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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA
O SENTIDO DO SAGRADO E SUA INTERPRETAÇÃO
ARQUITETÔNICA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX
Dissertação de Mestrado
Liliany Schramm da Silva
Porto Alegre
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE ARQUITETURA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA
O SENTIDO DO SAGRADO E SUA INTERPRETAÇÃO
ARQUITETÔNICA NA AMÉRICA LATINA DO SÉCULO XX
Liliany Schramm da Silva
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Arquitetura
Orientador:
Prof. Dr. Cláudio Calovi Pereira
Porto Alegre
2005
A minha mãe (in memoriam),
por seu exemplo de dedicação e responsabilidade,
por acreditar em mim e me inspirar
e por me transmitir o amor pelo aprendizado.
AGRADECIMENTOS
A Deus, minha força para seguir sempre em frente.
A minha família, pelo estímulo constante.
A Cláudio Calovi Pereira, por sua orientação,
coerência de princípios e apoio em todos os momentos.
Aos professores, funcionários, colegas e amigos do PROPAR,
por suas contribuições na realização deste trabalho.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................... vi
RESUMO .............................................................................................................. xiv
ABSTRACT .......................................................................................................... xv
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 01
2. CONTEXTOS ................................................................................................... 05
2.1. Tradição na Arquitetura Eclesiástica ............................................................. 05
2.2. Renovação Litúrgica – século XIX e século XX ........................................... 44
2.3. Arquitetura Moderna na América Latina ....................................................... 47
3. ESTUDO DE CASOS ....................................................................................... 57
3.1. Igreja de Monlevade ....................................................................................... 58
3.2. Igreja de São Francisco de Assis .................................................................... 64
3.3. Capela do Convento das Capuchinas Sacramentarias
del Purísimo Corazón de María ............................................................................. 74
3.4. Igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes .................................... 81
3.5. Igreja de São Domingos ................................................................................. 91
3.6. Igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa ...................................................... 96
3.7. Igreja La Asunción ......................................................................................... 105
3.8. Catedral Metropolitana de Brasília ................................................................. 109
4. TEMAS ARQUITETÔNICOS ......................................................................... 115
4.1. Organização Planimétrica e Espacial ............................................................. 115
4.1.1. Organização linear ........................................................................... 115
4.1.2. Organização centralizada ................................................................. 117
4.1.3. Superfícies ....................................................................................... 118
4.1.4. Axialidade e simetria ....................................................................... 119
4.2. Tratamento de Superfícies ............................................................................. 121
4.2.1. Utilização de blocos cerâmicos ....................................................... 122
4.2.2. Utilização de concreto armado ........................................................ 122
4.3. Configuração Volumétrica .............................................................................. 124
4.3.1. Formas regulares .............................................................................. 124
4.3.2. Formas dinâmicas ............................................................................. 126
4.4. Proporções e Escala ......................................................................................... 127
4.5. Aberturas e Uso da Luz .................................................................................. 129
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 136
LISTA DE FIGURAS
1. Planta baixa de residência romana ................................................ pág. 06
Fonte: Schubert, 1979.
2. Planta baixa de basílica romana .................................................... pág. 07
Fonte: Schubert, 1979.
3. Planta baixa de basílica cristã ....................................................... pág. 08
Fonte: Schubert, 1979.
4. Vista do interior da basílica de São Paulo Fora-dos-muros .......... pág. 09
Fonte: Anson, 1969.
5. Planta baixa da igreja de Santa Sophia .......................................... pág. 11
Fonte: Pevsner, 1982.
6. Vista do interior da igreja de S. Vitale .......................................... pág. 12
Fonte: Goitia, 1997.
7. Planta escalonada e planta irradiante ............................................. pág. 14
Fonte: Anson, 1969.
8. Vista do interior da igreja La Madeleine ....................................... pág. 16
Fonte: Pevsner, 1982.
9. Planta baixa de igreja gótica .......................................................... pág. 18
Fonte: Anson, 1969.
10. Vista da catedral de Notre Dame (Paris) ........................................ pág. 20
Fonte: Goitia, 1997.
11. Planta baixa da igreja de Sant’Andrea .......................................... pág. 23
Fonte: Pevsner, 1982.
12. Planta baixa e seção da igreja de Santa Maria degli Angeli .......... pág. 24
Fonte: Pevsner, 1982.
13. Vista do interior da igreja de Gèsu ................................................ pág. 25
Fonte: Goitia, 1997.
14. Plantas baixas da igreja de S. Carlo alle Quattro Fontane
e da igreja de S. Andrea al Quirinale ............................................. pág. 29
Fonte: Anson, 1969.
15. Vista da igreja de S. Maria della Pace ........................................... pág. 30
Fonte: Goitia, 1997.
16. Planta baixa e vista da igreja de Sainte-Geneviève ........................ pág. 32
Fonte: Benevolo, 1974.
17. Vista do interior da igreja de Sainte-Geneviève ............................ pág. 32
Fonte:Kostof, 1988.
18. Vista da igreja da Sagrada Família ................................................ pág. 34
Fonte: Goitia, 1997.
19. Vista da igreja de Saint Jean de Montmartre ................................. pág. 35
Fonte: www.structurae.net/photos/index
20. Vista do Templo Unitário .............................................................. pág. 35
Fonte: Pfeiffer, 1991.
21. Planta baixa do Templo Unitário ................................................... pág. 36
Fonte: Gil, 1999.
22. Vista da igreja de Grundtvig .......................................................... pág. 37
Fonte: Pevsner, 1982.
23. Vista do interior da igreja de Notre Dame de Consolation ............ pág. 38
Fonte: Goitia, 1997.
24. Planta baixa da igreja de Notre Dame de Consolation .................. pág. 38
Fonte: Gil, 1999.
25. Vista do interior da igreja de Santo Antônio ................................. pág. 39
Fonte: Anson, 1969.
26. Vista da igreja de Corpus Christi .................................................. pág. 40
Fonte: Gil, 1999.
27. Vista do interior da igreja de Corpus Christi ................................ pág. 40
Fonte: Anson, 1969.
28. Planta baixa da igreja de Corpus Christi ....................................... pág. 41
Fonte: Anson, 1969.
29. Igreja de S. Enguelberto ................................................................ pág. 41
Fonte: Anson, 1969.
30. Igreja em Ringenberg .................................................................... pág. 42
Fonte: Anson, 1969.
31. Planta baixa da igreja de Notre Dame du Haut ............................. pág. 43
Fonte: Gil, 1999.
32. Planta baixa do templo das Três Cruzes ........................................ pág. 43
Fonte: Gil, 1999.
33. Perspectiva do conjunto de Monlevade .......................................... pág. 58
Fonte: Costa, 1995.
34. Perspectiva da igreja de Monlevade sobre o platô ovalado ............ pág. 59
Fonte: Costa, 1995.
35. Vista da igreja de Notre Dame de Consolation .............................. pág. 59
Fonte: Gil, 1999.
36. Planta baixa da igreja de Monlevade .............................................. pág. 60
Fonte: Costa, 1995.
37. Perspectiva da igreja de Monlevade ............................................... pág. 60
Fonte: Costa, 1995.
38. Seção transversal da igreja de Monlevade ..................................... pág. 61
Fonte: Bruand, 1998.
39. Seção longitudinal da igreja de Monlevade ................................... pág. 61
Fonte: Costa, 1995.
40. Perspectiva do interior da igreja de Monlevade ............................. pág. 62
Fonte: Costa, 1995.
41. Fachada da igreja de Monlevade ..................................................... pág. 63
Fonte: Costa, 1995.
42. Planta da lagoa da Pampulha ......................................................... pág. 64
Fonte: Underwood, 2002.
43. Croqui da lagoa da Pampulha ........................................................ pág. 65
Fonte: Underwood, 2002.
44. Vista dos fundos da igreja de São Francisco de Assis ................... pág. 66
Fonte: Underwood. 2002.
45. Vista da igreja de São Francisco de Assis a partir do lago ............. pág. 67
Fonte: Underwood, 2002.
46. Perspectiva da igreja de São Francisco de Assis ............................ pág. 68
Fonte: Underwood, 2002.
47. Planta baixa da igreja de São Francisco de Assis ........................... pág. 69
Fonte: Botey, 1996.
48. Fachada principal da igreja de São Francisco de Assis .................. pág. 70
Fonte: Botey, 1996.
49. Vista do altar da igreja de São Francisco de Assis ......................... pág. 71
Fonte: Bruand, 1998.
50. Detalhe do afresco de Portinari no altar da igreja de
São Francisco de Assis .................................................................. pág. 72
Fonte: Underwood, 1994.
51. Vista da cruz lateral ao altar da capela do convento
das capuchinas ............................................................................... pág. 74
Fonte: Martínez, 1996.
52. Vista do vitral que ilumina o altar da capela do convento
das capuchinas ............................................................................... pág. 75
Fonte: Martínez, 1996.
53. Vista do pátio do convento das capuchinas ................................... pág. 76
Fonte: Martínez, 1996.
54. Vista da cruz do pátio do convento das capuchinas ....................... pág. 76
Fonte: Martínez, 1996.
55. Vista do altar da capela do convento das capuchinas .................... pág. 77
Fonte: Martínez, 1996.
56. Vista do fundo da capela do convento das capuchinas .................. pág. 78
Fonte: Martínez, 1996.
57. Vista da fachada do convento das capuchinas ............................... pág. 78
Fonte: Alanis, 1989.
58. Plantas baixas do convento das capuchinas ................................... pág. 79
Fonte: Portugal, 1994.
59. Plantas baixas da capela do convento das capuchinas ................... pág. 80
Fonte: Portugal, 1994.
60. Seção longitudinal e seção transversal da capela do
convento das capuchinas ............................................................... pág. 80
Fonte: Martínez, 1996.
61. Fachada do convento das capuchinas ............................................ pág. 80
Fonte: Rispa, 1996.
62. Vista da fachada principal da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 81
Fonte: Dieste, 1987.
63. Detalhe da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 82
Fonte: Dieste, 1987.
64. Seção transversal da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 83
Fonte: Dieste, 1987.
65. Planta baixa da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 83
Fonte: Dieste, 1987.
66. Seção longitudinal da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 84
Fonte: Dieste, 1987.
67. Fachada da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 85
Fonte: Dieste, 1987.
68. Vista do interior da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 85
Fonte: Dieste, 1987.
69. Vista do acesso à sacristia da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 86
Fonte: Dieste, 1987.
70. Vista do batistério da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 86
Fonte: Dieste, 1987.
71. Vista do coro da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 87
Fonte: Dieste, 1987.
72. Vista do campanário e lateral da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 88
Fonte: Dieste, 1987.
73. Vista interna do campanário da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 88
Fonte: Dieste, 1987.
74. Vista do interior do santuário de Notre Dame du Haut ................. pág. 89
Fonte: Scully Jr, 2002.
75. Vista lateral da igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes ............................................................ pág. 90
Fonte: Dieste, 1987.
76. Vista da fachada principal da igreja de São Domingos ................. pág. 91
Fonte: Gati, 1994.
77. Planta baixa da igreja de São Domingos ....................................... pág. 92
Fonte: Gati, 1994.
78. Vista interna lateral da igreja de São Domingos ........................... pág. 93
Fonte: Gati, 1994.
79. Vista interna a partir do altar da igreja de São Domingos ............. pág. 93
Fonte: Gati, 1987.
80. Vista da escultura da igreja de São Domingos .............................. pág. 94
Fonte: Gati, 1994.
81. Vista do campanário da igreja de São Domingos ......................... pág. 95
Fonte: Gati, 1994.
82. Vista da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa ....................... pág. 96
Fonte: Faber, 1970.
83. Planta baixa da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa ............ pág. 97
Fonte: Noelle, 1993.
84. Derivação da forma da cobertura da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 98
Fonte: Faber, 1970.
85. Seção transversal da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 99
Fonte: Faber, 1970.
86. Fachada lateral da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 99
Fonte: Noelle, 1993.
87. Seção longitudinal da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 100
Fonte: Faber, 1970.
88. Vista do nártex da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 101
Fonte: Faber, 1970.
89. Vista do interior da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 102
Fonte: Faber, 1970.
90. Vista do interior da cripta da igreja da Colônia Güell .................... pág. 103
Fonte: Goitia, 1997.
91. Vista do altar da igreja da Virgen
de la Medalla Milagrosa ................................................................. pág. 104
Fonte: Noelle, 1993.
92. Vista parcial da urbanização 23 de Enero ...................................... pág. 105
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
93. Croqui da igreja La Asunción ........................................................ pág. 105
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
94. Vista da igreja La Asunción .......................................................... pág. 106
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
95. Planta baixa da igreja La Asunción ............................................... pág. 107
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
96. Vista do interior da igreja La Asunción ......................................... pág. 107
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
97. Corte do anteprojeto para a igreja da Cidade Universitária ........... pág. 108
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
98. Vista da catedral de Brasília .......................................................... pág. 109
Fonte: www.geocities.com/thetropics/3416/cat_blue.jpg
99. Planta baixa da catedral de Brasília ............................................... pág. 110
Fonte: Gil, 1999.
100. Seção da catedral de Brasília .......................................................... pág. 112
Fonte: Gil, 1999.
101. Vista do interior da catedral de Brasília ......................................... pág. 113
Fonte: www.geocities.com/thetropics/3416/int_cat1.jpg
102. Croqui de Niemeyer para a catedral de Brasília ............................. pág. 114
Fonte: Telles, 1992.
RESUMO
Este trabalho consiste em um estudo sobre a arquitetura religiosa produzida no século
XX na América Latina, enfocando a interpretação deste tema no período compreendido entre
1930 e 1960. Primeiramente, discorre-se sobre a tradição na arquitetura eclesiástica,
abordando aspectos históricos e projetuais, desde a origem das primitivas basílicas cristãs até
às igrejas modernas; após, trata-se sobre o movimento de renovação litúrgica, iniciado no
final do século XIX, e as transformações decorrentes do mesmo; e, concluindo esta primeira
parte, aborda-se o surgimento da arquitetura moderna na América Latina, bem como suas
características e particularidades. Na segunda parte, tendo como casos, relevantes edificações
sacras da América Latina, realiza-se, inicialmente, a descrição caso a caso e, após, a análise
da interpretação sacra, através de temas arquitetônicos, quais sejam: organização planimétrica
e espacial, tratamento de superfícies, configuração volumétrica, proporções e escala, aberturas
e uso da luz.
ABSTRACT
This work consists in a study about the religious architecture produced in the twentieth
century in the Latin America, focalizing the interpretation of this theme in the period between
1930 and 1960. In the first moment, the text covers the tradition in ecclesiastic architecture,
approaching historical and projective aspects, from the origin of the primitive Christian
basilicas until the modern churches; afterwards, it treats the movement of liturgical
renovation, begun at the end of the ninetieth century, and the transformations originated from
that; and, concluding this first part, it approaches the appearance of Modern Architecture in
the Latin America, in its characteristics and peculiarities. In the second part, having as study
cases, important sacred buildings of Latin America, this study proceeds to analyze each one of
them and, afterwards, it studies the interpretation of the sacred by means of architectural
themes, that are: planning and spatial organization, treatment of surfaces, volumetric
configuration, proportion and scale, openings and use of light.
1. INTRODUÇÃO
(...) Igreja é a casamata de nós.
tudo lá fica seguro e doce,
Tudo é ombro a ombro buscando a porta estreita.
Lá as coisas dilacerantes sentam-se
ao lado deste humaníssimo fato
que é fazer flores de papel
e nos admiramos como tudo é crível.
Está cheia de sinais, palavra
cofre e chave, nave e teto aspergidos
contra vento e loucura (...)
Adélia Prado
Nos dias atuais, a ciência cada vez mais ocupa o lugar da religião, em um processo que
vem se desenvolvendo desde o século XVIII, com o Iluminismo. Anteriormente, a religião era
considerada central na interpretação do universo. Contudo, apesar desta gradual mudança de
prioridades, o homem, sempre e em todos os tempos, tem demonstrado a sua preocupação em
relacionar-se com um ser superior, buscando respostas para suas dúvidas e anseios mais
profundos. Tal preocupação tem se manifestado de formas diversas através das diferentes
culturas e civilizações. O fenômeno religioso é universal, cultural e social, mas é a visão de
homem e de mundo dos povos e culturas que define suas crenças, costumes e religiosidade. A
arquitetura religiosa envolve significados importantes relacionados ao homem e a sua
concepção de si mesmo, do universo e de Deus. O modo como a religiosidade é manifestada
materialmente revela a expressão humana na sociedade em determinada época. Ao longo da
história, a arquitetura eclesiástica consiste na interpretação, através de formas construídas
pelos arquitetos, dos significados metafísicos, atemporais, eternos e espirituais atribuídos pelo
homem a sua existência.
A partir do final do século XIX, iniciou-se um movimento de renovação litúrgica
proposto pela Igreja Católica, suscitando novas idéias nas quais a arquitetura dos novos
templos e daqueles a serem reformados deveria atender a dois objetivos básicos: ser funcional
com vistas à celebração litúrgica e facilitar a participação dos fiéis. Esta renovação litúrgica, a
qual culminou com as resoluções do Concílio Vaticano II, iniciado em 1959, associou-se aos
princípios da Arquitetura Moderna, os quais definiram um momento de reavaliação e de
novas perspectivas, dando abordagens inovadoras à arquitetura de templos cristãos.
A igreja católica é entendida como o local consagrado à reunião da comunidade a fim
de celebrar com seu sacerdote a comunhão com o sagrado. E, sendo esta reunião a
manifestação de fé de uma comunidade vivendo na época atual, é compreendida a
legitimidade das obras construídas neste período, pois a qualquer época assiste o direito de
procurar uma forma adequada de expressão de suas idéias. Além disso, é entendida a idéia de
que o homem contemporâneo precisa, ainda mais do que seus antepassados, de um local onde
possa refugiar-se do ruído da cidade e do stress da vida moderna, a fim de sentir, no silêncio e
na tranqüilidade, a realidade de sua existência. Devido a isso, o ambiente da igreja deve
favorecer o recolhimento, a meditação e a oração.
Ainda que o tema eclesiástico tenha se transformado de protagonista arquitetônico
para tornar-se apenas um dos temas de equipamento das cidades, a arquitetura do século XX,
principalmente aquela compreendida entre 1930 e 1960, período abordado neste estudo,
demonstrou grande riqueza ao responder a este tema com enorme capacidade de investigação
e diversificação. Aliado às novas tecnologias e métodos construtivos, o tema eclesiástico se
revelou como um dos elementos os quais puseram espacialmente à prova os conceitos
arquitetônicos da época e sua capacidade para resolver qualquer que fosse a questão,
tornando-se evidente a sua pluraridade e sua condição não unitária.
Na América Latina, a arquitetura moderna apresentou-se de maneira singular,
evidenciada pela repercussão internacional da obra de arquitetos como Barragán, Niemeyer,
Dieste, Villanueva e outros, justificando a atenção crítica deste estudo. Quanto ao tema
religioso, este foi interpretado atendendo também à identidade local e as suas peculiaridades,
além das premissas estilísticas modernas e da nova liturgia. Aqui, as teorias externas ao
continente passaram por um processo de apropriação e reelaboração. Os arquitetos latino-
americanos basearam-se nas experiências locais de organização do espaço e de valorização do
lugar, traduzindo uma teoria externa em uma realidade prática de sua região. Isto não
implicou uma renúncia ao moderno, mas compreendeu a existência de uma modernidade
própria, que valoriza culturalmente o seu espaço e soluciona as exigências de seu tempo,
consolidando, assim, a formação de sua identidade.
Desse modo, a proposta deste trabalho é estudar a arquitetura religiosa produzida
durante o século XX na América Latina, no período compreendido entre 1930 e 1960,
enfocando a interpretação deste tema pelos arquitetos através da análise crítica de exemplos
selecionados.
Dentre os pontos importantes a serem abordados, está o estudo das transformações
ocorridas na arquitetura sacra no início do século XX nos países latino americanos, tendo
como exemplos igrejas relevantes deste período. Desta forma, procura-se elucidar como os
arquitetos alcançaram a identidade sacra, isto é, como traduziram suas concepções do sentido
espiritual em formas materiais, criando espaços em que tais concepções foram afirmadas,
através da descrição dos casos estudados e da análise de temas arquitetônicos, quais sejam:
organização planimétrica e espacial, tratamento de superfícies, configuração volumétrica,
proporções, escala, aberturas e uso da luz.
Também é objetivo do trabalho desenvolver um procedimento analítico através de
estudos temáticos e comparações das soluções apresentadas, partindo da noção de que as
obras se qualificam de acordo com as respostas criativas aos requisitos que lhes deram origem
e às possibilidades que lhes permitiram concretizar-se.
O desenvolvimento da dissertação organiza-se da seguinte forma: primeiramente,
procurou-se contextualizar historicamente a arquitetura religiosa, através de um breve estudo
desde a origem das primitivas basílicas cristãs até as igrejas modernas, ressaltando suas
características peculiares. Esse contexto é necessário para o entendimento das novas
interpretações do tema no século XX.
Dando prosseguimento ao trabalho, foi feito um exame a fim de se obter uma maior
compreensão das questões litúrgicas e, principalmente, sobre o movimento de renovação da
mesma, proposto pela Igreja Católica no final do século XIX, do qual decorreram
significativas transformações no panorama da arquitetura religiosa, relativas aos aspectos
programáticos e funcionais dos templos cristãos.
Elaborou-se, a seguir, um estudo sobre o surgimento e o desenvolvimento da
arquitetura moderna na América Latina, a qual, devido às particularidades culturais, sociais,
ambientais, políticas e econômicas, sofreu um processo de apropriação e reelaboração,
adequando-se àquela realidade.
Finalmente, tendo como estudos de caso, edificações sacras relevantes da América
Latina, do período compreendido entre 1930 e 1960, realizou-se a descrição e análise
interpretativa do tema eclesiástico pelos arquitetos latino-americanos do século XX.
Inicialmente, o tema foi abordado caso por caso, para em seguida ser estudado através de
temas arquitetônicos, quais sejam: organização planimétrica e espacial, tratamento de
superfícies, configuração volumétrica, proporções, escala, aberturas e uso da luz. Desta
maneira, estabeleceu-se um procedimento analítico, através da avaliação crítica dos resultados
obtidos por tais arquitetos.
Estudos de Caso:
CASO ANO PAÍS ARQUITETO
Igreja de Monlevade 1934 Brasil Lucio Costa
Igreja de São
Francisco de Assis
1942 Brasil Oscar Niemeyer
Capela do Convento
das Capuchinas
Sacramentarias
1952-55 México Luis Barragán
Igreja de Cristo
Obrero y Nossa
Senhora de Lourdes
1952-59 Uruguai Eladio Dieste
Igreja de São
Domingos
1953 Brasil Franz Heep
Igreja da Virgen de
la Medalla
Milagrosa
1953 México Félix Candela
Igreja La Assunción 1957 Venezuela Raúl Villanueva
Catedral
Metropolitana de
Brasília
1958-70 Brasil Oscar Niemeyer
2. CONTEXTOS
2.1. TRADIÇÃO NA ARQUITETURA ECLESIÁSTICA
As palavras significando o termo “igreja” na língua inglesa, church, assim como na
língua alemã, Kirche, originam-se do termo grego kyriakon, o qual significa “casa do
Senhor”. A palavra latina ecclesia deriva do grego ekklesia, que remete à idéia de “reunião”
ou “assembléia” à qual originalmente refere-se à assembléia dos cidadãos livres na ágora,
para discussões e decisões. Neste sentido, correspondendo a uma reunião de pessoas
congregadas para um determinado fim, e não a um edifício, o termo “igreja” é, no princípio de
sua utilização cristã, corretamente empregado, pois não existiam edifícios-igreja até cerca de
duzentos anos depois de Cristo.
As igrejas primitivas
Com relação à origem das primeiras igrejas cristãs, Schubert (1979, p.41), faz
referência à casa romana: “Havia três tipos fundamentais: a) a villa (habitação no campo); b) a
domus, residência urbana da classe média e elevada; c) a insula (ilha), casa de cômodos na
cidade, para os pobres, mas livres”.
Na época do Novo Testamento (século I d.C.), os cristãos procuravam converter os
judeus, pregando nas sinagogas a mensagem de Cristo. Porém, nelas nunca celebravam o
culto: para esse, reuniam-se em uma residência qualquer, pobre ou rica, de cristãos ou
interessados no cristianismo. Davam preferência às grandes residências (figura 1) pelas
dimensões e pela privacidade; e algumas eram doadas pelos proprietários à comunidade cristã.
Não havia janelas externas e, além de alguma eventual entrada de serviço, havia
somente a entrada principal, através da qual chegava-se ao átrio (1), primeiro pátio interno,
para o qual convergiam os telhados (e onde localizava-se o impluvium – espécie de tanque
que recebia as águas pluviais). Entre o átrio e o segundo pátio interno, denominado peristilo
(3), encontrava-se uma passagem coberta, o tablinium (2), onde eram colocadas as divindades
protetoras do lar (Penates) e retratos dos antepassados, segundo o culto pagão romano. O
peristilo funcionava como um claustro: era uma área descoberta central, única fonte de luz e
ventilação, rodeada por uma galeria, na qual colunas sustentavam o telhado. Ao redor do
peristilo, estavam dispostos os quartos e outras dependências, sendo que a dos fundos, oposta
ao átrio, servia de refeitório – o triclinium (4).
