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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IRENE DE SOUZA COSTA
A CULTURA PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO PROFESSOR NA
ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS
CUIABÁ – MT
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IRENE DE SOUZA COSTA
A CULTURA PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO PROFESSOR NA
ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS
CUIABÁ – MT
2007
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IRENE DE SOUZA COSTA
A CULTURA PEDAGÓGICO-CURRICULAR DO PROFESSOR NA ESCOLA
ORGANIZADA POR CICLOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação, do Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação, na Área de Teorias e
Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, Linha de
Pesquisa Formação de Professores e Organização
Escolar.
Orientação: Professora Doutora Jorcelina Elisabeth
Fernandes
Cuiabá – MT
2007
FICHA CATALOGRÁFICA
C837C
Costa, Irene de Souza
A cultura pedagógico-curricular do professor na escola
organizada por ciclos/Irene de Souza Costa. Cuiabá:
UFMT/IE, 2008.
194 p.: il.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação, do Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso, na Área de Concentração Teorias e
Práticas Pedagógicas da Educação Escolar, na linha de
Pesquisa Formação de Professores e Organização Escolar,
como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre
em Educação.
Orientação: Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes
Bibliografia: p. 190 - 194
CDU - 371.214
Índice para Catálogo Sistemático
1. Escola organização por ciclos
2. Cultura pedagógico-curricular
3.
Inovações Curriculares
Dissertação Apresentada à Coordenação do
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
__________________________________________
Profª Drª Roseli Cecília da Rocha Baumell
Examinadora Externa (USP)
__________________________________________________
Profª Drª Filomena Maria de Arruda Monteiro
Examinadora Interna (UFMT)
__________________________________________________
Profª Drª Jorcelina Elisabeth Fernandes
Orientadora (UFMT)
Cuiabá, - MT
2007.
DEDICATÓRIA
À Fernanda, o melhor presente de Deus em minha vida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me guiado em todos os passos desta caminhada e ter sido fonte de inspiração
em todos os momentos.
A meus pais, Darci e Rita, em especial, e a todos meus familiares que, por inúmeras vezes,
souberam me apoiar na tomada de decisões, incentivando-me a persistir neste percurso que
era um de meus objetivos de vida, e também por ajudarem a cuidar e a educar nossa menina-
moça.
À professora Drª. Jorcelina Elisabeth Fernandes, por ter me dado à oportunidade de estar aqui,
e pelo apoio nos mais variados momentos desta trajetória.
Ao Fernando, por estar a meu lado em momentos de grandes alegrias e desafios.
A todos os meus amigos, com os quais, perto ou longe, compartilhei caminhos e descaminhos
que nos tornaram mais fortes.
Aos professores Doutores do Programa de s-Graduação em Educação da UFMT e aos
Técnicos da Secretaria da Pós, sempre presentes neste período que durou o mestrado.
Àqueles professores, sujeitos diretos e indiretos desta pesquisa, que, impulsionaram em mim,
o desejo desta investigação.
À Secretaria de Estado de Educação e à Secretaria Municipal de Educação de Carlinda, pelo
apoio à licença para qualificação profissional.
A todos os colegas de profissão que, mesmo sem que eu saiba, torceram por mim.
A todos que contribuíram, direta ou indiretamente, para a construção e elaboração deste
trabalho de pesquisa e desta meta que se concretiza.
Obrigada a todos!
“[...]
“[...]“[...]
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pensar uma escola em ciclos significa, do meu ponto de vista,
pensar uma escola em ciclos significa, do meu ponto de vista, pensar uma escola em ciclos significa, do meu ponto de vista,
pensar uma escola em ciclos significa, do meu ponto de vista,
pensar uma escola diferente da que hoje
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conhecemos. Uma escola
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RESUMO
O objeto de estudo desta pesquisa é a cultura pedagógico-curricular do professor. Três são os
sujeitos desta investigação e atuam no ano do I Ciclo em uma escola da rede municipal de
ensino em Carlinda, Mato Grosso. A questão norteadora se constituiu pela seguinte
indagação: Com a implantação da escola organizada por ciclos, que mudanças ocorrem na
cultura pedagógico-curricular de professores? De natureza qualitativa, esta pesquisa se
desenvolveu por meio dos seguintes instrumentos de coleta de dados: narrativas orais e
escritas e observação não participante. Com o objetivo de compreender que mudanças
ocorrem na cultura pedagógico-curricular de professores, com a implantação da escola
organizada por ciclos, teci o aporte teórico em estudiosos como Gather Thurler (2001), Freitas
(2003 e 2004), Pérez Gómez (2001), Gimeno Sacristán e Pérez Gómez (1998), Arroyo (1999),
(2004), Sampaio (2007), Krug (2007), Carbonell (2001), Imbernón (1994), (2005), Weisz
(2003), Pacheco (1995), entre outros. Orientada por estes e outros teóricos, tem-se como
referência conceitual que a cultura pedagógico-curricular do professor é construída por
crenças, costumes, hábitos, valores, idéias, funções, interesses, etc que se traduzem por meio
do movimento das relações sociais e historicamente constituídas no contexto educativo. Neste
sentido, os dados analisados demonstram que a cultura pedagógico-curricular do professor é
constituída pelo movimento existente entre os elementos da cultura herdada - nos quais se
interiorizam traços da cultura que se tornam significativos e que marcam o início da carreira
docente. Doutro lado, pelos elementos da cultura que dificultam a constituição de práticas
pedagógico-curriculares inovadoras - aspectos externos e internos à vida da escola; certezas e
incertezas na constituição de novas práticas e de utilização do tempo escolar-. Mais ainda. Os
elementos da cultura que favorecem a constituição de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras - disposição do professor à mudança; possibilidades e desafios da mudança na
organização da escola; o professor e a visão de si no processo de mudança e da reconstrução
de seu olhar sobre o aluno; formação inicial e contínua: o valor dado pelo professor e, a
organização do trabalho do docente-. Portanto, a mudança na cultura pedagógico-curricular do
professor ocorre quando ela se faz presente na constituição de novas crenças, valores,
costumes, atitudes etc, na cultura do professor. Ou seja, quando o professor se dispõe a refletir
sobre as concepções que serviram para referenciar a prática docente em determinada época da
carreira docente e se envolve na tentativa de construir uma nova cultura. Bem assim, os dados
analisados permitem afirmar que, a implementação da escola organizada por ciclos, aliada à
formação inicial e contínua, sinaliza a ocorrência de algumas mudanças na cultura
pedagógico-curricular do professor.
Palavras-chave: Escola organizada por ciclos. Cultura pedagógico-curricular. Inovações
curriculares.
ABSTRACT
The object of study this research is the teacher‘s syllabus-educational culture. Three are the
subjects of this research and act on First year of the first Cycle in a school of the municipal
chain of Carlinda‘s village. The guided question is the following inquiry: with the introducing
of the organized school by cycles, what changes does occur in teachers ‘educational syllabus
culture? From qualitative nature, this research developed by means of these instruments of
collect of information’s: oral narratives and writing and observation no- participating. With
the objective to understand what changes occur in teachers’ educational- syllabus culture,
with the introducing of organized school by cycles, I built the theories in authors as: Gather
Thurler (2001), Freitas (2003 and 2004), Pérez Gómez (2001), Gimeno Sacristán and rez
Gómez (1998), Arroyo (1999), (2004), Sampaio (2007), Krug (2007), Carbonell (2001),
Imbernón (1994), (2005), Weisz (2003), Pacheco (1995) and others. I was guided by these
and others well- know authors it has as conceptual reference which the teacher’s syllabus-
educational culture is built by believes, habits, values, ideas, functions, interests, etc which
they translation by means the movement of social relations and historically constituted in
educational context. In this meaning, the analyzed information’s show which the Teacher’s
syllabus-educational culture is constituted by existing movement between the elements from
inherited culture –in what assimilate traces of the culture which become meanings and they
mark the beginning of teaching‘s career. Otherwise, by elements from culture which difficult
the constitution of innovative syllabus-educational practices-external and internal aspects to
school’s life; certainties and uncertainties in the constitution of new practices and use of
school time. However. The elements from culture which favor the constitution of innovative
syllabus –educational practices-tilt of the teacher to change: possibilities and challenges of
change in school’s organization; the teacher and own vision in process of change and
reconstruction of your watching about the pupil; initial formation and continuous: the value
given by teacher and, the organization from teaching’s work. Therefore, the change in
teacher’s syllabus-educational culture occur when it does present in constitution of new
believes, values, habits, attitudes etc, in teacher’s culture. Or be, when the teacher is willing to
do reflections about the conceptions which served to refer the teacher’s practice in certain
time of teaching’s career and it involves at attempt to build a new culture as well as, the
analyzed information’s permit to state which, the carrying out of organized school by cycles,
allied to initial formation and continuous indicates the happening of some changes in
teacher’s syllabus-educational culture.
Key-words: Organized School by Cycles. Syllabus-Educational Culture. Syllabus
Innovations.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................. .............................11
Contextualização do estudo ........................................................................................................ 18
A construção metodológica do estudo ........................................................................................ 19
Estrutura da pesquisa ................................................................................................................. 24
PARTE I ....................................................................................................................................... 26
Os caminhos da constituição da cultura pedagógico-curricular do professor ....................... 26
1.1 Cultura ................................................................................................................................. 26
1.2 Cultura e educação ............................................................................................................. 29
1.3 Cultura da escola ................................................................................................................ 29
1.3.1 O contexto escolar como espaço de manifestação de diversos elementos da cultura
escolar e do docente .................................................................................................................... 33
1.4 Cultura do professor .......................................................................................................... 35
1.4.1 Cultura pedagógico-curricular do professor ...................................................................... 37
1.5 Inovação curricular, uma das dimensões da mudança na prática do docente ............. 40
1.5.1 O desenvolvimento profissional do docente na construção de nova cultura ..................... 45
PARTE II ..................................................................................................................................... 50
Escola organizada por ciclos: proposta de inovação pedagógico-curricular ......................... 50
2.1 A escola organizada por ciclos na rede municipal de ensino em Carlinda - Mato
Grosso ........................................................................................................................................ 50
2.2 A escola organizada por ciclos: proposta de inovação pedagógico-curricular que
viabiliza mudanças na cultura do docente ............................................................................. 62
2.2.1 A escola organizada por séries: elementos de uma cultura herdada.................................. 63
2.2.2 A escola organizada por ciclos: proposta inovadora de flexibilização do tempo e do
espaço escolar ............................................................................................................................. 69
PARTE III .................................................................................................................................... 77
Organização e análise dos dados ................................................................................................ 77
3.1 Elementos da cultura herdada na constituição de práticas pedagógico-curriculares . .78
3.1.1 Traços da cultura que marcam o início da carreira do docente ......................................... 79
3.1.2 Os significados das recordações das vivências escolares .................................................. 86
3.2 Elementos da cultura que dificultam a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras ........................................................................................................... 90
3.2.1 Aspectos externos e internos à vida da escola ................................................................... 91
3.2.2 Certezas e incertezas na constituição de novas práticas .................................................. 105
3.2.3 O que se faz com o tempo ... tempo ... tempo ... ............................................................. 118
3.3 Elementos da cultura que favorecem a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras ......................................................................................................... 123
3.3.1 Disposição do professor à mudança ................................................................................ 125
3.3.2 Possibilidades e desafios da mudança na organização da escola .................................... 127
3.3.3 O professor – a visão de si no processo de mudança....................................................... 137
3.3.4 O professor – a reconstrução da visão sobre o aluno ...................................................... 142
3.3.5 Formação inicial e contínua: o valor dado pelo profesor ................................................ 151
3.3.6 Organização do trabalho docente .................................................................................... 157
Considerações Finais ................................................................................................................. 181
Referências ................................................................................................................................ 190
Introdução
Apesar de a educação básica brasileira passar por grandes transformações ainda
durante o século XX, seu balanço e desempenho foram considerados insatisfatórios nas
últimas décadas.
Nesse sentido, não é injusto dizer que, ao longo da história, a escola brasileira tem
deixado por desejar em sua tarefa de garantir uma educação de qualidade a todos os alunos.
Num primeiro momento porque o acesso à escolarização estava garantido a apenas uma parte
da sociedade; depois, mesmo com a democratização do acesso à escola, ainda não se
conseguiu ensinar a todos os alunos.
Isso está ligado às diferenças entre as classes sociais? À maneira como
compreendemos a cultura escolar de que a repetência é um fenômeno natural? Ao modo como
consideramos o que o aluno sabe e como ele aprende? À formação profissional dos
professores? À disponibilidade deles de abertura às inovações e às mudanças na prática
pedagógica? Às condições de trabalho do professor? À sua valorização profissional?
A despeito dos problemas que até hoje fazem com que a educação esteja sendo
discutida com tanta ênfase, como indicam os questionamentos acima e tantos outros que
podem ser trazidos a lume, é possível respeitar e considerar as diferenças, valorizar os saberes
que os alunos possuem e criar um contexto de aprendizagem favorável à aprendizagem e,
conseqüentemente, oferecer um trabalho pedagógico comprometido com o sucesso dos
alunos.
Sabe-se que essas condições nem sempre foram garantidas a todos os alunos ao
longo da história. Nesse sentido, aporto parte do que a memória me permitiu lembrar da
história do início de minha carreira e que me ensejou refletir um pouco sobre como ingressei
nesta profissão e qual olhar tenho hoje do percurso que me trouxe até aqui. Sou sabedora de
que essas lembranças me ajudaram a compreender o percurso da constituição de minha
cultura pedagógico-curricular.
Poder olhar para minha trajetória profissional e compreender como minha cultura
pedagógico-curricular foi se constituindo, contribuiu para que eu pudesse visualizar melhor
aquela construída pelos sujeitos desta pesquisa.
12
A princípio, pensei que seria muito cansativo expor aqui um pouco do percurso
que me fez educadora, mas, por outro lado, acredito que, ao lê-la, muitos possam se encontrar
em algum momento desta história e se propor uma reflexão sobre sua própria trajetória.
Pois bem, tudo começou em 1990, quando fui convidada a lecionar, pela primeira
vez, em uma escola da rede estadual de ensino. Esta se localizava em um núcleo, na zona
rural de Carlinda, Mato Grosso. A turma a que iria atender era uma primeira série
1
do ensino
fundamental – uma turma fácil de trabalhar, para uma professora iniciante.
Nesta época, tinha cursado apenas até a sétima série. Dado o fato de ter me
mudado pouco para Carlinda, ainda não tinha tido a oportunidade de voltar a estudar.
Como Carlinda era um distrito recém-formado, e o assentamento do Incra, no qual fomos
morar, tinha sido aberto não havia muito, inexistiam, à época, as séries finais do ensino
fundamental. Assim, ingressei na profissão docente sem o ensino fundamental completo,
como a maioria dos professores de então.
E agora? estava eu, com uma turma de alunos para alfabetizar. Logo no início
do ano, antes de começarem as aulas, os professores tinham um período reservado para curso
de aperfeiçoamento e reciclagem. Hoje me pergunto: Aperfeiçoar o quê? Reciclar o quê? A
única experiência com a qual eu podia contar eram as lembranças de quando fui alfabetizada.
Foram quinze dias de encontro. descobri que alfabetizar não se tratava de algo
diferente de quando fora alfabetizada. Inicialmente, recebemos um caderno com o
planejamento dos primeiros quinze dias de aula. Durante os dias do encontro, íamos
estudando e nos preparando para enfrentar o ano letivo. Também descobri que poderia contar
com a experiência dos colegas de trabalho que bem tempo se encontravam nesta tarefa
e, em adendo, poderia contar com o material de apoio pedagógico e com os livros didáticos.
Nessa ocasião, fui informada que haveria um período de sondagem e que, então,
ensinaríamos às crianças coordenação motora, lateralidade na apostila que ganhamos havia
sugestões de exercícios. Passada essa fase, passaríamos a ensinar as vogais, as junções das
vogais, as consoantes que, juntadas às vogais iam formando sílabas, palavras; um tempo
depois, frases e, quase no final do ano, se tempo houvesse, construiríamos pequenos textos.
Dessa forma, passei meus dias ensinando às crianças que
B + A = BA
B + E = BE
1
Era a turma mais indicada para quem estava iniciando na carreira. Aos professores era oferecido um
“treinamento” antes de entrar em sala e, como tudo era muito parecido com a época que fui alfabetizada,
“qualquer pessoa”, sabendo mais que os alunos, poderia se candidatar a esta tarefa.
13
B + I = BI
B + O = BO
B + U = BU
Assim, BA, BE, BI, BO, BU formava uma sonoridade perfeita aos ouvidos de
quem passava por perto da sala de aula e imaginavam penso eu, hoje que meus alunos
sabiam ler.
Em seguida, juntávamos o BA, BE, BI, BO, BU às vogais para formar as
primeiras palavras: OBA, BOI, BUÁ, BABA, BEBE, BABI, entre outras.
A história se repetia: eu ensinava da mesma maneira como aprendera. Como
minha professora da primeira série se dedicou a mim, eu me dedicava a meus alunos. Então,
pareceu-me um pouco familiar todo esse processo. Quando me assaltava alguma dúvida,
recorria a meus colegas de trabalho, que dessa forma de trabalhar não se distanciavam.
À época, decorridos os primeiros meses de aula, após observar a turma, já se tinha
a ousadia de indicar, à direção, quantos e quais alunos iriam para a série seguinte. Com que
poder fazíamos isso? Como se o “olhar” fosse tão apurado, que pudesse prever, meses de
antecedência, quem iria aprender ou não durante todo um ano.
Na escola organizada em séries, muitas coisas não eram valorizadas. Esta
lembrança ficou em minha memória. Determinada aluna, no fim do ano letivo, apresentava
uma escrita silábica, com valor sonoro. No entanto, não entendia como se o processo de
leitura e escrita dos alunos, desconhecendo que essa criança precisaria de mais um pouco
de tempo para escrever alfabeticamente. Porém, no ano seguinte, ela começou tudo de novo,
fazendo “risquinhos” e “bolinhas”, como se aquele ano escolar inexistisse em sua vida.
Chegava a pensar: se alguns alunos aprendem, por que os outros não o fazem
também? Do jeito que eu ensinava a um, eu ensinava a todos. Tomava leitura, passava tarefa
no caderno de cada um, para eles escreverem em várias linhas a mesma palavra ou frase, para
aprenderem a escrever. Concluindo o ano, quem estivesse sabendo ler e escrever
alfabeticamente, iria para a próxima série. Caso contrário, faria a primeira série novamente.
Nesse mesmo ano (1990), comecei a cursar o Magistério pelo Projeto Logos II.
Recordo-me ter feito algumas transformações em minha prática pedagógica, mas não de
forma profunda como deveria ser. Não era capaz, ainda, de ver que cada aluno aprende em
seu tempo. Que precisaria descobrir o que cada aluno sabia para poder oferecer um ensino
com atividades desafiadoras, tendentes a uma aprendizagem mais significativa e prazerosa.
Formei-me em 1992, mas o magistério, como formação inicial para exercer a
profissão de docência, não se fez bastante para que pudesse desenvolver um ensino mais
14
reflexivo sobre as necessidades de aprendizagem dos alunos. Embora tenha construído em
mim uma vontade imensa de seguir em frente, de continuar os estudos intentando encontrar
caminhos que me ajudassem a resolver os problemas que encontrava em sala de aula, a prática
que vinha desenvolvendo até então não era suficiente para isso. Sabia que tinha algo além do
que eu realizava. Mas o quê? Como fazer?
Nos anos seguintes, participava somente de curso de formação continuada (de 20
ou 40 horas) oferecidos pelo Estado e pelo município. Em 1996, prestei o vestibular para
Pedagogia, Universidade Estadual de Mato Grosso, por meio do Projeto de Licenciaturas
Plenas Parceladas, em parceria com o Governo do Estado e prefeituras de seis municípios.
Enfeixavam o pólo de Alta Floresta, do qual Carlinda fazia parte.
O curso teve início somente no ano seguinte. Começou, então, mais uma etapa de
minha formação que, por conta da realidade do lugar e do próprio desenvolvimento do curso,
durou seis anos.
Acredito que, como em qualquer curso de formação inicial, muitos
questionamentos foram sendo levantados. Os estudos permearam desde as teorias
educacionais até a prática docente da educação infantil e das séries iniciais do ensino
fundamental. Comecei a descobrir que o olhar que tinha do ato de ensinar e de aprender se
revestia de um novo sentido. Sentia-me incomodada e queria descobrir como é que eu deveria
fazer, para fazer melhor.
Ouvia de alguns professores da graduação: vocês chegam até aqui, e daqui para a
frente, o que é que se faz? Boa pergunta. O que é que se faz daqui para a frente? Os olhares se
entrecruzavam e não encontrávamos as respostas, ao mesmo tempo em que deparávamos com
novos questionamentos, com um olhar fortificado da prática do ensino e da aprendizagem.
Na universidade, começamos a discutir em que sentido essa organização de escola
era diferente daquela organizada por séries, e como o ensino e a aprendizagem passavam a ser
vistos. Não mais centrada na memorização, na decoreba, de conteúdos descontextualizados
que não permitiam ao aluno uma aprendizagem a partir daquilo que ele sabe. O ensino
passava a acobertar um olhar para o ato de ampliar o conhecimento que o aluno trazia de
sua própria história, preparando-o para enfrentar os desafios da vida.
Saí do curso de graduação com muitas interrogações advindas da formação
articulada à prática de sala de aula. Esse conflito construído entre formação e prática fez com
que novo olhar, voltado à prática, fosse se construindo. Com isso, a busca de implementar
mudanças é cada vez maior, pois a prática conhecida até então não era mais suficiente para
responder a este embate.
15
Nesse meio tempo, surgiram em nível federal, estadual e municipal discussões
referentes à necessidade de nova concepção de educação. Nesse período, integrava a equipe
pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Carlinda e observei que estas discussões
estavam relacionadas com o conflito pelo qual estava vivendo e que poderia estar, ali, um dos
caminhos para eu compreendê-lo.
Como as discussões realizadas em torno da escola organizada por ciclos foram se
fortalecendo, pude esclarecer melhor o princípio de minhas angústias. Em suma, o de ver uma
escola que se preocupa com o não-saber dos alunos, passando a acreditar que residia na escola
organizada por ciclos, possibilidade de transformar a escola que até então se conhecia e sua
cultura.
No caso da escola organizada por ciclos, o “olhar” sobre o aluno está voltado para
as possibilidades que ele ainda tem em aprender, até o último dia letivo. O que eu, na
qualidade de professora, ainda posso fazer para que esse aluno avance na construção de seu
conhecimento? Esse acompanhamento, hoje, valoriza o modo como o aluno entrou na escola,
sabendo determinada coisa, e quanto ele se desenvolveu durante o ano, em relação a ele
mesmo, pois cada aluno aprende de maneira diferente e em ritmo diferente.
Fator de relevância que contribuiu sobremaneira no processo de constituição de
minha experiência docente e desse olhar voltado para as concepções de uma escola
organizada por ciclos, apesar de não ter sido elaborada com esta finalidade, foi a formação
continuada. Sobrelevo, apesar de muitas críticas, o desenvolvimento do Programa de
Formação Continuada Parâmetros em Ação, intitulado PCNs em Ação e, o Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA). Esses programas foram organizados pelo
Ministério da Educação e coordenados no pólo de Alta Floresta pelo Centro de Formação de
Professores (CEFAPRO), encabeçado, na época, pela professora Vilma Villela, e pela
Secretaria Municipal de Educação de Alta Floresta.
Como integrante da equipe da coordenação pedagógica da Secretaria de Educação
de Carlinda, desejosa de contribuir com os professores deste município, graças a discussões
que pudessem orientá-los a promover mudanças na prática docente em favor da aprendizagem
dos alunos, participava dos encontros de formação geral em Alta Floresta. Intuído era planejar
e desenvolver uma formação que subsidiasse os professores em Carlinda, bem como refletir,
melhorar, ampliar, interrogar e até mesmo encontrar saídas para os embates encontrados no
exercício da prática.
16
Para o desenvolvimento dos Parâmetros em Ação foi formado um grupo
composto por mim, Coordenadora-Geral
2
que orientava, acompanhava o planejamento e o
desenvolvimento dos encontros –, e por Coordenadores de Grupos
3
. Estes desenvolviam o
planejamento diretamente com os professores. Nestes encontros de preparação, estudávamos
os módulos
4
e realizávamos as mudanças que o grupo acreditava necessárias para atender à
realidade local e também ao anseio que os professores-cursistas
5
demonstravam durante os
encontros.
Juntos, a Coordenadora-Geral e os Coordenadores de Grupo realizávamos a
avaliação de cada módulo trabalhado, depois era encaminhada ao CEFAPRO, para
acompanhamento. Tais avaliações davam suporte para a formação dos formadores, ou seja,
dos coordenadores-gerais e de grupo, promovida pelo CEFAPRO.
Nessa formação, todos os coordenadores do pólo se reuniam e socializavam
obstáculos e desafios encontrados no trabalho. Essa atividade fortalecia a equipe e, a cada
formação, sentia que aquele era um caminho que franqueava desenvolver um trabalho que,
não obstante agigantasse minhas angústias, pois passava a deparar com problemas que até
então eram naturais, fazia com que me sentisse que estava fazendo algo para melhorar a
prática docente. Sendo menos ousada, possibilitava, no mínimo, indicar aos professores que
outros caminhos para olhar o que sabe e o que não sabe nossos alunos, promovendo uma
reflexão compartilhada e no coletivo para que, juntos pudéssemos descobrir novas maneiras
de ensinar e aprender.
Esse trabalho era acompanhado também pelo Secretário Municipal de Educação,
não sem omitir o apoio dos diretores das escolas municipais e estaduais.
Antes de encerrar as atividades do Programa Parâmetros em Ação, iniciou-se o
Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
6
. Como a Secretaria Municipal de
Educação de Carlinda não foi contemplada para desenvolver o Programa oferecido
diretamente pelo MEC, novamente fomos participar da formação oferecida pela Secretaria
2
Ocupei essa função de Coordenadora-Geral do início ao término do Programa. Na oportunidade, foi trabalhado
com a formação de profissionais da Educação Infantil, das séries iniciais e finais do ensino fundamental.
3
Era composta pelos coordenadores de grupo, membros da equipe pedagógica da Secretária Municipal de
Educação e alguns coordenadores pedagógicos das escolas.
4
Os módulos eram constituídos pelas diversas áreas do conhecimento, com duração entre 12 e 24 horas, a
depender do tema que estava sendo trabalhado.
5
Os professores-cursistas eram os professores que atuavam nas escolas. As turmas eram formadas pelos
professores que atuavam na Educação Infantil, e nas séries iniciais e finais do ensino fundamental. Participavam
também alguns profissionais técnico-administrativos que se afeiçoavam às discussões presentes. Na Educação
Infantil, os profissionais acompanharam do início ao final da formação.
6
Participaram dessa formação professores da Educação Infantil e professores das séries iniciais do Ensino
Fundamental da rede municipal e estadual.
17
Municipal de Educação de Alta Floresta, para desenvolvê-lo em Carlinda. Acreditávamos que
este programa também contribuiria, apesar de não ser seu objetivo, para nossas reflexões
ofertando meios aos professores para implementar práticas pedagógico-curriculares que
dessem base para consolidar as concepções para a construção de uma escola que se preocupa
com a qualidade do ensino oferecido.
Por acreditar que o desenvolvimento dessas formações contínuas, que sucediam
no decorrer do ano letivo, contribuiria para que os professores compreendessem as
concepções de ensino e de aprendizagem dentro dos princípios da escola organizada por
ciclos, decidimos desenvolvê-las no município, que os professores necessitavam de apoio
para enfrentar as inovações que esta proposta de organizar a escola conferia.
Como essas formações ocorriam com grupos formados pelos professores de todas
as escolas, acreditávamos que era necessária uma formação, com vistas a discutir as questões
mais específicas de cada escola. Então, elaboramos uma proposta de formação que se dava
durante o ano, no interior de cada uma delas, somada a outra que atendia aos diretores,
coordenadores pedagógicos e articulares, tendente a contribuir para o enfrentamento das
dificuldades do cotidiano das escolas.
Fazer parte do desenvolvimento desses programas de formação continuada como
professora-formadora me proporcionou suprir algumas lacunas que foram ficando ao longo da
formação inicial. Fui aprendendo, com as leituras, com as discussões em grupo e com as
propostas de trabalho que faziam parte dos encontros, ao tempo em que procurava refletir com
os professores esse novo olhar sobre a prática, indispensável de ser construído se quiséssemos
abandonar aquela concepção impossibilitada de propiciar as respostas que buscávamos às
nossas angústias.
Essa trajetória de formação inicial, articulada à minha prática docente e ao
desenvolvimento de programas de formação contínua, transformou-me em uma pessoa
inquieta. Tentava compreender os conflitos que afloravam no percurso da constituição da
prática docente e refletir sobre novas possibilidades de desenvolvê-la de forma mais
significativa e legitima com a concepção de escola que acredito seja mais adequada para
atender aos alunos. No assim pensar, reporto-me à escola organizada por ciclos.
Por isso, estou aqui, nesse programa de mestrado em educação, mais uma vez
tentando, por meio de novas leituras, estudos, debates e reflexões dar mais um passo na
constituição de minha cultura pedagógico-curricular. Nesse sentido, as disciplinas, os
seminários, os estudos no grupo de pesquisa que foca suas discussões no estudo da escola
18
organizada por ciclos e os encontros de orientação me ajudaram a delimitar o objeto de estudo
para desenvolver essa pesquisa.
Contextualização do estudo
Para explicitar o objeto de estudo desta pesquisa
a cultura pedagógico-curricular
do professor
tomei como ponto de partida os questionamentos presentes no decorrer de meu
exercício da docência, assim como, de minha formação inicial e contínua.
Estes aspectos iniciais, somados à minha participação como professora-formadora
em encontros de formação contínua a professores do ensino fundamental, mais
especificamente dos anos iniciais das escolas da rede pública municipal e estadual em
Carlinda, Mato Grosso, contribuíram para a origem da problemática desta pesquisa.
Na experiência de professora-formadora, o fator que se destaca é a contradição no
discurso entre os professores que participavam destes encontros. Compunham dois grupos:
um grupo exibia o discurso de que realizavam experiências pedagógico-curriculares
inovadoras em sala de aula, enquanto o outro contrapunha esta afirmação, dizendo que o
trabalho em sala de aula não se alterava e que não havia mudança.
Esta contradição evidencia quanto a cultura da escola seriada está impregnada nas
ações docentes, a ponto de levar os professores a duvidar que a prática possa mudar. Dessa
maneira, pude observar que a postura de cada um indica seus valores e sua cultura: enquanto
para uns é “desafiador” propor mudanças na prática pedagógico-curricular, para outros é mais
“confortável” continuar como está.
Por estes fatores me incomodarem, comecei a me questionar: Tem havido
mudanças na prática docente ou não? Depois de participarem da formação inicial e de
encontros de formação contínua, os professores permanecem a praticar o ensino de maneira
igual àquela do início da carreira? Mesmo que a escola organizada por ciclos exija do
professor novo olhar sobre o ensino e a aprendizagem, o trabalho em sala de aula continua
seletivo, classificatório, homogêneo?
A entrada no mestrado em educação me fez buscar a compreensão dessas
inquietações, assentada na seguinte questão orientadora deste estudo: com a implantação da
escola organizada por ciclos, que mudanças ocorrem na cultura pedagógico-curricular de
professores?
19
Neste sentido, outros questionamentos considerados secundários foram se
constituindo no decorrer da pesquisa: Que concepções e práticas pedagógico-curriculares
inovadoras estão emergindo na cultura dos professores? Que fatores favorecem ou dificultam
a introdução de ações pedagógico-curriculares inovadoras, na cultura pedagógico-curricular
dos professores?
Com o desenvolvimento desta pesquisa, tem-se como objetivo principal
compreender que mudanças ocorrem na cultura pedagógico-curricular de professores com a
implantação da escola organizada por ciclos, em uma escola da rede municipal de ensino em
Carlinda Mato Grosso. Objetiva-se, de igual sorte, levantar que concepções e práticas
pedagógico-curriculares inovadoras estão emergindo na cultura pedagógico-curricular dos
professores e identificar quais fatores favorecem ou dificultam a introdução de ações
inovadoras, na cultura pedagógico-curricular dos professores.
A construção metodológica do estudo
Para compreender a construção da cultura pedagógico-curricular dos professores,
decidi percorrer o caminho da pesquisa qualitativa.
Esta escolha se efetivou, em decorrência da consistência metodológica que a
pesquisa qualitativa possui e por garantir confiabilidade a seu percurso. Segundo os estudos
de Bogdan e Biklen (1994), são cinco as características da investigação qualitativa, de modo
que algumas delas podem ser consideradas com maior eloqüência que outras: A fonte de
dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. A
investigação é realizada de maneira descritiva, para que não se deixe escapar nenhum detalhe.
Significativo é o processo, do que simplesmente os resultados, pois é por meio dele que as
definições se formam. Os dados são analisados de forma indutiva, ou seja, as abstrações são
construídas à medida que os dados recolhidos vão se agrupando. Por fim, o significado é de
grande importância, porque revelam o modo pelo qual as diferentes pessoas dão sentido às
suas vidas.
A prioridade da pesquisa qualitativa se destaca também, por trabalhar “com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994, p. 22). Por sua natureza exigir
20
um estudo aprofundado de cada questão em particular, seus resultados não se sistematizam
por meio da quantificação, mas pela elaboração de significados construídos e que dão
confiabilidade à pesquisa.
Quando da definição dos lócus e dos sujeitos da pesquisa, inicialmente pensei
trabalhar com seis sujeitos: três professores de uma escola da rede municipal e três
professores de uma escola da rede estadual. Ao conversar com os professores do I Ciclo das
duas escolas, esclareci que, como o que seria investigado comportasse aspectos relacionados
com a cultura do professor, havia estabelecido como critério, para a definição dos sujeitos,
que o professor fosse efetivo, com um tempo mínimo de dez anos de experiência docente.
Feitos estes esclarecimentos, voltei às escolas. No conversar com cada professor sobre sua
disponibilidade, ficou definido, neste momento, que o projeto abarcaria os três professores de
cada rede. Devido a fatos que ocorreram no processo de coleta de dados, entre eles o caso
dos professores da escola estadual que não permaneceram em sala, por terem saído para se
especializar ou para assumir outra função na escola optou-se por delimitar a três sujeitos da
escola da rede municipal, que atuavam no 1º ano do I Ciclo, no ensino fundamental.
Definiu-se, para esta investigação, utilizar como instrumentos de coleta de dados
as narrativas oral e escrita, na condição de documento pessoal, e a observação não
participante.
As narrativas foram consideradas documentos pessoais, por se tratar de
instrumento que ajudará na compreensão não somente do que os professores trazem para a
escola como história pessoal, bem assim por deixar transparecer as histórias que vivem na
escola, e que dão sentido às suas ações, facultando a compreensão de que mudanças ocorrem
na cultura pedagógico-curricular dos professores, com a criação da escola organizada por
ciclos.
Segundo Galvão (2005), o modo de o professor organizar a aula, interagir-se com
os alunos, podem ser visto como o construir e o reconstruir da história pessoal de cada um.
História esta que se encontra permeada de crenças e valores, de acordo com os contextos
vividos, e que dão sentido e significado à forma pessoal de cada um lidar com os diversos
acontecimentos na sala de aula.
As narrativas serão analisadas a partir do olhar que os sujeitos dão à própria
trajetória profissional, levando em conta que esta tem suas raízes desde a época da
escolarização e se prolonga por meio da atuação e da formação inicial e contínua.
Quando as narrativas são expressas dessa maneira, demarcam um espaço segundo
os estudos de Souza (2001), onde, ao selecionar aspectos da sua existência, organiza as idéias
21
e potencializa a reconstrução de sua vivência pessoal e profissional de forma auto-reflexiva
que pode servir para que os sujeitos compreendam o percurso de sua profissão, por provocar
uma reflexão sobre si mesmo e os outros.
As narrativas utilizadas no decorrer dessa pesquisa possibilitaram uma
aproximação entre pesquisador e sujeitos, o que propiciou, no processo de investigação a
compreensão do movimento que acontece na constituição da cultura pedagógico-curricular
dos professores envolvidos. Segundo Souza, “É a voz do professor que preciso ouvir e dela
extrair considerações que me permitam compreender a gênese, a aprendizagem e o
desenvolvimento do exercício docente”. (2001, p. 185)
Quando se relatam os fatos vividos por si mesmo, oralmente ou por escrito, é
possível que se dê a reconstrução da trajetória vivida, atribuindo-lhe novos significados.
Nesse sentido, segundo Cunha (1997), a narrativa não é propriamente uma verdade tal e qual
dos fatos, mas afirma que é a representação deles que os sujeitos fazem e que, por isso, os
fenômenos se revelam. Mais: seja ela oral seja escrita, propicia aos sujeitos organizar suas
idéias e reconstruir sua experiência de forma reflexiva, o que acaba por criar outras bases para
a compreensão da prática docente.
Na tentativa de construir um instrumento narrativo do pensamento dos
professores, de modo a explorar o que figura nos sujeitos como versão do que eles dão à sua
própria atuação, sugeri, inicialmente, a cada sujeito, a escrita de narrativas. Nelas deveriam
estar presentes as lembranças que mais marcaram a experiência deles como alunos na escola
primária; a experiência deles na escola primária, como professores no início da carreira; a
experiência deles nos primeiros anos da escola como professores nos dias atuais, bem assim,
suas experiências na formação inicial e contínua que, por uma ou outra razão são
significativas para sua trajetória docente.
No segundo momento, das narrativas escritas, solicitou-se aos sujeitos o registro
do desenvolvimento de um plano de aula com os alunos, a partir de um roteiro como sugestão
para que organizassem suas idéias, ficando aberta a possibilidade de inclusão de outros
aspectos tidos por relevantes.
Com este instrumento, foi ensejado aos professores reviver elementos de seu
mundo pessoal e profissional que freqüentemente permanecem ocultos à sua própria
percepção, quando se está envolvido nas ações cotidianas. Escrever sobre si comporta a
realização do processo de racionalização: o que tinha uma natureza emocional ou afetiva
passa a ter natureza cognitiva, possibilitando a análise da história profissional e da ação
docente a partir de certo distanciamento.
22
Foi possível perceber que, embora esta atividade ocupe um tempo em que
pudessem estar planejando suas aulas ou estar mais presentes no convívio de suas famílias, os
sujeitos produziram as narrativas objetivando tão só com a pesquisadora, esforçando-se,
quanto podiam, para fazer o melhor. Isso é constatado em expressões registradas pelos
próprios sujeitos:
[...] espero do fundo do meu coração ter contribuído com você e que este teu
trabalho mostre a cara que realmente temos. (Julia – narrativa).
Por enquanto só. Espero que este pouco lhe sirva, caso precise mais é solicitar.
(Julia – narrativa).
Lembrar para que?... [...] Há! Agora sei para que lembrar! Beijos! (Elen – narrativa).
Com Carinho! (Fernanda – narrativa).
Foi utilizada também a narrativa oral, com cada sujeito, por acreditar que,
pudessem narrar com mais detalhes as experiências vividas que, por algum motivo, ficaram
obscuras nas narrativas escritas, assim como (re)afirmar outras.
A narrativa oral permite, por igual, ao pesquisador desenvolver idéias sobre a
maneira como os sujeitos interpretam certos aspectos do mundo. Para esta atividade de coleta
de dados, elaborei um roteiro semi-estruturado que teve por base os relatos das narrativas
escritas dos sujeitos. O intuito foi aprofundar nos aspectos que possibilitassem apontar que
mudanças ocorrem na cultura pedagógico-curricular do professor, com a implantação da
escola organizada por ciclos.
As narrativas orais foram gravadas e depois transcritas, apenas com algumas
alterações quanto à concordância nominal e verbal, solicitada pelos próprios sujeitos para que
fossem efetuadas, pois, segundo eles, poderiam ocorrer alguns “deslizes” nas falas.
Sendo assim, a escolha da narrativa oral, deu-se pelo fato desta possibilitar a
especificidade das informações de cada sujeito, assim como por permitir que eles falassem
livremente sobre seus pontos de vista, manifestando detalhes outros das experiências relatadas
nas narrativas escritas.
A única dificuldade encontrada com este instrumento foi quanto à transcrição,
uma vez que constitui atividade desafiadora para o pesquisador. Na parte que toca aos
sujeitos, houve um clima de tranqüilidade, disponibilidade e cooperação que tornou a
atividade prazerosa, sem aquela preocupação com o tempo. Fato este que garantiu a qualidade
dos resultados desse instrumento.
Na análise dos dados, os tipos de narrativas dos sujeitos foram identificadas
como: NE (narrativa escrita) e NO (narrativa oral).
23
A observação não participante foi outro instrumento utilizado. Segundo Lüdke e
André (1986), revela-se instrumento fidedigno de investigação científica, por ser controlada e
sistematizada por planejamento rigoroso.
Lüdke e André (1986) dizem que é importante observar alguns detalhes no
percurso da coleta de dados, por meio deste instrumento: definir claramente o objeto de
estudo; treinar o olhar para aprender a fazer registros descritivos; saber separar os detalhes
relevantes dos triviais; aprender a fazer anotações organizadas e utilizar métodos rigorosos
para validar suas observações.
A observação esteve pautada em pontos que pudessem revelar que mudanças
ocorrem na cultura pedagógico-curricular dos professores com a implantação da escola
organizada por ciclos, que todos os sujeitos trabalham no ano do I Ciclo, tendo como
base as informações obtidas por meio das narrativas.
Foram 12 horas de observação na sala de aula de cada sujeito da pesquisa,
suspeita nossa era de que esse tempo possibilitaria um olhar sobre a atuação e a introdução de
práticas pedagógico-curriculares na ação docente, como abordada nas narrativas.
Alguns aspectos observados foram definidos antes da entrada na sala de aula dos
sujeitos: como os sujeitos encaminham as atividades aos alunos; dão seqüência ao tema
trabalhado; organizam o conteúdo (se em projetos, planejamentos diários); vêem os alunos e
sua aprendizagem; organizam o trabalho em sala de aula com os alunos; lidam com o ensino;
realizam a avaliação do trabalho docente e dos alunos; ocupam o tempo e o espaço da sala de
aula. Neste momento, considerou-se importante registrar, no caderno de campo, outros
aspectos que foram se revelando no decorrer da realização da observação.
Alguns cuidados foram tomados ao entrar em campo para dar início à pesquisa.
Inicialmente, procurei estabelecer certa empatia com os sujeitos, dada a necessidade de
assistir às aulas. Não senti nenhuma resistência por parte deles, nem mesmo dos alunos. Eis
um dos fatores que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho de investigação, com
propriedade significativa.
Busquei, igualmente, ganhar a confiança dos grupos de aluno de cada sala de aula,
de tal modo que eles pudessem proceder em sala de maneira mais natural possível, mesmo
com minha presença, que independentemente de resistência, acaba trazendo certa ansiedade
na turma e nos sujeitos.
O trabalho de coleta de dados ocorreu no período que compreende o segundo
semestre de 2006.
24
De posse dos dados coletados, foram realizadas várias leituras para o
levantamento das categorias e subcategorias que objetivam dar corpo à pesquisa.
A relevância deste estudo está no poder contribuir com os professores e gestores
educacionais, ensejando reflexões com vistas a melhor compreensão de como se o
processo de construção da cultura pedagógico-curricular do professor no interior da escola e
da sala de aula, de forma que se possam traçar decisões pedagógico-curriculares mais
adequadas ao contexto educativo da escola organizada por ciclos.
Estrutura da pesquisa
Procurei organizar a estrutura desta dissertação da seguinte maneira:
Na Parte I Os caminhos da constituição da cultura pedagógico-curricular do
professor -, dediquei-me para oferecer aos leitores uma compreensão dos temas: Cultura;
Cultura e Educação; Cultura Escolar; Cultura do Professor; Cultura Pedagógico-Curricular do
Professor; Inovação Curricular como Dimensão da Mudança na Prática Docente;
Desenvolvimento Profissional Docente na Construção de Nova Cultura. Tencionava que estes
estudos pudessem nos oferecer subsídios para a compreensão de que elementos contribuem na
constituição da cultura pedagógico-curricular do professor.
Na Parte II A escola organizada por ciclos: uma proposta de inovação
pedagógico-curricular -, a fundamentação está voltada para a compreensão de como foi
organizada a escola por ciclos no município de Carlinda. Reflete também olhar sobre as
concepções trazidas pela escola organizada por séries e sobre as concepções que se
apresentam à escola organizada por ciclos. Nesse assentado, acolho a escola organizada por
ciclos como proposta de inovação curricular, por requerer um novo olhar sobre o ensino e a
aprendizagem.
Na Parte III – Organização e análise dos dados -, trago a interpretação e a
atribuição de significados, à luz das categorias e subcategorias levantadas para análise.
Nas Considerações Finais, procurei centrar meu olhar sobre esta pesquisa,
objetivando revelar a compreensão de que mudanças ocorrem na cultura pedagógico-
25
curricular dos professores que atuam no ano do I Ciclo do ensino fundamental, em uma
escola da rede pública municipal de ensino em Carlinda Mato Grosso.
PARTE I
Os caminhos da constituição da cultura pedagógico-curricular do professor
Neste momento, empreendo uma reflexão que tem como foco compreender e
reconhecer o movimento que existe entre os diversos elementos que se manifestam nas
culturas que se fazem presentes na constituição da cultura pedagógico-curricular do professor.
O conhecimento de como é constituída a cultura pedagógico-curricular do permite
compreender, de igual sorte, que é possível implementar inovações curriculares que
favorecem a mudança na cultura do professor e na prática docente.
1.1 Cultura
Como o que se objetiva com essa pesquisa é compreender que mudanças ocorrem
na cultura pedagógico-curricular do professor, optou-se por iniciar esta discussão recordando
o que é cultura, como ela se especifica e se expressa no contexto da constituição da cultura do
professor.
Estudar a cultura, de acordo com o que diz Santos (1994), é uma das maneiras de
entender como se constroem as relações entre os grupos humanos, compreender como estas
relações se dão com base no percurso vivido entre o passado e o presente, marcado por modos
diferentes de organizar a vida social, através das experiências humanas, seus costumes,
crenças, instituições, produções artísticas e intelectuais.
Ainda para o mesmo autor, a cultura diz respeito à humanidade em seu conjunto.
O tempo de cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Este diz que cada
realidade cultural tem sua lógica interna que é preciso ser conhecida para que sua prática faça
27
sentido. Assim, considerar cada cultura em particular é essencial, mas não se pode deixar de
levar em conta a relação e a interação existente entre as culturas.
Considerar as interações existentes entre as culturas é o mesmo que interpretar as
relações que possibilitam compreender os significados da cultura existente em cada grupo
dentro de um contexto.
Neste sentido, o conceito de cultura aqui assumido é o trazido por Geertz, que
defende um conceito de cultura essencialmente semiótico:
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como
uma ciência interpretativa, à procura do significado. [...] (GEERTZ, 1978, p. 15)
Por meio da cultura de cada grupo é possível compreender o significado de suas
crenças, valores, idéias e ideais. A cultura não é um poder, algo que pode ser atribuído
casualmente aos acontecimentos sociais, aos comportamentos, às instituições ou aos
processos. No entender de Geertz, ela é um contexto que possibilita a expressão e a
compreensão de tais manifestações.
Tendo em vista que a interpretação da cultura está inserida em um amplo
contexto, Certeau argumenta que a cultura “mais que um conjunto de valores que devem ser
defendidos ou idéias que devem ser promovidas, ela tem hoje a conotação de um trabalho que
deve ser realizado em toda extensão da vida social”. (1995, p. 192)
Nesta trilha, as ações da sociedade são representadas por meio do movimento das
mudanças culturais que a própria estrutura da sociedade exige com seu desenvolvimento.
Ao determinar sentido às ações culturais, atribuindo significados às manifestações
do cotidiano, Certeau destaca que “para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor
de práticas sociais; é preciso que essas práticas sociais tenham significado para aquele que as
realiza” (1995, p. 142). Que significado o professor atribui à cultura na constituição de suas
práticas curriculares? Que significado as práticas curriculares têm para o aluno que a escola
tem hoje?
De acordo com o que vem sendo discutido, pode-se observar que, em razão de a
cultura ser interpretada e construir seus significados de acordo com o contexto em que esta
está sendo vivida, ou do lugar que está sendo observada, os elementos que a compõem, como
os conhecimentos, os valores, os costumes, as experiências vão sendo selecionados, porque
não se consegue absorver tudo por completo. Constata-se, então, que as escolhas são feitas
também de acordo com as necessidades e os interesses individuais e coletivos. Isso ocorre,
28
também, nas escolhas, crenças, valores, atitudes, etc. que o professor faz para desenvolver sua
prática, o que evidencia sua cultura. Daí, a importância de compreender o conceito de cultura.
Nessa perspectiva, a cultura não existe em lugar nenhum como algo uniforme.
Para compreender os diversos fenômenos da cultura, Pérez Gómez (2001) assevera que é
preciso considerá-la como o conjunto de significados, expectativas e comportamentos
compartilhados por determinado grupo social que, dependendo do lugar que ocupa, pode
facilitar e ordenar, limitar e (ou) potencializar as produções simbólicas e materiais, bem assim
as realizações individuais e coletivas num espaço e tempo determinados.
Segundo os estudos deste autor, a cultura se expressa em significados, valores,
sentimentos, costumes, rituais, instituições, objetos e sentimentos (materiais e simbólicos) que
permeiam a vida individual e coletiva da comunidade.
Lembra ainda que este não é um conceito fechado, porque “[...] viver uma cultura
e dela participar supõe reinterpretá-la, reproduzi-la, assim como transformá-la”. (PÉREZ
GÓMEZ, 2001, p. 17)
A cultura pode, a um só tempo, restringir ou abrir novos horizontes de imaginação
dos que a vivem. Ao tempo que alguns se abrem às possibilidades de inovação na cultura,
outros preferem apenas reproduzi-la, alijando a oportunidade de mudar as condições herdadas.
A natureza de cada cultura é o que determina suas possibilidades de interpretação,
desenvolvimento, criação, autonomia ou dependência que são articulados através de
elementos como ritos, costumes, formas de organizar o espaço e o tempo, consensos não
discutidos, idéias onipresentes, expectativas não questionadas, interesses inconfessáveis,
códigos aprendidos e reproduzidos de forma mecânica, roteiros subentendidos. Isso o que
assinala Pérez Gómez (2001).
Forquin (1993) aduz que certos aspectos da cultura são reconhecidos quando dão
lugar à transmissão deliberada e mais ou menos institucionalizada, enquanto que outros são
fruto de aprendizagem informais, e até mesmo ocultas. Outros, que não sobrevivem ao
envelhecimento das gerações e não conseguem deixar marcas no tempo.
Isso implica a idéia de valor que se constrói de algo, de permanência, ou de
excelência. Dependendo do significado atribuído a determinado fato e(ou) acontecimento, é o
que propiciasua permanência, transmissão, transformação ou ressignificação de geração a
geração ou seu esquecimento, por não sobreviver, nem deixar suas marcas.
29
1.2 Cultura e educação
Baseando-me nos estudos de Forquin (1993), cultura e educação não podem ser
pensadas uma sem a outra, pois a cultura é o conteúdo substancial da educação, e a educação
não é nada fora da cultura e sem ela.
Acredito que, na educação, as culturas pedagógico-curriculares se constroem por
meio das crenças, dos valores, dos significados e dos sentidos atribuídos aos processos de
ensino e de aprendizagem, realizados na escola. Assim, pode-se dizer que é pela e na
educação, através do trabalho paciente e continuamente recomeçado da “tradição docente”,
que a cultura se transmite e se perpetua.
É possível pensar a relação entre educação e cultura, observar que é necessário
reconhecer que a cultura se especifica numa diversidade de aparências e de formas que variam
de uma sociedade a outra, de um grupo a outro, no interior de uma mesma sociedade. Mais:
que ela esta submetida às relações de forças simbólicas e às suas diversas interpretações.
Isto significa, trilhando os estudos de Forquin (1993), que a educação não
transmite jamais a cultura, nem sequer diremos que ela transmite fielmente uma cultura ou
culturas, e sim que ela transmite, no máximo, algo da cultura, elementos da cultura, entre os
quais não homogeneidade. Em adendo, podem originar-se de fontes diversas, de épocas
diferentes, obedecer a princípios de produção e lógicas de desenvolvimento heterogêneo, não
recorrer aos mesmos procedimentos de legitimação e significação.
Por isso, é importante, neste momento, situar esta relação entre cultura e
educação, para fundamentar a compreensão sobre o objeto de estudo desta pesquisa: a cultura
pedagógico-curricular do professor.
1.3 Cultura da escola
30
Para compreender como é constituída a cultura pedagógico-curricular do professor
preciso é ter clareza de que a construção desta se encontra relacionada com as manifestações
presentes no contexto da cultura da escola. A escola é um espaço onde diferentes sujeitos se
interagem construindo, influenciando, recriando variadas características culturais de maneira
institucionalizada, o que favorece ou dificulta a introdução de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras.
O conceito de cultura, como pôde ser observado, infere a compreensão de que ela
não existe em lugar nenhum como algo uniforme, e sim se especifica de acordo com a
diversidade dos grupos e de suas interpretações.
A cultura da escola, de outra parte, constrói-se neste sentido. Cada escola
determina sua estrutura pedagógica e administrativa, que a torna única. Algumas escolas são
vivas, felizes, acolhedoras, ao passo que outras são tristes, destituídas de vida. É possível
perceber essas diferenças ao participar da rotina escolar.
O estabelecimento escolar, à imagem do sistema escolar de que fazem parte “[...]
constituem formas organizacionais estáveis que sobrevivem a muitas mudanças em sua
missão, em seu meio, seus recursos e, principalmente, na renovação permanente dos alunos,
assim como, em menor medida, dos professores e dirigentes”. (GATHER THURLER, 2001,
p. 25)
De acordo com esta autora, são recentes os estudos que perpassam a cultura dos
estabelecimentos escolares como objeto de pesquisa. Elucida-se que “Os estabelecimentos
escolares comparáveis não têm a mesma cultura e que a cultura de um estabelecimento
escolar particular determina, em parte, seu clima, o moral, o prazer, o bem-estar ou a eficácia
dos professores e dos alunos” (GATHER THURLER, 2001, p.89). A escola é lugar de
construção do sentido das práticas profissionais e de suas possibilidades de mudança.
Neste sentido, Pérez Gómez sobreleva que é importante compreender a vida da
escola assenta numa interpretação culturalista, pois esse olhar favorecerá “entender a escola
como um cruzamento de culturas que provocam tensões, aberturas, restrições e contrastes na
construção de significados”. (2001, p.12)
Esse cruzamento que ocorre entre as diferentes culturas no espaço escolar é
carregado de significados de cada sujeito, o que sentido à vida e orienta a direção do
intercâmbio entre eles. Portanto, considerar a cultura do estabelecimento escolar é levar em
conta a forma como os atores percebem e descrevem a realidade, como reagem à organização,
aos acontecimentos, às palavras e às ações, as interpretando-as e dando-lhes sentido. Esse é o
pensar de Gather Thurler (2001).
31
Nesta perspectiva, Forquin ilumina que é interessante considerar a contribuição
que o conceito etnológico de cultura traz para a compreensão das práticas escolares. Segundo
ele, “a escola é também um ‘mundo social’, que tem suas características próprias, seus ritmos
e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de
transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos” (1993, p. 167). E isso
é o que marca as características próprias de cada escola, a disposição à mudança, ou ainda, a
oposição a ela.
A escola, como qualquer outra instituição social, desenvolve e reproduz sua
própria cultura por meio de suas tradições, costumes, rotinas, rituais e inércias. De acordo
com Pérez Gómez (2001), são esses elementos que estimulam, reforçam e reproduzem o tipo
de vida, os valores, as expectativas e as crenças que se desenvolvem e que estão ligadas à vida
social dos grupos que constituem a instituição escolar.
