Z. Segundo, Majed Abdalah e Kenny Yuen.
Ao CNPq pelo financiamento da pesquisa.
6
DEDICATÓRIA
Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar,
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que
um espectador de mim mesmo,
Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco, cenário para viver o
meu sonho
entre luzes brandas
e músicas invisíveis.
Fernando Pessoa
Dedico este trabalho a algumas pessoas especiais, base para minha formação pessoal
e social
Aos meus pais, Mustapha e Leila, pela história de coragem que me serve de inspiração
para enfrentar os desafios cotidianos. Faltam palavras para expressar a gratidão e o
orgulho que tenho de vocês. Obrigado por todo apoio e incentivo em todos os
momentos e escolhas que fiz em minha vida. Por todos os ensinamentos, sou grato,
principalmente por me ensinarem a não temer a liberdade.
À Maria, por ser mais que uma irmã. Em muitos momentos, mesmo não tendo idade
suficiente, teve que fazer o papel de mãe. E fez como ninguém o faria. Para expressar
minha gratidão e amor por você, todas as páginas desta dissertação não seriam
suficientes. Seus ensinamentos foram e são fundamentais para a minha construção como
homem. Tudo o que fiz até aqui em minha vida se deve em grande parte a você.
7
Ao meu irmão Ibrahim, que me ensinou, desde a atravessar uma rua, passando por
andar de bicicleta, nadar e dirigir, até o que é ser um ser humano pleno. As lembranças
de nossa infância me servem de inspiração para viver o hoje e para planejar o futuro. A
você sou grato por me ensinar e servir de exemplo de que é preciso batalhar e muito
pelo que se deseja, que não devo temer quaisquer obstáculos e, principalmente, de que a
alegria da vida está nos pequenos fatos, como as histórias que contamos um para o
outro durante as madrugadas em que o tempo pára na sacada de casa.
À Marianna e ao Hussein, que mesmo sem entender por que o tio os trocava por um
computador e um monte de livros, torceram como ninguém pelo sucesso deste trabalho.
Lembro-me dos dois sentados ao meu lado, em total silencio, para não me atrapalharem.
E mesmo não podendo sequer conversar entre si, eles permaneciam ao meu lado.
Saibam que estes foram os meus momentos de maior inspiração.
Ao meu cunhado Fouad, que me ensinava Física e Matemática quando eu ainda estava
na escola. Sou muito grato pelo seu apoio e incentivo.
À minha tia Mona, por todo o seu carinho e amor desde a minha infância. Seus
cuidados comigo não são em nada diferentes dos que uma mãe tem por um filho, por
isso, o meu amor por você também não é diferente do que eu tenho pela minha mãe. A
você devo muito do que sou, do que penso e como penso. Lembro-me de quando, à
semelhança da Marianna e do Hussein, eu ficava em silêncio ao seu lado, enquanto você
escrevia a sua Dissertação de Mestrado, sacrifício meu que valia a pena pelo simples e
incomensurável prazer de estar ao seu lado. Muito obrigado pelas leituras críticas, pelas
referências bibliográficas, pelas palavras carinhosas e pela constante motivação.
Ao primo Mohamad, pelo incentivo, pela torcida e pela hospitalidade inigualável em
todas as idas a São Paulo.
À Carol, pela imensa paciência que teve nos momentos mais difíceis deste processo.
Acompanhou o dia-a-dia da pesquisa, por isso, foi a que mais sofreu. Obrigado pelo
carinho, pela compreensão, pelos gestos e palavras que me muito me acalmaram. Sua
presença e apoio foram fundamentais para a execução deste trabalho.
8
Ao Sr. Bodo (Seu Bodo) e a Dona Chiquinha, pelo fundamental apoio em cada
momento do processo. Obrigado pelas orações, pelas palavras de carinho e pela vontade
de querer ajudar. A vocês sou muito grato por tudo.
A todos vocês dedico este trabalho.
9
Resumo
Este trabalho estuda as novas práticas e modos de leitura emergentes no contexto do
ciberespaço, procurando refletir sobre as implicações dessas novas práticas para a
formação do leitor na escola. Desse modo, o objetivo mais amplo da pesquisa foi o de
mapear a leitura na tela do computador - conectado à Internet – entre seis sujeitos do
ensino fundamental de uma escola pública do município de Assis – SP. Os sujeitos
foram observados em situação de leitura no impresso e na tela, para que , entre outros
pudessem ser observados comportamentos transferidos de um suporte para o outro,
tanto do impresso para a tela, como da tela para o impresso. A metodologia que guiou a
execução do trabalho foi o estudo etnográfico e grupo focal uma vez que era de nosso
interesse a elaboração de conhecimento calcado na observação in loco de
comportamento humano. Foram analisados os modos de operar o pensamento
emergentes da prática de leitura no ambiente virtual, bem como sua possível relação
com outras mídias Os dados coletados foram categorizados com base na análise de
conteúdo e refletidos à luz de bibliografia especializada, em que se destacam como
autores centrais: Chartier (1999; 2001; 2002; 2005), Eisenstein (1998), Nielsen (1997;
2006), Bakhtin (2000; 2004) e Mcluhan (1969; 1972). Foi possível verificar que a
leitura na tela é rápida, como um escaneio do texto, em que o leitor parece mobilizar
estratégias de antecipação e previsão de seu trajeto de navegação. Além disso, a
atribuição de sentido na leitura se dá por meio de um processo de união de fragmentos
de informação; a experiência hipertextual faz do leitor co-autor dos textos que lê. Por
fim, é preciso dizer que alguns leitores se encaminhavam para a leitura na tela com as
estratégias do impresso, o que em alguns casos comprometia o encontro das
informações buscadas.
Palavras-Chave: Leitura no impresso – Leitura na tela – Formação do leitor na escola.
10
Abstract
This work is characterized as a study concerning the new practical and the emergent
ways of reading in the context of cyberspace, looking for to reflect on the new
implications of these practical for the formation of the reader in the school. In this way,
the objective amplest of the research was to characterize the reading in the screen of the
computer - connected to the Internet - enter six students of the basic education of a
public school of the city of Assis - SP. The students had been observed in situation of
reading in the printed matter and the screen, searching, among others facts, to observe
behaviors led of a support to the other (in such a way of the printed matter for the screen
as of the screen for the printed matter). The methodology that guided the execution of
the work was the study ethnographic of case, a time that was of our interest the
elaboration of knowledge based in the comment in leases of human behavior. The
collected data had been categorized on the basis of the reflected analysis of content and
to the specialized bibliography light, where if they detach as authors central offices:
Chartier (1999, 2001, 2002 e 2005), Eisenstein (1998), Nielsen (1997 e 2006), Bakhtin
(2000 e 2004) and Mcluhan (1969 e 1972). As results, it was verified, from the actions
of the showed students, that the reading in the screen is fast, an scanning of the text,
where the reader must mobilize strategies of anticipation and forecast, the text and its
passage of navigation. Moreover, the felt attribution of in the reading if gives by means
of a process of union of fragments of information. The hipertextual experience makes of
the reading co-author of the texts who reads. Finally, the ways had been analyzed
emergent to operate the thought of the practical one of reading in the virtual
environment, as well as its possible relation with other Medias.
Key-words: Reading in the printed - Reading in the screen - Formation of the reader in
the school.
11
Sumário
Introdução........................……………………………………………………….. p. 1
Capítulo 1 – Questões de história da leitura ou apontamentos de uma leitura da
história
1. A leitura desde a Antigüidade Clássica à Modernidade........................... p. 8
1.1 Sobre o ato de ler na Grécia antiga............................................................. p. 8
1.2 A leitura no mundo romano......................................................................... p. 14
1.3 O aparecimento do códice manuscrito........................................................ p. 17
1.4 As implicações do aparecimento do códice para as maneiras de ler........ p. 19
1.5 O surgimento do livro impresso: outros olhares........................................ p. 22
1.6 O surgimento do livro impresso na Europa............................................... p. 25
Capítulo 2 – A leitura na tela do computador na escola: os caminhos para seu
encontro
2. Em busca da leitura na tela na escola......................................................... p. 41
2.1 O olhar do pesquisador por meio da pesquisa etnográfica ...................... p. 42
2.2 O estudo etnográfico em perspectiva histórica.......................................... p. 43
2.3 A etnografia como alternativa metodológica na pesquisa em educação. p. 46
2.4 Identificação do campo de pesquisa e justificativa de sua escolha.......... p. 49
2.5 Identificação dos sujeitos............................................................................. p. 51
2.6 Procedimentos e instrumentos para coleta de dados................................. p. 51
12
Capítulo 3 - Leituras e leitores da tela na escola: a interpretação dos dados
3.1 Novos leitores, novos textos, novas maneiras de ler................................... p. 57
3.1.1 Maneiras de ler na tela na escola.............................................................. p. 67
3.1.2 Leitura e corporalidade: as posturas do leitor diante da tela................ p. 77
3.2 Novos textos, novas leituras, novas estratégias.......................................... p. 80
3.2.1 As atitudes do leitor diante da tela: a tomada de decisões.................... p. 82
3.2.2 Acompanhando trajetos de leitura ou os três tipos de leitores da tela.. p. 84
3.2.2.1 O leitor-navegador novato ou leitor ingênuo da tela............................ p. 88
3.2.2.2 O leitor-navegador aprendiz ou leitor contingente da tela.................. p. 94
3.2.2.3 O leitor-navegador experiente ou leitor seletivo da tela....................... p. 99
3.3 Novos suportes, novas formas de textos, novas maneiras de atribuir sentido..
................................................................................................................................ p. 103
3.3.1 Da bibliografia à sociologia dos textos....................................................... p. 104
3.3.2 Da forma ao sentido..................................................................................... p. 107
3.3.3 A construção do sentido na leitura na tela: unindo fragmentos de informação
................................................................................................................................. p. 110
3.4 Novos suportes, novos contextos, novos modos de pensar........................... p. 118
3.4.1 Ler na tela e jogar videogame: aproximações............................................ p. 124
3.4.2 Como surgem novos modos de pensar?......................................................
p. 128
Conclusão............................................................................................................... p. 132
Referências Bibliográficas..................................................................................... p. 135
Anexos......................................................................................................................p. 140
13
Lista de Imagens
Representação da influência entre meios tecnológicos......................................... p. 24
Imagem de um tipo móvel utilizado para impressão........................................... p. 32
Comparação entre dois fragmentos de textos, um manuscrito e outro
impresso.................................................................................................................... p. 38
Computador utilizado por Nielsen e Pernice (s./d.) em suas
pesquisas................................................................................................................... p. 61
Mapa de calor dos pontos de visualização dos leitores........................................ p. 62
Mapas de calor que demonstram a leitura em forma de
F................................................................................................................................ p. 63
Mapa de calor que demonstra a visualização de imagens colocadas em textos
eletrônicos................................................................................................................. p. 65
Mapa de calor da visualização de textos de notícias............................................. p. 66
Imagem de uma página de resultados do Google após uma busca...................... p. 70
Imagem de Ricardo lendo os resultados de uma busca realizada no Google...... p. 71
Imagem de Ricardo realizando uma leitura (um escaneio) em um
website........................................................................................................................ p. 72
Imagem de Fernando lendo os resultados de uma busca realizada no Google... p. 73
Imagem de Fernando realizando lendo em um website........................................ p. 74
14
Lista de Gráficos
Gráfico indicador das respostas à questão sobre os usos que os sujeitos fazem do
computador............................................................................................................. p. 121
Gráfico indicador das respostas à questão sobre os usos da Internet............... p. 122
15
Introdução
Já é um lugar-comum dizer que entramos no universo das imagens pós-fotográficas. A cada novo dia,
multiplicam-se em progressão geométrica as telas de vídeo ao nosso redor: são televisores comuns
recebendo a programação que está no ar, ou reproduzindo fitas pré-gravadas em circuito fechado; são
sistemas de vigilância ou controle, como aqueles que encontramos discretamente em aeroportos, estações
de metrô, supermercados ou grandes magazines; são terminais informáticos de acesso a bancos de dados
em escritórios, instituições financeiras, redações de jornais; ou ainda as telas de vídeo games, videotextos,
videobares, videodanceterias, videoeducação nas escolas, videotreinamento nas empresas... A lista seria
interminável, tanto mais que a cada dia que passa inventa-se uma aplicação diferente para a imagem
eletrônica. Novas paisagens começam a acumular-se, novas escrituras se insinuam, outros códigos de
representação nos tomam de assalto (MACHADO, 1996, p.45).
As palavras acima de Arlindo Machado (1996) são emblemáticas do momento
em que vivemos. Estamos todos cercados pelos monitores de televisão e os de
computador. A tecnologia computacional desempenha importante função em diferentes
esferas da vida social. A presença dessas ferramentas é facilmente notada no ambiente
doméstico, no educacional, no empresarial e em muitos outros.
Nessa direção, merecem destaque, mais uma vez, as palavras de Machado
(1996), quando ele nos recorda que índios brasileiros do Xingu fazem uso da Internet
para se comunicarem com outras comunidades indígenas regionais e camponeses
mexicanos de Chiapas tentam, pela rede, buscar apoio para o movimento de oposição ao
governo local.
16
Além disso, a informática é vetor de inúmeros avanços da nano e da
biotecnologia e do surgimento de novas formas de comunicação e relacionamento. Em
resumo, é uma realidade consolidada, por isso, merecedora de análises sérias e,
sobretudo, livres do maniqueísmo discursivo, de autores pessimistas e entusiastas,
próprios desta área de estudos. Seus efeitos, sem dúvida, devem ser pensados de forma
crítica, mas negar ou escamotear sua importância parece não mais ser possível.
Nas escolas públicas, a demanda pela informatização é crescente. Refiro-me,
principalmente, às da região em que esta pesquisa foi realizada – Assis – SP -, mas creio
que este quadro pode ser estendido para as de outras localidades do país, mesmo nas
que ainda funcionam em situação precária. Os governos estaduais e o federal vêm a
algum tempo investindo na aquisição desses, contudo esse processo não é acompanhado
por uma política adequada, que leve em conta desde a instalação da aparelhagem até a
capacitação dos professores para sua utilização. Além disso, muitas vezes o
funcionamento dos computadores esbarra na administração falha de algumas unidades
e na truculência dos que à frente dela se encontram. Fato triste, pois alija muitos dos
estudantes brasileiros da nova tecnologia, afinal é preciso que se leve em conta que
muitos deles só possuem a acesso a ela dentro do recinto escolar.
Foi interessado nesse contexto que elaborei a idéia de desenvolver um estudo
que focalizasse a grande rede de um ponto de vista educacional/pedagógico. No entanto,
o problema estava em encontrar um tema de estudo, pois, apesar da relativa novidade da
Internet, pouco mais de duas décadas de seu uso comercial, ela já foi objeto de inúmeras
pesquisas, muitas das quais de autoria de relevantes pesquisadores, como Pierre Lévy e
Nicholas Negroponte. Mas por seu caráter mutante, fervilha na web questões e
problemas merecedores de atenção em nível acadêmico. Contudo, ainda assim, para um
pesquisador interessado em desenvolver uma pesquisa de mestrado, pensar em um tema
não é tarefa simples. Entretanto, um fato é certo, o objeto de qualquer pesquisa surge,
ou deve surgir, a partir das experiências daquele que pleiteia o status de pesquisador.
Nessa direção, Arena (1996) escreve que: “O objeto é selecionado e eleito como
relevante pelo pesquisador a partir das experiências que ele próprio já teve com esse
objeto” (ARENA, 1996, p.12). Desse modo, da junção de experiências acumuladas
como professor do ensino fundamental e médio e como navegador do ciberespaço
surgiu à idéia de pesquisar um elemento que parecia particularmente relevante tanto
17
para o campo de estudos da Internet, como para o da educação: refiro-me à ação
desenvolvida por todos os sujeitos quando conectados à rede diante de uma tela, isto é,
ler. A Internet é uma tecnologia ancorada em texto escrito, por isso, todo o processo de
navegação é guiado pela leitura. Todos os sujeitos, sem exceção, quando se encontram
frente à tela do computador, independente de seus objetivos, são obrigados a ler. Surgia
assim uma primeira formulação mais saliente do que seria o objeto desta pesquisa.
O segundo passo, após a emergência da idéia de estudar a leitura na tela do
computador, foi o de buscar o que já havia sido escrito sobre o tema. No website do
Inep – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – consta apenas
um resultado de pesquisa acerca do tema, contudo, se trata de um trabalho da área de
comunicação social. Por sua vez, nos anais de pesquisa da Anped – Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – existem alguns trabalhos a
respeito dos usos educacionais da Internet, porém não especificamente sobre leitura,
alguns chegam a falar sobre o tema, mas não em profundidade. Portanto, existia apenas
uma pequena bibliografia sobre o tema (CHARTIER, 1999 e 2001; SANTAELLA,
2004; e NIELSEN, 1997). Foram poucos os autores que se dedicaram ao problema e os
estudos o enfocam sob diferentes ângulos, mas poucos sob o foco educacional e
pedagógico. Foi a partir desta perspectiva que defini a leitura na tela do computador na
escola como problemática de estudo. Afinal, como diz Arena (1996):
Selecionar o objeto de pesquisa significa, portanto, botar o olho no
aparentemente óbvio para, a partir desse olhar sensível, esboçar perguntas
que se reformularão continuadamente durante todo o processo de
investigação. Alcançarão a maturidade quando estiverem se submetendo
às análises dos dados durante o processo de exposição (ARENA, 1996,
p.13).
Nesse momento, em que já se tinha um objeto de pesquisa, restava interrogá-lo.
E a questão não poderia ser mais evidente: como se dá a leitura de alunos do ensino
público na tela do computador. Para tal, seria necessário um grupo de sujeitos e foi o
que se fez. Observei um grupo de seis alunos do ensino fundamental da rede pública do
município de Assis- SP, com intuito maior de mapear a leitura na tela do computador e
sua relação com a leitura no suporte anterior, o impresso.
18
Os sujeitos foram observados em situação de pesquisa escolar, na tela e no
impresso. A escolha por essa atmosfera de leitura se deu no intuito de (re) criar
situações reais de aprendizagem, bem como pelo fato da tecnologia digital ter adentrado
os portões da escola sob a égide de abertura do mundo para as pesquisas escolares.
Os dados coletados evidenciaram que a questão de pesquisa inicialmente
formulada, apesar de sua aparente simplicidade, era na realidade de grande
complexidade. O objeto selecionado para o estudo possuía um maior número de faces
do que o percebido no momento de sua formulação. Mas abarcá-las em sua plenitude
não era possível, por isso me ocupei das que acredito ser de maior relevância para a
escola, isto é, como se dá o processo de leitura na tela, passando pela tomada de
decisões, por algumas das estratégias mobilizadas, pela atribuição de sentidos aos textos
e pelos modos de operar o pensamento emergentes neste novo contexto. Desse modo, ao
longo do trabalho o leitor encontrará desde aspectos históricos da leitura, passando pelas
estratégias mobilizadas para a leitura na tela, pelo modo como os leitores constroem o
sentido no novo suporte, até o surgimento de novos modos de pensar, inspirados pela
nova tecnologia.
Dessa maneira, o trabalho foi organizado em três capítulos: no primeiro, a partir
de um recuo no tempo, procurei demonstrar a relação histórica entre os suportes de
leitura e as maneiras de ler. Além disso, apresento um outro olhar sobre a criação do
livro impresso na Europa, distinta da que aborda o fato como revolucionário. Isto
porque, a passagem do livro manuscrito para o impresso não ocorreu de forma brusca,
nem implicou em mudanças radicais para os modos de ler. Do mesmo modo,
atualmente, a inscrição do texto na tela do computador é tratada como revolucionária
para a leitura, mas a meu ver a situação não é bem essa. A mudança dos suportes de
texto não ocorre nem por simples, nem por abrupta substituição, mas, dialeticamente,
pelo movimento incessante de mudança histórica, de avanço tecnológico, surgem novas
materialidades, mais aprimoradas, nas quais se verifica a fusão de estruturas do suporte
anterior e do recém criado.
As palavras do célebre medievalista francês Jacques Le Goff (2003), auxiliam na
explicação do por que retomar fatos de outrora para compreender os acontecimentos
presentes: “o presente não se pode limitar a um instante, a um ponto, a definição da
19
estrutura do presente, seja ou não consciente, é um problema primordial da operação
histórica” (LE GOFF, 2003, p.207). Talvez, mais enfático foi o poeta Goethe (citado
por KONDER, 1995) quando disse que quem não conhece o passado condena-se a
repeti-lo. Portanto, quando retomo práticas do passado, desde a Antigüidade Clássica à
invenção do códice manuscrito, e as descrevo, não quero mostrar seu exotismo, mas,
sim, a sua relação com as do presente.
Por sua vez, o segundo capítulo é dedicado aos aspectos metodológicos da
pesquisa empírica. Nesta parte, apresento o referencial que norteou os passos do
pesquisador em campo, isto é, o estudo de caso do tipo etnográfico, selecionado em
razão do objetivo desta pesquisa, a saber, o de construir de conhecimento calcado na
observação direta dos comportamentos dos sujeitos-leitores, bem como em razão de seu
caráter aberto e flexível, o que permite que de outros instrumentos de coleta, além dos
que lhe são peculiares (entrevista, observação e a análise documental), sejam agregados.
Nesta pesquisa, lançou-se mão, além dos acima citados, do grupo focal, isto é,
atividades de discussão, em que se exploraram temas referentes à prática cotidiana de
leitura dos sujeitos, assim como suas percepções acerca da leitura em diferentes
suportes.
Sobre a coleta de dados, é importante assinalar, que um software instalado nos
computadores atuou de forma decisiva nesse processo. Ele permitiu a abertura da caixa-
preta do que se passa por trás dos olhos dos sujeitos, pois permitiu que as atitudes de
leitura destes indivíduos fossem decifradas, o que possibilitou o mapeamento da leitura
no novo suporte e a criação de perfis de leitores da tela.
O material resultante da pesquisa de campo foi refletido a luz de bibliografia
especializada e categorizado consoante a análise de conteúdo. Essas reflexões e
categorias encontram-se no terceiro capítulo organizadas em seções norteadoras de
análise. A primeira delas, intitulada Novos leitores, novos textos, novas maneiras de ler
versa sobre os modos de ler na tela do computador na escola e as posturas do leitor
diante dos dois suportes aqui enfocados, a tela e o impresso, tudo com base nas ações
dos sujeitos amostrados. A segunda seção, de título Novos textos, novas leituras, novas
estratégias, é dedicada às estratégias de leitura mobilizadas no gráfico eletrônico. A
leitura é tratada como uma questão de tomar decisões, em que entram em jogo a
20
previsão/antecipação e a seletividade. Ao observar as estratégias mobilizadas pelo grupo
de sujeitos observados, foram definidas três categorias de leitores da tela, a saber, o
ingênuo, o contingente e o seletivo. Já a terceira seção, Novos suportes, novas formas
dos textos, novas maneiras de atribuir sentido, é dedicada à construção do sentido na
leitura na tela. Neste ponto, a premissa defendida é a de que as materialidades que dão
suporte aos textos lhes concedem formas diferenciadas e essas formas influenciam na
atribuição de sentido ao escrito. Analiso o processo de construção do sentido na leitura
de dois sujeitos participantes da pesquisa. A luz lançada sobre seus atos fundamentou-se
em estudos enunciativos da linguagem, em que se chegou à conclusão de que a
construção do sentido na leitura hipertextual é uma experiência de co-autoria, isto é, ela
se dá pela elaboração de um novo texto, fruto da união de fragmentos de informações
coletadas pelos leitores ao longo de seu trajeto de navegação/leitura. Por fim, na quarta
seção, Novos suportes, novos contextos, novos modos de pensar, tento elaborar uma
exposição em que o objetivo principal é o de demonstrar a emergência de novos modos
de operar o pensamento na e para a leitura na escola, emergentes, justamente, da
mudança de suporte. Nesta seção, não se deixa de lado o fato de outros meios
tecnológicos influenciarem esse processo, como é o caso dos videogames, em que os
sujeitos para operá-lo mobilizam estratégias semelhantes as da leitura hipertextual.
21
CAPÍTULO 1
22
1. A leitura no mundo antigo
1.1 Sobre o ato de ler na Grécia antiga
Na Antigüidade Clássica – periodização referente à civilização grega e a romana
– nos é relatado, por historiadores e arqueólogos, a existência de diferentes
materialidades que serviram de suporte para os textos, dentre eles: as tabuinhas feitas de
argila ou madeira, o livro-rolo e o códice. Contudo, apesar da diversidade, o principal
deles foi o livro na forma de rolo, também chamado de volumen.
Os primeiros vestígios de utilização do referido suporte, apesar da imprecisão,
remontam ao século III a.C. O nome, rolo ou volumen, deriva de sua estrutura material:
um conjunto de folhas de papiro ou pergaminho unidas umas as outras e enroladas. As
folhas uniam-se tanto pela parte superior como pela inferior e eram enroladas em uma
ou duas hastes, geralmente feitas de madeira ou ferro. Nos rolos de duas hastes, elas
eram fixadas em cada uma de suas extremidades.
A quantidade de folhas e a dimensão delas variavam de um rolo para outro.
Segundo Souza (1999), pesquisador da história dos suportes de textos, para a fabricação
de um livro-rolo podia ser utilizado entre 20 e 100 folhas, sendo que a altura delas
oscilava entre 15 e 17 cm e a largura podia chegar a 40 cm.
23
A disposição do texto neste suporte era feita em colunas. Escrevia-se,
usualmente, apenas em sua parte interna. Assim, o exterior permanecia livre de marcas.
Porém, a esse respeito, Souza (1999) alerta para algumas exceções, como é o caso da
Política de Aristóteles em que se verifica a existência de texto grafado tanto na parte
interna como na externa. Além disso, vale destacar a regra que estabelecia a
consagração de um rolo para uma única obra, ou seja, diferentes livros não costumavam
ser agrupados em um mesmo rolo. Por isso, as obras mais extensas, que não cabiam em
um único, eram subdivididas em dois ou mais.
Assim, quando Cavallo e Chartier (2002) citam a passagem em que Platão diz
que “Cada logos, a partir do momento em que foi escrito, rola para todos os lados, tanto
na direção dos que compreendem quanto na daqueles com os quais nada tem a ver [...]”
(PLATÃO apud CAVALLO & CHARTIER, 2002, p.9), eles querem demonstrar, entre
outras coisas, que o homem grego ou romano ao realizar suas leituras tinha em mãos um
objeto que literalmente precisava ser desenrolado, pois, de outra forma, o texto não
surgiria diante de seus olhos.
Contudo, antes de adentrarmos o mundo da leitura no universo da cultura grega,
é preciso que se saiba que a escrita alfabética chegou a esse território no século VIII a.
C., momento em que a cultura tradicional local era a oral. A esse respeito Svenbro
(2002) destaca que no mundo grego a palavra falada desfrutava de grande poder,
sobretudo entre os heróis e os guerreiros. Homens sempre dispostos ao combate, uma
vez que buscavam algo mencionado por Svenbro (2002) como Kléos, isto é, a glória, a
fama que o tempo não desgasta. E o que é interessante nesta história, conforme ressalta
o estudioso do mundo antigo, é que o tão desejado Kléos, traduzido por fama ou glória,
pode também ser traduzido por som; o que significa, por exemplo, que a “gloria de um
Aquiles é, portanto, uma glória para o ouvido, uma glória sonora, acústica”
(SVENBRO, 2002, p.41). Pois, é a palavra falada, sonorizada, que dava vida ao herói.
Para Svenbro (2002), em meio a essa cultura, é difícil pensar que a leitura tenha
ocorrido por uma via que não a oral, isto é, pela vocalização do registro escrito. Afinal,
era a isto que devia se prestar o escrito: a produção de palavras audíveis. Conforme o
próprio pesquisador indaga: “para que serviria a “escrita muda” em uma cultura na qual
24
a tradição oral se acredita capaz de assegurar sua própria permanência sem outro
suporte além da memória e da voz dos homens?” (SVENBRO, 2002, p.41).
A resposta a essa pergunta parece óbvia, mas não é bem assim. Svenbro (2002),
ao longo de seu texto demonstra que a leitura na Antigüidade era majoritariamente oral,
mas não exclusivamente. A argumentação por ele elaborada é muito relevante, pois
retrata a existência de vestígios de leitura silenciosa no referido período. Por isso, passar
seu texto em resenha é interessante, uma vez que nos fornecerá um quadro amplo sobre
o ler em um passado cronologicamente distante, mas de práticas aparentemente ainda
presentes.
A porta de entrada do autor para que se compreenda a leitura no período antigo,
mais especificamente na Grécia, é a análise dos verbos que significavam ler, utilizados
durante o período arcaico. Svenbro (2002) afirma que mais de uma dezena de verbos
eram usados pelos gregos para designar ações de leitura, variedade oriunda da
diversidade de dialetos. Fontes e vestígios sobre a leitura na antigüidade são escassos,
por isso, para o pesquisador, o estudo desses verbos é fundamental, pois
[...] constituem nossa principal via de acesso à lógica da leitura arcaica: a
significação fundamental de um verbo empregado no sentido de “ler” nos
indicará de que modo o ato de ler foi pensado no momento em que o
emprego especializado aparece, talvez mesmo mais tarde (SVENBRO,
2002, p.42).
Visto o problema sob essa luz, o saber construído por Svenbro (2002) ultrapassa
os limites daquela história que se preocupa apenas com um indivíduo, com práticas
particulares, localizadas, ocasionais. O estudo da língua, do vocabulário, descortina
práticas, atitudes, que não são as de um único homem, mas, sim, de uma coletividade,
compartilhadas entre um grupo. Desse modo, sua exposição tem início pela análise do
verbo grego némein, o qual significa distribuir. Segundo o autor, são poucas as menções
a esse verbo, mas nos registros em que foi encontrado, como em uma passagem de
Sófocles, ele é utilizado no sentido de ler, e de uma leitura audível. Na passagem de
Sófocles, citada por Svenbro (2002), um indivíduo distribuía/lia uma lista de nomes no
intuito de verificar a presença deles no recinto. Portanto, uma leitura em voz alta, de
distribuição dos nomes, afim de que os presentes ouvissem a voz leitora.
25
Segundo Svenbro (2002), o verbo podia ainda assumir outras formas e
significados, alguns mais amplos, como ananémesthai, em dialeto dórico, que
significava “distribuir incluindo-se na distribuição” (SVENBRO, 2002, p.44). Trocando
em miúdos, nessa distribuição a voz do leitor não estava exclusivamente a serviço de
seus ouvintes, na realidade, a leitura, a vocalização do escrito, independia da presença
de outrem, pois, conforme o estudioso da leitura grega, neste caso o leitor não lia ou
distribuía apenas para aqueles que estavam à sua volta, mas também para si mesmo.
Svebro (2002) explica ainda que
[...] esse leitor pode “distribuir” o conteúdo do escrito sem ter ouvintes:
ele o distribuirá a si próprio, tornando-se seu próprio ouvinte, como se,
para compreender a seqüência gráfica, lhe fosse necessário vocalizar as
letras para seu ouvido, capaz de captar o sentido delas. Para ele, a própria
voz tornou-se o instrumento (SVENBRO, 2002, p.44).
Para o autor a leitura ou distribuição, incluindo-se nela ou não, era executada
pelo leitor de maneira devagar e com certa dificuldade, evidenciando um “caráter
laborioso da leitura” (SVENBRO, 2002, p.44). Esses problemas, se assim podemos
chamá-los, eram decorrentes, de dois principais fatores: primeiro o ensino da leitura era
deficitário, em algumas regiões gregas restringia-se ao necessário; o segundo decorrente
da estrutura textual, ou melhor, do modo como a escrita era apresentada. Os textos eram
redigidos em scriptio continua, isto é, sem os atuais espaços ou intervalos entre as
palavras, originados na Idade Média, e sem as indicações de paragrafação. Essa forma
de organização do texto “torna a leitura lenta e hesitante, provocando irresistivelmente a
intervenção da voz” (SVENBRO, 2002, p.44).
Na seqüência de verbos, Svenbro (2002) destaca que em Atenas o mais
utilizado era anagignoskein, o qual significava reconhecer. O pesquisador da leitura
Chartraine citado por Svenbro (2002) diz o seguinte sobre o vocábulo ateniense: “Este
verbo servia bem para significar “ler”, isto é, reconhecer os caracteres e os decifrar”
(CHARTRAINE apud SVENBRO, 2002, p.47). Contudo, Svenbro (2002) complementa
dizendo que o reconhecer não se resumia a simples identificação do código, mas
envolvia outros elementos do ato de ler.
26
O autor menciona ainda outros vocábulos utilizados para designar ações de
leitura com diferentes significados, como: percorrer, ter uma entrevista e desenrolar. O
importante é saber que a maneira de ler estabelecida no mundo grego, a compartilhada
pela maior parte dos leitores, era a da vocalização do registro escrito. Tal prática assim
se configurou por três motivos dos quais fala Svenbro (2002): o primeiro em razão de o
grego ler pouco e com dificuldade; o segundo devido às formas dos textos ou a maneira
como escrito era apresentado, a scriptio continua induzia o leitor para oralização das
letras e o terceiro e último por causa de sua formação cultural. Afinal, tratava-se de uma
civilização oral, em que a palavra só tinha poder quando era falada, vocalizada, ou
ainda, sonorizada.
Desse modo,
[...] o texto não seria então um objeto estático, mas o nome da relação
dinâmica entre escrito e voz, entre escritor e leitor. O texto se tornaria,
assim, a realização sonora do escrito, o qual não poderia ser distribuído
ou dito sem a voz do leitor (SVENBRO, 2002, p.49)
No entanto, essa concepção de leitura, conforme Svenbro (2002) era conflitante
com a noção de cidadão do período. Isto porque ao ler o indivíduo emprestava sua voz
ao escrito, em outras palavras, colocava sua voz a serviço do escrito. “Voz que o escrito
logo torna sua, o que significa que a voz não pertence ao leitor durante a leitura”
(SVENBRO, 2002, p.49). Isto significa que o registro escrito, o texto, exercia um
“poder sobre o corpo do leitor” (SVENBRO, 2002, p.49). Daí surge o embate, pois
cidadão era o indivíduo livre, que não sofria repressão de qualquer natureza, por isso,
muitas vezes a leitura era delegada a um escravo; indivíduo coisificado, ao qual cabia
cumprir as tarefas que lhe eram delegadas. “O escravo é um instrumento, um
“instrumento dotado de voz” (SVENBRO, 2002, p.50). Este embate justifica o fato, já
mencionado, de que o ensino da leitura em algumas localidades do território grego
limitava-se ao necessário, a capacidade de sonorizar o escrito bastava.
Outro ponto atrativo do texto de Svenbro (2002), sem dúvida um dos mais
importantes de sua exposição, se não o mais, é a hipótese de que já na Antiguidade
existia uma maneira de ler em que a voz leitora era internalizada, isto é, em que o
27
indivíduo lia silenciosamente. As razões desse modo de ler são incertas e sem dúvida
praticada por grupos restritos. Afinal como o autor escreve:
[...] Para o leitor que lê pouco e de maneira esporádica, a decifração lenta
e hesitante do escrito não conseguiria fazer surgir a necessidade de uma
interiorização da voz, pois a voz é exatamente o instrumento pelo qual a
seqüência gráfica é reconhecida como linguagem (SVENBRO, 2002,
p.55).
Mas, então, por que certos gregos começaram a ler silenciosamente? Svenbro
(2002) oferece dois argumentos: o primeiro com base em Knox, pesquisador por ele
citado, o qual afirma que o aumento da quantidade de textos em circulação e a
conseqüente necessidade de uma leitura mais veloz teriam motivado seu surgimento; e o
segundo destaca a contribuição do teatro para a internalização da voz leitora. No teatro,
o ator não lê o texto diante do espectador, nem esse último necessita ter o texto em
mãos no momento da representação. O ator lia o texto e memorizava-o para sua
representação, demarcando uma separação entre o texto lido e o espectador-ouvinte.
Esta nova atmosfera teria possibilitado uma nova atitude em relação ao escrito.
Por fim, sobre o mundo grego, é conveniente dizer que a nova maneira de ler,
silenciosamente, sobreviveu como prática apenas dos “profissionais da palavra escrita,
mergulhados em leituras suficientemente vastas para favorecer a interiorização da voz”
(SVENBRO, 2002, p.66). O público em geral (de leitores) lia em voz alta, pois era
“impossível apagar a razão primeira da escrita grega: produzir o som, e não representá-
lo” (SVENBRO, 2002, p.66).
28
1.2 A leitura no mundo romano
No mundo romano o suporte de textos mais utilizado foi, também, o livro em
forma de rolo. Os rolos romanos eram inspirados em modelos gregos ou até de lá
advindos. A história do livro no império dos Césares é fortemente influenciada pela
experiência grega. Segundo Cavallo (2002), estudioso das práticas de leitura em Roma,
o período que se estendeu do século III ao I a.C. foi crucial para a consolidação do livro
romano. Foi o momento em que se assistiu ao surgimento de uma literatura latina,
fortemente influenciada pela grega, bem como à chegada de livros e bibliotecas gregas
em Roma.