Quando a domus era usada para o culto, os cristãos realizavam suas celebrações no
peristilo (3), voltados para o tablinium (2), de onde pregava o celebrante, seguindo todos,
depois, para o tricinium (4), onde se realizava a liturgia eucarística.
Figura 1 – Planta baixa de residência romana
Fonte: Schubert, 1979.
No ano 313, com o Edito de Milão, a Igreja cristã passou a gozar de liberdade,
reconhecimento jurídico e favores imperiais, podendo construir templos. Também recebia
como doações templos construídos por generosidade de regentes e pessoas de sua família; ou
amplos edifícios construídos para as sessões públicas da Justiça – as basílicas. Estas
agradaram a Igreja por sua praticidade em reuniões de muitas pessoas, e sua disposição
interna foi adotada ao construir novos templos. O cristianismo não mais constituía apenas
uma seita oriental clandestina, sob perseguição; adquire status de atividade reconhecida e
patrocinada pelo Estado.
A planta de uma basílica romana (figura 2) consistia em um grande ambiente
retangular, com nave central e naves laterais, cujo teto era sustentado por uma série de
colunas e, nas extremidades, uma ou duas absides um pouco elevadas. No fundo da abside,
ficava a cadeira do Pretor (1) – autoridade máxima, que presidia a sessão e proferia a
sentença, ladeado por juízes assistentes, sentados em semicírculo à direita e à esquerda (2).
No centro do semicírculo, encontrava-se a figura de Minerva (deusa da Justiça) sobre um altar
composto por um bloco de pedra, lavrado, mais ou menos quadrado e de pouca altura. Na
nave, dispostas uma de cada lado, estavam tribunas elevadas: testemunhas falavam em uma
(4) e advogados, em outra (5).
A basílica cristã (figura 3) mantém o mesmo sistema. No lugar do Pretor, senta-se o
bispo (1), ao seu lado, os sacerdotes concelebrantes (2), no lugar do altar de Minerva, é
colocada a imagem de Jesus Cristo, sob um baldaquino (3). Dos ambões (tribunas) (4 e 5),
eram anunciados ao povo a epístola e o evangelho. E, na parte frontal da nave, foi
acrescentado outro pátio-cláustro, o átrio (6), relembrando a residência particular
anteriormente citada, e em seu centro colocado o batistério (ao invés do antigo impluvium).
Figura 2 – Planta baixa de basílica romana
Fonte: Schubert, 1979.
Figura 3 – Planta baixa de basílica cristã
Fonte: Schubert, 1979.
As primitivas basílicas cristãs são concebidas como mundos interiores, caráter
evidenciado pelo tratamento superficial do exterior e a pela articulação do interior. As paredes
eram constituídas por pedras ou tijolos, internamente decoradas por mosaicos e mármore.
Para os mosaicos, utilizavam-se pequenos pedaços de vidro, pedra e mármore de diferentes
tonalidades. As aberturas apoiavam-se diretamente nas colunas de mármore polido,
emolduradas por arcos semicirculares. Fechavam-se as pequenas janelas com finas placas de
alabastro ou mármore. As estruturas de madeira substituíram as abóbadas romanas. Usavam-
se telhas cerâmicas para proteger o forro de madeira. Geralmente, o mármore também era
empregado no piso. A ornamentação mais delicada das cruzes, cálices, pátenas e outros
objetos sagrados era feita em metais preciosos e marfim.
Na maioria destas igrejas, a nave foi construída no sentido leste-oeste, ficando o altar
localizado na extremidade leste – voltado o levante (nascer do sol). As laterais norte e sul
recebiam a luz natural por meio das janelas do clerestório e das naves laterais, bem como da
abside, no presbitério.
A basílica cristã primitiva é responsável por introduzir o caráter longitudinal, presente
na maioria das edificações religiosas desde então. Com a decadência do Império Romano,
diluiu-se a idéia de divinização do homem e os edifícios deixam de criar o “pseudo-cosmos”
do Pantheon. Não são mais os céus que chegam à terra, mas o homem que deve procurar
elevar-se a Deus, e a igreja é o edifício encarregado dessa ascenção. Espacialmente, a
comunhão com o Criador deveria ocorrer no altar, mas para atingi-lo deveria-se percorrer
todo o caminho longitudinal da nave, símbolo do caminho da salvação e do caráter intencional
da ação humana. O espaço existencial cristão simboliza uma promessa e um processo de
redenção que se manifestam como centro e como caminho. Nas basílicas cristãs primitivas, a
abside e o baldaquino formam um centro simbólico e estrutural, no entanto, a planta conserva
a tipologia de um caminho longitudinal.
Uma forma de projetar igrejas se consolida. Nas basílicas cristãs primitivas, o
movimento em profundidade é ritmado pelas arcadas da nave, pela estrutura da cobertura e
pela sucessão de vitrais superiores. O espaço é dinâmico, tensionado entre o altar e a nave,
banhado por uma luz não uniforme, a qual, por meio dos vitrais, ilumina a parte superior do
edifício, reservando à penumbra as naves laterais inferiores.
Como exemplo típico da primitiva basílica cristã, tem-se a basílica de São Paulo Fora-
dos-muros (figura 4), em Roma - Itália (iniciada em 380), a qual foi destruída por um
incêndio em 1823 e, após, reconstruída em sua forma original.
Figura 4 – Vista do interior da basílica de São Paulo Fora-dos-muros
Fonte: Anson, 1969.
As igrejas bizantinas
Em 330, a sede do governo imperial foi transferida de Roma para Bizâncio, a qual
possuía localização estratégica na rota do comércio entre o Ocidente e o Oriente. A maioria
dos construtores era oriunda do mundo helênico e sua influência se fez sentir na arquitetura.
Foi o uso da cúpula que desempenhou o maior papel na mudança arquitetônica: do retângulo
longo da basílica romana para a igreja em forma de cruz grega. Quatro arcos sustentavam a
cúpula bizantina, compondo um quadrado.
A grande diferença entre uma igreja bizantina e uma basílica romana consistia na
utilização de plantas centrais, fazendo do espaço sob a cúpula o aspecto dominante. Aqui, no
entanto, as relações verticais são ofuscadas: não há um eixo vertical centralizador, como na
iluminação zenital do Pantheon romano, mas por meio das janelas sob a cúpula, cruzam
fachos de luz, representando a luz divina emanada da abóbada celeste se difundindo sobre os
homens.
Os símbolos de caminho e centro se fazem presentes em praticamente todas as igrejas,
mas suas relações diferem. O altar, apesar de configurar-se como centro espiritual, raramente
situa-se no centro arquitetônico da edificação. Até mesmo nas igrejas bizantinas de planta
central, o altar encontra-se no final de um caminho longitudinal; mas o centro arquitetônico é
configurado pelo eixo vertical definido pela cúpula.
Apesar do modelo longitudinal das primitivas basílicas cristãs ser, ao longo do tempo,
preferencialmente empregado, a arquitetura bizantina difundiu o caráter transcendente de seu
espaço e o tratamento interior das superfícies.
Um exemplo que deve ser mencionado é a igreja de Santa Sophia (santa sabedoria)
(figura 5), em Constantinopla, hoje Istambul – Turquia (532-7). Foi a maior igreja bizantina já
construída, com aproximadamente 50 metros de altura e diâmetro da cúpula de 33 metros.
Transformada em mesquita quando da invasão pelos turcos, em 1453, atualmente abriga um
museu.
Figura 5 – Planta baixa da igreja de Santa Sophia
Fonte: Pevsner, 1982.
Assim como nas basílicas primitivas cristãs, o exterior das estruturas bizantinas são
concebidas como um envoltório neutro. As paredes eram erigidas com tijolos ou pedras e
revestidas, internamente, por mármore, mosaicos ou afrescos. As aberturas eram encimadas
por arcos semicirculares e, mais especificadamente, as janelas eram pequenas e agrupadas,
mantendo o interior sombreado e climatizado; estas, muitas vezes, eram cerradas com finas
placas de alabastro dourado. Deve-se mencionar, também, a igreja de San Vitale (figura 6),
em Ravena – Itália (finalizada em 547), a qual possui planta octogonal e uma cúpula sobre a
nave central redonda.
Figura 6 – Vista do interior da igreja de S. Vitale
Fonte: Goitia, 1997.
As cúpulas constituídas por pedras ou tijolos por vezes permaneciam sem
revestimento, mas a maioria delas era coberta por telhas. A luz penetrava pelas várias
pequenas janelas situadas na base da cúpula, proporcionando o efeito ilusório de que esta
flutuava sobre sua estrutura de sustentação. As cúpulas bizantinas eram concebidas como
baldaquinos: entre os suportes verticais inseriam-se as paredes. Por não possuírem função
estrutural, estas seções murais podiam ser perfuradas por um grande número de aberturas ou,
até mesmo, serem eliminadas. Este sistema oferecia uma nova liberdade em termos de
projeto, sendo de grande importância no desenvolvimento do Românico e do Gótico.
O esquema iconográfico da igreja bizantina denota que a edificação era concebida
como uma réplica do cosmos: a cúpula representava o céu e a parte inferior constituía a zona
terrestre. A luz “divina” provinha da cúpula celestial, derramando-se sobre o espaço central
abaixo. As colunas eram encimadas por ábacos, sob os quais estavam situados os capitéis de
relevos acentuados. Não existiam esculturas nas igrejas bizantinas. No entanto, o sistema
abobadado oferecia grandes superfícies de paredes e teto, praticamente sem saliências e
reentrâncias, as quais eram cobertas com mármore e mosaicos sobre um fundo dourado.
Em termos de liturgia, a principal característica dos templos bizantinos foi a separação
entre o clero e a assembléia através da colocação de um anteparo elevado, o qual criava uma
barreira que atravessava igreja. Primeiramente vazado, este anteparo foi posteriormente
substituído por uma divisão sólida, em pedra, metal ou madeira, sobre o qual pinturas (ícones)
eram dispostos sobre toda a sua superfície, a qual possuía três pequenas portas. Ficou
conhecido como iconóstase.
As igrejas românicas
No século IX, a Europa foi dividida por guerras civis e invadida pelos vikings no
noroeste, pelos bárbaros húngaros a leste, entre outros. Durante quase duzentos anos
ocorreram poucos progressos nas artes e na arquitetura. Contudo, a partir do século X, foram
lançadas as bases da civilização medieval e desenvolvida uma nova arquitetura, a qual
perdurou até meados do século XIII.
As igrejas românicas ficaram assim conhecidas porque constituíram-se, basicamente,
em um desenvolvimento da articulação rítmica da arquitetura romana, apesar de também
influenciada pela arquitetura bizantina. Devido ao fato de terem sido iniciadas em um período
de invasões e guerras, as igrejas românicas mais antigas apresentavam um caráter de
fortificação. Esta arquitetura expressa o espírito europeu do período de 1000 a 1200
aproximadamente: majestosa e sólida. A construção de abóbadas de pedra, baseada nos
métodos romanos, também foi buscada.
A arquitetura românica estabelece uma nova relação para a Igreja: a mesma
desempenha um papel urbano mais significativo, convertendo-se em centro das pequenas
cidades do século XI. Estas igrejas eram destinadas, em sua maioria, a bispos e abades
poderosos e abastados, havendo a necessidade de se projetar numerosas capelas e altares
laterais para a celebração de missas particulares. O coro foi ampliado na direção leste,
resultando em plantas em forma de cruz latina. Normalmente, as naves laterais eram
prolongadas, unindo-se atrás do coro e formando o deambulatório (passagem para as
procissões). Em algumas igrejas, o coro ficava sobre uma cripta.
O acréscimo dos transeptos e a ampliação do coro na direção leste derivaram da
necessidade de um maior número de altares e capelas. Duas soluções foram manifestadas: a
planta escalonada e a planta irradiante (figura 7). A primeira possuía duas ou mais naves
laterais que atravessavam os transeptos e finalizavam em pequenas absides. Na segunda,
cinco ou mais capelas espalhavam-se em torno da abside principal, geralmente com um
deambulatório, e uniam-se com as naves laterais do coro, atrás do altar-mor. Muitas vezes,
havia pequenas absides com altares ao longo da parede leste do transepto. Durante este
período, os anteparos sólidos que cercavam o coro, preconizados pela arquitetura bizantina,
foram amplamente empregados. Os motivos iam desde a reverência, a reclusão dos clérigos,
até a proteção contra o frio. Uma das propriedades básica é, pois, a articulação rítmica do
espaço, relacionada à interioridade originada das primitivas basílicas cristãs com os
movimentos humanos. Esta se manifesta na progressiva subdivisão e conexão plástica das
paredes internas e externas.
Contudo, uma das características mais notórias das igrejas românicas é a combinação
de recinto maciço com uma forte direção vertical por meio da introdução da torre como
elemento formal. Esta concretizava significados existenciais fundamentais de proteção divina
e aspiração transcendente.
Figura 7 – Planta escalonada (à esquerda) e planta irradiante (à direita)
1 – nave principal; 2 – transepto; 3 – naves laterais; 4 – abside; 5 – deambulatório
Fonte: Anson, 1969.
Em relação às paredes, estas eram toscas e grosseiras, podendo terminar em rasos
contrafortes. No entanto, a mesma tendência articular que se revela nas plantas baixas pode
ser encontrada nas elevações das igrejas românicas: o sistema de alternância dos suportes, o
ritmo a-b-b-a-b-b-a, sendo a um pilar e b uma coluna. Arcos semicirculares também eram
empregados como elementos estruturais, sustentados pelas colunas e pilares. Os vãos das
aberturas eram bastante recuados. As rosáceas tornaram-se populares na fachada oeste,
principamente na Itália.
A partir do século XI, abóbadas semicirculares de pedra eram, geralmente,
empregadas, apesar de, em algumas igrejas, a nave principal ser coberta por forro de madeira.
Com a introdução da abóbada de aresta, desenvolveu-se um sistema em que os pilares são
alternadamente reforçados para sustentar o peso da mesma; os pilares intermediários passam a
formar parte de uma parede secundária, oferecendo resultado similar ao sistema de baldaquino
da arquitetura bizantina. As experiências com novos tipos de abóbadas assinalaram um passo
decisivo para a desmaterialização das paredes, abrindo caminho para o sistema gótico.
As colunas eram bastante espessas, construídas com núcleos de cascalho revestido
com pedras cortadas e, muitas vezes, decoradas com caneluras ou padrões treliçados ou
espirais. Os capitéis eram esculpidos e divididos em sulcos e arestas. Figuras com motivos
animais e vegetais eram empregadas nos entalhes em pedra e nas esculturas. Afrescos
decoravam as paredes internas, com exceção da Itália, onde os mosaicos ainda continuavam
sendo utilizados.
Nas edificações românicas, as formas espacialmente ativas estão aparentemente em
contradição com a necessidade de estruturas fechadas e maciças. No entanto, essa
característica expressa a necessidade de segurança e proteção, de uma base que torne possível
a ação dos homens inspirada por Deus. Nesse sentido, a igreja românica é ao mesmo tempo
porta do céu e fortaleza, onde a desmaterialização e a solidez se manifestam simultaneamente.
Como exemplo, tem-se a igreja La Madeleine (figura 8), em Vézelay – França (início
do século XII), a qual possui 60 m de comprimento, do nártex ao cruzeiro. Como
características românicas, observa-se a nave de grande altura com arcos semicirculares em
pedra cinza e rosa, o coro ampliado ao fundo e a articulação rítmica do espaço.
Figura 8 – Vista do interior da igreja La Madeleine
Fonte: Pevsner, 1982.
Quanto à iluminação das igrejas românicas, a cobertura de alvenaria abobadada
requeria apoios maciços e espessos, que limitava a altura do clerestório em conseqüência da
cobertura inclinada do corredor, resultando em pequenas aberturas. Estas proporcionavam
espaços internos escuros, oferecendo uma atmosfera misteriosa e introspectiva.
A arquitetura eclesiástica até então representava o homem em busca de Deus; nas
igrejas românicas, o homem almejava trazer Deus para a terra. A abertura para o alto do
edifício religioso inicialmente fechado por meio da introdução das torres manifesta a
cristandade no caminho para a grande síntese da época gótica. Na arquitetura românica, Deus
é um objeto de aspiração; na arquitetura gótica, Deus desce para morar em Sua casa,
transformando-a com sua divina luz.
As igrejas góticas
O termo “gótico” foi empregado para expressar a reprovação da arquitetura de mesmo
nome, a qual se manifestou no fim da Idade Média (do século XIII ao século XVI), pois era
considerada bárbara e selvagem, muito distante da pureza clássica grega e romana. Segundo
Brandão (1991, p.41), na arquitetura gótica encontra-se “a ‘longitudinalidade’ do Cristão
Primitivo, a ‘espiritualidade, misticidade e transcendência’ bizantinas e o ‘estruturalismo,
verticalidade e comunicabilidade urbana’ despontados no românico” O resultado desta
arquitetura foi a construção de igrejas constituídas pela combinação equilibrada de forças
verticais e oblíquas, por meio de arcos ogivais e abóbadas nervuradas, pilastras e contrafortes.
As paredes não mais desempenhavam função estrutural, apenas sustentando grandes vitrais.
Contudo, características como leveza e ênfase vertical não foram tanto determinações
artísticas quanto resultantes de sua utilidade estrutural. Articulada isoladamente nas torres
românicas, a verticalidade das catedrais góticas é obtida por meio da elevação de toda a
edificação, dos arcos botantes ao sistema de abóbadas ogivais.
A catedral gótica representa um verdadeiro centro em termos urbanos. No burgo, sua
posição central era acentuada pelo seu volume e pela verticalidade do edifício. Aqui, a
edificação perde qualquer vestígio de recinto maciço e enclausurado; seu exterior resulta do
desejo de transmitir ao ambiente externo o espaço espiritualizado do interior, “explicando” o
significado da organização cósmica medieval. Com o desenvolvimento urbanístico, a catedral
tornou-se o tema edilício de maior importância.
A monumentalidade gótica caracterizava o poder e a riqueza do clero. Neste período,
havia pouco ou nenhum culto comunitário nas igrejas góticas: o sistema de anteparo em
pedra, dividindo o santuário da nave, atingiu seu ponto culminante no século XIV,
enfatizando a divisão entre o clero e a congregação. O espaço destinado ao coro e ao santuário
apenas era acessível em procissões. O altar-mor não era o único ponto focal do interior. Os
numerosos altares e capelas internas partilhavam o foco de atenção. O impulso para o alto era
acentuado pela articulação vertical dos sucessivos pilares e arcos, assim como pela ausência
de interrupções horizontais. A posição do coro era variada: muitas vezes, era disposto no
centro da nave central, cercado nos lados norte, oeste e sul com paredes sólidas e, no lado
leste, com um anteparo metálico; em outros casos, o coro ficava localizado, totalmente oculto,
em uma galeria do lado oeste; outras vezes, situava-se no lado leste do cruzamento do
transepto, através dele ou ao longo da nave central.
A maioria das igrejas possuía três ou mais altares, um no coro e os outros aquém do
anteparo. Algumas igrejas abrigavam muitas capelas privadas cercadas por anteparos. Estes,
assim como, as paredes e os tetos eram ornados com ouro e cores vivas em pinturas dos
santos populares, sempre dando maior ênfase ao anteparo do coro. O número três,
representativo da Trindade cristã, é dominante em todo o edifício, desde a organização da
nave, até na articulação horizontal e vertical da fachada e dos portais, nos trifórios e nas
estruturas e ritmo espacial interno.
A tipologia adotada para as igrejas góticas foram a basilical e a de nave única. Dentre
as do tipo basílica, a mais utilizada foi a de planta cruciforme. Nas igrejas de planta de cruz
latina (figura 9), a nave principal era longa, com naves laterais, transeptos ao norte e ao sul, e
um deambulatório ao redor do coro. Este, muitas vezes, abrigava pequenas capelas.
Figura 9 – Planta baixa de igreja gótica
1 – capela da Virgem; 2 – altar-mor; 3 – coro; 4 – cruzeiro; 5 – transepto norte;
6 – transepto sul; 7 – naves laterais; 8 – nave central
Fonte: Anson, 1969.
As paredes eram bastante permeadas por arcos e janelas. Devido à pressão,
direcionada para fora, dos arcos ogivais da cobertura, empregavam-se grandes contrafortes
nas paredes externas. Estes eram denominados arcobotantes quando eram constituídos por
pilares que terminavam em arcos lançados, para apoiar pontos de expuxo, das paredes
superiores da nave principal em direção às paredes externas das naves laterais. Os
arcobotantes, freqüentemente, eram encimados por pináculos.
De acordo com Pevsner (1982, p.82), as principais características que compunham o
estilo gótico eram “o arco ogival, o arcobotante e a abóbada nervurada. Nenhuma das três,
aliás, é uma invenção gótica. A novidade decisiva foi a combinação desses motivos numa
nova proposta estética”. Na arquitetura gótica há a busca de uma integração formal, dando
uma nova interpretação da parede e da abóbada: a abóbada nervurada e a parede diáfana,
como uma leve casca de pedra e vidro, tornam possível uma total integração geométrica dos
diferentes elementos da planta e a sensação de massa desaparece.
Todas as aberturas eram encimadas por ogivas. Geralmente, abriam-se grandes janelas
nas paredes leste e oeste, e outras menores nas naves laterais. As aberturas na ábside
iluminavam as diversas capelas agrupadas ao seu redor. Também eram freqüentes as janelas
no clerestório (galeria na parede na nave principal, acima das naves laterais) e no trifório
(galeria entre as naves laterais e o cleresrio). Além das inúmeras janelas presentes nas
paredes das naves, a luz penetrava também no interior das igrejas através de aberturas com
vitrais nas abóbadas.
O caráter de um espaço é determinado, entre outros aspectos, pela interação entre a luz
(elemento físico que pode ter significado espiritual) e o elemento material. As igrejas
primitivas recebiam luz, mas somente a superfície interior era observada; no século V, a
abside foi perfurada e a luz foi absorvendo maiores proporções nas paredes maciças; nas
catedrais góticas, a luz – ligada à origem e princípio divino das coisas, concretiza a
espiritualidade buscada desde o Cristão Primitivo, desmaterializando a construção e
transmitindo à comunidade a ordem simbólica que resulta da interação entre luz e matéria.
Os tetos ogivais permitiam a construção de naves de grande altura: as abóbadas eram
formadas por dois arcos que se cruzavam em ângulos retos. As bordas onde as curvas dos
arcos se deparavam eram chamadas de nervuras. Com o acréscimo de um maior número de
nervuras, criaram-se a abóbada de lierne (efeito de estrela) e a abóbada em leque. As pilastras
eram compostas por várias esbeltas colunas, agrupadas, o que conferia mais elasticidade e
força. As nervuras diagonais implicavam em novas direções espaciais, dividindo o espaço
gótico diagonalmente e criando uma integração geral.
Quanto aos ornamentos, as igrejas góticas eram repletas de entalhes com motivos de
folhas e flores. Fachadas e portas eram cobertas de estátuas, e gárgulas eram esculpidas no
telhado. Normalmente, as pinturas se limitavam aos retábulos dos altares. As janelas eram
constituídas por rendilhados de pedra e cerradas com vitrais coloridos. Com relação à torre, as
igrejas góticas, muitas vezes, adicionavam duas torres na fachada oeste, ampliando-as com
esbeltas agulhas. Um exemplo típico de igreja gótica é a catedral de Notre Dame (figura 10),
em Paris – França (1163-1260), na qual pode-se observar um movimento claramente
ascendente.
O espaço gótico não favorece uma contemplação sossegada, mas sim um sentimento
de êxtase, transcendência e admiração. Pode-se dizer que o Gótico conclui um período da
cultura ocidental no qual o homem compreende progressivamente as suas relações com a
divindade e com o mundo.
Figura 10 – Vista da catedral de Notre Dame (Reims)
Fonte: Goitia, 1997.
As igrejas renascentistas
No início do século XV, teve início uma revolução no que se refere ao planejamento e
à construção de igrejas. O termo Renascença alude ao Renascimento do interesse pelas
formas pagãs de literatura e arte, o qual teve início na Itália e se propagou por grande parte da
Europa e, daí, para os outros continentes. Buscava-se sobrepujar a expressão anterior do
catolicismo medieval nas igrejas. Este movimento foi favorecido pela difusão do
protestantismo na Alemanha, Suíça e outros países europeus. Neste período, os pintores, não
mais satisfeitos com a representação arbitrária do espaço, passaram a empregar leis de
perspectiva em suas obras. Do mesmo modo, também os arquitetos mostravam-se ansiosos
por descobrir proporções racionais em seus projetos.
