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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JÚLIO DE MESQUITA FILHO
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CAMPUS DE BAURU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA
A COBERTURA DO TERROR
E O TERROR DA COBERTURA:
PRODUÇÃO DE SENTIDO EM REVISTAS –
ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001
WELLINGTON DOS SANTOS FIGUEIREDO
BAURU/SP
Outubro/2007
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JÚLIO DE MESQUITA FILHO
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CAMPUS DE BAURU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA
WELLINGTON DOS SANTOS FIGUEIREDO
A COBERTURA DO TERROR
E O TERROR DA COBERTURA:
PRODUÇÃO DE SENTIDO EM REVISTAS -
ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO DE 2001
Dissertação de Mestrado apresentada por
Wellington dos Santos Figueiredo ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação – Área de Concentração:
Comunicação Midiática. Linha de
Pesquisa: Produção de Sentido na
Comunicação Midiática, da Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – Campus Bauru-SP, como
requisito para obtenção do Título de Mestre
em Comunicação Midiática, desenvolvida
sob a orientação da Professora Doutora
Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz.
BAURU/SP
Outubro/2007
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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP – BAURU
Figueiredo, Wellington dos Santos.
A cobertura do terror e o terror da cobertura:
produção de sentido em revistas – atentados de 11
de setembro de 2001 /Wellington dos Santos
Figueiredo, 2007.
195 f.
Orientador: Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação, Bauru, 2007.
1. Comunicação. 2. Imprensa e propaganda. 3.
Sociedade da informação. 4. Jornalismo – Aspectos
sociais. 5. Jornalismo – Terrorismo. 6. 11 de
setembro de 2001. I - Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação. II – Título.
Ficha catalográfica elaborada por Maricy Fávaro Braga – CRB-8 1.622
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JÚLIO DE MESQUITA FILHO
FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO
CAMPUS DE BAURU
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA
A dissertação desenvolvida, A cobertura do terror e o terror da cobertura:
produção de sentido em revistas - atentados de 11 de setembro de 2001, por
WELLINGTON DOS SANTOS FIGUEIREDO, foi submetida à Banca Examinadora
como exigência para obtenção do Título de Mestre em Comunicação Midiática,
junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de
Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita”, Campus de Bauru.
BANCA EXAMINADORA:
Presidente: Prof. Dra. Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz
Instituição: FAAC/UNESP – Bauru-SP
Titular: Prof. Dr. Dimas Antonio Künsch
Instituição: Faculdade Cásper Líbero – São Paulo-SP
Titular: Prof. Dr. Ruy Moreira
Instituição: Universidade Federal Fluminense – Niterói-RJ
Bauru, 19 de outubro de 2007
DEDICATÓRIA
Esta dissertação é dedicada à memória da colega Ronise Frediane Motta.
Ronise, a mão do destino interrompeu-lhe a vida e a conduziu para outro
plano, deixando nas pessoas que com você conviveram, um vazio. Mas seu
passamento não é forte o suficiente para apagar de nossa memória, de nosso
coração, seu doce sorriso. Como nas palavras de Guimarães Rosa, você não
morreu, tornou-se encantada. Seu espírito alegre agora brilha junto às estrelas e,
habitando o firmamento, não mais será apagado.
AGRADECIMENTOS
O momento dos agradecimentos é um dos mais difíceis da pesquisa. Ao
tentarmos traduzir em palavras nossos sentimentos, corremos o risco de não
conseguirmos manifestar corretamente o verdadeiro significado de nossa gratidão.
Dentro dessa limitação, desejamos neste espaço manifestar nossos
sinceros agradecimentos a todos que contribuíram para que chegássemos até
este ponto.
Primeiramente externamos publicamente nossos agradecimentos à
professora doutora Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz, pelo carinho, paciência,
confiança e sabedoria a nós manifestadas durante o percurso desta pesquisa.
Com gracioso sopro de sabedoria purificou as palavras redigidas nesta
dissertação. Seus consistentes e apolíneos ensinamentos foram essenciais para o
sucesso desta jornada.
Aos docentes Antonio Carlos de Jesus, Regina Celia Baptista Berluzzo,
Maria Inês Mateus Dota, Luciano Guimarães e Cláudio Bertolli Filho que
durante as aulas compartilharam seus conhecimentos e nos apontaram
importantes diretrizes para o desenvolvimento desta dissertação.
À banca de exame de qualificação, integrada pelos docentes Cláudio
Bertolli Filho e Maximiliano Martin Vicente. Os conselhos destinados à
pesquisa exalaram um toque de intelectualidade e sobriedade importantes para
corrigir direcionamentos e sedimentar o texto frente às pequenas cavidades
presentes e que poderiam erodir e fragilizar esta dissertação.
Aos meus pais Paulo Figueiredo e Neuza Xavier dos Santos Figueiredo,
pela compreensão e extrema confiança. Não sei quantas vezes as minhas provas
foram suas provas de amor e nem quantos sonhos renunciaram para que os meus
fossem realizados.
Ao amigo Elvis Christian Madureira Ramos, pelo imenso apoio e
fraternais palavras de incentivo. Sempre ao nosso lado nos momentos de
“turbulência intelectual”, importante no período pré-mestrado, indispensável no
transcorrer da pesquisa. Sua amizade materializou a epígrafe de Cícero: “Viver
sem amigos não é viver”.
Ney Vilela, que no decorrer do curso tivemos o privilégio de tê-lo como
companheiro em quatro disciplinas, além de poder contar com seu apoio,
conhecimento e amizade até os dias atuais.
Marcos Paulo da Silva, pela amizade, paciência e gentileza nas trocas de
informações sobre textos e autores que foram importantes em nosso trabalho.
Aos companheiros do GES (Grupo de Estudos Semióticos), em especial a
Juliano José de Araújo pela recepção e apoio nos momentos de dúvidas.
À amiga Audrey do Nascimento Sabbatini Martins, pela amizade,
companheirismo, carinho e incentivo. A atenção e o apreço a nós dispensados na
reta final desta pesquisa foram de extrema valia. “Um amigo é alguém que sabe a
canção de seu coração e pode entoá-la quanto você tiver se esquecido da letra”.
Ao professores e amigos Antonio Francisco Magnoni, Ana Silvia Lopes
Davi Médola, Lourenço Magnoni Junior e José Misael Ferreira do Vale pelo
imenso apoio dado antes e durante a pesquisa.
À amiga Tatiana Pedra pelas palavras de incentivo e pelos valiosíssimos
préstimos na elaboração do abstract presente nesta pesquisa. Sua seriedade e
excelência nas discussões sobre o vocabulário e seus sentidos, ecoaram os
dizeres de Hegel: “Nada de grandioso existe sem paixão”. Nada mesmo!
Aos professores Dimas Antonio Künshc (Faculdade Cásper Líbero) e Ruy
Moreira (Universidade Federal Fluminense) pela honra de tê-los em nossa banca
como também pela serenidade, rigor científico e sabedoria típica dos grandes
intelectuais com que conduziram o debate sobre esta dissertação. Seus
ensinamentos e fraternais conselhos enriqueceram muito o texto final deste
trabalho, e guiarão nossas análises em futuras produções acadêmicas.
Ao aluno e amigo Homero Gustavo Ferreira Amaro pelos valiosos e
préstimos a nós destinados no apagar das luzes deste trabalho, quando a
máquina resolveu nos pregar uma peça. A competência que de nós se ausentou,
em Homero transbordou!
As minhas hoje alunas e eternas amigas Jéssika Piovezan Fernandes,
Marília Cancian Bertozzo, Laura Ceretti Coachman, Marcela Maldonado
Fabbro Sarturato, Amanda Berton, Isabela Licursi Garcia da Costa, Eliza
Carloni Rotondaro e Helen Caroline Porto Izaac e ao grande amigo Carlos
Eduardo Domingos Loterio pelo imenso carinho, torcida, companheirismo e
orações. Não me esquecerei da participação de vocês nesta vitória. Vitória que é
tão minha quanto suas! A conquista do título sempre terá a participação de vocês!
Faço minha as palavras do grande escritor mineiro Guimarães Rosa: "Mestre não
é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende." Se hoje me tornei mestre,
é porque além da concretização desta pesquisa, pude aprender com vocês, como
bem profere a sentença “roseana”.
E, cada produção intelectual por nós realizada, será sempre uma eterna
homenagem a Álvaro José de Souza. Mestre, exemplo, amigo... Infelizmente
não pode em vida nos ver chegar a este momento. Álvaro, você é parte desta
conquista! A morte física jamais terá a força necessária para apagar a herança
intelectual e o exemplo de integridade que você nos deixou. Nenhum texto,
nenhuma palavra, são capazes de fazer jus à gratidão e orgulho que temos por
sua pessoa.
VERDADE
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram a um lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
RESUMO: O impacto causado pelos atentados de 11 de setembro de 2001 contra
os Estados Unidos despertaram a atenção do mundo e a mídia serviu a duplo
objetivo: fonte de informações (desencontradas) de repórteres (despreparados) e
vitrina dos autores desses atentados que propagavam seus objetivos. Perante o
caráter polissêmico e polifônico assumido pelos meios de comunicação frente aos
atentados, esta dissertação analisa os discursos produzidos por quatro revistas
(Veja, CartaCapital, Superinteressante e Caros Amigos). Tomando da semiótica
greimasiana dois procedimentos de semântica discursiva, tematização e
figurativização, e conceitos do nível profundo, a análise de vinte textos identificou
mecanismos responsáveis em produzir efeitos de sentidos e discursos construídos
em torno do “outro”, do “diferente”. Na tentativa de explicar a realidade, a mídia
construiu um “inimigo”, justificou a imposição dos valores existentes em um
modelo de civilização ou defendeu a total ruptura do sistema vigente, em textos
moldados de acordo com axiologias e significações pré-existentes, traduzidos no
repertório social de nossa época. Quando tais práticas afloram, a desinformação
(falseamento) deixa de ser um mero equívoco para se converter em uma poderosa
estratégia enunciativa.
Palavras-chave: Comunicação; Mídia impressa; Informação; Produção de
sentidos; 11 de setembro de 2001.
ABSTRACT: The impact caused by the September 11
th
attacks against the United
States of America attracted the world’s attention. In that context, the media acted
both as a source of divergent information from unprepared reporters and as a
means of spreading the attacks perpetrators goals. Taking into consideration the
polysemic and polyphonic aspects assumed by the means of communication
before the attacks, this research focus was to investigate the discourses produced
by four Brazilian magazines (Veja, CartaCapital, Superinteressante and Caros
Amigos). Theoretically supported by two procedures from the Greimasian
semiotics, thematization and figurativization, as well as by the deepest level
concepts, the analysis of the collected data has pointed out some responsible
mechanisms for producing meanings and discourses about the “other” - the
“different”. Attempting to explain “the reality”, the media constructed an “enemy”. In
order to do so, it justified the imposition of specific society values or even claimed
for the complete rupture with the capitalist values by using discourses from pre-
existing ideologies and meanings, converted then into the social repertoire of an
age. On the basis of these analyses, this investigation highlights that, whenever
such (social and discursive) practices emerge, the lack of information (or the
misunderstanding) can not be faced as a mere misconception but as powerful
enunciative strategy.
Key words: Communication, The Press, Information, Meaning production,
September 11
th
2001.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1. A COMUNICAÇÃO, O BOM SENSO E A PESQUISA.................. 21
1.1. A notícia e a teia social............................................................ 23
1.2. O pensamento francês em comunicação................................ 29
1.3. A semiótica francesa............................................................... 31
1.4. Comunicação: uma prática antropológica............................. 37
CAPÍTULO 2. O DIA 11 DE SETEMBRO DE 2001, O JORNALISMO EM
TEMPO REAL E O ALINHAMENTO MIDIÁTICO........................
49
2.1. Novo século, velhas histórias............................................... 49
2.2. A águia imolada: os atentados ao World Trade Center e ao
Pentágono.............................................................................
50
2.3. Dificuldades de compreensão de um acontecimento na TV
em tempo real..........................................................................
52
2.4. Doutrina Bush, as invasões ao Afeganistão e ao Iraque e o
recrutamento da mídia.............................................................
61
CAPÍTULO 3. O TERRORISMO: UM LEGADO HISTÓRICO E SUA
CARACTERIZAÇÃO NA PLATAFORMA MIDIÁTICA..............
74
3.1. O terrorismo na história............................................................ 75
3.2. As faces do terrorismo.............................................................. 77
3.3. Islamismo, fundamentalismo e terrorismo................................ 79
3.4. O surgimento do grupo terrorista islâmico Al Qaeda................ 83
3.5. A Al Qaeda e o “Terrorismo em Rede”..................................... 85
3.6. Terrorismo na mídia: um contrato semântico polêmico............ 93
3.7. Contextualização para entendimento....................................... 98
CAPÍTULO 4. COBERTURA DOS ATENTADOS CONTRA OS ESTADOS
UNIDOS EM 11 DE SETEMBRO DE 2001 EM QUATRO
VEÍCULOS DA MÍDIA IMPRESSA BRASILEIRA.....................
103
4.1. Valor e efeito de verdade no universo midiático.................... 103
4.2. Identidade, cultura e a construção da notícia: o caso do
Islamismo.................................................................................
107
4.3. Corpus da pesquisa.................................................................. 111
4.3.1. Veja..................................................................................... 111
4.3.2. CartaCapital........................................................................ 111
4.3.3. Superinteressante............................................................... 112
4.3.4. Caros Amigos..................................................................... 112
4.4. Temas presentes nos discursos dos periódicos....................... 115
4.4.1. Veja..................................................................................... 115
4.4.2. CartaCapital........................................................................ 135
4.4.3. Superinteressante............................................................... 145
4.4.4. Caros Amigos................................................................... 158
4.4.5. Quadro demonstrativo dos temas dos periódicos
analisados...........................................................................
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 170
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 178
INTRODUÇÃO
Buscando o sentido
O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do
universo.
Relação, não coisa, entre a consciência, a vivência e
as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O
sentido do ato de existir. Recuso-me a viver num
mundo sem sentido.
Estes anseios/ensaios são incursões conceptuais em
busca do sentido.
Pois isso é próprio da natureza do sentido: ele não
existe nas coisas, tem que ser buscado, numa busca
que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.
Tirando isso, não tem sentido.
Paulo Leminski
Nem lamentar, nem se indignar, mas compreender.
Spinoza
11 de setembro de 2001. Pouco antes das 09h00min horas (horário
estadunidense
1
), plantões das principais emissoras de telejornalismo do mundo
interrompem sua programação matinal para mostrar imagens de uma das torres
do famoso edifício World Trade Center exalando fumaça. Parecia uma gigantesca
chaminé alçando fuligem no céu azul da cidade de Nova York. Juntamente com as
imagens, uma dúvida: o que teria acontecido com a Torre Norte de um dos
principais símbolos estadunidenses? A resposta imediata para tal questão nem
mesmo as pessoas que estavam no edifício poderiam responder e, infelizmente,
grande parte delas jamais a descobriria. Possivelmente a resposta desejada
estava alojada na mente de um saudita ancorado provavelmente no Oriente
1
Nesta dissertação, faremos uso do vocábulo “estadunidense”, para nos referimos à população e
práticas culturais, políticas, econômicas... inerentes aos Estados Unidos. A escolha deve-se a
imprecisão que termos como “americanos” e “norte-americanos” trazem. Todos aqueles que
habitam o continente da América podem assim ser classificados. ”Norte-americano” também pode
ser empregado aos mexicanos e canadenses, uma vez que México e Canadá também integram a
América do Norte. Manteremos as grafias “americanos”, “América” e “norte-americanos quando as
mesmas forem citadas destas formas por outros autores.
14
Médio, num país pobre, de clima árido cortado por cicatrizes montanhosas
provocadas pela constante movimentação de placas tectônicas: o Afeganistão.
As primeiras informações davam conta de um choque de um avião bimotor
contra as estruturas do arranha-céu. Um triste acidente. Mas nada comparado
com as verdadeiras causas que ainda se camuflavam entre a fumaça da Torre
Norte. Quem, por qualquer motivo, estivesse sintonizado na TV pode, em poucos
minutos, testemunhar as imagens transmitidas em tempo real do Boeing 767 da
United Ailines mergulhando em direção à torre sul do World Trade Center, mesmo
sem ter a verdadeira noção do sentido que essa cinematográfica imagem era
dotada. As Torres Gêmeas haviam sido atacadas! Era fato! Bilhões de pessoas
acompanhavam os desdobramentos, buscavam informações sobre o que
realmente estava acontecendo. Outras duas aeronaves também foram
seqüestradas. Mas as imagens das torres em chamas pareciam hipnotizar a quem
pusesse os olhos nas imagens que as TVs transmitiam. O poder da imagem
capturava a todos.
Aos poucos, a fuligem das fumaças se misturava ao céu nova-iorquino. A
claridade fornecida pelos raios solares permitia que se visualizasse o serpentear
das fumaças cortar o azul celeste colorindo tristemente a atmosfera de Manhattan.
Com o passar do tempo, às nuvens de fumaça foram se dissipando;
aterrissando sobre as páginas de jornais, revistas, livros que eternizariam o
acontecimento daquela inesquecível manhã de setembro.
A imprensa somente revela fatos, não toma partido; não é responsável por
acontecimentos, apenas os registra. Esse dogma jornalístico jamais soou tão irreal
como depois do 11 de setembro. Muitos episódios, como a própria guerra do
Afeganistão, tiveram a participação ativa da imprensa. É impossível, hoje, separar
o que foi apenas a intenção pura e simples do governo Bush e o que foi facilitado,
possibilitado pela influência da mídia. (DORNELES, 2003, p. 270)
É neste ponto que se inicia esta dissertação. Durante os ataques, as mídias
procuravam, meio atordoadas com a magnitude das ações, munir-nos de
informações que pudessem saciar as dúvidas sobre o que acontecera com os
Estados Unidos, até então tidos como intocáveis em seu território. Tarefa ingrata,
pois nem elas tinham as respostas necessárias e desejáveis naquele momento.
15
A partir do dia 12 de setembro, a mídia impressa se agrupava ao exército
de informações e começava a relatar em suas páginas as ações contra os
Estados Unidos ocorridas no dia anterior. As imagens das chamas consumindo as
estruturas das torres do World Trade Center tornaram-se um referencial dos
atentados; uma imagem massificada que se converteria em ícone do 11 de
setembro de 2001.
Mas, tão importante quanto às imagens veiculadas, foram o discurso
construído e a produção de sentidos que dele emanava. Como fora a produção
discursiva na mídia impressa, sobretudo, na construção dos sentidos?
Para responder a essa questão investigamos quatro revistas: Veja,
CartaCapital, Superinteressante e Caros Amigos. Sendo duas de periodicidade
semanal (Veja e CartaCapital) e duas de circulação mensal (Superinteressante e
Caros Amigos). A escolha das revistas teve como princípio tomar linhas editoriais
diferentes num certo distanciamento entre os atentados e a data de publicação.
Assim, analisamos o discurso vinculado por esses periódicos sobre um evento
impactante e buscamos os sentidos produzidos pelo relato do mesmo
acontecimento numa trajetória temporal definida.
Fato e notícias são considerados heterogêneos. A notícia é uma
manifestação discursiva que, em princípio, pode ser verdadeira ou falsa. O texto
em si é uma configuração que produz sentidos. O seu efeito é o sentido. As
notícias que constituem o material essencial dos periódicos são mensagens
textuais onde os fatos são relatados. Sua estratégia é conquistar o receptor dentro
de determinado sistema de valores. Assim, descrever um fato é, ao mesmo tempo,
interpretá-lo, estabelecer sua gênese, seu desenvolvimento e possíveis
desdobramentos (Arbex Jr., 2001). O receptor designa o que é um fato, mas o faz
dentro de contextos econômicos, culturais, sociais, ideológicos, políticos,
históricos, psicológicos e por sua própria competência discursiva em uma disputa
de discursos e saberes.
As notícias são textos dotados de sentidos, que por sua vez, falam de fatos;
são objetos com os quais o sujeito (leitor) pode entrar em comunicação ou
interação lingüística. Os fatos, em princípio, são objetos “mudos”, isto é, objetos
16
com os quais não é possível nenhuma comunicação ou interação lingüística.
(Gomes, 1993). Assim, cria-se uma dualidade entre o tempo do fato e tempo da
narração. Dentro do espaço entre tempo e fato estão os atores que são retratados
nas notícias dando feições ao enunciado. As notícias não são a própria realidade,
mas uma representação e interpretação desta. Dessa maneira, o efeito de
realidade fixa-se nos discursos através da mediação da enunciação: o emissor
como sujeito inserido no espaço e no tempo.
Os atentados sofridos pelos Estados Unidos em 2001 abrem um grande
cabedal de temas a serem estudados sobre a luz das pesquisas em comunicação.
Desde as dificuldades de se acompanhar ao vivo um evento impactante como o
executado pelo grupo de Osama bin Laden, passando pela “guerra de discursos”
dos meios de comunicação, a utilização da mídia para divulgação da ideologia por
trás dos ataques, o poder das imagens, o recrutamento midiático para justificar
outras guerras... Enfim, abre-se um arcabouço de fatos e desdobramentos que
nos permitem subsídios para analisar como se manifesta a produção de sentidos
na linguagem midiática.
Para investigar a cobertura dos meios de comunicação impressos sobre os
ataques ocorridos em 11 de setembro de 2001, teremos como critério de análise
as reportagens que envolveram a produção de sentidos em relação aos “outros”,
aos “diferentes”... Claramente, em coberturas a respeito de eventos históricos,
existem (ou são criados) heróis e vilões, santos e pecadores, o moderno e o
atrasado... personagens e sentidos que figurativizam a dualidade arquitetada
sobre a construção de uma narrativa entre valores opostos. “A ideologia
pressupõe que ‘eu’ sou a norma, que todos são como eu, que qualquer coisa
diferente ou outra não é normal”, resume Kellner (2001, p.83). Em um dos seus
discursos após os atentados, o presidente estadunidense George Walker Bush,
sentenciava que seria travada “uma cruzada”, uma luta dos eternos contrários do
“bem” contra o “mal”. Contudo, o “bem” e o “mal”, o “sagrado” e o “profano” são
atributos que têm valores diferenciados de acordo com a visão simbólica de cada
indivíduo. Assim, a temática da construção de esteriótipos sobre o “outro” foi o fio
de Ariadne que costurou as análises e os sentidos produzidos pelos discursos das
17
mídias impressas que constam nesta pesquisa indicando a tendência de
classificar a alteridade (o “outro”, o “diferente”), como um grande problema para a
humanidade devido aos valores eufóricos e disfóricos que gravitam sobre
identidade e cultura.
Entender a comunicação como um exercício de representação seria compreendê-
la como algo que se assenta, com alguma autonomia, para além da objetividade
econômica e sociológica. Confere-se, desse modo, mais valor a importância da
cultura, como quadro de fundo do processo comunicacional. (LOPES, 2004, p.
144)
Das revistas analisadas, foram extraídos e analisados vinte enunciados
(cinco de cada periódico) entre as matérias de capa, carta ao leitor, seções de
opiniões, entrevistas... Fatias de edição em que as estruturas discursivas emitiam
os sistemas de valores sustentados pelas revistas. A afiada lamina editorial corta o
texto, sangra culturas e evidencia quem é o “outro” para as redações dos
periódicos.
No primeiro capítulo apresentamos o cabedal teórico que sustenta esta
pesquisa; a metodologia que guiará as análises dos textos selecionados: a
semiótica francesa e seus gradientes analíticos para captura dos sentidos.
Discutimos o mito da imparcialidade midiática na produção das notícias e, partindo
da assertiva de Lévi-Strauss (1970) que nos ensina que as sociedades humanas
nunca estão sozinhas, procuramos demonstrar a importância de compreender os
processos culturais frente à comunicação para produção de sentidos. Ao amarrar
o pensamento cartesiano à pesquisa, aponta-se para o bom senso no julgamento
sereno e despido de preconceitos para o valor da cultura do “outro” e análises das
notícias.
O segundo capítulo abordará os atentados de 11 de setembro de 2001
contra os Estados Unidos passando pelos percalços da cobertura do fato em
tempo real e o desdobramento do governo estadunidense na resposta aos
terroristas, mostrando o recrutamento das mídias e conversão destas como
importantes instrumentos para a consecução dos objetivos do aparelho de Estado
estadunidense em legitimar a guerra e controlar as informações oriundas dos
campos de batalhas.
18
O terceiro capítulo conceitua a expressão terrorismo, apontando que esta
violenta forma de manifestação política não foi parida em 11 de setembro e 2001,
resultando como fruto de um processo histórico sendo praticado desde a
Antigüidade. Em grande parte das coberturas da mídia, o Islamismo foi descrito de
forma obscura e retrógrada. Para esclarecer e derrubar o senso comum
recorremos à história e discutimos nesse capítulo as principais divisões da
religião, as origens do fundamentalismo islâmico e da rede Al Qaeda e a
metodologia deste grupo e os sentidos atribuídos à isotopia terrorista pela
imprensa.
No capítulo quatro serão discutidos os efeitos e sentidos de verdades que
se arvoram nos meios de comunicação. Apontamos identidade e cultura na
construção da notícia através do exemplo do Islamismo para se mostrar como as
tintas do preconceito e da desinformação são impressas nos enunciados e,
sobretudo, serão analisados os discursos das quatro revistas que são objeto de
nosso estudo, sublinhando os temas e figuras recorrentes para depois mostrá-los
em quadro geral que possibilitará melhor visualização e avaliação das análises
discursivas e a construção dos quadrados semióticos apontado o nível profundo
do processo gerativo do significado.
Inegavelmente o 11 de setembro de 2001 tem seu lugar na história, sendo
atravessado por múltiplas interpretações e sentidos. Não raramente, a mídia
procura dar aos eventos uma interpretação definitiva e categórica sendo guiada
pelo instantâneo, moldando-se apenas em um recorte temporal. A cobertura
jornalística pós-11 de setembro, converteria-se no episódio mais censurado,
autocensurado e distorcido de que se tem notícia na história da imprensa em
frontes de guerra (Dorneles, 2003).
A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar,
compreender de modo desinteressado. (...) A ética da compreensão (...) pede que
se argumente, que se refute em vez de excomungar e anatematizar. (...) A
compreensão não desculpa nem acusa: pede que se evite a condenação
peremptória, irremediável, como se nós mesmos nunca tivéssemos conhecido a
fraqueza nem cometidos erros. Se soubermos compreender antes de condenar,
estaremos no caminho da humanização das relações humanas. (MORIN apud
KÜNSHC, 2006, p. 85)
19
No campo jornalístico, não raro, os acontecimentos são vistos como algo
congelado, sem desdobramentos futuros. Contudo, a análise do fato requer
interpretações e opiniões cautelosas. Muitas vezes se tem o desejo de fabricar
culpados e forjar causas às pressas. Com este procedimento, guiado pelo
instantâneo, o jornalismo cede lugar à desinformação. O tempo curto é a mais
caprichosa e a mais enganadora das durações e, quando ficamos presos à
purpurina e ao flash, não conseguimos captar o que está se passando
efetivamente na história e, principalmente, nos sentidos construídos nas
entrelinhas das notícias.
20
CAPÍTULO 1:
A COMUNICAÇÃO, O BOM SENSO E A PESQUISA
Na verdade, o desafio da comunicação não é a gestão das
semelhanças, mas a gestão das diferenças.
Dominique Wolton
O bom senso é a coisa do mundo melhor partilhada, pois cada qual pensa estar
tão bem provido dele, que mesmo os que são mais difíceis de contentar em
qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que tem. E não é
verossímil que todos se engajem a tal respeito; mas isso antes testemunha que o
poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que
se denomina bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens; e,
destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de serem uns
mais racionais do que outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos
por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não é suficiente ter
o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos
maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os que só andam muito
lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do
que aqueles que correm e dele se distanciam. (DESCARTES, 1996, p. 65)
O texto redigido por René Descartes aponta o bom senso como
protagonista dos sentimentos próprios ao homem. Além de possuí-lo, segundo o
filósofo francês, todos acreditam que o detém em quantidade suficiente.
Diferente de senso comum, que implica uma padronização vulgar que não
admite o diferente, o revolucionário e o criativo, o bom senso estaria próximo ao
conceito de ética, de ouvir as partes, para o juiz, de “buscar várias fontes”, do
jornalista, cercando-se de probabilidade que possam conduzir ao que tem a
aparência de verdade, pois a verdade em si é um conceito inatingível. Adotar o
bom senso é pautar-se pelo convincente, ter critérios analíticos, estando aberto à
crítica e a comprovação científica dos dados possíveis. Em razão disso, o bom
senso costuma não se precipitar em suas conclusões e, assim, tentar “distinguir o
verdadeiro do falso”, conforme assinala Descartes. Ao estabelecer uma verdade,
procura testá-la na experiência continuada, repetida, em hábitos e tradições, que
nem sempre são fontes seguras da verdade. Esse procedimento pode fortalecer
uma afirmação.
21
Tal assertiva permite que todos possam externar suas opiniões sobre
acontecimentos. Munidos de bom senso (ou não), as pessoas põem-se a julgar
fatos e construir seu juízo sobre os eventos que permeiam nosso cotidiano. No
entanto, é preciso conhecer as origens, observar as transformações, identificar as
causas que expliquem esses processos, analisar os fatos, transferir
conhecimentos. Para isso, a geografia, a história, a sociologia, a filosofia e
ciências afins são áreas do saber que nos propiciam um arcabouço de
conhecimentos sobre a gênese e transformações sociais no decorrer dos séculos.
No entanto, a história da humanidade é escrita diariamente por seus
personagens. Compreender as modificações da sociedade impressas nos fatos
diários não é algo fácil. Os números de acontecimentos são muitos
2
. Para
ficarmos a par dos principais eventos, comumente recorremos aos órgãos de
imprensa. É por meio da mídia impressa (jornais e revistas), televisiva, radiofônica
e, hoje em dia, pela Internet, que nos alimentamos de informações. Ou seja, os
meios de comunicação são as matérias-primas que nutrem nossas opiniões.
Através de seus instrumentos é que obtemos as informações que norteiam nossas
avaliações. Contudo, as mídias não são “inocentes”. Suas intenções são
manifestadas de maneira a induzir o receptor a crer que está absorvendo a
“verdade”. Nessa seara provocativa, Wolton (2004, p. 271) comenta que “(...)
todos os atores manipulam a informação, usando a legitimidade da informação-
impressa para justificar sua própria informação”
3
.
Nem sempre o texto segue um caminho coeso entre emissor e receptor. A
mensagem pode conter ruídos, o que dificulta a compreensão. Reforçando essa
idéia, Santos (2003) explica que
2
Um claro exemplo é fornecido pelo psicólogo e consultor de empresas David Lewis: “Mais
informações têm sido produzidas nos últimos 30 anos do que nos 5.000 anos anteriores. Uma
edição de dia de semana do New York Times contém mais informações do que tudo aquilo que um
homem médio do século XV ficou sabendo em toda sua vida”. (LEWIS apud SERVA, 2001, p. 76).
Complementando o raciocínio, Umberto Eco em entrevista à revista Veja (dezembro de 2000)
relata que uma boa quantidade de informação é benéfica e o excesso pode ser péssimo, porque
não se consegue dimensioná-lo nem escolher o que presta. Na visão do semioticista, não há
diferenças entre o jornal stalinista Pravda e o New York Times dominical. O primeiro não possui
notícia alguma e o outro tem 600 páginas de informação. Uma semana não é suficiente para ler
essas 600 páginas, reforça o escritor.
3
Grifos de Dominique Wolton.
22
...numa sociedade complexa como a nossa somente vamos saber o que houve na
rua ao lado dois dias depois, mediante a uma interpretação marcada pelos
humores, visões, preconceitos e interesses das agências. O evento já é entregue
maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se
produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos. (SANTOS, 2003,
p.40).
Para Barros (1988, p. 64): “O discurso constrói a sua verdade”. Assim
sendo, o que o receptor consome é uma versão dos acontecimentos, a visão que
determinado órgão de imprensa assume sobre o evento. Obviamente que,
expressando a sua ótica, o transmissor procura transformar sua opinião em
“verdade”.
1.1. A notícia e a teia social
Tão importante como saber os acontecimentos que permeiam nosso mundo
é ter o conhecimento de como as informações nos chegam, afinal é característica
da mídia ter pressa em informar, insistir na quantidade e não na qualidade da
informação. Para Ramonet (2004, p. 247), “... não há tempo para estudar a
informação. A informação é feita cada vez mais de impressões, de sensações”.
Re-inserindo Descartes no debate, o filósofo sentencia que
... e os que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem
sempre o caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam.
(DESCARTES, 1996, p. 65)
“Andar lentamente” permite acompanharmos os desdobramentos do fato,
entendendo as motivações e repercussões por ele traçado
4
. Notícias forjadas no
4
Bob Woodward e Carl Bernstein, repórteres do jornal estadunidense Washington Post, durante a
apuração do caso Watergate jamais se utilizaram de atalhos para apressar as investigações ou
conseguir um furo jornalístico. Foi uma investigação meticulosa, monótona, sem nenhum glamour
cinematográfico ou jornalístico. Pautando seu trabalho por normas estritas e cuidadosas, não lhes
era permitido sequer negar a profissão de jornalista durante os infindáveis contatos telefônicos com
fontes extremamente escorregadias. Jornalismo investigativo de verdade é assim. Dá muito
23
forno da velocidade, e que procuram assim, transmitir a informação em primeira
mão, podem sofrer com o reverso das circunstâncias.
5
Para Wolton (2004)
Hoje, a informação é onipresente e resulta da tirania do instante. Sabe-se tudo, de
todos os cantos do mundo, sem ter tempo de compreender, ou retomar o fôlego, e
sem saber, finalmente, o que leva a melhor entre o dever de informar, a loucura
concorrencial e o fascínio pela técnica, ou essas três coisas ao mesmo tempo.
6
(...)
... quanto mais se está ao vivo, mais se deve reintroduzir distanciamento.
(WOLTON, 2004, p. 284-285)
Desse modo, o fato de ficarmos próximos aos eventos ou recebê-los de
maneira instantânea, não significa, em absoluto, a compreensão imediata e total
da notícia.
Mariani (1999), refletindo sobre a produção da notícia aduz que
O ato de noticiar (...) não é neutro nem desinteressado: nele se encontram,
entrecruzam-se, os interesses ideológicos e econômicos do jornal, do repórter, dos
anunciantes bem como, ainda que indiretamente, dos leitores. Além desses
fatores, as forças políticas em confronto no momento histórico em que divulga um
acontecimento vão constituir também os sentidos produzidos pelas notícias.
(MARIANI, 1999, p. 102)
Ou seja: existe todo um procedimento de preparo para que a notícia chegue
ao seu destino, como atesta Serva (2001)
O sistema de construção da notícia jornalística se dá através de procedimentos
técnicos, denominados “edição”, que visam explicitamente a satisfazer a
necessidade de informação do consumidor. (SERVA, 2001, p.123)
trabalho, consome tempo e nem sempre rende um filme de Hollywood, nem sequer uma manchete.
É um exercício incansável, enfadonho, que exige determinação e perseverança. (Brasil, 2007)
5
Em março de 1994, os donos da Escola Base (Maria Aparecida Shimada e o marido Icushiro
Shimada) e alguns funcionários foram injustamente acusados de promover orgias com menores na
escola infantil que mantinham no bairro da Aclimação (São Paulo). A imprensa assumiu a
acusação, baseada no depoimento da mãe de uma das crianças (Veja publicou uma reportagem
intitulada “Escola de horrores”). Os acusados foram absolvidos. Em 19 de novembro de 2002, o
Superior Tribunal de Justiça aumentou de 100.000 (determinada pelo TJSP) para 250.000 reais o
valor de indenização por danos morais que o Estado de São Paulo terá de pagar a cada um dos
donos da escola. (ARBEX JR., 2003b, 162)
6
Grifos de Dominique Wolton.
24
Por natureza, todo discurso caracteriza-se por ser persuasivo. Sua
composição encorpa instância simbólica de representação, um recorte criador de
determinada realidade. Quem emite opta pela utilização de certas palavras em
detrimento de outras, seleciona imagens para impactarem o receptor e ampliar o
poder de sedução/persuasão. Tais procedimentos pavimentam a estrada que leva
para o receptor à trama narrativa na forma de notícias. Desta feita, a notícia além
de “satisfazer a necessidade de informação do consumidor”, como diz Serva
(2001), também satisfaz o desejo do veículo de comunicação em
externar/persuadir a sua versão dos fatos. Afinal, a linguagem é um símbolo
encravado em nossa existência.
Para Pinto (2002)
Cada vez mais as ciências sociais vêm se dando conta que as práticas sociais de
produção-circulação-recepção de discursos são fundamentais na criação,
manutenção e mudança das representações, identidades e relações sociais.
(PINTO, 2002, p. 09)
A linguagem envolve nossos sentimentos. É um tecido presente na trama
do pensamento. Ela é a base onde se desenvolvem os processos discursivos.
Pintados com as cores da ideologia, como qualquer outro, os discursos das mídias
são molduras em que se representam visões. A maneira pela qual uma notícia é
exposta reflete a categorização do discurso e as intenções de seus autores.
Dando eco a essa afirmação, Magnoli (2002) afirma que
A linguagem é um produto social e, nessa condição, carrega consigo uma carga
política e ideológica muito marcada. As palavras e as expressões fazem mais que
designar objetos e idéias. Elas trazem à tona um universo de significados e
experiências humanas que são julgamentos de valor, avaliações positivas ou
negativas do mundo que nos cerca. (MAGNOLI, 2002, p.16-17)
Todo texto, como não poderia deixar de ser, tem uma função informativa.
Além dessa dimensão, todo e qualquer texto também possui uma função
interpretativa, pelo simples fato de que ele é o produto de uma enunciação, isto é,
resulta de uma atividade que constrói o sentido do seu referente ao enunciá-lo,
necessariamente, de certa maneira.
25
O sentido portanto não significa apenas o que as palavras querem nos dizer, ele é
também uma direção, ou seja, na linguagem dos filósofos, uma intencionalidade e
uma finalidade. (GREIMAS, 1973, p.15)
O desenvolvimento da linguagem foi de capital importância para o
aprimoramento intelectual e social do ser humano. As palavras não são sons sem
significância, nem as frases se constituem unicamente em elementos estéticos.
A unidade de comunicação não é o signo, não é a palavra nem o traço, mas a
organização deles numa matéria significante, como uma unidade comunicativa,
um conjunto coerente, a que chamamos “texto”. Os signos um por um são
inoperantes, ainda que matéria-prima dos textos. Então, um texto (...) é um objeto
de comunicação entre dois sujeitos. É assim que um texto pode colocar-se entre
dois objetos culturais pertencentes a uma dada sociedade e assumir as marcas
sócio-históricas dela. (PERUZZOLO, 2004, p.135)
A história do conhecimento se desenvolve à luz da linguagem. É por meio
da percepção e das palavras que os seres humanos organizam a realidade e a
interpretam. É a partir da articulação lingüística que se produzem conceitos acerca
da realidade que, em seu conjunto, formam o terreno de qualquer investigação. A
linguagem cria a imagem do mundo, mas é também um produto social e histórico;
sendo sempre comunicação (e, portanto, persuasão), ela o é na medida em que é
produção de sentido (Fiorin 1989, 1995).
Para Greimas (1981)
A estrutura da comunicação comporta, como sabemos, um destinador e um
destinatário, intercambiáveis, cada um dos quais dotado por isso mesmo de uma
competência ao mesmo tempo emissiva e receptiva. (GREIMAS, 1981, p.27)
Ao admitirmos que ler é, ao mesmo tempo, compreender e interpretar, é
preciso então propor ao leitor conceitos e critérios que o ajude a reconhecer, por
detrás das aparências, o sistema de valores que o enunciador investiu em seu
texto. Para Barros (1988, p.83): “... é preciso inserir o texto no contexto de uma ou
mais formações ideológicas que lhe atribuem, no fim das contas, o sentido”.
O pensamento reducionista e senhor da racionalização do real, anti-dialógico e
anti-compreensivo, mais produz desconhecimento que conhecimento. Mais divulga
e amplia a incomunicação que a comunicação. Mais encobre que cobre. (DIMAS,
2005, p. 30)
26
Retomando a citação de Descartes que diz “... não é suficiente ter o espírito
bom, o principal é aplicá-lo bem”, o bom senso se abastece na faculdade de
apreciar e julgar com ponderação e discernimento os conteúdos transmitidos pelas
mídias, não esquecendo que os discursos midiáticos têm como característica o
convencimento, impondo o conjunto de opiniões, idéias e concepções de seu
enunciador. Ultrapassando assim, a perigosa barreira do pensamento
reducionista.
Isso mostra que para compreendermos o fazer-jornalístico necessitamos de
instrumentos de análise como nos explica Steinberger (2005).
Só a análise de discurso será todavia capaz de confrontar discursos com
discursos, de revelar contradições entre eles. Só uma análise do discurso
jornalístico será capaz de mostrar os efeitos potenciais que a manipulação política
de lugares e valores geográficos pode gerar na construção de imaginários
geopolíticos de massa. (STEINBERGER, 2005, p. 192)
Se a notícia deve, em suma, satisfazer a necessidade do leitor, e é parte da
linguagem, logo a "Teoria do Espelho" explica a identidade com o meio, ou seja, o
reflexo da sociedade na notícia, sem nenhuma espécie de contágio. Tal teoria
abraça fraternalmente o pensamento racional-reducionista uma vez que
Sua base é a idéia de que o jornalismo reflete a realidade. Ou seja, as notícias são
do jeito que as conhecemos porque a realidade assim as determina. A imprensa
funciona como um espelho do real, apresentando um reflexo claro dos
acontecimentos do cotidiano
7
. (PENA, 2005, p.125)
7
O jornal paulistano O Estado de S. Paulo há alguns anos utilizava o slogan “O espelho do mundo
visto por olhos nos quais você confia”. A afirmativa procurava passar aos leitores que o jornal
(podemos expandir para todos os meios de comunicação) é um retrato fiel da realidade.
Entretanto, não se trata de um “espelho do mudo”, mas de “um aparelho produtor de interpretações
do mundo”. (MAGNOLI, 2002, p. 16). Construindo uma análise comparativa com o processo
histórico, podemos conduzir um encontro teórico nessa questão: a produção e o registro da
informação. A ciência histórica foi referenciada no decorrer do século XIX. Época do romantismo e
robusto sentimento nacionalista fizeram brotar interesses pelos estudos do passado. Não
raramente as pesquisas eram patrocinadas pelo Estado. O historiador Leopold Ranke foi um dos
muitos a externar sua preocupação em relatar os fatos como eles realmente aconteceram, sem a
pretensão de interpretá-los. Assim estruturou-se a chamada História Positivista, interessada em
temas políticos, considerando o passado algo encerrado e imóvel, mas passível de ser conhecido
mediante a neutralidade de quem produz o conhecimento sobre o pretérito. Entretanto, essa teoria
não é mais que uma ideologia da imprensa destinada a camuflar a inevitável (e presente)
parcialidade do setor. Teorias de pesquisa sobre comunicação já mostram a dinâmica das
sociedades e seus atores em suas análises. A prática jornalista está longe de ser o espelho do
real. Será sempre a construção de uma suposta realidade.
27
Para ter validade a “Teoria do Espelho” necessita de maneira
imprescindível da objetividade e imparcialidade. Informar sem sugestionar. Os
jornalistas devem retratar o acontecimento com “neutralidade”. Evitando a
“contaminação” da notícia com suas opiniões (salve exceções de articulistas, que
têm como princípio expor seu ponto de vista assim como os editoriais). É óbvio
que, ao redigir uma matéria, a opinião do jornalista se transpõe para as linhas do
texto como testemunha Hernandes (2006).
... é impossível ter acesso à realidade sem fazer escolhas, sem determinar valor
para alguns aspectos em detrimento de outros. Podemos dizer que a própria idéia
de significação é uma “opinião” sobre o mundo. (HERNANDES, 2006, p. 33)
Comentando as dificuldades de se ter objetividade Clóvis Rossi,
jornalista da Folha de S. Paulo, ilustra que
O Manual de Redação do jornal Folha de S. Paulo foi o primeiro livro-texto oficial a
reconhecer as dificuldades para a prática da objetividade. ‘Não existe objetividade
em jornalismo. Ao redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma uma série de
decisões que são em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições
pessoais, hábitos e emoções’, diz o verbete ‘Objetividade’, à p. 34 do Manual...
(ROSSI, 1998, p. 12-13)
Do mesmo pensamento comunga Charaudeau (2006, p. 241) quando
expõe que “relatar e comentar acontecimentos é uma atividade impregnada de
subjetividade”. Não há neutralidade nem por parte do leitor nem por parte do
jornalista: ambos emitem seus juízos sobre os fatos
8
.
Segundo Greimas (1973, p. 152): “O discurso, efetivamente, é não somente
o lugar da manifestação da significação, mas ao mesmo tempo o seu meio de
transmissão”. Analisar discursos é perscrutar suas genealogias, suas condições
de produção, os percursos de configuração dos sentidos até o estágio em que se
cristalizam em materialidade e se instituíram em scripts (Steinberger, 2004). A
análise do discurso depende sempre do contexto (Pinto, 2002). Sua estrutura não
se desvencilha de suas condições de produção. “El sentido no pertence sólo al
8
O guia ético do jornal estadunidense New York Times recomenda ser tão imparcial quanto
possível.
28
texto; surge em el encuentro entre lector y el texto
9
” (GRUPO DE
ENTREVERNES, 1982, p. 16). A compreensão de textos é atingida quando a
junção de conhecimentos anteriores (repertório) e dos elementos extraídos do
texto são julgados pelo leitor como sendo suficientemente coerentes e completos.
A decodificação não reside apenas na arquitetura do texto, ela também está na
mente dos indivíduos.
1.2. O pensamento francês em comunicação
Na construção desta análise teremos como referência intelectual o
pensamento contemporâneo francês em comunicação. Da Silva (2003) nos alerta
para dificuldade de se aglutinar uma plêiade de intelectuais franceses como Pierre
Bourdieu, Edgar Morin, Paul Virilio, Michel Maffesoli, Jean Baudrillard, Jaques
Derrida, Pierre Levy sob o signo de uma escola francesa com pesquisas em
comunicação. Diniz (2005b) esclarece que os franceses pensam a comunicação
como intelectuais, não há uma teoria finalizada. Isso já é um indicativo da
pluralidade intelectual existente sobre os estudos em comunicação no país.
De certo modo, os franceses nunca chegaram a fechar questão sobre o “campo”
da comunicação. (...) A comunicação é uma área disputada, estudada,
atravessada por outras disciplinas: sociologia, antropologia, lingüística, filosofia,
ciências políticas... (DA SILVA, 2001, p. 173).
Essa amplitude intelectual no campo da comunicação nos proporciona um
rico cabedal de análises. Wolton (2004) realça a importância da abrangência na
questão cultural no universo da comunicação. Segundo o intelectual francês: “A
investigação sobre a comunicação é, por natureza, uma investigação
interdisciplinar”. (WOLTON, 2004, p. 484). Na concepção de Wolton, a
comunicação não é uma disciplina ou uma teoria, e, sim, um cruzamento teórico e
a mesma deve ser refletida em seu contexto social que, muitas vezes, dão
sentido, cor e especificidade a procedimentos de comunicação aparentemente
padronizados. Para Pierre Bourdieu, os estudos em comunicação estão
9
Grifo de Grupo de Entrevernes.
29
intrinsecamente ligados à sociologia da cultura. A questão cultural infiltra-se no
mundo dos símbolos, das significações, tornando tênues as fronteiras entre as
áreas do saber. Os processos comunicativos atravessam praticamente toda a
extensão das ciências humanas (Martino, 2003b), sendo a comunicação humana,
plural (Greimas, 1973).