Durante o processo de construção/consolidação do livro romano, nota-se um
constante esforço no intuito de aprimorá-lo, em relação ao modelo que lhe serviu de
inspiração. Conforme relata Cavallo (2002), os rolos romanos, inicialmente, não
seguiam padrões de estruturação. A organização do texto, sua divisão e a própria
relação entre texto e suporte foram desenvolvidas gradualmente. Eles não eram
produzidos dentro de normas uniformes. Entretanto, um fato é certo sobre a leitura em
Roma, pelo menos até os séculos II e III d.C., ler um livro significava normalmente ler
um rolo” (CAVALLO, 2002, p.78).
O ato de ler, como se sabe, envolve atitudes, posturas e gestos. Sobre os
envolvidos na leitura de um rolo em Roma, Cavallo (2002) os descreve da seguinte
maneira: “[...] pegava-se o rolo com a mão direita, desenrolando-o progressivamente
com a esquerda, a qual segurava a parte já lida; acabada a leitura, o rolo permanecia
enrolado na mão esquerda” (CAVALLO, 2002, p.78). Ademais, destaca o autor, fontes
iconográficas do período documentam situações de leitura em que se encontram
retratados outros comportamentos, entre eles:
29
“[...] o rolo que é seguro com a mão direita, enquanto a esquerda começa
a desenrolá-lo, fase inicial da leitura; o rolo na forma de dois cilindros
mantidos com ambas as mãos e delimitando uma seção mais ou menos
representativa do texto que está sendo lido; o rolo aberto no tipo chamado
de “leitura interrompida”, seguro com apenas uma mão que, reunindo os
dois cilindros nas extremidades, deixa livre a outra mão; o rolo aberto em
sua última faixa, inclinado para a direita, indicando leitura que vai sendo
concluída; o rolo, enfim, novamente enrolado, seguro pela mão esquerda”
(CAVALLO, 2002, p.78).
Cavallo (2002) relata ainda a existência de um móvel de madeira sobre o qual
era repousado o rolo no momento da leitura. Sua utilização facilitava o manuseio do
suporte, bem como permitia ao leitor abri-lo livremente.
A respeito das maneiras de ler em território romano, é licito dizer que se lia em
voz alta e silenciosamente. A primeira, sem dúvida, mais praticada. A leitura silenciosa,
conforme Cavallo (2002) era praticada quando se tinha diante dos olhos materiais como
documentos, cartas, mensagens e textos literários. No dizer do pesquisador, as
diferentes maneiras de ler em Roma não podem ser consideradas indicativas das
habilidades de leitura dos indivíduos. Isto significa que ler em voz alta ou
silenciosamente não fazia de um indivíduo melhor ou pior leitor, tudo dependia do
contexto. Tal constatação leva a crer que a maneira de ler era mais “uma escolha, para a
qual influíam fatores ou condições particulares, como o estado de espírito do leitor”
(CAVALLO, 2002, p.83).
No que diz respeito às condições e aos princípios do ensino da leitura em Roma,
Cavallo (2002) afirma que ele ocorria tanto no ambiente familiar como no escolar. O
ensino era gradativo, primeiro o reconhecimento das letras fora de seu contexto de uso;
depois o reconhecimento das sílabas e, por fim, o das palavras completas. Mas ele não
parava por aí. Seu prosseguimento se dava pela realização de leituras “por longo tempo
e muito lentamente, até atingir, pouco a pouco, uma emendata velocitas, isto é, um
considerável grau de rapidez sem incorrer em erros” (CAVALLO, 2002, p.79). Tal
leitura, conforme Cavallo (2002) era realizada em voz audível e enquanto pronunciava
uma palavra o leitor devia antecipar a visualização da procedente. Nesta modalidade de
leitura ocorria algo como o entrecruzamento de duas maneiras de ler, a oral e a
silenciosa, pois, ao passo que vocalizava uma palavra, silenciosamente
visualizava/antecipava outra. Sobre esse modo de ler, Cavallo ainda escreve que:
30
“Quando a leitura se mostrava segura e rápida, o olho precedia a boca” (CAVALLO,
2002, p.80).
De um modo geral, em território romano a leitura se realizava pela vocalização
do escrito e em ritmo lento. Sobre tais comportamentos de leitura, Cavallo (2002) tece o
seguinte comentário: “A voz, portanto, fazia parte do texto escrito em cada fase de seu
percurso, do emissor ao destinatário” (CAVALLO, 2002, p.81). Isto significa que os
textos possuíam marcas da oralidade. Além disso, grande parte dos textos romanos era
apresentada em scriptio continua, isto é, sem intervalos entre as palavras, como no
mundo grego. Alguns outros, conforme lembra Cavallo (2002), apresentavam sinas de
pontuação - chamados interpuncta - indicativos da separação entre as palavras.
Conforme o estudioso da leitura, os sinais eram empregados no intuito de “assinalar
pausas de respiração e de ritmo para a leitura em voz alta [...]” (CAVALLO, 2002,
p.82).
Todavia, conforme Cavallo (2002):
[...] Muito raramente a escrita foi percebida do interior, visto que,
contínua como era, impedia que um olhar não suficientemente exercitado
caracterizasse de imediato os limites de cada palavra e colhesse seu
sentido. Portanto, para a compreensão deste último a articulação oral de
texto escrito era um auxílio seguro, visto que o ouvido, melhor do que a
vista, podia colher – após ter decifrado sua estrutura gráfica – a sucessão
de palavras, o significado de cada frase, o momento de interromper a
leitura com uma pausa (CAVALLO, 2002, p.81).
A voz, portanto, funcionava como a porta de entrada para o sentido das frases e
das palavras lidas pelos romanos. No entanto, quando pensamos dessa maneira a idéia
de que o modo de ler era uma escolha que partia do leitor, parece ficar comprometida. A
falta de fontes para a pesquisa sobre a leitura no mundo antigo gera algumas
imprecisões, além disso, não é de nosso interesse aprofundar tal discussão; por isso,
deixemo-la de lado e passemos a analisar os suportes de textos romanos mais
detalhadamente.
Conforme já foi dito anteriormente, ao se visitar a história romana da leitura
verifica-se um constante esforço de seus atores na tentativa de aprimorar os suportes, as
materialidades que propunham os textos à leitura. Para exemplificar, Cavallo (2002)
menciona a existência, em Roma, de rolos literários sofisticados: o novus liber.
31
Conforme o estudioso, estes rolos eram fabricados com material de boa qualidade e a
organização do texto feita com muito cuidado. Esforços que visavam a facilitar a leitura,
ou ainda, aproximar o texto do leitor.
No interior desse contexto, por volta do século I, apareceu em território romano
uma nova materialidade para os textos: o códice. Livro de folhas de papiro dobradas e
encadernadas. Sua existência extrapolou o mundo antigo, ultrapassou as fronteiras do
medievo até ganhar nova forma na modernidade, a impressa. Hoje, passados pouco
mais de vinte séculos, sua permanência é colocada à prova pela tela do computador.
Vejamos nas próximas páginas alguns capítulos dessa história.
1.3
O aparecimento do códice manuscrito
Os primeiros relatos acerca da existência de um suporte de textos encadernado,
com folhas sobrepostas, em Roma, datam do século I. No entanto, para sua afirmação
foi preciso esperar até o século III. Em território grego, a consolidação se deu apenas
no século V. No dizer de Cavallo (2002), o aparecimento do códice se enquadra na
conjuntura de aproximação das duas principais esferas envolvidas na leitura, o
livro/texto e o leitor. O códice, provavelmente, é uma criação cristã, mas caso não o
seja, é certo que foram eles os que primeiro o utilizaram e são eles os responsáveis por
sua difusão, pois, apesar de se tratar de uma religião de proselitismo, ancorado na
palavra falada, quando se defrontou com populações letradas, conhecedoras da palavra
escrita, o veículo utilizado para a transmissão da mensagem, além da voz, foi o códice.
A esse respeito Cavallo (2002) esclarece que
32
[...] quando o cristianismo se confrontou com uma sociedade em que
inúmeros indivíduos tinham acesso à cultura escrita, e compreendeu que é
preciso recorrer ao livro para a difusão de sua mensagem, escolheu
decisivamente o códice (CAVALLO, 2002, p.91).
Nessa direção, a escolha pelo códice se deu por pelo menos três motivos: em
primeiro lugar, a mensagem cristã se destinava não só a uma elite restrita, leitora de
textos que tinham tradicionalmente o rolo como suporte. Para Cavallo (2002), o códice
se apresentava como suporte mais adequado para textos destinados a um público amplo,
sobretudo aos culturalmente menos favorecidos. Isto porque,
[...] O cristianismo, no momento em que se propõe como revelação escrita
destinada a todos, pretendia dirigir-se a indivíduos alfabetizados de
diferentes níveis sociais e culturais: não apenas ao público tradicional
habituado ao livro-rolo, mas também a indivíduos de instrução média ou
baixa, os quais, mesmo não desconhecendo os rolos como suportes de
textos mais simples ou de literatura de entretenimento e de divulgação,
possuíam uma cultura escrita mais próxima e familiar realizada sob forma
de modestas leituras escolares ou de disciplinas técnicas. Portanto, uma
cultura escrita em códices, cuja forma era mais adequada para cadernos
de aula, cadernetas de anotações, prontuários para uso profissional. A
opção cristã em favor do códice ia, portanto, ao encontro do produto
escrito mais acessível a esse tipo de público [...] (CAVALLO, 2002, p.
91).
Um segundo motivo que teria levado os cristãos a optarem pelo códice foi o
fator econômico. O códice era mais viável financeiramente, visto que possibilitava a
inscrição de texto nos dois lados da página, algo que não acontecia no livro em rolo. E,
por fim, concorreu para a escolha a estrutura ou organização do códice. Pois, graças a
ela, era possível que uma grande quantidade de texto fosse colocada em um único
suporte, o que fornecia ao leitor uma visão ampla do texto e facilitava a localização de
passagens específicas.
Paralelamente a difusão do códice, dois fatos notórios ocorridos no período
merecem destaque, uma vez que impactaram sobre o presente e futuro da nova
materialidade dos textos antigos: primeiro a substituição do papiro pelo pergaminho. Os
códices que até então eram feitos de folhas de papiro passaram a ser produzidos com
pele de animais, por se tratar de um material mais resistente e maleável, bem como em
razão do acirramento da disputa entre as bibliotecas de Alexandria e Pergamo. O Egito
proibiu a exportação de papiro visando a aumentar o acervo de sua grande biblioteca.
33
Seria um golpe contra o calcanhar de Aquiles da biblioteca rival, pois o preço do papiro
elevou-se substancialmente. Contudo, Pergamo diante do fato se viu obrigada a
desenvolver um novo material para a confecção de livros. Aprimorou o tratamento da
pele animal, matéria-prima que já era utilizada para os mesmos fins no Oriente, e que
recebeu o nome de Pergaminho. O segundo fato ocorrido foi o retrocesso cultural
romano, a partir do qual, o número de indivíduos alfabetizados (leitores) diminuiu
substancialmente no império. Por essa razão, nas proximidades do século VI, a leitura
se tornou prática restrita. Sua existência por um longo período restringiu-se aos redutos
da Igreja, mas esta é outra história. Para nós, neste ponto, interessa mais as implicações
do aparecimento do códice para as maneiras de ler, assunto que ocupa as próximas
páginas.
1.4 As implicações do aparecimento do códice para as maneiras de ler
A primeira implicação do uso do códice diz respeito à mudança sobre a noção de
livro. Tal mudança ocorreu em razão do códice dar suporte a uma maior quantidade de
texto em relação ao livro em forma de rolo. O fato é que no volumen - o livro em forma
de rolo - em razão de sua estrutura material, a quantidade de texto apresentada era
limitada. Em muitos casos, um único rolo não era suficiente para o conteúdo integral de
uma obra, o que gerava subdivisões, em dois ou mais livros (rolos). Em razão desta
limitação, grande parte dos leitores não lia as obras integralmente, uma vez que não
entravam em contato com todos os rolos (livros) que constituíam uma obra. Assim, a
leitura ficava fragmentada no que se refere à unidade do texto. Com a utilização do
34
códice esse quadro se modificou. A estrutura material do novo suporte permitia a
disposição de uma maior quantidade de texto em um único suporte. Assim, uma obra
inteira passava a caber em um só livro. Desse modo, a idéia de leitura completa, para
falar como Cavallo (2002), ganhou novo estatuto. Os leitores passaram a ler as obras
integralmente e, além disso, a própria noção de leitura completa passou a definir-se
como a leitura de um códice do começo ao fim. Em outros termos,
O códice, reunindo num único suporte-livro uma série de unidades
textuais orgânicas (uma ou mais obras de um mesmo autor, um conjunto
de escritos de mesma natureza) ou não-orgânicas (obras diversas, a ponto
de formar a que foi chamada uma “biblioteca sem biblioteca”),
determinava uma profunda transformação na noção de livro e de leitura
completa, visto que a primeira, não mais imediatamente associável à idéia
de uma obra, vinha a coincidir com um objeto-livro no qual era possível
colocar escritos; quanto à noção de leitura completa, esta passou a
compreender, desde então, o conteúdo inteiro de um códice, mesmo que
este, como era habitual, contivesse várias obras (CAVALLO, 2002, p.94).
Essa nova noção, oriunda da forma assumida pelo texto em sua nova
materialidade, demandou, segundo Cavallo (2002), a aplicação de dispositivos editoriais
nos textos, cuja função era a de “marcar as distribuições no interior de um escrito ou a
separar com nitidez textos diversos, ainda mais se fossem heterogêneos” (CAVALLO,
2002, p.94). Dito de outra forma, os dispositivos serviam, entre outras coisas, para
demarcar o início e/ou o fim dos textos no interior de um mesmo códice.
Além disso, na leitura de um códice uma das mãos do leitor ficava livre, pois o
leitor podia segurá-lo com apenas uma delas, fato que lhe possibilitava escrever
enquanto lia, isto é, fazer anotações, glosas e comentários nas margens do texto ou em
outros materiais.
Sobre as maneiras de ler no códice, é preciso que se leve em conta, além do
próprio suporte (de sua estrutura, da forma assumida pelos textos) o contexto de sua
afirmação e difusão pela Europa, pois este contexto diz muito sobre as práticas que o
envolveram. Desse modo, é importante, primeiramente, que se tenha em mente o
retrocesso cultural romano, a partir do qual, a leitura circunscreveu-se às instituições
eclesiásticas. Conforme Parkes (2002) neste período surgiu uma nova atitude em relação
ao escrito e a própria leitura. Na Alta Idade Média - período subseqüente à queda do
Império Romano e o inicial do medievo – a leitura oral, audível, manteve-se apenas nas
35
práticas litúrgicas. Isto significa que a maneira silenciosa de ler ganhou espaço e se
tornou prática comum entre os membros da Igreja, os mesmos que outrora a haviam
negado.
Entre as razões para os homens de fé ler silenciosamente, pesou o fato de
considerarem-na mais adequada para o entendimento/compreensão do texto. Segundo
Parkes (2002), a opção pela leitura silenciosa ocorreu por questões de ordem prática,
assim como pela mudança de atitude em relação ao escrito. As concepções divergentes,
de emblemáticos pensadores, retratam o fato:
[...] Enquanto no século IV, Santo Agostinho considerava as letras sinais
que representavam os sons e estes sinais das coisas sobre as quais
pensamos, já no século VII, Isidoro de Sevilha considerava as letras sinais
sem sons, os quais tinham o poder de nos transmitir de forma silenciosa
(sine voce) as falas daqueles que estão ausentes. As letras em si mesmas
eram sinais de coisas. E a escrita passa a ser, daí em diante, uma
linguagem visível capaz de transmitir algo de forma direta para a mente
por intermédio do olho (PARKES, 2002, p.106).
Durante a Idade Média, paralelamente a afirmação da leitura silenciosa como se
pode perceber nas palavras acima que retratam a concepção de Isidoro de Sevilha,
novos dispositivos e formas de estruturar os textos foram criadas. Entre elas, a mais
notória talvez seja a introdução de intervalos entre as palavras. Dito de outro modo foi
incorporado à cópia dos textos a separação entre as palavras que o compunham. Os
responsáveis por tal inovação foram, segundo Parkes (2002), alguns copistas irlandeses.
Os textos em latim por eles copiados eram lidos com dificuldade por aqueles que não
tinham o latim como língua materna. Desse modo, o fim da cópia dos textos com as
palavras unidas visava facilitar o acesso desses leitores ao sentido do texto. Da mesma
forma, segundo Parkes (2002), o uso da pontuação foi repensado com o mesmo
objetivo. Daí em diante outras mudanças foram introduzidas nos textos até culminarem
na principal delas: a invenção da impressão.
Até este ponto, tentei apresentar, de um ponto de vista histórico, dois dos mais
utilizados suportes de textos: o livro em forma de rolo e o livro encadernado. Daqui em
diante, passo a retratar uma história que nos parece um pouco mais familiar, pois, o
objeto enfocado é, justamente, o suporte de textos mais utilizado até os dias atuais.
Foram aproximadamente quinze séculos desde o aparecimento do códice até a invenção
36
da prensa tipográfica. A seguir apresento alguns flashes dessa nova etapa da história da
leitura e de seus suportes.
1.5 O surgimento do livro impresso: outros olhares
Pouco, quiçá nada, se falou ou se fala sobre revolução ou revoluções da leitura
no mundo antigo. Nas páginas anteriores, em que tratei da leitura na Antiguidade
Clássica, a idéia de revolução não aparece. Tal idéia foi/é mais amplamente utilizada
quando o foco está voltado para o período moderno, mais especificamente para o
surgimento do livro impresso. No entanto, como o próprio título deste item sugere,
focalizei o assunto de outro ponto de vista, em que a idéia de revolução é deixada de
lado. Nada além de mais um possível olhar, entre outros, sobre o tema. Mas o que deve
ficar claro, antes de qualquer coisa, é que não quero deixar a falsa impressão de que
existem duas maneiras de abordar o tema, isto é, como evento revolucionário ou não.
Longe do maniqueísmo, do certo ou errado, apresento outro ponto de vista, que não sei
se é novo, pois não encontrei sequer uma pequena bibliografia que o trate da mesma
maneira, mas, sem sombra de dúvida, ele merece ser debatido.
Para elaborar meu argumento, que contraria idéias consolidadas de
emblemáticos pesquisadores, enfoquei com maior atenção os momentos preliminares e
os iniciais da invenção da prensa tipográfica na porção ocidental da Europa. Ao
observar esse período não é difícil verificar que outros indivíduos além de Gutenberg
realizaram estudos e experimentos no intuito de desenvolver uma técnica de impressão.
Ademais, xilógrafos reproduziam imagens em livros manuscritos por meio de um
processo semelhante ao que seria criado para a impressão. A própria difusão do livro
37
impresso foi lenta. Suas inovações gradualmente incorporadas. Em resumo, não
ocorreram mudanças bruscas no momento imediato de seu surgimento como em outros
eventos/fatos históricos considerados revolucionários. Por isso, creio que a idéia de
revolução aplicada à invenção de Gutenberg seja mais uma criação da historiografia do
que uma realidade histórica. Pois, “será que uma revolução lenta pode afinal ser
considerada uma revolução?” (BRIGGS & BURKE, 2004, p.32).
A dificuldade para sustentar meu ponto de vista e mesmo para estudar a cultura
impressa está na falta de estudos no tocante a passagem do manuscrito para o impresso.
Os primeiros momentos do impresso, da própria criação da prensa tipográfica,
demandam um maior número de estudos. Existem muitas contradições e eventos não
documentados a esse respeito, por isso a instabilidade de argumentos como o por mim
apresentado.
Contudo, se existem algumas questões que são certas (acerca da fase tipográfica
da cultura escrita), são elas: as de que as inovações advindas do aparecimento do códice
impresso foram incorporadas gradualmente e as mudanças nas formas materiais do
suporte e na apresentação dos textos ocorreram lentamente. Como se verá nas próximas
páginas, o texto impresso incorporou elementos estruturais e de organização do
manuscrito; a própria apresentação do texto era muito semelhante. Tais fatos nos
permitem dizer que um novo suporte não anula o anterior (o já existente). A mudança
não ocorre por simples substituição. Eles coexistem por um período, que não pode ser
previsto, até que, dialeticamente, estruturas discretas dos dois suportes se fundem.
A idéia de fusão de estruturas discretas foi extraída de Machado (2007),
pesquisador do cinema e das novas mídias. Ele lança mão de tal premissa quando
analisa a convergência das artes e dos meios tecnológicos. Neste sentido, o autor
demonstra a partir de a representação a seguir a intersecção de mídias aparentemente
independentes.
38
Representação da influência entre meios tecnológicos
Fonte: MACHADO, A. Arte e Mídia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2007.
Segundo Machado (2007), o nível de interpenetração entre os planos não pode
ser determinado com exatidão. Desse modo, o ideal seria pensar
que os círculos que definem cada meio interceptam, nas proximidades de
suas bordas, os círculos definidores de outros meios, com maior ou menor
grau de penetração, segundo o grau de vizinhança ou parentesco entre
eles (MACHADO, 2007, p.58).
E ao observarmos a representação elaborada por Machado (2007) é preciso
notar, conforme o próprio autor escreve, que
há maior zona de interpenetração entre os círculos definidores da
fotografia e do cinema do que entre fotografia e música, pelo simples fato
de que o cinema tem uma base fotográfica que lhe é inerente e é
impossível falar de cinema sem falar de fotografia (MACHADO, 2007,
p.58).
39
Todavia, cada um dos meios possui um núcleo, isto é, uma área de
especificidades. Em outros termos, o núcleo seria o ponto de distinção entre os meios, o
qual determina “conceitos, práticas, modos de produção, tecnologias, economias e
públicos específicos” (MACHADO, 2007, p.59). Contudo, é preciso que se pense essa
intersecção dos meios inserida em um movimento constante de mudanças, em que os
próprios núcleos se interpenetram, o que acaba por gerar algo acima mencionado como
fusão de estruturas discretas.
Pautado nesse referencial, creio que é isto o que ocorre com os suportes de
textos, pois, se eles forem pensados como meios tecnológicos, assim como é a escrita,
as mudanças que com eles ocorrem representam (ou devem ser vistas como) um avanço
cultural e, ao mesmo tempo, uma expressão mais refinada das sensibilidades e saberes
dos homens que o engenharam. Vejamos como ocorre uma mudança deste tipo, pela
analise da construção do livro impresso europeu.
1.6 O surgimento do livro impresso na Europa
No ano de 1999, conforme Briggs e Burke (2004), o periódico inglês Sunday
Times publicou a eleição, por seus leitores, de Johann Gutenberg como o homem do
milênio. Nada mal para um ourives alemão do século XV, caso não fosse ele o inventor
da máquina de imprimir livros, na porção ocidental do continente europeu.
Nas próximas páginas encontra-se descrito o processo de elaboração da técnica
européia de impressão e as implicações desta mudança para as maneiras de ler.
Contudo, antes de prosseguirmos pela descrição da obra de Gutenberg e de outros
40
homens envolvidos com a tipografia, é importante que tenhamos em mente a situação
da leitura no período em questão.
A partir da queda do Império dos Césares e a conseqüente feudalização da
Europa, as instituições eclesiásticas ganharam força e poder, se convertendo no centro
monopolizador da cultura européia. Diante disso, a leitura e a produção de livros
passaram a circunscrever-se a estas instituições. O historiador Franco Jr. (2001) fornece
uma explicação razoável sobre a ascensão da Igreja nos quadros da Idade Média:
Nos seus primeiros tempos, a Igreja parecia envolvida numa contradição,
que no entanto se revelaria a base de seu poder na Idade Média. Ao negar
diversos aspectos da civilização romana, ela criava condições de
aproximação com os germanos. Ao preservar vários outros elementos da
romanidade, consolidava seu papel no seio da massa populacional do
Império. Desta maneira, a Igreja pôde vir a ser o ponto de encontro entre
aqueles povos. Da articulação que ela realizou entre romanos e germanos
é que sairia a Idade Média. Nascida nos quadros do Império Romano, a
Igreja ia aos poucos preenchendo os vazios deixados por ele até, em fins
do século IV, identificar-se com o Estado, quando o cristianismo foi
reconhecido com religião oficial. A Igreja passava a ser a herdeira do
Império Romano (FRANCO JR., 2001, p. 67).
A Igreja assumiu o controle da cultura intelectual. “A educação era feita de
clérigos para clérigos” (FRANCO JR., 2001, p.105). Tal situação se estendeu por um
longo período, sendo que foi preciso esperar o século XII, momento da criação das
universidades, para que se esboçassem as primeiras mudanças. A partir daí, o epicentro
da vida intelectual européia começava a deslocar-se das instituições ligadas à Igreja para
as universitárias, momento de extrema relevância para o estudo da leitura, uma vez que
é marcado pela ascensão do modelo escolástico.
Na passagem do modelo monástico para o escolástico, não são só os espaços da
leitura se alteraram, nem somente o público leitor se ampliou, mas assistiu-se ao
surgimento de um novo estatuto da leitura. Segundo Hamesse (2002), neste momento a
prática de ler converteu-se em um “exercício escolar, depois universitário, redigida por
leis que lhe são próprias [...] constatamos uma renovação radical da própria concepção
do ato de ler (HAMESSE, 2002, p.123).
41
O modelo escolástico estabeleceu novas regras para o jogo da leitura. A citação
a seguir é esclarecedora de tal fato:
Constatamos, com efeito, que essa época corresponde a uma tomada de
consciência do ato de ler. Daí em diante, a leitura não será mais concebida
sem uma certa organização. Mesmo se o termo não é imediatamente
expresso, encontramos já a noção de utilidade, de rentabilidade que vai se
tornar fundamental a partir do século XIII. A partir daí, não se aborda
mais um livro de um modo qualquer. Existe a necessidade de se
compreender o método seguido para realizar a leitura de um texto. Essa
preocupação está bem clara em uma carta enviada a Hugues de Saint-
Victor, por seu contemporâneo. O subtítulo da missiva é bem revelador da
preocupação de seu autor: “Sobre a maneira e a ordem a se seguir na
leitura da Escritura Sagrada” (HAMESSE, 2002, p.123).
Além do novo estatuto, isto é, do novo modo como o leitor deveria pilotar seu
trajeto pelo texto, a leitura passou a ocupar posição destacada no ensino escolar e no
universitário. O período em questão caracterizou-se também pelo aumento do
contingente de textos em circulação, fato que, ao lado da nova concepção do ler, levou a
criação de estratégias ou instrumentos facilitadores dessa atividade.
Nessa perspectiva, surgiram resumos/sínteses de determinadas obras e
conteúdos. Tais materiais eram amplamente utilizados pelos estudantes da época, em
apoio às suas leituras. Segundo Hamesse (2002), eles eram apresentados aos leitores em
forma de “tabelas, compêndios, concordâncias, índices ou florilégios” (HAMESSE,
2002, p.134). Contudo, estes trabalhos despertavam alguns problemas, dentre eles o da
seleção. As palavras da pesquisadora (2002) explicam claramente este problema:
O valor dos trechos escolhidos, a qualidade das passagens transmitidas
dependem inteiramente do julgamento e da inteligência do compilador.
Quando se utiliza uma dessas coletâneas, a questão fundamental que se
impõe é de saber qual método foi seguido, quais eram os objetivos da
pessoa que realizou a escolha dos trechos que deveriam ser conservados.
Não é fácil ver sempre com clareza tudo isso. Na verdade, numerosos
florilégios são anônimos: primeiro problema. A maioria deles não possui
prólogo: segunda dificuldade. Quando existe um prólogo explicitando as
intenções do compilador, convém saber antes de mais nada se este
prólogo é original ou se ele reproduz, como acontecia freqüentemente na
época, o modelo tirado de uma coletânea anterior. Após ter resolvido esta
questão, é preciso então tentar determinar em que medida as intenções
expressas foram efetivamente executadas na prática. Também não é
sempre fácil chegar a uma certeza sobre o assunto (HAMESSE, 2002,
p.134).
42
Em resumo, esses objetos acabavam substituindo à leitura ou a consulta das
obras integrais. O que nos leva, de fato, a perceber que na passagem do modelo
monástico ao escolástico foram operadas transformações sobre a concepção do ler, pois,
como escreve Hamesse (2002), “a aquisição do saber tornou-se mais importante do que
a dimensão espiritual” (HAMESSE, 2002, p.139).
À mudança de concepção acrescenta-se à de apresentação do texto. Se outrora os
textos eram escritos sem intervalos entre as palavras, a partir desse momento eles
passaram a ser escritos com as palavras separadas e com considerável pontuação. Tal
mudança, na apresentação/estruturação do texto, “facilitava a identificação do sentido
do texto e reduzia a dependência da memória oral como componente da leitura”
(SAENGER, 2002, p.155).
Nessa perspectiva,
A separação de palavras, a ordem das mesmas, pontuação emblemática,
frases separadas, o ordenamento tanto de palavras quanto de frases,
dentro de orações complexas, além do uso de conjunções e de locuções
adverbiais para a construção de períodos mais complexos, todos estes
fatores facilitavam a compreensão seqüencial do sentido pelas orações e
frases (SAENGER, 2002, p.155).
Às transformações acima descritas, que não eram as únicas em curso, veio
acrescer-se uma outra. Refiro-me à criação européia de uma nova técnica de produzir
livros. Se até então eles eram produzidos por penas e homens de pulsos firmes, a partir
do século XV, eles passaram, gradualmente, a ser produzidos por caracteres que
reproduziam as letras e por uma prensa.
É no bojo desta mudança que se situa a grande obra do ourives alemão da
Mogúncia, Johann Gutenberg. Isto porque historicamente e historiograficamente é a ele
atribuída o desenvolvimento da técnica de impressão de livros na parte ocidental do
velho continente. Contudo, é preciso assinalar que, antes de desenvolver-se na Europa, a
impressão de livros já era praticada no Extremo Oriente. Segundo Briggs & Burke
(2004) desde o século VIII chineses e japoneses já a praticavam. A técnica por eles
empregada era a da impressão em blocos, isto é, “usava-se um bloco de madeira
entalhada para imprimir uma única página de um texto específico” (BRIGGS &
43
BURKE, 2004, p.26). Conforme estes autores, a técnica oriental funcionava bem,
sobretudo por se tratar de sociedades de alfabeto ideográfico.
Já na Europa Ocidental, a técnica empregada era diferente da asiática. Gutenberg
utilizava tipos móveis para imprimir. No entanto, antes de adentrarmos os aspectos
técnicos da impressão de livros, cabe uma descrição, mesmo que rápida, do contexto
sócio-histórico que envolveu o aparecimento da tipografia.
Sobre este aspecto, o primeiro ponto a se destacar é o de que Johann Gutenberg
não estava só na empreitada tipográfica, isto é, não era o único que almejava
desenvolver uma técnica de impressão. Outros indivíduos, em outros locais, dedicavam-
se ao mesmo objetivo, dentre os quais, Febvre & Martin (1992) citam Coster na
Holanda, Waldvogel em Avignon e Fust e Schöffer na Mogúncia.
A região alemã da Mogúncia, berço da tipografia, abrigava três figuras de proa
da impressão de livros, os acima citados Fust, Schöffer, e Gutenberg. A relação entre os
três é relevante para a compreensão do acontecimento que marcou o século XV. Fust
era um homem de posses que exerceu o papel de financiador; Gutenberg o criador do
processo, e Schöffer um calígrafo que se tornou impressor. A relação entre os três tem
início quando Fust empresta uma quantia a Gutenberg para que este finalizasse seu
projeto, no entanto, o rico burguês, antes de qualquer resultado, processou judicialmente
Gutenberg. Ele o acusou de faltar com os prazos, obrigando Gutenberg a lhe pagar os
juros do empréstimo e lhe restituir os capitais ainda não gastos. Fust distanciou-se de
Gutenberg e associou-se a Schöffer, conhecedor do processo, pois havia trabalhado com
o criador da técnica de impressão. O novo empreendimento, isto é, a oficina de Schöffer
permaneceu como uma das mais importantes da Europa até o século XVI.
Esse é mais um trecho da história da tipografia que suscita muitas dúvidas.
Febvre & Martin (1992) destacam algumas importantes, entre elas, o que teria levado
Fust a se voltar contra Gutenberg. A esse respeito os historiadores franceses indagam:
constatando que as pesquisas de Gutenberg haviam tido sucesso, não
havia ele então se desembaraçado, graças a um processo, de um inventor
que se tornou incômodo e que substituiu por um de seus assistentes, Peter
Schöffer, que conhecia os segredos de seu mestre, se mostrava mais
flexível e tinha o sentido dos negócios? (FEBVRE & MARTIN, 1992,
p.84).
44
Além dessa indagação, os pesquisadores acima citados, questionam o que teria
acontecido com o próprio Gutenberg após a ruptura com Fust. Faltam fontes,
documentos ou vestígios sobre a vida de Gutenberg. Diante disso, passemos ao estudo
da impressão propriamente dita.
Sobre a construção do livro impresso, merece destaque inicial a adoção do papel
como material de base. Sua escolha se deu ao que tudo indica, por dois motivos:
primeiro em razão de seu baixo custo e o segundo devido as possibilidades de trabalho
sobre sua superfície. Conforme Souza (2002), a impressão só foi possível pela
existência do papel, o qual ao longo dos anos foi aprimorado, apesar de ainda hoje ele
deteriorar-se muito facilmente.
Além disso, anteriormente à impressão de livros, os europeus já reproduziam
mecanicamente imagens em livros manuscritos. Procedimento realizado nas oficinas de
xilografia. Neste sentido, é quase inevitável não pensar que a impressão de livros tenha
se originado da técnica xilográfica. No entanto, essa é uma idéia que deve ser matizada.
Segundo Febvre e Martin (1992), os primeiros livros impressos não foram produzidos
nas oficinas de xilografia, mas, sim, por profissionais do metal. Lembre-se que
Gutenberg era um ourives.
Entretanto, apesar da inexistência de um vinculo técnico entre os processos
xilográfico e tipográfico, não se pode negar que o primeiro tenha influenciado a
elaboração do segundo. A esse respeito Febvre & Martin (1992) escrevem que:
Não que o livro impresso nada deva ao xilógrafo. A vista das gravuras e
dos textos gravados em madeira pôde tornar mais tangíveis as
possibilidades que oferecia o papel para a reprodução industrial dos
textos. Sem dúvida também o sucesso dos xilógrafos permitiu entrever o
sucesso que obteria um procedimento mais aperfeiçoado. Talvez, em
resumo, a grande difusão dos xilógrafos tenha dado a Gutenberg mais
zelo em suas pesquisas e tenha levado Fust a ajudá-lo com seu dinheiro
(FEBVRE & MARTIN, 1992, p. 75).
Diante do que foi dito pelos historiadores franceses talvez seja correto dizer que
a xilografia tenha criado as condições psicológico-motivacionais para Gutenberg
empenhar-se em suas pesquisas. Além disso, no mesmo século XV, os coreanos
desenvolveram uma técnica de impressão com tipos móveis muito semelhantes à
posteriormente criada pelo ourives alemão, o que, segundo Briggs & Burke (2004), leva
45
a crer que a “invenção ocidental pode ter sido estimulada pelas notícias do que havia
acontecido no Oriente” (BRIGGS & BURKE, 2004, p.26).
Sobre a técnica propriamente dita, Febvre & Martin (1992) afirmam que desde a
sua criação, apesar de alguns ajustes, ela permaneceu basicamente a mesma até a
“Revolução Industrial e técnica do século XIX” (FEBVRE & MARTIN, 1992, p. 76).
Os elementos essências deste processo eram as tintas, o uso de caracteres móveis e a
prensa.
As primeiras tintas para imprimir, conforme Souza (2002) foram criadas por
Schöffer, as matérias-primas básicas eram a fuligem ou o carvão vegetal misturado com
água e borracha. Com o passar do tempo cada impressor desenvolveu sua própria tinta,
cuja forma era mantida em segredo. Já os caracteres móveis aceleravam e tornavam o
processo de impressão mais eficiente. Diferentemente dos xilógrafos, que utilizavam
blocos para reproduzir gravuras, Gutenberg criou tipos independentes, soltos, cada qual
correspondente a uma letra do alfabeto. O estudioso da leitura Manguel (1997) esclarece
que os tipos eram “prismas de metal para moldar as faces das letras” (MANGUEL,
1997, p.158). Veja a seguir a representação de um deles:
46
Im
agem de um
tipo móvel utilizado para
impressão
Fonte: SOUZA, J. M. Pequeña historia del libro. Gijon: Ediciones Trea, 1999.
Por sua vez, a prensa, segundo Febvre e Martin (1992), era o elemento principal
da impressão. Sua origem remonta as prensas de vinho. Na oficina tipográfica, seu
funcionamento era simples, os historiadores acima citados o descrevem do seguinte
modo:
a matriz, junção de várias páginas de caracteres solidamente reunidas a
fim de não poder se deslocar, é colocada sobre o mármore – feito
inicialmente, de fato, de uma pedra de mármore lisa e plana mas
substituída, no século XVIII, por uma placa de aço. A matriz, assim
colocada, é entintada com a ajuda da bala; depois a folha é colocada
sobre os caracteres. Põe-se então a prensa em ação: uma batida na barra
põe em movimento um parafuso sem-fim em cuja extremidade há uma
chapa horizontal, a platina que é colocada sobre o mármore. Assim, a
folha, comprimida contra a matriz, pela platina, recebe a impressão dos
caracteres (FEBVRE & MARTIN, 1992, p.97).
47
Sobre a forma dos livros, é licito dizer que elas não sofreram substanciais
modificações com o advento da impressa, pelo menos não inicialmente. A este respeito,
Febvre e Martin (1992) esclarecem que os impressores possuíam a preocupação de
produzir um objeto semelhante ao já existente, em outros termos, uma preocupação em
imitar a estrutura já conhecida pelos leitores. Fato notado, por exemplo, na impressão da
Bíblia de 42 linhas, uma vez que ela era produzida com “caracteres que reproduziam
com muita fidelidade a escrita dos missais manuscritos da região renana” (FEBVRE &
MARTIN, 1992, p.117). A este fato, acrescente-se o de que por muitos anos, conforme
os estudiosos franceses da história do livro, os tipógrafos “utilizavam não apenas
alfabetos de caracteres isolados, mas também grupos de letras ligadas entre si pelas
mesmas ligaduras da escrita manuscrita” (FEBVRE & MARTIN, 1992, p.117). Embora
a semelhança, Febvre e Martin (1992) destacam que os leitores sabiam distinguir o
impresso do manuscrito.
No que diz respeito à apresentação do escrito, mais especificamente aos tipos de
caracteres utilizados para a impressão, existia uma grande variedade deles e não havia
uma norma, um padrão. Segundo Febvre e Martin (1992), a escolha do tipo de caractere
variava em relação à classe da obra e do público leitor.
Desse modo,
para o clérigo ou para o universitário, livros de escolástica ou de direito
canônico impressos em letras de soma; para o leigo, obras narrativas
escritas geralmente em língua vulgar e impressos em caracteres bastardos;
para os ardorosos defensores o belo estilo, as edições dos clássicos latinos
e os escritos dos humanistas, seus admiradores, em caracteres romanos
(FEBVRE & MARTIN, 1992, p.121).
Contudo, a diversidade de caracteres não resistiu ao poder unificador da
imprensa. Foi preciso aproximadamente um século desde a sua invenção para o tipo
romano ser adotado em boa parte do território europeu.
Outro aspecto da história da tipografia que não podemos negligenciar é o de sua
difusão pela Europa. A este respeito Febvre e Martin (1992) afirmam que aos olhos do
homem do século XX a imprensa parece ter se alastrado lentamente. No entanto,
levando-se em conta as dificuldades que se impunham aos que a ela se dedicavam o
48
processo parece não ter sido tão lento. As palavras dos autores são esclarecedoras sobre
esse aspecto:
pensemos nas múltiplas dificuldades que precisaram resolver os homens
do século XV - de um século onde as comunicações eram lentas ainda e
as técnicas rudimentares; que se pense que, entre 1450 e 1460, somente
um punhado de homens, agrupados em Mogúncia em algumas oficinas,
conheciam os segredos da arte tipográfica – delicada e complicada para a
época; que se pense nas múltiplas dificuldades que os criadores de novas
oficinas tiveram que resolver – para reunir matéria-prima necessária, por
exemplo: aço das punções, cobre das matrizes, mistura de chumbo e de
estanho para os caracteres; que se pense na raridade dos técnicos,
entalhadores de punções, fundidores de caracteres e compositores
(FEBVRE & MARTIN, 1992, p.266).
O exame das dificuldades que envolviam o trabalho no interior de uma oficina e
o próprio sigilo que o envolvia são tratados pelos historiadores franceses como
elementos que justificam a lentidão do processo de difusão do escrito impresso pela a
Europa. Entretanto, a historiadora inglesa Eisenstein (1998), autora de um dos
principais trabalhos já publicados sobre o surgimento do impresso e seus
desdobramentos políticos, sociais (intelectuais) e econômicos, parece pensar um pouco
diferente, pelo menos é isso que dá a entender quando ela diz que “não deve ser difícil
chegar ao consenso sobre a idéia de que o aumento ocorrido na segunda metade do
século XV foi abrupto, e não gradual” (EISENSTEIN, 1998, p.36).
Contudo, a historiadora não justifica sua afirmação, o que deixa uma dúvida no
ar. Mais uma dúvida entre as tantas que cercam a história européia da impressão de
livros. Por esta razão, deixemos esta questão de lado e passemos a considerar quais os
fatores que convergiram para o seu desenvolvimento, independente de ter sido lento ou
não.
Febvre e Martin (1992) assinalam que para compreendermos o desenvolvimento
da tipografia, em seu período inicial, é preciso levar em conta o interesse de alguns
indivíduos e de alguns grupos ávidos pela aquisição de determinados textos. No caso de
indivíduos, de particulares, interessados na arte da impressão, os historiadores franceses
citam, como exemplo, o mecenas Jean de Rohan, o qual era
senhor de Bréhan-Loudéac, menos rico e menos poderoso do que poderia
sugerir seu nome por era Rohan do ramo mais moço, mas amigo das
letras, possuindo um belíssimo castelo, grande residência do século XV
49
que se vê ainda a alguns quilômetros da comuna de Saint-Étienne du Gué
de l’Isle. Foi perto desse castelo que Jean de Rohan instalou, em 1484,
dois impressores, Jean Crès e Robin Fouquet, cuja oficina produziu pelo
menos dez obras em nove anos, as quais formavam juntas uma verdadeira
enciclopédia dos conhecimentos que poderia desejar proporcionar a si
mesmo um senhor culto desse tempo: Le Trépassement de Notre-Dame;
Le Loys de Trépassés avec le Pèlerinage Maistre Jean de Mung en vision;
La Patience de Grisélidis; Le Bréviare des Nobles, poema em 445 versos;
L’Oraison de Pierre de Nesson; Le Songe de la Pucelle; Le Miroir d’ór
de l’âme pécheresse; Les Coustumes et constitutions de Bretaigne e,
naturalmente uma Vie Jésus-Christ, assim como o inevitável Scret des
secrets d’Aristote (FEBVRE & MARTIN, 1992, p.255).
Apesar da existência não rara de indivíduos como o citado acima, o papel
principal na difusão do impresso, pelo menos em seus primeiros anos, ficou a cargo das
instituições eclesiásticas. A instabilidade política e os recorrentes conflitos ocasionaram
a destruição de muitas igrejas e de seus respectivos acervos de liturgia. Como foi o caso,
citado por Febvre & Martin (1992), dos cônegos de Dole, que tiveram sua cidade
pilhada pelos franceses. Como resultado os homens de fé ficaram sem os seus livros.
Além desse, outro exemplo por eles mencionado é o da contratação do melhor
impressor de Paris, Jean Du Pré, para executar um trabalho de impressão de um missal
para uso da diocese de Chartres.
Em geral, o interesse dos membros da Igreja era simplesmente o de multiplicar
seus livros. Desse modo, estudantes de diferentes cidades e países poderiam consultar
uma quantidade maior de obras que até então eram de difícil acesso. Acrescente-se
como elemento facilitador desse processo a tradução de inúmeras obras para diferentes
línguas.
A fala de impressores alemães, citados por Febvre & Martin (1992), é
emblemática sobre a relação entre eclesiásticos e a tipografia. Para eles a impressão é
“auxiliar da Igreja” (FEBVRE & MARTIN, 1992, p.257) ou ainda “padres de Deus,
ensinando não a palavra falada, mas a palavra escrita” (FEBVRE & MARTIN, 1992,
p.257).
Não obstante a importância da imprensa para alguns homens de fé, a Igreja não
poderia encabeçar ou levar por si o projeto de expansão da tipografia. Isto porque esse
não era um projeto de fé, mas um projeto comercial, ou melhor, industrial. Se por um
lado, como vimos nas páginas anteriores, a Igreja na época dos manuscritos assumiu o
50
monopólio sobre sua produção e circulação, por outro, na época do impresso, outros
elementos mais complexos entravam em jogo. Afinal, uma empresa só subsiste diante
das mais favoráveis condições comercias. Era preciso encontrar um mercado
consumidor: ele estava nas cidades universitárias.
A imprensa era uma indústria e todo o empreendimento estava fadado a
um fracasso mais ou menos remoto, se ao cabo de algum tempo a nova
oficina não se achasse estabelecida sobre bases bastante sólidas e
saudáveis para obter ganhos – ou pelo menos, cobrir suas despesas. De
maneira que, de fato, entre todas as oficinas criadas por mecenas ou
eclesiásticos e também entre aquelas cuja criação eles favorecem, só
subsistem, ao cabo de certo tempo, as que se encontram em condições
comerciais convenientes (FEBVRE & MARTIN, 1992, p.258).
Ademais,
Antes de qualquer coisa colocava-se a questão do mercado: era preciso
poder encontrar, se possível no local, uma clientela estável e
suficientemente considerável. Essa é a razão de as oficinas se
multiplicarem e prosperarem nas grandes cidades universitárias
(FEBVRE & MARTIN, 1992, p.258).
Segundo Febvre & Martin (1992), entre os anos de 1460 e 1470 a arte de
imprimir livros começava a se difundir. Inicialmente, na Alemanha, pois a classe
comerciante deste país estava disposta a investir na criação de oficinas e, além disso, os
alemães possuíam conhecimento sobre o trabalho com o metal, haja vista a existência de
uma quantidade substancial de minas naquele país. Na década de 80, do século XV, a
Europa Ocidental possuía mais de uma centena de oficinas tipográficas, distribuídas da
seguinte maneira: “50 na Itália, cerca de 30 na Alemanha, 5 na Suíça, 2 na Boêmia, 9 na
França, 8 na Holanda, 5 na Bélgica, 8 na Espanha, 1 na Polônia e 4 na Inglaterra”
(FEBVRE & MARTIN, 1992, p.270).
Para Febvre & Martin (1992), a partir do ano de 1480 os livros impressos já
eram utilizados por todas as partes, e seus efeitos sentidos, segundo Eisenstein (1998),
não só nas relações “entre os homens de cultura, mas também entre os sistemas de
idéias” (EISENSTEIN, 1998, p.60).
A produção em maior escala, possibilitada pela tipografia, acabou por aumentar
o número de textos em circulação ou, para falar como Eisenstein (1998), aumentou o
51
acervo de leitura. Os impressores produziam não só obras contemporâneas, mas,
também, clássicos antigos. Com isso, o número de obras consultadas pelos leitores
cresceu. O que nas palavras de Eiseinstein (1998) significou o término do “tempo do
glosador e do comentarista, e teve início umaera de intensas referências cruzadas entre
um livro e outro’” (EISENSTEIN, 1998, p.59 – grifos do autor).
Nesse sentido,
Ao explicar os motivos pelos quais Montaigne percebia, nos livros por ele
consultados, um grau maior de “conflito e diversidade” do que haviam
constatado os comentaristas medievais na época anterior, impõe-se dizer
algo sobre a maior quantidade de livros que ele tinha à mão. [...] Estantes
de livros abastecidas com mais abundância só poderiam obviamente
aumentar as oportunidades de consultar e comparar diferentes textos
(EISENSTEIN, 1998, p.59).
A imprensa, como se pode perceber a partir das análises de Einsentein (1998),
alterou a organização do conhecimento, bem como seu modo de produção. Isto porque
“a maior produção, dirigida a mercados relativamente estáveis, criou condições que
favoreceram inicialmente novas combinações de velhas idéias e, mais tarde, a criação de
sistemas de pensamento inteiramente novos” (EISENSTEIN, 1998, p.60).
A historiadora inglesa, no curso de sua obra, analisa ainda os efeitos da imprensa
sobre outros fatos históricos, como a Renascença e a Reforma Protestante. Mas não há
necessidade de adentrarmos estas veredas, afinal, o que nos importa, de fato, são seus
efeitos sobre as maneiras de ler. E a esse respeito, temos poucas pistas. Sabe-se, por
exemplo, de acordo com Manguel (1997) que os tipos itálicos diminuíam a velocidade
dos olhos. Ao que tudo indica as maneiras de ler não sofreram grandes alterações nos
primeiros momentos do aparecimento do livro impresso. Conhecemos, por Eisenstein
(1998), dados quantitativos, isto é, o número de textos em circulação cresceu
rapidamente. No entanto, com relação a dados qualitativos, o mesmo não pode ser dito.
Afinal, a forma dos textos, em relação ao manuscrito, sofreu poucas alterações. A
imagem a seguir demonstra tal fato:
52
Comparação entre dois fragmentos de textos, um manuscrito e outro impresso.
Comparação entre dois fragmentos de textos, um manuscrito e outro impresso.
Fonte: EISEINSTEIN, E. L. A revolução da cultura impressa: os primórdios
da Europa moderna. Trad; Osvaldo Biato. São Paulo: Ática, 1998.
Os fragmentos acima demonstram muito claramente que as formas dos textos
sofreram poucas alterações nos primórdios da impressão. A forma de apresentação do
texto manuscrito se perpetuou no impresso, assim como, muito provavelmente, se
tenham perpetuado as maneiras de ler. A fusão de estruturas é nítida. O que demonstra
que os suportes não se anulam, nem simplesmente se substituem. No caso do livro
manuscrito e do impresso, elementos estruturais e de apresentação do texto são
incorporados pela nova materialidade, fazendo com que a mudança, para o leitor, não
seja radical.
Portanto, na mudança do manuscrito para o impresso, indiscutivelmente, o
número de textos em circulação aumentou, mas as maneiras de ler possivelmente não,
pelo menos não inicialmente. Não coloco à prova a promoção pela imprensa de uma
leitura intensiva, isto é, de poucos textos constantemente revisitados, para uma
extensiva, ou seja, de vários títulos. Contudo, que os modos de ler tenham acompanhado
53
essa mudança é outra questão, sem dúvida, mais delicada. Não podemos nos esquecer
que quando falamos sobre leitura, entra em jogo um elemento fundamental para a
história, porém pouco discutido: refiro-me às mentalidades. As mentalidades são os
elementos que historicamente mudam mais lentamente. A esse respeito cito Le Goff
(2003), em uma passagem elucidativa, a qual evidencia que as mentalidades pertencem
à dinâmica social, mas levam um tempo maior para se modificarem:
Os homens servem-se das máquinas conservando as mentalidades
anteriores a essas máquinas. Os automobilistas têm um vocabulário de
cavaleiros; os operários das fábricas do século XIX, a mentalidade dos
camponeses, seus pais e avós (LE GOFF, 2003, p.72).
Entretanto, em um mesmo período histórico podem coexistir diferentes
mentalidades. Como é caso quando analisamos a leitura na tela do computador, mais
especificamente no que diz respeito a comportamentos levados da cultura do impresso
para o gráfico eletrônico do computador. Como se verá nas próximas páginas, dedicadas
ao trabalho de campo e a análise do material dele oriundo, alguns sujeitos quando diante
da tela perpetuavam comportamentos característicos do suporte anterior, outros sujeitos
cessavam com os comportamentos do impresso e desenvolviam novos, mais
apropriados à leitura na tela.
54
CAPÍTULO 2
55
2. Em busca da leitura na tela na escola
A execução de um trabalho de mestrado ou doutorado está longe de ser uma
tarefa simples. Inicialmente, a elaboração do projeto de pesquisa é um grande desafio.
Nele, alguns caminhos, objetivos e autores são indicados. Contudo, com o passar do
tempo, normalmente, quando já se está matriculado em um programa de pós-graduação,
algumas questões são revistas, repensadas, surgem novas orientações. Outro grande
problema é o de selecionar o caminho metodológico pelo qual se desenvolverá a
pesquisa. A coleta, nos casos em que ela é necessária, o tratamento e a organização da
exposição dos dados se tornam um grande desafio. Creio que são estes os
enfrentamentos intelectuais de todos os pesquisadores de nível acadêmico, das
humanidades ou não, jovens ou experientes. Nas páginas a seguir, será apresentada a
metodologia que guiou a execução deste trabalho, isto é, o caminho percorrido em
busca de respostas às problemáticas propostas nesta pesquisa. Tudo isso passará pela
análise e apresentação dos instrumentos utilizados para a coleta dos dados, identificação
do campo de pesquisa e dos sujeitos dela participantes; serão ainda reportados os dados
coletados e sua análise.
2.1 O olhar do pesquisador por meio da pesquisa etnográfica
Nas páginas iniciais deste trabalho, indiquei a leitura na tela do computador
como objeto de pesquisa, pois esse é um assunto ao qual foi dada pouca atenção até
agora, apesar de sua grande importância, além de ser tema merecedor de uma análise
mais aprofundada e consistente. Os trabalhos disponíveis nesse campo, hoje, pecam
pela superficialidade e leveza.
56
As metas de pesquisa utilizadas buscaram identificar as maneiras como o aluno
lê na tela do computador, já presentes na escola. Buscam ainda mapear as estratégias de
leitura mobilizadas pelos alunos, pois este é fato muito influente nas tomadas de
decisões deles quando se dão a essa prática. Não se deixa de lado o fato de que as
formas dadas aos textos influenciam no processo de atribuição de sentido do leitor ao
escrito. Considera-se, finalmente, que novos suportes de leitura incitam novos modos de
operar o pensamento.
Tendo em vista as metas de pesquisa propostas e em respeito ao referencial
teórico, o estudo de caso do tipo etnográfico foi selecionado como procedimento
metodológico para coleta de dados.
O método é chamado “do tipo etnográfico” e não somente “etnográfico”, por não
guardar todas as características epistemológicas de sua disciplina de origem, a
antropologia. Mas não por isso perde em complexidade e densidade. Por isso, não deve
ser empregado como uma simples técnica de coleta de dados, porque é mais do que isso,
é um enfoque ou uma abordagem, a qual deve orientar os passos e procedimentos do
pesquisador em campo. Além disso, é relevante dizer que o estudo do tipo etnográfico é
um procedimento flexível, por esta razão conhecê-lo em profundidade é de suma
importância para que não se cometam erros procedimentais e se explorem melhor as
possibilidades que o método oferece.
Desse modo, começarei a exposição dessa metodologia pelo resgate da história
da etnografia, porque é importante que se conheça seu berço. Feito isso, passarei à sua
inversão em direção à pesquisa em educação e, por fim, do seu emprego nesta pesquisa.
57
2.2 O estudo etnográfico em perspectiva histórica
Desde a sua mais tenra existência o homem manifestou interesse pelo estudo de
seus semelhantes não só no que diz respeito às funções vitais, a fisiologia, mas, também
sobre a vida social. A esse respeito, afirma Laplatine (2005), que em todas as
sociedades, em todos os momentos históricos existiram homens empenhados em
observar outros homens, como se observar o outro fornecesse a chave para compreensão
de si.
Entretanto, o projeto de constituição de uma ciência que tomasse o homem como
objeto de estudo surgiu somente no século XVIII. Contudo, desde o século XV uma
série de acontecimentos serviu de combustível para a constituição de um novo modo de
pensar na população do velho continente.
Nesse sentido, o surgimento do capitalismo, a formação dos Estados Nacionais,
a ascensão da burguesia como classe social hegemônica e a ânsia por expandir o
cristianismo para o além-mar construíram a atmosfera e as condições necessárias às
expedições marítimas em busca de novas terras e riquezas. Nos novos territórios,
estranhos, já ocupados e por povos de costumes considerados, pelo homem branco
europeu, horrendos, o choque era inevitável. Tornou-se um dos mais tristes episódios da
história humana, mas que não cabe aqui descrevê-lo. Dessa história, de mudanças e
novos rumos, manchada pelo sangue e pelo suor dos ameríndios dos trópicos e dos
negros africanos, nos interessa outro desdobramento, batizado de antropologia.
A antropologia é fruto da execução do projeto de expansão comercial e
territorial europeu. Ao expandir-se para além do Atlântico, circunavegar o continente
africano e adentrar os portões do oriente misterioso, o europeu tomou conhecimento da
existência de outros povos, de outras culturas, de outros costumes, enfim, de novos
modos de pensar. Conforme Laplatine (2005) foi justamente para estas populações,
chamadas simples ou primitivas, que o olhar atento dos primeiros antropólogos se
voltou.
58
Neste período inicial, as pesquisas antropológicas eram feitas a várias mãos, ou
seja, existia uma divisão de tarefas. O pesquisador não mantinha contato direto com as
sociedades estudadas; os dados eram obtidos por intermédio de viajantes ou
missionários que por motivos políticos ou religiosos conviviam por um tempo com
algum destes povos. O pesquisador, como se pode perceber, não saía a campo; a ele
cabia a tarefa exclusiva de refletir sobre o material coletado por outrem.
Contudo, esta forma de condução da pesquisa antropológica esboçou sinais de
mudança na primeira década do século XX. Segundo Laplatine (2005), o pesquisador
percebeu a importância da coleta de dados in loco, isto é, de experimentar a vida junto
às sociedades estudadas. O campo de pesquisa, local longínquo e exótico, utilizado
apenas para ilustrar as pesquisas, acabou convertendo-se em moradia, lugar de
convivência e diálogo, em suma, fonte de pesquisa. Laplatine (2005) define essa
mudança de atitude do estudioso da antropologia da seguinte maneira:
Ele aprende então, como aluno atento, não apenas a viver entre eles, mas
a viver como eles, a falar sua língua e a pensar nessa língua, a sentir suas
próprias emoções dentro dele mesmo (LAPLATINE, p.76, 2005).
A este novo modo de conduzir a pesquisa antropológica, Laplatine (2005)
destaca dois dos principais responsáveis: o antropólogo americano Franz Boas e o
polonês naturalizado inglês Bronislaw Malinowski, estudiosos que tiveram atuação
decisiva para a formulação da etnografia.
Franz Boas é conhecido por seus estudos sobre os Kwakiutl e os Chinook da
Colúmbia Britânica. Segundo Laplatine (2005), o estudioso constantemente afirmava
que em campo tudo deveria ser anotado, pois cada elemento constitutivo da sociedade
possui uma importância única, desde a maneira e os ingredientes utilizados na
preparação de um alimento às crenças mitológicas. Distribuía sua atenção igualmente
entre os membros do grupo, buscava apreender a maneira com que, sobretudo os mais
humildes, “classificavam suas atividades mentais e sociais” (Laplatine, p.78, 2005).
Contemporâneo de Boas, Malinowski ficou conhecido por seus estudos junto às
populações das ilhas Trobriand do Pacífico. O pesquisador é ainda hoje lembrado graças
ao esforço desempenhado na tentativa de compreender o que sentiam os indivíduos
59
pertencentes a uma cultura estranha. Criador da observação participante, segundo
Laplatine (2005), fez dela uma participação psicológica, em que deveria compreender e
compartilhar os sentimentos dos homens e mulheres por ele observados.
O antropólogo polonês buscava compreender as sociedades a partir de seu
presente, do momento vivido. Sua originalidade na maneira de conduzir os estudos
rendeu uma nova abordagem da antropologia, o funcionalismo. Definido da seguinte
maneira:
[...] o indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura
tem precisamente como função a de satisfazer à sua maneira essas
necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando instituições
(econômicas, políticas, jurídicas e educacionais...), fornecendo respostas
coletivas organizadas, que constituem, cada uma a seu modo, soluções
originais que permitem atender a essas necessidades (LAPLATINE, p. 81,
2005).
Essa concepção por duas razões foi muito criticada: a primeira porque serviu de
base para alguns discursos legitimadores do colonialismo do século XX; a segunda por
atribuir as instituições o poder de prover todas as necessidades dos homens. Todavia,
apesar das criticas, Malinowski é ainda hoje respeitado por suas contribuições. Ao lado
de Boas, ensinou a importância da permanência do pesquisador em campo e da
compreensão da mentalidade dos povos; ensinou que qualquer objeto por mais simples
que pareça pode ser representativo de toda uma cultura e que os homens nunca
desaparecem em proveito do sistema (LAPLATINE, 2005).
A etnografia surge, portanto, no interior da antropologia, no momento em que os
pesquisadores desta disciplina percebem a importância do trabalho de campo. Surge
como um enfoque que postula a necessidade de apreensão da sociedade tal como é
percebida de dentro pelos atores sociais com os quais o pesquisador mantém uma
relação direta (LAPLATINE, 2005). No entanto, após firmar uma nova orientação de
pesquisa, a antropologia se depara com um novo obstáculo, aparentemente
intransponível: a escassez de sociedades ditas primitivas. O projeto civilizador
capitalista não as poupou, o objeto de estudo da antropologia estava desaparecendo.
60
2.3 A etnografia como alternativa metodológica na pesquisa em
educação
A escassez do objeto de pesquisa da antropologia suscitou inúmeras discussões,
resultando na ampliação do escopo investigativo desta disciplina. O antropólogo passou
a se ocupar não somente do homem primitivo, mas do “homem em todas as sociedades,
sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas as épocas” (LAPLATINE, p.
16, 2005). Isso significa, que o objeto empírico da antropologia ampliou-se das
sociedades primitivas ou simples às sociedades complexas. Segundo Rockwell e
Ezpeleta (1989), o antropólogo ao focar as sociedades mais desenvolvidas passou a
observar como estranhos, rituais familiares.
Neste quadro de mudanças, a etnografia, definida como instrumento para criação
de conhecimento calcado na observação direta dos comportamentos sociais a partir de
uma relação humana (LAPLATINE, 2005) foi descoberta por outras áreas do
conhecimento e converteu-se em método de pesquisa de outras ciências.
No terreno educacional, os primeiros empregos da etnografia remontam a década de
1970, no intuito de apreensão da prática escolar cotidiana. Nesta transposição, nem
todos os requisitos da antropologia necessitariam ser cumpridos pelo pesquisador da
educação. Por isso, o que se tem feito segundo André (1995), é uma adaptação da
etnografia à educação, ou seja, nas pesquisas em educação não se faz etnografia em seu
sentido estrito, mas estudos do tipo etnográfico.
Associado a esse tipo de estudo, conforme André (1995) aparece o estudo de
caso, isto é, um estudo que abarca as características da etnografia e, adicionalmente,
focaliza uma unidade bem definida. Trabalhados conjuntamente, que é o caso desta
pesquisa, recebem o nome de estudo de caso do tipo etnográfico. Lembrando que o caso
pode ser escolhido por sua singularidade ou por ser representativo de outros.
Para que um estudo em educação seja caracterizado como do tipo etnográfico,
ele deve abranger os seguintes procedimentos: a observação participante, a análise de
61
documentos e a entrevista. No entanto, a etnografia é uma abordagem aberta e flexível,
em que mesmo estando em andamento o trabalho, é possível a inclusão de outros
procedimentos à coleta de dados, bem como o aprofundamento de algumas questões,
revisão de outras e a escolha de novos sujeitos.
A respeito dos procedimentos constitutivos do estudo etnográfico é importante
frisar que a observação é chamada participante devido ao grau de interação e vivência
entre o pesquisador e a realidade estudada. Os documentos são utilizados para uma
melhor contextualização do objeto e seu contexto, e as entrevistas possibilitam o
esclarecimento e aprofundamento de certos problemas da pesquisa.
Outro importante elemento do estudo do tipo etnográfico é a ênfase no processo
e não no produto da pesquisa. O pesquisador deve estar constantemente atento ao que
está ocorrendo, buscando observar e questionar a evolução de seu objeto de estudo.
Ainda sobre suas características, cabe dizer que:
[...] a pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos,
abstrações, teorias e não sua testagem. Para isso faz uso de um plano de
trabalho aberto e flexível, em que os focos da investigação vão sendo
constantemente revistos, as técnicas de coleta, reavaliadas, os
instrumentos, reformulados e os fundamentos teóricos, repensados. O que
esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas
relações, novas formas de entendimento da realidade (ANDRÉ, p. 30,
1995).
Por fim, creio que é importante registrar uma advertência de André (2005),
segundo a qual, “a pesquisa etnográfica não pode se limitar à descrição de situações,
ambientes, pessoas, ou à reprodução de suas falas e de seus depoimentos” (ANDRÉ,
p.44, 1995). A etnografia, portanto, não é uma técnica de descrição; o pesquisador não
pode reduzir seu trabalho de permanência junto à unidade estudada a uma mera
descrição, ou seja, o pesquisador tem por dever:
[...] ir muito além e tentar reconstruir as ações e interações dos atores
sociais segundo seus pontos de vista, suas categorias de pensamento, sua
lógica. Na busca das significações do outro, o investigador deve, pois,
ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas de entender,
conceber e recriar o mundo (ANDRÉ, p. 44, 1995).
Foi o que tentei fazer na pesquisa de campo descrita a seguir
62
2.4 Identificação do campo de pesquisa e justificativa de sua escolha.
A observação participante nesta pesquisa foi inteiramente realizada na Escola
Estadual “Professora Cleophânia Galvão da Silva” localizada no município de Assis no
interior do estado de São Paulo. A escola atende a alunos do ensino médio no período
matutino e alunos do ensino fundamental no horário da tarde.
Conforme registrado no plano de gestão da instituição, referente ao período de
2003-2006, a maior parte dos alunos é proveniente de famílias de baixa renda,
domiciliados em localidades circunvizinhas à escola; apenas um 1% do total é
proveniente da zona rural. Segundo o referido documento, a limitação financeira do
alunado é bastante evidente, notada na dificuldade para aquisição do material escolar, na
alimentação deficitária e nas condições de saúde. Em razão desses limites uma parcela
dos alunos, além de estudar, já executa algum trabalho. Todavia, esses alunos-
trabalhadores reconhecem a importância da escola para a garantia de um futuro melhor,
ou em outros termos, para a garantia de um espaço em um mercado de trabalho cada vez
mais concorrido e exigente.
O corpo docente é formado por quarenta e oito professores, todos com
graduação completa no ensino superior. A escola coloca à disposição deles diferentes
recursos didático-pedagógicos, desde os livros didáticos e sala de informática, passando
por sala de vídeo, laboratório de ciências, biblioteca escolar, jornais, revistas, livros
didáticos e mapas. Alem desses, a escola possui alguns equipamentos eletrônicos/
audiovisuais à disposição dos professores e alunos, dentre eles dois vídeos-cassetes,
dois aparelhos de televisão, uma antena parabólica, um retroprojetor, um projetor de
slides, uma máquina fotográfica, cinco aparelhos de som, dez microcomputadores, três
impressoras, um scaner e uma câmera filmadora.
Importantes atividades são desenvolvidas todos os anos na escola, dentre elas,
gincanas culturais, grupos teatrais e de dança, musicais, campanhas educativas e de
prevenção de doenças e o projeto rádio escola. É salutar dizer que no período em que a
63
pesquisa foi desenvolvida na escola, algumas dessas atividades foram presenciadas,
principalmente as teatrais, coordenadas pela professora de Língua Portuguesa.
A comunidade local conta com alguns locais públicos de socialização e lazer,
além do próprio espaço escolar, que abre suas portas nos finais de semana em razão do
vinculo com o Programa Estadual Escola da Família.
Creio assim, mesmo que resumidamente, ter descrito o local em que ocorreu a
pesquisa de campo, bem como o recorte social, no qual se encontravam inseridos os
sujeitos observados.
Passo agora à justificativa da escolha desta unidade para a realização do estudo.
A escolha se deu, inicialmente, pelo fato da escola possuir uma sala de informática com
computadores conectados à Internet, requisito básico para a realização da pesquisa.
A unidade aparentava ser representativa de outros casos, isto porque tive a falsa
impressão de que a sala de informática era utilizada apenas para as pesquisas escolares e
com restrições, como ocorre em muitas outras escolas. Mas com o prolongamento da
permanência em campo, percebi que a impressão inicial estava equivocada e que na
realidade a sala de informática permanecia aberta durante todo o dia. Os alunos tinham
acesso irrestrito a ela, mas nem por isso a danificavam, pelo contrário, apresentavam por
ela um grande zelo.
A porta de uma sala de informática mantida aberta não significa apenas inclusão
digital, afinal a inclusão digital é mais um dos mal entendidos do país; a permanência
daquela porta aberta representava para muitos alunos a única possibilidade de contato
com o computador e com a Internet, fato notado entre os sujeitos participantes da
pesquisa, pois nenhum deles possuía computador em sua residência. A escola era o
único local em que poderiam utilizá-los sem nenhum custo.
Diferente do que se observa não raramente, em outras escolas, em que salas de
informática são mantidas fechadas para que os alunos não danifiquem os equipamentos,
na unidade em que a pesquisa de campo ocorreu, o direito de acessá-los era garantido.
64
2.5 Identificação dos sujeitos
Foram selecionados seis sujeitos para as atividades. O critério de seleção
baseou-se no uso ou não da Internet como fonte para as pesquisas escolares. Os sujeitos
foram selecionados entre dois grupos de alunos de cada uma das sétima séries da escola.
A escolha ocorreu por meio de uma conversa com os alunos em que foi a eles explicado
os objetivos e procedimentos da pesquisa. A partir disso, aqueles que se mostraram
espontaneamente interessados foram selecionados.
2.6 Procedimentos e instrumentos para coleta de dados.
Os sujeitos foram observados em situação de leitura no impresso e na tala. Estas
situações foram planejadas e executadas com vistas a criar uma atmosfera de pesquisa
escolar, pois assim seria criada uma situação mais ativa de leitura, em que o sujeito leva
questões ao texto, busca respostas e apresenta os resultados. Trata-se de uma nova
forma de entrada no texto, de um novo espírito de leitura.
65
Contudo, antes de nos aprofundarmos nesse ponto, é preciso dizer que todos os
sujeitos participantes da pesquisa responderam a um questionário fechado e foram
entrevistados anteriormente às observações. Os questionários foram aplicados e as
entrevistas realizadas no segundo contato que tive com os sujeitos, lembrando que o
primeiro foi o que se deu a escolha dos participantes.
Os questionários fechados foram empregados no intuito de se levantar dados
preliminares sobre o uso e conhecimento que os sujeitos possuíam sobre o computador e
a Internet. O questionário foi apresentado aos sujeitos na própria escola, anteriormente
às entrevistas. O questionário do modo com que foi empregado nesta pesquisa, isto é,
constituído por questões fechadas, de múltipla escolha, em que o indagado assinalava
uma alternativa ou mais de uma por ordem de importância, é um instrumento simples,
utilizado em complemento às entrevistas.
Sobre o uso da entrevista, é valido assinalar que ela é um dos principais
instrumentos de pesquisas qualitativas. A sua utilização, segundo Zago (2003), não
segue receitas prontas. A regra é respeitar princípios éticos e de objetividade na
pesquisa, bem como garantir as condições que favoreçam uma melhor aproximação da
realidade social estudada [...] (ZAGO, 2003, p.294).
A entrevista não é uma simples técnica da qual o pesquisador lança mão para
acessar dados sobre seu objeto de pesquisa. Ela é muito mais do que isso, ela é “parte
integrante da construção sociológica do objeto de estudo” (ZAGO, 2003, p.295).
Nas entrevistas realizadas neste estudo, utilizei um roteiro semi-estruturado de
questões. A opção por essa modalidade de entrevistas e não somente pelo questionário
fechado ocorreu em razão desta última impedir “todo o imprevisto e o desencadeamento
de uma dinâmica que é própria de cada encontro” (ZAGO, 2003, p.305).
Tratando-se de uma relação social, temos que contar com esta realidade
viva sujeita a imprevistos, os quais, com freqüência, oferecem pistas
importantes para a compreensão do fenômeno estudado. Essas pistas
revelam a singularidade de cada entrevista. Dependendo da importância
que sentimos em esclarecê-las e aprofundá-las, vamos além do que foi
previsto no roteiro inicial. Porém, cuidados são sempre necessários. Não
se trata simplesmente de estender a entrevista a todas as direções. O
interesse é acrescentar questões que a situação sugere quando estas têm
relação com a problemática de pesquisa [...] (ZAGO, 2003, p.305).
66
Com as entrevistas, tentou-se investigar o que era a leitura para os sujeitos, a
relação deles com essa prática, bem como os procedimentos de pesquisa escolar por eles
adotados e a relação que possuem com o computador e a Internet.
Retomando a organização das observações, os temas selecionados para as
pesquisas escolares, em que os sujeitos seriam observados lendo, eram de natureza
histórica. A escolha se deu na tentativa de demonstrar aos sujeitos a importância de se
historicizar os problemas e questões do presente, além disso, tentei despertá-los para o
fato de que o conhecimento hoje existente é uma construção histórica. Por isso, em
todas as ocasiões de coleta era mostrado aos sujeitos que o conhecimento do passado
pode nos levar a não cometer erros já cometidos outrora. Ou seja, tentei dar início a um
processo, que é longo, de construção de uma consciência histórica.
Dessa forma, as atividades de pesquisa escolar eram sempre iniciadas com uma
problematização de questões do tempo presente, obviamente relacionadas ao tema
histórico a ser pesquisado. Depois dessa etapa, da qual os sujeitos podiam participar
livremente, seja com perguntas ou comentários, eram fornecidas a eles duas perguntas
relacionadas ao tema da discussão para as quais deveriam buscar respostas na leitura do
material impresso e na tela on-line.
Todas as atividades foram registradas em vídeo. Os sujeitos foram observados
em situação de pesquisa escolar/leitura nos dois suportes, impresso e tela, pois era
objetivo desta pesquisa tentar identificar comportamentos levados do suporte mais
antigo, o livro impresso, para o mais recente, a tela do computador. Os registros em
vídeos auxiliaram nessa tarefa, sobretudo no que diz respeito aos gestos e às posturas do
corpo no momento da leitura. Contudo, foi um software instalado nos computadores que
contribuiu decisivamente para o mapeamento da leitura na tela.
