Download PDF
ads:
2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A Insurreição no meu Quintal: processo decisório e percepção da diplomacia
norte-americana durante a Revolução Cubana (1958-1960)
Bruno Henz Biazetto
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-graduação em História,
como requisito parcial e último para a
obtenção do grau de Mestre em História,
sob orientação do Professor Doutor Helder
Volmar Gordim da Silveira.
Porto Alegre, RS – Brasil
Janeiro de 2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
3
Tudo podemos empregar contra os inimigos.
Cardeal Richelieu
Freedom is not the right to do what we want, but
what we ought. Let us have faith that right makes might
and in that faith let us; to the end, dare to do our duty as
we understand it.
Abraham Lincoln
ads:
4
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus pais, pelo apoio incondicional
desde os primeiros momentos da vida, e aos familiares mais próximos pela alegria
da maravilhosa convivência. Agradeço também ao meu orientador, Helder da
Silveira, por acreditar no meu potencial como acadêmico desde o V semestre. E
além de um grande orientador, é também um grande amigo. Naturalmente menciono
a PUCRS e o CNPq, que providenciaram com que esta pesquisa fosse realizada sob
as melhores condições possíveis e imagináveis para um Historiador. Lembro
também dos amigos do grupo de pesquisa de todas as sextas, bem como
acrescento o Bernardo, Erico, Guilherme e Daniel. Todos grandes amigos e atentos
espectadores e incentivadores desta pesquisa. Não poderia deixar de citar os
amigos do pós, Luís, os dois Rodrigos (Perla e Oliveira), Caren e Fred, pelas
agradáveis disciplinas e conselhos ao longo da dissertação. Ao final, agradeço aos
professores Marcelo Suano, Janete Abrão, Luciano Marques de Jesus e Draiton
Gonzaga de Souza pelo exemplo de sabedoria e caráter.
5
Resumo
O presente trabalho aborda a percepção e o processo decisório da diplomacia
norte-americana ao longo dos primeiros anos da Revolução Cubana, entre 1958 e
1960. Os documentos aqui utilizados são oriundos da coleção Foreign Relations of
the United States, uma das principais fontes de pesquisa sobre a política externa
dos Estados Unidos. O foco da pesquisa se concentra na análise de como os
conflitos internos do Departamento de Estado e seus estereótipos sobre a América
Latina, acabaram afetando a constituição de uma política externa para Cuba naquele
momento de crise.
6
Abstract
This dissertation treats about the State Department’s perception and decision
making process during the early years of the Cuban Revolution, between 1958 and
1960. The documental source of this research comes from the Foreign Relations of
the United States, one of the most important collections of its kind, allowing historians
to have a better understanding of the nature that guides the US foreign relations.
Also, the analysys here is focused into the understanding of how the historical
stereotypes about the Latin Americans and the American political traditions mix
togheter to draw a foreign policy to Cuba on that moment of crisis.
7
Sumário
Introdução....................................................................................
8
Capítulo 1-
A Cuba Aliada
...............................................................
19
1.1 A não intervenção....................................................................................19
1.2. Tensões e a não intervenção..................................................................39
Capítulo 2
A Cuba “Neutra”.....................................................................76
2.1. Testando Castro.....................................................................................58
2.2. O Rito de Passagem...............................................................................77
Capítulo 3
A Cuba Paria..........................................................................101
3.1. O presidente e lideranças........................................................................101
3.2 Mãos a Obra..........................................................................................118
3.3. Meu vizinho é um satélite Comunista..................................................144
Considerações Finais
............................................................................164
Referências Bibliográficas
...................................................................174
8
Introdução
A diplomacia é uma instituição bastante antiga. A função de representar um
grupo de pessoas perante outro e mediar interesses e conflitos sempre foi algo
necessário. Mas, o trabalho do diplomata transcende a definição dessas duas
palavras. Os embaixadores, cônsules e ajudantes trazem consigo a percepção de
outros povos e influenciam decisivamente ações que interferem constantemente no
campo político da história.
A atividade diplomática tem se tornado mais exigente e complexa. A cada
surgimento de uma nova potência, as relações internacionais foram têm ganho
novos contornos, com congressos, tratados, sistemas e teorias. Isso tudo acontecia
sem que o foco principal fosse perdido: mediar e representar, sobretudo no interior
da modernidade ocidental. Assim, se chega ao século XX com um sistema de alta
complexidade, com decisões em escala global, onde os resultados da articulação
político-diplomática afetam diretamente o cotidiano.
1
A principal potência de cada época se torna a referência básica pela qual o
sistema internacional é analisado em um dado período. Como se está falando de
século XX, a baliza tende a ser os Estados Unidos da América, a potência cuja
própria história se mistura tanto com a do século passado, que até mesmo alguns
especialistas da área chamam de “o século americano”.
2
A colaboração ideológica e
prática dos Estados Unidos para o desenvolvimento da diplomacia se fazia sentir
desde seus primeiros dias após a independência, onde propunha uma modelo
alternativo à política de poder da Europa.
Desde então, o prestígio e o poder daquela antiga colônia inglesa cresceu
geometricamente, permitindo que ela se tornasse uma superpotência ao final da
Segunda Guerra Mundial. A partir de 1945,diante da necessidade de reorganizar o
sistema, a diplomacia estadunidense enfrentava um desafio ímpar na sua trajetória,
que acabaria por exigir novas concepções de mundo e novas soluções para alguns
problemas antigos.
1
Ver FERGUSON, Niall. Colossus: the rise and fall of the american empire. London: Penguin Books, 2005.
Cap 2. KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994. Cap 31.
2
Ver BROGAN, Hugh. The Penguin History of the United States. London: Penguin Books, 2001.
9
O fato de ter se tornado um protagonista do cenário internacional, e de
compartilhar esse protagonismo com a União Soviética, alterou as suas relações
com todos os atores do sistema, sejam potências ou não. Na América Latina,
mesmo sendo uma esfera de influência consagrada, novos questionamentos à
liderança norte-americana estavam surgindo. Ao largo da disputa intersistêmica da
Guerra Fria
3
, os latino-americanos começavam a experimentar novas situações no
campo da política e da economia. Nações como o Brasil, a Argentina e o México se
industrializavam, enquanto outras buscavam novas alternativas políticas, em busca
de um maior desenvolvimento social.
Esperava-se, pelo menos por parte de alguns desses países, que o
relacionamento de boa vizinhança com os Estados Unidos fosse mantido, visando
dar vazão justamente a um período de avanço democrático e social na América
Latina.
4
Porém, os estadunidenses estavam envoltos pelos desafios anteriormente
citados, o de construir um sistema internacional à sua imagem e semelhança e, ao
mesmo tempo afastar a possibilidade da hegemonia soviética. É a partir desse
momento, início dos anos 1950, que ocorre um distanciamento entre os interesses
de alguns países latinos e estadunidenses.
As reações geradas a partir deste fato foram as mais diversas, mas uma das
mais destacadas foi àquela ocorrida na ilha de Cuba, a partir da segunda metade da
mesma cada. Lá, um grupo de rebeldes que começou apenas desafiando os
princípios da sociedade em que viviam, acabariam entrando em choque com a
superpotência de sua época. Essa história foi contada muitas vezes, sob
perspectivas bastante diferentes.
5
Mas, como toda vez que se realiza uma retomada
ao passado, sempre há uma nova abordagem possível.
É aqui que a diplomacia norte-americana e a Revolução Cubana se cruzam,
que o instrumento inicial dos Estados Unidos para compreender o que acontecia,
e tomar as medidas consideradas cabíveis, se deram via processo diplomático. A
3
HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2003.
4
Ver PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: UFRGS
editora.2003.
5
Ver GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. BANDEIRA, Luiz
Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1998.
10
constituição da percepção do governo estadunidense sobre a nova situação da
política cubana foi sobretudo construída através do trabalho e da visão de mundo
dos representantes que o governo norte-americano envolveu na questão.
Dessa forma, o propósito desta dissertação consiste em analisar o processo
diplomático estadunidense na gênese da Revolução Cubana. Aqui, a tarefa do
diplomata extrapolou os deveres de representar e mediar, pois a necessidade de
contornar uma situação nova e colocá-la no contexto da Guerra Fria exigia que os
representantes estadunidenses fossem praticamente os intermediários da criação de
uma nova realidade na pequena ilha. A percepção de mundo operada por eles
naquele momento, bem como, o processo decisório fruto dessa interpretação,
tiveram um grande impacto na história latino-americana dos últimos 50 anos.
Por isso, a retomada e a compreensão dos postulados que nortearam a
política externa dos Estados Unidos para Cuba naquele momento é algo valioso
para a historiografia. Esse período, entre 1958 e 1960, que foi quando se deu a
consolidação do regime castrista no poder, é geralmente esquecido diante da
Guerra Hispano-americana, da Emenda Platt, da Crise dos Mísseis ou de outros
episódios mais recentes envolvendo a complexa relação entre os dois países.
6
E
geralmente, quando se abordam os clássicos sobre a Revolução
7
, se dá muita
importância para uma interpretação com o enfoque na conjuntura política cubana e
não no processo decisório da diplomacia estadunidense.
E o caso, por exemplo, de Moniz Bandeira e Richard Gott, que se utilizam da
documentação americana, mas o foco não está na interpretação das ações políticas
e diplomáticas dos Estados Unidos. Este trabalho estabelece duas distinções em
relação às duas obras anteriormente citadas. A primeira, é que a análise es
concentrada na diplomacia americana, tendo como aspecto conjuntural a revolução
cubana, sendo que a proposta aqui desenvolvida poderia ter sido aplicada para
outros países com quem os Estados Unidos mantêm relações diplomáticas, como
também para outros períodos históricos da política externa estadunidense.
A segunda diferença é que a documentação diplomática o é um
complemento da análise, mas sim, o ponto central sob o qual a dissertação está
6
Existem os exemplos recentes da polêmica em torno da devolução do menino Elián González para Cuba e a
crise gerada pelos boatos relativos a doença de Fidel.
7
Op. Cit, nota número 5.
11
assentada. Isso é possível graças à qualidade do acervo disponível e da
documentação selecionada através da coleção Foreign Relations of the United
States (FRUS). Alguns volumes desta coleção foram adquiridos em um estágio de
pesquisa realizado na universidade de Wisconsin, em 2004, entre eles, o volume
relativo à Cuba no período aqui analisado.
Trabalhar com esta presente coleção se constitui em uma vantagem, pois os
principais documentos sobre o tema estão concentrados num mesmo lugar e não
dispersos como nas salas eletrônicas de leitura do Freedom of information act
8
disponíveis na internet. Se o próprio FOIA é fruto de uma luta intensa dos
historiadores estadunidenses pela divulgação de informação, a constituição da
FRUS é um processo que leva a pesquisa a um nível superior. Nela, historiadores
catalogam e selecionam o que de mais relevante aparece na documentação
liberada, visando dar ao pesquisador uma base documental onde ele pode
desenvolver suas próprias pesquisas, embora exista um certo prejuízo devido a pré-
seleção realizada,
De acordo com William Zlany, historiador responsável pela organização deste
volume, o objetivo era compreender os esforços da diplomacia estadunidense em
Cuba na tarefa de analisar as motivações de Castro antes e depois da Revolução. A
outra meta consistia em analisar a formulação política em Washington no caso
cubano. A coleção traz mais vantagens, além de condensar a documentação de
diversas agências em um mesmo volume. Ela possui notas explicativas sobre
documentação adicional disponível em outras coleções, e também tem uma lista
completa com biografias das pessoas citadas no período e uma coletânea de siglas
e jargões. Tudo isso representa um acréscimo importante em relação ao que está
disponível na internet.
Por tudo isso, ela constitui uma ferramenta essencial dos historiadores
estadunidenses na constituição de suas pesquisas.
9
No Brasil, dada a dificuldade de
aquisição, ela ainda não se constituiu em um meio usual para os trabalhos sobre
história dos Estados Unidos. O portal das agências que liberam material FOIA ainda
8
FOIA.
9
Ver GADDIS, John Lewis. The Cold War: a new history. New York: Penguin Press, 2005. IMMERMANN,
Richard H (org). John Foster and the Diplomacy of the Cold War. New Jersey: Princeton University Press, 1990.
12
tem sido a principal fonte , que não exige que o pesquisador até a América do
Norte para buscar a documentação. Contudo, o FOIA, mesmo sendo acessível,
torna-se menos completo, dadas as limitações anteriormente citadas.
Mas o corpus documental precisa ser agregado de outras fontes e debates,
que tornem exeqüível a tarefa de compreender a política externa estadunidense e
quais eram os princípios que norteavam os diplomatas americanos naquele
momento e os conduziam à tomada de decisões. Era corrente no Departamento de
Estado a seguinte frase na geração de diplomatas do começo da Guerra Fria:
“Se querem saber de onde viemos, se lembrem de Elihu Root e Henry Stimson.”
10
Olhando para os escritos desses diplomatas, pode-se perceber que os
debates que eles trouxeram refletiam com precisão as preocupações de uma nova
era para a diplomacia estadunidense. Root destacava que a tarefa de construir uma
política externa coerente em uma democracia era bastante árdua, e demandava
esforços contínuos do governo para que as decisões no exterior de alguma forma
refletissem o anseio interno. Ele apontava para uma diplomacia pública, fruto da
educação em massa e da constituição de uma imprensa livre, mesmo que essa
imprensa, às vezes, tivesse um papel “irresponsável” na interpretação dos eventos
internacionais.
Henry Stimson reforçava, ao final dos anos 40, a mesma mensagem que Root
havia passado no começo do século, que era a tarefa de constituir uma política
externa que representasse um equilíbrio entre a experiência democrática
estadunidense e as novas necessidades do mundo pós-guerra. Stimson alertava
também para que os soviéticos o fossem “demonizados”, mesmo com o fato de
que a relação entre os dois países estivesse em um período de tensão considerável.
Traçando um paralelo entre os dois, existia um ensinamento que fazia muito
sentido para os diplomatas estadunidenses dos anos 1950. Consistia na
compreensão de que os Estados Unidos não mais poderiam recuar de seu papel de
10
ISAACSON, Walter. THOMAS, Evan. The Wise Men: six friends and the world they
made. New York: Toutchstone, 1988. P. 180.
13
protagonista do sistema internacional, e de que era chegada a hora de a nação
norte-americana tomar para si a tarefa de “ordenar o mundo” à imagem e
semelhança de seu próprio país. Era chegada a hora de romper plenamente com o
legado isolacionista
11
e trazer para si a tarefa de reordenação do sistema, como
comenta o próprio Stimson:
“Primeiro, e o mais importante, os americanos precisam agora entender que os Estados Unidos
se tornaram, para o bem ou para o mal, um membro totalmente comprometido com a
comunidade internacional. Isto não aconteceu como uma escolha consciente, mas como um
fato dado, e a nossa única escolha é enfrentar isso ou não. Por mais de uma geração, a
crescente correlação da vida americana com a vida mundial ultrapassou o nosso pensamento e
a nossa política; a nossa recusa em ver a realidade durante esses últimos anos foi uma das
principais causas da nossa considerável parcela de responsabilidade pela catástrofe da Segunda
Guerra.”
12
Diante do desafio de reconstruir a Europa, de se construir uma efetiva política
de contenção para as pretensões hegemônicas da União Soviética, a tarefa mais
trabalhosa era a de se adaptar a um mundo onde voltar para casa não era uma
alternativa. Foi um trabalho árduo, realizado por diversas presidências e executado
pelo grupo de diplomatas que aqui estudamos, a de mostrar para os norte-
americanos que a participação estadunidense no cenário mundial era necessária em
um momento de crise. A partir da compreensão desse sentido de “missão e dever”, é
que se pôde perceber a natureza da ação diplomática americana na Guerra Fria.
Tal sentido está, não somente ligado com a retórica de Root e Stimson, mas
remete também a origens muito semelhantes na vida desses diplomatas. Hoje em
dia, o Departamento de Estado é representado por um amplo espectro de pessoas,
sejam de etnias diferentes, bem como oriundos de estados de todas as regiões dos
Estados Unidos. nos anos 1950, a diplomacia ainda era uma função
eminentemente exercida pelos filhos das famílias mais abastadas da costa leste, ou,
11
O isolacionismo se constituiu como uma força importante na constituição da política externa estadunidense.
Ele parte da premissa que, os Estados Unidos, como uma nação de “valores superiores” deveria ficar de fora de
maiores engajamentos no cenário internacional, visto como um ambiente “vil.” Esse sentimento se manifesta
diversas vezes e de diferentes formas ao longo da História política dos Estados Unidos.
12
HOGE, James F. ZAKARIA, Fareed. The American Encounter: the United States and the Making of the
Modern World. New York: Basic Books, 1997. P. 144.
14
por filhos de diplomatas de carreira, ou ,também, por pessoas que na sua infância
viveram em muitos países acompanhando as respectivas carreiras de seus pais.
13
A maioria dos diplomatas de carreira foram criados nas escolas tradicionais
do leste americano, como Groton e Saint Albans. Essas escolas, por sua vez,
tentavam emular as escolas britânicas de Eton e Harrow, criadoras da elite colonial
inglesa que controlou o mundo do século XIX. Esses locais de ensino
estadunidenses tinham como hábito, no começo do culo, trazer muitos
professores ingleses para ministrar as mais diversas disciplinas. Eles enfatizavam a
mensagem da união anglo-americana, e dos Estados Unidos como uma experiência
nova em relação àquilo que a Inglaterra havia sido.
De acordo com Walter Isaacson, esse ideal britânico colaborou bastante para
a formação intelectual dos quadros da diplomacia americana dos anos 1930 a
1950.
14
O resultado disso seria a formação de um pensamento de política externa
tipicamente americano, mas que via na Grã-Bretanha uma espécie de baliza, ou, por
assim dizer, um tipo ideal. Retomar as origens desses diplomatas, embora não fosse
o foco desta análise, se constituiu em um passo prévio importante para o
entendimento de seus princípios e valores e, até mesmo surpreendentemente,
encontrar maiores semelhanças em sua origem do que inicialmente se poderia ter
imaginado.
Outro ponto vital para o desenvolvimento dessa pesquisa foi a leitura dos
teóricos da política externa norte-americana. Impressiona a verdadeira plêiade de
autores
15
que trabalham com essa temática, defendendo posições tão diversas e ao
mesmo tempo tão ricas e fascinantes. Porém, foi necessário selecionar alguns
autores que se adequassem melhor à proposta de análise aqui inserida, bem como
que o debate entre esses autores não deixasse o conteúdo histórico disperso.
Assim, se estabeleceu uma metodologia. O debate principal sobre modos de
ação da diplomacia estadunidense ficou por conta de Henry Kissinger e Walter
Russell Mead. A eterna predileção de Kissinger pelo universo do Congresso de
13
Ver ISAACSON, Walter. THOMAS, Evan. The Wise Men: six friends and the world they made. New York:
Toutchstone, 1988.Cap 1.
14
Idem.
15
Ver Niall Ferguson, Cristina Pecequilo, John Lewis Gaddis, Timothy Garton Ash, em suas diferentes obras
produzidas.
15
Viena e o modo de como ele relaciona esse mundo com uma dicotomia entre valores
e necessidades, faz dele uma referência importante nesta pesquisa.
A partir dessa opção por Kissinger, foi necessário encontrar um autor que
estabelecesse um contraponto a este acadêmico. Nessa direção, Russell Mead
constitui a defesa de um modelo de inserção internacional “tipicamente
estadunidense”, renegando o ideal de Kissinger, aquilo que ele chama de “realismo
continental”.
16
Outro ponto bastante forte da obra de Mead é a definição que ele
realiza das escolas de pensamento da diplomacia norte-americana.
O autor levou bem adiante algo que Bernard Henri-Levy apenas sugere em
suas palestras e em seu livro “American Vertigo”.
17
O resultado foi a sua definição de
quatro escolas da diplomacia americana, que recebem o nome de quatro
personalidades ilustres daquele país: Hamiltoniana, Jeffersoniana, Wilsoniana e
Jacksoniana. A tipificação realizada por Russell Mead colabora com a tarefa de
interpretar o pensamento dos diplomatas, bem como entender as linhas de ação e
debate no processo decisório de política externa.
É necessário fazer duas ressalvas, porque em sua obra às vezes Mead
possui um tom excessivamente ufanista, mas isso não impede a sua utilização de
uma forma mais abrangente. Também alguém poderia pensar que tal divisão
estanque não corresponderia à realidade, ou seria um exercício intelectual
demasiado simplista por parte do autor. O próprio Mead explica e elucida seu ponto
de vista:
“Tal como as vejo, as quatro escolas são entidades definidas e distintas, mas que mudam com o
tempo. Elas se mesclam e se confundem e, o que é o mais importante, fazem parte da história
política e não da história das idéias. Elas representam movimentos e conjugações de interesses
e de pontos de vista, e não princípios abstratos. São igrejas, e não credos.”
18
Mead percebe a divisão das escolas como apenas um instrumento que possa
facilitar a interpretação dos rumos da diplomacia estadunidense. E é importante
destacar novamente que não é uma divisão rígida, mas sim que se adapta caso a
16
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. Cap 2.
17
LÉVY, Bernard-Henri. American Vertigo. New York: Random House, 2007.
18
Op cit. P.137.
16
caso, e que também as idéias das escolas se fundem várias vezes, como é possível
perceber no presente caso da Revolução Cubana. Portanto, pelo contraditório em
relação a Kissinger e também pela questão das escolas, este intelectual se
constituiu como parte do referencial teórico dessa dissertação.
Além de Mead e Kissinger, utilizou-se também Niall Ferguson, que trabalha
em uma linha muito semelhante a de Kissinger, que se estabelece uma dicotomia
entre “moral” e “realismo” na diplomacia. Cristina Pecequilo
19
também é peça
fundamental para a realização da interface entre pensamento estadunidense e a
política externa para a América Latina, colaborando para o entendimento do
desgaste da relação entre os Estados Unidos e os países latino-americanos, no
contexto da Guerra Fria.
John Lewis Gaddis
20
foi referência na pesquisa pelo seu trabalho sobre a
Guerra Fria. Por fim, os nomes de Abraham Holtzman
21
, Kenneth Waltz
22
e Hans
Morgenthau
23
foram de grande importância para uma maior compreensão do
sistema internacional e do funcionamento do Departamento de Estado. Como aqui
está uma análise não só do processo decisório da diplomacia americana, mas
também da percepção estadunidense de Cuba, uma outra gama de autores que
analisam o imaginário estadunidense para a América Latina se fizeram presentes.
São eles João Feres Júnior
24
e Frederik Pike
25
que, mesmo tratando de assuntos
diferentes, possuem o mesmo foco, que são estereótipos estadunidenses sobre os
latino-americanos.
19
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: UFRGS editora, 2003.
20
. GADDIS, John Lewis. The Cold War: a new history. New York: Penguin Press, 2005
21
. MONSMA, Stephen V. VAN DER SILK, Jack R. (orgs). American politics: research and readings. New
York: Holt, Rinehart and Winston inc., 1970. Cap 10.
22
. WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: gradiva editora, 2002.
23
MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo: Editora UnB,
2003.
24
JÚNIOR, João Feres. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC editora,
2005.
25
PIKE, Fredrick. The United States and America Latina: myths and stereotypes of civilization and nature.
Austin: University of Texas Press, 1992.
17
Quanto à estrutura do trabalho, optou-se por uma divisão temporal,
analisando ano a ano, como a melhor alternativa para evidenciar rupturas,
permanências e retornos nos padrões da política externa estadunidense para Cuba.
E, dentro de cada ano, se abre uma janela de análise de algum aspecto que
remonta ao processo decisório ou à percepção da diplomacia estadunidense sobre a
questão cubana em particular, associada aos estereótipos sobre “os latinos”, em
geral.
No primeiro capítulo ,aborda-se inicialmente a dúvida entre intervir ou não
intervir em Cuba, durante a queda de Batista e de como esse dilema traz à tona a
citada dicotomia entre “moralidade” e “realismo”. Na segunda parte, trabalha-se com
a percepção da diplomacia estadunidense sobre os últimos dias de Batista, tendo
como foco episódios de tensão entre os rebeldes cubanos e cidadãos norte-
americanos.
No segundo capítulo, trata-se dos episódios ocorridos nos primeiros nove
meses do ano de 1959. O objetivo principal é analisar a passagem de Cuba de um
estado aliado, sob Batista, para um estado inimigo, agora sob o comando de Fidel.
Uma espécie de período de transição, geralmente renegada pela historiografia
clássica do período, como Moniz Bandeira
26
e Richard Gott.
27
Na primeira parte, o
olhar se direciona para as tentativas do Departamento de Estado de trazer Fidel para
o lado americano, bem como, dos métodos empregados para comprovar para a
cúpula de Washington se o governo cubano estava ligado ao comunismo
internacional ou não. Na segunda parte, o foco está centrado no processo de quebra
definitiva das possibilidades de entendimento entre a Cuba revolucionária e os
Estados Unidos.
No capítulo final, que trata do ano de 1960, optou-se por três partes, dado o
volume e a qualidade do material relativo a este ano. No primeiro momento, se
aborda como as lideranças em Washington estabeleceram o planejamento para a
derrubada do regime cubano; ,na segunda seção, analisam-se as medidas
tomadas em conjunto pelo Departamento de Estado e a CIA para a efetivação da
26
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
27
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
18
remoção de Castro. Na terceira parte, é trabalhada a impressão da diplomacia
estadunidense sobre a aproximação de Cuba com a União Soviética, e a reação dos
norte-americanos diante da possibilidade do surgimento de um “satélite comunista” a
alguns quilômetros de Miami.
Por último, mas o menos importante, é essencial lembrar que todo
pesquisador é movido por algo que o conduz ao seu tema de pesquisa. A motivação,
neste caso, surgiu do anseio de entender um pouco sobre as forças que compõem o
mundo em que vivemos. Cada temática trabalhada nas ciências humanas é uma
pequena janela que se abre em direção a essa possibilidade de entender o nosso
próprio mundo. Trabalhar com um outro país, entendendo a sua cultura, costumes e
tradições foi o desafio que conduziu à realização deste trabalho.
Analisar a polêmica atuação estadunidense no mundo foi certamente outro
fator decisivo na escolha do tema. Parece sempre surpreendente como apenas um
país consegue gerar tanto ódio e, ao mesmo tempo, tanta admiração. Diante das
múltiplas janelas à disposição, escolher abrir a das relações internacionais, e por
conseguinte, a dos Estados Unidos da América, são as que satisfazem o anseio de
um pesquisador para colaborar, mesmo sendo apenas um grão de areia em uma
vasta praia, com a compreensão do mundo em que vivemos e para o entendimento
das reais dimensões da palavra poder.
19
1.Cuba Aliada.
1.1A não intervenção.
Henry Kissinger certa vez afirmou que o paradigma das Relações
Internacionais não está centrado em justiça e legitimidade, mas sim em
equilíbrio e poder.
28
Os Estados Unidos mantiveram esses dois fatores muito
bem balanceados desde os tempos da Doutrina Monroe na América Latina. O
resultado disso é que os estadunidenses conseguiram com êxito transformar
todo continente americano na sua esfera de influência mais segura e estável.
Através do uso do poder, em doses e formas bastante diferenciadas,
foi possível criar um equilíbrio muito favorável aos objetivos diplomáticos
estabelecidos pelo Departamento de Estado. Dentro deste cenário positivo, a
ilha de Cuba se constituía em um exemplo bem acabado de como os
americanos exerciam seu poder na América Latina.
os americanos se estabeleceram com um duplo propósito: controlar
as vastas plantações de cana de açúcar e a posteriori um agradável refúgio
tropical. Mesmo com a atribulada vida política da ilha, marcada por revoltas e
conflitos quase que permanentes, a diplomacia americana sempre foi capaz
de manter a sua primazia na área, garantindo a manutenção da sua posição
de hegemonia na região.
Quando Fidel desembarcou com seus homens, em 1956, e montou
uma guerrilha em Sierra Maestra para derrubar o governo do ditador
Fulgêncio Batista, isso não representava uma novidade ou algo preocupante
para o Departamento de Estado. Afinal de contas, era somente mais um
momento atribulado de uma ilha atribulada e, não importando o resultado,
alguma negociação seria possível para a continuidade do bem estar dos
interesses americanos na ilha.
Diante dessas perspectivas é que a partir de 1958 o governo dos
Estados Unidos começava a delinear novas políticas e interesses, visando a
28
DALLEK, Robert. Nixon and Kissinger. New York: Haper Collins, 2007. P.80.
20
permanência do staus quo do momento. O movimento de Castro crescia
bastante, mas a inaptidão de Batista em combater o movimento não
preocupava muito a Casa Branca. Como comenta Richard Gott:
“Os americanos acreditavam que tinham muito pouco a temer de uma vitória de
Castro, que esta seria certamente seguida pela anarquia e pela luta política como
ocorreu na revolução de 1933. Pouco na história cubana sugeria que uma vitória de
Castro seria seguida de meio século de estabilidade.”
29
Contudo, existia um dilema que assolava o executivo estadunidense de
modo geral. Ajudar militarmente Batista, como se estava fazendo até então?
Ou buscar novos rumos democráticos para Cuba? A administração
Eisenhower estava bastante desgastada na América Latina naquele
momento, principalmente por causa do conhecido “descaso” do país em
relação aos problemas econômicos e sociais ao sul do continente.
30
A
situação se tornava ainda mais deteriorada em função do golpe na Guatemala
em 1954 (ocorrido com ajuda americana) e com a adoção de um receituário
liberal, que ia de encontro aos governos mais nacionalistas das Américas.
Este fator era potencializado pela influência da imprensa liberal norte-
americana, por quem Batista era visto como um ditador opressor de seu povo
e uma vergonha para os Estados Unidos, que deveriam ser os primeiros a
defender a democracia em qualquer instância. Reportagens do New York
Times e do Washington Post exigindo medidas contra Batista irritavam o
governo. Essa querela governo imprensa está retratada na conversa entre
um diplomata americano e o repórter do Times, Herbert Mattews:
“O senhor Mattews disse que era uma “vergonha” que a nossa política tivesse como
resultado o rótulo de pró-Batista. Eu novamente reiterei que a nossa política, se
29
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. P. 164.
30
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: UFRGS editora, 2003.
P.215
21
apresentada corretamente ao povo cubano, não poderia ser considerada como
favorável ao regime de Batista.
31
Diante da pressão
32
vinda da imprensa e do Congresso, o governo se
na obrigação de iniciar um processo de transição democrática em Cuba.
Para isso, o instrumento de pressão utilizado contra Batista é o encerramento
dos envios de armas do programa de Assistência Mútua para os aliados
ocidentais. Em janeiro de 1958 havia o pedido por 100.000 cartuchos de
munição para a marinha, 10.000 granadas de mão e 3.000 balas de canhão
de 75 mm.
33
Existiam ainda outros pedidos pendentes como tanques e aviões,
equipamentos que os americanos sempre se demonstraram bastante
relutantes em entregar com a devida rapidez para a América Latina nesta fase
da Guerra Fria. Em 17 de janeiro, Roy Rubottom, chefe do setor de assuntos
inter-americanos do Departamento de Estado, resolve adotar
temporariamente o embargo de armas para Cuba, como forma de pressionar
Batista para a realização de eleições. Em um memorando para John Foster
Dulles, ele explica as motivações do ato:
“Ao considerar este problema uma série de fatores foram pesados. O ARA acredita
que não existe alternativa ao lidar com o presente governo constituído em Cuba, não
importando quanto nós desaprovamos certos atos desse regime. Os investimentos
americanos em Cuba estão estimados em US$ 774 milhões e existem
aproximadamente 5.000 americanos vivendo naquele país.”
Rubottom prossegue:
31
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P 79. “Mr. Mattews
said it was a ‘shame’ that our policy should result in being branded pro-Batista. I again reiterated that our policy,
if presented accurately to the cuban people, could not be constructed as favoring the Batista regime.”
32
No segundo mandato de Eisenhower havia uma enorme pressão daquilo que os republicanos chamavam de
“imprensa liberal”, como o New York Times e a revista Time. Existiria uma espécie de “agendamento” com
notícias que mostrassem uma inferioridade americana na Guerra Fria, o que poderia ajudar os democratas em
1960, na ótica republicana.
33
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.6.
22
“Além do mais, nós acreditamos que se trabalharmos com o presente regime,
enquanto mantemos uma rédea curta nas nossas manifestações de cooperação com ele,
nós teremos a melhor chance de encorajar eleições aceitáveis e transferir de forma
ordeira o governo para o sucessor de Batista.”
34
No mesmo dia, o embaixador em Cuba, Earl Smith, recebe as
instruções vindas do ARA, onde William Wieland
35
informa que uma remessa
de carros blindados está cancelada até que Batista efetive novamente as
garantias constitucionais e crie um clima favorável às eleições até primeiro de
junho de 1958. Essa solução intermediária agradava inicialmente tanto a
opinião pública americana como a bancada democrata do Congresso.
A pressão parecia estar também realizando efeitos sobre o governo
cubano. O encontro ocorrido em fevereiro entre Batista e Smith mostrava que
o ditador estaria bem comprometido com eleições em primeiro de junho, e
que até mesmo aceitaria observadores da ONU e a OEA para a provável
eleição. De acordo com a versão do embaixador, eram os rebeldes de Castro
e não ele que estriam “sabotando” o retorno para democracia.
36
Ao fim de fevereiro de 1958, acontece um momento paradigmático para
o entendimento do processo decisório da diplomacia americana. Smith
escreve para o Departamento de Estado finalmente se referindo ao chamado
princípio de não intervenção. Diante da dificuldade na realização de “eleições
honestas”, da descrença da oposição e da “falta de uma liderança forte”, à
exceção de Castro, o embaixador se encontrava muito pessimista. E afirmava
34
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.9. ARA é a sigla
para Bureau of inter-american affairs. “In considering this problem a number of factors have been weighted.
ARA believes that there is no alternative to dealing with the presently constituted governmenment in Cuba,
however much we may disapprove of certain acts of that regime. American investments in Cuba ammount to
$774 million and there are some 5.000 americans residing in the country…Futhermore we believe that if we
work with the present regime, while holding a tight rein on the mafinestations of cooperation with it, we stand
the best chance of encouraging acceptable elections and an orderly transfer of the government to a sucessor to
Batista. ”
35
Willam Wieland foi diretor do Escritório para assuntos da América Central até setembro de 1958; também foi
diretor do Escritório para Assuntos Caribenhos e Mexicanos, de setembro de 1958 até outubro de 60.
36
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 28.
23
que em virtude desse princípio os americanos não possuíam muitas
alternativas à mão.
37
É interessante perceber que esse tipo de atitude não é algo normal
para esse cenário. Nós temos um governo amigo, em plena Guerra Fria,
sendo ameaçado por forças de caráter político bastante duvidoso aos olhos
americanos. Tal soma de fatores, associado ao fato de ser um evento na
esfera de influência consagrada dos Estados Unidos, a não intervenção
deveria dar lugar ao retorno do clássico padrão intervencionista, que sempre
marcou a atuação da política externa estadunidense na América Latina.
A reação poderia não se dar via intervenção direta, mas sim com apoio
militar constante dado pelos programas de venda de armamentos, como
estava sendo feito ajaneiro de 1958. Agora, o embargo lico não se
mais sob a justificativa das eleições, mas sim sob a justificativa de que Cuba
vive um momento de crise. E que era o dever dos Estados Unidos, seguir os
tratados assinados e não intervir nos assuntos internos da Cuba. Isso
significava uma quebra no padrão tradicional, onde tratados eram quebrados
em nome das necessidades conjunturais norte-americanas.
A partir de março os rebeldes começam a realizar mais greves e
ataques contra o governo cubano, como comenta Richard Gott:
“A data da greve geral foi marcada para 9 de abril e as preparações foram feitas no
mês anterior, com bombas explodindo em Havana, para preparar a população, criando
um clima de caos incipiente. O movimento deu um golpe importante na spera de
uma importante corrida de carros em Havana ao seqüestrar Juan Manuel Fangio, o
campeão mundial de formula um, da Argentina. E depois o soltou com uma enxurrada
de publicidade.”
38
Em resposta, Smith escreve para Washington dizendo que “a situação
em Cuba é tal que pode resultar na queda de Batista antes das
eleições.”
39
Em meio à crise, o embaixador conversou com o ditador que teria
37
Idem. P. 37.
38
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. P. 162,163.
39
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P 48.
24
afirmado novamente que iria fazer eleições honestas e que a imprensa
mundial iria observar todo o evento.
40
Em resposta aos apelos de Smith,
Foster Dulles pede para que “um clima favorável seja criado para as
eleições”
41
, mas destaca que não poderia existir nenhuma intervenção
americana.
Novamente conversando com Guell
42
, em 12 de março, Smith pareceu
ter entendido a mensagem que do Secretário de Estado, afirmando que:
“A política externa norte-americana é de estrita não intervenção, e nós vamos
continuar a aderir a essa política.”
43
“O governo dos EUA não vai intervir ou injetar a si mesmo nos assuntos de Cuba.
44
I
Isso significava que, a princípio, Batista está sozinho na luta contra
Castro. Para o próprio Smith, que possuía uma grande amizade com o
ditador, não deve ter sido muito agradável dar tais noticias, em um momento
onde Castro ganhava muita força no plano interno da política cubana.
45
Para
fazer algumas reflexões com o embaixador, o sub secretário de Estado,
Christian Herter, escreve para Earl Smith:
“O seu tel. Levanta sérias dúvidas no Depart. se o regime de Batista pode sobreviver.
Os EUA verdadeiramente não desejam intervir nos assuntos internos cubanos, acredito
que o relacionamento especial dos EUA com Cuba requer que nós procuremos todos
os meios possíveis
para usar a nossa influência construtiva com o governo
e a oposição para encontrar uma solução pacífica para o problema.”
46
40
Op. Cit.. P. 50.
41
Op. Cit.. P. 51.
42
Ministro das Relações Exteriores de Cuba.
43
Op. Cit. P. 53.”US Foreign policy is one of strict non-intervention and we will continue to adhere to that
policy.”
44
Idem. P.54. “US Government will not intervene or inject itself in affairs of Cuba.”
45
Ver BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998..
46
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 56. “Your tel
raises seriuos doubts in Dept. Whether Batista regime can survive.
While true that US does not desire intervene
25
O telegrama de Herter ajuda a evidenciar um dos pontos da não
intervenção, o “relacionamento especial” com Cuba. Apesar da ilha não ser
nenhuma potência do sistema inter-americano, pela sua proximidade
geográfica com os Estados Unidos ocupava um lugar muito importante como
centro de lazer e turismo. Cuba representava uma das imagens favoritas dos
anglo-saxônicos, o idílio do paraíso tropical, onde se esquece da vida urbana,
e se assume uma vida livre e sem regras.
47
Além desse aspecto do imaginário, Cuba era responsável por grande
parte do açúcar fornecido aos Estados Unidos, bem como era o segundo
maior fornecedor de quel do ocidente, atrás apenas do Canadá. Todos
esses fatores somados, colaboram para explicar o porquê de Herter se referir
a um pretenso “relacionamento especial” no caso Cubano. Mas esse
relacionamento especial não justifica plenamente a não intervenção.
Antes do debate sobre as motivações desse antiintervencionismo ser
aprofundado, é salutar mostrar sobre que bases ele se apresenta no discurso
diplomático norte-americano. O embaixador Smith escreve para Washington
retratando as possibilidades de pacificação entre governo e rebeldes em
Cuba. Nos dois últimos parágrafos, ele faz uma inferência bastante
interessante sobre as possibilidades americanas:
“Os EUA serão culpados, mesmo que injustamente, caso Batista
sobreviva ou caia ( a não ser que a Igreja tome os devidos passos para
nos livrar dessa responsabilidade)....E podemos continuar fazendo isso
sem dar a nenhum lado a oportunidade de nos acusar de intervenção.”
48
Cuban internal affairs, believe US special relationship to Cuba requires that we seek by every means possible use
our constructive influence with government and Opposition to help find peaceful solution to problem.”
47
Ver GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.
48
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 62. “US will be
blamed, even though unjustly, whether Batista survives or whether Batista falls (unless Church should again take
steps to relive us of such responsibility). ”
26
Smith manda uma mensagem dúbia neste memorando. Pois ao afirmar
que os Estados Unidos serão acusados de qualquer forma, é uma crítica
velada às tentativas do Departamento de Estado de manter uma boa imagem
da atuação americana neste episódio. O “fazendo isso” da citação, remete ao
desejo que Smith possuía de que o governo americano voltasse a ajudar
Batista, dando a entender que isso seria possível, sem dar uma aparentar ser
uma política intervencionista. O embaixador apelava com este argumento
para que o foco volte a ser poder e equilíbrio e não justiça e legitimidade.
Contudo, as mensagens de Smith merecem uma análise mais atenta,
pois ele tem relações muito próximas com o grupo de Batista e até mesmo
com o próprio. Por isso, ele se postava cada vez mais contra a política de não
intervenção dos Estados Unidos, que ele percebia como o passo decisivo
para o fim de Batista. Então, é importante destacar que o pensamento do
embaixador não era fruto de uma crença num pretenso Realismo, mas sim
resultado de suas preferências pessoais, como afirmou Moniz Bandeira.
49
Contudo, apesar dos gostos do seu embaixador, o Departamento de
Estado reforçava a política de não intervenção e do embargo de armas para
Cuba como peça principal dessa política. William Snow
50
explica para o
Secretário Dulles o porque de continuar a presente política:
“O ARA considera que o envio continuado de armas de combate para Cuba neste
momento deve trazer críticas severas de ambas as casas do Congresso, que atualmente
estão considerando uma extensão do Programa de Segurança Mútua, e que por sua vez
pode também aumentar o banho de sangue em Cuba. Resultando em críticas adversas
da imprensa e do público, tanto em Cuba como nos EUA.”
51
Snow prossegue:
49
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Mar a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.P. 51.
50
Secretário Assistente de Estado para assuntos inter-americanos até novembro de 1959.
51
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 67. “ARA
considers that the continued shipment of combat arms to Cuba at this time would bring sharp criticism from both
houses of Congress which presently are considering an extension of the Mutual Security Program and might
increase bloodshed in Cuba resulting in adverse criticism from both the US and Cuban public and press.”
27
“A sua aprovação da decisão do Ara, feita após consulta com outros interessados no
Departamento e no Departamento de Defesa, que novos envios de armas à Cuba não
serão autorizados até que as condições cubanas melhorem ao ponto onde as armas
fornecidas serão exclusivamente utilizadas para defesa do hemisfério e não para
assuntos internos.”
52
Esse memorando de Snow mostra bem a determinação com que a
presente política vinha sendo encaminhada. Interessante perceber que essa é
uma decisão conjunta entre os Departamentos de Estado e Defesa, ou seja,
até mesmo o núcleo de uma linha mais intervencionista, que seriam os
militares, estão garantindo o seu apoio inicial à não intervenção e ao embargo
de armas.
Também é interessante notar que neste instante as decisões sobre
Cuba ainda estão eminentemente centradas no Departamento de Estado,
com a Casa Branca aparecendo muito pouco e também com uma pequena
participação dos Chefes do Estado Maior Conjunto.
53
O processo decisório
ainda está centrado na figura do ARA, que elabora e decide sobre a o foco da
política americana para Cuba, que é a não intervenção.
Tal política não se sustentava sem uma certa dose de questionamento.
Mesmo com a sua aplicação em curso desde o começo do ano, ainda
existiam alguns instantes de dúvida, como mostra esse memorando de
Dulles:
“O Departamento tem considerado a possibilidade de que a sua ação poderia ter um
efeito psicológico adverso sobre o governo cubano, e com isso poderia contribuir ou
acelerar uma eventual queda de Batista, mesmo que isso não fosse intencional. Por
outro lado, o envio de armas americanas iria provavelmente chamar ressentimento
ainda mais fortes contra os EUA e associar isso com os métodos de força de
Batista...”
54
52
Idem. “Your approval is requested of ARA’s decision, made after consultation with other consultation with
other interested offices of the Department and the Department of Defense, that further shipments of combat arms
to Cuba not be authorized until cuban conditions improve to the point where arms furnished will be debendably
used for hemisphere defense and not internal strife.”
53
Joint Chiefs of Staff.
54
Op Cit. p. 71. “Department has considered possibility its action could have adverse psychocological effect
GOC and could unintentionally contribute to or accelerate eventual Batista downfall. On the other hand,
28
Dulles destacou neste memorando que um eventual apoio ao governo
cubano poderia atrapalhar os programas de ajuda militar na América Latina,
bem como aumentar a pressão do Congresso e ser um convite aos rebeldes
para que atacassem as propriedades norte-americanas. Nesse ponto,
estava claro que Batista estava praticamente abandonado à própria sorte pela
diplomacia estadunidense, porque ele não era mais uma alternativa viável
para a manutenção dos interesses americanos na ilha. Mesmo que ele fosse
a saída mais fácil para afastar o comunismo de Cuba, colaborando com a
permanência de um equilíbrio favorável aos estadunidenses na região do
Caribe.
O Secretário, reiteradas vezes as mesmas ordens para Smith, que
são transmitir para Batista e Guell que a política americana não seria alterada,
e que o governo teria de resolver seus problemas com seus próprios meios.
Smith reespondia para Dulles, afirmando que Castro sim seria o real ditador, e
não Batista, que desejaria a democracia.
55
Em carta para o Secretário, o embaixador faz outra de suas críticas
veladas a postura do Departamento:
“O objetivo e a esperança dessa embaixada é por uma solução pacífica, a qual eu
acredito que a maioria do povo cubano deseja. Não existe nenhum ganho no fato de
que é relativamente fácil mudar de ditadores, mas é muito difícil se livrar da ditadura.
É o povo de Cuba que está ‘montado no tigre’. E mudar de tigres não é a solução.”
56
Earl Smith corrobora com a premissa inicial da política estadunidense
para Cuba, que era a tentativa de constituir uma democracia, ao estilo norte-
americano. Contudo, o embaixador afirmava que simplesmente colocar Fidel
shipment US com bat arms at this time would probably invite increased resentment against US and associate it
with Batista strng arm methods”
55
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. p.76.
56
Idem. “The objective and hope of the Embassy is for a peaceful solution, which I believe the majority of the
people of Cuba also want. There is no gainsaying the fact that it is relatively easy to change dictators but very
hard to get rid of dictatorship. It is the people of Cuba who are ‘riding the tiger’.Exchanging tigers is not the
solution. ”
29
e abandonar Batista não seria a solução. Para Smith, apostar em Batista
significava apostar na via segura para uma democracia saudável, e praticar a
não intervenção significava entregar o país nas mãos de Castro, ou seja,
outro ditador. O embaixador não estava sozinho no Departamento em suas
impressões, mas era a voz mais corrente e forte do período.
Contudo, o clima ameno havia se transformado em tensão permanente
entre o Departamento de Defesa e o Departamento de Estado. Ao longo do
mês de abril, Castro realizou uma série de greves e revoltas que colocaram o
governo cubano em risco. Contudo, apesar do fracasso dos ataques dos
rebeldes, os militares americanos acreditavam que medidas mais enérgicas
eram necessárias para defender os interesses americanos na ilha.
Em reunião de um comitê de inteligência, o general Schow criticava
política então desenvolvida pela diplomacia americana, afirmando que ela
somente favorecia a Castro e que isso dava a impressão de que o
Departamento gostava do líder rebelde. Gordon Arneson, diretor de
inteligência e pesquisa do Departamento de Estado, em resposta afirmou que
não era esse o objetivo das políticas exercidas pelos diplomatas em Cuba, e
que lhe chamava a atenção muito negativamente as reportagens favoráveis à
Castro que surgiam na imprensa americana.
57
Em contrapartida as forças que apoiavam a política daquele momento
eram bastante articuladas e estavam fazendo valer a sua pressão na tomada
de decisões do governo. Em reunião dos Chefes do Estado Maior Conjunto é
possível perceber essas influências:
“O Secretário Assistente encontrou oposição durante um testemunho recente dado no
Capitólio sobre a política na América Latina e a conexão disso com o Programa de
Segurança Mútua. Os senadores Morse, Mansfield e Fulbright foram particularmente
enfáticos. ”
Prossegue a minuta do encontro:
57
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 78.
30
“Tendo em vista todas essas considerações, o Sr. Stewart
58
disse que o Departamento
de Estado decidiu aplicar uma política rígida de não intervenção em Cuba. Ele notou
que membros de ambos os Comitês de Assuntos Exteriores do Congresso, após
orientações dadas por membros do Departamento, afirmaram que o Departamento não
possuía alternativa, a não ser tomar a atitude que teve na questão do embargo ao envio
de armas. ”
59
Esse encontro é bastante valioso para mostrar a dicotomia existente
em torno do assunto no momento. De um lado, tem-se os não
intervencionistas, que estão compostos por grande parte do corpo diplomático
em Washington, de uma maioria no Congresso e da opinião pública
estadunidense. De outro lado, os que pedem por um apoio ao governo de
Cuba, com base em que seria um aliado dos Estados Unidos enfrentando
uma ameaça comunista. Nesse grupo encontramos o embaixador Smith,
diplomatas de orientação mais conservadora e o Pentágono.
Existem duas figuras bastante importantes na hierarquia da tomada de
decisões. Uma é o Secretário de Estado e outra é o próprio presidente,
naturalmente. John Foster Dulles apresentava um comportamento bastante
favorável as políticas tomadas no ARA por Roy Rubottom e William Wieland,
os responsáveis diretos pelas tomadas de decisão nos assuntos de América
Latina. Uma demonstração clara disso é o memorando de aprovação da
política em Cuba na questão das armas:
“Em mantendo o desejo do Secretário, os carregamentos de armas para Cuba sob a
ajuda do Programa de Assistência Militar, continuarão sendo retidos até que exista a
58
Allan Stewart foi diretor do Escritório de Assuntos da América Central até dezembro de 1958, Oficial
encarregado de assuntos cubanos, Escritório dos Assuntos Mexicanos e Caribenhos, dezembro de 1958
outubro de 60. Após outubro de 60, diretor do , Escritório dos Assuntos Mexicanos e Caribenhos.
59
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 90. “Assistant
Secretary Rubottom met this opposition during recent testemony on the Hill about Latin American policy and the
connection with the Mutual Security program. Senators Morse, Mansfield and Fulbright were particularly
outspoken in their criticism of US aid to latin american dictators. In view of all these considerations, Mr. said,
the State Department had decided to apply rigidly a policy of non intervention in Cuba. He noted that members
of both of the Foreign Affairs Commitees of the Congress, after briefings by Departmental officers, had
indicated that the Department had no alternartive but take the action it did on the suspension of arms shipments.”
31
garantia de que tal equipamento será somente utilizado apenas na defesa do
hemisfério.”
60
A afirmação posta acima mostra um Dulles privilegiando justiça e
legitimidade em detrimento de uma política de poder. O Secretário sempre foi
ligado à elite corporativa da costa leste americana. Elite essa muito
interessada no fracasso de Castro, pois em caso de sucesso dos rebeldes,
seus investimentos em Cuba (legais e ilegais) estariam correndo sério risco.
Dessa forma, o Secretário estava realizando uma política totalmente contrária
aos interesses de seus patrícios.
61
Tal atitude também era uma negação da própria trajetória do Secretário
no comando da diplomacia americana. Stephen Rabe
62
é um crítico ácido das
ações de Dulles para a América Latina, retratando seu apoio constante a
ditadores, relembrando a derrubada de Arbenz na Guatemala. É interessante
perceber que o aspecto que Rabe destaca sobre todos ou outros é que Foster
Dulles parecia pensar que a única política possível seria a militarização,
baseada no constante envio de equipamento lico para regimes latino-
americanos baseados na doutrina de guerra interna
63
.
Esse Dulles, que coordenou ações na Guatemala e no Irã parece ser
bem diferente deste de maio de 1958. Falando em respeito aos tratados
assinados pelos Estados Unidos, em cooperação via OEA e ONU para a
realização de eleições em Cuba, e por fim, embargo de armas. Tão instigante
quanto o papel do Secretário neste ano de 1958, é o do presidente
Eisenhower.
A presidência de Eisenhower é bastante curiosa em relação ao
processo decisório. Existe uma linha uniforme entre analistas do executivo
64
60
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 93.”That, in
keeping with the Secretary’s desire, shipments of combat equipment for Cuba under the grant Military
Assistance Program continue to be Witheld until there is assurance that such equipment will be used only in the
defense of the hemisphere.”
61
BROGAN, Hugh. The Penguin History of the United States. London: Penguin Books, 2001. P. 609.
62
IMMERMANN, Richard H (org). John Foster and the Diplomacy of the Cold War. New Jersey: Princeton
University Press, 1990. Cap 6.
63
Idem.
64
Ver Abraham Holtzman em obra já citada, Sthephen Graubard em seu livro “The Presidents”.
32
neste momento, que é a de que o general foi um dos poucos presidentes a
compartilhar poder e tarefas, indo de encontro à tradição da “presidência
imperial.” Tradição essa tão bem encarnada pelo seu vice, Richard Nixon,
quando este assumiu a presidência em 1969.
De acordo com Richard Fenno Jr.
65
a presidência de Eisenhower
possuiu um ritmo diferente, pois o presidente preferia delegar tarefas e ser um
coordenador ao invés de mandatário supremo. Ao contrário da maioria dos
presidentes americanos, ele não era um político de carreira, que passou a
maior parte de sua vida ligado ao exército. Por isso entendia que precisava
compartilhar poder com os políticos tradicionais e, através desses, entender
melhor o funcionamento da máquina estatal. Fenno comenta:
“Historicamente, uma ênfase no gabinete é frequentemente associada com uma série
de atitudes e crenças que minimizam forte liderança executiva. Indivíduos dessa
capacidade persuasiva tendem a destacar os homens ao seu redor, as melhores mentes
ou o time, em um relativo detrimento do poder presidencial.”
66
De acordo com Chester Pach e Elmo Richardson
67
, o general entendia
que se adaptar aos moldes da política era a sua primeira tarefa como
presidente. Ele também entendia que para efetivar as suas políticas adiante
ele precisava estabelecer um novo modo de governar e fazer a burocracia
funcionar ao seu favor. Nessa tarefa de conceber as políticas de Estado,
Eisenhower recebeu quatro ajudas importantes: O procurador geral Herbert
Brownell, o Senador Robert Taft, o General Lucius D. Clay e o Secretário de
Estado John Foster Dulles.
68
65
MONSMA, Stephen V. VAN DER SILK, Jack R. (orgs). American politics: research and readings. NewYork:
Holt, Rinehart and Winston inc., 1970.P. 156.
66
Idem.
67
PACH, Chester J. Richardson, Elmo. The presidency of Dwight D. Eisenhower. Wichita: University of
Kansas Press, 1991.P. 29.
68
Os quatro nomes aqui citados comungavam em uma linha política que contemplava os republicanos
internacionalistas, bastante favoráveis aos grandes conglomerados e oscilando entre um anticomunismo
moderado ou bastante virulento. O perfil desses quatro personagens, colaboraram para moldar o estilo da
presidência de Eisenhower, um típico republicanismo da costa leste.
33
Os quatro recomendaram a Eisenhower para que ele se adaptasse
melhor a política, que ele compartilhasse tarefas com os subordinados, e que
chamasse para si somente as questões mais centrais que esses
subordinados eventualmente trouxessem para ele. Na política externa, essa
seleção era feita pelo próprio Dulles e um conselho chamado de Secretariat,
que era responsável pela filtragem das informações que chegavam das
embaixadas e consulados do mundo inteiro.
No período Eisenhower, assim, o Departamento de Estado teve uma
liberdade de ação considerável para a criação de suas políticas, sem uma
opressiva presença presidencial. Tal fato, gerou uma série de novas
possibilidades em termos de política externa, bem como uma maior
autonomia de setores como o ARA para a implementação da diplomacia
estadunidense.
Em um quadro de maior autonomia, era possível até mesmo o
surgimento de políticas de caráter mais liberal em um governo republicano,
como a não intervenção em Cuba. Além de um comportamento conjuntural
diferente por parte de Dulles e de um perfil presidencial diferenciado, uma
outra explicação provável para uma postura não intervencionista vem de um
evento crucial para a política externa de Eisenhower, que foi a crise do canal
de Suez.
Era parte essencial do projeto nacionalista egípcio de Nasser, construir
a represa de Aswan. Porém, ele estava enfrentando dificuldades em arrumar
um empréstimo no ocidente, que lhe possibilitaria a construção da represa.
Assim, Nasser resolveu arriscar tudo em uma estratégia arriscada, que era
nacionalizar a o canal de Suez como uma forma de pressionar a liberação dos
recursos. A nacionalização afetou diretamente os interesses ingleses e
franceses na região, que os dois países eram acionistas majoritários do
estratégico canal.
69
França e Inglaterra logo pensaram na solução militar para intervir no
canal e fazer valer os seus direitos sobre ele. Ambos países contavam com o
apoio americano para a empreitada, o que, para a surpresa deles, não
69
Ver Henry Kissinger em Diplomacy cap. 21.
34
aconteceu. Muito pelo contrário, Eisenhower se irritou com seus aliados pelo
rompante de colonialismo dos europeus. A intervenção seguiu e foi um
fracasso total para as pretensões das duas potências européias. A imagem
americana ficou fortalecida, mesmo com o enfraquecimento da aliança
atlântica.
Assim, diferentemente do primeiro mandato, marcado por uma postura
mais proativa, a recomendação para a ação externa passou a ser a
moderação, diante de novas circunstâncias como mostram Chester Pach e
Elmo Richardson:
“A prosperidade Eisenhower se dissolveu na pior recessão desde a Grande Depressão. O
lançamento do Sputnik, o primeiro satélite artificial do mundo, abalou a confiança na
superioridade tecnológica americana e levantou questões sérias sobre a segurança
americana.”
70
Os autores prosseguem:
“Alegações de tráfico de influência contra Sherman Adams comprometeram a
integridade do círculo interno do presidente. Disputas violentas sobre o orçamento,
subsídios rurais, ajuda externa e política espacial desgastaram as relações de
Eisenhower com o Congresso e criaram dúvidas sobre a efetividade de sua liderança.
Acossado pela esquerda e a direita, Eisenhower encontrou no caminho do meio uma
rota pedregosa e solitária.”
71
Diante de todos esses fatores combinados, cria-se no ano de 1958
uma quebra no padrão reativo da atuação americana para a América Latina,
através do caso cubano. Seria aquilo que Amado Cervo, quando se referiu a
política externa de Castelo Branco chamou de “passo fora da cadência.”
72
70
PACH, Chester J. Richardson, Elmo. The presidency of Dwight D. Eisenhower. Wichita: University of Kansas
Press, 1991.P. 159.
71
Idem.
72
BUENO, Clodoaldo, CERVO, Amado. A política Externa Brasileira 1822-1985. São Paulo: Ática, 1986.
35
Ao longo do ano, a política de não intervenção vem sendo reafirmada
pelos canais diplomáticos americanos, para o desespero de Smith e Batista.
Em resposta para Roy Rubottom, o embaixador faz a seguinte crítica:
“Eu sinto que é o dever da embaixada apontar que sob a presente política de armas em
relação a Cuba, a relação entre os EUA e Cuba estão se tornando cada vez mais
desgastadas, e os únicos beneficiários dessa política podem ser no fim os
comunistas.”
73
Smith aqui começa a fazer o jogo de Batista para os americanos.
Conforme vamos analisar no próximo capítulo, ao passo que o impasse militar
em Sierra Maestra se transforma em derrota, o ditador se utiliza de
argumentos alegando que o conflito não era uma luta interna cubana, mas
sim seria uma luta contra o comunismo. O fato é que Earl Smith, conforme se
aprofundava a crise, parecia mais ser “lobbista” de Batista para assuntos
estadunidenses do que embaixador americano em Cuba.
Mas a medida do embargo de armas e da não intervenção era algo
realmente polêmico, que continuava a gerar sérios debates mesmo entre seus
apoiadores. Em 26 de junho, Roy Rubottom escreve para Murphy
74
atestando
que “os Estados Unidos vivem um sério dilema nas relações com Cuba.”
75
Ao
mesmo tempo que havia uma enorme pressão do Congresso e da opinião
pública para a manutenção da política que estava sendo aplicada, Cuba era
um Estado amigo que precisava de ajuda. Rubottom concluiu que apesar de
tudo, essa era ainda a escolha menos ruim à disposição do Departamento de
Estado.
Contudo, o Pentágono ainda tentava afirmar seu ponto de vista. O
diretor de inteligência do Estado Maior Conjunto, Major Robert Breitweiser
76
,
afirmava que existia uma diferença entre “prestígio” e “popularidade”, e que
73
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 108. “I feel it
duty of the Embassy point out that, under present US arms policy toward Cuba, relationships between Cuba and
US becoming more and more strained and that the only beneficiaries of this policy in the end may turn out to be
the communists.”
74
Robert Murphy foi Subsecretário de Estado para assuntos políticos até agosto de 1959.
75
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.113.
76
Diretor de Inteligência dos Chefes do Estado Maior Conjunto.
36
uma intervenção na América Latina, fosse ela militar ou política, seria
impopular mas não afetaria o prestígio dos Estados Unidos.”
77
Apesar dos reiterados argumentos do Pentágono, o Departamento de
Estado ainda vencia a queda de braço em Washington, no que se refere à
política adotada em Cuba. Uma querela surgida em torno da venda de aviões
de treinamento t-28 para Cuba, acirrou o debate que se arrastava desde o
inicio do ano. A polêmica se dava à medida que alguns assessores militares
informavam que esses aviões poderiam ser convertidos do seu uso de treino
para um uso agressivo. Pairava a dúvida entre mandar os aviões e ganhar
pontos com conservadores em casa e com o governo cubano ou congelar a
remessa e ganhar pontos com o Congresso e a imprensa.
O dilema seguiu durante um mês, até que um memorando de Stewart
sobre a situação de Cuba buscava encerrar a questão. E ele conclui este
memorando dessa forma:
“O autor está firmemente convencido que a venda dos T-28 vai nos colocar
em um grande problema com a oposição, elementos liberais no hemisfério e
nos Estados Unidos, e com aqueles senadores e congressistas que tem feito
tantas críticas para a nossa política diante de governos ditaroriais.”
78
Na seqüência, o Escritório para Assuntos da América Central
79
fez uma
recomendação de políticas para Cuba, inspirada nas instruções de Stewart.
Neste memorando, recomendava-se a manutenção da não intervenção dos
assuntos internos de Cuba como uma pedra angular para uma melhor
imagem dos Estados Unidos diante do “mundo livre”. Bem como era essencial
cooperar com a ONU e OEA para a busca de uma “solução democrática”,
mesmo que imperfeita
Diante disso, se reafirmava o embargo de armas e o não envio dos
aviões T-28. Os Estados Unidos adotaram também uma nova estratégia de
77
Op. Cit. P.148.
78
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.167. “The writer
is firmly convinced that sale of the T-28s would get us into deep trouble with the cuban opposition, liberal
elements in the hemisphere and the United States, and those Senators and Congressmen who have been making
so much ado of our policy toward dictatorial governments.”
79
Office of Middle American Affairs.
37
pressão contra seus aliados, especificamente a Inglaterra e o Canadá, que
estavam vendendo armas para o governo cubano. Os americanos esperavam
com isso, diminuir a pressão, como afirmado anteriormente e também trazer
um clima de maior segurança para os estadunidenses que viviam na ilha e
seus investimentos contra qualquer possível intervenção rebelde.
Em agosto, um relatório feito pela embaixada endossa pela primeira
vez a política de não intervenção em Cuba, mesmo com a ressalva de que
esta não fosse melhor solução de todas. Contudo, Smith argumentava que
esse caminho era o único que permitiria uma liberdade de negociação maior
diante de uma mudança radical do cenário político cubano.
80
Essa concessão
do embaixador, diante das demandas de Washington ficou ainda mais
evidente quando ele alerta que os governos da lgica, Inglaterra e Canadá
ainda buscam vender armas para Cuba. Ele entrega a decisão do bloqueio
das armas para o Departamento na Capital americana, sem emitir qualquer
juízo de valor.
81
Na verdade, a partir de setembro ele mesmo sente que o governo está
para cair e que as condutas já estabelecidas pela cúpula da diplomacia
estadunidense não iriam sofrer nenhuma alteração radical diante das
circunstâncias do período. Conforme se aproximava o fim do ano, era
impossível negar que a situação se tornava mais crítica para Batista e seus
associados na ilha. Castro ganhava força ideológica e militar, enquanto as
forças governamentais se rendiam em larga escala.
Essa situação foi apresentada para Eisenhower na reunião do
Conselho de Segurança Nacional, em trinta de outubro. O encontro começou
com uma explanação dos irmãos Dulles sobre a situação da ilha e as
eleições, que se realizariam em novembro, mesmo com as garantias
constitucionais ainda suspensas.
Diante da explicação de tal cenário de possíveis eleições fraudulentas,
um espantado Eisenhower pergunta: “Por que Batista não fez nada sério para
derrotar esses rebeldes? Ele não tem marinha?”
82
O diretor da CIA respondeu
80
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P186.
81
Op. Cit. P. 214.
82
Op. Cit. P. 244.
38
que tudo que estava ao alcance do ditador havia sido feito e que a marinha
cubana era na verdade a marinha americana. Tempo para refletir sobre o que
aconteceu em 1958 era algo necessário a partir de agora, que Batista caiu
em primeiro de janeiro de 1959, e uma nova política teria de ser montada.
A o intervenção, em última instância, colaborou para um desfecho
bastante desfavorável aos interesses estadunidenses, que foi a vitória de
Castro. Devido aos diversos fatores aqui apresentados, a implementação de
tal política foi uma vitória dos grupos de pressão liberais americanos sobre um
governo republicano. Foi uma política condizente com o discurso de
democracia e obediente aos tratados assinados juntamente com outras
nações das Américas.
Contudo, a primazia do conceito de justiça e legitimidade acabou por
minar o equilíbrio dos Estados Unidos na sua região de interesse perene e
assegurado. A partir da alteração do equilíbrio, se iniciou uma contestação do
poderio estadunidense. Contestação essa vinda da própria Cuba, com o apoio
de uma União Soviética mais confiante diante dessas demonstrações de
“fraqueza” dos Estados Unidos.
Apesar de alguns fatores aqui apresentados terem sido muito
importantes para a formulação da não intervenção em 1958, como a pressão
do Congresso e da imprensa liberal, um padrão de atuação presidencial
diferenciada, e uma relação única com Cuba, existem outros que merecem
uma analise mais profunda.
Para que se compreenda com maior plenitude o processo decisório da
diplomacia estadunidense no decorrer de 1958, é importante analisar as
tensões ocorridas em Cuba como as eleições, os seqüestros, a presença
comunista e a visão do movimento 26 de julho e seus líderes. É sobre essa
temática que a próxima parte desse trabalho vai se debruçar.
39
1.2. Tensões e a não intervenção.
Na parte anterior do texto, trabalhou-se com a predominância da política de
não intervenção em Cuba no ano de 1958.Bem como com seus propósitos,
princípios e motivações. O intento agora é mostrar como as tensões existentes em
Cuba naquele ano, fomentaram e despertaram essa quebra temporária de um
padrão intervencionista.
Portanto, foi necessário focar em pontos e eventos bastante específicos, que
propiciassem uma melhor reflexão sobre o tema abordado na primeira parte. Dessa
forma, foram escolhidos alguns temas, tais como a percepção da diplomacia
estadunidense sobre o movimento rebelde cubano, o sequestro dos cidadãos
americanos e canadenses e a eleições presidenciais de 1958.
É importante iniciar pela percepção norte-americana sobre o movimento 26 de
julho, pois a decisão do grau de intervenção americana estava diretamente
relacionado com o fato de o movimento 26 de julho ser visto como uma ameaça
direta ou não aos interesses estadunidenses. Em 10 de fevereiro de 1958, o
embaixador Smith afirmou que Castro estava perdendo terreno. E que o movimento,
apesar de “barulhento”, era desorganizado.
83
Isto não é totalmente verdade. O movimento 26 de julho havia se estabelecido
com relativo sucesso em Sierra Maestra, em fins de 1956. Após resistir a severos
ataques do exército cubano durante todo ano de 1957, a situação em 58 se
encontrava bastante estabilizada, como comenta Richard Gott:
“Após dois anos nas montanhas, Castro dominou seus rivais em todos os lugares e estava muito
perto da vitória.”
84
Corroborando com tal pensamento, o diplomata Daniel M. Braddock
85
escreveu um relatório para Washington descrevendo a situação na província de
83
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. Pg. 21
84
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. P.164.
40
Oriente, onde se localizava Sierra Maestra. Braddock afirmava que o a área
controlada pelos rebeldes era bem superior à inicialmente imaginada, que seriam
somente as montanhas. O movimento controlava as cidades de Manzanillo,
Bayamo e Niquero.
Braddock descreve o equilíbrio de forças na região:
“Como resultado, a área em questão é uma espécie de terra de ninguém. O exército controla o
que ele considera os pontos chave, e as forças rebeldes são capazes de operar no resto da área
com relativa impunidade...”
86
Essa versão trazida pelo diplomata vai de encontro às percepções oferecidas
pelo embaixador Smith, geralmente bastante otimistas no que se referia a
colaborar com Batista. Porém, Smith e Braddock concordavam no essencial para
a formulação da política no Departamento de Estado, que era o fato de os
rebeldes de Castro não terem capacidade suficiente para tomar o poder em Cuba
por conta própria.
Neste mesmo s, o nsul americano em Santiago de Cuba, Oscar Guerra,
escreve também para o Departamento sobre as suas impressões sobre Castro e
o Movimento. Ele destacava que Castro era uma figura bastante popular em
diversas classes sociais, mesmo sendo tão polêmica. Ele também afirmava que
apesar de os rebeldes não terem sido capazes de articular uma derrota decisiva
contra o exército cubano, eles estavam oferecendo uma resistência formidável.
Guerra chamou a atenção para um aspecto interessante, que era a situação
caótica que o conflito deixava a juventude cubana, que estava com as escolas e
universidades fechadas, além da economia devastada. Ele apontava que isso
significaria um obstáculo para os Estados Unidos no futuro, que teriam de lidar
com uma “geração perdida” de cubanos.
Por fim, ele afirmava categoricamente que não era um movimento comunista,
mas pelo seu caráter juvenil, apresentava um rio risco de infiltração por parte
85
Conselheiro da embaixada em Cuba.
86
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 25. “As a result
the area in question is a sort of no man’s land. The Army holds what it considers the key points, and rebel forces
are able to operate in the rest of the area with relative impunity.”
41
de agentes soviéticos em um futuro próximo.
87
Conforme se passavam os meses
e a intensidade da crise política em Cuba aumentava, mais os relatórios
analisavam e especulavam sobre o Movimento e suas possibilidades dentro de
novos cenários.
Um memorando de Gordon Arneson, Diretor de Inteligência e Pesquisa ajuda
a entender o agravamento da situação e suas prováveis perspectivas. Arneson
atestava que a possibilidade de uma mediação pacífica para o embate entre
Batista e Castro estava encerrada. E que Fidel começava a exercer maior
pressão na província Oriente, controlando até mesmo a cobrança de impostos,
que é uma tarefa basilar do Estado.
Sobre um eventual cenário de uma tomada de poder por parte da oposição,
comenta Arneson:
“Caso o Movimento 26 de Julho tenha sucesso na sua tentativa de derrubar o governo de
Batista, existe muito pouco sobre a sua liderança que inspire confiança, ou que poderia mostrar
as virtudes da integridade, moderação e responsabilidade que serão necessárias para restaurar a
ordem e a tranqüilidade em Cuba.”
88
Ele ainda afirmava que o movimento não era comunista, mas os chamou de
“imaturos” e “irresponsáveis.’
89
Aliás, Guerra havia se referido anteriormente aos
cubanos como “ingênuos” na sua compreensão política, o que retrata bem a
clássica visão anglo-saxônica da América Latina como uma “criança”
90
. Esses
estereótipos criados no século XIX ainda estavam bem vivos, como podemos
evidenciar.
E tal percepção interfere em dada medida no processo decisório por parte do
governo americano. Essas noções se tornam bastante comuns ao longo dos
próximos memorandos. O diplomata Henry Hoyt comentava que com o fracasso
da rebelião de abril, Castro teria de lidar melhor com os grupos mais
87
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 30.
88
Op. Cit. P. 77. “ Should the 26 of july movement be sucessful in its attempt to overthrow the Batista
government, there is little about its top leadership to inspire confidence that it would show the qualities of
integrity, moderation, and responsibility which will be needed to restore the tranquility in Cuba.”
89
Idem.
90
JÚNIOR, João Feres. A história do conceito de “Latin Americanos Estados Unidos. Bauru: EDUSC editora,
2005. Introdução.
42
“responsáveis” da política cubana, explicitamente chamando o grupo de Castro
de irresponsável, novamente.
91
Esse é um comportamento comum das lideranças estadunidenses ao longo
da História das relações do país com o sul do continente. Tal entendimento
facilitava o andamento de uma política de não-intervenção, à medida que com
tais conceitos, como os acima apresentados, o Movimento era visto como um
estorvo, mas não uma ameaça. E o fato de não ser percebido como uma ameaça
direta abria maior espaço para a defesa de políticas que advogavam um menor
grau de intervenção por parte do Departamento de Estado.
O novo nsul em Santiago de Cuba, Park Wollam, escreveu para Terrence
Leonhardy
92
,ele acreditava que apesar de o governo anunciar mais vitórias, a
luta ainda estava longe de acabar. Wollam também relembrou a sua experiência
em três países revolucionários, destacando que dificilmente essa luta será
decidida em uma batalha só. O cônsul surpreendentemente chamou a revolução
de “Guerra Civil”, a única vez que tal termo aparece em toda documentação.
93
Ao longo do ano, a percepção começa a se alterar dramaticamente, como
demonstraram os últimos memorandos. De um conflito de menor escala passa a
ser percebido como uma luta política de monta e ao mesmo tempo decisiva, tal
qual a luta de Marti ou a Revolução de 33. A partir disso, era necessário buscar
um melhor entendimento do caráter do Movimento, principalmente em relação às
pretensas afinidades com o comunismo.
A questão girava literalmente em torno das afinidades da liderança, pois os
americanos sabiam através de suas fontes da CIA em Moscou que os Soviéticos
nada tinham a ver com o movimento de Castro
94
. O embaixador Smith estimava
que os comunistas possuíam 12.000 membros, mas que apesar desses números
e de sua boa organização, a sua influência política o era considerável. E
91
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 88.
92
Encarregado dos Assuntos Cubanos até dezembro de 1958.
93
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 103.
94
Ver BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. P. 247.
43
apesar de seu apoio a Fidel e de contar com a simpatia de Che e Raúl, não era a
corrente dominante entre os rebeldes.
95
Apesar da certeza do governo americano de que o movimento não era
comunista, o discurso antiamericano gerava desconforto na Casa Branca. Esse
discurso, somado aos eventos de abril, mais os sequestros e ataques a
propriedades norte-americanas ao longo de 1958, colaboraram para uma
deterioração severa da percepção do Departamento de Estado sobre o
Movimento. Poderemos perceber isso quando o próprio Departamento pressiona
as suas fontes diplomáticas para saber até que ponto este anti-americanismo era
meramente um instrumento de retórica ou não.
Em agosto de 58, a Divisão de Pesquisa e Análise
96
preparou memorando
sobre a situação política em Cuba, onde era relatado que o discurso anti-
americano era ”real”, mas muito baseado em uma “visão errada sobre os
Estados Unidos. Principalmente no que se referia à presença americana no país,
que era percebida como nociva. Muito dos elementos que baseavam tal discurso
foram identificados como “típicos do comunismo”, dando a entender uma
pretensa infiltração comunista dentro do Movimento.
97
Em setembro, Leonhardy se reuniu com Ernesto Betancourt, que era o
representante de Castro nos Estados Unidos. Uma espécie de porta voz do 26 de
julho. Leonhardy, ao questionar Betancourt sobre esse posicionamento contra os
Estados Unidos por parte dos rebeldes, obteve a resposta que isso tinha mais a
ver com a base do Movimento. Ele admite que essa base, por ser muito jovem,
estava de certa forma conectada com uma retórica de um certo “teor comunista”.
Referindo-se as lideranças, Betancourt defendeu que esse era um
instrumento para agregar as bases, e não uma crença real. Ele até mesmo disse
que o 26 de julho possuía uma aparência muito “direitista” às vezes, por contar
com o apoio de muitos homens ricos de Cuba. E que uma retórica mais radical
95
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. Pg 160.
96
Setor do Departamento de Estado que compilava a analisava relatórios e informações das embaixadas e
consulados ao redor do mundo, visando o aproveitamento das mesmas na formulação de política externa.
97
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. 196.
44
em certas circunstâncias colaborava para cimentar um projeto social que ainda
não estava evidente para Fidel e seus auxiliares.
98
Apesar de todas essas consultas, a dúvida ainda pairava nas mentes do
Departamento sobre o discurso contra os Estados Unidos e o seu verdadeiro
significado. Visando encerrar a questão, a Divisão de Pesquisa e Análise,
através de seu chefe ( Andrew Wardlaw), escreve um breve memorando sobre as
lideranças do 26 de julho. Neste memorando, ele afirmava categoricamente que
o Movimento não era comunista, mas alegava que ele era contra os Estados
Unidos e que “flertava” com o Marxismo.
Wardlaw frisou que afirmativas mais precisas sobre o caráter dos rebeldes
ainda estavam em andamento, e que pelo momento de ebulição que vivia Cuba,
e pela “imaturidade” dos integrantes do Movimento, a presente apreciação feita
no relatório poderia ganhar novos contornos.
99
Ao longo do fim de setembro e
começo de outubro torna-se evidente que Fidel ganhava bastante força, e que o
discurso de Batista e seus generais não condizia exatamente com a situação
encontrada no campo de batalha, onde o exército encontrava sérias dificuldades.
Os diferentes comunicados diplomáticos destacavam justamente esse ganho
de terreno por parte de Castro e começavam a ventilar a real possibilidade de
uma tomada de poder ao final do ano. A negociação ainda não era uma
possibilidade corrente entre ambas as partes, que somente dialogavam a base
de intimidações. Os rebeldes haviam causado prejuízos na ordem de US$ 2.4
milhões
99
para as empresas americanas, enquanto Dulles ameaçava abandonar
a não intervenção.
Essas rusgas, somadas ao crescente poder do 26 de julho, colaboravam para
uma visão de um Movimento imaturo para o poder, que poderia se constituir em
um problema para os Estados Unidos no futuro. O teor das mensagens
diplomáticas se tornava às vezes relativamente chulo. Como é o caso do
telegrama que o embaixador Smith escreve em 22 de outubro, em que ele
98
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 206.
99
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 216.
99
Op. Cit. P.240.
45
chamava Raul e Fidel de “mentalmente desequilibrados” e sugeria que Raul era
homossexual na Universidade.
100
Essa tentativa de diminuir moralmente a liderança do Movimento de Fidel era
algo que se tornava comum, como pudemos perceber ao longo dos memorandos
e telegramas aqui examinados. Naturalmente, este último exemplo,
proporcionado por Earl Smith é um extremo. Mas as referências que remontam a
um pretenso despreparo do 26 de julho para o poder são muitas. Essa tendência
de pensar o Movimento como despreparado, colaborava para uma política de
não intervenção. À medida que o status quo não estava em jogo de forma
decisiva, o uso da força era desnecessário, surgindo assim uma oportunidade
para acalmar a imprensa liberal e os democratas do Congresso, sequiosos pela
não utilização da força militar em Cuba.
Se o uso da força não estava se fazia necessário pelas conclusões retiradas
da análise das lideranças e do poderio do 26 de julho naquele momento, um
evento em especial colocou em xeque essa premissa. Em junho de 1958, em
torno de 40 americanos foram seqüestrados pelas forças rebeldes. Esses
estadunidenses trabalhavam em diversas empresas que exerciam importantes
atividades econômicas na ilha.
A exigência feita para a soltura desses reféns foi de que os Estados Unidos
parassem de dar qualquer apoio ao governo de Batista. Mesmo com o embargo
de armas, os rebeldes alegavam que a base de Guantanamo dava suporte
logístico para a força aérea cubana bombardear os rebeldes em Sierra Maestra.
Entre os 40 seqüestrados, estavam 11 marines da base. Este fato gerou um
grande descontentamento no meio militar americano, que começou a pressionar
o Departamento de Estado por uma mudança na política que estava sendo
praticada.
Em uma reunião realizada entre o Departamento e os Chefes do Estado
Maior Conjunto, o ambiente estava realmente tenso. O almirante Burke
101
afirmou
que o governo estava colaborando com os rebeldes e os comunistas, e que o
100
Op. Cit. P. 241.
101
Almirante Arleigh Burke era Chefe de Operações Navais.
46
Departamento de Estado deveria dar mais atenção às recomendações do
embaixador Smith. Por sua vez, o general Taylor
102
engrossava o coro das
críticas quando afirmava que o governo americano fomentava a instabilidade
interna de um aliado, e que isso era uma quebra com o padrão usual de defesa
hemisférica.
103
Os homens do Departamento de Estado somente deram algumas respostas
monossilábicas e falaram quase nada durante o encontro. Como se não
conseguissem se legitimar diante da argumentação dos militares. Em 30 de
junho, o Comandante de Guantanamo, Almirante Ellis mandava telegrama para
Washington, onde avisava que iria tomar “medidas extraordinárias” para trazer os
reféns de volta. Entre essas medidas estavam o desembarque de 200 marines na
base e a prisão de simpatizantes do Movimento que trabalhassem no local.
Ele alertou que, caso nenhuma dessas medidas surtisse o efeito necessário,
os americanos iriam dar plena assistência ao governo cubano na busca pelos
seqüestrados. E que tal gesto envolveria o uso de toda a máquina militar
americana disponível na região do Caribe.
104
Logo os rebeldes entregaram uma lista formal de exigências, na qual através
do cônsul Park Wollam, exigiam a interrupção imediata dos envios de armas
para Cuba, a garantia de que a base não seria um suporte contra as atividades
rebeldes e que as armas do programa MAP
105
não seriam usadas nos conflitos
internos.
106
A primeira e a segunda exigência o faziam muito sentido para os
diplomatas do Departamento.O envio de armas por parte dos Estados Unidos
estava bloqueado, como analisou-se anteriormente, desde o começo do ano. O
uso de Guantanamo ainda é uma temática bastante polêmica, pois as evidências
sobre o uso da base são muito conflitantes e a interpretação por parte dos
102
General Taylor era o representante do exército no JSC.
103
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 118.
104
Op. Cit. P. 120.
105
O Military Assistance Program foi criado para aparelhar os exércitos da América Latina no começo da Guerra
Fria. Era bastante baseado nos mesmos moldes do lend-lease dos anos 40.
106
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.125.
47
autores varia bastante.
107
Mas o último quesito, o uso das forças do MAP, fazia
muito sentido e isso era admitido pelos próprios diplomatas estadunidenses.
De acordo com o MAP, as armas e as tropas treinadas sob o patrocínio deste
programa de ajuda internacional poderiam ser utilizadas em caso de defesa
hemisférica e não em assuntos internos. O problema era que o governo
americano em determinados casos fazia vista grossa para o uso ilegal das armas
adquiridas através do programa, como no caso cubano. As tropas armadas e
treinadas pelo MAP eram a força de elite cubana, composta de 800 homens
treinados em solo norte-americano.
Retirar de Batista essas forças lhe deixava em uma situação delicada na luta
interna que se seguia. os americanos, optaram pelo caminho do meio, que
não podiam fiscalizar o uso do MAP em Cuba, reforçaram o embargo de armas
que chegariam sob os auspícios deste mesmo programa. Assim ficavam bem
com os rebeldes e com Batista. As notícias que chegavam sobre os reféns eram
bastante positivas. O embaixador Smith afirmava que eles estavam sendo bem
tratados. Contudo, as negociações eram difíceis, que as comunicações eram
lentas e ruins.
108
Em memorando de Murphy para Herter, o diplomata trazia algumas sugestões
para solucionar a questão. Uma delas era a de se buscar um mediador para falar
com Castro. O embaixador estava automaticamente eliminado dessa tarefa pelas
suas relações íntimas com Batista. Outra proposta trazida foi buscar a mediação
da OEA, algo que era visto também como complicado.
Pelo menos os humores intervencionistas haviam baixado, que em
conversa com o Almirante Burke, Stewart disse que ele estava mais reticente em
relação a uma invasão americana. A alegação era de que os reféns estavam
muito espalhados e a região era muito montanhosa, logo a chance de êxito era
muito pequena. Stewart assegurou que a força era somente um último recurso, e
mesmo assim somente sob convite explícito do governo cubano.
109
107
Alguns como Moniz Bandeira dizem que a base continuou a ser usada, enquanto outros autores americanos
apontam na direção inversa, ou silenciam sobre o tema.
108
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.129
109
Op. Cit. P. 133.
48
Alguns reféns haviam sido libertados, mas Raul Castro Mantinha em torno
de 20 pessoas prisioneiras, como garantia de que ele não seria mais
bombardeado pela força aérea de Cuba. O embaixador americano escreveu uma
nova carta para Raul, onde ele assegurava que as condições pedidas pelos
rebeldes seriam cumpridas de fato. Earl Smith também informava que se mais
pessoas não fossem liberadas, algumas medidas de retaliação diplomática
seriam tomadas. Entre elas estavam a militarização da zona ao redor de
Guantanamo, que é território cubano, bem como o cancelamento de vistos para
simpatizantes do 26 de julho em solo norte-americano.
Smith destacava que eram boas medidas, mas que poderiam não surtir efeito
imediato, que a libertação não dependia somente de Fidel, mas sim de Raul. E
a comunicação entre os dois o era das melhores, que Raul era mais radical
e pró-marxista, de acordo com o embaixador.
110
em Washington, John
Dreier
111
e Phillip Snow buscavam novas soluções no âmbito do Departamento
de Estado. Eles ventilaram a possibilidade de uma intervenção via OEA.
Contudo, essa possibilidade foi eliminada por uma questão legal do Tratado
do Rio, segundo a qual, era permitida a mediação via instituição se fosse um
contencioso entre dois Estados o que não era o caso. Dessa forma, não restava
nada a não ser manter a neutralidade e a política de não intervenção, como
assinado e acordado nos tratados anteriores. O ximo que poderia ser feito via
OEA seria enviar um grupo de diplomatas que tentariam uma espécie de
mediação com Castro, no que Dreier parecia muito pessimista.
112
Apesar da interrupção dos ataques aéreos aos rebeldes, as negociações para
a soltura dos reféns ainda continuavam em um ritmo bastante lento. Tal ritmo
voltava a desagradar alguns membros das forças armadas. Quase vinte dias
após os seqüestros, o Almirante Arleigh Burke escrevia um memorando para os
Chefes do Estado Maior Conjunto, exigindo medidas de maior intensidade:
“É a minha opinião que enquanto os reféns proverem aos insurgentes proteção aos ataques
aéreos, eles não serão soltos, ou soltos um ou dois de cada vez sobre um período determinado
110
Op. Cit. P. 135.
111
John Dreier Diretor do Escritório de Assuntos políticos e Regionais inter-americanos; Representante dos
EUA no conselho diretivo da OEA até setembro de 1960.
112
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 137-138
49
onde Raul Castro vai exigir maiores concessões dos EUA. O prestígio dos EUA na América
Latina foi seriamente danificado pelos eventos das duas últimas semanas. Eu considero que o
dano será quase irreparável se medidas fortes não forem tomadas agora para assegurar a soltura
de nosso pessoal.”
113
Burke sabia o que pedir, para quem pedir e de que forma pedir. Ele
compreendia que um discurso que apelasse para o prestígio americano ecoaria
forte no ambiente militar, onde a manutenção do poder no sistema internacional
era visto, acima de tudo, como uma questão de força. Fazer pressão junto aos
Joint Chiefs era a melhor maneira de contrabalançar o poderio do Departamento
de Estado na alta cúpula do poder norte-americano.
Assim, o memorando de Burke foi paradigmático sob o prisma do
intervencionismo, pois ele conseguia condensar os argumentos deste grupo, que
era eminentemente representado pelos componentes do Pentágono. Seria ainda
mais interessante se aquele período tivesse um Secretário de Defesa atuante,
como foi Robert McNamara. Mas Mc Elroy
114
foi uma figura muito apagada em
sua passagem pelo secretariado. Diante de tal situação, o havia um mediador
entre os militares e os civis, que deveria ser o papel do Secretário de Defesa,
fazendo com que as tensões entre os dois grupos se tornassem ainda maiores
neste momento.
Em 11 de julho, o General Nathan Twining, Chefe do Estado Maior Conjunto,
escrevia para o Secretário de Defesa Mc Elroy. Nesta carta, ele pedia que os
militares americanos fossem liberados para ajudar o governo cubano, que todos
os reféns fossem soltos em 72 horas e que um grupo de Marines fosse enviado
imediatamente para a ilha. Dessa forma, os militares davam praticamente um
ultimato para os Secretários de Defesa e do Estado, que sabiam que a situação
não poderia ser resolvida tão rapidamente.
115
113
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991 p.140. “It is my
opinion that so long as the hostages provide the insurgents protection from air attack, they will not be released,
or released one or two at a time over a protracted period during which Raul Castro will demand increased
concessions from the US. The prestige of the US throughout Latin America has been sriously damaged by the
events of the last two weeks. I consider that the damage will be almost irreparable if strong measures are not
taken now to secure the release of our personnel.”
114
Neil McElroy foi Secretário de Defesa entre outubro de 1957 e dezembro de 1959.
115
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 145.
50
No mesmo dia, o nsul Park Wollam conseguia um avanço expressivo ao
entrar diretamente em contato com os rebeldes e estabelecer um sistema de
comunicação permanente entre eles. Mas mesmo diante disso, o General Robert
Breiweiser defendia que “uma ação militar, mesmo que impopular, aumentaria o
prestígio dos Estados Unidos”
116
Foi a última manifestação intervencionista por parte dos militares, que nos
dias seguintes Wollam estabeleceu um efetivo canal de mediação entre os
rebeldes e os Estados Unidos, encaminhando de uma forma segura a libertação
dos reféns. A prova de que a situação se acalmava foi que em 17 de julho Castro
mandou uma carta para o embaixador Smith se desculpando pelo incomodo
gerado pelo seqüestro e nesta mesma carta se mostrava bastante confiante de
que as razões para tal ato não iriam se repetir.
117
Dois dias depois, Park Wollam
e a rede de televisão CBS anunciavam que os 14 prisioneiros restantes haviam
sido liberados por Raúl Castro, encerrando a crise de forma definitiva.
Durante esse contexto de constante desconforto entre Cuba e Estados
Unidos, era parte do planejamento do Departamento de Estado incentivar a
realização de eleições em Cuba como um momento essencial de uma transição
pacífica. Essa idéia contava com o apoio da presidência, que Eisenhower, a
partir de seu segundo mandato, começava a perceber lentamente que um
desenvolvimento voltado para a democracia tornaria a América Latina mais
estável naquele momento. Sobre este tema, comenta Cristina Pecequilo:
Especificamente, essa alteração emergiu de uma combinação de fatores internos e externos à
América Latina, sinalizando que o “perigo comunista” era mais real e merecia mais atenção do
que aquela dedicada pelos Estados Unidos até então”
118
No começo de 1958, as perspectivas para uma eleição eram boas, pois os
rebeldes estavam relativamente fracos e Batista estava gradualmente
restabelecendo as garantias constitucionais “formais”. Tal clima era bem
retratado pela amigável conversa entre Roy Rubottom e o embaixador cubano
116
Op. Cit. P. 148.
117
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.154.
118
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre: UFRGS editora, 2003.
P.218.
51
em Washington. Nela, Campa afirmava que a situação era serena em Havana e
na maioria do país. Rubottom concordou e reafirmou o apoio americano à uma
transição “tranqüila e honesta”.
119
Aliás, essa era uma grande preocupação do governo estadunidense, que
conhecia bem o funcionamento das eleições na América Latina, que não
primavam pela lisura plena em alguns casos. A solução encontrada foi a de
enviar representantes da ONU e da OEA, como forma de garantir uma pretensa
legitimidade ao processo eleitoral cubano, marcado para junho.
Contudo, a postura do governo de Cuba se modificou a partir do retorno de
atividades mais incisivas por parte dos rebeldes e do embargo de armas imposto
pelos Estados Unidos. O governo cubano se tornava mais arredio no que se
referia às eleições de junho, preocupando os diplomatas estadunidenses que
trabalhavam no país. Smith ainda se encontrava otimista, após encontro com
Batista em fevereiro de 58. E até mesmo voltou a sugerir a presença de
observadores internacionais.
120
Todavia, em resposta ao memorando de Smith, o Secretário Dulles se
mostrava bastante reticente diante da possibilidade de eleições “honestas” em
Cuba no mês de junho. Dulles afirmava que as indicações por parte de suas
fontes eram de diversas irregularidades eleitorais. Entre as principais estavam as
fraudes no registro de eleitores, a prisão de opositores e o medo da oposição de
enfrentar Batista de uma forma mais direta. Diante disso, o Secretário desmentia
seu próprio embaixador e sugeria à embaixada uma forma de o Departamento
pressionar Batista.
121
Cinco dias depois, em 26 de fevereiro, vem a resposta de Smith através de
telegrama da embaixada. Nele, o embaixador mudou bastante o seu discurso,
optando por uma linha mais contida. Ali, Earl Smith reconheceu que diante da
opção pela não-intervenção muito pouco poderia ser feito em termos de pressão
direta. A solução apontada por Earl Smith era prosseguir com o embargo de
armas e buscar uma mediação conjunta entre Batista, a oposição e os enviados
da OEA.
119
Op. Cit. P. 1.
120
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.28.
121
Op. Cit. P.36.
52
Quando ele se refere à oposição armada representada por Fidel Castro, o
embaixador afirma que nenhuma espécie de negociação seria possível com
aquele grupo. O motivo apresentado era o de que eles não possuíam interesse
em um “modelo democrático” e que desejavam sinceramente o fracasso das
eleições. Dessa forma, não era conveniente para o governo estadunidense a
vitória ou mesmo a inclusão do 26 de julho no processo eleitoral.
122
Nesse ponto, tanto o embaixador como o Secretário concordavam. Castro e
seu grupo não pareciam maduros para a disputa política, nas bases que
agradavam aos Estados Unidos. A própria cúpula política norte-americana
também não acreditava que “eleições honestas” pudessem ser realizadas,
que Batista não arriscaria uma derrota para uma oposição que abrisse maior
espaço para uma agenda reformista.
O Departamento de Estado se tornava mais pessimista com o passar do
tempo, principalmente com a falta de êxito dos enviados da OEA e da Igreja
Católica Cubana, bem como com o adiamento das eleições por tempo
indeterminado. Tal adiamento foi anunciado pelo ditador cubano em março de
58, e não existia nova data marcada. Apesar desses constantes contratempos
que o planejamento das eleições enfrentava, Smith ainda se mantinha otimista
com as atitudes de Batista, como mostra este telegrama para o Departamento:
“Me parece que Batista iria apreciar uma aposentadoria honrosa. E ele pode obter isso através
de eleições honestas. Tais eleições poderiam também receber apoio da oposição política. Por
outro lado, os revolucionários não querem eleições sob qualquer circunstância e vão
violentamente se opor a qualquer ação que venha a dar para Batista uma aura de
respeitabilidade.”
123
É muito interessante notar que em dado momento o embaixador resume toda
a questão política a uma mera questiúncula pessoal entre os rebeldes e Batista
sobre “respeitabilidade”, deixando de lado elementos muito mais complexos. Mas
isso era resultante da crescente amizade entre ambos, que começava até
122
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.37.
123
Op. Cit.. P.58.”It is my reaction that Batista would welcome an honorable retirement. This he may have
through honest elections. Such elections would also receive the support of the political opposition. On the other
hand, the revolutionaries do not want elections under any conditions and will violently oppose any action that
will give Batista an aura of respectability.”
53
mesmo a atrapalhar as funções que Smith exercia como diplomata. Moniz
Bandeira comenta tal aproximação:
“Quando alguém falava do ”embaixador”, referia-se evidentemente ao embaixador
dos EUA. Os outros eram apenas embaixadores e mais o seu respectivo nome. Com
tal posição, Arthur Gardner e Earl E. T. Smith tornaram-se amigos de Batista, ao
tempo que foram embaixadores dos EUA em Havana, durante os anos 50.”
124
Essa atitude de Earl Smith trazia para ele próprio uma aura de desconfiança
por parte de Washington. As suas opiniões, muito estimadas no passado,
perdiam espaço para as políticas de cunho mais liberal, propostas por Roy
Rubottom e William Wieland. Assim, seus pedidos por intervenção, ajuda militar e
em Batista não encontravam eco nos altos-escalões diplomáticos do período.
Tanto para Eisenhower como para Dulles, uma agenda mais “democrática” para
a América Latina era vista como essencial naquele momento. Dessa forma, o
fluxo de poder convergia na direção do ARA, em detrimento do Pentágono e das
grandes multinacionais estadunidenses.
Diante da pressão de Castro e da indisposição de Batista, o Departamento de
Estado começava a ventilar possibilidades de garantir uma transição estável em
Cuba. A primeira saída sugerida foi a formação de uma junta civil-militar, que
seria uma alternativa segura para uma queda prematura do ditador ou também
caso ele derrotasse Castro e assim desistisse das eleições. Os diplomatas
William Snow e Allan Stewart, da seção de América Latina, discutiam nomes para
a composição desta junta.
De acordo com as fontes de ambos (exilados cubanos), no campo militar os
generais Eulogio Cantillo e Díaz Tamayo eram as figuras mais confiáveis para
uma transição. Eles não eram anti-americanos e contavam com sólido apoio nas
camadas inferiores do exército. entre os civis, os nomes de maior destaque
eram Miró Cardona e Gustavo Rúbio.
124
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. P.161.
54
Cardona era presidente da Associação de Advogados de Havana, bem como
um líder importante na questão de direitos humanos dentro de Cuba. Gustavo
Rúbio foi vice de Batista entre 1940 e 1944, assim possuía o conhecimento
necessário da máquina estatal cubana, bem como era considerado um homem
honesto e de reputação ilibada dentro da sociedade cubana.
Ao final da conversa, ambos concluíram que tal curso de ação causaria ainda
mais derramamento de sangue, bem como a quebra da política de não
intervenção nos assuntos de Cuba. E que a junta somente se legitimaria caso o
ditador perdesse o poder do país de maneira repentina para Fidel, e mesmo
assim seria uma ação controversa e com possibilidades de êxito muito baixas.
Restava então, de acordo com Snow e Stewart, apostar em um governo de
transição saído das eleições que foram remarcadas para novembro. Fora disso, a
única possibilidade viável seria lidar com Castro, o que não era uma alternativa
aceitável para a administração Eisenhower, no momento.
125
Após o mês de março, o tema eleições perde muita força nos meios
diplomáticos americanos. Crises como a ofensiva rebelde em abril, o seqüestro
dos cidadãos norte-americanos e canadenses e a eterna polêmica em torno do
embargo de armas ganham maior espaço. Em nova rodada de conversas sobre a
situação cubana, Snow e Stewart estavam ainda mais preocupados com a
deterioração da situação política em Cuba, bem como o projeto de eleições, que
afundava a olhos vistos. As palavras de Allan Stewart apresentam o cenário
daquele momento:
“A minha impressão é que a situação se deteriorou desde as duas semanas que passei de férias
ano passado. Entre meus amigos americanos existia um sentimento de pessimismo sobre o
futuro, diferente do ponto de vista anterior, quando acreditavam que os seus interesses estariam
melhor servidos se apoiassem o regime de Batista.
Prossegue Stewart:
125
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P68.
55
“Eles agora sentem que a erupção é inevitável, até mesmo em novembro, quando as eleições estão
marcadas para serem realizadas, ou em Fevereiro, quando Batista deve deixar o cargo.”
126
Mesmo diante de tal situação, Smith ainda insistia que Fulgêncio Batista iria
fazer “eleições honestas”, e que ele também iria aceitar observadores
internacionais, mas estaria “esperando” um chamado da oposição.
127
Contudo, a
cúpula do Departamento de Estado estava ciente da verdadeira situação em
Cuba e da “boa vontade” do ditador em relação às eleições vindouras.
Em agosto, o candidato do governo foi finalmente anunciado. Rivero Aguero,
braço direito de Batista, foi indicado pelo próprio para sua sucessão. O diplomata
Daniel Braddock se mostrava muito pessimista em seu relatório para o
Departamento, onde ele fazia um breve relato sobre a situação política cubana,
afirmando que Aguero encarnava a continuidade de maneira explícita.
Braddock acreditava que, a partir disso, o ânimo dos rebeldes não baixaria e
as lutas continuariam, mesmo com a saída de Batista. E ainda existia o boato de
que Aguero seria o presidente, mas que o ditador exerceria o papel de Chefe das
Forças Armadas, para lidar pessoalmente com Castro. Tal jogo de forças
impressionava o diplomata americano, que alertava ao Departamento que em
breve eles estariam sem alternativas e que a neutralidade estaria em xeque
diante de tal crise.
128
Seis semanas antes das eleições de 3 de novembro, Daniel Braddock envia
um novo relatório para o Departamento de Estado. Nele, o diplomata atestava
que o clima eleitoral era muito ruim, que as garantias constitucionais estavam
suspensas desde o início do ano. Assim, a oposição não conseguia fazer
campanha com a mesma efetividade do governo, que podia atuar livremente.
Como resultado, as eleições estavam desacreditadas pela oposição, que
tinha certeza de que o processo seria fraudulento.
129
126
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.162. “My
impression is that the situation has deteriorated in Cuba since two weeks spent there on vacation last year.
Among american friends there was a feeling of pessimism about the future, different from the earlier viewpoint
that their best interests would be served by supporting the Batista regime. They now feel an eruption is
inevitable, either in November, when elections are scheduled to be held, or in february, when Batista is supposed
to leave office. ”
127
Op. Cit. P.180.
128
Op. Cit. P.188.
129
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.217.
56
Ele também alegava que os candidatos de oposição eram muito fracos e que
somente Castro possuía força, mas não estava disposto a participar das eleições.
Ao fim do relatório, o diplomata resume bem a atitude geral do Departamento de
Estado em relação ao evento de 3 de novembro:
“Apesar de as próximas eleições cubanas não possuírem os padrões de uma eleição
democrática ideal, elas são as melhores que podem ser realizadas diante das circunstâncias que
agora prevalecem. Elas são na opinião da embaixada infinitamente melhores do que uma
violenta retirada de Batista e ainda melhor do que nenhuma eleição. É, portanto, do interesse
dos Estados Unidos encorajar as mesmas. ”
130
Dentro das conjecturas do poder no governo americano, o bloco do
Departamento de Estado obteve uma significativa vitória diante de um grupo
representado pelos militares e pelas grandes multinacionais.
131
Estas que
desejavam em Cuba uma intervenção nos moldes clássicos da atuação
estadunidense na América Latina. Dulles acatou a política que Eisenhower havia
traçado para a região em 1958, que se baseava sobretudo em uma agenda
positiva e buscava atingir a médio prazo uma posição de distanciamento sobre
assuntos internos dos países latinos.
A prova disso é que o Secretário deu suporte aos projetos mais moderados
vindos de diplomatas como Roy Rubottom e William Wieland, em detrimento de
visões tradicionais, como a do embaixador Smith. O próprio presidente não teve
uma participação maior neste momento, pois outras tensões internas e externas
o estavam consumindo, demandando maior atenção do que a relativamente
turbulenta situação cubana. Tais fatores evidenciam ao menos uma tentativa de
uma quebra de padrão para as relações interamericanas, onde Cuba seria uma
espécie de ensaio para outras situações.
A combinação de embargo de armas e pressão por eleições foi efetiva sob
certo aspecto, pois enfraqueceu Batista e obrigou o velho ditador a ceder poder.
Contudo, estava em desconsiderar Fidel Castro e o desejo por mudanças
130
Op. cit. P. 222. “Though the coming Cuban elections will not meet all the standards of an ideal democratic
election, they are the best that can be had under the circunstances now prevailing. They are in the embassy’s
view infinitely better than a violent overthrow of Batista and far better than no elections at all. It is therefore in
the interest of the United States to encourage them. ”
131
United Fruit, Texaco, Nicaro, ITT.
57
drásticas em sua sociedade, o que Fidel e seus companheiros encarnavam bem
naquela época. Dessa forma, Batista não conseguiu segurar o poder tempo
suficiente sequer para a transição desejada por Washington. Acabou sendo
deposto em 31 de dezembro de 1958.
Agora restava somente aquilo que o governo americano menos queria, que
era lidar com Castro na condição de mandatário supremo do país. A partir disso
se levantava uma pergunta nos corredores do Departamento de Estado:
prosseguir a mudança ou estabelecer novamente o velho padrão? São questões
como essa que vão consumir os trabalhos dos policymakers em Washington no
ano de 1959, evidenciando novas lutas e contradições pela efetivação “dos
melhores interesses” dos Estados Unidos em Cuba.
58
2. Cuba “Neutra”
2.1Testando Castro
Em outubro de 1959, Roy Rubottom havia declarado que o “período de testes”
em Cuba estava encerrado, e que a partir daquele instante a possibilidade de um
relacionamento saudável com o governo revolucionário não existia mais.
83
A partir
daquele momento as relações, entre Estados Unidos e Cuba atingiram um patamar
onde os interesses de ambos, a partir das perspectivas de seus projetos políticos,
eram irreconciliáveis.
Mas antes dessa ruptura, houve um período de nove meses onde os dois
países buscaram uma linguagem comum de entendimento diplomático, mesmo
diante do fosso ideológico que separava os dois regimes. E é sobre este período
que o segundo capítulo desta dissertação vai se concentrar. Em um primeiro
momento, vai-se analisar o impacto da chegada de Fidel Castro ao poder e as
primeiras impressões do Departamento sobre o novo regime
Posteriormente, pretende-se focar a questão da mudança de estratégia
estadunidense para Cuba, quando ocorre a passagem de um sistema de não
intervenção para o retorno ao padrão clássico intervencionista. E, por fim, na
segunda parte deste mesmo capítulo, vamos apresentar como essa modificação na
estratégia aparece no contencioso sobre a cana de açúcar e a lei de reforma agrária.
Como comentado no capítulo anterior, a saída de Batista era esperada, mas
não em dezembro de 1958. Diante dos eventos que se sucediam com tanta rapidez
na ilha, o Departamento de Estado optou por uma linha de moderação. Esperava-se
que através de uma política mais contida, seriam evitados maiores problemas com o
novo governo e ainda existiria a possibilidade de trazer o então “nacionalista” Castro
para o lado do “mundo livre.”
Este período não é muitas vezes tratado com o detalhamento necessário pela
historiografia clássica do tema. Existe a preferência por uma espécie de
83
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 616.
59
simplificação, que seria a de que o governo americano teria apenas o desejo de
derrubar Castro desde o primeiro dia. Aqui, pretende-se montar uma argumentação
diferente, mostrando a complexidade e a importância deste momento, quando o
governo estadunidense trabalhava ao mesmo tempo com as duas possibilidades: a
negociação e a remoção.
nos primeiros dias de janeiro, duas medidas de emergência foram
tomadas. A primeira consistia no afastamento do embaixador Smith, que por sua
ligação visceral com Batista, não possuía a menor condição de trabalhar como
representante do governo estadunidense junto a Cuba.
84
E a segunda foi o imediato
reconhecimento oficial do novo regime por parte da Casa Branca. A pressão pelo
reconhecimento do 26 de julho como novo mandatário em Cuba veio de uma
reunião na embaixada ,em Havana, com os principais dirigentes de multinacionais
estadunidenses no país.
Nessa reunião, os representantes da Esso, Banco de Boston e Cimento
Portland pediram o urgente reconhecimento por parte de Washington como forma
mais efetiva de proteger os seus negócios na lha, pelo menos a curto prazo. O
Diplomata Daniel Braddock comentou a reunião:
“Eles consideravam que o pronto reconhecimento era necessário para estabelecer o clima mais
favorável possível onde os negócios pudessem prosseguir, e afirmaram que ,sem o
reconhecimento, dos EUA eles seriam incapazes de lidar satisfatoriamente com os inúmeros
problemas que os confrontavam. ”
85
Imediatamente, o Secretário de Estado John Foster Dulles o seu aval para o
reconhecimento:
“Eu creio que as declarações do novo governo têm sido feitas de boa e que é do nosso
interesse nacional reconhecer o Governo Provisório de Cuba sem demora. O Governo
84
Earl Smith foi substituído temporariamente pelo seu assessor Daniel Braddock em janeiro de 1959. Ao final
do mesmo mês, assumiu Phillip Bonsal, que era diplomata de carreira servindo como embaixador na Bolívia. O
pai de Bonsal havia servido na embaixada em Havana no começo do século XX, logo após a guerra Hispano-
anericana de 1898.
85
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 346. “They
considered that prompt recognition was necessary to establish most favorable climate in which to carry on
business, and said that without recognition by US they would be unable to deal satisfactorily at all on the many
problems confronting them.”
60
Provisório parece ser livre dos comunistas e existem indicações de que ele pretende buscar
relações amistosas com os Estados Unidos. ”
86
Castro ainda não havia chegado a Havana e, dessa forma, era essencial para
o governo americano ter uma linha de ação inicial para nortear futuras ações
visando às relações com Cuba. Neste momento, o General Cantillo, chefe das forças
armadas cubanas, afirmava que não iria se intrometer e que Fidel seria o novo chefe
do país, pois contava com o apoio popular. Richard Gott explica as raízes desse
apoio:
“Ainda que existam maiores dúvidas sobre o exato estado da crise econômica e social nos anos
50, a repressão dos anos de Batista era uma realidade que provocou um clamor de vingança,
bem como demandas por um futuro melhor. A luta contra o ditador, para a maioria dos ativistas
do Movimento 26 de julho, era motivada, tanto pelo desejo de se livrar de um maldito
opressor, como pela esperança de uma melhor sociedade ainda por nascer. Foi por isso que
Castro recebeu um apoio tão vasto, mesmo em uma sociedade cubana tão dividida.
87
Nesse meio tempo, existe uma pressão enorme para que Smith saísse do
país. O Departamento temia seriamente que ele fosse vítima da agitação que se
seguia diante da chegada de Castro ao poder. Assim, Dulles pedia ao embaixador
que escrevesse uma carta ao presidente, quando ele pediria o seu retorno à vida
privada e explicaria o motivo de sua renúncia ao posto. O Secretário pedia urgência,
pois realmente não sabia qual seria a reação de militantes mais extremados diante
da presença americana na ilha.
88
Em 13 de janeiro de 1959, pela primeira vez a Casa Branca se manifesta
sobre o assunto Castro, através de uma nota redigida pelo seu staff. Nessa nota,
destacava-se o fato de que Castro não era um comunista, apesar de suas fortes
86
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 347. ‘I believe
that the statements of intention of the new government have been made in good faith and that it is in our national
to recongnize the Provisional Government of Cuba without delay. The provisional government of Cuba without
delay. The Provisional Government appears free from communist taint and there are indications that it intends to
persue friendly relations with the United States. ”
87
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. P.166.
88
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press,
1991.P.352.
61
tendências nacionalistas e socialistas. Também era apresentado como alguém que
tinha “gosto pela violência”, mas que não era um antiamericano convicto.
89
O Departamento também se preocupava com as primeiras informações que
chegavam, principalmente no tocante às questões dos direitos humanos e
democráticos, onde se enfatizava a atuação dos tribunais revolucionários.Moniz
Bandeira comenta os julgamentos:
“Entrementes, os julgamentos e as execuções na fortaleza de La Cabaña, sob o comando de
Che Guevara, de aproximadamente 550 militares e policiais, acusados de torturar, violar ou
assassinar cerca de 20.000 pessoas, durante os dois últimos anos do governo Batista,
começaram a provocar nos EUA ferozes críticas, sobretudo à forma sumária e escandalosa”
com que se realizavam.”
90
A imagem que Fidel Castro tinha dos americanos era vital para a condução
das políticas do Departamento de Estado. O cônsul em Santiago de Cuba, Park
Wollam, foi um dos que primeiro se manifestou a respeito. Ele atestava que Castro
somente ecoava o sentimento geral dos cubanos, mas que não era totalmente
contra a presença americana na ilha. E que cabia aos Estados Unidos a tentativa de
mudar a imagem de “sócio de Batista.”
91
Porém, pelo menos para os americanos, a imagem de Castro não era boa no resto
da América Latina. Principalmente após o início dos expurgos, como retrata Roy
Rubottom:
“Com poucas exceções, a reação oficial no comentário da imprensa e de cidadãos privados a
respeito das execuções em Cuba é extremamente desfavorável na América Latina.
92
A formação do novo gabinete também despertava a atenção dos diplomatas
estadunidenses pelo caráter heterogêneo de sua composição. O primeiro ministério
89
Op. Cit. P. 356.
90
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.P.187
.
91
Op.Cit. P.360.
92
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.369.”With minor
exceptions, official reaction and commentary in the press and by private citizens respecting the executions in
Cuba have been uniformly unfavorable in Latin America.”
62
estava repleto de membros que os Estados Unidos chamavam de “moderados”.
Seriam nacionalistas sem tendências comunistas ou que possuíssem um desejo de
apoiar o bloco oriental. Em contrapartida, existia a ala chamada de radical”,
representada por Che Guevara e por Raul Castro. Ambos eram tidos como
comunistas e antiamericanos. E era entendido pela diplomacia americana que um
embate entre essas duas correntes era algo bastante factível no futuro próximo.
93
Contudo, a impressão do Departamento era a de que a situação poderia ser
controlada, mesmo sendo tão complexa. Era necessário lidar com um regime que
ainda não havia se afirmado como “amigo dos Estados Unidos”, e que não havia
dado sinais desejando tais intenções. Sem contar que os americanos sabiam que
existia muito ressentimento por parte de cubanos como Castro, comentado por Park
Wollam:
“Um pouco disso certamente pode ser sem sombra de dúvida atribuído ao orgulho de uma
revolução vitoriosa. Acredito que muitos cubanos sempre tiveram um complexo de
inferioridade em relação aos Estados Unidos, e o sentimento sobre a Emenda Platt ainda não
está morto.”
94
Daniel Braddock, em substituição temporária de Earl Smith, comentava que
Castro ainda era uma incógnita, pois não era nem comunista e nem pró-americano.
Contudo, Braddock dizia que Castro culpava a imprensa internacional por distorcer
as suas declarações, levando-o a contrair problemas com o governo estadunidense.
O diplomata, através desse novo dado escreveu, em seu relatório que Castro ainda
poderia mudar o seu “padrão errático” de comportamento.
95
Entretanto, nem todos percebiam as declarações e atitudes de Fidel com a
mesma boa fé de Braddock. Em reunião conjunta entre o Departamento de Estado e
o Pentágono, as divergências logo apareceram. O Departamento argumentava que
para que uma “vantagem psicológica” fosse obtida sobre Castro, os americanos
93
Op. Cit. P.370.
94
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.373. “Some of
this is undoubtly the proud reaction to a sucessful revoluition. I think many cubans always had an inferiority
complex with respect to the United States, and the feeling about the Platt Amendment is not dead yest”
95
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.383.
63
deveriam retirar as suas missões militares da ilha, na tentativa de criação de um laço
de confiança com o novo governo.
O almirante Arleigh Burke estava particularmente descontente, que
afirmava que iniciativas cultivadas durante muitos anos seriam encerradas
bruscamente. Ele citava especialmente o seu caso na marinha, pois ela era
responsável por boa parte da frota mercante de Cuba. Existia também a
preocupação por parte do almirante de que, sem a missão naval, o Caribe poderia
perder parte da cobertura de proteção oferecida pelos Estados Unidos.
96
Contudo, era o Departamento de Estado que ainda detinha a primazia nas
decisões governamentais relativas a Cuba, e portanto, as missões foram retiradas.
Também atendendo a um pedido do próprio Fidel, que declaradamente não gostava
da presença das mesmas em solo cubano. Mas, mesmo dentro do Departamento,
se iniciava um certo descontentamento com a política mais moderada, vinda desde
1958. em fevereiro, os indícios de tal mudança começavam a aparecer, como
nos mostra esse memorando de Stewart Hill
97
:
“Nas seis semanas desde o vôo do presidente Batista e a emergência de Fidel Castro como o
vencedor na guerra civil, um governo estável, organizado e responsável não emergiu em Cuba.
98
Em reunião realizada pelo Conselho de Segurança Nacional, Dulles
destacava que a situação em Cuba era “muito preocupante”, e que Fidel era muito
inexperiente para ser um dos mandatários da nação. E que tudo isso poderia abrir
espaços para uma infiltração comunista e o caos na ilha estaria instaurado, o que
afetaria diretamente os interesses dos Estados Unidos. Ao final da reunião, Allen
Dulles faz uma ilustração de como os americanos deveriam tratar o novo governo
cubano:
96
Op.Cit. P. 389.
97
Assistente do Secretario de Estado Assistente para Assuntos Interamericanos, julho de 1958 aagosto de
1960.
98
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 395. “In the six
weeks since the flight of President Batista and the emergence of Fidel Castro as the victor in the civil war, a fully
stable, organized and responsible government has not emerged in Cuba. ”
64
“O Sr. Allen Dulles afirmou que os novos governantes cubanos deveriam ser tratados mais ou
menos como fazemos com as crianças. Eles tinham de serem liderados, ao invés de
repreendidos. Se fossem repreendidos, como com as crianças, seriam capazes de fazer qualquer
coisa.”
99
Na verdade, a idéia clássica de “imaturidade” foi bastante trabalhada nos
meios diplomáticos estadunidenses no que concerne às definições sobre as
lideranças do 26 de julho. A imaturidade ajudava a explicar um certo
posicionamento arredio de Castro contra o governo norte-americano e, de certa
forma, reforçava estereótipos referentes aos latinos bastante típicos. João Feres Jr.
analisa a percepção estadunidense sobre os seus vizinhos latinos:
“Ademais, dado que do ponto de vista americano, a condição latino-americana não justifica
uma atitude de orgulho, a existência desse comportamento por parte dos latino-americanos
sugere irracionalidade. Os adjetivos apaixonado (passionate) e impetuoso (impetuous) também
se associam ao comportamento irracional. Ambos são usados para descrever tipos de ação
guiadas por emoções e sentimentos, e por tanto, além do controle da razão.”
100
Feres Prossegue:
“Ser extravagante na aparência (showy in appearence) é obviamente uma característica
negativa que denota excesso de vaidade, superficialidade e afetação. Por fim, “dismissive”,
palavra sem tradução unívoca para o português, pode ser entendida como indiferença, falta de
respeito e até mesmo dissimulação.”
101
Após a visita de Castro aos Estados Unidos, em abril de 1959, o Sub-
Secretário de Estado, Christian Herter, foi passar as suas impressões de Fidel para
o presidente Eisenhower:
“Ele o descreveu como um indivíduo muito interessante, muito parecido com uma criança,
bastante imaturo no que se refere aos problemas de governo, e intrigado e confuso por muitas
das dificuldades práticas que o cercavam. Em inglês, ele falou com moderação e considerável
99
Op.Cit. P. 398. “Mr. Allen Dulles pointed out that the new cuban officials had to be treated more or less like
childern. They had to be led than rebuffed. If they were rebuffed, like childern, they were capable of doing
almost anything.”
100
JÚNIOR, João Feres. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC
editora, 2005. Cap. 2.
101
Idem.
65
charme pessoal. Em espanhol, contudo, ele se tornou volúvel e excitado, e até mesmo
selvagem. ”
102
Novamente se reforça a questão da imaturidade e da criança, através da qual
se pode perceber o filtro que permeia a visão de mundo anglo-saxônica em relação
aos latinos. Ela se torna ainda mais evidente, quando se compara a fala em inglês e
espanhol, utilizando-se inclusive o adjetivo “selvagem” ao falar das reações do líder
cubano se expressando em sua língua original.Isso retoma a velha analogia entre o
mundo anglo-saxônico, pretensamente racional, em dissonância com a
irracionalidade, que seria provocada pelas “paixões latinas”. O vice-presidente
Richard Nixon também se reuniu com Castro e teve a possibilidade de passar as
suas impressões. Em seu resumo, ele falava que Fidel era “incrivelmente ingênuo”
no que se referia à ameaça comunista. E que as idéias dele sobre governo e
economia eram “pouco desenvolvidas”.
103
Apesar dessas impressões pouco positivas, o setor de América Latina
recomendou moderação, em seu relatório final, para o presidente Eisenhower:
“Seria um erro sério subestimar este homem. Com toda a sua aparência de ingenuidade, não
sofisticação e ignorância em muitos assuntos, ele tem claramente uma personalidade forte,
além de ser um líder de muita coragem pessoal e convicção. ”
104
Na verdade, mesmo diante de tantas vozes dissonantes, Castro permanecia
como um enigma para a diplomacia dos Estados Unidos. Ora ele acenava com
bombásticos discursos antiamericanos, era, quando se encontrava com o
embaixador Bonsal, falava em termos “moderados e serenos”. Existia ainda uma
esperança sincera por parte do Departamento em buscar um entendimento com os
elementos mais moderados do novo governo. Da mesma forma que ainda se
102
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 475. “He
described him as a most interesting individual, very much like a child in many ways, quite immature regarding
problems of government, and puzzled and confused by some of the practical difficulties now facing him. In
english he spoke with restraint and considerable appeal. In spanish, however, he became voluble, excited, and
somewhat wild.”
103
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 476.
104
Op. Cit. P. 483. “It would be a serious mistake to underestimate this man. With all his appearance of naiveté,
unsophistication and ignorance on many matters, he is clearly a strong personality and a born leader of great
personal courage and conviction.”
66
esperava que Fidel Castro baixasse o tom de seus discursos contra os
estadunidenses.
Ao governo americano, não restavam muitas alternativas, pois eles
compreendiam que Castro era popular, e que a oposição, por sua vez, era
desorganizada e impopular. Assim, a possibilidade de incentivar um golpe via
oposição era uma possibilidade destinada ao fracasso. As observações dos
americanos sobre Fidel e seu grupo prosseguiam. Eram muito elogiadas a
“honestidade” e a “clareza” do governo, contrastando com os tempos de Batista.
Porém, o caráter dúbio do 26 de julho no que se referia ao combate ao comunismo,
era uma crítica constante.
Daniel Braddock afirmava em seu relatório que apesar dos comunistas não
terem feito grandes avanços, contavam com a simpatia de muitos membros do
movimento, especialmente Che Guevara.
105
As críticas também recaiam fortemente
sobre o pouco avanço da “democracia” na ilha, bem como o cerceamento de direitos
individuais e o uso de um código rebelde sumário para os julgamentos de crimes
políticos.
Os advogados da moderação, que desde de 1958 estavam conseguindo fazer
valer o seu posicionamento sobre a situação cubana, começavam a perder força
gradativamente para outros setores do próprio Departamento e do Pentágono. Allen
Dulles, o diretor da CIA, era um dos mais ferozes críticos de Castro, mostrando o
líder cubano como um perigo aos Estados Unidos:
“Sr. Dulles afirmou que os comunistas estavam agora operando abertamente e legalmente em
Cuba. Embora o regime de Castro não pudesse ser descrito como dominado pelo comunismo,
era verdade que os comunistas haviam penetrado em diversas organizações, tais como
sindicatos e as forças armadas, entre outras. Eles têm um potencial para uma penetração ainda
maior no futuro.”
106
O almirante Arleigh Burke ao se corresponder com o chefe da frota do
atlântico, almirante Jerould Wright, falava que ele parecia notar um certo
105
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.419.
106
Op. Cit. P. 441. “Mr. Dulles went on to state that Communists were now operating openly and legally in
Cuba. While the Castro regime could not be described as Communist-dominated., it was neverthless true that the
Communists have penetrated into variuous organizations such as labor unions, the armed forces, and others.
They have a potential for even greater penetration in the future.
67
“desencanto” por parte dos diplomatas estadunidenses com o que ele chamava de
“Castro Boys.” O almirante até mesmo fez uma aposta com o diplomata Murphy de
que em breve Castro se revelaria pior do que Batista. E Burke estava confiante que
iria ganhar a aposta.
107
Esse tipo de sentimento se tornava mais comum ao longo de 1959 na alta
cúpula político-militar estadunidense, o que começava a gerar um clima de
distanciamento entre Cuba e os Estados Unidos. Mas a passagem dos meses não
trazia nenhum progresso aparente nas duas principais metas do “testeamericano
para o novo governo. A primeira meta era uma demonstração sólida de apoio aos
Estados Unidos e suas políticas para o hemisfério, e a segunda consistia em
demonstrar um efetivo combate ao comunismo no plano interno.
Até o momento, Castro estava sendo reprovado pelos Estados Unidos nos
dois quesitos. Com o agravante de flertar seguidamente com idéias, atos e
elementos “subversivos” aos interesses estadunidenses. Não bastasse tudo isso,
como foi possível avaliar anteriormente, Castro evocava em certas lideranças
estadunidenses todos os estereótipos de um latino, o que colaborava ainda mais
para um sentimento crescente de desconfiança e afastamento.
Em abril de 1959, Daniel Braddock, da embaixada norte-americana em
Havana, estabeleceu um plano para o combate ao comunismo em Cuba. Esse plano
visava ao Departamento de Estado ter um maior controle sobre as atividades
comunistas no país e perceber de que forma elas estavam ligadas ao governo
cubano. O plano de Braddock consistia em o bater de frente com Castro, na
tentativa de isolar o líder cubano dos membros mais radicais do movimento.
Também estava previsto um trabalho de influencia sobre a imprensa cubana
no sentido de expor as publicações comunistas. Da mesma forma, era uma parte
importante do plano dar visibilidade às lideranças moderadas do movimento, como
Felipe Pazos e Rufo Lopes Fresquet
108
. Esses líderes seriam agraciados com vistos
facilitados aos Estados Unidos, e também com visitas ao país para uma espécie de
turismo orientado, tendo em vista angariar simpatia para os estadunidenses.
109
107
Op. Cit. P. 445.
108
Felipe Pazos foi presidente do Banco Central de Cuba entre Janeiro e Novembro de 1959. Fresquet Foi
minstro das finanças de Cuba entre janeiro de 1959 e março de 1960.
109
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.Pp. 464-465.
68
O planejamento e execução deste projeto por parte do Departamento de
Estado traz à tona uma sutileza bastante interessante. Aqui, começa o abandono da
idéia de não-intervenção, tão defendida em 1958. Durante aquele ano, os
americanos tentaram ao máximo se comportarem como meros espectadores dos
eventos políticos em Cuba. O seu peso político nas decisões daquele instante foi
reduzido ao menor denominador possível.
Em 1959, o momento era diferente, e uma nova postura precisava ser criada
diante de um novo regime que assumia um país tradicionalmente aliado, e de
grande importância história e estratégica. Foram quatro meses de estudos, análises
e percepções, onde Castro não conseguia atender às demandas para passar no
“teste” feito pelo Departamento de Estado. Tornava-se necessário, a partir disso,
rever alguns pressupostos e buscar uma postura mais proativa nas relações com
Cuba.
Mas, ao mesmo tempo, o Departamento sabia que meramente retirar Castro
do poder não era uma alternativa para o momento. A oposição em Cuba era fraca, o
líder era popular e o governo Eisenhower estava muito enfraquecido no plano
interno. Enfraquecido pela vexatória derrota nas eleições legislativas de 1958, pelas
denúncias de corrupção e pelos fracassos na Guerra Fria
110
. Os congressistas
democratas e boa parte da imprensa criticavam bastante o presidente pela falta de
êxitos na política externa e pela crise interna na questão racial, que explodia nas
escolas e universidades dos estados do Sul naquele exato momento.
111
Todos esses fatores, tão diversos entre si, retiravam a possibilidade do uso da
força militar em um futuro imediato. Dessa forma, os Estados Unidos iriam usar
outras ferramentas como uma maneira de tentar “moldar” Castro e seu governo.
110
Nas eleições de 1958 para a renovação do Congresso, os Democratas ficaram com uma confortável maioria
de 283 congressistas, contra 154 Republicanos. Essa confortável vantagem colaborou para que Eisenhower
ficasse com uma margem de manobra ainda menor de governabilidade. Para piorar, em 1959 o avião espião U2
foi derrubado sobre solo soviético, e o piloto americano sendo capturado e preso, gerando um grande mal estar
diplomático entre os dois países. Por fim, um dos assessores mais ligados ao presidente, Sherman Adams foi
retirado do cargo diante das acusações de recebimento de propina por parte de um empresário da Nova
Inglaterra. Entre um dos “mimos recebidos”, estava um casaco de pele de Vicuña, animal parente da lhama.
111
Em 1957, a chamada “Decisão Brown” foi aprovada na Suprema Corte, onde, a velha legislação racista do
sul, conhecida como Jim Crow, estava abolida. Assim, foi dado aos negros o direito de freqüentar as escolas dos
brancos, o que gerou uma série de violentos protestos no sul, principalmente no Arkansas. A União utilizou
tropas do exército para efetivar a decisão do Supremo, o que gerou um imenso desgaste político de Eisenhower
na região.
69
Hans Morghentau afirmava que uma grande potência tem que trabalhar com o poder
em política externa nas suas três dimensões: militar, econômica e ideológica.
112
E que o equilíbrio entre elas era o verdadeiro sinal de uma política externa
forte e consistente, facilitando a tarefa de manutenção do Status quo. É possível
inferir, a partir da percepção de Morghentau, que os Estados Unidos estavam
realizando inicialmente um movimento no sentido de utilizar o seu capital ideológico
para persuadir Castro. As iniciativas contra o comunismo em Cuba anunciadas por
Braddock evidenciavam o começo de uma mudança no fluxo de poder do
Departamento de Estado e até mesmo dentro da cúpula governamental.
Novas vozes se manifestavam no sentido de alertar que a ilha estava indo por
um caminho “perigoso”, e que algo era necessário ser feito. Caso contrário, um
vizinho comunista poderia colocar em xeque a segurança do Caribe, e por sua vez, a
hegemonia norte-americana na região. A tradicional influencia dos Estados Unidos
poderia ser ameaçava pela existência de um enclave comunista, que traria
instabilidade para as frágeis democracias locais, e também, para os grandes
investimentos das indústrias estadunidenses. É com um apelo nesse sentido que
escreve o embaixador na Costa Rica, Whitting Willauer, para Roy Rubottom:
“Em apoio a esta idéia eu acredito que nós temos evitado o enfrentamento com nossos
vizinhos por muito tempo. Eu sei que muitos acham que tal enfrentamento nos
resultaria em perda de amigos, mas eu acredito que ocorreria justamente o oposto. Eu
lhe asseguro que possuo o maior respeito pela nossa firmeza nos assuntos relativos aos
comunistas, mas estou constantemente preocupado com as declarações e atitudes de
outros que, no mínimo, parecem ter sucumbido ao senso de derrotismo. ”
113
Essa declaração do embaixador parece ao mesmo tempo ser um desabafo e
uma crítica. Um desabafo, que representava o anseio de diversos setores do ARA e
do CMA por uma ação mais efetiva em Cuba. E a crítica, pelo autor da carta falar de
derrotismo para a pessoa que melhor “encarnava” esse sentimento, que era Roy
112
MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo: Editora UnB,
2003. Cap 2, pp. 49-199.
113
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.496. “In support
of this view I submit that we have been avoiding a showdown with our neighbors too long. I know that many
feel that such a showdown would lose us friends but I feel that the opposite result would follow. I assure you that
I have the greatest respect for your own firmness on Communist matters, but Iam constantly worried by remarks
and attitudes of others who seem at the very least to have succumbed to a sense of defeatism.”
70
Rubottom. Ele era um remanescente dos anos da presidência Roosevelt, com todo o
legado da política de boa vizinhança conduzida por Sumner Welles e Cordel Hull.
E diante desse histórico, sempre foi um defensor de uma política afirmativa
para a América Latina. Em um encontro com Fidel, ocorrido em Buenos Aires em
maio de 59, esse posicionamento fica bastante evidente:
“Os Estados Unidos, a mais de 25 anos atrás, abriram mão voluntariamente de seu
status especial em Cuba, e, embarcou na política de o-intervenção em toda a
América Latina. Esta política pagou ricos dividendos para todo hemisfério. Nós não
queremos ser um país isolado de nossos amigos latino americanos, nem queremos ver
vinte países latino americanos unidos em um bloco contra os Estados Unidos. Isso
seria algo trágico.”
114
Rubottom continua:
“Eu disse que os Estados Unidos permaneciam firmes em todos os princípios do
sistema interamericano, sendo que nenhum é mais importante do que a igualdade
jurídica dos Estados, a não-intervenção, as consultas sobre problemas, e a segurança
mútua como está expresso no Tratado do Rio.”
115
Aqui, as declarações de Rubottom e Willauer mostram exatamente a divisão
existente no Departamento de Estado naquele momento. De um lado, aqueles que
possuíam as velhas visões conservadoras de uma América Latina que precisaria de
um “tutor” contra perigos externos e o provável problema do efeito dominó de Cuba
sobre o continente. É o amálgama das características da direita americana do
período, onde o anticomunismo aparecia com bastante ênfase.
116
114
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.502. “The
United States, more than 25 years ago, voluntarily forsook its special status in Cuba, and embarked upon the
policy of non-intervention in all Latin America. This policy has paid rich dividends for the entire hemisphere.
We do not want to be a country isolated from our Latin American friends, nor do we want to see twenty Latin
American countries united in a bloc against the United States. This would be a tragic thing.”
115
Idem. “I Said that the United States stood firmly on all the principles of the inter-American system, none of
which were more important than juridical equality of states, non-intervention, consultation on problems, and
mutual security as expressed in the Rio Treaty.”
116
MICKLETHWAIT, John. WOOLDRIDGE. Uma nación conservadora: el poder de la derecha em Estados
Unidos. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2007. P.64.
71
Rubottom representava a tradição liberal americana, vindo de uma matriz
Wilsoniana”, de acordo com Walter Russel Mead.
117
Tal percepção ênfase em
uma visão onde a segurança coletiva é a chave para a formação de uma Sociedade
Internacional, baseada justamente em princípios jurídicos muito semelhantes aos
aplicados dentro de cada Estado. Contudo, o conceito “Wilsoniano” não deve ser
interpretado ao da letra, pois, aqui na década de 50, as idéias liberais
estadunidenses passam por princípios ainda mais complexos do que aqueles
elaborados por Wilson no inicio do século XX.
Porém, ao contrário de 58, quando o fluxo de poder favoreceu os liberais
Rubottom e Wieland, a maré parecia estar se voltando a favor de um retorno a
posturas mais conservadoras. Um evento em particular parecia sedimentar tal
mudança no Secretariado de Estado. Ao contrário do que poderia se pensar, John
Foster Dulles não saiu por falta de eficiência, mas sim porque estava em estágio
terminal de um câncer que ele havia descoberto a um ano atrás.
Em seu lugar, assumiu o subsecretário, Christian Herter, o mesmo que havia
chamado Castro de “selvagem”. Apesar de seu público desgosto pelo líder cubano,
Herter sabia que não poderia quebrar a política do Departamento do dia para noite,
e sabia bem que o grupo moderado de Wieland e Rubottom possuía ainda uma
certa predominância no processo decisório relativo a Cuba. Herter evidenciava suas
preocupações com o regime de Castro durante a reunião do Conselho de Segurança
Nacional em 25 de junho.
Neste encontro, Allen Dulles pressionava o novo Secretário, que ele
afirmava que o novo regime cubano poderia trazer a instabilidade para o Caribe. E
que essa instabilidade estaria se mostrando, através de articulações rebeldes em
Honduras e na República Dominicana. Em resposta, Herter atestava a Dulles que o
Departamento estava atento aos desenvolvimentos das situações nestes países.
Mas, que os Estados Unidos estavam diante da encruzilhada, pois não podiam
apoiar ditaduras, e nem apoiar grupos rebeldes ligados ao comunismo.
117
Walter Russel Mead define os “Wilsonianos” da seguinte forma: Os wilsonianos acreditam que os Estados
Unidos possuem uma obrigação moral e um importante interesse em disseminar os valores democráticos e
sociais estadunidenses pelo mundo, criando pacífica comunidade internacional que aceite viver sob o império da
Lei.
72
Herter também se mostrava preocupado com o anseio de uma atitude violenta
por parte do governo contra Cuba, atendendo aos interesses de empresários, da
mesma forma que na Guatemala em 54. Por fim, Eisenhower lhe perguntou se havia
ainda uma possibilidade de mediação, via OEA. O Secretário lhe respondeu
afirmativamente, mas fez a ressalva de que seria algo lento, pois não contava com o
apoio de muitos países latino-americanos para medidas mais efetivas.
118
A tarefa de Christian Herter não era nada fácil. Ele tinha de substituir John
Foster Dulles, um dos membros do gabinete mais próximos ao presidente. Além
disso, ele foi o responsável por coordenar uma série de iniciativas diplomáticas
ousadas, o que era uma meta pessoal de Eisenhower para os seus dois últimos
anos de governo. Esse programa deveria gerar sucessos não somente na América
Latina, mas, principalmente na Europa e na Ásia. Também era um objetivo central
de Eisenhower trazer os soviéticos para uma espécie de deténte.Não bastasse estar
sendo confrontado diante de tamanhos desafios para apenas dois anos de mandato,
Herter não conseguiu ter o mesmo impacto que Dulles teve no cargo, como mostra
Elmo Richardson:
“O sucessor de Dulles, o Subsecretário Christian A Herter, nunca teve um papel de
liderança na política externa da administração. Herter rapidamente estabeleceu um
bom relacionamento de trabalho com Eisenhower. Apesar de ele ter a confiança do
presidente, Herter nunca desenvolveu o mútuo entendimento bastante íntimo com o
presidente que o seu predecessor possuía.”
119
Assim, o Secretário buscava o seu espaço na administração dentro de uma
conjuntura pouco favorável para ele próprio. Dessa maneira, restava somente para
Christian Herter seguir provisoriamente pela vereda dos moderados na questão
cubana. Robert Kleberg, um lobbista ligado aos empresários americanos em Cuba,
e, que possuía bom trânsito na Casa Branca, havia se encontrado com Eisenhower
“sugerindo” medidas mais drásticas contra Castro
120
.
118
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.542.
119
PACH, Chester J. Richardson, Elmo. The presidency of Dwight D. Eisenhower. Wichita: University
of Kansas Press, 1991. P. 204.
120
Kleberg sugeriu ao presidente que a cota de açúcar cubano fosse cortada imediatamente, que todos os bens de
cubanos nos EUA fossem congelados, que passaportes e vistos fossem pedidos para cubanos e que nenhum visto
73
Herter respondia ao presidente nesses termos:
”Eu acredito que a execução de qualquer uma das recomendações dele (Kleberg) neste
momento não iria atingir os resultados desejados, e certamente traria críticas aos
Estados Unidos por parte da maioria dos países Latino-americanos, para o deleite dos
propagandistas comunistas.”
121
Tal ponto de vista demonstra que o Secretário estava, na medida do possível,
tentando manter o curso da política aplicada aentão, que era a de espera para
permitir uma melhor análise dos intentos de Fidel. Mas um Secretário fraco era algo
fatal neste momento, onde outros setores da administração buscavam uma maior
cota de poder nas decisões de política externa. Apesar da pressão constante do
corpo empresarial, do Pentágono e da CIA, o Departamento se mantinha fortemente
dentro de seu posicionamento inicial. Isso fica bem claro nas palavras do
embaixador Bonsal para o Secretário:
“Eu fortemente recomendo para o presente momento que s continuemos a política
de amizade em relação a Castro e a Cuba, utilizando de toda nossa influência para
guiá-lo rumo a uma situação econômica mais estável, e nós não podemos dar nenhum
sinal de encorajamento para qualquer tipo de movimento que vise derrubar Castro.”
122
Tal posicionamento retrata bem o fato de que os diplomatas estadunidenses
dessa corrente estavam tentando utilizar o poderio americano nas suas três
dimensões: militar, econômico e ideológico. Contudo, para o grupo do Pentágono e
da CIA, o excesso de ênfase no “prestígio” e nos valores dos Estados Unidos para
trazer o novo governo para o seu lado não era suficiente. Esse tipo de discurso por
parte do Departamento de Estado ajudava a reforçar certas idéias do
de turismo fosse concedido. Também sugeria manobras rotineiras da frota no Caribe e anúncio de que os EUA
lutariam contra o comunismo em Cuba, seguindo os mesmos “princípios” de 1898.
121
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 553. “I believe
that the execution of any one of his recommendations at this time would not achieve his desired objective and
would be likely to bring strong criticism upon the United States from most other Latin American countries to the
delight of Communist propagandists.”
122
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 554. “I strongly
recommend that for present we continue policy of friendliness toward Castro and GOC, using our influence in
every way to guide him towards sounder economic ground, and that we give no encouragement of any kind to
movements aimed at overthrowing Castro. ”
74
conservadorismo norte-americano sobre os diplomatas, como comenta Walter
Russel Mead:
“Na prosa imortal de Nixon, um grupo de ‘esquerdinhas afeminados, metidos em
ternos risca-de-giz’ no Departamento de Estado e de diplomados na Universidade da
Covarde Contenção do Comunismo de Dean Acheson atraiçoou o interesse
nacional. Kristol identifica o engano fundamental dessa elite: a ilusão de que
marchamos, no final das contas, para uma ‘comunidade mundial’.”...Nosso
Departamento de Estado atua na maior parte do tempo como se tal mundo já
estivesse ao alcance da mão, como se a diplomacia não fosse mais a empregada da
política externa, mas sim sua patroa.””
123
Diante dessa percepção da diplomacia estadunidense, os grupos opositores
dentro do Estado se articulavam da forma que era possível. A melhor maneira,
naquele momento, de se estabelecer uma pressão era via reuniões do NSC, que é
um órgão bastante heterogêneo, próximo ao presidente e onde havia a possibilidade
da confrontação direta Departamento x Pentágono. Isso estava se tornando claro
nas reuniões a partir do mês de junho, quando o descontentamento com Castro
aumentava entre os setores mais conservadores da política estadunidense. Em mais
uma reunião do Conselho, em julho, Allen Dulles foi bastante enfático.
O diretor da CIA se mostrava preocupado com as movimentações rebeldes no
Caribe, e acreditava que Castro poderia estar fomentando revoluções na República
Dominicana e no Haiti. Paralelamente, Dulles alertava para a lei de reforma agrária e
o risco que isso significava para os interesses americanos. Ao mesmo tempo, o
Diretor sugeria que havia a possibilidade do surgimento de distúrbios domésticos em
Cuba, deixando implícito que algum proveito poderia ser tirado de tal situação.
124
As inferências de Dulles iam de encontro às pretensões do Departamento e
as recomendações do embaixador Bonsal. Em resposta às demandas de tal reunião,
Bonsal fez um novo memorando baseado em conversas com uma “fonte” muito
segura dentro do governo Castro. A partir dessa conversa, o embaixador estabelecia
seis pontos básicos para buscar um melhor entendimento com o governo cubano
123
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. P. 61.
124
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 555.
75
naquele momento. Os seis pontos reafirmavam as estratégias anteriores e
reafirmavam a não intervenção. Contudo, havia um adendo onde se dizia que “o
governo americano vai exigir tratamento justo aos seus investimentos privados em
Cuba.”
125
Mas mesmo esse adendo não significava uma mudança séria em termos de
estratégia. Era meramente uma adaptação tática necessária diante da lei de reforma
agrária. Tanto que Douglas Dillon
126
, em resposta à Phillip Bonsal, concordou com
os seis pontos, e até mesmo elogiou as medidas do embaixador. E afirmou que o
rumo até aquele momento estava correto, e que uma conciliação deveria ser
buscada com o governo cubano na medida do possível, que Castro ainda não
havia se revelado um comunista.
127
Alguns dias depois, Castro anunciava a saída de Manuel Urrutia da
presidência e até mesmo uma pretensa renúncia sua como primeiro-ministro. A
renúncia de Fidel se revelou falsa, mas Osvaldo Dorticos substituiu Urrutia como
novo presidente de Cuba. Sobre este evento, comenta Richard Gott:
“O próximo na linha foi o presidente Urrutia, que foi forçado por Castro a renunciar
em julho, depois que ele escancarou as suas opiniões anti-comunistas em diversas
entrevistas publicadas. A escolha de Castro como novo presidente foi Oswaldo
Dorticos, um advogado e comodoro do Cienfuegos Yacht Club, que não era antipático
aos comunistas. Ele até foi secretário de Juan Marinello, um figurão de longa data do
partido comunista. ”
Esta modificação simbolizava, para o governo norte-americano, que na
verdade os presidentes eram instrumentos subordinados da vontade de Castro, e
que a ala mais radical nacionalista do movimento estava ganhando terreno sobre a
ala moderada e pró-americana. A partir disso, as pressões para uma diplomacia
com maior uso da força se intensificavam em Washington. E, consequentemente, o
espaço para as iniciativas anteriores, como as delineadas por Roy Rubottom e Phillip
Bonsal, desapareciam rapidamente.
125
Op. Cit. P. 562.
126
Douglas Dillon foi Subsecretário de Estado durante o secretariado de Christian Herter.
127
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 563.
76
O aprofundamento da crise decorrente do impasse da Lei de Reforma
Agrária, o aumento substancial da influência de Che Guevara e Raul Castro nos
rumos da revolução, um Fidel que se torna gradativamente mais antiamericano eram
os sinais de que Cuba estava reprovada no chamado “testedo Departamento de
Estado. A possibilidade de um entendimento havia desaparecido. A política
tridimensional executada pelo Departamento perderia o seu poder e prestígio junto à
Casa Branca. Eisenhower, diante dessa situação iria optar pela política
unidimensional.
Esta política era unidimensional, porque, contemplava apenas um aspecto
em política externa, que era o uso do poder militar para acelerar a remoção de um
governo estrangeiro. O processo decisório em política externa nos Estados Unidos é
fortemente marcado por essa disputa vigorosa entre paradigmas discordantes.
Sobre esta forma de construção da política externa estadunidense, fala Walter
Russel Mead:
“A política externa norte-americana depende do equilíbrio de valores e pontos de vista
contrastantes e em mútua competição: é, ou procura ser, uma sinfonia, e não um
solo.”
128
O tipo de trabalho anteriormente realizado pelo Departamento foi, aos poucos,
sendo abandonado nos meses seguintes. A nova solução agradava bastante os
interesses da América Corporativa em solo cubano, bem como seguia os ditames
que o Almirante Brurke e Allen Dulles vinham defendendo há tanto tempo. A partir de
agora, o propósito é mostrar como o processo de quebra diplomática com o governo
cubano realmente se efetiva, bem como o papel do contencioso sobre a Lei de
Reforna Agrária na consolidação deste processo.
128
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora,2006. P. 89.
77
2.2. O Rito de Passagem.
À medida que Castro estava reprovado no teste de fidelidade realizado pelo
Departamento de Estado, a ruptura se constituiu, não em um processo de quebra
imediata mas, sim, em uma lenta transição. Ela não foi imediata, pois, como
comentado anteriormente, as “pombas” do Departamento ainda possuíam a primazia
no processo decisório relativo a Cuba. Porém, como também foi possível
constatar, essa primazia estava sendo fortemente contestada por setores que
defendiam uma política mais agressiva por parte do Estado norte-americano,
representados principalmente pelo Pentágono e pela CIA.
Com o decorrer do ano de 1959, diversas situações de tensão colaboraram
para uma transformação importante da política externa estadunidense, que foi a
passagem da primazia do processo decisório das mãos do Departamento para as
mãos da Defesa. Isso foi algo bastante importante, pois significou a vitória da
agenda de um grupo muito bem articulado, que suplantou em importância até
mesmo o grupo responsável pela formulação da política externa estadunidense.
Dessa forma, o objetivo desta seção é analisar este rito de passagem do eixo
central de poder na questão da política externa americana em relação a Cuba.
Também é importante perceber o papel da Lei de Reforma Agrária, das
nacionalizações e da radicalização do movimento 26 de julho nessa mudança que
ocorreu dentro do processo de formulação da política externa estadunidense.
Como comentado anteriormente, a manobra política que afastou o presidente
Manuel Urrutia e um grande grupo de moderados do centro do governo cubano,
irritou bastante a cúpula do governo americano. Aquilo era visto como um sinal de
que a revolução estava pendendo para um caminho complicado, que eventualmente
acabaria flertando de maneira muito perigosa com o comunismo. Já não existia mais
a esperança por parte dos diplomatas americanos que os moderados pudessem
retomar o poder. Agora eles sabiam que, além de lidar com um governo
revolucionário a poucos quilômetros da Flórida, este governo estava se tornando a
cada dia mais antiamericano.
78
Esse pessimismo se revela em boa parte quando Harry Turkel
129
, Diretor do
escritório de assuntos econômicos interamericanos, fez um relatório explicando a
situação financeira de Cuba. Ele explicava que o país vivia uma situação muito
complexa, pois o déficit na balança comercial girava em torno de 100 milhões de
dólares por ano. Era também destacado por Turkel que as reservas eram muito
baixas e que a situação era agravada pelo baixo preço do açúcar no mercado
internacional, a principal fonte de exportação do país.
130
O diplomata afirmava que as obras blicas estavam paradas desde os
tempos de Batista, e que não havia um cronograma de retomada dessas obras.
Tendo em vista esses problemas, Harry Turkel comentava assim as chances de
Castro de sobreviver ao primeiro ano de governo:
“Eu prevejo que Castro, visando sobreviver, vai tomar posse de todos os elementos da
economia nacional, do mesmo jeito que Perón. Se ele fizer isso, (e evitar uma guerra
ou seu assassinato) ele pode sobreviver a este ano. Ao contrário de Perón, contudo, ele
teve o azar de assumir o poder quando: (1) as reservas monetárias estão exauridas, e
(2) o preço da maior exportação do país está muito baixo.”
131
Diante disso, Turkel fez três recomendações básicas ao governo no campo das
relações econômicas com Cuba:
“Um empréstimo para equilibrar os pagamentos poderia ter sido considerado somente
enquanto ainda havia esperança de se colocar os moderados na ascendência do
governo. Esta esperança está acabada. Além do mais, considerando as políticas
domésticas de Castro, um empréstimo para saldar a balança de pagamentos seria
dinheiro perdido e o inicio de um dreno sem fim.”
132
Turkel prossegue:
129
Diretor do Escritório Interamericano Regional de Assuntos Econômicos.
130
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 546.
131
Op. Cit. P. 547. “I predict that Castro, in order to survive, will take over the direction of all elements of the
national economy, as did Peron. If he does this (and avoids assassination and war) he may survive this year.
Unlike Peron, however, he has bad luck to take over when: (1) the monetary reserves are exausted, and (2) the
price of the country’s major exports is too low.”
132
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.548. “A balance
of payments loan could have been considered only while there was still hope of putting the moderates in the
acendancy. That hope is gone. Moreover, considering Castro’s domestic policies, a balance of payments loan
would be money lost and the beginning of a never-ending drain. ”
79
Existem muitas outras armas no arsenal da guerra econômica: proibição de
empréstimos públicos e privados, tratamento comercial discriminatório,
desencorajamento de investimentos e impedimento de transações financeiras.
Algumas dessas armas tem vantagens duvidosas, outras são desnecessárias ou são
duras demais. Eu creio que o uso de qualquer uma medidas agora seria algo
contraprodutivo. ”
133
E por fim:
“Suponhamos, contudo, que nós estivermos em janeiro, e as relações de Cuba com os
EUA se deterioraram ainda mais, mas não a ponto de usarmos o martelo da autoridade
de cortar a cota cubana. A legislação do açúcar precisa ser passada em 1960 e dura
geralmente 4 anos. Nós não gostaríamos de uma extensão de 4 anos que garantisse
para Castro o mercado norte-americano para este período, seria recompensar a
delinqüência.”
134
O memorando de Turkel realmente é bastante rico em dados e inferências,
mas mais que isso, ele retrata bem o ponto de inflexão pelo qual passava a
percepção de setores da formulação da política externa estadunidense sobre Cuba.
Pode-se reparar a modificação dos termos e do tratamento que era dado ao novo
regime que havia se instalado na ilha. Os clamores de não-intervenção e
entendimento desaparecem, sendo substituídos por “guerra econômica” e “pressão”.
Neste momento é válido retomar Hans Morghenthau, porque ele afirmava em
seus trabalhos que a projeção econômica é uma estratégia que avança sobre uma
mera persuasão ideológica. Como dito anteriormente, uma potência deve lidar de
maneira equilibrada com as três dimensões do poder na política internacional. De
133
Idem. “There are many other weapons in the arsenal of economic warfare: prohibition against public and
private loans, discriminatory trade treatment, discouragement of investment and impeding of financial
transactions. Some of these are double-wedged weapons, others are necessary or too harsh. I believe that the use
of these at this time would be counter-productive.”
134
Op. Cit. P.551.Suppose, however, that when we get to January, Cuban relations with the US have
deteriorated to further, but not to the point where we want to use the sledge hammer of seeking authority to cut
to cut the Cuban quota. Sugar legislation must be passed in 1960 and it is generally for 4 years.We would not
want an extesion for 4 years which would guarantee Castro’s US market for that period; it would be rewarding
delinquency.”
80
acordo com o autor, quando se esgotam as possibilidades de se resolver uma
questão através da via pacífica, a pressão econômica se configura no segundo
instrumento de pressão. Assim fala o autor:
“O imperialismo econômico é menos invasivo e, de modo geral, menos eficaz que a
modalidade militar, além de constituir um produto dos tempos modernos, na qualidade
de método racional de ganhar poder.
135
O governo americano acreditava que essa pressão seria suficiente para fazer
Castro pelo menos deixar de lado por um tempo planos mais ambiciosos de
nacionalização e reforma agrária. Se pensava na Casa Branca, que a dependência
que os cubanos tinham em relação ao açúcar e ao mercado estadunidense como
comprador principal bastariam para que Castro moderasse a si mesmo e seus
correligionários mais entusiasmados, como Raul Castro e Che Guevara.
E de fato, os Estados Unidos compravam metade da plantação de açúcar de
Cuba, e por um preço muito vantajoso em relação ao oferecido no mercado
internacional. Essa benesse vinha do estreito relacionamento americano com a ilha,
que se tornou ainda mais profundo após 1898. A troca era de que os americanos
investiam na ilha tecnologia, capital e davam acesso ao seu vasto mercado. Em
retorno, recebiam grandes extensões de terra seguras pelo governo, além de mão-
de-obra barata, o que maximizava os lucros de firmas estadunidenses. Moniz
Bandeira explica a dependência cubana em relação ao açúcar:
“As exportações totais de Cuba, para as quais o açúcar contribuía com mais de 80%,
representavam cerca de 30% do Produto Interno Bruto, o que era uma proporção
bastante elevada, e o mercado norte-americano absorvera, antes da vitória da
revolução, nada menos que 65,6% (1955), 62,0% (1956), 54,4% (1957), e 63,3%
(1958).
136
Assim, se configura uma situação bastante complexa em termos de
possibilidades de algum diálogo entre americanos e cubanos. A lei de reforma
135
MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo: Editora UnB,
2003. P.122.
136
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. P. 219.
81
agrária afetava diretamente os investimentos estadunidenses, que implicava na
perda dos lucrativos latifúndios. para Castro, a reforma agrária era algo vital para
o seu plano de governo, que atuava dentro de uma perspectiva socialista e
nacionalista. A querela não se resumia a Cuba, já que o tema era bastante discutido
na América Latina ao final dos anos 50, principalmente via CEPAL. Uma série de
reformas no campo foram até mesmo patrocinadas pelos Estados Unidos em países
como o Japão. Por isso, governantes latinos de ramos da esquerda pediam o apoio
estadunidense nas reformas em seus países, o que acabava não ocorrendo.
137
O grupo wilsoniano do Departamento de Estado, tentava conter o ímpeto dos
“falcões” do executivo estadunidense, que diante dos novos eventos na ilha estavam
se articulando para uma ação militar. Assim, o grupo das “pombas” tentava articular
rapidamente algum entendimento com o governo de Castro. Uma dessas tentativas
realizadas foi o encontro de Phillip Bonsal com Raul Roa
138
, o novo ministro das
relações exteriores de Cuba. Neste encontro, Bonsal afirmava que ainda havia uma
simpatia geral com o movimento revolucionário, e que os Estados Unidos se
identificavam com Cuba na questão da liberdade e da busca de oportunidades.
139
Contudo, o embaixador se mostrava bastante preocupado com a severa
deterioração das relações entre os dois países. Mas ele atribuía grande parte disso
aos discursos antiamericanos que Castro fazia seguidamente. Assim, Bonsal sugeria
através de Roa, que o ministro ponderasse para que Fidel moderasse aquelas
declarações, pouco adequadas para um momento de tamanha tensão.
Por fim, Bonsal ponderou que os investimentos americanos eram algo
benéfico para a ilha, e que por isso, mereciam maior respeito. Os investimentos em
açúcar, gado, telefonia, mineração somente poderiam continuar colaborando com o
“progresso” do país, de acordo com o embaixador.
140
Apesar da tentativa realizada
pelo diplomata estadunidense naquele momento, ele mesmo reconhecia que a
situação era muito complicada. Tanto que, em seu primeiro telegrama após o
137
Idem.
138
Representante cubano na OEA, de janeiro até junho de 1959. Após esse período foi ministro das relações
exteriores de Cuba.
139
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 569.
140
Op Cit. P. 572.
82
encontro com Roa, ele admitia que os Estados Unidos deveriam evitar qualquer
compromisso de longo prazo com Cuba, graças a incerteza do momento.
141
Incerteza realmente é a palavra que melhor define este momento das
relações entre os dois países. A situação de ambos no plano diplomático era muito
semelhante, pois os dois estavam sofrendo uma forte luta interna na formulação de
sua política externa. E em ambos países, os moderados perdiam força rapidamente
diante de forças políticas que pediam medidas mais enérgicas.Além, do mais, os
investimentos estadunidenses em Cuba não eram poucos, e havia muito em jogo,
como comenta Maria Rita Guersio:
“Até a revolução, 90% das minas, 50% das terras, 67% das exportações e 75% das
importações cubanas estavam sobre influência norte-americana.
142
Diante de tal cenário, era evidente que alguma espécie de acerto entre os
dois governos era algo bastante difícil. Havia ainda a questão das compensações
para as eventuais perdas americanas, que geravam uma imensa polêmica. De um
lado, os empresários estadunidenses que consideravam fraca a proposta cubana. E
de outro lado, membros da revolução como Che Guevara que defendiam a
nacionalização ampla e sem nenhuma espécie de compensação.
143
Castro havia sugerido que o dinheiro das perdas de propriedade seria
devolvido através de títulos governamentais de 20 anos baseado em taxas
municipais. Uma proposta que o embaixador Bonsal percebeu como “justa e
pertinente”.
144
Mas o embaixador ainda continuava afirmando que tudo dependia
muito das reações de Fidel, e de uma postura mais contida do mandatário cubano
em seus discursos que eventualmente tivessem os Estados Unidos como tema.
Contudo, a argumentação de uma nacionalização para promover justiça social
através da via revolucionária, nunca foi a predileta muito do corolário econômico
estadunidense, especialmente no período da Guerra Fria. Principalmente para o
141
Op. Cit. P. 574.
142
COGGIOLA, Oswaldo. (org). Revolução Cubana: História e problemas atuais. São Paulo: editora Xamã,
1998. P. 125.
143
Idem.
144
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.578.
83
governo Eisenhower, que possuía fortes ligações com a América Corporativa e com
a vertente liberal do conservadorismo norte-americano. Como analisado por Hugh
Brogan:
“As grandes corporações recuperaram a sua confiança durante a prosperidade dos anos
40 e começo dos 50; e agora eles se sentiam prontos para tomar o país novamente, e
governá-lo como nos velhos tempos.”
145
Tal ponto de vista pode ser percebido no discurso do diplomata John Hill,
falando sobre a tentativa de mudança social em Cuba:
“...a questão se levanta: quem realmente quer a revolução social em Cuba. A resposta
óbvia é que a minoria da classe média, que se constitui de jovens estudantes radicais,
ex-estudantes e intelectuais, quase sempre marxista-nacionalistas. E também se
constituem de antiamericanos e algumas vezes também de alguns elementos de
orientação comunista. Este elemento, especialmente na América Latina, tende a ser o
componente mais ousado e articulado na sociedade...”
146
No discurso de Hill podemos perceber claramente o amálgama de duas
vertentes do conservadorismo estadunidense, o liberalismo econômico e o
anticomunismo. Era realmente algo forte dentro de setores do executivo americano a
idéia de que a América Latina estava minada por esses “estudantes radicais”, que
eram uma minoria pseudo-intelectualizada, na percepção americana. E que esses
jovens, com pouca experiência e capacidade de julgamento, eram um alvo fácil para
uma ideologia como o comunismo, que pregava justiça e mudança imediatas.
O problema era que muitas vezes os estudantes e as classes
intelectualizadas da América Latina realmente desejavam justiça social, sem
qualquer ligação com movimento comunista. Mas no imaginário anticomunista
145
BROGAN, Hugh. The Penguin History of the United States. London: Penguin Books, 2001. P. 609.
146
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 585.”…the
question arises: who really wants social revolution in Cuba. The obvious answer is that it is that the minority of
the middle class constituting young radical students and ex-students and intellectuals, almost always Marxist-
Nationalist and Anti-american orientated and sometimes also of Communist coloration. This element, especially
in Latin America, tends to be the most articulate and boldest element in the society…”
84
estadunidense
147
, essa ligação era óbvia, especialmente num contexto conflituoso
como aquele de 1959. E tal percepção acabava por aumentar os temores de uma
maior presença comunista na ilha, e fortalecia os setores anti-Castro na formulação
da política externa estadunidense.
Essa visão acabou sendo reforçada pela visita de Che Guevara ao Egito e a
Iugoslávia, em agosto de 1959. O setor de inteligência do Departamento de Estado
interpretou o “tour” como uma tentativa da política externa cubana de buscar aliados
entre os não-alinhados, o que poderia se configurar na constituição de um novo
padrão na inserção internacional cubana. Gordon Arneson, o diretor do setor de
inteligência analisou a viagem:
“Em cada país que ele visitou, Guevara aproveitou a ocasião para se mostrar crítico
aos Estados Unidos, tanto em declarações públicas como em declarações privadas. No Egito,
ele afirmou que os Estados Unidos se opõem ao regime de Castro porque eles temem que se
Castro for bem sucedido, Cuba vai se transformar em um modelo para toda América Latina, e
isso vai significar o fim do “Imperialismo Americano” por lá.”
148
As declarações de Guevara conseguiam gerar um mal estar imenso justo aos
diplomatas estadunidenses. Seus discursos, somados aos acordos econômicos
assinados e aos boatos de busca de armas no bloco oriental eram uma
demonstração clara para os Estados Unidos que os cubanos buscavam um
afastamento da esfera norte-americana.
149
Che Guevara merece ainda mais uma menção, pois na primeira fase do
governo revolucionário, a ala moderada do movimento 26 de julho comandava a
economia e a diplomacia. Porém, após o “expurgo” dos moderados,a ala chamada
de radical pelo Departamento, tomou as rédeas da situação econômica. E o maior
147
Ver PIKE, Fredrick. The United States and America Latina: myths and stereotypes of civilization and
nature. Austin: University of Texas Press, 1992. p.307.
148
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 590.”In each
country he has visited Guevara has taken the occasion to make public and private statements critical of the
United States. In Egypt, he stated that the United States opposes the Castro regime it fears that if Castro
succeeds, Cuba will become a model for all Latin America and this will mean the end of the ‘american
imperialism there.’ ”
149
Encontros como esse de Che e Nasser insuflavam a questão do mito da Guerra Fria, de uma união de
Comunistas e neutralistas para a derrubada do status quo norte-americano. Sobre o mito, ver MEAD, Walter
Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no mundo. Rio de
Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. Pp. 97 – 100.
85
defensor de um modelo econômico com uma passagem do capitalismo para o
socialismo mais rápida, era justamente Guevara. A sua percepção de economia
dificultava ainda mais as relações entre os dois países. Sobre essa sua participação,
comenta Vinícius Bandeira:
“Para Guevara, era mais importante firmar a consciência revolucionária do que
estimular materialmente os indivíduos. Ele pretendia que os trabalhadores se
sentissem e fossem efetivamente os donos da revolução, responsáveis por seu
desenvolvimento em direção ao comunismo. Daí sua oposição à predominância dos
estímulos materiais, que considerava uma medida prenhe do individualismo
burguês.”
150
Após as viagens de Che e o aprofundamento da crise relacionada à lei de
reforma agrária, o embaixador Bonsal escreve para Herter uma carta pontuando
algumas impressões sobre Cuba naquele momento. Bonsal escreveu em um tom
bastante pessimista em relação a Castro, algo bastante incomum para o padrão das
correspondências do diplomata. Ele afirmava que todo dia havia uma “enxurrada” de
declarações contra os Estados Unidos, por parte das lideranças do movimento. E
que ao mesmo tempo, Castro parece não estar atento às “ofensas” e à “ameaça”
que o comunismo internacional representava para o continente.
Duas semanas depois, o Departamento de Estado enviou um telegrama com
as novas instruções sobre a política em relação a Cuba. Este memorando delineava
as correções necessárias para a nova situação cubana, que era de um estado de
ruptura diplomática iminente. O memorando iniciava mostrando os objetivos da
política externa estadunidense naquele momento:
“A política de comedimento e paciência tem sido desenvolvida para atingir um certo
número de objetivos. Ao final de 1959, este governo, enquanto reconhecia a
repugnância crescente do povo cubano em relação aos excessos de Batista, bem como
o desejo pela restauração do processo democrático, estava também seriamente
preocupado com o antiamericanismo do movimento 26 de julho, sobre indicações de
ligações com o comunismo entre importantes elementos da liderança do movimento, e
sobre a probabilidade de que a chegada ao poder do grupo radical revolucionário de
150
COGGIOLA, Oswaldo. (org). Revolução Cubana: História e problemas atuais. São Paulo: editora Xamã,
1998. P. 87.
86
Castro poderia seriamente danificar a estabilidade social, econômica e política de
Cuba.”
151
O memorando acrescentava que um corolário havia sido desenvolvido para
que se pudesse criar alguma espécie de harmonia nas relações cubano-americanas
no começo de 59. E que mesmo em caso de uma reação inicial não favorável por
parte de Castro, os Estados Unidos deveriam manter uma atitude cuidadosa para
evitar algum incidente diplomático de maior monta.
Após esta primeira parte ,eram apresentadas as questões que levavam o
Departamento de Estado a sugerir uma modificação de rota. Primeiramente foi
argumentado que Castro demonstrava, a cada dia, dirigir-se para uma ditadura,
mesmo tendo chegado ao poder como o símbolo da antiditadura. Os direitos civis e
as liberdades individuais, na forma que o governo estadunidense a compreendia,
não estavam sendo respeitada.
Outro aspecto importante era o fato de que os cubanos estavam tentando
“exportar” a sua revolução para os outros países da América Latina e do Caribe. E
realmente, tentativas fracassadas de influenciar a vida política do Haiti e na
Republica Dominicana haviam sido realizadas.
152
Esse objetivo era algo
incompatível com os interesses estratégicos estadunidenses na região. que
existia muito dinheiro investido em indústrias, plantações e serviços diversos.
Também existia a questão das bases, dos campos de testes de mísseis e foguetes
no Caribe, importantes para a corrida espacial que havia iniciado. Ou seja, era uma
área de influência muito importante e que não poderia ser perdida para um
movimento de caráter duvidoso, aos olhos dos estadunidenses. Além de se constituir
em um desafio aberto ao staus quo americano, vigente na região desde o século
XIX.
151
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: Unitded States Government Press, 1991. P. 600.”The
policy of restraint and patience has been designed to achieve a number of objectives. By late 1959, this
Government, while recognizing the increasing repugnance of the Cuban public towards the excesses with the
Batista Government and the popular desire for the restoration of the democratic processes, who was also
seriuosly concerned about the anti-americanism then already evident in Castro’s ’26 of july’ movement, about
indications of Communist among important elements of the movement’s leadership, and about the probability
that the coming of Castro’s radical revolutionary group woyld seriuosly disrupt the social, economic and the
stability of Cuba.
152
Ver BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Cap VIII.
87
Por fim, o contato cada vez maior entre a revolução e o comunismo era um
ponto de grande preocupação. o se considerava Castro um comunista, mas a
crescente participação dos comunistas no novo governo, o descaso de Fidel pelo
combate ao “comunismo internacional” e as constantes declarações contra o
governo americano, vindas de importantes dirigentes do 26 de julho, davam a
sensação de que o grupo pendia cada vez mais para o bloco oriental. E , de acordo
com o memorando escrito por Herter para as embaixadas na América Latina, Castro
seguia uma linha semelhante a de Salvador Allende e Arévalo da Guatemala.
153
O memorando teve um grande impacto, pois iniciou uma série de reuniões
que iriam culminar com a efetivação de uma política praticamente explícita de
remoção do governo revolucionário em Cuba. A primeira dessas reuniões, para se
debater novos rumos se, deu em 18 de setembro em Washington. Lá estavam
reunidos Roy Rubottom e John Hill pelo ARA, William Wieland, Robert
Stevenson
154
e Richard Owen
155
pelo CMA. Somando-se a estes cinco diplomatas,
se encontrava ainda o embaixador Phillip Bonsal.
O primeiro a falar foi Roy Rubottom, comentava que sabia que a revolução
em Cuba iria trazer mudanças, mas esperava que um bom relacionamento poderia
ter sido mantido. Ele lamentava que as coisas tivessem mudado tão rapidamente,
mas que o governo cubano deveria entender que não poderia receber nenhuma
ajuda financeira norte-americana enquanto continuasse a confiscar os bens de
cidadãos estadunidenses naquele país. Contudo, Rubottom tinha medo de que uma
política de retaliação econômica poderia ao mesmo tempo trazer ainda mais tensão
com Cuba e problemas com certos setores liberais da sociedade americana.
156
O embaixador Bonsal afirmava que a revolução como estava posta naquele
momento, era apenas um fenômeno passageiro ou era de fato uma permanência na
política cubana. Ele também argumentava que essa reação contra os Estados
Unidos era algo natural, pois o governo americano havia apoiado Batista durante
muito tempo, o que passava uma idéia de revanche contra os estadunidenses. O
153
Op. Cit. P. 601.
154
Robert Stevenson era da Divisão de Pesquisa e Análise para as Repúblicas Americanas até dezembro de
1958. Após isso, foi Oficial encarregado dos assuntos cubanos no Escritório de Assuntos Mexicanos e
Caribenhos, entre dezembro de 1958 e outubro de 1960. Por fim, foi diretor do Escritório de Assuntos
Caribenhos e Mexicanos.
155
Membro do Escritório de Assuntos Mexicanos e Caribenhos.
156
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.603.
88
embaixador considerou que o futuro de Cuba estava no conflito entre moderados x
radicais dentro do governo cubano, e, que esse conflito ainda não estava
decidido.
157
O último a tomar a palavra foi William Wieland, um dos árduos defensores da
política de não intervenção:
“Todos nós temos sido ferozes advogados em estender a mão da amizade para Cuba e
adotar uma atitude paciente e tolerante, mas não podemos continuar esta política
muito tempo sem que algum fato positivo se apresente em sua justificativa.”
158
Este memorando, somado ao telegrama anterior, são de grande importância
como registro da mudança de orientação da política externa estadunidense para
Cuba. A mensagem passada por Wieland e Rubottom era de decepção com o
governo cubano e, ao mesmo tempo, de capitulação diante dos interesses dos
setores que defendiam uma política mais dura em relação ao novo regime.
A impressão passada era a de que o Departamento de Estado desistiu do seu
ponto de vista, e cedeu diante dos fatos e da imensa pressão dos grupos ligados
aos ramos mais conservadores da direita estadunidense, que concebiam uma
política para a América Latina com o foco na defesa hemisférica e não no
desenvolvimento econômico. Os fatos pareciam mostrar aos diplomatas que não
havia mais sentido em continuar a disputa interna com estes grupos, e que era a
hora de buscar uma estratégia adaptável para Cuba dentro de uma concepção muito
diferente da anterior. Esse momento vem a mostrar mais uma vez que, apesar da
primazia do Departamento de Estado nas questões externas, às vezes o
Departamento tem de ceder diante de grupos intra estatais mais fortes, como
comenta Walter Russell Mead:
“Embora essa extraordinária e profusa selva burocrática tenha atingido a sua plena e
luxuriante exuberância ao final do século XX, o modelo de organização caracterizado
pelo fracionamento da autoridade, breves mandatos e rivalidade interna do poder
executivo é muito antigo nos Estados Unidos e vem frustrando presidentes e
secretários de estado desde que George Washington tentou resolver as disputas entre o
157
Op. Cit. P.604.
158
Op. Cit. P. 605. “We have all been staunch advocates of extending the hand of friendship to Cuba and
adopting a patient, tolerant attitude, but we cannot continue this policy much longer without some positive
achievment to show in this justification.”
89
secretário do tesouro Hamilton e o secretário de Estado Jefferson, na década de
1790.”
159
Assim, os diplomatas do ARA e do CMA continuaram a sua rodada de
reuniões na busca da formulação da nova estratégia para Cuba. Outro momento
importante se deu no encontro entre diplomatas e diretores das maiores empresas
produtoras de açúcar dos Estados Unidos. O grupo do açúcar começou exigindo do
governo americano uma resposta em “linguagem firme”. E também pediram que as
plantações de cana fossem retiradas da lei de reforma agrária.
160
Levando-se em conta que pelo menos 50% da terra que se pretendia que
fosse distribuída estava nas mãos dos plantadores de cana americanos, essa era
uma demanda difícil de ser cumprida. A não ser que fosse pela força, algo que não
havia sido colocado em pauta na reunião até aquele momento. Roy Rubottom
agradeceu as sugestões dos empresários e afirmava que o Departamento de Estado
tinha de maneira continuada lembrado ao governo cubano da importância dos
investimentos americanos na ilha, geradores de “emprego e riqueza.”
161
o embaixador Bonsal estava focado na questão da compensação, a qual
ele havia enfatizado que seria de acordo com a proposta estabelecida em junho
162
,
era a mais viável naquele momento. E que, apesar das dificuldades que as
empresas estadunidenses enfrentavam no momento em Cuba, ele acreditava que os
cubanos não possuíam “tendências suicidas.”
163
Rubottom alegou que o termo
“punição” não era algo adequado ainda para aquele momento, mas tanto Thomas
Mann como Phillip Rosenberg
164
disseram que Cuba merecia uma espécie de
punição. Ambos também haviam concordado que com Castro no poder não existiria
mais possibilidade de mediação.
Os empresários também demonstraram a sua irritação com o Instituto
Nacional da Reforma Agrária (INRA), afirmando que eram timas de uma série de
159
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006.P. 72.
160
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 606.
161
Idem.
162
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 604.
163
Op cit, pág. 607.
164
Presidente da Vertientes-Camaguey Sugar Company.
90
assédios políticos por parte de autoridades cubanas. Esse pretenso assédio estaria
atrapalhando as atividades agrícolas, bem como gerando um clima de desconfiança
para futuros investimentos em Cuba.
165
As necessidades da América Corporativa
166
demandavam a organização de
um forte grupo de pressão em torno de uma política mais rígida em relação ao
movimento liderado por Fidel Castro. Essa resposta passava imediatamente por
exigências desse grupo econômico sobre os organismos de defesa do Estado norte-
americano, onde certamente haveria similaridades no discurso. Sobre a questão dos
grupos de pressão na democracia estadunidense, comenta Abraham Holtzman:
“ Em uma democracia, grupos de interesse são atores coadjuvantes dos partidos
políticos. Estes , por sua vez, não são apenas um apêndice nem a maior personificação
do Estado, como nas ditaduras modernas. Usualmente os partidos são mais poderosos
que os grupos de interesse. Contudo, freqüentemente, ambos estabelecem uma
parceria, e as vezes, os partidos políticos são dependentes destes grupos.
Particularmente nos Estados Unidos, grupos de interesse podem apelar ao eleitorado e
ao povo para rever decisões governamentais e partidárias.”
167
Washington continuou sendo um campo de intensa luta política ao longo do
mês de outubro de 59, os diplomatas ligados aos assuntos de América Latina
realizavam seguidas reuniões para se debater a crise em Cuba. Em primeiro de
outubro, houve outra reunião conjunta do ARA e do Escritório de Assuntos
Mexicanos e Caribenhos (CMA), além do embaixador Bonsal. A sugestão que parte
dos diplomatas do ARA é a seguinte:
“O Sr. Rubotton e o Sr. Snow sugeriram que deveríamos considerar a possibilidade de
procurar somente manter relações nos patamares mínimos aceitáveis com o presente
regime cubano. ”
168
165
Op. Cit. P. 610.
166
Para melhor entendimento do conceito , ver GORDON, John Steele. An Empire of Wealth: the epic history of
American economic power. New York: Harper Perennial, 2005..
167
MONSMA, Stephen V. VAN DER SILK, Jack R. (orgs). American politics: research and readings. New
York: Holt, Rinehart and Winston inc., 1970. P. 599.
168
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 617. “Mr.
Rubottom and Mr. Snow suggested that we should consider the probability that we should seek to maintain only
minimal acceptable relations with the present Cuban regime.”
91
Ao longo da reunião, tanto Rubottom como Snow defenderam que o
Departamento deveria manter na medida do possível as cotas do açúcar cubano e
que nenhum empréstimo poderia ser dado a Cuba, por causa de sua política
econômica oposta aos ditames do FMI. Ambos se mostravam bastante hesitantes
com uma nova política de apaziguamento, e até mesmo afirmaram que caso os
russos ou os tchecos entrassem na polêmica, a política americana teria que ser
ainda mais dura.
169
Não houve discordância por parte dos outros membros presentes na reunião
em relação às opiniões dos dois diplomatas. É bastante interessante perceber que
os defensores das políticas mais amenas para Cuba haviam mudado de opinião tão
rapidamente. Como comentado anteriormente, tal oscilação abria um vácuo que
tinha de ser preenchido na política externa estadunidense.
A situação se agravou ainda mais com a dissolução do gabinete ministerial
realizada por Castro em meados de outubro. Através dela, os moderados perdiam
ainda mais espaço no governo cubano. Um bom exemplo disso é a colocação de
Raul Castro como chefe das forças armadas, bem como o aumento dos poderes do
INRA sobre até mesmo instituições culturais. O embaixador Bonsal considerou
aquilo um evento perturbador.
170
Sobre o caráter do INRA, comenta Richard Gott:
“...O Instituto Nacional para Reforma Agrária logo se tornou a real base do governo
revolucionário. O INRA, baseado no que um dia foi a sede de Batista, possuía um
Departamento da Indústria, comandado por Che Guevara, uma milícia de 100.000
homens que era liderada por Raul Castro, e um Departamento de Comércio. Pela
definição, o INRA estava ocupado cuidando de tudo relativo a reforma agrária, mas
essa tarefa logo incluía também construção de estradas e casas, e se expandiu ainda
mais para cobrir saúde, educação e até mesmo a defesa.”
171
Em 23 de outubro finalmente se atinge o ponto de inflexão, onde Roy
Rubottom escreve para Robert Murphy, pedindo que o Departamento de Estado
legitime a nova política de ruptura diplomática com Cuba. Assim fala Rubottom:
169
Op Cit. P. 620.
170
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 628.
171
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. P. 171.
92
“Baseado nas evidências de que as políticas e programas do governo de Castro são
inconsistentes com os requerimentos mínimos para boas relações entre Cuba e os
EUA e que os objetivos dos EUA para Cuba e América Latina não serão alterados, a
exceção de ações resultantes da oposição cubana e/ou uma mudança no regime
cubano.”
172
Rubottom prossegue:
“Como vocês estão cientes, nós temos dado a Castro toda oportunidade de seguir um
curso consistente com as boas relações entre Cuba e os EUA e temos exercido grande
comedimento público para que fosse possível que ele mudasse as suas atitudes e
políticas caso ele realmente tivesse algum interesse em manter os laços de amizade e
interesse comum que ligaram este país a Cuba. A esta data, ele tem falhado no
“teste” pelo qual as suas intenções a respeito do bom relacionamento podem serem
julgadas.”
173
Ao fim do memorando, Rubottom pedia que o novo padrão fosse aprovado
pelas instâncias superiores do executivo estadunidense, e alegava que isso era
muito importante para a manutenção da segurança estadunidense na região do
Caribe. Neste ponto, finalmente se chega ao memorando apresentado no começo
do capítulo 3, no qual o Departamento de Estado deixa de ser o contraponto na
política para Cuba, em que se encerra a luta interna entre os ramos do executivo e
as forças do governo estadunidense convergem para um ponto em comum, que é a
derrubada do regime de Castro.
Poucos dias depois, é lançada a minuta que efetiva, no Departamento, a
política sugerida por Rubottom, e muito tempo defendida pelo Pentágono e
pela CIA. O memorando define a nova política para Cuba desta forma:
172
Op. Cit. P. 636.”It is based on an assessment that the policies and the programs of the Castro Government
which are inconsistent with the minimal requirements of good Cuban-US relations and with US objectives for
Cuba and Latin America will not be satisfactorily altered except as a result of Cuban opposition to Castro’s
present course and/or a change in the Cuban regime. ”
173
Idem. “As you are aware, we have been giving Castro every opportunity to follow a course consistent with
good Cuban-US relations and have exercised in public great restraint in order to make it possible for him to
modify his his attitudes and policies if he had any inclination to maintain the bonds of friendship and common
interest which have linked this country to Cuba. To date, he has failed the ‘test’ by which his intentions with
respect to maintaining good relations can be jugded.”
93
“O imediato objetivo dos Estados Unidos com respeito a Cuba é o desenvolvimento
de uma situação na qual, não mais do que até o fim de 1960, o governo que então
esteja no controle de Cuba deve, tanto na política externa como na interna, atender
minimamente os padrões e objetivos indicados no OCB em seu planejamento de
operações regionais para a América Latina, que dita os objetivos básicos da política
dos Estados Unidos para os países latino-americanos.”
174
A minuta ia ainda mais além, recomendando que deveria se evitar a
impressão de uma pressão direta. Ou seja, operações secretas seriam o melhor
padrão para lidar com o problema enfrentado, abrindo, assim, espaço para as
operações paramilitares coordenadas pela CIA. Também estava incluído no pacote
atitudes para reforçar a oposição cubana e também uma campanha publicitária na
América Latina visando mostrar uma imagem mais positiva dos Estados Unidos.
175
A ofensiva coordenada entre Departamento de Estado, Pentágono e CIA o
parava por aí. Em uma reunião conjunta com o Departamento de Justiça e o FBI se
discutiu a questão dos exilados cubanos e o seu papel na complexa conjuntura
daquele momento. Tanto a Agência Federal de Aviação
176
como o FBI diziam ser
impossível monitorar todos os vôos clandestinos que saíam da Flórida para
bombardear as plantações de cana em Cuba.
De acordo com a FAA, existiam 200 campos de aviação de pequeno porte,
que teriam de serem monitorados 24 horas por dia. E não havia efetivo para tanto,
como foi prontamente alegado pelo FBI. O procurador-geral William Rodgers
chegou até mesmo a afirmar que “não estava com vontade de punir ninguém.”
Contudo, os diplomatas pontuavam que uma situação muito complicada poderia ter
início, caso o governo desse a sua benção aos atos ilícitos dos exilados, que eram
muitos.
177
174
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 638.OCB é o
Operations Coordination Board. O OCB foi extinto na Administração Kennedy em 1961 por estar se
sobrepondo as tarefas do Departamento de Estado.”The immediate objective of the United States with respect to
Cuba is the development of a situation in which, not later than the end of 1960, the Government then in control
of Cuba should, in its domestic and foreign policies, meet at least minimally the objectives and the standards
indicated in the OCB Regional Operations Plan for Latin America which sets forth the basic United States policy
objectives for Latin American countries.”
175
Idem.
176
Federal Aviation Agency. FAA.
177
Op. Cit. P. 645.
94
Algum tempo depois, em nova reunião do Conselho de Segurança Nacional, o
procurador Rodgers perguntou se eles deveriam prender os exilados que
conspiravam contra Castro. Allen Dulles respondeu que eles deveriam ser deixados
em paz, desde que não quisessem trazer Batista de volta. E Dulles acrescentou que
“muitas coisas interessantes” poderiam ser feitas em operações secretas.
178
Enquanto a CIA cuidava das operações secretas contra Castro, o Secretário
Herter buscava acertos diplomáticos visando ao apoio para a nova política em
relação a Cuba. Assim, o Secretário escreveu para o Ministro das Relações
Exteriores da Grã-Bretanha Lloyd Selwin. Nessa carta, se efetivou um acerto entre
as duas nações, onde a Inglaterra se comprometia a não vender armas para Cuba,
bem como exercer pressão sobre os aliados ocidentais para que o mesmo fosse
feito.
179
Ao mesmo tempo, ele reforçou a sua descrença no governo de Castro ao
passo que a chamada “ala radical” se consolidava como influência decisiva na
articulação política do governo revolucionário. Ele também acreditava que era
possível que Fidel caísse logo, e que tal evento era uma “questão de tempo”, nas
palavras do próprio Secretário. E por fim, Herter fez uma interessante inferência
sobre a esquerda na América Latina:
“Nós também devemos deixar claro que a questão da nossa cooperação com os
governos de esquerda na América Latina não se questiona nesta instância. O nosso
histórico até agora de respeito e cooperação com a Bolívia e Venezuela deixa claro
que a orientação esquerdista não é um obstáculo para obter simpatia e suporte para
objetivos legítimos.”
180
Christian Herter buscava através deste argumento mostrar que o problema de
Cuba não era a esquerda, mas seria a conturbada trajetória da ilha. Contudo, esse
argumento não encontra fundamentação histórica sólida, pois a história de
cooperação entre Estados Unidos e as esquerdas latinas é das mais turbulentas da
178
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.706.
179
Op. Cit. P. 653.
180
Op. Cit. P. 655.”We should also make clear that the issue of our cooperation with the left-wing governments
in Latin America does not arise in this instance. Our record for instance with respect to cooperation with Bolivia
and Venezuela makes it clear that leftist orientation is not an obstacle to obtaining sympathy and support for
legitimate objectives.”
95
política externa estadunidense. Os episódios da conturbada visita de Nixon a
Venezuela e o pouco desejo em abraçar a Operação Pan-Americana de Kubischek
demonstram que o governo de Eisenhower encontrava dificuldades em lidar com os
diversos ramos das esquerdas na América Latina.
Logo após a sua consulta com Lloyd Selwin, Herter também reafirmou as
medidas decididas por Rubottom e Wieland, que efetivavam o fim da neutralidade
americana, e instauravam uma política de combate à influência de Castro nas
Américas. O memorando também tinha uma justificativa diferente para a mudança
da política estadunidense. Ele afirmava que se a neutralidade em relação aos
Estados Unidos pregada por Castro se tornasse o padrão nos países ao sul do
continente, toda política de defesa do hemisfério estaria em xeque.
181
Enquanto isso, grandes empresários, congressistas anticomunistas, militares,
a imprensa e a Casa Branca faziam parte de uma larga lista de insatisfeitos com
aquilo que eles percebiam ainda como uma política moderada do Departamento de
Estado. Novamente empresários do ramo do açúcar se reuniram com os diplomatas
do Departamento. No encontro, os empresários pediram a criação de uma
penalidade
182
caso os confiscos continuassem. Porém, Rubottom e Turkel
discordavam dessa iniciativa. Eles afirmavam que tal corte poderia comprometer as
relações entre os dois países a longo prazo, mesmo caso Castro não estivesse mais
lá.
183
Os diplomatas também argumentaram que isso ia contra as regras do
GATT
184
e contra todos os tratados assinados pelos Estados Unidos no plano
econômico após a segunda guerra mundial. Por fim, ambas as partes concordaram
que seus advogados teriam que cuidar disso muito bem. E o encontro acabou de
maneira inconclusiva.
A chance de um entendimento diplomático praticamente havia se encerrado
bastante com a indicação de Che Guevara para o comando do Banco Nacional e
com as disputas relativas ao orçamento da União estadunidense para o próximo
181
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.657.
182
A penalidade consistia em uma multa de 1 centavo de dólar por libra na exportação do açúcar para os Estados
Unidos. Os valores ajudariam a criar um fundo de compensação para terras estadunidenses expropriadas.
183
Op. Cit. P. 678.
184
Sigla em inglês para General Agreement on Trade and Tariffs. Precursor da Organização Mundial do
Comércio.
96
ano. Eisenhower precisava de resultados, e dessa forma esperava que a crise
cubana tivesse algum desfecho favorável aos Estados Unidos. Porém, os diplomatas
do Departamento avisaram o presidente de duas notícias desagradáveis. A primeira
era a de que não havia açúcar suficiente para a demanda americana no mercado
mundial, caso Cuba tivesse sua cota cortada. E, segundo, que o corte da cota
provocaria um sério dano nas relações diplomáticas com a América Latina.
185
Sem
contar os problemas relativos às questões legais do GATT.
John Hill escreveu uma carta para Roy Rubottom, na qual se queixava da
pressão do Pentágono para uma ação mais forte, que incluía até mesmo uma
intervenção militar na ilha. Hill atribuía esse anseio dos militares estadunidenses não
ao fato da belicosidade intrínseca à sua natureza, mas sim ao pouco contato entre o
Departamento de Defesa e o Departamento de Estado. E , dentro dessa crença. Hill
pediu para Rubottom arranjar um encontro visando explicar aos Chefes do Estado
Maior Conjunto a política do Departamento.
186
Contudo, o Departamento de Defesa estava ciente do posicionamento dos
diplomatas, mas como de praxe, acreditava que as medidas por eles tomados eram
muito leves para o que a circunstância exigia. Os militares estavam sequiosos de
uma ação rápida e imediata contra Cuba, antes que Castro se tornasse mais
poderoso. Para eles, não havia mais tempo a perder e era hora de lutar pela
implementação de seu ponto de vista. Sobre essa disputa, comenta Walter Russell
Mead:
“O Pentágono mantém amplos contatos com governos e militares estrangeiros e possui
opiniões de peso sobre o conjunto da política externa estadunidense. Quando discorda do
Departamento de Estado sobre um ponto qualquer da política externa, em vez de ensarilhar
armas em silêncio e sair arrependido, o Departamento de Defesa argumenta acaloradamente em
defesa de sua posição ou simplesmente continua a conduzir a sua política sem considerar os
pontos de Foggy Bottom. ”
187
185
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 69.
186
Op. Cit. P. 698.
187
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. P. 72. Foggy Bottom se refere a localização do
prédio do Departamento de Estado às margens do Rio Potomac.
97
Outro pólo de tensão era o Congresso, cujas relações com o governo
Eisenhower pioraram muito desde o começo do segundo mandato, e estavam
prestes a atingir seu ápice negativo no fim de 1959. A economia estava em
recessão, o Sputnik havia sido lançado, os gastos militares aumentavam
exponencialmente e 1960 era ano eleitoral, o que significava contar com menor
apoio da maioria democrata.
188
Na reunião de número 428 do Conselho de Segurança Nacional, o vice-
presidente Nixon
189
, que era um político bem informado sobre os bastidores do
poder, avisava a Eisenhower que o congresso iria pressionar o governo. E a
principal crítica estaria em torno da política para a América Latina, pois os
democratas estavam afirmando que o controle do continente estava sendo perdido
por causa de políticas equivocadas da administração.
190
E os conservadores da
vertente anticomunista, percebiam os diplomatas do Departamento como "frouxos",
como anteriormente comentado.
Por fim, Nixon argumentava que era a hora do Departamento ser mais
“discreto” e que não possuía mais autoridade para lidar com a crise. E o executivo
teria agora de lidar com o congresso, que iria passar o que bem entendesse,
inclusive o corte obrigatório da cota de açúcar cubano.
191
Aproveitando-se do
momento de fraqueza do executivo, o legislativo acumulava poder no processo
decisório da política externa estadunidense.
Mas esse gesto por parte do congresso possuía uma outra explicação, além
das mencionadas anteriormente. Era a questão dos grupos de pressão e lobbies,
que começaram a realizar a sua tarefa. Dessa forma, que os grandes
empresários, com diversos interesses em Cuba, em suas reuniões com o
Departamento de Estado não encontraram eco às suas demandas, foram pressionar
seus congressistas, que por sua vez pressionaram ainda mais o Executivo. Uma
reunião no Departamento de Estado entre representantes da Stardard Oil, United
Fruit e American & Foreign Power ilustram bem as motivações dessa pressão:
188
A maioria democrata no legislativo pressionava o governo para gastar menos com os militares, e repetidas
vezes dificultava em muito a aprovação do orçamento da União, gerando um desgaste político considerável ao
governo. A economia norte-americana entrou em recessão a partir de 1958, aumentando o desemprego para
níveis do pré-guerra. Este movimento recessivo apenas se encerrou m 1961.
189
DALLEK, Robert. Nixon and Kissinger. New York: Haper Collins, 2007. P.25.
190
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 699.
191
Idem.
98
“Mr. Balgooyen disse que o Conselho sentiu que existe um crescente desrespeito ao
redor do mundo pelos direitos de propriedade e obrigações contratuais. Eles também
percebem que esse sentimento está crescendo e que não existe disposição da parte do
governo dos Estados Unidos em dar proteção adequada aos investimentos americanos
no exterior, apesar de o governo estadunidense ter encorajado o capital americano a
investir em outros países.”
192
Eles ainda argumentavam que dos US$ 27 Bilhões investidos naquele ano no
exterior pelas empresas privadas estadunidenses, US$ 19 Bilhões que foram
colocados na América Latina não poderiam ser tomados sem nenhum ressarcimento
por governos que futuramente tentariam emular Castro. O Sr. Collado, representante
da Standard Oil afirmava que seus acionistas estavam tensos demais, e que não
poderia impedir que eles “se dirigissem” aos seus congressistas. E o Sr. Balgooyen
novamente advertia que o executivo não poderia evitar que o Congresso tomasse
algumas “medidas desagradáveis.”
193
Esse tipo de argumento tem muito poder na formulação da política externa
estadunidense. Os Estados Unidos quase foram à guerra diversas vezes e em
outras foram de fato para garantir a liberdade de comércio e bem estar de seus
empresários.
194
Isto se apresentou como a culminância de um processo de médio
prazo que levou à ruptura de relações entre Estados Unidos e Cuba. Foi um
processo intrincado, que, como em toda formulação de política externa, a sua
aplicação esteve ligada a conjugação de diversos fatores em um dado momento.
A série de fatores aqui apresentada significou a perda da predominância do
Departamento de Estado no processo decisório relativo a Cuba. À medida que
outros atores de dentro e de fora do Estado norte-americano começaram a reclamar
a sua parcela de poder dentro deste mesmo processo, os ditames da diplomacia
192
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.708.”Mr.
Balgooyen said that the Council felt that there is a growing disrespect throughout the world for property right
and contractual obligations. Also they sense that the feeling seems to be growing that there is no dispositon on
the part of the United States Government to give adequate protection to American investment interests abroad,
although the United States Govrnment has encouraged American capital to invest in foreign countries.” Mr.
Balgooyen era Diretor do Conselho e Vice-presidente executivo da American & Foreign Power.
193
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.711.
194
Walter Russell Mead se refere a este grupo como “Hamiltonianos”. Eles seriam os representantes da
tradicional elite do nordeste americano, que defenderiam um governo centralizado e forte e a indefinida
expansão econômica dos Estados Unidos.
99
norte-americana se modificaram rapidamente. Ao Departamento de Estado nada
restava, a não ser a tentativa de manter um certo controle do ritmo dos eventos, mas
até mesmo isso foi impossível.
Os diplomatas tentaram persuadir a todos os interessados em Cuba que era
possível conviver com Fidel Castro no poder. Mas isso acabou não se provando
possível, da mesma forma que diante do rumo que a Revolução Cubana havia
tomado, era impossível para Castro conviver com os Estados Unidos. Os interesses
eram muito distantes e diversos, e a partir disso se iniciava o período de
confrontação entre os dois países que dura até os dias de hoje. Além de interesses
nacionais distintos, outro fator que começava a se apresentar era a
incompatibilidade sistêmica, que projeto político cubano cada vez mais se
aproximava do socialismo, em contrapartida, os Estados Unidos eram a matriz do
capitalismo. Isso naturalmente aproximava Cuba da União Soviética e a afastava da
órbita estadunidense.
Por fim, é importante frisar que o ano de 1959 foi um ponto chave no
desenvolvimento do contencioso entre Cuba e Estados Unidos. Esse período ajuda
a compreender que o relacionamento entre a administração Eisenhower e o governo
Castro não foi uma “criança que nasceu morta.” Houve ,sim, um processo
acumulativo de tensão diplomática e política, que acabou por culminar com a
passagem de Cuba do bloco ocidental para o bloco oriental.
A bibliografia clássica do período tende a não dar muita importância para essa
passagem, a desconsiderando como parte vital do processo de acirramento das
relações cubano-americanas. Porém é aqui neste momento que se pode notar o
traço mais marcante da diplomacia estadunidense, que é a sua diversidade. Essa
diversidade e a luta entre as correntes evidenciam a sofisticação da diplomacia
estadunidense, e até mesmo de um pretenso “excepcionalismo americano” como
retrata Kissinger.
195
A distância ideológica entre os dois governos era simplesmente muito grande
para qualquer tipo de aproximação efetiva. Mas mesmo com essas dificuldades,
existiu uma tentativa de fato de se buscar um entendimento mútuo. E também é
importante perceber como as forças políticas internas colaboram na formulação de
195
KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994. P. 34.
100
uma política externa. O Departamento de Estado, mesmo sendo um órgão poderoso,
se viu sem alternativa diante dos grupos de pressão que se articularam dentro e fora
do Estado americano. Agora a questão se voltava para como formular uma política
agressiva para Cuba e se livrar de Castro sem comprometer o equilíbrio na América
Latina como um todo.
101
3. A Cuba Pária.
3.1. O presidente e lideranças.
Juntamente com o Irã e a Coréia do Norte, Cuba está na lista dos Estados
considerados párias
196
pela diplomacia estadunidense. Isso significa adotar uma
política externa de confrontação aberta com os Estados Unidos, utilizar-se de
retórica abusivamente antiamericana e conspirar para a diminuição da influência
estadunidense na respectiva área de influência em questão, seja ela oriente médio,
extremo oriente ou América latina.
Quando um Estado atinge esse patamar para o governo americano, as
conseqüências para o desafiante podem ser bastante duras, indo desde bloqueio
econômico até um possível ataque militar. A única certeza existente é a de que o
governo, e por sua vez, a diplomacia estadunidense, não vai encerrar a sua pressão
até que o objetivo seja atingido. Mesmo que ele demore algum tempo para ser
atingido, como no caso dos países citados.
197
Cuba há tanto tempo resiste ao bloqueio americano, ao constante assédio
dos exilados em Miami e às constantes polêmicas na imprensa ocidental, que às
vezes fica um pouco esquecido como esse processo de afastamento se deu em
detalhes e suas motivações e repercussões conjunturais. Dessa forma, o objetivo do
capítulo final desta dissertação é analisar o processo de ruptura definitiva entre
Estados Unidos e Cuba, que se deu no ano de 1960.
O desenvolvimento desta parte estará dividido em três momentos bastante
distintos. No primeiro, a ênfase será dada na questão do papel de Eisenhower e seu
círculo mais próximo na gestão das políticas de derrubada do governo de Castro.
Logo após, será a vez de mostrar como essas políticas foram desenvolvidas pelo
Departamento de Estado e quais eram as estratégias para acelerar a mudança de
governo em Cuba. E por fim, verificar a percepção da diplomacia americana sobre a
196
Rogue States em inglês.
197
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. Cap. 7.
102
efetivação da aliança de Cuba com a União Soviética, e a vida na Cuba pós-
revolucionária.
1960 era o ano final da administração Eisenhower, e também era ano de
eleição e o foco estava mais voltado sobre a escolha do sucessor do general na
Casa Branca do que para qualquer outro assunto no momento. E as eleições
prometiam ser particularmente disputadas, pois os democratas haviam vencido com
facilidade os dois últimos pleitos para o legislativo e estavam na iniciativa,
polemizando contra o governo sempre onde era possível. Como comenta Stephen
Graubard:
“Os sentimentos do país sobre o segundo mandato de Eisenhower foram claramente
mostrados nas eleições para o Congresso quando os Democratas ganharam quinze
assentos no senado, subindo de uma maioria mínima de 49-47 para uma avassaladora
de 64-36. Raramente algum partido havia sido capaz de ganhar tantos assentos em
uma eleição. E na mara de Representantes a situação não era menos dramática. Os
Democratas conseguiram 282 assentos em relação aos 153 dos Republicanos. Não
poderia existir maior demonstração explícita de repúdio ao presidente e às suas
políticas.”
198
O fruto disso era que o presidente estava enfrentando um momento de baixa
popularidade, advindo da recessão que atingia o país naquele momento e pelo fato
de que a União Soviética parecia estar na ofensiva na Guerra Fria. O partido
Republicano também enfrentava uma crise sucessória, pois carecia de um candidato
com maior popularidade e moderação ideológica.
Além disso, o presidente possuía preocupações típicas de fim de mandato,
tais como a montagem de sua biblioteca presidencial em Abeline, sua cidade natal, e
a publicação de livros falando sobre a sua vida de Estadista. Porém, Eisenhower se
viu obrigado a lidar diretamente com a questão cubana, cuja importância crescia
substancialmente. Nos dois anos anteriores, pode-se perceber que ele estava
delegando as tarefas relativas a este problema que os Estados Unidos enfrentavam
em sua vizinhança. Agora, isso não era mais possível, pois a proporção da crise era
198
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american presidency from Theodore
Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin Books, 2006.P. 398.
103
muito maior, que as relações entre ambos os países havia se deteriorado de tal
forma que a possibilidade de entendimento estava encerrada.
O presidente também precisava tomar a liderança porque precisava se afirmar
diante do público interno, bastante insatisfeito com a falta de êxitos na política
externa do segundo mandato. O principal instrumento de participação presidencial
foi através das reuniões do Conselho de Segurança Nacional (NSC). Nele,
Eisenhower começou a coordenar de forma direta os trabalhos, exigindo ações e
soluções de seus comandados.
A primeira reunião do conselho naquele ano, em 14 de janeiro de 1960,
iniciou com uma explicação do Sr. Livingstone Merchant
199
, onde ele caracterizava o
problema cubano como o “mais perigoso enfrentado nas relações com a América
Latina.”
200
Eisenhower destacou durante a reunião que era muito importante trazer
os países americanos para o lado dos Estados Unidos, e que o apoio destes seria
vital para a tomada de medidas mais drásticas. Ele também se mostrava temeroso
de um ataque a Guantanamo, que diante do inflamado sentimento antiamericano
na ilha, essa hipótese não poderia ser desconsiderada.
201
Por fim, o presidente foi perguntado pelo seu assessor de segurança
nacional, Gordon Grey ,sobre qual medida deveria ser tomada em relação aos
exilados cubanos que estivessem preparando algo contra Castro em solo americano.
Eisenhower respondeu que era melhor deixar esse assunto de lado, pois os
elementos que deveriam ter ação livre teriam sido escolhidos.
202
Na verdade, a
administração nunca teve uma política firme e definida em relação a esses grupos,
agora ela só tornava explícita uma idéia antiga.
Outro ponto bastante interessante é o fato de que o presidente ainda estava
cauteloso em agir unilateralmente, e demonstrava isso sempre que possível ao seu
círculo mais próximo. Como comentado no primeiro capítulo, a política estabelecida
pelo êxito americano na crise de Suez era o de que intervenção militar direta sem
apoio poderia trazer um desgaste político desnecessário e resultados inexpressivos.
199
Subsecretário de Estado auxiliar para assuntos políticos entre agosto e dezembro de 1959. A partir disso,
tornou-se o titular da pasta.
200
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 742.
201
Op Cit. P.745.
202
Op.Cit. P.746.
104
Por isso, o apoio da OEA era visto como vital para o intento de derrubar
Castro do poder. Em um encontro com o Secretário de Estado Herter, ele demonstra
a sua ojeriza por aquilo que ele percebe como “ditadores” e a necessidade de apoio
no continente:
“O presidente disse que ele acha que ditadores dedicados a fomentar a desordem
podem ter uma terrível influência em nossos assuntos. Exceto pela existência da OEA
e o seu horror a uma intervenção, nós estaríamos pensando em um aumento das
nossas forças em Guantanamo. O Sr. Herter disse que ele acredita que a próxima
chamada por ação será feita pela OEA. O presidente disse que ele esperava que a
gente pudesse evitar de fazer a chamada por nossa conta.”
203
Aqui revela-se o Eisenhower de fim de mandato, um estadista que percebia
que o uso unilateral da força trazia mais problemas do que soluções no complexo
contexto da Guerra Fria. Ele também nunca perdia a oportunidade de criticar os
“ditadores de terceiro mundo”, um tipo de político dos quais ele começou a ter um
olhar diferente, conforme o fim do seu mandato foi chegando. O presidente
geralmente se referia a Castro como um “louco”, e não fazia melhores menções a
tipos como Trujillo e Nasser. Sobre esse novo sentimento de Eisenhower, comenta
Stephen Rabe:
“Ao invés de conceder medalhas para ditadores, Eisenhower começou a expressar
publicamente a sua preferência pela política democrática e o respeito aos direitos
humanos. Em agosto de 1958, em uma cerimônia que recebeu larga divulgação em
todo hemisfério, o presidente recebeu calorosamente o novo embaixador Venezuelano
e declarou que “o autoritarismo e a autocracia de qualquer forma são incompatíveis
com os ideais dos nossos grandes líderes do passado.”
204
203
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 761.”The
President said he is finding that dictators devoted to fomenting disorder can have a terrible influence on our
affairs. Except for the existence of the OAS and its abhorrence of intervention, we would have to be thinking of
building up our force at Guantanamo. Mr. Herter said he thinks that the next call for action in these circunstances
will be made by the OAS. The President said he hoped we could avoid making the call on your own.”
204
IMMERMANN, Richard H (org). John Foster and the Diplomacy of the Cold War. New Jersey: Princeton
University Press, 1990. P. 183.
105
Em outra reunião de trabalho com o gabinete, o debate chegou a um ponto
onde os participantes se perguntavam o que eles deveriam fazer caso a OEA não os
apoiasse. O presidente respondeu com a seguinte afirmação:
“...se as coisas chegarem até esse ponto, nós poderíamos colocar Cuba em quarentena.
Se eles (o povo cubano) estiverem com fome, eles vão derrubar Castro.”
205
Essa afirmação demonstrava algo bastante natural e previsível. Os Estados
Unidos iriam agir unilateralmente se utilizando de todos meios, caso isso fosse
necessário. Agora começava a se manifestar o que Walter Russell Mead chama de a
corrente Jacksoniana da política estadunidense, uma corrente que surge com muita
força em momentos de crise. E ela se posta exatamente ao contrário das
proposições mais liberais do Departamento de Estado. Assim, buscar um equilíbrio
entre as duas correntes se constituía em um desafio ao executivo, principalmente
dentro diante da necessidade de êxito imediato. Russell Mead comenta a vertente
dessa forma:
“As pessoas que gostam de retratar a política externa norte-americana sob a forma de
deletéria mistura de ignorância, isolacionismo e irresponsável diplomacia de caubóis
rápidos no gatilho normalmente estão pensando nas práticas jacksonianas.”
206
É pertinente ressaltar que Eisenhower também falava sobre quarentena, ou
melhor, um bloqueio naval. Essa medida já estava sendo especulada pelos escalões
mais baixos desde o inicio de 1960,mas aparece pela primeira vez como uma
possibilidade plausível de ação. Contudo, algo como um bloqueio o é tão simples
como parecia ser. Existiam uma série de questões legais e logísticas que envolviam
esse procedimento. O que impedia a sua aplicação imediata.
A partir do momento quando se definiu que o objetivo da política americana
era derrubar o governo de Fidel Castro, se fazia necessária uma divisão de tarefas
entre os diferentes ramos do Estado norte-americano. A CIA, o Departamento de
205
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.764.”...if it
comes to such conditions, we could quarantine Cuba. If they (the Cuban people) are hungry, they will throw
Castro out.’
206
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. P. 336.
106
Estado e o Departamento de Defesa eram os encarregados pelo planejamento e
realização das operações secretas e abertas, sendo que a primazia ficou com a CIA,
pelo fato de o governo Eisenhower ter uma predileção pelo uso de operações
secretas na remoção de regimes indesejáveis.
207
Em uma conferência realizada na Casa Branca, o presidente se mostrava
bastante preocupado com a eficácia da organização montada para gerir o projeto.
Pois não estava claro quem possuía a predominância no processo decisório das
ações futuras contra o governo cubano. Assim, Eisenhower colocou todas as
atividades relacionadas à queda de Castro sob o controle de um grupo do NSC,
chamado de 5412.
O 5412 era um subgrupo do NSC encarregado de supervisionar certas ações
secretas do governo estadunidense. Ele era principalmente composto de membros
do Departamento de Defesa e de alguns especialistas em defesa de outras
agências. O presidente acreditava que este grupo poderia organizar e escolher as
melhores medidas, como algumas dessas medidas eram drásticas, Eisenhower
acreditava que o grupo poderia chegar as melhores conclusões sobre o que fazer.
Em 17 de março de 1960, Allen Dulles trouxe ao presidente as primeiras
conclusões formadas pelo grupo 5412 relativas a Cuba. Entre as medidas aprovadas
estava a criação de uma estação de rádio em Swan Island, que divulgaria
propaganda anti-Castro constantemente. Também havia-se iniciado a formação de
um grupo paramilitar de exilados com o objetivo de invadir Cuba. Era o embrião da
Baia dos Porcos. Dulles esperava que o grupo de invasão estivesse pronto em oito
meses.
208
O presidente se mostrava satisfeito com as iniciativas e chegou a afirmar que
“não havia plano melhor.”
209
Contudo, ele alertava que não poderia existir nenhuma
espécie de vazamento para a imprensa, o que poderia comprometer seriamente a
eficiência da operação. Eisenhower ainda disse, que para o próximo encontro, ele
gostaria de saber como a operação funcionaria, passo a passo. E, por fim, sugeriu
207
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american presidency from Theodore
Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin Books, 2006. P.396.
208
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 861.
209
Op. Cit. P. 863.
107
que era a hora de agir com força, porque Castro estaria perdendo a popularidade em
Cuba, de acordo com o presidente.
210
Após este encontro o grupo sai da pauta presidencial, bem como não está
mais presente no corpus documental. Provavelmente esta parte acabou não sendo
liberada para a constituição do volume, pois, pelo seu provável conteúdo seria um
acréscimo importante. Fica claro somente que o diretor da CIA, Allen Dulles, serve
como intermediário entre Eisenhower e o 5412. Nomes de outros possíveis membros
também não são revelados ou sugeridos. Ao passo que os nomes dos
coordenadores das respectivas operações ligadas a Cuba, tanto da CIA, como do
Departamento de Estado e do OCB, estão fartamente citados na documentação.
Está claro também que este grupo coordenou todas as ações relativas a
derrubada de Fidel naquele momento e que o 5412 respondia apenas diretamente
ao presidente. O grupo somente volta a ser mencionado em novembro de 60, em
uma reunião de trabalho com o presidente e seus assessores mais próximos. Nela,
aparece outro nome que contava com grande estima do presidente, William Pawley.
Ele era um empresário com muito sucesso através de investimentos feitos
principalmente na América Latina. Pawley era um interessado pela história do
continente e geralmente dava conselhos ao presidente sobre políticas para a
América Latina.
211
Contudo, havia surgido uma querela entre Pawley e o 5412. Eisenhower havia
comentado com seu amigo que a tropa de invasão de Cuba estaria estimada em 700
homens. William Pawley afirmava que seriam necessários 3.000 para se obter
alguma chance de êxito. O presidente levou a sério aquele alerta e questionou
fortemente o grupo na reunião. Além disso, o amigo do presidente sugeriu a
mudança do local de treinamento das forças invasoras, ao invés da Guatemala, o
treino seria na base americana em Okinawa ( Japão).
212
O debate se tornava ainda mais acirrado com o boato de vazamento da
operação de invasão. Eisenhower retrucou, dizendo que era “impossível esconder
210
Op. Cit. P.864
211
Empresário com diversos investimentos ligados a América Latina, além de amigo pessoal de Eisenhower. Ele
cresceu em Cuba, falava um espanhol excelente e era dono das companhias de ônibus e gás de Havana. Era
considerado um republicano de “direita” e dava grandes contribuições financeiras para as campanhas de
Eisenhower e Nixon, além de se associar com membros da máfia como Bebe Rebozo e Mayer Lansky.
212
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.1127.
108
algo em Okinawa.”
213
O 5412, por sua vez, havia decidido que o treinamento não
poderia ser feito em solo norte-americano, pois caso a informação vazasse, o dano
seria irreparável. Surpreendentemente, Eisenhower afirmou que os presidentes da
Argentina, Chile e Colômbia ofereceram as suas bases para a preparação das forças
invasoras de Cuba. Esse é um ponto bastante polêmico, que não encontra amparo
na documentação e nem na bibliografia analisada.
214
Por fim, Pawley sugeriu que uma espécie de cargo executivo fosse criado
para lidar exclusivamente com a operação cubana. Ele argumentava que os
membros do 5412 eram “muito ocupados” para lidar com esse encargo, e Pawley
sugeria de maneira “gentil e desinteressada” o seu nome para executivo chefe das
operações secretas em Cuba. Eisenhower contornou a situação dizendo que
gostava da idéia, mas que achava que alguém do Departamento de Estado seria
mais preparado para tal função. O diplomata Douglas Dillon aproveitou a fala do
presidente e complementou afirmando que o Departamento de Estado estava com
uma postura mais arrojada para a América Latina, sendo assim o órgão adequado
para indicar o executivo chefe
215
.
Um mês após o acalorado debate, o grupo 5412 decidiu que um oficial da CIA
e um do Departamento de Estado iriam exercer a função executiva. Foram
escolhidos o embaixador na Costa Rica, Whitting Willauer e Tracy Barnes,
pertencente ao alto escalão da CIA. Finalmente são revelados os nomes dos
membros do 5412. O nome que encabeçava a lista era o de Allen Dulles, seguido de
Gordon Gray, James Douglas
216
e Livignston Merchant. O grupo ainda deixava
bastante claro em sua carta ao presidente que eles ainda tinham a primazia nas
decisões sobre as operações secretas, e que as coisas continuariam dessa forma
217
.
Ao final da carta, foi sugerido pelo grupo que o presidente mandasse Pawley
para a Argentina. A recomendação estava posta dessa forma:
O grupo foi também da opinião que seria extremamente útil pedir ao Sr. Pawley
uma missão imediata para se encontrar com o presidente Frondizi, em caráter privado.
213
Idem.
214
Op. Cit. P.1131.
215
Idem.
216
Secretário da Força Aérea até setembro de 1959, depois dessa data se tornou Secretário Adjunto de Defesa.
217
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 1141.
109
(contudo, obviamente todos os recursos seriam oferecidos pela embaixada e [menos
de uma linha não liberada]) para garantir que em detalhes a postura do mesmo em
relação a atual situação em Cuba e até que ponto ele estaria preparado para contribuir
com a solução.”
218
Os termos colocados eram bastante dúbios, mas demonstavam
aparentemente que tinham alguma relação com a conversa que Eisenhower havia
citado ao grupo anteriormente. Pode ser a ajuda para o treinamento dos
paramilitares, como pode ser uma consulta buscando o apoio na OEA para uma
ação mais efetiva contra o regime de Fidel. Existia também uma terceira
possibilidade. Brasil, Canadá e Argentina estavam articulando uma última rodada de
negociações entre os dois países. Mas, caso esse fosse o motivo, não faria sentido
mandar Pawley para a Argentina sem passar pelo Brasil.
Como apontado anteriormente, a questão é polêmica e as evidências muito
inconclusivas. O exame de tal assunto exige uma pesquisa ainda maior, que
extrapola os objetivos da presente dissertação. Contudo, na coleção Foreign
Relations of the United States, a documentação relativa a Cuba e a Argentina não
menciona nenhuma visita de Pawley, bem como a bibliografia, que corrobora com a
documentação. Mas, talvez através dessa minúscula janela aberta nas relações
entre Argentina e Estados Unidos, possa se abrir mais uma possibilidade de análise
sobre uma questão no mínimo curiosa.
A última citação correspondente ao grupo 5412, falava de um debate
realizado ao final de 1960, onde foi decidido o plano de ataque contra Cuba. Ficou
estabelecido que seria uma força entre 600 e 700 homens, e que seria um ataque
anfíbio com o apoio aéreo dos Estados Unidos. De acordo com o memorando, o
plano não estava ainda aprovado para a sua efetivação final. Mas, os membros do
grupo e representantes da CIA estavam muito otimistas e ordenaram a continuação
dos preparativos.
219
218
Idem. “The group was also of the opinion that it would be extremly useful to request Mr. Pawley as an
immediate mission to call on President Frondizi in a private capacity (though of course every facility would be
provided him by the Embassy [less than 1 line not declassified]) to ascertain in detail the latter’s attitude with
respect to the present situation in Cuba and the extent to which he might be prepared to contribute to its solution.
219
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 1175.
110
Além da participação no 5412, outra faceta bastante interessante do
presidente neste momento de crise era a sua relação com o Vice Richard Nixon e o
diretor da CIA, Allen Dulles. Ambos, com suas opiniões radicalmente anti-
comunistas, testaram as habilidades de Eisenhower como presidente e estadista ao
seu limite máximo. O presidente buscava um equilíbrio possível entre o
Departamento de Estado, de ênfase mais liberal, e os ramos conservadores de sua
administração.
Neste fim de mandato, o presidente se encontrava bastante enfraquecido,
pois havia perdido os seus dois mais preciosos colaboradores ao longo de seu
governo. O Secretário de Estado, John Foster Dulles, havia morrido de câncer no
ano anterior, e Sherman Adams, Chefe da Casa civil, foi afastado por um escândalo
de corrupção em 1958. Para substituir Adams, Eisenhower chamou seu velho amigo
dos tempos
de exército, General Andrew Goodpaster, que durante a Segunda Guerra
Mundial colaborou bastante para diminuir as rusgas entre as forças aliadas.
Porém, Goodpaster não possuía o poder e o entendimento da política em
Washington, qualidades que sobravam à Dulles e Nixon. Assim, era impossível que
os dois não tivessem um papel importante junto à tomada de decisões na Casa
Branca, por menos que o presidente gostasse disso. Ambos não simpatizavam com
o comunismo e montaram suas carreiras públicas justamente no combate à
hegemonia da União Soviética no sistema internacional. Eles também percebiam o
comunismo como uma ideologia de cunho ateu, oriental e bárbaro, que atacava as
bases do ocidente. Eles eram os legítimos representantes (juntamente com o
senador republicano Joseph McCarthy), da chamada vertente anticomunista do
conservadorismo estadunidense.
220
O fato de Richard Nixon ter chegado na vice-presidência, se constituía por
si em algo surpreendente. Ele superou pretendentes mais experientes e
conceituados, graças ao seu bom relacionamento com a base do partido e também
porque ele era um trunfo para se ganharem os votos de anticomunistas mais
ferrenhos nas eleições. Quase botou tudo a perder na primeira eleição, quando se
220
MICKLETHWAIT, John. WOOLDRIDGE. Uma nación conservadora: el poder de la derecha em Estados
Unidos. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2007.Cap 1.
111
envolveu em um escândalo de corrupção. Foi quando ele acabou sendo acusado,
nas eleições de 1952, de ter recebido dinheiro extra como suplemento do seu salário
de senador, através de correligionários ricos.
A partir disso, Eisenhower não confiava mais nele. Tanto que o presidente
fazia questão de gravar secretamente todas as conversas entre os dois.
221
O
presidente também fez questão de deixar Nixon isolado das decisões essenciais do
governo, fazendo o vice bastante infeliz com o tratamento que lhe era conferido. O
vice teve raros momentos de brilho, como seu legendário debate com
Khrushchev
222
e o tumulto em Caracas. Mas em 1960, sendo ele o sucessor natural
da presidência, Eisenhower não tinha mais como deixá-lo de fora de sua cúpula.
Sobre os dias de ostracismo de Nixon na vice presidência, fala Robert Dallek:
“Nixon via a vice-presidência como uma preparação para a campanha e para a
presidência. Era um desafio difícil. Vice-presidentes tradicionalmente tiveram um
papel menor nas decisões nos assuntos domésticos e externos. Não nada para ser
dito sobre a vice-presidência, Woodrow Wilson declarou, e depois que você disse isso,
não há mais nada para se dizer. Eisenhower reforçou o argumento durante a campanha
de 1960, quando foi perguntado sobre o envolvimento de Nixon em alguma decisão
importante da administração, ele respondeu que precisaria de uma semana para pensar
em um exemplo.”
223
Após a sua confirmação como candidato, a sua presença se fez ainda mais
importante, porque Eisenhower se preocupava muito com a continuidade de suas
políticas na próxima administração. E ele esperava que Nixon as mantivesse de
alguma forma. Então, mantê-lo perto era uma tentativa de assegurar isso.Nos
assuntos relativos a Cuba, o vice demonstrava seu virulento anticomunismo,
geralmente concordando com as opiniões de Dulles. E Nixon tentava interferir, pois
acreditava possuir um grande conhecimento sobre a América Latina, após as suas
221
Para mais detalhes sobre este episódio ver SUMMERS, Anthony. The Arrogance of Power: the secret world
of Richard Nixon. New York: Penguin Books, 2001. P.146.
222
Em uma exposição sobre o modo de vida norte-americano, realizada em Moscou no ano de 1959, Nixon e
Khrushchev discutiram publicamente sobre as virtudes de cada um de seus respectivos sistemas. O momento se
tornou um marco da Guerra Fria e, ficou conhecido como “Kitchen Debate”, porque foi realizado na cozinha da
“casa típica da família estadunidense.”
223
DALLEK, Robert. Nixon and Kissinger. New York: Haper Collins, 2007.P. 26
112
recentes visitas ao continente. O diretor da CIA era também um vigoroso porta-voz
das opiniões mais fortes contra o regime cubano.
Desde 1959 ele sugeria que o regime de Castro era comunista e que o
próprio não era comunista, mas possuía inclinações pela doutrina de Marx. Em
1960, ele constantemente se empenhava em mostrar para o presidente o quadro
mais sombrio possível sobre a questão cubana . Em todo encontro do NSC, Dulles
sempre montava uma espécie de espetáculo pessoal, com afirmações bombásticas.
Um bom exemplo disso é o primeiro encontro do NSC em janeiro de 60, onde
se desenrolou uma grande discussão sobre as novas medidas para conter Cuba.
Dulles começou com afirmações de que o governo cubano iria reconhecer Pequim
diplomaticamente, e que iria ceder todo seu manancial de níquel para o bloco
oriental. Até mesmo Eisenhower ficou intrigado com tal assertiva, pois o presidente
afirmou que pensava que o grande estoque de Níquel do ocidente estava no
Canadá, e não em Cuba.
224
Realmente, Cuba possuía um vasto manancial de Níquel, mas que não era
comparável ao canadense. Os canadenses produziam 70% do minério utilizado no
ocidente, de acordo com o Departamento de Estado. E o segundo maior produtor
era a União Soviética, que fornecia para todo bloco oriental. Ou seja, Cuba não
ocupava o lugar central que Dulles afirmava que ocupava.
225
Em relação ao
reconhecimento diplomático, não existia nada de concreto naquele momento entre
Cuba e China. Che Guevara e Raúl Castro ainda continuavam suas viagens aos
países dos blocos comunista e neutralista, mas muitas vezes o tal apoio explícito
não se efetivava.
Allen Dulles manteve o mesmo discurso ao longo do ano de 1960, sempre
argumentando que Cuba se tornava rapidamente um satélite comunista e que algo
drástico rapidamente deveria ser feito. As idênticas posições defendidas por ambos
demonstram a ascensão da ala conservadora no processo decisório cubano, apenas
reafirmando o crescimento do poder deste grupo nas fileiras do Partido Republicano.
E, em um momento onde o gabinete estava fraco e as dificuldades eram muitas, a
opinião que eles formulavam ganhou um peso ainda maior.
224
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 741.
225
Op. Cit. P.1175.
113
As suas percepções sobre a América Latina e a Guerra Fria, somadas ao
desejo do presidente por uma solução rápida para o problema de Cuba, deram
vazão ao retorno de uma política mais semelhante a implementada no primeiro
mandato. Política essa mais unilateral e militarista, focada nas questões de defesa,
em detrimento do fomento do desenvolvimento econômico ao sul do continente
americano.
Outra maneira oportuna de se analisar a percepção de Eisenhower sobre os
eventos em Cuba, é através de sua troca de cartas com o primeiro-ministro britânico,
Harold McMillan. Ali, o presidente expressava as suas preocupações de uma
maneira informal e apresentava um quadro bastante interessante para a análise do
momento. As cartas são diretamente endereçadas à McMillan, pois Eisenhower
contava com a influência inglesa para que a OTAN colaborasse em um eventual
esforço militar dirigido a Cuba.
226
Dessa forma, Eisenhower tentava demonstrar para o primeiro-ministro que
Cuba era mais do que apenas um problema local. Era algo que poderia até mesmo
afetar o equilíbrio da Guerra Fria:
“Porque o problema cubano afeta tão profundamente não somente a segurança dos
Estados Unidos, mas também é um tema relacionado à segurança do mundo livre
como um todo, se faz necessário rever a dimensão do problema como nós o
percebemos e ver o que podemos fazer sobre ele.”
227
A afirmação de Eisenhower é muito importante, porque remete imediatamente
a questão do conflito intersistêmico, permitindo perceber a questão cubana acima de
seu papel local e conjuntural, mas também, como parte importante do
desenvolvimento da Guerra Fria e seu efeito sobre o todo do sistema. A segunda
parte da argumentação consistia em provar à McMillan que Cuba era de fato um
Estado comunista, e não apenas um neutralista ou um nacionalista do estilo de
Nasser, um exemplo com o qual a Inglaterra estava familiarizada. Sobre o
226
Op. Cit. P.1000
227
Idem. “Because the Cuban problem is so profoundly affects not only the security of the United States but is
also related to the security of the Free World as a whole, it might be wel to review all dimension of the problem
as we see it and what we are trying to do, although Iam sure and Selwyn have followed the matter closely.”
114
posicionamento ideológico do governo de Castro, o presidente se manifesta dessa
forma:
“Nos parece que o governo Castro está totalmente comprometido com o Bloco. Nós
não podemos, por prudência, perseguir políticas que visem uma mudança da opinião
de Castro; precisamos confiar, francamente, na criação de condições onde cubanos
com mentalidade democrática e orientação ocidental possam se levantar e retomar o
controle da política e do destino da ilha.”
228
Em sua segunda carta para o primeiro-ministro britânico, o presidente
estadunidense estava mais focado em apresentar o seu programa para derrubar
Castro. Em primeiro lugar, ele explicava o componente social da questão:
“Como você já havia corretamente apontado, a grande maioria dos elementos da
classe media liberal cubana, que foram os principais responsáveis pela ascensão de
Castro ao poder, agora retiraram o seu apoio e muitos até mesmo fugiram do país para
se engajarem em oposição aberta ao regime de Castro.”
229
Eisenhower se utiliza desse argumento para assegurar que o núcleo de apoio
de Fidel está reduzido às classes baixas e a “um bando de fanáticos”, que seriam
uma minoria pouco influente, de acordo com as palavras do presidente.
230
Reafirmando essa teoria que estava difundida no alto escalão do governo norte-
americano.A partir disso, ele explicava para McMillan o tipo de pressão que seria
realizada sobre Cuba:
“É compreensível que você pergunte como s realmente pretendemos atingir a nossa
meta de derrubar Castro e o substituir por um regime mais adequado. Isso depende de
alguma forma dos resultados do próximo Conselho de Ministros das Relações
Exteriores, em San José, na Costa Rica, a ser realizado em 16 de agosto, nós
228
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 1003. “As it
appears to us, the Castro Government is now fully commited to the Bloc. We cannot pridently follow policies
looking to a reform of Castros’s Attitude and we must rely, frankly, on creating conditions in which
democratically and Western-orientated Cubans can assert themselves and regain control of the island policies
and destinies.
229
Op.Cit. P. 1050. “As you have so accurtely pictured, the great majority of the liberal middle-class elements in
Cuba, which were primarily responsible for Castro’s acession to power, have now withdrawn their support and
many have fled the country to engage in open opposition to the Castro Regime.”
230
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1051.
115
esperamos tocar adiante medidas econômicas destinadas a trazer pressão sobre a
economia cubana.”
231
E, por fim, ele faz até mesmo um apelo a uma defesa da sociedade ocidental,
que na visão do presidente, se encontrava sob severo ataque naquele momento.
Assim ele reitera o seu pedido de apoio para o mandatário inglês, principalmente no
que diz respeito ao apoio britânico no Conselho de Segurança da ONU e futuras
medidas contra Cuba:
“Se Castro conseguir sobreviver por mais um ano, ou até mais, estas nações correm o
risco de serem tomadas pela revolução, dentro das mesmas condições existentes em
Cuba. Este tipo de mudança, quando traz o comunismo consigo, é intolerável sob o
ponto de vista do nosso interesse nacional e da tradição cristã, liberal e democrática
que nós compartilhamos.”
232
Através dessas cartas com o líder de seu aliado mais próximo, é possível
perceber alguns aspectos que as reuniões do NSC não deixavam muito claras. A
primeira é que o presidente se encontrava bastante otimista com as ações que
estavam sendo tomadas até aquele momento pelo Departamento de Estado e pela
CIA. Da mesma forma ele demonstrava que a tarefa de promover a mudança era
complexa e exigente, especialmente porque ele desejava que os cubanos fossem os
protagonistas dessa mudança, até mesmo por uma questão política dos Estados
Unidos. O que estava de acordo com a tradição secular estadunidense de levar a
sua experiência democrática para outras nações.
Eisenhower superestimava os relatórios de inteligência e a retórica de Nixon,
onde ambos afirmavam que o governo de Castro estava perdendo popularidade
rapidamente. E também o presidente prestava pouca importância ao apoio das
classes baixas para o governo cubano, acreditando que o suporte da incipiente
231
Op. Cit. P. 1050.’”You ask understandably how we really mean to achieve our aim of unseating Castro and
replacing him by a more suitable regime. Depending somewhat on the results of the forthcoming Council of
Foreign Ministers,San Jose, Costa Rica on August sixteenth, we expect to move ahead with economic measures
designed to bring preassure on Cuban economy.”
232
Op. Cit. P. 1049. “Should Castro manage to survive for another year or more, these nations run the risk of
being overtaken by revolution with such conditions such as those now existing in Cuba. This kind of change,
when it brings Communism on its wake, is intolerable from the standpoint of our national interest and that of the
liberal democratic Christian tradition which we all share.”
116
classe média exilada seria suficiente para derrubar Castro. Ele desconsiderava a
popularidade que o líder cubano havia angariado junto a grande parcela da
população, mesmo com as dificuldades iniciais.
As correspondências demonstram também a predileção do presidente pelo
uso da pressão econômica em detrimento da força militar, uma de suas principais
características no cargo. Mesmo com a criação de forças paramilitares por parte da
CIA, ele acreditava que o envolvimento militar direto dos Estados Unidos não traria
resultados positivos. Ao passo que, ele percebia Cuba plenamente engajada na
órbita soviética, partindo desta premissa, um ataque militar estadunidense poderia
trazer tensões indesejáveis com a União Soviética.
Analisar a participação do presidente e sua cúpula é vital para a compreensão
da tomada de decisões da diplomacia estadunidense no caso cubano. Isso também
ajuda no sentido de se entender a que tipo de pressão o Departamento de Estado
estava submetido naquele momento. Nos dois anos anteriores, foi possível perceber
uma certa autonomia do Departamento de Estado na formulação das políticas para
Cuba, inclusive com o apoio do próprio presidente.
Contudo, em 1960, a situação havia se modificado a tal ponto e tinha
assumido uma dimensão tão maior, que era impossível a ausência presidencial na
tomada de decisões, por mais que o perfil do governo Eisenhower não fosse
centralizador. À medida que o presidente se torna parte integrante do processo
decisório, e que a influência de Allen Dulles e Richard Nixon crescem, a primazia
passa para as mãos dos setores de defesa e inteligência do Estado norte-
americano.
O Departamento de Estado, por sua vez, vai ter uma participação reduzida e
uma influência muito menor, se comparada com o seu ápice em 1958. Um grupo da
diplomacia estadunidense agia uma espécie de elemento moderador, para conter os
ímpetos militares e anticomunistas mais fortes, que poderiam atrapalhar a grande
estratégia estadunidense para a América Latina. Mas, após o desenrolar dos
eventos, o Departamento de Estado acabaria sendo um dos articuladores dos
planos de derrubada de Castro, e, esses diplomatas da linha wilsoniana acabariam
trabalhando em conjunto com aqueles mesmos grupos contra os quais eles se
posicionaram em 1958 e 1959.
117
Com relação a Eisenhower, pode-se perceber que a sua participação foi
bastante limitada.Ela acabou sendo apenas decisiva para a provação das políticas
defendidas por Dulles e Nixon, que refletiam bem muitos dos princípios da
administração. A sua decisão de optar por um caminho mais conservador ao final de
seu mandato, traz a tona uma crítica bastante pertinente por parte de Stephen
Graubard:
“Somente os britânicos, que o conheceram bem durante a Segunda Guerra Mundial,
anteciparam a sua falha em conceber e executar uma política externa de acordo com
sua época. Nem um salvador, nem um criador, ele foi simplesmente um general de
cinco estrelas que estava fora de seu lugar original, que não era a Casa Branca.”
233
Apesar de sua passagem pela Europa, ele parecia não ter o conhecimento
necessário para lidar com a situação naquele momento. Ao optar por uma retomada
conservadora, e basear toda estratégia relacionada a Cuba nessas premissas, ele
acabou comprometendo a situação americana na ilha, encerrando qualquer mínima
possibilidade de diálogo. Mas o seu governo não viveria para pagar por essa
escolha, porém, sempre seria lembrado pela formulação de uma estratégia que não
dava conta da verdadeira dimensão do problema cubano.
233
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american presidency from Theodore
Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin Books, 2006. P.397.
118
3.2. Mãos a obra.
A segunda parte deste último capítulo tem por objetivo primordial analisar o
papel do Departamento de Estado nas operações que visavam remover o regime
castrista em Cuba. Como comentando anteriormente, o presidente Dwight
Eisenhower dividiu essa tarefa entre a CIA e o Departamento. A CIA possuía um
papel ainda mais complexo, que era a montagem de um grupo paramilitar de
exilados, visando à derrubada direta do governo cubano. Contudo, a participação da
CIA é algo bastante abordado pela historiografia, ainda mais quando a temática é
Cuba e os anos 60.
234
Nesta dissertação, o cerne não está no secreto, no mundo obscuro das
agências governamentais de inteligência durante a Guerra Fria. A ênfase se
encontra nas ações da diplomacia e como ela pode, às vezes, ocupar posições que
transcendem o seu caráter original de representação e intermediação. Os
diplomatas, nos séculos anteriores ao XX , sempre estiveram muito associados à
espionagem. Em um mundo onde os setores de inteligência não eram
desenvolvidos, essa função era exercida pela diplomacia.
235
Com a chegada do século XX e o surgimento das agências de espionagem e
contra espionagem, os diplomatas perderam um pouco da imagem pérfida que lhes
era atribuída. Mas mesmo assim, eles ainda eram responsáveis por alguns tipos de
articulações que os remetiam ao seu velho papel. Também é necessário lembrar que
muitas das ações da diplomacia são baseadas na Razão de Estado, e que a defesa
dos interesses de suas nações, muitas vezes se utilizando da força, é a meta
prioritária de sua existência.
236
A partir desses ditames, o Departamento de Estado teve a importante tarefa
de articular diplomaticamente apoio na América Latina e na Europa para a remoção
234
Ver BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Cap VIII.
235
Ver KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994. Cap 3. WRIGHT, Jonathan. The
Ambassadors: from Greece to the nation state. London: Harper Press, 2006. Introdução.
236
Ver MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. São Paulo: Editora
UnB, 2003.Parte 5. WIGHT, Martin. A Política do Poder. São Paulo: Editora UnB, 2002. Cap VIII.
119
do governo cubano. Também foi encarregado de realizar operações de propaganda
em Cuba, visando minar ideologicamente o regime inimigo, além de buscar
membros compatíveis com os ideais estadunidenses, para a formação de um novo
governo.
Anteriormente foi destacado que a pressão econômica era o meio favorito
do Departamento de Estado para que a mudança de regime acontecesse
rapidamente. Ao longo do ano de 1959, diversos métodos foram estudados, mas
somente o bloqueio da entrada do açúcar cubano nos Estados Unidos havia sido
consenso entre os diplomatas. em 1960, o que era apenas um planejamento se
transforma em prática. A complexidade, bem como as eventuais reações ao plano
estadunidense, traziam uma série de problemas para a diplomacia norte-americana.
Sobre essas medidas, comenta Moniz Bandeira:
“Na opinião do Secretário de Estado, Christian Herter, o Sugar Act era mais
importante, desde que se constituía uma arma contra Cuba. E aqueles que criticavam
o Departamento de Estado por não adotar sanções econômicas contra o regime de
Fidel Castro concluíram que nenhuma outra medida seria tão eficaz quanto o corte da
cana de açúcar e o desestímulo ao turismo, já a evaporar-se.”
237
O Departamento trabalhava para inicialmente buscar novos parceiros
fornecedores de açúcar para os Estados Unidos. Thomas Mann, o Secretário de
Assuntos Econômicos, acreditava que era vital reduzir a dependência do mercado
norte-americano em relação ao açúcar cubano. Ele também ressaltava que o GATT
não seria um problema, pois as violações cubanas seriam mais sérias que as
americanas, o que daria aos Estados Unidos uma chance maior de vitória em uma
possível arbitragem da questão. Por fim, ele destacava que a pressão seria bem
sucedida, por um simples fato:
“A economia de Cuba está ligada a nossa e cedo ou tarde Cuba terá de reconhecer
isso. Somente então, nós estaremos em uma vantajosa posição de bargannha investidores vão
237
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel:
A Revolução Cubana e a América Latina. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.P. 225.
120
perder muito pouco até a espera de uma época mais razoável, já que a possibilidade de um
acordo satisfatório e imediato é remota.”
238
Contudo, para que o êxito fosse possível na questão do açúcar, o Presidente
precisava ter a autoridade para realizar o corte, algo que somente poderia ser dado
pelo Congresso. Como também destacado anteriormente, Eisenhower passava por
uma fase bastante conflituosa com o legislativo, principalmente com a consolidação
da maioria democrata em 1958. Cabia aos congressistas renovarem as vantagens
tarifarias cubanas, de quatro em quatro anos. E muitos deputados e senadores
acreditavam ser uma temeridade dar para um governo de caráter bastante incerto,
um benefício tão grande por tanto tampo.
A batalha pela chamada “autoridade do executivo” seria intensa, e sua
importância está bem clara nas palavras de Henry Ramsey
239
, do grupo de
planejamento de políticas:
“O obstáculo imediato nas relações cubano-americanas é a pendente legislação do
Congresso relativa a cota do açúcar. É do meu entendimento que o Poder Executivo
vai pedir que a atual legislação seja estendida por um ano e que seja dado ao
Executivo a autoridade de fazer ajustes nas cotas existentes. Eu espero e presumo que
essa legislação vai passar. Isso nos permitiria arranjar o tempo necessário e dar ao
Executivo a flexibilidade necessária para manobrar com Cuba, nas cotas e nos preços.
Isso iria abrir uma área de comunicação que poderia ser útil. ”
240
Cabia agora aos congressistas republicanos e ao próprio governo a tentativa
de convencer a maioria democrata da importância da medida para a solução do
problema cubano. Porém, era ano eleitoral, e os democratas não estavam muito
interessados em facilitar a vida do Executivo neste momento. Principalmente porque
238
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 726.”Cuba’s
economy is tied to ours and sooner or later Cuba will have to recognize this. Only then will be in an
advantageous bargaining position. The investors lose little by waiting for a reasonable time since the possibility
of a satisfactory and immediate settlement is remote.”
239
Membro do Grupo de Planejamento de Políticas do Departamento de Estado.
240
Op. Cit. P.797. “The immediate hurdle in US-Cuban relations is the pending Congressional legislation on the
sugar quota. It is my understanding that the executive branch will ask the existing legislation be extended for one
year and that the executive be given authority to make adjustments in exisising quotas. I hope and assume that
the existing legislation will pass. It would permit us to buy necessary time and give the executive the flexibility
required to maneuver with Cuba on quotas and prices. This would open an area of communication which might
be helpful. ”
121
as discordâncias mais sérias estavam justamente na formulação da política externa.
Os senadores Fulbright, Johnson e Kennedy criticavam incessantemente a
administração por deixar que a União Soviética estivesse na “dianteira” da Guerra
Fria.
O antigo Secretário de Estado no governo Truman, Dean Acheson, reuniu um
grupo de intelectuais democratas para estabelecer um constante debate sobre os
rumos da política externa norte-americana. O grupo de trabalho se mostrou bastante
crítico das políticas estadunidenses para a América Latina, criticando uma aparente
perda de terreno do governo americano na região. Algumas das medidas sugeridas
seriam incorporadas ao programa de governo de Kennedy, que se transformaram na
Aliança para o Progresso.
241
Esse desejo de formular uma nova política para a América Latina tornava os
Democratas bastante duvidosos das pretensões governamentais. O que deixava a
liberação para a definição da cota algo ainda mais complexo. Portanto, era
necessário que a liberação chegasse logo, para que ela tivesse o efeito desejado de
uma vez. Castro ainda parecia bastante forte e popular, o que preocupava o
Departamento de Estado. Diante disso, o Departamento trabalhava também com
outras formas de pressão econômica.
Uma que se esperava que fosse bastante eficiente consistia na aplicação de
um boicote de petróleo para Cuba. As companhias americanas, que eram as
responsáveis pelo refino na ilha, haviam se negado a refinar mais petróleo para
Castro, deixando Cuba em uma crise de combustíveis. A União Soviética se propôs
a fornecer petróleo cru para os cubanos, o que foi aceito prontamente pelo país, que
estava necessitado do produto.
Mas, as refinarias americanas receberam ordens diretas do Departamento de
Estado, via o embaixador Phillip Bonsal, de se retirarem de Cuba, caso fossem
obrigadas a refinar petróleo russo. O embaixador destacava que era “lamentável”
que companhias como a Esso e a Texaco, presentes na ilha durante quase 80 anos,
tivessem de encerrar as suas atividades por uma questão política. De acordo com os
241
A partir de 1952, se forma o chamado “Grupo Finletter”, fundado pelo acadêmico democrata Thomas K.
Finletter. O objetivo era a existência de um fórum constante de debates das políticas do partido. O grupo era
composto por nomes do porte de Eleanor Roosevelt, George Kennan, Dean Acheson e Kenneth Galbraith. A
partir de 1956, o grupo ficou conhecido como DAC (democratic advisory comitee), e suas idéias tiveram um
imenso impacto na formulação da política externa de John Kennedy.
122
especialistas estadunidenses, os equipamentos americanos que ficaram em Cuba
não eram adequados para o refino do petróleo russo.
O Departamento também articulou seus contatos em Londres, onde pediu ao
governo de McMillan que pressionasse a Shell para encerrar as suas atividades na
ilha. As informações passadas até aquele momento pelo governo britânico davam
conta de que a Shell teria a mesma posição que as suas parceiras norte-
americanas, e que as três anunciariam a sua decisão para o governo cubano no
mesmo dia, 6 de junho.
242
Outro ponto que deveria ser abordado na questão do petróleo, era a intenção
de dificultar ao máximo o transporte do combustível para Cuba. Todo transporte era
realizado via naval, pelos armadores gregos em sua maioria. Os diplomatas
estadunidenses prontamente entraram em contato com os senhores Onassis e
Niachros, os dois maiores armadores do mundo naquela época. Eles conseguiram
seus objetivos através do discurso persuasivo de que a Grécia fazia parte do bloco
ocidental e que a sua colaboração era essencial nesse momento de “crise”.
Os diplomatas ainda enfatizaram que seria bom para um andamento saudável
dos negócios dos gregos nos Estados Unidos que eles cooperassem com os
estadunidenses naquele momento. Ambos se mostraram bastante receptivos e
foram devidamente persuadidos de sua importância, colaborando prontamente com
a não utilização de seus navios para o transporte de petróleo para Cuba.
243
Este
particular todo de pressão foi bastante efetivo no começo e a ilha somente iria
resolver os seus problemas com o abastecimento de combustível ao se alinhar
definitivamente com o bloco oriental.
Conforme, ao longo do ano, a tensão parecia se agravar, uma outra medida
foi seriamente considerada. Consistia na utilização do Trading With the enemy act.
Este ato interromperia imediatamente todo comércio entre Cuba e os Estados
Unidos, bem como liberaria ao governo estadunidense a possibilidade de congelar
todo dinheiro cubano que estivesse em bancos americanos. O Secretário do
Tesouro, Anderson, gostava da idéia, mas ao mesmo tempo, dizia que ela tinha de
242
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 936.
243
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 980.
123
ser pensada com cuidado, pois não era do interesse dos Estados Unidos passar a
idéia de que Cuba era uma vítima perante a comunidade internacional.
244
Depois de uma árdua batalha no Congresso norte-americano, a autoridade do
Executivo para cortar a cota do açúcar cubano foi finalmente aprovada em julho. Roy
Rubottom, em encontro no Departamento de Estado, afirmou que era necessário
fazer um uso imediato da autoridade, para mostrar ao Congresso que o voto de
confiança no governo foi bem aproveitado.
245
E que ele iria recomendar ao
Presidente que ele cortasse 700.000 toneladas, das 740.000 que Cuba tinha direito
de exportar aos Estados Unidos.
246
E que os novos exportadores deveriam ter o seu
açúcar pago de acordo com os preços praticados no mercado americano, que
pagavam o dobro do que o mercado internacional.
247
Após o êxito no bloqueio do açúcar e do petróleo, o governo de Eisenhower
começava a demonstrar sinais de otimismo. Na reunião do NSC, ocorrida um dia
depois do anúncio do corte, Douglas Dillon afirmava que esse ato iria gerar um efeito
em cascata que iria levar a quebra da economia cubana.
248
No mesmo encontro, o
Secretário Anderson argumentou que era a hora de o governo americano congelar o
dinheiro e os bens do governo cubano nos Estados Unidos. Seria o golpe final, na
percepção do Executivo estadunidense.
249
O cenário otimista se modificava a partir da segunda metade de 1960, quando
o bloqueio petrolífero começava a perder efeito. Em um encontro com o presidente,
Allen Dulles informou que os chineses comprariam grande parte do açúcar cubano,
podendo chegar até 500.000 toneladas. Enquanto o Sr. McCone
250
informava a
Eisenhower que era impossível impedir Cuba de adquirir mais petróleo. Armadores
de menor porte estavam dispostos a fornecer os seus serviços ao governo cubano,
enquanto o governo americano somente conseguiu garantir um acordo com os
gigantes do setor.
251
244
Op. Cit. P. 959.
245
Op. Cit. P. 976.
246
Idem.
247
Op. Cit. P.979.
248
Op. Cit. P.982.
249
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.986.
250
Diretor da Comissão de Energia Atômica a partir de julho de 1958.
251
Op. Cit. P.1023.
124
A grande solução parecia ser realmente a efetivação do Trading with the
Enemy Act, que começou a ser defendida pelo Departamento de Estado. Em uma
correspondência para o Secretário de Estado Herter, o Secretário de Defesa,
Thomas Gates, explica os benefícios da aplicação do ato:
“Sob o Trading with the Enemy Act, os EUA poderiam (1) congelar as contas de
banco cubanas nos EUA e proibir todos os negócios entre cidadãos americanos e
firmas cubanas; (2) embargar todas as importações de Cuba; e (3) aplicar “controle de
transações” para negar à Cuba produtos de firmas controladas pelos EUA no
exterior.”
252
Aqui chegamos em um ponto bastante interessante, onde havia uma inusual
concordância entre os diversos setores do Estado norte-americano sobre a
necessidade da implementação de uma pressão econômica. Porém, as
discordâncias logo retornaram, justamente no momento em que as lideranças se
mostravam satisfeitas com o andamento das ações. Outros setores se mostravam
desgostosos e até mesmo descrentes com a possibilidade de êxito das medidas
tomadas até então. Mesmo sendo uma minoria, e com poucas chances de realmente
influenciar um novo tipo de política externa, eles se faziam notados, como o caso do
embaixador Bonsal:
“Nenhum dos elementos de pressão econômica já citada vai botar esse governo de
joelhos, e ainda por cima, eles estão sendo interpretados, até mesmo por nossos
amigos, como uma tentativa mal sucedida de fazê-lo.”
253
Bonsal estava em Cuba, e era um diplomata bastante perspicaz, por isso
estava bem informado e ciente do momento da ilha. Ele complementava
argumentando que, se os Estados Unidos compravam 774.000 toneladas de açúcar
de Cuba, o Bloco Comunista estava comprando 2.200.000 toneladas. Mesmo a um
preço inferior, e com grande parte do pagamento sendo feita através de
252
Op.Cit. P. 1037. “Under the Trading with the Enemy Act, the US could (1) freeze Cuban bank accounts in the
US and prohibit all dealings between US nationals and the Cuban firms; (2) embargo all imports from Cuba; and
(3) apply “transactions controls” to deny Cuba products of US controlled firms abroad..”
253
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 1042.”None of
the above elements of economic pressure will bring this government to its knees though they in themselves are
being increasingly interpretated, even by our friends, as unsucessful attempts to do so.”
125
equipamentos, a demanda dos mercados da Rússia e da China, compensava boa
parte da perda anterior.
Dentro dos quadros do Departamento de Defesa, crescia o
descontentamento. Em um memorando, Edward Lansdale
254
escreve para James
Douglas, nos seguintes termos:
“Como você apontou, não me parece que o nosso curso atual de ação vai trazer os
resultados efetivos que desejamos. O plano atual é baseado na premissa de que o povo
cubano vai se transformar em uma força anticomunista em um mero suficiente para
trazer uma mudança de governo. As táticas comunistas de segurança, como a de criar
milícias populares, e o contínuo apoio a Castro pela maioria da população, bloqueiam
o sucesso das nossas ações planejadas. Assim, me parece que é hora de darmos uma
outra boa olhada em nosso plano. Se o nosso atual plano parece fadado ao fracasso,
então o que pode ser feito para se ter sucesso?
255
Por fim, a estimativa nacional de inteligência, relativa a situação de Cuba, realizada
ao fim de 60, mostrava a ineficiência das medidas econômicas até aquele ponto:
“A economia cubana como um todo continua a se deteriorar, mas não ainda ao ponto
de ameaçar a estabilidade do regime de Castro.
256
Ainda havia esperança na implementação do Enemy Act, mas isso exigiria
mais um esforço concentrado no Congresso, e não havia mais tempo para a
Administração Eisenhower fazer isso. Seria uma decisão a ser tomada pelo governo
Kennedy, que envolvia o reconhecimento diplomático de Cuba como um inimigo
oficial dos Estados Unidos.
O que se pode perceber na questão econômica é que o governo
estadunidense superestimou o potencial de suas medidas, e subestimou a ajuda
254
Assistente para Operações Especiais, órgão ligado ao Departamento de Defesa.
255
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States ,Government Press, 1991.P. 1115. “As you
pointed out, it does not appear that our present course of action will bring the effective results we desire. The
present plan is based on the assumption that the Cuban people would rally to anti-communist forces in sufficient
numbers to bring about a change in government. Communist security tactics, such as creating a people’s militia,
and the continued support of Castro by a majority of Cubans, block the success of planned actions. Thus, it
appears to be time to take another hard look at our plan.If our present plan now seems to be doomed to failure,
then what must be done for success? ”
256
Op.Cit. P.1172. “The Cuban economy as a whole continues to deteriorate, but is not yet close to the point
where the stability of Castro regime is jeopardized.”
126
oferecida pelo Bloco Comunista. Também se pode notar que a discordância dessa
vez não está na centrada no triângulo Departamento de Estado, Defesa e Executivo,
mas sim na hierarquia. Ao passo que as lideranças desses três ramos acreditavam
que as medidas eram efetivas, os responsáveis diretos pela sua aplicação e
verificação podiam notar a sua ineficiência. Essa contradição afetou diretamente o
desenvolvimento da política externa estadunidense para Cuba naquele momento,
que a falha na cadeia de comunicação (feedback), comprometia qualquer correção
de rumo.
O fracasso inicial da pressão econômica não pode ser entendida
isoladamente. Ela está ligada à eficiência duvidosa das outras iniciativas
organizadas pelo governo estadunidense, como a propaganda, por exemplo. O
componente essencial do plano de mudança do governo cubano, era fazer com que
o próprio povo de Cuba fosse o instrumento da mudança. Para provocar a
mobilização do povo cubano, era necessário apresentar os Estados Unidos como
um parceiro, interessado no desenvolvimento de Cuba. E era imperativo enfraquecer
a força que a retórica antiamericana Castrista possuía sobre as classes mais baixas.
Para que isso se tornasse possível, o Departamento de Estado formulou uma
série de estratégias. Esse grupo de medidas está descrito em detalhes no
memorando de Abbott Washburn
257
para o embaixador Phillip Bonsal:
“Nós reconhecemos realisticamente que este esforço expandido de informação pode
representar no máximo uma pequena parte da totalidade de influências em jogo na
complexa situação cubana. Mas descrever o procedimento passo a passo é necessário:
(1) manter uma imagem clara dos EUA o quanto for possível diante do povo cubano,
que se vive em uma época em que Castro tem constantemente retratado os EUA
como a fonte da maior ameaça para Cuba. ”
258
Washburn prossegue:
257
Diretor Adjunto da Agência de Informação dos Estados Unidos.
258
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 774.”We
recognize realistically that this expanded information effort will at best be but a small part of the totality of
influences at play in the complex Cuban situation. But the step-up is necessary: (1) to keep as clear a US image
as possible before the Cuban people at a time when Castro has increasingly portrayed the US as the source of the
greatest threat to Cuba; (2) to maintain and increase the friendship Cubans as individuals hold for the US.;”
127
“(2) Manter e aumentar a simpatia que os cubanos, como indivíduos, tem pelos
EUA.;(3) Evitar deixar um vácuo que pode vir a ser preenchido por extremismo
comunista ou ultranacionalista; (4) prover ainda mais material ao estoque já disponível
que documente os perigos do comunismo.”
259
Washburn indicava que todo material, que envolveria propaganda em jornais
e na televisão cubana, mais a organização de exilados e americanos influentes anti-
Fidel, custaria algo em torno de US$ 200.000. Todos os recursos seriam geridos
pela United States Information Agency (USIA), que era subordinada ao
Departamento de Estado e se dedicava à promoção dos valores americanos ao
redor do mundo. Sobre o caráter da USIA, comenta Nancy Snow:
“Considero a USIA um instrumento de relações públicas da propaganda corporativa
que “vende” a história da América no exterior integrando interesses comerciais com
objetivos culturais. Do mesmo modo que a Comissão Creel persuadiu a população
americana durante a Primeira Guerra Mundial a aceitar sem questionamento uma
guerra total contra a Alemanha e o povo alemão, a USIA utiliza a guerra psicológica
para promover a superioridade da livre empresa norte-americana, a expansão dos
interesses comerciais no exterior...”
260
Outra medida que estava pronta para ser efetivada era a construção de
uma estação de rádio em Swan Island, que deveria ter programação transmitida pela
oposição sediada em Miami, mas com textos feitos pela USIA.
261
Em um encontro do
NSC, novas medidas foram aprovadas. Como a compra de tempo em rádios da
Flórida para a transmissão de programas contra Castro, bem como a montagem de
uma outra estação de rádio de 500 KW, para a transmissão de programação
semelhante.
Existiram também algumas propostas que foram julgadas inadequadas, ou
pelos altos custos ou, pela falta de efetividade. Uma delas foi a de se transmitir
programação de TV estadunidense através de um avião que decolaria de Key West
259
Idem.” (2) to maintain and increase the friendship Cubans as individuals hold for the US.; (3) to avoid leaving
a vacuum for Communist and ultra-nationalistic extremism to fill; (4) to provide an increased suply of readily-
available material documenting the dangers of Communism. ”
260
SNOW, Nancy. Propaganda Inc. vendendo ao mundo a cultura dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Graphia
Editorial, 1998. P. 40.
261
Op. Cit. P.851.
128
todo o dia. Eisenhower e Allen Dulles se mostraram bastante irritados com a
proposta, pois temiam que tal ato iniciasse uma “guerra rádio-televisiva” no ocidente.
Eles também temiam que essa agressão fosse muito explícita, passando dos limites
de discrição impostos pela Administração para esta operação.
262
Outra sugestão foi dada por Allen Dulles, que sugeriu que a transmissão de
jogos de beisebol poderiam ser produtivas para a divulgação do modo de vida
americano, e também porque os cubanos são fãs de beisebol. Ele ainda
complementou, sugerindo que notícias pró-americanas seriam passadas nos
intervalos dos jogos. Douglas Dillon e Richard Nixon debocharam da sugestão de
Dulles, e ainda o vice-presidente afirmou que aquilo o era um programa “digno de
um americano”.
263
A idéia de qualquer espécie de transmissão de TV seria
abandonada a partir daí.
A investida de propaganda não deveria se restringir somente a Cuba, mas sim
para toda América Latina. Era necessário ganhar o apoio dos países latinos, visando
medidas mais fortes contra Cuba na ONU e na OEA. Roy Rubottom, em
correspondência para Phillip Bonsal, explica a importância desse projeto:
“É, portanto, essencial para os Estados Unidos, se utilizando da maior discrição, ter
um papel ativo em levar os fatos para ao resto do hemisfério; caso contrário, nós não
podemos esperar que as outras repúblicas americanas vejam a situação sob a mesma
ótica que a nossa.”
264
Rubottom ainda enfatizava que o esforço da embaixada em Cuba seria vital,
pois seria ela a responsável natural em prover as informações necessárias para que
o governo americano pudesse apresentar ao continente um retrato mais adequado à
sua percepção do regime cubano.E, que a partir dessa percepção, novos aliados
pudessem ser angariados para o apoio político e diplomático, como comentado
anteriormente.
262
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 894.
263
Op. Cit. P. 895.
264
Op. Cit. P. 932.”It is,therefore, essential that the United States, using the utmost discretion, play an active role
in getting the facts to the rest of the hemisphere; otherwise we cannot expect the other American Republics to
see the situation in the same light as we do. ”
129
Por fim, a ultima menção, na documentação aos esforços de propaganda era
uma informação dada por Allen Dulles em um encontro com o Presidente, onde ele
avisava que a estação de Swan Island já estava em pleno funcionamento. De acordo
com as suas fontes na CIA, o sinal estava um pouco ruim em Havana, devido ao
excesso de rádios na região. Mas ele afirmava que no resto do país o sinal estava
perfeito, e que a transmissão por rádio era a melhor forma de os objetivos serem
atingidos.
265
Porém, a utilização de propaganda que enfatizava os valores
estadunidenses, visando conquistar corações e mentes em Cuba, trazia consigo um
interessante paradoxo comentado por Michael Allen:
“Se apela constantemente aos valores estadunidenses para justificar e legitimar
decisões ou tomadas de posição. Inclusive, aqueles que defendem uma postura crítica
contra o governo dos Estados Unidos invocam os valores estadunidenses, se bem que
é para ressaltar suas incoerências ou hipocrisias... O mundo abriga grandes
expectativas sobre os Estados Unidos precisamente porque ele encarna uma idéia de
liberdade e democracia a um nível de exigência ética que habitualmente não se
poderia esperar que predominasse na tarefa de construção de um Estado no cenário
internacional.”
266
A propaganda poderia ter sido um meio efetivo para a cooptação dos cubanos
e para se angariar a simpatia de aliados. Contudo, a conquista de suporte efetivo
das Repúblicas Americanas às medidas estadunidenses contra Cuba estava
condicionada a uma intensa coordenação diplomática. O Departamento de Estado
sabia que os Estados Unidos estavam em baixa ao sul do continente, e que a
maioria dos governos latino-americanos adotavam uma postura ambígua diante de
Castro, não demonstrando abertamente a sua ojeriza pelo ditador, visando não gerar
tensões com a esquerda nacionalista.
A situação era tão delicada que, Livingston Merchant, em reunião com os
Chefes do Estado Maior Conjunto disse que era realmente necessário “um escalpe,
e não um machado de cortar carne.”
267
O que ele queria passar para os militares,
265
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1058.
266
ALLEN, Michael. Los valores de Estados Unidos. Vanguardia Dossier : número 7, p.54-66, 2003.P. 54.
267
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.732.
130
sendo ele o responsável pela ligação entre a Casa Branca e o JSC, era que uma
ação militar unilateral forte por parte dos Estados Unidos não era exatamente uma
opção naquele momento. Assim, era possível conter os notórios ímpetos mais
belicistas, que, de resto, pudemos observar desde 1958.
Os diplomatas responsáveis pela busca de apoio no continente sabiam que
era vital um bom trânsito com três países: Brasil, Argentina e Canadá. A diplomacia
estadunidense sabia que com o peso desses três na OEA, qualquer ação contra
Castro seria validada dentro das regras estabelecidas no sistema interamericano . E
uma ação forte, referendada por uma organização multilateral de peso, era uma
vantagem moral da qual os Estados Unidos não queriam prescindir.
268
Em um memorando que o Secretário de Estado escreveu para o embaixador
em Cuba, pedindo para os embaixadores do Brasil e da Argentina realizarem um
papel de mediação junto a Castro, Christian Herter destacou que os dois eram
“muito influentes”
269
e pediu para que o embaixador Bonsal fosse pessoalmente
agradecer a ajuda prestada. O Secretário estava impressionado com uma discussão
ao vivo na televisão cubana, onde Castro brigou com o embaixador espanhol. E,
deportou-o com o programa ainda no ar.
Os diplomatas do Departamento de Estado acreditavam que boas relações
com o Brasil poderiam ser decisivas para carregar o apoio do resto da América
Latina. Vasco Leitão da Cunha, o embaixador brasileiro em Cuba, estava em
constante contato com Phillip Bonsal. E a sua percepção do problema o aproximava
dos Estados Unidos, como mostra o memorando de uma conversa entre ambos:
“O embaixador brasileiro comparou a atitude cubana em relação aos Estados Unidos
com a de uma criança que se volta contra seus pais ou professores, e que no final,
somente destruiria o que ela tem de mais valioso. Essa teoria pode ser apoiada também
pela observação dos líderes cubanos, que apesar de sua inteligência, são imaturos e
inexperientes como crianças brincando com armas de fogo. Ele afirmou que a situação
exige uma abordagem psicanalítica.”
270
268
Para um aprofundamento maior da importância da vantagem moral nas relações internacionais, bem como dos
meios de obtê-la, ver Martin Wight em sua obra “A política do Poder”, cap VIII.
269
Op. Cit. P. 766.
270
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P 768.”Brazilian
Ambassador linkened Cuban attitude toward US to spite of a child against parent or teacher against which could
lead him even to destroying his prized possesssions. This theory was further supported he believed by
131
Tal abordagem deixava o Departamento relativamente animado, mesmo
porque vem ao encontro do pensamento de certos ramos ideológicos da diplomacia
estadunidense, como foi foi analisado anteriormente. A pedra no caminho da
melhoria das relações e da busca de um apoio brasileiro mais efetivo era a fria
recepção que o governo americano deu para a Operação Pan Americana, do
presidente Juscelino Kubischek. O diplomata Henry Ramsey comenta o assunto
dessa forma:
“Seria útil para reparar as nossas relações danificadas com o Brasil, por causa da
Operação Pan Americana, e poderíamos lançar algo que possa ser feito com tempo,
colocando o problema do desenvolvimento em um contexto hemisférico e multilateral.
Isso iria permitir ao Brasil exercer influências moderadoras em Cuba.”
271
O governo Eisenhower pouco considerou seriamente a possibilidade de dar
ênfase a uma política desenvolvimentista e de apoio hemisférico. Não fazia parte do
ideário republicano para a América Latina este tipo de política ou suporte, mesmo
que em certos setores do Departamento de Estado ainda existisse um apreço pela
política de “boa vizinhançae uma cooperação hemisférica mais intensa. Porém, ao
final do mandato e com o crescente distanciamento da América Latina, o governo
percebeu que uma outra orientação teria sido necessária, mas não havia mais
tempo para uma reversão de curso tão severa. Foi uma tarefa solenemente
conferida à próxima administração.
272
O outro interlocutor estadunidense foi o embaixador argentino em Cuba, Júlio
Amoedo. Ele teve um encontro com diplomatas cubanos buscando alguma
possibilidade de acordo ou de uma retomada de negociações com os Estados
Unidos. Amoedo enviou alguns comentários que sugeriam o seguinte:
observation that present GOC leaders, however naturally intelligent, are immature, inexperienced and like
children playing with fire arms. Situation he feels calls for psychoanalythical approach. ”
271
Op. Cit. P. 799. “It would repair our somewhat strained relations with Brazil regarding Operation Pan-
America and launch something which must be done be done in time, placing the development problem in a
hemisphere and multilateral context. This would permit Brazil to exert moderating influences on Cuba’
272
IMMERMANN, Richard H (org). John Foster and the Diplomacy of the Cold War. New Jersey: Princeton
University Press, 1990.Cap. 6.
132
“Para os EUA, ser uma vítima dos excessos e dos abusos de Cuba era a melhor forma
de superar a predisposição dos países latino-americanos de apoiar a fraca República
americana contra o poderoso EUA.”
273
Amoedo complementava afirmando que era sábio para a política
estadunidense manter um curso mais paciente, evitando providências mais duras e
voltadas para o uso da força. Isso, na verdade, somente reforçava o discurso
defendido pelo Departamento de Estado, onde se pregava pressão contra Cuba,
mas sem abusos no uso da força. Mas, o incipiente suporte de Brasil e Argentina
acabou não se configurando, pois os dois países passavam por um ano eleitoral e
suas necessidades de política interna impediam uma efetivação dessa
aproximação.Sem contar outras questões de cunho sóciopolítico que envolviam o
relacionamento dos dois países naquele instante. Por outro lado, México e Canadá,
por questões de formulação de política externa, não apoiavam as medidas de
pressão econômica contra Cuba, as quais julgavam excessivas.
Com o passar do tempo e a ausência de um suporte diplomático formal, o
governo estadunidense demonstrava, em suas discussões internas o seu desgosto
com a situação. O Departamento de Estado buscava respostas para entender esse,
abandono de certa forma, inesperado de toda América em relação às atitudes que
os Estados Unidos pretendiam tomar contra Cuba. Um memorando escrito pelo
Secretário Assistente de Estado resume bem as motivações em cada país para essa
negativa diplomática:
“Para a conversa com o presidente, tem de ter sem sombra de dúvida em mente que o
México é simplesmente incapaz de qualquer raciocínio sobre o problema cubano sem
remeter a revolução que ele mesmo realizou. o presidente brasileiro, que
demonstrou desejo de participar em projetos deste Departamento, precisa ser julgado
nos termos da política doméstica brasileira e no desejo do presidente Kubischek, que
está apoiando o Marechal Lott, visando minimizar a visita do candidato Jânio Quadros
a Cuba na primavera passada. Além do mais, de acordo com os relatórios recentes do
273
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 847. “For US
to be “victim” of Cuba’s excesses and abuse was best way he thought to overcome Latin American
predisposition to side with weak Amrican republic against powerful US.”
133
Subseretário Merchant, está claro que os canadenses são incapazes de entender o
problema cubano à luz da verdadeira ameaça que ele representa. ”
274
Essa pretensa incompreensão da ameaça que Castro representaria para a
América Latina deixava, o somente o Departamento de Estado bastante
desgostoso, mas também o próprio presidente Eisenhower. Em uma reunião na
Casa Branca, ele até mesmo afirmou que era “impossível ter o apoio de vinte países
que viviam com governos instáveis”
275
. Assim, ao atribuir o termo “instável”,
Eisenhower desqualifica imediatamente o contexto e as opções políticas de cada
país. Reforçando, assim, o velho estereótipo anglo-saxônica sobre a “irracionalidade
latina “.
Mas a falta de apoio do Canadá, como um vizinho rico, e membro da OTAN,
consternava o governo estadunidense. O governo canadense se recusava a
congelar o dinheiro cubano depositado em seus bancos e não pensava em retirar as
suas empresas de Cuba. O Secretário do Tesouro americano certa vez afirmou que
ninguém no governo canadense entendia de América Latina.
276
Os diplomatas
estadunidenses também atribuíram tal postura a esse desconhecimento do que
realmente representava a questão cubana no xadrez da Guerra Fria. Desmond
Morton explica o ponto de vista canadense neste momento:
“Os intelectuais canadenses deploravam a caça aos comunistas promovida pelos
políticos americanos, e os diplomatas canadenses se preocupavam com a
agressividade da política externa norte-americana...A ansiedade cresceu porque os
policy makers dos Estados Unidos necessitavam convencer os seus aliados e seus
inimigos de que eles iriam, de fato, arriscar o holocausto nuclear para defender os
interesses dos Estados Unidos.”
277
274
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 1027. “For a
discussion with the President, you will be undoubtedly bear in mind that Mexico is simply unable to assess the
Cuban problem in any terms except her own revolution. The brazilian President, if he has envinced a willingness
to participate in a good offices effort, must be judged in terms of Brazilian domestics politics and the desire of
President Kubischek, who is back Marshall Lott, to offset the effects of candidate Janio Quadros’s visit to Cuba
last spring. Moreover, in view of Under Secretary Merchant’s recent reports, it is clear that the Canadiens are
unable to see the Cuban problem in its truly menacing light.
275
Op. Cit. P. 1086.
276
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1013.
277
MORTON, Desmond. A Short History of Canada. Toronto: McClelland & Stewart, 2001. P. 267.
134
A maioria dos países do bloco ocidental percebia os eventos em Cuba como
um problema dos Estados Unidos, e não como uma ameaça direta do comunismo.
Naturalmente, essa postura se modificaria com os eventos a partir de 1961 e com a
efetivação da união entre Cuba e os soviéticos. Mas, em 1960, os Estados Unidos
não conseguiram persuadir diplomaticamente as nações do seu bloco, e isso deixou
o governo Eisenhower engessado em termos de alguma medida mais forte.
Assim, o suporte diplomático, que era um dos pilares do plano de remoção de
Castro, havia falhado. que os outros países percebiam os eventos na ilha como
um problema estadunidense, caberia aos Estados Unidos, unilateralmente, resolver
o impasse. A questão agora era se o apoio norte-americano para isso seria de
maneira explícita ou secreta. Era da concordância da Casa Branca e do
Departamento de Estado, que a mudança de regime deveria ser realizada pelos
próprios cubanos, com aulio material e logístico secreto dos Estados Unidos.
278
A pressão econômica e a propaganda tinham como objetivo minar Cuba por
dentro, fazendo com que o tecido social se desintegrasse, criando as condições
necessárias para a queda do regime de Castro. Havia também duas iniciativas que
estavam sendo realizadas fora da ilha e com forte apoio estadunidense. Uma, era a
montagem de um grupo político de oposição, baseado nos exilados de Miami,
visando a montagem de um novo governo.
A outra iniciativa consistia no treinamento de mais de mil tropas paramilitares
de exilados, visando uma invasão armada da ilha. O objetivo era que esse grupo,
bem treinado e armado, apenas daria o golpe final em um governo pretensamente
desgastado politicamente, e que cairia com facilidade diante do descontentamento
do “povo cubano”. Essas tropas estavam sendo treinadas pela CIA na Guatemala, e
o governo estadunidense desejava o seu uso o mais rápido possível.
279
No que dizia respeito à criação de uma oposição forte no exílio, os problemas
eram os mais diversos. Desde a fraqueza ideológica e falta de cooperação entre os
diferentes partidos, até a ambição de antigos membros do gabinete de Batista de
retornarem ao poder. A dificuldade inicial que se levantava era relativa ao tipo de
atividade que esses exilados realizavam na Flórida. Desde 1959, esses novos
278
Op. Cit. P.1049.
279
Ver BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Pp. 242-243.
135
moradores estavam criando sérias dificuldades ao serviço de imigração dos Estados
Unidos.
Até mesmo os cubanos mais ricos se dedicavam a atividades ilícitas como
jogo, tráfico de drogas e vôos clandestinos para bombardear Havana. A sugestão
dada pelo governo para o Departamento de Justiça foi a de que eles deveriam ser
deixados em paz, pois eram muito úteis para as finalidades estadunidenses num
futuro próximo. As atividades criminosas geravam um desgaste maior com o governo
estadual, e os vôos provocavam seguidos incidentes diplomáticos entre Cuba e os
Estados Unidos.
280
Em uma carta para o Almirante Arleigh Burke, Livingston Merchant explica
porque é era necessário suportar os “modos” dos imigrantes:
“A não ser que ocupemos Cuba militarmente por tempo indefinido, a única solução para o
problema cubano é a emergência de uma liderança cubana sequiosa e capaz de governar o país
de acordo com os moldes consistentes com a política básica dos Estados Unidos para a
América Latina. E isso ainda vai levar tempo.”
281
Seguindo a lógica política da conjuntura, é possível entender a proposição de
Merchant para Burke. Apesar da tentação de resolver o problema a curto prazo se
utilizando da poderosa máquina de guerra estadunidense, o preço em vidas
americanas e a incerteza do sucesso eram grandes demais para uma ação tão
ousada. Como destacado anteriormente, o exemplo de Suez ainda era bastante
vivo nos diplomatas e militares estadunidenses. Dessa forma, tolerar os modos
pouco polidos dos exilados era apenas um pequeno preço a ser pago, diante da
estratégia que em tese seria a correta.
Outro ponto bastante pertinente é sobre o caráter dessa oposição. Qual era a
sua base social e política? Quem eram os partidos? Eram eles confiáveis,
compatíveis com as políticas americanas? Um relatório feito pelo Departamento de
Estado visava a responder essas perguntas:
280
Idem.
281
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.838. “Unless we
were indefitely to occupy Cuba militarly, the only solution to the Cuban problem is necessarily the emergence of
a Cuban leadership willing to and capable of governing the country along lines acceptable to the Cuban people
and along lines consistent with basic US policy to Latin America.
136
“a) o novo governo deve ser uma coalizão de vários grupos de oposição, de uma
unidade bastante frágil, principalmente de centro ou de esquerda e fortemente
nacionalista em sua orientação política. Contudo, o futuro governo vai trabalhar com
os EUA para trazer estabilidade social, econômica e política.
b) Por causa do vasto apoio que muitos dos programas e objetivos do governo Castro
possuem, as políticas proclamadas pelo novo governo serão variantes desta porém,
as medidas iniciais implementadas vão provavelmente ser mais responsáveis e
calculadas para provocar uma menor objeção dos EUA.”
282
O governo estadunidense desejava que um novo regime cubano fosse capaz
de criar uma classe média liberal no país, que seria o sustentáculo de um regime
democrático e aliado dos Estados Unidos. A Casa Branca também sabia que buscar
ajuda nos antigos asseclas de Batista era algo impensável, por isso era necessário
lidar com forças de esquerda mais moderadas, mas que ainda não eram o tipo de
elite política percebida pelos norte-americanos como ideal para governar o país. Por
elite política e econômica, podem-se entender homens de negócios de alto escalão
e outras profissões geralmente ligadas às classes mais abastadas de uma nação.
Nancy Snow explica a lógica inserida na escolha dessa elite:
“... a elite culta se encontra na melhor posição para traçar e influenciar a política pró-
América em seus respectivos países. Que dizer da maioria da massa, daqueles 80 a
90% que o jornalista Walter Lippmann chama de ‘o confuso rebanho’? Espera-se que
apenas leve adiante o programa e não se incomode com a tomada de decisão política
ou econômica.”
283
Organizar a oposição cubana exilada se mostrava uma grande dificuldade.
Existiam muitos movimentos sem expressão, que mais atrapalhavam através de
minúcias ideológicas. O principal movimento oposicionista era a Frente
282
Op. Cit. P. 1066. “a) The new government is likely to be a coalition of various opposition groups, or fraigile
unity, left of center and strongly nationalistic in political orientation. It will, however, be willing to work with
the US in bringing about political, social, economic and financial stability. B) Because of the widespread support
enjoyed by many of the objectives and programs of the Castro government, the proclamed policies of the new
government will be variants of these although initial measures of implementation will probably be more
responsible.”
283
SNOW, Nancy. Propaganda Inc. vendendo ao mundo a cultura dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Graphia
Editorial, 1998.P. 48.
137
Revolucionária Democrática (FRD), que possuía uma agenda social não muito
radical, e era claramente um movimento anticomunista. Contudo, as informações
colhidas em Miami não eram muito positivas, pois o movimento era minado por
brigas internas e vaidade pessoal do líder Antônio de Varona. Por fim, a Frente foi
caracterizada pelo Departamento de Estado como “inerte”, não conseguindo sequer
iniciar um programa de sabotagem contra o governo de Castro.
284
Outro grupo considerado de peso era o Movimento Revolucionário do Povo
(MRP), que tinha como slogan o seguinte mote : “fidelismo sem Fidel”. O que na
verdade o grupo contemplava era o retorno da “democracia”, com a mudança da
economia, seguindo alguns dos princípios de Castro. De acordo com os diplomatas
norte-americanos, o Movimento queria aliar uma forte presença estatal, mas sem
excluir o capital privado. Outra vantagem percebida era a de que a maior parte dos
correligionários ainda estava lutando em Cuba, o que lhes daria um maior
conhecimento da situação. Contudo, os relatórios da embaixada em Havana
informavam que esses guerrilheiros opositores estavam sofrendo severas baixas, o
que poderia comprometer a sua causa a médio prazo.
285
Outros partidos oposicionistas, como o Movimento 30 de Novembro, o Bloco
de Organizações Anticomunistas Cubanas e a Ação Cívica Anticomunista, eram
vistas como muito incipientes em sua capacidade de ação e difusas em seu caráter
ideológico. Eram movimentos, de cujas intenções, que nem o Departamento de
Estado possuía plena idéia, e a plataforma de alguns deles era incompatível com as
metas que os Estados Unidos pretendiam atingir na ilha. Portanto, foram
rapidamente descartados como alternativa viável.
A perspectiva do surgimento de uma oposição política forte em Cuba parecia
cada vez mais nebulosa, conforme chegava o fim do governo de Eisenhower.
Ademais das dificuldades anteriormente relatadas, ainda existiam uma série de
problemas legais, tais como o reconhecimento de um governo no exílio, bem como a
sua devida representação na ONU e na OEA.
Não bastasse isso, os relatos da embaixada em Havana davam conta de que
Castro consolidava cada vez mais o seu poder na ilha, deixando pouca margem para
284
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 1155.
285
Idem.
138
o florescimento de um novo movimento. Também se levava em consideração que,
apesar da popularidade de Fidel ter diminuído desde janeiro de 59, ela era ainda
muito alta, especialmente nas camadas populares.
286
A conclusão do Departamento de Estado nos últimos dias da administração
Republicana era que a oposição não tinha a menor chance de derrubar Castro
naquele momento. Era necessário continuar a pressão, e mesmo assim, esperar
resultados de médio e longo prazo.
287
Enquanto a oposição não estava pronta, o
grupo de paramilitares destinados a ser o braço militar da ação política na retomada
de Cuba, estava sendo treinado a pleno vapor. Vale relembrar que a organização
dessa força estava por conta da CIA, mas, como todo planejamento relacionado a
Cuba, estava dividido com o Departamento de Estado, mantendo-se este informado
sobre o projeto constantemente.
288
Desde que a ordem de derrubar o regime cubano fora dada pela Casa
Branca, ao final de 1959, o uso de força militar era contemplado. O plano inicial
formulado pelo JCS está explicado da seguinte forma:
“Sob estes planos está antecipado que as forças utilizadas podem ser dos Estados
Unidos em com junto com outras nações ou forças dos EUA podem ser utilizadas
unilateralmente. Os planos visam, em uma instância,o que somente força naval e os
Marines serão usados, com a marinha provendo suporte anfíbio e os Marines a força
terrestre. Em outra instância, está planejado que todos os serviços militares dos EUA
utilizarão suas forças, com a marinha provendo uma força tarefa, os Marines ficariam
com a força de desembarque anfíbio, bem como a Força Aérea e os pára-quedistas do
Exército. Esse plano pode entrar em ação em poucas horas. ”
289
Também estava previsto no plano um bloqueio naval da ilha, que demoraria
algo em torno de 24 horas, de acordo com o Comando da Frota do Atlântico. Apesar
da estratégia estar montada e ser tentadora pela possibilidade de uma solução
rápida, politicamente não era viável. Como foi possível verificar, não existia apoio
286
Op. Cit. P. 1185
287
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 1185.
288
A parte da operação da remoção de Castro que estava sob comando da CIA foi chamada de “Project Clean
up”, com um orçamento estimado em US$ 28 milhões. Ver Moniz Bandeira.
289
Op. Cit. P.842. “The plan envisage, in one instance, that only and Naval and Marine forces would be used
with the Navy providing amphibious support and the Marines landing forces. Only a few hours would be
necessary to implement this Navy-Marine plan. In another instance it is antecipated that all US services wouls
provide forces, and the Air Force and Army airborne forces. This plan also can go into effect within a few hours.
139
diplomático para uma ação militar direta dos Estados Unidos contra Cuba. E o
existia, também, apoio interno, ainda mais para um governo em fim de mandato.
Uma guerra em ano eleitoral poderia ter efeitos desastrosos nas eleições de 1960.
Dessa maneira, a solução intermediária foi entregar à CIA a montagem de um
grupo paramilitar de exilados cubanos, que seria treinado por militares
estadunidenses. A função deste grupo paramilitar seria espalhar focos de resistência
em toda Cuba, colaborando para dar o golpe final contra o regime de Fidel Castro. O
grupo 5412 havia estipulado, em março de 1960, que seriam necessários 6 meses
para que os paramilitares estivessem prontos para agir.
290
Os cálculos do grupo se mostraram muito otimistas. Em agosto, somente
estava pronto o treinamento de 20 instrutores cubanos, realizado na Escola das
Américas, no Panamá. Esses 20 instrutores estavam a caminho da Guatemala,
onde 500 exilados estavam sendo treinados para a invasão. Na Guatemala,
estavam forças especiais dos Estados Unidos e técnicos da Força Aérea, que eram
responsáveis pela montagem de toda a estrutura.
291
O Secretário de Defesa, Thomas Gates, deixou bem claro que o queria
forças americanas na operação de ataque direto, pois os Estados Unidos não
poderiam estar diretamente ligados a qualquer evento do tipo, pois isso poderia
causar um dano irreparável nas relações com a América Latina. Gordon Gray
292
discordou, e defendeu que tropas estadunidenses deveriam ser utilizadas como
reservas, caso o ataque falhasse. Allen Dulles contemporizou, dizendo que era uma
decisão a ser tomada pelo JCS, e que ali o era o melhor momento para tal
debate.
293
Durante o treinamento das tropas, acabou vazando para o New York Times a
história sobre o campo de treinamento. A notícia teve um forte impacto no
continente, gerando uma crise com a oposição guatemalteca despertando a fúria do
governo cubano, que se sentiu bastante ultrajado. A imprensa internacional e a ONU
se tornaram atentas ao assunto, e estabeleceram uma certa cobrança sobre o
290
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 851.
291
Idem.
292
Assistente especial do presidente para Assuntos de Segurança Nacional.
293
Op. Cit. P. 1058.
140
governo norte-americano.O Secretário de Assuntos Interamericanos, Thomas Mann,
comenta o vazamento:
“Para minimizar o perigo, eu creio que devemos nos mover rapidamente para tirar o
foco do nosso treinamento clandestino e outras atividades que temos na Guatemala, e
deveríamos transferir as operações para bases dentro dos Estados Unidos. Medidas de
segurança mais eficientes seriam possíveis aqui, e outras vantagens operacionais
estariam disponíveis da mesma forma. Se essa revelação pública eventualmente der
resultado, os EUA deveriam, em meu julgamento, suportar o risco de uma humilhação
pública ao invés de uma provável perda do atual governo da Guatemala.”
294
A sugestão de Mann de trazer o treinamento para os Estados Unidos foi
imediatamente rejeitada pela Casa Branca, que acreditava que o risco de
vazamentos era ainda maior em solo norte-americano. Outro fator que colaborou
para essa decisão foi que os Estados Unidos não poderiam estar de forma alguma
ligados diretamente a essa operação, pelo menos publicamente. E caso ocorresse
algo semelhante em uma base americana, não haveria como negar e a operação
seria abortada.
O governo Eisenhower foi bastante eficiente em montar uma história para
cobrir a falha, mas os meios pelos quais o objetivo foi atingido ainda não estão
claros na historiografia do período.
295
De concreto, se sabe que o treinamento
continuou no mesmo lugar, e que a CIA esperava aumentar o número de tropas para
acima de 600.
296
Para que isso acontecesse, de acordo com Dulles, um novo campo
de treinamento deveria ser construído na América Central, provavelmente na
Guatemala.
Ao mesmo tempo, os vôos do avião de reconhecimento U2 foram autorizados
pelo presidente Eisenhower, visando a angariar novas informações sobre os
294
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 1123. “To
minimize this danger, I believe we should move promptly to de-emphasize our clandestine training and other
activities in Guatemala and to transfer such operation to bases within the United States. Improved security
measures would be possible here, and distinct operational advantages would be offered as well. Should public
revelation eventually result, the US could, in my judgment, better stand the risk of embarrassing publicity than it
could the loss of the present government of Guatemala.
295
Graubard e Elmo Richardson.
296
Livrão em torno de 1123.
141
dispositivos de defesa cubanos.
297
O U2, avião mais moderno de sua época, estava
sendo usado com bastante eficiência sobre a URSS, permitindo aos americanos
monitorarem até mesmo o potencial nuclear soviético. As primeiras conclusões das
análises avaliaram que o exército de Castro crescera consideravelmente, tendo em
vista o ano anterior. Já havia inclusive a preocupação com a possibilidade da
instalação de mísseis soviéticos, sendo eles nucleares ou não.
Essas novas informações aguçaram o sentido de urgência do governo
americano. William Pawley , amigo do presidente e de Antônio de Varona, líder
maior da oposição, pediam pressa na execução do plano e o aumento no número de
paramilitares para 3.000.
298
Ambos acreditavam que a janela de oportunidade para
uma ação mais forte em Cuba estava se fechando rapidamente. O Departamento de
Estado corroborava a idéia, mas entendia que era tarde demais para o governo
Eisenhower fazer algo mais sério. Seria tarefa do presidente recém eleito, John
Kennedy, dar seqüência aos trabalhos e finalizar a obra iniciada na gestão
Republicana.
299
Como foi possível perceber, a formulação das medidas que visavam a
enfraquecer e derrubar Castro foram bastante heterogêneas e exigiram bastante dos
recursos do Departamento de Estado, tanto no planejamento, como na complexa
execução de cada uma das ações em andamento. Contudo, todas elas estavam
falhando em dar o resultado esperado no momento em que foram concebidas. Cuba,
com o crescente suporte do bloco oriental, resistia ao embargo econômico
estadunidense, principalmente ao corte do acesso ao mercado norte-americano de
açúcar.
As iniciativas no campo da propaganda apresentavam resultados
inconclusivos, diante do alto investimento que receberam. Castro, conforme se
consolidava ainda mais no poder, cada vez estava mais hábil em controlar o fluxo de
informações dentro de seu próprio país. O suporte diplomático das Américas, tão útil
para reafirmar uma liderança estadunidense no continente e dar legitimidade a uma
ação militar contra Cuba, estava absolutamente esvaziado. A imagem desgastada
dos Estados Unidos, diante do conhecido “descaso” ao continente no pós Segunda
297
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 1093.
298
Op. Cit. P. 1127.
299
Op. Cit. P.1176.
142
Guerra, havia diminuído o interesse de muitos dos países latino-americanos em uma
aliança incondicional. O complexo contexto interno dessas nações, especialmente a
sua relação com as forças de esquerda, deixavam governos temerosos de participar
de uma empreitada contra um regime que era popular entre muitos setores da
esquerda na América Latina.
A oposição cubana, apesar dos intensos esforços do Departamento em
buscar um grupo forte e coerente com as idéias estadunidenses, era dispersa e
bastante fraca. O próprio governo estadunidense reconhecia que mais tempo seria
necessário para a devida maturação de uma força política de oposição que tivesse
reais condições de um embate com Castro pelo poder em Cuba. Sobrava como uma
espécie de “solução milagrosa”, o uso da força de invasão paramilitar. Mas até
mesmo essa força estava com um número inferior ao necessário e o seu
treinamento estava atrasado. Sem contar as inúmeras incertezas sobre o plano de
desembarque, e a incerteza sobre o uso de tropas americanas na operação. John
Kennedy acabaria pagando, em 1961 pelas dúvidas e falhas de 1960.
A questão de Cuba havia se tornado um verdadeiro górdio para a
administração Eisenhower. Apesar do desaparecimento do ambiente de severas
discordâncias entre os diferentes setores governamentais, que marcaram os anos de
58 e 59, os resultados foram inferiores aos obtidos anteriormente. Se o caminho
trilhado anteriormente era duvidoso, pelo menos foi fruto de um sério debate de
diferentes percepções sobre a política externa dos Estados Unidos, que gerou os
melhores resultados possíveis no momento.
Porém, um ambiente de menor atrito e concordância quase absoluta gerou
uma série de projetos falhos, que comprometeram seriamente a capacidade dos
Estados Unidos atingirem seus objetivos em relação a Cuba. Esse fator, somado aos
problemas internos e externos enfrentados pelo governo norte-americano naquele
estágio da Guerra Fria, redundaram no fracasso da derrubada de Castro ainda em
1960, como era o desejo de Eisenhower.
Por fim, o que fica evidente é a falta de entendimento sobre a realidade latino-
americana no momento, por parte da maioria do alto escalão governamental
estadunidense. Também se pode perceber que a retomada conservadora do
governo Eisenhower levou a busca de soluções anacrônicas, que foram insuficientes
143
para a execução de um plano efetivo. E, paradoxalmente, um ambiente de
entendimento entre os diferentes setores governamentais acabou por gerar uma
política que era, ao mesmo tempo, tudo e nada. Não era militarista o suficiente
(“jacksoniana”) e nem idealista (“wilsoniana”) o bastante. Diz-se usualmente que a
virtude está no caminho do meio. Neste caso, o caminho do meio foi, talvez, o que
acabou sendo o calcanhar de Aquiles do planejamento estadunidense.
144
3.3. Meu vizinho é um satélite comunista.
Desde quando o governo de Fulgêncio Batista começou a dar os seus
primeiros sinais de desgaste em 1956, era importante para a diplomacia
estadunidense entender o caráter político e ideológico da oposição cubana. Esta
tarefa era bastante valiosa, pois Cuba era um ponto estratégico do Caribe, sede de
uma base americana e localizada a poucos quilômetros da costa da Flórida. A partir
dessas premissas, uma Cuba comunista não era uma opção aceitável para os
interesses estadunidenses no contexto da Guerra Fria.
Portanto, a missão da embaixada em Havana e dos consulados no interior era
a de identificar tendências comunistas nos movimentos da oposição cubana. A
intensidade e determinação desse trabalho puderam ser percebidas no ano de 58,
quando a guerra interna entre governo e os rebeldes atingiu seu ápice. Foi quando o
embaixador americano, Earl Smith, entrou em choque com as interpretações do ARA
e do CMA sobre o caráter do principal movimento de oposição, liderado por Fidel
Castro.
Para Smith, Castro era um perigoso comunista; para os especialistas em
América Latina do Departamento, ele era um nacionalista de esquerda que poderia
ser trazido para o lado estadunidense. Saber se o novo governo, surgido dessa
oposição, era comunista ou não era decisivo para a escolha da política a ser
desenvolvida para Cuba. O surgimento de um país comunista em plena América,
área de influência consagrada dos Estados Unidos, era algo inaceitável pela
Doutrina Monroe. Sobre o tema, comenta Russell Mead:
“A Doutrina Monroe era mais que simplesmente não-isolacionista: ela era anti-
isolacionista. Ela chegava a reconhecer que a segurança dos Estados Unidos dependia
do equilíbrio do poder na Europa. Com a sua promulgação, a primeira fase da política
externa norte-americana chegou ao fim. Os princípios estratégicos da Doutrina
Monroe continuaram, sem interrupção, a moldar a nossa política externa, daquela
145
época até os dias de hoje. As intervenções estadunidenses nas guerras mundiais e na
Guerra Fria não representam uma série de radicais afastamentos dos princípios
instituídos por Monroe: são, ao contrário, exemplos do mesmo pensamento que o
levou a proclamar a sua doutrina.
300
A Doutrina,como comentou Mead, apesar de ter tido seu maior impacto no
século XIX, representa um princípio basilar da diplomacia estadunidense até os dias
atuais. No delicado jogo de xadrez da Guerra Fria, ela representava o fato de que os
Estados Unidos não iriam tolerar qualquer intervenção da URSS no continente. A
sobrevivência dos Estados Unidos na Guerra Fria estava ligada assim, à capacidade
de manter a hegemonia na sua zona de influência historicamente consagrada. E que
a resposta para tal tentativa seria a ameaça do uso imediato da força contra a nação
que se submetesse ao jugo soviético, e até mesmo contra a própria União
Soviética.
301
Dessa forma, determinar o grau da “ameaça” significava a medida da
força que deveria ser empregada.
Se em 1959 ainda existiam dúvidas sobre a possibilidade de Castro cooperar
com os Estados Unidos, em 1960 elas haviam desaparecido. A questão não
estava mais centrada na possibilidade de uso da força ou não, mas sim na medida
do uso dessa força. E aqui é que se fecha o círculo, que, entender o grau de
periculosidade do regime cubano para os objetivos estadunidenses era o fator
determinante para a dosagem do “remédio”. Assim como anteriormente, cabia aos
diplomatas estadunidenses residentes em Cuba essa avaliação, bem como era
importante o trabalho realizado em Washington pelos analistas do Departamento de
Estado, de Defesa e da CIA.
Gordon Gray, um dos membros mais influentes do gabinete de Eisenhower,
afirmava que “Cuba não era mais apenas um problema diplomático”, mas sim que
era um problema para a segurança dos Estados Unidos no continente.
302
O
Departamento de Defesa sintetizava sua percepção dessa maneira:
300
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. P.125.
301
Ver MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Power Politics. New York: W. W. Norton & Company, 2001.
P.322-328.
302
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 724
146
“(a) O Sr. Erwin, da Defesa, argumentou que os nossos interesses estratégicos e
militares são estes, (1) vão além de uma mera retenção da base naval, e (2) inseparável
dos aspectos políticos e psicológicos da nossa situação vis-à-vis com Cuba. Todos os
presentes concordaram não apenas com a resposta do Sr. Erwin, mas, também com a
proposição geral de que o controle comunista de Cuba seja pela URSS ou
indiretamente – seria intolerável.”
303
Como Erwin deixou bem claro, a questão era também psicológica e não
meramente estratégica. Isso era oriundo da percepção estadunidense de que a
URSS estava na ofensiva, e até mesmo estava vencendo a Guerra Fria, na visão de
alguns observadores mais exagerados.
304
Para estas pessoas, Castro era apenas a
extensão de Nasser, Mao e Ho Chi Minh. Todos percebidos como marionetes do
Comunismo internacional, comandado pela União Soviética. Em relação a “ofensiva”
soviética, comenta Stephen Graubard:
“Isto se tornou aparente nos últimos meses de 1957 quando os soviéticos lançaram o
satélite Sputnik. O congresso, a imprensa, e o público, alarmados pelo que viam como
a mais nova evidência da superioridade soviética em desenvolvimento de mísseis e
conhecimento científico, exigiam alguma resposta.”
305
Interpretar com precisão os indícios de aproximação de Cuba com o bloco
comunista e a que ponto isso realmente significava uma real inserção na órbita
soviética, não era uma tarefa fácil. Mandatários como Tito e Nasser faziam um jogo
duplo, visando a seus interesses nacionais; porém, ambos correram sérios riscos ao
fazê-lo. em relação à China, a interpretação predominante nos círculos
diplomáticos estadunidenses era ainda pouco desenvolvida, pois ainda se pensava
em China e Rússia como partes de uma mesma proposta, e não como entes
distintos de um grupo de contestação à ordem capitalista.
303
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 737.”(a) Mr.
Erwin of Defense pointed out that our strategic military interests in Cuba are both, (1) far broader than merely
the retention of the naval base, and (2) inseparable from the political and psychological aspects of our situation
vis-à-vis Cuba. All present agreed not only with Mr. Erwin’s response but the general propostions that
Communist control of Cuba – either by the USSR or indirectly – would be intolerable.
304
Joseph Mccarthy, Richard Nixon, entre outros.
305
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american presidency from Theodore
Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin Books, 2006.P. 388.
147
À medida que o governo estadunidense começa a boicotar Cuba
economicamente, o governo de Castro busca suporte econômico no Bloco
Comunista. Tal gesto, por sua vez, era percebido por ramos conservadores da
política estadunidense como a definitiva demonstração de uma simpatia antiga pelo
comunismo, e não como um movimento pragmático de autodefesa do regime, o que
seria o caso de Nasser. Allen Dulles, representante dessa corrente mais
conservadora, acreditava que o nacionalismo era um estimulante ao comunismo. Em
contrapartida, Eisenhower não percebia ligação direta entre os dois fenômenos.
306
O grupo que interpretava o regime cubano como sendo uma “esquerda
nacionalista”, estava em baixa no Departamento de Estado desde outubro de 59,
quando ocorreu a mudança da política americana para a ilha. A definição então em
voga no Departamento era essa:
“O governo Castro, além de ser totalitário, marxista e antiamericano, está cada vez
mais colocando Cuba dentro do sistema econômico, militar e político sino-soviético,
ambos sob a influência do comunismo internacional nas suas políticas interna e
externa.. Sob Castro, Cuba se tornou o mais novo satélite comunista. É agora a ponta
de lança para a penetração comunista no hemisfério ocidental. A propaganda de
Castro incita o ódio de classes e a revolução, os agentes de Castro encorajam e
financiam a subversão, dinheiro e armas de Castro estão disponíveis para financiar e
equipar a revolução em toda a América Latina.
307
Interessante perceber a personalização do memorando. São as “armas de
Castro” e não as armas de Cuba. Esse tom é bem típico do momento, onde tudo
parece convergir para Castro como o mentor dessa nova movimentação diplomática
cubana. Nos anos anteriores, Fidel era um “enigma”, enquanto Che Guevara e Raúl
Castro eram “os agentes do comunismo.” Agora tudo que está relacionado ao
306
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 858.
307
Op. Cit. P.1143.”The Castro Government, in addition to being totalitarian, Marxist and anti-American,is
constantly placing Cuba more securily within the Sino-Soviet economic, political and military system and under
the influence of international communism both with respect to to its external and internal policies. Under Castro,
Cuba has become the newest communist satellite. As such it is a bridgehead for communist penetration of the
western hemisphere. Already Castro propaganda incites class hatred and revolution, Castro agents encourage and
finance and equip armed rebellion, throughout Latin America. ”
148
comunismo passa por Fidel, mesmo que ele ainda não tivesse se declarado
publicamente seguidor do marxismo.
308
Independentemente do tipo de retórica ou do papel de Dulles e da CIA na
formulação da imagem de um Castro comunista, pode-se perceber que Cuba era de
fato tida e havida como um satélite da URSS. A crença da diplomacia estadunidense
nesse fato se aprofundava à medida que a ilha firmava novos acordos de parceria
com países do Bloco Oriental. O Departamento de Estado esperava que Cuba
reconhecesse diplomaticamente a China comunista e a Alemanha Oriental ainda
naquele ano. Anastas Mikoyan, membro do Politburo soviético, em visita a América
Latina, transferiu a exposição soviética da Cidade do México para Havana.
309
A exposição aconteceria em 30 de janeiro daquele ano, com a presença de
Mikoyan e mais 80 oficiais do alto escalão soviético. De acordo com as fontes da
CIA, as embaixadas da Rússia e de Cuba estavam em amplo contato, para a
retomada dos laços diplomáticos formais, porque Cuba receberia até 6 milhões de
dólares em crédito. Dulles aproveitou para dizer que era melhor que a ilha
demonstrasse os seus laços com a URSS, pois assim seria mais fácil para os
Estados Unidos tomarem as “medidas corretas”.
310
Com relação a visita de Mikoyan,
comenta Richard Gott:
“Mikoyan teve longas conversas com Castro e viajou ao redor do país. Seu filho,
Sergo, selou uma amizade imediata e duradoura com Guevara. Ambos retornaram
para Moscou com um relatório atualizado da revolução. O relacionamento foi
estabelecido no tempo preciso, agora que Cuba e os Estados Unidos estavam
engajados em uma batalha.”
311
O embaixador Phillip Bonsal, em consulta com Eisenhower em Washington,
alertou que havia uma forte presença comunista na ilha. Que eles então possuíam
jornais e membros influentes dentro do governo cubano. Bem como já havia a
presença de estrangeiros no país, que comungavam com a ideologia comunista. Em
308
Declaração ocorrida em abril de 1961 após a invasão da Baía dos Porcos, Castro declarava o “caráter
socialista” da Revolução Cubana.
309
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.741.
310
Op. Cit. P.749.
311
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.P. 182.
149
anexo, Roy Rubottom afirmou que a diplomacia cubana se voltava para a América
Latina, buscando o que ele chamou de “Conferência dos Subdesenvolvidos”. As
fontes de Rubottom igualmente lhe passaram que a iniciativa cubana estava sendo
friamente recebida no continente.
312
Mas, paradoxalmente os norte-americanos
percebiam que havia simpatia pela Revolução em determinados segmentos sociais
da América Latina, como refere a Estimativa Nacional de Inteligência para o ano de
61:
“O regime de Castro possui uma considerável medida de simpatia entre o público
geral na América Latina, pois aparenta se levantar pelo progresso social e pela
emancipação do domínio econômico dos EUA.”
313
O relatório argumentava também que mesmo dentro de um ideal libertário, o
governo de Castro assustava diversos setores políticos na América Latina,
principalmente no que dizia respeito à pregação revolucionária do movimento. Mas
ainda se afirmava que não existia espaço para um apoio efetivo dos países latino-
americanos contra Castro, pois estes governos temiam a ação da “oposição
nacionalista” de seus países, que muitas vezes simpatizava com o regime cubano.
As pretensões de Castro na América Latina preocupavam sob outra
perspectiva, que era justamente a exportação do modelo revolucionário para outros
países do continente, iniciando assim o chamado “efeito dominó”. Henry Ramsey, do
Grupo de Planejamento de Políticas, fez um memorando refletindo essas questões.
Ele percebia que Venezuela, Panamá, Colômbia, Peru e Guatemala eram os
candidatos mais prováveis para uma “revolução financiada com dinheiro cubano”.
314
Ramsey criticava o ARA, pelo que chamava de um “estado de semiparalisia”
por parte da diplomacia americana em relação a Cuba. O discurso de moderação
deveria se encerrar imediatamente, pois ele acabaria por deixar a diplomacia
estadunidense sem ação e o uso da força a partir disso provavelmente seria na dose
312
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. 765.
313
Op. Cit. P. 1171.”The Castro regime enjoys a considerable measure of sympathy among the general public in
Latin America because it appears to stand for social progress and for emancipation from US economic
dominance.”
314
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P. 795.
150
errada. De acordo com Ramsey, que as medidas necessárias não foram
empregadas na hora certa, Cuba acabaria isolada do sistema estadunidense e
terminaria obrigando os Estados Unidos a tomar uma medida militar unilateral, que
teria como efeito a consolidação da ilha na “esfera sino-soviética”.
Ramsey caracterizava Castro como um “anarco-sindicalista ao molde
espanhol, agregado de algumas óbvias tendências comunistas”. Ele argumentava
que era desnecessário debater com um homem que possuía tais idéias, que eram
bem o oposto de tudo o que os Estados Unidos significavam como projeto de nação.
Ele concordava com o ARA em uma coisa: a batalha contra o ainda chamado
“castrismo” se daria em nível continental, e que era necessária uma “doutrinapara
garantir a segurança do continente. Nos moldes que Ramsey propôs, poderia até ser
mesmo algo parecido com o que ficaria conhecido como Doutrina de Segurança
Nacional.
Contudo, ao final ele sugere uma solução que aponta para um caminho
diferente do que é sugerido no parágrafo acima:
“O nosso objetivo deve ser o de alcançar as massas não privilegiadas do hemisfério da
mesma forma que Milo Perkins atribuiu a imagem criada por F.D.R dos EUA nos
tempos da Política de Boa Vizinhança. Se as massas latino-americanas conseguirem
identificar os EUA como realmente preocupados com o seu bem estar, certamente os
principais motivos do sentimento anti-EUA existente pode ser diminuído, e ai
poderemos conversar com os Castros de uma posição mais forte.”
315
Pode-se perceber que a posição de Henry Ramsey é bastante distinta do
Departamento de Estado e dos grupos mais conservadores. Ele combinava a idéia
de segurança hemisférica com o retorno a uma política de boa vizinhança, que já era
uma discussão forte em certos meios liberais ao final da década de 50. Ao final de
seu relatório, chega até mesmo a argumentar a favor de industrialização e reforma
agrária para a América Latina. Ele se colocava contra o militarismo anticomunista e
315
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 796. “Our
objective should be to reach the underprivileged masses of the hemisphere in somewhat the same fashion that
Milo Perkins has attributed to the US image projected by F.D.R. in the Good Neighbor days. If the Latin
American masses can again identify the US as having a true concern for their welfare, certain of the mainsprings
of existing anti-US sentiment can be abated and we can begin to talk with the Castros from a position of greater
strength.”
151
igualmente desgostoso com a posição do ARA, em simplesmente entregar o
problema para os anticomunistas do governo e para a próxima administração.
Neste momento é valido retomar o debate Mead X Kissinger, analisando
características e padrões da política externa norte-americana. O posicionamento de
Ramsey, demonstra bem a imensa diversidade de opiniões existentes na formulação
da diplomacia estadunidense, o que Mead acredita ser fruto do caráter único da
democracia americana. para Kissinger, esse discurso evidencia a presença da
tendência idealista e liberal de Wilson, que seria o grande fio condutor das relações
internacionais dos Estados Unidos. Ele explica o seu ponto de vista através de uma
comparação entre Wilson (idealista liberal) e Theodore Roosevelt (realista):
“Woodorow Wilson foi a encarnação do excepcionalismo norte-americano, e originou
o que iria se tornar a corrente intelectual dominante da política externa norte-
americana uma corrente onde Roosevelt é considerado na melhor hipótese como
irrelevante e na pior é visto como adverso aos interesses de longo prazo da
América.”
316
No caso cubano, o posicionamento de Ramsey consegue desagradar a quase
todos e acaba sendo considerado anacrônico em relação as necessidades do
momento. Russell Mead, ao apontar os embates das correntes políticas na
democracia americana, colabora para o entendimento desse fenômeno. O espaço
para a manifestação de uma opinião contrária existe, mas a mudança constante do
equilíbrio de forças entre os diferentes ramos políticos que subjazem à estrutura
governamental e partidária impedem a transformação da idéia em política de Estado.
Assim fala Russell Mead:
Virtualmente, em todos os momentos da Guerra Fria, a política externa
estadunidense parecia uma total bagunça: idealistas e realistas brigavam entre si para
dominá-la; demagogos levavam o país para uma direção ou outra, e o complexo
industrial-militar ainda para outra.; lobbies étnicos distorciam-na em seu conjunto; o
país fez o que não deveria ter feito, como permitir que a companhia United Fruit
316
KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994.P. 44.
152
ditasse a política para a Nicarágua, em 1954; e deixou de fazer o que deveria ter feito,
como normalizar as relações com a China antes de 1973.”
317
Henry Kissinger, por sua vez, percebe essa correlação entre as correntes de
forma mais estanque, com a predominância liberal. Considerando na Guerra Fria
apenas o governo Nixon como uma honrosa exceção. Isso até mesmo poderia ser
considerado fato, tendo em vista um olhar de longa duração. Mas, diante de uma
analise mais profunda, podemos perceber as oscilações da política externa
estadunidense na Guerra Fria. Do mesmo jeito que existia a visão de Ramsey,
existia a visão de Allen Dulles e da CIA.
A dicotomia entre ambas é que compõe a chamada “selva exuberante” de
Mead, onde ele descreve como diferentes correntes acabam se acomodando na
formulação de novas políticas. Estabelecendo um ambiente de uma anárquica
coexistência intelectual. Existiam certos grupos no Departamento que também
acreditavam que Cuba desejava uma espécie de acordo com os Estados Unidos, por
causa da pressão econômica. Outros diplomatas argumentavam que ainda havia
uma imagem muito positiva dos Estados Unidos perante o povo cubano. E que isso
deveria ser mais bem explorado.
318
Outro aspecto que preocupava o governo estadunidense era o fornecimento
de armas soviéticas para Cuba, principalmente após os acordos de cooperação
assinados entre Castro e Mikoyan, no começo de 1960. Uma das antigas batalhas
da diplomacia norte-americana era impedir Cuba de adquirir aviões a jato. Em 1958,
ainda no governo de Batista, a Inglaterra quase selou uma venda de jatos. Mas,isso
foi impedido pela ação do ARA, seguindo os ditames da política de não intervenção
do período.
Ao longo de 1959, as fontes diplomáticas estadunidenses indicavam que
estava havendo uma venda de armas para Cuba, via Tchecoslováquia. O país seria
na verdade apenas um intermediário entre Cuba e a URSS, algo que acabou
também não se confirmando. em 1960, com a assinatura formal do acordo, a
União Soviética se comprometeu em fornecer aviões a jato MIG para os cubanos, o
317
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. Pp. 89-90.
318
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.773.
153
que representaria um incremento substancial na força aérea. Alguns aviões russos
não eram páreos para toda a frota americana, mas representavam um perigo
iminente para Guantanamo.
A partir disso, o governo estadunidense chegou a pensar em pedir uma ação
coletiva, tendo como base a Resolução de Caracas
319
, que pedia por ação militar
dos membros da OEA, caso algum Estado americano estivesse sob jugo comunista.
Mas sabiam que não havia espaço para tal medida, porque o seu pedido não
encontraria eco nas outras repúblicas americanas. Ao final, a embaixada americana
em Moscou enviou ao governo soviético um aviso de que estaria interferindo nas
regras da OEA, e que estaria sujeita a sanções e punições.
320
Na verdade, até mesmo o recado da embaixada não surtiu efeito, e os aviões
acabaram sendo enviados para Cuba. A consumação desse ato, gerou uma nova
preocupação para o governo estadunidense, que era a questão dos mísseis.
em 60, isso era uma possibilidade bastante viável para os estrategistas norte-
americanos.
321
Porém, a ameaça já começava a tomar forma, pelo menos no
discurso, como comenta Richard Gott:
“Em uma declaração taxativa que já ensaiava a crise nuclear de dois anos depois,
Castro afirmou que a Cuba revolucionária tinha suporte militar de fora do continente.
Cuba “aceita com gratidão”, ele disse, “a ajuda dos foguetes da União Soviética caso o
nosso território seja invadido pelas forças militares dos Estados Unidos”. A referência
de Khrushchev à morte da Doutrina Monroe começava a tomar o seu pleno
significado.”
322
Já a Allen Dulles apresentava a questão da seguinte maneira:
“Khrushchev ridicularizou a idéia de bases soviéticas em Cuba, dizendo que a URSS
poderia lançar seus mísseis da União Soviética. Contudo, alguns largos carregamentos
não identificados têm chegado em Cuba em uma certa base militar remota. Pode ser
319
A Resolução de Caracas foi adotada na nona Conferência dos Estados Americanos, que tinha como objetivo
principal “a solidariedade para a manutenção da integridade política dos Estados Americanos contra a agressão
comunista.” Este texto foi referendado na décima Conferência, realizada em Caracas em 28 de março de 1954.
320
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 801.
321
Para mais detalhes sobre a estratégia nuclear americana na Guerra Fria, ver MEARSHEIMER, John J. The
Tragedy of Power Politics. New York: W. W. Norton & Company, 2001. Pp. 224-233.
322
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006.P.185.
154
que os soviéticos colocassem, apenas por diversão, alguns mísseis de curto alcance em
Cuba. A CIA estava observando essa ação cuidadosamente.”
323
O fato é que tal movimentação preocupava os norte-americanos, e na
estratégia nuclear da Guerra Fria, possuir mísseis nucleares perto do território
adversário significava a possibilidade de uma resposta mais rápida e mortal. Era
justamente por isso que os Estados Unidos mantinham seus mísseis na Europa
Ocidental e na Turquia. As ogivas nucleares soviéticas eram menos precisas que as
americanas, dessa forma, ter uma base de lançamentos em Cuba era um passo
estratégico importante. Isso porque a chance de atingir com precisão os alvos
estadunidenses seria muito maior, caso o míssil soviético tivesse de percorrer uma
distância menor.
Mesmo sabendo que os russos ainda se encontravam um pouco reticentes
em relação à colocação de mísseis em Cuba, era um risco com o qual os Estados
Unidos não podiam jogar. Por isso Eisenhower ordenou, no segundo semestre de
1960 os vôos de espionagem do U2, para que possíveis instalações de mísseis
fossem encontradas. O governo Kennedy manteve o mesmo planejamento e, em
1962, encontrou evidências para essa idéia, o que acabou por gerar a Crise dos
Mísseis.
Havia igualmente a necessidade de compreender como estava a vida civil
cubana naquele momento, para que os esforços direcionados para a derrubada do
regime fossem mais efetivos. A percepção geral do Departamento de Estado era a
de que Castro ainda contava com uma alta popularidade, que o existia uma
oposição efetiva, que os comunistas estavam cada vez mais no controle do Estado e
que somente a pressão econômica traria algum resultado ao longo do tempo.
324
Na opinião da cúpula do Departamento, o governo cubano recebia apoio
principalmente das classes mais baixas. Tal apoio era atribuído à pouca instrução
desses indivíduos, que, de acordo com os diplomatas estadunidenses, seriam
323
Op. Cit. P. 1015.”Khrushchev had ridiculed the idea of Soviet bases in Cuba, saying the USSR could launch
its missiles from the Soviet Union. However, some undentified, large packages had been coming into Cuba and a
certain military base had been put off bounds. It might be that the Soviets would, “just for fun”, put up a short-
range missile base some place in Cuba. CIA was watching this situation carefully. ”
324
Op. Cit. P.885.
155
guiados apenas por “emoções” e pela “psicologia do estômago cheio”. O comentário
prossegue:
“A massa amorfa que representa as classes baixas tem caracteristicamente estado do
lado de qualquer um que esteja no poder. Isso não é menos verdadeiro na atitude deles
em relação a Castro hoje do que foi com Batista e Machado em suas respectivas
épocas. As questões “intelectuais” dos direitos humanos, governo representativo, livre
iniciativa, etc.. tem pouco efeito nas suas reações.”
325
Entre o que o Departamento identificava como “classes baixas”, era percebido
que os maiores focos de apoio ao governo cubano estavam entre os estudantes e os
sindicalistas. Cidadãos de outros setores ainda mais pobres, principalmente da zona
rural, ainda não teriam se manifestado porque os efeitos das restrições econômicas
ainda não eram evidentes. Com relação aos adjetivos empregados aos cidadãos
cubanos no relatório, isso pode ser explicado através daquilo que João Feres Júnior
chama de “oposição assimétrica”. Ele define o conceito dessa forma:
“Cada uma das características atribuídas a eles, dominados por clérigos (católico),
indolentes,ignorantes,supersticiosos, incapazes de se esforçar e desprovidos de
iniciativa, correspondem univocamente a uma característica positiva da auto-imagem
americana: protestante (portanto,anticatólico), trabalhador, educado, racional,
industrioso e provido de espírito de iniciativa. Dado que esses adjetivos pejorativos
descrevem estilos de vida, hábitos e costumes, eles podem ser agrupados sob a
denominação de oposições culturais assimétricas.”
326
a classe média era a esperança do Departamento, que era apresentada
como “complexa” e “politicamente sofisticada.” Os números levantados pela
embaixada em Havana, estimavam que ela seria algo em torno de 30% da
população. A classe média era considerada vital, porque teria sido ela a força motriz
325
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1152.”The
amorphus mass representing the lower classes has characteristically been on the side of whoever was in power.
This is no less true of their attitude toward Castro today than it was toward Machado and Batista in their eras.
The “intellectual” issues of human rights, representative government, free enterprise, etc., have little bearing on
their reactions.”
326
JÚNIOR, João Feres. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos. Bauru: EDUSC editora,
2005. P.59.
156
do processo da derrubada de Batista. A partir disso, era necessário fazer com que
esse grupo social se levantasse novamente, para que Castro fosse removido.
327
A embaixada acreditava que a classe média não toleraria uma guinada para o
comunismo, e que ali ninguém tinha a intenção de se tornar um “empregado do
Estado”. Outro ponto a favor dos norte-americanos seria o “fator democracia”,
porque a falha de Castro em realizar eleições e trazer de volta o sistema
democrático à ilha, minaria a sua legitimidade perante essa classe. Por fim, faltava
dar coesão e extensão ao movimento oposicionista baseado nessa classe social. E
o Departamento reconhecia que, quanto mais tempo o governo se estabelecesse no
poder, mais ele seria capaz de se articular contra qualquer espécie de oposição.
328
Para que esta mesma oposição pudesse surgir, se fazia necessário que o
descontentamento fosse maior. O caminho mais rápido para isso, de acordo com o
Departamento, era a pressão econômica. Bradley Fisk
329
, afirmava que Cuba
poderia ser muito bem suprida pela URSS. Contudo, ele apontava que os cubanos
passariam por um processo bastante custoso de troca de maquinário americano por
maquinário soviético. A economia cubana estava totalmente voltada para os Estados
Unidos e, para muitas funções específicas, não haveria compatibilidade entre os dois
tipos de equipamento.
330
O problema era mais evidente na questão do petróleo, já que todo maquinário
de refino era americano, o qual por sua vez era incompatível com o petróleo russo.
Essa fase de transição gerou sérios problemas de abastecimento para a ilha. Mas,
para a surpresa do Departamento, ao invés disso gerar descontentamento e
instabilidade interna, Castro virou a situação ao seu favor. Ele transformou o tema
em uma questão patriótica, como comenta o embaixador americano Phillip Bonsal:
“É a minha crença que o governo vai tentar vencer o desafio à sua autoridade pelas
‘companhias de petróleo imperialistas apoiadas pelos governos imperialistas’ de uma
maneira drástica. Além da possível ajuda da URSS, ou da União Árabe, e talvez de
outros, o governo vai, ao meu julgamento, tentar fazer disso uma grande polêmica
popular sob o lema Pátria o Muerte”, através do racionamento de gasolina e outros
327
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. P.1151.
328
Idem.
329
Secretário Assistente de Comércio.
330
Op. Cit. P.1097.
157
produtos de petróleo, intervenção nos postos e nas refinarias, etc.. E nós vamos ouvir
um bocado dos estudantes, camponeses, trabalhadores e a sua milícia.”
331
Os responsáveis pela operação de remoção do governo revolucionário se
espantavam como tudo que seria contra ele, acabava se transformando em algo
positivo. O que esse episódio do petróleo caracterizava precisamente. A frustração
gerada pelas dificuldades na implementação da estratégia americana, somadas aos
êxitos do líder cubano, criaram alguns comentários anedóticos por parte das
lideranças estadunidenses. Como o de Allen Dulles, parafraseando um amigo
exilado cubano:
“O senhor Betancourt me disse que Castro tem uma personalidade pervertida e
prontamente nos sugeriu que o governo dos EUA apontasse um comitê de três pessoas
para lidar com ele- o comitê consistiria de um psicólogo, um diplomata e um ator do
estilo de Orson Welles.”
332
Ou, como o antes moderado Roy Rubottom define o apoio cubano à URSS:
“Tais atos arrancam a máscara do rosto de Castro e o mostram como a marionete do
comunismo que ele realmente é.
333
Entre outros “elogios” também citados, estão: “messiânico”, “desregrado” e
“marionete do comunismo.” Além do aspecto histórico, essas palavras ajudam a
evidenciar algumas situações correntes no momento. Anteriormente, como vimos, o
tratamento dado a Castro era outro, pelo menos na adjetivação E os termos mais
formais refletiam um exercício mais equilibrado da diplomacia, como foi em 1958,
331
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P. 937.”It is my
belief that the Government will try to meet the challenge to its authority ‘by imperialist oil companhies backed
by imperialist Governments’ in drastic fashion. In addition to possible help from the USSR and UAR and
perhaps others, the Government will, in my judgment, try to make of this a big popular, political issue under the
Patria o Muerte’ slogan with rationing of gasoline and other petroleum products, intervention of service stations
in refinaries, etc. We will hear a lot from students, campesinos, workers and their militia.”
332
Op. Cit.P.893.”Senor Betancourt said to me that Castro was warped personality and he had accordingly
suggested that the US appoint a committee of three to deal with him – a committee consisting of a psychologist,
a diplomat and an actor of the Orson Welles type. ”
333
Op.Cit. P. 962.”Such acts tear the mask from Castro’s face and show him for the commie stooge that he is.”
158
quando havia um ambiente de uma disputa intelectual pela formulação de políticas,
geralmente tendo a racionalidade como base.
A utilização de palavras chulas para se referir ao líder de uma outra nação
evidencia, muitas vezes, a quebra da racionalidade no processo diplomático, e a
predominância de uma visão maniqueísta das relações internacionais. Essa é uma
tendência da qual Henry Kissinger é bastante crítico, apontando que diplomacia não
deveria ser vista apenas em termos de valores, mas sim de necessidades. Já
Russell Mead liga esse tipo de comportamento na diplomacia estadunidense com a
eventual predominância do que ele denomina de “corrente jacksoniana”, que estaria
ligada a um comportamento mais fervoroso
334
, que seria uma quebra da tão
decantada “racionalidade” anglo-saxônica.
As definições sobre Fidel presentes nesses documentos citados geralmente
são seguidas da palavra “comunismo” ou “conspiração comunista”. O que reforça
ainda mais o argumento de que, na última fase do governo Eisenhower, os
conservadores anticomunistas tomaram as deas da situação cubana,
sobrepujando os liberais do Departamento de Estado.
Mas a retomada de poder veio tarde demais, pois a administração estava
chegando ao seu final e o próximo governo seria democrata. O que sugeria
mudanças na condução da diplomacia estadunidense. Agora seria a vez dos liberais
darem as cartas novamente A título de consumo interno, o Departamento de Estado
fez uma avaliação sobre a repercussão da eleição de John Kennedy em Cuba.
De acordo com a embaixada, pouca coisa foi comentada, e ainda eram muito
pouco amistosas. A imprensa cubana tratava o assunto como a mera continuação de
um “governo imperialista” com intenções de “desestabilizar o regime” cubano. Era
destacado pela imprensa cubana, conforme a embaixada, que nada mudaria porque
Allen Dulles e Edgar Hoover ainda estariam promovendo o “imperialismo yankee”.
A embaixada também se encontrava muito pessimista em relação a qualquer
mudança de posicionamento em Cuba, diante de um novo governo nos Estados
Unidos.
335
334
Ver MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência
no mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. Cap 7.
335
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1176.
159
Contudo, havia um sentimento em círculos republicanos mais conservadores
segundo o qual se imaginava que Cuba estaria disposta a apenas cooperar com um
governo Democrata, pois este seria mais fraco no combate ao comunismo. O
Secretário Herter trouxe a informação, após conversa com algumas autoridades
cubanas. Como o assunto foi comentado antes do período eleitoral, Eisenhower
pediu que o staff da Casa Branca lidasse com o assunto de uma forma rápida.
336
A transição que Eisenhower realizou juntamente com Kennedy foi bastante
tranqüila, se comparada a dele próprio com Harry Truman. O jovem presidente eleito
olhava para o ancião estadista com deferência, sendo bastante atento aos
conselhos do general reformado.
337
Assim, a preocupação do Departamento de
Estado foi passar para o grupo da nova administração um panorama do que eles
iriam encontrar em Cuba durante o seu mandato.
O relatório, datado de 8 de dezembro
338
, fez uma análise da conjuntura
daquele momento e tentava perceber algumas possíveis tendências para o futuro.
Inicialmente, se afirmava que Castro estava bem consolidado no poder e com
vasto apoio entre as camadas mais pobres da população, onde ele seria visto como
um “símbolo de revolução”.
Também era destacada a competência de Castro que, em apenas dois anos,
havia se livrado de todos os adversários, e virtualmente eliminando a influência da
Igreja Católica da vida política cubana. O único partido forte era o Partido Comunista
Cubano (PSP), que participava ativamente de todos os aspectos da vida cubana. A
oposição política era vista como “ineficiente”, e alguns grupos guerrilheiros
combatiam em Sierra Escambray e na Província Oriente, mas estavam sendo
derrotados rapidamente pelo governo.
O montante das forças de segurança, de acordo com o relatório, em Cuba era
algo que também preocupava o governo estadunidense. As milícias estavam
estimadas em 200.000 soldados, todas armadas com armamento soviético. Um
pequeno grupo dessas milícias era considerado qualificado tecnicamente e bastante
leal ao governo cubano. O exército regular contava com algo em torno de 32.000
336
Op. cit. P. 780.
337
NEAL, Steve. Harry & Ike: the partnership that remade the postwar world. New York: Scribner, 2001. Cap.
32.
338
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991. Pp. 1169-1174.
160
soldados, mas estava em fase de reconstrução após os expurgos realizados em
1959 e 1960. O prospecto não era bom para os Estados Unidos, que era
esperado que esse grupo armado se tornasse ainda mais forte nos próximos anos.
Os governos latino-americanos também eram vistos como “simpáticos a
Castro”, que representaria um modelo independente dos Estados Unidos, o que
seria uma espécie de objetivo histórico do sul do continente. Os estadunidenses
poderiam contar apenas com o apoio certo da Guatemala e da Argentina, pois os
demais não dariam suporte para uma ação mais efetiva na OEA. Contudo, os
especialistas do Departamento enfatizavam que uma proposta comunista, como a
cubana, assustava as tradicionais classes dominantes da América Latina, e isso
poderia ser melhor explorado no futuro próximo.
Fora da América Latina, havia ainda menos preocupação com Castro, que
ele era percebido como um problema local dos Estados Unidos.Era algo que estava
fora da disputa global da Guerra Fria. Também haveria muita simpatia pelo governo
cubano na África e na Ásia, locais onde a URSS buscava mais apoio diplomático
para a sua projeção de poder.
A economia cubana era percebida como enfraquecida, mas estava longe de
quebrar a estabilidade interna do governo. Era enfatizado que a pressão econômica
que os Estados Unidos estavam fazendo apresentava alguns resultados, como a
falta de suprimentos e uma queda de quase 75% das reservas cubanas em moeda
estrangeira. Porém, o apoio que o Bloco Soviético estava oferecendo era vital para
Cuba, pois estaria ajudando, em muito, a mitigar os males econômicos que a ilha
sofria. Apesar da incerteza dos resultados, a recomendação era manter a política
econômica então aplicada.
Por fim, analisaram-se os prospectos para uma participação maior da URSS
em Cuba. Entendia-se na época que a União Soviética não pretendia se expor
demais em Cuba, por questões estratégicas, mas que aproveitaria toda e qualquer
oportunidade para expandir sua influência e colaborar com a formação de um
governo comunista na ilha. Os soviéticos também iriam colaborar para um aumento
das potencialidades econômicas e militares de Cuba, bem como evitar uma maior
influência chinesa na formação ideológica do PSP.
161
A missão que se encontrava diante do governo Kennedy era bastante
complexa, uma que o governo Eisenhower não havia conseguido lidar efetivamente.
A natureza do desafio a ser enfrentado pelo novo presidente pode ser bem retratada
no trecho final do relatório:
“Para as potências comunistas, Cuba representa uma oportunidade de um incalculável
valor. Dentro de Cuba, as instituições sobre as quais um regime comunista pode ser
baseado estão sendo criadas, com o PSP ganhando uma valiosa experiência ao longo
do processo. Mais importante, é o advento de Castro, que proveu aos comunistas base
amigável para propaganda e para agitação na América Latina, com um exemplo de
êxito revolucionário e de desafio bem sucedido aos EUA. O fato de Castro poder ser
considerado como um nacionalista reformador ao invés de um arraigado comunista é,
nesse estágio, uma grande vantagem.”
339
Diante do cenário assim apresentado, John Kennedy resolve seguir com
todas as iniciativas relacionadas com a derrubada do regime de Fidel, acreditando
ser esta a única saída possível.
340
Porém, logo em seus primeiros meses de
mandato, Kennedy se deu conta do que lhe esperava, ao ser confrontado com o
fracasso na Baía dos Porcos, que proveu o ensinamento necessário para o êxito
conseguido na Crise dos Mísseis. Mas isso é uma outra história.
Percebe-se aqui a ligação entre percepção e processo decisório. A princípio,
ambas poderiam ser consideradas coisas distintas, mas na verdade são estágios
complementares da ação política, seja ela interna ou externa. No caso das relações
internacionais, a visão do outro ganha uma dimensão ainda maior, porque ela será a
baliza da natureza da relação a ser estabelecida com uma outra nação.
É através do olhar que temos do “estranho” e do “estrangeiro” que alianças e
guerras são feitas e desfeitas. E para um entendimento dos valores que nortearam o
processo decisório diplomático americano, era de suma importância compreender
339
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press, 1991.P.1174.”For the
Communist powers, Cuba represents an opoortunity of incaclculable value. Within Cuba, the institutions on
which an avowed Communist regime could be based are being created, with the PSP gaining valuable experience
in the process. More importantly, the advent of Castro has provided the Communists with a friendly base for
propaganda and agitation throughout the rest of Latin America and with a higly exploitable example of
revolutionary achievment and sucessful defiance of the US. The fact that Castro can be depicted as a nationalist
reformer rather than as an avoed communist is, at this stage a net asset.”
340
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american presidency from Theodore
Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin Books, 2006. Pp. 415-416.
162
como essa percepção evidenciava os princípios da ação política. Este procedimento
de compreender a vida interior de um Estado, para, a partir disso, formular uma
política externa está bastante presente na diplomacia estadunidense.
341
Mesmo que existisse pela primeira vez uma concordância geral no governo
estadunidense sobre as medidas que deveriam ser tomadas em Cuba, isso não
impedia que vozes isoladas manifestassem o seu descontentamento. Mesmo que
fosse evidente que tal manifestação não encontraria eco nas camadas superiores da
administração Eisenhower. Também é possível perceber a conclusão de um
movimento iniciado em 59, onde se efetiva a passagem da primazia do bloco liberal
wilsoniano do Departamento de Estado, para uma política com ênfase na contenção
de Castro e na segurança regional. Política essa que comunga com princípios bem
distintos da escola anteriormente citada. A partir da avaliação de Cuba como um
país de fato ligado ao comunismo, as ações tomadas por este grupo acabaram por
refletir o seu olhar sobre a América Latina.
Mas mesmo com a predominância de uma visão mais conservadora,
pequenas diferenças sutis na interpretação dos eventos em Cuba são perceptíveis.
Os escritos do Departamento de Estado tendem a colocar sob um prisma mais
comedido a possibilidade de êxito americano em retomar Cuba, bem como duvida
de uma ação mais ousada por parte da União Soviética.
Em contrapartida, setores anticomunistas do executivo, mais as agências de
segurança e defesa, comungavam de uma visão, ao mesmo tempo alarmista e
otimista. Alarmista porque percebiam uma conspiração comunista sem precedentes
e em larga escala, que se procedia em Cuba. E otimista, devido a uma crença
desmedida de que as providências que estavam sendo tomadas para derrubar
Castro pudessem ser efetivas em curto prazo.
Em comum, ambos percebiam Cuba como um problema que transcendia uma
mera questão regional, mas que poderia comprometer o equilíbrio da Guerra Fria,
em médio prazo. Também compartilhavam uma tendência de centralizar todos os
eventos em Castro, revelando até mesmo comentários pouco condizentes com uma
pretensa racionalidade. Era um misto entre desprezo, pelo que parecia ser um típico
341
WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: gradiva editora, 2002.
Cap2.
163
“demagogo de uma república de bananas” e a preocupação de que ele se tornasse
uma ameaça hemisférica.
Esse colabora para a exposição das entranhas do imaginário estadunidense
na Guerra Fria. O medo do comunismo, o ataque nuclear, a irracionalidade latina,
todos são elementos que influenciaram a tomada de decisões da política externa
estadunidense. E a presença de todos eles, somados, caracterizaram Cuba não
mais como o aliado de 58 ou a incógnita de 59, mas sim o inimigo, cujo estado de
beligerância ainda não está encerrado.
164
Considerações finais
O processo de constituição de uma política externa passa por diversos
fatores, sendo muitos previsíveis, e outros, aleatórios. O caso da formulação da
política estadunidense para Cuba enseja uma reflexão bastante interessante sobre
esses fatores acima citados. Além disso, remete às limitações que até mesmo uma
superpotência pode encontrar na obtenção de seus objetivos. Pretende-se aqui
retomar os fatores que conduziram a diplomacia estadunidense em Cuba e também
propor algumas reflexões sobre a natureza do poder nas relações internacionais.
A política externa não é apenas decidida nos grandes processos e nos
momentos históricos dos foros internacionais, mas também é construída nas
pequenas ações da burocracia diplomática. Esse foi um ponto fundamental
apresentado ao longo deste trabalho, onde a rotina dos contatos entre a cúpula em
Washington e a embaixada em Havana foi o meio pelo qual fluíram a aplicação de
medidas de forças e de idéias. E através de uma análise das mensagens contidas
nos memorandos, nos telegramas e nas reuniões departamentais foi possível
evidenciar outros pontos que compuseram o processo decisório norte-americano.
A primeira grande decisão a ser tomada no caso cubano surgiu em 1958,
quando o governo de Batista começava a dar sinais de que não conseguiria conter a
rebelião iniciada por Fidel Castro em 1956. Ao mesmo tempo, o governo
estadunidense via as suas relações com a América Latina se deteriorarem
severamente, tornando-se necessário que novas alternativas fossem formuladas.
Além do mais, a administração republicana enfrentava sérios problemas, pois estava
bastante enfraquecida politicamente pelas recentes derrotas nas eleições para o
Congresso.
Tendo em vista este cenário, havia a dúvida entre seguir o clássico padrão
reativo da política estadunidense ou esperar um pouco mais antes de se efetivar
uma política de intervenção na crise vivida por Cuba. A decisão assumia uma
dimensão maior dada a conjuntura da Guerra Fria vivida no momento. Havia a
165
impressão, por parte de setores da imprensa “liberal”, do partido Democrata e de
anticomunistas em geral, de que os Estados Unidos estavam perdendo espaço para
a União Soviética. A liderança russa, por sua vez, maximizava a sua retórica para
reafirmar um sentido de controle do contexto internacional.
Assim, a crise cubana era um risco e ao mesmo tempo uma oportunidade,
que um desfecho favorável poderia trazer de volta aos setores anteriormente citados
a tão necessária sensação de segurança e estabilidade. E a criação de um bom
ambiente era vista como vital para o sucesso republicano nas eleições presidenciais
de 1960, onde a percepção sobre a Guerra Fria realmente acabaria sendo um fator
decisivo no resultado eleitoral daquele pleito.
Cuba envolvia muitos interesses militares e econômicos, o que dificultava
bastante o planejamento do Departamento de Estado. Roy Rubottom e William
Wieland, do setor responsável pela formulação de políticas para a América Latina,
haviam optado por um plano que contemplava um grau mínimo de intervenção nos
assuntos internos de Cuba. Eles esperavam com isso criar melhores possibilidades
de observação, visando a uma melhor compreensão da nova situação política que
se desenhava na ilha.
Porém, este tipo de abordagem logo encontrou adversários bastante
articulados na cúpula do Estado norte-americano, principalmente os militares e os
empresários com investimentos em Cuba. No caso do Pentágono, se percebia a
retórica nacionalista do movimento de Castro como um risco para a segurança no
Caribe e para a base naval de Guantanamo, um ponto tido como estratégico para os
americanos na região. O almirante Arleigh Burke foi um dos que mais pressionou os
dois diplomatas para uma mudança na política, que os militares queriam uma
intervenção direta e uma retomada do apoio a Batista.Os empresários
estadunidenses se dividiam entre aqueles que praticavam atividades legais, como o
cultivo de cana de açúcar, refino de petróleo e exploração das minas de níquel e, os
ilegais,que, por sua vez, pertenciam às famílias da máfia estadunidense, que apenas
faziam de Cuba uma extensão da sua vasta rede de negócios estabelecida nos
Estados Unidos.
Havia, ainda, uma última oposição, aquela existente dentro do próprio
Departamento de Estado. O embaixador Earl Smith era um grande amigo de Batista,
166
e discordava veementemente das políticas defendidas pelos seus colegas
diplomatas. Mais por afinidade pessoal do que por convicção ideológica, o
embaixador tentou de todas as formas persuadir o Secretário Dulles e o presidente
para que houvesse uma mudança de 180 graus na política estadunidense para
Cuba. Rubottom e Wieland habilmente tiveram que lidar com essas forças, visando a
implementação da sua percepção de política externa.
Para que isso fosse possível, eles contaram com algumas condições
extraordinárias, sendo a principal delas o ritmo de trabalho da administração de
Dwight Eisenhower. Segundo biografias consagradas, o presidente não era um
concentrador de poder, muito pelo contrário, a sua experiência nas forças armadas o
ensinou que delegar tarefas era a melhor forma de se obter eficiência administrativa.
Dessa forma, o Departamento teve uma autonomia considerável para formular suas
políticas, e tal perspectiva contava com o apoio de Foster Dulles. Isso possibilitou a
utilização de uma perspectiva diferente de inserção na questão cubana, que pregava
a não intervenção e o abandono da antiga aliança com o governo de Batista.
Uma união conjuntural nas perspectivas dos diplomatas responsáveis pela
formulação de políticas para a América Latina também foi um ponto importante.
Mesmo com percepções e convicções bastante diferentes, os diplomatas do ARA e
do CMA lograram em estabelecer um consenso, mesmo com a notória discordância
de Smith. Esse consenso, associado ao modelo administrativo descentralizado,
permitiu a efetivação dessa perspectiva bastante polêmica. Existe a tendência por
parte da historiografia clássica do período
342
em minimizar esta atitude da diplomacia
estadunidense, até mesmo chegando-se a argumentar que ela não teve efetividade.
A não intervenção representou um duro golpe para Batista, que perdeu
diversos carregamentos de armas, munições e equipamentos dos programas de
fornecimento, muitas vezes intermediados pelo Departamento de Estado. Além do
aspecto prático, existiu também o simbólico, que a medida representava uma
quebra importante no padrão reativo. Mesmo que tenha sido de curta duração, essa
quebra foi significativa porque representou a vitória política de um grupo pertencente
342
Ver GADDIS, John Lewis. The Cold War: a new history. New York: Penguin Press, 2005. KISSINGER,
Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994.
167
ao Estado sobre outros agrupamentos mais fortes e com interesses bastante
consolidados.
A nova política mereceu constante atenção e defesa por parte dos diplomatas
estadunidenses, que seqüestros de cidadãos americanos, a destruição de
patrimônio e os constantes subornos dos rebeldes aos empresários estrangeiros
tornavam a situação muito complexa. A política foi mantida sob um equilíbrio muito
perigoso, mas acabou prevalecendo e se tornando um bom exemplo da atuação de
uma visão “liberal” de mundo na implementação da política externa norte-americana.
Com a retirada do apoio oficial do governo estadunidense à Batista, a queda
do ditador se revelou apenas uma questão de tempo. Em primeiro de janeiro de
1959, Fidel toma o poder em Cuba, iniciando uma nova era na história política
cubana. Cabia, então, ao Departamento de Estado analisar o comportamento do
novo governo e avaliar as possibilidades de trazer os novos governantes cubanos
para a aliança ocidental. Desde o princípio, a tarefa se revelava trabalhosa, que
Fidel comungava com uma plataforma política nacionalista. Para alguns
observadores de Washington, especialmente do Pentágono e da CIA, isso era visto
como sinal de simpatia com o “comunismo internacional.”
Apesar de sua ideologia e de suas alianças com partidos de esquerda
cubanos, o Departamento de Estado recomendava moderação em relação a Fidel.
Assim, houve um período de 9 meses, que marcou uma espécie de neutralidade da
diplomacia norte-americana, que se encerrou com o fracasso das tentativas de
mediação entre os interesses do governo cubano e do governo americano. Nesse
meio tempo, os diplomatas estadunidenses tentaram interpretar as motivações de
Fidel e suas lideranças, realizando análises bastante profundas sobre a natureza do
movimento revolucionário,não apenas no campo da política, mas também no campo
antropológico.
Neste momento, foi possível perceber que os velhos estereótipos
relacionados aos latino-americanos ainda vigoravam. Até mesmo no meio
diplomático, a percepção do “latino” era a de um ser humano movido pelas pelas
“paixões”, em contraste com a pretensa “racionalidade” anglo-saxônica. A figura de
Castro foi construída em grande parte calcada nesses estereótipos concebidos ao
longo da história da cultura estadunidense. E tal visão colaborou para o processo
168
decisório, à medida que influenciou a construção de uma idéia negativa sobre o líder
cubano, afastando definitivamente qualquer possibilidade de entendimento.
Naturalmente, uma coexistência pacífica entre os dois países era algo
bastante difícil, visto que, as metas que ambos possuíam eram essencialmente
contraditórias. Fidel não podia abrir mão do apoio da esquerda, que conferia
sustentação ao seu governo que ainda estava em busca de legitimidade, em um
ambiente político bastante instável. Para o governo americano, aceitar medidas que
comprometessem os seus investimentos no exterior, tais como nacionalizações e
reforma agrária, além de uma aliança com movimentos comunistas, era inaceitável.
Este período de nove meses também teve outro fruto bastante importante,
que foi a quebra da unidade do Departamento de Estado quanto a questão. Se em
1958 a unidade permitiu o surgimento de uma política diferenciada, em 1959, as
diferenças floresceram novamente e o padrão reativo retornou. Roy Rubottom,
defensor da não intervenção, havia mudado de lado, agora defendendo um pacote
de retaliação contra Castro. De outro lado, William Wieland e o novo embaixador em
Havana, Phillip Bonsal, defendiam a continuidade das negociações até o último
segundo.
Conforme Fidel reforçava a sua retórica nacionalista e antiamericana,
Eisenhower abandonava a sua postura de indiferença de 1958 e começava a
demandar medidas contra o mandatário cubano. Paralelamente, após a morte de
John Foster Dulles, o seu irmão, Allen, ganhava destaque e poder no comando da
CIA. O diretor da agência, notório anticomunista, começou a pressionar pela
introdução de uma agenda mais dura contra o governo de Castro. Ele também
encontrou apoio no vice-presidente Nixon, nos militares de alta patente, e em certos
nichos do Departamento de Estado.
A partir dessa nova configuração, uma nova política para Cuba foi
montada,na qual onde o principal objetivo era o enfraquecimento econômico da ilha.
Esperava-se que a deterioração da economia da ilha trouxesse a instabilidade social
que derrubaria o governo. Quando este momento chegasse, haveria uma invasão de
paramilitares exilados que acabariam por finalizar o trabalho de remoção do grupo
26 de julho. A partir de outubro de 1959, quando o mandatário cubano efetivou a sua
169
proposta de reforma agrária e de nacionalização de muitas empresas
estadunidenses, o governo norte-americano decidiu pela sua remoção.
Isso significou uma mudança da hierarquia no Estado americano, que o
Departamento de Estado havia conduzido todo processo de negociação com Cuba,
até então. Agora o foco não estava mais no processo diplomático, mas sim em uma
operação secreta de remoção de um governo estrangeiro, algo que era
responsabilidade da CIA. Assim, o Departamento estava subordinado aos propósitos
da agência de inteligência, restando-lhe apenas um papel relativamente marginal, se
for comparado com a sua participação em 1958.
A diplomacia estadunidense se concentrou principalmente em duas tarefas. A
primeira consistia em buscar informações efetivas sobre as relações de Cuba com a
União Soviética e a segunda era a de coordenar os esforços de retaliação
econômica e diplomática contra a ilha. O Departamento de Estado se encontrava
bastante dividido, porque alguns acreditavam que a retaliação econômica contra
Cuba seria eficiente, enquanto outros, possuíam sérias dúvidas a respeito. Dentro do
próprio ambiente do ARA e do CMA, esses grupos que pregavam a continuidade
das relações com a ilha haviam perdido poder, em detrimento de um outro grupo que
defendia o retorno do padrão reativo.
A partir de 1960, as medidas começaram a ser aplicadas, sendo a principal
delas a proibição do acesso do açúcar cubano ao mercado estadunidense. Dado o
fato de que a venda do açúcar para os Estados Unidos era o principal negócio da
ilha, se esperava que o resultado fosse imediato. Paralelamente a isso, a diplomacia
estadunidense coordenava um bloqueio da venda de petróleo refinado e uma
campanha de contra-informação em Cuba. Esse pacote de medidas seria
complementado pela invasão das tropas de exilados que estava sendo treinada na
Guatemala, pelos especialistas da CIA e por militares norte-americanos.
O otimismo que marcava a Casa Branca em relação às novas medidas logo
estava encerrado nos primeiros meses do ano. Derrubar Castro se revelava uma
tarefa mais complexa do que anteriormente fora imaginado, mas ainda havia
esperança por parte da pula governamental para os meses seguintes. Com o
tempo as coisas se tornaram ainda piores, que Fidel parecia se fortalecer ainda
170
mais, e o pior, se aproximava da União Soviética. Os contatos, que ainda eram
tímidos em 1959, ganharam contornos mais nítidos em 1960.
Missões diplomáticas soviéticas chegavam em número cada vez maior,
estabelecendo acordos comerciais e defensivos. Cuba, por sua vez, promoveu
acordos de colaboração com países do leste europeu, vendendo seu açúcar e
recebendo produtos industrializados. Isso permitiu criar um lastro que determinou a
sobrevivência da ilha diante da severa pressão econômica norte-americana. Porém,
o planejamento estadunidense estava em andamento, e não existia um plano
alternativo, caso o primeiro fracassasse.
E foi justamente o que acabou ocorrendo, com o governo Kennedy tendo que
arcar com o peso do que fora realizado ao final da administração Eisenhower. Os
recursos pedidos haviam sido concedidos, as tropas estavam em treinamento,
os bloqueios estavam efetivados. A partir de 1960, não havia mais um ponto de
retorno e o processo que então se iniciou acabou resultando no fracasso da Baia
dos Porcos.
O objetivo aqui é mostrar que até mesmo as ações de uma superpotência
podem encontrar restrições, diante da forma na qual o sistema internacional está
posto, isso se torna até mesmo muito provável. Porém existe uma diferença entre as
possibilidades das grandes potências e dos países menores, como comenta Waltz:
“Os estados fracos operam em margens estreitas. Atos inoportunos, políticas
imperfeitas, e movimentos inoportunos podem ter resultados fatais. Em contraste, os
estados fortes podem estar desatentos; podem dar-se ao luxo de não aprender, podem
fazer as mesmas coisas estúpidas vezes sem conta.”
343
O que Kenneth Waltz chamou, em linguagem coloquial, de “coisas estúpidas”,
poderíamos chamar de falhas sistêmicas, que são inerentes à política de qualquer
país. No caso deste trabalho, certas percepções desenvolvidas na cúpula
governamental estadunidense, somadas ao contexto do período, acabaram por
conduzir aos eventos aqui analisados. A percepção daquele momento acabou por
afetar de forma decisiva a tomada de decisões do governo estadunidense.
343
WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: gradiva editora, 2002.P. 266.
171
Porém, nem tudo pode ser compreendido através de aspectos conjunturais.
Questões históricas da política estadunidense também colaboram para um possível
entendimento dos procedimentos tomados no caso cubano. Niall Ferguson aponta
para um aspecto bastante interessante, que é a ênfase excessiva nos aspectos
militares e o poder dos aparatos de segurança e inteligência na formulação da
política externa estadunidense. Ferguson argumenta que este predomínio é um
elemento muito presente nas derrotas estadunidenses ao longo do século XX, pois
ele impediria o florescimento de outras soluções fora do plano militar, que se
adaptassem melhor a circunstâncias diferenciadas:
“As piores falhas no Haiti, em Cuba e Vietnã ocorreram acima de tudo, por causa
dessa combinação fatal de recursos inadequados para propósitos não militares e uma
percepção de tempo bastante truncada. Seria uma tragédia se o mesmo processo se
repetisse nos Balcãs, no Afeganistão e no Iraque. Mas não uma surpresa.”
344
Por fim, o próprio caráter da diplomacia estadunidense foi decisivo no
desenrolar dos eventos em Cuba. A atividade diplomática americana apresenta a
característica mais presente do sistema político de seu país, que é a diversidade.
Essa profusão de idéias e correntes, consegue ser ao mesmo tempo uma grande
qualidade e um fator problemático. Walter Russell Mead, conclui favoravelmente
sobre essa divisão:
“No caso da política externa estadunidense, devemos admitir a possibilidade de que
existe um todo em sua loucura. A ascensão do poder norte-americano ocorreu de
forma consistente, surpreendente e sustentada no longo prazo e cobrou preço
incrivelmente baixo, se consideradas as dimensões e a amplitude do poder acumulado
pelo país.”
345
A disputa dessas correntes é natural na formação da política externa
estadunidense, e para algum observador mais incauto, a impressão de uma falta de
norte é natural. No período aqui analisado, apenas uma repetição desse padrão,
com os diplomatas de diferentes tendências debatendo entre si. É normal também
344
FERGUSON, Niall. Colossus: the rise and fall of the american empire. London: Penguin Books, 2005.P.295.
345
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana e a sua influência no
mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006. P. 65.
172
esse movimento de aliança conjuntural entre essas diferentes tendências, como se
percebeu em 1958, e a ruptura entre elas ocorrido em 1959. O verdadeiro cerne da
questão é como a percepção desses diplomatas, de diferentes concepções teóricas,
influencia na formação da política externa estadunidense.
Quando o confronto entre pontos de vista diferentes não consegue gerar uma
percepção clara e aceitável para as diferenças esferas governamentais, o processo
decisório tende a enfrentar sérios problemas. Sobre o tema, comenta novamente
Mead:
“Em outras épocas, porém, o país careceu de um claro consenso quanto ao
relacionamento que deveria manter com o sistema global, e diferentes escolas
defenderam a abordagem dos principais temas da política externa norte-americana
segundo enfoques estratégicos fundamentalmente diferentes. Foram tempos em que,
historicamente, os Estados Unidos viveram momentos muito mais difíceis, e nossa
política externa mostrou-se muito menos eficaz.”
346
Russell Mead considera a Guerra Fria como um desses momentos onde
existiria uma visão clara, que elucidaria os princípios para a aplicação de uma
política externa eficiente naquele momento. Contudo, é fácil hoje em dia categorizar
a Guerra Fria dessa forma, principalmente com o desfecho favorável aos Estados
Unidos. Olhando para escritos da época, é possível perceber que as águas eram
mais turvas do que os escritos de Mead dão a entender. Em 1956, Henry Kissinger
escreveu um artigo para a revista “Foreign Affairs” intitulado, “Reflections on
American Diplomacy”.
Kissinger teceu um quadro bastante pessimista da diplomacia americana
naquele momento, aliás, bastante condizente com o contexto do período. O então
professor de Harvard afirmava que os Estados Unidos não possuíam uma visão
clara de mundo, e isso tornava o processo decisório bastante lento em relação aos
soviéticos, como argumentava o autor:
346
Idem. P. 428.
173
“O resultado paradoxal é que nós, os empiristas, aparentamos ao mundo que somos
rígidos, sem imaginação e de alguma forma cínicos, enquanto, os dogmáticos
bolchevistas exibem flexibilidade, ousadia e até mesmo sutileza.
347
Ao final da década de 1950, a afirmação de Kissinger poderia ser
considerada, em grande medida, verdadeira. A diplomacia estadunidense ainda
estava vivendo um processo de constituição de um novo perfil para o exercício de
sua política externa, um perfil definitivamente internacionalista. Era necessário
encontrar o ponto de equilíbrio adequado para as demandas que rapidamente se
avolumavam no cenário internacional. Esse foi um período de maturação que cobrou
um determinado preço, que foi a “perda” de Cuba para os “comunistas.”
Retomando o que Waltz disse anteriormente, a vantagem de ser uma
superpotência é de que a margem de erro é muito maior e possibilita o aprendizado
no longo prazo. As falhas em Cuba e no Vietnã possibilitaram a retomada dos anos
1980 e a vitória na Guerra Fria. Interessante é notar a repetição de alguns
comportamentos e a consolidação de um padrão histórico no modelo de inserção
internacional estadunidense. Cuba acabou sendo a escola para a diplomacia
estadunidense criar um modelo de atuação para a América Latina na Guerra Fria. E
a criação desse paradigma terminou por gerar a “visão clara” da qual Kissinger
falava, com resultados efetivos para a política externa norte-americana e um fardo
pesado para os países latino-americanos.Por fim, este trabalho pretendeu ser uma
modesta contribuição para o entendimento de tão complexo processo, pretendendo
colaborar com a criação de um espaço ainda maior para as pesquisas brasileiras
sobre os Estados Unidos da América.
347
HOGE, James F. ZAKARIA, Fareed. The American Encounter: the United States and the Making of the
Modern World. New York: Basic Books, 1997.P 172.
174
Referências Bibliográficas
ALLEN, Michael. Los valores de Estados Unidos. Vanguardia Dossier : número
7, p.54-66, 2003.
ARON, Raymond. Peace & War: a theory of international relations. New Brunswick:
Transaction Publishers, 2003.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América
Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
_________. Relações Brasil-EUA no contexto da globalização: rivalidade emergente.
São Paulo: Editora SENAC, 1997.
BOBBIO, Norberto. Três Ensaios sobre a Democracia. o Paulo: Cardim & Alário
Editora, 1991.
BRANCATO, Sandra Maria Lubisco, MENEZES, Albene Miriam (Orgs.). Anais do
Simpósio o Cone Sul no contexto internacional. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
BROGAN, Hugh. The Penguin History of the United States. London: Penguin Books,
2001.
BUENO, Clodoaldo, CERVO, Amado. A política Externa Brasileira 1822-1985. São
Paulo: Ática, 1986.
CARROL, James. House of War: the Pentagon and the Disastrous Rise of American
Power. New York: Houghton Mifflin Company, 2006.
175
CHOMSKY, Noam. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: Editora UnB, 1999.
COGGIOLA, Oswaldo. (org). Revolução Cubana: História e problemas atuais. São
Paulo: editora Xamã, 1998.
DABÈNE, Olivier. América Latina no Século XX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
DOBBINS, James. Who Lost Iraq?. Foreign Affairs. New York, vol.86, number 5,
p.61-75, 2007.
DALLEK, Robert. Nixon and Kissinger. New York: Haper Collins, 2007.
FERGUSON, Niall. Colossus: the rise and fall of the american empire. London:
Penguin Books, 2005.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Cubana: da guerrilha ao socialismo. São
Paulo: editora expressão popular, 2007.
FRUS. Volume VI, 1958-1960 Cuba. Washington: United States Government Press,
1991.
GADDIS, John Lewis. The Cold War: a new history. New York: Penguin Press, 2005.
GORDON, John Steele. An Empire of Wealth: the epic history of American economic
power. New York: Harper Perennial, 2005.
GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,
2006.
GOULD, Lewis L. Grand Old Party. New York: Random House, 2003.
176
GRAUBARD, Stephen. The Presidents: the transformation of the american
presidency from Theodore Roosevelt to George W. Bush. New York: Penguin
Books, 2006.
GRIFFITHS, Martin. O’CALLAGHAN, Terry. International Relations: the key
concepts. Padstow: Routledge, 2004.
HALLIDAY, Fred. Repensando as Relações Internacionais. Porto Alegre: Editora
UFRGS, 2003
HOGE, James F. ZAKARIA, Fareed. The American Encounter: the United States and
the Making of the Modern World. New York: Basic Books, 1997.
IMMERMANN, Richard H (org). John Foster and the Diplomacy of the Cold War.
New Jersey: Princeton University Press, 1990.
ISAACSON, Walter. THOMAS, Evan. The Wise Men: six friends and the world they
made. New York: Toutchstone, 1988.
JÚNIOR, João Feres. A história do conceito de “Latin America” nos Estados Unidos.
Bauru: EDUSC editora, 2005.
KENNAN, George Frost. American diplomacy 1900-1950. Chicago: Mentor Books,
1962.
KISSINGER, Henry. Diplomacy. New York: Simon and Schuster, 1994.
LÉVY, Bernard-Henri. American Vertigo. New York: Random House, 2007.
MEAD, Walter Russell. Uma orientação especial: A política externa norte-americana
e a sua influência no mundo. Rio de Janeiro: Biblioteca do exército editora, 2006.
177
MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Power Politics. New York: W. W. Norton &
Company, 2001.
MICKLETHWAIT, John. WOOLDRIDGE. Uma nación conservadora: el poder de la
derecha em Estados Unidos. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2007.
MORGENTHAU, Hans J. A Política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz.
São Paulo: Editora UnB, 2003.
MONSMA, Stephen V. VAN DER SILK, Jack R. (orgs). American politics: research
and readings. New York: Holt, Rinehart and Winston inc., 1970.
MORTON, Desmond. A Short History of Canada. Toronto: McClelland & Stewart,
2001.
NEAL, Steve. Harry & Ike: the partnership that remade the postwar world. New York:
Scribner, 2001.
PACH, Chester J. Richardson, Elmo. The presidency of Dwight D. Eisenhower.
Wichita: University of Kansas Press, 1991.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre:
UFRGS editora, 2003.
PIKE, Fredrick. The United States and America Latina: myths and stereotypes of
civilization and nature. Austin: University of Texas Press, 1992.
POLETTO, Dorivaldo Walmor. A Cepal e a América Latina. Porto Alegre: Edipucrs,
2000.
RAMEL, Frédéric. Philosophie des relations internationales. Paris: presses de
sciences po, 2002.
178
RODEGHERO, Carla. O Diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja
Católica no RS. Passo Fundo: Editora UPF, 2003.
RYAN, David. US Foreign Policy in World History. Bristol: Routledge,2000.
SNOW, Nancy. Propaganda Inc. vendendo ao mundo a cultura dos Estados Unidos.
Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1998.
SUMMERS, Anthony. The Arrogance of Power: the secret world of Richard Nixon.
New York: Penguin Books, 2001.
WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: gradiva editora,
2002.
WIGHT, Martin. A Política do Poder. São Paulo: Editora UnB, 2002.
WITCOVER, Jules. Party of the People. New York: Random House, 2003.
WRIGHT, Jonathan. The Ambassadors: from Greece to the nation state. London:
Harper Press, 2006.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo