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gumas chuteiras para os amigos mais próximos e mostrou a sua preciosidade, que estava
guardada na cristaleira de sua casa. A bola, sem dúvida a primeira existente no Brasil, era
um verdadeiro troféu, que ele teve que suar muito para conquistar.
No domingo pela manhã, já era possível ver o Sr. Donohoe arrumando uma área livre (o
que era fácil de encontrar nas proximidades da Fábrica), de preferência bem nivelada (is-
so era um pouco mais difícil) e fincando quatro estacas, duas de cada lado da várzea,
formando assim as traves. Quem passasse pelo local naquela manhã poderia imaginar que
o escocês estivesse tentando construir alguma coisa. À tarde, porém, devem ter pensado
que todos os técnicos enlouqueceram. Donohoe chamou de casa em casa todos os seus
companheiros dos tempos de Southampton e por volta das três horas da tarde, um grupo
reduzido, composto de aproximadamente dez homens apareceu nas proximidades do ter-
reno para estrearem a bola nova e matarem a saudade do tão salutar jogo que eles haviam
deixado para trás na Inglaterra.
Cada time jogou com apenas 5 players, mas foi o suficiente para garantirem a diversão.
Com o tempo, um maior número de pessoas se interessariam e neste momento poderia ser
realizada uma partida com dois elevens. Mas para Donohoe isso pouco importava, o fato
principal é que ele havia matado as suas saudades do football e conseguido realizar a sua
primeira partida. Não houve preocupação com o uniforme, com as anotações dos gols
marcados, com a cronometragem e tão pouco se pensou em anotar o nome dos jogadores,
o importante era matar a fome de bola. Por esta falta de dados palpáveis é que se prefere
creditar a Charles Miller a introdução do futebol no Brasil em outubro de 1894 e a reali-
zação da primeira partida, em abril de 1895, um ano após o jogo do Sr. Donohoe.
(...) Charles Miller, paulista nascido no bairro do Brás em 1874, que foi estudar na Ingla-
terra, na Banister Court School, de Southampton, provavelmente jogou com Thomas Do-
nohoe por lá, é hoje considerado, erroneamente, o introdutor do futebol no Brasil. As jus-
tificativas para o mérito ter ido para Miller e não para Donohoe acabam sendo óbvias: era
mais interessante que o homem que trouxe o futebol para o Brasil fosse um brasileiro do
que um escocês. Além disso, Miller realizou suas partidas no centro de São Paulo, à vista
de todos. Enquanto que Donohoe disputou seus matches no distante Bangu, que ficava a
duas horas de trem do Centro do Rio, fazendo com que apenas os moradores do local to-
massem conhecimento do seu pioneirismo.
Nem mesmo no Rio de Janeiro, a paternidade de Donohoe é reconhecida. Concede-se a
honra de trazer a primeira bola para o Estado ao suíço Oscar Cox, no ano de 1897, três
anos depois do verdadeiro pioneiro.
No longínquo 1897, enquanto o Sr. Oscar Cox desfilava do bairro das Laranjeiras ao Cen-
tro exibindo sua bola, em Bangu a paixão pelo jogo era tanta que mais duas outras já ha-
viam sido trazidas da Inglaterra, em mais uma encomenda do Sr. Donohoe. Foi neste ano
também que o incansável escocês juntou um punhado de companheiros do Reino Unido,
para pedirem a ajuda da Fábrica na fundação de um clube, nos moldes dos existentes em
seu país. Foram vetados pelo Secretário da Companhia, o Sr. Eduardo Gomes Ferreira,
que se declarou inimigo de qualquer espécie de jogo, principalmente o football.
As idéias voltadas a atividades atléticas eram, na época, confundidas com jogos de azar.
Pensavam que o futebol iria viciar os funcionários da Fábrica e que traria problemas para
a administração. Além disso, quem quisesse lazer que procurasse a Sociedade Musical
Progresso de Bangu e a Banda de Música dos Operários da Fábrica, que organizavam
seus bailes constantemente. Por todos estes motivos, a idéia de fundação de um clube foi
recusada. Já imaginou se os funcionários resolvessem faltar ao trabalho para ficarem no
clube chutando uma bola?
Poderíamos ter sido o primeiro clube fundado no país que teria o futebol como esporte
principal. Atravessamos para o século XX, e a paixão pelos esportes aumentava, princi-
palmente entre os brasileiros. Além de assistirem as disputas dos ingleses, os brasileiros
viam a alegria do novo gênero. Se antes os nacionais pouco sabiam do futebol, agora já se
entusiasmavam em assistir os matches, e inclusive participar deles. Jogava-se nos grandes
terrenos existentes em Bangu, nos enormes espaços que o recente desenvolvimento ainda
não havia ocupado. Bangu era portanto o primeiro lugar no Brasil que aceitou esta mistu-