O software, chamado wisecam, sobre o qual os sujeitos foram devidamente
avisados, registra todos os passos do sujeito no computador. Em outras palavras, trata-se
de um software de tutorial que registra, em forma de vídeo, a trajetória percorrida pelo
sujeito no computador, tendo ele executado qualquer tarefa. No caso desta pesquisa, o
software possibilitou uma rigorosa análise posterior de todos os sites visitados, o trajeto
percorrido com o mouse, os toques na barra de rolagem e as palavras-chave
pesquisadas. Este recurso ainda permitiu a observação da tomada de decisões dos
leitores, os momentos de indecisão, a seletividade e a objetividade da leitura.
67
Por fim, sobre as filmagens e o software, é importante dizer que eles forneceram
os elementos não-verbais das situações, possibilitando a identificação de
comportamentos não percebidos durante a observação e o confronto desses com os
dados com as anotações de campo.
O último procedimento empregado foi o grupo focal. Trata-se de um
instrumento utilizado em pesquisas com grupos de pessoas, em que elas são escolhidas
segundo critérios específicos e o problema proposto para estudo.
Segundo Powell e Single, citados por Gatti (2005), “um grupo focal é um
conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar
um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal” (POWELL E
SINGLE apud GATTI, 2005, p.7). Nestas reuniões o grupo desenvolve discussões
acerca de algum tema de naturezas diversas a partir de uma atividade desencadeadora,
como a leitura de um texto, de artigo de jornal, assistir a um filme ou documentário,
entre outras.
O grupo focal foi utilizado com o objetivo de se discutir os temas das pesquisas
escolares, isto é, sondar a compreensão das leituras realizadas pelos sujeitos; bem como
discutir temas relacionados ao próprio ato de ler, ou seja, as percepções dos sujeitos
com relação as leituras realizadas nos diferentes suportes. O grupo focal foi, ainda,
importante para o aprofundamento da compreensão dos dados oriundos dos
procedimentos anteriores. Na pesquisa emrica, essa atividade era dividida em dois
momentos: no primeiro era realizada uma discussão sobre os temas das pesquisas
escolares (verificação/sondagem da compreensão das leituras) e no segundo uma
discussão sobre o uso da Internet como fonte para as pesquisas escolares, bem como a
atitude do leitor diante dos diferentes suportes, tela e material impresso, e as atitudes em
relação à leitura na tela e/ou do texto eletrônico.
Os procedimentos aqui descritos foram testados em uma pesquisa-piloto, tendo
sido um importante momento para confirmação e ajustes de alguns deles.
Os dados coletados encontram-se expostos nas próximas páginas organizados
em seções norteadoras. No interior dessas seções organizam-se categorias, formuladas
consoante os postulados da análise de conteúdo, analisadas com base em bibliografia
especializada. Por fim, é preciso assinalar que os dados foram categorizados e expostos
68
separadamente, em seções norteadoras, por uma questão didática, visando a uma melhor
organização, mas o vínculo teórico entre eles não foi negligenciado.
69
CAPÍTULO 3
70
3. Leituras e leitores da tela na escola
Este capítulo tem por objetivo interpretar os dados cuja coleta foi discutida no
capítulo 2 desta dissertação. Para tal efeito, foi feito um levantamento teórico,
considerando o escopo deste trabalho. Analisei os dados à luz dessa literatura,
procurando tecer algumas reflexões sobre os resultados.
3.1 Novos leitores, novos textos, novas maneiras de ler.
Nesta seção, serão discutidas as maneiras de ler diante da tela do computador. A
esse respeito à primeira anotação a ser feita é a de que existem duas modalidades de
leitura na tela do computador: on-line e off-line. Isto significa que textos podem ser
lidos na tela do computador conectado à Internet, por isso, on-line, ou com o
71
computador desconectado, ou seja, leitura de textos salvos na memória do computador,
que eventualmente podem ter sido extraídos da web, por isso, off-line. Esta constatação
é, aparentemente, óbvia, mas não aparece em nenhum outro trabalho que se dedicou a
este mesmo tema e, interessantemente, foi percebida nas condutas dos sujeitos
observados.
Ao longo da exposição, as condutas de leitura on-line e off-line serão
consideradas, mas é importante frisar que a ênfase recairá sobre a modalidade on-line,
isto é, a da leitura na Internet, mesmo porque os dados foram coletados em atividades de
pesquisa escolar na rede, quando os sujeitos utilizavam o computador.
Para iniciar a argumentação, gostaria de destacar os trabalhos de Nielsen (1997)
e de seus colaboradores, uma vez que os dados por eles fornecidos se apresentam como
relevantes para o problema aqui aventado, apesar da preocupação deste estudioso não
ser a educação. De nacionalidade norte-americana, Nielsen ganhou notoriedade por seus
estudos sobre design de websites, no domínio do conhecimento intitulado usabilidade. A
preocupação desse pesquisador é a de tentar aprimorar, constantemente, a organização
dos websites para que os usuários possam neles efetuar uma navegação mais fácil e
rápida, ficando mais próximos de satisfazer seus objetivos pessoais.
Interessado, portanto, em aprimorar o design de interface de websites, a
preocupação majoritária de suas pesquisas é comercial. Mas, ainda assim, dentre seus
estudos, existem alguns de grande relevância para a argumentação aqui empreendida,
uma vez que desvelam comportamentos habituais de usuários da Internet no momento
em que se encontram navegando na rede, pois nesse contexto, o tema da leitura emerge
muitas vezes como capital, haja vista que a tecnologia da Internet ancora-se em textos
escritos.
Para o pesquisador da usabilidade, compreender a dinâmica da leitura na tela on-
line significa identificar aquilo que deve constar em um website e o que não deve. Isto é,
a navegação se dá em concordância com o ato de leitura e é regida por ele, que ainda
revela os movimentos do usuário pela rede. Dessa forma, a arquitetura ideal dos
websites é elaborada a partir das atitudes reveladas por esta atividade (pela leitura).
Em um estudo sobre como os usuários lêem na tela, on-line, Nielsen (1997)
afirma que eles simplesmente não lêem. Segundo o pesquisador, do número total de
sujeitos participantes de seu estudo apenas 16% realizam uma leitura que ele chama de
palavra por palavra, o restante mobiliza uma estratégia por ele intitulada scan, uma
72
palavra que é traduzida nos dicionários como “sobrevôo pelo texto”, por Nielsen (1997),
definida como a atitude de sacar palavras ou sentenças, mas à qual, baseado nas
observações que fiz in loco, atribuí o significado de escanear, mais fiel às ações que
presenciei na escola.
Diante disso, Nielsen (1997) postula que todos os websites devem conter textos
que possibilitem esse tipo de leitura rápida, intitulados scannable texts. Nesse sentido,
para que permita o escaneio, um texto deve apresentar seis elementos fundamentais. O
primeiro deles: o texto deve conter palavras-chave destacadas, segundo pesquisador de
design de websites os links de hipertextualidade e as variações de cor e fonte podem ser
considerados exemplos dessa característica. O segundo elemento elencado pelo
estudioso da usabilidade é a presença de subtítulos significativos, pois atraem a atenção
do leitor e permitem uma decodificação rápida; o terceiro refere-se às bulleted lists, que
induzem o leitor a estender sua leitura; o quarto elemento é o cuidado necessário com a
quantidade de idéias contidas em um único parágrafo. Para Nielsen (1997), cada
parágrafo deve conter uma única idéia a qual deve ser enunciada logo em seu início,
para que o leitor não salte de um parágrafo para outro, negligenciando outras
informações, talvez importantes, que poderiam estar contidas no corpo do parágrafo. O
quinto elemento Nielsen (1997) intitula de inverted pyramid, ou seja, pirâmide
invertida, a qual consiste em uma forma de texto iniciado pela conclusão. Essa
modalidade, segundo Nielsen (1997), utilizada no jornalismo, permite que o leitor
interrompa a leitura sem que grandes prejuízos informacionais ocorram. A pessoa não
precisa ler todo o texto para que uma conclusão seja formulada, afinal as idéias que
deveriam constar no final são apresentadas em seu início. O último elemento formulado
pelo pesquisador aborda a necessidade de diminuição da quantidade de palavras em
comparação a um texto impresso ou tradicional.
Nessa mesma perspectiva, em outro estudo, Morkes e Nielsen (1997)
aprofundam algumas dos pressupostos acima mencionados. Logo em seu início, é
reafirmada a idéia já explicitada de que na tela on-line o ato de ler é substituído pelo de
escanear; em outros termos, a leitura conforme tradicionalmente concebida, palavra por
palavra, é suplantada pela atitude de escaneio do texto. Neste trabalho, resultante de
pesquisas sobre diferentes estilos de escrita para web, os autores constataram, a partir de
um grupo de sujeitos participantes da pesquisa, que a concisão, a possibilidade de
73
escaneio e a objetividade, são características, quando presentes nos textos, muito
apreciadas pelos leitores e, ainda mais se empregadas conjuntamente.
Em síntese, nesse trabalho, os pesquisadores da usabilidade constataram por
meio de dados empíricos, isto é, a partir de observações e entrevistas com sujeitos em
situação de uso da Internet, que a estrutura ou forma dos textos para a web devem
alicerçar-se sob os três pilares anteriormente descritos, a saber: o da concisão, o da
objetividade e o da possibilidade de escaneio.
Essas características incorporadas aos textos na rede atendem às expectativas
dos leitores no que diz respeito a algo, aparentemente, intrínseco ao sistema world wide
web: a lógica da velocidade. Os leitores na tela on-line têm o desejo de encontrar as
informações buscadas da maneira mais rápida e eficiente possível. Por meio dos cabos
de fibra ótica e das ondas de rádio, a rede mundial de computadores interliga pessoas,
empresas e instituições em uma trama tecnológica complexa, demandando modos de
pensar e agir pautados pela velocidade elétrica, assim o pensamento prospectivo de
Mcluhan (1969) insiste em sobreviver.
Apesar disso, a leitura na tela é sempre enfatizada como cansativa, problema
atribuído à luminosidade da tela. Só para que se tenha uma idéia, a resolução do gráfico
dos monitores é de cerca de 110 pontos por polegada, ao passo que os livros são
impressos a uma resolução média de 1.200 pontos por polegada. Desse modo, não é sem
razão, que os conteúdos informacionais devem estar disponibilizados na rede de forma
que os leitores encontrem as informações desejadas de maneira rápida e fácil, mas,
ainda assim, suprindo plenamente as necessidades motivadoras da leitura.
Nesse sentido, Nielsen e Pernice (s.d.) desenvolveram alguns estudos acerca do
movimento visual dos usuários na web. Nestas pesquisas, a preocupação central esteve
focada sobre os olhos dos usuários, isto é, foi uma tentativa de mapear o campo visual,
o trajeto dos olhos de um determinado sujeito enquanto navega por um website. Para
realização dessas pesquisas foi utilizado um computador, aparentemente, comum, como
se pode observar na imagem abaixo, porém equipado com um conjunto de câmeras e
emissores infravermelhos.
74
Computador utilizado por Nielsen e Pernice (s./d.) em suas pesquisas
Fonte: HTTP://www.useit.com/eyetracking
Foi por intermédio deste equipamento que os pesquisadores capturaram as
imagens a seguir reproduzidas. Elas possibilitam a visualização das áreas de maior
concentração visual dos usuários de Internet. A partir delas foi possível inferir questões
relevantes sobre a leitura neste suporte.
As imagens que seguem, da mesma forma que a anterior, foram extraídas das
pesquisas de Nielsen e Pernice (s.d). A exposição delas servirá para apoiar algumas
inferências que fiz com base no material coletado na escola. Vejamos a primeira delas:
75
Mapa de calor dos pontos de visualização dos leitores
Fonte: www.useit.com/eyetracking
Com relação à coloração apresentada nesta e nas próximas imagens, conforme
Nielsen e Pernice (s.d), o vermelho sinaliza as regiões em que o usuário mais
concentrou seu olhar; seguido pelo amarelo, azul e pelo cinza para as regiões em que
não focou o olhar.
Como se pode observar nessa primeira imagem, as áreas de maior focalização
visual concentram-se no topo da página, sinalizadas pela coloração avermelhada, o fato
permite dizer que é nestas regiões que o usuário realiza uma leitura mais detida – é por
isso que a estrutura textual intitulada pirâmide invertida agrada aos leitores – e é no topo
76
da página, entre as informações iniciais, que o leitor busca identificar a natureza do
conteúdo; feito isso, realiza um escaneio do texto em sua totalidade, com alguns
momentos de concentração em palavras-chave ou subtítulos destacados, quer por
tonalidades diferentes, negrito, ou sublinhadas, muitos dessas palavras sinalizam links
de hipertexto.
Segundo Nielsen (2006), é possível constatar, a partir das imagens do
mapeamento, que a trilha traçada pelo olhar do leitor forma um trajeto na forma de um
F. Obviamente, este não é um padrão exato, mas foi percebido em alguns casos, como
se pode ver nas imagens abaixo:
Mapas de calor que demonstram a leitura em forma de F.
Fonte: www.useit.com/alertbox/reading_pattern.html
Como se pode perceber na imagem acima, os websites são de natureza diferente,
portanto, diferentes formas de textos. Contudo, segundo Nielsen (2006), apesar dessas
diferenças, o foco visual dos usuários parece repetir-se nos diversos websites e nas
variadas leituras que desempenhavam no momento da captura do foco visual. Nielsen
(2006) descreve o processo de construção do F da seguinte forma:
77
Os usuários lêem primeiramente dentro de um movimento horizontal,
geralmente compreendendo a parte superior da página. Esta etapa inicial
dá forma à barra superior do F.
Depois disso, os usuários deslocam a página ligeiramente para baixo (e
lêem-na transversalmente em um segundo movimento) realizando um
segundo movimento horizontal que, usualmente, compreende uma área
menor em relação ao movimento precedente. Esta etapa adicional dá
forma à barra inferior do F.
Por fim, os usuários realizam a leitura (escaneio/sobrevôo) do lado
esquerdo do conteúdo em um movimento vertical. Algumas vezes, esta é
uma varredura razoavelmente lenta e sistemática que aparece como uma
lista contínua no mapa de calor, fornecido pelo eyetracking. Nas ocasiões
em que os leitores se deslocam rapidamente, o mapa de calor é
constituído por várias manchas nesta região. Esta última etapa dá forma à
haste do F. (NIELSEN, 2006, p.1 – tradução nossa).
As descrições de Nielsen (2006) parecem apontar para uma maneira de ler
diferente daquela para a qual fomos formados, isto é, a ensinada na escola: linear e no
livro impresso. Contudo, antes de aprofundar esta questão, destacarei um fato que me
pareceu notável em outra imagem do mapeamento da visão realizada pelo pesquisador
acima referido.
78
Mapa de calor que demonstra a visualização de imagens colocadas em textos eletrônicos
Fonte: www.blogs.zdnet.com/BTL
Sobre essa última imagem, o ponto a destacar refere-se à presença de elementos
visuais no texto eletrônico on-line. Não é difícil notar que os usuários dedicaram pouca
atenção a eles, atitude que vem minar as bases da premissa de que o usuário de Internet
aprecia textos com imagens. Esta constatação abala a idéia de que os aspectos
imagéticos poderiam substituir o texto escrito sem maiores perdas e de que esta
substituição agradaria ao leitor. No texto eletrônico, e por que não dizer o mesmo sobre
o impresso, o uso de imagens, assim como a utilização de gráficos e tabelas deve ser
muito bem pensado, pois o leitor pode passar por estes elementos e não dedicar-lhes a
79
mínima atenção, ou o que é pior, eles podem prejudicar a construção do sentido na
leitura.
Em textos de notícias, como se pode ver na imagem abaixo, os leitores dedicam
maior atenção às chamadas, aos títulos e subtítulos destacados. É a partir deles que o
leitor toma a decisão de consultá-los, acessando os links hipertextuais.
Mapa de calor da visualização de textos de notícias
Fonte: www.useit.com/alerbox/newsletters.html
80
Após tudo o que foi dito e mostrado, é possível dizer que o perfil do leitor da
tela on-line começa, nesta pesquisa, a ganhar seus primeiros contornos. Pautado pela
velocidade, ele busca satisfazer suas necessidades informacionais plenamente no menor
tempo possível. Ele usualmente dá saltos e sacadas nos e pelos textos, os quais devem
estar estruturados de modo a permitir este percurso rápido e não-linear. Contudo, o
leitor que me interessa conhecer é distinto do leitor analisado por Nielsen em suas
pesquisas. Os sujeitos observados pelo pesquisador norte-americano e seus
colaboradores eram em grande parte adultos e possuíam algum tempo de experiência no
manejo da Internet. Por outro lado, o leitor para o qual voltei minhas atenções, possuía
em média 13 anos de idade, o que pode significar para alguns estudiosos que eles eram
nativos do território da tecnologia, mas, no caso específico, nem todos eram. No local
em que os observei, reina a heterogeneidade, a diferença, o contraste e, mais, a
contradição. Refiro-me, como já é sabido, à escola.
Em busca do leitor da tela na escola, fui a campo com um referencial teórico na
mente e um software na bolsa. Os resultados desta combinação, no que diz respeito às
maneiras de ler, são apresentados a seguir.
3.1.1 Maneiras de ler na tela na escola
Como já foi dito no início desta seção, foram realizadas atividades de pesquisa
escolar em que os alunos foram observados em situação de leitura, no impresso e na
tela. As situações foram registradas em vídeo, visando à posterior análise dos gestos,
81
movimentos, ou ainda, das posturas físicas dos sujeitos no momento em que as
executavam. Os itinerários de leitura na tela foram mapeados com o auxílio de um
software, o qual registrava em forma de vídeo digital todo o percurso trilhado pelo
sujeito no computador. O software forneceu, para falar como Santaella (2004), mapas
navegacionais das atividades de leitura na tela. As inferências realizadas sobre as
maneiras de ler foram feitas a partir desse material.
As atividades pertinentes eram iniciadas com a problematização de um tema de
natureza histórica, norteador das leituras. Após esta etapa, as questões para a pesquisa
eram fornecidas aos sujeitos e, a partir daí, eles deveriam buscar respostas para elas no
material impresso e na tela.
O material impresso era selecionado na biblioteca da escola. O modo de
condução da pesquisa era livre; tentei intervir o menos possível. Os alunos consultavam
o material livremente, trocavam os livros, realizavam anotações em papel
disponibilizado pelo pesquisador, conversavam e, algumas vezes, chegavam a trocar as
anotações. Aqueles que encontravam as informações requeridas geralmente mostravam
para o colega sua localização no material. Em resumo, as atividades de pesquisa no
impresso eram, em certa medida, descontraídas, marcadas pela comunicação entre os
sujeitos, pela solidariedade para com os colegas que eventualmente apresentavam maior
dificuldade para encontrar as respostas.
Por sua vez, na tela, a situação verificada era outra, sobretudo no que diz
respeito à comunicação entre os sujeitos. À frente deste suporte, a comunicação não
cessava totalmente, mas foi possível notar que ela diminuía. Alguns sujeitos fechavam-
se ao relacionamento com os outros. Anotações eram feitas em papel e no próprio
computador. Trechos de textos on-line eram transferidos para a memória do computador
e um novo (texto) construído. Diferente das atividades com o material impresso, na tela
não foram selecionados websites nos quais os sujeitos deveriam realizar as pesquisas,
nem sugeridos os locais em que poderiam encontrar as respostas. O não-estabelecimento
de limites era muito importante, pois só assim poder-se-ia registrar os percursos de
leitura em sua plenitude, desde o momento em que o sujeito partia em busca das fontes -
websites em que os sujeitos procuraram as informações, neste caso, os de conteúdo
histórico - até o ponto em que eram evidenciadas as estratégias de busca, passando pela
pesquisa/leitura no interior delas e pelo momento em que o educando encontrava as
respostas e demonstrava o que faria com elas.
82
Vou me deter nas ações de dois dos sujeitos participantes da pesquisa, Ricardo e
Fernando. É importante dizer que todos os nomes mencionados são fictícios. As atitudes
destes sujeitos me pareceram apresentar/representar de forma mais evidente as maneiras
de ler na tela no interior do grupo amostrado.
Apesar não dispor de uma máquina como o eyetracking de Nielsen (2006), as
inferências/descrições (sobre as maneiras de ler) foram realizadas a partir da observação
dos movimentos do cursor do mouse durante a leitura, fato possibilitado pelo software.
O ponto de partida para as pesquisas na tela era sempre um website de buscas -
ação notada entre todos os sujeitos -, o Google, era o mais utilizado. Em razão desta
ocorrência, vou analisar os modos como os sujeitos liam os resultados do website de
buscas, isto é, a página de amostragem de websites quando se realiza uma busca no
Google, bem como a desenvolvida no interior dos websites, ou seja, a dos textos
propriamente.
Comecemos pelas maneiras de ler de Ricardo. Conforme escrito acima, o
percurso de leitura dos sujeitos era iniciado sempre pelo acesso ao website de buscas.
Nele Ricardo realiza as pesquisas a partir de palavras-chave referentes aos temas de
pesquisa. O Google, como deve saber que já o usou, escala, após uma busca, uma série
de websites correspondentes aos termos pesquisados, configurando uma página como a
exemplificada abaixo:
83
Imagem de uma página de resultados do Google após uma busca
Fonte: Imagem extraída do vídeo gravado pelo software Wisecam no site do Google.
Assim configurada a página, Ricardo realizava uma leitura de escaneio, isto é,
uma leitura acelerada, em que o cursor do mouse corria rapidamente pelas linhas dos
títulos, nem sempre chegando a seu final. Isto significa que o leitor antecipava palavras
e informações do texto. Além disso, pelas pistas dadas no título do website, ele previa
seu conteúdo, tomando a partir disso a decisão de acessá-lo ou não. Vejamos na imagem
a seguir como se dava a leitura do sujeito pelos resultados da pesquisa realizada no
Google.
84
Imagem de Ricardo lendo os resultados de uma busca realizada no Google
Fonte: Imagem extraída do vídeo gravado pelo software
Wisecam no site do Google
Os traços em vermelho sobre o texto na imagem indicam os movimentos
realizados pelo sujeito com o cursor do mouse. Nota-se que ele não lia o texto até o seu
final. Ele antecipava palavras e informações, o que não gerava perdas em sua leitura.
Além disso, o movimento do mouse era feito rapidamente. O leitor parecia saber que
para dar conta da quantidade de textos disponíveis na rede, nos quais poderia encontrar
as respostas buscadas, era preciso lê-los de forma rápida.
Outro fato importante refere-se à atitude de Ricardo de executar um escaneio
mais detido nos resultados dispostos pelo Google no topo da página, do centro (da
85
página) em diante a leitura era acelerada. O sujeito dedicava maior atenção aos
primeiros resultados escalados pelo sistema de busca.
No tocante a leitura realizada no interior dos websites, Ricardo realizava os
mesmos movimentos. O cursor do mouse percorria rapidamente as linhas do texto, nem
sempre lidas até o final. Nestes textos o leitor também mobilizava a estratégia de
antecipação. Sua leitura, notoriamente, era de busca por indícios que o levassem as
respostas às questões de pesquisa. Atitude notada, por exemplo, quando a resposta era
encontrada, ou pelo menos uma parte dela, pois o leitor percorria o trecho em uma
menor velocidade; como se para compreender fosse necessário ler mais vagarosamente.
Mas de um modo geral sua leitura é rápida, é seletiva e antecipatória. A imagem a
seguir é esclarecedora de seu modo de ler.
Imagem de Ricardo realizando uma leitura (um escaneio) em um website
Fonte: Imagem extraída do vídeo gravado pelo software
Wisecam em www.suapesquisa.com/indios
86
A leitura de Ricardo era pilotada pela busca às respostas, ou por pistas que o
levassem a elas. Todavia, a oferta de textos na rede é bastante grande, por isso, é preciso
desenvolver uma leitura rápida, até que sejam encontradas as informações buscadas.
O segundo sujeito sobre o qual foquei minha atenção é Fernando. Seu modo de
ler foi, também, percebido por meio dos movimentos do cursor do mouse. Contudo, o
modo como este sujeito percorria o texto era diferente do descrito anteriormente. O
sujeito em questão, na página de resultados do Google, percorria os títulos lentamente
com o cursor, como se pode perceber na imagem que segue.
Imagem de Fernando lendo os resultados de uma busca realizada no Google
Fonte: Imagem extraída do vídeo gravado pelo software
Wisecam
87
Fernando na página de resultados da ferramenta de buscas lia apenas os
primeiros resultados. Pouca atenção era dedicada aos localizados do centro para baixo.
No interior dos websites, sua leitura era igualmente lenta. O sujeito percorria o texto de
forma lenta, realizando uma leitura palavra por palavras. Ele não mobilizava a estratégia
de antecipação, como fazia Ricardo. Sua leitura era algo como fragmentada. A imagem
abaixo demonstra tal ação.
Imagem de Fernando lendo (escaneando) em um website
Fonte: Imagem extraída do vídeo gravado pelo
software Wisecam
88
Essa leitura, palavra por palavra, prejudicava o sujeito, no sentido de que o
impedia de fazer previsões, de antecipar, enfim de acelerar sua leitura. Talvez, por essa
razão, o leitor se cansava facilmente, fazendo com que muitas vezes ele não encontrasse
respostas às questões de pesquisa. Provavelmente, esta atitude de Fernando seja
percebida em muitos outros leitores na tela, sobretudo entre aqueles que a consideram
cansativa.
É necessário assinalar que a leitura de Fernando concentrava-se nas informações
localizadas no topo das páginas. Ele dedicava maior atenção aos dois primeiros
parágrafos, em caso de parágrafos curtos. Em caso contrário, o leitor concentrava-se
apenas no primeiro. Essa leitura mais detida no topo da página, nos parágrafos iniciais,
parece funcionar como a leitura de um sumário, no qual, o leitor esperava encontrar
informações gerais sobre o conteúdo do website.
Fernando não escaneava os textos, ele perpetuou as atitudes de leitor do gráfico
impresso no eletrônico. Talvez, por isso, ele não tenha alcançado compreensão em todas
as atividades das quais participou. Não foram em todas as situações que Fernando
apresentou respostas às questões de pesquisa. Algo que talvez venha corroborar a idéia
por mim defendida, exposta mais adiante, de que o conhecimento sobre as formas dos
textos é pontual para o processo de atribuição de sentido uma vez que as formas
assumidas pelos textos nos diferentes suportes influenciam esse processo. Mas ainda
não é o momento de adentrar essa discussão, deixemo-la para o momento certo.
É preciso dizer ainda que só foi possível mapear as maneiras de ler na tela on-
line em razão da atitude dos sujeitos de acompanhar a leitura com o cursor do mouse.
Esse fato me fez constatar que essa é uma atitude levada do impresso à tela. Quero dizer
com isso que o acompanhamento da leitura com o cursor é um comportamento novo em
termos de instrumento, mas não de atitude. Decorrente da maneira como o escrito é
estruturado on-line o cursor do mouse atua como um lápis ou outro objeto qualquer na
mão do sujeito para acompanhar a leitura. Daí decorre que os comportamentos diante da
tela, apesar de parecerem novos, carregam traços do suporte anterior, o impresso. O que
demonstra de forma cabal como não conseguimos nos desvencilhar da herança histórica.
Os ecos do passado tracejam em nossas atitudes, sobretudo os de um passado ainda
presente.
Por fim, devo esclarecer que Nielsen e Morkes (1997) estavam certos ao dizer
que o leitor realiza aquilo que eles chamam de scan, um sobrevôo pelo texto, o qual
89
vem sendo chamando ao longo da exposição de escaneio, porém equivocam-se ao dizer
que esta ação substitui a leitura. A realização de um escaneio pelo texto e não de uma
leitura conforme tradicionalmente a concebemos como leitores de material impresso,
não a configura como uma não-leitura, pelo contrário, ela é a própria maneira de ler do
novo suporte, em sua modalidade on-line.
Desse modo, os textos eletrônicos, acredito, deveriam estruturar-se com vistas a
permitir esse novo modo de ler. Para tal, são necessários alguns elementos, entre eles
palavras-chave destacadas, em negrito ou grifadas; subtítulos; parágrafos curtos e um
parágrafo inicial sumariando o texto.
Em última análise, a ação de escanear o texto não é nada mais do que um modo
de ler novo, fruto da mudança de materialidade/suporte que altera suas formas. Dito de
maneira mais simples, a mudança nos textos gerou uma mudança de atitude do leitor.
No entanto, essa mudança (de comportamento de leitura) emerge como ilegítima, ou
como uma não leitura, pois não foi ensinada na e pela a escola. Esse modo de ler
infringe cânones arraigados ou, em outros termos, regras escolares de como se devem
ler os textos, tais como a leitura seqüencial e o foco excessivo no conteúdo são
subvertidos por essa nova modalidade de leitura. É preciso ainda dizer que o ato de
escanear textos não se confunde com o termo consagrado leitura dinâmica, uma vez que
esta prevê memorização de alguns termos considerados centrais para a compreensão do
texto e de reiteração de novos termos, ou melhor, de associação e criação de outros. A
leitura na tela on-line, ao contrário, prevê uma antecipação do leitor ao olhar o texto de
um modo global, procurando, a partir desta leitura, identificar os pontos-chave que o
levem às respostas das perguntas geradoras da necessidade de leitura. Desse modo, não
existes classes, gêneros, ou ainda, formas especificas de textos que devem ser
escaneados. O escaneio deve estar pautado pela necessidade do leitor, como uma forma
de seleção, de prioridade. É preciso considerar o que o leitor possui em mente.
E não é apenas isso. Nas próximas páginas, tento demonstrar que as regras
escolares de leitura exercem controle inclusive sobre o corpo que lê, sobre as posturas
diante do texto.
90
3.1.2 Leitura e corporalidade: as posturas do leitor diante da tela
Em toda leitura, escolar ou não, observamos posturas físicas no leitor, isto é,
uma determinada posição do corpo que lê. Indo além, toda leitura envolve uma
atmosfera em que se pode observar um conjunto de elementos que a compõe, entre eles
o ambiente, o mobiliário, a iluminação, o ruído ou a falta dele, enfim, peças que formam
verdadeiros cenários de leitura.
Neste ponto dedico-me às posturas do corpo dos sujeitos no momento da leitura
diante do impresso e da tela, principalmente da tela. Isto porque todos somos “um corpo
leitor que cansa ou fica sonolento, que boceja, experimenta dores, formigamentos, sofre
cãibras” (GOULEMOT, 2001, p. 109). O corpo, desse modo, não pode ser esquecido
em privilégio daquilo que ocorre por trás dos olhos, na verdade, ele é o próprio agente
que expressa às atitudes de leitura.
Quando questionados sobre as possíveis posturas (do corpo) durante a leitura, as
falas dos sujeitos se assemelham. Carlos respondeu o seguinte: “Eu sento em uma
cadeira de praia e fico lendo meu jornal”; Lucia disse que: “deitada no sofá”;
Fernando: “Sozinho, em algum lugar em casa. Deitado na rede, na cama, no sofá”;
Cláudia: “Sentada na cama”; Luciano: “Deitado”; e, por fim, Ricardo: “No meu quarto,
com a porta fechada. Silêncio total”.
Nota-se nas falas dos sujeitos que quando estão lendo a postura do corpo é de
descontração, de relaxamento. No entanto, estas são posturas empreendidas apenas
quando eles realizam leituras não escolares, fato percebido quando fiz aos sujeitos a
seguinte pergunta: E no momento de fazer as pesquisas escolares qual é a posição do
corpo em que você fica?” Carlos respondeu da seguinte maneira: “Eu fico sentado e
pesquisando numa mesa”; já Lucia disse que: “Sentada, com a coluna reta, e com o
livro em cima da mesa e procurando na Internet o que significa aquilo do livro.
91
Procuro ficar anotando para saber mais, para não esquecer”; Fernando: “Fico sentado,
lendo, anotando no caderno”; Cláudia: Eu sento, vejo o livro e vou copiando”;
Luciano: Sentado. Normal. Sentado é melhor para escrever. O livro e o caderno na
mesa. Eu pego o livro e as partes mais importantes eu ponho no caderno” e, por último,
Ricardo: Sentado.
A partir das falas acima, percebe-se que no momento de realizar a pesquisa
escolar, de realizar uma leitura na ou para a escola, a postura do corpo não pode ser a
mesma de uma leitura que não seja para a escola: diante do conhecimento, o respeito;
relaxamento apenas nas leituras não escolares; respeito diante do valor de verdade
impregnado no texto pelo autor que o leitor lhe confere. Haveria a necessidade de se
fazer uma leitura critica, questionando este valor de verdade, que não é único e tão
pouco universal, uma vez que esse respeito se manifesta na postura física do leitor, que
se senta eretamente e com lápis e papel em mãos.
Ao longo da história das maneiras de ler, sobretudo em sua relação com os
suportes de leitura, verificar-se-ão diferentes posturas e gestos do corpo de quem lê. Os
sujeitos participantes pesquisa no momento da leitura se sentavam, quando possível,
com as costas bem apoiadas e o material de leitura repousando sobre a mesa. Uma
postura de respeito diante do conhecimento, diante da leitura. Mesmo porque, não
reagiríamos com naturalidade se visitássemos uma biblioteca escolar e lá
encontrássemos alunos lendo, deitados no chão, sentados nas cadeiras e com os pés
apoiados nas mesas. A esse respeito, Goulemot (2001) afirma, remetendo-se a sua
própria educação, que lhe foi ensinado ser necessário ter uma postura “respeitosa para
ler, levemente apoiado sobre a mesa, as costas retas, sendo o relaxamento denunciado
como uma forma de desprezo pela cultura” (GOULEMOT, 2001, p.109).
Por sua vez, a inscrição do texto na tela parece impedir o relaxamento do leitor,
a postura é sempre ereta, rígida. A tela por separar o texto das mãos do leitor, impede o
contato afetivo entre leitor e livro. As marcas feitas manualmente nos textos impressos
no novo suporte são intermediadas pelo teclado e pelo mouse.
Segundo Santaella (2004), a simbiose entre aquilo que ocorre por trás dos olhos
e as reações “perceptivo-corporais” nesta nova forma de ler é surpreendente. Conforme
a autora é interessante atentar para a “motricidade física expressa na prontidão das
respostas” destes leitores e para um “certo modo de reagir sensitivo e muscular, em
suma, o controle motor exímio, a agilidade e instantaneidade das ligações entre a mente
92
que pensa, o olho que perscruta e o corpo que reage na extremidade da mão”
(SANTAELLA, 2004, p.55).
O fato de a leitura na tela ser considerada cansativa pode também estar
relacionado à postura que o suporte exige do leitor. O corpo quando diante de uma tela
de um computador não pode relaxar. Trata-se de um novo modo de ler, complexo, em
que vários elementos entram em jogo.
Para finalizar, cito Santaella (2004), para quem “no caso da navegação, à
sincronia de habilidades perceptivas e motoras adicionam-se operações mentais
complexas, que envolvem compreensão, identificação, seleção, decisão e avaliação”
(SANTAELLA, 2004, p.72).
3.2 Novos textos, novas leituras, novas estratégias
Ao analisar os dados coletados na pesquisa de campo, principalmente os dos
vídeos fornecidos pelo software, cheguei à seguinte formulação sobre a leitura na tela
on-line: a Internet é oferta de textos, a leitura é escolha. Ou seja, o leitor na tela on-line
para realizar seu trajeto e encontrar as informações buscadas deve a todo o momento
fazer escolhas. Por isso, nesta seção, pretendo discutir, inicialmente, a partir de leituras
feitas, sobretudo em Smith (2003) e Arena (2003), a tomada de decisões na leitura
frente à tela on-line. Em primeiro lugar, pautado em Smith (2003) e Arena (2003),
examinarei a definição de tomada de decisões na leitura. Depois, apresento os trajetos
de leitura de alguns dos sujeitos participantes da pesquisa, ponto em que tento
93
demonstrar as estratégias mobilizadas por cada um deles as quais levaram a formulação
de três categorias ou tipos de leitores da tela.
Tomar uma decisão, de um modo geral, significa escolher uma entre duas ou
mais alternativas. E que tipo de conhecimento mobilizamos para tomar uma decisão?
Em grande parte das vezes, analisamos as alternativas disponíveis com base em critérios
pré-estabelecidos para cada situação, alguns deles mais rígidos outros menos.
E na área da leitura o que é tomar uma decisão? Para responder, reporto-me a
Smith (2003), uma vez que ele dedica algumas páginas de sua obra ao tema. Com base
nesse autor, creio que tomar uma decisão na leitura não é muito diferente do que fazer
uma opção na vida cotidiana. No entanto, segundo Smith (2003), na leitura são
necessárias pistas ou informações, pois elas subsidiam o leitor na tomada das decisões.
Na leitura, as informações situadas por trás e a frente dos olhos funcionam como pistas,
ou guia para que “uma pessoa tome decisões, selecione entre possibilidades alternativas
ou cursos paralelos de ação” (SMITH, 2003, p. 70).
As informações auxiliam na redução das incertezas. Portanto, se o leitor tem um
objetivo a perseguir com mais de um caminho a seguir, as informações disponíveis
minimizarão as dúvidas, pois elas colocarão o leitor mais próximo de alcançar o
objetivo almejado.
