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Na verdade, uma das coisas que fez eu me apaixonar pela dança do ventre quando
eu saí do balé e fui pra dança do ventre é poder dançar com o pé no chão, descalça,
sem meia, sem sapatilha, sem subir na ponta, machucar os meus dedos, com o
cabelo solto, sabe, sem precisar prender o cabelo, encher de gel, e o rosto cheio de
base, pó. Com a dança do ventre eu posso fazer uma maquiagem um pouco mais
natural, mais suave, e posso dançar com o meu pé no chão, sentindo a terra,
sentindo o piso, sei lá o lugar que eu tiver, de cabelo solto, ser mais livre, e me
expressar de uma forma mais livre,
Em seu enunciado, Jufih fala de um lugar determinado, em última instância, por toda
sua história com a dança. Fala do lugar de uma ex-bailarina clássica, que, após estudar balé
dos cinco aos dezesseis anos ininterruptamente, conhece a dança do ventre, apaixona-se por
ela, abandona o balé, dedicando-se desde então, passados já oito anos, ao estudo e ensino da
dança do ventre. Desde esse lugar, ela fala da sua relação com a técnica comparando os dois
estilos de dança, contrapondo às restrições do balé as possibilidades da dança do ventre, tanto
em relação ao figurino da bailarina quanto à sua movimentação.
O eixo desse antagonismo enunciado pela bailarina entre os dois gêneros de dança
parece ser a sua relação com o chão em cada um deles: no balé, ao subir nas sapatilhas de
ponta, além de machucar seus dedos, ela distancia-se do chão; na dança do ventre, em
contrapartida, ao dançar descalça, ela sente o pé no chão, sente a terra sobre a qual dança, há
uma proximidade prazerosa com o chão. Insisto nisso porque acredito que essa relação com o
chão sintetiza uma determinada concepção de sujeito que difere de uma dança para outra. No
entanto, fica mais claro compreendê-la enfocando o conjunto de princípios formativos citados
por Jufih (sapatilha de ponta ou descalça, com ou sem meia-calça, coque ou cabelo solto,
maquiada ou natural), uma vez que neles podem ser observados os princípios valorativos de
cada dança, ou seja, sobre qual concepção de corpo e de sujeito se fundamentam.
No balé clássico de repertório (Lago dos Cisnes e La Sylphide, por exemplo), as
linhas retas, as sapatilhas de ponta, elevações de pernas, posições de equilíbrio sobre a base de
uma das pernas, saltos, sustentações no ar, o corpo delgado das bailarinas, a repetição de
coreografias, evidenciam princípios formais, técnicos, que constroem um corpo etéreo,
diáfano, antigravitacional, que, ao se distanciar do chão, distancia-se do mundo material, de
modo que a bailarina parece flutuar ante o público, constituindo-se como um sujeito ideal.
Na dança do ventre, em contrapartida, com suas linhas sinuosas, os pés descalços, o
uso do chão, os cabelos soltos, a exibição e valorização de formas curvas, a liberdade na
criação da dança através da improvisação e a proximidade com público, refletem uma