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Assim, podemos nos remeter a uma passagem de “À Guisa de Introdução
ao Narcisismo”, na qual Freud (1914/2004) afirma o seguinte:
É verdade que noções como a de uma libido do Eu, energia pulsional
do Eu e outras não são nem claramente apreensíveis, nem
suficientemente ricas de conteúdo; assim, uma teoria especulativa a
respeito das relações em questão teria sobretudo por meta formular
conceitos rigorosamente delimitados que lhes servissem de
fundamento. Todavia, acredito ser essa a diferença entre uma teoria
especulativa e uma ciência construída sobre a interpretação de dados
empíricos. Esta última não invejará da especulação o privilégio de
uma fundamentação impecável e logicamente inatacável. Ao
contrário, a ciência se dará por satisfeita com idéias básicas, nebulosas
e ainda difíceis de visualizar, sempre, porém, com a esperança de mais
adiante, no decorrer de seu desenvolvimento, vir a apreender tais
idéias com mais clareza, mostrando-se ainda disposta a eventualmente
trocá-las por outras. Afinal, o fundamento da ciência não são essas
idéias, mas sim a observação pura sobre a qual tudo repousa. Elas não
são a base, mas o topo do edifício, e podem, sem prejuízo, ser
substituídas e removidas (p. 100).
Ainda que possa parecer exaustivo o recurso da citação, não posso deixar
de apontar, na obra freudiana, momentos nos quais Freud explicita a questão do
método de sua pesquisa. Assim, tomo, a seguir, um trecho de “Pulsões e Destinos
da Pulsão”:
O verdadeiro início da atividade científica consiste muito mais na
descrição de fenômenos que são em seguida agrupados, ordenados e
correlacionados entre si. Além disso, é inevitável que, já ao descrever
o material, apliquemos sobre ele algumas idéias abstratas obtidas não
só a partir das novas experiências, mas também oriundas de outras
fontes. Tais idéias iniciais – os futuros conceitos básicos da ciência –
se tornam ainda mais indispensáveis quando mais tarde se trabalha
sobre os dados observados. No princípio, as idéias devem conter certo
grau de indefinição, e ainda não é possível pensar em uma delimitação
clara de seu conteúdo. (...) Em rigor, essas idéias iniciais possuem o
caráter de convenções. Entretanto, é preciso que não tenham sido
escolhidas arbitrariamente, e sim determinadas pelas relações
significativas que mantêm com o material empírico. (...) Entretanto, o
progresso do conhecimento não suporta que tais definições sejam
rígidas, e como ilustra de modo admirável o exemplo da física, mesmo
os “conceitos básicos” que já foram fixados em definições também
sofrem uma constante modificação de conteúdo (Freud, 1915/2004, p.
145).
Esse modelo oferecido conscientemente por Freud parece ser a conclusão
de etapas anteriores menos organizadas, mostrando como vão sendo agregados
novos conhecimentos ao edifício teórico da psicanálise. A portentosa obra