Nesse sentido, conforme Smith (2003), um leitor aprendiz esforçando-se para
identificar as letras em seus primeiros contatos com o registro escrito, ou um leitor
experiente tentado interpretar um texto complexo, ou ainda, um leitor na tela on-line
diante da imensidão de textos sobre o mesmo assunto estão envolvidos em um mesmo
processo: o de tomada de decisões, no qual as informações disponíveis diante ou por
trás dos olhos são de fundamental importância para o sucesso da atividade. Sob esta
ótica, é possível afirmar que ler é um constante exercício, reflexivo, de tomar decisões.
É importante assinalar que a incerteza está intimamente relacionada à quantidade
de alternativas com as quais se defronta o leitor. Para trocar em miúdos, recrio um
exemplo muito elucidativo de Smith (2003): imagine que é solicitado a uma criança que
identifique uma letra no quadro-negro entre vinte e três escritas. Agora, responda qual o
grau de dificuldade para se tomar uma decisão como esta? Não adianta refletir, pois não
é possível respondê-la; afinal não se sabe o conhecimento que a criança tem das letras.
Contudo, em primeira instância, pode-se dizer que ela tem vinte e três alternativas para
tomar a difícil decisão de escolher uma. Todavia, esse processo poderia ser facilitado,
94
caso a professora fornecesse algumas informações para a criança antes dessa escolher a
decisão a tomar. As informações reduziriam as incertezas, por conseguinte algumas
alternativas seriam eliminadas. Isso quer dizer que a informação reduz a incerteza pela
eliminação de alternativas (SMITH, 2003).
Entretanto, segundo Smith (2003), não é possível quantificar diretamente a
informação necessária para que um leitor tome uma ou mais decisões, assim como não é
possível avaliar a dimensão ou o peso de uma decisão. Mas é possível avaliar as
dimensões da incerteza, e, por isso, indiretamente, calcular a quantidade de informação
necessária para que se reduza ou, até mesmo, se elimine totalmente a incerteza.
Contudo, Smith (2003) considera que a “ausência de incerteza não é uma condição que
toleramos por muito tempo; consideramo-la aborrecida” (SMITH, 2003, p. 73).
Para fim sobre a tomada de decisões na leitura, cito algumas palavras de Smith
(2003):
[...] Alguns aspectos da leitura envolvem a aquisição de informações a
fim de se tomarem decisões, para a redução da incerteza. Para a
identificação visual de letras e palavras e, possivelmente, alguns aspectos
de “ler para obter significado”, a incerteza pode ser calculada e, portanto,
também a quantidade de informação necessária para a tomada de decisão.
O número exato de alternativas pode ser especificado para letras, um
número aproximado pode ser designado para o número de palavras, mas o
número de alternativas para um significado, se pode absolutamente ser
estimado, deve, obviamente, estar intimamente relacionado tanto com o
texto que está sendo lido quanto com o indivíduo em particular, que está
realizando a leitura (SMITH, 2003, p. 72).
Nesse ponto, passo a discutir a tomada de decisões na leitura, pensando na tela
on-line, focalizando o material coletado na pesquisa de campo.
95
3.2.1. As atitudes do leitor diante da tela: a tomada de decisões
Em sua relação com o mundo social, o ser humano alfabetizado é diariamente
defrontado com diferentes materiais de leitura: anúncios publicitários, listas telefônicas,
revistas, jornais, livros e, mais recentemente, os textos eletrônicos. Contudo, a escola
parece desconsiderar este fato e privilegiar o ensino da leitura como algo “idealizado,
delimitado, padronizado, fortemente influenciado e caracterizado pelas marcas da
literatura” (ARENA, 2003, p.54). Isso significa que a leitura na escola é destituída de
sua função e contexto social.
A perspectiva aqui adotada é outra; ela ampara-se em Arena (2003), segundo o
qual, a ação de um indivíduo diante do registro escrito, sempre inscrito em um objeto
específico, não pode ser vista simplesmente como a leitura, mas, sim, como a leitura de
(ARENA, 2003). Isto quer dizer que a leitura deve ser pensada em sua relação com os
materiais ou suportes que colocam o escrito diante dos olhos do leitor. Além disso, sob
essa perspectiva, não se pode ter uma atitude única de leitura diante dos diferentes
materiais ou suportes. Assim, o leitor do século XXI deve assumir uma postura flexível,
multifacetada.
Nesse sentido, o computador surge como mais um suporte, desafiando
pesquisadores e leitores, na escola ou fora dela, a refletir sobre quais as estratégias
mobilizadas para leitura nesse suporte e, doravante, quais seriam as mais apropriadas.
A leitura na tela on-line como tentei demonstrar anteriormente, é caracterizada
por uma estratégia a que atribuí o nome de escaneio, ou seja, o texto é percorrido pelos
olhos rapidamente e o leitor dá saltos e sacadas em busca das informações desejadas. Os
leitores por mim observados levavam perguntas ao texto, mobilizando assim estratégias
de objetividade e seletividade, aqui compreendidas com base na perspectiva
significativa de Smith (2003).
96
Sob essa ótica, os aspectos seletivos e objetivos da leitura envolvem, entre outras
coisas, o fazer perguntas a um texto. A seletividade é mobilizada quando o leitor
consegue acionar o máximo de conhecimento já repertoriado, ou prévio, e analisar
minimamente aquilo que está diante dos olhos na execução de sua leitura. Dessa forma,
o leitor vai, conforme Smith (2003), coletando e analisando “amostragens da
informação visual disponível no texto” (SMITH, 2003, p.103).
Entretanto, a leitura na tela on-line não envolve apenas conhecimento prévio
sobre o assunto, seletividade e objetividade. O leitor precisa dominar o funcionamento
do suporte, isto é, precisa saber como proceder diante do computador e da Internet. A
esse conhecimento prévio necessário ao indivíduo para proceder em sua leitura na tela
dei o nome de conhecimento tecnológico. De acordo com Lévy (1996), filósofo e
historiador da ciência, o leitor na tela do computador é mais “ativo” que o leitor da
página impressa. Para o autor, “ler em tela é, antes mesmo de interpretar, enviar um
comando a um computador para que projete esta ou aquela realização parcial do texto
sobre uma pequena superfície luminosa” (LÉVY, 1996, p.40).
Além disso, a leitura na tela on-line depende dos programas de navegação
disponíveis. Por isso, todas as atividades de leitura foram registradas digitalmente, por
meio do software Wisecam. Os vídeos permitiram a análise dos percursos de leitura dos
sujeitos, tão importantes em suas tomadas de decisões.
Ainda mais, os percursos registrados permitiram a identificação das estratégias
de leitura mobilizadas pelos sujeitos, o que terminou por evidenciar as que são mais
apropriadas para a consecução dos objetivos de leitura. Além disso, o trajeto
apresentado por cada um dos sujeitos permitiu a formulação de três perfis ou categorias
de leitores da tela: o leitor-navegador inexperiente ou leitor ingênuo, assim definido por
desconhecer o funcionamento do meio e o que o impedia de alcançar as metas de
leitura; o leitor-navegador aprendiz ou leitor contingente, classificado nesses termos em
razão do conhecimento ainda limitado sobre a rede, bem como pela inconstância no
encontro das respostas às questões de pesquisa, o que justifica a utilização do termo
contingente, uma vez que ele expressa, entre outras coisas, eventualidade, dúvida e
incerteza. Por último, o leitor-navegador experiente ou leitor seletivo, o qual, assim se
caracteriza pelo conhecimento mais amplo sobre a Internet, por tomar decisões de forma
rápida e segura e, ainda mais, por cumprir com todos os objetivos propostos para a
leitura.
97
3.2.2 Acompanhando trajetos de leitura ou os três tipos de leitores da
tela.
Neste ponto passo a situar os sujeitos participantes da pesquisa no interior das
categorias acima citadas, categorias essas inferidas/pensadas com base nos
comportamentos de leitura dos sujeitos. Comportamentos observados durante as
situações de pesquisa escolar, na coleta de dados, bem como obtidas pelo software,
também empregado nas referidas atividades.
O suporte teórico das categorias ou tipos de leitores segue algumas proposições
de Santaella (2004), pesquisadora brasileira de renome internacional por seus estudos
que abrangem um amplo espectro, sobretudo temas relacionados à semiótica. O livro da
autora no qual se baseia os tipos de leitores-navegadores aqui propostos, versa,
justamente, sobre a leitura no ciberespaço. Preocupada em traçar-lhes o perfil cognitivo,
a pesquisadora analisou os comportamentos de 45 usuários de Internet, selecionados sob
o critério de escolaridade mínima, isto é, possuir o segundo grau completo ou em nível
avançado.
No entanto, é importante destacar o fato de que no início de sua pesquisa
participariam apenas 30 sujeitos, também escolhidos a partir do parâmetro da
escolaridade. Contudo, como primeiro passo, os participantes foram subdivididos em
dois grupos de 15. Um grupo constituído pelos que dominavam o uso da Internet e
outro pelos que não possuíam qualquer conhecimento sobre seu funcionamento. Aos
dois grupos foi aplicado um questionário. As perguntas visavam a conhecer os sujeitos,
bem como explorar o conhecimento que possuíam sobre o funcionamento do
computador e da Internet, por isso, foram feitas perguntas como: nome, idade, grau de
escolaridade, se usa computador, se tem computador em casa e se usa a Internet. Além
disso, constava no questionário outras três questões, uma sobre a quantidade de tempo
98
há que o sujeito fazia uso da Internet, outra sobre a freqüência de uso e a última a
respeito da finalidade.
Após os questionários, foram feitas entrevistas abertas com os sujeitos, nelas, os
do primeiro grupo, os detentores de conhecimento sobre o computador e a Internet,
deveriam responder a seguinte pergunta: “Que dicas você daria para uma pessoa que
não tem familiaridade com a rede e que deseja começar a navegar?” (SANTAELLA,
2004, p.57) e aos do segundo grupo, os que não possuíam familiaridade com o
computador e a Internet, foi perguntado: “Que dificuldades você encontra para navegar
na rede? (SANTAELLA, 2004, p.58). Segundo a pesquisadora, os resultados obtidos
com essas entrevistas foram insatisfatórios, uma vez que os membros do primeiro grupo
deram respostas que desviavam dos objetivos da pesquisa. Conforme Santaella (2004)
eram esperadas falas condizentes com a questão cognitiva (a problemática de sua
pesquisa), mas não foi isso o que ocorreu. Os sujeitos se limitaram a dar conselhos, algo
do tipo: “Cuidado com e-mails de pessoas desconhecidas. Use sempre antivírus”
(SANTAELLA, 2004, p.58), “Cuidado com a Internet que é uma porta de entrada de
vários vírus” (SANTAELLA, 2004, p.58) ou ainda “Digitar o endereço correto e ter
calma e paciência” (SANTAELLA, 2004, p.58). Por sua vez, os integrantes do segundo
grupo, por possuírem noções limitadas sobre o uso e funcionamento da Internet quase
não forneceram dados.
Embora o quadro de resultados caracterizava-se pela insatisfação, dele emergiu a
idéia de uma terceira classe de usuários. Conforme Santaella (2004), entre os usuários
que detinham conhecimento e os que não detinham, era preciso considerar a existência
de um terceiro núcleo. Usuários situados em um nível intermediário, pois se por um
lado os do primeiro grupo eram experientes, apesar de não terem fornecido os dados
esperados, por outro, a inexperiência dos do segundo não permitia sequer que questões
referentes à cognição fossem tratadas, haja vista que as dificuldades por eles
apresentadas situavam-se no plano da motricidade. Diante disso, Santaella (2004)
estabeleceu três tipos ou categorias de usuários: o novato, ou seja, o que não possui
conhecimento sobre o uso e funcionamento da rede, para ele tudo é novo; o leigo, que
não é um conhecedor exímio, mas já domina alguns trajetos e ferramentas; e, por
último, o experto, usuário já familiarizado com o computador e com a web, o qual
navega com segurança e competência.
99
Desse modo formuladas as categorias de usuários, Santaella (2004) avançou
rumo ao cerne de seu intento, qual seja, o de traçar o perfil cognitivo do leitor imersivo.
É preciso assinalar que para Santaella (2004) o leitor imersivo é o leitor da web, o qual
ao trafegar pelas infovias do ciberespaço conecta-se “entre nós e nexos, num roteiro
multilinear, multisseqüencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir
com os nós entre palavras, imagens, documentação, músicas, vídeos etc.” (Santaella,
2004, p.33). No entanto, as atitudes desse grupo de leitores não são homogêneas, o que
levou a autora a formular, a partir dos dados de sua pesquisa empírica, três perfis de
leitor imersivo. A fundamentação teórica baseia-se na semiótica pierciana, mais
especificamente nas categorias inferenciais e de tipos de raciocínio criadas por Pierce, a
saber: o raciocínio abdutivo, o indutivo e o dedutivo. Sob essa perspectiva, Santaella
(2004) chegou aos seguintes perfis de usuários-leitores: o internauta errante, o detetive e
o previdente. Isto porque,
[...] O raciocínio abdutivo é próprio do novato, que pratica a errância
como procedimento exploratório em territórios desconhecidos; o indutivo
é próprio do internauta que está em processo de aprendizado, e o
dedutivo, daquele que já conhece todas as manhas do jogo. O segundo
tipo inclui o primeiro, e o terceiro inclui o segundo e o primeiro. Não é
porque se está em processo de aprendizado que se cessa de praticar a
errância, pois a rede é um campo sempre aberto ao inesperado. Assim
também, a busca não cessa de existir mesmo para aqueles que já passaram
pelo processo de aprendizado (SANTAELLA, 2004, p.93).
Os perfis cognitivos, portanto, propostos por Santaella (2004), basearam-se nas
ações desenvolvidas na rede pelos sujeitos participantes de sua pesquisa de campo e
receberam o aporte teórico das categorias de inferência de Pierce. Mas não é difícil
perceber, tanto na descrição aqui feita, quanto no trabalho integral, que o processo da
leitura, não é integralmente focado. Tal fato não diminui a importância de seu estudo.
Ao que se propôs a autora cumpriu com maestria, como não poderia ser diferente. No
entanto, nesta pesquisa nos diferenciamos de Santaella (2004) à medida que a
preocupação central é com o processo da leitura. As três categorias de leitores aqui
propostas levam em consideração as ações de leitura dos sujeitos, as estratégias, e não
só o raciocínio envolvido.
Desse modo, escorado em algumas de suas preposições analisei os trajetos de
leitura dos sujeitos participantes da minha pesquisa, tentando classificar segundo suas
ações na tela on-line, os perfis desses leitores. Foram formuladas como já foi dito, três
100
categorias de leitores da tela, isto porque, como diz a pesquisadora da semiótica, quando
não é possível trabalhar com um universo dual acerca do conhecimento apresentado
pelos sujeitos sobre as tecnologias em questão. Foi preciso considerar a existência de
indivíduos em um patamar intermediário, isto é, nem totalmente inexperientes, nem
exímios conhecedores.
Contudo, antes de prosseguirmos, devo registrar a título de esclarecimento que
daqui em diante não mais empregarei o termo usuário para me referir aos indivíduos
que utilizam o computador e a Internet, mas, sim, o de leitor-navegador. Pois, o termo
usuário não parece ser o mais apropriado para as ações desenvolvidas no ambiente
digital/virtual, isto não significa que a nomenclatura por mim empregada seja a melhor,
mas, ao menos, parece caracterizar de forma clara as principais atitudes que guiam os
indivíduos pelo ciberespaço. O termo leitor justifica-se pelo fato da Internet ser uma
tecnologia ancorada no texto escrito. A palavra escrita é à base de apresentação de todos
os websites. Já o termo navegador é oriundo da metáfora da água, bastante difundida na
rede. Portanto, quando se está percorrendo os caminhos virtuais, o indivíduo está
navegando, que é um processo que se dá pela leitura.
Nas linhas abaixo analiso, sob um ponto de vista dialético, os trajetos de leitura,
com foco na tomada de decisões, de três sujeitos participantes da pesquisa, cada qual
classificado com base no perfil demonstrado durante as situações de pesquisa escolar,
realizadas durante a coleta de dados. Os dados que me permitiram inferir os perfis e
classificar os leitores-navegadores como se poderá ver abaixo, foram obtidos a partir
dos diferentes instrumentos metodológicos empregados. As entrevistas semi-
estruturadas permitiram conhecer as práticas cotidianas de leitura dos sujeitos, bem
como os procedimentos por eles adotados para as suas pesquisas escolares; o grupo
focal, a sondagem da compreensão das leituras, assim como diversos outros elementos
envolvidos nos comportamentos de leitura na tela e no impresso; as gravações em vídeo
permitiram a captura das reações, dos gestos, dos movimentos corporais durante as
leituras nos dois suportes e, por fim, o software, o qual registrou todas as ações
desenvolvidas nos percursos de leitura, na tela on-line.
Como em outros momentos (de análise dos dados), busquei desenvolver um
raciocínio dialético sobre os comportamentos de leitura apresentados na tela e no
impresso, buscando verificar a possibilidade de influência mútua destas duas
modalidades de leitura. Desse modo, passo nas linhas abaixo a analisar os
101
comportamentos de leitura dos sujeitos participantes da pesquisa. É importante
esclarecer que foquei apenas três dos seis sujeitos participantes, pois foram estes os que
apresentaram os comportamentos mais relevantes.
3.2.2.1 O leitor-navegador novato ou leitor ingênuo da tela
O sujeito classificado como leitor-navegador novato ou leitor ingênuo da tela
foi/é Cláudia, aluna da 7ª série. No início das atividades, Cláudia era bastante tímida,
falava pouco, mas em um curto espaço de tempo ganhou intimidade com o pesquisador
e com os demais sujeitos, uma parte deles era de outra classe, e passou, a partir daí, a
atuar de maneira mais significativa das atividades.
Na entrevista semi-estruturada, realizada anteriormente às observações (das
situações de leitura) Cláudia esclareceu ao pesquisador, com relação as suas leituras
cotidianas, que costuma pegar livros na biblioteca da escola para ler em casa. O sujeito
disse o seguinte: “Eu pego livro da biblioteca (da escola) e leio em casa, ou para fazer
trabalho que precisa do livro. Nós fazemos um negócio aqui com a professora, aí ela
pede o livro e nós lemos certinho para fazer teatro”. Na seqüência, a fim de reiterar,
fiz dois questionamentos: “Então você costuma pegar livros e levar para casa?” e
Você pega livros (na biblioteca da escola) independente de ter uma pesquisa escolar
para fazer?” Ao primeiro questionamento ela deu a seguinte resposta: É. Ou outro
colega. Ele lê e nós fazemos”; já ao segundo, ela simplesmente disse: “Pego”. Nesse
sentido, eu a indaguei: “E o que te motiva, o que te incentiva a pegar o livro e levar
para casa?” Cláudia: “A história assim... Ler assim... Para entender...”. Por fim,
102
perguntei sobre a natureza dos livros que ela leva para ler em casa e ela disse o seguinte:
Literatura. História assim... Literatura...”.
Percebe-se que o sujeito utiliza a biblioteca escolar, que dela empresta livros
para ler em casa. A aluna referia-se a um projeto realizado na escola pela professora de
língua portuguesa, em que os alunos precisam ler obras conhecidas da literatura e
realizar uma representação teatral da mesma.
Como se pode perceber, a partir das transcrições, Cláudia pode ser considerada uma
aluna leitora, pois sabe ler e costuma pegar livros - de literatura - na biblioteca da escola
para lê-los em casa. Mas como se verá a seguir, a situação não é bem a que se pode
inferir a partir de suas falas. Por isso, entre outros fatores, é importante refletir os dados
sob o ângulo dialético. À primeira vista, levando-se em conta apenas a dimensão
imediata de seu discurso, Cláudia é uma leitora, e por que não dizer uma leitora
exemplar, pois pega livros na biblioteca da escola para ler em casa. Além disso, adota
procedimentos de pesquisa escolar, considerados pela escola os apropriados. Digo isso
com base nas respostas às perguntas sobre como ela realiza uma pesquisa escolar.
Quando questionada a respeito dos materiais aos quais recorre para realizar uma
pesquisa ela respondeu o seguinte: “É o livro né. É mais fácil né... Eu vou à biblioteca,
eu procuro lá né; o professor fala o livro que é para pegar, aí eu procuro e escrevo as
coisas assim.” Diante disso, tentei confirmar se o primeiro local ao qual ela se dirige a
fim de realizar uma pesquisa escolar era a biblioteca e ela respondeu: “É a biblioteca.
Lá é mais fácil, é perto, aqui na escola. Lá longe eu não vou não”. Portanto, o local de
realização das pesquisas escolares do sujeito em questão era a biblioteca. Contudo,
resolvi questioná-la sobre a razão dessa atitude, perguntei ao sujeito se ela saberia me
dizer por que vai primeiro à biblioteca e não a sala de informática. Ela respondeu que
É porque eu não sei mexer muito sozinha (no computador). Eu sei mais ou menos. Tem
que ser com alguém”.
A partir das falas acima, está nítido que Cláudia é uma aluna obediente,
exemplar, do ponto de vista da escola, do professor. Quando ela deve fazer uma
pesquisa escolar, a primeira coisa que faz é recorrer à biblioteca - o local, no discurso
dos professores em geral, em que as pesquisas escolares devem ser feitas -, procura o
livro indicado pelo professor e copia aquilo que lhe foi solicitado como
tema/problemática de pesquisa. Tudo, aparentemente, perfeito. Além disso, afirmou não
possuir maiores conhecimentos sobre o uso do computador e da Internet, o que a priori
103
parece justificar a preferência pela biblioteca como local de pesquisa e o livro como
fonte. Contudo, conforme preconiza o princípio dialético de construção do
conhecimento, não podemos nos deter apenas na face aparente dos fatos, é preciso ir a
fundo, buscar a dimensão mediata deles, isto é, aquilo que está por trás, no cerne, na
constituição das falas e ações do sujeito.
A dimensão mediata dos fatos, como se deve saber, é construída e reconstruída
lentamente; nós a descobrimos com o passar do tempo, no caso de uma pesquisa como
essa, com o andamento da investigação. As falas e ações dos sujeitos, quando refletidas
desse ponto de vista, revelam inúmeras contradições, as quais atingem certeiramente o
calcanhar de Aquiles das concepções escolares do que é um leitor, bem como do que é a
leitura. O pesquisador não pode se contentar com o dado aparente, ele deve buscar sua
profundidade, deve buscar sua pertinência inserida em uma realidade mais ampla. O
pesquisador não pode se contentar em descrever e contar; deve não medir esforços para
explicar os seus dados. Nas linhas abaixo se encontram relatados e refletidos os trajetos
de leitura, bem como o conjunto de elementos que envolveram a tomada de decisões de
Cláudia em uma das situações de leitura observadas, na tela e no impresso.
As atividades de pesquisa eram iniciadas como dito anteriormente, pela
discussão de um determinado tema de natureza histórica para o qual os sujeitos
deveriam buscar respostas, no impresso e na tela, para questões levantadas pelo
pesquisador, consoante o tema da pesquisa.
Vou aqui analisar os trajetos e a tomada de decisões nas leituras de um sujeito
(Cláudia), classificado como leitor-navegador novato ou leitor ingênuo da tela. Por isso,
inicialmente, devo esclarecer que foi a pouca familiaridade demonstrada no manejo do
novo suporte – computador e a Internet -, que me levou a classificá-lo como leitor-
navegador inexperiente. As ações baseadas (SANTAELLA, 2004) na adivinhação e a
constante incerteza para tomar decisões sobre os caminhos pelos quais deveria seguir,
levaram-me a tal classificação. Vejamos essas questões mais detalhadamente nas
transcrições dos vídeos fornecidos pelo software.
É preciso dizer, antes de qualquer coisa, que o tema para a pesquisa/leitura do
trajeto transcrito era o sincretismo religioso brasileiro. As questões para as quais deveria
buscar respostas eram: O que é sincretismo religioso? E cite um exemplo de sincretismo
religioso? Assim, Cláudia iniciou seu percurso na tela on-line pelo acesso a uma fonte
de informação, local em que ela acreditava que encontraria as respostas. Dito de outro
104
modo, a primeira decisão por ela tomada, para encontrar as informações desejadas, foi a
de acessar o website de buscas do Google. Apesar de tomar a decisão correta ao iniciar
sua pesquisa, os erros, ou melhor, a errância, para falar como Santaella (2004) é
constante em seu trajeto. Ao realizar a primeira busca - aí vale mencionar que a leitora-
navegadora levou 2 minutos e 45 segundos desde o momento em que iniciou seu
percurso, na área de trabalho do computador (no Desktop) até realizar a primeira
pesquisa no Google. Feita a primeira busca, Cláudia percebeu que os websites dela
resultantes não correspondiam às suas necessidades de pesquisa. No entanto, é
fundamental dizer que ela se deteve apenas nos primeiros resultados, isto é, ela não
movimentou a barra de rolagem para verificar os demais.
Além de não movimentar a barra de rolagem, a fim de verificar todos os
resultados/websites obtidos em sua primeira busca, a leitora por falta de experiência no
ambiente digital, realizou repetidas buscas utilizando a mesma palavra-chave. Cláudia
não atentou para o fato de que era ela quem comandava a busca não só pelo clique no
botão do mouse ou no teclado, mas pela palavra-chave utilizada. Ela não percebeu que
se alterasse a palavra-chave que estava utilizando outros resultados seriam mostrados.
Por isso, passou 3 minutos executando a mesma ação, a qual não a levou a lugar algum.
Diante do quadro de insucesso, Cláudia tomou a decisão de apagar a palavra-
chave, mas para a nova busca digitou a mesma palavra, a qual estava escrita de maneira
incorreta, desde o início da atividade. Ao invés de sincretismo, a leitora-navegadora
escreveu sicretismo. Por essa razão, os resultados não correspondiam ao desejado.
Ainda assim, ela tomou a decisão de acessar o primeiro website relacionado pelo
Google. Nele, Cláudia desenvolveu um comportamento merecedor de destaque, pois era
esperado que ela realizasse a leitura do texto, mas não foi o que o ocorreu. No site, a
leitora sequer tocou a barra de rolagem, ela movimentou o cursor do mouse de um lado
para o outro, mas não sobre o texto, mas, sim, na parte superior do website, como se
procurasse uma saída. E foi o que ocorreu, Cláudia deixou o ambiente, sem ler o texto.
A leitora-navegadora continuou a realizar repetidas buscas no Google e utilizar a
mesma palavra-chave, conseguintemente, obteve em todas elas os mesmos resultados.
Desse modo, acessou o website, cujo acesso foi descrito anteriormente. Nele realizou
uma rápida navegação em que acessou alguns links, até encontrar em um deles uma lista
de artigos, dos quais, em um deles, constava no título o termo sincretismo. Prontamente,
Cláudia tomou a decisão de acessá-lo, mas ao fazê-lo, a leitora-navegadora estava
105
retornando à página inicial do website, acessada outras vezes e não lida, uma vez que tal
artigo constava na abertura do mesmo (do website).
Nesse último acesso, Cláudia, tomou a decisão, então, de ler o texto. O texto era
curto, não mais do que trinta linhas, e a leitora-navegadora nele permaneceu por cerca
de 3 minutos. O tempo é curto, mas não para a leitura na tela on-line. Como se falou
anteriormente, a leitura na tela on-line se dá por meio de um escaneio do texto, portanto
essa leitura deveria ser feita em menor tempo. O que nos permite inferir, que Cláudia
realizou uma leitura palavra por palavra e não escaneou o texto, como o fazem os
leitores da tela mais experientes. Tal atitude se justifica pelo fato de Cláudia ter levado
para a tela seus comportamentos de leitora do impresso. E conforme relata Smith
(2003), a leitura palavra por palavra, no impresso, pode acarretar problemas, como a
visão túnel, por essa razão, o leitor deve antecipar, selecionar, ser objetivo.
Contudo, o website não apresentava respostas às perguntas da leitora. Cláudia
retornou ao Google e realizou uma nova busca com a mesma palavra-chave, mas nesse
momento, ela percebeu, por meio de uma informação da própria ferramenta de buscas
que a palavra-chave estava grafada incorretamente. Aí sim ela realizou uma busca com
a palavra correta, mas era tarde, afinal, se tinham passado 20 minutos de atividade e o
pesquisador anunciou o seu término.
A transcrição do itinerário de leitura na tela de Cláudia deixa claro sua a falta de
familiaridade com o ambiente digital, o que a impediu de encontrar respostas às
perguntas de pesquisa, isto é, impediu a compreensão que deveria ter construído nas
leituras. Todavia, existe algo de mais grave a ser discutido sobre essa aluna, que é
considerada pela escola leitora. Na sondagem da compreensão das leituras, em grupo
focal, com todos os sujeitos, Cláudia não apresentou uma resposta sequer. Ela não
construiu conhecimento algum; as leituras feitas na tela e no impresso não geraram
compreensão. Portanto, Cláudia que é considerada, pela escola, leitora, pois reconhece
as letras, do ponto de vista adotado neste estudo do que é ler e do que é leitura, não pode
ser considerada leitora, pois não compreende o que lê.
Portanto, o problema, pensando no suporte tela, não reside apenas na falta de
intimidade com a rede, mas, sim, nos problemas que ela possui com a própria leitura.
Tais problemas são claramente percebidos quando ela diz que “No computador agente
acha bastante coisa. O computador é diferente do livro, acha mais coisa do que no
livro. Porque lá (no computador) eu achei bastante coisa do sincretismo. Aqui não tem,
106
no livro mesmo... É diferente. É possível perceber que Cláudia diz preferir o
computador ao livro, mesmo não sabendo utilizá-lo. Ela afirma ter encontrado mais
informações sobre o sincretismo (tema da pesquisa) no computador, mas, como vimos
na transcrição seu trajeto de leitura, ela na encontrou nada. Cláudia, por não ser leitora
do impresso, apesar de reconhecer letras e palavras, prefere o computador, porque
acredita que ele pode lhe fornecer o que procura como que em um passe de mágica,
libertando-a de toda dificuldade que é encontrar informações no livro.
Cláudia atribui ao computador/Internet o poder de oferecer aquilo que procura
sem os esforços típicos da leitura no impresso; basta observar a fala do sujeito na
atividade de grupo focal: O livro é mais difícil. Tem um monte de livros que não tem
bastante coisa. No computador você clica e já aparece bastante coisa.
Foi, portanto, por acreditar que o computador ou a Internet trabalham sozinhos,
independente dos comandos de um agente externo, que Cláudia foi classificada como
leitora ingênua da tela. Além disso, o sujeito levou para tela seus comportamentos de
leitura do impresso, ou melhor, de não-leitora. Entre leitores-navegadores mais
experientes, como veremos adiante, nem todos os comportamentos (de leitura) típicos
do impresso são levados à tela; ocorre, na realidade, uma hibridização/mescla de
estratégias, isto é, alguns comportamentos são perpetuados (na tela) outros são
interrompidos.
Nas outras atividades das quais participou, Cláudia desenvolveu basicamente os
mesmos comportamentos: indecisão para tomar decisões, não encontrou respostas às
perguntas de pesquisa e apresentou a fisionomia de desconforto e frustração por não
conseguir se locomover pelas infovias do ciberespaço. Conforme Santaella (2004), “os
usuários neófitos da internet tendem a experimentar um alto grau de frustração ante um
meio que não dominam” (SANTAELLA, 2004, p.102). Contudo, sua vontade de
aprender a operar o meio era grande, mas, antes de tudo, era preciso que ela aprenda que
o computador e a Internet não fazem nada sozinhos, eles demandam a “ação
participativa do usuário, ação que, muito justamente, faz desse usuário um navegador”
(SANTAELLA, 2004, p.102).
É com o passar do tempo que o leitor-navegador novato ou leitor ingênuo da tela
vai aprimorando as habilidades motoras de manejo do computador e desenvolvendo as
estratégias de leitura nesse suporte, elevando-se a um segundo nível, o de leitor-
107
navegador aprendiz ou simplesmente leitor contingente da tela, como o sujeito analisado
a seguir.
3.2.2.2 O leitor-navegador aprendiz ou o leitor contingente da tela
O leitor-navegador classificado como aprendiz ou leitor contingente da tela foi
Fernando, aluno da 7ª série. Ele participou de maneira significativa das atividades de
coleta e quando questionado sobre suas práticas de leitura cotidianas, disse o seguinte
ao pesquisador: Ler mesmo é só de vez em quando, livro né. Mas o que eu leio mesmo
é da Internet. Quando eu quero saber sobre alguma coisa é mais rápido, mais fácil.
Nessa fala de Fernando, está claro que a leitura se realiza nos livros. Alguns
outros materiais impressos também são aceitos, como os jornais e as revistas, por
exemplo; mas, para a escola, é indiscutível que o livro é o objeto de leitura por
excelência, ainda mais se tratando do livro de literatura.
A respeito dos procedimentos de pesquisa escolar por ele adotados - lembrando
que as entrevistas ocorreram em um primeiro momento da pesquisa de campo, antes das
observações - ele disse o seguinte: Na maioria das vezes nós vamos à biblioteca. Se
não achamos na biblioteca, às vezes a professora passa o site, procuramos na Internet
o conteúdo. Salvo num disquete e depois imprimo. Em seguida perguntei qual era o
primeiro lugar ao qual ele se dirigia para realizar suas pesquisas escolares, ele disse ser
a biblioteca. A partir dessa afirmação fiz a seguinte pergunta: Você sabe me dizer por
108
que o primeiro lugar é a biblioteca?” ele respondeu da seguinte maneira: Acho que é
mais fácil achar o livro lá. Daí não tem que ficar mandando imprimir papel do
computador. Escrevo ali mesmo na biblioteca.
Aqui é possível perceber, justamente, o que foi dito acima sobre o livro. Ele é o
bem supremo de toda a leitura e, além disso, o guardião do conhecimento, por isso, a
postura de respeito ante a sua presença, como dito na categoria sobre os gestos de
leitura. Outro ponto notável, na fala de Fernando, refere-se à distinção entre informação
e conhecimento. Ele não faz essa distinção, sequer tem consciência dela, mas em sua
fala isso está nítido. Basta perceber que para suas leituras diárias, ou de outra forma,
quando quer saber sobre algum assunto, satisfazer alguma necessidade de leitura, de
informação, ele recorre à Internet. A rede é vista como fonte de informação, pois,
quando questionado sobre para que costuma usar o computador e a Internet o sujeito
deu a seguinte resposta: Entrar no e-mail, conversar com amigos de outras cidades...
Quando eu quero ficar sabendo de alguma coisa... Sites pessoais, de banda, CDs.
A Internet como se pode perceber é fonte de informações diversas e não local de
pesquisa escolar. O conhecimento escolar tem morada nos livros. A Internet é local de
distração, local de uma leitura de entretenimento, conforme se percebe na fala de
Fernando. Mas não é por se tratar de uma leitura de entretenimento que ela é desprovida
de um objetivo ou de compreensão; pelo contrário, por nascer de uma necessidade, de
uma motivação dotada de sentido, ela se constitui em atividade significativa. Contudo,
ao analisar os trajetos de Fernando na tela, nas atividades de pesquisa escolar, a
compreensão não apareceu como guia de suas condutas. Fernando apesar de utilizar a
Internet como fonte de informação, de realizar leituras nesse suporte, ao utilizá-lo para
pesquisas escolares não obteve sucesso. Além disso, foi possível verificar nos registros
do software, que ele (Fernando) não é um exímio conhecedor da rede. Ele ainda é, com
certa freqüência, surpreendido por determinadas ocorrências na tela, bem como não
possui grande domínio sobre ferramentas básicas de navegação, como os leitores-
navegadores mais experientes.
Portanto, Fernando foi classificado como leitor-navegador leigo por ter
demonstrado conhecimento limitado sobre algumas ferramentas, por exemplo, para
realizar buscas sobre os conteúdos das pesquisas escolares, isto porque, ele se limita a
realizar sempre as mesmas ações na Internet, acessar e-mail e bate-papo. Pesquisa
sempre sobre os mesmos assuntos e nos mesmos websites, por isso, a dificuldade em
109
percorrer novas trilhas. Na transcrição de um de seus trajetos de leitura, selecionado por
ser significativo de seus comportamentos de leitor-navegador aprendiz, se verá com
maior riqueza de detalhes os elementos que permitiram tal classificação.
O sujeito iniciou seu trajeto de leitura ou de pesquisa escolar, cujo tema era a
Revolução Industrial, pelo acesso ao website de buscas do Google, mas nele não
realizou qualquer busca, uma vez que dele saiu para acessar o portal UOL, mas
especificamente o link da rádio UOL. Nesse ambiente, realizou uma busca por um
artista internacional (Snoop Dog), mas essa busca resultou em um fato inusitado, pois,
ao invés de informações sobre o referido artista, a pesquisa resultou na página de
abertura do Google. Diante do ocorrido, Fernando decidiu iniciar sua busca pelas
questões de pesquisa, na ferramenta de busca acima citada.
No site de buscas, o sujeito leu apenas os quatro primeiros resultados
escalados. E tomou a decisão de acessar o primeiro deles. A decisão de acessar um e
não outro website, na maior parte das vezes, baseia-se na leitura de seu texto de
apresentação. Refiro-me ao pequeno trecho apresentado junto aos resultados de
qualquer pesquisa realizada em ferramentas de busca.
