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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
GLEIDE SACRAMENTO DA SILVA
EU E O OUTRO NO CENTRO: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NO ESPIRITISMO
ORIENTADORA
Profª. MIRIAM CRISTINA M. RABELO, Phd, Cs.
Salvador
2006
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GLEIDE SACRAMENTO DA SILVA
EU E O OUTRO NO CENTRO: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NO ESPIRITISMO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciências Sociais da
Universidade Federal da Bahia para a obtenção do
Grau de Mestre.
Salvador
2006
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GLEIDE SACRAMENTO DA SILVA
EU E O OUTRO NO CENTRO: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NO ESPIRITISMO
Aprovado em 28 de julho de 2006.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Miriam Cristina M. Rabelo, Phd. Cs – Orientadora
Universidade Federal da Bahia
Prof. Edson Silva Farias, D. Cs.
Universidade Federal da Bahia
Prof. Jorge Iriart, D. Antropologia
Universidade Federal da Bahia
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Silva, Gleide Sacramento da
S586 Eu e o outro no centro: uma reflexão acerca dos processos de
identificação no espiritismo / Gleide Sacramento da Silva. – Salvador,
2006.
237 f.
Orientadora: Profa. Dra. Miriam Cristina M. Rabelo.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2006.
1. Espiritismo. 2. Espiritismo – Estudo de caso. 3. Corpo e
Espírito. I. Título. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas.
CDD – 133.9
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À minha família, especialmente minha mãe.
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AGRADECIMENTOS
À fapesb, pelo financiamento ao longo de dois anos de estudo; aos professores, colegas e
funcionários co-presentes na minha jornada, tornando-a, ao mesmo tempo, mais agradável e
instigante; à minha orientadora, pela compreensão; à minha família, por sempre estar junto
a mim; a todos os participantes do centro espírita, especialmente àqueles que me ouviram e,
principalmente, falaram, sempre com muita boa vontade; A Isaurinha e Tito, membros da
COBEM e amigos novos, com os quais tive o mérito de conviver e ser contemplada com a
estima; A Aloísio Ribeiro, Noraldino Pitanga, Clarice e Aldenora Cristina, parentes e
amigos mais antigos pelos quais nutro especial carinho, e que de alguma forma, ou mesmo
de várias, tiveram uma importância capital para a realização deste trabalho. Sem vocês,
“novos e velhos”, a concretização desta etapa seria uma quimera, por isso, a todos, mesmo
àqueles que por qualquer descuido da minha parte não citei, os meus sinceros
agradecimentos.
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RESUMO
Constituindo-se no bojo temático Modernidade, Religião e Identidade o propósito que
norteou todo o trabalho dissertativo refere-se à compreensão dos processos e elementos que
entram em jogo para a construção de identificações no espiritismo e prováveis
reorientações existenciais. Com a finalidade de contemplar tal objetivo foi realizado
trabalho de campo durante dois anos e meio em um centro espírita de grande porte na
cidade de Salvador, entrevistas e aplicação de quinze questionários gravados com os
participantes da instituição. Os resultados da pesquisa estão refletidos na estruturação
dissertativa em quatro capítulos. Em dois deles procuro problematizar religião,
modernidade e possíveis relações entre ambos; a emergência da Razão e do Sujeito
Reflexivo; e a conformação cosmológica e histórica do espiritismo dialogando com outras
instâncias sociais modernas. No capítulo intermediário foi abordado a estrutura
organizativa e funcionamento do centro espírita levando em consideração seus rituais e
práticas; e por último, analisados os processos de identificação contribuidores de
redefinições de contextos e sujeitos em dimensões que abrangem reflexividade,
corporalidade e performance.
Palavras-Chave: Espiritismo, reflexividade, corpo, processos de identificação.
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ABSTRACT
Constituted of the thematic core of modernity, religion and identity, the purpose which
orients all of the dissertation project refers to the processes and elements which enter in
play for the construction of identifications in Spiritism and probable existential
reorientations. With the end of considering this objective, fieldwork was carried out during
two and a half years in a large Spiritist center in the city of Salvador, involving interviews
and the application of fifteen questionnaires recorded with the participants of the
institution. The results of the research are reflected in the dissertation’s organization in
four chapters. In two of them I attempt to problematize religion, modernity and possible
relations between both; the emergence of reason and the reflexive subject; and the
cosmological and historical conformation of Spiritism dialoging with other modern social
instances. In the intermediate chapter I examine the organizational structure and
functioning of the Spiritist center taking into consideration its rituals and practices; finally,
I analyze the processes of identification which contribute to redefinitions of contexts and
subjects in dimensions which include reflexivity, embodiment, and performance.
Key-Words: Spiritism, reflexivity, embodiment, processes of identification.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
DELIMITAÇÃO EMPÍRICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 15
CAPÍTULO I - RELIGIÃO E MODERNIDADE 20
CAPÍTULO II – ESPIRITISMO: HISTÓRICO E COSMOLOGIA 51
2.1. A Cosmologia Espírita 54
2.1.1. A caridade 66
2.1.2. O estudo 67
2.1.3. A mediunidade 69
2.2. O Espiritismo no Brasil 71
CAPÍTULO III – CONHECENDO A COBEM 86
3.1. DAS Departamento de Ação Social 99
3.2. DEPAT – Departamento de Administração e Patrimônio 100
3.3. DIJ – Departamento de Infância e Juventude 102
3.4. DED – Departamento Doutrinário 103
3.5. DAM – Departamento de Assuntos Mediúnicos 109
3.5.1. O Setor de Passes 110
3.5.2. Setor de Atendimentos Espirituais 112
3.5.3. Setor Mediúnico 121
CAPÍTULO IV - EU, OUTRO E CONTEXTO: INCURSÃO ACERCA DE
ALGUNS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO NA CASA DE ORAÇÃO 136
4.1. Construindo um perfil 139
4.2. Trajetórias e Processos de auto-identificação do Eu 149
4.3. Eu, corpo e contexto juntos na experiência de transformação 177
CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS 197
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 205
ANEXOS 214
- 10 -
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, desenvolvida junto à linha de estudos Saúde, Cultura e Sociedade
oferecida pelo Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas (FFCH)/UFBA, tem uma origem um tanto quanto longínqua.
Na época da seleção de Mestrado deste Programa o projeto então apresentado constituía-se
em um prolongamento do trabalho anterior desenvolvido na graduação, materializado em
sua forma acabada na Monografia de conclusão do Bacharelado. Esta, por sua vez,
adensada em um tema de fôlego como o do estudo da religião enquanto recurso terapêutico,
não só teve o seu ponto de partida como foi tecida mediante a minha participação durante
três anos enquanto bolsista de iniciação científica no Núcleo de Ciências Sociais e Saúde
(ECSAS) – situado nesta faculdade e também vinculado à linha de pesquisa deste Programa
acima referida.
Em termos cronológicos, a elaboração do projeto da dissertação sucedeu-se quase
imediatamente à defesa da Monografia, que teve por objetivo principal investigar o
processo terapêutico do espiritismo em um centro espírita situado num bairro popular de
Salvador. Tendo em vista o frescor dos dados, análises e debates realizados durante e no
término da então recente pesquisa, foi-me praticamente impossível não construir um projeto
que buscasse não só dar continuidade ao trabalho desenvolvido como também objetivasse
preencher lacunas e responder questões que, sem dúvida, ficaram abertas.
Assim, como todo processo de pesquisa sempre aponta para múltiplas
possibilidades, havia uma questão, dentre tantas outras sugeridas, presente de maneira
latente na Monografia, mas que me intrigava profundamente. Tal questão foi ganhando
corpo durante o Mestrado na medida em que ia cursando determinadas disciplinas
1
e
dialogando com alguns professores e colegas, promovendo, neste sentido, alterações no
projeto apresentado inicialmente ao programa, de tal sorte que ela passou a ser, hoje, o
cerne do meu esforço dissertativo.
1
As discussões travadas ao interior das disciplinas Teoria Social Contemporânea, ministrada pelo profª.
Edson Farias; Pesquisa Orientada (PO), ministrada pelos professores Pedro Agostinho e Maria Rosário de
Carvalho, bem como Estudos sobre Contemporaneidade, conduzida pelo profº. Milton Moura foram
fundamentais para a redefinição do problema.
- 11 -
Ao reconstruir, na pesquisa monográfica, a trajetória de espíritas em relação às suas
doenças e formas de tratá-las ficou patente nas narrativas dos participantes daquele espaço
(pacientes, médiuns, doutrinadores e líderes) que para o sucesso da terapêutica proposta não
era suficiente uma simples atenção voltada unicamente à doença, mas fundamental um
olhar centrado no doente, havendo, neste sentido, nos discursos e práticas espíritas um
apelo constante a uma redefinição existencial; uma mudança do agir, pensar e ser.
Obviamente, concepção como esta envolve muito mais que uma ação setorializada ou
estritamente voltada para algo específico, tais como manifestações patológicas. Tal
compreensão religiosa imperiosamente punha constantemente em jogo todos os aspectos do
seu arcabouço cosmológico tecendo continuamente uma estrutura simbólica e,
conseqüentemente, práticas postas em diálogo com os crentes e prováveis adeptos, ou, dito
de outra maneira, com tudo o quanto os crentes e prováveis adeptos eram ou acreditavam
ser: suas representações, histórias, pertenças, biografias, etc.
Algo assim tão evidente e, ao mesmo tempo – estranha ironia -, difuso e pouco
explicito naquele trabalho - na medida em que fazia parte da discussão central, embora não
se constituísse ele mesmo enquanto tal – deixou de ser aprofundado, tornando-se uma
inquietação crescente. Refiro-me a uma abordagem acerca das elaborações identitárias, ou,
de outra forma, dos processos de identificação ao interior do contexto espírita. Longe de
caracterizar-se enquanto uma ruptura com a proposta do projeto anterior, a questão que, em
sua problemática, firmou-se de maneira mais contundente, passou a sugerir um
redirecionamento e também um alargamento da discussão anteriormente proposta.
Construído na tessitura deste novo objeto temático: espiritismo e identidade, o meu
objetivo geral passou, então, a ser a compreensão dos processos e elementos que entram em
jogo para a construção de identificações no espiritismo, notando-se que esta proposta
poderia tornar-se ambígua se – o que não é o caso – procurasse abarcar várias frentes de um
mesmo problema. Uma delas, sem dúvida interessante, mas que não se constitui móvel do
nosso trabalho, refere-se à construção identitária da religião enquanto grupo congregador de
determinadas idéias e posturas que procura firmar-se nas fronteiras de embates com outros
grupos ou segmentos igualmente arregimentadores de determinados significados e práticas.
Este movimento pode ser observado com muita nitidez durante o processo histórico
de formação e estabelecimento do espiritismo no Brasil a partir de meados do século XIX,
- 12 -
período no qual os espíritas forjaram sua identidade mediante o enfrentamento e/ou diálogo
com vários setores da sociedade, como por exemplo, a Igreja Católica, o saber biomédico, o
Direito, as camadas populares, a Umbanda e as classes médias (Camurça, 1997; Damázio,
1994; Giumbelli, 1997; Santos, 1997). Mas pode ser flagrado também em tempos mais
atuais – mesmo porque uma construção identitária nunca cessa a sua (re)elaboração –
quando voltamos o nosso olhar para o comportamento de espíritas em relação àquilo que se
lhe apresenta como seu exterior, àquele “outro de fora”. Fato possível de ser percebido,
como o faz Stoll (2004), através da reconstrução de narrativas biográficas de duas figuras
emblemáticas do espiritismo brasileiro, Chico Xavier e Antonio Gasparetto, cujas histórias
marcadas, cada um a seu modo, por um dialogo com o universo católico, contribuíram para
a inscrição de vertentes diversas no seio espírita; ou ainda – polêmica instituída mais
recentemente – com os livros psicografados pelo médium mineiro Robson Pinheiro, a
exemplo de Tambores de Angola (2003) e Aruanda (2004), que além de abordarem
veementemente a Umbanda fornecendo-lhe um teor positivo
2
criticam o sectarismo do
espiritismo propondo um encurtamento das distâncias, assim como um diálogo mais perene
e fértil com aquela religião. Desnecessário dizer que isto tem causado um rebuliço nos
meios espíritas tendo em vista que propõe implicitamente, ou talvez até mesmo
explicitamente, uma redefinição de alguns elementos da identidade espírita, já que sugere
uma revisão de postura frente a Umbanda. Algo nada fácil e tranqüilo de se realizar, pois
que um dos elementos discursivos historicamente constituidores dessa identidade espírita
era a demarcação de fronteiras com a Umbanda, buscando incansavelmente sua afirmação
mediante a negação de qualquer similaridade com esta última. Sem dúvida, a construção do
eu num jogo de afirmação e negação com a alteridade (Rubem, 1988; Silva, 2003; Hall,
2003). Neste sentido, a proposta do médium mineiro parece traduzir-se senão em uma
reelaborção identitária por completo, ao menos em uma abertura “oficial” de diálogo com
outras religiões
3
e uma renegociação de fronteiras. Estratégia inteligente de afirmação?
Provavelmente. Conflituosa ao interior da própria religião, na medida em que esta sustenta
– aliás, como praticamente toda religião no Brasil – um discurso da pureza baseado no
2
Apesar de Pinheiro trazer para a discussão o tema de outras religiões – as Igrejas Evangélicas são também
tematizadas através do livro O Transe – em se tratando especificamente de Aruanda e Tambores de Angola, o
escritor, me parece, não deixa de submeter a umbanda a uma lógica e certa hierarquia espírita.
3
Pois não há como negar que este diálogo já ocorre sob vários aspectos no cotidiano dos adeptos.
- 13 -
revisitar das origens e fundamentos espíritas? Sem dúvida. Mais uma faceta do nosso já tão
complexo, dinâmico e “mixado” campo religioso brasileiro? Incontestavelmente.
Contudo, como mencionei acima, o enfoque sobre a dinâmica de constituição dos
grupos espíritas em suas relações dialógicas, políticas e conflituosas com outros estratos
sociais religiosos ou não religiosos é uma abordagem que, embora interessante, por ora,
neste trabalho, não será o foco, não obstante, em alguns momentos seja referenciado, pois
como não poderia deixar de ser - implícita e até explicitamente perpassa as relações e
discursos dos participantes ao interior do contexto religioso. Nesse sentido, a perspectiva
que me interessa mais de perto no momento, igualmente instigante e não menos complexa,
diz respeito às redefinições existenciais que provavelmente ocorrem com os adeptos e com
a própria religião quando as duas partes interagem, pondo em diálogo sempre contínuo,
numa acepção goffmaniana, a identidade social religiosa com as identidades pessoais e do
“eu” (1988). Como argumenta Weber (1982), a religião sofre modificações em suas
práticas na medida em que ao atender os interesses dos fiéis ela não apenas contribui para a
conformação de um certo ethos como também encontra-se sujeita a reelaborações no
processo de angariar e manter um corpo estável de membros. Com efeito, é possível
observar nos centros espíritas formas particularizadas de interpretar e viver a doutrina em
que os aspectos cosmológicos adquirem relevância de forma diferenciada, conformando
assim ethos espíritas bastante específicos. Sob esta perspectiva, trata-se de uma interação
dialógica, de um ir e vir, onde são constantemente acionados, redefinidos e reorientados,
tanto por parte da religião quanto da perspectiva dos fiéis, símbolos, percepções e emoções.
Em se tratando mais detidamente dos membros, nestas novas reelaborações e
redirecionamentos processuais imbrica-se um feixe complexo de significações e traços
identitários de diversos níveis e tradutores de várias pertenças. Característica da
Modernidade, onde mecanismos de auto-identidade são formados e formadores das
instituições modernas, o “eu”, segundo Giddens (2002), é elaborado reflexivamente em
meio a uma multiplicidade de opções e possibilidades. Sem desconsiderar o acesso
diferenciado ao poder e ao consumo, assim como as desigualdades e diferenças
fundamentais presentes no mundo capitalista, compondo as referencias identitárias dos
sujeitos, à exemplo da etnicidade, gênero e classe, Giddens argumenta que a elaboração
identitária torna-se um empreendimento organizado reflexivamente no qual narrativas são
- 14 -
construídas e continuamente revisadas proporcionando a seleção e agregação a “estilos de
vida” os mais distintos. Contudo, em meio a tantas escolhas e “mecanismos de desencaixe”
possibilita também aquilo ao que ele denominou de “insegurança ontológica do eu”
afetando o “casulo protetor” constituído, sobretudo, na infância.
Em uma cultura moderna de altos “riscos” tornam-se primordiais a seleção e o
relacionamento com instituições que possam promover segurança ao eu abalado. A religião,
assim, pode ser uma dessas instituições. Todavia, é importante ressaltar que em se tratando
de tematizar o contexto brasileiro e seu universo religioso, a leitura que o sociólogo faz da
Modernidade racionalizante e racionalizadora em suas relações e conseqüências para o eu
igualmente racionalizador e plenamente consciente em todos os instantes da vida não pode
ser simplesmente transposta para a nossa realidade por ser esta não apenas marcada por
tradições muito diversas, como também levar em consideração que este eu reflexivo não o é
em todos os momentos e dimensões da vida.
Entretanto, Giddens tem razão ao pontuar outros aspectos que têm peso na dinâmica
das redefinições das identidades. Um deles, sem dúvida, constitue-se nos hábitos de classe
aos quais os freqüentadores, no caso aqui especificamente tratado, dos centros espíritas,
estão atrelados, contribuindo para a diferenciação dos diversos contextos desta religião,
tendo em vista as camadas sociais neles envolvidas. Trata-se, por conseguinte, de perceber
a pertença de classe não pela ótica estreita do meramente econômico, mas de ter em conta a
existência de uma produção simbólica na qual perpassam valores, estilos e percepções
fornecendo indicações dos contornos entre os grupos sociais específicos.
Não obstante a dimensão “reflexiva” priorizada por Giddens ser de importância
capital para este trabalho, não podemos deixar de levar em consideração que ela é também
insuficiente para abarcar os processos de identificação desenrolados entre sujeito e contexto
ao interior dos centros espíritas, nos quais entram em jogo tanto outros aspectos
pertencentes às biografias dos sujeitos quanto elementos da cosmologia religiosa. Dessa
forma, outros ângulos, como o ritual e o corpo, são trazidos à discussão, pois também eles
fazem parte de maneira ativa e não menos importante da dinâmica de tais processos. Uma
certa literatura sobre ritual e o conceito bourdiesiano de habitus tornam-se, assim,
fundamentais, para a abordagem do problema.
- 15 -
Com o intento de alcançar o objetivo principal levando em consideração os aspectos
acima mencionados e, consequentemente, apreender da melhor maneira possível as
dimensões da pesquisa, foi estruturado um plano de trabalho orientado por objetivos
específicos, através dos quais busquei refletir a concepção mais geral da dissertação e
operacionalizar as etapas do trabalho. Os objetivos transparecem, assim, ao longo da
estrutura dissertativa, contemplados em capítulos específicos. São eles:
i) problematização da religião no contexto da modernidade, momento a partir
do qual insurgi-se um demanda teórica e empírica por uma discussão do
sujeito e toda a problemática que o envolve;
ii) reconstituição do histórico, da cosmologia espírita e de suas principais
categorias, percebendo nesta discussão como se deu e em que se constitui
uma identidade espírita forjada no bojo do mundo moderno;
iii) Análise da composição dos meios e elementos constantes na dinâmica dos
processos de identificação e de reelaboração identitária ao interior dos quais
interagem estrutura religiosa, biografias, narrativas e experiências no espaço
do centro espírita.
DELIMITAÇÃO EMPÍRICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foi realizado um levantamento exploratório dos centros espíritas da cidade e uma
seleção prévia - mediante alguns critérios como porte, estrutura e tempo de fundação -
daqueles onde possivelmente a pesquisa poderia ser realizada por se adequarem aos
critérios estabelecidos. Após tentativas frustradas em alguns centros tive acesso através de
colegas de faculdade a uma casa espírita de grande porte localizada no bairro de Brotas da
cidade de Salvador e freqüentada majoritariamente por uma classe média. Fundada há mais
de 30 anos, isto lhe confere um caráter de instituição solidamente estabelecida e um corpo
de fiéis fortemente agregado à instituição. Com uma estrutura física considerável, instalado
em um prédio de cinco andares no qual também funciona uma creche que presta serviço à
comunidade carente do bairro, o centro abriga um grande número de pessoas (espíritas,
colaboradores e simples freqüentadores) que por ali transitam diariamente. São pessoas que
- 16 -
vão buscar os serviços da religião ou estão engajadas em algumas das muitas atividades
oferecidas pelo centro nos mais variados horários durante toda a semana.
Assim, com a finalidade de atingir ao que foi inicialmente estabelecido no projeto
fui para campo imbuída do sincero desejo de observar o dia-a-dia da Casa de Oração,
como é chamada, e quiçá a vida cotidiana dos participantes. Algo que mostrou-se, a priori,
não muito fácil de ser atingido, pois, as pessoas embora extremamente amáveis e
atenciosas são também muito reservadas, e ao que pude constatar durante a minha
permanência no centro, não é muito comum as relações de amizade extrapolarem o âmbito
da instituição. Este hábito, sem dúvida, nos primeiros meses se constituiu num obstáculo
para alguém ainda estranha como eu, que tinha a ousada pretensão de gozar da intimidade
daqueles que mal conhecia, ávida por ouvir histórias tão delicadas quanto as que envolvem
momentos críticos, crises existenciais e convivência com familiares e amigos. No entanto,
com o tempo este óbice foi parcialmente removido graças a atenção e solicitude que os
participantes daquela casa sempre demonstraram para comigo. Além disso, a medida que o
tempo passava fui me familiarizando, ficando mais próxima daquele universo absorvente.
Tornei-me freqüentadora assídua de todas as atividades a que tive acesso, inclusive das
reuniões em que ocorre o transe. Fato que além de me suscitar felizes momentos de
aprendizado, proporcionou-me a compilação de um farto material de campo.
Neste sentido, para tentar abarcar toda a dimensão da pesquisa, bem como
contemplar o meu objetivo principal o trabalho empírico ocorreu da seguinte forma:
a) Através de um processo de observação durante mais ou menos dois anos e meio –
de junho de 2003 à janeiro de 2006 -, que compreendeu idas sistemáticas ao centro,
participação em todas as atividades nas quais foi permitido o acesso e aproximação dos
sujeitos atuantes nestes contextos: lideranças, doutrinadores, médiuns, etc. Foram coletados
dados gerais sobre os grupos, suas histórias e organização interna tendo como suporte todas
as fontes secundárias possíveis de serem coligidas, como jornais, atas, registros e
documentos históricos da instituição, além das entrevistas feitas e conversas mantidas com
os membros. Características e performance das atividades foram descritas e mapeadas. Para
tanto, foram registrados em relatórios de campo aspectos físicos e estruturais da instituição,
organização e desenvolvimento das reuniões e rituais, procedimentos rotineiros e/ou
acontecimentos inusitados. Atenção procurou ser dispensada também a aspectos
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comportamentais e de relacionamento dos agentes inseridos nestes espaços, bem como a
comentários e impressões externalizados pelos sujeitos. Assim, busquei centrar a atenção
em aspectos observáveis da experiência religiosa a partir dos diferentes grupos e categorias
de pessoas envolvidas no universo estudado, levando em consideração tempo de inserção
no contexto religioso, funções desempenhadas, cargos e papéis assumidos.
b) A pesquisa incidiu sobre o conjunto de indivíduos freqüentadores há mais de
cinco (05) anos, assíduos e participativos no centro. Esta seleção se fez necessária para
possibilitar o trabalho com grupos delimitados de membros efetivamente envolvidos com a
cosmologia religiosa e que se auto definem espíritas. Neste sentido, as conversas informais
e algumas entrevistas gravadas se configuraram em um contato preliminar e antecipação à
aplicação dos questionários. Elas foram feitas fundamentalmente com algumas lideranças.
c) A aplicação de um questionário sensível ao contexto cultural estudado a quinze
membros da instituição, entre eles doutrinadores, médiuns e trabalhadores de maneira geral.
A aplicação do questionário foi acompanhada de gravação, fato que permitiu a obtenção de
um entrevista ampliada. O instrumento foi estruturado de maneira a destinar-se a uma
abordagem da trajetória religiosa, do nível de envolvimento com o atual grupo religioso em
que está inserido e das relações que mantém com os outros participantes. Também busquei
caracterizar a experiência religiosa propriamente dita, os modos de vivência nos rituais,
bem como as percepções que os entrevistados têm deles mesmos e de suas possíveis
redefinições existenciais.
Face essa coleta de informações, procurei analisar os dados por meio de duas
entradas: quantitativa e qualitativa. Foram criados tanto quadros, tabelas e categorias
visando a apreensão de conjunto do universo da pesquisa, construção do perfil do grupo,
assim como possíveis ilações e relações estruturais e conjunturais mais amplas, quanto
analisadas as narrativas dos respondentes, buscando captar as dinâmicas dialógicas
envolvendo “eu, outro e contexto”.
A pesquisa foi, assim, adensada em uma elaboração dissertativa manifesta em
quatro capítulos. O primeiro deles, Modernidade e Religião, destinou-se a uma abordagem
do contexto da modernidade situando, segundo autores que discutem o tema, as principais
configurações que a informam – dentre elas, a temática do Sujeito Moderno -, assim como
problemáticas e perspectivas da religião localizadas no espaço-tempo moderno. Isto
- 18 -
mostrou-se necessário, primeiro, para construirmos um quadro panorâmico deste amplo
tema que é a religião na modernidade; segundo, por aparecer enquanto um suporte
necessário ao núcleo central da dissertação, cuja análise refere-se aos processos
identificadores no espiritismo. Um esforço analítico que necessariamente remete às
características e dinâmica do mundo moderno, a emergência “teórica e empírica” do Sujeito
e da identidade neste universo, assim como escolhas, dramas e processos
(des)identificadores vivenciados por ele nas configurações destes espaços.
No segundo capítulo busquei caracterizar a cosmologia espírita e reconstruir, ainda
que brevemente, o seu histórico não só no país de origem, mas também, e principalmente,
no Brasil. Tal esforço se fez necessário por entender que a apreensão do que ocorre (e como
ocorre) entre sujeito-contexto envolvendo diálogo, reelaborações e transformações não
poderia ser bem sucedia sem a compreensão impreterível da estrutura e “visão de mundo”
religiosa abrangendo suas concepções e práticas mais gerais. Por sua vez, estas últimas
também não poderiam ser açambarcadas desvinculadas das principais tendências gestadas
ao longo do período em que o espiritismo foi introduzido e se firmou no país. Estas
tendências que o espiritismo brasileiro desenvolveu são imprescindíveis não só para se
compreender as várias formas pelas quais elas podem comparecer atualmente nos centros
espíritas, mas como são construídas novas possibilidades de remodelagens mediante a
interpenetração sempre contínua e atuante entre símbolos e signos “novos e velhos”,
contextos e sujeitos transformadores de si mesmos e do entorno, corroborando para a
construção de identidade ou identidades específicas.
A pesquisa empírica está retratada nos dois capítulos subseqüentes. Eles são o
resultado do meu trabalho de campo desenvolvido durante dois anos e meio na Casa de
Oração Bezerra de Menezes. A, então, estrutura, caracterização e funcionamento do centro
espírita estão refletidos no terceiro capítulo, onde procuro fazer um mapeamento das
principais atividades e rituais da instituição. Cotidiano que quase sempre leva os
participantes a uma reorientação de expectativas, visão de mundo e relações de alteridade,
com uma conseqüente pretensão de mudança de comportamento. Dessa forma, utilizo boa
parte de um farto material de campo, cujos relatórios registrei observações e inferências.
Além disso, contei também com um material de apoio, fontes secundárias, para a confecção
deste capítulo, à exemplo de jornais de grande circulação e documentos e pesquisas
- 19 -
encontrados na Secretaria de planejamento da Prefeitura de Salvador. Ajudou-me ainda a
compor uma certa “Identidade Social” do centro alguns relatórios de exercício findo e
documentos (estatuto e regimentos) que juntamente com os relatórios de campo se
conformaram em uma forte ferramenta na descrição da estrutura organizativa da COBEM e
no desenvolvimento de suas atividades.
O quarto e último momento da pesquisa constitui-se na análise de dados
propriamente dita. Procurando combinar informações de cunho quantitativo e qualitativo
busquei através de entrevistas e quinze questionários aplicados - material este trabalhado
por meio da criação de categorias e da análise das narrativas – abordar e esmiuçar aspectos
relacionados à adesão e trajetória religiosa, envolvimento com a religião e o centro, às
experiências vividas nos rituais envolvendo síntese e expressões corporais e às percepções e
compreensões construídas pelos participantes acerca de si e dos outros antes e depois da
religião, tentando demonstrar se tais processos dialógicos contribuem e em que medida
contribuem para as identificações e redefinições existenciais.
Mediante esta apresentação acredito ter conseguido dar mostras de um esboço geral
do meu trabalho, esperando não só ter atingido os objetivos propostos como recompensar o
leitor, que ao mergulhar no horizonte de significados e práticas que busquei reconstruir da
melhor maneira possível sinta-se, assim como eu, envolvido pelas histórias e dramas
contados pelos próprios autores, mas partícipes da vida de todos nós. Obviamente, e como
poderia não ser, que o recontar dessas histórias conta com a minha participação. O que
longe de ser um problema, configura-se em mais uma possibilidade daquilo que é “ser com
outros”.
- 20 -
I
Religião e Modernidade
O que é Modernidade?
Uma indagação ao mesmo tempo ampla e profunda, frente a qual ensaiando um giro
de 360 graus percebe-se a extensionalidade de suas dimensões, insinuando o vislumbre de
outras tantas interrogações pelas quais se pode iniciar a construção deste complexo
fenômeno. Algumas delas podem tratar de suas características, origens e implicações, ou
em outros termos, inquirir acerca do que e como se define a modernidade. Sob qual prisma
defini-la? E ainda, hoje se vive na modernidade ou ela já está superada em favor de uma
pós-modernidade? E os problemas – não me refiro nem aos do plano cotidiano, mas aos da
dimensão teórico-filosófica que foram instaurados com a narrativa da modernidade –
foram superados ou não? Que diagnósticos são feitos para a atualidade? Quais os caminhos
apontados? Ou não há caminho algum para indicar? Para onde estamos indo... baseados em
que... com quem...?
A época moderna é compreendida, definida e discutida por inúmeros pensadores
(Weber, Horkheimer, Adorno, Nietzsche, Touraine, Bauman, Habermas, Foucault,
Giddens, Baudrilard, Berman, Eisenstadt são apenas alguns deles) que desfrutam da
liberdade de escolha – sem dúvida, condição oriunda da e na Modernidade – mediante a
possibilidade de um horizonte temático extremamente vasto. Sendo assim, a Modernidade
pode significar para uns o mapeamento das concepções e estratégias políticas com os seus
respectivos antecedentes e conseqüentes; o diagnóstico das estruturas e conjunturas sócio-
culturais enfatizando não apenas a liberdade, mas as incertezas e inseguranças modernas,
ou para alguns mesmo pós-modernas – todas filhas diretas da individualidade e
individualismo, estes, por sua vez, gestados nas entranhas do ventre-mater da Modernidade
-; outros, no entanto, põem o acento nas estruturas e processos econômicos, nos avanços
científicos e revoluções tecnológicas para proceder ao entendimento deste mundo
contemporâneo “globalizado”; e outros há, ainda, que mergulham fundo nos próprios
fundamentos do discurso moderno tentando divisar-lhes os pressupostos e matrizes
filosóficas no afã não só de identificar e analisar, mas também tecer criticas e propor
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alternativas ao que construiu e ossificou-se enquanto pilar de sustentação deste grande
discurso.
Tamanha amplidão de abrangência acarreta, indubitavelmente, um leque igualmente
amplo e não menos diversificado de opiniões, posturas, compreensões (outra característica
destes tempos). Todavia, em um ponto, me parece, todos concordam: seja no plano teórico
ou empírico a proliferação da narrativa moderna com tudo o que lhe constitui e a própria
Modernidade só tornaram-se possíveis face o deslocamento – não sem conflitos e em
processos históricos complexos e demorados mediante os quais se deram o
“desencantamento do mundo” e a “secularização” (Weber, 1982; 1994) – da encachapante
matriz de pensamento religiosa que maestrou amplamente legitimada durante um longo
período da história da humanidade em que organizou e fundamentou o “ser” e o “existir
do mundo ocidental. Deus e a religião deixaram de ser o eixo pelo qual orientava-se o
mundo e suas significações. O ponto pacifico e as concordâncias, contudo, cessam por aí.
Atualmente, até o local e significado da religião no mundo moderno é tema de controvérsia,
indo desde aqueles que consideram, como nos informa Pierucci (1998), que o mundo está
sendo reencantado até aqueles que acham que a expressão de religião moderna diz respeito
apenas aos movimentos fundamentalistas (Bauman, 1998).
Este capítulo pretende-se a uma discussão não exaustiva acerca do significado
“moderno” fazendo-se valer da contribuição de alguns autores (Touraine, Habermas e
Giddens), bem como das complexas relações que se estabelecem entre a religião e contexto
social, com suas demandas e significados construídos na modernidade.
I
Emergir a modernidade enquanto tema analítico é dar-se conta, minimamente, das
atividades produzidas e difundidas pelo homem, sejam elas políticas, produtivas,
científicas, administrativas, artísticas, tecnológicas ou econômicas, tal e qual as
conhecemos hoje, enquanto práticas possíveis mediante o processo histórico através do qual
o transcendentalismo e as explicações finalistas foram secundarizados no “ato” da
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humanidade em favor da instauração de uma antropocéia e de uma crescente diferenciação
dos âmbitos sociais. Weber (1980; 1982) identifica este fenômeno ao procurar compreender
o modo específico de desenvolvimento ocorrido no Ocidente, no qual a relação entre
modernidade e racionalismo tornou-se expressiva, sobretudo, nas emaranhadas
interconexões da empresa capitalista com a burocracia, marcando a modernidade pelo que o
autor denominou de “ação racional econômica e administrativa” voltada a fins. Sob este
aspecto, referindo-se a um conjunto significativo extremamente complexo de relações
sociais que orientam as ações, antes de qualquer “fazer” cuja autoria é reivindicada pelo
homem e não atribuída a Deus, a modernidade funda-se porque o indivíduo ocidental
reconhece para a regência da vida uma outra “divindade”: a Razão. A ordenação do mundo
passa a ser reconhecida mediante a atividade racional, e o homem enquanto um sujeito
particularizado no mundo devido a esta atividade, desprendendo-se do fluxo continuo da
vida, do tempo, para melhor compreender a eles e a si próprio.
De acordo com Habermas (2002), esta compreensão torna-se evidente em Hegel,
para quem a modernidade é caracterizada pela consciência de si e da história. Na análise
dos tempos modernos há o reconhecimento de uma história universal e a especificidade do
tempo presente caracterizado tanto pela genitividade do novo, sempre aberto a um futuro
heterogêneo e indeterminado, quanto pelo movimento continuo de rompimento com o
passado. Esta nova condição, entretanto, leva a uma outra que, para Hegel, configura-se no
cerne dos novos tempos e no próprio problema da filosofia moderna: a necessidade de
autocertificação. Na medida em que recusa-se a reconhecer-se em um passado que ela
mesma identifica e reconstitui, a modernidade tem que buscar em si mesma os fundamentos
para sua auto compreensão e auto afirmação.
Esta necessidade manifestou-se inicialmente no campo das artes, onde a crítica da
experiência estética valeu-se de uma consciência de época para auto avaliar-se e, ao mesmo
tempo, o presente não podia obter consciência de si a partir de uma figura do passado,
tornando-se a atualidade, o transitório, o eixo de intersecção entre tempo e eternidade na
arte. (Veja Habermas, pp. 13 e seguintes). Contudo, ela transborda para o “todo” da
modernidade, mediante o qual a filosofia hegeliana identifica o princípio da subjetividade
enquanto estrutura dos “tempos modernos”, marcado tanto por sua liberdade de reflexão ao
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auto conhecer-se e reconhecer suas expressões (Estado, religião, moral, arte, ciência, etc.),
quanto pela possibilidade de estranhamento, alienando-se.
Sob este fundamento, a Modernidade em um sentido amplo presentifica-se por duas
configurações intercambiáveis fundantes do discurso e da prática modernos. Uma,
constitui-se em torno do binômio razão-mundo levando em consideração como o primeiro
termo desta relação abarca e tematiza a realidade, formulando construtos próprios que se
pretendem extremadamente objetivos sobre o segundo; e, posto que ao utilizar meios
destinados à apreensão do que se lhe apresenta exterior torna-se irresistível à razão voltar-
se a si, revendo fundamentos, dialogando consigo mesma e questionando-se. Tal
perspectiva, fruto dileto da filosofia moderna e background dos discursos e práticas
científicas, naturais ou sociais (Kuhn, 1992; Alexander, 1987; 1999), fornecendo-lhe a
condição de legítimos, refere-se à capacidade de reflexão sobre as práticas e de reflexão da
reflexão das práticas mediante o estabelecimento de regras rigorosas de lógica e coerência.
È no cerne desta abordagem que na filosófica kantiana, por exemplo, a razão torna-
se o tribunal da cultura. Todavia, ela, em Kant, acaba cindida em vários momentos, cada
qual com seus próprios critérios de validade, cuja unidade passa a ser apenas formal, não
obstante, o filósofo não perceba essas diferenciações como cisões. Algo que leva Hegel a
questionar acerca da capacidade desta razão de propor normatividade e equilíbrio a uma
modernidade disposta a romper com os vínculos do passado. E quanto mais as dimensões
da existência desenvolvem-se mais as cisões são presentes e poderosas. Dissociações que
Hegel tenta – ao que parece, sem muito êxito – superar através do conceito de “absoluto” e
da filosofia do sujeito. (Habermas, 2002).
A outra configuração moderna diz respeito à problemática instaurada com a
emergência de um sujeito que reflete, sente e particulariza-se frente a um mundo instituído
enquanto seu objeto, traduzindo-se desde o seu início em uma relação também cindida, com
implicações profundas nas formas de apreensão (sociológica, filosófica e científica de
maneira geral) e exercício da realidade. É segundo esta problemática bifronte que Touraine
(1994) identifica a Modernidade precisamente com estes dois grandes movimentos
inicialmente complementares e contraditórios, mas que gradualmente vão se distanciando.
Uma separação crescente não pressentida, ou ao menos, não sentida com tanta agudeza em
seus primórdios no século XVII, e mesmo no início do século XVIII, em que, de um lado,
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lenta e vigorosamente passou a delinear-se um mundo objetivo, natural, regido por leis
passiveis de apreensão e manipulação pela razão, e, do outro, erigindo-se os pilares do
Sujeito-Humano, não divino e transcendental, desvinculado dessas bases por Descartes,
mas que encontra seus pressupostos, conforme Touraine – e mesmo outros autores, como
Dumont – nas construções religiosas mesmas.
Em se tratando da problemática do Sujeito, de acordo com o sociólogo francês,
todas as religiões de revelação introduziram o princípio de subjetivação do divino,
entretanto, duas correntes religiosas, sob este aspecto, merecem destaque por parte do autor.
Uma delas é a Escolástica de Agostinho, que ao abordar o conflito entre a infinitude e
divindade do homem e a sua temporalidade busca o interior descobrindo uma subjetividade
através do questionamento da “ordem racional da criação” e do significado de Deus,
notabilizando, assim, o princípio da subjetivação, pois, ao perguntar o que é Deus, ele não
encontra resposta nas suas manifestações exteriores, embora belas, mas voltando-se para o
seu interior, no qual depara-se com a razão: a alma criada por Deus a sua própria
semelhança. É, portanto, em Agostinho que se permite a passagem de um exterior para o
interior.
A outra corrente, de certa maneira, submete a consciência individual à coletiva, às
regras e papéis sociais por meio da “teologia da fé” luterana, a qual, constituindo-se em um
capítulo do processo de secularização, contribui para a desmagização da religião,
construindo o individuo moral na medida em que procura romper “práticas mágicas” da
Igreja Católica, levando o homem a buscar uma relação direta com Deus, perante o qual
deve sujeitar-se pela fé e pelo amor. Neste sentido, a este homem liberado de mediações e
intermediários para ter com o Criador, lhe são atribuídas a solidão e a responsabilidade de
si mesmo, instituindo, assim, a noção de sujeito não divino.
Com esta interpretação Touraine rejeita a idéia de que o individualismo é um
advento tão só dos tempos modernos, quanto uma concepção de que o holismo seria uma
característica das sociedades tradicionais marcadas pela religião. No que tange à
subjetivação, para ele, os universos religioso e moderno se tocam justamente porque em
Agostinho e em Lutero é possível encontrar as origens do individualismo moderno e a
alavancagem dos processos de desencantamento do mundo.
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Descartes é um dos pensadores influenciado por esta tradição. No lugar da
separação cada vez maior entre indivíduo e divindade o filósofo põe o dualismo que irá
marcar toda a modernidade: Sujeito e Razão. Já que ao procurar uma explicação para a
existência de Deus, o homem reconhece-se com vontade criadora e descobridor de leis da
natureza, notando que liberdade e conhecimento racional são dois aspectos não
necessariamente excludentes – pensa ele – mas auto complementares. O mundo da natureza
e de Deus separados, se comunicam pelo homem, que tanto procura subordinar o mundo
sensível as suas necessidades, quanto, não sendo Deus, percebe-se como um EU que pensa,
formula opiniões, tem vontades e desejos, e que põe ordem ao mundo através de um
pensamento racional. Com a construção de que o indivíduo não é natureza, mas também
não é simplesmente criatura de Deus, e sim sua imagem semelhante Descartes torna-se o
principal responsável pela transformação do dualismo cristão em um pensamento moderno
do Sujeito.
Reforçando as formulações cartesianas por um ângulo diferente, uma outra maneira
de se perceber a formação da subjetivação é através da teoria do Direito Natural, que tem
em Locke uma das suas maiores expressões. Entendido enquanto princípios preexistentes a
qualquer situação do Estado ou particular, o Direito Natural adquiriu uma dimensão
econômica separada do poder político e em oposição, sobretudo, ao regime absolutista,
fornecendo bases tanto para o surgimento do Individualismo Moderno, quanto para a
sociedade civil. O Contrato Social funda a dualidade e também tenta dar conta da sociedade
civil e do Estado, ao mesmo tempo em que fomenta o pensamento burguês e movimentos
operários; e desde Descartes, passando por Locke e chegando até Kant ganha força a
secularização do pensamento cristão em que o sujeito divino vai cedendo lugar ao sujeito
humano, ator responsável por suas ações e portador de uma consciência. De início uma
vertente não partícipe da dicotomização, mas complementar a outra que marca a sociedade
moderna, a Razão. Contudo, no desenrolar empírico e teórico destes dois grandes eixos
articuladores da Modernidade nem sempre foi possível uma composição harmônica dos
termos, em que, para Touraine, o tema do sujeito se enfraquece durante o século XVIII em
detrimento dos avanços da secularização e do capitalismo, só recobrando força a partir do
século XIX, quando surge uma profunda crítica à Razão. Neste sentido, arremata o autor,
ocasionando uma tradição definidora de um modo de vida no qual combinando-se
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secularização e desencantamento do mundo, os dois termos criam relações demasiado
tensas entre si, durante as quais ora priorizou-se a razão, ora enfatizou-se o sujeito, trazendo
consigo, uma e outro, implicações graves para a própria vida, pois como afirma o
sociólogo:
(...) A modernidade não repousa sobre um princípio único e menos ainda
sobre a simples distribuição dos obstáculos ao reinado da razão; ela é feita
do diálogo entre Razão e Sujeito. Sem a razão o Sujeito se fecha na
obsessão da sua identidade; sem o Sujeito, a Razão se torna o instrumento
do poder. Neste século conhecemos simultaneamente a ditadura da Razão
e as perversões totalitárias do Sujeito; é possível que as duas figuras da
modernidade, que combateram ou ignoram, finalmente dialoguem e
aprendam a viver juntas? (p. 14).
Na concepção do sociólogo francês torna-se, então, preponderante o resgate, em
outras bases, da relação sujeito-razão, na medida em que a modernidade se instaurou e
desenvolveu tendo por marcos uma separação crescente entre mundo objetivo e
subjetividade, esta, aliás, cedendo terreno para o individualismo e a apelos de liberdade. Tal
configuração não só desencadeou práticas solipsistas e políticas totalitárias constituintes das
empiricidades, como informa e foi informada por uma razão que, trilhando caminhos
tortuosos, experimenta desde o apogeu, quando reverenciada e “cortejada” por muitos –
obviamente, não sem controvérsias e contestações – até seus momentos mais amargos nos
quais parece não dar conta do próprio território moderno em que, ao mesmo tempo, criou e
criou-se, revelando cansaço e, para alguns mesmo (á exemplos da Escola de Frankfurt),
sinais de completo esgotamento, tornando-se alvo de severas críticas. (Touraine, 1994;
Habermas, 2002).
Todavia, a razão, sobretudo no séc. XVIII, era percebida pelos pensadores da época
como a possível responsável não só pelo novo estado racional que se legitima, mas também
pela instauração e manutenção de valores como a liberdade e de “estados” felizes e de
abundância
4
. Voltados para o desenvolvimento de um método do pensar, os filósofos
iluministas através das idéias de racionalização ou modernização concebem a experiência
no sentido de percepções e sensações pelas quais a razão tem que passar para chegar à
verdade. No mundo agora fundamentado racionalmente crenças, sentimentos, tradições e
valores são desprezados ou utilizados enquanto meios para se chegar aos fundamentos de
4
Algo que, segundo Touraine (1994), não se confirmou.
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universalidade e igualdade inerentes ao sujeito. Ao voltar-se para o método, o iluminista
opera uma separação entre racionalidade e não racionalidade (valores, preconceitos,
contextos socioculturais, etc.) acarretando duas implicações: 1º. A de que há uma essência
comum a todos os homens, seja natureza, razão, humanidade, que é universal e igualitária.
Logo, o homem é naturalmente igual; 2º. Esta isonomia natural, essencial e universal está
encoberta pelos valores, preconceitos, instituições e contextos sociais e culturais forjados
historicamente, mascarando a “igualdade individual” e produzindo a desigualdade. Uma
vez descoberta esta realidade e de posse dela, igualdade, liberdade e mesmo felicidade
tornar-se-iam as inevitáveis conseqüências (Simmel, 1998).
Esta nova concepção de Homem na qual opera a razão está alicerçada nas mesmas
idéias compartilhadas por uma ciência natural da existência de leis gerais, entendendo-o
enquanto um ser universal e abstrato que abarca o particular, o específico. Indo nesta
direção, são traços característicos deste pensamento a necessidade de substituição de uma
moral religiosa pelo conhecimento das leis naturais; a valorização do prazer e gosto estético
deste mundo natural com leis e encantos próprios internos a si mesmo e a constituição de
um pensamento político e social no qual as formações coletivas orientadas pelo homem
racional – e não mais um Deus ou religião – passam a ser fontes de valores, isto é, as
diretrizes determinantes do bem e mal, do certo e errado.
Não obstante a construção analítica e crítica da ilustração em torno da tradição e em
nome de um festejado destaque à razão, esta última, bem como o período moderno não
escapam à crítica de pensadores da modernidade, como Hegel, Weber e Rousseau. Este
último, longe de considerar a razão por si só como portadora de estados de felicidade e
liberdade, chama a atenção para a profunda desigualdade na qual a sociedade moderna do
seu tempo encontra-se mergulhada, contrapondo ao caos que observa a proposta de “pacto
social”, tentando estabelecer um vínculo entre necessidade e liberdade. (Rousseau, 2004;
Touraine, 1994).
Assim, a ideologia modernista seria, sem dúvida, um pensamento secularizado que
rejeitaria todo o mundo sagrado, mas que também, através de várias de suas expressões,
procuraria manter em outras bases – talvez, não com muito sucesso – a relação fomentada
pelo pensamento cristão onde o individualismo moderno fincaria suas origens. Não se
trataria mais de uma determinada metafísica Deus-Homem, mas homem-Natureza/Universo
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em que se buscaria unir razão e vontade, sistema e voluntarismo. Preocupação com a
ligação ente “natureza interior” e exterior presente ao longo dos séculos XVII e XVIII, que
se tornará cada vez mais distante no desenrolar da modernidade na qual o sujeito parece
perder-se e uma razão instrumental impor-se. Dessa forma, se durante este período
constituiu-se o progresso da ideologia e dos princípios iluministas, nos séculos seguintes
consubstanciou-se a prática desta filosofia em transformações e progressos nos âmbitos
político, social e econômico. A modernidade se vê permeada não apenas pelo pensamento
racional, mas ela é experienciada no bojo de um progressismo onde a vontade de ser
também marca o seu espaço. Sendo assim, as leis naturais e sua evolução são identificados
no desenvolvimento capitalista, no esquadrinhamento urbano e na pujança industrial
parametrada pelo suporte técnico-científico, como, aliás, Weber já havia muito bem
identificado.
Nesse sentido, grande parte do pensamento que se seguirá nos “novos tempos” se
dedicará a uma análise bastante crítica dos processos e conformações modernos, bem como
demonstrará profundo desencanto com a razão, buscando alternativa a ela, A crítica, de
maneira geral, refere-se à submissão dos sujeitos aos sistemas, estandardizações e normas;
ao predomínio cada vez maior de uma razão instrumental e a um estado da sociedade
moderna que torna-se progressivamente menos coeso e “sólido” em detrimento de fluxos
múltiplos e contínuos de mudanças. (Touraine, 1994; Habermas, 2002; Giddens, 1991).
Touraine (1994) delimita a crise moderna em três momentos aos quais estão
vinculadas as respectivas críticas. Uma, diz respeito ao esgotamento do movimento de
libertação iniciado e propalado pelos iluministas, suplantado pelo outro da racionalidade
técnico-instrumental e suas conseqüências. Estes, por sua vez, apreendidos através da
alienação em Hegel e Marx, ou associados, como em Schopenhauer, ao egoísmo e ao
interesse, ou ainda, por meio da pessimista Teoria Crítica, onde a visão racionalista do
mundo depauperada em favor da ação puramente instrumental é denunciada, na mesma
medida em que o ‘eclipse da razão” com sua incapacidade de emancipar-se é diagnosticada.
Estes dois momentos da crise levam a um terceiro ainda mais profundo – já
comentado em outra parte -, de difícil conciliação entre totalidade e pluralidade que se
manifesta nas mais diversas dimensões, desde alma-corpo, até Sociedade-Estado e
Sociedade-Indivíduo. Nesse sentido, fica difícil equacionar nos contextos modernos a
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noção de liberdade, e mesmo a de felicidade, cogitada pela Ilustração, com as
manifestações práticas e discursivas de poder, controle, integração e repressão
extraordinariamente presentes e tão bem discutidas por Foucault (1999). Como alcançar o
equilíbrio? Como encontrar a unidade mediante a necessidade moderna de
“autocertificação” e de sua “consciência do tempo” com tudo o que lhe envolve, nos quais
o experienciado se traduz numa existência extremadamente acelerada e fragmentada? A tal
ponto que os campos social e cultural longe de qualquer unidade e perenidade – como já
identificava Hegel e mesmo Baudelaire no campo das artes – o que temos é a capturação do
eterno no instante, no efêmero do presente que se realiza sempre aberto à indeterminação
do futuro.
Nietzsche também percebe as dificuldades da modernidade e adotando a crítica de
Schopenhauer sobre o individualismo, demonstrará descrença em relação à razão e à
modernidade fragmentada, sucumbida ao utilitarismo e à subordinação do “Ser Individual”.
(Habermas, 2002). Rejeitando toda uma filosofia do Sujeito, assim como o Cristianismo,
para ele:
A modernidade conduziu ao nihilismo, ao esvaziamento do homem cuja
potência total foi projetada no universo divino pelo cristianismo e que não
possui nada além da sua fraqueza, o que acarreta a sua decadência e o seu
desaparecimento inevitável. (Touraine, 1994; 118, 119).
Trata-se, então, para Nietzsche, de resgatar por outras vias – obviamente não a
religiosa – os valores perdidos, a “energia vital” do homem e sua “vontade de poder”
extraviadas na modernidade. Num retorno ao passado, ele irá buscar a unidade perdida do
Ser e sua vontade de poder no mundo pagão do mito dionisíaco. Um mito que escapa ás
regras sociais, onde a unidade é restaurada através da arte ou mesmo na volúpia do viver de
um instante. Assim, o pensamento antimoderno e antisocial de Nietzsche se dedicará a uma
ascensão do Ser nostálgico e da arte, bem como a um espírito nacional, enquanto
alternativas a uma modernidade moralizada, civilizada e dividida.
Mais recentemente Giddens (1991) também se dedica ao estudo da modernidade,
analisando criticamente as características e instituições sociais do final do século XX em
termos de suas conseqüências, inclusive para o Sujeito, acarretando um novo tipo de
sistema social baseado na informação e no consumo. Os modos de vida modernos
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promovem “descontinuidades” com as formações societais tradicionais devido ao ritmo e
natureza das mudanças e instituições gestadas ao interior da modernidade. Estas últimas,
referindo-se ao capitalismo, industrialismo, vigilância e controle dos meios de violência,
que estão integradas globalmente propiciando conseqüências negativas, como a estrondosa
degradação do meio ambiente, a constituição no poder político de vários governos e
ideologias totalitários – aliás, como Touraine já havia salientado -, assim como o fomento
industrial do arsenal bélico e o crescimento da violência. Tudo isto possibilita a emergência
de um mundo perigoso e repleto de riscos, no qual uma ordem social mais feliz e segura
inspirada inicialmente pela crença otimista no progresso e na razão detém um espaço (se é
que o possui) ínfimo, cedendo lugar para um estado mais ou menos constante de crise,
penetrando fundo tanto nos sentimentos quanto no centro das auto-identidades dos
indivíduos.
Para além disso, assim como os pensadores modernistas dos séculos XVIII e XIX,
embora sob um ângulo diferente, o sociólogo reconhece a intensificação sem precedentes
das especificidades modernas identificadas pelos críticos no início dos “novos tempos”, já
não tão novos assim. Sob esta acepção, para Giddens a modernidade é expressão de um
dinamismo social derivado principalmente da separação e recombinação do tempo e
espaço, do desenvolvimento de mecanismos de desencaixe dos sistemas sociais e da
ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais. Com a invenção do relógio começa
a existir um esvaziamento do tempo, sobretudo, através da uniformização em todos os
espaços. Diferenciando-se dos períodos pré-modernos, o tempo se desvincula de suas
referências espaciais, e com isso, o lugar também vai se transformando num espaço vazio.
A desconexão tempo-espaço permitirá, por conseguinte, a sua recombinação favorecendo
relações bem ases cuja ausência de participantes não é mais um entrave; além do que, as
configurações regionais e locais dos espaços podem ser estruturadas ou influenciadas por
situações e relações sociais “invisíveis” constituídas à distância, já não tão distantes. Este
desacoplamento entre tempo e espaço e a conseqüente abertura para a possibilidade de
infinitas combinações fornece um impulso para o exacerbado dinamismo social moderno,
bem como para um desenraizamento de muitas das tradições atreladas ao espaço-tempo.
A reflexividade na cotidianidade, como já se sabe pela própria narrativa moderna
instaurada, é um outro grande marco contemporâneo contribuidor da dinâmica e estados
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modernos. Como salienta Giddens: “...Ela é introduzida na própria reflexão da reflexão das
práticas. Nesse sentido, as certezas só se estabelecem até o momento de uma nova revisão,
pois a produção e a apropriação reflexiva do conhecimento passa a ser inerente a própria
manutenção e reprodução da vida social moderna.
E por fim, os mecanismos de “desencaixe”, que são os deslocamentos das relações
espaço-tempo para a sua recombinação em meios a uma extensionalidade indefinida destas
variáveis são uma outra marca da experiência contemporânea. As “fichas simbólicas” e os
“sistemas de perito” são dois dos mecanismos de desencaixe que o autor identifica. As
primeiras dizem respeito a meios de intercâmbio circulantes em qualquer contexto sem ter
em conta as particularidades de pessoas ou grupos, adquirindo, assim, uma interface
impessoal. A legitimação política e o dinheiro constituem exemplos de tal intercâmbio
generalizado.
Já os “sistemas de peritos” referem-se às capacidades técnico e profissionais
organizadoras de grandes áreas no convívio social e as quais os indivíduos recorrem
cotidianamente promovendo contatos “não pessoais”. Segundo o sociólogo, tanto os
“sistemas de peritos” quanto as “fichas simbólicas” são mecanismos de desencaixe porque
extrapolam as mediações contextuais e locais, expandindo-as no espaço-tempo; e na
modernidade um número cada vez maior de pessoas vive em circunstâncias nas quais as
‘instituições desencaixadas” organizam aspectos da vida cotidiana. Naturalmente, tal
conformação implica em doses de “confiança” que os indivíduos devem depositar em tais
mecanismos.
Dessa forma, a “confiança”, diferente da situação de crença, leva em consideração
as alternativas e os riscos possíveis numa dada situação a qual os indivíduos se engajam;
assim como, em tais situações os agentes tornam-se reflexivamente responsáveis total ou
parcialmente sobre o desencadeamento do evento, tendo este um resultado positivo, de
sucesso, ou não. Sob esta acepção, a confiança é central para compreender as estabilidades
e instabilidades no mundo moderno, com suas inevitáveis conseqüências para a formação e
manutenção de estados emocionais e psicológicos, na medida em que os sujeitos estão
constantemente confrontando-se com ambientes de riscos, indo desde os que temos que
lidar por serem fruto de nossas ações e dos eventos que nos envolve diretamente (os quais
podemos de alguma maneira ter um certo controle - embora, nem sempre), até aqueles de
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dimensões mundiais que não podemos evitar, como os desastres ecológicos, a ameaça de
guerra nuclear e, mais recentemente, a do terrorismo. Não obstante, penso que tais
situações conformam-se enquanto de risco no momento mesmo em que os indivíduos
consideram seria e reflexivamente tais possibilidades. Do contrário, eles continuam
mergulhados em suas vidas cotidianas tratando com os riscos que lhes envolvem mais
diretamente.
Contudo, a confiança e o risco individual ou coletivo se entrelaçam nos ambientes e
universo experiencial dos sujeitos em que a primeira serve para minimizar o segundo.
Relação que pode oscilar bastante justamente porque esta confiança se sabe fundamentada
não em uma natureza divina, transcendental, mas na atividade humana criada e sustentada
socialmente. Desta maneira, a natureza das instituições modernas estão alicerçadas na
confiança depositada tanto nos sistemas abstratos – como o dos peritos – quanto nas
relações pessoais face a face. Isto é fundamental para a manutenção e funcionamento do
próprio sistema social e das atividades cotidianas.
Fundamental a tal ponto, que a confiança está intimamente relacionada com o que
Giddens chama de “segurança ontológica” - fenômeno emocional referente à certeza que
temos de nós mesmos, dos outros e da continuidade e estabilidade dos ambientes de ação e
relação social. Sendo assim, configura-se em uma necessidade psicológica a confiança nos
outros e o desenvolvimento de hábitos e rotinas, já que estes possibilitam a constituição de
um “terreno” firme e constante pelo qual o indivíduo possa transitar, desenvolvendo desde
a infância sua segurança. A segurança ontológica é imprescindível para garantir a nossa
existência, o nosso estar no mundo com os outros por meio de um entendimento recíproco.
Se as certezas cotidianas em torno do que é mutuamente compreendido passam a ser
gravemente abaladas, afetando a segurança nas experiências vivenciadas, processos de
ansiedade existencial e esquizofrenias podem começar a ser gerados, afetando a auto-
identidade dos indivíduos.
Giddens faz uma análise mais detida acerca desta problemática em seu livro
Identidade e Modernidade (2002), no qual argumenta como a reflexividade moderna se
estende ao núcleo do EU, identificando mudanças em dimensões da intimidade da vida
pessoal diretamente relacionadas a conexões e conformações sociais mais amplas.
Característica da “Alta Modernidade”, em que mecanismos de auto-identidade são
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constituídos e constituidores das instituições modernas, o “eu” supõe uma narrativa
elaborada reflexivamente e corriqueiramente explicitada, garantindo-lhe um sentido
integrado de si mesmo em meio a uma multiplicidade de opções e possibilidades, sem, no
entanto, o contexto moderno oferecer-lhe muita ajuda sobre como e quais opções
selecionar.
Sem desconsiderar, obviamente, o acesso diferenciado ao poder e ao consumo,
assim como as desigualdades e diferenças fundamentais de etnicidade, gênero e classe, por
exemplo, o sociólogo inglês argumenta que toda narrativa de si mesmo tem, sem dúvida,
um esforço criativo por parte do agente, comportando uma dose de imaginação e ficção,
mas também a elaboração da auto-biografia – que está no centro da auto-identidade mesma
– torna-se um empreendimento organizado no qual as narrativas são construídas e
continuamente revisadas tendo por suporte a agregação a “estilos de vida” os mais distintos.
Tendo em vista que o desenvolvimento do eu é internamente referido, ganham primazia os
conjuntos mais ou menos integrados de práticas eleitos pelos indivíduos, preenchendo
necessidades e fornecendo substância aos discursos e práticas rotinizados. Nesta direção, os
“estilos de vida” além de propiciarem conforto e segurança ao eu, também influenciam as
decisões e o futuro, já que acabam fazendo parte e, em certa medida, orientam os planos de
vida e projetos dos sujeitos. Por sua vez, os planos e projetos tanto são acionados e
mobilizados em termos da biografia do eu, quanto conformam esta mesma biografia. E,
embora o eu seja aqui a referência, vale ressaltar que esta tessitura narrativa de si é forjada
no contexto socializador moderno altamente cambiante e instável, e no qual muitas vezes
entram em contradição narrativa e contexto, na medida em que para uma elaboração segura
e confortável da primeira é necessário um terreno confiável nem sempre encontrado – ou
amo menos não nas condições desejadas – no mundo moderno.
Os sujeitos se vêem, então, premidos e levados à única escolha possível: a de
escolher; a tomar decisões cotidianamente e, às vezes, em momentos cujas decisões
implicarão diretamente em seus futuros e destinos – os “momentos decisivos”. E apesar de
qualquer noção de sina, fatalismo ou boa fortuna apropriada e reelaborada na Modernidade,
em última instância cabe a responsabilidade da escolha feita pelos indivíduos. Estas, em um
sentido weberiano, orientadas pelos valores – os deuses modernos -, que fazem parte dos
indivíduos. Contudo, para Giddens, esta conformação moderna é agravada sob o ponto de
- 34 -
vista da elaboração e integridade identitária, pois inerente à sociedade em que vivemos
estão os riscos com os quais temos que conviver e refletir constantemente. Eles, bem como
seu monitoramento e estimativa fazem parte tanto dos quadros institucionais, quanto estão
contemplados nas preocupações de especialistas e leigos.
Uma maneira de conter os riscos e perigos que estes oferecem é através das rotinas
cotidianas, que contribuem para a formação ou concepção da formação de um mundo
seguro e possível. Um mundo de moralidade cuja “confiança básica” e o “casulo protetor”
tornam possível e viável a sua sustentação, ao mesmo tempo em que eles mesmos são
possíveis devido à rotinização das práticas. Os Sistemas Abstratos, através da tecnologia,
informação e profissionais especializados, o, além das rotinas, uma outra forma de
garantir conforto e segurança psicológica. Todavia, argumenta o autor, apesar das grandes
quantidades de segurança relativa que tais sistemas podem gerar, eles apresentam uma
outra face, que é a “desqualificação da vida social” mediante a criação de um poder cada
vez maior em que são qualificados uns e desqualificados muitos, favorecendo, assim, a uma
“dialética do controle”.
A auto-identidade não sem problemas vai se formando no diálogo entre sistemas
abstratos, estilos de vida e escolhas. Entretanto, em meio a tantas escolhas e mecanismos de
desencaixe, num universo aceleradamente mutável e inseguro a Modernidade possibilita
também aquilo que o autor denominou de “Insegurança Ontológica do Eu”, afetando o
“casulo protetor” constituído, sobretudo, na infância. Isto porque os aspectos e tensões de
modo algum incidentais do mundo moderno contribuem para fontes de perturbação do eu,
cuja algumas delas referem-se a esta constante relação estabelecida entre os contextos de
riscos, com seus conseqüentes cálculos, e escolhas.
Viver em uma cultura secular de riscos e dúvidas gera ansiedades que podem atingir
o centro da auto-identidade. Situação que pode adquirir contornos graves devido a
Modernidade, para o sociólogo, se caracterizar por estados permanentes de crises
individuais e coletivas, que apesar de tornarem-se rotineiras não são absorvidas como
rotinas, isto é, não podem ser rotinizadas pelos sujeitos. Segue-se ainda, que o “projeto
reflexivo do eu” pode sofrer de falta de sentido, visto que o seu desenvolvimento se dá em
um terreno além de fluído e extremamente cambiante, fértil de técnica, no qual a
racionalidade instrumental se impôs, favorecendo – juntamente com a difusão dos Sistemas
- 35 -
Abstratos – ao controle de situações por meio da reflexividade constante, mas,
paralelamente, tornando a narrativa do eu carente de suporte moral, e, tendo em vista o
terreno altamente fluído no qual se constitui, potencialmente frágil.