Havia interesse nas estruturas clássicas (arcos, abóbadas, cúpulas e muros de
alvenaria) em oposição aos sistemas estruturais góticos. Contudo, o novo estilo não consistia
apenas em uma cópia das ordens clássicas da arquitetura e de suas proporções. Os arquitetos
renascentistas tiraram proveito do progresso estrutural precedente e criaram seus próprios
projetos. Vários tipos novos de abóbadas foram aperfeiçoados, originados tanto da arquitetura
romana quanto da bizantina. Por volta de 1530, o estilo renascentista já havia transformado-se
em algo distinto dos estilos anteriores, baseado nos princípios, detalhes e ornamentos
clássicos. Pode-se assinalar três características fundamentais da arquitetura renascentista:
ênfase na centralização espacial; utilização do repertório clássico como as colunas dórica,
jônica e coríntia, as arquivoltas concêntricas e o emprego de relações geométricas na
articulação dos elementos componentes do ambiente. Estas características produzem um
espaço homogêneo, menos espiritualizado e mais intelectualizado.
As obras renascentistas remetem, além das referências clássicas, ao antropocentrismo
e ao humanismo da época, refletindo a crença na forma absoluta e perfeita. De acordo com
Brandão (1991, p.79), o “ideal formal da igreja renascentista concretiza a imagem de um
universo matematicamente organizado, de um novo conceito de ordem menos subordinado às
categorias filosóficas e religiosas e, portanto, bem distinto daquele expresso nas igrejas
medievais.” O conceito de beleza remetia à geometria e às leis matemáticas, das quais,
segundo a idéia predominante do período, Deus se utilizara ao criar o universo. Esta
racionalidade geométrica era, basicamente, expressada por meio do emprego da modulação e
da simetria.
O homem renascentista imaginava o cosmos em termos numéricos e considerava a
arquitetura uma ciência matemática que objetivava materializar a ordem cósmica. Nesse
ínterim, a proporção (relacionada com o corpo humano) adquiriu grande importância. As
igrejas renascentistas eram concebidas como cósmicas e humanas simultaneamente. Para
Platão, “cosmos”, “ordem” e “beleza” eram sinônimos. Pode-se, então, considerar que a
imagem existencial do Renascimento como um síntese do platonismo e do cristianismo.
O ponto focal era o altar-mor, mais especificamente o tabernáculo, visando enfatizar a
presença de Deus. As igrejas renascentistas eram caracterizadas pelos seus grandes espaços
vazios e pela ausência de anteparos e, muitas vezes, de coros. Neste último caso, os clérigos
obtinham seu isolamento colocando-se atrás do altar-mor ou em uma capela isolada. O
principal objetivo era permitir que um maior número de pessoas vissem o altar-mor e
ouvissem o que estava sendo pregado, tanto do altar-mor quanto do púlpito, resultando na
limitação do tamanho destes edifícios.
As paredes novamente receberam função estrutural, tornando-se mais espessas. Este
aspecto acabou por determinar aberturas profundas e quase ocultas. Faz-se necessário
observar que, assim como na arquitetura bizantina, as edificações centralizadas renascentistas
remontam aos esquemas romanos; contudo, se nas igrejas bizantinas o caráter espiritual é de
misticismo, proporcionado pela luminosidade lateral que cruza sob a cúpula, no
Renascimento, assim como no Pantheon romano, a dominante iluminação zenital, a qual
define um sagrado eixo vertical, confere caráter divino ao homem.
Desde o início das construções religiosas, a arquitetura toma como ponto de partida
simbólico a relação espacial entre “centro” e “caminho”. As tipologias empregadas nos
espaços das igrejas renascentistas foram definidas tanto pelo uso da planta longitudinal,
quanto da planta central.
As igrejas de planta em cruz latina foram, inicialmente, construídas pela influência das
basílicas cristãs primitivas, todavia com a total observância das ordens clássicas.
Posteriormente, houve grandes modificações: as naves laterais foram eliminadas, dando lugar
a capelas; uma cúpula foi colocada no cruzamento do transepto, apoiada sobre o tambor; e
abóbadas de berço, de aresta e cúpulas cobriam a nave principal e as capelas. Como exemplo
de igreja renascentista de planta longitudinal tem-se a Sant’Andrea (figura 11), de Alberti, em
Mântua – Itália (iniciada em 1470).
Figura 11 – Planta baixa da igreja de Sant’Andrea
Fonte: Pevsner, 1982.
A centralidade espacial era obtida através da utilização de esquemas e repertórios
arquitetônicos baseados no círculo - forma geométrica que melhor expressava a perfeição, e
na planta em cruz grega. O círculo e suas derivações, simbolizando Deus presente na
edificação, se desenvolvia tanto nas cúpulas quanto nos arcos plenos que substituíram os
arcos ogivais do Gótico.
Com relação ao emprego da planta central, esta resultou em espaços de organização
simétrica quase que absoluta, característica que pode ser observada na planta e na seção da
igreja de Santa Maria degli Angeli (figura 12), de Brunelleschi, em Florença – Itália (1434).
Figura 12 – Planta baixa e seção da igreja de Santa Maria degli Angeli
Fonte: Pevsner, 1982.
De uma maneira geral, a aparência das igrejas deste período era mais importante do
que sua adaptabilidade como lugar de culto: eram projetadas para causar efeito visual tanto
interiormente quanto externamente. A adaptação do arco triunfal à fachada das igrejas é
decorrente da confiança nas forças humanas da nova interpretação da relação entre Deus e o
homem.
A composição renascentista se utilizava do princípio “aditivo”, segundo o qual cada
elemento espacial conserva alto grau de independência dentro do conjunto. O espaço foi
convertido em uma espécie de “substância” estruturada mediante a geometria e visualmente
descrita pela perspectiva. A articulação possuía dois objetivos: a geometrização, por meio da
utilização de formas geométricas elementares e de relações matemáticas, e a
antropomorfização mediante a reintrodução das ordens clássicas. De maneira geral, pode-se
dizer que a introdução das ordens antropomórficas possibilitou a criação de uma gama de
expressões, às quais constituíram ponto de partida para a arquitetura maneirista do século
seguinte.
As igrejas maneiristas
A partir da década de 1520, aparecem obras que podem ser qualificadas como
maneiristas, prenunciando os temas do Barroco. Um novo espírito, nascido de dentro do
próprio Renascimento, mas distinto desse, se manifestou nas obras mais significativas daquele
século. Após a perfeição serena e lógica do Quattrocento, a arquitetura do Maneirismo
aparece como sua antítese, difundindo formas repletas de tensão e de conflitos, apesar de
seguir empregando a mesma linguagem clássica. Aqui, cabe mencionar o interior da igreja de
Gésu (figura 13), de Giacomo Vignola, em Roma – Itália (iniciada em 1568), o qual consiste
em naves laterais na forma de uma seqüência de capelas abrindo para a nave principal.
Correspondendo às características maneiristas, o interior desta igreja apresenta-se de modo
tenso, por meio de relações proporcionais inusitadas e inventividade no emprego da
linguagem clássica.
Figura 13 – Vista do interior da igreja de Gésu
Fonte: Goitia, 1997.
Segundo Brandão (1991, p.107), no Maneirismo a “basílica ‘dissimula’ a centralidade;
enfatiza o peso da construção, a sua massa; elimina a luz e ‘isola’ o homem do meio ambiente
e de Deus, fechando-o no interior do edifício; promove conflitos e tensões espaciais e
plásticas, os quais são expressões da subjetividade interior do artista.” Se o Renascimento
exaltou o antropocentrismo grego e a racionalidade, o Maneirismo revelou a tragédia humana:
o homem entre o corpo e a alma, entre o céu e a terra, entre ser ou não ser. Pode-se dizer que,
pela primeira vez na história da arquitetura, os edifícios manifestam a consciência humana de
problemas existenciais.
O arquiteto maneirista não se submete à tradição; ao contrário, interpreta-a, fazendo-a
declinar em favor de sua expressão individual, por meio da criação de espaços mais emotivos
do que racionais. Aqui, o ilusório e inusitado são reverenciados, traindo os temas clássicos
que insistem em apresentar-se. A perspectiva, os princípios de composição e a estrutura das
edificações são empregadas com o objetivo de promover falsas impressões e impactos visuais,
através de desproporções e exageros. Subsistia a idéia de uma continuidade espacial, mas o
que, no Renascimento, era uma adição estática de unidades perfeitas e independentes,
transforma-se em uma relação dinâmica de elementos contrastantes, passando a arquitetura a
ser objeto de uma experiência psicológica utilizada para expressar a situação existencial do
homem.
Quanto à configuração da planta, após o Concílio de Trento (1563), nota-se a adoção
de espaços mais dinâmicos e com maior área destinada aos fiéis, caracterizando uma maior
abertura da igreja e o desejo de abrigar mais fiéis, aspecto que contrariava o antropocentrismo
renascentista. As principais igrejas construídas durante as últimas décadas do Cinquecento
seguiram o modelo do novo ideal de igreja congregacional, com planta longitudinal em cruz.
Contudo, também desenvolveram-se tentativas de integração de esquemas longitudinais e
centrais, levando à solução das plantas ovais, um dos protótipos mais significativos do
período barroco que se seguiu.
A arquitetura maneirista baseava-se no conceito renascentista de espaço homogêneo,
mas ao mesmo tempo o contradiz, concebendo-se como um meio de expressão e passando a
ser um objeto de experiência emocional. O espaço maneirista recuperou o caráter fenomênico
presente na interpretação grega da realidade, combinado com a idéia de continuidade
ambiental. Essa continuidade ambiental não é uma invenção do século XVI, pois pode ser
encontradas em igrejas góticas e renascentistas; no entanto, a sucessão de espaços de caráter
diverso significativamente relacionados constitui caráter inovador. A caracterização
diferenciada foi obtida por meio da articulação e da variação de formas e proporções
espaciais.
O homem do Renascimento foi substituído por um homem que duvida e teme,
dividido pelo problema da opção. A liberdade introduzida pelo humanismo renascentista
naturalmente levou a essa situação, pois partia da idéia de que os valores eternos já não eram
diretamente revelados ao homem, mas deviam ser conquistados. Com a Contra-Reforma e a
divisão da igreja, a desintegração do mundo absoluto e unificado foi confirmada. Há uma
busca intensa por valores significativos, resolvida de maneira diversa por protestantes e
católicos. O protestantismo negou quase que por completo o valor da arte religiosa, reduzindo
ao mínimo o simbolismo e, com isso, aboliu significados existenciais tradicionais. Para o
catolicismo, a história converte-se no caminho do homem para a redenção, guiado pela igreja.
A Contra-Reforma pretendia restabelecer a autoridade eclesiástica, a qual havia sido
prejudicada pelo caráter humanista do Renascimento. Para tanto, negava o direito do
indivíduo de resolver seus problemas por meio de sua própria razão. A persuasão era obtida
mediante a “participação”, criando-se organizações com o propósito de adaptar a fé católica
às necessidades do momento. Na arquitetura, as formas conflituosas do Maneirismo
evoluíram para o dinamismo persuasivo do Barroco, superando a crise existencial através da
renúncia da idéia renascentista de liberdade humana.
As igrejas barrocas
A arquitetura barroca iniciou em Roma como expressão da segurança alcançada
novamente pela Igreja através do movimento de Contra-Reforma. O termo “Barroco”
significava, originalmente, bizarro e extravagante. Devido a isto, foi empregado para
descrever um estilo arquitetônico que, para os clássicos, adotava formas excêntricas, isto é, o
estilo italiano do século XVII. Posteriormente, perdeu sua conotação depreciativa, tornando-
se uma expressão que designava as obras daquele período em praticamente toda a Europa.
O propósito das manifestações barrocas era simbolizar, simultaneamente, a rígida
organização do sistema dominante e seu poder de persuasão. Decorrente disso, a arquitetura
se manifesta como uma síntese de sistematização e dinamismo. E, apesar das igrejas barrocas
se caracterizarem pela riqueza espacial e plástica, pode-se observar que há sempre uma
subjacente organização sistemática. Compreende-se, então, como os dois principais aspectos
aparentemente contraditórios do Barroco, sistematicidade e dinamismo, formam uma
totalidade. A necessidade de pertencer a um sistema absoluto e, ao mesmo tempo, dinâmico e
aberto, é um aspecto evidente deste período.
A arquitetura barroca explorava a subjetividade, não mais governada pelos conflitos
experimentados no Maneirismo, mas criadora de uma nova síntese para estruturar o mundo. O
conceito de beleza não mais derivava da perfeita adequação das leis da arquitetura clássica,
mas da interpretação e utilização dessas pelo arquiteto. A edificação barroca era constituída
por elementos espaciais em interação, modelados por forças internas e externas. O espaço
constituía uma totalidade complexa, a princípio indivisível, como um “elemento” espacial
unificado. Isto é, o espaço era compreendido como uma “unidade” que podia articular-se, mas
não decompor-se, originando plantas complexas com “células” interpenetrantes e
interdependentes.
As igrejas barrocas, a princípio, surgiram das igrejas renascentistas; no entanto, foram
adquirindo suas próprias características, determinando concepções espaciais inovadoras. O
edifício deveria estruturar o mundo, comunicando-se com o mesmo, e o espaço sacro deveria
invadir o espaço profano, erguendo-se como um ponto do qual emanaria o “sistema”
governante da cidade.
A principal contribuição da arquitetura barroca para o tema eclesiástico foi a utilização
de plantas poligonais. Apesar desta premissa, cada templo diferenciava-se bastante dos outros.
Muitas vezes, o efeito era de um ritmo ondulante, dando a impressão de movimentar-se no
espaço. A inovação mais destacada foi a “parede ondulada”, onde a fachada parece resultar de
forças interiores e exteriores em um envoltório contínuo. Nas igrejas barrocas as partes não
são perceptíveis, mas se sobrepõem e confundem, formando um todo único, não
compartimentado.
As plantas das igrejas de S. Carlo alle Quattro Fontane, de Borromini, em Roma
(iniciada em 1633); e de S. Andrea al Quirinale, de Bernini (1658-1678) (figura 14), ilustram
o dinamismo das plantas barrocas.
Figura 14 – Plantas baixas da igreja de S. Carlo alle Quattro Fontane (e)
e da igreja de S. Andrea al Quirinale (d)
Fonte: Anson, 1969.
A arquitetura barroca desenvolveu ainda mais a fenomenização iniciada durante o
século XVI. O aspecto estrutural não era tão importante quanto a aparência, o efeito
dramático e teatral dos espaços internos e externos. Geralmente, os exteriores barrocos não
eram tão decorados quanto os interiores. A forma em si e a harmonia estática do
Renascimento são definitivamente rompidas e a edificação abre-se e estende-se, havendo uma
grande mudança na concepção das fachadas. Os altares espalhavam-se pelo interior, formando
conjuntos pitorescos. Algumas igrejas barrocas alcançavam seus efeitos internos através de
falsas perspectivas e ilusões de ótica. O barroco era ideal para a oração particular, devido aos
seus muitos altares e esculturas. Seu interior suntuoso, alegre e arejado propunha ser uma
antecipação do “céu”, onde Deus descia à terra para habitar entre os homens.
As ordens clássicas eram mescladas e superpostas. Pesadas volutas adornavam as
extremidades das cornijas. O efeito monumental era produzido pela densidade e
grandiosidade dos elementos portantes, como as colunas, as pilastras e as nervuras das
abóbadas. Também se utilizavam balaustradas exóticas, painéis com “cartuchos”
(pergaminhos ornamentais), emblemas heráldicos e outros artefatos. O principal objetivo era
introduzir o máximo de linhas sinuosas ou curvas. A cúpula não mais simbolizava uma
abstrata harmonia cósmica como nos exemplos renascentistas, mas uma forma que detinha o
movimento e arrebatava o fiel no final de seu “caminho para a salvação”. Na igreja de S.
Maria della Pace (figura 15), de Pietro da Cortona, em Roma (1656-1657), pode-se observar
os detalhes da fachada barroca.
Figura 15 – Vista da igreja de S. Maria della Pace
Fonte: Goitia, 1997.
A arquitetura barroca tende à obtenção de uma grande síntese, aceitando a organização
sistemática do espaço renascentista, o dinamismo – não a dúvida – do Maneirismo, as
qualidades transcendentes medievais e a presença antropomórfica da antiguidade. Essa
arquitetura expressa segurança e vitória, manifestada por meio das propriedades fundamentais
do espaço barroco, quais sejam: a capacidade plástica persuasiva, a extensão infinita e o
centro dominante. Por ser sintética, a arquitetura barroca pode ser caracterizada,
simultaneamente, pela integração e pela diferenciação formal.
Pode-se dizer que o Barroco finaliza um período da história da cultura ocidental
denominado “época do humanismo”. Durante o Renascimento, o homem sentia-se seguro e
em harmonia com a ordem cósmica; a arquitetura era caracterizada por uma geometrização
espacial proporcionada pelas ordens clássicas antropomórficas. Ao contrário, o Maneirismo
representava a dúvida, o lado “obscuro” do homem; sua arquitetura manifestava-se como o
conflito entre a ordem natural e os elementos antropomórficos. E, durante o período Barroco,
considerou-se a totalidade dos aspectos naturais e humanos; a arquitetura caracterizou-se pela
participação dos elementos antropomórficos em um sistema espacial dinâmico.
Juntamente com os colonizadores, o Barroco foi transportado para as Américas
Central e do Sul, locais onde se desenvolveu com novas diretrizes, adequadas ao clima, ao
material construtivo existente e à qualidade da mão-de-obra disponível.
A participação característica do Barroco significava que o homem havia adquirido
maior consciência de sua própria existência e, com o tempo, aquilo que deveria ser a garantia
do sistema, ao contrário, levou à sua desintegração.
As igrejas modernas
a) Neoclassicismo
Com a Revolução Industrial, iniciada no séc. XVIII, o espírito de iniciativa, crítica e
inovação atinge a cultura arquitetônica, a qual encontrava-se, desde o Renascimento, ligada a
uma exigência de regulamentação intelectual vinculada ao Classicismo. Nos três séculos
anteriores, o repertório clássico foi empregado em quase todos os países civilizados e
adaptado às mais diversas exigências práticas e pessoais.
No século XVIII, o Iluminismo se dispõe a discutir todas as instituições tradicionais,
trazendo-as à luz da razão. Na arquitetura, as regras formais do Classicismo são objetivamente
analisadas, estudando suas fontes históricas, ou seja, o Classicismo greco-romano. A
observação dos preceitos canônicos se torna mais rigorosa e o controle racional sobre o
projeto mais exigente e sistemático. Como conseqüência, o Classicismo, ao se tornar
científico, converte-se em convenção arbitrária e transforma-se em Neoclassicismo.
Um exemplo arquitetônico que marca este período é a igreja de Sainte – Geneviève
(rebatizada como Pantheon durante a Revolução Francesa) (1757-1792), de Jacques Germain
Soufflot (figuras 16 e 17) em Paris - França, a qual possui cúpulas sobre os quatro braços da
planta em cruz grega e cuja estabilidade da cornija é assegurada por uma rede de barras
metálicas, dispostas racionalmente, de acordo com os diversos esforços a que está submetida.
Por suas características formais, essa igreja é considerada o símbolo do Neoclassicismo.
Figura 16 – Planta baixa e vista da igreja de Sainte – Geneviève
Fonte: Benevolo, 1974.
Figura 17 – Vista do interior da igreja de Sainte – Geneviève
Fonte: Kostof, 1988.
Com a proeminência da burguesia, a arquitetura passa a responder a suas necessidades
sociais e econômicas. A construção de edifícios públicos, como escolas, hospitais, mercados e
museus, e as intervenções no traçado das cidades evidenciam a exigência de racionalidade
almejada pela arquitetura e o urbanismo da época burguesa. A defesa da racionalização dos
espaços é anunciada por arquitetos como Étienne-Louis Boullée e Claude-Nicolas Ledoux, os
quais traduzem os anseios de transformar a arquitetura e as estruturas sociais, com ênfase na
função simbólica das edificações, isto é, na intenção social de suas formas.
b) Historicismo
Esta atitude de convenção por convenção se estende rapidamente para além das formas
clássicas, sendo aplicada a qualquer tipo de formas do passado, produzindo seus respectivos
revivais: o Neogótico, o Neobizantino, e assim sucessivamente. Há a ampliação das
referências históricas determinadas pelo Racionalismo iluminista; busca-se uma maior
correspondência ao caráter nacionalista e funcional, a fim de atender às necessidades de cada
região e tema de edificação. Desta maneira, a cultura arquitetônica estabelece os elementos
para uma síntese de natureza eclética correspondente aos valores de seu tempo.
c) Arquitetura Moderna
A arquitetura moderna surge como continuação ao processo de cientifização iniciado
no Iluminismo. Conjugando arte abstrata de vanguarda, inovações tecnológicas e utopias
políticas, se configura um estilo arquitetônico inovador.
Dentre os pioneiros da modernidade está o movimento Art Nouveau, o qual propunha
o rompimento com a ornamentação figurativa de caráter histórico e a criação de um estilo
novo, baseado na natureza. Exemplificando, pode-se citar o Hotel Tassel, de Victor Horta, em
Bruxelas – Bélgica (1892-1893), apesar de não se enquadrar no tema religioso. Pode-se ainda
mencionar, como um exemplo inspirado no Art Nouveau, a igreja da Sagrada Família (figura
18), de Antoni Gaudí, em Barcelona – Espanha (1903-1926).
Figura 18 – Vista da igreja da Sagrada Família
Fonte: Goitia, 1997.
No período entre o final do século XIX e início do século XX, praticamente contíguo
ao movimento de renovação litúrgica, assunto o qual será tratado em capítulo posterior, os
arquitetos começaram a buscar novos caminhos para suas obras. Desta maneira, líderes da
nova geração de arquitetos, como Frank Lloyd Wright, Louis Sullivan, Tony Garnier,
Auguste Perret, Peter Behens, Walter Gropius, Adolf Meyer, Anatole de Baudot e outros,
passaram a utilizar a “era da máquina” como referencial para fundamentar novos processos,
novos materiais, novas formas e novos problemas a solucionar.
Como exemplos eclesiásticos deste período, pode-se citar a igreja de Saint Jean de
Montmartre (figura 19), de Anatole de Baudot, em Paris – França (1894-1904), a qual possui
fachada em blocos cerâmicos e estrutura em concreto; e o Templo Unitário (figuras 20 e 21),
de Frank Lloyd Wright, em Oak Park – Illinois – EUA (1906), apesar de não ser um tema
católico. Nesta obra, o arquiteto optou pela utilização do concreto, configurando articulações
quadriculadas de suportes e vazios. O interior é iluminado zenitalmente e rodeado de galerias
nos quatro lados. Segundo Frampton (2003, p.66), “as elevações da igreja são efetivamente as
mesmas de todos os lados, simbolizando a ‘unidade’”.
Figura 19 – Vista da igreja Saint Jean de Montmartre
Fonte: www.structurae.net/photos/index
Figura 20 – Vista do Templo Unitário
Fonte: Pfeiffer, 1991.
Figura 21 – Planta baixa do Templo Unitário
Fonte: Gil, 1999.
Depois da pausa de seis ou sete anos decorrente Primeira Guerra Mundial, as
construções foram retomadas de acordo com novos parâmetros estilísticos. Segundo Pevsner
(1982, p.387): “O novo estilo, com sua recusa a aceitar o artesanato e as extravagâncias do
design, é perfeitamente adequado à vasta clientela anônima e, com suas superfícies limpas e
um mínimo de molduras, é perfeitamente adequado à produção industrial de seus elementos”
(aço, vidro e concreto).
No entanto, em 1919, a perda de confiança na prosperidade e na paz, decorrentes dos
violentos anos da Primeira Guerra Mundial, produziram uma tendência expressionista
próxima do Art Nouveau. Este movimento exauriu-se por volta de 1925. Para exemplificar
este período, pode-se citar a igreja de Grundtvig (figura 22), de Peter Villhem Jensen Klint,
em Copenhague – Dinamarca (iniciada em 1921). A mesma apresenta pequenos portais sobre
os quais se ergue subitamente uma parede de tijolos, finalizando em empenas que remetem a
tubos de um órgão.
Figura 22 – Vista da igreja de Grundtvig
Fonte: Pevsner, 1982.
As primeiras obras eclesiásticas da década de 20 ainda adotavam o esquema de planta
longitudinal, com naves central e laterais, ou nave única, com o altar e a entrada dispostos
longitudinalmente. Todavia, faziam uso dos novos materiais e técnicas construtivas. São
representantes deste Modernismo inicial a igreja de Notre Dame de Consolation (figuras 23 e
24), de Auguste Perret, em Raincy (próximo a Paris) – França (1922-1925) e a igreja de Santo
Antônio (figura 25), de Karl Moser, em Basiléia – Suíça (1926).
Na igreja de Notre Dame de Consolation, há a utilização de abóbadas transversais nas
naves laterais, e de uma abóbada longidinal na nave central, todas em concreto, permitindo a
eliminação de contrafortes. Esbeltas colunas sustentam as abóbadas. As paredes são cobertas
por elementos pré-fabricados de concreto, fechados por vitrais coloridos. Sua planta remete ao
extenso retângulo da primitiva basílica cristã. Também pode-se observar claramente nessa
igreja referências à liberdade espacial gótica, possibilitada pelo concreto armado através da
sua desmaterialização por meio da dissolução das paredes, reduzindo sua massa a uma rede de
linhas abstratas.
Figura 23 – Vista do interior da igreja de Notre Dame de Consolation
Fonte: Goitia, 1997.
Figura 24 – Planta baixa da igreja de Notre Dame de Consolation
Fonte: Gil, 1999.
