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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
A FEDERAÇÃO DA INDÚSTRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NO
CONTEXTO DA ABERTURA 1974 - 1984
GILMAR FERREIRA DE MORAES
Dissertação submetida como requisito parcial e último
para obtenção do grau de MESTRE em História no
Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profª. Drª. Claudia Musa Fay
Porto Alegre
2007
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2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )
M827f Moraes, Gilmar Ferreira de
A Federação da Indústria do Estado do Rio Grande no
contexto da abertura 1974 -1984 / Gilmar Ferreira de Moraes.
– Porto Alegre, 2007.
139 f.
Dissertação (Mestrado em História) Fac. de
Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS.
Orientação: Profa. Dra. Claudia Musa Fay.
1. FIERGS - História. 2. Rio Grande do Sul – História
Regime Militar, 1964 - 1985. 3. Redemocratização. I. Fay,
Claudia Musa.
CDD 981.65
.
Ficha Catalográfica elaborada por
vea Bezerra Vasconcelos e Silva
CRB 10/1255
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3
Para Eudócia Rodrigues Ferreira.
Considerarei-me um grande homem,
se um dia tiver metade da tua “fibra”.
(em memória)
4
AGRADECIMENTOS
Ao longo desta pesquisa recebi o carinho e apoio de diversas pessoas, a quem sou
realmente agradecido, entretanto não as relaciono nominalmente pela possibilidade de omissões e
conseqüentes injustiças. Assim, prefiro optar por um sincero agradecimento coletivo.
Entretanto, não posso silenciar o muito que recebi da minha orientadora Prof.ª Drª.
Claudia Musa Fay, que confiou em mim, incentivou e proporcionou a liberdade de expressão
deste trabalho. Aos professores da Pós-Graduação em História, em especial Profª. Drª. Sandra
Brancatto, a Profª. Drª. Maria Cristina, ao Prof. Dr. Helder da Silveira, ao Prof. Dr. René Gertz,
que através de suas disciplinas proporcionaram de alguma forma um entendimento teórico a
produção deste trabalho. A Profª. Maria José Barreras, pelas orientações, sempre serena e
profissional, que me ajudaram nos momentos de dificuldades ainda nas aulas de graduação. Cabe
agradecer também aos funcionários da Pós-Graduação, Carla e Davi, que trazem consigo uma
grande carga humana, quando no exercício de suas atividades profissionais.
Fora do espaço acadêmico existem pessoas que exercem influência na construção e na
elaboração de um trabalho científico. Neste sentido quero agradecer ao Ir. Demétrio Nardier Orsi,
que carinhosamente colaborou com o seu extraordinário conhecimento da língua portuguesa. É
impossível não citar a Srtª. Sonia, responsável pelo Núcleo de Informação da Federação da
Indústria do Estado do Rio Grande do Sul, que proporcionou o acesso à documentação e contatos
com os dirigentes da Federação.
Quero agradecer aos meus filhos, fonte da inspiração de tudo aquilo que exerço e,
principalmente, a minha amiga, companheira e esposa Carla Xavier dos Santos, pessoa de
inigualável grandeza.
5
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo descrever a participação da Federação da Indústria
do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) no contexto político-econômico da abertura do
regime militar. Dentro desta proposta a relação entre o agravamento das dificuldades econômicas,
a política governamental e o comportamento da FIERGS frente ao processo de redemocratização,
será detidamente considerado no corpo do trabalho. O período empreendido pela pesquisa tem
início em 1974 com o governo Geisel, quando então o regime adota uma política de distensão
com medidas timidamente liberalizantes (lenta, gradual e segura). Nesta ocasião, a classe
industrial, que tradicionalmente era identificada com a orientação da política econômica que o
regime praticava, começa a dar sinais de oposição a esta mesma política. A partir daí começa a
desencadear uma alteração pronunciada nos padrões de comportamento deste setor estratégico
para a manutenção do regime militar. O corte temporal tem seu término nos últimos dias do
governo Figueiredo, com o fim do regime militar no Brasil.
Palavras Chave: FIERGS, Redemocratização, Regime Militar.
6
ABSTRACT
This thesis has the objective of describing the participation of Federação da Indústria do Estado
do Rio Grande do Sul (FIERGS) in the political-economic context of military aperture. Within
this proposal the relations between the increasing economical dificulties, government politics and
the FIERGS attitudes towards the redemocratization process, will be considered in this work. The
period considered in this research has its beggining in 1974 on Geisel’s government, when the
regime adopts a distension politics along with a timidly liberating measure (slow, gradual and
safe). In this occasion, the industrial group, who was tradicionally identified with the agreement
on the government’s political-economic choices, starts to give signs of opposition. From that
point on it starts to unleash a change articulated in the conduct patterns of the FIERGS in order to
maintain the Militar Regime. The period considered has its ende with the last days of
Figueiredo’s government, that culminated with the end of military regime in Brazil.
KEY WORDS: FIERGS, military regime, democratization.
7
SUMÁRIO
11. INTRODUÇÃO....................................................................................................
8
2.
HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO CONTEXTO NACIONAL:
UMA ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA ......................................................................
19
21. O processo de transição política no Brasil............................................................
20
2.2. Temas e demandas da política econômica............................................................
33
2.3. O empresário da industrial nacional.....................................................................
45
3. A FIERGS: UMA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO E INTERESSES .........
56
3.1. Desenvolvimento do setor industrial gaúcho........................................................
56
3.2. A FIERGS: um breve relato.................................................................................
58
3.3. O III Pólo Petroquímico: a mobilização de interesse político da Federação........
66
4. A FIERGS E O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO 1974-1984 ........
75
4.1. A FIERGS e os temas políticos............................................................................
75
4.2. A FIERGS e os temas econômicos ......................................................................
90
5. A DEMANDA DEMOCRÁTICA DA FIERGS: UMA AVALIAÇÃO DOS
SEUS EX-PRESIDENTES .......................................................................................
108
5.1. A conjuntura do processo de transição: o discurso da abertura............................
110
5.2. A FIERGS: limites e possibilidades.....................................................................
119
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................
129
REFERÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO................................................................
136
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.........................................................................
137
8
1. INTRODUÇÃO
A Federação da Indústria do Rio Grande do Sul (FIERGS) despertou minha curiosidade
pela primeira vez em 2003, naquela oportunidade entrei em contato com alguns trabalhos que
descreviam uma fraca e moderada participação do industrial gaúcho no artifício da distensão
política lenta e gradual, iniciada em 1974, com adoção de medidas debilmente liberalizantes pelo
governo Geisel.
1
A procura de respostas que justificassem, ou explicassem este tipo de
comportamento político, por parte da classe industrial gaúcha despertou e instigou a curiosidade
deste pesquisador. Na busca de respostas que pudesse responder como Federação reage às
primeiras manifestações do regime no sentido da abertura política, que posições assumem diante
da política econômica, a partir de que momento o discurso começa a assumir uma conotação
política, compreender como se comportou esta entidade representativa de u importante segmento
da economia gaúcha nos momentos cruciais do processo de redemocratização. Somado os
desafios que o próprio período impõe, foram fatores que deram maior impulso para a elaboração
da presente pesquisa.
O trabalho que ora se apresenta tem como objetivo central investigar a participação da
Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul no processo de abertura política
ocorrido nos Governos Geisel e Figueiredo, entre 1974-1984. Nesta perspectiva, estamos
inseridos dentro de uma análise caracterizada pelo debate público sobre a redemocratização, em
que os temas políticos e econômicos do Regime Militar são questões de pano de fundo deste
estudo. Dentro desta totalidade, esta pesquisa procura identificar a concepção de democracia e
os padrões de ações políticas escolhido pela FIERGS quanto à definição dos seus interesses em
uma conjuntura marcada pela incerteza quanto à edificação e consolidação do Estado de Direito.
Assim, o nosso objetivo não é analisar o impacto da ação da FIERGS sobre o Regime Militar ou
1
Esta afirmação é em decorrência de uma linha de pesquisa, desenvolvida na Fundação de Economia e Estatística,
denominada Estado e Empresariado Industrial Gaúcho. Fazem parte desta linha de pesquisa três trabalhos
atualmente. Cada trabalho procurou enfocar aspectos distintos da complexa relação entre o empresário industrial
gaúcho e o Estado Nacional. Denise Gros (1987), com sua dissertação intitulada Burguesia Industrial e o Estado
Nacional: 1964-78 procurou descrever de uma forma geral à relação desses dois atores, tendo como foco central o
posicionamento do industrial gaúcho frente à ação estatal e as formas de organização e representação classista. Naira
Lapis (1978) tem sua linha de pesquisa desenvolvida na tese intitulada La Bourgeoisie industrielle face au capital
étranger: le cas du Rio Grande do Sul (1964-1973), trabalho que procura analisar uma estância específica, que é a
relação dessa classe com o capital estrangeiro. Na terceira linha de pesquisa encontramos o trabalho de Maria Isabel
Herz da Jornada (1993), O empresário gaúcho e a política salarial: 1964-1980. Dissertação que descreve a posição
do empresariado industrial do Rio Grande do Sul frente à política salarial, entre os anos de 1964-1980.
9
vice-versa, mas sim verificar o comportamento da Federação a partir de uma variável política e
econômica.
A relevância quanto à participação da FIERGS no processo de transição política é
estabelecido pelo valor histórico da Federação como órgão de representação dos interesses dos
industriais gaúchos, o que consideramos, do ponto de vista acadêmico-científico, de uma
importância relevante, tanto na sustentação inicial do regime autoritário como para o
estabelecimento de um arranjo institucional democrático. Procuramos assinalar o presente
estudo como de natureza exploratória, dentro de um universo em que consideramos à atuação da
Federação Gaúcha sob aspecto de um tema pouco investigado na história do país. Sua história
política no processo de redemocratização ainda está carente de trabalhos mais detalhados que
possam fornecer embasamentos empíricos mais significativos para as especulações que surgem
nos meios acadêmicos.
O período conhecido como regime militar, no Brasil, caracterizou-se pela vigência de um
Estado autoritário. Neste contexto se configura um processo de transformações estruturais para a
sociedade brasileira. A política econômica deste regime aprofundou a internacionalização
dependente da economia brasileira, os altos cargos do governo que detém o poder de decisão
passaram a ser preenchidos por pessoas relacionadas a organizações burocráticas como: Forças
Armadas, empresas estrangeiras, grandes empresas privadas nacionais, empresas estatais e o
próprio Estado. Desta forma, ocorrem mudanças políticas e econômicas significativas, que terão
o caráter fundamental para a manutenção da estrutura do regime, ou seja, um aparelho estatal
militarizado com uma postura despolitizante.
Na conjuntura que abrange pela pesquisa observamos dois processos históricos
específicos, temporal e espacialmente localizados. O primeiro começa com o governo Geisel
(1974-1978), onde o processo de liberação tem um início bem demarcado no tempo e coincide,
em certa medida com a abertura do regime. Neste contexto, os mecanismos elaborados pelo
regime militar pretendiam a consolidação da ordem. Originalmente, a distensão apresenta-se
como um projeto de mudança de alcance limitado, cujo objetivo maior é a institucionalização do
regime em termos de uma democracia restrita. A intenção de manter os setores populares
desarticulados permanece assim como uma a estratégia que assegura a ilegitimidade do conflito
10
social. O regime militar segue com sua política repressiva tendo como justificativa a doutrina de
segurança nacional. O segundo momento se destaca com o governo Figueiredo (1978-1984).
Neste período o regime militar administra o país sob forte crise econômica. O processo de
redemocratização não sofre mais retrocesso, proporcionando uma atmosfera de reações e
manifestações sociais pedindo à volta do Estado de Direito. As federações das indústrias
participam deste debate político a favor de questões que justificam uma nova ordem de Estado.
Na revisão bibliográfica selecionada encontramos três importantes linhas de pesquisa que
consideramos pertinentes à atuação do empresário industrial brasileiro no recorte temporal
proposto. A primeira considera o empresário industrial como uma classe desorganizada, incapaz
de formular e programar projetos de hegemonia, sustentando assim conceitos restritivos a atuação
dos empresários.
2
Em uma segunda argumentação, os trabalhos consideram que, apesar de sua
condição política adversa à classe consegue articular e estabelecer sua posição no processo em
que estavam os seus interesses. Nestes estudos os autores avaliam que embora a participação dos
empresários não tenha sido tão hegemônica, esta não pode ser considerada sem expressão.
3
Em
uma terceira análise formulada é retomada a vinculação entre hegemonia industrial e democracia,
afirmando que a classe industrial brasileira teria condições objetiva e a vontade política de
liderar a redemocratização sob sua hegemonia.
4
A participação da classe empresarial no processo de abertura política, que teve início em
1974, recebeu por parte da imprensa e dos meios acadêmicos uma forte crença de que a ruptura
da aliança deste setor com o Estado autoritário institucionalizado no Brasil entre 1964 a 1984,
teria determinado esgotamento das condições de legitimidade do regime. O empresário
industrial que junto com outros segmentos sociais apoiou o golpe de 1964 começou a partir de
2
Embora, desenvolveremos este argumento com maior desenvoltura no primeiro capítulo, destacamos os seguintes
trabalhos: CARDOSO, Fernando Henrique. O papel do empresário no processo de transição: o caso brasileiro.
Rio de Janeiro: Dados Vol. 26, . 1 p. 9-27, 1983. CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e
democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975; MARTINS, Luciano. Formação do empresário industrial no
Brasil. Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, nº. 13, maio de 1967.
3
Entre os trabalhos que melhor desenvolve este tipo de argumento estão: DINIZ, E. & BOSCHI, R. Empresário
nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1978. BOSCHI, Renato R. Elites Industriais e Democracia.
Rio de Janeiro: Graal, 1979; entre outros.
4
Entre os principais formuladores deste tipo deste tipo de analise, destaca-se Luiz Carlos Bresser Perreira, entre seus
inúmeros trabalhos destacamos: O Colapso de uma Aliança de Classe. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1978; Seis
Interpretações Sobre o Brasil. DADOS, vol. 25 n. 3, 1982. p. 269-306.
11
1974, à construção de uma plataforma política que criticava a forma centralizada na condução
da política econômica do regime militar e, a partir de 1977, estas manifestações se intensificam.
Conforme estes estudos, esta situação reflete um amadurecimento ideológico da classe que se
configura principalmente em circunstância de um avanço do capitalismo que proporcionou um
crescimento de sua consciência política, assim como a formulação de um projeto hegemônico.
5
Muito embora estes estudos tenham boas argumentações, Eli Diniz e Raul Boschi,
6
desenvolvem uma outra análise. Para estes autores o tom incisivo das críticas dos empresários
industriais no começo do governo Geisel e que intensificadas no final dos anos de 1970, tem
como conclusão, uma visão de que esta situação não pode ser encarada como uma ruptura
radical. Conforme estes trabalhos, a integração dos empresários à frente democrática exprime,
sem dúvida, um consenso da classe industrial representada pelo fim da ordem autoritária.
Embora sua participação tenha contribuído para aprofundar a crise de legitimidade do regime,
sua tônica de atuação consistia em procurar preservar sua posição de aliado potencial, ao mesmo
tempo em que no jogo político desenvolvia uma demanda de críticas a centralização política e
econômica do regime, reivindicando um espaço maior para a expressão política de seus
interesses. As divergências seriam acirradas, porém tolhidas, ou sem ímpeto inovador, dado pela
sua heterogeneidade e a ausência de plataforma comum entre os vários grupos industriais.
Sebastião Velasco e Cruz,
7
por sua vez, afirma que a compreensão da contribuição do
empresariado em relação a abertura política do Brasil nos anos de 1970, está na maneira como
eles liam a conjuntura a qual determinava tanto o tom do discurso, quanto às posições
concretamente assumidas.
5
PEREIRA. Luiz Carlos Bresser. O Colapso de uma Aliança de Classe. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1978; Seis
Interpretações Sobre o Brasil. DADOS, vol. 25 n. 3, 1982. p. 269-306.
6
DINIZ, Eli. & BOSCHI, Renato Raul. Empresário nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro:
Forense/Universitária, 1978; Autonomia e dependência na representação dos interesses industriais. DADOS, v.
22 p. 8-85, 1979. DINIZ, Eli. Empresariado, Estado e capitalismo no Brasil 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978; DINIZ, Eli. A Transição Política no Brasil: Perspectiva para a democracia. Brasília: Revista
Sociedade e Estado, v. 1(2) P. 65-88, jul./dez. 1986; BOSCHI, Renato Raul. Elites industriais e democracia. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
7
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a economia
política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995.
12
Ao considerar como o pressuposto uma relativa união entre os setores industriais,
entende-se que a ideologia
8
deste setor, mediante a liberação política, se restringiria, tendo em
vista a ausência de um consenso em torno da redefinição de uma nova ordem política.
Historicamente o empresário industrial chegou a alcançar considerável grau de autonomia
ideológica frente aos demais segmentos sociais. Embora tendo evoluído para um alto padrão não
conseguiu formar um programa global capaz de intensificar os vários segmentos da classe em
torno de um objetivo comum. Neste sentido, a relação com a questão do regime político se
colocava para os industriais de uma forma ampla e genérica e, sem implicar em um projeto claro
no qual o arranjo institucional resultaria do processo de abertura.
A estratégia do regime militar que possibilitou durante um longo período o restrito
controle da abertura lenta, gradual e segura iniciada no governo Geisel, finda com a posse de
José Sarney, na presidência da República, foi possível, segundo Diniz,
9
em circunstância do
confronto de duas dinâmicas sicas: uma consistia na dinâmica de negociação de pacto
conduzida pelas elites, e a outra estava na dinâmica de pressões e demandas irradiadas da
sociedade. Assim, através de manobras políticas do regime militar os movimentos sociais
articulavam-se com as elites, estas situadas na busca de inovação e na manutenção do seu poder,
em detrimento da resistência da sociedade civil. Nesta conjuntura o empresário industrial a
partir de 1974, começa a dar sinais de inconformidade com a política vigente, tornando-se um
dos principais críticos do regime autoritário.
8
Cabe ressaltar que tal concepção o esta sendo tomada como o conjunto de idéias e valores que estruturam a
ideologia presentes nas entidades, inclusive pelo fato de que a ideologia ultrapassa a questão da ação política, e sim
naquilo que nos permite compreender melhor a forma concreta, isto é, as articulações e seus padrões de ação política.
Para o desenvolvimento do conceito de ideologia sugerimos a orientação de John B. Thompson. Para o autor,
existem cinco modos de operações gerais na identificação do conceito de ideologia: legitimação, dissimulação,
unificação, fragmentação e reificação. Cada um destes cinco modos de operação é subdividido em estratégias de
construção simbólica, são elas: no modo de legitimação: a racionalização, a universalização e narrativização; no
modo de dissimulação: o deslocamento, a eufemização e o tropo; na unificação: a estandardização e a simbolização
da unidade; na fragmentação: a diferenciação e o expurgo do outro; na reificação: a naturalização, a eternalização e a
nominalização/passivização. Estes modos de operação e suas estratégias não o as únicas maneiras pelas qual a
ideologia opera, mas são modos típicos pelos quais ela se opera; mesmo considerando que elas não sejam em si,
ideológicas; ver em: THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
9
DINIZ, Eli. A Transição Política no Brasil: Perspectiva para a democracia. Brasília: Revista Sociedade e
Estado, v. 1(2) P. 65-88, jul./dez. 1986.
13
Na ampla historiografia examinada foi possível observar que a partir de 1974 as
manifestações sociais se articulam juntamente com a crise econômica, mostrando a fragilidade
das taxas de crescimentos do PIB (Produto Interno Bruto), situação que provoca, ou poderia
ameaçar as bases de sustentação político-ideológicas do regime. Para manter as forças que
proporcionavam sua legitimação, o General Ernesto Geisel, que assumiu a presidência do país
em 1974, articula uma política que assegure manutenção do apoio político e social. Esta
estratégia foi denominada de “política de distensão”, cujo objetivo era desestabilizar a tensão
sócio-política com um programa de liberação cuidadosamente controlado, e fortemente
propagado no Slogan oficial de “continuidade sem imobilidade”.
Dentro deste quadro, a crise política e econômica revelou para a Federação da Indústria
Gaúcha uma outra realidade que contrastava com o período de crescimento acelerado da
economia (1967-73), porem, os rumos que a economia iria tomar eram incertos. A partir de
1973 evidencia-se uma crise econômica em que as taxas de crescimento do Produto Interno
Bruto tinham índices anuais de 11,3% entre os anos de 1967 a 1973, caiu para 7% no período de
1974 a 1980, sendo o setor industrial o mais atingido por essa queda de ritmo do crescimento
econômico.
10
Embora a taxas de crescimento fossem decrescente, não eram na sua totalidade
alarmante. E a recessão de fato só teria início em 1981, período em que os empresários
industriais consideram como esgotado o modelo econômico do regime.
O desenvolvimento da pesquisa levou em considerações algumas dimensões apresentadas
a seguir em forma de afirmações ou hipóteses.
A FIERGS apoiou a política econômica do estado autoritário em função da
desestruturação da ordem anterior caracterizada pelo governo João Goulart, contudo
questionavam certos aspectos da política econômica de austeridade. Durante o período expressivo
de crescimento econômico a federação aderiu, sem reservas, ao regime (assim como as demais
federações brasileiras). No início do governo Geisel, ela mantém ao regime, principalmente pela
proposta política do governo Geisel, calçada nos “equilíbrios regionais”, que favorecia a
10
COUTINHO, Luciano. Inflexões e crise política econômica: 1974-1980. Revista de Economia Política. São
Paulo: Brasiliense, 1981. p. 77-100.
14
descentralização do pólo petroquímico e a criação de montadoras e subsidiária fora de São Paulo.
A partir de 1977, começaram as críticas ao regime, em especial a centralização das decisões
econômicas em órgãos superiores do Executivo e a estatização.
A visão política da Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul acerca de
democratização se constitui em um caráter de democracia econômica. Suas manifestações no
processo de redemocratização estão sempre atreladas a uma maior participação no processo
decisório da política econômica, isto é, suas reivindicações democráticas objetivam ampliar a sua
espaço político.
O conceito de democracia para a Federação da Indústria do Rio Grande do Sul significa
crescimento econômico com plena liberdade à iniciativa privada. É nesta perspectiva que ordem e
estabilidade tornam-se essenciais ao desenvolvimento e a manutenção deste segmento
econômico.
A FIERGS funciona é o órgão representativo do posicionamento da elite industrial
gaúcha, contudo, possui limites na sua capacidade de representação, dada às diversidades de
sindicatos as quais congregam empresas de diferentes ramos e dimensões, pelas especificadas na
legislação e pela estrutura sindical oficial a que está subordinada.
Ainda que consciente de suas limitações, estas inquietações proporcionaram, mesmo que
de uma forma modesta, a preparação de questões mais objetivas para o desenvolvimento da
pesquisa: que tema e valores são importantes para a FIERGS no início de abertura política
proposta pelo regime militar? Quais as questões políticas e econômicas proposta pelo regime que
entram em conflito com os interesses da Federação? Quais as principais propostas e interesses da
Federação para a volta do estado de direito? Impulsionado com esses objetivos específicos,
procuramos encaminhar a pesquisa levando em consideração a história da classe empresarial e de
sua federação.
Desta forma, consideramos apropriado investigar uma articulação que contemple por parte
da FIERGS, os interesses dos industriais gaúchos no ordenamento político-institucional vigente,
15
em especial o democrático. Assim par uma melhor compreensão do assunto apresentar-se-á em
capítulos, ordenados e forma a dar conta dos questionamentos proposto.
Partindo de um reconhecimento nacional que busca contextualizar os objetos da pesquisa,
achamos imprescindível começar o segundo capítulo, por uma exposição do contexto histórico a
partir do momento em que se deu a proposta de liberação do regime. Dentro desta sugestão estão
as questões políticas e econômicas que tem como objetivo, enquanto referencial, de medir a
estratégia do Estado autoritário na condução da abertura. Procura-se ainda, apoiado na
historiografia produzida analisar a formação política e ideológica do empresário da indústria
brasileira, levando-se em conta a efetiva participação política no processo de redemocratização.
Este primeiro momento tem como objetivo procurar descrever a contextualização política,
econômica e empresarial, na qual se cria condições para a manifestação de uma nova ordem de
Estado.
A partir da contextualização dos elementos da pesquisa em nível nacional, que procurou
apresentar a ação e os interesses do regime militar e do empresariado nacional, o segundo
capítulo, descreve uma retrospectiva do setor industrial gaúcho, com o objetivo de identificar as
aspirações políticas da Federação gaúcha quanto ao desenvolvimento do seu parque industrial.
Isto porque consideramos esta condição econômica e política do setor como termômetro para as
declarações da FIERGS. A seguir apresenta um breve relato da formação da FIERGS. Proposta
que possibilita compreender a importância e as limitações da Federação no processo de
articulação política na abertura. Ainda dentro deste contexto regional, buscamos desenvolver no
capítulo II, uma pesquisa que procura descrever o interesse político da Federação no início do
governo Geisel, uma vez que, a relação entre o Estado e empresariado industrial começa a mudar
a partir de 1974, tendo como pano de fundo a campanha contra a estatização.
Os capítulos que descrevem o contexto histórico no período em que ocorreu o processo de
democratização no país constituem-se no conhecimento necessário para abranger o ponto
empírico desta dissertação. Os interesses políticos e econômicos da FIERGS são identificados e
analisados no terceiro capítulo, através dos seus relatórios anuais. Desta forma, procuramos
selecionar as manifestações da Federação que acreditamos ser a estratégia mais interessante de
16
tratamento de nossas questões quanto à ação política da FIERGS, na construção de uma nova
ordem democrática no Brasil no presente período especificado.
Tendo o capítulo anterior à intenção de identificar a ação política da FIERGS no processo
de redemocratização do país, o quarto capítulo, através das entrevistas com os ex-presidentes da
Federação que atuaram neste contexto histórico não procurou arraigar-se na proposta de
confirmar os dados anteriores. Com a opção de uma prática qualitativa, que leva em conta o
devido distanciamento histórico, as entrevistas se constituíram de uma forma aberta, a fim de
proporcionar uma análise sobre os limites e possibilidades da Federação. Em seguida, levando em
conta as mesmas considerações, procuramos identificar os fatores que levaram a Federação a
acreditar em uma nova mudança política.
A pesquisa histórica é orientada por procedimentos metodológicos através dos quais os
historiadores organizam a produção de seus objetos. Dentro deste universo o historiador se
depara com as mais diversas fontes que o conduz a uma multiplicidade de caminhos
determinando escolhas e explicitando as regras próprias do fazer historiográfico. Para Michel de
Certeau,
11
a produção do discurso, de práticas científicas e de uma escrita deve sempre levar em
conta a relação entre o lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.,), os procedimentos
de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (historiografia).
Para privilegiar a fonte historiográfica como conhecimento histórico e como história neste
trabalho, levou-se em consideração a conjuntura em que a obra foi produzida, assim como a
formação teórica dos autores. No procedimento metodológico pretendemos utilizar o critério
qualitativo de análise historiográfica. Tal procedimento busca estabelecer a relevância de
determinados estudos para a edificação argumentativa referente o viés da pesquisa.
O método empregado para as fontes documentais foi a Análise Qualitativa de Conteúdo.
Para a pratica deste método recorreu-se aos trabalhos de: Núncia Santoro do Constantino,
11
CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: A escrita da história. Rio de Janeiro. Ed. Forense
Universitária, 1982.
17
Laurence Bardin e Roque Moraes.
12
Consideramos nesta metodologia que a Análise Qualitativa
de Conteúdo recorre a indicadores que não m uma freqüência, mas, que por sua vez, permitem
inferências, onde a presença ou ausência de um tema pode construir um indício tanto ou mais
frutífero que a freqüência de sua aparição.
A fonte documental da presente pesquisa encontra-se na FIERGS, onde uma variedade de
documentos tais como relatórios anuais, boletins informativos (mensais), atas de reunião-almoço
(semanais), atas de reunião de diretorias (semanais), circulares, carta industrial (mensal), que
preservado pelo Núcleo de Informação (NUI), devidamente catalogados e mantidos em perfeito
estado. Diante desta diversidade tornou-se necessária a seleção de uma documentação específica
para os objetivos da pesquisa. Neste trabalho exploratório concluímos que a fonte documental de
principal importância para este estudo era o relatório anual, documento que sintetiza as principais
atividades da entidade no ano. Assim esta pesquisa conta com o material produzido até o ano de
1982, quando então o relatório anual passa apenas a reproduzir de forma sintética o teor das
discussões. Entre os anos de 1983 e 1984 a pesquisa foi coberta pela carta industrial, documento
que passou a circular no dia 25 de maio de 1982, com periodicidade mensal, a carta industrial foi
editada pelo Gabinete de Comunicação Social da Federação. Visando, além de levar à classe
empresarial informações gerais sobre a atividade industrial, veicular noticiário sobre as atividades
de FIERGS/CIERGS, e de outras entidades da indústria gaúcha e órgãos de atuações específicas e
eles vinculados.
O trabalho exploratório de pesquisa que deixou passar as outras publicações da Federação
se deu em circunstancia pelas razões que se segue: as atas de reunião de diretorias não forneciam
informações dos temas discutidos, se restringia a uma forma sintética de registro; os boletins
informativos mensais tinham a sua publicação nos relatórios anuais da FIERGS; as circulares
reproduziam basicamente leis e decretos direcionados em especial a área trabalhista; as atas de
reunião almoço reproduziam sinteticamente as opiniões pessoais de alguns empresários sobre
assuntos que já estavam reproduzidos nos relatórios anuais.
12
Sobre análise de conteúdo: MORAES, Roque. Análise de Conteúdo. Educação, Porto Alegre: Faculdade de
Educação/ PUCRS/ Curso de pós Graduação, 1999. p.5-31; BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Rio de
Janeiro: Edições 70, 1977; CONSTATINO,Núncia Santoro de. Pesquisa histórica e análise de conteúdo:
pertinência e possibilidades. Estudos Ibero-americanos. PUCRS, v. XXVIII, n. 1, p. 183-194, junho de 2002.
18
Dado o caráter exploratório da pesquisa e o interesse numa abordagem qualitativa, a
fontes orais aqui caracterizadas pelas entrevistas foram ajustadas a um procedimento não
direcional, isto é, um tema com perguntas abertas. Assim os depoimentos foram gravados e as
seleções dos trechos foram selecionadas pelo pesquisador com o objetivo de compreender,
através da Análise de Conteúdo, como a FIERGS se inseriu no processo redemocratização. Ainda
referente a este capítulo, consideramos importante ressaltar as nossas limitações no procedimento
metodológico de trabalho com fontes orais. A história oral, como cnica de pesquisa tem seus
teóricos e métodos próprios, neste sentido, utilizando-se dos seus conhecimentos, trabalhamos
com os depoimentos dos ex-presidentes da FIERGS, a fim de contribuir qualitativamente para o
perfil de pesquisa.
13
Por fim gostaríamos de destacar um elemento importante na construção desta pesquisa,
no tocante ao campo de atuação em que esta ficou inserida. Dadas as características do tema que
reserva um papel preponderante à economia-política, buscou-se na área da sociologia, mais
precisamente no campo da ciência política e da economia que trabalham com a questão do
empresariado, o conhecimento referente ao objeto que contribuísse para explicar e fundamentar
as perspectivas deste trabalho. Uma vez que os argumentos estavam orientados por uma visão
sociológica da história. Assim, a construção do passado histórico, parecia ficar sem identidade,
ou melhor, sem uma referencia de uma área profissional. Finalmente, uma disciplina da Pós-
Graduação em História da PUCRS, intitulada Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade:
uma questão de abordagem orientou para a solução deste problema.
14
Com a firme concepção
de que o conceito de ciência transpassa e demarca plurais territórios, o problema não é o outro,
mas, o olhar que o pesquisador utiliza. Importa ter consciência que entramos em um campo com
uma outra forma de pensar, e que saibamos voltar. Portanto, procuramos em algumas partes
deste trabalho descrever manifestações das idéias de alguns autores, que de certa forma vêm por
contemplar o território da história na busca de procedimentos conceituais em outras áreas em
justaposição.
13
Entre as experiências obtidas com a história oral destacamos um curso realizado nesta área com: Montenegro,
Antonio Torres. Ressonâncias metodológicas da história e da memória. In: III Encontro Regional de História oral
(mini curso). Porto Alegre 2005.
14
A presente disciplina é ministrada pela Prof. Drª. Maria Cristina.
19
2. HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO CONTEXTO NACIONAL: UMA
ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA.
Na diversidade dos estudos consultados encontra-se trabalhos com desdobramentos e
teorias que nos permite entender o processo de transição política que começa a ocorrer na
América Latina no final da década de 1970,
15
período em que o capitalismo em nível mundial
estava em processo de transformação, visando uma consolidação de forma globalizada.
16
Dentro
deste contexto os regimes autoritários que se estabeleceram conjugando os interesses do
capitalismo mundial baseado na idéia do desenvolvimento econômico através do setor industrial,
e, também pelas preocupações de uma ordem comunista fundamentada no avanço de um
movimento popular, começam a se desestabilizar.
Entre o período do golpe militar ocorrido no Brasil em 1964, e o governo do general
Ernesto Geisel em 1974, a conjuntura política e social no mundo se redefiniu. As ditaduras já não
eram bem vistas ou toleradas como antes. Nesta conjuntura, eventos como a Guerra do Vietnã
vieram marcar uma mudança de comportamento neste momento histórico. Na França, a luta
inicial pela transformação do sistema educativo assumiu tal amplitude que chegou a ameaçar o
governo De Gaulle. A Guerra Fria perde seu espaço, Portugal vive a sua revolução dos cravos, a
Argentina era sacudida pela insubordinação desde o final dos anos sessenta (caso dos
levantamentos maciços dos grandes centros urbanos que, em parte expressavam e em parte
acionavam tensões do regime autoritário). Configura-se também neste contexto um clima de
revolução em todas as áreas do comportamento, em busca da revolução sexual e da afirmação da
mulher. No Brasil, onde o país era submetido a uma ditadura militar, este clima externo gerou
efeitos visíveis no plano da cultura em geral e da arte, incentivando inclusive a mobilização
social. A partir de 1977, com o governo Carter, os Estados Unidos defende e pratica uma
vigorosa política em defesa dos valores democráticos, com ênfase direcionada nos direitos
humanos. Vive-se um momento no contexto internacional (ou parte dele), em que as tendências
democráticas são vistas como a melhor alternativa para um regime de Estado.
15
Por transição entende-se o lapso de tempo que decorre entre a liquidação de um regime autoritário e a
institucionalização de um outro regime qualquer que venha a ser. Ver em: MOISES, J.A. e Guilhon Albuquerque
(Org.) Dilemas da Consolidação da Democracia. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989.
16
SANTOS, Theothonio dos. Democracia e Socialismo no capitalismo dependente. Petrópolis: Vozes, 1991.
20
2.1 O processo de transição política no Brasil
No Brasil em 1974, sob o governo Geisel, inicia-se um processo de “distensão lenta,
gradual e segura” A proposta de liberação do regime é anunciada então pelo próprio regime
autoritário. Conforme Luciano Martins,
17
a tendência desta prática política, que não ofereceu
resistência por parte de seus dirigentes e oposição. Não estava apontada para uma democracia,
mas sim, para uma mera liberação política. Nesta mesma gênese de abertura do regime militar,
Walter de Góes,
18
descreve que a necessidade de mudar já se manifestava em meados dos anos de
1970, no auge do autoritarismo,
19
em que os êxitos econômicos, embora legitimassem o regime,
registraram os primeiros sinais de exaustão dentro do mesmo.
20
Segundo Góes, três fatores
evidenciam esta posição. A primeira compreende a temática democrática dos discursos do
general Médici, na qualidade de candidato à presidência da república a partir de 1969. Um
segundo fator, estaria relacionado com ministro do gabinete civil da presidência, João Leitão de
Abreu,
21
quando em 1972, das suas conversações com o professor da Universidade de Harvard,
Samuel Huntington,
22
resulta a elaboração de um documento intitulado “Abordagem de
descompressão política”, a qual sugere a ampliação gradativa da participação política era
17
MARTINS, Luciano. A liberação do regime autoritário no Brasil. In: O’DONNEL, G.; SCHMITTER, L. (Org.)
Transições do regime autoritário: América Latina. São Paulo: p.122-148, 1988.
18
GÓES, Walter; ASPÁSIA, Camargo. O Drama da sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro: Nova fronteira,
1984.
19
O auge do autoritarismo refere-se quanto ao êxito econômico (1969-1973) baseado nas as altas taxas de
crescimento do produto interno bruto, com aceleração da mobilidade social e a configuração das forças armadas
contra as guerrilhas.
20
Ibid. p.126
21
O ministro Leitão de Abreu retornará ao cenário político em 1981, no comando do Gabinete Civil do governo
Figueiredo, substituindo o então, Golbery do Couto e Silva. Na historiografia não encontramos muitos trabalhos
destacando a importância deste personagem no processo de redemocratização do país. Em uma participação discreta,
mais importante, apoiou a candidatura de Tancredo Neves e, trabalhou em busca de soluções democráticas para o
processo de transição. Ver em: COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil:
1964-1965. 4º ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.
22
Entre os diversos trabalhos do Professor Huntington, esta o livro “A terceira Onda” (A terceira Onda:
democratização no final do Século XX. São Paulo: Ática, 1994), a qual é um exemplo da nova inflexão na
literatura que procura dar uma explicação aos processos de democratização que começaram a surgir na década de
1970, levando cerca de 30 países não democráticos a regimes democráticos. A explicação do autor não está baseada
em uma análise histórica, retoma em grande parte uma perspectiva estrutural, mas redimensionada. Neste trabalho
este cientista político destaca que no mundo moderno as possibilidades da democracia são identificadas como ondas
de democratização que surgem a partir do século XIX. Conforme o autor, essas ondas democráticas se sucedem uma
após outras intercaladas por ondas reversas que ocorrem em períodos específicos, sendo as transições de regimes não
democráticos para democráticos mais numerosas. A centralidade de sua análise reside na busca de uma correlação de
riquezas e democratização. Embora saliente que fatores econômicos não sejam determinantes para promover a
democratização, eles produzem um impacto significativo. Neste sentido, sua argumentação vem por demonstrar uma
correlação positiva de riquezas e de democratização. Portanto, é a permanecia desta riqueza a um longo prazo,
segundo Huntington, que promove um ambiente favorável à democratização.
21
sugerida. Em uma terceira ordem dos fatos o autor indica uma força política dentro do regime
com condições de romper com o autoritarismo, representada então pela candidatura de Ernesto
Geisel à presidência da república.
23
Para Alfred Stepan,
24
as principais causas da distensão foram as contradições no aparelho
de Estado. Em seu trabalho o autor transcreve uma entrevista com o General Golbery do Couto e
Silva (um dos condutores do projeto de distensão e figura- chave nos governos Geisel e
Figueiredo), o qual declara, em 1973 ser a centralização e a radicalização política por parte dos
militares desnecessárias e perigosas. Conforme a entrevista, Golbery afirma que: “um perigo de
confronto com os inimigos do Estado não seria possível, pois, estes haviam sido destruídos e,
uma atitude de isolamento por parte do regime proporcionaria a fragmentação e distanciamento
total da sociedade”.