Neste sentido, para continuar garantindo a manutenção da narrativa identitária, em
uma cultura moderna de riscos torna-se primordial a seleção e relação com instituições que
possam promover segurança ao eu susceptível de abalos. A religião, assim, pode constituir-
se em uma dessas instituições, mesmo que, para Giddens (1991; 2002), ela, juntamente com
outros contextos de confiança, esteja perdendo força na atualidade. Pois, para ele, em
períodos pré-modernos a segurança era construída e possivelmente reestruturada (em caso
de abalos) em quatro contextos de confiança localizados: a família, a comunidade, a
religião e a tradição. Mas, eles perdem sua força devido ao deslocamento do eixo tempo-
espaço, onde estão também vigorosamente presentes a reflexividade e os mecanismos de
desencaixe. Todavia, tais instituições tendem, obviamente, a assumir outras formatações em
um universo cuja fluidez de tempo e espaço, o exercício crítico-reflexivo e as constantes
mudanças são a tônica, podendo se constituir ainda em fontes de segurança – não obstante,
Giddens pareça pensar diferente -, mesmo tendo que “competir” com os sistemas abstratos
e a amizade (confiança em pessoas) – as grandes instâncias modernas nas quais os
indivíduos depositam sua confiança básica. Embora, também estas não deixem de
apresentar limitações, podendo não gerar o conforto psicológico desejado. Nada de se
estranhar, tendo em vista as inconstâncias e crises do mundo moderno que concorrem
insistentemente para o abalo da segurança ontológica.
Assim, em uma rápida caracterização da modernidade e da problemática identitária
constituída ao seu interior em que são delineados os seus principais traços, ela se funda
primeiramente porque rejeita qualquer tipo de transcendência, e o pensamento, discursos e
práticas são orientados em torno de dois grandes eixos: a Razão e o Sujeito. A supressão de
um modo de vida essencialista e finalista cederá lugar à consciência histórica, do tempo, ao
pensamento científico, às organizações burocráticas e técnicas, a uma racionalidade
econômica e administrativa. Mas está modernidade também será marcada pela cada vez
mais intensa fluidez, pela variabilidade, pela multiplicidade de escolhas e decisões
racionais em meio a um amplo universo que se apresenta cada vez mais vasto, informando,
agora, a própria condição do homem, a sua afirmação, e, simultaneamente, conforme os
- 36 -
caminhos que vai trilhando pelos quais se intensifica uma combinação de racionalidade
técnica e sistemas autoritários, a sua negação, a sua alienação. Mas o primordial no mundo
moderno é que até isto é fruto das escolhas. Vivemos, num mundo visceralmente plural no
qual temos a responsabilidade de eleger os princípios orientadores das nossas condutas em
meio a um trânsito cada vez mais profundo de zonas significativas que se tocam, se
chocam, se intercambeiam. Weber (1995a ; 1995b), em sua sociologia dos valores capta
perfeitamente a complexidade do momento, pois identifica a tessitura social fundando a
própria vida mediante a formação dos vários campos: jurisprudência, estética, ética, arte,
política, religião... que nos diz quem somos, pois todos esses campos operam a partir de
valores que os fundamentam. Isto torna-se possível porque na época moderna surge a
alternativa entre a ética religiosa e uma ética “mundana de luta”; época em que o
monoteísmo do deus cristão cede lugar ao politeísmo de outros deuses não hierarquizados,
existindo em permanente conflito e se firmando mediante a efetivação das escolhas
(Schluchter, 2000a; 2000b). A vida e o mundo constituem-se na arena cujas ordens de
valores se defrontam em uma luta incessante pela imputação de sentido conferida pelo
agente. E por ser um duelo incansável de deuses que emana da experiência determinando
posturas e posições ela é irredutível e refratária a todo e qualquer universalismo – seja ele
religioso, transcendental, natural ou mesmo científico – que seria, inegavelmente, também
um reducionismo na sociedade moderna.
Mas as escolhas também trazem desconforto. A fluidez, a inconstância e a
racionalidade causam problemas na nova ordem vigente, levando à dimensão de crise
identificada pelos críticos. As alternativas propostas são várias, indo desde as construídas
no interior da própria razão, onde se faz o seu revisionamento, até aquelas que vêem as
artes e os mitos como saída. O fato é que no pensamento intelectual e, mais que isso, na
própria conformação moderna, não há possibilidade de um retorno à religião. Weber
(1995a), ao discutir a vocação da ciência, em outros termos, já vaticinava tal situação:
A ciência é, atualmente, uma ‘vocação’ alicerçada na especialização e
posta ao serviço de uma tomada de consciência de nós mesmos e dos
conhecimentos das relações objetivas. A ciência não é um produto da
revelação, nem é graça que um profeta ou um visionário houvesse
recebido para assegurar a salvação das almas, não é tampouco porção
integrante de meditação de sábios e filósofos que se dedicam a refletir
sobre o sentido do mundo. Tal é o dado inelutável de nossa situação
- 37 -
histórica, a que não podemos escapar se desejamos permanecer fiéis a nós
mesmos. (p. 451).
Imperioso fundamento da razão, da construção das relações objetivas e do sujeito
que a tessitura moderna, sem dúvida, não permite mais um retorno ao religioso de épocas
precedentes. Mas assim como a modernidade além de tudo que constrói, ou mesmo por
tudo que constrói, proporcionando a escolha e a “liberdade”, erige questões como as de
confiança e segurança (ou seria insegurança?), a religião passa por processos de mudança
que contribuem para a própria formação moderna. O “desencantamento do mundo” nada
mais é que uma conformação disto. A religião, longe de desaparecer sucumbida pelo
primado da razão, reestrutura-se dialogando com as fronteiras significativas que a cercam,
pois como pensa Durkheim (1996), a religião faz parte da existência humana, e como tal
preenche uma dimensão que nem mesmo a ciência alcança: o espaço da crença e de uma
certa “coesão” moralmente útil, mesmo que seja, como argumenta Giumbelli (2004), para
dar sustentação a uma ordem que se encontra fora dela mesma, em uma sociedade secular.
Neste sentido, numa contemporaneidade repleta de liberdade, incertezas, inseguranças e
“felicidades”, que, segundo Bauman (1998), não sem graves conseqüências, quoeficientes
destas últimas são preferidos pelos sujeitos em detrimento dos de segurança, a manutenção
ou reconstituição de um “casulo protetor”, a maneira de Giddens (2002), busca recursos e
anteparo no leque multifacetado de possibilidades que se lhe apresenta. A religião, que
também lança mão do que é ofertado pela modernidade para a sua própria resignificação,
indubitavelmente, constitui-se, sob vários aspectos – desde os de formatação
assumidamente pública, como as político-ideológicas, até as mais interiorizadas, mas não
menos sociais e coletivas, a exemplo, das dimensões privadas, corporais, experiênciais,
emocionais e identitárias -, em uma dessas possibilidades.
Ela constitui-se de tal monta em uma possibilidade, presentificando-se de forma tão
poderosa, que não só confirma-se de maneira contundente a sua não extinção, contrariando
aquilo que era pensado e desejado no início dos “novos tempos”, como leva a autores, a
exemplo de Berger (2001), a teorizar acerca de um processo de “dessecularização”, ou
ainda – como nos mostra Pierucci (1998) -, provoca em grande número de sociólogos da
religião a assertiva de um processo de reencantamento do mundo, de pós-secularização, ou
mesmo em algumas partes do planeta a não consumação do desencantamento.
- 38 -
Inserindo-se neste atual debate da sociologia da religião acerca da religião na
modernidade, abrangências e limites dos processos de secularização e dessecularização,
Berger (2001), admitindo ter se enganado em outros tempos a respeito da extensão e
profundidade do processo secularizante, afirma veementemente no livro The
Desecularization of the World, Ressurgent Religion and World Politics que organizou:
Argumento ser falsa a suposição de que vivemos em um mundo
secularizado. O mundo de hoje, com algumas exceções..., é tão ferozmente
religioso quanto antes, e até mais em certos lugares. Isto quer dizer que
toda uma literatura escrita por historiadores e cientistas sociais vagamente
chamada de ‘teoria da secularização’ está essencialmente equivocada. (p.
10).
Partindo da idéia que a “teoria da secularização” refere-se primordialmente ao
declínio da religião na sociedade e na mentalidade dos indivíduos, o sociólogo, então,
assevera que embora a modernização tenha provocado, em uns lugares mais que outros,
alguns efeitos secularizantes, ela não só possibilitou o surgimento de vigorosos movimentos
contra-secularizantes (seria uma revanche de Deus, como querem alguns? Apud Pierucci,
(1998)), como hoje observa-se a permanência e revitalização de antigas crenças e práticas
religiosas, além do surgimento de novas, seja em sua dimensão institucional, promovendo
diversificadas demarcações políticas, ideológicas e grupais; seja em suas mais recentes
expressões privadas, subjetivas, flexíveis, permitindo, assim, recombinações,
resignificações, trânsitos e pluralismos denominados muito mais apropriadamente de
“religiosidades”. A religião então jamais morreu! Mais que isso: vive, e passa bem,
obrigada. Berger, conforme a leitura de Mariz (2001) estaria atestando, assim, menos um
processo de dessecularização pura e simplesmente e muito mais um quadro perante a janela
do qual são observadas as relações dialéticas entre modernidade, racionalização,
secularização – como queiram chamar – e religião.
Tal imbricamento nada simples entre religião e modernidade é evidenciado também
através do crescimento das religiões institucionais no mundo, sobretudo as evangélicas e as
fundamentalistas islâmicas. E mesmo o catolicismo que, não obstante os dados acerca desta
- 39 -
religião no Brasil demonstrarem um acentuado declínio ao longo das três últimas décadas
5
,
continua majoritária no país e detentora de poder e prestígio no mundo. Isto pode ser
observado, por exemplo, mediante o destaque que a Igreja Católica assumiu na década de
80 do século XX face o trabalho de revitalização (não sem o cunho conservador) e político
que o papa Wojtyla desempenhou, ou, mais recentemente, através da repercussão que
causou a sua morte, levando a reunir-se em Roma além de um número incrivelmente
grande de devotos (ou mesmo não devotos), líderes políticos, chefes de Estado e
celebridades de todas as partes do planeta.
Para além da presença marcante das grandes religiões institucionais comprovam
também a insurgência do mundo religioso a proliferação de seitas e cultos, os movimentos
da chamada “Nova Era” e os espaços que vêm sendo ocupados pelas religiões ou
expressões religiosas no mercado de bens de consumo e serviços. A venda de objetos os
mais diversos é uma dessas expressões, além da utilização dos recursos tecnológicos, a
presença acentuada na grande imprensa escrita, falada e televisiva em todo o mundo é
outra. No que se refere a este último, no contexto nacional, ele ocorre seja porque
efetivamente um número cada vez maior de religiões – sobretudo as evangélicas e neo-
pentecostais – detêm emissoras de rádio e TV veiculando programas religiosos; seja porque
em todo o globo aparecem regularmente no cenário midiático, tornando-se alvo das
atenções em que são produzidas inúmeras matérias sobre as mais diversificadas temáticas
religiosas.
Em relação ao catolicismo, isto ficou bastante evidente no primeiro semestre de
2005, com a morte de João Paulo II e a expectativa gerada em torno da sucessão de seu
papado – fatos que ocuparam grande parte dos noticiários mundiais na época. Em se
tratando de outras temáticas que de uma forma ou de outra, ao menos no Brasil, tocam
questões de religiosidade e transcendentalismo, tais como a existência de vida pós morte,
regressões de vidas passadas, o poder curativo da fé, transito religioso, predições de
tarólogos, ialorixás e babalorixás acerca da vida política e outros assuntos estão sempre
presentes nas revistas de grande circulação nacional, como a Isto É, Veja, etc., atestando a
proeminência do fenômeno religioso no mundo moderno.
5
Um fenômeno mais que “natural”, em se tratando de uma grande religião que goza de legitimação
institucional e política – obviamente, com todas nuanças que este processo histórico detêm – há vários
séculos.
- 40 -
Este pulular das expressões religiosas tanto no cenário público quanto na
cotidianidade dos indivíduos com sua conseqüente notoriedade midiática são mais do que
evidências gritantes de que o mundo passou e está passando por um processo
dessecularizante. Ele é religioso. Ou, pelo menos, está voltando a sê-lo. A razão tão
poderosa e tão divina estaria, de fato, assumindo uma condição plebéia, cedendo lugar a
outras manifestações deístas, novas e velhas? Compreender nestes termos as complexas e
emaranhadas relações que se estabelecem entre religião e modernidade, parece-me não
compreender muito bem os próprios termos. Embora, as evidências que levem a este tipo de
entendimento não sejam menores.
Não obstante os comentários de Mariz (2001) em torno da postura de Berger (2001)
a respeito do crescimento religioso na modernidade, os argumentos que este último
organiza servem muito bem para levar à afirmação do sagrado mediante uma compreensão
de um processo de dessecularização. Este autor observa no cenário religioso internacional
um impulso crescente das religiões conservadoras, ortodoxas e fundamentalistas, como o
surgimento do catolicismo ortodoxo na Rússia e o crescimento de comunidades que têm
por características uma forte paixão religiosa e a obediência às fontes tradicionais de
autoridade. Para ele, a religiosidade cresce vertiginosamente no mundo porque, primeiro,
torna-se esteio, oferecendo justamente aquilo que é em proporções não desprezíveis
solapado dos indivíduos no contexto moderno: segurança e conforto. E, segundo, uma visão
secular da sociedade fomentada por uma cultura de elite provoca movimentos de protestos,
entre os quais estão o de cunho religioso, que adquirem uma tendência anti-individualista e
anti-moderna.
Sem dúvida, as religiões e religiosidades ganham campo em suas práticas e
significados múltiplos em todos os contextos, ao que tudo indica, em muitos casos
assumindo uma posição que vai explicitamente de encontro ao que se conformou enquanto
modernidade, pelo menos, à primeira vista. Mas para autores como Eisenstadt (1997) e
Bauman (1998) tal movimento marcadamente contraditório provocando o retorno a um
encantamento ou a ida a um pós-encantamento é apenas aparente. Em linhas gerais,
Bauman (1998) argumenta que contribui para a formação deste quadro a necessidade –
segundo ele moderna e não pós moderna – dos teóricos da religião de cunhar uma definição
para o fenômeno, levando-os a enxergar a sua estrondosa presença ou pela ótica das
- 41 -
universalidades e essencialismos humanos, retirando toda sua historicidade, ou, ao
contrário, tratando as religiões e religiosidades como meramente um dado quantitativo,
perfeitamente mensurável e, logo, administrável.
Além disso, a proliferação das religiões fundamentalistas não se caracterizaria por
um retorno ao sagrado ou pela tentativa de reconstrução de uma sociedade tradicional.
Muito diferente disto, o fundamentalismo seria mais uma expressão da controversa e
problemática modernidade:
O fundamentalismo é um fenômeno inteiramente contemporâneo e pós-
moderno, que adota totalmente as ‘reformas racionalizadoras’ e os
desenvolvimentos tecnológicos da modernidade, tentando não tanto ‘fazer
recuar’ os desvios modernos quanto ‘os ter e devorar ao mesmo tempo’ –
tornar possível um pleno aproveitamento das atrações modernas, sem
pagar o preço que elas exigem. O preço em questão é a agonia do
indivíduo condenado a auto-suficiência, à autoconfiança e à vida de uma
escolha nunca plenamente fidedigna e satisfatória.” (p. 226).
Longe de ser uma irracionalidade de feições pré-modernas o fundamentalismo
religioso exerce fascínio, angariando um número cada vez maior de adeptos, justamente
porque as promessas incutidas em sua mensagem radical alcançam as irrealizações e
insuficiências humanas; os agoniados da pós e da modernidade, que o são não apenas
porque estão à margem da sociedade de consumidores onde cada vez mais o ter faz parte do
ser, mas também por toda instabilidade, insegurança, desigualdade e fragmentação que
afeta a construção ontológica do sujeito, o seu “casulo protetor”. Obviamente, que na
acepção baumaniana a moderna mensagem fundamentalista é apenas mais uma alternativa
racional – assim como os sistemas de perito de Giddens (1991; 2002) são outras – em meio
ao complexo feixe de escolhas disponíveis reflexivamente no cenário moderno, ou melhor,
para ele, pós-moderno. Neste sentido, a epifânia de uma sociedade dessecularizada, pós-
secularizada, reencantada é apenas uma epifenômeno.
Um raciocínio semelhante permeia as discussões de autores como Prandi (1997) e
Pierucci (1998). Eles também reconhecem o crescimento do multifacetado cenário
religioso. Isto é inegável. E Prandi (Ibid) ao buscar as razões para este fenômeno, de forma
similar, identifica as mesmas causas apontadas por Berger (2001) e Bauman (1998). Elas
estão radicadas na sociedade problemática, classista, desigual e assimétrica. Numa acepção
- 42 -
– eu diria – funcional, são nesses fossos que se expandem as religiões, por um lado,
oferecendo soluções radicais ou não conforme a proposta, e sem dúvida, de alguma maneira
conforto. Por outro, também preenchendo uma dimensão subjetiva do gosto e prazer,
contribuindo para a construção de identidades e sentimentos pessoais. Mas nem por isso,
pensa Prandi (1997), e de outra forma também Pierucci (1998), o mundo reencantou. O
crescimento religioso decididamente não leva as atitudes e tomadas de decisões no âmbito
público e privado a um redirecionamento não secular.
Para Pierucci (1998), os sociólogos da religião que compartilham desta opinião
fazem uma leitura equivocada das empiricidades, apressando-se em se despedir das
modernas e agora também tradicionais e ultrapassadas teorias da religião; assim como da
teoria da secularização weberiana que, ao seu turno, está expirada, caduca, e não atende
mais à compreensão que precisa ser construída acerca da nova dinâmica social e,
evidentemente, religiosa. Todavia, argumenta Pierucci, falta a eles e a seus conseqüentes
arcabouços intelectuais instaurados uma percepção mais clara do que vem a ser o processo
de secularização e da discussão de Weber a respeito.
Sanchis (2001), ao participar de um GT que tinha por título Desencantamento e
formas contemporâneas do religioso mostra a mesma preocupação de Pierucci, tomando o
cuidado de resgatar Weber para argumentar, primeiro, que se trata de um processo, tomado
assim por Weber e ainda, hoje, um processo. Logo, intraduzível em uma etapa acabada,
finalizada, desencantada... desalentada, como diz ele. Segundo, em se tratando de um
processo, e um processo histórico de longa data que se dá de forma desigual no tempo e
espaço global, comporta minimamente um movimento de três eixos: o da diferenciação das
esferas sociais e especialização dos domínios e competências, em que a cosmovisão
religiosa perde espaço; o da racionalização, isto é, a desmagização que ocorre ao interior
das próprias religiões (vide a reforma protestante do século XVI, por exemplo); e resultante
do desencantamento religioso, a sua mundanização, uma menor rejeição do mundo, perante
a qual as religiões passariam a dialogar mais com a autonomia de outras esferas
(econômica, política, estética, etc.).
Assim, em Weber, secularização e desencantamento constituem-se em dois
processos distintos, porém fortemente imbricados. O primeiro mais amplo e abrangente,
abarcando o desencantamento do mundo. Este, por sua vez, historicamente mais longínquo
- 43 -
compreendendo o primeiro. Processos que põe à mostra as interconexões de racionalização
legal e racionalização religiosa. (Pierucci, 1998).
Em se tratando do desencantamento do mundo, Weber (1974; 1994) observa no
estudo da história das religiões o desenvolvimento de um determinado tipo de
racionalização crescente ao interior das mesmas. Ele se expressa no surgimento de uma
dimensão ética e em um expurgo gradativo da magia como meio de salvação. Com efeito,
as religiões éticas forjadas ao longo do processo histórico apresentam um cosmo coerente,
sistematizado e dotado de sentido. Nelas estão presentes tanto uma oposição entre este
mundo e o outro quanto uma explicação com base dualista: bem e mal. As religiões éticas,
principalmente as ascéticas, enfatizam uma salvação extra-mundana através de uma ação
metódica neste mundo. Sendo assim, são características basilares destas religiões uma
“visão de mundo” racionalizada e uma ação prática no mundo.
Já a secularização implica em redução do status religioso, perda do poder de
explicação para todas as esferas da vida. Uma luta travada entre ela e a modernidade
cultural na qual ela deixa de ser absoluta em favor de um crescimento cada vez maior e
mais fundante de outras esferas culturais-institucionais – científica, ética, estética,
tecnológica e, principalmente, legal – que explicam e administram a racionalidade
mundana. Falar de secularização é falar, sobretudo, da separação entre igreja e Estado
Moderno, laico, impessoal e soberano – mesmo que a imparcialidade e/ou veracidade de
tais fundamentos sejam questionados no desenvolvimento histórico – que se forja na
negação de pressupostos divinos. (Weber, 1980, 1994; Pierucci, 1998).
Neste sentido, a capacidade e legitimidade dos discursos das grandes religiões éticas
que se tornaram universais através de sua oposição a valores locais e particulares,
integrando povos de diferentes campos simbólicos em uma mesma norma de sentido, são
deslocadas em favor de outros valores universalizantes, como cidadania, democracia,
soberania e liberdade estruturados, todavia, em cada porção particular na qual institui-se o
Estado-Nação com sua territorialidade, língua, economia e símbolos próprios. É o universal
partilhado, vivenciado e realizado nas especificidades de cada Estado-Nação que passa a
reger discursos e práticas legais e legítimos. (Ortiz, 2001). Assim, a conceituação
weberiana da secularização muito mais do que tangenciar a conceituação da legitimidade da
autoridade e do ordenamento político dos âmbitos estatal e civil, os implica profundamente.
- 44 -
E isto não mudou. O Estado Moderno não deixou de ser laico; a racionalidade religiosa e
legal não voltaram a se fundir. Tal é a evidência, pelo menos até o momento, inelutável.
Sendo assim, diferente da perspectiva de Berger, por exemplo, o mundo não reencantou ou
dessecularizou, apesar do crescimento, fôlego e diversificação que a religião ganha nesses
tempos. Na verdade, ela nunca, de fato, desapareceu do cenário da humanidade a despeito
dos desejos iluministas, contudo, ela não é a mesma dos tempos pré-modernos. Muito pelo
contrário, ela, hoje, constitui-se em uma das muitas esferas que a Modernidade comporta,
dialogando com ela, com a racionalidade e conformando aspectos importantes das
identidades grupais e subjetivas. Ela é mesmo um esteio poderoso nestes tempos, mais um
entre tantos outros que a Modernidade oferece como possibilidade de escolha para os
sujeitos, que reflexivamente optam e elegem, a maneira de Weber, os deuses que querem
servir.
Desse modo, os tempos modernos favorecem a um variado lastro de combinações
sempre dinâmicas, individuais e coletivas, onde se inserem as relações construídas e
estabelecidas com a religião. É o que pode ser notado sob o aspecto específico da relação
Estado Moderno e Religião, cuja correlação de forças atualmente sofre alterações
significativas, modificando a posição da religião na contemporaneidade, segundo Ortiz
(2001), devido à intensificação da tendência de internacionalização da sociedade moderna,
ou em outros termos, ao “processo de globalização”. A atual “modernidade-mundo” que, de
diversas maneiras extrapola os limites dos Estados-Nação – o que não significa traduzir em
seu desaparecimento ou diluição em um todo mundial amorfo das especificidades culturais,
simbólicas e regionais circunscritas a cada espaço identitário que compõe o território nação.
Sem dúvida, está é uma outra interpretação possível para o crescimento e
multiplicidade do fenômeno religioso na atualidade. Sendo a globalização um processo de
caráter político, econômico, cultural e social que redefine a noção espaço-tempo (nada mais
moderno) e atravessa as fronteiras nacionais perpassando e comunicando de forma
diferenciadora e desigual os contextos – na medida em que esta articulação ocorre sob a
correlação de poder internacional – os Estados-Nação, também de forma diferenciada, são
impactados em suas definições políticas, econômicas e identitárias, perdendo poder. A
“conexão global” devido a todas essas dimensões que possui, de acordo com Pace (1997),
se caracterizaria por alavancar (ou seria intensificar?) um processo sempre cambiante de
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redefinições identitárias coletivas e individuais, fragilizando, assim, as delimitações
simbólicas de crença e pertencimento. Teríamos então, segundo este autor, a presença de
duas tendências: ou uma “mestiçagem cultural” cada vez mais intensa, ou o refúgio em
universos simbólicos que permitiram delinear realidades sociais compactas e coerentes,
aparentemente salvaguardadas da fragmentação atualmente tão marcante.
Este processo global com a conseqüente redefinição e enfraquecimento dos valores
estruturados em torno do Estado Moderno põe a religião em uma outra conjuntura. Para
Pace (1997) impõe-se a necessidade de deslocar o foco de análise centrado nas religiões em
diálogo com as singularidades de seus contextos específicos para acompanhá-las na
delineação do horizonte que atualmente circunscrevem. Ou seja, percebe-las enquanto
sistemas simbólicos que conseguem imaginar o mundo com problemas comuns
perpassando todos os contextos, pondo em comunicação o local com o global.
Ortiz (2001) vai na mesma direção, quando ao resgatar as religiões universais
discutidas por Weber argumenta que se por suas características tornaram-se restritivas com
a constituição do Estado Moderno – já que este, através de seus valores, passou a legitimar
o status de universalidade – agora, no atual momento de redefinições e quebra de fronteiras
pela modernidade, a transcendência e universalização dos povos inerente às grandes
religiões, antes contidas, parecem favorecer sua expansão. Desta maneira, além das
religiões incorporarem valores dos Estados Modernos, como democracia e cidadania, elas
ainda possibilitam a construção de discursos amplos e unificadores em torno de
problemáticas comuns, interagindo (e competindo) com outras esferas discursivas da
modernidade.
Uma representação disto é o debate acerca da construção de uma ética mundial
comum que oriente as condutas a partir de uma plataforma de valores prescritos
característica, aliás, formadora das religiões éticas -, que devem girar em torno de
referentes comuns e de dimensões planetárias, como a problemática ecológica, por
exemplo. As religiões estariam, assim, criando novas identidades, redefinindo um novo
paradigma “ecologicamente” orientado, pelo qual reveriam suas próprias categorias, como
Deus, a terra, o ecumenismo, a concepção de holismo, etc., dando-lhes mais plasticidade.
Sob este aspecto, a modernidade, neste seu novo momento, além de comportar a dimensão
privada e individualizada das expressões religiosas também estaria propiciando o
- 46 -
alargamento da influência de certas religiões na esfera pública, discutindo questões de
fórum comum e mundial
6
. (Ortiz, 2001). O que não significa dizer, volto a repetir, um
processo de dessecularização entendido nestes termos, isto é, uma substituição do Estado
Moderno pela religião. Esta última ganha espaço no cenário mundial público e privado,
mas concorrendo com outras esferas modernas, disputando o sentido dos agentes.
Um outro ângulo pelo qual se pode apreciar a discussão sobre a relação Estado,
religião e sociedade é a que é proposta por Giumbelli (2004) através de alguns debates
instaurados na França e no Brasil. Por meio da análise do relatório da comissão sobre a
laicidade criada pelo governo francês, que funcionou de julho a dezembro de 2003, e pelo
qual aquele governo se orientou para apresentar projeto de lei que desse outra formatação á
questão religiosa, Giumbelli argumenta acerca de uma oscilação entre a restrição e
imposição de limites ao religioso mediante os referenciais modernos e o reconhecimento da
sua irreversível e marcante presença, demonstrando, uma vez mais, as intricadas relações
que se constituem entre modernidade e religião.
Isto porque, entre outras coisas, o documento tanto constata o pluralismo religioso, a
desigualdade com que ele se manifesta e como é tratado na França – sobretudo, no que se
refere à religião islâmica – e a presença do “comunitarismo”
7
, quanto sugere resoluções
orientadas por determinados princípios norteadores da comissão. Estes referem-se a: 1)
separação entre Estado e religião, onde um não deve se envolver com os assuntos do outro,
ao mesmo tempo em que o Estado compromete-se em garantir a possibilidade de expressão
das religiões, elas devem abdicar de pretensões políticas; 2) um tratamento isonômico por
parte do Estado, em relação as religiões, enquanto elas devem abster-se de demandas
particularistas; e 3) o princípio de liberdade de consciência, que tanto dá garantias a
liberdade de expressão, quanto, mediante as exigências da ordem publica, garante ao
governo proteger os indivíduos contra qualquer imposição religiosa.
Assim, face o conteúdo do documento e os seus princípios norteadores as medidas
sugeridas vão no sentido de restringir e submeter os signos religiosos à ordem publica e às
6
Não obstante, a ocorrência de episódios como estes sejam comuns na história mundial das religiões. Ortiz e
Pace destacam exemplos das religiões árabes e japonesas, que durante suas histórias se relacionaram com a
política de seus respectivos países ora em forma de embates, ora contribuindo para a conformação pública e
política mesmas.
7
De acordo com giumbelli (2004), o comunitarismo diz respeito a uma exacerbação da identidade cultural
recorrente nas classes desfavorecidas, na qual as tradições sobrepõem-se às individualidades.
- 47 -
determinações do Estado laico, bem como de incluir a religião enquanto um fenômeno a ser
estudado em sua multiplicidade no cotidiano escolar. Aliás, é na escola francesa,
demonstra-o Giumbelli, o espaço preferencial para observar os encontros e desencontros
entre Estado e religião. Vide os protestos e manifestações que causou a proibição da
utilização do véu muçulmano nas escolas francesas.
Já em relação ao Brasil, o autor resgata debates e proposições estabelecidas entre o
executivo e o legislativo – em alguns casos, contando também com a incursão acadêmica
mediante pesquisas desenvolvidas e a elaboração de um parecer formal sobre o assunto –
materializados na abordagem do ensino religioso nas escolas publicas do Rio de Janeiro e
São Paulo.
Analisando textos produzidos durante o desenrolar desta temática na esfera pública,
Giumbelli identifica como fator conclusivo desta questão uma gradação de posturas
tradutora de opiniões diversas, mas implicadas, todas, com a visão laica do estado. Elas vão
desde a supressão da oferta do ensino religioso do espaço público, por entender que tal ação
deve ser de responsabilidade das próprias religiões, e, portanto, circunscritas ao âmbito do
privado; passando pela concepção intermédia de que deve haver um único programa
disciplinar constituído ou pelo saber acadêmico ou por uma entidade interconfessional, pois
reconhece-se a importância dos valores morais trabalhados no universo religioso para a
formação dos jovens, desde que os conteúdos sejam ministrados por licenciados na área das
humanidades, mesmo que em sua definição haja a participação de uma entidade
interconfessional; indo até a posição do governo carioca, que já deliberou – não sem
polêmica e controvérsias – por uma estrutura de ensino religioso custeada pelo poder
público, na qual os próprios religiosos serão os responsáveis pela formação e nomeação de
professores – já que deverá emitir documento atestando a aptidão destas pessoas -, assim
como, definir os conteúdos confessionais da matéria.
Para qualquer lugar que se olhe, seja no âmbito da regulação estatal e
eminentemente pública, seja voltando-se para o espaço da cotidianidade, o fato é que as
expressões religiosas no cenário moderno asseveram além da sua incontornabilidade, a
complexificação que trazem a este cenário pela plasticidade e flexibilidade das quais se
nutrem, construindo e reconstruindo significados por meio da dialogicidade que conseguem
- 48 -
estabelecer nas mais diversificadas instancias sociais, resignificando e multiplicando a si
próprias.
Esta assertiva é também inegável quando observamos o pluralismo religioso no
mundo e no Brasil. Autores como Jacob (2004), Pierucci (2004) e Sanchis (1997)
problematizam a composição e dinâmica do campo religioso brasileiro em termos das
imbricações possíveis entre aquilo que é tido como tradicional e o moderno. Baseados nas
informações obtidas das pesquisas censitárias do IBGE, uma das análises recai sobre a
constatação do declínio acentuado nos últimos vinte e cinco anos do catolicismo – a
religião majoritária do país, mas que nem por isso deixou de sê-lo, não obstante a sua
constante e gradual perda de fiéis. Fenômeno “natural” quando se trata de religiões
tradicionais, que, aliás, de acordo com Pierucci (2004), vêm se dando o mesmo com outras
duas: o luteranismo (uma das primeiras formações do antigo protestantismo que aportou
aqui no início do 1º Império) e a umbanda, religião elaborada no contexto nacional.
Contudo, mesmo com o predomínio católico – menos predominante hoje, mais
predominante antigamente -, o Brasil, um país desde sempre marcado pela “mestiçagem
cultural”, foi também desde sempre contemplado pela diversidade religiosa. Um pluralismo
que se tornou evidente nas matrizes católicas, africanas e espíritas a despeito dos discursos
construídos em torno de uma busca pela pureza e pela “verdadeira tradição” em certos
momentos históricos (Birman, 1998), e ainda hoje, em alguns casos, persistente. Sendo
assim, com exceção do “discurso puro” no Brasil sempre vigorou o jogo do sincretismo.
Nas palavras de Sanchis (Ibid): “Nem catolicismo puro, nem candomblé puro”. Some-se a
isto a chegada do espiritismo com sua orientação européia, para incrementar o “clima” já
diversificado, e a formação da umbanda, esta sim, explicitamente “mixada”, forjando-se na
síntese de signos espíritas e africanos. Sem mencionar as de menor representatividade,
como as orientais e protestantes – estas últimas não tão menor assim, já que são as que mais
crescem no país nos últimos vinte anos -, que contribuem para este “caldeirão religioso
brasileiro”.
Se nas religiões tradicionais e institucionalizadas, caracterizando, pela ótica de
Sanchis um aspecto do pré-moderno brasileiro (para mim nada mais moderno), já é
flagrante a comunicação entre elas e a diversificação ao seu interior – basta observar as
vertentes existentes no catolicismo ou espiritismo – em tempos mais recuados, na
- 49 -
atualidade o pluralismo religioso só tem se intensificado, com o diálogo extrapolando, e
muito, o universo das grandes religiões. Isto é explicável na própria dinâmica moderna,
originando-se com a quebra do monopólio religioso e do Estado laico. O predomínio da
Sociedade não religiosa em seus fundamentos possibilita uma transformação estrutural das
religiões, favorecendo a sua pluralidade cultural. Como argumenta Steil (2001), se do ponto
de vista de sua base, a sociedade moderna é a - religiosa, em se tratando da esfera da
cultura, de símbolos e significados ela é “politeísta”.
Na modernidade é possível tanto a tolerância religiosa (ou seria melhor pensar co-
existência, tendo em vista que esta multiplicidade nem sempre implica tolerância, mas
também competição num “mercado simbólico” em que a imputação de sentido e crença dos
fiéis é cada vez mais disputada?), quanto o surgimento de novos e a revitalização de velhos
rituais e crenças individualizados ou coletivos. Um quadro que pode levar ao fechamento
religioso, tendendo para um exclusivismo radical (menos presente no Brasil) ou a um
elastecimento das fronteiras religiosas, trocando e absorvendo significados não só de outras
expressões do mesmo campo, mas de outros domínios, como o filosófico, psicológico,
médico, ecológico. E, não sem menos veracidade, outros nichos também nutrindo-se do
discurso “sagrado”.
Assim, o campo religioso contemporâneo entabula um intercâmbio entre o
tradicional e o moderno criando ou intensificando traços presentes tanto nas religiões
tradicionais, quanto em manifestações esotéricas e alternativas agrupadas no chamado
movimento “New Age”. (Steil, 2001). A “privatização das religiões” se constitui em um
desses traços, por meio do qual os sujeitos podem selecionar elementos dos mais diferentes
sistemas religiosos, institucionalizados ou não, construindo desta maneira a sua própria
religiosidade, que pode ser manifesta desde a criação particular de um culto ou devoção a
um santo, até formas muito singulares de sentir a transcendência. Característica da
religiosidade moderna que se acentua pela disseminação de um mercado de bens simbólicos
religiosos (Ibid, 2001).
A privatização da religião se liga intimamente e se complementa com o trânsito
religioso. Face o advento da subjetividade e da escolha na modernidade o campo religioso,
plural, torna-se um terreno fértil de ofertas de sentido abertas à trajetória dos sujeitos, que
decidem qual ou quais crenças aderir e práticas a desenvolver.
- 50 -
Práticas e crenças individuais ou coletivas, singulares ou plurais, institucionalizadas
ou não, que têm adquirido força por um outro veio que exploram: a dimensão das
experiências vividas centradas no corpo e nas emoções, inscritas em uma racionalidade
religiosa, mas ultrapassando-a numa narrativa corporal cujo arrebatamento e sensações
vivenciadas são a tônica. O corpo, por meio do ordenamento cosmológico, vitalizado e
valorizado, principalmente nas religiões mediúnicas, como um importante lócus de
encontro com Deus, com o transcendental e consigo mesmo, torna-se parte constitutiva de
uma redefinição identitária e existencial. Até mesmo no aspecto terapêutico, onde o corpo
pode ser supliciado ou servir de meio para a busca do bem estar físico, psíquico e
emocional, enfim, da saúde.
O campo religioso contemporâneo mostra-se, assim, extremamente multifacetado,
vivo e rico de possibilidades. O que delineou-se até aqui, foi, sem dúvida, um amplo e
pálido esboço de uma configuração sempre dinâmica que se faz, desfaz e refaz nas
múltiplas relações tecidas sob vários ângulos e perspectivas entre religião e as esferas
constitutivas do mundo moderno. A discussão centrar-se-á agora na religião especifica
objeto deste tema dissertativo que, mediante a reconstrução de aspectos principais do seu
histórico e cosmologia, tornar-se-á clara a sua imersão no universo moderno em que
interage com ele, alimentando e sendo alimentada nas múltiplas instâncias significativas.
- 51 -
II
Espiritismo: Histórico e Cosmologia
Como visto até aqui, a modernidade se caracterizará pelo esforço da grande maioria
dos cientistas e intelectuais dos séculos XVII, XVIII e XIX em explicar os fenômenos
naturais e sociais por meios racionais, lógicos e científicos. Neste sentido, nas idéias
modernas não existe campo para explicações sobrenaturais ou “extraordinárias”. O
Darwinismo é não só amplamente aceito como transposto e reapropriado por outras esferas
do conhecimento científico. Marx e principalmente Comte são profundamente
influenciados pela doutrina da evolução das espécies. A filosofia positiva compreende o
contexto sócio-histórico-cultural enquanto submetido a uma lei fundamental de evolução
através da qual as sociedades passariam por três progressivos estágios. Todo e qualquer
complexo social, em sua fase embrionária, passaria pelo estado teológico, no qual
apreenderia os fenômenos tendo como fundamento a ação de agentes sobrenaturais; o
estado metafísico, considerando a natureza como fonte exclusiva de todos os fenômenos,
seria o período de transição em que a explicação pertinente ao primeiro estágio é
substituída por forças abstratas; e no estado último, o positivo, o espírito humano estaria
apto a explicar as leis efetivas que regem o universo e o mundo nos seus mais variados
aspectos e dimensões por meio de raciocínios lógicos, científicos. Tal filosofia, estágio
último de qualquer sociedade, se dedicaria a explicação dos fatos mediante o uso
combinado da razão e da observação. A argumentação para ser aceita, qualquer que fosse
ela, teria que necessariamente ser testada e comprovada pelos fatos (Comte, 1978). O
pensamento científico do século XIX, tendo por base uma concepção progressiva da
história, já encontra-se radicalmente dissociado de um plano divino que perpasse qualquer
explicação dos fenômenos. A ciência e o materialismo estão atrelados e contrapostos à
religião. O cientificismo é predominante na época.
Mas como nada que envolve pensamento e relações humanas é tão simplificado ou
reduzido a um só movimento, a Europa herdeira do século das luzes também presencia
manifestações de cunho espiritualista em várias áreas. Segundo Damázio (1994), no campo
filosófico, por exemplo, surge um espiritualismo eclético de inspiração pré-kantiana que
- 52 -
tem repercussões nos ambientes literários e artísticos. Além disso, há o mesmerismo
8
e o
sonambulismo, que favorecem as práticas do magnetismo e hipnotismo, muito difundidas
na Europa da época. E não só isso, a despeito do cientificismo cada vez mais abrangente,
limitando o âmbito de atuação da Igreja, proliferam correntes religiosas as mais diversas -
práticas de ocultismo e misticismo que vão desde a magia negra, passando por quiromancia
e astrologia -, numa espécie de contraponto tanto à Igreja, quanto à ciência.
Os Estados Unidos são também palco para vários movimentos religiosos. Entre eles
se sobressai o Moderno Espiritualismo pela sua característica de comunicação com os
espíritos e pela repercussão que tivera na Europa em meados do século XIX.
A manifestação mais freqüente de comunicação com os espíritos, principal aspecto
deste novo movimento, ficou conhecida como “mesas girantes”
9
. Os fenômenos que
receberam esta denominação iniciaram-se com pancadas, ruídos e movimentos de objetos
sem explicação plausível. A sua forma mais comum consistia na reunião de pessoas em
torno de uma mesa que passava a se movimentar, supunha-se, a partir de uma causa
inteligente: os espíritos. Foram utilizados diversos meios para realizar a comunicação.
Inicialmente, convencionando-se números de batidas para o que seriam as respostas de um
“sim” ou “não” às perguntas feitas. Depois, a utilização de copos com água, letras do
alfabeto, um lápis preso a uma cesta ou outro objeto qualquer que era posto sobre uma
folha de papel passando a se movimentar. O fato é que tais fenômenos se popularizaram e
atraíram a atenção de muitos curiosos, de pessoas que gostariam de falar com parentes já
falecidos e de outras que queriam explicá-los ou desmascará-los. (LE
10
, 1995; Santos,
1997 ).
Entre as que se interessaram pelas mesas girantes com a finalidade de explicá-las
estava o pedagogo francês Hyppolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869). Rivail estudou no
Instituto de Pestalozzi sendo, em sua formação, bastante influenciado pelo pensamento
deste. Foi tradutor de várias obras em inglês e alemão, autor de vários livros escolares e
simpatizante do mesmerismo, se interessando pelos fenômenos de magnetismo e
8
Corrente difundida por Mesmer na França em 1778. Postulava a existência de um fluído que envolvia e
penetrava todos os corpos. A obstaculização ou desequilíbrio do fluído seria a causa das doenças. A partir
desta concepção básica as ações desenvolvidas para o restabelecimento da saúde deveriam ser voltadas para o
fito de controlar a atuação do fluído através de técnicas de massagens. Era o “Magnetismo Animal”.
9
Este fenômeno ficou conhecido também como mesas falantes ou dança das mesas.
10
O Livro dos Espíritos
- 53 -
sonambulismo. Decorrente do exame das mesas girantes o pedagogo trava contato com
espíritos superiores, revelando agora sob outro prisma a existência dos espíritos e do mundo
espiritual. Desta comunicação com “entidades elevadas” através de um sistema de
perguntas e respostas Rivail – posteriormente adotando o cognome de Allan Kardec –
organiza e sistematiza as mensagens recebidas em cinco livros que em seu conjunto se
tornariam a obra basilar e fundadora da Doutrina Espírita ou Espiritismo (Silva, 2000).
O principal livro a compor a obra, que passou a ser conhecida também como
pentateuco kardequiano, é O Livro dos Espíritos, o primeiro a ser publicado em 1857 em
Paris, tornando-se o marco da doutrina espírita. Esta obra é fundamental por conter os
princípios do Espiritismo, tratando de assuntos como a imortalidade da alma, vidas
passadas, presentes e futuras, leis morais, natureza dos espíritos e suas relações com os
homens
11
.
Os outros livros a compor o pentateuco são O Livro dos Médiuns, publicado em
1861, que fornece explicações teóricas sobre a comunicação entre os homens e os espíritos,
as condições propícias para a sua realização e o desenvolvimento e exercício da
mediunidade; O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), dedicado à reinterpretação dos
ensinamentos do cristianismo a luz do espiritismo; O Céu e o Inferno (1865) e A Gênese
(1868), que a partir de uma abordagem científica trata da evolução do homem desde os
tempos mais primitivos
12
.
Kardec também funda uma revista, a primeira sociedade de estudos espíritas
regulamentada na França, faz várias palestras e reuniões mediúnicas, dedicando-se até o
fim da sua vida, e segundo os espíritas mesmo pós morte, ao estudo do espiritismo e de
seus fenômenos, assim como a sua propagação . A religião espalhou-se por vários países do
mundo, principalmente aqueles de influência francesa. Certamente, que este crescimento
não se deu sem traumas e embates com outros setores da sociedade. Na Espanha, em 1861,
trezentas obras espíritas foram queimadas em praça pública pela Igreja num auto-de-fé;
multiplicavam-se os sermões, publicação de artigos e notas em jornais na França e em
11
Conforme o espiritismo, estes assuntos foram transmitidos por espíritos como os de São João Evangelista,
Santo Agostinho, Platão, Sócrates e São Vicente de Paulo.
12
Além do pentateuco Kardec publicou outros livros dedicados à nova doutrina. Alguns deles são: Instrução
Prática sobre as Manifestações Espíritas (1859); O que é o Espiritismo (1859); Carta sobre o Espiritismo
(1860); O Espiritismo na sua Expressão mais Simples (1862); Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas ou
Primeira Iniciação (1864).
- 54 -
outros países contra o espiritismo. A Igreja considerou a nova doutrina uma heresia e
excomungou os seus participantes. Vários espíritas enfrentaram processos, acusados de
fraude. No Brasil, a doutrina de origem francesa cresceu célere, tornando-se um campo
fértil para o surgimento de várias vertentes. Contudo, ela enfrentou sérias dificuldades com
os setores eclesiástico, médico e jurídico. Assim, a doutrina kardequiana que asseverava
não ser apenas uma religião, mas também uma filosofia e uma ciência tentava se afirmar
em um contexto ao mesmo tempo plural e extremamente árduo. De um lado o catolicismo,
que não poupava esforços para combater a mais nova “heresia”, que a despeito de todas as
dificuldades multiplicava seus adeptos relativamente rápido; do outro, uma ciência
fortemente arraigada em concepções materialistas.
As características peculiares a este sistema religioso, bem como os fatores que
favoreceram a sua consolidação e expansão; e por outra, aqueles que se traduziam em
obstáculos e dificuldades no Brasil serão discutidas a seguir.
2.1. A Cosmologia Espírita
Compreendendo-o pela ótica Weberiana (1982, 1994), o espiritismo é, sem dúvida,
uma religião de caráter ético na medida em que opõe explicação à magia. No contexto em
que surge, essa oposição é tanto mais evidente já que a doutrina espírita tem como um dos
seus fundamentos a aproximação com a ciência, ou melhor dizendo, considera-se, ela
própria, em uma de suas vertentes, científica, já que era entendida em sua origem – e ainda
é - não só por Kardec mas também pelos inúmeros adeptos que a abraçavam sob um tríplice
aspecto, quais sejam: filosofia, religião e ciência. O próprio Kardec ao iniciar os seus
estudos e a codificação da doutrina enfatiza e procura priorizar a sua dimensão científica. O
que não causa estranheza, tendo em vista toda a educação que recebera e a formação da
qual era portador, sendo bastante influenciado pelo cientificismo predominante na época.
Conforme argumenta Damázio (1994), o pensamento de Hegel e Comte estão
presentes em Kardec. A forma de compreensão hegeliana da história, que remontava a
tempos primitivos enquanto realização de um plano divino e a tomada de consciência pelo
homem apreendendo o significado dos fatos, desencadeando a partir de então um processo
de desenvolvimento, e o “evolucionismo social” de Comte com os seus estágios evolutivos
- 55 -
são transpostos para a doutrina dos espíritos. Nela, esses elementos adquirem aspectos
novos, extrapolando os limites do material/concreto para a dimensão do invisível, do
mundo espiritual. Transcendência e finalismo, conscientização do homem e o processo de
transformação moral e social são alguns aspectos desta doutrina que procurava conciliar
religião e ciência para a explicação de fatos numa época cuja argumentação puramente
religiosa ou mágica esbarrava no intolerante racionalismo científico.
Enquanto religião, o espiritismo identificava-se com o cristianismo na medida em
que os livros de Kardec tinham como referência os ensinamentos do Cristo, enfatizando
valores morais. Na verdade, no sistema espírita, eles são os norteadores para a conduta e
relações humanas, e se constituem em um dos princípios basilares da doutrina. Diga-se de
passagem, este princípio é um dos aspectos da religião mais difundidos no Brasil, pois não
é a toa que se encontra apregoada na maioria dos centros espíritas a frase: “Fora da caridade
não há salvação.” No entanto, a “doutrina ética” guarda também algumas diferenças em
relação ao cristianismo. Este último, na sua versão de catolicismo ortodoxo, não aceita a
comunicação com os espíritos – característica, arrisco-me a dizer, ontológica do
espiritismo, na medida em que este não apenas aceita e se fundamenta nela como é , ele
mesmo, originado dela. Diferencia-o também do cristianismo tradicional a idéia de
reencarnação e da preexistência do espírito à vida corpórea, bem como a concepção de
aperfeiçoamento do espírito por meio de evolução moral obtida a partir dos esforços
individuais.
Enquanto ciência, houve uma forte preocupação em estabelecer um método de
comunicação com os espíritos que pudesse ser testado, comprovado, repetido e, mais do
que isso, controlado, bem a estilo da ciência experimental da época. Nesta perspectiva,
ganham importância fundamental os “médiuns”, pessoas que devido as suas “faculdades
especiais” podiam se comunicar ou servir de meios de comunicação entre os espíritos. A
sua importância é tão grande que a segunda publicação de Kardec, O Livro dos Médiuns, é
dedicada a eles e às comunicações.
A argumentação racional, lógica, dotada de coerência e sentido para a explicação
tanto dos fenômenos mediúnicos quanto de todo o arcabouço da doutrina é também fonte
de preocupação para Kardec. Sem deixar de lado a parte moral, o pedagogo francês, ao
longo dos 14 anos que esteve a frente do espiritismo procurou dotá-lo de um estatuto de
- 56 -
cientificidade. Uma ciência que fosse o contraponto daquela impregnada pelas concepções
materialistas. Uma ciência que comprovasse a existência dos espíritos e do mundo invisível
enquanto uma realidade objetiva, natural e tangível, susceptível inclusive à experimentação
e ao controle. (Ibid, 1994; Santos, 1997).
Quanto à vertente filosófica da doutrina, a não ser pelo O Livro dos Espíritos que
por trazer os princípios do espiritismo é considerado uma obra filosófica (LM
13
, 1995) não
encontrei registros a respeito deste aspecto. Santos (1997) argumenta que esta vertente nem
mesmo chegou a ter penetração no Brasil. Dito isto, passemos a analisar mais detidamente
os elementos mais marcantes do espiritismo, assim como os postulados da doutrina - a
caridade, a mediunidade e o estudo - que, não obstante, já terem sido mencionados de
forma difusa, merecem um pouco mais de atenção. Para tanto, vejamos o que estudiosos
como Weber e Geertz têm a nos dizer sobre “a religião” de uma maneira geral.
A religião, na visão weberiana, conforma um modo de vida: nela são originados
certos impulsos e disposições psicológicas contribuintes para a ação. Neste sentido, para
Weber (1974; 1994), a religião é capaz de proporcionar a formação de modos de
compreender e agir no mundo. Mas não só isso, pois na medida em que é dotada de uma
ética própria cuja característica fundamental é o conteúdo de sua “anunciação e promessa”,
a religião ao mesmo tempo em que abarca e atende a uma “constelação de interesses” das
camadas sociais que a ela aderem, permite a reelaboração destes mesmos interesses nos
contextos da ação. Há, assim, a ocorrência de dois movimentos: 1º) a religião enquanto uma
instância própria, possuidora de um cosmos sistematizado e racionalizado, influencia e é
influenciada por outras esferas do social; 2º) para além de uma influência mútua, no
contexto de interação se dá uma reformulação dos interesses, pois, segundo Weber, na
medida em que a religião ganha novos adeptos ela é reinterpretada.
Com tais formulações o autor procura não só se contrapor a análises estáticas e
reducionistas da religião, mas dar conta de uma dimensão extremamente dinâmica e fugidia
que permeia o campo religioso, só possível de apreender no contexto de uma sociologia da
ação.
13
“O Livro dos Médiuns”
- 57 -
Geertz (1978) se aproxima de Weber ao conceber a religião enquanto um sistema de
símbolos que incorpora padrões de significados/concepções, relacionando-se com valores e
com o meio social na qual está imersa. Através do seu sistema simbólico a religião é capaz
de concomitantemente refletir e modelar várias realidades, pois há uma fluente
comunicação entre religião e as outras esferas da vida social. São essenciais na religião
duas dimensões que se reforçam mutuamente: ethos e “visão de mundo”. Para o autor:
... Os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo – o
tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo e disposições morais e
estéticas – e sua visão de mundo – o quadro que fazem do que são as
coisas na sua simples atualidade, suas idéias mais abrangentes sobre
ordem. (p.103,104).
A “Visão de Mundo” reflete a dimensão mais intelectualizada da religião, a esfera
em que ela procura oferecer respostas para as questões do mundo como o sofrimento, o
mal, a desigualdade, a injustiça, etc., constituindo a sua “dimensão teórica”; e por ethos se
entende um certo tom, clima - que tem em grande medida a sua construção no ritual -,
correspondendo a um certo estado de espírito – uma forma de viver que marcaria a religião.
Desta maneira, para Geertz, os indivíduos, por meio da religião, estão adquirindo certas
disposições e experienciando certos atos e sentimentos, construindo uma maneira muito
própria de “estar no mundo”, de compreendê-lo e de se posicionar frente a ele. Neste
sentido, as religiões não se diferenciam apenas em termos de cosmologia, mas também em
termos de disposições emotivas/efetivas, em termos de ethos.
Passemos agora a uma exploração dos aspectos relevantes da Visão de Mundo
espírita e para tal utilizamos em grande medida as fontes da literatura espírita e o trabalho
de Castro (1983) sobre esta religião. Esta autora destaca duas grandes categorias analítico-
explicativas para dar conta do sistema espírita e de sua cosmologia. Uma, refere-se ao par
“Mundo Visível e Mundo Invisível” (MV/MI) estruturante da visão de mundo da doutrina
que comporta aspectos de dualidade, complementaridade e da comunicação dos homens
com os espíritos; a outra, diz respeito à “noção de pessoa” inerente a este sistema, através
da qual podemos melhor compreender noções tão caras ao espiritismo como as de carma,
- 58 -
reencarnação, o “jogo” existente entre o livre-arbítrio e o determinismo, concepções de
progresso, evolucionismo e até mesmo de saúde, doença e tratamento.
Mediante este escopo tentaremos apreender os princípios (mediunidade, caridade e
estudo) e as características mais marcantes da doutrina que além de estarem presentes nas
concepções e práticas – em relação a estas últimas leia-se principalmente rituais -
contribuem incisivamente para a conformação do “ser espírita”. Sendo assim, com o intuito
de desenrolarmos da melhor maneira possível este “novelo de lã”, peguemos o “fio da
meada”, e, como o bom tom requer, comecemos pelo início.
O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns nos fornecem informações
importantes acerca das concepções desta religião que a particulariza concomitantemente
distanciando-a e aproximando-a de outros sistemas ordenadores de sentido e de visão de
mundo. A primeira delas diz respeito às concepções de princípio vital e alma.
O Principio Vital é entendido como:
O princípio da vida material orgânica... que é comum a todos os seres
vivos... [Ele] é coisa distinta e independente (...) [que] se encontra num
fluído especial, universalmente espalhado, do qual cada ser absorve e
assimila uma parte durante a vida... Este seria então o fluído vital, que
segundo certas opiniões não seria outra coisa senão o fluído elétrico
animalizado, também designado por fluído magnético, fluído nervoso, etc.
(LE, p. 15, 1995).
Há de se notar neste trecho a extrema semelhança com o mesmerismo em seu
fundamento último, o fluído vital. Já o fluído universal, isto é, o fluído especial que es
universalmente espalhado, é o veículo do sentimento, pensamento e vontade dos espíritos.
Possui variadas gradações, indo desde o mais intangível e imponderável até o mais
ponderável e concreto. Ele tanto compõe o corpo quanto o períspirito. Dessa maneira, o
fluído vital é apenas uma modalidade do universal. É por meio dos fluídos que se opera a
comunicação entre os mundos visível e invisível. Eles são os principais veículos deste
intercâmbio constante.
No tocante à discussão sobre a alma, n’ O Livro dos Espíritos há o cuidado de se
traçar as diferenças de entendimento entre o espiritismo e outras formas religiosas.
- 59 -
Enquanto para o primeiro ela é compreendida como o ser imaterial e individual que existe
no corpo e sobrevive a ele, conservando a sua individualidade após a morte, para uma
vertente do Panteísmo, por exemplo, a alma é um agente universal do qual cada ser absorve
uma porção. Ela, única em todo o Universo, é distribuída para os seres inteligentes durante
a vida, mas após a morte a centelha fragmentada volta à fonte original reintegrando-se e
confundindo-se com o todo universal. O espiritismo, ao buscar marcar esta diferença de
concepção aviva um traço fundamental das sociedades ocidentais modernas que é a noção
de “individual” ou “indivíduo”.
Outros aspectos encontrados nas obras kardequianas referem-se às noções de carma,
reencarnação e evolução. Segundo a doutrina espírita, a lei cósmica é a do progresso, da
justiça e do amor. Os espíritos perante as leis de Deus estão destinados à perfeição, mas
para chegar a ela, precisam passar pelo processo evolutivo habitando vários corpos e vários
mundos. É a “pluralidade das existências” e dos “mundos habitáveis”. Deus cria os
espíritos simples e ignorantes – há, portanto, um ponto zero, um início – a fim de que
cresçam e evoluam. Deus assim os faz – argumentam os espíritas - para que cheguem à
perfeição por seu próprio merecimento, pois se “O Pai” já os criasse perfeitos não haveria
mérito para a individualidade espiritual gozar da felicidade celestial eterna.
Para que os espíritos se desenvolvam necessário se faz que experimentem, que
conheçam, que convivam uns com os outros para aprender e exercitar as leis divinas de
justiça e amor. Assim, explica-se a necessidade da existência do mundo físico, pois este é o
plano onde o espírito vem “à baila” habitando um corpo para que possa progredir em
direção à perfeição. Nesta perspectiva, o corpo físico, o planeta e a vida material, embora
necessários, são entendidos como passageiros, transitórios, um breve lapso de tempo em
comparação ao espírito e à vida espiritual que são imortais. Só que a perfeição não pode ser
obtida em apenas uma existência física tendo em vista a sua brevidade. Então, o espírito ao
desencarnar, isto é, ao desligar-se do invólucro corpóreo por ocasião da morte deste, volta à
liberdade e à verdadeira vida espiritual.
Contudo, a necessidade de evolução persiste, e o espírito que está em um estado de
erraticidade
14
, sofre a ação desta lei para volver ao plano terrestre, ou seja, reencarnar, a
14
Período em que o espírito em evolução está livre do corpo, situado entre duas encarnações ( a que viveu e a
que ainda viverá), podendo estar evoluindo ou não.
- 60 -
fim de continuar o seu trajeto evolutivo. Mas onde insere-se neste contexto a noção de
carma? O espírito ao ser criado é dotado de livre-arbítrio relativo, possuindo liberdade para
escolher entre o bem e o mal, entre as ações edificantes e elevadas propugnando as leis de
amor, caridade e justiça para com os seus semelhantes; ou optar pelas más ações que estão
imbuídas de orgulho, egoísmo, vaidade, soberba, inveja e outros tantos defeitos, retardando
assim o seu progresso. Todavia, ao proceder desta última forma e por possuir um livre-
arbítrio relativo, ele fere as leis divinas de justiça e amor. Pelo fato de existir um
determinismo para o bem, o espírito contrai para si os débitos que terá que saldar em outras
existências, pois, segundo esta religião, nada que é feito de errado indo de encontro às leis
de Deus permanece impune. Desta forma, para corrigir os seus erros, restabelecer o
equilíbrio individual e cósmico e retomar a marcha evolutiva o espírito é chamado a habitar
um novo corpo a fim de expurgar suas faltas e assimilar as leis de amor e caridade. As
causas das aflições terrenas, dos sofrimentos, das doenças e desigualdades individuais e
sociais são explicadas a partir desta perspectiva.
Já as noções de reencarnação e carma foram incorporadas de outros sistemas
religiosos, não sendo originárias do espiritismo. Elas remontam a uma época bem mais
antiga de origem egípcia, grega e hindu. No período de Kardec estas concepções eram
conhecidas por “Metempsicose”, e o codificador da doutrina, ao resgatá-las, procura
esclarecer as diferenças entre o espiritismo e esta corrente, rejeitando-a na medida em que
ela postula a transmigração das almas entre homens e animais durante as sucessivas
existências. Segundo Kardec, a alma que habita um corpo humano não poderá em outras
vidas habitar a de um animal que é evolutivamente inferior ao primeiro (Santos, 1997), pois
isto violaria a lei de evolução e progresso pregada pelo espiritismo. O máximo que o
espiritismo admite é que o espírito estacione, já que detentor do livre-arbítrio pode escolher
não querer evoluir, permanecendo no estágio em que se encontra. Só que até mesmo esta
atitude é temporária, não podendo o espírito adotar esta postura por toda a eternidade, pois
há o determinismo divino, e este propugna a evolução em direção ao bem e à perfeição.
A crença na reencarnação parece difundir-se cada vez mais no cenário religioso do
Ocidente moderno, contrastando com o declínio daqueles que crêem em céu e inferno.
Aliado a isso está também um incremento dos que dizem acreditar em algum tipo de
espírito ou força vital, enquanto há uma sensível queda daqueles que declaram crer em um
- 61 -
Deus criador e pessoal. Essas duas tendências levam autores como Campbell (1997) a
defender a tese de que atualmente o ocidente está passando por um processo de
“orientalização” devido ao fato de que a teodicéia peculiar ao pensamento e às práticas
ocidentais está sofrendo um deslocamento ou substituição por outra do oriente.
O autor crê que o processo de orientalização não depende tão só de idéias
provenientes do outro lado do mundo, mas é facilitado também por determinados tipos de
movimentos que não obstante sejam de uma tradição cultural nativa ao Ocidente guardam
semelhanças com elementos culturais do Oriente. E fala de pelo menos três: uma vertente
cristã iminentemente mística, o neo-paganismo e os movimentos ambientalistas.
Velho (1997) vê com certo cuidado as observações de Campbell, e embora
concordando com ele a respeito do declínio das religiões católicas, chama a atenção, dentre
outras coisas, para a capacidade de mutação e de renovação do próprio paradigma das
religiões ocidentais históricas; bem como, em se tratando do Brasil – e aí o nosso interesse
particular -, da evidência histórica do que ele denomina de uma “ ‘heterodoxia das crenças
populares em relação a um ‘paradigma ocidental’...”(p.24), ou ao nosso turno, poderíamos
falar de um sincretismo sempre marcante no contexto nacional.
Pois bem, o que nos importa desta discussão são fundamentalmente dois aspectos.
Um, trata-se da penetração do espiritismo no Brasil e da maneira como esta se deu,
ocasionando uma proliferação de formas quando não dissidentes ao menos diferenciadas do
espiritismo europeu, muito por conta do “ambiente cultural” altamente sincrético,
favorecendo à combinação de elementos aqui já existentes com os da religião francesa que
não eram, em absoluto, incompatíveis ou estranhos entre si. Isso nos leva a concordar com
a observação de Velho a este respeito. No entanto, a consolidação e expansão do
espiritismo no país é assunto para a próxima seção.
O outro aspecto, e no momento o mais importante, refere-se ao processo de
“orientalização do ocidente” identificado por Campbell a partir das tendências já
mencionadas, entre elas a significativa ascensão da crença na reencarnação. Sob esta
acepção, e tomando por referência o diálogo estabelecido entre o espiritismo e a
Metempsicose poderíamos pensar que este processo de orientalização já se manifestava
desde o século XIX, embora, é verdade, de forma diminuta, e não tão agudizada como
identifica o autor na atualidade, principalmente porque não se trata àquela época de
- 62 -
movimentos ou concepções generalizadas. Antes sim, de uma religião que crescia
rapidamente incorporando elementos do seu contexto local e temporal, a exemplo dos
aspectos científicos que absorve e reelabora, fazendo o mesmo com a noção cármica
oriental.
