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Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ALINE CORRÊA DE SOUZA
COMO MANDA O FIGURINO:
práticas terapêuticas entre idosos de Porto Alegre
Porto Alegre
2005
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1
ALINE CORRÊA DE SOUZA
COMO MANDA O FIGURINO:
práticas terapêuticas entre idosos de Porto Alegre
Dissertação desenvolvida como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em
Enfermagem do Curso de Mestrado em
Enfermagem da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
Orientadora: Dra. Marta Julia Marques Lopes
Porto Alegre
2005
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2
Catalogação por Celina Leite Miranda (CRB-10/837).
S631c Souza, Aline Corrêa de
Como manda o figurino : práticas terapêuticas entre idosos de
Porto Alegre / Aline Corrêa de Souza ; orient. Marta Júlia Marques
Lopes. – Porto Alegre, 2005.
115 f. : il. color.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem. Curso de Mestrado
em Enfermagem, 2005.
1. Saúde do idoso. 2. Automedicação. 3. Envelhecimento. 4.
Conhecimentos, atitudes e prática em saúde. 5. Terapias
complementares : utilização. 6. Acesso aos serviços de saúde: Porto
Alegre, RS. I. Lopes, Marta Júlia Marques. II. Título.
Limites para indexação: Humano. Meia-idade. Idoso.
LHSN – 769
NLM
WA 300
3
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas aquelas pessoas que contribuíram de alguma forma para a
elaboração deste trabalho.
À professora Marta Julia Marques Lopes, minha orientadora desde os tempos da
graduação, pelo incentivo, dedicação e críticas construtivas. Também pela grande
inspiração a seguir meu trabalho na saúde coletiva, e acima de tudo pela amizade
sincera.
À professora Tatiana Engel Gerhardt, pelas contribuições e apoio, também pelas
bibliografias e principalmente pela amizade. Ao professor Johannes Doll, pela
colaboração e auxílio no campo da gerontologia. À professora Maria de Lourdes
Denardin Budó pelas contribuições no exame de qualificação.
Às professoras do Mestrado da Enfermagem pelas discussões, construções e
desconstruções de conhecimentos. Aos colegas do Mestrado pelo apoio e convívio
inclusive nos momentos de descontração.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por me proporcionar um estudo
gratuito e de qualidade. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) pelo auxílio financeiro no custeio de minha bolsa de estudos.
Aos amigos da equipe de saúde da Unidade Pitoresca, por todo auxílio e
incentivo. À Giceli pelo auxílio na realização das entrevistas e transcrição das fitas.
Aos meus pais Aldo e Adenir, pela vida, por todos os ensinamentos e por me
inspirarem nesta temática. À minha querida irmã Miriam por todas as sugestões,
revisões e leituras incansáveis deste trabalho.
5
Ao meu companheiro amado Adriano, por todo apoio nos momentos de angústia,
e pelo amor e carinho que nutrem minha vida diariamente.
6
Tornar-se idoso é como uma travessia de um rio de margens imprecisas.
Um processo que torna parte considerável da vida.
Não se fica idoso de um dia para outro.
Ser idoso não se resume a algo convencionado, como completar 60 anos num
país em desenvolvimento, ou 65 anos num país desenvolvido,
pois a idade cronológica não traz uma correspondência
obrigatória com as fases do envelhecimento biológico ou social.
No imaginário e na representação individual do idoso, ele observa, constata e
reflete sobre o seu próprio envelhecer, o seu “ser idoso”, e manifesta este sentimento
em simples gesto, atitude ou palavra, ou de formas mais complexas,
com manifestações mais elaboradas envolvendo, por exemplo, mente-corpo,
saúde-doença...”
(Ricardo Shoiti Komatsu, 2003)
7
RESUMO
Observa-se que indivíduos e idosos, particularmente, utilizam diversas práticas
terapêuticas, buscando o alívio ou a cura de algum desconforto físico ou mental.
Culturalmente, em diferentes sociedades, os indivíduos utilizam-se de vários recursos
para manter-se com saúde; além das práticas "formais", fazem uso de fórmulas
caseiras ou medicamentos que possuem em casa. Com este estudo objetivou-se
conhecer e compreender o uso de práticas terapêuticas entre idosos residentes em
área urbana, na Zona Leste do município de Porto Alegre. Trata-se de um estudo
exploratório descritivo com abordagem qualitativa. Foram desenvolvidas entrevistas
semi-estruturadas com 24 idosos. Processou-se a caracterização sociodemográfica
desses idosos e a análise temática das informações coletadas. Os idosos entrevistados
eram na maioria do sexo feminino, com média de idade de 68 anos, tinham 4 anos
completos de estudos, e renda familiar, em média, de três salários mínimos, a metade
dentre eles possuía convênio de saúde particular. Para metade dos idosos
entrevistados a saúde era considerada como ausência de doença, outra parcela
considerava que o processo saúde e doença está diretamente ligado aos usos sociais
do corpo, como, por exemplo, o trabalho e a realização de atividades diárias. Dentre os
participantes 4 referiram a saúde como um processo mais complexo no sentindo de
qualidade de vida, dependente de fatores biopsicossocias. A principal prática
terapêutica referida pelos entrevistados foi a automedicação. Dessa forma, verifica-se
que mesmo as práticas terapêuticas informais sofreram um processo de medicalização.
O uso de chás caseiros restringe-se a problemas considerados comuns. A outra prática
8
terapêutica referida pelos idosos foi a busca por um profissional médico. Esse fato foi
evidenciado principalmente entre aqueles que possuem convênios de saúde. A busca
por terapeutas populares foi a prática menos referida. Acredita-se que isso foi
influenciado pela presença do profissional de saúde e pelo receio de serem
"repreendidos". Outro fato que se observou foi a utilização simultânea de diferentes
práticas terapêuticas. O que motiva a escolha por uma, ou outra alternativa, é a
duração e a gravidade do desconforto físico e acessibilidade dos recursos terapêuticos.
Observou-se um processo crescente de medicalização entre os entrevistados,
influenciado pelo mercado da saúde e também pela mídia. Isso pode ser verificado pela
busca de soluções mágicas e sem esforços que são a primeira opção, pois respondem
à lógica da urgência e do mercado farmacêutico que acaba por induzir esses
comportamentos imediatos. Considera-se que por meio da análise e discussão crítica
da temática, pode-se subsidiar a capacitação de profissionais no campo da Educação
em saúde e do trabalho da Enfermagem em particular, favorecendo, assim, os
processos de autocuidado e de resolutividade terapêutica para os problemas da
população idosa.
Descritores: Saúde do idoso. Automedicação. Envelhecimento. Conhecimentos,
atitudes e prática em saúde. Terapias complementares: utilização. Acesso
aos serviços de saúde: Porto Alegre, RS.
Limites: Humano. Meia-idade. Idoso.
9
RESUMEN
Se observa que individuos y ancianos, particularmente, utilizan diversas prácticas
terapéuticas buscando el alivio o la cura de algunos malestares físico o mental.
Culturalmente, en diferentes sociedades, los individuos se utilizan de varios recursos
para mantenerse con salud; además de las prácticas "formales", hacen uso de fórmulas
caseras o medicamentos que poseen en casa. Con este estudio se objetivó a conocer y
comprender el uso de prácticas terapéuticas entre ancianos residentes en el área de
abarcamiento de una unidad básica de salud de Porto Alegre, ubicado en la zona leste
del municipio. Se trata de un estudio exploratorio descriptivo con abordaje cualitativa.
Fueron desarrolladas entrevistas semiestructuradas con 24 ancianos. Se procesó la
caracterización sociodemográfica de esos ancianos y el análisis temática de las
informaciones colectadas. Los ancianos entrevistados son en la mayoría del sexo
femenino, el promedio de edad es 68 años, tienen 4 años completos de estudios, y
renta familiar en media de tres salarios mininos, la mitad de ellos posee convenio de
salud particular. Para mitad de los ancianos entrevistados la salud es considerada como
ausencia de enfermedad, la otra parte considera que el proceso salud y enfermedad
está directamente conectado a los usos sociales del cuerpo, como, por ejemplo, el
trabajo y la realización de actividades diarias. Entre los entrevistados 4 refieren la salud
como un proceso más complejo en el sentido de cualidad de vida, dependiente de
factores biopsicosociales. La principal práctica terapéutica referida por los entrevistados
es la automedicación. De esa forma, se verifica que mismo las prácticas terapéuticas
informales sufrieron un proceso de medicalización. El uso de tes caseros se restringe a
10
problemas considerados comunes. La otra práctica terapéutica referida por los ancianos
fue la busca por un profesional médico. Ese hecho fue evidenciado principalmente entre
aquéllos que poseen convenios de salud. La busca por terapeutas populares fue la
práctica menos referida. Se cree que eso es influenciado por la presencia del
profesional de salud y por los temores de que sean "reprendidos". Otro hecho que se
observa es la utilización simultánea de diferentes prácticas terapéuticas. Lo que motiva
la elección por una, u otra alternativa, es la duración y la gravedad del malestar físico y
la accesibilidad de los recursos terapéuticos. Se observó un proceso creciente de
medicalización entre los entrevistados, influenciado por el mercado de la salud y
también por la medios de comunicación. Eso puede ser verificado por la busca de
soluciones mágicas y sin esfuerzos que son la primera opción, pues contestan a la
lógica de la urgencia y del mercado farmacéutico que acaba por inducir esos
comportamientos inmediatos. Se considera que con el análisis y discusiones críticas de
la temática, se puede ayudar la capacitación de profesionales en el campo de la
educación en salud y del trabajo de los enfermeros en particular, favoreciendo así, los
procesos de auto cuidado y de resolución terapéutica para los problemas de la
populación anciana.
Descriptores: Salud del anciano. Automedicación. Envejecimiento. Conocimientos,
actitudes y práctica en salud. Terapias complementarias utilización.
Accesibilidad a los servicios de salud: Porto Alegre, RS.
Límites: Humano. Media edad. Anciano.
Título: Como manda el figurino: prácticas terapéuticas entre ancianos de Porto Alegre.
11
ABSTRACT
It can be observed that individuals and elders make use of several therapeutic
practices in a way to look for relief or the cure of some physical or mental discomfort.
Culturally, in different societies, people make use of several medical resources to keep
healthy. Besides the "formal" practices, they make use of homemade formulas or
medicines they have at home. This study had as its main objective to know and to
comprehend the use of therapeutic practices among elders who live in an area which
has a basic unit of health, located in the east zone in the city of Porto Alegre. This is a
descriptive exploratory study with a qualitative approach. Some semi-structured
interviews were developed and applied to 24 elders. Afterwards, it was processed the
socio-demographic characterization and the analysis of the information collected from
these elders. The elders interviewed were in their majority female, with an average of 68
years old, have 4 complete years of studies, a familiar income of 3 minimum wages and
half of them have private health plans. For half of the interviewed ones their health is
considered as an absence of sickness, the other part considers that the process health
and sickness is directly linked to social uses of the body as work and the
accomplishment of daily activities, for instance. Among the interviewed, 4 referred to
health as a more complex process in the sense of quality of life, depending on bio-
psychosocial factors. The main therapeutic practice mentioned by the interviewees is the
self medication. In this way, it can be verified that even the informal therapeutic practices
suffer a process of medicalization. The use of homemade tea is restricted to problems
which are considered ordinary. The other therapeutic practice mentioned by the elders
12
was the search of a doctor. This fact was mainly referred among those who have health
plans. The search for popular therapists was the least mentioned practices. It is believed
this occured because the elder feels afraid of being “reprimanded“, especially by the
professional of health. Another factor, which can be observed, is the simultaneous
utilization of different therapeutic practices. What motivates the choice of one or another
alternative is the time it lasts, the seriousness of the physical discomfort and the
accessibility of therapeutic resources. It was observed an increasing process of
medicalization among the interviewees who we believe suffered influence from the
health market and also from the mass media. This can be verified by the search of
magical solutions and without any effort which is the first option because they
correspond to the logic of urgency and to the pharmaceutics market which finally induce
to these immediate behaviors. It is considered that with the analysis and critical
discussion of the theme, the qualification of a professional in the field of Health
education and the work of Nursing can be subsidize, favoring in this sense, the process
of self care and therapeutic resolvability for the problems involving the old-aged
population.
Descriptors: Aging health. Self medication. Aging. Health knowledge, attitudes,
practice. Complementary therapies utilization. Health services
accessibility: Porto Alegre, RS.
Limits: Human. Middle age. Aged.
Title: Exactly like: therapeutic practices among elders in Porto Alegre.
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 – Etnia auto-referida pelos idosos – Porto Alegre – 2004 ........ 49
Tabela 2 – Distribuição dos idosos segundo ocupação – Porto Alegre
– 2004 .........................................................................................
50
Figura 1 – Referência dos idosos sobre a sua saúde – Porto Alegre –
2004 ............................................................................................
52
Figura 2 – Distribuição dos medicamentos utilizados pelos idosos
entrevistados – Porto Alegre – 2004 .......................................
53
14
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
APQV – Ambulatório de Promoção da Qualidade de Vida
CADSUS – Programa de Cadastro do Sistema Único de Saúde
EENF – Escola de Enfermagem
GESC – Núcleo de Estudos em Saúde de Escola
HIPERDIA – Programa de Saúde do Governo Federal de Hipertensão e Diabetes
NESPE – Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
OPAS – Organização Pan-americana de Saúde
PSF – Programa Saúde da Família
SUS – Sistema Único de Saúde
UBS – Unidade Básica de Saúde
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
15
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 17
2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA: práticas
terapêuticas e saúde – escolha ou indução?.......................................
2.1 Objetivos do estudo..........................................................................
22
36
2.2 Objetivos específicos........................................................................ 36
3 O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO ADOTADO...................................... 37
3.1 Tipo de estudo .................................................................................. 37
3.2 População em estudo....................................................................... 38
3.2 Coleta de dados................................................................................. 40
3.3 Análise dos dados............................................................................. 41
3.4 Considerações éticas....................................................................... 42
4 VELHICE E SAÚDE ..............................................................................
4.1 Caracterização sociodemográfica e informações de saúde dos
idosos...............................................................................................
4.2 Os idosos: sua saúde e adoecimento................................................
4.2.1 Concepções de saúde dos idosos...................................................
4.2.2 Cuidados com o corpo na velhice....................................................
4.2.3 Práticas terapêuticas entre os idosos...............................................
43
48
54
55
69
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 100
REFERÊNCIAS......................................................................................... 106
16
APÊNDICE A – Guia de entrevista.........................................................
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido.............
113
114
ANEXO – Documento de aprovação da comissão de ética da
Secretaria Municipal de Saúde............................................
115
17
1 INTRODUÇÃO
Este estudo foi desenvolvido para atender ao requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Enfermagem do Curso de Mestrado em Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Está inserido na linha de pesquisa Práticas
de Enfermagem e Saúde Coletiva, do Programa de Pós-Graduação da Escola de
Enfermagem.
Foi elaborado na tentativa de responder a algumas indagações surgidas na
prática profissional no campo da saúde coletiva. Em Unidades Básicas de Saúde,
observa-se que os indivíduos e, particularmente, os idosos utilizam diferentes práticas
terapêuticas para buscar alívio ou cura de algum desconforto físico ou mental. Assim,
fazem uso de chás e remédios caseiros, bem como procuram por atendimentos de
terapeutas populares e utilizam a automedicação, entre outras práticas.
A busca por tratamentos para a cura e alívio de problemas de saúde é uma
atividade realizada em todas as sociedades do mundo. Indivíduos e grupos, além de
procurar atendimento nos serviços de saúde formais, podem buscar resolver seus
problemas em outros sistemas de saúde ditos informais.
Acredita-se que o conhecimento desses processos, que culminam na utilização
de práticas terapêuticas variadas, é necessário, no sentido em que os mesmos
influenciam diretamente o trabalho do profissional de saúde, visto que este se ocupa da
promoção, prevenção, recuperação e proteção da saúde dos indivíduos. Nesse sentido,
concorda-se com autores como Silva et al. (1996), que afirmam que os profissionais de
18
saúde precisam procurar associar seu saber formal ao saber popular, pois com essa
aproximação ocorrerá a apreensão, valorização, utilização e reelaboração do
conhecimento popular e, dessa forma, se evitará a degeneração daquele que é o berço
do saber oficial.
Outro fato que motivou a realização deste estudo é a necessidade de
fundamentação para trabalhar com a população idosa
1
. No Brasil, desde a década de
60, essa população vem crescendo aceleradamente em conseqüência da diminuição
das taxas de fecundidade e de mortalidade nas faixas etárias mais elevadas; acredita-
se, também, que a melhoria das condições de saneamento básico e os avanços
tecnológico-científicos na área da Saúde contribuem para esse crescimento.
Segundo o Conselho Estadual do Idoso (RIO GRANDE DO SUL, 1997), projeta-
se que em 2025 o Brasil será o sexto país do mundo em população idosa; isso mostra a
realidade que se terá de enfrentar e, como diz Lopes (2002), a velhice deixa de ser uma
preocupação exclusiva e individual da família. Especificamente no Rio Grande do Sul,
onde as condições de saúde são melhores, a expectativa de vida, hoje, está em torno
de 74 anos (RIO GRANDE DO SUL, 1997). É necessário, portanto, que os profissionais
de saúde estejam aptos a atender a essa população, em consonância com as diretrizes
da Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994) e do recente Estatuto do Idoso (BRASIL,
2003) o qual também ressalta a necessidade de promover qualificação e orientação aos
cuidadores familiares e aos grupos de auto-ajuda.
1
Utiliza-se a Resolução 39/125 da Assembléia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da
População que estabeleceu a idade de 60 anos como o início da terceira idade nos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (ONU, 1982).
19
Minha experiência com idosos é decorrente da participação em um Projeto de
Pesquisa-desenvolvimento, realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de
Porto Alegre. Nessa unidade, desenvolvo há três anos atividades de Consulta de
Enfermagem, no Ambulatório de Promoção da Qualidade de Vida (APQV). A sua
criação, metodologia e objetivos fazem parte do projeto intitulado “As doenças crônico-
degenerativas e a promoção da qualidade de vida” (LOPES, 2001), iniciado no ano de
1998, por meio de uma parceria entre o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (GESC)
da Escola de Enfermagem EENF/UFRGS, coordenado pela professora Marta Julia
Marques Lopes, orientadora desta dissertação, e o Grupo Hospitalar Conceição/
Divisão de Saúde Comunitária. A partir do ano de 2001, a parceria passou a envolver o
GESC, a EENF/UFRGS e a Unidade Básica de Saúde Pitoresca do município de Porto
Alegre.
O APQV propõe-se, primeiramente, a conhecer em profundidade o processo
saúde-adoecimento dos indivíduos adultos e idosos, nas comunidades assistidas, na
área de abrangência da UBS acima citada. Essa base investigativa, por sua vez, visa a
subsidiar a atuação em atenção básica de saúde, com ênfase na promoção da
qualidade de vida nos campos da assistência, do ensino e da pesquisa.
Esse Ambulatório é, portanto, uma proposta cooperativa entre instituições com
diferentes vocações, aliando esforços no sentido de qualificar mutuamente a pesquisa e
a assistência. As investigações realizadas visam a aprimorar protocolos de atendimento
a adultos e idosos nas atividades de consultas e de grupos terapêuticos, privilegiando
uma atuação multidisciplinar, interdependente e complementar, com enfoque na
promoção da qualidade de vida.
20
No GESC e no APQV entende-se que “qualidade de vida significa diferentes
coisas para diferentes pessoas refletindo o conhecimento, a experiência e os valores do
indivíduo” (PATRICK; ERICKSON, 1999). Observa-se que a definição de qualidade de
vida tem evoluído muito nos últimos anos e, de acordo com Fleck (2000, p. 34) a
Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu qualidade de vida como: “A percepção
do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos
quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.
Esses conceitos sustentam-se no indivíduo que reflete sobre seu contexto, a partir de
suas experiências, e com base nessas percepções, decide qual prática terapêutica
pode utilizar para solucionar seu problema. Então, não se pode deixar de dizer que a
qualidade de vida está intimamente ligada à saúde e, segundo Néri (1993), para o
idoso, ela depende de fatores que são construídos ao longo da vida, quais sejam: carga
genética, estilo de vida, relações sociais e familiares, capacidade laborativa, educação,
suporte econômico e ambiente físico. Portanto, qualidade de vida é uma contínua busca
para um envelhecimento bem-sucedido; e, vale lembrar, essa busca começa muito
antes dos 60 anos de idade.
Nesse sentido, a proposta deste estudo foi investigar as razões para o uso de
práticas terapêuticas entre idosos residentes em área urbana, na Zona Leste de Porto
Alegre, a fim de subsidiar, por meio desse conhecimento, o planejamento das
atividades assistenciais aos idosos e a atuação dos terapeutas no APQV. Portanto, este
estudo propõe-se, com análise e discussão crítica, subsidiar o trabalho da enfermagem
para a educação em saúde, favorecendo os processos de autocuidado e de
resolutividade terapêutica, particularmente à população menos favorecida
21
economicamente e usuária do Sistema Público de Saúde e principalmente da Atenção
Básica.
Esta dissertação está estruturada a partir desta introdução, que apresenta a
temática e as influências para a sua escolha. O capítulo seguinte aborda a problemática
em estudo e os seus objetivos. Na seqüência, estão descritos os procedimentos
metodológicos, os resultados encontrados a partir das entrevistas e a análise temática,
bem como a sua discussão com a bibliografia pesquisada. As considerações finais, a
bibliografia e, por fim, os apêndices e anexos encerram este estudo.
22
2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA: práticas terapêuticas e saúde –
escolha ou indução?
A construção da problemática de pesquisa baseou-se na discussão centrada nas
práticas terapêuticas institucionais, individuais e coletivas, entre os idosos. Dessa
forma, permitiu a elaboração dos objetivos do estudo considerando os aspectos
múltiplos dessa temática e sua complexidade como processo interativo entre indivíduo e
sociedade.
Culturalmente, em diferentes sociedades, os indivíduos utilizam-se de vários
recursos para sanar desconfortos físicos ou emocionais; além das práticas formais,
fazem uso de fórmulas caseiras ou medicamentos que possuem em casa, ou que
adquirem em farmácias; consultam amigos, parentes, ou pessoas que consideram
sábias em tais assuntos, ou ainda realizam algum tipo de jejum (HELMAN, 2003).
Segundo Stotz (1993), a população possui crenças e valores próprios sobre a doença,
sua origem e cura. Nesse sentido, Nunes (2000) salienta que os estudos sobre
percepção, atitudes, crenças e representações têm constituído contribuições
importantes para a compreensão da doença, estudada com base na vivência do
indivíduo e, acrescenta-se, da coletividade. Portanto, acredita-se que o profissional de
saúde precisa considerar as interpretações advindas da experiência dos indivíduos, em
relação às doenças, quando com eles se relaciona.
Antes de evoluir-se na temática, é necessário esclarecer que foi adotada uma
definição do que se entende como práticas terapêuticas. Existem estudos que utilizam
diferentes termos, como, por exemplo, alternativa terapêutica, trajetória terapêutica,
23
terapias alternativas, práticas de saúde, entre outros, os quais, muitas vezes, são
utilizados como sinônimos conceituais. Opta-se por definir dois dentre eles que são:
“alternativas terapêuticas”, utilizado por Helman (2003), e “trajetória terapêutica”,
utilizado por Novakoski (1999). A opção justifica-se pela sua adequação a este estudo.
Helman (2003), em seu livro Cultura Saúde e Doença, examinou sistemas
pluralísticos de assistência à saúde nas sociedades complexas para ilustrar a variedade
de alternativas terapêuticas, e como e por que as pessoas elegem, dentre elas, suas
formas de enfrentamento da doença e de manutenção da saúde.
O autor descreve relatos referentes a esse assunto, provindos de sociedades
diversificadas como, por exemplo, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da África, entre
outras. A partir desses relatos, em que ele descreve os setores de atenção à saúde nas
diferentes realidades, o autor sistematizou aquilo que ele chama de alternativas
terapêuticas. Helman enumera três práticas existentes: a alternativa profissional, a
alternativa popular, e a alternativa informal.
A alternativa profissional é composta por médicos, enfermeiras
2
e outros
profissionais da saúde. Essa alternativa representa um recurso escasso na maioria dos
países do mundo. Estudos de acesso aos serviços de saúde costumam utilizar o
indicador “número de médicos para cada mil habitantes”. No Brasil, esse indicador
alcança a marca de 1,6 médicos por mil habitantes (NUNES et al., 2001), valor acima
do recomendado pela OMS, que é de um médico para cada mil pessoas. Esse valor
estatístico, entretanto, esconde distorções que ocorrem na prática, pois a distribuição
de médicos nas regiões brasileiras não é uniforme. Questiona-se, portanto, se o
2
Optou-se por utilizar o termo “enfermeira” nesse estudo, devido à imensa maioria de mulheres atuantes
nessa profissão.
24
número adequado de médicos signifique o acesso da população aos serviços de saúde
quando deles necessita.
Na alternativa popular, enquadram-se os curandeiros, as parteiras, os
clarividentes, entre outros. Nessa alternativa de cura ocorre um tratamento holístico do
paciente, pois não são tratadas somente as patologias, mas também as relações desse
enfermo. A família participa do processo de tratamento, sendo ela igualmente
responsabilizada pela cura do paciente.
A alternativa informal é o campo leigo, não-profissional e não-especializado da
sociedade, ou seja, familiares, amigos e/ou vizinhos do paciente. A principal atividade
terapêutica na alternativa informal é a automedicação. Nesse sentido, Helman (2003)
afirma que existem normas terapêuticas que interferem na preservação da saúde as
quais incluem crenças, relativas a cada grupo cultural, sobre o modo correto de se
alimentar, vestir, dormir, beber, trabalhar, rezar e conduzir a vida em geral.
A alternativa informal pode ser exemplificada com uma prática amplamente
utilizada: é o uso de chás e plantas medicinais. Segundo Simões (1998), essa utilização
é resultado do acúmulo secular de conhecimentos empíricos sobre a ação dos vegetais
que, em nosso País, além das contribuições indígenas, incluem-se os conhecimentos
trazidos pelos escravos e imigrantes. Essa prática não se restringe à zona rural; fatores
como o alto custo dos medicamentos industrializados, dificuldades econômicas e o
difícil acesso aos serviços de saúde têm contribuído para o aumento da utilização de
tais recursos. E, além desses fatores, as propagandas veiculadas nos meios de
comunicação estimulam o uso desses produtos alternativos (LEFÈVRE, 1991).
Segundo esse autor, ocorre freqüentemente a atribuição de caráter mágico a certos
produtos naturais, o que, possivelmente, causa o abandono do tratamento
25
medicamentoso recomendado. Simões (1998) lembra, ainda, outro problema: a possível
extinção dos espécimes vegetais e das fontes minerais devido à sua exploração
indiscriminada, visto que não há preocupação com o cultivo e a extração.
Tentando compreender os processos das escolhas terapêuticas, Novakoski
(1999, p. 141) estudou, em sua tese de doutorado, a trajetória terapêutica de indivíduos
no município de Paranaguá, no Paraná. Nesse estudo, trajetória terapêutica foi definida
como “a seqüência de recursos de cuidados com a saúde, desde o aparecimento de um
problema ou doença até sua cura, estabilização ou morte“. A autora classificou em três
os recursos terapêuticos: a automedicação, os cuidados tradicionais que envolvem os
terapeutas populares, e os serviços de saúde. A autora também classificou os
problemas de saúde em graves e leves. Para os problemas considerados leves, a
automedicação foi a primeira alternativa de cura utilizada pela maioria dos entrevistados
e, caso ela não solucionasse o problema, a maioria procurava os serviços de saúde
como segunda alternativa; os cuidados dos terapeutas populares eram a terceira
alternativa para os entrevistados. Nos problemas de saúde considerados graves, os
serviços de saúde foram a primeira opção para a maioria absoluta da população
estudada.
Nesta dissertação, foi utilizado o conceito de trajetória terapêutica para investigá-
la entre os indivíduos idosos entrevistados a fim de caracterizar as práticas terapêuticas
por eles utilizadas.
Para elaborar-se uma síntese compreensiva da temática, o termo “práticas
terapêuticas” foi adotado para denominar as atitudes postas em prática com o intuito de
recuperar a saúde, ou obter o alívio de algum distúrbio de saúde. A classificação que
Helman (2003) utiliza para sintetizar essas práticas, quais sejam: alternativa informal,
26
alternativa popular e alternativa profissional, também foi adotada como base de leitura
da realidade. Em geral o termo alternativa é utilizado na área da Saúde de forma
pejorativa para caracterizar atividades não reconhecidas pela Medicina tradicionalmente
científica, ele é utilizado, nesta dissertação, com o sentido de escolha, podendo a
pessoa optar entre várias práticas, incluindo a busca por profissionais. Assim, acredita-
se que essas definições sejam mais adequadas à realidade das práticas terapêuticas,
em nosso meio. Convém salientar que Helman não estudou a cultura terapêutica no
Brasil. Em razão disso, torna-se necessário considerar a pertinência dessas
formulações em nossa realidade.
Para Gerhardt (2000), tanto as alternativas terapêuticas quanto as trajetórias são
feitas com base em escolhas, que dependem de diversos fatores: características do
sujeito (fatores de predisposição) – idade, sexo, etnia, categoria social, educação,
profissão, família, entre outros; características do problema de saúde e de sua
percepção – crônico, agudo, grave, benigno, entre outros; características do sistema de
saúde (alternativas: popular, informal e profissional). A alternativa profissional depende,
ainda, do acesso, da aceitabilidade, do vínculo, da qualidade, da comunicação entre
outros fatores. Todos eles vão influenciar as escolhas e vão gerar diferentes
alternativas, resultando no pluralismo terapêutico, diz a autora. Em seu trabalho sobre
itinerários terapêuticos, Gerhardt (2000) discute a complexidade, a diversidade e a
multiplicidade que ocorrem tanto na organização quanto na cronologia das práticas
socioculturais de saúde utilizadas pelos indivíduos, na tentativa de solucionarem seus
problemas de saúde.
Essas escolhas também são baseadas nas necessidades de saúde do indivíduo.
Cecílio (2001) discute esse conceito complexo que, segundo ele, engloba quatro
27
conjuntos: o reconhecimento das boas condições de vida, a necessidade de ser ter
acesso e de se poder consumir toda tecnologia de saúde necessária para melhorar e
prolongar a vida, a criação de vínculos afetivos entre cada usuário e uma equipe ou
profissional de saúde, e a necessidade de cada pessoa ter graus crescentes de
autonomia no seu modo de levar a vida. Acrescenta-se a esse conceito que as
necessidades de saúde também dependem das interpretações individuais e subjetivas
sobre o que é saúde e doença.
Essa temática, pensa-se, não pode ser discutida sem considerar os diferentes
significados de saúde. Para tanto, buscou-se em autores como Lefèvre (1991) apoio
teórico. Esse autor propõe uma discussão sobre o entendimento das sociedades
capitalistas como a nossa que, ao se preocuparem apenas com os aspectos negativos
da saúde, ou seja, a doença associam-na a produtos de consumo, como, por exemplo,
planos de saúde e medicamentos. A saúde deixa de ser algo inerente ao corpo humano
para tornar-se um ente externo, passível de compra. Atualmente, existem muitos
estímulos nesse sentido, tanto na mídia como nas farmácias, que se transformaram em
verdadeiros centros de compras, onde o cliente escolhe e faz seu “rancho” nas
prateleiras. Esse processo de absolutização da relação consumo e saúde é influenciado
pelo que se denomina “medicalização da sociedade”, desenvolvido pelos
conhecimentos médicos e pelo sistema médico-hospitalar (RENAUD, 1995). Trata-se
de um processo que articula Medicina e sociedade, produzindo idéias e extensão dos
cuidados médicos, ampliando sua vocação intervencionista (VIEIRA, 2002).
Contribuindo com essa concepção de saúde, Nogueira (2001) refere que na
cultura contemporânea o corpo se torna um objeto de constante preocupação, gerando
uma visão superficial e egocêntrica do que é saúde, além de cuidados excessivos e
28
obsessivos com o corpo. Concorda-se com o autor quando ele comenta que esses
cuidados excessivos impossibilitam a conquista de uma vida saudável, de maneira
espontânea e tranqüila.
Tentando, então, pensar esses processos em outras bases, buscou-se em
Christophe Dejours (1986, p.6) definições de saúde mais complexas, entendendo que
não se trata de um estado de estabilidade e nem de algo que vem do exterior; é, sim,
“uma coisa que se conquista, que se enfrenta e de que se depende”. Dejours contesta o
conceito da Organização Mundial da Saúde, de que saúde é um completo estado de
bem-estar físico, mental e social, pois, segundo ele, este estado perfeito não existe.
Para resumir essas idéias, o autor refere que saúde, para cada homem, mulher ou
criança, é ter meios de traçar um caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar
físico, psíquico e social.
Concordando com Dejours, acredita-se que não existe um estado de completa
saúde, pois, por exemplo, um idoso pode estar saudável e sentir-se assim, mesmo
sendo portador de uma doença crônico-degenerativa. Por isso, não podemos adotar
uma categorização normativa, absoluta sobre o que é doença e o que é saúde,
principalmente em se tratando da população idosa.
Contribuindo com esse pensamento, Capra (1982) afirma que assim como a
condição de uma pessoa está intimamente ligada ao seu meio ambiente natural e
social, ela não pode ter um nível absoluto de saúde que esteja independente de seu
meio ambiente. Portanto, as variações do seu meio ambiente irão influenciar seu estado
de saúde, podendo ter momentos temporários de precariedade, o que torna muitas
vezes impossível delimitar uma linha entre saúde e doença.
29
Portanto, a saúde é um conjunto de situações que depende de vários contextos e
ela pode ser avaliada a partir de diferentes perspectivas: a saúde objetiva e a saúde
subjetiva. A primeira é avaliada com aspectos objetivos, como exames médicos; já a
saúde subjetiva é avaliada pela própria pessoa, a partir de suas percepções.
O conceito de saúde subjetiva é bastante utilizado na Gerontologia, como afirma
Doll (1998) em uma pesquisa em que estuda a relação entre a saúde subjetiva e a
satisfação de vida. Essa percepção da própria pessoa a respeito de sua saúde tem
grande relação com os aspectos funcionais e as tarefas realizadas no dia-a-dia pelos
idosos pesquisados. Outro fator importante que o autor apresenta vem da Psicologia
cognitiva, que diz que o comportamento humano é resultado das representações
cognitivas que ele faz de si mesmo e de seu mundo e não do estado objetivo de sua
saúde.
Refletindo sobre o processo de envelhecimento, Lopes (2002) afirma que a
saúde perfeita não poderia ser o objetivo essencial no tratamento dos idosos, e que o
profissional de saúde, ao auxiliá-los no entendimento de um distúrbio, estaria criando
uma oportunidade de introspecção desse processo. Com essa participação e
compreensão na elaboração do tratamento, o paciente idoso faria uma utilização mais
restrita de medicamentos e serviços de saúde.
Essa postura profissional poderia evitar o que Dejours (1986) constata no
comportamento de pessoas que, ávidas pela cura de seus males, procuram tratamentos
imediatos que, de preferência, não lhes demandem trabalho. Escuta-se, com
freqüência, na prática assistencial, indivíduos solicitando medicações para resolverem
problemas de saúde que poderiam ser controlados com atitudes como a reeducação
alimentar, por exemplo. No entanto, a busca da solução mágica e sem esforços é a
30
primeira opção, pois responde à lógica da urgência e do mercado farmacêutico que
induz esses comportamentos.
Autores como Barros (1995) também discutem o uso ininterrupto de bens e
serviços e a intenção de vinculá-los ao bem-estar, à saúde e à felicidade. O autor
analisa a ideologia do mercado que gera a produção capitalista, por meio do estímulo
ao consumo, onde a manipulação dos indivíduos limita sua liberdade de escolha e
conhecimento em relação à qualidade e à necessidade efetiva do que consomem.
Nesse sentido, as práticas “aditivas” de consumo de medicamentos, de produtos
saudáveis, de alimentos, constituem-se elementos dessa lógica capitalista e a
medicalização da sociedade seu instrumento de legimitização.
Mesmo considerando a validade desses argumentos, pensa-se que o processo
saúde-adoecimento vai além e constitui-se, como significado, a partir, também, das
vivências subjetivas, próprias de cada indivíduo. Nunes (2000) desenvolve essa idéia,
quando afirma que pessoas com a mesma doença podem experenciá-la de uma
maneira totalmente diferente, conforme suas características de personalidade,
percepções e interações sociais. Nesse sentido, acredita-se, como Fracolli e Bertolozzi
(2001) e Budó e Saupé (2004), que a atuação em saúde precisa valorizar a forma como
os usuários, individualmente ou nos grupos sociais, entendem o processo saúde-
doença.
Porém, é preciso lembrar que a multiplicidade das escolhas, das condutas, das
práticas e dos tratamentos adotados simultaneamente ou em série, por um indivíduo,
não podem ser interpretados a partir de uma abordagem centrada somente nele
(GERHARDT, 2000). Não se pode esquecer que esses comportamentos, assim como
31
outros, estão inseridos em um contexto sociocultural que reflete amplamente o
resultado das relações sociais que ultrapassa as condutas individuais.
A partir de seus estudos Helman (2003) afirma que freqüentemente, encontram-
se pessoas com idéias e explicações para diagnosticar e tratar as doenças,
principalmente em grandes centros urbanos. Com base nessas teorias populares,
pacientes angustiados pelo sofrimento de males se submetem aos mais diversos
autotratamentos. Analisando a noção de cuidado de saúde Lopes (1996, p.57) refere
que essa noção é "concebida como feminina e produto de "qualidades naturais" das
mulheres". Dessa forma, Helman acrescenta que maior parte dos cuidados ocorre
dentro da família através de mães e avós. Observa-se que elas são o alvo prioritário do
consumo apelativo de recursos de higiene e saúde.
Por outro lado, ao consultar os profissionais de saúde, Stimson, citado por
Helman (2003), refere que o paciente, após ser orientado, faz uma avaliação leiga,
refletindo se “faz sentido” ou não a conduta prescrita. Acredita-se que esse processo é
influenciado pelas explicações que os profissionais fornecem aos usuários, pelas suas
experiências anteriores quanto ao problema, e também pelo contexto cultural em que
está inserido. Pensa-se que essas avaliações e interpretações dos pacientes
influenciam diretamente a sua adesão ao tratamento.
Em um estudo sobre o significado do termo adesão à terapêutica, Leite e
Vasconcellos (2003) constataram uma ausência consensual sobre o tema, mas afirmam
que, de forma geral, é compreendido como a utilização dos medicamentos ou outros
procedimentos prescritos, observando horários, doses, tempo de tratamento. Segundo
as autoras, alguns fatores estão diretamente associados à adesão à terapêutica, quais
sejam: o fator econômico, a quantidade de medicamentos prescritos, os efeitos
32
colaterais, a compreensão da doença, aspectos relacionados ao profissional que
orienta, ao paciente e, finalmente, ao contexto social em que ele vive. A esses fatores
acrescentam-se os aspectos relacionados ao contexto cultural, visto que eles
influenciam, em alguns casos, decisivamente o seguimento do tratamento necessário.
Diaz (1996) classifica os fatores que interferem na não-adesão ao tratamento
medicamentoso por pacientes idosos, da seguinte forma:
a) fatores técnicos - referentes à apresentação das drogas, dificuldade de
deglutição, quantidade diária consumida, tipo de medicação e sabor da
medicação;
b) fatores biológicos - efeitos colaterais, tóxicos e idiossincrásicos;
c) fatores psicológicos - depressão, negação ou medo da doença, auto-
estima diminuída, idéias de suicídio, necessidade de
sofrimento/autopunição, relação médico paciente;
d) fatores sociais - dificuldade econômica, conselhos de terceiros, baixa
percepção do custo-benefício da terapêutica, ingestão de bebidas
alcoólicas;
e) fatores mistos - esquecimento, desconhecimento da doença, número de
serviços utilizados pelo paciente, nível educacional e automedicação.
Para contornar o problema, o autor sugere um bom diagnóstico da não-adesão, a
participação da equipe interprofissional e a simplificação do esquema terapêutico.
Acredita-se que estudos sobre as práticas terapêuticas são úteis para a realização
desse diagnóstico da não-adesão, bem como suscitam elementos que explicam esse
fenômeno.
33
A experiência de consultório do projeto APQV tem fortalecido a idéia de que essa
complexidade, advinda das múltiplas influências no processo terapêutico, precisa ser
considerada pela enfermeira no sentido de ela ser capaz de estabelecer um vínculo
com o paciente. Sabe-se que a compreensão dos pacientes é diferente da dos
profissionais, portanto a relação entre eles precisa ser baseada na capacidade do
indivíduo de compreender e dar significado às mensagens educativas e terapêuticas
fornecidas a ele. A enfermeira necessita, portanto, assumir seu espaço no atendimento
individual, aumentando, dessa forma, sua capacidade de intervenção e influência no
processo de saúde-adoecimento, contribuindo para a melhora da escuta e do
atendimento da comunidade (SOUZA; LOPES, 2003).
Autores como Helman (2003) contribuem com essa discussão, quando afirmam
que a enfermeira tem papel crucial na avaliação e no manejo das doenças crônicas,
deficiências, gravidez e problemas de saúde dos idosos.
Como já discutido anteriormente, sabe-se que as alternativas terapêuticas são
utilizadas muitas vezes de forma simultânea e que uma não exclui a outra. Entretanto,
também se observa que o difícil acesso aos serviços de saúde pode aumentar a
ocorrência da utilização de práticas terapêuticas dos setores informal e popular.
Diariamente pessoas que procuram atendimento são excluídas, formando a demanda
reprimida, representada pelos pacientes que vão embora sem nenhum atendimento.
Nesse sentido, ao se discutir o acesso a serviços, pode-se dizer que existem
inúmeros fatores que geram a demanda reprimida, tais como: o reduzido número de
profissionais; áreas físicas em más condições e, principalmente, o fato de não haver, na
maioria dos serviços acolhimento resolutivo às demandas e às necessidades de saúde
dos usuários que os procuram. Nessa linha, o acolhimento, considerando o que dizem
34
Franco, Bueno e Mehry (1999) consiste na necessidade de reorganização do serviço, a
fim de que ele garanta acesso universal, resolubilidade e atendimento humanizado
àqueles que o procurarem. Assim sendo, faz se necessário receber e ouvir todas as
pessoas que buscam o serviço, com seus problemas.
E, particularmente no caso dos idosos, é preciso considerar que, muitas vezes, o
que se vê na prática cotidiana é que a busca pelos serviços de saúde é para suprir a
necessidade de contato social desses indivíduos que, na maioria das vezes, estão
aposentados ou moram sozinhos e não dispõem de outro lugar senão uma Unidade
Básica de Saúde para suprir suas necessidades de convivência social.
Alguns serviços de saúde, e também de educação, já perceberam esse fato e
passaram a desenvolver espaços de convivência, com a realização de grupos, cursos,
aulas e atividades físicas. Acredita-se que essas atividades são de extrema
importância, pois influenciam diretamente na qualidade de vida dos indivíduos idosos.
Considerar o atendimento “humanizado” passa pela escuta ativa, por respostas
resolutivas às demandas, por meio de ações que privilegiam o desenvolvimento de
vínculo de confiança e credibilidade no serviço. Lopes, Silveira e Ferreira (1999)
apontam cinco atitudes necessárias para o profissional de saúde adotar em seus
atendimentos: escuta ativa, aceitação do outro, empatia, confiança e ausência de
julgamento. Por meio da “escuta ativa", o profissional de saúde demonstra ao paciente
que o compreende. Pela "aceitação do outro", o profissional aceita o outro de forma
compreensiva. Com a "empatia" o compreende em seus sentimentos e não apenas em
suas idéias. Pela "confiança", o profissional de saúde possibilita que o outro tome
consciência de suas próprias emoções e consiga manejá-las adequadamente. E,
finalmente, com a conduta de "ausência de julgamento", ele evita o desencadeamento
35
da não-adesão à terapêutica. Nesse caso ausência de julgamento significa evitar o a
crítica negativa de alguma atitude tomada pelo indivíduo. Dessa forma, ausência de
julgamento não quer dizer que o profissional deva se isentar completamente, não
utilizando um senso crítico durante o atendimento.
Considerando essas reflexões e tentando avançar na compreensão da
problemática, parte-se para elaborar possibilidades ou óticas de leitura dessa realidade.
Para tanto formulam-se questões norteadoras visando à concretização dos objetivos
deste estudo. São elas:
a) quais fatores influenciam os idosos na escolha das alternativas de
práticas terapêuticas?
b) os idosos atestam, em suas falas e práticas, um processo crescente de
medicalização da velhice? Até que ponto eles reconhecem a indução
para o consumo de produtos relacionados à saúde? Ou, ao contrário,
existe resistência a esse processo social de controle dos corpos e se
pode falar nos idosos do estudo como “cultores da arte de curar”?
c) quais os fatores socioculturais envolvidos nesse processo?
d) como surgem essas práticas terapêuticas informais e populares? E
como elas se relacionam com as vivências do processo saúde-doença
dos idosos?
f) essa procura é resultado de algum fator específico, como o econômico,
por exemplo, ou ela se constitui ainda em uma alternativa
complementar à abordagem adotada no modelo biologicista-
biomédico?
36
A partir dessas reflexões pensa-se que é necessário, no caso dos profissionais
da saúde, que atuam no sistema público de assistência, conhecer mais profundamente
as necessidades, atitudes e interpretações dos idosos, com relação aos cuidados
prestados nos serviços para a recuperação ou manutenção de sua saúde. Dessa forma,
apresentam-se os objetivos desse estudo.
2.1 Objetivos do Estudo
A partir da fundamentação apresentada, objetiva-se conhecer e compreender o
uso de práticas terapêuticas entre idosos residentes em área urbana na zona leste do
município de Porto Alegre.
2.2 Objetivos específicos
Dentre os objetivos específicos traçados para responder a essa problemática,
delimitou-se: caracterizar a população em estudo quanto aos aspectos
sociodemográficos e socioculturais; identificar as práticas terapêuticas e as
circunstâncias de uso; conhecer e discutir as influências, as atitudes, os condicionantes
e os comportamentos reativos ou de adesão, em relação às práticas terapêuticas.
37
3 O MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO ADOTADO
A descrição do método de investigação adotado está dividida em quatro partes:
tipo de estudo; população em estudo; coleta de dados; análise dos dados e
considerações éticas.
3.1 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa. Foram
utilizadas também algumas evidências quantitativas de caráter sóciodemográfico dos
indivíduos entrevistados. A abordagem qualitativa adotada a partir de Minayo (1993),
tem a função de explicar a relação social que é considerada o resultado da atividade
humana criadora, afetiva e racional. Essa pode ser apreendida durante o cotidiano da
vivência e da explicação do senso comum. Nesse sentido, essa abordagem foi a opção
considerada adequada ao tipo de investigação desta proposta.
Triviños (1987) auxilia na sustentação da escolha, quando afirma que o estudo
exploratório descritivo aprofunda o estudo em uma realidade específica, e possibilita
encontrar os elementos necessários para a obtenção de resultados, por meio do
contato com uma determinada população. Segundo o autor, a partir desse tipo de
estudo podem surgir outros problemas de pesquisa, gerando outras investigações.
Essa perspectiva mostra que os resultados não se limitam a responder questões
38
pontuais, mas são potencialmente ricos e vão além das delimitações metodológicas e
dos objetivos traçados.
3.2 População em estudo
A população em estudo compõe-se de idosos maiores de 60 anos, residentes na
área de abrangência de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), situada em área urbana
na Zona Leste do município de Porto Alegre.
Foram critérios de inclusão para esta pesquisa o cadastro do indivíduo na UBS
Pitoresca, pois a escolha dos participantes deu-se pelo registro gerado a partir do
Programa de Cadastro de Usuários (CADSUS); idade igual ou maior que 60 anos,
seguindo a classificação adotada pela ONU; ter condições de manter um diálogo, isto é,
capacidade de entendimento e verbalização, visto que a coleta de dados ocorreu na
forma de entrevistas; e, finalmente, o consentimento em participar do estudo pela
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Segundo o rastreamento realizado em 2002, durante o mapeamento da área de
abrangência da UBS, a população adscrita era composta por 5.750 pessoas e 1.725
famílias aproximadamente. Após revisão no cadastro de usuários, constatou-se que
havia 554 idosos residentes nessa área, ou seja, 9,6% dos moradores são idosos. Faz-
se necessário ressaltar que a equipe de saúde não possuía essa informação, e sempre
supôs que a população idosa era a mais representativa nas comunidades por ela
atendida. Porém, o que se observa após a realização dessa revisão do cadastro de
39
usuários, é que os idosos da população adstrita à unidade de saúde estão abaixo do
percentual do município que é de 11,7% (IBGE, 2005).
Segundo o cadastro diagnóstico de um Programa de Saúde do Governo Federal,
o HIPERDIA, existiam, na área de abrangência da UBS Pitoresca, 121 idosos com
hipertensão, 41 com diabetes mellitus tipo II e hipertensão e 4 com diabetes mellitus
tipo II. Quanto aos serviços oferecidos aos idosos na UBS Pitoresca, além do
atendimento ambulatorial, são feitas avaliações periódicas pelos profissionais de saúde
nas residências das pessoas que possuem algum comprometimento que as
impossibilite de vir à Unidade; nesse programa existem 13 idosos cadastrados como
acamados. Também é desenvolvido pela equipe de saúde um grupo de educação e
saúde da Melhor Idade. Além disso, na UBS, os idosos têm prioridade para a marcação
de consultas.
A área de abrangência é composta por comunidades bem distintas, e estão
representados por diferentes estratos sociais. O Jardim Bento Gonçalves, a Vila dos
Sargentos, a Cooperativa União, a Vila Luizinha e a Vila Biriba são as comunidades do
território de ação da UBS Pitoresca.
Quanto à infra-estrutura urbana, a maioria das ruas é pavimentada, os sistemas
de esgoto, água encanada e coleta de lixo não contemplam toda a comunidade,
apresentando áreas de maior precariedade socioambiental.
Outra característica dessas comunidades é que elas se encontram em uma
região onde predominam áreas de morros, tendo inclusive áreas de risco para
habitação. Esse fator dificulta o acesso de alguns idosos que moram em regiões
íngremes onde o transporte coletivo não passa.
40
3.2 Coleta de dados
Foram selecionados, aleatoriamente, 24 idosos residentes na área de atuação da
UBS Pitoresca. A escolha quantitativa dos sujeitos foi definida a partir da perspectiva de
saturação de dados. Segundo Polit e Hungler (1995), a saturação ocorre quando os
dados da coleta param de produzir novas informações ou fornecem informações
redundantes. Para complementar foi adotada a justificativa de Ghiglione e Matalon
(1997) quando referem que, normalmente, essa saturação ocorre entre 20 e 30
entrevistas devendo atentar-se para essas duas considerações metodológicas. A
seleção partiu de uma amostragem casual simples da relação de nomes do cadastro de
usuários do serviço; a cada intervalo de dezoito pessoas, uma foi escolhida.
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas no domicílio dos idosos, com a
utilização de um guia de entrevista (APÊNDICE A), composto de duas partes. Na
primeira consta a identificação do entrevistado, onde foram coletados os dados
sóciodemográficos. Na segunda parte da entrevista foram elaboradas 9 perguntas
abertas sobre as concepções de saúde dos entrevistados, e as práticas terapêuticas
por eles realizadas. As entrevistas feitas pela pesquisadora e pela bolsista de iniciação
científica EENF/UFRGS, que auxiliou na coleta de dados, foram gravadas em fitas
cassete para melhor registro das informações; as mesmas serão arquivadas por um
período de cinco anos e, após, serão inutilizadas.
A opção pela entrevista semi-estruturada baseou-se em Triviños (1987).
Segundo o autor parte de questionamentos prévios, conforme as questões da pesquisa,
e permite que a partir das respostas do informante criem-se novas hipóteses; dessa
41
forma, ocorre um enriquecimento da investigação. Complementando, cita-se Gil (1999)
que lembra que a entrevista é uma técnica adequada para obter informações acerca do
que as pessoas sabem, crêem, fazem, além de obter suas explicações e razões a
respeito dessas atitudes.
3.3 Análise dos dados
A análise dos dados foi desenvolvida a partir dos conteúdos das entrevistas, que,
gravados nas fitas cassete, foram transcritos em detalhe com o objetivo de manter a
veracidades das informações, e subsidiaram a análise temática das entrevistas.
Seguindo Minayo (1993, p. 209), adotou-se a análise temática que “consiste em
descobrir núcleos de sentido que compõem uma comunicação cuja presença ou
freqüência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”. Os núcleos de
sentido, nesse caso, partiram dos temas eleitos para a estruturação das questões-guia.
Bardin (1977), auxilia na justificativa de adoção dessa construção analítica,
quando afirma que essa técnica de análise de conteúdo é adequada ao estudo das
motivações, atitudes, valores, crenças, tendências. Portanto, ela foi adequada a este
estudo que visou a identificar e compreender as razões de utilização e consumo de
práticas terapêuticas entre os idosos investigados. Já os dados quantitativos foram
tratados e apresentados na forma de freqüência simples.
42
3.4 Considerações éticas
Este estudo foi realizado de forma a respeitar as normas da Resolução 196 de
10 de outubro de 1996 (BRASIL, 1996), tendo como compromisso oferecer o máximo
de benefícios e o mínimo de riscos e danos aos sujeitos envolvidos.
Cada participante foi esclarecido sobre o desenvolvimento do estudo e para isso
recebeu um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B), onde
constavam todos os procedimentos da pesquisa, de forma clara e simples, e onde
manifestaram sua concordância, por meio de assinatura. Todos os dados foram
coletados, analisados e apresentados de forma a preservar a identidade pessoal dos
participantes. Assim, no capítulo da análise de dados, os nomes apresentados foram
substituídos.
O projeto, na sua íntegra, foi encaminhado para o Comitê de Ética em Pesquisa
da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, tendo sido aprovada sua realização
no campo de estudo previsto.
43
4 VELHICE E SAÚDE
Partimos da compreensão de que o envelhecimento é entendido e vivido de
diferentes maneiras, de acordo com as estruturas e relações socioculturais que se
estabelecem. Segundo Moragas (1997), em nosso meio ocidental existem três
concepções de velhice. A velhice cronológica é definida pelo fato de o indivíduo atingir
60 anos de idade. Essa definição denota objetividade na conceituação da velhice,
porém não são consideradas diversas variáveis que podem influenciar a vida de uma
pessoa, como, por exemplo, suas condições de vida, saúde e trabalho. Outra
concepção é a de velhice funcional, onde o indivíduo é considerado velho quando se
torna incapaz ou limitado. Esse conceito é bastante criticado, pois a velhice, na maioria
dos casos, não corresponde à limitação; no entanto, constitui a base de definição da
“sociedade do trabalho” que exclui os velhos e inaptos. E, por fim, a velhice como etapa
vital onde ela é comparada com as outras etapas do ser humano, possuindo uma
realidade própria e diferenciada das anteriores. Nessa concepção, constata-se que
existem certas limitações, mas também potencialidades únicas e distintas que valorizam
as diferentes etapas da vida.
Concorda-se com Moragas (1997) ao afirmar que essa última definição é mais
justa, pois leva em consideração a realidade de cada um; no entanto, este estudo
limita-se ao critério etário para definição da população idosa. Assim, serão
consideradas idosas as pessoas com 60 anos ou mais. Não se trata de desconsiderar
as perspectivas valorizantes dessa etapa; apenas de estabelecer um critério de
definição populacional.
44
Partindo desse critério, e de acordo com levantamento do IBGE, é possível
afirmar que a população idosa brasileira cresceu muito nas últimas décadas. Segundo
Xavier (2004) chega perto de 16 milhões de pessoas, sendo que o segmento dos
idosos mais idosos (80 anos ou mais) é o que mais tem aumentado, embora seu
contingente na população brasileira ainda seja pequeno (CAMARANO, 2002).
Outro fator que se observa é a feminilização da velhice. Segundo Camarano, em
1996, dos 12,4 milhões de idosos, 54,4% eram do sexo feminino. Esse fato ocorre
devido à maior taxa de mortalidade entre os indivíduos do sexo masculino, por fatores
biológicos e ambientais, entre eles, as causas externas (violência e acidentes). As
mulheres vivem, em média, 7,6 anos a mais que os homens.
Para o setor de saúde, o fenômeno do envelhecimento populacional gera uma
mudança no quadro de morbi-mortalidade (Paschoal, 1996); diminuem as doenças
infecto-contagiosas e aumentam as crônico-degenerativas (neoplasias, glândulas
endócrinas e metabólicas, aparelho circulatório e aparelho respiratório). Essa mudança
constitui uma sobrecarga aos serviços de saúde, visto que essas doenças, não tendo
cura, não podem ser resolvidas rapidamente. Constata-se, em decorrência disso, que é
necessário uma reestruturação dos serviços primários de saúde para evitar as
complicações causadas por essas doenças que geram altos gastos de recursos
materiais e humanos e demandam tecnologias complexas.
Foi publicado, no ano de 1997, o relatório de pesquisa do Conselho Estadual do
Idoso (RIO GRANDE DO SUL, 1997), que traçou um perfil do idoso residente em áreas
urbanas do Rio Grande do Sul. Os resultados apresentados, acredita-se serem
pertinentes para contextualizar a população deste projeto. Nesse sentido, optou-se por
45
apresentar esses dados para desenvolver análises comparativas que consideram
parâmetros do Estado do Rio Grande do Sul.
Esse perfil mostra que dos idosos (60 anos e mais) entrevistados nas áreas
urbanas, 66,22% nasceram no meio rural; isso mostra o processo de migração que
ocorre na busca de melhores condições de vida. Quanto à raça, 84,82% eram
indivíduos de cor branca, 8,6%, de cor parda e 6,71%, da raça negra; no entanto, não
consta no relatório se essa questão foi respondida pelo entrevistador ou auto-referida
pelo entrevistado.
Quanto ao estado civil, os idosos casados predominavam, embora os viúvos
tivessem um percentual quase igual. Na distribuição etária, a maioria encontrava-se na
faixa de 60 a 69 anos. A maioria dos idosos do Rio Grande do Sul cursou apenas o
ensino fundamental incompleto; isso demonstra a dificuldade de acesso à educação
que existia há 60 anos atrás. Quanto à renda do idoso, 49,08% dos entrevistados pela
pesquisa recebiam entre um e dois salários mínimos e 10,41% não possuíam renda
própria. As principais despesas pessoais dos idosos eram alimentação, remédios e
saúde.
Tomando como base esse perfil dos idosos no Estado e, buscando conhecer e
discutir suas práticas terapêuticas, supõe-se que os mesmos possuem um “grande”
conhecimento informal sobre tais práticas. Esse saber informal foi adquirido, na maioria
das vezes, por meio da cultura oral que é transmitida de geração para geração. Seus
antepassados acreditavam no poder de cura de diversas práticas que conheciam, e
essa riqueza de conhecimentos favorecia a sua utilização, principalmente pelos mais
velhos. Outro fato observado nesse relatório é que a saúde é um valor, e é uma das
questões que mais preocupam as pessoas que estão envelhecendo; a escolha pelo
46
tratamento para alívio ou cura varia também conforme a influência da cultura de origem.
São valorizadas, então, as práticas com as quais tenham mais identificação
sociocultural, sem desconsiderar os fatores contingentes que são resultados também
da estrutura econômica e de serviços disponibilizados.
Segundo o relatório de pesquisa do Conselho Estadual do Idoso (RIO GRANDE
DO SUL, 1997), em questão, os idosos, quando questionados sobre os valores mais
importantes na vida, indicavam a saúde (48%) e a família (23%). Esse fato ocorre,
segundo os autores, devido à maior intensidade e freqüência com que eles se
envolvem com questões de doença. No tópico sobre a percepção pessoal da saúde,
49,61% consideravam sua saúde regular, e 35,90% responderam que ela era de boa a
ótima. Os motivos apontados por eles, para a sua longevidade, foram o gostar de viver,
a alimentação adequada e os hábitos saudáveis de vida.
Em estudo realizado por Sousa (2002), em uma vila popular de Porto Alegre, que
teve como objetivo caracterizar e compreender as concepções e estratégias de saúde
utilizadas por idosos, 62% dos entrevistados referiram ter boa saúde. A autora discute,
entre outros fatores, o fator econômico. Naquela comunidade, muitos idosos
sustentavam a família inteira (filhos e netos) com sua aposentadoria, o que prejudicava,
segundo vários relatos, a adesão à terapêutica prescrita pelos profissionais de saúde;
por isso, muitos deles recorriam aos chás medicinais, às benzedeiras e às crenças
religiosas para tratarem seus problemas de saúde; no entanto, essas práticas não eram
excludentes, pois coexistiam com as práticas institucionais, quando possível.
Segundo Moragas (1997), o idoso tem certa dificuldade de acesso a essa área
de saúde devido à complexidade dos sistemas modernos de atenção à saúde, e
mesmo devido ao seu problema de saúde. Acredita-se que, nesse momento, se o idoso
47
não conta com a família, que é um intermediário na procura por serviços de saúde, ele
pode adotar alguma prática terapêutica de que tenha conhecimento.
Segundo Xavier (2004), uma pesquisa do Núcleo de Estudos em Saúde Pública
e Envelhecimento (NESPE) do Ministério da Saúde revelou que 73% dos idosos
brasileiros dependem exclusivamente do sistema público de saúde. Em contrapartida, o
atendimento despendido a essa população está longe do ideal, faltam profissionais
qualificados que tenham uma abordagem adequada a essa população.
Essas contradições coabitam hoje com concepções que atestam que a saúde, na
velhice, nos últimos anos, sofreu mudanças no ideário coletivo; ser idoso começa a
deixar de representar degeneração fisiológica, abandono, ausência de papéis sociais e
morte, e passa a relacionar-se com qualidade de vida e “melhor idade”. Nesse sentido,
observa-se que o mercado tem uma grande oportunidade de oferecer serviços de lazer
e orientações preventivas para evitar e retardar ao máximo a velhice.
Esses argumentos auxiliam nas análises que se passa a desenvolver. Para tanto
os resultados da investigação são apresentados e analisados em duas partes:
inicialmente a caracterização sociodemográfica dos 24 idosos entrevistados e, após,
são discutidas suas falas, quanto ao tema desta investigação.
48
4.1 Caracterização sociodemográfica e informações de saúde dos idosos
Os dados analisados nessa etapa foram os relacionados à faixa etária, ao sexo,
à raça e etnia, à escolaridade, e à atividade profissional. Salienta-se que os idosos
foram selecionados aleatoriamente.
Quanto à idade, assim como no relatório do Conselho Estadual do Idoso (RIO
GRANDE DO SUL, 1997), apresentado anteriormente, a maioria dos vinte e quatro
entrevistados encontrava-se na faixa etária de 60 a 69 anos (15 idosos). Ainda nesta
pesquisa, nove tinham idade entre 70 e 79. A média de idade dos idosos era de 68
anos. Não foi encontrada nenhuma prática que distinguisse os idosos mais idosos – no
caso desta pesquisa, aqueles com idades entre 70 e 79 anos – e os idosos com menos
de 70 anos. O que se observou foi uma similaridade na utilização das práticas
terapêuticas entre todos os idosos entrevistados.
O sexo também seguiu o contingente majoritário nessa amostra, refletindo a
maioria feminina. Treze dos entrevistados eram mulheres. Quando questionados
quanto à raça, vinte responderam serem brancos, dois negros e dois pardos/mestiços.
Novamente observa-se que o grupo de entrevistados teve uma caracterização
semelhante ao perfil encontrado nas informações gerais sobre os idosos do Rio Grande
do Sul (1997). A diversidade de etnias encontradas mostra a miscigenação existente na
população do município de Porto Alegre. Foram referidas várias descendências, que
estão apresentadas na Tabela 1. Houve predominância da etnia Italiana, embora dez
idosos não soubessem referir qual era sua ascendência. Somente três entrevistados
referiram mais de uma etnia.
49
Tabela 1- Etnia auto-referida pelos idosos – Porto Alegre - 2004.
Etnia N
Italiana 4
Alemã 2
Africana 2
Indígena 1
Espanhola 2
Alemã/Portuguesa/ Indígena 1
Espanhola/Portuguesa 1
Espanhola/ Indígena 1
Não sabe 10
Total 24
Fonte: Pesquisa direta, Souza e Imperatori, Porto Alegre, 2004.
Encontrou-se, nas entrevistas, que os três que referiram serem descendentes de
índios possuíam uma tradição familiar para o uso de chás e receitas naturais. O mesmo
resultado também foi encontrado entre os quatro descendentes italianos, que referiram
o uso de remédios caseiros tradicionais e originários das práticas familiares.
Em relação à escolaridade, dezesseis idosos referiram somente o ensino
fundamental incompleto, dois, o ensino médio incompleto, um, o superior incompleto,
um, o superior completo e quatro eram analfabetos. Das quatro pessoas analfabetas,
três eram mulheres, e as pessoas com maior grau de escolaridade eram homens. Isso
demonstra não somente a dificuldade de acesso ao estudo, na década de 40, como
também mostra a influência das relações e hierarquias de gênero. Naquela época a
escolarização da mulher não era a prioridade da família; ela era preparada para o
casamento, a criação de filhos e o trabalho doméstico. Conseqüentemente, segundo
Veras (1994), essas mulheres que possuem menor nível de escolaridade têm menos
acesso aos recursos financeiros, o que dificulta o enfrentamento dos desafios
característicos da idade. No entanto, a cultura feminina favorece as opções
50
relacionadas a atividades no meio familiar, a ocupação com a descendência, o
envolvimento em atividades sociais, trabalhos manuais entre outros. Essas atividades
são fonte de manutenção do convívio social na velhice.
Quanto à atividade econômica, vinte e um idosos encontravam-se aposentados
ou inativos. Constata-se que a baixa escolaridade se refletiu nas profissões que os
entrevistados exerciam, expressa na Tabela 2.
Tabela 2 – Distribuição dos idosos segundo ocupação – Porto Alegre - 2004.
Profissão N
Agricultor/ motorista
1
Auxiliar Administrativo
2
Auxiliar de Copa
3
Auxiliar de Enfermagem
1
Auxiliar de Serviços Gerais
3
Cobrador
1
Comerciante
1
Comerciaria
1
Costureira
2
Do Lar
2
Eletricista
1
Funcionário Publico
1
Metalúrgico
1
Militar
1
Motorista
1
Pedreiro
1
Professor ensino médio
1
Total 24
Fonte: Pesquisa direta, Souza e Imperatori, Porto Alegre, 2004.
No entanto, a partir da tabela acima, observa-se que a maioria desenvolveu
atividades no mercado de trabalho com alguma qualificação. Isso se refletiu na
51
valorização que os mesmos atribuíram à relação com o trabalho como necessária para
se ter saúde e a idéia do corpo útil como “idealização”.
Quando questionados sobre a renda familiar, quatro idosos preferiram omitir
essa informação. As rendas familiares dos demais variavam entre 260,00 e 3.000,00
reais, ficando a média em torno de 844,00 reais e a mediana, em 650,00 reais. A
maioria dos entrevistados possuía imóvel próprio e ajudava os familiares, cedendo seu
terreno para a construção de outro imóvel, freqüentemente para filhos ou parentes.
Esse quadro econômico refletia-se no acesso facilitado desses idosos aos serviços de
saúde, visto que a metade deles era beneficiário de algum plano de saúde.
No que se refere às condições gerais de moradia, o número médio de pessoas
morando na casa, incluindo o idoso, foi de três pessoas, com o máximo de seis
pessoas; 3 idosos moravam sozinhos. Moravam com seus respectivos companheiros 5
idosos, 4, com seus filhos, 4 moravam, além de esposa e filhos, com genros, netos e/ou
pais, e, a maioria (8) morava com seus filhos e esposas(os). Esses arranjos familiares
atestam as estratégias postas em práticas pelos grupos para subsistência e os
enfrentamentos cotidianos de vida e saúde.
Sobre as condições/concepções de saúde, quatorze idosos responderam que
eram pessoas saudáveis (Figura 1), quatro referiram não ter tido nenhum problema de
saúde nos últimos seis meses.
52
14
10
Sim, eu tenho
saúde
Não, eu não tenho
saúde
Figura 1 – Referência dos idosos sobre a sua saúde, Porto Alegre, 2004.
Fonte: Pesquisa direta, Souza e Imperatori, Porto Alegre, 2004.
Adiante discute-se mais profundamente a questão da percepção de saúde dos
entrevistados e como isso influencia na adoção e escolha das práticas terapêuticas.
Com relação aos problemas de saúde, os entrevistados relataram os seguintes:
hipertensão arterial sistêmica (14); diabetes mellitus (4); problemas respiratórios (4);
problemas cardíacos e circulatórios (8); colesterol elevado (3); problemas emocionais
(3); labirintite e tontura (2); problemas gástricos (1); problemas ósseos (2) e
hipotireoidismo (1). Seis idosos referiram não ter problema, quatorze referiram mais de
uma doença em seu histórico. Constata-se a prevalência das doenças de longa
duração, sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais referida pelos idosos
entrevistados. Esse resultado é semelhante ao encontrado no relatório do Conselho
Estadual do Idoso (RIO GRANDE DO SUL, 1997), onde a hipertensão foi o problema
de saúde mais referido pelos idosos.
No que se refere ao uso de medicações, pode-se observar a partir da Figura 2
que as mais utilizadas eram as antihipertensivas que apareceram em 10 respostas,
53
seguidas de sete referências aos diuréticos que também são utilizados como
adjuvantes no tratamento antihipertensivo.
1
1
1
1
2
2
2
2
3
4
4
5
7
10
0510
1
Antihipertensivo
Diurético
Psicofármaco
Antiagregante
plaquetário
Cardiotônico
Hipocolesteromico
Bronquiolítico
Analgésico
Antidiabético
Antiácido
Anticonvulsivante
Antiarrítmico
Antitireoidiano
Antiandrogênico
Figura 2 – Distribuição dos medicamentos utilizados pelos idosos entrevistados -
Porto Alegre – 2004.
Fonte: Pesquisa direta, Souza e Imperatori, Porto Alegre, 2004.
Quanto à associação de medicações, treze idosos referiram usar mais de um
medicamento. Quatro idosos utilizavam somente uma medicação e sete referiram não
usar medicação regularmente.
A partir da Figura 2 observa-se, também, que existe coerência entre as
medicações mais utilizadas e a ocorrência do problema de saúde entre os idosos, como
por exemplo os anti-hipertensivos e diuréticos. Constata-se, também, que, assim como
em outros estudos (VILARINO et al. 1998; ARRAIS et al. 1997 e LOYOLA FILHO et al.
54
2002), os medicamentos mais utilizados na automedicação, os analgésicos foram os
referidos pelos idosos. Esse aspecto será melhor explorado na análise das práticas
terapêuticas.
A partir dessas bases de caracterização apresentam-se e discutem-se as
categorias surgidas nas falas dos idosos entrevistados.
4.2 Os idosos: sua saúde e adoecimento
Analisando as falas dos idosos expressas nas questões abertas da entrevista,
classificaram-setrês categorias, quais sejam: “concepções de saúde dos idosos”;
“cuidados com o corpo na velhice”; e “práticas terapêuticas entre idosos”. A primeira
categoria surgiu, principalmente, da questão “O que é ser uma pessoa saudável?”,
sendo identificados três subcategorias: a saúde na dimensão biológica; a saúde na
dimensão social e funcional; e a saúde na dimensão de qualidade de vida.
A categoria “cuidados com o corpo na velhice” emergiu da questão “Quais
cuidados realiza para se manter com saúde?”. Dessa categoria surgiram duas
subcategorias: a dieta como terapêutica e a medicalização do corpo, na velhice.
Para a categoria “práticas terapêuticas entre idosos” foram consideradas as
respostas das questões “O que faz quando percebe que está com algum problema de
saúde?”, “Quem costuma procurar quando identifica um problema?”, “Usa algum outro
meio para buscar alívio ou para curar algum problema? Qual? Para qual problema?
Quem lhe indicou? Como prepara ou onde adquire remédios caseiros?” e “Conte-me
55
sua trajetória de saúde-doença nos últimos seis meses e quais condutas foram
adotadas”.
As respostas dos idosos a essas últimas indagações foram classificadas e
discutidas conforme Helman (2003): alternativa informal, alternativa profissional e
alternativa popular.
A seguir, serão discutidas detalhadamente cada uma das categorias observadas,
com apoio teórico da revisão bibliográfica.
4.2.1 Concepções de saúde dos idosos
Partindo do pressuposto de que o significado do termo saúde é importante para
discutirmos as práticas terapêuticas entre os idosos, a categoria “concepções de saúde
dos idosos” foi subdivida em três subcategorias: saúde na dimensão biológica; saúde
na dimensão social e funcional e, saúde na dimensão de qualidade de vida.
4.2.1.1 Saúde na dimensão biológica: “o médico hoje não atende o paciente, atende à
doença.”
Nessa subcategoria encontram-se sete depoimentos, os quais se referem ao
caráter predominantemente biológico da saúde. A visão de que saúde é ausência de
56
doença, dor e sofrimento, constitui-se em referência freqüente ao se considerar
historicamente o processo saúde-adoecimento. Concordando com Vilarino (2002),
acredita-se que essa visão biologicista do processo saúde-doença é influenciada pela
predominância de políticas e práticas de saúde em nosso meio. Como se sabe, as
práticas de saúde privilegiam e legitimam o modelo médico-curativo, centrado na figura
do profissional médico, que tem como característica de atuação a dimensão biológica,
no processo de tratamento e cura de um problema de saúde.
Contrapondo essa hegemonia citam-se as reflexões de autores como Dejours
(1986), Capra (1982) e Lopes (2002) sobre o dinamismo do processo de saúde e
doença, e da multiplicidade de concepções sobre saúde, visto que é um estado que
depende de muitos fatores que incluem influências sociais e ambientais, e não só
biológicas.
No entanto é essa hegemonia do biológico que se observa nos depoimentos
abaixo:
Uma pessoa saudável é uma pessoa que não sente dor, que não tem
coisa nenhuma (Abel
3
, 75 anos).
Eu acho que é a pessoa não ter doença nenhuma, né? Ser uma pessoa
normal (Ada, 63 anos).
Ao afirmarem que uma pessoa saudável não tem nenhuma doença e também
não sente dor, Abel e Ada deram ênfase à dimensão biológica da saúde. Dessa forma,
sugeriram que, para eles, saúde é um acontecimento que ocorre em um corpo
individual e biológico, onde não ter saúde é sinônimo de dor, doença e anormalidade.
De certa forma evidencia-se o discurso higienista que culmina com uma definição do
“normal”, da “pessoa normal” como aquela que “não tem doença nenhuma”.
57
Na próxima fala Adão aponta para os indícios da saúde objetiva:
É ser uma pessoa que faz exames e tem bons resultados (Adão, 66
anos).
O conteúdo dessa fala nos remete a discussão de Doll (1998) sobre a saúde
objetiva e a saúde subjetiva. Adão avalia sua saúde a partir de subsídios objetivos de
saúde como os exames diagnósticos. Segundo ele para ser saudável uma pessoa deve
fazer exames a fim de avaliar sua condição física a partir de parâmetros médico-
diagnósticos. Acredita-se que baseado nesse entendimento Adão respondeu que não
tem saúde, pois conforme ele afirmou, nunca fazia exames. Dessa forma, os indivíduos
não têm poder sobre o próprio corpo e são apenas objeto da ação externa capaz de
lhes dar, restituir e legitimar a condição de ter saúde ou não. Com isso, ao constituírem
seu discurso sobre a saúde tentam fazê-lo a partir do que “deve” ser dito. Para Lefèvre,
esse é um dos reflexos das sociedades capitalistas como a nossa que, ao se
preocuparem apenas com os aspectos negativos da saúde, ou seja, a doença,
associam-na a produtos de consumo, como, por exemplo, planos de saúde e
medicamentos e, no caso de Adão, a exames. Portanto, ao utilizar somente fatores da
saúde objetiva o idoso tende a avaliar sua saúde de uma forma negativa, como mostra
Adão.
Adolfo e Abigail referiram outros exemplos que consideravam a saúde nesta
dimensão biológica:
É uma pessoa que não tem uma doença crônica, que necessita de
cuidados especiais, não tem deficiências (Adolfo, 65 anos).
Não ter problema nenhum, problema de doença ou físico mesmo, não
sei como é que posso dizer, acho que é isso (Abigail, 67 anos).
3
Os nomes apresentados foram substituídos para preservar a identidade dos entrevistados.
58
Para esses idosos o fato de uma pessoa ter uma doença crônica ou deficiência
física qualquer significava que ela não tem saúde. Nesse sentido, tem-se que
questionar se uma pessoa que possui uma doença como hipertensão ou diabetes, que
faz tratamento regularmente, encontra-se com o problema estabilizado, possui as
condições necessárias para sobreviver, tem bom relacionamento familiar e social, esta
pessoa, pode ou não ser considerada saudável? Novamente questiona-se, se existe um
estado de completa saúde. E, dessa forma, pensando particularmente a realidade do
idoso em seus processos de perdas orgânicas e fisiológicas decorrentes do
envelhecimento, a idéia de um “estado de saúde perfeita” não deveria ser difundida e
estimulada pelos profissionais de saúde, a fim de se evitar um estresse desnecessário
(LOPES, 2002).
Essas são as conseqüências da dimensão biológica da saúde humana que se
mantém ainda muito difundida pela Medicina tradicional e seu modelo biologicista que
segundo Helman (2003) enfatiza, hoje, mais a doença em suas dimensões físicas do
que a saúde. O autor refere como premissas básicas da perspectiva de atuação do
médico, a racionalidade científica, a ênfase na mensuração objetiva e numérica, a
ênfase em dados psicoquímicos, o dualismo mente-corpo, a visão das doenças como
entidades, o reducionismo e a ênfase no indivíduo paciente, não na família ou na
comunidade. Todas essas características da Medicina ocidental favorecem que
somente sejam identificadas as disfunções físicas, ignorando-se, assim, as condições
do indivíduo como ser humano. Com isso, o ser humano é reduzido a um conjunto de
fatores fisiológicos anormais (HELMAN, 2003).
Um exemplo dessa visão medicalizada está no depoimento de Adolfo:
59
O médico, hoje, é mais competente que o de antigamente, tem mais
conhecimento, tem mais estudo, só que ele tem menos contato. O
médico, hoje, não atende o paciente, atende a doença. Conhecer o
paciente ou tratar o paciente? Não, ele vai tratar a doença. Tem gente
que primeiro tem que conhecer o médico, e se não gostar do médico, vai
para outro. [...] então se o médico tratar do paciente, certamente vai
atender melhor. No momento que ele transmitir confiança ao paciente,
ele pode dizer que cocô de gato é bom que o paciente acredita. É a
coisa mais automática que tem, tu vai no médico ele te pede o que tu
tem, é isso, e já te dão a receita, nem te olha (Adolfo, 65 anos).
Esta fala demonstra como alguns pacientes idosos vivenciavam a dificuldade no
relacionamento com os profissionais médicos, e como a falta de diálogo prejudica a
relação médico-paciente. Adolfo observou claramente os progressos do conhecimento
e tecnológicos na saúde, porém entendia que com esse progresso os profissionais
médicos acabaram se afastando do paciente, prejudicando visivelmente o tratamento.
Em discussões anteriores foram citados autores como Leite e Vasconcellos (2003) e
Diaz (1996), que novamente auxiliam na compreensão dessas dificuldades de
relacionamento que, segundo eles, afetam diretamente a adesão à terapêutica
recomendada. A essa dificuldade de relacionamento acrescentam-se outros fatores que
predispõem à não adesão, como os relacionados aos efeitos dos medicamentos, as
dificuldades de compreensão da doença e os problemas econômicos. Conclui-se que
esses fatores apresentados pelos autores, acima são potencializados, quando não há
um bom relacionamento profissional-paciente. Nessa linha de raciocínio acredita-se que
se fazem necessárias reflexões, principalmente sobre a formação dos profissionais de
saúde para que ocorram mudanças nesse panorama de impessoalidade, considerando
o vínculo profissional-paciente como fundamental para o sucesso do plano terapêutico.
Neste grupo de idosos que entendia saúde em uma dimensão biológica, cinco
deles referiram que procuravam somente o médico quando sentiam algum problema no
60
corpo, embora afirmassem fazer uso de remédios caseiros para resolver problemas
considerados leves. Dois idosos deste grupo referiram que não costumavam consultar
profissionais médicos, somente utilizavam receitas de chás medicinais para problemas
comuns, já outros dois “não realizam muitos cuidados” para a sua saúde.
A partir dessas reflexões, acredita-se que são necessários atenção e respeito a
essas expressões de entendimento do processo saúde e doença, visto que interferem
na adoção das práticas terapêuticas e, conseqüentemente, na sua efetividade.
Complementando essa dimensão e atestando a diversidade com que os idosos pensam
e vivem sua relação com o processo saúde-adoecimento e com os sistemas
organizados de saúde, parte-se para discutir as influências sociais emergentes nas
falas.
4.2.1.2 Saúde na dimensão social e funcional:
tem saúde
a pessoa que consegue
trabalhar”
Nessa subcategoria observa-se, nos depoimentos dos idosos, que o processo
saúde e doença é interpretado como estando diretamente ligado aos usos sociais do
corpo, como, por exemplo, trabalho, realização de atividades diárias, bem como
alimentação, lazer e contatos sociais.
A relação com o trabalho foi expressa nos seguintes depoimentos:
Uma pessoa com saúde tem disposição pra fazer todo o serviço rápido
(Açucena, 65 anos).
61
É a pessoa que consegue trabalhar (Adair, 78 anos).
Para esses dois idosos ter disposição e conseguir trabalhar eram indicadores
fiéis da saúde de uma pessoa. Essa relação entre saúde e possibilidade de trabalhar foi
expressa na metade dos depoimentos.
Nesses relatos, observa-se que a saúde encontra-se relacionada à força de
trabalho, e estar saudável é uma condição muito especial para se ter uma vida
produtiva e se sentir útil como fala Adeline:
[...] vou fazer 69 agora no fim do ano e ainda trabalho, quer dizer que
eu ainda sou uma pessoa bem útil (Adeline, 68 anos).
A fala de Adeline mostra que, para ela, poder trabalhar com 69 anos era uma
conquista e que nem todos que possuem essa idade têm essa possibilidade. Dessa
forma, a saúde é um elemento fundamental ao trabalho e confunde-se com ele próprio:
“saúde é trabalho”. Além disso, é fator de inserção social.
Em seu trabalho sobre a história da saúde na cidade de São Paulo, no final do
século XIX e início do século XX, Romero (2002) mostra como o Brasil seguiu a
tendência da Revolução Industrial, quando os capitalistas viram a importância de
manter saudáveis os trabalhadores das fábricas para não interromper a produção.
Portanto, essa noção de que saúde é poder trabalhar provavelmente tenha raízes
nessa época em que o Brasil iniciava sua produção industrial. A idéia do corpo útil se
faz acompanhar nessa dimensão da saúde, mas também reflete a importância que tem
o trabalho como forma de organização social predominante e instrumento por
excelência de inclusão social, sem esquecer de sua importância como realização
pessoal e como construtor da cidadania.
62
Assim como Vilarino (2002), também encontram-se nos depoimentos dos idosos
visões mais “filosóficas” sobre saúde, associando-a ao bem-estar e à própria vida.
Pode-se observar o valor que a saúde representava para as suas vidas nas falas de
Alfredo e Ágatha, respectivamente:
Sinal que está bem de vida, é o principal. Uma pessoa com saúde está
bem (Alfredo, 67 anos).
A pessoa com saúde é uma coisa boa. Ter saúde é uma coisa boa pra
gente, né (Ágatha, 70 anos).
Para eles a saúde era considerada como um dos valores mais importante em
suas vidas. Quando Alfredo referiu que ter saúde é “um sinal que a pessoa está bem de
vida” significa que todos os outros problemas da vida são menores e podem ser
resolvidos, a saúde era vista como uma condição básica para se sentir bem.
A partir da próxima fala observa-se a importância que estar/ser saudável tem na
vida dos idosos, visto que a incapacidade física gera dependências, e esse é o
problema que mais os preocupava:
Eu acho que a coisa mais maravilhosa no mundo é pessoa com saúde,
porque eu já não tenho mais. [Essa] é uma pessoa rica, uma pessoa que
tem a vontade de vencer na vida. É muito fácil, basta a pessoa encarar,
porque não tem nada que possa impedir; já a pessoa com problemas é
muito mais difícil (Adamastor, 72 anos).
Segundo Adamastor uma pessoa com saúde tem obrigação de “vencer na vida”,
pois para ela tudo é possível, e nada pode lhe impedir, o que não acontece com alguém
que possua problemas de saúde. Nesse sentido, evidencia-se o que foi encontrado no
Relatório de Pesquisa sobre os Idosos no Rio Grande do Sul (1997), onde a saúde é
uma das questões que mais preocupa os idosos.
Observa-se nestes depoimentos a importância da promoção da autonomia e da
independência funcional das pessoas idosas como pressupostos terapêuticos, pois o
63
fato de sentirem-se úteis e capazes afeta diretamente sua auto-estima. Também, a
definição de metas é muito importante nesse processo, auxiliando e encorajando os
idosos a buscarem objetivos de vida, valorizando mesmo as pequenas possibilidades.
Seguindo nessa dimensão, encontra-se em Rosa (2004) referências a vários
estudos que mostram a importância que o contexto social tem na manutenção da
saúde. Esses estudos sugerem que as redes formadas por laços sociais com parentes
e amigos têm relação com a promoção da saúde e proteção contra doenças.
Para os treze idosos que compreendem a saúde em uma dimensão social e
funcional, a maioria deles (8) utilizavam-se da alternativa profissional periodicamente,
juntamente com a prática informal de chás medicinais para problemas de saúde
considerados comuns. Dois idosos referiram utilizar somente a alternativa profissional,
pois não viam resultado no uso de chás caseiros. Somente uma idosa deste grupo
referiu que não utilizava a prática terapêutica profissional, e também não costumava
ingerir chás ou receitas caseiras; essa idosa referiu que nos cultos da Igreja Universal
costumava pedir pela sua saúde.
Essas dimensões até então apresentadas são complementadas por outras
formas mais complexas de pensar a relação com o corpo e as práticas de saúde. A
idéia da qualidade de vida aparece cada vez mais influenciando as concepções e
formas de viver a vida em suas diferentes fases.
64
4.2.1.3 Saúde na dimensão de qualidade de vida: “Não pensar que a idade tá
chegando.”
Nessa subcategoria encontram-se falas mais abrangentes que englobam
aspectos do corpo, da mente e aspectos sociais como podemos observar nos próximos
depoimentos:
Bom, considerando saúde no plano físico é uma pessoa que toma os
cuidados e medidas necessárias quanto à alimentação em primeiro lugar
e quanto ao modo de vida. Tem que ter uma vida com aspectos de
higiene e com uma atividade física, para compensar no plano físico. E
nas partes que eu acho que é um conjunto, espírito, mente, a pessoa
tem que ter tranqüilidade espiritual e de consciência também pra poder
evitar que surjam doenças. Se a pessoa tem algum problema de
consciência ou de outra natureza, pode repercutir no corpo físico
(Adalton, 65 anos).
Ser uma pessoa com saúde, pra mim, é ter bastante cuidado, comer, se
alimentar adequado, fazer exercícios, caminhadas de 1 hora por dia.
Fazer exames periodicamente. Ser uma pessoa alegre, não brigar com o
mundo, como diz o outro, acho que é o essencial (Alba, 60 anos).
É a gente ter pensamento positivo e sentir alegria no coração, sentir paz,
ser alegre com as pessoas, pra mim é isso aí. Não pensar que a idade
tá chegando, não pensar que é velha, não existe a velhice, a velhice tá
na cabeça de cada um. Por dentro, eu me sinto jovem (Aida, 70 anos).
Verifica-se que nesses depoimentos as concepções de saúde incluíam outros
elementos além daqueles analisados nas subcategorias anteriores. Para Adalton a
saúde era resultado de um conjunto de condições do corpo, da mente e do espírito.
Para ele, ter um problema de “consciência” ou espiritual podia se transformar em
problemas para o corpo físico. Alba e Aida lembraram que a alegria também é
fundamental para manter a saúde física. Para Aida era importante não se sentir velha,
65
pois a cabeça é a responsável pelo estado de saúde. Segundo ela se uma pessoa se
sente velha, será velha.
Os entrevistados relataram cuidados principalmente com o corpo, como dietas,
exercícios e exames, mas também fizeram referência aos cuidados com a mente e o
espírito para manterem-se saudáveis. Essas referências à saúde em uma dimensão de
qualidade de vida apareceram em quatro das entrevistas.
Essas concepções de saúde nos remetem a estudos e noções sobre qualidade
de vida como as apresentados por Patrick e Erickson (1999) e por Fleck (2000), onde o
indivíduo reflete sua condição e posição em relação ao seu meio e a seus valores.
Nesse sentindo, muitos autores têm discutido concepções de saúde e qualidade
de vida na velhice. Autores como Livtoc e Brito (2004) por exemplo, apresentam a teoria
do envelhecimento bem-sucedido, a qual é constituída por três situações essenciais: a
prevenção de doenças e incapacidades, a boa capacidade funcional, tanto física quanto
cognitiva e a participação ativa na sua comunidade.
Pensa-se que, do ponto de vista das práticas profissionais em saúde essa teoria
auxilia nas reflexões, pois engloba fatores corporais, mentais e sociais. No primeiro
deles, além da ausência de doenças e incapacidades, está a prevenção e o controle
dos fatores de risco que têm se mostrado relacionados ao aparecimento de problemas
de saúde. O segundo fator, que diz respeito à boa capacidade física e cognitiva, tem
sido apontado, em diferentes estudos, como grande influência no envelhecimento bem-
sucedido. Observa-se que características socioeconômicas como baixa renda e baixa
escolaridade, assim como ausência e/ou poucas atividades de lazer e falta de suporte
emocional de amigos e familiares estão relacionados com o declínio da capacidade
66
física. Já na capacidade cognitiva, o principal fator protetor da memória e do raciocínio
é a alta escolaridade, segundo os autores.
A terceira situação essencial apresentada pelos autores para um envelhecimento
saudável é a realização, durante toda a vida, de atividades comunitárias. Essas
relações extra familiares colaboram para a construção de uma coletividade solidária que
pode vir a criar redes de apoio, e pode, inclusive, se caracterizar por atividades
produtivas com geração de renda. Essa referência, vai ao encontro da idéia de sentir-se
útil e ter objetivos e metas já, apresentada anteriormente, lembrando também os
contatos sociais que são criados e mantidos nessas atividades.
A importância da subjetividade dos idosos para o entendimento de sua saúde
também é componente dessa dimensão conceitual. Aqueles idosos que compreendem
saúde apenas como ausência de doenças são dependentes, muitas vezes, do que o
profissional médico atesta ou refere sobre sua saúde. Já aqueles que avaliam sua
saúde a partir de aspectos mais subjetivos como percepções, crenças e expectativas
individuais, têm a tendência de avaliar positivamente sua saúde, tendo, assim, uma
melhor auto-estima, maior autonomia e disposição para atividades diárias.
Outra questão menos citada nos depoimentos sobre concepções de saúde, mas
que adquire importância na discussão é a higiene:
[...] tem que ter uma vida com aspectos de higiene [...] (Adalton, 65
anos).
[...] cuido a higiene, gosto [de] tudo bem limpinho, tudo caprichado, o
meu corpo, a minha casa, tudo (Aida, 70 anos).
Para Adalton era importante “ter uma vida com aspectos de higiene” para se
manter saudável. Aida nos exemplificou que gostava de cuidar da higiene do corpo, da
casa, de tudo.
67
A “higiene” e sua vinculação com a saúde tem raízes históricas. No Brasil, no
início do século XX, foram difundidos, pelas escolas de Medicina, os preceitos
higienistas da Medicina hipocrática, que tinha prescrições para a elite. A limpeza e o
asseio dos corpos eram pregados como obrigação social para o controle da
transmissão de doenças, pois os corpos sujos seriam produtores de doença e, portanto
uma ameaça à saúde pública (ROMERO, 2002).
No Brasil, diferentemente da Grécia Clássica, os ensinamentos valiam para
todas as classes sociais e, particularmente, para as menos favorecidas. Além do banho
diário, da higiene da boca e dos órgãos sexuais, os médicos ensinavam
comportamentos higiênicos de boas maneiras, como postura correta, não escarrar no
chão e não espalhar “perdigotos” ao falar ou tossir. Todas essas regras, pesquisadas
em Khel citado por Romero (2002), visavam ao bom funcionamento do organismo e à
construção do “tipo ideal” de homem.
Observa-se, portanto, essa noção higienista nas concepções de saúde entre a
população. Essa tendência de associar higiene e saúde está impregnada nas práticas
institucionais e profissionais atestando seu caráter normativo, sendo observada quando
se culpabiliza o indivíduo por suas escolhas e estilo de vida.
Nesse grupo de quatro idosos que referiram o vínculo saúde-qualidade de vida
três utilizavam-se predominantemente de práticas informais, mais especificamente a
automedicação e o uso de chás medicinais. Procurar a igreja foi a prática terapêutica
referida pela outra entrevistada deste grupo que entendia saúde como qualidade de
vida. Com exceção de um idoso, todos eles referiram buscar a prática terapêutica
profissional regularmente para revisões e quando algum problema persistia ou se
68
complicava. Os centros de religião afro-brasileira também foram procurados por uma
idosa para a solução de casos de doença.
Analisando as diferentes concepções que surgiram dos depoimentos dos idosos,
podemos fazer uma comparação com as constatações que Nogueira (2002) fez em seu
texto Higiomania: a obsessão com a saúde, sobre a evolução da noção de saúde.
Quando o autor questionou-se sobre o que consistia a saúde, obteve três
respostas. A primeira, vinda do século XVIII, definia saúde como ausência de doença;
essa é uma forma negativa de ver a saúde. Por essa visão, a saúde seria assegurada
pela correta aplicação da ciência e da técnica.
A segunda resposta veio do século XIX e foi além da confiança na ciência e na
técnica; consistia em acreditar que a saúde era um estado de bem-estar, ficando a
cargo do Estado oferecer um conjunto de serviços ao alcance coletivo. Porém, ocorreu
uma mudança nessa concepção, no século XX, surgindo a definição da OMS no ano de
1948 de que saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social e não
apenas ausência de doença.
A terceira resposta obtida pelo autor diz que a saúde surge de uma modernidade
tardia, onde ela é sobrevalorizada, na forma de obsessão de cuidados com o corpo.
Esses cuidados excessivos são hoje difundidos diariamente pela mídia, pelas revistas e
internet. Os profissionais de saúde não são mais os detentores do saber científico, que
hoje é facilmente alcançado pelas pessoas ávidas por novas formas de tratamentos de
saúde e estética.
Essa idéia de “obsessão com os cuidados de saúde” é discutida a seguir, na
categoria “cuidados com o corpo na velhice”, onde se identificam as subcategorias “a
dieta como terapêutica” e “a medicalização do corpo na velhice”.
69
4.2.2 Cuidados com o corpo na velhice
Nessa categoria observa-se que os idosos relacionam os cuidados com a saúde
àqueles referentes ao corpo. Esta categoria foi dividida em duas subcategorias: a dieta
como terapêutica e a medicalização do corpo na velhice. A maioria dos relatos tratou
dos cuidados com a alimentação na forma de dieta como terapêutica, outros referiram
os cuidados “medicalizados” da saúde como exames, remédios e consultas; cuidados
com a mente e o espírito não foram relatados pelos entrevistados. Dessa forma,
evidenciam-se resultados que corroboram a afirmação de Nogueira (2002) de que a
sociedade, como um todo, tem se preocupado excessivamente com a aparência e as
condições do corpo, devido à imagem de saúde construída pela sociedade
contemporânea.
4.2.2.1 A dieta como terapêutica: “Eu tomo vitamina, eu tomo leite, eu como fruta, eu
me alimento bem.”
Discutindo a dieta como terapêutica, evidenciada nas falas seguintes, na forma
como está difundida entre os idosos, identifica-se aquilo que Vilarino (2002) denomina
“dieta da mídia”, referindo-se ao bombardeio cotidiano de informações:
[...] a alimentação que não faz bem, eu não como. A gente toma muito
cuidado de não comer comida gordurosa demais, nem com sal que não
70
faz bem, né? A gente, pra mim, eu cuido muito também sobre isso aí, eu
tenho problema de coração de angina e diabetes (Ada, 63 anos).
Comer bastante fruta, comida forte, né [...]. Como bastante feijão, arroz,
massa, salada, peixe, bastante frutas (Adelino, 64 anos).
Eu tomo vitamina, eu tomo leite, eu como fruta, eu me alimento bem,
faço uma comida bem temperadinha [...] (Aida, 70 anos).
Como podemos observar, os entrevistados demonstraram preocupação com os
cuidados alimentares como, por exemplo, a variedade dos alimentos ingeridos. A
gordura e o sal, nas falas dos idosos, foram considerados os vilões da cozinha; já
verduras e frutas, as “bandeiras da boa alimentação”. Porém, observamos também uma
contradição na fala de Aida que refere cozinhar uma comida “bem temperadinha”, o que
não seria indicado para quem possui problemas de hipertensão.
Ada em sua fala sugeriu que a comida faz parte de um plano terapêutico para os
seus problemas de saúde. Quando ela disse que não comia comida com muita gordura
e com sal estava demonstrando que tinha consciência de que este tipo de alimentação
constitui riscos à sua situação de saúde. Nesse sentido, autores como Helman (2003)
referem que a comida não é apenas uma fonte de nutrição e que em muitas sociedades
ela pode ser considerada como remédio, a partir de uma gama de significados
simbólicos. Acrescenta-se que, além de simbólicos, esses significados mais do que
nunca assumiram um caráter científico de componentes de risco à saúde.
Muitos estudos recentes mostram a importância da dieta para a manutenção da
saúde. Resultados de pesquisas, que, muitas vezes, contradizem estudos já
publicados, são divulgados semanalmente na mídia. O que se tem apresentado como
desafio na prática assistencial em saúde, é que ocorre uma busca por certas dietas
71
ditas da moda. Essa tendência “mercadológica”, de influências diversas e, muitas
vezes, contraditórias, gera situações de insegurança nos usuários e profissionais.
Dos vinte e quatro idosos entrevistados, quinze referiram que realizavam
cuidados com a alimentação para manter a saúde. Considerando os limites da técnica
de entrevista para coleta de dados pensa-se que muitas respostas dos idosos sofreram
influência do “deve ser” e não refletiram a prática. Somente um entrevistado admitiu que
seus cuidados com a saúde não eram como ele achava que deveriam ser. Não
podemos afirmar que a maioria dos entrevistados deste estudo cuidava realmente de
sua alimentação como eles próprios referiram. Como saber se suas respostas foram
influenciadas ou não pela presença de um profissional de saúde? É possível que os
idosos repetissem apenas condições ideais, evitando assim serem repreendidos pelos
seus hábitos.
Acredita-se que o profissional de saúde e de Enfermagem se defrontam com
essas influências em sua prática assistencial. Dessa forma, “o julgamento”, típico da
prática normativa de saúde de que falam Lopes, Silveira e Ferreira (1999), interfere
negativamente na relação paciente e profissional da saúde. Criar um vínculo de
confiança com o usuário implica evitar que ocorram situações de constrangimento e
medo, o que por sua vez implica considerar as “culturas” individuais e de grupos de
sujeitos.
É comum observar, na prática, relatos, quase confissões, em que o paciente
realizou os cuidados recomendados, no caso da alimentação, somente na semana
anterior à consulta ou, até mesmo, no dia anterior. Esse comportamento atesta
dificuldades ou inconformidades na adesão à proposta terapêutica. É preciso refletir
junto com o paciente sobre sua relação com a comida, se a comida lhe faz companhia
72
ou, ainda, se é o único prazer que possui ou que “lhe resta” na vida. Investir na
conversa com os pacientes sobre essas questões é investir na busca da terapêutica
mais adequada e no seu sucesso. Não se pode criar um estado de obsessão por uma
alimentação adequada que só irá gerar angústias; é preciso saber negociar e adequar a
cada paciente um plano terapêutico possível de ser realizado. Não se pode esquecer
também, que esse plano necessita ser baseado nas condições sociais, econômicas e
psicológicas do indivíduo, bem como a situação em que se encontra e suas
necessidades individuais.
Em estudos realizados com idosos muito idosos, residentes no município de
Veranópolis (RS), Cruz e Moriguchi (2002), constataram que eles têm uma alimentação
saudável, ingerindo quantidade de gordura dentro dos padrões recomendados pela
OMS, comendo um pouco mais proteínas e um pouco menos carboidratos, quatro a
cinco tipos de vegetais (frutas e verduras), e ingerindo de um a dois cálices de vinho
tinto por dia. Os autores observaram que o mais interessante é que eles não
aprenderam isso em nenhum livro ou escola. Por isso, antes de querer impor regras e
normas para os pacientes, é preciso investigar e conhecer bem sua realidade,
modificando talvez algumas quantias e variedades de alimentos e valorizando a
dimensão simbólica que o mesmo adquire em sua vida e saúde.
73
4.2.2.2 A medicalização do corpo e das práticas de saúde na velhice: “como manda o
figurino”
Para Renaud (1995) a medicalização do corpo na velhice significa a construção
do corpo como objeto da Medicina, e esse processo transformou eventos considerados
normais em nossas vidas, a partir do poder de coerção e legitimização desenvolvido
pelos conhecimentos biomédicos e pelo sistema médico-hospitalar. Nesse sentido,
pode-se retomar a Medicina como prática e arte da intervenção na perspectiva das
sociedades capitalistas. Na história dessa relação fica fortalecida a idéia da extensão
dos cuidados médicos (medicalização) alicerçando políticas e práticas, sejam elas de
saúde ou demográficas.
O autor exemplifica que muitos eventos (alimentação, reprodução,
envelhecimento) que até 30 ou 40 anos atrás eram considerados normais em nossas
vidas, sofreram um processo de mudança a partir do poder de coerção e legitimização
desenvolvido pelos conhecimentos biomédicos e pelo sistema médico-hospitalar. Nesse
sentido, a medicalização do corpo do idoso significa a construção desse corpo como
objeto da Medicina e de um projeto de “higienização“ da velhice.
É possível indagar-se sobre a concretização dessa medicalização da velhice nos
serviços onde se atua e particularmente, na atenção básica, palco privilegiado de
institucionalização de práticas higienistas e disciplinadoras já que, em grande parte,
refletem propostas político-pedagógicas normativas e condicionadoras, de
comportamentos de “classe” no que se refere ao corpo saudável.
74
Seguindo a discussão da medicalização da saúde na velhice, Lopes (2003)
lembra que o fenômeno da velhice, concebido de uma forma estritamente biológica,
permite apenas aos especialistas dessa área o acesso à causa de qualquer sofrimento,
e esse poderá somente ser tratado do ponto de vista farmacológico. Essa concepção
reflete na postura dos profissionais de saúde e nos tratamentos propostos, e isso,
segundo a autora, dificulta a comunicação; no lugar de diálogos, estão os exames.
Para que se possa fazer frente a essas concepções acredita-se, como Renaud
(1995), que a Medicina, no novo século, necessita descobrir o sentido da relação de
ajuda, e restabelecer a empatia entre o profissional e o usuário como método
terapêutico, visto que a superespecialização e a tecnologia de ponta não têm
conseguido responder às demandas da população idosa.
Nessa perspectiva na subcategoria "a medicalização do corpo, na velhice", foram
encontrados nove depoimentos que relacionam os cuidados com o corpo como a
utilização de remédios, realização de consultas médicas com vários especialistas,
realização de exames, bem como a realização de exercícios físicos.
Como se pode observar na fala de Abel, os cuidados eram bem direcionados aos
ofertados pelo modelo clínico médico:
Em primeiro lugar não fumo, não bebo, tenho horário para dormir, faço
check-up. Eu não procuro médico, eu procuro uma vez por ano, eu faço
check-up dos pés a cabeça. Então mando fazer de urina, de sangue,
faço também aquela parte de velocidade para ver como é que eu tô,
como é mãe? Esteira, faço esteira, faço tudo isso como manda o
figurino, quer dizer que nada disso eu sinto (Abel, 75 anos).
Constata-se na fala de Abel a preocupação em fazer o check-up anual; esse
termo da língua inglesa, utilizado para denominar a realização de uma checagem geral
no organismo por meio de exames diagnósticos, foi bastante referido pelos idosos.
75
Mesmo negando que procurava o médico para consultar, Abel referiu que todo o ano
fazia os exames “como manda o figurino”. Nesse caso, ele quis dizer que não ia ao
médico sempre, por qualquer problema. No entanto, está clara a hegemonia médica na
definição que transforma problemas de saúde em problemas médicos, assim
reconhecidos como e legitimados pelo diagnóstico médico. Já o comportamento de Ada
foi diferente:
Aí a minha irmã marca uma consulta pra mim, e aí eu vou no médico
quando eu tô muito necessitada, que eu tenho pressão alta, e aí quando
eu tô com falta de assim [de ar], ou tô chorando muito, que eu choro
muito, porque eu sou depressiva demais, daí a minha irmã marca uma
consulta pra mim. Eu tô sempre medicada, eu tenho remédio pro
coração, eu tenho remédio pra depressão, pra tudo eu tenho remédio,
que se eu não tenho mais eu compro né, que eu tenho um remédio que
é de faixa preta, né? Eu não posso ficar sem ele, e o remédio pro
coração também, quando eu tenho dor no peito eu boto ele embaixo da
língua pra dor no peito. E eu tomo sempre o remédio da pressão que eu
sinto dor de cabeça, eu sou medicada em casa mesmo. Aí quando eu
tomo esses remédios e não resolve, aí eu sou obrigada a ir no médico
(Ada, 63 anos).
Como podemos observar, existia uma dependência muito grande de
medicamentos e das consultas com o médico por parte de Ada. Ela referiu que estava
sempre medicada e que não podia ficar sem os remédios. Mesmo assim, ela
reconhecia que às vezes só os remédios não resolvem seus problemas aí ela se sente
“obrigada a ir ao médico”. Observa-se contradições em seu depoimento quando dizia
que não gostava de ir ao médico seguidamente, porém, anteriormente dizia que fazia
uma consulta uma vez por mês, às vezes uma vez por semana:
Vou ao médico uma vez por mês, às vezes, depende, uma vez por
semana. [...] eu tento não ir porque eu não gosto de ficar indo em
médico, só por necessidade, quando eu sinto tontura, choro muito aí eu
ligo pra minha irmã e ela diz pra mim ir no outro dia pra ir no médico, eu
vou. [...] o médico só conversa com a gente e a gente já sai aliviado,
além de médicos, são amigos da gente, é só conversar com o paciente
(Ada, 63 anos).
76
Essa necessidade de controles constantes atestam a (re)criação contínua da
“incapacidade de cuidar de si mesmo” e da responsabilização individual pela conquista,
preservação e manutenção da saúde.
O depoimento de Ada sugeriu que o seu problema estava muito mais relacionado
ao seu estado emocional e psicológico do que físico, visto que ela afirmava que só
conversando com o médico já se sentia melhor. Não se sabe qual o problema que a
perturbava, e esse não era o objetivo da entrevista, porém imagina-se os benefícios
que atividades e trabalhos comunitários trariam para Ada, visto que ela referiu que
ficava sozinha em casa todo o dia.
Outro elemento do processo de medicalização da saúde individual e coletiva é a
fragmentação do corpo; vemos um exemplo disso nos tratamentos especializados
realizados por Alfredo:
Eu faço vários tratamentos para bronquite, diabete, má circulação do
sangue nas pernas. Sou hipertenso. Estou fazendo todos esses
tratamentos e tô me sentindo bem, tô fazendo tudo isso aí. Estou me
cuidando (Alfredo, 67 anos).
Alfredo é um dos doze idosos entrevistados que possuía plano de saúde,
portanto, para cada problema de saúde, tinha um profissional especialista que o tratava.
Ele reclamava da quantidade de medicamentos que precisava tomar diariamente,
conforme se observa em seu depoimento:
Eu esbarro com esses remédios, eu tenho que me levantar mais cedo,
as vezes eu levanto 9h30min, eu tomo o da pressão, eu posso tomar
café só uma hora, meia hora após [...] (Alfredo, 67 anos).
O “desabafo” de Alfredo mostrou como os idosos têm problemas para seguir
esquemas terapêuticos rígidos, decorrentes do grande número de medicamentos
prescritos. Para Alfredo, era necessário mudar sua rotina de horários de sono e
77
alimentação para seguir as recomendações prescritas e isso o incomodava: “Eu esbarro
com esses remédios”.
A partir da intermediação da medicalização, o envelhecimento é tratado
unicamente como um processo de declínio, uma patologia, impondo uma concepção
clínica aos processos biológicos, comportamentais ou sociais (LOPES, 2002). Essa
concepção está visivelmente influenciando as políticas públicas e, conseqüentemente,
os cuidados dispensados aos idosos. Isso também influencia a atitude dos idosos frente
a problemas de qualquer natureza. Vilarino (2002), em sua dissertação de Mestrado,
que teve como um dos objetivos conhecer as representações de idosos em relação ao
processo saúde-adoecimento, observou que 46,7% dos entrevistados associavam os
cuidados com o corpo com o uso de medicamentos e a realização de exames. A autora
constatou nas suas falas a medicalização da prevenção. Nas falas, os idosos relatavam
cuidados que lhes eram transmitidos pela mídia e que podem levar o indivíduo a
comportar-se como um objeto, entregando-se ao médico e às influências do “mercado
da saúde”, mesmo estando saudável.
Buscando compreender esses comportamentos, é preciso entender que esse
processo de medicalização, além de ser um modo de controle social dos corpos, é
muito rentável. Ele traz lucros, não só para os médicos, como também para a indústria
da saúde, como os cuidados e os serviços paramédicos, os seguros e os planos de
saúde e a indústria farmacêutica (DAVID, 1995).
Contribuindo para essa reflexão, Nogueira (2002) afirma que essa noção de
saúde não permite qualquer associação com a morte, o envelhecimento ou a dor, e ela
tem a pretensão de criar seres humanos imortais. Então, o autor se questiona: “Mas
78
imortais para quê? Talvez para poderem continuar a ser consumidores para todo o
sempre...” (Nogueira, 2002, p.71).
Nessa linha de raciocínio a associação do processo saúde-doença a produtos de
consumo, planos de saúde, medicamentos, como entes externos de uso ininterrupto,
passíveis de compra e vinculados ao bem-estar e à felicidade consolidam o corpo como
objeto de preocupação constante. Nesse sentido, as tecnologias e práticas médicas são
aceitas como legitimas pelos processos sociais de sua época e aceitas como verdades,
sem incluir, necessariamente, julgamento ou racionalidades, induzindo práticas
corporais consagradas, representações e outros.
Com os depoimentos apresentados podem-se aprofundar os questionamentos
levantados por Renaud (1995) sobre a construção do corpo do idoso como objeto da
Medicina. Renaud refere que a medicalização é um poderoso modo de controle social e
que esse processo, embora tenha beneficiado várias pessoas, por meio do
desenvolvimento dos conhecimentos biomédicos, tem um poder normativo inédito na
história da humanidade; segundo ele, o hospital se tornou a catedral do século 20. Em
contraposição, o autor afirma que a saúde de uma sociedade não é produzida somente
pelos cuidados de saúde, mas, sim, pelo desenvolvimento de empregos, educação e
pelas políticas de distribuição de renda. Nessa perspectiva reforça-se a importância da
compreensão desse processo de medicalização da velhice nos serviços de atenção à
saúde.
Lembrando Lopes (2003), a medicalização da velhice é também um reflexo das
concepções e condutas dos profissionais de saúde que estimulam a busca por uma
saúde perfeita, e para isso se utilizam cada vez mais equipamentos e medicamentos.
79
Além disso, permanecem e se fortalecem os controles que reforçam sobremaneira a
culpa e irresponsabilidade por tornar-se doente.
Prova disso são os estudos que mostram os idosos como a faixa etária que mais
consome recursos de saúde, porém esse consumo não tem revertido em seu benefício.
Gordilho et al. (2000) também acreditam que isso decorre do fato de que o atendimento
prestado pelo sistema médico tradicional não é adequado para a resolutividade dos
problemas da população idosa. Essa é mais uma evidência que atesta a necessidade
da instrumentalização dos profissionais de saúde para o atendimento das necessidades
desse grupo populacional, e para influenciar políticas públicas de atenção às suas
especificidades.
Ao estudar o cotidiano de idosos o autor afirma que a maioria deles é capaz de
decidir sobre seus interesses e de se organizar sozinho. A partir dessa constatação, o
autor afirma que a chamada capacidade funcional (capacidade de manter as
habilidades físicas e mentais necessárias a uma vida independente e autônoma)
precisa ser estimulada para a operacionalização da atenção ao idoso, diferente do
simples diagnóstico e tratamento de doenças específicas.
Essa discussão vem ao encontro da argumentação de Souza e Lopes (2003)
quanto à importância do vínculo entre profissional e paciente, no caso entre a
enfermeira e o idoso. De acordo com as autoras, dessa forma as mensagens
educativas e terapêuticas serão contextualizadas e “negociadas” no âmbito dessa
relação “vinculada”, melhorando significativamente o autocuidado e a autonomia do
idoso.
Outro fato que se observou nas entrevistas foi que dentre os nove idosos que
referiram cuidados profissionais de saúde, oito possuíam convênios particulares.
80
Apenas uma idosa não possuía plano de saúde. Já dentre os quinze que referiram
cuidados com a alimentação nove não possuíam convênios de saúde. Isso traz indícios
de que o fato de possuir um plano de saúde favorece aos idosos a utilização de práticas
terapêuticas profissionais, devido ao acesso mais facilitado às tecnologias de saúde em
comparação com os usuários do Sistema Único de Saúde.
Na descrição e discussão práticas terapêuticas, no seguimento destas reflexões
serão retomados alguns desses aspectos já citados.
4.2.3 Práticas terapêuticas entre os idosos
Nesta categoria discutem-se as práticas terapêuticas referidas pelos idosos, que
foram categorizadas nas três perspectivas sugeridas por Helman (2003): alternativa
informal, alternativa profissional e alternativa popular. Também são analisados os
fatores que influenciaram a escolha dessas práticas. As trajetórias terapêuticas
(Novakoski, 1999) adotas pelos idosos estão descritas nas subcategorias, conforme a
ordem de adoção das mesmas pelos entrevistados.
81
4.2.3.1 A alternativa informal: a automedicação como prática terapêutica dominante no
setor informal
Grande parte dos entrevistados (15), quando questionados sobre o que faziam
quando notavam alguma coisa diferente no organismo referiram a utilização de uma
alternativa informal, e como segunda opção, caso não houvesse sucesso, recorriam à
alternativa profissional.
Uso remédios caseiros. Se realmente atacar muito eu recorro ao
médico. [uso remédios caseiros] quando não tem gravidade. Pro
problema crônico eu tenho acompanhamento, se ele fica numa fase
aguda, se agrava, aí eu recorro ao médico (Adolfo, 65 anos).
Adolfo referiu que utilizava “remédios caseiros” para problemas que julgava não
ter gravidade, e que só procurava o médico em casos agudos que se complicavam.
A automedicação foi relatada em 9 situações, na maioria para casos de cefaléia
e resfriados. Todos os entrevistados referiram ter a medicação em suas casas, e ter
uma receita médica antiga na qual se baseavam para uma nova utilização.
Quando é [uma gripe] leve tomo 1 comprimido ou coisas assim se tenho
em casa ou se não eu compro, a gente velha assim sabe, Fontol,
Melhoral, essas coisas assim, aspirina, sempre tenho em casa
(Açucena, 65 anos).
Observa-se na atitude de Açucena que “gente velha” sempre precisa ter
comprimidos de analgésicos em casa para problemas leves de saúde. Açucena
forneceu indícios de que possui uma farmácia caseira. Segundo Fernandes (2000) a
farmácia caseira, é o acúmulo domiciliar de medicamentos, tanto em uso, quanto de
uso esporádico, e os que estão fora de uso. Em seu estudo sobre a farmácia caseira, a
82
autora considerou que a população vem adquirindo quantidades maiores de
medicamentos do que a necessidade real, o que gera, além de um grande desperdício,
a facilidade da automedicação. Porém, questiona-se, novamente, até que ponto se
pode condenar a automedicação? Será que as pessoas são destituídas de
conhecimento e poder de decisão sobre a procura da ajuda profissional?
Na próxima fala, é possível identificar a influência de amigos e parentes como
determinante na decisão para utilização da automedicação:
Eu tomo esse, um remedinho pra azia, Pepsamar, é tão bom, alivia bem.
Isso aí faz anos que eu tomo, nem sei mais quem me falou, era um
vizinho que tinha o mesmo problema meu, e daí eu falando pra ele que
eu tinha operado e não resolveu nada. Ai ele me disse: Porque a
senhora não toma um remédio que faz anos que eu tomo e eu me sinto
tão bem, quem sabe o problema que a senhora tem não é o mesmo
meu? Ele me deu o nome e eu comecei a tomar. Mas faz anos que eu
tomo, de vez em quando né, quando me ataca né (Alexandrina, 68
anos).
O relato de Alexandrina de uma conversa com um vizinho que tinha o mesmo
problema que o seu e que lhe indicou uma medicação, ilustra, claramente, como essa
realidade acontece no dia-a-dia das pessoas, e de como esse conhecimento vai se
propagando, mesmo se o medicamento é industrializado e não de base “natural” como
em outras épocas.
Os relatos evidenciaram também a pertinência da afirmação de Helman (2003), e
que a dor é a maior responsável pela automedicação, pois, em sua maioria, esse
recurso é utilizado para dores de cabeça e musculares, decorrentes de resfriados.
Outro responsável pela automedicação é o descumprimento da prescrição
profissional levantado por Segall (1990), citado por Loyola Filho (2002), neste caso a
pessoa pode diminuir ou aumentar a dosagem, bem como prolongar o tempo de uso da
medicação. Vejamos o que nos fala Angela:
83
Se eu cismar que eu tô com a pressão alta, eu tomo remédio. Ás vezes
eu tomo todos os dias. Tomo Hidroclorotiazida só quando eu sinto,
porque às vezes a pressão tá boa, aí eu não tomo. Assim, me dá uma
coisa na cabeça, uma coisa ruim e deu aí eu tomo, às vezes eu tomo
todo dia, se me dá na loca, eu tomo todo dia (Angela, 67 anos).
Angela relatou que quando ela sentia uma “coisa na cabeça, uma coisa ruim”
então tomava o medicamento que foi prescrito para uso diário no controle de sua
pressão arterial. Sabe-se que a hipertensão arterial é considerada uma doença
silenciosa, pois seus sintomas são raramente sentidos pelos pacientes. Quando ela
afirmava que “às vezes a pressão tá boa” provavelmente ela tenha aferido a pressão e
essa estava em níveis normais.
Quando questionados sobre suas trajetórias terapêuticas, nos últimos seis
meses, sete idosos responderam que utilizaram a alternativa informal para tentar
resolver seus problemas de saúde. Esses problemas de saúde referidos foram:
resfriado (3), cefaléia (1), problemas gástricos (2) e problemas músculo-esqueléticos
(1). Desses, dois não obtiveram sucesso e procuraram a alternativa profissional, e, além
disso um utilizou, como terceira opção de tratamento, outra alternativa informal, desta
vez uma receita diferente que conseguiu com sua sobrinha, só então solucionou seu
problema. Dentre os sete idosos que referiram que utilizaram a alternativa informal em
sua trajetória terapêutica três fizeram uso da automedicação e quatro utilizaram receitas
caseiras de chás e infusão de ervas.
Para a questão “O Senhor (a) usa algum outro meio para buscar alívio ou para
curar algum problema?” foram relatadas quarenta e duas práticas terapêuticas que se
enquadram na alternativa informal. A maioria delas (29) são chás medicinais utilizados
para problemas como: má-digestão, hipertensão, hipercolesterolemia, intoxicação,
infecções, causas emocionais, dores em geral, hiperglicemia e problemas respiratórios.
84
Desses vinte e nove chás, quatorze foram indicados pela família ou amigos do idoso,
onze foram consultados em livros e panfletos de farmácia ou sugeridos na televisão e
três foram indicados por um profissional médico.
Observa-se, nesses dados, que a utilização de chás medicinais é muito praticada
entre os idosos. Como constata Simões (1998) esse conhecimento acumulado pelos
familiares e acrescentado das informações de publicações de livros e panfletos, facilita
a utilização dessa prática terapêutica. O uso dos chás medicinais pelos entrevistados
desta pesquisa teve vários motivos, uns relataram que os utilizaram porque eram
produtos naturais e que, portanto, não tinham efeitos colaterais; outros referiram que
tomavam chás por hábito de família, e existem aqueles que acreditavam no seu poder
de cura. Dois entrevistados referiram que não utilizavam chás porque não viam
nenhuma melhora ou vantagem. Como se observa, as experiências anteriores dos
idosos influenciam muito na decisão da utilização de chás, visto que uns tomam sem
esperar resultados terapêuticos; outros acreditam nos poderes terapêuticos, e há,
ainda, aqueles que não acreditam no poder de cura dos chás.
As outras treze práticas terapêuticas informais relatadas foram receitas de
fortificante de vinho com mel e alecrim utilizado também para a memória (1), xaropes a
base de mel e outros produtos para tosses com expectoração (2), benzeduras e
simpatias para problemas na coluna e anemia (2), soluções de água com sal e vinagre
para problemas na garganta (2), e produtos naturais vendidos em farmácias ou em
bancas do Mercado Público de Porto Alegre (6). Os produtos citados foram Banchá
utilizado para hipertensão, estresse e problemas no estômago, Chá chileno utilizado
para emagrecer, Ginkgo Biloba, para problemas de memória e circulação cerebral,
Multiervas, para cansaço e esgotamento, e Tratamento Natural Miraruíra sendo que a
85
pessoa relatou que não sabia para qual problema o estava tomando, disse que o
produto foi indicado no Mercado Público e resolveu comprá-lo.
Dessas treze práticas, quatro foram orientadas pela família e amigos, três pela
televisão, três por livros e panfletos de farmácias, duas por médicos e uma por
vendedor. O que se observou também foi a concepção de que “o que é natural é bom”,
ou “se não fizer bem, mal não faz”.
Pode-se observar que entre as práticas terapêuticas da alternativa informal o
conhecimento para a sua adoção foi originado no círculo familiar e de amigos, seguido
de informações pesquisadas em livros, panfletos e meios de comunicação e, por último,
indicação de profissionais de saúde.
Os achados desta pesquisa corroboram estudos que constatam que a
automedicação é a prática mais utilizada para o alívio ou a solução de agravos de
saúde (HELMAN, 2003; NOVAKOSKI, 1999).
No entanto, podemos constatar que estudos sobre a prevalência da
automedicação e seus fatores associados, que são freqüentes nos países
desenvolvidos, são raros no Brasil (LOYOLA FILHO, 2002). No estudo de Loyola Filho,
realizado no município de Bambuí, em Minas Gerais, foi encontrada uma prevalência de
26% de uso de medicamentos sem prescrição profissional. A população estudada era
constituída, em sua grande maioria, de adultos; 23% dos entrevistados, com idade igual
ou superior a 60 anos, os quais relataram que consumiam medicamentos não-prescritos
por profissionais da saúde. O fator “gasto” com medicamentos também foi estudado, e
observou-se que aqueles que se utilizaram da automedicação tiveram menos gastos.
Entre as explicações para esse último fato apareceu a utilização compartilhada com
membros da família e o uso de medicamentos guardados no domicílio. Segundo o
86
autor, os dados encontrados são semelhantes aos encontrados em países
desenvolvidos, e mostram que a automedicação pode atuar como um substituto da
atenção formal à saúde.
Em estudo realizado por Vilarino et al. (1998), em um município do sul do Brasil,
cujo objetivo foi de caracterizar o usuário de medicamentos, a automedicação
apresentou uma prevalência de 76% entre o total de entrevistados. Os autores
concluíram que idade, escolaridade e acompanhamento médico periódico
correlacionaram-se com a automedicação. Dos 289 entrevistados que usaram
medicação sem prescrição de profissional, a maioria era adulta; 48% tinham o Sistema
Único de Saúde como única alternativa de serviço de saúde, enquanto o restante
possuía um ou mais convênios particulares de saúde. Os autores acreditam que há
uma tendência mundial para a maior aceitação da automedicação e que esse ato não
deve ser condenado e, sim, precisam ser fornecidas informações científicas para a
população sobre medicamentos de venda livre.
Outro estudo desenvolvido no Brasil, com o objetivo de traçar um perfil da
automedicação no país, constituiu-se de entrevistas em farmácias com pessoas que
compravam medicações sem prescrição médica, ou sem aconselhamento do
farmacêutico ou balconista. Foram entrevistadas 4420 pessoas em três cidades
brasileiras, 4.174 questionários foram analisados, 5.332 especialidades farmacêuticas
(785 princípios ativos diferentes) foram solicitadas. Considerando a distribuição por
idade e sexo, as mulheres, com idade entre 16 e 45 anos, foram as que mais se
automedicaram; nesse caso, é preciso considerar o apelo da mídia ao consumo dirigido
em grande parte a elas no desempenho de papéis biológicos e sociais. Para os
homens, a automedicação foi mais relevante nas idades extremas de 56 a 65 anos de
87
idade e para as crianças. Quanto às crianças, porém, deve-se lembrar que quem as
medica são os adultos. Grande parte dos medicamentos foi adquirida para uso familiar,
reforçando novamente a importância do fator econômico na busca de tratamentos para
a saúde. Segundo os autores, os dados sugeriram que a automedicação no Brasil
reflete as carências e os hábitos da população (ARRAIS et al., 1997), e, acrescenta-se,
a carência de políticas públicas de saúde eficazes.
Concorda-se com Arrais (1997) quando diz que a automedicação é um reflexo
das carências da população, mas discorda-se de Vilarino (1998) quando afirma que
somente fornecer informações sobre os medicamentos de venda-livre solucionará o
problema. O que se observa é que, em vários casos, o conhecimento não significa o
uso racional de medicamentos. Para enfrentar o problema, é preciso conhecer essa
realidade, para entender esse fenômeno, e propor estratégias que diminuam a
ocorrência dos prejuízos causados à saúde da população.
Para Paulo e Zanini, citados por Barros (1995), a automedicação pode ser
entendida como a decisão de uma pessoa ou de seu responsável para a compra,
preparo e utilização de um produto que, para ele, trará alívio de sintomas e benefícios
para o tratamento de doenças. Segall (1990), citado por Loyola Filho (2002),
complementa, afirmando que também podemos entender automedicação como o
compartilhamento de prescrições no círculo familiar ou social, o uso de sobras de
prescrições, a reutilização de receitas antigas e o descumprimento da prescrição
profissional, diminuindo ou prolongando o tempo ou a dosagem de uma medicação.
Com freqüência, prescrições excessivas e o uso incorreto das medicações levam
à sobra de medicamentos de um determinado tratamento. Essa sobra também ocorre
em função da indústria farmacêutica que produz cartelas com um número superior de
88
comprimidos necessários para o tratamento de problemas de saúde, ou com um
número inferior ao necessário, obrigando o paciente a comprar duas caixas. Nas duas
situações, ocorrerá a sobra de medicamentos, o que facilita a sua reutilização quando
da ocorrência de sintomas semelhantes. Forma-se, então, a farmácia caseira, que
segundo Fernandes (2000) resulta da aquisição de quantidades maiores de
medicamentos do que a necessidade real, o que gera, além de um grande desperdício
de recursos, um incentivo à prática da automedicação. Autores como Baos (1996)
consideram que observar as farmácias caseiras é uma forma de estudar os hábitos de
consumo de medicamentos.
É preciso ressaltar, a diferença entre os termos remédio e medicamento.
Petrovick (1998) descreve que “remédio” é um termo amplo, aplicado a todos os
recursos terapêuticos para combater doenças ou sintomas: repouso, psicoterapia,
fisioterapia, acupuntura, etc. Já os medicamentos “são substâncias ou preparações que
se utilizam como remédio, elaborados em farmácias, em hospitais ou empresas e
industrias farmacêuticas, atendendo especificações técnicas e legais” (PETROVICK,
1998, p. 11). Dessa forma, um preparado caseiro com plantas medicinais pode ser um
remédio, mas não é um medicamento.
Nesse contexto, outro fator que aumenta o uso da automedicação é a filosofia da
“empurroterapia” que, de acordo com Oliveira (1998), acontece nas farmácias e
drogarias de todo o País. Os laboratórios de “fundo de quintal” dão bonificações para os
balconistas que, quando “consultados” pelos compradores, “prescrevem” diversos
medicamentos com os quais ganham comissões pela venda (OLIVEIRA, 1998). O autor
refere que estatísticas realizadas na periferia de grandes cidades, como São Paulo ou
89
Rio de Janeiro, mostram que mais de 50% do faturamento das farmácias e drogarias
está vinculada à “empurroterapia”.
Em pesquisa realizada no ano de 1993, sobre os medicamentos do mercado
popular (com venda livre), Heineck (1996), a partir de uma revisão bibliográfica analisou
os princípios ativos desses medicamentos. Segundo os resultados da pesquisa acima
citada, muitos dos medicamentos pesquisados apresentaram benefício nulo ou incerto.
Isso agrega maior preocupação à situação ao concluir que, para melhorar a utilização
desses medicamentos, é imprescindível uma revisão de seus registros no Brasil.
Acrescenta-se que a facilidade com que se pode comprar medicamentos em nosso
País precisa ser discutida e as sanções referentes a essa realidade precisam ser
tomadas.
Essa problemática de proporções alarmantes precisa ser compreendida também
a partir do significado que o medicamento assume como tecnologia que, em nossa
sociedade, é considerada capaz de solucionar todos os problemas. Nesse sentido, eles
são responsáveis por diminuir a sensação de insegurança, acalmar a angústia,
preencher vazios, assegurar algum conforto moral, em suma, ajudar a viver (BARROS,
1995).
A dor é também uma das grandes responsáveis pela automedicação. A cultura
de uma sociedade que valoriza, ou não, a dor, influencia uma pessoa a adotar
comportamentos os mais diversos para aliviar a sensação dolorosa, entre eles jejum,
reza, retiros e, principalmente, a automedicação (HELMAN, 2003).
Uma questão muito difícil de ser discutida nessa problemática é o limite entre
qual problema poderia ser tratado em casa, sem a necessidade de uma consulta ao
profissional de saúde, e quando se necessitaria procurar um serviço de saúde. Não se
90
pode condenar completamente a automedicação, pois será que não temos o poder de
decidir quando o nosso corpo necessita de um tratamento prescrito pelo profissional e
quando essa prática não se faz necessária? Essa questão merece ser pensada à luz
dos processos que têm influenciado a medicalização crescente da saúde e da doença.
Na seqüência apresentam-se as práticas terapêuticas da alternativa profissional
referidas pelos entrevistados.
4.2.3.2 A alternativa profissional: “Eu tenho os meus médicos”
Quando questionados sobre o que faziam quando percebiam que existe algum
problema de saúde, seis idosos responderam que procuravam a alternativa profissional.
Desses, dois procuravam médicos de seus convênios, três, a unidade básica de saúde
e um chamava serviços de emergência, com atendimento domiciliar.
Eu tenho os meus médicos, tenho a doutora pneumologista, tenho o
meu para a má circulação do sangue, tenho a doutora que é para a
diabete, tudo pelo convênio (Alfredo, 67 anos).
Na declaração acima observa-se um exemplo do uso da alternativa profissional
pelos idosos entrevistados. Conforme o perfil descrito, doze dos entrevistados
possuíam algum convênio de saúde, ligado às empresas em que trabalhavam. Esses
convênios têm as vantagens de serem mais baratos do que o atendimento direto no
consultório privado e também de facilitarem o pagamento de exames caros. Veja o
depoimento de Afonso:
91
[...] o que eu souber que é bom eu vou procurar recursos, porque eu
tenho convênio na Associação dos Funcionários Municipais, eu pago
particular. É tipo uma associação, cada funcionário paga separadamente
aquilo ali, eu já pago há bastante tempo isso aí. O que eu tenho de
direito de causa é consulta e alguns exames mais baratos. Exames
como laser, esteira, essas coisas, a gente tem que pagar tudo, a única
coisa boa é que eles facilitam, porque esses exames são muito caro
(Afonso, 69 anos).
Pode-se constatar na fala de Afonso que o fato de ser um associado da fundação
lhe facilitava a realização de exames que, são caros, em serviços particulares: “a única
coisa boa é que eles facilitam”, com isso ele que pode parcelar o pagamento do serviço.
Outro exemplo de alternativa profissional é a busca pela Unidade Básica de Saúde:
Eu sempre vou no posto, porque eu não tenho onde ir (Angela, 67 anos).
O “posto” de que falou Angela é a Unidade Básica de Saúde. O interessante
nessa fala é que ela justificou sua ida à unidade dizendo “porque eu não tenho onde ir“;
como se considerasse o atendimento público de saúde não satisfatório. Essa idéia
estereotipada é muito comum e bastante freqüente nos meios de comunicação. Sabe-
se das dificuldades enfrentadas no atendimento do Sistema Único de Saúde - SUS
tanto pelos usuários, quanto no que diz respeito à estrutura de prestação de serviços
profissionais. A falta de investimento e o mau gerenciamento dos serviços públicos de
saúde segundo os usuários criam essa imagem de atendimento de baixa-qualidade.
Diariamente são veiculadas informações sobre a demora pelos atendimentos e a falta
de medicamentos, que ocorre em muitos casos; no entanto existem bons profissionais e
serviços no sistema público de saúde que, muitas vezes, são referência entre outros
serviços.
Por fim, outro exemplo da alternativa profissional utilizada pelos idosos era o
serviço de emergência privado. Esse tipo de serviço está bastante popularizado,
92
principalmente, em instituições como creches e asilos e também entre os idosos. Ele
consiste em uma equipe de ambulância que atende chamados para atendimentos
domiciliares. Originalmente funcionava como um atendimento pré-hospitalar com
remoção para algum hospital público, porém como as chamadas se tornaram mais
freqüentes e clinicamente mais simples, funciona, atualmente, como um atendimento
médico domiciliar.
A partir das informações dos idosos, observou-se que a alternativa profissional
foi citada vinte vezes pelos entrevistados, quando questionados sobre sua trajetória
terapêutica nos últimos seis meses. As causas para a procura de profissional de saúde
foram as mais variadas, quais sejam: problemas respiratórios (4), cefaléia (1),
problemas gástricos (3), problemas musculo-esqueléticos (3), problemas emocionais
(2), problemas oftálmicos (2), infecção urinária (1), labirintite (1), palpitação (1),
problemas circulatórios (2). Dentre esses, três relataram que a conduta prescrita não
resolveu o problema, um procurou um centro de religião afro-brasileira, um estava
esperando resultados de exames e o outro parou de tomar a medicação prescrita e ia
retornar ao médico.
Quanto aos motivos que levaram os idosos a consultarem um médico foram
relatados: dor muito forte, persistência da dor por mais de dois dias; complicação de
alguma situação; inicio de febre alta em um resfriado; quando tentara resolver em casa
e não obtiveram resultados e porque foi levado pelos familiares.
Helman (2003) explicita em suas pesquisas as razões para consultar ou não um
médico constatou-se que; os fatores são semelhantes aos encontrados nesta pesquisa:
a disponibilidade da assistência médica, disponibilidade financeira, fracasso de
tratamento de alternativas informal ou popular, a maneira como o paciente entende o
93
problema, o modo como outras pessoas ao redor do paciente compreendem o
problema. Veja alguns exemplos desses fatores encontrados neste estudo:
Vou ao médico direto. No médico não no Posto, agora a gente passa
pela enfermagem e aí depois se precisa né (Alba, 60 anos).
Outro exemplo da dificuldade de acesso ao atendimento médico encontra-se na
fala de Afonso:
[...] procuro marcar com o médico, embora tenha dois ou três [médicos]
lá na Associação dos Funcionários Municipais, a gente custa chegar até
eles (Afonso, 69 anos).
Como se pode observar, mesmo para quem dispõe de assistência médica que
não a pública, existem dificuldades de acesso e Afonso tinha consciência disso quando
disse “embora tenha dois ou três lá na Associação dos Funcionários Municipais, a
gente custa chegar até eles”.
Eu sempre vou no posto, porque eu não tenho onde ir (Angela, 67 anos).
Novamente enfatiza-se a fala de Angela para ilustrar como a indisponibilidade
financeira do paciente para arcar com os custos de uma consulta médica pode
influenciar a escolha do paciente. Porém, evidencia-se que, mesmo o indivíduo
pagando pela assistência médica, pode ter dificuldades de acesso, como se viu na fala
anterior de Afonso.
Vamos supor que num dia te deu uma azia ou uma queimação assim
diferente quando tu toma um chá desses e no outro dia não aparece é
porque não tem nada. Agora se tomar um chá e dali 3 dias continuar na
mesma aí tu tens que ir ao médico. É um alerta que alguma coisa não tá
bem no organismo (Alba, 60 anos).
Como se pode ver Alba referiu que, após o fracasso da alternativa informal, ela
procurou um profissional médico, pois como ela disse, se após 3 dias a dor continuar “é
um alerta que alguma coisa não tá bem no organismo”, e então um profissional de
saúde precisa ser consultado.
94
Dependendo do assunto se é uma doença mais ruim, uma coisa mais
agressiva, então o médico tem mais condições que a gente, né
(Adamastor, 72 anos).
Adamastor dá um exemplo de que a percepção do problema pelo paciente
influencia em sua busca pelo profissional médico. Este fator foi o mais referenciado
pelos idosos entrevistados (8).
Para Agatha sua ida ao médico dependia de sua família, pois segundo contou,
sozinha ela não iria:
[Fui ao médico] porque me levaram, minha filha e meu marido. Senão,
eu nem sei. Eu não pedi pra me levar, eles que me levaram. Me levaram
aqui pro posto e do posto me levaram lá pro Conceição, né. Eu sô contra
mim, aí já é uma briga em casa. Às vezes eu digo ah, eu tô com dor de
cabeça, me dói uma perna, aí o meu marido diz: Vamos no médico?
Não. De jeito nenhum eu não vou. Ele me convida pra ir (Ágatha, 70
anos).
Como se pode ver, o fator que influenciava a busca pelo profissional médico para
Agatha era a maneira como a família avaliava o seu problema. Com esses exemplos
constata-se a afirmação de Gerhardt (2000) sobre como as práticas terapêuticas são
adotadas baseadas em escolhas que dependem de vários fatores. Nos depoimentos
acima identificam-se exemplos de como o acesso ao serviço de saúde, a percepção do
paciente e da família sobre a doença ou o problema de saúde, a condição econômica e
o fracasso de outras alternativas influenciavam nas suas escolhas terapêuticas.
95
4.2.3.3 A alternativa popular: “Eu ia naquela esperança...”
Embora para muitos de nós (habitantes de sociedades industrializadas), seja
evidente a supremacia do saber médico no que diz respeito à assistência à saúde,
existem, ainda hoje, diversos tipos de curandeiros populares. Esses funcionam como
uma alternativa à assistência à saúde e formam um grupo muito heterogêneo. Segundo
Helman (2003), esses curandeiros ocupam uma posição intermediária entre o setor
informal e o profissional.
Em seu estudo sobre Medicina, Religião e magia, abordando o período entre
1889 e 1928, no Rio Grande do Sul, Weber (1999) refere que existem alguns relatos
das práticas terapêuticas realizadas por curandeiros populares. No início do século XIX,
havia 16 médicos inscritos em toda a região da Província, dificultando o acesso da
maioria da população à assistência terapêutica oficializada. Por isso, pela legislação
eram permitidos curandeiros onde não houvesse outros “cultores da arte de curar”.
Naquela época, essas atividades de cura eram realizadas em barbearias e farmácias,
por barbeiros e farmacêuticos. Também havia os rituais religiosos que prometiam
solucionar outros problemas, além dos de saúde; a salvação da alma estava no centro
dessas práticas.
Weber refere que, ainda no final dos anos 1800, não havia ocorrido a
consolidação da Ciência Médica, o que propiciava, no Rio Grande do Sul, a liberdade
profissional e a existência de diferentes formas de Medicina. O saber médico não tinha
status de cura majoritária. Conviviam diversas práticas terapêuticas, muitas delas
consideradas melhores que as médicas, segundo os usuários. Conforme a autora eram
96
várias as condições que favoreciam a procura por essas opções: a quase inexistência
de hospitais; a quase ignorância dos médicos diplomados, o que não permitia sequer a
distinção entre eles e os demais práticos; o péssimo atendimento domiciliar e de
boticas, e a falta de medicamentos.
Analisando a eficácia dessas práticas de tradição popular e sua aceitação pela
população, Helman (2003) aponta algumas vantagens: o fato de o curandeiro pertencer
à comunidade do usuário, possuindo, então, os mesmos valores e crenças cultivadas
pelo grupo; a familiarização do usuário com o local de atendimento (lar ou templo
religioso); o envolvimento da família no processo de cura; e o fato de o curandeiro
oferecer explicações para as causas da falta de saúde, relacionadas com o momento e
as suas relações com o mundo social e sobrenatural.
Concordando com esses argumentos, acrescenta-se que, mesmo nos dias
atuais, a busca por um curandeiro popular não significa que o paciente não vá consultar
um médico; observa-se que os pacientes podem fazer uso das três alternativas
terapêuticas simultaneamente, e estar sempre analisando continuamente qual
recomendação lhes convém, faz mais sentido e qual dá mais resultado.
Observa-se que os motivos que os levam à busca dessas alternativas não se
restringem somente à cultura. Considera-se que fatores como o difícil acesso aos
serviços de saúde e as dificuldades econômicas de muitos usuários influenciam nessa
escolha.
Nos achados desta pesquisa essa alternativa foi a menos relatada. Esse fato
sugere que, talvez, os entrevistados não quisessem referir ao profissional de saúde que
utilizam este meio de cura popular, visto que são práticas não bem aceitas pela
Medicina tradicional.
97
Apenas quatro situações foram referidas pelos idosos. Adão relata que procurou
uma Igreja Adventista para participar de um tratamento para deixar de fumar, e que foi
um amigo que o orientou para procurar essa Igreja. Conta que durante 3 meses
freqüentou os encontros, três vezes por semana, e que conseguiu parar de fumar;
porém, após esse período, desistiu de ir e voltou a fumar logo em seguida.
Aida referiu que sempre que percebia algum problema de saúde procurava sair
de casa e ir até a Igreja, pois lá sentia-se mais tranqüila. Já Agatha disse que ia à Igreja
Universal pedir saúde para ela e seus familiares; contou também que sempre que pedia
algo nessa Igreja recebia ajuda.
No caso de Alexandrina, ela sofria de depressão e contou que primeiro achava
que era um problema na coluna que estava lhe causando uma dor de cabeça, então ela
ficou 20 dias sem sair de casa, até que foi procurar um médico que lhe receitou
medicamentos, porém ela não conseguiu seguir o tratamento:
Eu não vou mais tomar remédio. E não tomei. Tá até hoje os remédio do
médico aí. Começou a me atacar muito o estômago e daí eu não vou
mais tomar. Eu tava tomando os remédio, mas eu tava sentindo que não
tava adiantando, e tava me atacando muito o estômago, porque é em
cápsula, aí eu não posso tomar. Não vou mais tomar. E quem vai curar
essa minha depressão, sou eu mesma. E não tomei mais até hoje. Não
melhorei, porque quanto mais a gente bota coisa na cabeça, mais
nervoso fica, e não adianta essas coisas sou eu que tenho que
resolver... (Alexandrina, 68 anos).
Nesta fala observam-se claramente os motivos que levaram Alexandrina a
abandonar os medicamentos: “eu tava sentindo que não tava adiantando, e tava me
atacando muito o estômago”, são os chamados efeitos colaterais que todo
medicamento possui. Após parar o tratamento medicamentoso, Alexandrina procurou
um centro de religião afro-brasileira, porém também não conseguiu resolver seu
problema:
98
Eu procurei também pra mim, mas nada adiantou. Não era ali o caminho
né, às vezes tu procura por um caminho que não é aquele, eu acho
(Alexandrina, 68 anos)
.
A entrevistada teve consciência, a partir de suas experiências, de que aquela
não era a forma de resolver seus problemas: “Não era ali o caminho né, às vezes tu
procura por um caminho que não é aquele.” Alexandrina contou ainda, que procurou
vários lugares na busca da cura para um sobrinho seu:
Eu cansei de ir, gastei o que eu tinha e o que eu não tinha (...) todos
lugar que eu ia só me mentiam, me tiravam meu dinheiro e eu ia naquela
esperança, que eu quase fiquei louca de tanto procurar. Os amigo, os
vizinhos, me diziam que iam lá, e lá eu me ia. Chegava lá, nada. Só me
enchiam de conversa e nada (Alexandrina, 68 anos).
Constata-se o quanto o desespero para alcançar uma cura ou alívio de um
problema de saúde pode levar as pessoas a se deixarem enganar por falsas
promessas: “todos lugar que eu ia só me mentiam, me tiravam meu dinheiro e eu ia
naquela esperança” (Alexandrina, 68 anos).
A razão para ela ter essa atitude ficou clara
em sua entrevista, ela se sentia responsável pela saúde de sua família.
[...] no meu caso, o meu problema de saúde se agravou um pouco mais,
foi o problema assim de preocupação, porque minha família, todo mundo
ficou velho, meu irmão mais novo tem 62 anos, então cada um que vai
ficando velho, vai ficando doente, vai assim precisando dos outros e nos
últimos anos, todo mundo ficou doente quase que no mesmo tempo e a
que ficou, que podia caminhar, pra fazer um pelo outro, era eu. Então
acarretou tudo pra mim (Alexandrina, 68 anos).
Vê-se como o excesso de responsabilidade e a falta de uma rede de apoio
familiar pode gerar problemas de saúde. E, nesse caso, Alexandrina tinha consciência
da causa de seus problemas emocionais:no meu caso, o meu problema de saúde se
agravou um pouco mais, foi o problema assim de preocupação”.
Quando questionados se utilizavam os serviços de algum curandeiro, médium ou
benzedeira, a maioria dos idosos disse que não se utilizava dessa alternativa
99
terapêutica, e que inclusive não conheciam ninguém que prestasse esses serviços na
comunidade. Alguns idosos oriundos do Interior relataram que, em sua cidade natal,
existiam essas pessoas, e que eram bastante utilizadas por toda a comunidade, porém
que aqui na capital não se ouvia falar muito sobre isso, o que provavelmente se
observa é o fato de em grandes centros urbanos existirem mais recursos da alternativa
profissional para serem buscados, diferentemente de cidades pequenas. Observa-se,
então, que a evolução do conhecimento médico, as tecnologias em saúde favoreceram
a diminuição da utilização de práticas terapêuticas populares, entre os entrevistados
desta pesquisa. Esse panorama confronta-se com aquele apresentado por Weber
(1999), em relação ao século XIX, quando, aqui no Rio Grande do Sul, os curandeiros
eram mais utilizados e tinham até mais credibilidade do que os médicos.
Autores como Metcalf, Berger e Negri Filho (2004) apontam para um processo de
diluição dos conhecimentos da alternativa popular, havendo conseqüentemente a
quebra da corrente de tradição oral. Os autores sugerem que a perda dos referenciais
explicativos e da estrutura familiar, termina por diluir o conhecimento, criando
“generalistas ou curiosos” dessa alternativa terapêutica. Dessa forma, encontram-se
mais conhecimentos em pessoas mais velhas e oriundas do meio rural, fato esse
referido pelos entrevistados.
Porém, não se pode negar a existência desses curandeiros em grandes centros,
pois eles existem. Provavelmente os idosos não quiseram se expor frente a um
profissional de saúde, admitindo que buscavam atendimentos populares com receio de
serem repreendidos, pois a conduta do profissional de saúde, que aceita somente as
verdades científicas, influencia significativamente as respostas dadas pelos
entrevistados.
100
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo procurou analisar as práticas terapêuticas utilizadas por idosos
residentes na Zona Urbana do município de Porto Alegre, bem como as influências para
as escolhas dessas práticas.
As análises da caracterização sociodemográfica dos idosos entrevistados
mostraram que eles tinham em média 68 anos de idade, eram de maioria feminina,
brancos de etnia italiana; possuíam o ensino fundamental incompleto; eram
aposentados; tinham renda familiar em torno de R$ 844,00, moravam, em média, com
duas pessoas, em residência própria.
De maneira geral, o que se pôde observar nos depoimentos dos idosos
entrevistados é que suas práticas terapêuticas eram influenciadas profundamente por
um processo de medicalização do corpo e da velhice. Isso pode ser encontrado tanto
nas concepções de saúde que possuíam, como nas práticas utilizadas. Mesmo que as
práticas terapêuticas informais tenham sido as mais relatadas, elas correspondem em
grande parte ao consumo de fármacos os quais se configuram na principal forma de
tratamento utilizada pela Medicina. Além disso, observa-se que existe um limite desta
prática que determina a busca por um profissional de saúde médico que permanece
sendo referência, mesmo tendo sido preterido, inicialmente, por condições adversas.
No início desta dissertação, foram formuladas várias questões que nortearam a
pesquisa. A primeira referiu-se aos fatores mais influentes nas escolhas das práticas
terapêuticas entre os idosos. O que se observou, nesta pesquisa, é que as escolhas
dos idosos basearam-se em muitos fatores como, por exemplo: a disponibilidade da
101
assistência médica; pouca disponibilidade financeira; fracasso de tratamento de
alternativas informais ou populares; a maneira como o paciente entende o problema, e
finalmente o modo como outras pessoas ao redor do paciente compreendem e
encaminham a situação. Um dos fatores que mais se destacou foi ter ou não um
convênio particular de saúde. Verificou-se uma relação direta entre ter convênio
particular de saúde e a utilização de práticas terapêuticas profissionais. Pode-se afirmar
que a facilidade de acesso às consultas e aos exames entre os idosos que possuíam
um convênio de saúde, comparado ao atendimento público de saúde, influenciava
esses idosos em uma conduta mais “medicalizada” nas escolhas das suas práticas
terapêuticas. Ressalta-se que o fato de um idoso possuir um convênio de saúde estava
intimamente ligado a sua condição financeira, que dessa forma influenciava suas
escolhas.
Dessa forma, constata-se que as práticas terapêuticas, ao invés de
representarem uma escolha dos idosos, são muito mais induzidas pela postura dos
profissionais de saúde e também pela mídia.
Quanto ao segundo questionamento, referente à crescente medicalização do
corpo e da velhice, esse processo foi observado entre os entrevistados sendo muito
influenciado pelo mercado da saúde e pela mídia. Isso pode ser verificado pela busca
de soluções mágicas e sem esforços que são a primeira opção, pois respondem à
lógica da urgência e do mercado farmacêutico que acaba por induzir esses
comportamentos que buscam respostas imediatas.
Essa lógica capitalista de mercado reflete uma tendência de que para se ter
saúde e bem-estar é necessário ter e consumir bens, o que influencia na busca de
recursos de saúde. Gera-se o que se denomina “consumo apelativo” que vai estimular
102
práticas “aditivas” que levam ao uso ininterrupto de medicamentos, produtos, alimentos
naturais, entre outros. Essas práticas, portanto, falam de uma época, de uma cultura,
de um corpo e principalmente de um modo de ser e de uma forma de existir (STENZEL,
2005).
Nessa perspectiva, outro fator que influencia diretamente a escolha das práticas
terapêuticas é o contexto sociocultural em que os indivíduos vivem, pois os idosos
possuem uma visão de mundo que é definida pelas suas crenças e valores culturais.
Na realidade analisada, essas crenças e valores estariam mais diretamente ligadas às
práticas terapêuticas informais e populares. Essas influências, no entanto, não se
configuraram necessariamente em resistência dos idosos entrevistados a esse
processo social de controle dos corpos. Observa-se que as práticas terapêuticas
informais, que poderiam significar essa resistência, se inscrevem em continuidade com
essa lógica e são predominantemente representadas pelo consumo de fármacos.
Assim as práticas terapêuticas informais e populares referidas, na maioria das
vezes, surgiram na cultura familiar e também da indicação de vizinhos e amigos e eram
utilizadas somente em problemas de saúde considerados simples.
Já a prática terapêutica profissional, em muitos casos, não era a última
alternativa utilizada pelos idosos. O que se pôde constatar, a partir desses fatos, é que,
em muitos casos, a relação com os profissionais médicos dificultou a relação
terapêutica. Essa falta de vínculo fez com que muitos idosos buscassem outras
alternativas, mas não menos medicalizadas. O resultado dessa falta de vínculo é a
desconfiança e o descrédito que muitos idosos referiram em relação a profissionais
médicos. Esse fato mostra que, em algumas situações, os limites do modelo
biologicista-biomédico, impessoal e intervencionista, resultam na baixa resolutividade
103
dos problemas de saúde dos idosos e na busca de alternativas que complementem e
respondam às suas demandas.
Essa baixa resolutividade em um dos seus aspectos tem origem na postura dos
profissionais de saúde que valorizam somente os aspectos considerados importantes,
neste caso, principalmente, os biológicos. Muitas vezes essa postura acaba
impossibilitando um atendimento respeitoso e que responda às necessidades sentidas
e referidas pelos idosos.
Também foram evidenciadas muitas contradições nas falas dos idosos, de
maneira que às vezes referiam que “procuravam sempre o médico para qualquer
problema de saúde”, e em outras situações respondiam que “primeiro tentavam resolver
o problema em casa com receitas caseiras”. Isso pode ter ocorrido por influência da
presença de um profissional de saúde e do medo de ser repreendido pela adoção de
práticas “não formais” de tratamento. Outro exemplo de contradição presente nas falas
foi em casos em que os idosos afirmavam que “raramente procuravam um médico” e
em seguida referiam que “consultavam periodicamente esses profissionais” talvez
induzidos pela necessidade de serem fiéis à lógica que impõe padrões de visitas
periódicas aos profissionais. Outra contradição, foi a de que apenas sete idosos
referiram ter uma concepção biológica da saúde, porém a maioria dos entrevistados
referiu a adoção de práticas terapêuticas medicalizadas.
Também foi referido como determinante nas escolhas das práticas terapêuticas a
acessibilidade aos serviços. Nesse sentido, constata-se, que o acesso à assistência
médica não é resultado de escolhas pessoais. Mesmo assim, a busca pelos serviços de
saúde é constante, evidenciando-se como necessidade que não se resume ao corpo
físico, mas responde à busca de contato social por parte dos idosos. Dessa forma,
104
mesmo não conseguindo o atendimento desejado e resolutivo em muitas situações,
conseguiam usufruir de um espaço de convivência.
Tentando refletir sobre a pertinência da questão formulada sobre as práticas
terapêuticas dos idosos como resultado de um “culto à arte de curar”, e sobre a
utilização do conhecimento oriundo da cultura oral de seus antepassados, conclui-se
que, diferentemente dessa perspectiva, esses idosos estão profundamente
influenciados pelas práticas medicalizadas.
Nesse sentido, os idosos desta pesquisa, embora, em muitas situações,
insatisfeitos com os serviços e as práticas profissionais mostraram a “obrigação” de
levarem a vida e gerenciarem seus problemas de saúde “como manda o figurino”.
Refletindo sobre essa “realidade idosa”, faz-se necessária uma compreensão
desse processo de medicalização, a fim de que se possa valorizar as potencialidades
reais dos idosos e estimular a sua autonomia, autoderminação e preservação da
independência física e mental, instrumentalizando-os para manter a máxima
capacidade funcional, pelo maior tempo possível.
Nessa perspectiva, a saúde subjetiva, aquela avaliada pela pessoa a partir dos
aspectos funcionais e percepção da própria saúde, adquire importância. A escuta ativa
dessas necessidades, considerando os aspectos objetivos e subjetivos da saúde, é
uma atitude potencial no aprofundamento do respeito aos idosos como sujeitos capazes
de escolhas.
Esta pesquisa detectou indícios para conhecer e compreender as interpretações
e atitudes dos idosos, residentes em área urbana da Zona Leste de Porto Alegre, frente
a situações de saúde. Embora o estudo tenha atingido os objetivos a que se propunha,
vislumbram-se possibilidades que podem ser desenvolvidas em outras pesquisas. Por
105
exemplo, sugere-se estudar a temática a partir da visão dos profissionais de saúde,
avaliando como se dá essa comunicação profissional-paciente e como eles interpretam
as necessidade de saúde dos idosos e como percebem as escolhas das práticas
terapêuticas. Outra sugestão é o estudo das práticas terapêuticas dos idosos utilizando-
se do método de observação do seu cotidiano. Acredita-se que os achados dessas
pesquisas podem ampliar essa compreensão e, dessa forma, subsidiar ainda mais, a
capacitação de profissionais no campo da Educação em saúde e do trabalho da
Enfermagem em particular, favorecendo, assim, os processos de autocuidado e de
resolutividade terapêutica para os problemas da população idosa.
106
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113
APÊNDICE A - Guia de Entrevista
IDENTIFICAÇÃO
Nome: _______________________________________________________
Prontuário: ___________________________________________________
Idade: ___________ Data de Nascimento: __________________________
Sexo: ______________ raça/cor: _______________ Etnia: _____________
Endereço: ____________________________________________________
Ocupação: ______________________________________
Profissão: _______________________________________
Escolaridade: ____________________________________
Renda familiar: ___________________________________
Com quem mora? Nº de pessoas: _____________________
ENTREVISTA:
1- O que é para o senhor(a) ser uma pessoa com saúde?
2- O senhor (a) tem saúde?
3- O que o Senhor (a) faz quando percebe que está com algum problema de
saúde?
4- Quem o Senhor (a) costuma procurar quando percebe o problema?
5- O Senhor (a) tem algum problema de saúde? Qual?
6- O Senhor (a) usa alguma medicação? Se sim, qual e quem lhe receitou?
7- O Senhor (a) usa algum outro meio para buscar alívio ou para curar algum
problema?
Se sim: Qual? Para qual problema? Quem lhe indicou? Como prepara ou onde
adquiri remédios caseiros?
8- Conte-me sua trajetória de saúde-doença nos últimos seis meses e quais
condutas foram adotadas.
9 – Tem mais alguma coisa que o senhor (a) gostaria de acrescentar?
114
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE SUL
ESCOLA DE ENFERMAGEM
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu _________________________________________ estou ciente de que esta
entrevista servirá para a coleta de dados do estudo sobre as Práticas Terapêuticas
entre idosos. O estudo é de autoria de Aline Corrêa de Souza, sob orientação da prof.
Dra. Marta Julia Marques Lopes, e tem como objetivos conhecer as práticas
terapêuticas utilizadas pelos idosos. Estou ciente que para participar deste estudo
precisarei somente responder as perguntas e permitir que estas sejam gravadas em fita
cassete. Fui informado (a) de que a minha declaração será utilizada como informação
para o estudo, podendo ser divulgado em periódicos científicos, que a preservação da
minha identidade será respeitada, e que poderei desistir de participar da pesquisa no
momento em que desejar, sem que esta decisão acarrete ônus na assistência que
recebo.
______________________________
Entrevistado (a)
______________________________
Pesquisadora
Telefones para contato: 91038555 – Aline, 33165481 – Marta Julia
115
ANEXO – Documento de aprovação da comissão de ética da Secretaria Municipal
de Saúde
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