Sendo assim, Gather Thurler (2001) considera que a cultura de um
estabelecimento escolar é construída por seus atores, mesmo que essa construção permaneça,
muitas vezes, inconsciente. Essa construção se em um processo dinâmico e evolutivo de
aprendizagem que se estabiliza como um conjunto de regras
que organiza a cooperação, a
comunicação, as relações de poder, a divisão do trabalho, os modos de decisão, as maneiras
de agir e interagir, a relação com o tempo, a abertura para troca de experiências
.
Nesta perspectiva, a cultura da escola é entendida aqui como um processo no qual
se encontra inseridas todas as relações existentes no interior da escola, ou seja, em todos os
rituais e símbolos
7
que definem e orientam as ações no contexto da escola.
Compreende-se, assim, a influência que a cultura da escola apresenta sobre as
aprendizagens vivenciais e acadêmicas dos professores, gestores educacionais e alunos que
nela vivem e que, de certa forma, determina seu modo de pensar, sentir e agir.
Para compreender a cultura da escola, requer um esforço hábil para se estabelecer
as relações existentes entre os diversos aspectos que a definem e a tornem um processo
dinâmico por meio das características de suas estruturas, atitudes, interesses, papéis e
comportamentos de cada indivíduo e dos grupos.
Portanto, um dos aspectos que contribuem para a formação da cultura da escola é a
cultura organizacional da escola, entendida aqui, segundo os estudos de Sarmento (1994),
7
Segundo Goodmam (1992 apud PÉREZ GOMÉZ 2001, p. 193), os rituais se configuram em códigos
simbólicos que se utilizam para interpretar ou negociar os sucessos na existência do contexto escolar.
Transmitem normas de atuação e intercâmbio, os quais supõem valores concretos sobre a escola, a educação e a
sociedade, sobre o que se considera valioso e sobre o que se considera deslegitimado dentro do grupo social e em
seu contexto. São ainda considerados como meios de controle social que legitimam determinados papéis,
determinadas expectativas sociais, crenças coletivas e formas de agir e interagir.
32
como conjunto de crenças, valores e dispositivos simbólicos partilhados pelos membros, ou
por parte deles, de uma organização. Ele lembra que essa partilha não se dá somente por parte
dos professores. Ela se constrói também nas relações de interação por outros membros da
organização-escola, ou seja, é constituída nas relações existentes entre alunos, pais,
funcionários, em suma da comunidade escolar.
Para Tyler, o conceito de cultura organizacional é decisivo para a compreensão do
que seja a instituição escola, dado que “as escolas existem enquanto organizações, não porque
estejam integradas em sentido estrutural, mas porque encarnam determinados mitos
legitimadores que se expressam em forma cerimonial e ritualizada”. (apud SARMENTO
1994, p. 95)
Tyler, em outro passo discute que a cultura organizacional é a variável que
permite entender que são os símbolos e os mitos, e de uma forma geral os processos
partilhados de significação, que garantem às escolas a idéia de unidade, credibilidade e
legitimidade, alicerçados nos quais são atribuídos valores que definem e delimitam as
fronteiras de sua cultura.
Os símbolos são representados pelo vocabulário próprio da organização, pelo
design e arquitetura que demonstram como as escolas funcionam. Os ritos, de sua vez,
consoante Sarmento (1994), reproduzem os elementos simbólicos da organização que podem,
por um lado, ser inibidores das inovações e da adaptação necessária à mudança e, por outro
lado, são capazes de garantir a sustentação de suas características fundamentais.
Compreender como a organização escola funciona é fundamental para o
entendimento das relações existentes em sua constituição. É no movimento dessas relações
que os valores, crenças, hábitos e costumes da escola se evidenciam em seus símbolos e ritos.
Esse entendimento permite depreender as possibilidades de abertura às inovações
pela organização escolar, tendo em vista as diferentes necessidades dos próprios alunos e
professores ou a luta pela permanência do modelo de escola antigo, como se este desse conta
de responder aos desafios atuais que ocorrem no contexto de mudanças na escola e na vida.
33
1.3.1 O contexto escolar como espaço de manifestação de diversos elementos da cultura
escolar e do docente
O contexto escolar é uma instância onde se encontram presentes diversas
manifestações da cultura escolar e docente. As relações, as crenças, os valores, as atitudes
definem e influenciam nas tomadas de decisões e nas condições de trabalho que permitem aos
professores empreender mudanças na prática pedagógico-curricular. Os estudos de Gather
Thurler (2001) pontificam que a cultura escolar é dimensão que deve ser levada em conta
quando se pensa em realizar mudanças na educação.
Para que ocorram inovações no espaço escolar e na sala de aula, os docentes
precisam ser apoiados tanto no que diz respeito aos órgãos externos como internos, direta ou
indiretamente atados à escola.
Como acentuado, desenvolver atitudes de mudança não é um exercício fácil,
sendo assim, faz-se necessário que o coletivo escolar tenha conhecimento dos fatores que
contribuem para que a mudança seja implementada. Segundo Gather Thurler (2001), são
numerosas as dimensões da cultura escolar que exercem influência no modo como a mudança
é recebida, desejada, favorecida ou impedida pelo estabelecimento escolar ou por seus
membros. Para assegurar coerência entre estas dimensões, cabe às escolas encontrar a melhor
maneira de administrá-las. A autora expõe quais as dimensões da cultura e que,
compreendidas, podem contribuir para avanços na implementação de mudanças.
Primeiramente, ela descreve que a cultura de cada estabelecimento escolar veicula
uma forma ideal. Toda mudança é relacionada com esse ideal e com as chances de aproximar-
se dele ou não. Neste caso, podem-se formar dois grupos, em que para um tudo vai bem e a
mudança é inútil; e para outro, ela já é encarada como positiva.
Em outro momento, a mudança se situa no eixo utopia/realismo em que, pelas
condições dos seres humanos, pelas desigualdades e processos de aprendizagem, não se pode
fazer coisa melhor. As propostas de mudanças serão recebidas como utópicas. Onde a cultura
é mais idealista, acredita-se em projeto novo.
Algumas escolas valorizam a uniformidade, considerando inconcebível que
apenas parte da escola adote novas práticas. Por outro lado, a diversidade não é um mal, pois
passa ser elemento objeto de incentivo.
34
também escolas centradas na conservação e na reprodução dos valores. A
mudança provoca medo e pode trazer baixo rendimento de qualidade, levando os atores a
supervalorizar os riscos. Em outros estabelecimentos, a experiência ensinou a muitos
professores que as normas não são imutáveis, e a mudança pode ser integrada no cotidiano.
Algumas escolas definem, ao modo de sua cultura, o que é sagrado entre as
práticas e estruturas, e merece ser protegido e inatingível. Em outros, alguns valores e práticas
são essenciais, mas tudo o mais pode ser negociável, pois a proposta de mudança pode ser
examinada.
A opinião, em alguns estabelecimentos escolares, é emitida em conversas na sala
dos professores ou nos corredores, o que permite, a cada um, acomodar-se em opiniões
individuais. Em outros estabelecimentos, a cultura incita a organização para discutir os riscos
e as vantagens de uma mudança, podendo chegar a uma linguagem comum, apesar de pontos
de vista díspares.
Alguns estabelecimentos escolares possuem uma cultura pragmática: dizem que
nada têm por perder, então vale tentar para ver, a partir de uma primeira experiência. Já em
outros, deseja-se ter envolvido todos os problemas e crer que todos eles têm solução antes de
tomar alguma decisão.
Escolas em que o que se valoriza são os combates de retaguarda, de modo tal
que nunca se sabe de quem foi a decisão, temendo que uma minoria interfira nos resultados.
Em outros estabelecimentos são concedidas regras democráticas que permitem fazer valer a
opção majoritária e que faz com que os atores se apropriem de novas idéias, para decidirem
no conhecimento de causa.
Dependendo da cultura de algumas escolas, desvaloriza-se, a princípio, tudo
quanto vem de outra parte, não se percebem os benefícios que isso poderia trazer em nome de
um sentimento de superioridade. Em outros estabelecimentos, os atores se mostram curiosos
por discussões trazidas de outros contextos, hábeis no favorecer novos contatos.
O modo pelo qual algumas escolas lidam com seus problemas demonstra que se
prefere fugir deles ou retardá-los quanto possível, quando não livrar-se deles ou repassá-los a
outra instância. Estabelecimentos temos que enfrentam os problemas como forma de
qualificação, considerando as mudanças enriquecimento do trabalho.
A cultura de algumas escolas não valoriza a formação contínua, enquanto outras
culturas incentivam todos à busca da formação, entendendo seja valorização para todos.
35
Por fim, algumas escolas se protegem da mudança a que toda dinâmica coletiva
pode levar. Em outras, atribui-se relevância às trocas de experiência o que pode levar à
adoção de novos projetos.
Observa-se que cada uma dessas dimensões da cultura do estabelecimento escolar
funciona de maneiras diferentes. Diante disso, pode-se dizer que, antes de propor qualquer
mudança na escola, é interessante que se compreenda o comportamento dos que dela
partilham, que observe suas culturas e seu modo de interação. Não sendo estes aspectos
levados em conta, estarão destinados ao fracasso antes de terem sido colocados em prática.
Dessa maneira, a mudança educativa depende de como os atores dos
estabelecimentos escolares se comunicam, se integram, pois a recusa ou a acolhida favorável
de qualquer mudança que se pretende, dependerá dos componentes no que diz respeito à
cultura de cada estabelecimento, que, por sua vez, confere a ela uma identidade de referência,
a constituir sua cultura escolar.
Essa diversidade se constrói por meio de características que fazem com que cada
estabelecimento escolar se desenvolva de acordo com a maneira com que cada um de seus
atores pensa e age.
1.4 Cultura do professor
Embora sabedores de que existem muitos fatores que determinam e mantêm a
cultura da escola, não se pode deixar de considerar que a cultura dos professores é prioritária.
[...] convém de momento reter que os professores, enquanto grupo ocupacional,
produzem (e reproduzem-se) uma ou várias culturas docentes, a qual ou as quais são
constituídas não apenas pelo(s) saber(es) profissional(is), mas também por normas,
valores, crenças e artefatos. (SARMENTO, 1994, p. 66)
Pérez Gómez (2001) agiganta esse conceito ao expressar a cultura dos professores
como o conjunto de crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o que este
grupo considera valioso em seu contexto profissional, assim como os modos politicamente
corretos de pensar, sentir, atuar e se relacionar entre si.
Na cultura dos professores, é necessário indagar como as regras explícitas e
implícitas regulam os comportamentos, as histórias e os mitos que dão sentido às tradições,
36
identidades, valores e expectativas dos professores. Ainda mais: esse conjunto de elementos
culturais pressiona a vida da escola e da aula.
Para Feiman-Nemser e Floden (1986, apud SARMENTO, 1994), na origem da
cultura dos professores estão presentes, de forma significativa, os elementos da sala de aula
onde os professores realizam seu trabalho e sinalizam as exigências que se colocam ao
controle do grupo e a pressão a que são submetidos. Somem-se por igual, os fatores
organizacionais específicos das escolas, a estrutura celular das salas de aula, a autoridade do
gestor, a existência potencial de conflitos entre valores funcionais e ideais educativos ou
profissionais.
É evidente que a cultura pedagógica do professor se constitua em um componente
privilegiado da cultura da escola, pois ela se especifica, na trilha de Pérez Gómez (2001), nos
métodos que se utilizam na classe, na qualidade, no sentido e na orientação das relações
interpessoais. Bem assim, na definição de papéis e funções que desempenham, nos modos de
gestão, nas estruturas de participação e nos processos de tomada de decisões.
Pérez Gómez afirma que “tudo isso compõe uma estrutura de poder, um equilíbrio
de interesses sempre parcial e provisório” (2001, p. 164), definidos por características
peculiares, de acordo com as interações que definem cada contexto escolar. Assim, a cultura
pedagógico-curricular do professor passa a ser constituída desde que os professores começam
a trabalhar com as recordações de sua vivência escolar e se prolonga por toda vida em sua
formação inicial e contínua, nas interações profissionais troca de experiência, ousadia em
propor maneiras novas de pensar, de sentir e de agir na sala de aula e no modo de processar
as informações e de tomar decisões.
Bem por isso, entendo que a cultura dos professores é o modo como eles
elaboram, utilizam, transformam, interpretam as relações no espaço educativo e as integram
nas estratégias que utilizam para resolução dos problemas da prática. Ela está presente nas
posturas assumidas pelos professores, nas iniciativas e nas escolhas que realizam para tomada
de decisões pedagógico-curriculares.
A base deste percurso de construção da cultura do professor está cimentada em
um processo cujo movimento se dá referenciado em suas experiências escolares, na qualidade
de aluno ainda na escola primária, em sua formação inicial e contínua. Em acréscimo,
prolonga-se e se prolonga na vivência docente no espaço da escola e da sala de aula – lugar do
currículo em ação.
37
1.4.1 Cultura pedagógico-curricular do professor
De acordo com as diversas manifestações da cultura do professor, a cultura
pedagógico-curricular é concebida aqui como o conjunto de idéias e práticas que configuram
o modo pelo qual os professores planejam, executam e avaliam suas aulas; ensinam e
acreditam que os alunos aprendem em espaços e tempos diferentes; preocupam-se em avaliar
o aluno, levando em conta o ensino que lhe é oferecido; assim como ocorre o relacionamento
professor-aluno.
A construção de nova cultura pedagógico-curricular dos professores se torna
possível quando as idéias e as práticas que configuram o cotidiano da escola e da sala de aula
são postas em movimento com suas atitudes: as histórias que dão sentidos a suas tradições, a
suas identidades, a seus valores, a suas crenças e a suas expectativas e não mais apresentam os
resultados esperados pelos professores. Acrescente este fato: quando estes se sentem
incomodados com a prática que vêm desenvolvendo e almejam implementar inovações
pedagógico-curriculares.
O desenvolvimento da cultura pedagógico-curricular do professor depende das
interpretações que ele realiza sobre os dilemas da prática, de como a repensa, passa a
questioná-la, compartilha os diferentes olhares, modifica-a, constrói e reconstrói,
determinando assim suas possibilidades de (re)criação.
Nessa perspectiva, como acontece com a própria cultura, acredita-se que,
especificamente, a cultura pedagógico-curricular do professor “potencia tanto quanto limita,
abre ao mesmo tempo que restringe o horizonte da imaginação e prática dos que a vivem”.
(PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 17)
A maneira pela qual cada professor vive as relações entre pensamento e ação, no
contexto da escola e da sala de aula, faculta, entre outros elementos, compreender como é
constituída sua cultura pedagógico-curricular.
38
Para explicitar uma das características que permeia esta construção, utilizarei o
conceito de Teorias Implícitas ou Subjectivas
8
proposto por Marcelo García (1999), sobre o
pensamento do professor, somado a algumas contribuições apresentadas por Pacheco (1995).
Marcelo García (1999) registra que os estudos acerca destas teorias apontam que
os professores não são técnicos que apenas executam instruções e propostas elaboradas por
outrem. Eles processam informações, tomam decisões, geram conhecimentos práticos,
possuem crenças e rotinas que influenciam a atividade docente.
Nesse sentido, estas teorias explicitam que as mudanças que ocorrem na ação do
professor passam por componentes pessoais e psicológicos, afirma Marcelo García (1999). Os
pressupostos que concretizam as relações existentes entre eles são: considerar o professor um
sujeito epistemológico, capaz de mobilizar e discutir as teorias sobre a prática; considerar que
essas teorias são um conjunto de aspectos cognitivos conhecimento, pensamento, metas,
planos, expectativas, crenças – que determinam e direcionam a tomada de decisão pelos
professores; considerar, em outro passo, que existe uma relação entre as teorias científicas e
subjetivas que permite aos professores pensar, refletir, atribuir validade e inferência funcional
entre elas.
Portanto, para que ocorram mudanças na cultura do professor, como assinala
Marcelo García (1999), os processos de mudança devem afetar as teorias implícitas ou
subjetivas. Acredito que este momento é importante na construção da cultura do professor,
uma vez que esta necessita que estes processos de mudança se concretizem, em nível das
crenças, valores, significados e sentidos às suas ações docentes. Com isso, ele passa a atribuir
novos elementos que configuram a prática pedagógica e a caracterizam por novas
manifestações, no dia-a-dia da escola e da sala de aula.
Cada professor, então, pensa e atua de acordo com um conjunto de construtos
9
,
que possibilita a reconstrução permanente de seu pensamento e de sua ação. Isso ocorre
assentados nas experiências, na escolha dos valores que legitimam as decisões e as situações
particulares e individuais de interação. Sendo assim, é por meio “deste mundo
8
De acordo com Marcelo García (1999), o conceito de Teorias Implícitas ou Subjectivas nos ajuda a
compreender melhor os componentes pessoais e psicológicos dos professores e, assim, os pressupostos dos
processos de mudança.
9
Segundo Serafini (1991, apud Pacheco, 1995, p. 51) os construtos correspondem “a uma estrutura mental
individualizada que expressa a organização de informações e percepções em redes de noções, sendo através dele
que o professor tem a possibilidade de explicar, interpretar, ordenar e prever a realidade”. Kelly (apud Pacheco,
1995, p. 51), autor da teoria construtos pessoais, afirma que “cada pessoa age de acordo com um modelo
representacional do mundo que ele próprio elabora, conferindo-lhe um modo singular de representar a realidade,
de a explicar mediante a formulação e a comprovação de hipóteses. A teoria que desenvolve [...] explica que as
pessoas se conhecem a si mesmas e interpretam o mundo que as rodeia através de modelos provisórios que
avaliam segundo critérios pessoais, isto é, fazem interpretações de um mundo que está em contínua mudança”.
39
representacional individual que se processa o estudo das crenças ou das teorias implícitas,
dilemas, conhecimentos práticos etc. dos professores [...]”. (PACHECO, 1995, p. 52)
Serafini (1991, apud Pacheco, 1995, p. 52) pondera que as crenças educativas
correspondem ao conjunto de construtos educacionais: disciplina (controlo), ensino,
aprendizagem, motivação, relação aluno/professor, relação escola/sociedade, relação
tecnologia/materiais e planificação/metodologia”. Isso leva à compreensão da importância das
relações existentes entre pensamento e ação do professor na constituição de sua cultura
pedagógico-curricular.
Dessa forma, o modo como o professor pensa e atua é necessariamente o reflexo
daquilo que conhece e faz. Cada professor enfrenta uma situação didática, interpreta-a,
atribui-lhe sentido e toma decisões a depender de sua individualidade e do sistema de crenças,
valores e princípios que lhe permite conferir significados.
O processo de constituição da cultura pedagógico-curricular do professor não
ocorre apenas em relações sem conflito. inúmeras tensões que se entrecruzam e dificultam
a introdução de práticas inovadoras. No pensar de Hargreaves, a cultura docente aparelha
uma tensão inevitável e preocupante entre as exigências de um contexto social
móvel, mutável e incerto, caracterizado pela complexidade tecnológica, pela
pluralidade cultural e pela dependência dos movimentos do livre mercado mundial
por um lado, e as rotinas, as convenções e os costumes estáticos e monolíticos de um
sistema escolar sem flexibilidade, opaco e burocrático por outro. (1994 apud PÉREZ
GÓMEZ, 2001, p. 164)
Mesmo que essas relações de tensão sejam naturais em todo processo de
mudança, esses fatores fazem com que os professores se sintam inseguros e indefesos para
implementar inovações em sua prática. Daí por que, muitos preferem continuar agindo de
maneira que suas certezas não sejam colocadas à prova e que não tenham que se sentir
inseguros e questionados por uma prática a que não podem ou ainda não sabem responder.
Com isso, para Pérez Gómez (2001), alguns professores se sentem protegidos pela
força e pela rotina do grupo de colegas, e escolhem reproduzir papéis, métodos e estilos
habituais por constituir estratégia que evita problemas e conflitos com os colegas e com os
agentes exteriores: família e administração. Assim, dependendo de como a cultura docente se
encontra estruturada, pode facilitar ou atrapalhar os processos de reflexão e de intervenção
docente.
Nesse sentido, a cultura conservadora dos docentes, este o pensar de Pérez
Gómez, “adquire maior relevância quanto menor é a autonomia, independência e segurança
profissional dos docentes” (2001, p. 165), assim, é que motiva e repercute, em maior
40
significado, a vida social e acadêmica dos estudantes dando abrigo e identidade aos docentes
nas situações conflitantes de trabalho.
1.5 Inovação curricular, uma das dimensões da mudança na prática do docente
Mudança é aqui entendida “como a melhoria de um sistema ou de uma escola;
como uma modificação ou transformação de algum espaço da realidade educativa, num
determinado tempo(FERNANDES, 2006, p. 43). Para complementar esta idéia, Fernandes
busca em Estebaranz (1994) a definição para mudança: “enfatiza o seu caráter generalizador e
amplo, contendo variação de idéias, das pessoas e das instituições, apresentando diferentes
graus e níveis de amplitude de acordo com as suas dimensões”.
Por apresentar a mudança este caráter generalizador e amplo, seu processo faculta
aos professores vários desafios, porque dispor-se à mudança educativa significa assumi-la
como prática que coloca em xeque certa estabilidade que se vai construindo no decorrer da
carreira, podendo estar sendo posta em risco diante da mudança de uma proposta, cujos
resultados não se sabe serão positivos ou não.
Aspecto que torna o processo de mudança difícil é a ansiedade vivida pelos
professores. Segundo Duffy e Roehler (1986, apud MARCELO GARCÍA, 1999, p. 48) a
ansiedade leva os professores a recusar as mudanças que sejam complexas, conceituais e
longitudinais, fator este que determina a resistência de alguns a se disporem à mudança, pois,
em sua maioria, esperam atingir resultados em curto prazo.
Por conta disso, os professores são levados a se questionar sobre suas certezas e
incertezas e sobre a necessidade de inventar novas formas que valorizem a heterogeneidade
crescente da população dos alunos. Com isso, os professores “tentam satisfazer duas
necessidades antinômicas apenas em aparência: necessidade de estabilidade e necessidade de
mudança”. (GATHER THURLER, 2001, 39)
Gather Thurler (2001) explica que dúvidas surgem, porque a mudança se
desenvolve em espaços e combinações diferentes, onde se reconhece a diversidade do
contexto e a divergência nas maneiras de pensar e fazer dos sujeitos circunscritos nessas
relações.
41
Quando se encaminha para a mudança, certamente se valoriza a flexibilidade, a
negociação, a incerteza e a diversidade, sem, entretanto, renunciar a um mínimo de
estabilidade. Os limites e as possibilidades da ação, no sentido de mudança, não estão do lado
de fora de cada pessoa envolvida neste processo, mas dependem também da disposição
interna de cada um.
Mudar pode ser um “mal necessário”. Outra conseqüência que faz da mudança
algo nada simples é que quem se propõe à mudança passa a ser alvo de críticas. É preciso
muitas vezes suportar as pressões externas e internas. Por causa disso, não poucos desistem.
Portanto, para que ocorra verdadeiramente mudança na prática educativa,
comporta buscar compreender as raízes dos desafios educacionais e se dispor a rupturas
internas, pois a mudança que se almeja está situada na esfera da concepção. Quando se está
habituado a certas práticas ditas permanentes e arraigadas no espaço escolar, para que ocorra
mudança é preciso uma transformação de atitude dos educadores envolvidos, o que significa
romper com o estabelecido, com a cultura herdada. Por isso, é necessário ousadia de inovar
estas práticas, mesmo que isso acarrete o risco de ameaçar a dita segurança existente.
Ao procurar a estabilidade, busca-se uma organização de trabalho que permita
limitar os riscos, formalizar as regras de funcionamento e aperfeiçoar os recursos disponíveis.
Ao tempo que a mudança não se ajusta a esse quadro limitado, centrado na idéia de uma
maneira ideal de acomodar as estruturas, ela “[...] se desenvolve nos espaços ainda não
programados, a partir de novas combinações entre os diferentes recursos existentes, em um
contexto que reconhece a diversidade e a divergência das maneiras de pensar e fazer”.
(GATHER THURLER, 2001, p. 40)
Visto dessa maneira, a mudança não ocorre como fenômeno linear. Bem ao
contrário:
[...] corresponde, inversamente, a uma dinâmica instável, expressão de uma
multiplicidade de forças em interação que ora convergem, ora se defrontam. Nesse
processo, existem momentos de estabilização e outros de desestabilização, podendo
cada um levar a bifurcações e a fenômenos de emergência diversos, constituir pólos
de desenvolvimento desiguais. (GATHER THURLER, 2001, p. 27)
Observar a mudança, nesses aspectos, leva a considerar que as regras, os valores,
os objetivos, a cultura, os arranjos que alicerçam a organização do trabalho em um
estabelecimento escolar determinam, em parte, a maneira como os atores constroem o sentido
e a utilidade de uma possível transformação e melhoria de suas práticas educativas.
Segundo Gather Thurler, “a mudança dentro do estabelecimento escolar só é
possível se ela, para os atores, tiver mais significados do que o status quo” (2001, p. 26). Para
42
os professores, no entender de Marcelo García (1999), mudar em educação significa mudança
positiva no desenvolvimento dos alunos, seja na aprendizagem, seja na participação, seja na
atitude face à escola. Portanto, ainda perfilhando as idéias deste autor, “é necessário entender
a mudança e a inovação como um processo de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e
profissional” (p. 44) dos professores.
Para que ocorra mudança na educação, é preciso certo tempo e dose grande de
persistência, que este processo está envolvido em constantes altos e baixos. Até mesmo
porque, quando se espera que a mudança ocorra no nível da prática educativa, isso implica
mexer com concepções, práticas e atitudes impregnadas em processos ideológicos e culturais,
fato que não se dá por decreto.
É preciso, portanto, tempo para que os objetivos que se pretende alcançar
construam significado, para que a mudança se efetive. Neste caso, envolver os professores à
disposição de novos recursos, às tarefas e responsabilidades compartilhadas, ao
desenvolvimento profissional pessoal e coletivo e às tentativas de erros, como meio para
fortalecer os acertos, pode ser uma das perspectivas em condição de levá-los a sentir a
necessidade de inovar a prática curricular.
O conceito de inovação é aqui entendido como um “conjunto de intervenções,
decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de
modificar atitudes, idéias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas”
(CARBONELL, 2001, p. 19). Esse conjunto de mecanismos que entrecruzam a idéia de
inovação são processos pelos quais se procura introduzir algo novo, nas estruturas
existentes.
Neste sentido, apreendo à luz dos estudos de Fernandes (2006) que a inovação
curricular está ligada a mudanças que operam transformação e melhoria nos processos e
práticas de ensinar e aprender, com o olhar voltado para o sucesso educativo dos alunos. Em
vista disso, esta autora registra que o currículo é uma das dimensões mais privilegiadas das
inovações.
A inovação curricular pode ser realizada em nível de objetivos, conteúdos,
métodos, estratégias, material didático, entre outros, ou seja, na adequação do currículo.
A temática de inovação curricular adicionada aqui em relação à proposta da escola
organizada por ciclos, porque esta maneira de organizar a escola confere nova concepção do
trabalho pedagógico, em particular do currículo escolar. Assim, considero a escola organizada
por ciclos um processo de inovação, principalmente no que diz respeito às questões
43
curriculares e que, desta forma, desencadeia a necessidade da constituição de nova cultura
pedagógico-curricular do professor.
Para implementar uma prática pedagógico-curricular inovadora o olhar do
professor deve estar focado, notadamente, em seus modo de ensinar e na forma como os
alunos aprendem. Assim, para desenvolvê-la é preciso propor estratégias metodológicas
diversificadas que levem em conta a interatividade dos alunos, de modo que o conteúdo esteja
contextualizado com os interesses deles e, não bastante, sejam atrativos, ajudando a eles em
seu desenvolvimento.
Alguns cuidados devem ser levados em conta quando se fala em inovações
curriculares, como a simples e inócua modernização. Seja exemplo encher a escola de
computadores, ou sair do ambiente escolar para realizar determinadas oficinas, sem alterar a
dosagem de conservadorismo, sem mudanças na essência, nas concepções sobre o ensino e a
aprendizagem. De nada adianta ficar tão-só no rótulo: muda-se o nome, mas deixa tudo
exatamente como está, alerta Carbonell (2001).
Inovar as práticas pedagógico-curriculares requer esforço, disciplina, trabalho em
equipe. Impõe acompanhamento muito mais atento do grupo e de cada aluno para saber o que
sabe e o que não sabe cada aluno, como ponto de partida para o desenvolvimento, a inovação
e, assim, a construção de nova cultura. Isso porque cada sujeito pensa, vive, recria, interpreta
as diversas manifestações de sua cultura pedagógica de acordo com as relações culturais com
as quais convivem, deixando de ocorrer em um processo linear.
Para implementar inovações é preciso mais que isso. Importa que a pessoa se
disponha a experimentar aspectos novos que aparecem em sua formação, inicial, contínua, ou
nos encontros em equipe na escola. Exige fortalecer as situações problema, processando as
informações de modo que possam ser utilizadas a favor de tomadas de decisão respeitantes
aos diversos elementos da prática educativa.
Com o olhar voltado para o modo como a escola tem sido organizada, por meio de
ciclos, pode-se dizer que a educação tem buscado abrir caminhos à construção de nova cultura
pedagógico-curricular. Para que isso se concretize, é preciso que o olhar não esteja voltado
apenas na direção de uma escola ancorada no passado, que, segundo Carbonell (2001), se
limitava a ler, escrever, contar e receber passivamente um banho de cultura geral. Em
contrário, alicerçando na observação desses fatores como possibilidades para a construção
dessa nova cultura curricular do professor.
A escola organizada por ciclos, alternativa de inovar a prática pedagógica, exige
dos professores nova cultura pedagógico-curricular. Nesse viés, deve ser assumida por eles e
44
pelos gestores educacionais como possibilidade da realização de diversas mudanças nas
relações na escola e na sala de aula.
Indispensável olhar para a escola de hoje e ver nela uma escola em que o ensinar
acoberta novos significados, que o pensar e o agir estão em sintonia, e que todos os
envolvidos na prática educativa acreditem que é possível construir uma escola diferente.
Inovar a cultura pedagógico-curricular do professor é trajetória impregnada de
desafios e obstáculos que possibilitam aos professores repensar suas crenças, seus valores,
seus costumes, os sentidos e os significados que atribuem à prática docente e, assim, construir
e assumir renovada cultura pedagógico-curricular.
Para que tais práticas inovadoras sejam desenvolvidas nesse contexto, forçado que
gestores e professores estejam dispostos a interiorizar os elementos indispensáveis ao
processo de inovação. Além dessa disposição, é preciso aprendizagem, somada à crença de
que cada pessoa tem sua maneira de aprender. Esse processo, não raro, é complexo, mas essa
complexidade passa a ser superada a partir do momento em que essas relações se põem em
movimento.
Segundo Carbonell (2001), quando se propõe a implementação de uma inovação é
importante levar em conta três premissas. Em primeira mão, a curiosidade. Ela desperta a
ilusão, o desejo, a motivação, a utopia que reforçam a auto-estima e a vontade de estudar. O
erro, de sua vez, é um acompanhante nato na aventura de inovar. Bem por isso, deve ser
encarado como essencial ao processo educativo, fonte de informação e ponto de partida para
novas aprendizagens. Num terceiro momento, a memória compreensiva contribui para
organizar as informações, estabelecer as relações e associações no tempo e no espaço. Mais,
contribui para a qualidade da educação dos alunos e para o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades.
A mudança nas pessoas e, assim, na educação, na escola, na cultura pedagógico-
curricular do professor é processo lento, não-linear. Para que ocorra, é fundamental lançar-se
ao desafio de inovar.
45
1.5.1 O desenvolvimento profissional do docente na construção de nova cultura
A temática desenvolvimento profissional docente é aqui descortinada uma vez que
a transformação da escola, da prática pedagógico-curricular do professor e,
conseqüentemente, a melhoria na qualidade do ensino reside no vínculo existente entre a
função docente e o desenvolvimento profissional. Sendo assim, entendo que é no processo de
formação, seja ele inicial seja contínuo, que o professor ganha em autonomia para produzir
intervenções inovadoras na pratica pedagógico-curricular, arquitetando nova cultura.
Os estudos de como a cultura pedagógico-curricular é constituída permitem
afirmar que, quanto maior o investimento no desenvolvimento profissional do docente, mais
acentuada as possibilidades de o professor promover mudanças curriculares inovadoras em
sua prática. Não se forma para mudar. A formação deve estar presente como alicerce, para
sustentar as inovações que se pretende alcançar e para apoiar os professores na tarefa da
construção de nova prática.
Neste sentido, Imbernón (1994) relata que, quando se fala em desenvolvimento
profissional do professor e de conhecimentos profissionais, um dos pontos, de importância
erguida, é a atitude de constante aprendizagem por parte dos professores. Neste processo,
segundo o autor, encontra-se imbricada a equipe gestora, os não-docentes e o professorado em
si. Vale dizer: todos aqueles que fazem parte do coletivo da escola.
Este autor ainda afirma, quanto à profissão docente:
es un proceso dinámico de profesionalización constante, esto significa que los
dilemas, las dudas, la divergencia y la confrontación llegan a constituirse en
aspectos de la cultura profesional y, por consiguiente, también, del desarrollo
profesional. (IMBERNÓN, 1994, p. 45).
Pode-se dizer, com isso, que a profissão docente constitui esse movimento entre
as certezas e as dúvidas. Estas se complementam, uma vez que os problemas da prática e as
divergências são vistos como motores que impulsionam os desafios postos nesta relação,
traduzindo um processo dinâmico e contínuo.
Para tanto, Imbernón chama a atenção dos professores para que
estén preparados para entender las transformaciones que vayan surgiendo en los
diferentes campos y para ser receptivos y abiertos a concepciones pluralistas,
capaces de adecuar sus actuaciones a las necesidades de los alumnos, época y
contexto. Para ello es necesario aplicar una nueva metodología y, al mismo tiempo,
un proceso constante que les proporcione algo más que un conjunto de
conocimientos y formas culturales preestablecidas e inamovibles, un proceso que
46
tenga en cuenta tanto la perspectiva teórica como práctica, la observación y el
aprendizaje vicario mediante estudios de casos y simulaciones. (IMBERNÓN, 1994,
p. 53)
O autor convida os professores para que estejam preparados à construção de nova
cultura, que vá além de transmitir formas culturais preestabelecidas e estáticas, ou seja, aquela
capaz de desenvolver conhecimentos que os tornem capazes de refletir sobre sua própria
prática, por meio de uma investigação ação. Acima de tudo, que estejam preparados para uma
profissão que demanda estar estudando durante toda a vida e, assim, fazer com que sua prática
seja capaz de atender às necessidades de todos os alunos.
Viver a profissão docente significa “aprender los fundamentos de una cultura
profesional, lo que quiere decir saber por qué se hace lo que se hace, y cuándo y por qué se
necesario hacerlo de un modo distinto”. (IMBERNÓN, 1994, p. 55)
Os professores devem estar sensibilizados, conhecedores de que concepções
fundamentam o trabalho que estão desenvolvendo e quais os princípios que as orientam, para
saber por que faz aquilo que faz de determinada maneira, e não de outra. Nessa perspectiva,
os professores devem buscar, na formação inicial e contínua, amparo para o desenvolvimento
de sua profissionalização que, assim pensa Imbernón (1994), é uma das etapas da formação
do professor.
Ancorado naquilo que é discutido aqui por Imbernón, registra-se que, por
intermédio da formação, os professores passam a sentir a necessidade de compreender quais
concepções sustentam a proposta da escola organizada por ciclos. Em adendo, ainda é por
meio dela que eles encontram elementos que os fazem rever suas crenças e atitudes
pedagógico-curriculares. Assim, torna-se possível a construção de nova cultura.
O desenvolvimento profissional não se esgota na formação teórica, mas se estende
à compreensão desta teoria na ação docente, processo esse que orienta o desenvolvimento
profissional a partir de uma reflexão crítica da intervenção educativa. Uma construção
subjetiva, elaborada ao longo de sua história pessoal, num processo dialético de acomodação e
de assimilação, associada aos equilíbrios e desequilíbrios nos sucessivos intercâmbios com o
meio, também contribui ao desenvolvimento da cultura curricular do professor.
No andar desta época de inovação e investigação sobre o que o professor faz,
deflui o modo de interpretar sua experiência. Para tanto, não basta identificar os processos
formais e as estratégias de processamento de informação ou tomada de decisões. Será
necessário compreender a rede ideológica de teorias e crenças que determina o modo como o
professor dá sentido a seu mundo em geral e à sua prática docente em particular.
47
O conhecimento profissional do docente emerge na e com base na prática,
legitimando-se em projeto de experimentação reflexiva e democrática no próprio processo de
construção e reconstrução da prática educativa.
O conhecimento profissional assim concebido sofre uma gênese dialética.
Segundo Schön (1983 e 1987, apud PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 193), os docentes constroem,
de forma permanente, seu próprio conhecimento quando se submergem numa conversação
reflexiva, tanto com a situação como com os pressupostos subjetivos que orientam seu
pensamento e sua ação.
Nessa conversação reflexiva entre pensamento e ação, o docente defronta com a
tarefa de gerar outros conhecimentos para interpretar e compreender as diversas situações que
permeiam sua prática pedagógica.
Dentro deste enfoque de reflexão em e sobre a ação, de investigação-ação, o
conhecimento, no movimento de incluir e de gerar uma forma pessoal de compreender-
refletir-compreender a situação prática, a aprendizagem que se no processo de
desenvolvimento profissional transforma a cultura pedagógico-curricular do professor e
conseqüência disso, a prática e a vida da aula se tornam mais prazerosas, significativas e
legítimas, de acordo com as exigências dos tempos e contextos educativos que se manifestam
na construção de uma cultura pedagógico-curricular nova.
Para que venham a ocorrer inovações na prática docente, básico que a experiência
escolar seja recriada. Sabe-se que esta é um processo trabalhoso e necessita de tempo para que
essa aprendizagem emirja, pois é constituída por sentidos que podem estar relacionados desde
a formação docente, a organização da instituição onde trabalha: com o clima, com as relações
entre os profissionais, com o isolamento, entre outros. Relações estas impregnadas de
ideologias e de culturas diversificadas.
Um dos primeiros passos a ser dado é o de reconhecer a inovação como meio para
construir nova cultura escolar e, daí decorrente, nova cultura pedagógico-curricular. Para isso,
a
[...] possibilidade de inovação nas instituições educativas não pode ser proposta
seriamente sem um novo conceito de profissionalização do professor, que deve
romper com inércias e práticas do passado assumidas passivamente como elementos
intrínsecos à profissão. (IMBERNÓN, 2005, p. 19)
Se o processo de profissionalização do professor deve transitar pelo caminho do
rompimento com práticas arraigadas, sem sentido para a escola atual, devem-se estabelecer
mecanismos para que a inovação possibilite mudanças na cultura docente.
48
Imbernón assina que o profissional conta também com um componente prático,
um corpo de conhecimentos e habilidades que adquire durante sua formação, tornando-o
capaz de tomar diversas decisões no desempenho de sua profissão, construindo assim sua
profissionalidade, “o sea las características y capacidades específicas de la profesión” (1994,
p. 14). O processo socializador de aquisição dessas características é por ele denominado
profissionalização.
Imbernón complementa que o docente não deve limitar sua formação a apenas um
caráter técnico, mas
[...] sino que debe exigir, para ganar en profesionalización, una nueva cultura
profesional que facilite espacios de reflexión, individual y colectiva, sobre las
condiciones de la actividad laboral y sobre cómo se selecciona y produce el
conocimiento en los centros educativos y en las aulas, ganando en democracia,
control y autonomía. (IMBERNÓN, 1994, p. 21)
Quando se fala em conquistar nova cultura profissional do professor, é bom
lembrar que esse fator se encontra permeado pelas condições de trabalho onde exerce sua
profissão, assim como nos processos políticos, sociais e educativos. Nesse contexto, ressalta-
se que o professor não pode ser visto como mero executor de um currículo elaborado por
outras instâncias educativas.
O professor deve, ainda trilhando o caminho percorrido por Imbernón (1994, p.
20), “converter-se em um profissional que deve participar ativa e criticamente no verdadeiro
processo de inovação e mudança, a partir de e em seu próprio contexto, em um processo
dinâmico e flexível”. Ou seja, cabe ao professor, assentado na formação inicial e(ou)
contínua, refletir sobre o contexto de sua prática, implementar elementos no dia-a-dia da sala
de aula que contribuam para inovar sua prática, tendo em vista a melhoria do ensino e da
aprendizagem. Nessa linha, constituir argumentações que, com o tempo, venham a sustentar a
construção de nova cultura curricular.
Como citado em passo anterior, o processo de inovação e mudança da prática
docente, às vezes, é permeado por tensão entre os momentos de mudança e a continuidade
desta, pois a prática do professor é mediada por crenças e pressões que, não poucas vezes se
tornam pouco favoráveis à cultura da inovação, dificultado as relações e os ritmos na
introdução e implementação de inovações.
O processo de inovação está trespassado pelo medo e pela insegurança dada sua
natureza ser muito variada. No entanto, esse processo faz parte da caminhada, até mesmo no
que se refere à história de formação, valores e crenças que cada sujeito carrega. Isso não
significa que todos os sujeitos passarão por esta fase, até porque, em havendo uma equipe
49
escolar fortalecida que saiba os caminhos indispensáveis a ser percorridos para alcançar uma
educação com maior qualidade, os resultados conquistados por essa equipe serão a
sustentação para o desenvolvimento de novas ações.
O que se espera com as inovações no contexto da escola é, segundo Fernandes
(2006), uma transformação de ordem qualitativa. É nessa dimensão que o significado da
formação contínua no interior da escola, criada em espaços de problematização das práticas
efetivas do cotidiano escolar, conquista espaços possíveis de novas aprendizagens.
Conseqüentemente, o desenvolvimento profissional dos professores.
Esta autora ainda sinaliza que a formação contínua, como estratégia
implementadora de inovações, “deve ser vista como meio para introdução de inovações na
organização, no currículo e no ensino” (2006, p. 53), ou seja, deve atuar como importante
contribuição para nova cultura centrada no desenvolvimento de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras.
PARTE II
Escola organizada por ciclos: proposta de inovação pedagógico-curricular
2.1 A escola organizada por ciclos na rede municipal de Ensino em Carlinda Mato
Grosso
Carlinda é um município situado no Norte do Estado de Mato Grosso. Surgiu na
década de 80, graças a programa de colonização entre a Cooperativa Agrícola de COTIA e o
INCRA, sendo considerado, até meados de 1994, distrito do município de Alta Floresta.
Ainda como assentamento rural foram construídas, por meio de mutirões dos próprios
colonos, aproximadamente, 36 escolas. Estas escolas funcionavam em comunidades rurais,
com turmas em sua maioria, multisseriadas. Mesmo sendo legalmente emancipada,
precisamente em 1994, manteve-se administrada, até 1996, pela prefeitura de Alta Floresta,
cuja população enfeixa 15 335 habitantes
10
.
Para o período de 1997 a 2000 é eleito, como primeiro prefeito do município de
Carlinda, Geraldo Ribeiro de Souza. A pasta da Secretaria Municipal de Educação, foi
entregue a Professora Sonia Maria Correia Leite. É importante registrar que o mesmo prefeito
foi reeleito, administrando o município no período de 2001 2004 quadra, como Secretário
de Educação foi o Professor José Marcos dos Santos, assumindo esta pasta ainda em 1999.
As políticas educacionais da Secretaria Municipal de Educação de Carlinda se
estabeleceram e, até os dias de hoje, acompanham as diretrizes da Secretaria de Estado de
Educação/SEDUC/MT. Tanto assim que, inicialmente, em 1997, cria o Ciclo Básico de
Aprendizagem CBA, de acordo com a proposta desta modalidade de ensino implementada
pelo sistema estadual de educação.
10
Fonte: Contagem da População 1996 Site: www.ibge.gov.br. Hoje, dados do IBGE, contagem da população
2007, publicado em Diário Oficial de 05-10-2007, conta com 12.176 habitantes.
51
Em 1999, outra decisão importante foi tomada: nuclear as escolas municipais de
Carlinda, com o objetivo de oferecer melhor qualidade de ensino aos alunos. Tal deliberação
teve origem na preocupação atinente à introdução do Ciclo Básico de Aprendizagem.
Formaram-se, então, cinco núcleos educacionais, um em cada setor: Caná, Boa
Sorte, Del Rei, Padre Geraldo, na zona rural, e Carlinda, na zona urbana. Os alunos passaram
a ser trazidos para a escola por transporte escolar. Com o número de alunos ampliado em cada
escola, as turmas puderam ser organizadas de sorte a melhorar a qualidade do ensino e da
aprendizagem, desativando, assim, as salas multisseriadas.
No ano de 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Carlinda começou a se
preparar para organizar a escola por meio de ciclos. Como esta discussão vinha sendo
encetada na rede estadual, foi oferecido aos professores da rede municipal um primeiro
momento de formação para a instalação simultânea, nas escolas do município. Na
oportunidade desta formação, participaram também os profissionais da rede estadual:
buscava-se subsidiar os profissionais da educação, quanto ao entendimento de tal proposta.
Com a duração de 40 horas, contou esse encontro com a assessoria da Professora
Mestre Marineuza Gazzetta. Foram discutidos, então os pressupostos teóricos norteadores da
proposta da escola organizada por ciclos: suas concepções, a escola de ciclos na educação
brasileira, a pedagogia de projetos e os aspectos da transversalidade.
A partir desta discussão inicial, em 2001, todas as cinco escolas da rede municipal
de ensino de Carlinda, passaram a acolher a escola organizada por ciclos nas três turmas/idade
que compunham o I Ciclo, e a primeira turma/idade do II Ciclo.
Não destoando do que ocorre numa proposta de mudança, a implementação da
escola organizada por ciclos não se efetivou, em sua totalidade, em laços de total cordialidade,
pois alguns professores apresentaram e o fazem ainda hoje, certa resistência em se
despreenderem do sistema seriado. Em contrapartida, veio ao encontro do anseio de outros
tantos professores, que almejavam inovar a prática docente. De nota que, alguns contavam
com experiências positivas nesta direção.
Como estas mudanças não acontecem somente no âmbito de políticas curriculares,
é preciso que se compreenda a proposta da escola organizada por ciclos, pois se trata de
processo de construção desafiador, que compreende, além de mudança de concepções,
mudança de atitude, de crenças, de valores tanto da equipe gestora como de todo o corpo
profissional da escola. Tal proposta, além de mexer com toda uma estrutura arraigada nas
práticas pedagógico-curriculares, põe em jogo as concepções que alunos, pais e comunidade
escolar tinham, até então, sobre a organização da escola.
52
Os documentos que oficializam a escola organizada por ciclos, no município de
Carlinda, são as propostas pedagógicas de cada escola, reconhecidas pelo Conselho Estadual
de Educação e publicados em diário oficial, no ano de 2003. Estas propostas, elaboradas pelas
escolas foram, iniciada no ano de 2001, com orientação e acompanhamento da equipe da
Secretaria Municipal de Educação. em 2004, a proposta é incluída no Plano Municipal de
Educação, aprovado pelos poderes legislativo e executivo.
A proposta da escola organizada por ciclos em Carlinda não previa
11
a retenção do
aluno, dentro do ciclo e nem mesmo de ciclo para ciclo, amparados inicialmente pelos artigos
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de nº 9394/96, de 20-12-96, em seu artigo 24 inciso
V, alíneas b, c e d, que garantem a progressão do aluno nos ciclos como direito que lhes é
assegurado.
Para seqüenciar esse direito aos educandos, as escolas buscaram oferecer novas
alternativas, que não a reprovação. Para tanto, disponibilizaram aos alunos a sala de
superação, o apoio pedagógico pelo professor regente - nas horas atividades -, pelo professor
articulador, pelo coordenador - como articulador de ações que contribuam para o
desenvolvimento dos alunos -, do desenvolvimento de projetos especiais - desenvolvidos por
professores, fora de seu horário de trabalho, acrescentando dez horas em seu turno de trabalho
-, rodízios de turmas nas escolas - uma vez por semana, quando se formavam novas turmas
para um trabalho planejado, visando a intervenções mais adequadas a todos os alunos. Some-
se, ainda, a formação contínua e em serviço, pensada de maneira a contribuir para que os
professores planejassem suas aulas com atividades mais desafiadoras, com um olhar para
realizarem intervenções que contribuíssem para o avanço dos alunos.
A preocupação esteve pautada no promover ações que possibilitem aos alunos
avançarem de um ano do ciclo para outro, recebendo apoio e intervenções pedagógicas que
favorecessem a aprendizagem.
Mesmo com algumas limitações em seu quadro de funcionários, dado que a
Secretaria não detinha equipe completa com formação de ensino superior sabedora de que a
grande maioria dos professores da rede se encontrava buscando essa formação -, a educação
em Carlinda contou com significativo avanço em nível de formação inicial e contínua dos
professores. Nesse sentido, procurou-se, nesta equipe, apoiar as escolas na produção de
proposta que, de alguma maneira, mostrasse o que se esperava da educação de Carlinda.
11
A partir de 2005, mesmo continuando com a proposta da escola organizada por ciclos, a retenção voltou a
vigorar no final de cada ciclo e houve casos de reter alguns alunos de um ano para outro, no ciclo.
53
A partir deste momento, o núcleo deste relato se baseia na Proposta Pedagógica da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Bandeira, por ser esta, meu lócus
12
de
pesquisa.
Segundo a proposta da Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel
Bandeira, o grande desafio da educação em Carlinda é
[...] a implementação de uma proposta curricular capaz de transformar a prática
fragmentada e descontextualizada da realidade por uma visão integrada da realidade
concreta do educando, uma forma de integrar a teoria e a prática, o fazer e o pensar.
[...] embora ainda haja obstáculos que impeçam a passagem de uma escola
conservadora para uma escola que atenda ao processo de ressignificação da
realidade. (PROPOSTA PEDAGÓGICA DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO
FUNDAMENTAL MANOEL BANDEIRA, 2003, p. 5)
Nesse sentido, os profissionais da educação da Escola Manoel Bandeira, pais,
alunos e a Secretaria Municipal de Educação foram motivados construir uma proposta
pedagógica dentro dos princípios da escola organizada por ciclos. Mesmo sabedores de que
seria uma saída de um estado “confortável” para um período de instabilidade, na busca de
nova estabilidade diante de determinado movimento de (re) construção.
Por acreditar que o Projeto Político Pedagógico não é algo a ser arquitetado
apenas para fins burocráticos, pois deve ser construído e vivenciado pelos envolvidos no
processo educativo da escola, a direção da escola Manoel Bandeira, com a equipe da
Secretaria Municipal de Educação, organizou um cronograma de discussão, síntese e
elaboração da proposta pedagógica.
Como o intuito de buscar nova organização para a escola, a elaboração da
proposta pedagógica se constituiu em desafio para os educadores, técnicos e apoios
educacionais - pais, alunos e conselho deliberativo da comunidade escolar
13
. As atividades em
equipe e o compromisso da comunidade escolar foram os pré-requisitos para sua elaboração.
12
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Bandeira foi criada em 1982, na comunidade rural Estrela
d’Alva, Rodovia MT 208, km 114, e regulamentada pela Decreto Lei 067/85. No início, as atividades escolares
eram exercidas no espaço onde funcionava um Posto Fiscal da Cooperativa Agrícola de Cotia, que mais tarde foi
cedido ao INCRA. Funcionava em dois turnos, com aproximadamente 80 alunos. As primeiras professoras forma
Janice Terezinha Zanco e Terezinha Foscarim dos Santos. Era no espaço da escola que se realizavam os eventos
da comunidade. Servia também como igreja católica. Isto até 1984. Em 1985, foram construídas duas salas de
aula por meio de mutirão pelos colonos assentados, onde passou a atender cinco turmas multisseriadas. Em 1986,
a escola antiga foi desativada. Em 1999, passou pelo processo de nucleamento e foi transferida para o setor
urbano rua das Maravilhas, s/nº, Bairro Bom Jesus. As outras escolas que passaram a fazer parte deste núcleo
foram: Escola Euzínio de Almeida Sobrinho, da comunidade São Pedro Apóstolo, do setor Bom Semeador;
Escola Maurício de Souza, da comunidade Gálatas, ramal Jatobá; e a Escola Jode Alencar, da comunidade
Nova União, rodovia MT 208. (PROPOSTA PEDAGÓGICA DA ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO
FUNADAMENTAL MANOEL BANDEIRA, 2003, p. 4).
13
O objetivo inicial era que mais pais e alunos participassem. No entanto, como não foi possível contar com a
participação de um número maior, acabou tendo somente a do Conselho Deliberativo das Escolas, em que a
representatividade dos alunos e pais se fazia presente.
54
Os encontros para a elaboração da proposta pedagógica ocorrem durante o período
de 2001 a 2003. Num primeiro momento, buscou-se realizar um resgate histórico da escola e
das comunidades que deram origem ao núcleo educacional da Escola Manoel Bandeira.
Objetivou-se, com esta atividade, (re)construir a maneira com que a escola vinha sendo
organizada, de modo que suas ações pedagógicas se voltassem ao contexto e às necessidades
de todos os envolvidos. Este novo olhar sobre a organização da escola teve isto como meta:
que a comunidade não participasse somente da execução de uma proposta, mas de suas
decisões.
Depois da realização deste resgate histórico da escola, que contribuiu para que
cada membro conhecesse e reconhecesse a história da escola, começaram as discussões que
tiveram por finalidade elaborar os princípios filosóficos que fundamentam a proposta
pedagógica, à luz dos princípios da escola organizada por ciclos.
A elaboração destes princípios tencionava que com seu desenvolvimento, a
comunidade escolar reconhecesse as bases que fundamentavam as idéias da escola que se
tinha - organizada em séries - e pudessem visualizar que, atualmente, é preciso conhecer e
conceber novo conceito de escola, em suas relações pedagógicas e administrativas.
Nessa linha, os princípios foram elaborados em quatro eixos norteadores
14
, com
seus respectivos temas: homem, mundo - natureza, cultura, sociedade, comunidade, família,
leis, educação -, escola - conhecimento, aprendizagem, avaliação, papel dos pais, papel dos
professores, papel dos técnicos e apoio administrativo escolar, papel dos alunos, atividades
propostas pela escola - e conceitos fundamentais - cidadania, liberdade, sexualidade,
violência, drogas, religião, política. Estas discussões pretenderam o intuito de explicitar os
conceitos da própria comunidade escolar, em relação a cada um destes eixos, por meio dos
quais, ações da escola devem estar fundamentadas.
A proposta teórica da escola organizada por ciclos da Escola Municipal de Ensino
Fundamental Manoel Bandeira, em Carlinda, tem por base aquela da rede estadual de ensino.
Mesmo com alguns problemas, não visualizados naquela época, encontrou nos princípios do
desenvolvimento da formação humana seu ponto forte. Portanto, foi concebida, inicialmente,
à luz das idéias de Vygotsky, Piaget e Wallon. Depois, foram realizadas outras leituras que
ajudaram a “escola” a compreender melhor a proposta que ora se punha em prática.
14
Esse novo olhar sobre o que foi produzido naquela época mostra que ainda muito que melhorar em nossas
concepções – pelo menos na síntese à qual chegamos naquele momento – para deixarmos mais claras as
intenções que queremos atingir.
55
Na perspectiva da escola organizada por ciclos, o ensino fundamental, de oito
anos, passa a acolher nove, atendendo à faixa etária de seis a quinze anos, como previsto na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de nº 9394/96. Assim se estruturou:
Quadro 1 – Números de alunos a serem matriculados em cada turma e ciclo
Ciclos Faixa etária/Turmas
15
Nº. de alunos
I Ciclo 6 a 9 anos 20 a 25 alunos
II Ciclo 9 a 12 anos 25 a 30 alunos
III Ciclo 12 a 15 anos 25 a 30 alunos
Fonte: Projeto Político-Pedagógico da Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Bandeira
Como já relatado, a rede municipal de ensino teve prazo de seis anos para concluir
a estrutura da escola organizada por ciclos, como especifica o quadro 2.
Quadro 2 – Estrutura de implantação gradativa da escola organizada por ciclos
Implantação do ciclo
Ano Faixa etária/Turmas Ciclo
2001
6 –7 anos
7 – 8 anos
8 – 9 anos
9 – 10 anos
I
I
I
II
2002 10 – 11 anos II
2003 11 – 12 anos II
2004 12 – 13 anos III
2005 13 – 14 anos III
2006 14 – 15 anos III
Fonte: Projeto Político-Pedagógico da Escola Municipal de Ensino Fundamental Manoel Bandeira
Os alunos que apresentaram defasagem em relação à idade-ciclo foram atendidos
em salas de superação
16
, ou em salas de atendimento específico
17
. Nestas turmas, superando o
aluno suas dificuldades, era conduzido à turma condizente com sua faixa etária. Aí se
realizava um acompanhamento do desenvolvimento desse aluno, no curso do ano.
Para dar início a uma sala de superação, exigiam-se no nimo doze alunos. Por
isso, foi necessário pensar em outras maneiras para atender a alunos que se encontravam em
dificuldade de aprendizagem, quando não em defasagem no que respeita à turma com a qual
deveria estar freqüentando. Num primeiro momento, a idéia foi montar, no coletivo da escola,
um programa especial que atendesse a estes alunos. Eis uma das indagações iniciais: Quem
15
A partir de 2004, as turmas foram organizadas de acordo com os nove anos que formam o ensino fundamental,
ficando assim: 1º ano, 2º ano,ano no I Ciclo; ano, 5º ano, 6º ano no II Ciclo, e 7º ano, 8º ano e 9º ano no III
Ciclo, continuando a mesma organização por ciclos de formação.
16
Esta sala foi organizada para atender aos alunos com defasagem idade-ciclo, e foram formadas por ciclos,
podendo esses alunos, quando atingissem o desenvolvimento relacionado com sua turma, ser reconduzidos a
suas turmas em qualquer época do ano. Quando esta defasagem abrangesse mais de um ciclo, os alunos
poderiam avançar da sala de superação de um ciclo, para a sala de superação do outro ciclo.
17
Apoio pedagógico oferecido pelo professor regente, professor articulador, quando não, pelo coordenador
pedagógico.
56
atenderia a esses alunos? Decidiu-se, então, que os alunos seriam atendidos pelo professor
regente, em parte de suas horas-atividade
18
, pelo professor articulador
19
, e pelo coordenador
pedagógico
20
, quando possível.
Preocupados ainda em franquear aos alunos um desenvolvimento com qualidade,
os professores e a Secretaria Municipal de Educação se mobilizaram na elaboração de
projetos especiais, para atendimento também aos alunos que precisavam de um tempo maior e
de oportunidades diferenciadas para se desenvolver. Como as dificuldades maiores, apontadas
pelas escolas, estavam relacionadas com leitura e com escrita, os projetos foram direcionados
ao trabalho para atingir a esses objetivos.
O desenvolvimento da Formação Contínua Parâmetros em Ação trouxe,
igualmente, outra possibilidade aos professores, com vista a ajudar os alunos a se
desenvolver. Como isso aconteceu? Nos encontros de formação, reuniam-se os professores de
todas as escolas, municipais e estaduais, cuja proposta de trabalho estava voltada para
encontrar alternativas quanto ao que fazer para que os alunos, com melhor desenvolvimento
fossem atendidos sem descurar o atendimento dos portadores de dificuldade, tentando não
deixá-los à mercê da própria sorte.
Assim, além das trocas de experiência respeitante àquilo que cada escola
realizava, nos encontros de formação eram discutidas novas idéias tendentes a subsidiar os
professores a realizar intervenções que contribuíssem com melhor desenvolvimento de suas
aulas. Uma das propostas elaboradas teve como princípio o levantamento do conhecimento
que cada professor tinha de seus alunos e, assim, das outras turmas que compunham o ciclo.
Com isso, eram organizadas novas turmas, que funcionavam uma vez por semana. Neste dia,
os professores eram distribuídos de modo que pudessem oferecer atividades que desafiassem
os alunos, para que estes pudessem avançar na construção do conhecimento e, até mesmo,
superar alguma dificuldade encontrada no percurso de sua escolarização.
Com este trabalho, colheram-se bons resultados para oferecer maior oportunidade
de aprendizagens aos alunos, pois a proposta da escola era não somente o atendimento
daqueles alunos com dificuldades, mas daqueles que, agasalhando facilidade, pudessem
ampliar o conhecimento construído.
18
Todos os professores – efetivos e contratados de todo o ensino fundamental - tinham (hoje somente os efetivos
contam com este direito) hora-atividade, num percentual de 33,33% , ou seja, 20 horas em sala e 10 hora de
atividades, destinadas a planejamento de aula, apoio pedagógico e formação contínua.
19
O professor articulador tem como função atender aos alunos em apoio pedagógico este professor não é
substituto do coordenador, nem do professor regente ele acompanha o trabalho dos professores na escola e
planeja suas atividades de acordo com esse acompanhamento do planejamento do professor regente e da
necessidade dos alunos. Era um professor-articulador para cada seis turmas.
20
Houve coordenadores com trabalhos muito gratificantes neste sentido.
57
Foi montado na Escola Manoel Bandeira um laboratório de informática que
auxiliou nesta caminhada. Uma sala de recursos
21
atendia a alunos do município com
deficiência auditiva e visual. Estes alunos estudavam em suas turmas de origem e, duas vezes
por semana, freqüentavam esta sala de recursos cujo objetivo consistia no oferecer
atendimento mais especializado a estes alunos.
A proposta pedagógica da escola Manoel Bandeira, de Carlinda, também discorre
sobre quem são e o que cabe a cada profissional, aos alunos, aos pais e à comunidade escolar.
Para que a proposta desta escola se efetive, forçoso que os professores estejam em
constante formação. A idéia não é restringir esta formação à acadêmica, e sim propor a
qualificação em serviço e de forma contínua: além de necessária a formação do professor,
oportuniza a reflexão sobre a ação pedagógica e a socialização dessa reflexão, tornando os
educadores capazes de propor e desenvolver seus próprios projetos de trabalho e de estudo.
Nesta perspectiva, a escola e a Secretaria Municipal de Educação foram
responsáveis pela formação dos profissionais de forma permanente. O enfoque maior dado a
esses encontros foi “como ensinar”. Buscou-se oferecer meios para que os professores
albergassem novas habilidades, atitudes, crenças e valores que os levassem a compreender a
necessidade da construção de novas concepções pedagógico-curriculares para pôr em prática a
proposta da escola organizada por ciclos.
Para alcançar a meta de oferecer uma formação contínua, capaz de contribuir com
os professores na melhoria da prática, escola e Secretaria Municipal de Educação aprenderam
juntas. A princípio foram alguns encontros pontuais de 20, 30 ou 40 horas. Depois, com o
entendimento de que a formação que maior resultado é aquela que abarca o ano letivo por
inteiro, pois possibilita reflexão e feedback da prática, foi estruturada desta maneira.
Foram vários os estudos, alguns realizados apenas com os profissionais da escola,
que discutiam desde a proposta pedagógica da escola, até os fundamentos da educação. Tais
estudos que ofereciam leituras sobre o ensino, a aprendizagem, a metodologia de trabalho por
projetos de ensino, avaliação, entre outras.
Outras formações foram realizadas: o Programa de Desenvolvimento Profissional
Continuado “PCNs em Ação”, que atendeu a turmas dos anos iniciais e finais do ensino
fundamental, nas diferentes áreas do conhecimento, e o Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores o PROFA. Este ajudou os professores a compreender como se o
processo de evolução da leitura e da escrita na criança, contribuindo para que os professores
21
Hoje esta sala está desativada.
58
controlassem mais sua ansiedade com relação à aprendizagem de seus alunos e, ao mesmo
tempo, aprendessem a elaborar atividades desafiadoras. Contribuiu também para que os
professores acreditassem mais na potencialidade de seus alunos, e se compenetrassem que,
para ensinar a ler e a escrever, não precisa acompanhar uma linearidade rígida. Primeiro é
básico aprender as vogais, depois as junções das vogais, até que se chegava às sílabas
complexas, no final do ano, em havendo tempo. Estes encontros de formação ocorreram no
período de 2001 a 2004: reuniam-se todos os professores das redes municipal e estadual,
divididos em turmas, de acordo com a área de atuação.
É importante frisar que esses programas de formação, não vinham, em sua
origem, com a finalidade de atender à escola organizada por ciclos. A Secretaria Municipal de
Educação aderiu a estes, por acreditar que as discussões que eles traziam, auxiliariam os
professores no desenvolvimento deste trabalho. Sobretudo porque a equipe formadora
procurava planejar os encontros para discutir os princípios da escola organizada por ciclos e,
assim, facultar a construção de novo olhar sobre o ensino e a aprendizagem.
Outro programa de formação contínua, organizado pela equipe da Secretaria
Municipal de Educação, no período de 2001 e 2002, intitulou-se: “Você existe onde você
está”. Uma formação que atendia aos diretores, coordenadores e professores articuladores de
todas as escolas, visando oferecer a esses profissionais subsídios para o desenvolvimento de
seus trabalho na qualidade de gestores. Mais que isso: uma maneira de contribuir para a
compreensão que se exigia tendente à nova organização de escola que estava sendo criada e
implementada – a escola organizada por ciclos.
Para atender a essa nova concepção de escola, a Proposta Pedagógica da Escola
Manoel Bandeira (2003) destaca fundamental propor nova metodologia de ensino. Esta
deveria vencer a fragmentação dos conteúdos e exigir dos profissionais da escola uma postura
política corajosa, que os tornasse capazes de arriscar, de desmistificar certas crenças e práticas
cristalizadas e de experimentar novas formas de proporcionar ao educando o encontro com
um saber mais legítimo.
Neste sentido é que foi definida, entre escola e Secretaria Municipal de Educação,
uma metodologia que permitisse essa integração. Optou-se por executar projetos de trabalho.
Esta maneira de organizar os conteúdos foi escolhida porque implica mudança de
postura, da visão do ensino e da aprendizagem, forma de repensar a prática pedagógica, tendo
em vista a necessidade de tornar a escola um local significativo na produção de conhecimento.
Com esta preocupação, o aluno passa a ser considerado pessoa capaz de tomar decisões diante
da construção de seu conhecimento.
59
As discussões em desenvolver o ensino por meio de projetos de trabalho
estiveram focadas em uma das maneiras encontradas do que se pretendia com o
desenvolvimento dos princípios da proposta da escola organizada por ciclos. Além da certeza
de que seria atividade a exigir mais do trabalho em equipe, outro foco estava no garantir a
participação dos alunos, em sua elaboração. Outro ponto por igual importante é o fato de, ao
optar por tais projetos de trabalho, não se reduzia o planejamento à escolha de um tema, nem
a uma lista de objetivos e etapas, mas proporcionava aos professores e aos alunos o
estabelecimento de relações entre os conhecimentos do senso comum e os sistematizados na
escola.
A questão que se enfrentou no decorrer destes anos de organizar o ensino por
meio de projetos de trabalho, incluiu as turmas que continuaram no ensino seriado até a
implantação de todo o ciclo. Porém, pode-se dizer que funcionou melhor nos anos iniciais do
ciclo. Nos anos finais, ainda é preciso vencer as barreiras do ensino por disciplinas.
O professor é concebido, pela proposta da Escola Manoel Bandeira, como eixo
principal, norteador para que as mudanças ocorram. Segundo a proposta, a pessoa do
professor, neste processo, é o de mediador, aquele que transforma as referências informativas
em material de apoio à aprendizagem com intenção crítica e reflexiva. mais ainda.
Responsável por envolver os alunos a fim de que assumam, também, a responsabilidade de
sua própria aprendizagem.
A Escola Manoel Bandeira, enfatiza que, para que esta nova organização de
escola certo, é indispensável que os pais sejam parceiros da escola, preocupem-se com o
desenvolvimento e com o acompanhamento de seu filho.
A proposta de conteúdos curriculares a serem trabalhados durante o ano letivo, se
encontra definida de acordo com as áreas de Linguagem, Ciências Humanas e Sociais,
Ciências Naturais e Matemática, acolhidos os temas transversais. Contudo, uma ressalva:
que estes conteúdos sirvam de apoio para o desenvolvimento dos projetos, pois, nesta
perspectiva, serão trabalhados de maneira contextualizada e significativa para o aluno, não
somente como algo a ser trabalhado por trabalhar. Antes, que estejam de acordo com os
interesses e as necessidades dos alunos.
A avaliação na proposta pedagógica da Escola Manoel Bandeira é tida como o
principal momento em que a escola escancara suas diversas facetas. A proposta aborda que,
para mudar a escola, é preciso mudar a maneira de avaliar. A avaliação, nesta perspectiva,
assume o papel de impulsionadora do processo de construção do conhecimento. Deixa de ser
momentos isolados de menção, classificação e punição daqueles que, por algum motivo, não
60
se desenvolveram ao tempo do professor. Em acréscimo, passa a ser também um momento de
avaliar a prática do docente.
O enfoque avaliativo é dado no processo como instrumento permanente, centrado
no desenvolvimento individual do educando e na seleção das intervenções mais adequadas
para fazer com que aqueles alunos que se encontram com dificuldades, se desenvolvam. Ou
seja, o objetivo da avaliação está em garantir que ela seja instrumento utilizado em favor da
aprendizagem do aluno e de um ensino de melhor qualidade conferido ao professor.
Com efeito, a Proposta Pedagógica da Escola Manoel Bandeira, destaca que uma
nota, de zero a dez, não é mais suficiente para a sistematização da avaliação. Com a
introdução da escola organizada por ciclos, a escola propõe que a avaliação deve ser realizada
por meio por meio do registro descritivo. Este tem como apoio as informações do
desenvolvimento individual dos alunos e deve conter anotações freqüentes e significativas que
indiquem o progresso, as dificuldades, as manifestações da criança, enfim tudo aquilo que
possa fornecer subsídio para o professor, merecedor de reflexão no decorrer do processo.
Os registros eram elaborados em cada bimestre
22
. Segundo a Proposta Pedagógica
da Escola Manoel Bandeira (2003), o coletivo da escola pode eleger alguns instrumentos que
auxiliam o professor no acompanhamento, no desempenho e NO crescimento de cada aluno e,
assim, favorecer a elaboração de um registro que seja fidedigno ao desenvolvimento do aluno.
Os instrumentos
23
que os professores elegeram para auxiliá-los neste processo
foram: o caderno de campo - para o registro do processo de construção do conhecimento do
aluno, das reflexões sobre seu planejamento e acompanhamento das atividades desenvolvidas
e a análise dos avanços e dificuldades -, a auto-avaliação - momento que possibilita ao
professor e ao aluno reflexão sobre o trabalho realizado. Somem-se a esses os Projetos. São
momentos de elaboração que permitem verificar e representar os objetivos alcançados,
antecipar resultados, escolher estratégias adequadas, abrangendo as diversas áreas do
conhecimento e despertando para atividades de observação, entrevista e discussão coletiva
que permitam selecionar aspectos importantes. Igualmente, facultam a socialização de
saberes, o confronto de idéias e a reflexão compartilhada. Relevante é o papel do conselho de
22
Hoje a sistematização se dá semestralmente.
23
O professor não utiliza todos esses instrumentos em seu processo avaliativo, seleciona aqueles que possam
garantir observação do desenvolvimento dos alunos e revelar em que eles avançaram. Processo este que
contribui à elaboração do planejamento.
61
classe, momento que propicia a troca de informações com o objetivo de promover o
desenvolvimento da construção do conhecimento, entre professores e professores, professores
e alunos, e professores e pais. Não mais importante é o instrumento da prova, não como único
instrumento. Ela pode compor, com os demais, um conjunto coerente da prática avaliativa.
Pode ser utilizada desde que se tenha clareza de seus limites, considerando que seus
resultados não podem ser utilizados como único indicador do desempenho escolar e jamais
pode ter valor absoluto.
Em 2004, foi eleito para gestão de 2005 a 2008 o Prefeito Orodovaldo Antonio de
Miranda. A partir de 2005, o Professor Marcelo Roberto da Silva Dutra passou a responder
pela pasta da Secretaria Municipal de Educação de Carlinda, dando continuidade à proposta
da escola organizada por ciclos, feitas algumas alterações com relação à proposta inicial.
No ano de 2006, as escolas da rede municipal de ensino de Carlinda extinguiram
as séries e completaram a implementação de todo o ciclo, no ensino fundamental.
Sinto-me privilegiada por ter feito parte desta história. Como tudo no mundo se
encontra num processo de mudança e transformação. Uma vez que estamos sempre
aprendendo, acredito que toda e qualquer proposta, para dar certa, acarreta tempo, mudança
de crença e perseverança nos pontos positivos, na avaliação dos desafios e no trabalho
coletivo, para que juntos possam ser traçados os caminhos visando superar os obstáculos.
É importante salientar que esse processo não ocorreu em águas tranqüilas.
Turbulências houve, não ignoro. Houve e ainda muitas opiniões contra a instalação e a
implementação da escola organizada por ciclos. Se bem que assim, somos sabedor de que
todo processo de mudança está sujeito a esses impasses. Por isso, acredito que sempre
encontraremos dificuldades neste percurso. Persisto em dizer: temos que nos apegar ao
significativo avanço, refletir sobre por que algumas ações não se desenvolvem do jeito
62
planejado e persistir sempre, se o que buscamos é construir uma escola inclusiva, onde os
alunos, sobretudo eles, possam crescer.
2.2 A escola organizada por ciclos: proposta de inovação pedagógico-curricular que
viabiliza mudanças na cultura do docente
É comum, ainda hoje, depois de quase sete anos da introdução da escola
organizada por ciclos, em Mato Grosso, ouvir dizer que “os alunos não estão aprendendo”,
que “os alunos não tem interesse em estudar mais, porque não reprova”, que “os alunos não
estão acompanhando a turma”, em meio a outras queixas que se nos deparam no dia-a-dia das
escolas, entre professores e alguns gestores educacionais.
Toda e qualquer mudança que tenha por finalidade mudar a ação da escola, para
uma escola inclusiva, onde a aprendizagem dos alunos esteja colocada em primeiro lugar,
comporta vários impasses. Mudar a concepção que se tem de escola - observado pelo lado de
que fomos educados e formados por uma escola que defendia (ou defende?) um processo
linear, cumulativo, que limita, classifica, segundo a qual o livro didático é a única fonte de
informação para a formação dos alunos, gerando, com isso, a crença de que todas as crianças
aprendem da mesma maneira - é um desafio.
Argumentando que a escola organizada por ciclos retrata uma maneira de
implementar inovações curriculares que possibilitam promover mudanças na cultura do
docente. Isso se deve ao fato de que esta proposta traz, em sua essência, novo olhar
exigindo, conseqüentemente, novo debruçar-se sobre o currículo, o ensino e a aprendizagem.
Vale dizer: nova maneira de organizar os tempos e os espaços da escola.
63
2.2.1 A escola organizada por série: elementos de uma cultura herdada
Para compreender os princípios da escola organizada por ciclos, obrigatório rever
alguns pontos que determinam as concepções da escola organizada por séries, por muito
tempo tida como modelo de escola ideal. Não por acaso, até os dias atuais boa parte dos
docentes ainda carrega, mesmo que inconscientemente, elementos desta cultura herdada. Isso
porque a crença de que é possível determinar rigidamente os tempos e os espaços de ensinar e
aprender ainda está presente nas ações cotidianas de várias escolas.
O que está por trás de determinadas organizações, como o caso da escola
organizada por séries, são concepções historicamente construídas, que não deixam de ser algo
familiar. Compreende-se assim, que a organização do tempo e do espaço da escola não
apareceu às tantas. Foi e é constituída, de determinada forma, por concepções e posições
políticas tomadas ao longo de um processo histórico.
Nessa senda Freitas (2003) enfatiza que o espaço mais famoso da escola é a sala
de aula, e o tempo mais conhecido é o da seriação das atividades e dos anos escolares. De
certo modo, espera-se da escola que ela cumpra determinadas funções estipuladas pela
sociedade.
Este autor ainda lembra, nesta mesma obra, que a escola tem papel muito
importante na formação do aluno, mas não podemos olhar de forma ingênua para ela, como se
a escola pudesse tudo. Não que esse não seja o desejo da escola, mas está longe de ser
realizado em uma sociedade constituída sob a égide da competição. “Como podem todos
aprender tudo? As aptidões, dirão, não se distribuem igualmente para todos - há os mais aptos
e os menos aptos. [...] nem todos se esforçam da mesma maneira”. (Freitas, 2003, p. 18)
Nesse enfoque, o ensino seriado está baseado em cópia da realidade, oferece um
currículo fragmentado que não se preocupa com o contexto e as necessidades reais dos
educandos. Com isso, um afastamento da sua vida real. Isso ocorre, de acordo com Freitas
(2003, p. 27), em razão dos processos de ensino “propedêuticos e artificiais, necessários para
facilitar a aceleração dos tempos de preparação dos alunos [...]. As necessidades de
64
preparação de mão-de-obra do capitalismo forçaram o aparecimento da instituição escola na
forma atual”.
Por outras palavras: objetiva preparar a mão-de-obra exigida pela sociedade
capitalista. Àquela forma que considera que o conhecimento está pronto e acabado para
executar determinada tarefa. Àquela trazida pelos livros didáticos, que leva os alunos a
“aprender” por meio da memorização e da decoreba. À que vê o aluno como uma “folha em
branco”, sem conhecimento. Àquela em que esse conhecimento lhe será repassado por meio
de cópias, ditados, separação de sílabas, arme e efetue, escrever os números até nove, porque
quanto aos demais, se aprenderá no próximo ano. Àquela forma em que, quando se chega
ao início de novembro, já se findou o conteúdo listado para aquele ano. E agora? Que fazer?
No ensino seriado, vigora o tempo fragmentado e seqüencial, em que os alunos
devem se adaptar à escola e a sua rígida estrutura de organizar o ensino, por meio de
disciplinas, digamos, instituídas em gavetas. Ora se abre a gaveta do ensino de Língua
Portuguesa, ora a de matemática e assim por diante. Tem-se o objetivo de ajustar o tempo dos
alunos ao tempo do professor.
Segundo Freitas, isso ocorre quando a escola “[...] é vista como preparação para a
vida, e não como a própria vida. Isolados em sala de aula, assistem das janelas da escola à
vida passar. Estão ‘enclausurados’, à espera de viver quando chegar a hora”. (2003, p. 29).
Que hora é essa? A de prestar o vestibular?
O fator motivacional atribuído pela escola e que, até hoje, dificulta que nova
organização ingresse no espaço escolar, é o processo de avaliação com sua conseqüente nota.
Segundo Freitas (2003), a finalidade do processo avaliativo nunca foi apenas verificar a
aprendizagem. Retrata também uma forma de controle sobre o comportamento, sobre os
valores e as atitudes dos alunos.
Na relação avaliativa, estabeleceu-se o sistema de poder do professor sobre os
alunos. A avaliação assume a forma de mercadoria com as características construídas pela
sociedade capitalista: valor de uso e valor de troca. Sendo assim, o aluno, ao aprender, o
professor lhe atribui uma nota que o classificará para o outro ano letivo. Caso contrário ficará
retido. Nesta relação, a avaliação passa a ser utilizada pelo professor como instrumento que
faz o aluno se interessar pela escola, pois ele tem que tirar nota. Não conseguindo, é
reprovado.
Por força disso, o aluno é cada vez mais conformado a ver a aprendizagem
fundada na nota. O processo de avaliação adquire centralidade na escola, distanciando-se dos
propósitos da vida real.
65
Observa-se que se trabalha numa lógica de exclusão que se inteira com uma lógica
de submissão, pois tudo está previamente definido para o aluno. Cabe a ele apenas executar.
Ao observar como a avaliação é concebida pela escola organizada em série,
constata-se que ela é um instrumento utilizado para verificar o que o aluno não sabe, de
maneira que se possa mensurá-lo e classificá-lo pela quantidade de conhecimento que ele tem.
Outro fator que caracteriza a escola seriada é o que diz respeito ao tempo e ao
espaço. Quais e quantos são os tempos da escola? Essas questões também são objeto de
indagação da parte dos professores. Assim, os tempos escolares são marcados por tempos
rígidos, podendo ser observados em como é ocupado o tempo escolar.
A distribuição do tempo escolar pode ser verificada na organização do calendário,
na distribuição das aulas, nos dias de prova, nos horários de cada área e matéria, no recreio,
nos sábados letivos, nos dias de feriados, etc. Quais são as lógicas que norteiam a ocupação
desses tempos? E o tempo de ensinar e de aprender? E o tempo de cada disciplina?
Não é nossa intenção responder a essas questões, somente deixar alguns pontos
para reflexão e puxar um fio para nossas discussões.
Arroyo (2004) nos diz que são tensas as relações de tempo existentes tanto para os
mestres como para os educandos. Para os mestres, as dificuldades se pautam em articular o
horário quando se trabalha em várias escolas; entre as matérias que têm mais prestígio e, os
tempos da escola com os da família, do transporte, do cuidado com os filhos. Para os
educandos, não lhes é dado o direito de viver os tempos: da infância, da adolescência – vivem
os tempos como os tempos dos adultos.
Essas tensas relações já são suficientes para darmos mais importância aos tempos
da vida, em nossos horizontes profissionais. O primeiro passo é procurar conhecer os diversos
tempos da escola, pois “não se muda o que não se conhece. Logo, é urgente conhecer o tempo
escolar, suas lógicas e os valores e as culturas que articulam, predefinem e mantêm a
organização do tempo no sistema escolar”. (ARROYO, 2004, p. 192)
Embora administrar esses tempos seja necessário, Arroyo (2004) diz que isso é
tarefa conflitiva, por ter sido essa forma instituída séculos e por ter se cristalizado nos
calendários, níveis, séries, semestres, bimestres, rituais de transmissão, avaliação, reprovação.
Arroyo (2004) lembra que as lógicas da escola são impostas tanto aos alunos
como aos professores, e entendê-las é fundamental para compreender muitos dos problemas
da educação escolar – a reprovação, a evasão, só para ficarmos nesses dois.
Nesse movimento, existe uma tensão que se em razão de termos que
compreender com se dão os tempos cristalizados, instituídos, enrijecidos por lógicas escolares
66
e sociais, historicamente constituídas. O que norteia essas lógicas instituídas no sistema
escolar? Segundo Arroyo (2004), compreender a lógica do tempo instituída pela escola
seriada é importante para que se compreendam as trajetórias dos tempos dos educandos e
professores, e explica cada uma delas: a lógica transmissiva e a lógica da simultaneidade.
A lógica transmissiva é aquela que organiza todos os tempos e os espaços tanto do
professor quanto do aluno, em torno dos conteúdos que devem ser trabalhados em cada grau,
série, disciplina, que orienta a grade curricular, as avaliações, as recuperações, as aprovações
e as reprovações. E assim, a primeira série precede a segunda e assim por diante.
Esta lógica, de acordo com Arroyo, torna-se mais perversa ainda quando se
articula em torno dos supostos ritmos médios de aprendizagem, independentemente da
diversidade cultural, sociocultural, dos processos de socialização. Se os alunos dominarem no
tempo previsto, 60% dos conteúdos merecerão ser aprovados, caso contrário serão
reprovados.
Arroyo (2004) diz que a esta lógica se supõe a outra, a da simultaneidade das
aprendizagens no tempo previsto. O aluno deve aprender todas as matérias. Caso não consiga
em apenas uma matéria ser aprovado, repetirá todas as matérias aprovadas, até que consiga
avaliação positiva em todas as disciplinas.
Nessa lógica, os conteúdos são predefinidos para ser ensinados e aprendidos em
semanas e bimestres. Arroyo (2004) nos diz que estamos tão acostumados com essa gica
instituída que nem a questionamos e até a defendemos, como se fizesse parte de nosso dia-a-
dia. Quando nos dão oportunidade de organizá-la de maneira diferente, acaba-se voltando ao
ponto inicial, dos horários preestabelecidos. Agora é aula de Matemática, portanto não é hora
de falar em História.
Alguns questionamentos são relevantes nesse momento e merecem ser pinçados
para reflexões pessoais: Por que defendemos essas lógicas? Por que nos sentimos inseguros,
quando se propõe uma lógica flexível, em que o tempo de cada um passa a ser valorizado?
Decorre isso do fato de que uma lógica diferente trará mais trabalho? Por que, se
reinventarmos outra lógica, exigirá repensar nosso papel sob condição de educador? Teremos
que mudar nossa prática?
Quando a escola é organizada tendo por base a concepção da escola seriada, a
escola é afetada diretamente em sua própria existência, assim como em seu funcionamento
cotidiano, até o nível das salas, situa Gather Thurler (2001). Essa concepção embasa a divisão
do trabalho, as estruturas hierárquicas, a organização em unidades especializadas. Ou seja, os
67
membros da organização sabem de quem eles dependem e a quem eles podem comandar.
Quem concebe e quem executa.
Esta autora assegura que a interiorização dessa concepção pelos atores
educacionais influencia a maneira pela qual eles percebem seu papel e seu estatuto, sua
autonomia, a divisão do trabalho, as relações de poder, a gestão dos processos da mudança, os
mecanismos de controle.
A divisão de trabalho é bastante restrita, pois os professores, os diversos
especialistas, os diretores e os demais membros da escola cumprem sua função,
condicionando a vida escolar de tal maneira que cada um cumpra seu papel, sua função. Em
uma possível burocracia escolar, a negociação eventual ocorre antes do início do ano escolar.
A seguir, “a máquina gira ‘sozinha’ até as grandes férias seguintes, com apenas alguns
ajustes” (GATHER THURLER, 2001, p. 28). Sendo assim, traçam-se as metas anuais que
orientarão o desempenho de cada um durante o ano letivo.
Esta organização acaba por não estimular o desenvolvimento de novas
competências entre os professores e demais profissionais da escola, pois, da maneira como se
encontra o planejamento da escola, diminui-se também a busca e a necessidade de enfrentar
novos desafios.
Os pais matriculam seus filhos e os encaminham à escola, mas não se sentem
parte da escola. A escola é quem toma as decisões por eles e, neste caso, no mais das vezes, a
presença dos pais é solicitada na escola apenas quando seus filhos estão com alguma
dificuldade de aprendizagem, ou de comportamento.
Como se vê, a escola que temos possui uma história, concretizada numa visão de
mundo com certas “intenções”, que, descortinada sem um olhar mais profundo, é apenas um
conjunto de salas e espaços destinados a acolher alunos em suas mais diferentes relações.
Esta dimensão espacial é vivida em acontecimentos que se desenrolam em seus
tempos e ritmos (tempo para estudar, tempo para aprender matemática, tempo para
brincar, tempo para planejar, tempo para gerir). Nada é tão demarcado na forma
escola atual como seus tempos. Instituí-los implicou em decisões igualmente
orientadas tempo na história da escola que já não nos damos mais ao trabalho de
examiná-las e, em geral, damos isso por suposto e naturalizado. (FREITAS, 2004, 1)
É de todo relevante vincar que não foi o professor que inventou essa concepção.
Ela faz parte da própria gênese da escola. Segundo Freitas, trata-se da concepção de como se
organiza o trabalho pedagógico, as relações de produção de conhecimento e de poder,
“constituída a partir de um determinado tipo de organização sócio-política que historicamente
68
construiu a forma escola com uma função social excludente e de dominação” (2003, p. 55). O
que não se pode é apostar na crença de que esse é um processo natural e que é assim que deve
continuar.
Como se pode perceber, esta história faz parte da vida de muitos na qualidade de
alunos, como professores na constituição da carreira, como um exemplo inicial a ser seguido.
Para que se consiga mudar o rumo desta história é preciso “vontade decidida de transformar
as condições que constituem a cultura herdada” (PÉREZ GÓMEZ, 2001, p. 165), aquela
carregada desde o tempo de escolarização, em movimento com os anos iniciais da carreira,
em que o que se tem como exemplo para referenciar a prática são as lembranças do que os
professores, ainda da escola primária, desenvolviam em sala de aula, ou a contribuição
daqueles mais “experientes” na profissão.
Para ter clareza de que concepção de escola cada um defende é forçoso esclarecer:
Que tipo de escola queremos? Que alunos queremos formar? Que educadores queremos ser?
Que cultura pedagógico-curricular queremos construir?
A busca por responder a estas questões permitirá identificar qual é a concepção de
educação, de currículo, de ensino e de aprendizagem que legitima a formação de alunos que
estejam preparados para atuar em todas as situações da vida, e não somente para prestar o
vestibular. A escola organizada por séries, cabe de novo perguntar, permite oferecer uma
educação que tenha esse objetivo priorizado?
Nesse sentido, a desigualdade social deve ser compensada no interior da escola e
da sala de aula, com a utilização de recursos pedagógicos que venham a favorecer as
oportunidades, oferecendo uma educação de melhor qualidade a todos os seus alunos.
69
2.2.2 A escola organizada por ciclos: proposta inovadora de flexibilização do tempo e do
espaço escolar
O fato de dizer que se é contra a escola organizada por ciclos, ou a favor dela, sem
conhecer os princípios de suas concepções é um lapso por parte de quem diz fazer parte do
sistema educacional. O mesmo se com dizer que o motivo de os alunos não estarem
aprendendo seja a implantação da escola organizada por ciclos.
Será que o fato dos índices de alunos, passando de um ano para outro do ciclo,
sem aquela aprendizagem esperada pelo professor, não está denunciando a qualidade do
ensino que estão recebendo?
Na escola organizada por séries, se o aluno não aprendia, bastava reprová-lo, e o
problema estava resolvido. Hoje, com a escola organizada por ciclos, a preocupação está
centrada em oferecer diversas possibilidades de aprendizagem a cada alunos. Portanto, é
urgente que se aprenda e(ou) reconheça que não é mais possível pretender que a turma seja
homogeneizada. Pelo contrário, é necessário aprender a lidar com a heterogeneidade.
Essa inquietação teve início n década de 1960
24
, por meio de medidas oficiais que
vieram contribuir, timidamente que seja, com a flexibilização dos currículos propostos para a
escola primária.
Depois de mais de cinco décadas, e após várias tentativas de mudar os rumos da
educação, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 32, mediante redação
dada pela Lei 11.274/2006, amplia o ensino fundamental de oito para nove anos, sendo
facultado aos sistemas de ensino, o desdobramento do ensino fundamental em ciclos.
Que significa desdobrar o ensino fundamental em ciclos? A princípio, é bom
frisar que os ciclos são uma maneira de organização do tempo e do espaço escolar, trazendo
implicações no modo de organizar o ensino, a aprendizagem, a avaliação, a relação professor -
aluno, as relações na escola e entre escola e família. Não é portanto, método ou sistema de
ensino.
Dado que a escola organizada por ciclos, instala novas relações em todos os
aspectos do currículo, é ela assumida aqui como inovação, hábil para aportar mudanças
efetivas na prática docente. Mas por que considerar a escola organizada por ciclos inovação?
24
Para saber mais: Barreto e Mitrulis. Estudos Avançados. vol. 15, n. 42, mai/ago, 2001.
70
Mainardes ilumina que, na década de 1980, o Ciclo Básico de Alfabetização
“emergiu como uma proposta política inovadora no contexto da redemocratização do país
[...]” (2007, p. 114), após o regime militar. A introdução do Ciclo Básico, que, inicialmente,
atendia aos dois primeiros anos do ensino fundamental, foi uma experiência relevante para a
educação brasileira, no pensar do autor. Sobretudo por que introduziu mudanças em várias
redes de ensino, o que contribuiu para à criação de políticas de ciclos mais abrangentes e
consistentes, a partir da década de 1990, daí se estendendo a todo o ensino fundamental.
Foram rias as tentativas de superação da escola seriada no Brasil. Além da
primeira geração de inovação relacionada com o Ciclo Básico de Alfabetização, Gomes
(2004) recorda uma segunda geração, que se relaciona com a Escola Plural, de Belo
Horizonte. Histórias estas que abriram caminho para outras inovações.
Como terceira geração de inovações tendente a desseriar o ensino, pode-se
considerar a escola organizada por ciclos, afirmam Barreto e Mitrulis (2001). Na senda
dessas, autoras, os ciclos presentes nos ensaios de inovação têm ganho crescentes adeptos em
razão da forma de organizar os tempos e espaços escolares que envolvem os diferentes atores
sociais.
Os ciclos também constituem nova concepção de escola para Krug (2001, apud
FREITAS, 2003, p. 54), uma vez que eles encaram a aprendizagem como direito à cidadania.
Arroyo nos diz que toda “inovação educativa tem de começar por rever nosso
olhar sobre os alunos” (2004, p. 56). Com base nestes estudos, entendo que a escola
organizada por ciclos é proposta de inovação pedagógico-curricular, tendo em vista que
requer novo olhar sobre os tempos e espaços da escola.
No tocante de Freitas (2003), os ciclos contrariam a lógica da escola seriada e sua
avaliação. Elucida que isso basta para serem apoiados, por marcarem novo articulador para
os tempos e espaços da escola, baseado no desenvolvimento dos alunos e em sua vivência.
Este autor ainda afirma que os ciclos comportam um claro avanço em relação à
proposta conservadora da seriação, e que os esforços para avançar na direção de ampliar o uso
dos ciclos devem ser meta de todos os gestores e professores, visando à criação das condições
necessárias a seu desenvolvimento.
Fernandes também contribui com essas discussões e discorre que pensar a escola
em ciclos significa pensar uma escola diferente daquela que se conhece: “uma escola
possível” (2007, p. 95). Pensar uma escola possível, como a organizada por ciclos, é
“reorganizar, ressignificar, replanejar e, por que não, reinventar as questões relativas à
organização e à dinâmica da escola”. (ibid, p. 96)
71
Os ciclos, portanto, vêm alterar os tempos e espaços da escola, em uma visão
crítica das finalidades educacionais da escola. Eles estão organizados a ultrapassar as séries
anuais e, principalmente, representam “uma tentativa de superar a excessiva fragmentação do
currículo que decorre do regime seriado durante o processo de seriação”. (BARRETO e
MITRULIS, 2001, p. 01)
Nesta perspectiva de considerar a escola organizada por ciclos inovação, não
significa que inovar, para mudar a prática, seja tarefa fácil. Isso porque esta mudança supõe
transformação ideológica, moral e cultural, que se fazem presentes ou ocultas no dia-a-dia do
docente. É prudente assinalar que implementar inovações nas práticas pedagógico-
curriculares é muito mais que propor inovação por inovação, que renovar o discurso. Fischer
(2004, p. 38) robustece essa idéia: para implementar inovações, demanda a cada sujeito da
educação uma “escuta sensível desses principais protagonistas em seus tempos internos e
externos e também uma compreensão da vida, com suas ambigüidades e contradições”.
Freitas (2004) enfoca que, do ponto de vista político e ideológico, a proposta de
ciclos é herdeira de uma postura progressista, que concebe a escola como espaço
transformador e que, para tal, deve ser igualmente modificada em suas finalidades e em suas
práticas, em seus espaços de gestão e em seus tempos de formação. Vale reforçar: uma escola
que pretende formar alunos que atuem na vida de maneira transformadora, deve oferecer
espaço e ações propícios a isso.
Assumir a escola organizada por ciclos significa que a experiência docente deve
ser substituída, recriada. Essa reconstrução da prática é trabalhosa e conflitiva, em decorrência
dos elementos oriundos da cultura herdada que cada profissional possui. Neste caso, é
possível mudar essas condições, mas os resultados não aparecem de imediato, e sim após um
tempo considerável que permeia processos de desequilíbrio e equilíbrio diante das novas
práticas.
Gather Thurler (2001) desafia que os ciclos partem da idéia que um ano letivo não
permite aos alunos constituir as competências necessárias que se inscrevem em um processo
de aprendizagem em um prazo maior. Daí complementa:
A ruptura proposta pela reestruturação da escolaridade em ciclos de aprendizagem
visa a adotar uma visão muito mais global, preocupada com o desenvolvimento do
aluno a longo prazo, permitindo-lhe progredir de maneira não-linear, em função de
dispositivos de aprendizagem concebidos de modo a favorecer a construção de
competências amplas e essenciais. (GATHER THURLER, 2001, p. 37)
Nesta nova concepção que considera os percursos individualizados dentro de um
espaço-tempo diferenciado do habitual o ciclo –, é oferecida aos alunos a oportunidade de
72
trilhar diferentes percursos e participar de situações de aprendizagem construídas e
combinadas com vista a permitir que cada um expresse seu potencial.
Tendo em vista, a compreensão de que os alunos não aprendem no mesmo ritmo,
que não possuem desenvolvimento homogêneo, procura-se, nos ciclos, garantir que a
aprendizagem ocorra de tal modo que cada um seja autor
25
e ator
26
de sua história.
Essa história, construída mediante a escola organizada por ciclos, tem como
alicerce as bases da aprendizagem por meio de agrupamentos. Mesmo o professor exercendo
a mediação, a interlocução que instiga, provoca, informa, compartilha conhecimentos, os
estudantes passam a aprender também com seus colegas, pois um pode ajudar o outro a
avançar, a ajudar o outro a fazer o que sozinho, naquele momento, ele não esteja conseguindo,
aborda Sampaio (2007).
À escola organizada por ciclos cabe, segundo Krug (2007), a responsabilidade de
promover atividades diversificadas e desafiadoras que provoquem a curiosidade. Mais que
isso até: que dêem ensejo a aprender a trabalhar em equipe, a dialogar, a levantar hipóteses na
construção do conhecimento, a argumentar, ou seja, a oferecer uma educação de qualidade a
todos os alunos, com nova modalidade de trabalho, mais flexível, que atenda às necessidades
dos alunos.
Outro ponto importante é o que Weisz (2003) destaca quanto ao ensino e que se
encontra presente na origem da escola organizada por ciclos: esse processo passa a ser visto
pelo ponto de vista do que cada educando sabe. O aluno é entendido como alguém que sabe
alguma coisa. Diante desse conhecimento que o aluno tem, desdobram-se os esforços para que
o ensino e a aprendizagem ocorram.
Na trilha franqueada por Pérez Gómez, o aluno chega à escola com influências
tanto da cultura familiar, bem assim com fortes influências da cultura local, regional,
nacional, internacional e, por isso, ressalta o autor que “a vida na aula deve ser interpretada
como uma rede viva de troca, criação e transformação de significados” (1998, p. 85).
25
Muito apropositado recorro ao sentido etimológico propiciado pelo termo autor. A bem dizer, pinçando o
grego de sua origem, autor é o que produz, o que gera, o que faz nascer. Portanto, à luz da escola organizada por
ciclos, o aluno se faz agente, direcionador de seus atos, pessoa competente e responsável para ditar os próprios
atos e trilhar a estrada que, a seu critério, escolhe. Em suma, autor corresponde a criador, aquele que detém a
patente de uma invenção. Bem por isso, autoridade, palavra associada a autor, é a pessoa com direito-poder de
decidir, não sem frisar que esta superioridade, em relação aos demais, deriva desse status. A ela se atribui ou
deveria ser atribuído – reconhecido mérito.
26
De igual importância é o termo ator. Ator é o agente do ato concebido pelo autor. Aquele que atribui
significado, que utiliza-se de recursos afetivos, cognitivos e atitudinais para praticar a ação. À escola organizada
por ciclos, o aluno é aquele que faz escolhas, toma decisões frente às diversas situações de aprendizagem. Fato
este, que faz com que autoridade a ele concendida, seja vivenciada.
73
O ensino na escola organizada por ciclos, nesse enfoque, encaminha para orientar
a formação dos alunos por meio de instrumentos que estimulem uma aprendizagem
significativa, cimentada no próprio contexto vivido por eles.
Deste modo, o ensino, segundo rez Gómez (1998), concebido como caráter
subjetivo, mutante e criador das variáveis que configuram a vida da aula, deve oferecer um
espaço de vivências compartilhadas, de busca de significados, de produção de conhecimento e
de experimentação na ação. Tendo essa base construída, resta dizer que, no momento em que
as escolas organizadas por ciclos derem conta de oferecer um ensino com estas características,
estará consolidando um currículo emancipatório e formativo.
Os pais, nessa escola, o considerados membros importantes para o sucesso da
aprendizagem do educando. A eles também cabe a função de acompanhar o desenvolvimento
escolar de seus filhos no decorrer do ano letivo, ser participante ativo das reuniões e dos
eventos que ocorrem no espaço escolar, e, ainda, incentivar seus filhos na participação ativa e
na freqüência às aulas.
Ponto que merece ser destacado e que mexe com muitas opiniões é quanto à
maneira de organizar os alunos nos anos do ensino fundamental. A pedagogia propõe criar
novas estratégias educativas. Pontifica Arroyo: “Na base dessas estratégias educativas está o
reconhecimento da existência de uma especificidade das idades da vida, de uma diferenciação
entre o mundo infantil e adolescente e o mundo adulto” (2004, p. 201).
Parece ser consenso, entre sociólogos e historiadores, constituir e legitimar o
tempo da infância e da adolescência como fonte para repensar os tempos escolares na
perspectiva de construir novas formas de organização do trabalho docente. Com isso, novos
comportamentos e estratégias educacionais necessitam ser recriadas para que inovadora
cultura seja introduzida na organização dos conteúdos, no ensino, na aprendizagem, na
avaliação, no trabalho por meio de agrupamentos.
O estudo do tempo, nesta perspectiva, acarreta grande importância pelo fato de
resultar em busca de novas formas de compreender e viver os tempos da vida e da escola, que
hoje, no mundo em que vivemos, não podem ser vistos dissociados.
Para Freitas (2003), os ciclos não podem ser encarados como mera “solução
pedagógica”. Os tempos e espaços, nesta maneira de organizar a escola, devem ser colocados
a serviço de novas relações entre o estudante e o professor, propiciando a tarefa de formar
para a vida.
Se se partir do princípio da construção da escola organizada por ciclos como uma
escola democrática, inclusiva, que considera as infindáveis possibilidades de aprendizagem
74
pelos alunos, a concepção de avaliação será que todos os alunos são capazes de aprender mais
ainda. Que as ações educativas, as estratégias de ensino, os conteúdos das disciplinas serão
planejadas de tal modo que contemplem as infinitas possibilidades de os alunos aprenderem.
Nesta direção, a avaliação é concebida como parte do processo de aprendizagem,
instrumento utilizado para melhorar o ensino, para tomar decisões, para saber o que o aluno
aprendeu, intentando investir em novas aprendizagens para levar o professor a realizar
intervenções problematizadoras, com o objetivo de que avancem, de modo significativo.
Sendo assim, tal proposta permite dizer que os alunos passam a ser vistos como
sujeitos de sua aprendizagem, pois lhes é dada a oportunidade de aprender a seu tempo, ao
mesmo momento em que a escola não perde de vista seus objetivos, buscando propor um
currículo que atenda à sua demanda. Em adendo, o objetivo dos ciclos, além de valorar as
experiências locais dos educandos, considera as aprendizagens que irão prepará-los para a
vida.
A organização da escola por ciclos permite a seus professores, segundo Gather
Thurler (2001), assumir coletivamente a responsabilidade da progressão dos alunos
pertencentes ao ciclo e a estabelecer os dispositivos de aprendizagem mais coerentes e mais
eficientes, de acordo com os objetivos propostos.
Cuida-sede fator muito importante, visto que encaminha os professores a
desenvolver novas formas de trabalho e a assumi-las coletivamente, na busca de atender à
heterogeneidade existente entre os alunos.
A relação entre professor e aluno é de respeito e de cumplicidade. O professor
passa a ouvir o que o aluno tem a dizer e planeja suas atividades com base no conhecimento
prévio que ele traz à escola, pois o considera sujeito sócio-histórico-cultural, capaz de
transformar as relações em seu redor.
O novo enfoque pedagógico-curricular proporcionado pelos ciclos leva os
professores a declinar novo olhar sobre sua atuação. O aspecto da individualidade, que os
torna os únicos responsáveis por seus alunos, no período do ano escolar, é transformado na
idéia de que, a partir de então, são responsáveis a responder pelo progresso dos alunos que
fazem parte do ciclo.
Isso não significa que todo professor deva ensinar pessoalmente a uma centena de
crianças que participam do ciclo. Em contrário, cabe-lhe participar das decisões que os demais
professores e equipe pedagógica tomarão para desenvolver melhor o processo de ensino e de
aprendizagem, para explorar melhor as competências e os recursos existentes. Enfim, para o
máximo de apoio que os alunos necessitam.
75
Significa que os professores que fazem parte da equipe responsável pelo ciclo parem
de considerar seu grupo-classe como um navio no qual eles são o único dono a
bordo, que aceitem não ter mais seus alunos e compartilhem a responsabilidade do
todo com vários colegas, de tal sorte que os grupos se recomponham segundo os
objetivos visados. (GATHER THURLER, 2001, p. 38)
Olhar profundamente a concepção da escola organizada por ciclos possibilita ver a
complexidade pela qual os processos de ensino e de aprendizagem são constituídos. Sampaio
(2007) afirma que pensar esses processos, na perspectiva da complexidade, implica aprender a
lidar com a incerteza, com a dúvida, com a provisoriedade de muitas de nossas
incompreensões, assim como com a possibilidade de nem tudo ter explicação imediata.
Se as explicações, os resultados esperados não se apresentam instantaneamente,
está em tempo a oportunidade de investir na construção de novas crenças, valores e atitudes
em favor de nocautear as dificuldades encontradas e de fortalecer o trabalho desenvolvido no
interior das escolas para a construção de nova organização do ensino.
O lado positivo, talvez o mais desafiador, seja o fato de que isso impõe promover
um trabalho em equipe na escola, a fim de, quando as dificuldades forem aparecendo, um
possa apoiar-se no outro para seguir em frente. Exercitando-se assim,
uma prática pedagógica mais dialógica, de forma que possamos, de modo
compartilhado, refletir, duvidar, estudar, indagar sobre o vivido cotidianamente na
escola, buscando ampliar e complexicar nossas compreensões para criarmos
alternativas e intervenções pedagógicas favoráveis à aprendizagem de todos os
alunos e alunas. (SAMPAIO, 2007, p. 74)
Neste caso, serão sanadas as dúvidas e o grupo se tornará forte e consciente da
necessidade de continuar persistindo na crença de que é possível avançar com a escola
organizada por ciclos. Para que esse avanço ocorra, é preciso participação ativa e
compromisso de cada membro da escola e(ou) da gestão com esse projeto de escola.
Os ciclos somente se tornarão realidade nas escolas quando forem assumidos
como forma de resistência à estrutura excludente e de subordinação da escola, diz Freitas
(2004). E como resistência, não se pode esperar que todos os problemas sejam resolvidos de
imediato. Pelo contrário, devem servir para mobilizar a escola e a comunidade em favor da
construção de um currículo comprometido com o ensino.
76
Bauman enfatiza que “não solução individual para problemas coletivos” (apud
FREITAS, 2004, p. 31). Sendo assim, se o que se quer é construir nova maneira de organizar
a escola, por meio de ciclos, a luta deve continuar com esforços coletivos, em que a
participação de cada um é o ponto principal para promover os pequenos avanços que
ensejarão inovações curriculares e, assim, a mudança na prática docente.
PARTE III
Organização e análise dos dados
Para organização dos dados, a primeira atitude tomada foi fazer várias leituras
sistemáticas do que se refere às narrativas elaboradas pelos sujeitos desta pesquisa, assim
como das observações realizadas na sala de aula de cada sujeito, com a transcrição e leitura
minuciosas das entrevistas.
Após o término deste processo, o trabalho se deu com cada instrumento
separadamente, a partir da seleção dos pontos mais relevantes que franquearam os indicativos
do processo de constituição de práticas pedagógico-curriculares dos professores, bem como
quais mudanças têm sido evidenciadas na construção de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras.
Depois destes dois momentos, procurou-se elaborar as categorias de análise, que
surgiram a partir das recorrências que foram identificadas como mais relevantes.
Tendo em mãos as recorrências de cada instrumento e as categorias já definidas, o
passo seguinte foi sistematizá-las de tal forma que as categorias dessem origem às
subcategorias.
O levantamento das categorias de análise surgiu a partir da questão orientadora da
pesquisa, assim como das questões secundárias que se constituíram a partir desta. Em seguida,
ele se concretizou quando da leitura sistemática dos dados coletados com os sujeitos da
pesquisa, pois na pesquisa de natureza qualitativa, de acordo com o que diz Minayo (1994),
trabalha-se com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.
Isso corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que
não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Bogdan e Biklen (1994) inferem que as características da pesquisa qualitativa
permitem que o significado seja de grande importância, porque revelam os modos pelos quais
as diferentes pessoas dão sentido às suas vidas. Em acréscimo, faz parte do propósito dessa
78
investigação compreender quais mudanças ocorrem na cultura pedagógico-curricular dos
professores.
A partir desta noção da totalidade dos dados, ficaram evidentes três grandes
categorias que se subdividem em suas respectivas subcategorias, caracterizando os dados
contidos nos instrumentos de pesquisa e que deram consistência e coerência à sistematização
desta investigação.
3.1 Elementos da cultura herdada na constituição de práticas pedagógico-
curriculares.
3.2 Elementos da cultura que dificultam a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras.
3.3 Elementos da cultura que favorecem a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras
Neste momento, parte-se à análise dos dados intentando apreender que mudanças
ocorrem na cultura pedagógico-curricular dos professores, com a implantação da escola
organizada por ciclos.
3.1 Elementos da cultura herdada na constituição de práticas pedagógico-curriculares
Ao utilizar o termo herdada, para falar de cultura, procura-se atribuir-lhe o sentido
de algo que se obtém ou se recebe por transmissão, quando não algo que se constitui com o
tempo por meio da vivência e da troca de experiência e que, por determinado período, faz
parte do cotidiano e das decisões que se toma, até que novos conhecimentos passem a ser
considerados como legítimos e(ou) mais apropriados para resolver as situações problema do
dia-a-dia.
Quando se fala em cultura herdada na constituição de práticas pedagógico-
curriculares, utiliza-se esse termo por acreditar que a cultura pedagógico-curricular do
professor se constrói por meio de costumes, hábitos, valores, idéias, funções e interesses,
presentes em suas práticas.
Como esses elementos são construídos e reconstruídos pelas oportunidades que
são vivenciadas no decorrer da vida, o primeiro contato com o processo de escolarização se dá
ainda quando se iniciam os estudos na escola primária.
79
Essa vivência deixa marcas que podem ser reconhecidas nas atitudes que se vão
assimilando ao longo do processo, nos valores arraigados que se tornam modelos vivos no
exercício da profissão docente, antes mesmo de uma preparação formal.
Dessa forma, os indivíduos põem-se a reproduzir, na íntegra ou em parte, esses
conhecimentos que fazem parte de sua história de vida, ou seja, herdam-se determinadas
atitudes e valores que julgam ser os mais adequados para um período específico, até que
novas aprendizagens passem a fazer parte das ações e tomadas de decisão.
Diante disso, os estudos de Tardif afirmam que
Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõem-se que o futuro professor
interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de
valores, etc [...] longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula,
decorreriam em grande parte de preconcepções do ensino e da aprendizagem
herdadas da história escolar. (TARDIF, 2002, p. 72)
Isso não significa que esse olhar, desde o processo de escolarização do professor,
seja imitação ou reprodução do que faziam seus antigos professores, mas parte constitutiva
das atitudes e estratégias vividas, sentidas e postas em prática em determinado momento de
sua atuação.
Essas preconcepções abordadas pelo autor se constroem e se desenvolvem num
processo que compreende a história de vida do professor, na qualidade de aluno da escola
primária; as lembranças da trajetória anterior ao início da carreira, oriundas das tradições e
rotinas escolares de seus professores; e as trocas de experiências com os colegas mais velhos
de profissão. Tudo isso dá sentido à sua prática em sala de aula no início da carreira.
3.1.1 Traços da cultura que marcam o início da carreira do docente
O primeiro contato com a escola jamais se faz esquecido. Passe o tempo que
passar, as lembranças da primeira professora, dos primeiros anos de escolarização são para
sempre guardadas na memória, sejam boas sejam ruins.
Como o professor, antes de tornar-se professor, primeiro foi aluno, os dados
coletados mostram algumas lembranças que mais marcaram a vida dos sujeitos desta pesquisa
como aluno da escola primária e que, de uma ou outra maneira, fizeram parte de sua atuação
no início de sua carreira.
80
Algumas recordações são evidenciadas, por trazerem marcas positivas e(ou)
negativas de um passado vivido e sentido de modo significativo ou lamentável.
Minha professora [...] eu tinha muita afinidade por ela, nas aulas eu era sua ajudante
e para mim era um prazer [...]. (Elen – NE)
[...] Tive boas relações como também más. Professores que nem se quer disfarça a
falta de simpatia pelo aluno, e o aluno pelo professor [...]. (Elen – NE)
A fala da professora Elen demonstra que, ao ser ajudante de sua professora, foi se
apropriando dos conhecimentos da docência, do jeito que sua professora atuava em sala. Ela
agia para ajudá-la. Tanto que diz: sua paixão pela área da educação era tanta que, quando ia à
casa de uma tia, “ajudava ela a dar aula [...] eu sempre dava conta do recado”.
Em sua narrativa oral, a professora Elen afirma que se espelhava na postura de
seus professores em sala de aula, pois era essa a bagagem que tinha no início da carreira: “[...]
a gente se espelhava mais na postura na frente na sala, como agir, até mesmo de autoridade,
um ser importante na sala. Porque a gente via nossos professores assim dessa maneira, então
era assim que eu me via lá na frente [...]”.
Ainda nas narrativas escritas, a professora Elen evidencia que, até nos dias atuais,
busca contribuições nos colegas de profissão: “[...] em minhas angústias tento trocar idéias
com minha companheira Fernanda [...]”. E em um dos momentos de observação nas aulas da
professora Elen, durante o recreio, foi possível constatar que isso ocorre com freqüência.
Mesmo que a distância, foi possível acompanhá-la conversando com uma professora do
período matutino que estava entusiasmada com a atividade que estava desenvolvendo. Ouviu
sugestões de como a outra está encaminhando o trabalho.
Observa-se então que, mesmo depois de longa história de formação, o professor
ainda busca, nos colegas de profissão, exemplos e(ou) idéias para referenciar a prática.
Marcas também persistem das lembranças de como as professoras ensinavam com
suas características próprias, despertando nos alunos o gosto por ouvir histórias.
Gostava muito das historinhas, lendas e contos lidos ou contados pela professora.
(Fernanda – NE)
a professora da série, ela gostava de contar histórias entre elas me recordo a do
“Patinho Feio” e do “Barba Azul”. (Julia – NE)
Fernanda e Julia também ensaiaram aspectos da prática que foram tomados como
ponto de partida, as experiências docentes de seus professores na educação primária. Buscar
na memória também faz parte da história de muitos alunos que passaram pela escola primária.
Por ser atividade sempre utilizada em sala que são os pequenos textos como
cantigas, poesia, versos, parlendas e adivinhas, propus trabalhar com os alunos este
conteúdo e esperava que iria despertar no aluno o gosto e o interesse de colocar em
jogo suas hipóteses de leitura e escrita, e realmente aconteceu [...] Eu vejo assim,
81
uma coisa meio que tem ligação com a outra, porque a questão das lendas, dos
contos, das brincadeiras, já existia naquele tempo. (Fernanda – NO)
Bem, como naquele relato que eu falei com você, a série a professora que
contava histórias, né? Então eu gosto de contar histórias pra eles, e, às vezes eu tento
dramatizar um pouco, fazer suspense em contar história ... acho que a única coisa
que eu guardei dessa época que eu guardei e uso até hoje. (Julia – NO)
Segundo elas, os momentos de leitura até hoje fazem parte do dia-a-dia do
docente, hoje com um olhar mais abrangente, como o fato de despertar nos alunos o gosto e o
interesse em colocar em jogo tudo o que sabem, tendente a que se desenvolvam.
Nas observações realizadas nas salas desses sujeitos, pode-se verificar que a
atividade de leitura é uma atividade permanente.
1º dia: a professora fez uma leitura para dar continuidade a aula: Vida de passarinho.
dia: A professora fez a leitura do texto: MORTO DE PREGUIÇA (assim que a
professora leu o título, os alunos já foram antecipando o que iria trazer o texto).
dia: Ela leu então o texto: A COBRA. Depois da leitura, todos cantaram o texto
que era a letra de uma música que todos sabiam de cor: A cobra não tem pé ....
(Fernanda – observação)
A professora trouxe um texto informativo aos alunos, relacionado ao tema em
estudo e ao que os alunos queriam saber sobre os piolhos. Durante a leitura, a
professora ia trazendo as informações de acordo com a curiosidade dos alunos e
buscando a participação deles para discussão e compreensão do tema. (Julia
observação)
Essa atitude das professoras, sujeitos desta pesquisa, contribui para a formação de
um sujeito leitor. Pode-se afirmar isso, pelo que relatam as professoras sobre os momentos
prazerosos de leitura que tiveram, enquanto ainda eram alunas, na escola primária. O detalhe
importante desse tipo de atividade é que, ao demonstrar-se leitor, o professor promove uma
forma de estimular os alunos a ser leitores.
Outro fator que marca outra prática da docência é a presença da “Cartilha” em
sala de aula.
O dia que eu recebi minha cartilha “Caminho Suave” fui embora eufórica [...]. (Elen
- NE)
Fui alfabetizada pela cartilha Caminho Suave. Nas séries posteriores, também os
livros didáticos eram ou foram Caminho Suave. Trabalhavam-se os textos, fazendo
leitura e interpretações do próprio livro; trabalhavam-se também as ortografias e as
gramáticas. [...]. Nesta época também havia muitos castigos para os alunos que não
aprendiam as lições. Fiquei muitas vezes de castigo. (Fernanda – NE)
[...] fui alfabetizada pela famosa cartilha “Caminho Suave”. Recordo-me bem
daqueles desenhos que traziam consigo as vogais e na seqüência as famílias
silábicas. Lembro-me das lições que tínhamos de estudar em casa, porque no dia
seguinte a professora iria tomar leitura individual. Outro fato marcante era o tal
exame de leitura, que ao chegar ao fim do ano a equipe da inspetoria de ensino ia à
escola fazer o teste de leitura. Na ocasião passava de série, quem sabia ler. [...].
(Julia – NE)
Algo em comum na história de vida de muitos alunos, incluindo os sujeitos
desta pesquisa. O primeiro livro: “Caminho Suave”. Para aprender, era necessário decorar e
recitar à professora as sílabas relacionadas com a lição da barriga, do cachorro, do dado e
82
assim por diante. Quem não se lembra? Os textos trabalhados eram aqueles que o livro
didático trazia, dele também era realizada a interpretação do texto do tipo: Bia é a babá do.....
Bebê. Muito bem! Ortografia e gramática também não podiam faltar, principalmente os
exercícios de separar sílabas, ligue, complete com BA, BE, BI, BO ou BU. Não se pode
deixar de lembrar o momento da leitura, pois, a qualquer hora, a professora iria “tomar
leitura” dos alunos, e quem não soubesse as sílabas ou as palavras da lição ficaria de castigo.
Tardif (2002) faz uma busca relevante em rias literaturas, entre elas Carte &
Doyle, 1996; Raymond, 1998 e 1998ª; Wideen, Mayer-Smith & Moon, 1998. Afirmam que
“uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre papéis do professor e sobre
como ensinar provém de sua história de vida, principalmente de sua socialização enquanto
alunos” (2002, p. 68). Isso produz no docente uma bagagem de conhecimentos, crenças,
representações e certezas que vai acompanhá-los no curso de sua história de vida.
Observa-se que, num passado não muito distante, o que prevalecia era o resultado
do processo ensino-aprendizagem, como se isso fosse imediato: ensinou-se, aprendeu-se. O
processo de construção de conhecimento do aluno não era valorizado. Tinha-se um tempo
para aprender. Caso chegasse ao final do ano e não soubesse ler, escrever e dominar as quatro
operações, no mínimo, estava o aluno novamente cursando a mesma série, como se ele não
tivesse aprendido nada durante aquele ano todo.
Vejo que minha aprendizagem cognitiva era acima de tudo o processo fundamental,
medidos em determinados momentos, por meio de avaliações terroristas, na qual
media somente a minha aprendizagem e não o que era, e como era passado para mim
[...]. (Elen – NE)
[...] você tinha lá uma nota vermelha, ela já reprovava [...]. (Julia – NO)
[...] Aquela prova, a questão da nota, eu digo assim, porque se avaliava uma coisa e
deixava outra.[...]. (Fernanda – NO)
O processo de desenvolvimento individual não era levado em conta. Todos teriam
que aprender ao mesmo tempo, pois, se houve ensino, teria que haver aprendizagem. As notas
de zero a dez ou de E a A eram definidas em vermelhas ou azuis, para classificar e medir
quanto sabia cada um.
Acredita-se que a interiorização dessas formas de conduta é o princípio da
aquisição de modelos vivos da cultura docente.
Segundo Arce, “desde que os professores começam a trabalhar, começam também
a recordar vivências e recuperar condutas, atitudes e métodos de ensino e avaliação que
consideram válidos, e os põem em prática”. (1996, apud HENRIQUES, 2002, p. 123)
83
Nessa época, esses fatores, por serem os que estavam ao alcance do conhecimento
de que necessitava um professor para exercer a profissão de docente, naquele momento era o
suficiente, pois não havia profissional qualificado.
[...] entrei crua, sem orientação nenhuma. Eu entrei com a cara e a coragem, porque
até na questão da atribuição de aula, a gente pegava aquelas aulas pingadas [...].
(Elen - NO)
Minha experiência no início da carreira foi boa, mas sempre difícil. Meu ingresso na
profissão docente foi por necessidade de continuar a estudar. Estava cursando a
série [...]. Mas para estudar tinha que estar em sala de aula lecionando. [...].
(Fernanda – NE)
Não houve tempo para eu me preparasse para ser professora. Fui convidada pela
direção na época que iniciei (1990). Mas, a partir do momento que comecei,
procurei me espelhar nos professores mais experientes da escola. (Julia – NE)
Os sujeitos, depois de buscarem na memória as lembranças que mais marcaram
sua experiência na escola primária, na condição de alunas, mostram que não tiveram tempo
para se preparar para ser professoras. Segundo elas, essa preparação veio no exercício da
própria profissão. Todas elas com características idênticas: não havia professores qualificados
para assumir as aulas. Sendo assim, a atuação estava baseada nas lembranças de quando eram
alunas, na atuação de seus professores.
Nesta perspectiva, quando os sujeitos se dispõem a lembrar de seu passado,
começam a refletir sobre fatores que constituíam e fundamentavam o trabalho de seus
professores, como também sobre como foi seu processo de ensino e de aprendizagem, e
demonstram, por meio de suas lembranças à interiorização de formas de conduta, as crenças e
as atitudes assimiladas ao longo desse processo.
No entanto, refletir sobre esse percurso não é algo tão simples, pois, para chegar a
esse entendimento, os docentes precisam construir um olhar de fora do exercício de sua
profissão. Olhar esse que possibilita um processo cognitivo que enseja verificar as influências
e as dimensões que esta época trouxe à constituição de sua cultura pedagógico-curricular.
Um aspecto abordado por Pérez Gómez (2001), e que merece ser lembrado aqui,
refere-se à natureza do conhecimento especializado que proporciona aos professores o
sentimento próprio e o reconhecimento de pertencer ao grupo profissional e legítimo com
autonomia para intervir neste campo específico. Ou seja, com autonomia para atuar como
profissional, alicerçado num conhecimento que foi acumulando por meio da transmissão de
geração a geração, e do contato com as práticas especializadas de seus professores,
Para lecionar, não precisava muita preocupação. Bastava listar os conteúdos que
iria trabalhar durante o ano letivo e seguir o livro didático, página a página. A crença que era
assim que se ensinava, e assim se aprendia, era o que se levava em conta.
84
[...] nessa questão do pedagógico em si, dos conteúdos, eu também me espelhava
muito neles. Nessa questão de questionário também. Tudo o que faziam comigo, eu
fazia na época, porque eu acreditava que o ensino se dava da maneira que eu
aprendia. Então eu também fazia isso. (Elen - NO)
[...] anos atrás era assim, se eu fugisse do que estava programado ali, do
conteúdo, da cartilha padrão, do livro padrão, o aluno não iria aprender [...]. (Elen
NO)
[...] hoje eu não me prendo muito a livros mais, como na época eu me prendia, eu
era livrista, páginas, eu vivia em cima de páginas [...]. (Elen – NO)
A transformação de uma pessoa em professor comportaria, para Arce (1996, apud
HENRIQUES, 2002, p. 124), processos de identificação que levariam ao processo de
conversão de uma em outra, a partir de traços e características que imagina possuir um
professor. Não se muda o que não se conhece. Portanto a experiência que os docentes
contavam no início da carreira eram os modelos com os quais conviveram até então seus
professores da escola primária e(ou) secundária.
Nesse sentido, Sarmento vem complementar essa idéia ao especificar que à
[...] medida em que os professores possuem, desde o início do seu processo escolar –
portanto, desde a escola primária , modelos vivos de exercício da profissão, esse
processo de socialização é provavelmente mais longo e mais profundo do que
noutros grupos ocupacionais. Na verdade, ele começa muito antes de se ser
professor, quando o futuro profissional ainda é aluno, e percepciona de forma
concreta o que é ser professor e o que é ensinar. (SARMENTO, 1994, p. 56)
A disciplina é outro fator que não se apresenta como mero aspecto da profissão do
docente. Disciplina era sinônimo de silêncio na sala. Por meio dela, era mantida a vez e a voz
do professor. A disciplina servia para definir o lugar que cada um ocupa. O que importa é
estabelecer as presenças e ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as
comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de
cada um.
[...] na época que eu iniciei era tradicional mesmo o ensino. Quanto à disciplina, o
aluno não falava na hora que queria (pausa), assim como eu fui alfabetizada. Porque
nem toda hora é hora da gente estar falando. Tem que estar sempre ouvindo o
professor. Então na minha prática, eu acho assim, que uma das coisas que eu fazia
era estar podando esses alunos, na fala deles, no momento deles expor seus
conhecimentos. Então eu me espelhava neles nesse sentido de disciplina e tudo. Eu
era uma professora que mantinha a disciplina [...]. (Julia – NO)
Mesmo não concordando com a metodologia utilizada por seus professores, era a
que fazia parte do dia-a-dia do docente. Isso porque a tal cultura presente na formação
precária dos educadores não permitia que construísse autonomia de agir de modo diferente e
de tomar novas decisões, em virtude do que começavam a acreditar não ser o mais adequado
para os processos de ensino e de aprendizagem
[...] Teve tempo, teve época de eu chegar e pegar um conteúdo, uma avaliação e
olhar e dizer: - Mas, poxa! Essa criança sabe tudo e porque ela não fez isso? Olha a
nota desse cara! Aquela nota era a que valia como eu fui avaliada. (Elen – NO)
85
[...] porque a gente trabalhava com nota azul e vermelha. A gente os classificava por
número. (Julia – NO)
O conhecimento assim concebido, segundo Pérez Gómez (2001), perde seu valor
de busca e criação; e o profissional, sua autonomia em propor atividades realmente
educativas, distanciadas das meras exigências de uma cultura institucionalizada.
A falta da construção de nova cultura pedagógico-curricular dos professores, por
meio da autonomia pedagógico-curricular, faz com que, mesmo angustiados, os educadores
acreditem que esse é um processo natural.
Dentre os aspectos que constroem a cultura pedagógico-curricular do professor,
pode-se afirmar que essa construção necessita ser compreendida com base no contexto que
deixa marcas na atuação do docente e que faz parte de sua formação, como é o caso das
práticas pedagógicas cotidianas. Segundo Alves, “cada dia com uma ou muitas turmas vai
(vão) ensinando a cada profissional a ser professora e a cada aluno/aluna as possibilidades de
sê-lo”. (2002, p. 18)
Isso fica evidente nas palavras de Fernanda.
Eu alfabetizava com muita angústia. [...] Por exemplo, para o aluno aprender a ler,
era por meio da decoreba, mas o processo era aquele mesmo porque você não tinha
aquele conhecimento de como fazer. [...] antes era normal. A leitura, a escrita
(pausa) você não tinha metodologia diferenciada. (Fernanda – NO)
Imbernón (1994) questiona se existe um conhecimento profissional pedagógico
específico para a função do docente. Afirma, ainda, que o conhecimento utilizado pelos
professores é construído e reconstruído constantemente, durante a vida experiencial
profissional do professor em suas relações com a teoria e a prática. Com efeito, lembra que
este conhecimento não é absoluto e único, e se desenvolve gradativamente, fundado nos
movimentos dos professores com as relações estabelecidas entre as culturas.
Complementando essa idéia, este autor diz que o conhecimento do professor é
[...] parte del patrimonio cultural de una sociedad determinada y se traspasa, desde la
infancia, a las concepciones y acciones del profesorado. Los individuos adquieren la
cultura social de su entorno; lo hacen en el interior de un núcleo humano familiar y
también durante su socialización y si tránsito por la estructura del sistema educativo
y social. Lógicamente, este tránsito supone que los individuos son conocedores de
ciertas formas de la enseñanza, vivenciadas como alumnos e alumnas, y de sus
procesos y rutinas, lo que les permite, más tarde, en edad adulta, opinar sobre los
procesos educativos. (IMBERNÓN, 1994, p. 26)
Mesmo não sendo exclusivo, este fato, segundo Imbernón (1994), tem sido
reconhecido como parte integrante da função do docente e, assim, da cultura pedagógico-
curricular dos professores, no enfoque que este estudo pretende aflorar.
86
Parar para refletir sobre esses aspectos permite uma observação de que um dos
elementos que agrega o conjunto que dá vida à cultura pedagógico-curricular dos professores
é a herança do que os professores realizavam em sala, ainda na escola primária, e que os
futuros professores levam consigo e a em em prática nos anos inicias da carreira. Melhor
dizendo, as marcas que a tradição cultural deixa nos professores e que serviram de referência,
no início da carreira, para referenciar a prática, tornando-se traços da cultura do docente.
3.1.2 Os significados das recordações das vivências escolares
Por conta da democratização do ensino, a oferta por vagas para professores, para
atuar na educação, aumentou consideravelmente. Com esse aumento, surgiram alguns
problemas, dentre eles a ausência de profissionais qualificados.
Neste sentido, para garantir o acesso à educação de acordo com a procura,
passaram a ser contratadas pessoas que haviam estudado somente as séries iniciais do ensino
fundamental, como se de verificar no início da fundação de Carlinda, ainda quando distrito
de Alta Floresta. Minha própria experiência e a dos sujeitos desta pesquisa corroboram esse
fato.
Iniciei minha atividade docente apenas com a sétima série concluída, ao passo que
dois outros sujeitos o fizeram com a sexta série. Apenas um com o ensino médio concluído,
em área bem específica: Técnico em Saúde. Daí por diante, a formação específica à profissão
própria do docente de todo relegada, privilegiando atendimento ao crescente número de
alunos na escola.
A cultura constituída pelos professores se inicia com a vivência escolar que têm
como base a cultura de seus professores, o que atua como um dos componentes da cultura
pedagógico-curricular do professor.
Assim, a cultura pedagógico-curricular do professor passa a ser constituída desde
que os professores começam a trabalhar com as recordações de sua vivência escolar e se
prolonga por toda vida. Pérez Gómez afirma que os elementos dessas recordações “compõe
uma estrutura de poder, um equilíbrio de interesses sempre parcial e provisório” (2001, p.
87
164), definidos por características peculiares, de acordo com as interações que definem cada
contexto escolar.
A professora Elen relata na narrativa oral que “[...] se espelhava mais na postura
na sala, como agir [...]”. Isso porque, o que se tinha como referência para propor ao ato de
ensinar, eram as lembranças que se traziam dos professores, da época de alunos, e ainda, o
reflexo dos colegas que apresentavam certa experiência.
A cultura pedagógico-curricular do professor, vista por esse ângulo, pontifica que
é constituída de acordo com os estudos de Arce: “[...] por meio da assimilação e interiorização
de aspectos parciais ou totais de modelos de professores, com os quais se tem convivido e
conhecido na experiência escolar [...]”. (1996, apud HENRIQUES, 2002, p. 124)
Pode-se então perguntar: O que os professores da escola primária faziam que, em
algum momento, foi pego para referenciar a prática docente, no início da carreira? Os relatos
dos sujeitos revelaram vários momentos.
Um dos momentos evidencia uma prática não reflexiva, um fazer pelo fazer, pois
era assim que haviam aprendido. De outra parte, era assim que se ensinava.
É uma coisa assim, que depois de ensinada você já sabe fazer aquilo, é uma
referência do que já passou, ou boa ou ruim [...]. Por exemplo, a cartilha que era
usada a Caminho Suave, aquele ditado, aquele B A BA mesmo. [...] o aluno
aprendia, mas ele tinha aquilo como uma decoração. [...] Então eu vejo assim, eu
usei algumas coisas conforme eu fui alfabetizada, devido eu ter aprendido. E sabia
que era assim que fazia. [...]. (Fernanda – NO)
[...] era mais assim, mais corriqueiro, uma coisa por fazer mesmo. Aprendia, gostava
porque era o que tinha no momento [...]. (Fernanda – NO)
Pegava na mão, aquela coordenação motora [...] era mesmo sobe e desce, sobe e
desce, passava bolinha era dessa forma, aquela coordenação motora até determinava
período e tempo. Agora era período de coordenação motora. Não entrava em letrinha
de jeito nenhum. [...] depois era as vogais, a coordenação era com um olhar para
as vogais. O A, E, I, O, U com uma historinha de sempre para chegar aonde quer, as
letras, as vogais. A cópia, o ditado eram utilizados muito [...]. (Fernanda – NO)
Fernanda mostra que a cultura pedagógico-curricular do professor começa muito
antes de uma preparação formal, quando ele toma, inicialmente, para referenciar sua prática,
exemplos herdados de seus professores.
Nesse sentido, Arce (1996, apud HENRIQUES, 2002, p. 123) elucida que a
formação de professores não se apenas à preparação “formal” das escolas, mas também à
interiorização de formas de conduta, crenças, atitudes; enfim
a modelos de atividade docente assimilados ao longo do processo de socialização.
[...] desde que os professores começam a recordar vivências escolares e a recuperar
condutas, atitudes, métodos de ensino e avaliação que consideram válidos e os põem
em prática. (ARCE, 1996, apud HENRIQUES, 2002, p. 123)
88
A professora Elen privilegia em sua fala, que o ensino se dava da maneira que ela
aprendia. Por meio de questionários exaustivos que se tinha que decorar. Como ela havia
aprendido dessa maneira, era assim que ela ensinava quando ingressou a profissão.
[...] no início, foi a realidade que me fez ir preparando para tal função. (Elen – NE)
[...] nessa questão do pedagógico em si, dos conteúdos, eu também me espelhava
muito neles. Nessa questão de questionário também. Tudo o que faziam comigo, eu
fazia na época, porque eu acreditava que o ensino se dava da maneira que eu
aprendia. Então eu também fazia isso. (Elen – NE)
Outro ponto marcante era a idéia que se tinha de que o aluno vinha para a escola
como se não tivesse uma história de vida, como uma “folha em branco”, que precisaria ser
moldada. Nesse sentido, procurava oferecer aos alunos todas as informações de que ele
precisasse para responder aos questionários que eram passados, em vez de promover
momentos de pesquisa, de debate, de conclusões encontradas depois de uma longa jornada de
estudo para descobrir o significado da aprendizagem. Nesse lugar, [...] às vezes a gente dava
tudo pronto. Achava que o aluno não era capaz (Fernanda – entrevista).
[...] Não tinha esse negócio da realidade, coisas no concreto. Aprendia da forma que
a gente aprendia também, utilizava o mesmo processo, de quando eu fui
alfabetizada [...] tradicional mesmo, B A BÁ [...]. (Fernanda – NO)
A crença de que o aluno não é capaz de realizar atividades diferenciadas daquelas
trazidas pela cartilha dificulta a implementação de atividades inovadoras na ação do docente,
assim como o próprio desenvolvimento do aluno. E como a experiência que se tinha do ensino
era aquela como se havia aprendido, aquela herdada dos professores, socorria-se do mesmo
processo.
É possível compreender essas fases pelas quais passa o professor na constituição
de práticas pedagógico-curriculares buscando em Marcelo García (1999), quando, em sua
obra, destaca que é importante vê-las como fatores que fazem parte da evolução do
desenvolvimento profissional dos professores. Afirma-o recorrendo a Pickle (1985), para
quem a maturidade dos professores é atingida por meio de um processo que, além de passar
pela concepção técnica e instrumental, pela concepção científica ou filosófica, inicia-se com a
89
preocupação pela sobrevivência e pela imitação dos “superiores”, até que atinjam maior
compreensão de si mesmo e dos outros, e construam seu próprio estilo de desenvolvimento,
ou seja, a cultura do docente.
A história dessa formação também é marcada por momentos de interação entre os
pares, em que a troca de experiência passa a fazer parte do desenvolvimento de novas práticas
pedagógico-curriculares.
Durante o recreio, a professora conversa com uma professora do período matutino
que estava entusiasmada com a atividade que estava desenvolvendo. Ouviu
sugestões de como a outra está desenvolvendo seu trabalho na alfabetização. Depois
comenta que esses momentos de troca de experiências, no que diz respeito ao
planejamento de atividades desafiadoras, são muito ricos para a preparação de novas
atividades para os alunos. (Elen – observação)
O que pode fazer a diferença nesse processo são as interações profissionais, as
trocas de experiência, a ousadia em propor maneiras novas de pensar, de sentir e de agir na
sala de aula, e no modo de processar as informações e de tomar decisões.
Nesse sentido, a trajetória anterior à profissionalização, aqui denominada cultura
herdada, aporta em sua origem as raízes de uma história que foi criando significados ao longo
da vida, levando em conta, crenças, representações, hábitos de rotinas vividas. Segundo Tardif
(2002), tudo leva a crer que os saberes adquiridos neste percurso, quando da socialização
primária e escolar, têm um peso relevante na compreensão da natureza dos saberes
mobilizados e utilizados pelos professores quando do exercício do magistério.
A pesquisa de Tardif descortina que os saberes experienciais dos professores,
“longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam em grande
parte de preconcepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história escolar” (2002, p.
72).
Pode se dizer, então, que a herança da história escolar, que compreende um olhar
sobre o ensino e a aprendizagem, contribui, em maior ou menor intensidade, para modelar a
identidade dos professores e de seu conhecimento, o que não pára por aí. Antes, prolonga-se
90
por toda a vida no processo de socialização com outros professores, podendo favorecer ou
dificultar a atuação do docente em uma perspectiva de promover práticas pedagógico-
curriculares inovadoras.
3.2 Elementos da cultura que dificultam a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras
O modo e a intensidade pelos quais encaramos as crenças, os valores, os hábitos e
as normas que orientam e(ou) determinam a maneira de tomar decisões, planejar, executar,
avaliar, optar por metodologias inovadoras de ensino são reguladores dos comportamentos,
das histórias e dos mitos que configuram e dão sentido às tradições e identidades dos
professores, assim como, às expectativas que direcionam a vida da escola e da aula.
A proposta da escola organizada por ciclos é uma das maneiras de mexer com a
estrutura seriada de ensino. Esta deixou marcas profundas na história da educação e do fazer
pedagógico.
A nova proposta permite ao professor livrar-se de um currículo pré-definido
oferecendo outro, capaz de atender a todos os alunos em sua individualidade.
Observa-se que este não vem sendo caminho fácil de trilhar, ora por falta de apoio
das estruturas internas e externas à escola, ora pelo trabalho do próprio coletivo da escola.
Este se divide em dois grupos: aqueles que se dispõem às mudanças e aqueles que, por
diversos motivos, preferem continuar seguindo o livro didático, acreditando que a reprovação
ainda é a melhor saída para que os alunos construam interesse de freqüentar a sala de aula.
Aliás, isso constitui grande equívoco.
A cultura pedagógico-curricular do professor, dada sua flexibilidade, está sujeita a
mudanças, comporta inevitáveis tensões à profissão do docente. O sentimento de incerteza
quanto ao resultado dessas mudanças pode se transformar em dificuldades para que os
docentes desenvolvam práticas pedagógico-curriculares inovadoras bem-sucedidas.
91
As dificuldades são oriundas de vários fatores, pois não requerem apenas a
compreensão intelectual dos agentes envolvidos, mas também a vontade decidida de
transformar as condições que constituem a cultura herdada.
Além disso, a fragmentação da escola em subgrupos, entre os quais, de um lado,
encontra-se o grupo que opta por mudanças e, de outro, o grupo que prefere deixar como está,
porque mudar trabalho, também é fator que dificulta a introdução de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras na ação do docente.
3.2.1 Aspectos externos e internos à vida da escola
A cultura da escola contribui para influenciar a cultura pedagógica do professor. É
ela por igual que contribui ou dificulta o engajamento da equipe escolar quando se propõem
projetos de mudança.
Elementos exteriores e interiores à vida da escola e da aula integram e promovem
o desenvolvimento de práticas pedagógico-curriculares inovadoras com maior ou menor
significado, de acordo com a importância dada por cada sujeito escolar.
Com às essas influências estão relacionadas características oriundas de uma
necessidade maior de assegurar à instituição escolar, por parte de apoio técnico tanto da
própria escola como da Secretaria Municipal de Educação, da prefeitura e, até mesmo, dos
pais. No entender dos sujeitos desta pesquisa, essa falta de incentivo dificulta a constituição
de interações necessárias à nova estrutura de escola.
Os sujeitos evidenciam que uma das dificuldades para promover práticas
pedagógico-curriculares inovadoras reside no fato de a formação contínua ocorrer de maneira
pontual, não havendo acompanhamento da forma como os professores estão desenvolvendo o
trabalho, ou de como estão enfrentando as dificuldades.
Eu vejo amesmo quando tem esses cursos, eles m, colocam o que tem que se
trabalhar e tudo. Só que depois não continua dando suporte para nós. Não sei se eles
pensam que nós deveríamos ... que eles dão aquele fio da meada e que depois s
continuaríamos sozinhos. que eu sinto que não tem uma continuação de cobrar,
de vir, dar apoio para nós. Porque quando nós aprendemos e vamos pôr em prática,
nós vamos entrar em conflito, nós vamos encontrar dificuldade e às vezes não tem
ninguém tirando essas dificuldades, e é onde largamos um pouco, fazemos um
pouco. [...] fica pesado e não conseguimos deslanchar. (Julia – NO)
92
[...] no caso nosso que é a secretaria de educação do município. [...]. Eles colocam lá
na proposta da escola ciclada, tudo, mas é como se a escola com a tal da palavra
autonomia [...] para eles a escola tem autonomia para desenvolver a educação em
ciclos e esquecem de trazer suporte para nós. [...] (Julia – NO)
Quando se pretende construir um currículo válido, centrando visivelmente na
realidade escolar, “não pode significar omissão da secretaria ou sua retirada do cenário”
(MOREIRA, 2000, p. 126), e sim uma interação constante em que secretaria e sujeitos
escolares possam refletir e tomar decisões acerca das intenções para incrementar um trabalho
de melhor qualidade em cada escola, e principalmente na sala de aula.
Moreira (2000) ainda pontifica que é deveras importante o acompanhamento, o
entendimento e a orientação das propostas nas escolas por parte da secretaria de educação.
Lembra, no entanto, que “a partir da discussão e da crítica das práticas e das atividades que se
desenvolvem é que se podem tomar as decisões referentes e como melhor implementar,
questionar e/ou transformar a proposta” (ibid p. 127). Acredita-se que, dessa maneira pode se
ganhar a confiança dos sujeitos escolares e, por meio de seu envolvimento, tornar possível a
implementação e permanência de práticas pedagógico-curriculares inovadoras no âmbito da
sala de aula.
Julia, sujeito desta pesquisa, vem confirmar a relevância da atuação mais próxima
entre Secretaria de Educação e escolas, pois, assim ela entende, essa importância de retomar a
discussão das formações contínuas se porque, com o passar dos dias, vai-se deixando de
lado parte do que aprendeu, e essa é uma maneira de garantir a implementação de práticas
inovadoras com maior freqüência na sala de aula.
Eu vejo assim, vamos lá... fazemos a formação continuada, então, é digamos que
naquela semana, naqueles quinze dias após a formação continuada não aplicamos
aquilo que aprendemos e vai passando os dias e vamos nos esquecendo. Deveria
estar retomando, é como se fosse tomar uma injeção de ânimo para continuar pondo
em prática, senão, não colocamos. E quando coloca, não coloca os 100%. Às vezes
coloca uma vez e diz: Ah! Foi lindo e maravilhoso. [..] Eu penso que sempre tem
que voltar e bater na mesma tecla. (Julia – NO)
Marcelo García (1999) relata que a mudança no ensino e no desenvolvimento
profissional não é atividade espontânea. Como em qualquer atividade, a inovação necessita do
apoio explícito por parte da administração, dos professores, dos agentes de mudança, que
proporcionem assessoria técnica aos professores nos aspectos mais problemáticos do uso da
inovação, para que os professores possam superar as barreiras que venham a dificultar a
inovação de alcançar seus resultados positivos.
O que se almeja é que a escola, com este apoio, seja capaz de verificar em que
avançou, em que pode avançar mais. Perseguir soluções e novos caminhos para alcançar o
93
pretendido, em equipe. Organizar novos grupos de estudo, indicar e(ou) oferecer material
pedagógico para novas discussões.
[...] De vir ver como que está o que precisou o que faltou, de estar sempre alguém,
cobrando e ao mesmo tempo ajudando a buscar novas soluções, refletir mais. Não
nós professores, mas também outras pessoas que tem mais condições,[...]. Oh! s
vamos organizar um grupo de estudos, vocês têm que vir. Isso tudo contribuiria para
estar desenvolvendo essa formação continuada. (Julia – NO)
Sampaio (2007) encarece que se aprende mais com as incertezas do que com as
certezas e que, quando se têm espaços e tempos no coletivo para a indagação e para a dúvida,
o caminho se torna potente para construção de práticas mais democráticas.
A autora ainda lembra que, para isso, é indispensável que se exercite uma prática
dialógica que seja capaz de “refletir, duvidar, estudar, indagar sobre o vivido cotidianamente
na escola, buscando ampliar e complexificar nossas compreensões para criarmos alternativas
favoráveis à aprendizagem de todos os alunos e alunas” (ibid, p. 74), a partir da aprendizagem
construída a priori pelos professores e pela Secretaria de Educação.
Moreira também afirma “a importância do diálogo entre os que refletem e
teorizam sobre currículo e os que centram suas atenções nos aspectos teóricos e práticos das
disciplinas específicas”. (2000, p. 131). Esse diálogo é preciso estar presente entre
professores, técnicos, especialistas, assim como, de modo geral, ser estendido às escolas,
universidades e sistemas escolares, pois, dessa maneira, seria possível formas mais criativas
para se efetivar inovações curriculares e, nesse sentido, alterar a prática da educação.
Outro aspecto que merece atenção especial é quanto aos recursos financeiros
destinados à escola, pois, segundo os sujeitos, estes influenciam tanto na parte da estrutura
física como pedagógica. Um problema causa o outro, pois, por estar comprometido o espaço
físico afeta também o atendimento pedagógico ao aluno. Nesse sentido, o que é de direito do
aluno, garantido no Projeto Político-Pedagógico da Escola, está sendo descurado por falta de
espaço físico. É o caso do professor articulador que tem como função realizar intervenções
pedagógicas para que os alunos avancem no desenvolvimento escolar.
[...] na questão financeira [...] influencia no pedagógico, não temos uma sala de
apoio a esses alunos que tem dificuldade [...] também dentro da sala de aula, com
20, 25 alunos, eu não vou ter tempo suficiente para atender ele individualmente,
né?[...] onde precisaria ter um apoio, porque na escola ciclada se diz, com seis
turmas, 1 professor articulador. Nós temos aqui, mais de (pausa) dá quase quatro
articuladores dentro da nossa escola. Comporta quatro articuladores, mas se for tirar
essas pessoas para ajudar na prática pedagógica eu acredito que daremos conta de
ajudar mais os alunos, mas onde que nós vamos desenvolver a parte pedagógica,
sendo que nós não temos espaço, material. Então nós não temos material, nem
espaço adequado para guardar esse material. (Elen – NO)
94
Franco (2001) assinala que propor nova organização de ensino, como é o caso da
organização por ciclos, exige maior investimento financeiro, assim como ações mais
unificadas para garantir as condições adequadas.
O autor adverte que este investimento principia com garantia de material didático
diversificado, ampliação da rede física, maior tempo de permanência dos alunos na escola,
número menor de alunos nas salas, medidas que facultem acompanhamento de alunos que
necessitados de maior tempo para aprendizagem. Igualmente da valorização dos profissionais
da educação, da implementação de projetos consistentes de formação contínua, procedimentos
de avaliação permanente dos resultados com vista à tomada de decisões coerentes com o
projeto de escola que se pretende construir.
Vale lembrar, diz ainda este autor, a necessidade do compromisso efetivo por
parte dos gestores em garantir as condições adequadas e necessárias para a efetivação do
trabalho pedagógico-curricular do professor.
Como um dos objetivos da escola organizada por ciclos é dar maior atenção ao
aluno em sua individualidade, o investimento na estrutura física e pedagógica da escola passa
a ser um dos eixos principais. Afinal, como querer que uma proposta nova certo se nem
mesmo lugar para o aluno se sentar na escola existe? Pergunta-se, em complementação: é a
escola organizada por ciclos que não certo? Estão sendo oferecidos os subsídios
necessários para que ocorram mudanças na prática pedagógico-curricular dos professores e,
com isso, se conquiste uma educação de melhor qualidade?
Fernanda na mesma toada, sobreleva o fato de se investir mais na escola.
[...] investir mais na escola em si, porque [...] É ... assim, muito aluno e pouco
espaço. É um dos problemas que deveria melhorar o espaço de acolher esses alunos
para ser melhor trabalhado. Assim, o aluno que tem dificuldade e que não é o caso
de reprovação, nem nada, a gente trabalha aula de reforço para ajudar. Então para
ela dar certo, realmente a escola ciclada pelo menos esse espaço, uma sala para
reforço, uma para articuladora, uma sala para biblioteca. Foi tanto, tanto esse ano o
enchimento de aluno na sala de aula e no espaço-escola, biblioteca, não tem mais.
Foi tirando os espaços que tinha para colocar sala de aula. E sempre sala de aula
com 20, 25 alunos. Também no início do ano, esse ano já ... me deparei com
situação assim... 28 alunos e não tinha cadeira para sentar ... como é que vai
trabalhar em escola ciclada, se a criança vem para a sala de aula e não tem onde
sentar. Então eu vejo assim ... é negativo. Então primeiro tem que priorizar e dar
condição para ela funcionar. É um dos pontos que eu vejo negativo também. Porque
eu vejo que certo, eu acredito que dá, mas dessa forma é impossível [...].
(Fernanda – NO)
Qual é o papel dos órgãos responsáveis para que seja garantida educação de
qualidade aos alunos e condição de trabalho mais digna aos docentes? O estudo de Carbonell
(2001, 28) diz que é “tomar as medidas necessárias de política educativa e dotar a escola
pública dos recursos necessários para que os professores possam levar a cabo as inovações
95
sob as necessárias condições de qualidade”. O autor ainda lembra que os estímulos externos à
escola também são importantes para remover uma instituição, de práticas ancoradas na inércia
e no desânimo, de que é possível realizar mudanças pedagógico-curriculares que venham
trazer melhores condições de trabalho a alunos e professores.
Penso que dar a oportunidade à entrada dos alunos na escola seja condição
indiscutível, mas não suficiente, para garantir um estudo de qualidade. Esses detalhes
merecem um olhar especial por conta dos administradores públicos, porque, além de oferecer
condições aos alunos, é necessário oferecer condições de trabalho aos professores, de modo
que eles possam oferecer aos alunos atividades pedagógicas desafiadoras. Portanto, os
aspectos de apoio técnico, físico e pedagógico merecem ser privilegiados, que, sem
condições de oferecer metodologias diferenciadas aos alunos, como mudar uma prática
impregnada de crenças e valores?
Faz-se necessário destacar e chamar a atenção para o fato do “enchimento” de
alunos na escola, descaracterizando uma estrutura que oferece um mínimo de qualidade
necessária. Os espaços, como biblioteca, sala de apoio aos alunos com dificuldades, são de
fundamental importância ao desenvolvimento dos alunos. Mas como fica o atendimento aos
alunos? Não podemos deixar alunos fora da escola!? Esses questionamentos podem surgir por
parte dos órgãos gestores. Mas, será que não outra escola com espaço para atender a estes
alunos e garantir qualidade maior àqueles que permanecem na escola?
Julia e Elen mobilizam que os aspectos a necessitar de melhorias na organização
da escola por ciclos
[...] vem da parte assim do órgão mantenedor, é mais condições para escola, [...] dar
mais suporte financeiro é para gente providenciar as coisas necessárias para poder
estar desenvolvendo os projetos. A proposta da escola ciclada nossa traz que nós
temos que trabalhar com projetos. (Julia – NO)
[...] eu acho de desvantagens da escola em ciclos é assim (pausa) não vou dizer da
proposta, que ela é 100% linda e maravilhosa. Tudo tem os seus defeitos. [...] Na
questão do apoio ao aluno com dificuldade. [...] na questão de recursos pedagógicos
para você trabalhar com os alunos, na questão das salas apropriadas para os alunos.
[...] Uma sala bem ventilada, uma sala bem organizada [...]. (Elen – NO)
É também necessário observar, à luz dos estudos de Marcelo García, que o
desenvolvimento profissional dos professores “está intrinsecamente relacionado com a
melhoria das suas condições de trabalho, com a possibilidade institucional de maiores índices
de autonomia e capacidade de acção dos professores individual e coletivo” (1999, p.145).
Para tal, é imprescindível entender que o desenvolvimento dos professores e de suas
condições de trabalho está intrínseco aos valores relevantes para o enfrentamento das
96
dificuldades relacionadas com as inovações pedagógico-curriculares e, assim, do
desenvolvimento dos alunos.
O aspecto físico volta a ser destacado em razão de os professores encontrarem
dificuldade de atender aos alunos individualmente, no que diz respeito às intervenções para
que eles avancem em suas dificuldades. Não bastante o atendimento coletivo não se faz
satisfatório, pois ao que consta, as salas não são apropriadas para o atendimento aos alunos,
por serem apertadas, com pouca ventilação e iluminação.
As dificuldades foram: pouco tempo e material para diversificar e realizar as
atividades e planejar, espaço físico impróprio, falta de auxílio, sozinho se realiza as
atividades, porém, não com o sucesso esperado. (Elen – NE)
[...] o professor tem que rebolar, essa questão de atividade diferenciada, [...]. Exige
tempo para você e também materiais. Por mais que você pense que tudo possa se
transformar, tentamos. Então eu vejo que tudo envolve o social, tem que investir
também, tem que ter condições para funcionar e às vezes eu vejo até mesmo a sala
de aula que, por exemplo, não dá abertura para atender o número de alunos que seria
o que a escola ciclada prevê. [...]. (Fernanda – NO)
A professora diz que agora ela tem 20 alunos que está bom de trabalhar, mas que
tinha 28 e assim é difícil, que não tem espaço, a sala é apertada. (Fernanda -
observação)
[...] E às vezes enquanto educadora ficamos até meia assim, para falar com o pai
sobre o projeto da escola ciclada: se prega uma coisa e na realidade é outra. Sabe
Irene, porque é muito bem clara, para gente entender, dá para fazer, mas m
os empecilhos que torna quase que impossível de acontecer e os colegas dizem: Ah!
Não dá certo. Aí eu vou pelejando e vou vendo o que dá certo, até onde não dá. Mas
eu vejo assim, que o que seria é dar mais condição, ampliar a sala de aula, ver
carteira, ver espaço para cada um. (Fernanda – NO)
No projeto a escola ciclada, tudo é lindo e maravilhoso, mas que na realidade na
prática é completamente diferente. Temos salas de aula lotadas, em péssimas
condições de trabalho, poucas horas para planejar atividades diferenciadas para
atender a cada nível e falta de materiais (Fernanda – NE).
As salas são pouco iluminadas e com pouca ventilação, quando chove a sala fica
cheia de água. (Julia, Fernanda e Elen – observação)
Os professores “gritam” por condições de trabalho. Bom começo, segundo eles,
seria dar melhores condições de trabalho, ampliar e investir em espaço adequado para
atendimento aos alunos. Essas ações podem contribuir para mobilizar os professores a
melhorar a prática, e para os pais compreenderem que, quando se implementa uma mudança
na organização da escola, como a escola organizada por ciclos, é porque ela condirá com uma
aprendizagem mais efetiva a seus filhos.
Outro fator que dificulta a introdução de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras no espaço da escola se evidencia na ausência de um quadro de profissionais fixo
na escola. Essa carência afeta o dia-a-dia da escola, por conta da troca constante de
professores. Nesse sentido, sempre haverá um profissional recém-chegado que, no mais das
vezes, traz de bagagem uma cultura herdada de um modelo de escola que não dá conta de
responder aos desafios da escola hoje.
97
[...] mas eu ainda acho que falta muito, até mesmo porque a nossa escola tem muito
assim um rodízio todo ano de professor interino. Então a gente pega profissional
qualificado e profissional não qualificado e acho que isso também vai influenciar
não sei ... na avaliação da escola ciclada. Então tem uns que dão opinião que é a
favor, outros contra. (Julia – NO)
[...] Porque às vezes uma divergência, de trocas, sai professor, um ano é um e
outro ano é outro. Isso de uma forma ou de outra vem a prejudicar e muito. Não é
que eu quero que passa igual. Mas, pelo menos aproveitar até ali, onde foi e dar
seqüência. É onde que a coletividade não funciona. [...] Me decepciona e me deixa
chateada. (Fernanda – NO)
Dificulta sim. Até tem essa quebra de quem fez a formação continuada, como
também as pessoas que não fizeram, não para você falar, a mesma linguagem
assim para todos. Porque uns participaram e outros não. Mesmo que você chegue,
procura fazer isso assim e assado, mas ele não conhece, ele não sabe. Então ele não
vai saber fazer. Então eu acho que tem que ter alguém mesmo, para poder... não a
coordenação da escola.... (Julia – NO)
Na senda de Tardif (2002), é difícil mesmo pensar na consolidação de
competências pedagógicas enquanto houver professores sem um mínimo de estabilidade
profissional. A instabilidade dos professores contratados, ou no início de carreira, leva-os a
mudar constantemente de turma. Conseqüentemente, levam mais tempo para dominar as
condições peculiares da sala de aula. Nessa perspectiva, a mudança se torna difícil e a
edificação de práticas inovadoras mais precárias por exigirem maior investimento de tempo e
energia que caracterizam a mudança e a demanda à implementação de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras.
Nesse caso, é como se uma “bola de neve” fizesse parte das dificuldades
encontradas para propor mudanças na organização da escola. A falta de apoio técnico, físico,
pedagógico, de trocas constantes de professores que, ao encontrarem uma estrutura
organizada desta maneira, outra coisa não lhes resta senão recordar suas experiências relativas
à sua vida escolar, pondo-se a trabalhar.
Um aspecto forte que vem inibir a introdução de práticas pedagógico-curriculares
inovadores diz respeito à cobrança direta e indireta por parte dos pais, pois acarreta nos
professores certa angústia, certa ansiedade que os deixam, às vezes, na dúvida: continuam
tentando inovações em sua prática ou voltam a trabalhar da maneira que aprenderam no início
da carreira, aliado ao fato de esse método vir mais ao encontro dos pais.
98
Durante o recreio a professora me disse que esse trabalho é muito gratificante, mas
muito trabalho. Que os pais fazem parte de um enfoque de resistência de uma
mudança no modo de trabalhar, porque eles querem ver quantidade de trabalho, de
atividade no caderno dos alunos e exigem que reprovem o aluno que apresenta
alguma dificuldade. Querem que passe aquele monte de letras para os alunos
copiarem, diz a professora. (Fernanda - observação)
[...] sobre aquilo que eu falei dos pais, aquela cobrança assim. Porque eles cobram
muita quantidade e não qualidade. Às vezes é um trabalho árduo que leva tempo,
então eu sei o que eu estou fazendo ali, que eu tô vendo que vai ser bom, que vai dar
resultado. Mas eles m outra visão porque por mais que você tenta colocar eles não
entendem que tem que ter qualidade, para eles para aprender ler e escrever tem que
ter BA, BE, BI, BO, BU bastante no caderno. Bastante família silábica, lá. [...] o pai
me cobrando que tem que ter tarefa, atividade. Tem um caderno paralelo de tarefa
para casa, mas tudo é um processo assim que leva tempo. (Fernanda – NO)
[...] uma angústia, uma ansiedade, e os pais cobram, a sociedade cobra e a família da
gente que aprendeu no tradicional sempre nos lembra que o aluno saía do primeiro
ano, [...] lendo e escrevendo, o aluno aprendia, o aluno sabia. (Fernanda – NO)
[...] eu percebo assim que antes, em partes tem aquelas cobranças, geralmente a
cobrança é daquele que ausente que não a par, não quer, não participa
[...].Então angustia assim, essa cobrança dos pais. (Fernanda – NO)
Prioriza-se o valor à eficácia simplista e imediata, associado à necessidade de
trabalhar no ritmo de ocupação do tempo estipulado pela sociedade. Outro aspecto que precisa
ser superado é o de levar os pais a compreender que hoje se vivemos novos tempos. Novos
valores são dados ao tempo escolar que procura articular os tempos de ensinar e de aprender
ao tempo da formação humana do educando.
Segundo Freitas, esse envolvimento dos pais precisa ser considerado, por serem
vitais na aceitação dos ciclos e por reagirem por meio de suas expectativas em relação ao
papel da escola. Embora seja preciso envolvê-los no processo de implementação dos ciclos,
“para que possam apreciar adequadamente o lado formativo da educação nos ciclos e deixar
de ver a escola como local em que se deva aprender apenas Português e Matemática” (2003,
p. 69).
A cobrança de resultados imediatos pelos pais acarreta, nos docentes, ansiedade
em torno de seu trabalho, sufocando as tentativas individuais de inovação como as
possibilidades de crítica teórica. Isso os levam não raro, a desconfiar que as mudanças que
estão propondo podem não trazer os resultados esperados. Essa incerteza e a pressão vinda
dos pais e de grupos formados dentro da própria escola, às vezes fazem com que os docentes
99
retomem as práticas antigas, mesmo acreditando não serem as mais apropriadas ao
desenvolvimento de seu trabalho pedagógico-curricular.
Por não contarem com apoio técnico, físico e pedagógico dos pais nos momentos
em que entram em conflito na ação pedagógica, por não terem com quem refletir sobre o que
deu certo e o que não deu, os professores deixam de pôr em prática, em sua totalidade, os
novos desafios que a própria ação cotidiana deles exigindo. Esses aspectos todos foram vistos
aqui como externos à escola.
A lógica do tempo e o pressuposto dos “ritmos médios de aprendizagem” trazidos
por Arroyo (2004) podem explicar um pouco essa angústia vivenciada pelos pais.
Independentemente das condições culturais, da diversidade dos processos de socialização, das
diferenças de gênero, de raça, de classe social, toda criança terá de dominar, nos mesmos
tempos médios, as mesmas habilidades e saberes. Desse modo, os pais acreditam que os filhos
também devam aprender, em um mesmo tempo, as mesmas habilidades.
As dificuldades não param por aí. A falta de conhecimento por parte de alguns
professores quanto ao porquê de nova organização de escola torna a mudança mais lenta,
quando não realizável, uma vez que estão acomodados com a prática que possuem.
Desse modo, faz-se forçoso necessário um empenho maior entre professores e
pais para compreenderem melhor a mudança pela qual estão transitando, com vista a
encontrar os melhores caminhos para sustentá-la nesse momento de construção, em que se
privilegia nova feição à história da educação.
[...] nossos professores não estavam, como também a maioria nos dias de hoje
continuam não estando, preparados para enfrentar esta mudança como ela deveria
ser. E isto influencia na mudança, pois a torna lenta. Sem falar que na seriada o
professor é mais acomodado no sentido de buscar mais conhecimentos, basta seguir
o livro, aplicar as avaliações, calcular a média final e pronto, o veredicto está dado.
(Julia – NE)
A formação dos professores, somada ao desenvolvimento de inovações
educativas,
100
consiste em adoptar uma perspectiva dialética que reconheça que as escolas não
podem mudar sem o compromisso dos professores, que os professores não podem
mudar sem o compromisso das instituições em que trabalham; que as escolas e os
sistemas são, de igual modo, independentes e interactivos no processo de reforma; e
que a educação apenas pode ser reformada se se transforma as práticas que a
constituem”. (KEMMIS, 1987, apud MARCELO GARCÍA, 1999, p. 171)
Este autor ainda sobreleva a importância do compromisso dos professores e
instituições quanto a estarem preparados para enfrentar as mudanças e inovações pelas quais
estão vivenciando no sistema ditado pela escola organizada por ciclos. Há, portanto, a
necessidade “pues, formar y auto formar al profesorado en el cambio y para el cambio”.
(IMBERNÓN, 1994, p. 29)
Para Imbernón (1994), o caminho à formação do professor deve, necessariamente,
constituir-se no percurso entre o desenvolvimento profissional e a própria mudança. Isto
porque é na mudança que os professores encontram os desafios pedagógicos e é nesse
momento que eles devem ser revistos e recriados, para que se possa avançar nas tentativas de
implementar práticas curriculares inovadoras.
Para compreender a proposta da escola organizada por ciclos, é preciso que se
entenda que o princípio dela é a exigência de nova concepção no modo de organizar a escola.
Para que isso se torne possível, Julia, sujeito desta pesquisa, sente a necessidade de um
conhecimento mais aprofundado da história da educação, para então ter idéia do por que se
esperam mudanças na ação docente. E afirma que, quando não se busca compreender essa
parte do contexto, fica difícil levar em conta novo enfoque na atividade docente.
[...] quando você busca a fundamentação, você vai buscar no início, a origem, de
onde surgiu, onde deu certo, onde não deu. Agora do modo que veio eles pegaram
da metade para o fim. Então fica meio perdido, porque não tem muito conhecimento
nessa área. Então eu acredito que para muitos deles, é falta de conhecimento para
trás. Quando buscamos os períodos de transição que teve na educação depois da
época militar para (pausa) então tem muita coisa que tem na história da educação
que nós sabemos que isso levou a vir a escola ciclada, acabar com a escola seriada.
Então eu penso que é por falta desse conhecimento dele onde trava tudo. (Julia
NO)
[...] conhecemos muito pouco sobre os pensadores que fundamentam a escola
ciclada. Então quando falamos assim, Piaget! Tem alguns professores que sabem um
pouco sobre ele, um pouco da teoria dele. Quando falamos de Vygotsky, então eu
falo assim que falta buscarmos mais sobre esses estudiosos para poder
compreendermos melhor como é o processo da escola ciclada. Pois muitos deles eu
acredito que não sabe não. (Julia – NO)
101
Uma dificuldade maior ainda se encontra em meio aos professores que atuam nos
anos finais do ensino fundamental, pois apresentam resistência maior à mudança nas atitudes
pedagógicas. Então resta uma minoria, adstrita aos anos iniciais do ensino fundamental que se
propõe buscar compreender as origens das mudanças.
A maioria, principalmente a turma do ginásio, querendo ou não a escola tem essa
diferenciação: a turma do primário e a turma do ginásio. E, essa minoria pertence
mais as séries iniciais, aos efetivos mais velhos da escola, também. Então a gente
tem que estar discutindo isso. Que acredita que conhece um pouquinho os
pensadores da escola ciclada [...]. (Julia – NO)
Os docentes ainda deparam com a ausência da necessidade de nova cultura
pedagógico-curricular por parte de alguns professores. Estes não consideram o trabalho em
equipe fator significativo e não se mostram interessados em promover mudanças e inovações
em sua prática. Com isso desconsidera um cenário em que os docentes podem aprender uns
com os outros, ao compartilhar em suas experiências, temores, propósitos e pensamentos.
Pérez Gómez (2001) vinca que, para grande número de professores, pode-se
afirmar que a cultura escolar, burocrática, conservadora e pragmática se assenta com força em
rituais e inércias que constituem um cenário característico e artificial de intercâmbio. Nesse
sentido, o autor destaca que tal cultura impõe sobre os indivíduos, na condição de estudantes e
professores, maneiras de pensar e atuar sobre a educação e a escola que perduram no tempo e
que sufocam as tentativas individuais de inovação e as possibilidades de crítica teórica no
tocante a elas.
Trabalhar no coletivo? Eu vejo assim. Quando chega no início do ano, quando
vamos sentar e planejar, parece que falamos a mesma língua, sentamos planejamos,
às vezes elaboramos os conteúdos que queremos para aquela série na qual vamos
atuar. no início do ano, que está todo mundo naquele s, fala: Ah! A gente vai
trabalhar no coletivo, um vai organizar uma atividade, outros vão organizar outra.
No decorrer do tempo, você observa que não é assim que acontece. Você vai
observando que tem aquele professor carona, que você fica fazendo os trabalhos e
eles tiram proveito disso, e assim vai ficando cada um na sua. [...] no planejar em
parceria temos mais dificuldades. (Julia – NO)
[...] Essa falta de companheirismo, de querer que dá certo. Acha mais fácil achar que
não dá certo, do que achar que dá. Tem o pensamento negativo. O aluno não sabe
ler, o aluno não aprende, tem que ser o BA, BE, BI, BO, BU [...]. É um ponto que eu
acho que a escola ciclada não dá certo, é por causa disso. (Fernanda – NO)
[...] Talvez se houvesse essa troca seria até mais fácil essa angústia minha ser
superada na sala. Porque esse colega que troca idéia comigo aqui, poderia estar
102
me ajudando lá. E às vezes falamos e fica na fala, não acontece nada na prática.
Então eu vejo assim, seria muito bom se acontecesse, mas infelizmente não
acontece. (Fernanda – NO)
Esses fatores representam características do individualismo que constitui a versão
mais negativa do isolamento, por criar uma cultura do coleguismo artificial, que chega a
fomentar o fechamento em pequenos grupos,e que acabam se enfrentando para a busca por
obtenção de mais recursos e(ou) privilégios.
[...] o isolamento profissional dos docentes limita seu acesso a novas idéias e
melhores soluções, provoca que o estresse se interiorize, acumule e infecte, impede
o reconhecimento e o elogio do êxito, e permite que os incompetentes permaneçam
em prejuízo dos aluno, e dos próprios colegas docentes. (FULLAN E
HARGREAVES, 1992 apud PÉREZ GÓMEZ 2001, p. 168)
O individualismo permanece na essência da identidade profissional e traduz uma
“escolha cultural” (RANJARD, 1998, apud GATHER THURLER, 2001, p. 59). De acordo
com Gather Thurler, a própria estrutura da maioria das escolas funciona como “‘estrutura de
caixa de ovos’: salas de aula separadas protegendo professores, uns dos outros, como ovos em
suas caixas de papelão, o que impede de se entrechocarem, mas também de verem e
compreenderem o que fazem os colegas” (2001, p. 59).
Na cultura do individualismo, segundo esta autora, cada um teme ser julgado, o
que resulta em esforços para rejeitar e eximir-se dos fracassos visíveis sobre os alunos, os
programas, os pais, o contexto, etc. Do mesmo modo, ainda afirma que cada um teme
julgamento aberto, sem saber o que seus colegas pensam, na busca de se proteger da crítica,
mas que sufoca a oportunidade dos louvores também.
O grau e a intensidade de cooperação profissional vividos na escola determinam a
maneira como os professores reagem diante da mudança. Por isso, a necessidade de mobilizar
os professores a cooperar mais entre si e a romper com o isolamento, maneira de realizar o
trabalho docente de modo mais cooperativo que possibilite a desconstrução de obstáculo e
favorece nova cultura nas relações dos docentes, visando a inovação nas práticas pedagógico-
curriculares.
103
Em um dos momentos de observação, conversando com Fernanda, ela diz que foi
informada pela coordenação da escola que os professores teriam, até o meio do ano, para
decidir se iriam optar pela reprovação em cada ano do ciclo, pois isso estava sendo repensado.
Segundo a professora, de quatro professoras do ano do Ciclo, apenas uma dizia concordar.
As outras três, ela incluída, acreditam que é possível, sim, trabalhar com estes alunos sem
retenção, apesar de terem que enfrentar a opinião de alguns professores e da maioria dos pais.
Ora, como é possível promover mudanças na concepção dos professores se, em
vez de proporcionarem alternativas para estes enfrentarem os desafios que estão encontrando
no desenvolver uma prática pedagógico-curricular inovadora, são incentivados a retomar uma
prática que retrocede no tempo e no espaço.
Se a escola conta com um Projeto Pedagógico que tem a organização da escola
por meio de ciclos, a escolha dos profissionais que têm a função de contribuir com os
professores para promoverem suas atividades pedagógico-curriculares, exigindo diversas
mudanças em sua origem, deveria ocorrer com maior critério. Sobretudo porque não é
permitido, nem aceito, que uma pessoa que, estando à frente de um trabalho de orientação do
docente, tenha suas concepções divergentes do projeto da escola.
Sousa et al. (2007) explicam que a cultura da seletividade concebe que nem todos
os alunos são capazes ou merecem atingir o sucesso. Mais. Essa cultura permeia as práticas
escolares qual quer seja o sistema: com ou sem a reprovação ao final de cada ano escolar.
O processo de ensino-aprendizagem, considerado por muitos professores linear,
cumulativo e hierárquico, gera a expectativa de que todos os alunos aprendem pelos mesmos
caminhos e num mesmo tempo. Sousa et al. (2007) lecionam que a crença ilusória de que se
pode determinar e até mesmo controlar os tempos e os modos de aprendizagem dos alunos se
encontra presente no cotidiano escolar.
104
Essa crença construída ao longo do tempo leva os professores a acreditar que, ao
ensinar, a criança aprende em um tempo, aparentemente homogêneo. Com esse pensamento,
ajusta-se o tempo de uns ao de outros, e se o tempo de aprendizagem de cada um não
corresponder ao tempo da escola, considera-se tempo perdido, consoante os estudos de Sousa
(2007). Assim, a escola decide que o melhor, para o aluno que não acompanha o tempo da
escola, deva corresponder a tudo recomeçar, mesmo já tendo um bom caminho percorrido.
Freitas elucida que se convencionou que os alunos devam dominar certa
quantidade de conhecimento, em tempo determinado, e que processos de avaliações pontuais
indicam se houve tal domínio, ou não, chegando ao veredicto final, conforme orientado pela
coordenação da escola: “quem domina avança e quem não aprende repete o ano” (2003, p.
27).
Dado o fato de as mudanças na constituição de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras não sucederem de maneira linear, a sensação de impotência, de insegurança e de
estresse muitas vezes conduz a atitudes de dependência, carência de iniciativa, o que acaba
levando a esperar as determinações e recomendações oficiais de fora e(ou) da administração.
Assim, determinados grupos optam por continuar a desenvolver seu trabalho dentro das
características que ele tem como certas, pois sabe qual resultado irá alcançar, mesmo que esse
resultado não seja o mais coerente com os novos tempos que a educação está inspirando.
Alguns docentes escolhem esse caminho por não se disporem às pressões ante as
novas exigências, que acabam por lhes causar alto grau de ansiedade e insatisfação
profissional, trazendo-lhes o sentimento de incapacidade ao enfrentar as exigências da
mudança. Nesse caso, a renovação acaba se convertendo em frustração. Nesse sentido, a
opção é continuar agindo dentro de um sistema de crenças, de valores, de costumes, de
hábitos que não mexerá na estrutura vigente. Resta saber até quando isso será possível, pois os
105
tempos e os espaços da escola hoje já possuem novo conceito e não se tem para onde correr.
Que fazer?
Arroyo (1999) encarece que a atenção dos professores está voltada a uma
sensação de ameaça que a mudança aporta. Elucida que esta sensação se solidifica pelo fato
de estarmos acostumados com a organização seriada, que é parte do imaginário escolar da
maioria dos professores que atuam hoje. Ele assim conclui assentado neste fato:
Desde criancinhas nos levaram às primeiras séries, fizemos o curso-percurso
subindo por andares, por séries ou fomos retidos e tentamos de novo subir essas
rampas tão escorregadias. Formamo-nos professores regentes das primeiras séries,
licenciados de séries avançadas. Lecionamos por anos na estrutura seriada, na
organização gradeada e disciplinar do trabalho. Para o sistema seriado fomos
formados e ele terminou nos formando e deformando. Trazemos suas marcas em
nossa pele, em nossa cultura profissional. (ARROYO, 1999, p. 1 – 2)
Todos estes elementos contribuem para demonstrar a quantas andam as
dificuldades que os docentes, dispostos a promover práticas pedagógico-curriculares
inovadoras, têm encontrado; tanto no interior da escola como no âmbito dos setores que
deveriam estar apoiando a eles. Pode-se sintetizar, até aqui, que os tipos de relações existentes
no espaço escolar, a estrutura do trabalho em equipe e o apoio recebido, seja este do próprio
grupo de professores e(ou) do coordenador, quando não da Secretaria de Educação e(ou) de
outro assessoramento externo, com seus valores, com suas crenças, com suas normas
interferem na tomada de decisões do professor. Interferem, por igual, no modo de planejar,
executar e avaliar suas aulas, na opção por esta ou aquela metodologia. Com isso, no
rendimento e no tempo da concretização da mudança de modo mais ou menos produtiva.
3.2.2 Certezas e incertezas na constituição de novas práticas
106
A incerteza, o fracasso, o conflito entre opiniões divergentes, bem assim, o
desvencilhar-se de valores, de normas, de crenças arraigadas não são conseqüências apenas de
um processo de mudança, mas parte do processo de aprendizagem individual e social. Bom é
se diga que isso traz insegurança aos docentes, levando-os a se sentir sufocados pela carga de
tarefas e responsabilidades que as novas exigências pedagógico-curriculares exigem quanto às
novas metodologias de ensino e quanto à própria atuação dos docentes em diversas atividades
da escola.
Pode-se afirmar que a cultura pedagógico-curricular dos professores começa a ser
produzida em situações fora do cotidiano profissional, como o caso de proceder diante das
vivências escolares. Portanto, está impregnada de sentidos e práticas que levam algum tempo
para serem postas de lado, e que novas ocupem seus lugares.
Enquanto isso, os docentes percorrem um caminho de idas e vindas, erros e
acertos, porque, para promover mudanças na cultura pedagógico-curricular, não é algo tão
simples. Abriga desafios.
Essa complexidade arquiteta e se avoluma pelo fato de se tratar de mudança de
concepção de educação, de ensino, de aprendizagem. Portanto, uma mudança de crença, de
valores, de hábitos que fazem parte da cultura do professor. Por se tratar de mudança de
cultura e por esta ser uma ciência interpretativa, a procura de significados, como situa Max
Weber (apud GEERTZ, 1978, p.15), impõe haver diferença entre conhecer os
comportamentos das pessoas ou de determinados grupos e a maneira de pô-los de fato em
prática.
Será, por esse motivo, que as tentativas de mudar a organização da escola de
seriada para ciclada comportam dificuldades? Por ameaçar uma ordem já estabelecida? Por ter
que sair de uma situação que implica menos esforço, para outra que exige assumir os riscos da
mudança?
Essas preocupações são freqüentes quando os professores, no proporem introduzir
mudanças em sua cultura pedagógico-curricular, terminam por transformá-los em aspectos
que abrigam dificuldades. Daí por que elastificam o tempo para que as mudanças se efetivem.
Por outro lado, esse é um processo natural e faz parte de todo princípio de mudança, pois,
para implementar mudanças, é preciso, antes de tudo, estar aberto a alterar as crenças, os
valores, atribuir novos sentidos e significados a determinadas práticas que, atualmente, não
são as mais apropriadas para atender às necessidades dos alunos.
Nesse sentido, a dificuldade persiste porque uma proposta, apresentada para
todos, é assumida somente por alguns.
107
A proposta da escola ciclada seria para todos, mas acontece para alguns porque
devido assim, a abertura a mudança e também assim, a visão que tem de dar certo e
de não dar certo, não dos pais, porque muitos educadores [...] priorizam um outro
método, que seja lá o tradicional, o que foi bom. (Fernanda – NO)
O movimento que o próprio tempo desencadeia para o interior da escola já se faz
suficiente para afirmar o que já foi bom para a escola e que hoje se tornou obsoleto,
ultrapassado, como o sistema seriado.
A ruptura com o sistema seriado se revela difícil, explica Freitas (2003), dado que,
no sistema seriado, os alunos que não aprendiam, eram eliminados do sistema, e não
incomodavam mais.
Nos ciclos, lembra com propriedade este autor, esses alunos permanecem no
interior da escola e revelam o tratamento que estão recebendo desta. O não-aprendizado
denuncia uma lógica excludente, exigindo manobras de superação que acarreta novas crenças
dos docentes. A volta ou permanência ao sistema seriado é uma forma de calar essa denúncia,
portanto é preciso passar por ela, franqueando maior sucesso e qualidade no ensino e na
aprendizagem dos alunos.
O medo dos riscos que correm os docentes, de não atingir suas metas em uma
primeira tentativa, leva os demais a se questionar se estão no caminho certo, e, assim, a passar
por momentos de angústias, entre o querer que dê certo e a incerteza de tentar e não
conseguir.
Por esses e outros motivos, entre eles a rigidez do tempo e espaço
predeterminados, conteúdos linearmente definidos por pré-requisitos, constrói-se a crença de
que cabe ao cidadão, no caso, ao educando “um ser em formação, enquadrar-se e adaptar-se a
essa estrutura, independente da sua individualidade, das suas experiências sociais e culturais”
(AZEVEDO, p. 2007, p. 18). Sendo assim, se houve ensino e não houve aprendizagem, cabe
ao aluno recomeçar e enfrentar um trabalho individual, especializado e fragmentado que tem
por crença ser o melhor caminho para a aprendizagem, mas que traduz muitos obstáculos ao
desenvolvimento de uma escola realmente comprometida com o processo de ensino e de
aprendizagem.
[...] quando acontece de fazer uma atividade se torna, não é que é impossível, mas é
difícil. Então vem a barreira e diz que não dá certo. pega a reportagem que vem
que não está aprendendo, e acha que é a escola ciclada. [...] não acredita mesmo que
dá certo. Se estamos querendo que dá certo e acreditamos que é possível dar certo, já
é um empecilho.. Eu não consigo mais! Eu já não sei mais nada? Apesar de às vezes
eu ir pelo que eu sei que . Mas tem aquela angústia. E daí? Vai ter melhora?
Porque vemos assim, essa questão da mudança para melhorar. Porque quando você
está aberto à mudança e o que de positivo nessa mudança, que aderiu ao
projeto, está junto com você, acontece. (Fernanda – NO)
108
É comum observar, no discurso de alguns professores, o que Fernanda traz de
desabafo: alguns professores argumentam que o motivo de os alunos não estarem aprendendo
é por conta da escola organizada por ciclos. O percurso, das idas e vindas à escola, para o
trabalho de coleta de dados, possibilitou inferir a concepção de alguns docentes, pinçada nas
falas havidas nos corredores e na sala de professores que “Os alunos estão saindo sem
aprender. Passam sem saber. Deviam ser reprovados”.
Pode-se observar que os argumentos de alguns professores na defesa da escola
seriada, baseados em crenças e valores de determinada época, fazem com que aqueles que
estão se propondo à implementação de mudanças, na prática fiquem angustiados. Isso acaba
se transformando em fator que amplia o tempo de ansiedade dos professores, momento em
que aparecem as dúvidas, as incertezas, mas também faz despertar o desejo de fazer parte da
construção de novos valores, o que conduz ao despertar da crença de é possível que o trabalho
que estão desenvolvendo dê resultados positivos.
Todos os profissionais que se propõem ser educadores deveriam conhecer melhor
o projeto da escola organizada por ciclos. Mais: deveriam fazer uma avaliação melhor de
quais os verdadeiros problemas da não-aprendizagem dos alunos, estabelecer um olhar
voltado para a necessidade de mudança da própria prática, de maneira que atenda, com maior
propriedade, às necessidades dos alunos, em vez de ocultar-se atrás de crenças, valores e
normas e, assim, buscar justificar que a não-aprendizagem dos alunos reside na escola
organizada por ciclos.
Segundo Fernandes (2007), esse tipo de argumento é um grande equívoco que se
pode cometer, pois ele nos remete à crença trazida pela cultura escolar de que a reprovação é
garantidora de maior qualidade do ensino. E se estão saindo da escola sem aprender, é fato
que existe algum problema com o ensino. Não está na hora de parar e refletir sobre este “lado
da moeda” e intentar melhor desempenho dos alunos, em vez de julgar que a reprovação é a
saída para os problemas de aprendizagem?
Para o grupo que acredita que é possível haver mudança nessa lógica temporal que
organiza o trabalho na escola, Arroyo (2004), afirma que está convencido da necessidade de
repensar os tempos de ensinar. Enfatiza que esta tarefa não depende de cada um, porque exige
propostas coletivas não apenas da escola, mas das redes de ensino.
Novos desafios postos aos professores que se propõem construir escola possível
são aqueles que, no estudo de Sampaio (2007), rompem com a tradição escolar. Compreende,
em meio a outras coisas, que é preciso desseriar o conteúdo escolar, construir novas relações
entre os que participam da escola, dimensionar o tempo considerando as necessidades do
109
grupo envolvido e, acima de tudo, romper com rituais marcados pelo fracasso e pela exclusão
escolar.
Julia nos relata por que acredita que é tão difícil se distanciar das crenças trazidas
pela escola seriada.
Se formos buscar na história da educação pelo século XVIII, período que
começou a industrialização onde todo indivíduo tinha que ser disciplinado de acordo
com o ritmo da máquina da qual ele trabalhava. É neste sentido que vejo a escola
seriada. Percebe-se, na postura de alguns colegas, que a escola deveria voltar a ser
seriada, porque retém o aluno, ou seja, para eles os alunos que não conseguem
atingir os conteúdos necessários (os que não tiverem disciplinados) devem ser
retidos. [...] Para mim, a escola seriada foi e será um retrocesso na história da
humanidade. (Julia – NE)
As palavras de Julia, mais uma vez, testemunham que é preciso conhecer a origem
da escola seriada. Saber por que ela foi concebida de tal forma, para atender a que tipo de
sociedade. Como destacado por ela, esta maneira de organizar a escola faz parte da história da
humanidade e, assim, deixou marcas profundas em suas crenças, valores, normas, hábitos e
atitudes. Hoje os tempos são outros, e esta história, essas crenças e esses valores devem servir
apenas como base para avançar na direção das atuais necessidades dos alunos, que não se
afina, nem de longe, com a possibilidade de se tornarem simples “robôs”.
De acordo com o que explica Sampaio (2007) desseriar o ensino implica
movimentos de transformação dos tempos e espaços da escola e das práticas avaliativas, bem
como mudar o foco curricular dos conteúdos para um diálogo entre a cultura da comunidade e
os conhecimentos escolares, com vista à construção de espaços de experiências
compartilhadas. Pode-se compreender a luta por que se debatem os professores. Esta se
propõe mudar os valores de sua prática docente, de modo tal que ofereça aos alunos uma
aprendizagem que lhes possibilite a emancipação de suas ações em todas as situações do dia-
a-dia.
Freitas (2003) lembra que os ciclos não podem ser entendidos como mera solução
pedagógica, mas como instrumento de resistência. Resistência esta aqui compreendida pelo
autor no sentido de que não se deve esperar que os ciclos funcionem sem nenhum problema.
Em contrário, que professores, pais e alunos se envolvam de fato, a tal ponto de olharem para
os ciclos e deixarem de vê-los apenas pelo ângulo metodológico-pedagógico, antes, como
espaço político de resistência à escola convencional, seriada, historicamente construída com
uma função social excludente e de dominação.
Está na hora de professores, alunos, pais e gestores compreenderem esse
movimento de resistência, propondo-se romper com a seriação e adotar um novo articulador
110
para os tempos e espaços da escola, cujo foco está ancorado no desenvolvimento da criança e
em sua vivência.
A dificuldade em se pôr à disposição de novas mudanças também se pelo fato
de esta maneira de organizar a escola exigir do professor maior responsabilidade. Sobretudo
porque não haverá mais nota para garantir o compromisso dos alunos. O interesse agora virá
de situações de aprendizagem desafiadoras, enriquecedoras, que contribuam para que os
alunos se desenvolvam melhor.
A escola seriada tinha a segurança, não sei se posso dizer “segurança” a reprovação
por série, o que tirava a responsabilidade da escola e dos professores sobre o
indivíduo, era e é mais fácil nas escolas seriadas a falta de compromisso sobre o
aluno que não está acompanhando o processo de aprendizagem da turma, isso dando
um chá de reprovação por vários anos, até que ele próprio desista [...]. (Elen – NE)
Vejo que minha aprendizagem cognitiva era acima de tudo o processo fundamental
medidos em determinados momentos, por meio de avaliações terroristas, na qual
media somente a minha aprendizagem e não o que eu era, e como era passado para
mim [...]. (Elen – NE)
Sem falar que a seriada o professor é mais acomodado no sentido de buscar mais
conhecimentos, basta seguir o livro, aplicar as avaliações, calcular a média final e
pronto, o veredicto está dado (Julia – NE)
Aquela prova, antes eu digo assim, a questão de prova, a questão de nota, mesmo
assim porque avaliava-se uma coisa e deixava outra. (Fernanda – NO)
A bem da verdade, não é esse o tipo de escola que a organização por ciclos quer
construir. Nesta, o compromisso, além de focar na aprendizagem dos alunos, é voltado para a
qualidade do ensino oferecido. Para isso, somente o livro didático e uma nota no fim do
bimestre não se fazem mais suficientes para dizer se o aluno aprendeu ou não.
Arroyo (1999) pondera que dificilmente o educador consegue fugir de uma
identidade construída por uma longa história, permeada por culturas, estilos e práticas
diversas e constantes pelas quais herdamos saberes e técnicas que se materializam em
práticas, símbolos e tramas, em complexas redes sociais e escolares por onde passa a
construção do conhecimento e da cultura.
Portanto, muitos dos problemas encontrados pelos docentes na escola, no que se
refere a enfrentar nova organização de escola, como a escola organizada por ciclos, não se
devem tanto a dificuldades reais, mas aos hábitos e costumes acumulados de uma tradição
escolar, seletiva e propedêutica, com a função sancionadora de qualificar, desde pequeno,
aqueles que estão aptos, e os que não estão, para seguir os estudos.
Zabala (1998) afirma que a avaliação hoje está centrada no processo de
ensino/aprendizagem, tanto do grupo/classe como de cada um dos alunos. E o sujeito da
avaliação não é somente o aluno, mas também o professor. Está o diferencial e as
111
dificuldades enfrentadas pelos professores, pois o foco está em o ensino ir ao encontro das
necessidades dos alunos e não os alunos se adaptarem às normas e às regras do ensino.
Observa-se, então, na organização da escola seriada, que aquilo que se punha em
destaque era a aprendizagem do aluno. O ensino não era posto em discussão: em havendo
ensino, teria que haver aprendizagem. Independia desta outra pergunta: qual era ou é a
qualidade deste ensino?
Quando da proposta de mudança, os sujeitos nos revelam que a insegurança é
fator que gera risco, dada a mudança ocasionada pela introdução de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras, o que leva os docentes a fazer um movimento de idas e vindas às
antigas práticas.
É assim, não estou 100% mudada, mas nos sentimos inseguras, então as vezes nós
voltamos a fazer aquele papel de BA, BE, BI, BO, BU e tudo mais, mas buscar
palavras que comecem com a família silábica. Buscar estas palavras, de vez em
quando eu faço isso. Não é uma prática que eu pego do início do ano e vou até o
final não. Só algumas letras do alfabeto eu tiro da família silábica. (Julia – NO)
Essa insegurança de Julia pode ser explicada por Arroyo (2004) quando elucida
que a gica linear da seriação faz com que os professores se sintam seguros, e às vezes, leva-
os a duvidar, resistir e a questionar a possibilidade da reinvenção de outra lógica, que a
reinvenção desta significa reinventar-se como professor, como equipe docente, organizar
novos tempos de aprendizagem dos alunos, novos tempos de trabalho da docência.
Freire aponta que este é um processo da atuação do docente e quando se refere
sobre aos temores e riscos da transformação, destaca que essa é uma fase pela qual passa
aqueles que se propõem práticas pedagógicas emancipatórias. Afirma que é bom quando se
corre riscos, pois isso traduz a parte concreta da ação. Alerta: “se você não comanda seu
medo, você deixa de arriscar, você não cria nada” (1986, p. 76), não sem frisar que, sem
arriscar, não possibilidade de existir. O risco, a insegurança fazem parte do processo e
devem ser encarados como fonte inspiradora e de desafio à realização das tarefas dos
docentes.
Fernanda, sujeito desta pesquisa, aporta um dado importante quando sinaliza que
existem algumas interferências que dificultam acompanhar melhor seus alunos. Cita uma que,
por certo, merece ser objeto de reflexão: a formação.
A formação faz parte da construção da cultura pedagógico-curricular do professor.
Nessa perspectiva, é de questionar: Ela está sendo suficiente para orientar os professores com
relação a possibilidades de implementar inovação na prática pedagógica?
112
É claro que tem algumas interferências que atrapalha até mesmo eu acompanhar
melhor esse aluno. Tem a questão de mais formação ainda, porque eu vejo assim,
será? Será? Mas dá certo, por quê? (Fernanda – Entrevista)
Em razão de o processo de formação estar em constante construção, até que os
professores assumam novas concepções curriculares, muitas indagações vão se constituindo.
Assim como, um movimento de idas e voltas, nas diferentes maneiras de organizar a escola
seriada, ciclos –, até que novas concepções passem a fazer parte do dia-a-dia da sala de aula.
Carbonell (2001) discute que há muitos elementos de resistência à inovação:
alguns explícitos, outros ocultos. O mais visível, segundo ele, é a rotinização de algumas
práticas fortemente ancoradas no conservadorismo, o que acaba não raro, sem ter consciência
da distribuição de tarefas, feitas algumas variações ou, ainda, para ocupar um tempo ocioso
dos alunos.
Pincemos alguns momentos em que os professores ainda transportam para sua
prática alguns resquícios dos valores e crenças instituídos pela cultura herdada. Centremo-nos,
principalmente, nas observações extraídas do sujeito Elen.
A professora me informou que a meta é trabalhar até o número 9 (nove), mas que
nada impede que se além. Então como alguns alunos dão conta de mais. Eles
vão embora.
Para as duplas que terminaram logo, a professora pediu para desenvolverem a
seguinte atividade: (Elen – Observação).
Escreva o nome dos números:
0 3 6 9
1 4 7 10
2 5 8
Após o recreio a professora trabalhou com esta atividade mimeografada, com os
alunos que apresentam um pouco de dificuldade:
1)VAMOS CONTAR
0 – 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6 – 7 – 8 – 9 - 10
2)COLOQUE OS NÚMEROS QUE FALTAM:
0........2........4........6........8.......10
3)VAMOS CONTAR (fez conjunto contendo entre um e oito elementos, para eles
contarem e escreverem o numeral correspondente)
4)RESOLVA (passou algumas contas de adição)
E trabalhou com estas atividades com os alunos que estão se desenvolvendo mais
COMPLETE A QUANTIDADE
Apresentou conjuntos com elementos variados para os alunos contarem e
completarem até a quantidade que estava sendo pedido:
E em seguida encaminhou a seguinte atividade:
COLOQUE OS NÚMEROS
ONZE
QUINZE
DEZENOVE
DEZ
DOZE
TREZE
DEZESSEIS
QUATORZE
DEZESSETE
DEZOITO
113
Julia, de sua vez, complementa com esta observação:
A professora pesquisou e trouxe algumas informações sobre o que os alunos
queriam aprender.
Segundo Weisz (2003), quando analisamos a prática pedagógica de um professor,
por trás de suas ações encontra um conjunto de idéias que as orienta e, assim, deixa
transparecer, quanto é difícil se desvencilhar de práticas historicamente construídas e aceitas.
Nos exemplos de atividades que apresentamos acima, pode se compreender, por
meio dos estudos de Weisz (2003), a concepção do conteúdo que se espera que os alunos
aprendam (a meta é trabalhar até o número nove, mas nada impede que se vá além); a
concepção do processo por meio do qual a aprendizagem ocorre (por meio de atividades de
escrita, de contagem, de completar os números, assim como de resolver algumas adições); e
ainda a concepção, expressa nas atividades, de como deve ser o ensino (de maneira que o
aluno precise fixar informações, concepção esta que está relacionada com a crença de que os
alunos, por primeiro, o introduzidos no mundo dos números, para depois compreenderem
como se constrói o sistema numérico).
O trabalho de pesquisa feito pelo professor deve ser constante, para que suas
informações sejam atualizadas com freqüência. Porém, não se pode deixar de franquear a
atividade de pesquisa também aos alunos. Ampliar esse trabalho até os alunos significa
promover momentos de trocas de informação e de aprendizagem mais envolvente, além de
possibilitar a participação dos pais neste trabalho.
Outra concepção que merece ser discutida com maior clareza é a que diz respeito
ao motivo por que optar por uma organização de escola centrada nos ciclos. A depender da
concepção do professor, serão suas atitudes no processo de ensino e de aprendizagem. É o
caso de saber por que, nos ciclos, os alunos são organizados de acordo com a idade. Observe
que esse assunto ainda não está bem claro.
Acho negativa a questão dos alunos serem colocados em uma mesma turma pela
idade e não pelo conhecimento. (Fernanda – NE)
[...] as desvantagens da escola ciclada? Uma coisa que eu vejo assim, com relação à
idade-ciclo, os alunos que, por exemplo, tem nove anos, que nunca foi à educação
infantil, não participou de nada assim, e veio para escola. porque ele tem a idade
ele é colocado na turma que já participou de todo esse percurso, e... por
causa da idade e não pelo conhecimento, eu acho assim e sei que não é homogêneo,
é heterogêneo, tem que ter essa diferença, não é todo mundo igual, mas assim ... é
muito aberrante a diferença, por conta do trabalho do professor, porque por mais
que você tenta, por mais que você faça, você não consegue porque é muito diferente
o nível do aprendizado. (Fernanda – NO)
Esse aspecto foi considerado relevante, por se tratar de fala que perpassa o dia-a-
dia dos professores, na escola, nos intervalos ou, até mesmo, quando se tem reunião de pais.
Isso foi observado no acompanhamento mais próximo das ações dos professores na escola.
114
Significa isso dizer que, está passada a hora de saber o porquê do critério idade, para a
formação das turmas na escola organizada por ciclos.
Gather Thurler (2001) discorre, em sua obra “Inovar no interior da escola”, que a
escola organizada por ciclos apresenta uma visão global do desenvolvimento dos alunos, no
momento que permite que os alunos progridam de maneira não linear. Que significa isso?
Segundo a autora, a ampliação deste olhar a favor dos alunos evidencia nova concepção dos
percursos individualizados dos alunos. Esses percursos oferecem aos alunos oportunidades de
que cada um demonstre seu potencial. Aos professores, a necessidade de desenvolver novos
modelos de ação coletiva que garantam a progressão dos alunos fundada numa aprendizagem
mais coerente e mais eficiente.
Causa aflição em boa parte dos gestores, bem assim dos professores, alunos e pais
a possibilidade que a escola organizada por ciclos traz de substituir um mundo minado por
contradições, de aferir graus que permitem administrar o programa da escola ano a ano, de
situar os alunos aptos e não aptos à seqüência de uma aprendizagem vista como um processo
linear.
Igualmente para compreender, segundo se depreende de Krug (2007), que para
aprender não são necessários os trabalhos individualizados, a memorização mecânica, e um
ensino direcionado para a vez e voz tão do professor. Portanto, exige-se, nessa maneira de
olhar a escola hoje, a responsabilidade de promover atividades variadas que provoquem a
curiosidade organizada em trabalhos de grupo, diálogos, hipóteses, argumentações e
resultados variáveis entre as diversas áreas do conhecimento.
Para concluir esta idéia, Arroyo ilumina que a pedagogia moderna propõe separar
os alunos por idade intentando “criar estratégias apropriadas para cada idade. Criar
instituições e tempos específicos de socialização e formação de crianças, adolescentes e
jovens” (2004, p. 201). Isso porque se busca reconhecer a existência de uma especificidade
das idades da vida da infância e da adolescência-juventude, momento que marca
significativamente o valor de cada tempo escolar, propondo adequá-los aos tempos da vida.
Nova cultura do tempo se torna necessária, então, para nova forma de organizar o trabalho na
escola, eixo das condições para o ensinar e o aprender. Arroyo afirma que os professores
“encontram aí uma de suas mais sérias motivações” (2004, p. 202).
Arroyo (2004) lembra ainda que esse tempo escolar pode ser repensado em função
de enfoques diversos como tempo mental, social, cultural, etário e escolar, observando os
tempos individuais e coletivos, pois as instituições escolares não apresentam apenas os
tempos predefinidos, ritualizados, instituídos.
115
Cabe aos docentes buscar compreender que os ciclos partem da idéia que as
decisões de promoção dos alunos não mais operam no fim de cada ano. Igualmente, devem
preocupar-se em acompanhar o desenvolvimento do aluno em longo prazo, de modo a ensejar
a eles a construção de aprendizagem que supere a limitada por um programa escolar, dividido
em bimestres e em anos letivos.
Além do fator idade, outro ponto que deve ser revisto é quanto ao porquê de
escolher trabalhar por meio da organização da escola em série e por que escolher trabalhar
numa organização por ciclos. A escolha por um ou por outro está carregada de significados.
[...] sobre o método da escola ciclada e escola seriada. Às vezes fica assim. Defende
mais um que outro. Eu penso assim, que tanto a escola ciclada, quanto a escola
seriada tem seus pontos positivos e negativos. Eu enquanto educadora, eu utilizo os
dois. Se for ciclada ou seriada eu quero saber assim o que é bom, o que vai servir
que meu aluno vai aprender. Enquanto educadora assim, eu penso dessa forma. Não
importa se é tradicional ou ciclada, os dois vêm para me embasar, para me ajudar no
que é preciso. (Fernanda – NO)
Imbernón, quando alude às funções dos professores afirma que a definição destas
é fator essencial tanto para os políticos, como para os gestores educacionais e professores,
pois “si no se sabe por qué se hacen las cosas, difícilmente se podrá establecer conjuntamente
como harce-las bien” (1994, p. 32).
Está a relevância de os professores buscarem se informar por que optar por
trabalhar em uma escola organizada de uma ou outra maneira, ou seja, organizada por séries
ou por ciclos. De que lado está? Fala de que concepção? Não diferença entre uma e outra
organização?
Optar por trabalhar em uma escola organizada por ciclos significa, segundo
Azevedo (2007), atender aos alunos de maneira diferente, dentro de uma proposta pedagógica
teórica progressista que opera mudanças qualitativas no processo educacional; articular os
tempos e os espaços da escola com o desenvolvimento biológico e cultural; construir uma
mediação entre a estrutura da escola e as necessidades da formação de cada aluno; organizar o
trabalho do docente em equipe, de modo que se possa diagnosticar, investigar e propor
situações garantidoras de uma avaliação emancipatória, com o objetivo principal de
proporcionar uma aprendizagem para todos.
Fernandes afirma aquilo ponderado por Azevedo (2007), ao justificar que pensar
em uma escola por ciclos significa pensar uma escola diferente da que conhecemos. Uma
escola possível de “reorganizar, ressignificar, replanejar e, por que não, reinventar as questões
relativas à organização e à dinâmica escolar”. (2007, p. 96)
116
A escola organizada por série, de acordo com os estudos de Azevedo (2007),
apresenta uma estrutura marcada por um trabalho individual, especializado, fragmentado,
parcelado em disciplinas; com seus espaços e tempos predeterminados. Com seu conteúdo
predefinido linearmente ao educador basta enquadrar-se e adaptar-se a eles, e envolver-se em
uma prática pedagógica permeada pelo isolamento e validada por ritos e normas legitimados
por uma tradição de que, se um aluno aprende, por que os outros também não aprendem? A
avaliação é tida como instrumento de poder, exercendo uma ação julgadora, seletiva,
classificatória como meio de punição àqueles que não aprenderam.
E então? Não está na hora de decidir de que lado estamos? Qual é o objetivo do
ensino que estamos oferecendo a nossos alunos? A resposta a esta questão ajudará na
verificação de que não podemos acreditar que há algo em comum entre uma concepção de
escola e outra.
A preocupação centrada no olhar do outro sobre o trabalho do docente, também é
um dos focos que trazem insegurança ao desenvolvimento de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras. Pois, em não se atingindo os objetivos pretendidos, quais serão as críticas dos
colegas de trabalho que optam por permanecer em uma metodologia de “estímulo-resposta”,
das famílias habituadas em ver o caderno do filho cheio de cópias, ditados, exercícios de
separar labas, arme e efetue, a tabuada para ser decorada, entre outros. Essa inquietação se
dá tanto com relação aos parceiros da própria escola, como aos outras escolas.
[...] às vezes é duro assim quando não está aberto à mudança, a inovar, e critica. Não
são todos, mas alguns, aquele que detona realmente, e também não enquanto escola,
não! É enquanto cidade, município. [...] Temos experiência de casa, da família, da
cidade, dos colegas, não na própria escola, dos cursos quando se reúne porque
quando estamos abertas à mudança, quer fazer a diferença, observamos tudo. O que
estamos falando, o que estamos deixando de falar. [...]. Às vezes em vez de ajudar,
faz arruinar, [...]. Então tudo isso nós compartilhamos e me sinto tão mal, quando às
vezes eu ouço uma fala assim, fico descontente [...]. Não é que está certo e vai dar
certo, mas se nunca tentar e querer, é que não vai dar mesmo. Tem que estar
aberto a querer. Não adianta eu ouvir, achar que não e não fazer. (Fernanda
NO)
Essa ansiedade toma conta do pensamento dos docentes por conta de uma cultura
repassada de crenças, valores, hábitos e costumes arraigados desde seu percurso na escola
primária.
Pode-se compreender essa trajetória ao olhar o passado e(ou) um presente ainda
recente em algumas escolas ou salas de aula e concluir que o espaço mais famoso da escola é
a sala de aula. Por outro lado, o tempo mais conhecido, como discorre Freitas (2003) e como
nossa própria experiência nos permite afirmar, é o da seriação das atividades escolares. Nesse
117
sentido, a escola não é um local ingênuo sob um sistema social qualquer, mas dela se espera
que se cumpram diversas funções determinadas pela sociedade.
A construção de nova concepção de escola não ocorre de um dia para outro.
Enquanto essa trajetória é edificada, os caminhos se tornam às vezes cheio de dúvidas no que
diz respeito à melhor decisão, a saber quais as atitudes mais adequadas.
Fernandes (2007) aclara que a escola organizada por ciclos, por exigir mudanças,
conseqüentemente se torna uma escola em conflito, inquieta, uma vez que tudo está sendo
questionado. A preocupação, portanto, deve estar centrada na descoberta da necessidade de
construir uma escola que esteja disposta a mudar, a ser inquieta, e a não abrir mão da utopia.
Diante desses dados, novas indagações vão se constituindo. Por que a proposta da
escola organizada por ciclos, encaminhada com novo olhar para os processos de ensino e de
aprendizagem, é assumida somente por uma parte dos docentes? Falando daqueles que
realmente se dispõem a uma prática inovadora, e não daqueles que mudam o discurso, tal
fato se dá por não se disporem a assumir os riscos da mudança e exigirem maiores esforços
para promover uma prática inovadora?
Ou ainda, diante da angústia, das incertezas, do medo de atitudes malsucedidas,
isso faz com que os docentes insistam em práticas que nem mesmo os próprios alunos se
dispõem a participar, demonstrando falta de interesse pelas aulas, o que deixa os docentes
incomodados. Mais que isso: algumas vezes, chegam a afirmar que os alunos de hoje em dia
não querem nada com nada. E agora? A reprovação é a solução desses problemas? Reprovar
os alunos possibilita maior interesse e aprendizagem? Sendo assim, a resistência em se dispor
a uma organização nova de escola se por tirar o “poder” que os docentes têm sobre os
alunos, com a reprovação?
Será que a ausência de um conhecimento maior sobre o processo sócio-histórico e
sobre a fundamentação teórica da razão pela qual se impõe organizar a escola por séries ou
por ciclos, contribui para a não-adesão a mudanças na prática pedagógico-curricular dos
docentes?
Penso que cada profissional que se lança ao desafio de ser professor necessita,
antes de qualquer coisa, parar e refletir quais os motivos que o levaram a escolher esta
profissão. Exercê-la exige investimento grande, tanto em nível pessoal como profissional. Por
isso, merece ser pensado com compromisso, ética, responsabilidade, disposição para
resolução de problemas e tomada de decisões ante as novas exigências da educação. Outro
ponto é principalmente dispor-se a ser um educador sujeito de sua ação profissional, capaz de
118
atuar e criar situações de ensino e aprendizagem que atenda à heterogeneidade existente na
sala de aula.
3.2.3 O que se faz com o tempo... tempo ... tempo
Mudar e(ou) propor inovações é um processo de aprendizagem. Esse o
entendimento de Marcelo García (1999). Portanto, é um processo pessoal e profissional em
que os professores devem se entregar para superar a ansiedade trazida pelo movimento que a
mudança na crença ocasiona.
Ao se levar em conta o que sucede quando se tem o livro didático como única
fonte de informação para o desenvolvimento da prática do docente, quando se tem uma nota
que, por si só, classifica e mede o conhecimento dos alunos? Que fazer com o tempo se
continua sendo desafio para os professores? A maneira como o tempo é utilizado hoje
continua a revelar padrões de uma cultura uniforme, cuja escolha implica ignorar e depreciar
o diferente, renunciando às alternativas críticas.
Daí se infere que o tempo é outro fator que faz com que os professores se
preocupem em cumprir um currículo predeterminado, muitas vezes decidido mesmo antes
de iniciar o ano letivo, antes de conhecer quem serão os alunos com os quais irá trabalhar.
Isso, também, porque a escola se encontra envolvida pelo ritmo da sociedade, ditado pelo
êxito e pela aparência, inquieta pela obtenção de resultados em curto prazo, pela exibição de
rendimentos, justificando qualquer procedimento, ou estratégia, que manifeste resultados
imediatos.
Durante as observações, passei bom período freqüentando a escola. Não poucas
vezes, chegava mais cedo. No horário do recreio, conversava com um professor aqui, outro
ali. Em várias dessas conversas pude apreender um dado merecedor de muita preocupação: a
carga horária anual, destinada para o trabalho escolar. Por lei, é de, no nimo, oitocentas
horas, distribuídas no geral em duzentos dias letivo. Segundo os professores, os motivos são
diversos os mais variados para não cumprir essa exigência legal: desde problema relacionado
com transporte escolar até a possibilidade de adesão a pontos facultativos, acolhidos pela
escola.
119
Esse ano se for contar teremos apenas uns 50% de dias letivos efetivos trabalhados
com alunos. Diz que isso é uma dificuldade, pois quando os alunos estão pegando o
jeito com o conteúdo, não tem aula e acabam se desmotivando. (Elen - observação)
Observa-se que a questão do tempo de aula não tem sido muito questionada pelos
gestores escolares. O que se tem feito com o cumprimento do tempo que deve ser garantido à
aprendizagem dos alunos?
Diante do relato acima, verifica-se que nova cultura do tempo é preciso ser
construída no interior da escola, para contemplar as novas formas de organização do trabalho
pedagógico.
Elen, não obstante enfrenta a lógica temporal como dificuldade para o
desenvolvimento de sua ação como docente, corrobora o que retrata Arroyo: “para muitos
professores (as), não es sendo cômodo manter a lógica temporal que organiza nosso
trabalho. Estão convencidos da necessidade de repensar nossos tempos de ensinar” (2004, p.
196). Se bem que assim, essa tarefa não pode ser responsabilidade somente dos professores,
mas de propostas coletivas de cada escola, sobretudo da rede de ensino.
Arroyo (2004) ainda alerta que saber planejar o tempo é um saber específico do
professor tão importante quanto saber definir o conteúdo e o método de ensino. está mais
um desafio lançado aos docentes: organizar os tempos da escola em favor dos tempos,
necessidades e direitos dos alunos.
Como se sabe, o fator tempo é um dos principais para o desenvolvimento de
práticas pedagógico-curriculares inovadoras, dado que é necessário tempo para propor
atividades diversificadas aos alunos, tempo para acompanhar cada aluno da melhor maneira,
tempo para verificar o que deu certo e o que precisa ser melhorado, no que diz respeito a
metodologia em sala de aula, como também para planejamento, tempo para estudos
individuais e em equipe. Igualmente para discussão e troca de experiências com os
professores que compõem o coletivo da escola. Como bem elucidam Julia e Fernanda:
120
Eu penso que o tempo de estarmos preparando as aulas. O tempo para discutirmos
mais, desenvolver atividades com os colegas de turma, para refletir. É difícil casar o
tempo dos dois períodos, para isso temos que fazer as reuniões nos dias de sábado.
Então, fica assim: não vou sacrificar meu sábado. Então, eu penso que falta esse
tempo, essa organização para avançarmos mais. [...] Acredito que é o tempo mesmo.
Discussões, reflexões entre o grupo de professores de cada ano. Isso viria contribuir
para melhorar. (Julia – NO)
Na parte interna, é bem essa organização da direção, é da própria coordenação, dos
próprios professores de cada ano, de cada ciclo, estarem se organizando dentro desse
tempo. [...] para estarmos sentando, discutindo, refletindo sobre o fazemos. Preparar
material. (Julia – NO)
Dentro de uma sala com 20 a 28 alunos com diversificados níveis de conhecimento,
destaco algumas dificuldades: tempo para preparar atividades diferenciadas; a
intervenção nos grupos de trabalho, porque não para observar as relevâncias de
todos. (Fernanda – NE)
É de se perguntar: como atender a todos esses quesitos, se não tem sido garantido
ao aluno e ao professor o mínimo de dias letivos, para o desenvolvimento do trabalho.
Como articular tempos tão contraditórios? Ao tempo em Arroyo se questiona,
também o fazem os sujeitos desta pesquisa. “Se os profissionais da escola vivem em
permanente tensão na administração da diversidade de seus tempos [...]. Vivem tempos
atropelados invadidos por outros tempos” (2004, p. 190). O autor lembra serem frustrantes e
dramáticas as tentativas de articular os tempos humanos e os tempos escolares.
Neste caso, em vez de facilitador dos processos de ensino e de aprendizagem,
passa o tempo ser complicador. Com o tempo diminuído, o docente se angustiado por
entender que está correndo contra ele e, com isso, se pergunta: que fazer para conseguir o
sucesso almejado, ao se propor a promoção de inovações pedagógico-curriculares em sala de
aula?
Segundo Arroyo (2004), é preciso compreender a lógica temporal da escola onde
trabalhamos e nossa própria lógica docente, pois é nesse movimento que decorrem muitas das
práticas pedagógicas que reproduzimos. Os docentes encontram dificuldades de realizar a
articulação do tempo, fundados em nova cultura do tempo que penetrou na organização do
conteúdo, na aprendizagem, nos agrupamentos dos alunos, no trabalho docente, nos rituais de
avaliação, no julgamento que fazemos dos bons ou maus alunos, do trabalho em equipe.
121
O tempo nos acompanha pela vida. Daí por que a preocupação com os tempos
profissionais, de ensino, de trabalho, de estudo, de qualificação, de família, de convívio.
Impõe-se a necessidade de articular os direitos a cada um dos tempos e das novas formas de
viver os tempos da vida, lembra Arroyo (2004).
A angústia em viver cada um desses tempos da vida acarreta certo desconforto
nos docentes, pois trabalhar com metodologias inovadoras, além de exigir deles novo olhar
sobre a ocupação do tempo didático, faz com que se sintam incomodados por não dar conta de
exercer sua profissão como gostariam.
é difícil fazer esse trabalho direto na sala de aula porque é sempre uma coisinha
aqui e outra ali. A angústia de educador, devido ao acompanhamento. Eu precisava
de uma monitora, alguma coisa assim. Isso eu vejo que a metodologia da escola
ciclada, certo, mas tem certos aspectos que ainda precisam ser ampliados para
ficarem melhor. (Fernanda – NO)
É possível perceber quando Fernanda diz que sua angústia se no embate do
acompanhamento dos alunos, que é difícil desenvolver um trabalho diferenciado direto na sala
de aula, grifando a necessidade de uma monitora para lhe auxiliar. A bem dizer, ela está quase
que gritando por socorro. No caso, o fato o seria ampliar a metodologia da escola
organizada por ciclos, mas garantir que pelo menos seja reservado o direito e as condições
que os educadores e educandos têm para pôr seu trabalho em prática.
A preocupação é tanta que Fernanda demonstra desespero quando que o ano
está terminando. Essa angústia demonstra a responsabilidade que a professora tem no
desenvolver um trabalho que garanta aprendizagem a seus alunos.
No fim do ano agora, nem dormimos, às vezes, e ficamos meu Deus! O que eu posso
fazer ainda? (Fernanda – NO)
Arroyo (2004) mobiliza que essa preocupação com o tempo não é apenas por que
cada um tem seus interesses com relação ao tempo, mas por lidarmos com tempos
cristalizados, instituídos, enrijecidos pelas lógicas escolares e sociais de que as crianças
devem num mesmo tempo, em “ritmos médios” de aprendizagem, construir as mesmas
habilidades e saberes.
122
No entanto, esse fato nos remete a este questionamento: qual autonomia tem o
professor encontrado para articular o tempo de ensino ao tempo de aprendizagem dos alunos?
A matéria ainda tem sido determinada para cada bimestre, ano (série), ou ainda para cada
semana de aula? O que vem sendo realizado com o tempo estipulado para o processo de
ensino e de aprendizagem? As escolhas de como utilizar cada tempo m sido a melhor? O
tempo é fator relevante para levar em conta quando se propõe realizar práticas pedagógico-
curriculares inovadoras?
É fácil dizer que se está aberto à mudança. Mas como pode se observar, até
mesmo pelo fato de termos uma cultura impregnada em nossas ações pedagógico-curriculares,
a mudança não acontece por acaso.
Não se deita tradicional e se levanta sociointeracionista, por exemplo. Mudar
exige compreender o por que é preciso mudar, cujo processo não é tranqüilo. Por isso o
professor deve aprender novas formas de pensar o ensino e a aprendizagem, assim como
descobrir novas condições que facilitam a aprendizagem dos alunos.
[...] em 91 um estudo que fizemos no Bom Semeador, vinha com mudanças de
pensamento. Só que foi lá em 90, 91 e foi uma década para mudarmos. (Julia – NO)
Julia levanta outro ponto relevante para debater quando se trata de propor
mudanças em educação. Sua fala nos mostra que o tempo é um dos elementos em relevo
quando se fala em mudança.
Percebemos que, nas palavras de Julia, está dito que a mudança não ocorre em
curto prazo. Para que se efetive, é importante, antes de tudo, que haja mudança de atitude,
tanto no que cabe à estrutura externa
Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e
Municipais de Educação,
, como à interna
Direção, coordenação, professores.
O médio ou longo prazo para que as mudanças se viabilizem, também depende do
empenho que estas estruturas depositam em cada uma delas. De nada adianta discutir,
promover eventos com repercussão até na mídia, se, na prática, não um acompanhamento
mais próximo, garantidos de que os investimentos aplicados estão dando algum resultado.
“Não se muda o que não se conhece. Logo, é urgente conhecer o tempo escolar,
suas lógicas e os valores e as culturas que articulam, predefinem e mantêm a organização do
tempo no sistema escolar” (ARROYO, 2004, p. 192), para compreender o porquê de se
colocar a favor da introdução de práticas pedagógico-curriculares inovadoras e, assim, propor
que uma escola imediatista e excludente ceda lugar a uma escola possível, comprometida com
o conhecimento de todos os alunos.
123
Para propor mudanças de organização da escola por ciclos é preciso, assim
entende Freitas, a compreensão de que a noção de ciclos está inserida num “projeto histórico
transformador das bases de organização da escola e da sociedade, de médio e longo prazos,
que atua como resistência e fator de conscientização, articulado aos movimentos sociais”
(2003, p. 73).
Nesse sentido, acredita-se que o que não convém é desistir no meio do caminho,
mas confiar que os resultados podem demorar para ser visíveis, mas que é possível, a cada
dia, verificar o crescimento e a melhoria da escola.
[...] eu vejo assim que não uma preocupação em dar seqüência no que a gente faz
nos cursos. E, que no que deveríamos pôr em prática mesmo. que sinceramente
não põe 100% em prática não. Vamos devagar. (Julia – NO)
Essa demora em pôr em prática o que se discute nas formações pode estar
ocorrendo por ausência de apoio mais decisivo aos docentes, como é o caso de deixar parte do
aprendizado de lado, dada a presença de conflitos, associada ao fato de não terem com quem
partilhar as angústias.
Faz-se necessária a construção de nova cultura do tempo, comprometida com a
crença de possibilitar aos docentes, aos gestores e aos alunos o direito de reinventar o tempo
de ensinar e o tempo de aprender. Assim, que sejam mais abrangentes e consistentes para
aprofundar a tarefa de transformar o espaço da escola, da sala de aula e do trabalho em
equipe, em espaços de aprendizagem mútua, de socialização de experiências para a
implementação de uma escola comprometida com a função que a educação escolar deve
exercer na sociedade.
3.3 Elementos da cultura que favorecem a constituição de práticas pedagógico-
curriculares inovadoras
O processo de constituição da cultura pedagógico-curricular do professor é
dinâmico e socialmente construído. Bem por isso, modifica-se com o passar do tempo graças
a experiências que os docentes vão adquirindo, em suas relações com o coletivo da escola, em
seu envolvimento com a própria cultura da escola, por sua formação inicial e contínua.
A cultura pedagógico-curricular do professor vai então se revestindo de novos
sentidos e se legitimando. Com isso, novos valores, novas crenças, novas atitudes vão sendo
124
construídos na organização e no desenvolvimento do currículo em favor de um ensino e de
uma aprendizagem emancipatórios, críticos e reflexivos.
O professor passa a se incomodar com a mera aplicação de um currículo oficial
produzido pelo “sistema” e(ou) pelos livros didáticos e passa a aperfeiçoar sua prática, de
modo que possibilite uma reflexão sobre sua ação e isso infere resultados significativos na
aprendizagem dos alunos.
Pérez Gómez (2001) aclara que melhorar a prática exige do docente processo
contínuo de reflexão e, uma vez que a constituição de novos valores se encontra envolvida
pelo contexto, a tarefa de reconstrução da ação educativa, própria de cada sujeito, associada à
investigação/ação da prática pedagógico-curricular, transforma todo o cenário da
aprendizagem do docente.
Esse processo é fundamental para a transformação da cultura pedagógico-
curricular do professor, das atitudes de aprendizagem e, também, da organização do trabalho
docente.
A aprendizagem do docente é sempre parcial e provisória, pois depara com
constante desenvolvimento a depender do envolvimento, da disposição, da ousadia e da
confiança que deposita em seu trabalho, com vista a que as decisões tomadas são as mais
adequadas para oferecer aos alunos uma aprendizagem mais coerente com as novas
necessidades do dia-a-dia.
Nesse sentido, os docentes vão elaborando novo olhar sobre o ensino e a
aprendizagem. Passam a distribuir o tempo e o espaço de ensino, valorizando o ritmo de
aprendizagem de cada aluno, de modo que este aprenda.
Para que a inovação educativa se dê, é preciso que cada sujeito trabalhe suas
próprias concepções, pois mudar requer compreensão do por que mudar, experimentação de
novas metodologias de ensino, reflexão sobre a prática pedagógica, incluindo novo olhar
sobre o modo de avaliar o desenvolvimento, tanto do trabalho do docente como do aluno.
Para a realização da mudança e de inovações efetivas na prática, a insistência se
habite como uma das principais características que o professor deve construir, porque, se o
alcançar o objetivo esperado na primeira tentativa, não pode ele ser descurado. Antes, a
reflexão sobre os pontos que não deram certo é o que levará ao sucesso de novas
metodologias de ensino.
No processo de constituição da cultura pedagógico-curricular do professor estão
presentes
independentemente das dificuldades pelas quais os docentes enfrentam para se
125
desfazer de práticas arraigadas
novos valores, crenças e atitudes que favorecem a inovação
de práticas pedagógico-curriculares.
Pode-se observar que a escola organizada por ciclos, entendida aqui como
proposta de inovação pedagógico-curricular, no pensar dos os sujeitos desta pesquisa,
necessita de alguma reformulação no que diz respeito à mobilização dos docentes, decorrente
do que a própria proposta traz, tanto no sentido de se dispor a mudanças como no apoio dos
órgãos externos e internos à escola. Não bastante, um arsenal de desafios que lança àqueles
professores que se propõem ao risco e à ousadia de acreditar que é possível fazer de modo
diferente sua ação como docente, ver os processos de ensino e de aprendizagem como
caminhos que precisam ser percorridos com determinação de longe maior.
Um dos detalhes mais importantes no processo de mudança é a construção
histórica e cultural marcada por crenças, valores, hábitos e costumes que, embora muitas
vezes se tornem cristalizados no próprio percurso, também estão sujeitos à possibilidade de
olhar a prática por novos ângulos. Nessa linha, põe em movimento mudanças de atitude na
construção de práticas pedagógico-curriculares inovadoras.
3.3.1 Disposição do professor à mudança
Inicialmente, os sujeitos testemunham que, para ocorrer mudança na ação do
docente, um dos fatores essenciais é o que respeita à disposição dos professores à mudança.
Sobretudo porque as dificuldades sempre estarão presentes. Como a sociedade, a família e a
escola são partícipes desse movimento de mudança, o professor não pode ficar atado à crenças
do passado. É tempo de observar que os próprios alunos querem se inserir no processo de
mudança, exigindo cada vez mais da escola.
Então se não eu mudar e ficar parada ... [...]. Tudo o que vem é novo. Então eu
preciso inovar cada vez mais. O que me ajudou mais foi o PROFA e assim, outros
semelhantes a esse. Em constante mudança e ter abertura e querer, [...]. Porque se
não for assim, não tem como. Porque a mudança não tem como, esacontecendo,
temos que ver como é que nós estamos indo ao encontro dela. Se vai ser na sala
de aula, na sociedade, na família, tem que haver essa mudança e para essa mudança
acontecer nós temos que mudar também. Porque é por isso que nós queremos, coisas
novas [...]. (Fernanda – NO)
Carbonell sinaliza um dos fatores pinçados por Fernanda, significativo para
promover a mudança em sala de aula, ou seja, de propiciar práticas pedagógico-curriculares
inovadoras. Trata-se da importância de “uma atitude aberta à mudança e com vontade de
126
compartilhar objetivos para a melhoria ou a transformação da escola” (2001, p. 31). Abarca
professores que estejam disponíveis a dinamizar um processo inovador de aceitação,
cumplicidade, compartilhamento de idéias para “contaminar” aqueles que fazem parte da
equipe da escola. Assim fazendo, pretende-se evidenciar cada vez mais a relevância de
promover inovações na prática do docente.
Fernanda nos revela que a educação está em constante mudança e que é preciso
que o professor acompanhe essa trajetória. Segundo ela, isso é possível por intermédio de uma
formação permanente, tendente a que possa o professor conhecer as diversas direções que as
novas exigências educacionais requerem.
A educação está em constante mudança e enquanto profissional que sou tenho que
estar em constante formação. (Fernanda – NE)
De sua vez, Julia discorre que enfrenta dificuldades para inserir mudanças em sua
ação de docente, mas, mesmo assim, ela se propôs ao desafio e, que apesar das dificuldades,
resiste. Acredito que esta resistência, aqui entendida como persistência aos embates por ela
enfrentados, significa um ponto que indica possibilidade para que haja melhoria na prática.
Agora estou tentando r em prática, apesar das falhas, mas tenho resistido. (Julia
NE)
O relato de Julia ilumina que enquanto alguns professores estigmatizam a própria
capacidade em desenvolver uma prática problematizadora, outros procuram as melhores
estratégias de reflexão e de tomada de decisões visando à práticas inovadoras, apesar das
falhas. Segundo Gather Thurler, “os professores são, assim, levados a desenvolver novas
estratégias para a apreciação e resolução dos problemas” (2001, p.111).
Observa-se aqui que a cultura do docente não é mais aquele universo de valores e
normas sagrados e intocáveis para os quais se tem de prestar contas. E sim, como lembra
Gather Thurler, “o instrumento e a capacidade que os indivíduos adquirem, utilizam e
transformam, construindo e vivendo suas relações e suas trocas com os outros” (2001, p. 111).
Carbonell (2001) lembra que a força que impulsiona e de quem realmente
depende a mudança vem dos professores, pois está em suas mãos a possibilidade de fortalecer
e articular experiências de inovação educativa que supere a visão tecnicista e academicista do
rendimento escolar.
Este autor ainda destaca um ponto relevante: “é importante que as administrações
sejam mais sensíveis ao reconhecimento e apoio das experiências de base, e criem um clima
mais favorável para a liberdade de ação docente e a renovação pedagógica” (Ibid, p. 30). Ou
seja, isso contribuirá para que a mudança não seja esporádica e isolada, mas que possa vir a
127
possibilitar a mobilização de maior número de docentes dispostos a promover nova dinâmica
de trabalho.
Não há receita para a mudança. Cada caso é um caso. Cada sala de aula é uma sala
de aula. Cada turma é uma turma. As dificuldades sempre vão existir, mas não podem ser
vistas como empecilhos à mudança.
[...] acredito que as dificuldades sempre vão existir, mas que não nos impedem de
realizar da melhor forma possível. (Fernanda – NE)
Esse movimento que a mudança na cultura pedagógico-curricular acarreta,
encontra-se implicado nos intercâmbios entre as pessoas e o mundo que a rodeia, por meio
das determinações culturas. Portanto, as dificuldades existem e haverá sempre de existir.
Pérez Gómez assegura que essas determinações culturais não são determinações e
normas claras e precisas, mas representações que contextualizam a vida. Importa isso dizer
que, “a cultura é um sistema vivo em permanente processo de mudança como conseqüência
da reinterpretação constante que os indivíduos e grupos que vivem nela fazem” (1998, p. 60).
Promover práticas pedagógico-curriculares inovadoras é exercício de mudança
que exige do docente disposição para enfrentar os desafios postos por ela, ou seja, romper
com o estabelecido para poder se dispor a tentativas de mudanças, sempre. Para Tardif (2002,
p. 87), “as mudanças não se limitam a uma questão de eficiência ‘mas a maneira de viver as
coisas e de compreender seu ambiente de trabalho’”.
Enfim, os professores não são meros expectadores deste cenário, uma vez que não
se trata de espetáculo, mas, na vida da escola e no desenrolar da aula, está sob sua
responsabilidade o desenrolar desta história. Para se conhecer a qualidade desse investimento,
depende, e muito, do encaminhamento e da disposição em enfrentar e promover práticas
curriculares que dêem maior significado à atuação do docente.
3.3.2 Possibilidades e desafios da mudança na organização da escola
O tempo aflora como elemento que se mostra primordial em todo esse processo de
mudança, pois, como os próprios professores não são os mesmos com o passar do tempo, os
128
alunos também não, e exigem seus atos o dizem
que a escola acompanhe esse
desenvolvimento.
[...] as próprias crianças de hoje em dia são diferentes daquelas de 12, 15 anos atrás,
e depois os estudos que vamos fazendo, passamos a mudar e colocar em prática,
buscar outro caminho. (Julia – NO)
Julia demonstra, em suas palavras, que conhecer o desenvolvimento da cultura é
um empreendimento. À luz do que entende Pérez Gómez (2001), esse fato de pensar a cultura,
repensá-la, questioná-la ou compartilhá-la supõe seu enriquecimento e sua modificação.
Nessa perspectiva, pode-se observar que os professores, que se dispõem a
promover uma cultura do docente diferenciada, “organizam suas trocas e dão significados a
suas experiências em virtude do marco cultural em que vivem, influenciados pela cultura”
(PÉREZ GÓMEZ, 1998, p. 61). Quanto a Julia, esta nos patenteia que a ação do docente deve
acompanhar as modificações oriundas das mudanças temporais da cultura, de forma que
possam ampliar os significados das representações sociais nas quais está inserida a educação.
Elen nos alerta que toda mudança, no caso, aqui, especificamente falando da
escola organizada por ciclos, tem seu lado positivo e negativo e é preciso trabalhar o que está
dando certo e, assim, poder avançar nessa direção. Ela esclarece ainda que a mudança é um
pouco lenta e ocorre em longo prazo, por meio da persistência dos atores envolvidos.
[...] agora, na questão do pedagógico, do profissional, a escola ciclada está boa, está
ficando boa. Não é porque eu sou, mas, eu tenho que defender a minha linha. É um
processo. [...]. E nós estamos tentando dentro dessa proposta, apesar de que ela não é
nova, tão nova assim, mas nós estamos batendo mais encima do lado positivo
dela.[...]. (Elen – NO)
Imbernón (2005) explica que a mudança é processo lento, e nunca linear, tanto nas
pessoas como na educação. Sendo assim, ninguém muda do dia para a noite, portanto é
preciso interiorizar e experimentar os aspectos novos que a mudança acarreta. Esse novo
conhecimento deve ocorrer de forma interativa, de modo que possibilite a reflexão das
situações reais e, nessa toada, seja possível pôr em prática inovações na escola e na sala de
aula.
A crença em resultados imediatistas tem sido transformada na possibilidade de
promover ações que, em longo prazo, trazem resultados satisfatórios para o processo de
ensino e aprendizagem.
Para Tardif (2002), os saberes ligados ao trabalho são temporais. Daí por que são
construídos e dominados no percurso entre o período de aprendizagem e o que as situações de
trabalho exigem dos docentes. Como esses saberes estão baseados no processo do próprio
trabalho do docente, “exigem tempo, prática, experiência, hábito, etc.” (p. 58). Portanto,
129
promover práticas pedagógico-curriculares inovadoras significa mobilizar saberes que
contribuam com os professores para resolver os problemas da prática, dando sentido relevante
às situações de trabalho.
Isso não é tarefa fácil. Requer maior participação na vida da escola e dos parceiros
de trabalho. Impõe tarefa árdua para se livrar de estruturas memorizadas, que balizaram sua
profissão de docente, injetando sua competência e seus sonhos em outras, hábeis para emitir
valores que enriqueçam e dinamizem seu novo agir.
Por certo, o tempo é fator de grande relevância quando se fala em desenvolver
prática pedagógico-curricular inovadora, pois, para mudar práticas impregnadas de ideologias
e de diversas manifestações culturais, requer tempo e persistência para que frutifique e se
intensifique.
Esse tempo necessário, segundo Carbonell, deve ser construído como um gotejar
suave, sem esperar mudanças do dia para a noite, pois passa por processo que exige dos
professores sobretudo tempo.
Tempo de iniciação para fixar objetivos, conceitualizar o sentido e alcance da
inovação, envolver os professores e dispor de recursos e apoios; tempo para pôr em
marcha tarefas e responsabilidades compartilhadas, de desenvolvimento
profissional, individual e coletivo, de tentativas e erros, de divergências; e tempo de
institucionalização das inovações, com maior compromisso da direção escolar e de
todo o coletivo, com atuações mais coordenadas ou articuladas entre a organização
da escola e a dinâmica da classe para poder armar o quebra-cabeça a que aludíamos
antes, com espaços de reflexão que contribuam para fortalecê-las. (CARBONELL,
2001, p. 26)
Administrar o tempo é um dos pontos essenciais para o estabelecimento de
práticas pedagógico-curriculares inovadoras. Mais que isso. É modo de conciliar as
concepções e as representações da realidade ao contexto escolar, aos tempos do ensino, de
aprendizagem e da vida dos alunos e professores.
Embora os sujeitos apresentem, assinalamos em passo anterior, as dificuldades
que enfrentam para implementar a escola organizada por ciclos, trazem também o lado
positivo da proposta. Indicam que o querer é um dos primeiros passos para mudar a prática, o
que implica uma maneira de mobilizar novas crenças, novos valores, novos hábitos, ou seja,
novas atitudes em torno dos processos de ensino e de aprendizagem.
Dessa forma, para Gather Thurler (2001), a mudança ocorre quando os diversos
atores educacionais, em sua individualidade e(ou) no coletivo, percebem e decidem ir ao
encontro dos esforços que permitem mobilizar e valorizar a qualidade das relações para a
construção de novos saberes e de uma cultura que se defina como produto da aprendizagem
coletiva, sustentada pelas experiências individuais.
130
Os sujeitos lembram que a escola organizada por ciclos tem tudo para dar certo,
mas, para isso, é forçoso observar a proposta, de modo que cada um faça sua parte. Ou seja,
os professores não podem ficar para trás, devem buscar formação que possibilite o
acompanhamento das mudanças que vêm ocorrendo nos dias de hoje. É importante lembrar
que aquilo em que acreditamos hoje, poderá não ser visto, com os mesmos olhos, daqui a 20
anos. Doutra forma dizendo, a construção da cultura pedagógico-curricular do professor é um
processo dinâmico, influenciado pela vivência no decorrer do tempo.
Indo junto, não podemos ficar para trás, porque a sociedade faz diferente, pensamos
diferente, a tecnologia está aí, batendo na nossa porta. Temos que estar mudando,
tentando, refletindo, numa constante. O que nós acreditamos hoje, não quer dizer
que daqui há 20 anos será a mesma coisa. (Julia – NO)
Mas eu acredito que o ponto positivo da escola ciclada é que dá certo sim! Se
cumprirmos e fizermos como se deve. (Fernanda – NO)
Quando Fernanda pondera que a escola organizada por ciclos pode dar certo,
demonstra que é possível aos professores de uma escola “assumirem, coletivamente, a
responsabilidade da progressão dos alunos pertencentes ao ciclo e estabelecerem os
dispositivos de aprendizagem mais coerentes e mais eficientes de modo com os objetivos
visados”. (GATHER THURLER, 2001, p. 37)
Fernanda bate na tecla de que implementar a escola organizada por ciclos é tarefa
árdua, mas os educadores devem primeiro querer fazer diferente, pois somente dessa forma é
possível que haja mudança na prática.
[...] a escola ciclada certo, desde que os educadores se disponham nesta tarefa,
que é árdua, que não é fácil mesmo, a mudar de pensamento, a ter uma visão
diferente, porque se eu querer mudança é mais fácil conseguir do que se eu não
querer, aí é que não funciona e que não dá certo, mesmo! (Fernanda – NO)
Com efeito, Fernanda aborda, em seu relato, que a escola ciclada certo se os
educadores se puserem à disposição para mudar o enfoque de seu pensamento. Afirma que
essa mudança não deixa de ser conflituosa, mas fica mais fácil conquistá-la se estiverem
abertos a ela. Ou seja, como relatam Sousa et al. (2007), o trabalho coletivo passa a ser
condição para que os ciclos se transformem em expediente que garanta uma efetiva
aprendizagem e provoque a necessidade da reinvenção dos professores como pessoas e
profissionais.
Nesse sentido, os professores buscarão novo significado para sua prática
pedagógico-curricular e, por tabela, uma visão de sua atuação que possibilite a eles enxergar o
que alunos, professores e escola podem fazer por uma educação de melhor qualidade.
Eu também vejo enquanto alfabetizadora, sei que tenho que estar sempre em
processo de formação. Temos sempre que buscar. Nunca é demais. Senão cai no
corriqueiro. Às vezes o aluno não aprende e aí? Será que é o aluno? Eu sempre
131
digo, não é o aluno, não sou eu enquanto educadora, não é a escola. É todo
um contexto. (Fernanda – NO)
Vários pontos merecem destaque, notadamente a importância de estar em
processo de formação e o corriqueiro do dia-a-dia, propiciado pela organização seriada
como cópia, ditado, separação de sílabas não são suficientes para o aluno aprender. Diante
disso, Fernanda lembra que é bom sempre se questionar se, quando o aluno não aprende, a
responsabilidade é dele. De igual sorte, o contexto educativo está sendo construído para
atender aos alunos que a escola tem hoje?
Descobrir-se como profissional, capaz de compreender-se como agente
transformador do processo de mudança, como discorre Arroyo (1999), é participar dele,
ressignificar pensamentos, valores e sentimentos. Redefinir práticas, fazer escolhas. Atribuir
outro sentido à ação docente. Por isso, dispor-se a um constante movimento que caracteriza a
formação da cultura pedagógico-curricular.
Algumas características do por que investir na proposta da escola organizada por
ciclos são lembradas por Julia e Fernanda. Denotar que essa escola respeita o ciclo de
desenvolvimento físico, psicológico e cognitivo de cada indivíduo; transforma o professor em
um pesquisador, para poder instigar o conhecimento do aluno de acordo com o
desenvolvimento individual; exige que se trabalhe com metodologias desafiadoras, e a partir
de um determinado contexto; permite ao professor reconhecer a potencialidade de seus
alunos, oferecendo-lhes atividades que desafiem o conhecimento deles, de modo tal que
professor e aluno aprendam juntos.
Vejo a escola ciclada respeitando o ciclo de desenvolvimento físico, psicológico e
cognitivo de cada indivíduo que passa por ela [...] o professor tem que investigar
para instigar e proporcionar o conhecimento de acordo com o vel cognitivo de
cada um e isto trabalho. Sem falar no processo avaliativo que deve ser bem
cauteloso. (Julia – NE)
As metodologias de ensino utilizadas na escola ciclada são boas, porque trabalha-se
em um contexto, levando o aluno a pensar, colocar em prática seu conhecimento,
com direito a voz e a vez, podendo opinar e tirar suas próprias conclusões a respeito
de determinado assunto. Nunca tendo nada pronto e acabado, onde o professor é o
mediador. Aluno e professor aprendem juntos. (Fernanda – NE)
Os sujeitos demonstram que a escola organizada por ciclos é uma maneira de
conceber o espaço da sala de aula de variadas formas de pensar, dizer, sentir, aprender,
ensinar, relacionar, viver. Nesse movimento Sampaio (2007) enfatiza que os professores são
capazes de se organizar para conhecer o que os alunos aprendem, como pensam, fazem,
vivem seus tempos e por quais caminhos, contraditórios, às vezes, com à forma como nos
ensinaram a ensinar. Sem dúvida, isso é um desafio a cada ator educacional.
132
Outras características enfeixadas pelos sujeitos, no tocante à escola organizada por
ciclos, é que possibilita aos professores buscar informações com a equipe de trabalho para a
elaboração de novas metodologias, tendente a enfrentar os desafios que vão encontrando no
percurso da mudança.
Nesse percurso, também passam a acreditar que os alunos aprendem em contato
com o grupo da “sala”. Então, principiam a pôr os alunos para trabalhar em equipes, visando a
que um ajude o outro, num processo de interação aluno-aluno. Os professores, de sua vez,
passam a construir novas atitudes perante os objetivos das atividades que oferecem a seus
alunos.
Observa-se ainda que, para Julia e Fernanda, os desafios didáticos não se reduzem
à solução de problemas aplicando receitas prontas, mas a desafios que procuram esclarecer
em que passo se encontram os problemas, onde situá-los e até que ponto valorizá-los. Ou seja,
o docente deve ser detentor de conhecimento capaz de possibilitar o diagnóstico da situação
propondo ações curriculares hábeis para caracterizar resultados vivos, de troca, criativos de
transformação de significados pedagógicos.
[...] na escola ciclada, se você fizer como deve, fizer esses agrupamentos e se tiver
como você observar aquela troca de conhecimento no aluno, buscando dele, ou seja,
onde ele quis chegar. Esse trabalho resultados porque eu já percebi que dá. [...] É
buscar mais no aluno e não dar tudo pronto para ele. [...] é possível perceber se o
aluno sabe ou não sabe. (Fernanda – NO)
Na busca dos professores, é possível observar um salto qualitativo, em conceber
uma escola com objetivos diferentes aos alunos. Como destaca Weisz (2003), este salto se faz
presente no modo de ver o ensino e a aprendizagem. O professor procura olhar para aquilo
que o aluno produziu, consegue ver o que ele sabe e identifica a informação indispensável
para que seu conhecimento avance.
Elen destaca que a escola organizada por ciclos
[...] é trabalhosa, como eu já disse. Se eu não tivesse, se nós não tivéssemos no ciclo
essas informações, nós faríamos determinada atividade uma vez e desistiria na
primeira tentativa, ela se dá de uma forma tão trabalhosa, que você sai com a cabeça
longe e fala: - Não vou fazer mais essa atividade, vou passar um separe sílabas,
um desenho livre ou senão um desenho encaminhado. Vodesistiria, mas é por
haver essa troca de informação entre os professores de como se deu, quais as
estratégias que ele usou e que os alunos mais gostaram, é por essa troca de
informação entre os professores, que eu continuo investindo nessa proposta e nessa
metodologia de estar agrupando os alunos conforme seus níveis, dependendo da
atividade e dos objetivos no momento de aula para aula. Objetivo geral é o quê? A
aprendizagem. Então eu gosto muito dessa atividade, dessa maneira, dessa
metodologia, porque um ajuda o outro, porque eu vejo que a aprendizagem se de
maneira muito produtiva. (Elen – NO)
A função do professor passa a ser criar condições para que os alunos exerçam a
ação de aprender, participando de situações que a isso favoreçam. Quanto à forma de
133
organizar a turma por meio de agrupamentos, como faz Elen, é uma das maneiras encontradas
para que os alunos ponham em jogo tudo o que sabem sobre o que se pretende ensinar,
destaca Weisz (2003).
Essa não é uma atividade nada simples e tranqüila, para ser realizada pelo
professor, como mostra este sujeito. Isso porque corresponde à escola organizada, exigindo
que novas habilidades sejam desenvolvidas pelo professor. Assim, eles encontrarão muito
mais problemas por resolver. Em acréscimo, o ensino vai além do mero corrigir, como certo
ou errado, as atividades desenvolvidas pelos alunos. Em contrapartida, torna-se numa busca
contínua no oferecer estratégias que alcancem o objetivo principal da docência: a
aprendizagem.
Em vista disso, o fato de esta escola prever que os professores acompanhem seus
alunos nos três anos do ciclo, assegura aos professores a possibilidade de realizar trabalho de
acompanhamento do aluno, oferecendo a ele o que não foi possível em apenas um ano, lembra
Fernanda.
E estou mais tranqüila porque, antes eu trocava de turma e agora eu tenho intenção
de continuar com essa turma o ano que vem. Porque o que eu não fiz, eu ainda posso
fazer, ou assim continuar de acordo como está. (Fernanda – NO)
Como a escola organizada por ciclos ainda percorre um processo de
implementação, os sujeitos nela envolvidos estão à procura de novo sentido, tentando conferir
significado à função social e cultural da escola. A bem dizer, identifica-se com o
desenvolvimento da formação humana, à luz do que argumenta Arroyo. Esta possibilidade de
permanecer os três anos do ciclo com a mesma turma pode ser maneira de propor “nova
organização de escola para dar conta das especificidades de cada tempo-ciclo de
desenvolvimento dos alunos” (1999, p. 13).
na escola ciclada os professores dão mais que uma oportunidade para o aluno, são
três anos, eu penso que isso faz com que o aluno se desperte e realmente possa ir [...]
além dos três anos, mais a sala de apoio que lhe é assegurado [...]. Com isso fica
mais acentuada em mim a confiança no meu trabalho [...]. (Elen – NE)
[...] eu vejo que eu posso dar continuidade com uma turma até o final de um ciclo,
[...] E agora aqui na escola ciclada, se não está acontecendo 100% mas os casos que
estão acontecendo é que podemos acompanhar o aluno, até o final do ciclo. (Elen
NO)
Porque a minha opção em estar continuando agora o ciclo é justamente por isso,
porque a turma que eu estou, eu sei onde eu estou e de onde é preciso continuar [...]
você pode ver se o aluno conseguiu, ou não conseguiu chegar aonde você quer. Com
certeza, três anos, é todo um percurso. Acredito que certo, até hoje eu sou contra
a reprovação. (Fernanda – NO)
O acompanhamento dos alunos na seqüência dos três anos é visto pelos
professores como ponto relevante, pois desafia os professores, segundo o que diz Azevedo
(2007), ao discorrer filosoficamente sobre a escola organizada por ciclos, a assumir o
134
compromisso com a aprendizagem para todos sem exclusão. Mais que isso: é um modo de
repensar e organizar os tempos e espaços da escola objetivando a estes sirvam aos anseios dos
alunos, e não que eles se “sirvam” destes. Ou seja, hoje não é mais o aluno que se adapta à
escola, devendo esta se adequar às necessidades dos alunos.
Em adendo, é maneira também de identificar o que cada aluno sabe,
estabelecendo o conteúdo a que deve estar atado o trabalho a ser reiniciado no próximo ano.
Isso significa que reorganizar o tempo escolar permite conhecer e valorizar o tempo de cada
aluno, possibilitando que este avance a partir do conhecimento que já possui.
Pelo que se observa, a organização da escola por ciclos, quando assumida pelos
professores como ensejo de práticas pedagógico-curriculares inovadoras, tem se mostrado
viável para promover tempos e espaços escolares facilitadores da mediação entre as
necessidades de formação de professores e alunos.
O desafio está em que um número maior de professores sinta a necessidade de se
desvencilhar das práticas da escola seriada, cuja concepção não se assemelha em nada com a
da organizada por ciclos.
Há, portanto, um grande equívoco com aqueles professores que dizem estarem
trabalhando dentro de uma organização ciclada e, no entanto, defendem os princípios da
escola seriada, às vezes até inconscientemente.
É preciso, portanto, que os professores busquem compreender as concepções que
fundamentam a proposta da escola organizada por ciclos para que se possa avançar nesta
direção. Passados quase sete anos de implantação e implementação desta proposta, já é
momento de parar e investir mais nas possibilidades que a escola tem para dar certo, deixando
de lado certas crenças da organização seriada.
Acredito que, quando os professores se propõem investir em nova organização da
escola, um dos princípios tidos por básicos e indispensáveis é o trabalho em equipe. É
condição sine qua non para que os ciclos venham a se efetivar como uma das maneiras de
promover práticas pedagógico-curriculares inovadoras.
Isso porque o trabalho em equipe objetiva fortalecer o coletivo da escola para que,
juntos, possam refletir sobre a prática e encontrar os melhores caminhos para a emancipação
de alunos e professores.
Os sujeitos demonstram que o trabalho em equipe se dá, no momento em que
buscam no colega uma ajuda, um apoio, um aval para legitimar uma mudança que se encontra
em andamento na constituição de práticas pedagógico-curriculares inovadoras.
135
Quando os sujeitos relatam sobre o fato de trabalharem em equipe, sobrelevam
essa atividade no processo de ensino e aprendizagem na escola.
[...] até mesmo porque são “crias” nossas. Então ficamos querendo saber como eles
[...] se aquele aluno que não conseguia avançar comigo, está avançando com o outro.
Porque eu que trabalho nas duas primeiras fases eu tenho que tomar esse cuidado
para saber onde que eu estou errando. Até para que, no outro o ano eu não cometa os
mesmos erros. (Elen – NO)
As reuniões acontecem quando você vai discutir sobre o aluno no ciclo. Ela vem
mais para uma reflexão sobre o ciclo eu quero dizer. (Julia – NO)
O trabalho em equipe oferece ao professor a possibilidade de acompanhar o
desenvolvimento dos alunos no decorrer dos anos, e ainda, a troca de informações sobre como
cada um deles aprende. Tal fato facilita ao professor de determinada turma uma aprendizagem
propícia a esse conhecimento da turma. Ou seja, conhecendo o que os alunos sabem, ganhará
tempo para investir em planejamento mais adequado aos alunos. Esse tipo de trabalho
realizado entre os docentes, contribui, igualmente, para que ele faça uma avaliação de seu
trabalho, podendo melhorar sua prática.
Weisz lembra que “o desejável é que todos, professores e equipe técnica, se
tornem cada vez mais responsáveis, coletivamente, pelo resultado do trabalho da escola”
(2003, p. 123). A escola passa hoje por nova estrutura organizacional, ditada pela escola
organizada por ciclos. Isso significa que o caminho já começou a ser percorrido. No entanto, é
preciso persistir nele e aproveitar a ousadia dessa mudança para fortalecer a equipe escolar,
intentando reflexões mais consistentes sobre a prática. Assim, espera-se que os professores
possam ampliar sua prática por meio dos trabalhos no coletivo, visando sempre a
aprendizagem de todos os alunos.
Constata-se, também, certa preocupação dos sujeitos em compreender a proposta
da escola organizada por ciclos como superação de uma cultura seletiva e arraigada, na
prática, pela experiência. Uma das maiores preocupações dos sujeitos se com relação à
importância do trabalho em equipe para o processo de avaliação dos alunos, meio para
compreender os ritmos diferenciados de como a aprendizagem ocorre.
[...] quando a gente começou a fazer os estudos dos ciclos, 2000, 2001, sempre tem
um grupo de professores que discute essas questões. Então hoje tem mudança, hoje
eu posso te falar que eles já estão preparados com relação a como olhar o aluno para
avaliação, já perceberam que nem todos os alunos têm ritmo igual. E isso vai
ajudando a mudar. (Julia – NO)
Quando eu analiso os níveis de escrita dos alunos, sempre peço ajuda para
coordenação ou para as colegas. Porque às vezes o que é para mim, não é para outra.
Então eu tenho esse pensamento. E ainda bem que a coordenadora nossa é por essa
visão e ajuda muito. Assim, por exemplo: quando um aluno é assim silábico-
alfabético, em que me embasei para dizer que ele é silábico alfabético, então peço
ajuda e vejo que é, às vezes é até além do que penso. Porque às vezes, estamos ali, e
não percebemos o quanto o aluno avança. (Fernanda – NO)
136
[...] nós conseguimos sentar e avaliar um aluno, mesmo ele sendo de uma outra
professora, nós conseguimos avaliar em que nível ele está, nós conseguimos dar
opinião para outra colega [...]. (Elen – NO)
Observa-se que os sujeitos encontram-se em processo embrionário de abrir o
de algumas concepções da escola seriada, e de “abandonarem a idéia de ser exclusivamente
responsáveis, no período do ano escolar, pelos alunos que fazem parte de sua classe e pelo
contrário, aceitarem responder pelo progresso da totalidade dos alunos que fazem parte do
ciclo”. (GATHER THURLER, 2001, p. 38)
Essa decisão implica, segundo esta autora, que a equipe da escola participe
significativamente das decisões que os professores do ciclo tomarem para acompanhar o
grupo de alunos do ciclo. A autora explica que esse fato não expressa que todo professor deva
ensinar a todos os alunos do ciclo, mas deixem de considerar seu grupo-classe como um navio
no qual eles são os únicos donos a bordo. Essa atitude demonstra, segundo a autora, que os
professores aceitam não ter mais seus” alunos, pelo contrário, passem a compartilhar seus
sucessos e obstáculos com a equipe que faz parte do ciclo, podendo, assim, crescer juntos.
Para compreender o que acontece com seus alunos e para refletir sobre a relação
entre suas propostas didáticas e as aprendizagens conquistadas por eles, o professor precisa de
recursos, no entender de Weisz (2003). Para que isso ocorra, é preciso espaços coletivos de
discussão do trabalho pedagógico na escola e até mesmo um olhar de fora, como o de um
colega ou do coordenador pedagógico que ajude o professor a compreender como está se
dando o desenvolvimento dos alunos. A autora ainda lembra que esse olhar se torna
importante, uma vez que o envolvimento do professor com os alunos pode levá-lo a não
enxergar o que salta aos olhos de um observador externo.
Portanto, os sujeitos têm percorrido um caminho decisivo para a compreensão do
processo de ensino e de aprendizagem dos alunos, tendo em vista que procuram buscar, nos
colegas, um olhar de fora do trabalho ali realizado, para dar seqüência nas tarefas didático-
pedagógicas.
Observa-se também que os professores trocam idéias a respeito das atividades que
estão desenvolvendo com os alunos, maneira de diversificar o ensino e oferecer aos alunos
atividades desafiadoras para aprendizagem significativas.
[...] às vezes a gente consegue fazer as mesmas atividades propostas, sendo no
horário oposto, hoje mesmo, essa semana está se dando as atividades, mesmo o
tema que muda, mas a maneira de trabalhar às vezes um troca idéia com o outro.
(Elen – NO)
Sousa et al. comentam que o trabalho em equipe “passa a ser condição para que os
ciclos se transformem em expediente que garanta uma efetiva aprendizagem” (2007, p. 38). É
137
sabido que essa atitude “demanda uma reorganização do modo individualizado como
usualmente se organiza o trabalho escolar, provocando a necessidade de uma reinvenção dos
professores como pessoa e profissionais” (Ibidem).
Os sujeitos demonstram que isso é possível, e que mesmo engatinhando, estão
buscando trabalhar nesse sentido, embora seja visível a necessidade de um investimento mais
profundo que envolva todos os professores da escola nessa atividade, assim como apoio dos
gestores que podem e devem promover ações para que esse trabalho seja possível no ambiente
escolar.
3.3.3 O professor – a visão de si no processo de mudança
Por uma trajetória já construída na educação, acredito que realmente é muito
significativo a vontade decisiva de promover uma prática pedagógico-curricular
emancipatória. Aliás, trata-se de caminho a ser percorrido individual e coletivamente pelos
indivíduos que se propõem a tarefa de ser professor.
O professor hoje tem buscado desenvolver maneiras de atuar que os auxiliem a
promover um ensino inclusivo, que atenda a todos os alunos. Para isso, passos importantes
têm sido conquistados e são demonstrados pelos sujeitos: superar a ansiedade, olhar para o
aluno como capaz de aprender, promover atividades desafiadoras.
[...] eu aprendi também a superar a minha ansiedade, porque eu era muito ansiosa.
Tinha que acontecer. Hoje eu vejo diferente, é devagar e com paciência. Hoje eu
penso assim, mas antes não, eu acreditava que tinha que ser, tinha que aprender. Às
vezes não era proporcionada uma condição legal, mas tinha aquela ansiedade, aquela
angústia. (Fernanda – NO)
Agora está totalmente diferente, eu já não recito mais o BA, BE, BI. BO. BU, levo o
aluno a refletir, não introduzo mais palavras chaves, introduzo o texto tudo junto e
procuro explorar de acordo com a evolução de cada um [...]. Mas tudo assim, pega
tudo global e vou trabalhando. (Julia – NO)
No modo de ensinar, de relacionamento assim aluno-professor-aluno. Isso mudou
bastante, ouvimos mais eles. que também não deve esquecer do limite. [...] ao
mesmo tempo em que você tem que demonstrar confiança, para você ter a confiança
deles. (Julia – NO)
O que contribui muito é como encaminha e proporciona a atividade para o aluno.
Assim, já com uma visão do que eu quero com isso. O que eu quero com aquilo.
Tudo com objetivo para eu saber o que eu quero alcançar com determinada
atividade. [...] (Fernanda – NO)
138
Superar a ansiedade e a angústia começa a se tornar possível quando o professor
conquista maior experiência em sua carreira, em razão do serviço, da socialização com os
colegas de profissão, assim como por intermédio de sua formação inicial e contínua. Estes
aspectos possibilitam ao professor compreender que a aprendizagem é resultado do processo
de observação e conhecimento das ações e reflexões sobre o que o aprendiz realiza. Ou seja,
de acordo com Weisz, “esse aprendiz é compreendido como alguém que sabe algumas coisas
e que, diante de novas informações que para ele fazem algum sentido, realiza um esforço para
assimilá-las” (2003, p. 24).
Isso não significa que superar a ansiedade, seja deixar o aluno a desenvolver-se de
acordo com a própria sorte. Ao contrário, saber onde se está e aonde se quer chegar tem sido o
objetivo desse novo olhar sobre o ensino. Olhar este que procura buscar no aluno o que ele
sabe, o que ele quer saber para poder oferecer atividades que venham ao encontro dos anseios
de uma aprendizagem significativa para os alunos.
E é esse conhecimento que o professor passa a ter sobre como cada aluno aprende
que diminui sua ansiedade, possibilitando que ele disponibilize mais recursos direcionados ao
desenvolvimento dos alunos.
[...] Procurar sempre partir do que eles conhecem o que eles gostariam de
conhecer, para dar continuidade, porque eu vejo assim, que quando você busca isso
neles, fica mais significativo o que você vai proporcionar, porque as questões vêm
deles e quando você trás um conteúdo pensando que eles não sabem nada, não é
desafiador para eles, porque eles já sabem alguma coisa. Quando você parte do que
eles sabem e do que eles gostariam de saber, eu acredito que fica mais significativo.
Isso não quer dizer que os 100% da sala vai sair sabendo naquele momento, mas o
que foi significativo pra eles, eles vão guardar, sem dúvida. (Julia – NO)
Buscar no aluno o que ele sabe sobre o assunto que eles mesmos querem
aprender, ou que o próprio professor sentiu necessidade de trabalhar com a turma, possibilita
que eles tenham participação mais ativa nas aulas e que seu conhecimento seja valorizado.
Partir do que o aluno sabe significa ampliar as possibilidades de seu
conhecimento, e não ficar restrito apenas ao que ele sabe. Com esse objetivo, o tempo que se
empregaria para ensinar o que os alunos sabem, pode ser utilizado para expandir e
apresentar novos conhecimentos sobre o assunto.
Nessa nova proposta trazida pela escola organizada por ciclos, o professor precisa
ser um eterno estudante, pesquisador, pois os desafios da prática são diversos, a depender do
interesse e da necessidade dos alunos.
Sampaio (2003) elucida que o convite que se faz aos professores hoje é para que
cheguem mais perto, tornem-se disponíveis para ouvir os alunos, procurando saber o que eles
139
sabem e o que eles não sabem, pois acredita que assim pode-se estar contribuindo para a
construção de um clima de confiança em cada educando.
O meu modo de planejar, é assim, procurar levar assuntos que sejam interessantes
para os alunos e no meu planejamento partir sempre mesmo do ponto que eles
sabem, buscando sempre neles o que eles sabem, buscando complementar o
conhecimento deles. (Julia – NO)
E também, assim, você tem um aluno que é bom. Outro já tem níveis diferentes. E
eu tenho que saber lidar com aquele que está naquele nível mais avançado e com
aquele que está naquele nível mais lento um pouquinho. Trabalhar com todos.
(Fernanda – NO)
Desse modo, observa-se que os professores têm buscado garantir ao aluno um
ensino que lhe possibilita aprender de acordo com sua individualidade. Em suma, uma
maneira de levá-los a se interessar mais pelos estudos e de oferecer intervenções pedagógicas
que contribuem para o desenvolvimento de todos. Ou seja, na trilha de Weisz (2003), partir do
conhecimento que o aluno tem é avançar daquilo que ele sabe para algo que ele ainda não
sabe.
Se parar para pensar em um passado não muito distante, pode-se verificar que o
que importava era acompanhar o ritmo dos alunos que se destacavam. Aos outros, restaria
esperar o próximo ano e, quem sabe, ocupariam novos lugares na sala, ou seriam retidos
novamente.
Oferecer condições para o aluno aprender tem sido meta dos professores, não mais
enchendo o caderno do aluno com ditado, cópia ou BA, BE, BI, BO, BU do começo ao fim da
folha. Atividades desafiadoras são proporcionadas para levá-los a pensar sobre a leitura e a
escrita. Entre elas, os textos que as crianças sabem de cor, como cantigas, versos, poesia.
Bem assim o trabalho com o nome deles, desde o início do ano letivo, listas de nomes de
animais, frutas, rótulos, acrósticos, igualmente, o laboratório de informática, utilizado para
incentivar a aprendizagem dos alunos, e o trabalho com agrupamentos produtivos.
[...] eu ofereço assim condição para ele avançar. Porque às vezes eu vejo assim que
eles sabem todo o abecedário. Sabe o B e sabe o E, mas o sabe que o B e o E é
BE. [...] O que eu tenho que fazer? Porque ainda não está claro o valor sonoro para
eles. Eles sabem que é B, que é A, mas não sabe que é BA. Então eu utilizo muito o
acróstico. Muito trabalho com o nome deles no início, listas de nomes de frutas,
nomes de animais, trabalhei muito o rótulo também, é dos produtos que é do dia-a-
dia deles lá [...]. (Fernanda – NO)
Então eu parto geralmente de coisas que não são alheias ao conhecimento deles,
muita cantiga, que eles vivenciam ou mesmo sem saber ler, ... é do dia-a-dia da
criança que a gente traz para a escola [...] eu uso muito as músicas, as cantigas, as
parlendas, as adivinhas que é muito interessante, versos que partem deles, abertura
para eles trazerem o que eles querem. Não deixava o aluno falar, hoje eu deixo
porque daquilo ali aproveito para poder ampliar meu planejamento. (Fernanda
NO)
A professora levou os alunos até o laboratório de informática e mostrou, tendo como
apoio um CD ROOM, fotografias de animais: peixes, mamíferos, répteis enfocando
140
as diferenças de onde vivem, da vegetação, dentre outras que foram sendo
descobertas por meio da conversa entre professora e alunos. (Julia – observação)
De acordo com o que Fernanda e Julia apresentam, a aprendizagem dos alunos
depende das condições oferecidas pelos professores para que eles avancem. Nesse sentido,
para Pérez Gómez (1998), o aluno é um processador ativo das informações em pensamentos e
crenças. Antigamente, não havia a preocupação em desenvolver atividades diferenciadas com
os alunos. Tudo era estabelecido no início do ano letivo, antes mesmo de conhecer a turma
com a qual se iria trabalhar.
O que se observa hoje é que a prática docente tem sido desenvolvida num
processo dialético, explicado por Pérez Gómez (1998) como o momento em que conhece o
estado atual de desenvolvimento dos alunos, quais são suas preocupações, interesses e
possibilidades de compreensão para mobilizar novos esquemas de pensamento e
aprendizagem.
Nessa perspectiva, Gimeno Sacristán e Pérez Gómez (1998, p. 09) afirmam que,
se as “idéias, valores e projetos se tornam realidade na educação, é porque os docentes os
fazem seus de alguma maneira”. Fazer do projeto da escola um projeto pessoal é mobilizar
todos os recursos disponíveis para alcançar o êxito esperado por ele.
Sendo assim, acredita-se que existem docentes que tomaram para si o objetivo de
propor uma escola possível e que essa escola pode ser a organizada por ciclos, como
demonstram os sujeitos dessa pesquisa. Então, buscam se apropriar de novas estratégias
pedagógicas para promover o desenvolvimento dos alunos, assim como demonstram os
sujeitos, a seguir:
É o que eu acabei de falar. É a questão dos veis diferenciados. Eu procuro sempre
fazer um nível próximo, que o seja igual. [...] o silábico com o silábico alfabético.
Depois o silábico com valor sonoro, que é o que eu mais trabalho aqui, e tem aquele
sem valor sonoro, ele identifica todas as letras do alfabeto [...] um trabalho árduo
com o nome deles no início. E o alfabeto. Todo momento o alfabeto móvel, ou o
alfabeto ordem, o alfabeto de todas as formas. Aí, acontece assim, não consegue
juntar. Ele sabe que é B e sabe que é I, mas não sabe que é BI. Então é uma
preocupação minha assim enquanto educadora, o que fazer? Então proporciono o
texto, proporciono muita conversa e o agrupamento é para um ajudar o outro. [...]
Trabalho com agrupamento produtivo, porque resultado sim: O aluno que está
próximo, que não nem muito além, nem muito lento. Um ajuda o outro, contribui.
[...] é muito bom e dá resultado. (Fernanda – NO)
Durante a atividade a professora circulava dentre os alunos, realizando intervenções
e ajudando-os no levantamento de hipóteses para que eles realizassem a atividade.
(Julia, Fernanda e Elen – observação)
Para Weisz, o conhecimento do aluno avança quando ele enfrenta questões sobre
as quais ainda não havia parado para pensar. “Quando observa como os outros a resolvem e
tenta entender a solução que os outros dão” (2003, p. 71). Isso então significa o que o aluno
141
conquista no momento em que o professor garante o máximo de circulação de informação na
classe, de maneira que cada um avance em seu tempo.
Observa-se que não é apenas oferecer a atividade, organizar os agrupamentos, e o
aluno está pronto para aprender. Não! O papel do professor como mediador, facilitador da
aprendizagem, é indispensável. Essa característica também tem sido construída, pois,
enquanto os alunos trabalham em suas atividades, as professoras observam e realizam
intervenções que contribuem para que elas percebam como o aluno está construindo o
conhecimento e em que precisa de ajuda.
Na construção desse caminho, pode-se observar que o professor reflete sua prática
tendo por base suas experiências e, assim, busca construir nova imagem da profissão como
docente, de modo a introduzir práticas pedagógico-curriculares inovadoras por meio de sua
relação com o ensino e com a aprendizagem.
Freire lembra que se dispor a aceitar “a tarefa da transformação social tem um
sonho, embora também tenham grande quantidade de obstáculos pela frente” (2003, p. 209), e
que mergulhar nessa água significa riscos, por isso, alerta o autor que o educador libertador
tem que construir algumas virtudes, algumas qualidades que não lhes são dadas por Deus, mas
estão inseridas na prática, por meio dos limites e das possibilidades de ações, não muito
aquém, nem além dos próprios limites necessários.
O que se pode verificar é que, na escola organizada por séries, o professor não
precisava se preocupar em planejar suas aulas. O livro didático trazia tudo planejado,
inclusive com o plano anual. Bastava pedir aos alunos qual era a página da aula anterior e
continuar. Às vezes o professor nem precisava do livro, pois trabalhava ano após ano, com a
mesma turma. Tinha na cabeça a seqüência didática que teria de desenvolver em cada
bimestre.
Os alunos aprendiam atendendo à sua individualidade, não podia nem olhar do
lado. O que definia quem sabia e quem não havia aprendido era quanto a caneta vermelha era
utilizada no caderno do aluno, sem a preocupação de saber por que ele fez, daquela maneira, o
que pensou.
Diante disso, pode-se afirmar que existem muitas diferenças entre as concepções
de ensino, manifestadas culturalmente pela escola seriada, confronto com aquilo que
franqueia a proposta da escola organizada por ciclos.
142
3.3.4 O professor – a reconstrução da visão sobre o aluno
Como o professor, no percurso de sua carreira, constrói novas experiências,
amplia, em conseqüência disso, seu modo de olhar o aluno e o processo de aprendizagem de
cada um. Com isso, observa-se que o docente se preocupe em oferecer informações e
condições para que todos os alunos aprendam.
Nessa trajetória o professor também aprende. Aprende a reconhecer que os alunos
possuem muitos conhecimentos que, por vezes, poderia não ser reconhecidos. Em sendo
assim, é possível compreender o que o aluno sabe, e o que ele quer saber, para propiciar que
ele avance.
Esse conhecimento que o professor constrói sobre o aluno possibilita que ele
supera o que Weisz (2003) chama de postura “adultocêntrica”: uma maneira de conceber a
aprendizagem da criança, segundo a autora, a partir da perspectiva do adulto que domina o
conteúdo que quer ensinar.
Com esse novo olhar, o professor, pairando sua reflexão sobre a forma como o
aluno aprende e com os olhos de quem ainda não sabe, torna-se capaz de compreender o
objeto do conhecimento do ponto de vista do educando. Desse lugar que o professor passa a
ocupar, ele pode propiciar aos alunos situações de aprendizagem desafiadoras, não mais
significando o caminho pelo qual o aluno deva percorrer, mas percorrendo ao lado dela,
munido do conhecimento por ele adquirido.
Pode-se observar a tentativa dos sujeitos dessa pesquisa, no adotarem essa nova
postura, por conta das oportunidades que dão hoje a seus alunos. Nesse movimento, o
professor passa a ver o aluno não mais como uma “tabula rasa”, “uma folha de papel em
branco”, mas como um ser que possui conhecimento, entendido este como ponto de partida
para novos conhecimentos.
Para mim mudou o jeito de olhar para a criança, respeitar ela enquanto ser humano,
de ouvi-la, olhar o lado dela e de lhe dar abertura para falar, expor seu pensamento,
ver o que ela sabe [...]. (Julia – NO)
[...] me ensinou mais a ouvir e deixar o aluno falar mais. Às vezes eu dava tudo
pronto. Achava que o aluno não era capaz. E eu era super enganada. E é de ficar
boquiaberta de ver o que eles sabem e lembrar que pensava que eles não sabiam.
[...]. Hoje eu já tenho mais esse tempo para ter esse aluno perto de mim e questionar
o que que ele quis fazer. Ele pode fazer qualquer rabisco, mas no fundo tem um
pensamento que ele quis colocar no papel. E eu consigo ver esse avanço ao analisar
143
o que acontece. Então o que acontece muito hoje é essa observação aluno-aluno,
para ver os avanços, as hipóteses que eles colocam. (Fernanda – NO)
Em tempos não longínquos, quem tinha a palavra na sala de aula era o professor.
Tão só ele. Ao aluno cabia o papel de ouvir. As atividades que lhes eram oferecidas vinham
quase prontas, não ofereciam nenhum desafio. Hoje, tem se investido em promover uma
prática diferenciada, em que o professor reserva um tempo para ouvir o que o aluno pensa,
intentando compreender como ele aprende e em que aspecto é preciso avançar. Isso também é
respeitar o ritmo de desenvolvimento de cada educando.
Weisz alerta que, se cultivarmos um olhar mais cuidadoso, que nos ajude a
interpretar o que as crianças fazem e o porquê fazem do jeito que fazem, certamente
avançaremos muito na direção de compreender como elas aprendem.
Esta autora ainda chama a atenção para o fato de que é preciso o professor olhar
para o educando e perceber e(ou) compreender que aquilo que ele realiza, quando desenvolve
determinada atividade, tem uma lógica para ele. Mais. Se o professor não conseguir enxergar
isso, é porque não tem “instrumentos suficientes para perceber o sentido que está posto ali”
(2003, p. 45). Por outro viés, isso o torna sem parâmetros para definir o que sabe e o que não
sabe seu aluno. E assim, incapaz de promover seu desenvolvimento.
Segundo Weisz “O fato de acreditar que os alunos pensam, que são capazes, é
fundamental para que eles progridam, pois nos leva a respeitá-los e a apoiá-los” (2003, p. 45).
Pode-se observar que o professor olha para o aluno hoje respeitando suas características e
utiliza esse olhar para dar direção ao ensino. Isso incentiva o professor a promover novas
metodologias de trabalho que atendam ao aluno em sua individualidade. Sendo assim, este é
um dos pontos de destaque, que os sujeitos têm desenvolvido com a introdução de práticas
pedagógico-curriculares inovadoras.
O fato marcante da minha prática hoje é poder acompanhar o desenvolvimento de
cada um, é perceber as características que cada um tem, é poder respeitar suas idéias
e seus conhecimentos. (Julia – NE)
A compreensão de como o aluno aprende, de dar oportunidade para que
demonstre o que sabe, e o que não sabe, é iniciativa que, em adendo, favorece a introdução de
práticas pedagógico-curriculares inovadoras. Bem assim a valorização de como o aluno
constrói seu conhecimento, a depender muito das informações que lhes são oferecidos para
seu desenvolvimento.
[...] agora eu mesma procuro saber porque ele fez as coisas daquele jeito ... igual um
dia eu fui fazer continhas com eles, aí eu passei lá só com unidades, aí eu passei uma
com dezenas e deixei eles fazerem. Era 12 + 12 e um deu uma resposta que era 6. eu
pedi pra ele como que ele fez aquela conta e ele falou que somou 2 + 1= 3, 2 + 1= 3,
então deu 6. Se fosse antes eu ia considerar totalmente errado. [...]. Então é assim,
144
dar oportunidade para ele demonstrar o que ele sabe e o que ele não sabe, partir do
conhecimento dele. (Julia – NO)
Weisz (2003) encarece que um olhar cuidadoso, sobre o que a criança “errou”,
pode ajudar o professor a compreender o que ela tentou fazer. Como no exemplo citado por
Julia: ao pedir aos alunos que realizassem uma atividade de adicionar, resolveu introduzir
uma “continha” com dezena. Em um passado não muito distante, o que seria feito se o aluno
desse a 12 + 12 uma resposta igual a 6? Seria posto um “X”, simbolizando que estava errado,
ou seria dito a ela: Está errado! Apague e faça novamente! Não é mesmo?
Observa-se na postura de Julia outro enfoque inovador. Ela chega ao aluno e lhe
pergunta como ele fez aquela conta. Após a explicação do aluno, ela pode compreender qual
foi o percurso do aluno. Que para dar 6 ele fez 1+2= 3, 1+2= 3, então deu 6. Não está correto,
na lógica dele?
Esse ponto de vista de como o aluno fez a atividade enseja ao professor realizar
intervenções problematizadoras para que o aluno avance em seu conhecimento.
[...] antes eu via assim que era necessário eu estar lembrando eles, para que eles de
uma forma muito maquinista, muito encima assim de uma forma, para ensinar
mesmo, hoje não! Hoje, eu vejo que eles aprendem com tudo, desde as atitudes que
eles têm dentro da sala; ao conteúdo que eu passo [...] desde a hora que eu escrevo
pra eles no quadro SILÊNCIO, é um comportamento que eles têm que ter e escrever
a palavra SILÊNCIO no quadro eles estão aprendendo na questão do
comportamento e estão aprendendo também na questão da alfabetização. Saber
escrever o SILÊNCIO, saber ler o SILÊNCIO, a palavra SILÊNCIO,
ortograficamente [...] eles aprendem com tudo [...] a alfabetização se assim numa
forma MARAVILHOSA. [...] (Elen – NO)
[...] Até hoje, eu sentei com eles e falo para pensarmos, [...] que para eu escrever
uma palavra eu preciso começar com o que primeiro. Vamos ver assim GATO. [...]
Têm uns que falam que é o G e o A, outros que é o H e o A. Então, você discute
com eles e chega a conclusão que é o G e o A. Quem é o G e o A? Então vamos !
Então o que a gente fala depois? É o TO. Você pergunta para o seu cérebro, e o TO é
quem? Eles vão te responder. É o T. O T com quem? Com o O. Então eles vão
construindo. Então eu procuro levá-los a pensar assim, buscar junto com eles quais
são as letras, as palavras. Eu acredito que os estimulam a pensar, não a decorar.
(Julia – NO)
Estar lembrando sempre os alunos, à feição do maquinista, o que se “ensinava”,
significa que o ensino se dava por meio da memorização das famílias silábicas (BA, BE, BI,
BO, BU, GA, GO, GU), da decoreba de palavras (BOI, BABA, BEBÊ, ...). A partir do
momento que o professor começa a compreender como o aluno aprende, passa a valorizar
toda e qualquer manifestação do aluno, com vista a seu desenvolvimento e se utiliza disso,
para possibilitar que ele avance.
Assim, a valorização pelo que o aluno já sabe passa a ser o ponto de partida para o
ensino e para o desenvolvimento da aprendizagem. Isso propicia ao professor nova postura
pedagógica, por compreender as várias maneiras pela qual a aprendizagem pode se acontecer.
145
O ambiente da sala de aula é utilizado como um espaço para expor os trabalhos
dos alunos. Um ambiente alfabetizador que apresenta o trabalho que está sendo desenvolvido.
Os ambientes das salas de aula encontram-se com trabalhos dos alunos expostos, um
cartazes-dicionário com as letras do alfabeto, no qual as crianças colaram figuras
que começam com a inicial de cada letra. Os cantos das salas estão reservados às
embalagens. Cartazes com listas de palavras, adivinhas, rimas, lista dos nomes,
alfabeto. Observa-se nessa atitude de organizar os ambientes da sala de aula, uma
preocupação em buscar na criança elementos que fazem parte do seu dia-a-dia, ou
seja, que de alguma maneira resgata o que os alunos sabem, brincam, cantam, etc.
(Elen, Julia e Fernanda - observação).
Pérez Gómez (1998) ilumina que, quando as crianças chegam à escola trazem
grande influência de sua cultura, familiar, local ou regional. Associada a outros instrumentos
e produtos culturais que elas vivenciam, elaboram suas próprias representações sobre a
realidade. Por esse motivo, os professores, segundo este autor, devem organizar um processo
de intercâmbio e negociação, para que os alunos submetam estas representações em
comparação com o conhecimento “vulgar” e “experiencial”, que trazem, aos da cultura
acadêmica, habilitando-se a expandir o próprio conhecimento.
Cabe aos professores, de acordo com Pérez Gómez (1998), provocar e facilitar a
reconstrução do conhecimento que o aluno adquire em sua vida, tornando-o significativo,
como ponto de partida, para a construção do conhecimento do próprio grupo.
Acredita-se que o oferecer um ambiente recheado de elementos do cotidiano das
crianças para significar a aula seja uma das maneiras que os professores têm encontrado para
criar, na aula, um espaço de socialização das experiências dos alunos, ao mesmo tempo em
que facilita ampliar a formação do pensamento e a construção de atitudes nos alunos.
Ponto marcante que tem mostrado mudanças na cultura pedagógico-curricular dos
professores tem sido o novo olhar dado ao processo de avaliação. A avaliação na concepção
da escola organizada por ciclos, acoberta novo enfoque. Além de ampliar o olhar do professor
sobre como está se dando o ensino, traduz uma inquietação diante do fato de como o aluno
aprende, que tempo e que espaço se encontra em evidência, crivado pelo olhar dos três
sujeitos desta pesquisa.
Esse novo enfoque é possível por exigir a escola organizada por ciclos mudança
de concepção em suas ações. E por exigir mudanças, ela é uma escola em conflito. Concordo
com Fernandes (2007) no ponderar que uma escola em conflito é uma escola
inquieta, uma vez que tudo está sendo questionado: a forma de avaliar. A maneira de
se entender o conhecimento, a didática utilizada, a organização dos tempos e dos
espaços, pois bem, essa escola solicita muito mais do corpo docente, das famílias, da
sociedade, com vistas a mobilizá-los para encontrar soluções em conjunto, para
mediar estratégias, para repensar os valores, para gerir situações curriculares, como
146
decidir o quê, o porquê, como e quando ensinar e avaliar. (FERNANDES, 2007, p.
108)
Tais demandas comprometem a todos na construção de uma escola que se
desnuda necessitando mudar. Por isso, a escola organizada por ciclos tem trazido a
oportunidade de refletir sobre a escola que se quer oferecer aos alunos.
Elen nos diz que, ao recordar-se da época em que era aluna, não esconde que
avaliação era terrorista, o que importava era o produto. Hoje, isso funciona como um
termômetro que ela utiliza para avaliar sua prática. O ensino, então, passa a ser avaliado como
meio de sucesso dos alunos, superando a crença de que, se foi ensinado, o aluno deve
aprender.
[...] coisas que eu utilizo hoje como termômetro das minhas práticas de ensino e
tento me avaliar também. [...] (Elen – NE)
A história que os professores vivenciam, assim como enfatizado por Elen, no
andar da construção de sua cultura pedagógico-curricular, aparece como elemento importante
para que possam refletir para que serve a avaliação. Não mais como produto de um processo,
mas, na esteira do que nos diz Fernandes (2007), um momento essencial para dar seqüência ao
processo de aprendizagem, como parte do cotidiano, das observações do professor, das
práticas da sala de aula.
A avaliação é concebida como o ponto de partida para a ação docente. Volta-se
para aquilo que o aluno aprendeu e o que é preciso ensinar, de modo que eles possam pôr em
jogo tudo o que sabem. Nesse sentido, é o que assegura Zabala, “o sujeito da avaliação não
apenas se centra no aluno, como também na equipe que intervém no processo” (1998, p. 198).
Sendo assim, não se avalia somente o aluno, dado que o trabalho desenvolvido pelo professor
também está em jogo.
[...] eu vejo que aquele aluno meu não conseguiu atingir os objetivos, eu vou fazer
uma avaliação desses alunos, do porque eles não conseguiram atingir os objetivos
nessa fase, na fase desse ciclo, e o ano que vem eu posso trabalhar com esse mesmo
aluno e ele pode atingir essas competências do ano que ficou e ele pode atingir e
pode acompanhar aquele outro ano que ele está. (Elen – NO)
A avaliação sobre o envolvimento dos alunos foi boa, as atividades oferecidas foram
desafiadoras, mas de possível realização, competência e gosto de aprender.
Proponho-me a realizar outras atividades como estas porque com elas levo meus
alunos a pensarem e produzirem colocando em jogo o que sabem. (Fernanda – NE)
Essa atitude evidencia que os docentes estão fazendo, da avaliação, momento que
sustenta processo de ensino e de aprendizagem, momento importante no processo de
desenvolvimento do aluno, e não produto de todo um percurso.
Se o aluno não aprendeu com determinada atividade, o conhecimento que o
professor tem do processo de seu desenvolvimento, vai lhe possibilitar agir de modo que ele
147
possa avançar nessa direção. Não é uma nota, pura e simples, que sintetizará o que o aluno
aprendeu ou deixou de aprender.
Weisz destaca que é preciso desenvolver uma escuta sensível e passiva de
reflexão sobre o que as crianças fazem e de como fazem, do por que fazem do jeito que
fazem, pois “compreender a perspectiva pela qual a criança enxerga o conteúdo é algo que,
em muitos casos, só é possível se o professor se colocar numa posição de observador
cuidadoso daquilo que o aluno diz ou faz em relação ao que está sendo ensinado” (2003, p.
43).
Quando o professor aprende a reconhecer e a lidar com o movimento de
aprendizagem de seus alunos, torna-se capaz de oferecer atividades diversificadas e
desafiadoras para que eles avancem. Por isso, a importância, assim entende Zabala (1998), de
conhecer como se produz a aprendizagem dos alunos em sua singularidade, pois não é
possível estabelecer propostas universais que atendam a tal singularidade.
O aluno às vezes não evolui numa totalidade, mas evoluiu e eu posso falar isso com
segurança porque é o dia-a-dia mesmo. Eu vejo um aluno do início eu percebo
como ele estava e como eu vejo ele hoje (Fernanda – NO).
Hoje a avaliação é todo o processo, todo o dia-a-dia, tudo o que ele faz entra como
avaliação. Um todo e não as partes. O dia-a-dia e o contexto. Não tem esse negócio
de fazer uma prova e uma nota, não! É o todo. Anoto no caderno de campo as
informações de cada um de relevância, para eu me embasar na hora de fazer o
relatório. Porque aí eu posso falar com certeza, o que eu observei sobre. (Fernanda
NO)
[...] Você põe tudo o que você tem em mãos para você avaliar o aluno. Vonão vai
avaliar o ler e o escrever convencionalmente, ele não escreveu uma resposta
adequada, corretamente, mas ele sabe falar sobre aquilo, no meu modo de avaliar é
que ele sabe aquilo ali, o conteúdo ele sabe, ele não sabe ali naquele momento é
escrever, mas ele sabe expor a idéia, então na hora da avaliação eu vou classificar
esse aluno como ele sabe das coisas, e eu vou promover ele. (Julia – NO)
Segundo Zabala (1998), as propostas de avaliação aberta favorecem a participação
dos alunos e a possibilidade de os professores franquearem a oportunidade de uma avaliação
que os ajude a acompanhar seu próprio processo de desenvolvimento.
Fernandes (2007) pontifica que se compreender que os alunos aprendem de
variadas formas, em tempos nem sempre homogêneos; compreender que o papel da escola
deva ser o de incluir, promover o crescimento e desenvolver possibilidades às aprendizagens
dos educandos; compreender que socializar experiências, perpetuar e construir uma cultura
promotora desses princípios, faz com que estudantes e professores sejam capazes de ensinar e
aprender por meio de habilidades diversificadas.
Nessa esteira, Fernanda e Julia têm demonstrado percorrer um caminho que faz da
avaliação momento para enxergar as diversas possibilidades de ensino e de aprendizagem,
sempre atentas ao processo de aprendizagem de seus alunos.
148
A importância desse fato também é discutida por Gimeno Sacristán e Pérez
Gómez (1998) quando privilegiam que avaliar não é um ato de comprovar o rendimento do
aluno. Mais que isso, é fase que completa um ciclo de um processo planejado, desenvolvido e
analisado. Observa-se que, a exemplo do abordado pelos autores, os sujeitos dessa pesquisa
vêem a avaliação como fase do ensino.
[...] você parar, saber ouvir, você orientar, você saber o que ele sabe o que ele não
sabe, como que ele sabe determinada coisa ou como ele não sabe. Como eu dei o
exemplo da continha. Quando você joga um tema para eles você sempre procurar
valorizar o conhecimento que ele tem daquilo, para você estar avançando. (Julia -
NO)
Weisz alerta para um ponto que merece destaque: refere-se ao fato de que “se o
professor não sabe nada sobre o que o aluno pensa a respeito do conteúdo que quer que ele
aprenda, o ensino que oferece não tem ‘com o que dialogar’” (2003, p. 49). De fato, torna-se
indispensável um olhar voltado para a compreensão de como o aluno aprende, para que o
professor possa realizar uma avaliação legítima a partir do acompanhamento do que cada
aluno sabe. Ou seja, “é preciso, pois, educar o olhar para enxergar o que sabem as crianças
que aparentemente não sabem nada” (Ibidem).
O critério de avaliação se através da avaliação que eu faço, tanto da escrita, como
da leitura. E os conteúdos, para que eu faça esses agrupamentos primeiro eu faço
uma avaliação da escrita, uma sondagem da leitura também para eu poder conseguir
agrupar esses alunos, para que eles possam fazer as atividades um auxiliando o
outro, dependendo o objetivo que quero com aquele conteúdo. (Elen – NO)
Uma das formas de os sujeitos possibilitarem o avanço dos alunos tem sido
acreditar que o aluno também aprende com ajuda do colega. O trabalho, por meio de
agrupamentos produtivos tem mostrado resultados positivos. Sobretudo porque, o professor,
fundado no conhecimento que tem sobre aquilo que cada aluno sabe, os organiza de forma a
oferecer condições para que ele avance, visando a que um possa ajudar o outro.
Segundo Zabala, o que possibilita ao professor agir dessa maneira é “o
conhecimento de como cada aluno aprende ao longo do processo de ensino e de aprendizagem
[...]” (1998, p. 200). Dessa forma, os trabalhos desenvolvidos em agrupamentos garantem um
149
aprender menos solitário, o que dá lugar a um aprender compartilhado que passa a ser
priorizado na construção do conhecimento dos alunos.
Assim leciona Sampaio: “o que o outro diz ou deixa de dizer é constitutivo do
conhecimento” (2007, p. 78). Lembra que esse é um papel muito relevante cabendo ao
professor priorizá-lo, pois, o processo de aprendizagem se amplia e é instigado pelos conflitos
e consensos experienciados pelas equipes ou duplas.
Ele vai avançar conforme eu for observando ele e for proporcionando condições prá
ele poder avançar, o que contribui nesse sentido, é propor condição, observar e
questionar também. Porque tudo para eles tem um porque e é com esse porque deles
que você sabe se eles aprenderam ou não. Às vezes você pensa que ele aprendeu e
ele não aprendeu, eu sei que ele aprendeu quando ele me uma resposta do que eu
quero saber. Porque muitas vezes ele sabe, mas a maneira que ele colocou que
está diferente. (Fernanda – NO)
Fernanda revela um ponto importante no processo de avaliação. Reporto-me ao
fato trazido por Zabala, não pouco esclarecedor:
O conhecimento do que cada aluno sabe, sabe fazer e como é, é o ponto de partida
que deve nos permitir, em relação aos objetivos e conteúdos de aprendizagem
previstos, estabelecer o tipo de atividades e tarefas que têm que favorecer a
aprendizagem de cada menino e menina. (ZABALA, 1998, p. 199)
Posto isso, Zabala (1998) assinala que esse procedimento possibilita tomar
conhecimento do desenvolvimento dos alunos e definir propostas de intervenção e
organização de atividades que favorecerão o progresso dos alunos. Doutra forma frisando, o
relato de Fernanda corresponde ao que ela realiza para o desenvolvimento dos alunos.
A oferta de atividades diversificadas, para que os alunos se desenvolvam, também
está na lista das práticas pedagógico-curriculares inovadoras: o conhecimento que o professor
tem de seus alunos franqueia que ele ofereça a mesma atividade, com desafios condizentes
com o desenvolvimento de cada um.
[...] não alcançou aquele objetivo que foi proposto naquela atividade, retomá-la com
um novo enfoque, com uma proposta, e desafios diferentes. Por quê? Pode avançar e
voltar naquilo que ele não conseguiu, mas de forma diferente. (Fernanda – NO)
Fernanda aclara que a dificuldade que encontra no processo de avaliação se
instaura no momento do relatório, que traduz a fase de pôr no papel, por meio da escrita, o
150
modo como o aluno se desenvolveu. Esta dificuldade é de todo coerente, mesmo porque,
nesse momento, por meio da escrita, importa deixar clara a forma como o aluno revelou novos
passos na direção do progresso. Por outro lado, é um avanço muito grande, pois a dificuldade
se assenta no pôr no papel o desenvolvimento do aluno, fato que apenas uma nota azul ou
vermelha não é, por si, bastante para demonstrar.
[...] a dificuldade que eu tenho assim é falar sobre o desenvolvimento do aluno, é
difícil falar sobre isso, sobre o avanço que ele teve ou não. Se o meu olhar está
voltado realmente para o que eu estou falando. Então às vezes vem aquela dúvida se
o que eu estou falando é realmente aquilo que ele desenvolveu. É como o relatório, é
uma tarefa difícil. (Fernanda – NO)
Esse fragmento destacado por Fernanda desnuda que o olhar do professor está
voltado para uma avaliação formativa, entendida por Zabala como aquela que tem como
propósito a melhoria contínua dos alunos, ou seja, “que entende que a finalidade da avaliação
é ser um instrumento educativo que informa e faz uma valoração do processo de
aprendizagem seguido pelo aluno” (1998, p. 200). Vale dizer: possibilita ao professor tomar
as decisões pedagógico-curriculares mais adequadas, em favor da aprendizagem dos alunos.
[...] eu vejo que a minha avaliação dentro do meu primário [...] não é
necessariamente ele transcre (pausa) escrever tudo pra mim, o conhecimento dele.
Você vai avaliar esse aluno dentro da sala de aula se ele aprendeu ou não o
conteúdo. Ele não precisa tirar 7, 8, 10 em uma avaliação, na escrita.[...]. (Elen
NO)
Outro fator relevante é poder conhecer e avaliar a intervenção pedagógica do
professor. Quando isso ocorre, é possível, alicerçado no conhecimento que o professor tem no
tocante à concepção de avaliação ele trabalha, que ele entenderá melhor os processos
individuais e grupais
tanto aos processos de aprendizagem como aos de ensino, que, desde uma
perspectiva profissional, o conhecimento de como os meninos e meninas aprendem
é, em primeiro lugar, um meio para ajudá-los em ser crescimento e, em segundo
lugar, é o instrumento que tem que nos permitir melhorar nossa atuação na aula
(ZABALA, 1998, p. 201).
Pode-se dizer que é possível visualizar a avaliação como processo formativo, no
interior da escola e da sala de aula, e utilizá-la de modo favorável ao desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos e professores. Mais. Que ela tem sido utilizada com objetivos
151
claros, bem-definidos, sobretudo como uma etapa do ensino e não mais como o momento de
medir, classificar, selecionar, e de punir o aluno.
3.3.5 Formação inicial e contínua: valor dado pelo professor
A história de formação dos sujeitos desta pesquisa se identifica, em muito, com
aquela por mim trilhada. Passei por um caminho em nada diferente para me consolidar na
profissão de docente. Iniciei sem uma preparação formal, tendo como base as lembranças do
que meus professores faziam e que contribuíram para que referenciasse minha prática. O
processo de partilha havido com os colegas mais velhos de profissão também influenciou.
A formação inicial decorreu da necessidade de preparação para a docência com
qualidade. Uma maneira de buscar compreender como e onde encontrar subsídio para
melhorar a prática.
Ela me ensinou a buscar [...] vejo nos outros colegas também quando não tem nível
superior, muitas vezes não sabemos onde buscar, e na universidade, na faculdade ela
me ensinou a buscar. Se eu tenho uma vida, ela me ensinou os caminhos onde eu
buscar parara poder mudar a minha prática pedagógica, nos momentos de
dificuldade, complementar e amesmo registrar o lado positivo da minha prática
pedagógica. (Elen – NO)
Me preparei para ser professora estudando, sempre procurando me aperfeiçoar cada
vez mais e melhor. Para minha formação inicial fiz Magistério, depois graduação em
Pedagogia e por último especialização em Educação Infantil e Séries Iniciais.
Escolhi fazer esses cursos porque viria ao encontro de minha profissão de
educadora, de professora alfabetizadora que sou. Estava buscando fundamentos
teóricos a serem utilizados na prática em sala de aula. (Fernanda – NE)
Imbernón relata que a formação inicial deve servir a isso mesmo, pois é muito
importante, já que o “conjunto de atitudes, valores e funções que os alunos de formação
inicial conferem à profissão será submetido a uma série de mudanças e transformações em
consonância com o processo socializador que ocorre nessa formação inicial” (2005, p. 55). Ou
seja, os conhecimentos aprendidos nessa fase da formação incidirão, de modo peculiar a cada
professor, no exercício da profissão.
152
Os sujeitos evidenciam que a proposta da escola organizada por ciclos foi
implantada no período correspondente à preparação centrada na graduação e especialização.
Juntamente, veio a formação contínua, dando suporte para sua implementação. Sendo assim,
os sujeitos revelam que a proposta desse tipo de escola, a formação inicial e contínua, se
complementam na tentativa de incorporar práticas pedagógico-curriculares inovadoras.
[...] Quando eu iniciei, eu estava muito sozinha e quando eu estava nessa mudança
em questão aí, veio a mudança na questão de preparação de formação de professor
[...]. E dessas formações que eu tento usar as atividades, é a formação de
professores, o PROFA. Então nesse estudo, nesse curso, a proposta é assim quase
que totalmente voltada para a escola ciclada, é maravilhosa. Ela há, há mudança sim,
a minha concepção de aprendizagem dos meus alunos que eu via aentão, dentro
desses ciclos, também mudou. (Elen – NO)
Segundo Imbernón (1994), esse processo vivido por Elen pode ser assim
denominado: processo de construção da emancipação da profissão docente. Está assentado na
formação:
Si la práctica educativa es un proceso constante de estudio, de reflexión, de
discusión, de confrontación, de experimentación, conjunta y dialécticamente entre el
contexto y el colectivo de profesores y profesoras, se acercará cada vez más al
interés emancipatório, crítico, asumiendo un determinado grado de poder que
repercute en el gobierno de sí mismos. (IMBERNÓN, 1994, p. 33)
Portanto, se a prática educativa está servindo de meio para discussão coletiva em
favor da aprendizagem docente, a formação contínua passa a assumir uma etapa com base na
qual o professor passa a melhorar sua atuação, graças a ela.
[...] quando veio essa mudança da escola ciclada, também houve uma mudança no
meu fazer pedagógico, foi onde eu estava fazendo a faculdade e tudo era mudança
ao mesmo tempo. [...] eu estava fazendo faculdade e ela me abriu caminhos para que
eu buscasse ajuda e também para registrar os lados positivos das minhas ações. E
essas mudanças de comportamento, de didática se deram também na mudança da
escola ciclada, então, eu acho assim, que lendo o que é uma escola ciclada, ela veio
junto com a minha mudança, eu não saberia bem definir o que foi na minha
mudança se foi pela escola ciclada, ou se foi pela minha formação, porque a minha
formação teve um papel muito importante na minha prática pedagógica. (Elen – NO)
O desenvolvimento profissional do professor deve estar articulado com o
desenvolvimento da escola e de seu projeto educacional. Portanto, não basta que o professor
mude. É importante mudar o contexto onde ele atua. Sendo assim, voa relata que “as
escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar
sem uma transformação das instituições em que trabalham. [...] A formação não se faz antes
da mudança, faz-se durante [...]” (1992, p. 28).
Pelo que se observa, a formação do professor e a mudança no modo de organizar a
escola tem acontecido num mesmo contexto. Ou seja, de alguma maneira, as inovações
pedagógicas têm sido discutidas nos encontros de formação docente. Este é fator
153
indispensável para que a mudança possa se efetivar no âmbito da sala de aula. Mais que isso
até: um ponto para apostar na melhoria e no desenvolvimento de ambos.
Falando da formação inicial veio contribuir muito para eu refletir a prática. Quando
eu iniciei, fiz complementação pedagógica, o magistério, e me ajudou bastante a
pensar naquele momento, naquela época como seria um trabalho de um docente,
então a partir daí eu já comecei a trabalhar com aquele estudo que fiz, conforme eu
fui tendo oportunidade fazendo minha graduação, comecei a refletir sobre a prática e
junto com os cursos de formação continuada, percebo que avanços nos estudos,
no aprendizado, e procuro pôr em prática aquilo que a gente vem discutindo, tanto
na formação, na graduação, como na pós, procurar refletir sobre a prática, e a
mudança porque a percebo que uma mudança geral, então temos que caminhar
nessa direção. (Julia – NO)
[...] Então a minha pedagogia foi com uma visão mudada e me ajudou muito na
prática com o material em si, o seminário que é a pesquisa. A especialização
também, que foi a área que eu escolhi: Educação Infantil e Séries Iniciais, é no
ensino fundamental mesmo, teve muito a prática também, assim o como fazer,
mostrando a mudança. Então eu falei, olhe mudando mesmo, como eu vi no
PROFA, vindo a calhar mesmo. Então veio assim, para complementar,
contribuir mesmo. Eu vi muita coisa que vivenciava em sala que foi o PROFA
que me ensinou, assim também as brincadeiras, a pesquisa, a prática, vinha também
a contribuir. (Fernanda – NO)
Citado pelos sujeitos, o programa de formação continuada citado pelos sujeitos
que mais contribuiu para a reflexão da ação do docente e para a busca de metodologias
inovadoras foi o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores PROFA. Revelou-
se significativo, por propiciar discussão da teoria e da prática do processo de evolução da
leitura e da escrita nos alunos. Traduzir uma maneira de levar o aluno a pensar sobre a leitura
e a escrita, e não mais construí-la por meio de decoreba e recitação de palavras que nem
mesmo significado tem para o aluno.
[...] todo curso de formação continuada acabou contribuindo na minha prática
pedagógica, ora por contribuir com o conhecimento teórico que a partir deste passei
a observar minha prática com um olhar mais reflexivo, ora pela troca de
experiências vivenciadas pelos colegas que integravam cada curso. Nos últimos anos
os que mais contribuíram para meu desenvolvimento foram os “Parâmetros em
Ação” e o “PROFA”. Os parâmetros por mostrar uma nova perspectiva de ensino,
por enfatizar que devemos partir do conhecimento do aluno, por nos mostrar
caminhos que façam os alunos aprender a aprender. Sei que às vezes isto é difícil e
que deveríamos estar sempre revendo o que nos foi passado, mas nem sempre isto
acontece. O PROFA para mim veio contribuir e muito, pois trouxe suporte teórico e
prático de como se dá o processo da construção da escrita e de leitura no indivíduo.
(Julia – NO)
Somente se pode dizer que houve conhecimento quando for possível a
transformação dos espaços onde a socialização das experiências ocorre e, de conseqüência,
o desenvolvimento de quem ensina e de quem aprende. Ou seja, como bem
apropositadamente lembra Fernandes (2006), “O processo formativo do professor deve estar
voltado para a apropriação crítica da realidade educativa e das experiências profissionais dos
professores”.
154
A formação contínua implicará mudança na atuação do docente se contemplar
os problemas enfrentados pelos professores em sala de aula com os alunos. Ou seja, os
professores, ao participarem de encontros de formação, esperam encontrar discussões que
estejam relacionadas com os desafios dos docentes cujas mudanças somente se efetivam na
prática se puserem os olhos atentos nos resultados alcançados. De todo relevante assinalar que
até mesmo das expectativas não condizentes com sua proposta deve o professor pinçar
ensinamentos.
Segundo Pérez Gómez (2001), o objetivo principal dos programas de formação
profissional deve estar situando na reconstrução do pensamento prático cotidiano, mediante a
reconstrução das situações em que se produz a ação. Reforce-se como docentes, a
reconstrução dos pressupostos sobre o ensino e as razões individuais e coletivas de concebê-
lo.
Pelo percurso trilhado por Julia, os programas de formação contínua têm
possibilitado ao professor uma atuação mais voltada para uma reflexão do processo de
desenvolvimento individual do professor, em função da aprendizagem coletiva dos alunos,
participando de forma ativa na tarefa de criar e recriar alternativas para compreender o
desenvolvimento dos alunos. A bem dizer, isso torna o processo de aprendizagem do
professor mais significativo e legítimo, pois está em busca de respostas às suas angústias,
conforma Imbernón discorre:
La fundamentación de este modelo está en la concepción de que los adultos
aprenden de manera más eficaz cuando tienen necesidad de conocer algo concreto o
han de resolver un problema. Esto hace que el aprendizaje de los profesores se guíe
por la necesidad de dar respuesta a determinadas situaciones problemáticas
contextualizadas (IMBERNÓN, 1994, p. 71).
O fato de a formação vir ao encontro das necessidades dos docentes fortalece a
ação do professor e propicia a ele acreditar que é possível caminhar por um caminho
diferente, por um caminho em que ele possa introduzir práticas pedagógico-curriculares
inovadoras. Fique certo de que não estará sozinho quando as dificuldades desse trabalho
vierem à tona.
[...] Então com a vinda do PROFA, veio fortalecer aquilo que eu tinha um pouco.
Então eu vejo dessa forma, que veio reforçar o que eu estava sentindo que não era só
eu que estava fazendo diferente. É uma necessidade que a gente tem. Que pode ir
sem medo que certo. que é muito trabalhoso que muito mais gratificante
porque leva o aluno a pensar sobre a escrita, sobre a leitura e não é só a gente ficar lá
enfiando o BA, BE, BI, BO, BU na cabeça deles, eles vão pensar mesmo. (Julia
NO)
Com o fortalecimento da ação docente, o professor torna-se capaz de questionar
sua própria prática e de engajar-se nos projetos de mudança que ele mesmo propõe à sua
155
atuação. Esses processos de mudança é possível, no sentir de Gather Thurler, por ser a
mudança “imaginada e conduzida graças a uma ação concertada e a uma reflexão comum
sobre os problemas e as práticas, que contribuem, por sua vez, para a evolução da cultura
escolar” (2001, p. 102). Em acréscimo, aporta alternativas para discorrer a propósito dos
problemas pedagógicos que enfrenta, possibilitando assim a cooperação entre si, para que a
inovação possa ocorrer.
Fernanda sobreleva que persiste uma reclamação de que os cursos, destituídos de
inovação, costumam se voltar aos temas, mas lembra que não é bem assim. Em verdade, isso
depende de cada um, pois eles vêm contribuir para que se reflita como está sendo a prática e
em que se pode melhorar.
que assim, às vezes igual aos outros, eu tenho ansiedade de mais novidades, de
mais coisas, mais mudanças, que venham contribuir mesmo, que realmente
precisamos. Por mais que eu vejo os colegas falando assim, nossa, os cursos são
sempre as mesmas coisas, eu não tenho essa visão. Tudo que vem que eu sei,
sei entre aspas, é uma visão diferente, eu posso inovar mais ainda. (Fernanda – NO)
Compete aos docentes aproveitar os momentos de formação contínua para avançar
na elaboração de atividades diversificadas, procurando pôr em discussão as dificuldades
encontradas, com o intuito de promover melhorias na ação.
Weisz (2003) argumenta que é preciso que o professor construa conhecimentos de
diversas naturezas, pois a prática pedagógica é complexa e contextualizada. Daí a necessidade
de refletir sobre ela, encontrar as próprias soluções e tomar as decisões mais adequadas de
modo que permita enxergar, na produção dos alunos, o que eles sabem. A partir disso,
construir situações de ensino e aprendizagem que possam levá-los a atingir índices mais
elevados.
A formação contínua oferece aos docentes a emancipação da profissão, pois cada
um vai construindo qualidades que contribuem para que se descubra o porquê de se trabalhar
esse ou aquele conteúdo, o para quê, e o como, de modo que o resultado final seja a
aprendizagem de todos os alunos.
[...] no meu ponto de vista um projeto é um planejamento bem feito, onde vai pegar
todas as áreas. E que no PROFA frisa e também orienta a gente para trabalhar com
projeto que parta do que os alunos sabem, o que eles gostariam de saber. Isso tem
dado certo. (Julia – NO)
As vezes eu me pegava pensando o planejamento “é para quê?” Não no objetivo
dele. Tudo o que vamos fazer tem que ter o objetivo. E deixávamos tudo meio solto,
trabalhava por trabalhar. O que eu quero com isso? assim eu vou alcançar o meu
objetivo.] O planejamento é uma nota para você ir para sala e não se perder no que
vai fazer. E, estar sempre aberto, porque ele é flexível. Ele pode mudar. Mas na
questão de ajudar tem a questão: o porquê, para que, como. E o objetivo que tem que
deixar bem claro, o que eu quero com cada atividade. E foi tudo graças ao PROFA,
que me ajudou muito e tem me ajudado na questão tanto de planejar a aula, ter mais
156
visão de materiais para utilizar e quanto aos objetivos do que eu quero e do quê eu
estou fazendo em sala de aula. Ajudou muito e hoje graças a ele, está bem claro.
(Fernanda – NO)
Não adianta a gente ouvir e engavetar uma coisa que é boa, então tem que pôr em
prática. [...] se a gente querer não é impossível para fazer sim! Porque é assim Irene,
às vezes muitos cursos ficam na teoria e o PROFA trouxe a prática em sala de
aula, uma reflexão, um estudo onde o professor entende, porque ele traz a troca de
experiência de um colega que a gente nem conhece. Então o próprio material vem
nos ajudando a como proceder, a como fazer. Tem a teoria e a prática juntas..
(Fernanda – NO)
Vê-se que a formação contínua também tem orientado o professor na elaboração
do planejamento de atividades diferenciadas, no promover agrupamentos produtivos para que
um aluno possa ajudar o outro, ao mesmo tempo em que o professor faz intervenções
problematizadoras para ajudá-los a avançar. Serve, por igual, para controlar a ansiedade, fator
que atrapalha o desenvolvimento do processo de aprendizagem, pois hoje a preocupação não
mais se condiz com cumprir uma lista de conteúdos ou desbastar as páginas de um livro
didático. Ela se casa com a qualidade do ensino, tendente a uma aprendizagem emancipatória.
Os cursos de formação continuada foram importantíssimos e trouxeram boas
contribuições para minha prática docente. Foram dois maravilhosos cursos que me
ajudaram e continuam ajudando muito como alfabetizadora, contribuindo com o
meu desenvolvimento enquanto docente; para que se concretize e aconteça cada vez
melhor. O PROFA e os PCNs. Estes cursos foram e estão sendo importantes para
minha função docente porque mostram o como fazer e agir. Principalmente o
PROFA que não ficou na teoria, mas sim a prática. Com explicação da proposta
de trabalho com desafios propostos, me ensinando como planejar atividades
diferenciadas, fazer agrupamentos produtivos de acordo com o nível que o aluno se
encontra. Também me ajudou a controlar minhas ansiedades e deixar o aluno ousar e
mostrar o que sabe. (Fernanda – NE)
[...] tem alguns cursos que eu fiz que eu nem me lembro mais, mas um que eu estou,
sempre com a apostila embaixo do braço é o PROFA, ele me ajudou muito nessa
formação, nesse conteúdo, por estratégias de atividades, metodologia. (Elen – NO)
Quando se fala em formação inicial e contínua, objetivo maior é trazer à tona o
fato de que isso exige do professor, como pontua Weisz (2003) que elabore e reelabore
permanentemente sua prática. Mas a autora chama-nos a atenção, lembrando ao lembrar que
isso não é suficiente, pois esse trabalho não deve acontecer individualmente. Essa
responsabilidade deve ser compartilhada entre todos os membros da escola. O que
verdadeiramente importa é a aprendizagem coerente e articulada com o contexto da
aprendizagem de todos os alunos.
157
3.3.6 Organização do trabalho do docente
A organização do trabalho que abarca o docente constitui momento privilegiado,
em que o professor analisa aquilo que desenvolveu e traça metas para sua atuação. Diante
disso, para promover mudanças na cultura pedagógico-curricular é indispensável que o
planejamento ganhe novo significado e garanta um espaço de reflexão sobre a prática, com
tomada de decisões mais adequadas à aprendizagem dos alunos.
Por intermédio do planejamento, espaço em que os professores põem em jogo
tudo o que sabem sobre a prática docente, é possível observar novas concepções de ensino e
de aprendizagem concebidas pelos sujeitos. É aqui que eles demonstram como pensam o
ensino, ancorados naquilo que os alunos sabem, e em que precisam avançar.
Foi solicitado aos sujeitos desta pesquisa, atuantes no ano do I Ciclo do ensino
fundamental, que elaborassem um planejamento de aula, não sem realizar registro reflexivo,
com narrativas de como o pensou e de como o desenvolveu.
Na narrativa escrita, a professora Elen esclarece que, para introduzir o conteúdo
que iriam estudar no momento, decidiu trabalhar com sua turma de vinte e quatro alunos o
tema “Anfíbios Anuros”. De início, propôs que cantassem a cantiga do sapo cururu, que os
alunos sabiam de cor. Em seguida, passou-se a uma seqüência de atividades num período de
vinte dias, três vezes por semana. Nesse período, destaque foi o processo da metamorfose do
sapo, desde sua fase de larva até a adulta.
Num dos dias de observação, na sala de aula da professora Elen, precisamente no
dia das bruxas, alguns alunos foram vestidos a caráter, a despeito de prévia combinação com a
turma. Curiosamente, havia um burburinho na sala, com relação a este tema. Não se falava em
outra coisa. A professora Elen resolveu aproveitar a oportunidade da motivação e utilizou o
tema para a aula.
Inicialmente, fez um levantamento do que os alunos sabiam a esse respeito.
Procurou motivá-los por intermédio da oralidade, para que pudessem demonstrar o que
sabiam.
Dois pontos se destacam nessa atitude: a maneira de a professora introduzir a aula,
possibilitando aos alunos o interesse pelo tema, e também o tempo destinado ao trabalho. Fica
evidenciado que na concepção de aula expositiva, circunscrita a quatro horas, a escrita da
expressão “sapo cururu”, do início ao fim da página, seja insuficiente, hoje, para que processe
158
a aprendizagem. Ao contrário disso, o tempo foi pensado de modo que possibilitasse a
descoberta de novos conhecimentos, com atividades que promovessem a participação oral, a
observação e a pesquisa. Aliás, estratégias de aprendizagens que desafiam e problematizam a
participação dos alunos.
Fernanda, outro sujeito dessa pesquisa, elaborou um planejamento para trabalhar a
leitura e a escrita com seus alunos. Uma turma de vinte alunos em diferentes hipóteses de
escrita, segundo ela. Para trabalhar com este planejamento, a professora utilizou cinco aulas,
desenvolvidas por meio de agrupamentos produtivos de acordo com o nível de aprendizado de
cada aluno.
A professora informa, em seu relato, que utilizou, para este planejamento, uma
avaliação diagnóstica que realizou no mês de outubro, na qual a turma se encontrava assim:
Três (3) alunos com hipótese de escrita alfabética. Três (3) alunos com hipótese de
escrita silábica alfabética. Sete (7) alunos com hipótese de escrita silábica com valor
sonoro. Quatro (4) alunos com hipótese silábica sem valor sonoro e três (3) alunos
com hipóteses de escrita pré-silábica. (Fernanda- NE)
Ao realizar essa atividade diagnóstica, Fernanda busca conhecer o que cada aluno
sabe, para poder encaminhar a aula de modo que, com uma mesma atividade, mas com
estratégias diferenciadas, possa ela atender a todos eles. Assim como Elen, ela também busca
trabalhar o tempo qualitativamente, para alcançar os objetivos definidos.
Julia, de igual sorte, é sujeito desta pesquisa. Seu trabalho possibilita verificar
algumas inovações que ela vem desenvolvendo em sala de aula, na busca de dar as mesmas
oportunidades, a todos os alunos, de aprender.
Em seu planejamento, ela nos informa que, para planejar, procura “partir do
conhecimento dos alunos sobre o assunto; discutir sobre o que eles gostariam de saber e
transcrever para um cartaz, nosso guia de aprendizagem” (narrativa).
Para desenvolver este planejamento, trabalhei 12 (doze) aulas, sendo 8 (oito) com
atividades voltadas para a lista de sugestões dos alunos - o que eles gostariam de
saber, 1 (uma) aula fomos para o laboratório de informática, onde foi apresentado
um site relacionado ao tema e 3 (três) aulas foram para a preparação dos grupos que
apresentaram o produto final para outras turmas. (Julia – NE)
Além de considerar a questão do tempo necessária para a aprendizagem dos
alunos, ela prevê três etapas em seu planejamento. Ponto de partida para o planejamento: o
que eles querem saber sobre o que vão estudar. Seqüência com uma aula no laboratório de
informática, para ampliar as possibilidades de pesquisa aos alunos. Por fim, um momento
relevante, o da socialização dos conhecimentos construídos, chamado pela professora de
produto final. Momento este em que os alunos, além de socializarem os conhecimentos
159
construídos, desenvolvem a oralidade, - desenvoltura em falar com outras pessoas -, a
sistematização e organização de idéias.
Gimeno Sacristán e Pérez Gómez (1998) lembram que somente se pode
transformar significativamente o conhecimento dos alunos, quando lhes são oferecidos
esquemas para que eles próprios mobilizem diversas maneiras para interpretar a realidade que
os rodeia.
Elen, Fernanda e Julia, sujeitos desta pesquisa, procuram criar na aula um espaço
compartilhado do conhecimento entre professores e alunos. Ou seja, “supõe se esforçar para
criar, mediante negociação aberta e permanente, um contexto de compreensão comum,
enriquecido constantemente com as contribuições dos diferentes participantes, cada um
segundo suas possibilidades e competências” (Pérez Gómez, 1998, p. 64).
Essa atitude dos sujeitos mostra que, a partir desse espaço aberto à construção do
conhecimento dos alunos, se abre também espaço para a aprendizagem do professor, pois se
postam ao desafio de pensar alicerçados em nova concepção de aula e de organização do
tempo didático, portanto, da “vida da aula”.
Com esse olhar de nova concepção da aula, de que expediente os sujeitos têm se
valido para que os alunos se desenvolvam e se sintam “não somente como indivíduo que faz
parte de um grupo de aula, mas também como criança que experimenta, sente e age também
fora da aula e da escola”? (Pérez Gómez, 1998, p. 65).
[...] pesquisa a campo, leitura e escrita e observação no qual se deu o processo de
metamorfose, com os girinos em sala de aula, observação e registro por meio de
desenhos. (Elen – NE)
Como se observa, para o período de desenvolvimento desse planejamento. Foram
previstas brincadeiras, músicas, pesquisa, observação e representação por meio de desenhos.
De igual modo, momentos de atividades de leitura e escrita oferecidos aos alunos de acordo
com o conhecimento que a professora tem da turma.
Em um dos momentos de observação em sala, Elen informou, no início da aula,
que o núcleo do trabalho, naquele dia, seriam as frutas. A primeira atividade escrever uma
lista com o nome de algumas frutas. A professora apresentou a figura das frutas
mimeografadas (as frutas são: banana, uva, abacaxi, laranja, caju, maçã, melancia, morango e
limão).
Pode se perceber que não preocupação em seguir uma seqüência de nomes
começados com determinada letra, a exemplo das frutas que tenham a laba inicial BA. É
lançado o desafio aos alunos para pensarem sobre quais e quantas letras utilizar para a escrita
160
do nome das frutas. Essa atividade é encaminhada de maneira que um possa ajudar o outro. A
sala foi organizada de tal forma que possibilita esse exercício. A professora, de sua vez,
propicia intervenções que levam os alunos a pensar sobre a leitura e a escrita, não ofertando a
resposta de pronto, mas orientando-os com informações que os encaminham a construir o que
buscam.
Pensando no que propor aos alunos, Fernanda decidiu trabalhar com textos que
eles sabem de cor, como os poemas que frequentemente para eles, parlendas e cantigas de
roda com que brincam. A escolhida pela turma, para este momento, foi a parlenda Rei
Capitão.
Por serem atividades sempre utilizadas em sala, que privilegia os pequenos textos,
como cantigas, poesia, versos, parlendas e adivinhas, Fernanda revela o propósito de trabalhar
com os alunos este conteúdo na expectativa de que despertasse o gosto e o interesse de pôr em
jogo suas hipóteses de leitura e escrita. Ao final, assegura ter alcançado seu objetivo.
Outra atividade encaminhada, por Fernanda foi a partir de uma cantiga que as
crianças sabem de cor: Boi da Cara Preta. Depois de cantarem a cantiga, montaram-na,
utilizando o alfabeto móvel.
Escrever uma cantiga que se sabe de cor, utilizando o alfabeto móvel, faz com que
a criança pare e pense em quantas e quais letras utilizar para escrever cada palavra. Retrata
um tipo de atividade de escrita diferente daquela de copiar o texto de uma cartilha ou de,
simplesmente, realizar um ditado.
Julia ofereceu diversas oportunidades de aprendizagem a seus alunos também, por
meio de pesquisas em revistas e internet. Recorreu, igualmente, a “informações levadas aos
alunos, discussão com eles do que entenderam e relatar no quadro a idéia central [...], caça
palavras, completar as palavras”. (Julia – narrativa).
Verifica-se que a aprendizagem se processa levando em conta muitas coisas que
não do livro didático. Novas fontes de informação são oferecidas aos alunos para que eles
possam compreender o assunto.
Também utilizei o alfabeto móvel para formar palavras e partir destas formar outras
[...], caça-palavras, navegar no site www.fiocruz.com.br, desenho, massinha de
modelar e por último a apresentação do produto final (palestra) para outra turma.
(Julia – NE)
Alguns alunos conheciam o piolho. Ainda que assim, a professora trouxe um
cartaz com a foto de um piolho, para os alunos conhecerem. Ficaram assustados, ao verem o
inseto ampliado em seu tamanho normal. Ela possibilitou, ainda, que os alunos
contemplassem um piolho com lupa.
161
O caderno e o lápis, para os sujeitos desta pesquisa, não são os únicos
instrumentos de aprendizagem. O aluno também aprende pensando sobre a leitura e a escrita,
atividade realizada com o alfabeto móvel, e não mais com labas decoradas, sem significado
para as crianças. Na mesma linha, por meio de atividades orientadas por eles, para que os
alunos possam, valendo-se da leitura verbal ou não verbal, ampliar o conhecimento.
Pode-se observar, em decorrência dos expedientes de que Elen utiliza para
oferecer condições de aprendizagem aos alunos, assim como daqueles empregados por
Fernanda e Julia, que o ponto inicial para o desenvolvimento de seu trabalho reside na
experiência dos alunos. Isso faz com que a cultura cumpra sua função crítica de provocar e
facilitar a reconstrução do conhecimento que o aluno adquire em sua vida anterior e paralela à
escola.
Segundo Pérez Gómez, além de partir da cultura experiencial do aluno para a
reconstrução do pensamento, é preciso criar na aula um espaço de conhecimento
compartilhado, pois a aprendizagem em aula não é nunca meramente individual, limitada
frente a frente de um professor/a e um aluno/a” (1998, p. 64). É bem isso o que as professoras,
sujeitos desta pesquisa, têm buscado realizar em suas aulas: ver os alunos como parte que
embasa todo o processo de ensino e de aprendizagem. Caminham ao encontro do que nos
enfatiza Gómez:
[...] a vida da sala de aula deve ser interpretada como uma rede viva de troca, criação
e transformação de significados. [...] O docente não pode ser nunca um mero técnico
que aplica um currículo e desenvolve técnicas e estratégias de comunicação e ensino
elaboradas desde fora para uma suposta comunidade homogênea (PÉREZ GÓMEZ,
1998, p. 85)
Quando se passa a compreender como se concretiza a vida da aula, passa-se a
criar significados e comportamentos próprios para organizar a aula.
[...] a atividade direcionada foi a leitura e escrita, com uma música já conhecida por
eles, cantamos a música sem propor nenhuma letra brincamos e representamos por
meio dos desenhos. Em momento agrupei a turma de acordo com os níveis:
grupo: proporcionei a letra da música em cartão para que eles pudessem colocar em
ordem, usando sua sonoridade. Grupo: As letras recortadas em cartões, porém
usando a letra da música em ordem como pista. O momento foi distribuído letra
da música escrita, sem espaçamento, com o objetivo de separar as palavras, para o 1º
grupo sem pista e para o grupo com pista para que pudessem observar onde
começava e terminava cada palavra. (Elen – NE)
Outro fator relevante é a preocupação no atender aos diferentes níveis de
aprendizagem dos alunos. Demonstra isso que o ensino está voltado a atender não somente
àqueles que sobressaem. O ensino está voltado à aprendizagem inclusiva de todos os alunos.
Utilizam-se as mesmas atividades a todos os alunos, porém com desafios diferentes, que os
162
levarão a avançar com a ajuda do colega, sem dispensar a observação das professoras nas
salas de aula.
Ainda na observação realizada na sala da professora Elen, o olhar estava
direcionado para verificar a relação do relato do planejamento e o desenvolvimento deste.
Foram doze horas de observação, como relatado em passo anterior.
Pode-se observar que os alunos, no trabalharem em grupo, um recebe ajuda do
outro. Parece-me que já estão acostumados com esse trabalho. De modo natural, os colegas
ajudam um ao outro, enquanto a professora atende ora a um, ora a outro, dispensando
acompanhamento a todos os alunos.
No decorrer da atividade, a professora passa nos grupos - organizados na sala,
pois as carteiras são mesinhas nas quais se sentam quatro alunos -. Aqui e ali, faz
intervenções, pede a cada aluno que leia o que escreveu. E eles conseguem perceber na leitura
se falta alguma letra.
Como um grupo maior estava com dificuldade em escrever MAMÃO, por conta
do ÃO, ela relembrou, todos eles no quadro, escrevendo outras palavras, com a ajuda deles,
que também terminavam com ÃO: FEIJÃO, PÃO, MÃO, MACARRÃO.
A professora Elen acompanha a realização da atividade nos grupos, realizando
intervenções e oferecendo oportunidade para que, no coletivo, se chegue à escrita da palavra
em que encontram dificuldade.
Em seguida, a professora passou uma atividade de escrita de frases, com o nome
das frutas que estavam escrito logo abaixo das figuras: LARANJA, MELANCIA, MANGA,
GOIABA, UVA, MAMÃO.
Enquanto os alunos estavam formando frases, a professora circulava na sala, não
sem questioná-los, levando-os a pensar e a chegar à escrita das palavras que formavam as
frases.
Com os alunos detentores de mais dificuldades, a professora com eles se sentava,
auxiliando-os na elaboração da atividade.
Em outro dia de observação, se tratava do dia das bruxas, a professora Elen fez a
leitura: LAR AZEDO LAR, com entonação na voz e dirigindo a leitura de maneira que os
alunos fossem observando a ilustração e vivenciando a história.
Cada aluno recebeu um livro para poder acompanhar e observar as figuras.
Após a leitura descontraída, a professora orientou a escrita dos diferentes tipos de
casa das bruxas presentes na leitura. Em seguida, das coisas que havia no quarto da bruxa.
163
O livro trazia muitas figuras, que os alunos deviam escrever. De início, fizeram
uma leitura das figuras, objetivando saber o que significava cada uma delas. Depois passaram
para a escrita, demonstrando entusiasmo no desenvolvê-la:
PENA DE GRALHA
CASA DE ABELHA
TEIA DE ARANHA
MEIA VELHA
NINHO DE CROCODILO
TAPETE DE GATO
CAMA
POLEIRO
CESTO DE GATO
Durante a escrita a professora passou de grupo em grupo, fazendo intervenções
com relação à escrita dos alunos. Enquanto isso, os alunos que findavam sua atividade,
ajudavam os colegas pertencentes ao grupo.
Em meio a outras atividades, no final da aula a professora encaminhou uma
atividade de artes: desenhar a bruxa com tudo o que tem na casa dela. Foi um sucesso entre os
alunos. Cada um queria ver como era a casa da bruxa do outro. Verifica-se, dessa maneira, o
prazer e o entusiasmo com que os alunos realizavam a atividade.
Os alunos que haviam terminado passaram a se envolver com atividades de
desenho. A professora, por sua vez, sentou-se com os alunos que estavam com dificuldades.
Perguntei depois à professora como ela havia ensinado seus alunos a ler. Ela me disse que foi
por meio do alfabeto, de música. A música ajuda muito, diz ela. O aprendizado ocorre
naturalmente. Realmente, não é necessário aquilo de ensinar primeiro as “sílabas simples” e
depois as “complexas”.
Está isso a demonstrar que não é preciso, nem mais concebível, ensinar primeiro
as vogais, as junções, consoante por consoante, deixando as “complexas” como o H, RR, SS,
X, CH, LH entre outras, para os últimos dias de aula. Os alunos hoje aprendem a ler e a
escrever pensando sobre a leitura e a escrita. Pensando em quantas e quais letras utilizar.
Nas últimas quatro horas de observação, a professora Elen iniciou a aula
encaminhando uma atividade centrada num agrupamento produtivo. Ela dividiu a turma em
duplas, com critério previsto, tendo como base o conhecimento que ela tem, do que sabe
cada um, segundo ela, orientando a atividade com uma música que os alunos sabiam de cor
Um dois, feijão com arroz.
A professora cantou a música com os alunos. Depois cantaram-na novamente,
bem baixinho, com o tom normal e em tom alto. Ao terminar, todos se aplaudiram,
descontraídos com a atividade.
164
Para dar continuidade à atividade, a professora procedeu da seguinte maneira.
Entregou uma folha de sulfite e a música recortada em palavras, para que os alunos
montassem a música, por meio de colagem.
Para duas duplas, a professora deu a letra da música, como banco de dados, para
que eles pudessem realizar a atividade. Para uma delas, a professora entregou as frases
recortadas, para que eles montassem a música. Para outra, ainda a música recortada em
palavras. Essa distribuição tinha como objetivo apreender o conhecimento particular das
duplas.
As etapas previstas por Elen, para desenvolver a aula, demonstra que a
aprendizagem é concebida pelo docente como processo de transformação, e não mais como o
de acumulação de conteúdo.
À luz da compreensão de Krug (2007), para criar um espaço de conhecimento que
possa ser pensado no modo definido aqui por Elen como momento compartilhado, faz-se
importante atermo-nos a alguns movimentos, tais como:
(a) reconhecer que o outro (aluno ou aluna) tem conhecimentos;
(b) promover, no coletivo da sala de aula, o resgate desses conhecimentos, seu
aprofundamento e(ou) problematização;
(c) desvincular o conhecimento, a ser trabalhado na escola, de uma listagem
prévia de conteúdos a serem desenvolvidos, atuando a professora com maior
autonomia na escolha dos temas a desenvolver;
(d) utilizar várias fontes de estudos, livros didáticos, revistas, jornais,
documentos históricos, relatos orais. (KRUG, 2007, p. 88 – 89).
Desse modo, vê-se que o ensino é considerado processo que facilita a
aprendizagem, o desenvolvimento do pensamento e de novas atitudes, entre elas a de um
aluno ajudar o outro. Intenta provocar experiências que conciliam o conhecimento do aluno,
como as músicas que fazem parte de suas brincadeiras, com a proposição do conteúdo, a
aprendizagem da leitura, da escrita, da oralidade, das artes, etc.
O procedimento utilizado pela professora Fernanda, no encaminhar a atividade,
também demonstra nova característica que pode ser evidenciada como inovação na introdução
de práticas pedagógico-curriculares inovadoras, pois, para decidir que texto trabalhar, fez um
levantamento das parlendas que os alunos conheciam e qual delas mais gostavam. Assim
detalhe que faz da aula um momento de valorização do lugar do aluno no processo de ensino e
aprendizagem.
Iniciei pelas parlendas, juntos fizemos um levantamento das parlendas conhecida
pelo grupo. Depois selecionamos e fizemos a escolha. Optei pela preferida pela
turma. Fiz meu planejamento apresentando três diferentes propostas de atividades
considerando o nível de conhecimento dos alunos e definindo as duplas de trabalho
a partir do que eles sabiam a respeito da escrita. (Fernanda – NE)
165
A partir deste ponto inicial, Fernanda encaminhou a atividade, tendo objetivos
pré-definidos, com propostas diferenciadas de acordo com o que sabe cada um de seus alunos.
Esta proposta de atividade se deu com base na parlenda Rei Capitão.
No planejamento de Fernanda, consta como ela organizou cada proposta de
trabalho, bem assim os objetivos de cada proposta para as duplas de trabalho, pensadas com
antecedência.
Com o objetivo de que os alunos pudessem refletir sobre o sistema de escrita, tendo
como desafios
- relacionar a escrita ao valor sonoro;
- verificar as sílabas;
- ajustar e organizar a parlenda (idéias);
- utilizar-se de estratégias de leitura.
Encaminhamento da primeira proposta:
- distribuí para cada dupla a parlenda dividida em palavras (cada palavra em um
cartão);
- propus a cada dupla que organizasse a parlenda para que ficasse na ordem em que
cantaram;
- informei que não poderiam sobrar palavras, pois todas pertencem à parlenda.
Duplas de trabalho:
Escrita alfabética –Rafael
27
Escrita silábica alfabética – Neide
Silábico alfabético – Maria Isabel
Silábico alfabético – Marcos
Escrita alfabética – Ulisses
Escrita silábica alfabética – Gilson
Proposta 2:
Atividade de escrita da parlenda Rei Capitão.
Objetivos: Que os alunos possam refletir sobre o sistema de escrita tendo como
desafio:
- conhecer a ordem das letras, organizando-as ortograficamente. Quantas e quais
letras utilizar para escrever, ler e justificar.
Encaminhamento:
- distribuí para cada dupla as letras móveis da parlenda previamente selecionadas;
- ofereci somente as letras que fazem parte da parlenda.
- propus que escrevessem a parlenda utilizando todas as letras ali disponíveis, sem
deixar sobrar nenhuma.
