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ROBERTA ALVES TIAGO
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentesMÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
2007
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ROBERTA ALVES TIAGO
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentesMÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: saberes e práticas docentes
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal
de Uberlândia, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Mestra em Educação.
Linha de Pesquisa: Saberes e
Práticas Educativas
Orientadora: Profa. Dra. Myrtes
Dias da Cunha
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
2007
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
T551m
Tiago, Roberta Alves, 1974-
Música na educação infantil : saberes e práticas docentes / Roberta
Alves Tiago. - 2008.
182 f. : il.
Orientador: Myrtes Dias da Cunha.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação.
Inclui bibliografia.
1. Educação de crianças - Teses. 2. Música na educação - Teses. I.
Cunha, Myrtes Dias da. II. Universidade Federal de Uberlândia. Progra-
ma de Pós-
Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 372.3
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Profa. Dra. Leda de Albuquerque Maffioletti (UFRGS)
______________________________________________
Profa. Dra. Selva Guimarães Fonseca (UFU)
_______________________________________________
Profa. Dra. Myrtes Dias da Cunha – Orientadora (UFU)
Uberlândia, 27 de agosto de 2007.
Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente, não ousar é perder-se.”
(Soren Kierkegaard)
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais Otávio e Marlene, que sempre me apoiaram em minhas
escolhas, mesmo que estas signifiquem momentos de ausência. Obrigada pelo apoio,
incentivo e amor incondicional que me fazem sentir que nunca estou sozinha.
Aos meus irmãos, Andréa, Adriano e Luciano, pela compreensão e carinho dispensados
à minha pessoa nos momentos de ausência, e nos momentos bons com os quais não
pude compartilhar.
Aos meus queridos sobrinhos, Letícia, Diego, Brenda, Laura, Gabriele, Nycoli, Larissa
e Manoela, que representam para mim as milhares de crianças pequenas desse país, que,
como cidadãs que são, têm direito à educação pública e com qualidade.
Agradeço em especial à minha cunhada Vanessa por compartilhar comigo, os momentos
difíceis e as angústias da pesquisa, e que muitas vezes o simples ato de ouvir
representou um ombro amigo com quem pude contar.
Ao meu esposo, Mário Henrique, que com sabedoria e amor viveu o mestrado comigo,
compartilhando os momentos difíceis e de conquistas sempre com cuidado e respeito
por minhas escolhas. Obrigada pela tolerância com minha ausência-presença, e pelas
horas ‘roubadas’ pelas leituras e pelo computador, a luz acesa perturbando seu sono...
A Myrtes, minha orientadora, obrigada pela possibilidade de aprender com você e me
tornar “mais sabida”. Obrigada pela amizade, pela paciência e carinho. Suas palavras de
incentivo, aquela expressão que depois de cada conversa eu aguardava ansiosa para
ouvir: “fica firme, Roberta” e o carinho, permanecem comigo e me sustentam em
momentos difíceis.
Aos professores que participaram das Bancas de Qualificação, Dra. Sônia Teresa da
Silva Ribeiro, Ms. Valéria Lacerda, Dra. Maria Irene Miranda, e de defesa, Dra. Leda
de Albuquerque Maffioletti e Dra. Selva Guimarães Fonseca, pelas contribuições.
Aos professores da turma do Mestrado em Educação – 2005.
A administração da escola Leilão de Jardim que abriu as portas para que eu pudesse
realizar este trabalho. Especialmente a coordenadora da Educação Infantil e as
professoras colaboradoras desta pesquisa pela confiança em compartilhar conosco seus
saberes e suas práticas musicais. Com vocês aprendi muito sobre música e sobre a
educação das crianças pequenas.
As crianças de educação infantil da escola Leilão de Jardim que muito me ensinaram
sobre as possibilidades da música na educação infantil e sobre a educação no campo.
Aos colegas da turma de Mestrado em Educação da UFU - 2005, em especial, da linha
Saberes e Práticas.
Ao Astrogildo, meu amigo e irmão de coração, com quem pude contar nos momentos
de incertezas e angústias, compartilhando altos papos. Obrigada pelo apoio. Você é para
mim um exemplo de determinação.
A amiga Mirtes Guimarães, diretora do Conservatório Estadual de música Cora Pavan
Capparelli, pela compreensão e apoio nos momentos em que precisei me ausentar.
A amiga, Maria Teresa de Beaumont, um exemplo de profissional. Como sempre digo,
quando crescer, quero ser como você! Obrigada pelas conversas, orientações e pela
amizade que sempre me faz tão bem.
Aos professores e amigos que marcaram minha trajetória acadêmica, em especial à
Cíntia Thaís Morato, Sônia Teresa da Silva Ribeiro, Regina Guimarães Romaniello e
André Campos Machado. Vocês me ensinaram muito sobre educação, sobre música e
sobre a vida.
A capes pelo financiamento da pesquisa.
A secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação –UFU, nas pessoas de James
e Gianny pela colaboração.
A professora Dra. Sandra Gardellari pela cuidadosa revisão do texto.
Aos meus alunos que me fortaleceram no dia-a-dia e que me fazem acreditar na
educação de qualidade e nas possibilidades da educação musical na escola.
A todos que participaram direta e indiretamente, próximos ou distantes, no passado ou
no presente, para a concretização deste trabalho de mestrado. Obrigada!!
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo conhecer e analisar saberes e práticas pedagógico-
musicais de professoras unidocentes no cotidiano de salas de Educação Infantil. A
pesquisa foi realizada com três professoras unidocentes que atuam na segunda etapa da
Educação Infantil abrangendo a faixa etária de 5 e 6 anos de idade em uma escola
municipal da cidade de Uberlândia, Minas Gerais. A escola pesquisada localiza-se na
zona rural e atende alunos oriundos de assentamentos de reforma agrária, filhos de
pequenos proprietários rurais e trabalhadores assalariados do campo. Os objetivos
específicos da pesquisa são: 1) compreender as políticas públicas para a educação
infantil no período pós-LDB de 1996; 2) construir e apresentar o caminho metodológico
desenvolvido na investigação; 3) analisar os saberes e fazeres musicais de professoras
unidocentes da educação infantil. A presente pesquisa fundamentou-se numa abordagem
qualitativa com caráter etnográfico. Os dados foram construídos por meio das seguintes
técnicas: entrevistas, observação participante e análise documental. Por meio das
entrevistas e da observação participante do trabalho das professoras na sala de aula e em
outros espaços escolares pudemos compreender sobre seus saberes e suas práticas
pedagógico-musicais. Também foram analisados os documentos oficiais e escolares, os
quais auxiliaram na análise e na interpretação dos dados. A convivência com as
professoras e seus alunos nos permitiu conhecer sobre sua formação, suas experiências
musicais, sobre os gostos, preferências e repertórios utilizados na sala de aula; permitiu-
nos também compreender os pensamentos relacionados com suas práticas bem como
suas necessidades para realização de práticas pedagógico-musicais. O estudo revelou
que as professoras unidocentes, mesmo com pouca ou nenhuma formação musical,
desenvolvem trabalhos com música no cotidiano de suas salas de aula e consideram a
música importante no contexto de suas práticas pedagógicas. As professoras fazem uso
da música principalmente no desenvolvimento das relações afetivas, no processo de
socialização, como recurso didático para o ensino de conteúdos de outras áreas de
conhecimento, como relaxamento e lazer, no processo de alfabetização, em momentos
de recreação, em festividades do calendário escolar e em datas comemorativas.
Portanto, concluímos que os momentos em que a música se faz presente na escola ainda
são poucos e as atividades musicais se resumem a atividades de cantar. Decorre disto, a
necessidade de formação musical continuada para as professoras unidocentes de
educação infantil e de oferta de disciplinas nos cursos de graduação em Pedagogia que
contemplem a música. Além da formação musical de professores unidocentes é
necessária a presença do professor especialista em sica na escola, de recursos
materiais e estrutura física adequada para as atividades com música para que a educação
musical se consolide nas escolas de educação básica, especificamente de educação
infantil.
Palavras-chave: Práticas pedagógico-musicais – Educação Infantil Formação
musical.
ABSTRACT
This dissertation has the objective to analyze knowledge and pedagogic-musical
practices of teachers in the daily life of Children’s Education classrooms. The research
was accomplished with the help of three teachers working in the second stage of
Children’s Education age group from 5-6 years old in a city school of Uberlândia,
Minas Gerais. The school is located in the rural area, and has students coming from the
settlements of the agrarian reform. Their parents are either small rural areas' owners or
field work employees. The specific objectives of the research are: 1) to understand the
public policies for Children’s Education in the period post-LDB of 1996; 2) to build and
present the methodology developed in the investigation; 3) to analyze knowledge and
musical roles of Children’s Education teachers. The research was based on a qualitative
ethnographical approach. Data were collected from interviews, observations and
documental analysis. The interviews and observations allowed us to understand the
teachers’ knowledge and pedagogic-musical practices in the classrooms. The official
and school documents were also analyzed, which aided in the analysis and interpretation
of data. Working with the teachers and their students allowed us to get to know about
their Education, musical experiences, tastes, preferences and repertoires used in the
classroom; it also allowed us to understand thoughts related to their practices as well as
their needs for accomplishment of pedagogic-musical practices. The study revealed that
the teachers, even with little or no musical experience, develop works with music in the
daily life of their classrooms as they consider music to be important in the context of
their pedagogic practices. The teachers use music mainly in the development of
affective relationships, in the socialization process, as a didactic resource for the
teaching of contents of other knowledge areas, as relaxation and leisure, in the literacy
process, in moments of recreation, in festivities of the school calendar and in
commemorative dates. We conclude that there are still few moments when music is
used in the school and musical activities are mainly song activities. Thus, there is the
necessity of musical continuing studies for the Children’s Education teachers as well as
the need of subjects in the majoring courses of Pedagogy which present music in their
contents. Besides the musical continuing studies of teachers, the presence of a music
specialist teacher is necessary in the school, as well as material resources and a proper
physical structure for the activities with music so that musical education is consolidated
in the schools of the elementary school, specifically on what regards Children’s
Education.
Keywords: Pedagogic-musical practices – Children’s Education Music continuing
studies
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
O tema da pesquisa
12
2 A escolha do tema e algumas justificativas para tal escolha
14
3 Os problemas da pesquisa e os objetivos do trabalho
16
4 Como está organizado o presente trabalho
18
CAPÍTULO I
1 A MÚSICA NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
21
1.1 Música e Educação Infantil: algumas considerações históricas
21
1.2 A música na Educação Infantil em documentos oficiais e escolares
33
1.3 Música na Educação Infantil: outras reflexões
44
1.3.1 Algumas possibilidades da música na Educação Infantil
45
1.3.2 O professor de música e o professor unidocente da Educação Infantil
49
1.3.3 Sobre práticas musicais na escola
55
1.3.4 Repensando a proposta curricular do RCNEI: a música como área de
conhecimento
61
CAPÍTULO II
2 SOBRE A METODOLOGIA DA PESQUISA 66
2.1 Um outro modelo de ciência: possibilidades de construção do conhecimento
71
2.2 Pesquisa Qualitativa e Educação
75
2.3 Sobre os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa
77
2.4 Caracterização da escola e dos sujeitos da pesquisa
80
2.5 O trabalho de campo
85
CAPÍTULO III
3 SABERES E FAZERES MUSICAIS DE PROFESSORAS UNIDOCENTES
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
90
3.1 Saberes de professoras sobre o ensino de música na Educação Infantil
93
3.1.1 Sobre a formação musical das professoras colaboradoras
93
3.1.2 Sobre os papéis ocupados pela música na Educação Infantil
104
3.1.2.1 Sobre quem deve ensinar música na Educação Infantil
113
3.1.2.2 Sobre (a ausência) de recursos materiais
116
3.1.2.3 Sobre os documentos curriculares para o ensino de música
120
3.1.2.4 Sobre os gostos, as preferências musicais das professoras e o repertório na
sala de aula
125
3.2 Práticas pedagógico-musicais de professoras: o trabalho construído por
professoras unidocentes no cotidiano em salas de Educação Infantil
132
3.2.1 Momentos em que a música é vivenciada na Educação Infantil
132
3.2.2 Experiências musicais no cotidiano escolar
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS 158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
163
APÊNDICE :
roteiro das entrevistas, nota de campo, carta de cessão
172
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS
ABAM Associação Brasileira de Ajuda ao Menor
ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação
CEMEPE Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA Educação de Jovens e Adultos
EPD Educação Pelas Diferenças
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar
LDBEN Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
ONU Organização das Nações Unidas
PACTo Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos Assentamentos de
Reforma Agrária.
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PEAC Plano específico de Ação Coletiva
PEAI Proposta de Atividades de Ensino-aprendizagem
PPP Projeto Político Pedagógico
Profa. Professora
RCNEI Referencial Curriculara Nacional para Educação Infantil
SESIMINAS Serviço Social da Indústria de Minas Gerais
SME Secretaria Municipal de Educação
UFU Universidade Federal de Uberlândia
12
INTRODUÇÃO
1 O tema da pesquisa
O fato da Educação Infantil ter sido considerada como primeira etapa da Educação
Básica a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB nº 9.394/96 de 1996 e
haver reafirmado a Constituição Federal de 1988 trouxe significativos avanços para a
educação brasileira, principalmente quanto ao aparato legal. Posteriormente, vivenciamos
outro avanço com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,
em 1999, e com a criação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil -
RCNEI - em três volumes, em 1998. Dentre estes produtos normativos e orientadores de uma
política para a Educação Infantil, o RCNEI apresenta no volume 3 – Conhecimento de mundo
a música como uma das linguagens a ser trabalhada como “excelente meio para o
desenvolvimento da expressão, do equilíbrio, da auto-estima e autoconhecimento, além de
poderoso meio de integração social”. Segundo o RCNEI o ensino de música aparece como
proposta específica a ser ministrada por professoras unidocentes
1
. De acordo com o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), a Música está presente
no âmbito do “Conhecimento de Mundo” e este “se refere à construção das diferentes
linguagens pelas crianças e às relações que estabelecem com os objetos de conhecimento e
traz uma ênfase na relação com alguns aspectos da cultura” (RCNEI, 1998, p.46).
Apesar de estar contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDBEN de 1996, nos documentos referentes a Educação Infantil e considerando a riqueza e
amplitude de possibilidades, infelizmente, na nossa tradição escolar, o Ensino de Arte
2
tem
sido considerado menos importante que outros componentes curriculares. O que implica dizer
que estes documentos o têm garantido a permanência e a consolidação de práticas musicais
consistentes na educação infantil, visto que o RCNEI é um documento de referência, um
parâmetro de orientações curriculares para a Educação Infantil, que historicamente centra-se
na aquisição das linguagens verbal e numérica e não nas linguagens artísticas.
1
No campo da Educação Musical este termo é utilizado para designar as/os professoras/es que atuam na
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (primeiro e segundo ciclos ou de primeira à quarta
série).
2
Optamos pela grafia do termo Arte, em letra maiúscula quando queremos designar área de conhecimento e
disciplinas escolares conforme a grafia estabelecida no PCN-Arte.
13
É sabido que a presença da música no contexto escolar é uma constante
independentemente dos modelos de ensino adotados e, inclusive, sua presença é significativa
na Educação Infantil. Vários estudos como os de BRITO (2003); FONTERRADA (2005);
BEAUMONT (2003); MARAES et alli (2004); LOUREIRO (2003); DINIZ (2005);
NOGUEIRA (2005); BEYER (2001) consideram hoje que a música é essencial no currículo
da criança de 0 a 6 anos por promover a interação e comunicação social, e a interação entre os
aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos de um mesmo sujeito.
A música é fundamental na Educação Infantil, faz parte do dia-a-dia das crianças e
pode dar suporte ao trabalho dos professores que buscam integrar diversas áreas do
conhecimento. Com diferentes usos e funções, a sica faz parte do cotidiano escolar. No
entanto, muitas vezes, ela tem sido vista somente como suporte para outras disciplinas e nem
sempre é trabalhada como área de conhecimento. Juntamente com o pouco espaço ocupado na
Educação Infantil tem-se ainda a questão do despreparo do professor unidocente para o
trabalho com a música devido a pouca ou nenhuma formação musical.
O que percebemos é que ainda que se discuta sobre a presença da Arte na vida das
crianças, simultaneamente ao desenvolvimento da fala, da escrita e da aquisição das
linguagens verbal e numérica, de um modo geral, a escola é marcada pela ausência de um
trabalho educativo adequado com a música, o que demandaria em primeiro lugar que esta
fosse trabalhada como linguagem própria e como área de conhecimento específica e, em um
segundo momento, que houvesse um profissional com formação adequada para realizar tal
trabalho. Porém, “embora presente em diversas atividades de recreação, festividades e,
sobretudo, no cotidiano de alunos e professores, observa-se que a música, como disciplina,
está ausente dos currículos” (Loureiro, 2003, p. 11).
14
2 A escolha do tema e algumas justificativas para tal escolha
Para iniciar a apresentação deste trabalho, faz-se necessário expor a trajetória da
escolha do tema aqui proposto bem como justificar nosso interesse na investigação sobre
‘Música na Educação Infantil’.
O interesse pelo tema surgiu em minha
3
trajetória como aluna do curso de graduação
em Educação Artística - Habilitação em Música da Universidade Federal de Uberlândia
(1993-1998) quando ainda na formação inicial pude entrar em contato com o contexto da
Educação Infantil na disciplina Prática de Ensino sob a forma de Estágio Supervisionado1 -
Educação Artística, em que desenvolvemos práticas musicais em uma escola da rede
Municipal de Ensino na cidade de Uberlândia-MG. A escola atendia algumas classes de
Educação Infantil e Ensino Fundamental e situava-se em um bairro periférico da cidade
4
. Na
ocasião pudemos desenvolver um ensino de música nas salas de Educação Infantil, uma vez
que a música naquele espaço escolar não acontecia como área de conhecimento
5
e a escola
também não contava com a presença de professor especialista em música.
Nessa experiência que ocorreu no ano de 1996, realizamos o estágio em todas as três
(03) turmas de educação infantil daquela escola. As aulas eram ministradas por grupos de três
alunos-estagiários e, apesar de minha pouca experiência, pude aprender com colegas que
lecionavam algum tempo e com as observações das aulas da professora da disciplina na
qual freqüentávamos Prática de Ensino sob a forma de Estágio Supervisionado1-Educação
Artística. Posteriormente, no ano de 1997, iniciei a carreira como docente no Conservatório
Estadual de sica de Uberlândia e, concomitantemente, lecionei em outras escolas
particulares de música como também em domicílios.
Por meio da prática de ensino pude observar a presença da música em outro espaço
educacional que não escolas específicas de música. No entanto, a minha formação
profissional se estruturou principalmente nas instituições de música. Contudo
,
devo confessar
que, antes de iniciar a carreira docente no conservatório, almejava trabalhar em escolas
regulares, mais especificamente na Educação Infantil, onde ocorreram minhas primeiras
experiências com a “Prática de Ensino” citada anteriormente, porém, tal experiência só
3
O trecho inicial deste item encontra-se na primeira pessoa do singular devido aos acontecimentos e comentários
descritos dizerem respeito apenas à pesquisadora.
4
Escola Municipal do Bairro Maravilha.
5
Como área de conhecimento compreendemos que esta possui um sistema de símbolos próprios, conteúdos e
procedimentos específicos.
15
ocorreu nessa ocasião e mais tarde no segundo curso
6
de graduação em Música, também na
disciplina Prática de Ensino, como forma de projeto de extensão em uma escola municipal de
educação infantil - EMEI
7
, da cidade de Uberlândia.
Com as experiências na Educação Infantil, pude observar o quanto as crianças
gostavam das aulas de música e como aqueles momentos eram significativos para elas. Não só
as crianças, mas também os professores e gestores da escola demostravam atitudes positivas
em relação ao ensino de música e até chegavam a solicitar a presença de estagiários
8
do curso
de Educação Artística - Habilitação em Música da Universidade Federal de Uberlândia.
Desse modo, o que me chamou mais a atenção foram as diferentes concepções que
professoras e diretora elaboravam sobre as aulas de música. Naquela ocasião, constatei que
para as professoras, a música era considerada como momentos que poderiam trazer benefícios
para as crianças como calma, disciplina e prazer, mas acima de tudo, que a aula de música se
concretizava em momentos de “recreação” e “lazer”.
Nesse sentido, passei a observar que, apesar de haver atitudes positivas em relação à
presença da música na escola, as atitudes e concepções dos professores e gestores
distanciavam-se de uma prática com a educação musical das crianças, levando-me a
questionar e refletir sobre os saberes e práticas docentes referentes à música na Educação
Infantil.
Também, nesses quase dez anos de docência, vividos plenamente, foram muitos os
momentos de dúvidas, incertezas, decepções, angústias e alegrias e transformações que me
levaram (e levam) a refletir sobre minha prática pedagógica. Assim, muitos foram os
caminhos que me conduziram às inquietações que deram origem a esta investigação.
Os problemas suscitados por minha própria prática e a de outros professores e também
reflexões como professora, me conduziram ao interesse pela temática sobre os saberes e as
práticas docentes sobre música na Educação Infantil, bem como aos objetivos dessa
investigação. Devido às transformações que vivi, passei a questionar sobre a presença da
6
Aqui estamos nos referindo aos dois cursos de graduação em Educação Artística concluídos pela pesquisadora.
O primeiro curso freqüentado refere-se a habilitação em Violão, concluído em 1998, e o segundo habilitação em
Flauta Transversal foi concluído em 2003.
7
Escola Municipal de Educação Infantil Maria Pacheco Resende localizada em um bairro central da cidade de
Uberlândia, MG.
8
No curso de Educação Artística-Habilitação em Música da Universidade federal de Uberlândia, de acordo
com o currículo do ano de 1993, a disciplina Prática de ensino sob forma de Estágio Supervisionado era
oferecida em três semestres, ou seja, três práticas de ensino (1,2,3). O primeiro semestre era composto somente
por aulas teóricas, o segundo por aulas teóricas e práticas em escola regular (de ensino não específico) e o
terceiro de aulas teóricas e práticas, porém em escola específica ( No nosso caso cursamos a dita disciplina no
Conservatório de Música).
16
música no contexto escolar da Educação Infantil, especialmente, sobre os saberes e as práticas
musicais de professores unidocentes.
3 Os problemas da pesquisa e os objetivos do trabalho
A partir de nossa experiência profissional e de outros professores começamos a refletir
sobre diversas possibilidades de trabalhos com música na educação infantil. Porém, essa
prática e os resultados dela nos levaram a questionar sobre a presença da música na escola e,
mais especificamente, na Educação Infantil. Dentre os questionamentos que elaboramos
alguns se tornaram mais instigantes, a saber: Qual o lugar ocupado pela música na Educação
Infantil? A quem cabe a tarefa de ensinar música? Por que a música não está presente na
escola como área de conhecimento? Desse modo, estes e outros questionamentos
converteram-se em direcionamento para a presente pesquisa.
O processo dinâmico da pesquisa promoveu a reestruturação das questões de pesquisa,
que passaram a ser: O que professoras unidocentes de Educação Infantil pensam e sentem em
relação à música na Educação Infantil? Quais práticas musicais desenvolvem com seus alunos
em sala de aula? Estas questões desdobraram-se nas seguintes: Qual a formação musical das
professoras unidocentes? Quais os papéis ocupados pela música na educação infantil? Quais
são os momentos em que a música é vivenciada na educação infantil? Quais são as
experiências musicais realizadas pelas professoras em salas de aula? Estas questões
direcionaram todo o nosso trabalho e orientaram a análise e interpretação dos dados que
constituem o terceiro capítulo desta investigação.
Considerando que a formação docente não se apenas na formação inicial, mas
também ao longo da vida profissional e, principalmente, no exercício profissional
propriamente dito, percebemos como nós professores somos responsáveis por nossas práticas
e, como tal, como construímo-nas no percurso de nossas carreiras de acordo com o trabalho
realizado, a formação obtida e nossas experiências de vida. No processo de formação
profissional, conforme defendido por autores como: (Tardif, 2002; Gauthier, 1998; Libâneo,
2002; Pimenta, 2002; Contreras, , 2002 entre outros) acreditamos que a forma como
ensinamos é, sem dúvida nenhuma, reflexo da formação que se em diferentes tempos e
espaços de nossas vidas. Nesse sentido, compreendemos que os saberes e as práticas musicais
de professores são construídos nas experiências musicais da vida, em processos de formação e
também no exercício profissional. Os professores constróem seus saberes seja em cursos de
17
formação inicial ou continuada, em espaços escolares e extra-escolares num processo que é
contínuo.
No intuito de responder a nossas questões/problemas de pesquisa propusemos realizar
este trabalho com o objetivo geral de investigar o modo como a música é compreendida por
professoras unidocentes e quais são as práticas musicais que realizam no cotidiano de salas de
aula de Educação Infantil. Como objetivos específicos estabelecemos: 1) compreender as
políticas públicas para a Educação Infantil no período pós-LDB de 1996; 2) construir e
apresentar o caminho metodológico desenvolvido nesta investigação; 3) analisar os saberes e
fazeres musicais de professoras unidocentes que atuam na educação infantil.
Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida em uma escola de Ensino Fundamental com
salas de Educação Infantil da Rede Municipal de Educação da cidade de Uberlândia, em
Minas Gerais. A escola localiza-se na zona rural da cidade e atende alunos oriundos de
assentamentos de Reforma Agrária, filhos de pequenos proprietários rurais e trabalhadores
assalariados do campo. Participaram do presente estudo três professoras unidocentes que
atuam na segunda etapa da educação infantil abrangendo a faixa etária de 5 e 6 anos.
A presente investigação fundamentou-se em uma abordagem qualitativa de pesquisa.
A partir do nosso objetivo geral a metodologia qualitativa mostrou-se indicada para a presente
pesquisa. Segundo Gonzalez Rey (2002), a etnografia foi pioneira no uso de métodos
qualitativos e foi a partir dos estudos desenvolvidos nesta área que a educação formulou uma
metodologia qualitativa própria.
No momento em que nos propomos a investigar os saberes e as práticas de professoras
da Educação Infantil devemos considerar suas subjetividades, individualidades, seus pontos
de vista, não como verdades absolutas capazes de nos levar a generalizações, a obter respostas
definitivas para os nossos questionamentos, mas, como possibilidades, respostas parciais que
ajudam-nos a compreender melhor o papel da música na educação infantil. Para tanto,
fizemos uso das seguintes técnicas de coleta de dados: entrevistas, observação e análise
documental.
Desse modo, acreditamos que esse trabalho poderá contribuir para desmistificar a
concepção do papel da música na educação infantil apenas como laissez-faire e que para as
crianças pequenas, a sica é apenas um complemento, “uma perfumaria/um adereço” e não
objeto de conhecimento (Moraes et all, 2003).
18
4 Como está organizado o presente trabalho
O presente trabalho encontra-se organizado em três capítulos acompanhando os
objetivos específicos da pesquisa. Dessa forma, no primeiro capítulo - A sica no cenário
da educação Infantil - nos propomos a compreender, de forma tangencial, as políticas
públicas para a educação infantil no período pós-LDB de 1996. Para tanto, tecemos algumas
considerações históricas da Educação Infantil e apontamos aspectos relativos à importância
desta modalidade de ensino no Brasil, à Constituição Federal de 1998, ao estatuto da Criança
e do adolescente, lei º 8069, a LDB, 9.364/96, e ao RCNEI a fim de contribuir para o
estudo bem como para contextualizar o atual panorama da Educação Infantil brasileira.
Buscaremos apreender o modo como a música está representada nos documentos oficiais e
escolares para a educação infantil e refletir sobre as propostas curriculares para o ensino de
música nesse contexto.
No segundo capítulo - Sobre a metodologia da pesquisa - apresentamos o caminho
metodológico percorrido nesta investigação. Desse modo, primeiramente apresentamos uma
breve discussão a respeito da relação entre ciência moderna e o que hoje denomina-se ciência
emergente no intuito de discutir as possibilidades de um novo caminho para a ciência na
construção do conhecimento para posteriormente justificar a metodologia escolhida por nós
nesta investigação que pautar-se-á em uma abordagem qualitativa de pesquisa.
Descreveremos as fases de nossa inserção no campo, bem como as técnicas de coleta dos
dados que utilizamos e apresentaremos a escola onde desenvolvemos a investigação e as
professoras colaboradoras.
No terceiro capítulo - Saberes e fazeres musicas de professoras unidocentes da
educação infantil - trazemos as análises e interpretações dos dados sobre os saberes e as
práticas pedagógico-musicais das professoras unidocentes. Por meio de nossas observações do
trabalho das professoras colaboradoras no cotidiano escolar, de entrevistas e análises
documentais buscamos compreender como os saberes e as práticas pedagógico-musicais são
construídos no exercício profissional das professoras da educação infantil.
Finalmente nas - Considerações finais retomamos as questões da investigação e o
que nos foi possível constatar, de acordo com os dados coletados e a análise realizada sobre os
saberes e práticas musicais de professoras unidocentes da educação infantil. Encerramos essa
etapa com conclusões parciais, respostas que foram possíveis de serem discutidas e a
possibilidade de conhecer o modo como a música é compreendida e construída no cotidiano e
19
no exercício profissional de professoras unidocentes. Acreditamos que o conjunto de
discussões e reflexões aqui propostas possam contribuir para uma ressignificação do trabalho
musical na educação infantil, demostrando que é possível um trabalho com música nesse
contexto. Portanto, entendemos que a melhoria da situação da educação musical nas escolas
de educação infantil depende, entre outras coisas, da formação musical dos professores
unidocentes, da presença do professor especialista em música na escola, da existência de
recursos materiais adequados para o ensino de música na escola e de estrutura física adequada
para atividades musicais. Assim, esperamos que a investigação possa contribuir para o debate
acerca da música na escola regular, especialmente, na educação infantil.
20
CAPÍTULO I
21
1 A MÚSICA NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo, expomos de maneira sucinta alguns antecedentes históricos da
educação infantil no cenário educacional brasileiro, de modo a compreender as políticas
públicas para este nível de ensino no período pós-LDBEN de 1996, buscando apreender o
modo como a música está representada nos documentos oficiais e escolares concernentes à
educação infantil e refletir sobre as propostas curriculares para o ensino de música neste
contexto.
Desde as últimas décadas do século XX, tem-se assistido a uma crescente expansão da
discussão educacional no Brasil e no mundo, com notórios avanços nas esferas política e
educacional. Assim, podemos considerar que este fato se deve principalmente a fatores como
a intensificação da urbanização, a participação da mulher no mercado de trabalho e,
conseqüentemente, às mudanças na organização e estrutura das famílias.
Porém, como foge ao escopo deste trabalho um aprofundamento na história do
atendimento à criança brasileira, optamos por fazer alguns recortes cronológicos que nos
proporcionem uma síntese do percurso da educação infantil no Brasil. Desse modo, entre os
acontecimentos considerados importantes por renomados estudiosos da educação nacional,
selecionamos aqueles mais marcantes na trajetória da educação infantil brasileira, atendo-nos
mais especificamente ao período posterior à aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), uma vez que nesse momento se verifica uma maior atenção por
parte do poder público à educação das crianças de 0 a 6 anos de idade.
1.1 Educação infantil e música: algumas considerações históricas
Ao analisarmos os antecedentes históricos da educação infantil no Brasil, percebemos
que os dispositivos legais que reconhecem e normatizam o direito à educação para crianças
pequenas são recentes e escassos. É somente a partir de 1899 que se tem uma participação
efetiva do poder público no atendimento às crianças de zero a seis anos com a criação, nesta
mesma data, do Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Brasil (KRAMER, 2003) e
mais tarde, por meio da legislação: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDBEN 4.024 de 1961; LDBEN 5.692 de 1971 e a atual LDBEN nº. 9.394 de 1996.
Mesmo assim, de acordo com Carrijo (2005), a legislação brasileira referente à infância é
geral e ambígua, apresentando distorções e desequilíbrios de efeitos danosos.
22
Na evolução das políticas públicas relacionadas à educação infantil no Brasil,
basicamente a partir da LDBEN nº. 4.024, de 1961, o que se observa é que, apesar dos
dispositivos legais emanados destas políticas reconhecerem o direito à educação das crianças
de 0 a 6 anos, o acesso não é irrestrito, de forma que a condição social de grande parte destas
crianças continua precária, uma vez que o atendimento tem-se mostrado insuficiente. No caso
da LDBEN nº 4.024, de 1961, sua generalidade não permitiu que ações efetivas fossem
realizadas com relação às crianças de 0 a 6 anos, apesar do aumento da demanda por creches e
pré-escolas. Esta lei trazia resoluções abrangentes e sem disposições para colocá-las em
prática. E a LDBEN 5.692, de 1971, não contribuiu de forma significativa para aumentar o
atendimento à primeira infância, em razão da amplitude e da ambivalência de seus dizeres, tal
como a LDBEN de 1961. É somente a partir da LDBEN nº. 9.394, de 1996, que os
dispositivos legais vêm contribuir de maneira mais efetiva no atendimento da educação
infantil. Como analisa Carrijo (2005)
[...] os efeitos das políticas públicas implementadas pelo Estado brasileiro,
especificamente, para a educação infantil, revelam distorções e
desequilíbrios marcados, primeiramente, pela ausência de tais políticas,
quando o Estado não se responsabiliza por esse atendimento; e,
posteriormente, pelas posturas ideológicas em relação à concepção de
infância e, igualmente, à noção do que seria um atendimento à criança
pequena, considerando, particularmente, as posturas assistencialistas e
compensatórias. As políticas e leis implementadas tratavam a questão de
forma bastante reducionista, tanto no que se refere às concepções, quanto
com relação às alternativas práticas e organizacionais (p.68).
Segundo Kramer (2003), foi na Europa do século XVIII, com a Revolução Industrial
(1750), que se iniciou a criação de escolas de Educação infantil ou pré-escolas. O surgimento
da educação pré-escolar se deu num contexto de profundas modificações na organização das
sociedades ocidentais. Essas modificações se referiam principalmente ao plano social, e,
ainda, às progressivas descobertas científicas acerca do desenvolvimento infantil. Desse
modo, a partir do final do século XIX, pelo menos em termos conceituais e gradualmente do
ponto de vista legal, as crianças pequenas passaram a ser reconhecidas como cidadãs e
ganharam o direito de ser atendidas em suas necessidades específicas para se desenvolverem,
ao invés de serem marginalizadas e discriminadas como imaturas e até mesmo como um
adulto em miniatura.
Com o incremento da inserção da mulher no mercado de trabalho, a partir da
Revolução Industrial surgem na Europa as primeiras instituições com o propósito de cuidar
dos filhos das operárias. Estas instituições foram denominadas “jardins-de-infância”
23
(KRAMER, 1992). No Brasil, um século depois, a situação não foi muito diferente. No final
do século XIX surgem aqui os primeiros estabelecimentos de Educação Infantil relacionados
às modificações na sociedade, especialmente, a inserção da mulher no mercado de trabalho,
requerendo-se, assim, um lugar seguro para deixar os filhos pequenos e trabalhar. Nesse
sentido, tais estabelecimentos tiveram predominantemente uma orientação filantrópica até a
década de 1920, quando se iniciou então um movimento pela democratização do ensino
(TUNES, 2006).
Na história da educação no Brasil, observa-se que a idéia de cuidar da criança pequena
e proteger a infância despertou lentamente. Foi no ano de 1875 que se criou o primeiro Jardim
de Infância do Brasil, denominado Menezes Vieira, juntamente com outras instituições
dirigidas às classes desfavorecidas, como o Asilo dos Meninos Desvalidos, também no Rio de
Janeiro, além de outras instituições e associações de amparo à infância instalada em outros
estados brasileiros. Desse modo, a educação destinada às crianças pequenas era insuficiente e
pouco expressiva, diante das precárias condições da população brasileira, e possuía cunho
assistencialista, sendo voltada apenas para a manutenção da saúde e da higiene. Uma
educação mais completa dos pequenos era ainda privilégio das elites (KRAMER, 2003, p.50).
As primeiras iniciativas mais sistemáticas de cuidados com a infância partiram de
grupos privados, especialmente de médicos e higienistas. Porém, este atendimento restringia-
se a ações isoladas que e se deviam aos alarmantes índices de mortalidade infantil. A idéia de
proteger a infância começava enfatizando a necessidade de cuidados com a higiene e com o
aleitamento materno.
No final do século XIX, segundo as pesquisas de Kramer (2003), se intensificaram os
progressos no campo do atendimento higiênico, médico e escolar infantil. Durante as duas
primeiras décadas deste século foram fundadas várias instituições e promulgadas diversas leis
com vistas ao atendimento à criança. Kramer (2003) ressalta que este período foi marcado por
cobranças da sociedade e por movimentos em defesa da escola pública, da criação de creches,
jardins de infância, maternidades, caracterizados pela intenção de determinados grupos em
“diminuir a apatia que dominava as esferas governamentais quanto ao problema da criança”
(p.52). Neste contexto, foi fundado no Rio de Janeiro o Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Brasil em 1899 com o objetivo de
[...] atender às crianças pequenas, tanto do ponto de vista institucional, com a
criação de maternidades, creches, jardins-de-infância, e instituições de
proteção à infância; como do ponto de vista legal, por meio da elaboração de
leis que regulassem os serviços prestados à criança pequena, a exemplo dos
24
serviços de saúde e de aleitamento, bem como o trabalho e a criminalidade
infantil (CARRIJO, 2005, p.34).
Os movimentos em prol da criança, no Brasil, começaram a ganhar força no início do
século XX. Com a ampliação e a diversificação das atividades do Instituto de Proteção e
Assistência à Infância do Brasil, foram criadas instituições de atendimento à criança pequena,
como creches, maternidades, institutos de proteção à infância, realizaram-se estudos e cursos
sobre mortalidade infantil, campanhas de saúde e combate a epidemias, entre outras
iniciativas. Em 1908, também no Rio de Janeiro, começa a funcionar a primeira creche
popular destinada aos filhos de operários, e em 1909 inaugurou-se o Jardim de Infância
Campos Sales, na mesma cidade (KRAMER, 2003).
O período anterior aos anos 30 do século XX é marcado, segundo Kramer (2003), por
um contexto que determinou o caminho posterior da Educação infantil. Na década de 1930
verifica-se o crescimento da assistência à criança de 0 a 6 anos, porém, ainda basicamente
com caráter médico, sendo poucas as iniciativas educacionais destinadas às mesmas. Ao lado
da medicalização da assistência à criança pequena a psicologização do trabalho educativo
aparecia imbuído de uma concepção abstrata de infância.
Observa-se, também, nos anos 30, uma crescente mobilização em defesa da
democratização do ensino, com base na idéia de que a educação significava possibilidade de
ascensão social, assim, era defendida como direito de todas as crianças. O atendimento
sistemático à criança pequena foi sendo gradativamente acentuado nos anos após-1930.
Porém, a responsabilidade pelo atendimento à infância, assumida timidamente pelo
Estado, era dividida com entidades particulares, convocadas pelo setor público que
centralizava a direção e o controle do atendimento. Kramer (2003) esclarece as razões disso:
[
...] por um lado, era reconhecido que caberia ao governo o dever de fundar
e sustentar estabelecimentos tais como creches, lactários, jardins de infância
e hospitais, por outro lado, afirmava-se que não existia uma
municipalidade no país que pudesse cumprir integralmente essa obrigação
com seus próprios recursos. Daí se tornar indispensável a ajuda financeira de
indivíduos abastados e de entidades filantrópicas (KRAMER, 2003, p.61).
Nesse quadro, percebemos a configuração de duas tendências que caracterizavam o
atendimento à crianças em idade pré-escolar: uma tendência assistencialista e paternalista na
proteção da infância brasileira, contribuindo para que o atendimento educacional se
constituísse como favor, e não como direito dos cidadãos e outra em que o governo decreta
sua função e mostra-se impossibilitado de cumprir. Segundo kramer (2003) “ambas as
25
tendências ajudam a esconder que o problema da crianças se origina na divisão da sociedade
em classes sociais”(p.61).
No que diz respeito à concepção pedagógica vigente no período após 1930, cabe
lembrar também que o modelo de ensino norte-americano amplamente difundido por meio do
ideário de John Dewey muito influenciou reformas educacionais após a década de 1930.
Como explica Kramer (2003), “os movimentos por educação que começavam a se articular,
em especial o da Escola Nova, fundamentavam-se nos princípios da psicologia do
desenvolvimento que despontava e crescia em importância nos Estados Unidos e na Europa”
(p.55). O modelo escola-novista foi consolidado no Brasil por meio da crença de que a
educação mudaria o país, e nesse sentido percebemos que a expansão de instituições, como
creches e pré-escolas no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, receberam também
grande influência das idéias médico-assistencialista e da psicologia (BUJES, 2001).
Contudo, é preciso que se leve em conta os limites do processo de democratização do
ensino brasileiro, que por si não dava conta da heterogeneidade social da clientela que
deveria atender e que nem mesmo tais idéias fizeram tanto para a democratização do ensino.
Nesse sentido, Kramer (2003) comenta que:
Se por um lado, uma educação democrática considera a criança enquanto
cidadã com direitos que devem ser assegurados, por outro, esta visão não
pode ser enfraquecida por um assistencialismo e mesmo por um
paternalismo que mitifique os poderes da educação, encarando-a como
panacéia para todos os males de uma sociedade profundamente marcada
pelas desigualdades sociais (KRAMER, 2003, p. 131).
Na década de 40 do século XX, destaca-se no cenário internacional um momento
importante que beneficiou crianças e adultos. Em 1948, a Assembléia Geral das Nações
Unidas-ONU aprovou-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que tinha a intenção
de promover mundialmente a busca por instrução e a democratização do acesso à educação,
considerada como um direito (CARRIJO, 2005, p.38). Anos mais tarde, em 1959, a ONU
aprovou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, que em seu princípio VII diz: “a
criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao menos nas
etapas elementares”.
A partir de 1951, começaram os trabalhos, na América Latina, da Ação do Fundo das
Nações Unidas para a Infância-UNICEF. Porém, a assistência prestada inicialmente por este
órgão era para alimentação e vacinação, somente a partir da década de 1960 passou-se a
enfocar a educação.
26
Desse modo, percebemos que foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança um
marco importante nas lutas pelo atendimento educacional às crianças pequenas e a partir de
então, tal batalha ganhou novos contornos, sendo que a educação passou a ser encarada como
um direito da criança e um dever do Estado. No Brasil, mesmo com a expansão do
atendimento às crianças oferecido por creches e pré-escolas, medidas associadas à entrada das
mulheres no mercado de trabalho, entre outros fatores de ordem socioeconômica, tal
atendimento foi pequeno, pois os estabelecimentos de Educação Infantil existentes também
não foram suficientes para atender a demanda (CARRIJO, 2005).
Assim, a década de 1950 encerrou-se com as discussões em torno da primeira Lei que
regulamentava a educação dando prosseguimento às discussões que vinham acontecendo.
Em 20 de dezembro de 1961, foi aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional LDBEN 4.024, estabelecendo o incentivo à organização de jardins-de-infância
pelas empresas e aumentado, dessa forma, o número de creches e pré-escolas. Em relação à
Educação Infantil, esta Lei apenas mencionava que a educação escolar anterior aos sete anos
de idade seria ministrada em jardins de infância e instituições equivalentes, sem apresentar,
entretanto, maiores esclarecimentos a respeito desta e sem o propósito de favorecer a
implementação de ações concretas nesse sentido. Assim, podemos dizer que tal Lei abordava
a Educação Infantil de maneira muito geral, dedicando apenas dois artigos à educação
chamada na época pré-primária:
Art. 23 A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada
em escolas maternais e jardins de infância.
Art. 24 – As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão
estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os
poderes públicos, instituições de educação pré-primária.
Percebemos que a Lei 4.024 de 1961 pouco contribuiu para ampliar o atendimento às
crianças pequenas, devido à sua generalidade e à impossibilidade de colocar em prática suas
disposições. Observamos também nesse período uma falta de compromisso do Poder Público,
que não assumiu as responsabilidade e deveres que lhe cabiam.
Posteriormente, em 1971, é promulgada a LDBEN 5.692. A aprovação desta Lei
trouxe significativas mudanças para a educação e reorganizou o sistema de ensino em dois
níveis, trazendo diretrizes e bases para os ensinos de 1º e 2º grau, com o intuito de conferir um
caráter profissionalizante à educação escolar brasileira (CARRIJO, 2005). No que se refere à
educação de crianças pequenas, esta Lei 5.692 dispunha o seguinte:
27
Art. 19 Parágrafo : os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior
a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância
e instituições equivalentes.
Art. 61 Os sistemas de ensino estimularão as empresas que tenham em seus serviços es
de menores de sete anos a organizar e manter, diretamente ou em cooperação,
inclusive com o Poder Público, educação que preceda o ensino de 1º grau.
Apesar do pequeno avanço trazido para a área de Educação Infantil (Kramer, 2003),
percebe-se que na LDBEN de 1971, do mesmo modo que na anterior, persiste o
descompromisso do Estado com a educação de crianças pequenas. Este documento não
contribuiu significativamente para o desenvolvimento do atendimento à primeira infância no
âmbito da escola pública, de forma que:
[...] a educação para a criança pequena foi se difundindo, na rede particular,
com um modelo de educação para a elite, e, na rede pública, as crianças
eram atendidas com programas de massa, voltados para a educação
compensatória (CARRIJO, 2005, p.44).
A educação da criança pequena no Brasil foi se ampliando de forma compensatória, na
Rede Pública, com um mínimo de gastos, como um meio de minimizar a pobreza e prestar
assistência social às crianças. Outros princípios do modelo de Educação Infantil enfatizados
nesse período foram o de melhoramento do Ensino Fundamental e o da necessidade de a
Educação Infantil apoiar-se em recursos da comunidade com equipamentos e recursos
humanos de responsabilidade da comunidade. Nesse sentido, Rosemberg (2003) comenta que:
O modelo incorporou uma articulação perversa entre espaço inadequado,
precariedade de material pedagógico e ausência de qualificação profissional
do (a) educador (a) redundando em ambientes educacionais pouco favoráveis
ao enriquecimento das experiências infantis (ROSEMBERG, 2003, p. 181).
Com relação aos dispositivos legais, vale ressaltar que recorrendo a estudos históricos
da área de educação (KRAMER, 1992, 2003), constatamos que apesar de a Educação Infantil
se mostrar presente no Brasil mais de 130 anos, é somente a partir da década de 70 do
século XX que a importância da educação da criança pequena começa a ser reconhecida e as
políticas governamentais iniciam, a ampliação desse atendimento, em especial das crianças de
4 a 6 anos de idade. Porém, nos anos 70, essa educação ainda não está assegurada pela
legislação, sendo que somente na Constituição Federal de 1988, é reconhecido o dever do
Estado de oferecer creches e pré-escolas para todas as crianças até 6 anos de idade
(KRAMER, 1992).
28
Assim, podemos considerar, tal como Carrijo (2005), que foi a partir dos anos 80 do
século XX, que a Educação Infantil no Brasil ganhou força, tornando-se uma realidade
irreversível. No decorrer de sua trajetória, constatamos inúmeras modificações das funções
das creches e pré-escolas. Elas variam dependendo do caráter assumido pela Educação
Infantil sendo: medida paliativa de compensação, assistencialismo, filantropia e instituição
educativa. Desse modo, desencadeou-se um amplo movimento em defesa dos direitos das
crianças articulado pela sociedade civil e por órgãos governamentais, para que o atendimento
educacional às crianças de 0 a 6 anos de idade fosse reconhecido oficialmente. Esse processo
resultou no reconhecimento da Educação Infantil como um direito. Sem dúvida, os anos 80
trouxeram avanços para a Educação Infantil: assim, cresce e fortalece o movimento social e
nele as lutas por creches. Desse modo, “as creches apareciam como um resultado, como um
símbolo concreto dessas lutas: o movimento popular e as reivindicações das feministas
colocaram a creche na ordem do dia”. (KUHLMANN JR, 2004, P. 198).
Nesse momento inaugurou-se um processo de conscientização e mobilização quanto
ao atendimento educacional à criança pequena na tentativa de, pelo menos em nível de debate,
superar as concepções de assistencialismo e educação compensatória em direção à
democratização do ensino. Esse movimento de conscientização da importância da Educação
Infantil foi reconhecido na Constituição Federal de 1988, que segundo o artigo 208, inciso
IV, institui a Educação Infantil como dever do Estado e assegura “atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, prevê que
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda a negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)
Desse modo, a Educação Infantil é definida do ponto de vista legal como “um dever
do Estado e um direito da criança e da família”, determinando, ainda, que aos municípios
caberá, juntamente com o apoio técnico da União, Estado e Distrito Federal, organizarem seu
sistema de ensino, atuando prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar (artigo 211,
§ 2º). A esse respeito, Rosemberg (2003, p. 183) destaca ainda que “A constituição de 1988
reconheceu, então, a Educação Infantil como direito da criança e como instrumento para a
29
igualdade de oportunidades de gênero, na medida em que apóia o trabalho materno extra-
doméstico.
Vale ressaltar que, de acordo com Carrijo (2005), foi nesse momento que as
expressões “Educação Infantil” ou “educação da criança de zero a seis anos” foram cunhadas
em torno das novas concepções de infância e propostas de democratização da educação.
Segundo Kuhlmann Jr. (2004) a expressão Educação Infantil foi adotada recentemente no
Brasil e ratificada a partir da Constituição Federal de1988.
A partir de uma nova concepção de criança, que passou a ser reconhecida como
cidadã, portadora de direitos e não de proteção, mas também de educação, foi promulgada
em 1990 a Lei nº 8.069 que sanciona o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
(BRASIL, 1990) assegurando o direito da criança de zero a seis anos de idade ao atendimento
em creches e pré-escolas. Nesse documento, encontram-se os deveres do Estado com relação
à Educação Infantil (Artigo 54, inciso IV). A referida Lei mais do que regulamentar as
conquistas em favor das crianças e adolescentes expressas na Constituição Federal de 1988,
desencadeou um conjunto de leis que criou expectativas em relação ao cuidado e à educação
das crianças pequenas no Brasil.
Desse modo, o direito da criança à educação assegurado pela Constituição Federal de
1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ECA/1990 é também reafirmado pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394 de 1996, que estabelece
de forma incisiva o vínculo entre o atendimento às crianças de zero a seis anos e a educação.
A Educação Infantil, tal como consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - LDBEN nº 9.394/96, constituiu-se como “primeira etapa da educação básica e tem
como finalidade o desenvolvimento integral da criança de 0 a 6 anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade” (título V, capítulo II, seção II, artigo 29). Com a promulgação dessa Lei, a
Educação Infantil passou então a ser oferecida em creches ou entidades equivalentes para
crianças até 3 anos de idade, pré-escolas para crianças de 4 a 6 anos de idade. Assim, essa
divisão foi alterada em maio de 2005, a partir de sanção presidencial com a Lei Federal
11.114, que define que as crianças com 6 anos completos devem ser matriculados no ano
do Ensino Fundamental. Dessa forma, a partir de 2005, no Brasil, a Educação Infantil passou
a atender crianças até 5 anos de idade. (TUNES, 2006, p.6).