Sendo assim, uma vez mais Geertz e Weber nos são extremamente esclarecedores
ao conceber a religião enquanto uma instância própria, mas em constante diálogo com o
meio social, relacionando-se com outros âmbitos, e porque não dizer, com outras instâncias
religiosas, negociando símbolos e significados, construindo sua “visão de mundo”: um
cosmos coerente, sólido, significativo, mas não hermético ou fechado em si mesmo. Foi,
sem dúvida, o que ocorreu com o espiritismo desde a sua origem e por todo o seu histórico.
Um constante “negociar de interesses”, em que não obstante mantendo um núcleo firme de
concepções e de formas de agir no mundo modeladores de realidades, era também
modelado por elas, incorporando outros signos, dialogando com outros âmbitos do social.
Outro aspecto relevante da cosmologia espírita é a “noção de pessoa” inerente a este
sistema e que é trabalhada por Castro (1983). Segundo ela:
A pessoa é o ponto de convergência de todo esse sistema. Ela é o lugar no
qual e através do qual Mundo Invisível e Mundo visível se conectam.
Nela, os dois eixos que ordenam a relação entre os dois mundos se
cruzam. (p.42).
A pessoa na doutrina espírita é compreendida enquanto a junção de três elementos
básicos: corpo, períspirito e espírito. Estes, em seu conjunto, aliados ao que poderíamos
chamar de grandes categorias “bem” e “mal”
15
e mais a relação estabelecida e
continuamente revivida entre as dimensões Mundo Visível e o Mundo Invisível
fundamentam as concepções deste sistema. Estas, em sua totalidade, ao passo que norteiam
negociam com as formas de pensar e agir imanentes aos seus membros, conformando o que
vem a ser “um espírita”. Sendo assim, passemos a analisar estes elementos tão importantes
que compõem a “Pessoa”.
15
Estas categorias em sua amplidão abarcam noções como as de superioridade/inferioridade,
materialidade/espiritualidade e conduta moral.
- 63 -
O corpo é o invólucro material animado pelo fluído vital e pela alma, que o habita
para progredir, com o intento de expurgar através dele as suas faltas, lograr méritos, ou
ainda, tendo em mente o livre-arbítrio, adquirir novos débitos, permanecendo estacionário,
sem evoluir. Nesta perspectiva, o corpo é instrumento indispensável para a evolução do
espírito, e enquanto tal, ao mesmo tempo em que é revelador da necessidade de seu
progresso o é da sua imperfeição, da sua inferioridade em relação à espiritualidade superior.
Ele, no mundo, é o “tabernáculo” da provação. Nele inscrevem-se as tentações, os vícios,
paixões e hábitos que simultaneamente demonstram a condição de espírito materializado,
preso aos sentimentos mundanos que retardam ou mesmo impedem a sua evolução moral.
Um espírita, sabedor disso, deve então extirpar de si esta condição inferior, estes defeitos
que o materializam. Há uma busca contínua do controle do corpo e das emoções por meio
da disciplina. Qualidades como calma, paciência, discrição e sobriedade são
constantemente referenciadas compondo o ethos espírita e imprimindo também uma
modelagem corporal específica.
Principal componente do Mundo Invisível, o espírito, imortal, é detentor de
inteligência e vontade – atributos do livre-arbítrio – que juntos o constituem enquanto
subjetividade e lhe atribuem responsabilidade e sentimento de culpa.
O períspirito é o elemento intermediário e unificador do corpo e do espírito. É
composto por uma parte mais grosseira que é destruída com a morte do corpo físico, e por
outra mais sutil, conservado pelo espírito após a sua liberação do corpo. O períspirito e o
fluído universal são os que possibilitam a comunicação entre os dois mundos
16
.
Castro (1983) nos informa que o homem, neste sistema, é apreendido a partir da
dupla natureza espírito e matéria. É o composto onde MV e MI se encontram guardando
cada qual suas particularidades. É nele, por meio do períspirito, onde os dois mundo se
entrecruzam.
Os Mundos Visível e Invisível idealmente se opõem no sentido de constituírem
realidades distintas e de natureza contrária, conquanto uma apresenta-se material/concreta e
a outra espiritual/intangível. Mas também mantêm entre si uma relação de
16
Trata-se dos fenômenos mediúnicos, pelos quais uma pessoa cede o seu corpo para que um espírito
destituído deste se comunique.
- 64 -
complementaridade na medida em que o último engloba e fornece sentido ao primeiro. E
este alimenta o outro, tendo em vista que se apresenta como meio indispensável para a
evolução do espírito – principal componente do MI.
Esta relação complementar se efetiva pelos eixos sincrônico e diacrônico. O
sincrônico diz respeito a uma relação espaço-temporal atualizada, é o aqui e o agora. É a
comunicação espiritual propriamente dita ou ainda a constante relação que os espíritos
mantêm com os homens de diversas maneiras, influenciando-os. Já o diacrônico
corresponde às passagens que cada espírito opera de um mundo a outro, ou seja, é a noção
mesma de reencarnação. (Ibid, 1983).
Isto posto, percebe-se o quanto o períspirito é fundamental na conexão dos dois
mundos em ambas as perspectivas sincrônica e diacrônica. É por meio dele que, no eixo
sincrônico, torna-se possível a comunicação dos espíritos com os homens. O ser desprovido
de corpo usando o fluído vital se liga ao médium
17
conectando-se a este aparato semi-
material. Explicita-se assim, de forma contundente, a relação entre as duas dimensões.
Já em relação ao eixo diacrônico, disseram-me vários espíritas, é no períspirito que
ficam registradas, a semelhança de um filme fotográfico (comparação muito usual entre os
adeptos), todas as impressões, todos os atos da vida anterior, bem como quase todas as
“marcas” que o implemento físico virá a ter. Com efeito, ele é o modelador do corpo e em
grande medida o depositário do carma. Muitas doenças irresolúveis até o momento pela
biomedicina, como o câncer por exemplo, teriam suas causas em vidas passadas
constituindo-se na expiação de erros de outrora. Antes de manifestar-se no corpo a doença
conservasse-i-a em estado embrionário, como um gérmen, gravado no períspirito, podendo
ou não resvalar no corpo em tempo propício, ou ainda, quem sabe, uma vez manifestada
podendo ser curada. Isto vai depender dos méritos pessoais adquiridos frente a boa
utilização do livre-arbítrio, podendo assim alterar o carma, pois como já foi dito, na
doutrina espírita determinismo só há para o bem.
Sobre o eixo da diacronia existe ainda mais um ponto a ser ressaltado. Castro
observa as continuidades e descontinuidades da trajetória evolutiva do espírito, que
sucessiva e alternadamente transita entre os dois estados, quais sejam, os de encarnado e
17
Pessoa que possui as faculdades necessárias para possibilitar que o espírito comunique-se através dela.
- 65 -
errante, com o fito de chegar a um terceiro, o de espírito puro; e ainda a relação desses
estados com o fato do livre-arbítrio incompleto e relativo estar submetido ao determinismo
(absoluto) das leis divinas gerando uma oposição de pessoa a qual denominou de “Eu
maior X Eu menor”.
O Eu menor é a representação do espírito no mundo corporificado. É a identidade
dessa encarnação, e como tal, apenas parte da essência do espírito. Desta maneira,
compreende-se enquanto Eu menor por ele não poder manifestar todas as suas
potencialidades devido as limitações que o corpo lhe impõe; assim como, não exteriorizar a
sua personalidade plena, que em grande parte permanece adormecida pela injunção do
esquecimento ao qual é submetido no momento que “mergulha na carne”.
Em oposição ao Eu menor, o Eu maior equivale aos outros dois estados da
existência do espírito: o errante e o puro. Este último refere-se à identidade plena e
absoluta, o que podemos traduzir em Perfeição, irrealizável do ponto de vista carnal, isto é,
do espírito enquanto na representação do Eu menor.
Ainda em relação ao Eu maior, a autora argumenta que o espírito ao alcançar o
cume da trajetória evolutiva, atingindo sua identidade plena, o grau máximo de livre-
arbítrio e de afirmação da individualidade simultaneamente se nega. Isto por que:
O Espírito puro não está mais sujeito à encarnação, iguala-se a Deus no
sentido em que passa a transcender a oposição entre os dois mundos,
reintegrando-se e desfazendo-se no Todo, na Indistinção, na Plenitude, na
Perfeição.(Ibid, 1983, p.48).
Ora, ao chegar a esta conclusão Castro acaba por adotar uma concepção panteísta
para uma religião que busca afirmar incisivamente a dimensão individual mediante toda
uma construção analítica voltada para duas de suas características mais fundamentais: o
moral e o intelectual. Ao dizer o que diz, a negação não é só da identidade distintiva do
espírito mas do próprio espiritismo. Pensemos, pois, no alcance da perfeição postulada pela
religião? Sim. Na perfeição absoluta? Creio que não. A perfeição existe e é desejada, é tida
como meta, mas assim como o livre-arbítrio, ela é relativa. Relativa a ela mesma, relativa à
individualidade, que sendo uma parte do todo não se confunde com ele, é antes relativa a
- 66 -
ele. Se assim não o fosse, a hierarquia que perpassa todo o sistema de uma ponta a outra, e
que é tão bem descrita pela autora, cessaria em algum momento, em algum ponto.
Ela, a hierarquia, está presente na relação entre MV e MI, homem
encarnado/espírito, espírito superior/espírito inferior e também, claro, espírito superior ou
puro/Deus. Pois Deus é sempre Deus nesta religião. O espírito, ao ser criado e iniciar a sua
trajetória evolutiva a partir do ponto zero é animado pela centelha divina. Desta forma, é
composto por Deus, mas é também ele mesmo, particularidade. Veja, na sua origem ele já é
individual. Retornando a ele após passar por um longo processo em que robustece a sua
individualidade, afirmando-a de forma mais contundente, ao atingir o seu grau máximo ele
se tornaria indistinto? Diluído? Esta parece não ser uma boa “recompensa” num sistema
que atribui aos próprios ombros do indivíduo tanta responsabilidade e culpabilidade pelos
seus erros, bem como o sofrimento que eles geram, ou a felicidade e depuração que o
resgate deles proporciona a caminho da perfeição por méritos próprios.
E para alcançar méritos no caminho da perfeição esta doutrina dispõe de três
postulados básicos que devem perpassar a vida de todo aquele que se designa espírita.
Passemos agora a tratar da “caridade”, do “estudo” e da “mediunidade” – princípios
presentes em todos rituais espíritas.
2.1.1. A caridade
O espírito para atingir a perfeição percorre um trajeto evolutivo que é de sua inteira
responsabilidade. Os atos que pratica para o bem ou para o mal, impulsionando ou
retardando a sua evolução, embora compreendidos numa dimensão individual, isto é,
entendidos enquanto iniciativas oriundas do próprio indivíduo, são necessariamente
lançados ao “outro”. O bem ou o mal que se faça a outrem de uma forma ou de outra
retornará para si, nesta ou noutra encarnação. De acordo com os nossos pensamentos
18
e
atos, em que estão envolvidos os outros, adquirimos méritos, tornando-nos indivíduos
melhores, ou contraímos débitos, demorando-nos em um estado “inferior”, às voltas com
18
Segundo os espíritas o pensamento é “força”. Produz um efeito efetivo a curto ou longo prazo. Daí há uma
preocupação também com a reformulação dos pensamentos. Na concepção espírita, para que uma pessoa se
torne alguém melhor não basta apenas modificações exteriores e superficiais. É necessária uma transformação
interior, uma reformulação não só de atos mas primeira e principalmente de pensamentos, imprimindo-os de
uma outra qualidade (energética/fluídica) mais positiva.
- 67 -
nossas paixões humanas. Para evolução, pois, torna-se imperativo o amor ao próximo. Este
tem que ser exercitado a todos os momentos dos pequenos aos grandes atos. A caridade
tanto em sentido amplo quanto restrito
19
é assim a forma prática de viabilizar este amor e o
meio pelo qual pode-se evoluir em direção à perfeição. Nesse sentido, a evolução não
obstante de responsabilidade individual está atrelada à relação que se estabelece com o
outro. A minha evolução passa pela contribuição que posso ofertar à evolução do outro.
Visto de um outro modo, o outro é parte integrante de mim, eu sem ele nem mesmo posso
ser eu. Sem o outro não posso desvencilhar-me das minhas paixões ou, para aqueles que
preferirem, não posso sequer exercitá-las. Ninguém cresce espiritualmente em uma ilha
deserta. Numa perspectiva antropológica, numa ilha deserta ninguém se torna sequer
homem.
O outro é assim fundante do meu ser, essencial para a minha identificação com o
cosmo gerando equilíbrios ou desequilíbrios de acordo com a qualidade da interação entre
“eu e o outro”. Desta forma, a caridade em sentido amplo além de propiciar a evolução é
possibilidade de equilíbrio cósmico, ou ainda, como salienta Castro, “a caridade é uma cura
de si mesmo através do outro.” (p.70).
2.1.2. O Estudo
Nascido num contexto em que a ciência dominante invadia todos os âmbitos com
suas concepções, o espiritismo valoriza muito a aquisição de conhecimento através do
estudo. A interiorização da doutrina, isto é, o processo de formação doutrinal passa pela
escrita e pela leitura. O hábito de ler é um dos traços distintivos mais importantes da
religião
20
. Assim sendo, esta ênfase no livro e na leitura tem um correspondente direto com
19
A caridade em sentido amplo é entendida enquanto toda atitude que vise o bem do semelhante, estariam
inclusos aí uma prece dedicada a alguém, o atendimento de espíritos sofredores numa reunião mediúnica, a
aplicação de um passe, etc. Enfim, qualquer ação a serviço e por amor ao próximo.
Por caridade em sentido restrito entende-se as atividades assistenciais muito praticadas nos centros espíritas.
20
No entanto, esta característica, sem dúvida alguma marcante do espiritismo, pode ser um tanto quanto
relativizada no que se refere às práticas de alguns espíritas. No centro mesmo onde a pesquisa foi realizada, a
leitura não é um hábito tão cultivado entre a maioria dos seus membros, embora incentivada pelos dirigentes.
Com isso, chamo atenção simplesmente para o fato de que a despeito de uma estrutura doutrinal bastante
consolidada, com um sistema possuidor de características próprias bem definidas que podem e atribuem
mesmo um “perfil” ou “jeito de ser” espírita, este não é solidificado. Nas práticas há uma dinamicidade e um
complexo “jogo de negociações” com uma constante permuta dos elementos que estão em pauta, nos quais
- 68 -
o alto índice de publicações. Desde a sua origem na França, como no Brasil, este aspecto e
a preocupação em proporcionar os meios para o seu favorecimento foram sempre uma
constante.
A valorização do estudo está tanto relacionada a características estruturais do
sistema de crenças
21
quanto a um símbolo de status. Ela pode ser traduzida como uma
resposta às acusações de misticismo e crendice de que o espiritismo foi alvo durante a sua
história de consolidação e expansão no Brasil. (Ibid, 1983). Compartilha desta mesma
opinião Lewgoy (1998), quando diz que:
...A ênfase no livro e na leitura corresponde a um desejo de
respeitabilidade social dos espíritas brasileiros, mas que também demarca,
por essa via, as fronteiras de seu culto perante a umbanda e o candomblé,
religiões populares de tradição fundamentalmente oral. (p. 96, 97).
Este autor, a partir da utilização de noções como “intertextualidade”, “interautoria” e
“verossimilhança” faz uma análise do fenômeno da literatura espírita no Brasil que,
segundo ele, além de mobilizar um universo de milhões de leitores possui publicações cuja
triagem tem números semelhantes aos alcançados por Jorge Amado e Paulo Coelho.
Lewgoy chama a atenção para a necessidade de um estudo aprofundado acerca do papel da
escrita e da leitura na construção social da identidade espírita no país. E isto tanto mais é
necessário quando se pensa que elas estão presentes em todos os rituais da religião. Numa
doutrinária – palestra aberta ao público – um orador faz a sua palestra baseado em textos e
livros espíritas que leu. Em uma reunião mediúnica tanto ocorre o estudo das lições d’ O
Livro dos Médiuns e d’ O evangelho Segundo o Espiritismo quanto a psicografia
22
. Assim,
a escrita, a leitura e o estudo são fundamentais para este sistema, embora, como já
observado, às vezes não se constitua numa marca tão forte em alguns membros da doutrina.
estes “perfis” são continuamente atualizados, renovados, ora se aproximando ora se distanciando ou
destoando do que é tido como “características estruturais”.
21
Segundo Castro, o sistema de crenças postula que os homens devem estudar e conhecer a fim de que
participem da verdade que os espíritos detêm e paulatinamente lhes transmitem. Desta forma, o estudo eleva o
homem dando-lhe firmeza e segurança. É o que os espíritas chamam de “fé raciocinada”.
22
Fenômeno mediúnico em que o espírito, manifestando-se através de um médium, escreve mensagens, textos
e livros. Neste aspecto, Chico Xavier se destaca por ser considerado o maior psicógrafo do país com diversas
obras publicadas e assinadas por ele e pelos espíritos. Este médium é considerado como alguém que
contribuiu com suas obras para a orientação do movimento espírita brasileiro.
- 69 -
2.1.3. A Mediunidade
Para o espiritismo os dois mundos (MV/MI) estão em constante comunicação, que
ocorre de forma implícita ou ostensiva. Os espíritos estão entre nós. Vivem constantemente
a nos influenciar e inspirar as nossas ações e pensamentos que terão uma qualidade positiva
ou negativa, a depender da sintonia que estabeleçamos com os espíritos benfazejos,
superiores ou com espíritos inferiores. Esta capacidade de se comunicar, esta
permeabilidade que todos os seres humanos possuem é chamada de “mediunidade”.
No entanto, ela varia em tipo e intensidade de pessoa para pessoa. Aqueles que são
menos susceptíveis à comunicação espiritual são chamados de medianeiros por possuírem
uma mediunidade em potencial, latente. Mas isto não invalida ou impede que tenham outras
influências espirituais, como por exemplo um desequilíbrio orgânico causador de doenças e
até mesmo uma obsessão
23
, visto que a forma mais comum e generalizada de
relacionamento entre os espíritos e encarnados é através do pensamento. Os que tem a
capacidade de se comunicar com os espíritos de diversas formas como vendo-os, falando
com eles ou emprestando o seu corpo para que se manifestem são chamados de médiuns
ostensivos ou simplesmente médiuns. É através deles que se dá a comunicação explícita dos
dois mundos. É o “eixo da sincronia”, onde o cruzamento dos dois mundos é externalizado
(Castro,1983). A mediunidade e os rituais mediúnicos ao tempo que problematizam a
natureza humana também propiciam meios para a constituição de relações com os espíritos
e com os encarnados. Em uma reunião mediúnica as relações entre espíritos, médiuns e
doutrinadores
24
são continuamente estreitadas e atualizadas. Nesta perspectiva, elas são um
elemento extremamente relevante na construção da identidade espírita.
Existem vários tipos de mediunidade e de médiuns:
Médium Auditivo – aquele que pode ouvir os espíritos;
Médium Psicógrafo – os espíritos se comunicam através deste médium
utilizando apenas a escrita. Grande parte da literatura é produzida desta
forma, bem como a própria legitimação da religião se dá por este meio. Isto
23
Influência maléfica de um espírito ou entidade que pode levar, a depender do grau que ocorra, a uma total
dependência daquele que a sofre (obsidiado) em relação aquele que a promove (obsessor).
24
Indivíduo que dialoga com o espírito comunicante procurando evangelizá-lo, transmitindo-lhe
ensinamentos cristãos e redirecionando-o para o bem à semelhança de uma orientação pedagógica.
- 70 -
tanto mais é verdade se pensarmos que o seu surgimento dependeu da
comunicação de espíritos superiores, que transmitiam as mensagens
posteriormente sistematizadas por Kardec;
Médium de Desdobramento – capacidade que o indivíduo possui de
desvencilhar-se do corpo de maneira consciente ou inconsciente, ou seja, o
espírito do médium se projeta para fora do corpo;
Médium de Cura - aquele que tem a capacidade de transmissão de energias
que auxiliam no restabelecimento da saúde física e espiritual. A transmissão
ocorre através do passe, que pode ser magnético (orgânico, de origem apenas
do médium) ou mediúnico (combinação de energias do médium e do
espírito);
Médium de Psicofonia – é a mediunidade pela qual o espírito se comunica
utilizando o corpo do médium. Vale salientar que o espiritismo entende esta
modalidade mediúnica como, de fato, uma comunicação, e não incorporação,
já que o espírito não se apossa do corpo do médium para se comunicar.
Casos de possessão são compreendidos como casos graves de obsessão, um
processo patológico que deve ser cuidado.
Por sua importância, além da psicografia, merece destaque a psicofonia. Esta
ocorre pela ligação fluídica do espírito desencarnado a pontos específicos do períspirito do
médium chamados chacras, que têm o seu correspondente no implemento físico. A
psicofonia pode ser consciente, semiconsciente ou inconsciente. A primeira é quando o
espírito do médium ao afastar-se do corpo (embora permaneça ligado a ele pelo fluído vital)
para que o espírito desencarnado se comunique não perde a consciência do que está
acontecendo, tendo controle sobre o seu corpo e não permitindo que este fique a mercê do
espírito que comunica. Ao retornar para o organismo o médium recorda-se da comunicação.
Na psicofonica semiconsciente a recordação é parcial, mas o médium ainda tem
controle sobre o seu corpo. Na inconsciente, ele fica a mercê do espírito, pois perde a
consciência não tendo nenhum controle sobre si e também nenhuma lembrança do que
ocorreu.
O tipo de psicofonia não só valorizada como estimulada pelo espiritismo é a
consciente. Quando um médium é inconsciente ele muito provavelmente se tornará
- 71 -
consciente através do trabalho e do estudo que desenvolverá nos gabinetes mediúnicos dos
centros. Um médium precisa ser educado e impor uma postura corporal nos cultos. Na
compreensão de Castro (1983) ocorre na comunicação uma disputa de livres-arbítrios em
que o médium deve ser o “vitorioso”, ele deve controlar o espírito. O reverso disto, ou seja,
o controle por parte do espírito (inferior) do corpo que não lhe pertence é a possibilidade de
aniquilamento do livre-arbítrio do médium. Falamos então de um processo obsessivo. Este
é um tipo de relação espiritual altamente danosa estabelecida entre espírito e encarnado,
causadora de males e perturbações de toda ordem para este último, podendo levá-lo
inclusive ao desencarne.
A obsessão possui três dimensões que variam de acordo com o grau de
constrangimento e a natureza dos efeitos que produzem no obsidiado. A primeira delas e a
menos intensa é a obsessão simples, pela qual o indivíduo é influenciado de forma discreta
pelo espírito malfazejo. Na segunda, a fascinação, a ação direta do espírito produz uma
espécie de deslumbre no médium, em que ele não teria uma clareza ou opinião acertada
sobre as coisas que lhe acontecem. O obsidiado, é enganado e nem sequer desconfia. A
última e mais nociva é a subjugação, em que há uma paralisação da vontade daquele que a
sofre (aniquilamento do livre-arbítrio), agindo mediante a vontade do obsessor que lhe
constrange. Ela pode ser moral (o subjugado tem atitudes absurdas, um comportamento
anormal que nem sequer dá-se conta ou, quando percebe, não tem forças para modificá-lo)
ou corporal (os espíritos agem sobre os órgãos do obsidiado imprimindo-lhe movimentos
involuntários ou causando doenças) (LM, 1995). Os motivos para um espírito obsidiar
alguém pode ser simplesmente a vontade de fazer o mal ou o desejo de vingança, pois não
raras vezes o espírito obsessor julga-se uma vítima das ações em vidas passadas daquele
que obsidia, passando assim a alimentar ódio, implementando qualquer ação que vise
prejudicar aquele que considera o seu algoz.
2.2. O Espiritismo no Brasil
O espiritismo teve inserção no Brasil a partir de 1860 através de imigrantes
franceses residentes no Rio de Janeiro, que gozavam de prestígio sócio-econômico e
cultural. O grupo composto em sua maioria por jornalistas, professores e comerciantes, era
- 72 -
simpático às idéias socialistas procurando explicar as desigualdades sociais por meio do
processo de desenvolvimento individual realizado através das múltiplas existências. Era
também simpático ao magnetismo, dedicando-se ao estudo de seus efeitos (Damázio,
1994). Aliás, a despeito de toda combatividade da igreja católica, correntes que iam desde
àquelas provenientes do cientificismo (positivismo, materialismo, darwinismo ) até àquelas
que se configuravam diametralmente o seu oposto, como o mesmerismo, eram importadas
da Europa e já conhecidas não só de núcleos franceses no país mas também da elite
brasileira que simpatizava e as abraçava com maior ou menor grau de intensidade. Assim, a
colônia francesa ao tomar conhecimento da doutrina codificada por Kardec a insere em seu
núcleo de discussões, todavia, não com muito aprofundamento, restringindo-se a reuniões
esotéricas e a algumas publicações. Conforme Damázio (1994), o interesse do grupo é
arrefecido após o entusiasmo inicial e as idéias espíritas só voltam a florescer, desta vez de
forma mais consistente e organizada, a partir de 1865 com o “Primeiro grupo familiar do
Espiritismo” fundado e dirigido por Luís Olímpio Teles de Menezes, professor, jornalista, à
época membro do Instituto Histórico da Bahia e articulador do 1º grupo de estudos espíritas
formado no Brasil. Teles de Menezes também traduziu parte da obra O livro dos Espíritos,
que publicou em Salvador e lançou o 1º periódico espírita do país, o Eco do além Túmulo.
(Braga, 1975; Damázio, 1994).
O grupo ganhou simpatizantes, praticantes e também represálias por parte da igreja
católica. Em 1867 o arcebispo da Bahia e do Brasil e também presidente do mesmo
Instituto histórico do qual Menezes fazia parte, D. Manoel Joaquim da Silveira, publica
uma pastoral na qual declara o espiritismo enquanto um perigo iminente e um atentado
contra o catolicismo. Em resposta, o professor espírita redige uma carta aberta defendendo
as idéias da sua religião: reencarnação, preexistência e manifestação dos espíritos.
Em 1871, o grupo de Menezes pretendeu registrar-se formalmente como Sociedade
Espírita Brasileira. O registro foi negado por ser entendido que a Sociedade seria uma
concorrente da igreja. Os espíritas então registraram o grupo como uma associação de
caráter científico – a Associação Espírita Brasileira.
Na verdade, os confrontos que estavam apenas se iniciando persistiriam nas últimas
décadas do Império, prolongando-se por um largo período republicano. Mas os conflitos
- 73 -
não ocorreriam apenas entre espiritismo e a igreja católica. Os espíritas tiveram sérios
problemas também com setores da medicina oficial, que desde o século anterior vinham
lentamente gestando o seu núcleo de saber médico no país, atuando sempre no sentido de
deslegitimar e reprimir práticas outras, quaisquer que fossem, relacionadas ao tratamento e
cuidado de doenças (Ribeiro, 1997). A biomedicina, nessa época – séc. XIX – bem mais
consolidada, protagonista de verdadeiras batalhas contra o catolicismo e contra as práticas
populares de curandeirismo (Monteiro,1985; Reis, 1991) se constituíra em uma inimiga
ferrenha das práticas mediúnicas que, não raras vezes, estavam associadas ao tratamento de
doenças (principalmente as relacionadas a problemas mentais) e a distribuição de receitas
médicas. Decorrente desses conflitos os praticantes do espiritismo ver-se-iam
constantemente às voltas com processos judiciais, acusados de charlatanismo, pois a
religião passou a ser enquadrada no código penal de 1890. O código condenava o exercício
da atividade de cura sem habilitação legal e a prática do espiritismo, apesar da constituição
de 1891 que reconhecia a liberdade de crença e culto no país. Além disso, a doutrina
francesa enfrentava outras dificuldades de caráter interno que caminhavam paripassu com a
sua expansão. Aconteciam cisões originando várias vertentes que disputavam entre si
concepções divergentes e poder.
Entretanto, apesar de todas essas dificuldades o espiritismo expandiu-se com
velocidade e conseguiu se consolidar. Algumas razões atribuídas pelos historiadores para a
explicação deste fenômeno referem-se a :
1º) o espiritismo ter angariado espaço entre os pequenos grupos da elite culta do
país sintonizados com as concepções científicas e outras correntes advindas da Europa. Eles
faziam parte do núcleo dominante da população até então católica – daí a reação acirrada e
quase que imediata da igreja. Eram os brancos, políticos, médicos, militares, jornalistas,
professores ou ocupantes de cargos administrativos nos dois principais centros do país à
época, Rio de Janeiro e Salvador, que convertiam-se a mais nova e inusitada religião que
surgia no Brasil;
2º) dois aspectos da doutrina favoreceram a sua difusão para além dos pequenos
grupos pelos quais originalmente ela foi introduzida: a comunicação com os espíritos e a
distribuição de receitas médicas, geralmente homeopáticas, por médiuns, de formação
- 74 -
médica ou não, em estado de transe. Estas duas práticas possibilitaram ampla expansão da
religião no país por terem tido uma ótima recepção da clientela - em sua maioria constituída
pela população carente - que além de não ter um fácil acesso ao atendimento biomédico,
principalmente, não era estranha a rituais onde ocorriam manifestações e comunicações de
espíritos. Muito pelo contrário, favoreceu a expansão do espiritismo a imersão em um
contexto cultural amplamente identificado com as influências indígenas, africanas e as
manifestações do catolicismo popular com os seus benzedores, rezadeiras e curadores em
que o tratamento de doenças por “meios mágicos” faziam (e ainda fazem) parte dos
costumes e práticas seculares do povo brasileiro;
3º) formação peculiar, em todo o Brasil, de grupos que se organizavam de maneira
familiar, com a reunião de parentes e amigos para o estudo do espiritismo e para a
realização de sessões mediúnicas. Este movimento presente no espiritismo desde a sua
chegada ao país, teve um duplo efeito, pois, ao tempo que aquiesceu a sua rápida
expansão
25
, também limitou a possibilidade de controle externo e formalizado por parte das
Federações que pleiteavam uma homogeneização no movimento espírita. Isto porque ao se
formar, cada grupo – posteriormente centro espírita – constituía características diferentes,
com organização interna e modo de atuação próprios, que geralmente gravitavam em torno
de um líder carismático, seja por suas habilidades dirigentes, seja por sua condição de
médium ou por ambos os motivos. Para desenvolver suas atividades, os grupos, muitas
vezes, tinham como único ponto em comum a referência às obras kardequianas. Esta forma
de associação gerou uma heterogeneização muito grande ao interior do movimento espírita;
4º) a preocupação por parte de vários espíritas com a grande heterogeneização
existente levou-os ao esforço de organizar os centros em associações ou federações; a
intensa atividade editorial com a finalidade de divulgação das idéias espíritas; e, por fim, ao
interior do próprio movimento espírita a preponderância de uma das suas vertentes, a
religiosa, propiciando um espiritismo brasileiro com ênfase caritativa, na medida em que
oferecia serviços assistências à população carente e cada vez mais crescente nos centros
urbanos.
25
Segundo Damázio e Santos, já na virada do século XIX para o XX a expansão ocorria não só em Salvador e
Rio de Janeiro, mas em outras cidades e capitais do país como Curitiba, São Paulo e Maceió. E além destas, a
expansão atingiu até agrupamentos rurais, como foi o caso de Santa Maria, no Triângulo Mineiro.
- 75 -
Estes serviços assistenciais eram ofertados não só pelos médiuns receitistas, que
atendiam nos centros espíritas ou por conta própria de maneira isolada, mas sua oferta
aumentava principalmente a partir da criação de hospitais, albergues, orfanatos, asilos e
escolas primárias. Na verdade, a criação de instituições de caridade era um aspecto novo
que viria compor o movimento espírita brasileiro em fins do século XIX. Esta prática teve
início em São Paulo com Antônio Gonçalves da Silva (1839 – 1909), conhecido por
“Batuíra”, um português de origem pobre que enriquecera com atividades empresariais.
(Santos, 1997).
No interior das obras assistenciais realizadas por Batuíra eram praticadas, entre
outras coisas, o tratamento de enfermos e obsidiados. Elas eram subsidiadas pela
constituição de um patrimônio, como uma tipografia e dois sítios, que o espírita destinou a
esse fim. Muitas das macro assistências espíritas que compuseram o cenário brasileiro
vinham originalmente de iniciativas individuais, geralmente um líder detentor ou não de
capital financeiro, mas necessariamente possuidor de carisma.
26
As figuras do Batuíra, do médium receitista Eurípedes Barsanulfo que atuou no
interior de Minas Gerais no início do século XX e mais as dos médiuns Divaldo Franco e
Chico Xavier na atualidade nos remetem mais uma vez às concepções weberianas. Desta
feita, aos tipos ideais criados por Weber, o “sacerdote” e o “profeta”, e ao carisma
individual do qual este último é portador. Enquanto tipos ideais, as características de
ambos, sacerdote e profeta, são expressões encontradas na realidade histórica e exacerbadas
ao grau máximo de “pureza” que se possa alcançar, com a finalidade de se obter “tipos
puros” que sirvam de orientação e de modelos explicativos da realidade empírica. Neste
sentido, os traços tanto de um quanto do outro podem estar e efetivamente estiveram
presentes em líderes religiosos, se constituindo mesmo em fatores relevantes para a história
da formação e consolidação de muitas religiões históricas. (Weber, 1974).
Enquanto tipos ideais, o profeta e o sacerdote se complementam no sentido de se
constituírem em racionalizadores da religião, pois ambos pregam uma visão de mundo
26
Esta é uma prática que ainda pode ser observada nos dias de hoje, vide a criação e manutenção da Mansão
do Caminho
- uma instituição espírita de grande porte, que oferece vários serviços à comunidade de Pau da
Lima, bairro no qual está localizada, sendo sustentada por seu fundador e médium Divaldo Pereira Franco,
com a venda de livros que psicografa, de fitas de vídeo de palestras que faz, bem como por congressos e
conferências que realiza.
- 76 -
racionalizada e sistematizada, um cosmos coerente e dotado de sentido. No entanto,
refletem antagonismos na medida em que o profeta, comprometido apenas com sua ética
própria, anuncia uma doutrina religiosa ou mensagem radical, insurgindo-se contra a ordem
institucional religiosa vigente, da qual o sacerdote não apenas participa enquanto
funcionário como está preso a ela por um conjunto de prescrições e regulamentos. Nesta
perspectiva, o profeta assume um caráter revolucionário, obtendo sucesso não só pelo
conteúdo de sua anunciação e promessa, mas principalmente em virtude do carisma (dotes
pessoais e a prova destes por milagres e revelação pessoal) de que é portador, conseguindo
arrebanhar seguidores por causa desta qualidade. Uma vez estabelecida a doutrina
profética, cabe ao sacerdote a “rotinização do carisma”, a criar uma rotina dos cultos e
manter o corpo dos fiéis.
Algumas dessas características, tanto do profeta quanto do sacerdote, podem ser
encontradas com maior ou menor grau de intensidade nos líderes espíritas que surgiram ao
longo da história desta religião ética no país, contribuindo de forma decisiva para o seu
desenvolvimento e consolidação. Neste sentido, as qualidades morais e mediúnicas de que
foram portadoras as lideranças espíritas, reconhecidas e legitimadas pelos adeptos (ao ponto
mesmo de ser crucial para a sua expansão), ganhavam “contornos proféticos” na medida em
que auxiliaram, no século XIX e início do século XX, ao surgimento da doutrina portadora
de uma “nova mensagem”, opondo-se, ou sendo considerada enquanto opositora, às
instituições aqui já estabelecidas, ou seja, a igreja e até mesmo a medicina. Na atualidade,
os portadores de tais qualidades podem ser entendidos como possuidores do carisma,
utilizando-o sim, para arrebanhar fiéis, mas de maneira condizente com o corpo doutrinal
da religião já estabelecida. Há, assim, uma “rotinização do carisma” e uma preocupação de
expansão da doutrina
27
.
As qualidades mediúnicas e morais de que foram e são detentores os líderes
espíritas, e que sem sombra de dúvida lhes conferem sucesso junto aos seus “seguidores”,
remetem - apesar de todo o esforço teórico do espiritismo de revesti-las com um caráter
científico, e portanto, perfeitamente explicáveis - à dimensão do “sobrenatural”, do
27
Vide o trabalho desenvolvido pelos médiuns Divaldo Franco e Chico Xavier - conhecidos pelos seus
atributos morais e principalmente mediúnicos - que têm dedicado suas vidas para a divulgação e expansão da
religião pelo mundo.
- 77 -
“sagrado”, na medida em que nem todos possuem ou alcançaram tais qualidades. Estas,
configuradas em singularidades tanto mais distintivas quanto maior for a capacidade de seu
possuidor de estar em contato com o mundo dos espíritos e, mais que isso, com os espíritos
elevados ou puros. Um acesso direto e explícito que não é conseguido ou permitido a
qualquer um que se aventure.
Em se tratando do assistencialismo espírita do século XIX, ele, em suas várias
formas, além de penetrar em algumas lacunas deixadas pelo Estado, que não oferecia
satisfatoriamente serviços à população, fazia-se presente em áreas de atuação hegemônicas
do catolicismo. E apesar das dificuldades que permearam a história do espiritismo e da
maneira em grande medida desordenada que se desenvolveu, a doutrina francesa firmou-se
no país. Ela, não obstante os conflitos com a igreja, acabou, de certa forma, beneficiando-se
da perda de prestígio que esta tivera em sua relação com o Estado. Desde a metade do
século XIX a Igreja e o Império viviam em clima de tensão, pois a primeira não concordava
com o que entendia como a intromissão do Império em assuntos eclesiásticos.
Entretanto, apesar das tensões existentes entre ambos, o catolicismo continuava
sendo a religião oficial do país garantida pela constituição de 1824, que embora permitisse
também a instalação de outros credos, proibia o proselitismo. E é dessa posição
privilegiada, construída, obviamente, durante os séculos, que ela se valerá para tentar
impedir o crescimento de outras religiões. (Santos, 1997). Nesse sentido, o espiritismo,
pelas suas características de expansão, com a formação de grupos familiares favorecendo a
uma rápida disseminação; a sua instalação inicial e sempre presente na classe média
influente; bem como, a sua posterior distensão às camadas mais pobres da população
através dos médiuns receitistas e atividades caritativas será visto pela Igreja como um
perigo a ser combatido.
Assim, além da pastoral de 1867 já mencionada, o bispo do Rio de Janeiro lançou
outra em 1882 e o bispado de Mariana (MG) em 1889 faz o mesmo. Outras formas de
combate ao espiritismo foram as constantes pregações e publicações em jornais. Os
espíritas respondiam com outras publicações e cartas abertas. Desta dinâmica de
- 78 -
publicações o movimento espírita
28
lançou em 1883 o jornal espírita O Reformador
29
, que
tornou-se o órgão oficial da FEB (Federação Espírita Brasileira).
Mas ao longo da história do espiritismo os embates não estiveram restritos somente
ao âmbito da Igreja. Os conflitos, talvez bem mais graves, ocorreram com a área médica –
um campo a esta altura já consolidado e intolerante à manifestação de qualquer prática
terapêutica alternativa. Um comportamento historicamente compreensível, pois, o intento
da biomedicina de se firmar enquanto um campo próprio do saber hegemônico vinha de
longa data, em que travara um amplo e incansável embate com a medicina popular
arraigada na cultura do país desde a sua origem. A esse respeito, Monteiro (1985) é
esclarecedora ao nos informar que:
Durante os três primeiros séculos da história brasileira as práticas
terapêuticas populares – síntese de influências heterogêneas, em que se
misturavam elementos das culturas negras e indígenas, por um lado, e da
tradição cristã, por outro – eram exercidas de maneira amplamente
hegemônica com relação à medicina de origem européia. Com efeito,
muitas vezes garrafadas e benzeduras eram preferidas e gozavam de maior
prestígio social do que as sangrias e ventosas aplicadas por barbeiros. (p.
14)
Por este período os poucos médicos licenciados na Europa que aqui exerciam a
profissão não eram valorizados nem cultural nem cientificamente. Isto ocorria não só por
causa dos costumes da população mas também pela falta de recursos que dificultava tanto a
prática da medicina quanto a aquisição de maiores conhecimentos acerca do ofício. Neste
sentido, estes profissionais disputavam a clientela em pé de igualdade com outros agentes
terapêuticos, como os jesuítas, os pajés, feiticeiros, barbeiros, rezadores e benzedeiras.
Este quadro só passa a ganhar novos contornos a partir do século XVIII – período
em que não havia explicações científicas para a maioria das doenças – quando o saber
médico “letrado” reivindicava para si a “posse do corpo” com muito mais vigor. Segundo
Ribeiro (1997), até pelo menos metade do século XVIII diversas substâncias corriqueiras
ao universo da feitiçaria eram também utilizadas pela medicina, que aliada ao Estado e à
28
O movimento espírita começou a se organizar no Rio de Janeiro em 1870 através da constituição de
sociedades espíritas e da difusão das idéias. Na década de 1880 já estava consolidado (Santos, 1997).
29
O Reformador é publicado até os dias de hoje.
- 79 -
Igreja, acumulava esforços para por na ilegalidade e, mais que isso, deslegitimar a
manipulação destas mesmas substâncias e o exercício de práticas terapêuticas por parte
daqueles que detinham saber empírico. Desta forma, portando-se de um forte discurso que
ia desde a mais fina erudição até fundamentos teológicos a biomedicina procurava atingir
“... o alvo principal da repressão [que] era o agente da cura, e não o meio utilizado.” (p.91).
Com isso, percebe-se também que no contexto do século XVIII era vigoroso o
entrelaçamento tanto discursivamente quanto nas práticas da medicina com a magia e a
religião. (Ribeiro, 1997).
Panorama que parece bem distante do século XIX, quando o médico já é tido como
um “agente civilizador”. A situação da biomedicina a este período já é bem outra. As
influências filosóficas e científicas de origem européia, fundamentalmente francesa, eram
marcantes nos intelectuais brasileiros da época, e os médicos não eram uma exceção. (Reis,
1991). A esta altura, as faculdades de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro já haviam sido
criadas (1832). Os médicos se organizavam em associações científicas. Uma das mais
importantes, segundo Reis, era a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ),
fundada em 1829, posteriormente transformada em Academia Imperial de Medicina. As
teorias miasmáticas que fizeram muito sucesso no Velho Continente do século XVIII
ganhavam campo por entre os médicos brasileiros.
Havia a necessidade premente de civilizar o país, extirpando dele os miasmas além
de pestilenciais letais. Os hábitos culturais, alimentares e a higiene pessoal da população
tinham que ser revistos e corrigidos; o saneamento básico das ruas, bem como o seu
reesquadrinhamento para a purificação do ar tinham que ser feitos sem demora; instituições
de responsabilidade do Estado como hospitais, prisões e escolas deviam ser reorganizadas e
racionalizadas. Desta feita, nem mesmo o catolicismo foi poupado, pois os médicos
travaram um longo duelo para construir cemitérios em locais altos, fora das cidades e
acabar com os enterros nas igrejas.
Nenhum espaço, âmbito ou instituição permaneceu incólume à atuação da medicina,
agora, preventiva, assumindo a postura de, nos termos de Reis, “polícia da cidade”, já que
um conjunto de normas e mecanismos de imposição eram criados com o objetivo de
garantir a salubridade do meio ambiente. O médico do século XIX, bem diferente do
- 80 -
anterior, é aquele que previne a doença e dispõe dos meios legais e legítimos para fazê-lo.
Era o agente civilizador e higienizador do país. De acordo com Reis (1991), os médicos:
... Se consideravam a vanguarda civilizatória do Brasil da época, e por isso
patriotas exemplares. Para se legitimarem como tais, procuraram
desqualificar outros saberes médicos como charlatanismo. Uma das
principais batalhas da SMRJ foi denunciar quem prometia curas fantásticas
utilizando-se de formas secretas e mágicas. Os membros da SMRJ eram os
médicos ‘legítimos’ e legitimadores.(p.250).
E eles se legitimavam principalmente baseados na condição de “higienizadores”.
Existia um projeto em voga de “medicalização do país”. Os médicos não eram apenas
médicos, mas algo mais que se situava numa mescla de planejadores urbanos, cientistas
sociais e analistas de instituições.
É tomando por referência este contexto histórico, indo de meados do século XIX até
a década de 1930 que Giumbelli (1997) aborda algumas elaborações discursivas do saber
médico sobre o espiritismo. São discursos estritamente relacionados a determinadas
práticas de intervenção. Neste sentido, situa-se como pano de fundo do seu trabalho a
categoria “higiene mental”, entendida enquanto uma noção vinculada a de “higiene
pública”, e portanto, ao processo civilizatório empetrado pelos médicos. Os profissionais da
área medica do século XIX entendiam o espiritismo enquanto uma prática de charlatães
extremamente danosa para a saúde, sendo, inclusive, um fator desencadeador de doenças
mentais. A noção de higiene mental vinculada pelos médicos da época permitiu-lhes então
lançar uma campanha contra a doutrina espírita. Vejamos como isto ocorreu.
Como citado anteriormente, uma das principais formas de expansão da religião
espírita se deu através dos médiuns receitistas que atuavam mediunizados fazendo
consultas, distribuindo receitas geralmente homeopáticas
30
à população, além de realizar
tratamentos. Estes médiuns, médicos ou não, atendiam em sessões nos centros espíritas ou
30
O espiritismo, durante a sua história comumente recorreu, em suas práticas mediúnicas de atendimento
terapêutico, à homeopatia. Segundo Santos (1997), a mediunidade receitista do Rio de Janeiro tinha uma clara
predileção pela prescrição ou mesmo elaboração para a distribuição de medicamentos homeopáticos. Além
disso, era freqüente mencionar que os médiuns trabalhavam sob a inspiração de espíritos de médicos
homeopatas que encarnados atuaram no país, como Benoît Mure, o médico francês que fundou o Instituto
Homeopático do Brasil em 1843.
- 81 -
então na sede da FEB. Eles também faziam tratamento à distância, consultando sem ter
contato direto com o paciente, bastando apenas o seu nome e endereço, o que além de
possibilitar uma rapidez no atendimento poderia propiciar – arrisco-me a dizer – um certo
quê de “magia” no imaginário da população que cultural e historicamente identificava-se
com práticas terapêuticas assim fundamentadas
31
.
Além dos médiuns receitistas existiam os de comunicação que participavam dos
tratamentos de desobsessão, a princípio, muitas vezes, do seu próprio
32
e posteriormente
auxiliando no tratamento de pessoas que estavam envolvidas em processos obsessivos. A
despeito de muitos médicos se declararem espíritas e participarem ativamente do
movimento, setores da medicina oficial se voltaram contra e foram ferrenhos combatentes
do espiritismo, principalmente a psiquiatria e a medicina legal. (Damázio, 1994; Santos,
1997). Avolumavam-se as notas em jornais redigidas por médicos se posicionando contra o
espiritismo. O adepto da religião, médium ou não, era visto como um charlatão e um perigo
à sociedade. Os espíritas também foram tema de discussão na Academia Imperial de
Medicina. De acordo com Giumbelli (1997) o foco de atenção dos médicos não era tanto o
conteúdo da doutrina mas as práticas, ou melhor, o prejuízo que essas práticas acarretavam
para a sociedade.
É com base neste discurso que o espiritismo será incluído entre os crimes contra a
saúde pública, enquadrado no 1º código penal republicano (1890). Este acabara por se
constituir numa ponte em que de uma infração sanitária transitar-se-ia para um crime
comum, sujeito à repressão policial. Tornou-se fato corriqueiro espíritas serem presos e
responderem processos. Para serem absolvidos, estes apoiavam-se na constituição de 1891,
que garantia a liberdade de credo e culto; na falta de evidências de charlatanismo e de
práticas de má fé; bem como, na influência que possuíam junto a políticos e juristas.
31
Estas práticas, assim como as das macro assistências são algumas demonstrações do que Weber entende
enquanto “constelação de interesses”, que na dinâmica das interações é atendida pela religião. Elas, sem
dúvida, contribuíram de forma decisiva, ao longo do histórico da doutrina espírita no país, para a conformação
do que os historiadores chamam de um espiritismo brasileiro.
32
Muitos médiuns no passado, e ainda hoje, procuravam o espiritismo a fim de obter a cura, tendo em vista
que se encontravam adoentados ou presos a processos obsessivos, assim entendido pela religião.
Freqüentemente tornavam-se espíritas e passavam a exercer a mediunidade, inclusive auxiliando no
tratamento de outros doentes.
- 82 -
Os discursos médicos acerca do espiritismo que sustentavam o seu caráter
prejudicial e garantiam a intervenção médica e/ou policial tinham várias gradações,
adquirindo um tom mais ou menos drástico de acordo com a categoria que assumia
centralidade na interpretação da religião: charlatanismo (meados do século XIX) ou loucura
e crime (primeiras décadas do século XX). Entretanto, em fins do século XIX algumas
concepções elaboradas sobre as práticas espíritas eram um tanto quanto mais brandas. Elas
gravitavam em torno de duas categorias que fizeram parte de teorias européias do último
triênio do século XIX: a “hipnose” e a “sugestão”. Assim, enquanto para uns estas
categorias remetiam a processos fisiológicos, sem qualquer conotação fraudulenta ou
patológica, sendo capazes inclusive de operar curas
33
, para outros, como Nina Rodrigues, a
sugestão era entendida num sentido muito próximo ao de doença mental. Aliás, o médico,
de maneira geral, via nos cultos de possessão processos subjacentes de patologização e
psiquiatrização associados tanto à disposições biológicas, quanto raciais e culturais
(Giumbelli, 1997).
Mas as concepções fundamentadas em uma base patológica estavam apenas
começando. Elas foram, na verdade, radicalizadas nas décadas de 20 e 30. O exercício da
mediunidade é visto não só como nocivo à saúde da população como também um fator
desencadeador de doenças mentais. A religião chegou a aparecer em estatísticas feitas por
psiquiatras como o 3º fator de alienação mental, perdendo apenas para a sífilis e o
alcoolismo.
Termos como “mediunomania” e “mediunopathia” foram criados pela psiquiatria
para designar uma série de manifestações alucinatórias e delirantes que, enquanto
predisposições, seriam desenvolvidas pelas práticas espíritas. Os médiuns eram vistos por
esta área do saber e pela medicina legal como psicóticos, débeis psíquicos e histéricos, que
tinham o espiritismo como pretexto para fugir ao convívio social. Estes indivíduos teriam
predisposições hereditárias de afecções mentais e encontrariam nas sessões espíritas campo
fácil para o seu desenvolvimento. Daí a religião ser tão perigosa e nociva.
Para reprimir o espiritismo os médicos lançaram a “campanha de higiene mental”,
que consistia em impedir a publicação de anúncios de centros espíritas nos jornais, bem
33
A única restrição era que devido a sua eficácia a sua manipulação tornava-se perigosa. Neste sentido, a
hipnose e a sugestão deveriam ser feitas apenas pelos médicos e pessoas idôneas.
- 83 -
como na mobilização de policiais e autoridades sanitárias a fim de que interditassem os
centros mais perigosos, prendessem os responsáveis pelos cultos e entregassem os médiuns
aos cuidados dos psiquiatras. Assim, o espiritismo era visto como doença e crime, cujo
dirigente do centro ou doutrinador era o explorador, o médium, o doente e a assistência,
ignorante (Giumbelli, 1997).
Mas estes não foram os únicos fatos que perpassaram a história do espiritismo no
Brasil. A religião enfrentou uma outra dificuldade interna ao próprio movimento. Foram as
dissidências que originaram vertentes de concepções distintas, que procuravam afirmar suas
idéias e, ao mesmo tempo, disputavam a hegemonia do movimento. Nas últimas décadas do
século XIX os muitos adeptos se dividiam em dois grandes grupos. Um, de tendência
científica, pretendia dar status de ciência à doutrina, enfatizando as pesquisas e as
experimentações controladas acerca dos fenômenos espíritas, mas esta tendência
permaneceu restrita a pequenos grupos da classe média. No outro, prevalecia a dimensão
propriamente religiosa, marcada pela dedicação ao recebimento de mensagens e instruções
espirituais voltadas para o aperfeiçoamento moral e as atividades caritativas. Além disso, a
vertente religiosa se subdividia em outras duas correntes: kardecista e rustanista. (Damázio,
1994; Santos, 1997).
Os rustanistas eram adeptos do espírita francês Jean Baptiste Roustaing, que
escreveu a obra Os quatro evangelhos, em 1866, na qual seus adeptos se baseavam. A
divergência fundamental entre as duas correntes se referia às concepções que tinham em
relação à natureza do corpo do Cristo. Enquanto para os kardecistas, Jesus se serviu de um
corpo material/concreto para estar entre os homens, para os rustanistas isto não era
compatível com a superioridade e perfeição do Cristo, que estivera na Terra, antes sim,
revestido por um corpo fluídico. Os kardecistas entendiam esta concepção imbuída de um
caráter sobrenatural e místico, portanto, inconciliável com a “doutrina da razão”.
Não obstante toda essa proliferação de vertentes, houve uma preponderância da
tendência científica nas associações espíritas entre 1890 e 1893. Contudo, esta se mostrou
destoante com a dinâmica do movimento que se expandiu e tivera como marcas principais
as atividades assistenciais e o trabalho dos médiuns receitistas, conformando assim um tipo
- 84 -
de espiritismo brasileiro. A despeito de todas as disputas e brigas, a vertente que de fato se
firmou no país e tornou-se hegemônica foi a religiosa kardecista.
Mas enquanto esta hegemonia não ocorria o espiritismo crescia de maneira
desordenada, Não havia um núcleo central que fornecesse as diretrizes do movimento,
tendo em vista que a formação dos centros tinha como característica fundamental a
associação de parentes e amigos. Posteriormente foram criadas associações, sociedades e
fundações que acabavam disputando espaço e poder entre si. A FEB (Federação Espírita
Brasileira) foi fundada em 1884 com o intuito de minimizar este problema, se constituindo
enquanto uma representação de todos os espíritas e incumbida de fornecer uma direção
unificada ao movimento. Tarefa extremamente difícil não só por causa das correntes mas
também pela infinidade de núcleos espíritas existentes, que além de praticamente
individuais eram autônomos. Figuras como a do médico e político do partido liberal,
Bezerra de Menezes, espírita da corrente religiosa, foi chamado para dirigir a FEB e tentar
a unificação. Algo extremamente difícil, e não alcançado por ele, não obstante o seu
carisma e a sua intensa participação no movimento espírita.
34
A proposta de unificação só foi conseguida com algum sucesso nas décadas de 40 e
50 do século XX, quando o movimento ganhou impulso a partir das iniciativas de
associações paulistas, que disputavam a filiação de centros. O trabalho de unificação que
realizou caravanas e viagens por todo país, ficou conhecido como USE –União Social
Espírita. A FEB não estava participando deste novo movimento por ter divergências com as
associações. Para incluí-la foi feito um acordo em 1949, que ficou conhecido como Pacto
Áureo. Os pontos acertados no acordo foram os seguintes: 1º) a FEB serviria de sede do
Conselho Federativo Nacional, composto por representantes dos órgãos estaduais de
unificação, a esta altura já existentes, e ficaria no centro do processo de unificação; 2º) as
obras de referência básica do movimento seriam as de Kardec. Embora tenha sido permitida
a utilização de qualquer referência subsidiaria, nada se mencionou sobre as obras de
Roustaing.
34
Bezerra de Menezes é conhecido atualmente nos ciclos espíritas, creio eu, muito mais como o espírito que
atua em centros, trazendo mensagens, atendendo pessoas e, dizem os espíritas, trabalhando no plano espiritual
pelo Brasil. Manifesta-se em médiuns conhecidos na Bahia, como Divaldo P. Franco e Medrado.
- 85 -
No bojo do movimento ficou também especificado que a filiação dos centros se
daria de forma voluntária, já que estes, tradicionalmente para dar início às suas atividades
nunca precisaram estar vinculados a uma associação ou federação, aliás, como ocorre até
hoje. (Damázio, 1994; Santos, 1997).
Além disso, a religião francesa mergulhada num contexto altamente sincrético
contribuiu ainda para a formação da Umbanda. Conforme Santos (1997), esta religião
surgida na década de 20, teria sido organizada por membros da classe média do Rio de
Janeiro, que se afastaram do espiritismo por estarem insatisfeitos com o exagerado
intelectualismo da doutrina. Mais recentemente, na década de 80, o médico e parapsíquico
Waldo Vieira depois de ter rompido com o espiritismo funda a Projeciologia – uma
paraciência que trata das experiências da consciência fora do corpo humano – guardando
ruptura e semelhanças com a doutrina espírita (D’Andrea, 1997).
Com este breve histórico fica nítido que a despeito das rupturas e conflitos (internos
e externos) o espiritismo se firmou no Brasil de maneira sólida enquanto religião. Para
tanto, contribuíram de forma decisiva as práticas de caridade relacionadas à terapia/cura, a
maneira como os núcleos se constituíam e o alto índice de publicação. Autores como
D’Andrea e Camurça (1997) chamam a atenção para, na atualidade, a possibilidade de
crescimento do espiritismo inerente a um quadro de religiões mediúnicas marcante no país
e, ao mesmo tempo, para o significativo processo de fragmentação pelo qual a religião
espírita passa – diga-se de passagem, sempre presente em sua história. Processo este, que
segundo os autores, se agudiza devido à expansão do movimento New Age, do qual
emergem novas e variadas vertentes paracientíficas, como a parapsicologia, astrologia e a
projeciologia, pois, ao passo que guardam semelhanças com o espiritismo também abrem
novas perspectivas. Situação que se apresenta – me parece – ainda mais difícil se
pensarmos que a doutrina, como analisa Rabelo (1997), tem uma proposta implícita de ação
e transformação do meio social por meio de suas práticas e visão de mundo.
- 86 -
III
Conhecendo a COBEM
“Brotas já foi sinônimo de saúde”. (A Tarde, 27.10.92). “Residências magníficas em
meio a tranqüilas chácaras e densa vegetação.” (Bahia Hoje, 12.04.94). Estas são algumas
das frases que compuseram as matérias noticiadas por jornais baianos (A Tarde,
27.10.1992; 23.11.1997; 12.09.1998; 29.07.2001; Bahia Hoje, 12.04.1994; Correio da
Bahia, 01.04.2001), sobretudo, na década de 90 do século XX, que ao demonstrarem os
problemas do bairro de Brotas procuravam resgatar sua “configuração” de meados daquele
século. Nos idos das décadas de 40 e 50 – narram as matérias jornalísticas - Brotas, situada
em um dos pontos mais altos da cidade, cravada entre morros e com uma vegetação vasta
da qual faziam parte as palmeiras imperiais – hoje vistas apenas em alguns poucos lugares,
como o jardim do Hospital Aristides Maltez -, abraçava entre suas várias lagoas e fazendas
chácaras e grandes casas com seus quintais ainda maiores, tendo, assim, uma densidade
populacional bastante baixa àquela época. A Brotas daquele período tanto fazia parte do
roteiro turístico da cidade quanto era conhecida como um lugar arejado e tranqüilo, de ares
puros, ideal para o tratamento de problemas respiratórios e para a cura da tuberculose.
Algumas características desta Brotas parecem não destoar muito do que Nascimento
(1986) analisa acerca das estruturas sociais e econômicas de Salvador de meados do século
XVIII até fins do XIX, quando a cidade era constituída por dez freguesias
35
. A Freguesia de
Nossa Senhora de Brotas, criada em 1718 por D. Sebastião Monteiro da Vide, ainda no
século XIX contava com quase nenhuma urbanização e serviços públicos. Situada mais ao
interior de Salvador, era um arrebalde longínquo e muito extenso margeada pela Freguesia
de Itapuã e limitada pelas de Santo Antônio Além do Carmo, Santana, São Pedro e Rio
Vermelho. Com uma população diminuta e formada basicamente por lavradores, a
Freguesia de Brotas era não só tida como social e economicamente inferior em relação às
outras do centro da cidade, como devido à existência expressiva de roçados e fazendas era
considerada uma zona rural. Sem dúvida, alguns destes traços até meados do século
passado foram preservados não sem algumas alterações do espaço, como atesta Teixeira
35
As Freguesias eram divisões administrativas e religiosas formadas, cada uma, por uma igreja matriz, a qual
seus habitantes estavam vinculados.
- 87 -
(2001), com a formação de alguns bairros – Cosme de Farias, Engenho Velho de Brotas,
Matatu, etc.
Contudo, se as modificações até a década de 50 não foram suficientemente
profundas para alterar a paisagem urbanística do lugar, tal conformação sofrerá
significativas mudanças em sua estrutura nas décadas seguintes com o desenvolvimento
industrial e as transformações econômicas e sociais pelas quais a cidade passará, tendo
como uma das conseqüências o uso e a ocupação do solo de maneira desordenada. Além
disso, com a especulação imobiliária iniciada nos anos 70, a Região Administrativa de
Brotas (RA V)
36
presenciará a construção de grandes conjuntos habitacionais nos espaços
anteriormente ocupados pelas lagoas e farta vegetação. A densidade populacional, antes
muito baixa, em 1970 já mostrava uma outra tendência com quase 116 mil habitantes na
região (Censo IBGE, apud Teixeira, 2001). Para a década de 90 os jornais (A Tarde,
27.10.92; 23.11.97; 12.09.98; 25.03.03; Correio da Bahia, 26.05.99; 01.04.01) trouxeram
números desencontrados, indo de 191 mil a 300 mil moradores, enquanto a estimativa do
PDDU 2000 (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) foi de 200 mil habitantes com
projeções de crescimento durante toda esta primeira década (Teixeira, 2001).
Os incrementos populacional e habitacional, entre outras coisas, têm como fator
preponderante a atual localização da RA V. Se em períodos anteriores a antiga Freguesia de
Brotas era erma e longínqua, o crescimento de Salvador a partir da década de 70 colocou tal
assertiva em perspectivas igualmente longínquas. Brotas estrategicamente localizada entre
o centro tradicional e as regiões mais novas e dinâmicas da cidade que passaram a ser
construídas naquela década, como o Centro Administrativo, Acesso Norte, Shopping
Iguatemi, a rodoviária, etc, passa também por profundos reordenamentos, em quase nada
lembrando a antiga Brotas, seja a dos séculos XVIII e XIX, seja a de meados do século XX,
a exceção, talvez de algumas instituições tradicionais (Solar da Boa Vista, Hospital Militar,
a casa de retiro São Francisco, cemitério Jardim da Saudade, entre outros), do Horto
Florestal, uma subárea específica da RA de Brotas que ainda conserva com dificuldade
em face da expansão imobiliária – os espaços verdes, e, é claro, as palmeiras imperiais do
jardim do HAM. A localização do bairro pode ser visualizada no mapa a baixo:
36
A cidade de Salvador está dividida em 17 Regiões Administrativas (RA). Este é um critério de divisão
adotado pela prefeitura da cidade.
- 88 -
Fonte: Relatório do perfil sócio econômico da população de Ssa e a
potencialidade do mercado imobiliário. Região ADM V: Brotas
Brotas sofre, então, um crescimento e uma ocupação desordenados. Dividida em
vinte e nove subáreas, conforme critério da prefeitura, a caracterização do seu interior,
consequentemente, é bastante diversificada, indo desde locais com pouca ou quase
nenhuma infra-estrutura e uma alta concentração populacional, passando pelos extensos
conjuntos habitacionais construídos para classe média, chegando até recantos mais
sofisticados, com muita arborização, mansões e prédios luxuosos. (A Tarde, 27.10.92;
10.10.93; 13.03.94; 05.11.97; Bahia Hoje, 12.04.94; Correio da Bahia, 01.04.01).
O bairro é, assim, uma mescla de classes e contrastes: espaços densamente ocupados
onde se espremem pessoas e prédios em meio às antigas casas térreas que ainda persistem;
outros locais, no entanto, conseguem preservar o verde e a tranqüilidade tendo poucos
moradores em seu convívio; Boa infra-estrutura em algumas subáreas, em outras o
contrário, faltando água, energia, pavimentação, etc. Todavia, de maneira geral, a região de
Brotas, devido ao seu desenvolvimento, possui uma das mais completas atividades
comerciais e de serviços da cidade. Há de tudo: bancos, supermercados, funerárias,
pizzarias, abatedouros, academias de ginásticas, salões de beleza, escolas públicas e
particulares, hospitais, clinicas, mini-shoppings, bares, e muito mais. Todo esse atrativo,
obviamente, traz consigo transtornos e problemas próprios de cidade grande. Um deles é o
tráfego do local, sendo o trânsito da principal via de acesso do bairro, a D. João VI, caótico
- 89 -
e estressante (Correio da Bahia, 26.05.99; 01.04.01; Tribuna da Bahia, 14.12.01; a Tarde,
12.09.98; 20.01.01, entre outros). Um outro é a falta de segurança e a violência, ocorrendo
um grande número de assaltos e, em alguns locais, tráfico de drogas.
Em um bairro com tal complexidade, sendo uma das expressões do
desenvolvimento de Salvador, a religiosidade não poderia se constituir de forma diferente.
Dados do censo 2000 realizado pelo IBGE demonstram na cidade e naquele bairro a
tamanha diversidade religiosa. Os residentes em Salvador declararam as mais diferentes
religiões, indo desde a católica apostólica romana – a majoritária, com quase 1.500.000
declarantes -, seguida pelas evangélicas (325.000 habitantes aproximadamente) e o
espiritismo em terceiro, com quase 62.000 espíritas, mas também com outras religiões
compondo este quadro, como a judaica, a umbanda, o candomblé e as orientais. Sem
mencionar os de religião não determinada que passam dos 3.000.000. A região V segue a
tendência da cidade, pois somando-se as áreas de Brotas, Acupe, Daniel Lisboa, Candeal,
Horto Florestal, Engenho Velho e Boa Vista, os católicos são também em maior número
(quase 69.000), enquanto os espíritas ficam em torno de 4.600 declarantes e os evangélicos
9.150. Todas outras expressões religiosas e religiosidades juntas, segundo o censo 2000,
agregam mais de 4.000 declarantes.
Uma outra maneira de observar a religião no bairro é através da tabela a baixo, que
informa o número de templos religiosos por região administrativa:
- 90 -
QUANTITATIVO DE IGREJAS, TEMPLOS E OUTROS, POR REGIÃO ADMINISTRATIVA
SALVADOR – 1995
Católicas
RA
Monumento
s Religiosos
Paróquias
Nº. de
templos
batistas
Nº. de
Centros
Espíritas
Nº. de
Terreiros de
Candomblé
I – Centro 32 11 6 18 0
II – Itapagipe 4 7 - 18 5
III – São Caetano - 4 7 3 2
IV - Liberdade - 7 7 15 6
V - Brotas 1 9 6 16 13
VI – Barra 3 4 0 2 0
VII – Rio Vermelho 2 6 8 8 5
VIII – Pituba - 2 3 2 0
IX – Boca do Rio - 3 4 0 1
X – Itapuã - 4 2 0 2
XI – Cabula - 4 5 5 2
XII – Beiru - 1 4 5 2
XIII – Pau da Lima - 4 8 6 0
XIV – Cajazeiras - 3 5 0 0
XV – Valéria 1 2 5 0 2
XVI – Subúrbio Ferroviário 3 6 16 9 3
XVII – Ilhas 3 0 0 0 0
TOTAL
49 77 86 107 43
FONTES: - IPAC/BA – Inventário de proteção do Acervo cultural, V.I – 1975;
- Anuário da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, 1995;
- Associação Batista de Salvador – ABS;
- Federação Espírita da Bahia;
- Centro de estudos Afro-Orientais – CEAO.
ELABORAÇÃO: COM/GERIN/SISE, 1996.
Não obstante o período em que foi elaborada, contendo, muito provavelmente, uma
certa defasagem
37
, a tabela fornece uma idéia aproximada da distribuição dos templos
religiosos na cidade por suas regiões administrativas. Neste sentido, Brotas além de ter um
grande número de paróquias, templos e terreiros, é a segunda RA com o maior número de
centros espíritas; 16. Quantidade esta já alterada pelos dados mais recentes da FEEB
(Federação Espírita do Estado da Bahia). Conforme esta instituição há 544 centros em todo
o Estado e 155 na cidade de Salvador, sendo metade filiada à FEEB e a outra metade não.
Já o Conselho Distrital de Brotas
38
está hoje com cerca de 20 centros espíritas.
Foi, então, em um desses 20 centros localizados no bairro de Brotas que realizamos
a pesquisa. A escolha foi orientada: 1) pelo bairro ser amplo e complexo, congregando um
mosaico de diversidades e contrastes – um tradutor do que se constitui hoje a própria
37
Não encontrei dados mais atualizados para este tipo de informação. Contudo, acredito que estes sirvam para
o propósito aqui apresentado: o de fornecer uma idéia aproximada dos templos religiosos na cidade e no
bairro de Brotas.
38
Denominação e divisão organizada pela FEEB.
- 91 -
cidade; 2) pelo centro espírita ser um dos maiores e mais tradicionais de Salvador –
contexto onde pode ser refletida de forma condensada esta diversidade peculiar do bairro e
da própria cidade através das classes, gostos, estilos, comportamentos e percepções (gerais
e religiosas) dos freqüentadores da Casa.
Assim, em junho de 2003 estabelecemos contato através de uma amiga com a Casa
de Oração Bezerra de Menezes, centro espírita que pode ser considerado de grande porte, já
que em média passam pelo centro durante o mês mais de mil freqüentadores
39
, tanto
moradores de Brotas, quanto de outros bairros, buscando a doutrina e/ou os serviços
oferecidos pela instituição. Também compõem esta clientela pessoas advindas de cidades
do interior do Estado, na medida em que o centro é bastante conhecido pelos serviços que
presta – sobretudo os terapêuticos – à população. Além desses, a Casa de Oração conta com
mais ou menos quinhentos colaboradores - pessoas que possuem um maior grau de
envolvimento e participação com a instituição. São os trabalhadores voluntários,
associados, dirigentes, médiuns, doutrinadores e evangelizadores.
Atualmente localizado em uma das transversais do Daniel Lisboa, a rua Dr. Bezerra
de Menezes, a COBEM fixou-se em Brotas desde a sua fundação, embora, nem sempre
localizando-se nesta mesma rua. A origem e formação da casa segue o padrão histórico de
surgimento dos centros espíritas no país que têm em sua base organizativa originária
núcleos familiares e pessoas amigas. De acordo com dirigentes entrevistados e um
documento sobre o histórico do centro que ainda está no prelo fornecido gentilmente por
uma das diretoras da instituição, uma antiga trabalhadora do centro espírita Caminho da
Redenção
40
, na Calçada, e residente em Brotas, Noélia Rodrigues Duarte, funda a Casa de
Oração Bezerra de Menezes. A abertura do centro espírita torna-se, então, a concretização
de uma visão espiritual que teve em agosto de 1965 de uma espécie de chalé muito grande,
pintado de azul e branco, onde pessoas iam para receber tratamento espiritual. Nesta
oportunidade ela ouve uma voz a informar-lhe que o nome a ser dado à instituição seria
uma homenagem a Dr. Adolfo Bezerra de Menezes – espírita, como demonstrado no
39
Dado fornecido tanto por coordenadores da instituição, quanto registrado em arquivos do centro.
40
Centro bastante conhecido em Salvador, organizado pelo famoso médium Divaldo Franco, que hoje se
encontra localizado em Pau da Lima ao interior da Mansão do Caminho – instituição de caridade de grande
estrutura fundada pelo médium baiano.
- 92 -
capítulo anterior, de importância decisiva para a consolidação e história do espiritismo no
Brasil.
Assim, em 12.11.1968 Noélia reúne-se em sua residência com mais doze vizinhos
que gostariam de ter um centro no bairro. Esta seria a reunião fundadora da COBEM, na
qual organizou-se um grupo de trabalho constituindo-se o presidente, que seria a própria
Noélia, um secretário e tesoureiro. A partir daí o grupo reunia-se sistematicamente na casa
da presidente durante dois anos para o estudo do evangelho espírita e de obras do espírito
André Luiz – muito lido no meio espírita. Em 1969 é criada a Caravana da Irmã Elizabeth,
dirigida espiritualmente por entidade do mesmo nome, para atos de caridade material, como
a distribuição de farnéis a famílias carentes. Hoje, a Caravana faz parte do Departamento
Social do centro.
Com o crescimento das atividades a COBEM aluga um espaço maior, adaptando-o
às suas necessidades, passando a funcionar no Jardim Guadalupe. Por orientação espiritual
foi então formado um grupo de trinta pessoas para o desenvolvimento mediúnico, que
passou dois anos estudando mediunidade para só depois iniciar as comunicações. Com o
passar do tempo as atividades vão aumentando e se diversificando. Surge o “tratamento do
Irmão Velhinho” vinculado às doutrinárias da Casa, quando após o término da reunião
pública um espírito comunicava-se através de Noélia, selecionando pessoas da audiência
para serem tratadas de suas doenças somáticas com passes. Algum tempo depois este
trabalho é desvinculado das doutrinárias, ocorrendo separadamente em dia e horários
específicos para o atendimento, como, aliás, se dá até hoje. Paulatinamente vão surgindo
outras atividades, como a dos passes individuais, as mediúnicas, a evangelização de
crianças e jovens, os tratamentos destinados a males específicos, separando-os entre
espirituais, emocionais e corporais.
Todas as atividades (mediúnicas, doutrinárias, grupos de estudos, assistência social,
evangelização, etc.) desenvolveram-se por seis anos no espaço alugado, enquanto a sede
própria ia sendo construída com doações, trabalho voluntário e o empenho de
colaboradores e da família de Noélia, os Duarte. Em 1975, embora a construção não
estivesse terminada – as obras só ficariam concluídas em 85 -, os trabalhadores do centro
transferem-se para a “nova Bezerra”, que passa a funcionar de forma definitiva na primeira
transversal da Daniel Lisboa, uma ladeira asfaltada que, embora não muito distante da
- 93 -
principal rua do bairro caracterizada pelo barulho e parafernália – a D. João VI -, respira
silêncio e tranqüilidade. A rua Dr. Bezerra de Menezes – que além do centro espírita
comporta prédios residenciais circunvizinhos à Casa de Oração -, assim como parte do
bairro que a circunscreve, possui uma condição sócio-sanitária bastante satisfatória, com
instalações de rede de esgoto, água, luz elétrica, etc, e em dias de reunião do centro fica
bastante cheia de carros tendo, inclusive, alguns guardadores que auxiliam os motoristas a
estacionarem. A descrição de aspectos físicos do centro eu a fiz em alguns dos meus
relatórios de campo:
O centro é um prédio de seis andares, em que três destes estão no nível
subsolo. Na entrada da COBEM existe um toldo que comunica o primeiro
portão de ferro à porta de madeira branca que dá acesso ao andar térreo. Do
lado de fora há um jardim com muitas plantas, o muro e a frente do prédio
são pintados de azul e branco. Além disso, na parte mais contígua ele é
quase todo recoberto de azulejos claros.
No andar pelo qual adentrei o prédio observei que as paredes são pintadas de
branco e mais da metade delas também são recobertas por azulejos claros. O
espaço retangular com o qual me deparei ao entrar é amplo e composto por
um ventilador de teto, um bebedouro encostado às escadas que dão acesso
para os andares superiores e os do subsolo, murais e cartazes grandes, uma
vitrine com diversos livros espíritas à venda e várias mesas e cadeiras
pertencentes à lanchonete que fica ao fundo desta área. Este andar conta
ainda com uma sala onde funciona o brechó, outra em que fica o bazar, uma
livraria espírita, o almoxarifado do DEPAT (Departamento de
Administração e Patrimônio) localizado próximo à cantina e a recepção logo
na entrada deste andar – local no qual sempre estão uma ou duas pessoas
para atender os que chegam a procura de informações e orientações e
realizar inscrições de eventos organizados pelo centro ou mesmo fora dele.
Às vezes, quando chego cedo ao centro permaneço um pouco na recepção
conversando com algumas pessoas e depois dirijo-me para o andar em que
se realizará a atividade à qual devo assistir. Hoje iria para o 2º andar
subsolo. Todavia, não raras vezes dou uma passadinha no 1º, pois é onde
ocorre a sessão de passes. Este andar é composto por uma pequena área que
visualizamos assim que deixamos a escada e por um corredor extenso. Nesta
pequena área estão apregoados nas paredes murais e cartazes. Andando pelo
corredor logo observamos à nossa direita o salão de eventos, uma grande
sala de grades brancas e trilhos a sua entrada. Esta sala é bastante ampla com
ventiladores de teto e pisos escuros, destoando do piso restante do centro
que é uma pedra branca. As paredes da sala são pintadas de branco e na
entrada, perto da grade, tem um balcão de madeira branco formando um
“L”, onde sempre tem alguém para atendimentos. Este local lembra muito
um ambiente médico, um ambulatório mais precisamente. O restante do
amplo espaço é preenchido com muitas cadeiras de plástico brancas. Além
dos eventos, este espaço é destinado também para palestras e as entrevistas
que ocorrem diariamente. A entrevista é o primeiro atendimento do Auxílio
Fraterno, por meio da qual as pessoas têm os primeiros contatos com o
- 94 -
centro e através do entrevistador são encaminhadas para os diversos serviços
oferecidos pela instituição. Todo o centro, com seus ventiladores de teto,
chão e paredes brancos, bem como os azulejos claros, que marcam de forma
preponderante todo o espaço, me faz lembrar o ambiente de um hospital ou
posto de saúde.
Andando um pouco mais pelo corredor observando o lado direito e passando
esta primeira sala nos deparamos logo em seguida com os banheiros
feminino e masculino – uma área ampla toda recoberta de azulejos claros e
pisos escuros. O banheiro feminino é composto por quatro sanitários, um
espelho grande, duas pias, papel toalha, sabonete líquido e uma cesta de lixo
muito grande. Do lado de fora, no corredor, próximo à entrada dos
banheiros, vemos um bebedouro. Continuando pelo corredor existem três
portas amarelas que dão acesso a salas. Uma delas é a sala de costura – local
onde a equipe de costura confecciona o artesanato vendido no bazar, muitos
dos lençóis e roupas utilizados na creche da instituição e, muitas vezes,
materiais que compõem os enxovais distribuídos no dias das mães ou farnéis
para o grupo de idosos que a COBEM atende. Uma outra sala é reservada
para o DIJ (Departamento de Infância e Juventude), onde os membros deste
departamento se reúnem e também guardam material. A última é o
almoxarifado do DAS (Departamento de Ação Social), na qual são
guardados os pertences da Caravana Irmã Elizabeth.
Do lado esquerdo do corredor têm mais duas portas. Ao fundo está a sala de
preparação para o passe, a anti-câmara onde as pessoas entram, assinam um
livro de atas, sentam-se em uma das muitas cadeiras dispostas no espaço,
ouvem uma música suave, mensagens e orientações espíritas de pessoas que
estão no atendimento até serem chamadas para entrar em uma outra sala
semi-escura, a câmara, tomar o passe e saírem por uma das portas do lado
esquerdo.
Voltando pelo corredor, desci para o segundo andar, no qual fui observar a
atividade programada. À semelhança do primeiro, este andar também tem
cartazes e cadeiras azuis no corredor encostadas à parede esquerda. Há ainda
duas salas da tesouraria, um almoxarifado de uso dos funcionários da casa, a
entrada da creche que funciona no andar a baixo e as três salas destinadas às
mediúnicas e tratamentos. (12.06 e 09.07.03).
A sala para qual fomos é relativamente espaçosa. Tem uma mesa de madeira
escura comprida bem no meio da sala com 12 lugares à sua volta (cadeiras
de plástico). Circundando a mesa em suas duas laterais, encostadas à parede
também têm várias cadeiras. O ambiente conta ainda com um armário de
madeira pintado de amarelo suspenso em uma das paredes – este móvel
serve para guardar papéis, documentos, utensílios utilizados na reunião -,
algumas prateleiras, onde as pessoas colocam seus pertences, geralmente
bolsas, um ventilador de teto, caixinhas de som fixadas à parede, um
lâmpada de luz branca – a usada normalmente em qualquer ambiente - e
mais duas azuis, que são acionadas em momentos específicos da reunião.
Algo a se observar ainda é que as paredes são azulejadas em uns ¾ mais ou
menos (um azulejo amarelo claro e bastante limpo), sendo o restante pintado
de branco – algo que contribui para a impressão de assepsia do ambiente.
A outra sala também reservada para as reuniões mediúnicas e de tratamento
é idêntica a esta. Modifica-se apenas a última, que se comunica por dentro
com a segunda e é composta por algumas camas nas quais as pessoas se
- 95 -
deitam para receberem passes e transfusão de energias realizados durante os
tratamentos que a Casa oferece, como o de Irmã Elizabeth e Irmão Velhinho.
(27.07 e 06.08.03)
No último andar subsolo estão a creche e a sala H. A creche, que atende mais ou
menos quarenta crianças de famílias carentes de Brotas, se divide por dentro em dois
pavimentos que se comunicam por uma escada interna. No piso inferior, onde está a creche
propriamente dita, existem: cozinha, almoxarifado de alimentos, refeitório, o banheiro para
adultos, o vestuários das funcionárias. Há também um corredor com a casa de gás, depois
as salas com banheiros do grupo I e II das crianças, a lavanderia, área para secar as roupas,
área para recreação, sala de TV e vídeo, o berçário e o banheiro dos bebês. Na ala superior
estão a secretaria, gabinete médico, sala de reuniões e os almoxarifados. A sala H
atualmente serve para reuniões da evangelização e grupos de estudos desenvolvidos ali.
Contudo, nem sempre foi assim. A coordenadora de um dos departamentos conta o que
ocorreu naquele ambiente:
“Há muitos anos atrás, a sala H era... um quitinete onde havia um
empregado fixo aqui, tipo um zelador um faxineiro que e morava aqui. Por
algum tempo foi assim... porque a creche ocupava esse piso onde hoje é
passe, a creche era todo esse pavimento. Depois quando construiu-se a
creche nova houve essa modificação e foi também a época que se sentiu a
necessidade de se contratar mais funcionários pra esse serviço da limpeza e
aí houve essa reforma, essa remodelação que a principio a sala H até era...
também usada pela creche, depois não tendo mas necessidade de usar na
creche, foi sendo usada pra evangelização das crianças, tinha um grupo de
evangelização ali e também grupo de estudos.
Contudo, a sala H ficou fechada, assim, fechada um tempo por que... as
pessoas não queriam descer escada, principalmente por isso né, reclamavam
da escadaria e chamavam a sala de umbral, dizendo que ali era umbral. Que
umbral não vou, e o resultado é que a sala ficou fechada por algum tempo, e
através da mediunidade de alguns se descobriu que ali estava, era um espaço
ocioso que servia para habitação de espíritos sem esclarecimentos que
queriam prejudicar o centro. Aí nós... tivemos a orientação espiritual de
promovermos reuniões mediúnicas naquela sala - tudo obedecendo assim a
um critério dos espíritos -, fizemos as reuniões que foram orientadas, os
espíritos foram atendidos e se fez a reforma material que a sala precisava
fazer e lá hoje funciona evangelização e vários grupos de estudos.”
(Coordenadora).
Subindo para o primeiro andar do prédio estão o salão doutrinário, local onde são
realizados eventos e a programação doutrinária (palestras diárias sobre a doutrina), com
- 96 -
capacidade para, mais ou menos, duzentas e oitenta pessoas. Este andar tem ainda duas
outras salas menores em que uma a equipe do DED (Departamento Doutrinário) reúne-se
quinze minutos antes do início das doutrinárias para trocar idéias e fazer uma prece. A outra
é reserva para a aparelhagem do som, para o material utilizado nas palestras e contém
também um escaninho no qual são depositadas pelos trabalhadores da Casa os
encaminhamentos dos entrevistados para os diversos atendimentos do centro: Irmã
Elizabeth, Atendimento à Distância, Desobsessão, etc. Já no último andar do prédio
encontramos uma sala de leitura, a biblioteca e a sala de reuniões da diretoria da COBEM.
Durante o meu trabalho de campo, que estendeu-se por dois anos e meio, tive acesso
ao Estatuto da COBEM e um relatório anual de prestação de contas. Estes documentos, sem
dúvida, me auxiliaram na compreensão do dia-a-dia daquela instituição, que devido a seu
porte e complexidade não torna-se apreensível de pronto. O estatuto foi elaborado durante
as primeiras reuniões do grupo fundador há quase quarenta anos. De lá para cá o
documento já sofreu algumas modificações, sendo a mais recente delas realizada em 1996 e
registrada em cartório no ano de 1999. Foi a esta última versão que tive acesso.
Além da denominação, constituição e definição dos objetivos filantrópicos e
doutrinários especificados em seu capítulo primeiro, o estatuto distribuiu os sócios em três
categorias (fundadores, efetivos e contribuintes) regulamentando seus direitos e deveres,
tais como: votas e ser votado na época da convocação da Assembléia Geral; direito de
participação nos cargos administrativos e não comissionados existentes na instituição;
pagamento das mensalidades destinadas a manutenção do centro; a maneira de passar de
um membro contribuinte para um efetivo, entre outras coisas.
O documento permite ainda ao centro estrutura e forma organizativa bem definidas,
com órgãos e suas atribuições claramente delimitados, à semelhança de qualquer outra
instituição civil que tem por moldes esse tipo de organização. A partir do capítulo terceiro
estão explicitados a distribuição hierárquica, cargos e suas atribuições, modo de
funcionamento e processo eleitoral. Neste sentido, a Casa de Oração encontra-se
organizada através dos seguintes órgãos:
I – Assembléia Geral;
II Conselho Fiscal;
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III – Conselho Administrativo;
IV Diretoria Executiva.
A Assembléia Geral, definida enquanto órgão máximo da instituição, hoje, de
acordo com informações de alguns dirigentes, possui em torno de cento e sessenta membros
efetivos que participam das decisões do centro. A AG reune-se anualmente no mês de
março para verificar balanços e relatórios do exercício findo e trienalmente para eleger os
membros da Diretoria Executiva, dos Conselhos Fiscal e Administrativo além dos seus
próprios membros, o Presidente, 1º e 2º Secretários. A AG pode também reunir-se
extraordinariamente para resolver assuntos considerados relevantes, que possam ameaçar a
estrutura do centro ou os princípios postulados por ele.
O Conselho Fiscal, constituído por três membros efetivos e três suplentes, é
responsável pela fiscalização da gestão financeira da Diretoria Executiva, cabendo-lhe
examinar e emitir parecer sobre as contas, orçamentos anuais, balancetes e balanços de
exercício findo antes de serem apreciados pela Assembléia Geral a cada ano. Já o Conselho
Administrativo, composto por vinte membros e dez suplentes, tem entre suas atribuições
acompanhar e avaliar as atividades da Diretoria Executiva e dos Departamentos, bem como
apreciar e emitir aprovação no todo ou em parte a planos, programas e projetos que a DE
queira implementar, avaliando as despesas orçamentárias para tanto.
Compõe este quadro integrado de funcionamento a Diretoria Executiva formada
pelo presidente e vice, 1º e 2º secretários e 1º e 2º tesoureiros. Compete a este órgão, de
maneira ampla, a direção e administração do centro, garantindo o bom funcionamento do
mesmo, assim como representar o centro em outros fóruns. Algumas das metas da DE são
descritas em seus relatórios anuais, entre os quais estão a formação de novas lideranças e a
ampliação do quadro de associados. A DE nos anos 2004-2005 promoveu ainda a
informatização da instituição, fomentou o setor de comunicação com a criação de um
jornalzinho e um site, incrementou o núcleo de artes com projetos semestrais e
implementou a educação infantil junto a creche que a COBEM mantém. A estrutura
institucional até aqui descrita pode ser diretamente observada no organograma a baixo:
- 98 -
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Todas as atividades que ocorrem na COBEM, sejam elas assistenciais,
comemorativas, administrativas ou estritamente religiosas, estão ligadas a departamentos
específicos que, através da figura de seus coordenadores, são diretamente responsáveis pelas
ações desenvolvidas na instituição. Veremos alguns deles.
3.1. DAS – Departamento de Ação Social:
Entre os departamentos merece destaque o de Ação Social, por ser através dele
posto em prática de maneira sistemática algumas formas de caridade postuladas pela
doutrina. No relatório anual do exercício de 2004 os objetivos das ações deste departamento
ficam, então, bastante claros:
O Departamento buscou desenvolver um trabalho de assistência
assegurando suas características beneficentes, preventivas e de promoção
social, prestando assistência material que possibilite minimizar carências,
visando sensibilizar os beneficiários para a importância da sua
participação efetiva no processo de reversão de sua situação.
Para atingir tais objetivos, o DAS encontra-se estruturado em diversos setores que
atuam em frentes diferenciadas. O primeiro deles é o setor de Bazar e Costura. Ele é
responsável pela confecção de todo o vestuário, lençóis e fantasias utilizados na creche,
assim como de roupas, artesanatos e objetos variados que são vendidos no bazar para
auxiliar na manutenção das obras sociais da casa. Além das vendas rotineiras o Bazar
algumas vezes promove uma feira da pechincha, na qual participam os funcionários, os
idosos atendidos pela COBEM e as famílias das crianças da creche da instituição. Segundo
uma coordenadora do centro me relatou, esta atividade tem um caráter educativo e a renda é
revestida para a própria clientela participante. O Bazar tomar parte ainda de eventos
maiores que ocorrem fora do centro a fim de obter mais alguma renda, além de promover
mutirões com as trabalhadoras voluntárias com o objetivo de aumentar a produção.
A creche André Luiz é também responsabilidade deste departamento. Inaugurada
em 1992 com a capacidade para atender quarenta crianças de três meses à dois anos da
comunidade carente, aos poucos foi aumentando a faixa etária das crianças atendidas para
quatro, cinco e, hoje, seis anos. Para tanto, vários espaços, como os já descritos em relatório
- 100 -
de campo, foram criados ou reformados com recursos oriundos do programa “Sua nota é
um show”: banheiros especiais, gabinete médicos, almoxarifados, etc.
A creche é envolvida em atividades de outros departamentos do centro, a exemplo
da campanha promovida pelos jovens do DIJ (Departamento de Infância e Juventude),
mobilizando as pessoas do centro a fim de angariar recursos para a creche. Esta, por sua
vez, também proporciona atividades artísticas envolvendo os familiares dos assistidos e
estabelece que as mães das crianças disponibilizem um turno de trabalho quinzenalmente
na creche. Estas, sem dúvida, são formas que o centro encontrou para que seu trabalho não
permaneça apenas entre as crianças, mas estenda-se até suas famílias. Ao que parece, a
creche deu tão certo, que atualmente foi incluída uma esfera pedagógica voltada para a
alfabetização das crianças de cinco e seis anos. Assim, a instituição cumpre um dos
objetivos traçados pela Diretoria Executiva, que é a viabilização de projetos de educação
para as crianças.
Já o setor de Atendimento aos Idosos atende, em média, cinqüenta idosos que foram
admitidos ao seu programa mediante uma seleção prévia. O programa além de procurar
atender algumas carências materiais distribuindo farnéis mensalmente, valoriza o exercício
da cidadania, assim entendido pela instituição, por meio de uma série de atividades
culturais, recreativas e sociais. Assim, é comum a COBEM realizar palestras com
profissionais da área de saúde que lida com o idoso; promover o estudo e discussão do
estatuto do idoso entre os participantes do programa; cursos para o desenvolvimento de
algumas habilidades, como, por exemplo, o de artesanato que já ocorreu algumas vezes, e
atividades recreativas. Há também atendimento com profissional de geriatria, terapia
ocupacional quinzenalmente e visita aos lares dos idosos para acompanhamento. Os
voluntários deste setor – conforme relatório de 2004 – participaram de um encontro para
discutir a questão do idoso realizado na Fundação Luis Eduardo Magalhães e promovido
pelo CEI – Conselho Estadual do Idoso.
3.2. DEPAT – Departamento de Administração e Patrimônio:
Este departamento é o responsável pela administração da Casa, do pessoal e das
finanças que mantêm a instituição, tendo, entre outras coisas, o controle das doações e sua
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distribuição pelos setores do centro. O departamento procura, segundo o seu relatório,
reavaliar estratégias para capacitação de recursos objetivando a autonomia de
gerenciamento da COBEM e a ampliação de ações desenvolvidas pela Casa. Ele responde
pelo brechó, livraria, cantina, manutenção e imobilizado, o setor de recursos humanos e
mais recente o de projetos especiais. Além das vendas realizadas através da livraria, brechó
e cantina um outro ponto forte de capacitação de recursos são as doações, por meio das
quais a Casa de Oração arrecada gêneros alimentícios (secos e líquidos), roupas, calçados,
eletrodomésticos, além de notas fiscais vinculadas à campanha Sua nota é um show de
solidariedade” instituída no setor de projetos especiais enquanto uma ação nova para a
captação de recursos. O DEPAT também administra as rendas obtidas com eventos e
campanhas eventuais promovidos por outros departamentos e as vendas do bazar – este,
vinculado ao DAS. O ato de doar é tão forte e presente na ideologia e práticas espíritas que
leva mesmo a um setor como o DEPAT concluir um de seus demonstrativos financeiros
com o seguinte:
O setor continuou proporcionando aos freqüentadores e voluntários da
Casa o espaço para a ajuda de todos, através não só da colaboração em
seus plantões, mas também através da possibilidade de exercitarmos o ato
de doar...”
“(...) Notamos o quanto cada um de nós pôde doar de si para o bem de
muitos, mas acima de tudo o quanto recebemos enquanto ensaiávamos o
verdadeiro ato do doar...
O setor de Manutenção e Imobilizado cuida da limpeza das dependências da Casa,
bem como da aquisição, manutenção e administração dos bens móveis e do imóvel. Assim,
este setor fez o inventário de todos os bens móveis, viabilizou reformas no prédio, entre
elas a que ocorreu nas dependências da creche e instalou o programa de informatização de
setores da instituição. Já o setor de Recursos Humanos responde por todas as questões
relacionadas aos vinte funcionários que o centro emprega.
- 102 -
3.3. DIJ – Departamento de Infância e Juventude:
Outros departamentos sumamente importantes são os de Assuntos Mediúnicos, o
Doutrinário e o da Infância e Juventude, tendo em vista que estes, em seu conjunto, são os
que respondem pelas atividades religiosas da COBEM. O departamento de Infância e
Juventude é responsável pela evangelização de crianças e adolescentes – um trabalho
realizado durante as manhãs e tardes dos finais de semana pelos membros do centro, com
os filhos dos freqüentadores e jovens da comunidade que não necessariamente têm pais
espíritas. Tal atividade tem por objetivo a orientação religiosa, ensinando, por meio de
recursos pedagógicos, os princípios do espiritismo. Para tanto, a COBEM dispõe de
dezesseis evangelizadores distribuídos pelos ciclos e três coordenadores responsáveis pelo
planejamento e maneira como serão operacionalizadas as atividades pelos voluntários.
Os trabalhos são desenvolvidos tendo por critério a organização das crianças e
jovens em grupos por idade agrupados diferentes salas do centro, que são denominados de
“ciclos”. Estes são em número de sete distribuídos pelos grupos de infância e da juventude,
que podem ser melhor visualizados no quadro à baixo:
GRUPO DA INFÂNCIA GRUPO DA JUVENTUDE
Jardim – 05 e 06 anos Juventude I – 13 e 14 anos
1º ciclo - 07 e 08 anos Juventude II – 15 a 17 anos
2º ciclo – 09 e 10 anos Juventude III – 18 a 21 anos
3º ciclo – 11 e 12 anos -
Também é da alçada deste departamento reuniões e atividades desenvolvidas com o
grupo de pais das crianças que participam do DIJ para tratar de assuntos pertinentes à
evangelização dos filhos, ao relacionamento destes com os primeiros, à questões sociais
como drogas e comportamento sexual ou a aspectos relacionados à educação. Ao interior
do centro são estimuladas e desenvolvidas atividades relacionadas a filmes, seminários,
campanhas e comemorações integradas com outros departamentos e setores da instituição,
além, é claro, dos encontros semanais. Fora da instituição as crianças e adolescentes
participam visitam outras instituições e participam de eventos e encontros promovidos pela
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comunidade espírita ou outros centros, a exemplo da CONJEB – congresso da juventude
espírita da Bahia – que ocorre anualmente e outros fóruns.
O trabalho concernente a este departamento, diga-se de passagem, comum aos
centros espíritas, tem como tarefa, nos parece, garantir ou pelo menos tentar garantir a
expansão da religião
30
, na medida em que procura, por meio desses encontros sistemáticos,
introduzir os jovens na doutrina, tornando-os espíritas.
3.4. DED – Departamento Doutrinário:
Um outro departamento que cuida das atividades religiosas é o doutrinário. Ele,
juntamente com o departamento mediúnico são os responsáveis diretos pelos rituais que
ocorrem no centro. Em se tratando especificamente do DED, ele agrega setores
responsáveis pela divulgação e aprofundamento da cosmologia espírita. Um deles é o de
Atendimento Fraterno. Este setor acolhe as pessoas que procuram os recursos do centro
atendendo-as diariamente através das entrevistas realizadas nos plantões de atendimento no
salão de eventos do primeiro andar subsolo. Ao chegarem, as pessoas são recebidas por um
atendente que encontra-se num balcão à entrada da grande sala, e respondem algumas
questões feitas por ele a fim de se ter um registro ou espécie de cadastro dos atendidos. No
final do atendimento, ao sair, é entregue um cartão em que é registrado o que e quando a
pessoa deverá fazer, seguindo, assim, os procedimentos sugeridos pelo entrevistador após a
conversa.
Depois de feito o cadastro as pessoas entram em grupos de seis a oito, são recebidas
por dois mediadores e formam um círculo ou semicírculo em um espaço específico ao canto
da grande sala, é feita uma prece de abertura e os mediadores permanecem todo o tempo,
até o último atendimento ser concretizado, lendo mensagens, explicando-as, fazendo
pequenas palestras e esclarecendo aspectos da doutrina. Durante todo este trabalho o
ambiente é perpassado por uma música suave em tom baixo. Enquanto isso, espalhados
pela sala estão três ou quatro entrevistadores, sentados de posse de alguns papéis em que
registram aspectos da entrevista e as recomendações feitas, e tendo ao lado uma cadeira
30
Na verdade, não só esta atividade pode ser entendida como uma ação dos espíritas no intuito de propagar a
religião, mas também outras – já discutidas no capítulo anterior -, como a intensa publicação e a grande
atividade de médiuns conhecidos que realizam viagens, conferências, palestras, etc., pregando o kardecismo.
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vazia para o entrevistado. Aos poucos, as pessoas são chamadas por ordem de chegada e
são atendidas de forma indiferenciada pelos entrevistadores, conversam os seus problemas
e aflições de toda sorte
41
, ou o que seja, e depois saem com a recomendação do que deve
ser feito, que é também registrado em seu cartão pelo atendente da entrada/saída. Neste
ínterim, os que ainda não foram atendidos permanecem no grupo ouvindo mensagens e
explicações da doutrina. Tudo isto ocorre em um ambiente de muita tranqüilidade e num
tom, eu diria, de impessoalidade, na medida em que é evitada pelo atendimento a conversa
com entrevistadores, por ventura, da preferência de alguém. Aí começa a carreira do
indivíduo pelo centro, onde começa a ser feita uma espécie de anamnese a seu respeito.
Aliás, os procedimentos em sua totalidade lembram de um posto ou clinica da área de
saúde, pois, o “paciente” provavelmente retornará ao setor de atendimento para falar dos
resultados do tratamento a que foi submetido, ou, em caso de negativa, isto é, de não
resultados ou obtenção de melhora, ser encaminhado para outro serviço. Não há
obrigatoriedade nenhuma que esta nova entrevista se dê com a pessoa que o atendeu
anteriormente, ao invés disso, quem o atender o acompanhará pelas anotações registradas
anteriormente em sua ficha. Um movimento, como se vê, marcado e muito pela
organização e também por um forte viés burocrático, que, aliás, perpassa todas as
atividades da instituição. Em 2004, conforme registro deste setor, foram atendidas três mil e
quatrocentas pessoas, que foram encaminhadas para as diversas atividades do centro.
Depois de finalizados todos os procedimentos do atendimento e a pessoa já ter
concluído seu tratamento (ou tratamentos), em manifestando desejo de permanecer na
instituição, ela é encaminhada para grupos de auto aprimoramento e de estudo da doutrina.
Esta, naturalmente, é uma das formas de fazer parte destes grupos. A outra, é simplesmente
inscrever-se para um deles. Os aspirantes passam, então, a fazer parte do setor de Grupos
de Estudos, que, com algumas variações, possui em torno de cinco a seis grupos da fase I
com uma média de trinta participantes cada grupo, estudando as obras de Kardec, e depois
de mais ou menos um ano passam para os grupos da fase II, onde são estudadas obras
escolhidas pelos próprios membros. Abaixo destaco trechos de uma das reuniões que
presenciei:
41
Em conversa com um informante, ele me dissera que as questões são as mais diversas. Desde problemas de
saúde, passando por conflitos psicológicos, emocionais seus ou com a família, não aceitação do
homossexualismo, até drogas na família, insegurança, ciúmes, síndrome do pânico e, claro, as obsessões.
- 105 -
Algumas questões que surgiram no grupo de estudos me pareceram
interessantes e vale a pena relata-las. Uma das noviças perguntou ao
instrutor qual era a responsabilidade dos médiuns no processo de cura
quando as atividades da casa são interrompidas ou fechadas? O instrutor
respondeu que antes de qualquer coisa nós temos que ter consciência de
nossa responsabilidade. Não usar a energia do medo para desculpas. “Eu
tenho que ter compromisso com minha consciência, e se acontecer alguma
coisa é porque estava no meu mapa energético para acontecer.” Falou que as
pessoas estão robotizadas pelo cotidiano e temos que tentar lutar contra
isto...”
Uma outra pessoa perguntou sobre como saber se ela é médium. Certa vez
foi exorcizada na Igreja Católica e há um ano atrás via coisas. O doutrinador
respondeu que na fase em que está a última coisa que ela deve procurar fazer
é desenvolver a mediunidade. Ela deve estudar. Fez o tratamento, se
reestruturou, o que tem a fazer é procura se aprofundar na doutrina. Os
questionamentos continuaram, e depois de entabulados alguns diálogos
chegou a hora de encerrar as atividades de hoje. O professor pediu para que
alguém fizesse a prece e fomos embora às 21:30h. (Grupo de Estudos Fase I
-07.03.04)
O último setor do DED é o de Divulgação Doutrinária. Compõe-no a biblioteca, o
núcleo de artes que, entre outras coisas, organiza peças de teatro, e as equipes doutrinárias
responsáveis pela programação das palestras públicas, as temáticas abordas nestas palestras,
bem como os expositores que as farão. As doutrinárias são palestras abertas ao público em
que são discorridas temáticas espíritas com o objetivo de propiciar o entendimento da
doutrina e auxiliar na reforma intima dos adeptos. As palestras da COBEM, em geral, eram
bem preparadas, com seus palestrantes mostrando domínio não só da cosmologia espírita,
mas também de outras áreas do conhecimento, buscando fazer relações entre elas. Muito
próprio de uma classe média, há uma predileção por discursos científicos e racionalizantes,
tentando empregar aquilo que a religião apregoa: “uma fé raciocinada”. Abaixo destaco
trechos de algumas das palestras que assisti:
Cheguei ao centro às 19h40minh, permaneci um pouco na área da
lanchonete, logo na entrada do centro, conversando com algumas pessoas,
me ambientando. Passados uns quinze minutos subi para o salão do primeiro
andar – local destinado para as doutrinárias. O salão é, de fato, bastante
espaço, com cerca de trezentos lugares para o público. Além dos
ventiladores de teto há caixinhas de som espalhadas pelas paredes de todo o
espaço. Existe também um jogo de luzes brancas e azuis, que são acionadas
conforme o momento da reunião. Neste sentido, as últimas são ligadas para
- 106 -
os momentos da prece inicial e final juntamente com a aplicação de passes
coletivos.
Quando subi e me acomodei o salão estava quase completamente lotado,
ficando, no decorrer da palestra, sem lugar para mais ninguém, havia até
algumas pessoas de pé. O palestrante da noite era o presidente do centro e o
tema a ser abordado – pelo menos, era o que constava da programação do
mês afixada nos murais da instituição – era “Cura e reforma íntima”. Um
tema nada menos que interessante para os propósitos da minha pesquisa.
Assim, estavam no púlpito o palestrante e mais duas pessoas que conduziam
os trabalhos da noite de hoje. Depois da prece de abertura e dos avisos de
praxe (campanhas, palestras e seminários em outros locais, etc.) Veloso deu
início ao tema. Tentando reproduzir sua fala a palestra foi mais ou menos
assim:
“... A dinâmica de cura e auto cura está acoplada à nossa percepção de que
somos espíritos em processo de evolução... Os espíritos evoluídos que estão
encarnados são verdadeiros missionários! Eles sofrem entre nós para nos dar
o exemplo de que tudo que acontece com a humanidade pode ser superado
num processo de renovação e equilíbrio. Sofrem para nos mostrar que existe
um processo de organização íntima difícil que urge ser feito. É difícil, mas
precisa ser iniciado e logo! Pois todos somos criaturas em evolução e, por
tanto, submetidos à lei de causa e efeito. As leis de Deus não estão aqui ou
ali. Elas estão em toda parte, e acima de tudo, estão inscritas em nossas
consciências.
A resolução dos problemas existenciais depende não de Deus, mas de nós
mesmos, de nosso interesse em reforma íntima. Temos que reorganizarmo-
nos internamente... Toda moléstia é de origem espiritual. Não existem
doenças, mas doentes. Este é um dos motivos pelos quais precisamos
urgentemente nos reformular: ações e, principalmente, pensamentos!
Uma pessoa com câncer está liberando camadas energéticas que se
acumularam durante várias encarnações. Então, a doença não é uma punição
de Deus, mas uma forma de liberação de toda carga energética que vem se
acumulando durante várias existências, e que precisamos expelir, jogar para
fora. Um outro exemplo: quando vemos pessoas agressivas, violentas e com
muita saúde. Mas saúde física. Pois a saúde emocional está desordenada.
Tais pessoas estão com problemas e terão problemas no futuro! Isto é
inegável, já que todos estamos em evolução... Somos responsáveis pelos
nossos atos, assim como as conseqüências que eles geram e que teremos que
reavê-las algum dia. Os familiares e amigos podem nos ajudar, podem
contribuir para o alívio de nossas dores, mas eles não nos tiram - e não
podem tirar - a nossa responsabilidade, pois somos criaturas que temos o
nosso livre arbítrio. Por isso, a doutrina espírita chama constantemente a
atenção para o estado e atitude mental dos indivíduos e para a natureza das
interações que estamos gerando com os outros...
Emmanuel diz que temos que saber lidar com a doença, quando ela nos
chegar. Em um congresso realizado com médicos espíritas e não espíritas em
São Paulo foi argumentado acerca do poder da prece. A prece cura mais que
a penicilina... Os espíritos dizem que “orar é abrir a boca do coração.”
Precisamos abrir esta boca e exteriorizar sentimentos de docilidade, ternura
e compreensão. Na intimidade do nosso quarto precisamos ter essa conversa
agradabilíssima com Deus, orando de acordo com o Pai Nosso, pedindo que
seja feita a tua vontade, e não a nossa...”
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A palestra durante uma hora versou sobre esta relação entre doença-
processos de cura-reforma íntima, dizendo ainda que temos que estar com as
mentes vigilantes para operar o processo de cura e auto cura, deixando, entre
outras coisas, as fofocas de lado, pois elas são extremamente prejudiciais.
Veloso também colocou como proposta terapêutica o exercício da
fraternidade, da caridade, a reforma íntima, pois a saúde e o equilíbrio
começam por aí, e nós temos que procurar as causas profundas das
enfermidades, para podermos, então, minimiza-las ou curá-las. Durante mais
uns quinze a vinte minutos foram respondidas questões sobre o tema, que
pessoas da audiência enviavam escritas. No final, foi feita uma prece de
encerramento, e as pessoas iam saindo lentamente enquanto bebiam a água
que lhes era oferecida. Retirei-me do centro eram mais de 21h30minh.
(29.07.03).
16h30minh do domingo. Está começando mais uma palestra pública. Hoje,
estão sentados no púlpito João Pedro e Janine. João Pedro irá proferir a
palestra “Obsessões, mentes vazias e trabalho”. Assim, logo após os avisos
habituais e a prece tem-se início a preleção, que, desta vez, percebi como um
chamamento muito sério para os espíritas. O palestrante chama a atenção
que as idéias implantadas nas mentes dos espíritas por espíritos infelizes não
achariam guarida se os primeiros fossem mais vigilantes. “Quantas vezes –
dizia ele – os trabalhadores dos centros abdicam de suas atividades em
função das praias e churrascadas? É preciso cuidar do corpo para que o
espírito tenha relativa autonomia. È necessária a vigilância para realizarmos
mudanças sérias e definitivas, e para isso, temos que estar mais atentos. No
início da reunião estávamos todos inquietos e os espíritos já estavam
trabalhando conosco, aplicando passes e transmitindo bio energia.
Os médiuns têm por finalidade fortalecer os centros e os outros, mas
precisamos estar alinhados, do contrário não ajudaremos em nada. É preciso
estar alinhado mentalmente, internamente; e estar alinhado significa manter
uma postura constante. Para alcançar tudo isto, temos que evitar o ódio, o
ressentimento, a vingança, a mágoa... De forma contrária, precisamos
trabalhar o auto amor – amar a mim mesmo é a cura em mim mesmo. E isto
tem que ser feito urgentemente. Não vamos perder tempo remoendo mágoas
e gerando energias deletérias. Devemos, antes sim, buscar nos amar e amar
ao próximo. As pessoas que aplicam passes podem se considerar médiuns
curadores, pois estão misturando o seu magnetismo ao dos espíritos. Estes,
sabedores disto, vão implementar a saúde aos que procuram...”
João Pedro continuou com a explanação mencionando exemplos de médiuns
que ligados a espíritos trabalhadores do bem, quando aplicando o passe é
gerada uma onda que vai para a cabeça de todos os pacientes, por isso, não é
preciso ficar esfregando a cabeça de ninguém no momento do passe. Depois
de falar mais um pouco sobre fluídos, manipulação de energias e
comportamento dos médiuns, a palestra foi encerrada e passamos para os
momentos finais em que os passistas se posicionaram em pontos estratégicos
do salão para aplicarem o passe coletivo enquanto a prece de encerramento
era feita por Janine. As pessoas, então, começaram a sair, algumas foram
conversar com João Pedro e Janine e outros conversavam entre si. Falei com
algumas pessoas, entre elas o palestrante e Janine, demorei mais um pouco,
e já ao cair da noite retirei-me. (13.09.2004).
- 108 -
Joyce começou sua fala apresentando-se e dizendo para aqueles que não a
conheciam que ela não era médica de formação, mas devido a sua
mediunidade e intensa atividade no centro ao longo de vários anos foi
compelida a estudar para compreender o que se passava com ela, e também
responder questões suas, pessoais, que sempre a afligiram muito. A palestra
de Joyce versou sobre “Transe Mediúnico e a Comunicação entre os Planos’.
Eu logo entenderia porque ela no início fizera questão de se apresentar e
mencionar a sua formação, tendo o cuidado de referir que não é da área da
saúde. Joyce além de mostrar um conhecimento muito profundo sobre o
espiritismo, baseando-se em vários livros que tratavam do tema discorrido,
também não ficava a desejar quando tratou dos órgãos e funcionamento do
corpo, mencionando glândulas e sistemas biológicos pra depois explicar a
ligação deste e o funcionamento integrado com os outros corpos astrais, sete,
segundo ela, que compõe o períspirito.
Depois, então, de falar do corpo ou soma, do espírito e do períspirito
mencionando origens das palavras, quando surgiu a suposta primeira noção
de períspirito e karma e dos chakras – centros de força/ vórtices energéticos
ligados aos plexos, estes físicos, situados no corpo permitindo a
comunicação e troca de energias entre os corpos (material e astrais) – Joyce
faz uma explanação de como se processa a comunicação dos espíritos, assim
como e por que se processam as sintonias e afinidades morais e energéticas
entre encarnados e desencarnados.
De uma maneira ou de outra, é impressionante como todos os movimentos
ou discursos recaem sobre o indivíduo e a sua necessidade de reformulação,
agora situada em um nível energético. Depois da palestra que durou cerca de
uma hora e meia as pessoas fizeram algumas questões, e depois da prece
final, às 21:45h fui embora. (12.01.05).
Hoje o palestrante da doutrinária é um médico de formação. Camilo
começou a fala trazendo sua experiência pessoal, relatando como entrou na
COBEM na condição de paciente, depois passou a estudar e, brincando,
disse ter feito residência com João Pedro. Hoje divulga a doutrina. Depois
disso, o palestrante deteve-se em uma discussão ampla acerca da energia.
Falou da Revolução Industrial, mencionou as fontes de energia do planeta,
da energia física, energia atômica, solar, para em seguida deter-se no
funcionamento do corpo e as energias que são necessárias para tanto.
Discorre, então, acerca dos alimentos energéticos, dos açúcares e gorduras,
como tudo isto se processa no corpo gerando moléculas de energia. Camilo
começa a falar da mediunidade e das energias presentes nos transes
mediúnicos, menciona ainda o espírito e o períspirito dizendo que este
último liga-se ao cérebro. Nela há a glândula pineal que encontra-se
conectada ao chakra mais importante, pois quando os chakras que estão
situados na parte de cima do corpo são os mais desenvolvidos nas pessoas,
estas são mais inteligentes e altruístas, enquanto os chakras mais baixos são
mais ligados à terra... À palestra, que ainda tratou dos chakras, do cérebro e
energias, seguiram-se os mais variados questionamentos da platéia que ouvia
a tudo atentamente. Lá para as 20:30h, depois da reunião, desci e fui para
casa. (23.11.03).
- 109 -
Além dos elementos cosmológicos o que há de comum nas narrativas é sempre a
referência a si mesmo como responsável pelos eventos que lhe ocorrem e a forte marca
“científica” e de “conhecimento” de que os palestrantes se valem para fundamentar os seus
discursos. Juntando-se a isto a grande oferta de grupos de estudo sobre a alma, o Ser e
fenômenos mediúnicos, não seria absurdo dizer que tais aspectos aproximam o centro de
uma determinada vertente do espiritismo que vigorou de forma mais majoritária durante
algum tempo no país: a científica. Esta última, quando presente em um centro – mesclando-
se, obviamente, aos aspectos morais e religiosos da doutrina -, as doutrinárias se
caracterizam por uma linguagem muito rebuscada dos expositores, que recorrem
constantemente a argumentos e comparações científicas. Em geral, essas palestras tendem
para uma alta sofisticação e complexidade tanto em estrutura quanto em conteúdo. Os
oradores procuram demonstrar erudição recorrendo a termos e argumentos da física,
biologia, psicologia, parapsicologia, etc., traçando paralelos com o espiritismo. Sem
dúvida, isto caracteriza também as concepções de uma classe média, tanto os que falam,
quanto os que ouvem. A COBEM, consegue, com esta sintonia entre classe e “tempos
modernos”, manter, assim, a casa cheia.
4.5. DAM – Departamento de Assuntos Mediúnicos:
Mas não são apenas as doutrinárias, seminários e grupos de estudo a compor o
cotidiano da COBEM. Além das atividades desempenhadas pelo DAS, DIJ e o DED,
existem aquelas de competência do Departamento de Assuntos Mediúnicos. Segundo
Castro (1983), podemos dizer que elas circunscrevem a relação que é estabelecida com o
Mundo Invisível no eixo sincrônico. Além disso, assim como os outros, este departamento
também elabora um programa para atender as necessidades dos trabalhadores e assistidos.
Assim, geralmente são promovidas reciclagens acerca de temas solicitados, seminários,
mesas redondas e grupos de estudos sobre médiuns e mediunidade, além, é claro, dos
trabalhos práticos. Como se vê, a meta de aquisição de conhecimento não só perpassa toda
a instituição, como é levada a sério senão por todos os participantes, por muitos deles e,
principalmente, pelos coordenadores dos departamentos e setores. Por outro lado, parece
haver uma certa tensão neste campo religioso, na medida em que nem todos estão dispostos
- 110 -
a absorver completamente o cotidiano do centro. É o que pude observar, por exemplo, em
certas reuniões que ocorrem nas sextas-feiras, nas quais a freqüência dos colaboradores é
relativamente baixa, ou então o que pode ser notado em um dos relatórios anuais deste
departamento quando é exposto que:
Embora os eventos sejam formais e amplamente divulgados a participação
de trabalhadores é considerada pequena, mas tanto os temas como os
facilitadores, são elogiados pelos participantes, o que nos estimula
prosseguir. (p. 28).
Ou ainda:
Durante alguns feriados de 2004, algumas atividades do DAM não foram
realizadas em conseqüência do reduzido número de voluntários que se
propõem vir à casa. (p. 28).
Sem dúvida, tensões ou incongruências de um campo que ficam mais evidentes nas
tarefas do dia-a-dia do que nas palestras abertas, não obstante, como procurei demonstrar
em alguns relatórios de campo, esta tensão se manifeste até na fala de alguns expositores,
convidando os trabalhadores espíritas a repensarem práticas e atitudes. Contudo, me parece
ser uma tensão nada menos do que “natural”, tendo em vista o complexo jogo de relações
estabelecido naquele contexto, onde estão sempre travando diálogo a cosmologia e as
pertenças e biografias dos participantes. Aspecto, aliás, a ser tratado no próximo capítulo.
Por enquanto, detenhamos nossa atenção nas atividades desenvolvidas pelo DAM através
de seus setores.
3.5.1. O Setor de Passes:
De acordo com informações da coordenação, este setor coordena cento e vinte e um
passistas distribuídos nos onze plantões de passes individuais que ocorrem diariamente em
turnos diversificados e vinte e oito em três plantões do Irmão Natividade – um dos
dirigentes espirituais da Casa. O setor também tem equipes que trabalham com vibrações e
passes à distância para aquele público que não pode se deslocar até o centro e mais duas
equipes que fazem todas as quartas-feiras visitas a lares e hospitais. De acordo com
informações da coordenação e outras contidas em relatório, os atendimentos realizados
- 111 -
pelas equipes do passe à distância ficam em torno de três mil/ano, enquanto o passe do
Irmão Natividade chegou a atender cerca de quarenta e seis mil pessoas no ano de 2004.
Vale ressaltar que o tratamento com passes do irmão Natividade é semi-aberto, com a
pessoa tendo acesso apenas pela entrevista ou algum tipo de indicação. Já os passes
individuais, que atendem cerca de cento e cinqüenta pessoas/dia, são abertos ao público.
Estes últimos mais os do irmão Natividade acontecem em duas salas do primeiro andar
subsolo. As pessoas entram na anti-câmara, assinam o livro e esperam sentadas até o
momento de serem chamadas pelo nome. Enquanto esperam ouvem músicas suaves ao
fundo, pequenas mensagens, explicações das mesmas e preces feitas pelas mediadoras de
plantão. À medida que os nomes são chamados forma-se um grupo de cinco ou seis em
uma fila indiana próximo à porta pela qual passam para a câmara, onde estão os médiuns
passistas. Uma vez lá, as pessoas colocam seus pertences em algumas cadeiras reservadas
para isto, sentam-se em outras e recebem a orientação de ficar concentrados e em prece. Os
passistas, então, aproximam-se de cada uma das pessoas e passam a fazer alguns
movimentos com as mãos – entre eles, circulares – em torno da cabeça e do corpo do
indivíduo, sem, no entanto, tocar-lhe. Há uma lâmpada de luz acionada neste ambiente.
Depois de uns cinco minutos o passe termina, o médium tocar levemente na pessoa para
que abra os olhos e recebe um copinho com água fluidificada. As pessoas levantam-se e
saem calmamente. Tudo isto ocorre, desde a preparação na sala anterior, num clima de
muita tranqüilidade e serenidade, a tal ponto de um toque de celular ser o bastante para
perturbar o ambiente e suscitar manifestações de repreensão não só das voluntárias, mas do
próprio público que está esperando o passe.
Até onde pude perceber, o passe do Irmão Natividade se dá nos mesmos moldes,
com exceção de que o sujeito destinado a esta terapia porta um cartãozinho que recebeu do
Atendimento Fraterno e que apresenta a uma das atendentes do passe para que ela registre a
presença ali e indique a data do próximo atendimento. Geralmente, ao fim de três sessões a
pessoa deverá retornar à entrevista para informar os resultados do tratamento e passar por
uma certa avaliação. De fato, procedimentos que organizam os trabalhos e que se
assemelham muito à sistemática disposta nos procedimentos de atendimento da área
médica. Procedimentos racionalizadores que, entre outras coisas, credenciam o espiritismo
a distanciar-se daquilo que é tido enquanto mágico ou encantado no imaginário social e o
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aproxima de determinadas camadas sociais afeitas a buscas de explicações plausíveis,
consideradas aceitáveis pelo que elas entendem de racionalidade no mundo moderno, não
obstante, a racionalidade do mundo moderno comporte muito mais racionalidades do que, a
princípio, possa ser aceitas por alguns.
3.5.2. Setor de Atendimentos Espirituais:
As terapêuticas oferecidas não se esgotam com essas atividades dos passistas
especificamente, mas se estendem por outros setores vinculados ao departamento
mediúnico. Um deles é o setor de Atendimentos Espirituais. Nele encontram-se os
tratamentos propriamente ditos, atendendo algumas milhares de pessoas por ano que
buscam a Casa de Oração. Este setor procura desenvolver um trabalho integrado com o
Atendimento Fraterno, tendo em vista que os trabalhadores desta área recepcionam as
pessoas encaminhadas pelos entrevistadores. Um dos trabalhos desempenhados é a
implantação do culto do evangelho no lar das famílias que solicitam ou que são
recomendados por coordenadores de outros trabalhos, como é o caso do Atendimento à
Distância. Além da implementação, as equipes também visitam os lares para
acompanhamento. Um trabalho que é posto em prática quinzenalmente às terças-feiras.
Outras atividades mantidas são a meditação, que ocorre aos domingos coordenado
pelo presidente da instituição, e a energização, essa mais esporádica, geralmente
desenvolvida em algumas sessões previamente programadas com a finalidade de renovação
energética dos trabalhadores da casa, é composta por palestras e sessão de passes.
Já os atendimentos do Irmão Velhinho e da Irmã Elizabeth são terapêuticas de
caráter permanente no centro. Ao Irmão Velhinho – um tratamento, como me informaram,
presidido no plano espiritual pelo próprio Bezerra de Menezes, o mentor do centro - eu não
tive acesso, segundo me disseram, por ser um trabalho muito delicado, mas acredito que se
permanecesse mais tempo no centro obteria permissão para assisti-lo. Ele ocorre todas as
manhãs de terças-feiras, a partir das 08:00hs. Destinado às pessoas com doenças físicas
graves, muitas em estado terminal e outros que a medicina convencional sequer descobriu a
doença. Este atendimento dividi-se numa sala onde ocorre o tratamento com passes e
transfusão de energias para os pacientes e em uma outra, onde paralelamente ocorre uma
mediúnica para assessoramento dos casos que são frutos de processos obsessivos.
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A outra terapêutica, a da Irmã Elizabeth, atende pessoas, em geral, com problemas
emocionais e espirituais considerados de teor mais leve do que os tratados em Irmão
Velhinho. Entre a sua clientela mais freqüente estão mulheres maduras, mas também muitas
jovens e uma quantidade razoável de crianças, estas, meninos e meninas. Funcionando
todas as quintas-feiras à tarde, ocupando as três salas do segundo andar subsolo, onde
também acontecem as reuniões mediúnicas, a este trabalho eu tive acesso, construindo,
inclusive, uma ótima relação com a coordenadora e os voluntários daquela atividade. O
tratamento de Irmã Elizabeth descrevo-o, então, por meio de alguns relatórios de campo:
Cheguei às 13:40h. Desci os dois lances de escada que dão acesso às salas
de espera do atendimento de Irmã Elizabeth. São duas salas amplas, com
aproximadamente 5x12m, dispostas paralelamente. Em ambas há uma
grande mesa de madeira ao centro com umas vinte cadeiras onde sentam-
se alguns membros da equipe deste trabalho e os que serão atendidos.
Encostadas às paredes paralelas há mais umas vinte a vinte e cinco
cadeiras para o caso da sala encher – e, pelo que tenho observado, este
acontecimento é costumeiro. Estas salas têm um aspecto hospitalar: são
azulejadas quase até o teto com cerâmica de cor clara, tem aspecto frio e
limpo, desinfetado. Aliás, todo o centro tem este aspecto.
Hoje, na sala à esquerda havia umas cinqüenta pessoas esperando o
atendimento, no corredor umas oito a dez e na sala de espera à direita em
torno de vinte a vinte e cinco pessoas as quais, em sua maioria, eram
crianças. Devido a primeira sala (a da esquerda) estar lotada quando
cheguei, uma cabeceira que se encontrava à cabeceira da mesa, onde havia
além dela mais outras duas que liam o evangelho para a audiência, acenou
para que eu entrasse na sala ao lado. Assim o fiz. As 14:20h o atendimento
iniciou-se pelas crianças que estavam nesta sala. Em grupos de cinco, elas
entravam acompanhadas dos pais (ou responsáveis). Durante a chamada
dos pacientes para o tratamento a coordenadora Manuela alertava os pais
de que o tratamento deveria ser acompanhado pela freqüência às sessões
de passes normais e às doutrinárias.
Depois que as crianças foram atendidas várias pessoas que estavam na sala
ao lado passam para esta a fim de esperarem a sua vez para receber o
passe. Neste momento, duas colaboradoras integrantes da equipe de
trabalho também passaram para o lado de cá e depois de algum tempo
comecei a conversar com elas na tentativa de obter algumas informações
acerca da sistemática do trabalho. Uma delas estava com um envelope
cheio de fichas dos pacientes, os quais passou a averiguar e comentar com
a outra que deveriam entrevistar (avaliar) os que já estavam há três meses
em tratamento. Então, interferi na conversa e perguntei em que casos era
administrado o passe da Irmã Elizabeth. Respondera-me que esta é uma
avaliação feita pelo entrevistador do atendimento fraterno e por eles para
admitir aquelas pessoas que estejam com dramas, conflitos íntimos,
psicológicos, emocionais e espirituais. O objetivo do tratamento é
proporcionar um retorno do equilíbrio às pessoas. As perguntar sobre irmã
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Elizabeth, disseram-me que ela foi uma freira na última encarnação, mas
não sabiam mais nada.
Alguns momentos mais tarde fui conversar com a coordenadora acerca do
trabalho. Ela me informou que a Irmã Elizabeth trabalha no centro desde a
sua fundação, primeiro com a caravana e depois implementado com sua
equipe este atendimento. Disse-me que ela é uma entidade muito sensível
e suave, que tem afinidade com crianças. Ao perguntar se alguém tinha
manifestações dela durante os trabalhos, respondera-me que não, que
apenas sentiam a sua presença e de sua equipe, pois elas eram médiuns
sensitivas que haviam sido selecionadas pelo espírito para desempenharem
este trabalho. Eram pessoas que se amavam muito e que não se
desentenderam por nenhum motivo. Ela também me informou, em meio a
nossa conversa, que faz parte da triagem para o tratamento o
preenchimento de um questionário que será avaliado e confrontado em
uma entrevista individual. Durante a entrevista os médiuns confrontam os
dados apresentados no questionário com a áurea da pessoa. Este processo
se dá em três dias. Depois disso, passa-se para a segunda fase, na qual o
entrevistador encaminhar, se julgar necessário, o paciente para o
tratamento que deverá durar entre dois e três meses no máximo, mas
podendo ser concluso antes, a depender do estado de melhora da pessoa.
Para ter sucesso no tratamento de Irmã Elizabeth, entretanto, Manuela
salienta que é necessário além destes passes, o paciente se submeter à
sessões de passes individuais, freqüentar doutrinárias e, acima de tudo,
acreditar, ter muita fé. Ela ressaltou ainda que o tratamento da Irmã
Elizabeth não se restringe ao momento do passe, mas tem início desde a
sala de espera, quando as pessoas estão ouvindo as mensagens e sendo
convidadas a orar já estão sendo beneficiadas pelas energias da
espiritualidade.
Agradeci pelas informações, pedi um exemplar da ficha que é utilizada
para encaminhamento dos pacientes
42
e disse que retornaria para assistir
ao passe administrado nos pacientes. Fiquei, então, de retornar na próxima
semana. (12.06.03).
Hoje presencie a aplicação do passe de Irmã Elizabeth. A equipe é
formada por dez pessoas. Nove mulheres e um homem, todos com idade
acima de quarenta e cinco anos, e, quanto a cor, heterogêneo, com a
presença de negros, pardos e brancos. Todavia, sendo os primeiros
predominastes no grupo. Marcos e Laura
43
são os facilitadores
responsáveis por recepcionar as pessoas que chegam, permanecendo com
elas enquanto esperam, lendo mensagens, conversando e fazendo a prece.
Uma outra mulher chama o nome das pessoas através de uma lista para
serem atendidas, cinco ficam na sala mais contígua onde será aplicado o
passe e uma, Manuela, está presente supervisionando todo o trabalho. Na
sala à esquerda ficam os adultos, na outra, que tem uma comunicação
direta com o espaço onde é aplicado o passe, ficam as crianças. Na medida
em que estas são atendidas, as outras pessoas passam para a primeira sala.
Hoje, no entanto, não havia muitas pessoas, acho que cerca de quinze.
42
A ficha de encaminhamento encontra-se em anexo.
43
Todos os nomes foram trocados a fim de preservar a identidade dos participantes.
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Algumas mulheres com crianças, outras sem; algumas brancas, outras
negras, mas todas de boa aparência e bem vestidas.