Duplas de trabalho:
Escrita silábica com valor sonoro – Élio
Escrita silábica com valor sonoro – Tatiana
Escrita silábica com valor sonoro – Luís
Escrita pré-silábica – Sandra
Escrita silábica sem valor sonoro – Eliberto
Escrita silábica sem valor sonoro – Adriana
Escrita silábica com valor sonoro – Vanderlei
Escrita silábica sem valor sonoro – Daiane
Escrita silábica com valor sonoro – Anelisa
Escrita silábica com valor sonoro – Gilda
Escrita pré-silábica – Marília
Escrita silábica com valor sonoro – Alana
Escrita silábica com valor sonoro – Joana (Fernanda – NE).
27
Todos os nomes utilizados aqui são fictícios.
166
Essa maneira de organizar a aula não era muito comum entre os professores, em
razão do tempo demasiado que despende o professor. Hoje isso é utilizado como possibilidade
de o professor aproveitar o conhecimento que ele tem da turma para fazê-la avançar, com
objetivos claros do que quer com cada atividade e com cada agrupamento.
Fernanda destaca a importância do acompanhamento das atividades realizadas
pelos alunos e diz fazer isso “passando nos grupos de trabalho, fazendo as intervenções e
observando as hipóteses que os mesmos levantavam e a relevância no grupo de trabalho”
(Fernanda – narrativa).
Foram doze horas de observação também na sala da professora Fernanda, com o
objetivo de verificar as relações existentes entre o planejamento e a prática de inovações.
A professora Fernanda deu início à aula contando quantos estão presentes naquele
dia. Colocou, no quadro, 14. “Já que somos 20 alunos e estamos em 14, quantos faltaram
hoje?” (observação).
Mediante uma conta, deduziram quantos faltaram. Com os alunos, a professora
escreveu no quadro o nome dos ausentes.
Em seguida, a professora fez uma leitura para dar seqüência à aula: Vida de
passarinho. Os alunos leram o título da leitura e a professora informou que era um diálogo.
Perguntou.
Vocês sabem? Se lembram o que é um diálogo?
Eles disseram que era uma conversa.
Uma conversa entre quem?
Eles disseram: Entre passarinhos. (Fernanda – observação).
A professora pondera que o texto dizia da preservação do meio ambiente. Ela leu,
então, o texto e fez uma interpretação oral com os alunos. Eles participaram muito bem. Cada
um fala de uma vez. Quando um fala, os outros ouvem. A professora organiza as falas e
oportunidade a todos que querem falar. Além disso, ocupa o lugar de leitora diante dos
167
alunos, mostrando a eles o prazer que a leitura carrega, em razão do enfoque e do entusiasmo
com que lê, envolvendo os alunos.
A professora disse que vai encaminhar a próxima atividade: agrupamento. Os
alunos disseram: - “Agrupamento produtivo?”.
“Isso mesmo”, disse a professora.
A professora informou aos alunos como havia pensado as duplas, inicialmente.
Mas, como faltaram seis alunos, ela iria faria novo reagrupamento. Com base nos alunos que
vieram, a professora organizou novas duplas. Disse que é difícil dessa forma, porque os níveis
estão muito parecidos, mas tudo bem. Organizou as duplas e encaminhou a atividade.
A professora Fernanda informou aos alunos o que esperava que eles fizessem:
observassem a ordem das letras, organizassem a seqüência, montassem o texto e justificassem
o texto. Justificar o texto é o momento de os alunos dizerem por que utilizaram esta ou aquela
letra para escreverem cada palavra.
Os alunos demonstraram que estão habituados a trabalhar dessa maneira. Um
cola uma letra, outro cola outra. A professora está sempre reforçando a algumas duplas a
necessidade de se ajudarem. Pede que eles cantem e pensem qual letra vão usar. A professora
organizou os agrupamentos de tal forma que um aluno ajudasse o outro. Por exemplo: em
uma das duplas há um menino que se encontra num nível silábico, mas ainda escreve
utilizando vogais, com outro menino que está no silábico alfabético. Assim, um ajuda o outro.
Um diálogo entre essa dupla patenteia o resultado positivo do desempenho que a
professora teve no planejar cuidadosamente a aula.
A professora pergunta:
Como é o PEGA? O PE?
Um aluno diz: - É o E.
Outro diz: - Não! É o P e o E.
A professora pergunta ao primeiro: - Você concorda que é o P e o E?
Ele concorda: - Sim!
Novamente ela pergunta:
E o GA de PEGA?
O primeiro diz: - O A.
168
O segundo diz: Não! É o G e o A.
A professora pergunta novamente ao primeiro: - Você concorda? Ele diz que sim.
(Fernanda – observação).
Enquanto as duplas vão trabalhando, a professora passa de dupla em dupla
fazendo intervenções para que os alunos dêem conta de fazer a atividade. Para as duplas que
foram terminando, a professora foi entregando o jogo do tangran e de varetas.
Em mais um dia de observação, na sala da professora Fernanda, ela fez a leitura
do texto: Morto de preguiça. Antes de iniciar a leitura leu o título aos alunos e eles foram
antecipando o que iria possibilitar o texto. Depois da leitura, a professora foi fazendo uma
interpretação oral com as crianças, checando se o que elas pensaram, a princípio, era o que o
texto continha.
Nessa atividade, a professora ensina aos alunos utilizarem-se das diversas
estratégias de leitura, sem que eles precisem saber que delas se socorrem ao realizar esse tipo
de atividade.
A professora disse que vai encaminhar a atividade de hoje. Uma aluna pergunta:
“É com agrupamento produtivo?- Esse tipo de atividade parece ocorrer freqüentemente na
sala, uma vez que esta se encontra organizada de tal forma que já propicia este trabalho.
mesinhas que atendem até a seis alunos no grupo -. Ela responde: - “Sim, mas hoje será em
trio. Quantas pessoas ficam no grupo então?” Eles respondem: - “Três”.
A professora diz que a atividade é com dominó de figuras e palavras, [...]. E
apresentou o que ela quer com a atividade: que identifiquem a figura fazendo correspondência
com a escrita. Levantem hipóteses variadas e despertem a gosto pela leitura. (Fernanda
observação). Tais hipóteses são levantadas pelos alunos, levando em conta a figura e a letra
que começa a palavra, a letra com que termina. Essas pistas levam os alunos a identificar onde
está escrito a palavra que procuram.
O que se observa, igualmente, nas aulas da professora Fernanda é que o tempo
todo ela procura informar a seus alunos o que quer que eles façam. Isso se torna importante
169
por demonstrar que sabe o que quer com cada atividade, e o que quer que seus alunos
aprendam.
Ela trouxe os grupos pensados, mas como faltaram alguns alunos ela precisou
remanejar alguns trios. Dos 16, ela pegou dois para servir de monitores e comunica a eles que
lhes cabe ajudar os grupos fazendo interferências, mas que não é ficar em um grupo, mas
monitorar todos os grupos. (Fernanda – observação).
Fernanda montou ao todo cinco grupos. Antes de iniciar a atividade de leitura,
passou as regras do jogo. Este tipo de leitura e escrita trazida por ela leva os alunos a sentir
prazer em fazer o que está fazendo. Eis uma aprendizagem que, para se concretizar exige
seguir regras, levantar hipóteses de leitura e de escrita, além de contar com a interferência dos
colegas do grupo, dos monitores e da professora que estava sempre acompanhando o trabalho.
Conforme os grupos iam concluindo sua atividade, a professora ia repassando
novos jogos para o grupo. (Fernanda – observação).
A professora diz que agora tem jogos diversos, para desenvolver o raciocínio e a
mente, e que agora quer grupos de quatro crianças. Apresentou os outros jogos às crianças:
dominó com números e figuras; jogos da memória dos antônimos; jogo de dominó
tradicional; resta 1, semelhante ao jogo de damas; dominó com bichos. (Fernanda
observação).
No último dia de observação na sala de Fernanda, completando as doze horas, a
professora deu início à aula cumprimentando as crianças.Em seguida, fez a chamada, quando
uma criança disse a ela: Professora, você esqueceu a leitura! (Fernanda – observação).
“- Não, a professora não esqueceu não!” Essa atitude dos alunos demonstra que
essa atividade de leitura pela professora é uma atividade permanente em sala, um momento
muito importante, pois a professora, nesta sua atitude todos os dias, mostra a seus alunos que
também é leitora, e que isso é uma atividade prazerosa.
170
Ela leu então o texto: A Cobra. Depois da leitura, todos descobriram que o texto
era uma música conhecida por eles. Cantaram-na, que todos a sabiam de cor. (A cobra não
tem pé, a cobra não tem mão ...). A professora sempre ia organizando para que, quando uma
criança estivesse falando, as outras permanecessem atentas.
Uma das alunas trouxe, na segunda-feira quatro CDs com histórias e músicas,
para que a professora colocasse para eles ouvirem. Ela levou os CDs e planejou a aula de
hoje.
A professora não desmerece o que os alunos trazem para contribuir com a aula.
Preocupa-se em conhecer o material e planejar atividades que possam ser consideradas
situações de aprendizagem aos alunos.
Antes mesmo de iniciar efetivamente a aula desse dia, a professora informou que
hoje teria campeonato de queima. Veio vestida de maneira confortável para a brincadeira, não
sem trazer a bola, no início da aula. A professora Fernanda deixa evidente, com isso, a
importância que ao tempo de trabalho com seus alunos: vem pronta para a aula e traz a
bola. Assim, não precisa ir buscá-la no horário da aula de brincadeiras, nem mesmo pedir a
algum aluno que o faça.
Para continuar a aula, ela encaminhou um desenho livre individual: ilustrar a
cantiga com desenho. A professora entregou meia folha de sulfite com o encaminhamento da
atividade e disse que o trabalho era individual. Perguntou se eles sabiam o que era individual.
Eles disseram que era para pensar e fazer a atividade.
Informa aos alunos o que ela quer alcançar com a atividade: desenvolver a
competência de ouvir, falar e desenhar. (Fernanda – observação).
Durante a atividade, a professora passa de mesa em mesa observando o trabalho e
perguntando o que cada um pensou, desenhou. A professora recolheu todos os desenhos e
disse que iria continuar o trabalho com eles em outro momento.
171
As atitudes pedagógicas da professora nos ilustram que ela informa aos alunos o
que vão fazer e para quê. Atividades estas que possibilitam um maior interesse por parte dos
alunos no desenvolver as atividades.
Para o segundo momento da aula de hoje, Fernanda informou que ouviu os CDs
que a aluna trouxe e escolheu a história do SAPO GABRIEL. Pediu aos alunos que ouvissem
a história com atenção porque vamos fazer uma produção escrita. Antes de colocar a história
para eles ouvirem ela organizou as duplas, as quais, ela já trouxe planejadas.
Organizadas as duplas, ela pôs a história para eles ouvirem. Professora e alunos
realizaram uma interpretação oral: participam de modo agradável e produtivo dessa atividade.
Na seqüência, a professora encaminhou uma atividade de escrita, de uma lista que
contemplasse várias palavras que eles ouviram na história.
Os alunos, organizados em duplas, conversaram sobre as palavras que apareceram
na história e puseram a realizar a atividade. Concomitantemente, a professora passou por entre
as duplas, fazendo intervenções, perguntando o que eles haviam escrito. Uma maneira,
segundo ela, de saber como eles pensaram sobre a escrita.
As atividades de escrita encaminhadas aos alunos são atividades que levam os
alunos a pensar sobre a escrita, diferentemente daquelas de cópia, ditado, atividade de ligar,
separação de sílabas. Estas, as crianças resolviam por meio de exemplos, sem nenhum
desafio.
Observa-se, no encaminhamento de atividades propostas por Fernanda, que ela
oferece a seus alunos uma seqüência de atividades planejadas que favorecem a aprendizagem
dos alunos. Weisz lembra que boas situações de aprendizagem devem reunir algumas
características que, se observadas, estão presentes naquelas propostas por Fernanda:
os alunos precisam pôr em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo
que se quer ensinar;
os alunos m problemas a resolver e decisões a tomar em função do que se
propõem produzir;
172
a organização da tarefa pelo professor garante a máxima circulação de
informação possível;
o conteúdo trabalhado mantém suas características de objeto sociocultural
real, sem se transformar em objeto escolar vazio de significado social. (WEISZ,
2003, p. 66)
Mediante o que está abordado acima, atuar com esse intuito é dar atenção às
diferenças individuais, levando em conta um currículo flexível e diversificado que estimule a
troca e a participação de todos os alunos no processo de aprendizagem. Esse o pensar de Pérez
Gómez (1998).
Julia, a outra professora, sujeito desta pesquisa, encaminha as situações de
aprendizagem em sua sala de aula, por meio de projetos.
Esta temática tem como princípio o desenvolvimento do conhecimento através de
projetos. A temática partiu de uma discussão com os alunos para escolher o tema a
ser apresentado na Feira das Ciências. Na ocasião, optaram por outro assunto. E
percebendo o interesse deles também por esta temática, resolvi instigar a curiosidade
dos alunos [...]. Após elencar o que eles sabiam sobre o assunto, procurei saber o
que eles gostariam de saber. E a partir daí, procurei trabalhar cada ponto dando uma
seqüência lógica dos itens relatados por eles e aos poucos ir ampliando o
conhecimento sobre o tema. Quanto aos conteúdos da área de ciências, o próprio
tema direcionou para a necessidade de se trabalhar a reprodução insetos e higiene
corporal. Com relação aos conteúdos da área de linguagem, acredito que faz parte do
processo de alfabetização (explorar a oralidade, desenho, leitura e escrita). Os de
matemática (adição e multiplicação), procurei trabalhar com o intuito de mostrar aos
alunos como que os piolhos se reproduzem rapidamente. (Julia – NE)
Julia trabalha por meio de projetos e escolhe a temática, tendo por base o interesse
dos alunos referente ao que sabem sobre determinado assunto e sobre o que querem saber. No
decorrer da aula, procura instigá-los para, aos poucos, ir ampliando o conhecimento prévio de
cada um.
Como o fato de trabalhar com projetos propicia um leque maior de oportunidades
de trabalho, Julia aproveita e insere várias áreas de conhecimento, sem ser preciso dizer aos
alunos: Olhe, agora é hora de ciências, agora de matemática. Observa-se que ela aproveita as
possibilidades que o tema traz para ensinar, assim como parte do que o aluno já sabe,
valorizando o conhecimento que cada um tem, e ainda o que querem saber, meio de incentivá-
los à aprendizagem.
173
Essa introdução de como se dá o trabalho de Julia nos revela a concepção de
ensino e de aprendizagem que ela possui, pois, para ensinar, ela busca o que seus alunos
sabem sobre o tema e o que eles gostariam de saber. Por fim, intenta produzir uma síntese do
que eles aprenderam. Para isso, a professora procura oferecer como metodologia de trabalho:
a pesquisa. Trata-se de atividade que oferece aos alunos a investigação e, conseqüentemente,
a descoberta do conhecimento, tornando-o mais prazeroso.
Julia nos mostra, nesse momento, que o tempo e o espaço escolar sofreram várias
transformações. Pode-se ver que não há a preocupação em planejar uma aula que se bitole a
quatro horas de duração. O que está em jogo aqui é a qualidade da aprendizagem dos alunos.
Doutro lado, a sala de aula não é mais o único lugar onde se aprende. A aprende-se,
igualmente, buscando informações fora da sala de aula, no laboratório de informática, por
exemplo, na troca de experiência com os alunos de outras salas. Eis uma atividade
desafiadora, e que contribui para que eles se desinibam e vão, aos poucos, construindo a
habilidade de falar sobre o que aprendeu.
A seguir, apresentarei dois textos que, após as leituras informativas, eram discutidos
e escritos no quadro, para que eles copiassem:
1º texto retirado da revista “Ciências hoje” nº. 134
HOJE APRENDEMOS QUE:
UM PIOLHO FÊMEA BOTA ATÉ 6 OVOS POR DIA.
QUE OS PIOLHOS NÃO MORREM AFOGADOS PORQUE SEU APARELHO
RESPIRATÓRIO É FECHADO QUANDO ENTRA EM CONTATO COM A
ÁGUA.
2º texto
HOJE APRENDEMOS QUE NA SALIVA DO PIOLHO TEM UMA
SUBSTÂNCIA QUE FUNCIONA COMO ANESTÉSICO NA HORA QUE O
PIOLHO PICA A PESSOA.
QUANDO ELE DEIXA DE PICAR FICAMOS COM ALERGIA E COMEÇAMOS
A COÇAR.
QUE ELE TEM UM ANTICOAGULANTE QUE NÃO DEIXA QUE O SANGUE
COAGULE NO ABDÔMEM DO INSETO (PIOLHO).
A COCEIRA CAUSA FERIDAS E INFECÇÕES. (Julia – NE)
A cópia é transformada em uma atividade que registra o que se aprendeu durante
aquele dia, e não o contrário. Copia-se para aprender, decorar, decodificar.
174
Na sala de aula de Julia, também foram doze horas de observação, momentos
estes em que foi possível verificar o que ela havia nos relatado a propósito de como era sua
prática e o que, literalmente, ocorre na sala de aula.
Nas primeiras quatro horas, a professora iniciou a aula perguntando aos alunos o
que era mesmo que eles iriam estudar agora. Os alunos disseram que era sobre o PIOLHO. A
professora então perguntou aos alunos o que eles sabiam sobre o piolho e, a partir da
participação oral dos alunos, a professora foi relacionando no quadro: O que sabemos:
- QUE PIOLHO DE GALINHA TEM A BUNDA MAIOR QUE A CABEÇA.
- O PIOLHO SAI DA LÊNDEA.
- O PIOLHO COÇA.
O PIOLHO CHUPA SANGUE.
- O PIOLHO DÁ DOENÇA.
- O PIOLHO MATA.
- O PIOLHO GRUDA.
- A LÊNDEA SAI DO PIOLHO. (Julia – Observação)
Ao iniciar a aula, os alunos tinham conhecimento do que iriam estudar. A
professora então realizou um levantamento do que eles sabiam sobre o tema, segundo o que
ela escolheu com os alunos.
Para introduzir o tema, pede a eles que desenhem um piolho para terem idéia do
que pensam a respeito dele. Todos desenharam. A princípio, alguns resistiram, dizendo que
não sabiam como fazer. Após a motivação da professora, todos realizaram a atividade. Esse
tipo de exercício, de acordo com a professora, possibilita aos alunos se desenvolver na área de
artes, quando vão tentando melhorar a produção realizada. (Julia – observação).
No momento posterior da aula, a professora perguntou aos alunos o que eles
querem saber sobre o piolho. Listou o que eles, oralmente, reproduziram:
O QUE VAMOS APRENDER
- COMO O PIOLHO CHUPA.
- COMO O PIOLHO FAZ PARA COÇAR A CABEÇA.
- QUANTO TEMPO O PIOLHO VIVE.
- POR QUE O PIOLHO CHUPA SANGUE.
- COMO O PIOLHO VAI PARA A CABEÇA DE OUTRA PESSOA.
- POR QUE O PIOLHO NÃO MORRE AFOGADO.
- COMO O PIOLHO NASCE.
- POR QUE O PIOLHO MORDE DOÍDO, SE ELE NÃO TEM DENTE. (Julia
observação)
175
Nesse momento, os alunos contribuem para dar à professora direção de seu
trabalho. Seu planejamento parte daí: da participação ativa dos alunos, que relatam o que
sabem e o que querem saber, para que a professora planeje suas aulas.
Ela explica que, como vai planejar as aulas com base no levantamento que
fizeram, nesse momento voltariam ao outro projeto que estavam desenvolvendo: os animais.
A professora encaminhou uma atividade de escrita, enfocando os animais. Nessa
atividade, ela ofereceu pista com os nomes dos bichos para a turma exceto para cinco alunos,
para os quais ela deu somente o texto. A atividade consistia em completar o texto com o nome
dos bichos que faltavam.
A CASA E SEU DONO
ESSA CASA É DE CACO.
QUEM MORA NELA É O -------------------
ESSA CASA É TÃO BONITA.
QUEM MORA NELA É A ----------------------
ESSA CASA É DE CIMENTO.
QUEM MORA NELA É O -----------------------
ESSA CASA É DE LATA.
QUEM MORA NELA É A -----------------------
ESSA CASA É ELEGANTE.
QUEM MORA NELA É O ------------------------
DESCOBRI DE REPENTE
QUE NÃO FALEI EM CASA DE ---------------(Julia – observação).
A atividade foi realizada individualmente pelos alunos. Porém, como se
encontravam sentados em mesas nas quais eles agrupavam, a professora, lembra a eles que
poderiam pedir ajuda aos colegas. O encaminhamento dessa atividade possibilita que os
alunos levantem as hipóteses de leitura, realizem a atividade de leitura para, então, poder
desenvolver a atividade de escrita encaminhada. Sendo assim, torna-se uma atividade
desafiadora para os alunos.
A professora acompanhava cada grupo, realizando intervenções para que os
alunos realizassem a atividade. Segundo a professora, divide a turma em grupo e, dia por dia,
acompanha mais de perto cada grupo, para ter clareza de onde estão e que orientações devem
ser encaminhadas a cada um deles.
Feito isso, ela passou uma atividade de escrita: uma lista com nomes de animais,
com algumas letras, não ausente a informação de que era uma lista de animais. Com essa
atividade, os alunos teriam que descobrir qual letra estava faltando para formar a palavra.
M__MIF__RO
G__RAF__
__AC__C__
L__Ã__
C__CH__R__O
C__PIV__R__
176
J__C__RÉ. (Julia – observação)
O que se observa é que não é necessário ocultar informações dos alunos. Estas
contribuem para que eles possam pensar e descobrir quais letras devem utilizar para a escrita
das palavras. Para os olhos de algumas pessoas alfabetizadas, essa é uma atividade sem
significado. No entanto, se for possível se ausentar e olhar para a atividade da mesma forma
como os alunos, que estão compreendendo como se a evolução da leitura e da escrita,
concluir-se-á que não é tão simples como se pensa.
As últimas quatro horas de observação na sala da professora Julia propiciaram
conhecer um pouco mais de seu trabalho. Até mesmo para ter argumentos confirmantes de
que o ensino e a aprendizagem têm sido vistos de maneira muito especial por alguns
professores, partindo dos sujeitos desta pesquisa.
Hoje a professora retomou o projeto sobre o piolho. A professora expôs os
cartazes que trouxe pronto, com questionamento: O que sabemos sobre PIOLHO? O que
queremos saber? Passa a relembrar aos alunos o que eles haviam levantado na aula anterior.
(Julia – observação).
A professora pesquisou e trouxe algumas informações sobre o que os alunos
queriam aprender. Fez a leitura aos alunos de algumas informações que encontrou. Durante a
leitura, a professora ia trazendo as informações de acordo com a curiosidade dos alunos,
buscando a participação deles para discussão e compreensão do tema. Depois, sistematizaram
as informações no quadro e copiaram no caderno.
Esta atividade de cópia, realizada pelos alunos, patenteia que a cópia ganha nova
roupagem. Ou seja, ela passou a ser trabalhada como modo de os alunos sistematizarem os
conhecimentos construídos na aula. Referência foi o que eles sabiam a respeito do tema e o
que queriam aprender. Em bem da verdade, isso diferencia daquela cópia em que se enchiam
folhas e folhas do caderno, sem objetivo nenhum, porque não servia nem para ensinar a ler,
nem para ensinar a escrever, por que o que exigia do aluno?
28
Observa-se que não se tem a preocupação em escrever somente palavras com
sílabas simples ou complexas, porque, nesse modo de ver o ensino e a aprendizagem, isso não
existe. O aluno não sabe o que é simples ou complexo, tudo é possível para eles. Sendo assim,
são capazes de aprender o que for oferecido como possibilidade a eles. Acredita-se que, ao
28
Conta-se neste mundo de meu Deus que numa escola, havia um aluno com péssimo aproveitamento em
português. A professora, sempre muito dedicada, querendo corrigir mais um de seus inúmeros erros, mandou que
ele escrevesse cem vezes o pretérito perfeito do verbo caber, porque ele dizia “cabeu”, em vez de coube, A
tarefa deveria ser feita depois que as aulas terminassem, como uma espécie de castigo. O garoto, então, encheu a
página de coube, coube, coube, coube ... No finzinho, deixou uma observação no caderno da professora: Fessora,
num escrevi cem vez por causo que num cabeu.
177
oferecer informações aos alunos para se desenvolverem, é possível que a aprendizagem se dê
de modo mais produtivo, num todo, atento ao seu conjunto, e não às partes. Quanto mais
informações forem oferecidas a eles, mais possibilidades de avançar na construção do
conhecimento eles terão.
Segundo Sampaio, muitas coisas podem ser feitas que possam contribuir para
criar, no cotidiano da sala de aula, um espaço de confiança na capacidade de aprender dos
educandos. Uma forma de consegui-lo é “Chegar mais perto, colocar-se disponível para ouvir
os alunos e as alunas com mais atenção, procurando compreender como aprendem, o que
aprendem, o que sabem, o que ainda não sabem. Investir nos ainda não saberes
29
dos
estudantes [...]”. (2007, p. 76).
Weisz elucida que, para que os alunos possam pôr em jogo tudo o que sabem a
respeito de um assunto, a escola precisa “autorizá-lo e incentivá-lo a acionar seus
conhecimentos e experiências anteriores, fazendo uso deles nas atividades escolares”. (2003,
p. 67).
No entanto, a autora lembra que isso não pode ficar na fala do professor, mas
deve fazer parte de suas ações. Observa-se que isso vem sucedendo na prática da professora
Julia, pois “A valorização dos saberes construídos fora das situações escolares é condição
para que os alunos tomem consciência do que e de quanto sabem” (ibidem, p. 68). Quando a
proposta de ensino é planejada para esse fim, todo conhecimento que o aluno possui é
considerado ponto de partida para o aprofundamento de seu conhecimento.
Para Pérez Gómez, os alunos devem participar da aula trazendo “tanto seus
conhecimentos e concepções como seus interesses, preocupações e desejos, envolvidos num
processo vivo, em que o jogo de interações, conquistas e concessões provoque, como em
qualquer outro âmbito da vida, o enriquecimento mútuo”. (1998, p. 64).
O papel do docente, além de preocupar-se em diagnosticar os efeitos de suas
estratégias pedagógicas, passa a inquietar-se em “interpretar a riqueza educativa da vida da
aula gerada por suas propostas e pelas dos alunos/as, por suas reações, sentimentos e
criações” (Pérez Gómez, 1998, p. 85 86). Dessa maneira, o ensino passa a ser visto como
espaço que orienta e valoriza a intencionalidade educativa, embasando no conhecimento que o
aluno traz para a vida da aula, como o destacado pelos sujeitos desta pesquisa.
Fato esse de maior relevância, pois, agindo desse modo, o docente é capaz de
saber de onde vai partir a aprendizagem que se quer que se concretize. E “conhecer essas
29
Grifos do autor.
178
idéias e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno
terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe”. (WEISZ, 2003, p. 93).
O processo de ensino e de aprendizagem vivenciado pelos sujeitos desta pesquisa
permite dizer que as professoras têm realizado, em sua atuação, os processos de reflexão-na-
acção e de reflexão sobre a reflexão-na-acção, segundo os estudos de Shön (1992).
Shön (1992) explica que a reflexão-na-acção permite ao professor ser
surpreendido pelo que o aluno faz. Em seguida, pensa sobre o que o aluno fez e procura
compreender o por que ele fez da maneira que fez, e por que o surpreendeu. Diante disso,
elabora novas alternativas pedagógicas que comprovem a maneira que o aluno pensou, sem
preocupar-se em explicar isso por meio de palavras. A reflexão-na-acção propicia esse
momento ao professor.
Refletir sobre a reflexão-na-acção é uma ação, uma observação, uma descrição
que exige do professor, assim entende Shön (1992), o uso de palavras. Observando o que Julia
faz ao realizar um levantamento do que os alunos sabem e do que eles querem saber sobre os
piolhos, para que ela pense em como ampliar esse conhecimento, pode-se dizer que ela realiza
uma reflexão sobre a reflexão-na-acção. Esta ocorre quando “O professor pode pensar no que
aconteceu, no que observou, no significado que lhe deu e na eventual adopção de outros
sentidos”. (SHÖN, 1992, p. 83).
No decorrer das atividades de observação, nas aulas dos sujeitos e em seus relatos,
ainda é possível verificar como as professoras Elen, Fernanda e Julia vêem a avaliação.
Pode-se dizer que corresponde a ponto de destaque na introdução de práticas
pedagógico-curriculares inovadoras, pois a avaliação é vista como um dos pontos para
melhorar o ensino e a aprendizagem dos alunos. Assim, além de avaliar o aluno para buscar
compreender o que oferecer para que ele avance, o professor passa a avaliar seu próprio
trabalho, como parte que integra e orienta o processo de ensino.
Nos momentos de observação, foi possível verificar que, nas três salas de aula,
durante o encaminhamento das atividades, as professoras acompanham o desenvolvimento
das atividades de cada dupla, trio ou grupo.
Segundo Elen, o desafio é poder acompanhar e avaliar o percurso que o aluno
apresenta, de modo que possibilite observar o que conseguiram realizar e o que ainda não
conseguiram e o por quê. Em adendo, franqueia, o desenvolvimento dos alunos, fundado na
ajuda de um ao outro.
Cada desafio proposto era avaliado com objetivo de verificar se todos conseguiram
realizar e se não, o porquê. (Elen – NE)
179
Durante as aulas foi muito gratificante observar um ajudando o outro a fazer a
leitura, colar e ordenar as palavras de acordo com a melodia e sonoridade da música
com as palavras. (Elen – NE)
Dado que o ato de acompanhar todos os grupos, em uma mesma atividade, é uma
situação desafiadora, deve ser oferecido diversas vezes à turma. No entanto, não bastante ser
desafiadora, ela oferece diversas oportunidades para o professor acompanhar aquilo que o
aluno está avançando e como se dá. Elen destaca a importância de buscar, no colega de
trabalho, auxílio nas horas de angústia.
[...] o professor sozinho não consegue acompanhar todos os grupos na mesma
atividade, devem ser realizadas várias vezes com alternativas para conseguir avaliar.
Uso essas atividades sempre, nas minhas angústias tento trocar idéias com minha
companheira Fernanda e recorro a apostila do PROFA e outros materiais. (Elen
NE)
Para desenvolver as atividades de acordo com as necessidades de cada aluno, porque
nós temos alunos, como tem colega nossa que sempre diz, graças a Deus que nós
não somos iguais, e a aprendizagem não se dá igual, cada um tem as suas limitações.
[...] e essa aprendizagem exige do educador, principalmente do alfabetizador, exige
muita dedicação e ele tem que rebolar muito para atender esses alunos (pausa) e
nessa separação de níveis é onde que a gente tem que adequar cada atividade ao
aluno e as suas dificuldades [...]. (Elen – NO)
Fernanda nos informa que o trabalho de intervenção é que propicia a avaliação de
seu trabalho e o desenvolvimento dos alunos. Com essa experiência há possibilidade de que
ela conheça o que cada aluno sabe, quais caminhos eles estão percorrendo para construir seu
conhecimento e, assim, oferecer atividades que favoreçam o desenvolvimento de cada um.
Faz isso por meio do trabalho de agrupamento, no qual procura congregar os alunos em
duplas e trios, na maioria das vezes, de acordo com o que cada atividade exige, tendo por base
o conhecimento de cada um e aquilo que eles precisam avançar. Oportuno rever o
entendimento da professora:
A avaliação dos alunos será realizada a cada aula através do diálogo, dos trabalhos
desenvolvidos por eles e no final com o produto final
30
, momento em que os alunos
apresentarão o que aprenderam para outras turmas. A do projeto será analisado o
conteúdo de cada aula procurando dar seqüência nas próximas para que o aluno
construa seu próprio conhecimento. (Julia – NE)
A avaliação, para Julia, é utilizada a favor da aprendizagem dos alunos. Momento
em que ela acompanha o desenvolvimento individual e oportuniza que eles socializem os
conhecimentos aprendidos com outras turmas. Garante assim, o desenvolvimento da
oralidade, do trabalho em equipe, de comunicação por meio da troca de experiência com o
trabalho do produto final.
Avalio o planejamento ou projeto que elaborei como uma ferramenta fundamental
para o desenvolvimento dos alunos, pois através dele pude trabalhar outras
30
Planejado no início do projeto como motivação à aprendizagem dos alunos, o produto final é o fechamento do
trabalho que está sendo desenvolvido, momento de os alunos socializarem o que aprenderam.
180
disciplinas e vários conteúdos. Apesar de ser mais trabalhoso, pois exige mais tempo
para pesquisar e montar as atividades, mas tem o outro lado que leva o aluno a
compartilhar o que sabe e ao mesmo tempo relacionar com novos conhecimentos.
(Julia – NO)
A avaliação é construída por dois ângulos. Avalia-se o ensino e a aprendizagem.
Quais os resultados alcançados? O que precisa ser retomado? Traduz um expediente que exige
mais compromisso do educador, mas se faz mais gratificante por possibilitar a socialização
dos conhecimentos construídos. Em acréscimo, é oportunidade , assim como de valorizar o
que o aluno sabe.
Desse modo, pode-se dizer, à luz do que destacam as professoras Elen, Fernanda e
Julia, que o aluno é um ser ativo e mediador do seu processo de aprendizagem. Para pensarem
assim, impõe-se que passem a atribuir ao objetivo de ensino esta concepção:
Provocar nele o desenvolvimento de capacidades, conhecimentos e atitudes que lhe
permitam se desempenhar por si mesmo no meio em que vivem. Aprender a
aprender, perceber, interpretar, raciocinar, investigar e intervir na realidade são
capacidades operativas que somente se aprendem agindo, fazendo, intervindo
ativamente, mediando, enfim, entre as situações externas e as condutas. (PÉREZ
GÓMEZ, 1998, p. 72 – 73)
Tardif, ao discorrer sobre a dimensão temporal dos saberes do professor,
privilegia que eles
não somente são adquiridos no e com o tempo, mas são também temporais, pois são
abertos, porosos, permeáveis e incorporam, ao longo do processo de socialização e
da carreira, experiências novas, conhecimentos adquiridos durante esse processo e
um saber-fazer remodelado em função das mudanças de prática e de situações de
trabalho (TARDIF, 2002, p. 106).
As palavras de Tardif (2002) permitem afirmar que é assim que ocorrem as
mudanças na cultura pedagógico-curricular dos professores, por meio das atuações temporais
que facultem a eles abrir mão de concepções arraigadas, dispondo-se a mudar a ação do
docente. Tenha-se em conta a necessidade dos próprios alunos e daqueles professores que se
sentem incomodados com uma concepção tradicional, que limita as possibilidades de ensino e
de aprendizagem de todos os envolvidos na educação.
181
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos realizados nesta pesquisa possibilitaram compreender que mudanças
ocorreram e ocorrem na cultura pedagógico-curricular do professor, dada a implantação da
escola organizada por ciclos.
A princípio, pude constatar que, no início da carreira, os professores buscam
recordar vivências de seus professores da escola primária, na época em que ainda eram
alunos, para subsidiar sua prática. Estas referências se encontram repassadas de crenças,
valores, hábitos e atitudes que levam os professores a se apropriarem destas manifestações da
cultura do professor decorrentes dos primeiros anos de docência.
Com isso, os sujeitos desta pesquisa revelam que, por não terem tido tempo para se
preparar para o exercício do magistério, quando se iniciaram na docência buscavam espelhar-
se na postura; no modo de lidar com a disciplina; de ensinar - principalmente na maneira de
alfabetizar, utilizando a Cartilha Caminho Suave, que encaminhava à prática de decorar,
memorizar, copiar; de avaliar. Faziam-no como se este momento do ensino fosse suficiente
para medir e classificar os alunos, revelar se estavam aptos para ir para a próxima série, ou se
começariam tudo novamente no próximo ano, mesmo que tivessem avançado muito em
relação ao período do início ao final do ano letivo.
As professoras Elen, Fernanda e Julia afirmam que esta prática ocorreu no início
da carreira, dado que não tinham conhecimento de como era possível ensinar de modo
diferente. Segundo elas, esta foi a maneira pela qual foram alfabetizadas. Por isso,
acreditavam, até então, ser a maneira certa de ensinar.
Pelo que se pode observar nos sujeitos, é que, ao assimilar, interiorizar e
incorporar à prática docente crenças, valores, hábitos, costumes e atitudes de seus professores,
ainda da época de sua escolarização, estes fatores culturais se apresentam como um peso
relevante. Fazem parte da constituição da cultura pedagógico-curricular dos professores.
Esta herança, embebida na tradição escolar, acaba por ocasionar alguns aspectos
que dificultam ou fazem com que o processo de mudança, na prática pedagógico-curricular, se
torne lento, quando, não aceito por parte de alguns professores.
Segundo as professores em apreço, existem aspectos externos e internos à vida da
escola que interferem de modo negativo para que ocorram mudanças na cultura pedagógico-
curricular dos professores.
182
Os aspectos externos revelados pelos sujeitos estão pautados na necessidade de
uma formação contínua, orientada pelos órgãos externos à escola, como é o caso da Secretaria
Municipal de Educação, ou de consultorias, sejam elas de órgãos ligados diretamente à
educação, como é o caso do Ministério da Educação, sejam outros. Segundo Julia, para que se
efetivem mudanças na prática do docente, é preciso que os professores tenham a quem
recorrer quando as dificuldades os tomarem de assalto, pois, sendo apoiados, poderão se
fortalecer para enfrentar os desafios da prática, ao invés de desistir por conta das dificuldades
que foram semeadas.
Os sujeitos lembram que é preciso, ainda, um apoio maior quanto aos aspectos
financeiros que estão diretamente ligados à qualidade da estrutura física e pedagógica da
escola. Tais fatos interferem na qualidade do atendimento aos alunos, ao mesmo tempo em
que causam nos professores certo receio em falar com os pais e defender a escola organizada
por ciclos, pois o investimento neste âmbito é falho. Mais ainda. Não contempla a necessidade
que professores e alunos apresentam para avançar na propostas de implementar práticas
inovadoras.
O rodízio de professores faz com que todo ano existam docentes se iniciando na
carreira. Estes, com ou sem qualificação, necessitam de certo tempo para compreender esta
nova maneira de organizar a escola, contribuindo para que a mudança se torne ainda mais
lenta. aqueles que, não raro, persuadidos por outros que defendem a tese, acomodada, de
que os alunos não estão aprendendo hoje, o que se deve à escola organizada por ciclos. Tal
afirmação se coaduna com a expressão de nossos sujeitos, ouvida daqui e dali.
A cobrança direta e indireta dos pais, por resultados imediatistas e pela quantidade
de conteúdo nos cadernos de seus filhos, acaba infiltrando dúvidas, ansiedade e insegurança
nos professores, quando da tentativa de promover mudanças na prática, afirma Fernanda.
Quanto aos aspectos internos, Julia complementa que a falta de conhecimento de
alguns professores para enfrentar situações inovadoras, como é o caso da mudança da escola
organizada por série, canalizando-a para a escola organizada por ciclos, cadencia ainda mais
essa empreitada, retardando-lhe o passo. Esta professora afirma que é preciso compreender as
concepções da escola seriada em sua origem, assim como os fundamentos da escola
organizada por ciclos, pois, por este caminho, é possível que os professores compreendam que
a escola seriada não mais encoberta a possibilidade de responder aos desafios e às
necessidades dos alunos de hoje.
Segundo os sujeitos, o trabalho coletivo na escola também tem deixado a desejar.
Este trabalho acaba por ocorrer mais no início do ano, quando se planejam e traçam metas a
183
ser atingidas durante o ano. Porém com o passar dos dias, as metas vão sendo desprezadas,
quando não ignoradas, e o trabalho se volta para pequenos grupos. Casos em que passa a
ser realizado individualmente.
Por conta deste problema, alguns professores, assim testemunha Fernanda, não
entreabrem companheirismo e cooperação para o desenvolvimento de um trabalho inovador
na sala de aula. Preferem continuar como está, com uma prática que já não responde às
necessidades atuais. A crença de que não vale a pena mudar acaba por não incentivar o
colega, como se impossível fosse desenvolver mudanças significativas na prática.
Professores e coordenadores pedagógicos, é preciso vincar, também não têm
falado a mesma linguagem na escola. De acordo com Fernanda, fica difícil investir em
mudanças quando o coordenador pedagógico da escola não compreende as concepções que
permeiam a organização da escola por ciclos. Pior ainda: quando incentiva a reprovação em
cada ano do ciclo. Acredito que, em vez de apostar na reprovação, é fundamental que os
formadores de professores, na formação inicial ou contínua, sem assim os coordenadores
pedagógicos, somando ao coletivo dos próprios professores, acreditem na possibilidade de
palmilhar novas maneiras de atender aos alunos em suas dificuldades e, assim, brindar a estes
a oportunidade de aprender de fato, com consciência do que fazem, aplicada toda a sua
força e sua esperança de sucesso.
Tudo isso mobiliza crenças, valores, costumes e atitudes (re)construídos pelos
professores ao longo da formação de sua cultura na condição de docente. Esse movimento da
cultura faz parte do processo de constituição da cultura do professor, por isso, mexe com o
que os professores têm por certo, por legítimo e causa certas incertezas na instauração de
novas práticas e a se sentirem inseguros, ansiosos diante das novas exigências pedagógico-
curriculares que a escola organizada por ciclos demanda.
As dificuldades consistem no fato de que não são todos os professores que se
propõem implementar inovações, pois priorizam o ensino seriado, fraquejam ao encontrar
algum empecilho ou, ainda, insistem em afirmar que não dá certo. Neste sentido, Elen
pondera que a escola seriada, para não poucos professores é tida como “segurança”. Em
última análise, é porto seguro: se o aluno não aprende, basta reprová-lo. Não fosse suficiente,
esse apoio incondicional acaba por deixá-los em uma situação cômoda. Importa tão seguir
o livro-didático, aplicar a avaliação e pronto! O processo de ensino e aprendizagem está
concluído, lembra também Julia.
A insegurança impregnada na ação de alguns professores leva-os a retomar
práticas que acreditam que não mais respondem às suas concepções de ensino e
184
aprendizagem. Embora assim, acabam pondo em risco as tentativas de mudança, não sem
criar esse movimento de ida e vinda às práticas oriundas da tradição escolar. Indecisão pura.
Falta de firmeza no agir. Quem perde? Todos.
A utilização do tempo no desenvolvimento do trabalho com os alunos, no
planejamento, nos encontros com o coletivo da escola, tem sido considerada insuficiente, por
isso, se transforma em outra dificuldade à implementação de práticas pedagógico-curriculares
inovadoras. Outro elemento a instaurar lentidão à execução deste projeto.
Com base na questão orientadora desta pesquisa - que intenta compreender, com a
implantação da escola organizada por ciclos, que mudanças ocorrem na cultura pedagógico-
curricular dos professores -, pode-se dizer que a mudança na cultura pedagógico-curricular se
em um processo de (re)construção da prática pelos professores, no contexto da escola e da
sala de aula.
Esta (re)construção está relacionada com o movimento de um processo de
transformação de determinados traços da cultura do docente que marcaram sua ação em
determinada época. Caminha para novas estratégias educativas, em cujo veio residem novas
crenças, novas atitudes pedagógicas, novos valores, hábeis para que os docentes se sintam
incomodados com a prática que está posta. Decorrência disso: são instigados à mudança,
momento em que realmente se concretiza o real sentido das propostas pedagógico-curriculares
inovadoras.
Esta investigação desnuda que, mesmo encontrando dificuldades para a construção
de nova cultura pedagógico-curricular, alguns professores se dispõem a correr riscos com
relação à estabilidade conquistada na ação de docente. Isso pudemos verificar no trabalho
das professoras Elen, Fernanda e Julia, sujeitos desta pesquisa. Afinal, elas se propuseram
construir nova cultura.
De acordo com os dados analisados, a implementação da escola organizada por
ciclos, aliada à formação inicial e contínua, favorece a introdução de novos elementos à
prática docente, o que sinaliza a ocorrência de algumas mudanças em sua cultura pedagógico-
curricular.
Julia e Fernanda registram que dificuldades sempre vão existir para inovar a
prática docente. A despeito disso, tais empecilhos não impedem que a mudança se processe.
Para que esta ocorra no dia-a-dia da sala de aula, indispensável que os professores apresentem
disposição à mudança, diante aspectos externos e internos à vida da escola. Esse o
entendimento e a convicção de nossos sujeitos.
185
De outra parte, demonstram eles o valor dado no compreender a forma como o
aluno aprende: o ensino deve partir de situações de aprendizagens desafiadoras e do contexto
vivido pelos alunos, para que possam avançar. O aluno passou a ter voz e vez na sala de aula.
Passou a ter oportunidade de mostrar o que sabe sobre o tema em estudo, para que o professor
possa planejar suas aulas ancorado no que eles já sabem. Possibilidades de avanço, impossível
negá-lo, são bem maiores.
De acordo com os dados analisados, os sujeitos sinalizam estar arquitetando novas
crenças, diferentemente do consistente em ter que oferecer tudo pronto e acabado ao aluno,
para ele decorar e(ou) memorizar. Outro é o caminho: procuram oferecer aos alunos
atividades desafiadoras, levando-os a pensar e a construir seu próprio conhecimento.
Outra crença que os sujeitos têm buscado ressignificar é a de que, em vez de o
aluno aprender num espaço solitário, individualizado, ele pode contar com a ajuda dos colegas
da turma, nos agrupamentos produtivos. Vêm a calhar as intervenções problematizadoras da
professora que os ajuda a pensar e a tomar as decisões mais adequadas para resolver os
problemas que enfrentam.
Outra atitude que os professores têm buscado inovar está assentada no fato de que
o ensino e a aprendizagem não ocorrem unilateralmente. Ou seja, para haver aprendizagem, o
ensino deve estar voltado para atingir os objetivos que pretende alcançar. Portanto, o valor
absoluto dado ao processo de ensino, em que, ao ensinar, todos os alunos deveriam aprender
num mesmo tempo, circunscrito, na maioria das vezes, a um período de quatro horas de aula,
atado a um planejamento pré-determinado declina. Em contrário disso, brilha um novo
olhar voltado ao tempo que cada aluno precisa para aprender - se respeita a individualidade
-, levando em conta o tema, os objetivos que se busca alcançar e o interesse da turma. Se
necessário, o tempo pode se alongar para que seja possível estabelecer relação satisfatória de
aprendizagem, como demonstram os planejamentos das aulas dos sujeitos desta pesquisa.
A crença de que quem obtém o saber é o professor, cabendo então a ele o direito a
vez e a voz, abre caminho a uma visão de que os alunos são participantes ativos da aula, o que
contribui para que o professor tome as decisões pedagógicas cimentado no que os alunos
sabem, no que gostariam de saber. Assim, podem, aluno e professor, avançar. O
conhecimento que o aluno tem passa a ser valorizado pelas oportunidades que lhes são dadas
de falar e ouvir também o colega.
Os valores atribuídos unicamente ao livro didático, à voz do professor, ao quadro
negro e ao giz em que o mestre se transformava em “livrista”, degustando ginas e mais
páginas, como bem lembrado pela professora Elen, em que a aprendizagem se dava pela
186
decoreba, memorização, abrem caminhos para a construção de novas atitudes e valores
atribuídos à prática pedagógica. Esses novos ventos possibilitam o trabalho por meio da
pesquisa, da observação, dos trabalhos em grupo, da socialização entre outras turmas,
utilizando atividades que partem do contexto vivido pelos próprios alunos. Espera-se tenham
sido levados pela enxurrada para não mais voltar atitudes que passam ao largo do ensino
criativo e crítico.
O ato de planejar que, por muito tempo, esteve atrelado no seguir o planejamento
trazido pelo livro-didático, como, no caso da alfabetização, a cartilha Caminho Suave
utilizada pelas três professoras desta pesquisa, tem sido ressignificado. De conseqüência,
propiciado ao professor a crença de que é importante valorizar como princípio, no planejar
suas aulas, o que cada um de seus alunos sabe. Não sem razão, é uma das maneiras de garantir
que todos avancem.
As atitudes pedagógicas que fizeram parte da cultura pedagógica do professor,
entre elas o hábito de ensinar de porta fechada, porque aqueles eram “seus” alunos, e o que
fazia em “sua” sala de aula era responsabilidade tão só sua, abrem espaço para a possibilidade
do trabalho no coletivo da escola. Nesse estilo, um professor pode ajudar o outro a ampliar as
alternativas de intervenções pedagógicas, seja nas atividades de sala seja nos momentos de
avaliação. Outra crença que passa a ser concebida é a de que os alunos deixaram de ser
propriedade de um único professor: agora, são responsabilidade do coletivo de cada ciclo.
Isso, muito bem, demonstram as professoras Elen, Fernanda e Julia.
Outra crença ressignificada, isto é, qual se confere valor novo, sinal novo, é a da
avaliação. Era vista como um processo unilateral: se o aluno não atingisse todos os objetivos
planejados pelo professor, reprovaria. A essa nova luz, persiste a crença de que a avaliação é
parte que integra também o processo de ensino. Assim, permite ao professor verificar e
acompanhar o desenvolvimento do aluno, de modo que possibilite observar em que ele
avançou e em que não, e o por quê. Fatos esses que possibilitam ao professor pensar e
planejar novas situações de aprendizagem que atendam às dificuldades encontradas por seus
alunos.
Nesta esteira, observa-se que são várias as possibilidades, ingentes os desafios para
que ocorram mudanças na cultura pedagógico-curricular do professor.
De acordo com os dados observados, a mudança na cultura pedagógico-curricular
dos professores somente ocorre quando ela se faz presente na abertura a novas crenças,
valores, costumes e atitudes. Quando o professor concebe que é possível refletir sobre as
concepções que fundamentam as práticas herdadas, quando ele se envolve na tentativa de
187
construir intervenções novas, são dados os passos na direção desse novo agir, dessa nova
cultura.
Dessa maneira, o processo de mudança, por ser construção sócio-histórico-
cultural, está sujeito a interferência do tempo, do espaço, do contexto vivido, e das
concepções que configuram e dão sentido à identidade dos professores. Este movimento
aporta inevitáveis tensões. Apesar de fazerem parte, elas, de todo e qualquer processo de
mudança na profissão do docente, na maioria das vezes, se transformam em dificuldades
tendentes a que alguns professores desenvolvam novas práticas pedagógico-curriculares. E,
por isso também, não sucede com a mesma intensidade, significado e expectativa para todos.
Em razão disso, alguns professores não se propõem implementar práticas pedagógico-
curricular, delas se afastando.
A cultura pedagógico-curricular do professor, processo dinâmico, sóciocultural e
historicamente construído, modifica-se e vai ganhando novos sentidos. Em adendo, ela vai se
legitimando por meio de novos valores, novas crenças e de novas atitudes daqueles que se
propõem ao desafio de inovar a prática do docente.
É preciso, portanto, investir e oferecer condições de trabalho e formação aos
professores, com vista a que eles possam compreender e enfrentar os desafios derramados
pela prática, com a implantação da escola organizada por ciclos. Em acréscimo, possam
construir autonomia pedagógica para redefinir práticas, fazer escolhas e tomar decisões que
venham fortalecer os novos valores do magistério. Para isso, os professores devem incorporar
essa meta como alvo a ser atingido. Uma das possibilidades para o desenvolvimento deste
trabalho é o investimento no trabalho coletivo na escola. A meu ver, é condição indispensável
à edificação de nova cultura na prática pedagógico-curricular.
Sobreleva-se, ao final desta investigação, que quando o professor se propõe ao
desafio de lançar mão de determinadas crenças e valores, em favor de inovações pedagógico-
curriculares, e são apoiados nesse intento, é possível verificar a presença de elementos que
favorecem mudanças na sua ação.
Com base nestas sinalizações de mudanças, presentes na cultura pedagógico-
curricular em decorrência da implantação da escola organizada por ciclos, infere-se que esta
maneira de organizar a escola não é, por si só, condição sine qua non para que se tenha
transformado a realidade das escolas. Há muito que ser feito ainda. Porém, é possível verificar
que, com sua implantação e implementação, a formação inicial e contínua se tornaram lócus
de reflexão e tomada de decisão, um e outro importantes na tentativa busca de ressignificar os
tempos e espaços da escola, visando à construção de nova cultura.
188
Como toda política educacional, os ciclos hospedam também suas dificuldades. Se
bem que assim, estas devem servir para que uma luta seja iniciada a favor de aprimoramento,
aprofundando e encontrando, assim, condições adequadas para que seus propósitos iniciais
sejam desenvolvidos fonte de novas relações de aprendizagem para o desenvolvimento da
prática do docente.
É verdadeiro que não são somente os professores os responsáveis para que estas
mudanças se concretizem. Todavia, eles fazem a diferença, neste processo. É preciso que
professores e gestores educacionais encontrem alternativa para discutir os reais problemas da
sala de aula e passem a encarar os problemas escolares com a possibilidade de serem
enfrentados de modo a aperfeiçoar a prática.
Com isso, conquistar-se-ão novos adeptos e o fortalecimento de tais ações,
visantes a que reflexões mais profundas possam levar a avanços significativos na prática e na
introdução de novas mudanças na cultura pedagógico-curriculares do professor. Em
contrapartida, que dêem sustentação ao projeto da escola organizada por ciclos, uma vez que,
até o momento, tem-se mostrado ser o mais coerente para transformar tempos e espaços da
escola e da sala de aula, em tempos e espaços onde todos os alunos são capazes de aprender.
Só para reforçar. Implementar mudanças na cultura pedagógico-curricular dos
professores não se dá por decreto. Além da disponibilidade individual, envolve condições
apropriadas de trabalho, políticas públicas educacionais bem-definidas, que auxiliem o
professor na construção de nova postura educativa.
Nessa perspectiva, é sico que, acima de tudo, as políticas educacionais e os
gestores responsáveis por sua implementação, definam que caminho percorrer. Que
compreendam qual função lhes cabe, para que os professores sejam apoiados na tarefa de
inovar a prática e desenvolver um ensino de melhor qualidade, como almejado por todos os
que se identificam com os verdadeiros propósitos da educação.
A participação dos gestores, no processo de implementação de mudanças na
cultura do docente, é importante e merece ser lembrado. Por igual, indispensável o
acompanhamento pontual e as intervenções adequadas para que os professores possam
avançar nessa direção. Estas intervenções devem ocorrer de modo que, além de acompanhar,
possam compreender as dificuldades por eles enfrentadas, neste processo, e, assim, contribuir
pontualmente com os professores neste sentido. Caso contrário, em não encontrando apoio, os
professores podem acabar desistindo ou retrocedendo a práticas que não são mais suficientes
para responder às necessidades dos alunos de hoje.
189
Neste sentido, desenvolver práticas pedagógico-curriculares inovadoras, centradas
na ação dos professores, não pode acolher omissão das secretarias de educação ou sua retirada
do cenário. A equipe gestora, que está à frente das propostas curriculares, deve ter seus planos
de trabalho traçados com compromisso e responsabilidade, para que os professores, quando
estiverem tomando decisões importantes e toparem alguns obstáculos no percurso, não sejam
abandonados, deixados ao léu dos ventos e das correntes, sem saber que rumo tomar.
Ao realizar esta empreitada, foi-me possibilitada a oportunidade de compreender
melhor a razão pela qual acredito que a escola organizada por ciclos, até o momento, seja o
caminho mais adequado para oferecer educação de melhor qualidade a todos os alunos.
Desejo meu é que, a cada dia, novos professores se lancem a este desafio de inovar,
promovendo mudanças na prática, construindo uma escola diferente daquela que conhecemos
e vivenciamos.
Espero, com essa pesquisa, poder contribuir, com professores e gestores
educacionais, desfilando reflexões que ensejem compreensão de como se o processo de
constituição da cultura pedagógico-curricular dos professores no interior da escola e da sala
de aula. Com isso, almejo que se possam traçar decisões pedagógico-curriculares mais
consentâneas ao contexto educativo, somadas à implementação mais efetiva de inovações na
prática do docente, em direção à construção de nova cultura na escola.
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