No ambiente acessado por Fernando, o conteúdo era limitado: um pequeno texto
de apresentação e sugestões bibliográficas. Diante disso, o sujeito o deixou e realizou
uma nova busca, sendo que utilizou a mesma palavra-chave da primeira busca. Nessa
última, ele acessou o website da Wikipédia, o segundo resultado escalado pelo Google,
no qual, realizou uma leitura dos dois primeiros parágrafos do texto inicial e deles
copiou alguns trechos, manualmente.
Após isso, realizou uma nova busca, no Google, em que acessou um artigo da
Folha de S. Paulo em que leu apenas os dois primeiros parágrafos do texto. Desse
último ambiente, Fernando retornou ao da rádio UOL, realizou uma busca por uma
cantora nacional, mas antes de qualquer resultado deixou o site para abrir o MSN. No
entanto, a tentativa foi frustrada, o software não estabeleceu conexão com a rede. Diante
do ocorrido, o leitor-navegador prosseguiu com sua pesquisa. Novamente acessou a
Wikipédia, mas, dessa vez, nada leu. Isto porque, a essa altura da atividade, o interesse
do sujeito era o de entrar no MSN, tanto é que tentou acessá-lo mais uma vez, mas o
resultado foi negativo. Nesse momento a atividade chegou a seu termo.
A transcrição acima, das ações e tomada de decisões de Fernando, justifica sua
classificação como leitor-navegador leigo, uma vez que demonstra seu conhecimento
110
sobre o funcionamento do suporte, em que dois flancos se depreendem: o primeiro, para
falar como Santaella (2004), referente à habilidade motora apresentada pelo sujeito, a
respeito do qual pode ele apresentou conhecimento suficiente; o segundo sobre o
funcionamento da Internet. É possível dizer que Fernando possui um esquema funcional
de navegação em sua cabeça, porém com certas limitações. Ele jamais freqüentou
cursos de informática, seu conhecimento foi adquirido nas oportunidades em que tem
acesso ao computador e a Internet. Fato atestado quando o sujeito declarou não possuir
computador em casa e que o acessa “Em lan-house, de vez em quando na casa de um
colega e de vez em quando aqui na escola que eles deixam”. Além disso, sobre o
conhecimento acerca do funcionamento dos meios em questão, Fernando disse que:
Muitas vezes não tem o que fazer né, porque baixa um vírus sem querer... Fica
confuso... Mas a gente sempre dá um jeito. A primeira vez que eu mexi, eu não sabia de
nada. Eu não fiz aula de computação né, daí eu fui aprendendo aos poucos mesmo.
Agora, eu sei um pouco... Mais ou menos ainda... No meu caso dá para quebrar um
galho.
Na fala de Fernando, está explicito que o conhecimento - sobre o manejo do
computador e da Internet – por ele adquirido, não lhe foi ensinado, mas acumulado ao
longo de suas experiências de leitura-navegação. Além disso, não faz uso dos referidos
suportes com grande freqüência, por isso, muitas vezes ainda se surpreende com
determinadas ocorrências na tela, como o aparecimento de um vírus.
Sobre suas atitudes de leitura, é preciso esclarecer que Fernando foi classificado
como leitor contingente da tela, em razão de sua inconstância para encontrar as
respostas das questões de pesquisa. Além disso, ele perpetuava muitos dos
comportamentos característicos do impresso na tela, como o acompanhamento da leitura
com o cursor do mouse, bem como a construção de um texto manuscrito com as
respostas encontradas. Além disso, para tomar decisões, ele mobilizava seu
conhecimento acumulado, o qual, como vimos, era limitado. Essa limitação se
converteu, algumas vezes, em obstáculo à compreensão plena dos textos ou, de outra
maneira, impossibilitou o encontro de todas as respostas às questões de pesquisa. Nesse
aspecto, creio que se aplica com igual razão a premissa de Santaella (2004) acerca do
raciocínio indutivo, quando ela se refere ao usuário detetive, segundo a qual, em seu
percurso de navegação o sujeito “segue pistas, escolhendo entre as alternativas aquelas
que lhe parecem mais prováveis” (SANTAELLA, 2004, p.110). Desse modo, uma
111
decisão bem sucedida é transformada em regra e a “dificuldade em estratégia e
adaptação” (SANTAELLA, 2004, p.110).
Entretanto, é importante registrar que Fernando era um bom leitor do impresso,
levando-se em conta que ele apresentava respostas às perguntas de pesquisa ou pelo
menos uma parte delas. Por isso, afirmo com segurança que é uma questão de tempo ou,
ainda, de experiência para que o sujeito alcance o grau de leitor-navegador experiente.
Contudo, não posso negligenciar o fato de que em uma atividade de pesquisa posterior a
da transcrição acima, Fernando começou a encontrar as respostas as questões de
pesquisa. Esse acontecimento foi de grande importância, não por demonstrar que
Fernando não mais se dispersava pela rede no momento de fazer as pesquisas, mas
porque, do ponto de vista dialético, representa uma mudança de concepção ou de
representação, isto é, a Internet, ao longo das atividades, passou a representar para o
sujeito não só fonte de informação, mas também, de conhecimento, de pesquisa escolar.
Um salto qualitativo, uma vez que mais do que a tomada de consciência da função
prática do novo suporte, a atividade gerou transformação no modo de pensar do sujeito.
112
3.2.2.3 O leitor-navegador experiente ou leitor seletivo da tela
O sujeito classificado como leitor-navegador experiente ou leitor seletivo da tela
foi Ricardo, aluno da 7ª série. Suas participações nas atividades de coleta foram
significativas, uma vez que possibilitaram a criação da terceira e última categoria de
leitor-navegador.
A respeito de suas leituras cotidianas o participante fez as seguintes afirmações:
Eu leio mais gibi. Gibi e livro de filme: Código da Vinci, Harry Potter, Senhor dos
Anéis. Leio livro de filme né e bastante gibi. Agora, poema eu não leio muito não”.
Questionei se ela não realizava leituras na Internet, ele disse que apenas notícias.
Perguntei, então, se ele tinha preferência por ler noticias on-line, mas ele disse o
seguinte: Não, eu prefiro ler no jornal (impresso). Eu faço natação, então eu pego o
jornal que tem lá para ver o que acontece... É como eu falo pra você, eu não tenho
computador em casa, então eu acho mais fácil, acostumado”.
Ricardo, entre todos os sujeitos participantes da pesquisa, foi o que apresentou
maior desenvoltura nas entrevistas e nas discussões de grupo focal. A partir de suas
falas foi possível perceber que ele possui certe freqüência de leitura, principalmente de
materiais/livros não escolares/escolarizados. O ambiente familiar foi apresentado como
fomentador da leitura, o que significa que o entorno familiar tem sido favorável à
formação do sujeito como leitor. Fato notado quando questionado se as pessoas que
vivem com ele costuma ler qualquer tipo de material impresso ou não no dia-a-dia
delas. O sujeito esclareceu que: “Meu pai fala que tem que ler. Mesmo que você já
esteja na sétima série. Você tem que ler, ler, ler. Porque cada vez que você lê um livro,
você aprende uma palavra nova, uma história nova. Meu irmão que é pequeno e está
aprendendo a ler agora, a gente faz ele ler bastante para exercitar. Os membros da
minha família todos lêem sim”.
113
Sobre os procedimentos adotados quando possui uma pesquisa escolar, Ricardo
disse o seguinte: “Eu primeiro procuro na biblioteca. Por exemplo, eu pego um livro e
procuro aquele assunto que a professora pediu se não tiver eu procuro na Internet...
Sabe... Geralmente eu pego mais na Internet... Pra saber aquilo que a professora pediu.
Quando não tem no livro eu vou à Internet”. A partir disso questionei se ele sabia dizer
por que recorria em primeiro lugar à biblioteca, ele respondeu o seguinte: Porque
assim... Eu vou citar um exemplo: quando você assiste um filme que tem um livro
daquele filme ele conta mais detalhes. Na Internet, por exemplo, está escrito assim: um
menino de 24 anos morre por assassinato. Daí depois você vai na outra página que fala
sobre isso, aí você entende quem foi, porque foi, onde e quando. Então, se eu procuro
sobre o folclore, com certeza na Internet tem, mas eu prefiro no livro, porque dá para
você ler, para você anotar [...] Eu não tenho computador, eu acho mais fácil do que ter
que ficar indo em lan-house, aqui na escola... Eu acho mais fácil catar um livro da
biblioteca e em casa anotar”. Por fim, questionei se ele resistia em pesquisar na web,
ele disse que: “Não, não tenho não. É que eu prefiro o livro porque ele dá tudo, a
característica... O que seja... Mais detalhes”.
Da mesma maneira que os outros dois sujeitos analisados, Ricardo também
realiza suas pesquisas escolares primeiro na biblioteca, nos livros, e, somente, em caso
de não encontrar é que ele recorre a Internet. Portanto, para ele, a fonte primordial de
pesquisa escolar é a biblioteca ou, melhor, são os livros. No entanto, aí reside uma
contradição ou problema, qual seja o de que apesar da preferência manifesta pela
biblioteca, pelos livros, é na Internet em que na maioria das vezes o conteúdo é
localizado, aprendido. Com isso, quero demonstrar que apesar de Ricardo ser
considerado, em razão de suas ações, um leitor-navegador experiente, isso não significa
que ele privilegie a Internet em detrimento dos livros, ao contrário, entre os sujeitos
detentores de menor conhecimento sobre o ciberespaço a preferência é mais recorrente
do que entre os que detêm maior conhecimento, isso na amostragem dessa pesquisa.
Sobre o perfil de leitura do sujeito, pode se dizer que ele era/é um bom leitor do
impresso. Em todas as atividades das quais participou, apresentou respostas às questões
de pesquisa. Isto significa que ele compreendia o que lia ou, em outras palavras, atribuía
sentido/significado ao material de consulta.
Nas leituras feitas na web não foi diferente. O sujeito focado nas perguntas para
a pesquisa, não se dispersava, navegava e tomava decisões com segurança. Na
114
transcrição que se segue, de seu trajeto de leitura na tela, tais ações podem ser
visualizadas mais claramente.
A trajetória de Ricardo iniciou-se pelo acesso ao website de buscas, Google. Sua
maneira de ler na tela, conforme descrita anteriormente (p.71) foi nitidamente de
escaneio do texto. A constatação fundamentou-se nos movimentos realizados pelo
sujeito com o cursor do mouse. Ricardo arrastava rapidamente o cursor sobre o texto,
linha por linha, mas nem sempre chegando ao final de cada uma delas. Isto quer dizer
que ele lia rapidamente, antecipando palavras e partes do texto. Diferente, por exemplo,
de Fernando, que lia lentamente, arrastando o cursor palavra por palavra.
Ricardo lia rapidamente os resultados do Google, acessava o website que
apresentava indícios das respostas. No interior do site, o sujeito mobilizava a estratégia
acima descrita, demonstrando querer buscar pistas que o levassem as respostas ou a
parte delas. Realizada a leitura, Ricardo retornava aos resultados do Google e acessava
um novo site, repetindo as mesmas ações, até chegar o momento em que tomou a
decisão de fazer uma nova busca; para isso, utilizou uma nova palavra-chave. Por essa
atitude, novamente, diferencia-se dos outros dois sujeitos analisados, os quais
realizavam as buscas sempre com as mesmas palavras-chave.
Na nova busca, as estratégias mobilizadas foram às mesmas da anterior. Ricardo
acessava um website, realizava uma rápida leitura de seu conteúdo, retornava aos
resultados do Google e acessava um novo ambiente. Assim foi até o momento em que
ele abriu o software de digitação de textos. Nessa etapa, Ricardo, inicialmente, escreveu
um título, pautado no tema da pesquisa, e redigiu um pequeno texto referente às
respostas. É importante que seja dito que redigiu o texto com suas próprias palavras,
não utilizou de anotações ou qualquer outro material de apoio, o sentido por ele
construído ao longo da leitura, materializou-se no texto das respostas. No momento não
vou me prolongar a esse respeito, pois é assunto das próximas páginas.
Contudo, ainda sobre o trajeto de leitura do sujeito, cabe dizer que sua
classificação como leitor-navegador experiente ampara-se nas competentes ações de
navegação registradas, no conhecimento de um número razoável de ferramentas da rede
ou ainda, para citar Santaella (2004), no fato de Ricardo possuir “internalizado as regras
do jogo da navegação” (SANTAELLA, 2004, p.118).
O leitor-navegador sabe quais estratégias mobilizar em cada momento de seu
percurso, ele executa os “procedimentos navegacionais condizentes com as regras”
115
(SANTAELLA, 2004, p.118). No entanto, ainda assim, esse tipo de leitor pode se
deparar com situações inesperadas. Mas nesses casos, ele busca em seu repertório de
experiências navegacionais indícios que facilitem a resolução do problema.
Por sua vez, a classificação do sujeito como leitor seletivo da tela refere-se às
estratégias de leitura por ele mobilizadas, a saber: a de seleção, antecipação e
objetividade, manifestadas na sua maneira de ler rápida e na construção eficaz de
sentido. Ricardo lê rapidamente, passando os olhos pelas linhas em busca de pistas que
levem às respostas de pesquisa, isto é, ao seu objetivo de leitura. Mas na tela, como se
verá na próxima seção, o sentido é construído pela união de fragmentos de informação,
encontrados nos diversos textos (nos diferentes websites) pelos quais trafega o leitor.
Por isso, a seletividade é de fundamental importância nesse processo.
116
3.3 Novos suportes, novas formas dos textos, novas maneiras de
atribuir sentido.
De acordo com Lévy (1996), o texto desde sua mais tenra existência é um objeto
virtual e que não pode ser desvinculado das materialidades que lhe dão suporte ou, para
usar as palavras do próprio autor, não pode ser compreendido “independente de um
suporte específico” (LÉVY, 1996, p.35). Na mesma linha de raciocínio, Machado
(2007), pensando nos meios tecnológicos, tais como a fotografia, o cinema, as artes etc.
retoma o clássico acadêmico canadense, Marshall Mcluhan, para dizer que se de fato o
meio é a mensagem, “então cada meio deve ser claramente distinguido dos outros, pois
do contrário não haveria nenhuma mensagem a transmitir” (MACHADO, 2007, p.64).
Para o filósofo francês, o texto, como entidade virtual “atualiza-se em múltiplas versões,
traduções, edições, exemplares e cópias” (LÉVY, 1996, p.35). O leitor, sob essa ótica, a
cada leitura, a cada interpretação “leva adiante essa cascata de atualizações” (LÉVY,
1996, p.35). Ora, se o texto é um objeto virtual, que se atualiza em diferentes momentos
e em diferentes versões, isto significa que ele não é independente de seus suportes, pelo
contrário, a cada atualização o texto recebe novas formas em conformidade com as
materialidades que lhe dão suporte. Ademais, se o meio é a mensagem de alguma forma
a primeira instância deve influenciar a segunda. Nesse sentido, o texto não é um objeto
abstrato, assim como não o são nem os suportes, nem a leitura.
Se o leitor, como diz Lévy (1996), a cada leitura, a cada vez que dá sentido a um
texto, leva adiante suas atualizações, isto significa, que a cada vez que lê, que atribui
sentido a um texto, o indivíduo acumula, entre outros, conhecimento sobre suas formas
e sobre as materialidades que lhe dão suporte, o que é de fundamental importância para
a construção do sentido na leitura e que, uma vez acumulado, é levado para futuras
leituras.
117
Nesta seção, pretendo elaborar uma argumentação a favor da premissa defendida
pelos autores anteriormente citados, sobretudo por Mckenzie (2005), de que as formas
dadas aos textos em suas diferentes materialidades influenciam a atribuição de sentido
na leitura. Com isso, pretendo analisar a expressividade dos suportes materiais do
escrito na atribuição de significado a um texto. Para isso, apoiar-me-ei em Mckenzie
(2005), estudioso da bibliografia a qual ele converte em sociologia dos textos, processo
abaixo detalhado; em comentários de Chartier (2002) a respeito da bibliografia e da
sociologia dos textos também serão utilizados e, por fim, às idéias dos autores anteriores
ligarei às de Arena (2003) sobre a atribuição de sentido na leitura, para
compreendermos como esse processo acontece no novo suporte.
3.3.1 Da bibliografia à sociologia dos textos
Bibliografia, de forma resumida, consiste, conforme Mckenzie (2005), em uma
disciplina dedicada ao estudo dos textos, bem aos processos de sua produção,
transmissão e recepção. A obra de Mckenzie aqui utilizada, apesar de suas pequenas
proporções, abalou o estatuto vigente dessa área de estudos. O estudioso, no trabalho
em questão, tentou ampliar as definições mais clássicas da bibliografia e expandir seu
foco de atuação.
Foi um avanço considerável não só dentro dos limites de sua área de atuação,
mas também para a crítica literária e a história da leitura. Segundo Chartier (2002), a
118
publicação desse trabalho atraiu imediatamente a atenção de bibliógrafos, bibliotecários
e historiadores do livro. Suscitou críticas e obteve prestígio, sobretudo, por duas idéias
inovadoras por ele lançadas: a primeira em que expande o conceito de texto para além
do tradicional binômio texto e livro. Afinal, conforme assinala Chartier (2005) no
prólogo da tradução da publicação de Mckenzie (2005), nem todo o registro escrito se
apresenta na forma de livro. Mckenzie é um intelectual que se distingue de outros por
estar atento às mudanças que ocorrem a sua volta, sobretudo as de cunho tecnológico.
Como ele diz, é preciso aproveitar “a experiência e os interesses novos de alguns
estudantes para quem os livros representam apenas mais uma forma de texto”.
(MCKENZIE, 2005, p.19 tradução nossa). A segunda idéia lançada por Mckenzie
(2005) postula que as formas materiais que dão suporte aos textos afetam seu sentido.
Em outros termos, todos os registros escritos colocados à leitura possuem como suporte
uma materialidade específica e cada uma das formas materiais se organiza segundo
padrões particulares, os quais de maneira variável influenciam a produção e atribuição
de sentido. Nessa perspectiva, segundo Chartier (2005) tomando como exemplo o livro
impresso, pode-se dizer que seu formato, “a divisão do texto, as convenções
tipográficos, a pontuação estão investidos de uma função expressiva” (CHARTIER,
2005, p.7). Portanto, Mckenzie (2005) se opõe às concepções puramente semânticas
dos textos, pois elas consideram as materialidades desprovidas de qualquer relevância.
As duas idéias de Mckenzie (2005) rapidamente explicadas anteriormente
estremeceram, segundo Chartier (2002), as bases da bibliografia. Por isso, creio que é
importante tornar o conceito de bibliografia mais claro. Ela é uma das disciplinas com
maior prestígio no mundo anglo-saxão, seus postulados são definidos por Chartier
(2002) a partir de dois pontos principais: o primeiro diz que “o estabelecimento de um
texto (e, eventualmente, sua edição) supõe a reconstrução rigorosa da história de sua
composição e de sua impressão na oficina tipográfica”. (CHARTIER, 2002, p.245). O
segundo ponto considera que “a compreensão desse processo de produção do livro
implica a descrição e a análise das características físicas dos exemplares conservados da
edição ou das edições do texto considerado” (CHARTIER, 2002, p.245).
Esse esforço para recuperar a edição de um texto com a maior proximidade
possível de seu original tem como finalidade, conforme Chartier (2002):
[...] reconstituir o modo de composição do texto, determinando, por
exemplo, os hábitos gráficos e ortográficos dos diferentes compositores
119
que trabalharam em uma mesma obra, ou então identificando certas
particularidades (letras deterioradas, iniciais, adornos) de seu material
próprio. O ritmo de reaparecimento desses elementos claramente
reconhecíveis no livro impresso pode ensinar muito sobre a organização
de sua fabricação, sobre a ordem da composição e da impressão, sobre as
decisões textuais atribuíveis aos compositores, sobre a maneira como o
texto foi composto [...] ou sobre as correções introduzidas no decorrer da
tiragem. (CHARTIER, 2002, p.246)
Desse modo, o livro de Mckenzie (2005) chocou os tradicionais estudiosos da
bibliografia, defensores dos postulados citados acima, porque imprimiu a essa disciplina
novos conceitos e ampliou seu escopo epistemológico, convertendo-a, assim, em
sociologia dos textos. A partir dessa redefinição, a bibliografia passou a ter que ocupar-
se não somente dos textos que são livros, mas dos registros escritos em suas múltiplas
aparições. E, ainda mais, passou a defender enfaticamente que “o sentido das obras
depende, também, de suas formas gráficas e das modalidades de sua inscrição sobre a
página” (CHARTIER, 2005, p.8 tradução nossa).
Sob a nova orientação, surgiram novas incumbências, entre elas:
[...] estabelecer protocolos de descrição capazes de levar em conta
(abarcar) todos os impressos que não são livros e todos os textos que não
são escritos; considerar a partir de uma mesma perspectiva analítica o
conjunto dos processos de produção, transmissão e recepção dos textos –
em todas as suas formas. (Chartier, 2005, p.11 tradução nossa).
Para Chartier (2005), a bibliografia, ao passar por este processo de redefinição
[...] se converte em uma disciplina central, essencial para compreender a
maneira como as sociedades dão sentido aos múltiplos textos que
recebem, produzem e interpretam. Ao designar à disciplina a tarefa
fundamental de articular formas materiais e simbólicas, Mckenzie apaga a
divisão tradicional entre ciências da descrição e ciências da interpretação,
entre morfologia e hermenêutica. (Chartier, 2005, p.11 tradução nossa).
Por fim, a esse respeito, é importante dizer que a sociologia dos textos
desenvolvida por Mckenzie (2005) não é uma sociologia estática, pelo contrário, ela
considera o dinamismo das mudanças que percorreram os diversos tipos de textos nos
diferentes momentos históricos. O estudioso rejeita a imobilidade social como
explicação para a circulação dos textos ou para a falta dela. Para ele, são as diferentes
120
formas materiais assumidas pelos textos que permitem seu trânsito entre os diferentes
públicos.
3.3.2 Da forma ao sentido
Alguns objetos de leitura são socialmente mais valorizados do que outros.
Dentre eles, o principal é o livro impresso. O criador da sociologia dos textos tentou
romper com essa tradição, sobretudo em de seu território de atuação, marcado pelo
vínculo entre texto e livro. Mckenzie (2005) estremeceu as bases dessa tradição ao
estender a categoria de textos para os “dados verbais, visuais, orais, numéricos e em
forma de mapas, impressos e músicas, arquivos de registros sonoros, de filmes, vídeos e
a informação computadorizada” (MCKENZIE, 2005, p.31).
Chartier (2002) ao referir-se ao assunto intitula de non book texts os textos dados
à leitura não na forma de livro e de non verbal texts os que utilizam ou não o recurso da
linguagem verbal. É valido dizer que algumas dessas categorias de textos sequer
pertencem à classe dos objetos impressos. Mckenzie, ao ampliar a noção de texto,
estava preocupado com as mudanças que ocorriam a sua volta, pois seu objetivo era o
de abarcar as novas formas de registros que o rodeavam.
Para justificar esta ampliação, Mckenzie (2005) recorre à origem do termo texto
e encontra no Latim o correspondente tecer. Desse modo, se escrever é tecer, estes
processos criam objetos materiais. E conforme afirma Mckenzie (2005), esses objetos
não contêm uma substância ou formas exclusivas. Assim, “a idéia de que os textos são
121
registros escritos sobre pergaminho ou papel deriva somente do sentido secundário e
metafórico de que a escrita de palavras é como o tecido de fios”. (MCKENZIE, 2005,
p.31 tradução nossa).
Sob este ângulo, cada um dos textos com os quais temos contato contém sempre
uma materialidade específica como suporte. Fato que merece nossa atenção, sobretudo,
para o que Chartier (2005) chama de “mecanismos específicos pelos quais cada forma
de inscrição de uma linguagem particular produz sentido” (CHARTIER, 2005, p.7
tradução nossa). Dessa forma, reforço a idéia de que as formas materiais que oferecem
os textos à leitura influenciam na atribuição de sentido ao escrito.
Em um estudo citado por Chartier (2002), Mckenzie analisou as inovações
introduzidas em uma publicação, de 1710, das peças de teatro de Congreve. As
mudanças forma feitas pelo autor e pelo editor da obra. Segundo Chartier (2002), a
análise feita por Mckenzie evidencia um procedimento quase que oposto ao realizado
pela crítica literária, sobretudo a estruturalista, em que a materialidade dos textos é
desconsiderada, bem como seu autor e leitor. As inovações introduzidas na obra,
conforme descritas por Chartier (2002) foram às seguintes:
[...] a passagem do in-quarto ao in-oitavo, a numeração das cenas, a
presença de um adorno entre cada cena, a lembrança dos nomes dos
personagens presentes no início de cada uma delas, a indicação à margem
daquele que fala, a menção das entradas e saídas. (CHARTIER, 2002,
p.249).
Estas mudanças, aparentemente, simples, conferiram, segundo Chartier (2002),
um sobressalto ao estatuto da obra. Isso, segundo o historiador francês, por dois
motivos: primeiro a passagem do in-quarto ao in-oitavo tornou o livro menor, o que
facilitou sua manipulação, caracterizando uma maneira diferente de ler; o segundo diz
respeito aos dispositivos tipográficos, as inovações fizeram com que o autor
reformulasse em alguns pontos seu estilo, a fim de colocá-lo em consonância, torná-lo
mais condizente, com o novo formato da obra.
Para Chartier (2002), as lições do estudo de Mckenzie são múltiplas; contudo,
acredito que as duas principais são: a demonstração de que as formas materiais
influenciam a atribuição de sentido a um texto; em outras palavras, “o estatuto e a
122
interpretação de uma obra dependem de suas materialidades” (CHARTIER, 2002,
p.250). A segunda refere-se á relevância dada ao leitor, pois o sentido atribuído a um
texto, nesse caso, obviamente depende dele. Sobre esse aspecto, é imprescindível dizer
que as formas conferidas aos textos são elaboradas com vistas a satisfazer as possíveis
expectativas dos leitores. No computador, a situação parece não ser muito diferente. A
disposição do texto na tela, sua organização e estruturação são elementos que
demandam decisões, as quais buscam atender às expectativas dos leitores. Na web, os
textos concisos, objetivos, ou estruturados em tópicos e os links de hipertexto visam a
facilitar a localização das informações desejadas. Entretanto, em razão do pouco tempo
de existência comercial da Internet, esta tendência de organização dos textos, seguindo
padrões de expectativas dos leitores, é recente. Ainda uma boa parte dos sites não está
organizada de maneira a facilitar o percurso do usuário, do leitor.
Cabe ainda dizer, que a publicação dos textos na web, seguindo os padrões
acima citados, de concisão, objetividade, textos topicalizados, com apenas uma idéia
por parágrafo, além de facilitar, visam a acelerar o processo de localização das
informações pelos leitores. As ligações de hipertexto, por sua vez, permitem o
aprofundamento das informações buscadas. Eles podem levar o leitor a outros textos ou
a outros websites. É importante assinalar, que os links são representativos da
confiabilidade das informações veiculadas pelo site. Quanto mais links um website
possui em outros, maior é a confiança dos usuários em seu conteúdo.
Estes elementos, que não são os tópicos verbais do texto, isto é, que configuram
a organização do espaço, a forma dos textos e das materialidades que lhe dão suporte,
segundo Mckenzie (2005) possuem uma função expressiva na produção de significado.
O texto on-line, na Internet, ou gravado na memória de um computador é imaterial, não
pode ser tocado com as mãos, mas, obviamente, é um objeto material que lhe dá
suporte: o monitor ou a tela do computador. E esta nova materialidade, assim como as
formas materiais dos livros, detém uma função expressiva ao influenciar na atribuição
de sentido as palavras e códigos.
Assim, a sociologia dos textos, aqui explicitada, é uma contraposição às
concepções dos textos como um conjunto de “signos impressos considerados marcas
arbitrárias” (MACKENZIE, 2005, p. 32 tradução nossa) sobre o papel ou outros
123
materiais. Mackenzie (2005) se posiciona enfaticamente contra a abstração dos textos,
assim como Chartier se posiciona contra a abstração da leitura.
Nesse sentido, com base nos dados coletados, é interessante notar que o sentido
construído pelos leitores no material impresso foi sondado por meio do grupo focal, ou
seja, a partir das discussões conjuntas realizadas ao final de cada atividade. Por outro
lado, na leitura na tela on-line, o sentido construído pelos sujeitos era facilmente
visualizado a partir dos textos por eles construídos ao longo de suas leituras. Refiro-me
aos arquivos textuais que os leitores constroem extraindo trechos dos textos on-line, o
que se convencionou chamar Ctrl C seguido de Ctrl V, ou copiar e colar. Esses textos
são a materialização do sentido construído pelos sujeitos ao longo da leitura, isto é, são
trechos das sacadas e saltos por eles realizados na busca pelas respostas às questões
propostas para a pesquisa. Afinal, conforme escreve Lévy (1996): “Toda leitura em
computador é uma edição, uma montagem singular” (LÉVY, p.41, 1996).
No item a seguir se verá como se deu o processo de construção do sentido pelos
participantes da pesquisa. As estratégias por eles adotadas se encontram descritas e
refletidas com base em bibliografia pertinente.
124
3.3.3 A construção do sentido na leitura na tela: unindo fragmentos de
informação
Uma das principais preocupações que me acompanhou durante toda a execução
do trabalho foi a da construção de sentidos na leitura, mais especificamente na leitura na
tela on-line. Por isso, verificá-la/sondá-la e compreender seu processo era parte
fundamental desta empreitada.
Contudo, antes de qualquer coisa, devo assinalar que a construção do sentido na
tela passa por caminhos semelhantes e divergentes em relação ao material impresso. E
para compreender esse processo, além do referencial acima explicitado, recorri aos
estudos da linguagem de Bakhtin (2003 e 2004), principalmente as suas formulações de
dialogia, polissemia, polifonia e intertextualidade; ao estudo de Bernardes & Fernardes
(2005) sobre a situação da pesquisa escolar em tempos de Internet, também
fundamentado na concepção enunciativa da linguagem; e, por último, em Larrosa
(1999), no qual busquei subsídios para compreender os problemas que envolvem a
transmissão do discurso alheio, que no caso da pesquisa escolar e da leitura na tela
manifesta-se na cópia ou reprodução de textos.
Para começar a discussão, tomo como ponto de partida o conceito de co-autoria,
conforme formulado por Bernardes & Fernandes (2005) em um texto de pequenas
proporções, na realidade, um artigo, que integra a coleção organizada por Freitas &
Costa (2005), sobre leitura e escrita de adolescentes no espaço escolar e no
virtual/digital. O conceito apresentado pelas autoras versa que o leitor-navegador não
segue um “percurso de leitura premeditado por um autor, ou seja, na rede hipertextual,
entre links e links, o leitor “navega” um percurso único e, na maioria das vezes, não
repetível” (BERNARDES & FERNANDES, 2005, p.134). E, desse modo, o leitor-
navegador constrói um conhecimento em parceria, em co-autoria, com todos os autores
125
visitados em seu percurso de navegação/leitura. As palavras de Costa (2005) a esse
respeito são esclarecedoras:
Não interessa o que pensou o escritor ausente, pois o sentido – de autoria
coletiva – surge na intersecção de um plano semiótico desterritorializado,
cujos limites entre oralidade, escrita, escrita e leitura parecem se dissolver
(COSTA, 2005, p. 22).
Os modelos de abordagem do texto, defensoras da concepção de que os textos
possuem um sentido, uma significação, única, atribuído pelo autor – o qual é, em alguns
casos, respaldado por dispositivos editoriais – como é o caso da crítica literária,
escapam como areia entre os dedos quando nos voltamos para a leitura na tela.
A imensa quantidade de textos disponíveis na rede, suas formas e possibilidades
de intervenção pelo leitor, fazem dela um ambiente polissêmico, aberto a
construção/atribuição de sentido. Por isso, algumas das concepções ou conceitos
peculiares a cultura impressa não se aplicam à cultura virtual/hipertextual.
Nessa perspectiva, destaco a formulação de Arena (2006) sobre a formação do
leitor, pois para este autor, a formação do leitor deve ser entendida a partir de sua
imersão em um movimento ininterrupto, dialético, de transformação do modo de operar
o pensamento. Ao mesmo tempo, não se pode perder de vista, que tal transformação é
acompanhada de outras, entre elas, a da escrita e das materialidades que lhe servem de
suporte. Sob essa ótica, a escrita deve ser compreendida como sistema tecnológico,
portanto, modificadora e modificada pelo curso da história.
Embora tenha dito que o leitor da tela é co-autor dos textos que lê, não quero
esvaziar de importância a figura do autor, mas apenas me distanciar das teorias que
acorrentam o sentido – único - no texto, independente daquele que lhe dá vida, o leitor.
Afinal, conforme afirma Arena (2006), a leitura deve ser compreendida como “a criação
imaterial, efêmera e idiossincrática produzida pelo leitor na relação com o texto e com
seu autor” (ARENA, 2006, p.410). Mas deve ficar claro que a concepção aqui
defendida diverge da “visão romântica de autoria, como ato solipsístico e individual”
(BERNARDES E FERNARDES, 2005, p.132). Penso, na realidade, que é da “imensa
diversidade de vozes sociais e de suas relações dialógicas que emerge a figura do autor
que não se destitui, no entanto, de sua individualidade” (BERNARDES E
FERNARDES, 2005, p.132).
126
Nesse sentido, a leitura se dá no entrecruzamento da “palavra lida e/ou impressa
no texto e as contrapalavras do leitor” (BERNARDES E FERNARDES, 2005, p.132).
Contudo, é inviável qualquer tentativa de previsão das contrapalavras do leitor, o que
nos permite afirmar que podem ser múltiplos os sentidos criados em uma leitura.
Para Bakhtin (citado por Bernardes e Fernandes, 2005, p.133), essa
multiplicidade de sentidos emana da incessante recontextualização dialógica da ação
humana, do movimento da história, que constantemente cria novos contextos. Na
mesma direção, inscreve-se a mudança nos suportes materiais da escrita, criadores de
novas formas para os textos em que são gerados, também, novos modos de operação do
pensamento, bem como de construção do sentido (na leitura).
A construção do sentido, conforme a propomos, deve ser entendida levando-se
em conta, além de sua ligação com o contexto e com as formas dos textos já vistas até
aqui, sua relação com a forma de entrada do leitor no texto. Ao se pensar na escola, é
preciso que se leve em conta o modo como o professor propõe (os textos) à leitura.
Nesse aspecto, quando solicitei aos sujeitos, participantes do flanco empírico desta
pesquisa, que buscassem respostas às questões de pesquisa, o intento era não só o de
verificar a compreensão, mas, também, o de estabelecer um modo diferente de entrada
no texto, “partindo da compreensão” (ARENA, 2006, p.415). Assim, o leitor possuiria
um objetivo claro de leitura.
Nessa direção, a compreensão não é um mero produto, mas a intenção, segundo
Arena (2006) “com a qual parte o leitor ao elaborar, em suas relações históricas,
culturais e sociais, formulações interrogativas, mesmo que esboçadas, com a expectativa
de encontrar respostas, consistentes ou não” (ARENA, 2006, p.415).
Dito de outra maneira,
Durante o processo de compreensão, constituído pela ação do leitor, em
diálogo com o texto, formulações encontram respostas pouco claras, mas
que, por sua própria natureza, provocam novos esboços de formulações
em busca de novas respostas. A leitura, entendida desse modo, não se
configura como material imobilizado para ser adquirido ou estimulado ou
ensinado, mas um feixe de dados, procedimentos, elaborações mentais,
diálogos construídos e desconstruídos em flashes, idéias e ações linkadas
e rapidamente relinkadas (ARENA, 2006, p.415).
Desse modo, ao aplicar o arcabouço proposto por Arena (2006), tentei fomentar
uma nova forma de entrada no texto, uma nova maneira de operar o pensamento para e
127
durante a leitura. Nos termos de Bonini (2002), essa seria uma leitura em que o sujeito é
pilotado pela compreensão.
Assim, passemos a falar da compreensão construída pelos sujeitos amostrados,
retomando, inicialmente o filólogo russo, uma vez que sua verificação ocorreu por meio
do grupo focal, pelo qual, engenha-se, fundamentalmente, um processo dialógico. Nesse
sentido, a compreensão construída e manifestada (oralmente) por cada sujeito se
mesclava com a do outro. No intercambio de conhecimento, pelo confronto de idéias,
novos sentidos eram construídos, elaborados. Um verdadeiro processo dialético em que
era necessário “ouvir amorosamente a palavra do outro” (BERNARDES &
FERNANDES, 2005, P.132).
Daí, leitura/escrita consiste não na mera reprodução de sentidos sempre
idênticos a si mesmos ou aqueles pensados pelo autor, mas na construção
sempre nova e incessante de múltiplos sentidos. Contudo, é importante
ressaltar que essa multiplicidade semântica em Bakhtin apresenta-se
relacionada [...] com uma de suas peculiaridades metodológicas que
decorre – não poderia ser de outra maneira – do seu pressuposto de base
de que são as relações com os outros que nos constituem [...]
(BERNARDES E FERNARDES, 2005, p.132).