Também, na igreja de Santo Antônio, Moser adotou os novos materiais como
concreto, aço e vidro, combinando-os com o tradicional plano basilical com naves laterais.
Nota-se, neste edifício, interessante similaridade com o exemplo anterior: a igreja de Notre
Dame de Consolation, de Perret, em sua conservação dos apoios como parte do esquema de
ordenação do espaço longitudinal.
Figura 25 – Vista do interior da igreja de Santo Antônio
Fonte: Anson, 1969.
Apresentando grandes transformações, a igreja de Corpus Christi (figuras 26, 27 e 28),
de Rudolf Schwarz, em Aquisgrana – Alemanha (1930), consiste em apenas volume
prismático regular: um salão retangular, sem colunas, o qual abriga o espaço da assembléia e
o altar. Não possui qualquer decoração. Suas paredes brancas contrastam com o altar em
mármore negro. A iluminação é feita através de altas aberturas, as quais se concentram em
maior número ao se aproximarem do altar. A grande laje de concreto e os vãos definidos por
vergas retas, decorrentes das vigas de concreto, complementam a racionalidade explícita da
obra.
Figura 26 – Vista da igreja de Corpus Christi
Fonte: Gil, 1999.
Figura 27 –Vista do interior da igreja de Corpus Christi
Fonte: Anson, 1969.
Figura 28 – Planta baixa da igreja de Corpus Christi
1 – santuário; 2 – batistério; 3 – sacristia
Fonte: Anson, 1969.
Um outro arquiteto que deve ser mencionado é Doninikus Böhm, por suas igrejas de S.
Enguelberto (figura 29), em Riehl – Alemanha (1932); e outra (figura 30), em Ringenbert –
Alemanha (1935).
A igreja de S. Enguelberto possui planta circular, com o altar-mor situado no centro de
um santuário que parte da nave, interligados por uma escada. O batistério e uma capela
formam uma outra extensão da nave. Pode-se observar nessa obra conexões com a tradição
das plantas centrais, inicialmente empregadas na arquitetura bizantina, em termos de edifícios
religiosos.
Figura 29 – Igreja de S. Enguelberto
1 – santuário; 2 – batistério; 3 – capela; 4 – sacristia
Fonte: Anson, 1969.
Em Ringenberg, a igreja propõe o espaço da assembléia em três lados de um altar
livre. Os fiéis ficam junto ao altar, participando da liturgia. Apesar das diferenças em termos
funcionais, a planta remete bastante àquelas de cruz latina.
Figura 30 – Igreja em Ringenberg
1 – santuário; 2 – altar; 3 – batistério; 4 – confessionários; 5 – sacristia
Fonte: Anson, 1969.
Após a década de 30, os arquitetos abandonam as referências literais à história e
procuram uma originalidade mais franca em suas obras, decorrente da incorporação de novas
tecnologias construtivas, de novos significados e das características da arte abstrata. Isto
resultou em uma grande variedade de igrejas, surgindo diversos tipos de plantas e espaços,
normalmente constituídos por uma única nave. Como exemplos, pode-se citar a igreja de
Notre Dame du Haut (figura 31), em Ronchamp – França (1950-1955), de Le Corbusier; e o
Templo das Três Cruzes (figura 32), em Imatra – Finlândia (1955-1958), de Alvar Aalto. O
que parece haver é um progressivo abandono da tradição das plantas, pois o interior das
igrejas passa a ser interpretado mais como “auditório” em termos de espaço. Devido a isso, os
arquitetos buscam utilizar outros elementos para retratar o caráter eclesiástico. Dentro desse
contexto mundial, ocorre o desenvolvimento da arquitetura eclesiástica latino-americana, o
qual consiste no objeto de estudo deste trabalho.
Figura 31 – Planta baixa da igreja de Notre Dame du Haut
Fonte: Gil, 1999.
Figura 32 – Planta baixa do templo das Três Cruzes
Fonte: Gil, 1999.
2.2. RENOVAÇÃO LITÚRGICA – SÉCULO XIX E SÉCULO XX
No panorama do século XIX, a posição da Igreja apresentava-se em crescente declínio,
inserida em uma sociedade cada vez mais laica e materialista, características incitadas pelo
Positivismo e pelas teorias evolutivas que propunham uma nova ordem baseada nas
ideologias políticas e econômicas, em um processo de dessacralização da vida.
No entanto, as experiências vividas nos anos da Primeira Guerra Mundial acabaram
revertendo esse quadro de confiança na razão e na ciência. A partir disso, se desenvolve uma
necessidade renovada de interioridade e de religiosidade. A Igreja desejava apoiar-se mais
sobre a sua própria credibilidade moral. Ela se volta, então, para os leigos; e estes, de
membros passivos que eram, tornam-se mais ativos, mesmo em setores anteriormente
reservados à hierarquia eclesiástica.
O papa Pio X acolhe o impulso de renovação litúrgica, o qual chamava a atenção dos
fiéis para a liturgia como ponto central da vida cristã. As intervenções de Pio X em matéria
litúrgica iniciaram com o Motu Proprio Tra le Sollecitudini, de 1903. Neste documento, que
simboliza o início do movimento de renovação litúrgica na Igreja, Pio X chamava a atenção
dos fiéis de que a primeira e principal fonte do verdadeiro espírito cristão está na participação
ativa dos sacrossantos mistérios da Igreja.
No aspecto arquitetônico, a importância maior foi a consciência de que a “Casa de
Deus” deveria ser criada a partir da função litúrgica. O objetivo principal era a construção de
igrejas como símbolos de unidade, de modo a promover a participação da assembléia. Devido
a isso, o caráter central do altar era fundamental à arquitetura eclesiástica da renovação, em
torno do qual os fiéis se reuniriam, em uma referência à Última Ceia (ideal cristocêntrico). A
esta prerrogativa, seguiram-se mudanças consideráveis na organização do templo: a
disposição dos bancos da congregação voltados para o altar, a diferenciação espacial do
mesmo, a redução ou eliminação de capelas laterais e de outros elementos que pudessem
reduzir o seu protagonismo, a imagem de Cristo sobreposta às dos santos, e o presbitério sem
qualquer tipo de construção. Cabe aqui ressaltar que, simultaneamente à renovação litúrgica,
ocorreu a renovação arquitetônica do século XX. Ambas combinaram-se produzindo uma
nova arquitetura de templos religiosos.
As encíclicas de Pio X, juntamente com os seus decretos eucarísticos, passaram logo
em seguida para o Código de Direito Canônico - o primeiro da História - que estava sendo
compilado nesta época. Foi promulgado em 1917, mas elaborado em sua quase totalidade
durante o pontificado de Pio X. Em 1983, o papa João Paulo II revogou o Código de Direito
Canônico de 1917, promulgando outro, atualmente vigente. Neste novo código, porém, as
disposições de Pio X são mantidas.
Os exemplos e as intervenções de Pio X não tardaram a produzir os frutos esperados,
culminando com a publicação da encíclica Mediator Dei, de Pio XII, em novembro de 1947.
Esta encíclica é, na verdade, uma monumental obra de Teologia, e constitui um dos mais
importantes documentos do Magistério da Igreja sobre a missa antes do Concílio Vaticano II.
Nesta encíclica, a liturgia é definida como a continuação do ofício sacerdotal de Cristo.
Quanto à celebração, é o culto público total do corpo místico de Cristo. Também trata da
atualização da liturgia com relação às condições da sociedade naquele período.
Fica visível porque a Mediator Dei foi chamada de “A Carta Magna da Liturgia”. A
encíclica termina com diretivas para que as novas prerrogativas pudessem vir, de fato, a
tornar-se realidade na Igreja. Eis, algumas palavras de Pio XII: “(...) removidos os erros e a
falsidade e proibido tudo quanto está fora da verdade e da ordem, promovais todas as
iniciativas tendentes a dar ao povo um conhecimento mais profundo da Sagrada Liturgia, de
modo que ele possa melhor e mais facilmente participar nos ritos divinos com aquela
disposição que convém a cristãos”. Em se tratando da arquitetura e da arte daquela época, ele
afirma que: “Não se pode repudiar as formas e as imagens de hoje, mas é necessário deixar
campo livre para a arte moderna quando serve, com a devida reverência e a devida honra, aos
sagrados edifícios e aos ritos sacros”.
Os apelos e a doutrina de Pio XII, contidos na enclíclica Mediator Dei, dirigidos a
todos os bispos do mundo, concretizaram-se no Concílio Vaticano II. E, ao contrário do que
muitos podem vir a pensar, este concílio não representou uma ruptura com a tradição mas, ao
contrário, foi na verdade um fiel continuador desta, a qual vem de muito antes da fundação da
própria Igreja. O anúncio da convocação do Concílio Vaticano II foi dado por João XXIII em
janeiro de 1959.
O desejo de todo o movimento litúrgico era o de facilitar a participação na missa. O
texto e as cerimônias deviam ordenar-se de modo a exprimir mais claramente os seus
significados para que o povo cristão pudesse compreendê-los facilmente e participar plena e
ativamente. Procurando adequar-se às diversas culturas dos povos, o Concílio quebrou a
rígida uniformidade e deu espaço à variedade lingüística, permitindo o uso das múltiplas
línguas faladas, e à variedade das formas rituais, das tradições históricas e das prerrogativas
próprias de cada Igreja. Assim, por intermédio de uma longa série de documentos legislativos
e da publicação dos novos livros litúrgicos, chegou-se a uma liturgia mais simplificada e a
uma ativa participação dos fiéis nas celebrações litúrgicas.
A renovada liturgia acarretou profundas modificações espaciais e formais das igrejas.
O papa João XXIII fala aos arquitetos: “introduzam nas igrejas a sensibilidade, a serenidade e
o calor de vossas casas”. Convinha que a disposição geral do edifício sagrado permitisse a
cada um exercer corretamente a sua função, exprimindo ordenação hierárquica, mas
constituindo uma unidade coerente pela qual pudesse se manifestar com evidência a unidade
do povo de Deus. Dessa maneira, o presbitério deveria ser um recinto destacado dentro do
ambiente da nave (por pequena elevação ou especial estrutura e ornamentação) e, ao mesmo
tempo, próximo ao povo, com o qual se comunica. E, também, há a obrigatoriedade da cruz
sobre o altar ou próximo deste e, da mesa do Senhor. Quanto aos aspectos decorativos, o
concílio recomenda a maior observância da nobreza e da autenticidade dos materiais e linhas,
do que o exagero e excesso de ornatos, dando abertura à arte e à arquitetura de sua época.
Desta maneira, a partir das premissas do Concílio Vaticano II e, também, dos anseios
anteriores a este, a arquitetura dos novos templos e daqueles a serem reformados deveria
atender a dois objetivos básicos: ser funcional com vistas à celebração litúrgica e facilitar a
participação ativa dos fiéis.
2.3. ARQUITETURA MODERNA NA AMÉRICA LATINA
A América Latina, depois de seu descobrimento, foi – entre os séculos XVI e XVIII –
uma vasta área de absorção e fusão cultural ibérica, indígena e africana. Estas fusões se
incrementaram durante o século XIX e começos do século XX pelos fluxos migratórios
europeus. As mestiçagens diferiram entre si, originando distintas configurações culturais,
variando, também, segundo a sucessiva dependência de seus países aos sistemas
internacionais industriais e mercantis.
No entanto, as fontes culturais que criaram o mundo latino-americano nunca chegaram
a fundir-se em uma unidade completa e estável. Mesclaram-se de todas as maneiras
imagináveis, em forma e grau variáveis, de acordo com o tempo e a situação. Pode-se citar
como exemplo a religião, já que o catolicismo do Novo Mundo nunca foi apenas uma
tradução do espanhol. Nas cerimônias e na superstição popular, teve-se a herança pré-
colombiana e africana.
Configura-se, assim, a principal característica da região, sua mestiçagem cultural,
acompanhada por uma grande permeabilidade a diferentes influências externas. Contudo, esta
permeabilidade cultural não a converte em um mero receptáculo de influências externas.
Assim como suas inovações não partem do zero: são recombinações inéditas de elementos
pré-existentes, sendo favoráveis à obtenção de produtos culturais inéditos.
No aspecto urbano e arquitetônico, os exemplos multiplicam-se. As Ordens de
Povoação, publicadas em 1573 por Felipe II (Espanha) com o objetivo de regular o traçado
das novas cidades dos territórios além-mar, foram uma criação latino-americana, se basearam
na experiência obtida na fundação de muitas das mais importantes cidades, apesar de seus
antecedentes teóricos europeus É o caso de Cartagena (1533), Buenos Aires (1535), Santiago
(1541) e Caracas (1567). Pode-se destacar, também, a sacralização dos espaços públicos
abertos como uma característica peculiar do urbanismo latino-americano, derivado da
necessidade de cristianizar grande número de indígenas. Os espaços eram insuficientes e
inapropriados, criando-se, então, os átrios e capelas abertas. Além destes exemplos, a
transformação do Barroco na América Latina pode ser citada como uma contribuição à cultura
ocidental.
Um aspecto que acompanha o cruzamento de elementos culturais na América Latina é
a sincronia de suas manifestações, que remonta a épocas coloniais. Estas tendem a
desenvolverem-se em linhas artísticas sobrepostas, às quais, em outras regiões,
corresponderiam a períodos históricos sucessivos. Esta simultaneidade de expressões
artísticas pode ser ilustrada por numerosos exemplos, como elementos góticos em fachadas
barrocas e outros deste gênero. Todavia, na arquitetura moderna, esta sincronia é diferente:
mais que a justaposição a-histórica de elementos em uma mesma obra, corresponde à
simultaneidade de diferentes linhas arquitetônicas. Estas linhas tendem a desenvolver-se
paralelamente, devido a apropriações desiguais de condições internas e de influências
externas, aproximando-se ou distanciando-se entre si. Os mesmos arquitetos, muitas vezes,
passam de uma linha a outra, de acordo com as condições específicas de cada obra.
Outra peculiaridade latino-americana é a relação entre aspectos sociais, políticos e
arquitetônicos. Na América Latina esta relação não é muito unidirecional e nem muito direta.
Muitas das concepções artísticas e filosóficas das quais os países latino-americanos
apropriaram-se como símbolo de sua independência, foram compostas por elementos
universais, assimilados da França e de outros países europeus pela Espanha, a qual os
repassou à América Latina, no final de seu imrio. Exemplo disso é o Neo-classicismo, o
qual foi introduzido no final do século XVIII em boa parte dos países latino-americanos:
símbolo arquitetônico da independência com relação à Espanha barroca, antecede no tempo à
tal independência, sendo introduzido pelo próprio centro imperial.
Com relação à arquitetura moderna latino-americana, pode-se dizer que a mesma
desenvolveu-se dentro de uma constante tensão entre sua situação no tempo (época) e sua
situação no espaço (lugar).
No início do século XX, alguns acontecimentos importantes ocorreram na América
Latina, como a Revolução Mexicana. De uma maneira geral, começava-se a perceber as
tendências à urbanização e o surgimento do proletariado, juntamente com outras modificações
sociais. No entanto, a América Latina estava muito distante da ebulição européia, de onde
haviam surgido as modernas vanguardas culturais. As sociedades eram, predominantemente,
tradicionais e a economia, exportadora de matérias-primas. A crise de 1930 dissipou a
pretensão de um crescimento externo da economia, tendo início a insinuação de alternativas
de desenvolvimento interno, incluindo a industrialização nacional.
Até o final dos anos 20, a arquitetura da região consistia em um ecletismo
generalizado, subsistindo um Neoclassicismo afrancesado, juntamente com um neo-
renascimento italiano, aos quais se somavam todo tipo de revivals. Estes não se manifestavam
no sentido estrito, pois determinados estilos nem sequer haviam existido na América Latina,
configurando-se como um historicismo da história alheia. Esta situação se complicou com a
repercussão de alguns movimentos reformistas europeus, com o Art Déco e o Art Nouveau,
do início do século XX.
Ainda dentro deste panorama, surgiu a preocupação com as raízes arquitetônicas,
derivando em outros revivais, ainda que mais adequados, expressando-se em um neo-colonial
– com variações que iam desde um Neo-barroco hispânico até um estilo californiano – e em
um Neo-indigeanismo, que incluía desde um neo-asteca até um suposto estilo marajoara,
inspirado em motivos das cerâmicas brasileiras de mesmo nome. Todavia, a conceituação
arquitetônica confundiu forma e conteúdo, não incorporando o tema da modernidade ao tema
do revival. As obras, com ares folclóricos, integraram-se, assim, à confusão eclética.
Segundo Browne (1988, p.15): “Tem-se, então, que a arquitetura moderna – símbolo
das potencialidades sócio-econômicas e tecnológicas da Revolução Industrial – chegou à
América Latina quando suas sociedades eram tradicionais, a industrialização quase inexistente
e o ecletismo arquitetônico total”.
Pode-se analisar o fenômeno dentro de cada país. Em Caracas, a nova arquitetura
apenas chegou revestida de seus aspectos formais como volumetria cúbica, eliminação da
decoração e outros. Na Venezuela, até aquele momento, nem a organização da vida urbana
havia se modificado de uma maneira verdadeiramente radical, nem, no fundo, existiam razões
de ordem econômico-social para amparar as modificações arquitetônicas européias dos anos
30. O que, mais tarde, se chamaria de “estilo internacional” se difundiu em Caracas com toda
a exatidão, pois o que constituía o “estilo” era a adoção de formas, independentemente das
correspondentes condições. Esta transposição cultural transformou a arquitetura moderna em
mais outra organização estilística: o estilo moderno. Essa forma de ingresso da arquitetura
moderna não é tão rara: introduziu-se, simultaneamente e de maneira parecida, na América do
Norte. O estilo internacional foi absorvido rapidamente pelo ecletismo e considerado como
um dos tantos estilos possíveis.
Voltando à América Latina, o ocorrido no México foi uma exceção: após a Revolução
Mexicana, o Estado passa a encarar o desenvolvimento e a buscar expressões culturais que
representem seu empenho. Todavia, no restante dos países latino-americanos, o racionalismo
arquitetônico penetra, sobretudo, por esforços individuais, principalmente o de arquitetos com
formação ou influências européias, apoiados por elites progressistas que desejavam
modernizar o ambiente local.
O fato da arquitetura moderna ter-se introduzido na América Latina como um “estilo a
mais”, pode ser explicado por sua resposta racional às condições físicas, econômicas e
tecnológicas de cada meio social, sendo auto-renovável e flexível às condições locais. Sua
chegada à atrasada América Latina, com aspectos quase idênticos aos europeus, é explicada
pela conversão do Movimento Moderno em estilo internacional.
Como descreve Montaner (1993, p.13):
Três seriam os princípios formais básicos desta arquitetura: a arquitetura
como volume, como jogo dinâmico de planos mais do que como massa; o
predomínio da proporção na composição, substituindo a simetria axial
acadêmica; e a ausência de decoração adicionada, à qual surge da perfeição
técnica e expressividade do edifício, a partir do detalhe arquitetônico e
construtivo.
Como tal, o mesmo representava para seus seguidores um compromisso mais estético
que ideológico, podendo produzir um choque artístico, mas não um conflito social. Segundo
Frampton (2003, p.303), o estilo internacional “(...) tornou-se formalista nos casos em que
condições específicas, fossem elas climáticas, culturais ou econômicas, não pudessem
suportar a aplicação de uma tecnologia leve e avançada”.
Através desta transformação, os líderes latino-americanos puderam entrar no “espírito
da época”. Isto não significa que ignoraram as condições de seu entorno. Ir à Europa – algo
que a maioria deles fez – não era viajar a outro continente, mas saltar em outro século. Não
queriam ser europeus, queriam ser modernos.
As flutuações entre universalismo e localismo ocorrem antes, durante e depois da
chegada da arquitetura moderna. A opinião dos arquitetos latino-americanos era que deveriam
produzir-se obras pertencentes ao seu tempo, mas de acordo com as condições da economia e
do caráter de seu país, e que a arquitetura moderna não deveria ser uma ruptura total com o
passado. Decorrente disto, no Brasil, se aderiu aos postulados funcionalistas sem deixar de
apreciar a tradição colonial luso-brasileira, a qual resolvia com simplicidade os problemas do
lugar. A América Latina também desejava uma busca constante de elementos da arquitetura
local, a fim de, mediante os mesmos, oferecer ao mundo uma contribuição da arquitetura
moderna latino-americana.
Contudo, no início, nem todos concordaram com a necessidade da conciliação entre o
universal e o local. Os arquitetos argentinos discorriam que sua excepcional situação sem
passado ou tradição lhe permitia aderir plenamente às condições atuais do “espírito da época”.
Esta posição era similar a de Warchavchik, no Brasil, o qual manifestava, em 1928, que os
povos recém formados não possuíam tradição, mas sim, feitos a executar.
Mas, em geral, a maioria dos líderes latino-americanos debatia-se entre “época” e
“lugar”. A fim de conjugar estes dois elementos, no início, os arquitetos acabavam
produzindo obras que se aproximavam de um ou outro pólo. O Estilo Internacional e o Neo-
vernacular – nem retrógrado e nem folclórico – foram, desta maneira, as duas primeiras
correntes adotadas pela arquitetura moderna na América Latina.
A tensão entre época e lugar origina, também, outros fenômenos como o dualismo
fascinação-repulsa dos líderes latino-americanos a respeito dos mestres da arquitetura
moderna. Le Corbusier ilustra este ponto: em 1929, foi convidado como palestrante a Buenos
Aires, Montevidéu, São Paulo e Rio de Janeiro, retornando a esta última como conselheiro do
projeto do Ministério de Educação, em 1936. Contudo, o arquiteto franco-suíço nem sempre
foi bem-vindo: no Chile, uma forte polêmica surgiu quando foi sugerida sua participação na
reconstrução do sul do país, depois do terremoto de 1939, culminando com uma resposta
negativa fundamentada no seu desconhecimento da realidade nacional. Fato semelhante
ocorreu, mais tarde, a respeito de sua possível assessoria no projeto da Universidade Nacional
do México.
Esta dialética manteve-se durante toda a evolução da arquitetura moderna na América
Latina. Nas obras de Estilo Internacional, a pretensão era aproximar-se o mais possível aos
modelos ou normas estrangeiras. Esta linha foi apoiada pelas elites eruditas, que desejavam
modernizar o meio local, e pelos governos progressistas. No entanto, sobretudo, foi propagada
pelo trabalho incansável dos precursores do espírito novo na América Latina. Alguns vieram
diretamente emigrados da Europa, outros nasceram e se formaram como arquitetos latino-
americanos, mas viajaram pela Europa, conhecendo de perto a arquitetura que pretendia
responder ao espírito da época.
Em terras latino-americanas, esta aspiração foi atenuada por vários fatores: as
condições físicas, como os terremotos chilenos, que tornavam difícil o emprego dos pilotis; o
clima tropical, o qual requeria aberturas menores e proteções solares; a escassez de elementos
construtivos, no início (várias obras iniciais foram de tijolos estucados); e os regulamentos
oficiais, os quais ainda perseveravam na rua-corredor (com fachada e altura contínua),
dificultando a criação de obras isoladas. Os aspectos culturais, como a herança ibero-
americana e suas idéias de famílias extensas e de privacidade, obrigavam a separação com a
rua através de muros que atenuavam a imagem das obras arquitetônicas. Além disto, a
formação acadêmica de muitos arquitetos havia tornado difícil seu desprendimento de
conceitos como simetria, axialidade, embasamento e outros, fato que também ocorria com
seus clientes.
Em contrapartida, nas obras neo-vernaculares, buscava-se reconhecer a condição pré-
industrial da América Latina e o seu patrimônio arquitetônico e cultural, evitando os
folclorismos e indigeanismos comuns no Ecletismo. Procurava reelaborar sistemas
construtivos e tipologias de eficácia já comprovada através de gerações na arquitetura
popular. Alguns dos arquitetos que haviam realizado grandes obras no Estilo Internacional,
voltam-se permanentemente, mais tarde, ao Neo-vernacular. Outros, seguiram trabalhando,
paralelamente, as duas linhas, enfatizando o Neo-vernacular em programas turísticos
afastados dos grandes centros.
Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), produziram-se modificações nas
condições internacionais e regionais. Os Estados Unidos converteram-se em uma grande
potência e impôs-se a tese do pan-americanismo. Na Europa, iniciaram-se épocas de
reconstrução e progresso. A América Latina, por sua vez, buscava entrar no cenário
internacional com atraso.
A maioria dos arquitetos modernos latino-americanos adere à febre do
desenvolvimento. Produz-se, assim, uma implícita aliança. A nova arquitetura necessitava de
recursos para ir, além dos manifestos, revistas e projetos isolados, à outra etapa de ampla
projeção social, construindo em grande escala. Por sua vez, os Estados dedicados à
modernização necessitavam simbolizar tal progresso, seja em obras representativas ou de
bem-estar social. Como a modernização seguia pautas cosmopolitas, o mais lógico era adotar
uma arquitetura internacionalmente reconhecida como progressista. O Estado se converte,
assim, em promotor da nova arquitetura: uma grande parte das obras mais significativas deste
período foram financiadas pelo mesmo.
Na Argentina, no entanto, a aliança entre arquitetura moderna e Estado não se
concretizou, de início, por motivos diversos, apesar do país possuir vantagens a respeito do
resto da América Latina no desenvolvimento desta arquitetura, devido ao seu nível econômico
e cultural, no período do final da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, a adoção da
linguagem moderna pelo Estado argentino acabou por efetivar-se.
Apesar da maioria dos expoentes arquitetônicos latino-americanos aderirem às
ideologias universalistas do desenvolvimento, seu trabalho não pretendia ser cópia fiel dos
modelos europeus. Estas influências seguiram-se muito fortemente, mas os arquitetos
desejaram interpretá-las e, desta maneira, encontrar com luz própria o âmbito arquitetônico
internacional.
Uma favorável conjuntura internacional possibilitou esta aspiração. Depois do final da
Segunda Guerra Mundial, a solidez do Estilo Internacional havia se dissolvido. Os grandes
mestres seguiram linhas divergentes. Le Corbusier passou da pré-fabricação ao Neo-
brutalismo; Mies van der Rohe se distanciou do Neo-plasticismo em direção ao “Classicismo
moderno”; outros estabeleceram linhas próprias em lugares periféricos da Europa, como Aalto
na Finlândia. Dentro deste panorama mais flexível, os intentos de reinterpretação foram
elogiados.
Sem formar movimentos e nem criar teorias explícitas, os líderes latino-americanos
entraram nesta dinâmica. Desejavam ilustrar as potencialidades de progresso de seus países
através de sua própria arquitetura. Trataram de aproximar o espírito da época ao do lugar com
uma Arquitetura Progressista, uma arquitetura jovem e vigorosa, cuja potencialidade derivava
principalmente de sua eloqüência estrutural, especialmente em concreto armado, indo adiante
da realidade sócio-econômica latino-americana.
Na Europa, a arquitetura moderna surgiu como resultado dos avanços científicos e
técnicos que haviam surgido durante os séculos XVIII e XIX. A Arquitetura Progressista
latino-americana não foi o resultado das condições materiais pré-existentes, mas a propulsora
de sua modernização, promovendo o avanço do cálculo estrutural e de outras ciências, bem
como o uso do concreto armado e de outras técnicas. Ao contrio do que ocorreu na Europa,
na América Latina preocupava-se em como alterar a sociedade a fim de adequá-la ao modelo
de instituições modernizadas.
A Arquitetura Progressista apresentava algumas características principais; nenhuma,
independentemente, era inédita, mas sua combinação conferia-lhe uma identidade particular:
- a obediência aos postulados da Carta de Atenas (1933) com relação ao
zoneamento do uso do solo, à segregação de funções, à separação de veículos
e pedestres, e outros;
- o conceito de edificação isolada, convertendo as obras arquitetônicas em
objetos descontextualizados;
- a expressão da estrutura, exemplificada pelas pontes de aço, pelas estruturas
de aço envidraçadas e pelo uso do concreto armado, em uma ênfase no
binômio arquitetura-engenharia;
- a predileção pelo uso do concreto armado sem revestimento, justificado por
ser um material-chave para o Movimento Moderno europeu, por ser uma
tecnologia fácil de ser implantada na América Latina, e por seu potencial
expressivo, possibilitando a produção de formas de simples ou dupla
curvatura, unindo estrutura e espaço (em uma referência à fase neo-brutalista
de Le Corbusier);
- a integração das artes, à qual foi um ideal generalizado das vanguardas
européias, desde o Neo-plasticismo até a Bauhaus, mas que remonta ao
passado pré-colombiano e que, também, foi um ideal arroco (e, então, ibero-
americano).
- e, o surgimento de novos elementos como o brise-soleil, para a adequação
climática e solar (ao invés do uso de recursos antigos como sacadas e
persianas), e de rampas cobertas (em substituição às escadas).
Simultaneamente com o auge da arquitetura progressista, outra arquitetura aparecia,
acanhadamente, na América Latina. Esta também pretendia reinterpretar o Movimento
Moderno, mas seus representantes não acreditavam na linha progressista, principalmente por
sua desconsideração das peculiaridades históricas e culturais da região, além de duvidarem de
um caminho meramente linear do subdesenvolvimento ao desenvolvimento, baseado em um
progresso material quantitativo e infinito.
Através de uma arquitetura mais realista, humilde e enraizada, postulavam outra
modernidade, apropriada à condição periférica dos países latino-americanos. Sua arquitetura,
manifestada em atitudes individuais, não pretendia ir além do progresso social e econômico
de seus povos, aceitando sua realidade intrínseca. Era contextual a respeito do entorno natural
e urbano, utilizando tecnologias intermediárias. Também respeitava os valores, costumes e
tradições latino-americanas. Não elegia o Estado e nem as empresas privadas como os únicos
promovedores do progresso, valorizando, sobretudo, os esforços populares. Sua
expressividade firmava-se no uso da luz, da cor e das texturas. Distante da euforia
progressista, esta arquitetura foi colocada em segundo plano pelo poder econômico e político,
e muitos de seus seguidores achavam-se, ao menos inicialmente, em uma posição marginal ou
contestadora.
Apresentando obras desiguais dentro de um espírito comum, dentro do espírito inicial
do Movimento Moderno, suas características podem ser consideradas fortemente inovadoras e
auto-renováveis, convertendo-se na mais moderna linha arquitetônica latino-americana.
Suas características principais podem ser resumidas em:
- contextualização e criação de lugares, referindo-se tanto às cidades quanto à
natureza, considerando cada obra como uma contribuição às condições
específicas do lugar e a natureza como parte da unidade arquitetônica (ex.:
clima controlado por meios simples, como o emprego de paredes com
pequenas aberturas ou espaços intermediários, ao invés de brise-soleil);
- uso de tecnologias e materiais econômicos e difundidos na região, como o
tijolo e a alvenaria reforçada, conferindo características peculiares à
expressão plástica de suas obras, através da acentuação do efeito de “massa”
e do predomínio do equilíbrio estático (a emoção provém da variedade
espacial e da utilização da luz, da cor e da textura);
- inovação formal baseada na reinterpretação de aspectos plásticos universais
(expressionistas, cubistas, neo-plasticistas e outros), re-combinados com os
costumes latino-americanos, como por exemplo: o conceito de privacidade
familiar, expressado em muros e pátios; a presença da natureza, própria das
populações rurais; e a participação dos usuários, que vai desde o crescimento
progressivo até a diferenciação pelo uso da cor.
Pode-se considerar que, depois da Segunda Guerra Mundial, subsistiram quatro linhas
arquitetônicas na América Latina: o Estilo Internacional, com seu universalismo comercial; o
Neo-vernacular, localista e restrito; entre estes, a Arquitetura Progressista e a Arquitetura
Contextual. As tensões entre universalismo e localismo permaneceram e muitos arquitetos
produziram obra em uma e outra linha, de acordo com as condições em que lhes inspirava
atuar.
3. ESTUDO DE CASOS
A história da arquitetura, edificada ao longo de diversos períodos, foi profundamente
marcada pelo tema eclesiástico, pois esse sempre apresentou grande destaque dentre as
demais obras, devido às suas elaboradas formas exteriores e interiores, resultando, assim, em
edificações de grande valor arquitetônico. Neste trabalho, aborda-se apenas uma pequena
parcela da história dessa arquitetura religiosa, que corresponde a alguns exemplares
significativos do período compreendido entre 1930 e 1960 na América Latina.
Este capítulo trata da descrição analítica de cada um dos casos estudados, quais sejam:
o projeto da igreja de Monlevade (1934, MG – Brasil), de Lucio Costa; a igreja de São
Francisco de Assis (1942, Belo Horizonte – MG – Brasil), de Oscar Niemeyer; a capela do
Convento das Capuchinas Sacramentarias del Purísimo Corazón de Maria (1952-55, Tlalpan –
México), de Luis Barragán; a igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (1952-59,
Atlântida – Uruguai), de Eladio Dieste; a igreja de São Domingos (1953, São Paulo – SP –
Brasil), de Franz Heep; a igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa (1953, Cidade do México
– México), de Félix Candela; a igreja La Assunción (1957, Caracas – Venezuela), de Raúl
Villanueva; e a catedral metropolitana de Brasília (1958-70, Brasília – Brasil), de Oscar
Niemeyer.
Os exemplares estudados a seguir, de um modo geral, utilizam-se de alguns elementos
da considerada Arquitetura Progressista, tratada no capítulo anterior, tais como: o
expressionismo estrutural e a predileção pelo uso do concreto armado. No entanto, observa-se
claramente intentos de contextualização, por meio do respeito ao entorno natural e urbano, e
aos valores e tradições latino-americanas; característica da Arquitetura Contextual, também
vista anteriormente. Esse aspecto pode ser notado pelo emprego de elementos simples de
controle climático, como pequenas aberturas e espaços intermediários; pelo uso de materiais
simples, como o tijolo; e pela inovação formal combinada com os costumes locais, como o
incentivo à participação dos usuários. Tensões entre universalismo e localismo são
encontradas em cada edifício religioso que se segue, em uma tentativa de adequar-se aos
requisitos do tempo e do lugar.
3.1. IGREJA DE MONLEVADE
Monlevade – MG – Brasil
Arq. Lucio Costa
1934
O projeto da Igreja de Monlevade é parte integrante de um concurso para um conjunto
habitacional completo (figura 33), promovido pela Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. O
programa compreendia residências e serviços como igreja, armazém, cinema e clube, sendo
projetado como uma cidade jardim, com os edifícios públicos dispostos ao redor de uma praça
central. O empreendimento era destinado aos empregados da companhia, a qual iria se
estabelecer naquela nova zona de prospecção e exploração.
Figura 33 - Perspectiva do conjunto de Monlevade
Fonte: Costa, 1995.
O templo, de nave basilical, foi projetado sobre um platô ovalado (figura 34),
dominando o núcleo principal da vila. Nesse projeto, observa-se uma grande influência do
arquiteto francês Auguste Perret. Formalmente, a igreja tomava de empréstimo elementos da
igreja de Notre-Dame de Consolation (1922-25) (figura 35): três naves de abóbadas
rebaixadas, sustentadas por delgadas colunas (figura 36), elementos vazados de concreto
substituindo as paredes, e a posição do campanário no centro da fachada (figura 37).
Figura 34 - Perspectiva da igreja de Monlevade sobre o platô ovalado
Fonte: Costa, 1995.
Figura 35 – Vista da igreja de Notre Dame de Consolation
Fonte: Gil, 1999.
Figura 36 – Planta baixa da igreja de Monlevade (marcações da autora)
Fonte: Costa, 1995.
Figura 37 – Perspectiva da igreja de Monlevade
Fonte: Costa, 1995.
Porém, tudo foi simplificado ao máximo: os elementos vazados eram dispostos
rigidamente em quadrados contíguos, as naves laterais eram abobadadas no sentido
longitudinal (figura 38), e o campanário de volume prismático e seção quadrada, encimado
apenas por uma cruz. Segundo Comas (2002, p.81): “Lucio mantém a caixa exterior
independente das colunas interiorizadas mas a simplifica; suprime a ênfase vertical, por
questão de economia e preferência estética”.
Figura 38 – Seção transversal da igreja de Monlevade (marcações da autora)
Fonte: Bruand, 1998.
Figura 39 – Seção longitudinal da igreja de Monlevade (marcações da autora)
Fonte: Costa, 1995.
A cobertura da edificação seria de Eternit devido à sua leveza, durabilidade,
qualidades térmicas e, também, por ser de procedência belga, de aquisição possivelmente
vantajosa para a Companhia. Constaria de duas águas com as calhas e condutores reduzidos
ao mínimo. O forro seria de laje de concreto com espessura mínima e trabalhando-se a face
inferior das vigas. O concreto armado empregado não deveria ser coberto por nenhum
revestimento, apenas simples caiação ou pintura.
Figura 40 – Perspectiva do interior da igreja de Monlevade
Fonte: Costa, 1995.
As esquadrias da igreja seriam compostas por caixilhos de concreto Casa Sano, de 30
cm x 30 cm, com vidros fixos ou lâminas formando venezianas; tais vidros poderiam ser na
cor azul, em um contraste com as paredes caiadas de branco, proporcionando uma atmosfera
de recolhimento. Com exceção das venezianas, os demais caixilhos destinados à ventilação
funcionariam como janelas de rótula, comuns nas casas antigas da região.
Figura 41 – Fachada da igreja de Monlevade
Fonte: Costa 1995.
Através deste projeto, o arquiteto retomava suas mais significativas tendências: o
emprego de soluções claras e simples, adaptadas à função e ao meio, e as pesquisas modernas,
sem a exclusão das técnicas do passado, se adequadas ainda para o caso específico. Neste
projeto, desenvolvido anteriormente ao encontro de Lucio Costa com Le Corbusier, ocorrido
em 1936, o arquiteto opta por referências mais tradicionais: igreja simétrica, axial, com torre
central. Contudo, a igrejinha concebida por Lucio Costa para a vila de Monlevade é um dos
primeiros projetos eclesiásticos brasileiros em que se superava os ecletismos e historicismos
tradicionalmente vinculados à construção de templos cristãos ainda neste período.
3.2. IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Belo Horizonte – MG – Brasil
Arq. Oscar Niemeyer
1942
A Igreja de São Francisco de Assis é parte integrante do Conjunto da Pampulha (figura
42), o qual é formado ainda pelo Cassino, pelo Iate Clube e pela Casa de Baile. O Conjunto
foi implantado ao redor do lago artificial de mesmo nome, com o objetivo de promover a
modernização de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais. Pretendia-se urbanizar a
cidade ao norte, criando um bairro-jardim de luxo. Quanto ao novo bairro, o então prefeito
Juscelino Kubitschek contrariava a recomendação de Alfred Agache – contratado para
assessorá-lo – para criar uma cidade-satélite naquele recanto a 10 Km da capital.
Figura 42 – Planta da lagoa da Pampulha
A – cassino; B – iate clube; C – restaurante e casa de baile; D – igreja; E - ancoradouro
Fonte: Underwood, 2002.
As referências para tal empreendimento eram, primeiramente, o Cassino da Urca, no
Rio de Janeiro – dedicado ao culto burguês do jogo no Brasil – e, posteriormente, as estações
de água germânicas da primeira metade do século XIX, e Monte Carlo, datado da segunda –
por terem promovido desenvolvimento urbano partindo da idéia de lazer.
Apresentado a Juscelino Kubitschek por Rodrigo Mello Franco de Andrade, diretor da
SPHAN na época, Niemeyer, o qual estava em Belo Horizonte devido às obras do Grande
Hotel de Ouro Preto, recebeu a proposta com animação, cercando-se de uma equipe composta
por engenheiros estruturais, como Joaquim Cardoso, pelo paisagista Burle-Marx e por artistas
plásticos modernistas, como Cândido Portinari, Paulo Werneck e Alfredo Ceschiatti.
A fim de resolver o programa, o arquiteto distribuiu as edificações ao longo da
avenida arborizada que contornaria o lago. Capela, Iate Clube e Cassino localizam-se em
diferentes promontórios (figura 43), a fim de vitalizar o trajeto, e a Casa de Baile fica situada
em uma ilhota artificial, acessível através de uma ponte para pedestres. De maneira
apropriada, a igreja fica afastada da contigüidade dos três edifícios laicos, e está localizada em
função da proximidade com as residências dos futuros paroquianos e da possibilidade de
torná-la particular. Como um refúgio, a capela prenuncia as residências do bairro e, ao mesmo
tempo, se coloca no fundo da perspectiva em relação a quem está em qualquer dos três outros
edifícios do conjunto.
Figura 43 – Croqui da lagoa da Pampulha
A – cassino; B – iate clube; C – restaurante e casa de baile; D – igreja
Fonte: Underwood, 2002.
Sua localização é percebida através de vários circuitos. Quem dá a volta na lagoa, após
passar pela Casa de Baile e pelo Iate Clube, depois de um longo percurso em curva, pode
avistar o templo pousado sobre o platô de uma enseada. Seguindo-se pela avenida, vai se
avistando a capela em formas que imitam, em concreto, o perfil dos morros ao fundo; e,
então, chega-se a ela pelos fundos (figura 44), avistando o painel de azulejos azuis e brancos
de Portinari, intitulado São Francisco de Assis, protetor dos animais e das plantas, o qual faz o
fechamento da cabeceira da igreja.
Figura 44 – Vista dos fundos da igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Underwood, 2002.
Desde qualquer um dos edifícios, também se avista a capela com os morros ao fundo,
em uma aproximação intencional entre homem e natureza. Quem olha o pequeno templo de
dentro do lago (figura 45), o vê enquadrado pelas edificações do Iate Clube e do Cassino, a
sul e a norte, respectivamente; e, chegando-se mais perto, pode-se observar a integração da
igreja com o ambiente natural e a beleza harmoniosa da combinação entre concreto, cerâmica
e vidro em tons de azul e cinza.
Figura 45 – Vista da igreja de São Francisco de Assis a partir do lago
Fonte: Underwood, 2002.
Servindo-se das possibilidades do concreto, Niemeyer materializa a capela partindo da
abóboda parabólica autoportante, atingindo grande unidade de concepção por ser tanto
fechamento quanto estrutura (figura 46). No conjunto, é o único edifício não concebido com
esqueleto independente de concreto, utilizando o mesmo como superfície. Antes mesmo do
projeto para a capela, Hermant (1938, p.27) preconizava:
Cada época deu uma solução nova ao problema da cobertura das grandes
naves. A abóbada em concreto armado de nervuras parabólicas é, sem
dúvida, o equivalente técnico atual das grandes abóbadas em pedra gótica
mais apropriado para a construção de naves de igrejas. Nós conhecemos os
galpões industriais e os mercados cobertos, hangares para dirigíveis, onde a
harmonia e a curva das linhas da estrutura impunham, na primeira
abordagem, uma espécie de recolhimento. Talvez seja uma indicação para o
sentido a dar às pesquisas em matéria de construção religiosa.
Figura 46 – Perspectiva da igreja de São Francisco de Assis
1 – batistério; 2 – entrada principal; 3 – tribuna; 4 – nave; 5 – altar; 6 – sacristia
Fonte: Underwood, 2002.
De fato, três antecedentes mostram-se relevantes: primeiramente, Gaudí em sua Cripta
da Colônia Güell (iniciada em 1898), onde empregou formas curvas e oblíquas em uma
geometria livre, não-cartesiana; também podem ser citadas as pontes com paredes em arco e o
pavilhão da Exposição Nacional Suíça de Zurique (1939), do suíço Maillart, e os hangares em
Orly (1916-1924), do francês Freyssinnet; finalmente, tem-se as igrejas do alemão Dominikus
Böhm, como a Igreja de São João Batista, em Neu-Ulm (iniciada em 1921) e a Igreja de
Christ-König, em Mainsz-Bischofscheim (1926).
A escolha da parábola em concreto pode ser explicada tanto por sua modernidade
quanto pelo programa, pois o parabolóide induz ao recolhimento no interior e transmite
serenidade e leveza em seu exterior; além disso, na simbologia litúrgica, esta forma é
associada à Montanha Sagrada (Monte Sinai).
Uma outra referência é a ligação com a linguagem franciscana: nave única, cruzeiro,
adro, nártex, balaustrada sinuosa no coro, púlpitos no cruzeiro, torre-sineira presente em
apenas um dos lados, nave sem arestas vivas, efeito simbólico através da luz natural, a qual
enfatiza o cristocentrismo no altar (figura 47), foram elementos empregados tanto nas obras
barrocas do século XVIII, quanto na capela de Niemeyer.
Figura 47 – Planta baixa da igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Botey, 1996.
Contudo, a modernidade presente na Igreja de São Francisco de Assis é evidente: é
clara a separação entre fechamento e estrutura, bem como é nítida a correspondência entre os
elementos internos e o volume externo. E foi esta modernidade que originou a discussão entre
clero, artistas e intelectuais, quando entre negação de seu caráter, prenúncios de demolição e
exaltação como obra-prima, e até mesmo um antecipado tombamento anunciado por Lucio
Costa via SPHAN, o templo foi consagrado em 1959.
A planta em T remete ao partido cristão tradicional – cruz latina; sua seção trapezoidal
possui 17 m de comprimento, 16 m na base maior e 9,5 m na menor, e é engastada na faixa
onde localizam-se o altar-mor, a sacristia e a sala do padre, entre outros espaços. A abóbada
maior cobre a nave, sendo interrompida na altura do início do altar; um arco mais alto e de
igual altura continua do ponto anterior para cobrir o altar, juntando-se a três outras abóbadas
menores, que cobrem a sacristia, finalizando a composição. A marquise inclinada, que parte
da fachada principal e engasta-se ao campanário, define o nártex (figura 48).
Figura 48 – Fachada principal da igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Botey, 1996.
Na nave, a primeira parede curva à esquerda define o batistério e, juntamente com a
escada helicoidal, à direita, que leva ao coro, finalizam a transição entre profano e sagrado,
enquadrando o altar ao fundo, antecedido pelo púlpito à esquerda, e separando o átrio e a
assembléia com seus modestos bancos de madeira.
O altar (figura 49) é definido, primeiramente, pela nave trapezoidal, a qual afunila e
declina longitudinalmente em sua direção, proporcionando um efeito perspectivo e, também,
pelo fato do mesmo estar localizado centralmente e sem obstáculos entre os volumes das duas
abóbadas parabólicas. Seu simbolismo é enfatizado tanto pela luz natural que adentra no
presbitério, simbolizando o Espírito Santo, através da diferença de altura entre as cascas, a
qual cria uma clarabóia não visível desde a nave, em contraposição à penumbra devida às
paredes revestidas de madeira escura da assembléia; bem como pelo afresco em marrom e
rosa de Portinari intitulado São Francisco, despojando-se das vestes (figura 50). Este painel
foi também motivo de críticas na época devido à presença de figuras como a adúltera, o
paralítico e o cão, e da intencional deformação de todos os elementos, gerando observações
quanto à profanação do sagrado.
Figura 49 – Vista do altar da igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Bruand, 1998.
A volumetria – cinco cascas, das quais uma se sobressai, correspondendo ao altar – é
simples e dinâmica, despojada e moderna, possibilitando hierarquizar os espaços e,
interiormente, definir as diferentes funções. O campanário, uma estrutura aporticada de forma
ascendente, de cuja placa pende o sino, é colocado opostamente à massa da capela: se
observada pela frente ou pelos fundos, há o contraste dos planos abertos dos fechamentos da
mesma com o plano fechado de concreto do campanário e, quando vista desde as laterais, a
massa fechada das cascas de concreto da igreja, cobertas de pastilhas cinzas, opõe-se ao plano
vazado das barras de ferro daquele. Uma lâmina de concreto une a igreja e a torre,
funcionando com um pórtico de acesso.
Os fechamentos são marcados pelo desligamento com a estrutura através de algumas
estratégias, tais como o painel de azulejos de Portinari localizado na cabeceira, o qual remete
à arquitetura colonial brasileira, mais especificadamente dos claustros franciscanos, e como a
fachada principal composta por metade vidro e metade brises verticais, que protegem o
púlpito, estrutura similar ao fechamento das capelas bandeirantes paulistas.
O adro – espaço de transição entre o profano e o sagrado, utilizado para procissões e
festejos católicos – está localizado à frente da capela e definido por uma área quadrada de
piso cimentado. Nele, há uma pintura disforme simbolizando a Lagoa da Pampulha aos pés de
Deus.
Projetado por Burle-Marx, o jardim é composto por árvores frondosas como
quaresmeiras e cássias, bem como por algumas palmeiras e arbustos baixos de floração
vistosa os quais circundam a igreja. Simbolicamente, também há a presença de um roseiral,
pois a rosa remete à Virgem Maria, às Chagas de Cristo e a outros signos da tradição cristã.
Além do painel de São Francisco no fundo do altar, as pinturas de Portinari e
esculturas de Ceschiatti se fazem presentes na parede curva do batistério, representando o
Mito do Paraíso, bem como os Quatorze Passos da Paixão de Cristo, dispostos lado a lado nas
paredes laterais da nave principal, de Portinari. Externamente, além do mural de azulejos,
localizado no fechamento das cascas parabólicas da fachada sudeste, de Portinari, há o
mosaico de Paulo Werneck que recobre os planos das cascas, o qual, ao contrário do primeiro,
possui sentido puramente decorativo.
Figura 50 – Detalhe do afresco de Portinari no altar da igreja de São Francisco de Assis
Fonte: Underwood, 1994.
Através da Igreja de São Francisco de Assis, Niemeyer inaugura o discurso
vanguardista para o programa eclesiástico no Brasil, representando uma das primeiras
materializações de uma arquitetura que emana unidade espacial e estrutural através do
emprego do concreto, criando bases para o caminho brasileiro na modernidade. Sua
concepção escultórica em parabolóide de concreto integra-se com as parábolas naturais do
Brasil, representadas pelos morros, e com a tradição das plantas baixas barrocas de Minas
Gerais, ainda atendendo os preceitos da renovação litúrgica e da arquitetura moderna. Torna-
se interessante observar a modernidade contida de Lucio Costa na capela de Monlevade
(1934) e a modernidade extrovertida e ousada de Niemeyer na igreja da Pampulha (1942),
apenas oito anos depois.