25
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso,
26
em sua análise explicativa a este ordenamento
político-institucional do regime militar que se configura no governo Geisel, destaca quatro
interpretações as quais diferenciam com fator da liberação pelo alto.
27
A visão estratégico-
conservadora, uma das interpretações à qual se refere o autor, está relacionada à mudança
enquanto necessidade estratégica baseada nas formulações de Golbery Couto e Silva, segundo
esta análise, o ordenamento de uma nova política pela oficialidade militar vem em resposta ao
desgaste do exercício do poder. Tem-se, então, a formulação de mecanismo que porventura vem
antecipar as pressões de baixo, para tanto, se faz necessário retirar as forças armadas do núcleo
do poder, contudo, mantendo sua capacidade de intervenção e veto.
28
A interpretação da visão
estrutural-crítica trabalha com a idéia de perda da sustentação do regime. Os estudos desta
variante explicativa, consideram que o princípio da perda está baseado no refluxo econômico e
23
GÓES, Walter; ASPÁSIA, Camargo. O Drama da sucessão e a crise do regime. Rio de Janeiro: Nova fronteira,
1984. p. 127.
24
STEPAN, Alfred. Os militares e a abertura. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
25
GOES, op. cit., p. 125-127.
26
CARDOSO, Fernando Henrique. Regime Político e mudança social: a transição para a democracia. ed. São
Paulo: Siciliano, 1993.
27
O caso brasileiro tem sido tem sido tratado por alguns autores como um típico caso de transição pelo alto. Estas
considerações segundo ótica destes autores, esta relacionada ao fato de tratar-se de um modelo caracterizado pelo
lento ritmo das reformas propostas, pela participação decisiva desempenhada pelas elites do regime autoritário e pelo
caráter moderado das mudanças.
28
Entre os trabalhos que trabalham com esta variante explicativa esta: STEPAN, Alfred. Os Militares: da abertura
a Nova República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
22
nas ressonâncias deste no plano social e político.
29
Em um outra interpretação, denominada visão
liberal-democrática, configura-se o êxito econômico como legitimador do plano político é,
portanto, a quebra deste referencial que vem ocasionar um distanciamento das massas em relação
a política do regime, pois a falta de um sistema legitimador no plano político cria, a posteriori,
tensões políticas e sociais, particularmente em países característicos como o Brasil.
30
A crise
hegemônica, a quarta variante explicativa, trata também do caráter de legitimidade do regime,
ressaltando a crise no regime militar em circunstância das determinações estruturais e das
constantes variantes sobre o bloco dominante. Nesta análise as forças externas ao Estado como,
movimentos sociais e dos trabalhadores do campo e da cidade são valorizadas. Alguns autores
consideram que conforme o confronto entre Estado e o setor das classes dominantes (empresários
da indústria), ia alcançando maior desenvoltura o regime ia perdendo sua força.
31
Eli Diniz,
32
em seus trabalhos referente ao projeto de abertura do governo Geisel, destaca
ser esta uma tentativa de impor a sua própria concepção de transformação política, que estava
defasada em relação aos movimentos sociais. Na ótica da autora, a preservação dos militares no
controle dos processos de mudança não permite a democratização da vida política, visto que, a
alternância do poder e a responsabilidade pública são condicionantes essenciais para sua
realização. Uma explicação que permita entender este processo de abertura reside na confluência
de duas dinâmicas básicas: uma estruturada na existência de pacto conduzida pelas elites e uma
outra dinâmica relacionada às pressões e demandas irradiadas pela sociedade. A gica destas
duas dinâmicas estaria na articulação da atuação de organizações políticas e dos movimentos
sociais. Dentro destas considerações deve-se buscar uma análise da preservação do poder das
elites dirigentes, bem como a capacidade de resistência da sociedade civil.
33
29
Entre as interpretações desta linha de argumentação ver nos trabalhos de: MARTINS, Estevam. Capitalismo de
Estado e modelo político no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977; BRESSER, Perreira L. O colapso de uma aliança
de classe. São Paulo: Brasiliense, 1978.
30
Entre os trabalhos desta linha de argumentação ver em: SANTOS, Vanderlei G. A Pós-Revolução Brasileira. In:
JAQUARIBE, et alii. Brasil, sociedade democrática. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
31
O autor que melhor desenvolve este tipo de argumentação é: BRESSER Perreira, L C. O colapso de uma aliança
de classes. São Paulo: Brasiliense, 1978; Seis interpretações sobre o Brasil. Dados, V. 25, nº. 3, 1982.
32
DINIZ, Eli. A Transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. In: Dados – Revista de
Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro: Vol. 28, nº. 3, 1985. p. 329-346.
33
Id. A transição política no Brasil. Perspectiva para a democracia. Brasília: Sociedade e Estado, 1 (2) 65-88,
jul./dez. 1986.
23
Para Gilvan Odival Veiga Dockhorn,
34
o regime militar entre 1964 a 1974, intensificou
um processo de militarização de centros decisórios do poder, que o autor denomina como
refinamento do Estado. A partir de então o Estado procura construir um ordenamento de um
regime militar institucionalizado para uma nova ordem política autoritária. Conforme o autor, no
governo Médici, a “Doutrina de Segurança Nacional” sofre um processo de mudança em função
de um cenário de instabilidade e o conceito de “Mobilização Nacional”
35
vem fazer parte dos
cursos de formação da Escola Superior de Guerra. Este novo conceito, segundo Dockhorn,
permite ao regime militar, uma fusão entre a implementação de políticas que ampliam a
possibilidade de movimentação e a aplicação de uma política que agrega mecanismos
essencialmente autoritários. Neste quadro o autor entende que as primeiras medidas de liberação
do processo de democratização no governo Geisel, tende a superar aspectos do regime de exceção
que ficaram obsoletos e, a ampliação do espaço de ação política de classes e instituições.
36
Portanto, na concepção do autor, a política de descompressão do governo Geisel, não tem como
objetivo criar um novo ordenamento político, mas sim, a rearticulação e renovação do regime
Civil-Militar como pressuposto de sua manutenção.
37
As considerações acima tecem de maneira geral, um comportamento sob o processo de
redemocratização iniciado de forma altamente voluntarista pelo governo Geisel, em um momento
em que o país vivia a euforia do milagre e a oposição se encontrava extremamente enfraquecida.
Esta conjuntura permitiu ao regime militar traçar uma estratégia a fim de projetar os modos, as
etapas e ritmo de seu projeto de transição.
38
È a partir destes condicionantes que procuramos
descrever adiante a forma política utilizada pelo regime, que viabilizou a liberação política lenta e
gradual e demonstrou o domínio dos dirigentes autoritários, pelo menos até o final de 1982.
34
DOCKHORN, Gilvan, Odival. A Redefinição do Estado Autoritário Brasileiro: a perspectiva do Parlamento
no Rio Grande do Sul (1974-1984). Tese (Doutorado) PUCRS, Porto Alegre, 2004.
35
A mobilização nacional para Dockhorn, se define como um conjunto de atividades que, na impossibilidade do
regime trabalhar com a hipótese de guerra ou de uma grave perturbação da ordem, transfira recursos existentes no
poder nacional e produza recursos adicionais. Ver a esse respeito em: ARRUDA, Antonio de. Doutrina da ESG:
Principais Alterações Ocorridas Nas Últimas Quatro Décadas. Revista da Escola Superior de Guerra. Ano V,
12, 1989, p. 20
36
DOCKHORN, Gilvan, Odival. A Redefinição do Estado Autoritário Brasileiro: a perspectiva do Parlamento
no Rio Grande do Sul (1974-1984). Tese (Doutorado) PUCRS, Porto Alegre, 2004.
37
Ibid., p. 95
38
MARTINS, Luciano. A ‘liberação’ do regime autoritário no Brasil. In: O’DONNEL, G.; SCHMITTER, L. (Org.)
Transições do regime autoritário: América Latina. São Paulo: Atica, 1988.
24
Na dinâmica de ritmar a transição e na perspectiva de alcançar uma maior legitimidade os
estrategistas do regime encontram na escolha do calendário eleitoral a tática essencial para o
processo de abertura e no gradualismo das reformas. Para Diniz,
39
neste processo de abertura
estava formulada uma estrutura com aparatos coercitivos, que tinham como objetivo a
manutenção dos controles democráticos, para assim garantir e expandir os espaços das forças
expansionistas ao poder. Dentro desta dinâmica a oposição, por sua vez encontrava-se limitada a
um papel secundário na vida política, visto que as regras do jogo não lhe permitiam uma
vantagem neste processo impossibilitando a implementação de seus projetos políticos.
40
O governo Geisel, confiante de estar inserido em um contexto de autonomia e, baseado em
uma concepção de autoconfiança lógica por parte dos seus estrategistas, julga ser possível uma
visão tranqüila da transição, ou seja, uma condução de transição conforme os seus interesses.
Para o regime esta situação política viabilizou a implementação de um conjunto de medidas
liberalizantes para as eleições de 1974, entre elas estava o acesso amplo de todos os candidatos à
propaganda em rede nacional de televisão com a proibição de sublegendas. Neste sentido Carlos
Arturi considera acertada a estratégia do regime:
A escolha do calendário eleitoral e da arena legislativa para conduzir e ritmar a
transição. Foi fundamental para a estratégia do governo, pois liberou uma área do
sistema político com grande valor simbólico na legitimação deste processo e com pouco
peso decisório no regime autoritário. Por outro lado, a maioria governamental no
congresso e a legislação autoritária permitiram alterar, com medidas manipulatórias
(casuísmos) as regras do jogo eleitoral toda a vez que governo corria maiores riscos.
41
O governo militar baseado nas eleições legislativa de 1970 (quando se renovaram dois
terço das cadeiras do Senado a ARENA ganhou 41 cadeiras e o MDB, apenas5), pretendia abrir
um espaço maior para o exercício das atividades partidárias e legislativas, neste contexto os
estrategistas da abertura trabalhavam como meta crucial para a legitimidade do regime o
fortalecimento eleitoral. O que antes procurou legitimar-se pela ideologia anticomunista, agora,
busca novas fontes de legitimidade. Conforme Diniz, o que o regime deixa transparecer é a
39
Eli. A Transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. In: Dados Rio DINIZ de
Janeiro: Vol. 28, nº. 3, 1985, pp. 329-346.
40
Diniz, 1985, passim.
41
ARTURI, Carlos S. Transição Política e Consolidação da Democracia: notas a partir da experiência brasileira. In:
ELISA, Reis (ORG) POLITICA E CULTURA. São Paulo: HUCITEC, 1996. p. 142-167.
25
construção de uma ideologia baseada no restabelecimento de uma normalidade democrática tendo
como meta o fortalecimento do partido da situação.
42
As eleições de 1974, no entanto, foram uma surpresa tanto para a oposição quanto para a
situação. O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) ampliou consideravelmente sua
representação política, das 22 vagas oferecidas para o Senado conquistou 16, na câmara dos
deputados passou de uma expressão de 22% para 44%.
43
Para Arturi,
44
esta expressão positiva
nas urnas eleitorais por parte da oposição deve-se a estratégia política do MDB, que utilizou a
candidatura do deputado Ulisses Guimarães, para a presidência da República, para divulgar as
idéias do partido e criar diretórios em todo o país, a fim de mobilizar os ideais de oposição à
política do regime, que sustentariam após o golpe militar, a primeira vitória eleitoral nas eleições
em 1974, em boa parte do território nacional.
Apesar do impacto da vitória eleitoral sobre o partido do regime militar, os resultados não
foram por sua vez assim tão decisivos, dado o fato de que as eleições de 1974 se referiam à
renovação de apenas um terço do Senado. No futuro, o regime militar iria mudar de novo a regra
do jogo eleitoral a fim de assegurar a hegemonia do partido situacionista.
A eleição de 1976 mostrou certa vantagem global por parte do partido da situação a
ARENA, tendo, no entanto, o MDB reafirmando a melhora do seu desempenho eleitoral. O MDB
elegeu candidatos principalmente nas maiores cidades. Para Fabio Wanderley Reis,
45
as razões
das expressivas vitórias eleitorais do MDB em 1974 e 1976 estão relacionadas ao inconformismo
nos rumos da política brasileira representada sobretudo pelos pólos dinâmicos e modernos da
sociedade agrupados nos grandes centros urbanos e industrializados, enquanto em outro pólo
estrutura-se os tradicionais sistemas clientelísticos que têm sua identificação concentrada nos
municípios do interior e nas regiões mais atrasadas, sendo o reduto eleitoral do regime militar.
42
DINIZ, Eli. A Transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. In: Dados Rio de
Janeiro: Vol. 28, nº. 3, 1985, p. 329-346.
43
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª Edição. São Paulo: FDE, 1998.
44
ARTURI, op. cit., p. 156.
45
REIS, Fabio Wanderley. Os partidos e o regime: a lógica do processo eleitoral brasileiro. São Paulo: Símbolo,
1978.
26
Conforme Hélgio Trindade,
46
os elementos favoráveis aos candidatos do MDB são
possíveis mediante um contexto histórico, no qual o Milagre Brasileiro perde a sua força e a
inflação e o custo de vida tornam-se imagens concretas da realidade. Nos grandes centros urbanos
os problemas com a saúde, habitação e segurança fazem parte da necessidade dos eleitores, para o
autor, é neste conjunto de necessidades que o discurso político do MDB tem se firmado.
Reconhecida a conquista da oposição por parte do regime nas duas últimas eleições (1974
e 1976), os estrategistas conduzem à abertura política no seu processo de distensão lento, gradual,
seguro e sob controle, resguardado politicamente na tutela corporificada do AI-5 (Ato
Institucional número 5).
47
Tendo como objetivo assegurar a vitória da ARENA nas eleições
1978, o governo antecipando-se às eleições, colocou em prática uma estratégia que ficou
conhecida como, a chamada Lei Falcão, que impõe severas restrições à propaganda política nos
meios de comunicação para candidatos a cargos eletivos. Amparado no AI-5 o presidente Geisel
decreta o recesso do congresso na primeira quinzena de abril de 1977. A partir daí o governo
promulgou um conjunto de mudanças institucionais conhecido como o Pacote de Abril. Entre as
medidas adotadas que procuram assegurar o controle no Senado pela ARENA, estavam: as
eleições indiretas de um terço dos Senadores pelo colégio eleitoral, responsável pela escolha dos
governadores (conhecidos como Senadores Biônicos). Este processo político colocava o colégio
eleitoral submetido a procedimentos que privilegiavam a representação municipal em detrimento
da representação estadual. Tal artifício foi usado segundo Sebastião Velasco Cruz,
48
como
aparato legítimo para controle da hegemonia militar e, ao mesmo tempo que procura acabar com
as possibilidades de representação do MDB, tendo em vista que a ARENA controlava a maioria
dos redutos eleitorais dos governos municipais. Outra estratégica do governo estava na permissão
de sublegenda, esta com objetivo de proporcionar vantagens à ARENA, pois somente assim
poderia aglutinar votos de suas facções internas. A composição das cadeiras para a mara que
46
TRINDADE, Hélgio. Paradoxos da conjuntura política: a sociedade civil sob pressão. In: TRINDADE, Hélgio
(Org.) Brasil em perspectiva: dilemas da abertura política. Porto Alegre: Sulina, 1982. p. 12-29.
47
O AI-5 é considerado um instrumento de revolução dentro da evolução, diferentes dos atos anteriores promulgado
pelos militares, este, porém, não tinha um período determinado, nem era uma medida excepcional transitória. Ele
durou até o início de 1979. No AI-5 o presidente da República volta a ter poderes para fechar provisoriamente o
Congresso. Tinha poderes para intervir nos Estados e Municípios, nomeando interventores. Restabeleciam-se
poderes para o presidente suspender direitos políticos, casar mandatos, bem como aposentar servidores públicos e
também demiti-los Ver em: FAUSTO, Boris. História do Brasil. ed. São Paulo: EDUSP,1998. Entre outros.
48
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995.
27
antes era constituída de 634 passou para 420 deputados. Em outra estratégia, o tamanho do
eleitorado deixa de ser o referencial da participação política no Congresso, sendo a
proporcionalidade do nº. de Estado o requisito de representação, com isto estava caracterizada a
notória intenção de aumentar a representação dos estados do Norte e Nordeste onde estava
concentrado o reduto eleitoral da ARENA. Basta dizer que nestes locais o contingente
populacional era maior que o número de eleitores e concentrava um grande número de pessoas
analfabetas. Finalizando o conjunto de medidas da Lei Falcão, o acesso livre dos candidatos à
televisão estava proibido. Todas estas medidas adotadas ao sistema político eleitoral
proporcionaram à ARENA conseguir a maioria das cadeiras ao Senado, 42 contra 25 do MDB.
49
Na conjuntura que se abriu com as medidas proporcionadas pelo Pacote de Abril, parece
incontestável que as eleições viriam legitimar o regime, no entanto, nos estudo de Diniz,
50
o
Pacote de Abril não conseguiu diminuir a representatividade do MDB, nas eleições para mara
dos deputados conseguiu eleger 45% dos seus integrantes. Apesar dos resultados eleitorais
favoráveis ao partido do regime, nos quais foram utilizados métodos coercitivos para expandir
sua base eleitoral, este não conseguiu produzir a sua legitimidade, ao contrário, aumentou sua
carga simbólica para uma tendência de ilegitimidade.
51
Esse processo de aprimoramento do regime pela via eleitoral através de uma liberação
gradual e pacífica, permitiram aos militares preservar até pelo menos as eleições de 1982 o
domínio de situação. Em História indiscreta da ditadura e da abertura, Ronaldo Costa Couto,
contextualiza esta posição:
Do ponto de vista do domínio e exercício do poder, não se pode negar que a opção pela
liberação lenta, gradual e segura foi também um modo engenhoso e inteligente de os
militares permanecerem nele e com ele por mais onze anos sem contestações
traumáticas. A política de abertura não legitima o regime militar. Ao contrário. Mas, de
certo modo, legitimava o governo que a promovia. E também criava controlado e
49
Entre os vários trabalhos que descrevem o impacto do processo eleitoral para a abertura democrática destacamos:
LAMOUNIER, Bolívar. O Brasil autoritário revistado: o impacto das eleições sobre a abertura. In: STEPAN, Alfred
(Org.) Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 83-134.
50
DINIZ, Eli. A Transição política no Brasil: uma reavaliação da dinâmica da abertura. In: Dados – Revista de
Ciências Sociais do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro: Vol. 28, nº. 3, 1985, p. 329-346.
51
KINZO Maria D’alva. O quadro partidário e a constituinte. In. LAMOUNIER, Bolívar (Org.). De Geisel a Collor.
O balanço da transição. São Paulo: Sumaré 1990. p.105-132.
28
crescente espaço para os atores antes excluídos do processo político, oferecendo-lhes
ainda um horizonte de democracia e esperança em vez da continuidade da ditadura.
52
Para Bolívar Lamounier,
53
o regime militar com a sua política de distensão abre um
espaço à formação de um processo autônomo de representação política. Conforme o autor,
mesmo tendo o regime militar estabelecido os limites políticos para a condução da abertura, uma
série de desdobramentos não podem ser contidos com 100% de êxito mediante a diversidade de
interesses efetivamente existentes na sociedade.
54
Os maiores avanços na democratização da vida política do país vieram se configurar no
governo do General João Baptista Oliveira Figueiredo, em que medidas casuísticas, descritas
anteriormente, possibilitaram, através do colégio eleitoral, sua eleição para presidente em 1978.
Conforme Lamounier, as políticas desenvolvidas no governo Geisel para estabelecimento das
bases de sustentação de institucionalização do regime se consolidaram em parte devido à eficácia
e habilidade da cúpula do regime em conduzi-lo e, do outro lado, estava uma organizada
mobilização crescente da sociedade civil e do partido oposicionista para assegurar e aprofundar a
transição. Lamounier considera que neste contexto a instauração de equilíbrio frágil foi
importante para as eleições, pois a disputa estava sob o controle de um poder legislativo
esvaziado de suas funções e prerrogativas, e que os níveis do poder mais decisivos do regime não
entram no jogo da democracia de 1974 a 1982, ano das eleições diretas para governador.
55
O General Figueiredo assume a presidência da república em março de 1979, oficialmente
comprometida em dar continuidade à transição democrática. Para Arturi,
56
durante todo o curso
do governo Figueiredo, não houve mais recuos institucionais, embora a luta política tenha se
52
COUTO, Ronaldo Costa. História indiscreta da ditadura e da abertura: Brasil: 1964-1985. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2003. p.517.
53
LAMOUNIER, Bolívar. As eleições de 1982 e a abertura política em perspectiva. In:TRINDADE, Hélgio (Org.)
Brasil em perspectiva: dilemas da abertura política. Porto Alegre: Sulina, 1982. p. 121-133.
54
LAMOUNIER, Bolívar. As eleições de 1982 e a abertura política em perspectiva. In:TRINDADE, Hélgio (Org.)
Brasil em perspectiva: dilemas da abertura política. Porto Alegre: Sulina, 1982. p. 123.
55
Entre os tantos trabalhos de Lamounier sobre o processo político e eleitoral, destacamos um outro referente à
reflexão do papel desempenhado pelo calendário eleitoral na abertura: LAMOUNIER, Bolívar. Apontamentos sobre
a questão democrática brasileira. In: ROUQUIÉ, Alan et alii. Como renascem as democracias. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
56
ARTURI, Carlos S. Transição Política e Consolidação da Democracia: notas a partir da experiência brasileira. In:
Elisa Reis (Org.) POLITICA E CULTURA. São Paulo: HUCITEC, 1996.
29
acirrado e o regime tenha enfrentado fortes resistências internas com a mobilização de uma
oposição social mais ampla e mais organizada.
57
Na configuração desta nova situação política que se instaura no país iniciada com a
revogação do AI-5, alguns estudos a respeito consideram que ao menos seis momentos vieram
por definir os parâmetros da transição de ordenamento do país: o projeto de anistia, a legislação
acerca da pluralização partidária, o controle das resistências domésticas, as eleições gerais de
1982, conciliação da derrota da emenda Dante Oliveira e a eleição pelo Colégio Eleitoral da
candidatura de Tancredo Neves e José Sarney.
O presidente militar, João Batista Figueiredo, prossegue gradualmente com as reformas
políticas iniciada pelo governo Geisel. Em agosto de 1979, o regime propõe e faz aprovar pelo
Congresso, uma anistia ampla e politicamente exitosa. Com a aprovação da anistia o governo
tirava da oposição uma das suas principais bandeiras.
58
A lei da anistia fazia, no entanto,
restrições, pois seu decreto concernia tanto aos prisioneiros e exilados de esquerda, como
previamente abrangia também os responsáveis pela prática de tortura, estes, por sua vez, eram
absolvidos de culpa. Sendo perdoados dos ‘crimes’ de qualquer natureza relacionados com a
política, ou, praticados por motivação política.
59
Para Lamounier, embora com algumas
restrições, esta medida foi um passo importante para a construção democrática, o retorno dos
exilados e o arejamento da atmosfera cultural, dando um sentido a ampliação da liberdade,
construía a impressão de que o Brasil iniciava firmemente a transição.
60
Prosseguindo com as reformas políticas graduais, o governo Figueiredo não abre mão dos
recursos que lhe permitam fazer as alterações na legislação político-eleitoral. Este recurso
praticamente esgota-se com a última reforma institucional do regime autoritário: a extinção dos
dois partidos existentes (ARENA E MDB) e a implementação do multipartidarismo. Esta
articulação visava considerar o fortalecimento do partido do regime para as eleições de 1982
57
ARTURI, Carlos S. Transição Política e Consolidação da Democracia: notas a partir da experiência brasileira. In:
Elisa Reis (Org.) POLITICA E CULTURA. São Paulo: HUCITEC, 1996. p.156.
58
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
59
Ibid., p. 504
60
LAMOUNIER, Bolívar. As eleições de 1982 e a abertura política em perspectiva. In TRINDADE, Hélgio (Org)
Brasil em Perspectiva: dilemas da abertura política. Porto Alegre: sulina, 1982. p.123133.
30
(federais e estaduais), pois esta estratégia segundo os articuladores do regime forneceria base
para o colégio eleitoral, o qual elegeria o próximo presidente.
O sistema bipartidário imposto por decreto em 1965 visava, na ótica do regime
implementar uma forte base de sustentação eleitoral para o regime, este procedimento acabaria
evoluindo para uma disputa polarizada (oposição e situação), tendo a situação o controle do jogo
político. A partir das eleições de 1974 com a vitória da oposição (e mantendo-se assim por
diante), o voto depositado no partido de oposição vem por configurar-se um ato de protesto ao
sistema vigente. Percebendo que este tipo de evolução traria sérios prejuízos eleitorais para a
situação, pois a oposição poderia vir a ganhar o controle do Congresso Nacional. Mediante tal
perspectiva as elites dirigentes optaram por implantar uma nova reforma política.
61
O regime militar em dezembro de 1979, fazendo aprovar a nova lei orgânica dos partidos,
extinguiu o bipartidarismo e instituiu o pluripartidarismo, com objetivo de fragmentar as
oposições.
62
63
Em novembro de 1981 o regime estabeleceu novas medidas eleitorais conhecidas
como o pacote de novembro, onde proibia coalizões entre partidos, estabelecendo, então, que
cada partido tivesse que apresentar o candidato próprio para todos os níveis eleitorais, o que
forçava o eleitor a escolher candidatos do mesmo partido. Apesar dos reforços do regime, a
reforma partidária não evitou a vitória da oposição nas eleições de 1982.
64
61
ALVES, Maria Helen M. Estado e Oposição no Brasil (1964 – 1984). Petrópolis: Vozes, 1984
62
Lei 6.767, de 20 de dezembro de 1979. O objetivo de fragmentar a oposição estava no discurso do General
Golbery do Couto e Silva. Peça chave da legitimação do regime e do processo de abertura. Ver em: SILVA, Golbery
C. Conjuntura Política Nacional. O Poder Executivo, Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Olympio, 1981.
63
A reforma partidária que tem início em 1980, com a instauração do pluripartidarismo e a extinção dos dois partidos
anteriores, ARENA e MDB, foi outra iniciativa do governo na tentativa de manter o controle do sistema partidário,
pois, a esta altura, o MDB reunia uma ampla gama de setores e correntes que resistiam às políticas do estado,
ameaçando a maioria governamental no congresso e futuramente os governos estaduais. No entanto, a estratégia foi
parcialmente vitoriosa. A nova conjuntura partidária criou os seguintes partidos: o PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro) que manteve grande parte da oposição; o PP (Partido Popular) de cunho liberal conservador;
PDT (Partido Democrático Trabalhista) formado por antigas alianças trabalhista teve sua origem na recusa de Leonel
Brizola de conviver com Ivete Vargas; PT (Partido dos Trabalhadores) fortemente focalizado na figura de Lula e no
chamado novo sindicalismo da área metropolitana de São Paulo, que se formou a uma esquerda mais radical; PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro) supostamente depositário do simbolismo trabalhista de Getúlio Vargas; e o PDS
(Partido Democrático Social), governista, sucessor da extinta ARENA. Com as medidas do pacote de novembro o
PP, comandado pelo Senador Tancredo Neves incorpora a PMDB. Ver em: LAMOUNIER, Bolívar. As eleições de
1982 e a abertura política em perspectiva. In TRINDADE, Hélgio (Org) Brasil em Perspectiva: dilemas da
abertura política. Porto Alegre: sulina, 1982. p.123-133.
64
Ibid., p.128.
31
Os resultados gerais das eleições de 1982 dão uma vitória política expressiva aos partidos
da oposição. Este acontecimento foi decisivo para o rumo da democracia do país. Os quatro
partidos de oposição (PMDB, PDT, PT E PTB) obtêm a maioria das cadeiras na Câmara e
conseguem eleger dez governadores entre os mais importantes do país (São Paulo, Rio de janeiro
e Minas Gerais). No entanto, graças aos senadores “biônicos” o partido governista mantém a
maioria no congresso, na Câmara e no Colégio Eleitoral, que irá se reunir em janeiro de 1984
para a escolha do novo presidente do país. Mas a vitória nas urnas forneceu uma nova realidade à
política brasileira, a oposição agora está no “jogo” do controle do processo de transição,
65
O
governo agora ao administrar o país terá que negociar diretamente com os poderosos
governadores da oposição ao administrar o país.
Diversas crises abalaram a cúpula do regime brasileiro durante o ano de 1981. A primeira
e conseguintemente a mais grave, teve origem no atentado terrorista ocorrido no Rio-Centro,
local onde se realizava um festival de música destinado às comemorações de primeiro de maio.
Neste episódio, uma bomba, que não chegou a ser colocada no local central da festividade,
explodiu no interior de um carro de propriedade de oficiais das Forças Armadas, ocasionando a
morte de um sargento e ferimentos graves em um capitão das forças armadas. Conforme Fausto,
66
não houve para este incidente uma investigação independente e rigorosa. Para o autor, esta
situação, no entanto, foi responsável por uma das principais causas de renúncia do estrategista e
homem forte do Gabinete da Casa Civil da Presidência, General Golbery de Couto e Silva, em
agosto deste ano.
Após as eleições de 1982, o partido de oposição e alguns segmentos da sociedade civil
promoveram articulações políticas a fim de inverter o domínio do jogo da transição que antes era
imposto pelo regime. Esta nova conjuntura é proporcionada pelo sentimento de segurança à
continuidade da transição sem mais recuos. A nova situação permitiu à oposição arriscar-se em
uma multiplicação de estratégias com vistas à sucessão presidencial pelo colégio eleitoral. O
regime, por sua vez, nutria o mesmo objetivo, mas tinha um novo elemento a sua frente, a difícil
tarefa de coordenar o processo político-eleitoral dentro do seu partido. A divergência era criada
65
ARTURI, Carlos S. Transição Política e Consolidação da Democracia: notas a partir da experiência brasileira. In:
Elisa Reis (ORG) POLITICA E CULTURA. São Paulo: HUCITEC, 1996. 142-166.
66
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
32
pelo alto índice de rejeição da candidatura do deputado Paulo Maluf (ex-governador de São
Paulo) à presidência da república. Estes acontecimentos geraram dentro do congresso uma
cumplicidade e aproximação entre as elites políticas.
67
O Movimento das Diretas (mobilização de eleições diretas para Presidente da
República em 1984), surgem em meio a este contexto complexo do quadro da política nacional.
O movimento das diretas foi além das organizações partidárias, mobilizou milhões de pessoas em
todo o país. Para Fausto,
68
tanto do ponto de vista de uma representação autêntica ao projeto da
emenda constitucional conhecida como emenda Dante de Oliveira, estava também à
reivindicação de salários baixos, segurança e inflação.
69
Embora a grande manifestação popular ter-se tornado o maior evento cívico da história do
país, a aceitação da eleição direta para presidente da República, andava distante do colégio
eleitoral, pois, necessitava de 2/3 da aprovação, ou seja, 320 votos em 479. Sendo que nesta
conjuntura o partido do regime (PDS) possuía quase a metade dos deputados federais e, se
aprovada na Câmara ainda teria que passar pelo Senado, sendo assim, sem os votos da situação
não haveria como aprová-la. A emenda Constitucional Dante Oliveira, foi, portanto rejeitada.
Entretanto, este movimento foi fundamental para influenciar e justificar o apoio da dissidência de
alguns políticos do partido do regime. Para tanto, no entendimento de Carlos Arturi:
A grande campanha pela ‘diretas já’, em sua impotência para alterar as regras impostas
pelo regime autoritário, é paradigmática da liberação ‘pelo alto’ mediante de acordo e
cisões no seio das elites políticas no congresso, pois, se ela facilitou a dissidência
governista impediu um hipotético recuo político institucional, foi, todavia, incapaz de
dar um desfecho verdadeiramente democrático ao processo de transição, pelo simples
fato de que a maioria das lideranças oposicionistas e do próprio governo estavam,
naquela conjuntura, satisfeitos com a ‘legalidade autoritária’ e com os ganhos políticos
vislumbrados.
70
67
LESSA, Renato. Reflexões sobre a gênese de uma democracia banal. In: DINIZ, Eli; BOSCHI, Raul.
Modernização e consolidação democrática no Brasil: dilemas da Nova República. São Paulo: Vértice, 1989. p.
77-187.
68
FAUSTO,op. cit.
69
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 1998. p.556.
70
ARTURI, Carlos S. Transição Política e Consolidação da Democracia: notas a partir da experiência brasileira. In:
Elisa Reis (ORG) POLITICA E CULTURA. São Paulo: HUCITEC, 1996. 142-166.
33
Conforme Arturi, com a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, o PMDB e outros partidos
de oposição se engajaram publicamente nas eleições presidenciais pelo colégio eleitoral. As
articulações políticas que certamente ocorreram na arena do Congresso resultaram na coligação
do PMDB-PFL,
71
conhecida como a coligação da “Aliança Democrática”, que lançou o ex-
presidente do partido governista, Senador José Sarney, como vice-presidente de Tancredo Neves,
para a disputa das eleições presidenciais no colégio eleitoral.
72
Por caminhos complexos de pactos políticos entre candidatos oposicionistas e o partido da
situação foi possível ao sistema eleitoral autoritário administrar qualquer turbulência na reta final
da liberação. Conforme os estudos de Arturi, este fator foi favorecido principalmente em
conseqüência do gradualismo e pela longa duração daquele processo, o que permitiu o
transformismo político de muitos atores. Para o autor, embora tenha a oposição chegado ao
poder, em um processo de “transição pelo alto,” a consolidação da democracia ainda estava por
se consolidar.
73
2.2 Temas e demandas da política econômica
Pode-se julgar uma determinada política econômica segundo vários critérios. Nesta
pesquisa considerou-se a abertura política intimamente ligada ao destino do modelo econômico
do regime e da complexa aliança que o sustentava na tentativa de legitimar uma ordem política
excludente. Neste sentido consideramos a política econômica do regime tema de primordial
importância no sentido identificar as preocupações, as demandas, propostas e as críticas da
Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul, quanto à política do regime. Não é
intenção estabelecer neste momento uma discussão teórica sobre o desenvolvimento econômico
do período, e sim, descrever as medidas econômicas adotadas pelo regime e suas conseqüências.
71
Em julho de 1984, com a indicação de Paulo Maluf a candidato do partido a presidência de Republica, o vice-
presidente da república, Aureliano Chaves, retira a sua candidatura pelo partido, e passa a trabalhar em um projeto de
dissidência de uma Frente Liberal, que deu origem a um novo partido, o Partido da Frente liberal (PFL). Este se
aproximou do PMDB e formaram aliança contra a candidatura de Paulo Maluf. Ver em:
FAUSTO, op. cit., p 511.
72
Ibid., p. 154.
73
ARTURI, 1996, passim.
34
O cenário econômico mundial até 1973, mantinha uma crescente oferta de recursos
financeiros no euromercado.
74
Situação que proporcionou aos bancos mundiais concederem
empréstimos com prazo cada vez mais alongado e buscavam clientes novos dentro e fora dos
Estados Unidos da América (EUA). Com a crise do petróleo no final de 1973,
75
este cenário se
altera, ocorre, então, uma grande demanda no volume na concessão de empréstimo privado
nacional. Os países capitalistas altamente industrializados adotam medidas recessivas a fim de se
ajustarem à nova realidade. Entre estas novas alterações estava do valor da moeda, que
desencadeou a instalação de uma forte crise econômica internacional. Uma característica
principal neste contexto foi a coexistência dos fenômenos de recessão e inflação. Conforme
Fernando Meinhardt:
As divergentes performances das economias capitalistas avançadas eram, na virada da
década, um indicador dos limites do contínuo crescimento em expansão. E, o ano de
1973, antecedente ao período recessivo de 1974-1975, pode ser considerado o marco do
final do período de crescimento sustentado pós-guerra dos países ocidentais.
76
Mesmo com estes antecedentes, ainda assim, a economia mundial entre 1975 a 1979,
teve um crescente aumento. No entanto, este quadro volta a se alterar com o segundo choque do
petróleo em 1979-1980. Segundo Meinhardt, tais mudanças provocaram um significativo impacto
principalmente nos países em desenvolvimento que ao financiar suas políticas econômicas
contraíram uma ampla dívida externa na base de juros flutuantes, situação que irá levar estes
países na década de 1980, a uma inadimplência quanto ao pagamento de suas dívidas, fazendo
com que o mercado financeiro internacional partisse para uma exigência de um programa com
ajustamento macroeconômico supervisionado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
77
74
Na dedada de 1970, a estrutura oligopolista relativamente cerrada foi desestabilizada pela entrada de novos bancos.
Tem-se um cenário de grande demanda interbancária de lares no mercado de euromoedas. O rigor dessas
transações para a obtenção de crédito era baseado perante um acesso relativamente instantâneo e de forma
indiscriminada proporcionada pela operação de um mercado ágil e informal. Esta forma favorecia a aquisição a
volumes crescente de empréstimo através dos consórcios bancários baseado no endividamento bancário. Ver em:
LIMA, M. L. P. O euromercado e a expansão do mercado financeiro internacional. Campinas: UNICAMP,
1985.
75
O choque do petróleo ocorrido em novembro de 1973, foi em conseqüência da chamada guerra do Yom Kippur,
movida pelos estados Árabes contra Israel. Esta situação criou uns ajustes nas economias dos estados em função do
preço do produto que quadruplicou seu valor. Ver em: WENER, Baer. A Economia Brasileira. ed. São Paulo:
Nobel, 2002; FAUTO, Boris. História do Brasil. 6º ed. São Paulo: FUNDUSP, 1998. Entre outros.
76
MEINHARDT. Fernando. As transformações no sistema financeiro internacional e o endividamento
brasileiro: uma visão a partir de Minsky. ANÁLISE: Porto Alegre, V. 6, nº. 1, p. 3-22, 1995, p. 8.
77
MEINHARDT, 1995, p. 13 et seq.
35
Eli Diniz,
78
em linhas gerais, classifica os interesses da política econômica do regime
instaurada com o golpe militar em 1964, comprometido com o setor privado da economia e com
um dado padrão de desenvolvimento capitalista. Dentro desta ótica a autora apresentou duas fases
aos primeiros dez anos do golpe militar. A primeira fase (1964-67) priorizou o desmantelamento
das organizações, partidos e lideranças da antiga ordem. economicamente considerava prioridade
uma política de contenção à inflação, e para tanto, foram implantadas políticas restritivas
centradas principalmente no controle de salários e dos meios de pagamentos da conta do Estado.
A segunda (1968-74) buscou a legitimação do regime através da sua política econômica
proporcionada pelos resultados positivos, que nesta época teve seu auge no denominado “Milagre
Econômico”.
79
Neste período instalou-se no país um desenvolvimento capitalista baseado em
forte intervenção estatal, uma internacionalização da economia e uma concentração oligopolista
da produção. Os empresários, em meio a este êxito econômico abriram mão da gerência política e
econômica do país em troca da tranqüilidade política e econômica e do desenvolvimento
acelerado, predominando uma visão otimista quanto à eficácia do modelo formulado pela
coalizão dirigente.
80
A partir de 1974, a política econômica do governo Geisel, é marcada por equívocas
hesitações e contradições. Segundo Luciano G. Coutinho,
81
entre 1974 e 1978 o regime objetivou
sustentar as elevadas taxas de investimentos contidas na fase do ‘milagre’, embora, em um
contexto mundial diferente do governo anterior, em que foi possível projetar uma política de
crescimento. A conjuntura econômica mundial que veio para modificar este quadro está
configurada no “choque do petróleo”, no final de 1973, o qual alterou o clima da economia
78
DINIZ, Eli. Empresário e Transição Política no Brasil: problemas e perspectiva. Brasília: Sociedade e Estado,
1 (2) 65-88, jul./dez. 1986.
79
A expressão milagre brasileiro decorre de fenômenos idênticos ocorridos na Alemanha Ocidental e no Japão nas
décadas anteriores. As dificuldades de explicar a rapidez com que a Alemanha se reerguia das ruínas da guerra -
motivo de surpresa e admiração-leva profissionais da imprensa (e a outros) a divulgarem o fenômeno como Milagre
Alemão. O Japão, outro país atingido pela guerra projeta-se economicamente no mundo, com grande força e poder
de competitividade nos anos sessenta, o que leva os analistas a identificarem o fenômeno como o Milagre Japonês.
Aproveitando a onda e capitalizando também êxito esportivo como a conquista do tricampeonato mundial no México
- assim como a economia brasileira começa a apresentar altas taxas de crescimento em anos sucessivos, o governo
militar procura difundir a imagem de que a década de setenta seria a vez do milagre brasileiro. Cf. BRUM;
Argemiro, 1990.
80
DINIZ, Eli. Empresário e transição política no Brasil: Problemas e perspectiva. Caderno de Conjuntura: Rio
de Janeiro, Iuperj, 1984.
81
COUTINHO, Luciano. Inflexões e crise política econômica: 1974-1980. Revista de Economia Política. São
Paulo: Brasiliense, 1981. p. 77-100.
36
internacional particularmente nos países centrais. A economia mundial, antes em expansão,
entrou em decréscimo de produção fazendo que os paises centrais buscassem uma nova política
econômica a fim de manter o equilíbrio das suas economias frente ao quadro desfavorável no
qual o mundo acabava de ser sacudido.
Para Cyro Resende,
82
a nova realidade no quadro econômico da política internacional
necessitaria por parte do regime um ajuste estrutural, a fim de poder administrar a inevitável
recessão, para no futuro próximo retomar o crescimento a partir de uma posição de equilíbrio.
Conforme Resende, esta medida não foi possível em circunstância de que:
O problema era que o regime se legitimava politicamente por meio do desenvolvimento
econômico. Portanto, a dimensão do problema foi propositalmente ignorada e optou-se
não só pela manutenção do crescimento, mas também pelo seu aperfeiçoamento.
83
Animado pelo momento das altas taxas de crescimento da economia e, ignorando a crise
econômica mundial e seus desdobramentos o governo Geisel, seguiu em ritmo acelerado no
crescimento econômico, propagando o Brasil como Potência Emergente no contexto
internacional.
84
Segundo Resende, a produção de bens de consumo considerada o carro-chefe da
economia do regime já era auto-suficiente em 1974, neste âmbito econômico o objetivo básico da
administração Geisel, foi: tornar o país capaz de suprir suas necessidades de bens de produção,
completando o processo de industrialização substitutiva de importações.”
85
Neste contexto o
governo lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O regime militar, com o novo
plano econômico, procurou implantar a terceira fase do processo de substituição de importação,
isto é, um novo lastro econômico industrial que passaria a comandar a economia brasileira: a
produção de bens de capital e de insumos básicos (definimos como bens de capital aqueles bens
que integram o ciclo produtivo, mas nele não era consumido inteiramente, caso típico de
máquinas e ferramentas, e como insumos básicos estão o petróleo, aço, alumínio, fertilizantes
etc.).
82
RESENDE, Cyro B. Economia Brasileira Contemporânea. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2000.
83
Ibid., P. 49.
84
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O presente como história: economia política no Brasil pós-64. São Paulo:
UNICAMP, 1997.
85
RESENDE, Cyro B. Economia Brasileira Contemporânea. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2002. P. 149.
37
O II PND com a proposta de redefinir o perfil da indústria brasileira tratou de incentivar o
fortalecimento da articulação das empresas estatais/indústria nacional de bens de capital. Para
Boris Fausto,
86
a empresa estatal era o ‘esteio’ desta nova política, segundo o autor: Os
gigantescos investimentos a cargo do sistema Eletrobrás, da Petrobras, da Embratel e de outras
empresas públicas eram, a rigor, o sustentáculo do programa”.
87
Para tanto, Segundo Carlos
Lessa,
88
o PND prevê o fortalecimento da empresa privada nacional em função de seu novo papel
na política de desenvolvimento, uma vez que, constitui a parte mais fraca do tripé em que se
assenta a economia nacional: empresa estatal , empresas estrangeiras e empresas privadas
nacionais. Embora a previsão de grandes estímulos às empresas privadas nacionais, alguns
empresários (em especial de São Paulo) sentiram-se ameaçados quanto a intervenção do Estado
na economia, dada a posição estratégica das estatais, gerando, assim, uma campanha contra a
política econômica do governo, tendo em vista o excessivo intervencionismo do Estado.
89
O governo Geisel para poder financiar as empresas privadas nacionais, colocou à
disposição os recursos financeiros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Conforme Argemiro J. Brum,
90
a forma de financiamento proposta pelo governo foi elevada para
o empresariado-nacional pois, “esta intermediação dos recursos públicos, originariamente
baratos, encarece o custo do dinheiro para a elevação das taxas de juros, o que favorece os bancos
e prejudica as empresas, já bastantes endividadas.”
91
O II PND carregou consigo um discurso favorável para com o setor de bens de capital
fazendo com que boa parcela do empresariado nacional aderisse a este setor com bastante
confiança. Conforme Brum, a demanda de pedidos a este setor é feita pelo governo e pelas
estatais, porém, no seu entendimento, esta confiança não se apresenta tão segura assim, conforme
o autor:
Contudo, como se trata de indústria altamente sofisticada e que exigem alta tecnologia, a
situação da empresa privada nacional não é tão segura como se deseja ou se poderia
86
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª Edição. São Paulo: FDE, 1998. p. 491.
87
Ibid., P.496.
88
LESSA, Carlos. Estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso. São Paulo: UNICAMP 1992.
89
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 1998.
90
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Ijui: FINDENE, 1982.
91
Ibid., p. 206
38
imaginar. Cerca de 90% da tecnologia usada no setor é importada do exterior das
multinacionais.
92
A crise econômica internacional desencadeada pela alta do petróleo agravou ainda mais a
economia no governo Geisel, bem como as importações de produtos industriais e as matérias
primas, as quais mantêm seus preços em constante alta. O regime, que tinha limitados recursos
financeiros viu-se obrigado a recorrer aos financiamentos externos que lhe eram oferecidos.
Segundo Brum, de 1976 a 1977 o presidente Geisel, viajou ao Japão, à Inglaterra, à Alemanha e à
França. Viagens que tiveram como objetivo firmar contratos para financiamentos e compras
volumosas. Para Brum, esta estratégia do governo brasileiro de criar um endividamento para o
país, o que contava com a tradicional vinculação com os Estados Unidos da América, levou o
empresário nacional (principalmente os de bens de Capital) a um descontentamento. Fazendo
com que a classe industrial fosse um dos primeiros segmentos da sociedade brasileira a se
pronunciar publicamente na imprensa contra a política do governo e a defender a volta do Estado
de Direito. Embora as medidas fossem tomadas pelo governo, estas, por sua vez, não se
caracterizaram de forma voluntária pelos estrategistas do governo, conforme o autor:
Obviamente, a decisão de comprar no exterior, em vez de fazer encomendas à indústria
nacional, não decorre de uma maldade intrínseca de pessoas que ocupam cargo no
escalão do governo. Resulta, sim, de exigência do complexo financeiro-industrial, que
condiciona a concessão de novos financiamentos a compras de bens de indústria de
propriedade dos mesmos grupos que controlam os bancos.
93
No segundo semestre de 1976, a estratégia do II PND começou a dar sinais de abandono.
O governo militar, ciente das dificuldades para levar adiante seus projetos de desenvolvimento,
abandonou em parte as metas do IIPND. Conforme Coutinho,
94
entre 1976 a 1978, a política
econômica do regime articulou-se em uma estratégia contencionista, levando em conta comprimir
a expansão do crédito com liberação das taxas de juros e no controle da expansão do gasto
público total. Tais medidas, segundo o autor, estavam condicionadas pelos estrategistas
econômicos do regime quanto a uma perspectiva de que:
A subida da taxas de juros desestimularia o gasto e o investimento privado e arrefeceria
a ‘demanda’ por crédito por partes das empresas, enquanto e contenção do gato total do
92
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Ijui: FINDENE, 1982. p.206
93
Ibid.,p. 207.
94
COUTINHO, Luciano. Inflexões e crise política econômica: 1974-1980. Revista de Economia Política. São
Paulo: Brasiliense, 1981. p. 77-100.
39
setor público contribuiria para desaquecer o ritmo de crescimento da demanda agregada.
Por outro lado, a subida da taxa de juros facilitaria a correção dos desequilíbrios dos
financiamentos externos viabilizando uma entrada substancial de empréstimo em
moedas, com o objetivo de compor o vel de reserva externa e racionalizar o perfil de
amortização.
95
O resultado deste conjunto de medidas surtiu efeito sobre o crescimento industrial, pois a
taxa de inflação se estabilizou momentaneamente e, as críticas dos empresários quanto ao
abandono do II PND e a política contencionista do regime receberam uma trégua. No entanto este
momento duraria pouco. A reaceleração da inflação no último trimestre de 1977 e daí por diante
até 1979 irá comprometer a política econômica do regime.
O general Figueiredo, último presidente militar, assumiu em março de 1979. Uma vez
que a legitimidade do regime tem em uma de suas bases de sustentação o crescimento
econômico, o governo Figueiredo pretendia considerando a realidade das dificuldades
econômicas do país, efetuar ajustes estruturais mesmo extremamente necessários que
implicassem na redução do crescimento econômico.
96
Com a renúncia de Mario Henrique Simonsen,
97
chefe da Secretaria do Planejamento da
Presidência da República, voltou para a direção da política econômica do regime, Delfim Neto ( o
qual esteve no comando da política econômica no período do “milagre econômico” (1969-73), na
expectativa da realização de um novo “milagre”.
Em conseqüência do segundo choque do petróleo em junho de 1979, que duplicou os
preços do barril de 16 para 32 dólares ocasionando assim as altas dos preços nas importações, os
indicadores econômicos apontavam para uma urgente mudança na política da balança comercial
do país. Nesta conjuntura o ministro Delfin Neto, articulou uma estratégia de conciliar um
crescimento acelerado com uma política gradualista de combate à inflação, lançando um
programa emergencial: o III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND).
95
Ibid., p. 79.
96
RESENDE, Cyro B. Economia Brasileira Contemporânea. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 156.
97
Simonsen fora durante o governo Geisel Ministro de fazenda e, nos primeiros meses do governo Figueiredo,
assume o cargo de todo poderoso Ministro-chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República.
Simonsen, na tentativa de impor uma política de restrições sofreu a oposição de vários setores, desacreditado pede
demissão em agosto de 1979. Ver em: SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Entre outros.
40
Conforme Argemiro Brum, nos objetivos em que se estruturava o III PND, estavam: o
crescimento acelerado da economia que tinha na empresa nacional a base para o contingente da
mão de obra; os equilíbrios regionais; um novo padrão energético, tendo como prioridade o
aumento da produção nacional do petróleo e da produção alternativa do álcool de cana; o
aperfeiçoamento do estado de direito democrático; equilíbrio do balanço de pagamento; controle
da dívida externa e o desenvolvimento da agropecuária, na qual, o governo irá depositar a grande
esperança para retomada do equilíbrio econômico.
98
Na concepção do autor, os objetivos gerais
do III PND, são apenas um plano de intenções, pois:
Sua idéia central é a busca de uma compatibilização entre um crescimento econômico
acelerado com aumento expressivo do número de empregos e a necessidade de uma
política de contenção da inflação, controle do desequilíbrio externo e distribuição
individual e regional da renda e da riqueza. Tarefa muito difícil, se não impossível,
naquelas circunstâncias. O III PND 1980-85 contém muita retórica e pouca
objetividade.
99
Para Carlos Schmidt Arturi,
100
os três primeiros anos da década de 1980 foram marcados
por um período recessivo da economia brasileira, situação que foi agravada tanto pela crise
internacional (o segundo choque do petróleo), como pela ruptura do ciclo expansivo da economia
nacional desde a segunda metade da década de 1970. Nesta conjuntura em que não havia
condições de manter um crescimento econômico mediante as condições estruturais e conjunturais
da economia brasileira e de suas relações com a economia mundial, o governo Figueiredo
praticamente esqueceu o III PND e passou a administrar a crise, ou, por ela sendo administrado.
A ação da política econômica do regime militar, naturalmente reflete-se no
comportamento dos demais agentes econômicos que neste período são considerados os maiores
males da economia brasileira, o endividamento externo, a balança de pagamentos e a inflação.
Dada a sua importância em relação com a política econômica do regime, julgamos necessárias
algumas considerações.
98
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Ijui: FINDENE, 1982, p.226.
99
Ibid., p.227.
100
ARTURI Carlos S. O empresariado industrial e a abertura política no Brasil (1978 – 1984). Dissertação Porto
Alegre: UFRGS, 1989.
41
Para Werner Baer,
101
o aumento da dívida externa brasileira entre 1974 e 1979 está
intimamente ligado a decisão política do regime na concepção de altas taxas de crescimento da
economia. De fato o governo Geisel, nos primeiros meses da sua administração, adotou uma
política econômica baseada em metas monetárias e fiscais restritivas para manter a demanda sob
controle, e a partir de 1975, é dado impulso no crescimento econômico com a implementação do
II PND.
Conforme João Paulo dos Reis Velloso,
102
a opção pelo crescimento implicou no aumento
da dívida externa, no entanto, o crescimento por meio da dívida era justificado, pois, sem os
empréstimos no exterior não teria sido possível ao Brasil pagar a conta do petróleo e continuar a
importar as importantes matérias-primas necessárias à produção industrial. Em contrapartida tais
empréstimos tornariam possível criar programas de investimentos no setor de substituição de
importação, criando novas divisas ao país.
103
Para Thomas Skidmore,
104
contudo, o crescimento baseado na dívida caracterizava
notórios problemas:
Se os volumosos empréstimos diminuíssem ou cessassem, o crescimento do Brasil teria
igual comportamento. Em segundo lugar, a maioria dos empréstimos dos bancos
comerciais cobrava uma taxa de juros vinculada à prime rate’ do mercado do eurodólar
de Londres ou Nova York. Era impossível, portanto, prever o encargo da divida no
futuro, o que era preocupante numa fase de taxas de juros sabidamente estáveis. Em
terceiro lugar, a febre do empréstimo tornara o setor privado especialmente vulnerável.
A maior parte da divida (70 por cento segundo estimativa da ECLA) fora feita pelo setor
privado que achava os juros do eurodólar mais baixos do que os brasileiros.
105
Podemos enunciar um conjunto de análises extremamente agregativo sobre o conteúdo do
programa de desenvolvimento baseado na dívida externa, a exemplo de muitos projetos que
resultaram em programas benéficos ao crescimento das exportações e na substituição de
importações do país. No entanto, Baer considera que alguns programas do desenvolvimento
econômico, tiveram por parte do regime, muito desperdício, como:
101
WERNER, Baer. A Economia Brasileira. 2º ed. São Paulo: Nobel, 2002.
102
VELLOSO, Paulo R. O último trem para Paris. Rio de janeiro: Nova Fronteira 1986.
103
VELOSO, 1986, p. 37 et seq.
104
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
105
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.p.404.
42
As imensas reservas de energia hidrelétrica, pode-se querer saber se havia sentido em
realizar os grandes investimentos em energia nuclear, que foram iniciado no governo
Geisel (a maioria nem ao menos estava completa em 1987), ou se justificavam as
grandes somas gastas na construção de novas usinas siderúrgicas, considerando a baixa
demanda mundial por aço a final de década de 1970 e início de 1980.
106
Esses investimentos demandaram da política econômica um grande número de
importações, que contribuíram para aumentar a dívida externa do país. A situação se complica
ainda mais com o segundo choque do petróleo. Tendo o Brasil contraído maioria dos seus
empréstimos a uma taxa de juros flexível e, a economia mundial aumentado automaticamente a
suas taxas de juros em função das rígidas políticas monetárias internas dos Estados Unidos da
América, fez com que o país tenha não um aumento em seus novos empréstimos, mas também
na sua dívida não liquidada.
107
Diante da nova conjuntura, tornava-se mais difícil financiar o déficit externo. O governo
Figueiredo tomou medidas restritivas como: impor limites ao aumento de empréstimos de
intermediários e financeiros, as tarifas de serviço público foi reajustada, os investimentos das
estatais tiveram em parte seus investimentos reduzidos, reduções de subsídios, elevação e pré-
fixação da carga tributária, controle da especulação financeira, entre outras.
108
Em 1982, um outro choque externo viria a agravar a economia brasileira, a moratória da
dívida mexicana. Esta medida de inadimplência tomada por um país em desenvolvimento fez
com que o mercado mundial fechasse seus financiamentos para a dívida latino-americana.
109
Conforme Brum,
110
terminara a abundância de crédito externo com a qual o Brasil
financiava o crescimento acelerado da economia, que passa a ser administrado pela sua nova
realidade econômica, obrigava-se agora a seguir as exigências de seus credores. Após algumas
negociações com os credores, o governo Figueiredo no início de 1983, assinou uma carta de
106
WERNER, Baer. A Economia Brasileira. 2º ed. São Paulo: Nobel, 2002, p.114.
107
Ibid., p.115.
108
ARTURI Carlos S. O empresariado industrial e a abertura política no Brasil (1978 – 1984). Dissertação Porto
Alegre: UFRGS, 1989.
109
WENER, op. cit., p. 121.
110
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Ijui: FINDENE, 1982.
43
intenção com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O país agora era um fornecedor de capital
para o exterior, particularmente para os bancos credores dos países centrais.
111
A balança comercial brasileira entre 1974 a 1978 sofreu um forte desequilíbrio. As
importações no ano de 1973 dobraram de valor e, em 1974 puxadas pela alta do petróleo mantêm
este patamar até 1978. Conforme Skidmore,
112
o Brasil enfrentou a crise de desequilíbrio da
balança comercial, recorrendo a suas reservas cambiais e aumentando a sua divida externa. No
entendimento do autor a salvação do Brasil foi o ingresso maciço do capital estrangeiro
principalmente de empréstimos.
113
A economia no governo Figueiredo sofreu profundas mudanças em circunstâncias do
quadro econômico mundial (segundo choque do petróleo, recessão econômica nos países
capitalistas desenvolvidos, elevação das taxas de juros no mercado internacional, suspensão de
empréstimo aos países endividados da América do Sul.). Este panorama na economia mundial
agravou ainda mais o déficit da balança comercial do país. A política econômica do governo
militar na tentativa de reverter a situação vai estimular as exportações com objetivo de evitar uma
crise cambial.
O regime autoritário instalado em 1964 tinha como um dos principais objetivos a
eliminação da inflação e das distorções por ela provocadas. De 1968 até 1973 a política do
governo conseguiu importantes resultados no combate à inflação. Situação que foi possível
mediante uma combinação de medidas-padrão de estabilização fiscal e monetária, uma política
salarial restritiva, controle rigoroso de preços e estímulo à poupança. No entanto, o nível
inflacionário, segundo Baer,
114
que se manteve neste período na casa de 15%, começou a sofrer
alterações a partir de 1974, a inflação neste ano mais que duplicou chegando aos limites de 30%
a 48% ao ano, tendo a partir daí uma crescente alta dos seus índices . Em 1978 a inflação chegou
100%, em 1979 passou dos 100%, em 1981 atingiu o patamar de 211% e, em 1983-84 224%.
115
111
BRUM, Argemiro J. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Ijui: FINDENE, 1982. p.231.
112
SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. 8º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
113
Ibid., p.403.
114
WERNER, Baer. A Economia Brasileira. 2º ed. São Paulo: Nobel, 2002.
115
Ibid., p.139.
44
Embora o crescimento da inflação tenha preocupado muitos colaboradores ou não do
regime, sua elevação no governo Geisel, pode ser analisada mediante a posição de seus
estrategistas que, entre trabalhar em um projeto de combate à inflação ou manter o crescimento
econômico, fazem a opção pelo segundo. Os estrategistas do regime, utilizando uma política de
indexação e minidesvalorizações, conseguiram impedir que as altas taxas inflacionárias
distorcessem gravemente os preços relativos.
A política econômica do governo Figueiredo, diante de uma economia em processo de
deterioração, trabalhou com objetivos imediatos ao combate inflacionário. Para tanto, propôs uma
política de desaceleração ou desaquecimento da economia. Proposta que desagradou o meio
empresarial, em virtude de que esta medida veio a ocasionar a retração dos investimentos
industriais. A inflação disparou e, a confiabilidade no programa econômico do governo por parte
dos empresários entrou em descrédito, na insegurança e no pessimismo.
Ciro Resende denomina o período de 1978-83 como um “buraco negro
116
” (grifo do
autor). O período revelou-se como um pesadelo para o regime autoritário, apesar de medidas
emergenciais adotadas, e a economia entrou em profunda recessão, sendo que a inflação atingiu
índices astronômicos.
117
Dentro deste panorama econômico o setor industrial sofreu sua maior recessão, e o setor
de bens de capital, que fora estimulado no governo Geisel, desde 1980 veio apresentando grandes
quedas de produção. As empresas estatais reduziram seus investimentos e consequentemente
atrasaram seus pagamentos. Nesta nova realidade econômica, as empresas que tinham
disponibilidade de capital começaram a investir em outro tipo de mercado:
O Brasil no novo contexto econômico adquiriu um perfil inovador a “estagflação” (termo
econômico utilizado pelos cientistas da teoria ortodoxa), que associa a estagnação do crescimento
econômico com os altos índices da inflação.
116
Grifo do autor
117
RESENDE, Cyro B. Economia Brasileira Contemporânea. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2002. p. 158-159.
45
O desempenho da economia tido como um dos pontos da legitimidade do regime passa
então, a agir de forma contrária. Quando na década de 1970 e no início de 1980 as taxas de
crescimento começaram a cair e por fim tornaram-se negativas. Tendo ocorrido o primeiro
choque do petróleo no final do ano 1973, o regime no inicio de 1974, decidiu reagir
desenvolvendo um programa em larga escala de substituição de importação direcionado ao setor
de bens de capital e aço. A infra-estrutura, como a do setor de energia foi amplamente
incentivada (como por exemplo, a hidroelétrica de Itaipu). Para facilitar o programa o Brasil fez
uso de expressivos empréstimos no exterior (a lógica do crescimento sustentado pela dívida dos
anos de 1975-80). Com o segundo choque do petróleo e o choque das taxas de juros em 1980, o
crescimento econômico, mediante as altas taxa de inflação, entrou em estagnação.
2.3 O empresário da indústria nacional
tivemos oportunidade de ressaltar neste trabalho (embora de uma forma resumida) uma
leitura quanto à estratégia de orientação política e econômica do governo Geisel e Figueiredo.
Tendo em vista este contexto, procuramos, nesta parte da pesquisa intensificar, dentro das nossas
limitações, as atitudes e o pensamento dos empresários da indústria no início no governo Geisel,
que se intensificaram a partir de então. Nesta perspectiva entendemos que seja promissor relatar
um conjunto de trabalhos existentes, que abordam o empresário industrial e a sua participação
política no contexto nacional.
Nos estudos que consideramos pertinentes sobre a atuação do empresário industrial
brasileiro encontramos duas importantes linhas de pesquisa. Uma considera o empresário
industrial como uma classe desorganizada, incapaz de formular e programar projetos de
hegemonia. A outra insere o empresário industrial no contexto de um grupo de pressão eficiente,
tendo formação política e ideologicamente hegemônica. No primeiro grupo destacamos os
trabalhos de Fernando Henrique Cardoso e Luciano Martins, que sustentam conceitos restritivos à
atuação dos empresários. No segundo estão os trabalho de Eli Diniz, Renato Raul Boschi, Bresser
Perreira, entre outros.
46
Fernando Henrique Cardoso,
118
em sua análise do pós-1964, descreveu que a relação
estabelecida entre o regime autoritário e o empresariado desenvolvia-se através de múltiplos
canais de acesso às diferentes instâncias de regulação econômica. Estes canais incluíam contatos
institucionais estabelecidos através das organizações oficiais dos empresários (como as
federações de indústria e comércio), relações pessoais e clientelísticas entre empresários, os
ministros e os anéis burocráticos.
119
Conforme o autor, os industriais tinham se constituído como
camada social muito rapidamente e, para agravar tal deficiência, a origem não industrial da
grande maioria dificultaria a ação de classe. Esta heterogeneidade, por sua vez, caracterizava o
empresário da indústria como fator de inibição à construção de seus valores políticos.
120
Na sua ótica, Cardoso diz que os industriais tenderiam a valorizar sempre suas empresas
particulares em detrimento dos problemas gerais da indústria, da economia ou do país. Conforme
as conclusões do autor, quanto ao papel do empresário na transição do regime autoritário, e de
que, este frente a uma nova conjuntura, comprou o projeto de abertura como forma de manobra, a
qual, não visava seus interesses imediatos. Segundo Fernando Henrique Cardoso,
[...] essa articulação ideológica vai além da simples transposição do interesse econômico
imediato no plano do discurso. Mas o projeto que finalmente vem endossado da
liderança empresarial (e de suas bases) não é outro senão o do governo. Não se trata de
uma emergência de uma corrente democrática hegemônica que veja a sociedade civil
como fonte de poder, nos partidos sua instrumentação e no regime burocrático seus
objetivos. (embora existam empresários que, individualmente, assim pensem.) Trata-se,
antes, da contrapartida no empresariado de uma liberação controlada.
121
Cardoso reafirma esta posição mediante a constatação de um episódio acontecido em
1978, referente às reivindicações do movimento operário que explodem em greves
(principalmente dos metalúrgicos). Os empresários, então, se afastam da cena política, deixando
que o Estado intervenha. De acordo com Cardoso,
118
CARDOSO, Fernando Henrique. O papel do empresário no processo de transição: o caso brasileiro. Rio de
Janeiro: Dados Vol. 26, nº. 1 p. 9-27, 1983.
119
Segundo a teoria de Cardoso, os anéis burocráticos se formam no interior do aparelho do estado sob condução de
alguns funcionários-aliados e é por intermédio deles que o empresário faz sua política nos regimes autoritários. Ver
em: CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
120
CARDOSO, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo:
Difel, 1964.
121
Id. Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p.24.
47
É inegável que a partir deste momento o governo Figueiredo passou a ser encarado pelos
empresários, senão como um aliado, como uma barreira necessária para conter a
sofreguidão com que a pressão liberalizante, ao sopro das massas, deslocava-se do plano
institucional para o plano social.
122
Na concepção de Cardoso
123
, não é possível abrir um leque de possibilidade na construção
de uma hegemonia empresarial constituída a partir de um ideário de sociedade democrática.
124
Luciano Martins,
125
com conclusões bastante semelhantes às de Cardoso, entre 1966 e
março de 1967, período em que o governo mantinha uma política econômica restritiva para
realização das suas reformas econômicas, realizou pesquisas que permitiram ao autor chegar a
conclusões referentes à incapacidade histórica do empresário da indústria de formular um projeto
nacional. Conforme Martins, o empresário adquiriu consciência de seu papel secundário no
processo de formulação política durante o governo Castelo Branco (15 de abril de 1964 a 15 de
março de 1967).
A base de argumentação de Martins
126
, que se opõe a uma hegemonia política do setor, é
sustentada pela idéia de que foi o Estado o responsável pelo processo de industrialização no
Brasil e, pelo regime autoritário pós-1964, este processo foi tremendamente acelerado. Tal
processo, portanto, estabeleceu uma parceria entre a ideologia do regime e os interesses
empresariais.
127
Conforme Martins,
128
as características do Estado autoritário na década de 1960 e a
inexistência de uma organização única do empresariado, que permitisse a negociação de questões
políticas e econômicas gerais, fez com que a relação dos empresários aprofundasse de forma
122
CARDOSO, Fernando Henrique. O papel do empresário no processo de transição: o caso brasileiro. Rio de
Janeiro: Dados Vol. 26, nº. 1 p. 9-27, 1983. p;23.
123
Ibid.
124
Mantendo-se fiel ao que disse depois de eleito (Presidente de República), “esqueçam o que eu escrevi” Fernando
Henrique Cardoso teve outra postura quanto a sua posição relacionada ao empresário da indústria, tendo esse como
parceiro incondicional durante os seus dois governos. (declaração divulgada em vários meios de comunicação do
período).
125
MARTINS, Luciano. Formação do empresário industrial no Brasil. Revista Civilização Brasileira. Rio de
Janeiro, nº. 13, maio de 1967.
126
Id. Estado capitalista e burocracia no Brasil. Rio de janeiro: Paz e terra, 1985.
127
O’DONEL; SCHIMITTER (Org.). Transição do regime autoritário: América Latina. São Paulo: Vértice,
1988.
128
Id. Estatização da economia ou privatização do Estado? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
48
setorizada com os organismos estatais, isto porque o Estado autoritário era forte e centralizador
em relação à definição da política econômica, mas descentralizador quanto à aplicação desta
mesma política, que era pulverizada entre os diferentes ministérios, agências de financiamentos e
conselhos econômicos.
As obras de Cardoso e Martins, que analisam o comportamento do empresário industrial de
forma depreciativa, têm como pano de fundo o processo de formação do capitalismo e suas
conseqüência na constituição das classes sociais. As condições históricas, culturais e econômicas
que determinaram à possibilidade de atuação dos empresários brasileiros divergem muito da dos
países desenvolvidos da época. Economicamente, já muito se encontravam em desvantagem dado
o avanço tecnológico, comercial, tipo de empresa etc. O empresário nacional, neste contexto
social, não tinha condições de competir com estas classes organizadas, as quais interferiam na
liberdade das empresas brasileiras direta e indiretamente e através do próprio Estado. No âmbito
político, a empresa nacional era conduzida pelo Estado, que tinha como missão destruir a
influência das bases tradicionais de dominação latifundiária local e estava comprometido com
certos acordos no mercado internacional (grupos de empresas e Estados políticos dominantes), a
fim de possibilitar levar adiante o projeto de industrialização no país.
129
Em outras análises que descrevem a participação do empresário industrial, encontramos um
posicionamento que considera, apesar de sua condição política adversa, que a classe consegue
articular e estabelecer sua posição no processo decisório da política na qual estavam os seus
interesses. Eli Diniz e Renato Raul Boschi, entre outros, têm como perspectiva que a participação
dos empresários não foi tão hegemônica, entretanto esta não pode ser considerada sem expressão.
Em uma pesquisa que tem como período de análise os anos de 1930 a 1945, Diniz coloca o
Estado e a sociedade em uma relação integrada. Não querendo afirmar um objetivo dualista, ora
enfatizando o papel do Estado, ora atribuindo um papel importante ao empresário, mas não o
consagrando como ator político hegemônico no processo de instauração de uma nova ordem
econômica e social, mas sim como um ator estratégico na estrutura de alianças que permitam a
129
CARDOSO, Fernando Henrique. O empresário indústria e desenvolvimento econômico no Brasil. o Paulo:
Difel 1964.
49
concretização de um novo regime. O trabalho de Diniz revela uma elite empresarial que se
destaca dos demais estratos. Os empresários, para ela, possuem um relevante peso econômico e
um grau de sedimentação, consolidação e visibilidade.
130
Boschi, com trabalho referente à participação do empresário industrial entre 1930 e 1964,
considera que, mesmo estando em um contexto de industrialização tardia e o Estado, neste
quadro, ocupando uma posição estratégica, o empresário se articula e se desenvolve na formação
de instituições no decorrer deste período.
131
Na década de 1970, o trabalho de Boschi descreve o empresário com valores e traços
marcadamente autoritários. Segundo ele,
No que se refere aos valores dos empresários, deve-se ressaltar o fato de que é
provavelmente inadequado referir-se à prática política da elite como liberal se o termo
for formado em um sentido clássico. Nosso trabalho empírico sugeriu que, pelo
contrário, mesmo sendo a principal demanda do grupo atualmente de natureza política
(particularmente em termos da ampliação do âmbito da sua própria participação do
processo decisório) os valores políticos fundamentais do empresário revelam traços
fortemente autoritários.
132
Conforme Boschi, esta situação é possibilitada pela ênfase estabelecida na ordem social e
na estabilidade econômica, administrada pelo Estado, que utiliza como prática despolitizar o
debate em torno dos rumos do desenvolvimento.
No trabalho que procura fazer um estudo de caso sobre a indústria de bens de capital
(ABDIB), Boschi descreve que o Estado tinha uma política econômica de interesse prioritário
voltado para o setor (o II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel). As conclusões
da pesquisa, que tem como objetivo estudar o relacionamento do empresário com as agências
econômicas descentralizadas e subordinadas aos ministérios e conselhos econômicos, mostrou
que o empresário de bens de capital (entre 1974-1976) não tinha contradições fundamentais com
a política econômica do governo.
133
130
DINIZ, Eli. Empresário, Estado e o capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
131
BOSCHI, Renato R. Elites Industriais e Democracia. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
132
Ibid., p.175.
133
Ibid.,p. 199.
50
Nos estudos destes autores, os empresários podem ser caracterizados como uma classe
“passiva” na década de 1970, dada as circunstâncias da constituição de um Estado forte e
centralizador. No entanto, na esfera política estavam articulados na busca de questões prioritárias
dos seus interesses, porém não questionavam o elitismo e o caráter fechado do regime, pontos
fundamentais da problemática democrática.
134
Bresser Pereira,
135
em seus estudos relacionados ao final de década de 1970, trabalha com a
análise da hegemonia empresarial e a democracia. O autor considera em seus trabalhos que novos
fatores estruturais e conjunturais deram ao empresário uma posição mais liberal. Conforme
Pereira, esta nova situação ocasionou uma ruptura parcial na aliança política entre o empresário
industrial e a tecnoburocracia estatal. Para o autor, o empresário nunca foi hegemônico nas
classes dominantes. No entanto, as altas taxas de crescimento proporcionadas pelo regime pós-
1964, fizeram com que a classe a empresarial tenha se apropriado de um excedente econômico,
conseguindo assim, obter lucros que lhe proporcionaram certa independência dos recursos do
Estado.
136
Conforme Diniz, nestas novas manifestações dos empresários pode-se perceber o quanto
foi importante o intervencionismo estatal para fortalecer o capitalismo no Brasil. Por outro lado,
o intervencionismo controlado por uma elite burocrática militar vem a ameaçar a hegemonia do
grupo empresarial, que havia conquistado um espaço importante na esfera do desenvolvimento do
país, entretanto sem uma participação efetiva no processo decisório.
137
Percebendo uma mudança de orientação na política do governo Geisel, a historiografia
especializada no empresário da indústria vai desenvolver estudos com enfoque direcionado à
campanha contra a estatização, o que nos permite observar o desempenho político do
empresariado no início do processo de liberação do regime. Podemos, assim, ver importantes
modificações na sua postura e no seu nível de articulação interna. As críticas quanto à forma da
condução político-econômica do governo neste momento passam a ser pelos industriais
134
DINIZ, E. & BOSCHI, R. Empresário nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1978.
135
PERREIRA, Luiz Carlos B. O colapso de uma aliança de classe. São Paulo: Brasiliense, 1978.
136
Ibid., p.16.
137
DINIZ, Eli. Empresário e transição política no Brasil: Problemas e perspectiva. Caderno de Conjuntura: Rio
de Janeiro, Iuperj, 1984.
51
timidamente declaradas. O empresário começa a questionar o próprio regime pela crescente
estatização da economia e pela ausência de uma participação nos órgãos decisórios. A estratégia
de distensão utilizada pelo governo na condução do processo democrático também é questionada.
É possível, levando em conta tais fatos, distinguir uma evolução significativa na autopercepção
da classe a respeito de sua importância e capacidade política.
Celso Lafer
138
destaca que os empresários desfrutaram de uma maior facilidade na
administração dos seus interesses específicos no interior do estado. No entanto, ao mesmo tempo,
a centralização das decisões da política econômica por parte do Estado impediu os empresários
de exercerem sua influência nas estratégicas econômicas. Esta situação, segundo o autor, é uma
das principais causas que vai impulsionar a campanha antiestatizante nos anos de 1974-1976.
Entre os motivos que levaram o empresário a aderir a um movimento político de
redemocratização está à desaceleração da economia a partir de meados da década de 1970. Neste
período ocorrem as primeiras manifestações em oposição aberta a alguns aspectos do regime
autoritário. A questão da centralidade e da intervenção estatal é um dos principais motivos de
descontentamento nos setores empresariais. Em 1974-76, o empresário se expressa contra a
política do regime através da “campanha contra a estatização”. De acordo com Cruz:
Durante um ano e meio, aproximadamente, o governo foi submetido ao fogo cerrado dos
críticos, que denunciavam a presença crescente do Estado nos mais diversos setores da
economia, o avanço irrefreável das empresas públicas, o controle exercido sobre a
distinção da poupança social, os quais estariam sufocando a livre empresa, destruindo o
fundamento da economia de mercado e, dessa forma, solapando as bases do regime de
liberdades individuais encarecido por todos.
139
Embora a campanha contra a estatização não tivesse alcançado seus objetivos explícitos
(assunto que será abordado com maior abertura no capítulo seguinte), logrou importantes
sucessos, como o de ter vendido a imagem de um consenso da classe empresarial em torno da
questão. Neste sentido, graças ao trabalho de Sebastião Velasco Cruz, sabemos que os dirigentes
138
LAFER, Celso. O sistema político brasileiro. São Paulo: Perspectiva, 1978.
139
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995. p.95.
52
desta campanha não são os mesmos que se posicionaram a favor da liberação política e vieram a
constituir a maioria da elite atual do setor.
140
As críticas dos empresários, principalmente a partir de 1978, segundo Diniz,
141
atribuíram
ao empresário um peso decisivo no desencadeamento da transição.
142
Embora o movimento
democratizante tenha se tornado irreversível, no ponto de vista da autora:
[...] as atitudes de protesto da classe empresarial, que tem início no governo Geisel e se
intensificam a partir dos anos 70, não podem ser interpretadas em termos de uma ruptura
radical com o regime, embora tenha contribuído para aprofundar sua crise de
legitimidade e reforçar o movimento oposicionista.
143
Conforme Denise Barbosa Gros,
144
as críticas dos empresários dirigidas ao governo seriam
preponderantes na medida em que paralelamente fosse possível manter uma possibilidade de
recomposição com o regime. Para a autora, antes de uma ruptura, representam uma tentativa de
alcançar um reajuste institucional das regras políticas. Segundo Gros, a mobilização do
empresário não é um processo contínuo frente à política do Estado no período de 1974 a 1978.
145
A atuação do empresário na abertura política do país é também em parte explicada pela
crise política do autoritarismo, que colocava em dúvida a capacidade do regime de gerenciar a
crise, e pela luta de posições e espaços políticos com outros setores sociais. Os autores que
trabalham nesta linha de pesquisa citam como exemplo o documento dos oito,
146
considerando, a
partir de então, uma movimentação política mais aberta por parte dos empresários em apoio à
liberação do regime.
140
CRUZ, 1995, p. 100 et seq.
141
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: perspectiva para a democracia. Revista Sociedade e Estado.
Brasília: pp. 65-88, jul./dez. 1986.
142
Ibid., p.71.
143
Ibid., p.72.
144
GROS, Denise Barbosa. Burguesia industrial gaúcha e o Estado Nacional 1964-1978. Porto Alegre: FEE,
1987.
145
Ibid., p.34.
146
As fontes descritas por esses autores são: em 1977, Fórum da Gazeta mercantil, em 1978, documentos dos oito.
Em declaração pública na gazeta mercantil em 1977 os empresários colocaram suas posições sobre o rumo do
desenvolvimento econômico fundado na justiça social e amparado por instituições políticas democráticas. Assim
assumiram sua posição em um primeiro documento dos empresários, no Fórum da Gazeta Mercantil em 1978. Esses
memoriais, subscritos por oito dos dez liderem mais votados, alcançou enorme repercussão.
53
A integração do empresário industrial no processo democrático demonstrou, segundo Cruz,
um objetivo comum pelo fim da ordem vigente. Esta adesão travou-se em um momento que:
[...] os empresários estavam empenhados em ajustar-se aos ‘novos tempos’ inaugurados
pela política de abertura e faziam o possível para desvencilhar-se da velha estigmatizada
imagem de esteio mais sólido do autoritarismo. Além disso, ele foi desenvolvido em
público, não apenas no olhar interessado dos setores da sociedade, cujo julgamento
podia ser pura e simplesmente ignorado, mas, frequentemente, em integração direta, face
a face, com interlocutores situados em outras posições no espaço social.
147
Conforme Diniz, para o empresário a estratégia do momento político estava na ordem de
combater um inimigo comum. Situação que levaria a classe empresarial a um fator de
contingência, dado o fato de que a destruição de um estado de coisas obedece a uma lógica
centrípeta. Se havia por parte dos empresários um consenso geral em torno do fim do regime, o
mesmo não ocorria a uma nova ordem social a ser constituída. O empresário deixa transparecer
sua ambigüidade básica, de um lado do discurso está a retórica progressista, quando o movimento
democratizante tornou-se irreversível, e, de outro lado uma reação conservadora da ordem
justificada por avanços que viessem afetar diretamente os interesses da classe.
148
As preocupações dos empresários na concepção de uma nova ordem estavam relacionadas,
neste momento, aos movimentos dos trabalhadores, a tônica da questão era em relação à primeira
greve do ABC Paulista, a reforma da legislação trabalhista e sindical ou ainda da atual lei de
greve.
149
Laís Abramo
150
identifica em seu trabalho uma posição mais progressista no seio
empresarial (principalmente no empresário paulista). Para a autora, não houve uma
homogeneidade entre os empresários, entretanto houve um avanço no reconhecimento da
legitimidade da organização e atuação dos trabalhadores. Conforme Abramo, as greves de 1978
147
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995. p.324.
148
DINIZ, Eli. A transição política no Brasil: perspectiva para a democracia. Revista Sociedade e Estado.
Brasília: p. 65-88, jul./dez. 1986.
149
CRUZ, op. cit. p.173. Quanto à política salarial, podemos destacar três momentos. O primeiro que se estende de
1979 a 1981, caracteriza pelo apoio do empresário a uma política salarial mais flexível. O segundo que desdobra em
1981 e 1983, apresenta-se marcado por sua adesão a uma política mais restritiva de arrocho salarial. Tendo como
terceira, a partir de 1984 uma evolução no sentido de uma prática mais liberal quanto aos conflitos salariais.
150
ABRAMO, Laís. Empresários e trabalhadores: novas idéias e velhos fantasmas. Caderno CEDEC, nº.7, 1985.
54
mudaram significativamente o panorama do meio empresarial, pois este caracterizou um marco
na mudança de mentalidade do empresário e sua relação com os trabalhadores.
Em 1980, os empresários, devido ao atentado do Rio-Centro, tomam posições contra o
terrorismo de direita e se solidarizam com o governo Figueiredo, reafirmando a democracia
conduzida pelo Estado, tendo como pano de fundo uma série de greves.
Em 1982 uma diminuição da participação do industrial no debate político. Conforme a
historiografia, esta situação em parte é explicada pela normalização da conjuntura política e pela
realização das eleições para governadores, fazendo do empresário um ator cauteloso deste
processo.
No início de 1984 tem início uma grande manifestação popular pelas eleições diretas para
presidente (Diretas Já). Não se pode dizer que há um consenso entre os empresários, mas a
grande maioria nega apoio ao já candidato oficial do governo, Paulo Maluf.
Podemos observar em parte da historiografia pesquisada que uma ruptura radical entre o
empresário e o Estado autoritário não encontra consistência, assim como não se pode identificar
por parte do empresário uma estrutura política liberal destinada ao processo de democratização.
Entre muitas questões da conjuntura de mobilização política empresarial, a historiografia
descreve que o fundamento da questão ideológica da classe é marcado por uma visão restrita dos
seus interesses imediatos. Como alguns trabalhos ressaltaram, o empresário brasileiro, do
ponto de vista ideológico, carrega resquícios de uma visão autoritária de sociedade. Dentro desta
perspectiva observamos o universo empresarial marcado por uma visão corporativa das relações
do Estado com a sociedade. Este tipo de visão consegue sustentação através do olhar que se faz
da passagem do modelo agrário exportador para o capitalismo industrial, que o Estado estabelece
as regras do jogo. Neste contexto, a história do empresário industrial permite, para nosso
entendimento, uma análise em que coloca a questão econômica como preocupação predominante
da classe empresarial e, em alguns momentos, uma coalizão de interesses políticos em prol de um
interesse comum, sem que haja um consenso geral por parte dos empresários.
55
Conforme Arturi,
151
o empresário constituiu um padrão de intervenção política superior
em relação à do seu passado. No entanto, não pode considerar-se suficientemente autônomo a fim
de ter uma hegemonia para conduzir um projeto político no país. Em sua pesquisa, o autor
considera que o papel político do empresário na abertura pode ser mais bem caracterizado como
“uma adaptação do setor à crise do Estado autoritário e a uma sociedade politicamente mais
aberta e competitiva”.
152
O empresário é considerado um ator político importante, mas ainda não
central no processo político brasileiro.
153
Pensar a classe empresarial como um grupo politicamente desarticulado e fraco não
corresponde à realidade ao longo da sua história no país. Por outro lado, concluir que houve um
padrão superior da atuação política do empresário e achar que um projeto de democratização do
regime possa partir deste setor, parece não encontrar muita fundamentação na historiografia
apresentada.
151
ARTURI, Carlos, Schmidt. O empresariado industrial e a abertura política no Brasil (1978-1984).
Dissertação (Mestrado) UFRGS. Porto Alegre, 1989.
152
Ibid., p. 242.
153
Ibid., p. 243.
56
3. A FIERGS: UMA TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO E INTERESSES.
O desenvolvimento do parque industrial gaúcho constitui para a Federação da Indústria
do Rio Grande do Sul o ideário da sua existência. As condições políticas e econômicas ao
desenvolvimento deste setor funcionavam, e funcionam até hoje, como termômetro para as
declarações da Federação no debate público. Por tanto, consideramos apropriado apresentar neste
capítulo um breve relato deste processo a partir de 1930, período em que se configura no Brasil
uma política protecionista ao setor industrial. Ainda dentro deste mesmo capítulo descreveremos
a criação da FIERGS, suas limitações e características de estrutura sindical brasileira.
Procuraremos também desenvolver uma pesquisa que mostre os interesses políticos e econômicos
da Federação no início do governo Geisel, tendo como pano de fundo a campanha contra a
estatização.
3.1 O desenvolvimento do setor industrial gaúcho.
A depressão mundial de 1929-33 veio a encontrar a economia brasileira em crise e em
fase de rearticulação política por grupos dominantes da sociedade. Paralelamente, foi colocado
em ação um programa de diversificação da economia brasileira, o que tanto implicava em uma
busca de saídas para o desenvolvimento capitalista nacional quanto atendia aos interesses das
oligarquias agrárias periféricas e dos representantes de outros setores da economia, como
comerciantes industriais. A Grande Depressão e as medidas do governo para a proteção do ca
trouxeram para o país, novamente, um período de dificuldades para importar. Desvalorizações
cambiais sucessivas proporcionavam, na prática, certa proteção para a indústria, na medida em
que elevavam o preço dos manufaturados estrangeiros, mas, por outro lado, também ficavam
mais caras as importações de bens de capital e matérias-primas. Na realidade, esta situação
favoreceu justamente aquelas indústrias que se beneficiavam de matéria-prima local, como a
têxtil, a calçadista, de bebidas, do fumo e a de alimentos, e que podiam operar na base de uma
tecnologia preexistente.
154
A estrutura política econômica implantada com a Revolução de 1930 possibilitou um
avanço no processo de industrialização no Brasil. Nesta nova conjuntura o centro do país foi
154
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A História da Indústria Sul-Rio-Grandense. Guaíba: RIOCEL, 1985
57
beneficiado (principalmente o estado de São Paulo), e isto se deveu a um estágio mais avançado
em relação aos demais. Produzindo bens intermediários foi se projetando em relação às outras
regiões. Segundo Pedro Bandeira,
155
esta posição superior da indústria paulista foi possível
devido à acumulação de capital e de infra-estrutura criada pelo complexo cafeeiro.
As origens das indústrias no Rio Grande do Sul têm o seu processo progressivamente
ligado ao capital comercial do chamado complexo colonial imigrante.
156
A formação do capital
industrial gaúcho vai-se caracterizar por uma fraca contribuição deste capital. Tais condições
proporcionaram à indústria gaúcha estabelecer no plano econômico, uma base diferente da
indústria do centro do país. A alternativa da industrialização gaúcha neste conjunto estará
atrelada a um processo de acumulação de capital vinculada à produção do mercado interno.
Condição que proporcionou um desempenho secundário ao desenvolvimento da industrialização
gaúcha.
157
O setor industrial no Rio Grande do Sul, em 1930, estava ligado a dois complexos
econômicos bem menos dinâmicos e com dimensões mais reduzidas, a exemplo do centro do
país: o complexo da pecuária tradicional e o complexo agropecuário. A indústria gaúcha, tendo o
seu desenvolvimento proporcionado por estes condicionantes, restringiu-se aos bens tradicionais,
enquanto a indústria do centro do país já contava com produção de equipamentos.
Nas décadas de 1930 e metade da de 1940, conforme René Gertz,
158
houve um
crescimento da indústria regional no Estado do Rio Grande do Sul, a exemplo do Estado de São
Paulo. O autor considera que, apesar da escassez de divisa neste período, boa parte da indústria
dedicava-se a processar matérias-primas de origem agrícola ou a abastecer o setor primário de
insumos. Circunstância que proporcionou um surto de desenvolvimento ao setor industrial.
159
155
BANDEIRA, Pedro S. A produção gaúcha na econômica nacional: resposta a uma crítica. Porto Alegre:
Ensaios FEE 4, 1984. p. 37-137.
156
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A burguesia gaúcha: dominação do capital e disciplina do trabalho (1889-
1930). Porto Alegre: Mercado Aberto. 1988.
157
Ibid., p. 19.
158
GERTZ, René E. O Estado Novo no Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2005.
159
Ibid., p.47.
58
Com a consolidação do mercado nacional em 1950, a indústria gaúcha, que até então não
era ameaçada pela concorrência com centro do país, passa a sofrer interferência no seu processo
de produção.
O processo de desenvolvimento industrial no Brasil, a partir de meados dos anos 1950,
encontrava-se entrelaçado ao processo político brasileiro, cuja base material estava na
industrialização intensiva do centro-sul. A partir de então, este tipo de modelo de
desenvolvimento industrial demandou todos os esforços do país, todos os seus recursos,
transformando-se num processo econômico político de caráter nacional. Nesta época, consolidou-
se o processo de integração do mercado nacional e instalou-se no país um novo padrão de
acumulação, centrado nos bens duráveis de consumo.
160
O setor industrial gaúcho inserido neste processo de industrialização intensiva teria que,
primeiramente, penetrar e juntar-se às forças que compunham a esfera política nacional, que
esta se antepunha à esfera econômica. No entanto, dentro deste novo padrão de acumulação
nacional (compreendido como Plano de Metas),
161
o Rio Grande do Sul foi deixado de lado, no
sentido de que este recebeu uma parcela insignificante dos investimentos do governo federal para
a promoção do desenvolvimento de seu parque industrial. O Plano de Metas, a mais bem
sucedida experiência de planejamento industrial no Brasil, no entanto não teve para com o Rio
Grande do Sul, um interesse maior em suas metas. O Estado gaúcho, que demonstrava atraso
capitalista, deparou-se com a ampliação deste novo modelo, no sentido de relativo atraso de
desenvolvimento industrial.
162
Este foi um período extremamente desfavorável para a indústria
gaúcha, que cresceu não abaixo da média nacional, mas significativamente aquém da taxa do
complexo paulista.
160
OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. Rio de janeiro: Graal, 1977.
161
O Plano de Metas constitui a mais sólida decisão consciente em prol da industrialização na história econômica do
país. Elaborado com as diretrizes da política econômica desenvolvimentista do governo JK à consolidação da
industrialização brasileira. Para tanto, orienta-se no sentido de congregar a iniciativa privada acrescera
substancialmente de capital nacional e tecnologia e investimentos estrangeiros com a intervenção continua do
Estado, como orientador dos investimentos através do planejamento. O governo se transforma em instrumento
deliberado e efetivo do desenvolvimento econômico. Ver em: BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. O
Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956-1961. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976.
162
PEREIRA, Jose Maria Dias. O Desenvolvimento da Indústria Gaúcha no Século XX. Porto Alegre UFRGS,
2002, P. 46.
59
No tocante à atuação do Governo Federal, diagnósticos e relatórios de informações
técnicas denunciaram que a política econômico-financeira levada a efeito pelo governo
Kubitschek condicionou o setor primário a financiar a industrialização através do desvio de ágios
que não retornavam às fontes de onde eram gerados. Com o Estado tendo parte significativa de
sua economia apoiada no setor primário, os recursos da venda de produtos do Rio Grande do Sul
eram desviados para a aplicação em São Paulo, Guanabara e Minas Gerais. Dentro deste
contexto, outro mecanismo posto em prática pelo Governo Federal foi o desnível que se
estabeleceu entre os preços de produtos oriundos da agropecuária ou da agroindústria e os preços
em relação dos demais manufaturados.
163
Para os autores de 25 Anos de Economia gaúcha,
164
a transformação do padrão de
acumulação de capital provocou, em primeiro lugar, uma maior integração da economia nacional
e, em segundo lugar, para as economias periféricas como o Rio Grande do Sul, uma integração de
forma subordinada ao centro hegemônico nacional. O processo de integração, a partir da década
de 50, é interpretado como um processo de subordinação e atrelamento ao centro hegemônico que
passa a ser uma via de especialização, através da produção de bens intermediários.
As conclusões que se pode retirar de 25 Anos de Economia gaúcha são, em primeiro
lugar, que, a partir de 1955, a economia do Estado vinculava-se diretamente ao processo de
acumulação de capital no Brasil, assumindo a função específica na divisão do trabalho e na
reprodução de bens intermediários. E em segundo lugar, este papel significou, diante da
integração, uma perda da economia da unidade local, pois se materializava de forma subordinada.
Em vista destas novas formas de inter-relação econômica entre estados e a Federação
Brasileira, é possível observar que o processo de desenvolvimento econômico funcionava até
então quase como “ilhas”. Isto ocorreu no Rio Grande do Sul porque, ainda durante a década de
1950, sua economia o havia avançado o suficiente no caminho da integração à economia
brasileira, movimento que acontecerá mais fortemente a partir da década posterior. Luiz Targa
165
163
PESAVENTO, Sandra Jatahy.A História da Indústria Sul-Rio-Grandense. Guaíba: RIOCEL, 1985.
164
FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. 25 Anos de Economia Gaúcha. Porto Alegre, V.4 1976.
165
TARGA, Luiz R. P. Comentário sobre os “paradigmas” da economia gaúcha. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.
10, nº. 2, p. 351-354, 1989.
60
escreve que a partir da década de 1970 este paradigma será substituído “pela idéia de que a
economia gaúcha era subordinada ou subsidiária da economia brasileira”.
166
Na década de 1960, o Rio Grande do Sul passou a exercer uma função importante na
dinâmica do crescimento da economia nacional, através do fornecimento de bens intermediários.
Esta nova função da indústria gaúcha reafirma o caráter subordinado com que ela se insere no
processo de acumulação nacional.
Conforme Denise Gros,
167
entre os anos de 1962 e 1967, se caracterizou um período de
estagnação relativa do crescimento industrial brasileiro. O mesmo ocorreu com a indústria gaúcha
que cresceu a taxas muito baixas (0,4%) e teve sua participação relativa na economia do Estado
de 20% em 1962 para 18% em 1967.
168
O crescimento do setor industrial gaúcho vai acontecer de forma acelerada no período
conhecido como “Milagre Brasileiro”. No entanto, segundo Gros
169
, a indústria gaúcha não
conseguiu tornar-se o setor hegemônico na economia estatal, situação que ocorre em 1975,
quando o setor industrial foi responsável por 27,4% da renda interna e a agricultura por 22,2%.
A descrição destes elementos estruturais permite compreender as fases de crescimento do
parque industrial gaúcho. Dentro deste universo, é possível traçar um perfil político da Federação
da Indústria Gaúcha. Conforme Gros,
170
a classe empresarial do Rio Grande do Sul teve seu
desempenho condicionado pelas limitações que lhe foram impostas pela especificidade de
desenvolvimento do capitalismo no Rio Grande do Sul. Segundo ela, “ao se constituir
basicamente de pequenos e médios empresários voltados à produção de bens tradicionais, a
burguesia industrial gaúcha terá sua capacidade de organização limitada”
171
.
166
TARGA, Luiz R. P. Comentário sobre os “paradigmas” da economia gaúcha. Ensaios FEE, Porto Alegre, v.
10, nº. 2, p. 351-354, 1989. p.352.
167
GROS, Denise Barbosa. A Burguesia Industrial Gaúcha e o Estado Nacional 1964- 1978. Porto Alegre: FEE,
1990.
168
Ibid., p. 43.
169
Ibid., p. 44.
170
Ibid., p. 47.
171
Ibid., p. 47.
61
Conforme Gros:
[...] internamente, devido à vinculação histórica da indústria ao desenvolvimento do
setor primário e à posição secundária que os industriais ocuparam na sociedade gaúcha,
e a dominação econômica e política da elite agropecuária ainda não se alterou. Mesmo
que a indústria tenha superado a agricultura em 1975, sua ligação com o setor primário e
a falta de um segmento líder na estrutura industrial faça com que não ocorra, a nível
político, uma hegemonia da fração industrial da burguesia gaúcha.
172
Neste processo de desenvolvimento industrial, a tônica de participação da política da
Federação da Indústria do Rio Grande do Sul, nacionalmente, tem um caráter restrito e
corporativo que busca defender os seus interesses imediatos, e suas reivindicações restringem-se
à solução de problemas econômicos que os afetam diretamente.
3.2 A FIERGS: um breve relato.
Maria Antonieta Leopoldi,
173
tem uma linha de estudo analisa a ação política da burguesia
industrial brasileira entre 1930 e 1961. Neste trabalho destaca que a entidade sindical, em
particular as federações, constitui o mais importante canal de interação com o Estado. Era no seu
interior que as lideranças do empresariado articulavam os interesses de grupo. Levando em conta
esta leitura para o desenvolvimento da pesquisa, reconhecemos nas entidades representativas um
dos objetos fundamentais quando se pretende analisar a ação política coletiva dos empresários.
As primeiras associações de industriais no Brasil começaram a surgir no final do século
XIX, período em que o escravismo deixa de existir e os aparecimentos dos primeiros
estabelecimentos manufatureiros de porte começam a se estruturar no Rio de Janeiro e no sul de
Minas Gerais. A partir de então, o setor industrial, agregando característica de diversificação de
172
GROS, Denise Barbosa. A Burguesia Industrial Gaúcha e o Estado Nacional 1964- 1978. Porto Alegre: FEE,
1990. p. 48.
173
LEOPOLDI, Maria A. Política e interesses. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
62
atividades econômicas, proporciona um excedente de trabalho, vindo a se tornar o projeto
desenvolvimentista do Estado.
174
No governo de Getulio Vargas (1930-1945), o primeiro setor a se adaptar à legislação
sindical foi o dos industriais. Logo após a Revolução de 1930 foi criado o Ministério do Trabalho
e o da Indústria e Comércio e, em 1931, sob o Decreto nº. 19.770, a primeira legislação sindical
brasileira. Este decreto definia a subordinação dos sindicatos ao Estado.
175
Os empresários, as
associações de classe locais e os trabalhadores deveriam organizar-se em sindicatos, em
federações de âmbito estadual, que, por sua vez, deveriam estar reunidas em uma entidade de
cúpula (possuir federação com abrangência nacional). Neste sentido, o referido decreto estipulou
uma série de condições e obrigações. Estas corporações de classe, portanto, deveriam ter a
aprovação do Ministério do Trabalho e da Indústria e Comércio para se constituírem e tinham que
submeter-se ao seu controle.
176
A estrutura de representação de interesses industriais no Brasil segue dois tipos de
organização, a oficial e as associações industriais de caráter privado. A formação destas
estruturas obedece a critérios de localidade regional e de categoria industrial. Desta forma,
recebem a seguinte estrutura: os sindicatos são constituídos por afiliação de unidades industriais
de um dado setor, as federações congregam a sindicato de cada Estado, a Confederação Nacional
da Indústria (CNI) representa a indústria do país, através da união das federações. O Estado tem
para com organizações oficiais uma legislação sindical rígida, em que o pagamento de imposto
sindical é obrigatório, mesmo que a indústria não se filie. O sindicato tem por categoria seu
monopólio de representação reconhecido, mas, no entanto, o Estado exerce forte controle sobre a
direção dos sindicatos, chegando a intervir com punições, alocação de verbas, e até mesmo com a
suspensão do mesmo.
As associações civis da indústria (ABDIB, ABIMAQ, ABINEEE, etc.), por sua vez,
nasceram à margem de estrutura corporativa oficial, como estratégias que buscou escapar
174
LEOPOLDI, Maria A. Crescimento industrial, políticas governamentais e organização da burguesia: o Rio
de Janeiro de 1844 a 1914. Rio de Janeiro: Revista econômica, nº. 3, p.54-73, 1986.
175
SEGATTO, José Antonio. A formação da classe operária no Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.
176
LEOPOLDI, Maria A. Política e interesse na industrialização brasileira. As associações industriais e a
política econômica do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
63
justamente do controle direto e das restrições do Estado. Com isso o empresário industrial
conseguiu uma maior mobilidade, autonomia e abrangência na articulação de seus interesses.
Diferentes dos sindicatos, estas associações podem representar os interesses do setor industrial a
nível nacional, sendo a sua filiação espontânea.
Para Raul Boschi e Eli Diniz,
177
estes dois segmentos de representação do setor industrial
identificam a complementaridade de práticas clientelística e tradicionais, as quais impedem a
criação de uma verdadeira estrutura pluralista de representação de interesses. Isto porque as
associações estão com a atenção direcionada para a arena econômica e para o centro decisório
dos órgãos estatais, enquanto sindicatos e federações têm a sua atuação voltada a uma política de
barganha em função de uma indústria de ponta. A estrutura oficial em função de uma base
regional possui menor poder de influência, ao contrário das associações.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) foi criada em
agosto de 1937, reunindo 21 sindicatos que abrangiam quase todos os setores da indústria. Foi
precedida pelo Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul (CINFA), posteriormente Centro
da Indústria do Rio Grande do Sul (CIERGS), fundada em sete de novembro de 1930, sob a
liderança de Antonio Jacob Renner, sediada em Porto Alegre
178
.
No Rio Grande do Sul, até 1933, não existiam sindicatos dos empregadores
179
, ocasião em
que a diretoria da CINFA viu-se na contingência de organizá-los, como forma de garantir
representatividade para indústria gaúcha na Assembléia Nacional Constituinte. A Federação
surge quase como uma conseqüência natural da fundação dos sindicatos, pois para o empresário
industrial tornava-se necessário um órgão que reunisse todos os sindicatos, a fim de coordenar
suas atividades. Ela facilitaria à organização de novos sindicatos de indústria, pois as pequenas
indústrias não podiam se filiar ao centro, devido aos seus estatutos, poderiam agora congregar-se
em sindicatos filiados à Federação, no dizer dos industriais, “se irradia, desta forma, sobre todos
177
BOSCHI, R. R. & DINIZ, E. O empresariado nacional e o Estado no Brasil. Rio: Florense, 1978.
178
O histórico detalhado encontra-se em HAAS, Ani Maria. A industrialização no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: UFRGS, 1971.
179
Ibid., p.186-188.
64
os ramos industriais a orientação da federação”
180
. A FIERGS, entretanto, só foi criada uns anos
mais tarde.
No mesmo ano de 1933, em que os industriais gaúchos pensavam na formação de sua
federação, as quatro maiores associações então existentes, Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro, Federação de Indústria de São Paulo, Centro de Indústria Fabril do Rio Grande do Sul, e
o Centro Industrial de Juiz de Fora, tomaram a iniciativa de criar a entidade nacional que deveria
defender os interesses da indústria: a Confederação Industrial do Brasil. Tratava-se ainda de uma
entidade de caráter civil, pois não contava com os requisitos legais para ser oficialmente
reconhecida. A sindicalização ocorreu em setembro de 1938, com a fundação da Confederação
Nacional da Indústria, composta inicialmente pelas Federações de São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
O interesse em torno da criação de uma entidade nacional foi um impulso para o
surgimento das federações industriais nos estados, pois a mesma seria legalmente reconhecida
se houvesse número suficiente de federações sob uma jurisdição, ou seja, a existência de pelo
menos três federações. Neste sentido, o CINFA recebeu vários apelos da entidade civil, a
Confederação Industrial do Brasil, para que se providenciasse a sua sindicalização. Os industriais
gaúchos como já foi mencionado, constituíram, em agosto de 1937, a Federação das Indústrias do
Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS).
A institucionalização da Federação, nos termos previstos por lei, não se deu pela
transformação do Centro, como nos outros estados. O CIERGS foi mantida como uma entidade
paralela de forma e objetivos que regeram a sua criação.
O Centro da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul (CIERGS), como hoje é
denominado
181
, distingue-se da FIERGS por ser uma entidade civil, composta de empresas que
exercem atividades industriais no Estado. A FIERGS congrega os sindicatos representativos da
categoria econômica, reconhecidos por autoridade competente, com base territorial local,
180
HAAS, op. Cit, p.188.
181
Em outubro de 1951, o CINFA teve a sua razão social alterada para um nome mais genérico, pois o seu quadro de
associados compreendia também indústrias agropecuárias e extrativas.
65
nacional ou estadual, cuja jurisdição se estenda ao Rio Grande do Sul. O entrelaçamento das
entidades é dado pelo fato de que elas têm o mesmo presidente, sendo que os vice-presidentes e o
corpo de diretores podem ser distintos. Diferentemente do que ocorre com a FIERGS, onde
concorre uma chapa com todos os cargos preenchidos, os vice-presidentes e os diretores do
Centro são escolhidos pelo presidente depois de sua posse. Desta forma, as diretorias da
Federação e do Centro costumam não divergir. Observa-se uma ação quase que complementar
entre as duas entidades, inclusive nos “boletins informativos” e “relatórios de atividades”
182
.
A FIERGS, desde a sua criação, esteve comprometida com os gêneros industriais que
detinham o maior peso na estrutura produtiva do Estado, haja vista a composição de sua diretoria
ao longo da história da entidade
183
. No período de 1964 a 1980, os gêneros que aparecem com
maior freqüência e, consequentemente, conferindo representatividade ao órgão de classe são:
metalúrgico, mecânico e material elétrico, fiação e tecelagem; produtos alimentares
(especialmente a indústria de produtos suínos, indústria de doces e conservas alimentares e, mais
recentemente, indústria de óleos vegetais e indústria de trigos); bebidas (especialmente indústria
de vinhos), construção civil, calçados, química, vestuário e extração de madeira
184
. A presidência,
por sua vez, sempre foi exercida por um industrial ligado ao ramo metalúrgico, cedendo lugar,
numa única gestão, a outro importante segmento que é o da indústria do vinho. Da mesma forma,
tanto os industriais gaúchos na diretoria das Confederações Nacional da Indústria (CNI) como os
conselheiros designados pela FIERGS para a Confederação eram vinculados, em sua maior parte,
ao ramo metalúrgico.
A pouca renovação das lideranças empresariais e de seus quadros de representantes junto
à entidade de classe não eram exclusiva dos industriais gaúchos, pois em São Paulo e no Rio de
Janeiro repetia-se a situação, de forma especial em décadas passadas. Com efeito, a composição
da diretoria da FIERGS manteve-se praticamente inalterada no período enfocado, tal como vinha
ocorrendo desde a sua fundação. A sua história foi forjada pela mesma liderança que se
182
A vinculação das informações desses documentos está reproduzida nos Relatórios Anuais da FIERGS/CIERGS,
documento que sintetiza os principais fatos da entidade no ano.
183
A diretoria e o órgão executivo da FIERGS, atualmente são compostos por 22 membros eleito trienalmente pelo
Conselho de representantes. O Conselho de Representantes é o poder soberano da Federação. É formado por dois
suplentes de cada sindicato filiado, eleito pela Assembléia Geral dos Sindicatos por um prazo de três anos, ver em:
Relatório Anual da FIERGS/CIERGS, 1984.
184
HAAS, Ani Maria. A industrialização no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 1971, passim.
66
perpetuou na presidência, havendo apenas um revezamento entre os cargos de diretoria cada vez
que se iniciava uma nova gestão. Ou seja, são os interesses dos mesmos segmentos industriais
continuavam a imprimir o seu cunho à “identidade”.
Percebe-se, portanto, no começo dos anos oitenta, uma renovação das lideranças mais
tradicionais por esta estrutura de representação na abertura. Foi a revalorização política, a qual
demonstrava grande vitalidade e crescimento voltada principalmente para atender as demandas de
setores industriais junto as organizações do Estado, que tornou-se objetivo de disputa pela
direção destas entidades e, posteriormente, uma nova linha de argumentação para enfrentar a luta
política de transição.
Procuramos acima descrever a formação da FIERGS, enquanto representante dos
interesses dos empresários da indústria gaúcha e como objeto de análise da presente pesquisa.
Dentro deste objetivo julgamos serem necessários alguns aspectos para a compreensão de uma
federação: a federação da indústria deve ser vista como a manifestação da ão organizada de
uma classe social, uma federação está sempre em constantes transformações interna, visto que ela
representa uma categoria diversificada e em constante transformação, a atuação das federações é
limitada devido à legislação a que está submetida. Frente a estas questões foi possível
compreender e reproduzir melhor a composição política da FIERGS, ou seja, a sua ação política
na defesa de seus interesses.
3.3 O III Pólo Petroquímico: a mobilização de interesse político da Federação.
O processo de abertura que se inicia em 1974, no governo Geisel, com a adoção de
medidas timidamente liberalizantes, chega a termo de 10 anos com o fim do Regime Militar a
uma nova etapa. Neste período, uma série de fatores veio a consolidar uma alteração nos padrões
de comportamento de um setor social de importância estratégica. A Federação da Indústria do
Rio Grande do Sul (FIERGS), identificada tradicionalmente com a política econômica do Regime
Militar, começa, em certo momento, a dar sinais de instabilidade nesta relação. Alguns autores
interpretam a participação da FIERGS no processo de transição política do regime burocrático
autoritário como moderada, de caráter restrito e corporativo. Na ótica dos estudiosos que se
67
filiam a esta linha de análise, os industriais gaúchos entram no debate da redemocratização com
algum atraso. A campanha contra a estatização
185
é um elemento que ajuda a explicar esta
posição. Este evento, ocorrido entre 1974 e 1977, é historicamente considerado como marco de
mobilização da classe industrial contra a política econômica do Regime Militar. Particularmente,
não é nossa intenção analisar a operação política-ideológica no Brasil, na década de 1970, mas
apenas a campanha contra a estatização. No entanto, achamos que algumas considerações sobre o
tema são necessárias neste primeiro momento, a fim de compreender a participação e os
interesses da FIERGS em um período em que o país vivia um regime autoritário e a possibilidade
de sair dele não se percebia para breve.
Para Denise Gros,
186
a tônica das manifestações dos industriais gaúchos é em defesa dos
seus interesses econômicos pessoais e imediatos. Enquanto em nível nacional, no final de 1974,
se caracteriza uma intensa mobilização por parte dos empresários em torno de uma redução da
participação do Estado na economia, a FIERGS demonstra apoio à política econômica do
governo, tecendo críticas moderadas. Conforme Gros:
As críticas dos industriais gaúchos à estatização são, não raras vezes, reduzidas à
centralização dos recursos financeiros na União e a tributação excessiva. A solução
proposta limita-se a uma reforma tributária que contemple a devolução da autonomia
administrativa aos estados e municípios.
187
O relacionamento da FIERGS frente à nova política do regime autoritário que se instaura
com posse do Presidente Ernesto Geisel, em 1974, pode ser percebido no discurso de seu novo
presidente, Luiz Mandelli:
185
A campanha contra a estatização foi um movimento de manifestações do empresariado nacional que se
configurou a partir da divulgação do II Plano Nacional de Desenvolvimento no governo Geisel. Os empresários
interpretaram o II PND como elemento desencadeador de um irreversível processo de estatização nas atividades
econômicas. Estes empresários criticavam as atividades do Estado em política de preços e acesso à informação de
mercado, o privilégio das estatais, que proporcionavam um crescimento gigantesco dessas empresas, o avanço de
empresas subdiciárias do Estado em terrenos das empresas privadas, políticas de preços, excessiva carga tributária,
poupanças compulsórias e voluntárias por parte do estado, bem como o crescimento dos bancos do Estado na rede
bancária federal e estadual, etc. Ver em : LESSA. A estratégia de desenvolvimento 1974/76: sonho e fracasso. Rio
de janeiro: UNICAMP, 1978. CRUZ, Sebastião C. Velasco. Empresariado e Estado na transição brasileira: um
estudo sobre economia política do autoritarismo. (1974-1977). São Paulo: FAPESP. 1995. Entre outros.
186
GROS, Denise Barbosa. Burguesia industrial gaúcha e o Estado Nacional 1964-1978. Porto Alegra: FEE,
1987.
187
Ibid., p.76.
68
Somos por dispositivo de ordem legal, entidades de colaboração com o poder público. A
nossa missão será desempenhada diante deste importante aspecto, mantendo
entrosamento com as esferas federais, estaduais e municipais, entendemos como órgão
de colaboração não a subserviência nem, tampouco o aplauso fácil e inondicional; a
verdadeira cooperação é levada a efeito através do diálogo franco e sincero, oferecendo
sugestões e soluções e, quando necessário, também criticando leal e construtivamente
tudo visando, invariavelmente, aos superiores interesses nacionais.
188
No entanto, esta posição moderada do empresário gaúcho, segundo Sebastião Carlos
Velasco e Cruz,
189
não é uma posição isolada a nível nacional. O Estado de Minas Gerais e o
Estado da Bahia, por exemplo, ficam à distância da campanha antiestatizante. Conforme o autor,
Minas Gerais estava recebendo fortes investimentos públicos em infra-estrutura e na indústria
básica, além de incentivos fiscais para a atração de investimentos estrangeiros. Estas medidas de
incentivo à economia mineira geraram inclusive um clima de confronto com os grupos de
industriais paulistas. O Estado da Bahia, por sua vez, estava ligado economicamente à Petrobras,
o que proporcionou ao Estado um avanço no setor industrial com a implementação do Pólo
Petroquímico de Camaçari.
Fernando Henrique Cardoso
190
escreve que o presidente Ernesto Geisel, no início de seu
governo, adotou duras medidas ao setor financeiro especulativo. Sua política de equilíbrios
regionais provocou inseguranças nos empresários paulistas. Medidas como a instalação da
montadora de automóveis da Fiat em Minas Gerais e a criação de indústrias subsidiárias às
montadores de automóveis fora de São Paulo, têm um caráter desmantelador para o oligopólio
automobilístico dos empresários paulistas. Dentro deste contexto, o regime vai desagradar ainda
mais estes empresários, quando decidem pela descentralização do pólo petroquímico. Para
Cardoso, é dentro deste clima que se instaura a campanha contra a estatização, em que os
empresários paulistas descobrem até a democracia.
191
No entanto, a campanha contra a estatização, aparentemente mantida à distância pela
FIERGS, não é na sua totalidade ignorada. Em agosto de 1975 um importante jornal do centro do
188
RELATÓRIO ANUAL DA FEDERAÇÃO DA INDÚSTRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL;
CENTRO DA INDÚSTRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. 1974. p. 14.
189
CRUZ, Sebastião C. Velasco e. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995.
190
CARDOSO, Fernando Henrique. O papel dos empresários no processo de transição: ocaso brasileiro. Rio de
Janeiro: Dados, Vol. 26, nº. 1, 1983, p. 9-27.
191
Ibid., p.16.
69
país destaque para a declaração do presidente da FIEP (Federação da Indústria do Estado do
Paraná), Altair Zaraiolo, que declara ter sido o avanço da estatização o tema central do VII
Encontro das Federações do Extremo Sul do País.
192
193
A FIERGS, em seu relatório anual de
1975, dá destaque para o tema, através do título “Industriais alertam para a estatização da
economia”. Neste documento, a FIERGS informa que o debate se deu através do VII Encontro
das Federações do Extremo Sul, realizado em Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, nos dias 4 e 5
de agosto. A FIERGS estava representada pelo seu vice-presidente Enio Verlangieri, que liderava
um grupo de 13 empresários de diversos setores da indústria gaúcha. Na organização do encontro
foram constituídas sete comissões, que debateram teses propostas por cada entidade. A comissão
de política industrial apresentou cinco teses para debates. A primeira enfocou a estatização das
atividades econômicas em que atravessava o país, que teve sua conclusão definida da seguinte
forma:
[...] a idéia básica proposta e aceita pelos membros da comissão, foi encaminhar
expediente às autoridades, enfatizando a necessidade de se promover a ação
governamental no sentido de evitar reflexos negativos decorrentes da criação
indiscriminada de empresas estatais que viesse a explorar atividades econômicas no
país.
194
Encerrados os debates e as declarações referentes ao VII Encontro das Federações da
Região Sul, nenhuma outra manifestação sobre a centralização da economia foi encontrada nos
relatórios da FIERGS neste ano. Em junho de 1976, com a publicação do documento presidencial
do Conselho de Desenvolvimento Econômico Ação Para a Empresa Privada Nacional, a
Federação considera concluído o debate da campanha contra a estatização. Para a FIERGS, o
documento completa o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, que projetou o país a uma
moderna economia de mercado, trouxe um conteúdo social, contemplou um sistema político
operacional, tendo ainda um pragmatismo reformista e uma orientação voltada a um
nacionalismo positivo. Na ótica da Federação, o documento explica “[...] que o desenvolvimento
192
CRUZ, Sebastião C. Velasco e. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995. p.56.
193
O Encontro das federações do Extremo Sul é uma ocasião em que se reúnem os três Estados sulinos; Paraná,
Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Este encontro procura reunir diretorias e técnicos dessas Federações, para
assim, debater um amplo diálogo e debate dos problemas da indústria nacional e do extremo sul.
194
Relatório Anual FIERGS/CIERGS 1975. p.52.
70
nacional fica assegurado através do tripé capital privado nacional, capital estrangeiro e capital
estatal, sendo reservado a este último as áreas consideradas estratégicas.”
195
(p.16)
No entanto, em 1977, a questão da ampliação do Estado na economia brasileira é
novamente incorporada ao discurso de FIERGS. Em seu pronunciamento de despedida da
presidência, Luiz Mandelli, declarou que:
A sobrevivência e o fortalecimento da empresa privada nacional não podem estar
circunscrita a questões retóricas ou de apreciações sensoriais. Tem implicações diretas
com a soberania e o poder nacional. A empresa privada nacional deve assumir o efetivo
comando de nossa economia, sem hostilizar os sadios capitais estrangeiros que aqui
aportam e tendo nos capitais estatais um aliado em áreas estratégias e de segurança da
nação. Por outro lado, não é concebível que a empresa estatal ingresse e permaneça em
áreas industriais atendidas ou passíveis pelas empresas privadas.
196
No entendimento do presidente da Federação, eram as crises internacionais (como o caso
do petróleo), aliadas os fatores internos que contribuíram para agravar definíveis econômicos.
Esta situação proporcionou uma busca pela correção de dois graves sintomas da economia do
país: o balanço de pagamento e a inflação. Conforme Mandelli, o problema não é de fácil
solução, mas “[...] se for estancada a expansão da empresa estatal, nosso crescimento industrial a
médio e a longo prazo corrigiria as distorções por si só, a atual tendência de compreensão sobre a
iniciativa privada.”
197
Em suas declarações, Mandelli, acredita que dentro deste contexto a
melhor sabedoria é, portanto, poder tirar proveito das condições negativas, e que Rio Grande do
Sul está em vias de profundas alterações, que proporcionarão o crescimento do seu parque
industrial.
Na conjuntura político-econômica dos primeiros anos do governo Geisel, o regime
procurou implantar uma política de descentralização industrial e estabelecer um melhor equilíbrio
entre as economias das diversas regiões do país, tendo como pano de fundo a campanha contra a
estatização. Dentro deste contexto, quais são os interesses dos empresários gaúchos, exemplo do
que já foi descrito com relação ao Estado de Minas Gerais e da Bahia?
195
Relatório Anual FIERGS/CIERGS 1976. p.16.
196
Relatório Anual FIERGS/CIERGS 1977. p.17.
197
Ibid., p.19.
71
O governador do Estado do Rio Grande do Sul, Sinval Guazzelli,
198
em reunião realizada
no Palácio Piratini em junho de 1975, com a Comissão Especial para Estudar a Implementação
do III Pólo Petroquímico,
199
declarou ser de vital importância ouvir todas as classes econômicas
representativas. Segundo o governador, é preciso neste momento somar os esforços do
Executivo, do Legislativo e das classes econômicas em torno desta importante oportunidade de
desenvolvimento para o Estado.
Em 28 de maio de 1975, o governador Guazzelli, reunido com todo o seu secretariado, fez
sua primeira visita à FIERGS. Nesta ocasião foram discutidos problemas relativos ao
desenvolvimento da industrialização gaúcha, como também a busca de soluções para definir a
política do governo no setor industrial. Entre os diversos assuntos discutidos nesta ocasião, estava
a questão da implementação do III Pólo Petroquímico. O presidente da Federação, no seu
discurso, reitera o apoio que os empresários têm dado à implementação do III Pólo Petroquímico
no Estado, salientando inclusive contatos mantidos com o presidente da República.
200
Em
resposta às expectativas dos empresários, o governador Sinval Guazzelli afirmou que a
possibilidade da implementação no Estado de um pólo petroquímico está por ser resolvida na
área federal. A decisão corresponderia às diretrizes de descentralização expressas no II PND. O
governo federal está por decidir se amplia à petroquímica em união com São Paulo ou instala um
novo complexo, afirmou o governador, enumerando as condições favoráveis que o Estado possui
para sediar um pólo petroquímico:
198
Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1976.
199
A decisão de implementar o III Pólo Petroquímico deu-se meio a uma grande a acirrada disputa política entre
vários estados. O Rio Grande do Sul não era uma alternativa lógica, havendo outros candidatos com melhores
condições na disputa. A elite política gaúcha aprofundando-se nesta questão definiu uma mobilização envolvendo
vários setores da sociedade, nesta relação de definições de estratégias em busca de soluções, a Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul, decidiu constituir uma Comissão Especial, que teve como presidente o deputado
Pedro Simon. Através da Comissão Especial foram montadas importantes estratégias e argumentações de
fundamental importância a favor do Pólo Gaúcho. A solicitação para a formação desta comissão foi solicitada em
agosto de 1974, tendo como objetivo sustentar por via legislativa uma mobilização de amplos segmentos da
sociedade, conscientizando da grande importância que é para o desenvolvimento do Estado esse tipo de indústria. No
entanto seus trabalhos iniciaram somente em junho de 1975. Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro
Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1976. p.72.
200
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1975.
72
As boas instalações do super-porto de Rio Grande, a duplicação da Refinaria Alberto
Pasqualini, em um mercado que representa 10% do total de consumo, considerando o
Rio Grande do Sul e 20% considerando o extremo sul como um todo.
201
Para a FIERGS, a implementação da indústria petroquímica representa inigualável e
excepcional avanço na tecnologia do Estado. Conforme a Federação, neste momento:
O Rio Grande do Sul, possivelmente se encontra na sua mais decisiva fase de definição
em torno do seu desenvolvimento sócioeconômico. Inserida neste contexto situa-se a
industrialização como agente do extremo dinamismo e concorrente fundamental para
que venhamos a alcançar, o verdadeiro progresso em termos de melhoria e qualidade da
vida de nossa gente. Objetivo nacional de primeira grandeza.
202
Luiz Mandelli, presente no Palácio Piratini perante a Comissão que estudava a instalação
do III Pólo Petroquímico Brasileiro, encarregada de juntar subsídios necessários para apresentar
ao presidente da República, fez o pronunciamento oficial da Federação da Indústria do Rio
Grande do Sul. Nesta ocasião, o presidente da Federação, ao se dirigir aos deputados leu um
“telex” emitido pela Federação em 12 de agosto de 1974, que estava endereçado ao:
[...] a S. Exa. Sr. General Ernesto Geisel presidente da República.[...] O governo do Rio
Grande do Sul, através da Fundação de Ciência e Tecnologia, realizou projeto de
viabilidade para a implementação no Estado de um pólo petroquímico. Os resultados
apontam excelentes condições para a abertura de novas oportunidades na área da
industrialização, através da disponibilidade de matérias-primas que iniciativas poderão
oferecer abarcando desde insumos para fertilizante indispensável para a nossa
agricultura, até os mais sofisticados subprodutos de base para um parque fabril
especializado. A válida aspiração gaúcha também encontra apoio sob o enfoque da
necessidade de uma industrialização harmônica e racional para o nosso imenso país,
que uma unidade petroquímica no extremo sul complementaria os programas do Centro
e do Nordeste. A coletividade industrial rio-grandense aguarda, na mais viva
expectativa, uma decisão favorável dos elevados escalões decisórios, confiante na
superior orientação do Primeiro Magistrado da Nação.
203
Com esta exposição o presidente da FIERGS comunicou aos deputados presentes que a
luta da entidade na implementação do III Pólo Petroquímico vem de longa data e que, na atual
conjuntura, o Rio Grande do Sul está sob o enfoque de uma política de melhor equilíbrio entre as
regiões. de se considerar, portanto, que o eixo São Paulo-Rio-Minas Gerais está com futuro
industrial plenamente assegurado, tendo estruturado a sua própria evolução de mercado. O
201
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1975. p. 71.
202
Ibid., p. 87.
203
Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1976. p. 98.
73
norte e o nordeste do país, por sua vez, possuem uma grande política de incentivos. Para o
presidente da FIERGS, dentro desta perspectiva é indiscutível não ter aspirações para a
implementação do III Pólo Petroquímico, que com certeza proporcionará grande
desenvolvimento ao extremo sul. Era uma corrida em busca de uma auto-sustentação em prol do
desenvolvimento.
204
Sobre os aspectos econômicos o presidente fez as seguintes ponderações:
O volume de investimentos, que não teria apenas uma função direta. Seu efeito
multiplicador estender-se-ia a todos os setores da economia gaúcha. As possibilidades de
novos empreendimentos, cujos insumos básicos dependem da petroquímica. Neste
particular, são inimagináveis as possibilidades que certamente teremos, num futuro não
muito remoto, a partir do início das operações do “tronco da frondosa árvore da
petroquímica.
205
Conforme o presidente da FIERGS, no presente momento a avaliação da implementação
do III Pólo Petroquímico, está nos mais elevados escalões do Governo Federal. O estado gaúcho,
através de competentes estudos, aponta condições a uma justa aspiração de vitória, portanto não
é sem razão que todas as nossas forças vivas estão conscientes e arregimentadas em torno da
criação do 3º Pólo Petroquímico em nosso Estado”
206
Em 27 de agosto de 1975 foi decidida, pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico da
Presidência da República (28º sessão doc.046/75), a localização do III Pólo Petroquímico no
Estado do Rio Grande do Sul, com a utilização da matéria-prima da Refinaria Alberto Pasqualini,
unidade da Petrobras localizada no município de Canoas.
207
A escolha do Rio Grande do Sul como sede do III Pólo Petroquímico foi em decorrência
de um tumultuado conflito de bastidores, em que os mais diversos interesses de composição
entraram em choque.
208
Esta disputa teve início no governo Geisel e se tornou mais intensa em
meados de 1975. O III Pólo Petroquímico surge no período que é consagrado o II PND,
coincidindo com um ponto de inflexão no sistema produtivo nacional. O “Milagre Econômico”
perdia sua força e, em nível internacional, grandes transformações ocorriam, especialmente o
204
Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1976 p. 100.
205
Ibidem., p. 100.
206
Ibidem., p. 99.
207
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1976. p. 99.
208
INDICADORES ECONÔMICOS. Pólo Petroquímico do Sul: expectativas e resultados. Porto Alegre: FEE, 1º
semestre 1988.
74
chamado choque do petróleo. Segundo Cruz,
209
não é estranho nem tampouco atípico este
conflito envolvendo localizações de projetos industriais. Para o autor, o que tem de especial é a
própria concepção do tripé onde se integra e se associa o capital privado, multinacional e do
Estado, este último na figura da Petroquisa.
A Petroquímica União e os projetos de segunda geração a ela integrados constituíram a
matriz de forma de articulação entre empresa pública, estrangeira e privada nacional
depois conhecida como modelo do tripé: das unidades centrais que envolvem
investimentos de maior dimensão, o controle é da Petroquisa, com uma participação
acionária sempre superior a 50%, e nenhum grupo estrangeiro detém qualquer parcela
significativa no restante da ações; no projeto de segunda geração, o controle acionário
se distribui entre Petroquisa, grupos nacionais e estrangeiros segundo critério bem
determinados: a) em nenhum caso a maioria das ações fica nas mãos de grupos
estrangeiros;b) a participação da Petroquisa é sempre igual ou superior à parcela de
ações nas mãos de grupos estrangeiros;c) nenhum grupo detém sozinho a maioria das
ações.
210
O complexo petroquímico de Camaçari, na Bahia, foi montado tendo esta base de arranjo
institucional e, mais tarde, com a implementação de algumas modificações, que tinham como
objetivo reforçar os grupos nacionais, foi montado o pólo gaúcho. É com relação à divergência
desta política de implementação do III Pólo Petroquímico que o movimento da campanha contra
a estatização e parte da imprensa do centro do país, segundo o trabalho de Cruz
211
, vai declarar
que esta é uma decisão política, que tem como único objetivo consagrar a estatização. A
FIERGS, no entanto, não se manifesta sobre estas declarações em seus relatórios.
209
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995.
210
Ibid., p.58.
211
Ibid., p.58.
75
4. A FIERGS E O PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO 1974-1984
Consideramos nesta fase da pesquisa a Federação da Indústria do Rio Grande do Sul como
representante dos anseios dos industriais gaúchos. As conclusões que nos permitem considerar a
FIERGS como responsável pelo centro decisório dos interesses da elite industrial são dadas pelo
caráter institucional da entidade. Como tivemos oportunidade de descrever, a capacidade da
Federação é limitada em circunstância da legislação a que está submetida. Outro condicionante é
em relação ao universo de empresas que compõem uma federação. Neste sentido, a federação
representa os interesses de diversos sindicatos, o que não proporciona uma homogeneidade sobre
determinados assuntos. Dentro desta complexidade, compreendemos a significativa limitação da
capacidade de representação dos interesses empresariais em uma federação. No entanto, a história
da FIERGS, no seu sentido mais geral, é de um importante órgão de representação dos interesses
dos industriais gaúchos. Um estudo detalhado neste sentido nos permitiu constatar que os
principais cargos da Federação foram compostos por setores líderes da indústria gaúcha: material
elétrico, metal-mecânica, construção civil, bebidas e alimentos. Consideramos, portanto, sua
documentação um elemento fundamental para o conhecimento do pensamento político-
econômico da classe empresarial gaúcha.
4.1 A FIERGS e os temas políticos.
A participação da FIERGS no processo de redemocratização é de certa forma descrita por
parte da historiografia como detentora de uma postura moderada e de cooperação com o Regime
Militar, a partir do governo Geisel. Tendo como objetivo aprofundar esse tema com o propósito
de uma maior compreensão deste ator político, e não o de estabelecer um contraponto com estes
estudos, buscamos, dentro das nossas limitações, apresentar as declarações políticas da
Federação, que passava a definir a sua participação no contexto do processo de redemocratização
do país.
O tema sobre a democracia recebeu comentário por parte da FIERGS em seus relatórios
em 1974, através de uma homenagem feita para a Justiça Eleitoral. O documento descrevia o
76
momento de tranqüilidade com o qual foram realizadas as eleições de 15 de novembro. Conforme
o discurso do seu presidente, Luiz Mandelli, a Federação saiu de uma posição de rotina, nesta
ocasião, e recebeu como convidados a Justiça Eleitoral e as lideranças dos partidos políticos para
uma reunião-almoço na FIERGS, a fim de prestar-lhes uma homenagem.
Esta casa sai hoje de sua rotina ao convidar para participar deste encontro a Justiça
Eleitoral e as lideranças dos nossos partidos políticos, este fato pode à primeira vista,
causar alguma estranheza, pois não é usual que uma corporação industrial se ocupe de
acontecimentos políticos naturalmente isento de aspecto de conotação partidária. Mas
não há como se possa negar que um dos eventos mais importantes da vida nacional neste
ano que está a findar, foi o pleito livre e democrático.
212
Após uma sucinta apresentação de um relato histórico do processo eleitoral do país e do
Rio Grande do Sul, Mandelli enfatizou o processo eleitoral, atribuindo uma grande importância à
representação da Justiça Eleitoral, o que justifica esta homenagem, como também a importância
dos partidos políticos no processo democrático do país. Segundo Mandelli:
Os defeitos dos partidos são, pois, os defeitos dos homens: o que cumpre é ir
remediando e corrigindo, porque os partidos são necessários na democracia. Sem
partidos não haverá opinião pública organizada; não existe regime democrático. [...] sem
partidos políticos a opinião blica aparece amorfa, esporádica e ineficaz, sujeita a
caprichos momentâneos e sem outra possibilidade de ação além da revolta. Todos os
órgãos de opinião pública, a imprensa, o livro, o radio , são apenas meios de expressão;
os partidos são meios de expressão e de ação.
213
Parece-nos que este tipo de manifestação não se reflete em consenso ou tampouco ganha
certa legitimidade, isto porque declarações como a do processo eleitoral de 1974, que porventura
venha a enfocar aspectos democráticos, parecem desaparecer dos relatórios anuais da FIERGS,
pelo menos até 1976, quando então a Federação reivindicou uma maior participação na
administração blica e até mesmo na própria política partidária. Esta manifestação ocorreu em
uma reunião-almoço semanal da Federação neste ano. Nesta ocasião estavam presentes, como
convidados especiais, o vice-governador do Estado de Santa Catarina, Marcos Buechler e o
Presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Assembléia Gaúcha, deputado
Valdir Lopes; os quais se pronunciaram da seguinte forma:
212
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1974. p. 62.
213
Ibid., p. 62.
77
Na reunião, o vice-governador de Santa Catarina acentuou que os empresários devem
participar diretamente das atividades administrativa, a nível público, não apenas como
forma de ampliar sua visão global da realidade nacional. Já o deputado Valdir Lopes foi
enfático ao defender a participação política do empresário, “independente do partido
político escolhido”, para que possa, defender diretamente os projetos e os programas que
beneficiam seu setor de atividades.
214
Ênio Lippo Verlangieri, o novo presidente da FIERGS, em seu discurso de posse, abordou
várias questões com relação à política do país. A FIERGS ofereceu às autoridades cooperação à
base da co-responsabilidade. Para o novo presidente da Federação, a concepção clássica de que a
economia política é uma ciência da riqueza, faz parte do passado. Para Verlangieri, a Ciência
Econômica não se reduz a uma mera questão de produção, distribuição ou mesmo consumo de
bens materiais. O que se configura hoje dentro deste universo é uma ciência dos comportamentos
econômicos, em que se configura a própria democracia.
Ninguém ousa negar ou desconhecer que o econômico, hoje, não é um tema estático ou
esotérico, reservado aos especialistas, mas que ganhou, na dinâmica de novos tempos, no
turbilhão da sua fenomenologia, um sentido e um rumo que dizem respeito com a
própria condição humana e a sobrevivência das formas de governos.
215
Neste discurso, o presidente da Federação avalia que os problemas do Brasil devem ser
resolvidos mediante as virtudes, as vocações e os interesses nacionais:
Vivemos hoje, um momento histórico, deste ângulo do nosso espaço e tempo sociais, as
vibrações específicas de nossa própria energia. Devemos criar o nosso modelo
econômico, o nosso modelo político, as aspirações para o interesse do país.
216
Em 1977, o presidente da FIERGS, Ênio Verlangieri, em uma entrevista coletiva à
imprensa, defende uma participação política dos empresários, vinculada a partidos políticos, não
servindo, portanto, a órgão de classe. Segundo Verlangieri, esta situação viria a fortalecer a classe
empresarial, especialmente se tivesse um sistema pluripartidário. Esta participação do empresário
na esfera política beneficiaria a classe porque o empresário levaria para o legislativo a
experiência da atividade privada contribuindo com informações para evitar que sejam aprovadas
leis incompletas ou mesmo falhas”
217
214
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1976. p. 76.
215
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1977. p. 22.
216
Ibid., p. 22.
217
Ibid., p.142.
78
Para o presidente da FIERGS, o pluripartidarismo é um consenso entre as classes sociais e
o próprio governo já trabalha com esta idéia. Segundo Verlangieri, a volta da democracia plena
é uma vontade nacional esperada por todos, inclusive pelas autoridades, mas deve ser feita ao seu
tempo, no momento próprio e adequado.
O problema deve ser conduzido de forma que a própria condução não cause
perturbações para que se atinja o seu objetivo. Continuou Verlangieri, o presidente da
FIERGS, desconhece, no entanto, o prazo para esta abertura: não sei se é oportuno agora
ou não, porque não conhecemos todas as premissas, portanto falar em aceleração ou
desaceleração do processo ficaria um tanto vago, mas acredito que é um processo
evolutivo da própria revolução de 64.
218
No VIII encontro das Federações do Extremo Sul, realizado na cidade de Gramado, em
06 de março de 1977, foram debatidos os principais problemas econômicos que assolavam o país.
No entendimento dos empresários:
A economia deve se desenvolver em regime de liberdade sem paternalismo dependente
e, muitas vezes sufocante. Evidentemente, o campo econômico é instrumento básico,
sem cercear, todavia, a liberdade, pedra angular da criatividade, produtividade e de
todos os fatores inerentes a um sistema produtivo eficiente e progressista.
219
As três federações decidiram, ao final no encontro, adotar uma postura de cooperação com
o governo, pois as dificuldades da atual conjuntura devem ser superadas com confiança e
tranqüilidade, para que fosse possível atingir o desenvolvimento e o bem-estar social.
Em 1978, no IX Encontro das Federações, os empresários consideraram que o período é
de transição e o embate político econômico e social conduzirá a uma nova realidade aspirada pela
coletividade. Neste encontro, ao constituir o documento em que descrevem as principais
decisões, os empresários sulinos reafirmaram a sua crença no princípio democrático, na liberdade
e na livre iniciativa, bem como dos direitos e obrigações equivalentes:
O empresário, pela sua experiência e equilíbrio, crê firmemente nos princípios
democráticos, na liberdade e na livre iniciativa como instrumento básico para a obtenção
do bem estar sociais da nação, desde que os direitos e obrigações dos cidadãos coexistam
no clima de equivalência isentos de princípios e de posições externas.
220
218
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1977. p. 143.
219
Ibid., p. 107.
220
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1978.p. 139.
79
O empresário Nestor Jost (ex-presidente do Banco do Brasil e atual presidente da empresa
gaúcha Granóleo S.A.), ao discursar na reunião almoço da FIERGS, disse que o bipartidarismo
não favorece o modelo democrático, sendo necessária uma abertura maior sem que haja um
número excessivo de partidos. Nestor Jost teceu críticas à classe empresarial, que, na sua
concepção: “hoje se limita quase sempre, a levar memoriais ao governo, com dados e análise que
as autoridades conhecem”.
221
Segundo o empresário, a classe deve ter sugestões práticas que
levem em conta a realidade do meio econômico em que atuam. Em seu entendimento:
Os empresários devem ter atuação mais firme e decidida na defesa da livre iniciativa,
mesmo porque o próprio futuro presidente da república, vem dando ênfase à sua posição
favorável à iniciativa privada, como promotora do desenvolvimento nacional.
222
Buscando atingir uma maior participação nas decisões da política econômica do país, o
presidente da FIERGS, Ênio Verlangieri, declarou aos jornalistas da área econômica que a classe
patronal do Rio Grande do Sul tem-se entendido diretamente com os trabalhadores nos assuntos
relacionados com o aumento de salário. Para o presidente da Federação, os empresários gaúchos
desejam uma oportunidade de participar antes que sejam tomadas as decisões, e que suas
posições sejam efetivamente tomadas em consideração. Segundo ele:
Hoje, somos sempre recebidos quando queremos, mas quando as decisões são anunciadas
constatamos que nossas ponderações não foram devidamente apreciadas. O empresário
observou que as manifestações do atual Governo Federal parecem indicar que não haverá
uma maior abertura também neste sentido.
223
O vice-presidente da FIERGS, Hugo Poetsch, também presente no encontro com os
jornalistas, declarou que o princípio básico do capitalismo é que o consumidor tenha poder
aquisitivo para comprar o que produz, com isto argumentou:
[...] nada existe de mais falso de que a idéia de que os empresários são contra os
aumentos salariais, de qualquer forma ‘só podemos elevar os níveis sociais se elevarmos
o vel tecnológico’ nos diferentes setores que influenciam sobre a oferta final dos bens
acrescentando que ‘todo o resto é conversa fiada’.
224
221
Relatório anual FIERGS/CIERGS, 1978. p. 152.
222
Ibid., p. 152.
223
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1979. p.103.
224
Ibid., p. 103.
80
O fórum industrial, realizado em 5 e 7 de novembro de 1980, teve como objetivo assinalar
a data da fundação do CIERGS. Neste evento estavam presentes quatro ministros da atual
conjuntura econômica do país, assim como algumas autoridades estaduais. O presidente da
FIERGS, Sérgio Schapke, no pronunciamento de abertura lembrou o histórico da fundação da
entidade e de toda a sua caminhada até o presente do seu cinqüentenário. Conforme Schapke,
todo este processo serviu para amadurecer a classe empresarial. Hoje ela está mais consciente e
realista e, na atual conjuntura, não acredita apenas no crescimento econômico do país, mas
também na abertura política capaz de possibilitar um debate, a crítica e o diálogo. Para o
presidente da Federação, nesta nova conjuntura política:
Para organização partidária que está instituída no país contribuirá decisivamente para
implantar um real conceito de responsabilidade e o consenso de respeito mútuo entre
todos os entes sociais construtores do futuro coletivo.
225
O governador do Rio Grande do Sul, José Augusto Amaral de Souza, no discurso de
encerramento do Fórum, incentivou o fortalecimento da economia privada gaúcha. Conclamou os
empresários gaúchos a atenderem a sua consciência cívica, no sentido de participar do processo
irreversível de transmissão político-social. Conforme o governador, o país, na sua luta pela
emancipação econômica, foi golpeado pela nova conjuntura, pondo em cheque a ambição de
potência econômica emergente. De acordo com o Relatório:
O governador Amaral de Souza afirmou que este novo elemento traçou um novo quadro
geopolítico mundial que transformou numa necessidade o diálogo norte-sul. “Dadas as
condições a conscientização política mais aguçada do terceiro mundo como, também,
para conservar os valores democráticos essenciais, que não pode falar ao sabor das
ideologias totalitárias e incompatíveis com os traços civilizatórios que nos forjaram
como povo livre e cristão.
226
O governo do Estado vive um momento político de transição democrática no qual se
preocupa com o engajamento dos setores sociais. Esta foi a tônica da discussão feita no
lançamento do ‘Ano Econômico’, realizado em reunião almoço na FIERGS/CIERGS no dia 26
de agosto deste ano. Neste evento, o vice-governador do Estado Octávio Germano afirmou:
225
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p. 17.
226
Ibid., p. 22.
81
O momento de transição em que vivemos está marcado profundamente pela participação
democrática, exigindo o engajamento de todos os setores de opinião pública na decisão
governamental. [...] ressaltou igualmente a necessidade do diálogo com o empresário, já
que quando se fala em abertura política, visualiza o empresário como parcela importante
na abertura de canais para ouvir a coletividade.
227
O XI Encontro das Federações da Indústria do Extremo Sul, realizado em novembro na
cidade de Canela, no Rio Grande do Sul, contou com inúmeros participantes, que conheceram e
aprovaram o teor da “Carta de Canela” (documento que expressa o consenso geral dos industriais
dos três Estados sulinos sobre a conjuntura política e econômica do país). Em alguns pontos
vazados neste documento os empresários consideraram que a sociedade brasileira atravessa um
período de profundas transformações, como a modernização da vida e as crescentes aspirações da
comunidade. Para os empresários, de se considerar a liberdade e a democracia como
indispensáveis para o país, o debate, o diálogo e o grau de participação são instrumentos
primordiais para a formulação de um novo projeto nacional. O fiscalismo e o intervencionismo
estatais devem ceder lugar à criatividade das classes sociais. A condução do destino da nação não
é exclusividade e da responsabilidade de seus governantes, principalmente dentro do que é
peculiar à classe empresarial, à livre iniciativa e do regime da economia de mercado, os quais são
considerados: “únicos capazes de promover a igualdade de oportunidade socioeconômicas entre
os homens e institucionalizar a vigência das liberdades democráticas”
228
O presidente da
FIERGS, no seu discurso de encerramento, afirmou que a Federação está do lado da democracia
sem adjetivo e da livre iniciativa, a qual proporciona igualdades sociais e econômicas. É preciso,
segundo Schapke, fortalecer a livre empresa e a democracia no Brasil. Para o presidente da
Federação, em função de um emaranhado de equívocos, o significado de democracia e a
compreensão bem definida de regime econômico que se assenta na liberdade de iniciativa, não foi
assimilado por algumas parcelas da sociedade.
Vivemos em um emaranhado de equívocos que tolhe o nosso desenvolvimento, porque
as parcelas de nossa sociedade parece não terem ainda, adquirido uma noção correta do
significado de democracia, nem uma compreensão bem definida do regime econômico
que se baseia na liberdade de iniciativa.
229
227
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p. 51.
228
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p. 66-67.
229
Ibid., p.67.
82
Conforme o pronunciamento do presidente da FIERGS neste encontro, as declarações do
Estado sobre os empresários industriais armaram uma cadeia de equívocos, que segundo ele,
poderá ser desfeita com a devida participação e a informação de todos os segmentos da
sociedade. Para ele, é neste contexto que o empresário deve fazer os seus discursos e desfazer os
equívocos sobre o empresariado gaúcho e a sua participação no processo de redemocratização do
país. Segundo o presidente:
Nossa palavra é daqueles que não se equivocam porque estamos do lado da democracia
sem adjetivos e da livre iniciativa oportunizadora de igualdade socioeconômicas e que a
verdadeira democracia admite a discussão o debate e a vivência até as incoerência.
230
Até que ponto podemos definir um conceito de democracia no discurso do presidente da
FIERGS, além da democracia econômica e da liberdade de iniciativa privada? Ele escreveu no
relatório anual que a sociedade tem confundido o pensamento democrático da classe empresarial
com a idéia de poder econômico descontrolado, que só visa o lucro, menosprezando os problemas
da pobreza e do bem estar da população. Segundo ele, o Estado destruiu não a liberdade
econômica como também todas as instituições políticas:
[...] nenhuma liberdade política sobreviverá, em qualquer país, inclusive o nosso, à
destruição da liberdade de iniciativa. Uma economia aberta é essencial para a existência
da democracia num país. Os fundamentos da democracia são as instituições políticas
livres, liberdade de iniciativa na área econômica e as forças normalizadoras do próprio
mercado, onde o Poder Público apenas intervém como normalizador.
231
Em 1981, o presidente da FIERGS, fazendo declarações dentro de uma visão na qual
processa uma abertura política econômica, com bons olhos as atitudes do governo federal.
Neste sentido, em entrevista coletiva concedida à imprensa neste ano, comenta que a adoção de
algumas medidas tomadas pelo governo federal vem por atenuar o impacto da inflação sobre a
atividade econômica, sendo esta medida essencial para evitar uma recessão em escala aritmética.
Os industriais gaúchos, segundo Schapke, não são contrários à política do governo no combate à
inflação, pois ele entende que é evidente e necessário conter os altos preços para o bom
andamento do processo de abertura política, pois se houver uma estagnação econômica do país
isto poderá prejudicar o processo de abertura”.
232
230
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p.67.
231
Ibid., p.67.
232
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981. p. 50.
83
Uma outra questão pertinente ao processo de redemocratização, que pode ser observada
em relação aos temas políticos entre a FIERGS e o Estado Autoritário, está na declaração do
presidente da Federação, quando este se refere à decisão por parte do governo Figueiredo de
promover a não estatização de suas empresas. Esta atitude foi vista como um voto de
credibilidade ao empresário por parte do governo. Segundo Schapke, em suas declarações, esta
medida proporcionará um alívio no orçamento do país. O governo, dentro deste contexto, atuará
como um organizador do setor de desenvolvimento econômico a fim de gerar eficácia no regime
de competição e de liberdade da livre iniciativa. Schapke entende que “o presidente da República,
voltado para a democratização política, volta-se também para a democratização econômica”.
233
A FIERGS, que sempre esteve voltada para a pequena e média empresa, como solução
para o desenvolvimento econômico, tem no XII Encontro das Federações do Estremo Sul
ressaltada a sua importância para o processo de abertura democrática e a estabilidade social.
Conforme um dos palestrantes deste encontro, Albano Franco, presidente da CNI (Confederação
Nacional da Indústria), “a abertura democrática e a paz social passam também, pelo interior das
fabricas, grandes ou pequenas”.
234
Dentro deste encontro é elaborada a Carta de Blumenau,
documento que define as principais decisões do XII Encontro das Federações Sulinas. Entre os
pontos fundamentais da Carta está à denúncia quanto à falência da tecnoburocracia, que, segundo
os empresários, era responsável pela direção econômica do país. De acordo com o Relatório:
não mais porque discutir as causa dos nossos males muitas vezes buscando lá
fora. É preciso apenas assumi-los com quem assume o passivo de um empreendimento
viável, como é o Brasil. Trata-se, sobretudo de um setor privado a avocar para si uma
posição mais participativa, baseada na sua condição de agente econômico e,
principalmente, originada pela constatação de que, acima das dificuldades existe a
falência da tecnocracia responsável pela direção da nossa economia.
235
Em solenidade presidida na FIERGS em 1981, que outorga a distinção da medalha ao
mérito industrial, o empresário dirigente da Bordin Artefatos de Cimento LTDA, Derbi Bordin,
fez um discurso em nome dos agraciados ao mérito industrial. Em seu discurso defende a
descentralização do processo decisório, dentro de um contexto de dificuldades, nas quais as
233
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981. p. 52.
234
Ibid., p. 94.
235
Ibid., p. 95.
84
soluções chocam-se na maior parte das vezes com as barreiras do dogmatismo intransigente da
tecnocracia. Segundo este empresário, é a partir da descentralização das decisões que se
fundamenta a verdadeira realidade a uma abertura das atividades econômicas. Segundo ele:
Participar do processo decisório, num processo democrático e aberto, mais de que um
direito constitui uma obrigação, mesmo porque, como participando do complexo social
brasileiro, os empresários detém, ainda, indiscutível parcela de responsabilidade que
transcende ao mero aspecto econômico para influir inevitavelmente no processo
social.
236
A passagem do governo Geisel ao governo Figueiredo, para alguns autores, é considerada
como uma etapa do processo de redemocratização, período em que ocorreram importantes
concessões liberalizantes como a anistia e o quase total restabelecimento da liberdade da
imprensa escrita. Tais características da evolução histórica do processo de liberação política do
país tornam as eleições de 1982 para governadores de Estado, a serem realizadas pela primeira
vez desde 1966, um fato importante para a vida política do país. A FIERGS e a CIERGS
consideram este acontecimento de primordial importância para a classe empresarial. Sendo assim,
promoveram em sua sede, a partir do dia 14 de setembro de 1981, um ciclo de debates em que
compareceram os candidatos dos quatro partidos ao governo do Estado. Segundo a FIERGS, este
evento teve como finalidade conhecer e discutir os planos de governo de cada candidato.
O primeiro candidato a iniciar o ciclo de debates foi o Senador Pedro Simon, do PMDB.
Em seu discurso defendeu uma maior austeridade nos gastos públicos, entre outras questões.
Conforme Simon, a sua vitória não significaria uma mudança radical na atual conjuntura:
Se ganhar as eleições, não afirmo que estarão resolvidos todos os problemas. Mas digo
que juntos poderemos iniciar uma reversão da atual conjuntura, com plena participação
democrática. A derrota do governo não significanenhuma reforma radical, mas sim a
exigência de um novo modelo econômico, mais equânime e mais participativo da
sociedade.
237
O candidato pelo PDS ao governo do Estado, Jair Soares, deu seguimento aos debates.
Após uma breve explanação do seu plano de governo, descreveu suas prioridades para a política
econômica:
236
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981 p.104.
237
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. p. 69.
85
Somos contra a intervenção estatal em setores onde a iniciativa privada possa atuar.
Tenho o mais profundo respeito pela iniciativa privada, por uma economia de mercado
disciplinada e fundamentalmente pelo Estado como planejador e não como
intervencionista no campo econômico.
238
O candidato do Partido dos Trabalhadores, Olívio Dutra, terceiro candidato a discursar na
FIERGS, após relatar uma série de medidas políticas e econômicas em seu plano de governo,
descreveu o papel do Estado neste processo.
[...] entende que o Estado não é uma entidade indefinida, mas o resultado da vontade da
comunidade. Atualmente o Estado está a serviço de quem tem mais poder de barganha, e
as empresas estatais não estão sob o controle da comunidade, através de associações de
bairros, sindicatos e outros organismo, que participem dos conselhos das empresas. Da
mesma forma propõe que os orçamentos públicos sejam discutidos pelas organizações
comunitárias. Entende que o equilíbrio orçamentário não é prioritário, na medida em que
haja investimentos sociais, e que estejam sobre o controle da sociedade.
239
Encerrando os debates, o candidato do PDT ao governo de Estado, deputado Alceu
Collares, esteve, no dia 5 de outubro, expondo aos industriais as suas metas de governo. Ao
referir-se às condições econômicas do Rio Grande do Sul, afirmou que “o Estado transformou-se
em periférico, à medida que está inserido em uma economia nacional centralizada, e está,
dependente da economia internacional”.
240
Ao responder a questões propostas pela Federação, referentes ao processo de estatização,
o candidato Alceu Collares disse que “entende que o Estado deve participar do
empreendimento onde a livre iniciativa privada não tiver condições de atuar”.
241
O presidente da FIERGS fez uma declaração na Carta industrial, em novembro de 1982,
escrevendo, nesta oportunidade, que a classe empresarial aspira por um abrangente diálogo
nacional em virtude da necessidade de realinhamento da economia brasileira. Segundo o
dirigente, nestas eleições o povo brasileiro expressava a sua vontade política, uma vez que deu
seqüência a um processo que teve início no governo Geisel. Em sua declaração, o presidente da
238
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. p. 70.
239
Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1976p.71.
240
Ibid., p. 72.
241
Ibid., p. 73.
86
Federação lembrou que o Estado é, na verdade, um contingente humano, criado e administrado
pelo homem, com finalidade humana:
O ‘Estado é propriedade do povo’, no entanto complexa, o presidente da FIERGS,
também entende que a sociedade não é unicamente a reunião de todos os homens
congregados de uma forma qualquer, mas é a reunião deste povo democraticamente
maduro tem condições, portanto, de reunir-se em partidos, escolher suas idéias, expor
suas idéias, submeter-se ao debate político e aceitar a vontade expressa nas urnas. Assim
faz o povo brasileiro.
242
Dentro deste panorama, o presidente da Federação entende que:
A empresa, organismo de utilidade comunitária, e o empresário, que vem dando,
presença no processo de redemocratização do país. (...) o país precisa e espera dos seus
filhos democracia e trabalho e, os brasileiros estão unidos em busca deste ideal.
243
Sérgio Schapke declarou, em uma edição especial da carta Industrial, que a política
econômica imposta pelo governo para conter o processo inflacionário e a pressão da dívida
externa e interna, não só veio para penalizar as empresas, como também prejudicou o seu
crescimento, sendo que a maior crise neste momento se encontra na área do governo que perde a
sua confiabilidade:
O povo não tem mais confiança em seus governantes, isto é muito ruim. O sistema
assim, fica corrupto, interrompido e gera desconfiança total. Outro problema é que o
governo não está sabendo se comunicar com o povo. Hoje está havendo uma destruição
do próprio governo. Cada um diz uma coisa e faz outra. uma ruptura em toda a área
do governo.
244
Para o presidente da FIERGS, analisando o conjunto de medidas tomadas pelo governo,
fica, portanto, cada vez mais nítida a necessidade de confiar, de visualizar um projeto nacional
em que todos acreditem internamente. Mudança essa que, na opinião do dirigente da Federação,
só será possível:
[...] quando tivermos mudanças estruturais na economia que levem em conta dois fatores
essenciais: internamente, a decisão por uma política que propicie a revitalização da
empresa brasileira, cujas conseqüências previsíveis são amplas e salutares e,
242
Rio Grande do Sul. Assembléia Legislativa. Terceiro Pólo Petroquímico: uma conquista no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, 1976 p. 42.
243
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. p.42.
244
FIERGS/CIERGS. Carta Industrial. Porto Alegre: ano 2, nº. 12, maio, 1983. p.4.
87
externamente a necessidade de pagar uma vida, de forma que esse pagamento não
anule o esforço do crescimento nacional.
245
O futuro presidente da FIERGS, Luiz Octavio Vieira, declara neste mesmo documento
que o ‘ser político’ da nação deve ser acordado e incentivado sem perda de tempo, e,
principalmente, sem medo. Baseado neste parâmetro, o futuro presidente da Federação acredita
que, nas circunstâncias atuais, é primordial lutar pela democracia: “[...] condição essencial e
única para superarmos nosso impasse e sairmos da crise”.
246
Para Octavio Vieira, esta é a hora de
superar um ranço de autoritarismo, que está no aprendizado da classe empresarial, em cada um
desde o seu nascimento, um aprendizado democrático que adquirimos em “[...] nossos legados, as
nossas tradições familiares, as nossas relações na escola, em nosso modo de relacionarmo-
nos”.
247
Este é o momento do empresário gaúcho fazer um esforço para a democratização, tendo
em vista a crise externa de pagamentos: “[...] que é o maior teste para a nossa volta de ser
democrático”.
248
Portanto, para Vieira, este seria o momento do empresário gaúcho evoluir
politicamente, e o caminho seria a prática da abertura:
No momento em que o Brasil está vivendo seu momento mais bonito da abertura
democrática estamos vivendo uma situação econômica mais difícil que o Brasil teve
se superarmos estas dificuldades externas poderei dizer que, apesar de não termos
vocação natural para a democracia, nós superamos e somos um país democrático.
249
Em consonância com as declarações do futuro dirigente da Federação, o presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Albano Franco, considera que as atuais dificuldades
apontam para um novo e urgente pacto social e político. O Rio Grande do Sul, através de sua
classe empresarial, pode e deve dar uma valiosa contribuição às mudanças necessárias neste
sentido:
A Confederação Nacional da Indústria esta consciente dos obstáculos e desafios que terá
que assumir, quer para levar o país a retomar o desenvolvimento, quer para ampliar o
processo de redemocratização da sociedade brasileira. [...] democracia representada,
representativa, antes de tudo social. A CNI crê nesta idéia, reafirmando sua finalidade ao
desenvolvimento, com justiça, e a vida, com liberdade.
250
245
FIERGS/CIERGS. Carta Industrial. Porto Alegre: ano 2, nº. 12, maio, 1983. p.3.
246
Ibid., p.13.
247
Ibid.,. p.11.
248
Ibid., p.11.
249
Id. nº. 13,junho, ano 1983. p.11.
250
ibid., p.3.
88
No final do ano de 1983, alguns dos ex-presidentes da FIERGS discutiram as eleições
diretas ou não para Presidente da República, pois é um momento que abrange uma ordem muito
complexa. Neste sentido, os discursos dos empresários são indispensáveis e devem estar inseridos
em um amplo diálogo, em consonância com vários segmentos da sociedade.
Para Luiz Mandelli:
Uma maior abertura política em 84, poderá mudar a postura do próprio povo,
aumentando sua credibilidade no governo por um certo período e com isso talvez haja
uma expectativa mais favorável para a administração do processo inflacionário, pois
desaparece o componente psicológico que é realimentador da inflação. [...] a eleição e a
posse dos governadores pelo voto livre, apesar dos casuísmos do voto vinculado e outro
mecanismo, foi o ato político mais importante do ano passado. O Congresso acordou
não está mais em estado de letárgico. As eleições forçaram uma participação maior de
praticamente toda a sociedade.
251
Para Ênio Verlangieri:
Embora seja favorável às eleições diretas não acredito que elas saiam este ano, porque
não há tempo suficiente devido à necessidade de se fazer uma reforma constitucional. O
PDS tem a maioria e poder de indicação no Colégio Eleitoral e não vai abrir mão do seu
direito de eleger o presidente por via indireta independente do Processo, acredito que
novas cabeças no Governo, com equipe da diversa da de hoje, significarão um novo
alento para a sociedade.
252
Para Sérgio Schapke:
Não sou favorável às eleições diretas acho que o momento ainda é de pensarmos em
eleições de forma indireta. Seria o melhor caminho. Precisamos atingir a maturidade
democrática e, então, partir para as diretas. Devemos caminhar para a democracia maior
com o trabalho conjunto entre o Congresso nacional, Executivo e toda a sociedade
opinando para resolver a grave crise que vivemos.
253
Não encontramos referência sobre o debate das eleições presidenciais nos informativos da
FIERGS no primeiro semestre de 1984. Percebe-se que a Federação procura sustentar certa
distância deste quadro político, mantendo cautela, esperando uma definição. Esta postura por
parte dos empresários pode ser percebida com a elaboração de uma Carta aos Políticos
Brasileiros, elaborada no XIV Encontro dos Estados Sulinos, realizado na cidade de Canela, em
251
FIERGS/CIERGS. Carta Industrial. Porto Alegre: ano 2, nº. 19dezembro, 1983 p. 9
252
Ibid., p.9.
253
Ibid., p.9.
89
junho de 1984. A questão da sucessão presidencial é descrita no documento com a perspectiva de
assegurar um crescimento promissor para o país:
[...] tanto quanto discutir nomes de se considerar como preponderante a forma de
chegar ao poder, pois, esta, e esta enquanto legítima, determinará o grau de
credibilidade do novo presidente e, por conseguinte, garantirá as medidas econômicas do
próximo governo a aceitação necessária para que atinja seus objetivos.
254
Para o presidente da FIERGS, o que chama a atenção no processo de sucessão presidencial
é a precariedade das instituições políticas. Conforme Octavio Vieira, esta situação sempre existiu,
mas era encoberta pelos gabinetes. O processo de democratização deixa tudo mais à vista:
Não tivemos eleições diretas, contra a imensa vontade popular. Curiosamente o melhor
candidato do partido do governo não apareceu como candidato do partido do governo,
Aureliano Chaves, que sai e faz uma facção com outras correntes. [...] Na verdade não
mudou muito historicamente. As correntes políticas de agora são as mesmas de 50 anos
atrás. Mas estas são as correntes que existem: um partido centro-direita e um centro-
esquerda, que compactuam para influir no governo. A frente liberal poderá ser amanhã
de centro-direita, o PMDB podeser centro-esquerda, representando um ex-PTB e o
outro um ex-PDS. E não há nada de mal nisso, pois é a representação da sociedade.
255
O candidato à Presidência da República, Tancredo Neves, apoiado por uma heterogênea
aliança política,
256
reuniu-se com os industriais gaúchos na FIERGS em outubro deste ano. No
encontro estavam presentes o presidente da Federação e seus últimos quatro ex-presidentes, cerca
de 200 empresários, o senador Pedro Simon e o deputado Sinval Guazzelli. Um modelo
econômico que concilie o combate à inflação com medidas para a retomada do crescimento foi a
principal promessa do candidato nesta ocasião:
Nosso apoio será inequívoco à livre iniciativa. O programa industrial do meu governo
não estará voltado apenas para as grandes empresas, a quem, isoladamente, tem uma
representatividade econômica maior. Estaremos abrindo espaço e defendendo
prerrogativas das pequenas, médias e micro- empresas industriais.
257
254
FIERGS/CIERGS. Carta Industrial. Porto Alegre: ano 3, nº. 23 julho, 1984. p.3.
255
Id. nº. 24, agosto, 1984. p.4.
256
Através de comícios populares, a candidatura de Tancredo Neves foi se consolidando como alternativa viável para
garantir o fim do Regime Militar. Tancredo afirmava que iria ao Colégio Eleitoral para acabar com ele, e que sua
eleição seria a última eleição indireta para presidente do Brasil. As forças da Aliança democrática, cujos principais
núcleos eram compostos pelo PMDB e pela Frente Liberais (dissidentes do PDS), conseguiram eleger Tancredo
Neves para Presidente da República.
257
Id. nº. 26. outubro, 1984. p.3.
90
Curiosamente, tendo como referência as eleições diretas para governador em 1982, o
encontramos nenhum registro da visita do candidato do governo à FIERGS, para expor o seu
plano de governo aos industriais gaúchos. Levando em conta o contexto em que se configuram as
eleições presidenciais, é possível perceber, no universo das promessas dos candidatos à
Presidência da República, um discurso voltado para um novo perfil de empresário industrial,
esperançoso, cauteloso, com objetivo de participar das decisões políticas na área econômica do
país. Novos tempos, novas necessidades.
Um mercado interno forte, mais emprego, estímulo de produção e não à especulação,
mas fundamentalmente estar preparado para mais dificuldade: sabe-se que não
mágicas para reunir, de uma hora para outra, os destroços de quatro anos de recessão.
Embora entendam que Tancredo Neves está virtualmente eleito, alguns industriais
manifestam outras preferências, que vão desde Paulo Maluf até Aureliano Chaves e
Fernando Henrique Cardoso.
258
4.2 A FIERGS e os temas econômicos.
No Estado do Rio Grande do Sul, a FIERGS é considerada como importante órgão de
influência para a política econômica. Mediante esta posição, a Federação recebia, por sua vez,
“visitas” da Escola Superior de Guerra (ESG),
259
a fim de consultá-la sobre a conjuntura do
desenvolvimento nacional. Em 1974, a ESG, em reunião na FIERGS, abordou diversos aspectos
econômicos que podiam contribuir para o aprimoramento nas áreas econômicas e psicossociais.
258
FIERGS/CIERGS. Carta Industrial. Porto Alegre: ano 3, nº. 27, nov./dez. 1984. p.4.
259
A ESG foi fundada em agosto de 1949. Tem como princípio filosófico exercer funções de direção e planejamento
da segurança nacional. Segundo o manual da ESG, os países comunistas, na sua política de domínio e expansão,
utilizam armas psicológicas evitando assim um confronto direto, minando as bases das sociedades democráticas.
Neste sentido toda a população vem a se tornar suspeita, ou seja, todo o cidadão pode ser um suspeito incondicional.
A sociedade civil dentro deste contexto deve ser controlada e os inimigos internos exterminados. A ESG teve um
importante papel na construção da teoria para controlar o processo político nacional. Foi responsável pela formação
de quadros para os governos militares. A ESG ministrava cursos que duravam aproximadamente um ano, tinha como
professores, militares, profissionais liberais e tecnocratas, que objetivavam divulgar e difundir a doutrina da
segurança nacional. Para tanto, organizavam viagens de conhecimento pelo Brasil e de aperfeiçoamento nos Estados
Unidos da América. A inclusão de civis objetivava espalhar idéias como, a da necessidade de centralizar no
executivo o poder, dada a ineficácia dos partidos políticos. Os civis que ocuparam importantes ministérios durante o
Regime Militar foram alunos da ESG, entre eles, Octávio de Bulhões, Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen e
Delfim Neto. Ver em: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1968). Petrópolis: Vozes,
1984; OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. As Forças Armadas: Política e Ideologia no Brasil. Petrópolis: vozes, 1976;
STEPAN, Alfred. Os Militares na Política: as Mudanças de Padrões na Vida Brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1975.
91
Nesta ocasião, a FIERGS considerou que, dentro da atual conjuntura econômica, seriam
necessárias as seguintes medidas:
[...] urgência para o estabelecimento e execução de programa e projetos que assegurem
condições de estocagem dos produtos primários sujeitos a instabilidades e especulações
dos preços internacionais [...] A necessidade de superarmos o atual estagio industrial
aumentando a produção de bens de capital. [...] naturalmente diz o trabalho da FIERGS,
não de ser reprimido por possíveis abusos na fixação de preços de equipamentos
nacionais.
260
No campo psicossocial, a Federação sugeriu uma inversão na curva do imposto de renda
da pessoa física, reformulação nas retiradas do fundo de garantia e redução da carga tributária,
notadamente indireta aos bens de consumo.
Em outubro de 1975, a FIERGS recebeu novamente a visita da ESG, desta vez
conclamada para a responsabilidade de estudar os problemas da região sob os aspectos de
segurança e desenvolvimento. O presidente da FIERGS, Luiz Mandelli, em seu discurso, ao
referir-se ao tema da segurança nacional, considerou:
Mais do que nunca, então, torna-se importante a presença do binômio
“DESENVOLVIMENTO SEGURANÇA”, a fim de que pudéssemos manter
ordenadamente a nação, isentando-a dos conflitos e dos perigos, interno e externos. E,
nesta posição, exemplo estamos dando ao mundo, no sentido de que é possível
compatibilizar uma disciplina socioeconômica com os princípios básicos de liberdade e
democracia.
261
No decorrer do discurso, considerou que a questão do desempenho da economia nacional
está preocupando os empresários gaúchos. Segundo Mandelli:
Na realidade, a maior preocupação de nossa economia-financeira é, na atualidade, o
balanço de pagamentos, com todas as suas implicações internas e externas. Nota-se que a
nosso entender, ainda não ocorreu uma conscientização geral no país para tão grave
situação. É preciso subordinar os “pequenos problemas” a este “grande problema.
262
O II Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Geisel, que parte da historiografia,
considera que a tônica da campanha contra a estatização terá pela FIERGS uma posição em 1975,
através de um documento feito em conjunto com outras Federações Empresariais do Rio Grande
260
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1974. p.61.
261
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1975. p.52.
262
ibid., p.52.
92
do Sul,
263
entregue ao Presidente da República Ernesto Geisel. Neste documento as Federações
consideraram:
O II Plano Nacional de Desenvolvimento, compreendendo o período de 1975/1979, da
continuidade a construção que tem como superior meta uma sociedade aberta, social,
racial e politicamente encontramo-nos diante de um processo de modernização e
desenvolvimento que tem como base o homem e como estratégia de operações uma
grande mobilização nacional, isenta de interesses de grupos, classes e reges. A este
chamamento reafirmamos a disposição de nossa entidade em prestar toda a
colaboração.
264
O documento entregue pela FIERGS fez um registro de dez ponderações, que tiveram
merecedora e especial atenção, visto que são de interesse global para a tranqüilidade das classes
produtoras. Neste particular, os empresários confirmam e consagram a livre iniciativa privada
como propulsora de avanços sócios econômicos. Em referência ao capital internacional,
entendem que este é primordial para o desenvolvimento, no entanto deve-se disciplinar tais
ingressos dentro dos setores definidos do II PND. O documento, ao se referir à poupança interna,
diz ser esta a mola propulsora na estrutura de investimento da empresa nacional, mas na atual
conjuntura este instrumento carece de urgente recuperação. Uma outra ponderação é a política de
preços, que tem sua posição definida no documento da seguinte forma:
O II PND delimita o controle de preços como o plano de política gradualista de combate
à inflação afirmando que tais medidas deveriam obedecer à função de reverter
expectativa e frear componentes de alimentação inflacionária. Por outro lado, serão
instrumentos que indicam aumento de preço por praticas monopolista. [...], entretanto,
devido a períodos anteriores, é justa a preocupação de que critérios para reajustamento
de preços não tenham embasamento técnicos, ou seja, que atendam satisfatoriamente
uma relação de programas de investimento com rentabilidades controladas. Tal
fenômeno pode ocorrer, tanto na área de produção como na comercialização, inclusive
distorcendo uma equilibrada alocação de resultados em diferentes setores de
economia.
265
Dentre os principais instrumentos da ação econômica, os empresários destacaram a
política fiscal que, segundo eles, deveria ter um posicionamento social:
263
As outras federações que assinaram o documento são: Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul,
Federação do Comércio Atacadista do Estado do Rio Grande do Sul, Federação de Turismo e Hospitalidade do
Estado do Rio Grande do Sul, Federação do Comércio Varejista do Estado do Rio Grande do Sul,Federação dos
Agentes Autônomos do Comércio do Estado do Rio Grande do Sul,Federação das Associações Comerciais do Estado
do Rio Grande do Sul. Federação das Empresas de Transporte Rodoviário do Estado do Rio Grande do Sul.
264
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1975. p.61.
265
Ibid., p.62.
93
Havendo possibilidade, lógico seria um processo que viesse desagravar, também
progressivamente, do IPI os produtos de maior consumo popular, ampliando-se, por
exemplo, as faixas de produtos alimentares não tributados e ingressando-se pela
indústria de vestuários, etc. Teríamos assim, mais um forte mecanismo de melhor
distribuição de renda, em que a nação esta empenhada.
266
A Escola Superior de Guerra, em visita à FIERGS em 1976, buscou analisar e discutir o
modelo econômico brasileiro. Neste encontro, a Federação reiterou o seu apoio ao II PND,
enfatizando a necessidade de acelerar a produção de bens de capital, que beneficiarão a indústria
fabril do Rio Grande do Sul. Para a FIERGS, o II PND consagrou uma economia voltada para os
mercados externos com todos os seus benefícios, e também com todas as dificuldades e pontos
negativos decorrentes do processo, visto que o país tem uma economia aberta e
conseqüentemente vulnerável aos efeitos da economia internacional. Entre os vários pontos
discutidos nesta reunião, a área tributária foi a que concentrou a crítica mais intensa por parte dos
empresários. Segundo Osvaldo Guindani, presidente do Sindicato das Indústrias de Trigo do
Estado do Rio Grande do Sul,
“Os industriais do Estado pensam que ha uma excessiva concentração de tributos em
mãos da União. Isto vem enfraquecer os Estados e Municípios e no Rio Grande do Sul,
que tem sua economia calçada grandemente em produtos primários, o problema se faz
sentir com grande intensidade, uma vez que a união tem uma política de exportação,
visando com isso estabelecer um equilíbrio do balanço de pagamentos. Mas isto se
reflete na produção de nossa receita, uma vez que estamos perdendo no Rio Grande do
Sul, ao redor de 20% daquilo que deveríamos arrecadar, para desta forma atender ao
apelo do governo de incentivos à exportação.
267
Na cerimônia do Mérito Industrial realizada na FIERGS, o presidente da Federação, Luiz
Mandelli, diz que é preciso rejuvenescer o modelo econômico, pois este momento é de
dificuldades em decorrência da temida inflação, além das contas externas deficitárias, em função
principalmente do crescimento acelerado dos últimos anos e das crises internacionais que
envolvem o país. Para Mandelli:
A grande tarefa, agora, é viabilizar um novo projeto de desenvolvimento nesta fase da
vida nacional, aglutinando todas as forças da sociedade brasileira, reduzindo nossa
dependência do exterior com efetiva busca de aplicação de alternativas internas,
266
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1975. p.62.
267
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1976. p.53.
94
corrigindo desníveis e muito importante fortalecendo o setor privado brasileiro, que,
sem hostilização do capital estrangeiro, deve constituir-se no consolidador do
predomínio do nacional no comando da economia.
268
Embora críticas tenham sido feitas ao modelo econômico do governo, encontramos uma
análise feita em1976 pelo presidente da FIERGS, na qual ele afirma que um “eventual
endurecimento para consertar o balanço de pagamento e até mesmo indispensável, tendo em
conta os necessários realinhamentos econômicos a serem adotados.”
269
É em vista deste tipo de
declarações nos relatórios da Federação que se torna possível perceber a ausência de um projeto
político econômico de vanguarda entre 1976 e 1977, ou seja, não há por parte da Federação, neste
momento, uma postura de vanguarda democratizante, e sim a manutenção de uma posição
conservadora. Segundo o Relatório Anual:
Existe, também considerações envolvendo o sistema “monetário e “estruturalista”.
Entendemos que é importante a não realizar-se posições em torno de formas ortodoxas,
uma vez que, comprovadamente, o Brasil tem sido sucesso de um pragmatismo
consciente.
270
Fernando Henrique Cardoso escreveu que o empresário nacional no ano de 1977 assumiu
uma posição de reencontro vocal com a crítica ao governo, passando então a falar em
democracia.
271
Dentro deste contexto nacional, a FIERGS, que vinha adotando uma política de
comedimento quanto às suas declarações públicas referente à atuação do governo, muda
substancialmente o teor do discurso com o seu novo presidente, Enio Verlangieri, em1977. A
análise sobre a política do governo tem um tom mais objetivo para a política do setor industrial.
Segundo o Relatório:
A FIERGS não pode silenciar diante dos registros que comprovam a exigência por
parte do sistema financeiro que vão além das taxas normais, afirmou, lembrou que essas
exigências excessivas se referem “à denominada reciprocidade ou saldos médios, que em
muitos casos elevam os dispêndio global de índices que podem ser considerado extremo
exagero.” Com isto, acrescentou é premida pelo controle de preços, a indústria é
atingida por transferência de recursos, sendo descapitalizada em favor de outros setores
da realidade que contrariam a salutar economia de mercado.
272
268
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1976. p. 31.
269
Ibid., p. 46.
270
Ibid., p. 33.
271
CARDOSO, Fernando Henrique. O papel do empresário no processo de transição: ocaso brasileiro. Rio de
Janeiro: Dados, Vol. 26, nº. 1 1983, p. 9 a 27.
272
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1977. p.152.
95
Em 1978, no seu segundo ano à frente da FIERGS, Verlangieri materializou um
documento que representa o consenso de 67 sindicatos filiados à entidade, a ser entregue ao
candidato à Presidência da República, general João Batista Figueiredo. Neste documento, os
industriais se posicionam de forma mais abrangente em relação aos problemas econômicos, como
também adotam uma postura mais crítica, levando em conta a realidade de escassez de recursos e
as prioridades da política do desenvolvimento socioeconômico. No teor das reivindicações, as
políticas econômicas do Estado estão: a criação e absorção de tecnologia; apoio à empresa
privada nacional, em especial à pequena e média empresa; política adequada à capitalização e
investimento empresariais; fiscalização no ingresso de capital estrangeiro; disciplinamento da
industrialização; formação de recursos humanos; participação dos empresários nos órgãos
decisórios da política econômica nacional e, novamente, o alerta sobre a participação do Estado
na economia. No entendimento da Federação, os empresários gaúchos consideram a centralização
do poder econômico e seus reflexos um poderoso jogo de inversões das posições decisórias, que
vem de cima para baixo, sufocando iniciativas de base:
A concentração do poder econômico financeiro em torno da União, incrementado nos
últimos dez anos, sem sombra de dúvidas, está acarretando graves problemas aos
estados, a tal ponto que a suas receitas esgotam-se, simplesmente com as receitas de
custeio, praticamente nada restando para o investimento de infra-estrutura. Em alguns
casos, como no Rio Grande do Sul, o problema tem sido agravado pela política de
investimentos fiscais à exportação, redutora das contribuições para os cofres do Estado.
[...] Este cenário torna-se mais angustiante, quando transferido para o plano dos
municípios, indiscutíveis embriões comunitários.
273
Para Federação da Indústria gaúcha, a centralização excessiva do poder econômico-
financeiro em torno da união pode ser resolvida tendo como alternativa a revisão das áreas de
atuação dos estados e municípios. Levando em conta seus recursos a fim de definir uma reforma
tributária condizente com a sua realidade, além da criação de mecanismos que possibilitem a
participação da população nas decisões que afetam seu desenvolvimento. O documento descreveu
ainda a posição da FIERGS em relação à política de industrialização do país. O que, segundo a
Federação, foi consagrado através do tripé capital privado, capital estrangeiro, capital estatal,
encontrado hoje com características marcantes:
273
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1978. p.17.
96
Capitais privados nacionais elevado grau de endividamento pela precária relação de
capitais próprios x capitais de terceiros. [...] capitais estatais apoio incondicional do
poder, adequada estrutura de capitais. [...] capitais estrangeiros possibilidade de
profundo exame para ingressarem no país, usufruindo ao máximo, dos benefícios
legais.
274
Neste mesmo ano, a FIERGS elaborou outro documento para o candidato da situação à
Presidência da República. O discurso da FIERGS tem como objetivo, nesta ocasião, colaborar
com o aperfeiçoamento da política econômica, em um momento que se definem novas estruturas
de governo. O novo documento, de forma mais sucinta, reitera o anterior (balanço de pagamento,
política fiscal e monetária, inflação, endividamento e descapitalização da empresa privada
nacional). Descreve um balanço do produto interno bruto do Rio Grande do Sul, bem como a sua
importância para economia nacional. No entanto, o diferencial do novo documento em relação ao
outro está refletido numa posição da FIERGS quanto à organização de um autêntico sistema
federativo, tendo em vista que o modelo centralizado da política econômica não comporta mais
corrigir os graves problemas regionais:
Com efeito, o exercício de 1978 confirmou a imperiosa necessidade de ser implantada
uma descentralização econômica e administrativa, proporcionando melhores condições
para o desenvolvimento das diferentes regiões, dotadas de características e
peculiaridades próprias, além de agilizar decisões e procedimentos que o podem ficar
à mercê de medidas abruptas, imprecisas e pendulares, ditadas pela tecnoburocracia
centralizada.
275
Para a FIERGS, o processo eficaz da economia de mercado vem sendo sufocado por
implantações de medidas sem efeito, que não resolvem nem criam soluções para as constantes
altas dos preços. Conforme a Federação, é preciso que o artigo 170 da constituição federal seja
efetivamente considerado, a fim de combater o angustiante problema da inflação que está sendo
travado até agora sem sucesso. De acordo com o Relatório Anual, “na verdade o primado da livre
iniciativa e o caráter suplementar do Estado na atividade econômica não tem sido considerada,
comprometendo uma saudável democracia econômica.”
276
A despeito das críticas feitas à política econômica do governo, a FIERGS afirma sua
confiança nas potencialidades, tranqüilidade e capacidade do país:
274
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1978. p.19.
275
Ibid., p.80.
276
Ibid., p.80.
97
[...] de qualquer forma o que importa é a imensa potencialidade do nosso país, a sua
tranqüilidade interna e a disposição para assimilarmos com humildade e sabedoria, erros
e omissões, transformando-os em fonte de experiência, ajustamentos e inovação em prol
da vida socioeconômica.
277
Mediante a combinação de políticas monetárias e fiscais, as críticas da Federação à
política do regime referem-se à substancial redução de gastos públicos do governo. A FIERGS
entende que o governo deve eliminar os subsídios ao crédito, que provocam efeitos regressivos
sobre a distribuição de rendas, ao mesmo tempo devendo trabalhar em redução das taxas, no
seguimento de livre mercado.
O setor financeiro acelera a velocidade de circulação, auferindo ganhos fora do comum e
eximindo-se dos efeitos da inflação porque multiplica papéis lastreadores em títulos do
governo. Dseus extraordinários resultado extras operacionais. Os setores produtivos
(indústria, comércio e agricultura) sofrem efeito da inflação, especialmente os dois
primeiros, cuja restrição de credito é mais intensa, mas todos se endividam cada vez
mais, devido aos elevados custos financeiros. [...] O pessoal da renda fixa, sem maiores
comentários, suporta o grande peso da inflação, quando o mais justo seria a
universalização dos dissabores da aspiral inflacionária, notadamente participando
aqueles com poderes de emissão e de comércio do produto dinheiro e seus
assemelhados.
278
Em cerimônia ao Mérito Industrial em 1979, realizada pela FIERGS, onde estavam
presentes autoridades (governador, prefeito), empresários e jornalistas, o presidente da Federação
Enio Verlangiere, fez seu pronunciamento, objetivando uma crítica incisiva a política do governo
federal, tendo como teor, as novas medidas econômicas recentemente anunciadas e, a forma
como estas foram impostas (a partir de gabinete de tecnocratas). Conforme Verlangieri:
[...] estamos diante de uma nova realidade e várias medidas foram tomadas, procurando adaptar à
realidade das pressões externas o denominado modelo brasileiro, que se mostrou esgotado na
criatividade e no controle das modificações imposta, principalmente pela recessão da economia
nos países desenvolvidos e pela crise do petróleo.
279
Neste ano a FIERGS protesta contra a falta de diálogo, tendo como referência o projeto
que estabelece uma nova política industrial no país. Este fato transcorre em virtude das
declarações sobre as novas medidas da política industrial feitas pelo senhor Secretário Geral do
277
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1978. p.80.
278
Ibid., p.82.
279
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1979. 21.
98
Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), ao noticiário da Gazeta Mercantil. Em telex
encaminhado ao Ministro da Indústria e Comércio, José Camilo Penna, presidente da FIERGS,
comenta:
Estranhamos e causa-nos preocupação a informação de que um projeto de tanta
envergadura, reformulando a política de industrialização esteja em via de ser
encaminhado ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, sem que a classe
industrial do país tenha tido a oportunidade de participar e oferecer possíveis
sugestões.
280
Neste documento o presidente da FIERGS faz ressalvas às decisões formuladas quanto à
busca de equilíbrio na balança de pagamentos, equiparações de tratamentos entre
empreendimentos nacionais e estrangeiros. Verlangieri concorda que a tarifação alfandegária
consubstancia importantes instrumentos de equilíbrio em defesa da produção nacional e, ao
mesmo tempo, projeta ineficiências internas. Na avaliação do presidente da entidade: “Existem
outras distorções em favor da concorrência internacional que necessitam de correção. A indústria
de bens de capital é uma das que mais sofre com tais negativos fenômenos as entidades
governamentais.”
281
Para os empresários gaúchos, as dificuldades com o balanço de pagamento,
notadamente pela elevação do preço do petróleo, bem como o recrudescimento da aspiral
inflacionária, passaram a exigir, evidentemente, maior austeridade e medidas corretivas. Neste
panorama consideram esgotado o modelo centralizado da política econômica do governo,
carecendo de profundas revisões.
O empresário da FIERGS, Enio Verlangieri, durante a coletiva concedida no dia 10 de
janeiro de 1980, divulgou o documento elaborado pela Federação, encaminhado à
Confederação Nacional da Indústria (CNI). O documento trata do manifesto de inconformidade
da classe industrial gaúcha, no sentido da atribuição equivocada por parte do governo, atribuindo
a alta da inflação aos empresários.
[...] o governo vem atribuindo ao empresário privado nacional a maior culpa pela alta da
inflação, afora outras distorções no comportamento das autoridades em relação à
iniciativa privada. Afirmou o dirigente que, vários meses, os industriais estão
280
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1979. p. 127.
281
Ibid., p. 127.
99
preocupados com certa distorção da imagem do empresário e da empresa privada
nacional, provocada por atitudes tomadas por autoridades.
282
Neste documento, a FIERGS critica a posição do governo no caso relativo à previdência
social, em que os recursos destinados à instituição previdenciária do operariado estava sendo
apropriada pela empresa nacional. A FIERGS fez duras críticas também ao Secretario Geral do
Ministério da Fazenda, Marcio Fortes:
Marcio Fortes que criticou entidades de classes patronais e caricaturou o empresário
que tentou dialogar soluções econômicas em Brasília, permitindo expor a imagem do
empresário privado ao desrespeito público [...] o é atacando o lucro das empresas que
irá acabar com a pobreza no Brasil. [...] é preciso criar alguma coisa para distribuir. O
presidente da FIERGS assinalou que o governo já admitiu que o fator gerador de
inflação é o orçamento público e assim não justifica esta tendência de atribuir a culpa
preponderante ao empresário.
283
A Federação, nesta ocasião, apontou a atitude equivocada do governo em transferir as
causas da inflação ao rótulo da especulação empresarial. Para Verlangieri, a empresa privada é
vítima da própria inflação e o governo não pode influenciar a opinião pública a uma cobrança de
renúncia em relação à ganância do empresariado. A inflação, segundo a FIERGS, é alimentada
pelos insumos administrativos do governo (combustível, energia), modificações nas taxas
cambiais e o aumento de impostos, o que deve ser compreendido. Na percepção da Federação:
[...] é que a atividade empresarial legítima num regime de livre mercado, como o nosso,
seja respeitada, porque busca o lucro como condição essencial para a continuidade, a
afim de que possa cumprir suas funções, inclusive a social. [...] apresentar a classe
empresarial com uma imagem distorcida, pode levar a conseqüências graves, como um
eventual acirramento dos ânimos, numa luta de classes.
284
O presidente da FIERGS deixou claro na coletiva que este documento é uma atitude
isolada da Federação Gaúcha, que não tem ligação com nenhuma classe nacional, embora este
pensamento seja um consenso entre os empresários.
Na reunião almoço semanal da FIERGS, realizada em 4 de março de 1980, foram
discutidos e analisados os desempenhos do setor industrial em 1979. Após uma conclusão
282
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1979. p. 55.
283
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1979. p. 55.
284
Ibid., p.55.
100
otimista da indústria gaúcha em relação ao setor nacional, preconizaram que a indústria gaúcha
em médio prazo de se alterar substantivamente no cenário do parque industrial fabril. O
presidente da Federação considerou a possibilidade de um contínuo exame e enquadramento do
crescimento do setor. Segundo ele, ainda é preciso reunir forças políticas e econômicas, além de
uma revisão no campo tributário. O empresário industrial gaúcho deve estar atento e vigilante
para “[...] que a tecnoburocracia incansável o venha com tratos econométricos, manipular
desfavoravelmente os objetivos específicos da sociedade e da economia do Rio Grande do
Sul.”
285
Nesta mesma reunião-almoço, o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria,
Paulo Vellinho, reivindicou uma participação mais ampla do empresário quanto a formulação das
decisões econômicas nacionais, ao mesmo tempo em que fez críticas ao governo:
[...] o empresário “está sendo posto numa vitrina”, como responsável pela variação de
preços. Fico procurando disse, Vellinho, porque nesta briga cruel e necessária contra o
aumento dos preços que o ministro Delfim Neto vem liderando, a impressão de que
estamos sendo postos numa vitrina, como responsáveis pelo problema. É claro que o
ministro Delfim sabe que não somos. Mas, pergunto eu, qual será a impressão da opinião
pública sobre o nosso trabalho, quando se fala tanto em atravessador, especuladores e
oportunista?
286
Para Vellinho, estas distorções da conjuntura associada ao empresário o umas relações
de efeito e não de causa e não é através do controle de preços que vai se conseguir evitar as
distorções geradas pelas próprias tensões sociais decorrentes da inflação.
No seu pronunciamento de posse, em julho de 1980, o presidente da FIERGS, Sérgio
Schapke, fez uma ampla análise das questões sociais e econômicas. Na visão e entendimento do
novo comandante da Federação, a situação política, social e econômica mundial é responsável
por profundas e aceleradas transformações. Portanto, precisamos saber interpretá-las para não ter
reflexos negativos sobre a vida socioeconômica do país. No plano interno, é preciso atacar as
causas principais, como a base monetária responsável pela grave causa social e econômica.
Assim, Schapke compreende que:
O endividamento do poder público terá rígido controle incluindo-se as empresas estatais:
o sistema de subsídios ficou restrito a condições de exigências consideradas
excepcionais, mantendo-se “as contas em aberto” apenas para o setor primário,
285
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p.46.
286
Ibid., p. 46.
101
exportações e a convecção de empréstimo externo esse último em função de necessários
ajuste no balanço de pagamentos.
287
O novo presidente, ao encerrar o seu discurso, coloca a FIERGS dentro de um clima de
mútuo respeito, independência e de colaboração empenhada a ampliar sua relação com o poder
público. Segundo ele, “acompanharemos atentamente e pretendemos participar da formação de
políticas e estratégias relacionadas com a economia industrial do Estado e do país, no âmbito dos
poderes executivo e legislativo.”
288
Na reunião-almoços da FIERGS, em 11 de novembro, estavam novamente presentes as
autoridades oficiais da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército. O presidente da
Federação, no seu discurso, propôs aos representantes do regime uma realimentação da política
econômica do país. Para Schapke, esta medida era necessária tendo em vista os desvios da
macroeconomia nacional, que foram surgindo ao longo do tempo:
A partir de 74, verificou-s um agravamento de nossa vida externa, tanto em razão do
déficit da balança comercial, como notadamente no serviço da vida. A inflação, em
aspiral ascendente, comprimiu o sistema produtivo e, afligindo o consumidor interno, ao
mesmo tempo proporcionou que o jogo financeiro de atividade passasse meios a uma
autêntica atividade fim, numa total inversão dos valores.
289
No final do seu discurso, o presidente da Federação enfatizou que a necessidade de se
atribuir responsabilidade e confiança deve estar incorporada a uma divisão de trabalho, a qual
incorpora tenacidade e patriotismo.
O relatório da FIERGS de 1980 destaque à questão salarial e o desemprego, tema que
aparecerá constantemente nas declarações da Federação nos anos seguinte. Em março, Schapke
diz ser favorável à sistemática de reajuste semestral de salário, pelo menos enquanto perdurarem
a alta da inflação: Segundo ele, além de socialmente justa, a correção semestral é uma
necessidade para que as pessoas possam continuar consumindo os produtos essenciais à sua
sobrevivência, principalmente alimentos.”
290
287
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1980. p. 79.
288
Ibid., p. 81.
289
Ibid., p. 53.
290
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981. p. 48.
102
A posição da FIERGS sobre a política salarial em junho de 1981 é a da não concordância
com o índice de 10% acima do INPC para quem recebe até três salários mínimos. Segundo o
presidente em exercício, Arno Kuhsler, esta posição se em circunstância da atual conjuntura
que:
[...] considera inflacionária os 10% acima do INPC, além de pensarem expressivamente
na folha de pagamento, distorcem as escalas salariais das empresas. [...] foi lembrado
que nas regiões em que predominam as pequenas e médias empresas, como no Rio
Grande do Sul, a mão de obra tem forte participação nos custos, e a massa dos
assalariados insere-se na faixa de três salários mínimos.
291
O ministro Delfin Neto, em reunião com a FIERGS no mesmo mês, concordou com a
manifestação da Federação. Segundo o ministro: “acredito que a atual lei salarial pode ser
mudada, o ministro Murillo Macedo, mostra-se aberto ao aperfeiçoamento. No entanto, não é
intenção nossa interferir no debate. Estou certo que os interessados chegarão a um consenso.”
292
Em pronunciamento feito à Escola do Comando e Estado Maior do Exército em 1981, a
FIERGS colocou que a atual lei salarial precisa ser revista:
Segundo a entidade, essa legislação foi benéfica no contexto em que foi criada, quando
havia uma inflação em torno de 40%, mas na atual fase da economia, onde a inflação
esta em 100%, com o quadro recessivo e problema de desemprego, a FIERGS esta
convencida de que são necessários ajustes na legislação salarial.
293
Em julho de 1981, a FIERGS diz não acreditar em uma efetivação das autoridades a uma
nova maxidesvalorização cambial para o segundo semestre. Conforme o presidente da Federação,
os efeitos de uma maxidesvalorização seriam os piores possíveis, pois colocaria em risco a
própria sobrevivência das empresas, provocando uma crise de desemprego maior a de que já
existe.
Não acredito que as autoridades venham adotar tais procedimentos, principalmente
porque foram ela mesma que incentivaram as empresas a captarem um grande volume de
empréstimos externos nos primeiros seis meses do ano, com o objetivo de resolver o
problema da balança de pagamentos, afirmou o presidente da FIERGS.
294
291
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981. p. 52.
292
Ibid., p. 52.
293
Ibid., p. 101.
294
Ibid., P. 51.
103
Para Schapke, o governo tem que adotar as medidas sugeridas pela Federação, visto que
os empresários estão conscientes das necessidades de medidas necessárias a fim de atenuar um
pouco o rigorismo da política de combate à inflação e da redução da dívida externa. A política
econômica do governo tem que gerar modificações na triste realidade atual, a qual insere o
empresariado da indústria nos efeitos colaterais da inflação. Para a FIERGS, esta doença
inflacionária para a qual o governo procura o tratamento, foi originada em virtude de maus
cuidados:
A taxa inflacionária não foi adequadamente contida, apesar dos enormes sacrifícios
impostos ao país, não como deixar de levar em conta a posição dos economistas não
monetaristas, que entenderam que a política econômica seguida até aqui, não dá
resultado. É preciso, pois, repensar tudo de novo e recomeçar o tratamento em ouras
bases.
295
Ao fazer em 1982 um balanço da política do governo nos último três anos, a FIERGS o
considerou favorável, levando em conta a crise econômica mundial. Esta fase foi muito difícil na
opinião da Federação, devido à crise do petróleo e seus reflexos sobre a balança de pagamentos,
bem como o recrudescimento da inflação. Embora estejam sendo observados alguns indícios de
uma eventual reativação do desempenho da indústria gaúcha neste momento, o presidente da
FIERGS, rgio Schapke, acha necessárias algumas medidas, principalmente na questão
referente à definição da taxa de juros.
Assim, ele defendeu, no dia da indústria, a necessidade de medidas por parte do governo
para a redução da taxa de juros, além de outras providências no setor creditício, a fim de reverter
a tendência de agravamento das dificuldades a que estão sujeitas as empresas nacionais,
especialmente as de pequeno e médio porte.
296
A política salarial é novamente tema de diálogo na FIERGS em 1982. Esta manifestação
tem origem por ocasião da posição do presidente da FIESP (Federação de Indústria do Estado de
São Paulo), Luis Eulálio Bueno Vidigal, declarando que, após as eleições de 15 de novembro, a
295
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1981. p. 58.
296
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. P. 95.
104
lei salarial será modificada, mas “preservando o princípio de que deve ter continuidade o
achatamento da pirâmide social no Brasil”.
297
A FIERGS, retomando o debate referente à questão da inflação, entende que o Brasil deve
consolidar uma economia de livre mercado, visto que conter a inflação via congelamento de
preços não seria viável, a não ser que: “[...] igualmente, houvesse um paralelo congelamento de
custo de todos os fatores que, direta ou indiretamente influem sobre os preços finais dos
produtos”
298
No início de agosto de 1982, Schapke atestou que a indústria é vítima e não agente da
inflação. Este pronunciamento deu-se em decorrência do pacto antiinflacionário que estava sendo
elaborado entre alguns setores da iniciativa privada e do governo. Nesta ocasião, Schapke
declarou que a entidade está aberta ao diálogo, mas, no entanto, repudia toda e qualquer
responsabilidade que seja atribuída à indústria como causadora da inflação.
As causas reais do recrudescimento dos preços são perfeitamente conhecidas: trata-se de
uma inflação de custos, e não de demanda [...] é claro a indústria rio-grandense esta
disposta a participar até porque o comportamento psicológico é importante como vista
de uma reversão de expectativa inflacionária. que consideramos que efeitos mais
concretos somente serão obtidos se todos os setores integrarem a campanha, isto
naturalmente, inclui alem da indústria, também o governo e a instituição financeira.
299
O presidente da FIERGS reconheceu, em 21 de setembro, que a medida do governo em
determinar o recolhimento compulsório dos bancos é uma medida recessiva. Esta medida,
segundo a Federação, vai agravar a escassez de recursos no mercado, tendo como causa o
aumento do valor da moeda.
O presidente da FIERGS considera esta medida adotada pelo governo como objeto de
enxugar um pouco o sistema financeiro, com o propósito de baixar a inflação, e toda a
iniciativa que vise conter a taxa inflacionária tem suas implicações a nível de
desaquecimento econômico e, porque não dizer, registra efeitos recessivos.
300
297
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. p. 93.
298
Ibid., p.34.
299
Ibid., p. 35.
300
Ibid., p. 37.
105
Os integrantes da Escola Superior de Guerra, em visita a FIERGS em 9 de agosto de 1982,
ouviram do presidente da Federação um discurso em defesa da austeridade na política econômica,
sobretudo a respeito dos gastos governamentais.
[...] preconizou sobriedade nos gastos correntes, controle discriminado e priorização nos
investimentos públicos de acordo com os superiores objetivos do desenvolvimento da
nação. Para o presidente da FIERGS a palavra de ordem é austeridade, tanto tendo
salientado que a entidade não defende a estagnação da economia, mas a seleção de
projetos de racionalização administrativa e operacional nos órgãos e empresas
governamentais a exemplo do que realizou a iniciativa privada.
301
O XIII Encontro das Federações do Extremo Sul foi realizado em 13 e14 de outubro de
1982, na cidade de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, e o Rio Grande do Sul foi representado
pelo presidente da FIERGS/CIERGS, Sérgio Schapke, titulares de órgãos vinculados à Federação
e de órgãos públicos, além da diretoria, empresários e membros da FIERGS. O Encontro teve
como objetivo aprofundar a análise dos problemas que as indústrias sulinas vêm enfrentando. Ao
final do encontro, os industriais aprovaram o documento intitulado “Carta de Foz do Iguaçu”,
além de diversas noções propostas em cada comissão. O documento elaborado neste encontro
teve como foco central formular uma crítica ao processo recessivo, calcado na forte indução de
oferta monetária interna e conseguintemente estrangulamento de produção. Os industriais
esperam austeridade na política econômica, mas, sobretudo, sobriedade nos gastos correntes,
controle discriminado e priorizando os investimentos públicos.
302
A grande preocupação dos empresários quanto à política econômica parece ser a reforma
tributária. A FIERGS, em 1983, vê como necessária uma urgente reformulação no sistema,
principalmente pelo descrédito que veio a substituir a euforia inicial, quando se supunha que os
incentivos resolveriam qualquer problema regional ou setorial. Neste sentido, os industriais
buscavam discutir a reforma tributária, tendo como propósito levar respostas ao Governo Federal.
Ninguém desconhece, hoje, em todo o país, a necessidade de uma reforma tributária que
venha contribuir para o desenvolvimento harmônico da sociedade brasileira. Esta
reforma, entretanto, e assim como a entendemos, não pode e não deve se confundir com
arranjos temporários e paliativos que visem, em última análise, apenas resolver
problemas de arrecadação. A solução simplista de aumento de imposto se insere neste
301
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1982. p.67.
302
Ibid., p. 76.
106
contexto imediatista, sem sinais de uma visão a longo prazo dos rumos de uma
sociedade brasileira.
303
Em 1984, a reforma tributária continuava em pauta nas discussões da FIERGS:
A FIERGS entende que o descrédito hoje existente é perigoso na medida em que pode
provocar outras distorções. Entretanto defende que as mudanças no sistema de
incentivos fiscais não poderão ficar dependendo unicamente das decisões isoladas das
autoridades governamentais, sem que seja também consultado o setor privado.
304
A FIERGS, neste ano, fez circular em seu relatório informações dos editoriais do centro
do país, que insinuaram a existência de dois governos atualmente em Brasília:
Um representado pelo presidente Figueiredo, que estaria com as mãos estendidas à
democracia, gesto apresentado na aceitação no diálogo com os governos estaduais de
oposição. Outro governo estaria reapresentado em sua cúpula, pela entidade do conselho
monetário nacional que dita as normas e faz do primeiro governo perguntar ‘se é
possível suportar isso? Ao presidente é dada uma imagem de honradez e, ao seu governo
paralelo, outra imagem sem semelhança: a da usura da administração econômica.
305
O ministro Delfim Neto, que sempre recebeu elogios do empresariado gaúcho, passa agora
a receber críticas da FIERGS. O tema em questão é a utilização de uma poderosa arma de
manipulação considerada pelos empresários como uma distorção da realidade econômica. Para a
Federação, esta arma teve o seu primeiro disparo com a conferência na Escola Superior de Guerra
(ESG), quando, então, o ministro apresentou números positivos que estão sendo obtidos pela
economia nacional a partir do enfoque global de seus resultados. Para o presidente da FIERGS
Luiz Octávio:
Aqueles que reduziram suas críticas ao personalismo, não têm como fugir à revanche
dos números. Mas aqueles que sabiamente as na analise para o porto do bom senso,
seguramente saberiam interpretar os novos dados, reduzindo as realidades dos fatos. [...]
conclui-se que a elevação dos 20% do PIB não passa de uma miragem neste deserto
recessivo em que nos encontramos.
306
303
Relatório Anual FIERGS/CIERGS, 1983. p.3.
304
FEDERAÇÃO E CENTRO DA INDÚSTRIA DO RIO GRANDE DO SUL. Carta Industrial. Porto Alegre: ano
3, nº. 10, fev./mar., 1984. p. 14.
305
Ibid., p. 4.
306
Id. nº. 23, junho de 1984. p. 3.
107
A FIERGS entendia que a economia brasileira começava a dar sinais de mudança que,
afora qualquer pessimismo, preocupava a quem pretendia analisar o país de uma forma mais
realista. Conforme a Federação, no encontro das autoridades monetárias brasileiras com os
técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), para uma nova carta de intenção foi
constatada a dificuldade de o Brasil cumprir, simultaneamente, as metas fixadas para a expansão
monetária e déficit do setor público.
A constatação, então, nos parece óbvia: o país hoje está mais vulnerável a eventuais
processos de desnacionalização do que anos anteriores. Esse desafio passa para o
próximo governo, sobre o qual os presidenciáveis e suas equipes devem pensar
detidamente.
307
Na documentação selecionada dos relatórios anuais da FIERGS, a análise das idéias
político-institucionais da Federação mostra-nos duas características básicas: heterogeneidade e
pragmatismo. Condição esta que consideramos histórica no comportamento político do setor. A
heterogeneidade se molda mediante uma qualificação de um estado democrático e na estratégia
mais adequada para a transição formulada por sua Federação. O pragmatismo da FIERGS
trabalha no intuito de manter estreitos vínculos com o Estado autoritário e na defesa do
gradualismo na transição. Este comodismo e este clientelismo somente foram sacudidos com a
crise econômica e com o fechamento das esferas de decisões macroeconômicas no governo
Geisel, a partir de 1977.
307
FEDERAÇÃO E CENTRO DA INDÚSTRIA DO RIO GRANDE DO SUL. Carta Industrial. Porto Alegre: ano
3, nº. 23, junho de 1984. p. 6.
108
5. A DEMANDA DEMOCRÁTICA DA FIERGS: UMA AVALIAÇÃO DOS SEUS EX-
PRESIDENTES
Neste capítulo recolhemos relatos dos ex-presidentes da FIERGS para contribuir
qualitativamente ao objetivo desta pesquisa. Desta forma procuramos descrever brevemente a
conjuntura política da Federação, na medida em que nos permita traçar as suas limitações e suas
preocupações com a conjuntura política e econômica do período. Convém ressaltar que nossa
análise privilegia os processos que descrevem a ação política da FIERGS na abertura política.
Neste sentido, pode haver uma série de fatos importantes que não foram tratados pelos relatórios
anuais. Assim, a possibilidade de mobilizar variáveis relativas ao modo como os ex-presidentes
da Federação pensavam e avaliavam os processos nos quais estavam inseridos é o que vem por
justificar a escolha pelas entrevistas.
O material coletado está organizado por uma prática de pesquisa que obedece a um
procedimento metodológico utilizado na investigação de história oral através de entrevistas.
308
Neste sentido o presente trabalho optou por uma abordagem qualitativa. As entrevistas
projetaram-se de uma forma aberta, sem roteiros, não direcionada, tentando restringir ao máximo
a influência do pesquisador, para que assim o depoimento do entrevistado não sofresse alterações
com relação aos seus parâmetros de contextualização do processo histórico. As análises sobre a
narrativa e memórias sempre integram as preocupações no campo das ciências humanas,
envolvendo noções de tempo, espaço, lembranças, oralidades, e subjetividades. Entretanto, os
instrumentos analíticos e metodológicos não foram problematizados neste trabalho. Debruçamos-
nos na busca de construir uma análise das entrevistas com objetivo de discutir a possibilidade de
uma interpretação a uma experiência específica. Sendo assim, um único tema foi proposto a todos
os entrevistados: como o senhor define a instituição FIERGS e como caracterizar a sua
participação no processo de abertura política dos governos Geisel e Figueiredo? Os depoimentos
foram gravados e os trechos mais significativos para a análise da pesquisa foram selecionados.
A nossa preferência por entrevistar ex-presidente da Federação no período em questão, foi
devido ao fato de considerarmos esta fonte como elemento capaz de proporcionar uma visão mais
ampla do objetivo central da pesquisa. Isto porque entendemos que estes empresários
308
FERREIRA, Marieta de Moraes (org). Entre-vistas: abordagem e usos da história oral. Rio de Janeiro: Editora
da Fundação Getulio Vargas, 1998.
109
exemplificam o que, no período estudado, pensavam os presidentes da entidade gaúcha. Sendo
assim, procuramos por todos os ex-presidentes vivos (do período da pesquisa): Paulo Vellinho,
Sérgio Schapke, Luiz Octavio Vieira, e Carlos Mandelli. Entre eles o único que não pôde dar
entrevista, alegando o pouco tempo disponível, foi Sérgio Schapke.
As entrevistas, na sua categoria de fatos narrados, foram na sua maioria de grande valor
histórico No entanto, levando em conta as condições em que elas foram concebidas, fez com que
a mais significativa fosse a realizada com Luiz Octavio Vieira, isto porque a entrevista foi
concedida no escritório da sua residência, na parte da tarde, tendo este um tempo razoavelmente
disponível. Paulo Vellinho e Luiz Mandelli concederam suas entrevistas nos seus locais de
trabalho, disponibilizando um tempo bastante limitado. Por esse motivo é que a entrevista de
Octavio Vieira vem por se constituir nas declarações mais abrangentes para composição deste
trabalho, pelo fato que foi mencionado e também pela sua importante participação política
dentro da FIERGS, durante todo o período que abrange pesquisa. Enfim, achamos importante
referenciar o histórico profissional de cada entrevistado a fim de compreendermos a sua
importância no meio do setor industrial e para própria pesquisa.
Paulo D´Arrigo Vellinho nasceu no dia 6 de setembro de 1927 em Caxias do Sul, filho de
José Moraes Vellinho e Iracema D’Árrigo Vellinho. Formou-se em química industrial e fez
especialização em Administração de Empresas. Foi fundador de várias instituições, como a
Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB) e o Instituto Brasileiro de Couro, Calçados e
Afins (IBCCA). Também presidiu a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica
(ABINEE) e a FIERGS (de julho de 1971 a julho de 1974). Foi também vice-presidente da
Confederação Nacional da Indústria, entre 1976-80 Na esfera profissional, fundou várias
empresas e presidiu a Coensa Ansaldo S.A e a Springer S/A, entre outras. Foi vice-presidente do
Grupo Avipal e presidente do conselho de Klift Comércio e Representações. Recebeu inúmeras
condecorações, sendo comendador pela Ordem do Rio Branco e pela Ordem do Mérito da
República Italiana. Paulo Vellinho foi considerado durante a década de 1970, um dos dez mais
importantes do país, hoje e consultor de empresas com escritório na Avenida Mauá.
110
Luiz Octavio Bueno Dias Vieira, filho de Marta e José Vieira, nasceu em 20 de janeiro de
1941, no Rio de Janeiro. Formou-se em medicina em 1964, pela antiga Universidade do Brasil.
Foi professor universitário e residente-chefe no Mout Sinai Hospital, em Nova York, Estados
Unidos. De volta ao Brasil, estudou Administração de Empresas na UFRGS e foi diretor de
indústria por 20 anos. Diretor da FIERGS a partir de 1971, foi também diretor regional do SESI-
RS, a partir de 1974. Assumiu a presidência da FIERGS em julho de1983 e teve seu mandato até
julho de 1987. Presidiu Banco Meridional e também serviu como secretário estadual de governo,
na segunda gestão de Sinval Guazzelli. Atualmente exerce a advocacia, especialmente a
comercial e a societária.
Luiz Carlo Mandelli nasceu em 10 de julho de 1942, em Porto Alegre, filho de Luiz
Mandelli e de Maria Koboldt Mandelli. Estudou Ciências Econômicas e começou a atividade
profissional na Vinícola Rio-Grandense, fundada, entre outros, por seu avô, passando depois pelo
Grupo Springer Admiral. Fundou posteriormente as Direções Hidráulicas do Brasil S.A, depois
DHB componentes automotivos, através da qual associou-se, por meio de joint-venture, com a
General Motors Corporation (de 1984 a1999). Presidiu inicialmente a CIERGS de julho de 1986
a julho de 1987, e depois a FIERGS de julho de 1987 até julho de 1993. Foi presidente da
Delegacia Regional do Sindicato Nacional da Indústria de Autopeças e do Ceag-idergs.
Atualmente é diretor presidente DHB Componentes Automotivos S.A
5.1 A conjuntura do processo de transição: o discurso da abertura.
O processo de abertura tem seu início bem demarcado neste processo histórico. Com o governo
Geisel, o regime militar encampa medidas de abrir um espaço democrático em algumas esferas
políticas. Originalmente, a abertura apresenta-se como um projeto de mudanças de alcance
limitado, cujo objetivo maior é a institucionalização do regime em termos de uma democracia
restrita, em que os setores populares permanecem desarticulados.
Conforme Eli Diniz,
309
o governo do General Ernesto Geisel, em nível político define, no
início de seu governo, uma estratégia de liberação gradual dos instrumentos autoritários do
309
DINIZ, Eli. Empresário e Transição Política no Brasil: problemas e perspectiva. Brasília: Sociedade e Estado,
1 (2) 65-88, jul./dez. 1986.
111
regime. Caracteriza-se neste contexto, por parte do governo, uma proposta: a manutenção, a
iniciativa e o controle das regras políticas, que buscava fazer frente aos movimentos sociais. A
FIERGS, neste período, tem como discurso em seu relatório anual de 1974 uma posição de
confiança na atuação política do governo federal. Esta posição tida pela Federação,
possivelmente se fez pela tranqüilidade política que o regime proporcionou no governo anterior,
ou seja, a tranqüilidade e segurança para o desenvolvimento da atividade produtiva.
O governo do Castelo Branco foi um governo muito competente para tratar com a
inflação. Um presidente civilista por sinal! Este governo tinha dois ministros fantásticos,
Octávio Gouveia de Bulhões e o Roberto Campos. Praticamente estes dois ministros
acertaram a macroeconomia de tal forma que a partir de março de 1967, a economia
cresceu praticamente durante uma década de forma acelerada com uma geração de pleno
emprego.
310
Conforme o então presidente da FIERGS em 1974, Paulo Vellinho, este era um período
em que a Federação não procurava se envolver no jogo político. A estratégia da Federação
consistia em uma proposta de reivindicação, mas que propunha também sugestões para o bem da
comunidade como um todo. Portanto, não era aconselhável, segundo o presidente na época, obter
conquista através do conflito, e sim através do diálogo, jamais cavaríamos um fosso entre nós e o
poder, afirmou Velhinho em sua entrevista. A relação da FIERGS com o governo Geisel, era uma
relação altiva, digna, onde os posicionamentos sempre foram muitos claros, muitos respeitosos,
disse o ex-presidente da Federação. Havia também, dentro desse contexto, por parte do
Presidente e vice-presidente da FIERGS, uma relação de amizade com a pessoa de Geisel. O
próprio Luiz Mandelli (vice-presidente) foi alfabetizado pela irmã de Geisel, em Bento
Gonçalves, onde nasceu. Esta relação próxima com o presidente Geisel,neste contexto das
relações, conforme Paulo Vellinho, possibilitou ou até mesmo facilitou uma relação mais
próxima com Geisel. Tanto isso foi possível que, poucos antes de assumir a presidência, Geisel
chamou Paulo Vellinho e também Luiz Mandelli, para falar sobre a abertura democrática.
Em janeiro de 1974, Geisel, quando presidente eleito, Luiz Mandelli e eu fomos visitar o
presidente eleito. Eu porque o conhecia e, tinha também uma relação de amizade com o
seu irmão Bernardo, Mandelli também o conhecia, sendo que, a mãe de Geisel foi
professora de Mandelli em Bento Gonçalves, onde aliás Geisel nasceu. Naquela ocasião
falando de mudança do regime, mais fechado em termos militares, digamos assim, o
presidente falou: nós precisamos abrir, então eu proponho fazer uma abertura lenta e
310
VELLINHO, Paulo. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [04maio, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
112
gradual, de forma que não haja retrocesso no meio do caminho, porque era viria cedo ou
tarde melhor que começasse agora. E eu acho que assim foi feito.
311
Para Luiz Octavio Bueno Dias Vieira, esse é um período em que se pode falar da
existência uma visão muito bairrista, com relação aos mandatários do poder e os empresários da
FIERGS, senão para justificar a explicar esse posicionamento dúbio ou a direita da FIERGS neste
tempo.
E que todos os generais eram gaúchos, Costa e Silva, Médici, Geisel, eles não eram
gaúchos como também tinham parentes e amigos aqui no Rio Grande do Sul. Além
disso, muitos tinham servido por aqui e, portanto, conheciam os empresários gaúchos.
Portanto, ter um general gaúcho não era incomum, assim como não era incomum, por
exemplo, que empresários gaúchos viajarem daqui para Brasília com carne para fazer
churrasco para general, levando “chimia” para filha de general, levando morcela para tia
de general. Este foi um fator ainda prosaico, pitoresco, mas, que aumentou o prestigio
da FIERGS com esses generais.
312
Para Luiz Mandelli, essa aproximação com os presidentes generais, mais precisamente na
pessoa de Geisel, trouxe certamente benefícios econômicos para o Estado do Rio Grande do Sul.
Recordo de meu pai, Luiz Mandelli (presidente da FIERGS entre 1974-1977), ter mencionado
que com certeza o Pólo Petroquímico de Triunfo teria indo certamente para a Bahia, para duplicar
o de Camaçari, ou então ficaria em são Paulo.
Eu sei que aí, realmente, não apenas o meu pai, mas, vários outros presidentes da
Federação na época, atuaram fortemente no sentido de implementação do Pólo
Petroquímico. Conforme meu pai, sem o aval de Geisel não teríamos conseguido,
devemos isso a ele. Então que essa influência houve, houve.
313
Embora toda essa aproximação entre os empresários gaúchos com os presidentes
generais, Luiz Octavio, lembra que os empresários, assim como a Federação, estavam todos sobre
o jugo do AI-5, e que, não tinha qualquer liberdade de tecer críticas à ordem vigente. Qualquer
comentário mesmo que técnico podia ser visto pelo regime como uma ameaça. Portanto, é um
período em que a FIERGS acompanha, vê, sabe. A FIERGS dentro desse contexto de
aproximação com o poder vigente chega a exercer em alguns momentos certos julgamentos que
afetam a conjuntura política do Estado, como por exemplo:
311
VELLINHO, Paulo. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [04maio, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
312
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
313
MANDELLI, Luiz Carlos. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [11maio, 2007] Gilmar Moraes.
Porto Alegre. Ex-presidente FIERGS.
113
A FIERGS veta alguns candidatos políticos que seriam possíveis governadores no
Estado do Rio Grande do Sul. , veta junto ao SNI. Nos argumentos estavam inseridos
todas aquelas bobajadas que ele era comunista, que ele tinha alguma ligação com o
comunismo, ou que ainda tinha sido visto com fulano de tal que era comunista, enfim,
toda aquela loucura, aquela paranóia, a FIERGS participa infelizmente, mas, eram os
tempos.
314
Segundos os entrevistados, essa trajetória de posição da FIERGS começa e desaparecer a
seguir, tendo em vista a consolidação da proposta de abertura do governo Geisel, em que definiu
uma estratégia de liberação gradual para fazer frente à movimentação da sociedade civil, que o
empresário nacional também se manifestou através da Campanha contra a estatização. A
percepção de que o slogan desenvolvimento e segurança do Regime Militar exauriam-se e, de
que o estado autoritário tinha conquistado excessiva autonomia frente aos setores dominantes da
economia, empurrou os lideres empresarial assim como suas entidades a visualizar a liberação de
regime para uma política de engajamento no processo de liberação.
Para Luiz Octavio Vieira:
Enquanto o projeto Brasil potência, Brasil grande, Brasil da década de 1970, deu certo,
os industriais gaúchos estava todos engajados nisso. E havia a percepção que algumas
coisas estavam melhorando mesmo. Podíamos ver as telecomunicações, estradas,
energia, e começamos a achar que aquilo ali ia dar certo. Pouco depois se percebeu que
não ia, mesmo com a tortura, repressão, com tudo aquilo, mas apesar de tudo percebeu-
se que aquilo não ia dar certo, ai começou o choro e ranger de dentes e começaram a
haver modificações. O próprio governo da ditadura mudou, até porque não segurava
mais.
315
Luiz Mandelli lembra quando o seu pai era então presidente da FIERGS, ter tomado uma
posição de se manifestar de forma positiva às eleições de 1974, posição que gerou muita
desconfiança por parte de alguns setores do regime autoritário. O governo militar desconhecia
alguns aspectos da administração economia, ele estava mais preocupado em conter o movimento
da abertura. Situação que, segundo Luiz Mandelli, podia ser notado em 1977, quanto teve os
primeiros ensaios em favor da abertura.
Eram “anos de chumbo”, quando então eu participava como filho de presidente da
FIERGS. Meu pai em janeiro de 1977 foi obrigado a dar esclarecimento ao Comando de
III Exército, em função das declarações do ministro Severo Gomes, que em uma festa
314
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
315
Ibid.
114
em São Paulo, deixou o protocolo e fez crítica a política nacional. Ele foi demitido logo
em seguida.
316
Conforme Paulo Vellinho, o ano de 1977 foi marcado por uma conjuntura de diversos
acontecimentos de ordem político-econômica, como a demissão do Ministro da Indústria e
Comércio, Severo Gomes, em 8 de fevereiro. As versões para a queda do Ministro são as mais
variadas. Conforme os entrevistados, o Ministro Severo Gomes defendia uma transformação
política do sistema. Para Sebastião C. Velasco e Cruz e Carlos Estevão Martins,
317
as declarações
do Ministro da Indústria e Comércio, aliadas as de alguns empresários de destaque do centro do
país e veiculadas na imprensa, tendo como teor a volta do Estado de Direito e o retorno dos
militares à caserna, coincidência ou não, foi concomitante à demissão do Ministro. Dentro deste
palco de acontecimentos está o resultado insatisfatório obtido pela ARENA nas eleições
municipais de 1976. A estratégia articulada pelo governo Geisel no mês de abril de 1977 trouxe
consigo uma série de medidas que vieram a modificar a estrutura da política vigente (o “Pacote
de Abril”). Para Luiz Mandelli, este foi um ato de força no processo de redemocratização.
Com o processo de abertura, era claro para nós empresários que Geisel tinha a
preocupação abrir, mas também queria a aprovação popular para os governos militares,
particularmente o dele. Isto ficou muito manifestado em uma ocasião na qual a gente
ficou muito decepcionada com ele. Quando eles viram que a ARENA a perder as
eleições, ele criou os senadores biônicos. Isso realmente foi, digamos assim, o espírito
autoritário do militarismo, que prevaleceu sobre o homem de bom senso que queria
proporcionar a abertura. Ai eu vejo uma relação um pouco paradoxal, o homem queria
abrir, mas na hora de abrir, sentiu que ia perder as eleições, retrocedeu.
318
Neste trabalho procuramos fazer referência quanto à atuação política da Federação a
partir de meados dos anos de 1970. Procurou-se de certa forma descrever porque a FIERGS
aderiu ao discurso de liberação proposto pelo regime ao lado de outros segmentos sociais.
Algumas respostas descritas através dos relatórios anuais do capitulo anterior nos permite
observar, quando então, a Federação demonstra um relativo clamor contra a estatização da
economia e de sua conexão com a abertura (postura que por parte da FIERGS, se intensifica mais
316
MANDELLI, Luiz Carlos. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [11maio, 2007] Gilmar Moraes.
Porto Alegre. Ex-presidente FIERGS.
317
CRUZ, Sebastião C. Velasco; MARTINS, Carlos Estevão. De castelo a Figueiredo: uma inclusão na pré-história
da abertura. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Herminia Tavares de. Sociedade e Política no Brasil pós 64.
São Paulo: Brasiliense, 1983.
318
MANDELLI, Luiz Carlos. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [11maio, 2007] Gilmar Moraes.
Porto Alegre. Ex-presidente FIERGS.
115
precisamente a partir de 1977). Para Octavio Vieira, no período anterior a 1977, a orientação da
FIERGS, era de não se envolver em política, mas, isso não estava designado aos empresários,
que: [...] dentro de um espírito corporativista, atuava na vida política nacional a fim de defender
os interesses econômicos imediatos da classe.
319
Portanto, e dentro desta percepção que Octavio
Vieira admitiu que estes empresários na década de 1970, perceberam o esgotamento do modelo
econômico do regime e, propõe de maneira ainda muito mida o deslocamento das decisões
políticas e econômicas das decisões centralizadas no executivo para o legislativo e,
conseguintemente, uma abertura maior em relação as questões que tratavam da volta do Estado
de Direito.
Para Paulo Vellinho, a FIERGS, não ficou alheia ao debate nacional sobre a participação
do Estado na economia. “Quanto à questão da estatização, a postura da FIERGS, e que achamos
até hoje é, que o Estado deva ser catalisador de um processo, ou seja, ele deva entrar em um
processo de seleção como catalisador, como agente fomentador”.
320
Conforme Octavio Vieira, no
período do governo Geisel, a questão da estatização foi a mais abrangente, dada pelo fato de sua
política econômica definida no II PND. “Período em que o país teve grandes obras e grandes
projetos, mas também, um grande endividamento externo”.
321
Para Luiz Mandelli, a atuação do regime no processo econômico, estava ligada a uma
mentalidade militar que tinha como objetivo a busca da implementação de um Estado forte.
Conforme Mandelli, crise de legitimidade do regime autoritário pode ser traduzida pelo aumento
de tensão social e dificultada pela desaceleração econômica, para este foi um condicionante
responsável pela participação dos industriais ao movimento de redemocratização do país. “A
questão social gerava um clima de insegurança uma conjuntura política dessa envergadura
pressupõem insegurança na continuidade do lucro, o que vem a preocupar o empresariado”.
322
319
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
320
VELLINHO, Paulo. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [04maio, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
321
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
322
Ibid.
116
Ao longo desta pesquisa foi possível perceber que as questões de condicionantes
estruturais e conjunturais, que procurava definir a ação política do empresário industrial
brasileiro, não eram determinadas por sua classe, mas sim, o Estado que induzia a sua ação
coletiva.
323
Levando em conta estas considerações foi possível perceber que os entrevistados
apontavam para uma pluralidade de motivos quanto a sua adesão no processo de liberação
política, mas, tinha como ponto central, a centralidade das decisões política e econômicas por
parte do regime militar. Sobe estes diversos aspectos, a Federação procurou administrar a sua
participação, levando em conta, a multiplicidade de interesses dos empresários industriais
gaúcho. Entre estes temas estava à política salarial, uma das preocupações que constantemente
foram encontradas nos relatórios anuais da FIERGS.
A crise econômica que começa a surgir no final de década de 1970 deixa a amostra às
divergências no seio dos próprios industriais, principalmente no que diz respeito às críticas à
política econômica e a política salarial. O período entre 1974 a 1984, teve constantes
manifestações do empresário industrial assim como da Federação com respeito à problemática
salarial. Nos relatórios anuais da FIERGS de 1974, o presidente da Federação Luiz Mandelli, fala
da existência de uma crise de consumo e, defendeu um reajuste geral de salários para elevar o
pode aquisitivo dos trabalhadores. Conforme a Federação, alguns industriais gaúchos estavam
concedente ao reajustes salariais por conta própria as seus empregados. A declaração de FIERGS,
sobre a política salarial ocorre assim, em função da crise econômica que começa a se manifestar.
Para Paulo Vellinho, a FIERGS EM 1976, alertava para as disparidades salariais e defendia a
necessidade de introduzir alterações no sistema de reajustes salariais. Conforme o ex-presidente
da Federação, a entidade sempre teve uma relação política com a classe trabalhadora.
Eu iniciei na minha gestão um processo de convivência adulta entre os sindicatos dos
trabalhadores e os sindicatos dos empregados. Parecia-me absurdo que nós
sentássemos justo para discutir os acordos salariais. Eu achava, e acho até hoje, que a
relação de empregado e empregadores se constrói ao longo de doze messes. Uma vez
323
DINIZ, Eli. & BOSCHI, Renato Raul. Empresário nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro:
Forense/Universitária, 1978; Autonomia e dependência na representação dos interesses industriais. DADOS, v.
22 p. 8-85, 1979. DINIZ, Eli. Empresariado, Estado e capitalismo no Brasil 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978; DINIZ, Eli. A Transição Política no Brasil: Perspectiva para a democracia. Brasília: Revista
Sociedade e Estado, v. 1(2) P. 65-88, jul./dez. 1986; BOSCHI, Renato Raul. Elites industriais e democracia. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
117
por mês tínhamos um jantar na FIERGS, onde nos reunimos com lideranças da classe
trabalhadora a fim de construir soluções ao longo dos doze meses.
324
As alterações na política salarial em 1974 e em 1979 (a nova lei salarial) estão inseridas
dentro de uma conjuntura de crise econômica e de uma crescente mobilização da vários
segmentos da sociedade civil. As grandes questões que deram repercussão à política salarial neste
período tiveram seu auge em 1978 e em 1979, quando então, surgiram em quase todo país
movimentos grevistas, inclusive no Rio Grande do Sul. O movimento sindical despontou como
uma emergente força política. Em 1979 os movimentos sindicais evoluíram, como
mencionamos anteriormente na região do ABC paulista, alastrando-se para fora do Estado e
mesmo para fora do setor industrial. Para Octavio Vieira, este período foi marcado por constantes
manifestações no meio empresarial, pois havia a preocupação de encontrar soluções que
resguardassem a rentabilidade dos capitais. Para Octavio Vieira, a FIERGS sempre esteve à
frente no campo particular das relações salariais:
Nós estabelecemos na FIERGS, muito mais cedo, muito mais amplamente, muito mais
intensamente e muito mais sinceramente, relacionamento com a classe trabalhadora,
muito mais que qualquer outra Federação na lembrança minha, neste período do Geisel e
Figueiredo. Antes não havia nenhum contato, depois o contato veio e foi muito
significativo aqui no Estado. As práticas correntes e até mesmo a legislação trabalhista
surgiu aqui.
325
Os empresários deixaram transparecer em suas entrevistas que o panorama político que se
configurava em 1979, causava um descontentamento à classe industrial. A expectativa que se
criava em relação ao novo governo (Figueiredo), não inspirava confiança, dado em circunstancia
da realidade econômica e do movimento grevista que ganhou grande repercussão no meio social.
Para Octavio Vieira, o estágio de desenvolvimento econômico no final da década de 1970, e a
demanda social alcançada no país, tornavam-se contrários a ordem autoritária. Conforme o
empresário neste período de distensão a Federação percebe estes novos rumos.
Esta perspectiva política que estruturou-se no país no final da década de 1980, a
FIERGS se amolda a isso. É um processo social, da mesma maneira que o país começa a
abrir, os detentores do poder começam a achar que aquilo que mantinha não dava
324
VELLINHO, Paulo. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [04maio, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
325
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
118
mais, começam a abrir e a FIERGS começa a abrir também. E isso proporciona uma
visão política mais liberal por parte dos empresários.
326
No começo da década de 1980, a conjuntura política tem suas atenções voltadas para os
acontecimentos terroristas praticado pela extrema direita (setores militares contrários à abertura),
que culminaram com o caso Riocentro, em que morreu um sargento e saiu ferido um capitão do
exercito, presumidamente na tentativa de colocar uma bomba no show patrocinado por entidades
populares. Em 1982, pela primeira vez desde 1966, foram realizadas eleições diretas para
governador. A FIERGS participou desse evento político trazendo os candidatos para debaterem
suas propostas na Federação. Curiosamente os quatro candidatos que levaram as suas propostas
para o debate, posteriormente foram governadores do Estado do Rio Grande do Sul. Dentro dessa
nova conjuntura que se abriu, os empresários entrevistados concordaram que no início da década
de 1980, o discurso do empresário industrial gaúcho e da própria FIERGS, está francamente
favorável à liberação política. Um dos fatores determinantes para esta postura estaria na sua
desconfiança em relação ao processo fechado das tomadas de decisões pelo regime autoritário,
que no governo Geisel, foi fortemente centralizada na presidência.
Nos relatórios anuais da FIERGS, foi possível perceber que o discurso da Federação no
final da década de 1970 e começo da década de 1980, criticavam a experiência dos últimos anos.
Os relatórios mostravam que a Federação se mostrava contrária quanto às decisões referentes à
política econômica. Para a FIERGS, a atual conjuntura não comportava mais as tomadas de
decisões sobre importantes assuntos políticos do país em círculos fechados, sem a participação da
sociedade civil e de vários setores da sociedade. Dentro do contexto econômico, Luiz Mandelli,
considera que a recessão econômica que se configurou no começo da década de 1980, mostrou o
total despreparo do regime para administrar o país, assim como o agravamento da sua
legitimidade:
Eu acho que os militares não tinham uma estrutura para controlar o Brasil. Acho que
faltava para os militares, era uma visão, digamos assim, eles tinham todas as condições
para fazer uma grande reforma política no Brasil, uma reforma política talvez moderna,
mas eles não tinham isso como prioridade, eles viam muito mais a questão da infra-
estrutura, e eu acho que neste ponto eles fizeram alguma coisa para o país, algumas
326
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
119
obras importantes, mas, como para lançar bases de um país moderno, eu acho que
faltava inteligência política para isso.
327
Durante o ano de 1983 e 1984, o debate político concentrou-se em torno da sucessão
presidencial, dividido espaço com o movimento popular pelas eleições diretas para presidente
(Diretas-já). Com a derrota no Congresso da emenda constitucional que visava o pleito direto, as
principais lideranças políticas e a grande maioria dos empresários discutiam a viabilidade de se
efetuar um processo que permitisse a conclusão da transição. Para Luiz Mandelli, esta situação
gerou por parte dos empresários e da Federação da indústria gaúcha, um grande mero de
pronunciamentos favoráveis à volta do Estado de Direito. Dentro desta nova realidade boas partes
dos setores industriais gaúchos colocavam como figura central o candidato Tancredo Neves, para
conduzir esta nova ordem institucional. Tancredo viria a ser eleito Presidente da República pelo
colégio eleitoral em janeiro de 1985. No entanto, o agravamento do seu estado de saúde, lava-o
ao óbito, assumindo o vice José Sarney. Octavio Vieira lembrou muito bem desse episódio,
quando então acompanhou como presidente da FIERGS:
Eu estava em Brasília, dentro do Congresso, exatamente na noite em que fui
comunicado que Tancredo Neves não assumiria a presidência. Havia toda aquela
questão, de um possível risco de golpe, enfim, achou-se uma maneira, não exatamente
legal, mas possível, de José Sarney assumir. Era uma questão constitucional, o vice é
eleito como presidente. No entanto, ai repousa uma questão virtual, não há vice antes da
posse do titular. Se o presidente não assume, tampouco o vice o faz. O processo
constitucional indicava o Ulysses Guimarães, o presidente da Câmara, mas houve o veto
para Ulysses... E como a constituição não era clara, deu-se uma solução a moda
brasileira, entre Aureliano Chaves e o General Leônidas Pires Gonçalves, e o José
Sarney assumiu, numa ligeira afronta a lei...
328
5.2 FIERGS: limites e possibilidades.
Como tivemos oportunidade de mencionar neste trabalho, a capacidade de atuação das
federações está condicionada pelas suas limitações, sendo pela legislação ou pela estrutura
sindical oficial a que está submetida. Portanto, com base nestes antecedentes, demonstrar através
das entrevistas que tipo de atuação política a Federação da Indústria do Rio Grande do sul
praticou no contexto da abertura, levando em conta a sua capacidade e as suas limitações.
327
MANDELLI, Luiz Carlos. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [11maio, 2007] Gilmar Moraes.
Porto Alegre. Ex-presidente FIERGS.
328
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
120
Em 14 de agosto de 1937 é definitivamente criada a Federação das Indústrias do Rio Grande do
Sul, com a finalidade de congregar todos os sindicatos de empregadores industriais. Entre o
período da Revolução de 1930 a decretação do Estado Novo em 1937, em nível político, havia
dois projetos em curso na sociedade: o liberal democrata, que implicava na abertura política e na
proposta de conciliar o desenvolvimento econômico com a ampliação e a participação social, e o
autoritário, que promulgava que a melhor forma de promover o desenvolvimento econômico era
através da paz social, obtida por meio de um regime forte.
329
Portanto, com a decretação do
Estado Novo, a forma de regime autoritário estabeleceu a falência da liberal democracia para
resolver os problemas do capitalismo contemporâneo no período entre guerras. Luiz Octavio
Vieira, e dentro deste contexto histórico, diz que suas impressões sobre a FIERGS são as
seguintes:
A Federação da Indústria ainda é um órgão da herança da constituição de 1946, e
principalmente, do que ainda aconteceu no Estado Novo no Brasil, no sistema sindical,
na congregação dos sindicatos patronais em contraponto com os sindicatos da Federação
e os sindicatos dos operários. Portanto, é uma visão até fascista de Estado ainda oriundo
do Estado Novo. Ela ainda é mantida de impostos fiscais para sindical. Então, é uma
estrutura neste sentido de formação anacrônica. Mas, a Federação das Indústrias do
Estado do Rio Grande do Sul, não é diferente de outras Federações, e em algum
momento até ela foi mais importante, mais avançada que a Federações de outros
Estados, inclusive São Paulo.
330
O período que se estende de 1945 até o golpe militar de 1964 proporcionou ao setor
industrial uma expansão no seu parque industrial, configurando-se também, neste contexto, o
início do processo de internacionalização da economia. A partir do golpe de 1964, os rumos que a
política econômica do regime autoritário iria tomar viriam por fomentar extraordinariamente a
industrialização. Esta situação proporcionou aos empresários industriais um crescimento e bons
lucros. Dentro dessa nova realidade, mais precisamente a partir de 1969 a 1974, os industriais
abriam mão da direção política e econômica da sociedade em favor dos militares e tecnocratas,
em troca de tranqüilidade política e de crescimento econômico acelerado. A FIERGS dentro
desse contexto não se projeta em um instrumento com liberdade de organização e expressão
política, pelo contrário, os seus interesses podiam ser canalizados via aparelho estatal, através
329
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A História da Indústria Sul-Rio-Grandense. Guaíba: RIOCEL, 1985.
330
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
121
de agências específicas, provocando a fragmentação política do setor. Para Octavio Vieira, esta
constatação é particularmente válida ao período pós-64. Porém, o que não se pode neste período,
é delegar exclusivamente às Federações, principalmente a FIERGS, a responsabilidade pelo
afastamento da Federação nas tomadas de decisões políticas e econômicas.
A nossa Federação não é muito melhor que as empresas que a comportam, o sindicatos
que representam as empresas que a compõem. É um órgão de cúpula, mas na verdade a
FIERGS seria uma soma algébrica das empresas industriais do Estado. Portanto, na
medida que essas empresas vive momentos difíceis, ou momento mais fácil, a Federação
aparece mais ou menos, aparece pior ou melhor, porque ela não pode ser muito diferente
das decisões das bases que as constitui.
331
Conforme Fernando Henrique Cardoso,
332
entre as décadas de 1950 a 1964, a referência
que os industriais faziam à democracia era feita para combater aquilo que eles acreditavam se as
tendências estatizantes e socializantes, as quais estavam associadas ao populismo. Para o autor a
mudança significativa da classe industrial no início da década de 1960, estaria na organização
quanto à forma da ação política que se propuseram os lideres industrial e, que se referia a uma
nova forma de autoconsciência social. O empresário passou a ter uma ação política mais racional
na definição de seus objetivos e na escolha dos meios adequados para atingilos. Para que se
possa analisar a participação da FIERGS no golpe de 1964, Octavio Vieira considerou que se tem
que levar em conta a postura política da Federação frente a sua autopercepção como classe e,
assim procurar visualizar a posição empresarial no contexto da abertura.
O que eu sei e que no golpe de 1964, a Federação da indústria estava muito ligada ao
Jango, até porque os empresários daqui esperavam que como Jango sendo gaúcho
pudesse mandar as concessões. O que eu sei, de ouvir falar, é que: na véspera do golpe
os industriais estavam ligados ao Jango. Na noite do golpe os industriais gaúchos
estavam em Brasília prestando apoio ao Jango. Quando pegaram o avião e voltaram à
situação era outra. Rapidamente eles mudaram, porque foram pegos naquele contrapé.
O golpe militar veio e não se sabia direito o que ia acontecer. Os industriais gaúchos
foram prestar apoio à nova ordem. Quando voltaram estavam atrelado a uma nova
ordem. Porque isso? Porque eles não são ideológicos, nem filósofos, nem cientistas
políticos, eles são pessoas que tem os interesses de manter as suas empresas, os
empregos, seus produtos, ganhar dinheiro, num país instável a instabilidade de
comportamento é estendível ou justificada.
333
331
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
332
CARDOSO, Fernando Henrique O empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo:
Difel 1964.
333
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
122
Conforme Maria Isabel Herz de Jornada
334
, o conhecimento da práxis empresarial
certamente esclareceria as indagações que emergem do discurso. Para a autora, a Federação da
indústria gaúcha, não ficou alheio à mobilização nacional contra Goulart. Esta afirmação
encontra sustentação em sua pesquisa, através dos boletins informativos da entidade, que neste
período registraram freqüentes visitas do Instituto de Pesquisa e Estudo Social (IPES)
335
, da
Escola Superior de Guerra (ESG), a Associação dos diplomados da escola Superior de Guerra
(ADESG), bem como o alto comando do III Exército. Conforme a autora: [...] Todavia, se a
participação do empresário gaúcho no movimento que encerrou a chamada era populista na
política brasileira ficou evidenciada, ainda não foi suficientemente esclarecida.
336
Octavio Vieira lembrou que quando chegou a FIERGS em 1970, eram tempos difíceis e,
que o tipo de negociações e expressão de interesses econômico-político eram fortemente
corporativo por parte do regime. Para Octavio Vieira tal situação proporcionou um crescimento
das associações por setores, principalmente nos ramos modernos da indústria, que procurava
fazer valer os seus interesses e a sua experiência junto ao centro de decisões do regime. A partir
de 1974 começaram a soprar “novos ventos”. A crescente dificuldade que começou a propagar na
política econômica, com a diminuição das taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB),
decretou o fim de uma instabilidade econômico do Regime Militar, que se via sustentando com o
chamado milagre econômico. Na esfera política o governo Geisel, empossado em março de 1974,
promoveria a tal distensão, lenta e gradual. Este período para Luiz Mandelli, é um período em
que houve mudanças importantes que veio dar um aprofundamento no sentido da real
democratização, entre elas “As vitórias eleitorais da oposição, de um lado, do outro, o começo de
uma crise econômica, situações que vêm por fomentar a eclosão de conflitos desestabilizadores
para a afirmação do regime ”.
337
Conforme Octavio Vieira, este é um período em que a situação
de repressão começou a ficar mais solta, é um período que a Federação tende a se expressar mais
334
JORNADA, Maria Isabel Herz da. Empresariado Industrial Gaúcho e a Política salarial: 1964-1980.
(Dissertação de mestrado) Porto Alegre: UFRGS, 1993.
335
O IPES, foi criado no final de 1961 pelos empresários do centro do país, tinham objetivos idênticos aos, Conselho
das Classes Produtoras (CONCLAP) e o instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Os projetos desses
organismos consistiam em, impulsionar em todo o país uma reação empresarial contra o governo Goulart, acusado de
promover a erquerdização da vida política.
336
JORNADA, Maria Isabel Herz da. Empresariado Industrial Gaúcho e a Política salarial: 1964-1980.
(Dissertação de mestrado) Porto Alegre: UFRGS, 1993. p. 42
337
MANDELLI, Luiz Carlos. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [11maio, 2007] Gilmar Moraes.
Porto Alegre. Ex-presidente FIERGS.
123
politicamente, a federação começa a dizer mais ‘verdades’, começa a falar para o Delfin Neto,
que isso não da, começa a tentar influir sobre a política de industrialização, política de
importação, política de juro, período em que começa a se estender”
338
.
Nesta conjuntura de final da década de 1970, para os entrevistados se configurou uma
prática de pronunciamentos e manifestações por parte da Federação contra a política econômico
do regime. No entanto, é possível encontramos também nos relatórios anuais da Federação, apoio
à política desse mesmo regime. Para analisar essa atuação política da FIERGS, Octavio Vieira,
lembrou que, para compreender essa posição até certo ponto duvidosa da Federação, é precioso
avaliar alguns dos seus fundamentos políticos que propõem articular uma estratégia de
ambigüidade.
Agora por a Federação é dúbia? Porque o papel dela é ser dúbio mesmo! Ela não é uma
casa de freiras, ela não é um local onde se espera coerência, é um local onde se reflete
interesses de natureza econômica que são refletidos na ideologia que ela pratica, ou pior
ainda, na falta de uma ideologia. Então não se pode esperar que uma jaqueira ou um
pessegueiro de maça, ela da o que da mesmo
339
.
Quanto uma identificação sobre as questões que limitam a FIERGS na sua participação
política da abertura, os entrevistados lembram que a posição política da federação neste período,
de final de década de 1970, não é de uma classe hegemônica na esfera política. Pelo que se pode
perceber, a uma tendência por parte dos empresários de caracterizar este momento, como de uma
de transição de mentalidade que estava vinculada a um comportamento anterior (elite rural), a
uma nova força econômica em emergência no Estado (o setor industrial). Essa situação quando
relacionada ao contexto nacional, sofria uma análise de diferenciação em relação ao centro do
país. Segundo os entrevistados, o Estado do Rio Grande do Sul, tinha seu processo de
industrialização subordinado ao pólo hegemônico do centro do país, que neste sentido delimitava
a sua atuação. Este processo de subordinação refletia na capacidade da FIERGS, quanto à
articulação dos seus interesses em nível nacional. Conforme Octavio Vieira:
Quando se avalia esse problema de capacidade de Representação política, a partir do Rio
Grande do Sul, tem sempre que levar em conta algo que, jocosamente, algo que
ironicamente, algo que malandramente, o Delfin Neto falava para nós gaúchos, ele dizia
assim: olha vocês não se queixam, afinal vocês são uma Estado excêntrico. Ele queria
338
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
339
Ibid.
124
dizer com isso que nós éramos um estado fora do centro, mas ao centro. A verdade é
essa, o Rio Grande do Sul é um Estado excêntrico. Porque tudo que acontece hoje, e
naquele tempo também, tem no pólo sudeste, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro
um grau de repercussão muito mais do que aqui. Enquanto que aqui, nós ficamos neste
aspecto marginal. Nós temos uma grande percepção, uma grande auto-estima do que
somos, mas, na verdade é que nós estamos na periferia do processo social brasileiro
340
.
Para Octavio Vieira, essa mesma situação se refletia no processo político decisório com
relação ao Congresso:
Quanto a nossa representação no Congresso, nós tínhamos, e temos até hoje, um bom
relacionamento, mas éramos a minoria. O que a gente elegia a gente conhecia bem,
mesmo o da oposição, mas éramos minoria.. O Estado do Rio Grande do Sul não é nada
mais do que 8% do Brasil, ou em quase tudo. É 8% do produto, da representação política
e, de maneira que a gente não pode ser ater também aquela bobajada de gaúcho, ‘te
cuida Guaíba que eu te bebo toda’, porque somos 8% por cento, às vezes até menos.
Somos o que somos!
341
Para Octavio Vieira, o Documento dos Oito
342
, foi um importante acontecimento na
história do país que envolveu a participação dos industriais e até mesmo de suas federações no
processo de redemocratização. O episódio ganhou grande repercussão, em que a mídia foi
responsável no sentido de tornar público. Ao mesmo tempo em que marcou a participação da
classe empresaria neste processo, distanciou o empresário gaúcho do acontecimento histórico da
participação democrática do país. O Documento dos oito teve sua origem por ocasião do
lançamento da Revista Balanço Anual em setembro de 1977, quando então foi realizado o Fórum
da Gazeta Mercantil.. Embora, toda a repercussão de uma exaltação democrática que esse
documento tenha atribuído aos empresários, faz-se necessário, segundo Octavio Vieira, algumas
considerações:
340
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
341
Ibid.
342
O chamado Documento dos Oito originou-se do Fórum da Gazeta Mercantil. Os dez empresários mais eminentes
na atualidade no país foram escolhidos para expressar seus pontos de vistas. Dentre os dez, somente oito
concordaram. Entre as questões econômicas que faziam parte das preocupações dos empresários, o documento
surpreendeu pelo caráter introdutório que, começava desejando uma nova concepção sobre os rumos dos
desenvolvimentos econômico fundado na justiça social e amparado por instituições políticas democráticas. Ver em:
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a economia
política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995; DINIZ, Eli. Empresário e Transição Política no
Brasil: problemas e perspectiva. Brasília: Sociedade e Estado, 1 (2) 65-88, jul./dez. 1986; ARTURI Carlos S. O
empresariado industrial e a abertura política no Brasil (1978 1984). Dissertação. Porto Alegre: UFRGS, 1989.
Entre outros.
125
Em certo instante os industriais de São Paulo, por volta de 1978, fizeram aquele fórum
dos lideres, que apareceram aos olhos da mídia como uma coisa muito significativa. Não
leva muito a sério aquilo! Porque aquilo foi um esforço do Jornal Gazeta Mercantil, que
estava chegando a uma nova versão, até então tinha sido apenas um boletim econômico,
com o pai Reberti Levi, mais o filho Luiz Fernando Levi, muito talentoso sobre o ponto
de vista de marketing. Quando eles começaram a sentir que os ventos da abertura
vinham, aquilo que todos faziam, Federação do Recife, de Pernambuco, de Minas, cada
uma do seu jeito, ou das suas características, São Paulo que naquela hora começava a
passar de longe pelo Rio de Janeiro, a gazeta então, escreveu um texto e, deu vez e vós
ao, Antonio Hermínio, ao Cláudio Bardella, ao Severo Gomes, entre outros, que
assinaram um manifesto que não foi escrito por eles, e que não queria dizer nada, a não
ser, o tempo que todos estava passando
343
O documento empresarial que se tornou o mais conhecido e o mais importante na
historiografia, no sentido que coloca a classe industrial no debate à volta ao Estado de Direito.
Para Octavio Vieira, este fato repercutiu tanto por que era São Paulo, que sofria da questão
benéfica do mérito geográfico e, de estar associado a um mercado mais mercadológico, o que não
representava uma situação isolada, pois: “A FIERGS, fazia naquele tempo, posso garantir a você,
coisas mais importantes e mais significativas e antecipadamente que a FIESP, mas as manchetes
estão nos jornais do centro, onde está a FIESP”
344
. Para Vieira essa realidade fora possível
mediante um contexto no qual era considerado natural que o Presidente da República busque falar
primeiro com o Presidente da FIESP, o presidente do jornal, almoça com o presidente da FIESP.
Então: “Para falar de maneira que dessa forma nós somos um Estado Excêntrico”
345
.
Para Carlos Schmidt Arturi
346
, foi através da imprensa que ocorreu e tornou-se público o
divisor de águas entre a nova e antiga liderança empresarial, quando em 1978, vieram ao
conhecimento da sociedade dois documentos. Um de caráter profundamente autoritário
denominado “Carta Contra a Abertura” e, o outro como já mencionamos, Documento dos Oito.
Conforme Arturi, o Documento dos Oito é um contraponto a chamada Carta Contra a Abertura,
que foi publicada em 10 de maio de 1978 no jornal do Brasil, sob forma de um abaixo assinado
para o Presidente da República, escolhido, general Figueiredo. O documento mantém uma
posição contraria a estatização da economia por parte do Estado e, no segundo momento se
343
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
344
Ibid.
345
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
346
ARTURI Carlos S. O empresariado industrial e a abertura política no Brasil (1978 1984). Dissertação
.Porto Alegre: UFRGS, 1989.
126
manifestam contra a abertura promovida pelo Estado, criticam a imprensa de promover opiniões
do empresariado industrial, as quais, não correspondem com o consenso geral da classe. Na
interpretação do autor, este documento lamenta o clima de agitação demagógica, que pode ser
interpretada como uma volta do clima anterior a 1964. Mas, o ataque à abertura, provém da
existência da dúvida de que uma sociedade democrática não possa resistir a um avanço comunista.
Este documento contou com a adesão de 32 empresários, na sua maioria sem muita expressão,
entre eles, estava, o presidente da confederação Nacional da Indústria, Domicilio Veloso, o Vice-
presidente da FIESP, Jorge Duprat Figueiredo, além dos presidentes, da Federação da Indústria de
Minas Gerais (FIEMG) e da Federação do Paraná. Curiosamente contou também, conforme
Arturi, com a assinatura do futuro presidente da FIERGS, Luiz Octavio Vieira. Conforme o
trabalho do autor, Octavio Vieira, um mês depois reformulou sua posição, dizendo que, entre um
documento e outro, muita coisa mudou neste país.
Conforme esta ampliação ao contexto nacional, é possível perceber que as várias
lideranças do setor industrial, se manifestam a uma efetiva mobilização em busca de mudança
política. Conforme a historiografia surge uma mobilização no final da década de 1970, de um
grupo de novos empresários que percebem o esgotamento do modelo econômico do regime e o
acirramento da luta política e social pela redemocratização no país. Conforme Octavio Vieira,
alguns empresários industriais têm consciência de que o processo de abertura vai atingir todos os
segmentos sociais. uma efervescência que se registrou no meio industrial a existência de uma
vontade política para lutar por uma maior participação decisória, que seria possível em um
regime democrático.
É mais ou menos dentro desse pensamento político industrial que sou eleito presidente
da FIERGS em 1982. Porque eu representava dentro da FIERGS, um tipo de empresário
mais liberal. Eu tinha uma outra formação, que vinha de um outro tipo de ambiente, uma
visão ocidental democrática proporcionada pela minha vivencia nos Estados Unidos.
Portanto representava naquele instante a pessoa possível ou indicada para ser presidente
da FIERGS. Porque eu não era, ou não tinha ligação com tudo aquilo que era os
princípios doutrinários da tal revolução, ou daquela ordem que então existia.
347
A FIERGS a partir da década de 1980 levou o seu pensamento para fora do mundo
empresarial, mas, conforme Octavio Vieira, estes pensamentos estavam de acordos com os seus
347
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
127
tempos. Para o nosso entrevistado, a FIERGS neste período recebeu pessoas que nunca estiveram
na federação como: filósofos, políticos, membros da CNBB, lideres sindicais de esquerda. Até
mesmo um sociólogo, recém eleito senador, chamado Fernando Henrique Cardoso. “Situação em
que fui muito criticado, como é que eu iria levar um comunista marxista para falar na federação”
348
No entanto, esses eram os tempos. Conforme Octavio Vieira, a Federação tem a partir desse
momento uma postura muita clara e muito nítida em favor das eleições diretas, do fim do A-I5,
enfim, a Federação estava inserida em um processo de redemocratização. Para Octavio Vieira a
FIERGS, estava mais à frente das outras federações, mais até mesmo que a Federação da
Indústria de o Paulo. Era um período muito significativo para a história do Brasil e do Rio
Grande do Sul, em particular, era o fim da ditadura militar e o início da redemocratização. Então,
há uma série de razões para a FIERGS manifestar-se, ou se tornar importante, e conforme
Octavio Vieira, não há nada para ficar do ponto de vista moral, criticando, porque é assim
mesmo, e para isso que ela existe, ela está para representar a cada instante os interesses daqueles
a compõem:
E os interesses são contraditórios, são ambivalentes. Basta dizer assim: dentro da própria
FIERGS havia interesses muitos contraditórios, por exemplo, o cara que mata o boi tem
o couro e, o couro ele que vender pelo preço mais alo possível, o cara que industrializa o
couro luta contra isso, e a FIERGS acolhe os dois, esta luta esta dentro. Então, estas
contradições que você fora, também existem dentro, ela compreende todo o mundo
industrial
349
.
Para Octavio Vieira, a participação política da FIERGS no processo de redemocratização
é de um participante ativo e passivo, ativo no sentido de que, quando percebeu que poderia fazer
alguma coisa, fez. No governo Geisel, era o início e, Geisel, deteve esse processo muito mais
preço que no governo Figueiredo. A participação da Federação no processo de redemocratização,
foi no governo Geisel, ambivalente, poucos ousados, cuidadosos, mas, foi mais ousado, menos
ambivalente e menos cuidadosos no governo Figueiredo. Porque o processo político no governo
Figueiredo permitia uma maior representação, o que não era possível no governo anterior. A
exemplo desta contextualização:
Eu participei da macha pelas diretas em uma época que era tabu. Não se podia falar em
diretas e eu fui lá a Capão da Canoa participar. Foi um horror, um choque, o presidente
da FIERGS participando das eleições pelas diretas. Agora, eu só fiz isso com toda a
348
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
349
Ibid.
128
sinceridade, quando eu sabia que a polícia não ia lá me dar porrada, quando eu sabia que
não ia parar na cadeia. Que dizer, então, participação ativa, é ativa, mas em um instante
que se percebeu que se podia. O ponto base é o seguinte: qualquer instituição não esta ai
para queimar os dedos, ou para morrer, ou para ser invadida, ou para ser fechada, ela vai
até aonde pode ir, e não nenhum mal nisso, a universidade é a mesma coisa, qualquer
instituição é a mesma coisa
350
.
Através das entrevistas pode-se concluir que a dinâmica da Federação no processo de
redemocratização do país obedeceu a um pragmatismo empresarial. As declarações não chegaram
a formular claramente os pressupostos da democracia social. Estes empresários reconheceram
que a iniciativa da liberação partiu do governo Geisel pela necessidade de evitar uma explosão
social contra o regime a médio prazo e recompor sua legitimação. A FIERGS, para eles,
representa o universo industrial gaúcho, dado a dimensão das empresas que ela comporta, sendo
assim, a sua participação no processo de abertura política obedeceu a um pragmatismo, apesar da
sua heterogeneidade.
350
VIEIRA, Luiz Octavio. A participação da FIERGS no Processo de abertura. [18 abr, 2007] Gilmar Moraes. Porto
Alegre. Ex-presidente FIERGS.
129
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi indicado na introdução, o objetivo geral desta pesquisa era descrever a
participação da Federação da Indústria do Estado do Rio Grande do Sul no contexto da abertura.
Chegando ao término deste trabalho, é preciso ordenar um parecer dos resultados produzidos
através de um entendimento do objeto que levou em conta múltiplos aspectos do problema.
Assim, entendemos que o tratamento das questões procurou definir a ação política da FIERGS,
problematizando acerca de opiniões, idéias, pensamentos e posições quanto ao aprofundamento
da abertura democrática. A partir destas formulações alguns comentários se fazem necessários.
Quando procuramos, ao longo desta pesquisa, descrever a representação corporativa da
FIERGS, que têm sua origem na legislação sindical de 1930, buscamos identificar as alterações
de composição política e de aperfeiçoamento organizacional da Federação, não apenas para apoio
dos associados, mas também para a ação política na defesa de seus interesses. Dentro desta
proposta constatamos uma Federação com limitações caracterizadas pelas regras da legislação
brasileira, que entre suas finalidades serve como objetivo de constituir um canal de cooperação
dos empresários com o poder público. Foi possível perceber uma prática às vezes contraditória e
ambivalente por parte da Federação. Uma postura que, na nossa concepção, se caracterizava por
causa dos números de sindicatos que ela abrange e que entre si travam uma luta econômica. Este
jogo de interesses políticos e econômicos dentro da FIERGS possibilitou afirmarmos que sua
posição política não é hegemônica no universo empresarial gaúcho. Todavia, esta situação não
tira da FIERGS a sua importância de agente transformador na vida política do país.
Os comentários acima fornecem um condicionante à construção de uma definição de
padrões de ação políticas referentes ao modo de operação da FIERGS na representação de seus
interesses e de seus representados no processo de abertura, ou seja, as táticas e as estratégias
adotadas quando se possui um objetivo político. Foi possível perceber nas fontes pesquisadas que
a situação econômica continua sendo decisiva para a definição dos interesses, dos padrões e dos
formatos institucionais de sua ação política, visto que esta é uma notória condição de existência
enquanto grupo social. No entanto, o processo metodológico de padrões de ação política utilizado
para avaliar a participação da FIERGS no contexto da abertura não se limita a apenas uma tática e
130
uma estratégica. A FIERGS, dentro deste processo de abertura, articula-se conforme a conjuntura
externa vai se alterando, da mesma forma que administra a própria dinâmica interna das
categorias ou segmentos que compõem a Federação.
Ao longo deste contexto foram identificadas três fases da ação política da FIERGS: um
primeiro momento entre 1974-1976, no qual visualizamos uma articulação da Federação em
torno da implementação do III Pólo Petroquímico. A FIERGS apoiou as medidas do Regime, ao
mesmo tempo em que procurava qualificar a participação e o padrão do setor industrial gaúcho.
Entre 1977 e 1979, a FIERGS assumiu uma postura mais crítica em relação à política do regime.
Embora as questões girassem em torno de seus interesses imediatos, ambiguamente percebe-se o
apoio à liberação do regime. A terceira fase se apresenta entre 1980 e 1984 (e daí por diante),
tendo por parte da FIERGS um discurso aberto em favor do Estado de Direito, ainda que
mantendo uma posição cautelosa em virtude de um contexto político (crise política do Regime
Militar) e econômico (recessão, inflação). Na década de 1980 a Federação deixa transparecer uma
nova orientação político-ideológica no corpo deliberativo da entidade, principalmente a partir de
1983, com a posse de seu novo presidente.
O debate político em nível nacional a partir de 1974, entre o empresário da indústria e o
estado autoritário, veio pontuar uma rachadura no tripé em que se acentuava a política econômica
do regime, a qual ficou conhecida como a campanha contra a estatização. Episódio político que
rendeu muitos trabalhos para a historiografia brasileira, destacando a participação do empresário
industrial no processo de redemocratização (embora não sendo a análise deste trabalho,
consideramos na retórica antiestatizante que o governo não era atacado pelo que procurava
manter, mas por sua intenção de mudar). A FIERGS, nesta conjuntura, manteve-se distante da
discussão, tomando as estruturas e os procedimentos do regime como dados da realidade e
operando parceiramente no contexto definido por eles e, em raros momentos, fazendo
comentários à centralização do Estado.
O governo Geisel implementou, no início de seu mandato, uma política de desequilíbrios
regionais, favorecendo a descentralização do pólo petroquímico. Com isto, abriu-se uma disputa
nacional para a implementação do III lo Petroquímico. A FIERGS, considerando a
131
implementação do III Pólo como um precedente econômico inigualável ao desenvolvimento do
Estado, empenhou-se na estratégia da consolidação deste projeto. Portanto, foi possível perceber
que neste momento a participação da FIERGS no processo de redemocratização do país é
praticamente nula.
Ao longo de 1977 assistimos a uma mudança nos padrões de manifestações da FIERGS
com relação à política do regime, em grande medida como reação aos rumos tomados pela
política econômica. Questões como políticas salarial e a centralização excessiva do poder
econômico em torno da união são temas de debate na Federação. A FIERGS demonstrou certa
habilidade na suas manifestações, intercalando elogios com críticas moderadas.
No final da década de 1970, ela se manifestava no debate sobre o regime, com um “tom”
levemente simpático à distensão. Neste momento, a FIERGS passou então a se pronunciar sobre
temas políticos institucionais. No final desta década, a necessidade de sua participação no
processo político em nível partidário é defendida na Federação por alguns empresários e pelo
próprio presidente. Para estes grupos de empresários, a sua presença nos partidos políticos se
torna imperiosa para exercer a influência que lhes compete, como sustentáculo do
desenvolvimento do país. O que os empresários na FIERGS buscavam prevalecer é uma visão de
que a participação política do empresário industrial deve-se dar tanto ao nível de suas entidades
de classe, exercendo uma ação política empresarial em defesa de seus interesses, quanto ao nível
da política partidária.
Analisamos neste trabalho que as circunstâncias que levaram a FIERGS a adotar uma
postura mais crítica com relação ao regime se devem a uma posição mais favorável no jogo
político democrático e a sua própria participação neste processo. Alguns fatores são responsáveis
por esta mudança, tais como: as medidas de caráter recessivo sem consulta prévia à classe
empresarial e o surgimento de novas demandas sociais, particularmente a mobilização operária.
Dentro deste panorama encontramos também o próprio processo de abertura política, que resgata
a importância da ação política e do Parlamento, em detrimento da ação corporativa concentrada
no executivo.
132
Uma análise desta segunda fase de atuação da FIERGS durante a abertura nos permitiu
compreender que a estratégia política da Federação não era tanto de alinhar-se a uma tendência
dominante, antecipando-se a possíveis fatos, mas, consciente de um posicionamento e
organização política mais superior de que exercera no passado, considerou que os rumos dos
acontecimentos não eram absolutamente claros. Sem desconhecer a heterogeneidade ideológica
que congrega a Federação, nem a insatisfação com a política econômica que circulava em seu
meio, consideramos o modo como era vista a conjuntura pela Federação, que determinava a
politização de seu discurso e a tomada de posição em favor da abertura. Estas mesmas
considerações também são feitas por Sebastião Velasco e Cruz,
351
para o qual a contribuição do
empresário industrial em relação à distensão e à abertura política no Brasil nos anos de 1970
estava na maneira como eles liam a conjuntura, a qual determinava tanto o tom dos discursos,
quanto as posições concretamente assumidas.
Consideramos que uma possível interpretação da FIERGS quanto à incapacidade do
Estado para liderar um processo de desenvolvimento econômico para o país, definiu sua
orientação a uma nova forma de Estado. As críticas da ausência de um projeto político definido e
unitário do setor para a transição e para o país na fase final da abertura refletem bem esta posição.
em 1974, as manifestações da crise social se delinearam juntamente com a crise econômica
que se manifestava com a diminuição da taxas de crescimento do PIB, ameaçando a legitimidade
do regime. Isso constituiu um dos motivos do governo Geisel para articular mecanismo para a
obtenção de apoio político e econômico.
No final da década de 1970, as entidades industriais ganharam uma grande visibilidade
externa, qualificando-as como um dos atores políticos centrais da abertura. A classe industrial
tinha como bandeira o discurso da livre iniciativa e da democracia. A FIERGS, inserida neste
contexto, publicamente defendeu a volta do Estado de Direito e, em 1980, ao realizar o XI
Encontro das Federações da Indústria do Extremo Sul, declarou estar ao lado da democracia sem
adjetivo e da livre iniciativa, a qual proporciona igualdades sociais e econômicas. Em 1981,
declarou também, que via com bons olhos a atitude do governo federal na condução do processo
351
CRUZ, Sebastião C. Velasco. O empresariado e o Estado na transição brasileira: um estudo sobre a
economia política do autoritarismo 1974-1978. São Paulo: FAPESP,1995.
133
de abertura. Atitude que para nós evidencia uma clara posição daquilo que Fernando Henrique
Cardoso chamou de política de liberação controlada.
352
A conclusão a que chegamos a respeito desta ação política por parte da FIERGS, que
procura passar uma postura da Federação sobre a conjuntura política e econômica do país e da
democracia em particular, é de que esta é uma questão sugerida, mas nem sempre desenvolvida.
Desta forma, parece-nos mais adequado pensar em uma articulação de ação política que procura
manter a preservação daquelas formas, as quais contemplam de maneiras integradas a
permanência e a dinamização de sua entidade, conforme se configurou nos anos de 1970, um
caráter em defesa dos interesses dos industriais gaúchos na sociedade brasileira.
Consideramos que, neste contexto, a atuação da FIERGS teria sido fortemente ligada a
fatores políticos e econômicos maximizados na conjuntura do país, principalmente a partir da
década de 1980 (neste sentido, salientamos o processo de abertura que sofre reações contrárias
advindas de setores militares, a violenta recessão econômica). A Federação respondeu à crise do
Regime Militar e às ameaças ao processo de liberação de maneira muito reativa: reafirmam
enfaticamente seu apoio à abertura e ao governo Figueiredo, mas não avançaram na
concretização de soluções de um regime democrático.
No ano de 1983 percebeu-se o surgimento de uma nova identidade de empresários no seio
da Federação. Começava a se fixar uma corporação de industriais que defendiam uma maior
abertura ao capital estrangeiro, fim da reserva de mercado e da intervenção do Estado na
economia e nas relações trabalhistas. A direção da FIERGS começou a ser incorporada por
empresários com uma visão mais liberal. É o pensamento pragmático do universo empresarial
que faz com que a Federação se molde aos novos tempos, pois nesta conjuntura, a atuação da
FIERGS no processo sucessório a presidência significa a definição de sua futura ordem
institucional.
352
CARDOSO, Fernando Henrique. Regime Político e mudança social: a transição para a democracia. ed.
São Paulo: Siciliano, 1993.
134
Pudemos verificar que o comportamento da FIERGS no processo de abertura política
permaneceu, na década de 1970, meramente reativo, não apenas no âmbito da política econômica,
como também na política social. Mesmo que as declarações feitas nos relatórios anuais possam
ter sofrido alterações, não revelaram um padrão de ação política capaz de formar uma efetiva
posição contra o Estado vigente em relação a uma nova ordem de Estado. Apesar de toda a
heterogeneidade, de toda a diversidade e de sua postura anti-estatista, o seu comportamento
político tendeu a permanecer na posição de apoio ao processo de transição lenta, gradual e
segura. As entrevistas feitas com os ex-presidentes da Federação descreveram uma ação política
por parte da FIERGS, que procurou neste contexto criar um certo pragmatismo, que esteve
sempre presente com muito mais intensidade quando se tratava de pensar o funcionamento da
democracia em consolidação. É verdade que a Federação, desde o início de 1980, tinha uma
posição muito mais crítica em relação ao arranjo político institucional e ao modelo econômico.
No entanto, não encontramos uma ação efetiva deste posicionamento, o que nos levou a verificar
um fundamento na hipótese lançada por Eli Diniz,
353
de que os empresários industriais e as
federações teriam alguma capacidade de iniciativa, mas foram incapazes de liderar uma mudança
em direção a uma nova concepção de Estado.
Neste trabalho, procuramos acompanhar em parte as concepções de política e de
democracia adotada pela FIERGS no processo de abertura, que neste sentido se adapta muito bem
a uma análise feita por Maria Antonieta Lepoldi,
354
segundo a qual as classes industriais, quando
não atingiam os interesses econômicos ou tinham um caráter propriamente político, faziam com
que as medidas girassem em torno de uma ação pragmática. É preciso esclarecer que não
procuramos formar um juízo quanto à posição, às concepções e aos valores presentes na
Federação. Procuramos, sim, contribuir de alguma forma no entendimento de certas
particularidades desta Federação, que foi importante na sustentação do golpe e do Regime Militar
e, assim, entender o seu comportamento na retomada do Estado democrático.
Consideramos, dentro destas perspectivas de análise, que é o aprofundamento da liberação
que induz à mudança no comportamento político da FIERGS, não o contrário. A configuração
353
DINIZ, Eli. Reforma de Estado, e governabilidade. Rio de Janeiro: GGV, 1997.
354
LEOPOLDI, Maria, A. Política e interesses. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
135
desta sugestão se pela observação empírica dos alinhamentos de posição da Federação durante
o processo de abertura, que é determinado pelas questões com que ela se defronta, não podendo
dizer assim que as estratégias da FIERGS neste processo foram tomadas de forma constante e
prefixadas.
A posição oficial sustentada pela FIERGS ao longo do processo de abertura, ou melhor, a
partir de 1977, de certa forma contribuiu gradativamente para a elaboração de uma nova ordem
de Estado. Foi possível concluir que a Federação conquistou um padrão superior de atuação
política durante a abertura, cuja participação contribuiu para decretar a falência do Estado
autoritário, em conseqüência de sua incapacidade de gerenciar e superar a crise econômica.
Contudo, não delegamos neste trabalho uma hegemonia política da Federação, que concluímos
que não existem, por parte da FIERGS, elementos necessários que confirmem a existência de um
projeto abrangente para o país em relação a uma nova ordem democrática.
Estamos conscientes que a ação da FIERGS se desenvolve em um contexto mais
complexo, em circunstâncias as mais variadas e que, às vezes o que esta em jogo não são perdas e
ganhos econômicos, mas a sua própria posição na sociedade. Com isto entendemos que muitas
vezes uma entidade deve dar respostas a questões com aspectos múltiplos e contraditórios, que
solicitam decisões políticas e não somente soluções técnicas. Desta forma, consideramos que
muitos trabalhos podem ser desenvolvidos tendo com objeto este ator social. Sendo assim, nos
daremos por satisfeitos se de alguma forma este trabalho contribuir para futuros estudos.
136
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