Com relação à oferta da Educação Infantil, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional 9.394, será oferecida em escolas municipais e particulares
(Artigo.11, título VI). Assim, os municípios incubir-se-ão de “oferecer a Educação Infantil em
30
creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros
níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área
de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição
Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino”. Vale ressaltar que a LDBEN
9.394/96 também define como incumbência dessas instituições de ensino a elaboração de suas
propostas pedagógicas.
Com a intensificação da urbanização, a inserção da mulher no mercado de trabalho e,
de modo geral, a reorganização familiar foi gerada a necessidade de garantir um espaço
seguro para os filhos pequenos, havendo uma contribuição para que a sociedade caminhasse
para um processo de conscientização sobre a importância do atendimento à criança de zero a
seis anos e das experiências na primeira infância. Tal conscientização motivou, desse modo,
demandas por uma educação institucional para crianças na faixa etária de 0 a 6 anos e também
devido ao fato de a LDB de 1996 definir uma concepção unificada de educação.
Corroborando essa visão Pereira e Teixeira (1998) comentam que:
[...]a atual lei [...] define uma concepção unificada de educação básica que
abrange a formação do indivíduo desde zero ano de idade até o final do
ensino médio, em três etapas, consecutivas: educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio (PEREIRA,E.W.; TEIXEIRA, Z. A, 1998,
p.90).
Foi na última década do século XX que a idéia de assistencialismo nas creches deu
lugar a uma nova concepção sobre essas instituições reconhecidas como espaço educativo.
Historicamente, a educação infantil tem enfrentado a polarização entre assistência e educação.
Apesar de hoje podermos dizer que, de certo modo, tal assistencialismo tem sido superado
pelo menos nos textos e conceitualmente, visto que a realidade institucional ainda se mostra
em grande parte intocada, principalmente em relação às questões que discriminam a
população pobre. (KUHLMANN JR, 2005). Nesse sentido, Kuhlmann Jr. (2005) comenta:
algum tempo vimos ponderando como, no processo histórico de
constituição das instituições pré-escolares destinadas à infância pobre, o
assistencialismo, ele mesmo, foi configurado como uma proposta
educacional específica para esse setor social, dirigida para a submissão não
das famílias, mas também das crianças das classes populares. Ou seja, a
educação não seria necessariamente sinônimo de emancipação. O fato de
essas instituições carregarem em suas estruturas a destinação a uma parcela
social, a pobreza, já representa uma concepção educacional. A pedagogia das
instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão, uma
educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para depois
31
oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados
para o receber.
(KUHLMANN JR, 2005, p. 54).
No entanto, essa polarização entre assistência e educação à qual estamos nos referindo,
não diz respeito ao nível de ensino de creche e pré-escola, mas, à destinação social da
educação infantil como um todo e como instituição educacional. O que não se pode negar são
as características próprias da concepção assistencialista presentes nas instituições de educação
infantil que impregnam as várias dimensões do pensamento pedagógico nos dias atuais.
Assim, a vinculação de creches e pré-escolas ao sistema educacional representou, sem dúvida,
uma grande conquista na superação da imagem que as creches, em especial, carregavam como
instituições destinadas aos pobres e às classes populares. Nesse sentido, a inclusão da
educação infantil ao sistema regular de ensino deixa de lado um pouco do peso dos
preconceitos relacionados à visão dualista, cuidar e educar, predominante na educação
infantil. (Kuhlmann Jr, 2005).
Não podemos também ser ingênuos ao ponto de acreditar que com a Constituição
Federal de 1988 – que reconhece a responsabilidade do poder público e dos direitos da criança
à educação e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDBEN) que divide a
educação infantil em creche e pré-escola – solucionaram-se os problemas relativos ao estigma
da creche como instituição exclusiva aos pobres. Segundo Kuhlmann Jr (2005), apesar da
designação dos termos creche e pré-escolas pelos documentos oficiais, várias instituições
brasileiras atribuem outros nomes que não creches à educação das crianças pequenas
confirmando, dessa forma, a não superação das diferenças sociais infiltradas no sistema
educacional brasileiro. Como exemplo, tem-se o uso dos termos referentes à Educação
Infantil como: “jardim”, “maternal” “berçário”, “hotelzinho”, “escolinha” entre outros.
Corroborando esta visão Kuhlmann Jr (2005) afirma que:
Na realidade, encontramos uma diversidade muito maior, marcada pelas
desigualdades, até mesmo na denominação institucional.(...) A solução
dessas desigualdades o ocorre nem com a passagem de creches e pré-
escolas da esfera administrativa-assistencialista para a educacional, nem com
a definição de um referencial curricular nacional que sugira ser possível
promovê-la por meio do acesso de todos ao conhecimento historicamente
acumulado. Neste último caso, fantasia-se que o conhecimento seria algo
passível de ser oferecido como produtos em prateleira de supermercados,
disponível a todos. Mas, se boa parte da população brasileira não tem o
acesso aos bens de necessidade básica, o que dizer da cultura, cuja produção,
apropriação e fruição é muito mais complexa do que uma simples relação de
aquisição e consumo? (KUHLMANN JR, 2005, p. 55).
32
A idéia de que a creche era um local em que as crianças ficavam para serem cuidadas
está dando lugar a uma nova concepção de educação infantil delimitando aspectos relativos à
educação das crianças pequenas. Na tentativa de deixar para trás a função assistencialista que
vigorou por anos e décadas, numa concepção mais recente, a creche aparece como espaço
privilegiado de desenvolvimento e socialização infantil e deixa de ser apenas um espaço onde
as crianças eram deixadas para serem cuidadas enquanto as mães trabalhavam. Desse modo,
as creches e pré-escolas passam a ser entendidas como lugar em que as crianças iniciam o
processo de escolarização, de desenvolvimento integral, em que se busca desenvolver a
autonomia, a interação social e histórica para enriquecer seu universo cultural
A partir da Carta Constitucional elaborada em 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional 9394 de 1996 temos, então, um momento de reorganização
institucional e legal referente à educação. Estes acontecimentos foram extremamente
importantes para a introdução de reformas em vários campos educacionais. Especialmente na
educação infantil com o intuito de concretizar ações, diversas áreas governamentais e não
governamentais vêm se mobilizando para fazer valer o que prescrevem tais documentos: “a
educação infantil é um direito das crianças, embora não seja obrigatória, e a creche faz parte
da educação básica assim como a pré-escola, o ensino fundamental e médio” (FARIA;
PALHARES, 2005, p. i).
Porém, apesar de os dispositivos legais emanados das políticas públicas para a
educação reconhecerem o direito irrestrito da criança de 0 a 6 anos de idade à educação, a
realidade atual da Educação Infantil brasileira mostra-se pouco satisfatória, visto que o acesso
e o atendimento escolar ainda se mostram aquém do almejado. De acordo com o último Censo
Escolar da Educação Básica 2007, a pesquisa mostra que, no Brasil, estão matriculados
52.969.456 estudantes na Educação Básica, sendo que 46.610.710 em escolas públicas e
6.358.746 em escolas privadas. As redes municipais abrigam a maior parte dos alunos, com
24.516.221 matriculados. Na Educação Infantil o número de matrículas para o ano de 2007 foi
de 6.494.616. (Censo Escola 2007
9
).
Outra idéia a ser questionada é a de que a Educação Infantil se configure como
antecipação do ensino fundamental. A esse respeito Britto (2005) tece o seguinte comentário
Aí está o desafio da educação infantil, que não é o de ensinar letras, mas o de
construir as bases para que as crianças possam desenvolver-se como pessoas
plenas e de direito e, assim, participar criticamente da cultura escrita,
9
Os dados formam coletados no site http:// inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/news08_01.htm
33
convivendo com essa organização discursiva, experimentar, de diferentes
formas, os modos de pensar típicos do escrito. Antecipar o ensino das letras,
em vez de trazer o debate da cultura escrita no cotidiano, é inverter o
processo e aumentar a diferença (BRITTO, 2005, p. XVI).
Assim, entender a Educação Infantil como período preparatório para o ensino
fundamental e espaço de desenvolvimento de aprendizagens específicas é desconsiderar uma
concepção de criança e de Educação Infantil que muitos estudiosos (Kramer,1992, 2003;
Kuhlmamm Jr, 2005; Cerisara, 2005; Brito, 2005) e professores vêm tentando traçar. Estes
defendem uma concepção de criança como sujeito de direitos e, portanto, possuidora de
características próprias, afetividade, subjetividade e ludicidade, e a concepção de educação
infantil como construção histórico-social.
Portanto, de acordo com a atual LDBEN nº. 9.394/96 contempla-se também o ensino
de Arte. Esta Lei traz no seu Art. 26, § 2º, que o ensino de arte constituir-se-á “componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis de educação básica de forma a promover o
desenvolvimento cultural dos alunos”. Nesse sentido, como a Educação Infantil está
contemplada na educação básica, no Ensino de Arte, e conseqüentemente na música, como
uma das modalidades desse ensino, também se configura como uma das linguagens que
podem ser abordadas no contexto da Educação Infantil. Desse modo, passamos a analisar no
tópico a seguir como a música aparece nos documentos oficiais e escolares voltados para a
Educação Infantil.
1.2 A música na Educação Infantil em documentos oficiais e escolares.
O ensino das Artes, especialmente da música, está contemplado nos documentos
oficiais e mais especificamente na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDBEN n.º 9.394/96. Na antiga lei n.º 5.692 de 1971, o ensino de Artes, ainda denominado
Educação Artística pregava uma formação polivalente dos profissionais, sendo que os
professores de Educação Artística deveriam abordar conteúdos de todas as linguagens
artísticas (Música, Artes Plásticas, Teatro e Dança). Porém, esses profissionais, que por força
de lei, tiveram formação polivalente, tiveram uma formação comprometida e insuficiente para
consolidar o ensino de música nas escolas públicas. Isso porque não se aprofundavam em
questões específicas de todas as linguagens artísticas.
34
No que se refere ao ensino de Arte, a atual LDBEN traz no seu Art. 26, § 2º, que o
ensino de arte constituir-se-á “componente obrigatório, nos diversos níveis de educação
básica de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. Assim, complementando
o processo de implantação da LDBEN em 1996, foi publicado em 1998 pelo Ministério da
Educação (MEC) o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil RCNEI. Esse
documento, muito significativo, foi elaborado e divulgado pelo Ministério da Educação e
Cultura (MEC) paralelamente à discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (1999)
10
. Por meio do RCNEI, o Ministério da Educação busca apontar “um
conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam contribuir com a implantação ou
implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as
condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras” (RCNEI, p.13).
O RCNEI tem como objetivo auxiliar o professor na “realização do seu trabalho
educativo diário junto às crianças pequenas” (BRASIL, 1998, p. 5) e está organizado em três
volumes. O primeiro volume, de caráter introdutório, apresenta uma reflexão sobre creches e
pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando as concepções de criança, de educação, de
instituição e do perfil do professor; define os objetivos gerais da Educação Infantil e orienta
sobre a organização dos demais volumes do documento. O segundo refere-se ao âmbito de
experiência Formação Pessoal e Social, o qual trabalha com os processos de construção da
Identidade e Autonomia das crianças. O terceiro, finalmente, trata do âmbito da experiência
do Conhecimento de Mundo, em que a música se configura em um dos seis eixos de trabalho.
Porém, foram levantadas muitas críticas a esse documento por pesquisadores e
profissionais da educação em diferentes aspectos, a começar pelo “desvio de rota”, conforme
10
Além destes documentos, citamos dois programas voltados à formação de professores da Educação Infantil.
O primeiro é o Proinfantil –Programa de Formação Inicial para professores em Exercício na Educação Infantil. O
Proinfantil é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-se aos professores da
educação infantil em exercício nas creches e pré-escolas das redes públicas municipais e estaduais e da rede
privada sem fins lucrativos – comunitárias, filantrópicas ou confessionais – conveniadas ou não. O Proinfantil foi
iniciado em 2005 e tem como meta atender o maior número possível de professores ainda não habilitados,
considerando que o censo escolar registra cerca de 40.000 professores atuando na educação infantil sem a
habilitação mínima exigida. Sendo uma ação emergencial, o programa tem caráter temporário e deverá ser
concluído até janeiro de 2011. Outro programa que busca pela valorização dos Profissionais da Educação é o
FUNDEB - fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da
educação. Criado em 20 de junho de 2007 foi sancionada a Lei 11.494/2007, que regulamenta o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -
FUNDEB. Em vigor desde o dia 1º de janeiro deste ano, por Medida Provisória o novo Fundo substitui o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEF. O
FUNDEB te vigência até 2.020 e atenderá, a partir do ano, 47 milhões de alunos da educação sica,
contemplando creche, educação infantil, ensino fundamental e médio, educação especial e educação de jovens e
adultos.
35
considera Palhares e Martinez (2005, p.6); ou seja, segundo essas autoras, o caminho traçado
pela equipe técnica responsável pela Educação Infantil no MEC anterior ao RCNEI (1998),
em 1994, foi desconsiderada. O caminho apontado era “a busca pela superação da dicotomia
da educação/assistência incentivando estratégias de articulação dos diversos setores e ou
instituições comprometidas com a Educação Infantil”. Nesse sentido, o MEC promoveu
debates, realizou diferentes publicações que abordavam a política para a Educação Infantil e a
questão da inclusão, que era e continua sendo o grande desafio para esse nível de ensino.
Assim, as autoras consideram que por meio das novas publicações do MEC parece haver a
indicação de um momento de descontinuidade na história da construção do conhecimento no
campo da Educação Infantil (PALHARES e MARTINEZ, 2005).
Nesse sentido, consideram que:
O RCNEI representa um ponto de inflexão na trajetória que vinha sendo
gestada pela Coordenadoria de educação Infantil. Entretanto, o documento
apresenta os tópicos fundamentais para a composição de um referencial para
a educação: elaborados por especialistas de renome nacional e internacional;
incorporando propostas nacionais e de outros países; e ainda oferecendo
idéias que visam contribuir para o surgimento de uma nova proposta para o
cotidiano da educação infantil. A nosso ver, ele é uma importante iniciativa
do MEC. (PALHARES e MARTINEZ, 2005, p. 8)
De modo semelhante, Cerisara (2005) destaca que o RCNEI, mesmo aperfeiçoado,
continua “significando uma ruptura com o que vinha sendo produzido e com o que vinha
sendo defendido como a especificidade da Educação Infantil”(CERISARA, 2005, p. 44). Até
porque, segundo Palhares e Martinez (2005), não houve mudanças significativas entre 1994 e
1998 em relação às políticas públicas de infância que justificassem o lançamento do
referencial nacional naquele momento sócio-histórico de modo a garantir qualidade no
atendimento e nem tão pouco houve mudanças quanto às necessidades de investimento na
formação do educador de creche, quanto às necessidades dos professores e quanto às
condições mínimas para efetivar o trabalho educativo.
O que vinha sendo produzido anteriormente ao referencial no que concerne às políticas
para Educação Infantil, ao financiamento, à quantidade e qualidade do atendimento e
formação de profissional de Educação Infantil não foi contemplado no atual documento e nem
a produção que vinha sendo construída com uma prioridade para o atendimento das crianças
oriundas de camadas populares. O RCNEI não contempla a questão das diversas camadas
sociais.
36
Dentre os problemas detectados a partir da leitura da versão preliminar do RCNEI,
Palhares e Martinez (2005) ressaltam que:
[...] embora em seu discurso o referencial procure considerar a importância e
a diversidade de situações sociais no país, efetivamente não colabora para
uma identificação de como seriam os diálogos com as propostas construídas
no cotidiano de cada local (PALHARES; MARTINEZ, 2005, p. 11).
Nesse sentido, faz-se necessário, portanto, conforme ressaltado pelas autoras
anteriores, que a leitura do documento seja feita de forma crítica para que não se corra o risco
de transferir as responsabilidade do macrossistema (políticas públicas para a infância) para o
microssistema (profissionais da Educação Infantil/comunidade escolar/criança).
Ao analisar os pareceres elaborados por diferentes pesquisadores ligados ao Grupo de
Trabalho (GT) de Educação Infantil da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPED), Cerisara (2005) apresenta considerações sobre alguns aspectos do
documento. Dentre eles foram questionados pelos pareceristas os seguintes pontos: a extensão
do documento; a necessidade de padronizar o estilo de linguagem; o excesso de divisões,
títulos e subtítulos que dificultam a compreensão do todo; a linguagem poderia ser mais clara,
objetiva e direta, levando-se em conta a diversidade regional, cultural, sócio-econômica e,
principalmente a formação docente; o documento é pouco esclarecedor e confuso; o texto,
segundo os pareceristas, é receituário; uma indefinição de leitor a quem o documento se
dirige.
Outro aspecto criticado, diz respeito às concepções teóricas dos RCNEI que, segundo
Cerisara (2005), têm sua fundamentação somente na psicologia quando poderia também
contar com as contribuições de outros campos de conhecimento, tais como antropologia,
linguagem, filosofia, história e sociologia. A concepção teórica baseada no construtivismo
piagetiano teve muitas críticas no sentido de conter explicações teóricas pouco fundamentadas
(Carrijo, 2005). De acordo com pareceres produzidos em relação ao RCNEI, Cerisara (2005)
destaca ainda a falta de integração entre os eixos de conhecimento a serem trabalhados dando
a idéia das tradicionais disciplinas e a existência de uma valorização das crianças maiores
sobre os bebês.
Assim, para cada eixo ou área de conhecimento dos âmbitos de experiência, Formação
Pessoal e Social (Identidade e Autonomia) e Conhecimento de Mundo (Movimento, Música,
Artes Visuais, Linguagem Oral e escrita, Natureza e Sociedade e Matemática), foram listados
objetivos, conteúdos, avaliação e orientações didáticas. Dentre as críticas, algumas salientam
o fato dessa organização evidenciar um modelo escolar de trabalho e a confusão conceitual
37
entre objetivos, conteúdos e avaliação. Também mereceu atenção o fato de o documento
subordinar a Educação Infantil ao trabalho das séries mais adiantadas do ensino básico,
trazendo desse modo novamente a impressão de ensino preparatório (Carrijo, 2005; Diniz,
2005). Esse aspecto de subordinação do RCNEI ao Ensino Fundamental retoma a idéia de
educação compensatória, intensamente difundida nas cadas de 1970 e 1980 e se configura
na principal crítica dos RCNEI a ser ressaltada.
Nesse sentido, Cerisara (2005) destaca que:
[...] a estrutura fere todos os princípios que têm sido proclamados pelos
educadores que defendem uma educação infantil de qualidade e que tenha
especificidade garantida pela referência à criança e não ao ensino
fundamental (CERISARA, 2005, p, 34).
De acordo com a proposta do nosso trabalho nos ocuparemos em levantar de forma
sucinta alguns pontos referentes à organização do documento relativo ao ensino de música.
Sendo assim, o documento de música presente no RCNEI segue a mesma estrutura dos
demais documentos e está organizado em introdução, com um texto destacando a presença da
música na Educação Infantil e outro que traz considerações sobre a criança e a música nas
diferentes fases de seu desenvolvimento. Na seqüência o documento apresenta os objetivos,
os conteúdos, orientações gerais para o professor, observação, registro e a avaliação formativa
e finaliza com sugestões de obras musicais e discografia.
Conforme colocado anteriormente, a Música é um dos eixos de trabalho integrantes do
âmbito de experiência e Conhecimento de Mundo. Nesse sentido, o documento da área de
música traz em seu texto a proposta de ensino de música a ser desenvolvida por profissionais
de Educação Infantil. A concepção adotada no RCNEI compreende a música como linguagem
e área de conhecimento e considera que esta tem estrutura e características próprias devendo
ser considerada como: produção, apreciação e reflexão. (BRASIL, 1998).
Segundo o RCNEI, a produção está centrada na experimentação e na imitação, tendo
como produtos musicais a interpretação, a improvisação e a composição. A apreciação
abrange a percepção tanto dos sons e silêncios quanto das estruturas e organizações musicais,
buscando desenvolver, por meio do prazer da escuta, a capacidade de observação, análise e
reconhecimento. Finalmente, a reflexão trata de questões referentes à organização, à criação,
aos produtos e aos produtores musicais (BRASIL, 1998).
O documento traz também orientações referentes aos conteúdos musicais. Estes se
encontram organizados em dois blocos: “o fazer musical” - compreendido pela improvisação,
composição e interpretação - e “apreciação musical”, ambos abarcando também questões
38
referentes à reflexão. (BRASIL, 1998). Desse modo, vale ressaltar que apesar desse
documento de orientação pedagógica para a Educação Infantil, de caráter não obrigatório,
trazer uma proposta detalhada para a música, ainda assim, é uma proposta curricular muito
distante da realidade atual. Acreditamos que isso se deve a vários fatores como o próprio
percurso histórico da Educação Infantil, a formação dos professores desse nível de ensino, a
falta de recursos e materiais mínimos para o ensino de música.
Estes são alguns fatores que têm contribuído para a não concretização da educação
musical em termos mais amplos. Nesse sentido, Brito (1998) acredita que o RCNEI seja um
ponto de partida para uma efetiva reformulação educacional. Porém, salienta que [...] somente
será possível se houverem investimentos que priorizem a formação de educadores, ao lado da
organização de espaços adequados ao desenvolvimento do trabalho que contenham – ao
menos – recursos mínimos necessários. (BRITO, 1998, p. 85).
Nesse sentido, compreendemos que o fato da Arte em todas as suas modalidades, ter
passado a ser oficialmente considerada como campo de conhecimento pela atual LDBEN não
têm garantido sua permanência e consolidação na escola. Assim, conforme considera Penna
(2004)
[...] leis e propostas oficiais não têm o poder de, por si mesmas, operar
transformações na realidade cotidiana das salas de aula. No entanto,
tornando-se objeto de reflexão e questionamento, podem contribuir para as
discussões necessárias ao aprimoramento de nossas práticas; analisados e
reapropriados, podem ainda, ser utilizados como base de propostas,
reivindicações e construção de alternativas. (PENNA, 2004, p.15).
E essa ausência da Arte se reflete, outrossim, não apenas no modelo de educação
musical que poderá ser adotado nas escolas de Educação Infantil, mas, antes de tudo, no valor
da música e da educação musical nesse contexto, tal como mostra Fonterrada (2005):
É sintomático que, em grande parte das escolas, a disciplina artes (ou
educação artística, terminologia ainda vigente) não seja valorizada do
mesmo modo que as outras; via de regra, o professor de artes é considerado
o festeiro da escola, aquele que ajuda os alunos a passarem seu tempo
enquanto se recuperam dos esforços empreendidos com as disciplinas
consideradas “importantes”. Ele é um professor que tem de abrir seu espaço
na comunidade escolar a cotoveladas, pois seu trabalho não é reconhecido
como de igual valor ao de seus colegas de outras áreas do conhecimento. A
maneira como é encarada a disciplina na escola brasileira atual é reflexo de
uma “visão de mundo” que valoriza o saber e as técnicas, e a arte como
entretenimento ou passatempo. (FONTERRADA, 2005, p.212-213).
39
Outro aspecto que tem corroborado para a ausência da música no cotidiano da
Educação Infantil como área de conhecimento refere-se à linguagem adotada na proposta de
música do RCNEI. As críticas recaem no fato de que a linguagem utilizada no documento não
consiga atingir os profissionais que atuam diretamente com as crianças levando-se em conta a
diversidade regional, cultural, sócio-econômica e principalmente de sua formação.
Percebemos que o uso de termos próprios e específicos da área musical dificulta a
compreensão dos objetivos e da proposta como um todo colocada no documento, visto que, na
maioria das vezes, o profissional da Educação Infantil não tem formação na área. O uso de
termos específicos da linguagem musical requer conhecimentos musicais que a grande
maioria de professores de Educação Infantil não possui. Não conseguindo atingir os
professores e profissionais que atuam diretamente com as crianças nesse contexto, a proposta
pouco os motiva para desenvolverem um trabalho com música. Além disso, o documento
sugere que os professores tenham conhecimentos pedagógico-musicais. Desse modo,
percebemos que a proposta parece não levar em conta os diferentes tipos e níveis de formação
e nem mesmo os diferentes contextos culturais e sócio-econômicos em que vivem os
professores brasileiros. Outro fato que também deve ser considerado diz respeito ao
desconhecimento da existência desse documento o RCNEI - por parte de muitos
profissionais da Educação Infantil, conforme será abordado no capítulo III. Assim, para que o
RCNEI subsidie professores e gestores de Educação Infantil na elaboração de suas propostas
pedagógicas/curriculares faz-se necessário que seja utilizado não como um manual de receitas
e/ou atividades, mas como um instrumento de reflexão e orientação de ações na busca da
melhoria de qualidade da Educação Infantil brasileira. (Brito, 1998).
Embora a idéia inicial do RCNEI tenha sido de abrir uma discussão para socializar as
práticas pedagógicas e não torná-lo modelo de ensino, segundo Maffioletti (1998), o que vem
acontecendo em alguns cursos superiores é “a formação de professores para ‘aplicar’ os
referenciais e não para construir, a partir dele, uma proposta para sua escola ou região”
(MAFFIOLETTI, 1998: 77). Dessa forma a autora reforça que:
[...] a formação de professores não pode ser um treinamento para aplicar uma
proposta, mas uma formação consistente que permita a reflexão profunda das
questões relevantes a cada área de conhecimento, para dar condições aos
professores e à escola de construírem ela [sic] próprias as suas práticas
(MAFIOLETTI, 1998, p. 77)
Assistimos outro avanço significativo com relação à Educação Infantil a partir da
Resolução da Câmara de Educação Básica 1 de 07 de abril de 1999, que instituiu as
40
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Essas diretrizes, de caráter
mandatório, estabelecem novas exigências para as instituições que se dedicam ao atendimento
de crianças na faixa etária da Educação Infantil, particularmente quanto às orientações
curriculares e processos de elaboração de seus projetos pedagógicos e organização das
instituições de ensino. Tais Diretrizes estabelecem, entre outros, os princípios éticos, políticos
e estéticos que devem fundamentar as propostas pedagógicas em Educação Infantil, a adoção
da metodologia do planejamento participativo e afirmam a autonomia das escolas na definição
da abordagem curricular a ser adotada.
Nesse sentido, a escola deverá construir sua proposta pedagógica orientada pelos
documentos oficiais tais como o RCNEI e as Diretrizes Curriculares Nacionais de modo que a
prática pedagógica seja fruto de reflexões construídas com base nesses documentos
orientadores e na realidade em questão. Portanto, dentre os produtos normativos e
orientadores de uma política para a Educação Infantil, o RCNEI é o documento que traz
orientações pertinentes ao ensino de música como uma das linguagens a ser trabalhada na
Educação Infantil.
Além dos documentos oficiais do MEC e do Estado, existem as propostas municipais e
escolares que orientam as práticas pedagógicas dos professores. São eles: as diretrizes
Curriculares do Município; o Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas e o Planejamento
Anual da Educação Infantil da escola.
A Proposta Pedagógica da Educação Infantil da Rede Municipal de Uberlândia em
Minas Gerais foi organizada para orientar as práticas pedagógicas das professoras da
Educação Infantil. Até o momento, sabemos que foram elaboradas três propostas (1998, 2000,
e a última versão de 2003/2004). Assim, para que se chegassem à versão atual do documento,
os pressupostos educacionais, político-pedagógicos da Rede Pública Municipal de Ensino,
foram organizados e reestruturados culminando a proposta denominada: Diretrizes
Curriculares - Educação Infantil (2003) o qual define que “O objetivo desta organização
curricular é que ela contenha orientações epistemológicas, políticas e culturais para a ação dos
educadores, no sentido, de subsidiar a construção coletiva das propostas pedagógicas de cada
escola”. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2003, p. 4)
A atual Proposta Pedagógica do Município, de 2003/2004, está baseada na Proposta
Pedagógica da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Assim, a
Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Município de Uberlândia identificada doravante
por Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, propõe áreas de conhecimento em forma de
41
Complexos Temáticos Contextuais
11
. Nesse âmbito estão contemplados os seguintes temas:
Identidade: Gênero, Etnia e religiosidade; Proteção, Afeto e Aconhego; Brincadeiras e jogos;
Imaginação e Fantasia; Sexualidade; Alimentação, Saúde e Higiene; Ética e Cidadania. Como
áreas de conhecimentos foram contempladas as seguintes: Filosofia, Conhecimento lógico-
matemático; Ciências; Geografia; História; Linguagens: Oral e escrita, Expressão (Artes
Visuais, Digital, Cênica, Música, Pintura, Teatro), sendo que o documento propõe a
interdisciplinaridade como abordagem para o contexto da Educação Infantil. (DIRETRIZES
CURRICULARES - EDUCAÇÃO INFANTIL, 2003, p.36)
12
.
Nesse documento encontramos aspectos relativos à proposta de organização do
trabalho educativo-pedagógico no sentido de situar no tempo-espaço das escolas, a prática dos
educadores da Educação Infantil; o histórico da Educação Infantil da Rede Pública Municipal
de Uberlândia; os conceitos acerca da Pedagogia da Infância de caráter emancipatório,
apontando uma concepção de educação que embasamento teórico à prática pedagógica; a
fonte filosófica que nortearia a ação educativa; a fundamentação teórica que situa o leitor na
compreensão das bases epistemológicas sobre as quais se assentam as Diretrizes Curriculares
e revela os Complexos Temáticos Contextuais que orientaram a ação educativa cotidiana dos
educadores da Educação Infantil e finalmente aspectos relativos à avaliação. (DIRETRIZES
CURRICULARES, 2003, p.4).
De acordo com o RCNEI, nas Diretrizes Curriculares do Município a música é
considerada uma das linguagens a ser desenvolvida nesse nível de ensino cabendo à escola e
aos professores incluí-la no Projeto Político Pedagógico e desenvolver um trabalho em que a
música esteja presente por meio da inter-relação com as demais áreas de conhecimento, sob o
viés da interdisciplinaridade. Portanto, cabe salientar que enquanto no RCNEI a proposta de
música para educação é apresentada de maneira detalhada, nas Diretrizes do Município ela é
apenas citada. Não um espaço destinado à especificação de elementos básicos, de um
planejamento de objetivos, conteúdos e avaliação referente ao ensino de música. Desse modo,
percebemos que ao mesmo tempo em que é aberta a possibilidade para que as professoras
possam trabalhar diferentes áreas de conhecimento e abordar temas da vida cotidiana das
crianças, essa abertura também pode limitar seu trabalho, pois na maioria dos casos elas não
11
Este é o nome dado às áreas de conhecimento que fazem parte da Proposta Curricular do Município. Nesse
sentido, os Complexos Temáticos Contextuais deverão estar relacionados entre si de maneira articulada e não
como lista de conteúdos da Educação Infantil (DIRETRIZES CURRICULARES DO MUNICÍPIO DE
BERLÂNDIA, 2003).
12
Prefeitura Municipal de Uberlândia, 2003.
42
tiveram uma formação musical inicial ou continuada que as possibilite desenvolver um
trabalho satisfatório com música e concretizar ou especificar a proposta das diretrizes.
Somente o documento Diretrizes Básicas do Ensino de Arte a séries
13
contempla possibilidades de conteúdos musicais a serem trabalhados na Educação Infantil e
fundamental. O documento oferece sugestões de conteúdos para as três modalidades de arte:
Artes Visuais, Música e Artes Cênicas.
Com relação à música os conteúdos específicos são apenas citados sem, portanto,
fornecer orientações pedagógio-musicais para o professor, bem como objetivos, registro,
avaliação ou mesmo sugestões de obras musicais e discografia. Desse modo, não fica claro o
porquê da Educação Infantil estar contemplada nesse documento, visto que ele destina-se ao
ensino fundamental. A Educação Infantil não foi mencionada em lugar algum no texto das
Diretrizes Básicas do Ensino de Arte de a séries. Nesse sentido, não ficou claro a opção
por incluí-la no item que trata dos conhecimentos específicos para o ensino de arte.
Portanto, para que propostas nacionais ou municipais possam subsidiar os professores
de Educação Infantil defendemos ser necessário, no mínimo, que os professores obtenham
orientações sobre o ensino de música e condições de compreendê-las.
Outro documento que analisamos foi o Projeto Político Pedagógico da escola em que
realizamos a presente pesquisa. Nesse documento escolar não encontramos nada a respeito
das áreas de conhecimentos contempladas na Educação Infantil e nem mesmo aos Complexos
Temáticos Contextuais que são abordados nas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil
(2003) do município. No momento em que analisamos o referido documento este encontrava-
se em fase de construção
14
. Nesse sentido, também não encontramos nenhuma referência à
linguagem musical.
Ao analisarmos o Planejamento Anual da Educação Infantil da escola onde
desenvolvemos a pesquisa e o Diário de classe das professoras unidocentes
15
colaboradoras
percebemos que a música está contemplada como um dos eixos a serem trabalhados na
Educação Infantil. Para tanto, analisamos o documento referente ao e Período da
Educação Infantil
16
. No documento as áreas de conhecimento aparecem em forma de
complexos temáticos, conforme as Diretrizes curriculares da Educação Infantil do Município
13
UBERLÂNDIA, 2003.
14
Temos notícia que ainda no ano de 2007 o Projeto Político Pedagógico da escola ainda se encontra em fase de
conclusão. A cópia do mesmo se encontra nos anexos deste trabalho.
15
Neste trabalho, assim como no campo da Educação Musical, este termo é utilizado para designar as/os
professoras/es que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental (primeiro e segundo
ciclos ou primeira à quarta série).
16
Na escola pesquisada existem três turmas de Educação Infantil: duas de Período (06 anos de idade) e
uma de 2º Período (05 anos de idade).
43
e, portanto, com algumas alterações. O Planejamento para o Período contempla os
seguintes complexos temáticos: Identidade e Autonomia, Linguagem Oral e Escrita,
Matemática e Natureza e Sociedade. Assim, a Música não aparece no documento. Já o
Planejamento para o Período traz além desses complexos temáticos outros dois: Música e
Artes, Movimento.
De acordo com o Planejamento Anual da Educação Infantil, a música aparece como
um dos complexos temáticos de trabalho juntamente com as Artes visuais somente no
Planejamento do Período da Educação Infantil. No referido documento são apresentados os
objetivos referentes à música e aos conteúdos. Estes últimos estão divididos em duas
dimensões: o fazer musical e Apreciação musical. Apesar das diferenças apresentadas no
Planejamento para o 2º e 3º Períodos da Educação Infantil com relação à ausência dos
complexos temáticos Movimento e Música e Artes, em especial, no Diário de Classe não
aparecem essas diferenças.
No Diário de Classe, são apresentados tanto na lista de conteúdos quanto na descrição
das rotinas diárias os eixos temáticos: Identidade e Autonomia; Linguagem Oral e Escrita;
Natureza e Sociedade; Música. Esta seqüência é a mesma tanto para o Período quanto para
o 3º Períodos no diário de classe.
O que fica claro é que apesar da existência de tais documentos escolares estes não
conseguem garantir que a música esteja presente na escola como área de conhecimento. O
desconhecimento e a confusão dos professores em relação até mesmo à forma como o
documento está organizado, denuncia e justifica até certo ponto as práticas que desenvolvem
com música na escola conforme discutiremos no capítulo que trata das análises e interpretação
dos dados.
Reportando-nos às considerações do Art. 29 da LDB (Lei 9394/96) que institui a
Educação Infantil como “primeira etapa da educação básica, e tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (título
V, capítulo II, seção II, artigo 29), observamos que o trabalho pedagógico da Educação
Infantil vem sendo fortalecido por uma construção coletiva da Proposta Pedagógica desse
nível de ensino no Município. Nesse sentido, entendemos que a música pode ser incluída no
currículo como uma das linguagens necessárias na educação da criança pequena e esse
trabalho pode ser feito de forma interdisciplinar.
44
1.3 Música na Educação Infantil: outras reflexões
Em nosso cotidiano, independentemente da cultura, todas as pessoas experienciam a
música de algum modo e, nesse sentido, podemos afirmar que esta é uma experiência
universal, ou seja, é uma linguagem culturalmente construída e diversamente experimentada
de acordo com variadas funções que desempenha na vida das sociedades.
A presença da música nos mais diversos espaços e situações da vida humana faz com
que a ela se legitime como linguagem e forma de conhecimento. No contexto escolar essa
presença se faz também em diversas situações do cotidiano e vem atendendo a vários
objetivos juntamente com as demais áreas de conhecimento. A música, presente em todas as
culturas, nas mais diversas situações, faz parte da educação desde há muito tempo, sendo que,
na Grécia Antiga, era considerada fundamental para a formação dos futuros cidadãos ao
lado da Matemática e da Filosofia (BEYER, 1999).
Podemos dizer, então, que a música na Educação Infantil acontece de várias maneiras
e com diferentes objetivos. Nesse sentido podemos afirmar que sua presença é fundamental
para o desenvolvimento das crianças sendo que pode ser trabalhada de distintos modos no
contexto escolar. Isso se confirma no cotidiano escolar em diversas atividades como a
recreação, as festividades ou comemorações, na formação de hábitos e também como pano de
fundo e recurso didático para diferentes fazeres da Educação Infantil. Sendo assim, até o
momento, o que percebemos (Beaumont, 2003; Souza et al 1995, Fonterrada, 2005; Loureiro,
2003; Diniz, 2005; Tourinho, 1993) é uma visão e uma prática utilitaristas da música na
escola de Educação Infantil, o que se distancia da concepção de música como conhecimento
que possui conteúdos próprios e metodologias particulares.
Assim, pensar as funções que o ensino de música poderá assumir na escola nos remete
a considerar o cotidiano escolar, as práticas culturais de professores e alunos, mas também
outros variados propósitos pelos quais ela poderá aparecer, de acordo com o contexto e as
situações particulares e suas próprias possibilidades como linguagem artística. Também é
pertinente pensarmos como a música aparece nos saberes e práticas de professores em
contextos escolares, especificamente na Educação Infantil, nosso locus de pesquisa. Para
tanto, faz-se necessário refletirmos a respeito de outras possibilidades da música no currículo
da Educação Infantil.
45
1.3.1 Algumas possibilidades da Música na Educação Infantil.
[...] o ensino da música – e também, em muitos casos, sua ausência – tem um
papel exemplar, por revelar que, onde a escola desiste, abandona o terreno,
as disparidades de desempenho são terrivelmente mais violentas; é então que
se sente necessidade de justificá-las com base num substrato natural [...] Um
ensino renovado da música em toda a duração e em todos os tipos de escola
tornar-se-ia, ao contrário, exemplar, estabelecendo que todos são capazes de
sentir uma emoção artística e ter uma prática artística, mesmo se, como nas
outras matérias, diferentes indivíduos progridam por caminhos diferentes
(SNYDERS, 1992,p. 131).
A temática sobre questões curriculares é bastante pertinente e nos dias atuais não
devemos discutir questões relativas ao cotidiano escolar sem antes refletir acerca do currículo.
Quando decidimos pesquisar sobre saberes e práticas musicais de professoras da Educação
Infantil, percebemos a necessidade de conhecer e refletir a respeito de como a música aparece
na Educação Infantil e a relação desta com currículo, cultura, saberes e práticas dos
professores. Nesse sentido, temos por objetivo neste item relacionar currículo, cultura, saberes
e práticas docentes com nosso tema de estudo.
Ao tratarmos de currículo não podemos deixar de levar em conta a história e possíveis
significados. E nesse sentido, segundo Goodson (1995), na tentativa de captar as rupturas e
disjunturas na análise histórica do mesmo, faz-se pertinente pensar a história do currículo
como algo que:
[...] nos ajude a ver o conhecimento corporificado no currículo não como
algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e
flutuações. O currículo tal como o conhecemos atualmente não foi
estabelecido, de uma vez por todas, em algum ponto privilegiado do
passado. Ele está em constante fluxo e transformação. De forma igualmente
importante e relacionada, é preciso não interpretar o currículo como
resultado de um processo evolutivo, de contínuo aperfeiçoamento em
direção a formas melhores e mais adequadas. (GOODSON, 1995, p. 7).
É importante que se reconheça que o currículo não possui significados tão fixos e
permanentes como os conteúdos nas disciplinas escolares. Um currículo implica em seleção
cultural. Sendo assim, o conhecimento corporificado no currículo escolar deve ser visto como
um artefato social e cultural. Assim, diferentes currículos são produzidos em momentos
históricos distintos, articulam interesses distintos e produzem diferentes resultados, pois é a
dinâmica social que os molda de diferentes formas validando-os e legitimando-os.
46
Nesse sentido, Goodson (1995) adverte que:
Isso implica não ver o currículo como resultado de um processo social
necessário de transmissão de valores, conhecimentos e habilidades, em
torno dos quais haja um acordo geral, mas como um processo constituído de
conflitos e lutas entre diferentes tradições e diferentes concepções sociais
(GOODSON, 1995, p. 8).
Desse modo, devemos considerar que o processo de construção do currículo é um
processo social e não apenas resultado de propósitos “puros” de conhecimentos que são
considerados válidos. Portanto, segundo Goodson (1995), o currículo não é constituído de
conhecimentos válidos, mas de conhecimentos socialmente válidos. (GOODSON, 1995).
Por conseguinte, tal validade do currículo nos leva a considerar que o processo de
fabricação deste não é lógico e sim um processo social. Comungamos com Goodson (1995)
ao afirmar que:
O processo de fabricação do currículo não é um processo lógico, mas um
processo social, no qual convivem lado a lado com fatores lógicos,
epistemológicos, intelectuais, determinantes sociais menos “nobres” e menos
“formais”, tais como interesses, rituais, conflitos simbólicos e culturais,
necessidades de legitimação e de controle, propósitos de dominação
dirigidos por fatores ligados à classe, à raça e ao gênero (GOODSON,1995,
p. 8).
Ainda em relação ao processo de constituição do currículo vale considerar que
preocupações apenas com o lógico e o coerente na construção do currículo não são muito
produtivas, visto que o processo de construção, por ser social, é resultado de um amplo
movimento no qual se cria significados e sentidos sobre determinados conhecimentos
científicos, de crenças, de visões sociais diferenciadas.
Antes de defender um conceito de currículo é preciso considerá-lo como construção
cultural. Ele não existe fora e previamente a uma experiência humana. O currículo é antes, um
modo de organizar as diversas práticas em educação.
Desse modo, observamos que no decorrer da história, o currículo tem sido alvo de
discussões, assim como uma busca por um conceito único de currículo. Entretanto, não
encontramos consenso quanto ao significado. Assim, questionado muitas vezes como termo
polissêmico, optamos por defender, neste trabalho, a acepção de currículo como construção
social e como mecanismo pelo qual o conhecimento é distribuído socialmente. O conceito de
currículo aqui defendido por nós é político, ideológico, não é neutro, é atravessado por
relações de poder e, voltado para contextos específicos.
47
Nesta perspectiva, de currículo como artefato social e cultural, Moreira e Silva (1994)
afirmam que:
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em
relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e
interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais
particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal ele
tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de
organização da sociedade e da educação (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 8).
Ainda, nesse sentido, pode-se perceber o currículo como forma de transmissão da
cultura de uma sociedade e, como terreno de criação de sentidos, de sujeitos, de significações;
o currículo pode ser modificado pela cultura, ou seja, é modificado quando a sociedade, a
escola, a cultura e as discussões modificam-no.
É nessa perspectiva que o currículo também se configura como resultado de equilíbrio
de forças e poderes sociais. O currículo como mediação de forças, segundo Moreira e Silva
(1997), está permeado por relações existentes como: currículo e cultura, currículo, ideologia,
poder e currículo e controle social.
No âmbito da ideologia, pode-se constatar que este processo está relacionado às
divisões que organizam a sociedade e as relações de poder que sustentam essas divisões; já no
âmbito da relação entre currículo e cultura Moreira e Silva (1997) defendem que:
O currículo não é veículo de algo a ser transmitido e passivamente
absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura. O
currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os
materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e
sobretudo, de contestação e transgressão. (MOREIRA; SILVA, 1997, p. 28).
Reconhecer que o currículo esteja atravessado por relações de poder implica em
considerar o poder se manifestar nas relações sociais entre indivíduos ou grupos; o poder que
se manifesta por meio das linhas divisórias que separam os diferentes grupos sociais em
termos de classe, etnia, nero, etc., expressando assim, os interesses dos grupos e classes
colocados em vantagem na dinâmica social. O que percebemos então é que o currículo está no
centro das relações de poder e é expressão dessas relações sociais de poder.
Assim, essas relações de poder que constituem o currículo, partindo de grupos cujos
interesses são dominantes, precisa ser transformadora, ou seja, “o currículo, como campo
cultural, como campo de construção e produção de significações e sentido, torna-se assim um
terreno central dessa luta de transformação das relações de poder” (MOREIRA; SILVA,
48
1997, p. 30). A elaboração do currículo não pode ser considerada apenas como um processo
pelo qual se “inventa tradição”, como coloca Goodson (1995), mas como algo a ser
construído socialmente.
Entendendo que as práticas educativas desenvolvidas pelas professoras de Educação
Infantil no cotidiano, de algum modo procedem de orientações curriculares e se traduzem em
práticas curriculares - uma vez que o currículo não é algo que se constitui a priori e sim
decorre de experiências e de saberes - acreditamos que, nesse contexto, a música estará ou não
presente nos currículos de acordo com essas práticas de professoras unidocentes. Então,
considerando que o currículo é também expressão de princípios ideológicos, pedagógicos,
políticos e sociais, este se configura como algo que está entre o que é prescrito e o que
realmente acontece na sala de aula.
A partir dessa concepção, procuramos refletir acerca do currículo da Educação
Infantil, no que se refere à música como um dos eixos educativos a ser trabalhado na escola
de Educação Infantil pelas professoras.
Como postulado acima, a Educação Infantil, segundo a LDBEN de 1996 constitui a
“primeira etapa da Educação Básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da
criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade” (LDBEN 9.394/96, título V, capítulo II, seção II, art. 29).
Ainda segundo o artigo 30 da referida Lei, a Educação Infantil deve ser oferecida em creches
(para crianças de 4 meses até três anos de idade) e pré-escolas (para crianças de quatro a seis
anos de idade).
O RCNEI é um documento oficial que não está tendo impacto na prática pedagógica
dos professores da Educação Infantil (Cerisara, 2005; Penna, 2003; Fonterrada, 2005),
especialmente em se tratando da linguagem musical. Como abordamos anteriormente, o
desconhecimento de alguns professores a respeito do documento observa-se, ainda, no caso
específico da música, uma linguagem que colabora para que existam dificuldades para sua
efetivação na prática. Nesse sentido, pautaremos as discussões que se seguem.
Com o intuito de apresentar os conteúdos a serem trabalhados nas instituições de
Educação Infantil, o RCNEI criou categorias curriculares para organizá-los. Em tal
organização - tendo em vista “a elaboração de conhecimentos e de diferentes linguagens, a
construção das identidades nas crianças, os processos de socialização e o desenvolvimento da
autonomia das crianças - optou-se pela criação de âmbitos e eixos de trabalho. Desse modo, o
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) define dois âmbitos de
experiências formativas: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo (RCNEI,
49
1998). A Formação Pessoal e Social abarca o eixo de trabalho denominado: Identidade e
Autonomia; o Conhecimento de Mundo abarca os seguintes eixos de trabalho: Movimento,
Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, Matemática.
Porém, é importante ressaltar que tal divisão em âmbitos e eixos é apresentada como
sendo apenas instrumental, cabendo, dessa forma, aos professores em sua prática pedagógica,
trabalhá-los de maneira integrada e global, conforme orienta o documento. (BRASIL, 1998).
1.3.2 O professor de música e o professor unidocente de Educação Infantil
Levando-se em conta que na Educação Infantil as diferentes linguagens e os conteúdos
a serem trabalhados não deveriam ser compartimentalizados em disciplinas
17
, conforme
ilustrado pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), mas que
deveriam ser abordados de forma integrada e em diferentes momentos, nos deparamos com
um “professor de Educação Infantil”
18
definido como possuidor de uma competência
polivalente
19
. Nesse caso, o profissional deverá trabalhar com as diversas áreas do
conhecimento contempladas na proposta curricular (P.P.P) da instituição escolar em que atua.
Entendemos que o currículo escolar é construído nas ações cotidianas de professores
no contexto escolar e que estes fazem opções de acordo com a realidade e com sua formação.
Assim, com o intuito de refletir sobre o lugar da música na Educação Infantil é que nos
propusemos a discutir como tal linguagem se faz presente no contexto escolar e entender
melhor alguns aspectos da realidade atual da Educação Infantil; por exemplo, como a música
é compreendida e trabalhada por professoras unidocentes no cotidiano de salas de aula de
Educação Infantil?
Diante deste panorama, observamos muitas vezes que a escola, quando inclui a música
em sua proposta de trabalho, não o faz considerando-na como área de conhecimento e
possuidora de linguagem própria. A música como linguagem possui um sistema de símbolos
próprios; quando trabalhada nas escolas, devem ser levados em conta seus conteúdos e
17
Mesmo assim, observa-se freqüentemente um contínuo processo de disciplinarização na rede de ensino desde
a Educação Infantil. Na Educação Infantil também observamos maior ênfase na Leitura Oral e Escrita e
Matemática, em detrimento de outras áreas de conhecimento.
18
Denominado neste trabalho de professor unidocente.
19
Na educação Infantil, tem-se a presença do professor unidocente com formação polivalente, oriundo dos
cursos de Pedagogia, Normal Superior e Magistério de grau, que preparam os professores para atuar na
Educação Infantil e/ou em séries iniciais do Ensino Fundamental. Segundo o RCNEI, ser polivalente significa
que ao professor cabe trabalhar com conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados básicos
essenciais até conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento. Particularmente, no
estado de Minas Gerais, tem-se muitos professores oriundos do curso Magistério de 2º grau.
50
procedimentos específicos, o que demanda professores com formação específica ou um
trabalho colaborativo entre esse profissional e a professora unidocente. Nesse sentido, vários
pesquisadores têm buscado refletir e pesquisar, sob diferentes pontos de vista, a formação
musical para o professor unidocente, pois, na maioria das vezes tal conhecimento é
insuficiente ou mesmo inexistente. (Bellochio, 2003; Beyer, 2003, Figueiredo, 2001;
Maffioleti, 1998, 2001; Souza et Al., 2002; 2004; Torres, 1998).
A ausência de professor de música é significativa no contexto da Educação Infantil
(Loureiro, 2003; Beaumont, 2003, 2006; Souza et all, 2002, 2004; Brito, 2003, Bellochio,
2005; Figueiredo, 2006) predominando professores com formações diversas principalmente o
pedagogo e professores oriundos dos cursos Normal Superior e Magistério de grau.
Destarte, pesquisas recentes demonstram que o ensino de música nas escolas de educação
básica está presente não como linguagem específica ou área de conhecimento, mas meramente
como recurso pedagógico e suporte para o ensino de outros conteúdos do currículo. O que
ocorre, então, é que nos deparamos com um professor que, na maioria dos casos, possui pouca
ou nenhuma formação musical específica e que irá trabalhar com música de forma inadequada
e insuficiente em relação à proposta pedagógica da escola.
Porém, segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil -
RCNEI, o ensino de música aparece como proposta específica a ser ministrada por
professoras unidocentes. De acordo com o documento a música está presente no âmbito
“Conhecimento de Mundo” que se refere à construção das diferentes linguagens pelas
crianças e, às relações que estabelecem com os objetos de conhecimento e traz uma ênfase na
relação com alguns aspectos da cultura” (BRASIL, 1998a, p.46). Neste caso, com a proposta
do RCNEI, institui-se na Educação Infantil também um espaço de educação musical.
Conforme sinaliza o RCNEI o professor de Educação Infantil precisa ter domínio em
diversas áreas do conhecimento e, como tal, também de música. Assim, diversos autores têm
buscado refletir e pesquisar sobre os espaços escolares destinados ao ensino das artes,
especialmente da música, nos cursos de formação de professores unidocentes para a Educação
Infantil e séries iniciais do ensino fundamental e sobre a formação musical desses professores
(Bellochio, 2000, 2001,2003, 2004, 2005; Beaumont, 2003; Souza et al. 2002; Figueiredo,
2001, 2003, 2005, 2006; Maffioletti, 1998; Torres, 1998).
Conforme exposto pelo RCNEI, podemos observar que a presença da música, como
área de conhecimento, é considerada importante na Educação Infantil sendo justificada da
seguinte forma:
51
A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,
assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter
significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes de
expressão humana, o que por si justifica sua presença no contexto da
educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente
(BRASIL, 1998c , p. 45).
Portanto, foi esse panorama do trabalho com música na Educação Infantil que nos fez
refletir a respeito da formação do professor para a Educação Infantil, da ausência do professor
de música e como se dá a presença da música no cotidiano da Educação Infantil. Tais
reflexões nos levaram a formular questionamentos vários, tais como: a quem cabe ensinar
música na Educação Infantil? Ao professor unidocente ou ao especialista? Como tal ensino
pode ser feito?
Não podemos deixar de considerar que na Educação Infantil as professoras
unidocentes são responsáveis pelo desenvolvimento musical das crianças quando não se tem,
nesse contexto, a presença de um professor de música. Normalmente, tais professoras utilizam
a sica apenas como recurso na construção de outros conhecimentos desenvolvidos. Desse
modo, contrariando a proposta do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) que considera a música na escola como uma área de conhecimento, o que
percebemos é que a música vem ocupando um outro lugar, menor do que poderia, nas escolas
(Souza et al, 2002; Diniz, 2005; Brito, 1995; Maffioletti, 2001). Apesar da riqueza e da
amplitude de possibilidades da música na Educação Infantil, infelizmente, em nossa tradição
escolar, o Ensino de Arte
20
, em geral, tem sido focalizado de maneira inadequada ou
desprivilegiada a começar pela ausência quase constante de profissionais adequadamente
formados para trabalhar com as linguagens artísticas. Muitas vezes a área tem sido vista e
trabalhada somente como suporte para outras disciplinas quando ministrada por professores
unidocentes sem formação artística específica.
No caso da música, situações como essas ocorrem devido a ausência de uma formação
musical para professor unidocente e a outras questões, tais como dificuldade dos professores
unidocentes em definir especificamente os objetivos da educação musical nas escolas, falta de
recursos materiais disponibilizados para este fim nas escolas, subvalorização da importância
da educação musical em função de outras áreas e conteúdos que devem ser vencidos nos
currículos escolares. A esse respeito, Loureiro (2003) comenta que dentre os problemas
20
Optamos pela grafia do termo Arte em letra maiúscula para designar área de conhecimento que contempla as
diversas modalidades como: Música, Artes Visuais, Teatro, Dança, que poderão ser trabalhadas nas disciplinas
escolares.
52
enfrentados pela área de Educação Musical no que diz respeito ao lugar da música nas escolas
regulares, considera como o de maior importância a falta de sistematização desse ensino nas
escolas de ensino fundamental e o desconhecimento do valor da Educação Musical como
conhecimento a integrar o currículo escolar.
A respeito da utilização da música no cotidiano escolar, mais especificamente na
Educação Infantil, Brito (2003) considera que:
Obviamente, o trabalho realizado na área de música reflete problemas que
somam à ausência de profissionais especializados a pouca (ou nenhuma)
formação musical dos educadores responsáveis pela educação infantil,
conseqüência de um sistema educacional que se descuidou quase por
completo da educação estética de muitas gerações. Reflete, outrossim, a
necessidade de repensar a concepção enraizada, e muitas vezes ultrapassada,
que se tem de música, assim como a necessidade de conhecer e respeitar o
processo de desenvolvimento musical das crianças [...].Para a grande maioria
das pessoas, incluindo os educadores e educadoras (especializados ou não), a
música era (e é) entendida como ‘algo pronto’, cabendo a nós a tarefa
máxima de interpretá-la. Ensinar música, a partir dessa óptica, significa
ensinar a reproduzir e interpretar músicas, desconsiderando a possibilidade
de experimentar, improvisar, inventar como ferramenta pedagógica de
fundamental importância no processo de construção do conhecimento
musical (BRITO, 2003. p. 52).
Quando observamos o contexto escolar, e mais especificamente a Educação Infantil,
que é nosso locus de pesquisa, presenciamos os vários momentos em que a música aparece
nesse contexto. Assim, na Educação Infantil, a música
[...] vem ao longo de sua história, atendendo a vários objetivos, alguns dos
quais alheios às questões próprias dessa linguagem. Tem sido, em muitos
casos, suporte para atender a vários propósitos, como a formação de hábitos,
atitudes e comportamentos: lavar as mãos antes do lanche, escovar os dentes,
respeitar o farol, etc.; a realização de comemorações relativas ao calendário
de eventos do ano letivo simbolizados no dia da árvore, dia do soldado, dia
das mães etc.; a memorização de conteúdos relativos a números, letras do
alfabeto, cores etc.; traduzidos em canções” (BRASIL, 1998c, p.47)
Nesse sentido, quando observamos as variadas situações em que a música aparece no
cotidiano escolar seja na sala de aula, recreio, pátio e em comemorações de datas cívicas,
formação de hábitos, atitudes e comportamentos, memorização de conteúdos, imposição de
disciplina, regras de comportamentos, entre tantas outras, percebemos o quanto o trabalho
53
com a música na Educação Infantil tem se distanciado de uma abordagem que a considere
como área de conhecimento.
Assim, defendemos que o trabalho com música na escola, por possibilitar uma
variedade de modos de percepção e sensações do aluno na sua relação com o mundo e com as
diversas áreas de conhecimento, não poderá ser reduzido às funções atuais, tal como
expusemos acima, reduzindo-se a música a mero suporte e auxílio da aprendizagem de
conteúdos de outras disciplinas. O que queremos ressaltar, portanto, é a necessidade de
estarmos atentos ao descuido e, muitas vezes, descomprometimento da escola com as
linguagens artísticas no caso da música deve-se evitar uma vulgarização, banalização e sua
utilização apenas como “pano de fundo” para as diversas atividades cotidianas escolares,
esvaziando-a de sentido como linguagem expressiva.
Partindo dessa perspectiva faz-se necessário voltar nossos questionamentos para a
realidade escolar com o intuito de conhecer e compreender quais são os saberes e as práticas
relativos à música desenvolvidos pelos professores unidocentes no cotidiano escolar.
Conforme proposto pelo RCNEI (1998) e de acordo com a defesa de muitos autores
(Torres, 1998, Maffioletti, 1998, 2001; Penna e Mello, 2006; Brito, 2003) a Educação Infantil
é espaço propício para educação musical e, sendo assim, ao mesmo tempo que a professora
unidocente deve ter domínio de diversas áreas do conhecimento deveria ter também domínio
do conhecimento musical. Contudo, considerando que a realidade do trabalho com música é
bem diferente do que almejamos, defendemos que a professora de Educação Infantil seja
responsável pela educação musical das crianças e que na ausência de formação específica para
tal faz-se necessário prover uma formação musical para o professor de Educação Infantil, seja
no período em que cursa a licenciatura e/ou posteriormente a este curso como formação
continuada. Também acreditamos ser necessário existir na escola um trabalho colaborativo
entre professor especialista e professor unidocente, de modo que se tenha uma atuação
conjunta.
A respeito de quem deve ensinar música na Educação Infantil Torres, (1998) considera
que “[...] deve ser um professor que saiba criar e oportunizar situações que favoreçam as
atividades musicais, podendo ser especialista ou não”. (TORRES, 1998, p. 137).
Porém, a autora também ressalta que é necessária a valorização e implementação da
educação musical em cursos de magistério e graduação em pedagogia. Além do mais, defende
a importância do professor especialista em música orientar o professor unidocente nas suas
práticas pedagógico-musicais (TORRES,1998).
54
Considerando a necessidade de formação musical das professoras unidocentes
Beaumont (2004) argumenta o seguinte:
Posicionamo-nos em direção à necessidade de que a formação musical esteja
inserida no contexto atual de reflexão crítica e de propostas consistentes de
formação de professores e pedagogas/os. Esses cursos poderiam trabalhar de
modo que os saberes e práticas musicais docentes sejam incorporados aos
processos de formação. (BEAUMONT, 2004, p. 53)
Sobre a possibilidade de desenvolver formação musical de professores unidocentes,
Bellochio (2004), em pesquisa realizada sobre a Educação Musical na formação de
professores em curso de Pedagogia comenta:
Entendo que uma solução viável, para o restabelecimento da educação
musical nas escolas brasileiras [...] esteja vinculada à formação musical de
professores, acoplada ao trabalho colaborativo entre professores especialistas
e professores unidocentes, afinal, esses deverão ser pares na realização de
propostas educacionais que potencializem o desenvolvimento de seus alunos.
No entanto, trata-se de um processo que deve ser fertilizado na formação
inicial de ambos os cursos, momento de internalização de novos
aprendizados que constituem-se como fundamentos da profissionalidade de
um e outro. (BELLOCHIO, 2004, p.34-68).
Pesquisas no campo da Educação Musical têm mostrado a preocupação com a
implantação e permanência, do ensino de música nas escolas de Educação Básica. Os
trabalhos publicados por Figueiredo (2005); Godoy e Figueiredo (2005); Bellochio
(2000,2001,2004), Spanavello e Bellochio (2005) fornecem argumentos sobre a necessidade
de formação musical de professores unidocentes, a necessidade do trabalho colaborativo entre
os especialistas e os professores unidocentes e do respeito às práticas musicais destes últimos.
Na Educação Infantil, o professor unidocente é quem irá trabalhar com as diversas
áreas de conhecimento e também necessitam trabalhar com o ensino de música na ausência do
professor especialista. Portanto, a problemática a respeito da ausência da música - como área
de conhecimento - na Educação Infantil também perpassa questões referentes à formação dos
professores unidocentes e de música. No caso dos professores unidocentes sabe-se muitas
vezes eles não incluem música na sua prática educativa por não se sentirem preparados para
tal (Souza, 2002; Bellochio, 2001; Figueiredo, 2001). A esse respeito Figueiredo (2005)
esclarece que:
O professor generalista não se sente seguro para atuar com música de forma
introdutória porque não tem recebido formação adequada para isto. No
entanto, estes profissionais são solicitados a trabalhar o conhecimento de
55
forma integrada nos anos iniciais, respeitando as características da criança
nesta faixa etária, o que não justifica a ausência ou a inconsistência do
trabalho com música. Fazendo um paralelo com outras áreas do
conhecimento, verifica-se que o professor generalista não é matemático, mas
ensina matemática, não é historiador, mas ensina história, e assim por diante.
Da mesma forma, acredita-se que, para iniciar o ensino de música, o
professor não precisa ser, necessariamente, um músico. Basta que possua
uma vivência com os aspectos musicais e um conhecimento básico dos
conteúdos a introduzir em suas aulas. Autores concordam que os professores
generalistas podem contribuir para o desenvolvimento musical das crianças
se receberem formação adequada [...] (FIGUEIREDO, 2005, p. 2)
Quanto ao professor de música faz-se necessário refletir sobre a formação que este tem
recebido nos cursos de licenciatura em música para trabalhar em contextos não específicos
como é o caso da Educação Infantil. Assim como os professores pedagogos necessitam de
formação musical para trabalhar música na sala de aula é igualmente importante que o
professor especialista em música seja orientado, capacitado para questões referentes à
Educação Infantil. Nesse sentido, Fonterrada (2005) faz a seguinte consideração:
[...] seguindo-se a publicação e distribuição do RCN, é preciso que se
promovam cursos de capacitação, treinamento, orientação para professores e
funcionários, e que se enfatizem questões referentes à educação infantil, nos
cursos de licenciatura em educação artística ou em Música, além de ampliar
a oferta de cursos de pós-graduação latu e strictu sensu, com linhas de
pesquisa voltadas para a educação infantil, arte-educação e educação
musical, para que os profissionais que lidam com a faixa etária abrangida
possam ter uma boa formação, desenvolvendo condições de compreender a
proposta e atuar de maneira adequada e transformadora. (FONTERRADA,
2005, p. 228)
Feitas essas considerações passamos a discutir a respeito das práticas musicais na
Educação Infantil.
1.3.3 Sobre práticas musicais na escola
Quando nos propusemos a investigar sobre os saberes e práticas musicais construídos
por professoras da Educação Infantil no cotidiano de salas de aula de Educação Infantil
sentimos a necessidade de tecer algumas considerações sobre aspectos históricos da Educação
Infantil brasileira, lugar privilegiado na Educação Básica em que a música se faz presente em
diversos momentos e situações. Por considerarmos o ambiente escolar da Educação Infantil
56
um lugar e tempo propícios para o desenvolvimento integral da criança
21
, acreditamos ser
também esse um lugar importante para o desenvolvimento de atividades artísticas,
principalmente a música, pois esta é uma das modalidades de expressão humana e uma das
linguagens artísticas capaz de promover, por meio de experiências sonoras, o
desenvolvimento afetivo, estético, social, físico e cognitivo do ser humano. (BRASIL, 1998a).
A música na Educação Infantil acontece de várias maneiras e com diferentes objetivos,
quase sempre aquém do necessário para que seja trabalhada em todas as suas possibilidades
como área de conhecimento e linguagem artística específica. Nesse sentido podemos afirmar
que sua presença é significativa embora seja trabalhada de distintos modos no contexto
escolar. Ela é confirmada no cotidiano escolar em diversas atividades como a recreação, as
festividades ou comemorações, na formação de hábitos e também como pano de fundo e
recurso didático para diferentes fazeres da Educação Infantil. Sendo assim, o que constatamos
na escola é a existência de uma visão e uma prática utilitarista, imediatista da música na
escola, distanciando da concepção de música como conhecimento. O modo como a música
rotineiramente aparece na escola explicita uma prática aquém das possibilidades a serem
assumidas por esta nesse contexto. (Beaumont,2003; Souza et al 1995, Fonterrada, 2005;
Loureiro, 2003; Diniz, 2005; Tourinho, 1993).
Desse modo, contrapondo-nos a essa visão pragmática, utilitarista e imediatista da
música na escola, defendemos que ela poderá ser muito mais que isso; poderá propiciar ao
aluno uma aprendizagem musical significativa de seus conteúdos próprios, se for permitido
um trabalho colaborativo (Bellochio, 2001) entre professores especialistas
22
e professores
unidocentes
23
e se a música for trabalhada como área de conhecimento, o que requer que o
professor regente possua formação musical.
Acreditamos que o trabalho com música na Educação Infantil poderia ser diferente do
que, em geral, vem sendo realizado; isso pode acontecer quando consideramos a música como
uma área de conhecimento, trazendo assim, maiores benefícios para as crianças que teriam a
oportunidade de vivenciar essa experiência de uma maneira mais completa (ampla).
Assim, quando defendemos a música como área de conhecimento estamos
considerando que ela possui uma linguagem particular com um sistema de símbolos próprios
e precisa ser trabalhada nas escolas levando-se em conta seus conteúdos e procedimentos
21
A esse respeito, ver Kramer (1992), BRASIL (1998a), Ostetto (2006), Campos & Rosemberg (1995), entre
outros.
22
Nos referimos aos professores de música com formação na área.
23
O termo “unidocente” identifica aquele professor que atua como único docente de uma turma, também
chamado de professor regente, generalista ou multidisciplinar ( SOUZA et all, 1995)
57
específicos, quando ministrada por professores especialistas em música. Para tanto, poderiam
ser trabalhados, por exemplo, exercícios musicais para desenvolvimento da pulsação,
parâmetros do som, exercícios rítmicos, canto, parlendas, brincadeiras cantadas, execução de
instrumentos musicais, jogos cantados, composição ou criação de músicas, sonorização de
histórias, visitação à espetáculos musicais, apreciação, entre outros. Já quando ministrada por
professores unidocentes também defendemos que a música poderia ser trabalhada nessa
perspectiva, desde que o professor tenha formação musical mínima para desenvolver o
trabalho nesta concepção.
Outro benefício, nesse sentido, estaria em aproximar entre si crianças de diferentes
mundos musicais, propiciando, assim, um contato direto com a música através da audição e
também de outras diferentes maneiras: executando, apreciando e compondo, de modo a
contribuir para uma formação artístico-musical dos sujeitos. Portanto, para que a música seja
entendida e trabalhada como área de conhecimento e para que possa ser vivenciada na
Educação Infantil de maneira integrada aos outros conteúdos, precisamos lutar para que
realmente faça parte do dia-a-dia da escola. Uma resposta fundamental para tal desafio
envolveria preparar e qualificar os profissionais que atuam na Educação Infantil, no caso os
professores unidocentes, por meio de um processo de formação inicial e continuada e também
produzir no cotidiano da escola um trabalho integrado de professores especialistas em música
com os unidocentes.
Assim, percebemos que na Educação Infantil, de modo geral, uma ausência da
música como conhecimento específico. Geralmente na escola, a música se faz presente em
diversas atividades escolares como recreação, lazer ou mesmo como recurso pedagógico para
o ensino de outros conhecimentos.
A Educação Infantil, que também abarca a iniciação do processo de escolarização, tem
buscado avançar no sentido de entender o trabalho com crianças pequenas nesses contextos
educativos, e não apenas como ensino, mas assumindo a educação e o cuidado como binômio
indissociável. Porém, a realidade tem se mostrado distante dessa perspectiva, visto que, até
mesmo os documentos oficiais como é o caso do RCNEI (1988), têm tratado a Educação
Infantil somente como ensino, impondo a esse nível de educação a forma de trabalho do
ensino fundamental, o que segundo Cerisara (2005) “representa um retrocesso em relação ao
avanço já encaminhado na Educação Infantil” (p.28). Em estudo realizado pela autora
24
,
24
Ver CERISARA, Ana Beatriz. A produção acadêmica na área da Educação Infantil com base na análise de
pareceres sobre o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil: primeiras aproximações. In:
58
conclui que alguns pareceristas afirmam que o referencial indica uma articulação entre a
Educação Infantil e o ensino fundamental mas na verdade, acabam tratando a primeira como
subordinada à segunda (CERISARA, 2005, p. 28).
Percebemos que existe uma forte concepção de escolarização na Educação Infantil e
que os professores utilizam as diferentes linguagens (Movimento, Matemática, Linguagem
oral e escrita, Artes visuais, Música, Natureza e sociedade) como auxílio no processo de
alfabetização e escolarização das crianças. Nesse sentido, assumimos nesta pesquisa, que a
música se configura em uma linguagem ou área de conhecimento específica podendo ser
trabalhada de maneira própria na Educação Infantil. Por isso acreditamos também que a
música deveria fazer parte da formação das professoras que atuam nesse nível da educação.
Desse modo, no sentido de caracterizar a relação entre música e Educação Infantil,
consideramos que esta última configura-se como espaço-tempo privilegiado de
desenvolvimento da criança pequena e, sem dúvida nenhuma, pode ser um local onde a
música seja apresentada rotineiramente de maneira adequada para favorecer o
desenvolvimento das crianças. A música, como área de conhecimento é considerada essencial
na Educação Infantil, e no Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI)
sua presença é justificada da seguinte forma:
A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,
assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter
significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes de
expressão humana, o que por si justifica sua presença no contexto da
educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente
(BRASIL, 1998, p. 45).
A música, presente em diversas situações da vida humana, se manifesta também no
cotidiano das crianças por meio das interações com a cultura dos adultos. Nessas interações as
crianças constróem um repertório de modo a iniciar uma forma de comunicação por meio dos
sons. Por meio de brincadeiras e manifestações espontâneas ou também pela intervenção do
professor ou familiares e outras situações de convívio social, as crianças entram em contato
com a música. Corroborando essa visão, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI) salienta que:
O ambiente sonoro, assim como a presença da música em diferentes e
variadas situações do cotidiano fazem com que os bebês e crianças iniciem
FARIA, Ana Lúcia de , PALHARES, Marina Silveira (Orgs). Educação Infantil Pós-LDB: rumos e desafios. 5ª
ed., Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
59
seu processo de musicalização de forma intuitiva. Adultos cantam melodias
curtas, cantigas de ninar, fazem brincadeiras cantadas, com rimas, parlendas
etc., reconhecendo o fascínio que tais jogos exercem. Encantados com o que
ouvem, os bebês tentam imitar e responder, criando momentos significativos
no desenvolvimento afetivo e cognitivo, responsáveis pela criação de
vínculos tanto com os adultos quanto com a música (RCNEI, 1988, v.3, p.
51).
Na Educação Infantil muitas são as linguagens artísticas a serem exploradas e que
contribuirão para o processo de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Assim, a
música se configura em uma dessas linguagens e a esse respeito o RCNEI considera que:
O domínio progressivo das diferentes linguagens que favorecem a expressão
e comunicação de sentimentos, emoções e idéias das crianças, propiciam a
interação com os outros e facilitam a mediação com a cultura e os
conhecimentos construídos. Incide sobre aspectos essenciais do
desenvolvimento e da aprendizagem e engloba instrumentos fundamentais
para as crianças continuarem a aprender ao longo da vida (RCNEI, 1998, p.
46).
Desse modo, observamos que o envolvimento das crianças com a música acontece
desde tenra idade, sendo que esta faz parte de sua vida desde o ventre materno. A música,
presente nas mais variadas situações do cotidiano desperta na criança o desenvolvimento de
aspectos cognitivos, lingüísticos, psicomotores e sócio-afetivos, ao mesmo tempo em que
garante a aquisição de novos conhecimentos. Como exemplo, a música pode contribuir para a
aquisição de vocabulário, socialização, autonomia, aquisição de conceitos matemáticos. Por
meio da música a criança poderá estabelecer relações com o meio e com os outros indivíduos,
compreender e relacionar-se com a cultura na qual está imersa ou até mesmo com outras
culturas. Nesse sentido, Brito (1995) argumenta que a música contribui para a formação da
personalidade da criança configurando-se como um importante meio de exercício da
expressão, da reflexão, habilidades motoras, perceptivas, intelectuais e reflexivas, uma vez
que ela pode contribuir para a formação de seres humanos mais harmoniosos e equilibrados.
Autores como Rosa, 1990; Cauduro, 1989; Weigel, 1988; Maffioletti, 2001 nos
mostram que a música acontece freqüentemente na vida escolar e também por meio de
práticas educativas construídas por professoras unidocentes. Nesse sentido, os usos
recorrentes da música são justificados em trabalhos destes autores entre outros.
Segundo Rosa (1990), a presença da música na pré-escola pode ser observada em
diversas atividades como recreações, canções, comemorações, interferindo, portanto, na
formação geral da criança. A autora afirma que:
60
As atividades musicais contribuem para que o indivíduo aprenda a viver na
sociedade, abrangendo aspectos comportamentais como disciplina, respeito,
gentileza e polidez e aspectos didáticos, com a formação de hábitos
específicos, tais como os relativos a datas comemorativas, a noção de
higiene, a manifestações folclóricas e outros (ROSA, 1990, p. 22).
Cauduro (1989) comenta que a presença da música na Educação Infantil:
[...] justifica-se pelo simples fato de que através de suas múltiplas facetas
como: o canto, os brinquedos cantados, o movimento ritmado e expressivo, a
declamação ritmada [...] vem atender a uma necessidade vital e espontânea
da criança de cantarolar, dançar movimentar-se, de inventar, de brincar, de
correr, saltar, recitar, etc. (CAUDURO, 1989, p. 14).
para Weigel (1988), a música no currículo da pré-escola favorece a auto-expressão
da criança despertando e refinando sua sensibilidade, provocando assim reações de
cordialidade e entusiasmo, prendendo a sua atenção e estimulando a sua vontade. No que se
refere à sua importância nesse contexto, a autora coloca que:
[...] a música torna-se um poderoso recurso educativo a ser utilizado (...) e
representa uma importante fonte de estímulos, equilíbrio e felicidade para a
criança, contribuindo para o desenvolvimento global da mesma nos diversos
aspectos a serem ativados no seu desenvolvimento: cognitivo/lingüístico,
psicomotor e sócio/afetivo (WEIGEL, 1988, p. 12-13).
Contudo, apesar de os resultados de pesquisas acerca da música nos ambientes da
educação básica, em particular da Educação Infantil, permanecerem tímidos, encontramos
alguns trabalhos que tratam da música nesse contexto como Diniz (2005), Wrobel (1999),
Vallim (2003), Beyer ( 2003), Maffioletti (2001), Brito (2001), dentre outros. Esses autores
tratam em comum, da discussão a respeito de saberes e práticas musicais na Educação
Infantil.
O desafio está, portanto, em conhecer as formas pelas quais se estabelecem o ensino
de música nas práticas pedagógico-musicais das professoras unidocentes da Educação
Infantil, sistematizando dados capazes de sustentar nossa discussão sobre o ensino de música
na área. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa foi analisar o modo como a música é
compreendida e trabalhada por professoras unidocentes no cotidiano de salas de aula de
Educação Infantil.
O levantamento e a análise das práticas pedagógico-musicais das professoras
unidocentes nos fizeram refletir sobre a proposta curricular do ensino de música na Educação
61
Infantil, bem como sobre sua atuação e formação musical inicial e continuada. Observamos
um grande distanciamento entre a realidade da escola e o instituído pelas propostas
curriculares e pelas pesquisas acadêmicas. Nesse sentido, apresentamos algumas
considerações no item seguinte.
1.3.4 Repensando a proposta curricular do RCNEI na Educação Infantil: a
Música como área de conhecimento.
Considerando que os professores que atuam na Educação Infantil possuem pouca ou
nenhuma formação musical específica e mesmo assim são responsáveis pela educação
musical das crianças, então, quando esta é contemplada no currículo escolar faz-se necessário
repensar a prática educativa e a formação desse profissional da Educação Infantil.
Em primeiro lugar é importante que os professores unidocentes, mesmo aqueles que
não tiveram a oportunidade de estudar música, estejam conscientes de sua importância e
necessidade no contexto educativo, seja de acordo com uma abordagem que considere a
música como recurso didático para outras áreas do conhecimento, mas principalmente como
área de conhecimento possuidora de uma linguagem própria.
O que é importante que fique claro é a distinção entre ensinar música e ensinar outra
disciplina fazendo uso da música e, neste último caso, o propósito é criar novas possibilidades
de atividades com os alunos, utilizando a música na sala de aula apenas como elemento
auxiliar, ou seja, a música apresenta-se como subsídio para o ensino de outras disciplinas,
contudo, deixando-se, muitas vezes, de abordá-la como linguagem específica. Infelizmente, o
segundo propósito costuma ser o mais freqüente na Educação Infantil.
Todavia, entendemos que nos espaços escolares em que não se conta com a presença
de professores especialistas em música, o trabalho com ela pode ser realizado pela professora
regente que lança mão do uso da música, mesmo como “suporte” e “auxílio” para a
aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas. E a esse respeito, Figueiredo (2001) afirma
que:
Parece que temos uma situação ainda sem soluções: o professor especialista
em música não está atuando em todas as séries escolares ou quando está
presente atua com uma carga horária mínima em aula: por outro lado, o
professor generalista está todo o tempo com as crianças na escola e poderia
tirar proveito desta experiência integradora em educação. A integração,
interdisciplinaridade, trabalhos em conjunto, retomam alguns aspectos da
polivalência e uma grande parte dos professores de arte abomina tal idéia. A
possibilidade de integração das áreas não significa que os professores nas
62
escolas estarão invadindo territórios alheios, mas sim, aponta para uma
educação mais significativa, sem tanta fragmentação, que leve em conta os
saberes da humanidade, incluídas as artes nestes saberes. (FIGUEIREDO,
2001b, p. 34-35)
Porém, essa situação de as professoras poderem assumir as aulas de música não
deveria significar a substituição do profissional com formação na área musical, ou seja,
desconsiderar a música como área de conhecimento e a importância do profissional formado
em música para trabalhar na Educação Infantil, mas pretende afirmar a necessidade do
professor unidocente de buscar complementação em sua formação, sugerindo desse modo,
que alguns modelos, concepções e conceitos relativos à seus saberes e práticas musicais
estabelecidos sejam (re) construídos e (re) contextualizados à luz de novos paradigmas
educacionais e musicais, para que possa desenvolver um trabalho mais significativo com a
música. Corroborando esta postura Beaumont (2003) defende:
[...] ser apropriada, contudo, uma formação musical adequada, inicial e
permanente. Para trabalhar Música de maneira interligada às diversas áreas
do conhecimento escolar, as professoras não devem “conhecer menos” sobre
esta área, correndo o risco de retorno de um trabalho “polivalente”. Além
disto, seus conhecimentos musicais não se devem restringir a algumas
atividades, brincadeiras ou jogos adequados, para este ou aquele conteúdo,
mas necessário é que sejam ampliados e aprofundados, a partir dos saberes
que disponibilizam e das práticas musicais que desenvolvem nesta área
(BEAUMONT, 2003. p. 105).
É preciso, enfim, que se perceba que a música pode e deve estar presente de maneira
plena na escola. A inserção da música no contexto escolar necessita ser incentivada e para que
isto ocorra precisamos repensar a formação das professoras e o trabalho a ser desenvolvido,
principalmente no âmbito da Educação Infantil.
Uma vez que a presença do professor especialista em música na escola é escassa,
acreditamos ser de fundamental importância reavaliar a formação dos professores da
Educação Infantil. Nesse intuito, devemos preparar os professores para trabalharem a música
em suas aulas. Os professores poderão realizar significativos trabalhos com música quando
devidamente orientados.
O que devemos levar também em conta é que não se pode deixar de considerar a
necessidade de uma integração entre professores unidocentes e professores especialistas, a fim
de se realizar um trabalho mais significativo, bem como atentarmo-nos para a questão da
formação inicial ou permanente que as professoras deverão buscar. Essa preocupação é
pertinente no sentido de se pensar um trabalho de modo relacionado, sem a
compartimentalização tão comum das disciplinas, bem como na possibilidade de se
63
estabelecer um trabalho integrado, conforme o defendido por vários educadores musicais
(Bellochio, 2001; Figueiredo, 2001).
Nesse sentido, buscando traçar um caminho com um trabalho integrado entre
professoras e especialistas, no caso da Educação Infantil e séries iniciais do ensino
fundamental, concordamos com Bellochio (2001) quando esta aponta que:
Bastam 45 minutos de aula de música semanais, de modo desarticulado dos
demais conhecimentos que estão sendo trabalhados pelos professores, para
potencializar a educação musical na escola? Uma possibilidade que vejo é a
da articulação mais consciente, crítica e madura entre o professor atuante nos
anos iniciais de escolarização e os profissionais especialistas no ensino de
Música. Longe de pensar que o professor desses anos poderá substituir o
professor especialista, acredito na construção de um trabalho mais
colaborativo, que possa articular melhor a atuação desses profissionais da
educação na escola (BELLOCHIO, 2001. p.46).
Comungando com as idéias anteriores de Bellochio (2001), Figueiredo (2001)
considera que:
Ambos profissionais [professores unidocentes e professores de música]
podem trabalhar oferecendo uma educação com mais qualidade e
significação. O professor generalista é aquele que está com as crianças a
maior parte do tempo e deve compreender as questões musicais e artísticas
que fazem parte da experiência infantil, contribuindo para o
desenvolvimento de uma formação integral. O professor especialista pode
contribuir com a continuidade do desenvolvimento musical, estimulando
práticas que requerem formação mais específica, assim como contribuindo
para a formação continuada dos professores generalistas. (FIGUEIREDO,
2001 b. p. 4. Acréscimos nossos.).
A Música, como manifestação cultural e artística, não poderá ficar às margens de um
currículo preocupado com a formação integral e com o exercício da cidadania das crianças
brasileiras. Assim, na tentativa de buscar a construção de um currículo aberto, flexível e que
contemple a diversidade, acreditamos na necessidade de construção de um currículo comum
que possa incluir efetivamente o ensino da Arte, como área de conhecimento.
É na prática pedagógica desenvolvida no cotidiano da Educação Infantil, a partir das
experiências de vida, experiências musicais dos professores e de seus alunos que devemos
pensar a construção do trabalho pedagógico. A organização curricular deve emergir das
práticas pedagógicas dos professores e alunos envolvidos no cotidiano escolar procurando,
sempre que possível, voltar para as necessidades específicas do contexto. Pois, como lembra
Forquin (1992), “ensinar e aprender supõem esforços, custos, sacrifícios de toda natureza. Por
64
isso é preciso que, no sentido próprio da palavra, aquilo que se ensina valha a pena”.
(FORQUIN, 1992, p.44). Assim, é importante que “o currículo tenha precedência e se
fundamente naquilo que pareça essencial para ensinar e aprender” (PERRENOUD, 2003,
p.19). No caso da música, é preciso que o professor busque subsídios para enriquecer seu
trabalho com música na sala de aula de modo que se oportunizem situações de atividades
musicais significativas e compreensíveis para ele e para as crianças.
Ao considerarmos como se a participação da música na Educação Infantil, após as
questões até aqui expostas, sentimos a necessidade de pensar e promover propostas
curriculares para a Educação Infantil que contemplem o ensino de Arte, acreditando que em
razão disto, o currículo prescrito possa ser cumprido e transformado. Ou seja, estando a
música contemplada na proposta curricular, como área de conhecimento, temos maiores
chances de vê-la acontecer efetivamente, porém isso não nos parece suficiente.
A implantação e construção de uma proposta curricular de qualidade depende de
muitos fatores. Dentre eles estão as ações dos profissionais da instituição (e de gestores, no
oferecimento de formação continuada de qualidade com profissionais comprometidos com as
áreas de conhecimento) que deverão planejar e compartilhar suas ações com seus pares. É
importante também, ressaltar a idéia de que a construção do currículo se configura em um
processo sempre inacabado, provisório e historicamente contextualizado e que, portanto,
requer reflexões e debates constantes entre todos os envolvidos. Para que isso ocorra, de fato,
é importante que todos estejam comprometidos com a busca de uma prática educacional de
qualidade.
Acreditamos que enquanto não se estabelecerem e propiciarem condições para uma
reflexão crítica, por meio de pesquisas, formação continuada e inicial que levem em conta a
discussão sobre o papel da Arte, em geral, e da música, em particular na escola, esta área
corre o risco de continuar praticamente ausente neste contexto. Ou, na melhor das hipóteses,
como mero recurso para as demais atividades e tida pela comunidade escolar como
desprovida de importância ou de menor valor em relação às demais áreas de conhecimento
consideradas sérias. Desse modo, tratar da importância e da viabilidade da música na escola,
enquanto área de conhecimento e fornecer ferramentas para a reflexão a respeito da prática
artística na Educação Infantil é oferecer subsídios para o fortalecimento da música nesta
modalidade de ensino.
A seguir apresentamos a metodologia utilizada para conduzir esta pesquisa.
65
CAPÍTULO II
66
2 SOBRE A METODOLOGIA DA PESQUISA
Se a interpretação antropológica consiste na construção de uma leitura dos
acontecimentos, então, divorciá-la do que se passa daquilo que em
determinado momento espácio-temporal pessoas particulares afirmam,
fazem, ou sofrem, de entre a vastidão de acontecimentos do mundo é o
mesmo que divorciá-la das suas aplicações, tornando-a oca. Uma boa
interpretação do que quer que seja um poema, uma pessoa, uma história,
um ritual, uma instituição, uma sociedade conduz-nos ao coração daquilo
que pretende interpretar (GEERTZ, 1973 apud BOGDAN & BIKLEN, 1994,
p. 48).
No presente capítulo, apresentamos o caminho metodológico percorrido nesta
investigação, descrevemos as fases de nossa inserção no campo e as técnicas de pesquisa
utilizadas por nós.
Visando a responder às perguntas formuladas em nossa pesquisa, optamos por
fundamentá-la em uma perspectiva qualitativa. A abordagem qualitativa de pesquisa tem suas
origens no final do século XIX, e desde então vem questionando o modelo de estudo aplicado
às ciências naturais e físicas buscando construir um caminho diferente daquele pregado por
estas que possuem um padrão único de pesquisa. Na pesquisa qualitativa busca-se legitimar os
conhecimentos produzidos e discutidos e, demonstrando a historicidade desse processo, não
uma preocupação em validar conhecimento apenas por processos quantificáveis que
venham a se transformar, com a mensuração, em leis e explicações gerais (CHIZZOTTI,
1995). Defende-se por isso que:
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o
sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerente e neutro;
está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas
ações (CHIZZOTTI, 1995, p. 79).
Assim, no intuito de apontar as relações entre a ciência moderna e o que hoje se
denomina ciência emergente e discutir as possibilidades de um novo caminho para a ciência
no cenário atual nos pautaremos em autores como Chalmers (1993) e Santos (2001). A partir
dessa discussão justificaremos a metodologia escolhida para esta pesquisa que pautar-se-á em
uma abordagem qualitativa.
67
Pensar a ciência moderna como meio de produção de verdades foi e ainda é o que se
tem feito nos últimos tempos. A posição alcançada pela ciência moderna diante da
complexidade em que estamos imersos, nos leva a reconhecer que na vida cotidiana esta tem
assumido lugar de destaque a partir da crença de que há algo especial a respeito da ciência e
de seus métodos, o que, segundo Chalmers, faz com que “A atribuição do termo ‘científico’ a
alguma afirmação, linha de raciocínio ou peça de pesquisa é feita de um modo que pretende
implicar algum tipo de mérito ou um tipo especial de confiabilidade”. (CHALMERS, 1993, p.
15).
O que se observa é que o termo científico é usado para designar situações em que algo
se apresente com uma fundamentação que pareça estar além da contestação. Ao desprezar o
senso comum, a ciência moderna busca fundamentar-se em conceitos de causalidade e
determinação, a partir da idéia de verdade científica.
Porém, a alta estima hoje dispensada à ciência pretende demonstrar que, por meio dos
métodos utilizados, muitas áreas de conhecimento são embasadas firmemente e são tão
potencialmente produtivas em relação a seus resultados quanto as ciências tradicionais tais
como a Física e a Matemática. Ou seja, o método científico é tido nesse contexto como
ferramenta para critérios de comparação, avaliação, padronização e homogeneização dos
fenômenos observados.
A ciência moderna tornou-se um modelo global (ocidental) de racionalidade científica
e, apesar de adotar uma variedade interna de conhecimentos há, aparentemente, duas formas
de conhecimento não científico: o senso comum e as chamadas ‘humanidades’. Desse modo,
Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um
modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional e todas as
formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios
epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. É esta a sua
característica fundamental e a que melhor simboliza a ruptura do novo
paradigma científico com os que o precedem (SANTOS, 2001,p.61).
A esse respeito, temos o exemplo da matemática. Nessa área de conhecimento
valorizam-se as observações e experimentações como idéias claras de rigorosidade,
neutralidade e mensuração. As causas desse fato se devem ao rigor científico que é aferido
pelo rigor das mediações, com base no argumento de que o que não é quantificável torna-se
cientificamente irrelevante, e ao fato de o método assentar-se na redução matemática da
complexidade dos fenômenos. (SANTOS, 2001)
68
Neste modelo o que se observa é que as qualidades subjetivas e intrínsecas do objeto
pesquisado são desqualificadas, pois, passam a imperar os aspectos quantitativos em que se
podem traduzir. Essa postura era defendida por Descartes (1596-1650), quando
argumentava que aquilo que não podia ser mensurado e organizado não poderia ser objeto da
ciência. (SANTOS, 2001). Assim, “A matemática fornece à ciência moderna, não o
instrumento privilegiado de análise, como também a lógica da investigação, e ainda o modelo
de representação da própria estrutura da matéria”. (SANTOS, 2001, p.63).
Segundo o modelo científico defendido pela ciência moderna o conhecimento
científico é aquele provado objetivamente, confiável, uma vez que a ciência moderna se
baseia na objetividade e a experiência é tida como fonte de conhecimento. Podemos afirmar
que a ciência pressupõe uma atitude que parte da racionalidade na busca da verdade científica
em cada área sobre os dados. Nesse sentido, o papel da ciência limita-se em descrever,
explicar e prever os fenômenos, impondo ao pesquisador a necessidade de ser um observador
neutro e objetivo. No modelo matemático de ciência,
Conhecimento científico é conhecimento provado. As teorias científicas o
derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência por
observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir,
tocar etc. Opiniões não têm lugar na ciência. A ciência é objetiva. O
conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento
provado objetivamente. (CHALMERS, 1993, p. 23)
Contudo, este modelo quando transposto para as ciências sociais não deu conta de
responder às singularidades e trilhar os caminhos que contemplam a diversidade. É nesse
sentido que se configurou a crise de um paradigma científico dominante. O que se propunha
por meio deste modelo era uma dissociação entre o racional e o afetivo, o individual e o
social, como se isso fosse possível.
Desse modo, um modelo de método científico oriundo das ciências matemáticas ou
naturais aplicado às ciências sociais foi então, paulatinamente questionado, quando o homem
e sua subjetividade passam a ocupar um lugar fundamental na produção de todo o
conhecimento. Assim, dadas as características das ciências naturais com suas exigências de
objetividade, generalização, autenticidade, entre outras características, estas foram
questionadas pelas ciências sociais desde a Modernidade até os dias atuais. Esse movimento
foi marcado por uma crise de paradigmas nas ciências sociais e humanas o que possibilitou
reavaliar um modelo de ciência fundado nos conceitos de causalidade e determinação,
fecundados pela idéia de verdade científica.
69
A superação do paradigma da ciência moderna marcado por características como o
abalo das certezas, a flexibilização das fronteiras entre as diferentes tradições científicas, a
desconfiança das grandes teorias com pretensão à perenidade explicativa e às questões
relativas aos métodos de investigação, entre outras, ilustram o que vem a ser a crise de
paradigmas.
Assim, nesse contexto de crises em que se encontra o mundo contemporâneo,
deparamo-nos com uma “crise paradigmática” na qual o modelo científico defendido pela
ciência moderna não responde a inúmeras necessidades das sociedades atuais. Nesse sentido,
Pádua (2000) comenta que:
É no interior da própria ciência que vai se gestando uma crise, centrada
justamente na questão do método. Se o método era garantia de um
conhecimento correto, inquestionável, por que razão, à medida que se
“conhecia” mais, que se propalava o grande progresso da ciência, esses
conhecimentos não alteravam substancialmente as condições de vida do
homem, a realidade social se apresentava cada vez mais caótica? (PÁDUA,
2000, p.26)
Os sinais de que o modelo de racionalidade científica atravessa uma profunda crise são
hoje muitos e fortes, resultado de uma pluralidade de condições. De acordo com Santos
(2001)
[...] a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma
científico moderno, é o resultado do grande avanço no conhecimento que ele
propiciou. O aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade
dos pilares em que se funda [...] em vez da eternidade, temos a história; em
vez do determinismo, a imprevisibilidade; em vez do mecanicismo, a
interpenetração, a espontaneidade e a auto-organização; em vez da
reversibilidade, a irreversibilidade e a evolução; em vez da ordem, a
desordem; em vez da necessidade, a criatividade e o acidente (SANTOS,
2001, p. 68, 70-71)
Assim, a crise da ciência moderna, segundo Santos (2001)
É antes o retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas
também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com, alguma dor,
dos lugares conceptuais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos,
mas não mais convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma
vida melhor a caminho doutras paragens onde o optimismo seja mais
fundado e a racionalidade mais plural e onde, finalmente, o conhecimento
volte a ser uma aventura encantada (SANTOS, 2001, p.74).
70
Considerando que o método científico predominante nas ciências naturais é aquele que
se apresenta com características tais como: objetividade, fidedignidade, atemporalidade,
distanciamento, generalização, neutralaidade, entre outras, podemos dizer que ao longo da
história esse modelo foi sendo pouco a pouco questionado e vem cedendo lugar à modelos
que levem em conta o contexto de pluralidade e diversidade das sociedades atuais.
Desse modo, enquanto na ciência conservadora o objetivo é alargar a expectativa de
vida das pessoas, no interior dessa crise paradigmática em que se configura uma “ciência
emergente”, o objetivo é ensiná-las a viver. Porém, o que se observa é que a ciência moderna
não conseguiu cumprir seu papel de melhoramento da qualidade de vida das pessoas uma vez
que não deu conta da diversidade, da imprevisibilidade do mundo contemporâneo.
Refletindo sobre a atualidade constatamos que estamos numa fase de transição.
Estamos imersos em um cenário de ambigüidade e complexidade e, desse modo, o que se
busca é a superação do modelo tradicional de ciência, com seus métodos cristalizados,
baseados na neutralidade e previsibilidade. O que se almeja é, pois, uma ciência não linear
que contemple as diversidades, as singularidades e complexidades da sociedade atual.
(CHALMERS, 1993)
Nesta empreitada devemos considerar a necessidade de produzir referenciais
epistemológicos que não busquem resgatar modelos consagrados no passado, na tradição e
nos modelos ideais, mas sua substituição por aqueles que se considere adequados à realidade.
Ou seja, na tentativa de romper com paradigmas envelhecidos, com seu modelo de
racionalidade científica, a ciência moderna atravessa uma profunda crise e, por isso, o desafio
que se nos apresenta é torná-la mais humana e acessível com a valorização do senso comum
(constituição de um novo senso comum em que seu conhecimento possibilite uma nova
racionalidade), das artes e do cotidiano.
Portanto, é importante salientar que a crença na possibilidade de um conhecimento
certo e seguro, alcançado mediante a aplicação de um método e de uma racionalidade técnica
é o que está em discussão. O novo paradigma que está posto questiona o modelo conservador
com seu referencial positivista considerando o mesmo insuficiente para a área social. Porém,
apesar de entendermos que em determinadas áreas do conhecimento o modelo conservador
ainda é importante e que dialeticamente o novo surge a partir do que está estabelecido, é
igualmente importante compreender que este novo paradigma não destrói as alternativas
clássicas, mas busca, contudo, uma visão mais ampla a partir da qual outras alternativas
podem ser encontradas e experimentadas.
71
2.1 Um outro modelo de ciência: Possibilidades para a construção do
conhecimento
Quando nos deparamos com o modelo de racionalidade científica proposto pela
ciência moderna, percebemos que ele despreza o senso comum. O senso comum é marcado
pelo conhecimento não científico, a superficialidade, o conhecimento que se considera
ilusório, falso, conservador e com um valor prático. Porém, no decorrer da história esse senso
sofreu transformações. Hoje um senso comum que foi produzido pela transformação do
conhecimento científico em novo senso comum. Este, ao estabelecer um diálogo com a
ciência sofrerá uma reconfiguração transformando o conhecimento em esclarecimento, pois,
uma vez que a ciência reconfigura o saber comum esta também pensa, trabalha e parte do
senso comum, de modo que o que acontece, na verdade, é uma retroalimentação entre esses
dois modos de produção de conhecimentos.
Portanto, ao se afirmar que a ciência moderna se colocou em oposição ao senso
comum, estamos considerando que ela preconiza a distinção entre ciência e senso comum,
definindo, desse modo, dois tipos de conhecimento: conhecimento verdadeiro e senso comum.
Esta distinção de um e outro conhecimento é questionada por Santos (2001) quando afirma a
necessidade de repensarmos o papel do senso comum na produção do conhecimento.
Para isso, Santos (2001) propõe a idéia de uma dupla ruptura epistemológica
instaurada com o intuito de valorizá-lo. A primeira se configura na distinção entre ciência e
senso comum, e a segunda envolve a superação desta oposição, ou seja, o rompimento com
primeira, a fim de transformar o conhecimento científico em um “novo senso comum”, pois:
Por outras palavras, o conhecimento-emancipação tem de romper com o
senso comum conservador, mistificado e mistificador, não para criar uma
forma autônoma e isolada de conhecimento superior, mas para se
transformar a si mesmo num senso comum novo e emancipatório (SANTOS,
2001, p.107).
Essa reinvenção do senso comum objetiva construir um paradigma cujo lema seja “um
conhecimento prudente para uma vida decente”, sobre o que Santos (2001) nota:
Com esta designação, quero significar que a natureza da revolução científica
que atravessamos é estruturalmente diferente da que ocorreu no século XVI.
Sendo uma revolução científica que ocorreu numa sociedade ela própria
revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser apenas
72
um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente), tem
de ser também um paradigma social (o paradigma de uma vida decente)
(SANTOS, 2001, p.74).
Apesar do senso comum ser geralmente mitificado ou parcial, possui também,
segundo Santos (2001), uma dimensão imaginativa, utópica e libertadora, a partir do que
poderá ser reconfigurado, propiciando o surgimento de novas formas de conhecimentos. Tais
dimensões aparecem em várias características sendo que:
[...] o senso comum faz coincidir causa e intenção; subjaz-lhe uma visão do
mundo assente na ação e no princípio da criatividade e da responsabilidade
individuais. O senso comum é prático e pragmático; reproduz-se colado às
trajectórias e às experiências de vida de um dado grupo social e, nessa
correspondência, inspira confiança e confere segurança. O senso comum é
transparente e evidente; desconfia da opacidade dos objectivos tecnológicos
e do esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do
acesso ao discurso, à competência cognitiva e à competência lingüística. O
senso comum é superficial porque desdenha das estruturas que estão para
além da consciência, mas, por isso mesmo, é exímio em captar
complexidade horizontal das relações conscientes entre pessoas e entre
pessoas e coisas. O senso comum é indisciplinar e não metódico; não resulta
de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se
espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum privilegia a
acção que não produza rupturas significativas no real. O senso comum é
retórico e metafórico; não ensina, persuade ou convence [...] (SANTOS,
2001,p.108).
Ao questionarmos o paradigma da ciência moderna colocamo-nos contrariamente à
hegemonia quase indiscutível desta. Observa-se que o modelo de racionalidade que preside a
ciência moderna perseguiu basicamente o modelo das ciências naturais. A regulação da
ciência através da ciência natural trouxe problemas quando o modelo de racionalidade da
ciência moderna se estendeu às ciências sociais emergentes.
Portanto,
ao contrário do que prega a ciência moderna quando defende que as ciências
naturais são uma aplicação ou concretização de um modelo universal e válido, as ciências
sociais e humanas delineiam uma transição para outro paradigma científico, uma vez que não
compartilham dos mesmos critérios de cientificidade das ciências naturais.