Os pacientes, quando entram na sala do passe em grupo de cinco, tiram os
sapatos e deitam-se em uma das camas indicadas pelas passistas. Elas,
então, pedem para que orem a Deus e aplicam o passe durante uns cinco
minutos; em mais outros cinco as pessoas permanecem deitadas por
recomendação das médiuns. Depois, elas pedem que os atendidos
levantem-se lentamente, se espreguicem e com calma pedem para que eles
bebam a água fluidificada e saiam. A equipe demonstra muita atenção e
gestos de afeto com os assistidos, algumas pessoas falam com elas, as
abraçam, agradecem e saem. Tudo ocorre sempre em um ambiente de
muita tranqüilidade e com músicas relaxantes ao fundo.
Depois de realizados os atendimentos toda a equipe ainda se reúne para
leitura e comentários de algum livro que esteja estudando, emitir vibrações
para algumas pessoas e orar. Fiquei até o final e participei desta reunião
também. Além disso, o grupo reserva a última quinta-feira do mês para
auto-avaliação e avaliação dos pacientes. Neste dia não há aplicação de
passes. (19.08.05).
Complementando este setor de Atendimentos Espirituais acontece todas as quartas-
feiras pela manhã e noite o Atendimento à Distância. Esta foi uma das primeiras reuniões
das quais participei, mantendo uma rotina de encontros freqüentes com o grupo da quarta à
noite. Nestes encontros, os médiuns se reúnem sob a coordenação de João Pedro para,
através de projeções, visitarem os pacientes que, avisados previamente deste atendimento,
devem estar concentrados em suas casas e feito a assepsia do ambiente para entrarem em
sintonia com o grupo que irá lhe traçar um diagnóstico. Quando os atendimentos são
escassos o grupo promove projeções a locais específicos com o objetivo de fazerem um
trabalho de energia. Quanto ao atendimento a pessoas específicas, estes casos chegam à
reunião através dos entrevistadores do Atendimento Fraterno, que os encaminham para lá.
Algo que não poucas vezes gerou muito descontentamento e crítica por parte dos médiuns
do Atendimento à Distância. Pois é do entendimento de todos daquela reunião que os casos
a serem encaminhados devem ser aqueles que já percorreram um transito pelos serviços do
centro e não obtiveram nenhum tipo de evolução de seu quadro, persistindo ainda o
problema. Sendo assim, o Atendimento à Distância seria o último recurso a ser utilizado.
Os médiuns achavam que isto não estava claro para os entrevistadores, que, por outros
critérios quaisquer, enviavam diversas fichas para o atendimento, tornando-se este
inadequado. Esta questão foi tão séria no grupo que eles solicitaram a presença dos
entrevistadores por algum tempo nas reuniões, a fim de que observassem e soubessem do
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que se tratava e também sugeriram seminários e outros ciclos de treinamento para os
entrevistadores. Abaixo descrevo alguns trechos de como o trabalho se processava:
Eram 19:15h quando entramos na sala, eu e Clarice – uma colega de
trabalho de campo -, e fomos recebidas por João Pedro, o coordenador do
Atendimento à Distância da quarta à noite. Enquanto chegavam os
participantes da reunião conversávamos um pouco com ele sobre o
andamento da pesquisa. Às 19:50h João Pedro trancou a porta e colocou
uma música suave; uma outra participante deu inicio à leitura de um livrinho
com fragmentos do evangelho. Em seguida, Samanta leu um capítulo do
Livro dos Médiuns (ao que tudo indica, esta é uma leitura continuada, em
que cada semana eles lêem um capítulo). Finalizada a leitura, João Pedro fez
uma oração pedindo licença a Deus e aos mentores que estavam ali presentes
e solicitou a concentração de todos. Passados alguns minutos, ele falou a
idade, onde se encontrava e o nome da primeira pessoa (do sexo masculino)
para o atendimento. Todos mostravam-se concentrados. Ele repetiu a
referência. Passado algum tempo a médium Joana inicia falando de um
sujeito com impotência sexual, não era homossexual, mas tinha algum
problema com esta área do sexo, todavia ela não conseguia penetrar mais
fundo na questão. A moça ao seu lado, depois de Joana, disse que via um
homem correndo, e ele era muito magro. Samanta disse ver um sujeito que
sentia fortes dores no corpo, principalmente na cabeça. Passado algum
tempo, João Pedro pergunta à Joyce se ela tem algo a dizer, ao que ela
responde que não conseguiu ver nada. O coordenador faz, então, a mesma
pergunta a Fernando, que responde ver um sujeito com fortes dores de
cabeça. Acabado o inquérito, João Pedro lê o registro de tal pessoa feito pelo
entrevistado do Atendimento Fraterno: “Ele é diretor de uma escola pública
que, uma vez, quando chegava à porta de escola encontrou dois sujeitos a
sua espera. Depois desse dia não voltou mais para trabalhar, só fica em casa,
não consegue dormir e à noite deixa todas as luzes acesas. Joyce, baseada no
que Joana falou, acreditava que o paciente não estava dedicado à sessão, que
ele não deveria estar em sintonia para o atendimento, que deveria estar indo
a outros centros e, por isso não conseguiam mentaliza-lo. A moça ao lado
associa a isso a visão que teve de um homem correndo. Os médiuns passam,
então, a questionar a falta de especificação da entrevistadora acerca das
pessoas que esperavam o diretor na porta da escola (se eram encarnados ou
desencarnados) e por isso não poderiam dar recomendações.
O segundo caso tratou-se de um rapaz trazido por Samanta. Assim como o
primeiro, João Pedro solicitou que se concentrasse e deu as informações
necessárias para tanto: nome e local onde se encontrava o rapaz (Hospital
Santa Izabel). Desta vez Joyce abriu as narrativas dizendo que via este rapaz
em uma outra vida brigando com um outro, ao qual ao lhe dar as costas, ele
o apunhalava-o. Joana, em seguida disse que o via deitado em uma cama e
que havia uma nuvem negra sobre ele, principalmente sobre as pernas. A
moça ao lado de Joana via uma pessoa que era conhecida por todos cujo
filho tinha o mesmo nome do rapaz enfermo. Joyce fecha o caso dizer tratar-
se de obsessão, que, após sair do hospital ele deveria ser encaminhado ao
centro para trabalho isto. Samanta, então, revela o quadro do rapaz dizendo
que havia sofrido um acidente de moto e estava sem andar. O quadro dele
era muito ruim, não sabendo mesmo se iria sobreviver.
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O terceiro e último caso tratava-se de uma menina de 16 anos. De forma
semelhante às outras vezes, foram feitas algumas recomendações. Não me
lembro muito bem como se estruturam as falas, entretanto, o grupo chegou a
conclusão de que a menina sentia falta de uma vida anterior, e por isso sentia
desgosto dessa, tendo traços suicidas ainda inconscientes em sua
personalidade. Ela vive a se esconder, não querendo ser notada. Novamente
Joyce sintetiza as falas com comentários mais complexos sugerindo a
predileção da menina pela vida passada e, com isso, a busca da morte. A
mediadora do caso diz tratar-se da filha de uma amiga de trabalho. A garota
não consegue fazer amizades e é muito retraída. Eles sugeriram que a
menina tomasse passes, fosse às doutrinárias e fizesse um tratamento
espiritual.
Terminados os atendimentos fez-se a prece de agradecimento, bebemos a
água que já estava nos copinhos sobre a mesa e as 21:40h nos retiramos.
(15.06.05).
(...) João Pedro está de férias, a coordenação dos trabalhos ficou por conta
de Samanta, que na oração pede vibrações para duas ou três mulheres.
Todas com mais de trinta e cinco anos. Ela também avisa que hoje só
teríamos um atendimento e por isso poderiam ser feitas vibrações para um
hospital ou para os desabrigados da chuva. Assim iniciou-se o único
atendimento da noite. Depois dos minutos de silêncio em que os médiuns se
mantêm concentrados, Milena começa a descrever um quadro obsessivo, diz
parecer que a pessoa está virada pelo avesso, num estado de loucura e
alucinação. Passou um bom tempo e ninguém falou mais nada, até que
Samanta perguntou a Joyce, e ela responde ter percebido um grave problema
de garganta; uma infecção que começa na garganta e se generaliza pelo
corpo. É uma bactéria que atinge até o coração, ela é muito perigosa e pode
até matar. Já Fernando diz ter visto um problema de cabeça, dores na cabeça,
e poderia ser um caso de obsessão. Após as descrições Samanta relata o que
o entrevistador registrou para este paciente: tratava-se de um forte problema
de depressão e a pessoa pensava até em suicidar-se. Os comentários dos
médiuns foram então no sentido de perceberem a concordância entre o
estado da paciente e o que Milena e Fernando tinham dito, pois tudo levava
a crer que era um caso de obsessão. Nesse sentido, a descrição de Joyce
ficou um pouco desfocada, ao que ela objetou que o problema de garganta
pode ser fruto de um quadro obsessivo complexo, pois os espíritos podem
alojar bactérias e as pessoas não se dão conta nem importância ou então
atribuem a doenças do meio físico, quando pode ser ação dos espíritos e
quando percebem já se tornou uma doença grave.
Todavia, apesar de todos esses comentários, uma crítica surgiu a partir de
João Carlos. Ele e outras pessoas concordaram que a descrição da
entrevistadora estava muito superficial. Não se sabia, por exemplo, se o
processo depressivo era um diagnóstico médico ou não, quem veio mesmo
para a entrevista – se foi um parente ou a própria pessoa – e se ela já havia
passado por outros tratamentos no centro. Isto fez com que João Carlos e
Joyce pedisse a relatora da reunião, Carla, que colocasse uma observação de
volta para a entrevistadora referindo-se a ter conhecimento sobre os
objetivos daquela reunião.
Depois desse atendimento, o grupo dispersou um pouco conversando acerca
de fatos do cotidiano, até que Samanta pede para que voltem à concentração,
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a ouvirem a musica, a fim de realizarem uma visita ao HGE (Hospital Geral
do Estado) com o objetivo de levarem energias de refazimento para o
ambiente. Fernando, João Carlos e Milena são os mais ativos neste trabalho.
Passam a descrever as alas do hospital e o que estão vendo. Gilberto diz
ficar mais na emergência. Os três descrevem o imenso sofrimento do local e,
sobretudo Milena frisa como ali “parece um açougue, um matadouro onde os
médicos trabalham cortando as pessoas de qualquer jeito. Os outros dois
também falam coisas nesse sentido. Comentam sobre a sujeira do local e da
multidão de espíritos que se encontram ali. Falam que muitos não querem
despertar para a nova realidade, estando ali à espera de atendimento. Muitos
espíritos saem das paredes. Milena fala da enorme quantidade de sangue no
chão e nas paredes. João Carlos parece impressionado com a emergência,
Fernando diz-lhe para andar alguns corredores e subir uns lances de escada
até o terceiro andar, lá teria uma porta que daria acesso para um outro lado,
mas João Carlos diz não conseguir, pois parece ter uma amiga que estar
neste local a segura-lo. Os três ainda fazem alguns comentários sobre os
funcionários e as equipes médicas que se mostram muito agitados, e que a
equipe espiritual do hospital estava preparando o ambiente para o
recebimento de pessoas vindas de um grave acidente.
Depois de mais alguns comentários e visões os três se encontram em algum
ponto do hospital para saírem de costas e dados as mãos pelo mesmo local
por onde entraram, isto é, pela porta de emergência do hospital.
Aconteceram ainda mais algumas visões de outros médiuns acerca de um
local cheio de lama e muita sujeira. Bem, depois desses trabalhos, a prece de
encerramento foi feita e às 21:45h começamos a sair do centro. (21.01.04).
Deu-se início à sessão. Carla começou a ler a mensagem da noite.
Terminada leitura da mensagem, Samanta lê o último capítulo do livro dos
médiuns. Depois da leitura João Pedro direciona as vibrações para um grupo
de nomes e trabalhadores do Centro. Depois lê a costumeira oração de
permissão aos mentores para a efetivação do trabalho. João Carlos faz a
prece. Dando início ao trabalho, o dirigente pede a doação de energia das
pessoas da mesa, solicitando que elas fiquem disponíveis. Enquanto ele
falava, Joyce se contorceu como se tivesse sentindo um arrepio.
O primeiro a ser atendido foi um homem, 19 anos, que mora no Residencial
Horto Atlântico. Passados alguns segundos, Joyce começou a falar. Disse
que se tratava de um rapaz rebelde com dificuldades de se aceitar. Parecia
que ele tinha algo no ombro direito (não consegui discernir do que se
tratava), colocado por um espírito, que o impulsionava a socar. Era como se
seu braço fosse teleguiado. Samanta disse que via como se sobre a cabeça
dele houvesse uma descarga elétrica, e que em seus olhos havia um tipo de
tique. Ele também era vítima de movimentos involuntários no braço. Devia
se tratar de um problema a nível neurológico. Carla descreveu que sentia um
nó na garganta. Milena relatou que sentia uma agitação, taquicardia
alternada com momentos de calmaria. Não tinha controle das crises de
agitação. Fernando via um rapaz deitado no sofá, agarrado a... (não consegui
discernir o que ele falava, pois estava de costas para mim.). João Carlos
disse que não havia visto nada.
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Depois dos relatos dos médiuns, João Pedro passou a ler o que estava no
requerimento. A mãe do rapaz é quem veio pedir ajuda. Relatou que havia o
submetido a tratamento na COBEM quando este tinha entre 12 a 13 anos
(não entrou em maiores detalhes.). Disse que ele tinha medo da morte e que
não aceitava que ninguém morresse. Às vezes o pega falando “não”
incisivamente, porém esse não explica porque e pra que responde dessa
maneira. Ele tem muita resistência em vir ao Centro. Joyce foi logo falando
que o rapaz não suporta a morte, pois seu obsessor quer que ele mate.
Quando João Pedro perguntou sobre o prognóstico que deveriam dar, Joyce
receitou-lhe tratamento de passes e desobsessão.
O 2º atendimento foi para uma mulher, 24 anos, que se encontrava no
povoado de Serra Grande. Joyce disse que esse povoado se encontra entre
Mutuípe e Valença (Ela já teve uma roça lá.). Samanta comenta se tratar de
uma mulher que estava muito assustada e que sentia muita dor no ovário
direito, porém ela não relata a ninguém essa dor (Samanta acredita que tem a
ver com um aborto). Parece que se trata de “uma inflamação braba” – diz
Samanta. Segundo esta médium, a moça se isola e fica “pensando besteira”.
Diz que ela quer que descubram o que fez. Joyce descreve que se encontra
em baixo de uma árvore, não sabe que árvore é. Sabe somente que há um
menino enterrado sob essa árvore. Não se trata de um recém-nascido, mas de
um menino pequeno. Parece que foi sufocado por um travesseiro. Carla diz
que a mulher encontra-se desnorteada. Milena fala de um arrepio que sentiu,
quase deu comunicação. Fernando sentiu uma dor de cabeça muito forte.
O coordenador passou a ler a solicitação. Essa tinha sido feita por uma
mulher que relatou que a mulher em questão foi para SSA para trabalhar
como doméstica em uma casa. A patroa dela faleceu em fevereiro de 2004.
Ela pediu férias e voltou para Serra Grande, onde teve problemas de saúde
que até hoje se mantêm e por isso nunca mais voltou. A família acha que ela
está sujeita a alguma interferência espiritual. O grupo achou que deveria se
investigar mais o caso.
O 3º atendimento foi para um homem, 20 anos, que está na UTI do Hospital
Espanhol. Carla disse que sentia frio. Joyce afirma que se trata de um
traumatismo craniano e que a pessoa não tem nenhum pensamento. É como
se tivesse em coma. Diz que essa inércia da atividade mental é tanta que já
afetou o períspirito. Samanta fala em uma infecção generalizada, porém
concentrada, principalmente, na cabeça. Diz que vê as pernas da pessoa
quebradas. A cabeça está imensa, mumificada. Milena diz ver ataduras na
cabeça. Diz se tratar de uma pancada muito forte. A cabeça ficou oca. João
Carlos alega ver uma criança pequena ... (não consegui ouvir o que dizia).
Fernando falou que o rapaz estava num sono profundo, sereno, que não se
move, fica com os olhos fechados. O coordenador revela que se trata de um
amigo de seu filho. Disse que na sexta-feira ele foi parar no hospital e que
está em coma. A princípio pensaram em meningite, mas até o momento os
médicos não têm um diagnóstico. Joyce alertou que se ele voltar à vida vai
haver seqüelas, porque como está oco, vai ficar em estado vegetativo. Diz se
tratar de um karma.
O 4º e último caso foi o de uma mulher, 60 anos, que mora na rua Professor
Almir Macedo. Joyce abriu a narração, dizendo se tratar de uma gastrite,
uma dor muito forte no estômago, que não sabia se já se tratava de uma
- 120 -
úlcera ou um câncer na região digestiva. Disse que a pessoa sentia muita dor.
Samanta acrescentou, dizendo que ela tinha um problema de coluna, um
enfraquecimento nos ossos e que devido aos fortes remédios que tomava
atingia o estômago. Ela voltou a enfatizar que a pessoa sentia muita dor.
Carla falou que sentia uma sonolência. Milena disse que se encontrava num
apartamento com móveis antigos e que via uma senhora jogando flores com
muita raiva. Quando João Pedro perguntou a João Carlos o que ele via,
respondeu não ter visto nada. João Pedro passou a descrever o caso, dizendo
que essa senhora sentia dor no estômago e tudo o que ingeria, vomitava.
Disse saber por outras fontes que ela havia sido muito ruim para a sua mãe,
enquanto essa estava doente, chegando até a bater nela. O grupo, na
discussão, viu a possibilidade dela está sendo obsidiada pela mãe e por ela
mesma, dado os acontecimentos descritos acima, e foi sugerido o
encaminhamento para um grupo de estudos, e que depois de um tempo de
orientação, quando estivesse preparada, deveria fazer um tratamento
regressivo, desobsessão, além dos passes e da doutrinária. Sugeriram
também que procurasse um geriatra para tratar dos problemas físicos.
(11.08.04).
O que caracteriza o Atendimento à Distância é, sem dúvida, a farta manipulação de
imagens e narrativas tecidas no contexto coletivo pelas quais emergem construções de
traços identificadores dos pacientes, suas doenças ou problemas, bem como seu
prognóstico. Parte da história e problemas são narrados pelos médiuns – alguns dos quais
complementadas com informações prévias, já que alguns assistidos são conhecidos
próximos ou parentes dos membros da reunião – introduzindo elementos cosmológicos,
mas também recorrendo – aliás, muito próprio do espiritismo - a informação de outros
sistemas, a exemplo do biomédico, num jogo de quebra-cabeças, num ajustar e desajustar
de falas emanadas dos médiuns, que vêm a ter seu desfecho final com a leitura da ficha
enviada pelo entrevistador. A exceção das reuniões mediúnicas, nenhum outro momento,
me parece, evidencia de forma tão clara a construção da realidade e seus significados, em
um espaço onde - obviamente, tendo em conta os parâmetros religiosos - praticamente tudo
é possível.
Para concluirmos a descrição do Departamento Mediúnico e o próprio capítulo
voltemos a nossa atenção para o último setor deste departamento.
- 121 -
3.5.3. Setor Mediúnico:
O trabalho de campo juntamente com os documentos aos quais tive acesso me
permitiram perceber o intenso trabalho que existe neste setor (e de forma mais ampla, no
próprio departamento), que promove com certa regularidade seminários, palestras,
reciclagens com temas específicos para os membros, cursos com conteúdos teórico e
prático para doutrinadores – estes abertos não só ao público interno, mas também a
membros de outros centros espíritas -, reuniões administrativas com as equipes – aliás, é
prática comum em qualquer um dos grupos que freqüentei reservar a última reunião do mês
para avaliação dos trabalhos, identificar problemas e tentar solucioná-los – e
confraternizações visando a integração do grupo. Além disso, este setor, que é composto
pelo mediúnico e pela desobsessão, realiza muitas reuniões com finalidades diversificadas:
pode ser para conhecimento da mediunidade e auto conhecimento (de caráter teórico, sem
comunicações: são as do crescimento evangélico e conscientização mediúnica),
desenvolvimento da mediunidade (momentos em que os médiuns aprendem a lidar com
estas faculdades no contato com os espíritos – pode ser considerado uma espécie de
treinamento: são as reuniões chamadas de desenvolvimento mediúnico), as desobsessões
(para atendimento a pessoas e espíritos envolvidos em processos obsessivos: mediúnica
para tratamento) e as mediúnicas (nas quais são atendidos os espíritos). Desta forma, todas
as práticas institucionais, embora embebidas com a dimensão do transcendental, são
perpassadas por uma forte racionalidade, na qual procura-se obedecer com um certo rigor à
disciplina imposta e implementar um sistematização rotineira em todas as práticas do
centro. Algo denotativo de que, apesar de estar se lidando com “o lado de lá”, estes
contatos podem ser, tendo por suporte as ofertas da religião, conhecidos e, mais que isso,
controlados. Tal aspecto, neste sentido, só vem reforçar o discurso doutrinário referido ao
auto controle dos médiuns e, por conseguinte, para a sua consecução, a necessidade de
mudança da visão de mundo, e a concretização da tão almejada e difícil “reforma íntima”.
A seguir, os quadros contêm de maneira mais simplificada a distribuição e
sistematização das reuniões do departamento mediúnico:
- 122 -
* Esta reunião ocorre um domingo por mês
MEDIÚNICA
QT
FASE I
QT DESOBSESSÃO
02
Reuniões de Conscientização
Mediúnica (estudos)
03
Mediúnicas para tratamento
(com comunicações)
01
Desenvolvimento Mediúnico (prática –
treinamento com comunicações)
04
Reuniões de Crescimento
Evangélico
(sem manifestações)
FASE II 01
Mediúnica de suporte à Casa*
(com comunicações)
08
Mediúnicas (com comunicações)
01
Reunião de Desenvolv. de Psicografia
(prática)
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DIAS
TURNOS
MANHÃ TARDE NOITE
SEGUNDA
(08:00-11:00h) Passes
(08:00h) Mediúnica
(14:00-17:00h) Passes
(19:30-21:00h) Passes
(20:00h) Mediúnica
TERÇA
(08:00-11:00h) Passes
(08:00h) Irmão Velhinho
(14:00-17:00h) Passes
(14:30h) Cresc.
Evangélic
(18:00h) Irmão
Natividad
(20:00h) Desenv.
Mediún
(20:00h) Mediúnica
QUARTA
(08:00h) Desobsessão
(08:30h) Atend. À
Distância
(14:00-17:00h) Passes
(15:30h) Mediúnica
(19:30-21:00h) Passes
(20:00h) Atd. À Dist.
(20:00h) Mediúnica
QUINTA
(08:00-11:00h) Passes
(08:30h) Crescimt.
Evangélico
(15::00h) Irmã Elizabeth
(20:00h) Mediúnica;
Desobs.; Cresc.
Evangélic
SEXTA
(08:00-11:00h) Passes
(08:30h) Desenvolv.
Psicografia
-
(19:30-21:00h) Passes
(20:00h) Desobsessão
(20:00h) Cresc.
Evangélic
SÁBADO
-
(16:30h) Mediúnica -
DOMINGO
-
- (18:00h) Mediúnica
- 124 -
A desobsessão, uma atividade identificada pelos espíritas enquanto estritamente
terapêutica – não obstante, todas as outras também não deixem de ser consideradas
enquanto tal -, são reuniões em que os doutrinadores procuram evangelizar os espíritos
obsessores que se comunicam através dos médiuns. Este é um trabalho considerado
extremamente importante e delicado no conjunto das práticas mediúnicas do centro. É
através deste tratamento que os espíritas tentarão demover os obsessores de seus objetivos,
assim como conscientizar o obsidiado para a necessidade urgente de mudança. Espírito e
encarnado deverão, portanto, buscar iniciar um projeto de transformação interior.
O tratamento da desobsessão, em seu conjunto, é composto por dois tipos de
reuniões diferentes, embora interligadas. Uma delas é o Crescimento Evangélico
encontros semanais realizados com as pessoas que estão em tratamento pra conhecimento
da doutrina, discussão do evangelho e a conscientização da necessidade de transformação,
seria, assim, uma reunião de estudos para os participantes. A outra, por outro lado, é a
reunião dedicada à comunicação dos espíritos obsessores destes encarnados, que são
trazidos para serem doutrinados, aprenderem a perdoar e, por fim, desistirem de prejudicar
os que estão perseguindo. As reuniões, embora vinculadas, não necessariamente precisam
ocorrer no mesmo dia e horário, assim como os “pacientes” não precisam e nem devem
assistir a reunião onde ocorre o transe. Sistemática que, segundo os trabalhadores mais
antigos da instituição, nem sempre foi essa, pois, a princípio não havia o Crescimento
Evangélico e as pessoas ficavam esperando para serem atendidas na reunião de
Desobsessão, entravam em uma sala onde estavam doutrinadores e médiuns sentados em
fila indiana formando a chamada linha. Uma vez lá, as pessoas se posicionavam atrás de
um dos médiuns e o tocavam. A partir daí, as comunicações ocorriam com médiuns e
espíritos vociferando, demonstrando seu ódio e vontade de vingança. Alguns espíritas me
contaram que não poucas vezes várias pessoas saiam do local correndo, tremendamente
assustadas, e muitas não mais voltavam. Com o tempo, a concepção deste trabalho foi
evoluindo, o centro criou a reunião de estudos e não mais permitiu que as pessoas
participassem da reunião mediúnica. Abaixo, trago a narrativa de uma dessas reuniões de
desobsessão de que participei:
- 125 -
Entrei faltando cinco ou dez minutos para as 20:00hrs. A sala estava na
penumbra. Esta reunião coordenada por João Pedro ocorre na mesma sala do
atendimento à distância presidida pelo próprio as quartas à noite. Alguns
poucos rostos já me eram conhecidos. Samanta (ao que parece, braço direito
de João Pedro) estava lá e uma outra senhora que faz parte do
desenvolvimento mediúnico como doutrinadora. A sala não estava muito
cheia – segundo comentários que ouvi as pessoas andam se preparando para
o grande feriado do carnaval -, umas quatorze ou quinze pessoas. Como
sempre, a maioria mulheres. Havia apenas dois homens: João Pedro e o
doutrinador Marco.
Antes de irmos para esta reunião João Pedro havia me explicado o
procedimento. À semelhança do Atendimento à Distância, ele lê algumas
fichas com nome, idade e endereço daquele que será atendido. E depois do
atendimento redistribui as fichas por mais duas vezes, sendo assim o
paciente é atendido por três médiuns diferentes.
Os médiuns estavam sentados em volta da mesa, enquanto os doutrinadores
permaneciam nas cadeiras encostadas às paredes. Depois da prece inicial e
da leitura (sem explicação) de algum livro escolhido, João Pedro pede
concentração e passa a ler as fichas para atendimento do dia. Depois de lê-
las distribui as quatro fichas para os médiuns. Os doutrinadores passam para
o entorno da mesa, se localizando próximos aos médiuns, alguns agachados,
outros puxando uma cadeira para sentar-se.
Depois que João Pedro distribuiu as fichas e os doutrinadores ficaram “a
postos” não demorou muito, as quatro médiuns, todas mulheres de idade
mediana, entre 45-50 anos, começaram a dar as comunicações. Desta feita, o
tom era muito mais de ódio e vingança, provavelmente, estes eram espíritos
perseguidores dos nomes que estavam nas fichas. Embora, ao longo da
reunião algumas comunicações não demonstraram este tom, como uma de
Laura, por exemplo, que teve a comunicação de uma mulher que chorava
muito compungida. Só perguntava sobre um filho, um bebê que ela teria
perdido ou dado – não compreendi muito bem por causa da distância. O
doutrinador Marco foi quem a atendeu, passando um tempo significativo
com ela. Em geral não ouvi o que os doutrinadores falavam, pois o tom da
conversação era muito baixo. Ouvia apenas as vozes dos médiuns.
Outras duas comunicações e um fato me chamaram a atenção. Uma
comunicação foi a de um espírito bêbado, com uma voz muito embolada,
lembrava mesmo alguém embriagado. A senhora que o doutrinou parecia
não ter muito preparo para tal e nem muitos argumentos, em algum
momento ela até achou engraçado os comentários do espírito. A
doutrinadora falava muito baixo, e naquele caso específico me deu a
impressão de que era uma forma de proteção da doutrinadora, pois ninguém
ouvia o que ela dizia, assim não era compartilhado e muito menos poderia
ser alvo de reprovação por parte de alguém, provavelmente o coordenador.
A outra comunicação foi de uma médium que estava próxima a João Pedro.
O espírito queria vingança, dizendo que deixaria a sua obsidiada louca e
com um gesto de mão, circulando o dedo perto do ouvido, dizia: “Ela já está
ficando louca, louca! E não vou sair de perto dela! Não vou! Ela não se acha
melhor que todo mundo? Pensa que pode tomar o homem dos outros e ficar
por isso mesmo! Não pode não! Não saio de perto dela não. Ela vai ficar
louca! Vou acabar com ela.” Primeiro a doutrinadora deixou a médium falar
bastante, acredito que tempo demais, pois quando começou a doutrinar todas
- 126 -
as outras comunicações já haviam terminado. Isto causou olhares cruzados
das pessoas e também uma certa impaciência. João Pedro anunciava que se
iniciaria a segunda parte dos trabalhos e que ficássemos concentrados, em
oração, esperando pela última comunicação. Com o tempo, passou a existir
um certo ar de impaciência, creio que não só pela exaustiva demora como
também pelo pouco poder argumentativo que demonstrava a doutrinadora.
Na verdade, ela não se mostrava nada convincente. E quando falava alguma
coisa, a médium retrucava: “eu já sei de tudo isso. Esse blá blá blá de
perdão. Só que eu não vou perdoar. Ela vai me pagar tudo que me fez. Ela
pensa que isso vai ficar assim?! Não vai não! Não me interessa quanto
tempo tem, parece que foi ontem. Está tudo muito vivo.” De fato, a
doutrinadora não se mostrava convincente, e João Pedro lhe lançava olhares
de impaciência, pois ela estava retardando o trabalho, todos a esperavam.
Por fim, ela encerrou a comunicação.
A segunda parte da reunião foi um trabalho de desdobramento que
transcorreu normalmente. Depois disso, a prece de encerramento foi
proferida e os trabalhos finalizados. Conversei um pouco com João Pedro e
depois fui embora. Já era 22:00 hrs. (21.01.05).
Se a desobsessão pode ser compreendida enquanto um momento terapêutico em que
a tônica é o convencimento e, pelo visto, um objetivo nem sempre atingido, nas reuniões
mediúnicas e de desenvolvimento mediúnico (esta última destinada ao treinamento dos
médiuns iniciantes, passando, assim, por um processo de aprendizado) também operam o
transe, só que não tendo comunicações de espíritos aparentemente obsessores. Os espíritos
que serão evangelizados nestas reuniões, segundo os espíritas, não estão ligados a alguém
em tratamento, mas são trazidos pelos bons espíritos responsáveis pelas mediúnicas. Neste
sentido, sendo estas últimas momentos em que estão reunidos o doutrinador e os médiuns
de várias faculdades (comunicação, ouvintes, videntes, intuitivos, etc.) para procederem à
comunicação com espíritos, sejam eles superiores ou sofredores, as vozes destas reuniões
são as mais diversificadas possíveis. Os doutrinadores procuram ministrar aos espíritos
sofredores ensinamentos cristãos e a reorientação para a prática do bem, buscando através
do diálogo conduzir ao arrependimento do espírito sofredor e promover o seu despertar
para as leis de amor e justiça divinas. E dos espíritos superiores receber orientações e
mensagens. Além disso, tais espíritos (sofredores e não sofredores) podem ter algum tipo
de ligação com os médiuns que trabalham na reunião, geralmente uma relação cármica ou
por afinidade que foi constituída em outras vidas.
As mediúnicas também são consideradas pelos médiuns, e espíritas de maneira
geral, como momentos profundos de revisão ou redirecionamento da vida e de si mesmos.
- 127 -
Várias vezes alguns deles me disseram que o que faziam não era só ajudar os espíritos, mas
a si próprios, pois, através desta prática de caridade estavam trabalhando pela cura de suas
próprias mazelas e pela sua evolução espiritual. Nesse sentido, não é temerário afirmar que
as mediúnicas constituem-se naqueles momentos extra-cotidianos, onde várias histórias são
vividas através de narrativas cognitivas, corporais e emocionais tão poderosas, que
garantem a possibilidade de resignificações existenciais. Freqüentemente se menciona no
espiritismo que a mediunidade é uma “janela aberta para o serviço”, mas é também, em sua
imensa maioria, uma provação, ao mesmo tempo oportunidade de reajuste - que surge
quase sempre como sintoma de desequilíbrio - e de renovação, operando transformações
nos portadores desta faculdade.
Na COBEM, as mediúnicas, como visto no quadro acima, ocupam um largo espaço
durante a semana na instituição. Como elas são muitas e sem muitas, ou quase nenhuma,
diferenças entre si, optei por freqüentar sistematicamente duas delas: as que acontecem às
20:00hrs todas as segundas e quintas-feiras. Também freqüentei durante vários meses a
reunião de desenvolvimento mediúnico, que ocorre nas terças-feiras à noite.
Assim como nas outras reuniões há papéis definidos a desempenhar e normas muito
claras a serem seguidas. O coordenador das reuniões é o responsável direto por tudo que
acontece no gabinete mediúnico, bem como pelo bom ou mau andamento dos trabalhos. Ele
deve estar atento a todas as formas de comunicação e atendimentos realizados; deve estar
em sintonia com a espiritualidade, pedindo a inspiração necessária para os bons espíritos;
deve tentar promover a participação de todos e impor a disciplina. Ao doutrinador cabe
além de evangelizar os espíritos e auxiliar o dirigente em tudo que for necessário, estudar
profundamente os livros espíritas, a fim de que tenha respaldo para resolver qualquer
problema mediúnico que surja no gabinete. Os médiuns (e todos de maneira geral) além dos
cuidados que devem ter com a alimentação e o corpo, de preferência sempre, mas de forma
especial nos momentos que antecedem as reuniões, evitando alimentos pesados, devem
estar atentos para a assiduidade e pontualidade, com a chegada às reuniões sendo,
preferencialmente, 15 minutos antes de seu início. Em geral, estes 15 minutos são utilizados
para leitura do Evangelho ou de algum outro livro de mensagens.
Por tudo descrito até aqui, fica notório que todas essas recomendações e normas que
perpassam o cotidiano do centro contribui para tornar presente e viva uma hierarquia que é
- 128 -
muito bem definida nos papéis, e uma disciplina que procura envolver todos os atores do
centro – dirigentes, doutrinadores, médiuns e freqüentadores - em relações nas quais estão
presentes dimensões como a terapêutica e a caritativa, mas que, sem dúvida, possui também
uma forte dimensão de poder implícita/subjacente permeando-as. Poder que não está
incutido apenas nas relações constituídas entre os vários sujeitos desse contexto - onde o
equilíbrio nos trabalhos e das energias é buscado pela disciplina, ou, visto de outra maneira,
o equilíbrio nos trabalhos e das energias é utilizado como estratégia discursiva para se
buscar a disciplina - mas que se reflete também na experiência do transe, momento em que
o médium interage com o espírito e, em grande medida, tem que controlá-lo. A ambiência
das mediúnicas, o transe e algo mais que sempre extravasa no contexto procurei retratar,
ainda que de maneira fosca, nos relatórios de campo. A seguir destaco trechos de algumas
reuniões mediúnicas e do desenvolvimento mediúnico de que participei:
Às 19:40h desci para o 2º andar em direção ao sub-solo, indo para a sala onde
ocorreria a mediúnica coordenada por Janine. A sala é a mesma onde ocorre o
Desenvolvimento Mediúnico as terças à noite e o Atendimento de Irmã
Elizabeth nas tardes de quintas-feiras. O ambiente e os procedimentos eram
bastante semelhantes ao Desenvolvimento Mediúnico – reunião na qual os
médiuns estão aprendendo a lidar com sua mediunidade. Na mediúnica de
hoje, ao que tudo indica, trata-se de médiuns mais experimentados. Tanto que,
depois da prece inicial Janine não pronunciou palavra – como faz a
coordenadora do Desenvolvimento Mediúnico, dizendo: “A partir deste
instante o que sentirmos não é mais nosso...” Fala que, sem dúvida, orienta e
instrui os médiuns, mas também autoriza o início das comunicações,
demarcando um outro momento da reunião -, postando-se a manusear e
escrever em papéis, fichas ou coisas do tipo
44
.
Eu, como de costume, me sentei em uma das cadeiras encostadas à parede.
Quando entrei só as luzes azuis estavam acesas deixando o local na penumbra;
uma música suave ao fundo tocando todo o tempo e a postura de silêncio e
concentração dos 22 participantes, em seu conjunto, contribuíram para a
composição de um ambiente ameno, tranqüilo e agradável. Sentei perto de um
homem baixo, de tez clara, aparentando uns 48 anos. Traço característico de
todos os rituais fechados que tenho assistido, a presença dos homens é bastante
reduzida. Neste mesmo, tinham apenas três, todos doutrinadores. As outras 19
pessoas eram mulheres. Assim, quanto a gênero, idade e cor este grupo não
diverge dos outros, sendo maduro, poucos negros, mas também não muitos
brancos, e a maioria parda com traços negróides. Acredito que o centro apesar
de ser de grande porte – o que, fatalmente atrai pessoas de outras localidades
44
Este é um aspecto bastante recorrente durante as reuniões. Na Mediúnica, no Atendimento à Distância, na
Desobsessão e no Desenvolvimento Mediúnico, os coordenadores passam uma razoável quantidade de tempo
manuseando papéis, fichas e fazendo anotações.
- 129 -
pela grande quantidade de serviços ofertados -, o corpo de freqüentadores mais
permanentes, como médiuns, doutrinadores e coordenadores são residentes do
próprio bairro de Brotas. Neste sentido, penso que a composição destes
freqüentadores do centro podem formar um microcosmo, uma reprodução do
próprio espaço geográfico no qual este está localizado. Eles podem se
constituir em uma radiografia, uma fotografia do espaço-tempo do bairro.
Bem, depois de algum tempo e da prece inicial foi aberto o espaço para as
comunicações. Todavia, elas demoraram muito de acontecer, e, em meio a
tantos médiuns apenas duas deram duas comunicações cada uma, e um
médium (homem) procedeu a uma espécie de desdobramento em um outro
momento dos trabalhos. Janine justificou a falta de comunicações dizendo que
o trabalho mediúnico daquela noite foi destinado, então, para a produção de
energia para a utilização da espiritualidade. A mediúnica de hoje, sem dúvida,
fugiu ao padrão habitual ao qual estou acostumada a observar.
As comunicações que ocorreram trataram de espírito sofredores em uma das
médiuns, e na outra foi um de espírito sofredor e a outra de um espírito, como
a própria médium comunicante disse, de uma energia bem pesada, bem densa.
Era um espírito que se mostrava perverso e muito inteligente. O seu propósito
era o de destruir o centro ou pelo menos adeptos do espiritismo trabalhadores
daquela casa. Tanto que começou a comunicação dizendo que “hoje levarei
quatro comigo! Hoje, matarei quatro. Quatro trabalhadores, como vocês
dizem!” A médium – uma senhora de provavelmente uns 50 anos - falava alto
e mostrava expressões faciais grosseiras, com os lábios muito protuberantes. A
doutrinadora, sentada ao lado da médium que comunicava, falando baixinho,
não demonstrava muito êxito com a doutrinação. Janine, então, levantou-se e
lentamente, com toda a paciência que lhe caracteriza seguiu em direção à
médium, passando a assumir a doutrinação. Como disse, o espírito mostrava-
se bastante inteligente, contudo, a dirigente parece ter obtido êxito no diálogo.
O espírito dizia que estava ali observando, que havia escolhido quatro para
proporcionar-lhes a queda e, com isso, enfraquecer a casa e o espiritismo.
Todavia, “o máximo que consegui era apenas alguns choros, uma tristeza
momentânea”, e isto só me deixa com mais raiva. Não vou desistir” – dizia a
médium.. A doutrinadora, sempre falando em tom mais baixo que a médium, o
convida para observar os trabalhos da casa, para ver mais de perto o que eles
realizavam, ao que ele retruca que já estava fazendo isso. E ela retorna:
“Então, sinta-se à vontade na nossa casa, e você entenderá o que nós fazemos
aqui.” Aos poucos, Janine parecia convencer o espírito, demove-lo de suas
intenções. Algo que não parecia muito fácil, tendo em vista a médium se
mostrar com um grande poder argumentativo. Finalizando a comunicação,
Janine diz que ele irá ser atendido por espíritos que estavam ali e que ele iria
descansar para o seu próprio refazimento.
Esta médium teve apenas mais uma comunicação de um espírito sofredor e
que chorava muito. Uma clara mudança do padrão de comunicação desta
médium, que sempre fornece comunicações do estilo da primeira. Além disso,
ao que parece, ela deveria ter dado outra comunicação, pois no final da reunião
Janine perguntou-lhe por que ela não deixou um espírito que estava próximo
se comunicar. Ela respondeu algo um pouco vago, como achou que não
deveria, já não teria tempo, e preferiu atende-la mentalmente. Janine sorriu
retrucando-lhe que deveria ter deixado.
- 130 -
Na segunda parte da reunião a coordenadora pede um trabalho de atendimento
à distância, que se dá através do desdobramento. Apenas um médium
conseguiu realiza-lo. Uma outra médium deu uma comunicação. Depois dos
trabalhos, alguém fez a prece de encerramento e Janine, por mais algum
tempo, fez comentários e observações. A reunião estava terminada.
(Mediúnica, 13.09.04).
(...) Depois dos avisos, a coordenadora da mediúnica pediu para se
concentrarem e passou a ler um livro com mensagens referentes ao Evangelho.
Leu sobre a traição de Judas. Depois pediu para um médium que fizesse a
prece de abertura. Hoje tinham 19 pessoas, 6 homens e 13 mulheres. Eles
intercalavam médiuns-doutrinadores, não ficando assim nenhuma
comunicação sem aconselhamento. Deu para perceber também que há uma
rotatividade entre os doutrinadores. A reunião é dividida em três momentos, o
que permite que cada médium tenha de 3 a mais comunicações, e que o
doutrinador dê assessoria a 3 ou mais médiuns. Janine, como coordenadora da
sessão, fica observando as interlocuções, às vezes caminha pela sala e, quando
preciso, acompanha e doutrina uma comunicação mais complicada. Nesta
sessão ela o fez no caso de um padre que se mostrava arrogante,
aparentemente vivido no século XIX, que falava criticamente de mulheres,
negros e pajés e teimava em contrariar a doutrinação. Janine faz, no transcorrer
da sessão, duas interrupções, convidando todos a se concentrarem e a
respirarem. Neste momento finaliza-se a comunicação e todos se concentram
para dar início a novas comunicações.
Ative-me a observar as pessoas que estavam ao meu lado da parede e um
rapaz que estava em minha frente. Percebi que apesar da diferenciação das
comunicações, eles apresentavam características de postura e faciais
constantes. Assim, havia uma loura, de aproximadamente 50 anos, que estava
elegantemente vestida e demonstrava altivez na comunicação, falando sempre
com a cabeça erguida por cima do ombro direito. Ela deu comunicação de um
homossexual, artista plástico, que fora assassinado, segundo ele, porque sua
feminilidade incomodava os outros. Dizia que a arte era uma forma de
sublimação para o sexo. Da 2ª vez tratava-se de uma entidade que questionava
o que lhe era doutrinado, parecia tratar-se de alguém bastante inteligente que
dificultava a doutrinação, não aceitando passivamente os aconselhamentos. E,
da 3ª, foi dada uma mensagem ao grupo de reforço quanto às atividades ali
desempenhadas, ressaltando sua importância e falando da necessidade da
doação de amor. Na 2ª e na 3ª comunicação, ela foi a primeira a se manifestar
depois que Janine induzia ao início das comunicações.
A segunda médium que observei foi uma senhora de uns 55 anos, que dera a
comunicação do padre mencionado anteriormente. Ela também demonstrou
altivez em suas comunicações. Manteve-se sempre com a coluna ereta, com a
cabeça direcionada para frente. Deu duas comunicações de homens e não sei
se foi por isso, para engrossar a voz, falava com os lábios protuberantes”. A
sua 2ª comunicação era de um homem que se escondia num livro que falava
sobre o amor familiar. Disse que vivia num lugar escuro. A médium e o
doutrinador conversaram sobre o amor por um bom tempo. No final dessa
comunicação, ela relatou que havia luz, e que algumas pessoas estavam
naquele momento ali, que vieram buscá-la, e tiravam suas vestes. O
doutrinador desejou, no final, boa sorte para ele ( o espírito).
- 131 -
O rapaz que estava a minha frente, um negro de aproximadamente 30 anos, foi
quem começou a dar a primeira comunicação da sessão. Essa 1ª comunicação
foi de alguém que se encontrava “varando” pelo mundo, diz que era muito
ciumento e que causava confusão por onde passava. Ele chorava muito. Sua 2ª
comunicação tratava-se de alguém que gostava de beber. Deu muitas
gargalhadas, levando até o seu doutrinador a rir também.
No final da reunião, depois da mensagem transmitida pela “loura”, foi
solicitado a alguém que fizesse a prece. Depois que os trabalhos terminaram
despedi-me e sair. (Mediúnica, 17.01.06)
A reunião que iríamos assistir é destinada aos iniciantes da prática mediúnica,
composta de uma parte teórica com leituras de mensagens, explicações,
conversações, etc., e outra prática, quando ocorrem as comunicações. A
reunião começou às 19:30h, fechando-se a porta às 20:00h. As pessoas
chegavam até, mais ou menos, 19:50h, entrando na sala e pegando um crachá
com o seu nome que estava sobre a mesa. Quando o ambiente ficou completo
tínhamos um total de 23 pessoas, contando comigo. Assim, da reunião mesmo
tínhamos 22 pessoas, sendo três coordenadoras e 19 os participantes mais
novos no exercício da doutrina. As coordenadoras são todas mulheres acima
de 45 anos. Sabina é branca e as outras duas: Marcela e Luisa, são claras com
traços negróides. Delas, Marcela, ao menos neste dia, parecia ser a que, de
fato, comandava os trabalhos, na medida em que ela era a que estava falando
mais, dando as explicações, dizendo o que as pessoas deveriam fazer,
determinando quem faria a prece, etc. Dos outros 19 participantes apenas 2
eram homens (um branco e outro negro). Nesse sentido, a composição deste
grupo era a seguinte: quase a totalidade de mulheres (22 pessoas), todas (os)
com idade madura, acima de 30 anos – acho que apenas uma ou duas mulheres
poderia ter menos que isso; e havia um caso extremado de uma mulher que
aparentava mais de 60 anos; a maioria deveria ter entre 40-45 anos – e, além
disso, eram quase todos morenos/mulatos. Deste grupo de 22 pessoas, 9
estavam como doutrinadores, entre eles estavam as 3 coordenadoras. Outras 2
senhoras ficaram sentadas nas cadeiras próximas à parede e não participaram
da reunião nem doutrinando nem com comunicações. As outras 11 pessoas
eram os médiuns que estavam sentadas na mesa. Destes, apenas 1 era homem
(negro).
Bem, mediante o que assistir acho que posso dividir aquela reunião em 3
momentos. Ela começou de forma leve a partir das 19:30h, quando não
estavam ainda todos presentes, pois as pessoas iam chegando aos poucos,
vindo provavelmente do trabalho ou de casa. O primeiro momento da reunião
foi das 19:30h às 20:00hrs, e foi composto pela leitura de várias mensagens
espíritas lidas por três ou quatro doutrinadoras alternadamente. Neste
momento a luz branca era a que estava acessa e havia uma música suave
tocando. Esta primeira parte foi chegando ao seu final com a leitura de uma
das lições do Evangelho Segundo o Espiritismo feita pela própria Marcela, que
antes de iniciá-la pediu a Luisa para apagar a luz branca, deixando apenas as
azuis. Depois que leu a lição pediu a Sabina que fizesse a prece de abertura
dos trabalhos. Então, às 20:00hrs dava-se início ao segundo momento da
reunião destinado às comunicações. Marcela instruiu os médiuns que a partir
daquele momento o que eles sentissem ou tivesse vontade de falar não era
mais deles e sim dos irmãos que precisavam de socorro, e que a espiritualidade
- 132 -
estava conduzindo os trabalhos. Então, quem estivesse sentido algo levantasse
a mão para que um doutrinador fosse atendê-lo. Neste mesmo instante ela faz
um sinal para que os doutrinadores se levantem e tomem posições próximas
aos médiuns que estão sentados em volta da mesa. Esperamos um pouco até
que as manifestações começassem a ocorrer. De início quase imperceptíveis,
ao menos para mim, mas as coordenadoras atentas, faziam sinal para os
doutrinadores se aproximarem desta ou daquela médium em específico a fim
de atendê-la, pois já estava ocorrendo uma comunicação. A sala, mergulhada
na penumbra que as luzes azuis mais fracas permitiam, inicialmente em
silêncio, foi pouco a pouco se tornando mais sonora, mais barulhenta.
As manifestações sucederam-se uma a uma, com exceção de três médiuns.
Marcela, muito solícita, em um dado momento veio dar-me atenção, e num
depoimento pessoal, contou-me que ela já fez parte da umbanda e quando
tomada ficava completamente inconsciente. Os espíritos de caboclos bebiam
muito, colocavam bebida pelo ouvido, fumavam charuto com a brasa para a
boca, mas ela não ficava com nenhuma marca ou debilidade corporal.
Todavia, quando, por qualquer motivo (o marido muitas vezes não gostava e
tentava impedir estas comunicações), as manifestações não se davam de forma
plena, ela ficava com muitas dores no corpo e às vezes até doente. Tudo isto,
porque ela mesma não tinha nenhum controle sobre o seu corpo. Depois do
Espiritismo tal quadro se modificou, tornando-se consciente.
Voltando às comunicações da sala. O ambiente a esta altura já estava muito
barulhento, pois muitos médiuns estavam dando comunicação com os
doutrinadores ao lado, conversando com eles. Realmente, não dava para ouvir
o que falavam. Hoje deu para perceber o comportamento de vários médiuns
aprendizes. Uma mulher magra de tez clara, sentada logo à minha frente, de
costas para mim, teve manifestações de espíritos doentes. Em uma
comunicação o seu corpo ficou todo contorcido, com os braços esticados para
traz, com os punhos cerrados e muito enrijecidos. O corpo também tremia
muito, de maneira quase convulsiva. Uma doutrinadora tentou a princípio
puxar os braços dela para frente, mas não conseguiu. Então, ficou conversando
com a entidade baixinho, fazendo movimentos leves com uma das mãos por
traz da médium, indo da altura da cabeça até mais ou menos o meio das costas.
Com a outra mão também fazia movimentos na parte frontal da médium. Eram
movimentos de manipulação de energia. Depois da comunicação a
doutrinadora certificou-se se a médium estava bem e lhe aplicou alguns
passes.
As comunicações, em geral, eram deste teor. Observando o quadro com um
certo distanciamento, o que se percebia era a comunicação de muito
sofrimento, com muitas tosses, choros, queixas, corpos contorcidos. Uma
médium teve manifestações com muitas expressões e movimentação corporal.
Depois da comunicação ela se mostrava com muita dificuldade de respirar;
passava aos olhos a impressão de estar com algo preso, sufocada, externava
uns sons altos e abafados. As doutrinadoras a assistiam com instruções e
passes. Uma outra médium em uma das comunicações aparentemente calma,
repentinamente deu fortes pancadas sobre a mesa, num gesto de impaciência,
provavelmente querendo ser logo atendida. Uma doutrinadora logo se
aproximou para dar-lhe atenção.
- 133 -
Outras comunicações que observei foram as de Natália. Ela, além de ficar com
os olhos abertos durante as manifestações, estas últimas eram de espíritos não
necessariamente sofredores, mas de obsessores obstinados. Tais espíritos
mostravam-se cheios de argumentos e não se convenceram facilmente acerca
das contra argumentações dos doutrinadores. Ao que parece, quando o
doutrinador não obtém resultados satisfatórios o procedimento é encerrar a
comunicação colocando o espírito para dormir ou pedindo que ele se desligue
do médium.
Pode-se dizer que esta segunda parte da reunião caracterizou-se pelas
comunicações que começam de forma tímida, mas que gradualmente vão se
acentuando e ficando mais fortes. Embora as manifestações com tosses,
choros, algumas batidas na mesa e um grito ou outro proferido de forma
isolada por algum médium, tornando, assim, o ambiente mais barulhento, nada
parecia fora de controle, nenhum médium, por exemplo, se levantou do seu
lugar.
Este segundo momento da reunião foi encerrado por Marcela às 20:35hrs,
pedindo para que todos ficassem em silêncio e continuassem em prece, pois
todos deveriam se concentrar para a outra atividade que teria início. Ela
comunicou também que estavam esperando pelo término das últimas
comunicações que estavam ocorrendo. Acredito que era um pedido para que o
médium e o doutrinador encerrasse a comunicação. Com os términos das
comunicações a coordenadora pediu que Sabina fizesse a prece de
encerramento, e ao acender a luz branca passou a fornecer algumas
explicações e comunicados. Depois perguntou se alguém gostaria de falara ou
tirar dúvidas acerca de algo que viu, sentiu ou não entendeu. Uma médium
pediu a palavra para tirar algumas dúvidas acerca de energias e mal estar
quando vai a determinados lugares. Depois que Marcela e Sabina responderam
e a reunião às 21:30hrs foi encerrada. Bebemos água e lentamente – inclusive,
por recomendação da coordenadora – as pessoas foram se retirando.
(Desenvolvimento Mediúnico, 10.10.05).
As mediúnicas são um laboratório farto de elementos que emergem para
observação, desde a utilização de símbolos e construção de significados até a performance
corporal desenvolvida. Os médiuns, em geral, podem sofrer a interferência no delineamento
desta performance por objetos circunscritos ao seu redor. É o caso, por exemplo, da mesa
que se encontra no meio da sala e em torno da qual eles ficam sentados, restringindo a
expressão corporal e liberalidade de movimentos. Todavia, este aspecto faz parte do próprio
desempenho e postura dos médiuns espíritas, já que a disciplina e o controle devem
perpassar também o corpo e a dimensão do transcendente. Esta performance peculiar, à
qual em outro momento chamei de transe controlado
45
, constitui-se em uma das
características distintivas dos espíritas, inculcada gradualmente pelos discursos
45
Na monografia de conclusão de curso.
- 134 -
cosmológicos e pelas práticas cotidianas vivenciadas no centro. Obviamente que, embora o
torcer de braços e punhos, gestual de pernas e ranger de dentes ocorram com os médiuns
sentados em volta da mesa, quando estes estão sem ela, isto é, sentados recostados às
paredes, estas manifestações corporais tornam-se mais proeminentes, embora nada que
ameace sair do controle, nem mesmo entre os médiuns aprendizes. Um controle, como se
vê, manifesto subjetivamente, tendo o corpo como lócus de atenção, mas tendo como
princípio gerador a intersubjetividade, o contexto coletivo da religião onde novas
percepções, novas sensações e novos corpos são forjados. Naturalmente, contribuem para a
formação de tais sínteses a própria história e pertença às quais os indivíduos estão
vinculados.
Além disso, nas mediúnicas da COBEM há uma anuência à manifestação de
caboclos, índios e padres, que muitas vezes não estão ali na condição aparente de tratar-se
ou reeducar-se, mas acompanhando muitos dos médiuns que trabalham no centro, se
comunicando para dar avisos, conselhos, etc. Visível, portanto - a despeito, muitas vezes do
discurso de pureza que as religiões procuram implementar e que no espiritismo não é muito
diferente, ou então do constrangimento que alguns médiuns parecem sentir quando,
trazendo à tona suas histórias, tais manifestações teimam em ocorrer - a presença de
elementos de outras religiões, como a umbanda e o catolicismo, compondo o cenário
espírita do centro.
Creio que estes aspectos ressaltados sirvam de ganchos, e talvez sejam a ponta de
um iceberg, para refletirmos acerca dos significados que estão sendo construídos e
interesses atendidos neste centro. E ao questionarmos que significados e interesses são
estes, não podemos nos permitir o esquecimento de que eles estão imbricados, e porque não
dizer, têm sua origem mesmo no ethos que conforma a clientela do centro – arena na qual
se encontram e se confundem vários outros significados (religiosos, racionalizantes, de
classe, de gênero) - proporcionado aos sujeitos na dinâmica das relações que se processam
reconstruções deles mesmos, a reelaboração de novas sínteses identitárias. As formas pelas
quais se conformam estas novas sínteses, buscando levar em consideração os elementos que
entram em jogo na experiência religiosa vivida pelos diversos atores deste contexto é o que
tentaremos compreender no capítulo que se segue, procurando captar, da forma mais
- 135 -
diminuta que seja, a complexidade de “ser e estar” com outros, onde “nós e outros” somos
sempre resignificados e redefinidos.
- 136 -
IV
Eu, outro e contexto: Incursão acerca de alguns processos de identificação
na Casa de Oração
Buscando construir contornos mais claros ao objeto desta pesquisa – mas nem por
isso menos complexos, tendo em vista uma gama variada de discussões que acabam por
tocar -, os capítulos precedentes abarcaram de forma diferenciada a situação da religião e
de suas conseqüentes e intrincadas relações com o contexto social moderno, bem como a
configuração nos planos cosmológico e institucional da religião específica ora móvel deste
trabalho. Desta forma, os esforços até aqui descritos confluíram para a tentativa de delinear
tanto linhas demarcatórias da religião no extenso contexto da Modernidade, quanto, mais
particularmente, idéias e posturas do espiritismo que marcaram o seu surgimento,
conformação simbólica e prática no mundo moderno, garantindo-lhe traços identitários
firmes de uma cosmovisão religiosa. Formas identitárias e de identificação foram
abordadas, assim, de várias maneiras: primeiro, na identificação de problemáticas e
demandas que envolvem a religião no mundo hoje – um universo, como demonstrado, além
de extremamente complexo e multifacetado, originador do sujeito e da identidade em suas
dimensões teórica e empírica; depois, no delineamento identitário, enquanto construção de
um conjunto de signos identificadores e, ao mesmo tempo, diferenciadores da religião
espírita, delimitando fronteiras e marcando o seu espaço no universo cultural brasileiro,
oferecendo, com isso, uma Identidade Social Religiosa pela qual os adeptos podem e
devem se pautar. As explanações acerca dos significados e práticas espíritas tentaram dar
conta desta dimensão.
Neste capítulo, trata-se de analisar a composição da emaranhada dinâmica de
relações ao interior do centro estudado, onde entram em jogo processos de identificação em
que se mesclam, se confundem e se chocam percepções religiosas – não necessariamente
apenas espíritas – e de outras pertenças agregadoras de estilos de vida, práticas e posturas
que extrapolam o contexto religioso, conformando, sob este aspecto, novas sínteses
perceptivas e narrativas sempre abertas ao revisionamento. Neste sentido, constituindo um
subgrupo ao interior do universo estudado, foram realizadas quinze entrevistas conjugadas
- 137 -
com a aplicação de questionários (todos gravados) com freqüentadores mais assíduos do
centro, representativos de 3% do total deste tipo de freqüentador. As entrevistas tiveram
inicialmente dois critérios norteadores: a) que os pesquisados se considerassem espíritas há,
no mínimo, cinco anos e; b) que freqüentassem a instituição pelo menos duas vezes por
semana. Através destes critérios acreditava, então, selecionar um grupo que conhecesse
mais a religião e tivesse um comprometimento maior com ela, percebendo através dele
como poderiam dialogar as várias vozes nascentes da simbiose sujeito-contexto.
Respeitando estas duas premissas, a partir daí as escolhas ocorreram de maneira aleatória e
circunscritas às disponibilidades dos abordados.
Embora a coleta de informações não tenha se prestado a uma análise de cunho
estatístico, o questionário gravado possibilitou a observação de tendências mais gerais
manifestas neste subgrupo, mediante a elaboração de categorias oriundas das respostas dos
entrevistados, criando, assim, um perfil do grupo que, por um lado, pode ser traduzido
enquanto traços peculiares inerentes a ele mesmo (sem pretensões, portanto, a maiores
generalizações), e, por outro, em muitos aspectos, constituindo-se como representativo dos
espíritas do centro e até mesmo dos espíritas em geral, já que se coadunam com estatísticas
de pesquisas de abrangência nacional, a exemplo do censo do IBGE. De importância capital
para a orientação da pesquisa, contudo, a combinação do questionário com a gravação
evoluindo para entrevistas favoreceu a ampliação de perspectivas através das quais as
narrativas dos sujeitos deste espaço foram tecidas, produzindo um material bastante rico e
sugestivo para a análise. Desta maneira, tornou-se possível, através deste instrumento, a
constituição de duas entradas de dados, sendo alguns de caráter quantitativo e outros,
qualitativo.
Pensando no açambarcamento das diretrizes da pesquisa – identidade, narrativa e
corporalidade – o questionário/entrevista estruturou-se em torno de alguns eixos básicos
que permitiram a sua aplicabilidade. Os dois primeiros momentos da entrevista,
Identificação e Classe Social e Signos, compuseram uma caracterização preliminar do
grupo em estudo, definindo um perfil que a priori não foi construído na religião, como
escolarização, situação conjugal, ocupação, idade, hábitos de lazer, etc., mas que ajudam a
entender determinados aspectos dos processos de auto-identificação postos em andamento
no contexto religioso, na medida em que tais traços de uma Identidade Social (Goffman,
- 138 -
1988) angariados na estrutura social mais ampla são necessários e inevitavelmente postos
em diálogo com os arquétipos e dinâmicas espíritas.
Os blocos Trajetória Religiosa e Visão de Mundo e vivência Cotidiana contribuem
para a captação dos itinerários dos entrevistados pelas mais variadas religiões imprimindo e
atualizando seus perfis anteriormente constituídos, em que mais esta variável (religião) vem
compor-lhes os traços identitários demonstrando escolhas e trajetórias do grupo
pesquisado. Além disso, captam o grau de envolvimento institucional com o centro e outros
freqüentadores e auxiliam na apreensão das concepções e posturas forjadas após o contato
com o espiritismo, bem como a influência que este pode ter tido nas relações familiares e
em atividades pertinentes a outras instâncias da vida que não a religiosa, como a doméstica
e o lazer. Neste sentido, estas etapas da entrevista, em seu conjunto, contemplam os
motivos que fomentam as construções narrativas e as próprias narrativas enredadas em uma
tessitura cambiante, onde se materializam os significados religiosos, mas também, implícita
ou explicitamente, outros significados que os sujeitos carregam consigo fruto de suas
trajetórias e estilos de vida. Estes últimos, simultaneamente extrapolam e compõem o
cenário religioso, dialogando com um determinado tipo de estrutura identitária oferecida
por ele.
Servindo de sustentabilidade não só para o arcabouço religioso, mas também para o
senso de si, dos outros e do mundo, o Sentido e a Experiência Corporal complementam a
parte analítica que faltava a uma abordagem dos processos de identificação e da própria
identidade, tendo em vista que não apenas excedem, mas, de maneira mais primordial,
fundamentam a cognição de “quem sou” e de quais os “meus projetos”.
Assim, acredito, que o instrumento revela um pouco e aos poucos – na proporção
em que foram sendo realizadas as etapas do questionário – os sujeitos deste universo,
situações que fizeram e/ou fazem parte de suas histórias e a influência religiosa nas idéias
mais gerais sobre suas vidas, comportamentos e relações, desenhando narrativas reflexivas
e corporais em torno do próprio “eu”. Contribuiu, sobremaneira, para os resultados que
serão aqui expostos, um dialogo confortável que foi sempre estabelecido entre mim e os
espíritas durante o desenrolar das entrevistas. Obviamente, que apesar de estarmos tratando
especificamente da aplicação dos questionários e das entrevistas, ela não se constitui em
momentos estanques e isolados de todo o andamento da pesquisa. Muito pelo contrário, faz
- 139 -
parte de um prolongado contato, gradualmente desenvolvido no campo ao longo de dois
anos e meio, possibilitando-me o mergulho naquele universo, face os encontros constantes,
as informais e agradáveis conversas sempre travadas com os participantes e o compartilhar
de muitas das vivências das quais eles se fazem autores cotidianos.
Antes de iniciar a análise dos dados propriamente dita pela caracterização formal do
grupo cabe salientar que além de evidenciar as tendências mais gerais deste pequeno
coletivo e algumas narrativas, procurei também relacionar as informações com o que foi
dito nos capítulos anteriores, a fim de que possamos perceber o encadeamento entre os
níveis da pesquisa. Também os nomes dos entrevistados, foram trocados a fim de preservar
a identidade dos mesmos.