3.3. CAPELA DO CONVENTO DAS CAPUCHINAS SACRAMENTARIAS
DEL PURÍSIMO CORAZÓN DE MARÍA
Tlalpan – México
Arq. Luis Barragán
1952 - 1955
Ainda que Barragán tenha sido um devoto católico, incorporando símbolos cristãos a
sua própria casa e também executado alguns projetos religiosos, esta capela para uma Ordem
de freiras franciscanas foi a única que chegou a terminar. A construção da capela e do jardim,
além da restauração do convento, se prolongou durante quatro anos.
Figura 51 – Vista da cruz lateral ao altar da capela do convento das capuchinas
Fonte: Martínez, 1996.
Quando lhe foi oferecida uma modesta comissão para remodelar a capela existente,
Barragán solicitou às freiras capuchinhas para que consentissem a execução de um plano mais
ambicioso, a seu próprio custo. Isto lhe permitiu realizar o projeto como um todo, incluindo o
projeto dos ornamentos sacros, altar, candelabros, refeitório, sala de visitas e mobiliário. A
beleza do trabalho reside na harmonia entre o resultado da obra e a edificação anteriormente
existente.
Intencionalmente rigorosa e não decorada, esta capela pode ser chamada um espaço
abençoado pela luz, configurando misticidade ao ambiente. Mediante a manipulação de
apenas cinco elementos – vidros, treliças, paredes de concreto estucadas, madeira no piso e no
mobiliário da igreja, e pedra nos pátios, demais pisos e fonte – além do emprego da luz e da
cor como elementos arquitetônicos, o arquiteto criou uma variedade de espaços com aspectos
e funções diferenciadas. A simplicidade dos materiais é, talvez, uma resposta ao caráter
verdadeiramente enclausurado da Ordem religiosa.
Figura 52 – Vista do vitral que ilumina o altar da capela do convento das capuchinas
Fonte: Martínez, 1996.
O pátio (figura 53), com sua ensolarada zona central rebaixada e seu sombreado
caminho perimetral mais elevado, constitui o elemento de união entre o antigo convento e a
nova capela. A fonte de pedra negra é utilizada para preparar as flores para a igreja, muitas
vezes as próprias buganvílias que ali crescem. Do muro que separa o pátio da igreja, sobressai
uma grande cruz branca de concreto (figura 54). Atrás da treliça amarela, um pequeno passeio
que, iluminado pela luz natural filtrada através da mesma, e pavimentado com a mesma pedra
utilizada no pátio, representa o espaço intermediário entre o interior e o exterior.
Figura 53 – Vista do pátio do convento das capuchinas
Fonte: Martínez, 1996.
Figura 54 – Vista da cruz do pátio do convento das capuchinas
Fonte: Martínez, 1996.
No interior da capela, os materiais austeros e as formas simples adquirem sugestivas
qualidades devido ao uso da cor e dos efeitos da luz natural. O vitral amarelo, de Mathias
Goeritz, inunda o interior da igreja de uma luminosidade dourada que, ao mesmo tempo que
emoldura as formas de uma grande cruz cor-de-rosa, assentada livremente sobre o solo,
reflete-se sobre a superfície de um retábulo dourado, também de Goeritz, o qual está situado
atrás do altar (figura 55); bem como, a treliça amarela do oratório e o espaço púrpura do
confessionário. O transepto, de onde rezam as noviças (figura 56), está diferenciado do resto
da capela mediante uma treliça e uma clarabóia, quase invisível desde a igreja, que introduz
no interior tiras de luz filtrada. O conjunto se completa com o estuque amarelo claro das
paredes e o assoalho de madeira do piso.
Figura 55 – Vista do altar da capela do convento das capuchinas
Fonte: Martinez, 1996.
Figura 56 – Vista do fundo da capela do convento das capuchinas
Fonte: Martinez, 1996.
Figura 57 – Vista da fachada do convento das capuchinas
Fonte: Alanis, 1989.
Figura 58 – Plantas baixas do convento das capuchinas
1º pavimento (e): 1 – claustro; 2 – refeitório; 3 – jardim; 4 – pátio; 5 – nave; 6 – altar;
7 – sala de espera; 8 – confessionário; 9 – transepto; 10 – sacristia; 11 – recepção; 12 – ante-sala
2º pavimento (d): 13 – alpendre
Fonte: Portugal, 1994.
Figura 59 – Plantas baixas da capela do convento das capuchinas
Fonte: Portugal, 1994.
Figura 60 – Seção longitudinal (e) e seção transversal (d) da capela do convento das capuchinas
Fonte: Martinez, 1996.
Figura 61 – Fachada do convento das capuchinas
Fonte: Rispa, 1996.
3.4. IGREJA DE CRISTO OBRERO Y NOSSA SENHORA DE LOURDES
Atlântida Uruguai
Eng. Eladio Dieste
1952 - 1959
A Igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (figura 62) foi construída em
um lote retangular de um bairro suburbano, provedor de mão-de-obra informal à classe média
que desfruta ou vive no balneário de Atlântida, localizado próximo a Montevidéo. O encargo
requeria economia e rapidez de execução.
A partir de uma técnica muito simples, baseada em um material igualmente simples e
tradicional como o tijolo, Dieste desenvolveu um sistema original e economicamente
vantajoso de construção, o qual permitiu criar uma estrutura abobadada resistente, aliando a
casca de cerâmica armada e a forma móvel.
Figura 62 – Vista da fachada principal da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
O engenheiro acreditava que o tijolo cerâmico era o material mais valioso que a
América Latina dispunha para a construção de sua própria arquitetura, convertendo-o de
material que servia, exclusivamente, para suportar tensões de compressão, para que fosse
capaz de receber, também, tensões de tração em abóbadas e cúpulas, onde os tijolos são
entremeados com ferros, unidos com argamassa e moldados através de formas deslizantes
(figura 63).
Figura 63 – Detalhe da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Essa inovação arquitetônica, a partir de um material tradicional, possibilitou a criação
de estruturas cujos programas enfrentavam dificuldades de execução, tanto pelo grande porte,
quanto pela necessidade de vencer grandes vãos, pois as seções e apoios não precisavam mais
ser largos para assegurar que o peso próprio da estrutura neutralizasse as cargas acidentais
(figura 64).
Figura 64 – Seção transversal da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
O templo parte de um esquema retangular basilical (figura 65), com cerca de 16 m por
30 m, paralelo e muito próximo à divisa norte. O conjunto composto por paredes e cobertura é
concebido como uma grande casca de dupla curvatura que se apóia no terreno mediante as
fundações, formando como que um pórtico superficial, de grande rigidez transversal. As
paredes laterais, com 7 m (parte baixa da abóbada) e 8 m (parte alta da abóbada) de altura e
30 cm de espessura, são formadas por uma sucessão de conóides de direção reta ao nível do
solo e ondulada na parte superior. O arremate é realizado com uma fiada horizontal de
concreto e tijolos, a qual atua como beiral e absorve o empuxo da abóbada de cobertura. Os
tijolos da cobertura são recobertos por plaquetas cerâmicas porosas, a fim de garantir o
isolamento térmico.
Figura 65 - Planta baixa da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
As paredes onduladas são chamadas de superfícies regradas: lâminas originadas pelo
deslocamento de uma reta geratriz, a qual está apoiada em duas curvas diretrizes não
coplanares, originando muros estruturais capazes de resistir a vários tipos de esforços sem o
auxílio de quaisquer elementos adicionais. Todas as instalações necessárias foram já previstas
ao se levantarem as paredes.
A igreja organiza-se, basicamente, através de uma disposição tradicional. O acesso, a
partir do exterior, dá-se de maneira oblíqua, direcionada pela colocação do campanário
cilíndrico à direita, e da cúpula semi-enterrada do batistério (figura 66) à esquerda. Na
fachada principal (figura 67) - oeste, debaixo do coro, enquanto que uma das paredes curvas
se abre sobre o átrio como uma abside, gerando o nártex, de 3 m de altura; outra demarca os
confessionários, recuando do alinhamento do coro superior. Na laje de piso do coro (ou de
cobertura dos confessionários e do nártex) foram empregadas vigas mistas de tijolo e
concreto, tipo duplo T. Adentra-se ao espaço sacro através da porta colocada na lateral direita.
Figura 66 – Seção longitudinal da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
A nave, livre de apoios e obstáculos, abriga a congregação ou assembléia, com
capacidade para cerca de 200 fiéis, situada em duas fileiras de bancos, paralelas ao eixo que
leva ao presbitério. Simétrica e centricamente definido, o presbitério (figura 68), bastante
simples, é delimitado por um muro baixo, também de forma absidal, elevado da nave em três
degraus; o mesmo possui, ao fundo, a figura de Cristo na cruz. Pela direita (figura 69), o muro
baixo conduz à ante-sala da sacristia e à própria, localizada atrás do altar; pela esquerda, leva
à Capela da Virgem de Lourdes, na qual a imagem está em um nicho construído com tijolos
cortados (mais delgados à medida que se distanciam do espectador) de modo a enfatizar a
perspectiva e dar profundidade maior que a real. Este nicho é fechado com uma lâmina de
ônix, cuja luminosidade banha a imagem.
Figura 67 – Fachada da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Figura 68 – Vista do interior da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Figura 69 – Vista do acesso à sacristia da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Através da escada localizada em frente aos confessionários, sobe-se ao coro ou desce-
se à cripta circular, a qual abriga o batistério subterrâneo (figura 70), protegido pela cúpula
coberta de terra, externa à igreja. É iluminado por uma clarabóia de ônix translúcido.
Figura 70 – Vista do batistério da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Quem ainda não é batizado, entra, primeiramente, pelo batistério, o qual possui um
acesso externo, cuja entrada se mostra como um prisma triangular, com uma escada,
localizados no limite norte do terreno. Após a benção pela água santa, através de um corredor
e da escada, chega-se à nave, mirando-se Cristo no altar.
O efeito lumínico é obtido por um sutil jogo de luzes e sombras através dos brises da
parede localizada na fachada principal (figura 71), das pequenas aberturas retangulares
distribuídas na parte superior das paredes onduladas, e da abertura horizontal da parede de
fundos, proporcionando um jogo de profundidades e uma atmosfera que convida à oração
através de seu misticismo, enfatizado pela condição singular obtida pela composição de
curvas do teto e das paredes.
Figura 71 – Vista do coro da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
O alto campanário (figura 72), como um mirante também em tijolos, é construído
isolado, sobre base circular, constituindo-se em um cilindro de superfície repleta de pequenas
aberturas. Nele, pode-se subir por uma escada em espiral de degraus em balanço, presos no
perímetro (figura 73). Como arremate, há a presença de uma simples cruz negra.
O esquema de Dieste acentua a experiência do programa como uma procissão,
manifestada na disposição da entrada e na sua relação com o nártex, e na solução do
batistério; bem como a aparição gradual do celebrante, proporcionada pela posição da
sacristia e pela delimitação do altar; e a maior integração entre a nave e o presbitério, gerada
pela eliminação da mesa de comunhão e pelo espaço único.
Figura 72 – Vista do campanário e lateral da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Figura 73 – Vista interna do campanário da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Segundo Tarragó (1999, p.49), Dieste “inverte, para as paredes de fechamento,
seguramente sem sabê-lo, a mesma solução dada por Gaudí às paredes da Escola da Sagrada
Família” (1882-1926). E ainda acrescenta que a adoção de uma seção transversal achatada
para a igreja, a escassa profundidade de sua nave e a criação de pequenas aberturas remetem
ao santuário de Notre-Dame-du-Haut (1950-1955), em Ronchamp – França, de Le Corbusier
(figura 74).
Figura 74 – Vista do interior do santuário de Notre-Dame-du-Haut
Fonte: Scully Jr, 2002.
Cabe aqui salientar que Dieste cria uma arquitetura inédita mas está consciente do
panorama arquitetônico de sua época. Pode-se dizer que Dieste desenvolve as experiências de
Gaudí com o uso do tijolo e das técnicas construtivas com cerâmica armada, combinadas com
uma espacialidade e abstração ornamental modernas.
Figura 75 – Vista lateral da igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes
Fonte: Dieste, 1987.
Esta obra constitui-se um exemplo eclesiástico da modernidade arquitetônica latino-
americana, apresentando equilíbrio entre forma e estrutura, entre técnica e sensibilidade,
através da onipresença do tijolo, empregado à vista como piso, suporte, fechamento e
cobertura, ao custo de 30 dólares o metro quadrado (em 1959).
3.5. IGREJA DE SÃO DOMINGOS
São Paulo – SP – Brasil
Arq. Franz Heep
1953
A igreja (figura 76), da Ordem dos Dominicanos, é localizada na rua Caubi, no bairro
de Perdizes, São Paulo. O projeto de Franz Heep foi construído em detrimento do projeto
vencedor do concurso para a Igreja de São Domingos, do arquiteto Sérgio Bernardes, o qual
foi vetado pela Comissão de Arte Sacra da Cúria. Não foram encontrados dados sobre esse
projeto.
Figura 76 – Vista da fachada principal da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1994.
Inicialmente, Heep se baseou no projeto que havia feito para a Igreja de Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, no Jardim Paulistano. Depois de muitas negociações, que
incluiram vetos e desaprovações, o vigário da paróquia, frei Domingos, recorreu ao arcebispo
de São Paulo, o qual aprovou o projeto em 1953.
O projeto possui planta de nave única (figura 77), na qual um teto em casca de
concreto de forma abobadada apóia-se nas paredes laterais estruturais, constituídas por uma
seqüência de contrafortes oblíquos unidos entre si por planos envidraçados, conformando um
zigue-zague.
Figura 77 – Planta baixa da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1994.
Os planos vazados (figura 78) são preenchidos por vidros em toda a sua altura,
garantindo iluminação natural no interior do templo, pois os mesmos estão voltados para as
faces de maior insolação. Na face interna dos painéis oblíquos foram previstos afrescos,
contudo não foram executados.
Internamente, são obtidas experiências distintas: para quem entra, uma claridade
difusa insinua-se ao longo das paredes, em direção ao altar, sem que se veja exatamente de
onde parte; para quem sai, o mistério da luz é desvendado (figura 79).
A fachada principal consta de uma grande parede, à qual é interrompida pelo grande
plano envidraçado que contém a porta de entrada de pequenas dimensões, a qual é coroada
por uma pequena cruz em baixo-relevo. A moldura transparente de caixilhos fixos que
envolve a porta confere proporcionalidade à composição.
Figura 78 – Vista interna lateral da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1994.
Figura 79 – Vista interna a partir do altar da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1987.
Os pisos internos e externos são da mesma pedra mineira, proporcionando uma sutil
integração entre o espaço público da rua e o semi-público da igreja. Internamente, o piso tem
caimento de 8%, conduzindo ao altar, o qual é composto por um grande anteparo horizontal.
O crucifixo sobre a mesa reproduz as proporções da cruz em baixo-relevo da fachada
principal. Todo o mobiliário é marcado pela simplicidade. A luminosidade resultante das
soluções adotadas confere leveza ao interior da igreja.
A volumetria cúbica, a qual contrasta com a forma esguia da torre, é atenuada por
certos gestos do projeto: o pórtico de entrada recuado, os contrafortes laterais oblíquos e
vazados, e a cobertura em abóbada. A figura de São Domingos, localizada próxima à porta de
entrada, é de autoria do escultor Vangi (figura 80).
Figura 80 – Vista da escultura da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1994.
A torre de 34 m de altura, disposta lateralmente (figura 81), possui originalmente uma
planta quadrada, composta, no entanto, de painéis ondulados, resultando em superfícies
côncavas e convexas. Estas superfícies são vazadas em toda a sua altura através de aberturas
regulares em forma de losangos. Observa-se que, tanto esta quanto as torres das igrejas de São
Francisco de Assis, de Niemeyer, e de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes, de Dieste,
possuem formas abstratas, não remetendo a formas históricas de campanários.
Figura 81 – Vista do campanário da igreja de São Domingos
Fonte: Gati, 1994.
As formas sinuosas, levemente arredondadas, podem ser decorrentes da influência da
própria arquitetura brasileira, ou o emprego de elementos do glossário corbusiano que, de
alguma maneira, sempre se apresenta nas obras de Franz Heep. Também nota-se que o partido
dessa igreja é bastante similar ao da igreja de Dieste: salão retangular associado ao
campanário independente do lado direito da entrada e exploração dos efeitos das
irregularidades nas paredes laterais.
3.6. IGREJA DA VIRGEN DE LA MEDALLA MILAGROSA
Cidade do México – México
Arq. Félix Candela
1953
Este templo foi construído para os padres da Ordem de São Vicente de Paula, na
cidade do México, os quais queriam, primeiramente, um desenho tradicional para a mesma,
uma espécie de estilo gótico. Esta Ordem é dedicada à devoção da Virgem Maria, sob a
proteção de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa. A igreja deveria servir a uma nova
comunidade do subúrbio da Cidade do México. Vários arquitetos foram convidados a
apresentar suas sugestões.
O projeto de Candela (figura 82) foi escolhido por ser considerado pela Ordem o mais
apropriado aos desejos espirituais de memória e elevação da alma ao Criador, em quatro
principais compromissos definidos pelos padres da Ordem: atos de adoração, agradecimentos,
atos de penitência e preces.
Figura 82 – Vista da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
Os membros da Ordem escolheram um projeto moderno porque acreditavam que a
arquitetura eclesiástica deveria seguir a tendência geral da arquitetura, em todos os sentidos.
Todavia, o projeto deveria sujeitar-se ao cumprimento dos desígnios espirituais da Igreja
Católica.
A idéia de Candela teve como princípio explorar a luminosidade, com linhas curvas
voltadas para cima, encontrando-se ao centro a atingindo um máximo de altitude na parede de
fundo. As linhas curvas e ascendentes visam elevar o espírito ao sagrado, em um sentido,
fazendo referência ao espírito gótico desejado; podem também simbolizar duas mãos unidas
em oração. O projeto da igreja foi aprovado pelos padres, os quais a chamaram de “La Iglesia
de las Manos Orantes”.
Sobre uma planta longitudinal (figura 83), dividida em três naves, com três altares
laterais e uma capela à direita do acesso, são distribuídos os apoios. Estes são ligados de tal
maneira que forma abóbadas, com acentuada referência ao estilo gótico. Trata-se de uma
estrutura totalmente de concreto, formada pela combinação de segmentos em parabolóides
hiperbólicos assimétricos e esguios, de apenas 4 cm de espessura.
Figura 83 – Planta baixa da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Noelle, 1993.
É uma variação do sistema de cobertura chamado guarda-chuva ou leque. A estrutura
guarda-chuva se forma mediante a combinação de quatro segmentos idênticos de parabolóides
hiperbólicos, e a variação sobre o tema do templo de La Virgen Milagrosa consiste em que os
segmentos de parabolóide que convergem sobre cada apoio não são simétricos e, além disso, a
altura das superfícies de concreto é elevada (figura 84).
Figura 84 – Derivação da forma da cobertura da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
Apesar da ordem interior se fundamentar em um modelo longitudinal canônico, em
uma reinterpretação do tipo basilical, Candela consegue criar um universo de planos oblíquos
que altera a noção de perspectiva, pois a complexidade das superfícies do teto se une à
configuração de apoios mediante planos facetados (figura 85). Assim como os construtores
medievais o fizeram com a pedra, Candela levou o concreto ao limite em um gótico
triangular, com toda a sua ênfase vertical.
Segundo Faber apud Christ-Janer; Foley (1996, p. 23):
La Milagrosa aproxima-se do clássico como poucos edifícios desde os
tempos góticos. Qualquer um que entre na igreja recordará o estranho e
quase ilusório efeito do interior. É um espaço mágico limitado e definido
por uma forma dinâmica complexa, e o efeito não é aquele induzido por
algum truque ou artifício, mas pela simples realidade de uma estrutura que
se pode tocar e sentir, e na qual, mesmo um leigo, pode detectar o governo
de uma ordem matemática.
Figura 85 – Seção transversal da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
No exterior (figura 86), se mesclam parabolóides de diversos traçados e dimensões ,
correspondendo à parte mais elevada do altar, a nave e o coro. Pode-se observar as estruturas
triangulares de concreto (que formam as janelas) na parede oeste e o modo como a casca
continua fluindo para trás e para baixo nas mesmas e, novamente, subindo para criar a
estrutura de cobertura.
Figura 86 – Fachada lateral da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Noelle, 1993.
No lado oposto da igreja, está a capela e o hall (figura 87), de menor altura do que a
nave principal. Deste lado, a estrutura é similar, mas mais complicada do que as estruturas
triangulares do lado oeste: duas fileiras de abóbadas triangulares criam paredes, cobertura e
estrutura interna de colunas, eventualmente fluindo para dentro da cobertura principal da
nave. As janelas do clerestório (galeria superior da igreja ogival) são inseridas entre as
abóbadas.
Figura 87 – Seção longitudinal da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
As paredes das extremidades – do altar e do nártex – não suportam nenhuma carga e
não fazem parte da casca contínua de concreto. Para enfatizar esta diferença, estas foram
construídas de material diverso do concreto. A parede do altar foi feita de tijolos; e o nártex
foi definido por vidros coloridos dispostos acima do coro (figura 88). Um painel triangular
decorativo atrás do altar repete e dá ênfase à forma da parede do santuário.
As colunas direcionam-se para cima e para fora, formando as estruturas triangulares
vistas desde o exterior, na fachada oeste, às quais, assim como o nártex, são preenchidas com
vidros coloridos. Os confessionários também são incorporados nesta parede, um abaixo de
cada janela. A iluminação artificial é realizada através de luminárias indiretas fixadas na parte
interna das colunas, e por lustres de um desenho típico mexicano. Os pisos são de concreto,
cobertos com mármore cinza e castanho.
Figura 88 – Vista do nártex da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
Até mesmo o campanário, de grande altura, é constituído de parabolóides. O mesmo
consiste em quatro placas de concreto, curvas em meia seção, perfuradas na parte superior, e
encimadas por um pináculo e uma estrela.
Segundo Faber (1970 p.102):
O projeto foi feito em uma tarde, detalhado em uma semana e calculado
durante a construção. Os cálculos (necessariamente extensos, devido ao fato
de todas as superfícies terem configurações distintas) revelaram um
inesperado empuxo para cima nas arestas superiores da cobertura, o qual
poderia distorcer a ação estrutural das estruturas guarda-chuva. Para
compensar estes empuxos, deu-se a estas arestas espessura adicional, visível
nos ondulados contornos dos apoios das cascas.
A forma das colunas que separam as três naves foi projetada para integrar-se com a
cobertura, em um sentimento intuitivo das necessidades estruturais (figura 89). A base, por
exemplo, foi projetada para resistir ao movimento fletor produzido por um eventual empuxo
para fora. Somente depois, notou-se, realmente, que a força resultante oblíqua passava pelo
centro de gravidade do triângulo da base e que a coluna trabalhava com compressão pura.
Figura 89 – Vista do interior da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Faber, 1970.
Os comentários sobre o seu método de projeto conduziram Candela apud Faber (1970,
p.103) a escrever:
As imponentes abóbadas de pedra das catedrais góticas e as atrevidas
cúpulas do Renascimento foram construídas sem a ajuda do cálculo
diferencial; mas em lugar disso, com um grande senso de equilíbrio e juízo
sensato do jogo de forças; qualidades mais necessárias, para um construtor
de verdade, que um conhecimento profundo dos subterfúgios das
matemáticas.
O edifício possui ares de um Gaudí racionalizado, no desenvolvimento das formas
orgânicas assumidas pelos apoios internos, em uma referência à cripta da igreja da Colônia
Güell (iniciada em 1908) (figura 90). Como na obra do arquiteto catalão, as formas são
guiadas por uma apreciação formal de linhas de força, e os materiais são empregados por suas
qualidades intrínsecas e não apenas por suas expressões puramente visuais. Também pode-se
fazer referência a Perret e Nervi, pois ambos utilizaram a arte do concreto em apogeus de
criatividade; aos experimentos cubistas de Picasso, e às primeiras obras do expressionismo
alemão.
Figura 90 – Vista do interior da cripta da igreja da Colônia Güell
Fonte: Goitia, 1997.
Nesta obra, estão representados o apreço pelo aspecto estrutural, a crença na produção
em série e, também, a identificação com a simbologia sagrada, resultando em uma arquitetura
religiosa de formas plásticas e agudas. A esbeltez da estrutura de concreto e sua forma
triangular evocam a imagem de uma tenda, um conveniente abrigo para a fé (figura 91).
Figura 91 – Vista do altar da igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa
Fonte: Noelle, 1993.
O aspecto mais relevante deste projeto reside em sua completa unificação entre os
apoios e os fechamentos. Em La Milagrosa, Candela separou, visualmente, colunas e
fechamentos em elementos distintos mas, ao mesmo tempo, uniu todos estes elementos
estruturalmente – paredes, cobertura e apoios – em uma placa multicurvada. Nenhum rebite,
solda, parafuso ou prego foi empregado em toda a construção.
Colunas côncavas em forma de leque, formando tetos abobadados, aberturas, paredes e
estrutura de cobertura, fluem para fora e dentro de cada uma, em várias combinações do
parabolóide hiperbólico de Candela. A geometria da estrutura é impossível de avaliar pelo
estudo visual mas, seu efeito é, já de início, sentido. O interior, com suas abóbadas arrojadas e
seu impulso ascendente triangular, é a essência da inspiração de Félix Candela. E as
reentrâncias criadas pela interação dos parabolóides resultam em uma atmosfera de profundo
misticismo.
3.7. IGREJA LA ASUNCIÓN
Caracas – Venezuela
Arq. Carlos Raúl Villanueva
1957
Este templo faz parte da urbanização 23 de Enero (1955-1957) (figura 92), o qual
consiste no mais importante dos grandes complexos habitacionais compreendidos no Plano
Nacional da Habitação em Caracas nos anos 50. O arquiteto do conjunto também projeta a
igreja, criando uma linha em zigue-zague, a qual define uma curva ascendente, possivelmente
simbolizando elevação espiritual (figura 93).
Figura 92 – Vista parcial da urbanização 23 de Enero
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
Figura 93 – Croqui da igreja La Asunción
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
A forma é dada pela tensão entre as duas paredes pouco espessas e convergentes, e
pela dobradura de concreto que compõe a cobertura (figura 94). Com isto, se estabelece um
jogo duplo: entra-se por um espaço amplo e baixo, chegando-se a um espaço estreito e alto
(figura 95). Essa conformação é obtida por alguns aspectos formais: a cobertura ascendente
com vãos com dimensões decrescentes, a largura de planta baixa decrescente e a altura do pé-
direito crescente, finalizando em um campanário.
Pode-se observar certas proporções na composição da obra: a largura da fachada
principal é similar a altura do campanário, e o mesmo ocorre com a altura daquela com a
largura deste.
Figura 94 – Vista da igreja La Asunción
Fonte: Villanueva; Pntó, 2000.
Villanueva considerava o concreto como um símbolo do progresso construtivo do
século XX devido a sua rugosidade, docilidade, robustez, monumentalidade e simplicidade.
Quanto ao dinamismo, o arquiteto acreditava que apenas pode-se conhecer um espaço
se há mobilidade: o objeto ou o espectador e sua caminhada tornam diversos os
acontecimentos. Deste modo, desaparecia o sentido da fachada e obrigava-se à mobilidade em
torno da arquitetura para senti-la e compreendê-la.
O espaço interior (figura 96) é modesto, mas repleto de luminosidade: o mesmo
ascende em direção à luz, à medida que os triângulos luminosos deixados pela cobertura vão
tornando-se menores, acentuando o efeito luminoso sobre a parede localizada atrás do altar.
Figura 95 – Planta baixa da igreja La Asunción
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
Figura 96 – Vista do interior da igreja La Asunción
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
O clima de Caracas, ainda que quente por sua latitude tropical, é muito estável. Sua
altura, 900 metros acima do nível do mar, modera o calor no vale. As temperaturas variam
muito pouco ao longo do ano e com a adequada ventilação, não é necessário fechar totalmente
os espaços para aquecer ou esfriar o ambiente. Esta premissa oferece uma maior liberdade ao
arquiteto: a barreira entre o exterior e o interior não é indispensável e aceita muitas
interpretações, como a utilização das tramas para amenizar a luz e permitir a ventilação.
Este templo tem como antecedentes algumas das pequenas igrejas coloniais de
Paraguaná e Margarita, assim como o anteprojeto para a igreja da Cidade Universitária (1955)
(figura 97), o qual possui a mesma dobradura voltada em outro sentido.
Figura 97 – Corte do anteprojeto para a igreja da Cidade Universitária
Fonte: Villanueva; Pintó, 2000.
Villanueva acreditava que não se constrói nada a partir da nada, sempre partindo-se de
algo, de alguma tradição. O arquiteto considerava a arquitetura como um organismo em
constante evolução, em um agrupamento da arquitetura orgânica empreendida por Zevi,
somada à incorporação do tempo na percepção da arquitetura, afinada com o cubismo. Esses
aspectos uniram-se ao espaço artístico total do Neoplasticismo e às referências da arquitetura
brasileira daquela época, fundindo-se em uma nova síntese no trópico venezuelano de
Villanueva.
3.8. CATEDRAL DE BRASÍLIA
Brasília – DF – Brasil
Arq. Oscar Niemeyer
1958 – 1970
Nesta obra (figura 98), o arquiteto procurou uma forma compacta e um volume único
capaz de proporcionar a mesma pureza formal fosse qual fosse o ângulo de visão externa,
chegando naturalmente à planta circular (figura 99). A estrutura é constituída por uma série de
elementos parabólicos que resulta em uma composição ascendente e simbólica, emergindo do
solo como um novo tipo de cúpula pousada sobre a edificação parcialmente subterrânea;
alternativa justificada pelo não prejuízo da perfeição formal externa proporcionada pelo
arranjo interno. Complementam o conjunto, o campanário e o batistério em forma ovóide.
Figura 98 – Vista da catedral de Brasília
Fonte: http://www.geocities.com/thetropics/3416/cat_blue.jpg
Ao contrário das cidades tradicionais, onde se parte da igreja e da praça para o seu
crescimento e ponto focal de funcionamento, a catedral de Brasília localiza-se na esplanada
dos Ministérios, contudo em uma praça lateral. Justifica-se esta disposição tanto pela
separação entre Igreja e Estado, quanto para valorizar o edifício religioso e, ainda, permitir
que a perspectiva da esplanada seguisse desimpedida para além da plataforma onde os eixos
urbanísticos se encontram. Na praça de acesso à catedral, estão distribuídas quatro esculturas
em bronze com três metros de altura cada uma, de autoria do escultor Dante Croce, às quais
representam os evangelistas Marcos, Mateus, Lucas e João. Segundo o próprio autor, o
objetivo é remeter aos adros das igrejas barrocas, estabelecendo, desse modo, um diálogo
entre as arquiteturas colonial e moderna brasileiras.
Figura 99 – Planta baixa da catedral de Brasília
Fonte: Gil, 1999.
O anteprojeto original previa vinte e um parabolóides, fixados em dois anéis de
concreto: um de 70 m de diâmetro ao nível do solo empregado como alicerce, e outro
localizado quase no topo da coroa, permitindo a iluminação zenital. No entanto, certas
modificações se fizeram necessárias a fim de garantir a estabilidade da construção: o número
de pilares de seção parabolóide foi reduzido para dezesseis e o anel superior foi substituído
por uma laje situada mais abaixo. Um outro aspecto que sofreu modificações foram os vidros,
pois o arquiteto recusava-se a dividi-los em caixilhos e nenhuma empresa seria capaz de
fundir painéis naquela dimensão e forma. O problema foi solucionado com a utilização de
placas poligonais inseridas em uma fina rede metálica, conservando, assim, a transparência e
a leveza do conjunto. A utilização de vidro refratário em tons de azul, verde e branco filtra o
excesso de luz solar, proporcionando uma atmosfera favorável ao recolhimento. No interior
da nave, três esculturas em alumínio representando anjos, de autoria de Alfredo Ceschiatti,
estão suspensas por cabos de aço que partem da laje superior.
Pode-se dizer que a catedral sintetiza as qualidades do estilo de Niemeyer: mistura de
audácia estrutural e simplicidade geométrica, na fusão de uma planta circular estática com
estruturas dinâmicas, conformando um volume clássico e, ao mesmo tempo, moderno, e a
continuidade entre espaço exterior e interior, sendo ambos bem definidos. Segundo Telles
(1992, p.7), o esquecimento da técnica no olhar contemplativo da edificação é provocado pelo
fato do arquiteto “não depositar na matéria nenhuma carga expressiva assim como retira dela
qualquer tensão estrutural, fazendo, ao contrário, que a presença de seu desenho consiga
desviar, esconder e quase sublimar o esforço necessário à sua consecução”. A catedral é
construída como a repetição circular do perfil estrutural: interior e exterior, superfície e
profundidade, corte e elevação são condensados nesse perfil (figura 100).
Figura 100 – Seção da catedral de Brasília
Fonte: Gil, 1999.
Simbolicamente, a composição que se lança para o céu, como que desprendendo-se da
realidade terrestre, remete à coroa de espinhos de Cristo na Paixão, mediante sua estrutura em
forma de coroa estilizada. Segundo Gil (1999, p.91): “Niemeyer quis realizar um templo que
não necessitasse cruzes nem santos para caracterizar-se como Casa de Deus”. Também deve-
se mencionar o contraste entre a penumbra da entrada e a luminosidade do espaço interno que
se abre em um espetáculo religioso e místico (figura 101).
Figura 101 – Vista do interior da catedral de Brasília
Fonte: http://www.geocities.com/thetropics/3416/int_cat1.jpg
Observa-se que, na catedral de Brasília, a arquitetura de Niemeyer é mais sóbria do
que na igreja de São Francisco de Assis. Aqui, há o predomínio das soluções geométricas,
puras e compactas, não significando, devido a isso, um retorno a um racionalismo frio. No
entanto, alguns traços são permanentes, como o sentido plástico, a preocupação formal
expressada pelo concreto armado, a preferência pelas curvas e a busca da leveza (figura 102).
Cabe aqui mencionar o “classicismo” que adquire a arquitetura de Niemeyer em
Brasília. Essa característica pode tanto ser encontrada nos palácios com peristilo, quanto nas
conexões com a tradição das plantas centrais presentes na catedral.
Figura 102 – Croqui de Niemeyer para a catedral de Brasília
Fonte: Telles, 1992.
É interessante observar que, com exceção da capela do convento das capuchinas, de
Barragán, todas as edificações religiosas estudadas empregam os recursos disponibilizados
pelas técnicas construtivas do tijolo ou do concreto armado a fim de fazer do “container”
estrutural da igreja uma forma expressiva. Ainda assim, a obra de Barragán não deve ser
analisada sob o aspecto do uso expressivo da estrutura construtiva, pois a mesma se configura
como uma ampliação de uma edificação já existente.
4. TEMAS ARQUITETÔNICOS
Após a descrição dos casos, realizada no capítulo anterior, neste será abordado o
estudo arquitetônico dos mesmos, por meio de temas compositivos, quais sejam: organização
planimétrica e espacial, tratamento de superfícies, configuração volumétrica, proporções e
escala, e aberturas e uso da luz. Através desta classificação, pretende-se conhecer a
interpretação do tema eclesiástico pelos arquitetos latino-americanos, no período
compreendido entre 1930 e 1960.
4.1. ORGANIZAÇÃO PLANIMÉTRICA E ESPACIAL
Este tema expõe os modos básicos que se pode dispor a fim de organizar os espaços de
uma edificação e as estratégias de solução em planta.
4.1.1. Organização Linear
Essencialmente, uma organização linear consiste em uma série de espaços, os quais
podem estar diretamente relacionados um ao outro, ou estar ligados através de um espaço
linear distinto. Esta organização normalmente consiste em espaços repetitivos, semelhantes
em termos de forma, tamanho e função. Também pode ser definida por um único espaço
linear o qual organiza, ao longo de seu comprimento, uma série de espaços diferenciados.
As organizações lineares, devido ao seu característico comprimento, expressam
direção, movimento e crescimento. A fim de limitá-las, estas podem ser finalizadas através de
um espaço ou forma diferenciada, por um acesso articulado ou pela fusão com a topografia ou
outra forma. Este tipo de organização possui forma flexível – reta, segmentada, curvilínea,
podendo atender a várias condições topográficas. Também pode girar, de modo a orientar
espaços para melhor captarem a luz solar ou a vista. Pode ser horizontal ou assumir a forma
vertical, como uma torre.
Direcionando-se aos casos específicos deste trabalho, pode-se considerar que a
maioria deles possui planta com organização linear longitudinal, em direção ao altar, apesar
de serem bastante diversificados.
O projeto para a igreja de Monlevade (figura 36; pág. 60) possui planta
tradicionalmente basilical, com nave central e duas naves laterais, abside na parede ao fundo
do altar, batistério localizado à frente, coro acima do acesso, nártex e uma única torre central.
Lateralmente ao altar central localizam-se os outros espaços de serviço da igreja, como a
sacristia.
A igreja da Pampulha (figura 47; pág. 69) possui planta em T, nave única trapezoidal,
nártex, adro e torre presente em apenas um dos lados. A faixa horizontal abriga o altar central,
a sacristia, a sala do clérigo e outros espaços de serviço. Assim como no projeto de
Monlevade, o batistério e o coro estão localizados à frente, próximo à entrada.
A capela de Barragán (figuras 58 e 59; págs. 79 e 80), faz parte do Convento das
Capuchinas Sacramentarias del Purísimo Corazón de María, podendo ser considerada como
uma organização aglomerada de espaços. No entanto, considerando-se apenas o espaço
destinado à nave e ao altar, este organiza-se, assim como os anteriores, de maneira
longitudinal, tendo o altar como ponto focal. Possui alguns cômodos diferenciados, como um
espaço lateral o qual abriga um grande vitral que ilumina o altar, e outro delimitado por uma
treliça, destinado às noviças. Confessionário, sacristia e outros espaços de apoio estão
dispostos em um eixo transversal lateralmente ao altar. Um pátio é empregado como elemento
de ligação entre todos os espaços.
Na igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (figura 65; pág. 83), assim
como naquela de Monlevade, é empregado o esquema retangular basilical. O acesso dá-se de
maneira oblíqua, direcionada pela colocação da única torre independente, à direita, e da
cúpula semi-enterrada do batistério, à esquerda. Uma característica singular é que o batistério
possui acesso particular para os não batizados. Esta igreja também possui coro, disposto
acima do acesso principal, e nártex. Um outro aspecto diferencial é a colocação dos
confessionários também à frente. O altar, elevado em três degraus, é delimitado por um muro
baixo, de forma absidal, atrás do qual localizam-se a sacristia e uma capela.
A igreja de São Domingos (figura 77; pág. 92) possui planta de nave única, e também
encaminha o olhar até o altar, enfatizado pelo piso com caimento de 8% em direção ao
mesmo. O altar é composto por um grande anteparo horizontal. Possui uma torre única lateral
e os demais espaços eclesiais estão dispostos atrás do altar.
Em La Milagrosa (figura 83; pág. 97), de Candela, a planta longitudinal é dividida em
três naves, com três altares laterais e um hall e uma capela à direita do acesso. Possui
confessionários, em uma das paredes laterais, coro, nártex e torre única independente, à
esquerda do acesso. Os espaços de apoio estão localizados atrás do altar da igreja e da capela.
Na igreja La Asunción (figura 95; pág. 107), de planta longitudinal, a nave e do altar
formam um espaço único, amplo de início e estreitando-se em direção ao altar. Os demais
compartimentos eclesiais são agregados neste espaço afunilado.
Conclui-se que a maioria das igrejas deste estudo possui planta em organização linear,
disposta segundo um eixo longitudinal, com predominância de nave única, com exceção das
igrejas de Monlevade e La Milagrosa, às quais são divididas em três naves. O emprego da
planta basilical, remetendo também à tradição das igrejas-salão luso-brasileiras como a
Catedral Basílica (Sé) (séc. XVII), em Salvador, Bahia, pode ser observado nas igrejas de
Monlevade, Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes, São Domingos e La Milagrosa.
4.1.2. Organização Centralizada:
Uma organização centralizada é uma composição concentrada, onde uma série de
espaços secundários é agrupada ao redor de um espaço central dominante. Os espaços
secundários podem ser equivalentes entre si em termos de forma, tamanho e função, em uma
configuração regular e simétrica. Ou podem diferir entre si nos mesmos termos, com o
objetivo de atender exigências funcionais, manifestar sua importância ou considerar o
contexto, respondendo às condições ambientais do entorno.
Dentro de uma organização centralizada, a circulação pode apresentar forma radial,
espiral ou curva, geralmente chegando no espaço central ou ao seu redor. Este tipo de
organização de formas relativamente compactas e geometricamente regulares, pode ser
utilizada para: estabelecer pontos no espaço, finalizar configurações axiais, ou ser empregada
como forma-objeto dentro de espaço definido.
A catedral de Brasília (figura 99; pág. 110) possui organização centralizada, apesar da
celebração ocorrer longitudinalmente no espaço interior. Observa-se, nessa edificação, a
tradição das plantas centrais, como o Pantheon (118-128), em Roma, o qual possui 43 metros
de diâmetro e de altura; e o relicário de San Pietro in Montorio (1502), mais conhecido como
Tempietto, de Bramante, também em Roma, erigido no lugar atribuído ao martírio de São
Pedro.
4.1.3. Superfícies
Com relação aos fechamentos, os planos verticais estabelecem os limites visuais de
um campo espacial, definindo volumes e proporcionando sentido de encerramento e
privacidade. Além disso, servem para separar um espaço de outro e para estabelecer um limite
comum entre o exterior e o interior. Também podem desempenhar o papel de suportes
estruturais para planos horizontais, e proporcionam abrigo e proteção, auxiliando a controlar
os fluxos de ar e som.
Um plano superior define um campo de espaço entre ele e o plano inferior. Seu
formato, tamanho e altura determinam as qualidades formais do espaço, definindo um volume
distinto por si mesmo. O plano de cobertura de um edifício abriga espaços internos das
intempéries, mas também exerce um grande impacto sobre a forma geral do mesmo. A forma
deste plano é determinada pelos materiais, pela geometria e pelas proporções e tipo de seu
sistema estrutural. O plano de teto de um espaço interno pode refletir a forma do sistema
estrutural e também ser totalmente separado do plano de piso e cobertura, tornando-se um
elemento visualmente ativo e manipulável.
A manipulação da superfície de um plano de base é usualmente empregada para
definir zonas dentro de um contexto mais amplo, diferenciando vias de circulação de outros
espaços, por exemplo. Os planos elevados podem ser empregados para realçar e enaltecer
edifícios sagrados e honoríficos, para definir espaços de transição entre o interior de um
edifício e o ambiente externo, ou para estabelecer zonas de espaço dentro de um ambiente
interno maior para retiro ou observação (dentro de uma estrutura religiosa pode demarcar um
local sagrado, santo ou consagrado). Os planos rebaixados podem ser utilizados em: espaços
externos protegidos para edifícios subterrâneos, ou áreas internas rebaixadas destinadas a
espaços mais íntimos ou à transição entre pavimentos.
Nota-se como os muros, normalmente ortogonais na arquitetura sacra tradicional, são
manipulados nas igrejas modernas latino-americanas, quer no afunilamento em planta das
igrejas da Pampulha (figura 47, pág. 69) e La Asunción (figura 95, pág. 107), nas ondulações
da igreja de Atlântida (figura 65, pág. 83), na conformação em zigue-zague da igreja de São
Domingos (figura 77, pág. 92), nos parabolóides hiperbólicos da igreja de La Milagrosa
(figura 83, pág. 97), e nos elementos parabólicos da catedral de Brasília (figura 99, pág. 110).
Essa manipulação também ocorre nas coberturas por meio das abóbadas parabólicas
autoportantes da igreja da Pampulha (figura 44, pág. 66), das ondulações da igreja de
Atlântida (figura 68, pág. 85), da casca abobadada única da igreja de São Domingos (figura
76, pág. 91), dos parabolóides hiperbólicos de La Milagrosa (figura 84, pág. 98), da dobradura
de concreto de La Asunción (figura 94, pág. 106) e nos parabolóides da catedral de Brasília
(figura 98, pág. 109).
Quanto aos planos de base, cabe mencionar que em todas as edificações avaliadas
neste estudo o altar fica situado em um plano mais elevado se comparado com o local
destinado à congregação pois, além de conferir ao altar maior destaque, proporciona uma
melhor visualização dos presbíteros. Planos de base rebaixados são empregados tanto na
igreja de Atlântida (figura 66, pág. 84), a fim de executar o ritual do batismo; quanto na
catedral de Brasília (figura 100, pág. 112), em seu acesso principal, configurando um ritual de
passagem das trevas à luz, do profano ao sagrado.
4.1.4. Axialidade e Simetria
Um eixo é uma reta em relação à qual é possível dispor espaços e formas de maneira
simétrica ou equilibrada, regular ou irregular. Possui qualidades como comprimento e direção,
induzindo movimento e proporcionando visuais ao longo de seu trajeto.
Há dois tipos de simetria:
- simetria bilateral: composição equilibrada de elementos similares ou
equivalentes em lados opostos de um eixo, o qual divide o todo em metades
idênticas;
- e, simetria axial: composição equilibrada de elementos similares irradiados, de
maneira que o todo pode ser dividido em metades similares ao se traçar uma
linha com qualquer ângulo em relação ao centro ou ao longo de um eixo
central.
Também pode ocorrer uma configuração simétrica em apenas uma parte da
composição (simetria local), organizando um padrão irregular de formas ao seu redor. A parte
simétrica pode ser reservada para espaços importantes dentro do todo.
Na igreja de Monlevade (figura 36; pág. 60), pode-se classificar sua simetria como
bilateral pois, dividindo-a longitudinalmente com um eixo imaginário, obtém-se metades
idênticas.
A igreja de São Francisco de Assis (figura 47; pág. 69), a qual pode ser considerada
uma composição equilibrada de elementos; no entanto, o volume principal constitui-se
simetricamente.
A capela de Barragán (figura 59; pág. 80), no México, é um caso a parte, pois foi
executada como ampliação de um convento já existente, dentro de um terreno limitado.
Mesmo assim, pode-se classificar a parte ampliada, correspondente à capela e seus espaços de
apoio como uma composição equilibrada.
Na igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (figura 65; pág. 83), bem
como na igreja de Heep (figura 77; pág. 92), os salões são simétricos, apesar de outros
elementos mascararem a percepção de simetria. Na igreja de Dieste, o campanário encontra-se
isolado da edificação e, na de Heep, mesmo é adicionado, tal qual na tradição italiana.
encontra-se um equilíbrio, o qual é proporcionado pelo acesso e pela cúpula da cripta, à
esquerda, pela torre, localizada à direita, e pelo acesso diagonal à igreja.
Já na igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa (figura 83; pág. 97), o equilíbrio se faz
presente: a torre, localizada à esquerda, é contra-balanceada pelo volume anexo que abriga o
hall e a capela.
A adição de pequenos volumes anexos ao grande prisma irregular da igreja La
Asuncíon (figuras 95; pág. 107) não lhe toma o aspecto equilibrado – praticamente simétrico -
de sua composição.
A simetria é marcante na catedral metropolitana de Brasília (figuras 99; pág. 110),
onde apenas o campanário e o batistério constituem elementos externos ao volume da
edificação.
Observa-se que, nos casos estudados, a simetria é empregada compositivamente, no
entanto, sua percepção não é enfatizada e, às vezes, até mesmo ocultada por elementos
externos como torres e outros volumes.
4.2. TRATAMENTO DE SUPERFÍCIES
Uma obra arquitetônica, ao passar da idéia abstrata para a concreta, depende da
dimensão técnica do próprio projeto, isto é, da concretização da idéia espacial em uma
estrutura resistente e de proteção. Alberti (apud Quaroni, 1987, p. 96), sobre este aspecto,
trata que:
O modo de realizar uma construção consiste em obter de diversos materiais,
dispostos em uma certa ordem e conjugados com arte, uma estrutura
compacta e – na medida do possível – íntegra e unitária. Dirá-se que é
íntegro e unitário aquele conjunto que não contenha partes cortadas ou
separadas das demais ou fora de seu sítio, senão que em toda a extensão de
suas linhas demonstre coerência e necessidade. É preciso portanto averiguar,
na estrutura, quais são suas partes fundamentais, qual seu ordenamento e
quais as linhas de que são compostos.
Ainda que a estrutura seja um meio direcionado a um fim, também pode ser entendida
como um modo de expressão arquitetônica, como a coluna grega, o arco e a abóbada romanos
e românicos, a maestria técnica gótica, a liberdade do concreto armado e a flexibilidade das
estruturas metálicas.
4.2.1. Utilização de Blocos Cerâmicos
Ainda que pertençam a um passado remoto, as estruturas em blocos de pedra ainda
representam unidade, solidez, legibilidade, simplicidade e durabilidade; seja por
proporcionarem distinção entre as diversas partes componentes, quer por promoverem
interesse decorativo nos pontos em que a estrutura muda de comportamento. Na obras
romanas e românicas, a fim de satisfazer exigências de economia e de maior articulação,
começam-se a empregar blocos cerâmicos, reservando os blocos de pedra para as partes mais
importantes.
Atualmente, por razões de economia ou de gosto, os blocos cerâmicos estão sendo
utilizados em grande escala. No entanto, neste trabalho, apenas um dos casos utiliza tijolos
cerâmicos em sua composição. A igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (figura
63; pág. 82), de Dieste, emprega este material em sua totalidade: pisos, estrutura e
fechamentos, em uma grande casca de dupla curvatura. Além da cerâmica armada, o concreto
se faz presente, mas apenas em vigas mistas, tipo duplo T, na laje de piso do coro. O único
revestimento é o da face externa da cobertura, por meio de plaquetas cerâmicas, com o
objetivo de proporcionar um melhor isolamento térmico. A textura é obtida somente pela
utilização dos blocos cerâmicos na cobertura e paredes onduladas. O efeito que Dieste
consegue obter ao utilizar um material tectônico – o tijolo – em formas sinuosas é totalmente
inesperado.
4.2.2. Utilização de Concreto Armado
O desejo para um sucessor da pedra é algo muito antigo. Já na segunda metade do
século XVIII, na Inglaterra, se produziam peças pré-fabricadas com uma composição especial
ainda hoje secreta e de resistência comparável a da pedra.