A comunicação se constitui em um conhecimento polissêmico atraindo
atenção de diversos campos intelectuais. Isso se torna relevante uma vez que a
produção da notícia é gestada num campo social impregnado de valores e
significados. Como a axiologização é cultural, cada sociedade determina o que é
positivo ou negativo em seu meio (Ghilardi, 1991). Assim, a contextualização dos
acontecimentos é primordial para o bom entendimento da notícia.
Em virtude desse quadro eclético, e como nosso corpus de análise são
textos oriundos da mídia impressa, tendo como recorte abordagens culturais,
costurando o laço ente sociedade e comunicação, vamos nos centrar nos
semioticistas Algirdas Julien Greimas
10
e Eric Landowski
11
e o teórico da
comunicação Dominique Wolton
12
.
10
Graduado em Letras e Estudos de Diatelogia Franco-Provençal, Algirdas Julien Greimas foi, a
princípio, lexicólogo, tendo publicado vários dicionários. Seus estudos sobre semântica levaram-no
a investigar o sentido que, conduziram-no, conseqüentemente a procurar constituir uma teoria da
significação. Dentre suas pesquisas, reservou um espaço para estudar a mitologia lituana. Estudou
Direito na Lituânia e Lingüística em Grenoble (1936-1939). Em 1939, voltou à Lituânia onde
cumpriu o serviço militar, participando da Segunda Guerra Mundial. Em 1944, voltou para a França,
doutorando-se em 1949 pela Sorbonne. Lecionou em Alexandria, Ancara, Istambul e Poitiers, e foi
diretor de estudos na Ecole Pratique des Hautes Etudes em Paris. Em 1965, foi eleito Diretor de
Estudos na Ecole Pratique des Hautes Etudes. A partir desse mesmo ano, encabeçou a pesquisa
sêmio-lingüística, estabelecendo os fundamentos da semiótica e criando em 1966 o Grupo de
Pesquisa Sêmio-lingüística, cujos seminários quinzenais realizam-se até hoje em Paris, sob a
coordenação de Jacques Fontanille. Em 1978 criou a Associação para o desenvolvimento da
semiótica e a revista Actes Sémiotique, que passou a chamar-se Nouveaux Actes Sémiotiques a
partir de 1989 e é publicada até os dias atuais. Dentre suas obras destacam-se Semântica
estrutural, Sobre o sentido: ensaios semióticos, Sobre o sentido II, Semiótica e ciências sociais,
Semiótica das paixões e Da Imperfeição (seu último livro de autoria individual), dois dicionários de
semiótica além de outros dicionários do francês antigo e médio, dentre outras. Em 1992, morre em
Paris aos 75 anos. Suas cinzas repousam no cemitério de Kaunas (Lituânia). A influência das
idéias de Greimas é notável em várias áreas do campo semiótico, indo da semiótica do espaço e
da arquitetura à pintura, teologia, direito e ciências sociais até à ciência da documentação. Sua
herança intelectual é mais viva do que nunca como atesta as palavras do semioticista mexicano
Raúl Dorra: “A teoria greimasiana não é, a princípio, a única teoria semiótica de que dispomos
nem, talvez, a mais original. Mas, sem dúvida, é a mais coerente e claramente desenvolvida, a que
construiu um sistema mais complexo e fundou uma escola mais vasta e mais sólida”.
11
Eric Landowski é semioticista de longa data cunhou o termo sóciossemiótica, como campo de
investigação no qual trata das “interações entre agentes do discurso” é Diretor de pesquisa do
30
1.3. A Semiótica Francesa
Um dos pilares metodológicos que sustentam esta pesquisa ergue-se
centrado em conceitos da Semiótica Francesa. Também conhecida como
Semiótica da Escola de Paris, essa teoria da significação teve como principal
idealizador o intelectual de origem lituana Algirdas Julien Greimas, e configura-se
em um método de análise textual que auxilia na investigação dos meandros que
percorrem um enunciado e a construção de seu sentido, como testemunha Barros
(1988, p. 07): “A semiótica tem por objeto o texto, ou melhor, procura descrever e
explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz”. Uma “teoria da
produção de sentidos”, como diria Greimas.
A semiótica não se ocupa apenas com o signo, mas com a significação,
pois de acordo com Greimas (1981, p. 48) “... a teoria da comunicação social
generalizada deve colocar-se sob a égide não da informação, mas da
significação”. Ocupa-se, portanto, com o estudo das manifestações de forma a
buscar compreender como o enunciador constrói o seu texto provocando
determinados efeitos de sentido sobre o sujeito receptor. Assim, ela se apresenta
como modo de leitura do mundo dos outros, dos simulacros por eles construídos
através dos signos.
A significação real da linguagem não está na palavra, mas no discurso. As
palavras podem dar nome às coisas mas, antes de os termos serem integrados
em proposições, eles nada afirmam, nada evitam ou negam... nada dizem. (ECO
apud PERUZZOLO, 2004, p.92)
Centre National de la Recherche Scientifique (CEVIPOF-FNSP-CNRS), redator-chefe da revista
Nouveaux Actes Sémiotiques” (Université de Limoges).
12
Dominique Wolton é professor, teórico da comunicação e dirigente do Laboratório de
Comunicação e Política do CNRS (Centro National de Recherche Scientifique). Sua prática em
pesquisa se aproxima dos empiristas-críticos: “A sociedade jamais será justa ou igualitária mas,
pelo menos, ela originou, por intermédio do valor da comunicação e graças às técnicas que levam
o seu nome, instrumentos e referenciais que estão em conformidade com o ideal democrático”.
(WOLTON, 2004, p. 124). Escreveu importantes obras na área de comunicação como Elogio do
grande público uma teoria crítica da televisão e Pensar a comunicação. Numa abordagem que
centraliza as necessidades do estudo das Teorias da Comunicação como condição para a
compreensão dos desafios políticos, culturais, técnicos e sociais, Wolton coaduna, junto com
outros intelectuais, com o pensamento que estamos na era da comunicação total, da avalanche
comunicacional. (Diniz, 2005b)
31
Para Greimas, as ciências da significação procuram compreender o homem
e a sociedade considerando que suas atividades são apreendidas e organizadas
seqüencialmente de modo a buscar resultados que permitam a transposição do
individual para o social, interpretando as formas de manifestação de linguagens.
O significado de um texto pode ser organizado de acordo com um percurso,
como concebe a teoria semiótica. O percurso gerativo do sentido é um método
capaz de atingir a sua estratificação, evidenciando, em diferentes níveis, os
recursos utilizados pelo enunciador para fazer-crer o enunciatário e também como
se dá a produção do significado, em um processo que vai do mais simples ao mais
complexo.
De acordo com Landowski (1992)
... o que a semiótica pretende captar são de fato, as estruturas e operações
“sêmio-narrativas” mais profundas, aquelas que regem a própria produção e
intercâmbio de significações. (LANDOWSKI, 1992, p.12)
Quadro 1. Percurso gerativo do sentido
Componente Sintáxico Componente Semântico
Nível profundo - Sintaxe fundamental Semântica fundamental
Estruturas sêmio-narrativas
Nível de superfície - Sintaxe narrativa Semântica narrativa
Estruturas discursivas
Síntaxe discursiva
Discursivização (actorialização,
temporalização, espacialização)
Semântica narrativa
Tematização
Figurativização
Fonte: Fiorin (1989)
Barros (1988) acrescenta que
Para explicar “o que o texto diz” e “como o diz”, a semiótica trata, assim, de
examinar os procedimentos de organização textual e, ao mesmo tempo, os
mecanismos enunciativos de produção e recepção do texto. (BARROS, 1988, p.
08)
32
Na análise das reportagens que direcionam esta pesquisa, levantaremos no
campo da semântica discursiva dois procedimentos: tematização e figurativização.
Temas e figuras constituem-se no nível mais concreto da produção discursiva,
descrevendo as ligações isotópicas de temas abstratos que podem ser ligados a
figuras concretas. Com esta metodologia, o enunciador certifica a coerência
semântica do discurso e institui efeitos de sentidos, principalmente, de realidade.
Figuras e temas quando encadeados em percursos, combinam-se para
construírem efeitos de sentidos nos textos.
... entre o desenvolvimento argumentativo – temas e figuras –, pode estar um
mecanismo muito interessante e que se costuma chamar de polifonia, que é a
estratégia discursiva de fazer ressoar o sentido que circula em outros campos,
com o intuito (sempre) de construir o efeito de verdade do que se diz. Do ponto de
vista da construção dos sentidos, todo texto é perpassado por vozes de diferentes
enunciadores, ora concordantes ora dissonantes, o que mostra que o texto é uma
composição essencialmente dialógica. Falar de vozes presentes no texto significa
afirmar a natureza social dos significados e sentidos, que se formam e organizam
sempre entre relações sociais. São esses significados e sentidos, produzidos em
diferentes contextos de vivência humana, que se fazem vibrar nas superfícies do
discurso.
13
(PERUZZOLO, 2004, p.182)
Segundo Barros (1998, p. 68): “Tematizar um discurso é formular os valores
de modo abstrato e organizá-lo em percursos”. Todo enunciado, em seu nível
discursivo, é tematizado. Dessa forma, examinam-se os percursos aplicando
preceitos da análise semântica e, indicando os temas que se repetem (ou
isotopia), torna-o coerente por revestir os mesmos traços semânticos.
A figurativização pode ser entendida como procedimento de figuras do
conteúdo que recobrem os percursos temáticos abstratos e atribuem-lhe
características de revestimento sensorial. Pois, o enunciatário crê ou não no
discurso, graças, em grande parte, ao reconhecimento de figuras de mundo.
Assim, figurativizar é tecer uma imagem para referenciar as representações
vividas, revestir os termos com traços de lembranças sensoriais (Peruzzolo, 2004).
Para Barros (1988), as figuras são, por excelência, o lugar do ideológico no
discurso sendo que
13
Grifos nossos.
33
Os efeitos de sentido de realidade resultam, portanto, de diferentes procedimentos
discursivos e textuais de investimentos figurativo de conteúdos abstratos.
(BARROS, 1988, p. 154)
Com esse cabedal metodológico,
... a Semiótica trata de examinar tanto os procedimentos da organização textual
(que na comunicação social são muitos) quanto os mecanismos enunciativos de
produção e recepção do texto. Nesse sentido, o texto se conceitua por dois
momentos que se complementam: primeiro, é uma organização, que faz dele um
todo de sentido e, segundo, é algo colocado entre comunicantes. Como
organização de sentido, o texto se apresenta como objeto de significação que
permite o exame dos procedimentos e mecanismos que o tecem. Como meio de
comunicar, o texto se apresenta na forma de objeto de relação, por meio de que
ele se localiza entre os fenômenos culturais, inserido dentro de uma sociedade,
fazendo parte de suas forças constitutivas. Nesse sentido, ele apresenta
condições sócio-históricas de existência e produção. “Assim, todo discurso, antes
de testemunhar as coisas do mundo, testemunha uma relação ou, mais
exatamente, testemunha o mundo testemunhando uma relação” (CHARAUDEAU,
1997, p. 42 apud PERUZZOLO, 2004, p. 32-33)
O quadrado semiótico é um importante instrumento de análise textual
presente na semiótica francesa. Ele permite a indexação das relações diferenciais
que determinam o nível profundo do processo gerativo do significado.
El cuadrado semiótico debe ser entendido como un mecanismo, es decir, como un
conjunto organizado de relaciones, capaz de dar razón de las articulaciones del
significado. Gracias a ese “instrumento” podremos evaluar y ordenar todos los
elementos cuyas relaciones rigen la manifestación Del sentido em un texto. La
aplicacion del cuadrado semiótico a un texto deve permitirmos identificar las
oposiciones y las relaciones pertinentes para ese texto y descubrir cómo se
verifica el funcionamento de esas oposiciones y relaciones debe hacer posible
representar, para um texto dado, la forma del sentido.
(...)
Para dar razón de esto, el cuadrado semiótico deve dinamizarse, ponerse en
movimento. Habrá que considerarlo entoces como una serie de opraciones. A
cada relación del modelo taxonômico va a corresponder una operación, y el
cuadrado semiótico será considerado como un modelo sintáctico encargado de
regular el orden de esas operaciones.
14
(GRUPO DE ENTREVERNES, 1982, p.
162-163)
14
Grifos de Grupo de Entrevernes.
34
A combinação das relações de identidade e alteridade, representadas no
quadrado semiótico, constitui o modelo ou esquema a partir do qual se geram as
significações mais abstratas da textualização. A representação pelo quadrado das
estruturas elementares do texto permite visualizarem-se as relações mínimas que
o definem, o denominador comum de cada texto. Assim, as categorias semânticas
podem ser axiologizadas na instância das estruturas fundamentais tímica /euforia/
vs /disforia/ (Barros, 1988). O quadrado semiótico consiste na representação
visual da articulação lógica de qualquer categoria semântica. Partindo da noção
saussureana de que o significado é primeiramente obtido por oposição ao menos
entre dois termos, o que constitui uma estrutura binária, representa-se no
quadrado semiótico a combinatória das relações entre contrários e contraditórios.
Este instrumento é de grande valia quando, na análise das reportagens,
extrairmos os valores presentes no texto. No caso dos ataques sofridos pelos
Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, muitas reportagens mostram a
dualidade na produção de sentidos externada por eixos eufóricos e disfóricos
como: /Oriente/ vs /Ocidente/, /Civilizados/ vs /Bárbaros/, /Cristianismo/ vs
/Islamismo/, /Moderno/ vs /Retrógrado/, /Moderados/ vs /Fundamentalistas/...
Valores que adquirem o significado de seu enunciador e de seu universo cultural.
35
Esquema do quadrado semiótico
S1 S2
S2 S1
Onde a Significação (S) se opõe a Não-Significação (S). Assim temos:
Relação entre complementares (S1 / S2)
Relação entre contraditórios (S1, S1 / S2, S2)
De certa forma, o quadrado semiótico resgata a figura do “quadrado dos
opostos” criado por filósofos durante a Idade Média, onde se podia visualizar as
preposições segundo a qualidade, a quantidade, a modalidade e a relação.
O poder operatório do quadrado semiótico é fundamental, aplicando-se a
toda e qualquer instância significativa. Nele repousam todas as textualizações. Por
um lado, o quadrado semiótico representa uma articulação das relações
fundamentais estáveis de todo o processo gerativo. As relações de identidade
encontram-se estabelecidas nas estruturas de profundidade. Por outro lado,
possui uma dinâmica relacional que induz ao próprio processo gerativo.
36
O nível profundo, conceito que utilizaremos nesta pesquisa, almeja revelar
o plano mais abstrato da produção, do funcionamento e da interpretação do texto,
organizando a coerência do universo conceitual, ou seja, identificando o que é de
mais elementar.
... las estructuras profundas se construyen (...) de las palabras, ordenando los
factores que determinan la existencia de los conjuntos y de los programas.
(...)
... a nivel profundo se estabelecen relaciones entre valores. (GRUPO DE
ENTREVERNES, 1982, p. 139-167)
No nível profundo aparece o tema global, a significação simbólica de uma
narrativa (Nöth, 1996). Sua operacionalização ocorre através da oposição
semântica de dois semas articulados pelas categorias de euforia (positivo) e
disforia (negativo) e das operações sintáticas de negação e asserção.
Com efeito, o nível profundo estabelece-se através da percepção das
diferenças que captam “... ao menos dois termos-objetos, como simultaneamente
presentes” e relaciona-os “de um ou de outro modo”, como afirma Greimas (1973,
p.28), apontando como conseqüência a certeza de que “... um termo-objeto só não
comporta significações” e estas, por sua vez, pressupõem a existência da relação,
condição necessária para se estabelecer sentidos.
1.4. Comunicação: uma prática antropológica
A técnica da comunicação é tão antiga quanto à própria humanidade. Sem
a comunicação, o ser humano não teria progredido socialmente criando, ao longo
do tempo e do espaço, a cultura como fato humano concreto transmissível de
geração a geração, cumulativa, histórica, mutável e em processo constante de
revisão e aperfeiçoamento. A comunicação permitiu, sem dúvida, a continuidade
da vida social pela compreensão da subjetividade do outro. Pela comunicação foi
possível pensar em ação coordenada em função de objetivos e metas presentes
nos primeiros hominídeos orientados para a produção e reprodução das condições
de existência. Sem um plano vivenciado, articulado, comum e socializado não
teríamos chegado a resultados coletivos significativos. A experiência humana
37
jamais seria democratizada sem o desenvolver da comunicação. A cultura
acumulada pela humanidade jamais seria apropriada pelo coletivo sem a criação
dos meios de comunicação.
O existir do homem só é possível por meio da Comunicação. Ela permeia toda a
sua vida. Em qualquer momento e lugar, onde existe vida humana, existe
Comunicação. Imaginemos que os tijolos só conseguem sustentar a parede se
houver massa, de cimento ou barro, unindo-os firmemente. Se compararmos o
mundo a uma imensa casa e as pessoas sendo os tijolos, então a massa que une
esses tijolos é a Comunicação. De fato, o mundo que hoje conhecemos – cheio de
problemas, mas também repleto de realizações para a vida – desenvolveu-se
graças à Comunicação que ligou a humanidade.
Antônio Carlos Moreira afirma que certo dia alguém contestou esta comparação,
dizendo que o ser humano conseguiu o progresso do mundo com sua inteligência.
E não está errada esta idéia, porém ela não é completa. Pois de nada adiantaria o
homem ter capacidade de raciocínio se não houvesse criado formas de transmitir,
comunicar suas descobertas, seus conhecimentos. (RABAÇA & BARBOSA, 2001,
p. 157)
Desde o momento em que os homens passaram a viver em sociedade, seja
pela reunião de famílias, seja pela comunidade de trabalho, a comunicação
tornou-se imperativa. Nesta condição, a análise dos instrumentos de comunicação
passa, necessariamente, pelo conhecimento das sociedades. O mais importante
na informação e na comunicação não são tanto as ferramentas e o mercado, e
sim, os homens, a sociedade e a cultura (Wolton, 2004).
Ampliando tal idéia, Wolton (2004) aduz que
A comunicação é, antes de mais nada, uma experiência antropológica
fundamental. Do ponto de vista intuitivo, comunicar consiste em compartilhar com
o outro. Simplesmente não há vida individual e coletiva sem comunicação. E o que
caracteriza cada experiência pessoal, como a de qualquer sociedade, é definir
regras de comunicação. Não há seres humanos sem sociedade, como não há
sociedade sem comunicação. E é por isso que a comunicação é, ao mesmo
tempo, uma realidade e um modelo cultural. Antropólogos e historiadores definem
progressivamente os diferentes padrões de comunicação, interpessoais e
coletivos, que se sucederam na história. Jamais houve uma comunicação em si,
ela está sempre ligada a um padrão cultural. Ou seja, a uma representação do
outro, porque comunicar consiste em difundir, mas também interagir com um
indivíduo ou uma coletividade. O ato banal de comunicação condensa em
realidade a história de uma cultura e de uma sociedade
15
. (WOLTON, 2004, p.30)
15
Grifos de Dominique Wolton.
38
Refletir sobre a “experiência antropológica em comunicação” consiste-se
em ter a sociedade no campo de análise. Nos primórdios da história da sociedade
humana, o indivíduo se identificava basicamente com o clã e a aldeia em que
vivia. As chances de conhecer valores e características diferentes eram reduzidas,
dada a pouca freqüência do contato entre grupos.
Esse relativo isolamento levou cada grupo a criar mecanismos próprios de
sobrevivência, formas específicas de relacionamento, de transformação da
natureza e da vivência em comunidade. Essas condições fizeram com que os
diversos grupos desenvolvessem crenças, costumes, formas de comunicação,
idiomas, manifestações artísticas, alimentação, surgindo assim, diversas culturas.
Os contatos esporádicos entre os grupos ocasionaram tanto choques como
assimilações culturais. Com o tempo, essas assimilações e choques
intensificaram-se em virtude das migrações, das guerras, do desenvolvimento e do
crescimento das atividades comerciais. Esses contatos possibilitaram, ainda, o
surgimento de novas culturas, pois os povos, ao migrarem, também ocupavam
áreas desabitadas e criavam seus próprios signos para externar seus costumes e
crenças. Fiorin (1995, p. 42) expressa que: “Formas de dizer o discurso são
aprendidas e estão de acordo com as tradições culturais de uma sociedade”.
Da aproximação de duas ou mais culturas decorre, de modo geral, a
avaliação recíproca, isto é, o julgamento do valor da cultura do “outro”.
Normalmente, esse julgamento é feito a partir da cultura do “eu”. Assim, a análise
da outra cultura tende a considerar a sua própria como a ideal e a mais avançada.
Passa-se, então, a desprezar os valores, o conhecimento, a arte, a crença, as
formas de comunicação, as técnicas, enfim, a cultura do “outro”.
Mas quem é o “outro”? Landowski responde ao afirmar que
... a figura do Outro é, antes de mais nada, a do estrangeiro, definido por sua
dessemelhança. O Outro está, em suma, presente. Presente até demais, e o
problema é precisamente este: problema de sociabilidade, pois se a presença
empírica da alteridade é dada de pronto na coabitação do dia-a-dia das línguas,
das religiões ou dos hábitos – das culturas –, nem por isso ela tem
necessariamente sentido, nem, sobretudo, o mesmo sentido para todos.
(LANDOWSKI, 2002, p. XII)
39
Não tendo o mesmo sentido para todos, é crucial que o bom senso
descortine a teia analítica e quebre o pensamento reducionista para se emitir juízo
sobre determinada notícia ou cultura como aconselha Descartes (1996, p.65) “...
não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores almas
são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes...”
Vícios em fazer tábula rasa das informações colocando-as em uma mesma
seara de informações como se o mundo e suas culturas fossem algo homogêneo.
Virtudes em absorver e interpretar a notícia despindo-se de preconceitos nas
análises, transpondo o bom senso para o significado. Significado que pode se
transfigurar de acordo com o local em que é concebido e divulgado.
Segundo Wolton (2004) o mundo assiste atualmente a “revanche da
geografia”.
A informação e o jornalismo libertaram-se das limitações impostas pelo tempo,
mas tropeçaram no segundo termo, o espaço. A mesma informação não tem o
mesmo sentido conforme as áreas culturais e os sistemas simbólicos. (...) Hoje, a
informação confronta-se com o relativismo histórico e geográfico. (...) Quanto mais
a informação é mundial, mais a noção de ponto de vista é essencial. (WOLTON,
2004, p. 266-267)
Ampliando a análise de Wolton podemos dizer que hoje, mais do que
nunca, o binômio espaço-tempo dilui-se numa só substância. O espaço geográfico
não é algo despojado de conceito. Nele afloram-se civilizações, culturas... Cada
cultura materializa suas concepções em uma base física. A contextualização no
tempo só é possível quando a contextualidade no espaço fica estabelecida. Afinal,
não existe tempo ausente no espaço, e espaço divorciado do tempo, uma vez que
o real é a manifestação espaço-temporal.
40
Nas atuais condições de globalização, a metáfora proposta por Pascal parece ter
ganho realidade: o universo visto como uma esfera infinita, cujo centro está em
toda a parte... O mesmo se poderia dizer daquela frase de Tolstoi, tantas vezes
repetida, segundo o qual, para ser universal, basta falar de sua aldeia...
Como nos lembra Michel Serres, “(...) nossa relação com o mundo mudou. Antes,
ela era local-local; agora é local-global (...)”. Recorda esse filósofo, utilizando um
argumento aproximativamente geográfico, que “hoje temos uma nova relação com
o mundo, porque o vemos por inteiro. Através dos satélites, temos imagens da
Terra absolutamente inteira”.
Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da
fluidez, a vertigem da velocidade, a freqüência dos deslocamentos e a banalidade
do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por
contrastes, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível,
diante de um universo difícil de apreender. Talvez, por isso mesmo, possamos
repetir com Edgar Morin (...) que “hoje cada um de nós é como o ponto singular de
um holograma que, em certa medida, contém o todo planetário que o contém”.
(...)
Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. (...) Mas, também, cada lugar,
irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se
exponencialmente diferente dos demais. A uma maior globalidade, corresponde
uma maior individualidade.
(...) Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão
local, convivendo dialeticamente. (SANTOS, 1996b, p. 251-273)
Em um mundo permeado pela multiterritorialidade como o nosso, a noção
de ponto de vista é prerrogativa fundamental. Wolton (2004, p. 20) alerta que “no
passado, a identidade era um obstáculo à comunicação, hoje em dia ela se torna a
sua condição”.
De um ponto a outro, de uma época a outra, as atitudes, as maneiras de
falar e os códigos sociais mudam. As realidades culturais não apresentam a
mesma face. A comunicação, que tende a homogeneizar o espaço, encontra, com
efeito, três tipos de obstáculos: 1) a distância atrapalha o direcionamento das
informações; 2) as trocas são interrompidas freqüentemente nos limites das áreas
onde as mesmas convenções de comunicação são empregadas, os limites
lingüísticos, por exemplo; 3) por causa dos valores reconhecidos e dos códigos
morais adotados, certos grupos recusam o contato ou são construídas identidades
tão fortes que rejeitam a maior parte da informação que recebem. (Claval, 2004).
41
Enriquecendo o debate, Martín-Barbero (2004) explica que
Entender essas transformações exige, em primeiro lugar, uma mudança de
categorias com que pensamos o espaço, pois, ao transformar o sentido do lugar
no mundo, as tecnologias da informação e da comunicação – satélites,
informática, televisão – estão fazendo com que o mundo tão intercomunicado se
torne indubitavelmente cada dia mais opaco. (...) E atualmente o que se está
unificado em nível mundial não é uma vontade de liberdade, mas sim de domínio,
não é o desejo de cooperação, mas o de competitividade. Por outro lado, a
opacidade remete à densidade e compreensão informativa que introduzem a
virtualidade e a velocidade em um espaço-mundo feito de redes e fluxos e não de
elementos materiais. Um mundo assim configurado debilita radicalmente as
fronteiras do nacional e do local, ao mesmo tempo em que converte esses
territórios em pontos de acesso e transmissão, de ativação e transformação do
sentido de comunicar.
E não resta dúvida de que não é possível habitar no mundo sem algum tipo de
ancoragem territorial, de inserção no local, já que é no lugar, no território, que se
desenrola a corporeidade da vida cotidiana e a temporalidade – a história – da
ação coletiva, base da heterogeneidade humana e da reciprocidade,
características fundadoras da comunicação humana, pois, mesmo atravessado
pelas redes do global, o lugar segue feito do tecido das proximidades e das
solidariedades
16
. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 58-59)
Para Moreira (2006), o lugar é hoje uma realidade determinada em sua
forma e conteúdo pela rede global da nodosidade e ao mesmo tempo pela
necessidade do homem de (re)fazer o sentido do espaço, ressignificando-o como
relação de ambiência e de pertencimento.
As identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas são
formadas e transformadas no interior da representação. Assim, tempo e espaço
são coordenadas básicas de todos os sistemas de representações (Hall, 2005). As
reportagens, via de regra, irão sempre costurar uma ancoragem para fortalecer o
texto e, obviamente, o tipo de sentido que se deseja construir e estender ao leitor.
Peruzzolo (2004), detalhando o processo de ancoragem, explica que
16
Grifos de Jesús Martín-Barbero.
42
Os efeitos de real, na sua maioria, são construídos pelo procedimento da
semântica discursiva que se costuma denominar ancoragem. Trata-se de atrelar o
dito a pessoas, espaços geográficos conhecidos, datas, fatos históricos,
fotografias, simulações computacionais que o receptor reconhece como “reais”,
como existentes. É um esforço codificante que visa tornar o sentido concreto,
denotativo, de certo modo localizável, sensível, “iconizando-os”, como se fossem
transcrições/cópias da realidade
17
. (PERUZZOLO, 2004, p. 166)
O desprezo de uma cultura em relação à outra finca as colunas do
pensamento fundamentalista. Nem sempre se conjuga corretamente o local com o
global. Há uma equação inversa: a aproximação das distâncias físicas ilustra a
amplitude das distâncias culturais. Assim sendo, o poder das identidades não
deve ser menosprezado. Deve-se desarmar a armadilha da confusa (e enganosa)
mistura entre tempo técnico e tempo social, visto que a cronologia de ambos é
bem distinta.
Semioticamente falando, só há espaço-tempo em função de competência
específica de sujeitos que, para se reconhecerem, e antes de mais nada, para se
construírem a si próprios enquanto tais, têm de construir também, entre outras
coisas a dimensão “temporal” de seu devir e o quadro “espacial” de sua presença
para si e para o Outro.
18
(LANDOWSKI, 2002, p. 67)
A comunicação é um ato, e, por isso mesmo, acima de tudo, escolha.
(Greimas, 1973). Todo produto midiático vende identidade. É preciso olhar para
quem recebe as informações. O sentido dos fatos depende da trama em que estão
inseridos.
O saber de cada um a respeito do mesmo objeto é diferente, porque é
condicionado pelo ponto de vista em que cada um se coloca para apreendê-lo,
estudá-lo, analisá-lo. Tendo adquirido um saber a partir de uma certa perspectiva,
cada um dos sujeitos atribui a seu conhecimento a marca da certeza que confere
ao do outro a qualificação de equívoco, ou seja, cada um dos sujeitos considera
seu saber como saber e o do outro como não saber. Isso leva a uma polêmica, a
uma confrontação, em que cada um tenciona fazer o outro desqualificar o saber
que havia adquirido anteriormente e aceitar o ponto de vista alheio como verdade.
(FIORIN, 1989, p. 16)
17
Grifo de Adair Caetano Peruzzolo.
18
Grifo de Eric Landowski.
43
Dificilmente um acontecimento é apreendido de maneira completa. O uso
inevitável de filtros cognitivos, culturais, sociais, históricos, políticos, ideológicos,
econômicos, institucionais entre outros, acaba levando a uma reconstituição
parcial de um estado embrionário de discursividade. Nesse estado, ou de um
discurso ainda em formação, vão se destacando diferenças sobre um fundo de
uniformidade.
Um signo para uma pessoa, uma comunidade, um grupo ou uma cultura não é
signo para todos, indistintamente. Daí a importância do “estar no lugar de para
alguém”. Tudo depende da informação que o signo dirige para alguém que, por
sua vez, resulta da relação que se estabelece entre significante e significado
19
.
(MACHADO, 2003, p. 281)
O leitor vai extrair de sua relação com o texto não somente um sentido e,
sim, uma significação. Uma diferença é algo que não poderíamos conhecer a
priori, que se constrói no próprio processo do conhecimento através das palavras,
no próprio processo do dizer.
O que merece ser analisado agora é que os destinatários não recebem simples
mensagens reconhecíveis a partir de códigos compartilhados. Recebem, isto sim,
conjuntos de práticas textuais oriundas da cultura. Com isso, através da
incorporação de contribuições advindas da semiótica da cultura, o modelo
semiótico-textual veio possibilitar a apreensão do modo como, pela mediação da
cultura, os dados sociológicos dos aparelhos dos mass media (fluxo unidirecional,
centralização, formatos rígidos etc.) se transformam em mecanismos
comunicativos que incidem sobre processos de interpretação, aquisição de
conhecimentos e sobre os efeitos dos mass media. (SANTAELLA, 2001, p.58)
Um texto jornalístico não trata apenas de um assunto, mas do que podemos
saber sobre ele. Na sua compreensão estão embutidos os processos da produção
discursiva, as decisões que o jornalista tomou ao escrevê-lo, as informações que
ele conseguiu obter, o cuidado ao relatar certos fatos, os links causais que o
jornalista fez ou deixou de fazer. Reza a teoria greimasiana que o texto parte de
um saber-fazer (competência) para realizar o fazer-saber (informação) e tentar
provocar um fazer-crer (credibilidade). O fazer-crer torna-se o objeto de desejo.
Assim, engloba-se, segundo a semiótica francesa, quatro grandes categorias
19
Grifos de Irene Machado.
44
manipulação: tentação, sedução, provocação e intimidação. Alcançar e sustentar a
credibilidade configura-se no eldorado do campo jornalístico. Afinal, como alerta
Wolton (2004, p. 280): “Se o receptor não confia mais no jornalista, a informação
perde parte de seu valor”. Sem credibilidade as palavras são apenas prisioneiras
em um papel. Não produzem som nem efeito persuasivo. Ecoam-se no vazio da
insignificância.
As reportagens externam características sociais em seus textos. A
informação não é neutra. Ela é selecionada, transmitida e aplicada segundo o
ponto de vista e os interesses de países, empresas, partidos políticos, movimentos
sociais, etc. Interrogações, por exemplo, podem não trazer respostas convincentes
ou objetivas durante o ato enunciativo, mas instigam reflexões sobre as diversas
categorias da linguagem, suas manifestações e interface com os atores sociais.
Essas produções de sentidos ganham relevo principalmente quando o foco
são as relações internacionais, como nos informa Steinberger (2005)
A formação da opinião pública sobre fatos internacionais se dá com base em
quatro fontes visíveis: a informação acadêmica, a indústria cultural, os
depoimentos vivenciados e a informação jornalística divulgada através de revistas,
jornais, televisões, rádios e Internet a principal fonte de referência para a formação
de opinião. (STEINBERGER, 2005, p. 29)
Joseph Goebbels, Ministro da Informação Popular e Propaganda Nazista
dizia que: “É mais fácil distorcer a imagem daquilo que desconhecemos”. Em
síntese: se não tivermos conhecimento necessário para emitir opinião, e nem bom
senso em ampliar nosso repertório para melhor compreensão, aceita-se conceitos
que nem sempre condizem com a realidade apresentada.
De acordo com Greimas (1973) e Landowski (2002)
... o mundo humano se define essencialmente como mundo da significação. Só
pode ser chamado ”humano” na medida em que significa alguma coisa.
(GREIMAS, 1973, p. 11)
... a única coisa que, sob uma forma ou outra, poderia realmente nos estar
presente, é o sentido. Nunca estamos presentes na insignificância
20
.
(LANDOWSKI, 2002, p. IX)
20
Grifos de Eric Landowski.
45
E, é nessa esfera, que a mídia tem seu ponto nevrálgico. A linguagem
jornalística é pródiga na utilização e emancipação de signos como atesta
Steinberger (2005).
Se a mídia é a maior articuladora de significações sociais imaginárias, isso não
implica que seus produtos sejam inteiramente originais. Ao contrário, os discursos
geopolíticos da mídia resultam, em sua maioria, de reconversões simplificadoras
de outros discursos institucionais como o militar, o religioso, o diplomático, etc. A
originalidade da mídia está na maneira como se apropria desses imaginários e
trabalha-os em um modo de reciclagem. (STEINBERGER, 2005, p. 124)
O sentindo não é jamais o simples produto de um pensamento diretamente
confrontado com a realidade. Ele resulta sempre de uma negociação (Landowski,
2002).
Um quadro, um poema são apenas pretextos, o único sentido que eles têm é
aquele – ou são aqueles – que lhes damos. Eis aqui o nós erigido em instância
suprema do sentido: é ele que comanda o filtro cultural de nossa percepção do
mundo, é ele também que seleciona e ordena as epistemes que “se implicitam”
nos objetos particulares – quadros, poemas, narrativas –, resultados de
emaranhados do significante
21
. (GREIMAS, 1975, p.07-08)
As trocas de mensagens se dão entre um destinador e um destinatário que
se utilizam da linguagem para intercambiar valores que se articulam de modo a
gerar significações permitindo o individuo ver e compreender o mundo,
compartilhando modos de vida e comportamentos manifestados por um conjunto
de regras que são adotadas através de convenções previamente definidas e
representadas por signos que aglutinam expressão e conceito, capazes de mediar
e expressar pensamentos.
Não existe leitura que não seja interpretativa. Todo enunciado apresenta
duas instâncias na enunciação: o enunciador, dotado de um fazer persuasivo, e o
enunciatário de fazer interpretativo (Diniz, 2002). Compreender um enunciado não
é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é mobilizar saberes muito
diversos, fazer hipóteses, raciocinar... (Maingueneau, 2004). A falta de
conhecimento conduz para as águas rasas e envenenadas da desinformação.
21
Grifos de Algirdas Julien Greimas.
46
As sociedades tendem a olhar o mundo pelo prisma de suas culturas, de
processos históricos construídos secularmente. A textura dos acontecimentos (e
dos sentidos que os fazem existir discursivamente) pode variar de densidade
conforme o local em que se manifesta. Conhecer as produções simbólicas das
sociedades é de suma importância para compreensão da essência da notícia
produzida.
A premissa que define semiótica como disciplina para o estudo das mensagens,
que entende produção, circulação e interpretação de mensagens como operação e
intervenção com e no código – e, conseqüentemente, com e na linguagem,
discurso e demais sistemas semióticos – não é descrição de um mecanismo.
Trata-se da tradução da necessidade interna da cultura de organizar as
informações em linguagens. Estamos lidando, portanto, com manifestações de
cultura: mensagem, linguagem, comunicação, sistemas de signos que serão
palavras vazias se não forem imersos na cultura.
22
(...)
Portanto, vamos partir do pressuposto de que o mundo é produtor potencial de
informações; contudo, se essas informações não forem organizadas em linguagem
de modo a criar signos para os quais buscamos significações, não estaremos
diante de objetos de cultura mas tão-somente de fenômenos físico-naturais. Por
conseguinte semiótica aqui não pode ser pensada senão como disciplina para a
compreensão dos sistemas de signos imersos na cultura
23
. (MACHADO, 2003, p.
283-284)
Há sempre um antes e um depois da comunicação. Para comunicar é
preciso reforçar as identidades, reencontrar o tempo e respeitar o que nos separa.
E como ninguém é exterior a comunicação, a reflexão requer, ao mesmo tempo,
esforço e distanciamento para chegar ao conhecimento.
Segundo Wolton (2004)
Hoje, tudo pode virar informação; não há mais limite para a produção e difusão da
informação. Mas, por isso mesmo, corre-se o risco de haver saturação. Até que
ponto o cidadão (...) pode absorver tantas informações, sendo que a maior parte
não lhe interessa, nem lhe diz respeito? O limite está do lado da recepção.
(WOLTON, 2004, p. 265)
O engajamento de determinados veículos de comunicação irão nortear a
cobertura por ele realizada. “Buscar na aparência a essência”. Essa máxima de
sintetiza o que queremos dizer: o bom senso consiste em não aceitar prontamente
22
Grifos de Irene Machado.
23
Grifos nossos.
47
as verdades, e sim, interpretá-las entoando a criticidade analítica e dissolvendo o
venenoso pensamento reducionista. Comunicar é integrar; mas também pode
fragmentar. Esta máxima ilustra que, num processo interregno, minado com
desinformações plantadas propositalmente ou por equívoco, o arco-íris da
informação pode conduzir ao sepulcro da insipiência.
48
CAPÍTULO 2:
O DIA 11 DE SETEMBRO DE 2001, O JORNALISMO EM TEMPO
REAL E O ALINHAMENTO MIDIÁTICO
Nenhum romancista pode imaginar algo mais
terrível que a verdade.
Umberto Eco
2.1. Novo século, velhas histórias
O século XX havia se esvaecido no horizonte histórico. Deixara a triste
conquista de ter se tornado a centúria mais violenta que a história testemunhara.
Mesmo com o caminhar do tempo, as nuvens de cólera que encobriram os últimos
cem anos ainda não haviam sido totalmente dissipadas. O terror engravidou a
história que no nono mês do recém-chegado século daria a luz a um novo ciclo de
horror. O batismo do século XXI seria espargido com sangue.
Com a velocidade de um raio, a flecha envenenada da violência dilacerava
a poeira do tempo e atingiria o coração dos Estados Unidos com exímia pontaria.
A hemorragia causada pelo golpe deixaria seqüelas no corpo da humanidade. A
sangria dava contornos às letras que começavam a ser impressas no livro das
clássicas tragédias mundiais.
Nesse torpe enredo, as tintas da violência começavam a ganhar cores vivas
e catastróficas. Um eclipse de pânico encobriria o território estadunidense.
Expandindo-se, a sombria nuvem da violência carregaria o medo para
outros países. Os ataques expuseram a vulnerabilidade dos Estados Unidos frente
ao terrorismo, pois não se trata de um combate entre Estados, com território e
forças armadas que possam ser identificadas. Os terroristas se tornam “invisíveis”
ao se diluírem em ramificações internacionais e também não manterem
compromissos com as leis internacionais, nem com qualquer convenção de
guerra.
49
Podia-se perceber que o dia 11 de setembro de 2001 não findaria
cronologicamente. As sombras e dúvidas impressas nessa data ultrapassariam as
vinte quatro horas de um dia.
Esta pesquisa analisará os discursos impressos pela mídia brasileira e que
direcionaram as interpretações e os sentidos produzidos pelo megaevento
terrorista de 11 de setembro de 2001. Contudo, os ataques aos Estados Unidos
foram, em grande parte, transmitidos ao vivo para bilhões de pessoas. Através de
um fato é que as mídias repercutem seu acontecimento e suas conseqüências. As
imagens e intensa cobertura televisiva do 11 de setembro de 2001 nutriu de
informações outros veículos midiáticos.
Assim, neste capítulo, serão enfocados os primeiros momentos da
cobertura jornalística em tempo real e os desdobramentos do estrondoso ataque
terrorista sofrido pelos Estados Unidos e as invasões ao Afeganistão e ao Iraque
onde a mídia seria convertida em um poderoso instrumento de guerra. Uma guerra
de discursos e de verdades...
2.2. A águia imolada: os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono
A realidade sempre ultrapassa a ficção.
Jorge Luis Borges
Terça-feira, 11 de setembro de 2001. O sol expandia seu brilho sobre os
Estados Unidos. Nessa ensolarada manhã de outono a cidade de Nova York
emitia seus ruídos. Passos apressados, fluxo constante de automóveis cortando
as artérias urbanas, vozes que ecoavam nos estabelecimentos comerciais, nas
residências, nas escolas, nos parques... Nova York refletia o dinamismo dos
grandes centros urbanos, encampava a complexidade social típica das metrópoles
de seu porte. A cidade seguia seu ritmo sem saber que, nas primeiras horas dessa
manhã, dois aviões rasgariam o céu da “Big Apple” e mergulhariam para uma
ação que abriria uma cicatriz no orgulho da maior potência do mundo
contemporâneo. Alheio ao que o breve futuro lhe reservava, o edifício do
Pentágono (Washington), assim como Nova York, seguia sua liturgia diária. Os
50
símbolos dos poderes econômico e militar estadunidenses seriam protagonistas
de um novo período da geopolítica mundial. As relações internacionais ganhariam
um novo formato, a já combalida paz mundial, incertezas.
Nessa manhã, o brilho do sol coadunar-se-ia com a escuridão. As sombras
projetariam suas trevas sobre o país. Os sons urbanos ecoados em Nova York e
Washington seriam tocados com outra melodia. Dor, desespero, dúvidas,
perplexidade e mortes seriam transformadas em acordes da ópera do terrorismo.
O maestro Osama bin Laden regendo o grupo terrorista Al Qaeda (A Base, em
árabe) com uma nota aguda cravava sua cimitarra em espaços-símbolos dos
Estados Unidos. A afiada lâmina terrorista imolara a águia estadunidense em seu
próprio altar.
Em conjunto com as Torres Gêmeas e parte das estruturas do Pentágono,
desabara a suposição de que os Estados Unidos eram invulneráveis a ataques de
grande magnitude dentro de seu território. Se um grupo terrorista fora capaz de
atingir três dos mais importantes símbolos dos Estados Unidos, nada mais parecia
estar à prova do terror.
Tabela 1. Os roteiros dos ataques aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001
Os terroristas agiram a partir de três aeroportos, seqüestrando quatro aviões que
decolaram num intervalo de doze minutos.
A decolagem O ataque
1 – 07:59 (sic) – Boston
O Boeing 767 da América Airlines decola para
fazer o vôo 11, direto para Los Angeles, com
81 passageiros, nove comissários e dois
pilotos.
08:48 (sic) – Nova York
O avião bate na torre norte do World Trade
Center, na altura do 100º andar.
2 – 07:58 (sic) – Boston
O Boeing 767 da United Airlines parte com
destino a Los Angeles com 56 passageiros,
sete comissários e dois pilotos, fazendo o vôo
175.
09:03 (sic) – Nova York
O avião choca-se contra a torre sul do
conjunto de edifícios, à altura do 90º andar.
3 – 08:10 (sic) – Dulles – Washington
O vôo, um Boeing 757, da América Airlines,
parte com destino a Los Angeles, com 58
passageiros, quatro comissários e dois
pilotos.
09:43 (sic) – Washington
O Boeing é jogado sobre o Pentágono, a 3
quilômetros da Casa Branca.
4 – 08:01 (sic) – Newark
O Boeing 757 da United Airlines deixa o
aeroporto no início do vôo 93, com destino a
San Francisco, com 38 passageiros, cinco
comissários e dois pilotos.
10:10 (sic) – Shanksville
O Boeing cai numa área desabitada, a 130
quilômetros ao sul de Pittsburg, na
Pensilvânia.
Fonte: Revista Veja (19/09/2001), p. 51.
51
2.3. Dificuldades de compreensão de um acontecimento na TV em tempo real
Ao vermos um acontecimento, nem sempre o compreendemos de imediato.
O flagelo terrorista contra os Estados Unidos em 2001 é um exemplo dessa
afirmativa. Os atentados puderam ser vistos à exaustão por bilhões de pessoas.
As cenas dos aviões chocando-se contra os edifícios do World Trade Center
transformaram-se em um “marketing do terror”. As imagens geraram perplexidade
não só nos Estados Unidos, mas no mundo. As reações foram múltiplas e
distintas.
Contribuindo à discussão, Wolton (2004) nos diz que
A informação imediata não é mais fácil de se fazer hoje do que outrora, quando os
meios técnicos eram mais rudimentares, pois o mais difícil continua sendo a
análise e não a cobertura do acontecimento. Tudo está ao vivo, porém em
desordem. Ao vivo não é sinônimo de verdadeiro, e o sentido fica mais difícil de se
deduzir quando se está grudado nos acontecimentos.
24
(WOLTON, 2004, p. 285)
As imagens do impacto das Torres Gêmeas foram geradas pela mídia
estadunidense e reproduzidas por outros veículos midiáticos. Não obstante, a
mídia brasileira foi alimentada, num primeiro momento, por imagens fornecidas
pela imprensa estadunidense. Segundo os dizeres de Beirão (2001, p.66) “a rigor,
tudo o que as outras emissoras fizeram durante a cobertura, inclusive as nossas,
foi dublar a CNN”. Sendo a CNN (Cable News Network) uma emissora
especializada em jornalismo, somado ao fato de que os atentados foram em seu
país-sede, é natural o papel desempenhado por seus profissionais. Caso os
atentados fossem no Brasil, Argentina ou França, as emissoras-pátrias é que
teriam as primeiras informações. Posteriormente, um maior número de veículos
jornalísticos se engajaria na cobertura dos fatos. Contudo, as agências
estadunidenses ainda ditavam o ritmo e conteúdo das informações.
24
Grifos de Dominique Wolton.
52
Naturalmente que um evento dessa envergadura rechearia todos os meios
de comunicação do mundo. A TV e a Internet realizaram a cobertura quase que
simultânea dos atentados. Nos dias que se seguiriam, revistas e jornais se
engajariam nessa horda de informações.
Pelas dimensões dos atos terroristas e, por ter como alvo os Estados
Unidos, à repercussão foi imediata e exaustiva. Os atentados agendariam quase
que instantaneamente à imprensa mundial.
A desinformação foi à protagonista no início da cobertura. Expressar
corretamente o acontecimento, saber se haveriam ou não novos ataques eram os
principais entraves. As imagens falavam por si, demonstravam o terror e
espalhavam desespero e insegurança.
Os meios de comunicação, em especial a TV, transformaram-se em
referências. Nos Estados Unidos, pessoas dirigiam-se às suas residências ou a
uma TV mais próxima na tentativa de saciar a necessidade de informações. Em
determinado momento, o site da CNN estampava uma mensagem pedindo para
aqueles que desejassem maiores subsídios que buscassem informações na TV.
Até mesmo a MTV, que passa clipes 24 horas por dia, interrompeu a programação
para retransmitir a cobertura das explosões em Nova York e Washington feitas
pela CBS. (PIMENTA, 2001, p. 11)
O evento de 11 de setembro de 2001 mostrou várias imagens carregadas
de significados, sendo em um primeiro momento monossêmico. Posteriormente
ele torna-se polissêmico produzindo outras interpretações. A intencionalidade em
relação ao evento se desvela; brota uma trajetória de significações ao longo do
desdobramento dos vários aspectos que emergem durante o período. De acordo
com Barbeiro e De Lima (2005, p. 97): “O texto do telejornal tem sua estrutura de
movimento, instantaneidade, testemunhalidade, indivisibilidade de imagem e som,
sintetização e objetividade.”
53
Todavia, os atentados, particularmente a destruição das torres do World
Trade Center, impuseram, de certo modo, uma ruptura entre imagem, texto e som
na transmissão ao vivo. Por algumas horas, tinha-se a impressão de que a
televisão ficara “imobilizada”, como suas câmeras, diante das Torres Gêmeas, e
de que também ela fora seqüestrada e, como suas imagens, tornada como refém.
Os responsáveis pelos atos terroristas não se limitaram a monopolizar as telas do
mundo: também subverteram o funcionamento corrente do dispositivo televisivo e
interferiram na relação habitual entre imagem e acontecimento. (Senra, 2003)
A narrativa jornalística valoriza por princípio a irrupção do inesperado, do singular,
do a-normal, para, depois, tornar a situar o sensacional no fio de uma história que
lhe dá seu sentido e o traz de volta à norma, à ordem das coisas previsíveis...
(LANDOWISKI, 1992, p. 120)
No Brasil, a Rede Globo de Televisão precedeu as demais. Seu canal de
jornalismo a cabo, Globo News, foi o primeiro a munir os telespectadores com
imagens sobre os atentados. Como dissemos, a desinformação se destacou no
começo da cobertura. Os primeiros instantes da transmissão deram vida ao que
Serva (2001) qualifica como “desinformação informada”. Tinha-se a imagem, não
a explicação para o que se estava mostrando. O texto narrado pela jornalista Leila
Steremberg confirma tal afirmativa.
Interrompemos a nossa programação para informar que o World Trade Center, em
Nova York, está em chamas. Um avião atingiu uma das torres de um dos prédios
mais altos do mundo. Foi um bimotor que atingiu as torres. Você vê imagens ao
vivo. (GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 264)
As primeiras informações apuradas eram as de que um avião bimotor tinha
sido o responsável pelo choque com a Torre Norte do World Trade Center. As
informações ainda eram imprecisas e, em minutos, uma nova imagem mudaria o
rumo da cobertura.
O jornalista Luis Ernesto Lacombe se relembra de um fato acontecido dias
antes.
54
Na semana anterior, um piloto francês maluco havia pulado de parapente e ficou
preso na Estátua da Liberdade. Para mim, outro maluco pegou um pequeno avião
e se chocou contra a torre. (GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p.
265)
O choque de um avião de pequeno porte, como se supunha de início,
poderia ser uma terrível coincidência. No depoimento o jornalista qualifica de
maluco o possível autor do choque. Expressão também compartilhada para um
piloto francês que há alguns dias ficara preso junto à Estátua da Liberdade.
Contudo, não se tratava de maluquice por parte do piloto, muito menos de um
avião bimotor como protagonista do acidente. Informações mais sólidas viriam
posteriormente indicando para uma gigantesca manifestação terrorista. A verdade
ainda estava no subsolo.
O choque inicial não fora apenas na Torre Norte. Ele foi transposto da tela
para os jornalistas que faziam a cobertura em tempo real
25
. O espelho do
nervosismo se refletiu na postura dos apresentadores. Estavam perplexos com o
que viam. Não compreendiam a essência do fato. O depoimento a seguir ilustra
esse ponto.
25
Os depoimentos abaixo confirmam essa idéia.
“Depois do segundo choque, jornalistas e técnicos ficam boquiabertos. A dúvida é geral. Todos se
perguntam: ‘O que aconteceu? Uma outra explosão?’. (Ricardo) Calil corre para a máquina de
gravação, volta a fita, quer rever imagens. ‘Achávamos que era replay do primeiro choque, mas aí
vimos que tinha sido na outra torre do prédio e tivemos a certeza que não era um acidente.” (...)
“Os apresentadores, no estúdio, recebem, sem parar, novas informações dos editores pelo ponto
eletrônico. E são avisados: a imagem da segunda explosão mostrava realmente o choque de outro
avião na outra torre do World Trade Center. Por instantes, incrédulos, eles têm receio de confirmar
no ar. ‘Eu achei que alguém tinha conseguido uma imagem do primeiro ataque, jamais passou pela
minha cabeça que seria a imagem de um segundo avião’, lembra Leila (Steremberg). ‘Cheguei a
pensar que era uma arte, mostrando como foi o primeiro ataque’, diz (Luis Ernesto) Lacombe”.
(GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 266)
55
(Luis Ernesto) Lacombe lembra que, no meio da transmissão, ele e Leila
(Steremberg) receberam um alerta dos editores que comandavam a transmissão.
“O Dudu (Eduardo Marotta, editor-executivo) reclamou que nós estávamos
narrando sem emoção e o Calil (Ricardo Calil, editor-chefe) entrou no estúdio com
os seus quase 140 quilos num passo manso e começou a nos dar uma bronca,
sem falar uma palavra sequer. Como estávamos no ar, ele batia no peito e fazia
caretas. Foi uma espécie de bronca sem som, mas ele queria nos mostrar que
precisávamos passar a emoção que estávamos sentido”.
26
(GLOBO NEWS: 10
anos, 24 horas no ar, 2006, p. 265)
A compreensão era traída pela visão: visualizava-se o fato, mas não era
possível compreendê-lo em sua totalidade. “Confio apenas naquilo que vejo” –
esse saber popular foi colocado em xeque nos primeiros instantes da cobertura
dos atentados de 11 de setembro de 2001. “Naquele momento, a ficção parecia
ter se tornado realidade” (GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 267).
As imagens somadas à corpulência do acontecido ceifavam qualquer reação
instantânea mais apurada e correta como apontam as seguintes palavras:
“A segunda torre caiu! Desabou! Fala, Lacombe! A segunda torre caiu!”, avisa
Dudu pelo ponto eletrônico. Lacombe no estúdio, faz sinal negativo com o dedo
indicador. De novo, a mesma sensação: as imagens não são replay do primeiro
desabamento? Lacombe não está convencido de que a imagem é real. Somente
depois de alguns segundos de hesitação Lacombe e Leila conseguem narrar a
queda da segunda torre. (GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 270)
A Rede Globo de Televisão foi a primeira rede de TV aberta a entrar ao
vivo. A bancada era comandada pelos então globais Carlos Nascimento e Ana
Paula Padrão
27
. Tal como ocorrido na Globo News, o ruído no processo de
comunicação norteou os primeiros instantes da cobertura como relatam Gomes e
Miranda (2005)
26
A postura de Eduardo Marotta e Ricardo Calil entra em conflito com as recomendações do vice-
presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho. Para João Roberto: “No jornalismo em
tempo real, também se devem evitar a todo custo reações indignadas, fruto de emoções do
momento, uma saída fácil para quem precisa ter o que dizer durante muitas horas, mas o que
resulta quase sempre leviana. E com uma agravante: pode incitar quem está diante da tela a
atitudes igualmente impensadas. A função do jornalista não é expressar a sua indignação, mas tão
somente informar”. (GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 08)
27
À época o jornalista Carlos Nascimento (atualmente no SBT) era o apresentador do telejornal
Hoje. Ele é quem inicia a cobertura dos atentados pela TV Globo. A jornalista Ana Paula Padrão
(pertencente também ao quadro de jornalistas do SBT na atualidade) ingressa na cobertura num
segundo momento.
56
O vôo 175 atinge a Torre Sul entre o 77º e 85º andares. Milhões assistem à
colisão pela TV. No Brasil, o jornalista Carlos Nascimento (...) comanda a
transmissão ao vivo na tela da Globo. Ele lê trechos dos boletins das agências
internacionais de notícias, de olho nas imagens da CNN. “Parece que agora temos
imagens da primeira colisão”, diz. Seguem-se alguns segundos de silêncio. “Não.
É um segundo impacto. É um segundo avião”, conserta. “Pensei que fosse replay”,
diz Nascimento. (GOMES & MIRANDA, 2005, p. 30-31)
Fruto do imediatismo, da grandeza dos atentados e da ausência de
informações mais consistentes, as incertezas também permearam o comando da
Central Globo de Jornalismo, como consta no depoimento abaixo.
Já no primeiro momento, a equipe da Rede Globo se mobilizou para informar aos
telespectadores tudo o que se passava. Ali Kamel lembra o episódio: “Quando
cheguei à emissora, às 8h30 (sic), o (Carlos Henrique) Schoreder já estava na
sala dele. Em frente à minha mesa, há cinco aparelhos de TV sintonizados em
diferentes canais. Eu estava conversando com a minha mulher ao telefone, porque
ela se esquecera de me lembrar de um compromisso assumido para aquela noite.
De repente, vi na Globo News, às 9h48 (sic), uma imagem de um prédio que me
parecia familiar pegando fogo. Desliguei rapidamente o telefone, a tempo de ouvir
que de fato se tratava mesmo de uma das torres do World Trade Center. Um
bimotor, por acidente, teria se chocado contra o prédio. Essa era a primeira
versão. Corri para a sala do Schoreder, onde há 12 monitores de TV, e apontei
para aquele com a torre em chamas. Eu era novo em televisão, estava ali desde
de julho daquele ano. Nunca tinha visto uma cena como a que se seguiria.
Schoreder deu um pulo ligou imediatamente para o Amauri Soares (durante as
manhãs, depois do Bom Dia Brasil o comando operacional do Jornalismo fica em
São Paulo, de onde é gerado o jornal Hoje): ‘Põe no ar o plantão, Amauri! O World
Trade Center está pegando fogo! Põe no ar!’, dizia Schoreder”.
A Rede Globo foi a primeira TV aberta brasileira a mostrar um flash do atentado
terrorista nos EUA. Às 9h52 (sic) – apenas sete minutos após o choque do
primeiro avião na Torre Norte – a emissora pôs no ar as primeiras imagens que
chegavam da CNN, com narração de Carlos Nascimento. No início, todos
achavam que se tratava de um acidente, e o primeiro plantão informou, apenas,
que um avião se chocara com uma das torres do WTC.
Ali Kamel conta que Schoreder logo pediu para o Centro de Documentação da TV
Globo auxiliar Carlos Nascimento com informações. Quatro minutos depois do
início do plantão, no entanto, sem aviso prévio, a transmissão foi encerrada.
Kamel lembra: “Schoreder ficou muito irritado. Telefonou novamente para São
Paulo e disse ao Amauri: ‘Por que tirou do ar? Deixa no ar, Amauri, deixa no ar! É
o World Trade Center! Nem se sabem ainda as causas do incêndio. Põe
novamente o plantão no ar, imediatamente!”’ Às 10h02 (sic), a vinheta de plantão
interrompeu novamente a programação e Carlos Nascimento continuou a
narração.
Para Kamel, recém chegado à televisão, o episódio foi um aprendizado: “Eu
pensei com meus botões: se estivesse em São Paulo, talvez também tivesse
tirado o plantão do ar depois de quatro minutos. Na minha cabeça, naquele
57
momento, a notícia já tinha sido dada. Mas eu estava completamente errado. Não
fosse a irritação de Schoreder e a sua decisão de mandar voltar o plantão, a Globo
deixaria de ter transmitido, ao vivo, o choque do segundo avião contra a outra
torre”.
Schoreder fala sobre os motivos que o levaram tomar (sic) aquela decisão:
“Naquele instante, sequer sabíamos a causa do choque do avião na torre. As
informações eram contraditórias, não havia nenhuma razão para sair do ar. Na
hora, é tudo muito rápido, você decide tudo rapidamente com os elementos que
tem ao seu dispor. Uma coisa é certa: um incêndio como aquele não acontece
todo o dia. Para mim não havia outra decisão senão manter o plantão”.
(MEMÓRIA GLOBO, 2004, p. 337-338).
O fluxo constante de mensagens é um fenômeno complexo, de difícil
digestão. O bombardeio de imagens, não raramente, prejudica o raciocínio. As
notícias são geradas pelo signo da velocidade e da renovação constante de
informações. A imagem cinética é conectada ao componente passional que, neste
caso em especial, transbordam no texto televisivo. Em movimento, a imagem e os
recursos da cinética produzem o efeito de realidade, mimesis do mundo natural,
conferindo ao produto final veracidade, impacto e autenticidade. (Diniz, 2005a,
2005b)
Tais fatos edificam uma arapuca a respeito dos conteúdos recebidos: a
produção brutal de informação na mídia televisiva gera uma tormenta à reflexão.
Segundo Arbex Jr. (1999)
A televisão não é como um livro, ou sequer como um jornal impresso, cuja leitura
podemos interromper, refazer, submeter a reflexões demoradas. A dinâmica da
imagem solicita respostas imediatas de quem a ela está submetido. As reações
são reflexas, rápidas. Esse mecanismo é muito eficaz quando se trata de manter
oculta a estrutura do texto ou concepção que está na base da disposição segundo
a qual as imagens são apresentadas. (ARBEX JR, 1999, p.13)
Bernard Langlois citado por Ramonet (2001, p.102) confirma o paradoxo
dizendo que “quanto mais se comunica, menos se informa, portanto mais se
desinforma”.
Segundo Diniz (2005a, p.77): “Como o discurso é produzido pelo
enunciador (com enunciatário previsto), sua construção está condicionada a todas
as interferências que atuam sobre ele”. Nos primeiros momentos apenas as
imagens se manifestaram. O discurso jornalístico foi-se construindo aos poucos.
58
Partiu-se de uma hipótese de acidente e chegou à categoria de ataque terrorista.
Posteriormente, elevou-se à “guerra”, expressão utilizada ainda de forma precária,
porque não havia até então um inimigo claramente reconhecível
28
.
Para Pena (2005)
O século XXI foi inaugurado pelo jornalismo. Com data e local bem definidos:
Nova York, 11 de setembro de 2001. Nas análises sobre os atentados, veículos de
comunicação da mais variada procedência foram unânimes em apontar o fato
como marco oficial de um triste começo de século.
(...)
Não bastava atingir o símbolo do império capitalista, era preciso que o mundo
fosse testemunha desse ato. E, assim, ele foi meticulosamente programado para
que o segundo avião atingisse o alvo em um espaço de tempo suficiente para as
câmeras de TV transmitirem ao vivo. O espetáculo do terror encontrou seu palco.
(PENA, 2005, p. 10)
Ressoando o bom senso cartesiano, não se trata aqui de criticar pura e
simplesmente os meios de comunicação pela cobertura realizada ao vivo nos
ataques de 11 de setembro de 2001, jogando o pesado fardo da culpabilidade da
cobertura midiática logo nos primeiros instantes de maneira panfletária. Afinal, a
cobertura em tempo real poderia ter sido diferente? Claro que para muitos a
resposta será positiva. Contudo, em acontecimentos históricos da envergadura
dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a cobertura ao vivo pode se
transformar em exemplo a ser discutido nos procedimentos jornalísticos quando
de um acompanhamento em tempo real.
Mesmo que nesse acontecimento a desinformação sobre o que acontecia
naquela manhã de terça-feira nos Estados Unidos tenha prevalecido tanto nos
primeiros momentos como em seus desdobramentos marcados pelo calor do
instantâneo – compreensível pela amplitude das ações –, a cobertura posterior
encamparia pecados tão conhecidos e condenáveis no meio jornalístico, como
veremos no item 2.4. Doutrina Bush, as invasões ao Afeganistão e ao Iraque e o
recrutamento da mídia e no capítulo quatro desta pesquisa.
28
A emissora CNN, às 10h43min, coloca no ar uma tarja preta na parte inferior da tela como os
dizeres: “America under attack” (América sob ataque). A CNN estampou esses caracteres quando
surgem as imagens do prédio do Pentágono em chamas.
59
O contrato de produção de sentidos e credibilidade é construído quando
... a instância enunciadora tece o discurso informativo (fazer-saber), engendrando
outros elementos, capazes de persuadir seu enunciatário, para predispô-lo a
/fazer-crer/, levá-lo a ter certeza na veracidade dos fatos. O crer conduz a um
/fazer-fazer/, ou seja, o enunciatário introduzirá em seu próprio discurso as
“verdades” veiculadas pelo enunciador. Entretanto, o processo do crer é bem mais
complexo, ao envolver elementos da dimensão pragmática, cognitiva e patêmica...
(DINIZ, 2002)
Criou-se um vácuo entre a imagem e as primeiras construções do discurso
jornalístico. A produção dos sentidos foi emoldurada, sobretudo, pelas imagens da
torre norte em chamas e, posteriormente, a cena da segunda aeronave colidindo
com a torre sul do World Trade Center. Essa produção de sentidos é resultado das
novas tecnologias. Sem a técnica de transmissão em tempo real, possivelmente
teríamos outros efeitos de percepção e de sentidos por parte da imprensa e,
conseqüentemente, do enunciatário.
Como citamos anteriormente, as recomendações do vice-presidente das
Organizações Globo, João Roberto Marinho, instruem que
No jornalismo em tempo real, também se devem evitar a todo custo reações
indignadas, fruto de emoções do momento, uma saída fácil para quem precisa ter
o que dizer durante muitas horas, mas o que resulta quase sempre leviana.
(GLOBO NEWS: 10 anos, 24 horas no ar, 2006, p. 08)
Hipótese delicada quando nos reportamos à concorrência entre emissoras
pela informação imediata, pelo furo em busca da audiência.
Não há mais distância entre o acontecimento e a informação. O sonho do ao vivo,
que já se tornou realidade, está virando pesadelo. Ainda mais porque o problema
da concorrência leva ainda mais a encurtar o intervalo entre um acontecimento e
informação. (...) Não é necessariamente com o nariz colado no acontecimento que
se produz uma melhor informação. (WOLTON, 2003, p. 303)
A cobertura inicial dos atentados contra os Estados Unidos endossa que a
informação converte-se em um produto modelado cada vez mais de impressões e
sensações e que mesmos dotados de equipamentos ultramodernos, a
compreensão dos fatos depende de análises que ultrapassem a “tirania do
60
instante”. O “espetáculo” da imagem não deve ferir nosso bom senso e nem cegar
nossa capacidade reflexiva.
Demonstrando o propósito de permitir a captação direta pelas câmeras de
televisão dos atos terroristas e suas tenebrosas conseqüências, para que o mundo
inteiro pudesse parar atônito para assisti-los, seus mentores e executores
lograram pleno êxito em sua estratégia de obter a mais colossal repercussão
midiática. Os arquitetos do terror deixavam seu rastro de sangue na história.
2.4. Doutrina Bush, as invasões ao Afeganistão e ao Iraque e o recrutamento
da mídia
A guerra é a continuação da política por outros meios.
Carl Von Clausewitz
Justificando o “combate ao terrorismo” em escala planetária, o governo
estadunidense criou o programa denominado “A Estratégia de Segurança
Nacional dos Estados Unidos”. O documento foi alcunhado de Doutrina Bush
numa alusão ao presidente do país, George W. Bush. Por essa teoria os Estados
Unidos justificariam suas ações contra países considerados hostis (os rogue
states – “Estados vilões” – como os do “eixo do mal” integrados por Irã, Iraque e
Coréia do Norte)
29
. A Doutrina Bush determina ainda o fortalecimento das alianças
com outros Estados para combater o “terrorismo mundial”, além de se assentar
sobre o princípio de “guerra preventiva”. Também estabelece que os Estados
Unidos não permitirão a ascensão de qualquer potência estrangeira que rivalize
com a enorme dianteira militar dos estadunidenses alcançada desde o fim da
Guerra Fria
30
. Além da consolidação dos Estados Unidos como superpotência
global, a Doutrina Bush procura defender os interesses econômicos do país e
ampliar sua esfera geopolítica no planeta. Muitos desses interesses estão
associados à garantia do fornecimento de petróleo. Os pilares dessa doutrina
29
Posteriormente, Cuba, Líbia, Síria e Palestina foram incluídos neste grupo de países hostis.
30
A Guerra Fria foi um conflito político-ideológico-militar que dividiu o mundo em duas áreas de
influência: a capitalista (liderada pelos Estados Unidos) e a socialista (capitaneada pela União
Soviética). Com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da União Soviética em 1991, essa
página da história chegava ao fim.
61
foram construídos em meio à atmosfera de pânico e incertezas constituída após
os atentados terroristas. O presidente Bush deixava um aviso intimidador: “Cada
país, em cada região, precisa decidir: ou está conosco, ou com os terroristas”. A
“guerra ao terror” era elevada ao topo das políticas de segurança no cenário
internacional
31
, desenhava-se um programa para anos, talvez décadas, que
reuniria componentes para uma nova fase da geopolítica mundial.
A comunicação, segundo o cientista político estadunidense Karl Deutsch,
são “os nervos do governo”, especialmente em grandes Estados e acima de tudo
em extensos impérios. (Briggs & Burke, 2006). Nesse cenário bélico almejado
pelos artífices da Casa Branca, a mídia seria recrutada para alimentar o imaginário
da opinião pública com informações plantadas estrategicamente para justificar os
atos de guerra direcionados pelo governo.
... setores do Congresso queriam que Bush avançasse mais nessa área e
sugeriam que ele reunisse os maiores especialistas em relações públicas e
publicidade do país, além de roteiristas e diretores de Hollywood, para desenvolver
“uma campanha adicional de marketing”.
O apelo foi mais do que ouvido. No dia 11 de novembro (2001) um grupo de altos
executivos de Hollywood encontrou-se num hotel de Beverly Hills com um
assessor de Bush, Karl Rove. Este pediu que Hollywood participasse do esforço
de guerra, que consistiria em três frentes: divulgação do conceito de “guerra ao
terrorismo” nos Estados Unidos e no mundo, apoio às tropas mobilizadas e
manutenção do moral público americano. De acordo com o relato da
correspondente de O Globo, Ana Maria Bahiana, todos responderam com um
entusiasmado “sim”.
Mas somente três meses depois ficou conhecida a real extensão das atividades
dos Centros de Influência Estratégica. O New York Times publicou reportagem
revelando que o Pentágono “cogita” a divulgação de informações falsas para
influenciar a opinião pública internacional. Entre as propostas estaria a de “plantar”
informações falsas nas agências de notícias estrangeiras por meio de pessoas
31
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no dia seguinte aos atos terroristas, pela
primeira vez em seus cinqüenta e dois anos, invocou o artigo 5º de seu estatuto que reza: “As
Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na
América do Norte será considerado um ataque a todas, e, conseqüentemente, concordam em que,
se tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual
ou coletiva, reconhecido pelo artigo 51º da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte
ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes
Partes, a ação que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e
garantir a segurança na região do Atlântico Norte. Qualquer ataque armado desta natureza e todas
as providências tomadas em conseqüência desse ataque são imediatamente comunicados ao
Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver
tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais”.
Fonte: http://www.nato.int/docu/basictxt/treaty.htm
62
que não tenham laços óbvios com o Pentágono. Outra proposta envolvia o envio
de e-mails para jornalistas, líderes civis e estrangeiros para promover a visão
americana ou ataques a governos inimigos. Os autores dessas mensagens não
seriam militares americanos, mas pessoas e empresas supostamente desligadas
do governo dos Estados Unidos. (DORNELES, 2003, p. 24-25)
Contribuindo ao debate, Castells (2001) explica que a guerra ao terror pode
ser
...definida em termos mais precisos: é a guerra das redes fundamentalistas
islâmicas contra as instituições políticas e econômicas dos países ricos e
poderosos, em particular dos Estados Unidos, mas também da Europa Ocidental –
países estreitamente vinculados em sua economia, em suas formas de
democracia e sua aliança militar.
Na raiz dessa guerra, existe uma rejeição da marginalização dos muçulmanos e
uma afirmação da supremacia dos princípios religiosos do Islamismo como
sustentáculo da sociedade (se bem que em interpretação se choca com os
ensinamentos do Alcorão). (CASTELLS, 2001, p. 08)
O Afeganistão foi a primeira vítima do desígnio militar da nova doutrina. Os
alvos eram as instalações do Talebã (Discípulos, em árabe), que dominavam 90%
do país. O ataque começou às 13h30min do dia 7 de outubro de 2001. Dois
meses depois, com a queda das últimas resistências na cidade de Quandahar, o
Talebã foi dado como vencido.
A queda da milícia afegã foi comemorada pelo grupo de países aliados e
amplamente divulgada. Depois disso, as notícias sobre o país tornaram-se mais
rarefeitas. Mas os problemas ainda existem. Não desapareceram nem diminuíram
como as notícias, apenas foram simplificados, relegados ao segundo plano. E
acontecimentos quando são reduzidos e analisados fora do contexto geram
dúvidas e levam à tortuosa senda da desinformação.
63
O exemplo mais claro de como a simplificação da realidade local pelo jornalismo
impede sua compreensão é a burca (roupa que cobre o todo corpo), que muitas
mulheres islâmicas são obrigadas a usar. O noticiário internacional levou a crer
que foi o Talebã que impôs o uso da vestimenta às mulheres afegãs. Em verdade,
ele impôs seu uso a todas as mulheres (inclusive às habitantes de regiões
urbanas, como Cabul) quando ela já era peça de uso corrente em diversas regiões
do país. Por isso, para surpresa de muitos leitores, quando os adversários do
Talebã conquistaram o poder em diversas cidades, muitas mulheres continuaram
usando a burca, como faziam suas mães e avós, e talvez façam suas filhas e
netas, já que esse é um hábito integrante da cultura de muitos grupos
muçulmanos. (SERVA, 2001, p. 142)
A situação política do Afeganistão permanece instável. O presidente Hamid
Karzai, conduzido ao poder pelos Estados Unidos para chefiar o período de
transição, tem poder limitado. Apesar das promessas estadunidenses de levar
estabilidade e democracia ao país, as rivalidades entre os grupos étnicos que
compõem a população ainda o dividem em numerosos bolsões, dominados por
chefes de milícias locais e grupos armados. Forças da OTAN envolveram-se em
encarniçados combates com guerrilheiros do Talebã. Também têm ocorrido
atentados terroristas em Cabul, a capital afegã - o que até pouco não acontecia.
Em 2006, ocorreram mais ataques contra as forças da OTAN do que em qualquer
outro período desde que os Estados Unidos invadiram o país em 2001
32
. Hamid
Karzai governa um país miserável, que reassumiu a posição de maior produtor
mundial de heroína. Os índices de mortalidade infantil, desnutrição, analfabetismo
entre outros indicadores sociais continuam entre os piores do mundo. A
instabilidade política afegã, agravada depois da guerra, inviabiliza qualquer
previsão mais otimista.
Destino semelhante é compartilhado pelo segundo alvo da Doutrina Bush: o
Iraque, país também localizado no Oriente Médio. A invasão ocorreu às 5h33min
da manhã de 20 de março de 2003, originada pela suspeita dos Estados Unidos e
Reino Unido de que o ditador Saddam Hussein ocultava armas de destruição em
32
Em reunião de cúpula realizada em novembro de 2006 na cidade de Riga (Letônia), os Estados
Unidos pressionaram vinte e cinco governantes de países filiados à OTAN a reforçarem ou
iniciarem suas presenças no Afeganistão. Os países em que os Estados Unidos mais
concentraram seus esforços para que seus contingentes sejam deslocados para o sul do território
afegão, onde são mais freqüentes e sangrentos os confrontos com o Talebã, foram Alemanha,
Espanha, Itália e França. Trata-se de uma tentativa de remendar o rasgo político oriundo da
ocupação ao Afeganistão.
64
massa em território iraquiano. Porém, tratava-se da expansão da Doutrina Bush
no “combate ao terror” e controle estratégico no Oriente Médio
33
. A invasão ao
Iraque, a primeira sob o título de “guerra preventiva”, teve forte resistência da
comunidade internacional, particularmente da Alemanha e França. Os Estados
Unidos e o Reino Unido pressionaram a ONU (Organização das Nações Unidas) a
aprovar o uso da força para desarmar o Iraque. Como não alcançaram êxito na
negociação, decidiram pelo ataque unilateral, sem o respaldo da ONU.
Com todas estas pautas em jogo, uma guerra contra o Iraque parecia inevitável. A
coletiva de imprensa de Bush em 6 de março de 2003 tornou evidente que ele
estava pronto para ir à guerra contra o Iraque. Seus assessores orientaram-no a
falar pausadamente e tirar da visão pública seu aspecto de machão do Texas, mas
ele constantemente ameaçava o Iraque e evocava a retórica do bem e do mal que
utilizou para justificar sua cruzada contra Bin Laden e Al Qaeda. Bush repetia as
palavras “Saddam Hussein” e “terrorismo” incessantemente, e mencionou o Iraque
como uma “ameaça” pelo menos dezesseis vezes, tentando relacioná-lo com os
ataques de 11 de setembro e o terrorismo. Usou a palavra “eu”, como, por
exemplo, em “eu acredito”, incontáveis vezes, e falava de “meu governo” como se
ele o possuísse, mostrando um homem perdido nas palavras e na auto-
importância, posicionando-se contra o “mal” contra o qual estava se preparando
para travar uma guerra. Incapaz de produzir uma justificativa inteligente e objetiva
para uma guerra contra o Iraque, Bush somente podia invocar o medo e uma
retórica moralista, tentando apresentar-se como um forte líder nacionalista. A
retórica de Bush, como a do fascismo, combina uma estratégia de desconfiança e
ódio na linguagem, reduzindo-a a um discurso manipulador, falando em códigos,
repetindo as mesmas expressões várias vezes. Isto é baseado num
antiintelectualismo e ódio à democracia e aos intelectuais.
(...)
Apresentou toda a pobreza de argumentação para justificar a guerra contra o
Iraque, pois não possuía argumentos convincentes, nada de novo para comunicar:
simplesmente repetia os mesmos clichês cansativos. (KELLNER, 2004b, p.66)
Assim, os Estados Unidos fizeram valer o dispositivo da Doutrina Bush que
diz que o país não hesitará em agir sozinho, se preciso for, para fazer uso do
direito de autodefesa, de maneira preventiva e antecipada
34
. Em apenas um mês
derrubaram o regime de Saddam Hussein, que depois de fugir foi capturado,
33
Mesmo após a invasão não se comprovou a suspeita de que o Iraque possuía de fato armas de
destruição em massa. Estados Unidos e Reino Unido foram acusados de falsificarem documentos
para legitimar a invasão e desarmamento do país.
34
Em discurso proferido em 2004, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, disse que
não caberia à ONU e sim aos Estados Unidos a missão de libertar o mundo do terrorismo.
65
preso, condenado à morte, sendo enforcado em 30 de dezembro de 2006 por
seus crimes contra a humanidade.
Pena (2005) atenta que
... não foram só os terroristas que usaram a imprensa. Dois anos depois, a
vergonhosa cobertura da mídia americana na Guerra do Iraque mostrou a que
nível pode chegar a manipulação da informação pelos governos constituídos.
Escaldada pela Guerra do Vietnã, quando corajosas reportagens e imagens
aterrorizantes mudaram a opinião do país e forçaram a retirada das tropas do Tio
Sam, a administração Bush inventou a mais ultrajante forma de cobertura da
história da imprensa: os famosos repórteres embedded
35
. Ou seja, jornalistas que
viajavam nos tanques do exército americano e, obviamente, só reportavam o que
interessava aos comandantes guarda-costas
36
. (PENA, 2005, p. 10-11)
Retratando o papel de parte da mídia no acompanhamento da invasão ao
país
37
, Arbex Jr. (2003) e Kellner (2004b) suscitam provocação ao afirmarem que
A cobertura da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em março de 2003,
equivocadamente qualificada como “guerra” pela mídia – uma guerra pressupõe
certa equivalência de poder destrutivo entre as forças em luta –, introduziu
algumas novidades no campo do jornalismo. Uma delas foi a figura do jornalista
embedded, ou “acamado”, em tradução livre do inglês. O jornalista embedded é
aquele que aceitou se submeter a uma série de cinqüenta normas estabelecidas
pelo Exército dos Estados Unidos, como condição para acompanhar as tropas. As
normas previam, entre outras coisas, que ele não poderia reportar nada que não
fosse aprovado pelos chefes do seu regimento, o mesmo valendo para as
transmissões de imagens. Tampouco poderia se deslocar para áreas
consideradas perigosas. Em resumo, não teria a menor independência, nem
sequer observar os fatos.
35
O jornalista inglês Stephen Cviic define o termo embedded como “incorporado”. Contudo, sem
nos prendermos tanto a tradução utilizada, o importante é destacar que termo designa o jornalista
que acompanhou as tropas militares e assim, teve sua dependência atrelada ao comando do
exército.
36
Segundo Kellner (2004b, p.67): “Desde o início, ficou claro que os repórteres comprometidos
com sua emissora estavam de fato ‘dormindo na mesma cama’ de suas escoltas militares e,
enquanto os Estados Unidos e a Inglaterra bombardeavam o Iraque, eles apresentavam relatos
exultantes e triunfantes que superavam qualquer propagandista pago. Os repórteres
comprometidos com as redes televisivas americanas eram entusiasmados líderes de torcida e
apoiavam o ponto de vista dos militares norte-americanos e britânicos, perdendo qualquer verniz
de objetividade”.
37
É importante ressaltar que uma das conclusões mais polêmicas registradas em estudo da
Universidade de Colúmbia em relação à Guerra do Iraque mostra que na avaliação dos
pesquisadores, os noticiários dos Estados Unidos não fizeram uma cobertura tão negativa do
conflito. Ou seja, não foram tão contra a guerra, ou antipatrióticos, como alguns críticos do país
fizeram questão de denunciar. Essa conclusão pode surpreender os observadores, mas,
certamente, não surpreende os estrangeiros. (Brasil, 2007)
66
(...)
A garantia de que os correspondentes fariam cobertura “adequada” foi
providenciada pelos executivos das grandes corporações da mídia dos Estados
Unidos. A CNN criou um sistema de script approval (aprovação do original) que
obriga os seus repórteres a enviarem todos os seus textos a responsáveis em
Atlanta (sede da emissora), antes de serem transmitidos ao mundo. A nova
política da CNN foi sintetizada no documento Memorando da Política de
Aprovação do Original (Reminder of Script Approval Policy), divulgado em 27 de
janeiro: “Todos os repórteres devem submeter seus originais à aprovação. Os
textos não podem ser editados até que os originais tenham sido aprovados...
Todos os textos originados fora de Washington, Los Angeles ou Nova York,
incluindo todas as redações internacionais, devem ser encaminhados a Atlanta
para aprovação”. (ARBEX JR., 2003b, p. 09-14)
Os comandantes militares dos Estados Unidos afirmaram que na incursão inicial
em Bagdá, de 2.000 a 3.000 iraquianos foram mortos, sugerindo que as redes de
transmissão realmente não mostravam a brutalidade e a carnificina da guerra. Na
verdade, a maior parte do bombardeio das forças militares iraquianas era invisível
e raramente se mostrava os iraquianos mortos. Um repórter comprometido da
CNN, Walter Rogers, mais tarde relatou que a única vez que sua reportagem
mostrou um iraquiano morto, o painel de comando da CNN “acendeu como uma
árvore de natal”, com espectadores furiosos exigindo que a CNN não mostrasse
nenhum morto, como se o público telespectador dos Estados Unidos quisesse
negar a existência dos custos humanos dessa guerra. (KELLNER, 2004b, p.69)
Cviic (2003, p.17) acompanha os raciocínios de Pena, Arbex Jr. e Kellner
complementando que “o recente conflito no Iraque vem demonstrar mais uma vez
que a guerra é a época mais problemática para a objetividade jornalística”
38
.
Mas não foi apenas na invasão ao Iraque que a censura se manifestou, ela
também foi recrutada para a missão contra o Afeganistão. Os jornalistas padeciam
da “Síndrome de Marriot” conforme detalha Dorneles (2003) sobre as barreiras
impostas aos jornalistas.
38
Para Kellner (2004, p. 70): “Em geral, as redes de TV americanas tenderam a apresentar uma
visão filtrada da guerra, enquanto as canadenses, britânicas e outras européias e árabes
apresentaram imagens de baixas de civis e os horrores da guerra. A cobertura americana foi
direcionada para o patriotismo pró-militar, propaganda política e fetichismo tecnológico,
destacando as conquistas e o heroísmo das tropas. Outras redes mundiais, entretanto, criticaram
os exércitos britânico e americano e com freqüência apresentaram espetáculos altamente
negativos dos ataques contra o Iraque, e o choque e a dor do massacre de alta tecnologia”.
67
É natural que a cobertura da guerra tenha ganhado um apelido sugestivo, dado
pelos próprios jornalistas que estavam na frente de batalha: “Síndrome de Marriot”,
nome do hotel que hospedava a imprensa em Islamabad, capital do Paquistão, e
de onde os jornalistas só saíam para trabalhar em áreas previamente autorizadas
pelos militares americanos – tinham permissão apenas para ir aos porta-aviões,
para ver aviões decolando e pousando. Fotos e textos produzidos dentro dos
navios foram censurados pelos militares, o que a imprensa americana chamou de
“revisão”. Só então podiam ser enviados aos Estados Unidos. (DORNELES, 2003,
p. 23)
Contornar a liberdade por medo da verdade e espetacularização de
conflitos não é novidade em guerras.
A partir da Guerra do Golfo, a mídia internacional tende a se subordinar cada vez
mais a desígnios políticos e comerciais. A hora de um bombardeio pode ser
retardada para coincidir com o telejornal das oito. (STEINBERGER, 2005, p. 212)
As táticas da desinformação e manipulação da informação orquestradas
pelos Estados Unidos já tinham sido aplicadas no primeiro conflito com o Iraque
(1990/1991). A mídia enquadrou essa guerra como uma narrativa emocionante,
uma minissérie noturna, com conflito dramático, ação e aventura, perigo para as
tropas aliadas e para os civis, maldade perpetrada pelos vilões iraquianos e ações
heróicas cometidas pelos estrategistas estadunidenses, por sua tecnologia e suas
tropas. Em certo sentido, a primeira guerra deflagrada contra o Iraque foi um
evento cultural e político, além de militar. (Kellner, 2001).
Nesse conflito, vendeu-se o conceito de uma “guerra sem sangue”
39
. As
imagens transmitidas eram filtradas. A grande mídia dos Estados Unidos aliada as
de outros países se transformaram em veículos obedientes da estratégia
governamental com a manipulação da notícia, obscurecendo a opinião pública.
39
Contundente em seus comentários, Jean Baudrillard chegou a afirmar que a “a Guerra do Golfo
não existiu”. O saudoso sociólogo francês procurou diagnosticar o caráter cirúrgico de uma guerra
virtual. Para Baudrillard, o inimigo não era mais do que um número no computador. Para o
jornalista José Arbex Jr. (2003b, p.12): “No caso da ‘guerra sem sangue’, apenas a cegueira
produzida pelo preconceito, pelo ódio e pelo fanatismo religioso permite explicar que a opinião
pública ocidental tenha acreditado na fábula absurda. Foi, de fato, insignificante o número de
vítimas estadunidenses (menos de trinta, e todos militares): os ‘exóticos’ árabes não atingiram
ainda, plenamente, o estatuto do humano, se é que algum dia chegarão lá, e por isso suas mortes
não produziram impactos”.
68
Mas o grande fracasso moral na Guerra do Golfo não foi nossa ajuda tardia aos
curdos e xiitas. Foi a recusa do Ocidente em reconhecer, ou até mesmo discutir,
não a morte acidental de civis, mas até mesmo os 100 mil mortos entre os
perfeitamente válidos alvos militares iraquianos. Katherine Boo, do The
Washington Monthly, notou que, durante a guerra, a mídia americana criou
grandes tabelas de perdas, que listavam numa coluna quantos soldados
americanos haviam morrido e, em outra coluna, quantos tanques, blindados e
aviões do Iraque haviam sido abatidos. Não se fazia menção a mortes entre
iraquianos, como se o objetivo do exercício fosse destruir maquinaria sem afetar
seres humanos. A famosa declaração de Powell sobre o Exército iraquiano –
“vamos destroçá-lo e depois aniquilá-lo” – cortou claramente qualquer
consideração em relação à condição humana do inimigo. Dúzias de vídeos foram
divulgadas pelo Pentágono mostrando bombas inteligentes atingindo alvos
inanimados, como plataformas de mísseis; mas, com certeza, nunca foi divulgada
nenhuma imagem de batalha envolvendo seres humanos. Os censores
enlouqueceram quando um comandante de campo permitiu que jornalistas vissem
um vídeo com imagens transmitidas pela câmera de um míssil que atingiu um
batalhão iraquiano. No tape adolescentes aterrorizados correm caoticamente, em
todas as direções, enquanto tiros de canhão vindo de helicópteros que eles não
podem ver cortam seus corpos em pedaços. O vídeo foi rapidamente tirado de
circulação. Quando perguntei a razão a um oficial do Pentágono, ele respondeu:
“Se permitirmos que as pessoas vejam este tipo de coisa, nunca haverá outra
guerra”. (EASTERBROOK apud ARBEX JR., 1999, p. 63)
O aforismo do ex-senador estadunidense Hiram Johnson que sentencia: “A
primeira vítima quando começa a guerra é sempre a verdade”, revela o campo
minado tateado pelo jornalismo em tempos de ações militares. Endossando esse
pensamento Steinberger (2005) afirma que
A censura alcança seu mais alto grau de perfeição e invisibilidade quando cada
agente não tem mais nada a dizer além daquilo que está objetivamente autorizado
a dizer. A estrutura do campo impõe formas de percepção e interiorização das
associações expressão-conteúdo para todos os enunciados. A censura determina,
também, a forma de recepção, sintaxe, léxico, referências pelas quais um tipo de
discurso será reconhecido com base na forma que ostenta. São estratégias de
formulação que quanto mais perfeitas, melhor as obras imporão suas próprias
normas de percepção. Há uma violência simbólica que é suportada desde que
permaneça desconhecida do receptor, isto é, reconhecida como legítima.
(STEINBERGER, 2005, p. 160)
69
O cadafalso da censura é por si só a evidência de uma guerra de discursos
e nítido controle da imprensa
40
. A trilha de espinhos seguida pela mídia
estadunidense em tempos de Doutrina Bush foi objeto de denúncia e reflexão por
parte dos próprios jornalistas como comentam Neto (2002), Carlos (2004) e
Dorneles (2003).
Surgiu nos Estados Unidos um novo jornalismo, mais patriótico e mais submisso
às vontades do governo. (...) Juntamente com o novo terrorismo surgiu um novo
jornalismo. Conhecendo a voracidade da mídia americana e seu fascínio por
imagens de tragédias, o marketing do terror apostou na força de suas imagens e
saiu vitorioso. (NETO, 2002, p. 109)
... estudo do centro de pesquisas Pew, dos Estados Unidos, constatou que 51%
dos profissionais da informação acham que sua profissão “evolui em má direção”.
Os escândalos com jornalistas do New York Times e do USA Today falsificando
reportagens e as “dificuldades” da mídia em criticar o governo Bush depois dos
atentados de 2001 provocaram “mal estar” entre jornalistas americanos.
(CARLOS, 2004, p.09)
No fim de 2001, no seu relatório anual, a organização Repórteres Sem Fronteiras
incluiu os Estados Unidos como um dos países que prejudicam a liberdade de
imprensa: “Desde o 11 de setembro se constata que a liberdade de imprensa está
em perigo dentro dos Estados Unidos devido à censura oficial de imagens e
opiniões e à autocensura motivada pelo patriotismo. Os Estados Unidos
consideram que estão numa guerra declarada e que os jornalistas devem se
converter em patriotas”. (DORNELLES, 2003, p. 26)
Nas ações contra Afeganistão e Iraque a guerra de discursos foi
intensificada; principalmente porque a CNN tinha uma concorrente no mundo
árabe: a rede de TV Al Jazeera (A Ilha, em árabe). Conhecida como a “CNN
árabe”, a emissora tem sua sede em Doha (Catar) sendo o primeiro canal de
jornalismo 24 horas no Oriente Médio.
Adotando o lema “al ra’î wal ra’î al’âkhar” (um ponto de vista e o outro), ela abre
espaço aos opositores de todos os regimes árabes... com exceção notável do
próprio Catar, cujo emir (xeque Hamad) é o dono do canal. (RAYES, 2003, p. 25)
40
Para Robert Fisk, repórter do diário The Independent: “O jornalismo está cada vez mais covarde
depois do 11 de Setembro”. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (26/12/05), o jornalista e
escritor Gay Talese afirma que o governo de George W. Bush “anestesiou a imprensa” e o jornal
New York Times “enamorou-se com o poder”.
70
O regime Talebã, em 1999, autorizou a emissora a instalar uma sucursal na
capital afegã, Cabul. A rede árabe trazia um ponto de vista diferenciado das
demais agências internacionais de notícias. A Al Jazeera divulgava mensagens de
Osama bin Laden ao povo árabe e também transmitiu as imagens ao vivo dos
bombardeios dos Estados Unidos ao Afeganistão e posterior ataque ao Iraque.
Durante a cobertura da invasão ao Iraque, a Al Jazeera sofreu retaliações por
permitir a exibição de imagens de soldados estadunidenses capturados por
iraquianos. A emissora foi acusada de violar a Convenção de Genebra. Contudo,
muito pouco se falou quando as emissoras ocidentais mostraram as imagens de
iraquianos detidos pelas tropas invasoras. Ou seja, a invocação da Convenção de
Genebra só é válida para um dos lados? A Al Jazeera também teve sua redação
no Iraque bombardeada pela coalização anglo-americana, fato que para muitos
não foi apenas um erro militar, e, sim, uma ação intimidadora contra a emissora.
Porém, a Al Jazeera também sofreu críticas de parcialidade. Para
especialistas, assim como sua principal concorrente ocidental, a CNN, a rede
árabe mostrava o que lhe era de interesse: imagens e opiniões contrárias aos
Estados Unidos. Condoleezza Rice, na época assessora de Segurança Nacional,
recomendava bom senso na exibição de imagens da Al Jazeera, pois temia que as
mensagens proclamadas por Osama bin Laden tivessem códigos para os
seguidores da Al Qaeda dispersos pelo mundo.
Nos EUA traumatizados pelo terrorismo, algumas decisões editoriais da emissora
eram de fato inconcebíveis: além de dar voz a Osama bin Laden, a rede tratava
por “mártires” os homens-bomba palestinos e outros suicidas do islã. A explicação
oficial era a de que esses homens tinham dado a vida por uma causa.
Contribuiu ainda para chocar a opinião pública ocidental o uso de imagens que
exploravam e emoção do telespectador ao exibir o drama dos alvos civis
muçulmanos – algo que não era visto nos canais americanos e europeus.
(SANCHEZ, 2007, p.77)
Embora os combates entre os exércitos tenham acabado, os soldados
estadunidenses ainda são alvos de uma intensa campanha de atentados e ações
guerrilheiras. A resistência armada voltou-se também contra os grupos aliados, as
organizações internacionais e os civis iraquianos que colaboraram com as tropas
de ocupação. Vários jornalistas, diplomatas e cidadãos estrangeiros foram
71
seqüestrados e/ou mortos
41
. O número de baixas estadunidenses no Iraque
supera o número de vítimas nos atentados de 11 de setembro e 2001
42
.
Assim, em nome do “combate ao terrorismo” mais sangue irrigou o já
manchado solo do Oriente Médio. Afeganistão e Iraque submergiram em um
fervente caldo de conflitos e ceticismo.
Ao centrar suas operações contra o terrorismo no Oriente Médio, os
Estados Unidos sofreram com o reverso das circunstâncias. As atividades
militares ao invés de conter, deram mais fôlego às práticas terroristas. A rede Al
Qaeda, que não tinha presença no Iraque antes da deposição de Saddam
Hussein, ganhou força com as presenças das tropas dos Estados Unidos e
aliados. “Para os terroristas, a constatação de que o governo americano não sabia
o que fazer com o que fora conquistado soou como música”. (KAMEL, 2007, p.
284)
É preciso ter em mente que no combate ao terrorismo deve-se evitar
qualquer ação discriminatória contra grupos étnicos ou nacionalidades às quais os
grupos terroristas dizem representar. Os terroristas são membros de organizações
minoritárias, que operam na clandestinidade, alheios aos interesses das
sociedades onde se inserem. Lutar contra o terrorismo internacional supõe uma
cooperação internacional em todos os níveis
43
.
41
Nesta triste lista consta o nome do representante especial da ONU, o brasileiro Sérgio Vieira de
Mello, vitimado em um ataque com explosivos provocados por rebeldes à sede da organização no
Iraque em 19 de agosto de 2003.
42
O número de mortos nos atentados de 11 de setembro chegou à cifra de 2.973 vítimas fatais
registradas. No Afeganistão, desde a ocupação realizada em 2001, estima-se pelo menos 6.000
mortos. No Iraque calcula-se cerca de 50.000 mortos – embora existam estudos que apontem para
650.000 mortos.
43
Segundo dados da pesquisa "Violência e Extremismo" divulgada pela Fundação Bertelsmann em
21/11/2006, o número de atentados terroristas triplicou nos últimos cinco anos. Ao contrário da
sensação generalizada, só a minoria foi impulsionada pelo fanatismo religioso. “Apesar de nossa
percepção da ameaça ser outra, devido aos atentados de Nova York, Londres e Madri, a violência
política geralmente ocorre onde é gerada, devido a injustiças sociais ou marginalização de grupos
discriminados” informa o autor do estudo, Aurel Croissant, da Universidade de Heidelberg
(Alemanha).
Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/11/21/ult1808u79742.jhtm
72
Em vez de examinarem de forma honesta e sensata as raízes do radicalismo
islâmico que ressurgia, a discussão das estratégias na guerra contra o terror tinha
sido quase inteiramente dominada pelos “especialistas em antiterrorismo”, com
sua linguagem de armamento de alta tecnologia, militarismo e erradicação. Isso
pode ser útil para tratar o sintoma, mas não consegue, e jamais conseguirá, tratar
a doença. (BURKE, 2007, p. 17)
Ao declarar que “a nossa guerra não vai terminar até todo grupo terrorista
global ter sido encontrado, parado e derrotado”, George W. Bush já mostrava a
dimensão que sua “doutrina antiterrror” poderia alcançar: caberia aos Estados
Unidos a missão de libertar o mundo do “ciclo de tiranias” e do “terrorismo”. O
presidente estadunidense ousou simplificar perigosamente o cenário internacional
em sua “guerra ao terror”. A invasão ao Afeganistão foi a primeira resposta do
governo Bush à população estadunidense. Algo deveria ser feito, e logo! Contudo,
o controle político no Afeganistão e depois a desastrosa tomada do Iraque não
resolveriam o problema do terrorismo mundial – e, como vimos, nem dos próprios
países –, mas sim jogaria uma cortina de fumaça sobre a questão na tentativa de
saciar as expectativas e tolher a visão sobre os efeitos colaterais advindos com os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Osama bin Laden não seria
capturado, pois seu esconderijo é desconhecido e o fantasma do terrorismo ainda
assombra o mundo; seu espectro está longe de ser exorcizado.
73
CAPÍTULO 3:
TERRORISMO: UM LEGADO HISTÓRICO E SUA
CARACTERIZAÇÃO NA PLATAFORMA MIDIÁTICA
O ato terrorista não pode ser entendido nem analisado,
portanto, como um súbito relâmpago no céu azul, uma
atitude isolada, inesperada e inexplicável de algum grupo de
fanáticos.
José Arbex Jr.
Era o dia 11 de setembro. Desviados de sua missão habitual por pilotos decididos
a tudo, os aviões se lançam para o coração da grande cidade, resolvidos a abater
os símbolos de um sistema político detestado. Imediatamente, explosões,
fachadas que voam em pedaços, desabamentos num barulho infernal,
sobreviventes aterrorizados, fugindo cobertos de escombros. E a mídia que
difunde a tragédia ao vivo...
Nova York, 2001? Não, Santiago do Chile, 11 de setembro de 1973. Com a
cumplicidade dos Estados Unidos, golpe de Estado do General Pinochet contra o
socialista Salvador Allende e o palácio presidencial metralhado pelas forças áreas.
Dezenas de mortos e início de um regime de terror que durou quinze anos.
(RAMONET, 2003, p.45)
Ao lermos o primeiro parágrafo redigido pelo jornalista francês Ignacio
Ramonet, é quase que instantâneo nos reportamos ao dia 11 de setembro de
2001. Quando nos deparamos com a seqüência do texto, tudo se esclarece e
retornamos à época da Guerra Fria, do patrulhamento dos Estados Unidos na
América Latina, a caça aos governos comunistas, onde o “bem” era representado
pelo capitalismo, pelo “Ocidente”...
Os Estados Unidos usavam o terror para gerar terror. Foram vitais na
derrubada de um governo democraticamente eleito que naquela terça-feira de
setembro de 1973 pagava o preço por desafiar os estadunidenses e seguir uma
ideologia diferente. A partir dessa data até 1989, o Chile mergulharia nas trevas do
Terrorismo de Estado capitaneado pelo General Augusto Pinochet.
Paradoxalmente, o país que se orgulha de se autodenominar “a maior democracia
do mundo” e defender os “valores da civilização” patrocinava mais um golpe de
Estado sacrificando os anseios democráticos tão valiosos a qualquer sociedade.
74
Atentados que disseminam o terror não são algo novo na história da
humanidade. A palavra terrorismo remonta à Revolução Francesa, ao terror dos
jacobinos e de suas guilhotinas. Na acepção atual, é um fenômeno que começou
no final do século XIX quando os anarquistas começaram a jogar bombas,
tornando-se instrumento corriqueiro após a Segunda Guerra Mundial, visando a
obter resultados políticos através da criação de situações de pânico coletivo. Um
valor disfórico presente em ações de terror é a intimidação da sociedade civil, seja
ela executada pelo governo ou grupos insurgentes.
Alguns veículos midiáticos se refutavam a usar a expressão “terrorismo”
para designar a atuação política dos Estados Unidos contra outros países, mas se
revestem dessa classificação quando os vitimados são os estadunidenses, na
direção de sentidos que os “outros” são “terroristas”, nós, não
44
. Mesmo sendo
conceito “técnico” presente nas ciências sociais, é inegável que a expressão
“terrorista” é vestida pelo figurino ideológico, subjetivo, sendo ajustado segundo o
efeito de sentido que se queira produzir no enunciatário. Mediante a isso, para
melhor compreensão das notícias, é necessário responder: o que é terrorismo?, e
conhecê-lo como processo político remoto e as faces com as quais se apresenta.
3.1. O terrorismo na história
A prática terrorista tem uma longa história. Instigar o terror para alcançar
fins políticos e criar raízes no poder é tão antigo quanto às primeiras sociedades.
Muito antes que ataques contra civis, como artifícios para afetar o
comportamento de nações e seus líderes fossem denominados de terroristas, a
ação teve várias classificações. Do tempo da república romana até fins do século
XVIII a prática era batizada de guerra destrutiva. Os próprios romanos geralmente
usavam a expressão guerra punitiva. Não obstante, muitas campanhas militares
44
Comentando essa afirmativa, Arbex Jr. (2003, p. 52) faz uso de situações pela quais passou.
“Sempre que eu levantava a argumentação (da amplitude das práticas terroristas), provocava uma
indignação do ‘especialista’ debatedor, que, invariavelmente, declarava-se ‘perplexo’ por ter
encontrado alguém que apoiava o atentado. De nada adiantava esclarecer que eu condenava
qualquer ato terrorista, incluindo o 11 de setembro, só que por ‘qualquer ato terrorista’ eu entendia
também o ataque nuclear a Hiroxima (sic) etc”.
75
romanas fossem de fato empreendidas como punição por traição ou rebelião,
outras ações destrutivas afloravam do simples desejo de impressionar povos
recém-conquistados com o temível poder dos romanos.
Na Grécia antiga, o historiador Xenofonte já aconselhava a prática de
assassínios em países potencialmente adversários para criar pânico entre a
população virtualmente inimiga.
Porém, mesmo colado à violência, o terrorismo já foi visto pelas lentes da
justiça e redenção.
No decorrer do século XIX, a palavra terrorismo ganha uma conotação
francamente positiva nas obras dos teóricos do movimento anarquista. Guardada
as peculiaridades do pensamento de cada um, o francês Pierre Joseph Proudhon
e os russos Mikhail Bakunin e Piort Kropotikin observavam no terror um fato
construtivo, uma forma eficiente de destruir o poder estatal. (MONDAINI, 2004, p.
230)
O século XIX é simbólico por testemunhar a eclosão da violência
internacional, interpretada como precedente histórico do terrorismo moderno. Os
agentes dessa agressão eram geralmente classificados como anarquistas e
faziam uso ostensivo do assassinato individual, além de bombas contra unidades
militares, policiais e forças privadas de segurança industrial, como práticas para
combater as crescentes disparidades entre as classes sociais resultantes das
transformações advindas com a Revolução Industrial que aflorava em solo
europeu.
Tem-se assim, na prática terrorista, uma extensão de anseios políticos. A
violência é utilizada como instrumento para alcançar determinados objetivos. Para
ampliar seus tentáculos de pavor sobre povos e Estados, o terrorismo assume
diversas fisionomias.
76
3.2. As faces do terrorismo
A melhor arma política é a arma do terror. A crueldade gera
respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que
nos amem. Queremos que nos temam.
Adolf Hitler durante discurso para oficiais da SS em Kharkov,
(19/04/1943).
O terror tem muitas faces, contudo, um só pensamento: a anulação de seus
opositores a qualquer custo. Existem terroristas que agem em nome de uma
divindade (como os grupos extremistas islâmicos); os mercenários (como os
milicianos que lutam na África, membros da Blackwater que atuam no Iraque); os
nacionalistas (como o IRA – Exército Republicano Irlandês – e do ETA – Pátria
Basca e Liberdade)
45
; e, ainda, os ideológicos (como o grupo de Timothy
McVeigh, responsável pela destruição do prédio de Oklahoma em 1995)
46
.
Há ainda o terrorismo de Estado, que consiste na eliminação de minorias
étnicas ou opositores a certo regime. Enquadram-se nessa prática, os regimes da
Alemanha nazista, a Itália fascista, a União Soviética sob a sombra de Stálin, o
Camboja de Pol Pot, a China de Mao Tse-tung, o Iraque sob os auspícios de
Saddam Hussein, as ditaduras latino-americanas nas décadas de 1960 e 1970, o
antigo regime de apartheid na África do Sul ou ainda os Estados Unidos à época
da política marcarthista.
45
A percepção de que os atos de terrorismo são repudiados pela opinião pública, principalmente
depois das ações da rede Al Qaeda em 11 de setembro de 2001, levou tanto o IRA quanto o ETA a
repensarem suas formas de ação para que o apoio das sociedades que tais grupos dizem
representar não fosse diluído por completo. O IRA depôs suas armas em julho de 2005. Após mais
de quatro décadas de conflito, protestantes e católicos formaram, em maio de 2007, um governo
de união para administrar a Irlanda do Norte – o Ulster. Histórico, o acordo determina a autonomia
limitada do Ulster, que passa a legislar sobre questões como agricultura, educação e saúde.
Mesmo com a consolidação do acordo, os militantes do IRA declararam que prosseguirão na sua
busca pela independência, mas agora pelos trâmites políticos legais. Em março de 2006, foi à vez
do ETA. Ambas as organizações optaram pela via política e institucional como caminho para atingir
seus objetivos. Contudo, no dia 30 de
dezembro de 2006, o grupo ETA rompeu a trégua ao
explodir um carro-bomba no Aeroporto Internacional de Madri e em junho de 2007 declarou
oficialmente o fim do cessar-fogo permanente estabelecido em março de 2006 e a retomada da
luta armada em busca da "construção de um Estado livre".
46
José Arbex Jr. “Terrorismo: um legado da história”. Texto que circulou na Internet em sites de
Ciências Sociais em outubro de 2001, sem maiores referências.
77
... o terrorismo é, na verdade, a própria negação da política, pois representa uma
contradição à existência desta. Desde sua origem, na polis (cidade-Estado) grega,
o termo política traz em si as noções de “diálogo, persuasão, negociação, em
suma, a razão”. Ora, com seu caráter “fanático-militar”, o terrorismo “se volta
contra a própria racionalidade, logo, contra a política”. O terrorista é o extremista
que “nada quer saber do diálogo, da argumentação”, já que “o seu único alvo é a
imposição, pela violência, de suas próprias convicções”. Dessa forma, o terrorismo
assinala a continuidade daquilo que existe de mais fanático na humanidade, ou,
mais apropriadamente, o que há de mais fanático na anti-humanidade.
(MONDAINI, 2004, p. 244)
Inúmeras reportagens sobre os atentados de 11 de setembro de 2001
colaram a expressão “terrorista” a manifestações islâmicas. É fato que adeptos do
Islamismo utilizam-se desse artifício político para demonstrar seus anseios.
Todavia, como vimos, o terrorismo tem inúmeras manifestações. O mesmo
raciocínio é aplicado ao vocábulo “fundamentalista”, que foi gestado no ventre do
Cristianismo.
Considerar o terrorismo e o fundamentalismo apenas ou, sobretudo, como
instrumentos políticos do Islamismo é reducionismo ou má-fé. A prática terrorista é
fortemente repudiada por muito seguidores mulçumanos. Portanto, o terror
“islâmico” não é o porta-voz de uma religião, cultura ou civilização.
O radicalismo islâmico é impopular. A maioria dos muçulmanos não quer uma
teocracia. As pessoas no mundo muçulmano viajam para ver o luxo em Dubai, não
as madrassas de Teerã. Metade dos países muçulmanos do mundo – cerca de
600 milhões de habitantes – tem eleições. Nos últimos cinco anos os partidos
ligados ao radicalismo islâmico raramente ganharam mais do que 7% ou 8% dos
votos. (ZAKARIA, 2007, p. 91)
Boff (2002) vai à raiz dos fatos e, aplicando a vacina da história, esclarece
que
O nicho do fundamentalismo se encontra no protestantismo norte-americano,
surgido nos meados do século XIX. O termo foi cunhado em 1915, quando
professores de teologia da Universidade de Princeton publicaram uma pequena
coleção de doze livrões que vinha sob o título Fundamentals. A testimony of the
Truth (1909-1915). Neles propunham um cristianismo extremamente rigoroso,
ortodoxo, dogmático, como orientação contra a avalanche de modernização de
que era tomada a sociedade norte-americana. Não só modernização tecnológica,
mas modernização dos espíritos, do liberalismo, da liberdade das opiniões,
contrastando fundamentalmente com a seguridade que a fé cristã sempre
oferecera.
78
A tese dos fundamentalistas no âmbito religioso é afirmar que a Bíblia constitui o
fundamento básico da fé cristã e deve ser tomada ao pé da letra (o fundamento de
tudo para a fé protestante é a Bíblia). Cada palavra, cada sílaba e cada vírgula,
dizem os fundamentalistas, é inspirada por Deus. Como Deus não pode errar,
então tudo na Bíblia é verdadeiro e sem qualquer erro. Como Deus é imutável, sua
Palavra e suas sentenças também o são. Valem para sempre.
(...)
O Islamismo original não é guerreiro nem fundamentalista. É tolerante para com
todos os povos, especialmente “os povos do livro” (judeus e cristãos). Ele vive de
duas grandes convicções: a afirmação da absoluta unicidade e transcendência de
Deus, a partir de onde tudo na Terra é relativizado, e a comunidade profética dos
irmãos, pois todos são criaturas de Deus e devem se entreajudar. (BOFF, 2002, p.
12-29)
A doutrina inicial era de paz, entretanto, muitos seguidores do Islamismo
divorciaram-se da concepção original e se enveredaram para o caminho ungido de
sangue.
3.3. Islamismo, fundamentalismo e terrorismo
Atualmente o Islamismo (submissão à vontade de Alá
47
) é a religião que
mais cresce no mundo. A religião islâmica é originária da cidade de Meca (atual
Arábia Saudita) e teve na figura do profeta Maomé a sua edificação. Seus
ensinamentos estão materializados no Alcorão
48
, livro sagrado em que se
encontram impressas as revelações feitas pelo anjo Gabriel a Maomé entre os
anos 610 a 632 d.C. O Alcorão divide-se em duas grandes partes que
correspondem às fases de atuação do profeta Maomé: a fase de Meca (anos 610-
622) e a fase de Medina (anos 622-632). A fase de Meca possui textos mais
curtos e aborda fundamentalmente a doutrina e seus valores. Na fase de Medina,
47
Segundo Kamel (2007, p. 83): “... para o Islã, não existe, em nenhuma hipótese, conversão
forçada. Islã (...) é uma palavra árabe que significa submissão, mas ela tem a mesma raiz da
palavra paz. Infelizmente, hoje, vivemos desses períodos sombrios em que a minorias se
sobressaem”.
48
O Alcorão não foi escrito por Maomé. Sendo o profeta analfabeto, as transcrições das
revelações feitas pelo anjo Gabriel deve-se ao califa Otman, terceiro sucessor de Maomé no ano
652 da nossa era. Em língua portuguesa, grafa-se o livro sagrado islâmico de duas formas:
“Alcorão e Corão”. Nesta dissertação, faremos uso do vocábulo “Alcorão”, pois segundo Kamel
(2007, p.73-74): “Literalmente, Alcorão quer dizer ‘A Leitura’ (em português, deve-se dizer Alcorão,
e não o Corão, porque a palavra entrou em nossa língua daquela primeira forma, assim, como
outros três mil vocábulos, como, por exemplo, almofada, alfaiate, álcool, alfinete, etc.)”.
Manteremos a grafia “Corão” quando a mesma for citada desta forma por outros autores.
79
o livro trata de orientações concretas do reto viver, da organização política e do
sistema jurídico. Posteriormente, incorporaram-se à doutrina islâmica as narrativas
de outros profetas (hadit), o consenso dos sábios (igma) e os argumentos por
analogia (qiyas).
O Islamismo é monoteísta e possui três ramos principais: xiitas, sunitas e
sufistas. Os xiitas são tidos como a ala mais radical do Islã, não aceitando divisão
entre o poder político e a esfera religiosa. Política e religião consubstanciam-se na
formação do Estado Teocrático e atribuem ao líder religioso uma proteção
sobrenatural contra o pecado e o erro. Os sunitas, a imensa maioria desse
segmento religioso, são conhecidos por sua moderação, pela separação do poder
divino do político-social. Consideram que a fonte essencial para a lei islâmica é a
Suna, compilação da vida e do comportamento do profeta
49
.
São quatro as escolas teológicas sunitas, que diferem fundamentalmente em
detalhes de rito e código legal: Hanafi, Hanbali, Mãlaki, Shaãfi’í, sem falar na
“reforma” ultra radical wahhabista do século XVIII – o wahhabismo é uma seita
hoje majoritária na Arábia Saudita. (KAMEL, 2007, p. 101)
Já os sufistas, constituem-se em uma corrente esotérica do Islamismo e se
preocupam mais com as verdades espirituais da religião do que com as questões
políticas e ortodoxas.
Assim sendo, a interpretação do Alcorão não é a mesma para todos os
islâmicos. Para os fundamentalistas
50
certos aspectos das sociedades ocidentais
como a liberdade de expressão e de religião, a igualdade de direitos para homens
e mulheres são incompatíveis com os ensinamentos do Alcorão. Para eles, o
Ocidente, com seus valores, constitui uma ameaça à sociedade islâmica, devendo
ser combatido.
O ideal político desta manifestação fundamentalista é a implantação de um
Estado Islâmico, um regime teocrático que traduza literalmente as antigas leis do
Alcorão (balizados por uma interpretação radical dos textos). O chefe real desta
49
Mas, nem por isso, alguns membros dessa facção são mais tolerantes; basta lembrar que
Saddam Hussein e milicianos no grupo Al Qaeda são de inspiração sunita. No Afeganistão, de
maioria sunita, os xiitas, por exemplo, são considerados “párias”.
50
Convém ressaltar que esse grupo não se denomina fundamentalista e sim mujähidün (guerreiros
da liberdade) e de defensores da jihad, a “guerra santa” contra os inimigos do Islã.
80
concepção de governo teocrático é Alá, sendo os demais guias religiosos apenas
representantes que interpretam e aplicam a vontade divina.
No que cabe às tradições, os fundamentalistas defendem o radical e
urgente rompimento com tudo que pareça ocidental
51
. As mulheres emancipadas
pelas leis secularizadas devem voltar a usar o chador ou burca, não devem ter
acesso à instrução, nem ser atendidas por médicos. O ensino em qualquer nível
deve priorizar o campo religioso e as leis comuns devem se acolher às regras
estabelecidas pelo Alcorão. Socialmente, pode-se dizer que eles dão voz aos
sentimentos dos setores mais pobres e mais desesperançados das comunidades
do Oriente Médio, gente em sua maioria analfabeta que vive em subúrbios, nos
campos ou nos desertos e que leva uma vida dura, sem alegrias ou confortos.
O surgimento do fundamentalismo religioso também parece estar ligado tanto a
uma tendência global como a uma crise institucional. Segundo a experiência
histórica, sempre existiram idéias e crenças de todos os tipos à espera para
eclodirem no momento certo. É significativo que o fundamentalismo, quer islâmico,
quer cristão, tenha se difundido (e continuará a expandir-se) por todo o mundo no
momento histórico em que redes globais de riqueza e poder conectam pontos
nodais e valorizam os indivíduos em todo o planeta, embora desconectem e
excluam grandes segmentos das sociedades. (CASTELLS, 2002, p. 59-60)
Os movimentos fundamentalistas islâmicos têm sua origem na decadência
do poder muçulmano no século XVIII, dentro do contexto da expansão do Império
Turco-Otomano. Nesse período, os líderes espirituais eram obrigados a aceitar
determinações do poder político imperial, que, apesar de professar o Islamismo,
procuravam agradar povos não-muçulmanos dominados pelo império. Em razão
da expansão do Império Turco-Otomano, ocorria uma troca de manifestações
culturais que não era bem vista pelos líderes espirituais. A expansão do
colonialismo ocidental foi um processo fundamental para o retrocesso da cultura
islâmica.
51
Para Kamel (2007), classificar os xiitas de “fundamentalistas” é enobrecê-los. Segundo o
jornalista, os líderes desses grupos se aproximam mais de Hitler do que de fanáticos religiosos
como Jim Jones e devem ser chamados pelo que realmente o são: “totalitários do Islã”.
81
Com o domínio colonial europeu, a partir do início do século XX, os
movimentos fundamentalistas ganharam impulso, alicerçados na defesa das leis e
costumes islâmicos e na luta contra a dominação ocidental.
O crescimento do fundamentalismo também precisa ser entendido como
uma reação aos governos corruptos e ditatoriais de vários países do Oriente
Médio, onde a conquista da independência política não significou a eliminação das
interferências externas das grandes potências mundiais e onde as populações não
vêem perspectivas para melhoria nas condições de suas vidas. Em muitos desses
países, governantes acabam se reelegendo por meio de fraudes e manipulações.
Em vista disso, parte da população muçulmana passa a depositar cada vez mais
suas esperanças nas próprias raízes religiosas e culturais.
A posição das grandes potências mundiais, sobretudo dos Estados Unidos,
em relação aos governos desses países sempre foi ambígua, revelando, na
verdade, um interesse no Oriente Médio exclusivo nas vantagens econômicas e
geopolíticas que podem ter apoiando este ou aquele governante.
Em tempos contemporâneos, o fundamentalismo islâmico começa a ganhar
força na primeira metade do século XX. Em 1929, no Egito, surgiu a Irmandade
Muçulmana, fundada por Hasan al-Banna. O grupo oferecia resistência armada ao
colonizador britânico. A Irmandade também possuía características sociais
desenvolvendo programas de alfabetização e de assistência médica à população
carente do Egito. Os fundamentalistas queriam com isso reconstruir sua
identidade nacional com base nos alicerces da religião islâmica, em oposição aos
valores políticos e culturais do colonizador. Contudo, a Irmandade Muçulmana
passou a ser perseguida pela monarquia egípcia, que tinha fortes laços políticos
com a Inglaterra. A Irmandade manifestava na prática terrorista sua metodologia
de ação. Seus militantes costumavam bradar palavras de ordem como: “Nós não
temos medo da morte; nós a desejamos”. A sentença com que a Al Qaeda
costuma finalizar suas declarações – “vocês amam a vida; nós, a morte” – tem no
discurso da Irmandade Muçulmana a sua origem.
O fundamentalismo islâmico voltou a ascender no cenário político
internacional em 1979 com a Revolução Islâmica Xiita no Irã. Liderada pelo Aiatolá
82
Khomeini, a Revolução foi vista como uma canalização das potencialidades
islâmicas adormecidas ou escorraçadas pela presença cada vez maior do “pecado
da modernidade”. Na concepção fundamentalista, a salvação para esse pecado
seria o resgate da “pureza islâmica”.
3.4. O surgimento do grupo terrorista islâmico Al Qaeda
O Afeganistão, composto de uma variedade de etnias rivais, era uma
monarquia desde 1933. Em 1973, sofreu um golpe de Estado, liderado pelo
general Mohammed Daud, que transformou o país numa república e assumiu a
presidência. No período da Guerra Fria, principalmente após a crise do petróleo de
1973, o país tornou-se estratégico, transformando-se num território de disputa
entre as duas superpotências da época (Estados Unidos e ex-União Soviética). Os
soviéticos aspiravam à dominação da região para controlar o acesso ao Golfo
Pérsico, e os Estados Unidos buscavam inibir a expansão soviética na região do
Oriente Médio.
Em 1978, Mohammed Daud foi deposto e assassinado por membros do
Partido Democrático do Povo (de orientação comunista). Esse episódio
desencadeou a disputa pelo poder entre as facções do próprio partido e entre
grupos guerrilheiros de etnias diversas, principalmente a islâmica. Hafizullah Amin,
líder de uma das facções do Partido Democrático do Povo, acabou conquistando a
presidência, mas não se mostrou capaz de contemplar os interesses soviéticos.
No final de 1979, a União Soviética invadiu o país. O presidente Hafizullah Amin
foi assassinado e o presidente nomeado, Babrak Karmal, passou a governar o
Afeganistão com as forças soviéticas, que em pouco tempo chegaram a mobilizar
grande contingente de soldados.
A resistência contra o regime de Babrak Karmal, por parte dos vários
grupos de mujähidins, foi implacável. Instaurou-se no país uma guerra civil que os
soviéticos nunca conseguiram controlar. Estados Unidos, Paquistão, China, Irã e
Arábia Saudita forneceram armas e dinheiro aos guerrilheiros que lutavam contra
a ocupação soviética. Durante a década de 1980, os Estados Unidos estiveram
83
diretamente envolvidos no recrutamento e treinamento dos mujähidins, entre eles,
Osama bin Laden.
Ao fim da Guerra Fria, o exército soviético retirou-se do Afeganistão, e a
guerra continuou entre as facções de grupos islâmicos que disputavam o poder
entre si. Em 1994, o Talebã, grupo islâmico ultra-radical, assumiu o poder e o
controle de 95% do território afegão e o país se transformou em abrigo seguro
para o milionário saudita Osama bin Laden.
Já no fim do jihad no Afeganistão (no fim dos anos 1980), a Al Qaeda (...), foi
criada para atingir as seguintes metas: “Estabelecer a verdade, livrar o mundo de
todo o mal e fundar uma grande nação islâmica”. (KAMEL, 2007, p. 213)
Os mujähidins treinados pelos Estados Unidos para combater a expansão
do comunismo soviético voltaram-se contra seu principal provedor de armas e de
treinamentos.
... o aspecto mais assustador (...) era o fato de que quase ninguém a levava a
sério. Era estranha demais, primitiva e exótica demais. Diante da confiança dos
americanos na modernidade, na tecnologia e em seus próprios ideais para
protegê-los do desfile selvagem da história, os gestos desafiadores de Bin Laden e
seus sequazes se afiguravam absurdos e até patéticos. No entanto, a Al Qaeda
não era um mero artefato da Arábia do século VII. Aprendera a usar ferramentas
modernas e idéias modernas, o que não surpreendia, já que a história da Al
Qaeda na realidade começara nos Estados Unidos, não tanto tempo atrás.
(WRIGHT, 2007, p. 17)
A rede Al Qaeda foi concebida nesse contexto histórico, com a fusão de
facções islâmicas ultra-radicais, conexões espalhadas pelo mundo – inclusive nos
Estados Unidos – país que seria o alvo do mais arrojado ataque executado pela
organização. A Al Qaeda possuía o código genético do terrorismo, seu rastro de
sangue e destruição ficaria mundialmente famoso em 11 de setembro de 2001.
84
3.5. A Al Qaeda e o “Terrorismo em Rede”
52
Com os atentados de 11 de setembro de 2001, o grupo terrorista Al Qaeda
inaugurou uma nova forma de manifestação terrorista: o terrorismo em rede. Neste
início de século, quatro atentados chocaram o mundo por sua crueldade: o de 11
de setembro de 2001 (em Nova York e Washington – Estados Unidos), o de 11 de
março de 2004 (em Madri – Espanha), o de Beslan (Ossétia do Norte) cujo nefasto
desfecho ocorreu em 3 de setembro de 2004 e os atos ocorridos em Londres
(Inglaterra) em 7 de julho de 2005
53
. Os atentados sofridos pelos Estados Unidos,
52
A organização do espaço geográfico através das redes eliminou a necessidade de fixar as
atividades políticas, econômicas e até terroristas, em determinados lugares. Isso vale para o
grande número de atividades que podem ser executadas a partir de qualquer parte do mundo,
bastando que esses locais estejam conectados. O espaço geográfico hoje tende a se tornar um
meio técnico-cientifico informacional, impregnado pela tríade ciência, técnica e informação, o que
resulta em uma nova dinâmica territorial (Santos, 1996a). Até pouco tempo, a superfície do planeta
era utilizada de acordo com divisões produzidas pela natureza ou pela história, chamadas de
regiões. Essas regiões correspondiam à base da vida econômica, cultural e política. Atualmente,
devido ao processo das técnicas e das comunicações, a esse território se sobrepõe um território
das redes que, em primeira análise, fornece a impressão de ser uma realidade virtual. Mas, ao
contrário do que se possa imaginar, não se trata de um espaço virtual. Para Castells (2002, p.565):
“redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes
modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de
experiência, poder e cultura”. Assim, as redes são realidades concretas, formadas por pontos
interligados, que tendem se a espalhar por toda a superfície mundial, ainda que com desigual
densidade, conforme os continentes e países. Santos (1996b, p.215) afirma que “a existência das
redes é inseparável da questão do poder”. Essas redes se constituem na base da modernidade e
na condição necessária para a plena realização da economia global. Elas formam e constituem o
veículo que permite o fluxo das informações, que são hoje o mecanismo vital da globalização.
Moreira (2006) aduz que a organização em rede vai mudando a forma de conteúdo dos espaços
deixando-os simultaneamente mais fluídos e as distâncias perdem seu sentido físico diante do
novo conteúdo social do espaço. Antes de mais nada, é preciso se estar inserido num lugar, para
se estar inserido na geopolítica da rede. Uma vez localizado na rede, pode-se daí puxar a
informação, disputar-se primazias e então jogar-se o jogo do poder. Enfim, a informação se torna a
matéria-prima essencial do espaço-rede. Nesse cenário é que emerge a expressão “Terrorismo em
Rede”, utilizada por Haesbaert (2002b). Para o geógrafo, o grupo Al Qaeda possui em sua
estrutura bases ou “células” de uma organização ilegal – e a flexibilidade das redes com seus
fluxos de várias ordens. Parte desta agilidade se deve ao acesso às redes técnico-informacionais
contemporâneas e aos investimentos mantidos pelo grupo, especialmente em setores ilegais da
economia. Pelo seu caráter mais difuso, fragmentado e descontínuo (mas nunca desarticulado) no
espaço geográfico, o terrorismo da Al Qaeda constitui um dos âmbitos ilegítimo do processo de
globalização. Cabe ressaltar que as conexões de uma rede como a da organização de Bin Laden
vincula os territórios mais excluídos do movimento globalizador, como os do interior do
Afeganistão, até centros do capitalismo mundial como Manhattan.
53
No dia 30 de junho de 2007, o governo britânico elevou o nível de alerta terrorista para "crítico”
após o impacto de um carro em chamas contra um terminal do aeroporto de Glasgow, no sul da
Escócia. A polícia escocesa afirmou que o ataque foi "um ato terrorista claramente vinculado" aos
dois carros-bomba localizados pelas autoridades inglesas em Londres na sexta-feira (29/06). O
"alerta crítico" não era acionado no Reino Unido desde 7 de julho de 2005, quando um atentado
85
Espanha e Inglaterra foram atribuídos à rede Al Qaeda e seus braços de
execução. O da Ossétia do Norte, a um grupo separatista da Chechênia, região
que luta por sua independência em relação à Federação Russa.
Durante o século XX, proliferaram grupos terroristas em praticamente todas
as partes do planeta com os mais diferentes objetivos: grupos de esquerda em
luta contra governos capitalistas, grupos de direita contra governos de orientação
socialista, grupos nacionalistas, grupos separatistas, lutas pela independência,
descolonização...
Neto (2002) atenta que as ações terroristas são determinadas por princípios
básicos que assegurem o seu sucesso e aumentem cada vez mais o poder de
destruição. Entre seus principais preceitos estão
a) O princípio da surpresa: Atacar onde e quando menos se espera;
b) O princípio do alvo certo: A escolha correta do alvo a ser atingido é
determinante na promoção do medo e do terror;
c) O princípio das externalidades: Valorizar não apenas o ato terrorista, mas,
sobretudo, os efeitos de curto, médio e longo prazos das ações do terror;
d) O princípio da tragédia: Quanto maior o número de vítimas, melhor. Vítimas
para chocar é o preceito básico das ações terroristas;
e) O princípio do efeito moral: Abater moralmente os inimigos, disseminando
o medo e o pavor entre a população;
f) O princípio das novas possibilidades: Sempre prometer novos ataques
caso suas exigências não sejam cumpridas;
g) O princípio da presença onipotente: Estar presente em qualquer lugar, em
todo lugar, sempre disposto a agir, se for preciso;
h) O princípio da ameaça latente: Tornar-se uma ameaça sempre presente na
vida das pessoas, países e regiões;
i) O princípio da eficiência destruidora: Sua eficiência e sua competência,
mesmo a serviço do mal, são objetos de admiração;
j) O princípio da redenção: A morte de seus seguidores é o ingresso na vida
eterna;
k) O princípio do exército de reserva: Divulgar adesões em massa ao
movimento terrorista e deixar claro que “o que não falta são terroristas
dispostos a morrer”;
l) O princípio da onipresença: Fazer crer aos inimigos que dispõe de um
exército de terroristas prontos para a ação em seu próprio território;
m) O princípio do simbolismo destrutivo: Valorizar o efeito simbólico das
ações. Destruir símbolos que significam poder, riqueza e intransigência;
n) O princípio da martirização: Transformar seus adeptos em mártires;
suicida matou 52 pessoas na capital inglesa. Muçulmanos que trabalharam no sistema de saúde
do país são foco da investigação sobre plano terrorista em Londres e Glasgow, assim como se
suspeita da participação de células do grupo Al Qaeda na elaboração dos atos.
86
o) O princípio da espetacularização: Fazer de seus atos verdadeiros
espetáculos de destruição;
p) O princípio do catastrofismo: Sempre prometer a anunciar uma tragédia
maior;
q) O princípio da inversão: Transformar a vítima em algoz;
r) O princípio do estímulo à guerra total (o princípio da “jihadização”):
Promover a guerra santa. Transformar os conflitos locais em choques de
civilizações;
s) O princípio da demonização: Seu inimigo é visto como o Grande Satã,
causador de todos os males do mudo;
t) O princípio da invisibilidade: Ser um inimigo invisível, sem cara nem
movimentação;
u) O princípio do anonimato: Cometer atos mantendo-se no anonimato;
v) O princípio da reflexão induzida: Pelos atos praticados contra alvos
cuidadosamente escolhidos, induz-se à reflexão: por que este ou aquele
país foi escolhido como alvo das ações terroristas?;
w) O princípio da bola da vez: Deixar seus inimigos pensarem que um deles
será a próxima vítima a alvo do terror;
x) O princípio do silêncio: Manter-se em silêncio para não se expor
54
. (NETO,
2002, p. 60-62)
No entanto, atos terroristas de grandes proporções são elementos
marcantes na ordem mundial pós-Guerra Fria e colocam em evidência a
continuidade dessa estratégia de luta por grupos radicais frente ao Estado
organizado, diante dos quais seriam impotentes num combate frontal. Trata-se de
uma guerra assimétrica de grandes proporções, que amedronta e coloca a
sociedade em permanente estado de tensão. O combate ao terrorismo não é uma
tarefa a ser realizada em curto prazo. O terrorismo é um “inimigo invisível”, atua
por meio de ataques surpresas e, muitas vezes, é indiferente ao alvo que será
atingido.
Sem dúvida, neste início de século, embora velhas táticas terroristas ainda
sejam praticadas, pelo menos os atentados atribuídos à rede Al Qaeda,
caracterizam-se pelo minucioso planejamento e profissionalismo, visando ações
54
Os itens “u” e “x” se fazem vivos quando nos reportamos às palavras de Osama bin Laden
quando a este recaíam as suspeitas de ser o mentor dos atentados contra os Estados Unidos em
11 de setembro de 2001: “Eu já disse que eu não estou envolvido nos ataques de 11 de setembro
nos Estados Unidos. Como um muçulmano, eu dou o melhor de mim pra evitar contar uma mentira.
Eu não tinha nenhum conhecimento desses ataques nem eu considero um ato aceitável matar
mulheres inocentes, crianças e outros seres humanos. O Islã proíbe formalmente tais práticas,
mesmo no curso de uma guerra”. (KAMEL, 2007, p. 240)
87
de proporções mundiais. Foram atos realizados em pontos estratégicos do
capitalismo mundial.
Quanto maior a violência da prática terrorista, maior será a cobertura dos
meios de comunicação. Uma vez que é a imagem que determina a informação na
atualidade (Vicente, 2005a), e “mesmo a desgraça perde seu sentido sem os
refletores” (AUBENAS & BENASAYAG, 2003, p. 32). Nos atentados ao World
Trade Center, depois do choque do primeiro avião na Torre Norte, as câmaras de
televisão passaram a transmitir ao vivo o acontecimento e pessoas do mundo todo
viram em tempo real o segundo avião chocar-se na Torre Sul. Foi também ao vivo
que os telespectadores puderam acompanhar o desabamento das Torres Gêmeas
e a população em desespero sob a poeira dos escombros produzidos. Segundo a
Revista Veja (2001, p. 62), eles “queriam publicidade máxima de seus atos e
agiram como se tivessem antecipado o cenário que construíram.”
Na pauta desse novo terrorismo consta:
Criar catástrofes para gerar espaço;
Despertar polêmicas para colocar-se como tema central;
Mitificar o seu principal líder para dele fazer um dos principais produtos da
mídia;
Criar novas expectativas de ataques para manter a imprensa sempre em
estado de alerta; e
Fomentar um clima de guerra para despertar a atenção da mídia. (NETO,
2002, p. 107-108).
Segundo Romano (2003, p.21) “com o Estado moderno, todas as artes e
ciências se tornaram utensílios de propaganda”. Sem a atuação da mídia, os
atentados de 11 de setembro de 2001 não teriam o impacto desejado. Ramonet
(2001) nos alerta
... que hoje em dia a informação televisada é essencialmente um divertimento, um
espetáculo. Que ela se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de
morte. (RAMONET, 2001, p. 101)
Cabe destaque à noção de tempo real manifestada pelos arquitetos do
terror que projetaram os atentados. A resposta quase que instantânea por parte
dos meios de comunicação era algo previsível e peça importante para a
repercussão das ações terroristas. As cenas dos aviões se chocando contra os
88
edifícios do World Trade Center, transformaram-se em um “marketing do terror”.
Os ataques tiveram como alvo os principais espaços-símbolos dos Estados
Unidos: o econômico (Word Trade Center) e o militar (Pentágono). As imagens
produzidas pelos ataques representariam à destruição dos ícones do capitalismo
estadunidense. Assim, a mídia foi utilizada como instrumento de guerra pelos
terroristas.
De acordo com Neto (2002) e Eco (2002)
Pelo clima de guerra criado, o terror vale-se da mídia para fomentar a sua própria
jihad”. É o marketing do terror que “jihadiza” a mídia.
(...)
O que fez a mídia senão cair na armadilha que lhe foi preparada pelo marketing do
terror? (NETO, 2002, p. 107-108).
A repetição, nos dias seguintes aos atentados, até 200 vezes consecutivas, do
choque dos aviões, por um lado paralisou o mundo, mas, por outro, contribuiu de
forma determinante para aumentar – e com euforia – a simpatia e a provocação de
vários grupos ligados ao terrorismo. Isso transformou Bin Laden numa espécie de
super-homem capaz de tudo, o que aumentou e incentivou o recrutamento de
novos camicases. (ECO apud NETO, 2002, p. 108)
O poder midiático serviu como instrumento para despertar a atenção da
população à causa dos terroristas. O episódio reforçou o poder da imagem na
produção dos sentidos. Quando se fala nos atentados de 11 de setembro de 2001,
as cenas que nos vem à mente são as dos aviões se chocando com as torres do
World Trade Center e suas estruturas sendo consumidas pelas chamas. O
atentado ao Pentágono, não raro, cai no esquecimento, num primeiro momento,
entre outros fatores, por não se ter às imagens do avião destruindo suas
estruturas. Arbex Jr. (2003a, p.23) complementa o raciocínio sobre a utilização
estratégica dos meios de comunicação afirmando que “... a mídia, na era
tecnológica, é um instrumento estratégico de guerra. (...) Ela é um elemento do
terror”.
Osama bin Laden pode ser classificado como agente do novo terrorismo.
Incitando a prática terrorista de maneira transnacional e não mais local como as
ações do IRA e do ETA. A Al Qaeda, utilizando-se de maneira eficaz das
tecnologias de informação, produz o terrorismo organizado em rede. No caso do
89
grupo Al Qaeda, a Internet, os laptops, os passaportes múltiplos e as facilidades
de transporte mundial tornaram possível a organização terrorista operar como uma
entidade virtual, fazendo eficiente uso do território organizado em rede, obtendo
maior mobilidade e flexibilidade.
Mas o terrorismo atual é diferente das formas anteriores. E os atentados
terroristas do dia 11 de setembro de 2001, simbolizam muito bem este novo
terrorismo, em especial, pelo planejamento, objetivos, sua natureza globalizada e
uso inteligente da mídia.
Neste aspecto, a Al Qaeda é uma organização perfeitamente adaptada à era da
globalização com suas ramificações multinacionais, suas redes financeiras suas
conexões com os meios de comunicação e informação, seus recursos
econômicos, suas centrais de abastecimento, seus centros de formação, seus
pólos humanitários, seus postos de propaganda, suas filiais e subfiliais...
(RAMONET, 2003, p. 69)
O velho terrorismo procurava eliminar figuras estratégicas do regime que
combatia, evitando atingir inocentes. Já para o novo terrorismo não há inocentes,
todos devem sofrer as conseqüências dos atos do regime sob o qual vivem e
eventualmente apóiam. Nem mesmo as populações que, em tese, seriam
"libertadas" ou "esclarecidas" pelos terroristas são afinal inocentes que devem ser
poupadas; pois na lógica de sua argumentação existe a idéia de que "quem morre
pela causa" deve se sentir glorificado. Além disso, a destruição de edifícios
símbolos (como as torres do World Trade Center ou o Pentágono) e a matança de
centenas ou milhares de pessoas é algo que chama a atenção da mídia e
justamente esta é uma das grandes preocupações do terrorismo da rede Al
Qaeda. Ele busca a cobertura por parte da mídia internacional, suas ações só têm
sentido no contexto de sociedades democráticas onde a mídia em geral, e em
especial a TV (que transmite imagens e sons e influencia uma parcela maior da
população), é livre e procura dar uma cobertura imediata aos acontecimentos
considerados "quentes" ou de grande importância. Podemos até dizer que existe
uma relação simbiótica entre o novo terrorismo e a nova mídia: ambos são
globalizados e visam à opinião pública internacional (que logicamente é mais
intensa e influente nos países desenvolvidos), sem a qual não existiriam; ambos
90
preocupam-se com o sensacionalismo, com acontecimentos trágicos que têm que
ser (re)produzidos constantemente para prender a atenção do público. Basta
atentar para o fato de que, nos dias e semanas que se seguiram aos atentados
terroristas nos Estados Unidos, algumas redes de televisão alcançaram altíssimos
e atípicos índices de audiência em visível contraste com os preços das ações das
empresas em geral que caíram bastante no mesmo período. A CNN que antes dos
ataques aos Estados Unidos passava por séria crise, apostou alto na cobertura de
guerra e, ancorada no estado de comoção pelo qual o país passava, a emissora
bateu recordes de audiência, sendo das poucas empresas midiáticas com ações
em alta na Bolsa de Nova York após os atentados (Dorneles, 2003).
As principais modalidades do novo terrorismo são as seitas ou
organizações fundamentalistas, apocalípticas e tradicionalistas. Essa é mais uma
diferença essencial entre ele e o velho terrorismo. Este último, em especial o
terrorismo anarquista, era de esquerda (e se considerava progressista) no sentido
de lutar por igualdade social, de se opor violentamente não ao progresso em si,
mas sim ao seu usufruto por somente uma minoria da população. Já o novo
terrorismo é essencialmente conservador e, ao contrário do que muitos pensam, é
radicalmente contrário aos ideais de igualdade e liberdade para todos. A bem da
verdade, normalmente ele combate esses ideais democráticos, taxando-os de
"ocidentais" (num sentido pejorativo) ou então de "artificiais" e "anti-naturais". O
terrorismo da rede Al Qaeda não está preocupado com as desigualdades
internacionais ou com a pobreza ou a exclusão de inúmeros povos e, sim, com a
ameaça a certos valores tradicionais (religiosos ou não) que considera absolutos:
por exemplo, a superioridade masculina e outros princípios de acordo com sua
leitura do Islamismo, a destruição da ordem atual das coisas com vistas à
construção de um mundo novo alicerçado em determinadas crenças religiosas.
Sem dúvida que a situação precária dos palestinos, que piorou muito com os
recentes governos de Israel e dos Estados Unidos, serviu como motivo mais
imediato destes atos terroristas contra os estadunidenses, que foram praticados
por grupos (uma verdadeira rede) extremistas islâmicos. Mas confundir isso com
um protesto furioso contra a globalização ou contra as exclusões e desigualdades
91
em geral, como foi feito à época, é confessar ignorância total sobre os
fundamentos de tais grupos terroristas e as suas motivações ou se utilizar da lente
ideológica da miopia política para visualizar e apontar sofismas frente a um
nevoeiro retórico
55
.
Outro traço característico do terrorismo em rede é que ele não se limita a
assassinatos ou explosões isoladas, que eram a tônica no velho terrorismo. Ele é
global (convive e se alimenta da globalização) e dispõe de todo um sofisticado
arsenal de financiamento e de artefatos: novos meios de destruição (químicos,
biológicos, tecnológicos), contas bancárias numeradas na Suíça ou em "paraísos
fiscais" e membros recrutados em vários países (e treinados em outros), alguns
inclusive com um nível educacional elevado (pós-graduação ou até doutorado em
microbiologia, química, eletrônica, sistemas de redes etc.). Ele é financiado tanto
por contribuições dos membros e, principalmente dos simpatizantes (muitos dos
quais milionários, pessoas muito bem inseridas no sistema global e como também
55
“Eu saúdo os atentados. Eles revelaram a fraqueza do imperialismo americano. Esses
fundamentalistas islâmicos estão liderando e vão liderar por muito tempo a luta antiimperialista”. As
eufóricas palavras embebidas em sangue de Armen Mamigonian (professor do Departamento de
Geografia da USP que tem no comunismo sua orientação político-ideológica) proferidas durante
uma palestra são um exemplo daqueles que adotaram como vingança (um popular “você
mereceu”!) os atos terroristas de 11 de setembro de 2001. As ações terroristas contemplariam os
anseios de substancial parcela do antiamericanismo. Os algozes do “Império” eram saudados
como redentores. Mas esse discurso é opaco. A rede terrorista que orquestrou os atentados contra
os Estados Unidos é conservadora e busca a consecução de um “Imperialismo Islâmico”. Por mais
que se aclamem as violentas ações executadas contra os Estados Unidos, a ideologia defendida
pelo professor Armen Mamigoniam também não se avolumaria em um possível mundo regido
pelas leis do fundamentalismo islâmico. O próprio regime Talebã no Afeganistão é um exemplo de
como os valores democráticos são sepultados sobre os escombros de massacres e severas
punições à população do país. O ex-líder do Irã, Aiatolá Khomeini, em carta endereçada ao então
dirigente da União Soviética, Mikhail Gorbatchov, dez anos antes do fim do Império Soviético,
sentenciou: “Em dez anos, o comunismo, essa perversão do espírito humano, terá desaparecido
da face da Terra. Já o Islamismo, que prega o amor e não o ódio, prosseguirá em sua campanha
vitoriosa, pois nada nem ninguém pode bloquear nossa fé”. Pelo raciocínio de Khomeini o
comunismo não teria futuro promissor na arena política do Islamismo fundamentalista. Contudo,
Khomeini se engasga nas próprias palavras quando diz que o Islamismo prega o amor ao invés do
ódio. De fato, como já mencionamos, o Islã original cativava sentimentos fraternos (e muitos
seguidores ainda o fazem.). Mas a ala fundamentalista que Khomeini representou até sua morte e
os xiitas têm uma estrábica visão desses valores. O egípcio Sayyid Quttb, ideólogo do grupo
Irmandade Muçulmana, é autor da obra Sinalizações da estrada (texto considerado a “bíblia” do
terror islâmico). Nessa obra, Qutb dispara contra o comunismo: “Hoje, o marxismo foi derrotado no
plano das idéias, e não será exagero afirmar que nenhuma nação no mundo é verdadeiramente
marxista. De maneira geral, essa teoria está em desacordo com a natureza e as necessidades
humanas. Essa ideologia só prospera em uma sociedade degenerada, ou em uma sociedade que
se tornou acuada diante de alguma forma de ditadura prolongada”. (Appud KAMEL, 2007, p. 206)
92
em alguns casos pela associação com o tráfico de drogas). Ele dispõe do
indispensável apoio de alguns Estados que os escondem ou até que permitem (ou
financiam em parte) os seus campos de treinamento: como se sabe, nos anos
recentes esse papel foi desempenhado, em maior ou menor proporção, pelo
Sudão, Somália, Líbia, Síria, Iraque e Afeganistão. E o terrorismo global dispõe de
novos e mais potentes instrumentos de ação: não somente os assassinatos e as
explosões, mas também gases nocivos (como o sarim), agentes biológicos
patogênicos (como o antraz) e talvez – desde que exista a ajuda de algum Estado
com essa tecnologia, material radioativo e no limite armamentos atômicos
56
.
Devido à grande sofisticação dos atuais meios de destruição, que mais cedo ou
mais tarde acabam ficando à disposição de grupos que têm recursos para adquiri-
los, o terrorismo torna-se, pelo menos potencialmente, cada vez mais letal ou até
catastrófico.
3.6. Terrorismo na mídia: um contrato semântico polêmico
“Foi o maior atentado terrorista da história”. Essa sentença foi amplamente
divulgada por telejornais, sites, rádios e meios de comunicação impressos quando
se reportavam aos atentados ocorridos nos Estados Unidos naquela fatídica
manhã de terça-feira. Mesmo que no decorrer das horas não se sabia a quem
atribuir à culpa, o dia 11 de setembro de 2001 já tinha seu lugar assegurado na
história.
Floresceram críticas quanto à afirmação: Por que o 11 de setembro de 2001
seria o maior ato terrorista da história? Outro embate semântico e político
suscitado à época: os ataques sofridos pelos Estados Unidos foram atos de
terrorismo? Acendendo a chama da provocação, Arbex Jr. (2003) e Steinberger
(2005)
questionam
56
José William Vesentini. “Terrorismo e Nova Ordem Mundial - alguns comentários”. Texto que
circulou na Internet em sites de Ciências Sociais em outubro de 2001, sem maiores referências.
93
Ninguém esclareceu qual critério, exatamente, fez do atentado de 11 de setembro
algo pior ou pelo menos mais grandioso do que, por exemplo, a destruição de
Hiroxima (sic) e Nagasáqui (sic), em agosto de 1945; ou do que o ataque a
instalações civis no Sudão, ordenado por Bill Clinton, em 24 de agosto de 1998
(...) ou ainda, do que os bombardeios maciços dos Estados Unidos sobre as
populações do Laos, Vietnã e Camboja nos anos 60 e 70, quando morreram pelo
menos 3 milhões de civis. (ARBEX JR, 2003b, p. 49)
O maior em número de vítimas? O maior em danos e prejuízos causados? O
maior relacionado ao “menos provável”? Como a mídia divulgou tais avaliações
menos de 24 horas depois do ocorrido, quando muito pouco se sabia a respeito de
vítimas e danos? Qual a origem de tais modos de identificar e avaliar?
(STEINBERGER, 2005, p. 225)
Em entrevista à revista Veja, o consultor estadunidense para temas de
combate ao terrorismo, Ian O. Lesser, ao responder tal questionamento afirma que
É bastante possível. Certamente foram os mais dramáticos e letais da história
moderna do terrorismo. A escala dos ataques foi catastrófica, mas não é
comparável a um ataque nuclear de pequena escala nuclear numa área urbana.
(LESSER, 2001, p. 14)
Uma pista à polêmica pode ser acrescida: o que é terrorismo? Responder
essa questão pode ser o primeiro passo para se chegar a uma conclusão.
Embora a prática política do terrorismo seja antiga, o mesmo não acontece
com o emprego da palavra para ilustrar tais atos. O verbete “terrorismo” foi
empregado pela primeira vez para classificar o período de terror durante a
Revolução Francesa ocorrida em 1789. O Dicionário da Academia Francesa, em
sua edição de 1798, classifica o termo como “sistema ou governo baseado no
terror”. Nesse período revolucionário, governos ditatoriais guilhotinaram doze mil
pessoas de vários matizes ideológicos. O terrorismo entra na linguagem como
“Terrorismo de Estado”, que já era sua forma quase exclusiva antes de seu
“batismo ortográfico”.
Embora seja uma palavra de uso disseminado, a definição de terrorismo é
marcada pelo signo da controversa. A ONU procura desde a década de 1960
conceituar de maneira precisa a expressão. A frustração deve-se, em parte, a
interesses geopolíticos de muitos dos países que integram a organização. Afinal,
94
os que são terroristas para uns podem ser considerados combatentes em prol da
liberdade para outros
57
.
A definição de terrorismo adotada pela União Européia demonstra bem
essa fragilidade. Ao conceituar que “ato terrorista é aquele que produz vítimas
civis”, define-o de maneira ampla e vaga. Seguir este pensamento é como colocar
na mesma teia de análises os atentados de 11 de setembro de 2001 e ações
realizadas por estudantes, pacifistas, operários e torcedores de futebol cujos
movimentos de protestos resultassem em mortes involuntárias.
Contribuindo com o assunto, Attali apud Neto (2001, p.22) classifica
terrorismo como: “Antiqüíssima forma de violência política usada por grupos
ultraminoritários decididos a conquistar pela força o poder sobre determinado
território”.
As palavras de Attali jogam luz na discussão. Ao mencionar a utilização da
força política usada por grupos ultraminoritários, torna mais clara e delimitada a
proposta dos grupos terroristas.
Assim sendo, é possível construir um consenso, mínimo que seja, sobre o
que é terrorismo: o uso sistemático da violência para produzir uma atmosfera de
medo em que seus adeptos acreditem que será possível alcançar determinado
objetivo político.
Ao considerarmos que os ataques perpetrados em 11 de setembro de 2001
pelo grupo Al Qaeda externaram cálculo, estratégia, almejando ferir a moral
política e social dos Estados Unidos, sendo movidos por claros motivos de
57
Ilustrando essa máxima, a revista Veja (2001, p. 112) atenta que: “Em um célebre discurso na
ONU em 1974, o líder palestino Yasser Arafat defendeu a tese de que um povo que luta pela
própria independência tem o direito de apelar para atos terroristas. Foi muito aplaudido. Impecável
na teoria, o discurso de Arafat e o apoio que ele recebeu abriram a porta a abusos de toda ordem.
Em dez anos o número de grupos terroristas de expressão mundial multiplicou-se por cinco”. Em
11 de março de 2006, a Conferência de Madri teve como pauta o terrorismo. O então secretário-
geral da ONU, Kofi Anan, clamou à comunidade internacional a conceber e adotar um novo tratado
sobre o terrorismo, que tornará ilegal qualquer ataque a civis e estabelecerá diretivas para uma
resposta coletiva à ameaça. Kofi Anan definiu o terrorismo como “Qualquer ato que tem como
objetivo causar a morte ou provocar ferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não
participa ativamente das hostilidades numa situação que visa intimidar a população ou compelir um
governo ou uma organização internacional a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato”. Para
Chistopher Greenwood (London School of Economics – Londres) há “o grande risco de que sejam
encontradas soluções arbitrárias, que respondam mais a interesses políticos do que à necessidade
real de enfrentar a ameaça terrorista internacional”. Fonte: Folha de São Paulo, 20/03/2006, p. A-
24.
95
intimidação, vislumbrando a população civil como alvo e fomentando pânico nas
sociedades estadunidense e mundial, temos peças que se encaixam na definição
anterior: as ações contra os Estados Unidos podem sim ser classificadas como
terroristas, embora não apenas esses atentados, e sim, todos aqueles que
preenchem tais características, inclusive práticas políticas efetuadas pelos
Estados Unidos ao longo do século XX.
Contudo, da maneira como o termo é trabalhado, produzem-se sentidos
diferenciados como nos alerta Dorneles (2003)
O terrorismo no dicionário: 1) modo de impor a vontade pelo uso sistemático do
terror; 2) emprego sistemático da violência para fins políticos, especialmente a
prática de atentados e destruições por grupos cujo objetivo é a desorganização da
sociedade existente e a tomada do poder; 3) regime de violência instituído por um
governo; 4) atitude de intolerância e de intimidação adotada pelos defensores de
uma ideologia, sobretudo nos campos literário e artístico, em relação aos que não
participam de suas convicções (Dicionário Houssais da língua portuguesa, p.
2706).
Mas a definição de terrorismo adotada pela imprensa é bem mais restrita.
Massacres e crimes contra a humanidade praticados por um governo jamais são
citados como “terrorismo”. Convencionou-se chamar de terrorista aquele que
realiza atentados que não tem objetivo militar, mas sim como vítima a população
civil. Porém, quando se trata de conflito do Oriente Médio, as definições, tanto dos
dicionários como a convencional da imprensa, são utilizadas de forma ideológica,
com objetivos claramente políticos. (DORNELES, 2003, p. 259)
Embora as palavras sejam explicadas no dicionário, nunca exprimem um
único significado quando integram uma frase de determinado texto. Cada órgão de
imprensa utiliza o verbete de acordo com seu entendimento dessa violenta
manifestação política. Isso somado ao uso consciente de determinadas palavras
condiciona a produção de sentido que se queira causar no leitor. Visto que,
São as palavras que explicam, ou tentam explicar, afinal a mortandade refletida
nas imagens dos telejornais e nas fotos estampadas nos periódicos de todo o
mundo.
(...) As palavras pesam muito, e a luta por elas e em torno delas é intensa.
(WAINBERG, 2005, p. 96-97)
96
Segundo Burke (2007), há múltiplas maneiras de se definir terrorismo, todas
subjetivas. Vários exemplos ilustram este contraste semântico. A rede inglesa
BBC impediu que seus correspondentes fizessem uso da palavra “terrorista”. Da
mesma forma, o jornal estadunidense Minneapolis Star Tribune modificaria
despachos do The New York Times alterando o vocábulo “terrorista” por
“atacantes”. A imprensa árabe dispõe de rótulos para classificar os atos e atores
que protagonizam a violência. Utilizam-se terroristas, suicidas e mártires, dando
ênfase a este último termo. O jornal saudita Al-Sharq Al-Awsat prefere a
expressão “atacantes suicidas”. (Wainberg, 2005)
Na mídia brasileira o debate não é diferente, Wainberg (2005) ao comentar
os sentidos atribuídos à expressão “terrorista” elucida que
O ombudsman da Folha de S. Paulo teria de intervir igualmente num debate
similar sobre o tema. (...) diz que a Folha costuma usar o termo “terrorista” “para
identificar grupos armados, como a Brigada de Mártires de Al Aqsa e o Hamas,
que resistem à ocupação da Palestina por parte de Israel”. Na visão do jornal,
expressa em Nota da Redação, “a Folha considera terroristas grupos que atacam
civis de forma deliberada”. Ao debater a linguagem utilizada nas notícias
publicadas sobre o conflito entre as tropas israelenses e esses grupos, o
ombudsman polemiza com a descrição do verbete “terrorista” do manual de
redação do jornal, que orienta seus jornalistas a usar esse termo, e outros como
“guerrilheiros”, “apenas em sentido técnico, evitando a carga ideológica positiva ou
negativa”. O texto do manual é, na verdade, bastante claro. Diz: “o termo terrorista
se refere a indivíduos, organizações e governos (não a Estados) quando praticam
ações violentas contra alvos civis, ainda que não de maneira exclusiva (podem
eventualmente atingir alvos militares). Seus objetivos são essencialmente de
propaganda, mesmo que mantenham retórica militar. Senão for possível aplicar
esses critérios adequadamente, empregue o termo extremista, que tem a
desvantagem de ser menos preciso”.
Aos olhos do ombudsman, “é praticamente impossível evitar esta carga ideológica”
no termo “terrorista”. Ao pesquisar sobre o posicionamento de outros jornais
brasileiros de referência sobre o tema, ele revela que O Estado de S. Paulo usa
termos como “militantes”, “extremistas”, “radicais” para caracterizar os grupos
palestinos, “para evitar cair no rótulo aplicado por um dos lados”. Diz o editor
internacional de O Estado, Paulo Eduardo Nogueira, que “esse padrão é utilizado
pela esmagadora maioria da imprensa de qualidade mundial”. A posição de O
Globo, do Rio de Janeiro, varia. “Nós usamos o bom senso”, segundo a editora
internacional Sandra Cohen, “de acordo com o fato que relatamos. Na maioria das
vezes, nós nos referimos ao Hamas e às Brigadas como grupos extremistas e
radicais. Usamos o termo ‘terrorista’ para relatar atentados ou ações específicas
levadas a cabo por esses grupos contra a população civil em Israel”. (WAINBERG,
2005, p. 100-101)
97
Nesses rápidos exemplos, internacional e nacional, podemos ter a
dimensão do amplo emprego da isotopia “terrorista” nos meios de comunicação.
Escrita com as tintas da geopolítica e muito disseminada após os ataques de 11
de setembro de 2001, o uso da expressão “terrorismo” continha a superposição de
vários níveis semânticos convertendo-se em uma pluri-isotopia. O sema
estampava a ideologia do veículo que a empregava; externava o discurso de seu
enunciador.
3.7. Contextualização para entendimento
A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo.
Paulo Freire
Provavelmente, nunca se chegue a um consenso de que os atos terroristas
de 11 de setembro de 2001 foram os maiores da história (ou se as ações da Al
Qaeda contra os Estados Unidos podem ser assim classificadas). Entretanto, o
episódio garantiu lugar cativo nas principais tragédias que macularam a
humanidade. Se não foi o maior ataque em números de vítimas, é inquestionável a
proeza em sua elaboração e seu poderoso apelo midiático. A astúcia dos
terroristas e a ampla cobertura da mídia elevam o ataque de 11 de setembro de
2001 ao funesto pódio de um dos maiores atentados já produzidos pela mente
humana até os dias atuais. Se foram ações terroristas, não foram as únicas; se foi
a maior em estratégia e apelo midiático, não foi a maior em número de civis
mortos... Embora com características diferenciadas, um fator se faz presente em
qualquer ação dessa natureza: a intimidação e sacrifício da população civil em
honra de determinados valores.
O flagelo sofrido pelos Estados Unidos inaugura o “batismo de fogo” do
novo terrorismo. As interrogações são frutos da multiplicidade de análises e
distintas interpretações como corrobora Arbex Jr. (2003b)
98
Claro: sempre se poderá dizer que uma coisa é um ato armado por um grupo
terrorista contra alvos civis; outra coisa são os “atos de guerra” determinados por
um Estado, outra coisa, ainda, é o funcionamento de uma certa ordem econômica,
que nada tem a ver com a intenção de matar alguém (se as crianças morrem, é
porque as coisas são assim mesmo, ora bolas). Essa argumentação é, no mínimo,
questionável.
Primeiro, porque, do ponto de vista da vítima civil inocente, tanto faz se o sujeito
que disparou a bomba foi Osama bin Laden, estudantes da Brigada Vermelha,
militantes do ETA basco ou algum burocrata confortavelmente instalado na Casa
Branca; segundo, porque, mesmo que se considerasse a hipótese de separar
“terrorismo” de “atos de guerra” (embora ataque a populações civis não se
enquadre em nenhuma das convenções sobre atos de guerra aprovadas pelas
Nações Unidas), ainda assim teríamos de considerar que os atentados terroristas,
como o 11 de setembro, acontecem como resultado de uma história concreta de
horror, repleta de “atos de guerra” que banalizaram ao extremo a violência e
reduziram a visão humana a nada; terceiro, porque, políticas econômicas não
“caem do céu”, mas são orquestradas por seres humanos com interesses
específicos (...) No mínimo, portanto, teria de ser dito e repetido que “o maior
atentado terrorista da história” faz parte de uma tradição sedimentada ao longo do
século 20, que inclui o Gulag stalinista, Auschwitz, Hiroxima (sic), Vietnã etc.
(ARBEX JR. 2003b, p. 52-53).
O discurso de Arbex Jr. entoa as idéias de Durkheim (2006) no tocante a
fatos históricos e sociais. Fatos históricos são grafados por sua singularidade, são
únicos, não se repetem e causam grande impacto na sociedade devido a sua
excepcionalidade. Os fatos sociais, por sua vez, estão no cotidiano de cada
sociedade, são ações perpetradas em suas práticas políticas ao longo de sua
história. Assim, o 11 de setembro de 2001 caracteriza-se por ser um fato histórico
– a história registra diversos atentados, mas apenas um 11 de setembro de 2001.
Mas ações da magnitude dos ataques contra os Estados Unidos não acontecem
por acaso, decorrem da insatisfação e de conflitos ideológicos presentes na arena
política internacional (“história concreta de horror, repleta de ‘atos de guerra’ que
banalizaram ao extremo a violência”, nos dizeres de Arbex Jr.). Os fatos sociais
diários como os conflitos no Oriente Médio, as políticas unilaterais dos Estados
Unidos frente a outros países, vão sedimentando as estruturas do edifício
terrorista, até se materializar em atos como os da rede Al Qaeda em setembro de
2001.
99
Analisar um acontecimento histórico é condição primeira para superar a
simplificação dos fatos. Pode não ser tarefa fácil libertar-se de conceitos
previamente concebidos. Entretanto, goste-se ou não, é um exercício de análise,
além de necessário, honesto e de bom senso.
No pensamento kantiano, o real para o homem é o que ele organiza, ou
seja, a linguagem não é uma tradução do real mas uma organização dele. A
simplificação da realidade é enganosa; eficiente quando se pretende ocultar fatos,
mortal quando se quer ter visão panorâmica dos acontecimentos e consistente
compreensão de um evento. Endossando esse pensamento, Steinberger (2005, p.
89) afirma que: “Quando falta contextualização a uma notícia, por exemplo, o leitor
pode se ressentir de uma compreensão precária”.
Não raro as notícias são afetadas pela carência de localização temporal.
São relatadas como se não tivessem causas passadas nem efeitos futuros.
Brotam como fatos pontuais, às vezes sem continuidade no tempo, sem origem e
sem conseqüências. Existem enquanto forem objetos de transmissão e deixam de
existir se não mais forem transmitidos. Ofertam o mundo inteiro em um instante,
mas o fazem de tal maneira que o “mundo real, holístico” desaparece, restando
apenas fragmentos de uma realidade desprovida de raiz no tempo e no espaço.
Os usos referentes à expressão “terrorismo”, o conhecimento do mundo islâmico,
as políticas externas, sobretudo a dos Estados Unidos, ao longo da história, são
elementos indispensáveis para que, de posse do bom senso, emitamos juízo
sobre determinados acontecimentos. A contextualização dos fatos no propicia, em
princípio, essa condição analítica.
A conseqüência natural desse sistema é que, ao apresentar retratos dos fatos de
forma isolada e descontextualizada, os meios informativos simultaneamente
negam ao seu consumidor uma apreensão mais completa da notícia e produzem
uma percepção alterada dos acontecimentos ao longo do tempo – e por
decorrência do fluxo da história –, ao gerar uma falsa sucessão de fatos novos e
independentes. (SERVA, 2001, p. 126)
As notícias produzem sentidos, expõem valores, transformam-se em
instrumentos geopolíticos. Os extratos presentes em uma reportagem não devem
ser entendidos como um fim em si. A redução de um fato cria uma barreira ao seu
100
pleno entendimento, gerando assim a “desinformação funcional”
58
(Serva, 2001).
Se somos parte de um processo histórico, não é possível nos situarmos fora dele.
O que nos resta é a consciência desse procedimento e a interpretação do que nos
condiciona como seres no mundo.
É preciso pensar a comunicação em seu contexto, ou seja, entender que não há
comunicação sem sociedades e são esses contextos sociais que, muitas vezes,
dão sentido, cor e especificidade a procedimentos de comunicação aparentemente
padronizados. (WOLTON, 2004, p. 119-120)
Dependendo do receptor, um mesmo fato pode ter várias interpretações,
não raro, divergentes e antagônicas. Segundo Diniz & Zaniratto (2002): “... tudo no
mundo é representação. Cada indivíduo interpreta os fatos segundo seus filtros
perceptivos, ou seja, sua maneira de ver e julgar”. Assim, qualquer interpretação
deve ser contextualizada para uma melhor análise. Mesmo porque, um fato não
existe isoladamente, é resultante de uma série de eventos.
A compreensão plena de fatos históricos como os ataques aos Estados
Unidos em 11 de setembro de 2001 passa pela contextualização. Ao
contextualizarmos, expandimos as teias de análise; munimo-nos do mínimo
necessário para alimentarmos nossa percepção. Os ataques contra os Estados
Unidos não podem ser reduzidos unicamente à destruição ou danificação de
edificações, e nem mesmo ao óbito de grande número de pessoas. Trata-se de
ações simbólicas, dotadas de sentidos. Nesse raciocínio, é preciso ir além do 11
de setembro de 2001 como evento bárbaro e isolado, cujos responsáveis devem
ser combatidos a todo custo, e analisá-lo como parte de um processo maior num
contexto histórico complexo. Os atentados resultaram de um complexo
emaranhado de razões históricas, sociológicas, econômicas, religiosas...
A proeza em nossos dias não é mais ter acesso aos acontecimentos, mas,
acima de tudo, entendê-los. Os amargos frutos das ações terroristas foram
semeados e colhidos no solo da história. Assim sendo, não podemos nos afastar
58
Para Serva (2001, p. 71): “A desinformação funcional (...) corresponde a um fenômeno definido
pelo fato de que as pessoas consomem informações através de um ou mais meios de
comunicação, mas não conseguem compor com tais informações uma compreensão do mundo ou
dos fatos narrados nas notícias que consumiram”.
101
desse instrumento de análise sob pena de um diagnóstico empobrecido. É pela
memória que se puxam os fios da história. O rompimento dessa capilaridade
produz mais calor do que luz.
102
CAPÍTULO 4:
COBERTURA DOS ATENTADOS CONTRA OS ESTADOS UNIDOS
EM 11 DE SETEMBRO DE 2001 EM QUATRO VEÍCULOS DA MÍDIA
IMPRESSA BRASILEIRA
As mídias não são a própria democracia, mas são
o espetáculo da democracia.
Patrick Charaudeau
4.1. Valor e efeito de verdade no universo midiático
Reportagem é a melhor versão da verdade
possível de se obter.
Carl Bernstein
Uma mesma música pode ser tocada com outras partituras, ainda mais na
sinfonia polissêmica regida pelos meios de comunicação. Afinal,
Polissêmica é a análise crítica e reflexiva do texto e, mais, o enunciado de um
juízo sobre ele. Passa-se da impressão subjetiva para significações mais
profundas do texto, realizando um detalhamento inventário dele. Que tipo de
juízo? Sempre um juízo semiótico, isto é, amparado no jogo significante,
conduzindo por processos semiológicos. A leitura semiológica é sempre descobrir,
desentranhar uma situação-problema a partir da questão do signo. É por isso que
certas questões que dizem respeito à natureza e aos estudos dos signos são
também referentes à natureza e ao estudo dos textos. (PERUZZOLO, 2004,
p.123)
Em ambientes democráticos, a pluralidade de opiniões é regra, um direito.
Segundo Wolton (2004, p. 18) “não há comunicação sem democracia, e ambas
estão ligadas”. O caleidoscópio democrático produz a sadia multiplicidade de
opiniões que, quando transpostas às mídias, garantem à sociedade um farto
103
cardápio de notícias e análises dos mais diversos matizes. Assim, um
acontecimento único é registrado e interpretado de múltiplas maneiras
59
.
Sabemos, da mecânica quântica, que o olhar do observador altera a trajetória até
mesmo de um elétron. Não apenas o olhar do observador é seletivo quanto ao
evento presenciado, como ao relatar um evento o observador seleciona,
hierarquiza, ordena informações expostas, fazendo aí interferir as suas estratégias
de narração. Mesmo a mais impessoal de todas as narrativas, a demonstração de
um teorema, não é feita de maneira idêntica por dois matemáticos: eles seguem
caminhos distintos para demonstrar o mesmo teorema, e nisso se revela seu
estilo. (ARBEX JR., 2001a, p. 106-107)
É próprio do ser humano ter a sua verdade entre as verdades que o
cercam. Verdades estas, que norteiam sua existência e, de certa forma, dirigem
sua conduta. Contudo, muitos fazem de sua verdade “a verdade”, como algo
inquestionável, um dogma, o que estreita a compreensão do mundo, então cada
nação, cada indivíduo tem sua concepção de valores e, essa concepção é
materializada por suas crenças e verdades.
Recorrer às mídias é quase um lugar-comum quando sentimos carência
sobre determinada informação. Utilizando os veículos midiáticos, procuramos
através do seu discurso, saciar a sede por melhores informações. Todavia, não
podemos nos esquecer que os conteúdos veiculados na mídia são um recorte,
uma versão dos acontecimentos em forma de notícias. Nem sempre os discursos
da mídia diluem-se na mesma interpretação que temos sobre determinados
eventos. Descrever um fato é ao mesmo tempo interpretá-lo. O efeito da
subjetividade jornalística choca-se, muitas vezes, com a compreensão que temos
dos fatos e de nossa concepção de mundo. Assim, o edifício da contradição é
erguido nos controversos pilares da “forma que desinforma” (Serva, 2001).
Na concepção de Charaudeau (2006) a verdade se estrutura em dois
vértices: valor de verdade e efeito de verdade. Para o intelectual francês, o valor
de verdade se caracteriza por construir algo verdadeiro, exterior ao homem,
baseado na construção explicativa com auxílio da instrumentalização científica,
59
Essa questão foi detalhada no Capítulo 1: A comunicação, o bom senso e a pesquisa (Item: 1.1.
A notícia e teia social, p.23).
104
tornando-se real pela evidência mesmo que se discorde quanto à avaliação das
causas que os produziram. Já o efeito de verdade aflora da subjetividade do
sujeito em contato com o mundo, como o ser humano interpreta os
acontecimentos a sua volta, almejando a conquista de credibilidade.
Ao aplicarmos esses conceitos em nossa pesquisa, temos os atentados
terroristas sofridos pelos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 como um
valor de verdade já que sua ocorrência é inquestionável. Bilhões de pessoas
puderam acompanhar ao vivo o choque do segundo avião na Torre Sul do World
Trade Center e posterior queda das Torres Gêmeas e observar parte das
estruturas do Pentágono arder em chamas.
No entanto, os discursos produzidos pela mídia para explicar a ação
terrorista se transformam em efeitos de verdade. Os textos seriam redigidos e
publicados segundo as lentes subjetivas tão comuns no meio jornalístico,
materializando uma guerra de discursos. Cada veículo midiático produziu a sua
“verdade” sobre as práticas terroristas sofridas pelos Estados Unidos. Cada leitor
compreenderia as notícias pelo filtro da sua “verdade”. Segundo Wolton (2004, p.
289): “Falar ao mesmo tempo da mesma coisa, da mesma maneira, não é mais
obrigatoriamente uma prova de verdade”.
As mídias, no papel de enunciadoras, ao realizarem o fazer persuasivo,
pretendem obter a credibilidade do enunciatário (receptor), ou seja, fazer com que
este acredite e aceite a veracidade das notícias veiculadas (o produto). Seduzido
pelos argumentos persuasivos do enunciador, o enunciatário é levado a
considerar como verdade inquestionável os conteúdos noticiados. A partir do
momento que o enunciatário recebe o enunciado (as notícias) e crê em sua
autenticidade, um tratado de confiança é estabelecido com o enunciador e o
contrato fiduciário é assinado.
Passada a tormenta inicial, os dias seguintes construiriam novos retratos
sobre os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O imediatismo somado
a grandiosidade dos fatos estabeleceram ruído no processo de comunicação num
primeiro momento.
105
A mídia impressa dispôs de maior tempo para colher e construir análises
em relação às ações terroristas. As revistas semanais chegariam às bancas
quatro dias após o ataque sofrido pelos Estados Unidos. As mensais, nos
primeiros dias de outubro. Os feitos planejados por Osama bin Laden e seus
artífices praticamente monopolizaram a pauta dos meios de comunicação.
Percebia-se que, frente à estrondosa ação, um fim de semana, um mês não
seriam suficientes para esgotar o assunto.
O 11 de setembro de 2001 já tinha cadeira cativa reservada na história.
Agora, era chegado o momento de compreender os motivos que garantiram tal
posição para os terroristas. Recorrer às mídias era inevitável para se obter as
informações que guiassem os turvos caminhos surgidos após a poeira dos
escombros se assentarem. Embora a poeira houvesse se dissipado, ainda pairava
no ar nuvens de incertezas. Invocar-se-ia a “Lei do Talião” contra os atores do
terror? Quais as primeiras medidas do presidente George W. Bush para subtrair o
medo e anseios da população dos Estados Unidos? Os terroristas acenderam o
estopim que eclodiria a Terceira Guerra Mundial?
Na reposta dessas e de outras questões a mídia assumiria função vital. Era
à imprensa que a sociedade recorreria para se alimentar de novas informações
sobre a orquestração terrorista. Enquanto as emoções afloravam por todos os
poros, a mídia estadunidense ancorada na ideologia bélica de seu presidente, já
deixava claro seu posicionamento.
George W. Bush não inventou o controle da mídia, não foi o precursor na política
de supremacia dos Estados Unidos, não foi o primeiro a promover guerras
mantendo a imprensa contra a parede, não foi o único a bombardear outros povos
para aumentar o prestígio junto à população e nem foi o arauto do desrespeito às
organizações internacionais.
Mas George W. Bush certamente foi o primeiro a fazer tudo isso ao mesmo tempo
e com tamanha eficiência. O 11 de setembro, e seus horrores, deu a Bush
condições de implantar seu projeto político de maneira mais rápida. A mídia
colaborou intimamente.
A imprensa pediu guerra e foi atendida. Ignorou massacres, desrespeito aos
direitos humanos e às liberdades individuais, a destruição de um país miserável
pela maior potência militar do planeta e deu vazão ao patriotismo como senha
para a obediência ao poder. Numa guerra em que os americanos jamais
combateram em solo, a mídia descreveu um conflito diferente, muito mais limpo e
heróico.
106
(...)
A imprensa gosta de guerra, mesmo de uma como a do Afeganistão: guerra de
press-release, de transcrição de informes do Pentágono, de fontes de um lado só.
Guerra em que a imprensa foi sempre uma espectadora passiva. E foi algumas
vezes por passividade e outras tantas por cumplicidade que a imprensa fez a
cobertura que interessava ao governo americano. Mesmo que o governo dos
Estados Unidos estivesse sendo comandado por um homem que iria à guerra de
qualquer maneira, a imprensa americana tomou a frente desde o início, assumindo
uma posição belicista e criticando a “lentidão” da resposta
60
. (DORNELES, 2003,
p. 17-27)
Os semas disfóricos contra a atuação da mídia estadunidense assinalados
por Dorneles (2003) encontrariam eco na mídia de outros países. Os Estados
Unidos, vítima principal dos atos de setembro, também seriam alvos de críticas
por parte da imprensa. Cada mídia, ao seu modo, reportou os fatos. A construção
do discurso e a produção de sentidos externada será o cerne das análises na
romaria midiática informação x desinformação.
4.2. Identidade, cultura e a construção da notícia: o caso do Islamismo
A notícia é a matéria-prima do jornalismo; sendo narração do acontecido,
sua construção é afetada pelo olhar do observador e sua trama envolve
personagens que dão vida ao texto.
A repercussão dos atentados de 2001 contra os Estados Unidos, tendo o
Islamismo como fio condutor, povoou as páginas da mídia impressa. A religião
criada pelo profeta Maomé, juntamente com inúmeras interpretações sobre os
ataques a Nova York e Washington, agendaram as pautas das redações.
Os enredos produzidos seguem a toada “nós” e os “outros”. Frente aos
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, substancial parcela da mídia
reforçou esteriótipos contra o mundo islâmico, não raro, homogeneizando toda
uma manifestação cultural.
60
Um exemplo dessa tendência fica clara na entrevista do âncora Dan Rather a David Letterman
nos dias seguintes aos atentados. Ambos os jornalistas não contribuíram para o telespectador
compreender a razão das tenebrosas ações contra os Estados Unidos. Foram ao ar críticas à
inveja árabe em relação ao padrão de vida dos estadunidenses, versos patrióticos e profissões de
fé ao país. Tudo isso temperado com soluços e lágrimas. Essa questão foi detalhada no Capítulo
2: O dia 11 de setembro de 2001, o jornalismo em tempo real e o alinhamento midiático (Item: 2.4.
Doutrina Bush, as invasões ao Afeganistão e ao Iraque e o recrutamento da mídia, p.57).
107
Quanto a isso, Said (2003) adverte que
(...) não há um único Islã, mas vários. A diversidade é uma característica de todas
as tradições, religiões ou nações, mesmo que alguns de seus membros tenham
futilmente tentado traçar fronteiras ao ser redor e demarcar o seu credo. (SAID,
2003, p. 138)
A compreensão do Islamismo passa, necessariamente, pelo conhecimento
de outra cultura, de povos que forjaram sua identidade em contratos sociais
diferentes daqueles impressos em outras sociedades. A cultura é uma lente pela
qual o homem vê o mundo (Laraia, 2005). Assim,
... as realidades não são as mesmas vistas de ângulos diferentes. Elas são
diferentes porque construídas com relações conceituais e em situações
comunicacionais diferentes. (PERUZZOLO, 2004, p. 208)
A identidade constitui-se em uma importante fonte de significado e
experiência de um povo. Trata-se de um processo de construção de sentidos com
base em um atributo cultural, ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-
relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) sobre outras fontes de significado.
(Castells, 2000a). Mesmo em determinada sociedade possuindo sua característica
cultural, não se descarta a conexão com outras, uma vez que: a “afirmação de
identidade não significa necessariamente incapacidade de relacionar-se com
outras identidades...” (CASTELLS, 2002, p. 58). Assim sendo, no universo das
ciências sociais, e ampliando-se aos meios de comunicação, a noção de
identidade cultural se caracteriza por sua polissemia e fluidez.
Baccega (1998) relata que as mediações constroem os mais diversos
sentidos. Houve um reforço da categorização sobre os islâmicos após os atos
terroristas de 11 de setembro de 2001. Parte substancial da imprensa associou
uma manifestação cultural como sinônimo de terrorismo. Prova disso é que os
islâmicos cunharam a expressão “islamofobia” para mostrar o auto grau de
racismo existente na mídia do Reino Unido
61
.
61
O periódico inglês The Guardian, foi um dos poucos jornais no mundo ocidental que procurou
resistir ao rolo compressor da mídia dos Estados Unidos, inclusive tecendo críticas a onda de
“islamofobia” em seu país.
108
O jornalista Tim Gopssil citado por Fraga (2004, p. A-21) afirma que “sem
dúvida há racismo na mídia britânica contra minorias étnicas”. Para minimizar o
fato foram editadas cartilhas que objetivam fornecer para jornalistas informações
sobre a cultura islâmica. A intenção é que preconceito não seja o delineador dos
textos que citam o universo muçulmano
62
.
A jornalista italiana Oriana Fallaci mirou sua fúria contra islâmicos de
maneira indiscriminada admitindo a superioridade da civilização ocidental sobre a
islâmica até no conjunto arquitetônico ao bradar que: “Nossas igrejas e catedrais
são mais belas que suas mesquitas”. Guiada por sua posição altamente disfórica
amparada no preconceito, a jornalista italiana seguia em frente contra o
Islamismo.
Mas só quando seu livro foi publicado ficou conhecida toda a extensão do
pensamento racista da jornalista. Ela chamou os imigrantes muçulmanos na
Europa de “delinqüentes, violadores, prostituídos e portadores de Aids”. E mais:
“Eles urinam nos batistérios e multiplicam-se como ratos”. O Corão, ela chamou de
livro “abjeto”, que jamais pregou outra coisa “a não ser o ódio”. (DORNELES,
2003, p. 154)
Esse equívoco também germinou em solo brasileiro. Segundo informações
de Casado (2001, p. 102), os atentados em Nova York e Washington acentuaram
a discriminação contra os muçulmanos. Carolina Raad, de 20 anos, foi agredida
em Foz do Iguaçu. Tal fato ilustra o sentido que a religião maometana provoca(va)
em algumas pessoas alimentadas pela desinformação. Jogando luz no fato,
Cuche (1999, p. 177) nos diz que: “a identidade social é ao mesmo tempo inclusão
e exclusão”.
A prática de discursos disfóricos sobre o mundo islâmico acabaria sendo
uma constante. Não seria a primeira vez que se reportaria aos árabes (quase
62
Segundo a versão online do jornal The NYT News Servive de 22/06/07, o Reino Unido quer
proibir o uso de véus muçulmanos. Está cada vez mais comum ver as mulheres muçulmanas do
Reino Unido levando os filhos às escolas ou andando pelas ruas cobertas, da cabeça aos pés,
com vestes negras esvoaçantes que só contam com uma estreita abertura para os olhos. Algumas
das mulheres, especialmente as jovens, que adotaram a vestimenta recentemente, admitem que o
traje é uma expressão direta de identidade islâmica, que elas adotaram após o 11 de setembro de
2001, como forma de rebelião contra as políticas do governo do ex-primeiro ministro Tony Blair no
Iraque e no Reino Unido.
109
sempre travestidos de “maus” pelo inconsciente coletivo) a culpa por atos dessa
natureza como comenta Arbex Jr. (1996)
Em 19 de abril de 1995, um atentado a bomba destruiu completamente um edifício
na cidade de Oklahoma, Estados Unidos, causando a morte e ferimento de
centenas de pessoas. Fora, até aquela data, o pior ato terrorista praticado em
território americano. Imediatamente após as primeiras notícias sobre a tragédia, os
meios de comunicação (a televisão, o rádio e depois jornais impressos) passaram
a especular sobre quem teriam sido os responsáveis. Surgiram, então, relatos de
testemunhas que teriam visto perto do local pessoas “com aparência de árabes” –
homens de estatura mediana, cabelos e barbas negros, olhos castanhos – mais ou
menos na hora que a bomba explodiu.
Em pouco tempo, disseminou-se na opinião pública a “certeza” de que o atentado
fora planejado e executado por uma dessas seitas de “fanáticos muçulmanos que
estão espalhando terror pelo mundo”. Dois dias após o atentado, políticos,
jornalistas e intelectuais americanos já clamavam por “atos punitivos” dos Estados
Unidos contra “países que dão cobertura aos grupos fundamentalistas fanáticos”,
em particular, como sempre, Irã e Líbia. Muita gente ficou decepcionada quando a
polícia constatou, quatro dias depois, que nenhum islâmico estava envolvido no
atentado. O ato terrorista fora integralmente planejado e praticado por um grupo
genuinamente americano...
(...) Não surpreenderia ninguém, por exemplo, a descoberta de que o atentado de
Oklahoma fora obra de um certo Hassam ou Ibrahim; mas causou surpresa a
prisão de Timothy McVeigh...
“Queríamos que fossem estrangeiros, iranianos, iraquianos, não importa, mas
jamais um americano”. (Frase do lojista Nick Pagoins, de Oklahoma). O
preconceito aparece quando se observa que todos os estrangeiros citados pelo
lojista são de países de maioria islâmica. (ARBEX JR., 1996, p. 07-08)
É de conhecimento geral que a modernidade tem seu quebra-vento em
países islâmicos – embora algumas medidas ilustram que um fecho de luz começa
a penetrar pelas brechas das paredes do obscurantismo. O mundo mulçumano
assume espectro negativo frente à maioria da sociedade estadunidense, e não
raro, prolongando-se para outros países
63
. Os culpados são forjados no
inconsciente. Não raro, a identidade coletiva é a nós apresentada no singular, ou
seja, reduz o conjunto coletivo a uma personalidade impregnada de adjetivos
depreciativos. Mesmo o fundamentalismo islâmico capitaneado por Osama bin
Laden ter sido o responsável pelos condenáveis eventos terroristas, transformar o
63
O então primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, à época dos atentados, em um discurso
fortemente disfórico ao Islamismo, sentenciou: “O Ocidente continuará a conquistar povos, mesmo
que isso implique um confronto com a civilização islâmica, empacada onde estava há 1400 anos”.
110
Islamismo em sinônimo de terrorismo é simplificar o debate, quando não,
envenená-lo.
4.3. Corpus da pesquisa
4.3.1. Veja
A revista Veja, pertencente ao Grupo Abril (comandado pela família Civita),
é a maior revista semanal da América Latina e a quarta do mundo (ficando atrás
somente de Time, Newsweek e U.S. News). O periódico possui linha editorial
colada ao conservadorismo e manifestações liberais sendo direcionada
principalmente aos segmentos mais abastados da sociedade (classes A e B). A
expressiva tiragem do periódico sempre ultrapassa a quantia de um milhão de
exemplares por semana. A tiragem da edição de 19 de setembro que estamparia
em suas páginas os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 atingiria a cifra
de 1.335.391 exemplares.
4.3.2. CartaCapital
Além da periodicidade semanal, CartaCapital assemelha-se com Veja em
outro ponto: o jornalista Mino Carta, criador de ambas as publicações.
A revista é uma publicação da Carta Editorial Ltda. cuja tiragem gira em
torno de 70.000 exemplares. Bem modesta se comparada com Veja. Outro ponto
de diferença é a linha editorial adotada pela CartaCapital. A revista opta por uma
linha considerada mais crítica, com postura progressista quando comparada à
publicação semanal da Editora Abril.
111
4.3.3. Superinteressante
Superinteressante é uma publicação mensal da Editora Abril S.A. É a maior
revista jovem do Brasil com 3,1 milhões de leitores; possui uma tiragem de 380 mil
exemplares por mês; 95% dos leitores a tem como uma revista séria, rigorosa e
confiável
64
.
Procurando atingir, sobretudo, o público jovem, a abordagem dos assuntos
é feita de maneira didática desmistificando temas mais áridos, ofertando assim,
outros tipos de análises sobre a notícia.
4.3.4. Caros Amigos
A revista Caros Amigos é uma publicação mensal da Editora Casa Amarela.
O periódico tem uma tiragem menor do que as outras analisadas: média de 50.000
exemplares mensais, sendo 20.000 comercializados em bancas.
Os resultados de uma pesquisa quantitativa realizada em agosto/2001
indicam o seguinte perfil dos leitores deste periódico: 72% são homens com idade
entre 20 e 49 anos; 91% têm superior completo, 19% pós-graduados. Este nível
de escolaridade se reflete nas classes econômicas A (17%), B (49%) e C (30%).
Pouco mais da metade são solteiros (55%) e trabalham (67%); 75% têm acesso à
Internet, 22% recebem o “Correio Caros Amigos” semanalmente e 32% visitam o
site com certa regularidade.
A pesquisa levantou também a forma como a revista é encarada pelos
leitores: 89% consideram uma publicação "objetiva", 87% a avaliam como
"independente", 86% como "verdadeira" e 79% como "indispensável"
65
.
Caros Amigos procura seguir uma linha editorial “independente”, analisando
os principais eventos que permeiam o Brasil e o mundo, tecendo críticas a outras
mídias que, segundo a revista, colaboram para manutenção do sistema capitalista.
64
Fonte: www.superinteressante.com.br
65
Fonte: http://www.carosamigos.terra.com.br/
112
A revista abraça o marxismo como ideologia, sendo mais à “esquerda” que as
demais. Numa posição “terceiro-mundista”, os países desenvolvidos são
retratados como os vilões na arena geopolítica mundial.
113
Tabela 2. O espaço editorial destinado à cobertura dos atentados de 11 de setembro de 2001
no corpus da pesquisa
Revistas Periodicidade Editora Número de
páginas da
edição
Número de
páginas
destinadas à
cobertura do
11/09/01
Número de
reportagens
sobre o
11/09/2001
Número de
matérias
assinadas
Número de
matérias sem
assinaturas
Veja
Semanal Abril 142 70 16 05 11
CartaCapital
Semanal Carta
Editorial
Ltda.
66 44 22 22 00
Superinteressante
Mensal Abril 98 16 08 06 02
Caros Amigos
Mensal Casa
Amarela
46 19 19 18 01
114
4.4. Temas presentes nos discursos dos periódicos
O tema central que moldou os discursos das revistas foi o ataque terrorista
sofrido pelos Estados Unidos na manhã de 11 de setembro de 2001. Para externar
sua visão dos fatos, os enunciadores recorreram a uma série de outros temas
conectados por um conjunto de isotopias aos atentados perpetrados pela rede
terrorista Al Quaeda. Assim, o percurso temático apresenta-se como o processo
gerativo da argumentação, responsável pelo encadeamento das frases e
permitindo a construção de um texto com sentido. Neste espaço da dissertação,
serão analisadas essas ramificações temáticas marcadas pelo discurso das quatro
revistas de nosso corpus.
4.4.1. Veja
As reportagens sobre os atos terroristas obtiveram expressivo espaço na
revista como demonstrado na tabela 2. De todas as reportagens que preenchem
as páginas da Veja, a ampla maioria não possui assinatura e, em estilo editorial,
expressam a opinião da revista frente ao martírio estadunidense acontecido dias
antes.
Seguindo o critério de análise esboçado na introdução desta pesquisa,
serão analisadas as seguintes reportagens
66
:
1. Carta ao leitor – O que incomoda o terror;
2. A descoberta da vulnerabilidade;
3. O inimigo número 1 dos EUA;
4. Assassinato em nome de Alá;
5. A cultura do Apocalipse.
Em apresentação à edição especial, a “Carta ao Leitor” do periódico traz
como título, “O que incomoda o terror”. Juntamente com o texto, a seção insere
duas figuras que, embora separadas pelo tempo, representam o orgulho
66
A revista Veja, em algumas reportagens, aponta dois títulos: um no sumário e outro para o
mesmo artigo no corpo da edição. Optamos por enfocar o título presente nas páginas de revista.
115
estadunidense. A primeira imagem faz alusão a fuzileiros cravando a bandeira dos
Estados Unidos no Monte Suribachi, em Iwo Jima, no ano de 1945 (época da
Segunda Guerra Mundial). Esta imagem está em preto-e-branco e ocupa a maior
parte do box de notícias. A segunda imagem, em tamanho menor, embora
colorida, mostra gesto semelhante realizado por bombeiros nova-iorquinos sobre
os escombros das torres gêmeas. (tema: heroísmo e patriotismo estadunidenses)
Ambas as imagens, ao mostrar as figuras (soldados e bombeiros) e
ancoragens territoriais (Iwo Jima e Nova York) ilustram o patriotismo
estadunidense frente a dois períodos distintos de sua história. Um de glória –
vitória obtida durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – e outro que tenta
cicatrizar as feridas abertas pelos atentados de 11 de setembro de 2001. Como
uma dobra do tempo, passado e presente parecem encontrar-se em situações
distintas, embora em ambas as situações externem a bravura dos sujeitos
(soldados e bombeiros) representantes do povo estadunidense.
As ilustrações dão o tom do texto inserido no box. As palavras emitidas pela
Veja têm como alvo principal o mundo islâmico evocando de certa forma a idéia de
“choque de civilizações” defendidas por Samuel P. Huntington
67
.
O caminho trilhado pela revista parte da premissa de que os atentados aos
Estados Unidos, acima de tudo, foram práticas contra a democracia e o sistema
capitalista.
O verdadeiro alvo visado pelos terroristas que atacaram Nova York e Washington
na semana passada não foram as torres gêmeas do sul de Manhattam nem o
edifício do Pentágono. O atentado foi cometido contra um sistema social e
econômico que, mesmo longe da perfeição, é o mais justo e livre que a
humanidade conseguiu fazer funcionar ininterruptamente até hoje. Não foi um
ataque de Davi contra Golias. Nem um grito dos excluídos do Terceiro Mundo que,
de modo trágico mais efetivo, se fez ouvir no império. Foi uma agressão
perpetrada contra os mais caros e mais frágeis valores ocidentais: a democracia e
a economia de mercado.
67
Samuel P. Huntington é professor de Relações Internacionais além de ter atuado como
estrategista durante a Guerra do Vietnã. Em 1993, publicou artigo na revista Foreing Affairs
apresentando a idéia de um choque entre civilizações. Posteriormente o artigo foi ampliando e
transformado no livro O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial, em que
defendia a tese que no mundo pós-Guerra Fria os conflitos seriam fundamentalmente culturais: a
civilização ocidental contra a islâmica, e esta contra a hinduísta etc. Mais adiante retomaremos a
discussão.
116
O que realmente incomoda a ponto de exasperação os fundamentalistas,
apontados como os principais suspeitos de autoria dos atentados, não é só a
arrogância americana ou seu apoio ao Estado de Israel. O que os radicais não
toleram, mais que tudo, é a modernidade. É a existência de uma sociedade em
que justos podem viver sem ser incomodados e os pobres têm possibilidades reais
de atingir a prosperidade com o fruto de seu trabalho. Esse é o verdadeiro
anátema dos terroristas que atacaram os Estados Unidos. Eles são enviados da
morte, da elite teocrática, medieval, tirânica que exerce poder absoluto em seus
feudos. Para eles, a democracia é satânica. Por isso tem de ser combatida e
destruída. (REVISTA VEJA, 2001, p. 09)
O texto traz para a arena de discussões a idéia do conflito entre Ocidente e
Oriente. Ao evocar que os atos terroristas tiveram como escopo “a democracia e a
economia de mercado”, Veja alude que os atentados visavam além dos Estados
Unidos, todos os países que têm esses valores como alicerce social. O discurso
da revista cola a figura terrorista às ancoragens medieval e feudos, produzindo o
sentido de atraso, valores divorciados da modernidade. (tema: choque de
identidades, retrógrado x moderno)
No nível profundo do texto, Veja unge com euforia os semas /Democracia/ e
/Ocidente/ e joga nas trevas a disforia de valores contrários aos defendidos pela
revista. Ao sublinhar a vitória dos Estados Unidos em Iwo Jima, o discurso do
periódico imprime a supremacia do país (representando o Ocidente) sobre o
Japão (Oriente). No texto /Democracia/ e /Ocidente/ ornam com modernidade,
com valores “civilizados”... E arremessa no fosso concepções que ofendem a
axiologia defendida pelo periódico. (tema: exaltação aos valores ocidentais)
No discurso da revista o oposto de /Democracia/ é representado por
/Teocracia/. Em um regime Teocrático – sistema de governo em que o poder
político se encontra fundamentado no poder religioso – as liberdades são
asfixiadas e a rede econômica é precária. Assim, o texto faz a seguinte passagem:
A /Democracia/ é apresentada com seus valores eufóricos, que, em seguida, são
negados, quando se passa para a /Não-Democracia/, que representa a
/Teocracia/, movimento apontado pelas setas no quadro semiótico apresentado
em seguida:
117
Democracia Teocracia
Oriente
Ocidente
Não-Teocracia Não-Democracia
Não-Oriente
Não-Oriente
Tal manifestação política ocorre em países situados no Oriente. O que cria
o segundo sentido de apresentado no texto: Ocidente Não-Ocidente Oriente.
Assim, o Oriente se torna algo divorciado dos valores ocidentais defendidos
pela Veja: a democracia e a economia de mercado (sistema capitalista). A
aplicação do quadrado semiótico evidencia a visão maniqueísta e redutora do
texto em análise pois, assumir isso como verdade, é fazer tábula rasa das
engrenagens que movem as políticas internacionais. Uma vez que, na linguagem
dos signos, a própria geografia é sacrificada: chama-se Ocidente, “mundo
ocidental” os países econômica e politicamente definidos como capitalistas, de
forma que o Japão termina “ocidentalizado”. Geograficamente ocidental, Cuba, por
sua posição política acaba afastando-se desses valores. Mesmo não adotando
valores democráticos e plena economia de mercado, Cuba não deixa de figurar no
“mundo ocidental”. Igual raciocínio é válido para a China, país oriental que, mesmo
tendo forte controle do sistema político, sua economia cada vez mais cria laços
com o sistema capitalista. Ocidente e Oriente não formam uma massa
homogênea, com valores absolutos
68
·. (tema: depreciação aos valores orientais)
68
Para saudoso intelectual palestino Edward Said: “A geografia não é só uma batalha de
tecnologias cartográficas e regimes de verdade; é também um confronto entre diferentes modos de
ver o mundo”. (SAID apud STEINBERG, 2005, p. 190)
118
Quando expõe que “O que os radicais não toleram, mais que tudo, é a
modernidade”, a revista ignora que uma das contribuições da modernidade é o
avanço tecnológico. Os autores dos atentados tanto toleram a modernidade que
se utilizam de suas ferramentas para disseminar sua cultura e arquitetar seus
planos
69
. Sem conhecimento das novas tecnologias uma ação como a de 11 de
setembro de 2001 seria inviável. (tema: intolerância)
O segundo texto em nosso cabedal de análises tem como título “A
descoberta da vulnerabilidade” (p.48-58). Trata-se da matéria que abre a seção
especial destinada à repercussão do 11 de setembro de 2001; veiculado sem
assinatura, o texto reflete a opinião da revista.
Na primeira parte, o texto retoma o questionamento que tanto povoou as
indagações no dias seguintes: e agora? Tinha que se estabelecer uma meta para
aquilo que o presidente George W. Bush classificou como “Ato de Guerra”. Para o
Subsecretário de Defesa dos Estados Unidos, Paul Wolfowitz:
Não se trata apenas de capturar essas pessoas e fazer com que paguem pelo que
fizeram. É preciso eliminar os santuários, os sistemas de apoio e acabar com os
Estados que patrocinam o terrorismo. (REVISTA VEJA, 2001, p.48-50)
Combater os países que amparam terroristas foi outra opinião amplamente
divulgada. O texto se utiliza da ancoragem territorial para dar contornos de que o
terrorismo é um mal patrocinado por terceiros. Os “santuários” e “Estados que
patrocinam o terrorismo” são um indicativo de condolência ao terror executado por
países contrários às políticas defendidas pelos Estados Unidos. As palavras
procuram conduzir o leitor a deduzir o “complô” arquitetado contra o país. Todavia,
os Estados Unidos têm sua impressão digital na infra-estrutura de grupos dessa
natureza. Uma reavaliação da condução da política externa do país seria bem-
vinda no discurso da revista. (tema: causas dos atentados de 11 de setembro)
Jogar sementes descontextualizadas ao ar pode fazer germinar uma
produção de sentidos equivocada no leitor. Serva (2001) classifica como “redução”
a técnica de simplificar fatos. Isso ajuda a passar uma idéia de “notícia fora do
69
Detalhamos essa questão no capítulo 3: Terrorismo: um legado histórico e sua caracterização na
plataforma midiática (Item: 3.5. A Al Qaeda e o “Terrorismo em Rede”, p.85).
119
lugar”. Quando essa prática é utilizada, o sentido eufórico perpetrado pela mídia é
devolvido por uma percepção disfórica por parte do enunciatário.
Isso acontece no seguinte trecho do artigo
Não é de se espantar que, após os atentados, o tom do discurso americano tenha
mudado. Desapareceu como por mágica o relativismo cultural e seu corolário, o
respeito por aquilo que possa ser considerado politicamente correto. O relativismo
cultural, teoria formulada na década de 30 pelo antropólogo americano Melville
Jean Herskovitz, preconiza que nenhuma cultura é superior a outra. Que cada
uma deve ser entendida dentro de seu próprio contexto e, por isso mesmo, não
cabem comparações entre elas. (...). É dessa perspectiva que alguns estudiosos
acham possível justificar, por exemplo, a prática de muçulmanos africanos de
extirpar o clitóris das adolescentes. Do relativismo cultural nasceria na década de
80 o discurso politicamente correto, que aboliu do vocabulário palavras e
expressões que soam pejorativas a minorias étnicas, homossexuais e portadores
de deficiência física. Com os atentados, o relativismo sofreu um abalo: por alguns
dias, pelo menos, o mundo voltou a ser dividido entre países civilizados e nações
bárbaras. E, contra os bárbaros, políticos e analistas pediram “vingança”.
70
(REVISTA VEJA, 2001, p. 52)
Os trechos em itálico são exemplos evidentes da edição parcial do texto da
Veja. A revista, utilizando-se da figuração “muçulmanos africanos”, expõe um
exemplo forte e totalmente deslocado de seu contexto (a extirpação do clitóris)
para causar no leitor a sensação de que o "relativismo cultural" é um conceito
equivocado aguçando disforia ao Islamismo. A estratégia de figurativização é um
indicativo desse desejo. Em seguida, ao citar as ancoragens territoriais “países
civilizados” e “nações bárbaras”, procura provar que o mundo agora está
novamente dividido entre civilização e barbárie, em outras palavras, “nós” (os
civilizados) e “eles” (os bárbaros). (temas: a cultura do “Outro”, o mundo em
conflito)
Cabe salientar que a extirpação do clitóris não é algo inato ao Islamismo e
nada tem a ver com o Alcorão e sim com hábitos locais, costumes tribais
71
... Essa
forma de mutilação – praticada, por exemplo, no oásis Buraimi, nos Emirados
70
Grifos nossos.
71
Em dezembro de 2006, foi realizada no Cairo (Egito) a conferência "A Proibição da Violação do
Corpo Feminino pela Circuncisão”. Nessa conferência, muçulmanos de alto escalão concordaram
que a mutilação genital feminina é irreconciliável com o Islamismo. Embora a circuncisão seja
muitas vezes defendida com razões supostamente religiosas, não existe justificativa religiosa para
essa prática. O renomado e notório clérigo e jornalista egípcio, Yusuf al-Qaradawi, concordou que
o Alcorão afirma ser proibido mutilar a criação de Deus.
120
Árabes e países africanos – teve seu berço na África paleolítica. Opta-se pelo
enunciado “muçulmanos africanos” para reforçar a disforia quanto ao
posicionamento, que tudo indica, ser intencional, pois, a revista Veja, empregou
esse exemplo para provocar repulsa e ativar preconceitos contra os povos
islâmicos sem explicar ao seu leitor as nuances do rito. Essa construção
enunciativa traz, ao leitor que não é integrado a determinadas passagens
históricas e culturais, a concepção que os muçulmanos africanos, iranianos,
europeus ou americanos, o mesmo sentido: de que a prática é intrínseca a todo o
Islã. (tema: compreensão limitada e parcial do mundo islâmico)
O tema da segurança mundial também foi outra vertente explorada no texto.
Um ataque das proporções do 11 de setembro de 2001 na maior potência de
nosso tempo indicava quão frágil estariam os demais países que não dispõem dos
recursos militares do porte dos Estados Unidos. (tema: insegurança global)
Estaria surgindo uma nova ordem internacional pós-Guerra Fria? Essa idéia
somada à preocupação com a segurança é citada na seguinte passagem: “Com o
fim das ideologias e depois dos atentados, o planeta está agora obcecado pela
segurança” (p.53). Nessa afirmação, Veja tropeça no processo histórico quando
grafa a expressão “o fim das ideologias”; sendo que a própria sentença “fim das
ideologias” tem substância ideológica apontado para a superioridade de um
sistema sobre outros.
“Fim das ideologias”, “fim da história” foram expressões corriqueiras em
discursos construídos após o terremoto político que aniquilou as estruturas do
socialismo no leste europeu e da extinta União Soviética marcando o fim da
Guerra Fria. À época, um dos principais protagonistas dessa discussão foi o
cientista político estadunidense Francis Fukuyama, autor da obra “O fim da história
e o último homem”. Para Fukuyama o fim da Guerra Fria solidificava a vitória final
da ordem liberal do Ocidente e as disputas futuras seriam travadas nas arenas
comerciais da concorrência econômica. Esse seria o “estágio final” das
sociedades. Assim, de certa forma, Veja corrobora que as outras ideologias
estariam mortas, não tendo mais futuro, só passado. Novamente, a revista grafa
121
que “nosso” sistema econômico (o capitalismo) é superior aos sistemas
econômicos dos “outros”.
Em outro fragmento a revista navega no mar de interrogações que afogava
os Estados Unidos após o 11 de setembro de 2001.
Os americanos gastam 30 bilhões de dólares por ano em inteligência, e só a CIA,
o serviço de espionagem, tem 2.000 agentes no exterior. O sistema caríssimo de
vigilância eletrônica por satélites é capaz de fazer fotos tão detalhadas que se
podem identificar pontas de cigarros jogadas fora pelos guerrilheiros no
Afeganistão. A rede de vigilância envolve ainda aviões, navios e 5.000 pontos de
captação de informações no mundo inteiro. A tecnologia empregada permite
rastrear uma ligação de celular em qualquer lugar. Como nada disso funcionou?
Nenhum dos treze órgãos encarregados de monitorar, receber e analisar todo tipo
de informações relacionadas à segurança conseguiu evitar a entrada no país e a
comunicação entre os terroristas. (REVISTA VEJA, 2001, p. 54)
Em síntese: como foi possível um ataque desse porte perante todo o
aparato de segurança dos Estados Unidos? Como os Estados Unidos (principal
expoente do mundo ocidental) falharam tão bisonhamente na defesa de seu
território
72
? Não raro, o silêncio é mais contundente que a pergunta. (tema:
fragilidade do sistema de segurança dos Estados Unidos)
O Islamismo ainda ganharia mais linhas no texto “A descoberta da
vulnerabilidade”.
72
Segundo Burke (2007), mesmo dotada de espetacularização, os meios utilizados nas ações de
11 de setembro não foram novidades: “Os meios utilizados no ataque não eram novidade. Embora
até então ninguém tivesse executado com sucesso um ataque utilizando aviões como armas
ofensivas, essa tática fora freqüentemente discutida por militantes islâmicos. Em 1994, Ramzi
Youssef e um cúmplice tiveram a idéia de seqüestrar um avião e voar para a sede da CIA, em
Langley, no estado da Virgínia. No mesmo ano, membros do GIA tentaram forçar os pilotos de um
jato da Air France que tinham seqüestrado em Argel a jogá-lo contra a torre Eifel. Em 1996,
agentes da inteligência norte-americana receberam a informação de que um grupo ligado ao xeque
Abdel Omar Rahman planejava levar um avião do Afeganistão aos Estados Unidos e lançá-lo
sobre a Casa Branca, e que um grupo iraniano pretendia seqüestrar um avião japonês
sobrevoando Israel e faze-lo cair sobre Tel Aviv. Durante 1998 e 1999, os serviços norte-
americanos de inteligência receberam informações sobre planos semelhantes. Tais planos iam do
projeto de um grupo turco de lançar um avião sobre o túmulo de Kamal Ataturk durante uma
cerimônia oficial até um ataque do tipo camicase contra o palácio presidencial do Egito numa asa-
delta carregada de explosivos, planejado por um grupo de egípcios com base no Afeganistão.
Também se acredita que indivíduos mais próximos a Bin Laden tenham planejado operações
semelhantes. Até ideólogos radicais sonhavam com ataques desse tipo. Numa fatwa publicada no
verão de 2001, Ahmed Abdallah al-Ali, proeminente clérigo wahhabita kuwaitiano, discutiu a
legalidade da morte de um mujahed falecido ‘quando lançava um avião sobre uma cidade
importante’.” (BURKE, 2007, p. 244)
122
Há mais de um bilhão de muçulmanos espalhados pelo mundo. Na maioria, são
moderados. A minoria radical, no entanto, tem uma disposição fanática para matar
e morrer e se une num ódio incontrolável contra os Estados Unidos, em sua
opinião um país satânico. Em sua visão, atacar o demônio americano garante ao
fiel um lugar de honra no paraíso. Como se pode lidar com terroristas cujo objetivo
é retornar ao século VIII? (REVISTA VEJA, 2001, p.56-57)
O texto é recoberto pelas figurativizações muçulmanos, moderados, radical,
fanática, demônio americano, paraíso e terroristas. Quando separados, os semas
parecem figurar no dicionário de significados disfóricos comuns quando
destinados ao Islamismo. O mesmo ocorre quando isolamos do texto as
ancoragens territoriais país satânico e século VIII. Podendo funcionar como figura
ou ancoragem a expressão país satânico acaba sendo incorporada como
sinônimo de Estados Unidos, o grande inimigo dos extremistas islâmicos e,
sempre procurando colar o rótulo do atraso como feito na referência temporal
século VIII. (tema: fundamentalismo islâmico)
Na passagem em questão, depois de mencionar a cifra de muçulmanos
existentes no planeta, o processo de editorialização do texto destina uma curta
frase para dizer que a maioria dos islâmicos são moderados, sem entrar no mérito
da classificação. Espaço diferente é ofertado para demonstrar o lado mau do
Islamismo, indicando sua tenebrosa profissão de fé. Pode-se entender que, devido
aos atentados terroristas, passa a ser natural evidenciar apenas o lado
fundamentalista do islamismo
73
– sobretudo quando se quer enfatizar apenas
esse grupo para expandir o teor disfórico dos sentidos –, sempre em qualificação
negativa. E de fato o é, mas nada impede um sadio equilíbrio nas análises das
duas principais facções islâmicas.
Na parte derradeira do artigo temos o seguinte comentário.
A oposição à globalização já existia como fenômeno ambientalista, de minorias,
das ONGs e dos sindicatos. Agora deve também levar em conta essa nova
complicação: o Islã como fonte de preocupação para a paz mundial. A
globalização incomoda a turma do turbante pela modernidade que traz no bojo. O
fundamentalismo islâmico é, em boa medida, a manifestação de uma elite que
exerce sobre seus povos uma tirania milenar, baseada na religião e nos costumes
imutáveis. Se é contra a civilização ocidental é porque não pode conviver com
73
Embora algumas facções sunitas também optem por práticas terroristas.
123
seus princípios básicos, notadamente a liberdade política e individual. O universo
dos fundamentalistas é aquele em que se queimam livros, se proíbem filmes e
música. As mulheres são cobertas de véu e devem submissão ao poder
masculino. (REVISTA VEJA, 2001, p. 58).
As figurativizações do texto trazem à tona aspectos condenáveis do
fundamentalismo islâmico: submissão da mulher, queima de livros, traços
tirânicos... Essas figuras de linguagem reforçam a opinião da revista quanto aos
valores defendidos pelos terroristas. Contudo, o fundamentalismo religioso foi
gestado no ventre do protestantismo estadunidense
74
, não sendo assim, uma
criação islâmica (por mais que seja comum a utilização de tais práticas por seus
seguidores). A tenebrosa ação de queima de livros não é um pecado exclusivo do
fundamentalismo islâmico, ditadores como Adolf Hitler e o Tribunal da Santa
Inquisição também o fizeram. Mas essas informações são omitidas pela revista!
Nas três frases que abrem a citação anterior, Veja embaralha determinados
conceitos produzindo sentidos contrários ao Islamismo. Primeiro porque coloca
numa mesma teia de análises movimentos ambientalistas, ONGs e sindicatos ao
lado da rede terrorista islâmica, dando a entender que todos oferecem o mesmo
grau de periculosidade à globalização. Isto é, em sua prática enunciativa, por
exemplo, tenta colocar no mesmo nível de sintonia a atuação de um movimento
ambientalista e o terrorismo islâmico, como se ambos fossem concebidos do
mesmo ventre. Em segundo lugar, cita o Islã (como um todo, sem ressaltar suas
subdivisões) como um perigo à paz mundial.
Da maneira como os semas são construídos no texto, tem-se todo o
Islamismo como risco, e não apenas os fundamentalistas que realmente podem
pôr em xeque a segurança mundial como vimos nos atos de 11 de setembro de
2001. (tema: compreensão limitada e parcial do mundo islâmico)
Outra generalização perigosa é a terceira frase onde aparece pintada com
forte tom pejorativo a figurativização “turma do turbante”. Numa clara alusão à
vestimenta típica dos islâmicos, Veja destila preconceito de maneira incisiva.
Afinal, os moderados também usam a tradicional roupa, não apenas os
74
Esse aspecto foi detalhado no Capítulo 3: Terrorismo: um legado histórico e sua caracterização
na plataforma midiática (Item: 3.2. As faces do terrorismo, p. 77).
124
fundamentalistas. O tom disfórico usado na construção textual induz o leitor a crer
que todos os adeptos dessa religião são contra a modernidade e, por extensão,
terroristas. Nesses tipos de declarações a revista cola ao Islamismo emblemas de
atraso e fanatismo. Palavras inteiras, porém verdades recortadas com a perigosa
lâmina editorial. (tema: depreciação dos valores islâmicos)
No terceiro texto “O inimigo número 1 da América” (p. 68-72), Veja traça um
perfil do até então principal suspeito de arquitetar os ataques aos Estados Unidos:
Osama bin Laden. A figurativização dos personagens é o eixo central do texto.
Ao longo da história, o mal exibiu várias feições. Ele já teve os traços de Átila, o
Huno, do mongol Gêngis Khan, do austríaco Adolf Hiltler, do soviético Josef Stalin,
do cambojano Pol Pot e do ugandense Idi Amin Dada. (REVISTA VEJA, 2001, p.
68)
Para o leitor pouco versado na ciência histórica, as figuras citadas podem
não ter diferenças, sendo unidas pela cola do mal. Bin Laden seria mais uma
figura a entrar para história por suas perversas práticas – sobretudo contra as
ações que tiveram os Estados Unidos como alvo. (tema: figurativização do mal)
Junto com o terrorista saudita, a reportagem traz três desafetos dos
estadunidenses: Saddam Hussein, Muamar Kadafi e Aitolá Komeini – todos
islâmicos. Para cada um dos clássicos inimigos, a reportagem reproduz uma frase
pronunciada contra os Estados Unidos.
Osama bin Laden, em 1998: “Juramos todos os americanos de morte, sem
distinção entre militares e civis”. (p.69)
Saddam Hussein, 1991: “Os americanos vão nadar em seu próprio sangue”. (p.
71)
Muamar Kadafi, em 1986: “Humilhamos a América”. (p.71)
Aiatolá Khomeini, em 1979: “Os Estados Unidos são o Grande Satã”. (p. 72)
No processo de editorialização, todos os enunciados – construções
disfóricas em relação aos Estados Unidos – aparecem em grande destaque nas
páginas da revista indicando o ódio cultivado e disseminado contra os
estadunidenses. (tema: crítica ao antiamericanismo)
125
Veja permite que o leitor conheça mais sobre Osama bin Laden, nome até
então ignorado por grande parte do público, e suas ações terroristas contra os
Estados Unidos.
Laden seria o responsável pelos atentados simultâneos às embaixadas dos
Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia, em 1998, que causaram a morte de 224
pessoas. Ele também teria perpetrado a explosão de um navio americano na costa
do Iêmen, em outubro do ano passado, que resultou em dezessete marinheiros
mortos. Credita-se a Laden, ainda, o suporte técnico, por assim dizer, ao primeiro
atentado ao World Trade Center, em 1993, que contou seis vítimas fatais.
(REVISTA VEJA, 2001, p. 68)
Um currículo escrito com sangue. Ações que, nas incertezas dos primeiros
dias após os atentados, colocavam Osama bin Laden como principal suspeito dos
ataques. As ancoragens Quênia, Tanzânia, Iêmen e Word Trade Center (Estados
Unidos), simbolizam o quão global são as atividades terroristas da Al Qaeda.
O texto recorre ao xadrez político da Guerra Fria para informar como Bin
Laden começou a ascender no terrorismo islâmico sob os olhos complacentes e
oportunistas dos Estados Unidos.
... ele começou sua vida de militante islâmico em 1979, quando o Afeganistão se
viu invadido por tropas soviéticas. Muçulmanos de diferentes procedências
juntaram-se aos guerrilheiros fundamentalistas do Talebã e de outras facções na
defesa do país contra a superpotência comunista. Como não poderia deixar de
ser, dentro da lógica maniqueísta da Guerra Fria, o enfrentamento com a União
Soviética recebeu apoio dos Estados Unidos. Nesse ponto reside uma grande
ironia: o atual inimigo número 1 dos americanos pode ter recebido treinamento da
CIA, que gastou 3 bilhões de dólares para ajudar os rebeldes afegãos. (REVISTA
VEJA, 2001, p.70-71)
As ancoragens Afeganistão, União Soviética e Estados Unidos, presentes
no texto contextualizam geograficamente o mundo bipolarizado que, juntamente
com as figuras representadas por militante islâmico, tropas soviéticas,
guerrilheiros fundamentalistas do Talebã, fornecem ao enunciatário recursos para
se entender as condições históricas que colaboraram para a emergência de Bin
Laden no terrorismo internacional. Nessa época, o “outro”, o inimigo a ser
combatido eram os países comunistas.
126
Na passagem: “Como não poderia deixar de ser, dentro da lógica
maniqueísta da Guerra Fria, o enfrentamento com a União Soviética recebeu
apoio dos Estados Unidos”, Veja procura amenizar o fato de que no passado Bin
Laden serviu aos Estados Unidos, para depois jogar incertezas na argumentação
ao fazer uso do sema /pode/, semeando dúvidas à ligação do passado entre os
estadunidenses e o até então principal suspeito dos ataques. (tema: surgimento
de Osama bin Laden no cenário internacional)
A vitória sobre a União Soviética foi um estímulo à propagação de grupos
fanáticos islâmicos. Se fora possível a derrota do império comunista, Israel e seu
grande aliado, os Estados Unidos, também poderiam ser tombados. Em 1998, em
entrevista à rede inglesa BBC, Bin Laden já deixava claro suas intenções.
Os americanos nunca fizeram distinção entre civis e militares. Eles não jogaram a
bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki? Não apoiaram os massacres de
crianças e adolescentes na Palestina: Nossa fatwa (sentença de morte) se dirige,
então, a todos os americanos. Nós não os diferenciamos por trajes. (REVISTA
VEJA, 2001, p. 72)
Em seu discurso, Bin Laden externa as figuras civis e militares, crianças e
adolescentes como defesa em sua argumentação. Para o saudita, os Estados
Unidos nunca se preocuparam com a classe etária de suas vítimas. Igual
raciocínio vale para as ancoragens Hiroshima, Nagasaki e Palestina. As duas
cidades japonesas foram vitimadas em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente,
por bombas nucleares lançadas pelos Estados Unidos ao fim da Segunda Guerra
Mundial, em que a maioria de civis foi morta. Já a Palestina, é evocada como
vítima do algoz Israel, país aliado aos Estados Unidos e que pratica ataques
constantes à região citada por Bin Laden. Fiel a seu raciocínio, Bin Laden não via
injustiça em possível sentença contra os estadunidenses. A fatwa de Bin Laden
contra os Estados Unidos não era um exercício retórico. Seria concretizada em 11
de setembro de 2001. (tema: causas dos atentados de 11 de setembro)
No texto, o discurso da revista peca em mais alguns aspectos. Ao trazer
como nota de chamada logo após o título a frase: “Depois de Khomeini, Kadafi e
Saddam Hussein, o mundo islâmico produz outro pesadelo para os Estados
Unidos: o terrorista Osama bin Laden”. (p. 68), procura-se produzir o sentido de
127
que os inimigos dos estadunidenses são sempre os islâmicos quando nem todos o
são. Outro reducionismo presente na frase é tributar apenas ao mundo islâmico a
produção do terrorista Osama bin Laden. Quando já se sabe da participação dos
Estados Unidos em sua trama.
Hoje, tudo parece muito claro sobre as ações sofridas pelos Estados Unidos
e os mentores dos atentados. À época da publicação da edição analisada ainda
pairavam no ar dúvidas sobre os responsáveis. As declarações que reproduzimos
indicavam que, naquele momento, o sangue escorria na direção de Osama bin
Laden, porém ainda sem se ter plena certeza disso. No artigo, Veja procura criar
um efeito de verdade ao tributar a culpa a Bin Laden. O título da reportagem é
incisivo: “O inimigo número 1 da América”. Contudo, nas primeiras linhas do texto,
a revista já traz a dúvida para a discussão ao afirmar que: “Ele (Bin Laden) está
sendo apontado como provável cérebro por trás do ataque ao coração do império
americano”. (p. 68). Até então era o mais provável, mas não o culpado como viria
à tona posteriormente. Mesmo afirmando a dúvida no começo, na parte final
novamente aponta o terrorista saudita como “... o atual inimigo número 1 dos
americanos
75
”. (p. 71). O discurso da revista aponta mais para um desejo de seu
corpo editorial do que para um fato real e seguro.
O quarto texto, “Assassinato em nome de Alá” – (p. 80-85), sem perder de
vista o horizonte histórico, colocando o passado no presente, inicia-se
serenamente e, procurando separar o joio do trigo, procura caracterizar o “outro”,
trazendo as seguintes informações:
Com o surgimento dos primeiros indícios de que a onda de terror nos Estados
Unidos foi obra de radicais islâmicos, uma questão tornou-se inevitável: quem é
essa gente que se suicida jogando aviões contra edifícios? Que se veste de
bombas e se explode em supermercados e pizzarias de Israel? Que estoura
carros recheados de explosivos contra muros de quartéis? Quem é, enfim, essa
gente que se mata em nome de Alá?
Atualmente, calcula-se que exista em torno de 1,3 bilhão de muçulmanos no
mundo, divididos em diversas correntes religiosas – e apenas uma parcela
pequena está disposta a entregar a vida pela causa. São muçulmanos que
integram ramificações extremistas da religião, como os sunitas do Afeganistão e
os xiitas do Líbano, para os quais o suicídio em nome de Alá, normalmente
cometido aos gritos de “Deus é grande”, é uma forma suprema de entrega ao
75
Grifos nossos.
128
amor divino. A maioria dos mulçumanos, no entanto, repudia os ataques suicidas e
os considera pecado extremo, uma ofensa contra Alá, na medida em que atenta
contra o dom da vida – um dom divino. “O primeiro equívoco comum entre
ocidentais e cristãos é considerar todo islâmico um extremista suicida e, por
extensão, um terrorista em potencial”, adverte a historiadora Maria Aparecida de
Aquino, da Universidade de São Paulo. O segundo equívoco, e até mais freqüente
que o primeiro, é julgar que todos os muçulmanos são árabes, quando a maioria,
na verdade, é formada por povos não árabes. Somando-se um erro ao outro,
produz-se uma generalização tão deformada quanto a de alguém que supõe que
todos os católicos são irlandeses e, portanto, todos são radicais. (REVISTA VEJA,
2001, p. 81)
O discurso é construído em tom cauteloso, atribuindo responsabilidade a
quem lhe é de direito. O texto é levantado sobre argumentos de uma historiadora,
recurso utilizado para atribuir credibilidade à reportagem. Atravessado pelas
figuras radicais islâmicos, sunitas, xiitas, Alá, ocidentais e cristãos, o enunciado
sintoniza as diferenças que recortam os islâmicos, atentando para a diversidade
da religião de Maomé. Evidencia-se que não são todos os muçulmanos adeptos
da liturgia terrorista. (tema: divisões do mundo islâmico)
As ancoragens Afeganistão e Líbano quando unidas às figuras sunitas e
xiitas, clareiam as diferenças entre os dois principais setores do Islamismo,
alertando que as análises não devem ser precipitadas e nem ecoar o senso
comum para determinadas colocações.
Nesse trecho do enunciado – e também em seu desdobramento – Veja
omite uma importante informação. Os xiitas são tidos como a ala mais radical do
Islamismo cabendo aos sunitas a característica de moderados. Todavia, não se
trata de uma verdade absoluta, os sunitas do Afeganistão, o ex-ditador Saddam
Hussein e os próprios membros da Al Qaeda assumem perfil fundamentalista
mesmo não pertencendo à facção xiita. Ou seja, são líderes que almejam o poder
independentemente da facção. A religião é apenas um caminho para sedimentar
seus objetivos. A não explicação dessa passagem pode trazer confusão ao leitor
que no texto vê os semas /sunitas/ e /xiitas/ como representações
fundamentalistas produzindo o sentido de que todo o Islã é um conjunto terrorista.
Não há diferenças entre os “outros”. (tema: fundamentalismo islâmico)
129
Em determinado momento do texto, Veja novamente traz à superfície o já
decantado “choque de civilizações” de Samuel P. Huntington como possível
explicação para atos como o 11 de setembro de 2001.
A explicação sobre o que move esses extremistas, segundo alguns especialistas,
talvez esteja num dado mais sutil: o choque de civilizações.
“Os Estados nacionais permanecerão como os atores mais poderosos no cenário
mundial, mas os principais conflitos globais ocorrerão entre nações e grupos de
diferentes civilizações”, aposta o professor Samuel P. Huntington, especialista em
estudos internacionais da Universidade de Harvard e autor de um livro dedicado
ao assunto. “O choque de civilizações será a linha divisória das batalhas no
futuro”. Nem todos os estudiosos do assunto concordam com a tese de
Huntington, mas não há como negar que, num mundo cada vez menor, cada vez
mais próximo, a religião também funciona como um instrumento de afirmação de
identidade nacional. E a globalização crescente é um processo que se desenrola
sob o comando inequívoco do mundo ocidental – em especial, do império
americano. As potências ocidentais não trilham sua trajetória segundo parâmetros
da Bíblia, da fé cristã, dos ensinamentos de Jesus, mas, mesmo assim, elas
acabam por se contrapor, culturalmente, aos países muçulmanos, muitos dos
quais se pautam pelo Corão, pela fé islâmica, pelos ensinamentos de Maomé.
Com 1400 anos de rivalidade, o cristianismo e o islamismo vêm alterando auges e
colapsos. (REVISTA VEJA, 2001, p. 83)
Veja relata no trecho uma das teorias muito discutida à época dos ataques
e já por nós mencionada: “o choque de civilizações”. A postura do enunciado
materializada pela revista, coloca-a como simpatizante da tese, mesmo quando o
periódico procura vestir o manto da imparcialidade. O texto até chega a mencionar
que “nem todos os estudiosos do assunto concordam com a tese de Huntington”,
mas não cita um contra-argumento que mostre posição adversa a do intelectual
estadunidense. Assim, só a visão de Huntington é externada.
Tal como Francis Fukuyama e seu “fim da história”, Samuel P. Huntington
criou um paradigma para explicar a ordem mundial pós-Guerra Fria: os conflitos
seriam fundamentalmente culturais, principalmente no confronto com ancoragem
entre Ocidente e Oriente. Uma visão panorâmica mune de razão e credibilidade a
tese de Huntington, sobretudo, após o 11 de setembro de 2001. Mas quando
aproximamos a lente analítica a suas idéias, fraturas aparecem. Huntington
ancorou sua teoria numa análise do sistema internacional acreditando que a
geopolítica poderia ser deduzida a partir das estruturas culturais profundas que
130
moldam as civilizações. Ignorou a complexidade da rede de interesses dos
Estados e os emaranhados políticos e culturais das sociedades contemporâneas.
“Identidades”, “civilizações” não são entidades lacradas, mas um enredo de trocas,
compartilhamento. O “choque de civilizações” está na mente de Huntington, mas
não no cenário das relações internacionais e nem na sobreposição de uma cultura
sobre a outra
76
. (tema: choque de civilizações)
Na parte que encerra a citação, a revista reforça a tese de Huntington ao
produzir o sentido de rivalidade entre os mundos cristão e islâmico. Na passagem
textual, o mundo cristão é ungido pelas figuras Bíblia, fé cristã, ensinamentos de
Jesus, enquanto o mundo islâmico tem sua figurativização em Corão, fé islâmica,
ensinamentos de Maomé. Tem-se nessa iconização o efeito de realidade de que o
mundo ocidental e seus valores cristãos são superiores ao mundo islâmico;
atribuem-se ainda aspectos teocráticos aos Estados islâmicos e posições laicas
aos Estados cristãos. Ao afirmar que “As potências ocidentais não trilham sua
trajetória segundo parâmetros da Bíblia, da fé cristã”, Veja aposta no
desconhecimento da história por parte de seus leitores, uma vez que o “império
americano” (como citado no texto) fez uso em seu passado de argumentos
divinos, assim como George W. Bush repetiu tal gesto no presente para combater
o terrorismo, para justificar e consolidar a política expansionista dos Estados
Unidos
77
. (tema: fundamentalismo religioso)
76
Edward Said (2003) classifica a tese de Samuel P. Huntington como “choque de ignorância”.
77
O ex-presidente dos Estados Unidos, Willian McKinley justificou sua decisão de invadir as
Filipinas em 1898, durante a Guerra Hispano-Americana como um pedido feito por Deus enquanto
rezava. O escritor Hernan Melville, autor do clássico Moby Dick, expressou certa vez que: “Somos
o povo peculiar, escolhido, o Israel de nosso tempo. Carregamos a arca da liberdade do mundo”.
Outro episódio de como a “inspiração divina” norteou a política estadunidense estão nas palavras
de George W. Bush: “Deus me disse para atacar a Al Qaeda, e eu ataquei. Então ele me deu a
ordem de atacar Saddam, e foi isso que fiz”, explicou o presidente. A raiz do “Destino Manifesto” foi
plantada pelos puritanos no século XVII. Em sua jornada através do Atlântico, esses imigrantes se
comparavam aos hebreus do Velho Testamento, cruzando o deserto em busca da Terra
Prometida. (Fuser, 2006). O presidente George W. Bush classificou os atentados sofridos por seu
país como “diabólicos”, evocando o imaginário religioso em sua explicação. Em discurso proferido
no dia seguinte aos atentados sentenciou: “Mesmo que eu andasse pelos vales das sombras e da
morte não sentirei medo porque o Senhor está comigo”. Trata-se de uma evocação de uma
passagem presente no capítulo 23 do livro dos Salmos (Antigo Testamento). Nunca é demais
lembrar que em tribunais dos Estados Unidos é comum à prática de testemunhas prestarem
juramento com uma das mãos sobre a Bíblia.
131
Mais adiante, as informações do próprio texto se encarregam de fragilizar o
“choque de civilizações” ao mostrar que valores ocidentais conseguem conviver (e
bem!) em países islâmicos.
No Irã, há grandes anúncios de produtos ocidentais pelas ruas de Teerã, existem
mulheres procurando cirurgiões plásticos, num sinal de vaidade antes
inadmissível, e é muito expressivo o contingente feminino que freqüenta a
universidade – uma raridade em algumas nações islâmicas que confinam a mulher
aos limites do lar. “Há aspectos do capitalismo ocidental que são plenamente
aceitos pelas populações muçulmanas”, diz um diplomata brasileiro que serviu por
oito anos no Líbano. “As cadeias de fast food, como o McDonald’s, fazem sucesso
do Marrocos ao Líbano”, diz ele. (REVISTA VEJA, 2001, p. 84)
As figurativizações expostas em produtos ocidentais, vaidade, cirurgiões
plásticos, universidade atrelando valor à figura mulheres mostram a
compatibilidade de aspectos ocidentais em território muçulmano. Da mesma
maneira que, a figura McDonald’s (um dos símbolos do capitalismo
estadunidense) quando atrelada em tom eufórico pelo sema sucesso às
ancoragens territoriais Marrocos e Líbano (países islâmicos), faz tombar a
generalização precipitada de conjugar duas culturas como incompatíveis, de que
somente com o extermínio de uma que a outra pode florescer. (tema: harmonia
entre culturas)
“A cultura do Apocalipse” (p. 130-141) é a matéria que fecha o ciclo de
reportagens sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 da revista. O texto
destaca que o enredo de tragédias está no cerne na cultura dos Estados Unidos
desde os tempos dos pioneiros. O medo do “outro” sempre foi algo fincado no
imaginário da sociedade estadunidense. O “outro” fora estigmatizado na figura do
comunista, alienígena, estrangeiro, terrorista (sobretudo de origem islâmica)...
Várias faces que demonstram uma única imagem: o perigo contra os Estados
Unidos e, principalmente, contra os valores ocidentais. E, invariavelmente, são os
Estados Unidos que salvam o mundo do perigo; sempre que alienígenas chegam
à Terra e desejam falar com o líder do planeta, é ao presidente estadunidense que
eles são conduzidos. Temos que, a necessidade do inimigo, de se ter o “outro”
como referência torna-se instrumento político destinado às revitalizações sociais,
econômicas e/ou instrumento político para justificar práticas governamentais que
132
podem ser julgadas impopulares. O legado dessa ação está encravado na história
dos Estados Unidos e também na própria humanidade. (tema: medo como
instrumento político)
A reportagem tem como fio condutor à cultura da tragédia quando põe em
cena o famoso episódio em que Orson Welles, em 1938, narra como se fosse uma
notícia, passagens do livro A Guerra dos Mundos (na obra, marcianos invadem a
Terra e disseminam pânico e destruição). Muitos acreditaram que a narração via
rádio era de fato verdadeira e o planeta estava sob ameaça. Um clássico exemplo
de como a mídia pode iludir e produzir sentidos na população. Os veículos
midáticos moldam nossa percepção, nossos sentidos. Quando se fala em guerras,
ataques, sempre temos uma imagem de referência. Para Steinberger (2005, p.
268) “... a nossa imagem de guerra é construída segundo estereótipos do cinema
e da televisão”. Sobre o sentido que as imagens produzidas pelo choque dos
aviões nas Torres Gêmeas, Veja atenta que:
A cultura americana já imaginou incontáveis vezes a sua própria destruição. A tal
ponto que imagens únicas em seu horror, como as do desabamento das torres do
World Trade Center, pareceram estranhamente familiares ao ser vistas pela TV. A
impressão de que tudo se assemelhava a um filme deve-se ao fato de que
estúdios de Hollywood produzem ano após ano fitas em que Nova York e outras
grandes cidades dos Estados Unidos são submetidas a ataques terroristas,
explosões nucleares, devastação por meteoros, monstros e alienígenas.
(REVISTA VEJA, 2001, p. 130)
Ou seja, a “cultura da tragédia” é alimentada pela indústria do
entretenimento. A ficção parece inspirar a agir sobre a realidade aguçando os
sentimentos dramáticos presentes no imaginário social. (tema: destruição como
componente social)
Dentre a imensa produção cinematográfica dos Estados Unidos, o texto cita
dois filmes que parecem assumir o dom da profecia.
Duas fitas dos últimos tempos foram proféticas no que toca à tragédia do World
Trade Center: Em Nova York Sitiada, estrelada por Denzel Washington e Bruce
Willis, a cidade é crivada de bombas por fanáticos muçulmanos, que pretendem
com isso pressionar o governo do país a libertar um de seus líderes –
indisfarçavelmente calcado na figura de Osama bin Laden, o principal suspeito de
ser o responsável pelos atentados da semana passada. Já a transformação de um
133
avião comercial em bomba voadora pode ser vista em Momento Crítico, com Kurt
Russel, no qual terroristas islâmicos tomam uma aeronave de carreira e ameaçam
jogá-la sobre Washington. (REVISTA VEJA, 2001, p. 140-141)
Duas ancoragens territoriais presentes no enunciado reforçam o sentido de
profecia: Nova York e Washington – as duas localidades foram os alvos dos
atentados de 11 de setembro de 2001. Os recursos figurativos representados
pelos semas fanáticos muçulmanos, avião comercial, bomba voadora e terroristas
islâmicos, também conduzem a efeitos de realidade que se fariam presentes
naquela trágica terça-feira de setembro. (tema: terrorismo como gênero
cinematográfico)
Na ficção tem-se a certeza de que tudo terminará bem. Todos os
momentos de perigo que assolam a população serão transformados em vitória.
Mesmo se o inimigo vencer, tudo bem! Trata-se apenas de filme! Contudo, o
roteiro da vida real não é tão simples. São extremamente complexas atitudes
como as ações terroristas de 11 de setembro de 2001. No entanto, em discurso
onde procura explicar os motivos do ataque o presidente George W. Bush,
encobrindo os olhos com o véu patriótico, de forma reducionista, dispara:
A América tornou-se um alvo porque somos o mais brilhante farol da liberdade e
da oportunidade no mundo. Ninguém impedirá essa luz de brilhar. Eles não
vergarão o aço de nossa vontade. (REVISTA VEJA, 2001, p.141)
O texto externa os semas eufóricos bradados pelo presidente
estadunidense. Tem-se a projeção de duas vertentes /liberdade/ vs /opressão/. O
sema /liberdade/ é atrelado aos valores dos Estados Unidos. Por sua vez
/opressão/ representa o oposto do que é externado por George W. Bush, sendo
valor atribuído aos seus desafetos. Se nos filmes o bem e o mal são substâncias
bem definidas, fora da ficção isso não acontece. A luz do “brilhante farol da
liberdade” parece ter cegado o presidente Bush. A realidade pode sim vergar o
aço da política externa dos Estados Unidos. Afeganistão e Iraque que o digam.
(tema: exaltação dos valores estadunidenses)
134
4.4.2. CartaCapital
Ao contrário de Veja, todas as reportagens e opiniões da CartaCapital
contém assinaturas, inclusive sua “Carta ao Leitor”. O número de matérias sobre
os ataques de 11 de setembro de 2001 é menor do que as apresentadas pela
Veja, como fora apontado na tabela 2. Segundo a metodologia de análise,
enfocaremos as seguintes reportagens:
1. O ataque e a idéia – Mino Carta
2. E o mundo mudou – Flavio Lobo (colaboração de Rodrigo Haidar)
3. Caminho para a intolerância – Darc Costa
4. Não entendemos o mundo árabe – Entrevista concedida por Michel T. Klare
5. Os culpados de sempre – Ana Paula de Sousa
Na apresentação de sua “Carta ao Leitor”, a revista estampa matéria
publicada na edição de 1
o
de agosto de 2001. A reportagem tinha como título “O
príncipe da morte” e fazia referência ao saudita Osama bin Laden e sua
metodologia de terror. Com semas eufóricos, a legenda enaltecia: “Leia antes que
aconteça: na edição de 1º de agosto, CartaCapital vislumbrava as ameaças que
rondavam os EUA” (p.5). Trata-se, obviamente, de uma autopropaganda em que o
periódico anuncia ter, anteriormente, veiculado informações a respeito do perigo
antes da consumação do terror. Com isso, os enunciadores procuram produzir o
efeito de eficiência/credibilidade em seus leitores. (tema: autopropaganda)
Tendo como título “O ataque e a idéia”, a seção “Carta ao Leitor”, assinada
pelo jornalista Mino Carta, primeiro texto a ser analisado, diz que
As grandes ideologias estão mortas, diz o pensador italiano Alberto Asor Rosa,
nestes dias de passagem pelo Brasil. As grandes ideologias, com interpretações
do mundo e da vida, nos mais diversos domínios e manifestações. E estão mortas
porque o mundo mudou e, na mudança, as tornou, de certa forma, obsoletas.
Não morreu, é claro, a capacidade do homem gerar idéias, a despeito da
manipulação a que submete a chamada cultura de massa, cada vez mais
determinada no propósito de lhe servir soluções prontas e acabadas. Se ainda não
surgiram ideários políticos adequados aos tempos novos, é admissível que
venham a brotar, avisa Rosa.
Uma idéia, independentemente de juízos de valor, está por trás do ataque
camicase desferido contra os Estados Unidos em seu próprio território, algo assim
135
como o fruto envenenado da globalização. A qual não é, em si, expressão do Bem
ou do Mal. Benéficas, ou daninhas, podem ser as políticas aplicadas para
enfrentar o fenômeno.
O que se viu, até o momento, foi a transferência para o plano global da injustiça
social outrora reservada aos cenários nacionais. Ricos cada vez mais ricos,
pobres cada vez mais pobres. A velha história, brutalmente ampliada, dilatada,
elevada ao quadrado, ou ao cubo. Lamentável, condenável, a morte dos
inocentes, nesta tragédia que espanta o mundo. Mas quais foram as guerras que
não chacinaram inocentes, a começar pelos próprios combatentes, buchas de
canhão?
Esta Edição Especial de CartaCapital busca os significados do ataque ao Império,
quem sabe o começo de um conflito sem precedentes na história da humanidade.
Às vezes, o homem não percebe já estar vivendo em guerra. Quente. (CARTA,
2001, p. 05)
Mergulhando no nível profundo do texto de Mino Carta temos as oposições
/Igualdade/ vs INão-Desigualdade/ e /Desigualdade/ vs /Não-Igualdade/ que são
revestidas, no nível discursivo, por expressões ou termos (que representam
figuras do mundo natural), e que no nível narrativo tomam a forma de “mudança
de estados” de sujeitos (homem, mundo, globalização, guerras, inocentes...) que
passam por transformações .
No enunciado da revista, o oposto de /Igualdade/ é concebido como
/Desigualdade/, resultante das engrenagens presentes no sistema capitalista.
Desse modo, a /Igualdade/ torna-se um valor sufocado pelo capitalismo que, em
sua fase globalizante, acentua os problemas socioeconômicos em diversos
países. Essas disfunções sociais são representadas nos semas “ricos cada vez
mais ricos, pobres cada vez mais pobres”; tendo sentido que os ataques sofridos
pelos Estados Unidos foram conseqüências do “fruto envenenado da
globalização”, conforme defende o enunciatário. Assim, os valores disfóricos
grafados em /Igualdade/, conduzem a /Não-Igualdade/, interpretado por
/Desigualdade/, conforme demonstra os movimentos das setas que integram o
quadrado semiótico a seguir:
136
Igualdade Desigualdade
Não-Igualdade Não-Desigualdade
O texto de Mino Carta em nenhum momento faz referência ao terrorismo ou
as redes suspeitas do atentado. Nos argumentos contidos no texto, mais do que o
terrorismo, a disjunção contida nos semas /Igualdade/ e /Desigualdade/ remete
aos ombros do sistema capitalista a culpabilidade pelas engrenagens que
moveram as ações sofridas pelos Estados Unidos, principal expoente desse valor
econômico. “O fruto envenenado da globalização” – /Desigualdade/ seria a
penetração e dispersão das desigualdades e injustiças sociais, levando, como diz
o texto, “a ricos cada vez mais ricos, pobres cada vez mais pobres” - /Não-
Igualdade/. O jornalista também procura diminuir o efeito negativo sobre o número
de óbitos da ação terrorista no trecho: “Mas quais foram as guerras que não
chacinaram inocentes, a começar pelos próprios combatentes, buchas de
canhão?” (tema: crítica ao sistema capitalista)
O “outro”, o “diferente” para o jornalista se traduz em uma ideologia
socioeconômica – o capitalismo – e o combate a seus princípios filosóficos, seria
um dos vetores explicativos para os atentados de 11 de setembro de 2001.
Quando sentencia que “às vezes, o homem não percebe já estar vivendo em
guerra. Quente”, Mino Carta, apresenta a idéia que episódios como o de 11 de
setembro de 2001 são ápices de eventos diários gerados pela face podre do
137
mundo globalizado. Para o jornalista, o protagonista é o sistema capitalista e as
injustiças geradas por este. (tema: causas dos atentados de 11 de setembro)
A seção “Carta ao leitor” da CartaCapital oferta ao leitor sentido de
disjunção de valores quando comparada a Veja. Para a revista do Grupo Abril, os
ataques terroristas foram ações direcionadas contra os valores defendidos pelo
sistema capitalista. O sistema capitalista assume efeito de conjunção: capitalismo
é colado com o Ocidente, representado os mais límpidos anseios do mundo
moderno. Por sua vez, o texto de abertura de CartaCapital expressa valores
disjuntivos ao sistema capitalista e seus sintomas negativos à sociedade. Para a
revista, o capitalismo seria o responsável por ações como a de 11 de setembro de
2001 pela desigualdade e males embutido em sua filosofia. (tema: crítica ao
sistema capitalista)
Ao tecer críticas ao capitalismo, Mino Carta se mantém fiel à linha editorial
da revista (tendência progressista) em trazer à tona a disforia /capitalismo/ vs
/comunismo/. Contudo, o texto peca em omissão de informações jornalísticas
básicas: em momento algum são apontados os autores, ou aos menos os
suspeitos, da barbárie terrorista. A cor ideológica prestou um desserviço aos
leitores que os textos seguintes procurariam corrigir em páginas futuras.
O ciclo de reportagens da CartaCapital inicia-se com o segundo texto que
analisaremos, “E o mundo mudou” (p.06-10), escrito por Flavio Lobo com a
colaboração de Rodrigo Haidar. Na reportagem, narra-se o cenário dos Estados
Unidos antes e depois dos atentados daquela triste terça-feira de setembro de
2001. Seguindo o tom questionador que norteou outros órgãos de imprensa, é
levantada a dúvida de como foi possível um ataque de tamanha envergadura na
maior potência mundial. Os vultosos investimentos em defesa foram vencidos por
utensílios simples e um grandioso planejamento. Todo o aparato defensivo
mostrou-se inócuo frente às ações terroristas. (tema: fragilidade do sistema de
segurança dos Estados Unidos)
Também foi prática comum (e compreensível) a especulação dos possíveis
responsáveis pela orquestração terrorista. Abrindo-se as cortinas, CartaCapital
apresenta os principais atores.
138
A lista de suspeitos é grande. Primeiro, espalhou-se a notícia de que a facção
radical Frente para Libertação da Palestina teria assumido a autoria, o que logo foi
negado por seus líderes.
Osama bin Laden, o terrorista considerado inimigo número um dos EUA, que
sempre esteve no topo do quadro de apostas, declarou na quarta-feira (12/09) não
ter nada a ver com o episódio. Já seu auto-intitulado porta-voz, Omar Bakri, que
reside na Inglaterra, afirmara no próprio dia 11, que somente Bin Laden e seu
grupo teriam recursos e fé suficientes para perpetrar tais ações. “No mundo
islâmico, hoje é um dia de festa”, diz Bakri, na edição do dia 12 do jornal italiano
La Repubblica.
No dia do atentado, em meio ao tiroteio de informações, contra-informações,
declarações e desmentidos, um interlocutor anônimo do grupo extremista japonês
Exército Vermelho reivindicava a autoria dos atentados “para vingar os mortos de
Hiroshima e Nagasaki”. A notícia, veiculada pela France Press e reproduzido pelo
portal brasileiro Terra, parece não ter sido levada a sério.
Outra hipótese apontava para milícias ultradireitistas americanas. (LOBO, 2001, p.
08-09)
Ao apresentar as figuras Frente para Libertação da Palestina, Osama bin
Laden, Exército Vermelho e milícias ultradireitistas americanas o texto traz a
público possíveis indicações das mentes que poderiam ter planejado os ataques.
As duas primeiras figurativizações remetem ao mundo islâmico. As ancoragens
territoriais Hiroshima e Nagasaki trazem ao presente o ataque nuclear sofrido pelo
Japão em 1945. Entre as hipóteses, alertava-se também que o ato poderia ter
partido de facção política endêmica aos Estados Unidos, mostrando que o
fantasma de Timothy McVeigh ainda assombrava o imaginário estadunidense.
De todas as sentenças, a de Omar Bakri seria pega pelo braço da verdade.
Pode causar espanto a recusa inicial de Osama bin Laden e da rede Al Qaeda
sobre a autoria das operações de 11 de setembro e 2001, uma vez que os
Estados Unidos sempre foram o desafeto preferido do terrorismo islâmico. Mas
trata-se de uma técnica comum entre os seus. A rede Al Qaeda sempre negava
seus atentados ou, no mínimo, demorava em fazê-lo. A exceção foi nos atentados
de Madri, na Espanha, em 11 de março de 2004. O ato foi assumido rapidamente
porque o então primeiro-ministro José Maria Aznar vendeu à imprensa a
declaração que as ações teriam sido realizadas pelo grupo ETA
78
.
78
A agência EFE conhecida por suas posições independentes embarcou no imbróglio. El País, El
Mundo e a TVE, maior grupo de rádio e TV do país seguiram os mesmos passos. Tempos depois,
El País dedicou uma página à justificação do ato falho, transferindo a culpa para Aznar, acusando
o ex-primeiro-ministro de mentiroso pelas informações caluniosas fornecidas. Assim, para que seus
139
A comoção pelo desespero e mortes de pessoas na operação terrorista de
2001 foi um sentimento compartilhado por muitos. Nada parecia justificar tamanha
atrocidade, condenável sob todos os aspectos.
Contudo, o texto mostra que houve quem destoasse à canção: islâmicos
que sofrem em seus territórios com a política externa dos Estados Unidos e seus
aliados viram no 11 de setembro de 2001 um ato de desagravo, uma benção de
Alá. (tema: causas dos atentados de 11 de setembro)
Do outro lado, quem sentia a chaga terrorista lhe corroer a pele, entoava a
cantilena da vingança.
Palestinos, efusivamente, diante das câmeras, saúdam o golpe sofrido pelo “irmão
mais forte” de seus opressores israelenses. Ódio e desespero transformaram-se
em júbilo diante da morte de milhares de inocentes. Como, aliás, se viu – na
“trincheira oposta” – durante a Guerra do Golfo.
No dia seguinte aos atentados, o prefeito Rudolph Giuliani afirma que agressões a
pessoas de origem árabe e asiática têm ocorrido em Nova York. Giuliani pede aos
nova-iorquinos para que não ajam como os “loucos” que os atacaram.
Em um artigo intitulado Simply Kill These Bastards (Simplesmente Mate Esses
Bastardos), veiculado no site do jornal New York Post, um certo Steve Dunleavy
defende que as cidades ou países que hospedam esses “vermes” sejam
bombardeados“ até virarem quadra de basquete”. (LOBO, 2001, p. 10)
Com a sensibilidade à flor da pele, muitos viram no Islamismo um mal a ser
combatido, sem atentarem que não se trata de uma massa homogênea, a
profissão de fé do terrorismo não é celebrada por todo mundo muçulmano.
CartaCapital falha ao não explicar esse ponto importante na reportagem, e
também não a contrapõe com a visão de uma autoridade islâmica moderada,
criando assim um reducionismo a respeito do Islamismo.
A agressão não ficara apenas em palavras como se evidencia no discurso
de então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Os julgamentos em relação ao
estrangeiro, ao “outro” fora consumado em violência física.
objetivos não fossem relegados ao esquecimento (queriam que a Espanha retirasse as tropas
enviadas ao Iraque), o grupo assumiu publicamente suas as ações terroristas realizadas na cidade
de Madri.
140
Quando expõe o discurso eufórico (para os terroristas, disfórico para os
demais) de Omar Bakri afirmando que “No mundo islâmico, hoje é um dia de
festa”, caberia o dever de detalhar o quão abrangente é este mundo. O sema
disfórico /vermes/ usado por Steve Dunleavy em seu artigo é um indicativo de
desinformação e caracterização preconceituosa do “outro”. Curiosamente o desejo
de Dunleavy é verbalizado na figurativização “quadras de basquete”, um ícone do
esporte estadunidense. Esconde-se por trás da declaração o desejo de domínio e
imposição de uma cultura sobre a outra. (tema: reação eufórica de facções
islâmicas, ódio ao mundo islâmico)
O terceiro texto a ser analisado em CartaCapital, “O caminho para a
intolerância” (p. 41), é assinado pelo Coordenador da Escola Superior de Guerra e
Diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos do Rio de Janeiro, Darc
Costa.
... uma sociedade ameaçada é uma sociedade que tende a se isolar, um processo
indissociável da valorização do que é seu, mas que raramente escapa de resvalar
na desvalorização sistemática do que é dos outros. Uma sociedade que procura
marcar forte a alteridade. Esses novos atributos, postos em hegemonia, podem
criar razões de insegurança bem maiores que as atuais. Podem construir um
mundo de dúvidas e de riscos. Aí está o maior dos crimes que foi perpetrado nos
ataques terroristas a Washington e Nova York: levar a que se reconstrua no
mundo o espaço da completa intolerância. Não haverá mais espaço para posturas
antiamericanas sem que isso seja visto como terrorismo. O maniqueísmo voltou
com todo o seu trágico séqüito. (COSTA, 2001, p. 41)
No texto, Darc Costa alerta para o uso político que os estadunidenses e
seus simpatizantes poderiam fazer nas medidas antiterrorismo: confundir qualquer
manifestação contrária aos Estados Unidos ou ao sistema capitalista como
indicativos de simpatia ao terror. O cenário que emergia após os atentados
fornecia a oportunidade de reforçar os valores da cultura estadunidense ao
mundo, mesmo que as origens dos ataques estejam veiculadas a esta imposição
cultural e econômica dos Estados Unidos sobre outros países, sobretudo, os do
Oriente Médio. (tema: imposição cultural)
141
Assim, os valores representados pelo sema /antiamericanismo/ coadunam
com os de /terrorismo/. O /antiamericanismo/ seria negação dos valores
defendidos pelos Estados Unidos – /não-americanismo/. Desta forma, a ideologia
terrorista apresenta-se contrária a axiologia estadunidense como mostra a
seguinte passagem: Americanismo Não-Americanismo Antiamericanismo.
Sendo o /terrorismo/ o sentido resultante da afirmação dos valores contra os
Estados Unidos.
Em suas palavras, Darc Costa atenta que após os atentados terroristas
sofridos pelos Estados Unidos poderia se erguer uma atitude social contrária às
posturas antiamericanas. Os valores culturais abrigados pelo país poderiam ser,
mais uma vez, impostos a outras culturas. A intolerância aos valores do “outro” –
tudo o que é contrário aos ideais estadunidenses – apresentar-se-ia como um dos
sentimentos do governo dos Estados Unidos nas políticas de retaliação, como
ilustrou a sentença do presidente George W. Bush: “Cada país, em cada região,
precisa decidir: ou está conosco, ou com os terroristas”. Seria novamente
desfraldada a bandeira do pensamento único em defesa de um modo de vida.
(tema: intolerância)
À guisa de conclusão, Darc Costa destila sentimentos eufóricos ao Brasil.
Para o autor, o valor disjuntivo que impulsiona o terrorismo – a intolerância – não
se perpetua no Brasil, alijando o país de possíveis ataques dessa natureza.
Historicamente filho da intolerância, o terror não encontra solo fértil no Brasil.
Mantendo nossa tolerância, nosso sincretismo, nossa miscigenação – porque ser
tolerante não é ceder na essência da identidade –, haveremos de permanecer fora
das rotas do terror. (COSTA, 2001, p. 41)
Ser tolerante e saber distinguir a diversidade cultural não significa perder a
identidade e sim valorizar a riqueza que o contato, a troca de experiências
proporciona ao enriquecimento das civilizações. (tema: tolerância)
“Não entendemos o mundo árabe” (p. 43), traz entrevista com o Michael T.
Klare, Diretor do Programa de Estudos de Paz e Segurança Mundial.
142
O título da entrevista demonstra o percurso das idéias de Michael T. Klare:
a dificuldade de compreensão de outra cultura por parte da sociedade
estadunidense.
O americano comum acredita que o que nós fazemos é para o bem do mundo
inteiro, não entende que existem outras pessoas que interpretam as nossas ações
como hostis.
(...)
Se for confirmado que esses atentados têm origens islâmicas ou árabes, eu temo
que realmente possa haver uma reação violenta contra os árabes americanos.
Aqui se diz que esses acontecimentos são como Pearl Harbor, e depois desse
ataque o governo americano prendeu americanos de descendência japonesa em
campos de isolamento. É um precedente grave. (KLARE, 2001, p. 43)
O discurso de Michael T. Klare revela valores disfóricos em relação a outras
culturas presentes no imaginário de parcela da sociedade estadunidense, uma vez
que existe a dificuldade de reconhecer o “outro”, procurando desvalorizá-lo.
Quando declara que “O americano comum acredita que o que nós fazemos é para
o bem do mundo inteiro”, Klare indica o quanto os valores do Destino Manifesto
79
ainda povoam a cultura dos Estados Unidos. (temas: exaltação dos valores
estadunidenses e intolerância cultural)
Na reportagem “Os culpados de sempre” (p. 54-55) de Ana Paula Sousa, as
revistas Veja e CartaCapital se encontram ao trazerem para os leitores a
contundente relação entre o cinema e a cultura árabe
80
na produção dos sentidos
e depreciação dos valores.
79
O Destino Manifesto é a uma sentença que expressa a crença de que o povo dos Estados
Unidos é eleito por Deus para comandar o mundo, e por isso o expansionismo estadunidense é
apenas o cumprimento da vontade Divina. Os defensores do Destino Manifesto acreditaram que
expansão não só era boa, mas que era óbvia ("manifesto") e inevitável ("destino"). Em 1997,
Madeleine Albright, Secretária de Estado estadunidense durante o governo de Bill Clinton,
procurando justificar o lançamento de mísseis contra o Iraque, bradou: “Se nós temos que usar a
força, é porque somos a América. Somos a nação indispensável. Nós temos estatura. Nós
enxergamos mais longe em direção ao futuro”.
80
Um grupo americano de defesa dos direitos dos muçulmanos protestou em janeiro de 2007
contra um episódio da série de TV “24 horas”, afirmando que a história promove estereótipos
preconceituosos que prejudicam o Islamismo.
O episódio questionado pelo Conselho de Relações Islâmico-americano (CAIR, sigla em inglês),
exibido no domingo passado, nos Estados Unidos, conta como terroristas islâmicos explodem uma
bomba nuclear perto de Los Angeles.
“O impacto emocional de cenas de ficção, que incluem mortes em grande escala e destruições
com uma grande amplitude nos Estados Unidos, podem ter efeitos negativos sobre a atitude frente
às liberdades civis e religiosas, assim como as relações entre as religiões", afirmou o Conselho em
um comunicado. "A relação estabelecida repetidas vezes pelo programa de atos de terrorismo com
143
O filme Nova York Sitiada, dirigido por Edward Zwick mais uma vez é citado
como exemplo. O enredo do filme narra a investigação de um agente do FBI sobre
uma série de atentados terroristas causados pela prisão, nos Estados Unidos, de
um líder muçulmano. O fato serve de pretexto para a militarização da cidade de
Nova York contra o inimigo de origem árabe e islâmica.
Quando do lançamento do filme (1997) a comunidade árabe protestou
acusando a obra de estereotipar sua cultura e associar de maneira irresponsável
Islamismo e terrorismo como valores intrínsecos. (tema: depreciação dos valores
islâmicos)
O texto traz em suas linhas referências ao professor da Universidade de
Los Angeles, Douglas Kellner que, em parceria com Michael Ryan, analisou o
fenômeno no livro Camera Politics: The Politics and Ideology of Contemporany
Hollywood Film que ilustram tal preconceito.
No levantamento realizado por Douglas Kellner (...) em pelo menos 21 filmes
produzidos pelos Estados Unidos entre 1984 e 1986 os árabes receberam
praticamente o mesmo tratamento que o cinema nazista dispensou aos judeus.
Segundo ele, em filmes como Protocolo, Jóia do Nilo e Setembro Vermelho, os
árabes são apresentados como verdadeiros ícones do mal. “Eles são
constantemente demonizados nos filmes de Hollywood, ocupando o lugar dos
comunistas como os inimigos da sociedade americana...”
De acordo com Kellner, os árabes são mostrados sempre de modo estereotipado:
como milionários grosseiros ou pobretões ignorantes. “Essa demonização é
deplorável e perigosa, criando inimigos internos e externos que podem provocar
reações como o destrutivo ato terrorista que acabamos de vivenciar”, avalia o
autor. (SOUZA, 2001, p. 54)
O texto mostra de maneira clara os valores disjuntivos destinados aos
“outros”. As figurativizações construídas pelos semas /árabes/, /milionários
grosseiros/ e /pobretões ignorantes/, /verdadeiros ícones do mal/ se constituem
em uma rede isotópica depreciativa à cultura do outro, forjando inimigos tanto
externa como internamente. A produção de sentidos negativos aos árabes é
reforçada ainda pela associação de valores entre a prática nazista de propaganda
o Islã acabará apenas no agravamento dos preconceitos antimuçulmanos em nossa sociedade",
contesta o Conselho.
Fonte: http://televisao.uol.com.br/ultnot/2007/01/19/ult32u15954.jhtm
144
durante a Segunda Guerra Mundial, época em que os judeus foram perseguidos,
presos e mortos pelo governo alemão. (tema: depreciação dos valores islâmicos).
Em geral, os filmes antiárabes dos últimos anos combinam ideologias racistas e
chauvinistas que apresentam os árabes como a encarnação do mal, e os
americanos, como a personificação do bem. Essa visão repete o que Edward Said
(1978) descrevia como “orientalismo”: estabelece as virtudes do Ocidente por meio
da delineação das diferenças entre o Ocidente “civilizado” e o Oriente “selvagem”,
que é pintado como irracional, bárbaro, subdesenvolvido e inferior ao Ocidente
racional, refinado e humano (KELLNER, 2001, p.119-120).
Essa liturgia de sentidos disjuntivos prepara o terreno para inimigos pré-
produzidos, grupos responsáveis pelos problemas que ameaçam os
estadunidenses. Trata-se de uma estratégia, pois, para Wolton (2004, p. 350) “... a
ideologia nunca é tão forte como quando é banal e cotidiana”. Toda vez que o
temor foi destaque contra os Estados Unidos, o cinema sempre optou por fatores
exteriores, aos “diferentes”, os “outros”. Comunistas, árabes, alienígenas ou a
própria natureza já protagonizam a encarnação do “mal” nas telas do cinema.
4.4.3. Superinteressante
O distanciamento dos atentados da data de publicação de um veículo
midiático tem duas faces. A revista, sendo mensal, tem um tempo maior de
apuração dos fatos, além de poder relatar novos direcionamentos do ato. Por
outro lado, corre-se o risco de saturação de notícias, como a revista
Superinteressante deixa claro em sua carta ao leitor.
Como lidar, em uma revista mensal, com uma notícia desse porte? A imprensa
online, a diária e a semanal esmiuçariam o fato à exaustão. A ponto de as
imagens mais espetaculares jamais registradas por uma lente – o mergulho
suicida do Boeing e subseqüente colapso das Torres Gêmeas do World Trade
Center – virarem, em questão de horas, um lugar-comum insuportável. (SILVA,
2001, p.09)
Despindo-se dessa saia-justa, a revista opta por investigar o funcionamento
da mente dos terroristas e combater a idéia de que todos eles são doentes
mentais, as origens remotas do terrorismo e embaralha as cartas entre o “bem” e
145
o “mal”, aproximando o “nós” dos “outros”. Na tentativa de que não se confunda
toda uma manifestação cultural como fanáticos pelo terror, Superinteressante
também fornece aos leitores seções que explicam as faces históricas do
terrorismo e do mundo islâmico.
Abaixo seguem a lista de reportagens analisadas
81
.
1. O Islã é maior que o terror – Jomar Morais
2. Terror na cabeça – Rodrigo Cavalcante
3. De Judas a Bin Laden – Denis Russo Burgierman
4. A globalização do medo – Leandro Sarmatz
5. Existe terrorismo bom? - Denis Russo Burgierman
A seção “Supernovas – Conhecimento e curiosidade à velocidade da luz”,
tem como característica ofertar aos leitores às novidades sobre o mundo. Nesta
edição, a cartografia do mundo islâmico é pintada com cores vivas. Mesmo
quando a revista apresenta assuntos desconectados do 11 de setembro de 2001,
são impressas frases reflexivas sobre guerras entre os textos.
“Não espere pelo Juízo Final. Ele acontece todos os dias”. Albert Camus (p.21)
“Guerra não é aventura. É uma doença”. Antonie de Sanit-Exupéry (p.23)
“Nunca houve uma guerra boa ou uma paz ruim”. Benjamin Franklin (p.24)
Em comum, as sentenças trazem semas disfóricos em relação às ações
bélicas. Assim, Superinteressante assume postura contrária à guerra optando pelo
tom conciliador e reflexivo em suas páginas mostrando os valores disfóricos entre
/paz/ e /guerra/. (tema: não alinhamento à guerra)
Com chamada de título “Separando o joio do quibe”, “O Islã é maior que o
terror” (p.18), de autoria de Jomar Morais, é o texto que abre a seção
“Supernovas”.
81
Superinteressante aponta dois títulos para suas reportagens: um no sumário e outro para o
mesmo artigo no corpo da edição. Optamos por enfocar o título presente nas páginas de revista.
146
Uma semana depois de os Estados Unidos terem sofrido o maior atentado
terrorista da história, o presidente George W. Bush visitou o Centro Islâmico de
Washington e, pés descalços, exortou os americanos a não confundirem os
terroristas com as pessoas pacíficas que professam o Islã, a religião que mais
cresce no planeta. Mesquitas têm sido apedrejadas e muçulmanos, agredidos no
mundo todo, no rastro de uma confusão antiga que atingiu seu ápice sob a
comoção provocada pelo terror: a completa incapacidade dos ocidentais de
entender as peculiaridades e as dessemelhanças culturais que compõem o
fascinante mundo islâmico.
Visto pelos olhos de um americano – ou de um brasileiro –, um muçulmano de
Dubai, árabe, e outro de Teerã, persa, pensam e agem de forma idêntica. Errado.
Os 1,3 bilhão de seguidores do profeta Maomé (1,5 milhão no Brasil) não são um
bloco homogêneo. Como os cristãos, dividem-se em correntes e seitas que
interpretam diferentemente os textos do Corão, o livro sagrado islâmico. Os
muçulmanos sequer se limitam aos países de etnia árabe, como muitos imaginam.
A maior nação islâmica do mundo – a Indonésia – não é árabe. Entre os 56 países
em que o Islamismo é a religião predominante, há até dois vizinhos do Brasil – a
Guiana e o Suriname.
Na lista, estão desde países tolerantes como Marrocos e Tunísia, que aderiram à
economia global e mantêm acordos com a União Européia, até economias
agrárias, como Moçambique e Afeganistão.
No pequeno Dubai, 200 empresas de alta tecnologia – inclusive a IBM e Microsoft
– dão o tom da abertura ao Ocidente. Já a Malásia ostenta, no horizonte de sua
capital, um par de torres bem mais altas que as que desabaram em Nova York.
A face mais conservadora do Islã se apresenta nos Estados teocráticos, onde as
normas religiosas constituem ou norteiam o sistema legal e governos são
dominados pelo clero. Mas países assim são absoluta exceção. Um deles é o Irã,
transformado em república Islâmica em 1979 (e que, nos últimos dois anos, está
adotando posturas mais flexíveis). Outro é o Afeganistão, onde há cinco anos a
milícia Taleban – que George W. Bush achava que era uma banda de rock
impôs sua interpretação fundamentalista do Corão. Em ambos os países há
milhões de pessoas que condenam a ditadura teocrática e são contrárias ao
terrorismo. Mesmo assim, à revelia da maioria da população, os governos têm
apoiado militar e financeiramente organizações violentas como o Hezbollah (no
caso do Irã) e o Al Qaeda de Bin Laden (no caso do Afeganistão).
“A maior parte dos movimentos políticos islâmicos não utiliza a força”, diz a
professora de relações internacionais Norma Breda dos Santos, da Universidade
de Brasília. O Islamismo não professa o ódio. Aliás, os árabes, assim como os
judeus, cumprimentam-se desejando paz uns aos outros (salam em árabe, shalom
em hebraico). A opção pelo terrorismo, minoritária nessas nações, é um fenômeno
recente que nada tem a ver com a essência da crença em Alá.
Foi graças à força do Islamismo que a humanidade viu surgir, há 13 séculos, o
maior império do mundo – o árabe. Durante sua expansão militar, esse sofisticado
povo levou para a Europa, até então mergulhada nas trevas da Idade Média,
inovações como a medicina, a história, as universidades, a ciência e a justiça.
Nós, ocidentais, devemos tudo isso ao Islã. (MORAIS, 2001, p. 18)
147
O texto identifica elementos conjuntivos entre valores islâmicos e ocidentais
e sinaliza que é possível a coexistência pacífica entre ambos. Do outro lado,
preconceito e desinformação são semas disfóricos que se unem em uma axiologia
negativa sobre o assunto em questão. (tema: compreensão do mundo islâmico)
O enunciado é repleto de ancoragens territoriais. Este recurso semiótico
aplicado ao texto ilustra a amplitude alcançada pelo Islamismo contornando a
estreita idéia de que o mesmo se finca apenas em solos do Oriente Médio.
Os argumentos elencados por Jomar Morais demonstram a fragilidade do
conceito de “choque de civilizações” de Samuel P. Huntington. Mostram as várias
faces do Islamismo, ilustrando que o mesmo não pode ser reduzido a fanáticos
terroristas, além de relembrar a contribuição histórica do Islã para o Ocidente.
Afinal, o mundo “ocidental” recebeu a herança greco-romana e a difusão dos
sistemas de irrigação existentes no norte da África através dos árabes; a
arquitetura românica européia tem raízes árabes, sendo a basílica de São Marcos,
em Veneza, possuidora do traço bizantino.
Assim, ao analisarmos o nível profundo do enunciado, temos a relação de
contrários expostas em /Tolerância/ vs /Intolerância/. A disjunção /Intolerância/ se
enfraquece com apresentação das ancoragens territoriais que ampliam a
geografia islâmica e figurativizações que colocam muçulmanos, judeus e cristãos
em um tom conjuntivo. Constrói-se o sentido como é ilustrado no quadrado
semiótico abaixo.
Tolerância Intolerância
Não-Intolerância Não-Tolerância
148
Ao edificar os argumentos que esclarecem que não são todos os islâmicos
fanáticos e expandindo a ancoragem territorial para além das fronteiras do Oriente
Médio, tem-se a seguinte passagem na produção de sentidos: Intolerância Não-
Tolerância Tolerância. Afloram-se no texto valores conjuntivos com a cultura do
“outro”, quebrando as engrenagens que rodam o reducionismo ao colocar todo o
Islamismo sobre um mesmo manto de interpretação, principalmente negativa.
(tema: tolerância à cultura islâmica)
Além de jogar luz à discussão, o enunciado usa de ironia para criticar o
despreparo de George W. Bush ao comentar que o presidente estadunidense
pensava que a milícia Talebã era um grupo de rock. Essa sentença irônica reforça
as dúvidas do êxito e uma incursão chefiada pelo presidente dos Estados Unidos,
reforçando a tese de não alinhamento à guerra proposta pela revista. O texto
também procura desfraldar a bandeira da paz. Quando descreve a visita de
George W. Bush a mesquitas e relata o depoimento do presidente que consiste na
separação de facções terroristas do Islamismo em geral. Contudo, as atitudes
posteriores de George W. Bush ofuscariam seu discurso apaziguador. O sangue
de civis iria irrigar as invasões estadunidenses no Afeganistão e posteriormente no
Iraque. Da atitude politicamente correta o presidente George W. Bush partiria para
o famoso e bélico aforisma: “Olho por olho, dente por dente”. (tema: não
alinhamento à guerra)
O segundo texto analisado “Terror na cabeça” (p. 40-44), assinado por
Rodrigo Cavalcante, ilustra o raciocínio terrorista à luz da ciência e quebra
estereótipos construídos pelo senso comum em relação ao “outro”. A reportagem
argumenta que é possível a existência de psicopatas no nicho terrorista, mas é um
engodo achar que todos os terroristas são psicopatas ou loucos. (tema:
compreensão do raciocínio terrorista)
“A idéia de que terroristas são mentalmente doentes não correspondem à
realidade”, diz Philip Schorodt, especialista em terrorismo da Universidade de
Kansas, Estados Unidos. “Eles não são pirados que ouvem vozes do além. São
pessoas que acreditam estar agindo certo e farão de tudo para atingir seus
objetivos”. Quando perguntado sobre por que alguém daria a própria vida por uma
causa, qualquer que seja ela, Schorodt diz: “Procure a lista de soldados
149
americanos que ganharam medalhas de honra na Guerra do Vietnã e você vai
encontrar dezenas de homens que morreram em ações suicidas pela mesma
lealdade ao grupo que moveu as pessoas que cometeram o atentado”. Apesar de
reconhecer que há uma clara diferença entre uma guerra e um ato terrorista – o
ato terrorista é inesperado e, por isso, mais covarde, atingindo bem mais inocentes
–, ele diz que a mente dessas pessoas funciona como a de um soldado. “Na
cabeça deles, a guerra existe, eles estão do lado do bem e não conseguem
enxergar civis inocentes. Para eles só há inimigos”.
O historiador de assuntos religiosos Philip Jenkins, da Universidade da
Pensilvânia, também nos Estados Unidos, tem uma visão parecida. Ele costuma
perguntar para os seus alunos o que acham dos pilotos americanos que
derrubaram as bombas atômicas que mataram mais de 120.000 civis – 20 vezes
mais que as cerca de 6.000 vítimas no ataque a Nova York e Washington – em
Hiroshima e Nagasaki, em 1945. “Como havia uma guerra e eles representavam
uma nação inteira, ninguém poderia chamá-los de extremistas”, diz Jenkis.
“Terroristas também acham que estão numa guerra e representam uma causa,
mesmo que essa batalha não seja entre nações”. Assim como os kamikazes
japoneses e os soldados americanos que sabiam que não voltariam de suas
missões no fronte ocidental, os seqüestradores que atacaram Nova York também
acreditavam que estavam destruindo um inimigo em nome de uma causa justa.
“Dentro da sua lógica, não havia inocentes nas torres do World Trade Center”, diz
Jenkins. (CAVALCANTE, 2001, p. 41-42)
Entoando a melodia contraria à posição bélica e revanchista dos Estados
Unidos, o texto procura construir o efeito de eficiência/credibilidade utilizando-se
de argumentos de especialistas para reforçar sua posição. A ancoragem territorial
iconizada pelo país dos especialistas reforça essa produção de sentidos: ambos
são dos Estados Unidos. Tem-se nessa constatação, a posição defendida pela
revista. Como os atentados sangraram os Estados Unidos, posições favoráveis à
vingança e justificativas para tal ato (como tantas que apareceram nesse período)
seriam até compreensíveis vindo de cidadãos estadunidenses.
As figurativizações contidas em kamikazes japoneses e soldados
americanos ilustram que a cultura da guerra é colada a outros povos. A guerra dos
terroristas é constante e, não raro, é alimentada por atos belicosos praticados no
passado contra suas pátrias.
A reportagem sobrepõe às opiniões dos especialistas em um exemplo
prático feito com Mohamed Atta, que pilotou o Boeing 767 que colidiu com a torre
norte do World Trade Center. O depoimento de Chaille Wendt, ex-colega de
estudo do terrorista, realça a tese.
150
“Ele era gentil, calmo e extremamente educado. (...) Seu trabalho de conclusão
de curso – um projeto sobre o planejamento da cidade síria de Aleppo –
mereceu elogios dos professores”. (CAVALCANTE, 2001, p. 41)
Desta feita, a reportagem distingue os sentimentos que movem o psicopata
e o terrorista, destacando a opinião do psiquiatra Henrique Del Nero que declara:
“Só pelo olhar dele, desconfio que Osama bin Laden seja o único psicopata da
ação de Nova York” (p.42).
É fato real que os líderes terroristas jamais se imolam em missões “santas”,
de cunho libertador e divino. Sempre recrutam pessoas para tal ação que, além da
promessa do paraíso, sua família recebe dinheiro pela tarefa realizada.
O uso da religião como contexto ou pretexto para práticas de sacrifício é
algo estável entre fundamentalistas, sempre que se discute eventos dessa
natureza. As benesses pós-morte prometidas pelo ritual de sangue é um canto
que seduz muitos: transformar-se em mártir seria a prova de fé definitiva e o ponto
áureo de uma vida de devoção.
Nesse ponto, brotam os problemas das interpretações das escrituras
sagradas, muitas vezes usadas como normas políticas, seu conteúdo se ajusta
conforme a necessidade e visão de quem o lê.
Assessor de assuntos bíblicos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), o padre Johan Konings (...) diz que a suposta dor física no Cristianismo
não passa de uma má interpretação dos textos da Bíblia. “Quando Jesus diz: ”Se
um olho lhe faz pecar, arranca-o”, as pessoas não podem interpretar isso como
um incentivo à automutilação, mas como um conselho de que devemos cortar o
mal pela raiz”.
(...)
Já no Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos, há uma passagem que diz que
aqueles que morrem em defesa de Alá irão para o mais alto nível do paraíso, o
sétimo, ao lado dos profetas, com direito a mulheres delicadas e cálices cheios.
“Essas palavras são uma forma de explicar aos homens que o paraíso é um lugar
maravilhoso”, diz o xeque Jihad Hassan Hammadeh, líder da religião islâmica em
São Paulo. Mas ele lembra que não há nenhuma promessa de paraíso para
aqueles que usam a violência. “O texto é claro: quem mata um homem inocente
age como se estivesse matando toda a humanidade”, diz o xeque. “O Alcorão
somente permite o uso da violência como legítima defesa, e ainda assim, na
mesma proporção do agressor, nunca incitando mais violência”. Por essa visão,
Mohamed Atta e os outros terroristas que participaram do atentado de 11 de
setembro podem esquecer o paraíso islâmico pelo qual provavelmente decidiram
morrer. (CAVALCANTE, 2001, p. 43)
151
Recorrendo às figuras de linguagem (Bíblia, Alcorão, padre, Jesus, Alá,
xeque...) e sentenças religiosas (”Se um olho lhe faz pecar, arranca-o”, “aqueles
que morrem em defesa de Alá irão para o mais alto nível do paraíso, o sétimo, ao
lado dos profetas, com direito a mulheres delicadas e cálices cheios”...) o texto
resgata passagens que demonstram o risco que as más interpretações das
escrituras sagradas nutrem nos ideais do fanatismo tanto cristão como islâmico,
jogando assim com valores semelhantes como os “nossos” – Cristianismo – e os
“deles” – Islamismo. (tema: fundamentalismo religioso)
A reportagem em seu arremate aponta para o perigo do anseio belicista que
moldava substancial parcela da sociedade estadunidense e que tinha na mídia
seu forte expoente.
Até mesmo a revista Time, geralmente tão equilibrada em suas tomadas de
posição, escreveu um editorial dizendo que não era hora de os americanos se
consolarem, era hora de eles aproveitarem o ódio para responderem com fúria aos
ataques. Alguns especialistas vêem um risco nisso. “O discurso americano está
cada vez mais parecido com o discurso dos fundamentalistas islâmicos”, diz
Roberto Ziemer, especialista em psico-história – uma maneira de estudar história à
luz da psicologia. Ziemer diz que, no fundo, o fundamentalismo – e seu filho, o
terrorismo – é apenas uma forma simplista de os homens personificarem num
inimigo o mal que existe em todos. (CAVALCANTE, 2001, p. 44)
Os semas /ódio/ e /fúria/ expõem o desejo de vingança defendido pela
mídia dos Estados Unidos contra o terror. A emoção se sobrepunha à razão.
Razão em saber exatamente a quem se deveria atacar em uma retaliação. A
passagem do enunciado alerta para o próprio fundamentalismo que se colava à
parcela substancial dos estadunidenses. Nessa passagem, procura-se mostrar
que “nós” somos tão fundamentalistas como os “outros”.
O conceito de “mal” é um valor disfórico presente em todas as sociedades –
embora se possa discutir as concepções que cada um tem sobre esse sentimento
– mas para a grande maioria dos estadunidenses, em especial seus governantes,
ele sempre está encarnado no “outro”, principalmente estrangeiros e pessoas que
não estejam perfeitamente conectadas à cultura defendida pelos Estados Unidos.
(tema: o “outro” como culpado)
152
Entre as abordagens realizadas pela revista Superinteressante a
contextualização sobre o terrorismo como processo político e histórico ganha
relevo em duas reportagens: “De Judas a Bin Laden” (p.45-46) e “Existe terrorismo
bom?” (p.49-50), ambas assinadas por Denis Russo Burgierman. Os textos
elucidam que os ingredientes para conflitos são sempre temperados por um
inimigo externo ou interno; alguém que represente características disjuntivas a
determinado segmento social: o “outro”.
“De Judas a Bin Laden” procura analisar as raízes do terrorismo, situando-o
no tempo e no espaço. As palavras iniciais parecem descrever a atualidade do
Oriente Médio.
A Palestina está ocupada por uma nação poderosa. Em meio à população
oprimida surge um grupo de terroristas que começa a empreender atentados
contra os invasores, exigindo que eles deixem a cidade sagrada de Jerusalém.
(BURGIERMAN, 2001, p. 45)
As ancoragens territoriais Palestina e Jerusalém induzem o leitor à região
asiática castigada por conflitos entre dois povos: israelenses e palestinos.
Figurativizações como população oprimida, grupo de terroristas e invasores...
criam o efeito de contemporâneo no enunciatário. Contudo, trata-se de um
episódio antigo como é esclarecido na seqüência.
Não, não estamos falando do terrorismo muçulmano nos territórios ocupados por
Israel. Essa história é muito mais antiga que o Islamismo – data do ano 6, quando
Jesus ainda era menino. Os judeus não são invasores, mas os oprimidos. É deles
que parte o terrorismo.
(...)
O terrorismo é tão antigo quanto o homem – desde sempre há pessoas usando o
medo, a ameaça, a intimidação para alcançar seus objetivos. Mas coube a Sicarii,
um grupo radical de militantes judeus, a discutível honra de ser o primeiro grupo
terrorista organizado da história.
Para protestar contra a ocupação do Império Romano – uma espécie de Estados
Unidos da época –, os Sicarii matavam romanos e judeus colaboracionistas nas
ruas, de forma a criar pânico. Os assassinatos eram cometidos a punhaladas (daí
o nome Sicarii, ou “homens do punhal”, em grego). O sobrenome do apóstolo
Judas, Iscariote, é interpretado por alguns estudiosos como uma corruptela de
Sicarii e um indício de que Judas pertencia ao grupo.
(...)
A palavra “terrorismo” só veio surgir bem depois, para designar o período mais
sanguinolento da Revolução Francesa – entre 1793 e 1794 sob o comando de
153
Robespierre (...) cabeças rolaram das guilhotinas, sem julgamento público ou
advogado de defesa. “Ao contrário do terrorismo praticado pelos Sicarii e pelos
Nizarins, o terror revolucionário francês se exercia de cima para baixo”, diz Gayle
Olson-Raymer especialista em história do terrorismo da Universidade Humboldt,
na Califórnia. (BURGIERMAN, 2001, p. 45)
A estratégia de enunciação utilizada no intróito da matéria sublinha o quão
antiga é a manifestação terrorista forjando um cenário aparentemente moderno.
Esclarece que a paisagem agressiva tão comumente associada ao Oriente Médio
data de tempos vetustos, mostrando a antigüidade do terrorismo como ação
política e, ao se associar os semas /terrorismo/ com /judeus/, constrói-se o sentido
de que não são apenas os islâmicos que fazem uso dessa coerção contra povos.
O texto reforça que o terrorismo é um processo histórico e, mesmo o sema
“terrorismo” tendo sido gestado há pouco mais de dois séculos, durante um marco
da História Contemporânea (Revolução Francesa), sua manifestação política
remonta à Antigüidade. As estratégias de atuação também são distintas e, ao
mencionar que “o terror revolucionário francês se exercia de cima para baixo”,
deixa claro que se tratava do “Terrorismo de Estado” em que se produzia pânico
visando à intimidação da sociedade civil. (tema: terrorismo como processo
histórico)
A matéria fornece como complemento uma síntese indicando os principais
atos terroristas dos últimos cem anos; uma vez que, mesmo antigo, foi no decorrer
no século XX que o terrorismo se arvorou no cenário político internacional.
154
Tabela 3. Século do Terror: os principais atentados dos últimos 100 anos
1901: O anarquista Leon Czolgosz mata a tiros o popular presidente americano William
McKinley. A onda de atentados anarquistas que começara na Rússia e chega à América.
1914: Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia são assassinados pelo terrorista sérvio
Gavrilo Princip. O crime deu início à Primeira Guerra Mundial.
1930: Ocorre o primeiro seqüestro de avião, no Peru. A partir dos anos 50, à medida que voar
ficou mais comum, essa nova modalidade de terrorismo espalho pânico pelo mundo.
1946: Extremistas judeus detonam duas minas no Hotel King David, em Jerusalém. O
atentado matou dezenas de civis e apressou a retirada das tropas britânicas e a criação do
Estado de Israel.
1972: O grupo palestino Setembro Negro invade a vila olímpica de Munique, seqüestra a
delegação israelense e mata nove atletas.
1995: O extremista americano Timothy McVeigh explode um prédio do governo em Oklahoma,
mata 168 e assusta os americanos, ao mostrar que o terrorismo pode vir de dentro.
2001: O pior atentado da história, dois dos maiores prédios do mundo são derrubados, o
centro militar americano é maculado e cerca de 6.000 pessoas morrem
82
.
Fonte: Revista Superintessante (outubro/2001), p. 46. (adaptado)
O início do texto seguinte, “Existe terrorismo bom?” (p.49-50), segue a
mesma metodologia de seu antecessor ao jogar com a produção de sentidos do
enunciatário.
Rolihlahla criou uma milícia em seu país, apesar da oposição dos companheiros,
que condenavam a violência. Ele vestiu-se com trajes militares, escondeu-se com
seus homens na mata e distribuiu armas. Seu grupo começou a explodir bombas,
sabotar fábricas, atirar em guardas desprevenidos e espalhar o pavor entre a
população civil. Rolihlahla incitava a violência contra membros da elite e muita
gente acabou sendo assassinada na onda de atentados que se seguiu. Até que
prenderam Rolihlahla.
Sujeito horrível esse Rolihlahla, não é? Terrorista da pior espécie, não há dúvida.
Por sorte, ele foi condenado à prisão perpétua. Aliás, talvez você já tenha ouvido
falar dele. Ele é mais conhecido pelo nome inglês que adotou depois do batismo
cristão: Nelson. Nelson Mandela. (BURGIERMAN, 2001, p. 49)
Ou seja, com fina ironia, constrói-se o perfil de um terrorista que, por suas
ações, é compreensível que tenha tido a prisão perpétua como sentença. Quando
o quebra-cabeça é concluído e descobre-se que se trata de Nelson Mandela, a
surpresa é quase que certa
83
.
82
À época dos atentados não se tinha um número preciso de mortos. Estipulavam-se entre 5.000 e
6.000 mortos. Posteriormente, chegou-se ao número de 2.973 vítimas fatais registradas.
83
Mais uma vez ressalta-se a importância do contexto para análise dos fatos. Nelson Mandela teve
tal atuação no combate ao regime do apartheid que negava os direitos civis a maioria da
população negra na África do Sul. Nelson Mandela fazia uso de práticas terroristas para combater
o Terrorismo de Estado contra um segmento da sociedade sul-africana.
155
Uma questão feita como subtítulo da matéria endossa a produção dos
sentidos na manifestação terrorista. Ao questionar “Violência contra civis é uma
tática horrível. Mas será que no fundo, você não simpatiza com ela?” expressa
que a dubiedade entre o bem e o mal depende do ponto de vista em que se
analisa o processo político e que “nós”, em nosso inconsciente, até podemos
compactuar com práticas que condenamos nos “outros”, desde que ajustadas as
nossas intenções.
Com tom instigante o percurso textual cria um emaranhado de sentidos;
mostra-se que quatro “(ex-)terroristas” já foram abençoados com o Prêmio Nobel
da Paz. Nelson Mandela, Menachem Begin, Yasser Arafat e Henry Kissinger em
determinados momentos de suas vidas fizeram da prática terrorista (de Estado ou
de guerrilhas) uma extensão de seus pensamentos. Sem arrependimentos
garantem que foram forçados a fazer do terrorismo um instrumento de ação para
uma “boa causa”. O enunciado põe à reflexão e à prova se a violência é a única
via a ser trilhada contra o inimigo quando cita Mahatma Gandhi. Gandhi foi
protagonista da independência indiana pregando a resistência pacífica aos
colonizadores ingleses. O pacifista Mahatma Gandhi nunca foi agraciado com o
Nobel da Paz. Euforia e disforia tornam-se sentimentos dotados de efeitos
distintos de acordo com certos objetivos e valores culturais. (tema: ideologias
terroristas)
No texto “A globalização do medo” (p.47-48), Leandro Sarmatz toca as
trombetas da história ao entoar o fim de uma era: “Em 11 de setembro, um mundo
morreu e outro nasceu” (p.47) diz o autor, em tom eufórico, no subtítulo. Sarmatz
credita aos ataques terroristas perpetrados contra os Estados Unidos o marco
zero de uma nova ordem mundial que será marcada “pela paranóia” (p. 47). (tema:
conseqüências dos atentados contra os Estados Unidos)
O enunciado relata o manto do medo que repousava sobre o planeta pouco
tempo após o 11 de setembro de 2001. Sarmatz aponta que os novos conflitos
mundiais não serão mais apenas entre Estados-Nações, uma vez que os grupos
terroristas ganharam papel de destaque nessa nova formatação militar. Assim, a
munição a ser utilizada contra o terrorismo é composta pela cooperação entre
156
Estados, organizações sociais e religiosas, transformando-se em uma aliança
global contra a ameaça do terror que assombra o mundo. (tema: caminhos
alternativos no combate ao terrorismo)
A decapitação de direitos civis em nome da segurança nacional e
internacional gerava pavor nos cidadãos e organizações sociais além de fomentar
o sentimento do preconceito em relação ao “outro”.
“O grande perigo que nós corremos é o de constrangermos ainda mais pessoas
que pareçam diferentes, ou seja, de pele mais escura”, afirma (
Christoper) Kutz.
O que seria apenas transportar a intolerância e o fanatismo dos grupos
extremistas para as sociedades democráticas.
(...)
Membro do Conselho Diretivo da John Birch Society, um dos bastiões mais
conservadores do espectro político americano, e editor da publicação The New
American, órgão porta-voz dos republicanos, o jornalista Willian Norman Grigg
procura adotar um discurso mais moderado em relação à perda de direitos civis
em nome do combate ao terrorismo e à possibilidade de uma guerra. “Ao contrário
de um endurecimento das liberdades individuais e de uma guerra, seria
maravilhoso se a América se inspirasse nesta tragédia para se devotar mais uma
vez aos valores não-intervencionistas”, afirma. Grigg diz ainda que uma aliança
global antiterrorismo poderá servir como uma luva a países como Rússia e China,
dispostos a aniquilar movimentos separatistas islâmicos nos territórios da
Chechênia e de Xinxiang, velhos causadores de enxaquecas nos intransigentes
governos locais. (SARMATZ, 2001, p. 47-48)
A existência de grupos que contestam a ordem vigente foi colocada sobre a
lente da severa vigilância. Os atentados terroristas forneceriam o atestado para
mutilação das liberdades justificando perseguições contra os “outros”. Mesmo os
países onde a possibilidade de ataques terroristas era pequena ou nula
escapariam da onda de espionagem. No Brasil, ainda em setembro de 2001, uma
divisão da CIA foi instituída no consulado dos Estados Unidos em São Paulo
destinada a investigar a lavagem de dinheiro de grupos terroristas no continente.
(tema: redução das liberdades)
Nos Estados Unidos às opiniões se digladiavam sobre o ar de incertezas
que os estadunidenses respiravam depois da execução terrorista sobre o país.
Mas o governo do país não se devotou aos valores não-intervencionista, muito
pelo contrário, a Doutrina Bush pregaria o oposto das intenções de Willian Norman
157
Grigg, esguichando ainda mais sangue no desdobramento do 11 de setembro de
2001 e esmaiada solução para a problemática do terrorismo mundial. (tema:
conseqüências dos atentados contra os Estados Unidos)
4.4.4. Caros Amigos
Os atentados de 11 de setembro de 2001 mereceram páginas de destaque
na edição de outubro da Caros Amigos. A composição da capa já era um
indicativo do teor que delinearia as notícias da revista. Em um fundo negro os
dizeres disfóricos contra a revanche dos Estados Unidos: “A Guerra de Bush”.
O modelo de sumário utilizado pela revista difere dos demais veículos
analisados. A revista opta por citar o nome do jornalista e um comentário sobre o
texto ao invés do título da matéria. O sumário, que já é uma amostra da posição
editorial da revista, referente à edição de outubro, foi às bancas assim
84
.
1. A grande interrogação
2. José Arbex Jr. mostra o que está por trás da Guerra de Bush
3. Sérgio Kalili, do Arizona, conta como é viver no meio da nova paranóia macarthista
4. Georges Bourdoukan e a Nona Cruzada
5. Luis Fernando Novoa Garzon destaca a importância do “inimigo” para o sistema
americano
Em apresentação da edição ao leitor, na seção “Carta ao Leitor”, sobre o
título “Grande Interrogação”, a revista se equivoca em suas palavras ao afirmar:
“Esta é uma publicação atípica de Caros Amigos, como têm sido as de todas as
publicações no mundo desde 11 de setembro” (CAROS AMIGOS, 2001, p. 03).
Por qual motivo a presente edição seria atípica? Os atentados aos Estados
Unidos abalaram as estruturas da política internacional. Nessa condição, é
perfeitamente normal que todos os veículos de comunicação, inclusive Caros
Amigos, retratassem os atos terroristas. Seria uma edição atípica se a revista
optasse pela omissão. Omitir-se aos atentados sofridos pelos Estados Unidos
seria um pecado mortal para qualquer meio de comunicação. Nesse sentido, a
84
Estamos nos referindo apenas às reportagens que versam sobre os atentados de 11 de
setembro de 2001. Caros Amigos também não cita os títulos de seus textos no sumário. Faremos
isso no decorrer das análises.
158
edição de outubro da Caros Amigos apenas seguiu os procedimentos de outros
veículos: criou seu valor de verdade, ao retratar de modo particular, o terrorismo
desferido aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Não há nada fora do
comum em retratar um ato permeado pela barbárie que entrou para a história.
Trata-se de puro procedimento jornalístico.
“Carta ao Leitor” termina seu texto com um pensamento do saudoso
professor Milton Santos que afirma: “... haverá ‘uma globalização vinda de baixo
para cima, com emoção, com menos cálculos’ e ‘com novas instituições
internacionais’”, e uma interrogação: “Estaremos assistindo o despertar da
periferia global”? (p.03). Com esses questionamentos, Caros Amigos tenta creditar
que os atentados foram uma manifestação de protesto da periferia do sistema
capitalista, ou seja, um ato dos países subdesenvolvidos, alimentando o efeito
disfórico entre /Desenvolvimento/ e /Subdesenvolvimento/ que na dinâmica dos
eixos do quadrado semiótico que assim se apresentam.
No enunciado da Caros Amigos, o valor eufórico apresenta-se na isotopia
/Desenvolvimento/ que traz em seu ventre o capitalismo presente no centro da
economia mundial (países desenvolvidos). Assim, o /Subdesenvolvimento/ estaria
na raiz das diferenças impostas pelos países capitalistas centrais aos países
periféricos. E caberia a esses países a transformação da conjuntura mundial. O
Desenvolvimento
(Centro)
Não-Subdesenvolvimento
Não-Desenvolvimento
Subdesenvolvimento
(Periferia)
159
sentido de /Desenvolvimento/ defendido pela revista só tem sentido na
transformação do capitalismo ou extinção deste. Dessa forma, “o despertar da
periferia global” seria uma atitude de transformação mundial em que os países
subdesenvolvidos teriam papel decisivo para uma outra globalização, fincada em
valores justos para todos, já que /Desenvolvimento/ expressa relação entre
contraditórios gerando o /Não-Desenvolvimento/ que resulta na operação de
contrários, em /Subdesenvolvimento/. Isso conduz a transformação dos sentidos
produzidos como demonstrada no esquema: Subdesenvolvimento Não-
Subdesenvolvimento Desenvolvimento, seguindo os sentidos de conjunção que
a linha editorial que Caros Amigos defende como valores eufóricos do capitalismo
ao comunismo.
Realmente, a voz de comando ecoou de um líder islâmico que residia (ou
ainda reside) no mundo subdesenvolvido. Mas trata-se de lideranças políticas que
mantém o poder a custo da submissão do povo, não se tratando de uma atitude
coletiva. Os inimigos muitas vezes estão em seus próprios territórios. Utilizam-se
do recurso de apontar as causas de todos os males aos “outros” (no caso em
questão aos Estados Unidos). Além do que, os terroristas suicidas que se
lançaram sobre Nova York e Washington eram homens educados, de classe
média, não pobres refugiados que padecem de condições básicas de existência.
O questionamento também não leva em conta que os governos de muitos países
periféricos (inclusive o brasileiro) se posicionaram contrários aos atos terroristas e
se solidarizaram com os Estados Unidos. A tentativa de blindar seus argumentos
com o pensamento de Milton Santos, quando passada ao nível mais profundo de
análises também se esvai. A globalização proposta por Milton Santos
85
é ungida
pelos ares da democracia e extermínio das desigualdades que maculam o mundo.
O geógrafo realiza profunda reflexão sobre o processo do capitalismo globalizado;
avalia as conquistas tecnológicas e também os limites do próprio processo
buscando identificar nos movimentos populares da Ásia, África e América pontos
de sustentação para a materialização de uma sociedade justa. Como já
85
Esse pensamento pode ser visto em sua totalidade no livro Por uma outra globalização: do
pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro – São Paulo: Record, 2003 que citamos
em nossas referências.
160
discutimos
86
os ideais de grupos como a rede Al Qaeda confrontam-se com esses
valores e visam à instalação de uma teocracia islâmica. O terrorismo da Al Qaeda
não tem em sua agenda a erradicação da pobreza e garantir direitos sociais. Se
assim o fosse, a fortuna de Bin Laden seria destinada a causas sociais e não para
financiamento de grupos terroristas como o milionário saudita faz há tempos. Além
do que, a rede terrorista chefiada por Bin Laden se aproveita do fluxo capitalista
mundial para “lavar” seu dinheiro. Contudo, o pensamento do grupo liderado por
Osama bin Laden e seus mecanismos lubrificados no fundamentalismo islâmico
não são discutidos pela revista em seus textos futuros, limitando o debate a
respeito do cabedal ideológico fincado na mente dos terroristas e complexidade
que os rodeia. (temas: protesto anticapitalista e não alinhamento à guerra)
Caros Amigos deixa claro em sua apresentação – e reafirma em suas
páginas futuras – quem é o “outro” para a publicação. O grande vilão da história
são os próprios Estados Unidos. Os atos terroristas seriam uma conseqüência das
políticas internacionais perpetradas a outros países. (tema: causa dos atentados
de 11 de setembro)
As páginas seguintes do periódico constituem em um manifesto contra os
Estados Unidos. No primeiro texto, “O reichstag de Bush”, o jornalista José Arbex
Jr. comenta que “ninguém lucrou tanto quanto Bush junior (sic) com o atentado de
11 de setembro, por várias razões” (p.10). Arbex Jr. expõe que o presidente dos
Estados Unidos obteve legitimidade no comando do país, uma vez que sua
eleição foi uma fraude; os movimentos contrários à globalização iriam diminuir; o
controle do petróleo no Oriente Médio iria ficar mais próximo já que o Afeganistão
(país invadido em retaliação) ficaria sob comando dos Estados Unidos
aumentando a influência do país na região; a geopolítica estadunidense se
fortaleceria pelas invasões e guerras preventivas asseguradas pela Doutrina Bush
e, conseqüentemente, a indústria armamentista lucraria como nunca. Países como
a Rússia e a China, por exemplo, poderiam justificar ataques contra povos
supostamente hostis (os “outros”) em nome da defesa contra a ameaça terrorista,
86
Ver Capítulo 3: Terrorismo: um legado histórico e sua caracterização na plataforma midiática
(Item: 3.5. A Al Qaeda e o “Terrorismo em Rede”, p.85).
161
além dos Estados Unidos encontrarem respaldo para ampliar seu círculo
geopolítico contra outras áreas do planeta. (tema: conseqüências dos atentados
de 11 de setembro)
No entanto, em seus comentários Arbex Jr. não levou em conta (pelo
menos não os discutiu mais detalhadamente) que os Estados Unidos teriam
dificuldades na concretização das “benesses” de George W. Bush. Países como
França e Alemanha no continente europeu, China e Rússia na Ásia, por exemplo,
colocar-se-iam como obstáculos em determinados momentos da retaliação
instigada pelo governo dos Estados Unidos. Cada país, obviamente, analisaria o
que seria melhor para si nessa atmosfera geopolítica que se respirava na arena
política internacional. Além do que, a própria complexidade das sociedades do
Oriente Médio seria um entrave aos Estados Unidos. O caldeirão fervente em que
o Iraque se transformou é uma prova concreta.
Arbex Jr. ainda construiria um paralelo histórico entre Adolf Hitler e a
Alemanha às vésperas da Segunda Guerra Mundial e George W. Bush e sua
política no pós-11 de setembro.
... Bush e seus asseclas devem estar secretamente comemorando os efeitos do
atentado de 11 de setembro. Não poderia receber melhor notícia. Irresistível,
nesse ponto, fazer uma analogia com o incêndio da sede do parlamento alemão
(Reichstag), na noite de 28 de fevereiro de 1933. Enquanto o prédio ardia, Adolf
Hitler, que acabara de assumir o poder, fez um dramático discurso: “Vocês têm
aqui um exemplo do que a Europa e nós devemos esperar do comunismo. Sobre
este cairá agora o punho duro e poderoso”. Imediatamente, foram presos 4000
militantes comunistas e outro tanto de social-democratas e liberais. Hitler, com
grande senso de oportunidade política, aproveitou o momento para consolidar o
poder nazista. Começava a sua ditadura.
Hitler responsabilizou os comunistas, antes de qualquer comprovação (como
Bush, devidamente ancorado pela mídia histérica); também falou em nome da
“Europa”, contra o inimigo universal comunista (como Bush fala em nome da
“civilização” e da “democracia” contra o Islã); e, finalmente, fez do julgamento uma
farsa para justificar a sua própria ditadura. Até hoje existem dúvidas quanto à
autoria do incêndio do Reichstag. Ao que parece, foi um ato isolado do comunista
holandês Van der Lubbe, embora existam suspeitas de que tenha sido obra dos
próprios homens de Hitler.
Não há, obviamente, evidências de que os “homens de Bush” armaram o atentado
em Nova York e Washington. Mas nada prova o contrário. (ARBEX JR., 2001, p.
11)
162
O processo de ancoragem histórica identificado no texto externa o desejo
de comparação do jornalista para unir dois fatos históricos pelo mesmo verniz
ideológico: Nazismo e Doutrina Bush. Dois atentados de grande repercussão em
seus respectivos países fortaleceriam os governantes a concretizarem suas
ambições políticas. Hitler se propôs a falar em nome do continente europeu; Bush
iria além, falaria em nome dos valores democráticos e ocidentais.
As figurativizações identificadas com disjunção em comunismo, social-
democratas e liberais (Nazismo) e conjunção em civilização e democracia e
disjuntivo em Islã (Doutrina Bush), apontam valores que os líderes dizem defender
em seus territórios. Se para o Nazismo o “outro” era aquele permeado pelas
doutrinas comunista, social-democrata e liberal (sem nos esquecermos dos
judeus, ciganos, homossexuais e portadores de doenças...) o “outro” sob o signo
da Doutrina Bush seria representado pelo Islamismo (estendendo-se a todos que
pudessem de alguma forma ameaçar a hegemonia dos Estados Unidos). Os
“outros” ganhavam assim um formato, seriam palpáveis; tinha-se alguém a ser
combatido. (tema: construção do inimigo, justificativa para guerra)
Na seqüência, é apresentado o artigo “Más notícias” (p.14) de autoria do
jornalista Sérgio Kalili. Com esse texto, a revista passa a seus leitores o sentido de
eficiência/credibilidade, uma vez que o autor se encontra em Nova York, cidade
vitimada pela barbárie terrorista. As palavras do jornalista têm méritos por noticiar
fatos pouco divulgados pela grande mídia.
Estando in loco, tem-se a vantagem de acompanhar os acontecimentos
com maior riqueza de detalhes além de ser um antídoto para a “reportagem sem
repórter” (Künsch, 2006). O texto-depoimento de Sérgio Kalili externa ao leitor o
clima de pânico que se assentava sobre a sociedade estadunidense, a paranóia
abria suas asas na órbita dos Estados Unidos.
163
Políticos e estações de televisão conservadoras, como a Fox (o canal favorito da
atual administração), aproveitam a cegueira de um povo traumatizado para
reforçar preconceito, discriminação, patriotismo exacerbado e paranóia.
(...)
O terror espalhou tensão e violência. Logo nas primeiras horas após o massacre
em Nova York, mesquitas sofreram atentados, sites árabes foram fechados pela
quantidade de mensagens de ódio, imigrantes xingados na rua. Alguns do Oriente
Médio apanharam nas universidades, outros tiveram o carro queimado na
garagem. A polícia visitou casa de imigrantes no sul da Ásia e Oriente Médio
oferecendo proteção.
(...)
Diz a polícia que, em uma mesma noite, o feroz Frank Silva Roque rodou a cidade
atrás de presas. Tentou acertar um libanês com uma de suas pistolas semi-
automáticos, um descendente de afegãos e obteve sucesso após atirar e matar
um homem por causa da cor escura, da barba longa e do turbante característico
de um sikh. Ato consumado, Roque gritou: “Sou patriota!” O irmão da vítima foi à
televisão para explicar que, apesar da aparência, são americanos. No dia
seguinte, o pequeno mercado em frente a minha casa, propriedade de uma família
de indianos, pregou a bandeira americana na porta. Minhas vizinhas do Japão
colocaram a gravata do Tio Sam. É proteção contra loucos. Como disse o
presidente Bush: “Ou estão do nosso lado ou do lado dos terroristas”.
A agressão não pára e quem a pratica não tem vergonha, seja no Brasil onde
algum os chamam de “assassinos”, seja aqui, onde árabes são encarados na rua,
ameaçados, revistados e retirados de aviões por causa da roupa, da cor, dos
olhos, do rosto. (KALILI, 2001, p. 14)
As incertezas dos primeiros dias pós-11 de setembro de 2001 sinalizariam
para o sinuoso caminho do preconceito. O “outro”, o “diferente” era o inimigo mais
próximo, que poderia ser tocado, visto e percebido, para assim se desferir a ira
pelos ataques terroristas.
As ancoragens territoriais Oriente Médio, Japão e sul da Ásia somadas as
figurativizações sikh, libanês, afegãos, imigrantes, cor escura, barba longa,
turbante, indianos, árabes e aos semas /preconceito/, /discriminação/, /patriotismo
exacerbado/ e /paranóia/ resultam em uma cadeia isotópica o forte sentimento
disfórico ampliado nos Estados Unidos contra o “outro”. Mesmo que esse “outro”
fosse estadunidense de nascença, o traço físico diferente seria a senha e o
principal fator para se destilar o preconceito. (tema: intolerância)
Mas é importante lembrar que esses sentimentos não nasceram depois dos
atentados. É algo já presente no inconsciente dos estadunidenses que apenas
aflorou depois da terça-feira negra.
164
Em seu texto, Sérgio Kalili destila críticas a postura e a falta de preparo de
George W. Bush para ocupar o cargo de presidente dos Estados Unidos e alerta
que o país pode se tornar um “Estado Policial”, retrocedendo à sombria época do
macarthismo
87
. (tema: críticas às políticas estadunidenses contra o terror)
Fechando o texto, o jornalista menciona a frase dita pelo ex-jogador de
futebol, o argentino Diego Armando Maradona: “Choremos pelos mortos, mas não
precisamos seguir tudo o que Bush diz”, para defender a idéia que não se devia
seguir todas as determinações do presidente dos Estados Unidos por conta do 11
de setembro de 2001. George W. Bush saiu da mediocridade para a condição de
respeitado estadista. A rápida ascensão, balizada por uma tragédia, daria ao líder
dos estadunidenses, grande poder de decisões nas políticas que julgasse
conveniente para combater o terrorismo, inclusive o sacrifico das liberdades
individuais e insensatez para com os “outros”.
George Bourdokan dedica seu texto “A nona cruzada” (p.20) à defesa dos
códigos do Islamismo, mostrando resistência em aceitar que islâmicos estivessem
envolvidos nos ataques terroristas, impetrando culpabilidade aos próprios
estadunidenses.
Confesso que reluto em crer que o terrível atentado contra o TWC (sic) tenha sido
praticado por muçulmanos. Acredito que ele seja mais uma obra de
fundamentalistas americanos ligados a McVeigh, o acusado de explodir o prédio
de Oklahoma, porque um dos preceitos básicos do Islamismo diz que, durante
uma luta, as mulheres e crianças são sagradas e devem ser poupadas. E o que
não pode ser transportado não deve ser destruído. (BOURDOKAN, 2001, p. 20)
Entretanto, o jornalista empobrece suas palavras ao transferir
responsabilidades aos “fundamentalistas americanos” e omitir uma explanação
necessária das facções islâmicas, em especial, a sua versão fundamentalista.
George Bourdokan procura criar no leitor o sentido de que o mundo muçulmano é
construído de maneira homogênea. Já ilustramos em outros comentários que o
87
O macarthismo configurou-se em um movimento iniciado nos Estados Unidos em 1951 pelo
senador Joseph McCarthy. Foi caracterizado pela perseguição a pessoas acusadas se
simpatizarem com o movimento comunista e de realizarem atividades pretensamente contrárias
aos Estados Unidos. Ao substituir o termo comunismo por terrorismo, para muitos, teríamos a
reedição do movimento macarthista.
165
Islamismo é uma religião com subdivisões, e, assim, cada grupo faz a sua própria
interpretação dos textos sagrados. Quando escreve que “um dos preceitos básicos
do Islamismo diz que, durante uma luta, as mulheres e crianças são sagradas e
devem ser poupadas”, o jornalista expõe a face moderada da religião, como se
não fossem parte integrante do mundo muçulmano as crenças dos islâmicos
fundamentalistas, em especial a fatwa, que não são mencionadas em nenhum
momento do texto.(tema: enaltecimento do mundo islâmico)
Além de fornecer apenas as informações que lhe interessavam sobre o
Islamismo, George Bourdokan faz uso da disforia quanto cita a economia
capitalista e as desigualdades geradas por esta. Para o jornalista, as ações
terroristas trariam benefícios à máquina econômica do capitalismo e para os
Estados Unidos, seu principal expoente. (tema: conseqüências dos atentados)
Dentro do condomínio de críticas comuns ao capitalismo, um lote sempre é
destinado à imprensa, instrumento considerado omisso em divulgar as
desigualdades ou fazê-lo com o verniz da brandura, sem a acidez necessária. Os
ícones que produzem essa “desinformação” se fixam nos países desenvolvidos e
influenciam as mídias periféricas.
Hoje, vivemos sob a ditadura dos veículos de comunicação, cuja representante
maior é a empresa norte-americana CNN. É, sem dúvida, a maior empresa de
press release do mundo. (BOURDOKAN, 2001, p. 20)
A CNN é um alvo comum nas críticas destinadas aos meios de
comunicação devido a sua grande influência no campo do jornalismo em tempo
real. Embora com embasamento, esse tipo de julgamento peca pela parcialidade
resultante dos interesses de quem o emite. Os países socialistas, assim como os
islâmicos – particularmente os fundamentalistas – comungam desse mesmo
procedimento de censura e edição de notícias conforme a conveniência. Assim,
isso configura-se em um vício da própria mídia, não sendo exclusividade desta ou
daquela cultura em específico. A mídia “deles” também é tão pecadora como a
“nossa” (tema: parcialidade midiática)
As mãos de George Bourdokan também tocam no embate entre Ocidente e
Oriente, mostrando que este é historicamente dotado de complacência.
166
A luz vem do Oriente, já diziam os sábios. Talvez por se lembrarem do governante
muçulmano Jalaluddin Muhamad (1542-1605), um filósofo, que transformou o
Industão (seus limites iam do Afeganistão até a baía de Bengala, e do Himalaia
até o rio Godâvari) na Andaluzia do Oriente. Isso, para citarmos apenas um
exemplo. Jalaluddin, que passaria para a posteridade com o nome de Akbar (o
grande), além de responsável pela tradução do Mahabharata, abriu as portas de
seu império para os pregadores do zoroastrismo, do jananismo e, num exemplo
único de tolerância religiosa, pediu a seus escribas que traduzissem o Novo
Testamento, na mesma época em que cristãos se matavam entre si. Os católicos
assassinando protestantes na França, os protestantes assassinando os católicos
na Inglaterra, enquanto Giordano Bruno ardia na fogueira em Roma.
(BOURDOKAN, 2001, p. 20)
O texto exalta euforicamente valores presentes da cultura islâmica deixando
o lado disfórico para o Cristianismo e sua política inquisitória. Cria-se assim, uma
dualidade de valores entre /Cristianismo/ e /Islamismo/, onde o primeiro tem
essência disjuntiva, enquanto o segundo valores conjuntivos.
Para Bourdokan, o “outro” se traduz no cristão, nos valores ocidentais.
Mesmo se pautando em mostrar o brilho da cultura islâmica, as lacunas editoriais
do enunciado mostram que o jornalista padece do mesmo fundamentalismo de
que acusa os Estados Unidos e os capitalistas. (tema: depreciação dos valores
ocidentais)
“A coreografia macabra do inimigo invisível e do império onipresente”
(p.23), de autoria do sociólogo Luís Fernando Novoa Garzon, aponta para uma
nova geometria de poder assumida pelos Estados Unidos. Os ataques terroristas
teriam sido “benéficos” para os interesses expansionistas tão comuns aos
estadunidenses e, em decorrência disso, alguns valores seriam invertidos: “A
partir do 11 de setembro, guerra é paz, liberdade é escravidão e ignorância é
força” (p. 23). (temas: conseqüências dos atentados de 11 de setembro)
Garzon destaca importância para os Estados Unidos de terem “inimigos”. O
risco constante alimenta a poderosa indústria bélica do país, além de propiciar
situações para que a tão conhecida polícia externa estadunidense se espalhe para
outros países.
167
... se o inimigo é capaz de tudo e pode estar em qualquer lugar, a única forma de
submetê-lo é constituir um império mundial totalitário e onipresente.
(...)
Foi com base nessa associação esquizofrênica entre regras morais superiores e
violência heróica que se vislumbrou o “destino manifesto” dos EUA. Por
merecimento e superioridade, os norte-americanos (brancos) devem governar e
liderar o mundo. (GARZON, 2001, p. 23)
O sociólogo aponta que essa nova etapa da legitimação da força foi
possível graças a Osama bin Laden que, junto com seus asseclas, absorveram
todas as mazelas capitalistas. Os mecanismos estadunidenses são a incorporação
do mal na visão de Garzon que aponta que qualquer semelhança do histórico
expansionista dos Estados Unidos “com o arianismo nazista não é mera
coincidência” (p.23). Ou seja, tal como Arbex Jr., o sociólogo procure estreitar as
práticas nazistas com as da Doutrina Bush. Para obter êxito, um inimigo que
justifica as ações militares e expansionistas é vital. (tema: insegurança global)
Assim, a existência do “outro”, independentemente da feição que este
assuma, torna-se um símbolo tão significativo na história estadunidense quanto
seu hino ou sua bandeira. (tema: construção do inimigo)
168
4.4.5. Quadro demonstrativo dos temas dos periódicos analisados
Revistas Temas que integram os discursos dos periódicos
Veja
Heroísmo e patriotismo estadunidenses
Choque de identidades
Retrógrado x moderno
Exaltação aos valores ocidentais
Depreciação aos valores orientais
Intolerância
Causas dos atentados de 11 de setembro
A cultura do “Outro”
O mundo em conflito
Compreensão limitada e parcial do mundo islâmico
Insegurança global
Fragilidade do sistema de segurança dos Estados Unidos
Fundamentalismo islâmico
Fundamentalismo religioso
Compreensão limitada e parcial do mundo islâmico
Depreciação dos valores islâmicos
Figurativização do mal no Islamismo
Crítica ao antiamericanismo
Surgimento de Osama bin Laden no cenário internacional
Divisões do mundo islâmico
Choque de civilizações
Harmonia entre culturas
Medo como instrumento político
Destruição como componente social
Terrorismo como gênero cinematográfico
Exaltação dos valores estadunidenses
CartaCapital
Autopropaganda
Crítica ao sistema capitalista
Causas dos atentados de 11 de setembro
Fragilidade do sistema de segurança dos Estados Unidos
Reação eufórica de fanáticos islâmicos
Ódio ao mundo islâmico
Imposição cultural
Intolerância
Tolerância
Exaltação dos valores estadunidenses
Intolerância cultural
Depreciação dos valores islâmicos
Superinteressante
Não alinhamento à guerra
Compreensão da cultura islâmica
Tolerância à cultura islâmica
Compreensão do raciocínio terrorista
Fundamentalismo religioso
O “outro” como culpado
Terrorismo como processo histórico
Ideologias terroristas
Conseqüências dos atentados contra os Estados Unidos
Caminhos alternativos no combate ao terrorismo
Redução das liberdades
Caros Amigos
Crítica ao sistema capitalista
Não alinhamento à guerra
Causas dos atentados de 11 de setembro
Conseqüências dos atentados de 11 de setembro
Construção do inimigo
Justificativa para guerra
Intolerância
Críticas às políticas estadunidenses contra o terror
Enaltecimento do mundo islâmico
Parcialidade midiática
Depreciação dos valores ocidentais
Insegurança global
Construção do inimigo
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sabedoria consiste em não acreditar em tudo sem reflexão.
Cícero
Narciso acha feio tudo que não é espelho.
Caetano Veloso - Sampa
“Entre quatro paredes” é uma peça de teatro escrita pelo filósofo francês
Jean Paul Sartre. Nesse texto, Sartre narra a história de três personagens que ao
desencarnarem têm suas almas conduzidas ao inferno. Assim que chegam ao seu
destino, os três, são trancados numa sala onde existem adereços simples, tudo
muito rústico, e ali permanecem condenados a uma vigília eterna. O enredo da
peça gira em torno da insuportabilidade do outro, caracterizando que, o inferno é,
para cada um dos três, os outros dois. Dessa trama, Sartre conclui, naquela que é,
provavelmente, sua sentença mais célebre: “O inferno são os outros”.
A expressão sartreana ilustra a dificuldade de convivência com o “outro”,
com as diferenças, com aquilo que nos é estranho... A mídia inverte a sentença
sartreana ao mostrar que o “paraíso são os outros”. A presença do “outro” ampara
e reconforta, expõe — como um discurso do avesso — o que somos e não
queremos saber que somos. Ao mesmo tempo em que o “outro” é o insuportável,
tem-se a paradoxal constatação da impossibilidade de se viver sem ele.
Impossibilidade assentada no conforto de se ter alguém para tributar culpas,
descarregar nossos sentimentos de frustrações e ira. Enfim, um “inimigo útil”,
aquele que podemos utilizar sempre que necessitamos desviar, camuflar uma
situação que nos põe em xeque.
No primeiro capítulo desta pesquisa, evocamos as palavras de René
Descartes. O texto do filósofo francês é atravessado por uma rede de isotopias
que versam sobre a aplicação do bom senso para uma sadia interpretação dos
fatos que nos são apresentados. Fatos sempre acompanhados de pesada malha
persuasiva. Ancorado na persuasão, procura-se manipular o receptor e prender
este a determinado sistema de valores. A “guerra de discursos” no mundo
170
jornalístico também é de verdades, onde a vítima, além dos leitores, é o próprio
conceito de verdade.
Este é o jornalismo pós-moderno: tem estilo, é muito bem escrito e repleto de boas
histórias. Só tem um problema: elas não são verdadeiras. O sagrado território do
jornalismo agora se confunde com o do entretenimento: em vez de mudar o
mundo, passou a ser somente a arte de contar uma boa história. E, para contá-la,
nada como uma boa mentira. Os fatos, assim como a verdade, muitas vezes só
atrapalham. (BRASIL, 2007, p.72)
O discurso não se constitui apenas de um fio temático, mas em uma teia
onde, ao se costurar esses fios, constrói-se uma rede de significados e sentidos.
O enunciador, de acordo com sua intencionalidade, faz uso de determinados
recursos persuasivos para convencer o enunciatário quanto ao conteúdo do que
está sendo enunciado é verdadeiro. Em muitas passagens sobre os atentados de
11 de setembro de 2001, a mídia reproduziu – e ampliou – determinados
estereótipos que, via de regra, pouco elucidaram a questão e tão somente
refletiram os valores de quem os proferem, jogando o fardo de todos os males na
direção dos “outros”.
“A propaganda tem que quebrar a principal linha de defesa do inimigo antes
que o exército avance”. Esse pensamento de Joseph Goebbels ecoou em fatias
substanciais das mídias mundiais e, claro, na brasileira que, em grande parte,
seguiu os passos da mídia estadunidense e sua produção de sentidos. “Quebrar a
linha de defesa”, traduz-se nas estratégias de persuasão utilizadas pelos veículos
de comunicação em justificar a guerra, produzindo efeitos de sentidos contra os
“outros”, deformando sua cultura, transformando o denso conteúdo da política
internacional em um “conto de fadas”, onde os efeitos de valores são guiados nas
disforias /bem/ vs /mal/, /heróis/ vs /vilões/, /sagrado/ vs /profano/, /moderno/ vs
/atrasado/... Construindo assim uma cadeia isotópica assentada na dualidade
onde se amplia o valor da alteridade. Entretanto, como mostramos no decorrer
desta pesquisa, os valores presentes nas diversas sociedades não se configuram
em um único dogma. Seus significados assumem feições diferenciadas de acordo
com o universo cultural que os abriga. Ao homogeneizar culturas, fertiliza-se o
171
terreno para que as sementes da intolerância e do ranço se frutifiquem. Em
determinados momentos, a arma do medo parece inerente à mídia.
Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem. As maiores
almas são capazes dos maiores vícios, tanto quanto das maiores virtudes, e os
que só andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre
o caminho reto, do que aqueles que correm e dele se distanciam. (DESCARTES,
1996, p. 65)
As análises sobre os tenebrosos ataques de 11 de setembro de 2001
atravessaram o tempo. Pelo impacto da estrondosa operação e seus
desdobramentos (invasões ao Afeganistão e ao Iraque, Doutrina Bush, ações
terroristas em Madri e Londres...), a data sempre seria lembrada como referência
primeira de uma trama geopolítica desenhada a partir dos atentados aos Estados
Unidos neste começo de século.
O tempo parecia ser um bom conselheiro para análises mais cometidas, ao
distanciar-se do calor emocional do momento e transformar as dúvidas em
repostas concretas, certo? Nem tanto! Imprecisões, preconceitos, desinformações,
ódios, manipulação de informações e servidão ainda marcariam relatos sobre a
tragédia estadunidense.
O trabalho da mídia depois do 11 de setembro só reforçou a sua capacidade de
ditar rumos. Por cumplicidade ou por omissão, mas sem inocência. (DORNELES,
2003, p. 271)
Com a aplicação do quadrado semiótico em nossas análises, pudemos
depreender a geometria de sentidos presentes nos enunciados das revistas
analisadas, e assim transpor a rede de significados que emergiram nas entrelinhas
da notícia e a carga de sentidos presentes nestas.
Entre as revistas analisadas nesta pesquisa, Veja foi quem mostrou maior
alinhamento ideológico aos valores defendidos pelos Estados Unidos. Grande
parte dos textos do periódico que retratam os atentados não contém assinaturas,
inclusive os cinco enunciados que integraram nossas análises. Veja procurou
ocultar sua parcialidade apresentando seus discursos com o rótulo de
172
“reportagens” ao invés de textos opinativos (embora a revista possua colunistas
que externam suas opiniões sobre diversos temas).
O discurso da revista Veja exalta os valores capitalistas e ocidentais como
ícones da civilização, e exala preconceito contra o Islamismo. Para Veja, os
“outros” são os árabes, islâmicos, antiamericanos, os contrários aos valores
“ocidentais”.
Já em sua chamada de capa, a revista evoca o pensamento de Samuel P.
Huntigton sobre o “choque de civilizações” confrontando em campos distintos
/Ocidente/ vs /Oriente/. Os enunciados da revista quando se reportam à religião do
profeta Maomé são atravessados por isotopias disfóricas sempre atrelando-a ao
/atraso/, /totalitarismo/, /fanatismo/... como valores presentes apenas no mundo
islâmico, encobrindo a presença desses componentes no mundo ocidental. Em
linhas gerais, quando se constrói o discurso sobre o mundo islâmico, as diferenças
entre moderados e fundamentalistas se diluem em um caldeirão aquecido pelo
fogo do preconceito. Usa-se da estratégia enunciativa de afirmar que a guerra não
era contra todo o Islã, mas no texto criticava-se tudo que tem relação ao
Islamismo. O mundo árabe é retratado como /autoritário/, /retrógrado/... Quando
enunciadas, as exceções (exemplos da diversidade islâmica, de ares
democráticos respirados em alguns países) ganham espaço diferenciado,
cabendo-lhes poucas linhas, litros de água frente a um oceano de fatores
disfóricos. Ancora-se na tese do “choque de civilizações” e do caos, para dizer que
“o mundo está em guerra”. Os Estados Unidos e seus aliados são a cavalaria que
salvarão o mundo do mal encarnado no “terrorismo”.
No plano profundo, a edição da revista Veja ao repercutir os atentados,
concebe os ataques de 11 de setembro de 2001 como uma atitude “isolada”, feita
por fanáticos gestados na incubadora terrorista no mundo árabe e, em especial,
no Islamismo contra o mundo capitalista e ocidental. Uma trama narrativa que
indaga ao leitor: e você, de que lado está?!
173
CartaCapital procurou seguir outra linha editorial, afastando-se em alguns
momentos dos valores discursivos impressos nas páginas da Veja. Todos os
enunciados que integram a revista são assinados – inclusive a seção “Carta ao
Leitor”.
Na rede de argumentos construída pelo periódico os ataques de 11 de
setembro de 2001 são conseqüências das desigualdades inerentes ao sistema
capitalista elevadas ao nível planetário. Os atentados serem direcionados aos
Estados Unidos não fora por acaso, e sim, dotados de sentidos. Afinal, trata-se da
maior potência capitalista de nossos tempos, “um Império” como tantas vezes a
revista classificou o país.
Os contrários /igualdade/ vs /desigualdade/, seriam os protagonistas do
grande enredo político mundial. A /desigualdade/ converte-se no motor de
propulsão que impulsionaria as sociedades atravessadas por essa disforia a
lançarem-se contra o sistema vigente – o capitalismo – e suas políticas de
exclusão. O “outro”, o “diferente” para revista, é personalizado em uma ideologia
socioeconômica – o capitalismo – e, de maneira indireta, aponta para os próprios
Estados Unidos seu rincão de responsabilidade.
CartaCapital também alude que a influência dos Estados Unidos no mundo
pós-11 de setembro poderia se ampliar. O país, em nome da “guerra ao
terrorismo”, imporia suas políticas a outros povos e/ou as reforçariam nos
ambientes que já as abrigam. Assim, o sentimento de antiamericanismo poderia
se fragilizar ao ser comparado com caráter conjuntivo com o terrorismo.
Todavia, a revista apresenta visão estreita do mundo islâmico. Quando o
mesmo é citado sublinha-se as facções fundamentalistas, não ampliando as
análises sobre a diversidade muçulmana.
Superinteressante foi das revistas analisadas a que mostrou maior
comedimento em seus enunciados. Em suas páginas procurou mostrar posição
contrária à “guerra total” defendida pelos Estados Unidos e desejada por outras
mídias. Mostrou elementos conjuntivos entre valores islâmicos, contextualizou o
terrorismo como instrumento político há tempos presente na história (Veja também
fez uso desse procedimento editorial, mas acabou perdendo efeito perante o tom
174
usado nos demais textos), apontou caminhos alternativos de combate ao terror,
procurou clarear a compreensão do raciocínio de um terrorista... Deslizou em
classificar o 11 de setembro de 2001 como o maior atentado terrorista da história
sem discutir os motivos que comprovavam tal título. Mesmo assim, a revista, no
âmbito geral, apresentou serenidade, destoando positivamente das demais.
Procurou fornecer a seus leitores enunciado mais "objetivo" do ponto de visto
jornalístico,
Os enunciados presentes na revista Caros Amigos são de maneira
inconteste opinativos. Os valores defendidos por seus articulistas estão às claras,
sem maquiagem nas opiniões editoriais. O periódico euforicamente se classifica
“independente”. A independência que Caros Amigos afirma ter está baseada em
destoar dos padrões de outros veículos de comunicação, ofertando-se como
abrigo para o pensamento crítico. Quando, o que a revista faz, é defender seu
ponto de vista como o verdadeiro, assim como os demais periódicos. Muitas das
críticas tecidas as outras mídias também lhe cabem.
A crítica feroz aos Estados Unidos foi a escolha da Caros Amigos,
mantendo-se fiel a sua ideologia marxista e expandindo este valor à arena política
mundial. A revista se utiliza do atentado para ampliar a crítica aos Estados Unidos
e ao sistema capitalista, contudo, seus discursos não são dogmas, e, sim
interpretações de como os mecanismos sociais funcionam. Sendo produção
humana, sua mensagem também é exposta às falhas, e, isto mostra, que, assim
como outras mídias, a revista apenas forneceu sua visão dos fatos, o que,
obviamente, não significa, em absoluto, a verdade suprema.
Passaram-se seis anos dos ataques a Nova York e Washington, mas
algumas feridas são eternas, serão sempre sentidas. A linha do tempo pode até
minimizar as chagas, costurando-as, mas não tem a força necessária para apagá-
las ou fechar essas cicatrizes. E, as mídias, eternizam-nas ou as ampliam criando
outras enfermidades.
Quando analisamos as informações contidas nos enunciados de quatro,
cinco ou seis veículos de comunicação, não raro temos a sensação de que o
mundo em que vivemos transformou-se em outros mundos diferentes, resultado
175
do enunciados e filtros cognitivos utilizados pelas mídias para atingir e cooptar
seus leitores; uma vez que o jornalismo global é dominado pelas agências de
noticiais ocidentais, que têm no capitalismo existente, os Estados Unidos como
seus aliados e pontos de vistas deste como valores absolutos.
O jornalista francês Ignacio Ramonet (2004) comentando o poder midiático
e suas conseqüências, defende em comunicação, uma expressão chamada
“ecologia da informação”. Segundo o jornalista, tal como o meio ambiente que se
encontra contaminado por impurezas resultante de uma hiperindustrialização que
produziu o desastre ambiental, a informação está contaminada por uma série de
interesses, ideologias, mentiras e por isso é preciso descontaminá-la.
Descartes nos aconselha que “e os que só andam muito lentamente podem
avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que
correm e dele se distanciam”. Comungando desse pensamento, Wolton (2004)
indica caminhos para essa problemática.
A solução consistiria em fazer o contrário do que geralmente se empreende.
Diminuir a velocidade em vez de acelerar, organizar e racionalizar em vez de
aumentar os volumes de informação, reintroduzir intermediários em vez de
suprimi-los, regulamentar em vez de desregulamentar. (WOLTON, 2004, p. 267)
Claro que não se trata aqui de sermos ingênuos e acharmos que com um
toque de mágica a mídia abandone vícios intrínsecos a sua prática,
descontaminando-se. As manipulações enunciativas sempre estarão presentes
nas linhas das notícias, propagando sentidos conforme os interesses e valores do
enunciador. Mas é necessário nos agarrarmos aos fios que tecem a utopia para
tentar se vislumbrar um futuro menos sombrio para o discurso jornalístico,
quebrando o reducionismo do “jornalismo Control-C (copia) e Control-V (cola)”
(Dimas, 2005). O bom senso está em saber que o conhecimento da informação no
mundo moderno se associa ao julgamento dos eventos que o regem. Temos
assim, um jogo de valores, onde o bom senso converte-se em uma ferramenta
analítica tanto para o enunciador quanto para o enunciatário apreciarem
criteriosamente as notícias que lhes são fornecidas diariamente.
176
“Não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem”,
recomenda-nos Descartes. O direito à comunicação constitui-se um
prolongamento lógico do processo democrático, devendo ser entendido como
valor vital aos direitos humanos mais originais e orgânicos. Todos podem – e
devem – ter idéias, anunciá-las, defendê-las... Entretanto, como idéias, pontos de
vistas, e não travestidas em princípios fundamentais de uma doutrina,
apresentados como valores certos e indiscutíveis, cuja verdade se espera que as
pessoas aceitem sem questionar. Aplicando-se às coberturas midiáticas a máxima
de que “a história se repete duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda com
farsa”, comprova-se que, cada vez mais, é difícil saber qual foi uma e qual será a
outra.
Tão perto e, mesmo assim, tão longe!
177
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