4.1. Construindo um perfil:
Trazer à tona determinadas variáveis de um grupo pesquisado é tentar delimitar um
perfil para ele, mobilizando indicadores que sinalizem para “quem são” essas pessoas, o
que as caracteriza e as distingue enquanto membros pertencentes a um determinado grupo.
Obviamente, que evidenciar tais circunstâncias é denotar, de algum modo, ainda que
parcial, as “matrizes” sociais às quais os sujeitos estão vinculados, que, ao seu turno,
contribuem para os esquemas de percepção e classificação que os norteiam.
Bourdieu (1979; 1987a; 1987b), em vários de sues trabalhos desenvolve
exaustivamente essa discussão, quando, entre outras coisas, problematiza as inúmeras
formas de uma “classe” ou “fração de classe” marcar sua “posição” e “situação” na
estrutura social através de leituras próprias do sistema simbólico que, simultaneamente, as
particulariza e as distingue nas relações estabelecidas com outras coletividades. Antes, dele,
também Weber (1977) aborda esta temática quando reconhece na dinâmica das interações
sociais além das classes com seus critérios econômicos e de mercado definidores os
“grupos de status” nutridos por um quantum de “honra social” pela qual podem diferenciar-
se, marcando o seu espaço distintivo ao interior mesmo da já segmentação de classe. Para
além de critérios econômicos, portanto, Weber e mais contemporaneamente Bourdieu
identificam uma dimensão simbólica para a delimitação e demarcação de grupos através do
que o sociólogo francês denominou de “distinções significantes”.
- 140 -
Há, neste sentido, uma homologia entre estruturas mentais e sociais adquirida no
processo socializador que permite, ao mesmo tempo, a nossa estada “não problemática” no
mundo e a nossa identificação enquanto grupo e mesmo indivíduo no feixe de relações
estabelecidas cotidianamente com outros. Os estilos de vida engendrados, para Bourdieu,
são a tradução mais manifesta dos princípios de percepção e distinção previamente
assimilados, mas também continuamente atualizados, e a partir dos quais uma infinidade de
outros esquemas particulares podem ser deduzidos em contato com situações igual e
ilimitadamente particulares, encetando um jogo infinito mediante o qual o “eu” coletivo e
individual pode ser permanentemente forjado e atualizado. Nesse sentido, um conjunto
unificado de preferências distintivas composto por determinadas predileções e gostos,
hábitos, formas de se vestir e de se comportar, linguagem, costumes e jeitos de ser são
algumas das externalizações que aos poucos e de forma poderosa vão fornecendo contornos
e definições aos grupos, instituindo-lhes fronteiras, não obstante, passíveis de mobilidade
para os sujeitos.
A família e ocupação profissional imersas como pontos de referência numa dada
estrutura social, sem dúvida, podem ser tidas – embora não sejam únicas nem totalizantes -
enquanto pilares de sustentação para tais construções distintivas forjadas em meio à
trajetória e biografia dos indivíduos. Contudo, a educação parece ser um aspecto
fundamental nesta apreciação. Velho (1997) e também Bourdieu (1987b) enfatizam o papel
da escolarização não apenas como transmissora de conteúdos objetivos, mas como um
processo pelo qual também Durkheim (1975) de alguma maneira já havia identificado –
embora não acrescido de uma dimensão corporal e das sedimentações que se dão no âmbito
de uma pré-reflexividade como organiza Bourdieu -, opera a socialização dos indivíduos
conformando, em Durkheim, a própria concepção social do homem situada historicamente,
construindo uma sintonia necessária entre homem e sociedade; em Velho e Bourdieu
tornando-se uma das bases para as expressões simbólicas e cultivo de gostos culturais,
sendo um dos fortes traços que contribuem para a definição de apreciações e estilos de vida,
pois como enfatiza este último:
Enquanto ‘força formadora de hábitos’, a escola propícia aos que se
encontram direta ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto
esquemas de pensamento particulares e particularizados, mas uma
- 141 -
disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem
aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação, aos quais pode-
se dar o nome de habitus cultivado. (p.211).
Sob esta acepção, trata-se, para o autor francês, de entender o papel da escola muito
mais como auxiliar na construção de formas de organização do pensamento, assim como de
esquemas e hierarquias de classificação do mundo. Ou seja, além de proporcionar o não
estranhamento e uma concertação harmônica entre os indivíduos e os contextos sociais,
moldando e ajustando seus esquemas perceptivos e classificatórios à sociedade mais ampla,
como já analisava Durkheim, a escola propicia o desenvolvimento de predisposições para
aquisição de determinados gostos, visão de mundo e estilos de vida. Nesta direção, o nível
de escolaridade, importância atribuída à profissão, o acesso e apreciação de bens culturais
(teatro, leitura, etc.), formação de certos hábitos e formas de lazer são traços relevantes não
apenas por propiciarem uma delimitação mais clara da situação de classe, mas por
comporem as biografias e percepções dos sujeitos pertencentes a um certo “universo
cultural” e “estilos de vida” que acabam operando no diálogo com o sistema de símbolos e
praticas religiosos. Os dados a seguir nos garantem, então, os primeiros contornos
identificadores de um grupo que irá se delineando lentamente coletiva e individualmente ao
longo dos processos de identificação e até de desindentificação construídos em meio aos
diálogos e vivências no universo institucional e cosmológico.
Assim, os entrevistados formam um grupo maduro de onze mulheres e quatro
homens que, em relação à cor, refletem a constituição heterogênea do centro espírita e do
próprio bairro, com a presença de negros, brancos e pardos, tendo uma elevação discreta
dos primeiros na composição deste pequeno coletivo e uma concentração de idade, para
ambos os sexos, situada entre 50-59 anos (dois homens e quatro mulheres), seguida pela
faixa etária de 60 a 69 anos, onde encontram-se um homem e três mulheres. Além de um
único senhor que possui mais de setenta anos, os membros restantes são as três mulheres
mais jovens, que se encontram entre 20 e 29 anos. Portanto, este é um grupo, no que tange
aos anos vividos, que pode demonstrar uma longa trajetória e experiência; e no que diz
respeito a possíveis tensões referentes às interações de negros e não negros, até onde
observei, não faziam parte de seu cotidiano, talvez por outras percepções e orientações
biográficas e/ou religiosas se sobreporem.
- 142 -
O estado civil e a estrutura familiar apontam para um equilíbrio entre as
informações obtidas e para um meio termo de uma tendência mais tradicional de família e
de outra mais comum na contemporaneidade de pessoas solteiras por mais tempo, muito
embora isto não signifique que também estas não formem ou não estejam inseridas em um
contexto familiar maior. Desta maneira, seis membros são casados e também seis solteiros,
mas dez dos quinze possuem uma composição familiar na qual estão inclusos desde apenas
o cônjuge até cônjuge, filhos e netos, ou então apenas os filhos (quatro destes). Os outros
dividem seus lares com pais ou irmãos, ou mesmo os dois. E a despeito do grupo
praticamente se repartir equanimemente entre os que são da capital e os que procedem de
cidades do interior todos moram em Salvador há um tempo não inferior a dez anos.
Portanto, pessoas adaptadas ao “jeito de ser” urbano que impregna toda e qualquer
metrópole, mas que também no caso da capital baiana, guarda suas peculiaridades
46
. Além
disso, a maioria reside na Região Administrativa V em áreas da própria Brotas, Vila Laura
ou Matatu, e os outros em suas adjacências como Pituba e Stiep, o que contribui para
adequações de horários e facilidades no deslocamento até o centro, para, assim, haver, no
sentido mais moderno, uma melhor otimização do tempo.
Como já mencionado no capítulo anterior, o centro é um dos mais conhecidos em
Salvador, gozando de certa tradição, algo que possibilita à instituição o acolhimento diário
de um número bastante grande de pessoas provenientes de Brotas, mas também de outros
pontos da cidade e até mesmo do interior. No entanto, ao que se refere a este grupo
composto por freqüentadores assíduos do centro e envolvidos mais diretamente com o
andamento de suas atividades, alguns, inclusive, com cargos de maior responsabilidade,
como coordenadoria e direção, a COBEM acaba sendo composta e, ao mesmo tempo,
atendendo um contingente
47
específico da RA V e proximidades. Este fator associado a
outros, como a maioria dos entrevistados ter conhecido o centro através de parentes e/ou
amigos, além de dois passarem a freqüentá-lo por morarem em suas proximidades
48
e o
centro ter sido fundado e mantido durante muito tempo por um grupo de amigos moradores
de Brotas, nos permite identificar a COBEM, em sua origem, com um tipo de formação das
46
Ver quadro e tabelas em anexo: 4.1.01; 4.1.02; 4.1.03; 4.1.06; 4.1.07; 4.1.08 e 4.1.09; 4.1.10.
47
Pois, obviamente, os responsáveis pelo funcionamento da instituição são claramente os primeiros a se
beneficiarem dos trabalhos, tornando-se “clientes” assíduos dos serviços ofertados para si ou para amigos e
parentes.
48
Tabela 4.2.11.
- 143 -
casas espíritas bastante peculiar no histórico da doutrina. Este tipo simultaneamente
propiciou uma célere expansão da religião e dificultou uma homogeneização no movimento
espírita tão buscada pelas Federações e Associações criadas posteriormente com esta
finalidade. Esta característica de certo contorno “familial” foi, sem dúvida, fundamental
para o erguimento do centro, e mesmo ainda hoje presente para alguns daqueles mais
próximos da instituição que formam o seu retrato. Todavia, a ligação do centro com a
FEEB, sua inserção em um circuito religioso de seminários, congressos, workshops e uma
série de outros eventos agregadores de instituições espíritas, assim como o crescimento do
centro com uma procura cada vez maior pelos seus serviços faz a COBEM abandonar a
perspectiva tímida sustentada pelas relações estreitas e intimas de amizade em favor de uma
ampliação de sua estrutura e de uma certa “profissionalização” de seus “serviços”, na
medida em que vai aderindo uma burocratização mais rotineira em suas atividades, bem
como um tom de impessoalidade que as permeia, no sentido mais weberiano possível.
Em relação aos estudos, um terço dos entrevistados declararam que continuam
estudando. Interessante que três, para além de qualquer atividade formal e institucional de
escolarização, compreenderam a pergunta “se ainda estudavam” como o ato mesmo de
leitura e de dedicação individual a qualquer assunto que procuram aprofundar o
conhecimento por conta própria, ou seja, esta forma de apreensão acaba por refletir a
concepção do que venha a ser para eles estudar. Uma percepção que se harmoniza tanto
com a reflexividade que caracteriza este grupo quanto com aspectos mais estruturais de sua
biografia, a exemplo do grau de instrução formal de que se fazem portadores, tendo em
vista que a maioria apresenta terceiro grau completo, alguns sem e outros com pós-
graduação; enquanto apenas três estão entre os que possuem segundo grau completo e uma
continua estudando para completá-lo
49
.
O nível de instrução e a possibilidade de uma inserção vantajosa na estrutura de
trabalho e econômica do mercado são muito valorizados pelos entrevistados, que investem
na educação dos filhos
50
, estando presente em seu horizonte de possibilidades a conclusão
dos estudos destes em faculdades sejam da rede pública ou privada. No momento em que
vivemos, no entanto, este dado parece, em se tratando de sua configuração estrutural (ou
49
Tabelas 4.1.04 e 4.1.05.
50
Tabela 4.1.15
- 144 -
talvez seja contextual), não ser mais inerente a apenas uma determinada classe que tem
acesso a esses serviços, já que nos últimos anos ocorreu um aumento significativo da oferta
de faculdades privadas no país e no Estado, ampliando a inserção de outros segmentos da
população no sistema universitário de ensino. Todavia, para além de possuir um diploma –
sem dúvida relevante -, o que esta informação me sugere diz respeito à expectativa e valor
que os entrevistados atribuem à aquisição de conhecimentos, bem como ao significado
simbólico e social de sua posição na tessitura social. Uma fala de uma entrevistada é
bastante sugestiva quanto a isto, pois ao ser inquirida sobre a idade e sexo dos filhos ela
responde:
A mais velha, Joana, tem 27 anos feitos agora dia 23 de
fevereiro. Joana é formada em publicidade e propaganda.
Ela faz pós-graduação em administração e market. A
segunda é formada, é turismologa, formada em turismo. Faz
pós-graduação em recursos humanos. É formada pela
UNIFACS e faz pós-graduação na UNIFACS. A terceira é
pedagoga. Faz pós-graduação em psicopedagogia. Todas
duas coisas na Católica, na UCSAL. Só que a pós-
graduação é UCSAL com o projeto CRIA, não sei se você
já ouviu falar? E o quarto que é o menino, Rafael. Rafael
tem 21 anos, faz direito, o quarto ano de direito. Para o ano
ele já tá formado
51
.
Os investimentos em educação de si e dos filhos, assim como a preocupação
demonstrada com a ocupação profissional e, sem dúvida, na cadeia econômica da cidade,
aliados ao desejo de estar sempre buscando conhecimentos novos revelam não só que a
educação é um valor muito importante no grupo, mas que o planejamento do futuro faz
parte da vida desses sujeitos, dialogando, é certo, com as contingências que os envolve,
mas, possuindo também uma dimensão reflexiva marcante, abrangendo escolhas e revisões,
materializadas em projetos forjados em suas próprias trajetórias. Perspectiva consonante
com a religião, tendo em vista que a preocupação com a educação e aquisição de
conhecimentos se coaduna a características do movimento espírita que enfatiza o intelecto,
já que estimula o estudo, as explicações lógicas e racionais, assim como o hábito da leitura
- não podemos nos esquecer que uma das formas de expansão do Espiritismo se deu através
do alto índice de publicação que persiste até hoje - e uma revisão constante de si e de suas
perspectivas.
51
Os nomes dos filhos foram trocados.
- 145 -
Mesmo em se tratando de um pequeno grupo entrevistado restrito apenas a um
centro espírita – e por isso mesmo sem a pretensão de estabelecer parâmetros comparativos
-, acredito ser válido registrar que esta informação parece refletir ou se aproximar de
resultados obtidos em pesquisas anteriores. Uma, foi realizada há 30 anos em Salvador por
Célia M.L. Braga e resultou na dissertação intitulada “Kardecismo em Salvador”,
evidenciou a partir de questionários aplicados a freqüentadores de 51 centros espíritas
distribuídos pela cidade uma redução da taxa de analfabetismo neste grupo, ao mesmo
tempo em que um discreto aumento dos que tinham ou estavam cursando o nível superior.
A outra pesquisa, de abrangência nacional, é mais recente. Realizada por Pierucci e
Prandi em 94 com a finalidade de captar a relação entre a religião do eleitor e o seu voto,
ela vai mais além não só em demonstrar que o kardecismo é bastante expressivo entre
aqueles que têm 2º grau e curso superior (60,3% no conjunto dos espíritas entrevistados),
mas também por evidenciar que o índice de escolaridade (seja o nível médio e universitário
vistos juntos ou separadamente) entre os espíritas é maior do que entre os adeptos de outras
religiões – as mais variadas vertentes do catolicismo, evangélicas e afro-brasileiras. Fato
que torna a se repetir no Censo Demográfico de 2000 realizado pelo IBGE, onde, em
termos proporcionais é possível evidenciar o nível de escolaridade no Brasil e na Bahia. No
primeiro caso, os espíritas que possuem mais de 15 anos de estudo representam
aproximadamente 21,11% dos declarantes, enquanto que para os católicos e pentecostais –
as duas maiores religiões do país – a representatividade é de 4,94% e 1,54%
respectivamente. No segundo caso, a Bahia, a tendência é a mesma, sendo que os valores
representativos são mais dispares: 1,99% aproximadamente para os católicos, enquanto que
os pentecostais não chegam a 1% e para os espíritas o percentual fica em torno de 19,59.
Tomando por parâmetro estes abrangentes trabalhos, o nosso pequeno grupo em
questão parece não destoar das grandes tendências e generalizações registradas tanto no
âmbito local quando nacional. Este bom nível de escolaridade se encaixa com algumas das
características gerais do Espiritismo mencionadas acima. E, de fato, analisando outros
dados do questionário como, quanto às circunstâncias que conheceram a religião
52
, cinco
responderam ter sido através de alguma leitura espírita, além do índice de leitura dos livros
52
Ver tabela 4.2.09 em anexo.
- 146 -
confessionais ser muito alto
53
. Aliás, o gosto pela leitura é uma outra característica a ser
adicionada ao perfil do nosso grupo que, aos poucos, vai sendo traçado. Numa lista de
hábitos de lazer
54
mencionada pelos próprios participantes comportando as mais diversas
formas de distração, a que estava no topo era a apreciação pela leitura - dez entrevistados a
citaram com um hábito importante. Gosto que se distribui por uma gama muito
diversificada de temas, abrangendo filosofia espiritualista, livros técnicos, de auto-ajuda,
literatura, poesia, romances entre outros, mas tendo, de novo, como uma forte expressão os
livros espíritas
55
.
Outras formas de lazer também aparecem, como viajar, admirar a natureza, assistir
TV, assim como os locais mais procurados para a distração são teatros, cinemas e praias
56
.
Estas práticas, as mais comuns após o hábito da leitura, os entrevistados as realizam quase
sempre em companhia dos familiares. Uma informação que se contrapõe a uma outra
constante deste mesmo quadro e que é sintomático do grupo. Refiro-me a apenas dois dos
entrevistados indicarem a visita à casa de amigos com um hábito rotineiro de lazer – um
dado que aponta para o caráter instituído das relações no mundo moderno e que não é muito
diferente no centro espírita atualmente, ao contrário, acredito mesmo que o reforce, pois,
apesar da instituição está muito presente na vida das pessoas, ocupando uma grande parte
do seu tempo, nas entrevistas externaliza-se o pouco contato que os membros do centro têm
entre si quando extrapolam os muros da instituição, o que leva a pensar no não
estabelecimento de laços mais estreitos entre os participantes – algo que parecia ocorrer nos
tempos iniciais de formação da instituição.
Todos esses hábitos os pesquisados afirmam terem adquirido antes de fazerem parte
da religião espírita, compondo suas trajetórias e biografias já há algum tempo; e já há
algum tempo também contribuindo na constituição de suas identidades e de um sentimento
de pertencimento a uma determinada camada social. Sentimento este corroborado, em
muitos dos entrevistados, com mais um dado: a situação de trabalho e ocupação. Enquanto
três são aposentados ou pensionistas e um apenas estudante, onze deles estão distribuídos
nos vários setores de mercado, sendo cinco funcionários públicos graduados preenchendo
53
Quadros 4.2.31 e 4.2.32 em anexos.
54
Quadro 4.1.16. em anexo.
55
Tabela 4.1.17 em anexo.
56
Quadro 4.1.19 em anexo.
- 147 -
as três instâncias (federal, estadual e municipal), alguns professores universitários, um
terapeuta, um micro empresário prestando serviços de consultoria, programador visual,
entre outros, que, em sua maioria, dividem despesas ou com o cônjuge ou com os pais e
irmãos. Porém, oferecendo outras nuances a este grupo que embora proporcione “linhas
mestras” para sua auto definição não pode ser considerado - aliás, como qualquer coletivo –
completamente homogêneo, existindo outras ocupações que auferem uma renda menor e
denotam uma inserção não confortável no mercado de trabalho, a exemplo da vendedora
autônoma de revistas de cosméticos e perfumarias e a professora de banca, ambas
trabalhadoras do setor informal, mas que, assim como a maioria do grupo, não respondem
pelas despesas familiares sozinhas, contando com a contribuição de outros membros da
família
57
.
Assim, em contornos gerais podemos afirmar que o nível sócio-econômico do grupo
é elevado, e juntamente com as outras variáveis analisadas até aqui sugerem o
pertencimento do grupo aos extratos sociais das camadas médias, com algumas das
características mais universalizantes encontradas nesses extratos - como nível educacional,
tipos de ocupação e possibilidade de consumo - e com outras mais particulares próprias da
formação e conjuntura do contexto sócio-econômico baiano, a exemplo da presença
marcante do Estado absorvendo um contingente muito grande de mão-de-obra. Só no nosso
grupo entre aposentados e os que estão na ativa praticamente a metade faz ou já fez parte
do funcionalismo público. Além disso, com algumas agruras a classe média baiana viu
florescer uma certa heterogeneização em seu segmento no que diz respeito a uma
ampliação de postos de trabalho agregadores de um maior rendimento a partir dos idos anos
50 do século XX, quando a Bahia foi alvo de investimentos públicos na indústria do
petróleo contribuindo para o surgimento de uma classe trabalhadora sem muita instrução
formal, mas com rendimentos incomuns no Estado naquela época.
Nas décadas de 60 e 70 a grande Salvador, através de incentivos fiscais e
financeiros, e da implementação do Pólo Petroquímico de Camaçari adquiriu novos
impulsos para o crescimento econômico e, embora o desenvolvimento da indústria na
Região Metropolitana de Salvador não tenha sido suficiente para minimizar os altos níveis
de trabalho precário e informal constituídos historicamente na região, possibilitou o
57
Ver em anexo as tabelas: 4.1.11; 4.1.12; 4.1.13 e 4.1.14.
- 148 -
surgimento de uma classe de trabalhadores originariamente de camadas populares que
passaram a auferir um bom nível de rendimento, tendo acesso ao consumo de bens
anteriormente restrito às camadas mais elitizadas, sem, contudo, necessitarem de muitos
anos de estudo e, consequentemente, de nível superior, bastando-lhes a profissão adquirida
no nível médio oferecida pelas escolas técnicas federais e particulares para reconfigurarem
suas identidades e posições na estrutura sócio-econômica.
Em face da conjuntura nacional e de um arrefecimento que o setor industrial sofre
nos anos 90 o mercado de trabalho e os rendimentos são reconfigurados, estreitando as
possibilidades de inserção e consumo. A busca pelo terceiro grau, que nunca foi
desvalorizada totalmente já que os cargos de comando quase sempre estiveram com os de
maior formação, torna-se mais intensa em meados dos anos 90, o que não significa dizer
que neste momento ou nos anteriores deixou de haver diferenciações ao interior dos
segmentos que tinham um maior acesso ao consumo. Muito longe disso, as distinções em
âmbito simbólico, como espaços freqüentados, opções de lazer e maior tempo disponível à
família; assim como nas empresas e fábricas valorizando as profissões de carreira sempre
foram preponderantes. Autores como Castro & Barreto (1998); Agier & Guimarães (1995)
demonstram, de outra maneira, para a nossa realidade local o mesmo que Bourdieu e
Velho: as percepções de trabalho e identitárias das classes não são permeadas apenas pelas
possibilidades de ganhos auferidos e inserção econômica nos mercados, mas pelos
universos simbólicos que aparecem, ao mesmo tempo, marcando os espaços com seus
traços identificadores e demarcando e segregando com suas “distinções significantes”.
As distinções, por sua vez, encontram-se assentadas nas trajetórias dos sujeitos
plasmadas em grande parte pela educação universitária - propiciadora tanto de um habitus
cultivado quanto de uma valorização social – e pelo exercício de profissões adequadas à
formação educacional seja a nível institucional ou mesmo cultural/simbólico. Contribuindo,
por fim, para a constituição de identidades grupais e estilos de vida próprios. Estes, além de
identificar grupos e distingui-los por meio de percepções e segregação de espaços, como
demonstra Bourdieu, por um outro ângulo apontado por Giddens (2002), também servem
enquanto âncora de sustentação para a própria conformação do eu no contexto da Alta
Modernidade, que confronta o sujeito com uma ampla variedade de escolhas, mas oferece-
- 149 -
lhe pouco suporte para escolher. Na concepção deste autor, então, os estilos de vida podem
ser compreendidos:
Como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um
indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades
utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da
auto-identidade. (p. 79).
Narrativa composta pelos traços identificadores das classes e, particularmente, do
nosso grupo em estudo, ao qual junta-se mais um traço distintivo: o da própria religião. Sob
este ponto de vista, há uma convergência com as análises de Pierucci e Prandi (1994), para
os quais os adeptos do espiritismo além de registrarem um alto nível de instrução, estão
concentrados nas capitais e regiões metropolitanas, a maioria ocupada e com uma renda
mensal maior que 10 SM. Para estes sociólogos o conjunto das informações indica que o
kardecismo é muito presente entre as camadas médias urbanas – fato, aliás, confirmado
pelo seu histórico no país. Naturalmente, que estes dados, no que diz respeito aos seus
conteúdos mais tangíveis, não podem ser diretamente transpostos para a nossa realidade
espaço-temporal sob pena de estarmos incorrendo em um anacronismo, mas por tudo o
quanto foi dito até aqui, creio que no nosso caso especifico os indicadores são suficientes
para demonstrar que a maioria dos membros do grupo em foco pertence a extratos das
camadas médias, com todas as nuanças e diferenciações que ele possa apresentar ao seu
interior, sobretudo, pelos traços simbólicos que foram constituídos. Trata-se agora de
perceber como os discursos e práticas religiosos, mesclados às percepções simbólicas
formadoras e formadas pelos sujeitos, emergem, contribuindo para construção e
reelaboração de narrativas pelas quais os indivíduos se reconhecem e redefinem a si e aos
contextos.
4.2. Trajetórias e Processos de Auto-Identificação do Eu:
Manuela: Na minha infância eu era católica por causa da educação de meus pais, e na juventude eu
passei pouco tempo na... porque eu tinha uns amigos que eram da... é até uma filosofia que aqui não
é muito divulgada... Eu até aprendi alguma coisa lá, mas não cheguei a fazer iniciação. Eu conheci
também por pouco tempo, porque um colega me chamou, os umbandistas, mas eram umbandistas
que trabalhavam - como eles diziam - com mesa branca, para o bem. Também foi pouco tempo, que
- 150 -
foi uma ponte pra mim, porque eles liam o evangelho, desenvolviam a mediunidade, era uma coisa
assim misturada. Mas eu não fiquei nessa religião também não, porque eu estava querendo assim...
respostas pra muitas coisas que desde a religião católica que eu queria saber. Eu tinha muita
preocupação em esclarecer as minhas dúvidas. Isso ai eu tinha mesmo! Queria esclarecer o porquê
de certas coisas, quando eu tive a doença, porque eu tive o foco? E aí eu entrei no Espiritismo. E o
Espiritismo também me despertou por não ser uma religião que me apresentasse, assim, obrigações,
é uma religião em que você tem o seu livre-arbítrio, porque você sabe, eu era um pouco rebelde.
Então, a religião espírita foi muito boa pra mim porque eu comecei a me policiar, a entender melhor
as coisas da vida. Eu era assim um pouco rebelde, às vezes me chateava um pouco com as pessoas,
com aquelas idéias sem respostas, aquelas colocações sem esclarecimento, eu disse: Não. Tem que
ter alguma coisa que clareie a minha mente, que me deixe mais consciente até sobre mim mesma,
buscar me conhecer melhor. Por que todo mundo se acha maravilhoso e divino até você se
conscientizar que é um ser imperfeito, necessitado de ajuda e de crescimento, você tem que ter a sua
caminhada.
Samanta: Eu era católica de ir pra missa todo domingo, de... tá enfiada em igreja e tudo mais, todo
domingo religiosamente tava lá, sabia todos os hinos, tudo de missa. Mas aí eu comecei a
questionar uma série de coisas na igreja católica, aquela coisa da pomposidade; depois aquelas
histórias do radicalismo, da... inquisição, dessas coisas. Comecei a achar que eu buscava algumas
respostas que a igreja católica não me dava, e aí, comecei a me interessar pelo espiritismo, e de
repente vi que realmente o espiritismo começou a me dá muitas respostas que a igreja católica não
me dava. E aí fui deixando, deixando, deixando.
João Carlos: Quando eu saí do catolicismo fui pro candomblé, não fiz obrigação nem nada, eu não
me iniciei, mas... quando eu entrei eu saí totalmente do catolicismo. Quando eu entrei no candomblé
eu fiquei naquela fase de transição. É... e aí foi onde eu comecei a acreditar na espiritualidade, foi no
candomblé.
Agora, eu comecei a ir pro candomblé não tem explicação assim lógica não. Minha mulher gostava
do candomblé, talvez eu tenha sido influenciado; depois eu comecei a acreditar na espiritualidade
dentro do candomblé. Então, foi uma das coisas que me prendeu um pouco, até que conheci o
kardecismo.
Quando eu conheci o kardecismo aconteceu o seguinte: que no candomblé existem os escravos, que
são entidades que não podem evoluir, porque senão eles vão deixar de fazer trabalhos em troca de
bens materiais. E no espiritismo todos, todos, todos nós temos o direito de evoluir. Então, baseado
nisso, eu disse a minha é essa: entrar no espiritismo.
Cora: Eu estudei em colégio de freira, ficava com o catolicismo que minha mãe passava. Era
engraçado, tinha cinco anos que eu tava no colégio de Freira, aí mandou fazer 1ª comunhão. Aí
dizia assim que tinha que se confessar pro padre. Eu não acreditava naquilo. Eu disse: Isso é o que?
Eu, pequena, eu falava assim: Ah, eu não gosto! Eu não quero! Um homem na palestra pra falar
com Deus. E eu ficava com isso. Aí fui crescendo, e tal. Tanto que eu não fiz 1ª comunhão.
Por isso eu abandonei o catolicismo, que eu achava muito vago. Eu achava que tinha mais alguma
coisa, eu sempre achei isso. Eu não era espírita, não conhecia nada da doutrina, mas eu achava que
ficava esse negocio assim de morreu acabou. Não, não pode morrer acabar. E eu ficava me
questionando, sem conhecer mesmo a doutrina. Aí já mais adulta eu comecei a vir aqui, assistir a
doutrinaria... tomava passe e ficava só na doutrinária...
Ludmila: Primeiro, porque lá mesmo [na umbanda] havia uma carência muito grande do estudo do
evangelho. Porque eles dizem assim: lá nós somos espíritas. Eles tinham um preconceito muito
grande, e não diziam que eram umbandistas. Mas, enfim, a gente saiu de lá mais porque a gente
percebeu realmente que havia uma questão energética totalmente diferente. Era incompatível a
- 151 -
nossa realidade, a maneira da gente pensar, de ver as coisas. E aquela questão também de você visar
muito o material. A doutrina espírita, ela visualiza o material pros outros, não pra si.
“Você já freqüentou outra religião além do espiritismo?” “Por que a deixou?”
As narrativas evidenciadas acima foram respostas de alguns dos quatorze
entrevistados dadas a estas questões formuladas. Elas se constituem em análises
elucidativas dos próprios pesquisados em relação aos seus percursos e motivos propulsores
dos percursos, levando-os a uma carreira religiosa em busca de respostas para suas
inquietações. Com o objetivo de resgatar, ao menos parcialmente, tal trajeto religioso e o de
captar como eles se percebem, além das narrativas construí quadros (em anexo) que
demonstram, grosso modo, tais aspectos. Dessa maneira, atualmente, com exceção de duas
pessoas que se denominaram holista, uma, e cristã, a outra, praticamente todos
reivindicaram uma adesão exclusiva (de crença) à religião que hoje professam, e todos
afirmam apenas freqüentar a ela e mais nenhuma outra, mesmo depois – um outro dado
interessante - de quase todos terem sido freqüentadores permanentes de outros cultos.
Começando pela religião dominante no país – a católica – ao interior da qual muito dos
entrevistados, algumas narrativas o demonstram, tiveram suas primeiras experiências
religiosas e até mesmo a educação formal permeada por tais vivências, já que muitos deles
estudaram em colégios religiosos. Isto, sem dúvida, se deve ao fato dos pais serem ou terem
sido católicos praticantes. Sete pais dos pesquisados, segundo os mesmos, eram católicos,
enquanto que os pais dos outros oito se distribuíam juntos ou separadamente por outras
religiões ou até não tendo religião alguma
58
.
Assim, na maioria dos casos, a convivência com a família na infância inicia os
trânsitos religiosos dos entrevistados - por sinal, bem diversificados -, indo desde a um
grande número deles (oito) terem participado, antes do espiritismo, apenas da religião
católica a um que só freqüentou religiões afro-brasileiras, passando pelos outros seis que
percorreram uma maior variedade de religiões e cultos (evangélicas, secho-no-iê, afro-
brasileiras e católica), quando, geralmente entre a adolescência e os vinte e nove anos,
optaram pela qual tornaram-se adeptos até o momento
59
. Os motivos norteadores das
58
Com exceção de dois dos entrevistados que não souberam informar a religião (ou religiões) dos pais.
Para uma melhor visualização do que foi dito ver dados em anexo. Tabelas: 4.2.01; 4.2.02; 4.2.03; 4.2.07.
59
Tabelas 4.2.04 e 4.2.06.
- 152 -
escolhas e abandono das religiões que, por sua vez, identificam os trajetos, em geral,
convergem para uma não adequação entre a visão de mundo dos entrevistados e o
arcabouço cosmológico e prático oferecido por elas
60
. Perspectivas não correspondidas,
levando os sujeitos a novas escolhas em busca de algo - contextos, símbolos e significados -
mais de acordo com suas aspirações existenciais e identitárias reflexivamente construídas e
alentadas, constituidoras estas de seus projetos.
Sob esta acepção, para além dos aspectos de identificação e distinção discutidos no
item anterior, como educação formal, profissões, inserção no mercado consumidor e a
constituição de campos simbólicos pelos quais indivíduos e grupos se reconhecem tecendo
percepções e distinções, diversos autores (Velho, 1997; Sá Carneiro, 1998; Hervieu-Legèr,
1998; Giddens, 1991, 2002) destacam como característica preponderante dos estilos de vida
adotados pelas camadas médias a reflexividade continuamente forjada sobre suas
identidades mediante escolhas que surgem nas trajetórias e, ao mesmo tempo, as
constroem. A reflexividade, neste encadeamento da vida, entre outras coisas, se materializa
naquilo que Alfred Schutz (1973 apud Rabelo 1999) denominou de projeto.
Os projetos são antecipações de condutas, por meio de elaborações mentais, que
virão (ou deverão vir). Um movimento construído com orientação futura, mas
substancialmente enraizado no presente na medida em que é gestado tanto em função da
leitura de um código sócio-cultural que orienta os sujeitos acerca de suas crenças, valores,
tipificações e idealizações, quanto leva em consideração as vivências que compõem suas
biografias. Logicamente que a partir disto, os projetos, embora fruto de iniciativas
individuais – comportando, assim, uma dimensão subjetiva -, são assentados e tecidos em
uma rede intersubjetiva presente na fase inicial, nas percepções e classificações norteadoras
de sua elaboração, e no seu desenvolvimento, onde guarda um caráter contingencial e
indeterminado. O projeto possui, neste sentido, uma estrutura temporal na qual se desenrola
um transcurso desde o ponto inicial de sua formação imaginativa sintonizada com
lembranças e expectativas até a sua realização no âmbito concreto. Mas no transcurso
mesmo contempla também o amadurecimento de seu autor com possíveis novas aquisições
de conhecimentos, idéias e posturas, as remodelações dos contextos e o diálogo de tudo
isto, podendo levá-lo a sua redefinição parametrada em outras bases e critérios ou mesmo o
60
Em anexo tabela 4.2.05.
- 153 -
seu completo abandono. Com efeito, na mesma medida de sua reflexividade o que lhe estar
garantido é um tom incerto e impreciso só concretizado (ou não) quando preenchido o
horizonte vazio inicialmente projetado. E mesmo quando preenchidos isto não significa de
forma contundente que os processos não possam ser reabertos e os projetos redefinidos à
luz de novas escolhas e horizontes, tendo em vista ser inerente a eles o dinamismo. (Velho,
1997; Rabelo, 1999).
Em se tratando dos sujeitos da pesquisa, eles demonstram, inicialmente por meio
dos discursos, ter enquanto projeto contínuo a construção e reconstrução reflexiva do “eu”.
Tal fato é patente quando Manuela inicia sua trajetória religiosa por vários contextos e
declara-se insatisfeita por não ter logrado acalmar – ao menos até identificar-se com o
espiritismo - o que deliberadamente chamei inicialmente de inquietações, mas que na
verdade configuram-se em fissuras poderosas de sua auto-narrativa, a ponto de verbalizar,
numa tentativa dramática de encontro consigo mesma, que deveria ter algo que clareasse
sua mente, que a deixasse mais consciente sobre ela mesma. Manuela buscava, assim, um
suporte simbólico e interacional que não só se adequasse a sua visão de mundo constituída,
mas lhe permitisse escoar dramas, frustrações e, o que é mais fundamental, resignificar
experiências e a si própria.
Uma busca por encontros e respostas existenciais parece permear as trajetórias de
quase todos os pesquisados e também de Cora e Samanta, que iniciam sua carreira no
catolicismo, mas mediante os contínuos contatos com esta religião não conseguem se
adequar à sua visão de mundo, sentindo-se incompletas e insatisfeitas com suas explicações
para as auto-interrogações levantadas por elas. Todavia, a busca por respostas que paumilha
a construção do eu pode não estar suficientemente clara para alguns dos participantes,
tornando-se o projeto explicito e preponderante no desenrolar mesmo das trajetórias pelos
contextos religiosos e opções que vão sendo feitas. Este parece ser o caso de João Carlos,
que na procura por algo, provavelmente acalentando aquele quê de inquietação que lhe
visitava, abandonou o catolicismo optando pelo candomblé, aparentemente influenciado
pela esposa; sem dúvida, influenciado pela esposa, e também por sua própria história
contada e vivida, fazendo parte das histórias de outros e permitindo que outros, como sua
esposa, fizessem parte da sua, ajudando-lhe a construir a si mesmo, a procurar aquela
mesma “luz” buscada por Manuela, por Ludmila, por Cora e pelos outros a fim de focalizar
- 154 -
pontos obscuros e aportar em portos seguros do eu, em um jogo de certezas e incertezas
jogado no fluir dos processos mesmos.
Processos auto-identificadores que vão sendo concretizados gradualmente, pelos
quais, no caso de João Carlos, primeiro identifica-se com as noções de espiritualidade
encontradas no candomblé, no de Ludmila, com as da umbanda, e, em ambos,
posteriormente com a cosmologia kardecista, argumentando para si mesmos - na leitura
pregressa que fazem de suas biografias impregnadas com a cosmologia que hoje, pelo
menos em parte, se reconhecem
61
, e que acabam compondo suas próprias percepções – a
necessidade de evolução e de desprendimento a bens materiais, por exemplo. Esta
identificação e maior clareza do que pretendem além de ficar patente nas trajetórias de João
Carlos e Ludmila surge também entre quase todos entrevistados, tendo em vista que as
respostas evidenciam uma adequação entre as suas elaborações cognitivas, o arcabouço da
religião e as rotinas implementadas no centro espírita, pois dez deles elencaram como
motivos por terem permanecido na instituição a afinidade mental e emocional estabelecida
com ela
62
.
Tal afinidade nutrida no ir e vir dialógico em que as identidades se intercambeiam e
se redefinem é possível porque é apresentada pela religião uma estrutura identitária
propiciadora de tais trocas. Goffman (1988) é um autor que pode nos ajudar a clarificar esta
dimensão. Em Estigma ele demonstra como a Identidade Social diz respeito a atributos e
categorias estabelecidos pelas estruturas sociais, por meio dos quais os sujeitos se
reconhecem e se orientam, tornando o mundo possível, estável e classificável. Modelos ou
tipificações oferecidos através de papéis absorvidos pelos indivíduos durante os processos
socializadores, as Identidades Sociais normalizam condutas e rotinizam expectativas,
propiciando, em alguma medida, um mundo “seguro” e de certezas compartilhadas;
tornando-se, contudo, problemáticas – a ponto da instauração de um estigma - para o
indivíduo que, por qualquer motivo, não consegue ajustar-se às categorias e atributos que
lhes são destinados.
Às Identidades Sociais unem-se as Pessoais que, assim como as primeiras, têm um
caráter público, pois possuem como um dos principais aspectos para a sua formação a
61
Em vários trechos das entrevistas é possível notar uma incorporação de signos de outras religiões e
concepções além do espiritismo.
62
Tabela 4.2.12 em anexo.
- 155 -
manipulação de signos e status provenientes das Identidades Sociais, bem como o controle
de informação que o sujeito detém sobre si. O indivíduo, então, surge como uma pessoa
diferente e única, sendo capaz - a partir de fatos sociais embora coletivos e comuns em sua
ocorrência e vivência, específicos em sua combinação – de construir uma história com
unicidade e coerência sobre si mesmo apresentada a outros e servindo como uma espécie de
segmento particular, identificado e identificável, das Identidades Sociais, já que se utiliza
do material destas para a sua narração.
Neste sentido, por mais que as histórias dos sujeitos sejam fragmentadas e
sobressaltadas eles estão aptos a edificar uma estrutura biográfica coerente, única e
contínua agregadora dos múltiplos papéis que possam exercer, garantindo-lhes um senso de
si mesmo integrado. Senso este, sentido numa dimensão ainda mais intima da identidade, a
do próprio EU, cujo caráter e continuidade o indivíduo adquiri enquanto resultado das
diversas experiências sociais pelas quais atravessa. Fica assim muito nítido, em Goffman, o
intercambio estabelecido entre os três níveis identitários construídos por ele, que, embora
guardem diferenciações próprias, forjam-se mutuamente no contexto rotineiro das relações,
pois:
As identidades social e pessoal são parte, antes de mais nada, dos
interesses e definições de outras pessoas em relação ao indivíduo cuja
identidade está em questão. No caso da identidade pessoal, esses
interesses e definições podem surgir antes mesmo do indivíduo nascer e
continuam depois dele haver sido enterrado, existindo, então, em épocas
em que o próprio indivíduo não pode ter nenhuma sensação, inclusive as
sensações de identidade. Por outro lado, a identidade do eu é, sobretudo,
uma questão subjetiva e reflexiva que deve necessariamente ser
experimentada pelo indivíduo cuja identidade está em jogo. (...). É claro
que o indivíduo constrói a imagem que tem de si próprio a partir do
mesmo material do qual as outras pessoas já construíram a sua
identificação pessoal e social, mas ele tem uma considerável liberdade em
relação àquilo que elabora. (p. 116, 117).
Mesmo com uma relativa liberdade de elaboração identitária segundo Goffman, nos
processos mesmos em que isto se dá, o sujeito a faz servindo-se dos conhecimentos e
códigos que dispõe, escolhendo e incorporando os que mais se identifica para compor a
leitura que faz de si mesmo e do mundo. No caso do espiritismo, vimos no capítulo II a
Identidade Social de contornos cognitivos e também emocionais que esta religião oferece
aos adeptos por meio de sua visão de mundo e ethos elaborado. Os pilares religiosos –
- 156 -
estudo, mediunidade e caridade – são a base deste complexo arcabouço cosmológico com
os quais os indivíduos interagem. Discutidos ao longo dos segundo e terceiro capítulos,
portanto, estão todas as atividades, comportamentos e posturas vinculados a estas matrizes
esperando pelo preenchimento dos espíritas.
Quanto a um certo “jeito de ser” o espiritismo trabalha insistentemente com a
postura marcada pela calma, paciência, fraternidade, desprendimento dos bens materiais,
caridade material e espiritual, intenso estudo, e, principalmente um controle reflexivo
permanente sobre seu corpo e sobre si tendo por parâmetro as balizes morais e cristãs.
Tudo isto intimamente justificado pela visão de mundo da religião, que conforme mostra
Castro (1983) em sua análise da construção da pessoa no espiritismo, está centrado em uma
noção como ligação das três dimensões (corpo, espírito e períspirito) articuladas ao longo
dos eixos sincrônico e diacrônico – meio pelo qual o sujeito pode evoluir para a perfeição.
Em outros termos, é através da gradual incorporação da cosmovisão religiosa que a conduta
e ethos espíritas ganham sentido para a busca do progresso e perfeição espiritual. Mas,
como não se constitui em uma mão de via única, é também por meio de suas práticas e
ethos que a cosmologia ganha novas cores e reafirma-se de maneira mais fundamental.
O sujeito segue, por conseguinte, em um jogo de identidades, como entendido por
Frigério (2002; apud Duccini, 2005) interiorizando a Identidade Social oferecida pela
doutrina espírita, mas, como argumenta Weber (1974), de forma não menos importante
negociando com ela, contribuindo para reelaboração não apenas de si próprio, mas do
próprio contexto religioso, já que camadas, por meio de seus membros, e religião são
mutuamente influenciados e redefinidos. A dinâmica das identidades é passível de maior
visibilidade no cotidiano das instituições, que procuram envolver o mais completamente
possível os participantes em suas atividades, nas quais os sujeitos incorporam tarefas e
papéis fornecendo-lhes, ao seu turno, contornos próprios. Por isso na COBEM é
demandado dos participantes uma freqüência mais ativa, com a maioria estando presente ao
centro três vezes por semana e alguns outros indo até cinco vezes
63
. As responsabilidades
são distribuídas entre os participantes aparentemente sem nenhum tipo de segmentação por
gênero (não obstante, ela ocorra), levando a crer que um dos critérios para o
desenvolvimento de certos papéis e funções e ocupação de determinados cargos seja, de
63
Tabela 4.2.15 em anexo.
- 157 -
fato, o comprometimento com a instituição – e que, sem sombra de dúvidas o é, mas, sem
dúvida também, outras nuances sócio-culturais mesclam a composição do centro e sua
definição de papéis.
Iniciando pelos critérios internos, então, percebemos que quase todos dizem possuir
algum recurso mediúnico – característica fundamental para a religião, pois é através dele
que a comunicação entre o mundo visível e invisível se dar, além das elaborações
cognitivas e emocionais que se atualizam através do corpo - como veremos mais à frente -
utilizado nas atividades da COBEM, marcando muito fortemente o desenvolvimento dos
papéis constituídos no centro. Se pensarmos numa arrumação em torno do acúmulo destes
papéis pelos seus participantes, teremos uma composição de três subgrupos
64
, implicando
uma maior ou menor responsabilidade nas atribuições e, consequentemente, acarretando
uma participação e envolvimento mais ou menos restritos com a COBEM. Neste sentido, o
subgrupo de menor envolvimento em termos de papéis desempenhados, mas conformando
a característica fundamental de quase todos os entrevistados e, portanto, uma forte ligação
com a religião, foi o daqueles que se declararam apenas médiuns (03 mulheres). No
subgrupo intermediário temos a presença de seis pessoas – quase todas mulheres - que
acumulam 02 papéis no centro, sendo um deles de médium. A combinação dos papéis
tornou-se, então, constante em um deles (o de médium) e variável no que se refere ao outro,
contemplando coordenador, doutrinador, expositor, entre outros.
O doutrinador, aliás, parece ser um dos requisitos de maior carência nos centros
espíritas, presente em quantidade bem inferior a dos médiuns e aparentando ser papel
predominantemente masculino, o que não significa dizer que as mulheres não possam
exerce-lo – na COBEM além das três mulheres que na sistematização dos dados
apareceram como doutrinadoras, vi algumas outras exercendo esta função algumas vezes
em minhas idas a campo – mas que elas, com maior freqüência, acabam preenchendo
rotinas que envolvem a mediunidade – característica feminina marcante.
O último subgrupo também constituído por seis pessoas, das quais a metade são
homens, pode-se dizer que é o mais comprometido com a casa no sentido de atribuições
assumidas. Enquanto para as mulheres novamente se apresenta como característica
constante a mediunidade, para os homens é a doutrinação que os liga. Entretanto, em quase
64
Ver tabelas 4.2.16 em anexo.
- 158 -
todos aparece o desempenho de papéis relacionado à coordenação de alguma atividade e a
cargos administrativos. O que nos leva a pensar em um maior grau de envolvimento com os
assuntos interno-burocráticos e responsabilidades para com o bom andamento das
atividades rotineiras do centro. Em outras palavras, são estas as pessoas mais diretamente
ligadas e absorvidas no cotidiano da instituição. Fato que se revela também pela freqüência
semanal, em que quase todos do grupo vão ao centro três, quatro ou até cinco vezes por
semana, não obstante, pessoas que desempenham dois papéis e até mesmo um também
sejam bastante assíduas no centro. Contudo, muitas idas destas últimas estejam
relacionadas a um processo de aprendizagem, beneficiando-se das ofertas do centro, como é
o caso dos apenas médiuns “aprendizes”, que freqüentam as reuniões a fim de tornarem-se
capazes de controlar o seu desempenho enquanto médiuns
65
.
A análise feita dos papéis desempenhados pelos pesquisados levando em conta
também a sua freqüência na instituição já denota uma certa arrumação ao seu interior
segmentada, sim, por grau de envolvimento e mesmo por anos de permanência no centro
66
,
mas também - algo mais externalizado mediante a sistematização dos dados - por gênero.
Este aspecto pode ser depreendido com maior nitidez do quadro de atividades
67
– um
desdobramento do quadro de papéis que revela com mais aprofundamento o nível de
participação dos entrevistados e a posição que ocupam na instituição, visto que nele as
respostas encontram-se categorizadas em atividades religiosas e administrativas. Para as
primeiras construí outras subcategorias que agregam atividades relacionadas à
coordenação; doutrinação e palestras; mediunidade; e para as últimas foram captadas
atividades relacionadas a cargos diretores. Todas essas categorias foram distribuídas mais
uma vez tendo por critério o gênero, fato que me possibilitou a observação da ocupação e
segmentação do espaço institucional mediante este aspecto.
Nesta direção, no que se refere ao primeiro subgrupo de categorias constituído, o
de coordenação, é notória, em termos proporcionais, a presença marcante dos homens
(50%) nestes cargos e atividades relacionados à liderança, enquanto que as mulheres, na
nossa amostra em número bem maior, ocupam apenas cerca de 40% deles. Tendo em vista
65
Ver especialmente tabelas: 4.2.14; 4.2.16 e 4.2.17.
66
Pois os que têm um maior nível de comprometimento e possuem cargos de maior responsabilidade são
também os que possuem mais anos de permanência no centro, não sendo inferior a vinte anos.
67
Quadro de Atividades 4.2.18.
- 159 -
que o espiritismo, como já mencionado, é uma religião que valoriza os estudos e nível de
conhecimento – muito por ser constituída por camadas médias - procurei relacionar as
informações acerca do grau de escolarização formal
68
dos entrevistados com as efetivas
ocupações nestes cargos de liderança e, ao menos para as mulheres, isto parece não ser tão
relevante, já que das quatro que ocupam cargos desta natureza, apenas uma tem superior
completo, enquanto seis delas que o possuem não pertencem a este quadro.
Voltando-se o olhar, todavia, para um outro dado talvez mais significativo, por tudo
o quanto foi dito e caracterizado tanto para a religião quanto para as camadas médias, o do
nível de leitura e conhecimento das obras basilares da religião
69
, isto é, o pentateuco
kardequiano, vemos que este parece ser mais importante para o desempenho dos papéis
deste subgrupo, isto não por se apresentar enquanto um dado meramente mensurável e,
portanto, traduzível em valores quantitativos, mas por, indubitavelmente, refletir-se no
cotidiano dessas pessoas na instituição, que demonstram um domínio muito grande sobre os
conteúdos cosmológicos e posturas seguras no centro, sendo mesmo procurados por outros
para aconselhamento e orientações religiosas.
Assim, para os quatro homens representantes desta nossa diminuta amostra, os dois
deles que ocupam tais cargos não só leram na integra toda obra kardequiana, como
demonstram um conteúdo literário e referencial acerca da religião, de fato, espantoso. Sob
este aspecto as mulheres também não se fazem de rogadas. Todas que desempenham tais
papéis não só leram os livros de kardec e muitos outros, como demonstram um profundo
conhecimento acerca do espiritismo. O interessante deste cruzamento de informações,
todavia, não diz respeito a quem está ocupando estes cargos e desempenhando tais papéis,
mas, sim, a quem encontra-se fora deles, pois outras três mulheres que também leram toda a
obra espírita, que promovem palestras, que dão cursos, que, enfim, demonstram um igual
profundo conhecimento religioso não os desempenham. Obviamente, que tal análise deve
ser relativizada com informações provenientes das próprias mulheres acerca de disporem de
tempo escasso para um maior desempenho de tais atividades, já que o repartem com
atenção à família, ao trabalho, etc. Mas, inegavelmente, estes aspectos mais o fato de que o
nível de conhecimento acaba não sendo tradutor das ocupações, ao menos para as mulheres,
68
Quadro 4.1.1 e Tabela 4.1.5.
69
Quadro 4.2.31; Tabelas 4.2.32 e 4.2.33.
- 160 -
é algo que extrapola, e muito, o âmbito do centro ou da religião, sendo estes apenas
reflexos da dinâmica social mais ampla, em que o gênero, às vezes de forma muito
desfavorável à mulher, se sobrepõe a outros indicadores e variáveis.
Vale ressaltar que para as outras categorias que envolvem a doutrinação e atividades
relacionadas aos cargos da diretoria, a composição é semelhante, tendo um leve incremento
na participação das mulheres da amostra. Dessa forma, enquanto todos os homens estão
envolvidos com palestras e doutrinação dos espíritos, cinco mulheres desenvolvem estes
mesmo trabalhos. Em relação aos cargos da diretoria, nesta amostra as representantes
femininas se mostram mais participativas do que os homens, embora em relação a elas
mesmas, a participação ainda é pequena: apenas três de onze mulheres desempenham as
atividades de direção.
Em contrapartida, as mulheres são a esmagadora maioria nas atividades relativas à
mediunidade, ou seja, nos trabalhos que envolvem diretamente o corpo na comunicação
com os espíritos ou com as energias de maneira mais ostensiva, ao passo que a presença
dos homens enquanto médiuns é ainda muito acanhada. Isso, obviamente, contribui para a
conformação de um determinado ethos mediúnico, pois apesar das especificidades
individuais há um tom emocional coletivo permeando as reuniões onde ocorre o transe
condicionado tanto pela religião, quando pelo grupo que as compõe. O controle da
comunicação, a consciência e a educação
70
são constantemente buscados pelos médiuns
segundo os pressupostos da religião. Mas também há uma forma peculiar de se manifestar
um tanto comum aos grupos de cada mediúnica, indo desde a maneira própria de condução
da reunião impressa pelo coordenador até o tom característico que permeia as
comunicações de cada reunião. Os participantes costumam dizer que a qualidade energética
de cada mediúnica é diferente, tanto que um membro de uma reunião não pode
simplesmente transitar para outra sem a devida notificação e avaliação da real necessidade
disto.
70
Consciência, controle e educação estão estreitamente relacionados, já que o médium para ter o controle da
comunicação precisa ser consciente; e controle significa antes de tudo controle de si mesmo, adquirido
paulatinamente por meio de um exercício cotidiano com o objetivo de aparar suas próprias arestas e conter os
maus pendões. É, portanto, se educar moralmente, fornecendo subsídios a si próprio de estar no controle da
comunicação, não permitindo, por exemplo, que o espírito comunicante xingue, esperneie, agrida pessoas, etc.
Ou seja, é um controle energético apoiado numa espécie de “superioridade” ou qualidade moral diferente da
do espírito. Nada de se estranhar, tendo em vista que na cosmologia espírita energia e moral tendem a se
confundir.
- 161 -
Sob esta acepção, as várias mulheres (embora nem todas) ao dar suas comunicações
mostravam alguns traços semelhantes entre si, como falar mais baixo, mais contidas na
gesticulação, nunca se levantarem, etc. Dessa forma, mediante a quantidade de mulheres
médiuns e de uma conseqüente conformação que, em linhas gerais, imprimem às
comunicações nós podemos pensar numa “feminização” no cenário da mediúnica, embora,
algumas delas também conduzam algumas das reuniões práticas de que participei. Em
relação aos homens, sendo eles uma presença diminuta quanto ao desenvolvimento e
exercício da mediunidade – cerca de um a três no máximo por reunião
71
- cabe-lhes, por
outro lado, uma presença mais acentuada na condução e controle dos trabalhos, já que eles
são os doutrinadores – aqueles que levam a palavra de conforto e esclarecimento e
socorrem o espírito sofredor, mas também quem repreendem e tomam, se necessário,
atitudes mais drásticas para não deixar a disciplina esvair-se. Este é um tipo de interação
estabelecido por intermédio do médium que, por tudo já descrito ao longo deste trabalho
(normas, hierarquia, relações constituídas), está, em certo sentido, também submetido ao
doutrinador – não obstante, estas relações sejam mais complexas do que à priori possam
parecer.
Por fim, lançando um olhar setorial e também global para o quadro de atividades
percebemos que os desenhos que se formam em torno dos dados agregados da mediunidade
e os da participação, nos quais existe uma predominância feminina, é muito semelhante.
Por sua vez, a presença masculina é muito mais forte nos setores das atividades
concernentes à coordenação e à doutrina. Eles – na amostra, volto a repetir - são menos
expressivos, porém, nas atividades relacionadas à administração, ao passo que as mulheres
se sobressaíram mais. Os dois quadros (o de papéis e o de atividades) em termos
proporcionais, de certa maneira, acabam ainda refletindo um modelo tradicional de divisão
de papéis entre o homem e a mulher por enquanto vigente na sociedade, mas com uma
tendência à mudança, já que as mulheres da classe média no centro estão, aos poucos,
ocupando os espaços e papéis de forma mais equânime. Elas, de maneira esmagadora,
preenchem os espaços e funções em que a emoção e a afetividade são mais presentes, mas
também se fazem notar nas posições de coordenação, embora em menor quantidade, e até
71
De todas as atividades que tomei parte, apenas em uma delas, a de Atendimento à Distância, tinha uma
presença maior de médiuns do sexo masculino: cerca de quatro ou cinco pessoas.
- 162 -
de administração. Algo digno de nota, pois ao realizar um estudo semelhante em um centro
freqüentado por camadas populares a presença da mulher no desempenho destes últimos
papéis era praticamente nula.
As Identidades Sociais, Pessoais e também do EU são, assim, nutridas no contexto
institucional, na medida em que nele se interpenetram construindo um jogo dinâmico não a
esmo ou aleatório, longe disso, encontrando sua possibilidade em meio aos parâmetros
sólidos oferecidos pela região e postos em andamento no ambiente institucional. A
Identidade Social do espiritismo se presentifica por meio de um modelo de homem
(genérico) que propõe e, consequentemente, de mundo, sendo atualizado no centro
mediante as práticas e os papéis desempenhados. É por meio deles que o eu, ao que tudo
indica, constrói narrativas salutares para si próprio. Análise ainda mais profícua, a
estruturação das atividades e papéis externalizou um outro fato: como a sua distribuição se
organiza levando em consideração o gênero, trazendo para a estrutura interna do centro
aquela estrutura aparentemente externa da sociedade mais ampla, atualizada pelas vivências
cotidianas daqueles sem os quais a estrutura, qualquer que seja ela, não teria vida. O
gênero, como visto, surge enquanto uma variável que em alguns momentos consegue
sobrepor-se até mesmo ao estudo e nível de conhecimento – características tão caras ao
espíritas -, numa combinação curiosa entre ele, camada social e religião. As identidades
constituídas dentro e fora do centro, sob a égide do aporte religioso, entram em jogo no
contexto dialógico buscando redefinições durante o trânsito interno à própria religião.
O espiritismo, neste sentido, é influenciado em seu modelo pelas categorias e
dinâmicas sociais mais amplas, mas nem por isso deixa de configurar-se enquanto um
espaço referencial para o diálogo com o eu, oportunizando novos pilares para sua
reelaboração reflexiva. Algo essencial no mundo moderno que, de acordo com Giddens
(2002), caracteriza-se por um espaço-tempo, além de dissociado facultando fragmentação e
esvaziamento de sentido, repleto de riscos e perigos das mais variadas proporções e
extensões, desde globais a locais, que contribuem para a conformação de um estado de crise
mais ou menos permanente na “Alta Modernidade”. Este estado de crise e a respectiva
sensação de insegurança penetram o núcleo de uma outra criação moderna, a identidade e
seus sentimentos pessoais. A Modernidade, então, em um ambiente instalado de riscos e
cálculos de riscos, dúvidas radicais e incertezas conduz o eu tanto a uma constante tomada
- 163 -
de decisões, quanto a uma espécie de “epistemi” de si. O eu está, dessa forma, sempre
aberto a novas redefinições – pelo menos, até o limite de sua morte – cursando uma
trajetória pelas instituições modernas em que vai narrando e organizando reflexivamente
sua biografia, buscando construir o senso e a idéia de si mesmo. Para esta narrativa
particular, de maneira, obviamente, restritiva à estrutura ou contexto ao qual se encontra,
ele tem como pedra angular – aliás, como já discutido – os estilos de vida aos quais se
submetido ou elege e as percepções e classificações adquiridas nos contextos
socializadores. Vinculados a essa premissa, nas trajetórias de auto-identificação os
indivíduos, então, “podem” e “devem” escolher normas e valores sob os quais querem
viver. Num velho e bom estilo weberiano, são estes os novos deuses (eleição e valores) que
a modernidade nos oferece e com os quais temos que conviver, tendo-os, de fato, por certo
e por garantias modernas em um mundo moderno incerto, onde uma das conseqüências
desta combinação são as dinâmicas processuais das identidades e a sua referencia
internamente orientada.
Entretanto, segundo o sociólogo inglês, não obstante toda a existência perturbadora
proporcionada ao eu pelo contexto da Modernidade conturbado por crises endêmicas de
caráter coletivo e individual, ele desenvolve mecanismos de proteção para lidar com as
situações de escolha ou abalo com as quais irá defrontar-se na sua trajetória, garantindo-lhe
um determinado teor de segurança e auto-integridade. Bebendo de fontes como Schutz e
Husserl, Giddens argumenta que a Consciência Prática e Atitude Natural ajudam a conter a
ansiedade – um medo generalizado, sem a focalização de um objeto exterior específico –
característica destes tempos – gerada, entre outras coisas, pelo alto nível de reflexividade
exigido em meio a uma cultura secular de riscos e incertezas cambiantes que levam a um
estado de crises constante, mas que por seu conteúdo de crises mesmo os sujeitos não
logram rotinizá-las e absorve-las em seus cotidianos. A Consciência prática e a Atitude
Natural servem, neste sentido, de fundamentos para a Segurança Ontológica do indivíduo,
operando como um lastro emocional e cognitivo justamente porque se assenta num mundo
de certezas tecido através das rotinas. Elas conseguem com sucesso colocar um bom
percentual de dúvidas em suspenso, permitindo que a vida transcorra sem determinadas
crises existenciais e ajudando na construção e sustentação do projeto reflexivo do eu, cuja
narrativa da auto-identidade - que é inerentemente frágil - precisa ser realizada e arranjada
- 164 -
num contexto cada vez mais pulverizador das instituições e de experiências continuamente
móveis e fluídas.
Isto é possível porque num mundo em que as instituições vão perdendo a
credibilidade enquanto depositárias dos anseios e ansiedades subjetivos é desenvolvida
desde a infância, mediante uma série de situações e rotinas, uma confiança básica face às
relações afetuosas que se estabelecem entre a criança e aqueles que convivem com ela mais
diretamente, ligando-a a sua auto-identidade, à apreciação dos outros e ao reconhecimento
do mundo ao seu derredor. Além disso, ela fundamenta uma carapaça emocional, um
casulo protetor, contra ansiedades existenciais e situações de riscos e incertezas iminentes.
Ou seja, eles – confiança básica e casulo protetor – protegem o indivíduo não permitindo
que o eu e sua narrativa se auto-desmantele ao menor contato com as situações de crise –
algo que se torna cava vez mais freqüente na atualidade. Eles, juntos, promovem, assim,
uma segurança existencial. Quando estas construções ontológicas do eu são realizadas com
sucesso torna-se possível, mesmo em um pano de fundo instável como o moderno, a
própria emersão do eu por meio de uma tessitura biográfica reflexivamente forjada, pois,
para Giddens (2002):
(...) A ‘identidade’ do eu, ao contrário do eu como fenômeno genérico,
pressupõe uma consciência relativa. É aquilo ‘de que’ o indivíduo está
consciente no termo ‘autoconsciência’. A auto-identidade, em outras
palavras, não é algo simplesmente apresentado, como resultado das
continuidades do sistema de ação do indivíduo, mas algo que deve ser
criado e sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo.
A auto-identidade não é um traço distintivo, ou mesmo uma pluralidade
de traços, possuído pelo indivíduo. É o eu compreendido reflexivamente
pela pessoa em termos de sua biografia. A identidade ainda supõe a
continuidade no tempo e no espaço: mas a auto-identidade é essa
continuidade reflexivamente interpretada pelo agente. Isso inclui o
componente cognitivo da pessoidade [personhood]. Ser uma ‘pessoa’ não
é apenas ser um ator reflexivo, mas ter o conceito de uma pessoa
(enquanto aplicável ao eu e aos outros). (p. 54).
Mas para forjar-se nesta “luta de Titãs” em que se encontram e se mesclam à auto-
constituição do eu e o contexto moderno desafiador, o autor identifica sérias dificuldades
para o self manter uma narrativa coerente de si mesmo, garantindo a sua integridade. As
tribulações do eu, neste sentido, dizem respeito a dilemas como os da Unificação X
- 165 -
Fragmentação, onde o eu tem de sustentar uma narrativa coerente e integrada de si
mantendo contato com uma multiplicidade incontável de contextos interativos
fragmentados e diferentes que acabam por exigir comportamentos também diversos dos
sujeitos. Tal situação ou situações podem contribuir para uma narrativa integrada do eu,
mas podem também levar a fragmentação e surgimento de eus múltiplos e até de uma
espécie de falso eu, à semelhança do ator cínico goffmaniano, que se metamorfoseia de
acordo o contexto, perdendo-se, então, a integridade de si.
Em outros dilemas os sujeitos podem vivenciar processos de engolfamento, em que
se sentem impotentes para resistir a forças externas que lhes dominam, ou, ao contrário,
podem experimentar estados fantasiosos de onipotência nos quais, dirá Giddens, a
segurança ontológica é alcançada por uma construção fantástica, e por isso mesmo frágil,
de dominação. Já a Autoridade X Incerteza, na Modernidade, traduz as diversas fontes de
autoridade às quais os sujeitos podem se vincular, mas demonstram também que esta
vinculação depende sempre de critérios provenientes, em última instância, da escolha dos
indivíduos. Neste sentido, qualquer fonte de autoridade, por mais sólida, respeitável e
inspiradora que seja, é sempre mais uma em um grande leque de opções ofertado aos
sujeitos. Tal perspectiva admite que qualquer conhecimento das fontes de autoridade é
sempre parcial, não podendo abarcar toda a realidade, e, portanto, comportando verdades
relativas e sempre revisáveis – o que abre brechas para possíveis questionamentos dessas
fontes e uma certa dimensão de fragilidade e incerteza das mesmas, pois, no universo
moderno, elas também são englobadas pelo princípio da dúvida. No limite extremo dessas
situações com as quais os sujeitos têm a possibilidade de deparar-se, eles podem passar por
estados de paralisia psicológica e da vontade, chegando mesmo a retirar-se do convívio
social, ou então, optar por uma instituição de autoritarismo radial e dogmático, abdicando
das suas faculdades de análise e escolha.
Obviamente, que todas essas possibilidades são exatamente isto: possibilidades.
Onde, no jogo complexo de interação entre eu, mundo e outros elas podem se dar ou não,
tornando-se simultaneamente iminentes e contingentes. Mas para além destas, o autor
aborda uma outra série de questões existenciais que assolam o eu – estas ainda mais
fundamentais com as quais tem que dialogar e, de certa maneira, solucionar, para
prosseguir com sua narrativa. Uma delas diz respeito às relações entre o mundo exterior e a
- 166 -
vida humana contemplando primariamente a contradição entre a infinitude de mundo e a
finitude e o saber-se finito do homem. O homem não só reflete sobre o seu ser, como sabe
que nele comporta o não-ser. Muitas áreas do conhecimento procuraram dar conta desta
dimensão “ansiosa” do homem. A filosofia abordando temas como a subjetividade,
consciência e temporalidade; a ciência com praticidade e desmagização; a cultura com
rituais e significados transcendentais, e, ao interior dela a religião surge enquanto uma de
suas expressões que mais se ocupa da morte enquanto questão fundamental, construindo
arcabouços que a envolvam e logrem diminuir a ansiedade dos homens por respostas e pelo
futuro certo.
Sob esta acepção, o espiritismo deve ser compreendido enquanto uma dessas
expressões, podendo, em parte, funcionar como um dos sistemas peritos aos quais Giddens
se refere. Uma fonte de auto-conhecimento que engloba discursos de outras áreas – a
psicologia, por exemplo – e aliado aos signos religiosos elabora e oferece um conjunto
sistematizado de explicações e satisfações tanto para as questões existenciais – como a
morte e o sofrimento - quanto para os dilemas do eu muito peculiares destes tempos, que
envolvem inseguranças, fragmentação, reflexão, escolhas... enfim, ansiedades. Desta
maneira, o arcabouço simbólico espírita pode ser, e, muitas vezes, é absorvido pelos
sujeitos e incorporado à tessitura narrativa de si mesmos, proporcionando além das
ferramentas que permitem a continuidade do projeto reflexivo auto-identitário, conforto e
segurança sem que os sujeitos – ao menos, as narrativas assim o demonstram - sintam-se
agredidos ou solapados da dimensão fundamental de si mesmos, qual seja, a capacidade de
reflexão e de escolhas que esta capacidade torna premente. É o que podemos perceber nos
discursos logo abaixo:
Natália: Eu acho que me tornei muito mais consciente. Eu digo que eu amadureci 500 mil vezes
mais do que se eu tivesse fora. Muito mais consciente, uma pessoa muito mais tranqüila, que eu fui
sempre muito agitada.
Então, não foi só o contato, mas o fato de eu me dedicar aos trabalhos espíritas me tornou uma
pessoa muito mais tranqüila, eu sempre fui uma pessoa muito agitada, muito impaciente, sempre
quis tudo pra ontem. E eu aprendi, uma coisa que o espiritismo me ensinou foi paciência. Que eu tô
aprendendo ainda. Eu acho que vou morrer e não vou conseguir. Mas eu tô muito melhor nesse
sentido, muito melhor, muito melhor.
Sabina: A mudança foi radical! Eu mudei a nível ... eu não ... eu não digo que eu era uma pessoa
ruim... mas a nível de sentimento, de vingança, de vaidade, de orgânico também... complexos.
Tudo isso eu aprendi na doutrina espírita, trabalhando... Eu hoje tenho facilidade de perdoar, não
- 167 -
guardo mágoa de ninguém...
Jorge: Eu sempre fui muito tímido, e... tinha muita dificuldade de... comunicar, me expressar, de
me integrar em grupos, sociedade de modo geral, família também, sempre fui assim muito
reservado, muito isolado. E isso, esse foi o primeiro motivo assim, que me trouxe pra Casa de
Oração. E... dificuldade com... trabalho nem tanto na época, mas principalmente isso: essa
dificuldade, esse medo de me expressar. Então, eu vinha mais mesmo pelos meus questionamentos,
problema espiritual, um estado de animo assim, tal. E a qualidade de vibração mudou muito,
melhorou muito. Eu ... hoje eu estou mais desinibido, depois daquele processo da minha
dificuldade, eu tô bem melhor.
É... participei assim da casa de oração muito, não apenas dos tratamentos, como também houve
muitas vivências né, houve um período que havia assim aquelas vivências que me ajudou muito
nesse processo, é... nessa questão de progredir. E não apenas isso, como também todo meu, é... a
minha atmosfera mesmo. Eu me comparo muito assim, às vezes, a meus irmãos, a algumas pessoas,
e sinto que eu estou assim em outro, não que eu esteja melhor, mas, é que eu estou num nível assim
legal né. Simples, gosto das coisas simples, mas com certa segurança.
As narrativas de Natália, Sabina e Jorge expressam justamente aquilo que Giddens
salientou: a auto-identidade não é a constituição de traços isolados ou a multiplicidade de
traços desconexos, ela pressupõe uma noção de pessoidade. Estas pessoas trazem à tona
uma consciência relativa de si mesmas na medida em que se compreendem e se auto-
analisam construindo uma biografia altamente coerente, apoiada esta, por sua vez, no
sistema simbólico da religião, em um sentido bem a Giddens, numa autoridade. O
espiritismo, dialogando, inclusive, com as características que marcam esta “autoridade”
hoje, ou seja, que ela é mais uma entre tantas, susceptível à escolha dos sujeitos, oferta um
aporte de sustentação e redefinição não simplesmente porque seu sistema abarca uma
importante dimensão transcendental à qual os sujeitos se identificam, mas porque prevê um
espaço em que eles tendo por fundamento a percepção religiosa de “livre arbítrio” - não,
obviamente, desvinculada da moralidade que orienta todo o sistema –, a escolha e suas
conseqüências – nada mais moderno – são não só centrais para a sustentação do arcabouço
cosmológico, como casam-se harmonicamente com as percepções já constituídas, onde a
escolha refletida (e às vezes nem tão refletida) sempre foi integrante das trajetórias e
biografias destes sujeitos. Sob (ou com) esta estrutura, eles pensam e “arrumam as suas
questões internas” – na verdade, não tão internas assim -, organizando narrativas em certo
sentido terapêuticas, semelhantes aos recursos psicológicos e psicanalíticos da atualidade,
que ajudam os indivíduos a conter ansiedades e situar-se frente a si, aos outros e a este
mundo sempre cambiante, mas sempre afirmando, de maneira contundente, que isto
- 168 -
depende do indivíduo e de suas escolhas, por sua vez emoldurados pelo sistema simbólico
espírita.
Os discursos dos pesquisados revelam, assim, os processos de auto-identificação
constituídos no contato freqüente com a religião em que são postos em andamento dramas e
aspirações com suas respectivas contenções ou retraduções. Estes processos desenrolam-se
gradualmente, incorporando-se às narrativas identitárias ao longo dos anos de permanência
no centro através das rotinas vivenciadas, uma vez tendo inicio a carreira moral dos
indivíduos. As rotinas institucionais possibilitam a edificação de certezas sobre as quais se
pode dar continuidade ao projeto reflexivo do eu, reelaborando-o sob a luz dos arquétipos
identitários do espiritismo. É nesta perspectiva que Natália sente-se confortável para dizer
que está mais consciente e madura – algo que, segundo ela, dificilmente teria ocorrido se
não estivesse na religião – e bem mais calma adquirindo este estado depois de ingressar na
doutrina.
Mulher negra de 28 anos e cursando mestrado, Natália possui um histórico de
doenças graves, como o sistema imunológico muito debilitado, anemia crônica,
descolamento de retina, entre outras, que se desenrola deste o nascimento e alterna-se com
os acompanhamentos médicos e internações, marcando sobremaneira a sua trajetória de
vida. Embora pertencente a uma família em que muitos dos membros se consideram
espíritas – inclusive a mãe – o seu primeiro contato religioso foi com o catolicismo por
meio de uma tradicional escola de freiras da sua cidade do interior, onde estudou durante a
infância e boa parte da adolescência. A aproximação com a doutrina espírita e o
conseqüente abandono do catolicismo aconteceram quando, aos quinze anos, surgiu uma
doença de pele diagnosticada pelos médicos como “urticária nervosa”, que lhe garantia
além dos sintomas de inchaço e coceira, idas e vindas a hospitais e internamentos de
emergência - sem, no entanto, obter uma evolução no quadro no sentido de debelar ou
conter a doença -, bem como, uma sensação de riscos e perigos freqüente para o seu próprio
eu.
Buscando tratamento na capital ela e a mãe encontram-se com um tio, que diz-lhe
ser a sua doença um caso obsessivo. Em pouco tempo, Natália ingressa num tratamento
espírita durante o qual entidades obsessoras se comunicam nas sessões através, inclusive,
de sua mãe. Alguns episódios de manifestações de espíritos se desenrolam também em sua
- 169 -
casa, sendo a situação, segundo ela, de difícil controle. Todavia, o encontro com o tio
tornou-se um marco essencial não só porque ficou curada desta doença, mas porque pôde,
apesar das enfermidades que ainda persistem, reconstruir um projeto de normalidade para si
a partir da religião, encontrando uma relativa segurança existencial enquanto contraparte
para o estado anterior incerto e atribulado. Neste sentido, à exceção da urticária nervosa, as
doenças não desapareceram modificando o seu quadro exterior, mas o seu quadro exterior
foi alterado a partir da reelaboração identitária empreendida mediante explicações e
práticas religiosas.
Muito próprio dos trajetos biográficos na modernidade, entretanto, tais
reelaborações identitárias não se caracterizam por homogeneidade e constância em seu
percurso mesmo. De fato, importa é a construção narrativa à posteriori que fornece aos
sujeitos a constância e o sentido de que necessitam para a tessitura do eu. Nesta direção
podemos compreender os percursos de Natália intercalados com estadas em centros
espíritas, quando procura desenvolver a mediunidade e se dedica muito intensamente ao
centro, e afastamentos, como ocorreu na COBEM, de onde ficou longe por algum tempo
devido ao trabalho e aos estudos, retornando às suas atividades na instituição há uns três
anos e meio. Com exceção do tratamento inicial que marcou o seu ingresso no espiritismo,
Natália afirma não ter feito mais nenhuma terapia religiosa voltada estritamente para
qualquer outra enfermidade. Contudo, atribui a melhora do seu quadro geral de saúde à
permanência na religião, e, com o discurso cosmológico já incorporado, faz uma avaliação
do seu quadro geral:
Também o meu sistema imunológico funciona bem devagar, bem
lento. Eu passei um bom tempo tomando vacina pra melhorar o
sistema imunológico, mas depois eu... eu deixei pra lá e fui
melhorando naturalmente. Eu atribuo diretamente ao espiritismo,
porque na medida em que eu fui aumentando as minhas
atividades no centro espírita, que eu fui trabalhando mais
intensamente em alguns trabalhos isso foi melhorando
consideravelmente! E eu tive essa informação quando eu era
adolescente em uma casa espírita, que à medida que eu fosse
desenvolvendo a minha mediunidade essas coisas iam diminuído,
e diminuíram mesmo! Mesmo, mesmo. (...) Porque não se cura
uma obsessão de um dia pro outro. Então, eu passei anos e anos e
anos pra me curar de uma obsessão. Porque, na verdade, a
mediunidade descontrolada ela descontrola os chácras, ela
descontrola os centros nervosos, toda a energia do organismo, ela
- 170 -
fica mexida. Então, à medida que eu fui organizando,
desmexendo, digamos assim, essas energias, fui botando as coisas
no lugar, o próprio organismo, ele foi se ajeitando.
Nas narrativas de Natália tornam-se bem claros, para ela, os marcos de sua trajetória
que delimitam o “antes” de alguém em desequilíbrio seja pelo seu jeito de ser, seja pelo
quadro grave de doenças que apresentava - e ainda apresenta – e o “depois”, as
modificações que vê paulatinamente operarem em sua saúde e em si através dos diversos
papéis e atividades já desempenhadas no centro, embora, inicialmente aos olhos dos outros
- sobretudo alguns parentes – e, até hoje na opinião de um irmão, que é Testemunha de
Jeová e divide um apartamento com ela em Salvador, esta segunda fase de sua vida não
tenha parecido tão salutar, já que:
... Meu irmão diz que eu tô na macumba. Quando eu começo o
evangelho no lar ele faz o maior carnaval dentro de casa.
As outras pessoas da minha casa ninguém nunca... No início foi
difícil pra todo mundo entender, porque quando eu comecei a me
dedicar aos trabalhos realmente eu me transformei 180. Então,
teve gente na minha casa que disse que eu tava fanática, que eu ia
todo dia, que eu tava absorvendo demais aquilo, que eu não tava
vivendo, e mais um bando de coisa. Porque eu sempre tive uma
vida muito agitada, vida de barzinho, de boate, noite, de um monte
de coisa.
E naturalmente essas coisas foram, não é porque alguém disse que
eu tinha que parar, mas naturalmente essas coisas foram perdendo
o sentido pra mim. Pra mim não tem mais sentido estar num lugar
com muita gente. Primeiro, porque lugar com muita gente me dá
falta de ar, porque parece que eu ampliei meu campo de visão, se
tiver vinte eu vejo cinqüenta, então já começa a me dar agonia. E
aí eu fui reduzindo, e hoje em dia eu tenho uma vida muito mais
tranqüila, muito mais “regrada” por conta do espiritismo.
Apesar desses percalços Natália consegue uma identificação com a religião
mediante a qual enxerga-se com qualidades cultivadas a partir da doutrina, construindo uma
narrativa e um senso de si a nível cognitivo e também corporal tão vigorosos justamente
por terem sido tecidos no universo religioso, que lhe capacitam a lidar com situações
anteriormente muito difíceis; e, agora, muito mais sobre controle já que pode explicá-las e
justifica-las coerentemente de forma tal a não mais sentir-se subjugada ou inferiorizada.
Muito ao contrário, até o fato de sua condição orgânica frágil é visto enquanto
- 171 -
conseqüências de suas escolhas – em outras vidas, naturalmente - e necessárias para a
avaliação de quem é e do que pode fazer, inclusive, para reverter as situações anteriormente
vivenciadas. Os recursos espíritas servem-lhe de suporte sem, contudo, subtrair-lhe o solo
de sua individualidade; dando-lhe simultaneamente responsabilidades e certezas espirituais
onde possa repousá-las, imprimindo em seu projeto narrativo do eu de um antes de crises,
agitações e atribulações, e um depois de tranqüilidade, equilíbrio e, o mais importante,
segurança ontológica, demonstrando alterações de identidade que se lhe apresentam
positivas e satisfatórias para dar continuidade as suas reelaborações, sejam elas
consideradas em relação a si mesmo, aos outros ou ao mundo.
É o que acontece também com Jorge e Sabina. Ele, um homem branco de 53 anos,
pai de três filhas, arquiteto de formação e programador visual por profissão. Ela, branca,
casada, formada em Direito e assessora em uma secretaria de um dos municípios do Estado.
Com uma infância marcada por cenas de um pai alcoólatra e uma mãe que participava de
várias religiões, Sabina inicialmente católica, abandona esta religião aos doze anos de
idade, mas - diferente de Natália em relação ao tempo que separa a imersão em uma
religião e abandono da outra e muito semelhante em relação ao motivo pelo qual aderem à
doutrina que hoje professam - só encontra o espiritismo na fase adulta, passando a
freqüentar a COBEM há dezesseis anos, quando vai ao centro pela primeira vez a convite
de uma colega de trabalho, que a levou para fazer uma entrevista por causa das constantes
crises de estômago de que era acometida na época. Com uma trajetória de doenças e
fragilidades Sabina mescla o espiritismo com terapias freudianas e corporais que ajudam a
melhorar o seu estado psicológico de introspecção e complexos. De novo, uma situação
inicial de crise, de rupturas, que leva os sujeitos a reordenarem significados, buscando em
sistema(s) simbólico(s) a restauração da confiança básica e do casulo protetor
possivelmente afetados pelas situações de crises vivenciadas.
O mesmo se dá com Jorge, que depois de passar pela secho-no-iê na adolescência
fazendo companhia a sua mãe, e, permanecer durante três anos em um centro “misto
composto por elementos espíritas, mas fortemente credenciado por práticas umbandistas
como a utilização de tambores, danças e banhos de folhas, chega à COBEM em 1976 por
causa de uma irmã que estava com uma doença grave, vindo a falecer mais tarde, enquanto
- 172 -
Jorge não mais se afastaria do centro. Assolado por um estado profundo de timidez, nas
falas do nosso entrevistado fica patente como a religião o auxilia a mudar de postura:
Logo quando eu ingressei na Casa de Oração eu me lembro que eu
fiz um tratamento com Irmã Elizabete, eu fiz tratamento com...
Irmão Natividade, passe com Irmão Natividade. Eu me lembro
que uma vez eu vim na entrevista e coloquei essa situação né, a
dificuldade mesmo. Eu imaginava que era coisa mais obsessiva
né, mas agora eu sei que era coisa minha mesmo que eu não, que
eu não conseguia, é... superar.
Ele é o responsável. O auxilio da instituição e a rotina implementada por Jorge no
contexto o ajudam a enxergar este dado inelutável na modernidade. A partir da
transcendência que expõe, dos arquétipos que constrói, da identidade social que, enfim, a
doutrina oferece, o arquiteto procura acomodar-se a fim de resolver ou minimizar o que se
imagina estar fora. E este fora pode ser qualquer coisa: doenças, relação com outros, visão
de mundo... Através das normas e valores espíritas os entrevistados parecem conter suas
ansiedades e até processos de engolfamento, buscando ou perceber-se com novos olhos, na
medida em que manipulam o sistema simbólico, ou uma normalidade em suas vidas
abalada por momentos de ruptura e crise. Normalidade esta forjada lentamente nas rotinas
institucionais que obtêm um alto nível de sucesso primeiro porque extrapolam os muros da
instituição compondo as rotinas diárias e o fazer-se dos sujeitos de maneira mais ampla e
profunda, tornando-se uma linguagem cognitiva e corporal formadora do self; segundo,
porque tudo isto: inicio na carreira religiosa espírita, transformações identificadas e
resultados narrados são percebidos pelos indivíduos (reforçado pela religião) enquanto fruto
de suas escolhas, nos casos de Natália, Jorge e Sabina, um tanto quanto constrangidas, é
bem verdade, pelas situações que vivenciavam no momento da escolha; no caso de um
outro entrevistado, o João Pedro, pelo que conta, não tão constrangido assim:
...Quando eu fui pro espiritismo, graças a Deus, eu fui com
minhas pernas, eu fui andando. Eu tinha terminado o curso
cientifico, tava naquela estudando pra vestibular e tal e na época
eu morava em Periperi. E tinha um grupo que passava todo dia de
quarta feira à noite. Um dia eu fui atrás desse grupo. Eu digo:
pôxa, pra onde esse pessoal vai nesse mesmo horário toda quarta
feira? E aí fui. Quando eu cheguei, eles freqüentavam a casa de
um senhor, e estava aquela radiola de pé, grandona, com um disco
- 173 -
tocando a prece de São Francisco de Assis. Eu fiquei ouvindo
assim, aí chegou um senhor, ele fez: Entre! Eu tô até hoje.
Os momentos de iniciar a trajetória no espiritismo podem ser muito diversos, as
formas e os motivos pelos quais a trajetória teve início também, isto é, semelhantes entre
uns, diferentes com outros. Porém, o que parece constante não só nas narrativas acima
evidenciadas, mas nas de todo o grupo pesquisado é uma transformação que os adeptos
registram em seu modo de ver a vida, os outros e, principalmente, a si mesmos, tendo em
vista que todos registram de alguma maneira uma mudança interna
72
. Pelos parâmetros da
doutrina estas respostas dizem respeito a uma reforma íntima, a uma auto descoberta em
que os entrevistados passaram por um processo de conscientização de si, examinando suas
qualidades e seus defeitos.
Mesmo considerando-se a idealização presente nas respostas, todas revelam
dimensões centrais do ethos espírita ou pelo menos uma tentativa de ajustar-se a ele. Assim
é que por meio desta reforma interior à luz da doutrina, as respostas apontam para uma
transformação de traços marcantes da personalidade dos entrevistados, tornando-os mais
calmos, equilibrados, tolerantes e indulgentes, influenciando, por conseguinte, na sua
relação com outros. Esta mudança se torna possível porque a religião lhes possibilita um
determinado tipo de compreensão existencial, ou seja, lhes fornece respostas ao por que
estão aqui neste mundo; bem como, explicações para sua transitoriedade e para a posição
que ocupam através de uma noção de sofrimento de que por mais penoso que seja, ele é
sempre passageiro, e de que tem um fundamento no próprio indivíduo. Portanto, é da
responsabilidade deste indivíduo tanto a diminuição quanto o prolongamento do seu
sofrimento. Isto tendo em mente não apenas esta existência, mas as outras tantas pelas quais
já passou, e que necessariamente lhe compromete na atual positiva ou negativamente.
É a partir desta reflexão e, mais que isto, da aceitação e incorporação da explicação
espírita, que as pessoas procuram então imprimir uma nova dinâmica comportamental
frente ao mundo e a outros. Não é a toa que algumas das respostas de mudança interior vêm
acompanhadas de “melhora de relacionamento com familiares”. Talvez seja por isso
também que ao se perguntar sobre a existência de discussões na família por causa do
espiritismo, apenas quatro disseram já ter tido divergências de opiniões religiosas
72
Tabelas 4.2.19 e 4.2.20 em anexo.
- 174 -
diferentes, enquanto outros quatro o motivo de discussões se deveu aos entrevistados
passarem muito tempo na instituição
73
.
As mudanças podem ser notadas também a partir de algumas práticas extra centro
adotas pelos entrevistados, levando-se em consideração, contudo, que alguns destes dados
revelam uma bi-dimensionalidade interessante, pois tanto abarca a proposta da religião,
quanto estão mais de acordo com certos hábitos de uma classe média. Um deles pode ser o
alto nível de leitura dos participantes que, sendo uma característica histórica do espiritismo
reforça um hábito cuja maioria dos entrevistados diz ter adquirido antes do ingresso na
religião
74
. Outros se referem à mudança de hábitos alimentares com a ingestão de alimentos
mais leves por causa das reuniões onde são manipuladas muitas energias. Algumas outras
transformações apontadas na direção de uma formação do ethos espírita dizem respeito a
uma diminuição ou mesmo abandono de determinadas práticas de lazer, à exemplo de
festas, bebidas, barzinhos, etc. E em outros percebe-se até a mudança de rotinas
relacionadas ao trabalho remunerado com o intuito de não prejudicar as atividades no
centro espírita
75
.
A partir das nuanças percebidas nos discursos acerca de concepções e práticas
adquiridas após a adesão ao espiritismo podemos discernir direções importantes em que o
religioso atua sobre o cotidiano destas pessoas. É o caso, por exemplo, de Joyce, ao relatar
um fato, a princípio, aparentemente corriqueiro ocorrido em seu cotidiano:
...Eu acho que é um ganho que o cooperador espírita, ele está em
um eterno tratamento. Porque qualquer deslize, quando se é
médium principalmente, vem logo um efeito. O que o outro não
nota, que no outro passa despercebido, em você, trabalhador,
sempre vai trazer uma conseqüência imediata que lhe mostre que
você não usou bem. É a sinalização imediata. Então, você está
sendo sempre aprumado, você é obrigado a se corrigir.
Quer um exemplo? Semana passada eu estava fazendo o mercado,
e encontrei uma pessoa que eu não via há 30 anos. E essa pessoa
me prejudicou muito, me fez muito mal, emotivamente falando,
afetivamente. Foi uma pessoa perniciosa pra mim. E ela estava tão
decaída, e eu sentia alegria por aquela decadência. Cheguei em
casa, comentei com os meninos: Olha, eu vi fulano de tal e senti
73
Tabelas 4.2.26 e 4.2.27 em anexo.
74
Ver tabelas 4.2.32 e 4.2.33.
75
Tabelas 4.2.29 e 4.2.30.
- 175 -
alegria de vê-lo tão derrubado e eu ainda tão inteirona <R>. Olha
que inferioridade!
Meu filho disse: mas, minha mãe que espírita é essa? Eu digo:
com muito orgulho. Tá vendo? Olhe aí: me fez o mal! Fez e
aconteceu e agora tá daquele jeito.
Isso foi o bastante pra eu sintonizar com uma entidade que me deu
uma descarga cardíaca e eu tive que ser praticamente internada,
como se fosse um infarto. A energia negativa voltou-se toda para
o meu coração. Baixei clinica, fez-se todos os exames, não achou
nada. Esse mal estar foi na quarta-feira, que eu já acordei
passando mal. O mercado foi na terça-feira, quinta-feira fui fazer
o exame, não dava nada! Sexta-feira eu fui pra Casa de Oração,
pra desobsessão. Passando mal, a pressão estava lá em cima. Os
médicos me mandaram ficar em repouso absoluto. E aí vim,
dirigindo mal, meio zonza. Quando eu cheguei, eu falei logo pra
minha dirigente: Olha, eu não estou bem. Não sei se é meu ou se é
de alguma entidade. Eu acho que é de alguma entidade. Quando
começou a reunião mesmo eu sentir como se tivesse tirando o meu
couro! Aí um médium da reunião disse: Estão descolando alguém
de Joyce. Mas eu senti mesmo como se estivessem tirando a
minha pele.
Quer dizer, quando eu baixei a vibração, fui pra revolta, fui pra
vingança, fui pra satisfação da infelicidade alheia, que são
sentimentos maus sãos, que não deveriam estar mais num médium
que trabalha há 30 anos, uma entidade do mesmo teor vingativa
para mim, que não gosta de mim, eu entrei no nível dela, na faixa
dela, ela colou! Se eu não compreendo, pela minha ignorância,
pela minha inferioridade, porque o Evangelho tanto ensina que a
vingança não é só você matar o outro ou falar mal do outro, é
sentir satisfação com a infelicidade alheia. E isso um cristão não
pode ter mais.
Me reciclei, fiz as pazes com essa criatura, mas o coração ainda
não tá 100% não. Tá de vez em quando me avisando, tá com
arritmia, coisas que eu já não tinha. Ainda, resultado: eu tô em
tratamento. Mas a gente vai aprendendo a pelo menos se sentir
não verbalizar. Se verbalizar não escrever. Se escrever não repetir.
Tem uma seqüência que a gente aprende como médium.
Após trinta anos de exercício da mediunidade e de convívio com a religião, na
narrativa de Joyce é patente o preço pago pela invigilância cometida ou, como diz ela, por
alimentar “pensamentos maus sãos”. Mais ainda, é flagrante a visão de mundo promovida
pelo espiritismo para significar os eventos do cotidiano, nem que seja para justificar a
posteriori, como faz a médium, a “falta” cometida. As vivências institucionais transpostas
para o dia-a-dia dos adeptos promovem aquilo que já discuti em outro momento
76
: a
76
Na minha monografia de conclusão do Bacharelado
- 176 -
vigilância incutida gradualmente através da cosmologia e práticas, tendo por sustentação a
moralidade, chega a seu ponto ótimo quando é internalizada pelos sujeitos. A “vigilância” e
a “disciplina” institucionais tornam-se a autovigilância e a autodisciplina. A consciência
religiosa harmoniza-se com a consciência do adepto. (Silva, 2002). Quando isto acontece, o
ethos espírita realiza-se no próprio eu, compondo a reflexão identitária que os sujeitos têm
de si.
Presenciamos, assim, de um lado, a forte influência dos significados religiosos
forjados no contexto coletivo do centro, esbaldando para o cotidiano, invadindo a vida dos
adeptos, direcionando-os para uma determinada conduta tida como a mais apropriada pela
doutrina; e, como a completar um ciclo, retornando ao convívio do centro por meio de seus
rituais experienciados cognitiva e corporalmente; reforçando os discursos, reafirmando as
certezas a cada encontro semanal mantido pelos participantes. De outro, vemos que a
religião também é tocada pelos hábitos e gostos que os indivíduos adquiriram através de
suas biografias que inevitavelmente são chamados a compor as vivências religiosas.
Um fato preponderante que imprime uma marca distintiva aos espíritas é o de
salientar a todo o momento que a evolução moral e espiritual do indivíduo necessariamente
só poderá ser atingida em atenção à alteridade, isto é, uma transformação e aprimoramento
do eu estará sempre condicionado ao outro. Tornar-se um ser melhor significa ajudar que o
outro também o seja, pensar mais no outro, preocupar-se com ele. Isto parece concretizar-se
nas tarefas institucionais rotinizadas, como a distribuição de farnéis, os serviços que a
instituição presta aos que a procuram, os trabalhos assistenciais desenvolvidos com o grupo
de velhinhos que participam do centro, na creche que atende a comunidade carente ou
mesmo em visitas a outras instituições de caridade. Entretanto, os rituais que envolvem o
transe e o monitoramento do corpo direcionado ao contato entre os dois mundos (o visível e
o invisível), onde se explicita de forma contundente a transcendência e torna-se certeza
todo o discurso cosmológico, talvez sejam os momentos pelos quais se concretize de
maneira mais profunda a atenção ao outro (encarnado e desencarnado) e uma reelaboração
identitária. O projeto do eu ganha vida e cores quando pode ser trabalhado e sentido nesta
dimensão que não é apenas cognitiva ou discursiva, mas também narrada em um nível mais
fundamental onde corpo, sensações e percepções engajam-se neste projeto, nutrindo ainda
- 177 -
com mais força os discursos e o cotidiano dos envolvidos. É nesta experiência, então, que
iremos nos deter.
4.3. Eu, corpo e contexto juntos na experiência de transformação:
Toda a cosmologia espírita assim como os diversos espaços e momentos vividos
pelos participantes no centro fundamentam constantemente suas redefinições
comportamentais e de pensamento acerca de si próprio, dos outros e da vida. Neste sentido,
a grande oferta editorial, os encontros e jornadas promovidos pelas federações e a trajetória
que os indivíduos percorrem ao interior de uma instituição espírita, freqüentando algumas
de suas atividades, a exemplo das doutrinárias, sessão de passes, de tratamentos, reuniões
de estudo e desenvolvimento e atividades assistenciais são essenciais para a conformação
deste novo eu proposto pela religião, inculcando novos sentidos que passam, em alguma
medida, a orientar os sujeitos no mundo. No entanto, apesar da integração de todas estas
instâncias, sem dúvida relevantes, os rituais que envolvem diretamente a mediunidade e o
manejo corporal se destacam por serem uma experiência intensa e multivocal; elas
constituem-se no espaço por excelência onde múltiplas vozes, jeitos e tons se exteriorizam,
se cruzam e se comunicam contribuindo para a conformação de um “palco colorido”, onde
símbolos, emoções e sons se confundem nestes momentos extra cotidianos em que o
“sagrado” e a transcendência são a tônica, afirmando vigorosamente as certezas professadas
pela cosmologia, em um espaço no qual mais do que serem ditas, elas são sentidas.
Autores como Geertz (1978), Turner (1974) e Kapferer (1979) já enfatizaram a
importância expressiva e transformativa do ritual – um contexto impregnado de emoção no
qual não apenas são expressos aspectos socioculturais e subjetivos, mas que se constitui no
meio pelo qual outras formas de percepção e posicionamento no mundo tornam-se
possíveis.
Geertz (1978) trabalha esta idéia ao estudar a briga de galos balinesa. Este autor
propõe uma hermenêutica cultural, na medida em que, para ele, entender a cultura de um
povo é lê-la como um texto; é compreender no próprio contexto em que ela é elaborada a
leitura que seus participantes fazem dela, onde um fato ou um rito está sempre remetido a
outros fatos mais amplos da cultura. Assim, a briga de galos, diz Geertz, “é interpretativa: é
- 178 -
uma leitura balinesa da experiência balinesa, uma estória sobre eles que eles contam a si
mesmos.” (p. 316). Na rinha, os balineses vêem a si mesmos, e naquele espaço extra
cotidiano a experiência cotidiana torna-se compreensível. A briga de galos proporciona ao
balinês uma educação sentimental em que a subjetividade e sociabilidade são não só
apreendidas mas também forjadas cognitiva e emocionalmente.
Um dos autores que mais têm salientado a importância do ritual enquanto o contexto
onde se operam transformações é Turner (1969; 1974). No ritual, objetos do cotidiano são
isolados, recombinados, focalizados em determinadas unidades simbólicas, enfim,
resignificados. Os símbolos são envolvidos por uma experiência de vida em que estímulos
cognitivos e sensoriais evidenciam-se. Como diz ele a respeito dos rituais ndembo:
...Os símbolos e suas relações não são somente um conjunto de
classificações cognoscitivas para estabelecer a ordem no universo
ndembo. São também, e talvez de modo igualmente importante, um
conjunto de dispositivos evocadores para despertar, canalizar e domesticar
emoções poderosas tais como ódio, temor, afeição e tristeza. Estão
também imbuídos de motivação e têm aspecto ‘volutivo’. (p. 60).
Para ele, a compreensão dos efeitos transformativos dos ritos deve ser buscada na
própria performance, e, mais importante, no estudo do ritual é preciso também resgatar a
perspectiva dos atores. À semelhança de Geertz, Turner argumenta que a análise da
performance ritual não deve ser restrita a ela mesma, mas se estender às relações que são
constituídas entre ela e os contextos social e político do qual faz parte. Este é um dos
aspectos que evidencia, por exemplo, com suas análises dos momentos transformativos dos
ritos de passagem e do surgimento da “communitas” em tais momentos, identificando entre
eles e a estrutura social mais ampla uma dialética sem a qual, diz, uma sociedade não
poderia funcionar.
Influenciado por Turner, Kapferer (1979) retoma a temática da performance
procurando entender como de fato ocorrem os efeitos transformativos naqueles que
participam dos rituais. Conforme argumenta, são os contextos de interação desenvolvidos
no ritual onde ação e símbolos são continuamente ordenados e reordenados compondo
outras matrizes de significado, que propiciam transformações nas experiências e
identidades dos participantes. Segundo ele, o ritual movimenta seus membros, organiza
- 179 -
suas emoções e experiências e concomitantemente evidencia e questiona elementos da vida
social que não são ordinariamente questionados. Portanto, é da performance que o ritual
extrai sua eficácia e poder, produzindo cura ou melhora na medida em que possibilita ao
paciente e aos membros uma outra perspectiva de percepção da aflição. Neste sentido, é
imprescindível atentar para os elementos e para os meios pelos quais a performance se
realiza. Dois aspectos importantes contribuem para o papel transformativo do ritual:
1) O arranjo do espaço e a organização da audiência e participantes. Durante a
performance os indivíduos podem trocar de papéis nos quais ora são ativos na trama
encenada, envolvidos por ela, sendo canalizadores e transmissores de sentimentos, emoções
e sensações; ora, envolvem-se menos com a cena, podendo refletir sobre a sua mensagem.
Sob esta acepção, delineiam-se dois planos de experiência do ritual, o experiencial e o
reflexivo, que podem estar separados por momentos distintos;
2) A música, dança, drama, diálogo, discurso formal, etc., se constituem nos meios
pelos quais são expressos os símbolos e a ação. Estes meios contribuem para a construção
de novos cenários e influenciam os indivíduos a agirem em função deles. Através dos
meios as idéias, significado e ação podem continuamente ser refeitos.
Tanto a organização e reorganização do espaço, dos participantes e da audiência,
quanto a combinação e alternância dos meios que compõem o ritual fornecem marcos que
delimitam a ação constituindo enquadres (frames) segundo a acepção de Goffman. Os
enquadres são esquemas interpretativos que fornecem aos participantes pistas de como
devem se comportar, possibilitam as diversas formas possíveis de engajamento no cenário
performático e, consequentemente, os sentidos que delas são gerados. Produzindo uma
sucessão de enquadres através do acionamento e combinação de diferentes meios, os rituais
recontextualizam a experiência de aflição, oferecendo novos marcos a partir dos quais essa
deve ser interpretada. Eles abrem assim novas perspectivas para o entendimento e
enfrentamento cotidiano da doença.
Sendo o estudo e a caridade postulados do Espiritismo, os enquadres interacionais
desenvolvidos nas várias atividades do centro (doutrinárias, desobsessão, mediúnicas, etc.)
estão pautados essencialmente na idéia de que todos devem ajudar e estudar. Assim, além
das práticas assistenciais que são comumente realizadas, a reflexibilidade, o discurso,
- 180 -
estudo de textos e as práticas de aconselhamento e convencimento reforçam um modelo
pedagógico (cristão) onde existem os que educam e os que aprendem - embora estas
posições não sejam fixas. Em se tratando especificamente das mediúnicas, os enquadres
oferecidos através dos quais seus participantes se orientam e vivenciam de maneira
diferenciada suas experiências também aproximam-se ou sugerem uma semelhança com
um modelo de atendimento médico ou psicológico.
Dessa maneira, podemos dizer que a performance mediúnica, salvo algumas
exceções, é composta por dois grandes enquadres. O primeiro deles de proeminência
pedagógica em que os participantes discutem mensagens espíritas e interpretam
experiências cotidianas a luz da doutrina tendo por referência a leitura de algum livro que
esteja sendo estudado pelo grupo. Após este primeiro momento a porta é fechada não sendo
mais permitida a entrada de ninguém; uma prece é proferida por algum participante
indicado pelo dirigente ou então pelo próprio a fim de marcar o início da segunda parte dos
trabalhos. Assim, este enquadre traduz uma dimensão mais reflexiva da reunião, embora
não só.
Não obstante este momento se caracterizar por uma dimensão reflexiva as respostas
pessoais ao cenário não são unívocas e as “vivências corporais” (muito intensas no segundo
momento) não se fazem ausentes. É comum as pessoas se encontrarem absortas naquele
cenário marcado por serenidade, concentração e parcial silêncio. A música baixa e tranqüila
contribui para compor o ambiente ameno durante todo este período. Assim, os médiuns não
respondem todos da mesma maneira a esta ambiência que lhes solicita. Alguns se mostram
num estado de quase letargia, mais envolvidos pela música e pelo clima; outros, tranqüilos,
parecem estar mais interessados nas palavras que são ditas, bebendo-as, engajando-se de
maneira mais efetiva nos discursos; e outros, embora com algum grau de atenção,
aparentam estar mais distantes que os anteriores. Na verdade, o cenário do enquadre
possibilita mais do que a interpretação de enunciados.
Neste sentido, podemos conjecturar que já aqui os presentes são audiência mas
também participantes imersos no contexto de serenidade que sua postura tranqüila ajuda a
construir, conferindo sentido às palavras, à música, às energias do ambiente que se
mesclam com eles próprios. Um sentido nem sempre passível de verbalização, mas
- 181 -
fundamentalmente experienciado, uma vez que sensação, percepção e reflexão estão muito
mais integrados do que distanciados. A metamensagem do enquadre fornece os marcos e
orienta a interpretação e conduta dos atores possibilitando o engajamento e as respostas de
maneiras e graus um tanto quanto diferenciados; envoltos no tênue véu da serenidade ou no
avivar das palavras que chegam a todos fornecendo um fundo comum, o sentir e o refletir
se constituem em experiências ao mesmo tempo compartilhadas e singulares que
dificilmente são traduzíveis.
O segundo enquadre além da orientação pedagógica comporta também uma espécie
de atendimento médico ou psicológico. Desenvolvido durante mais ou menos uma hora,
compreende a comunicação com espíritos desencarnados e os diálogos que se estabelecem
entre o doutrinador e o médium manifestado. Esta parte da mediúnica inicia-se calma, com
uma ou outra voz a sobressair-se por entre os médiuns sentados em volta da mesa,
solicitando implicitamente a presença do doutrinador, que coloca-se sem muita demora
próximo ao médium que irá iniciar a comunicação. A calma que apresenta-se no início
dando a impressão que este momento será uma continuidade do anterior é, no entanto,
apenas aparente. Sem demora, neste novo enquadre narrativas e expressões são percebidas
de todos os espaços. Dinâmica e pluralidade de sons e jeitos compõem a performance e
preenchem o ambiente antes acentuadamente sereno.
Embora não passe despercebido que durante o transcorrer dos enquadres emergem
elementos paralinguísticos como gestos e expressões corporais, as narrativas são a
dimensão privilegiada neste tipo de abordagem. Conforme Rabelo (1994; 1998), elas são
importantes para o desenrolar do ritual primeiro, porque uma história ao ser contada já
guarda em si a possibilidade de um fim esperado (embora, isto nem sempre ocorra). Assim,
no caso dos espíritos sofredores, ao serem atendidos pelos doutrinadores a expectativa é de
que sejam socorridos e evangelizados, ficando a partir de então, sob a tutela dos espíritos
benfazejos. Segundo, em se tratando da transformação dos sujeitos, as narrativas forjadas
no ritual descortinam caminhos novos mediante os quais concepções e anseios podem ser
redefinidos, pois no que tange as reelaborações identitárias as narrativas são sempre
abertura, são sempre o vislumbrar de novos caminhos passiveis de serem explorados pelo
eu.
- 182 -
Entretanto, compreender devidamente o desenrolar da mediúnica e da própria
transformação identitária que ganha força nestes rituais implica em atentar para uma outra
dimensão extremamente importante, que é a corporalidade. Sob esta acepção, importa
apreender o corpo numa dimensão que está presente e perpassa todo o ritual, que é a da
experiência vivida, isto é, compreender o corpo enquanto fundamento mesmo da nossa
inserção prática no mundo. Nesse sentido, a abordagem privilegiada pelo enquadre de que
uma vez internalizados os esquemas interpretativos ou os novos significados a partir das
narrativas, a ação pode ser reorientada prioriza uma esfera apenas reflexiva, e não dá conta
da experiência vivida corporalmente. (Ibid). Desta forma, não se pode simplesmente
“fechar os olhos” para o domínio corporal e, no mesmo movimento, equalizar narrativas e
identidades. O desenrolar processual destas últimas é relacional e, portanto, imerso nas
interações que se dão entre eu, outro e mundo. Compreender os processos identitários
nestes termos é perceber, antes de tudo, que os sujeitos são encarnados. Esta é a
característica primeira em que se assenta qualquer processo de reconhecimento ou não
reconhecimento.
Neste sentido, abordar o corpo enquanto central para a experiência implica em não
entendê-lo no domínio de sistemas de representações ou numa esfera meramente reflexiva
dos sujeitos. Ou seja, é não conceber o corpo primeiro enquanto organismo biológico,
objetivado ou como entidade pré-cultural, em que num segundo momento se trataria de por
em contato com o universo da cultura, atribuindo-lhe representações. Agir assim é ainda
operar em um plano de dicotomias como as de objetividade/subjetividade,
indivíduo/sociedade, mente/corpo. Portanto, anterior a qualquer dicotomia operada pela
reflexão em que o corpo aparece como objeto, ele, por já se encontrar inserido no mundo da
prática e da ação, é o fundamento mesmo da nossa experiência mundana, onde corpo e
mente são um só. Na imersão prática da vida eu não vivo situações e experiencio sensações
para, uma vez internalizadas, refletir sobre elas e só depois então agir. O ver, ouvir, sentir,
tocar não se fazem desprovidos de sentido, pois o corpo no momento mesmo em que sente
e percebe, significa. Ele se constitui, assim, em um locus da compreensão.
E isto é possível porque nesta cumplicidade ontológica entre mundo e corpo, em que
o primeiro está sempre ligado ao segundo ou, visto de outra maneira – o que dá no mesmo -
, este está sempre lançando-se àquele, situações vivenciadas, outros e eu encontramo-nos de
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algum modo imbricados, confluindo no corpo, onde várias dimensões da vida são
experienciadas. Na vida cotidiana, mergulhada no mundo de sentido e ação eu não tenho
um corpo, antes, sou o meu corpo, que, dotado de subjetividade e engajado de forma prática
no mundo possibilita que eu me reconheça enquanto eu justamente porque estou com
outros, objetos e situações compartilhando significados. A minha inserção prática no
mundo é também, assim, uma relação fundante entre situação e outros que é, antes de mais
nada, original e anterior à reflexão.
Assim, a imersão no universo religioso conduz a determinadas formas corporais de
atentar para as situações que são adquiridas e gradualmente desenvolvidas na interação com
outros. O campo uno dos sentidos nos engaja sensorialmente nas situações proporcionando
uma compreensão corporificada justamente porque o corpo não é pré-concebido ou anterior
à cultura, antes, faz e refaz-se continuamente nela. Possibilidade ontológica, o corpo, ao
tempo que nos individualiza incessantemente nos lança no mundo da cultura, da historia e
das sensações. É nesta perspectiva que Rabelo & Alves (2000, 2001) compreendem o
“corpo vivido” ou “consciência encarnada”:
Quando, recuperamos a noção de corpo vivido, a referência ao outro deixa
de ser contingente: vem à tona enquanto constitutiva mesma do ser-no-
mundo. Minha existência encarnada se tece sob o horizonte da existência
do outro; meus gestos retomam e respondem ao outro, nos gestos
descubro minhas intenções. Através dos nossos corpos, nossas ações se
entrecruzam, se referem mutuamente e por vezes adquirem uma fluência
ou um ritmo concertado que nos configura enquanto um nós, sujeito
coletivo de práticas e discursos. Habitamos um mundo comum e é dessa
sociabilidade primária que posso surgir enquanto sujeito e que, por vezes,
o outro, surge enquanto objeto ou me faz surgir nessa mesma condição.
(Rabelo & Alves, 2001; p. 08)
O contexto religioso e mais fortemente a mediúnica e o transe talvez sejam o
desnudar mais pleno desta condição primeira, co-originalidade que embora sempre presente
na vida permanece como pano de fundo, assoalho de toda e qualquer possibilidade que dela
deriva, mas que no ritual torna-se transparente e enriquece o campo de possibilidades de
vivência e de sentido onde há uma referencialidade simultânea ao eu e ao outro. Algumas
das narrativas dos entrevistados resgatam parcialmente estas experiências em que o self e o
outro se engajam mutuamente através das sensações, emoções e percepções compartilhadas
através do corpo agora explicitamente estendido.
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Ludmila: Outros sentem frio nos pés, nas mãos, né. N sensações. Eu já senti muito. À medida que
você, o seu corpo, você vai sentindo, você vai captando as sensações do espírito, que não tá ali
grudado no seu corpo, mas tá ali, aí você esquece que você é você. Aí já entra todo o trabalho de
caridade e de amor ao próximo, que aquilo não é seu. Pôxa, eu me lembro uma vez de um... me
marcou muito, foi um parto. Ela e o filho desencarnaram. Ela chegou a dar a luz, mas... eles
desencarnaram. E ela ainda com uma respiração ofegante, difícil. E o meu corpo, eu me via! É uma
coisa interessantíssima! Você pensa que é coisa de filme. Quem não tem noção acha que é
maluquice, que é coisa do demônio, como eles dizem, né. Mas não. Roupinha de chita, de florzinha
assim, sabe? Deitada numa casa de taipa, entendeu? Nunca! Como num segundo você vai ver uma
cena dessas?! Por mais que você queira! Não ver! E ela dava a luz a uma criança. Eu sentia todas as
dores! Todas as dores. E eu nunca pari na minha vida!
Sabina: Há comunicações que são um terror, sabe? O coração acelera, o estômago gira, gira, gira,
gira, você sente um mal estar terrível! Isto acontece quando tenho aquelas comunicações daqueles
espíritos que estão mesmo endurecidos, você sente tudo isso no seu corpo, que ele vem com uma
carga de energia muito grande, então você sente. E mesmo antes da reunião, você já começa a
sentir. Têm dias que quando eu me sento à mesa, mesmo antes de fazer a prece, da coordenadora
dizer assim: ‘O que você tiver sentindo agora não é mais seu’, eu já tô sentindo tudo já desde cedo.
Amanda: Eu vivi uma experiência onde eu estava... eu me via, comecei a me ver em um lugar
escuro que parecia tinha acontecido um acidente nesse lugar. E quando eu vi, eu estava em frente a
um carro todo estraçalhado e lá um homem todo ensangüentado. Eu tentei abrir o olho, mas foi uma
coisa muito forte, geralmente é uma coisa muito forte, mas aí já tinha alguém sentado ao meu lado,
e eu comecei a ouvir aquela pessoa. Eu passei a falar que eu estava num lugar assim e assim... e está
acontecendo isso, isso e isso... Então, foi quando eu vi aquela pessoa ali toda machucada. Me deu
um pânico! Me deu um pânico, que eu comecei a chorar e disse que não ia conseguir não, junto
àquela pessoa. Aí ela falou assim: ‘Se você foi levada para este lugar é porque você vai conseguir,
não se preocupe que você vai conseguir’. Aí é que começa, né? O doutrinador fala no seu guardião,
no seu mentor espiritual, aí você vai se acalmando, vai se acalmando... mesmo assim, foi muito
doloroso ver aquela cena.
Janine: Numa ocasião eu levei uma semana inteira, talvez um pouquinho mais, com... uma dor no
estômago que não cessava, era aquilo doendo, e eu tinha uma sensação que o meu estômago era
uma lata de óleo enferrujada, furada. Eu via isso, eu via meu estômago assim. E eu passei uns dias
assim, e não tinha medicação pra estômago que cessasse aquilo. E quando eu cheguei aqui na
mediúnica o espírito se comunicou, ele foi suicida, ingeriu algum corrosivo, e ele sentia o estômago
daquele jeito, como tinha aquela sensação.
Eu já tive também uma ocasião de ter um espírito no meu campo, e que eu tinha uma sensação, eu
tossia bastante, mas era, eu tinha uma sensação de tuberculose. Era de um jeito, que um dia eu
comentei em casa. Tussi, tussi, tussi, depois: haja sangue pra eu vomitar! E isso não foi... eu sei que
não era eu Janine, sabe?
Joyce: Eu sinto todas as sensações dele [do espírito comunicante]. Naquele momento Joyce não
existe. Eu me entrego. É uma coisa assim tão... É aquela coisa assim... E se fosse eu? Como eu
gostaria de ser tratada? Eu bloqueava a comunicação algumas vezes, quando acontece que eu não tô
com os doutrinadores, e tal. Aí você vê o que você bloqueia e você doutrina a nível mental. Hoje
não, é aquela questão assim, eu me entrego mesmo. Eu paro assim: pôxa, como eu gostaria de ser
tratada se eu tivesse do lado de lá? Eu ia gostar se alguém bloqueasse, se eu não conseguisse falar,
expor o que eu sinto? De falar mesmo, ou às vezes, até de dar uma comunicação assim: Olhe, eu tô
bem, entendeu?
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Natália: Olha, quando eu começo a psicografar o que eu sinto normalmente é a mão dormente, mas
têm entidades que eu não sinto o braço tooodo. Chega a dar aflição, parece que cortaram o braço! E
às vezes é o braço esquerdo. Eu não sou canhota, eu não consigo nem cortar minha unha com a mão
esquerda! Teve uma vez mesmo, que eu fui pra casa, cheguei em casa fique muito mal a noite toda.
Eu tinha saído dos trabalhos no centro espírita. Fiquei muito mal a noite toda. Aí liguei pra uma
amiga minha do centro e falei: Nete, eu acho que eu tô perdendo meu braço. E ela deu risada e disse
vá dormir que vai passar. E acabou. Eu dormir.
No meio da noite eu acordei com todo um texto enorme na minha cabeça para dar pra alguém que
eu nunca vi, que eu não sabia nem que existia. O nome da mulher até hoje está na minha mente. E aí
eu disse: vou escrever, porque senão eu não consigo dormir, porque eu fechava o olho o texto vinha
na minha mente. Aí eu comecei a escrever com a mão esquerda esse tempo todo.
E no dia seguinte eu cheguei ao centro espírita, eu falei: Gente! Alguém tem noção quem é essa
pessoa? Quando eu li o nome da pessoa, aí um menino disse: Ah! Eu sei quem é! Ela vem aqui toda
terça - terça era o dia que eu tinha doutrinária -, quando ela chegar eu te mostro. Eu então a chamei,
perguntei se ela conhecia tal pessoa. Ela disse que conhecia. Eu perguntei se essa pessoa era
falecida. Ela disse que era. Aí eu entreguei pra ela a psicografia.
Mas foi uma coisa assim inédita na minha vida. Depois disso várias, vários canhotos me procuram.
<R>. Eu digo: por favor, arranje mais alguém, tenha mais alguém aí!
Ive: ... A vidência você não projeta nada. Você ver. Tanto, que cada um ver de uma maneira. Teve
um dia mesmo que eu vi na mediúnica um lago com várias orquídeas, orquídea não, Vitória-Régia;
e o beija-flor fez um ninho em cima da Vitória-Régia. Menina, eu cheguei chorar de ver essa
paisagem, essa coisa mais linda!
Às vezes Também a gente sente assim aquela energia só de tocar no outro. Uma amiga minha
estava doente, problema de coluna, eu nem sabia. E ela chegou, sentou assim junto a mim. Ela
disse: quero falar com você. Eu disse: tudo bem. Eu estava lendo alguma coisa, fiquei distraída.
Daqui a pouco eu sentir uma dor aqui no, aquela dor assim forte. Aí me deu vontade de dizer assim:
você tá sentindo uma dor aqui? Mas se ela já tinha ma abraçado, tinha falado comigo, eu pensei: O
que é que eu vou falar com ela? Ela vai pensar até que eu tô doida. Não, eu vou ficar quieta. E a dor
aumentando, aquela coisa incomodando. Aí, eu vi uma freira passar e com uma rosa azul dava a ela.
Então, eu cheguei na mesma hora, não perdi conversa, eu botei a mão no lugar e disse você está
sentindo uma dor aqui? Ela: Meu Deus! Desde domingo que eu tô de cama. Eu só vim para cá – que
era o grupo de estudo – porque minha amiga passou lá, fisioterapeuta, e fez uma massagem. Eu
disse: então, cale-se, fique em oração e fique tranqüila, faz de conta que eu não tô fazendo nada. Aí
eu com uma mão assim em oração e a outra no local que tava com a dor. Você acredita que daqui a
pouco terminou a oração, ninguém nem viu nada, ela abriu os olhos, e eu tirei a minha mão. Passou
a dor dela e passou a minha. Na hora assim!
Cora: ...Agora, normalmente o que fica em mim é o lugar onde foi atingido. Principalmente se foi à
bala, tiro na cabeça, que foi uma das últimas comunicações. Quando a entidade se aproxima eu já
sinto como se tivesse um vazio, um oco na minha cabeça, no lugar específico.
Quando é envenenamento, por exemplo, enforcamento eu sinto falta de ar; quando é
envenenamento parece que meu estômago tá tendo um inchaço, o meu estômago tá corroendo tudo.
É muito, muito relativo. Mas uma coisa assim que deve ter uma explicação científica que meus
conhecimentos não chegaram lá ainda. Mas é uma certeza muito grande, mesmo que você não esteja
vendo e ele não diga logo eu sou um suicida, mas quando a entidade se aproxima é muito claro pra
mim que é uma entidade assim, assado, cozido. Tá na leitura da energia mesmo, na percepção. Mas
isso a gente só aprende com o tempo.
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As médiuns ao descreverem suas experiências revelam a confluência de um
refletido e um sentido, que em nenhum momento emergem de uma dicotomia. Muito pelo
contrário, sensação, estado emocional e reflexão se interpenetram e conformam um só
movimento. É assim quando Ludmila descreve, mesmo tempos depois, as emoções que
experiênciou ao ver, sentir e compartilhar a dor de um parto. Algo extremamente
significativo para alguém que possui uma vida marcada por doenças e limitações.
Experiências extra-cotidianas como estas transbordam para a vida cotidiana das pessoas de
várias formas, sendo fortalecidas a cada encontro semanal. Elas e a cosmologia juntas
propiciam a Identidade Social que, para além de uma interpretação de si mesmo, auxilia na
reconstrução de pessoa descortinando caminhos de um contínuo refazer-se onde a história
narrada de si mesmo pode ganhar outros contornos, sendo possível a ela retraduzir,
inclusive, o estigma de que já se sentiu portadora em uma nova leitura poderosa justamente
por ser refletida e sentida. Esta transformação pode ser percebida em outra fala de Ludmila:
...Eu saía num grupo eu não dizia a ninguém que eu tomava
gadernal, porque antes de eu abrir minha boca pra falar: ‘ah,
maluca’! Mas não era comigo não, com um terceiro. E fazia aquela
curtição: eu vou comprar gadernal pra você, que você não tomou o
seu remédio hoje! Só não sabendo que têm remédios piores que o
gadernal. Mas eu me sentia um pouco... inferior por isso. Não
entendia ainda. Eu não entendia que esse processo era de
amadurecimento ou até mesmo passar mal na vida. Não entendia.
Hoje eu já vejo, porque eu fui estudar o Livro dos Espíritos, e vi
que a pessoa epiléptica também tem a ver com... com pessoas que
em outras encarnações abusaram do sexo ou que mataram
excessivamente, que vieram com esse tipo de disfunção, no caso,
cerebral, no caso, como eu tenho, que graças a Deus eu não
baaabo; eu me bato, batia né, porque hoje eu controlo. E também
com o desenvolvimento da minha mediunidade, hoje eu já vejo
tudo isso de maneira diferente... Eu sei que a minha questão é
outra...
Estes momentos onde o sentir e refletir explicitamente tornam-se um só
possibilitando transformações nos discursos identitários. Tal unidade faz-se sentir também
nas médiuns Ive, Joyce e Amanda. Joyce chega a mencionar sua total entrega nas reuniões
orientada pelo ideal de caridade espírita proposto. Neste momento a sua realização pessoal
é pensar no outro, é colocar-se no lugar do outro, a tal ponto de dizer, numa forma
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extremada e irrefletida, que deixaria de existir. Não obstante este discurso adquira laivos de
radicalidade, em um outro sentido parece querer demonstrar através das palavras aquilo que
é vivido de maneira radical. Com uma frase a princípio sem muito sentido, Joyce quer
demonstrar o sentido que é para ela estar com o outro, estender-se a ele, experienciar
emoções aparentemente não suas, mas de todos, ou ao menos de mais alguém, e difusas em
um contexto no qual ela as compartilha. É o que experimenta Ive ao ter as visões no
contexto coletivo ou quando sente a dor do outro, irmanando-se com ele, sendo a dor dele a
sua dor. Dor também sentida por Amanda, que a emociona, a deixa em pânico, pois as
imagens constituídas lhe invadem, lhe tocam e desorganizam, mas no momento seguinte
lhe constrangem a uma outra atitude, outros sons e imagens lhe chegam conduzindo-a à
calma e à reordenação, pois estar frente a uma situação da qual tem que dar conta.
As narrativas denotam que na experiência profunda do ritual os eus se misturam e se
confundem mergulhados em um desalinho de sentimentos/pensamentos, para depois saírem
deles renovados ou, ao menos, com outros sentidos, lhes promovendo novas certezas. Estas,
passando a servir de marcos definidores para os seus processos de auto-identificação, pois
mais do que pensar, sentir e pensar junto a dor, a emoção ou leveza do outro com o outro é
também de forma insofismável, sentir e pensar a dor, emoção e leveza de si mesmo; é trazer
à tona situações que talvez na cotidianidade só ocorressem naqueles momentos de crise
identificados por Giddens (2002), mas que também por Giddens, no momento atual tais
momentos são cada vez mais cotidianos. Experimentar sentimentos tão radicais no contexto
ritual pode ser, entre outras tantas milhares de possibilidade, um preparo para vivenciar de
forma mais segura as incertezas cotidianas que quase sempre aparecem, na medida em que
trabalham corporalmente questões existenciais de difícil manejo, como a dor, o sofrimento
e a morte, estas tão claras, por exemplo, nos discursos de Natália e Cora.
Ao experimentar determinadas sensações de dor, tristeza, conflito, ou mesmo de
serenidade em alguns casos, as médiuns sabem tratar-se de um outro, mas de um outro que
é relido corporalmente. As idéias e as emoções simultaneamente se imbricam no corpo,
numa dimensão tal em que as idéias longe de serem apenas refletidas, são sentidas e as
emoções no exaltar do sentir, refletidas. O corpo torna-se assim uma arena na qual as
histórias, emoções e o próprio eu são narrados, o palco onde símbolos e dimensões de
sentido são compartilhados pelos participantes numa sintonia que nos permite pensar não
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em um “eu” e um “ele”, mas em um “nós”. Na cumplicidade dos participantes
imediatamente reverbera o sentido da experiência vivida e a ação pode ser mutuamente
orientada, retratando a “fluência ou o ritmo concertado” ao qual Rabelo e Alves se referem.
Experiências estas que encontram o seu epicentro no ritual, mas que ainda se estendem para
além dele, repercutindo o seu significado para a vida cotidiana, como demonstram Janine e
Sabina em seus relatos, ou quando – assim como Amanda - as médiuns contam outras
histórias demonstrando o peso que adquirem essas experiências religiosas em suas vidas,
significando fatos tecidos nas interações mais corriqueiras:
Eu estava em casa, e meu ex-marido estava conversando sobre um
amigo policial que tinha sido assassinado. E quando ele começou
a falar eu comecei a me sentir mal, aquela sensação que parece
que você vai desmaiar, que sua pressão baixou, sabe? Você teve
uma queda de pressão. Aí me deitei, meu Deus, o que eu tô
sentindo?! O que eu tô sentindo?! Mas eu nem para pegar o
evangelho, para ler o evangelho. Deixei me levar por aquilo.
Então, eu fui pra Casa de Oração. Ainda bem que eu tive forças
para ir tomar um passe; e quando eu deitei na cama, no
atendimento de Irmã Elisabeth, comecei a ouvir coisas, comecei
a... dar a comunicação. Foi um espírito que se afinou com a minha
energia e aí veio comigo, ainda bem que veio, né? Porque minha
energia caiu a partir do momento que me senti mal, e esse era um
espírito doente mesmo, espírito precisando de ajuda. (Amanda).
Eu cheguei à mediúnica e pedir a uma companheira. Eu disse
assim: Eu não sei. Aconteceu uma coisa comigo hoje que eu achei
assim muito estranha, e há dias que eu venho num... num
desânimo. E aí eu pedir que ela visualize meu campo porque eu
não estava conseguindo. E ela me disse assim: Olhe, é um ente
muito querido seu que os espíritos se aproveitaram - não era assim
uma coisa de me fazer sofrer -, mas os espíritos se aproveitaram
da sua energia para ajudá-lo a se curar, para ajudá-lo a expelir a
energia da quimioterapia. E é por isso que você está se sentindo
assim.
E eu não havia conversado com ninguém do centro; ela não sabia
que um dos meus irmãos tinha desencarnado. Ele era fumante
inveterado, e teve câncer de pulmão, e em seis meses, da
descoberta até a morte foram seis, sete meses, e ela não sabia
disso!
Ai disse assim: Como vocês se queriam bastante, você é portadora
dessa energia que pode ajudar. Os espíritos estão usando. Você
precisa ter paciência.
E então... eu fui tomando assim passes pra poder, na intenção de
ajudá-lo e tal, e num final de um certo período, que não foi longo
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também, eu fiquei bem e uns meses depois eu tive notícias dele.
Nós estávamos fazendo o evangelho na casa da minha irmã e eu
sentir quando ele chegou e sentou ao meu lado. Eu perguntei
como ele estava. E ele me disse que estava muito melhor. Disse
que naquele dia era aniversário de desencarne dele e aquele era o
primeiro ano - porque já tinham se passado dois outros, já era o
terceiro -, e era o primeiro ano que ele estava sem recaídas. Que
apesar da saudade que sentia dos filhos, da esposa, mas ele não
estava com recaídas, que era o primeiro ano que ele estava assim,
podia dizer que estava bem. E o organismo danificado já estava
quase estabelecido. (Janine).
Um dos motivos pelos quais as experiências corporais e mediúnicas transladam para
a vida cotidiana é porque nos rituais além da manipulação dos símbolos e significados as
interações e atenção corporal são também nutridas por processos imaginativos desenrolados
ao longo da mediúnica, através dos quais é proposto e elaborado um complexo jogo de
imagens. Acionadas nos diálogos travados entre médiuns e doutrinadores, em relação aos
primeiros, as imagens compõem a narrativa de fragmentos de uma história e um
determinado estado emocional vivido. Em se tratando dos segundos, fazem parte de suas
técnicas corporais que implementam a fim de convencer e/ou socorrer os espíritos,
buscando a alteração do estado em que se encontram. Assim, o doutrinador possui a
habilidade tanto de compreender as imagens oferecidas por espíritos e médiuns, quanto de
propor outras.
Isto pode ser observado nas referências que as médiuns fazem às intervenções dos
doutrinadores que, ao compreender as imagens e sensações transmitidas por eles procuram
emitir outras que revertam as primeiras. Enfim, as imagens dizem algo acerca do estado do
outro, de si ou do contexto, como fica patente em Janine quando fala que sente e ver o seu
estômago como “uma lata de óleo enferrujada”, ou Cora que narra as imagens e sensações
de vazio e buraco na cabeça associando imediatamente a um significado do que isto pode
representar, ou ainda em Ive, que tenta descrever de forma imagética a sensação de enlevo
que lhe transmite o espaço naquele momento vivido. Nas experiências de todos, enfim, são
acionadas diversas imagens e sensações que traduzem a si e aos outros no contexto.
Assim, na dinâmica performática uma das dimensões do “corpo vivido” é a abertura
de possibilidades novas, ou seja, é a criação descortinando novos caminhos. E isto é
possível justamente porque os processos imaginativos proporcionam novas projeções do
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“eu”, do ser e de agir. Desenvolvida no contexto de significados compartilhados e de
orientação mútua do ritual, a imaginação abre novas perspectivas de realidade e,
consequentemente, possibilidades futuras de se situar no mundo e frente a outros,
influenciando de forma decisiva a experiência transformacional pela qual os participantes
passam (Rabelo et all, 1998; 1999; Rabelo, 2000). Conforme a autora, a imaginação é
compreendida por Sartre enquanto:
... Uma atividade de síntese que organiza vários elementos (um dado
conjunto de formas, sombras, cores; poderíamos dizer também de
movimentos, odores e/ou sons) em uma situação na qual o objeto
representado se faz subitamente presente. (...). Não se trata de um trabalho
intelectual: a imaginação não formula conceitos ou relações ideais; produz
um senso de presença fundado nas qualidades sensíveis do objeto. A
imagem de um ente amado que já faleceu suscita de imediato a dor da
perda antes que um reconhecimento dos traços ideais do seu caráter e
comportamento. Diferente da simples percepção, entretanto, a imaginação
envolve uma criação contínua. Nela, diz Sartre, o elemento representativo
‘é atravessado de ponta a ponta por uma corrente de atividade criadora’.
(Sartre, 1996: 30). (1998, p. 04).
A imaginação contribui para a formação de um substrato qualitativo essencialmente
novo envolvendo – como percebido nas narrativas - imagens, sentimentos e emoções
experienciados a partir da síntese de outras imagens não restritas ao âmbito puramente
psíquico, mas também captadas pelos diversos sentidos corporais em que imagens táteis,
olfativas, sonoras, visuais são constituídas. A imaginação é, assim, encarnada; ela sugere
um senso de sintonia, ou melhor, unidade entre consciência, corpo e situação. O contrário
talvez fique melhor dito: o senso de unidade entre corpo, consciência e situação, que parece
se explicitar com mais veemência no ritual, conforma a possibilidade da imaginação. A
consciência indissociável do corpo sempre como pano de fundo, desnuda-se agora, deixa-se
ver na performance multifacetada do ritual, onde a primeira situada a partir do segundo é
munida de suas possibilidades de existência. Há um engajamento corporal no mundo
através do qual a compreensão funda-se e realiza-se. É por meio desta unidade que a
transformação torna-se possível. (Rabelo et all, 1998; 1999; 2000).
Neste sentido, o experienciar do ritual não é vivido pelos seus membros, como parece
supor Kapferer, em níveis ou planos distintos em que a partir dos enquadres propostos ora
há um engajamento sensorial ou corporal dos participantes, ora se dá um afastamento desta
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performance possibilitando uma reflexão da experiência vivenciada. Sentir e refletir
confundem-se, fundem-se pela simples razão de uma existência co-originária no mundo. O
sujeito cognoscente é intima e simultaneamente o sujeito corpo. Não há um momento
primeiro em que sinto para no momento seguinte refletir acerca do sentido. Eu, outros e
situação encontramo-nos mergulhados num mesmo universo em que respondo aos diversos
estímulos externos que me chegam não por uma passiva captação de significados inscritos
em símbolos ou por uma significação que atribuo após a captação desordenada dos
sentidos, mas por uma significação forjada no momento mesmo da sua vivência em que a
interpretação longe de ser um movimento puramente reflexivo ou simplesmente corporal é
antes os dois. Imersa no ritual, a experiência plena do transe opera a fusão do corpo,
imaginação, situação e imagens. Discursos, posturas e movimentos desenham o contexto
interacional e da ação, mas também são eles invadidos e delineados abrindo um vasto
horizonte de transformações e certezas pelas quais a trajetória do eu pode ser trilhada,
ganhando vida nas narrativas dos adeptos:
Uma vez eu dei uma comunicação de uma pessoa que tinha
desencarnado de acidente de carro. Eu sentir muitas dores, muitas!
Que eu não conseguia nem mexer o pescoço no final da
comunicação. Mas no final do trabalho, da mediúnica, eu tava
com muito sono, a dor já tinha passado. Eu só pedia cama. Mas,
eu me sinto gratificada, porque eu acho que é a prova de que tudo
aquilo que acontece é verdadeiro, não é nada da minha cabeça.
Isso me dá uma certeza, quer dizer, afirma mais tudo aquilo que
eu acredito.
Olha, depois do espiritismo a minha mudança foi total! A
mudança é aquela questão de você tentar... você pode até não
conseguir naquele momento, mas se você insistir. Ah! Reforma
intima, você: Pôxa! O que é isso? Como dá o primeiro passo? É o
que você pensava: se tem algo que te irrita muito, te deixa muito
mal, é só que ele te domina, você que tem que dominar, não ele a
você. Aí, você tem que estudar. Eu mesma, quando ficava muito
estressada, muito nervosa, eu cheguei ao ponto de ter uma
neuropatia vegetativa. Eu paralisei todo esse lado, fui parar no
medico, tomei dez miligramas de Diazepan, só pra acordar uma e
meia da tarde do dia seguinte, isso foi bom? Foi péssimo pra um
ser humano! É sinal que eu não controlava as minhas emoções, eu
não me conhecia tão bem assim...
O que eu aprendi com a doutrina espírita é a minha mudança. Eu
falo a pessoa eu, eu enquanto ser humano, enquanto espírita.
Agora se eu fiz, ou estou fazendo as coisas que eu já, loucuras mil,
mesmo eu estando aqui no espiritismo eu já fiz, não tinha uma
- 192 -
consciência maior, por isso que eu não me sinto tão culpada. Aí
meu Deus! Eu atribuo à questão de, olha, hoje eu não faria, eu
pesaria na balança, eu ia pensar assim, se eu fiz, eu ia machucar
alguém, hoje eu me coloco no lugar daquela pessoa... (Ludmila)
Foi um processo lento, está sendo um processo lento porque eu
ainda estou, nós estamos em transição o tempo todo né, então me
ajudou a me ver a me conhecer melhor como uma pessoa, uma
filha de Deus que merece ser feliz, que merece tudo de bom que
essa vida pode me dar. Eu não pensava assim, eu vivia aquela
coisinha ali: Não, eu tenho que viver isso mesmo. E aí o
espiritismo foi mudando a minha cabeça, foi mudando a minha
forma de ver as pessoas, de me comunicar mais. Eu chegava aqui
entrava muda e saia calada, nos meus primeiros grupos, hoje em
dia já é diferente, já consigo, não que eu tenha perdido toda a
minha timidez, que eu ainda sou muito tímida (risos), mas... muita
coisa mudou. Minha forma de tratar meus filhos, Joriel foram três
anos, quatro, eu sempre tive muita dificuldade com ele. Por
exemplo, pra ensinar a fazer uma atividade eu ficava logo nervosa,
eu já dizia você vai apanhar se você não fizer isso certo! Eu não
tinha um pingo de paciência. Hoje, graças a Deus, é diferente. Eu
mudei, eu tô mudando. Eu era uma pessoa que vivia o tempo
inteiro com a cara fechada, de mal com tudo, por nada, e graças a
Deus agora eu consigo ser diferente. (Amanda)
Eu acho que pra mim é um tempo bom, sabe? Até de me aliviar de
alguma angústia, de alguma ansiedade, porque, de repente a gente
tem isso no contexto espiritual, e nesse trabalhar a mediunidade
vai ajudando e você vai se libertando dessas coisas também, de
questões suas. Porque com os espíritos infelizes a gente também
aprende
. (Janine)
Mas, o corpo/consciência que vive e experimenta a transformação no bojo dos
processos de auto-identificação forjados no contexto religioso e até mesmo fora dele não o
faz livre de qualquer condicionamento ou conformação cultural. Inscreve-se nele uma
história, uma tradição, um hábito que no corpo adquire sons, jeitos, cores, tons e formas
refletindo um ethos. De certa maneira Mauss (1974) desenvolve esta idéia ao estudar as
“técnicas corporais”, ou seja, as mais variadas formas pelas quais os homens servem-se de
seus corpos nas diferentes culturas, desenvolvendo habitus – uma razão prática coletiva e
individual – que lhes são próprios. Sendo o corpo o primeiro e o mais natural instrumento
do homem, o autor entende por técnica um “ato tradicional eficaz” que embora, sob este
aspecto, não divirja dos outros atos como o simbólico, o mágico ou o religioso, diferencia-
se deles, no entanto, porque é sentido por aquele que o executa como um ato mecânico,
- 193 -
físico ou físico-químico. Todavia, através dos relatos etnográficos que fornece, Mauss
procura argumentar como as técnicas corporais englobam muito mais do que um simples
ato corporal na medida em que abarcando três dimensões: o biológico, o psicológico e o
social, elas remetem, antes sim, a uma concepção de “homem total”. A crença, a tradição, a
educação e mesmo a imitação fornecem certos estímulos psicológicos para a realização de
certas disposições corporais. Existe assim, uma atitude biológica resultante de motivações
que atendem a um direcionamento e modelar sociocultural. E se é verdade que este saber
fazer corporal, conforme argumenta o antropólogo, só encontra a sua possibilidade de
existência e transmissão por meio de uma tradição, na qual distintos jeitos do corpo, bem
como o seu adestramento caracterizam as civilizações, não é menos verdade que em
contextos menores, mais circunscritos isto também se dê. A propósito da religião, ela
proporciona através da sua cosmologia e práticas não só o tipo de controle de certas
emoções e a liberação de outras, como também conforma uma certa modelagem corporal.
Talvez seja por isso que Mauss tenha dito: “Penso que há necessariamente meios biológicos
de entrar em comunicação com Deus’.” (p. 233).
Preocupado com a mediação entre subjetividade e objetividade Bourdieu (1983) ao
desenvolver o conceito de habitus de certa maneira está próximo da forma como Mauss
compreende as técnicas corporais inscritas numa cultura. Sendo o habitus um sistema de
disposições duráveis adquirido e sedimentado a partir de um meio objetivo, os atores, na
medida em que fazem parte de um certo contexto social, grupo ou classe, internalizam deste
meio gostos, estilos, posturas e disposições corporais que em contato com uma situação
geram as práticas. Adquirido no horizonte de sentido da cultura, o habitus não só se
encontra enraizado no corpo conferindo-lhe uma dimensão que extrapola o âmbito
meramente individual ou subjetivo – já que através dele inscreve-se no corpo uma história
social e uma tradição – como se assenta num plano anterior a uma pura cognição ou
planejamento, tendo em vista que as disposições corporificadas produzem um senso
prático, um saber corporal tanto mais eficiente quanto mais sedimentado estiver em um
âmbito pré-reflexivo.
O habitus além de possibilitar o nosso não estranhamento com outros, já que é
forjado ao longo de um contexto socializador, nos distingue neste amplo universo da
- 194 -
cultura, pois marca a nossa posição particular no mundo conquanto pertencente a
determinados grupos, instituições ou tradições geradoras de habitus que lhe são próprios.
Acredito ser precisamente isto que ocorre na mediúnica e em todos os espaços e
atividades do centro, onde um certo jeito de ser é modelado cognitiva e corporalmente
aventuro-me a dizer: é criado e inculcado neste contexto um ethos no sentido de Geertz,
mas acrescido de uma importante dimensão corporal. Todavia, não sem levar em conta, ou
pelo menos, mesclar-se a outros habitus oriundos dos trajetos e biografias particulares que,
por sua vez, enredados nos processos socializadores aos quais os indivíduos estão atrelados
antecedem e extrapolam o cosmos do centro, mas que também de forma irrefutável vêm
compartilhar-lhe o cenário, confundindo-se com ele, em momentos coadunando-se, em
outros se confrontando. Em alguma medida, tal movimento, fazendo parte do que Weber
(1974) reconheceu enquanto uma constelação de interesses que é continuamente negociada
entre os agentes na dinâmica das interações. Talvez por isso a situação de indecisão e
vergonha vivida por Amanda ao mesmo tempo em que articulava e negociava no contexto
mediúnico imagens da religião que participou durante vários anos antes de professar a
doutrina de Kardec, a umbanda:
Uma vez eu até fiquei assim: meu Deus, eu vou dar essa
comunicação!... primeiro, eu tinha dado uma comunicação de um
espírito assim, que ele estava... tava... ééé... transformado em um...
em um animal, tipo uma cobra rastejando. Foi tipo um
desdobramento. Eu me vi naquele lugar e aí vi aquele ser ali no
chão, rastejando; e aquele ser estava precisando de ajuda, mas eu
não sabia como, eu não sabia como ajudá-lo. Aí alguém ficou
conversando comigo: Não tenha medo. Vá, pode ir... Daqui a
pouco eu senti que aquele ser ia pular em mim, aquela cobra,
aquele bicho ia pular em mim, entendeu? Aí fiquei desesperada. –
‘Não, se desespere não, seu guardião está aí, não sei o que’. Aí,
quando ele pulou em mim veio a comunicação. Aí, pronto!
Aconteceu a comunicação. Quando eu tô terminando a
comunicação... veio um espírito... ééé... de um caboclo que ele
queria dar... a fala dele, só que eu... sinceramente... eu... eu... fui
preconceituosa, tive vergonha. Eu não queria deixar aquilo
acontecer ali por saber o lugar, não sei o que, sabe, né? Aííí, mas
ele disse que tudo bem, entendeu? Que ele estava querendo ajudar
aquela pessoa já há muito tempo. Me agradeceu, e às pessoas que
estavam ali ajudando também, que... ééé... foi um trabalho muito
difícil, mas que precisava ser feito.
Isso já aconteceu outras vezes, de eu está sentada na mesa e aí
ouvir assim ó, a pessoa assim no meu ouvido: - ‘Louvado seja
- 195 -
nosso Senhor Jesus Cristo’ - prá eu falar - e eu calada. – ‘Louvado
seja nosso Senhor Jesus Cristo’. Pode falar minha filha, não tenha
vergonha não! <R> Aí eu falei, eu deixei a comunicação
acontecer.
A cosmologia da umbanda está presente não só nas imagens e sentimentos
projetados por Amanda, muito pelo contrário, através de muitos adeptos do centro ela se
presentifica, travando contatos nem sempre agradáveis com os símbolos espíritas. É na
medida dos habitus cultivados em socializações pregressas dos participantes e engendrados
pelos mesmos no universo cosmológico espírita que podemos compreender as imagens que
dialogam e os sentimentos suscitados. É nesta mesma perspectiva que podemos apreender a
postura de uma participante quando encontra-se na qualidade de doutrinadora na mediúnica
e se abstém de dar o passe, pois ela só o faz tocando no corpo daquele que o receberá, e ela
sabe que na doutrina espírita as energias podem e devem ser transmitidas dispensando a
necessidade do toque. Nesta medida, em algum aspecto a doutrinadora e Amanda sentem-se
desconfortáveis pelos habitus que carregam e vêem compor o cenário. Outros, no entanto,
de maneira bastante diversa, dialogam com os caboclos, trabalham com eles no contexto
espírita e, ao que parece, conseguem operar sem problemas com os campos simbólicos
destes dois universos. Seja como for, ou constrangendo ou favorecendo o desempenho dos
médiuns, o mais importante, contudo, é que, a despeito mesmo do espiritismo primar por
uma delimitação muito própria do seu campo, as cosmologias se encontram e dialogam por
meio das interações e performances dos sujeitos, proporcionando novas sínteses, novas
direções abertas para os sujeitos narrarem suas histórias e dizerem quem são.
É sob esta mesma acepção que vemos, fruto de uma tradição católica, o Pai Nosso
na voz dos adeptos em muitas das reuniões, ou mesmo a alusão a exercícios de meditação e
ioga em outras, além das diversas narrativas repletas de explicações de cunho científico -
psicológico ou biomédico – a intervir no eu e no corpo. E, talvez ainda mais significativo,
nas reuniões mediúnicas não só espíritos sofredores e revoltados se comuniquem,
constituindo um diálogo em que da parte do doutrinador a mensagem espírita é a tônica,
mas outras vozes exteriorizadas dos médiuns se façam ouvir: vozes de padres, de índios, de
caboclos... compondo o palco multivocal onde os sujeitos extravasam emoções, as sentem,
as resignificam e, o que é mais substantivo, encontram por meio deste dialogar e deste
negociar a possibilidade transformacional de suas experiências; vislumbram e vivenciam a
- 196 -
abertura de novos horizontes, de outras dimensões de sentido em que uma condição ou
situação na qual estão envolvidos eu-mundo-outros pode então ser revista sob uma nova
luz.
Sem dúvida, todo o contexto espírita e mais particularmente os rituais nos quais o
corpo e o eu são chamados a ser uno favorecem à reelaboração de sentimentos e
identidades, abrindo, face as experiências vividas, perspectivas do fazer e refazer da própria
vida. A performance mediúnica se traduz, assim, em um contexto abundante de recursos
que uma vez criados pelos próprios participantes os absorve, traga-os para o seu interior
onde, sendo lá forjado o social e o subjetivo precisamente porque, parafraseando Geertz,
proporciona uma leitura cognitiva e sentimental de si mesmo, e o cotidiano pode então
iluminar-se sob um novo enfoque.
- 197 -
V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante este trabalho procurei compreender em que termos são processadas relações
na religião espírita mediante as quais interagem tanto significados cosmológicos quanto
elementos identificadores de biografias, pertenças e habitus dos participantes. Levando em
consideração trajetórias religiosas, histórias de vida e hábitos adquiridos busquei perceber
em que medida os sujeitos atuantes neste espaço religioso desenvolvem suas práticas e
negociam significados com o modelo genérico proposto pela religião, em uma dinâmica
sempre contínua das interações mesmas onde ocorrem, por um lado, possíveis
transformações nas maneiras de pensar, agir e ser dos adeptos e, por outro, a partir das
percepções e habitus engendrados pelos participantes, certas reconfigurações do próprio
contexto espírita.
Todavia, para que este núcleo de discussão se mostrasse profícuo foi traçado um
percurso que o iluminasse e desse suporte a construção na qual encontam-se no cerne de
meu esforço dissertativo sujeito, contexto e processos de identificação. Para tanto, de forma
diferenciada procurei abarcar a situação da religião e de suas conseqüentes e intrincadas
relações com o universo social moderno, tentando, em seu aspecto amplo – algo nada fácil
de fazer, tendo em vista a abrangência do tema - delinear linhas demarcatórias da religião
na Modernidade, e, por um ângulo específico, identificar a religião espírita neste universo.
Assim, em um primeiro momento caracterizei um período repleto de transformações
relacionadas pelos pensadores desta problemática a duas diretrizes que as orientam: Razão
e Sujeito. Elas são, assim, consideradas os antecedentes e conseqüentes, nos planos teórico
e empírico, do que veio a ser entendido por Modernidade. Os encontros, desencontros e
desdobramentos destes dois grandes eixos foram abordados, ao menos parcialmente,
tentando compreender como a religião se insere neste imenso universo no qual longe de
desaparecer, se reelabora e multiplica criando e atendendo demandas dos sujeitos e
conjunturas modernas. As discussões acerca da secularização e dessecularização; religião,
Estado e Globalização; pluralismo religioso; privatização e trânsito religioso tornaram-se,
então, imprescindíveis a uma abordagem que prima pela compreensão da opção religiosa
- 198 -
em uma conformação social de reflexividade, escolhas e, em grande medida – embora não
total e completa como querem alguns autores, a exemplo de Giddens –, de crises e
inseguranças.
No momento seguinte voltei o foco para as construções cosmológica e histórica do
Espiritismo na Modernidade. Oriunda do contexto moderno, tal surgimento acarreta ao bojo
da formação desta religião características modernas traduzíveis em um cosmo coerente,
sistematizado e racional ao interior do qual forjam-se categorias explicativas que a
sustentam e dão-lhe sentido. Desta forma, noções mais amplas da cosmologia como: carma,
reencarnação, evolução, energias, mediunidade, livre arbítrio e determinismo foram
descritas tal e qual aparecem na doutrina e problematizadas tendo em conta estudos de
autores que se ocuparam da temática “religião”. Nesse sentido, “visão de mundo” e ethos
de Clifford Geertz, assim como “religião ética” e “constelação de interesses” de Max
Weber foram alguns dos conceitos resgatados a fim de projetarem luz ao estudo ora
apresentado. Outros trabalhos diretamente voltados para a religião espírita se constituíram
em um forte suporte desta pesquisa. Assim, foram de extrema relevância as contribuições,
por exemplo, de Sylvia Damázio, Emerson Giumbelli e Maria Laura Viveiro de Castro,
cuja discussão sobre a “noção de pessoa” no espiritismo foi central para entender a
cosmovisão espírita.
Além disso, discuti implicações para o diálogo estabelecido entre o espiritismo,
através de suas categorias, com outras instâncias modernas orientando posturas e relações
às vezes harmônicas, às vezes conflituosas, no cenário mundial e mais especificamente no
brasileiro, em que visivelmente se defrontavam e se imbricavam elementos tidos
tradicionais quanto modernos. Tendo esta concepção de fundo enquanto norte é que vimos
como, durante o seu crescimento no Brasil, o espiritismo se desenvolveu por duas
principais vertentes, cuja preponderância foi a da corrente religiosa, marcada esta pela
atuação dos médiuns receitistas que, em transe, faziam consultas e distribuíam receitas
médicas, geralmente homeopáticas, para a população carente, preenchendo em alguns
momentos e em certo sentido as lacunas deixadas pelo Estado, além de – o que, de fato, é
mais importante – interagir com o imaginário popular, conferindo-lhe sucesso em relação a
vertente científica, bem como o seu estabelecimento definitivo. Durante o seu histórico, o
espiritismo também ofereceu diversos serviços assistenciais – entre os quais estavam a
- 199 -
criação de albergues e hospitais – e propiciou as sessões de desobsessão para o tratamento
de obsidiados. A atuação espírita conferiu aos adeptos sérias contendas tanto com o
catolicismo, quanto com setores da área médica, como a psiquiatria e a medicina legal.
Torna-se notório, assim, o “delineamento identitário” espírita - em sua conformação
cosmológica e no processo histórico – enquanto construção de um conjunto de signos
identificadores e diferenciadores da religião, delimitando fronteiras e marcando seu espaço
no universo cultural brasileiro, oferecendo, com isso, uma Identidade Social para os crentes
que é fortalecida e atualizada constantemente por meio dos significados e práticas
mobilizados no espaço institucional. A etnografia, por conseguinte, constituiu-se em um
recurso relevante na observação de como as atividades tornadas rotineiras emergem, sob
diversos aspectos, nas narrativas dos entrevistados, e auxiliam na transformação dos
mesmos. Orientada pelo objetivo que me movia procurei reconstruir a estrutura e o
funcionamento do Centro Espírita Casa de Oração Bezerra de Menezes, a COBEM,
registrando organização e performance dos rituais, bem como posturas e comportamentos
dos participantes. Registros estes que, indubitavelmente, contribuíram para uma melhor
compreensão das entrevistas realizadas. Sob esta acepção, dentre todos descritos, os
departamentos doutrinário e mediúnico com suas respectivas atividades (atendimento
fraterno, doutrinárias e grupos de estudo relacionados ao DED; e passes, desenvolvimento
mediúnico, atendimentos espirituais e mediúnicas de competência do DAM) demonstraram
contribuir de maneira contundente para a mudança comportamental e a elevação de padrão
vibratório dos adeptos, tendo em vista que em muitos destes momentos são experienciadas
fortes emoções e sensações corporais imiscuídas aos significados manipulados na religião,
orientando os indivíduos à reforma íntima. Aliás, esta é a proposta fundamental do
espiritismo: a reforma moral do homem, buscada por meio dos postulados do estudo, da
caridade e da mediunidade. Um caso contado por um doutrinador em entrevista retrata
muito bem esta concepção espírita:
Conta-se que um dia os homens muito preocupados com os problemas
sociais da Terra resolveram reunir nos EUA os embaixadores de todas as
nações do mundo na casa do embaixador americano. Eles estavam
discutindo por que tanta guerra? Como resolver a fome? Como os países
mais ricos ajudariam os mais pobres? Mas eles só discutiam dentro dos
aspectos matemáticos, econômicos, o papel das fronteiras, o papel das
- 200 -
guerras étnicas. Como resolver tudo isto? Até que de repente na sala em que
eles estavam entrou uma criança de oito anos que atraiu a todos. Ela queria
brincar. Esse menino era filho do embaixador americano. E o embaixador
ficou assim um pouco constrangido para tirar o menino dali, porque não
queria ser grosseiro. Então, ele viu uma revista em cima da mesa que tinha o
mapa dos EUA, um mapa todo colorido. Aí teve uma idéia, recortou o mapa,
e mostrando ao menino disse: ‘Olha, eu vou recortar aqui este mapa, com os
diversos Estados, e aí você tente colar tudo para formar de novo o mapa
original, como se fosse um quebra-cabeças’. O menino saiu. Ele pensou: ‘vai
levar o dia inteiro para ele fazer isto’. Mas não passou nem cinco minutos e
o menino voltou com a assistente dele e disse: ‘Pronto papai, já fiz.’ O pai
olhou, disse: ‘Mas como?’ E perguntou à babá: ‘Você quem fez?’ ‘Não
senhor, foi ele quem fez.’ Ele perguntou ao filho: ‘Como é que você
conseguiu isso tão rápido?!’ Ele disse: ‘Foi porque eu construí o homem.’
‘Mas que homem?’ ‘O homem que estava do outro lado do mapa’. Porque
do outro lado do mapa, quando ele recortou tinha um rosto de um homem.
Então, se nós conseguirmos reconstruir o homem, reconstruiremos o mundo
todo. Essa é a nossa tarefa.
Todavia, esta proposta efetivada através dos discursos doutrinais e práticas
implementadas atinge os participantes em graus diferenciados, pois é constantemente
negociada com os significados e hábitos dos sujeitos constituídos ao longo de suas
biografias e trânsito religioso. A análise da dinâmica relacional no centro mediante a qual
os processos de identificação são forjados mesclando percepções religiosas com estilos de
vida, práticas e posturas não poderia, neste sentido, prescindir de um olhar mais acurado
sobre a composição do grupo que serviu de universo amostral da pesquisa, desnudando-lhe
tendências e signos valorados. Nesta perspectiva, grau de instrução formal elevado, hábito
de leitura e apreciação pela aquisição de novos conhecimentos aparecem como traços
relevantes deste pequeno coletivo. Além disso, somadas a estas características, outras, a
exemplo da busca por uma inserção vantajosa no mercado de trabalho e determinados
hábitos de lazer, como viajar, admirar a natureza, ir a teatros e cinemas apontam para a
constituição de um grupo pertencente a uma classe média. Constitui-se em outros aspectos
dignos de nota a preponderância da burocracia e impessoalidade cada vez mais marcantes
nas rotinas implementadas no centro com o intuito, me parece, de dar azo a uma certa
dimensão “profissional” das atividades desenvolvidas naquele espaço. Algo que modela o
contexto da religião, mas, antes de qualquer coisa, apresenta-se como traço das pessoas do
centro que, de maneira geral, são bastante reservadas e preservam com muito cuidado a
- 201 -
dimensão privada de suas vidas, onde têm pouco espaço relações mais intimas
77
,
preferindo-se o contato mais distante.
Uma dimensão fundamental que perpassa a análise é a “Reflexividade”. Marca
distintiva do mundo moderno ela, de certa maneira, emerge continuamente das narrativas
dos pesquisados, tendo em vista ser fundante para suas reelaborações identitárias. Estas são
tecidas e reconstruídas reflexivamente a posteriori mediante escolhas ao mesmo tempo
fruto e determinantes das trajetórias. Considerando que os processos de identificação e as
narrativas do “eu” passam pelos projetos reflexivos dos atores sobre si mesmos, estes
sujeitos, em se tratando de suas “religiosidades”, traçam um percurso de ingresso e
abandono de uma série de religiões buscando em tais espaços simbólicos adequação às suas
visões de mundo e respostas para suas demandas existenciais. Tal busca aparenta ser
satisfeita no universo espírita, que a princípio coaduna-se com as aspirações destes
indivíduos já que possui como traço basilar, fundamental mesmo para a sustentação de todo
arcabouço cosmológico a idéia de livre arbítrio que ajusta-se por um outro prisma às
percepções e práticas que estes sujeitos têm de livre escolha. Isto é, ao que tudo indica,
salta aos olhos a oferta religiosa de explicações e conforto sem, no entanto, ferir algo tão
caro no contexto moderno e para estes participantes: a noção de individualidade envolta na
reflexividade e possibilidade de alternativas.
Por outro lado, obviamente que a trajetória realizada por outras religiões deixa sua
marca indelével naqueles que a traçou, e vem compor discursiva, corporal e
emocionalmente o contexto de que hoje fazem parte a despeito do “discurso de pureza” que
praticamente toda religião procura sustentar. É o que fica evidente tanto na observação dos
rituais, onde é comum a manifestação de signos de outras religiões como a umbanda, o
candomblé e o catolicismo; quanto pelos sentimentos experienciados e narrados pelos
entrevistados quando são chamados a vivenciar aqueles momentos singulares em que num
mesmo contexto tantos contextos simbólicos se encontram e se cruzam demonstrando
insistentemente o caldeirão cultural do qual fazemos parte, e ignorando indolentemente
qualquer objeção a este respeito.
Em um outro sentido, as reelaborações narrativas pelas quais os sujeitos se
reconhecem e redefinem a si e aos contextos encontram aparato no referencial espírita com
77
Há sempre, é claro, exceções a este respeito.
- 202 -
o qual se afinam, manipulando e incorporando elementos que se identificam para compor a
leitura que fazem de si mesmos e do mundo. Isto torna-se possível por causa da Identidade
Social Religiosa, no sentido de Goffman, que tanto favorece processos de trocas nos quais
as identidades se intercambeiam, quanto funciona como fonte de auto-conhecimento,
englobando, inclusive, saberes de outras áreas - como faz com a psicologia-, com os quais
os adeptos se identificam, já que, por sua vez, faz parte de suas biografias compondo
espaços sociais outros.
Levando, então, em consideração os constantes diálogos com outras instâncias
sociais e a absorção que procede de outros significados trazidos e incorporados através,
inclusive, dos próprios crentes espíritas, a doutrina de Kardec elabora e oferece um
arcabouço sistematizado de explicações e satisfações tanto para questões existenciais, como
o sofrimento e a morte, quanto para dilemas do “eu” muito peculiares destes tempos,
envolvendo inseguranças, fragmentação, reflexão, escolhas... enfim, ansiedades. Nesta
direção, mesmo alguns dos entrevistados construindo uma relação com a doutrina permeada
por permanências e afastamentos, estes e mais todos os outros procuram tecer uma
coerência narrativa que, sem dúvida, se dá a posteriori, em cada visada que fazem de suas
histórias explicando os acontecimentos marcantes de suas vidas em grande medida
respaldados nas categorias e procedimentos espíritas. Os dramas psicológicos, sentimentais
e de doenças contados por Ludmila, Jorge, Manuela e Natália podem até parecer mais
evidentes, contudo, estes quanto outros dilemas estão sempre presentes nas narrativas de
todos os entrevistados.
Mais significativo, no entanto, os participantes deste espaço logram reestabelecer-se
depois de possíveis abalos e conter ansiedades não só porque conseguem retraduzi-los
tendo em vista as categorias cosmológicas, mas também porque parecem incorporar o ethos
religioso que valoriza características relacionadas à sobriedade, calma, fraternidade,
caridade, tolerância, desprendimento material e, sobretudo, controle reflexivo permanente
sobre si (o que inclui o corpo) tendo por suporte as diretrizes morais e cristãs. E aí está algo
de fundamental. Como já salientado, a religião consegue obter sucesso na incorporação de
sua cosmologia e prática justamente porque a sua construção simbólica se “impõe”
contendo na própria construção simbólica aquilo que se apresenta enquanto essencial na
- 203 -
modernidade: a possibilidade de escolha e de ser “senhor do seu próprio destino”, seja lá o
que isto signifique.
Faz-se necessário evidenciar ainda que as narrativas constantes da transformação de
traços da personalidade dos entrevistados envolvendo modos de ver e se posicionar frente a
vida, os outros e, principalmente a si mesmos por meio de “processos de conscientização”,
examinando qualidades e defeitos são possíveis mediante as rotinas institucionais e rituais
às quais os adeptos se submetem incorporando responsabilidades e papéis. E uma vez mais
percebemos como apesar de possuírem núcleos próprios e definidores das especificidades
que as nutrem, as instâncias sociais e simbólicas estão incansavelmente em diálogo, mesmo
quando às vezes isto possa parecer pouco provável. É o que verificamos quando analisamos
a distribuição de papéis e atividades desenvolvidas pelo grupo na Casa de Oração levando
em consideração o gênero, em que os homens ocupam posições centrais e de comando,
enquanto algumas mulheres, apesar do nível de conhecimento cosmológico que
demonstram ter, por diversos motivos, não ocupam tais posições, embora haja uma
tendência para este preenchimento. Paralelamente, as mulheres são predominantes no
exercício da mediunidade – um trabalho que envolve diretamente o corpo e contribui para a
conformação de um ethos mediúnico específico. Tal estruturação, sem dúvida, para além do
próprio centro reflete, de certa maneira, a divisão de papéis entre homens e mulheres que
ainda vigora na sociedade.
Além disso, os processos de identificação e as reelaborações identitárias obtêm êxito
porque os discursos e rotinas experienciados no centro extrapolam para a vida cotidiana dos
adeptos remodelando ou mesmo abandonando velhos hábitos e construindo novos que vão
desde aqueles que referem-se ao corpo, como mudanças de hábitos alimentares, passando
pelas práticas de lazer e do trabalho, estendendo-se, evidentemente, às relações
estabelecidas com parentes e amigos. Assim, por meio do apelo ao conter-se e a auto
refletir-se possível através do disciplinamento e “vigilância”, os adeptos chegam a uma
auto vigilância e a uma conduta de acordo com os parâmetros da religião, não obstante
negociando – aliás, como já demonstrado – com os significados e habitus incorporados dos
sujeitos.
A despeito de toda ênfase na reflexividade atribuída pelos sujeitos e pela própria
religião, sem dúvida relevante, contribui de maneira fundamental para a reorientação dos
- 204 -
indivíduos a experiência vivenciada por eles nos momentos extra-cotidianos circunscritos
aos rituais que têm o poder de transformar significados e comportamentos. Tentando, então,
dar conta desta dimensão, procurei compreender a performance ritual a partir da proposta
de Erving Goffman de “enquadre” e footing. No contexto espírita e mais especificamente
na mediúnica foram identificados dois enquadres: um de orientação pedagógica (cristã) e
outro de atendimento socorrista. Todavia, chamando a atenção para o fato de que as
narrativas são a dimensão privilegiada neste tipo de abordagem e mesmo reconhecendo a
importância que adquirem no desenrolar das atividades mediúnicas, argumentei que
restringindo-se a esta perspectiva de algum modo estaríamos ainda privilegiando apenas
uma dimensão reflexiva nos rituais.
Neste sentido, buscando superar a clássica dicotomia entre sujeito e objeto, procurei
demonstrar que os significados são apreendidos não apenas enquanto representações, mas
como sínteses corporais, em que percepção, reflexão, sensação e imagens estão
essencialmente imbricadas, justamente porque se assentam numa possibilidade primeira
onde há uma cumplicidade originária entre corpo, mundo e outros. Os estudos de Rabelo e
Alves foram o suporte para o desenvolvimento desta temática. Ainda busquei resgatar as
contribuições de Marcel Mauss acerca das “técnicas corporais” e de Pierre Bourdieu sobre
o conceito de habitus, tentando perceber como estão operando no contexto estudado.
Tentei demonstrar como no corpo que se manifesta no ritual encontram-se, chocam-
se e fundem-se sentimentos, percepções, símbolos e contextos envolvendo “eu e outro”,
promovendo a cada encontro uma renovação dos sujeitos, que saem destas experiências
com novas certezas e novos marcos para processos de auto-identificação sempre abertos. A
experiência controlada do transe, juntamente com tudo mais vivido no ritual e mais as
narrativas criadas e sustentadas no contexto religioso, que indubitavelmente transbordam
para a vida cotidiana dos sujeitos, são os possibilitadores da transformação operada nos
adeptos, reconstruindo histórias, identidades e a própria vida.
A contribuição deste trabalho encerra-se aqui. Entretanto, tendo em vista que o
processo de aprendizagem e pesquisa é algo sempre contínuo, infindo e renovado, espero
que assim como na vida dos participantes da COBEM, abram-se perspectivas futuras de
novas abordagens para a exploração de novos campos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AVENIDA perde características com o surgimento de edifícios. A TARDE
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BEM servido, mas falta segurança. TRIBUNA DA BAHIA
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Caderno Cidade, p. 11.
BROTAS é hoje um bairro eminentemente comercial. A TARDE
. Salvador, 26 jul. 1993.
Caderno 01, p. 04.
BROTAS perdeu a antiga tranqüilidade. A TARDE
. Salvador, 12 set. 1998. Caderno Local,
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BROTAS saiu da paz para o caos urbano. A TARDE
. Salvador, 20 jan. 2001. Caderno
Local, p. 04.
BROTAS sofre com roubos e furtos. A TARDE
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CAOS no trânsito. Tráfego é problema crítico em Brotas. CORREIO DA BAHIA
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COMÉRCIO muda perfil das ruas do bairro de Brotas. A TARDE
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COMUNIDADE deflagra campanha em defesa do bairro de Brotas. A TARDE
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NATUREZA e tranqüilidade são preservadas no Horto Florestal. A TARDE
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NOVA praça será inaugurada no bairro de Brotas. BAHIA HOJE
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POLUIÇÃO do trânsito ocupou o famoso “ar puro” de Brotas. A TARDE
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PREFEITURA vai recuperar o bairro de Brotas. BAHIA HOJE
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TRAFÉGO difícil é amostra dos problemas de Brotas. A TARDE
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Anexos:
Quadros e Tabelas
4.1.01. SEXO, IDADE, ESCOLARIDADE E SITUAÇÃO CONJUGAL DOS ENTREVISTADOS
ESCOLARIDADE SITUAÇÃO CONJUGAL
ESTUDA GRAU DE INSTRUÇÃO
SEXO
NOME
IDADE
SIM
NÃO
Anal
fabet
Alfa
betiz
1º g
incp
1º g
comp
2º g
incp
2º g
comp
Sup.
Incp
Sup.
comp
Pós
Grad
sol
tei
ro
viú
vo
Sepa
rado
des
qui
tado
Casa
do
di
vor
ciado
com
cubina
to
João
Pedro
54
Fernando
72
Jorge
52
M
A
S
C
U
L
João
Carlos
66
Samanta
51
Sabina
56
Ive
56
Manuela
65
Cora
43
Natália
28
Lívia
60
Janine
62
Jóice
55
Amanda
29
F
E
M
I
N
Ludmila
25
4. 1.02. SEXO E IDADE DOS ENTREVISTADOS
SEXO
IDADE
MASCULINO FEMININO
TOTAL
20-29 - 03 03
30 – 39 - - -
40 – 49 - 01 01
50 – 59 02 04 06
60 – 69 01 03 04
70 – 79 01 - 01
T O T A L
04 11 15
4.1.03. SEXO E COR DOS ENTREVISTADOS
SEXO
COR
MASCULINO FEMININO
TOTAL
PRETO 02 04 06
BRANCO 01 04 05
PARDO 01 03 04
T O T A L
04 11 15
4.1.04. ESCOLARIDADE: ENTREVISTADOS QUE CONTINUAM ESTUDANDO
ESTUDAM
NÃO ESTUDAM
05
10
4.1.05. SEXO E GRAU DE ESCOLARIDADE DOS
ENTREVISTADOS
SEXO
GRAU DE ESCOLARIDADE
MASCULINO FEMININO
TOTAL
2º Grau incompleto - 01 01
2º Grau completo - 03 03
Superior Completo sem Pós-graduação 01 03 04
Superior Completo com Pós-graduação 03 04 07
T O T A L
04 11 15
4.1.06. SITUAÇÃO CONJUGAL DOS ENTREVISTADOS
SEXO
SITUAÇÃO CONJUGAL
MASCULINO FEMININO
TOTAL
Solteiro (a) - 06 06
Viúvo (a) 01 01 02
Separado (a) - 01 01
Casado (a) 03 03 06
T O T A L
04 11 15
4. 1.07. GRAU DE PARENTESCO DAS PESSOAS QUE MORAM
COM O ENTREVISTADO
P A R E N T E S C O
F R E Q U Ê N C IA S I M P L E S
Somente cônjuge 01
Somente filho 04
Cônjuge e filhos 03
Cônjuge, filhos e netos 02
Somente pais 01
Somente irmãos 02
Pais e irmãos 01
Sobrinho 01
T O T A L
15
4.1.08. LOCAL DE ORIGEM DOS ENTREVISTADOS
L O C A L
F R E Q U Ê N C I A S I M P L E S
Salvador
08
Interior
06
Outros Estados
01
T O T A L
15
4. 1.09. TEMPO DE RESIDÊNCIA DOS ENTREVISTADOS
EM SALVADOR
A N O S
F R E Q U Ê N C I A S I M P L E S
10-19 01
20 – 29 02
30 – 39 02
40 – 49 03
50 – 59 05
Mais de 60 02
T O T A L
15
4.1.10. LOCAL DE RESIDÊNCIA DOS ENTREVISTADOS
R E G I Ã O
F R E Q U Ê N C I A S I M P L E S
RA V 10
Bairros próximos à RA V 05
Bairros distantes à RA V -
T O T A L
15
4.1.11. ENTREVISTADOS QUANTO À SITUAÇÃO DE TRABALHO
ENTREVISTADOS QUE TRABALHAM ENTREVISTADOS QUE NÃO TRABALHAM
11 04
4.1.12. OCUPAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
O C U P A Ç Ã O
F R Q. S I M P L E S
Calculista (público federal) 01
Gerente de faturamento e arrecadação (público estadual) 01
Gerente de RH (público municipal) 02
Assessor de secretário (público municipal) 01
Vendedor Autônomo 01
Programador Visual 01
Professor universitário (público federal e estadual) 01
Professor de banca (trabalho Informal) 01
Professor universitário (privado) e relações públicas (autônoma) 01
Terapeuta e contador aposentado 01
Consultora (micro empresária) e aposentada da Embasa (públ. Estd) 01
Aposentado/Pensionista 03
Estudante 01
4.1.13. OCUPAÇÃO DOS ENTREVISTADOS
O C U P A Ç Ã O
F R E Q. S I M P L E S
Público graduado (federal, estadual e municipal) 05
Trabalho privado 01
Trabalho Informal 02
Privado e autônomo 01
Privado e aposentado 01
Microempresário e aposentado 01
Aposentado/Pensionista 03
Estudante 01
T O T A L
15
4.1.14. PARENTES DOS ENTREVISTADOS QUE
CONTRIBUEM NO ORÇAMENTO DOMÉSTICO
P A R E N T E S C O
F R E Q U Ê N C I A S I M P L E S
Apenas Ego
03
Ego e Cônjuge
05
Ego e filhos 01
Ego, pais e/ou irmãos
05
Apenas o ex-marido 01
T O T A L
15
4.1.15. ESCOLAS ONDE FILHOS DOS
ENTREVISTADOS ESTUDAM
NATUREZA DA INSTITUIÇÃO
F R E Q. S I M P L E S
Fundamental e/ou médio rede privada
01
Fundamental e/ou médio rede pública
-
Fundamental e/ou médio redes privada e pública 01
3º grau rede privada
03
3º grau rede pública
-
3º grau redes privada e pública
02
Outros cursos rede privada
01
Filhos não estudam mais
01
T O T A L
15
4.1.16. DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS QUANTO
AOS HÁBITOS DE LAZER
Hábitos de Lazer
( f )
Hábitos de Lazer
( f )
Ler
10
Ouvir música
03
Ir à praia
08
Ir ao teatro
02
Ir ao cinema
08
Admirar a natureza
02
Assistir TV
06
Ir à casa de amigos
02
Viajar
04
Outros
10
4.1.17. DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS QUANTO
AOS LIVROS QUE GOSTAM DE LER
Tipos de Livros
( f )
Tipos de Livros
( f )
Livros espíritas
11 Livros técnicos 02
Romances
05 Filosofia espiritualista 01
Todos os gêneros
03 Poesia 01
Auto Ajuda
02 Suspense 01
Literatura Brasileira
02
Outros
06
4.1.18. DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS QUANTO AO QUE
GOSTAM DE FAZER EM SUAS HORAS DE FOLGA
O que fazem nas horas de
folga
( f )
O que fazem nas horas de
folga
( f )
Ler
07 Ir à praia 01
Costurar/pintar/trabalhos
artesanais
05 Meditar 01
Ir ao cinema
04 Namorar 01
Ver Tv
04 Tirar fotografias 01
Viajar
03
Ir ao teatro 01
Ouvir música
02
Outros 07
4.1.19. DISTRIBUIÇÃO DOS ENTREVISTADOS QUANTO AOS LOCAIS QUE
GOSTAM DE FREQUENTAR
Locais
( f )
Locais
( f )
Cinema
12
Casa de amigos
03
Teatro
10 Cafés 02
Barracas de praia
04 Casa na ilha/praia 02
Bibliotecas
03 Barzinhos 02
Shoppings
03 Outros 04
4.1.20. ENTREVISTADOS QUANTO À TEREM DESENVOLVIDO SEUS
GOSTOS E HÁBITOS DE LAZER ANTES OU DEPOIS DO ESPIRITISMO
A N T E S D E P O I S
15 -
4.2.01. RELIGIÃO DOS ENTREVISTADOS
R E L I G I Ã O
(f)
Espírita 13
Holista 01
Cristã 01
T O T A L
15
4.2.02. RELIGIÃO DOS PAIS DOS ENTREVISTADOS
R E L I G I Ã O
PAIS
APENAS
MÃE
APENAS
PAI
Espírita 02 02
Católica 07 02 02
Evangélicos
Maçom 01
Várias religiões 03
Sem religião 01 01
Não soube informar 02
T O T A L
07 08 08
4.2.03. ENTREVISTADOS QUANTO A TEREM FREQUENTADO OUTRA (S)
RELIGIÃO (ÕES) ALÉM DO ESPIRITISMO
JÁ FREQUENTARAM
OUTRAS RELIGIÕES
NÃO FREQUENTARAM
OUTRAS RELIGIÕES
T O T A L
14 01 15
4.2.04. OUTRAS RELIGIÕES FREQUENTADAS PELOS ENTREVISTADOS
R E L I G I Õ E S
( f )
Católica
08
Afrobrasileiras 01
Católica + Afrobrasileiras 02
Secho-no-iê + Afrobrasileiras 01
Católica + Afrobrasileiras + Evangélicas 01
Católica + Afrobrasileiras + Evangélicas + Testemunha de Jeová 01
T O T A L
14
4.2.05. MOTIVOS QUE LEVARAM OS ENTREVISTADOS A
BANDONAREM AS OUTRAS RELIGIÕES
R E L I G I Õ E S
* M O T I V O
CATÓLICA
EVANGÉLI
CAS
AFROBRA
SILEIRAS
OUTRAS
Os princípios da religião não convenciam/
descrença/decepção.
10 01
01
A religião não resolveu os seus problemas de
saúde e/ou de parentes
Não possuía um forte vínculo com a religião;
freqüentava por curiosidade ou influência de
parentes e amigos.
02 01 02
02
Não entendia e/ou não gostava das concepções e
práticas da religião.
02
Outros 01
(*) Muitos entrevistados atribuíram mais de um motivo para o abandono das religiões. Por isso, os números
apresentados nesta tabela não correspondem ao número total de entrevistados.
4.2.06. IDADE DOS ENTREVISTADOS QUANDO DEIXARAM AS OUTRAS RELIGIÕES
I D A D E CATÓLICA EVANGÉLICA
AFRO
BRASILEIRAS
OUTRAS
10 – 19 05 - 02 01
20 29 05 - 02 -
30 – 39 01 - - 01
40 49 01 01 02 01
4.2.07. ENTREVISTADOS QUANTO A FREQUENTAREM
OUTRA RELIGIÃO ALÉM DO ESPIRITISMO
FREQUENTAM OUTRA RELIGIÃO NÃO FREQUENTAM OUTRA RELIGIÃO
- 15
4.2.08. PERÍODO EM QUE OS ENTREVISTADOS
CONHECERAM O ESPIRITISMO (POR IDADE) 4.2.09. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE OS ENTREVISTADOS
CONHECERAM O ESPIRITISMO
IDADE DOS
ENTREVISTADOS
FREQ. SIMPLES
01 - 09 03
10 – 19 07
20 – 29 02
30 – 39 01
40 – 49 01
50 - 59 01
T O T A L
15
C I R C U N S T Â N C I A FREQ. SIMPLES
Através de parentes e amigos 03
Através de desconhecidos 01
Depois do surgimento de doença em si ou em parentes 04
Nasceu em família espírita 02
Depois do aparecimento de fenômenos mediúnicos em parentes --
Através de algum tipo de leitura espírita
05
T O T A L 15
4.2.10. TEMPO QUE OS ENTREVISTADOS
FREQUENTAM O ESPIRITISMO
E M A N O S
(f)
01 – 09 01
10 – 19 05
20 – 29 06
30 – 39 03
T O T A L
15
4. 2.11. CIRCUNSTÂNCIA EM QUE OS ENTREVISTADOS
CONHECERAM O CENTRO ESPÍRITA
COMO CONHECEU O CENTRO ( f )
Através de parentes e/ou amigos freqüentadores do centro 11
Indicação 02
Morava perto do centro e passou a frequentar 02
T O T A L 15
4.
2.12. MOTIVO DOS ENTREVISTADOS PERMANECEREM NO CENTRO
ESPÍRITA
MOTIVO DE TER PERMANECIDO NO CENTRO ( f )
Por causa do tratamento terapêutico e afinidade fluídica 01
Gostou das pessoas, do trabalho do centro e pela instituição ficar perto de casa 01
Para fazer pesquisas e se aprofundar mais no espiritismo 01
Gostou e adaptou-se ao centro; afinidade com a energia do centro; sente-se bem e
seguro; criou vínculos com outros frequentadores
10
O centro respondeu todas as suas questões e lhe proporcionou crescimento moral e
espiritual
01
Não informou 01
T O T A L
4. 2.13. TEMPO EM QUE OS ENTREVISTADOS
FREQUENTAM O CENTRO ESPÍRITA
EM ANOS ( f )
01 – 09 03
10 - 19 05
20 – 29 05
30 – 39 02
T O T A L 15
4. 2.15. QUANTIDADE DE VEZES QUE OS
ENTREVISTADOS VÃO AO CENTRO POR SEMANA
IDAS SEMANAIS
( f )
Duas vezes 02
Três vezes 09
Quatro, cinco vezes ou mais 04
T O T A L 15
4. 2.16. PAPÉIS DESEMPENHADOS NO CENTRO
1º GRUPO – 01 PAPEL
H O M E N S M U L H E R E S
PAPEL ( f ) PAPEL ( f )
T O T A L
Médium -- Médium 03 03
TOTAL -- TOTAL 03 03
PAPÉIS DESEMPENHADOS PELOS ENTREVISTADOS NO CENTRO
2º GRUPO – 02 PAPÉIS
H O M E N S M U L H E R E S
PAPEL ( f ) PAPEL ( f )
T O T A L
Médium +
Doutrinador
01
Médium +
Doutrinador
01 02
- -
Médium + Coord.
De atividades
01 01
- -
Médium + Cargo
ADM
01 01
- - Médium + Expositor 01 01
- -
Médium +
Entrevistadora
01 01
TOTAL 01 TOTAL 05 06
PAPÉIS DESEMPENHADOS PELOS ENTREVISTADOS NO CENTRO
3º GRUPO – 03, 04 E 05 PAPÉIS
H O M E N S M U L H E R E S
PAPEL ( f ) PAPEL ( f )
T O T A L
Doutrinador +
Relator + Passista
01 -- - 01
- -
Coord. De Ativid. +
Médium +
Entrevistadora
01 01
Doutrinador +
Médium + Coord. De
Atividades
01 -- - 01
Expositor +
Doutrinador +
Cargos ADM +
Coord. De Ativid.
01 -- - 01
- -
Médium +
Doutrinadora +
Entrevistadora +
Coord. De Ativid.
01 01
-- -
Expositora +
Médium +
Doutrinador +
Cargos ADM +
Coord. De Ativid.
01 01
TOTAL 03 TOTAL 03 06
4.2.17. FREQUÊNCIA SEMANAL POR SUBGRUPO DE PAPÉIS
DESEMPENHADOS
S U B G R U P O S IDAS SEMANAIS AO CENTRO ( f )
Duas vezes
--
Três vezes 03
UM PAPEL
Quatro vezes --
Duas vezes
02
Três vezes
03
DOIS PAPÉIS
Quatro ou Cinco vezes
01
Duas vezes --
Três vezes 03
TRÊS, QUATRO E CINCO
PAPÉIS
Quatro ou Cinco vezes 03
T O T A L 15
4.2.14. FREQUÊNCIA SEMANAL E PAPÉIS DESEMPENHADOS PELOS ENTREVISTADOS
PAPÉIS DESEMPENHADOS NO CENTRO ESPÍRITA
SEXO
NOME
VEZES QUE
COSTUMA IR AO
CENTRO POR
SEMANA
COORDEN.
EXPOST.
DOUTRN.
MEDIUM
CARGOS
ADM.
OUTROS
João Pedro
04
Fernando
03
Jorge
03
M
A
S
C
U
L
João Carlos
02
Samanta
02
Sabina
03
Ive
04
Manuela
05
Cora
03
Natália
03
Lívia
03
Janine
05
Jóice
03
Amanda
03
F
E
M
I
N
I
N
O
Ludmila
03
4.2.18. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELOS ENTREVISTADOS
GÊNERO
MASCULINO FEMININO
NOME
Atividade
que
Desenvolve/
Participa
J
O
Ã
O
P
E
D
R
O
F
E
R
N
A
N
D
O
J
O
R
G
E
J
O
Ã
O
C
A
R
L
O
S
S
A
M
A
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T
A
S
A
B
I
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A
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V
E
M
A
N
U
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L
A
C
O
R
A
N
A
T
Á
L
I
A
L
Í
V
I
A
J
A
N
I
N
E
J
O
Y
C
E
A
M
A
N
D
A
L
U
D
M
I
L
A
Coord. Deptº.
Mediúnico
Coord. Setor de
Atend. Espiritual
Coord. Grupo de
Estudos
Coord.
Atendimento do
Evangelho no Lar.
Coord.
Atendimento
Fraterno
Coord. Educação
Mediúica
Coord. Reunião
Mediúnica
Coord.
Desobsessão
Coord.
Atendimento à
distância
A
T
I
V
I
D
A
D
E
S
C
O
O
R
D
E
N
A
Ç
Ã
O
Coord. Passe de
Irmã Elizabeth
Faz palestras em
doutrinárias
Faz palestras em
grupos de estudo
Entrevistador no
Auxílio Fraterno
Relator no
Atendimento à
Distância
Dá cursos para
doutrinador
Doutrina na
Educação
Mediúnica
Doutrina na
Mediúnica
D
O
U
T
R
I
N
/
P
A
L
E
S
T
/
R
E
L
Doutrina na
Desobsessão
Passista nas
doutrinárias
Passista em
sessões de passes
Passista em trat.
espirituais ou
corporais
Psicofonia no
desenvolvimento
mediúnico
Psicofonia nas
mediúnicas
Psicofonia na
desobsessão
R
E
L
I
G
I
O
S
A
S
M
E
D
I
U
N
I
D
A
D
E
Projeção no
Atendimento à
Distância
Membro do
Conselho
Administrativo
Membro do
Conselho Fiscal
Conselheira
D
I
R
E
T
O
R
I
A
Presidente da
Assembléia
4.2.19. RECONHECIMENTO DOS ENTREVISTADOS QUANTO A
MUDANÇAS EM SUAS VIDAS DEPOIS QUE CONHECERAM O ESPIRIT.
A VIDA MUDOU DEPOIS QUE
CONHECEU O ESPIRITISMO
A VIDA NÃO MUDOU DEPOIS QUE
CONHECEU O ESPIRITISMO
15 -
4.2.20. MUDANÇAS QUE OCORRERAM NA VIDA DOS ENTREVISTADOS
DEPOIS QUE CONHECERAM O ESPIRITISMO
M U D A N Ç A
( f )
Se modificou internamente 09
Se modificou internamente; o relacionamento e a convivência com a família
melhoraram
03
Se modificou internamente, mas as obsessões pioraram 01
A qualidade vibracional e o relacionamento com os familiares melhoraram 01
Se modificou internamente e passou a orar mais 01
T O T A L 15
4.2.21. ENTREVISTADOS QUANTO A SEREM OS ÚNICOS MEMBROS DA FAMÍLIA
A FREQUENTAREM O ESPIRITISMO
O ENTREVISTADO É O ÚNICO NA FAMÍLIA
A FREQUENTAR O ESPIRITISMO
O ENTREVISTADO NÃO É O ÚNICO NA FAMÍLIA
A FREQUENTAR O ESPIRITISMO
08 07
4.2.22. FORMA COMO OS MEMBROS NÃO ESPÍRITAS DA FAMÍLIA
DO ENTREVISTADO VÊEM SUA PARTICIPAÇÃO NO ESPIRITISMO
POSTURA DOS PARENTES DOS ENTREVISTADOS ( f )
De forma positiva e com respeito
09
Com reclamações pelo entrevistado ir muito ao centro 03
Algum(s) familiar(es) não gosta(m), mas outros vêem normalmente 03
T O T A L 15
4.2.25. PARENTES DOS ENTEVISTADOS QUANTO A
FREQUENTAREM O CENTRO ESPÍRITA PESQUIADO
4.2.23. OUTRAS RELIGIÇÕES FREQUENTADAS POR
MEMBROS DA FAMÍLIA DOS ENTREVISTADOS
4.2.24. OUTROS MEMBROS DA FAMÍLIA DOS ENTREVISTADOS
ADEPTOS DO ESPIRITISMO
PARENTES QUE FREQUENTAM O CENTRO
PESQUISADO
PARENTES QUE NÃO FREQUENTAM O
CENTRO PESQUISADO
07 08
R E L I G I Ã O
( f )
Nenhuma 04
Catolicismo 08
Testemunha de Jeová 02
Candomblé 02
F A M Í L I A
( f )
Todos os membros da família
02
Os filhos 03
Irmãos 02
Diversos parentes 04
Ninguém 04
T O T A L 15
4.2.26. DISCUSSÃO OCORRIDA NA CASA DO ENTREVISTADO
POR CAUSA DO ESPIRITISMO
4.2.27. MOTIVOS DAS DISCUSSÕES OCORRIDAS NA CASA DOS
ENTREVISTADOS POR CAUSA DO ESPIRITISMO
M O T I V O ( f )
Por ficar muito tempo no centro espírita
04
Discordâncias externas à religião pesquisada: opiniões divergentes formadas a partir de outras
religiões ou por não gostar do espiritismo
04
4.2.28. ENTREVISTADOS QUANTO A MUDANÇAS DE HÁBTIOS
DEPOIS QUE CONHECERAM O ESPIRITISMO
OCORRERAM MUDANÇAS DE
HÁBITOS
NÃO OCORRERAM MUDANÇAS DE
HÁBITOS
07 08
JÁ HOUVE DISCUSSÃO
NUNCA HOUVE DISCUSSÃO
08 07
4.2.30. DISCRIMINAÇÃO DAS MUDANÇAS DE HÁBITOS
4.2.29. MUDANÇAS DE HÁBITOS DOS ENTREVISTADOS
DEPOIS QUE CONHECERAM O ESPIRITISMO
(
* )
Várias das discriminações apareceram combinadas nas repostas dos entrevistados, portanto, a quantidade de
discriminações não corresponde ao total dos entrevistados.
H Á B I T O D I S C R I M I N A Ç Ã O
* FREQ. QUE SURGIRAM
NAS RESPOSTAS DOS
ENTREVISTADOS
Dar prioridade ao centro em relação a outros compromissos, como ir
à ilha, festas, aniversários e cinema
02
L
A
Z
E
R
Deixou de ir a barzinhos e boates 01
T
R
B
Deixou de fazer trabalhos extras para ir ao centro 01
F
A
M
O relacionamento com os familiares melhorou 02
Diminuiu a ingestão de carne vermelha 02
Diminuiu a ingestão de bebida alcoólica 02
A
L
I
M
E
N
T
A
R
Passou a ingerir alimentos leves 02
Deixou de fumar 02
O
U
T
R
O
S
Deixou de fazer cursos porque chocavam com os horários do centro 02
M U D A N Ç A D E H Á B I T O S
( f )
Alimentar 02
Outros 01
Lazer e alimentar 01
Lazer, alimentar, outros 01
Família, alimentar, outros 01
Lazer, trablaho, família, alimentar, outros 01
T O T A L 07
4.2.31. LIVROS ESPÍRITAS LIDOS PELOS ENTREVISTADOS
LIVRO
LIDO NO TODO LIDO EM PARTE NÃO LIDO
O Evangelho Segundo o Espiritismo 13 02 -
O Céu e o Inferno 10 01 04
O Livro dos Espíritos 12 03 -
O Livro dos Médiuns 14 01 -
A Gênese 10 02 03
Obras Póstumas 10 02 05
O que é o Espiritismo 11 02 02
*4.2.33. LIVROS LIDOS PELOS DOUTRINADORES E MÉDIUNS
** CATE
GORIA
livro
Lei
Tu
ra
O Evange
lho...
O Céu
e o Inferno
LE LM A Gênese
Obras
Póstumas
O que é o
Esprt.
Não lido - - - - - 01 -
Lido em
parte
- - - - - - -
D
O
U
T
R
I
N
A
D
O
R
Lido no
todo
02 02 02 02 02 01 02
Não lido - 03 - - 03 02 02
Lido em
parte
01 01 03 05 01 02 01
M
É
D
I
U
M
Lido no
todo
07 04 05 07 04 04 05
Não lido - 01 - - - 02 -
Lido em
parte
01 - - - 01 - 01
D
O
U
T
/
M
E
D
I
U
Lido no
todo
04 04
05 05 04 03 04
(*) Este quadro é um desdobramento do quadro 3.2.10. Ele discrimina a mesma leitura feita pelos entrevistados do quadro anterior,
contudo, classificando-os enquanto doutrinadores, médiuns E médiuns e doutrinadores
(**) A área superior do quadro está composta por um total de 02 (dois) doutrinadores, a intermediária por 08 (oito)
Médiuns e a inferior por 05 (cinco) entrevistados que exercem a função tanto de doutrinador quanto de médium.
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