O primeiro edifício em concreto armado foi a Igreja de Saint Jean, em Montmartre, em
1877. O concreto armado seguiu durante muito tempo oculto entre as alvenarias de pedras ou
blocos cerâmicos. Todavia, o concreto armado apresentava qualidades excepcionais para
adaptar-se a todo tipo de comportamento, podendo variar a dimensão e a forma dos
elementos, a quantidade e a posição do ferro, conseguindo, docilmente, resolver estruturas
verticais e horizontais, e transformando toda construção em um sistema reticular estruturado,
praticamente negando o apoio simples e abolido a distinção entre elementos verticais e
horizontais.
Além disso, o aspecto rústico do concreto não tratado pode expressar, melhor do que
qualquer outro material, a angústia do homem moderno, visando resgatar certos valores de
massa e de muralha, certos jogos de luz e de sombras vindos da pré-história. As
possibilidades plásticas deste material são infinitas, podendo se produzir componentes
simples, como painéis verticais ou horizontais, pilares e proteções. Sua resistência pode
aparecer marcada ou pode desaparecer na sua dimensão plástica.
No projeto para a igreja de Monlevade (figura 34; pág. 59), o concreto seria
empregado na laje de cobertura, trabalhado em sua face interna, e nas paredes de fechamento.
Sobre a laje, seriam colocadas telhas de fibro-cimento, em duas águas. A proposta previa o
não revestimento do concreto, somente coberto com caiação ou pintura branca.
A igreja de São Francisco de Assis (figura 44; pág. 66) utiliza o concreto em sua
abóbada autoportante, na qual cinco cascas são configuradas. Neste caso, existe uma unidade
formal entre fechamento e estrutura. Externamente, as cascas são cobertas com um mosaico
de pastilhas cerâmicas na cor cinza e, na cabeceira, a parede sudeste é revestida por um painel
de azulejos nas cores azul e branco. Internamente, observa-se um afresco em marrom e rosa
no fundo do altar e, pinturas e esculturas se fazem presentes na parede curva do batistério; as
paredes da assembléia são revestidas por madeira escura.
Na capela de Barragán (figura 55; pág. 77), para o Convento das Capuchinas, o
concreto também foi empregado tanto na estrutura quanto nos fechamentos. A cor protagoniza
a composição: as paredes são revestidas de estuque na cor amarelo claro e a cruz do altar
apresenta tom rosado. O piso da capela é de madeira e, os dos demais espaços, em pedra.
A igreja de São Domingos (figura 76; pág. 91) também adota o concreto em sua
totalidade: na cobertura em casca de forma abobadada e nas paredes estruturais em zigue-
zague, as quais atuam como contrafortes oblíquos. Tanto na parte interna quanto
externamente, os pisos são homogêneos em pedra mineira.
Na igreja projetada por Candela (figura 82; pág. 96), sua composição faz referência ao
estilo gótico, mas ao contrário daquele, o qual era constituído em pedra, o concreto é
empregado em sua totalidade e levado ao extremo. Apenas na parede de fundo do altar, não
estrutural, é utilizado o bloco cerâmico para o fechamento, nela também é inserido um painel
triangular decorativo. Os pisos são revestidos em mármore nas cores cinza e castanho.
Em La Asunción (figura 94; pág. 106), na Venezuela, o concreto dá forma ascendente
e escalonada à cobertura, bem como compõe as paredes de fechamento.
A catedral metropolitana de Brasília (figura 98, pág. 109) também utiliza o concreto
em sua constituição: um volume único composto por dezesseis elementos parabólicos fixados
por duas lajes circulares – uma ao nível do solo e outra quase no topo da coroa.
Como se pode observar, com exceção da igreja em blocos cerâmicos, de Dieste, o
concreto é empregado na maioria das edificações estudadas, utilizando-o em variadas
possibilidades plásticas, quais sejam: lajes lisas ou escalonadas, painéis vazados ou não,
abóbadas e parabolóides. O acabamento também é diversificado podendo ser não tratado ou
revestido. Acredita-se que, em todas as obras deste estudo, as estruturas em concreto foram
moldadas no local.
4.3. CONFIGURAÇÃO VOLUMÉTRICA
No contexto deste estudo, pode-se conceituar forma como a estrutura formal – o modo
de dispor e coordenar os elementos e partes a fim de produzir uma composição coerente.
Refere-se tanto à estrutura interna e externa, quanto ao princípio que confere unidade ao todo.
4.3.1. Formas Regulares
Segundo a psicologia gestaltista, a mente humana tende a simplificar o meio visual
para melhor compreendê-lo, reduzindo-o às formas mais simples e regulares. Sabe-se que as
figuras regulares são o círculo e a série infinita de polígonos regulares que podem ser inscritos
nele. Desses, os mais significativos são: o triângulo e o quadrado.
Um círculo é uma curva plana formada pelos pontos eqüidistantes de um ponto fixo
em seu interior. É uma figura centralizada, introvertida, estável e autocentralizadora em seu
meio. Associando-o a formas retas ou angulares, ou localizando algum elemento ao longo de
sua circunferência, induz-se no círculo um aparente movimento rotacional.
O triângulo, constituído por uma figura plana limitada por três lados retos os quais
definem três ângulos internos, é uma forma estável, quando apoiado sobre um de seus lados.
Entretanto, se apoiado sobre um de seus vértices, pode tanto estar precariamente equilibrado
quanto encontrar-se em um estado de instabilidade.
O quadrado, representado a pureza e a racionalidade, é uma figura plana que possui
quatro lados iguais e quatro ângulos retos. Constitui uma forma estática, neutra e sem direção
dominante. Todos os retângulos retos podem ser considerados variações do quadrado pelo
acréscimo em sua largura ou altura. A estabilidade do quadrado, assim como aquela do
triângulo, depende da maneira que este encontra-se apoiado: se sobre um dos lados, estável,
ou se sobre um dos vértices, instável.
As figuras regulares brevemente descritas acima podem gerar sólidos ou volumes
igualmente regulares e facilmente reconhecíveis. Como descreve Le Corbusier (1989, p.13),
“os cubos, os cones, as esferas, os cilindros ou as pirâmides são as grandes formas primárias
que a luz revela bem; suas imagens são nítidas e tangíveis, sem ambigüidades. É por isso que
são belas formas, as mais belas formas”. As formas podem conservar sua regularidade
mesmo quando transformadas dimensionalmente ou pela adição ou subtração de elementos.
Dentre os casos estudados, duas igrejas podem ser descritas como formas regulares. A
igreja de Monlevade (figuras 34 e 36; págs. 59 e 60) é constituída por um prisma retangular
(derivado do cubo). Ainda pode-se fazer referência à adição de elementos, também regulares,
como a torre e a marquise, bem como o platô ovalado (transformação do círculo).
A capela do Convento das Capuchinas Sacramentarias del Purísimo Corazón de María
(figuras 59 e 60; pág. 80) também é composta por um prisma praticamente retangular. Apenas
um prolongamento lateral se faz necessário a fim de proporcionar uma melhor iluminação ao
altar, além de conferir ao espaço interno maior misticismo.
4.3.2. Formas Dinâmicas
Considera-se que formas dinâmicas são aquelas capazes de conferir animação e
variedade a uma base geometricamente regular.
A igreja de São Francisco de Assis (figura 46; pág. 68) pode ser considerada uma
forma não ortogonal: volumetricamente, é composta por uma sucessão de parabolóides e, em
planta, por um trapézio engastado em uma faixa retangular. Uma marquise une o templo a sua
torre. Também pode ser classificada como uma forma aditiva.
A igreja de Atlântida (figuras 62 e 65; págs. 81 e 83), de Dieste, remete a uma forma
retangular regular, em planta, todavia, é constituída por superfícies onduladas, tanto em suas
paredes quanto em sua cobertura, conferindo uma percepção dinâmica. O recuo que origina o
nártex pode ser considerado uma subtração de sua forma total.
Assim como a igreja de Dieste, a igreja de São Domingos ( figuras 76 e 77; págs. 91 e
92) parece possuir uma forma regular, mas suas paredes laterais em zigue-zague atestam sua
dinamicidade, bem como a forma ondulada de sua torre. Neste caso, assim como no anterior,
considera-se o recuo do nártex como uma subtração.
Na igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa (figuras 82 e 83; págs. 96 e 97), também,
sua planta parece assumir forma regular mas, volumetricamente, sua irregularidade é
evidenciada pela estrutura de concreto formada pela combinação de segmentos em
parabolóides hiperbólicos assimétricos.
Em La Asunción (figuras 94 e 95; págs. 106 e 107), a irregularidade formal é
claramente manifestada: em planta, uma forma afunilada de laterais abauladas,
volumetricamente, um prisma ascendente.
Na catedral metropolitana de Brasília (figuras 98 e 99; págs. 109 e 110), a regularidade
da planta circular é corrompida pela composição ascendente de elementos parabólicos.
Nas igrejas de Atlântida, São Domingos, La Milagrosa e na catedral de Brasília
evidencia-se a ambigüidade presente na construção da irregularidade com base na
regularidade, conferindo dinamismo a um espaço tradicionalmente estático e
geometricamente regular.
4.4. PROPORÇÕES E ESCALA
A proporção consiste na relação apropriada e harmoniosa de uma parte com a outra e
com o todo. Esta relação pode não ser apenas de magnitude, mas também de grau ou
quantidade. Embora geralmente tenha-se liberdade de escolhas ao determinar as proporções,
algumas são dadas pela natureza dos materiais, pelo modo como os elementos construtivos
respondem às forças e como determinados elementos são fabricados. Os sistemas de
proporcionalidade conferem fundamento estético lógico para as dimensões, unificando
visualmente os diversos elementos de uma composição ao fazer com que todos pertençam a
uma mesma família de proporções.
Enquanto a proporção se refere a um conjunto de relações matemáticas entre as
dimensões de uma forma ou espaço, a escala diz respeito à maneira como é percebida ou
julgada o tamanho de algo em relação a outro referencial (unidade aceita ou padrão de
medida); é uma relação comparativa. A escala visual se refere, não às dimensões reais, mas ao
quanto um objeto é grande ou pequeno em relação ao seu tamanho normal ou ao tamanho de
outro objeto de seu contexto. Alguns elementos auxiliam a dar uma idéia da dimensão de um
edifício, como janelas, portas, escadas e certos materiais modulares como o tijolo e o bloco de
concreto.
Alguns aspectos que podem modificar a percepção de escala de uma forma são:
- a dimensão vertical: determina qualidades de abrigo e intimidade,
monumentalidade (grande altura), ou opressão (em ambientes muito amplos e
com pouca altura);
- o padrão, a cor e o formato das superfícies limítrofes;
- o formato e a cor das aberturas;
- e, a escala e a natureza dos elementos localizados dentro da mesma.
Na igreja de Monlevade (figuras 36, 38 e 39; págs. 60 e 61), através da escala humana
presente nos desenhos, pode-se aproximar suas dimensões. Provavelmente, esta seria uma
edificação religiosa de porte mediano com, aproximadamente, 15 metros de altura, 15 metros
de largura e 20 metros de comprimento. Acredita-se que suas dimensões estariam de acordo
com a escala do conjunto ao qual ficaria inserida.
A igreja de São Francisco de Assis (figuras 47 e 48; págs. 69 e 70), apresenta 17
metros de comprimento, 16 metros em sua base maior, 9,5 metros em sua base menor e,
aproximadamente, 12 metros em sua maior altura. Não havendo janelas e portas
convencionais, e predominando uma imagem abstrata, a igreja não parece tão pequena quanto
é de fato; a volumetria parabólica contribui para essa percepção.
Localizada no Convento das Capuchinas Sacramentarias del Purísimo Corazón de
María, a capela projetada por Barragán (figuras 59 e 60; pág. 80), por meio de medidas
aproximadas, obtidas pela observação da escala humana, possui pequenas dimensões,
adequadas ao seu programa. No entanto, desfruta de grande altura, em um grau
desproporcional à escala em planta, conferindo-lhe monumentalidade, a qual não seria
possível de outra maneira, devido ao espaço restrito.
Na igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes (figuras 64, 65 e 66; págs. 83
e 84), a monumentalidade é obtida por suas dimensões em planta: 30 metros de comprimento
e 16 metros de largura. Sua pequena altura – 8 metros, se comparada com as outras
dimensões, passa desapercebida pela sinuosidade de todos os planos de fechamento, a qual
dinamiza a percepção do interior.
Também na igreja de São Domingos (figuras 76 e 77; págs. 91e 92), as grandes
dimensões, neste caso, também em altura, atribuem-lhe grandiosidade. As medidas
aproximadas - 20 metros de altura, 20 metros de largura e 45 metros de comprimento – foram,
também, alcançadas através de comparações com a escala humana.
A igreja da Virgen de la Medalla Milagrosa (figuras 83, 85 e 87; págs. 97, 99 e 100)
também possui grandes dimensões: 20 metros em sua maior altura, 20 metros de largura e 50
metros de comprimento. Ainda assim, o arquiteto Félix Candela obteve o resultado desejado:
um gótico moderno e sua ênfase vertical, remetendo à igreja da Sagrada Família (1882-), de
Antoni Gaudí, na qual os elementos góticos foram reinterpretados sob uma ótica naturalista.
Em La Asunción (figuras 94 e 95; págs. 106 e 107), a diversidade dimensional – 40
metros de comprimento, 25 metros na base maior, 8 metros na base menor, 25 metros em sua
maior altura e 8 metros na menor – conferem-lhe grande dinamismo.
A catedral metropolitana de Brasília (figuras 99 e 100; págs. 110 e 112) apresenta
expressiva monumentalidade atribuída tanto ao seu aspecto volumétrico e formal, quanto as
suas dimensões – 70 metros de diâmetro de base e, aproximadamente 40 metros de altura.
4.5. ABERTURAS E USO DA LUZ
Não existe continuidade espacial ou visual em espaços adjacentes sem aberturas nos
planos que os delimitam. Portas permitem o acesso a um espaço e determinam os padrões de
movimento; janelas propiciam iluminação, ventilação, vistas e relações visuais entre o espaço
e seus adjacentes.
No caso de múltiplas aberturas, estas podem ser agrupadas de maneira a formarem
uma composição unificada, ou serem dispostas alternadas ou dispersas, criando um
movimento visual. As aberturas podem ser:
- aberturas verticais que se estendem do plano do piso ao plano do teto: separam
o espaço visualmente e articulam as arestas dos planos de parede adjacentes; se
localizadas em cantos, obscurecem a definição do espaço e permitem que este
se estenda na direção do espaço adjacente, permitindo também que a luz banhe
a superfície do plano perpendicular, dando-lhe primazia; se descreverem a
volta em cantos, obscurecerão ainda mais a definição do espaço, enfatizando a
individualidade dos planos;
- aberturas horizontais que se estendem através de um plano de parede: separam
o plano em camadas horizontais; se forem muito altas, isto é, se tornarem
maiores do que as faixas acima e abaixo, as aberturas se tornarão planos
transparentes, limitados em suas partes superiores e inferiores por molduras; se
descreverem uma volta em um canto, reforçarão a disposição em camadas; se
as aberturas continuarem ao redor de todo o espaço, erguerão visualmente o
plano de teto, isolando-o e dando-lhe uma sensação de leveza;
- clarabóias lineares ao longo da aresta em que um plano de parede e um plano
de teto se encontram: permite que a luz varra a superfície da parede,
intensificando a claridade do espaço; pode captar a luz direta ou indireta do sol.
A luz do sol direta ou difusa, fonte de luz natural para iluminação de formas e espaços
na arquitetura, varia de acordo com a hora do dia, de estação para estação e de lugar para
lugar. Le Corbusier (1989, pág.13) afirma que “a arquitetura é o jogo sábio, correto e
magnífico dos volumes reunidos sob a luz. Nossos olhos são feitos para ver formas sob a luz;
a sombra e os claros revelam as formas...”.
À medida que vai penetrando em um espaço através de janelas ou clarabóias, a energia
solar recai sobre suas superfícies internas, avivando cores e revelando texturas. Através de sua
intensidade e dispersão, a energia luminosa pode clarificar ou distorcer a forma de um espaço.
Como a intensidade e a direção da luz irradiada pelo sol são razoavelmente previsíveis, pode-
se também prever o seu impacto visual sobre as superfícies, formas e espaços internos,
baseado no tamanho, localização e orientação de janelas e clarabóias dos planos
delimitadores. Uma abertura também pode ser orientada de maneira a apenas receber a luz
ambiente difusa, originária da abóbada celeste, a qual suaviza a intensidade da luz direta do
sol e equilibra o nível de luz dentro de um espaço.
No projeto para igreja de Monlevade (figura 40; pág. 62), elementos vazados de
concreto, dispostos rigidamente em quadrados contíguos, ocupam a extensão quase total das
paredes, sendo também adotados na torre. A proposta previa esquadrias constituídas por
caixilhos de concreto, de 30 cm x 30 cm, com vidros fixos ou lâminas formando venezianas;
tais vidros, propostos na cor azul, contrastariam com as paredes caiadas de branco,
proporcionando uma atmosfera de recolhimento. Com exceção das venezianas, os demais
caixilhos destinados à ventilação funcionariam como janelas de rótula. Os elementos vazados
também seriam utilizados na abside atrás do altar, conferindo destaque ao mesmo.
A fachada principal da igreja de Niemeyer (figura 43; pág. 65), na Pampulha, é
composta por metade vidro e metade brises verticais, os quais protegem o púlpito da
insolação. O efeito simbólico é obtido por meio da luz que adentra no presbitério, enfatizando
o cristocentrismo da composição (figura 45; pág. 67). Este artifício dá-se através da diferença
de altura entre as cascas, criando uma clarabóia não visível desde a nave (figura 46; pág. 68).
Na capela de Barragán, para o Convento da Capuchinas, a luz, juntamente com a cor,
possui papel essencial, privilegiada por meio de vitrais e treliças. Enfatizando a importância
do altar, um grande vitral amarelo, não visto deste a nave, banha o mesmo com uma luz
dourada, emoldurando a cruz disposta lateralmente ao mesmo (figura 52; pág. 75). O espaço
lateral, destinado às noviças, é iluminado por uma clarabóia, oculta desde a nave (figura 60;
pág. 80). O pátio interno, além de constituir-se em um elemento aglutinador, é provedor de
iluminação e ventilação (figura 53; pág. 76).
Na igreja de Cristo Obrero y Nossa Senhora de Lourdes, o efeito lumínico é obtido por
um sutil jogo de luzes e sombras através da parede calada localizada na fachada principal
(figura 71; pág, 87), das pequenas aberturas retangulares distribuídas na parte superior das
paredes onduladas (figura 63; pág. 82), e da abertura horizontal da parede de fundos (figura
68; pág. 85), a qual confere ao altar grande protagonismo. A capela da Virgem de Lourdes
possui um nicho para a imagem fechado com uma lâmina de ônix translúcido, material
também empregado na clarabóia que ilumina a cripta, a qual abriga o batistério subterrâneo
(figura 70; pág. 86). O campanário, visitável, é constituído por um cilindro de superfície
calada em toda a sua extensão.
A igreja de São Domingos (figura 79; pág. 93) possui, em sua fachada principal, uma
moldura transparente de caixilhos fixos, envolvendo a porta. O aspecto simbólico é
evidenciado pela cruz vazada sobre a porta e pelos contrafortes vazados, preenchidos por
vidros em toda a sua altura, os quais direcionam a luz em direção ao altar.
Em La Milagrosa, de Candela, o nártex foi definido por vidros coloridos, também
empregados nas janelas, dispostos acima do coro (figura 88; pág. 101). Na fachada oeste
(figura 86; pág. 99), janelas são formadas pelas estruturas triangulares de concreto; e, na
fachada oposta, estruturas similares formam as janelas do clerestório. Realiza-se a iluminação
artificial por meio de luminárias fixadas na parte interna das colunas e através de lustres
típicos mexicanos (figura 91; pág. 104). O resultado simbólico deriva dos diferentes efeitos
lumínicos obtidos nas reentrâncias e saliências criadas pela interação dos parabolóides (figura
89; pág. 102).
O espaço interior da igreja La Asunción é repleto de luminosidade, ascendendo em
direção à luz. O efeito é alcançado por meio dos triângulos vazados originados da cobertura
(figura 94; pág. 106), os quais vão tornando-se menores e mais concentrados, intensificando a
quantidade de luz, a medida que se aproxima do altar, e focando diretamente a parede
localizada atrás do altar (figura 96; pág. 107).
Na catedral metropolitana de Brasília (figura 101, pág. 113), entre as estruturas
parabolóides foram utilizadas placas poligonais de vidro inseridas em uma fina rede metálica,
conservando, assim, a transparência e a leveza do conjunto. A utilização de vidro refratário
em tons de azul, verde e branco filtra o excesso de luz solar. O misticismo é obtido pelo
contraste entre a penumbra do acesso e a luminosidade do espaço interno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este estudo, pode-se reafirmar a importância da arquitetura religiosa moderna na
América Latina pois, apesar de o tema sacro ter-se convertido em um dos muitos temas dos
equipamentos das cidades, a arquitetura moderna latino-americana demonstrou riqueza ao
aborda-lo com grande diversidade e perfeita adequação às suas necessidades, ficando
comprovada a singularidade dessa arquitetura no contexto mundial.
Assim como, ao longo da história da arquitetura ocorreram diversas experiências com
a arquitetura de templos, a arquitetura religiosa moderna na América Latina incorpora as
características de um estilo próprio. A essa afirmação podem ser atribuídos condicionantes
regionais como: a questão da tradição religiosa, a qual envolve misticismo e sincretismo; a
questão econômica, da qual originam-se os aspectos de rusticidade; e a questão da
interpretação arquitetônica, por parte dos arquitetos latino-americanos, através de elementos
extraídos da arquitetura e cultura de cada região.
Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos converteram-se
em uma grande potência e impôs-se a tese do pan-americanismo. A maioria dos arquitetos
modernos latino-americanos aderiu à febre do desenvolvimento. Desejando ilustrar as suas
potencialidades de progresso, criaram a arquitetura progressista, a qual tinha como
características principais: a obediência aos postulados da Carta de Atenas; o conceito de
edificação isolada; o expressionismo estrutural; o uso do concreto armado sem revestimento;
a integração das artes à arquitetura; e o surgimento de novos elementos, como o brise-soleil e
a rampa coberta.
Concomitantemente com o auge da arquitetura progressista, outra arquitetura aparecia
na América Latina, a qual discordava daquela por não considerar as peculiaridades históricas
e culturais latino-americanas. Propunha uma arquitetura mais realista, humilde e apropriada à
condição periférica dos países latino-americanos. Suas principais características eram:
contextualização e criação de lugares com identidade própria; uso de tecnologias e materiais
econômicos e regionais; inovação formal baseada na reinterpretação de aspectos universais
combinados com costumes locais; e expressividade firmada no uso da luz, da cor e da textura.
Pode-se considerar que estas linhas arquitetônicas subsistiram e que a tensão entre
universalismo e localismo permaneceu ao longo do século XX, mesmo dentre as obras de um
mesmo arquiteto. De uma maneira geral, as obras modernas na América Latina, devido às
suas características peculiares, foram recombinações inéditas de elementos anteriormente
existentes.
Após a descrição dos casos, foi realizado um estudo de temas arquitetônicos, do qual
pode-se concluir que:
- com exceção da catedral de Brasília, a qual apresenta planta centralizada, o
restante dos casos estudados adota o esquema linear longitudinal em suas
composições, sendo que a maioria possui nave única; os muros, normalmente
ortogonais na arquitetura sacra tradicional, são manipulados na maioria das igrejas
estudadas; a simetria é empregada compositivamente, mas sua percepção não é
enfatizada e, às vezes, até mesmo mascarada por elementos externos como torres e
outros volumes;
- os blocos cerâmicos são empregados somente na igreja de Cristo Obrero y
Nossa Senhora de Lourdes; o concreto armado é amplamente empregado nas
estruturas e fechamentos dos demais casos, protagonizando tanto elementos formais
tradicionais quanto inusitados; há o predomínio de formas dinâmicas dentre os casos
analisados, sendo que, em alguns, a construção da irregularidade é realizada com base
na regularidade, conferindo dinamismo a um espaço tradicionalmente estático e
geometricamente regular;
- quanto às aberturas e ao uso da luz, conclui-se que, na maioria dos das igrejas
estudadas, o efeito lumínico é obtido tanto por meio de aberturas laterais, como
também por aberturas zenitais; tratando-se do efeito simbólico da luz, pode-se dizer
que, em todas as igrejas estudadas neste trabalho, a luz foi o principal elemento
definidor do caráter sagrado nos edifícios.
O estudo destes exemplares eclesiásticos latino-americanos revela a singularidade
dessa experiência arquitetônica. As diferentes abordagens do tema do templo cristão por
Niemeyer, Barragán, Dieste e outros revelam a diversidade de respostas que foram produzidas
pelos arquitetos latino-americanos no período abordado. Ao enfatizar a importância da
arquitetura eclesiástica na região entre 1930 e 1960, este trabalho espera suscitar outros
desdobramentos que aprofundem e ampliem o conhecimento desta produção.
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