Dessa forma, verifica-se uma necessidade de as ciências sociais e humanas possuírem
um estatuto metodológico próprio, o que Santos (2001) explica da seguinte maneira:
A ação humana é radicalmente subjectiva. O comportamento humano, ao
contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos
explicado com base nas suas características exteriores e objectiváveis, uma
vez que o mesmo acto externo pode corresponder a sentidos de acção muito
73
diferentes. A ciência social será sempre uma ciência subjectiva e não
objectiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenômenos
sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às
suas acções, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e
mesmo critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências
naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção
de um conhecimento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de
um conhecimento objectivo, explicativo e nomotético (SANTOS, 2001, p.
67).
Considerando que a nova proposta paradigmática emergente busca estabelecer um
diálogo entre ciência e filosofia, Miranda (2005) esclarece que:
A evolução da ciência e da filosofia revela a realidade de qualquer critério de
certeza e mostra o sentido regressivo de qualquer intervenção normativa.
Desta forma, uma teoria científica não pode ser estática, mas sim estar em
devir constante, sendo compreendida através de uma dinâmica. Uma das
maiores dificuldades na busca de construção de novos paradigmas está na
superação do pensamento linear e na instituição de uma forma de pensar
ligada ao movimento, à contradição, à totalidade, à dialética. Isto posto,
pode-se afirmar que a produção do conhecimento deve se fundamentar na
interface da objetividade e subjetividade, que integra o sujeito e o objeto
numa perspectiva dialética. Em outras palavras, a dialética estabelece a
reciprocidade dentro do sujeito e o objeto na interação social que vai
ocorrendo historicamente (MIRANDA, 2005, p.243).
Ainda a respeito da abordagem metodológica nas ciências sociais, Miranda (2005)
afirma que:
Nesta vertente é possível observar uma ampliação metodológica na prática
interpretativa da realidade, que busca novos conceitos, novas relações e
novas formas de entendimento, uma vez que um único tipo de razão deixa de
ser considerada como componente fundamental na interpretação e
compreensão do real. Os planos de investigação são mais abertos e flexíveis,
portanto os métodos de pesquisa são vistos como processos vivos e não
métodos acadêmicos formais. Isso significa não pensar um método como
absoluto, pois a visão de complementaridade é necessária, visto que
caracteriza o tipo de relação do pesquisador com a realidade e com o objeto
de estudo. O pesquisador atribui significados e sentidos a partir de sua
realidade, entendida como síntese de fatores objetivos e subjetivos, portanto
os métodos podem compartilhar de suposições subjetivas. Essa conexão
entre objetividade e subjetividade abre o precedente para versões distintas da
realidade por valorizar a maneira própria de entendimento desta pelo
indivíduo. (MIRANDA, 2005, p. 244)
Pensar uma nova abordagem metodológica a partir de um novo modelo paradigmático
vai, portanto, ao encontro de uma proposta de ciência não linear que contemple e leve em
consideração a diversidade, a singularidade e a complexidade. O que se propõe a partir desse
novo paradigma científico é superar o discurso unitário da ciência que se contrapõe, domina e
74
reprime os saberes de pessoas ou grupos. Trata-se, portanto, de considerar que a construção de
conhecimentos científicos é um movimento histórico e que a ciência é resultado de um
processo produtivo permanente, contínuo.
Grande parte das discussões (Chizzotti, 1995; Gonzalez Rey, 2002; Chalmers, 1993;
Santos, 2001; André, 1995) sobre a abordagem qualitativa na pesquisa em Educação situam-
na no campo das Ciências Humanas e Sociais e consideram que entre as características que
diferenciam as Ciências Sociais das Ciências Físicas e Naturais, destaca-se o fato de que na
primeira o foco da investigação deve se centrar na compreensão dos significados atribuídos
pelos sujeitos às suas ações, de acordo com um determinado contexto.
Nesse sentido, não podemos pensar um modelo de método científico aplicado às
Ciências Naturais transposto para as Ciências Sociais. Podemos sim levar em conta que o
método científico de investigação nas Ciências Naturais com suas exigências de objetividade,
fidelidade, imparcialidade, exatidão, quantificação, autenticidade, atemporalidade,
distanciamento e generalização não pode ser aplicado às Ciências Sociais como tal.
Na abordagem qualitativa, o pesquisador parece captar diretamente a experiência
vivida (Gonzalez Rey, 2002). Assim, essa experiência da pesquisa criada pelo texto social
escrito por ele, leva à substituição do conhecimento pelo discurso, a repensar a legitimidade
do conhecimento produzido e leva também a uma reflexão sobre o significado dos termos
validade, confiabilidade e generalização, entre outros, nas ciências sociais.
Ao se pensar o momento histórico atual nos deparamos com uma crise epistemológica
refletida na pesquisa qualitativa. Ela rejeita o enfoque positivista totalizante cedendo lugar à
perspectivas abertas, interpretativas e plurais. Observa-se também a existência de uma
preocupação voltada para o “sujeito” como “objeto” de pesquisa e sujeito da própria pesquisa.
Essa abordagem de pesquisa que valoriza a maneira própria de entendimento da realidade
pelo indivíduo se opõe “a uma visão empiricista de ciência, busca a interpretação em lugar da
mensuração, a descoberta em lugar da constatação, valoriza a indução e assume que fatos e
valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do
pesquisador” (ANDRÉ, 1995, p. 17).
As reflexões e o desenvolvimento de novos conceitos e procedimentos de pesquisa nas
ciências sociais pressupõem uma reflexão epistemológica. A esse respeito Gonzalez Rey
(2002) considera que:
[...] o surgimento do qualitativo [é] essencialmente o surgimento de uma
nova epistemologia [...] a elaboração de novas epistemologias, capazes de
sustentar mudanças profundas no desenvolvimento de formas alternativas de
produzir conhecimento nas ciências sociais, requer a construção de
75
representações teóricas que permitam aos pesquisadores ter acesso a novas
“zonas de sentido” sobre o assunto estudado, impossíveis de serem
construídas pelas vias tradicionais” (GONZALEZ REY, 2002, p.7).
(acréscimos nossos)
Nesse contexto, observa-se que quando o homem passou a ser considerado como um
objeto especial de pesquisa e o pesquisador como sujeito externo que investiga, as pesquisas
passaram, então, a voltar seus olhos para as experiências dos indivíduos, às subjetividades e
para a interação entre pesquisadores e pesquisados. Isso levou a questionamentos substanciais
no tocante à objetividade e à neutralidade como atributos essenciais de uma epistemologia
positivista que dominou o cenário das ciências sociais.
Segundo Gonzalez Rey (2002), a epistemologia aplicada às ciências sociais assume o
caráter histórico-cultural de seu objeto e o conhecimento passa a ser considerado como uma
construção humana. Nesse sentido, essa concepção de conhecimento concede a possibilidade
de relação entre realidade e conhecimento, contrapondo-se ao princípio da objetividade. De
acordo com o autor, são claros os sinais da crise pela qual passa o modelo de racionalidade
científica e, desse modo, essa idéia favorece o abandono às crenças que, com a ciência,
geraram a epistemologia positivista. Por conseguinte,
Em primeiro lugar a ciência não é só racionalidade, é subjetividade em tudo
o que o termo implica, é emoção, individualização, contradição, enfim, é
expressão íntegra do fluxo da vida humana, que se realiza através de sujeitos
individuais, nos quais sua experiência se concretiza na forma individualizada
de sua produção. O social surge na rota única dos indivíduos constituídos em
uma sociedade e uma cultura particular. A representação da ciência como
atividade supra-individual, que supõe a não participação do pesquisador e o
controle de sua subjetividade, ignora o caráter interativo e subjetivo do nosso
objeto, o qual é condição de sua expressão comprometida na pesquisa. Sem
implicação subjetiva do sujeito pesquisado, a informação produzida no curso
do estudo perde significação e, portanto, objetividade, no sentido mais amplo
da palavra (REY, 2002, p. 28).
2.2 Pesquisa qualitativa e Educação.
Buscando conhecer e analisar os saberes e as práticas docentes sobre música na
Educação Infantil, optamos pela pesquisa qualitativa, sublinhando seu caráter etnográfico,
pois consideramos que “a etnografia no campo da pesquisa educacional não é uma simples
76
técnica, mas sim uma opção metodológica, no sentido de que todo método implica teoria”
(EZPELETA & ROCKWELL, 1989, p. 35).
Desse modo, a presente pesquisa implica na construção de um método coerente com a
natureza desse tipo de investigação e, por isso optamos pela abordagem qualitativa de
pesquisa com as seguintes características conforme (Bodgan e Biklen, 1994): os dados são
coletados no ambiente natural pelo contato direto e prolongado do pesquisador; todos os
dados são considerados importantes e são predominantemente descritivos; a ênfase é dada
mais ao processo do que ao produto e aos resultados; a análise dos dados tende a seguir um
processo indutivo, sem partir de hipóteses preestabelecidas; as abstrações vão sendo
construídas à medida que os dados vão sendo analisados; o significado que as pessoas dão às
coisas e à sua vida é preocupação essencial.
Sendo assim, a abordagem qualitativa é adequada para esta pesquisa na medida em
que permite valorizar a perspectiva dos participantes da pesquisa, professoras da Educação
Infantil, no processo de conhecer e analisar seus saberes e práticas musicais produzidos no
cotidiano escolar.
A metodologia escolhida por nós inspira-se, portanto, na etnografia. A etnografia é um
tipo de pesquisa que envolve o contexto cultural em que indivíduos ou grupos pesquisados
estão inseridos, uma vez que o método etnográfico “focaliza e descreve as representações que
os atores sociais constróem sobre suas práticas dentro de uma determinada realidade”
(Silva,1997, p.50).
No que se refere à sua origem, Silva (1997) comenta que a etnografia tem sua origem
na Sociologia e Antropologia e por isso utiliza-se de relatos descritos de pessoas, situações e
acontecimentos (p.59). André (1995), define a etnografia como um esquema de pesquisa
desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade.
Quando se pensa em pesquisa etnográfica vinculada à Educação, deve-se entender que
a preocupação central dos estudiosos dessa área é com o processo educativo, ao contrário dos
etnógrafos que focalizam seus interesses na descrição da cultura (práticas, hábitos, crenças,
valores, linguagens, significados) de um grupo social. Desse modo o que se tem feito nesse
tipo de pesquisa é uma adaptação da etnografia à educação, ou seja, o que se faz em educação
são estudos etnográficos e não etnografia no seu sentido estrito (André 1995).
A pesquisa com orientação etnográfica em educação (André, 2003) possui outras
características como: o uso de técnicas associadas à etnografia (a observação participante; a
entrevista intensiva; a análise de documentos); o pesquisador é o instrumento principal na
coleta e a análise dos dados; ênfase no processo e não no produto ou resultados finais;
77
preocupação com o significado, com o modo como as pessoas vêem a si mesmas, as suas
experiências e o mundo que as cerca; envolve um trabalho de campo; utiliza-se de grande
quantidade de dados descritivos; plano de trabalho aberto e flexível, busca a formulação de
hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não sua testagem; visa a descoberta de novos
conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade.
2.3 Sobre os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa.
Desse modo, no presente estudo nosso interesse centra-se nos saberes e nas práticas
musicais de professoras unidocentes que atuam na Educação Infantil. Sendo assim, o
desvelamento dos saberes e das práticas pedagógico-musicais dessas professoras poderá gerar
reflexões acerca da formação e atuação destas, bem como subsidiar políticas de formação
musical inicial e continuada. Para tanto, é preciso conhecer qual é a realidade do ensino de
música na escola. Dessa maneira, ampliar o conhecimento sobre como professoras da
Educação Infantil se relacionam com a música nas salas de aula poderá gerar respostas
referentes à necessidade de formação tanto do professor unidocente quanto do professor
especialista em música para esse nível de ensino; colaborará, também, para a organização da
prática pedagógica das professoras e a sistematização do ensino de música no cotidiano
escolar. Corroborando essa idéia Souza et al. (2002) comenta que “é preciso conhecer a fundo
a realidade que se pretende transformar para não cairmos em idealismos ingênuos e atitudes
desconexas com a realidade em que se está atuando” (SOUZA et al. , 2002, p.120).
Na Educação Infantil, as professoras unidocentes trabalham as diversas áreas de
conhecimentos e linguagens com as crianças de modo a construir um conhecimento escolar.
Portanto, utilizam a música na construção de diversos conhecimentos desenvolvidos. Assim,
na escola, o professor, no exercício de sua profissão, constrói com seus pares e com os alunos
maneiras de trabalhar com a música, desenvolvendo um conhecimento sobre ela por meio de
sua utilização.
Entendendo que os saberes e as práticas desses profissionais são construídos no
percurso de suas carreiras, o que inclui a formação inicial e continuada, outros cursos de
formação e, principalmente, o próprio exercício profissional, nos propomos a investigar o
modo como a música é compreendida por professoras unidocentes e construída no cotidiano
de salas de Educação Infantil.
78
Considerando a pesquisa como um diálogo entre pesquisador e pesquisado, os
investigadores qualitativos levantam a necessidade de um plano flexível de investigação.
Desse modo, segundo Bogdan e Biklen (1994), conforme os dados vão sendo coletados, as
questões vão sendo reformuladas e não efetuadas “a priori”. Assim, “os investigadores
qualitativos partem para um estudo munidos dos seus conhecimentos e da sua experiência,
com hipóteses formuladas com o único objetivo de serem modificadas e reformuladas à
medida que vão avançando”. (p. 84).
Nesse sentido, ressaltamos que nossas hipóteses e problemas de pesquisa foram sendo
reformulados no processo dinâmico da pesquisa. Assim, a análise dos dados foram
sinalizando questões antes não percebidas as quais organizamos posteriormente em eixos e
sub-eixos de análise.
Para investigar os saberes e as práticas sobre música de professoras da Educação
Infantil devemos considerar suas subjetividades, individualidades, suas práticas, seus pontos
de vista e o trabalho educativo desenvolvido por elas, não como verdades absolutas capazes
de nos levar a generalizações, a obter respostas únicas ou pré-determinadas e sim como
conhecimentos que também se modificam historicamente.
Sendo assim, a partir da exposição da problemática e objetivos de nossa pesquisa
pretendemos compreender o modo como a música aparece nos saberes e práticas pedagógico-
musicais de professoras unidocentes por meio dos seus pensamentos sobre o ensino de música
na Educação Infantil e de seus trabalhos construídos no cotidiano de salas de aula de
Educação Infantil. Para tanto, participaram do presente estudo três professoras unidocentes
que atuam na segunda etapa da Educação Infantil - e períodos com crianças na faixa
etária de 5 e 6 anos, sendo duas atuantes no 3º período e uma no 2º período
25
.
Os dados a partir dos quais realizamos nossas análises foram construídos com nossa
convivência no cotidiano escolar junto às professoras colaboradoras utilizando as seguintes
técnicas: a observação participante do trabalho das professoras na sala de aula e em outros
espaços escolares, a entrevista e a análise documental. Para cada dia de convivência na escola
produzimos notas de campo e também utilizamos gravações em fita cassete e vídeo, os quais
foram posteriormente analisados. É importante ressaltar que primeiramente realizamos um
levantamento bibliográfico com o intuito de conhecer a produção nas áreas de Educação,
Educação Infantil e Educação Musical no que diz respeito ao nosso tema de pesquisa.
25
O 2º período corresponde a faixa etária de 05 anos de idade e o 3º período de 06 anos de idade.
79
Ao analisar os saberes e práticas pedagógico-musicais das professoras unidocentes
levamos em conta o contexto em que essas práticas emergiam. Assim, fez-se necessário o uso
de uma técnica que permitisse a visualização da situação natural e concreta na qual o trabalho
com música era construído e os momentos em que a música aparecia no cotidiano escolar:
sala de aula, recreio, pátio, datas comemorativas, etc. Por isso, optou-se pela observação
participante que foi utilizada para observar situações naturais (as ações, o que não era dito, as
emoções, entre outros aspectos).
O registro das observações e a análise dos acontecimentos encontram-se no caderno de
notas, o qual sempre nos acompanhava quando estávamos na escola. Esse instrumento
considerado por nós como central no trabalho de campo, era utilizado como referência, apoio
para nossa memória para posterior confecção das notas de campo. (apêndice 1)
26
Elas
envolvem uma parte descritiva sobre o que ocorria na escola e na sala de aula e uma parte
reflexiva, partindo das anotações que incluem as nossas observações pessoais.
As técnicas de coleta de dados utilizadas por nós na pesquisa aconteceram
concomitantemente. Enquanto produzíamos as notas de campo, analisávamos os documentos
escolares e oficiais e realizávamos as entrevistas e, no cruzamento dos dados advindos dessas
técnicas construímos nossas análises e interpretações.
Além das entrevistas também optamos por fazer uso de conversas que aconteciam
entre nós e as professoras colaboradoras as quais denominamos no trabalho de conversas
informais. As conversas aconteciam de modo espontâneo entre nós e as professoras em
situações variadas tais como intervalos para o recreio, na sala de professores, dentro do
transporte, no refeitório, e até mesmo dentro da sala de aula. Elas foram reconstruídas de
memória, com auxílio de pequenas anotações no caderno de notas durante as situações
vivenciadas, e quando era possível. Algumas foram gravadas em fita cassete com o
consentimento da professora.
Além do caderno de notas auxiliado por registros de gravações em cassete, também
utilizamos registros áudio-visuais que foram fotos e vídeo. Foram tiradas 33 fotos, gravadas
13 fitas cassete de 60 minutos cada e 05 fitas de vídeo, perfazendo aproximadamente 5 horas
de gravação de momentos distintos que julgamos necessário registrar. O registro em vídeo
sempre foi feito por nós, com exceção de uma ocasião em que estávamos participando da
apresentação musical das crianças como acompanhante; nessa ocasião acompanhávamos as
26
O Apêndice 1 encontra-se uma das notas de campo que produzimos. Apresentamos uma das notas que
consideramos mais completa na sua formulação.
80
crianças tocando violão e a filmagem foi feita por uma colega, aluna do curso de Pedagogia,
que estava fazendo estágio na escola.
As entrevistas foram transcritas por nós e para utilização no texto recorremos à
‘textualização’ das narrativas das professoras. Com relação às textualizações nos pautaremos
em Arroyo (2000). Segundo a autora, ao considerar que “as etnografias, relatos de estudos
etnográficos, não são construídas a partir de descrições literais do observador e vivido durante
o trabalho de campo”, ela defende que elas são pensadas como uma transcriação, que:
remete para a tarefa da textualização, para aquele momento em que as
decisões narrativas do pesquisador serão cruciais não para qualificar seu
trabalho analítico, mas também para desvelar os significados (...) da
experiência intersubjetiva apre(e)ndida nos fluxos e refluxos do campo.
(ARROYO, 2000, p. 55).
Portanto, no terceiro capítulo, no intuito de diferenciar os dados, recorremos a dois
registros visualmente diferenciados na construção do texto: a escritura em Times New Roman
em itálico refere-se aos trechos retirados de entrevistas e conversas informais; os trechos
retirados de notas de campo seguem em Arial em escrita padrão. O material extraído das notas
de campo, entrevistas e conversas informais vem identificados e precedidos de data de
registro. Durante a transcrição das falas das professoras alguns esclarecimentos são trazidos
em nota de rodapé. Os acréscimos nossos são feitos para fornecer esclarecimentos durante as
transcrições. Neste caso, os esclarecimentos vêm na escrita padrão e entre parênteses. Quanto
às citações, estas seguem as normas acadêmicas.
2.4 Caracterização da escola e dos sujeitos da pesquisa
A partir do breve histórico da Educação Infantil no Brasil, traçado por nós, no
primeiro capítulo, percebemos o quanto a evolução da Educação Infantil está relacionada com
a história social e econômica do país e o quanto ainda por ser feito nesse segmento. Nesse
sentido, observamos que a oferta de escola pública de boa qualidade na modalidade de
Educação Infantil ainda está longe do almejado. Como é sabido, tal atendimento constitui um
problema complexo, envolvendo diversas questões que vão desde a formulação e
implementação de políticas públicas para essa modalidade de ensino até o gerenciamento
democrático da educação em todos os níveis de ensino e, especialmente, da Educação Infantil.
(CUNHA; SOUZA, 2005).
81
Diante da realidade do atual cenário educacional brasileiro, consideramos a Educação
Infantil como terreno fértil para a realização de pesquisas, principalmente para aquelas que
investiguem o cotidiano escolar. A vida cotidiana na escola é para nós, conforme sugere
Ezpeleta e Rockwell (1989, p. 21) “algo mais que chegar e observar o que ali ocorre
diariamente. Antes, é a orientação de uma certa busca e de uma certa interpretação daquilo
que pode ser observado na escola”. É como comenta Cunha (2000) “o cotidiano da escola e da
sala de aula constitui uma unidade ou totalidade que reúne aspectos gerais e singulares da
história dos grupos e das pessoas e diz respeito às experiências diárias da vida e a um
acontecimento da vida diária” (Cunha, 2000, p.88).
A Educação Infantil na cidade de Uberlândia-MG é oferecida, prioritariamente, pela
Rede Municipal de Ensino e em instituições particulares de ensino. De acordo com o Censo
Escolar/ Educação Infantil/ MEC de 2005 (Secretaria Municipal de Educação) a Rede
Municipal de Ensino de Uberlândia, Minas Gerais possui oitenta e duas (82) instituições de
ensino. Destas, trinta e seis (36) são de Educação Infantil (0-6 anos); treze (13) escolas
Municipais de Alfabetização (4-6 anos); trinta e três (33) escolas Municipais de Ensino
Fundamental, e dentre estas, oito (8) atendem também a Educação Infantil. Assim, as escolas
que oferecem Educação Infantil no município totalizam quarenta e quatro (44).
A fim de compreendermos os saberes e as práticas musicais construídas por
professoras de Educação Infantil nos propomos a conhecer a realidade da escola. Para tanto,
optamos por uma escola Municipal de Ensino Fundamental que possui salas de Educação
Infantil. Inicialmente, pensamos em escolher sujeitos (professoras da Educação Infantil) que
possuíssem uma experiência maior no exercício do magistério visto que, acreditávamos
terem uma experiência mais sólida e, consequentemente, um repertório de saberes e práticas
mais elaborado e coeso e que por isso também poderiam ter um conhecimento pedagógico-
musical rico. Porém, foi durante a fase de escolha da escola a ser pesquisada e conversando
com uma professora de Educação Infantil que obtivemos, a partir de um depoimento da
mesma, a opinião de que as professoras com mais tempo de magistério pareciam ter menos
entusiasmo para trabalhar o lúdico e com a música em especial na sala de aula. No modo de
perceber dessa professora as professoras mais jovens cantam mais, estão mais entusiasmadas
com a profissão e menos cansadas, apesar de possuírem um repertório menor de saberes da
experiência. Desse modo, ao avaliar a própria prática em sala de aula, a referida professora
concluiu que já não canta mais como antes. Assim, quando comentamos que estávamos
procurando professoras que tivessem uma prática pedagógica diária com música na escola,
depois desse depoimento, passamos a refletir à respeito de nosso critério de escolha das
82
professoras com as quais trabalharíamos. E, assim, reelaboramos nosso olhar e,
consequentemente, nosso critério de escolha dos sujeitos para a presente pesquisa. Também
concluímos que não é necessariamente o tempo de magistério que define a pré-disposição do
professor para desenvolver um trabalho com música, mas sim sua formação musical, seu
gosto pela música e seus saberes construídos não na formação inicial, mas em diversos
cursos, no exercício profissional, na formação continuada e na vida pessoal e profissional.
Nesse processo de escolha dos sujeitos e da escola, primeiramente, havíamos pensado
em uma escola urbana de Educação Infantil. A sugestão que tínhamos era de uma escola bem
conceituada na cidade, localizada em um bairro central e que tínhamos tido notícia de que lá a
música estava muito presente. Então, entramos em contato com a direção da escola e também
com algumas professoras, que segundo informações, trabalhavam cotidianamente com música
na sala de aula. Marcamos uma conversa com três professoras da escola e concomitantemente,
fizemos contato com professoras de Educação Infantil de outra escola por indicação de nossa
orientadora da pesquisa. O primeiro contato teve como objetivo conhecer as professoras e
conversar sobre as práticas musicais que elas desenvolviam na escola. Nesse momento em
que buscávamos um local para desenvolver nossa pesquisa, ministramos uma oficina de
Educação Musical para professores da Rede Municipal de Educação promovida pela
Faculdade de Educação dentro do Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos
Assentamentos de Reforma Agrária do Triângulo Mineiro (PACTo)
27
e tivemos contato com
duas professoras desta última escola indicada. As docentes que participaram da oficina nos
chamaram a atenção pelo fato de dizerem gostar de trabalhar com música rotineiramente na
escola e por se disponibilizarem em colaborar com a pesquisa. A partir desse momento
fizemos nossa escolha e optamos pela segunda escola.
Na ocasião conhecemos as professoras T. e C. que tornaram-se nossas colaboradoras
na pesquisa e também a S. que era coordenadora da Educação Infantil da escola. A partir do
primeiro contato por ocasião de uma visita à escola, tivemos uma conversa com as professoras
e na ocasião soubemos da existência de outra professora de Educação Infantil que atuava na
27
Neste programa que contou com a participação de professores pesquisadores, técnicos de nível superior e
estudantes de cursos de graduação da Universidade Federal de Uberlândia das áreas de saúde, produção e
educação, foi desenvolvido o Projeto de Extensão Escolas democráticas II Pró Reitoria de Extensão e
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Foi realizado um trabalho no interior de uma
escola rural do município de Uberlândia, orientado pela Profa. Dra. Myrtes Dias da Cunha com a colaboração de
alunas do curso de Pedagogia. A oficina aconteceu em maio de 2006 e fez parte de um ciclo de oficinas
Formação continuada de professores e cotidiano da escola, destinado aos professores da zona rural e urbana,
educadores infantis e professores do Ensino Fundamental.
83
escola. A terceira professora era R. Após a conversa inicial com T. e C. retornamos à escola
para dialogar com R. Todas as professoras atuam em salas de Educação Infantil da mesma
escola. O que contribuiu para a escolha da escola pesquisada foi a disponibilidade da direção
e, principalmente, dos professores para colaboração na pesquisa.
Portanto, os critérios adotados na escolha das professoras colaboradoras foram dois: o
fato de gostarem e dizer trabalhar com música cotidianamente na escola e a atuação em uma
mesma escola de Educação Infantil. Assim, contamos com a colaboração das seguintes
professoras:
Profa. C.
Natural de Centralina-GO e residente em Uberlândia-MG, 40 anos, casada, espírita, dois
filhos. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia. Professora 15
anos e efetiva na rede municipal de educação. Atua como professora regente de Educação
Infantil na Escola Municipal Leilão de Jardim.
Profa. T.
Natural e residente em Uberlândia-MG, 44 anos, católica, casada, duas filhas Graduada em
Pedagogia pela Faculdade de Educação Antônio Augusto Reis Neves, Barretos-SP. Professora
há 21 anos e há 15 anos efetiva na Escola Municipal Leilão de Jardim. Professora de
Educação Infantil. Participa como cursista no Projeto Emcantar
28
.
Profa. R.
Natural de Osasco, São Paulo e residente em Uberlândia-MG, 39 anos, divorciada, espírita,
um filho. Graduada em Educação Artística Habilitação em Artes Plásticas pela Universidade
Federal de Uberlândia, Especialista em Alfabetização pela Faculdade Claretianas, Batatais-
SP. Professora 14 anos e efetiva na rede municipal de educação. Atua como professora
regente de Educação Infantil na Escola Municipal Leilão de Jardim, professora de Arte na
Escola Municipal Gladsem Guerra e Eja na Escola Municipal Freitas Azevedo.
Esclarecemos que na redação do texto optamos por utilizar somente as iniciais dos
nomes das professoras colaboradoras para preservar suas identidades. Para os demais sujeitos
28
O EMCANTAR - Centro de Cultura, Educação e Meio Ambiente - é uma organização não-governamental sem
fins lucrativos que atua nas cidades de Uberlândia-MG e Araguari-MG, desde o ano de 1996. Desenvolve
projetos de formação continuada em Educação pela Arte e Educação Socioambiental, envolvendo educadores e
alunos de escolas públicas, além de crianças, jovens e adultos da comunidade. Os projetos desenvolvidos
atualmente são: Projeto Educando, realizado pelo Instituto Algar e pelo EMCANTAR, em parceria com a
Secretaria Municipal de Educação, 40ª Superintendência Regional de Ensino e Faculdade Católica, com 300
educadores de escolas públicas e 360 alunos do ensino fundamental de Uberlândia; EMCANTAR nos Bairros,
com 120 crianças de três bairros de Uberlândia, apoiado pelo Governo de Minas Gerais por meio do Fundo
Estadual de Cultura/BDMG; Projeto Curupira, numa parceria com a ARACOOP e a CDL Araguari,
envolvendo 40 crianças do Educandário Lar da Criança; Bichos do Mato, com 50 pessoas da comunidade de
Araguari; Cantadores do Vento, com 50 pessoas da comunidade de Uberlândia, apoiado pelo Governo de
Minas Gerais por meio do Fundo Estadual de Cultura/BDMG; Teia do Conhecimento
, realizado pelo Instituto
Algar e pelo EMCANTAR, numa extensão das ações do Projeto Educando a 35 educadores que passaram pelo
projeto em anos anteriores; Projeto Atitude, realizado pela Engeset S.A. e pelo EMCANTAR com funcionários
da empresa. http//www.emcantar.org. Acesso em 31/06/07.
84
que aparecem no decorrer do trabalho utilizamos nomes fictícios também para preservar suas
identidades. Faz-se também importante ressaltar que as professoras autorizaram suas
entrevistas e a transcrição de suas falas em carta de cessão (Apêndice 2) concedida à
pesquisadora.
Desse modo, a pesquisa foi realizada em uma escola rural municipal de Ensino
Fundamental que possui salas de Educação Infantil, localizada na zona rural do município de
Uberlândia
29
e atende crianças e jovens, alunos de Educação Infantil, do ensino fundamental,
oriundos de Assentamentos de Reforma Agrária provenientes dos Assentamentos Zumbi dos
Palmares e Rio das Pedras e filhos de trabalhadores do campo. (CUNHA e SOUZA JÚNIOR,
2005). Utilizamos nome fictício para a escola a fim de preservar a identidade da instituição
assim como dos sujeitos, conforme explicamos anteriormente.
A escola onde a pesquisa foi realizada funciona nos três períodos e doravante a
denominaremos Escola Municipal Leilão de Jardim
30
. No período matutino funcionavam as
salas do terceiro ao oitavo ano do ensino fundamental, sendo que, o terceiro e quarto anos
compreendidos pelos Peac’s III e Peac’s IV
31
com duzentos e cinqüenta e oito (258) alunos
freqüentes. No período vespertino, funcionavam primeiro e segundo anos do ensino
fundamental (Peac’s I e Peac’s II) e turmas de Educação Infantil com cento e noventa e um
(191) alunos freqüentes. No período noturno, há salas do EJA (Educação de Jovens e Adultos)
com noventa e sete (97) alunos freqüentes, perfazendo um total de quinhentos e quarenta e
seis (546) alunos freqüentes na escola. Salientamos que estes dados foram coletados na
secretaria da escola no ano de 2006, período correspondente ao ano letivo em que realizamos
o trabalho de campo.
A escola possui três salas de Educação Infantil - 2º e 3º períodos
32
, sendo uma (1) sala
de 2º período com vinte e quatro (24) alunos freqüentes e duas (2) de 3º período com quarenta
29
Localiza-se a vinte (20) quilômetros da zona urbana, numa propriedade pertencente a ABAM- Associação
Brasileira de Ajuda ao Menor - , cedida em comodato ao município de Uberlândia por um prazo de noventa e
sete (97) anos, contados a partir de outubro de 1982.
30
O nome da escola é fictício e foi inspirado na poesia musicada de Cecília Meireles a qual compõe o repertório
de canções trabalhado por uma professora colaboradora com suas crianças no período em que estivemos
desenvolvendo o trabalho de campo na escola.
31
Plano Específico de Ação Coletiva (PEAC) e Plano Específico de Ação Individual (PEAI) são propostas de
atividades de ensino-aprendizagem coletivas e individuais que fazem parte da proposta Educação pelas
Diferenças (EPD). Esta última foi aprovada pelo Conselho Estadual em 1997 e implementada em algumas
escolas municipais a partir de 1998; trata-se de uma proposta de ensino não seriado que teve origem em 1994, a
partir da experiência de uma das escolas do município. Além das atividades coletivas e individuais, buscava
promover uma avaliação distinta da convencional (CUNHA; SOUZA JÚNIOR, 2005, p.15)
32
Na escola Leilão de Jardim o 2º período corresponde a faixa etária de 5 anos e no 3º período trabalham-se com
crianças de 6 anos.
85
(40) alunos freqüentes sendo vinte e dois (22) alunos na turma 1 e dezoito (18) alunos na
turma 2.
2.5 O trabalho de campo
Os dados com os quais trabalhamos para desenvolver a análise a qual nos propomos
foram coletados e produzidos a partir de levantamento bibliográfico para revisão de literatura
na área e de nossa posterior inserção no campo. Portanto, num primeiro momento, antes
mesmo da seleção da escola e dos sujeitos participantes da pesquisa realizamos o
levantamento bibliográfico e a revisão de literatura relacionada com o tema de nossa pesquisa,
principalmente com aquela pertinente à presença da música em contextos escolares. Em
seguida, estabelecemos o contato com a escola e os sujeitos conforme descrevemos
anteriormente.
Assim, após o primeiro contato com as professoras colaboradoras passamos a
freqüentar a escola. No começo as nossas idas à escola aconteciam em dias alternados, pois
sentíamos que as professoras ainda não tinham entendido o real objetivo de nossa presença na
escola e isso foi sendo aos poucos esclarecido e construído com elas. Outro motivo para irmos
à escola em dias alternados deveu-se às negociações com a escola e com o motorista que nos
levaria
33
. Assim, após estes acertos continuamos a freqüentar a escola.
A fim de conhecer a realidade da escola passamos a observar o espaço, os sujeitos e os
acontecimentos com o cuidado de um observador atento e interessado. Assim, nossa
permanência na escola e os procedimentos metodológicos que utilizamos se pautaram na
observação participante e na orientação etnográfica. Para tanto, as observações aconteceram
na escola com as três professoras colaboradoras escolhidas por nós que atuam em salas de
aula de Educação Infantil. Nossa permanência na escola foi registrada em notas de campo que
foram produzidas por nós por meio de registros que fazíamos em sala de aula, pequenos
comentários, anotações de fatos e acontecimentos julgados por nós importantes e, às vezes,
contamos com registros em gravador de fita cassete e filmagens. Nas ocasiões dos registros
estávamos na sala de aula, no refeitório tomando lanche com as crianças, na sala de
professores, na van à caminho da escola ou no retorno para casa. Porém, por várias vezes não
foi possível fazer anotações ou outro registro, pois a situação não permitia, como é o caso de
33
Como a escola situa-se em zona rural íamos para com a van que faz o transporte dos funcionários e
professores. Após os acertos da diretora da escola com a Secretaria de Educação e com o motorista nos foi
liberado o transporte. Desse modo, o motorista da van sempre que solicitado nos apanhava em casa por volta de
11:40 e nos deixava de volta às 17:50 hs.
86
conversas informais a caminho do refeitório, dentro da van ou na sala de professores,
momentos em que não estávamos com o caderno de notas ou com o gravador em mãos.
Nessas situações valíamos apenas de nossa memória; isso acontecia também quando
julgávamos que nosso comportamento de fazer anotações pudesse constranger algum
participante da pesquisa. Assim, logo que chegávamos em casa recorríamos à memória e as
anotações, quando era o caso, para escrever as notas de campo.
Apesar dos registros áudio-visuais (filmagens em vídeo e fotos) terem sido
importantes para a confecção das notas de campo e para posterior análise e interpretação dos
dados, nos valemos com mais intensidade das anotações no caderno de notas e da memória,
por julgarmos que estes últimos se delineiam como uma observação atenta e cuidadosa no
sentido de apreender a situação vivida no “aqui e agora”. Também julgamos que essa foi uma
maneira particular que encontramos de registrar melhor o observado, considerando que somos
pesquisadores em processo de aprendizado.
A própria vivência durante o trabalho de campo, marcada pela nossa inserção na
escola e por um gradativo processo de interação com os professores e suas práticas, com as
crianças e com a escola como um todo contribuiu para que pudéssemos reconfigurar nosso
olhar e focalizar nossas observações em nosso objeto de pesquisa. Nesse sentido, o uso de
outros recursos de registro como gravações em cassete e vídeo foram utilizadas nos momentos
em que julgamos necessário, visto que se tratavam de registros sonoros e visuais importantes
e, portanto, muito difíceis de serem descritos somente pela observação, valendo-nos, assim,
também do registro de imagens.
No primeiro semestre do ano de 2006 estivemos na escola nos meses de maio, junho e
nas duas primeiras semanas do mês de julho. No segundo semestre retornamos à escola nos
final do mês de outubro e permanecemos até o final do ano letivo, que se estendeu até a
segunda semana de dezembro do mesmo ano.
A observação participante aconteceu na escola, escolhida por nós, com as três (3)
professoras que atuam na Educação Infantil. Observarmos situações em que os saberes e as
práticas musicais são mobilizados. Para tanto, optamos por observar a sala de aula, o recreio,
as atividades de comemorações de datas cívicas, como festas juninas, entre outras, os
momentos de recreação
34
das crianças e também outros momentos em que as professoras não
se encontravam na sala de aula como: reuniões de módulo, momentos na sala de professores,
34
Esses momentos são proporcionados às crianças ao final de um dia escolhido pela professora. Na ocasião as
crianças são levadas para o parque destinado à educação infantil ou em alguma área da escola em que a
professora realiza alguma atividade lúdica com elas.
87
conversas a caminho da escola dentro da van, encontros no Curso de Formação Continuada
Educação Infantil 2006
35
, entre outros.
Concomitantemente às observações e com o intuito de contextualizar os fenômenos,
esclarecer os fatos e problemas observados no cotidiano escolar, também realizamos uma
análise documental. Por meio desta foram analisados documentos oficiais produzidos pela
Secretaria Municipal de Educação, como Censo Escolar / Educação Infantil / MEC 2005; As
Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil do Município produzido pelo Centro de
Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz (CEMEPE) referente à Educação Infantil no
município; O Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Leilão de Jardim; o
Planejamento Anual da Educação Infantil da escola; os Diários de Classe das professoras
colaboradoras da pesquisa, entre outros documentos que julgamos poder colaborar com nossa
pesquisa. Estes últimos documentos foram produzidos pela escola e recolhidos por nós na
secretaria. Outro documento que analisamos foi o: Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil (RCNEI). Com a análise dos documentos buscamos verificar como a
música neles aparece contemplada legalmente. Segundo Lüdke e And(1986:38), “a análise
documental busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões ou
hipóteses de interesse”. Para André (1995), “Os documentos são usados no intuito de
contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as
informações coletadas através de outras fontes (ANDRÉ, 1995, p. 28).
As entrevistas (Apêndice 3) que têm a finalidade de aprofundar questões e esclarecer
os problemas observados junto aos sujeitos da pesquisa foram realizadas com as professoras
colaboradoras e possibilitaram que certos dados, coletados por meio da observação
participante, fossem aprofundados e discutidos. Para tanto, realizamos uma entrevista com
cada uma das professoras colaboradoras.
A escolha da ordem das entrevistadas foi aleatória e de acordo com a disponibilidade
das professoras. O que percebemos é que o tempo na escola onde desenvolvemos a pesquisa
parece ser mais corrido e, por ser uma escola localizada na zona rural as professoras chegam
entre 12 horas e 40 minutos e 13 horas. O sinal para o começo das aulas acontece às 13 horas
e 20 minutos e às 17 horas para o final. O recreio na escola acontece às 15 horas para a turma
de Educação Infantil e termina às 15 horas e 30 minutos. Assim, não tínhamos tempo livre
para entrevistas nem no período que antecedia as aulas e nem mesmo no final, pois as
35
Curso oferecido pela Rede Municipal de Educação de Uberlândia em convênio com FNDE. Está sendo
oferecido para professores e técnicos atuantes na educação infantil da rede pública municipal do município de
Uberlândia em regime de 150 h/aula ou em 50 hs/aula.
88
professoras precisavam se apressar para entrar no transporte que as conduzia de volta à
cidade. Então, para realizarmos as entrevistas combinamos previamente um dia em que as
professoras cumpriam módulo
36
na escola. Desse modo, realizamos duas entrevistas na escola
com as Profa. T e R. e com a Profa. C. em sua residência.
A primeira e a segunda entrevistas com as professoras T. e R. realizamos no mês de
outubro na escola, logo que lá retornamos no segundo semestre de 2006. Optamos por realizá-
las nesse período por entender que as professoras precisavam ter uma certa confiança em nós
e por julgarmos que elas estavam compreendendo melhor nossa presença na escola e
também pelo fato de precisarmos amadurecer nosso roteiro da entrevista a partir de nossas
observações sobre o cotidiano escolar. Para realizar tais entrevistas escolhemos um local com
menos barulho na escola onde pudéssemos conversar com tranqüilidade. O local escolhido foi
a sala de leitura, espaço anexo à biblioteca. O espaço é destinado a estudos em grupo e leitura.
O tempo de duração de cada uma das entrevistas foi de, aproximadamente, uma hora e meia,
com a Profa. T e quarenta minutos com a Profa. R. Já com a Profa. C. realizamos a entrevista
em sua residência no início do mês de dezembro, com duração de aproximadamente uma hora
e meia. O motivo pelo qual realizamos a entrevista com a Profa. C em sua residência foi pelo
fato de ela não estar cumprindo módulo na escola, como antes. A profa. C. a partir do mês de
novembro iniciou o curso preparatório para o período introdutório (Ensino Fundamental com
9 anos) no CEMEPE
37
onde passou a cumprir os módulos.
No capítulo a seguir apresentaremos a análise, a discussão e a interpretação dos dados
a respeito dos saberes e das práticas com música no cotidiano da Educação Infantil.
36
Este corresponde a uma dia da semana em que freqüentam cursos no CEMEPE, ou realizam trabalhos,
preparação das aulas e estudos em casa.
37
Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz.
89
CAPÍTULO III
90
3- SABERES E FAZERES MUSICAIS DE PROFESSORAS
UNIDOCENTES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo temos por objetivo analisar os saberes e fazeres musicais de professoras
unidocentes da Educação Infantil. Por meio da observação, da análise documental e das
entrevistas apresentamos a seguir as análises dos dados que construímos. Nossa inserção no
cotidiano escolar, o contato com as professoras nos permitiu compreender o que sabem
(pensam, sentem, e falam) sobre a música no cotidiano da Educação Infantil e o trabalho
construído nesse contexto.
Constatamos que a música se faz presente nos mais variados momentos e
circunstâncias na escola. Assim, consideramos que independentemente da forma como esteja
como disciplina ou em diversos momentos do dia-a-dia como recurso pedagógico,
compreendemos que as atividades com música, designadas por nós como atividades musicais,
são atividades educativas e, portanto, implicam em um processo de ensino-aprendizagem de
música. Nesse sentido, buscamos neste capítulo compreender os saberes pedagógico-musicais
docentes, ou seja, o processo ensino-aprendizagem de música, construído no cotidiano escolar
de salas de Educação Infantil caracterizado pelo campo da Educação Musical contemporânea
como práticas musicais escolares não formais.
Assim como diversos estudiosos (Arroyo, 2000; Souza, 2004; Ramos, 2003) da
Educação Musical que se apoiam nos princípios da abordagem sóciocultural da Educação
Musical, compreendemos que esses espaços escolares não-formais são também educativos
musicais, independentemente das circunstâncias e dos propósitos em que a música aparece.
Porém, é importante esclarecer que quando caracterizamos o ensino de música também como
variados momentos da rotina escolar, não estamos defendendo que o trabalho com música na
escola se restrinja às funções correntes como: comemorações de datas vicas, formação de
hábitos, atitudes e comportamento, memorização de conteúdos, disciplinarização, entre tantos
outros; embora esses momentos aconteçam, reduzem a música na escola à função de suporte e
auxílio para a aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas. Defendemos que a música
deve ser compreendida na escola como área de conhecimento. Para tanto, pode ser trabalhada
nas escolas levando-se em conta seus conteúdos e procedimentos específicos, quando
ministrada por professores especialistas ou por professoras unidocentes com formação
musical.
91
Corroboramos a postura de pesquisadores e professoras do campo da Educação
Musical (Bellochio, 2001; Beaumont, 2003; Figueiredo, 2001; Joly, 1998; Maffioletti, 1998;
Souza et al, 2002; Torres, 1998) que afirmam ser necessário que o professor unidocente
busque, nesta área, complementação de sua formação, sugerindo desse modo, que alguns
modelos, concepções e conceitos relativos à educação e educação musical estabelecidos
sejam (re)construídos e (re)contextualizados à luz de novos paradigmas educacionais e
musicais. Nesse sentido concordamos com Beaumont (2003) que defende:
Ser apropriada, contudo, uma formação musical adequada, inicial e
permanente. Para trabalhar Música de maneira interligada às diversas áreas
do conhecimento escolar, as professoras não devem “conhecer menos” sobre
esta área, correndo o risco de retorno de um trabalho “polivalente”. Além
disto, seus conhecimentos musicais não se devem restringir a algumas
atividades, brincadeiras ou jogos adequados, para este ou aquele conteúdo,
mas necessário é que sejam ampliados e aprofundados, a partir dos saberes
que disponibilizam e das práticas musicais que desenvolvem nesta área
(BEAUMONT, 2003. p. 105).
Assim, acreditamos no potencial dos saberes e das práticas musicais desenvolvidas
pelas professoras da Educação Infantil como um ponto de partida para se pensar um trabalho
com música na escola, pois, não podemos desconsiderar que mesmo como prática escolar
musical e informal, a música se faz presente na escola. Embora, do ponto de vista de uma
educação musical tais práticas ainda se apresentem aquém do desejável para uma educação
musical de qualidade e que contemplem um ensino amplo de música, defendemos que esta
possa ser acessível a todos, tal como as demais áreas do conhecimento humano, considerando-
se o potencial educativo da música para a formação integral do indivíduo.
Neste capítulo temos como objetivo analisar o modo como a música é compreendida e
trabalhada por professoras unidocentes no cotidiano de salas de aula de Educação Infantil. Por
meio de entrevistas semi-estruturadas, observações em salas de aula e produção de notas de
campo, gravações em vídeo e conversas informais, refletimos sobre os saberes docentes, seus
pensamentos, referentes ao ensino-aprendizagem de música na Educação Infantil e sobre o
seu trabalho, ou seja, suas práticas pedagógico-musicais. Assim, quando nos propusemos à
tarefa de investigar os saberes e práticas musicais docentes, e recorremos às técnicas de
entrevistas, observações e análise documental não as realizamos com o intuito de contrapor
informações entre o que falam e o que fazem tais professoras. A opção pela observação em
sala de aula deu-se no sentido de aprofundar nossa compreensão, visando conhecer alguns
aspectos mencionados pelas professoras nas entrevistas e conhecer também mais
92
profundamente o cotidiano da escola quanto à presença da música na Educação Infantil.
Sendo assim, entendemos que os resultados de nossa investigação nos permitem apresentar
duas dimensões para análise que se configuram em nossas questões de pesquisa: o que as
professoras de Educação Infantil com as quais trabalhamos pensam, sentem e falam em
relação à música na Educação Infantil e as práticas que desenvolvem com seus alunos em
sala de aula.
Consideramos que estas duas dimensões (questões) são complexas e interligadas uma
à outra. Nesse sentido, as análises que apresentamos em eixos temáticos e sub-eixos, visam
apenas uma organização didática de nossos achados. Não representam, portanto, um
seccionamento real entre pensar, sentir, falar e fazer das docentes. Na medida do possível, é
preciso entender todos esses eixos temáticos e sub-eixos como fazendo parte de uma realidade
produzindo e sendo produzida por sujeitos que pensam, sentem e agem.
Os eixos temáticos aqui apresentados compreendem duas grandes questões: 1) O
pensamento das professoras unidocentes sobre o ensino de música na Educação Infantil; 2) O
trabalho construído pelas professoras no cotidiano de salas de aula de Educação Infantil. A
partir destes eixos temáticos estabelecemos os seguintes sub-eixos: a formação musical das
professoras colaboradoras; os papéis ocupados pela música na Educação Infantil; os
momentos em que a música é vivenciada na Educação Infantil; as experiências concretas
realizadas efetivamente na escola.
Nesse sentido, apresentaremos a seguir os eixos temáticos e os seus respectivos sub-
eixos com os quais organizamos os dados de nossa pesquisa.
No intuito de conhecer a forma como as professoras unidocentes lidam com a música
na escola apresentamos alguns de seus pensamentos. Assim, num primeiro momento,
refletiremos sobre os saberes das professoras, por meio de suas falas, evidenciando o que
pensam e sentem sobre a música na Educação Infantil. Para tanto, refletiremos sobre sua
formação musical e sobre os papéis ocupados pela música na escola
Em seguida, analisaremos o trabalho construído pelas professoras, enfim, suas
práticas pedagógico-musicais no cotidiano escolar. Nesse eixo temático analisaremos os
momentos em que a música foi vivenciada na Educação Infantil e as experiências musicais no
cotidiano escolar.
93
3.1 Saberes de professoras unidocentes sobre o ensino de música na
Educação Infantil.
3.1.1 Sobre a formação musical das professoras colaboradoras
O diálogo com as professoras colaboradoras permite-nos compreender o que pensam e
o que sentem em relação ao ensino de música em uma realidade específica que é a escola.
Constatamos que a sica, nesse contexto, aparece aquém das possibilidades de uma
educação musical porque muitas vezes elas não possuem formação específica em música.
Conforme exposto na metodologia do trabalho, as professoras colaboradoras possuem
formação inicial em curso de Pedagogia (Profa. C. e Profa. T) e em Educação Artística
habilitação em Artes Plásticas (Profa. R). Essas formações do docente no tocante à educação
musical, quando ocorre, é insuficiente e, muitas vezes, inexistente. A esse respeito, Brito
(2003) comenta que na Educação Infantil, por exemplo, o trabalho na área de música reflete
problemas que somam a ausência de profissionais especializados à pouca (ou nenhuma)
formação musical dos educadores responsáveis por esse trabalho (BRITO, 2003, p.52). Num
sentido similar, Bellochio (2001) enfatiza que:
[...] a necessidade de ampliação dos conhecimentos musicais do professor
que atua nos anos iniciais de escolarização [e na educação infantil],
juntamente com construção de uma identidade de formação profissional que
tenha a docência como base e a produção e construção do conhecimento
educacional como guia. É preciso que o professor acredite e invista em suas
capacidades e potencialidades de desenvolvimento musical. Isso poderá lhe
trazer um maior suporte de conhecimentos educacionais e conduzir o
desenvolvimento artístico e educacional, sensível e estético. Em se tratando
da formação musical de professores unidocentes, as vivências musicais junto
ao curso são relevantes, pois abrem a possibilidade concreta de entender que
não são amusicais. (BELLOCHIO, 2001, p. 21). (acréscimos nossos)
Figueiredo (2005) argumenta que:
O professor generalista
38
o se sente seguro para atuar com música de
forma introdutória porque não tem recebido formação adequada para isto.
No entanto, estes profissionais são solicitados a trabalhar o conhecimento de
38
Na Educação Musical este termo é utilizado para referir-se ao professor regente. Este também é chamado de
professor multidisciplinar ou unidocente. São profissionais oriundos do curso de Pedagogia, que habilita o
pedagogo para atuar na Educação Infantil e/ou em séries iniciais do Ensino Fundamental. (FIGUEIREDO, 2001,
p.27).
94
forma integrada nos anos iniciais, respeitando as características da criança
nesta faixa etária, o que não justifica a ausência ou a inconsistência do
trabalho com música. (FIGUEIREDO, 2005, p. 2).
Porém, apesar da falta de confiança das professoras com relação à área de música no
currículo escolar decorrente da falta de sua formação musical, observamos que ainda assim a
música se faz presente nas falas e nos pensamentos das professoras unidocentes e também em
suas práticas.
Conforme discutimos no capítulo 1, a importância do ensino de música no contexto
escolar é defendida por diversos documentos oficiais como: PCN’s, RCNEI, este último no
caso da Educação Infantil, e por documentos escolares como as Diretrizes Curriculares
Municipais para a Educação Infantil e o Planejamento Anual da Educação Infantil da escola
leilão de Jardim. O ensino de música na Educação Infantil, de acordo com as propostas
curriculares e a literatura da área de Educação Musical (Beyer; 2001; Maffioletti, 1998; Brito,
2003. Penna e Melo, 2006; Figueiredo, 2001), aparece como proposta específica a ser
ministrada por professores unidocentes e é considerado fundamental na Educação Infantil.
Segundo estes documentos curriculares a música está contemplada como área de
conhecimento e deverá se interrelacionar às demais áreas de modo interdisciplinar.
Também nos saberes e nas práticas das professoras da Educação Infantil percebemos a
importância atribuída à música por meio do que pensam e sentem sobre seu ensino no
contexto escolar, que neste trabalho designamos por “o pensamento das professoras”.
Considerando que a formação docente acontece em vários momentos tais como na
formação inicial, continuada, na vida, em várias experiências às quais o sujeito está exposto,
compreendemos que são diversos os saberes mobilizados pelos professores ao construírem
seu repertório de saberes. Sendo assim, os saberes docentes compreendem diferentes saberes
com os quais os docentes mantém diferentes relações. Para Tardif (2002), o saber docente
compreende rios saberes: saberes da formação profissional (das ciências da educação e da
ideologia pedagógica), os saberes disciplinares, os saberes curriculares e os saberes
experienciais. Esse autor propõe um modelo de análise baseado na origem social dos saberes
dos professores construído a partir das categorias dos próprios docentes e dos saberes que
utilizam efetivamente em sua prática profissional cotidiana (Tardif, 2002). Para o autor,
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais.(TARDIF, 2002, p. 36)
95
Para Gauthier (1998), é mais pertinente conceber o ensino como a mobilização de
vários saberes que formam uma espécie de reservatório no qual o professor se abastece para
responder a exigências específicas de sua situação concreta de ensino (p.28). O autor propôs
um modelo baseado em diferentes classificações dos saberes e em modelos ideais como
“reservatório de saberes”, muito parecido com Tardif (2002). Gauthier destaca os seguintes
saberes: os disciplinares, os curriculares, os das ciências da educação, os da tradição
pedagógica, os experienciais e os da ação pedagógica.
Conforme colocam Gauthier (1998) e Tardif (2002), entendemos que os saberes
mobilizados pelos professores no processo de ensino e aprendizagem são variados e são
constitutivos da prática docente. Esses saberes são utilizados pelos professores em seu
trabalho diário, tanto na sala de aula quanto na escola e se constituem em um saber social
(TARDIF, 2002). Para o autor,
[...] o saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos
definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de
uma carreira profissional na qual o professor aprende progressivamente a
dominar seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e
interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua
‘consciência prática’ (TARDIF, 2002, p. 14)
Nesse sentido, compreendemos que os saberes musicais, assim como os demais
saberes, são baseados na vida, na formação inicial e/ou continuada do professor e também são
adquiridos em sua experiência cotidiana com os alunos. É compreensível que os saberes
disciplinares são importantes na prática docente, porém, é igualmente importante que se
busque um equilíbrio entre os diversos saberes docentes e que se leve em consideração os
saberes e práticas cotidianas desenvolvidos por professores no seu trabalho.
Os dados constitutivos do sub-eixo formação musical das professoras nos apontam
que todas as três participantes da pesquisa afirmaram não terem tido uma formação escolar
específica em música e nem na formação universitária inicial. Assim, os depoimentos das
professoras colaboradoras nos sugerem que seus saberes musicais foram e são construídos em
suas experiências de vida e em alguns cursos realizados. Desse modo, não podemos sequer
falar em formação continuada em música, pois uma formação continuada deveria contemplar
uma formação sólida na área que se pretende e não apenas como cursos esporádicos e sem
continuidade como vem acontecendo na prática de professores unidocentes. Percebemos que
no campo da Educação e da Educação Musical, o termo formação continuada ou formação em
96
serviço, às vezes é utilizado sem contemplar o que realmente deveria ser essa formação que se
pretende. No caso da educação musical o que é chamado de formação musical continuada
muitas vezes se configura em cursos rápidos, oficinas, sem uma fundamental reflexão, além
de ser desprovida de fundamentos teóricos que possibilitem aos professores refletir e discutir
suas práticas musicais. O excesso de prática nesses cursos tem muitas vezes levado aos
professores “receitas”, “atividades” para serem aplicadas na sala de aula sem uma reflexão
sobre aspectos pedagógico-musicais. Assim, a argumentação de Souza et al (2004) esclarece
a questão:
Acreditamos que cursos de curta duração podem, seguramente, ser uma
ajuda pontual aos participantes, mas não promovem a musicalização básica
porque não são dadas as condições de “digerir”, experimentar e conectar
com as outras possibilidades. (SOUZA et al, 2004, p. 9).
Segundo Souza et al (2004), em se tratando de formação de professores não
especialistas é preciso se apoiar em uma concepção de formação continuada que não se
sustente somente no material instrucional específico, uma vez que não se trata de qualificar
somente professores de música, mas sim de propor uma reflexão didático-metodológica, tanto
do ponto de vista musical quanto educacional.
Desse modo, verificamos que as professoras unidocentes ainda que não possuem uma
formação “específica” em música não podem ser consideradas totalmente leigas em música,
pois, possuem saberes adquiridos em cursos, na vida, em contato com música e desenvolvem
práticas na área. A argumentação de Tardiff (2002) esclarece a questão ao considerar que o
saber dos professores é temporal, ou seja, que ensinar supõe aprender a ensinar, aprender a
dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente. Portanto,
acreditamos que outros saberes que não somente os saberes disciplinares, no caso da música,
são também mobilizados pelos professores. Ao analisar a experiência de trabalho como
fundamento do saber Tardif (2002) considera que:
[...] os saberes oriundos da experiência de trabalho cotidiana parecem
construir o alicerce da prática e da competência profissionais, pois essa
experiência é, para o professor, a condição para aquisição e produção de seus
próprios saberes profissionais. Ensinar é mobilizar uma ampla variedade de
saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e
para o trabalho. A experiência de trabalho, portanto, é apenas um espaço
onde o professor aplica saberes, sendo ela mesma saber do trabalho sobre
saberes, em suma: reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo
que se sabe naquilo que se sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática
profissional. (TARDIF, 2002, p. 21)
97
Compreendemos também que as professoras unidocentes possuem saberes musicais
adquiridos nas experiências familiares e escolares anteriores à formação inicial conforme
esclarecem nas falas expostas adiante.
Acreditamos que o conhecimento a respeito da formação musical de nossas
colaboradoras nos ajuda a compreender e refletir sobre seus saberes e práticas pedagógico-
musicais construídas ao longo da carreira docente e também subsidiam nossas reflexões
acerca de seu pensamento sobre a música na Educação Infantil. Entendemos que, apesar da
diversidade de formação musical no dia-a-dia e de experiências, as professoras tiveram
oportunidades de contato com música ao longo da vida, mesmo que de formas diferentes.
Compreendemos que essa formação ‘não formal’ das professoras apesar de não ser suficiente
para um trabalho com música não pode ser desprezada, pois que ela interfere na maneira
como as profissionais trabalham com música no cotidiano escolar. Desse modo, os
depoimentos abaixo ilustram sobre esses saberes escolares informais que, sem dúvida,
determinam (influenciam) suas práticas pedagógico-musicais.
Apresentamos a seguir as falas
39
das professoras que ilustram a respeito de suas
experiências com música na vida, nos cursos realizados.
Não canto e também não toco. Eu tentei uma vez na minha
adolescência aprender a tocar violão, porém eu acho que faltou um
pouco de força de vontade e faltou também condição, pois não tinha
condições de comprar o instrumento para treinar em casa, então eu ia
na aula, que na época era no Sesi
40
do Roosevelt, próximo da
minha casa, eles emprestavam o instrumento. Tinha uma colega que
possuía [o instrumento] e ela me emprestava também, o professor
também emprestava, mas, enfim eu não tinha como treinar em casa, e
ficava complicado. Como aprender a tocar uma coisa se não se tem o
instrumento para praticar, melhorar? Então não havia uma evolução.
Eu gostava, mas se fosse uma coisa que eu tivesse me empenhado
mais, nem que fosse tentar conseguir um violão velho, mas
infelizmente eu vim de uma família em que minha mãe não tinha
condição, e parou por aí. Agora a música eu canto na sala de aula
com os meninos, não gosto da minha voz, acho desafinada e falta
disciplina na minha voz. Também sei que temos uma forma correta de
respirar, de colocar a voz, porque tenho familiares que lidam com a
39
Algumas observações: as falas que se seguem foram textualizadas pela pesquisadora, a partir das transcrições
das entrevistas, o que significa a manutenção do texto original, porém com a exclusão das perguntas feitas e de
algumas alterações na ordem das respostas. Também foram acrescentados alguns termos ou pequenas frases
escritas entre colchetes, e sinais de pontuação para melhor compreensão do texto. Fizemos a opção por ordenar
as narrativas em ordem alfabética das iniciais de seus nomes: Profa. C., Profa. R e Profa. T.
40
SESIMINAS - Serviço Social da Indústria de Minas Gerais.
98
música. Eu fiz fono
41
durante algum tempo e também é muito
abordado esse assunto, eu comecei tendo fenda nas cordas vocais, e
hoje tenho calos por causa da profissão. E por causa de não saber
colocar a voz mesmo, por falar alto, gritar, isso vai prejudicando, eu
melhorei bastante, porque eu gritava muito, hoje acontece de eu me
corrigir quando estou falando muito alto, tentando preservar minha
voz para que eu possa conseguir ir até o fim da minha profissão sem
prejudicá-la mais do que prejudiquei. [...] Quando eu era criança
em escola, freqüentei um curso de música. [Foi] esse que comecei
no Sesi. [Este] foi o único contato direto com música que tive na
minha adolescência. Quando fiz magistério não tinha [música] e nem
quando fiz graduação. Quando comecei a trabalhar com a Educação
Infantil, vi a importância da música e o quanto ela é uma forma
prazerosa de alfabetizar, então foi isso que de certa forma me levou a
buscar oficinas, sempre que ficava sabendo de alguma oficina ligada
à música eu me inscrevia, se não podia eu ia para o sorteio, quando
tinha a oportunidade, sempre que era possível eu participava de
coisas ligadas à música, seja de instrumentos ou de música na sala de
aula, tudo que estava ligada à essa questão eu ia atrás para ajudar a
desenvolver isso em sala de aula. Teve um tempo em que o EmCantar
selecionou minha escola para fazer parte. Eu queria participar, mas
aconteceu que era sábado o dia todo e eu não tinha com quem deixar
meus filhos, então complicou. Durante dois anos foi assim, hoje que
acontece durante a semana e que eu poderia participar a escola não
me deixou participar, porque ficaria complicado liberar o pessoal
todo, então quem tinha módulo na quarta-feira é que iria
participar do sorteio, mas sempre que eu pude acompanhar o que o
EmCantar
42
faz, participar eu o fazia. A Profa.T.
43
por estar sempre
muito ligada ao EmCantar o que ela pode trazer de conhecimento
para me ajudar ela traz e eu sempre fui atrás e tentei saber, buscar.
no curso de graduação
44
nem se tocava nesse assunto, tanto que
me formei em 97, mas esse despertar para trabalhar com a música foi
depois de 2000. Quando o EmCantar foi para a escola
45
nós
estávamos começando esse trabalho com a música, de levar a música,
de cantar, antes era mais esporádico. Recordo que em 92 [1992],
quando fui para a Leilão de Jardim, nós tínhamos eventos em que
cada sala tinha que fazer uma apresentação. Lembro que eu optei por
fazer uma apresentação de música, com a cara e com a coragem, eu
tinha uma primeira série e foi na época do 5 de junho que é o dia da
Conservação do Meio Ambiente e eu escolhi uma música [do cantor]
Fábio Júnior que se chama Nossa Casa Terra” e que falava sobre
essa questão do meio ambiente. Montei uma coreografia e os meninos
cantaram essa música. Então, de uma forma ou de outra, eu sempre
fui para o lado dessa questão da música, de apresentar e tal, mas era
41
C. está referindo-se ao tratamento fonaudiológico.
42
A Profa. T. é a única professora de educação infantil desta escola que participa do projeto EmCantar
43
Como explicamos no capítulo II deste trabalho, optamos por utilizar somente as iniciais dos nomes das
professoras colaboradoras para preservar suas identidades. Para os demais sujeitos que aparecem no decorrer do
trabalho utilizamos nomes fictícios também para preservar suas identidades.
44
Esta professora é habilitada em curso de Pedagogia na Universidade Federal de Uberlândia.
45
Esta professora está referindo-se à escola onde atua e onde desenvolvemos a presente pesquisa.
99
mais nesses eventos. Em sala de aula, às vezes, acontecia de
trabalharmos em determinado conteúdo, usando a música como
recurso. Quando eu e a Profa. Maria trabalhávamos com a terceira e
quarta séries, nós trabalhamos com a música Planeta Água” [do
cantor] Guilherme Arantes, então, uma vez ou outra nós estávamos
sempre buscando a música nesse tipo de recurso. Agora quando eu fui
para a Educação Infantil a música se tornou mais presente, não na
hora de alfabetizar, mas até mesmo pelo prazer de cantar, gesticular,
então passamos a ter a música mais presente na sala de aula. Mas
disciplina na graduação que incentivasse, que mostrasse, nunca tive
não. (Profa. C. entrevista em 04/12/2006) (Acréscimos nossos).
Eu arranho violão, não sei tocar violão, sei algumas notas para
cantar alguma coisinha” com as crianças, mas eu não toco violão.
Eu fiz um curso durante o curso de Artes
46
na Educação Física
47
para complementação de carga horária que se chamava recreação
musicada. Esse curso me deu uma base para montar bandinha,
trabalhar com música, histórias cantadas, esse tipo de coisa com as
crianças na escola. Acrescentou muito do que eu sabia, mas, eu já
fazia muita coisa daquilo que eu vi lá, por gostar mesmo. Eu fiz um
pré-escolar muito bom e na minha escola foi trabalhado muito isso
comigo quando eu era criança. Então eu cresci com essa coisa de
cantar muito, sempre cantei muito, por gostar de participar, às vezes
ouvia uma musiquinha
48
e queria aprender ela, então por interesse
meu mesmo. Nunca participei de cursos ou oficinas na área de
música. (Profa. R. entrevista em 24/10/2006)
Tinha contato com parentes que são músicos, eu cresci junto, vendo
eles tocarem violão, na época que eu era adolescente, tocar violão
perto do pai era coisa de quem não tinha o que fazer, tinha que
arrumar casa, fazer outra coisa e não perder tempo com isso. Essa
vontade que eu tinha na minha época, eu não pude realizar porque ele
não aceitava, achava que era coisa de quem não tinha o que fazer. E
o tempo foi passando e fui deixando, fui fazendo outras coisas. Eu
acho que a música está muito voltada para o lazer, ela tem a ver com
um momento em que você estiver fazendo alguma coisa que não tem
nada a ver com os seus afazeres de casa, um momento seu. Não
ligar o rádio e escutar um som, mas ter um instrumento para tocar, eu
sempre tive muita vontade, talvez agora eu consiga. Quando eu fiz [o
curso] normal nós não aprendíamos nem dar aulas realmente, a gente
aprende mesmo é na sala de aula, até aqueles materiais didáticos que
fazíamos nem condizia com a realidade da escola. Nunca passaram
nada [sobre música]!
Quando eu terminei o [curso] Normal em
46
Esta professora é habilitada em curso de Educação Artística habilitação em Artes Plásticas na Universidade
Federal de Uberlândia.
47
A professora refere-se à disciplina ‘Recreação musicada’, oferecida pelo curso de Educação Física (UFU), e
cursada pela mesma.
48
Este temo é bastante recorrente na fala das professoras para se referir a canções do repertório infantil e/ou
folclórico.
100
dezembro, em 28 de março do próximo ano eu fui para a prefeitura e
me ofereci para dar aula na escola rural, naquele tempo não tinha
concurso, você se oferecia, quem queria dar aula, naquela época a
zona rural era muito distante, eu fui e fiz uma entrevista e comecei.
Então eu terminei o Normal e fui residir numa escola onde eu tinha
que limpar a escola, fazer o lanche e ficava o mês inteiro, cuidava
da escola, fazia toda a parte de escrituração, dava aula de manhã, à
noite para os adultos e no intervalo ia cuidar da escola. Durante a
aula eu fazia o lanche das crianças, era tudo eu mesma. Eu fiquei dois
anos nessa escola com esse formato, passei a trabalhar em uma outra
que fiquei um ano, eu ia de madrugada e voltava à tarde, sempre de
carona porque não tinha transporte para me levar e me buscar, era
bem precário mesmo nossa ida e vinda, depois fui para a Olhos
D’água, que foi quando eu iniciei o curso [de pedagogia] em
Barretos
49
. Fiz a Pedagogia lá em três anos, depois fiz mais seis
meses de s-graduação. Em 2003 chegou aqui na escola um convite
para quem gostaria de participar do projeto Emcantar, e como eu o
conhecia, até relatei no meu memorial que música e cultura são muito
presentes no bairro onde eu moro. Eu coloco como endereço
Copacabana, mas o referencial do meu bairro é Patrimônio, que tem
toda uma cultura de afro-descendentes, das famílias bem tradicionais,
então a cultura é muito presente. Eu ficava muito curiosa porque o
Emcantar começou o trabalho em uma escola de lá, e meu sobrinho
estudava lá e me passava tudo o que acontecia, então conheci o
trabalho do Emcantar voltado para a música. Eu fui no lançamento
do primeiro cd, que eles gravaram com organização de uma coral
com os alunos da escola do bairro, fiquei muito encantada, e quando
veio o convite para a escola em 2003 eu me ofereci para participar.
Nós fomos em quatro representantes da escola e de 2003 até agora
2006 participamos do EmCantar, das oficinas onde eles trabalham
muito a música, com percussão, nos ensinam a trabalhar com
materiais que nós mesmos podemos confeccionar, a trabalhar a
percussão com as crianças, não o material, mas também tirarmos
da criança a expressão corporal, eles passam muito que o corpo
também é um som. Eu aprendi muito isso, através de palmas, usando
o corpo, pés, mãos, as expressões do corpo também, e de tudo um
pouquinho, trazendo para a sala de aula as músicas que o Emcantar
realiza com as escolas parceiras. Participei também da gravação de
um cd. Esse ano eles convidaram aqueles professores que estavam
três anos com o Emcantar, os demais que estavam entrando, que
tinha seis meses ou um ano eles não convidaram. Tivemos momentos
de ensaio, eles trabalhavam postura, educação da voz, aquecimento
vocal. Então nós tivemos todo um momento preparatório de como
colocar a voz, exercícios para fazermos em casa, e depois foi
marcado um dia para gravarmos o cd em estúdio. Também
participei [de outros cursos, oficinas na área de música] até antes de
montar aquela bandinha que no Emcantar eles deram muitas
sugestões. Logo naquela semana chegou na escola um
49
A Profa. T. cursou graduação (Curso à distância) em Pedagogia na Faculdade de Educação Antônio Augusto
Reis Neves, Barretos-SP e especialização na mesma instituição.
101
encaminhamento falando dos cursos que seriam oferecidos, e teria
uma oficina ensinando a montar uma bandinha rítmica. Eu participei.
Veio para a escola a lista de material que teríamos que levar: arame,
alicate, tampinhas abertas, tampinhas fechadas, cabo de vassoura,
pote de sorvete, bastante coisa. Eu fui, fiz o curso, fora isso também
participei de outros de canto. Depois tiveram várias oficinas na
UFU, teve a do Projeto Pátio e teve também a oficina de música sua e
de Teresa
50
, com aqueles jogos cantados, e foi bom que você depois
esteve na escola. Às vezes esquecemos [as atividades musicais] porque
naquele curso nós vivenciamos os ritmos, depois aprendemos a letra
mas, esquecemos um pouco o ritmo, e aquele dia que você veio na
escola foi bom porque nós relembramos. Em meu curso o houve
disciplina que nos preparasse para o trabalho com música. Eu não sei
se hoje isso [a música] está sendo atendido, mas na minha época não
tinha nada voltado para a música. (Profa. T. entrevista em
07/10/2006) (Acréscimos nossos).
Observamos nos relatos das três professoras unidocentes como o contato com música
na infância marcou a vida musical dessas professoras, mesmo que tenha acontecido em
experiência de execução musical e também na apreciação, como forma importante de
envolvimento com música. Não podemos negar que a audição é uma atividade que também
proporciona envolvimento direto com música. Para Swanwick (1979) ela consiste em uma
atividade central no ensino-aprendizagem de música. A argumentação de Swanwick (1979)
esclarece e exemplifica essa questão:
A audição, entretanto, significa responder a apresentações de música como
audiência. É uma forma muito especial de envolvimento com o performer,
um sentido de estilo musical relevante para a ocasião, uma vontade de ‘ir
com’ a música, e finalmente, talvez a mais rara, uma habilidade de responder
e relacionar-se intimamente com um objeto musical como um entidade
estética. Isso se aproxima de um estado de contemplação [...] a audição é a
razão central para a existência da música e o objetivo constante e final da
educação musical.(SWANWICK, 1979, p.10)
No relato da Profa. R esta nos diz ‘crescido com essa coisa de cantar muito’. Fala,
também, de ter feito uma pré-escola onde a música, mais especificamente o canto, era
bastante presente. A Profa. T. caracteriza o ambiente familiar como musical. Nos conta que na
infância teve contato com parentes músicos e que cresceu vendo e ouvindo eles tocarem
violão. A Profa. C. também comenta que tem familiares que lidam com música. Desse modo,
50
Trata-se da oficina: “A educação Musical na sala de aulaministrada pela pesquisadora e pela professora
Ms. Maria Teresa de Beaumont, no curso de Formação de professores e cotidiano da escola, promovido pelo
projeto PACTo- Programa de Apoio Científico e Tecnológico aos Assentamentos de Reforma Agrária do
Triângulo Mineiro. UFU, Faculdade de Educação. A oficina foi realizada no mês de maio de 2006, na UFU,
perfazendo uma carga horária de 6 horas/aula.
102
compreendemos que todas as professoras tiveram oportunidades de contato com música,
mesmo que de formas distintas. Nesse sentido, concordamos com Beaumont (2003) ao
colocar que:
Compreendemos, assim, que as práticas musicais familiares caracterizam-se
como uma ‘formação não formal’, porque não é escolar, mas cujo papel não
pode ser negligenciado, quando buscamos refletir sobre a maneira como as
professoras trabalham com Música, no processo ensino-aprendizagem.
(BEAUMONT, 2003, p. 20).
Quanto à formação musical, destacamos nas falas das professoras que todas tiveram
alguma experiência na formação escolar. A Profa. C., por exemplo, fala sobre o curso de
violão que freqüentou no SESIMINAS na sua adolescência. Acrescenta que não deu
continuidade nos estudos musicais pela falta do instrumento musical em virtude da condição
financeira de seus pais, os quais, na época não tinham dinheiro para comprar o instrumento. E
comenta que esse foi o motivo para não prosseguir os estudos de música.
A Profa. T. recorda-se, com mágoa, do preconceito do pai, ainda na sua adolescência
com relação a quem tocava violão. Recordando o que a Profa. T. narra sobre seu pai, segundo
ela mesma temos que:
tocar violão perto do pai era coisa de quem não tinha o que fazer,
tinha que arrumar casa, fazer outra coisa e não perder tempo com
isso. (Profa. T.
Entrevista em 07/10/06)
O preconceito não era somente de seu pai, pois é sabido que no Brasil
51
no começo do
século XX, o violão apesar de ser um instrumento essencialmente urbano passou por um
período que foi visto como um instrumento tocado por boêmios e tocadores de rua. O
preconceito em relação ao instrumento foi amenizado a partir do momento em que este
ganhou as salas de concertos. Nesse sentido, percebemos que apesar dos avanços na história
do violão, ainda no cotidiano das pessoas há reminiscência desse preconceito.
A Profa .R., por sua vez, comenta que “arranha” o violão, mas enfatiza que não sabe
tocar. No entanto, não maiores explicações sobre como aprendeu a “arranhar” o
instrumento. Assim, percebemos que é nas experiências das professoras e com o contato com
51
O violão também se tornou o instrumento favorito para o acompanhamento da voz, como no caso das
modinhas e, na música instrumental, juntamente com a flauta e o cavaquinho, formou a base do conjunto do
choro. Por ser usado basicamente na música popular e pelo povo, o violão adquiriu má fama, instrumento de
boêmios, presente entre seresteiros, chorões, tornando-se sinônimo de vagabundagem. Assim o violão foi
considerado durante anos. (DUDEQUE, Norton. O violão no Brasil. Curitiba, 1958.
http://www.violao.hpg.ig.com.br/oviolaonobrasil.html
acessado em 31/06/07.
103
o instrumento violão, seja por meio da execução instrumental e aprendizagem do instrumento
ou por meio da apreciação (audição) que as professoras constróem um conhecimento de
música. O fato de todas elas pretenderem ou desejarem tocar um instrumento musical também
nos sinaliza o que pensam e sentem em relação à música. As professoras explicitam o desejo
de se envolver com música por meio da performance: ‘tocar violão para acompanhar as
crianças’. Além do que elas têm em comum - todas apreciam a música e acham que ela é
importante - também percebemos que todas demonstram o desejo de se relacionar melhor com
o instrumento violão, e de ‘tocar bem’, mesmo que isso não tenha acontecido concretamente.
Quanto ao trabalho que desenvolvem na sala de aula observamos por meio dos relatos
das professoras que mesmo que as experiências com música na infância e adolescência
tenham sido diferentes e não necessariamente experiências envolvendo a performance
instrumental, marcaram a vida musical dessas professoras e contribuíram para o
fortalecimento e a construção de um trabalho com música na escola com seus alunos. Como
exemplo, a Profa. C. comenta que canta com os alunos na sala de aula, apesar de afirmar não
gostar de sua voz e de pensar que é dasafinada e a música como uma forma prazerosa de
alfabetizar as crianças. A Profa. R diz que gosta de trabalhar com música e que trabalha
muito tempo com música por gostar de cantar. A Profa. T. acredita que a música está voltada
para a questão do lazer, do relaxamento e livre expressão de sentimentos e que ainda tem
vontade de aprender a tocar um instrumento musical.
Na formação inicial recebida nos anos de graduação a presença da música como uma
das modalidades da área de Arte, não foi contemplada nos cursos freqüentados pelas
professoras colaboradoras. Essa questão apesar de não ser nosso foco de pesquisa não escapa
de ser mencionada, até porque percebemos que a ausência de formação musical de
professoras unidocentes acaba por interferir em suas práticas pedagógico-musicais. Portanto,
nossas colaboradoras foram unânimes em afirmar que o tiveram na graduação nenhuma
disciplina que as preparasse para um trabalho com música.
Em relação à participação em cursos de música e oficinas, depois de terem optado pela
profissão docente, todas as professoras disseram ter freqüentado algum curso. Somente a
Profa. R, apesar de gostar e de trabalhar com música na sala de aula, nos informou ter feito
apenas uma disciplina ainda no curso de graduação. Segundo ela, nunca participou de cursos
ou oficinas na área de música.
O gosto pela música e por desenvolver um trabalho com essa linguagem tem motivado
pelo menos duas das professoras a procurar por cursos e oficinas na área. Não sabemos por
que motivo a Profa R. não tem buscado aprimorar o trabalho em cursos e oficinas na área de
104
música uma vez que possui formação inicial em Artes Visuais. Contudo, avaliamos que as
experiências musicais ‘não formais’ ainda que não possam ser consideradas suficientes do
ponto de vista de uma Educação Musical, não podem ser ignoradas visto que as professoras
unidocentes utilizam-se de conhecimentos musicais construídos em várias de suas
experiências, momentos em que estiveram em contato com a linguagem musical e também no
cotidiano de seu trabalho docente, construindo práticas musicais na escola com os alunos.
As narrativas das professoras unidocentes revelam aspectos importantes da formação
inicial e da ausência de música nesse processo. Demonstram, porém, aspectos da formação
musical que possuem e das experiências musicais vividas por elas em diferentes momentos da
carreira docente, na infância e na vida de modo geral. Observamos como as experiências com
música marcaram suas vidas, seus pensamentos sobre o ensino de música na Educação
Infantil e sua prática docente. A partir desses relatos podemos compreender que a formação
docente não se dá apenas nos cursos de formação inicial, mas na vida, na escola, no trabalho
com as crianças e com seus pares. Nesse sentido, Fontana (2000) argumenta que:
Se a escola foi um dos espaços de nossa formação, esta se estendeu para
além dos limites daquela, porque também nos fizemos professoras nas
relações de aprendizado com nossos alunos, com nossos filhos, com os
moradores dos bairros populares, pela aproximação de suas vivências e dos
seus valores, procurando compreender o sentido e a função da educação nas
suas vidas. (FONTANA, 2000, p.123).
A partir das falas das professoras sobre suas experiências de vida com música e
respectivamente sobre sua formação musical podemos compreender até que ponto as
experiências com música as marcaram, tanto em seus pensamentos quanto em suas práticas
musicais construídas no cotidiano das salas de aula de Educação Infantil e principalmente, o
quanto essas experiências de vida marcam e delineiam o gosto pela música e pelo trabalho
musical na Educação Infantil.
3.1.2 Sobre os papéis ocupados pela música na Educação Infantil
A música na escola, especificamente na Educação Infantil, freqüentemente aparece
relacionada a diversos objetivos que não são propriamente musicais. Isso é verificado nesta
pesquisa e corroborado por outras pesquisas
52
(Penna e Melo, 2006; Fonterrada e Soler, 2006;
52
A questão da formação musical do profissional da educação infantil se configura em uma temática que vem
sendo bastante discutida por diversos pesquisadores na área da educação musical como Bellochio, Figueiredo,
105
Wille e Oliveira, 2006; Brito, 2003; Beyer; 2001; Maffioletti, 1998) que evidenciam situações
similares. Nesse sentido, é importante salientar que o ensino de música vem se configurando
no contexto escolar, conforme apontam as pesquisas, como ferramenta de auxílio para vários
usos e funções e, principalmente, no processo de aprendizagem de outras áreas de
conhecimento. Dados como estes remetem a questionar sobe os usos e as funções que a
música tem assumido na escola, colocando-a como pano de fundo em diversas atividades e no
currículo, desvalorizando-a como área de conhecimento. No campo da Educação Musical
muito se tem discutido a esse respeito. Nesse sentido, Figueiredo (2002) salienta que:
A educação musical nas escolas brasileiras está diretamente relacionada a
diversos modos de pensar sobre a função da música na formação dos
indivíduos. Música pode ser compreendida como lazer ou entretenimento,
enfatizando seu caráter social; a música como instrumento de controle e
disciplina, enfatizando questões cívicas e morais; música como forma de
conhecimento, abarcando aspectos da cognição humana. Seja qual for o
objetivo da educação musical, tal atividade tem sido relegada a um plano
secundário e muitas vezes está apenas atrelada a uma educação artística
escolar, como mais uma da áreas que compõem as artes de um modo geral,
sem maiores compromissos educacionais (FIGUEIREDO, 2002, p. 43).
Desse modo, conforme as narrativas apresentadas a seguir pelas professoras
unidocentes para o papel da música na Educação Infantil, o que encontramos de mais
significativo por meio de entrevistas e de nossas observações na escola é a que se relaciona ao
uso da música como recurso didático para o ensino de diversos conteúdos escolares. Foi
bastante comum na fala das professoras o argumento de que a música é importante no
processo de alfabetização das crianças e como auxiliar no desenvolvimento de outras
disciplinas e também com meio para o relaxamento e a socialização. A Profa. R. fez o
seguinte comentário:
[...] o papel da música no ensino infantil é de suma importância,
porque enquanto a criança canta, ela relaxa, aprende algum conteúdo
colocado aproveitando o gancho da música, enquanto também é um
momento de recreação, um momento de prazer para a criança e para
nós também [...] a música é um momento de prazer, porque enquanto
a criança canta, ela se desliga de um mundo real para ir para um
mundo imaginário. Esse mundo imaginário é importante para o
crescimento da criança como ser humano, como pessoa. Quando a
criança visita o mundo da fantasia ela desenvolve muito o cognitivo
dela, e isso é importante [...] Algumas histórias cantadas, por
exemplo, fazem com que a criança crie uma historinha mental, de
imaginar um quadro e talvez até produzir alguma coisa, mas como eu
Pena e Melo (2006), Beaumont (2003), Joly , Maffioletti, Coelho de Souza(1997), Torres,. Estes estudiosos m
se preocupado em investigar a formação musical de professores unidocentes da educação infantil e séries
iniciais.
106
trabalho com o ensino infantil e não estou alfabetizando ainda, é mais
como um recurso lúdico. Mas, quando eu trabalhei com a primeira
série eu aproveitava para criar, construir frases, para poder produzir
textos [...]. (Profa. R. Entrevista em 24/10/06)
Nesses trechos da fala da Profa. R podemos compreender a associação entre a música
e o lúdico, o ensino de música e a língua portuguesa. Concordamos que a música possa
também ser um recurso lúdico, até porque entendemos a contribuição do lúdico para a
educação, para o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, e como expressão da
cultura infantil. Estamos aqui nos referindo a uma abordagem do lúdico ‘não em si mesmo’,
mas como um componente da cultura historicamente situada (MARCELLINO, 1989).
Compreendemos também que o lúdico inclui a experiência estética, assim como a música, que
pode contribuir para a formação de sujeitos críticos e reflexivos se vivenciada de uma maneira
integral e considerada como objeto de conhecimento. O lúdico é uma dimensão importante, e
a Arte, a Música, é uma manifestação essencial dele. Assim, defendemos que a música não é
somente meio, é área de conhecimento com fim em si mesma. Portanto, chamamos a atenção
para a associação entre a música e a língua portuguesa. Nessa visão o que prevalece é a
concepção de uso da música, prioritariamente, como recurso didático.
A partir da fala anterior percebemos uma falta de suporte conceitual dos elementos
musicais fazendo com que se estabeleçam suposições com relação aos efeitos da música na
vida humana. É importante frisar que isso provoca sérias implicações educacionais. E nesse
sentido, Swanwick (1979) alerta que quando a música é vista somente como uma fonte de
prazer, a prática educacional provavelmente será afetada por essa posição, tanto na sua
aplicação quanto na sua experiência. Esse autor argumenta que:
[...] apesar do prazer fazer parte da experiência musical, seria um absurdo
limitá-la a este tipo de função. O interesse dos educadores pela música se
deve principalmente pela capacidade de “comunicar” um significado e
também pelo o que as relações musicais têm com o que se chama de
“emoções”. (SWANWICK, 1979, p.3)
A Profa C. considera que a música auxilia no desenvolvimento de outras disciplinas.
Abaixo apresentamos dois momentos em que a professora argumenta:
[...] Na música da ‘Mariana conta’
53
eu trabalhei a matemática. O
tempo todo trabalhei a matemática, a quantidade, conta um, conta
53
A professora estava se referindo à música “Mariana conta” que tem a seguinte letra: Mariana conta um/
Mariana conta um, é um é Ana/ Viva a Mariana/ viva a Mariana/ Mariana conta dois/ Mariana conta dois, é um,
é dois é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta três/ Mariana conta três, é um, é dois , é três, é
Ana/ Viva a Marina/ Viva a Mariana/ Mariana conta quatro/ Mariana conta quatro, é um, é dois, é três, é quatro,
107
dois, conta três, então trabalhei a questão dos numerais, do símbolo e
da quantidade, fazendo um gancho com a matemática. Geralmente, no
pré 6, procuramos fixar muito a questão da quantidade até o número
dez. E na [música] da moradia54, por exemplo, foi um gancho com a
geografia e a história, então estamos trabalhando um dos conteúdos
que é a escola e a casa. E tantas outras, depende da música, se é
gotinha d’água, se leva para o lado da ciência, da valorização da
água [...] [...] A música também ajuda muito a trabalhar a questão da
lateralidade, dentro e fora, que são conceitos matemáticos de pré-
requisito nessa série, direita e esquerda, maior e menor, então a
música é também muito usada como recurso para desenvolver uma
atividade, eu não preciso trabalhar direita e esquerda no papel, não
preciso fazer uma atividade mimeografada ou digitada para trabalhar
esse determinado conhecimento, posso fazer através de jogos, e a
música também entra nisso[...]. (Profa. C. Entrevista em 04/12/06)
(Acréscimo nosso).
Nesta fala percebemos que a música é utilizada em momentos interdisciplinares. A
professora diz utilizar a música para trabalhar conceitos considerados pré-requisitos na
aprendizagem da matemática. Outro exemplo dessa utilização da música na matemática, pode
ser dado pelo que a Profa. R. comentou e que foi registrado em nota de campo.
Estávamos subindo para o refeitório acompanhando as crianças.
Enquanto elas íam correndo na nossa frente, a Profa R. ía
gritando para que não corressem pois poderiam se machucar.
Como havia presenciado os momentos de cantoria em sua sala
de aula onde cantavam saudando uns aos outros, cantavam os
dias da semana, cantavam para realizar a chamada, entre
outras canções que cantaram para mim, resolvi lhe perguntar
quais as possíveis relações que ela acha que poderia
estabelecer entre a música e outras áreas de conhecimento. Ela
então me respondeu: -Olha, por exemplo, se estivermos
trabalhando com sistemas de numeração, eu posso trabalhar
com alguma música que trabalha números, a questão do antes,
do hoje, do amanhã, alguns conceitos mesmo que podemos
usar, mais é em nível de matemática, que a música ajuda
muito[...].(Profa. R. nota de campo n. 10, 29/06/06)
é Ana/ viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta cinco/ Mariana conta cinco/ é um, é dois, é três, é quatro,
é cinco, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta seis/ Mariana conta seis/ é um, é dois, é três, é
quatro, é cinco, é seis é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta sete/ Mariana conta sete/ é um, é
dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é sete, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta oito/ Mariana
conta oito/ é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é sete, é oito, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/
Marian conta nove/ Marian conta nove / é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é sete, é oito, é nove, é Ana/
Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta dez/ Mariana conta dez/ é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é
seis, é sete, é oito, é nove, é dez, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana.
54
A professora está se referindo a música “Quem mora? Utilizada na sala de aula conforme veremos a letra mais
adiante nas páginas a seguir.
108
Com relação aos vários usos e funções da música no contexto escolar as professoras
colaboradoras foram unânimes em afirmar que por meio da música também se desenvolve a
atenção, prontidão e a disciplina das crianças pequenas, qualidades consideradas por elas
como fundamentais ao processo de alfabetização. Como exemplo, podemos apresentar a fala
da Profa. T. ao relatar que
[a música] desenvolve muito a atenção, a disciplina. A partir do
momento que eu comecei a trabalhar até mesmo a bandinha, a
concentração dos meninos melhorou, a hora de cada um tocar,
esperar a hora do outro começar. Então teve mudanças no
comportamento das crianças. (Profa. T. Entrevista em 17/10/06)
(Acréscimo nosso).
De maneira similar a Profa. C. comenta
[...] A música pode ser um instrumento de auto-disciplina para as
crianças (Profa. C. Entrevista em 04/12/06).
Ainda sobre o papel da música na Educação Infantil as professoras colaboradoras
acreditam que a música pode contribuir em vários momentos da rotina escolar como na
formação de hábitos e de valores, nas festividades, nas datas comemorativas do calendário
escolar, conforme constatado e criticado por vários pesquisadores como Tourinho (1993);
Beaumont (2003); Souza et al. (2002) em suas pesquisas. Assim, percebemos que a música
aparece sempre relacionada com algum outro conteúdo disciplinar e curricular. Isso pode
acontecer, por um lado, trazendo benefícios para o processo de ensino-aprendizagem das
demais áreas de conhecimento trabalhadas na Educação Infantil, e para a
interdisciplinaridade, como recurso de aprendizagem. Por outro, deixa de lado a música como
área de conhecimento, as questões específicas que poderiam ser trabalhadas como ritmo,
pulso, apoio, sonoridade e afinação, entre outros elementos específicos dessa linguagem.
Um uso bastante recorrente para a música na prática das professoras pode ser
observado nos momentos de alfabetização. Todas as professoras colaboradoras afirmaram
fazer uso da música para esse fim. Nos trechos abaixo retirados das entrevistas e notas de
campo podemos ilustrar alguns usos da música com esses fins no cotidiano escolar.
O sinal para o recreio acabara de soar. As crianças ficaram um
pouco agitadas e algumas perguntaram se podiam sair da
sala. A Professora T. respondeu que sim, mas, com cuidado
109
para não se machucarem. Quando todas haviam saído eu e a
profa. T. saímos da sala conversando sobre a aula. Ela
acabara de realizar algumas brincadeiras cantadas com as
crianças. As atividades eram de um cd que ela havia adquirido
no curso de formação continuada para professores da
Educação Infantil neste ano de 2006 no CEMEPE. O referido
cd tratava de uma coletânea de jogos cantados de um tal Prof.
Bahia. Eu não o conhecia. Mas ela havia comprado o cd e
afirmou-me ter levado para a sala de aula algumas vezes para
as crianças ouvirem. Então ela comentou que as crianças
gostam muito desse material, e das outras músicas e
brincadeiras que ela levava para a sala de aula. Nessa ocasião
eu estava com o gravador em mãos. Perguntei-lhe com qual
função utilizava música na sala de aula. E perguntei se ela se
importava se eu ligasse o gravador. Ela parou, pensou e então
respondeu que não se importava. E continuou...[...] “eu acho
que a sica é tudo, é alegria, e o prazer, além disso, é poder
oportunizar para a criança a linguagem, a letra e, eu alfabetizo
através disso, através das letras das músicas, dos jogos, então
acho que a música contribui em todos os momentos na
Educação Infantil”.[...] Profa. T. nota de campo n. 14, em
07/07/06)
[...] As atividades com a música são boas, elas permitem a
aprendizagem tanto quanto se fosse um outro texto, se fosse um texto
de uma história, qualquer outro texto, ela me a oportunidade de
trabalhar as mesmas coisas, que a música tem uma magia, tem um
prazer, igual essa semana estou trabalhando a música da dona
aranha
55
, ela de certa forma contagia, e a criança memoriza muito
fácil aquela música e aquilo ajuda, porque mesmo essa leitura em que
o aluno canta assim a dona aranha subiu pela parede” isso também
é uma forma de ler, também é um contato com a leitura, ler não é
decodificar, é o que você falou: a leitura de mundo, não é silabar
para formar as palavras, decodificando; quando ele também vai ao
quadro, eu sei o que está escrito e que ele canta, isso é uma forma de
ler também, e a música permite muito isso. Agora os outros textos, às
vezes, se tornam mais difíceis da criança memorizar, a parlenda e os
trava-línguas são tipos de linguagens que também oportunizam isso.
Então eu sinto que é uma forma prazerosa dos alunos aprenderem a
ler e a escrever, porque ler e escrever parece uma coisa tão simples
para nós que conseguimos e adquirimos esse conhecimento, mas
para a criança não é, para ela é um bicho no qual ela tem que
desvendar[...] a música também, dependendo da letra e da história,
contribui de várias formas, ela traz palavras desconhecidas para se
trabalhar no vocabulário, ela traz ensinamentos. Por exemplo, a
música do atirei o pau gato, é uma música polêmica, é de certa forma
55
A música era “Dona Aranha” e dizia assim: Dona Aranha subiu pela parede /Veio a chuva forte e a
derrubou/A chuva parou e o sol já vai saindo/ Venha, ver a aranha que já tornou subir.
110
uma música que fala da violência, então ela me deu a oportunidade
de falar sobre essa questão, é certo atirarmos o pau no gato? Isso é
correto? Devemos fazer esse tipo de coisa? A música diz isso, mas
isso é correto? Trabalhar a questão da consciência com a criança, o
que a música trouxe, se é um conhecimento positivo ou se é um
conhecimento negativo, esses tipos de coisa; valores. Até teve aquela
música da borboletinha que termina a música falando que está
esperando na porta do hospital para te dar um pau, eu falei para eles
que isso não estava certo, que estavam enfeiando a letra da música,
que não estava legal, e convenci-os que tínhamos que buscar rimas
que combinava, e passou a ser mingau que dava para o Nicolau, e
agora eles mesmos falam que vão assim, porque eu falei para eles que
não tinha problema, mas era esquisito falar que amanhã te dou um
pau na porta do hospital, se você pensar bem, alguns falam que é
bobagem, coisa à toa, a criança estar falando isso, mas por trás de
toda palavra, de toda expressão nossa, nós reforçamos nossos
valores, então eu tomo cuidado.[...] Então eu tento fazer uma
contextualização com a questão da música, da letra, quando vejo que
é necessário e a questão que falei também do vocabulário, muitas
vezes o aluno pergunta que palavra é essa? O que isso quer dizer?
Então, tentamos aumentar o vocabulário [...]. (Profa. C. Entrevista
em 04/12/06)
Na narrativa acima também observamos outra função corrente da música. São funções
destinadas a ensinamentos diversos para a vida, formação pessoal, moral para transmissão de
valores, interpretação de textos e para despertar a consciência das crianças. Percebemos na
narrativa da profa.C. sua concepção de alfabetização e uma possível forma de trabalhar
interdisciplinarmente com a música.
Em pesquisas sobre o ensino de música nas séries iniciais Figueiredo e Silva (2006)
verificam situações não diferentes da Educação Infantil, observadas também por nós, na
pesquisa. Assim, corroboramos os achados dos autores quando apontam que:
[...] É bastante comum o uso da música como auxiliar para a aprendizagem
de outros conteúdos ou ainda como atividade de relaxamento e divertimento
na escola. Esta situação é decorrente de vários fatores. Um deles certamente
está relacionado à falta de preparação musical dos professores das séries
iniciais que, quando incluem a música em suas atividades, o fazem de
maneira superficial em função de não terem vivenciado experiências
significativas e consistentes nesta área do conhecimento ao longo de sua
formação escolar (FIGUEIREDO; SILVA, 2006, p. 1)
Quanto ao papel da música na Educação Infantil todas as professoras colaboradoras
foram unânimes em defender a importância da música nesse contexto justificando que
contribui no processo de socialização das crianças pequenas e também por ajudar a construir a
sensibilidade. A esse respeito, a Profa. C. defende que a música auxilia a criança no
111
desenvolvimento de habilidades necessárias à aquisição de conhecimentos das demais áreas
consideradas tão ou mais importantes que a música. Segundo a professora a música trabalha a
percepção e a prontidão das crianças para apreenderem os conteúdos escolares e auxilia na
disciplina dos alunos. Ela ainda coloca que a música pode contribuir no processo de formação
pessoal das crianças e também na formação do conhecimento sistematizado.
[a música] é importante, ela desempenha um papel de contribuição de
todas as formas, tanto de desinibição das crianças... nessa faixa
etária [Educação Infantil] nós trabalhamos muito a questão da
socialização, então a criança que nunca estudou e chega na sua sala,
e a música ajuda na socialização, porque os alunos se sentem soltos,
livres e conseguem, aos poucos, se manifestar de uma forma ou de
outra, passam a cantar, a fazer gestos, e com isso ele vai conseguindo
se socializar no meio em que está. Eu vejo que a música trabalha a
sensibilidade na criança. [...] a música contribui no processo de
formação das crianças; tanto na formação do conhecimento
sistematizado, como na formação pessoal, porque vamos convir que
uma criança tímida, fechada, que tem dificuldade de se expressar, que
a música vem como um instrumento importante para que essa criança
passe a se comunicar, a partir daquele momento que ela se solta, ela
consegue trazer na vida daquela pessoa todo um bem (Profa. C.
Entrevista em 04/12/06, acréscimos nossos).
As professoras acreditam que a música pode contribuir com as demais áreas de
conhecimento trabalhadas na Educação Infantil como recurso, de forma interdisciplinar e que
também poderia estar no currículo como disciplina. Neste caso reconhecem a necessidade da
presença na escola de um professor especialista em música, o qual ainda não faz parte do
quadro de professores da escola pesquisada. Desse modo, a análise dos dados nos revela que,
a música é concebida pelas professoras unidocentes mais como ferramenta de apoio para as
diversas atividades na Educação Infantil. Esta idéia utilitarista da música, nesse contexto, é
predominante, apesar de algumas professoras dizerem que consideraram a música também
como área de conhecimento com contornos próprios.
Assim, quando perguntamos a elas sobre o modo como a música acontece na escola,
ou seja, se é utilizada como área de conhecimento ou recurso para ensinar conteúdos de outras
áreas, obtivemos as seguintes respostas:
[...] Ela é uma área do conhecimento sim, talvez eu não tenha a
clareza de dizer para você em todos os itens como essa área de
conhecimento seria trabalhada, eu tenho uma noção, mas talvez o
tenha uma noção precisa de como ela seria trabalhada na área de
112
conhecimento. Mas eu sei que a música também é um recurso, no
nosso caso, que não temos essa formação, ela é muito mais um
recurso, por mais que eu tenha noção de que ela é uma área de
conhecimento. (Profa. C. Entrevista em 04/12/06 ).
[...] Para mim é mais recurso, porque eu não tenho esse
conhecimento [musical], nem a escola tem para oferecer, não tem
professor para isso (Profa. T. Entrevista em 17/10/06). (Acréscimo
nosso)
[...] como recurso você pode usar em algum momento em que você
planejou uma aula e queria alguma coisa a mais para complementar
aquilo enquanto recurso. Mas enquanto área de conhecimento
também está ligada, as duas coisas são muito parecidas, na área de
conhecimento você pode, por exemplo, trabalhar uma música com os
dias da semana e eu canto os dias da semana, então a criança acaba
conhecendo e aprendendo porque canta todo dia, uma coisa que era
muito difícil para ela gravar, se fosse para eu ensinar segunda-feira,
depois terça, depois é quarta, enquanto eu canto isso ela aprende a
melodia e grava muito mais, acaba que fica sendo um recurso
também. As duas coisas são muito ligadas (Profa. R. Entrevista em
24/10/06).
A partir da fala da Profa. R. percebe-se que esta ainda não havia entendido o que seria
área de conhecimento, porém, após esclarecimentos nossos, no momento da entrevista, ela
percebeu melhor essa dimensão do ensino de música, apesar de ainda assim permanecer
dizendo que utiliza a música mais como recurso. E acrescentou:
[...] Eu não trabalho como área de conhecimento. Porque eu teria que
ensinar compasso, teria que ensinar o tempo de música, a criança ir
marcando o tempo e entender essa coisa para eu poder trabalhar
harmonia, grave, agudo, e eu não trabalho nada disso [...] só que eu
trabalho a música de uma maneira informal, sem o compromisso de
ensinar as matérias inerentes à música.(Profa. R. Entrevista em
24/10/06).
Porém, por meio das narrativas das professoras percebemos que há nuanças de
opiniões sobre a questão da música se constituir em uma área de conhecimento ou um recurso
didático para o ensino-aprendizagem de outras áreas do conhecimento. Enquanto a Profa. C.
reconhece a música como área de conhecimento, porém, sem a noção clara de como deveria
ser trabalhada como tal, afirma fazer uso dela como recurso. A Profa. T. possui opinião
semelhante e justifica o fato da música estar na escola como recurso pela falta do professor
113
especialista em música e pela pouca formação musical que possui. Já a Profa R. demonstra
ainda não ter conseguido distinguir essas duas questões na música. Porém, deixa claro sua
postura em fazer uso da música como recurso o que ela chama de trabalhar música de
maneira informal”.
Ainda em relação ao modo como o ensino de música caracteriza-se na escola a Profa.
R. disse que, no seu modo de ver, deixa muito a desejar por falta de formação delas. A música
se caracteriza como recurso didático. Porém, afirma terem acontecido mudanças positivas
com a parceria da escola com o projeto EmCantar”. Assim, percebemos que as professoras
têm afirmado aprender muito com o projeto. Para a Profa.. T., a música se caracteriza mais
como recurso, devido à pouca formação musical das professoras e pela ausência do professor
especialista. Já para a Prof. C. a música é uma área de conhecimento com todas as suas
especificidades, porém, acredita ser também um recurso, principalmente no trabalho delas,
que não possuem formação musical.
Vale a pena registrar que, também durante o período em que estivemos na escola
percebemos, conforme será anunciada mais adiante, a falta de estrutura da escola para
implantar o ensino de música na Educação Infantil. Outros fatores importantes são: a ausência
do professor especialista em música, atuando na Educação Infantil; a falta de formação
musical das professoras unidocentes e falta de estrutura física na escola como materiais e
infra-estrutura para aulas de música.
Para tanto, destacamos os aspectos seguintes que julgamos serem pertinentes abordar:
a questão de quem deve ensinar música na Educação Infantil, sobre os recursos materiais
disponíveis na escola, o (des)conhecimento das professoras a respeito dos documentos
curriculares para o ensino de música, bem como sobre os gostos, as preferências musicais e
repertório na sala de aula.
Assim, com relação à presença do professor especialista em música na escola, as
professoras defendem a presença deste, apesar da escola não contar com ele no quadro de
professores. Por meio de entrevistas e conversas informais as colaboradoras expressaram suas
opiniões sobre quem deveria ensinar música na Educação Infantil.
3.1.2.1 Sobre quem deve ensinar música na Educação Infantil.
Embora as professoras unidocentes tenham defendido que elas mesmas podem
desenvolver um trabalho com música na escola, tentam justificar as práticas pedagógico-
114
musicais desenvolvidas pela ausência de formação, mostrando-nos as possibilidades e os
limites para o ensino de música na escola a partir da realidade presente. As professoras
unidocentes não se sentem seguras para trabalhar com música na escola, fazem como podem e
de certo modo, sabem que o que fazem está aquém do que poderia ser feito. Esse fato é
evidenciado por nós na pesquisa quando elas afirmam ser “metidas” à trabalhar com música
na sala de aula; que “arranha o violão”, não sabe tocar direito; quando alegam “serem
desafinadas” para cantar com as crianças, ou que “sabem pouco” de música, para trabalhá-la
como área de conhecimento. Desse modo, comungamos com Figueiredo (2005) ao afirmar
que “a falta de formação musical das professoras unidocentes promove uma falta de confiança
das professoras com relação a esta área no currículo escolar”.(p.2).
Portanto, como a escola em que atuam não conta com o professor especialista, elas
atribuem a tarefa de ensinar música a elas mesmas. Porém, as professoras, de modo geral,
defendem a importância do professor especialista em música na Educação Infantil e acreditam
que elas também podem trabalhar com a linguagem musical. Os trechos retirados das
entrevistas ilustram esta questão.
[...] como não tem especialista eu acho que tem que ser através de
mim mesma, eu não posso ficar esperando, nada acontecer por acaso,
então eu tenho que partir, que buscar e tentar fazer o que estiver ao
meu alcance para trabalhar [...] (Profa. T. Entrevista em 17/10/06.)
[...] primeiramente eu acho que o professor especialista tinha que
começar e eu poderia auxiliar porque tenho outros conteúdos a
passar, mas isso também não desliga do compromisso de colaborar.
Só que já trabalho a música de uma maneira informal [como recurso],
sem o compromisso de ensinar as matérias inerentes à música. Mas
aqui não tem professor de música, tem professor de artes plásticas,
esse é o problema da rede [municipal de ensino], vai ser muito difícil
você encontrar na rede professores de música [...] (Profa. R.
Entrevista em 24/10/06) (Acréscimos nossos)
Concordamos, especialmente com a colocação da Profa. R. quanto à escassez do
professor especialista em música atuando nas escolas de Educação Infantil e até mesmo nas
séries iniciais do ensino fundamental não da rede municipal, mas, da rede estadual de
educação na cidade de Uberlândia, MG. Nesse sentido, Borges e Ribeiro (2002) em pesquisa
realizada sobre mapeamento parcial do ensino de arte na Educação Infantil em dez escolas de
Uberlândia/MG concluem que no que se refere à habilitação dos professores de arte, quando
as escolas, em sua maioria, possuía professores especializados, tinha como habilitação a
Licenciatura em Artes Plásticas.
115
Os relatos acima sinalizam a realidade atual do ensino de música na Educação Infantil,
e demonstram também que esse nível de ensino permanece sendo campo fértil que demanda
um ensino de música. Nesse sentido, faz-se necessário investir na formação musical dos
professores unidocentes conforme coloca Souza et al. (2002) salientam:
[...] é preciso investir nas capacidades e possibilidades de desenvolvimento
musical do professor de séries iniciais [e da Educação Infantil]. Além de
contribuir com a atuação deste professor, que, muitas vezes, não se sente
preparado para ensinar música, esse investimento poderia suprir a escassez
de professores especialistas. Sabemos que são poucas as escolas que contam
com um professor especialista em música e, notadamente, esse espaço vem
sendo ocupado por professores de outras áreas que, por vezes, ministram a
disciplina de música sem ter o mínimo preparo. Essa também seria uma
forma de auxiliar o trabalho dos professores especialistas, quando estes
estivessem presentes nas escolas. (SOUZA et al. 2002, p. 76)
Assim, entendemos que nos espaços escolares em que não se conta com a presença de
professores especialistas em música, o trabalho pode ser realizado pela professora unidocente
que esta lança mão do uso da música, mesmo como “suporte” e “auxílio” para a
aprendizagem de conteúdos de outras disciplinas. E a esse respeito, Figueiredo (2001) afirma:
Parece que temos uma situação ainda sem soluções: o professor especialista
em música não está atuando em todas as séries escolares ou quando está
presente atua com uma carga horária mínima em aula: por outro lado, o
professor generalista está todo o tempo com as crianças na escola e poderia
tirar proveito desta experiência integradora em educação. A integração,
interdisciplinaridade, trabalhos em conjunto, retomam alguns aspectos da
polivalência e uma grande parte dos professores de arte abomina tal idéia. A
possibilidade de integração das áreas não significa que os professores nas
escolas estarão invadindo territórios alheios, mas sim, aponta para uma
educação mais significativa, sem tanta fragmentação, que leve em conta os
saberes da humanidade, incluídas as artes nestes saberes. (FIGUEIREDO,
2001, p. 34-35)
Porém, não se pode deixar de considerar a necessidade de uma integração entre as
professoras unidocentes e especialistas a fim de se realizar um trabalho mais significativo,
bem como atentar para a questão da formação inicial ou permanente que deverão buscar. Essa
preocupação é pertinente no sentido de se pensar um trabalho de modo relacionado, sem a
compartimentação tão comum entre disciplinas, bem como da possibilidade de se estabelecer
um trabalho integrado, conforme o que é defendido por vários educadores musicais como
Figueiredo (2001); Bellochio (2001); Beaumont (2003). Nesse sentido, buscando um
116
caminho “ideal” com o trabalho integrado entre professoras e especialistas, no caso da
Educação Infantil e séries iniciais do ensino fundamental, Bellochio (2001) aponta que:
Bastam 45 minutos de aula de música semanais, de modo desarticulado dos
demais conhecimentos que estão sendo trabalhados pelos professores, para
potencializar a educação musical na escola? Uma possibilidade que vejo é a
da articulação mais consciente, crítica e madura entre o professor atuante nos
anos iniciais de escolarização e os profissionais especialistas no ensino de
Música. Longe de pensar que o professor desses anos poderá substituir o
professor especialista, acredito na construção de um trabalho mais
colaborativo, que possa articular melhor a atuação desses profissionais da
educação na escola. (BELLOCHIO, 2001. p.45).
Comungando com esta autora, Figueiredo (2003) considera que:
Ambos profissionais podem trabalhar oferecendo uma educação com mais
qualidade e significação. O professor generalista é aquele que está com as
crianças a maior parte do tempo e deve compreender as questões musicais e
artísticas que fazem parte da experiência infantil, contribuindo para o
desenvolvimento de uma formação integral. O professor especialista pode
contribuir com a continuidade do desenvolvimento musical, estimulando
práticas que requerem formação mais específica, assim como contribuindo
para a formação continuada dos professores generalistas. (FIGUEIREDO,
2003, p.4).
Investir na formação musical de professores parece ser um caminho para que possam
desenvolver práticas significativas de ensino de música no cotidiano escolar para os alunos e
também para que possamos consolidar o desenvolvimento da educação musical na escola
(Souza et al. 2002). Outra possibilidade seria a de um trabalho colaborativo entre professores
especialistas em música e os professores unidocentes para que possam conjuntamente atuar na
educação musical e geral das crianças da Educação Infantil.
Outro aspecto mencionado pelas professoras colaboradoras que interfere
significativamente nas práticas educativas que desenvolvem com música na escola são os
recursos materiais nela disponíveis. O item abaixo sinaliza o que as professoras unidocentes
falam, pensam sobre o que existe na escola.
3.1.2.2 Sobre (a ausência) de recursos materiais
Com relação à infra-estrutura da escola para a realização de atividades musicais
pudemos perceber por meio das entrevistas e de nossa inserção na escola que os recursos
materiais são precários e quando existentes são adquiridos pelas próprias professoras. A
117
escola possui
56
um aparelho de som portátil com rádio, gravador e tocador de CD, um tocador
de vídeo cassete, uma televisão, um mimeógrafo, um aparelho reprodutor de DVD e um disco
DVD do projeto “EmCantar” doado à mesma. Já as professoras da Educação Infantil possuem
um aparelho de som portátil com CD, de uso comunitário, adquirido com recursos próprios e
que funciona precariamente. O leitor de CD está com problemas e às vezes não toca.
Conforme as professoras nos informaram, cada qual tinha seu aparelho de som
portátil. Mas, como o aparelho de som da Profa. C. estava estragado, ela fazia uso
comunitário do aparelho de som da Profa T. que também estava com problemas na leitura de
CDs. Algumas vezes funcionava e outras não. a Profa R. utiliza o aparelho de som da
escola. Em um dia de observação na sala de aula da Profa. T., esta nos contou que
desenvolveu um trabalho de construção de instrumentos musicais para trabalhar a bandinha
rítmica com seus alunos. Os instrumentos musicais foram confeccionados pelos alunos com
ajuda e orientação da professora. Dentre eles foram confeccionados instrumentos de
percussão feito de sucatas com som indeterminado, como pandeiros, triângulos, chocalhos,
guizos, tambores e platinelas. Assim, somente a Profa T. dispõe de instrumentos de percussão.
As demais professoras não têm acesso a estes instrumentos que ficam no armário da sala de
aula da professora. Porém, as demais professoras colaboradoras manifestaram o desejo de
confeccionar instrumentos e trabalhar com bandinha rítmica.
A Profa. R. possui um violão e diz levar esporadicamente para a sala de aula. Todas as
professoras colaboradoras possuem CDs variados de cantigas folclóricas e cirandas,
adquiridos também com recursos próprios. O material é identificado por Cdteca
57
. A Profa. C.
relatou sua opinião, ao perguntarmos sobre a colaboração da escola na aquisição de materiais
para a aula de música
58
, que:
[...] Não sei, não posso te afirmar, nós sempre, de uma forma ou de
outra, compramos, uma faz e passa para outra que reproduz e passa,
a escola sempre tem tanta coisa para comprar, ela manda fazer uma
lista, mas prioriza aquilo que mais precisa, e não vamos fechar os
olhos para o fato de que a escola é uma escola carente onde tem a
necessidade do lápis, da borracha e do caderno porque senão o aluno
não escreve. Então é muito complicado essa questão, sabemos que às
56
Os recursos materiais foram listados por nós quando desenvolvemos o trabalho de campo na escola.
Infelizmente, no mês de janeiro do ano de 2007, posteriormente à essa fase da pesquisa, fomos informados de
que a escola havia sido assaltada e que hoje não conta mais com os recursos listados.
57
Cdteca é uma coletânia de Cds contidos em uma caixa.
58
Nessa ocasião havíamos feito a seguinte pergunta à professora: Você tem enfrentado alguma dificuldade para
desenvolver o ensino de música na educação infantil? Especifique. Assim, dentre algumas dificuldades
colocadas por ela, apontou-nos a questão dos recursos materiais para as atividades com música. Prosseguimos a
entrevista perguntando se caso solicitassem a escola atendia seus pedidos para esse fim.
118
vezes isso é um pouco supérfluo para necessidades tão imediatas da
escola, não sei se acostumamos mal, mas procuramos, sempre
procurou ter e infelizmente, as poucas coisas que a escola adquiriu no
tempo daquela administradora que eu falei, as pessoas não
preservam, some, não se sabe quem pegou, some até os nossos se o
tomarmos cuidado. Infelizmente são problemas que fazem parte do
nosso dia-a-dia. (Prof. C. Entrevista em 04/12/06).
Nessa fala percebemos, ainda que a música se faça presente nos documentos escolares
como no plano de curso da Educação Infantil e no planejamento anual das professoras desse
nível de ensino, isso não significa que ela esteja nas prioridades da escola. Ou seja, a escola
ainda a música como uma prática à margem das demais disciplinas consideradas sérias.
Também nos questionamos: será que a falta de recursos materiais para as atividades com
música se justifica apenas pelo fato de ser a escola pesquisada uma escola carente? Ou seria
também por desconhecimento da música como área de conhecimento, e que dessa maneira,
exige recursos mínimos para sua efetivação? Assim, é importante que a escola esteja
consciente sobre a importância da música e de sua presença no contexto educativo, seja de
acordo com uma abordagem que a considere como área científica de conhecimento e,
portanto, enquanto linguagem, ou como recurso didático em outras áreas do conhecimento
conforme esta tem se configurado nessa escola. Considerar a música como supérflua é
simplesmente negá-la como área de conhecimento. É preciso que a escola mude de postura
perante a música e que realmente possa contribuir para a construção do conhecimento das
crianças na área.
Ainda sobre os recursos (in)disponíveis na escola para o trabalho com música as
demais professoras colaboradoras fizeram os seguintes comentários:
Nós temos um [aparelho de] som que normalmente problemas em
dia de festa e só! Nós temos [recursos materiais] se trouxermos, se a
gente nos virarmos nos tinta”! Se não, não temos. Aqui [na escola]
tem esse som de levar para sala de aula, eu tenho as minhas fitas,
meus CDs, que eu procuro comprar ou gravar quando acho alguma
coisa que gosto. Mas, a escola nunca me proporcionou nada o.
Aqui na escola tem televisão e aparelho de som, e a supervisora tem
alguns CDs de música, mas como eu tenho um monte, nem tenho
utilizado nada dela, porque se eu não estou conseguindo trabalhar
nem com o que tenho[...] (Profa. R. Entrevista em 24/10/2006).
(Acréscimos nossos)
Eu não conto com o aparelho [de som] da escola. Então eu tenho o
meu, como recurso, eu tive que optar por ter o meu aparelho, para ele
estar em minhas mãos quando eu precisar, além disso, eu montei a
119
bandinha rítmica com os meninos [...] Instrumentos de percussão aqui
feito de sucatas. Penso que poderia ter flautas [...] Aqui na escola
temos vídeo, aparelho de DVD
59
e o disco DVD do “EmCantar”
(Profa. T. Entrevista em 17/10/06). (Acréscimos nossos)
Destacamos, nessas narrativas, a falta de recursos disponibilizados pela escola para as
atividades com música. A falta do aparelho de som, e de CDs, enquanto recursos mínimos
para atividades musicais é uma questão importante na fala das professoras. No entanto,
percebemos que ainda assim as professoras buscam como alternativa adquirir o material
básico com recursos próprios para desenvolverem as atividades com música e acreditam que
apesar da precariedade desses recursos na escola é possível desenvolver um trabalho com
música em suas práticas pedagógicas. Desse modo, as narrativas das professoras reforçam o
desprestígio da música, e o descomprometimento da escola com relação a ela como área de
conhecimento.
Portanto, por meio das narrativas de nossas colaboradoras e pelo que vimos na escola
concordamos que os recursos materiais disponibilizados pela escola e mesmo os adquiridos
pelas professoras com recursos próprios são insuficientes para desenvolverem um trabalho
com música, ainda que essa presença esteja como recurso didático no auxílio de outras áreas
do conhecimento. Podemos perceber por meio dos recursos (in)disponíveis na escola e das
professoras colaboradoras, como professores e membros da administração escolar percebem a
presença da música nesse contexto.
As professoras manifestaram o desejo de possuir instrumentos industrializados de
bandinha rítmica, instrumentos musicais como flautas e apontaram como um dos limites para
o trabalho com música na escola o fato de não tocarem nenhum instrumento musical. Os
depoimentos abaixo ilustram este fato.
[...] eu gosto muito de cantar com os meninos e acredito que eles
também gostam...[...] se eu pudesse mudar eu gostaria de mudar eu
mesma, porque eu queria aprender a tocar violão direito para fazer
uma coisa mais bonita, mais harmoniosa para envolver as crianças,
porque acho que um instrumento muda tudo. (Profa. R. Conversa
informal)
[...] eu gostaria de acompanhar as crianças com instrumentos. É tão
gostoso quando um toca e outro acompanha, seria bom. Eu acho que
o meu limite é não saber tocar um instrumento para que as crianças
pudessem interagir mais com a música, estarem acompanhando,
vivenciando ali..(Profa. T Entrevista em 17/10/06).
59
DVD player.
120
[...] não dá para eu tocar porque não sei nenhum instrumento. Cantar
eu canto, desafinado ou não, eu canto! (Profa. C. conversa informal)
Procurando compreender o pensamento das professoras unidocentes sobre o ensino de
música na Educação Infantil, consideramos pertinente conhecer as relações que estabelecem
com os documentos curriculares. Podemos afirmar de antemão que o conhecimento a respeito
desses documentos não é consensual, mas, variado.
3.1.2.3 Sobre os documentos curriculares para o ensino de música
Outro ponto importante diz respeito ao (des)conhecimento de algumas professoras
unidocentes em relação aos documentos curriculares para a Educação Infantil e também para
a área de música nesse contexto. Por meio das entrevistas e de nossas observações
percebemos diferentes níveis de conhecimento a respeito dos documentos curriculares oficiais
para Educação Infantil e para o ensino de música.
A Profa. R. quando questionada sobre os documentos curriculares como RCNEI e as
Diretrizes Curriculares do Município, afirmou-nos desconhecer os documentos. Sobre isso
comenta:
“Nunca vi. Nem sabia que isto existia. Isto está nos PCNs? (Profa. R.
Entrevista em 24/10/06).
Apesar dos documentos curriculares se constituírem em orientações didáticas, no caso
do RCNEI e dos PNC’s, e de, na maioria dos casos estarem disponíveis aos professores, ainda
assim é comum na profissão o desconhecimento desses documentos por parte de professores.
Esse fato se deve, em alguns casos, ao não acesso a tais documentos e, em outros, à falta de
interesse e/ou motivação dos professores em conhecê-los. Assim, compreendemos que, na
maioria das vezes, os professores unidocentes m contato com os documentos curriculares e
com a legislação em seus cursos de formação inicial. Porém, para algumas áreas de
conhecimento, como é o caso das Artes, e especialmente da Música, eles são apenas
mencionados.
A questão da formação musical de professoras unidocentes em nível universitário é
pouco presente em cursos de graduação em Pedagogia ou Normal Superior, conforme
consideram pesquisadores como: Bellochio (2002; 2004), Figueiredo (2003) entre outros. Ao
121
pesquisar cursos de Pedagogia, em dezenove universidades da região sul e sudeste do Brasil,
Figueiredo (2003) fez a seguinte consideração:
Todas as universidades estão envolvidas na questão da legislação discutindo
os novos documentos. No entanto a maioria das instituições ainda não
incluiu questões das artes porque outras prioridades. O que se constata é
que pouco ou nada mudou nos cursos de pedagogia com relação ao ensino de
artes depois da nova legislação. Os professores de artes entrevistados estão
discutindo a legislação em suas disciplinas, mas muitos deles não têm
conseguido modificar procedimentos arraigados e formas de pensar que
ainda mantêm as artes num plano bastante secundário. (FIGUEIREDO,
2003, p. 3-4).
Ainda que as políticas públicas educacionais e curriculares contemplem o ensino de
música, muitas vezes, têm se tornando pouco relevantes ou até mesmo desconhecidas pelos
professores unidocentes. Desse modo, leis e propostas oficiais e escolares não têm garantido
que a música esteja presente na escola como área de conhecimento. O descompasso entre
legislação e realidade vivido pelas escolas brasileiras, refletido aqui na fala de uma docente,
indica uma visão limitada e periférica do ensino de Arte. Assim, concordamos com Penna
(2004) ao considerar que:
Certamente, como temos insistido, leis e propostas oficiais não têm o poder
de, por si mesmas, operar transformações na realidade cotidiana das salas de
aula. No entanto, tornando-se objeto de reflexão e questionamento, podem
contribuir para as discussões necessárias ao aprimoramento de nossas
práticas; analisados e reapropriados, podem, ainda, ser utilizados como base
na construção de alternativas. (PENNA, 2004, p. 15)
Nesse sentido, a colocação da Profa. R. nos alerta para uma situação comum na
profissão docente que é o desconhecimento a respeito de documentos legais e de documentos
oficiais escolares.
A Profa. T. conhece as Diretrizes Curriculares do Município para a Educação Infantil
e afirmou ter participado de algumas discussões no CEMEPE quando foram realizados os
estudos para a elaboração de tais diretrizes. Segundo ela foi uma das representantes da sua
escola juntamente com a diretora e uma pedagoga. Nessas ocasiões ficava incumbida de
passar informações para seus pares da Educação Infantil, porém, segundo ela, isso
acontecia quando tinha tempo. A respeito do RCNEI a Profa. T. afirma desconhecê-lo e
também justifica tal desconhecimento:
122
[...] Aqui na escola não tem [o RCNEI]. Uma coisa que muitas vezes
conversamos é que se aqui fosse uma escola voltada para a
Educação Infantil eu acho que a visão de Educação Infantil aqui seria
outra, mas aqui são duas ou três salas isoladas dentro de uma escola
de ensino fundamental. Então acho que nós poderíamos ter tido o
conhecimento desses documentos, mas como não é uma escola
voltada para a Educação Infantil e sim para o ensino fundamental,
nós ficamos restritos só às propostas curriculares.[...] Eu acho que eu
deveria ir atrás, mas por exemplo, esse RCN eu nem sabia, eu sei dos
PCNs, mas esse direcionado para a Educação Infantil eu não
conheço, nunca ouvi falar, se eu estivesse em uma escola voltada
para a Educação Infantil a coordenadora poderia passar. E muitas
vezes, as coisas da Educação Infantil nós que corremos atrás, nesses
dois últimos anos temos a coordenadora S. que é muito dedicada à
Educação Infantil, nos proporciona momentos, nos traz o que está
acontecendo, teve todo o empenho de ter aquelas oficinas e termos
aqueles momentos dos cursos e vivenciar música dentro dessa
linguagem, dessas diretrizes que foram tão trabalhadas para serem
realmente efetivadas a partir do ano que vem e que já virão com todos
esses transtornos, mas eu espero que nunca deixe de ter Educação
Infantil. Nós não tínhamos essas orientações pedagógicas que nos
trouxessem coisas da Educação Infantil, nós estamos vivendo mais
isso nesses dois últimos anos [...]. ( Profa. T. Entrevista em
17/10/06). (Acréscimo nosso)
Apesar das informação da professora sobre a não existência do citado documento na
escola verificamos e encontramos na biblioteca da escola pelo menos um exemplar dos três
volumes do documento. Concordamos com a posição da Profa. T., até certo ponto, ao
justificar seu desconhecimento pelo fato da escola em que atua não ser uma escola de
Educação Infantil. Percebemos que o fato da escola não se configurar somente como uma
escola de Educação Infantil como é o caso das EMEIS, tem deixado muito a desejar quanto à
estrutura física da escola para atender alunos na faixa etária compreendida pela Educação
Infantil e também com relação à proposta pedagógica para essa modalidade de ensino.
Percebemos isso não só nas falas das professoras, mas também com o que observamos no
período em que estivemos na escola acompanhando seu trabalho.
Também percebemos uma confusão por parte das professoras no discernimento do que
são as Diretrizes Curriculares do Município para Educação Infantil, o RCNEI e o
Planejamento Anual para Educação Infantil da escola. Quando questionadas à respeito deste
último documento escolar as professoras não souberam do que se tratava. Ora referiam-se às
Diretrizes Curriculares, ora à lista de conteúdos da Educação Infantil. Assim, segundo a fala
da Profa. T., percebemos que na Escola Leilão de Jardim, a Educação Infantil tem sido
relegada à segundo plano por ser uma escola de Ensino fundamental. Durante o tempo em que
123
estivemos acompanhamos alguns problemas enfrentados pelas professoras em relação a
esse nível de ensino e concluímos que providências precisam ser tomadas com urgência.
Além da falta de infra-estrutura física da escola para atender alunos na faixa etária
compreendida pela Educação Infantil, como várias vezes foi citado pelas professoras a
necessidade de construir um parque para as crianças, banheiros, cobertura externa às salas de
Educação Infantil, lavatório para escovação de dentes, entre tantos outros, também citamos a
falta de cursos de formação continuada para as professoras desse nível de ensino e o descuido
da escola no processo de elaboração do Planejamento Anual da Educação Infantil. As
professoras da Educação Infantil não participaram da construção da proposta o que é
confirmado pelo desconhecimento do referido documento. A proposta foi elaborada pela
coordenação da Educação Infantil da escola Leilão de Jardim e as professoras não tiveram
acesso ao documento pronto.
Desse modo, além do desconhecimento a respeito do documento percebemos que ele
pouco tem contribuído para as práticas das professoras, especialmente as musicais. O
Planejamento anual da Educação Infantil, conforme anunciamos no capítulo 1 deste trabalho,
contempla a área de música somente no documento referente ao período da Educação
Infantil da escola Leilão de jardim. O documento apresenta-se confuso e ainda inconcluso
60
.
Nesse sentido, percebemos o descuido da escola com relação aos documentos oficiais e
escolares no que diz respeito à sua elaboração e divulgação que pouco têm contribuído para as
práticas pedagógicas de professores, especialmente, as práticas musicais.
A Profa. C. quando questionada a respeito dos documentos curriculares para Educação
Infantil informou-nos que conhece um pouco a proposta de música contida no RCNEI, sabe
também que a música está contemplada nas Diretrizes Curriculares do Município e acredita
que também esteja contemplada no Projeto Político-Pedagógico da escola. A Profa. C.
comentou o seguinte sobre o RCNEI:
[...]conheço pouco. Eu andei lendo algumas coisas, pois quando
fomos montar a proposta para a Educação Infantil, [Diretrizes
Curriculares para a Educação Infantil do Município] nós tivemos que
ler várias; e a música é um dos eixos temáticos colocados na
proposta, então tem-se a questão do lúdico e também da música. [...]
Para ser sincera eu classifico como sendo uma coisa muito boa, até
que enfim eles acordaram para perceber o quanto a música pode
60
Apesar de nossa insistência na aquisição desse documento, o que conseguimos foi uma versão incompleta que
se encontrava em fase de digitação. Até o final do ano letivo de 2006 as professoras não haviam recebido o
documento e dispunham apenas da lista de conteúdos anexada no Diário de Classe.
124
contribuir, que a música é uma área de conhecimento e que pode vir a
contribuir com as outras áreas de conhecimento e que em países mais
desenvolvidos do que o nosso a música faz parte do currículo escolar.
E o quanto a música desenvolve o aprendiz nos demais conteúdos
considerados tão importantes, porque ela faz com que se desenvolva
na criança e mesmo no adulto, mas principalmente na criança, a
percepção; ela tem que despertar muito para a questão da percepção,
do ouvir, o quanto uma criança tem que aprender a ouvir para poder
aprender música, a disciplina, tudo isso, então, tem uma forma muito
positiva. Não é à toa que os países mais desenvolvidos, que
tomaram consciência disso, faz disso uma área de conhecimento tão
importante quanto as outras, então eu acho que acordaram tarde
para essa verdade, mas ainda falta muito para que o que eles querem
realmente seja concretizado nas nossas escolas, porque nas escolas
ainda falta tudo. A própria aula de artes visuais que está inserida
nas escolas ainda falta o devido valor que ela realmente tem, falta um
reconhecimento. Quando o governo precisa diminuir gastos, a
primeira coisa que eles pensam é cortar a aula de artes e de educação
física, mas primeiro ainda, a de artes, pois consideram que ainda são
secundárias, no meu ponto de vista. Então, se tem o professor bem, se
não tem, quando arrumar está tudo certo. Acredito que eles começam
a reconhecer a questão da música mas ainda falta estrutura na escola
para levar a música para dentro da escola, porque para eles levarem
a música para uma instituição, eles têm que contratar um professor
especializado nessa área, de ser uma pessoa que tenha
conhecimento nessa área, não pode ser qualquer um como eles fazem
com as artes visuais, se tem professor tem, se não tem eles contratam
um regente para tapar buraco, não pode ser assim. Tem que ter uma
proposta, um trabalho elaborado para se desenvolver, não pode
simplesmente implantar a música e colocar lá e não ser funcional, tem
que ser funcional, tem que ter um objetivo, mas eu ainda acredito que
é o primeiro passo, talvez não vai ser para essa década, mas tudo na
vida é um amadurecimento, e essa questão da música ser abordada já
foi um primeiro passo para que isso seja despertado[...] (Profa . C.,
Entrevista em 04/12/2006) (Acréscimo nosso).
As professoras atribuem esses seus (des)conhecimentos à fatores como: o fato de a
escola onde atuam não ser exclusivamente uma escola de Educação Infantil e a inexistência
dos documentos na escola. Porém, entendemos que esses fatores não justificam tal
desconhecimento, uma vez que poderiam conhecê-los por outros meios.
Apesar do pouco conhecimento das professoras em relação aos documentos
curriculares, todas as professoras colaboradoras defendem a importância de uma proposta
pedagógica que contemple o ensino de música nesse contexto. Compreendemos também que
além do (des)conhecimento em relação aos documentos oficiais e escolares para a Educação
infantil, faltam condições para os professores e para a escola como um todo poder colocar em
prática o que os documentos prevêem. É sabido que as propostas contidas no RCNEI nem
125
sempre condizem com a realidade das instituições e de seus professores e isso tem dificultado
a implementação das práticas sugeridas pelo documento
61
.
Assim, outro ponto que merece ser discutido diz respeito aos gostos, preferências e ao
repertório utilizado pelas professoras unidocentes no cotidiano escolar. Nesse intuito
abordaremos no item abaixo nossos achados importantes a esse respeito.
3.1.2.4 Sobre os gostos, as preferências musicais das professoras e o
repertório na sala de aula.
“Atrás de um gosto há sempre um sujeito,
uma história, e práticas culturais
(OSTETTO, 2005, p.41)
Falar de gostos, preferências musicais e repertórios musicais implica tocar na
formação artístico-cultural dos professores que atuam na Educação Infantil. Porém, sem a
intenção de aprofundar sobre a temática
62
apresentamos algumas falas das professoras que
ilustram essa questão por entendermos ser pertinente conhecer como é feita a seleção do
repertório musical pelas professoras no cotidiano escolar. Então, não se trata de discutir os
gostos e o repertório com o intuito de tecer uma crítica a respeito de qual repertório deveria
ser utilizado, mas conforme colocado por Ostetto (2004):
[...] não se trata de condenar o gosto do outro, não, nem de considerar que a
boa música é só a que eu ouço, numa espécie de elitismo. É considerar que o
gosto o é natural, que estamos falando de uma sociedade capitalista, uma
sociedade massificada, que produz cultura de massa (OSTETTO, 2004,
p.48).
Todas as professoras colaboradoras foram unânimes em afirmar o gosto por música.
Elas possuem gostos que variam desde o estilo sertanejo, MPB ao pop rock. Afirmaram ouvir
vários tipos de música e, no trabalho em sala de aula dão preferência às cantigas de roda
63
e
61
A esse respeito ver BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
286p.
62
Sobre essa questão ver OSTETTO, Luciana Esmeralda.; “Mas a crianças gostam!” ou sobre gostos e
repertórios musicais. In: OSTETTO, Luciana E.; LEITE, Maria Isabel. Arte, infância e formação de
professores: autoria e transgressão. Campinas, SP: Papirus, 2004. Coleção Ágere. p. 41-60.; TRAVASSOS,
Elizabeth. Redesenhando as fronteiras do gosto: estudantes de música e diversidade musical. In: Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 5, n.11, out. 1999. pp.119-144.
63
Cantigas de roda, Cirandas ou Brincadeiras de roda o brincadeiras infantis, em que as crianças formam
uma roda de mãos dadas e cantam melodias folclóricas, podendo executar ou não coreografias acerca da letra da
música. Estas possuem melodias simples, tonais, com âmbito geralmente de uma oitava e sem modulações. O
compasso geralmente utilizado é o binário, outras vezes o quaternário. Entre as cantigas de roda mais conhecidas
estão Escravos de , Rosa juvenil, Sapo Jururu, O cravo e a rosa e Atirei o pau no gato. As letras das
canções podem sofrer variações regionais, comuns em manifestações de transmissão oral.
126
canções folclóricas. Nesse sentido, defendem a importância de resgatar a infância por meio
desse repertório, mas não conseguem justificar tal escolha. Assim, concordamos com Ostetto
(2004) ao considerar sobre o fato de que por trás de um gosto musical sempre um sujeito,
uma história e práticas culturais e, tentando entender a escolha das professoras, acreditamos
que ela poderá ser justificada por sua história de vida, suas relações com a música, as
vivências musicais e práticas musicais construídas no cotidiano escolar.
A idéia comum entre as professoras unidocentes de que com as cantigas de roda e
canções folclóricas resgatam a infância, nos remete a pensar que elas se referem à outras
infâncias que não necessariamente dos seus alunos, mas, às suas próprias. As professoras
trazem consigo mais do que lembranças musicais, gostos próprios. As falas transcritas abaixo
permitem-nos entender como suas vivências musicais anteriores de infância refletem a
formação do gosto e também da prática pedagógica das professoras.
[...] eu gosto mais de resgatar a infância, tudo aquilo que eu já
vivenciei quando criança na escola e em casa. Então gosto de levar
para sala de aula cantigas de roda, músicas do folclore, para trazer
as crianças para a infância. [...]Eu gosto de trabalhar com meus
alunos trazendo-os mais para o lado infantil, vivenciar as cantigas,
brincar, cantar. (Prof. T., conversa informal em 26/06/06)
[...] Estávamos assentadas na grande mesa que ficava no
salão do pavimento administrativo. Enquanto conversava com
as professoras colaboradoras sobre suas experiências com
música elas iam me contando sobre estas, exemplificando
práticas que desenvolvem na sala de aula. As professoras
falavam com entusiasmo sobre as atividades que desenvolvem
com os alunos e também sobre algumas atividades aprendidas
em cursos freqüentados. Como este era um dos primeiros
contatos com as professoras e também na ocasião estávamos
conhecendo a escola, conversamos sobre seus saberes e
práticas musicais e sobre a escola em geral. Então esclareci
que estava ali para um bate-papo. Assim, dentre as diversas
falas das professoras a Profa. R. comentou: - Eu me lembro
que no pré-escolar que freqüentei cantava-se muito! Tinha as
brincadeiras... Foi trabalhado muito a música! E eu, cresci
assim com essa coisa de cantar e gostar de música! [...] (Profa.
R. Nota de campo n.2, 23/05/06) ).
[...] eu gosto de música que tenha letra, que tenha um enredo, uma
letra na música.[...] Então gosto de música que tenha uma história,
ou, no nosso caso que trabalhamos com Educação Infantil, gosto de
cantigas de roda. São músicas que nós resgatamos tanto a nossa
infância, quanto tantas outras infâncias, dos nossos pais, nossos avós.
Eu encaro como um bem supremo, é uma cultura que passamos de
127
mãe para filho e vai perpetuando. E esse conhecimento segue geração
afora, porque se não fosse assim, muita coisa havia se perdido,
então acho isso importante. (Profa. C. Entrevista em 04/12/06).
Também percebemos que quando falam em trazer as crianças para infância é como se
estas estivessem em um outro tempo que não o da infância ou que estão perdendo a infância.
As professoras referem-se à infância mais como um estado de pureza, inocência, uma
condição de ser infantil do que a um período do desenvolvimento humano. Talvez o que
quisessem dizer com o resgate da infância seria mais bem colocado (traduzido) como resgate
do folclore, de modo geral, e mais especificamente nessa situação, o resgate da música
folclórica e também de estar atento para a escuta das crianças, ou seja, para o cuidado que se
deveria ter com o repertório musical destinado ao público infantil e que, via de regra, sabemos
que não são respeitados o interesse e realidade das crianças. A cultura de massas produzida
pela mídia tem se encarregado de produzir gostos e estes recaem, muitas vezes, no repertório
dos produtos fabricados em série para o grande consumo padronizado.
A escolha do repertório utilizado em sala de aula além de ser justificado pela
necessidade de resgate da música folclórica pelas professoras unidocentes, é também
justificado por avaliarem que nem sempre o repertório que está na mídia têm sido de boa
qualidade. A esse respeito a Profa. T. afirma levar para a sala de aula vários estilos musicais
somente para apreciação, enquanto que, para desenvolver um trabalho efetivo com música
opta por canções folclóricas como colocado anteriormente, apesar de saber que as crianças
também gostam de músicas da moda. A Profa. T. ainda afirma não levar para a sala de aula
músicas da mídia, apesar de reconhecer que as crianças gostam de cantar esse repertório.
Eu não trago [música da mídia], mas eles gostam de cantar. No
pessoal eu gosto de todos tipos e estilos de música.[...] sou bem
eclética. De um modo geral gosto de sertaneja, mpb, rock, não sou
muito chegada em funk [...] Agora para trabalhar na sala de aula
gosto de resgate de cantigas de roda, músicas voltadas para a
Educação Infantil, trabalho com vários cantores e música de artistas
como: Xuxa, Eliana.. .e trabalho com todas aquelas músicas da
cdteca [...] (Profa. T. Entrevista em 17/10/06) (Acréscimo nosso)
a Profa. C. afirma ser ela quem escolhe o repertório, o qual julga ser bom para
trabalhar com as crianças considerando a letra. Com as observações do cotidiano da sala de
aula dessa professora compreendemos que ela escolhe o repertório a ser trabalho a partir da
letra da canção relacionando-a à temática que pretende trabalhar. O trecho abaixo retirado de
uma das notas de campo ilustra esta questão:
128
[...] A Profa.C. contou para as crianças que esse trabalho sobre
a Casa Torta faria parte de um projeto que iriam desenvolver
no bimestre seguinte (3º bimestre). Esclareceu também que
esse projeto participaria de uma exposição no CEMEPE
(Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais - Julieta
Diniz) no mês de setembro, na “Mostra de trabalhos da
Educação Infantil”
64
. As crianças ouviram atentamente sem
entender muito bem do que se tratava. O sinal soou para o
recreio e então a professora pediu para as crianças se
organizarem a saída para o refeitório. Pediu para que
guardassem o material debaixo das carteiras. As crianças
ficaram agitadas e perguntavam se podiam sair. A professora
respondeu que sim, mas com cuidado e devagar. Ela disse: -
Não precisa correr! O aluno M. se aproxima de mim e me
convidou pra sair para o recreio com ele. Me desculpei dizendo
que precisava falar um pouquinho com a professora. Ele
insistiu e ficou me aguardando. As crianças saíram para o
refeitório sem a professora que ficou na sala fechando as
janelas. Ofereci-me para ajudá-la e enquanto isso ela fez o
seguinte comentário: - Olha Roberta, anteriormente havia
planejado trabalhar com os meninos outro tema, que não teria
música. Mas por causa de sua presença resolvi inverter a
ordem do meu planejamento e começar pelo projeto que
envolve música para que você possa acompanhar o trabalho.
Me recordo que em um dia a caminho da escola a Profa. C.
havia comentado a respeito de seu planejamento em
desenvolver dois temas no semestre letivo, porém me
lembro que um teria música e o outro não, pois segundo ela
não havia achado uma música para o último tema, do qual
também não me recordo do que se tratava.[...] Então
prosseguiu dizendo: Esta é uma das maneiras na qual utilizo a
música. Gosto de músicas que contenham letra. Igual a essa
que é a história da casa torta. Vamos trabalhar a questão da
moradia. Acho que as crianças aprendem de forma prazerosa
[...] (Profa. C. Nota de campo n.9, 28/06/06).
O trecho abaixo retirado da entrevista reforça o gosto da Profa C. por músicas que
possuem letra:
[...] É mais prazeroso, é um texto que acaba se tornando mais
prazeroso. O aluno gosta da música, de cantar, isso causa prazer, e
quando você trabalha aquele texto que fala daquela música, nós
sentimos um interesse maior em descobrir as palavras, nessa
possibilidade de fazer a leitura, que ele acredita estar lendo, e ele esta
lendo, da forma dele, ele está lendo, então isso uma certa
satisfação para ele que está querendo adquirir esse conhecimento de
ler[...] (Profa. C. Entrevista em 04/12/06)
64
A Mostra acontece durante todo o ano letivo no CEMEPE.
129
De modo geral, as professoras dizem que na Educação Infantil as crianças são mais
receptivas e abertas ao que é trazido por elas. Em uma das entrevistas realizadas com a Profa.
R. questionamos sobre a receptividade das crianças em relação ao repertório trazido por ela
que nos informou que as crianças aceitam bem o que é trazido. A Profa. R acredita que esse
fato se deve à idade das crianças e também por serem da zona rural.
[...] as crianças tem uma inocência maior quanto às coisas dos meios
de comunicação de massa, então elas são mais receptivas para o que
nós traz. (Profa. R. Entrevista em 24/10/06)
Concordamos com a colocação referente à receptividade por causa da idade das
crianças e, portanto, salientamos a importância em ampliar o repertório cultural das crianças
da Educação Infantil (inclua-se aqui também os professores). É igualmente importante que se
considerem as experiências, vivências e conhecimentos musicais construídos pelas crianças
em relação com seu contexto. Vale ressaltar que percebemos que algumas professoras sentem
dificuldades em lidar com o repertório da mídia, conforme exposto anteriormente pela Profa.
T. e se preocupam em selecionar um repertório que acreditam ser de boa qualidade. Essa
preocupação com a seleção do repertório é pertinente, porém, tão importante quanto o cuidado
com a seleção para que se obtenha um valor musical e educacional, é a forma como ele irá ser
trabalhado com os alunos.
Para Tourinho (1993):
Saber o que selecionamos e o que os alunos selecionam faz parte da nossa
função de educar e aprender. Muito do que ignoramos nas escolas, seja por
falta de qualidade, relevância ou desconhecimento, também poderia ser
justificado. É claro que temos a consciência que jamais conhecemos tudo
que ignoramos, porém fixar os limites apenas sobre o que sabemos é ignorar
nossa capacidade de aprender. (TOURINHO, 1993, p.20).
Assim, em regras gerais, o que presenciamos na escola é o não acolhimento dos
saberes e experiências que cada criança traz consigo (Ostetto, 2005). Então, percebemos que
as práticas musicais no interior das escolas de Educação Infantil estão relacionadas às
vivências e aos repertórios culturais de professores mais que dos alunos. Nesse sentido, as
iniciativas das professoras em tentar filtrar e delinear um repertório que consideram de melhor
qualidade para as crianças é válida, porém, deixam de considerar as experiências musicais dos
alunos e, nesse sentido, comungamos com Ostetto (2004) quando argumenta que:
130
[...] não se trata de negar a entrada na instituição educativa de qualquer tipo
de música trazida pelas crianças, porque seria como negar a história dessas
crianças. Porém, não é também seguir a moda, as determinações do mercado
de bens simbólicos. É no mínimo, questionar tudo que chega, e questionar
não significa proceder a uma análise, de forma racional, explicativa,
didática, demonstrando por “a mais b” como se a dominação e a
alienação. É possibilitar a coexistência dos mais variados tipos de música, de
modo a provocar o encontro e o debate de significados - do estranhamento às
entranhas do novo. ( OSTETTO, 2004, p.58).
Além do gosto e preferência por cantigas de roda e canções folclóricas as professoras
disseram ter preferência também por músicas cantadas e que contenham letra em que possam
ser explorados diversos conhecimentos, valores e que possam enriquecer o vocabulário das
crianças. Desse modo, acreditam que a letra favorece o trabalho interdisciplinar com outras
áreas de conhecimento quando utilizam-na no processo de alfabetização das crianças.
Discutiremos a esse respeito nos tópicos seguintes.
Ainda com relação ao repertório trabalhado nas salas de Educação Infantil, as
professoras colaboradoras defenderam suas preferências musicais e a importância da música
no processo de desenvolvimento intelectual e emocional dos alunos e no desenvolvimento de
sua consciência crítica. Nesse sentido, rejeitam o uso do funk em suas práticas com música na
sala de aula e também de alguns raps. Na fala das professoras colaboradoras aos estilos
musicais funk e rap
65
são atribuídas atitudes negativas carregadas de significados como
música “pornográfica”, “violenta” e “barulhenta”. Os trechos retirados das falas das
professoras ilustram a questão:
Só não gosto desses raps horrorosos que tem por aí e de funk!
( Profa. R. Entrevista em 24/10/06)
Não sou muito chegada em funk! Essas músicas deturpam as idéias,
trazem um vocabulário cheio de “bundinha” e não sei mais o que.
(Profa. T. Entrevista em 17/10/06)
Não gosto, por exemplo, de música que é só barulho e que a gente não
entende nada do que está sendo falado, é pornográfica. (Profa. C.
Entrevista em 04/12/06)
65
O rap- abreviação de rythm and poetry (ritmo e poesia) - é uma música que nasceu da rua e para a rua. Suas
temáticas estão intimamente ligadas às situações sociais contemporâneas. O rap fala do momento atual,
relatando, criticando e propondo soluções para questões reais da sociedade. Talvez por isso esse estilo musical
seja um dos mais consumidos pela juventude, principalmente as das periferias dos grandes centros, com sua
maioria composta por negros. (SOUZA et al, 2005, 21)
131
Consideramos que as narrativas expostas acima pelas professoras unidocentes apesar
de relevantes não trazem argumentos consistentes a respeito dos estilos musicais que
desaprovam. Nesse sentido, acreditamos que a falta de conhecimento mais amplo sobre
alguns estilos musicais tem levado muitos ouvintes, neste caso, as professoras, a formar
opiniões muitas vezes preconceituosas. Conforme destacado por Tourinho (1993) no trecho
citado anteriormente, não podemos fixar os limites apenas sobre o que sabemos e
conhecemos, pois é igualmente importante que o professor se preocupe em formar uma
sensibilidade auditiva de modo a favorecer a continuidade de acesso dos alunos como
ouvintes críticos, seletivos e ouvintes por opção. O fato de considerarem o funk e o rap estilos
musicais menos ricos é uma opinião compartilhada culturalmente em nossa sociedade e
provém da formação artístico-cultural de professores. É sabido e, compartilhada a idéia do
funk, em especial, de que esteja associado à movimentos de protesto, apelação e violência.
Porém, acreditamos que tal fato acontece muitas vezes por desconhecimento gerando, dessa
forma, estereótipos.
Sobre o rap e o funk, Dayrell (2002) faz a seguinte colocação:
[...] o estilo rap estimula o jovem a refletir sobre si mesmo, sobre seu lugar
social, contribuindo para a ressignificação das identidades do jovem como
pobre e negro. Ao mesmo tempo, ele cria uma forma própria de o jovem
intervir na sociedade, por meio de suas práticas culturais. Mas não significa
necessariamente que se coloque como uma forma de resistência ou mesmo
como uma expressão política de oposição de classe. Prefiro ressaltar seu
sentido formativo, detectado numa pedagogia que parece gestar entre eles.
Uma pedagogia da palavra emitida pelas letras, por meio da qual não
pretendem impor uma compreensão da realidade, mas “fazer o cara pensar”,
como nos disseram vários deles. [...] (DAYRELL, 2002, p. 133-134)
O rap e o funk se colocam como um dos poucos meios pelos quais os jovens
puderam exercer o direito às escolhas, elaborando modos de vida distintos e
ampliando o leque das experiências de vida. Essa dimensão se torna mais
importante quando levamos em conta que é o exercício da escolha, junto
com a responsabilidade das decisões tomadas, uma das condições da
construção da autonomia. (DAYRELL, 2002, p. 117-136)
Ao nos comprometermos com um processo educativo que contemple o direito da
criança à infância e à educação de qualidade precisamos entender que, respeitar é acima de
tudo comprometer-se com as crianças, por inteiro. E nesse sentido, comungamos mais uma
vez com Ostetto (2005) ao afirmar que:
132
A possibilidade de um cotidiano prazeroso, criativo, colorido, musical,
dançante, repleto de movimento, aventura e trocas dependerá, em muito, das
possibilidades do adulto, da relação que estabelece com as diferentes
linguagens, do seu repertório cultural. Aos professores, o que lhes encanta?
O que lhes mobiliza os sentidos? Que linguagens vivem, fazem,
experimentam? No contexto de tantas indagações, delineia-se uma proposta
com base comum para a prática educativa em creches e pré-escolas. É
necessária uma formação que contemple experiências estéticas capazes de
resolver o ser da poesia presente e esquecido no professor - adulto roubado
em suas linguagens ao longo da vida. Pensar o gosto e o repertório das
crianças é problematizar o gosto e o repertório dos adultos (OSTETTO,
2004, p. 57).
Desse modo, no sentido de compreender o pensamento e o trabalho construído pelas
professoras unidocentes sobre o ensino de música na Educação Infantil discutiremos as
práticas pedagógico-musicais construídas no exercício profissional. Este se constitui, então, o
segundo eixo de análise dos dados o que, com as entrevistas e observações do trabalho das
professoras colaboradoras nos levou a compreender os pensamentos que guiam suas práticas
musicais.
3.2 Práticas pedagógico-musicais de professoras: o trabalho construído por
professoras unidocentes no cotidiano em salas de Educação Infantil.
As discussões sobre as práticas pedagógico-musicais das professoras colaboradoras
são apresentadas neste eixo ao buscarmos descrever e analisar os momentos em que música é
vivenciada na Educação Infantil e as experiências musicais no cotidiano escolar.
Nossa inserção no cotidiano escolar, na sala de aula e nos diversos espaços escolares
permitiu-nos compreender o trabalho construído pelas professoras, ou seja, suas práticas, seus
fazeres musicais em situações naturais do cotidiano da Educação Infantil.
3.2.1 Momentos em que a música é vivenciada na Educação Infantil
Buscando descrever e analisar os momentos em que a música é vivenciada nas salas de
Educação Infantil, recorremos às entrevistas, conversas informais e às observações do
trabalho das professoras no cotidiano escolar. Assim, por meio de nossas observações
registradas em notas de campo e imagens de vídeo e fotografias estabelecemos um diálogo
entre o que dizem (pensam e sentem) e o que fazem (práticas) as professoras unidocentes no
cotidiano escolar.
133
Mediante as falas das professoras colaboradoras refletimos sobre os momentos em que
a música pode ser vivenciada na Educação Infantil. O ponto de vista das professoras é
mediado pelo o que pensam ser possível e, conforme colocamos anteriormente, pelo que
pensam sobre o papel da música na Educação Infantil. Desse modo, de acordo com o
pensamento das professoras, a música está presente no cotidiano escolar em diferentes
momentos como recurso no processo de alfabetização, em momentos de recreação e de
descontração. As professoras unidocentes afirmam utilizar a música também na questão da
socialização das crianças. Em festividades do calendário escolar e, em datas comemorativas, a
música está presente em apresentações musicais. Assim, as professoras unidocentes acabam
assumindo a função de animador cultural ou festeiro da escola. Portanto, comungamos com as
palavras de Souza et al. (1995) ao considerarem que:
Ao relacionar o ensino de música às datas comemorativas e apresentações, o
professor, muitas vezes, acaba por assumir a função de animador cultural ou
preparador de festas, o que dispensa qualquer planejamento participativo
para as aulas de música. Em outras palavras, a aula de música prescindiria de
um planejamento.(SOUZA et al, 1995, p.98).
Nesse sentido
,
o depoimento de duas professoras colaboradoras ilustra a situação.
[...] Aqui a música normalmente está presente em algumas
apresentações que as meninas fazem em algumas datas
comemorativas, geralmente, o grupo da Educação Infantil é que
trabalha com isso, o grupo de a série é muito pouco [...] (Profa.
R. Entrevista em 24/10/06)
[...] O pedagogo é quem fala quando teremos uma manifestação, uma
comemoração e nos perguntam o que podemos apresentar em tal dia
[...] se nós combinamos entre nós professoras que vamos fazer o
encerramento da Educação Infantil, no final do ano, o material nós
temos, temos tudo que trabalhamos. Se tivermos uma próxima
apresentação dos meninos, eu não saberia qual música escolher para
eles apresentarem, porque a música está presente na sala de aula,
num evento é mais fácil, até para a própria criança [...] (Profa. T.
Entrevista em 17/10/06)
Segundo os relatos das professoras colaboradoras a música aparece na escola em
festividades, como por exemplo, no dia das mães, na formatura da Educação Infantil, entre
outros. A música quase sempre, aparece como recurso didático para outras atividades no
cotidiano escolar. Como exemplo relatam sua presença como tema gerador de diversos
134
projetos desenvolvidos por elas para alfabetizar as crianças e em processos de ensino e
aprendizagem de conceitos matemáticos. As professoras T. e C. citaram o projeto,
“Girabelhinhas”
66
, “Cantigas de roda”
67
, “Festas juninas”, “Mariana conta” “Leilão de
jardins”. Uma das professoras colaboradoras, ao discorrer sobre a presença da música na sua
escola comentou:
[...] No caso da minha sala e a da professora T. eu posso te dizer que
de uma forma ou de outra a música sempre está presente, se não é
através de a utilizarmos como recurso de alfabetização, de ser um
texto, porque a música é um texto, a letra é um texto, estamos sempre
utilizando para um momento de descontração, de recreação, então
acredito que ela está sempre presente, ela não é ausente. Agora na
sala da [prof.] R. eu sempre percebo ela cantando com os alunos,
colocando alguns CDs, sempre percebo que ela traz também como
recurso[...]. (Profa. C. Entrevista em 04/12/06).
Sobre o desenvolvimento desses projetos a professora C. explicou que é escolhido um
tema e a partir dele selecionam-se músicas que tratam da temática.
[...] A música se faz presente a partir do meu planejamento, quando
eu planejo as minhas aulas eu priorizo trabalhar com textos e com
música. Por exemplo, no ano retrasado eu fiz um projeto para
trabalhar com músicas de cantigas de roda, então estava dentro do
meu planejamento trabalhar música, eu passei praticamente meio
ano trabalhando com música, a letra, cantando, agora esse ano
não foi tanto assim, eu fiz um projeto trabalhando textos variados,
então eu trabalhei com a música porque a música também é m tipo de
texto, é um tipo de linguagem que se utiliza, mas não foi a música,
trabalhei com diversos outros tipos de linguagens, através de
histórias, poesias, contos, e a música também estava presente nesse
projeto. Então ele surge através de um planejamento, de uma escolha
onde eu determino, baseado em um outro planejamento [...].(Profa. C.
Entrevista em 04/12/06).
Assim, as professoras colaboradoras nos revelam que a música está presente em
diversas situações do cotidiano da Educação Infantil. Corroborando esta idéia, Tourinho
(1993, p.68) argumenta que “a música não só existe, mas torna-se necessária para o
funcionamento da vida da escola”. Nesse sentido, uma das professoras colaboradoras, ao
66
Não presenciamos o projeto, pois, embora tenha sido desenvolvido no mesmo ano em que estivemos na
escola, aconteceu antes de nossa chegada.
67
Também não presenciamos o projeto, somente ficamos sabendo de sua realização por meio de conversas
informais com a professora colaboradora que o executou.
135
discorrer sobre o papel da música na Educação Infantil, comenta que a música pode ser
utilizada em vários momentos, pois para ela:
[...] a música é tudo, é alegria, é o prazer, além disso, é poder
oportunizar para a criança a linguagem, a letra, e eu alfabetizo
através disso, através das letras das músicas, de jogos, então acho
que a música contribui em todos os momentos na Educação Infantil
[...] (Profa. R Entrevista em 24/10/06)
Ainda sobre os momentos em que a música se faz presente no cotidiano escolar a
professora R. explicou que:
[...] a música em minha sala faz parte de todo o processo. A começar
pela hora que a gente chega. Nós cantamos para saudar uns aos
outros, depois a gente canta para ver o dia da semana, a gente canta
pra falar sobre o tempo. Eu canto o tempo todo! Então, é complicado!
Os meninos às vezes estão estressados e começam a cantar alguma
música eu paro o que a gente estava fazendo e vamos cantar, é por aí!
(Profa. R. Conversa informal, nota de campo n. 2, 22/06/06)
Questionamos as professoras quanto à freqüência e o tempo destinado às atividades
com música na sua prática no cotidiano escolar. Nas entrevistas e conversas informais todas
as professoras afirmaram que a música estava presente no cotidiano escolar rotineiramente,
porém, quando analisamos o trabalho construído pelas professoras, os dados nos revelam
outra realidade, conforme veremos mais adiante. Porém, entendemos ser pertinente retomar os
relatos das professoras colaboradoras para sentirmos como elas concebem a questão da
freqüência e do tempo destinado às atividades musicais na escola.
[...] não têm [uma carga horária definida], é uma coisa que vai de
momento, às vezes eu estou dando uma atividade, igual hoje, os
meninos começam a cantar, então se tiver algum conteúdo que estou
trabalhando que tiver alguma coisa que pode puxar ali, eu aproveito
aquele momento para fixar aquela atividade, trabalhar aquela
música, canto com eles, deixo eles cantarem a que eles gostam
também para não ficar uma coisa com o que me interessa, é por aí.
Às vezes canto muito um dia e, no outro canta-se pouco [...] Eu
trabalho música na sala de aula todos os dias, normalmente várias
vezes durante o dia, depende das minhas crianças. Normalmente
quando chegamos cantamos um pouco para fazer a entrada, para
relaxar, as músicas que os meninos gostam de cantar, algumas eu que
ensinei, outras eles trouxeram de casa e fomos incorporando na nossa
rotina [...] (Profa. R. Entrevista em 24/10/06) (Acréscimo nosso).
136
Para a professora C. a música se faz presente a partir de um planejamento prévio.
Assim comenta que:
[...] quando eu planejo as minhas aulas eu priorizo trabalhar com
textos e com música. Por exemplo, no ano retrasado eu fiz um projeto
para trabalhar com músicas de cantigas de roda, então estava
dentro do meu planejamento trabalhar música, eu passei
praticamente meio ano trabalhando com música, a letra, cantando,
agora esse ano não foi tanto assim, eu fiz um projeto trabalhando
textos variados, então eu trabalhei com música porque a música é um
tipo de texto, é um tipo de linguagem que se utiliza, mas não foi a
música, trabalhei com diversos outros tipos de linguagens, através de
histórias, poesias, contos, e a música também estava presente nesse
projeto. Então ela surge através de um planejamento, de uma escolha
onde eu determino, baseando em um outro planejamento[...] Este ano
a música esteve na minha sala com menos freqüência, ela foi mais
esporádica, devido a esse projeto que desenvolvi esse ano, e outras
coisas também que foram somando no dia-a-dia que acabou também
não permitindo termos muito tempo para desenvolver outras
atividades que não fossem só trabalhando texto [leitura e escrita]
(Profa. C. Entrevista em 04/12/06) (Acréscimo nosso)
A professora T. acredita que a música contribui e faz parte de rios momentos no
cotidiano escolar como: nas datas comemorativas, em momentos de relaxamento, em
momentos interdisciplinares. Apesar de afirmar que utiliza a música cotidianamente, explica
sobre a carga horária destinada às atividades musicais na sala de aula:
[...] não pode ser o dia todo, eu tenho [eu sempre tenho] que ter um
objetivo. Se eu preparei uma aula hoje voltada para o relaxamento,
eu vou preparar uma música voltada para aquele dia [para este fim].
Se eu quero um horário mais prazeroso, com brincadeiras, eu vou
levar a música para eles. Se eu preparei uma aula que aquele recurso
seja voltado para a leitura, para o ensino formal, eu vou usar a
música para aquilo. Então é tudo planejado com objetivos.[...] a
carga horária é distribuída de acordo com o que planejei [...] sempre
tem [música], ou é cantada, seja para retomar o silêncio, na hora da
baderna [...] (Profa. T. Entrevista em 17/10/06) (Acréscimos nossos)
Contudo, apesar de estar explicitado nas falas das professoras a importância da música
na escola, estas, principalmente as professoras T. e C., ressaltaram que a música ocupa muito
tempo do planejamento. Talvez essa idéia de que a música toma tempo, justifica de certo
modo a pouca freqüência com que a música tem aparecido no cotidiano da sala de aula das
137
professoras colaboradoras. Assim, quando questionamos a professora C. sobre sua
justificativa para a pouca freqüência, neste ano, da sica em sua sala de aula, ela colocou
que:
[...]A questão de desenvolver o projeto com textos variados. Nós
tínhamos um determinado tempo para que esse projeto ficasse pronto,
então nós estávamos trabalhando contra o tempo. Fora isso, tantas
outras coisas, diagnóstico, que leva tempo, a mostra, o projeto foi
para a mostra, de trabalhar em cima disso, então acabou que se tinha
um tempo determinado para fazer aquilo, e como os alunos da minha
sala ainda estão adquirindo a questão de escrever e aprender a ler,
não é uma coisa rápida, eles demoram, para fazer uma atividade eles
demoram dois dias para que ela seja concluída. Às vezes é um dia que
sai mais cedo porque tem que fazer determinadas coisas, é outro que
é dia de módulo e não vamos [à escola], então vai se somando tudo
isso e o tempo vai se encurtando, é onde eu falei que no projeto eu
coloquei duas músicas, essa da “Mariana conta” que levou um tempo
grande para desenvolver, e a da “Quem mora?”, que abordamos um
pouco do que a Profa. A [professora de vídeo-literatura] trabalhou em
literatura que é a questão da moradia. Agora, não deu tempo, mas eu
ia trabalhar também a da “Dona Aranha”, tanto é que o formato dela
está todo para trabalhar no projeto, mas quando eu vi que não ia dar
tempo, eu a exclui e foi até onde deu.[...] (Profa. C. Entrevista em
04/12/06) (Acréscimos nossos)
Na seqüência prosseguiremos a análise a partir das observações registradas em nota de
campo e em registros visuais (filmagens e fotografias). Priorizaremos os trechos mais
significativos das notas de campo produzidas por nós a fim de compreendermos os momentos
em que a música é vivenciada na Educação Infantil nas práticas das professoras.
Depois de ler e reler exaustivamente o material coletado nas notas de campo
confeccionadas a partir das observações do trabalho das professoras nas salas de Educação
Infantil, nos momentos externos à sala de aula, nas salas de professores e no refeitório,
apresentamos alguns aspectos que devem ser pontuados ou sublinhados e que percebemos ser
importante evidenciar.
Tratam-se, pois, de observações que nos revelam que apesar de todas as professoras
colaboradoras nos terem dito que trabalham música rotineiramente na sala de aula, conforme
colocamos anteriormente, concluímos que a música aparece com pouca freqüência nas
práticas desenvolvidas por elas no cotidiano escolar. Durante o tempo em que estivemos na
escola acompanhando o trabalho desenvolvido pelas professoras na sala de aula podemos
afirmar que em apenas 50% dos dias a música apareceu na rotina escolar ou na prática das
138
professoras com as crianças. Não responsabilizamos apenas as professoras por tal situação,
pois julgamos que fazem o que é possível, de acordo com sua formação musical, os recursos
disponíveis na escola para as atividades com música, mas é preciso ficar claro que a situação é
grave e, portanto, merece ser pontuada.
A fim de ilustrarmos o fato recorremos às notas de campo. Não só nós, mas as próprias
professoras, de certo modo, também avaliam que os momentos são poucos. Acreditamos que
o fato se deva à formação musical das professoras unidocentes que não se sentem preparadas
para trabalhar com música, além de não existir na escola um professor especialista em música
e também pela falta de material didático apropriado para o trabalho.
A partir dos relatos das professoras unidocentes e também de nossas observações
durante nossa inserção no cotidiano da escola, pudemos registrar alguns momentos em que a
música aparece. Desse modo, destacamos de acordo com o que as próprias professoras
também dizem a esse respeito: nas atividades de leitura e escrita, ou seja, no processo de
alfabetização; na memorização de conteúdos diversos; execução musical e construção de
instrumentos musicais da bandinha rítmica de sucata; nos trabalhos de expressão corporal;
nas apresentações artísticas em datas comemorativas do calendário escolar; nos trabalhos de
coordenação motora, como: lateralidade; nos momentos de relaxamento, recreação; nos
momentos de disciplina; de modo interdisciplinar como é o caso da matemática, ciências, a
história e nos demais conteúdos trabalhados na Educação Infantil. Na rotina escolar: para
iniciar a aula, para saudar os colegas e a professora, para mudar de atividade, para contar os
dias da semana, para fixar os nomes dos colegas, para ensinar conceitos diversos.
Com relação ao uso da música no processo de alfabetização registramos em vídeo
momentos em que a Profa. C. trabalhava a leitura oral e escrita com as crianças, por meio do
canto e contação de histórias. O trecho retirado de uma nota de campo a seguir ilustra os
momentos.
A Profa. C. está contando uma história para as crianças. Esta
história é de uma casa torta. Enquanto contava a história ia
pregando cartazes na lousa que continham as cenas da
história. Eram cartazes confeccionados por ela mesma
referente a cada personagem ou cena da história. Enquanto
isso as crianças que estão assentadas nas suas carteiras
ficavam atentas ouvindo e olhando em silêncio os cartazes.
Vez ou outra uma criança fazia um comentário interrompendo a
professora: Aluno E. Tia! Eu conheço o gato de botas!” A
professora diz: - Esperem ainda não terminei!” E pede para
não ser interrompida. Ela diz: - falei! Esperem um pouco!”
Quando termina diz às crianças: Agora vamos cantar? É
139
assim! Olha!” Em seguida, ela começa a cantar e pede para
que cantem juntos. Quem mora na casa torta, sem janelinha e
sem porta? Um gato que usa sapato e tem seu retrato no
quarto? Uma florzinha pequenininha, que tem sainha curtinha?
Um elefante com rabo de barbante, um papel de óculos e
chapéu? Um botão que toca violão? Essa não! Um pente com
dor de dente? Ai meu dente! Quem mora na casa? Quem?
Invente depressa! A professora então pede para as crianças
fazerem uma roda no meio da sala. E para isso diz: - “Crianças,
afastem as carteiras devagar, hein? Não precisa fazer tanto
barulho!” Mas elas fazem barulho e a professora zangou-se
dizendo: -“É pra afastar um pouquinho!” Finalmente fizeram
a roda e a professora começou a cantar procurando fazer com
que as crianças fixassem a letra da música, a melodia e,
principalmente, os gestos sugeridos por ela. Cantam
novamente e para cada verso da canção ela faz uma
seqüência de gestos e as crianças imitam.
Quem mora na casa torta (com as duas mãos paralelas e um
pouco afastadas uma da outra faz gestos para a direita e
depois para esquerda desenhando uma casa torta), sem
janelinha e sem porta? (com as mãos afastadas uma em
baixo e outra em cima sinaliza o que seria uma janela e depois
com as mão paralelas e afastadas na vertical sinaliza uma
porta) Um gato ( faz orelhas com as duas os na cabeça)
que usa sapato (bate com uma das mãos no direito que
deve estar esticado na frente do corpo) e tem seu retrato
(desenha uma quadrado no ar com as duas mãos) no
quarto? (faz um gesto com o polegar direito apontando para
trás). Uma florzinha pequenininha (mostra com os dedos
polegar e indicador da mão direita o gesto de pequeno), que
tem sainha curtinha? (balança as duas os no quadril
indicando movimento). Um elefante (faz sinal com uma das
mãos no nariz indicando uma tromba de elefante) com rabo de
barbante (faz sinal no bumbum indicando o movimento da
cauda balançando), um papel de óculos e chapéu? (com as
mãos afastadas uma em baixo e outra em cima sinaliza o que
seria um formato de papel, depois com as duas mãos fechadas
fazem dois pequenos círculos nos olhos e com as duas mãos
desenha um chapéu na cabeça em movimento do centro para
as laterais em forma de cone) um botão (desenha um
pequeno círculo na camisa com o dedo) que toca violão? (faz
gestos como se estivesse tocando violão na barriga). Essa
não!(faz sinal de negativo com a mão). Um pente (passa a
mão direita com os dedos bem abertos no cabelo para trás)
com dor de dente? Ai meu dente!(desce a mão dos cabelos
encontrando a outra em uma das bochechas deitando a cabeça
sobre as mãos) Quem mora na casa? Quem? (faz sinal com
as duas mãos espalmadas para fora). Invente depressa! Fez
tudo de uma vez só. Depois de cantarem e gesticularem todos
os gestos sugerido na canção e inventados por ela, pediu para
140
que voltassem para os seus lugares. Foi aquela barulheira
novamente. A partir daí, a professora pegou um pedaço de
papel tipo papel pardo fez desse um cartaz e colou no quadro
de giz. Esse seria usado pela professora para escrever a letra
da sica que estava sendo trabalhada. Enquanto isso,
entregou para cada criança uma folha contendo a letra da
música digitada e a ilustração da história. As crianças iam
ditando as letras até formarem palavras e posteriormente as
frases as quais liam no texto. Enquanto isso, a professora ia
escrevendo o que era ditado por elas no cartaz. Após formarem
cada palavra todos liam juntos. Quando necessário a
professora corrigia as crianças. Assim, trabalhava com as
crianças a leitura e a escrita. (Nota de campo n. 9, 28/06/2006,
turma da Profa. C.)
Aqui observamos o uso da música com função instrumental, ou seja, como recurso no
processo de alfabetização das crianças. Essa idéia é corroborada por Almeida (2001) quando
comenta que:
Na opinião de muitos professores, as artes têm um caráter utilitário,
meramente instrumental. [...] o teatro e a música podem ajudar na
aprendizagem ou na fixação de conteúdos de outras disciplinas, assim como
no “desenvolvimento da atenção, da concentração”; a música também é
lembrada por seu caráter disciplinador “serve para as crianças ficarem
quietas” ou para distrair e acalmar os alunos: “é bom para relaxar”, serve
para descansar a cabecinha das crianças”. (ALMEIDA, 2001, p. 11-12).
Quanto ao uso da música em variados momentos da rotina escolar e nas distintas
partes da aula, por exemplo, na sala da profa. R. (pré-5 anos), observamos momentos em que
a música está presente ritualmente em determinadas partes da aula. Canta-se para saudar os
colegas; para aprender os dias da semana (calendário); para mudar de atividade; para
organizar a fila e também para “acalmar as crianças” quando estão agitadas. Os depoimentos
das professoras ilustram esta questão:
[...] ouço muito a música instrumental e esse ano levei para a sala
para fazer com os alunos um momento de eles poderem acalmar,
trazer um pouco de tranqüilidade, de serenar. Fiz isso durante uma
semana, em dias alternados, e eu levei quando os meninos estavam
muito agitados e estavam fazendo alguma atividade, colocava ela de
fundo, lembro que uma das que levei era de sons de passarinho, sons
da natureza, e eles vivem num meio onde existe os sons da natureza,
comecei então a falar para observarem e eles adoraram escutar o
som do passarinho e ouvir o instrumento, mostrando para eles o
quanto a música harmoniza, o quanto ela traz essa questão da
harmonia. [...] (Profa. C. Entrevista em 04/12/06)
141
[...] enquanto a criança canta, ela relaxa, aprende algum conteúdo
colocado aproveitando o gancho da música, enquanto também é um
momento de recreação, um momento de prazer para a criança e para
todos nós também [...] (prof. R. entrevista em 24/10/06)
Assim, observamos que o uso da música nos diversos momentos é freqüente nas salas
das professoras colaboradoras, e mais ainda na sala da professora R (pré-5 anos), e possui
uma função instrumental, não sendo, dessa forma, valorizada como parte dos conhecimentos e
da cultura das crianças. Nesse sentido, o RCNEI (p.47) reconhece os vários usos e funções
que a música vem assumindo na escola tornando-se suporte para atender “vários objetivos,
alguns dos quais alheios às questões próprias dessa linguagem”.
Podemos dizer que a música utilizada nesses diversos momentos do cotidiano da
escola tem assumido um caráter instrumental, de recurso, como foi colocado nas discussões
anteriores sobre o pensamento das professoras. Esse fato é também observado por Nogueira
(2005), Penna e Melo (2006), Soler e Fonterrada (2006), Maffioletti (1998), Brito (1995),
entre outros.
Desse modo, a música é encarada mais como um recurso, um meio, para os diversos
fazeres da Educação Infantil. Durante o período em que estivemos na escola observando o
trabalho das professoras unidocentes percebemos que os momentos com música eram mais
constantes na sala da Profa. R. do que nas demais. A música aparece em variados momentos
da rotina da sala de aula. O trecho a seguir ilustra os momentos.
As crianças estão reunidas na porta aguardando ansiosas pela
professora. Uma criança me perguntou se eu ficaria hoje na
sala. Respondi que sim. Logo chega a Profa. R dizendo que
demorou porque estava pegando o material xerocado com
atividades para as crianças embaixo, com a secretária.
Esperei que ela entrasse com as crianças e logo ela me
convidou para entrar. Entrei na sala e enquanto as crianças se
ajeitavam em suas cadeiras cumprimente-as e quiseram saber
se seria eu a professora de hoje. Respondi à elas que não e
disse que estava ali visitando-as. Pedi permissão à Profa. R.
para fazer algumas filmagens. Ela acenou positivamente com a
cabeça e sorriu para mim dando início à aula do dia com uma
canção de saudação: “Bom dia!”. Ela não esperou eu me
preparar para a filmagem. Então o consegui filmar por
completo a cena dessa cantoria. Logo em seguida fizeram uma
oração e cantaram uma canção. A canção diz assim: Bom dia
tia R. como vai? Bom dia tia R. como vai? Faremos o possível
para sermos bons amigos! Bom dia tia R. como vai? Em
seguida sem interrupção, como um pot-pourri, a professora
142
começou a cantar em tom grave outra canção do
“Caranguejo”
68
e as crianças cantaram juntas copiando os
gestos que a professora fazia com as mãos: Caranguejo não é
peixe! Caranguejo peixe é! Caranguejo é peixe na enchente
da maré! Roda, palma, palma, palma! Roda pé, pé, pé! Roda,
palma, palma, palma, Caranguejo peixe é! Em seguida a Profa.
R perguntou: -“Como é que está o tempo, hein?” Vamos olhar
fora? Como é que está hoje?As crianças responderam: -
Está nublado!” A profa. R diz: “Está nublado? Tá calor ou frio?”
Algumas respondem que sim e outras que estão com calor. A
profa. R então se dirige ao calendário (na sala de aula há um
calendário de madeira fixo na parede que possibilita a
professora trabalhar com as crianças) e pergunta às crianças
se poderiam colocar a nuvem indicando o dia nublado. As
crianças responderam que sim. Então ela foi marcando os dias
da semana e colou a ficha contendo o desenho da nuvem. E
completou:- Teve sábado, teve domingo, e então hoje é?” As
crianças responderam “Segunda-feira!” Ela completou: -
Isso! Hoje e segunda feira!” Nesse momento uma criança
comentou que no dia anterior teria sido seu aniversário e que
havia ganhado muitos presentes. A professora perguntou se
ela havia ido à cidade e a criança balançou a cabeça
afirmativamente. Logo em seguida sem dizer nada a Profa. R
começou a cantar: Sete dias a semana tem! Quando uma
acaba a outra logo vem! Domingo, segunda, terça-feira, quarta-
feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado que bom! Essa canção
eu não conhecia. Enquanto cantavam iam mostrando os dias
da semana nos dedos da mão. E a professora ia também
mostrando os numerais nos cartazes presos à parede da sala.
Posteriormente, a professora fez a chamada usando outra
canção “Chaminé
69
que dizia assim: Eu vi a (nome da criança)
na chaminé! o pequenina fazendo café! É de chá, chá,
chá, É de chá-lá-lá-lá-lá! Enquanto cantavam cada criança ia
pegando as fichas com a Profa. R. e ia colocando no quadro de
chamada. Cada vez que a Profa. C. cantava ela subia o tom da
música e quando sentia desconforto para cantar - isso porque o
tom da música ia ficando cada vez mais alto - ela abaixava o
tom novamente, ou seja, cantava com voz grave. Como eram
muitas crianças ela cantou várias vezes e ao final poucas
crianças a acompanhavam. Então ela disse: - Vamos gente!
Estou ficando sem voz!” E as crianças retomaram o canto
novamente. A canção era também acompanhada por gestos
corporais como palmas ora para direita, ora para esquerda.
Logo a Profa. R contou quantos alunos haviam faltado neste
dia e concluiu junto com as crianças quantos eram os
presentes e os faltosos. Após esse momento, a Profa. R. voltou
para sua mesa e começou a trabalhar no diário de classe.
Enquanto isso as crianças continuaram a cantar a canção da
68
Música do repertório folclórico brasileiro.
69
Também do folclore brasileiro. Nesta ocasião parece que a professora utilizou uma adaptação da canção.
143
chamada. A Profa. R. entregou-lhes lápis coloridos e uma folha
com vários desenhos para colorir dizendo que hoje eles
poderiam colorir com a cor que quisessem sem, portanto,
copiar do colega. A atividade foi feita enquanto esperavam pela
coordenadora S. que viria a sala para levá-las para ensaiar a
quadrilha no palco do refeitório. (Nota de campo n. 8,
27/06/2006, turma da Profa. R.)
Aqui também observamos outro exemplo de uso da música com caráter instrumental,
sendo utilizada para formação de hábitos, para socializar, aprender os dias da semana e para
realizar a chamada do dia. A impressão que tivemos é que aquelas crianças cantavam todos os
dias na mesma seqüência de música, pois sabiam de cor todas as letras e a Profa. R. as
conduzia de modo bem amarrado sem intervalos entre uma e outra canção.
O fato da Profa. R. fazer uso de música com mais freqüência em sua sala de aula é
justificado pelas demais professoras. A esse respeito a Profa. C .se posicionou da seguinte
maneira:
[...] no jardim
70
tem-se mais tempo para trabalhar com as
outras linguagens, com o lúdico, cantar com as crianças! Até
por que não se tem a preocupação e a cobrança em alfabetizá-
las. Nós professoras do Pré-6 somos cobradas pelas
professoras da 1ª rie. As crianças precisam pelo menos sair
reconhecendo as letras né! (Profa. C., Pré-6, Nota de campo
nº8)
Também entendemos que este seja um dos motivos pelos quais a música esteja pouco
presente na escola. Além da pouca ou nenhuma formação musical que as professoras
possuem, a falta de materiais próprios para a aula de música e a falta do professor especialista
em música na escola ou de um trabalho colaborativo entre este o professor unidocente,
ainda a questão da supervalorização das demais disciplinas consideradas sérias às linguagens
artísticas e a antecipação da alfabetização na Educação Infantil. A esse respeito Penna e Melo
(2006) tecem o seguinte comentário:
Por um lado, aspectos da organização da rotina de trabalho revelam a adoção
de um modelo educacional mais adequado às escolas de ensino fundamental,
predominando, no planejamento das professoras, as práticas nas áreas de
linguagem oral e escrita e de matemática, não constando explicitamente
espaços reservados para as artes, os jogos e as brincadeiras, tão importantes
na educação infantil. (PENNA e MELO, 2006, p. 473).
70
A professora se referia à sala de Pré-5 anos.
144
A música também aparece como instrumento de promoção da disciplina. Em
conversas informais mantidas com as professoras colaboradoras elas disseram fazer uso da
música para desenvolver a disciplina das crianças. A esse respeito a Profa. T. explicou sobre a
contribuição da música no comportamento das crianças:
[...] A música desenvolve muito a atenção, a disciplina. A partir do
momento que eu comecei a trabalhar com ela, até mesmo a bandinha,
a concentração dos meninos, a hora de cada um, esperar a hora do
outro começar, então teve mudanças no comportamento das crianças
[...] (Profa. T. Conversa informal, 23/05/06)
Também detectamos a presença da música em momentos de recreação como é o caso
das atividades desenvolvidas em diversos espaços do cotidiano escolar que não a sala de
aula, mas, no parque, na grama e em festividades da escola. As brincadeiras cantadas são um
tipo de atividade desenvolvida pelas professoras unidocentes com o fim de recreação.
Descrevemos a seguir mais um trecho em que a Profa. C. realiza algumas brincadeiras
cantadas no parque da escola.
A Profa. C. organizou a fila com as crianças e falou: -
“Crianças, agora vamos para o campinho! Mas sem bagunça,
tá?”. As crianças começaram a gritar enquanto organizam-se
em fila. Foi uma barulheira. A Profa. C. zangou-se e disse: -
“Quem não se comportar vai ficar aqui na sala com L.!”
(monitora da sala).As crianças se acalmaram um pouco e
saíram em fila para o campinho. O que chamam de campinho é
um lugar aberto perto das salas de Educação Infantil, ao lado
do parque. É um local bem agradável e com muitas árvores. No
caminho a Profa. C. comentou comigo que gosta de levar as
crianças pra fora sempre no último horário, após as
atividades de sala, para que possam brincar e para
desenvolver atividades de recreação, expressão corporal, as
brincadeiras cantadas que normalmente exigem o espaço que
não têm na sala de aula. Chegando no campinho ela pede às
crianças para se organizarem em roda. Ligo a filmadora e faço
imagens das atividades que vão desenvolver. A Profa. C. fala
com as crianças que irão fazer aquela atividade que a “tia” R.
havia ensinado na sala de aula outro dia. Se referia à atividade
do “Mais e Menos”
71
que eu havia realizado com as crianças na
sala de aula em um dia de observação e que também havia
aprendido na Oficina de Educação Musical ministrada por mim
e T., promovida pelo projeto PACTO. Perguntou-me se eu
71
Brincadeira cantada: “mais e menos”. CHAN, Thelma; CRUZ, Thelmo. Pirralhada: jogos e canções para a
educação infantil. Rio de Janeiro: Via Cultura Edições Musicais. 2002, p.53.
145
poderia ajudá-la caso se esquecesse de alguma parte da
música. Respondi que ajudaria sim. Assim, com a ajuda da
monitora L. A Profa. C. organizou as crianças em roda
cantando a música: Vamos fazer a roda, sempre batendo
palmas! Zum, zum, zum , zum e pra dentro da roda vai um, E
dentro da roda tem um! Hei, você só, dance um forró! Zum,
zum, zum , zum e pra dentro da roda vai um, e dentro da roda
tem mais um! Um, Dois! Hei, vocês dois, imitem robôs! Zum,
zum, zum, zum e pra dentro da roda vai um, E dentro da roda
tem mais um! Um, Dois, três! Hei, vocês três, imitem um
chinês! Zum, zum, zum , zum e pra dentro da roda vai um, E
dentro da roda tem mais um! Um, Dois, três, quatro! Hei vocês
quatro, imitem um pato! Zum, zum, zum , zum e de dentro da
roda sai um! E dentro da roda tem menos um ! Hei vocês três,
contem em inglês. Zum, zum, zum, zum, e de dentro da roda
sai um, e dentro da roda tem menos um! Um, dois! Hei vocês
dois, imitem bois! Zum, zum, zum, zum, e de dentro da roda sai
um, e dentro da roda tem menos um ! Hei, você só, tire o
paletó! Zum, Zum ,Zum ,Zum, e dentro da roda sai um, e dentro
da roda não tem nenhum! Nessa atividade formam o rculo
batendo palmas e iniciam o mote. A Profa. escolhe a primeira
criança que vai para o centro. Depois, essa criança escolhe a
segunda e, assim vai até a quarta criança. Mas como a
professora esqueceu-se de recordar as regras ela mesma que
ia colocando e tirando as crianças da roda. Achei que ficou
meio desorganizado, mas ainda assim, ela pode trabalhar com
as crianças a questão matemática, mais e menos, e as
crianças iam fazendo as contas. No final da atividade a criança
que havia saído resolve voltar para o centro da roda e se
recusa a sair, pois segundo a regra, como ele havia sido o
primeiro a entrar deveria também ser o último a sair. Mas a
professora não se lembrou desse detalhe, tão importante. A
professora parou a cantoria para convencê-lo a sair da roda
para que pudessem terminar a atividade. Ele saiu insatisfeito.
Nesse impasse a Profa. C. esqueceu a letra da música. Então
olhou para mim pedindo ajuda e disse: - “O que é agora?” Sorri
para ela e disse: -Tire o paletó! Então ela retomou: “hei, você
só! Tire o paletó!” Terminada a canção ela comentou: - “A tia foi
tão bem, mas esqueceu o final! Vamos fazer de novo?” Mas
ainda assim não explicou as regras novamente para as
crianças. Na segunda vez que realizou a atividade, as crianças
estavam dispersas. Algumas o se interessavam nem
mesmo em cantar e mesmo assim a Porfa. C. continuou.
Terminada a cantoria chamou as crianças para mudar de
“brincadeira”. Não se apercebeu do desinteresse das crianças
por não terem entendido a regra ou se ficaram cansados. Deu
início à atividade do “Corre cotia” e posteriormente a “Trem de
ferro”. A atividade do “Corre Cotia” não possui melodia é um
ostinato rítmico em cima de uma parlenda: Corre cotia / de
noite e de dia / debaixo da cama / da sua tia / Corre cipó / na
146
casa da avó / eu tenho um cachorrinho / chamado To/ ele é
bonitinho de um lado só! / é um, é dois, é três / acabou a sua
vez! As crianças em círculo falam a parlenda acompanhada de
palmas. Uma criança é escolhida para ser a cotia e deverá
colocar um objeto qualquer atrás de outra criança que deverá
correr atrás desta até pegá-la ou até que a cotia se sente no
seu lugar. A brincadeira continua a que todos tenham
participado. (Nota de campo n.7, 26/06/2006, turma da Profa.
C.)
Percebemos na primeira atividade (“Mais e menos”) a falta de planejamento das
atividades musicais que mesmo esporádicas e com objetivos alheios a questões musicais,
ainda assim, carecem de um planejamento para que sejam bem sucedidas. A segunda
atividade do “Corre Cotia” foi bem sucedida visto que as crianças já conheciam bem as regras
do jogo.
A música, em seu contexto mais amplo, aparece na escola em festividades em forma
de atividades de cantoria e teatro. Nesse caso o trabalho com a música na sala de aula objetiva
a preparação de apresentações musicais como parte do encerramento das atividades
desenvolvidas durante o ano letivo. Como exemplo, recorremos às observações registradas em
nota de campo de alguns momentos da Formatura das salas de Educação Infantil das três
professoras colaboradoras e da Mostra da Educação Infantil a qual compõe a cena a seguir. Os
dois eventos aconteceram na mesma data na escola. A Mostra consiste em uma atividade de
apresentação de trabalhos desenvolvidos pelas professoras da Educação Infantil durante o ano
letivo. Normalmente acontece no mês de setembro no CEMEPE quando as demais escolas de
Educação Infantil participam juntamente. Portanto, neste ano a escola Leilão de jardim”
optou por realizar a mostra na própria escola junto com a formatura das crianças.
As crianças estão todas assentadas em seus lugares pré-
determinados pelas professoras no refeitório onde acontece a
Formatura (entrega de certificados) e as apresentações
musicais das crianças da Educação Infantil. A diretora L. faz a
abertura do evento dizendo algumas palavras aos pais e à
comunidade escolar que se encontram reunidos no refeitório
onde acontecem as atividades. Existe ali um precário e
pequeno palco destinado às eventuais apresentações de
música e teatro que acontecem na escola. As professoras da
Educação Infantil organizaram o local e decoraram o palco
para a ocasião com balões coloridos e enfeites e motivos
natalinos, já que estamos nos aproximando das comemorações
do Natal. Após as entregas dos certificados de cada criança
das turmas de Educação Infantil inicia-se a apresentação
147
cênico-musical
72
das crianças. Em primeiro lugar acontece a
apresentação da turma da Profa. R (pré- 5 anos) e em seguida
as duas turmas do pré-6 anos das professoras T. e C.
respectivamente. [...] a Profa. R sobe no palco com suas
crianças e organiza-as no pequeno palco. Eu
73
estou
assentada no canto e acompanho as crianças ao violão,
conforme ensaiamos em dias anteriores
74
. A turma da Profa. R
apresenta um número musical com encenação cantando a
canção chamada “As formiguinhas”. As crianças usam
fantasias de formigas. A letra da canção diz assim:
Presunçosas formiguinhas falaram pra semente (2X) / Tão
pequenina mesmo pra canjica (2X) / Canja, canjica, Há,
há, há, (2X) / Mas o tempo foi passando e a semente foi
crescendo (2X) / Numa grande árvore se transformou (2X).
Balança o vento, Hou, Hou, Hou, Hou (2X) / Passaram por ali
outra vez as formiguinhas (2X) / E quando viram a árvore
caíram para trás (2X) / Ui, ui, ui, ui,, caa sementinha (2X).
Formiguinhas se abraçaram muito apavoradas (2X) / Mas a
árvore falou não tem problema não (2X) / Hei, hei, hei, hei,
nasci prá mais servir (2X) / E vem manha de festa, olé, olé, olá
(2X) / E deram-se as mãos e voltaram a cantar (2X) / Lá, lá, lá,
lá... Enquanto acompanho no violão a Profa. R canta com as
crianças, toca chocalho e orienta os gestos e a coreografia. Ela
também foi responsável pela escolha da música e pela
coreografia. Os ensaios foram conduzidos por ela com minha
ajuda. Terminado o número, as crianças agradeceram o
público e desceram do palco. Em seguida a Profa. T apresenta
sua turma. Primeiramente encenam o teatro recitando a poesia
“Leilão de Jardim”, enquanto isso as crianças vão distribuindo
para o público insetos e pequenos animais feitos de dobradura
conforme é falado no poema e depois sobrem no palco e
cantam a “poesia musicada” acompanhada por mim ao violão.
A profa. T também acompanhou as crianças cantando e
tocando chocalho. A letra da canção diz assim: Quem me
compra um jardim com flores? / Borboletas de muitas cores? /
Lavadeiras e passarinhos / Ovos verdes e azuis no ninho? /
Quem me compra esse caracol? / Quem me compra um raio de
sol? / Um lagarto entre o muro e a hera / Uma estátua de
primavera / Quem me compra este formigueiro? / Este sapo
que é jardineiro? / E a cigarra e a sua canção / O grilinho
dentro do chão / Esse é meu leilão / Esse é meu leilão. As
72
Chamamos de cênico-musical por envolver música e teatro.
73
Na ocasião, por eu estar tocando, quem fez as filmagens foi C., estagiária do curso de Pedagogia UFU que
estava presente na ocasião.
74
Para a apresentação foram realizados vários ensaios sendo que participamos quatro vezes. Como fomos
informados pelas demais professoras C. e T. que iriam apresentar um número musical com suas crianças
perguntamos a Profa. R se ela também iria apresentar algum número com seus alunos e o que seria. Inicialmente
ela havia nos informado que não iriam apresentar nenhum número e que somente participariam da Mostra.
Porém, em outra ocasião após conversarmos sobre o assunto ela nos pediu ajuda para ensaiar as crianças e s
aceitamos. Como ela sabia que as demais professoras haviam solicitado nossa participação no acompanhamento
instrumental e também na preparação vocal das crianças com nosso consentimento, também aceitamos colaborar.
148
crianças estão vestidas com roupas confeccionadas pelas
professoras e cada uma tem um chapéu na mão com
dobraduras de insetos e pequenos animais conforme sugerido
na canção. Terminada a apresentação, as crianças deixam o
palco e finalmente sobem as crianças da Profa. C. vestidas
com túnicas e gorros natalinos também confeccionados pela
professoras. Cantavam em formação de coral e faziam gestos
sugeridos na letra da música e pela professora que os ensaiou.
A profa. C ficou no palco ao lado das crianças cantando e
fazendo os tais gestos. Eu os acompanho ao violão a canção
natalina “Bom Natal” escolhida e trabalhada pela Profa. C. A
letra da canção diz assim:Quero ver você não chorar / não
olhar pra trás / nem se arrepender do que faz / Quero ver o
amor vencer / e se a dor nascer / você resistir e sorrir / Se você
pode ser assim / Tão enorme assim / Eu vou crer / Que o Natal
existe / Que ninguém é triste / Que no mundo existe amor /
Bom Natal um Feliz Natal / Muito amor e paz pvocê / Prá
você! (Nota de campo, n.11, 30/11/2006, Mostra e Formatura
das turmas de Educação Infantil das Profas. C.,R. e T)
Consideramos que o trabalho desenvolvido pelas professoras na ocasião teve bons
resultados. Quando solicitaram ajuda da pesquisadora na preparação do trabalho não pudemos
resistir. Apesar do trabalho desenvolvido por nós não se configurar em uma pesquisa ação
acreditamos e percebemos que nossa intervenção contribuiu para o resultado do trabalho
descrito na cena anterior. Esse fato vem fortalecer nossas reflexões de que é necessário e
importante a presença do professor especialista em música e de um trabalho colaborativo com
os professores unidocentes na escola. Ele também é ilustrado pelas professoras como
demostra o comentário descrito abaixo:
[...] Um exemplo do que aconteceu nos dias que fizemos essa última
apresentação é que eu nunca tinha me tocado que para fazermos a
apresentação nós podíamos cantar baixo. Eu não tinha noção de que
para formar o coral tínhamos que cantar baixo, que a voz das
crianças iriam ficar afinadas e que seria uma apresentação bonita e
os pais teriam que respeitar e ouvir. Eu não tinha me detido nesse
aspecto, porém, quando essa contribuição veio da sua parte fez com
que a apresentação tivesse um outro efeito e ontem mesmo eu ouvi um
comentário sobre isso lá na sala dos professores. A S. foi uma das que
fez um comentário a respeito disso, o quanto a apresentação ficou
bonita e que os meninos não estavam “esguelando. Comentou sobre o
quanto as vozes deles ficaram harmônicas. Então tem que ser alguém
que saiba disso.[...] nós estamos falando do ideal, do que seria ideal,
porque naquele momento eu não tinha esse conhecimento, nem eu,
nem nenhuma das meninas. Porque nós não temos formação nessa
área, então nós achamos que seria somente soltar a voz, outras
149
acharam que se falasse baixo os pais não iriam ouvir e com essa
informação, nós percebemos que não foi necessário, que do jeito feito
ficou bonito, não teve ninguém “esguelando”. Então a música
disciplina, eu vejo a música como um instrumento de auto-disciplina,
a criança também percebeu que não precisava gritar, bastava cantar
de uma forma harmônica.[...] (Profa. C. Entrevista em 04/12/06)
Passamos, a seguir, a descrever e a refletir sobre o que as professoras unidocentes
ensinam de música no dia-a-dia da Educação Infantil.
3.2.2 Experiências musicais no cotidiano escolar
A partir do exposto nos dois eixos de análise, a saber: o pensamento das professoras
unidocentes sobre o ensino de música na Educação Infantil e o trabalho construído por
professoras unidocentes no cotidiano em salas de Educação Infantil e, com os aspectos
analisados, com o término da construção do trabalho das professoras, avaliamos que apesar do
que pensam e dizem sobre a música, ainda assim, consideramos que os momentos e
experiências com música no contexto da Educação Infantil, em particular, nos saberes e
práticas das professoras escolhidas como colaboradoras, a porcentagem de carga horária
destinada à música é bastante pequena. Essa pequena presença da música em sala de aula foi
observada nos momentos em que estivemos acompanhando o trabalho das professoras e é
justificada em função de vários fatores. O primeiro deles refere-se à falta de formação musical
das professoras unidocentes, o que faz com que elas se sintam, muitas vezes, despreparadas
ou pouco preparadas para ensinar música como área de conhecimento, conforme verificamos
em seus depoimentos nos itens anteriores. Outro fator diz respeito à ausência do profissional
de música na escola, no caso o professor especialista para atuar nas salas de Educação Infantil
ou de um trabalho colaborativo com o professor unidocente. Não menos importante, destaca-
se também a falta de recursos e materiais didáticos para o trabalho com música na escola.
Além do mais, podemos dizer que as práticas pedagógico-musicais construídas pelas
professoras unidocentes no cotidiano escolar apresentam uma relação muito próxima com
seus saberes (o que pensam, sentem) acerca do ensino de música na Educação Infantil. Nesse
sentido, tomamos o par ‘saberes e práticas’ como uma dimensão indissociável e que, portanto,
caminham juntas.
150
Considerando a proximidade do pensamento das professoras quanto à importância da
música na escola e aquilo que elas concretizam em sala de aula em relação à musica
identificamos a partir de então as atividades musicais trabalhadas em sala de aula e no
cotidiano escolar como um todo.
A recorrência do canto como atividade musical principal revela uma utilização
bastante comum de prática musical no cotidiano da escola conforme observado por outros
autores em pesquisas sobre música em contextos escolares não específicos. (Souza et al.
1995; Tourinho, 1993).
Assim, percebemos que, na prática de nossas professoras colaboradoras, o fazer
musical acontece prioritariamente com atividades de canto. O canto, bastante explorado nas
salas de Educação Infantil, tem se mostrado como um meio de manifestação musical na
escola. Ele tem assumido um papel fundamental na prática da música, uma vez que, a voz se
configura em um instrumento natural que já faz parte do aluno. É sabido que o cantar
acontece desde muito cedo por meio do processo de enculturação musical, a partir do primeiro
ano de vida da criança, e até mesmo antes disso, ainda por volta dos 9 meses de idade, quando
se observam as vocalizações chamadas song babling(Moog 1976 apud Sloboda, 1985). O
canto tem sido usado também para socializar as crianças no grupo, e contribui para “o
funcionamento do cotidiano escolar, controlando, limitando e preenchendo, muitas vezes com
prazer, os tempos, espaços e necessidades da instituição (TOURINHO, 1993a, p. 100)
Desse modo, com as entrevistas e observações podemos afirmar que o ensino de
música, para a maioria das professoras colaboradoras, está associado especificamente à
atividade de cantar. A presença do canto como atividade musical é recorrente assim como o
uso do termo “musiquinha” para se referirem às atividades que envolvem música no cotidiano
escolar. Para Tourinho (1993a) a predominância das atividades de cantar é:
[...] parcialmente explicada pelo tipo de formação que se oferece aos
professores. Geralmente, pensa-se o canto apenas como uma atividade em si,
sem concebê-lo como um meio para a compreensão mais ampla de conceitos
musicais e sem analisá-los como uma ação poderosa que serve a fins
variados e contrastantes. (TOURINHO, 1993a, p. 95).
Nas situações em que o canto está presente na sala de aula, na maioria das vezes, por
falta de orientação e mesmo pela ausência de formação musical, o professor não o utiliza da
melhor maneira. Muitas vezes o que se observa é um total desconhecimento a respeito das
maneiras de utilizá-lo. Essa situação é reforçada por desconhecerem também os documentos
151
oficiais. Mesmo os documentos no caso do RCNEI e Diretrizes Curriculares Municipais para
a Educação Infantil, e escolares como Planejamento Anual da Educação Infantil e Projeto
Político Pedagógico da escola, não orientam sobre modos possíveis de trabalhar a música.
Outrossim, falam para um professor ideal. Segundo Diniz (2005), eles:
[...] [não têm] uma preocupação em dar subsídios para uma reflexão sobre os
cuidados técnicos dos quais os professores devem se utilizar não para
cantar, mas também para falar, já que a voz, para o professor, é seu principal
instrumento de trabalho.(DINIZ, 2005, p. 59).
Acreditamos que a ênfase no canto pode também ser justificada pela possibilidade de
todos fazerem música, que o cantar é inerente ao ser humano e é possível de ser realizado
quando falta recursos para desenvolver outras possibilidades para trabalhar a performance, o
fazer musical, no caso a execução instrumental. Para Souza et al. (2002, p. 88), “A voz parece
ser vista como um elemento comum a todos os alunos e professores, ao contrário dos
instrumentos musicais. O uso da voz, assim, viabiliza o trabalho com música em sala de
aula”.
Na escola como registramos anteriormente, não havia objetos musicais, instrumentos,
fitas, CDs ou vídeos musicais nem mesmo aparelho de som para todas as professoras. Os
materiais de que as professoras dispunham para as atividades com música eram adquiridos por
elas próprias e faziam parte de seus acervos particulares.
Ainda em relação às atividades desenvolvidas pelas professoras na escola, também
podemos citar: trabalhos com textos, poemas ou letras de canções; atividades de execução
que, consiste na confecção e posteriormente na execução de bandinhas rítmicas; e com menos
freqüência, atividades de apreciação musical. Com relação a esta última, presenciamos tal
utilização em pouquíssimos momentos, somente quando as professoras precisavam ensinar
alguma canção nova, conforme aconteceu na ocasião da música para as apresentações dos
alunos na Mostra da Educação Infantil. A audição foi utilizada para que as crianças pudessem
conhecer a música a ser cantada e apresentada por elas. Em outras situações, quando querem
ensinar uma música nova, elas recorrem à seus acervos particulares ou cantam para as
crianças. Nesse caso as canções muitas vezes são passadas oralmente.
Atividades de composição e criação são praticamente ausentes apesar de observarmos
alguns momentos que sugerem essas atividades, porém eles nem sempre são conduzidos pelas
professoras. Podemos citar momentos em que as crianças cantarolavam o repertório de
152
canções que era trabalhado na sala modificando as letras das canções ou quando a professora
modificava o final de algumas canções, como sinaliza a observação registrada em nota de
campo a seguir.
[..] toquei algumas canções na flauta doce para as crianças
adivinharem qual era a música [...] à pedido das crianças
toquei a música “Borboletinha” enquanto elas cantavam junto.
A letra que dizia assim: borboletinha / na cozinha / fazendo
chocolate / para a madrinha / poti, poti / perna de pau / olho de
vidro / nariz de pica-pau / pau, pau / amanhã te dou um pau /
na porta do hospital! [...] num outro dia, quando cantaram
novamente essa canção percebi que haviam modificado o final.
Perguntei-lhes sobre o acontecido e então a Profa. C. me disse
que eles haviam criado outro final para a música e que este
havia ficado legal! Apesar de não termos presenciado esse
momento de criação percebemos que a professora teve a
preocupação em incentivá-los a criar. Talvez por ter
interpretado minha intervenção como uma crítica! Não sei bem
ao certo o motivo, mas o que percebemos é que as crianças
tiveram a oportunidade de criar! (Nota de campo n.12,
05/07/06)
Pensamos que também em outros momentos poderia se incentivar a criação de outras
letras, ou outras melodias para as canções. Enfim, pelo que observamos, não se oportuniza a
criação e a improvisação musical. Na maioria das vezes o fazer musical se limita a
execução/imitação. Nem mesmo a apreciação é explorada como habilidade importante e,
muitas vezes, a professora têm preferido cantar para as crianças memorizarem a canção.
Consideramos que isso é importante, porém, outras audições com ou sem acompanhamento
instrumental são imprescindíveis para posterior execução, uma vez que se constituem em
referências musicais importantes, principalmente no caso de professores que não tocam
nenhum instrumento musical. A apreciação musical é uma das atividades menos exploradas
pelas professoras, apesar de todas elas afirmarem trabalhar com a apreciação. Percebemos que
quando a apreciação é citada, as professoras se referem aos momentos de sensibilização,
relaxamento ou como pano de fundo para outras atividades no cotidiano da sala de aula.
Parece que os momentos de apreciação só acontecem atrelados a outras funções citadas
acima. Nem mesmo quando era para formar o repertório cantado, as professoras propiciaram
momentos de apreciação. Assim, preferem, ou só podem cantar as músicas para as crianças.
Com as entrevistas e observações do trabalho das professoras podemos concluir que
mesmo que esporadicamente as professoras desenvolvem atividades com música na sala de
153
aula. A Profa. C. comentou que essas se configuram em atividades de expressão corporal,
canto, brincadeiras cantadas, gestos e, em geral, privilegiam-se atividades de movimento e
dança. Já na sala da professora T. a música aparece também em atividades como histórias
cantadas, trava-línguas e nos trabalhos com dobraduras e fantoches.
[...] Fora essas atividades de utilizar papel, lápis e borracha, que são
essas que falamos aqui, [a música é utilizada] é mais na questão de
expressão corporal, cantar, gesticular, nessa área [...] (Profa .C.
Entrevista em 04/12/06)
[...] eu trabalhei, por exemplo, sobre o sapo dentro do folclore eu
trabalhei com a música “o sapo não lava o pé”, nisso eu trabalhei a
linguagem com a criança e trabalhei com dobraduras [..] tendo
histórias cantadas eu trabalhei os trava-línguas, porque eles tinham
que trabalhar sons vocais, trocando, exemplo: “o sapo não lava o
pé,” depois cantavam “é sepe ne leve é pé”, depois com o “i”, e eles
adoraram, e terminamos com dobradura do sapo [...]. (Profa. T.
Entrevista em 17/10/06)
Estas falas ilustram as experiências desenvolvidas pelas professoras unidocentes e
também algumas observadas por nós enquanto estivemos em contato com a escola. Assim,
como as atividades musicais não possuem uma rotina diária, algumas professoras acabam
vinculando-as com projetos, conforme elas mesmas afirmaram, e às datas comemorativas do
calendário escolar, como sinalizam os depoimentos a seguir.
Dia das Mães, usa-se a música, leva as crianças para um jogral,
coloca um fundo musical enquanto a criança uma crônica ou então
coloca a criança para ler uma poesia, faz um coral com uma
‘musiquinha’, mas prepara para aquilo, para aquele momento.
Chega na época da Páscoa, vamos comemorar a Páscoa, daí prepara
uma música referente à Páscoa, leva aquela história, e fica em
cima. No dia do Índio, trabalha a música do Índio, como
apresentação. Assim eu vejo no ensino fundamental. No dia das
crianças põe músicas, a escola fica alegre, mas por que não todo dia?
É uma questão de cultura (Profa. T. Entrevista em 04/12/06)
[...]Aqui a música normalmente está presente em algumas
apresentações que as meninas fazem em algumas datas
comemorativas [...] (Profa. R. Entrevista em 24/10/06)
Apesar da Profa. T. justificar pelo lado da cultura, compreendemos que não é somente
esta a principal justificativa para o estado em que a sica se faz presente na escola, mas
154
também podemos dizer que estão embutidas questões como: a falta de preparação dos
professores para desenvolver um trabalho com música, a falta de tempo e de condições
mínimas para tal e também de conhecimento, formação.
Outra atividade que aparece no cotidiano escolar e nas práticas das professoras
colaboradoras é a formação de corais
75
. Esta prática associada à performance é bastante
utilizada para as apresentações em festividades da escola. Desse modo, evidenciamos que a
música aparece no cotidiano escolar como recurso para festividades como, por exemplo, nas
festas juninas. Nessa ocasião a professora se apresenta como organizadora e condutora das
coreografias de danças de quadrilha e nos números musicais apresentados pelas crianças. Ela
participa da confecção dos instrumentos musicais utilizados no número musical, nos adereços
componentes dos números de quadrilha e também na preparação e ensaios anteriores às
apresentações.
Juntamente a essas ocasiões e atividades musicais também presenciamos as atividades
acompanhadas de dança. As professoras sempre colocam músicas para as crianças executarem
os gestos por elas sugeridos. Essas atividades nos chamaram a atenção devido à freqüência
com que acontecem na sala. Na grande maioria das atividades que envolvem o canto, as
“dancinhas”, conforme elas mesmas denominam, sempre acompanham as canções. Ainda em
relação à questão do movimento corporal percebemos que o mesmo é pertinente na Educação
Infantil. O movimento corporal é bastante explorado nesse contexto, especialmente, nas
atividades com música. O que nos preocupa, porém, é o fato de não se oportunizar, nesses
momentos, a criação, por exemplo, na escolha dos gestos que acompanha a música. O
depoimento da professora C. ilustra este aspecto.
Eu exploro muito as brincadeiras cantadas, mas, através dos gestos,
como falei. Levar os alunos para fora, cantar determinada música
e fazer os gestos, e aquilo que está se pedindo na música... Tem uma
que eles adoram cantar que é a do trem, então eles adoram esse tipo
de atividade que movimenta o corpo. A música também ajuda muito a
trabalhar a questão da lateralidade, dentro e fora, que são conceitos
matemáticos de pré-requisito nessa série, direita e esquerda, maior e
menor, então a música é também muito usada como recurso para
desenvolver uma atividade, eu não preciso trabalhar direita e
esquerda no papel, não preciso fazer uma atividade mimeografada ou
digitada para trabalhar esse determinado conhecimento, posso fazer
75
O termo coral que aparece nas falas das professoras possui um significado diferente de seu conceito musical.
Coral, em música, refere-se à “música cantada por um grupo de cantores que tem mais de um membro para cada
parte e que se reúnem regularmente para desempenharem uma função especial.” (Dicionário de Música, Zahar
editores, rio de Janeiro, 1935, p.95) No caso do coral a que as professoras se referem, as crianças cantam em
uníssono. Aqui o termo é utilizado para designar simplesmente o ato cantar em grupo.
155
através de jogos, e a música também entra nisso. (Profa. C. , conversa
informal, 27/11/06).
Ainda com relação ao movimento corporal utilizado nas atividades musicais
Tourinho (1993a) afirma serem gestos estereotipados que tentam representar as idéias
sugeridas pelas letras das canções, ao invés de estabelecer relações entre os movimentos
realizados com as características do som (ouvido, produzido ou internalizado).
(TOURINHO, 1993a, p. 110).
A descrição que se segue a partir de recortes de uma nota de campo ilustra os
momentos mencionados anteriormente pela Profa. C.
Após mais ou menos uma hora a Profa. T. retornou à sala de
aula. Entrou resmungando algo que não consegui entender.
Perguntei-lhe se tinha terminado de fazer as fotos das crianças
(motivo pelo qual ela se ausentou da sala). Ela respondeu-me
que sim. Porém me pareceu um pouco preocupada. Seguiu
para sua mesa e colocou o CD que continha a música “leilão
de Jardim” para tocar. Então falou: - “Vamos ensaiar mais uma
vez?” E retomou o ensaio e a “dancinha” com as crianças.
Esperei que cantassem e dançassem. Terminando perguntei à
Profa. T. de quem era aquela música. Ela respondeu-me que
não, sabia, mas, que tinha aprendido com os professores do
projeto “Em cantar”, no qual participa. Então ela tornou a
colocar o CD e pediu para as crianças repetirem o “teatrinho” e
a “ dancinha”. Logo ela desligou o som e orientou as crianças a
recitarem o poema (a letra da música) ao invés de cantar. E
disse: -“É assim olha!” e continuou: - “Quem me compra um
jardim com flores? Borboletas de muitas cores? Entenderam?
Tem que ser como se tivéssemos perguntando, oferecendo”.
Então recomeçam a cantoria. De repente a Profa. T pára com a
cantoria e corrige as crianças energicamente:- Não é cantado,
é falado! É pra falar! Vejam só!” E repete: - Quem me compra
este caracol? Quem me compra um raio de sol?” E assim vai
corrigindo até o final da música. Em seguida diz: - Agora
vamos fazer o teatro! É assim, olhem!” A profa. T. coloca as
crianças em fila com os chapéus em mãos e pede para que
cada uma faça como se estivesse retirando algo do chapéu e
entregando a alguém. As crianças tentam imitá-la. Ela corrige
uma a uma sempre dizendo para prestarem mais atenção e se
concentrarem. Recomeça, o ensaio até que chega alguém na
porta e interrompe a aula [...] Após este episódio a Profa.T.
retomou o ensaio. Passou com as crianças a letra mais duas
vezes e se dirigiu a mim perguntando o que eu estava
achando da “pecinha de teatro”, se estava ficando bom. A
Profa.T. usava os termos “pecinha de teatro”, “dancinha”,
“musiquinha” para se referir a este trabalho que está
156
desenvolvendo com as crianças e que será apresentado no dia
da “Mostra da Educação Infantil”. Respondi-lhe que acreditava
que o resultado poderia ficar muito bom e que em relação à
música minha sugestão era que fosse cantada suavemente ao
invés de recitada conforme havia pedido. Nesse momento a
Profa. T retrucou que era mesmo cantada, porém, meio falada.
Daí entendi que o que ela queria dizer com tudo isso. Na
verdade o que ela estava querendo era enfatizar que no canto
as palavras deveriam ser bem articuladas, ou seja, com boa
dicção. Como se estivesse sendo recitado o poema. (Nota de
campo n. 7, 26/06/2006, turma da Profa. T.)
Como pudemos perceber neste trecho retirado de uma nota de campo, com relação aos
gestos corporais observamos que são estereotipados e a professora faz questão de corrigir os
mínimos detalhes! Isso nos tem deixado preocupados por perceber que as crianças não são
estimuladas para a percepção auditiva ou para o processo criativo. Essa atitude vai de
encontro com a proposta do RCNEI, referente à música que defende a “produção centrada na
experimentação e na imitação, tendo como produtos musicais a interpretação, a improvisação
e a composição” (RCNEI, p.48). Muitas vezes o que percebemos é que os gestos corporais
tentam representar as idéias sugeridas pelas letras das canções ao invés de estabelecer relações
entre os movimentos realizados com as características do som (ouvido, produzido ou
internalizado). Esse fato é também observado por Tourinho (1994) que argumenta sobre a
“falta de preparo [dos professores] para pensar o movimento como uma forma de clarificar a
percepção auditiva e demonstrar compreensão de estímulos sonoros” (p.110).
Acreditamos que o trabalho construído pelas professoras unidocentes advém de um
processo contínuo de experiências no cotidiano escolar não deixando de considerar que a falta
de formação musical corrobora para que a música esteja tão pouco presente na escola e com
uma qualidade aquém das possibilidades que poderia assumir. Percebemos que as professoras
unidocentes encontram dificuldades na organização, planejamento e até mesmo na execução
das atividades que envolvem música pelo fato das atividades requererem um conhecimento
musical específico para serem bem sucedidas. Além do despreparo, por considerar que não
possuem formação musical, os documentos curriculares disponíveis, no caso da Educação
Infantil o - RCNEI - parecem pouco contribuir com sua prática, pois, o uso da linguagem
especificamente musical requer, neste caso, conhecimentos de música que muitas vezes as
professoras unidocentes não possuem e esse desconhecimento pouco motiva as professoras
para buscarem outras possibilidades de trabalho. Outro fato é que a maioria das professoras da
Educação Infantil, da escola, desconhece até mesmo a existência do documento conforme
detectamos anteriormente.
157
Assim, a presença/ausência da música na escola é fruto da história da educação
musical no Brasil onde o ensino de música apresenta lacunas importantes. O tempo escolar, o
currículo, a formação das professoras, enfim, a escola não consegue trabalhar a música como
área de conhecimento, e os professores, tal como colocamos em vários momentos, sabem que
a música é importante e tem um lugar na Educação Infantil, mesmo que seja como recurso.
Reconhecemos que esse seja um campo fértil, pois sabemos que eles querem trabalhar com a
música. Assim, denunciam suas práticas pela formação que possuem, pela defesa política do
profissional de música na escola regular. Desse modo, atentamos para as possibilidades da
música nesse contexto, levando-se em conta questões como as colocadas, a saber,
formação/falta das professoras unidocentes e a ausência do professor especialista em música
nas escolas de Educação Infantil.
Consideramos, finalmente, que a música na escola se faz presente nos saberes e
fazeres musicais de professoras na escola, em especial na Educação Infantil, contexto esse
que, apesar de pouco pesquisado, precisa ser olhado como espaço de práticas musicais em
construção. Considerando-se os limites para a realização do trabalho com música por
professores unidocentes acreditamos que outras pesquisas e ações em educação musical
precisam ser tecidas para que a música esteja na escola como prática cultural e
transformadora.
Na seqüência, sinalizamos as considerações finais descrevendo as sínteses das idéias
apresentadas no trabalho.
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Amontoando palavras, perdemos tempo.
Com ações concretas, construímos sempre, e
de tudo ficam algumas certezas:
que estamos sempre começando...
Que é preciso continuar...
Que não seremos nós,
Que iremos terminar este processo.
Autor desconhecido.
O processo de consolidação da Educação Infantil como primeira etapa da educação
básica tem sido marcado por importantes discussões educacionais. Ele vem garantindo seu
espaço de discussão no pensamento pedagógico brasileiro em que se manifesta uma crescente
tentativa de compreender questões relativas às crianças pequenas, seus processos de
desenvolvimento, suas formas de expressão, as questões relativas a educação e ao cuidado;
nesse debate, o lugar das Artes, em especial, da música, tem sido objeto de investigação de
pesquisadores brasileiros ( Maffioletti, 1998, 2001; Diniz, 2005; Nogueira, 2005; Brito,
2003; Fonterrada e Soler, 2006; Moraes, 2004; Pena e Melo, 2006; Weigel, 1998, Rosa, 1990)
entre outros. Tais autores constatam em suas pesquisas que a música, presente na Educação
Infantil e nos saberes e nas práticas de professoras unidocentes, muitas vezes tem sido
trabalhada somente como suporte para as outras áreas de conhecimento. Ainda que exista
consenso sobre sua importância no desenvolvimento infantil, o que se observa com as
pesquisas que tratam do tema é a ausência de um trabalho educativo adequado com a música
nas escolas. Apesar de as professoras com as quais trabalhamos nesta investigação terem nos
afirmado trabalhar cotidianamente com música na sala de aula, concluímos pelas observações
que os momentos com música ainda são pouco freqüentes e nessas ocasiões as possibilidades
da música são pouco exploradas.
Assim, o presente estudo consistiu numa tentativa de investigar o modo como a
música é compreendida e trabalhada por professoras unidocentes em salas de aula de
Educação Infantil. Para isso realizamos nossa investigação em uma escola municipal de
Ensino Fundamental com classes de Educação Infantil da cidade de Uberlândia, em Minas
Gerais. A escola localiza-se na zona rural da cidade e atende alunos oriundos de
assentamentos de Reforma Agrária, filhos de pequenos proprietários rurais e trabalhadores
assalariados do campo. Participaram do presente estudo três professoras unidocentes que
atuam na segunda etapa da Educação Infantil abrangendo a faixa etária de 5 e 6 anos.
159
Para tanto, estabelecemos como objetivos específicos: 1) compreender as políticas
públicas para a Educação Infantil no período pós-LDB de 1996; 2) construir e apresentar o
caminho metodológico desenvolvido nesta investigação; 3) analisar os saberes e fazeres
musicais de professoras unidocentes da Educação Infantil.
Formulamos nosso problema de pesquisa da seguinte maneira: o que as professoras de
Educação Infantil pensam e sentem em relação à música na Educação Infantil? Quais as
práticas musicais que desenvolvem com seus alunos em sala de aula? De acordo com as
questões anteriores, buscando respondê-las, primeiramente, caracterizamos a Educação
Infantil no cenário brasileiro e verificamos que esta vem alcançando reconhecimento somente
a partir da LDBEN nº 9.394, de 1996, quando os dispositivos legais vêm contribuir de
maneira mais efetiva no atendimento dessa modalidade de ensino. Por meio dessa Lei,
estabelece-se o vínculo entre as crianças de 0 a 6 anos e a Educação Infantil e esta passa a se
constituir como primeira etapa da educação básica, apesar de a legislação referente à infância
caracterizar-se como geral e ambígua e apresentar distorções de efeitos danosos. Essas
questões foram confirmadas pelos documentos analisados os quais também nos apontaram
como a música aparece contemplada e como poderá ser o trabalho com música na Educação
Infantil, uma vez que aparece [a música] como área de conhecimento a ser trabalhada nesse
nível de ensino de acordo com a legislação vigente e em documentos curriculares oficiais e
escolares. Os estudos relativos à Educação Infantil, educação musical e, os acontecimentos
históricos referentes à Educação Infantil no cenário educacional brasileiro nos possibilitaram
compreender, de maneira geral, as políticas para esse nível de ensino no período pós-LDBEN
de 1996.
O ensino da Arte, especialmente, da Música, apesar de estar contemplado nos
documentos oficiais escolares, tais como: na atual LDBEN de 1996, no RCNEI, nas Diretrizes
Curriculares da Educação Infantil, do município de Uberlândia, Minas Gerais e no
Planejamento Anual da Educação Infantil da escola Leilão de Jardim não tem se consolidado
plenamente tal como consta nos documentos consultados. Percebemos que o fato de a música
estar contemplada nesses documentos como área de conhecimento não tem garantido sua
permanência e consolidação na escola. Esse fato é evidenciado nesta investigação e
confirmado por diversos autores (Penna, 2004; Brito, 1998; Fonterrada, 205; Maffioletti,
1998) entre outros.
A presente investigação fundamentou-se em uma abordagem qualitativa de pesquisa
com orientação etnográfica. Encontramos na etnografia, uma importante tradição qualitativa
incorporada à educação a partir da pesquisa antropológica A etnografia que, segundo
160
Gonzalez Rey (2002), foi pioneira no uso de métodos qualitativos é uma opção metodológica
que possibilitou responder aos objetivos desta investigação por se caracterizar como um
método coerente com a natureza desse tipo de pesquisa sobre saberes e práticas produzidas no
cotidiano escolar.
Para tanto, fizemos uso das seguintes técnicas de coleta de dados: entrevistas,
observação participante e análise documental. Com as entrevistas e a observação participante
do trabalho das professoras na sala de aula e em outros espaços escolares pudemos
compreender seus saberes e as práticas pedagógico-musicais que constroem.
A interrupção da escrita indica e o momento para reflexões acerca do que foi
construído, são apenas algumas considerações, uma parada para ‘balanço’, podemos assim
dizer, para que possamos continuar nossa investigação em outro momento. Nesse sentido,
percebemos que o contato com o cotidiano escolar da Educação Infantil, especialmente, o
acompanhamento do trabalho pedagógico das professoras nesse nível de ensino, respondeu
até certo ponto aos nossos questionamentos e fez nascerem outros tantos. Dentre esses,
levantamos os seguintes: por que os professores especialistas em música não estão atuando na
escola de Educação Infantil? Até que ponto são trabalhados os conhecimentos pedagógicos
necessários aos professores especialistas para desenvolverem um trabalho com música na
Educação Infantil? Como poderiam os cursos de licenciatura promover uma formação musical
do professor mais adequada para o trabalho na Educação Infantil? Em que medida os cursos
de licenciatura em música têm preparando seus alunos para atuarem na educação básica?
Assim, entendemos que as respostas obtidas nesta pesquisa são provisórias, dizem
respeito a determinados sujeitos e tempos históricos. Portanto, ao investigar os saberes e as
práticas musicais de professoras unidocentes, tentamos levar em consideração suas
subjetividades, seus pontos de vista, sem buscar uma generalização das respostas. Buscamos
analisar os saberes e os fazeres musicais em duas dimensões, o que denominamos no texto, de
eixos temáticos. Fizemos isso não no sentido de confrontar o que pensam, dizem e fazem as
professoras em suas práticas pedagógicas, mas, com o intuito de verificar como a música é
compreendida e construída por elas.
A oportunidade de nos aproximar das professoras da Educação Infantil,
acompanhando de perto o trabalho construído por elas, conhecendo sobre sua formação, suas
experiências e vivências musicais, seu contato com música seja na família ou na formação
continuada, sobre os recursos materiais disponíveis na escola, sobre os gostos, preferência e
repertórios utilizados na sala de aula, nos permitiu conhecer e entender os pensamentos que
guiam suas práticas bem como suas necessidades para realização das práticas pedagógico-
161
musicais. Porém, mais do que denunciar o que não existe e o que não é feito em relação à
educação musical na escola, esta investigação apresenta o trabalho construído por professoras
que, mesmo sem formação musical, acreditam na importância da música na Educação Infantil
e, sobretudo, na vida das crianças. Acreditamos que conhecer o que tem sido feito pode
ajudar-nos a construir o que é importante para a educação musical na Educação Infantil e
também apresentar possíveis caminhos a serem trilhados.
Os saberes e as práticas pedagógico-musicais construídos pelas professoras
unidocentes com as quais trabalhamos, a ausência de formação musical dessas professoras,
nos fazem defender a necessidade de existir uma formação musical continuada para docentes
que atuam na Educação Infantil, a oferta de disciplinas que contemplem as Artes, e neste
caso, a música, nos cursos de Pedagogia e em outros cursos formadores de professores para a
Educação Infantil e também uma formação pedagógica aprofundada para os docentes
oriundos de cursos de Licenciatura em Música.
Nosso trabalho demonstrou que as professoras, mesmo com a pouca ou nenhuma
formação musical, desenvolvem trabalhos com música no cotidiano de suas salas e que
consideram a música importante no contexto de suas práticas pedagógicas. Os argumentos
utilizados por elas para justificar a importância da música na Educação Infantil são o
desenvolvimento das relações afetivas, o processo de socialização, como recurso didático para
o ensino de conteúdos de outras áreas de conhecimento, como relaxamento e lazer. Portanto,
apesar de defenderem a importância da música e de a utilizarem na escola, ainda assim
constatamos que os momentos em que a música se faz presente, mesmo como recurso, ainda
são poucos, e que as atividades musicais se resumem a atividades de cantar e na construção de
bandinha rítmica, nas aulas, em festividades do calendário escolar em datas comemorativas,
como recurso no processo de alfabetização e em momentos de recreação, por exemplo.
É importante ressaltar que o predomínio das atividades de canto não é somente
característica no contexto da Educação Infantil, conforme mostra a literatura de educação
musical. Essa associação entre ensino de música e canto é também encontrada nas pesquisas
de Tourinho (1993), Fucks (1993), Souza et al. (2002) entre outras. Esta última, por exemplo,
ao discutir em seu trabalho sobre a situação do ensino de música em quatro escolas públicas
de ensino fundamental por meio de concepções e vivências de professores, afirma que “o
canto, entretanto, foi a atividade mencionada com maior freqüência. Isso sugere que, para boa
parte das professoras, o ensino de música nas escolas está associado à atividade de cantar” (p.
87). A respeito da predominância do canto na prática musical escolar Hentschke (1995)
comenta que:
162
[...]os poucos instantes em que se faz música se resumem a cantar e mais
cantar, muitas vezes de maneira mecânica, sem que o repertório seja
trabalhado adequadamente, e de acordo com as possibilidades vocais das
crianças, ou mesmo sem explorar a dimensão artístico-musical desse
repertório (p.33).
Assim, acreditamos que esta investigação possa contribuir para repensar o papel da
música nos currículos de cursos formadores de professores unidocentes, no caso, cursos de
Pedagogia e Normal Superior, assim como os cursos de formação continuada para professores
unidocentes e, também, contribuir para uma ressignificação do trabalho musical na Educação
Infantil, demostrando que é possível um trabalho com música nesse contexto. Por meio dessa
investigação pudemos refletir sobre o pensamento e o trabalho construídos pelas professoras
unidocentes elucidando que este é um campo fértil para um trabalho com música.
Para tanto, julgamos necessário a formação musical dos professores unidocentes, a
presença do professor especialista em música na escola, a existência de recursos materiais e
de estrutura física adequada para que a educação musical se consolide nas escolas de
educação básica, especificamente de Educação Infantil. Concordamos com Diniz (2005) que
faz-se necessária também a organização de parcerias e ações entre instituições educacionais e
governos de modo que se valorize e leve em conta o contexto e as práticas pedagógico-
musicais das professores de Educação Infantil, de modo a contribuir para a construção de
currículos e um conjunto de políticas envolvendo a formação de professores para esse nível de
ensino.
163
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172
APÊNDICE 1
173
Nota de campo n.13
Data: 17/11/06, Sexta-feira
Horário: 13:00 – 17:00
Local: Escola Municipal Leilão de Jardim
Hoje retornei a escola depois de um mês. A caminho da escola dentro da van fui conversando
com a professora C. sobre a escola e ela me falou sobre as atividades com as quais está
trabalhando com seus alunos neste mês. Ela me contou sobre o resultado da eleição para o
novo diretor da escola e também sobre seu planejamento para o dia da “Mostra de trabalhos
da educação infantil”. Comentou também que fará com as crianças o encerramento do ano
letivo com uma apresentação musical. Me contou que escolheu a música “Bom Natal”
(canção natalina) para trabalhar com as crianças e que hoje mesmo iniciaria o trabalho no do
projeto que vem desenvolvendo. Esse projeto ao qual se refere é um trabalho temático que ela
vem realizando durante este ano letivo. Chegamos à escola por volta de 12:50 horas e
seguimos direto para o salão como de costume. Cumprimentei as professoras que ali se
encontravam e conversei rapidamente com algumas. Após a leitura da mensagem e oração do
dia combinei com a professora C. que hoje eu iria para sua sala. Assim ela pediu para eu
pegar o toca CDs com a coordenadora S. e enquanto isso ela subiu com as crianças para a
sala de aula. Aproveitei a oportunidade para conversar um pouquinho com a coordenadora e
esclarecer algumas dúvidas que eu tinha a organização do quadro de pessoal da Educação
Infantil no município. Nessa ocasião a coordenadora me explicou que o quadro de professores
da Educação Infantil no município é composto da seguinte forma: professor Pedagogo ou com
Normal Superior, professor Especialista em Arte (no caso da escola Leilão de Jardim este
conta apenas com o professor habilitado em artes Visuais), o professor Especialista em
Educação Física, o professor Eventual, e professor de vídeo-literatura (somente para escolas
que estão inseridas no programa do EPD (Estudo Pelas Diferenças). Agradeci os
esclarecimentos e subi para a sala da professora C. Chegando encontrei também na sala a
professora T. com seus alunos. Elas juntaram as turmas para resolver questões referentes à
vestimenta que as crianças iriam usar no dia da apresentação. Nessa ocasião fiquei sabendo
que os alunos da professora T. também iriam se apresentar no mesmo dia cantando uma
música chamada “Leilão de Jardim”. Nesse dia as professoras tiraram as medidas das crianças
para confeccionarem a fantasia para a apresentação. Enquanto isso, as crianças ficaram
assentadas em suas carteiras aguardando sua vez. A fantasia da turma da professora C. seria
uma túnica vermelha e um gorro de natal; as crianças da professora T. vestiriam uma roupa
branca com azul e um chapéu contendo vários insetos feitos de dobradura conforme citado na
música que iriam cantar. Os insetos foram confeccionados pelas crianças nas aulas de artes.
Após decidirem sobre os detalhes da fantasia a professora T. levou os seus alunos de volta
para sua sala. Instantes depois entrou na sala da Professora C. a coordenadora S. Ela trazia um
material reprografado para a professora C. Percebendo que as crianças estavam um pouco
agitadas e que a professora havia interrompido a aula bastante tempo dirigi-me à
professora que conversava com a coordenadora e pedi permissão para cantar com as crianças
enquanto ela terminava a conversa. Ela respondeu-me afirmativamente e então convidei as
crianças a cantarem a música que haviam aprendido no trabalhado “Mariana conta...”.Assim
algumas crianças começaram a cantar enquanto outros pareciam ter esquecido a letra da
canção. O aluno E. que é como “líder da sala”, apressou-se a cantar bem alto. A letra da
música dizia assim: Mariana conta um/ Mariana conta um, é um é Ana/ Viva a Mariana/ viva
a Mariana/ Mariana conta dois/ Mariana conta dois, é um, é dois é Ana/ Viva a Mariana/ Viva
a Mariana/ Mariana conta três/ Mariana conta três, é um, é dois , é três, é Ana/ Viva a Marina/
174
Viva a Mariana/ Mariana conta quatro/ Mariana conta quatro, é um, é dois, é três, é quatro, é
Ana/ viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta cinco/ Mariana conta cinco/ é um, é
dois, é três, é quatro, é cinco, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta seis/
Mariana conta seis/ é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis é Ana/ Viva a Mariana/ Viva
a Mariana/ Mariana conta sete/ Mariana conta sete/ é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é
seis, é sete, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta oito/ Mariana conta oito/ é
um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é sete, é oito, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a
Mariana/ Marian conta nove/ Marian conta nove / é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis,
é sete, é oito, é nove, é Ana/ Viva a Mariana/ Viva a Mariana/ Mariana conta dez/ Mariana
conta dez/ é um, é dois, é três, é quatro, é cinco, é seis, é sete, é oito, é nove, é dez, é Ana/
Viva a Mariana/ Viva a Mariana. Enquanto as crianças cantam a professora C. continuou
conversando com a coordenadora. Quando terminamos a cantoria a coordenadora havia
saído da sala. A professora C. deixou as crianças irem ao banheiro uma a uma e, combinou
que cada criança quando voltasse deveria colocar a mão no ombro de um colega que seria
então o próximo a sair. As crianças fizeram conforme combinado, porém, quando alguma não
cumpria o combinado a professora se irritava e chamava atenção da mesma. Enquanto isso,
faziam a atividade do dia. O aluno M., é muito falante e sempre se levanta para vir conversar
comigo. Me pergunta o que estou escrevendo, porque estou gravando. E na medida do
possível lhe respondo que também estou fazendo a tarefa que a professora pediu. Às vezes eu
o convenço e outras vezes não, pois sempre me retruca dizendo, “mas a tia não passou tarefa
pra gente fazer” ou “mas não é isso que a tia pediu pra fazer! Cadê o papel que a tia deu?”.
Nesse instante a professora começou a procurar a boneca Mariana e não achou. Daí o aluno
M. falou: “tia, a sua cabeça não está boa!” E a professora respondeu: “é!! Minha cabeça está
doendo[...]. Ele completou: “ a tia C. tá ruim”! tá ruim mesmo! Mas logo ela encontrou o que
procurava e comentou: Agora menos um problema para minha cabeça!.”. Nesse instante a
professora chamou a atenção das crianças para a tarefa de construção do livro da Mariana
orientando a todos que colassem a ficha com o nome da Mariana na capa também a ficha na
qual deveriam escrever seus nomes. Comentou que depois de pronto eu iria fotografar os
livros de todos. Assim, entregou os livros para cada criança e foi chamando uma a uma em
sua mesa para que ela mesma pudesse fazer a colagem. Enquanto isso pediu para que eu a
ajudasse procedendo do mesmo modo. Notei que algumas crianças cantavam a música da
“Mariana conta” enquanto trabalhavam. E assim, terminaram passaram os horários antes do
recreio fazendo essa tarefa e cantando a música. Quando chegaram ao final da música a
professora pediu-lhes: - falem pra tia Roberta se vocês gostaram de construir esse
“livrinho”! E então eles responderam: - Gostamos!!! Comentei que havia ficado muito
bonito! Nesse instante, o aluno M. se aproximou e cantou uma música para mim. Cantou
assim: Borboletinha na cozinha / Fazendo chocolate para a madrinha / Poti, poti / perna
de pau / Olho de vidro e nariz de pica-pau, pau pau / Amanhã de dou mingau pra comer
Nicolau lau lau. Nesse instante, outras crianças percebendo que eu estava gravando
começaram a cantar juntas a mesma canção e pediram para que eu as deixassem ouvir a
gravação. Então mostrei um pequeno pedaço da gravação. Logo, percebendo que as crianças
ficaram agitadas e faziam muito barulho a professora chamou-lhes a atenção pedindo que
voltassem aos seus lugares e justificou que eu estava fazendo um registro e que então não era
pra eles ficarem em cima de mim. Algumas crianças atenderam ao pedido da professora
enquanto outras continuaram em volta de mim fazendo perguntas e comentários sobre o livro,
sobre a tarefa que estavam fazendo. Nessa ocasião cada criança foi trazendo seu livro para
que eu pudesse ver como havia ficado. Passados alguns instantes a aluna R. aproximou-se de
mim dizendo que sua mãe havia lhe comprado um CD. Perguntei de quem era o CD e ela
respondeu que era da Banda Calipso”. Perguntei a ela se gostava da banda e disse que
gostava. Perguntei-lhe de qual música gostava mais. Ela pensou um pouco e disse que era do
175
“cavalo manco”. Pedi que cantasse um pedacinho para eu ouvir e ela disse que não se
lembrava. Percebi que ficou envergonhada. Enquanto isso, outra criança falou: “canta pra
mim tia Roberta!” Eu disse que também não sabia. Outra criança pediu pra cantar e falou que
gostava da música do “cavalinho”, ele se referia a mesma música. Pedi para cantar e
começou cantarolando cavalo manco agora vai te mostrar.... continuou cantando mais
alguns versos que não deu bem pra entender pois as crianças faziam muito barulho!! A
professora chamou a atenção para as crianças se assentarem, pois quando o aluno E. começou
a cantar as demais crianças ouviram e algumas cantaram juntas. Percebendo que estava
chamando a atenção demais pedi para assentarem e que cantaríamos depois no recreio. Fiquei
um pouco constrangida com a situação, pois havia causado um pouco de desordem na sala.
Nesses momentos de sica percebemos que a “desordem” que poderia ser melhor traduzida
por “euforia”, traz um certo desconforto para a professora que perde o controle da disciplina
sobre as crianças. Nesse sentido, entendemos que muitas vezes a música na sala de aula é
vista como algo que incomoda, faz barulho e perturba. Essas concepções de música na sala de
aula certamente influenciarão a prática pedagógico-musical das professoras. O aluno E. voltou
à minha mesa e continuamos a conversa. Perguntei-lhe onde havia aprendido aquela música e
ele me disse: - Eu aprendi na música! Eh, foi no CD da minha tia! Enquanto isso o aluno
J.M. chega eufórico falando bem alto: tia eu sei cantar uma música!! É uma música da minha
igreja!! Percebendo novamente que algumas crianças me rodeavam a professora chamou a
atenção novamente pedindo para que todos assentassem. O aluno E. se irritou com a
professora e saiu para sua cadeira resmungando baixinho algo que não consegui entender.
Percebi que ele queria falar sobre música, mas foi interrompido pela professora. Nesse
momento a professora estava dando explicações sobre as roupas que iriam usar no dia da
formatura em que aconteceria a apresentação musical. Apesar de saber que esses não são
momentos ideais para falar com as crianças e que talvez pudesse falar com elas em outros
momentos fora da sala para não atrapalhar a rotina da aula, ainda assim considero que são
oportunos, pois são nesses momentos que as crianças expressam suas relações com a música,
e isso nos fornece indicativos de como é trabalhada a música na escola; são momentos em que
podemos compreender como a música se manifesta no cotidiano escolar e as relações que são
estabelecidas. Nesse dia a professora C. levou para a sala de aula uma canção natalina que
havia escolhido para as crianças apresentassem no dia da formatura. A música escolhida foi
“Bom Natal”
76
Ensinou-lhes a música dizendo que gostaria que todos prestassem atenção para
aprender a cantar. Ensinou para as crianças a letra da música que dizia assim: Quero ver você
não chorar / não olhar prá traz nem se arrepender do que faz / quero ver o amor vencer e se a
dor nascer / você resistir e sorrir / se você pode ser assim tão enorme assim eu vou crer / que o
natal existe / que ninguém é triste / que no mundo há sempre amor / bom natal / um feliz natal
/ muito amor e paz pra você / pra você. Enquanto ensinava a letra da canção algumas crianças
prestavam atenção à professora e outras conversavam o tempo todo. Comentou também que
não era boa de “ritmo”, mas que mesmo assim cantaria do jeito que sabia. Nesse momento as
crianças ficaram prestando atenção na canção e nos gestos que a professora fazia enquanto
cantava. A professora fazia gestos para cada frase da canção. Aqui percebemos mais uma vez
a questão do movimento que sempre acompanha a música. Perguntou se as crianças gostaram
da música e comentou que também a achava muito bonita. A professora C. também comentou
sobre sua relação com essa música. Contou para as crianças como aprendeu e conheceu a
música. Disse que ouviu pela primeira vez quando pequena na televisão e que no final do ano
sempre a rede Globo de televisão usava essa música para fazer o fechamento do ano. E que
também havia conseguido uma gravação com sua irmã dessa música. Assim, colocou para as
crianças ouvirem a gravação alegando que era muito desafinada. Mas isso não é verdade!! Ela
é bem afinada!! Enquanto procurava a música pediu para as crianças repetirem com ela cada
76
Canção natalina.
176
verso. Quando colocou a música as crianças ficaram atentas. A gravação era cantada e
acompanhada por um teclado. Perguntei à professora como estava pensando a apresentação
das crianças se usaria play-back, se fariam somente o canto sem acompanhamento ou com
acompanhamento de algum instrumento. Ela me falou que não tinha o play-back e que por
isso estava pensando em colocar as crianças cantando em cima da gravação mesmo. Falou
também como ficariam em cima do palco e outros detalhes a mais. Cantou mais algumas
vezes com as crianças para que pudessem decorar a letra. Para ilustrar a letra a professora
usou alguns exemplos com as crianças. De repente apertou o braço de uma menina ao seu
lado e perguntou-lhe se havia doído. Ela respondeu que sim. Então a professora cantou: “e se
a dor nascer você resistir e sorrir” coisas desse tipo. E assim foi explicando o sentido da letra
da música. Quando a professora explicava o sentido de cada verso também passava valores,
concepções e crenças para as crianças. Essa situação ilustra o discurso das professoras quando
argumentam que com a música pode-se ensinar valores, promover a socialização entre as
crianças, conhecimento de mundo, aquisição de vocabulário e isso também, nos fornece
indicativos sobre o que pensam as professoras unidocentes a respeito do ensino de música na
Educação Infantil e que concepções de ensino de música são defendidas por elas. Com a
música a professora explicou o que se comemora no Natal. Cantaram mais algumas vezes
agora com os gestos sugeridos pela professora que faz questão em corrigí-los nos menores
detalhes. A professora sempre comenta que essa música é linda!! Agora já percebemos que as
crianças estão cansadas! Erram a letra, estão desconcentradas! Foram dois horários seguidos
cantando a mesma sica! Acho que ela poderia ter deixado para outros dias, desenvolver
outras atividades com música e não necessariamente ter trabalhado somente com essa canção.
Também poderia ser um caminho para trabalhar musicalmente as crianças. Quando
finalmente percebeu que as crianças não mostravam tanto interesse na atividade a professora
me pediu uma sugestão de como poderia melhorar o canto, enfim, me pediu uma opinião de
como estava o trabalho. Fiz algumas considerações sobre a tonalidade que estavam cantando.
Sugeri que cantassem mais agudo como da primeira vez, pois a professora às vezes cantava
agudo e outras vezes cantava grave demais. Expliquei-lhe que como todas as crianças
possuem a voz aguda (fina) é melhor que cante agudo! Ela não sabia o que era som agudo ou
grave (grosso) e eu expliquei de modo que ela entendeu! A princípio foi somente essa
observação que fiz. A professora ainda comentou que achava que ficaria melhor com um
instrumento acompanhando. Retomou a atividade do livro da “Mariana”. Nesse dia todos
concluíram o trabalho do projeto “Mariana conta”. O horário para o recreio estava se
aproximando. A professora fez a chamada e então saímos para o lanche. Enquanto
lanchávamos a professora T. se aproximou e me disse que hoje estava ensaiando a música
para apresentação de seus alunos e que gostaria de mostrar-me. Então, perguntei à professora
C se ela iria trabalhar mais alguma atividade com música por hoje e ela disse que não.
Percebendo que na sala da professora C. não haveria mais atividades com música por hoje
informei a ela que após o lanche iria para sala da professora T. Perdi a hora do retorno para
sala, pois estava conversando com a coordenadora S. Assim, quando cheguei à sala a
professora T. esta estava desenvolvendo uma atividade com as crianças. Era uma dinâmica
com a flor. Cada criança recebeu uma flor de papel fechada contendo uma palavra que faz
parte da natureza. As palavras eram: paz, amor, Deus e vida e deveriam ser colocadas dentro
de uma vasilha de água. Quando estas abriam as crianças deveriam ler em voz alta a palavra.
De repente começou uma confusão, pois, as crianças começaram a comparar qual flor abria
primeiro, algumas reclamavam e até criticavam os colegas quando não conseguiam ler a
palavra. A professora aproveitou essas situações para explicar a elas que assim como a flor
que tem seu tempo para desabrochar, cada criança tem seu tempo para aprender a ler para
amadurecer. Desse modo, mais uma vez percebemos que as professoras utilizam a música
também para transmitir valores, concepções e outros conhecimentos. Assim, a professora
177
relacionava essas palavras à canção Leilão de Jardim, que estava sendo trabalhada por ela na
sala de aula. A canção dizia assim: Quem me compra um jardim com flores? / Borboletas de
muitas cores ? / Lavadeiras e passarinhos / Ovos verdes e azuis no ninho / Quem me compra
esse caracol? / Quem me compra um raio de sol? / Um lagarto entre o muro e a hera / Uma
estátua de primavera / Que me compra este formigueiro? / Este sapo que é jardineiro? / E a
cigarra e a sua canção? / O grilinho dentro do chão / Esse é meu leilão / Esse é meu leilão. A
professora T. pediu às crianças para cantarem a canção. Fiquei só observando. Eu não
conhecia a canção e achei-a muito bonita. Cantaram mais duas vezes e mudaram de atividade.
Agora as crianças votaram para a atividade que estavam realizando antes do recreio. Fiquei na
sala até o final do dia. Porém, nestes últimos horários não houve música na sala. O sinal para
o término da aula soou as 17: 00 horas. Me despedi das crianças e da professora T. e segui
para a van.
178
APÊNDICE 2
179
Universidade Federal de Uberlândia
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
E-Mail :
Av. João Naves de Ávila, nº 2.160 – Campus Stª Mônica – Bloco “G”. CEP 38.400-092 – Uberlândia/MG. Telefax: (034) 3239-4212
TERMO DE CONSENTIMENTO (Professora)
Pelo presente Consentimento, declaro que fui informado (a) de forma clara e
detalhada, dos objetivos e da justificativa da pesquisa intitulada: MÚSICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: SABERES E PRÁTICAS DOCENTES, desenvolvida pela mestranda Roberta
Alves Tiago, do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, sob orientação da professora Dra. Myrtes Dias da Cunha.
Tenho conhecimento que receberei resposta a qualquer dúvida sobre os procedimentos
e outros assuntos relacionados com esta pesquisa. Entendo que não serei identificado (a) e que
se manterá o caráter confidencial das informações registradas relacionadas com a minha
privacidade.
Concordo em participar desse estudo, bem como autorizo para fins exclusivamente
desta pesquisa, a utilização das imagens e dados coletados nas observações e entrevistas,
respeitando-se as normas éticas quanto à minha identificação nominal bem como dos alunos e
alunas de minha turma.
Uberlândia, ______de________2007.
Professora: ______________________________________________
Pesquisadora/Mestranda: Roberta Alves Tiago________________
180
APÊNDICE 3
181
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS (CONVERSA)
1º BLOCO
I- DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA PROFESSORA:
1- Nome da professora:
2- Endereço:
3- Telefone
4- Idade:
5- Nome da (s) escola (s) em que atua:
6- Tempo de trabalho geral:
7- Situação: efetivo ou contratado:
8- Série ou ciclo com o qual trabalha:
9- Qual é a faixa etária dos alunos com os quais trabalha?
10- Número de alunos na(s) turma(s):
11- Formação docente
12-Tempo de serviço na Educação Infantil?
13- Você gosta de música? De que tipo?
2º BLOCO
II- DADOS SOBRE FORMAÇÃO PROFISSIONAL (SABERES MUSICAIS
DOCENTES)
1- Você canta ou toca ou já tocou algum instrumento musical? Qual/quais?
2- Você teve algum tipo de formação musical (no ensino médio, na graduação, em escolas de
música, em cursos de formação continuada, outros)? Especifique:
3- Você tem participado ou já participou de cursos, oficinas, seminários ou encontros na área
de música? Especifique:
4- Em seu curso de graduação houve alguma disciplina com o objetivo de preparar você para
o trabalho com música?
5- Você conhece a legislação e documentos curriculares oficiais para a área de Música? Em
sua opinião qual é o papel destes no trabalho com a Educação Infantil?
6- Você conhece a proposta de música contida no Referencial Curricular para a Educação
Infantil (RCNEI)?
7- Caso você conheça a proposta de música contida no RCNEI, você a utiliza no contexto de
sala de aula? Como você o avalia? E como você avalia sua presença na escola em que
trabalha?
8- Qual o papel da música na Educação Infantil?
9- Para você a música é uma área de conhecimento, uma linguagem, ou um recurso para
ensinar conteúdos de outras áreas, ou ambos?
10- Em sua escola na Educação Infantil - a música é ensinada por um/a professor/a
especialista? Como deveriam ser trabalhadas as Artes, especificamente a música na
Educação Infantil? A quem você atribui a tarefa de ensinar Música? Ao/à professor/a
especialista, a você, ou ambos?
11- O que diz o PPP da sua escola sobre a Música?
12- Em sua opinião, como a música contribui para a formação das crianças?
13- Em sua opinião, quais são as possibilidades do trabalho com música na escola? E os
limites?
182
3 º BLOCO
III- DADOS SOBRE AS ATIVIDADES MUSICAIS REALIZADAS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL (PRÁTICAS MUSICAIS DOCENTES)
1- Como a música se faz presente em sua escola? Em que ocasiões? Quem as organiza e
conduz?
2- Nessas ocasiões há dificuldades? E pontos positivos? Quais?
3- Como você caracteriza o ensino de música na sua escola?
4- Você trabalha música na sala de aula? Com que freqüência? O que voacha dessas
atividades? São suficientes? Se você pudesse mudar, o que mudaria?
5- Você tem enfrentado alguma dificuldade para desenvolver o ensino de música na
Educação Infantil? Especifique:
6- Caso as atividades musicais sejam permanentes, qual a carga horária destinada a elas?
7- Você realiza atividade em que a música esteja integrada a outras áreas de conhecimento?
Fale sobre as possíveis relações que você vê entre a música e essas diferentes áreas.
8- Você realiza atividades musicais na Educação Infantil? Caso realize, que tipo de
atividades você desenvolve? Especifique: (brincadeiras cantadas, audição, performance,
etc.)
9- Em que local você realiza as atividades com música? (na sala de aula, no pátio, no parque,
em uma sala específica, outros)
10- Quais são os recursos disponibilizados pela escola para a realização das atividades
musicais? Especifique: (televisão, aparelho de som, CDs, instrumentos musicais,
instrumentos de sucata, outros)
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