Contudo, esse não é o procedimento em voga na escola. Nesta instituição, o
objetivo da pesquisa escolar, em geral, é o de elaboração de um texto escrito. Desse
modo, não seria lógico fazer o mesmo que é feito nas escolas? A resposta é não. Mas
obviamente existe uma justificativa, qual seja a de não incorrer no famigerado problema
da cópia, ou ao menos, para dele não ser acusado. Pois, conforme escrevem Bernardes
& Fernandes (2005): “se modificam os suportes de leitura e escrita, e a questão continua
sendo a mesma: copiar não é pesquisar” (BERNARDES & FERNANDES, 2005,
P.134).
No entanto, ainda assim, alguns sujeitos produziram textos como resultado de
suas pesquisas/leituras. E tendo eles realizado tais ações, negligenciá-las seria um erro,
por isso, vou analisá-las. Para tal tarefa, gostaria de destacar o enfoque de Bernardes &
Fernandes (2005) dado ao problema, uma vez que, fundamentadas em Bakhtin, as
autoras tentaram superar a idéia de produção/reprodução do texto de pesquisa escolar
como mera ação mecânica. Com base nesse referencial, não vou me deter no conteúdo
das produções, mas no modo de execução, isto é, nas estratégias mobilizadas pelos
sujeitos para a produção/reprodução dos textos.
128
Para tal, selecionei as ações de dois sujeitos, Ricardo e Fernando, pois
apresentaram os mais representativos modos de produção de textos durante suas
pesquisas. As ações do primeiro sujeito foram visualizadas a partir das gravações do
software. O dispositivo, além dos movimentos de leitura, registrou os processos de
elaboração de sua produção escrita. Por sua vez, as ações do segundo sujeito foram
visualizadas a partir das gravações em VHS. O sujeito como se verá abaixo mobilizou
estratégias diferentes das de Ricardo as quais não poderiam ser captadas pelo software,
pois não se valeu do computador para elaborá-la.
Comecemos por Ricardo, o qual, em uma das atividades de pesquisa escolar (de
coleta), após realizar as leituras hipertextuais, apresentou dois modos diferentes de
produção do texto, sendo que é importante dizer que as duas ações foram desenvolvidas
na produção do mesmo texto: na primeira delas o sujeito redigiu um pequeno texto, no
próprio computador, com suas próprias palavras, isto é, ele não reproduziu fielmente as
palavras dos textos lidos, não os copiou. Já a segunda estratégia mobilizada pelo leitor
foi a de reproduzir trechos de vários textos (re)construindo um novo. Ricardo executou
o famoso copiar e colar ou Ctrl C seguido de Ctrl V. Ele elaborou um novo texto de
maneira não-linear seguindo a lógica da experiência hipertextual de leitura. Os
fragmentos que lhe fizeram sentido nos vários textos lidos foram agrupados em uma
nova produção, dotada de um novo sentido (o de resposta as questões de pesquisa).
Por outro lado, Fernando executou ação diferente à de Ricardo: reproduziu
manualmente trechos de textos em um novo. Não se valeu das possibilidades do suporte
em que realizava a leitura, o computador. Sua produção, manuscrita foi sem dúvida
legítima. Ocorreu que mesmo imerso na rede hipertextual, ele perpetuou a lógica linear
de produção do escrito, peculiar ao suporte mais antigo. O sujeito, conforme observado
nas filmagens em VHS realizava leituras em diferentes websites e deles extraía para
uma folha de papel, que havia sido distribuída pelo pesquisador, trechos dos textos que
lhe faziam sentido, isto é, que pareciam compreender as respostas às questões de
pesquisa.
As ações de ambos os sujeitos, foram verificadas apenas em um momento
posterior à coleta, quando os dados estavam sendo analisados. Por esta razão, não foi
possível interrogar os sujeitos sobre tais atitudes. Contudo, creio que a ausência de
falas/depoimentos acerca de suas ações apesar de empobrecer as análises aqui
empreendidas não as comprometem. Este é um problema enfrentado por muitos dos
129
pesquisadores que trabalham com observação, independente da modalidade de
observação. Algumas questões escapam até ao mais atento dos olhares. No caso desta
pesquisa, o software e as gravações em VHS ainda permitiram que muitos fatos não
percebidos no momento da coleta fossem vistos posteriormente. Além disso, algumas
ocorrências em campo parecem não possuir qualquer sentido em um determinado
momento, e posteriormente, emergem como prenhes de significado. O pesquisador deve
estar atento ao seu desenvolvimento/amadurecimento, que ocorre por meio de um
processo dialético, de ir e vir aos dados e a bibliografia de referência, que descortina a
aparente simplicidade das ocorrências em campo.
Retornando para as ações dos sujeitos, para analisá-las, retomemos algumas das
prerrogativas bakhtinianas, principalmente para refletirmos e/ou problematizarmos
questões que envolvem a transmissão do discurso de outrem. Neste sentido, na primeira
das ações, emerge como ponto fundamental a elaboração de um texto por Ricardo, com
suas próprias palavras. Para essa discussão busquei amparo em um profícuo artigo
de Larrosa (1999) no qual o autor versa sobre o problema da repetição e da diferença em
comentários de textos, com base em Foucault, Bakhtin e Borges. Esse texto nos
interessa no ponto em que Larrosa (1999) aborda questões relacionadas, justamente,
com a transmissão do discurso de outrem/alheio com palavras próprias.
Conforme Larrosa (1999), essa é uma questão que aparece no âmbito escolar nos
seguintes termos: “leia o texto, e depois escreva-o com suas próprias palavras: diga o
mesmo que o texto disse, não com as palavras do texto, mas com outras palavras, com
suas próprias palavras” (LARROSA, 1999, p.122). Esta foi à atitude de Ricardo,
notadamente valorizada pela escola. Nela o sujeito não copia as palavras do texto, mas
as traduz para o seu discurso; produzindo um texto, um discurso, ou ainda, uma palavra
que é bivocal. O que significa, que ela
não é acabada, mas aberta; é capaz de descobrir em cada novo contexto
dialógico novas possibilidades semânticas. Por isso também embora não
saibamos da mesma tudo o que pode nos dizer, a introduzimos em novos
contextos, a aplicamos a um novo material, a colocamos em uma nova
situação para obter dela novas respostas, novas facetas quanto a seu
sentido e novas palavras próprias (porque a palavra alheia produtiva gera
em resposta, de maneira dialógica, nossa nova palavra) (BAKHTIN apud
LARROSA, 1999, p.122).
130
Entretanto, é interessante registrar que o processo acima descrito, de transmissão
do discurso alheio com as próprias palavras, se opõe ao de transmissão de memória.
Neste último, a esfera bivocal dá lugar a monológica, o que significa que
sua estrutura semântica é imutável e inerte por estar acabada e ser
monossemântica, seu sentido fica ligado à letra, se petrifica. A palavra
autoritária nos pede um reconhecimento absoluto, e não um domínio e
assimilação livres, com nossas próprias palavras. Por isso não admite
nenhum tipo de jogo no contexto que a enquadra ou em suas fronteiras,
nenhum tipo de transição gradual e instável, de variações estilizantes
livres, criadoras (BAKHTIN apud LARROSA, 1999, p.121).
No entanto, conforme assinala Larrosa (1999), o primeiro processo, o de
transmissão do discurso alheio com nossas próprias palavras, não “implica
necessariamente liberdade de interpretação ou abertura semântica” (LARROSA, 1999,
p.122). E da mesma forma, “a leitura de memória, literal, não significa necessariamente
uma leitura semanticamente imutável, petrificada” (LARROSA, 1999, p.122).
Nesse sentido, e ainda sob a ótica do filólogo russo, pode-se dizer que as outras
formas de produção do texto de pesquisa escolar, isto é, a partir da reprodução,
(apresentadas pelos sujeitos amostrados) não impedem o acontecimento da
compreensão. Além disso, nenhuma das produções pode ser considerada mera
reprodução mecânica.
Segundo Bakhtin (2003), a reprodução mecânica de um texto ocorre apenas
quando ela é feita por uma máquina, talvez a Xerox sirva de exemplo. Mas em caso de
reprodução por um sujeito, por exemplo, nas atitudes de Ricardo e Fernando, de
elaboração de um texto a partir de fragmentos de outros, consiste em um
“acontecimento novo e singular na vida do texto, o novo elo na cadeia histórica da
comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2003, p.311). Nessa perspectiva, Bernardes &
Fernandes (2005) afirmam que “todo texto, ao ser reescrito pelo leitor, adquire, no
momento mesmo de sua (re) produção, novos sentidos não-reiteráveis” (Bernardes &
Fernandes, 2005, p.131).
Portanto, mesmo tendo Ricardo e Fernando extraído trechos de textos de outrem
para a elaboração de seus próprios textos, que não foram escritos com suas próprias
palavras, a cópia, conforme entendida pela escola, isto é, como ato mecânico, não se
constitui. Afinal, o “acontecimento da vida do texto, isto é, sua verdadeira essência”
(BAKHTIN, 2003, p.311), que eu entendo como sendo a atribuição de sentido, “sempre
131
se desenvolve na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos” (BAKHTIN, 2003,
p.311 - grifos do autor).
Os sujeitos se apropriam do discurso alheio e, em razão do desconhecimento dos
dispositivos de citação, transformam-no em seu próprio discurso. Nesse mesmo sentido,
no grupo focal, na sondagem oral da compreensão, as palavras de Bakhtin (2003)
vestem como uma luva, pois ele escreve que
[...] devemos admitir que qualquer oração, inclusive a mais complexa, no
fluxo ilimitado da fala pode repetir-se um número ilimitado de vezes em
forma absolutamente idêntica, mas como enunciado (ou parte do
enunciado) nenhuma oração, mesmo a de uma só palavra, jamais pode
repetir-se: é sempre um novo enunciado [...] (BAKHTIN, 2003, p.313).
Por fim, a esse respeito, às palavras de Bernardes & Fernandes (2005) são mais
uma vez esclarecedoras, uma vez que conforme as pesquisadoras
[...] toda enunciação também é dotada de um sentido único, portanto não-
reiterável que constitui aquilo que Bakhtin [...] denomina por tema: “um
sentido definido e único [...] determinado não só pelas formas lingüísticas
que entram na composição, mas igualmente pelos elementos não verbais
da situação [...] que procura adaptar-se adequadamente às condições de
um dado momento da evolução” (Bernardes & Fernandes, 2005, p.128).
Nestas páginas, tentei demonstrar de que maneira observei a compreensão ou a
atribuição de sentido pelos sujeitos aos materiais lidos/pesquisados. Nas escolas,
obviamente não em todas, as pesquisas escolares tem como objetivo mais amplo a
confecção de um texto escrito. Neste trabalho, tentou-se trilhar um caminho tangencial,
de valorização do discurso oral, de dar privilégio a fala dos sujeitos. No entanto,
independente da solicitação, alguns sujeitos elaboraram textos escritos, os quais, não
foram negligenciados. A luz lançada sobre eles foi a da perspectiva enunciativa da
linguagem, no intuito de demonstrar que tais produções não são simples reproduções
(refiro-me as produções oriundas da leitura na tela), mas experiências de co-autoria
fruto de uma leitura não linear, bem como de um sentido construído pela união de
fragmentos de informação.
Desse modo, chego ao final dessa discussão com a seguinte formulação em
mente: o novo suporte incorpora todas as formas de textos, contudo as reorganiza,
apresentando-as à leitura em novas formas. Por isso, a atribuição de sentido na leitura na
132
tela on-line, a meu ver, com base em Mckenzie (2005), Arena (2003) e Lévy (1996),
situa-se na interseção entre o conhecimento sobre as formas dadas aos textos nesse
suporte, as intenções, necessidades e finalidades do leitor e um trajeto de navegação
eficaz.
Como palavras finais, cito Chartier (2002), quando ele escreve que “a
significação de um texto é sempre uma produção historicamente situada, dependente das
leituras, diferenciadas e plurais, que lhe atribuem sentido”. (CHARTIER, 2002, p.250).
Portanto, o sentido de um texto não está dado a priori; é uma construção que ocorre
durante a leitura, dependente do momento histórico e do local em que ocorre, das
formas e materialidades dos textos e, indo além, do modo de operar o pensamento dos
leitores.
3.4 Novos suportes, novos contextos, novos modos de pensar
133
Conforme se viu ao longo deste trabalho, a leitura na tela on-line demanda
diferentes atitudes e um sério comprometimento intelectual. Entre outros elementos,
entram em jogo nesta modalidade: realizar escaneios dos textos, tomar decisões, prever
a trajetória de navegação e editar novos textos. Isto significa que a leitura no novo
suporte exige do leitor um novo modo de operar diante do escrito, ou ainda, um novo
modo de operar o pensamento na e para a leitura, modo esse que é levado da leitura para
outras atividades e de outras atividades para a leitura. Por isso, nesta seção, pretendo
elaborar uma reflexão acerca dos modos de pensar emergentes da leitura na tela e de
outras ações no contexto do ciberespaço, procurando uma possível relação entre elas.
Com essa argumentação, quero lançar luzes mais sobre o como pensam os
sujeitos no momento da leitura e menos sobre o que ou no que pensam. É ainda
importante dizer que o estudo sobre os modos de pensar na leitura poderia seguir por
vários caminhos, como os da neurociência ou das ciências cognitivas. Porém, não é por
eles que vou me enveredar; a reflexão aqui empreendida considera que, entre outras, a
chave para a compreensão é sócio-histórica.
Nessa perspectiva, iniciarei a reflexão resgatando alguns comentários do
pensador canadense Mcluhan (1972 e 1969) acerca das mudanças dos modos de pensar
em momentos decisivos da história social da cultura. Nos trabalhos aqui utilizados, o
autor elabora argumentações sobre a fase tipográfica da cultura alfabética, em A galáxia
de Gutenberg (1972); e os meios de comunicação como extensões do corpo físico e do
sistema nervoso humano, em Os meios de comunicação como extensão do homem
(1969).
McLuhan (1972 e 1969) em diversas passagens demonstra sua preocupação com
os efeitos da tecnologia tipográfica e dos meios de comunicação sobre os modos do
humano operar o pensamento. Nesse sentido, ao analisar as implicações do alfabeto
fonético sobre os que nele foram iniciados, ritual também chamado de alfabetização, o
134
pesquisador dos meios de comunicação destaca a substituição do uso de vários sentidos,
característica da tradição oral, por um único sentido: o da visão. Em outras palavras,
com a alfabetização fonética o sentido da visão se sobrepôs ao da audição. O homem
inserido na cultura oral ao apropriar-se de uma nova tecnologia, a da escrita, sofreu
mudanças em seu corpo mental, uma vez que a tecnologia é uma extensão de seu
próprio corpo, de suas faculdades mentais. Estas se ampliaram pelo câmbio da palavra
falada pela palavra escrita. Tal mudança causou o bloqueio de certos sentidos e o
acionamento de outros. Nos termos de McLuhan (1969), a palavra escrita deu ao
homem tribal um olho por um ouvido.
Ainda sobre as sociedades tribais, a alfabetização, conforme McLuhan (1969)
desfez os laços de união familiar, fazendo do homem tribal um indivíduo livre,
introspectivo e conhecedor do individualismo. Em resumo, elevou-o ao patamar de
civilizado. Dessa forma, ele estava pronto para ganhar o mundo, compartilhar dos
mesmos costumes e usufruir dos mesmos direitos dos demais homens considerados
civilizados. Em outros termos, a iniciação do homem tribal na tecnologia da escrita, do
alfabeto fonético, inaugurou um processo, intensificado pela tipografia, no qual o
homem ordinário, comum, tornou-se cidadão, isto é, capaz, por si mesmo, de ler uma
lei. No entanto, é importante lembrar, que a escrita tem existência anterior ao alfabeto
fonético, sobretudo no Oriente Antigo, no Egito, por exemplo, apesar de ser, à época,
restrita a poucos homens do governo e em outras localidades a membros da elite.
O fato é que o processo intensificado pelo impresso trouxe implicações sociais e
gerou novos modos de operar o pensamento. Conforme McLuhan (1969), na esfera
social, o impresso ou a “extensão tipográfica do homem” (McLuhan, 1969, p.197)
contribuiu para que se desenvolvessem o “nacionalismo, o industrialismo, os mercados
de massa, a alfabetização e a educação universais” (McLuhan, 1969, p.197).
O nacionalismo surgiu como fruto do impresso uma vez que este possibilitou a
unificação lingüística dos grupos populacionais à medida que certos idiomas
converteram-se em “meio de massa extensivo” (McLuhan, 1969, p.202).
Os mercados, assim como a educação sofreram alterações com o advento do
impresso. Em sua encarnação impressa, o livro foi “a primeira utilidade produzida em
massa” (McLuhan, 1969, p.199). Além disso, baseado no princípio da repetibilidade, o
livro foi considerado a primeira máquina de ensinar. O impresso “inspirou formas
totalmente novas de expansão das energias sociais” (McLuhan, 1969, p.197), bem como
135
inspirou novos modos de pensar. O homem ocidental aprendeu com o impresso a “agir
sem reagir” (McLuhan, 1969, p.198), isto é, a esfera do pensamento foi dissociada da
esfera do sentimento.
Outro aspecto relevante, citado por McLuhan (1969), diz respeito à pressão
exercida pelo impresso no tocante “à soletração, à sintaxe e à pronúncia “corretas”
(MCLUHAN, 1969, p.200). Interessante notar que essas premissas, apesar de originadas
em um tempo recuado, ainda permeiam o ensino da leitura em muitas escolas. Neste
ponto, para fundamentar as idéias em questão, vou ligá-las às de Arena (2004), uma vez
que neste artigo, o autor, discute problemas do ensino da leitura apoiado, entre outros,
em McLuhan (1969 e 19772). A partir desse referencial, Arena (2004) elabora um texto
interessante em que demonstra sua preocupação com a realidade social e com o
movimento incessante de mudanças desta mesma realidade e do ser humano, o qual é
vetor e ao mesmo tempo receptor dessas transformações.
No artigo em questão, Arena (2004), apoiado em Eco (2003) afirma existirem
duas Galáxias de Gutenberg: a primeira referente à era do impresso e a segunda à era da
eletrônica. Pautado nessa premissa, Arena (2004) considera que a interação entre as
crianças ou jovens e o material escrito é, apesar de toda evolução tecnológica, marcada
por traços da cultura oral e da razão fonética. Tal prática, a do leitor que se apóia no
fonético para compreender a escrita, não permite a entrada dos leitores na primeira
Galáxia, a do impresso, e impossibilita a compreensão da segunda, a da eletrônica.
Nessa perspectiva, Arena (2004) manifesta sua preocupação diante do fato de
muitos estudantes “aproximarem-se do texto impresso, do gráfico aparentemente linear,
com a conduta do homem oral, como um decifrador das potencialidades sonoras
aprisionadas pelas marcas gráficas” (ARENA, 2004, p.7569).
Desse modo,
O mergulho no mundo da razão gráfica, pelo papel ou pela tela, teima em
não ocorrer, porque há divergências conceituais sobre o ato de ler, sobre o
que se faz para ler e que transformações mentais ocorrem em quem pensa
graficamente, portanto, em quem pensa utilizando os olhos e não
prioritariamente os ouvidos (ARENA, 2004, p. 7569).
O descompasso entre a escola e a realidade social, ou melhor, entre a escola e o
fluxo incessante de mudanças sociais repercute, a meu ver, de duas maneiras: a
primeira, conforme apontada por Arena (2004), isto é, o impedimento das crianças de
entrarem na primeira galáxia de Gutenberg, na da razão gráfica do impresso, bem como
136
a geração de uma não-compreensão da segunda galáxia, da razão grafo-eletrônica; e a
segunda diz respeito aos alunos que por algum motivo conseguiram alçar vôos mais
altos e adentraram o universo da segunda galáxia. É importante dizer que essa última
repercussão foi pensada com base na realidade observada na ocasião da coleta de dados,
pois apesar de se tratar de uma escola localizada em região periférica da cidade, ela
possuía uma sala de informática muito bem organizada e boa parte dos alunos, mesmo
não possuindo em casa, sabia utilizar o computador.
Em razão desta situação, pensei que poderia ser importante saber quais ações os
alunos desenvolviam diante do computador. Por isso, foi a eles perguntado, por quais
razões utilizavam o computador e a Internet. Os resultados indicaram que o computador
é mais utilizado para digitação, seguida por atividades de jogo, apresentando-se entre os
dois uma diferença muito pequena. A Internet, por sua vez, é mais utilizada para
pesquisas escolares e para a busca de informações de natureza diversa. Os gráficos
abaixo, extraídos dos questionários, são indicadores de tais preferências:
Gráfico indicador das respostas à questão sobre os usos que os sujeitos fazem do
computador
137
Gráfico indicador das respostas à questão sobre os usos da Internet
Ao constatar que jogos era a segunda atividade mais praticada pelos sujeitos,
decidi observar alguns e analisá-los. Algumas ações por eles demandadas se
assemelhavam às mobilizadas para a leitura na tela on-line, tais como: a tomada de
decisões, o raciocínio rápido e a previsão de um trajeto. Diante disso, desenvolvi uma
pequena reflexão a esse respeito. Nela busquei identificar a existência de uma relação
entre a leitura no novo suporte e os games, afinal essas duas atividades são responsáveis
pela emergência de novos modos de operar o pensamento.
3.4.1 Ler na tela e jogar videogame: aproximações.
138
No caminho de contramão da maior parte das pesquisas existentes sobre os jogos
eletrônicos, as quais em sua maioria focalizam o conteúdo deles, enfatizando-lhes o
caráter violento, minha posição apóia-se em pesquisadores como Gee (2004), Johnson
(2005) e Greenfield (1988), os quais adotam uma perspectiva diferenciada em relação a
esta modalidade de entretenimento. Concebo a abordagem desses autores como
relevante, uma vez que o que eles fazem é demonstrar preocupação com o movimento
incessante de mudanças da realidade social, bem como tentar abordar a problemática de
um maior número de ângulos possíveis.
Os discursos bastante difundidos apontam para o efeito negativo dos jogos
eletrônicos sobre as crianças e jovens que os operam. Afirma-se enfaticamente que os
jogadores se tornam introspectivos, anti-sociais e violentos por passarem algumas horas
de seu dia com as mãos ocupadas pelos consoles e os olhos firmados na tela. Os efeitos
sobre o aprendizado também não são nada animadores, geram dificuldade de
concentração, perda de interesse pelos conteúdos escolares e o tempo destinado às
tarefas de casa é revertido aos jogos. Em resumo, os jogos entorpecem a mente e viciam
os jogadores, são responsáveis pela corrupção da cultura e pelo desinteresse dos alunos
pela escola.
Contudo não é essa a minha postura, por isso, deslocarei o foco do conteúdo dos
jogos para as implicações dos mesmos para a leitura na tela, bem como para a
constituição de um novo modo de pensar, uma vez que os games eletrônicos exigem um
pensamento mais complexo e um grande comprometimento intelectual.
A relação entre a leitura e os jogos eletrônicos, no discurso de pais, professores e
alguns pesquisadores é marcada por uma forte tensão. Existe um dilema que separa
estas duas atividades, a primeira tratada como uma atividade nobre, a segunda como
uma grande perda de tempo ou, entre os mais radicais, perniciosa. Quem é que nunca
ouviu algum dos sujeitos citados acima (pais, professores e pesquisadores) proferir a
139
seguinte frase: “Os jogos eletrônicos são uma grande perda de tempo seria muito
melhor passar esse tempo lendo um livro!”.
O problema é que na rivalização entre a leitura e os jogos eletrônicos, a primeira
parece estar sempre em desvantagem. Todavia, o que nem pais, nem professores e nem
alguns pesquisadores sabem é que no momento em que jogam os indivíduos
constantemente lêem. Contudo, não é este o ponto, sobre a leitura, que me interessa,
mas vale dizer que os bons jogos eletrônicos possuem narrativas complexas e que a todo
o momento informações escritas são lançadas na tela, informações que precisam ser
lidas, pois o desenvolvimento do jogo depende delas. Além disso, muitas vezes os
jogadores têm a necessidade de recorrer a materiais de apoio, isto é, revistas e websites
especializados.
Entretanto, estas leituras não são consideradas relevantes por pais, professores e
alguns pesquisadores, pois não se tratam de textos escolares. A leitura na escola possui
alguns talismãs, o principal é o livro de literatura. Desse modo, quando é solicitado a
um aluno do ensino fundamental a leitura de um clássico da literatura, como, por
exemplo, Os Lusíadas de Camões, creio que a preferência pelos jogos é quase unânime.
E é exatamente em razão dessa prática que a leitura se torna um adversário fraco para os
jogos eletrônicos na disputa pela atenção dos estudantes. Não é que o livro de literatura
deva ser abolido das leituras escolares, mas os títulos e a entrada de outros materiais
devem ser urgentemente considerados.
Todavia, ainda não é esse o ponto central desta pequena argumentação sobre os
jogos eletrônicos, o objetivo pretendido é o de demonstrar que ao jogar, modos
complexos de operar o pensamento são mobilizados para que se possa avançar no jogo.
Quero dizer que para compreender a narrativa do jogo, solucionar os desafios e
problemas que aparecem ao longo do percurso, é necessário aos seus participantes o
acionamento de estratégias de pensamento que, a meu ver, se aplicam em igual razão à
leitura na tela on-line.
Para demonstrar essa idéia, o ideal seria realizar uma pesquisa empírica, mas em
razão da economia do tempo não foi possível, por isso a discussão se reduzirá ao plano
teórico, fica aberto o caminho para futuras pesquisas. Desse modo, busco apoio,
primeiramente, em Gee (2004), pesquisador dos videogames e da sua relação com a
educação. Em sua obra, ele manifesta preocupação com a educação escolar e as
140
transformações sociais e tecnológicas que a cercam, focalizando, principalmente, os
jogos eletrônicos.
Não é pequeno o esforço desempenhado pelo autor na tentativa de demonstrar
que essa modalidade de entretenimento incorpora princípios de aprendizagem
importantes, uma vez que reflete as mudanças do mundo atual e a necessidade de
revisão do vigente estatuto de letramento e do ensino como um todo.
Alguns trechos do livro de Gee (2004) são dedicados à leitura. A concepção
subjacente acerca do tema é, em alguns pontos, semelhante à deste trabalho. Para o
estudioso dos jogos eletrônicos a leitura é um ato específico, dependente dos veículos
que apresentam os textos à leitura. Por isso, para as diferentes formas de textos o autor
defende diferentes maneiras de ler. Do mesmo modo, conforme Gee (2004), o
pensamento é um ato específico e as duas ações, de ler e de pensar, são eventos sociais,
os quais, em suas diferentes categorias, evidenciam os laços de pertença de cada sujeito
a determinados grupos. Portanto, essas ações não são independentes ou gratuitas; são
práticas que evidenciam formas de ser e estar no mundo.
Nessa perspectiva, o aluno ao adentrar os portões da escola, traz junto de si todas
as suas afiliações sociais, ou seja, suas maneiras de ler, de utilizar a linguagem, de
aprender e seus modos de pensar, que podem não ser os mesmos da escola. Nesse
sentido, o pesquisador dos videogames Gee (2004), acredita que o ensino escolar
conforme estruturado não atende às expectativas dos alunos; por outro lado, os jogos
eletrônicos, em razão dos princípios de aprendizagem neles incorporado, parecem
atender a elas.
Para Gee (2004) a alfabetização centrada unicamente na letra impressa é algo
unilateral, quando dela pulula a multiplicidade, a diversidade. Diante disso, o
pesquisador propõe uma reformulação do ensino, a qual deve ter início pela
compreensão da alfabetização como algo múltiplo, plural. Para o estudioso dos games, o
ato de ler e escrever devem ser compreendidos para além da letra impressa, por isso, ele
propõe um novo letramento não mais restrito à letra impressa, mas ampliado para
âmbitos semióticos, do qual a letra, assim como os games são partes integrantes. Isso
significa que a partir dessa perspectiva, o aluno passaria da condição de alfabetizado na
letra impressa para a de alfabetizado em âmbitos semióticos.
Desse modo,
141
[...] se pensarmos primeiro em termos de âmbitos semióticos e não em
termos de leitura e escrita, tal como tradicionalmente concebido, podemos
dizer que as pessoas estão (ou não) alfabetizadas (parcial ou plenamente)
em um âmbito se é capaz de reconhecer (o equivalente a ler) e/ou
produzir (o equivalente a escrever) significados neste mesmo âmbito
(GEE, 2004, p.23 – Minha tradução).
Portanto, só se está alfabetizado em um âmbito semiótico a partir do momento
em que se é capaz de reconhecer seus códigos e por neles, ou com eles, produzir
significado. Sobre o aprendizado dos âmbitos, Gee (2004) afirma que ao se aprender um
novo, três elementos entram em jogo: primeiro, o aprendizado de uma nova forma de
experimentar o mundo; segundo, a construção de novas afiliações sociais; terceiro e
último, a obtenção de ferramentas e repertório para as novas aprendizagens, bem como
para resolução de problemas futuros, tomada de decisões, no âmbito aprendido ou em
outros.
Partindo desse pressuposto, ao analisar as operações mentais, as estratégias
mobilizadas para jogar e para ler na tela on-line, conclui-se que elas são muito
semelhantes. Não que jogar seja o ponto fundamental para a leitura, mas de alguma
forma pode contribuir para as estratégias e operações mentais. Em um jogo, e quem já
jogou sabe disto, o indivíduo deve refletir sobre seu trajeto, fazer previsões sobre qual
caminho seguir, qual porta abrir, contra quem lutar, e etc. Deve tomar decisões, e, para
tal, lançar mão de conhecimento anterior, adquirido no próprio jogo ou em outros; em
caso de uma decisão equivocada, deve saber voltar atrás ou refazer o trajeto quando o
jogo permitir, em caso contrário, reiniciá-lo.
Na leitura na tela, na modalidade on-line, estas operações se repetem. Conforme
Johnson (2005), pesquisador da tecnologia informática, a maior parte das atividades
escolares e de entretenimento não nos convidam a tomar decisões. Ao ouvir música ou
assistir a um filme não somos levados a tomar decisões, porém, conforme o autor,
quando lemos ou jogamos videogame, a atividade nos leva todo o momento a tomar
decisões. Os games, assim como a leitura na tela nos ensinam a decidir. Para o
pesquisador da tecnologia (2005), o principal ganho intelectual advindo dos jogos
residem nesse aprendizado, pois, conforme o autor, “aprender como pensar, em última
análise, tem a ver com aprender a tomar a decisão certa: pensar a evidência, analisar
situações, consultar suas metas a longo prazo e, então, decidir” (JOHNSON, 2005,
p.34).
142
As palavras de Johnson evidenciam e, por que não dizer, confirmam a idéia
inicial, defendida neste trabalho, de que as estratégias mobilizadas para a leitura na tela
e para os jogos eletrônicos são muito semelhantes. Por trás dos olhos do leitor, bem
como do jogador, a atitude latente é a tomada de decisões. Ler, assim como jogar, é uma
questão de fazer escolhas, de pensar e não de vagar. E esta atitude ou estratégia, que na
realidade engloba um conjunto delas, é construída ao longo do tempo com a experiência
de jogar ou ler na tela. Além disso, os modos de operar em um âmbito podem ser os
mesmos ou semelhante ao de outro, e ainda, podem ser transferidos de um âmbito para
outro.
Para finalizar, é importante dizer que as atividades de jogar e de ler na tela se
assemelham uma vez que o jogador ou leitor devem “analisar um quadro vivo
complexo” (JOHNSON, 2005, 122) e “construir um modelo funcional dele em sua
cabeça” (JOHNSON, 2005, 122), ou seja, analisar a situação, refletir sobre o trajeto,
metas a buscar, analisar evidências e, por fim, tomar decisões. A gratificação do jogo,
assim como a da leitura na tela, da maneira com que foi orientada na coleta, advém da
resolução de problemas, do encontrar respostas a perguntas previamente feitas.
3.4.2 Como surgem novos modos de pensar?
Tentei demonstrar ao longo de toda a argumentação que novos modos de operar
o pensamento são oriundos do fluxo permanente de transformações sociais no qual
vivemos. Mas não nos damos conta desse fato e, menos ainda, que essas mudanças
constantes nada mais são do que a atividade humana em movimentação, se
transformando. A tecnologia integra esse movimento e não é algo externo que o
influencia, mas ela é uma expressão da sociedade em suas maneiras de ser e
transformar-se.
Os modos de pensar acompanham o ritmo das mudanças. A alfabetização fonética das
sociedades orais transformou não só o conteúdo do pensamento dos homens tribais, mas
143
o modo como pensavam. A invenção da prensa tipográfica, da mesma maneira, alterou
os padrões do pensamento medieval na aurora da modernidade. No crepúsculo do
século XXI, o computador e a Internet, como tecnologias já consolidadas, seguem por
um fluxo semelhante, transformando o modo como pensam aqueles que a criaram e os
que hoje são seus principais defensores: a juventude urbana. São eles os interessados em
novas formas de se comunicar e de se informar. O computador e a Internet mudaram os
padrões de pensamento daqueles que sabiam ler no impresso. A transcrição a seguir, de
uma discussão em grupo focal, parece demonstrar tal fato:
Ps.: A relação que estabelecemos no momento da leitura com o livro e com a
tela parece diferente. Comentem as diferenças no comportamento quando se
está diante de um livro e diante da tela. Será possível executar outras
atividades durante a leitura?
Rodolfo: Quando eu leio um livro tem que estar tudo quieto, sem nenhum
barulho, tem que estar quietinho para poder ler, se não...
Gustavo: Eu a mesma coisa, se não você ao consegue viajar junto com o
livro, junto com a história do livro.
Ps.: E na tela do computador?
Gustavo: Aí, sim.
Ps.: Você poderia dar um exemplo?
Gustavo: Ouvir música.
Ps.: E o que mais? Conversar no MSN, por exemplo?
Rodolfo: Você pode minimizar (a tela) e continuar lendo, a hora que alguém
ta chamando aparece aí você conversa e já volta.
Ps.: E por que será possível fazer isso na tela e no impresso não?
Gustavo: Tecnologia.
Ps.: Será que esse comportamento diferenciado, mais flexível, tem alguma
relação com o modo de pensar, com uma mudança no modo como pensamos?
Gustavo: Muda, muda sim.
Rodolfo: Você vai com outra intenção. A hora que você entra na Internet,
você fala: eu vou pesquisar sobre a história, mas enquanto isso eu vou
144
colocar na rádio (na rádio virtual, disponível em muitos portais verticais),
escuta, entra no MSN (programa de conversação), conversa, minimiza,
escreve o que tem que escrever (referindo-se a pesquisa, a busca) e depois
conversa ao mesmo tempo e escuta música. Acho que dá. Muda também.
As salas de aula podem estar lotadas, pode faltar infra-estrutura, os salários dos
professores podem ser insuficientes, mas, como diz Johnson (2005), fora da escola, os
alunos estão, a todo o momento, sendo desafiados por “novas formas de mídia e
tecnologia que cultivam aptidões sofisticadas de resolução de problemas” (JOHNSON,
2005, p.117).
Retomando Arena (2004), dentro desse contexto, que é o da nova galáxia de
Gutenberg, a escola deveria buscar compreender, em um primeiro nível, as demandas
do homem atual, imerso em uma cultura cercada pela automação tecnológica, para
assim, saltar para um segundo nível de compreensão, o da alteração do modo de pensar
deste homem, provocada pela mídia digital que fratura a primeira galáxia, a do
impresso, e o impele a deslocar-se para a nova, a do texto eletrônico.
Em última análise, o problema está em um fato, bem observado por Gee (2004),
segundo o qual, na escola, as pessoas são analisadas apartadas de suas ferramentas de
pensamento. “Velocidade, flexibilidade, multiplicidade e decisões rápidas transformam
o modo de pensar do homem” (ARENA, p.7569, 2004) no mundo atual. Entre seus
vetores encontram-se o computador, a Internet e os jogos eletrônicos. Essas tecnologias
transformam a maneira de operar frente o conhecimento e frente o conteúdo de sala de
aula.
A leitura na escola deve, da mesma forma que os novos suportes, transformar os
modos de pensar dos alunos, para isso não é preciso substituir o livro pelo computador,
mas trabalhá-los conjuntamente, prezando sempre pela moderação. O sucesso do ensino
da leitura na escola se dá à medida que transforma os modos dos alunos de ver a vida e
de nela operar.
145
Conclusão
Não é de hoje que se tornou lugar-comum afirmar a importância da informática e
da Internet, se tratando do ensino escolar ou não. Desde a década de 1980
pesquisadores, no Brasil, vêem se dedicando ao tema. Mas apesar do período
relativamente longo e da grande quantidade de livros que se amontoam nas estantes
sobre o assunto, parece que ele ainda é um mal entendido.
Sobre o jargão Novas Tecnologias de Informação e Comunicação ou
simplesmente Novas Tecnologias muito foi escrito e mais ainda dito. Mas ao
observarmos o que ocorre em algumas escolas públicas, a impressão que se tem é a de
que o assunto foi mais debatido do que compreendido. Cursos de Pedagogia no país
incorporaram as grades curriculares disciplinas específicas sobre o tema, como a
Informática Educacional, cursos de formação contínua também. Porém, as salas de
informática continuam sendo lugares obscuros para muitos professores. Locais que
despertam medo, pois muitos não sabem usar o equipamento, e gerador de conflitos, em
razão dos alunos levarem para as salas de aula textos gerados eletronicamente e
ferramentas mentais (modos de operar o pensamento) forjadas, entre outros motivos,
pela experiência ciberespacial, as quais entram em choque com as tradicionais
atividades de sala de aula.
Nesta pesquisa não proponho atividades ou modos de usar o computador na
escola. Tentei demonstrar, apesar de minha limitação e dificuldade em lidar com os
dados empíricos, que o computador e a Internet são novos suportes de textos de grande
relevância social, tanto do ponto de vista da linguagem, como do tecnológico. Em
outros termos, culturalmente e socialmente é preciso que as crianças e adolescentes
saibam reconhecer essas novas formas de textos ou gêneros discursivos e nelas produzir
sentido, bem como dominar o manejo do equipamento. São desafios que o mundo
contemporâneo impõe a todos.
146
Outro ponto importante que se deu ênfase ao longo deste trabalho foi o de que a
leitura é uma questão de necessidades motivadoras. Além disso, uma questão de levar
perguntas aos textos, de questioná-los, para assim se atribuir sentido ao escrito. Desse
modo, a leitura passa a possuir um guia, um piloto, ele é: a compreensão.
Tais estratégias foram levadas pelos sujeitos participantes da pesquisa para o
novo suporte, para a tela do computador. Foi testada uma atmosfera de leitura
diferenciada, a qual pareceu funcionar bem. Tanto no impresso, como na tela, é
importante que o leitor tenha sempre em mente objetivos claros que guiem sua leitura.
Em última análise, a experiência de viver em um momento como o atual, em
face às mudanças tecnológicas, é muito interessante e foi descrito e refletido por vários
estudiosos de diferentes áreas do conhecimento. Entre os vários pesquisadores, merece
destaque Sevcenko (2001). Historiador da cultura, em um pequeno livro, ele descreve a
experiência da mudança tecnológica no século XXI metaforicamente, comparando-a
com a sensação de quem enfrenta um loop de montanha russa. Segundo Sevcenko
(2001), o loop seria a terceira e última fase do frenético passeio de montanha russa. Ele
é o clímax da experiência e em termos históricos seria uma terceira fase de
acontecimentos/transformações tecnológicas, precedida pelo domínio dos recursos
naturais, no século XVI, passando pela Revolução Científico-Tecnológica, no século
XIX, até chegar à Revolução Microeletrônica.
Pegando carona no pensamento metafórico de Sevcenko (2001), creio que o
instante do loop reflete-se justamente na indefinição dos acontecimentos, na
incapacidade de previsão, pois as mudanças ocorrem muito rapidamente, a ponto de não
nos darmos conta do que é novo e do que não é. Passear de montanha russa é uma
escolha que se pode fazer, mas após nela embarcar o loop é inevitável, não é possível
resistir, daí surgem os discursos discordantes dos que vivem a adrenalina de tal
experiência. O mesmo parece ocorrer nas escolas em relação ao computador. Não existe
consenso sobre sua importância didática. Por isso, seu uso, em muitos casos, continua
limitado as pesquisas escolares e com restrições por parte de alguns professores.
Nesta pesquisa, se viu que a leitura na tela se dá por meio de um escaneio pelo
texto, ou seja, o leitor percorre o texto rapidamente, antecipando trechos e palavras, em
busca de suas metas de leitura. O sentido é construído pela união de fragmentos de
147
informação, coletados nos diferentes textos pelos quais ele navega em seu trajeto,
construindo em sua cabeça, ou mesmo escrito, um novo texto, por isso, a leitura
hipertextual ser aqui considerada uma experiência de co-autoria. O que nos levou a
convidar professores a refletir sobre o conceito de autoria quando estes permitem que os
alunos façam suas pesquisas na Internet, mas que entreguem o texto redigido à mão. Por
fim, tentei demonstrar que as mudanças tecnológicas criam novos modos de operar o
pensamento, os quais são levados pelos leitores à escola, mas esta por não considerar as
ferramentas mentais dos alunos, com eles entra em choque. O que evidencia um
distanciamento entre as atividades de sala de aula e o universo de experiência de vida
dos alunos.
148
Referências Bibliográficas
ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas, SP. Papirus, 1995.
ARENA, D. B. Considerações sobre o estatuto do leitor crítico. In: BARBOSA, R. L. L.
(org.). Formação de educadores: artes e técnicas – ciências e políticas. São Paulo: Ed.
Unesp, 2006, v.1, p.409 – 422.
ARENA, D. B. Nem hábito, nem gosto, nem prazer. In: MORTATTI, M. do R. L.
(org.). Atuação de professores: propostas para ação reflexiva no ensino fundamental.
Araraquara: JM Editora, 2003.
ARENA, D. B. Para aprender a ler na primeira galáxia de Gutenberg (ou para entrar na
segunda). In: XII ENDIPE, Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2004,
Curitiba - PR. Conhecimento Local e conhecimento universal. Curitiba, 2004. v. 1. p.
7567-7577..
ARENA, D. B. A leitura no início da escolaridade: ouvir ou ver. 1996. Universidade
Estadual Paulista – UNESP - Tese (Doutorado em Educação), Marília, 1996.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal; tradução Maria Ermantina Galvão G.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem; tradução Michel Lahud & Yara
Frateschi Viera. Editora Hucitec: São Paulo, 2004.
BARROS, D. L. de. Dialogismo, Polifonia e Enunciação. In: BARROS, D. L. de. &
FIORIN, J. L. (orgs.). Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: 1999.
BERNARDES, A. S. & FERNANDES, O. P. A pesquisa escolar em tempos de
Internet. In. FREITAS, M. T. de A. & COSTA, S. R. Leitura e escrita de adolescentes
na Internet e na escola (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
BONINI, N. A. G. Visão Túnel na leitura: comprometimento na construção de
significados. 2002. Universidade Estadual Paulista – UNESP - Dissertação (Mestrado
em Educação), Marília, 2002.
BRIGGS, A. & BURKE, P. Uma história social da mídia; tradução Maria Carmelita
Pádua Dias; revisão técnica Paulo Vaz. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.
CANFORA, L. A biblioteca desaparecida: Histórias da biblioteca de Alexandria;
tradução Federico Carotti. São Paulo: Cia. das letras, 1989.
CAVALLO, G. Entre volumen e codex: A leitura no mundo romano. In: CAVALLO G.
& CHARTIER, R (orgs). História da leitura no mundo ocidental; trad. Fulvia M. L.
Moretto (italiano); Guacira M. Machado (francês) e José Antonio de M. Soares
(inglês).-vol. 1-. São Paulo: Ática, 2002.
149
CAVALLO, G. & CHARTIER, R (orgs). História da leitura no mundo ocidental; trad.
Fulvia M. L. Moretto (italiano); Guacira M. Machado (francês) e José Antonio de M.
Soares (inglês).-vol. 1-. São Paulo: Ática, 2002.
CHARTIER, R. À beira da falésia: A historia entre certezas e inquietudes; tradução
Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
______, R. Um humanista entre dos mundos: Don Mckenzie. Prólogo. In: MCKENZIE,
D. F. Bibliografía y sociologia de los textos. Traducción Fernando Bouza. Akal
Ediciones: Madrid, 2005.
______, R. A Aventura do livro; trad. Reginaldo de Moraes. São Paulo: Editora
UNESP, 1999.
______, R. Cultura escrita, literatura e história. Conversas de Roger Chartier com
Carlos Aguirre Anaya, Jesús Anaya Rosique, Daniel Goldin e Antonio Saborit. Porto
Alegre: ARTMED Editora, 2001.
COSTA, S. R. Oralidade, escrita e novos gêneros hiper(textuais) na Internet. In.
FREITAS, M. T. de A. & COSTA, S. R. Leitura e escrita de adolescentes na Internet e
na escola (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
ECO, U. Muito além da Internet. In: Mais! Folha de S. Paulo, 14 de dezembro de 2003,
p.4-11.
EISEINSTEIN, E. L. A revolução da cultura impressa: os primórdios da Europa
moderna. Trad; Osvaldo Biato. São Paulo: Ática, 1998.
FEBVRE, L. & MARTIN, J-H. O aparecimento do livro; tradução Fulvia M. L.
Moretto e Guacira Marcondes Machado. São Paulo, Editora Unesp, Editora Hucitec,
1992.
FIORIN, J. L. Polifonia Textual e Discursiva. In: BARROS, D. L. de. & FIORIN, J. L.
(orgs.). Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo: 1999.
GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber
Livro Editora, 2005.
GEE, J. P. Lo que nos enseñan los videojuegos sobre el aprendizaje y el alfabetismo;
traducción J. M. Pomares. Ediciones Aljibe: Archidona (Málaga), 2004.
GOULEMONT, J-M. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER, R. (org.).
Práticas da leitura; tradução Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade,
2001.
GREENFIELD, P. M. O desenvolvimento do raciocínio na era da eletrônica: os efeitos
da TV, computadores e videogames; tradução Cecília Bonamine. São Paulo: Summus,
1988.
150
HAMESSE, J. O modelo escolástico da leitura. In: CAVALLO G. & CHARTIER, R
(orgs). História da leitura no mundo ocidental; trad. Fulvia M. L. Moretto (italiano);
Guacira M. Machado (francês) e José Antonio de M. Soares (inglês).-vol. 1-. São Paulo:
Ática, 2002.
JOHNSON, S. Surpreendente!: a televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes;
tradução Lucya Hellena Duarte. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
JOHNSON, S. Cultura de interface: como o computador transforma nossa maneira de
criar e comunicar; tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
editor, 2001.
JÚNIOR, H. F. A Idade média: nascimento do ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001.
KONDER, L. O que é dialética?. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Col. Primeiros Passos;
23).
LAPLATINE, F. Aprender antropologia; tradução Marie-Agnès Chauvel. São Paulo:
Brasiliense, 2005.
LARROSA, J. Os paradoxos da repetição e a diferença. Notas sobre o comentário de
texto a partir de Foucault, Bakhtin e Borges. In: ABREU, M (org.). Leitura, História e
História da leitura. Campinas-SP: Mercado de Letras: Associação de leitura do Brasil;
São Paulo: FAPESP, 1999.
LEGOFF, J. História e Memória; tradução Irene Ferreira; Bernardo Leitão & Suzana
Ferreira Borges. Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2003.
LÉVY, P. O que é o virtual?; tradução Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
MACHADO, A. Máquina e Imaginário – O desafio das poéticas tecnológicas. São
Paulo: EDUSP, 1996.
MACHADO, A. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
MANGUEL, A. Uma história da leitura; trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Cia. das
Letras, 1997.
MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem; tradução Décio
Pignatari. São Paulo: Editora Cultrix, 1969.
MCLUHAN, M. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico; tradução
Leônidas Gontijo de Carvalho & Anísio Teixeira. São Paulo: Editora Nacional, Editora
da USP, 1972.
MCKENZIE, D. F. Bibliografía y sociologia de los textos. Traducción Fernando
Bouza. Akal Ediciones: Madrid, 2005.
MORKES, J. & NIELSEN, J. Applying writing guidelines to web pages. 1998.
Disponível em http://www.useit.com/papers/webwriting/rewriting.html. Acesso em
10 de julho. 2007, 16:50:20.
151
NIELSEN, J. How users read on the web. 1997. Disponível em
http://www.useit.com/alertbox/9710a.html . Acesso em 10 de julho. 2007, 16:30:30.
NIELSEN, J. & PERNICE, K. Eyetracking research. (s./d.) Disponível em
http://www.useit.com/eyetracking. Acesso em 10 de julho. 2007, 19:20:00.
NIELSEN, J. F-Shaped Pattern For Reading Web Content. 2006. Disponível em
http://www.useit.com/alertbox/reading_pattern.html. Acesso em 10 de julho. 2007,
18:00:00.
PARKES, M. Ler, escrever, interpretar o texto: Práticas monásticas na Alta Idade
Média. In: CAVALLO G. & CHARTIER, R (orgs). História da leitura no mundo
ocidental; trad. Fulvia M. L. Moretto (italiano); Guacira M. Machado (francês) e José
Antonio de M. Soares (inglês).-vol. 1-. São Paulo: Ática, 2002.
SAENGER, P. A leitura nos séculos finais da Idade Média. In: CAVALLO G. &
CHARTIER, R (orgs). História da leitura no mundo ocidental; trad. Fulvia M. L.
Moretto (italiano); Guacira M. Machado (francês) e José Antonio de M. Soares
(inglês).-vol. 1-. São Paulo: Ática, 2002.
SANTAELLA, L. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São
Paulo: Paulus, 2004.
SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha russa. São Paulo:
Cia. das Letras, 2001.
SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do
aprender a ler; trad. Daise Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
SOUZA, J. M. de. Pequeña historia del libro. Gijón (Asturias): Ediciones Trea, 1999.
SVENBRO, J. A Grécia arcaica e clássica: A invenção da leitura silenciosa. In:
CAVALLO G. & CHARTIER, R (orgs). História da leitura no mundo ocidental; trad.
Fulvia M. L. Moretto (italiano); Guacira M. Machado (francês) e José Antonio de M.
Soares (inglês).-vol. 1-. São Paulo: Ática, 2002.
ZAGO, N. A entrevista e seu processo de construção: reflexões com base na experiência
prática. In: ZAGO, N.; CARVALHO, M. P. & VILELA, R. A. (orgs.). Itinerários de
pesquisa. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
152
ANEXOS
153
Anexo 1 – roteiros de entrevistas
Aberto:
1 - Você costuma ler jornais, revistas, livros, gibis, ou outros materiais impressos ou
virtuais no seu dia-a-dia? Se sim, quais?
2 – As pessoas que vivem com você em sua casa costumam ler jornais, revistas, livros,
ou outros materiais no dia-a-dia delas? Quais?
4 – Quando você possui uma pesquisa escolar para fazer a quais materiais/fontes você
recorre?
5 – E em que lugar você faz suas pesquisas? Por exemplo: em casa, na biblioteca, na
sala de informática?
6 – E onde você prefere realizar suas pesquisas escolares e suas leituras?
7 – Quando você está fazendo uma pesquisa escolar (lendo), qual a posição que você
acha mais confortável?
8 – E qual posição você acha que é a mais correta (para pesquisa escolar e para leitura
por outro motivo)?
154
Fechado:
1 – Você possui computador em sua casa?
( ) Sim
( ) Não
2 – Quantos computadores você possui?
( ) 1
( ) 2
( ) 3
( ) Mais do que 3.
3 – Em qual cômodo de sua casa fica o computador?
( ) Na sala
( ) No quarto em durmo
( ) No quarto dos pais
( ) No quarto de um irmão
( ) No escritório
( ) outro cômodo outros
155
4 – Você possui acesso a Internet no seu computador?
( ) Sim
( ) Não
5 – Em quais outros lugares você tem acesso e utiliza um computador e a Internet?
( ) Na casa de um parente
( ) Na casa de um amigo
( ) Em uma lan-house
( ) Na escola
( ) No curso de informática
( ) outros lugares
6 – Para que você costuma usar o computador?
( ) Para digitação
( ) Para ouvir música
( ) Para jogar
( ) outros Especifique:
156
7 - Para que você costuma usar a Internet?
( ) Para fazer pesquisas escolares
( ) Para se comunicar com amigos
( ) Para ler jornais
( ) Para buscar informações diversas
( ) Para fazer compras
8 – Quais são as suas principais fontes de informação por ordem de importância.
Coloque o número no primeiro, dois no segundo, pela importância:
( ) Revistas
( ) Jornais
( ) Rádio
( ) Televisão
( ) Internet
157
Anexo 2 – Transcrição das Entrevistas
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Luciano
Ps: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais costuma
recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
Luciano: Recorro mais pros livros. Por causa à Internet eu não gosto muito para fazer
pesquisa, eu gosto mais para diversão.
Ps: Mas existe algum motivo específico que faz com que você prefira fazer as pesquisas
nos livros e não em outros materiais, como a Internet?
Luciano: Não tem motivo não. (Não tem consciência de sua formação para ler no
impresso, no livro. Pesquisa escolar ainda é pra ser feita no livro. Se quiser fazer da
Internet tem que entregar manuscrito. Do que adianta copiar a mão. A
compreensão/apreensão do texto não ocorreu de qualquer maneira).
Ps: No dia-dia, você costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da Internet,
independente de ter uma pesquisa escolar para fazer?
Luciano: Mais ou menos. Eu leio gibi. Às vezes eu leio livro. A Internet é pouco porque
lá em casa não tem computador.
Ps: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
Luciano: Não, só eu. Tem minha irmã também. Ela lê livros também. Ela estuda aqui na
escola, está na quinta série.
158
Ps: E em qual lugar/onde você faz suas pesquisas escolares? Por exemplo: na biblioteca
da escola, na sua casa, na casa de um amigo.
Luciano: Quando é na Internet, o que é dificilmente é aqui na escola. Quando é livro,
também aqui na escola. Dificilmente eu levo livro para casa para fazer (a pesquisa).
Quando é em grupo eu faço com os colegas, junta na casa de um e vai fazer (em grupo
pesquisam mais na biblioteca).
Ps: Quando você vai ler um livro ou qualquer outro material em que lugar/onde você
prefere realizar essa leitura?
Luciano: Em casa.
Ps: Quando você está fazendo uma pesquisa escolar, qual é a posição do corpo que mai
te agrada?
Luciano: Sentado. Normal. Sentado é melhor para escrever. O livro e o caderno na
mesa. Eu pego o livro e as partes mais importantes eu ponho no caderno.
Ps: E quando você está lendo, independente de ser uma pesquisa escolar, qual a posição
(do corpo) que você prefere?
Luciano: Deitado.
Ps: E qual a posição que você acha ser a mais correta?
Luciano: Sentado fica melhor. Com as costas apoiadas.
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Fernando
Ps: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais costuma
recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
Fernando: Na maioria das vezes nós vamos à biblioteca. Se não achamos na biblioteca,
às vezes a professora passa o site, procuramos na Internet o conteúdo. Salvo num
disquete e depois imprimo.
159
Ps: Mas qual é o primeiro lugar que você vai?
Fernando: Biblioteca.
Ps: Você sabe me dizer por que o primeiro lugar é a biblioteca?
Fernando: Acho que é mais fácil achar o livro lá. Daí não tem que ficar mandando
imprimir papel do computador. Escrevo ali mesmo na biblioteca.
Ps: Mas o professor indica em que lugar vocês devem realizar a pesquisa?
Fernando: A maioria das vezes eles pedem para ir à Internet.
Ps: No seu dia-dia, você costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da Internet,
independente de ter uma pesquisa ou não para fazer
Fernando: Ler mesmo é só de vez em quando, livro né. Mas o que eu leio mesmo é da
Internet. Quando eu quero saber sobre alguma coisa é mais rápido, mais fácil.
Ps.: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
Fernando: Não, nada não. Que eu sei não.
Ps.: Qual é o lugar que você costuma fazer suas pesquisas escolares?
Fernando: Na biblioteca aqui da escola ou na biblioteca municipal. Em segundo lugar
em lan-house ou aqui na sala de informática (da escola).
Ps.: E quando você vai realizar uma leitura, não sendo para uma pesquisa escolar, qual o
lugar em que você costuma realizá-la?
Fernando: Na Internet.
Ps.: E por que a Internet? Para que você costuma usar o computador e a Internet?
Fernando: Entrar no e-mail, conversar com amigos de outras cidades... Quando eu quero
ficar sabendo de alguma coisa... Sites pessoais, de banda, CD’s.
160
Ps.: E onde você costuma usar a Internet para realizar suas leituras?
Fernando: Em lan-house. De vez em quando na casa de um colega e de vez em quando
aqui na escola, eles deixam.
Ps.: E você sabe usar bem o computador e a Internet?
Fernando: Muitas vezes não tem o que fazer né, porque baixa um vírus sem querer...
Fica confuso... Mas agente sempre dá um jeito. A primeira vez que eu mexi, eu não
sabia de nada. Eu não fiz aula de computação né, daí eu fui aprendendo aos poucos
mesmo. Agora, eu sei um pouco... Mais ou menos ainda... No meu caso dá pra quebrar
um galho.
Ps.: Quando você faz uma pesquisa escolar, você saberia me dizer como é a sua postura,
a posição do corpo?
Fernando: Fico sentado, lendo, anotando no caderno.
Ps.: E quando você está realizando suas leituras sem ser para uma pesquisa da escola?
Fernando: Sozinho, em algum lugar em casa.
Ps.: E qual a posição do corpo que você acredita ser a mais correta?
Fernando: Sentado.
Ps.: E na leitura na Internet?
Fernando: Sentado também.
161
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Ricardo
Ps.: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais
costuma recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
Ricardo: Eu primeiro procuro na biblioteca. Por exemplo, eu pego um livro e procuro
aquele assunto que a professora pediu se não tiver eu procuro na Internet... Sabe...
Geralmente eu pego mais na Internet... Pra saber aquilo que a professora pediu. Quando
não tem no livro eu vou à Internet.
Ps.: E você sabe dizer por que primeiro na biblioteca?
Ricardo: Porque assim... Eu vou citar um exemplo: quando você assistir um filme que
tem um livro daquele filme ele conta mais detalhes. Na Internet, por exemplo, está
escrito assim: um menino de 24 anos morre por assassinato. Daí depois você vai na
outra página que fala sobre isso, aí você entende quem foi, por que foi, onde e quando.
Então, se eu procuro sobre o folclore, com certeza na Internet tem, mas eu prefiro no
livro, porque dá para você ler, para você anotar [...] Eu não tenho computador, eu acho
mais fácil do que ficar indo em lan-house, aqui na escola. Eu acho mais fácil catar um
livro da biblioteca e em casa anotar.
Ps.: Mas você não tem resistência em pesquisar na net?
Ricardo: Não, não tenho não. É que eu prefiro o livro porque ele dá tudo, a
característica, o que seja; mais detalhes.
Ps.: No seu dia-dia, você costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da Internet,
independente de ter uma pesquisa ou não para fazer?
Ricardo: Eu leio mais gibi e livro de filme: Código da Vinci, Harry Potter, Senhor dos
Anéis. Leio livro de filme né e bastante gibi. Agora, poema eu não leio muito não.
Ps.: E na internet?
Ricardo: Leio notícia.
Ps.: Mas você prefere ler as notícias na internet?
162
Ricardo: Não, prefiro no jornal (impresso) mesmo. Eu faço natação, então eu pego o
jornal que tem lá para ver o que acontece... É como eu falo para você, eu não tenho
computador em casa, então eu acho mais fácil, acostumado.
Ps.: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
Ricardo: Meu pai fala que tem que ler, ler e ler. Mesmo que você já esteja na sétima
série. Porque você lê um livro, você aprende uma palavra nova, uma história nova. Meu
irmão que é pequeno,está aprendendo a ler agora, agente faz ele ler bastante para
exercitar. Os membros da minha família todos lêem sim.
Ps.: E em qual lugar você faz suas pesquisas?
Ricardo: Na Internet aqui da escola ou pego livro na biblioteca e levo para casa.
Ps.: Mas onde você prefere?
Ricardo: Em casa.
Ps.: E suas leituras, sem pensar nas pesquisas?
Ricardo: No meu quarto, com a porta fechada. Silêncio total.
Ps.: E na pesquisa escolar?
Ricardo: Sentado.
Ps.: E qual você acredita ser a mais correta?
Ricardo: Se for para a escola tem que ser sentado, prestando atenção. Para mim (sem ser
para a escola), daí tiro o tênis, deito.
163
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Cláudia
Ps.: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais
costuma recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
Cláudia: É o livro né. É mais fácil né.... Eu vou à biblioteca ali, eu procuro lá né; o
professor fala o livro que é para pegar, aí eu procuro e escrevo as coisas assim...
Ps.: Então quando o professor pede para fazer uma pesquisa o primeiro lugar ao qual
você vai é a biblioteca?
Cláudia: É a biblioteca. Lá é mais fácil, é perto, aqui na escola. Lá longe eu não vou
não.
Ps.: Lá longe, onde?
Cláudia: Na biblioteca municipal.
Ps.: E você saberia me dizer por que primeiro você vai à biblioteca e não a sala de
informática, por exemplo?
Cláudia: É porque eu não sei mexer muito sozinha (no computador). Eu sei mais ou
menos. Tem que ser com alguém.
Ps.: E a Cláudia no dia-dia, costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da
Internet, independente de ter uma pesquisa ou não para fazer?
Cláudia: Eu pego livro na biblioteca e levo para casa ou para fazer trabalho que precisa
do livro. Nós fazemos um negócio aqui com a professora, aí ela pede o livro e nós
lemos certinho para fazer teatro.
Ps.: Então você costuma pegar livros e levar para casa?
164
Cláudia: É ou outro colega. Ele lê e nós fazemos.
Ps.: Você pega livros (na biblioteca da escola) independente de ter uma pesquisa escolar
para fazer?
Cláudia: Pego.
Ps.: E o que te motiva, o que te incentiva a pegar o livro e levar para casa?
Cláudia: A história assim... Ler assim... Para entender.
Ps.: Quais tipos de livros você pega?
Claudia: Literatura. História assim... Literatura.
Ps.: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
Cláudia: Meu pai compra jornal e lê. Minha mãe não lê muito e minha avó não sabe ler
mesmo.
Ps.: E onde você costuma fazer suas pesquisas escolares?
Cláudia: Às vezes é aqui na escola, às vezes é em casa.
Ps.: E em que lugar da escola?
Cláudia: Na biblioteca.
Ps.: E suas leituras, sem pensar nas pesquisas escolares, onde você faz?
Cláudia: É em casa.
Ps.: E quando você está fazendo suas pesquisas escolares você saberia descrever qual é
a postura do seu corpo?
Cláudia: Eu sento, vejo o livro e vou copiando.
165
Ps.: E quando você está fazendo suas leituras, sem pensar nas pesquisas escolares, você
saberia descrever qual é a postura do seu corpo?
Cláudia: Sentada na cama.
Ps.: E qual a posição que você acredita ser a mais correta?
Cláudia: Sentada e com o livro na mesa.
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Carlos
Ps: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais costuma
recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
R.: Carlos: Bom, depende de cada pesquisa que a professora manda. Têm umas que não
é possível fazer em livros que tem na biblioteca da escola, então agente faz no
computador.
Ps: Mas o primeiro material (eu disse lugar) que você recorre são os livros então?
R.: Carlos: Eu vou nos livros né.
Ps: Mas tem uma explicação para isso? Você saberia dizer o por que dessa escolha?
R.: Carlos: Não, eu acho assim... é porque tem uns livros que são mais completos que a
Internet. A Internet eles resumem um pouco e no livro não, é mais destacado, é mais
explicado.
166
Ps: No livro é mais destacado, mais explicado. Mas acontece de você confiar mais nos
livros ou não? Tem isso ou não?
R.: Carlos: Na verdade eu confio mais na Internet. Eu não sei. É sempre bom consultar
os dois para ver a versão de cada um.
Ps.: Mas e se você encontra tudo nos livros, ainda assim, você vai na Internet?
R.: Carlos: Não sei... porque.... depende..... se tiver tudo completinho eu fico nos livros
mesmo. Mas na maioria das vezes eu vou à Internet também. Eu consulto os dois por
precaução.
Ps.: E o Emanuel no dia-dia, costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da
Internet, independente de ter uma pesquisa ou não para fazer?
R.: Carlos: Eu, assim, gosto muito de ler jornais. Gibis também. Livros eu não leio
muito. Da Internet também não, mas o que eu gosto mesmo é de ler jornais.
Ps: E você saberia me dizer quais e com que freqüência você lê esses materiais?
R.: Carlos: Não muito freqüente assim, mas de vez em quando.
Ps.: Da Internet você não costuma ler muito?
R.: Carlos: Na internet eu não leio, porque eu não tenho computador. O acesso que eu
tenho é aqui na escola.
Ps.: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
R.: Carlos: Meu pai que lê bastante jornais, mas minha mãe e minha irmã não se
interessam não.
Ps.: Ele lê em razão do trabalho dele ou porque ele se interessa mesmo?
R.: Carlos: Não, por causa do trabalho.
Ps.: Ele trabalha com algo que ele precisa ler jornais?
R.: Carlos: Não, ele trabalha num emprego, que ele é moto-taxista então ele Le um
jornalzinho até esperar uma corrida.
167
Ps.: Então é mais uma forma de passar o tempo.
Ps.: E quando você precisa fazer uma pesquisa escolar, em quais lugares você costuma
ir? Por exemplo: na casa de um amigo, na biblioteca?
R.: Carlos: Eu faço aqui na escola, na biblioteca e na sala de informática.
Ps.: Você acha que vai primeiro à biblioteca e não à Internet por quê? É alguém que te
instrui a fazer isso ou sozinho faz isso? Você sabe me dizer o motivo dessa decisão?
R.: Carlos: É que aqui na escola só pode entrar na sala de informática se primeiro
consultar na biblioteca. Se não tiver na biblioteca daí agente pode ter acesso ao
computador.
Ps: Isso é uma regra?
R.: Carlos: É uma regra. Tem que ver se tem nos livros e em último caso é a sala de
informática.
Ps: E sobre suas leituras, sem pensar nas pesquisas escolares, refiro-me a de um jornal,
de um gibi ou outro material, aonde você gosta de fazer? Em que lugar?
R.: Carlos: Eu leio muito no quintal de casa. É assim bem calmo. É o lugar em que me
concentro mais.
Ps: E qual a posição, do corpo, em que você costuma ler?
R.: Carlos: Eu sento em uma cadeira de praia e fico lendo meu jornal.
R.: Carlos: Eu não consigo ler livros se não tiver bastante concentração.
Ps: E no momento de fazer as pesquisas escolares qual é a posição do corpo em que
você fica?
R.: Carlos: Eu fico sentado e pesquisando numa mesa.
Ps: Com o livro aberto e fazendo anotações no caderno ou grifando o livro? Me conta
como você faz.
168
R.: Carlos: É com o livro aberto e fazendo anotações no caderno para depois passar a
limpo.
Ps: E quando você está fazendo a pesquisa na Internet, qual é a posição?
R.: Carlos: Eu fico sentado né, pesquisando.
Ps: Não dá pra ficar deitado ou em outra posição.
R.: Carlos: E cansa na verdade.
Ps: E qual a posição que você acha a mais correta:
R.: Carlos: Sentado né.
Ps: Pesquisador
Nome fictício do entrevistado: Lucia
Ps.: Quando você possuí uma pesquisa escolar para fazer a que tipo de materiais
costuma recorrer? Por exemplo: jornais, revistas, gibis, livros, Internet ou computador.
Lúcia: Quando a professora fala para fazer em revistas ou jornais agente pesquisa, mas
na maioria das vezes é no computador mesmo, na Internet.
Ps.: E você tem preferência pela Internet?
Lúcia: É mais fácil, é mais comunicativo né.
169
Ps.: Mas o primeiro lugar ao qual você recorre qual é?
Lúcia: É na biblioteca.
Ps.: Por que?
Lúcia: Ah, é por causa dos livros né. Tem mais coisas para fazer, para ler, para
pesquisar. Daí quando não tem agente vai na Internet.
Ps.: Mas você prefere a Internet?
Lúcia: Prefiro a Internet.
Ps.: Por você não existe necessidade ir na biblioteca, a Internet basta?
Lúcia: Iria também, para não falar que agente não gosta da biblioteca.
Ps.: Mas você gosta da biblioteca?
Lúcia: Mais ou menos.
Ps.: E a Lúcia no dia-dia, costuma ler revistas, gibis, jornais, livros ou textos da Internet,
independente de ter uma pesquisa ou não para fazer?
Lúcia: Prefiro ler bastante livro. De vez em quando eu venho à biblioteca para ler.
Ps.: E as pessoas que vivem com você na sua casa, elas costumam ler alguns dos
materiais citados do dia-dia delas?
Lúcia: Meu irmão. Ele lê bastante jornal. Meu pai também compra jornal.
Ps.: E onde você costuma fazer suas pesquisas escolares?
Lúcia: Tem vez que agente faz em casa ou na biblioteca.
Ps.: Mas qual é o lugar mais utilizado?
Lúcia: É em casa.
170
Ps.: E nas suas leituras, sem pensar nas pesquisas, qual é o lugar mais utilizado?
Lúcia: Na biblioteca. É um lugar mais calmo, não é barulhento.
Ps.: E quando você está fazendo suas pesquisas escolares você saberia descrever qual é
a postura do seu corpo?
Lúcia: Sentada, com a coluna reta, e com o livro em cima da mesa e procurando na
Internet o que significa aquilo do livro. Procuro ficar anotando para saber mais, para não
esquecer.
Ps.: E quando você está realizando suas leituras, sem ser para pesquisa escolar, qual é
postura?
Lúcia: Deitada no sofá.
171
Anexo 3 – Termos de adesão e compromisso
Declaração da Escola
D E C L A R A Ç Ã O
Eu,
RG. brasileiro, Funcionário Público Estadual, Diretor da Escola “Profª.
Cleophânia Galvão”, com endereço na Rua
............................................................................ nesta cidade de Assis, DECLARO que
o aluno Samir Mustapha Ghaziri, RG.8.047.179-3- SSP/PR, brasileiro, solteiro,
Estudante , Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação, residente à Rua
Capitão Francisco Rodrigues Garcia, nº 200- Centro – Assis SP, telefone (18)- 3321-
3406, email: [email protected], desenvolve nesta escola, pesquisa cujo objetivo mais
amplo é o de observar e analisar observar e analisar as posturas e atitudes resultantes
das interações com textos impressos e virtuais, buscando investigar as novas maneiras
de ler e pensar de alunos do ensino fundamental de rede pública, suscitadas pelo novo
suporte.
Por ser verdade, assino a presente declaração.
Assis, ........ de ....................... de 2006.
__________________________
Diretor
Autorização do Responsável
172
AUTORIZAÇÃO
Eu,...........................................................................RG..............................
Responsável pelo participante...................................................., autorizo-o a participar
da pesquisa intitulada Da leitura no impresso à leitura na tela: os impactos sócio-
históricos e tecnológicos na formação do leitor na escola, cujo objetivo mais amplo é o
de observar e analisar as posturas e atitudes resultantes das interações com textos
impressos e virtuais, buscando investigar as novas maneiras de ler e pensar de alunos do
ensino fundamental de rede pública, suscitadas pelo novo suporte, a ser realizada na
escola Profª. Cleophânia Galvão. A participação desta pesquisa é uma opção e no caso
de não aceitar participar ou desistir, em qualquer fase da pesquisa fica assegurado que
não haverá qualquer problema.
Certos de poder contar com sua autorização, colocamo-nos à disposição para
esclarecimentos, através do telefone -18-3321-3406, com Samir Mustapha Ghaziri
responsável pela pesquisa.
__________________________________
Responsável pelo Participante
_____________________________
Participante da Pesquisa
Assis, ____ de __________________ de 2006.
173
Anexo 4 – Transcrição do Grupo Focal
Ps: Pesquisador
Nomes dos participantes: Fernando, Cláudia, Luciano e Ricardo.
Ps.: A relação que estabelecemos no momento da leitura com o livro e com a tela parece
diferente. Comentem as diferenças no comportamento quando se está diante de um livro
e diante da tela. Será possível executar outras atividades durante a leitura?
Rodolfo: Quando eu leio um livro tem que estar tudo quieto, sem nenhum barulho, tem
que estar quietinho para poder ler, se não...
Gustavo: Eu a mesma coisa, se não você ao consegue viajar junto com o livro, junto
com a história do livro.
Ps.: E na tela do computador?
Gustavo: Aí, sim.
Ps.: Você poderia dar um exemplo?
Gustavo: Ouvir música.
Ps.: E o que mais? Conversar no MSN, por exemplo?
Rodolfo: Você pode minimizar (a tela) e continuar lendo, a hora que alguém ta
chamando aparece aí você conversa e já volta.
Ps.: E por que será possível fazer isso na tela e no impresso não?
Gustavo: Tecnologia.
174
Ps.: Será que esse comportamento diferenciado, mais flexível, tem alguma relação com
o modo de pensar, com uma mudança no modo como pensamos?
Gustavo: Muda, muda sim.
Rodolfo: Você vai com outra intenção. A hora que você entra na Internet, você fala eu
vou pesquisar sobre a história, mas enquanto isso eu vou colocar na rádio escuta, entra
no MSN (programa de conversação), conversa, minimiza, escreve o que tem que
escrever (referindo-se a pesquisa, a busca) e depois conversa ao mesmo tempo e escuta
música. Acho que dá. Muda também.
Ps.: E quando pesquisamos/lemos na tela/Internet será importante possuir um objetivo
claro em mente, algo que guie nosso trajeto?
Gustavo: É para não se perder. Para não ficar procurando coisa à toa, algo que não tem
nada a ver com o que você quer.
Rodolfo: Mas dependendo você não vai com uma intenção, você entra na página inicial
(de algum portal) vê o que te chama à atenção aí você pega e vê. Agora quando você
tem uma pesquisa, tem uma intenção aí você tem que ir com atenção, tem que pesquisar
aquilo lá.
175
Anexo 5 – Gráficos dos resultados dos questionários fechados
5 – Em quais outros lugares você tem acesso e utiliza um computador e a Internet?
176
6 – Para que você costuma usar o computador?
177
7 - Para que você costuma usar a Internet?
178
8 – Quais são as suas principais fontes de informação por ordem de importância.
Coloque o número no primeiro, dois no segundo, pela importância:
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo