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E
MÍLIA
C
OR DEIRO
S
OUTO
F
ERREIRA
DA
CENTRALIDADE
DA
INFÂNCIA
NA
MODERNIDADE
E
SUA
ESCOLARIZAÇÃO:
a Escola Estadual João Pinheiro — Ituiutaba (
MG
),
1908-1988
(
MESTRADO
)
FACULDADE
DE
EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE
UBERLÂNDIA
2007
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E
MÍLIA
C
OR DEIRO
S
OUTO
F
ERREIRA
DA
CENTRALIDADE
DA
INFÂNCIA
NA
MODERNIDADE
E
SUA
ESCOLARIZAÇÃO:
a Escola Estadual João Pinheiro — Ituiutaba (
MG
),
1908-1988
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Educação,
sob orientação do Dr. Carlos Henrique de
Carvalho.
UBERLÂNDIA
MG
2007
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D111c
Ferreira, Ana Emília Cordeiro Souto, 1967-
Da centralidade da infância na modernidade e sua escolarização : a
Escola Estadual João Pinheiro – Ituiutaba (MG), 1908-1988 / Ana Emília
Cordeiro Souto Ferreira. - 2007.
209 f.
Orientador: Carlos Henrique de Carvalho.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação.
Inclui bibliografia.
1. Educação de crianças - Teses. 2. Educação - Ituiutaba - Teses. I. Car-
valho, Carlos Henrique de. II. Universidade Federal de Uberlândia. Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 372.3
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
Dissertação submetida à comissão examinadora designada para avaliação como requisito para
defesa do grau de Mestre em Educação.
Uberlândia, 12 de novembro de 2007
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________________________
Professor doutor Carlos Henrique de Carvalho
Universidade Federal de Uberlândia (
UFU
)
_____________________________________________________________
Professora doutora Cynthia Pereira de Sousa
Universidade de São Paulo (
USP
)
_____________________________________________________________
Professor doutor José Carlos Souza Araújo
Universidade Federal de Uberlândia (
UFU
)
Ao meu esposo, André, e aos meus
filhos, Danilo, Camila, e Caroline —
compreenderam minha ausência e me
ajudaram a estabelecer limites para que
a vida não ficasse para depois.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me tem traçado novos caminhos e conduzindo meus passos.
À minha mãe, com saudade infinita.
À minha sogra, Doracy, ao meu sogro, Carmo, e à minha cunhada, Adriana: sem o
apóio de vocês, certamente não seria possível conquistar mais este desafio.
Ao meu pai, Assis, que me deu o dom da vida, e a toda a minha família, que me
acompanhou nesta fase.
À minha tia Maria de Lourdes e aos meus tios José Cordeiro e João Cordeiro, que me
ajudaram com palavras de carinho.
Aos meus irmãos, Elina, José Arnaldo, Kely e Rone, que muito me incentivaram.
Ao meu orientador, professor doutor Carlos Henrique de Carvalho, que acreditou em
minhas potencialidades, embora soubesse de minhas limitações, e me proporcionou
ensinamentos diários, com disponibilidade e atenção.
Aos professores doutores Betânia de Oliveira Laterza e José Carlos de Araújo, pelas
indicações valiosas na banca de qualificação.
Às pessoas entrevistadas, de quem recebi a confiança ímpar para relatarem suas
histórias.
Aos colegas da Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, cujo apóio
constante e cuja colaboração na coleta dos dados foram essenciais para este trabalho.
À equipe da Secretaria Municipal de Educação Esporte e Lazer e ao Centro Municipal
de Assistência Pedagógica e Aperfeiçoamento Permanente de Professores (
CEMAP
) de
Ituiutaba, que pôs à minha disposição material a ser pesquisado.
À superintendente regional de Ensino Ituiutaba, Ises Maria Gomes Cintra, cujo apóio
foi indispensável ao desenvolvimento desta pesquisa.
Ao secretário municipal de Educação de Ituiutaba, Isaías Tadeu Alves de Macedo, que
me disponibilizou, sem restrições, material para consulta.
À equipe da Escola Estadual João Pinheiro, de Ituiutaba, em especial o diretor, Carlos
Henrique Araújo Vidigal, e a secretária, Ariádne Jaqueline de Menezes Siqueira, que me
forneceram informações importantes.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em Educação (
PPGE
)
da Universidade Federal de Uberlândia, sempre atenciosos.
Aos colegas de mestrado e à equipe da secretaria, cuja dedicação e amizade não vou
esquecer.
Às amigas Andréia, Lúcia Helena, Tânia, Luciane, Luciene, Mércia e Valesca, que me
acompanharam e me incentivaram nessa caminhada, ajudando-me na travessia.
Enfim, às demais pessoas que colaboraram direta ou indiretamente para a construção
desta pesquisa: meu sincero agradecimento.
LISTA DE TABELAS
TABELA
1. Dados oficiais do Ministério da Educação 76
LISTA DE QUADROS
QUADRO
1. Número de habitantes da cidade de Ituiutaba de 1940 a 1980 9 1
QUADRO
2. Escolas urbanas de Ituiutaba (19001940) 104
QUADRO
3. Escolas estaduais de Ituiutaba e sua criação 107
QUADRO
4.
Escolas municipais de Ituiutaba e sua criação — 1941 a 1968 109
QUADRO
5. Escolas municipais de Ituiutaba e sua criação — 1969 a 1989 110
QUADRO
6. Criação de entidades que atendiam crianças conveniadas com a rede
municipal de Ituiutaba (1963–85) 117
QUADRO
7. População escolarizável atendida pela rede municipal de ensino 120
QUADRO
8. Matrícula total inicial na rede municipal de ensino — 1º grau, zona urbana 121
QUADRO
9. Matrícula total inicial na rede municipal de ensino — 1º grau, zona rural 121
QUADRO
10. Horário de aula do Grupo Escolar João Pinheiro e Grupo Escolar
Mascarenhas 154
QUADRO
11.
Matrícula realizada de 1966 a 1988 184
LISTA DE FIGURAS
FIGURA
1. Posição de Ituiutaba em relação aos estados de Goiás e São Paulo
e ao Distrito Federal 84
FIGURA
2. Mapa de Minas Gerais com divisão geográfico-municipal 87
FIGURA
3. Convite da Associação para deliberar compra ou edificação da casa para
colégio — consolidação de fato do grupo escolar 137
FIGURA
4. Inauguração do primeiro prédio do Grupo Escolar de Villa Platina, em 1910 137
RESUMO
O objetivo principal desta pesquisa foi realizar um estudo sobre a Escola Estadual
João Pinheiro, do município de Ituiutaba (
MG
), no período compreendido entre sua criação
(1908) até o ano de 1988, buscando compreender o espaço destinado à criança,
principalmente durante a vigência da ditadura militar, isto é, entre 1964 e 1985, bem como as
práticas pedagógicas desenvolvidas nas séries iniciais e como elas incorporavam um dado
comportamento social determinado pela própria dinâmica educacional vigente à época, ou
seja, seus determinantes político-institucionais impostos pelo Estado militar. Por outro lado,
procuramos entender o que representou, para a sociedade ituiutabana, a instalação das séries
iniciais em uma escola pública nesse momento e as implicações do currículo oficial. O
referencial teórico que subsidiou a pesquisa foram os estudos de autores como Ariès,
Kuhlmann Júnior, Priore e Tozoni-Reis, os quais nos permitiram entender a real dimensão da
infância, pelo menos no âmbito da hipótese aventada por nós, ou seja, a relação das práticas
pedagógicas com a concepção de infância, que este estudo discutiu a centralidade do ser
criança no interior da Escola Estadual João Pinheiro esta como expressão institucional da
modernidade. A metodologia utilizada foi à análise documental das seguintes fontes: livro de
ata de registro de promoção dos alunos das séries iniciais do turno diurno, livros de posse dos
professores, registro geral de matrícula, livro de ata de reuniões com diretores, supervisores,
orientadores, professores, diários de freqüência e termo de visita de inspetores. Também
utilizamos os jornais da época, além do depoimento de ex-alunos, ex-professores e ex-
diretores. Todo esse escopo documental se constituiu nas fontes analisadas como significativo
para desvelar o sentido histórico da Escola Estadual João Pinheiro e, conseqüentemente, para
entendimento do processo vivenciado pelas crianças da referida instituição. Portanto,
enquanto resultado final deste estudo, podemos afirmar que a educação infantil, nas séries
iniciais, teve papel expressivo no contexto educacional tijucano e, conseqüentemente,
contribuiu para a difusão de idéias, princípios e concepções em torno do ser criança e da
própria infância.
Palavras-chave: criança, práticas pedagógicas, séries iniciais, modernidade.
ABSTRACT
The main aim of this research was to make a study on the school called Escola
Estadual João Pinheiro, located in Ituiutaba, state of Minas Gerais, covering the period
between 1908when it was created — and 1988 as an attempt at understanding the room it
set apart for children, above all during the military government (from 1964 to 1985), the
pedagogical practices it developed in the elementary grades, and how these latter incorporated
a certain social behavior determined by the educational dynamics at the time — that is to say,
its political and institutional determinants imposed by the military regime. Also, it tries to
understand what the creation of elementary grades in a public school that time meant to the
local society and the developments of the official curriculum. Theoretical references that
support this research include authors such as Kuhlmann Júnior, Priore, and Tozoni-Reis.
Their studies made possible to grasp if not the whole childhood dimension at least the extent
to which our hypothesis points out the relationship between pedagogical practices and
childhood —, since this work discusses the centrality of the child as a being within the school
aforementioned, which is taken as modernity institutional expression. The methodological
procedure was the document analysis, which included book of records (of students who were
promoted to advanced grades, of teachers who took office, of enrollment, and of meetings
with headmasters, supervisors, advisors, and teachers), classroom attendance books, and
inspector’s visit records. Newspapers of the time and accounts given by former students,
teachers and headmasters were used as well. All these documents became the relevant source
to both unveiling the historical meaning of that school and understanding the process its
schoolchildren experienced. Therefore, as the final result, it can be stated that child education
in the elementary grades played an important role in the local social context and consequently
helped to spread ideas, principles, and conceptions regarding the child as a being and the
childhood itself.
Key words: child, pedagogical practices, elementary grades, modernity.
SUMÁRIO
Introdução
A INFÂNCIA NO CAMPO DA HISTÓRIA
23
Capítulo 1
INFÂNCIA NO BRASIL
:
PONTOS E CONTRAPONTOS
41
1.1 Infância e educação 47
1.2 Escola, infância e legislação 63
Capítulo 2
EDUCAÇÃO INFANTIL
:
NUANCES POLÍTICAS DE SUA IMPLANTAÇÃO
83
2.1 Quadro histórico-educacional de Ituiutaba 84
2.2 Expansão da educação escolar em Ituiutaba 100
2.3 Educação infantil no âmbito da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de
Ituiutaba 114
Capítulo 3
PANORAMA HISTÓRICO
-
EDUCACIONAL DO GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
127
3.1 Grupo escolar João Pinheiro: suas singularidades históricas 134
3.2 Nova modalidade de ensino: Escola Estadual João Pinheiro de 1º Grau 156
3.3 Práticas pedagógicas no ambiente escolar: um olhar sobre a concepção de infância 168
3.4 O interior da sala de aula 185
Considerações finais 193
Referências 199
Apêndices 207
23
Introdução
A INFÂNC IA NO CAMPO DA HISTÓRIA
Este trabalho parte do pressuposto de que tanto a forma de atuar com a criança quanto os
fundamentos que regem a educão infantil implicam uma concepção específica de infância no
campo da história, a qual se encontra elaborada de acordo com os princípios que regem a
sociedade. O estudo propõe apresentar o processo no qual o Grupo Escolar de Villa Platina
1
foi
pensado, tendo como foco os diferentes pais da infância no contexto desde sua criação até o ano
de 1988. Portanto, o interesse principal é, pois, analisar as práticas pedagógicas nas séries iniciais
na formação da criança e como elas incorporavam certo comportamento definido
historicamente.
Analisar as concepções de infância estabelecidas historicamente e identificar como
estas concepções foram delimitando mecanismos cada vez mais complexos e especializados
de conduzir a vida da criança no processo de socialização da mesma e seus efeitos em sua
formação, assinalando os diferentes aspectos que influenciaram a constituição da concepção
de infância, desde a Modernidade
2
até os dias de hoje, constitui-se em nossa preocupação para
melhor caracterizar todas essas metamorfoses do ser criança, bem como as práticas
pedagógicas adotadas ao longo desse processo de consolidação da educação escolar.
Diante desse contexto, da modernidade, a criança e a infância se entrelaçam, no
sentido em que esta se viabilizaria pela formação, e a criança seria a centralidade de tal
construção. Contudo, a criança e a infância adquiriram gradativamente centralidade no âmbito
do desenvolvimento da chamada modernidade e, em específico, no campo da educação.
1
Na sua criação, recebeu essa denominação, entre 1908 e 1915. A partir de 1915, segundo a revista
Centenário de Ituiutaba (2001, p. 49), passou a ser chamado apenas de Grupo Escolar. Mudou os hábitos, os
costumes e a cultura daqueles que o freqüentavam, pois passou a ser palco das atenções e realizações esportivas,
sociais e culturais da cidade. Posteriormente, em 1927, passa a ter a denominação de Grupo Escolar João
Pinheiro. Em 1974, o Grupo Escolar João Pinheiro passa a ser chamado de Escola Estadual João Pinheiro de
Grau; porém, em 1984, com a extensão de série do ensino fundamental, que era apenas de pré a série, passou
a ministrar o ensino de 5ª a 8ª série e a se chamar Escola Estadual João Pinheiro, até os dias atuais.
2
“Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento,
autotransformação e transformação das coisas em redor mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a
modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos
despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta de contradição, de ambigüidade e
angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual [...] tudo que sólido se desmancha no ar.” (
BERMAN
,
1986, p. 15).
24
Segundo Araújo (2006a), descoberta das possibilidades do ser humano, em vista de
seu desenvolvimento e da humanidade, revela vínculo entre a criança e a Modernidade,
traduzindo as realizações e as promessas em torno da infância, que nesse momento o
sentimento de infância se manifesta para se consolidar ao longo da sociedade industrializada.
Tais concepções de educação no período da Modernidade estão centradas na
compreensão do ser criança e sua especificidade; a história educacional e a construção da
escolarização, que atingiram a criança somente oito séculos depois, através da disseminação
da escola primária e dos jardins de infância no século
XIX
. Mas todas estas questões serão
abordadas no decorrer do capítulo 1, que ocuparemos como objeto de investigação, a
construção histórica da infância, a distinção entre o universo infantil e do adulto.
Historicamente, as discussões relativas à infância consideram a sociedade estratificada
nos séculos anteriores: veio ela se juntar a outros grupos, também, com suas hierarquizações
internas. Não se pode, pois, falar de uma infância “genérica”. Contudo, ao nos referirmos às
diferentes infâncias, é importante ressaltarmos que as condições de sobrevivência das crianças
foram desenvolvidas e modificadas perante os novos modelos sociais estabelecidos pela
Modernidade, cujo conceito aparece com a formação social, especialmente no que diz respeito
às modificações sofridas durante o período das transformações da antiga sociedade feudal em
sociedade capitalista industrial que, com a industrialização, os setores mais pobres da sociedade
começam a ser requeridos pela necessidade de mão-de-obra barata e fácil de explorar.
As crianças marginalizadas: mendigos, vagabundos, órfãos, para educá-los na
disciplina e nos hábitos de trabalho (
FURNISS
, 1965 apud
ENGUITA
,1989, p. 109), que
sustenta como “na Inglaterra as ‘Workhouse’ converteram-se em ‘Schools of Industry ou
Colleges of labouir’”; o proprietário era que o vagabundo e seus filhos se educassem na
disciplina e dentro dos parâmetros do trabalho produtivo que exigia a fábrica, diferentemente
do trabalho para sua manutenção. A criança marginalizada ganha espaço e sai do anonimato
na medida em que pode ser útil a favor do novo sistema de produção emergente.
Enguita (1989) comenta as intenções de alguns dos autores que promoveram a
regulamentação da vida da criança pobre dessa época. O que significou a submissão “a muitas
horas de trabalho e algumas de instrução”, desde o mais cedo possível (3 ou 4 anos de idade),
para que, segundo Temple em Furniss, “ganhem a vida ou não; pois, por este meio, esperamos
que a geração que está crescendo estará tão habituada à ocupação constante que em geral, lhe
será agradável e divertida” (p. 109). Tudo isso continuou sem a mínima consulta à própria
criança, não havendo nem o interesse de estudar o que elas precisavam. O importante era o
fortalecimento do modelo social em formação. Em muitos países estendeu-se a mesma
25
política de criação de internatos-fábricas com todo um modelo de organização de trabalho. A
New Lanark, fábrica fundada por David Dale, em 1799, é um exemplo, sob o modelo de
Roberto Owen, com meio milhar de crianças procedentes dos asilos de Edimburgo e Glasgow.
Assim, cobra-se do Estado por parte das manufaturas a consecução dos braços necessários
para o trabalho, retirando-os da grande massa de órfãos, dos quais se podiam exigir ao
máximo, do contrário podiam-se devolver sob pretexto de qualquer infração.
O apelo pelo trabalhador-infantil fazia-se ao governo em nome do favorecimento a
este, argumentando-se que isto era a forma de preparar a criança para o futuro,
proporcionando-lhe os meios de sustentação e arrancando-a da ociosidade e da delinqüência.
Os pensadores da burguesia apoiaram-se na promoção da educação do povo para garantir seu
poder, reduzindo o poder da igreja e conseguindo o favorecimento da nova ordem. Para a
época, a maior preocupação eram então os limites referentes à educação do povo. Autores
como Locke e, após, no século
XIX
, More colocaram que o importante era preparar os alunos
dentro de seus limites de classe. Para os que dispunham de tempo livre, a estes se teria que
introduzir no mundo das ciências; ao povo se exigiria dentro de seu fazer cotidiano. As
escolas anglicanas ocuparam-se de preparar as crianças em trabalhos toscos e para a servidão,
não acreditando ser necessário ensinar a leitura e a escrita, só precisavam ensinar a trabalhar e
a viver na fé. Para o povo não era necessária a universalização da educação; pelo contrário,
ele necessitava conhecer até onde iam suas ocupações.
A escola, banida de todos os poderes para comandar a educação das crianças, converteu-se
no instrumento de doutrinamento dentro do maior disciplinamento de higiene e moral, o se
distinguindo do quartel militar, que pouco se preocupou com os conteúdos acamicos, mas
sim em desenvolver as habilidades necessárias para fazer do aluno um bom assalariado dentro da
maior regularidade. O que mostra muita pouca diferença na condução da criança educada dentro
do círculo familiar ou institucional, na qual a organização familiar ganha prepondencia.
Entretanto, a compreeno da concepção de infância, educar, instruir e ensinar, e o
cuidar da aprendizagem se fazem necessários. Nesse sentido, entender o espaço destinado
à criança no contexto da instituição educativa, bem como as práticas pedagicas das
séries iniciais e, como conseência, a presença da criança enquanto existência real neste
universo de muitas faces, muitos problemas e muitas dificuldades, encontradas ao longo
de sua história e que foram muitas: as das crianças de falias ricas, filhas de fazendeiros;
as das crianças filhas de funciorios, profissionais liberais, comerciantes das cidades; as
crianças filhas de falias negras recém-sdas da escravidão; as crianças filhas de
pequenos produtores rurais; os caipiras, caboclos, sitiantes e outros de origens diversas,
26
experiências distintas, histórias que remetem a questões também diferentes, especialmente
no tocante à educação.
Usada de diferentes formas para expressar o que representa a palavra criança, em
diferentes contextos sociais, Priore salienta que:
pouquíssimas palavras para definir a criança no passado. Sobretudo no
passado marcado pela tremenda instabilidade e a permanente mobilidade
populacional dos primeiros séculos de colonização. “Meúdos”, “ingênuos”,
“infantes” são expressões com as quais nos deparamos nos documentos
referentes à vida social na América portuguesa. O certo é que, na
mentalidade coletiva, a infância era então, um tempo sem maior
personalidade, um momento de transição e por que não dizer, uma
esperança. (2006, p. 84).
A mesma autora prossegue:
Galeno, citado em manuais de medicina entre os séculos
XVI
e
XVIII
era
quem melhor definia o que fosse a primeira idade do homem: a “puerícia”
tinha a qualidade de ser quente e úmida e durava do nascimento até os 14
anos. A segunda idade, chamada adolescência, cuja qualidade era ser
“quente e seca”, perdurava dos 14 aos 25 anos. Na lógica de Galeno, o que
hoje chamamos infância correspondia aproximadamente à puerícia. Esta por
seu turno dividia-se em três momentos que variavam de acordo com a
condição social dos pais e filhos. O primeiro ia até o final da amamentação,
ou seja, findava por volta dos três ou quatro anos. No segundo, que ia até os
sete anos, crianças cresciam à sombra dos pais, acompanhando-os nas tarefas
do dia-a-dia. Daí em diante, as crianças iam trabalhar, desenvolvendo
pequenas atividades, ou estudavam a domicílio, com preceptores ou na rede
pública, por meio das escolas régias, criadas na segunda metade do século
XVIII
, ou, ainda aprendiam algum ofício, tornando-se “aprendizes”.
(
PRIORE
, 2006, p. 84–5).
Portanto, a importância de sistematizar este estudo a respeito de como se desenvolveu
a infância centra na criança que aparece retratada até o século
XVII
, como anjos, infância de
santos e nas efígies funerais dos reis.
Ariès (1981), ao desenvolver estudos sobre o contexto europeu, adverte para o fato de
que, até meados do século
XII
, a arte medieval não representava a criança: era como se ela não
existisse no mundo. Somente por volta do século
XIII
surgiu, na iconografia, alguns tipos mais
próximos do que chamaríamos hoje de criança: a figura do anjo, do menino Jesus, da infância
de Nossa Senhora; quase sempre a cena religiosa estava ligada à maternidade de Maria e ao
seu culto, permanecendo assim até o século
XVI
.
27
Para Ariès, “É curioso constatar que a alma deixou de ser representada sob a forma de
criança no século
XVI
, quando a criança passou a ser representada por ela mesma, e os retratos
de crianças vivas e mortas se tornaram mais freqüentes” (1981, p. 22).
Já no século
XVII
os retratos de crianças sozinhas tornam-se comuns e percebemos que
elas vão conquistando um espaço, com cenas próprias: na lição de leitura, desenhando,
brincando, entre outras situações da vida infantil. Assim, suma para Ariès (1981), a
descoberta da infância começou no século
XIII
e evoluiu nos séculos
XIV
e
XV
, tornando-se
significativa no final
XVI
e consolidada no século
XVII
.
Nesta perspectiva, a discussão do problema da infância adquiriu, nas últimas décadas,
uma pertinência especial, como resultado da conjunção de fenômenos de natureza diversa.
Pinto e Sarmento (1997) analisam os estudos de Ariès (1981) e deles priorizam seus aspectos
iconográficos.
a) A idéia moderna de infância como fase autônoma relativamente à adultez
só começa a adquirir pertinência na sensibilidade e na vida social a partir dos
finais do século
XVII
e especialmente do século
XVIII
, em alguns sectores da
aristocracia e sobretudo da burguesia; b) nas classes superiores da sociedade,
a criança vai adquirindo uma certa especificidade relativamente ao adulto
ao longo do século
XVI
, especificidade que se revela numa certa
individualização no vestuário (sobretudo dos rapazes), na linguagem, etc.; c)
na Idade Média, as crianças são representadas como adultos em adultos em
miniatura (homunculus): trabalham, comem, divertem-se e dormem no meio
dos adultos; d) finalmente, nas classes populares, os antigos gêneros de vida
e as antigas concepções de infância mantiveram-se quase até aos nossos dias,
havendo mesmo razões para pensar numa regressão vertificada com o
advento da industrialização e a procura de mão-de-obra infantil. (1997, p.
34–5).
Dessa forma, os autores trabalham com os conceitos de Ariès (1981), com bases nas
suas pesquisas iconográficas, e constatam a presença de crianças com aparência de “adultos
em miniatura” nas pinturas de diversos autores e em épocas distintas. Segundo suas
concepções, este sentimento foi estabelecido pela cultura religiosa e leiga durante a Idade
Média, posteriormente, pela idade moderna, principalmente nas classes superiores, ou seja, no
interior da nascente burguesia.
A representação da infância estava ligada à vida do grupo como um todo, sem separá-
la das representações daquele tempo, durante a Idade Média, em que a criança era considerada
como uma coisa divertida e pouco importante. Dessa forma, à imagem da infância
representada por nós, lhe eram atribuídas características opostas umas às outras, em que nossa
imagem contraditória passa, assim, por ser a um ser em si contraditório, como explicita
Charlot:
28
[...] Essas contradições que imputamos à natureza infantil são múltiplas.
Podemos, entretanto, resumi-las em quatro fórmulas: a criança é inocente e
má; a criança é imperfeita e perfeita; a criança é dependente e independente;
a criança é herdeira e inovadora. Concebemos a criança como um ser, ao
mesmo tempo, inocente e mau. A criança é espontânea, direta, franca;
exprime seus desejos e suas opiniões sem esses desvios de conveniência,
essas formas de polidez, essas nuanças afetivas que caracterizam o adulto.
Mas a criança retoma, ao mesmo tempo, todos os estereótipos adultos, é
ávida de clichês, e , às vezes, prova de uma malícia que, mesmo
permanecendo ingênua, não é menos surpreendente. [...] Em suma, a
inocência da criança inspira ao adulto ternura e desprezo, admiração e
condescendência. A criança é despojada de meios, ao mesmo tempo, para
fazer o mal e para resistir a ele. Sua fraqueza é, assim, causa, ao mesmo
tempo, de inocência e de maldade. (1986, p. 101–2).
Nesse contexto, salientam-se as ambigüidades que permeiam o mundo das crianças;
essas ambigüidades se expressam na dicotomia entre o bem e o mal, por exemplo, mas que
são forjadas pelos próprios adultos, ou seja, pelas representações que eles fazem das crianças.
A partir do século
XIX
, a criança começa a ter importância no cenário social. Assim,
no final do mundo medieval e, mais enfaticamente, na Modernidade, dá-se sustento a essa
importância, começando a se pensar a criança como diferente do adulto; sendo no
recolhimento das famílias, na delimitação de seu círculo familiar, no interior da casa, longe da
rua, do coletivo, da praça, na procura de intimidade. A vida familiar se privatiza. É provável
que a intimidade da família tenha ajudado a favorecer um novo sentimento de infância,
particularmente a relação mãe–criança.
A família”, também, não se definira na aceão real do termo, sendo representada sempre
numa mistura de elementos, tais como adultos, parentes, visitas, casados, solteiros, mendigos,
habitantes legítimos, mestres, aprendizes, amigos, criados, criaas e velhos, mulheres e homens. A
falia respondia pelo repasse necesrio referente aos fatos sociais e afetivos. A criaa surge
depois, como personagem central da falia, assim como a privacidade da vida familiar.
Segundo Tozoni-Reis:
Estudos sobre as formas primitivas da família revelam que ela sofreu,
através dos tempos, evolução em sua estrutura organizativa. Deixando de
lado as polêmicas estabelecidas entre pesquisadores da pré-história, são
importantes as análises sobre as transformações dos sistemas de parentesco
que dizem respeito ao surgimento da propriedade privada como definidora
de suas novas relações. [...] Grande parte dos estudos sobre a história da
família parte do pressuposto de que a família evoluiu de primitiva a
patriarcal, e mais tarde à família burguesa. Essa idéia de evolução parece um
equívoco: a idéia de que a família tem como núcleo o casal não pode ser
pressuposto básico nos estudos sobre a família, mas parte da história social
da família. (2002, p. 41–42).
29
As relações desenvolvidas sobre a família nuclear e seus movimentos no campo da
história indicam essa concepção; o sentimento de família trouxe conseqüências dos novos
modelos sociais definidos pela modernidade, que acelerou as modificações na organização
familiar. Conforme nos demonstra Ariès:
[...] O sentimento da família era desconhecido da Idade Média e nasceu nos
séculos
XV
XVI
, para se exprimir com um vigor definitivo no século
XVII
.
Somos tentados a comparar essa hipótese com as observações dos
historiadores da sociedade medieval. (1981, p. 210–11).
Até então, a concepção particular que o povo medieval tinha da família constituía-se
em “linhagem”, que Ariès salienta:
[...] A família ou mesnie, que pode ser comparada à nossa família conjugal
moderna, e a linhagem, que estendia sua solidariedade a todos os
descendentes de um mesmo ancestral. Em sua opinião, haveria, mais do que
uma distinção, uma oposição entre a família e a linhagem: os progressos de
uma provocariam um enfraquecimento da outra, ao menos entre a nobreza.
[...] Poder-se-ia dizer que o sentimento da linhagem era o único sentimento
de caráter familiar conhecido na Idade Média. Mas ele é muito diferente do
sentimento da família, tal como o vimos na iconografia dos séculos
XVI
e
XVII
. Estende-se aos laços de sangue, sem levar em conta os valores
nascidos da coabitação e da intimidade. (1981, p. 211–13).
A família, nesse momento, não conhecia individualidade entre os cônjuges e os filhos,
mas era vista de forma coletiva; as gerações mais velhas exerciam autoridade e decidiam
tomar as decisões importantes para a preservação dessa linhagem. Isso permitia que o filho
primogênito recebesse todos os “privilégios” (nome, heraa) como garantia de continuidade
da linhagem.
Nesse contexto, era normal a maioria das famílias viverem em casas grandes, para que
pudessem abrigar todos os membros e, ainda, os serviçais das casas. Diferentemente desses
fatos, “A família conjugal moderna seria, portanto a conseqüência de uma evolução que, no
final da Idade Média, teria enfraquecido a linhagem e as tendências à indivisão” (
ARIÈS
,
1981, p. 211).
3
As famílias retornavam para sua individualidade, e a figura masculina do
homem-marido torna-se importante como dirigente e chefe da casa.
3
A família ou mesnie, embora não se estendesse a toda a linhagem, compreendia, entre os membros que
residiam juntos, vários elementos, e, às vezes, vários casais, que viviam numa propriedade que eles se haviam
recusado a dividir, segundo um tipo de posse chamado frereche ou fraternitas. A frereche agrupava em todos
dos pais os filhos que não tinham bens próprios, os sobrinhos ou os primos solteiros. Essa tendência à indivisão
da família, que aliás não durava além de duas gerações, deu origem às teorias tradicionalistas do século
XIX
sobre a grande família patriarcal (
ARIÈS
, 1981, p. 211).
30
O sentimento de família não era cultivado até então devido ao fato de a casa estar
sempre exposta à diversidade de freqüentadores, aberta para o exterior. Até o fim do século
XVII
e início do século
XVIII
, a família era aberta, ou seja, ganhava visibilidade, onde se
manifestavam novas relações sociais nas praças e ruas, nas quais fervilhava um ambiente de
sociabilidade revigorando entre os adultos. Nesse espaço, a criança não ocupava nenhum
lugar de destaque, mas se encontrava presente no meio dele; a partir de então a família
começa a se agregar internamente, restringindo o espaço da casa aos de fora, isto é,
diferenciando o espaço público do privado, mantendo, assim, uma distância dessa sociedade
em transformação. Por essa época, a criança, então, é notada, isto é, passando do inanimado
ao processo de ser vista, ou seja, percebida entre a família e o que lhe permite conquistar o
seu espaço junto aos pais, passando, então, a se tornar elemento constante na vida cotidiana.
Os sentimentos das crianças se destacam com a remodelação do espaço doméstico;
este, portanto, passa a ser percebido como local adequado às condições de abrigo e aconchego
da infância ao propiciar afeição e uma preocupação para com elas. Por outro lado, é oferecida
uma disciplina diferenciada aos métodos de descontentamentos, baseados tanto nas grimas
quanto na tortura da palmatória, destinadas ao ato de educar e punir as crianças transgressoras
das normas familiares.
Diante dessas prescrições, Ariès observa que:
Essa evolução da família medieval para a família do século
XVII
e para a
família moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses,
aos artesãos e aos lavradores ricos. Ainda no início do século
XIX
, uma
grande parte da população, a mais pobre e mais numerosa, vivia como as
famílias medievais, com as crianças afastadas da casa dos pais. (1981, p.
271).
Kuhlmann Jr. (1998) aponta que essa separação ocorreu com a cumplicidade
sentimental da família, que se constituiu no lugar de afeição necessária entre os cônjuges e os
filhos: “Esse sentimento (da especificidade da infância) teria se desenvolvido inicialmente nas
camadas superiores da sociedade: o sentimento da infância iria do ‘nobre para o pobre’”
(
KUHLMANN JR
.,
1998, p. 19). Diante do exposto acima, Kuhlmann Jr. explicita:
As infâncias burguesa e aristocrática são muito mais conhecidas: os tratados
de medicina e de educação, a correspondência privada, os retratos de família,
deixaram numerosos traços indicadores das atitudes, dos cuidados, da
educação e dos sentimentos. Essas fontes mostram que a infância
privilegiada recebeu mais atenção com o estímulo à maternidade, com a
remodelação do espaço doméstico, com os novos métodos pedagógicos, em
substituição ao ensino pelas lágrimas da palmatória. (1998, p. 24).
31
Nesse novo contexto, a família se separa do seu meio, caminha sozinha e assume as
funções que outrora pertenciam à rua e a sociedade. Até então, a aprendizagem da criança se
dava com todos e não era exclusividade de um casal. A cultura era absorvida no contato direto
na comunidade, e a casa não era ainda residência apenas da família.
Com as cidades, estabelece-se o blico e o privado, o Estado se apropria do
espaço público e a criança passa a se socializar no espo privado da família. A criança
ganha relevo, a ser percebida de forma diferente e, mais tarde, quando sai do contexto
familiar, é que se vê controlada pelas instituições, pela escola, como parte dos projetos
políticos do Estado, que agora se apropria dos espaços antes ocupados pelas relações
espontâneas.
Nesse sentido, a criança na sociedade capitalista, do ponto de vista do ser humano,
passa a existir a partir do século
XIX
e, como integrante de uma classe social, quando surge,
também, a família como instituição burguesa organizada.
Esses pontos merecem reflexões mais aprofundadas, que nos oferecem uma visão mais
ampla desse contexto, pois, segundo Ariès:
Na sociedade medieval, que tomamos como ponto de partida, o
sentimento da infância não existia o que não quer dizer que as
crianças fossem negligenciadas, abandonadas ou desprezadas. O
sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas
crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa
particularidade que distingue essencialmente a criaa do adulto,
mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa rao, assim que a
criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe
ou sua ama, ela ingressa na sociedade dos adultos e não se distinguia
mais destes. Essa sociedade de adultos hoje em dia muitas vezes nos
parece pueril: sem vida, por uma questão de idade mental, mas
também por sua questão de idade física, pois ela era em parte composta
de crianças e de jovens de pouca idade. A língua o atribuía à palavra
enfant o sentido do restrito que lhe atribuímos hoje: em francês, dizia-se
enfant como hoje se diz gars na linguagem corrente. Essa
indeterminação da idade se estendia a toda atividade social: aos jogos e
brincadeiras, às profises, às armas. (1981, p. 156).
Dessa forma, a perspectiva nessa reflexão caracteriza-se por uma abordagem nas
dimensões sociais da infância, no conjunto de processos sociais, mediante os quais a infância
emerge como realidade social. Realidade essa que também produz, em certa medida, a própria
sociedade, pois, segundo Pinto e Sarmento:
[...] A idade referência para o inicio desta transição parece ter sido o perfazer
dos sete anos, altura em que a igreja, desde o Concílio de Latrão, em
32
1215, considerava atingido “algum uso da razão” e autorizava, por isso, a
confissão e comunhão. (1997, p. 35).
4
no século
XVI
, a criança aparece com mais freqüência nas pinturas com
companheiros de jogos quase sempre adultos —, sozinha ou no colo da mãe e até mesmo
na escola. Sobre esse aspecto, argumenta Priore:
[...] O clássico A criança e a família no Antigo Regime, datado de 1960,
apresentava duas teses que revolucionaram o tema: a escolarização, iniciada na
Europa do século
XVI
e levada a cabo por educadores e padres, católicos e
protestantes, provocou uma metamorfose na formação moral e espiritual da
criança, em oposição à educação medieval feita apenas pelo aprendizado de
técnicas e saberes tradicionais, no mais das vezes, ensinado pelos adultos da
comunidade. A Idade Moderna passa a preparar o futuro adulto nas escolas. A
criança, esse potencial motor da história, é vista como o adulto em gestação.
Concomitantemente a essa mudança, a família sofreu, ela também, uma
profunda transformação com a emergência da vida privada e uma grande
valorização do foro íntimo. A chegada destas duas novidades teria acelerado,
no entender de Ariès, a supervalorização da criança. (2006, p. 9–10).
Nesse sentido percebe-se a tardia iniciação da escolarização entre as crianças, que
eram vistas como adultos em gestação. Devido às mudanças que a família sofreu e à
transformação da vida privada, as investigações históricas retratam o desenvolvimento da
família como amplo, mas que deságua na forma patriarcal, predominante na Idade Média e
nos princípios da era moderna, para o tipo nuclear, no qual se estabelece uma relação mais
afetuosa entre as crianças e seus pais.
A substituão da aprendizagem pela escola exprime, também, uma aproximação da falia
e do sentimento da infância, outrora separados. A família concentrou laços de sensibilidade em
torno da criaa. Ainda afastada de seus pais, sua educão era garantida pela aprendizagem com os
adultos: aprendiam a fazer ajudando-os nas comunicações sociais realizadas, portanto fora da
falia, por elementos da comunidade, passando mais tarde ser a falia instituída.
Ariès prossegue:
[...] A partir do fim do século
XVII
, [...] a escola substituía aprendizagem
como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser
misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato
4
O decreto Quam singularis, dimanado em 1910, no tempo do papa Pio
X
, sobre esse assunto, permite tirar duas
conclusões sobre a matéria que aqui nos ocupa: em primeiro lugar, que, pelo menos até ao séc.
XIII
, e
provavelmente depois, a igreja autorizava a comunhão às crianças de peito, que vivem, segundo aquele
documento, “na condição felicíssima da primeira candura e inocência”; em segundo lugar, que, nos séculos
subseqüentes ao referido Concílio de Latrão, teriam-se instalado “não poucos erros e deploráveis abusos”,
trazidos nos protelamentos da primeira comunhão para “a idade de 10, de 12, de 14 anos e até mais avançada a
idade”, embora mantendo a exigência da confissão com a idade dos sete anos. A publicação de decreto em 1910
indica, presumivelmente, que esta questão se havia tornado importante, a ponto de merecer a intervenção
normativa de Roma.
33
com eles. A despeito de muitas reticências e retardamentos, a criança foi
separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de quarentena,
antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio.
Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como
dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e
ao qual se dá o nome de escolarização. (1981, p. 11).
Por outro lado, Ariès observa também:
[...] Essa afeição se exprimiu sobretudo através da importância que se passou
a atribuir a educação. Não se tratava mais apenas de estabelecer os filhos em
função dos bens e da honra. Tratava-se de um sentimento inteiramente novo:
os pais se interessavam pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam
com uma solicitude habitual nos séculos
XIX
e
XX
. (1981, p. 11–2).
Dessa forma, na educação não havia uma separação destinada à infância, que somente
com a divulgação da imprensa emerge o interesse pela alfabetização, permeando a mudança
social que surge a passos lentos, o interesse pela educação infantil, e assim a necessidade de
separação da sociedade dos adultos, que os renovadores pedagógicos, ou seja, os reformadores
católicos, padres ou protestantes ligados à igreja, às leis e ao Estado. Os materialistas e os
dicos defenderam e consagraram o que Ariès (1981) chama de “quarentena”.
Percebemos que, mesmo dentro da escola, as criaas participavam do mundo dos adultos,
ou seja, a instrão não distinguia a criaa destes. Contudo, a escola surge com função de
moralizar a criança, sob a inflncia de uma nascente pedagogia moralista,
5
a criaa foi se
incorporando às escolas, com o objetivo de ser educada, instruída e afastada da vida transgressora.
Para Rousseau:
5
“Os moralistas e os educadores do século
XVII
partilhavam a repugnância de Montaigne e Coulanges pela
‘paparicação’. O austero Fleury, em seu Traité dês études, fala quase como Montaigne: ‘Quando os adultos
fazem-nas [as crianças] cair numa armadilha, quando elas dizem uma bobagem ao tirar uma conclusão acertada
de um princípio impertinente que lhes foi ensinado, beijam-nas e acariciam-nas como se elas tivessem dito algo
correto [era a paparicação]. É como se as pobres crianças fossem feitas apenas para divertir os adultos, como
cãezinhos ou macaquinhos [os macacos de Montaigne]’.” (
ARIÈS
,
1981, p. 161–62). “A história da disciplina do
século
XIV
ao
XVII
permite-nos fazer duas observações importantes. Em primeiro lugar, uma disciplina
humilhante o chicote ao critério do mestre e a espionagem mútua em benefício do mestre substituiu um
modo de associação corporativa que era o mesmo tanto para os jovens escolares como para os outros adultos.
Essa evolução sem dúvida não foi particular à infância: nos séculos
XV
XVI
, o castigo corporal se generalizou,
ao mesmo tempo em que sua concepção autoritária, hierarquizada em suma, absolutista da sociedade.
Contudo, mesmo assim, restou uma diferença essencial entre a disciplina das crianças e a dos adultos —
diferença que não existia nesse grau durante a Idade dia. Entre os adultos, nem todos eram submetidos ao
castigo corporal: os fidalgos lhes escapavam, e o modo de aplicação da disciplina contribuía para distinguir as
condições sociais. Ao contrário, todas as crianças e jovens, qualquer que fosse sua condição, eram submetidos a
um regime comum e eram igualmente surrados. Isso não quer dizer que a separação das condições sociais não
existisse no mundo escolástico.” (
ARS
,
1981, p. 180).
34
[...] as crianças sejam crianças antes de serem homens. Por conseqüência, a
criança tem seu papel, seu lugar e como que sua autonomia relativa. [...] Em
certo sentido uma “maturidade“ da infância e, entretanto, cumpre levar
em conta a continuidade entre a infância, a adolescência e a idade adulta. [...]
A humanidade tem seu lugar na ordem das coisas; a criança tem seu lugar na
ordem da vida humana; cumpre considerar o homem no homem, e a criança
na criança. (1978, p. 184).
Ainda segundo Rousseau:
[...] Ensinar, à criança, a moral adulta; mas, pois que ela não pode ainda ser
verdadeiramente julgada, nem até, compreendida, a criança não tira, das
lições, senão hábitos de mentira, de hipocrisia, de vaidade; participa
precocemente dos vícios adultos, em lugar de participar das virtudes.
Parecendo pregar-lhes a virtude, fazemo-las amar todos os vícios.
(1978, p.
187).
É nesse aspecto que procuraremos discorrer como essas questões são construídas e
como as mesmas passaram por várias mutações, no momento em que se pensou na criança
como um ser singular, com características diferentes dos adultos, em que nascemos sensíveis
e, desde nosso nascimento, somos molestados de diversas maneiras pelos objetos que nos
cercam. Assim, a educação será adaptada à infância com o estabelecimento de faixas etárias,
levando em conta o desenvolvimento das funções, e a obra da natureza nele se conclui pela
educação, pois “o princípio educativo passa pela negação de uma moral adulta sobre a
criança. A educação tenta socializar a criança cedo demais, formar o espírito antes da idade e
dar, à criança o conhecimento dos deveres do homem. Mas isso é, com efeito, abrir a porta
aos vícios”. (
ROUSSEAU
,
1978, p. 187).
Nesse período, a criança vista como um “pequeno adulto” deverá adaptar-se ao meio
social na convivência e atitudes do “mundo dos adultos”. Essa era a garantia na qual a
sociedade se ancorava para que as crianças aprendessem os costumes e a tradição, por meio
de imitação da vida adulta. Compreender como essa concepção de adulto vai moldar a
concepção de criança, os estágios, a duração da infância.
A esse respeito, Ariès observa que:
35
[...] De criancinha pequena ela se transformava imediatamente em homem
jovem sem passar pelas etapas da juventude, ela não se resume em ser
alguém que não é, mas que se tornará no dia em que deixar de ser criança,
talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos
essenciais da sociedade evolutivas de hoje. (1981, p. 10).
Sintetizando, no sentido em que entendemos hoje a infância, ela constitui uma
realidade que começa a ganhar contornos a partir dos séculos
XVI
e
XVII
, embora nos
últimos 150 anos adquiriu, de fato, expressão social, não apenas no plano da enunciação e dos
princípios, como também, e sobretudo, no plano da prática social.
Pois, segundo Pinto e Sarmento:
Ariès foi criticado, por exemplo, pelo facto de se ter fundamentado
predominantemente em fontes icnográficas e por partir do pressuposto que
os temas e os motivos dessas fontes eram a expressão de atitudes e valores
da época. Ora, grande parte destas obras, fossem elas de cunho religioso ou
profano, possuíam finalidades moralizantes ou alegóricas e correspondiam,
em boa parte, aos interesses e orientações de quem as encomendava. Houve,
além disso, investigações baseadas em manuscritos que dão conta de um
certo sentimento de infância para um período anterior àquele em que Ariès o
documenta. (1997, p. 38).
Mais adiante afirmam que:
As conclusões de Ariès sobre a história da infância tiveram um grande
impacto nos meios acadêmicos e da educação e foram, sem dúvida, fonte de
inspiração para numerosos trabalhos em diversas latitudes, mas suscitaram
igualmente algumas objeções que não tiram, no entanto, a este historiador o
mérito de nos ter proporcionado a consciência de que aquilo que parecia um
fenômeno natural e universal era afinal o resultado de uma construção
paulatina das sociedades moderna e contemporânea. (PINTO
;
SARMENTO,
1997, p. 37–8).
Nessa perspectiva, os autores nos esclarecem que a história da infância tornara-se
inspiração de historiadores ao delinear a construção gradativa nas sociedades moderna e
contemporânea. Podemos notar que as pesquisas em relação à educação das crianças traz uma
significativa contribuição aos estudiosos do tema, pois, como afirma Kuhlmann Jr.:
A pesquisa sobre a infância e a assistência às crianças abandonadas recebeu
um impulso significativo como desdobramento da demografia histórica, nos
seus estudos sobre sociedade, família e população. [...] As fontes paroquiais
trazem não apenas dados sobre as famílias, mas também informações sobre
as crianças abandonadas, expostas e ilegítimas, devidamente categorizadas
nos registros de batismo. Na história da assistência à infância, esses dados
complementam-se com o estudo de outras fontes e das instituições que
36
atendiam essas crianças, como as Santas Casas de Misericórdia. (1998, p.
18).
6
A idéia exposta acima traduz a preocupação em definir as fontes e referências que se
tornam necessárias para se compreender como a criança, ao longo de seu desenvolvimento,
foi determinada por todo esse cenário e como sofreu com as mais variadas formas de
repressão. Portanto, faz-se necessário, também, delinear a trajetória feminina, conhecer os
papéis atribuídos à mulher, enquanto estes se ligavam à sua estreita relação com os(as)
filhos(as).
Segundo Tozoni-Reis, a família burguesa nuclear foi tomada como modelo universal
na sociedade moderna:
[...] As instituições sociais — entre elas a própria família e a escola —
encarregaram de exercer pressão ideológica na construção desse modelo
familiar. Esse movimento de moralização dos trabalhadores” [...] tinha como
principal função informar os sujeitos para novas relações de trabalho, que
exigiam a submissão, a ordem e a disciplina. Nesse processo de domesticação,
a modelagem dos comportamentos sociais são de extrema importância:
modelo feminino era, na família burguesa, a esposa, dona-de-casa e e de
família. Essa discriminação, sofrida pelas mulheres da burguesia no início da
industrialização no Brasil, era reproduzida para as mulheres pobres. (
TOZONI
-
REIS
,
2002, p. 75).
Ainda seguindo essa mesma linha de pensamento, Margarethe Rago argumenta que:
O movimento operário, por sua vez, liberado por homens, embora a classe
operária do começo do século fosse constituída em grande parte por mulheres
e crianças, atuou no sentido de fortalecer a intenção disciplinadora de
deslocamento da mulher da esfera pública do trabalho e da vida social para o
espaço privado do lar. Ao reproduzir a exincia burguesa de que a mulher
operária correspondesse ao novo ideal feminino da mãe, “vigilante do lar”, o
movimento operário obstaculizou sua participação nas entidades de classe, nos
sindicatos e no próprio espaço da produção, demandando seu retorno ao
campo que o poder masculino lhe circunscreveu: o espaço da atividade
doméstica e o exercício da função sagrada da maternidade. (1987, p. 63).
Nesse contexto, as mulheres foram discriminadas por sua condição de gênero desde o
início da civilização moderna. Portanto, as mulheres deveriam permanecer no lar, cumprindo
as atividades domésticas e o exercício da “função sagrada” da maternidade, cuidando dos
filhos e do lar. Mostrar-se-á, a seguir a infância no Brasil, visualizando pontos e contrapontos,
processo em que a sociedade se projeta na busca da identidade da criança brasileira.
6
O registro das crianças seguia as regulamentações eclesiais relacionadas à família sacramentada pelo
casamento monogâmico e indissolúvel, de acordo com as disposições estabelecidas no Concílio de Trento, no
século
XVI
(
MARCÍLIO
, 1993 apud
KUHLMANN JR
., 1988, p. 36).
37
Este trabalho foi estruturado em três capítulos: no capítulo 1, procuramos apresentar a
história da criança no Brasil, levando em conta os diferentes momentos em que a concepção
de infância foi indiferenciada e confundida com a do adulto, situação esta que prevaleceu até
fins do século
XVIII
. Nessa fase, o descobrimento das características próprias da criança era
patente, encontrando-se uma relação que tinha no adulto o único modelo a ser seguido. Nesse
estado concebido como uma etapa contínua, as crianças se viam forçadas a entrar no modelo
de comportamento do adulto sob a imposição de regras previamente determinadas.
Nessa fase, destaca-se que o comportamento dos adultos sobre as crianças baseava-se
na disciplina através da severidade e do rigor dos castigos, os quais formariam a obediência e
a temperança, princípios fundamentais na moral das crianças formadas para ser, quer bons
governantes quer bons governados, entendendo a desigualdade como um fator material. A
criança passa a receber mais atenção do adulto e, em geral, das instituições que a acolheram,
quando o poder destas se viu comprometido, especialmente com a Igreja. Surge, portanto, a
necessidade de educar as crianças, baseando-se no pensamento religioso e na moral, com o
intuito de preservar a idéia de inocência dela.
Posteriormente, com a primeira divisão do grupo, entre homens livres, ou seja, da
classe dominante, portanto os que se separaram maior tempo para conceber e administrar a
prática da vida na comunidade e os que se ocupavam do trabalho mais elaborado e escravos,
os executores do trabalho físico, começaram a delinear-se padrões mais elaborados na
condução e distinção das crianças. A criança do grupo de estrato social mais abastado, os
nobres, passa a ser educada de uma forma diferenciada, em que se delineia a formação de
um novo homem. A partir desse modelo diferenciam-se as crianças dos outros níveis sociais.
Diante dessas considerações, o estudo do Grupo Escolar de Villa Platina, suas práticas
pedagógicas, as concepções de infância que se estabelecia no interior dessa instituição se
fazem necessárias a partir de uma análise contextualizada na história da infância no Brasil,
pois não podemos analisar as relações de hoje sem retroceder um pouco na história do
passado.
O capítulo 2 tem como enfoque principal a análise do panorama histórico educacional
da cidade de Ituiutaba no cenário mineiro, privilegiando, também, os trabalhos relativos à
educação infantil em Minas Gerais. Com o intuito de compreender melhor nosso objeto de
estudo, abordaremos ainda no segundo capítulo a situação histórico-educacional de Ituiutaba,
buscando identificar, portanto, as situações do cotidiano do Grupo Escolar João Pinheiro.
Assim, entendemos que a instituição escolar constitui-se por meio das práticas dos sujeitos
que dela fazem parte, ou seja, das relações que ocorrem no seu interior e que configuram a
38
prática em educação infantil e séries iniciais da referida escola. Também abordaremos os
conceitos atuais que envolvem a infância, partindo do contexto geral em que a mesma se
encontrava desde sua constituição até o ano de 1988.
O capítulo 3 tomou como objeto de análise o Grupo Escolar João Pinheiro, procurando
especificamente historicizar seu significado no contexto da educação de Ituiutaba.
Procuraremos evidenciar as práticas dos sujeitos que dele fazem parte e as relações sobre as
concepções de infância no seu interior; para tanto, analisaremos seu fazer pedagógico.
Contudo, após apresentar a estrutura dos capítulos, faz-se necessário explicitar a
metodologia que orientou o trabalho de investigação desta pesquisa, fundamentada numa
revisão bibliográfica que contempla as principais obras que tratam das concepções de
infância. Trabalhamos, também, com vários documentos e depoimentos de ex-alunos, ex-
diretores, ex-professores, professores ainda atuantes na instituição, para dar vozes a essas
pessoas, sujeitos que fizeram parte do cotidiano dessa escola; partindo do pressuposto de que
a linguagem se configura como atividade de sujeitos que interagem em situações social e
historicamente determinadas. Assim, associamos à análise dos documentos a outros
procedimentos metodológicos que se mostraram necessários e significativos. Nesse sentido,
esclarecemos que a entrevista exigiu também habilidade, respeito, disposição a escutar sem
emitir opiniões próprias; buscamos informações prévias a respeito do tema, a fim de organizar
as questões. E ao término de cada entrevista etiquetamos as fitas, registramos os comentários
sobre o contexto pelo qual foi desenvolvida, conferimos as informações e organizamos todo o
material.
Para a realização das entrevistas selecionamos três ex-diretoras do Grupo Escolar João
Pinheiro que residem em Ituiutaba; todas foram atuantes na profissão de docência até se
aposentarem, pois ocupavam cargos efetivos como professora do estado de Minas Gerais.
Entrevistamos também quatro ex-professoras residentes em Ituiutaba, sendo que dentre essas
somente uma permanece na regência de sala de aula do ensino fundamental na referida
instituição; as outras estão aposentadas.
Para que haja melhor entendimento da realização das entrevistas e dos sujeitos que
participaram desse processo, apresentaremos a seguir a descrição deste momento.
Entrevistamos duas ex-alunas, sendo que estas se tornaram professoras, uma atua como
professora de educação sica em escola da rede estadual e também da rede municipal; a outra
atuou como professora de música no Conservatório Estadual de Música de Ituiutaba por doze
anos; como não ocupa cargo efetivo, dedica-se atualmente apenas á educação das filhas e à
administração dos negócios da família. Entrevistamos também um memorialista local.
39
Para a realização das entrevistas, utilizamos um roteiro semi-estruturado com 22
questões para os docentes e as diretoras; para os alunos, um roteiro de 14 questões. Para a
concretização das entrevistas, fizemos um levantamento prévio das pessoas as quais
poderiam, de fato, contribuir com os dados a serem pesquisados; entramos em contato pela
primeira vez com o intuito de sensibilizarmos e apresentarmos a importância dos depoimentos
para o estudo em foco sobre Escola Estadual João Pinheiro e, conseqüentemente, para a
cidade e região, e também para Minas Gerais.
Em um segundo momento, realizamos as entrevistas propriamente ditas, com questões
amplas que davam ao entrevistado total liberdade para falar sobre o assunto, inclusive quando
estes, em determinados instantes, não se lembravam dos fatos. Ressaltamos que em algumas
entrevistas foi necessário o retorno em um terceiro momento. As entrevistas foram gravadas e
transcritas na íntegra e, após sua transcrição, os textos foram revisados pelos depoentes e
liberados para utilização neste estudo. Os entrevistados se mostraram disponíveis para
dissertar sobre as questões apresentadas, caso houvesse interesse; também não fizeram
nenhuma restrição à divulgação do próprio, pois se sentiram até enaltecidos em participar de
uma pesquisa com tamanha significância para todos os interessados no trabalho. Alguns deles
não julgaram necessário revisar seus depoimentos. Esclarecemos, portanto, que ao todo foram
entrevistados dez pessoas, entre ex-diretoras, ex-alunos, ex-professoras e o memorialista.
40
41
Capítulo 1
IN FÂNCIA NO B RASIL
:
PONTOS E CONTRAPO N TOS
Neste primeiro capítulo, procuraremos apresentar a história da infância no Brasil,
priorizando como a criança foi vista pelos diversos estudos tanto aqueles ligados à
educação quanto, principalmente, os devotados ao campo da História —, ou seja, como a
historiografia trabalhou a infância nas suas mais variadas dimensões.
Com esta perspectiva, volta-se para a pesquisa, os processos sociopolítico-culturais
pelos quais passou a criança ao longo da história, destacando a forma de ser educada até
identificar as diferentes concepções que foram se estabelecendo sobre a infância. Dessa
forma, acompanhar-se-á o processo de construção e identificação da concepção de infância e
de como foi amadurecendo a visão que recai sobre ela quando concebida como um membro a
mais dentro do mundo adulto sem um espaço específico demarcado na estrutura social.
Assim, os autores, ao estudarem as diferentes etapas do percurso da humanidade,
mostram como seu desenvolvimento não ocorre de forma rápida nem tranqüila, fazendo parte
de um processo no qual a dinâmica da transmissão cultural vai estabelecendo uma identidade
dentro de contínuos contrastes entre o novo por afirmar-se e o existente a ser superado.
Também é importante a contribuição de outros historiadores que desenvolveram
pesquisas sobre a infância e suas especificidades, ao se preocuparem com as crianças, ou seja,
constituíram um arcabouço teórico sobre situação da infância no Brasil. Dentre eles, Mause,
um outro historiador da infância, propõe, por sua vez, uma visão em parte coincidente com a
de Ariès, mas orientada por uma outra perspectiva, mais carregada de tons escuros: “A
história da infância refere constitui um pesadelo do qual apenas recentemente
começamos a despertar” (
DE MAUSE
,
1997 apud
PINTO
;
SARMENTO
,
1997, p. 38).
Por outro lado, Mause observa também:
[...] a evolução das relações entre pais e filhos constituiria uma fonte
independente de mudança histórica, em virtude da capacidade de regressão à
idade psíquica das crianças, por parte de sucessivas gerações de pais, que
procurariam proporcionar aos seus filhos uma oportunidade para lidar
melhor com ansiedades semelhantes àquelas vividas durante a sua própria
infância. A pressão espontânea pela mudança psíquica ao longo das gerações
ocorreria mesmo durante períodos de estagnação, independente das
mudanças sociais e tecnológicas. [...] A consideração de que os cuidados
com as crianças viriam melhorando ao longo da história, [...] embora
reconheça avanços inequívocos nesta área, é construída a partir de dados
catastróficos confirmadores de suas hipóteses, muitas vezes
42
descontextualizadas. O determinismo psicológico e a visão evolucionista
minimizam as contradições e os retrocessos que ocorrem na nossa sociedade
atual e depositam no passado as denúncias das injustiças e violências
sofridas pelas crianças. Se atualmente, por um lado, temos vivido
manifestações de reconhecimento dos direitos das crianças em diferentes
níveis, por outro, continuamos a presenciar massacres de crianças e jovens,
exploração, violência sexual, fome, maus-tratos nas instituições
educacionais. (
DE MAUSE
,
1997
apud
KUHLMANN JR
.,
1998, p. 19–21).
Evidencia-se que a criança, desde o início de sua história, tem recebido maus-tratos,
humilhações, violências de todos os segmentos advindos da sociedade.
Segundo Kuhlmann Jr.:
No campo da história da educação, além da história das instituições
educacionais, a história do discurso pedagógico, a partir do estudo de autores
como Comenius, Rosseau, Pestalozi, Froebel, entre outros, traz uma
importante contribuição à história da infância.
7
(1988, p. 18).
Assim, as fontes oriundas das instituições educacionais fornecem a história da criança,
uma compreensão dos discursos pedagógicos frente aos estudos dos autores acima citados;
são de grande relevância, com informações sobre as crianças abandonadas, expostas e
ilegítimas, categorizadas nos registros de batismo. Contudo, as pesquisas passaram a
incorporar outras fontes e referências, tais como consulta a testamentos, inventários, cartas de
alforria, genealogias e recenseamentos oficiais, registros notoriais, crônicas e jornais da
época. Portanto, na história da assistência à infância, a pesquisa sobre as crianças
abandonadas recebeu impulso significativo, como desdobramento da demografia histórica,
nos estudos referentes à sociedade, família e população. Os dados obtidos fizeram, muitas
vezes, que as análises continuassem enfatizadas na importância da descrição e dos
diagnósticos, sem maiores interpretações.
Pinto e Sarmento prosseguem em sua explicitação:
Quanto mais recuarmos nessa história, mais probabilidade teremos,
segundo ele, de nos confrontarmos com a morte, o abandono, a
violência, o terror e o abuso sexual sobre as crianças. Práticas como
abandono e o infanticídio, a entrega dos filhos a outrem para os criar,
as célebres rodas de expostos. (1997, p. 38).
8
7
Cf. Narodowski (1994).
8
Dispositivo giratório comum na Europa: as crianças eram colocadas na abertura da roda e, em seguida, girada,
levando a criança para a parte de dentro dos orfanatos, sem que os pais fossem identificados. Rousseau deixou
seus quatro filhos na roda dos expostos. Estima-se que na França do século
XVIII
um quarto das crianças era
deixadas nessas rodas — cf. Silva (2006).
43
Ao referir-se à roda dos expostos, Leite delineia sua concepção:
A Roda dos Expostos foi uma instituição que existiu e foi extinta na França,
que existiu em Portugal e foi trazida para o Brasil no século
XVIII
. Os
governantes a criavam com o objetivo de salvar a vida de recém-nascidos
abandonados, para encaminhá-los depois de orientar a população pobre no
sentido de transformá-la em classe trabalhadora e afastá-la da perigosa
camada envolvida na prostituição e na vadiagem. Em todos os locais que
existiu, a Roda de Expostos foi sempre muito discutida. Acreditava-se que o
anonimato dos pais do enjeitado propiciava a licenciosidade e a
irresponsabilidade dos frutos de seus prazeres. O abandono da criança
acabava sendo considerado como resultante da existência da Roda, quando
esta procurou, muitas vezes sem êxito, salvar a vida de recém-nascidos cujo
abandono era feito nos adros das igrejas ou no beiral das portas, muito antes
de as Rodas terem sido criadas. (1996, p. 99).
A roda de expostos, onde eram abandonadas as crianças rejeitadas, não eram sempre
vistas como tráfico de exploração da infância; originava-se pelas dificuldades do aleitamento,
pela alimentação artificial ou pelas más condições de saúde das amas, resultantes de fatores
econômicos, sociais e culturais.
Ramos se refere à mortalidade infantil:
[...] Na verdade, entre os portugueses ou outros povos da Europa, a alta taxa
de mortalidade infantil verificada no decorrer de toda Idade Média e mesmo
em períodos posteriores, interferia na relação dos adultos com as crianças. A
expectativa de vida das crianças portuguesas, entre os culos
XIV
e
XVIII
,
rondava os 14 anos, enquanto “cerca da metade dos nascidos vivos morria
antes de completar sete anos”. Isto fazia com que, principalmente entre os
estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas como pouco mais
que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo
enquanto durassem suas curtas vidas. (2006, p. 20).
Contudo, podemos ressaltar que, durante esse momento em Portugal e toda a Europa, a
alta mortalidade infantil, retratada pela literatura da época, uma mentalidade de desapego à
criança. No Brasil, a criança tem sido, durante todos esses anos, o cerne de uma estrutura que
representa as diversas versões que se têm dentro do político, do social, do educacional e do
religioso. Em razão disso, leva-nos por essa intrincada busca da identidade da criança
brasileira, que se traduz como categoria social e adquire as mais diversas formas em cada
tempo histórico, de acordo com as conveniências sociais. Durante os mais remotos períodos,
percebemos como o universo da educação foi construído pelos princípios morais e pela
instrução da criança.
44
É o que nos demonstra um conto infantil português do século
XVI
citado por Ramos:
Recolhido da tradição oral, classifica os dois filhos recém-nascidos de um rei
como “um macho e outro fêmea”. Essa forma de referir-se às crianças
aproxima-se da categorização que os homens de Quinhentos davam aos
negros escravizados, vistos estão como meros “instrumentos vocais”, ou
seja, em instrumento de trabalho capaz de falar. É, provavelmente, esse
sentimento de desvalorização da vida infantil que incentivava a coroa a
recrutar mão-de-obra entre as famílias pobres das áreas urbanas. Por serem
as crianças camponesas necessárias na faina agrícola, elas eram poupadas.
Na verdade, a falta de mão-de-obra de adultos, ocupados em servir nos
navios e nas possessões ultramarinas, fazia com que os recrutados se
achassem entre órgãos desabrigados e famílias de pedintes. Nesse meio,
selecionam-se meninos entre nove e 16 anos, e não raras vezes, com menor
idade, para servir como grumetes nas embarcações lusitanas. Para os pais
destas crianças — consideradas um meio eficaz de aumentar a renda da
família —, alistar os seus filhos entre a tripulação dos navios parecia sempre
um bom negócio. Eles, assim, tanto podiam receber os soldos de seus
miúdos, mesmo que estes viessem perecer no além-mar, quanto livraram-se
de uma boca para alimentar. [...] a alta taxa de mortalidade a bordo dos
navios [...] em Portugal fazia com que a chance de morrer vítima de inanição
ou de alguma doença em terra, fosse quase igual, quando não maior do que a
de perecer a bordo das embarcações. (2006, p. 21–2).
Para os pais dessas crianças, as embarcações eram um meio que poderia, com o
trabalho de seus filhos, aumentar a renda familiar ao alistá-los entre a tripulação dos navios,
pois receberiam os “soldos de seus miúdos”; quando estes morriam, os pais se sentiam
aliviados com os gastos que estes tinham em relação aos diferentes contextos, tanto sociais
quanto relacionados à economia. O contexto social seria sua condição de miséria, fome e
desnutrição em que viviam as crianças, e, portanto, com sua morte, os pais não teriam que se
preocupar com a questão financeira para mantê-los vivos, mesmo com a dificuldade de
sobreviverem.
Contudo, Priore explicita:
[...] No que diz respeito à história do Brasil, encontramos de fato, passagens
de terrível sofrimento e violência. Mas não só. Os relatos de naufrágios da
Carreira das Índias retratam dolorosas separações entre pais e filhos. Os
testamentos feitos por jovens mães no século
XVII
não escondem a
preocupação com o destino de seus “filhinhos do coração”. Os viajantes
estrangeiros não cessaram de descrever o demasiado zelo com que, numa
sociedade pobre e escravista, os adultos tratavam as crianças. As cartas
desesperadas de mães, mesmo as escravas analfabetas, tentando impedir que
seus rebentos partissem para a Guerra do Paraguai, sublinhavam a
dependência e os sentimentos que se estabeleciam entre umas e outros.
(2006, p. 11).
45
Pelo exposto, evidenciam-se laços de afetos e sentimentos, de dor e
sofrimento das mães, com relação a seus filhos quando os mesmos ficavam expostos aos
sofrimentos e violências de toda ordem. Este período, em que muitas crianças se
entrelaçavam ao mundo dos adultos, participando de guerras e demais violências
possíveis e que eram tratadas com rígida indiferencião, sua morte não era vista como
algo terrível, poderiam ser substituídas por outras crianças. Na hisria da infância no
Brasil, deparamos com passagens de sofrimento. Percebemos que esta realidade começa
a ser retratada desde as antigas embarcações portuguesas que aportavam no Brasil.
Como nos relata Ramos:
[...] crianças também estiveram presentes à epopéia marítima. As crianças
subiam a bordo somente na condição de grumetes ou pagens, como órfãs do
Rei enviadas ao Brasil para se casarem com os Súditos da Coroa, ou como
passageiros embarcados em companhia dos pais ou de algum parente. (2006,
p. 19).
Portanto, as criaas eram tratadas como miseráveis sem um mínimo de condição
de dignidade, recebiam as piores condões de vida, muitas vezes pelo perigo e violência
a que estavam expostas não conseguiam chegar até o final, não resistindo à longa
viagem, muitos faleciam. Não obstante, poucas crianças, quer embarcadas como
tripulante ou como passageiros, conseguiam resistir à insalubridade das embarcações
portuguesas, à inanição e às doenças; e um número ainda menor sobrevivia em caso de
naufrágio.
Prossegue Ramos:
Em qualquer condição, eram os “miúdos” que mais sofriam com o difícil
dia-a-dia em alto mar. A presença de mulheres era rara, e muitas vezes,
proibida a bordo, e o próprio ambiente nas naus acabava por propiciar atos
de sodomia que eram tolerados até pela Inquisição. Grumetes e pagens eram
obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças,
mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por pedófilos e as órfãs
tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manter-se
virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia. [...] e, as crianças,
escravizadas e forçadas a servirem nos navios dos corsários franceses,
holandeses e ingleses, sendo prostituídas e exauridas até a morte. (2006, p.
19–20).
Portanto, nesse momento, as crianças que estavam presentes nas embarcações se viam
“obrigadas”, isto é, sem nenhuma alternativa, a não ser a de ceder às humilhantes formas de
46
tratamento. Com isso, perdem seu universo de sonho, esperanças e fantasias diante da cruel
realidade do cotidiano dos naufrágios do século
XVI
.
Ramos, ainda, salienta que:
[...] As crianças que tinham a sorte de escapar da fúria do mar, tornando-se
náufragas, terminavam entregues à sua própria sorte, mesmo quando seus
pais se salvavam. Nesta ocasião, devido à fragilidade de sua constituição
física, as crianças eram as primeiras vítimas, tanto em terra como no mar.
(2006, p. 20).
Tudo isto leva em conta que a criança foi igualada ao grupo de inferiores, não sendo
identificada diferentemente do adulto e tendo que seguir o seu modelo, o qual estava alheio a
muitas de suas potencialidades e condições de desenvolvimento.
Nos primeiros anos de vida, esta diferença não era tão nítida. As crianças escravas se
misturavam com os filhos dos senhores na casa-grande; em alguns casos, a criança negra era
apresentada como um brinquedo aos filhos dos senhores. Quando estas crianças completavam
7 anos, era visível a diferença imposta sobre elas. Devido a suas condições sociais, os filhos
dos senhores iam estudar, enquanto os filhos dos escravos tinham que se submeter aos
afazeres de diferentes tarefas.
As crianças negras estavam muito mais sujeitas à morte que as crianças dos senhores,
em razão das suas condições de vida, ou seja, da própria escravidão no Brasil. Na convivência
com os filhos dos senhores, os filhos dos escravos eram bem diferenciados destes, portanto
recebiam um linguajar distinto; chamados de moleques, estavam sujeitos às piores condições de
vida, mesmo que “amigos” ou serviçais dos senhorzinhos, enquanto estes chamados de meninos
viviam as regalias da nobreza. Distinções estas pronunciadas no cotidiano da colônia. Nunca um
filho nobre poderia ser chamado pormuleque” nem um escravo por menino.
No entanto, Mauad nos esclarece:
[...] voltada para as crianças e adolescentes. Dois livros em especial são
exemplos picos dessa tendência. Os títulos indicam a intenção dos
autores: Modelos para os meninos ou rasgos de humanidade, piedade filial e
de amor fraterno. Obra divertida e moral, publicado em Recife em 1869 e
vendido na Corte, e As manhãs da avó: leitura para a infância. Dedicada às
mãis de família, de autoria de Victora Colonna, publicado pela Garnier em
1877. (2006, p. 148).
Dessa forma, a literatura presente no século
XIX
retratava a relação sobre a moralidade que os
pais estabeleciam para os filhos e para as filhas.
47
1.1 Infância e educação
Os textos de literatura brasileira que se referem ao período do século
XIX
foram
tomados como fonte de investigação, pois durante este momento nos demonstram, com
bastante evidência, a relação entre as atitudes dos pais em estabelecer uma base moral aos
filhos e outra para as filhas, pois estão presentes nos relatos da época.
A primeira publicão, uma coletânea de historietas, inicia sua apresentação com
uma situação exemplar. “Um dia, o pequeno Marcellino, muito contente de ter preenchido
os seus deveres, pediu a seu pai que lhe contasse uma estória bonita, e ao mesmo tempo
chamou a sua irmã Rosinha para que juntos ouvissem uma das preferidas” (
MAUAD
, 2006,
p. 148).
É o que nos demonstra Mauad:
Para que quereis vós que eu vos conte histórias que não tem o mínimo de
bom senso? Com effeito seria bem curioso ver um rapaz já de dez annos, e
uma menina de nove, ouvir com a boca aberta, as aventuras d’um lobisomem
que come os meninos, e as de um pequeno rapaz que ande sete léguas por
passada! Eu perdoaria isso a uma criança que a ama está embalando, mas a
vós! [...] Depois de deixar claro que não os está proibindo de ouvir contos de
fadas, o pai estabelece claramente a diferença entre os contos e as fábulas,
estas sim, verdadeiras formadoras de caráter, por conter uma moral
claramente identificável. O restante do livro é composto por cerca de 16
historietas cujos títulos indicam o código moral vigente na mentalidade
oitocentista, dentre os quais vale a citação de alguns exemplos: “Um menino
que se despio para cobrir o irmão”; “O filho sensível”; “O menino que
adoptou um orphão”; Um menino pedindo esmola para sua mãi”; “Uma
menina que quis morrer com seu pai”; “Docilidade d’um menino maltratado
pela madrasta”, entre outros. (2006, p. 148).
Contudo, nota-se que, por meio das historietas sobre situações exemplares inscritas no
cotidiano, para cada dia do mês, uma história distinta, valorizando ora a verdade, ora a
caridade como objetivo de educar os filhos, inspirando-lhes o amor ao belo, do ser verdadeiro
e o bom, da virtude, que paralelamente convivia com a brutalidade da escravidão presente na
realidade brasileira, esta um tanto idealizada por alguns poetas do romantismo muito mais
próximos do moralismo da época.
Ainda no século
XIX
, são retratados contrastes entre a população livre e a população
escrava, conforme Araújo nos apresenta pela poesia de Castro Alves, defensor dos escravos,
nos trechos de “O navio negreiro”:
48
[...] Senhor Deus dos desgraçados!/ Dizei-me vós, Senhor Deus!/ Se é
loucura... se é verdade/ Tanto horror perante os céus.../ Ó mar! Por que não
apagas/ Co’a esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?.../ Astros!
Noite! Tempestades!/ Rolai das imensidades!/ Varrei os mares, tufão!.../
Quem são estes desgraçados,/ Que não encontram em vós/ Mais que o rir
calmo da turba/ Que excita a fúria do algoz?/ Quem são? Se a estrela se
cala,/ Se a vaga à pressa resvala/ Como um cúmplice fugaz,/ Perante a noite
confusa.../ Dize-o tu, severa musa!/ Musa libérrima, audaz!/ São os filhos do
deserto/ Onde a terra esposa a luz/ Onde voa em campo aberto/ A tribo dos
homens nus.../ São os guerreiros ousados,/ Que com os tigres mosqueados/
Combatem na solidão.../ Homens simples, fortes, bravos.../ Hoje míseros
escravos/ Sem ar, sem luz, sem razão.../ São mulheres desgraçadas/ Como
Agar o foi também,/ Que sedentas, alquebradas,/ De longe... bem longe
vêm.../ Trazendo com tíbios passos,/ Filhos e algemas nos braços,/ N’alma,
lágrimas de fel./ Como Agar sofrendo tanto/ Que nem o leite do pranto /
Têm que dar para Ismael... (1944, p. 12324).
Neste contexto, a criança escrava não pertencia mais ao mundo da infância, pois sua
força de trabalho era explorada pelos seus senhores, conforme os interesses estabelecidos
pela sociedade dos engenhos. Segundo Araújo, ao referir-se à criança branca da elite:
A criança branca da elite, por sua vez, a partir dos seis anos de idade, era
iniciada no aprendizado de latim, da gramática, das boas maneiras, nos
colégios religiosos. Sua precocidade evidenciava-se não somente pelo
vestuário característico do adulto, mas, sobretudo, por um comportamento
pelo qual se incorporava prematuramente ao mundo adulto e a desvinculava
deste cedo de um período destinado às suas vivências de criança. Enquanto o
perfil de criança qualificada por traços angelicais e por características
próximas às dos adultos percorria os espaços da família, no campo da
pedagogia circulava uma imagem de criança contraditoriamente delineada
ora por uma natureza ingênua, inocente, ora por uma natureza corrompida.
(1996, p. 66).
Desta forma, a criança adentrava-se ao mundo do adulto, desvinculava-se de sua
vivência de criança, a partir das características incorporadas desde o vestuário até a exigência
de um comportamento prematuro. Assinalava, ainda, como nos apresenta Mauad, uma
distinção quanto à educação de gênero:
Apesar da misoginia do documento, ele revela a origem da distinção de uma
educação para meninos, ministrada por homens e uma para meninas,
ministrada por mulheres. Distinção esta presente nos colégios da Corte
imperial, como também na educação das princesas imperiais. Dona
Francisca, em carta de 1863, elogiava a educação da princesa Isabel: “acho
que fazes bem em dar uma educação de homem a sua filha mais velha,
sobretudo que é provável que venha a governar o país [...]” onde residiria a
diferença nas duas formas de educar? [...] os meninos da elite iam para a
escola aos sete anos e só terminavam sua instrução, dentro ou fora do Brasil,
com um diploma de doutor, geralmente de advogado. Num colégio
conceituado como Externato Pedro
II
, freqüentado por quase todos os filhos
49
da aristocracia cafeicultora imperial e pela elite urbana, havia um rol
exaustivo de disciplinas que englobava: filosofia, retórica, poética, religião,
matemática, geografia, astrologia, cronologia, história natural, geologia,
ciências físicas, história, geografia descritiva, latinidade, língua alemã,
língua inglesa, língua francesa, gramática geral e nacional, latim, desenho
caligráfico, linear e figurado e música vocal, distribuídas ao longo dos sete
anos. (2006, p. 152).
Neste contexto, os meninos tinham uma educação diferenciada das meninas, princípios de
uma pedagogia fundamentada em conteúdos distintos, muitas vezes ressaltavam a imporncia de
fornecer a educão dentro dos princípios morais daquela época. Aos homens caberia se tornarem
doutores. Segundo Priore (2006), às mulheres, como uma moça de boa formação, conhecimentos
como a música e francês, saber dançar um solo ings, fazer crochê e, neste momento, a
discriminação sofrida pelas mulheres em relação à escolarização. Portanto, os meninos tinham
ainda a opção dos colégios particulares, podendo optar ainda por uma formação militar.
Os trechos dos contos e romances expressam o conteúdo das atitudes discriminatórias
sobre a presença das mulheres na escola, vemos em Anarquistas graças a Deus, que também
descreve a discriminação das meninas na escola, no qual Gattai realça
:
Marieta, Tereza e Ripalda Andreatta, moças bonitas e inteligentes, gostavam,
como todos os vizinhos do quarteirão, de assistir à passagem dos enterros,
um dos poucos divertimentos a que tinham direito. Criadas em regime de
quase escravidão, jamais haviam ido à escola, não saíam de casa a não ser
acompanhadas pela mãe. Lugar de mulher é em casa! Filha nostra tem que
aprender a tomar conta do marido e da casa, isso sim! Nada de escola.
Escola não serve para mulher. Mulher precisa saber ler? Pra quê? Pra
mandar carta pros namorados? perguntava e afirmava dona Antonieta, a
mãe da família, ela também uma escrava. A teoria de conservar as filhas no
analfabetismo para evitar que tivessem correspondência com namorados não
era exclusividade dos Andreattas. Muitos outros namoradores do bairro,
principalmente famílias do sul da Itália os meridionais, como eram
chamados pelos do norte — também a utilizavam a fim de justificar a
ausência das filhas à escola. (1986, p. 45).
Contudo, a educação feminina, iniciada aos 7 anos, terminava na porta da
igreja, aos 14 anos. Na Corte Imperial, das meninas da alta sociedade, exigia-se perfeição
no piano, destreza em língua inglesa e francesa e habilidade no desenho, além de bordar e
tricotar. Neste momento, a figura da mulher exercia uma autoridade perante a filha, pois
as moças de família o poderiam se ausentar sem a presença da mãe. Pois, segundo
Mauad:
Os colégios, freqüentados pelos filhos da elite rural e urbana, eram todos
pagos e para os internos variavam entre cem e 150 mil réis por trimestre,
50
além das aulas extras de piano, canto e desenho ou qualquer outro idioma
além do inglês e francês. Também para os internos, havia a exigência de um
enxoval completo. O Colégio da Imaculada Conceição exigia para suas
internas. Um vestido preto; seis vestidos brancos; seis saias; seis calças, seis
camisas, doze lenços de mão; seis pares de meia; seis lençoes de cama; dois
ditos para banho; duas camisolas de chita para banho; três ditas brancas para
dormir; três colchas com cobertor; três fronhas; três toalhas; seis
guardanapos, um chapeo enfeitado; uma fita verde; um par de luvas; uma
talher de prata; uma caixa para roupas íntimas; pentes escovas e objetos para
toillete. (2006, p.154).
Diante desse contexto, nota-se a relação do caráter excludente da educação. Portanto, é
notório como que para se adentrar neste universo da escola as crianças teriam que pertencer
aos segmentos privilegiados. Contudo, veremos nos trechos dos contos e romances que fazem
referência a mais uma das dimensões do caráter excludente do sistema de ensino no início da
industrialização no Brasil.
Tozoni-Reis explicita esse aspecto ao citar Palhano: “Também tudo trabalha. Aprender
a ler é luxo que pobre o pode ter. É viver como Deus cria batata: terra e chuva, p’ra
que mais?” (1931, p. 158 apud
TOZONI
-
REIS
, 2002, p. 57).
No entanto, o real da vida dessas crianças era amalgamado pelos estereótipos criados
sobre o seu ser, no qual as condições de vida eram claramente definidas pela condição social.
Porém, algo tinham em comum: eram crianças, quer meninos ou meninas, ricos ou pobres,
submetidos às diferentes situações no contexto escolar.
Mauad realça esse fato:
No entanto, a escola só poderia cumprir o seu papel se a educação doméstica
cumprisse a sua finalidade: o estabelecimento dos princípios morais. “Se for
preciso escolher”, escrevia o articulista da Revista Popular, na edição do dia
20 de janeiro de 1859, “antes educação do que instrução, antes moralidade
do que sciência, antes fazermos homens de bem do que sabichões”.
Completava a sua preleção condenando os mimos inúteis, rejeitando a
convivência com os escravos domésticos, proibindo radicalmente o incentivo
dado às futilidades femininas, à soberba e ao orgulho senhoriais, nos
meninos e meninas. Para uma educação doméstica com retidão, ensinava a
preceptora dos filhos de Dom Pedro
I
: a experiência me tem mostrado que
desde o berço se deve principiar este trabalho [praticar a virtude], porque
defeitos de caráter adquiridos, pode a razão de abafalos mas nunca
destruilos. Este methodo bem que tão necessário he mui difícil execução,
pois quem o pratica precisa morrer para si e viver para seu educando. (2006,
p. 150).
Mais adiante, Mauad explicita que:
A especificidade da infância era motivo para polêmicas e controvérsias cuja
temática central era a oposição entre educação e instrução. As escolas
ofereciam um ensino enciclopédico, desde os sete anos de idade, enaltecendo
51
os alunos que, bem cedo, conseguiam passar por sabatinas e argüições das
mais difíceis. [...] Portanto era no lar que a base moral deveria ser plantada,
sem confundir educação com instrução. No caso da educação dos príncipes
imperiais, a instrução ministrada pelos professores de diferentes disciplinas e
coordenados por um diretor de estudos era alicerçada em princípios
educacionais claramente definidos pelo preceptor das realezas. (2006, p.
150–51).
Porém, constata-se que a escola deveria incumbir-se da instrução e a família, da
educação, inclusive dos princípios morais; que a escola poderia cumprir seu papel se a
educação doméstica cumprisse sua finalidade. Nesse momento, valorizava-se mais a
educação
9
do que a instrução,
10
bem como a moralidade em vez da ciência, pois acreditavam
que deveriam dedicar-se à formação de homens assentados em valores tradicionais.
Mauad diz, ainda, que, “[...] estabelecidos os devidos papéis sociais, caberia à família,
educar e à escola, instruir. Com isso estavam supostamente garantidas a manutenção e
reprodução dos ideais propostos para a constituição do mundo adulto” (2006, p. 156).
Para a educação dos príncipes imperiais, a instrução ministrada pelos professores de
diferentes disciplinas e coordenados por um diretor de estudos estava alicerçada em princípios
educacionais claramente definidos pelo preceptor, composto de um documento de 12 artigos,
que Mauad apresenta:
9
“Educação: ato ou efeito de educar(-se). Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral
da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social. Os conhecimentos ou
as aptidões resultantes de tal processo; preparo. O cabedal científico e os métodos empregados na obtenção de
tais resultados; instrução, ensino. Nível ou tipo de ensino. Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades
humanas. Conhecimento e prática dos usos de sociedade; civilidade, delicadeza, polidez, cortesia.” (
HOLANDA
,
1997, on-line). “Arte de cultivar as plantas e de as fazer reproduzir nas melhores condições possíveis para se
auferirem bons resultados. No decurso do século
XVIII
, na medida em que se estruturam práticas educativas e
instrutivas para aquelas idades, designadamente a iniciação à leitura e à escrita, implementam sistemas de ensino
e de iniciação a uma profissão. Na segunda metade do século
XIX
, com a progressiva laicização da educação da
infância e com o encerramento das Casas da Roda, em conseqüência de um aumento do controle dos poderes
civis sobre o comportamento das mães solteiras, os Asilos de Infância transformaram-se nas primeiras escolas
para a infância, desenvolvendo planos instrutivos e de formação laboral, sob uma gica quer de preenchimento
útil dos tempos das crianças, quer de uma compensação econômica e financeira que adivinha da produção de
artefactos ou outros produtos tradicionalmente manufacturados por crianças. Proteger, acolher, alimentar
constituíram e constituem, por conseqüência, a primeira grande intervenção educativa junto da infância.”
(
PINTO
;
SARMENTO
,
1997, p. 121–22). “Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados,
brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação,
respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.
Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento
das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a
formação de crianças felizes e saudáveis.” (
BRASIL
,
1998, p. 23).
10
“Instrução: ato ou efeito de instruir(-se). Conhecimentos adquiridos; cultura, saber, erudição. Explicação dada
para um determinado fim. Esclarecimento ou ordem dada à pessoa encarregada de alguma negociação ou algum
empreendimento. Instrução programada: método de ensino em que o conteúdo é apresentado através de uma
série de quadros, cada um incluindo uma informação ao aluno, uma exigência de resposta baseada nesta
informação e uma retroalimentação relativa à correção ou adequação da resposta.” (
HOLANDA
,
1997).
52
1. Autoconhecimento como regra primeira;
2. Ensinar a relação entre natureza física e natureza social, baseado nos
princípios de bondade e justiça;
3. Condenar a tirania e valorizar o amor fraternal;
4. Harmonia entre religião e política;
5. Uma educação eminentemente masculina, sem palavrões de
erudição estéril: Lembrem-se pois os mestres que o imperador he
homem...;
6. Priorizar o conhecimento em detrimento da memorização: “saber por
meio das letras”;
7. Nada de grandes devaneios abstratos: “que o imperador, sem abraçar
nunca a nuvem por Juno, comprhenda bem que pão he pão e o queijo he
queijo;
8. O professor de física deverá apresentar suas leis cuja origem é divina;
9. Ensinar o monarca a incentivar o trabalho produtivo;
10. Trabalho como princípio e virtude maior;
11. Encaminhar o imperador “com seu gênio dócil e cordial para a
compreensão da verdade e do bem”;
12. Inculcar na cabeça do imperador que ele é o soberano e que não pode
ficar à mercê dos ministros, portanto deve-se inteirar do que ocorre
na Corte tanto por periódicos, quanto por audiências. (2006, p. 150–
51).
Deste modo, o documento apresenta educação que os mestres deveriam seguir na
instrução das crianças. Dentre os aspectos mais relevantes, eles destacam a próprios formação
de um governante, tais como inteligência, virtude e a magnanimidade. De fato, tanto em
termos de educação como de instrução, meninos e meninas eram tratados de forma distinta,
diferenciada, como aponta Mauad:
[...] os filhos machos dos príncipes, passados os sete annos, e ainda antes [...]
devem logo ser retirados do trato da caza e educação das mulheres, e se
devem encarregar a varoens virtuosos [...] lhe devem dar mestres, que os
doutrinem confessores, camaristas e todos os mais criados deste gênero [...]
Fazem se effeminados os Príncipes com a criação das mulheres e perdem o
vigor varonil, porq’de continua communicação com dellas e familiaridade se
embebem facilmente os affetos e as premoniçoins do animo as quais he mais
inclinado aquele sexo [...] he um certo gênero de encantamento em que os
animos dos mancebos, naturalmente inclinados aos vícios, se fazem
propenços aos depravados e entenpestivos affectos de animo prejudiciais a
idade em que se achão. (2006, p. 151–52).
Prossegue a autora, referindo-se à instrução das meninas:
Da mesma forma, a instrução das meninas variou ao longo do século
XIX
e
apesar de manter a valorização das habilidades manuais e dos dotes sociais,
se encontrava no currículo das escolas, desde meados da década de 1870,
um conjunto de disciplinas tais como “línguas nacional, franceza e ingleza,
arithmética, história antiga e moderna, mithologia, além é claro, de obras de
agulha de todas as qualidades”. (
MAUAD
,
2006, p. 153–54).
53
É interessante notar como o discurso dos pais definia os espaços das futuras vivências
dos filhos. O que a educação e a escolha de um certo tipo de instrução arbitravam a forma de
acesso da criança no mundo adulto, definindo os papéis sociais do homem e da mulher desde
a meninice. Aos meninos, uma educação voltada para o desenvolvimento de uma postura viril
e poderosa, aliada a uma instrução civil ou militar, que lhes permitisse adquirir conhecimentos
amplos e variados, garantindo-lhes o desenvolvimento pleno da capacidade intelectual. A
educação das meninas propunha-lhes incentivos à formação do lar e o preparo para a
maternidade; por outro lado, segundo Priore (2006), habilitava-as para vida em sociedade,
incorpora como, por exemplo, a valorização da exposição das damas nos salões do Segundo
Império. Mas, temendo desvios de conduta, levantava-se a literatura moralista, ao se
prescreverem comportamentos às moças de família.
Nesse sentido, Macedo salienta que:
Um sarau
11
é o bocado mais delicioso que temos, de telhado abaixo. Em um
sarau todo mundo tem que fazer. O diplomata ajusta, com um copo de
champanha na mão, os mais intricados negócios; todos murmuram e não
quem deixe de ser murmurado. O velho lembra-se dos minuetes e das
cantigas do seu tempo, e o moço goza todos os regalos da sua época; as
moças são no sarau como as estrelas no céu; estão no seu elemento; aqui
uma, cantando suave cavatina, eleva-se vaidosa nas asas dos aplausos, por
entre os quais surde, às vezes, um bravíssimo inopinado, que solta de da
sala do jogo o parceiro que acaba de ganhar sua partida no écarté, mesmo na
ocasião em que a moça se espicha completamente, desafinando um
sustenido; daí a pouco vão outras, pelo braço de seus pares, se deslizando
pela sala e marchando em seu passeio, mais a compasso que qualquer de
nossos batalhões da Guerra Nacional, ao mesmo tempo que conversam
sempre sobre objetos inocentes que movem olhaduras e risadinhas
apreciáveis. (1994, p. 93–4).
Os tratados de cortesia, regras de moral e as artes de amar concorriam para um mesmo
resultado: iniciar o rapaz e, às vezes, a dama na vida em sociedade, a única conveniente dos
claustros, uma vida em que tudo, tanto as coisas sérias como os jogos, passava-se através do
contato humano e das conversações. Portanto, durante o sarau, era muito freqüente essa
realidade entre os rapazes e as moças.
Mauad, ao explicitar os papéis sociais que caberiam à família quanto à educação
escolar, como a sua instrução, destaca que:
11
Na descrição do sarau, está o retrato da classe alta brasileira no século
XIX
. No Sarau não é essencial ter
cabeça nem boca, porque, para alguns, é regra ele pensar pelos pés e falar pelos olhos — o autor usou ironia para
dizer que no Sarau predominavam as danças e os flertes (
MACEDO
,
1994, p. 94).
54
[...] Dentro desta perspectiva, a criança era uma potencialidade, que deveria
ser responsavelmente desenvolvida. Mas até chegar a ser uma
potencialidade, a criança era uma expectativa que, devido às condições de
saúde da época, geralmente se frustrava. (2006, p. 156).
Nessa concepção, os papéis destinados às crianças, tanto do sexo masculino como do
feminino, como base no mundo do adulto, a criança era uma potencialidade a ser
desenvolvida, caso superasse as crises das diferentes doenças ditas da infância.
Conforme Priore:
De toda forma, doenças infantis mais comum mal dos sete dias, tinha,
sarna, impingem, sarampo, bexiga, lombrigas eram combatidas com
remédios de pouquíssima eficácia. A erisipela, por exemplo, era tratada com
óleos santos e uma oração em verso:
Pedro e Paulo foi a Roma
e Jesus Cristo encontrou
Este lhe perguntou:
Então, que há por lá?
Senhor, erisipela má.
Benze-a com azeite e logo te sarará. (2006, p. 91).
Portanto, as doenças ditas da infância não recebiam um tratamento médico adequado,
sendo elas as mais comuns e corriqueiras causas da mortalidade infantil. Priore salienta que:
Gilberto Freyre lembra que a mortalidade infantil abrandou da segunda
metade do século
XVI
em diante; mas continuou impressionante. No século
XVIII
, preocupou-se com ela o doutor Bernardino Antônio Gomes; no século
XIX
, é um dos problemas que mais inquieta os higienistas do segundo
império Sigaud, Paula Cândido, Imbert, o barão de Lavradio; até que em
1887, José Maria Teixeira consagrou-lhe um estudo notável: “Causas da
mortalidade das crianças do Rio de Janeiro”. Na sessão da Academia de
Medicina de 18 de junho de 1846, levantaram-se várias hipóteses. As
mesmas, aliás, que perseguiam os manuais de medicina do século
XVIII
: o
abuso de comidas fortes, o vestuário impróprio, o aleitamento mercenário
com amas-de-leite atingidas por sífilis, boubas e escrófulas, a falta de
tratamento médico quando das moléstias, os vermes, a “umidade das casas”,
o mau tratamento do cordão umbilical, entre outras que estão presentes até
hoje. (2006, p. 91–2).
Dessa forma, Mauad prossegue em sua explicitação, referindo-se aos cuidados que
deveriam ser tomados para minimizar a mortalidade infantil:
Contrapondo este arraigado costume da sociedade oitocentista, havia desde
fins do século
XVIII
, uma literatura médica que incentivava as mães a criar
seus filhos com o leite materno, e afirmava a amamentação como
precondição para um crescimento saudável. Fundamentados nas teses de
55
filósofos como Rousseau e Bouffon, os chamados tratados de educação
física dos meninos foram os precursores das noções mais atuais de
puericultura, preconizando a vida ao ar livre, a liberdade nos brinquedos e
cuidados com higiene infantil. Ensinavam desde a forma como o cordão
umbilical deveria ser cortado até as vestimentas adequadas e a forma correta
de colocar a criança no berço, passando pela temperatura do banho, pelos
banhos de sol e pela forma correta de embalar levemente sem deixar o
bebê tonto! Tudo muito atual e moderno, no entanto, completamente alheio
das práticas oitocentistas em relação às crianças. O que de fato regia os
comportamentos era a tradição das avós que, por sua vez, aprenderam de
suas avós: crianças no interior da casa, bem enroladinhas, protegidas do ar
frio e mamando de uma negra saudável e bem alimentada. Os cuidados com
a higiene infantil, no decorrer do século
XIX
, foi uma gradual adaptação de
preceitos médicos às condições de vida no Brasil. O banho frio, por
exemplo, era um capítulo à parte nas práticas cotidianas de higiene e saúde
infantis. Pela literatura médica, o banho frio era recomendado desde o
primeiro ano de vida, no entanto, a prática cotidiana associava o banho frio a
uma outra faixa etária. (2006, p. 16162).
A experiência das avós era acumulada e garantia a prática necessária para os primeiros
cuidados com a criança como forma de proteção para a sua sobrevivência.
Priore, ao referir-se à saúde e às crenças, apresenta:
[...] Os relatos de histórias envolvendo a saúde dos pequenos e as crenças na
proteção divina ou na de intercessores celestiais iluminam alguns aspectos
da religiosidade colonial envolvendo a infância. Colocados frente a imagens
da Virgem, levados em peregrinação a oratórios, presentes a procissões ou
recebendo bênçãos em dias de festa religiosa, os pequeninos recuperavam a
saúde e reproduziam um universo mental e cultural de pietismo religioso. Ex-
votos pintados sobre madeira, em que se reproduzem cenas da vida cotidiana
de crianças atingidas por acidentes, doenças ou qualquer forma de perigo
na época era comum a mordedura de cobra ou de cão raivoso são
testemunhos da preocupação que as es tinham com seus “meúdos”. Havia
os que morriam e tornados “anjinhos”, honravam a Deus, no céu e havia
aqueles que partiam direto para “o limbo”: segundo um catequista, “uma
caverna escura por cima do purgatório em que estão os mínimos que
faleceram sem batismo”. (2006, p. 92).
12
A criança divinizada, cercada por qualidades de cunho moral e religioso da doutrina
cristã, sublinhava os sermões de catequização para aqueles que se encontravam no estágio
rudimentar da cristã. Contudo, com o intuito de formar as crianças em seres voltados para
uma moral e uma formação Cristã, Ariès expressa que:
12
O recebimento do batismo “sem dilataçãocomo enfatizava o padre confessor Manoel de Arceniaga era outra
exigência. Criticando a habitual demora dos pais, a igreja dava-lhes apenas oito dias de tolerância para a
cerimônia, pois “era certo que os mínimos inocentes que morriam logo depois do batismo sem terem o uso da
razão” iam direto para o céu sem passar pelo purgatório. O batismo consistia não num rito de purificação e de
promessa de fidelidade ao credo católico, mas também uma forma de dar solenidade à entrada da criança nas
estruturas familiares e sociais (
PRIORE
,
2006, p. 94–5).
56
[...] A disciplina escolar teve origem na disciplina eclesiástica ou religiosa;
ela era menos um instrumento de coerção do que de aperfeiçoamento moral
e espiritual, e foi adotada por sua eficácia, porque era a condição necessária
do trabalho em comum, mas também por seu valor intrínseco de edificação e
ascese. Os educadores a adaptariam a um sistema de vigilância permanente
das crianças, de dia e de noite, ao menos em teoria. (1981, p. 191).
Surge, então, a necessidade de educar a criança contra a imoralidade do adulto, a
moralidade e a religiosidade; emerge o desejo de cuidar da criança, permitindo o
impulsionamento e crescimento de colégios com duras disciplinas, mas que apresentavam
cuidados com a inocência e moralidade infantis. Assim, as regras para criança baseiam-se no
pensamento religioso e na moral, para disciplinar e preservar a idéia de inocência dela.
Municiados por um regime de normas sobre a criança, os jesuítas ajudaram a fazer a
passagem entre a escola da Idade Média e o colégio dos tempos modernos, substituindo a
instrução técnica, atabalhoadamente dirigida a jovens e velhos, por uma formação social e
moral rigidamente hierarquizada. São eles segundo Ars os primeiros a atentar para a
especificidade da infância, o conhecimento da psicologia infantil e a preocupação com um método
que atendesse a essa mesma psicologia. Portanto, na busca da identidade da criança brasileira, que
se traduz como uma categoria social e vem adquirindo as mais diversas formas em cada tempo
histórico, de acordo com as dinâmicas sociais, a representação da criança atras de figuras
religiosas imprimiu uma marca expressiva aos modelos sobre a criança no Brasil.
Retomando a importância da criança na família, ao lado da burguesia, até agora
protagonista da história moderna, surge uma força antagônica que a burguesia suscita e não
pode substituir: o proletariado industrial, que questiona a instrução. Segundo Tozoni-Reis:
A escola, como instituão social, vem assumindo funções que lhe são
historicamente atribuídas. A revolução industrial trouxe novos rumos para a
educão escolarizada: os ideais da educação universal, pública e gratuita são
ideais das revolões burguesas. A educação escolarizada teve como fuão
contribuir para a viabilizão do projeto ecomico, potico, social e cultural da
modernidade. A escola esteve mais a serviço dos grupos dominantes do que das
classes populares. No entanto, a superação da alienação do trabalho implica a
elaboração da cultura transformadora e pode ter na escola a possibilidade de
mais um instrumento dessa transformão. A escola é eno um espo onde se
constroem as relões sociais. (2002, p. 55).
Nesse caso, então a educação escolar passa a ser considerada como um fator
importante para a consecução das metas do desenvolvimento, e essa consideração pode
partir tanto dos setores sociais mais diretamente empenhados nessas metas, tais como as
novas camadas emergentes, responsáveis pelas mudanças nos ramos do
desenvolvimento, quanto da maioria do corpo social. É assim, então, que a demanda
57
efetiva da educação se alarga em função das mudanças ocorridas e em função de um
certo grau de consciência da importância da educação como fator indispensável à
concretizão dos objetivos de mudança. A mudança educacional que se procura aqui se
manifesta não só no sentido de obter maior número de oportunidade, ou seja, maior
elasticidade de oferta, mas também, e sobretudo, no sentido de conseguir que os
modelos antigos de educão ainda vigentes, anacnicos para a nova situão, sejam
substituídos por novos pades de escola, com maior diversificação em favor de
instituições que qualifiquem mais eficazmente a populão para o exercício de
atividades ecomicas e a capacidade para uma interferência mais adequada aos
objetivos da nova realidade brasileira.
Tozoni-Reis caracteriza esse momento como:
O período que dá início ao processo de industrialização no Brasil tem
como principais caractesticas as mudanças econômicas, poticas,
sociais e culturais que, embora sem rupturas na estrutura da sociedade
brasileira, determinaram mudaas significativas na organização do
ensino. Esse é o cenário da vida das criaas na escola. Os contos e
romances da literatura brasileira trazem dados que contribuem para a
compreensão da educação escolarizada no período inicial da
industrialização. De forma geral, tratam da vida das crianças das
falias de imigrantes e de migrantes. O cater contraditório da
expansão do ensino, a discriminação, a escola como instrumento de
ascensão social, a relação entre escola trabalho e o cater ideológico
dos conteúdos escolares são elementos que se destacam. (2002, p. 55–
6).
Portanto, é importante salientar que são significativos os trechos que se referem à vida
das crianças, das famílias dos imigrantes na escola. A necessidade de se criar um sistema de
ensino diferenciado na sua organização, no início do processo de industrialização no Brasil,
onde a escola aparece como uma expectativa, como aspiração, do que como expressão dessa
realidade contraditória.
Tozoni-Reis faz a seguinte explicitação ao citar Graciliano Ramos:
[...] Em Vidas secas, de Graciliano Ramos, por exemplo, observa-se que a
escola não aparece na narrativa da vida desta família de sertanejos. A palavra
escola aparece uma única vez nessa obra, ao final, quando a família resolve
migrar para o Sul do país. No último parágrafo encontramos Fabiano
pensando: “A cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em
escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias...” (
RAMOS
,
1977, p. 134).
A escola aparece aqui como parte dos sonhos e esperanças de uma vida
melhor. A ausência da escola na vida cotidiana das crianças das falias de
migrantes merece destaque também em Infância, do mesmo autor: Aos nove
58
anos, eu era quase analfabeto” (
RAMOS
, 1967, p. 187). (
TOZONI
-
REIS
,
2002, p. 56).
Durante este processo, percebemos como que se retratava a situão de exclusão das
crianças pobres no contexto educacional, pois as mesmas não freqüentavam a escola.
Contudo, os trechos dos romances fazem referência a mais uma das dimenes do caráter
excludente do sistema de ensino no início da industrialização no Brasil. Trata-se dos
componentes discriminatórios da escola pública, como pode ser observado. Neste sentido, a
importância para compreender o papel da escola na vida das crianças pobres, no início do
século
XX
no Brasil, diz respeito ao dualismo da escola, que oferece um tipo de educação
escolar para os trabalhadores e outro para as elites, retratado em Anarquistas, graças a
Deus, de Gattai.
Dia gordo de novidades. Logo pela manhã apareceu Ema, filha de dona
Josefina Strambi, riso aberto, ansiosa por dar-me a boa nova: descobrira,
por acaso, ótimo colégio onde eu poderia prosseguir meus estudos
gratuitamente. Conhecendo o pensamento de meus pais sobre religião, fez
mil rodeios antes de referir-se a um pequeno detalhe, talvez um entrave:
tratava-se de uma escola católica. Uma escola católica, porém liberal”,
explicava Ema. Ela própria estivera com as freiras no dia anterior, falara de
mim, as freiras aceitariam sem reservas ou restrições a aluna pagã. Ali eu
aprenderia, além de conhecimentos gerais, a falar francês e bordar. [...] A
escola não tinha nome, nem currículo. Era um anexo de famoso colégio de
meninas ricas de o Paulo, o “Des Oiseaux”. No mesmo parque onde se
elevava o “Des Oiseaux” ocupando todo um quarteirão fora
constrdo um modesto pavilhão onde funcionava a escola que eu
freqüentaria, a das meninas pobres. Na companhia de Ema, dirigi-me à Rua
Caio Prado. Minha primeira surpresa, foi constatar que a entrada para
minha escola era pela Rua Augusta, nos fundos do grande cogio, e não
pelo portão central da Caio Prado, como eu julgara. Em meio a árvores
frondosas, um pavilhão, isolado. [...] Durante um ano. Freqüentei a escola
nos fundos dos “Des Oiseaux”. Depois, cansei de bordar para as freiras.
(1986, p. 26769).
Frente a essa realidade, a autora salienta, de forma clara, o dualismo entre a classe
dominante e a educação do povo, que representava a própria organização social brasileira.
Aos filhos dos senhores da classe dominante —, caberiam todas as pompas, desde a
estrutura física da instituição até os ensinamentos voltados para uma educação diferenciada;
enquanto aos filhos dos pobres ofereciam ensinamentos como uma preparação para servir aos
possíveis empregadores. No entanto, no conto citado percebemos esse dualismo em relação à
instituição, que se localizava numa mesma área, porém com entrada pelos fundos e uma
construção modesta que destacava a posição social dos aprendizes. Segundo Romanelli:
59
Era, portanto, a consagração do sistema dual de ensino, que se vinha mantendo
desde o Império. Era tamm uma forma de oficialização da disncia que se
mostrava, na prática, entre a educação da classe dominante (escolas secunrias
acadêmicas e superiores) e a educação do povo (escola primária e escola
profissional). Refletia essa situação uma dualidade que era o próprio retrato da
organização social brasileira. O que, no entanto, o ocorria ao sistema assim
consagrado era o fato de a nova sociedade brasileira, que despontava com a
Republica, ser mais complexa do que a anterior sociedade escravocrata. Havia
vários estratos sociais emergentes. O povo o abrangia apenas a massa
homonea dos agregados das fazendas e dos pequenos artífices e comerciantes
da zona urbana: transparecia a heterogeneidade da composição social popular,
pela divergência de interesses, origens e posições. Existia já uma pequena
burguesia, em si mesma heteronea, uma camada dia de intelectuais letrados
ou padres, os militares em franco prestígio, uma burguesia industrial, ensaiando
seus primeiros passos, e todo um contingente de imigrantes que, na zona urbana,
se ocupavam de profises que definiam classes médias e, na zona rural, se
ocupavam da lavoura. [...] E a instituição da escola, calcada no princípio da
dualidade social, iria aos poucos ter seus alicerces comprometidos pelo
crescimento e complexificação dessas camadas. (2001, p. 41–2).
Neste cerio, a incipiente educação escolar tinha caráter dual: por um lado, a escola
dirigida aos filhos dos donos de terra, por outro lado, a educação destinada à classe dominante. A
escola estava, portanto, completamente integrada às necessidades da sociedade estratificada,
agrícola e latifundria. No fim do século
XIX
, surge uma nova classe intermediária, a pequena
burguesia, que buscou ascensão social pela escolarização. Mas, para a maior parte da população
que, em sua maioria, vivia nos meios rurais, a educação escolar não existia. Segundo Mata:
O crescimento demográfico da populão e o intenso processo de urbanização
do país no início do século
XX
determinaram um significativo crescimento da
demanda pela educação escolarizada. O trabalho industrial, que, por um lado,
sustentou-se principalmente pelao-de-obra desqualificada para garantir a
acumulão capitalista, por outro lado exigiu o mínimo de qualificão,
principalmente no que diz respeito à escolarizão básica: leitura e escrita. A
população urbana, formada tamm pelos imigrantes e migrantes, comava a
sentir a necessidade de um mínimo de instrão como instrumento para o
ingresso no mercado de trabalho, ou para outras atividades sociais e culturais na
cidade. Apesar da complexidade dos processos migratórios internos, alguns
estudos apontam que as oportunidades de educão escolarizada aparecem
como um dos motivos pelos quais as famílias dos trabalhadores no campo
decidem vir para as cidades. (1980,
apud
TOZONI
-
REIS
,
2002, p. 69).
Diante o exposto, surge a procura pela educação escolar, pois até então não havia
exigência para a qualificação; a partir daí, a população sentiu a necessidade da escolarização
básica: leitura e escrita, para ingressar no mercado de trabalho, bem como para outras
atividades sociais e culturais da cidade. Cresceu, assim, a demanda social pela escola.
Contudo, a história da educação sobressai aos limites de uma tradição que toma como
referência exclusiva o interior do âmbito educacional e escolar, no qual a educação deixaria
60
de ser apenas uma peça deste cenário para se tornar, de fato, o ponto central da
contextualização político-econômica e, conseqüentemente, insere-se como elemento
constitutivo da história da produção e reprodução da vida social.
Por outro lado, Jorge Nagle, no período Republicano, e em relevo a necessidade de se
pensar na criança a partir da sua própria dimeno de mundo, ou seja, ela o pode ser apenas
concebida como um objeto que deva ser forjado à imagem e semelhança do mundo adulto, ou
melhor, dever-se-ia respeitar as suas próprias características. A esse respeito, o autor nos diz que:
Transformada a escola em uma sociedade em miniatura, dá-se o primeiro e
decisivo passo no sentido do melhor relacionamento entre essa instituição e o
meio social. Contudo, “a escola se destina, igualmente, a instruir” é nesse
ponto que se estabelece o novo modo de se conceber a relação entre a escola e
a criança. “A infância afirma-se na Exposição de Motivos do Decreto
7.970–A o é um pis-aller, um tropeço que retarda a marcha do
desenvolvimento e que se possa remover por processos mecânicos; é um
estado necessário à formação e o amadurecimento humano [...] O primeiro
cuidado para concorrer no sentido do desenvolvimento da criança e o
apressar ou desconhecê-la, tratando a criança como se ela tivesse não os seus
próprios interesses, mas os interesses do adulto.” É a partir dessa proposição
geral que decorrem alguns princípios que, em conjunto, vão definir o novo
modelo que se constrói para organizar a escola primária. “O primeiro
princípio, portanto, a ser considerado pelo professor nos seus processos de
ensino é que a criança não deve ser considerada do ponto de vista do adulto,
mas do ponto de vista dos motivos e interesses próprios dela.” (
NAGLE
, 2001,
p. 254).
Essa concepção de criança implica percorrer caminhos que tenham como fonte os
inúmeros fatores que têm desqualificado o ser criança.
Segundo Araújo:
A escola ainda mantém viva a idealização a respeito da criança. O presente
articula com o passado, não de forma superadora, mas sim sintetizado por
um conteúdo reducionista que, aos poucos, tem se cristalizado no contexto
escolar. Cartazes, textos literários, livros didáticos e tantos outros
instrumentos, utilizados no trabalho pedagógico, continuam por reforçar uma
imagem romântica de criança, idealizada pelo perfil burguês de infância. Os
fundamentos bio-psicológicos ganham espaço à medida que reconhecem a
fragilidade e a superficialidade com que é tratada a concepção de crianças no
trabalho pedagógico. Tais fundamentos, ao vagarem na reprodução
equivocada dos mitos e idealizações, conferem à criança atributos
deslocados de uma realidade social e histórica. O senso comum revela-se
neles como um movimento que se adentra na escola e mascara as
contradições que perpassam o universo infantil. (1996, p. 71–2).
Perante esse universo da criança, a escola ainda mantém vivas as regras, os rituais,
seus delineamentos ligados à iniciação da vida social. Portanto, acaba por constituir um
61
conteúdo reducionista que permanece presente no interior da escola, cristalizado no contexto
escolar, por meio de suas práticas pedagógicas e, ao mesmo tempo, reforça uma imagem
romântica de criança e, conseqüentemente, promove a exclusão dos menos favorecidos
economicamente.
Prossegue Araújo:
A fragilidade biológica da criança foi um dos motivos utilizados pela
pedagogia para justificar o domínio do adulto sobre ela e fazer legitimar a
inferioridade da criança face à autoridade do professor. Zilberman (1987, p.
19) ressalta que: “As relões da escola com a vida são, portanto, de
contrariedade: ela nega o social, para introduzir, em seu lugar, o normativo (o
dever ser substituindo o fato real)”. Investe o processo verdadeiro com que o
indiduo vivencia o mundo, de modo que nãoo discutidos nem questionados,
os conflitos que persistem no plano coletivo. Por sua vez, o espaço que se abre é
ocupado pelas normas e valores da classe dominante que o transmitidos aos
estudantes. Em outras palavras, é por omitir o social que a escola pode se
converter um dos vculos mais bem-sucedidos da educação burguesa; pois, a
partir dessa ocorrência, torna-se possível a manifestação dos ideais que regem a
conduta da camada no poder, evitando eventual questionamento que revelaria
sua face mais autêntica. É neste momento que a educão perde a sua inocência,
e a escola, sua neutralidade, comportando-se como uma das instituões
encarregadas da conquista de todo o jovem para a ideologia que a sustenta, por
ser a que suporta o funcionamento do Estado e da sociedade. (1996, p. 72–3).
Neste cenário, a presença da criança é constantemente ameaçada por vários pré-
conceitos, que pouco representam suas condições objetivas e subjetivas de vida. Quantificada
por uma série de atributos negadores do seu caráter histórico, a infância é tratada como um
período preparatório à idade adulta e levada a perpetuar às forças legitimadoras das relações
sociais existentes. Diante de consideráveis avanços que hoje se estabelecem no contexto da
educação, coexistem com forças contraditórias, como a própria sociedade e a família, também
fatores econômicos, políticos e sociais, que ainda dão a criança um estatuto romântico,
revitalizado por discursos sobre a infância.
Os conteúdos ensinados não levam em conta as experiências de vida das crianças e,
sobre a aparência da universalidade, omitem os interesses dos grupos dominantes. Nesse
sentido, contribuem para reprodução da dominação. Sob esse perfil, os conteúdos cumprem a
função de dominação, em harmonia com o caráter liberal da escola em expansão, reforçam
uma escola discriminatória, seletiva e excludente.
Kuhlmann Jr. chama a atenção para o fato de que:
Do ponto de vista da sociologia da educação, [...] escrevendo sobre a escola
maternal, entende-se ser necessário ir além da descrição das origens sociais
das crianças que freqüentam a instituição e das repercussões disso sobre seu
62
funcionamento. Trata-se de empreender a construção das relações entre o
fenômeno histórico da escolarização das crianças pequenas e a
estrutura social. O fato social da escolarização se explicaria em relação aos
outros fatos sociais, envolvendo a demografia infantil, o trabalho feminino,
as transformações familiares, novas representações sociais da infância, etc.
[...] A história da educação infantil também sugere esse tipo de consideração.
As instituições de educação da criança pequena estão em estreita relação
com as questões que dizem respeito à história da infância, da família, da
população, da urbanização, do trabalho e das relações de produção, etc. — e,
é claro, com a história das demais instituições educacionais. Não se trata
apenas da educação infantil: a história da educação em geral precisa levar
em conta todo o período da infância identificada aqui como condição da
criança, com limites etários amplos, subdivididos em fase de idade para as
quais se criam instituições educacionais específicas. (1998, p. 15–6).
Neste sentido, a história assume uma dimensão significativa, de ampliação dos
horizontes, o que torna mais claro o entendimento das pesquisas sobre a história da educação
infantil.
Deu-se o grande salto. Na época tradicional, a socialização da criança não tinha
nenhum controle, ocorria a partir do contato com os adultos, aprendendo na prática ao ajudar
no fazer destes. Desde o século
XVIII
, segundo Mause (1982), dominar a criança a partir do
controle físico não era o importante. A preocupação passa a ser o domínio de sua mente,
assegurando o controle de seu interior tanto das raivas, de suas necessidades, quanto de seu
apetite sexual e sua vontade. A educação higiênica começa desde cedo, sendo amamentada
por sua mãe, e liberado seu corpo das faixas e dos purgantes brutais dados para lar seu
interior. A moral deixa de lado as brincadeiras, substituindo-as pelas rezas. Os açoites deixam
de ser sistemáticos, substituídos pelos castigos morais. O nascimento da pediatria promoveu o
cuidado mais próximo das crianças por seus pais, reduzindo-se consideravelmente a
mortalidade infantil.
No século
XIX
, a educação da criança não consistiu em dominar a vontade e o espírito
da criança, mas em formá-lo. Preocupa a melhor forma de guiá-la pelo bom caminho,
ensinando-a a adaptar-se ao meio, socializando-a de forma predeterminada. Os pais
preocupam-se não com a maneira ocasional de educar os filhos, de dedicar-lhes tempo e
dinheiro, mas também começam a ajudar a e a cuidar deles. A colaboração implica a
verdadeira participação dos dois pais no desenvolvimento da criança. Levam-se em conta as
idéias de corrigir e formar pais, dando-lhes mais tempo para a diversão e o diálogo,
principalmente nos primeiros anos de vida, ajudando-os a alcançar objetivos cotidianos,
respondendo continuamente a suas necessidades, brincando e estando a seu serviço, não como
outrora. A criança se converte no centro da família, a figura principal; na história se invertem
63
os papéis. Contudo, o que envolve a vida da criança não deixa de ser manipulada, e em muitas
ocasiões continua o adulto extraindo para si proveito da forma de conduzi-la.
Na reconstituição da história da criança orientada pela prática difusa do adulto,
enfatizou-se como esta foi conduzida segundo a forma de atuar e pensar com base nos
interesses deste, sem a contemplação de uma explícita identificação da criança enquanto tal,
quer dizer, sem contar com uma concepção que a definisse como uma entidade própria. Isto é,
foi sempre conduzida pelos diferentes setores da sociedade a partir das necessidades dos
adultos, sendo desde estes parâmetros que pelo geral se guiou seu comportamento, seu
mundo. É isso que foi sociedade, na passagem da modernidade, a história da criança se
modifica aparecendo diferentes concepções de infância, que se constituem como referencial
teórico.
O pensamento contemporâneo guiará a vida da criança no processo de sistematização
e transformação de formas mais elaboradas para conduzir sua educação, tanto em nível geral
ou social quanto específico com a escolarização. Assim, precisa-se entender as múltiplas
relações que envolvem a criança como uma identidade passível de ser estudada e orientada de
forma mais específica. Em lugar da indeterminação quando incorporada ao adulto, um ser em
construção, nascendo culturalmente rico pelo acervo a apreender, iniciando seu processo de
formação, o que implica uma necessidade maior de condução, demandando uma série de
condições, inicialmente para sobreviver e posteriormente para desenvolver maiores
possibilidades de atuar frente ao mundo que a rodeia, apropriando-se dele, no processo de
socialização, incorporando a cultura do adulto, mas fazendo-se necessária a sua superação.
1.2 Escola, infância e legislação
A expansão dos estudos sobre a educação infantil no Brasil tem ocorrido de forma
crescente nas últimas décadas, com o acompanhamento da intensificação da urbanização, a
participação da mulher no mercado de trabalho e as mudanças na organização e estrutura das
famílias. O delineamento da história da educação infantil, segundo Oliveira (2005) evidencia
que a concepção de infância é uma construção histórica e social, abordando distintas idéias de
criança e de desenvolvimento infantil.
Neste sentido, Oliveira explicita que:
No momento da consolidação da educação infantil como um direito da
criança, conhecer a história das instituições e das políticas públicas na área,
traçada dentro das demais lutas sociais, pode apontar-nos novos caminhos,
se soubermos compreender as contradições em meio às quais elas foram
64
gestadas. Ao longo de muitos séculos, o cuidado e a educação das crianças
pequenas foram entendidos como tarefas de responsabilidade familiar,
particularmente da mãe e de outras mulheres. (2005, p. 57–8).
Assim, a história da educação infantil mostra que a criança estava inserida no meio
dos adultos com o objetivo de conhecer a tradição, conforme realça Ariès (1981), que, depois
dos sete anos, era enviada para uma outra família para aprender os ofícios e ser educada,
conforme afirmamos acima. Desse modo, a educação da criança surge da necessidade dos
pais de estarem próximos dos filhos, os quais, cada vez mais, não são confiados à escola: “o
clima sentimental era agora diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna
tivesse nascido ao mesmo tempo em que a escola, ou menos que o hábito geral de educar as
crianças na escola” (
ARIÈS
,
1981, p. 232).
Para compreendermos esse significado atribuído à escola, recorremos às palavras de
Ariès (1981), ao discorrer sobre a história da instituição educativa. A escola medieval era
indiferente quanto à divisão que conhecemos hoje de idades. Ela, em uma classe única, reunia
jovens, idosos, crianças. Não existia uma graduação dos currículos nem o professor mantinha,
nem se prendia ao planejamento do tempo escolar. “A escola não dispunha então de
acomodações amplas [...] Em geral, o mestre alugava uma sala, uma schola, por um preço que
era regulamentado nas cidades universitárias [...] Forrava-se o chão com palha, e os alunos
se sentavam” (
ARIÈS
,
1981, p. 166–67).
Prossegue Ariès:
[...] A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante
séculos a educação foi garantida pela aprendizagem, graças à convivência da
criança ou do jovem com os adultos. A criança aprendia as coisas que devia
saber ajudando os adultos a fazê-las. (1981, p. 10).
Neste contexto, as crianças entravam para a escola com 7 anos, característica do século
XVII
, e mais tarde, somente ingressavam nas escolas a partir de 10 anos. Assim, a primeira
infância sofria, neste momento, a exclusão escolar. Com influência da burguesia, no final do
século
XIX
, as mudanças foram atingindo todo o espaço educacional, principalmente em
relação à divisão de idades, currículos, métodos, dentre outros. Como também acentua-se uma
prática disciplinadora, isto acontece devido à visão de fraqueza da infância, que precisava ser
educada por mestres. Estas disciplinas eram rígidas e humilhantes, realizadas com castigo
corporal.
65
Dessa forma, a educação das crianças não podia ser vista como um fato menor na
produção e transformação das cidades na transição do século
XIX
para o
XX
. Ao contrário, as
escolas primárias desempenharam na vida urbana um importante papel social e cultural. A
natureza do desenvolvimento infantil como princípio básico para a educação e seus
desdobramentos de orientação psicológica enraizou uma forma de conceber a aquisição do
conhecimento e, conseqüentemente, de organizar o ensino. Por isso, é necessário observar as
“lições de coisas”; mais que um simples método pedagógico e vê-lo como a condensação de
algumas mudanças culturais que se consolidam no século
XIX
.
Saviani faz uma apresentação sobre a expressão “lições de coisas” no sentido de
melhor compreender seu significado:
[...] Rui Barbosa foi um grande defensor desse método, cujos princípios e
fundamentos foram por ele sistematicamente apresentados em seus célebres
Pareceres, culminando com a tradução do livro de Caldins sobre as lições de
coisas, que é a essência do método intuitivo. [...] Intuição o ensino deve
partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição exige o
oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno.
Desenvolvem-se, então, todos os processos de ilustração com objetos,
animais ou suas figuras. (2004, p. 27).
Assim, baseava-se em princípios pedagicos pelos quais os professores trabalhavam com os alunos
com o intuito de propiciar uma educação adequada às conceões do momento; Rui Barbosa foi
defensor desse todo intuitivo, em que o ensino deveria partir de uma percepção senvel.
Nesse cenário educacional, Oliveira retoma em sua abordagem a proteção da infância:
No período precedente à proclamação da República, observam-se iniciativas
isoladas de protão à infância, muitas delas orientadas ao combate das altas taxas
de mortalidade infantil da época, com a criação de entidades de amparo. Ademais,
a abolição da escravatura no Brasil suscitou, de um lado, novos problemas
concernentes ao destino dos filhos de escravos, que já não iriam assumir a
condões de seus pais, e, de outro concorreu para o aumento do abandono de
crianças e para a busca de novas soluções para o problema da inncia, as quais, na
verdade, representavam apenas uma arte de varrer o problema para debaixo do
tapete”: crião de creches, asilos e internatos, vistos na época como instituições
assemelhadas e destinadas a cuidar das crianças pobres. (2005, p. 92).
Neste sentido, as primeiras iniciativas voltadas às crianças surgiram com o trabalho com
que médicos e damas beneficentes procuravam minimizar as taxas de mortalidade infantil; tinham
como intuito velar pelos menores: atendiam crianças pobres e abandonadas. Estas instituições
destinadas ao cuidado das criaas pobres se assemelhavam a creches, asilos e internatos em
66
relação às instituições atuais. Devido à cancia de higienização na sociedade brasileira, essas
instituições tiveram como primeiras iniciativas o caráter higienista em relação às criaas.
As soluções para um projeto social de construção de uma nação moderna são
apontadas por Oliveira como:
[...] parte do idrio liberal presente no final do culo
XIX
, reunia condões
para que fossem assimilados, pelas elites do país, os preceitos educacionais do
Movimento das Escolas Novas, elaborados no centro das transformações sociais
ocorridas na Europa e trazidos ao Brasil pela influência americana e européia. O
jardim-de-infância, um desses “produtos estrangeiros, foi recebido com
entusiasmo por alguns setores sociais. A idéia de “jardim-de-inncia”, todavia,
gerou muitos debates entre os políticos da época. Muitos a criticavam por
identificá-la com as salas de asilos francesas, entendidas como locais de mera
guarda das crianças. Outros a defendiam por acreditarem que trariam vantagens
para o desenvolvimento infantil, sob a inflncia dos escola-novistas. O cerne da
polêmica era a argumentação de que, se os jardins-de-inncia tinham objetivos
de caridade e destinavam-se aos mais pobres, não deveriam ser mantidos pelo
poder público. (2005, p. 92–3).
Nesta perspectiva, nas esferas governamentais surgem grupos destinados a diminuir os
problemas da criança, no entanto aparece o jardim-de-infância como uma semente para o
futuro, que passou por várias transformações até chegar à concepção atual, mesmo sendo
baseada nos modelos de instituição estrangeira. As opiniões quanto ao jardim-de-infância se
divergiam: enquanto uns o recebiam com entusiasmo, outros identificavam-no com asilos
franceses, e ainda, aqueles que acreditavam nas vantagens para o desenvolvimento infantil
como influência dos escola-novistas.
Porém, os jardins-de-infância tinham como objetivos a caridade aos mais pobres e,
assim, não deveriam ser mantidos pelo poder público. A questão era debatida, e sob os
cuidados de entidades privadas, segundo Oliveira (2005), os primeiros jardins-de-infância
foram criados em 1875, no Rio de Janeiro, e em 1877, em São Paulo. Alguns anos depois,
foram dirigidos os primeiros jardins-de-infância públicos para crianças dos extratos sociais
mais afortunados, onde a programação pedagógica desenvolvida era inspirada em Froebel.
13
Segundo Oliveira:
[...] Para atrair e reter a força de trabalho, fundaram vilas operárias, clubes
esportivos e também algumas creches e escolas maternais para os filhos de
operários em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e várias outras no
interior de Minas Gerais e no norte do país, iniciativas que foram sendo
13
“[...] A pedagogia de Froebel, como lembra Francisco Larroyo, é uma pedagogia da atividade espontânea.
Segundo o criador dos Jardins-de-infância, encontram-se na criança todas as potencialidades e aptidões para que
ela se torne um homem pleno. Assim, a educação deve ser ‘um processo evolutivo e natural das disposições
humanas’.” (
COTRIM
;
PARISI
, 1984).
67
timidamente seguidas por outros empresários. Sendo de propriedade das
empresas, a creche e as demais instituições sociais eram usadas por elas no
ajuste das relações de trabalho. O fato de o filho da operária estar sendo
atendido em instituições montadas pelas fábricas passou, até, a ser
reconhecido por alguns empresários como algo vantajoso, por provocar um
aumento de produção por parte da mãe. Todavia, tanto o discurso dos
patrões como o próprio movimento operário enalteciam um ideal de mulher
voltada para o lar, contribuindo para que as poucas creches criadas
continuassem a ser vistas como paliativos, como situação anômala. (2005, p.
96–7).
Dentro deste cenário, que se constitui hoje como um segmento importante do processo
educativo, em que a criança nos meados do século
XX
passou a ser lembrada, por outro
lado, a reestruturação econômica, com a conseqüente inserção da mulher no mercado de
trabalho, provocou a antecipação da escolaridade, entendida como um espaço no qual as mães
abrigam os seus filhos durante o período de seu trabalho.
As reivindicações e as poucas conquistas não se deram sem conflitos, os sindicatos
eram combatidos pelas associações patronais. Com essa movimentação, alguns empresários
foram modificando sua política de repressão direta aos sindicatos e concedendo certos
benefícios sociais, para enfraquecer os movimentos operários e controlar as formas de vida
dos trabalhadores dentro e fora da fábrica.
No entanto, a escola primária sofreu discriminações ao longo de sua constituição. Nem
todas as famílias, mesmo as mais abastadas, colocavam seus filhos sem hesitação. A escola,
como fenômeno novo na realidade brasileira, suscitava questões quanto a sua validade; para
alguns, ela era mais um agrupamento, já outros (moralistas) a consideravam como necessária,
desde que fosse capaz de estabelecer uma moral rigorosa, ancorada nos bons costumes e nos
valores religiosos.
Romanelli (2001) ressalta que o decreto-lei 8.529, promulgado em 2 de janeiro de
1946, logo depois da queda de Getúlio Vargas, portanto após a mudança de regime, volta à
normalidade democrática, que vai ser sentida através desse decreto-lei, que revelava certo
grau de abertura e nenhum sinal da influência fascista que se podia perceber através da Lei
Orgânica do Ensino Secundário, como explicita a autora:
O ensino primário até então, praticamente, não recebera qualquer atenção do
Governo Central, estando os sistemas do ensino ligados à administração dos
Estados e, portanto, sujeitos às condições destes para legislar e inovar. Não
havia diretrizes traçadas pelo Governo Federal para esse vel de ensino, e
isso era uma tradição que estava ligada à nossa herança colonial. Na
verdade, a não ser a obra esporádica das ordens religiosas, jamais se tinha
cuidado seriamente do assunto. Isso, no entanto, não significava que o
68
ensino primário estivesse em completo abandono pelos poderes públicos.
Estes vinham desenvolvendo uma ação sobre a escola primária nos Estados e
através deles. Era a administração estadual que cuidava do assunto e a ela
estavam afetas até então as reformas por que passara esse nível de ensino.
Acontecia, porém, que a ausência de diretrizes centrais criava uma
desorganização completa no sistema, que cada Estado inovava ou
abandonava, de acordo com sua própria política. Várias reformas do ensino
feitas pelos Estados haviam atingido em cheio a escola primária, desde a
década de 1920. Mas eram reformas isoladas, que contribuíam para acentuar
mais ainda as diferenças regionais em matéria de educação. (
ROMANELLI
,
2001, p. 160).
O retorno à normalidade democrática consubstanciou-se na adoção de uma nova
Constituição, caracterizada pelo esrito liberal e democrático, como se pode ver no
capítulo 3 do título
IV
, que trata dos direitos e das garantias individuais e do qual
extraímos alguns artigos e parágrafos que nos interessam de perto; pois asseguram
liberdade de pensamento:
1. Art. 141, § È livre a manifestação do pensamento sem que
dependa de censura [...]. A publicão de livros e periódicos não
dependerá de licença do poder público; § É inviovel a liberdade de
consciência e crença...; § Por motivo de convicção religiosa,
filosófica ou potica, ninguém se privado de nenhum dos seus direitos
[...].
2. Art. 168, item
VII
, é garantida a liberdade de cátedra,
3. Art. 173 – As ciências, as letras, e as artes são livres,
4. Art. 174 – O amparo à cultura é dever do Estado. (2001, p. 170).
A Constituição de 1946, com uma fisionomia democrática e liberal, estabelecia
que à União cabia legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 5º, item
XV
, letra “d”). Romanelli explicita esse espírito constitucional ao estabelecer os
requisitos mínimos para que essas diretrizes e bases fossem alcançadas, consagrando todo
o catulo 2 do título
VI
à educação e à cultura. O direito à educação ficou assegurado da
seguinte forma:
Art. 166: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.
Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana.
Art. 167 O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes
blicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o
regulem.
Art. 168 A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I
o ensino pririo é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II
o ensino pririo oficial é gratuito para todos; o ensino oficial
ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência
de recursos;
69
III
as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem
mais de cem pessoas, o obrigadas a manter ensino pririo gratuito
para seus servidores e os filhos destes;
IV
as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem para seus trabalhadores menores, pela forma
que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores. (
LEI N
.
6
DE
19
DE DEZEMBRO DE
1946).
A Constituição de 1946 é um documento de inspiração ideológica liberal-
democrática. O seu liberalismo difere da filosofia liberal inspiradora da política econômica
européia dos séculos
XVIII
e
XIX
. Romanelli aponta que os princípios liberais da Carta de
1946
são aqueles que:
[...] asseguravam direitos e garantias individuais inalieveis, estavam
visivelmente impregnados do esrito democrático tão próprio das
reivindicações sociais do culo em que vivemos. Foi assim, pois, que, ao
aliar garantias, direito e liberdade individuais, com intervenção do Estado
para assegurar essas garantias, direito e liberdade a todos, a Constituão
de 1946 fugiu à inspiração da doutrina econômica liberal dosculos
anteriores para inspirar-se nas doutrinas sociais do século
XX
. Nisso ela
se distanciava também da ideologia liberal-aristocrática esposada pelas
nossas elites, no antigo regime. Foi, pois, baseado na doutrina elaborada
pela Carta de 1946, que o eno Ministro da Educação, Clemente
Mariani, constituiu uma comissão de educadores com o fim de estudar e
propor um projeto de reforma geral da educação nacional. Em 1948, esse
projeto dava entrada na mara Federal, seguido de mensagem
presidencial. (2001, p. 171).
Neste contexto, começa um dos períodos mais relevantes da luta ideológica em torno
dos problemas da educação, luta já iniciada no final da década de 1920, pois a cada grupo
que assumiam o controle político do país estabeleciam projetos para atender às necessidades
que eram definidas como aspectos relevantes, entre eles, Saviani (2004) apresenta que em
1930 emergiu a necessidade da formação dos professores, sobretudo os do ensino normal e
secundário.
Saviani, ao realçar sobre o Instituto de Educação e a formação dos professores, diz
que:
A nova faculdade prevista por Francisco Campos não chegou a ser instalada.
Mas o Decreto n. 1.190, de abril de 1939, de iniciativa do ministro da
Educação Gustavo Capanema, reorganizou, na Universidade do Brasil, a
Faculdade Nacional de Filosofia, que ficou estruturada em quatro seções:
Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, às quais se acrescentou, ainda, uma
seção especial denominada Didática. [...] A base organizacional da formação
em nível superior dos profissionais da educação, compreendidos os
professores e os pedagogos, decorrendo dessa estrutura implantada em 1939
que, embora tendo sofrido algumas alterações e diversas contestações, no
70
fundamental mantém-se em vigor ainda hoje. [...] Tendo substituído
Francisco Campos no Ministério da Educação a partir de julho de 1934,
Gustavo Capanema deu seqüência ao processo de reforma educacional,
interferindo, nos anos de 1930, no ensino superior e, a partir de 1942, nos
demais níveis de ensino por meio das “leis orgânicas do ensino”, também
conhecidas como reforma Capanema, abrangendo os ensinos industrial e
secundário (1942), comercial (1943), normal, primário e agrícola (1946),
complementados pela criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (
SENAI
) (1942) e do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (
SENAC
) (1946). (2004, p. 36–7).
Diante do exposto, a Faculdade Nacional de Filosofia se organizou em duas
modalidades, sendo o bacharelado, com duração de três anos, e a licenciatura. O curso de
Pedagogia estava incluso no bacharelado, enquanto o diploma de licenciado seria obtido por
meio do curso de didática, no qual deveria ser acrescentado um ano ao bacharelado. No
entanto, o ramo profissional dividiu-se em industrial, comercial e agrícola, enquanto o
SENAI
e
SENAC
passaram a ministrar os cursos de aprendizagem na preparação, elementar e rápida,
de mão-de-obra.
Do ponto organizacional do ensino, em virtude da necessidade da regulamentação
deste, recorreu-se a reformas parciais, que, para fixar as diretrizes e bases da educação
nacional, o então ministro da Educação, Clemente Mariani, encaminhou ao presidente da
República, para sua apreciação e do Congresso Nacional, um projeto que se converteu na
primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 20 de dezembro de
1961. Saviani apresenta o que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
aprovada em 1961:
[...] A
LDB
(Lei 4.024/61) manteve, no fundamental, a estrutura em vigor
de corrente da reforma Capanema, flexibilizando-a, porém. Com efeito, do
conjunto das “leis orgânicas do ensino” decretada entre 1942 e 1946
resultou uma estrutura que previa, grosso modo, um curso primário de quatro
anos, seguido de ensino médio com a duração de sete anos, dividido
verticalmente em dois ciclos, o ginasial, de quatro anos, e o colegial, de três
anos, dividido horizontalmente nos ramos secundário, normal e técnico,
sendo este, por seu turno, subdividido em industrial, agrícola e comercial.
(2004, p. 38–9).
Embora as instituições de cuidados à criança ainda permanecessem com uma visão
assistencialista, as mesmas passaram a ser cada vez mais procuradas pelos segmentos sociais
de menor renda: operários, empregadas domésticas, trabalhadores do comércio e funcionários
públicos.
71
Cunha e Góes esclarecem que:
A
LDB
traduz no seu texto a estratégia típica da classe dominante que ao
mesmo tempo que institucionaliza a desigualdade social, ao nível da
ideologia, postula a sua inexistência; [assim,] o sistema educacional além de
contribuir para reproduzir a estrutura de classes e as relações de trabalho,
também reproduz essa ideologia da igualdade. (2002, p. 14).
Ao retratar essas questões, ao mesmo tempo em que institucionalizam a inexistência da
desigualdade social, conjugam em alguns momentos a ampliação e melhoria de oportunidades
educativas, a melhoria e qualidade do ensino, a reformulação administrativa, curricular e
metodológica das redes escolares em funcionamento, a fim de garantir sua maior eficácia.
Oliveira realça que:
No período dos governos militares pós-1964, as políticas adotadas em nível
federal, por intermédio de órgãos como o Departamento Nacional da
Criança, a Legião Brasileira de Assistência e a Fundação Nacional do Bem-
estar do Menor – Funabem, continuaram a divulgar a idéia de creche e
mesmo de pré-escola como equipamentos sociais de assistência à criança
carente. (2005, p. 107).
Dentro desse cenário pode-se perceber que a criança esteve subordinada aos interesses
políticos, sociais e econômicos, houve a criação de alguns programas emergenciais de massa
(de baixo custo), muitas vezes desenvolvidos por pessoas da própria comunidade. As creches
apareciam como resultado, como símbolo concreto dessas lutas: movimento popular e as
reivindicações das mulheres. Diante dessa situação, Oliveira nos esclarece a respeito dos
planos desenvolvidos durante este período:
[...] O Plano de Assistência ao Pré-escolar, proposto em 1967 pelo
Departamento Nacional da Criança sob a influência do Fundo das Nações
Unidas para a Infância e Adolescência Unicef, organismo internacional de
assistência no campo da saúde e nutrição que passava a atuar também na
área de educação infantil. (2005, p. 107).
Dentro desse contexto, muitas entidades adotaram os princípios do tecnicismo e,
assim, esboçaram uma orientação mais técnica em seu trabalho com as crianças.
Kuhlmann Jr. salienta:
As interpretações precisam superar as simplificações para que de fato levem
a conclusões conseqüentes. Sabe-se que foi apenas com expansão da força
de trabalho feminina aos setores médios da sociedade, em todo o mundo
ocidental, a partir da década de 1960, que se ampliou o reconhecimento das
instituições de educação infantil como passíveis de fornecer uma boa
educação para as crianças que as freqüentassem. A demanda desses setores
72
promoveu uma recaracterização das instituições, que passaram a ser vistas
como apropriadas à criança de todas as classes sociais. Mas esse dado real
não concentra o âmago dos significados relacionados à expansão da
educação infantil. A vontade de propiciar uma boa educação para seus filhos
não é exclusiva das mulheres de classe média ou alta. (1998, p. 199).
Considerando-se que o tema aborda uma educação caracterizada como forma
alternativa, oposta àquela de que guarda cuidados médico-higienistas, de assistência. Essa
interpretação invalida a idéia de que aquelas instituições precisariam deixar de ser
assistenciais para se transformarem em educacionais, perante estas abordagens que ainda
permanecem presentes em nosso cotidiano.
Prosseguindo, o mesmo autor destaca:
[...] Em recente publicação da Coordenadoria de Educação Infantil do
MEC
,
identifica-se que as propostas de programão para educação infantil, nos diversos
estados e capitais de nosso país estariam deixando de considerar o universo
cultural da criança; privilegiando o desenvolvimento cognitivo, organizado em
áreas compartimentadas e com ênfase na alfabetizão; dicotomizando
conhecimento e desenvolvimento; desvalorizando o jogo e o brinquedo como
atividades fundamentais para as crianças: antecipando a escolaridade; e deixando
de esclarecer as articulações entre as atividades de cuidado e a função pedagógica
preconizada. Todos esses problemas que são, de fato, vividos nas nossas
instituições seriam devido à história (
KUHLMANN JR
.,
1998, p. 200).
Esses fatores sociais, aliados às discussões de pesquisadores, remetem-nos a um
universo de que a criança ainda permanece em um campo desconhecido, o qual necessita ser
desvendado, pois norteia em sua história a uma busca da construção de sua identidade, ou
seja, a função educativa dessas instituições. Kuhlmann Jr. nos diz que:
Talvez seja possível explicar as questões analisadas acima [...] pela trajetória
histórica da educação infantil em nosso país, na busca da construção de sua
identidade. Nesse processo, o trabalho com a criança pequena, que na sua
origem voltava-se apenas para assistência, vai, num movimento dialético,
entremeado por conflitos, idas e vindas, buscando sua função educativa.
Assim, tentando construir um espaço próprio, encontra no modelo escolar a
forma privilegiada de sua legitimação, o que acaba por constituir um
paradoxo. Entretanto, como não há linearidade nessa caminhada, a busca de
identidade própria é constantemente retomada. (1998, p. 200–01).
14
Por outro lado, a incorporação das creches ao sistema educacional brasileiro não
proporcionou a superação da concepção assistencialista. Recuperar esta discussão sobre a
incorporação das creches ao sistema educacional brasileira ganha sentido em virtude de que,
na atualidade, a educação destinada às crianças pequenas no interior da instituição do Grupo
14
Cf. Brasil
(1996, p. 43).
73
Escolar João Pinheiro de Villa Platina contribuiu para uma reflexão acerca das motivações
que levaram à criação de salas de educação infantil no interior desta escola. Assim parte-se do
princípio de que tal instituição abrigava em seu contexto uma parcela de crianças que,
analisando as fontes referentes ao objeto deste estudo, grupo escolar de Villa Platina,
percebemos que neste cenário a escola não tinha cunho de assistencialismo, pois a sua
clientela era composta, em sua maioria, por filhos de médicos, advogados, comerciantes,
fazendeiros, professores; existia, também, um pequeno número representado por crianças
oriundas de uma camada social menos favorecida, composta por filhos de operários e
domésticas que trabalhavam nas redondezas, ou seja, na parte central da cidade. Nesse
momento, a prática pedagógica dessa escola apresentava um ensino avançado em relação à
qualidade do ensino, o que pode ser comprovado pela procura de matrículas, tornando assim
as vagas limitadas, devido à grande recorrência da elite ituiutabana.
É fundamental compreendermos a importância das práticas pedagógicas ligadas à
educação, uma vez que as mudanças introduzidas pela lei 5.692/71 na sua estrutura do ensino
estão na ampliação da obrigatoriedade escolar para oito anos, ou seja, para a faixa etária que
vai dos 7 aos 14 anos, causando implicações, pois, doravante, compete ao Estado o acréscimo
de suas obrigações com relação à educação do povo e supõe uma modificação estabelecer a
estrutura da educação elementar, que a expansão do ensino, decorrente disso, imporá um
grau de elasticidade e capacidade de adaptação à realidade inexistentes nos tradicionais cursos
primários e ginasial.
Através da análise das fontes obtidas dentro deste trabalho sobre o Grupo Escolar João
Pinheiro de Villa Platina, constatamos a presença da organização pedagógica utilizada na
instituição, que em alguns momentos não se encontram em sintonia com a legalidade,
conforme a lei 5.692/71 que estabelece:
Art. 19. Para o ingresso no ensino de grau, deverá o aluno ter a
idade mínima de sete anos.
§1º. As normas de cada sistema disporão sobre a possibilidade de ingresso
no ensino de primeiro grau de alunos com menos de sete anos de idade.
§2º. Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a
sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes.
Pensar a educação das crianças que se encontram nas creches e pré-escolas é pensar
uma fase em que se vivenciam as primeiras experiências escolares, concomitantemente às
primeiras expressões sexuais, afetivas, emocionais, relacionais extrafamiliares. Tal fato exige
uma prática pedagógica interdisciplinar, concebendo a criança como um ser que pertence a
74
um contexto socioeconômico-cultural, possuidora de uma objetividade e subjetividade. E,
para o ensino de primeiro grau, além da formação geral, passa a proporcionar a sondagem
vocacional e a iniciação para o trabalho.
Germano salienta que: “Com isso, o ciclo de reforma da educação brasileira se estende
também para o ensino primário e médio, cujo marco principal é a Lei 5.692/71,
15
que fixam
diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus” (2000, p. 159).
Dentro do contexto educacional, segundo a lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971,
fixou as diretrizes e bases da escola de 1º e 2º graus. De acordo com a lei, o ensino de 1º
grau compreendendo a duração de oito anos letivos (art. 18) destinava-se à formação da
criança e do pré-adolescente (art. 17), correspondendo ao ensino primário obrigatório e
gratuito dos 7 aos 14 anos estabelecido pela Constituição Federal de 1967 (art. 176, § 3º,
II
).
Compactuamos com as observações de Souza:
[...] A criação do ensino de grau em 1971, pela integração do primário e
ginásio, consagrou a extensão da escolaridade obrigatória no País. A
implantação do grau, destinado à formação da criança e do pré-
adolescente, deu-se a partir da eliminação dos exames de admissão e da
ampliação (indiscriminada) das séries nos grupos escolares, aproveitando a
rede física instalada e ajustando a estrutura administrativa e pedagógica.
Uma nova nomenclatura se impôs com a eliminação de denominações usuais
na época, como escola isolada, ginásio e equivalentes. (2004, p. 152).
Enfim, tais propostas visavam à estimulação precoce e ao preparo para a alfabetização,
mantendo, no entanto, as práticas educativas geradas por uma visão assistencialista de
educação e de ensino; portanto, o resultado desse processo foi de conseqüências danosas para
a educação infantil.
A partir dessa contestação, Kuhlmann Jr. caracteriza essa situação dentro das
condições de oferta oferecidas pelo Estado, pois:
A perspectiva de oferta de uma educação infantil de qualidade passa a ser
considerada uma tendência elitista diante da falta de recursos, os programas
de emergência adentram o sistema educacional. Renova-se a também secular
proposta da “assistência científica”, que isola as crianças pobres em
instituições conformadas por uma “pedagogia da submissão”, que considera
que elas não precisam de tudo aquilo que se diz quando se fala na educação
das “outras” crianças, que (re)produz as desigualdades sociais (de classe, de
15
Esta constitui a décima reforma educacional desde a Proclamação da República. As outras foram as seguintes:
Benjamin Constant (1890), Amaro Cavalcanti (1892), Epitácio Pessoa (1901), Rivadávia Corréa (1911),
Carlos Maximiliano (1915), João Luís Alves (1925), Francisco Campos (1931), Gustavo Capanema (1942) e
LDB
/Lei de Diretrizes e Bases (1961) (
GERMANO
,
2000,
p.
159).
75
raça, de gênero, de geração). Ao mesmo tempo, repõe-se como novidade a
relação da educação infantil com um melhor desempenho na escola
obrigatória, agora não mais por ela favorecer o desenvolvimento integral da
criança, mas por compensar carências da população pobre. Até mesmo
quando se manifesta a intenção de garantir o contato com o conhecimento,
surgem idéias de que a recreação infantil se oporia ao pedagógico” por
deixar a criança sem contato com a língua escrita. Transfere-se para uma
educação pré-escolar de baixa qualidade a solução dos problemas da escola
primária agora ensino de grau, marcado pelo peso curricular do antigo
ginásio, mas que não consegue garantir a conclusão sequer da rie, para
muitas crianças. (2003, p. 490).
Antes de defender a educação pré-escolar como solução à repetência, é preciso,
primeiro, constatar que não o todas as pré-escolas que influenciam a promoção da primeira
rie. Na maioria das vezes, a prática de iniciar a leitura e a escrita no jardim de infância
“roubou” da criança o prazer e os benefícios da atividade lúdica, deixando-a sem a condição de
desfrutar da sua infância, ao pragmatizar a ação pedagógica na educação infantil. Transfere-se
para uma educação pré-escolar de baixa qualidade a solução dos problemas da escola primária.
Estas mudanças se estabelecem entre as práticas desenvolvidas pelas instituições escolares que
desempenham ações relativas à educação, favorecendo um conhecimento elementar precário,
o oportunizando às crianças um amadurecimento de seu cognitivo. Portanto, este trabalho
assumiu, então, caráter pedagógico, voltado para atividades de maior sistematização, ou seja, a
reposição de um melhor desempenho na escola obrigatória em relação à educação infantil.
Contudo, segundo Kuhlmann Jr.:
Um século depois de sua chegada ao país, a educação infantil brasileira
começa a viver um processo de expansão fenômeno que também ocorre
em outros países. Em 1974, o
MEC
cria o
SEPRE
, Serviço de Educação Pré-
escolar. As propostas de instituição de baixo custo para os pobres ganham
impulso, ampliando o atendimento em escala muito mais acentuada do que
até então. A Legião Brasileira de Assistência (
LBA
), que desde 1967
também passa a se ocupar das creches, implanta o Projeto Casulo em 1977,
multiplicando as instituições em todo país, por meio da diminuição
proporcional do valor do per capita dos recursos repassados para as creches
ligadas a entidades sociais. Ao se ocupar de outra área, a educação, os
órgãos de assistência social acabam por interpor uma névoa a encobrir a
história reprodução das desigualdades sociais e o conjunto dos direitos
sociais da classe trabalhadora, dos quais o direito à creche e pré-escola é
apenas à parte. (2003, p. 491).
76
TABELA
1
Dados oficiais do Ministério da Educação
ANO
MATR ÍCULAS NA
PRÉ
-
ESCOLA
SOMATÓRIO DAS MATRÍCULAS DE CRECHES
MAIS SALAS ALFABETIZADORAS
DISPÊNDIO DO
GOVERNO FEDERAL
1967 11,8%
1972 460.000
1973 5,5%
1974 5,2%
1976 7%
1984 ~2.500.000
1997 4.292.000 ~6.000.000
Fonte:
KUHLMANN JR
. apud
LOPES
;
FARIA FILHO
;
VEIGA
, 2003, p. 491–92.
Em suma, este projeto visava proporcionar complementação alimentar, evitando os
danos da desnutrição e oferecendo estímulos fundamentais para o bom desenvolvimento da
criança, tanto emocional como cognitivo. As creches eram destinadas aos filhos das camadas
populares e as atividades dessas instituições estavam diretamente ligadas à assistência à
saúde, sem um programa coeso de educação escolar. Já a pré-escola destinava-se a uma classe
social de poder aquisitivo mais elevado, com objetivo de educar as crianças menores de seis
anos. Kuhlmann Jr. apresenta os dados oficiais do Ministério da Educação na Tabela 1.
Portanto, em relação aos dados acima, Kuhlmann Jr. nos apresenta que.
A partir de 1968, há um acentuado declínio do dispêndio do Governo
Federal com a educação. [...] A Constituição da Ditadura Militar de 1967
extinguiu os preceitos de 1946, que
previam a aplicação de nunca menos de
10% de renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do
ensino pela União. (2003, p. 492).
16
Esses números sugerem um investimento efetivo na área. É importante destacar que
esse processo ocorre concomitante com outros elementos que destacam uma clara ausência de
compromisso com a questão dos direitos sociais e da diminuição da pobreza.
Frente aos imperativos da Constituição de 1967, Germano nos esclarece:
A Constituição de 1967, que assegurou amplos direitos ao capital, foi bastante
restritiva com relação ao trabalho. Assim, a regulamentação dos salários e do
mercado de trabalho ficaram afetas ao Executivo, que proibia greves nos
serviços públicos e nas atividades essenciais, quebrava a estabilidade no
emprego ao incorporar o mecanismo do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (
FGTS
) à Constituição, e estimulava o trabalho infantil ao reduzir a
idade legal mínima de trabalho para doze anos. As conseqüências sociais e
econômicas disto são conhecidas: achatamento salarial no que diz respeito à
16
GERMANO
, J. W. Estado militar e educação no Brasil (19641985). São Paulo: Cortez, 1993, p. 196202,
em que se apóia nos dados de artigo de
MELCHIOR
, José Carlos de A. Financiamento da educação: captação e
aplicação de recursos financeiros numa perspectiva democrática. In:
BRASIL
.
Senado Federal. Projeto
Educação. Fundação Universidade de Brasília, 1979, v. 4, p. 139243.
77
força de trabalho adulta; redução da infância para as crianças trabalhadoras,
que ficavam expostas à exploração capitalista mais cedo. Em decorrência, isto
significava mais dificuldade ou mesmo impossibilidade de freqüência à escola
de um numeroso contingente de crianças. Isso representava, sobretudo, a
oferta de uma força de trabalho ainda mais barata, porquanto o menor recebe
um salário mínimo inferior ao adulto. (2000, p. 634).
A Constituição de 1967, que determinava que as crianças adentrassem, cada vez mais
cedo, no mundo dos adultos, pode-se detectar que as mesmas estavam, nesse período,
expostas ao mercado capitalista. Como conseqüência, não obtinham os mesmos direitos nem a
mesma remuneração dos outros trabalhadores, pois durante este período a educação infantil
era colocada num plano secundário para as camadas mais humildes da sociedade. Que desde
cedo encaminhavam as crianças para o mercado de trabalho, no sentido de auxiliarem no
sustento da família.
Cunha e Góes destacam que:
A constituão de 1946 determinava que a União deveria reservar para os
gastos com o ensino pelo menos 10% da receita de impostos, o mesmo
devendo fazer os Estados e municípios com 20%. Esses quantitativos, no
entanto, o chegaram a ser efetivamente alcançados. A viria da
conspiração golpista, em 1964, acionou toda uma rie de provincias,
no governo Federal, destinadas a provar que o havia falta de verbas
para educação. O problema é que se gastava mal. (2002, p. 50).
Assim, Cunha e Góes:
Da constituição de 1967, que o regime autoritário fez o Congresso
aprovar, foi retirada a vinculação automática de verbas para o ensino,
no plano da União: podia-se gastar 10%, como 15%, como 5%.
Assim, a participação do
MEC
no orçamento da União, que oscilou
entre 8,5% e 10,6%, no período 1960–1965, desabou para a metade
desses níveis nos anos 70, chegando a 4,3% em 1975. (2002, p. 50).
Contudo, o descaso do Estado para com a educação, agravado com a ditadura militar,
fez com que o Brasil se convertesse num dos países que menos canalizassem recursos para
esse setor. As conseqüências para o sistema educacional e a sociedade brasileira, como um
todo, são o sucateamento das escolas, a desvalorização profissional, propiciando
formação, exclusão de muitas crianças do sistema, entre outros efeitos. Os recursos para o
sistema educacional não foram recuperados, tornando-se uma “dívida-interna” do país, onde
os maiores prejudicados são a grande maioria da população brasileira.
Oliveira, ao referir-se ao contexto econômico e político das décadas de 1970 e 1980,
frente à luta pela democratização do país e do combate às desigualdades sociais, explicita:
78
[...] No processo de abertura política que marcou o final do regime militar, a fim de
dar vazão às tensões sociais latentes no país, foram adotadas medidas para ampliar
o acesso da populão mais pobre à escola (pré, primeiro e segundo grau) e sua
permancia nela, garantindo a ocorncia de aprendizadossicos. Enquanto isso,
nos grandes centros urbanos, os baixos salários e a falta de extensão de servos de
infra-estrutura urbana para atender às necessidades sociais agravavam a questão da
creche. Sua reivindicação por parte de amplas parcelas da população de mães, que
precisavam trabalhar fora do lar em busca da subsisncia da família, intensificou-
se no final da cada de 70 e adquiriu conotações novas, com o abandono da
postura de aceitão do paternalismo estatal ou empresarial e a exigência da creche
como um direito do trabalhador e dever do Estado. Isso criou novos canais de
preso sobre o poder blico. O resultado desses movimentos foi a elevação,
naqueles centros, do número de creches diretamente mantidas e geridas pela
administração pública e a multiplicão de creches particulares conveniadas com o
governo municipal, estadual ou federal. (2005, p. 112–3).
A população brasileira começou, então, a reivindicar creches como direito do
trabalhador e dever do Estado; em função disso houve ampliação de convênios entre governos
municipais, estaduais e federal. Surgiram creches comunitárias, desvinculadas do apoio
governamental, mantidas por empresas industriais, comerciais e órgãos públicos para os filhos
de seus trabalhadores; ou, ainda, as funcionárias recebiam ajuda de custo de algumas
empresas para pagar creches particulares de sua livre escolha, para atendimento das crianças.
Nesse mesmo período, os parques infantis e outras modalidades de
instituições educativas públicas foram abandonando a educação informal das
crianças em idade de escolarização regular básica e abrindo suas vagas
apenas para o atendimento daquelas em idade pré-escolar. Expandiram-se as
escolas municipais de educação infantil, que abrangiam o trabalho
anteriormente feito em parques infantis e jardins de infância, e também as
classes pré-primárias nas escolas de ensino fundamental. Em relação ao
trabalho pedagógico, no início da década de 80, muitos questionamentos
eram feitos pelos técnicos e professores acerca dos programas de cunho
compensatório e da abordagem da privação cultural na pré-escola.
Acumulavam-se evidências de que as crianças das classes populares não
estavam sendo efetivamente beneficiadas por esses programas. Ao contrário,
eles estavam servindo apenas para uma discriminação e marginalização mais
precoce delas. As programações pedagógicas estabelecidas definiam
freqüentemente as crianças por suas carências ou dificuldades com o padrão
das camadas médias exigido nas escolas vocabulário diferente,
dificuldades de comunicação, má condição física, dificuldades de controle e
orientação espacial e de discriminação visual e auditiva, auto-imagem
negativa, desatenção, dificuldade de relacionamento, apatia e irritabilidade.
Contudo, as pré-escolas continuaram limitadas a práticas recreativas e
assistenciais em virtude da falta de oportunidades reais para seus professores
absorverem as programações propostas. (
OLIVEIRA
, 2005, p. 114–15).
Porém, evidenciaram-se a discriminação e marginalizão das crianças, em
comparação com o padrão das camadas médias. Ressaltaram-se a limitação das práticas
79
recreativas e assistenciais devido à falta de oportunidade aos professores de
programações propostas. Dessas práticas, resultaram a expansão das escolas municipais
de educação infantil e classes pré-primárias no ensino fundamental. Neste contexto, as
associações de bairro, os sindicatos e grupos feministas, os movimentos sociais e grupos
políticos de oposição à ditadura militar, as mulheres nos congressos (aquelas que
ocupam cargos políticos), os profissionais de órgãos blicos que solidarizam com os
anseios populares, ocorridas no período que antecedeu a elaboração da Constituição de
1988, como pressão sobre o poder público, da luta pela democratizão pela escola
pública, possibilitaram a conquista do reconhecimento da educação em creches e pré-
escolas como um direito da criança e um dever do Estado a ser incorporado aos sistemas
de ensino.
Diante do exposto, Oliveira realça que:
Com o rmino do período militar de governo, em 1985, novas políticas
para as creches foram incluídas no Plano Nacional de Desenvolvimento,
elaborado em 1986. Começava a ser admitida a idéia de que a creche
não dizia respeito apenas à mulher ou à família, mas também ao Estado
e às empresas. A questão foi cada vez mais incluída nas campanhas
eleitorais de candidatos a prefeitos e governadores nos anos de 1985 e
1986 e no plano de governo de muitos dos eleitos. Marcou o período
ainda um grande questionamento político, feito pelos educadores,
acerca da possibilidade de o trabalho realizado em creches e pré-escolas
alicerçar movimentos de luta contra desigualdades sociais. Retomou-se
a discuso das funções da creche e da pré-escola e a elaborão de
novas programações pedagicas que buscavam romper com
concepções meramente assistencialistas e/ou compensatórias acerca
dessas instituições, propondo-lhes uma função pedagica que
enfatizasse o desenvolvimento lingüístico e cognitivo das criaas.
(2005, p. 115).
Nesta perspectiva, com a inclusão das novas políticas referentes às creches e pré-
escolas, no Plano Nacional de Desenvolvimento, compreende-se a extensão da necessidade de
um plano de governo para atender essas programações pedagógicas, além da mulher e da
família, surgindo uma discussão maior dos políticos, por meio das campanhas eleitorais,
retomando a discussão no sentido de romper com concepções assistencialistas e/ou
compensatórias, oferecendo uma visão pedagógica para o desenvolvimento lingüístico e
cognitivo das crianças.
Oliveira argumenta que:
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que determinou que
50% da aplicação obrigatória de recursos em educação fosse destinada a
programas de alfabetização em um momento em que era defendida a
80
alfabetização de crianças em idade anterior à do ingresso no ensino
obrigatório —, houve expansão do número de pré-escolas e alguma melhoria
no nível de formação de seus docentes, muitas vezes já incluídos em quadros
de magistério. O filhote esquecido nessa expansão era a creche; que, embora
reconhecida como instituição educacional, permanecia muito identificada
com a idéia de favor e de situação de excão. (2005, p. 116).
Neste sentido, a Constituição de 1988 estabelece que as creches e pré-escolas
passaram a compor os sistemas educacionais. Como pode ser visualizado o reconhecimento da
educação em creches e pré-escolas, enquanto direito da criança é um dever do Estado,
contemplado no capítulo 3 — Da Educação, da Cultura e do Desporto, seção I — da Educação:
Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
IV
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de
idade.
Essa determinão constitucional foi incorporada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
9.394/96. A inncia objetivada pelo sujeito-criança heterogêneo é igualmente plural. É a
educão que subentende através dessas concepções necessárias construir bases de atuação mais
democráticas, nas quais o sujeito-criança passa a ser incluído no processo educacional.
A necessidade de discussão sobre a própria função da educação infantil, evidenciada
pelas práticas pedagógicas nas instituições de educação infantil, práticas que se assemelham à
estrutura de atuação educacional voltada para o ensino fundamental que, como referido,
desconsideram as especificidades da educação de crianças menores de 7 anos.
O que se coloca como questão a ser considerada nesse caso é a forma desta educação,
e não seu conteúdo. As diretrizes e propostas pedagógicas para a educação infantil devem (ou
deveriam) unir o conhecimento da especificidade do modo como as crianças aprendem e se
desenvolvem a uma prática que possibilite a ação do sujeito-criança múltiplo e real.
A reflexão sobre a possibilidade de obter uma participação no processo educacional,
especialmente na educação infantil, não é tarefa fácil, contudo as condições relacionais
igualitárias nesse processo podem se constituir através de uma educação democrática,
construída de acordo com as concepções de homem, de mundo e de sociedade que queremos
fomentar. A infância com suas diferentes nuances apresenta diferentes caminhos, expressos
por seus diferentes representantes, ou seja, pelas crianças, numa construção da pedagogia da
educação infantil estabelecendo relações educacionais que as incluam como integrantes
sociais. Para tanto, a reflexão sobre a função e a especificidade da educação infantil parece
81
emergir como questão fundamental para essa empreitada, assim como um conhecimento mais
abrangente das diferentes infâncias escondidas por toda a região brasileira.
Foi nesse cenário que percebemos a historicidade do problema perante esse mundo da
educação infantil e considerou-se o tema desta dissertação: Da centralidade da infância na
modernidade e sua escolarização: a Escola Estadual João Pinheiro Ituiutaba (
MG
), 1908-
1988 focalizando as abordagens das discussões da criança brasileira, em específico no
município de Ituiutaba (
MG
), pois naquele período a educação dos pequenos ainda surgia com
uma leve significância para a sociedade tijucana.
Os trabalhos que constituem as análises dos dados realizados durante a pesquisa deste
estudo trouxeram contribuições consubstanciais para a reflexão sobre a educação infantil,
momento em que o sistema educacional não permitia a instalação de salas de educação
infantil em escolas públicas; constatamos frente à documentação do objeto deste estudo
Escola Estadual João Pinheiro a existência da implantação deste segmento, não passando
despercebido pelas autoridades superiores, fato discutido e argumentado pela direção da
época, não sendo aprovada tal ação pelo sistema. Esse segmento não se desfez, sendo
sustentado pela comunidade de pais envolvidos no processo, possuidores de posse que
mantinham com recursos materiais próprios as crianças menos favorecidas em relação a
materiais didáticos e alguns gêneros alimentícios, complementando a Caixa Escolar fornecida
pelo governo estadual; e da sociedade, que conceituava a instituição escolar num padrão de
uma qualidade de ensino diferenciada e que vinha ao encontro de necessidades exigidas pela
mesma, tornando suporte para sua permanência.
Ao longo da construção deste quadro teórico, delineia-se a contribuição para a
segunda parte deste estudo: a análise do panorama histórico-educacional da cidade de
Ituiutaba no contexto do século
XX
, em que buscamos compreender como as políticas
públicas da educação infantil processaram esse atendimento no cenário mineiro, com o
levantamento da história e historiografia da educação infantil em Minas Gerais e,
conseqüentemente, no âmbito local; assim podemos compreender melhor nosso objeto de
estudo no cotidiano do Grupo Escolar João Pinheiro.
82
83
Capítulo 2
EDUCAÇÃO INFANTIL
:
NUANCES POLÍTICAS DE SUA IMPLANTA ÇÃO
A história das políticas públicas para a educação infantil no país evidencia sucessão e
sobreposição de órgãos estatais responsáveis pela sua implantação, o que torna complexa a
tarefa de apreender as orientações políticas, as linhas programáticas, as fontes e os
mecanismos de financiamento das ações voltadas para a criança. Segundo Kuhlmann Jr.
(2003), pode-se falar em educação infantil em sentido bastante amplo, envolvendo toda e
qualquer forma de educação da criança na família, na comunidade, na sociedade e na cultura
em que ela viva. Portanto, o processo de constituição de instituições de educação popular
envolvendo o ensino primário e várias outras modalidades organizadas à parte do sistema de
educacional regular, educação infantil e outros levam a distintas estruturas de seu
atendimento.
Nesse sentido, os aspectos evidenciados por Kuhlmann Jr. (2003) são recorrentes para
que haja maior entendimento dessas trajetórias. A proteção à infância e o novo motor que
impulsiona a criação de associações e instituições para cuidar da criança sugerem diferentes
aspectos, dentre estes, sua educação e instrução, saúde, sobrevivência e demais direitos
pertencentes a ela na sociedade como um todo, com as propostas de legislação e associações
de assistência para educação da criança, tanto no ambiente privado como no espaço público.
Nessa perspectiva, buscaremos apreender, no âmbito local, como se processou esse
mecanismo de atendimento à infância em Ituiutaba para que possamos compreender melhor
nosso objeto de estudo. Faremos uma apresentação dos principais debates em torno da história
e da historiografia educacional mineira e procuraremos identificar as situações do processo de
formulação e implantação de políticas públicas de educação infantil em Ituiutaba.
As políticas públicas desenvolvidas no âmbito municipal podem revelar e
freqüentemente o fazem diante de formas, modos e tempos diferenciados de elaboração das
ações de cuidado e educação da criança pequena de 0 a 6 anos de idade, demonstrando
procedimentos distintos do poder público local quanto à estruturação interna, sua interação
com a sociedade civil e sua articulação com as instituições tanto públicas quanto particulares,
comunitárias, filantrópicas ou confessionais, voltadas para a criança pequena.
84
Portanto, para que haja esse entendimento, neste capítulo abordaremos as principais
transformações histórico-educacionais na cidade de Ituiutaba, privilegiando, de forma
panorâmica, como a cidade estruturou a educação escolar ao longo do século
XX
.
2.1 Quadro histórico-educacional de Ituiutaba
A região do Triângulo Mineiro fazia parte do estado de Goiás e por ela passava o
caminho que ligava São Paulo à capital Goiânia. Portanto, Ituiutaba nasceu como muitas
outras cidades triangulinas. No início do século
XIX
, os vários exploradores que passavam
pela região a consideravam como fértil e inexplorada, trazendo conseqüentemente várias
pessoas de várias regiões do país. O Triângulo Mineiro, considerado como “Sertão da Farinha
Podre”, foi, portanto, ao longo dos anos constituindo-se em conseqüência do grande afluxo de
pessoas que circulavam em busca do Brasil Central e de suas riquezas. Logo, pequenas vilas
foram construídas.
FIGURA
1. Posição de Ituiutaba em relação aos estados de Goiás e São Paulo e ao Distrito Federal
Fonte:
WEB CARTA
,
2007.
85
No alto do rio das Velhas ainda havia atividade de mineração, com a predominância
do garimpo de diamantes. No final do século
XVIII
, o fim da mineração e a escassez de
exploração de minérios fizeram com que geralistas” assim chamados os habitantes das
“Geraes” fossem, portanto, instigados a prover outras formas de trabalho e sobrevivência;
que se dedicassem à agricultura e pecuária, para isso necessitavam de grandes extensões de
terras. Nesse sentido, foi necessária a migração expressiva, especificamente do sul de Minas,
para as terras tijucanas. Portanto, a participação do sertanejo no processo de desenvolvimento
da cidade de Ituiutaba se fez presente durante a criação de novas terras sobre a paisagem
nativa, desenvolvendo atividades primárias, especialmente as de ordem agrárias. Em 1820,
chegaram os primeiros desbravadores desta terra: eram eles Joaquim Antônio de Morais e
José da Silva Ramos, vindos do sul de Minas. E vieram os Silva Ramos, os Morais, os
Teixeira Alves e os Pereira dos Santos.
Antes do fracasso de colonização, vivia na região uma tribo dos índios caiapós,
algumas tribos indígenas, mestiças e semicivilizadas, consideradas nômades porque se
deslocavam ao longo das encostas dos rios Tijuco e Paranaíba, em pleno Planalto Central.
Cortês e Guimarães, memorialistas da cidade (1991), ao explicitarem a história de
Ituiutaba, salientam que os índios caiapós foram expulsos pelos proprietários de terra José da
Silva Ramos, proprietário da fazenda São Lourenço, e Joaquim Antônio de Morais, da
fazenda do Carmo, que eram vizinhos e cujo patrimônio compreendia uma área entre os
córregos Sujo e Piratininga. Pode-se dizer que os primeiros posseiros tinham como objetivo
desenvolver a região e deram origem ao então desestruturado lugarejo, que somente em 1839
se estabeleceu como distrito de São José do Tijuco, pertencente ao termo de Vila de Uberaba.
Partes das terras doadas pertenciam às famílias Morais e Ramos e foram destinadas à
construção de pequena capela em louvor a São José, o padroeiro do povoado, sendo este um
vínculo com a Igreja em que a fé impulsionava o processo de crescimento da região. Podemos
perceber que a ação do homem manifestou-se sobre as terras produtivas e inexploradas,
traçando um novo cenário na região: a urbanização. Porém, a riqueza e a própria natureza
foram, aos poucos, se transformando e se materializando em processo de aculturação.
Em 1839 foi criada a Freguesia de São José do Tijuco. Como primeiro vigário, teve o
padre Antônio Dias Gouveia, que também era fazendeiro, permaneceu cerca de um ano e
retornou à sua sesmaria do Douradinho, no Prata. Dentre as funções distribuídas, a ele cabia
ainda cuidar de suas terras; também realizava o trabalho ritual da igreja católica, em que
dedicava sua atenção aos primeiros fiéis do povoado. Vale ressaltar o evidente marco dentre
suas atividades: a fundação da primeira capela, a Igreja São José do Tijuco, capela de pau-a-
86
pique coberta de folhas de buriti, tendo ao lado o cemitério, cercado de paus de aroeira. Essa
igrejinha foi substituída por outra com algumas melhorias no ano de 1862, com a
denominação de matriz. No ano de 1938, houve um incêndio, segundo Cortês (1971),
causado por um pé de vento e uma vela acessa caída sobre o altar. Contudo, se fez necessário
à população local e às autoridades tijucanas a construção de uma nova igreja. Portanto, o
distrito de São José do Tijuco passou a ser município com o nome Vila Platina pela lei 319,
de 16 de setembro de 1901, no governo do senhor Francisco Silviano Brandão, e instalado
solenemente em 1º de janeiro de 1902.
No início do século
XX
, com a efervescência das idéias republicanas, tomou posse a
primeira mara Municipal dos vereadores, fato que reuniu as principais autoridades dos
municípios vizinhos, demonstrando um relevante avanço para aquele período avao que,
conseqüentemente, influenciou em vários aspectos, inclusive a situação de redefinição dos limites
da cidade de Ituiutaba com os demais municípios vizinhos, pois a potica de Ituiutaba estabelecia
relações de compromisso com o governo estadual, o Congresso mineiro e a República, como
pode ser visualizado. Nesse sentido, é interessante observar o que retrata Chaves:
Ao primeiro de janeiro de mil novecentos e dois, às doze horas do dia, no
Paço Municipal desta Villa Platina, feita a chamada, achando-se presentes os
Snrs. Vereadores Goulart Brum, Martins de Andrade, Ferraz de Almeida,
Guimarães, Andrade e Souza, João Chaves, Bernardes Sobrinho, Franco,
Tavares da Silva, Junqueira e Dias Ferreira. Achando-se presentes todos os
Snrs.Vereadores, [...] o Snr. Prezidente, depois de emocionado, dirigir-se aos
collegas e ao povo, declarando que a sessão tinha por fim empossar-se a
primeira Câmara Municipal de Villa Platina e installar-se o Município,
levantou-se, no que foi imitado por seus collegas e todo o povo e proferio,
em alta voz, o compromisso da lei, o que foi feito em seguida, por todos os
Snrs. Vereadores. [...] Em acto sucessivo o senhor Prezidente nomeou uma
Comissão composta dos Senhores Martins de Andrade, Ferraz de Almeida e
Dias Ferreira, encarregada de convidar o Snr. Tenente Coronel Augusto
Alves Vilella a tomar posse do cargo de Agente Executivo Municipal. [...] O
Sr. Prezidente, em alta voz, declarou empossada a primeira Câmara
Municipal e installado o Município de Villa Platina, creado pela lei n. 319 de
16 de setembro de 1901. [...] A convite do Snr. Prezidente e no caracter de
orador official do Directório Político do Partido Republicano de Villa
Platina, usa da palavra o Dr. José Petraglia que, com a sua proverbial
eloqüência, proferio longo, importante e histórico discurso, felicitando ao
povo do município, aos promotores de sua emancipação, saudando a
República, ao Dr. Silviano Brandão, digno e eminente Prezidente do Estado,
ao Congresso Mineiro e, agradecendo a quantos, de outros municípios,
vieram tomar parte no acto, demorou-se em exprimir a gratidão do povo para
com o Governo do Estado e Congresso Mineiro. (
ITUIUTABA
, 1902, ata n.
1).
87
FIGURA
2. Mapa de Minas Gerais com divisão geográfico-municipal
87
88
Nessa perspectiva, percebe-se que a República se constituiu em um regime aceito pelo
grupo de políticos da cidade e pode-se, diante de tal constatação, supor as mais diversificadas
estratégias implementadas para que tal movimento republicano fluísse da melhor forma
possível. Portanto, a preocupação do poder público municipal com o crescimento urbano foi
concretizada com algumas medidas adequadas: defesa da urbanização, construções e
loteamentos.
Contudo, destacou-se padre Ângelo Tardio Bruno, que para Ituiutaba foi um passo
decisivo para o desenvolvimento urbano: realizou trabalhos como engenheiro, tentando
planejar e organizar o espaço geográfico da cidade, projetando as primeiras ruas e construindo
as primeiras casas (
FERREIRA
,
1980). Além de comprometer-se com todas essas tarefas,
ainda realizava sua “obrigação” de cuidar da alma e da religião; também estava sempre
disposto ao cultivo de suas terras, já que era fazendeiro nesse município No início da
construção da Vila Platina, os moradores locais utilizavam um meio de transporte mais rústico
e mais comum a todo povoado: o carro de boi, que sustentou durante várias décadas as
viagens das famílias e dos fornecedores de produtos consumidos no arraial deste até os
centros mais avançados de Uberaba e Uberabinha, hoje Uberlândia (
ACAIACA
,
1953).
Norteando a história do desenvolvimento dessa região e de seu transporte naquele momento,
com sua utilidade indispensável, a construção de carro de bois era realizada pelos moradores,
com a instalação e consolidação de empresas e estabelecimentos comerciais e fábricas.
Nota-se que no âmbito educacional, também, houve relativo crescimento, apesar de
que, as condições da época eram muito precárias. A população não dispunha de recursos
avançados, e nas ruas sem calçamento, sem passeios, sem meio-fio e sem cascalho, se
encontravam farmácias, casas comerciais, ranchos de palha e pau-a-pique. As casas
localizadas mantinham certa distância umas das outras, e o contato entre os municípios
vizinhos também era escasso. O tradicional Largo da Matriz, espaço destinado à sociedade
tijucana, principalmente após a construção do primeiro Jardim Público, recebia as moças e os
rapazes do povoado. Portanto, como nos demais lugarejos interioranos, as praças, o coreto, o
Largo da Matriz e os demais estabelecimentos comerciais do local recebiam as pessoas
influentes da cidade para conversarem, trocando diariamente opiniões, as mais diversas
possíveis.
Contudo, se destaca neste cenário corriqueiro a Loja do Osório, onde circulava o povo
da cidade e do município inteiro. Homens, mulheres, moças, pequenos proprietários,
agregados, sitiantes vinham a cavalo, amarravam suas montarias em frente à loja e por ali
demoravam em compras e bate-papo. Era ponto de reunião de manhã e à tarde, pois o
89
encerramento do expediente acontecia após o cafezinho das 8 da noite, quando era
religiosamente servido à freguesia café torrado e moído em casa. A loja tornou-se ponto de
encontro obrigatório, nela se reuniam diariamente políticos do Partido Liberal Republicano
Mineiro (
PRM
), médicos, advogados, funcionários públicos, fazendeiros e compadres para
realizarem suas compras. Chaves (1984) nos esclarece que na cada de 1920 e início da de
1930 a loja se tornara referência para realização de negócios.
A vila, portanto, já apresentava um significativo avanço, tanto no comércio local
quanto na pecuária, que incentivava a necessidade de uma emancipação política. Foi, no
governo de Delphim Moreira, sancionada a lei 663, de 18 de setembro de 1915, que alterou a
divisão judiciária do estado de Minas Gerais; por essa lei, a Vila Platina passou a termo
judiciário da comarca do Prata, com o nome de Ituiutaba. Portanto, Minas Gerais estabeleceu
novos desafios para o povo e a cidade: o desenvolvimento. Segundo Chaves (1984), a
emancipão potica de Ituiutaba, da cidade do Prata, trouxe conseqüências positivas para o
município: pontes, estradas, cemitério, iluminação, jardins, canalização de água, farcias, casas
comerciais, escolas, residências de fazendeiros, casebres, ranchos de palha e pau-a-pique; e com a
fama de suas terras e o seu bom clima, mais se acentuou a influência de novos povoadores, além
de outros benefícios. Dentre as rias expectativas do povoado, estava a construção de pontes e
estradas, execução de projetos urbanísticos e paisasticos, criação de regimento e reestruturação
dos limites com outros municípios. Nesse sentido, a comunidade local passa a ter vida própria. O
nome de Ituiutaba, o topônimo “ituiutaba”, etimologicamente, significa: i; rio; tuiu Tijuco; taba
povoação. Sendo, portanto, assim criado por estar às margens do rio Tijuco.
No período de 1915 a 1918, Ituiutaba foi elevada a termo judiciário com o nome atual
de Ituiutaba, conforme relato de Novais (1974), através da lei 663, de 18 de setembro de
1915, que alterou a divisão judiciária do estado, sendo a lei oficializada pelo decreto 4.759,
de 25 de abril de 1917, marcando a data para a instalação do termo, o que se efetivou em 6 de
julho de 1917, com a posse do primeiro juiz municipal, Luiz Jefferson Monteiro da Silva
(
ACAIACA
,
1953, p.
334).
Nesse período pode-se destacar, em detrimento da evolução alcançada em relação à
urbanização, os primeiros problemas de Ituiutaba: a seca, a miséria, a fome e,
conseqüentemente, a doença, das mais variadas espécies. Percebe-se também que,
enfrentando tais dificuldades, a cidade buscou seu crescimento e a articulação de vários
jornais, apesar de efêmeros.
Pela expectativa da população e do poder público em relação ao crescimento da
cidade, principalmente as atividades comerciais e a agricultura, segundo Novais (1974), nos
90
anos de 1920 a população era mais ou menos de 2 mil pessoas na zona urbana, e todo seu
movimento dependia da zona rural: as terras rteis e extensas produziam gêneros essenciais
para o desenvolvimento da economia e do comércio da cidade. Contudo, a situação da
economia local é marcada pela produção agropecuária, tendo como base de subsistência o
plantio de pequenas lavouras de arroz, feijão, milho e algodão, que servia à indústria caseira,
em que se fiava e se tecia, nos teares primitivos, a roupa de uso diário.
Durante a Revolução de 1930, Ituiutaba teve sua atuação efetiva. A Aliança Liberal
conseguira o seu intento. Empolgara o país com a sua doutrinação subversiva, contando como
um incontestável aliado: a crise econômica mundial, após o craque da Bolsa de Nova Iorque,
que se espalhou como uma epidemia. Parte significativa de Minas Gerais ocupava posição
estratégica na emergência de uma guerra civil, prestes a uma eclosão por se situar em região
que tinha fácil acesso a outros estados, como Mato Grosso estados governados por
correligionários do presidente Washington Luiz. Portanto, caberia aos municípios de Uberaba,
Uberlândia, Araguari, Tupaciguara, Ituiutaba e Frutal posição definida de arregimentação de
forças para guarnecerem suas fronteiras. Segundo Chaves (1984, p. 424), outro aspecto que
considerava propício eram a ferrovia Mogiana, que atravessava o território triangulino, e a
ameaça do sexto Batalhão do Exército, em Ipameri, fiel ao governo.
Na Revolução de 1930, a política do município sofreu alterações em relação à questão
do poder, que após a revolução se operou na política municipal, como em todo o país, o que
até então atuara como força dominante na política partidária, na sociedade, na educação e na
instrução dos jovens, no comércio, na produção rural, no aliciamento de eleitores, na provisão
de cargos públicos, na manutenção da ordem. Preponderância político-social fortalecida pelo
clã familiar, numeroso e compacto, associado ao compadrismo, à parentela mais afastada na
defesa de mútuos interesses, de domínio, do mando, do poder total. Assim, nova mentalidade
política emergiu, e Ituiutaba passou a viver uma situação conflituosa.
Contudo, ao lado desse clima de inconformismo de uns e de cansaço de outros, nova
mentalidade advinda das universidades explodia, trazendo um conteúdo de idealismo,
renovação e intolerância para com as estruturas arcaicas e antagônicas; disseminava-se a
necessidade de ruptura com os princípios da velha ordem, sedimentados na sociedade. Eram,
portanto, os egressos doutores que tomavam posição, ora se infiltrando sorrateiramente e
habilidosamente nos quadros de vigentes, servindo-se deles para os êxitos profissionais e/ou a
escalada estratégica ao poder; ora rompendo ruidosamente com as velhas estruturas políticas
municipais, ocasionando surdas revoltas, rixas, desuniões, desequilíbrios ostensivos nas
relações de amizade e parentesco de muitas famílias.
91
Foi, portanto, aos poucos que Ituiutaba se desenvolveu em todos os seus aspectos:
econômicos, sociais e políticos, quando seu movimento dependia da zona rural, com boas
perspectivas, pois se notava um movimento comercial relativamente ativo, em que a instria
praticamente não existia. No final da década de 1930, a base ecomica destacava-se com a
criação de gado, quando surge também a possibilidade de garimpo no rio Tijuco; embora de vida
breve, deixou sua marca, influenciando o desenvolvimento do povoado, no qual se constrram
farmácias e armans que o abasteciam. O que originou mais tarde pequenos municípios e até
mesmo cidades. Para a cidade do Tijuco, segundo Borges (2001), vieram muitos aventureiros,
iniciando-se assim grande migração de nordestinos que trabalhavam pelas despesas, sendo
absorvida, posteriormente, comoo-de-obra no campo para o plantio de arroz.
Contudo, Ituiutaba se apoiava no setor agrícola e recebeu, dentre os vários nomes pelo
seu desenvolvimento, o apelido de “capital brasileira do arroz”. A denominação se fez devido
ao fato de que a zona urbana possuía mais de cem máquinas de beneficiar arroz e seus
subprodutos, com sua zona rural se transformando quase que em uma só seara.
Ituiutaba, a partir de então, inicia uma nova etapa de sua economia local. Após a
década de 1940, Ituiutaba “caminhava para o progresso”, pois na sua organização urbana
destacavam suas ruas e avenidas amplas, identificadas no centro, por meros, e nos bairros,
por nomes; praças de estrutura moderna; população mais numerosa, acrescida de migração
estrangeira para o comércio e nordestina para as lavouras; criação de escolas e hospitais. O
número de habitantes da cidade de Ituiutaba pode ser conferido no quadro a seguir.
QUADRO
1
Número de habitantes da cidade de Ituiutaba de 1940 a 1980
ITUIUTABA
POPULAÇÃO
1940
Rural Urbana Total
30.696 4.356 35.052
1950
Rural Urbana Total
43.127 10.113 53.240
1960
Rural Urbana Total
39.488 31.516 71.004
1970
Rural Urbana Total
17.542 47.114 64.656
1980
Rural Urbana Total
9.268 66.651 75.819
Fonte:
IBGE
, 1940–1950–1960–1970–1980.
92
Nesse período, além da crise da mineração e da queda do zebu, fato ocorrido não só na
cidade de Ituiutaba, mas também em todo território nacional, usufruindo a fertilidade da terra
vermelha e lamacenta, Ituiutaba se desenvolve com todo potencial, com exploração da
lavoura de grãos, tendo o arroz como sua fonte principal.
Contudo, após atingir elevados índices de produtividade, o ciclo do arroz entraria em
declínio, principalmente pelas sucessivas perdas de lavouras em decorrência de estiagens
prolongadas. Não havia mais segurança para o plantio. As chuvas, que começavam em
setembro, outubro retardaram sua vinda para novembro o que chamariam “veranico de
janeiro”. Em 1958, aconteceu a hecatombe de enchente dos rios Prata, Tijuco e Paranaíba,
ocasionando destruições na história de Ituiutaba e região: as terras que antes eram férteis se
tornaram pouco produtivas devido às enchentes, provocando nos agricultores a necessidade de
recorrerem a novas cnicas e tornando Ituiutaba, antes “capital do arroz”, em “capital do
Pontal”, com o apoio de empresas beneficiadoras de algodão Baduy e Líder, em Ituiutaba;
Companhia Agrícola de Minas Gerais (
CAMIG
) e Márquez (
CHAVES
,
1985, p.
61).
Novamente é despertado o interesse pela pecuária, como vimos na primeira etapa da
evolução, que fez com que produtores do local introduzissem a criação de gado zebu,
tornando em destaque seus produtos em várias cidades da região.
Ituiutaba contou com dez prefeitos de 1964 a 1988, que contribuíram como sujeitos
históricos para sua construção. No período entre 1964 e 1966, contava com o prefeito
Geraldo Gouveia Franco.
17
Durante o período em que foi prefeito, teve como prioridade as
escolas; portanto, como as instalações físicas das instituições estavam com deficiência, fez
melhorias para atender a população local e da região. Nesse período, Ituiutaba contava com
31 escolas funcionando e apenas quatro de pau-a-pique, porém cobertas de telhas. Não
possuíam condições para uma educação de boa qualidade, pois eram carentes de material
pedagógico e de estrutura física adequada para que se desenvolvesse um trabalho adequado.
As demais possuíam salas com alguns recursos elementares para seu funcionamento
carteiras e quadro-negro.
Atendendo alunos da zona rural, Ituiutaba se desenvolveu pelas suas terras e, nesse
período considerada “capital do Pontal” —, se notava o crescimento da cidade com a
instalação de indústrias. Como a maquinaria da
ELFISA
não era suficiente para atender à
demanda de energia local, se estabelece as Centrais Elétricas de Minas Gerais (
CEMIG
), que
17
Na sua gestão destaca-se: funcionamento de 31 escolas rurais, 10 grupos escolares, 6 escolas particulares, 4
escolas de curso médio, 3 escolas de curso normal, 2 cursos de contabilidade, 4 ginásios, 2 escolas de
datilografia, 1 escola de pilotagem (
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
,
2001)
93
representa muitos
KWAS
, conseqüentemente a produção local. Sua economia se detinha na
agricultura e pecuária.
Samir Tannús, eleito prefeito em 15 de novembro de 1966, toma posse em 4 de
fevereiro de 1967. Dentre as obras de destaque de seu governo, podemos apresentar a
desapropriação da empresa de energia
ELFISA
, venda da mesma para a
CEMIG
e doação de
ações oriundas dessa venda para a implantação e aquisição do campus das Escolas Superiores
de Ituiutaba (
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
,
2001).
Diante de seu desenvolvimento, Ituiutaba nesse momento contava com a criação da
autarquia Serviço de Água e Esgoto (
SAE
), cuja implantação na cidade foi realizada com
recurso do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Vale fazer referência à instalação da Escola de Ciências Contábeis e Administração de
Ituiutaba (
ESCAI
), que atendia alunos do local e de toda a região. Conforme ficou evidente, o
ensino também se ampliou com a construção de 48 escolas, tanto na zona urbana como na
zona rural. De todo modo, o sistema educacional em Ituiutaba já demonstrava um
crescimento, pois havia uma demanda crescente da população pelo fato da instalação de
indústrias e da pecuária. Houve, portanto, a criação do curso de magistério na Escola
Municipal Machado de Assis, que conseqüentemente fez emergir a procura dos discentes pelo
curso de Magistério na escola pública, pois nesse período a modalidade de ensino era
ministrada somente em escola particular, para os profissionais da localidade; muitos tinham
que se deslocar do município para obter a graduação do magistério, segundo relato de
profissionais ligados à área. A instalação da Biblioteca Senador Camilo Chaves, criada em
1953, favoreceu as escolas e a comunidade da localidade com uma maior participação
educacional, com visitas ao estabelecimento e incentivo à leitura em vários segmentos.
Apesar da instrução demonstrar um crescimento da grande massa da população local, havia
nesse período alguns poucos analfabetos e crianças fora do contexto educacional.
Em 1970, assume como prefeito interino o presidente da Câmara Municipal Gerson
Abrão, quando o então prefeito Samir Tannús, para candidatar-se a deputado estadual,
descompatibilizou-se do cargo. O vice-prefeito Hildo Gouveia, na época, não tinha domicílio
em Ituiutaba, portanto Gerson Abrão assumiu na condição de primeiro da linha sucessória,
por ser o presidente do Legislativo. Como o vice-prefeito resolveu voltar a residir no
município, legalmente era o substituto natural do prefeito. Embora a questão fosse discutível,
Gerson Abrão retornou à presidência da Câmara, preferindo evitar uma pendência judicial
para se manter no cargo que estava ocupando. Seu governo, portanto de curto prazo, se
estendeu de 26 de maio a 6 de julho de 1970, tempo insuficiente para que pudesse iniciar e
94
concluir obras de maior vulto. Mesmo assim, sua intenção ficou caracterizada por algumas
significativas iniciativas, dentre as quais, a doação de 400 mil ações da
CEMIG
, pertencentes
ao município, para a Universidade do Triângulo Mineiro, posteriormente Fundação
Educacional de Ituiutaba, e de 100 mil ações para a Escola de Administração de Empresas,
através da Associação Comercial e Industrial de Ituiutaba; e ainda estudos para elaboração de
projetos de criação de um centro cultural (teatro e biblioteca) e de construção de um ginásio
poliesportivo coberto. Gerson Abrão procurou, durante seu curto mandato, estabelecer
permanente diálogo com assessores, técnicos, empresários, associação de classe e clubes de
serviços, enfim, com todos os segmentos sociais; desenvolvendo uma ação voltada para os
interesses do município. Por isso a imprensa na época o cognominou de “o prefeito do
diálogo” (
CENTENÁRIO DE ITUITUABA
,
2001, p. 141).
No período de 1970 a 1971, assume a prefeitura Hildo Alves Gouveia,
18
que residia
em Goiânia e retornou a Ituiutaba para assumir a prefeitura quando do afastamento de Samir
Tannús, que se candidatou ao cargo de deputado estadual. Portanto, de acordo com a revista
Centenário de Ituiutaba (2001), a participação de Samir Tannús, Gerson Abrão e Hildo
Alves Gouveia na construção da história de Ituiutaba foi significativa para a população local.
A sociedade era constituída por uma elite ruralista fechada e conservadora, que discriminava
os que não pertenciam a ela. Com o avanço da tecnologia, das ciências e, conseqüentemente,
com a sofisticação dos meios de comunicação, principalmente a televisão, surgem
movimentos com a intenção de mudar as características sociais, culturais, políticas e humanas.
O setor educacional tinha escolas primárias, ginasiais e de ensino médio com grande carência
de recursos humanos: os colégios São José e Santa Teresa, o Instituto Marden e os grupos
escolares Gov. Clóvis Salgado, João Pinheiro, Ildefonso Mascarenhas, Senador Camilo
Chaves e Coronel João Martins, que atendiam o alunado ituiutabano. Havia poucas escolas, e
as crianças da zona rural ficavam relegadas ao analfabetismo. A cultura de um modo geral
não era preocupação dos governantes. O preconceito era tão grande que havia os colégios
confessionais para mulheres e para homens, embora houvesse um colégio que mantinha
a co-educação.
O deputado estadual Luiz Alberto Franco Junqueira apresenta o projeto criando a
Universidade do Triângulo Mineiro, cujo primeiro curso seria de Ciências Agrárias. Ituiutaba
18
Os registros da Câmara Municipal apontam como suas principais ações: sancionou a lei 1.363, de
10/12/1970, que instituiu o Código de Posturas; sancionou a lei 1.372, de 10/12/1970, que instituiu o Plano
Diretor Físico; sancionou a lei 1.370, de 18/12/1970, que instituiu o Código de Instalações do Município;
concluiu as obras do Terminal Rodoviário Dr. Fernando Alexandre; concluiu o serviço de tratamento de água e a
canalização do ribeirão São Lourenço.
95
estava desabrochando como cidade e para que seu desenvolvimento acontecesse era preciso
investir em saúde, educação e infra-estrutura básica. A água encanada de Ituiutaba era de
péssima qualidade, sem nenhum tratamento, chegava às torneiras com as cores barrentas do
ribeiro São Lourenço. O abastecimento de energia elétrica, feita pela
ELFISA
, era avaliado
como luz de lamparina.
No entanto, podemos destacar que existiam em Ituiutaba 85 máquinas de beneficiar
arroz, 1 frigorífico, 2 usinas de óleos alimentares e mais algumas projetadas, 3 fábricas de
laticínios, 1 de papel, 1 de macarrão, 4 de rações, 8 de artefatos de cimento, 1 de caramelo, 8
de móveis, 1 de refrigerante, 15 serrarias, 2 cerâmicas, 8 panificadoras, 9 sapatarias, 9
agências bancárias, agências da Caixa Econômica Federal e da Caixa Econômica Estadual de
Minas Gerais. Quanto a esportes e recreação, tinha o Ituiutaba Clube, com sede urbana e
campestre, Ipê Country Club, Palmeira Clube, Associação Recreativa dos Nordestinos, Clube
de Caça e Pesca Ituiutaba Esporte Clube e Associação Esportiva Ituiutaba. Assim se
apresentava a cidade de Ituiutaba quando Samir Tannús, eleito prefeito, assumiu o poder.
Entre de fevereiro de 1971 e 31 de janeiro de 1973, foi eleito o prefeito Álvaro
Otávio Macedo. Dentre as realizações de sua gestão, podemos verificar a criação do Colégio
Antônio de Souza Martins, ampliação da Escola Estadual Governador Clóvis Salgado, da
Escola Estadual João Pinheiro, infra-estrutura do campus universitário de Ituiutaba e fundação
da Associação Pais e Amigos de Excepcionais (
APAE
) de Ituiutaba por ter um filho que
necessitava de cuidados especiais e não encontrava nenhuma escola especializada em nossa
cidade. Nesse período as escolas não recebiam nenhuma orientação para atender crianças
portadoras de nenhuma necessidade especial, contudo o ensino da maioria das escolas estava
pautado em uma proposta pedagógica tradicional. Destaca-se, ainda, a criação do Grupo
Escolar Rotary, que devido ao aumento de alunos mudou para suas novas instalações no
bairro Progresso, que até então era desprovido de uma escola pública que atendesse crianças
de 7 a 14 anos de idade. A construção do grupo tinha como objetivo proporcionar mais
conforto e melhores condições ao corpo docente e discente de melhor engajar nos moldes do
ensino, tendo como base a lei 5.692/71, aumentando sua matrícula para 800 alunos.
De 1973 a 1977, foi eleito prefeito municipal Fued Dib. A cidade em 1973 era
portadora de dificuldades financeiras: a dívida pública herdada pela administração tinha como
um dos problemas a serem enfrentados os salários dos servidores atrasados meses; a falta
dos setores empresariais organizados determinava uma impossibilidade realizadora de
imediato em termos de obras que fosse a implementação de uma política de autoridade
administrativa, que visava preparar o município para o desenvolvimento. A introdução do uso
96
do hidrômetro acabou com o déficit crônico da
SAE
, preparando para disponibilizar água de
melhor qualidade para o município; portanto, foi durante esse período que se fez a canalização
do ribeirão de São José, antigo rrego Sujo, por conta do município. Vencendo resistência
política local, no mês de janeiro de 1975 foi contratada no Fundo de Desenvolvimento
Urbano (
FDU
), do Banco do Brasil, a abertura de crédito fixo pelo qual a prefeitura obteve
recursos no montante de Cr$ 12.260.000,00, com prazo de dez anos para a canalização de
1,5 mil metros lineares do ribeiro São José e, conseqüentemente, o surgimento da via pública,
com 60 metros lineares de largura e mais urbanização de diversas vias públicas com 118 mil
metros quadrados de área espalhada, compreendendo todo o bairro universitário e a avenida
Minas Gerais.
Houve expansão urbana no setor oeste da cidade, entre a Vila Platina e o córrego do
Carmo, hoje bairro Eldorado, com a aquisição de uma área rural de cerca de 1 milhão de
metros quadrados para implantação do Parque de Exposições
JK
(210 mil metros quadrados)
tendo promovido as três primeiras exposições agropecuárias da cidade e do Centro
Desportivo Municipal (175 mil metros quadrados), em frente ao parque
JK
. Elaborados por
profissionais da localidade, segundo a revista Centenário de Ituiutaba (2001), esse
patrimônio restou a custo zero para o município, com a venda de outros 278 lotes para Banco
Nacional de Habitação (
BNH
), conseqüentemente melhorando as condições da comunidade.
Ituiutaba dava passos decisivos rumo a uma industrialização gradativa. Por isso, em
1974, a Prefeitura implantava a primeira área industrial da cidade, conforme apresenta
Novais (1974). A indústria, agora em ritmo crescente, se concretizava até em uma cidade
industrial na zona norte (ao lado do trevo Gardênia), que deve merecer especial atenção de
seus administradores, proporcionando facilidade e incentivos às novas indústrias.
Ituiutaba ainda nesse período continuava a depender da agricultura para desenvolver
seu parque agroindustrial, com a escassez de matéria-prima para se estabelecerem indústrias
diversificadas, o que constituía na época um grave problema. se percebia na cidade ruas e
avenidas largas, com praças, com modernas casas, residenciais e comerciais, despontando
arranha-céus e movimento de veículos e pedestres com serviço de coletivo urbano (circulares)
para todos os bairros e vilas, com seu perímetro urbano e suburbano quase todo asfaltado ou
calçado, contando com nove agências dos principais bancos do país e ainda com agências da
Caixa Econômica Estadual e Federal. O comércio evoluía com a instalação de supermercados,
casas especializadas, drogarias e farmácias, casas de móveis e agências de automóveis.
Segundo Novais (1974, p. 47), “é uma constante na mudança da fisionomia da cidade,
principalmente, à noite, quando enfeitada pelos ‘luminosos’ coloridos”.
97
De acordo com a revista Centenário de Ituiutaba (2001), assume como prefeito
interino, no período de 15 dias, José Arantes de Oliveira, presidente da Câmara Municipal,
pois o prefeito Fued José Dib pediu licença para viagem de núpcias e seu vice-prefeito, Luiz
Alberto Franco Junqueira, também se licenciou da prefeitura de Ituiutaba interinamente no
período de 25/9 a 10/10/1975. No período de 1977 a 1982, assume a prefeitura Acácio
Alves Cintra Sobrinho, que assinou em seu mandato um projeto conjunto com o governo de
Minas Gerais para redistribuição e localização racional das unidades escolares estaduais,
através da construção, reconstrução e ampliação de unidades pela cidade. Criação do Centro
Social Urbano, hoje Escola Municipal Prefeito Camilo Chaves Júnior de Educação Infantil,
autorização do governador Aureliano Chaves para construção do novo prédio da Escola
Estadual Governador Bias Fortes, destacando a construção dos novos prédios da Escola
Estadual 15 de Novembro hoje Escola Estadual Professor Álvaro Brandão de Andrade —,
Escola Estadual Ituiutaba e Escola Estadual Fernando Alexandre, Escola Municipal na Vila
Miisa, novo prédio da Escola Cônego Ângelo, inauguração da Escola Municipal Aída
Andrade Chaves, construção da Escola Municipal Pedro Fenelon; beneficiando a comunidade
local e estudantil com a construção das quadras de esporte da Escola Municipal Machado de
Assis, já que a realização dos II e III Jogos Estudantis de Ituiutaba e sediamento nesse período
dos VII Jogos Escolares de Minas Gerais.
Podemos salientar que desde aquele período já se tinha o desejo da
estadualizão da faculdade, conforme demonstra revista Centenário de Ituiutaba
(2001), aspiração desde muito e que viria beneficiar várias comunidades regionais.
Também importante conquista econômica, haja vista o processo de estagnão
econômico-social que nos oprime com a evasão dos trabalhadores e da juventude nos
últimos 15 anos. Ainda se pode notar a doação de 80 alqueires de terra para a Escola
Superior de Agronomia de Ituiutaba.
O prefeito Eurípedes Costa Mello ocupou o cargo de prefeito de Ituiutaba por ocasião
da licença do prefeito Acácio Alves Cintra Sobrinho, no período de 16/2 a 16/4/1981. Um dia
após sua posse, isto é, em 17 de fevereiro de 1981, o arquiteto Eurípedes da costa Mello deu
início às obras de construção do Calçadão: uma rua central da cidade, de lazer, para que a
população tijucana se beneficiasse de um local apropriado para se reunir com amigos,
familiares, ou seja, um centro de troca de dados e informações reunia-se no calçadão para
confabular suas idéias e decisões, além de estratégias políticas e financeiras. De acordo com
relatos de historiadores locais, no Calçadão aconteciam grandes manobras políticas e
econômicas.
98
Segundo a revista Frente e Verso (1978;
1979), durante seu mandato como prefeito
interino, providenciou a reforma dos instrumentos da Banda de Música de Ituiutaba,
participação de Ituiutaba na mostra de Artesanato de Uberlândia (
MG
), presidiu o primeiro
Encontro de Música e Instrumentos da cidade.
Assume, portanto, entre 1983 e 1988, a prefeitura de Ituiutaba Romel Anísio Jorge,
eleito pelo voto popular, com 70% das intenções de votos do eleitorado tijucano. O
orçamento do munipio, que era, em 1983, de Cr$ 1,6 bilhão (correspondendo Cz$ 1,6
milhão) chega, a 1987, a Cz$ 150 milhões, estimando para o exercio de 1988, nada
menos do que Cz$ 700 milhões. Teve, portanto, um crescimento de quase 450 vezes, o
que revela um desenvolvimento em Ituiutaba nesses últimos anos (
CENTENÁRIO DE
ITUIUTABA
,
2001).
Durante os anos de 1980, foram construídos cerca de 50 quimetros de rede de
água e 30 quilômetros de rede de esgoto, alcançando 150 quilômetros. Em convênio com a
CEMIG
, dentro do programa Minas luz”, foram fixados mais 1,5 mil postes. A cidade já
era, portanto, nesse período, constitda de alguns edifícios, tanto comerciais como
residenciais nas principais ruas, que movimentavam o comércio local. Portadora de
aproximadamente 900 mil metros quadrados de asfalto, que beneficiavam os bairros, e
ruas com meio-fio e galerias pluviais. Nesse peodo, a construção do Ginásio
Poliesportivo Romel Anísio Jorge, que atendia jovens do local e região para a prática
educativa educacional, visto que as pras também dispunham de quadras, minicampos de
futebol e parques infantis. Houve abertura de mais de duas mil vagas nas escolas para
atender alunos da rede blica e construção de cinco quadras poliesportivas; as crianças
recebiam merenda escolar em todas as escolas do munipio. Constava a cidade neste
período de dois centros de educação, em tempo integral. Contava, no ano de 1985,
segundo ata de termo de visita de inspetores, com 20 salas de pré-escolar funcionando
anexas às demais escolas municipais.
A Delegacia Regional de Ensino, órgão que antes era sediado em Uberlândia, passa
a fazer parte do cenário educacional ituiutabano em 9/11/1986; foi criada pelo decreto
26.257 de 16/10/1986, publicado em 17/10/1986. Neste momento, seu nome era 32ª
Delegacia Regional de Ensino de Ituiutaba.
19
Atendendo à necessidade das escolas
ituiutabanas e dos demais munipios que faziam parte de sua jurisdição, tais como
19
Segundo ata de instalação da 32ª Delegacia Regional de Ensino de Ituiutaba, reuniram-se autoridades
estaduais, municipais, diretores das escolas de e graus, representantes de entidades, comunidade escolar, o
governador de Minas Gerais Hélio Garcia —, outras autoridades municipais e estaduais e povo para sua
instalação.
99
Capinópolis, Canápolis, Santa Vitória, Ipiaçu, Cachoeira Dourada, Flor de Minas,
Gurinhatã. Com a demanda das crianças na escola, há necessidade de ampliar as escolas
neste aspecto, com a construção de novos prédios escolares (
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
,
2001, p. 165).
Com a transição da agricultura para a pecuária a partir dos anos de 1960, Ituiutaba se
expande na construção do recinto de leilões do Parque de Exposições
JK
, que, além de
oferecer um local adequado para compra e venda de gado, proporcionava à comunidade lazer
e crescimento. Portanto, no final dos anos de 1970, com a pecuária de corte em ascensão, a
cidade sedia o Frigorífico Miisa; também se desponta a indústria, trocando o plantio de arroz
pela produção de capim braquiária para o gado, mudando a configuração da cidade, pois a
população urbana se expande. Conforme podemos analisar no Quadro 1, número de
habitantes da cidade de Ituiutaba a mão-de-obra rural migra para a cidade, aumentando as
periferias, provocando o desemprego e levando para as cidades vizinhas os desejos dos mais
jovens que buscavam melhores condições de vida. Os silos de armazém de arroz que foram
destaques do progresso no passado, na década de 1980, se transformam em igrejas
evangélicas, salões de bailes populares e, posteriormente, em sacolões.
Porém, Ituiutaba teve no início de seu desenvolvimento verdadeiras disputas para
chegar primeiramente à condição de cidade grande e, conseqüentemente, conseguir alcançar
num período curto esse objetivo. Nos anos de 1970 se percebe a força do crescimento no
sentido do tão esperado progresso, conseqüentemente depois da política dos coronéis, dos
currais eleitorais, do voto de cabresto, que garantem a hegemonia de sempre, os mesmos
paralisando, ou seja, estacionando a cidade. Nessa época, se estabelece o projeto
governamental, especialmente o Plano Nacional de Desenvolvimento (
PND
), que abrange
Ituiutaba e cidades vizinhas, uma vez que estas estão dentro das áreas proprietárias de Minas
Gerais, fazendo parte do Pólocentro, que prevê a dotação de recursos para agricultura
brasileira, com o objetivo de expandi-la, visando ao abastecimento do mercado interno, bem
como à exportação. Além dos financiamentos individuais para a conquista dos cerrados no
processo produtivo e lucrativo, foram implantados, segundo Guimarães (1974), estradas
vicinais para o escoamento da produção para outros centros, os silos armazenadores de grão, a
telefonia, a eletrificação rural, que, como parte da verba destinada às prefeituras, a título de
recursos a fundo perdido, possibilitaram ao poder público investir em melhorias,
especialmente nos distritos e na zona rural, tais como postos, escolas, entre outros.
20
20
A esse respeito, conferir:
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DE MINAS GERAIS
. Pólocentro recursos e
áreas de ação. Belo Horizonte:
SEPLANI
, 1980.
100
2.2 Expansão da educação escolar em Ituiutaba
A partir de agora, nossa preocupação se volta à caracterização da educação escolar.
Investigar esse processo permite-nos demarcar possibilidades de aprofundamento de fatos
para entendermos a educação escolar ituiutabana, seja a realizada em creches, pré-escola ou
jardins de infância, séries iniciais ou em escolas públicas e particulares. Depois de recuperado
a gênese da cidade e, conseqüentemente, seu quadro político, social e econômico, é necessário
que o contexto educacional seja apresentado como forma de se visualizarem as primeiras
iniciativas no campo educacional e de que forma ele se expandiu ao longo da segunda metade
do século
XX
, para inserir nosso objeto de estudo do Grupo Escolar João Pinheiro.
O ensino escolar em Ituiutaba, através de sua história, é cheio de contradições. A
instalação das escolas dava-se de forma dispersa. Os professores atuavam numa faixa de ensino
primário; mesmo em razão das precárias condições culturais da época, muitos anonimamente
ajudaram, segundo Novais (1974), a erradicar o analfabetismo da pequena cidade. O início da
escolarização em Ituiutaba ocorreu apenas no século
XX
, durante esse período detectavam a
necessidade de se criar um sistema nacional de instrução pública e, conseqüentemente, a
implementação de medidas institucionais de caráter elitista que objetivassem elevar o jovem, a
Nação, ao rumo das grandes civilizações. Portanto, o ensino primário não receberá qualquer
atenção do governo central, período caracterizado por total desinteresse pela instrução pública
por parte das autoridades responsáveis. Estando os sistemas do ensino ligados à administração
dos estados e, portanto, sujeitos às condições destes para legislar e inovar, pois, segundo
Romanelli (2001), não havia diretrizes traçadas pelo governo federal para esse nível de ensino, e
isso era uma tradição que estava ligada à nossa herança colonial. Na verdade, a o ser a obra
esporádica das ordens religiosas, jamais se tinha cuidado seriamente do assunto. Isso pelos
poderes públicos, que vinham desenvolvendo uma ação sobre a escola primária nos estados e
através deles. Era a administração estadual que cuidava do assunto, e a ela estavam afetas até
então as reformas por que passara esse nível de ensino.
Acontecia, porém, que a ausência de diretrizes centrais criava uma desorganização
completa no sistema, que cada estado inovava ou abandonava de acordo com sua própria
política. Não havia efetivação para cumprimento da lei, o que fica evidenciado no
desligamento entre o discurso político e a realidade educacional. Nesse sentido, as primeiras
escolas de Ituiutaba conforme relatos de memorialistas e documentos se pautavam nos
princípios de ensinamento das primeiras letras, que deveriam ensinar a ler e a escrever, as
quatro operações de cálculo, as noções mais gerais de geometria, a gramática da língua
101
portuguesa e o ensino religioso católico. Contudo, havia diferenciação em relação a neros,
substituindo o conteúdo de geometria pelas prendas domésticas e o ensinamento de agulhas,
que era ministrado nas escolas, também, por professoras do sexo feminino.
Considerado esse momento inicial de expansão do ensino da pequena cidade como uma
fase rudimentar das escolas primárias com poucos recursos de alfabetização, que se estabeleciam
tanto na cidade como na zona rural, numerosos professores passaram pela cidade e se
preocuparam, apesar das condições culturais da época, em alfabetizar as crianças. Dentre eles,
podemos mencionar alguns: Itagiba, Clementina, Coleto de Paula, Francisco Lorena, Constâncio
Ferraz de Almeida, Joaquim Antonio da Silva Benedito Leite, Minervina ndida de Almeida,
Torrezão, Salazar, Ocarícia, Laurindo, José Inácio de Souza, Jo Mestrinho; as freiras Celina e
Maria José; Gustavo Luiz Borges, José Januzzi, Anísio Junqueira, Alzira Alves Tavares esta
professora desde o começo do culo, em cater particular (
NOVAIS
,
1974), e posteriormente
nomeada para o primeiro grupo escolar de Ituiutaba, em 1910, objeto de estudo desta pesquisa.
Para um melhor entendimento do processo de escolarização em Ituiutaba, se faz
necessário dividi-lo em dois momentos: o primeiro caracterizado pela fase rudimentar das
primeiras letras; o segundo marcado, ainda, pelo tradicional ensino primário, porém com
dimensão mais ampla. Segundo Romanelli (2001), enfim o governo central cuidava de traçar
diretrizes para o ensino primário para todo o país. Como as leis anteriores, esse decreto-lei
também foi chamado Lei Orgânica do Ensino Primário. Nesse sentido, fica evidenciada a
preocupação de ampliar as oportunidades de escolarização aos cidadãos e garantir que a lei
fosse efetivada. Esse projeto de lei que esboçava o ensino primário em níveis diferenciados e
amplos conteúdos de formação foi modificando de acordo com a intencionalidade da classe
social, em curso de conteúdo básico: a escola das primeiras letras. Portanto, o primeiro
momento da expansão da educação em Ituiutaba ressaltou a caracterização das escolas
isoladas, que funcionavam de maneira inadequada pelo município, em casas de professores,
conseqüentemente não oferecendo uma educação de boa qualidade. Diante desse contexto,
emergiu a necessidade de integrar o povo à Nação e ao mercado de trabalho, ideais de ordem
e progresso desde o início do século
XX
;
frágeis discussões se espalharam em muitos países
que se preocupavam em melhor adaptar o sistema escolar às exigências sociais. Foi nesse
cenário de escolas e mestres-escola caracterizados por professores itinerantes que se
constituiu o cenário educacional de Ituiutaba.
São José do Tijuco, no início do século, tinha os serviços prestados pelo professor José
Luiz de Glória, itinerante que passava pelas fazendas do município alfabetizando pessoas.
Como nos apresenta Novais (1974), ajudava a erradicar o analfabetismo dali. Na primeira
102
década do século
XX
, evidenciou-se a existência da mais antiga escola pública estadual,
objeto de estudo desta pesquisa, que será apresentada com maior ênfase posteriormente.
Pioneiro também no âmbito do ensino privado foi Constâncio Ferraz de Almeida.
Evidencia que em seu colégio o ensino era misto e a prática educativa se constituía basicamente
no ensino das primeiras letras. Visualizamos, portanto, que a Câmara Municipal da Prata
mantinha no arraial dois professores de neros diferenciados que, também, ministravam suas
aulas com a mesma diferenciação: para as meninas, a professora que atendia à cidade; para os
meninos, professor que ministrava suas aulas na zona rural. Os fatos demonstram ainda que o
professor José Antônio Janizzi fundou sua escola para atender aos dois sexos, também
organizada em dois turnos; não havia até então uma pedagogia diferenciada das demais escolas,
continuando a ação pedagógica elementar. Conforme nos apresenta um memorialista local:
Sua escola, para meninos e meninas localizava-se na rua do Comércio, hoje
18, entre avenidas 7 e 5, onde residiu o saudoso Vicente do Prado. Curso em
dois turnos. Cedo, os meninos, à tarde, as meninas. Três horas de ensino pela
manhã e quatro horas à tarde. Material escolar: lousa de pedra, lápis de
pedra, caneta, pena de aço, lápis, caderno. Cartilha do
ABC
, de Abílio César
Borges, e seus livros de leitura. Tabuada puxada por um dos alunos e
repetida pelos demais. Ensino individual. Lição tomada na mesa do mestre,
enquanto os demais alunos folgavam. (
PAIVA
,
2001, p. 2).
Tamm podemos ressaltar o uso da cartilha na escola do educador e médico Alio César
Borges (1824–1891). Nascido em Minas do Rio Claro, Bahia, em 1824, trocou sua carreira médica
pela atividade de educador ao fundar, no ano de 1858, o Gisio Baiano, em Salvador, responsável
pela formão de personalidades como Castro Alves e Rui Barbosa. Em 1871 transferiu-se para o
Rio de Janeiro, onde instalou o Cogio Abílio, com relevante atuação no período, abolindo o
castigo corporal nas suas escolas e fazendo-as modelo para instituições similares no restante do ps.
Foi um dos precursores do livro didático. Nesse mesmo desenrolar das escolas de ensino particular e
itinerante destaca-se o trabalho do professor Porfílio Ricardo da Costa, professor particular desde
1859, que lecionava no povoado e na zona rural, ensino particular e itinerante dirigido apenas para o
sexo masculino. Em 1900, João d’Afonseca e Silva tinha sua escola blica, que denominava
Escola blica de Jo Professor, na atual avenida 19, com rua 18 só para meninos.
Prossegue Paiva ao salientar em seu relato:
Não tinha uniforme. havia bancos encostados na parede. No centro, uma
mesa grande, onde os alunos faziam os deveres. Em um canto mais elevado, a
mesa do professor, onde o aluno dava a lição. Em cima da mesa, numa
extremidade, a palmaria de aroeira, de meio metro e cinco furos; no outro
extremo, pote com água e o copo para tirar água. A casa era de adobe, coberta
103
de telhas comuns, piso de chão. A privada era de buraco. A “licença” era
representada por dois toquinhos quadrados de madeira, que ficavam na mesa do
professor. Se o havia toquinho, significava “ocupado”. A organização das
classes se dava pelos bancos: de a classes. No fim da aula, cantava-se o
hino: “Juvenis representantes da futura geração seja o Norte o nosso farol,
liberdade e instrão”. Na quinta-feira, sucedia o argumento, que consistia em
cada classe ficar em fila, andando de um lado para outro e o professor, de
palmatória na o, fazendo perguntas sobre a tabuada. Se errasse, dizia:
“adiante”. Quem acertava, recebia a palmatória e aplicava o bolo no colega que
errou. No último dia da semana, era o exame de asseio dos alunos. (2001, p. 2).
Fica evidente no relato que o ensino fundamental era constituído basicamente de
procedimentos extremamente gidos e tradicionais; era de formação das primeiras letras.
Também sua prática pedagógica era fundamentada em uma postura da lógica da excelência,
cabendo aos melhores alunos ensinarem os conteúdos desenvolvidos aos que não detinham
um conhecimento considerado exemplar.
Contudo, emergiu nesse momento a escola do professor Afonso José Camilo, em estilo
militar, direcionada apenas para meninos: boné estilizado, cinto fora da farda e botina preta.
Segundo o entrevistado Paiva (2007), o currículo da escola tinha a intencionalidade da
educação pautada em princípios de ordem e disciplina no ensino das primeiras letras e das
quatro operações. Nesse período, era comum a idéia de se convidarem as pessoas com certa
instrução a residirem e trabalharem na vila. Portanto, chega à vila o professor Joaquim
Antônio da Silva, com sua escola José de Alencar, dirigida à instrução apenas do sexo
masculino. Tinha como metodologia de trabalho uma forma mais individualizada e interativa.
Destacam-se nesse cenário os irmãos Coleta de Paula e Francisco Antônio de Lorena. Aquela
movimentou o Colégio Santa Cruz e, com o passar do tempo, o Colégio São Luís, que atendia
a ambos os sexos, permeado por uma visão de uma prática educativa mais moderna.
104
QUADRO
2
Escolas urbanas de Ituiutaba (19001940)
PERÍODO
ESCOLAS PÚBLICAS
ESCOLAS PARTICULARES
190110 Grupo Escolar João Pinheiro Escola do Professor José de Alencar; Escola do Professor
Afonso José; Colégio Santa Cruz; Externato/Colégio São
Luiz; Colégio Santo Antônio
191120
21
192130 Colégio das Irmãs Belgas; Instituto Propedêutico
Ituiutabano; Escola São José (popularmente Escola do
Laurindo)
193140 Instituto Marden; Colégio Menino Jesus de Praga; Colégio
Santa Teresa; Colégio São Jo
Fonte:
OLIVEIRA
,
2003,
p. 55.
O quadro educacional em Ituiutaba apresentou, por meio das escolas aqui elecandas,
que o ensino não seguia determinada sistematização quanto à estrutura, que ficava a cargo dos
proprietários de escolas e professores que realizavam suas atividades em uma dinâmica de
ensino individual, aspecto bastante comum na educação dessa época. Porém, no contexto
pedagógico, o mesmo se restringia a cumprir uma função social: erradicar o analfabetismo. O
Quadro 2 apresenta as escolas urbanas de Ituiutaba. Como pode ser visualizada, a forma de
organização do quadro educacional de Ituiutaba até os anos de 1930 apresenta as contradições
entre o público e o privado, com predominância do privado sobre o público. Segundo Moraes
(2004), verifica-se que, mesmo existindo uma pregação política de valorização do ensino
primário a cargo do Estado, isso não acontecia, prevalecendo então o ensino particular em
detrimento do ensino público. Se não houvesse essas pequenas escolas primárias particulares,
as famílias estariam sem condições de colocar seus filhos para estudar.
O primeiro Grupo Escolar Villa Platina objeto de estudo desta dissertação foi
criado em dezembro de 1908 e o segundo, Grupo Escolar Dr.Ildefonso Mascarenhas, em
1947. Observa-se, então, uma lacuna muito grande entre a criação do primeiro e a instalação
do segundo: 39 anos após a criação do primeiro grupo surgiu o segundo. Durante esse
período, a demanda por educação era suprida por instituições privadas como o Instituto
Marden. Segundo aponta Moraes (2004), as escolas particulares, especialmente as
confessionais católicas, tiveram papel decisivo e responsável na implantação de escolas em
cidades do interior. Em Ituiutaba, a primeira escola particular que conseguiu exercer suas
atividades por um longo período foi o Instituto Marden, que era uma escola leiga. Em 1939,
funcionou o jardim de infância da escola. Tal fato aconteceu, segundo Moraes (2004), porque
uma ex-aluna do Marden Nize Chaves foi a Uberlândia cursar a terceira série do curso
Normal na escola Nossa Senhora das Lágrimas, pois o curso normal do Instituto Marden
21
Por insuficiência de dados, não foi possível elencar as escolas desse período.
105
ainda não tinha sido reconhecido. Ela fez uma preparação para lecionar em jardim de infância
e, ao voltar para Ituiutaba, foi convidada por Álvaro e Alaíde para dar aulas no jardim de
infância. Ela aceitou e trabalhou durante um ano com Lições de Pituchinha, sendo a pioneira
na aplicação do método global, a grande novidade em termos de alfabetização e que foi seu
trabalho de monografia para encerramento do curso Normal. Verifica-se que a influência
européia era acentuada, uma vez que os jardins de infância ganhavam vulto e importância nos
meios educacionais europeus (
MORAES
,
2004). A reforma mineira nos arts. 223 e 246 a 248
do “Regulamento do ensino Primário” (
NAGLE
,
2001, p. 292).
De 1933 a 1941, o Instituto Marden teve os seguintes cursos: Primário, Adaptão e
Normal. A cidade de Ituiutaba dava sinais de crescimento e, com isso, a demanda pela
continuidade de estudos (
MORAES
,
2004). Portanto, em 1953 começou a funcionar o curso
Normal. Em 1937, a escola Normal foi reconhecida pelo decreto 941, de 29/7/1937, com a
primeira turma dos concluintes. Em 1942 teve icio a primeira turma do curso Ginasial.
Em 1951, sob a denominação de Colégio Comercial Barão de Mauá, foram implantados os
seguintes cursos noturnos: Ginasial, Comercial e cnico em Contabilidade, cuja primeira
turma concluiu em 1953; esse curso beneficiou todos aqueles que não podiam estudar
durante o dia. Em 1950 foi criado o curso Cientifico, para atender os alunos mardenienses
que não queriam estudar fora de Ituiutaba. Em 1979 a escola encerrou suas atividades
(
MORAES
,
2004).
Segundo Oliveira (2003), seguindo a tradição de um ensino mais formativo,
emergiram outras escolas importantes como o Colégio Santa Teresa, cuja criação, nos anos de
1930, teve o empenho de dom Olegária Ribeiro Chaves e do padre Fortunato Morelli. Ambos
buscaram instalar um colégio confessional para atender meninas de família do meio rural e
urbano. A instalação do colégio marcou o advento de uma nova era educacional: as famílias
confiaram a educação de seus filhos, principalmente das filhas, a uma congregação religiosa.
Também se fez presente o Colégio São José e outros colégios estaduais. Nesse sentido, o
Colégio Santa Teresa assumiu papel relevante para a sociedade, uma vez que suas diretrizes
teórico-pedagógicas se fundamentavam nos princípios dos programas oficiais, o que garantia
crescimento intelectual e cognitivo do aluno, sobretudo orientadas por princípios
scalabrinianos, que permeavam todos os colégios e as instituições da Congregação
Scalabriniana (
OLIVEIRA
,
2003).
106
O Colégio São José, diferente da Escola São José, muito significou para a
sociedade daquela época. Fundado e dirigido por Padres Estigmatinos,
irradiava cultura, o estudo e o desenvolvimento da ciência. Uma escola que
vislumbrou, eminentemente os sólidos e eternos princípios religiosos da
Igreja Católica e atendeu em regime de internato, apenas o sexo masculino.
Essa Instituição escolar configurou-se como marco educativo para a
sociedade tijucana: difusora não apenas do saber cristão, mas principalmente
disseminadora do rígido sistema disciplinar, que passou a caracterizar sua
trajetória no contexto educacional de Ituiutaba. (
OLIVEIRA
,
2003, p. 58).
Após essa análise do Quadro 2, podemos, portanto, apresentar a situação educacional
referente aos novos dados encontrados sobre o contexto educacional do município de
Ituiutaba, que nos fizeram, as análise, inseri-los neste estudo, pois, como trabalhamos
com o quadro panorâmico dos anos anteriores, essas informões se fazem necessárias. No
estudo realizado, encontramos uma escola rural que recebeu o nome de Aula Mista
Municipal da Fazenda Patos, fundada por Antonio Florentino Guimarães, em sua fazenda,
localizada hoje no município de Gurinhatã. Mas, naquele período, localizava-se no
município de Ituiutaba. Foi inaugurada no icio do ano de 1927, mas não encontramos o
decreto de criação; consta que tinha o reconhecimento da autoridade municipal de Ituiutaba
(
NETO
,
1985). Essa escola apresentava, naquele momento, o ensino misto, isto é, atendia
os dois sexos, mas ressaltamos que predominava em seu interior a presença do sexo
masculino em detrimento do feminino, embora este já se fizesse presente. Atuava como
professor nesta escola, segundo Neto (1985, p. 28), “Gustavo Luiz Borges, homem
considerado enérgico e inteligente. Era rigoroso conforme os costumes da época [...] De três
em ts anos, atendia uma região, o professor e a escola passavam a atender outras, alguns,
alunos o acompanhavam”. A escola atendia a todas as classes sociais, mas prevalecia a
freqüência dos alunos cujas famílias podiam se privar de sua ausência nos trabalhos destes
no período escolar. Salientamos que a escola teve uma duração pequena — funcionando por
três anos, de 1927 a 1929, porém grandiosa em sua colaboração com a comunidade local,
pois chegou a receber no seu interior até 80 alunos. Em relão a seu currículo, aplicavam-
se os ensinamentos sicos da leitura, das quatro operações sicas de adição, subtração,
multiplicação, divisão, e ainda constava no seu currículo segundo Neto (1985, p.27),
fazer contas de juros, medir terrenos e redigir cartas etc.
Em 1937, o prefeito Adelino de Oliveira Carvalho, através da lei 13, criou a Escola
Municipal Noturna 13 de maio, em homenagem à data da libertação dos escravos. Criada a
pedido da comunidade da Legião Negra, a escola teve no icio seu funcionamento na sala 3
do Grupo Escolar João Pinheiro, objeto de análise desta dissertação. Esclarecemos,
107
portanto, que a escola teve como primeiro professor Ítalo Terêncio José Gentil, escolhidos
pelos membros da Legião Negra, pois esta escola foi fundada por essa legião e tinha como
objetivo pugnar pela defesa e pelos interesses da raça, alfabetizando seus membros
(
HISTÓRICO DA ESCOLA MUNICIPAL MACHADO
, s. d., s. p.). Em 25 de novembro de 1941,
através do decreto-lei 73, o prefeito Jayme Veloso Meinberg muda a denominação da
Escola Municipal Noturna 13 de Maio para Escola Municipal Noturna Machado de Assis.
Contudo, a escola continuou funcionando no prédio do João Pinheiro, atendendo a quatro
turmas do ao ano pririo e tendo aumentado o número de classes. O decreto-lei 193,
de 10 de dezembro de 1947, na geso do prefeito Omar Oliveira Diniz, criou o cargo de
diretora da escola.
Com relação a todo esse movimento de mudanças na estrutura da escola em estudo,
ainda é oportuno mencionar o projeto de criação do Colégio Normal Municipal e Ginásio
Municipal, executado pela lei 1.254, de 29 de outubro de 1968. O prefeito em exercício no
momento era Hildo Alves Gouveia, e como primeiro diretor, assume o cargo José dos Santos
Vilela Júnior. Nesse período, a escola funcionava nas dependências de uma escola particular
da cidade de Ituiutaba a Escola Anjo da Guarda; em 27 de outubro de 1970, a lei 1.324
cria o Ginásio Municipal. Portanto, em 1975, através do decreto-lei 1.514, de 31 de
dezembro, o prefeito Fued Dib unifica as unidades de ensino municipal: escola noturna,
colégio normal e ginásio, que passam a formar a Escola Municipal de I e II Graus Machado
de Assis (
HISTÓRICO
, s. d.;
DECRETO
-
LEI
73, 1941).
Nesse sentido, apresentaremos o quadro de criação das demais escolas da rede pública
da cidade de Ituiutaba,
22
que foram surgindo gradativamente no município de acordo com a
demanda das crianças. Nesse momento não iremos apresentar no quadro as escolas
particulares; no entanto, vale ressaltar que estas se faziam presentes na cidade em
atendimento a crianças de 2 a 14 anos, conforme depoimentos apresentados por alguns
documentos na Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba e Secretaria Municipal de
Educação e Cultura (
SMEC
). A criação das escolas pode ser visualizada nos quadros a seguir.
22
Por insuficiência de dados referentes a outras escolas anteriores a 1941 no município de Ituiutaba, essas
informações não serão apresentadas.
108
QUADRO
3
Escolas estaduais de Ituiutaba e sua criação
NOME DA ESCOLA
DATA DE CRIAÇÃO
E. E. João Pinheiro
Decreto 2.327 de 22/12/1908
Grupo Escolar Ildefonso Mascarenhas da Silva Decreto 2.395 de 31/1/1947
Grupo Escolar Senador Camilo Chaves Decreto 4.567 de 30/4/1955
E. E. Governador Clóvis Salgado Decreto 4.966 de 27/1/1956
E. E. Arthur Junqueira de Almeida Decreto 5.438 de 18/4/1958
E. E. Governador Bias Fortes Decreto 005704 de 27/11/1959
E. E. Cel. João Martins Decreto-lei 6.044 de 14/12/1960
E. E. Cônego Ângelo Decreto-lei 7.215 de 10/10/1963
E. E. Cel. Tonico Franco Decreto-lei 8.406 de 24/6/1965
E. E. Dr. Fernando Alexandre Decreto-lei 8.407 de 24/6/1965
C. E. M. Dr. José Zoccoli de Andrade Lei 3.595 de 25/11/1965
E. E. Profª. Maria de Barros Lei 3.878 de 20/12/1965
E. E. Governador Israel Pinheiro Lei 3.936 de 23/12/1965
E. E. Rotary Decreto 9.703 de 6/4/1966
E. E. Prof. Álvaro Brandão de Andrade Decreto 11.097 de 9/5/1968
E. E. Antonio Souza Martins Decreto 16.654/74 de 15/10/1974
E. E. Bem-me-quer Ed. Especial Decreto 28.284 de 20/10/1986
CESEC
— Clorinda Martins Tavares Resolução 6.150 de 11/3/1987
FONTE
: Ituiutaba,
2007.
109
QUADRO
4
Escolas municipais de Ituiutaba e sua criação — 1941 a 1968
ESCOLAS MUNICIPAIS
DATA DE CRIAÇÃO
LOCALIZAÇÃO
E. M. Alberto Torres Decreto-Lei 073, de 25/11/41 Água Suja
E. M. Duque de Caxias Decreto-lei 073, de 25/11/41 Córrego da Canoa
E. M. José Bonifácio Decreto-lei 073, de 25/11/41 Córrego do Açude
E. M. Quirino de Morais Decreto-lei, 073, de 25/11/41 Mateirinha
E. M. São Francisco de Assis Decreto-lei 073, 25/11/41 Córrego do Retirinho
E. M. Augusto Alves Vilela Decreto-lei 178, de 6/3/47 Córrego da Divisa
E. M. Francisco Alves Vilela Decreto-lei 178, de 6/3/47 Campo Alegre
E. M. Prefeito Jaime Meinberg Decreto-lei 182, de 19/6/47 Ribeirão dos Baús
E. M. Antonio Pedro Guimarães Lei 119, de 24/11/51 Córrego do Macaco
E. M. Constâncio Ferraz de Almeida Lei 119, de 24/11/51 Cotia
E. M. Francisco Antonio de Lorena Lei 119, de 24/11/51 Vila Fisa
E. M. José Inácio de Souza Lei 119, de 24/11/51 Campo Alegre
E. M. Joaquim José Domingues Lei 347, de 28/11/55 Fazenda Santa Rita
E. M. Tiradentes Lei 347, de 28/11/55 Córrego Açude
E. M. Hilarião Chaves Lei 559, de 21/3/60 Salto de Morais
E. M. Antonio Joaquim da Costa Lei 637, de 25/3/61 Ribeirão dos Baús
E. M. Santa Rita Lei 673, de 1º/12/61 Santa Rita
E. M. Antonio Baduy Decreto 240, de 22/2/62 Campo Alegre
E. M. Castro Alves Decreto 241, de 23/2/62 Ponte Rio Prata
E. M. São José Decreto 249, de 23/4/62 Córrego da Mamoma
E. M. João da Fonseca Filho Decreto 261, de 16/8/62 Boa Esperança
E. M. Aureliano de Freitas Franco Decreto 264, de 20/8/62 São Lourenço
E. M. Capela N.S. Aparecida Decreto 312, de 4/5/64 Monte Azul
E. M. Getúlio Vargas Decreto 312, de 4/5/64 Baixadão
E. M. Vereador Diógenes de Souza Decreto 312, de 4/5/64 Pontinhas
E. M. Pref. José Arcênio de Paula Decreto 312, de 4/5/64 Guabiroba
E. M. Fernando Martins de Andrade Lei 954, de 29/3/65 São Bento
E. M. Dep. Daniel de Freitas Barros Decreto 385, de 15/4/66 Açude
E. M. Dr. Camilo Chaves Júnior Decreto 385, de 15/4/66 Sapé
E. M. Joaquim José de Assis Decreto 385, de 15/4/66 Campo Alegre
E. M. Domingos José Franco Decreto 404, de 27/12/66 Ribeirão São Vicente
E. M. Manoel Alves Vilela Decreto municipal 404, de 27/12/66;
autorização de funcionamento pela portaria
013/80 de 25/10/80
R. Francisco Martins
de Andrade, Conjunto
Sol Nascente
II
E. M. Francisco José de Carvalho Decreto 432, de 23/8/67 Capão Rico
E. M. Antonio Severino da Silva Decreto 454, de 12/2/68 Rib. São Vicente
E. M. Augusto Martins de Andrade Decreto 454, de 12/2/68 Pontal Campo Alegre
E. M. João José dos Santos Decreto 1.235, de 21/6/68 Córrego da Chácara
E. M. Manoel Afonso Cancella Decreto 492, de 8/7/68 Ribeirão de Santa Rita
E. M. Antonio de Souza Martins Decreto 503, de 14/8/68 Alto do Carmo
E. M. Cândido José de Carvalho Decreto 507, de 19/8/68 Mangalarga
E. M. Joaquim Antonio de Morais Decreto 520, de 19/9/68 rrego do Retiro
E. E. M. José da Silva Ramos Decreto 534, de 2/12/68 Córrego da Chácara
E. M. de 1º e 2º Graus Machado de
Assis
Decreto 73, de 25 de novembro de 1941,
recebe a denominação de Machado de
Assis. Lei municipal 1.254, de 1968;
autorização de funcionamento pela portaria
78/69, publicada no “MG”, de 8/3/69; em
1973, implantação do regime instituído pela
lei federal 5.692, de 11/8/71, modificando o
regimento conforme resolução 146/72,
aprovada em 22/6/72, pelo Conselho
Estadual de Educação (
MG
)
Rua 26 com 33 e 33ª
Centro
Fonte:
ITUIUTABA
,
2007.
110
QUADRO
5
Escolas municipais de Ituiutaba e sua criação — 1969 a 1989
ESCOLAS MUNICIPAIS
CRIAÇÃO
LOCALIZAÇÃO
E. M. Ari Barroso Decreto 552, de 10/2/69 Córrego do Coelho
E. M. Gustavo Maia de Menezes Decreto 558, de 17/3/69 Fazenda Estiva
E. M. Arquidamiro Parreira de Souza Decreto 570, de 30/4/69 Córrego da Abelha
E. M. João Ribeiro da Silva Decreto 587, de 24/6/69 Faz. Vale do Ingazeiro
E. M. Oldemar Ribeiro Vieira Decreto 607, de 4/8/69 Três Vendas
E. M. Antonio Bento Parreira Decreto 609, de 25/8/69 Açude
E. M. Dr. Hélio Benício de Paiva Decreto 627, de 2/10/69 Instituto Agrícola
E. M. José Abadio da Costa Decreto 671, de 26/12/69 São Lourenço
E. M. Moacir Franco Decreto 701, de 12/5/70 Granja Santo Antonio
E. M. Umberto Teodoro Gomes Decreto 702, de 12/5/70 Córrego da Mamona
E. M. Agrícola de Ituiutaba de 1º Grau (5ª à
8ª série)
Lei municipal 1.338, de 23/10/70;
resolução estadual 230/70, de 6/11/70
E. M. Pres. Prudente de Morais Decreto 786, de 23/11/70 Córrego do Lajeado
E. M. Pres. Arthur da Silva Bernardes Decreto 788, de 23/11/70 Córrego da Abelha
E. M. Arcanjo Gervásio Guimarães Decreto 791, de 23/11/70 Córrego Fundo
E. M. Julieta Alves Leite Decreto 797, de 2/12/70 Córrego da Picada
E. M. Bernardo José Franco Decreto 881, de 10/5/71 São Lourenço
E. M. Dr. Domício de Souza Martins Decreto 881, de 10/5/71 São José do Sucuri
E. M. Dr. José Zoccolli de Andrade Decreto 935, de 6/8/71 Taperão
E. M. Névio Franco de Morais Decreto 935, de 6/8/71 Serra do Bauzinho
E. M. Dr. Antonio Cabral de Menezes Decreto 941, de 17/8/71 São Vicente
E. M. Olegária Ribeiro Chaves Decreto 958, de 13/9/71 Ipiranga
E. M. Verônica Maria de Morais Decreto 789, de 23/11/70 Paineiras
Ginásio Agrícola Municipal de Ituiutaba;
E. M. Agrícola de Ituiutaba de 1º Grau (5ª à
8ª série)
Lei municipal 1.338, de 23/10/70;
res. est. 230/70, de 6/11/70; portaria
51/84, de 18/1/84 da Séc. Est. de
Educação
E. M. Rui Barbosa Decreto 836, de 4/1/71 Fazenda Olhos D’água
E. M. Tancredo de Paula Almeida Decreto 881, de 10/5/71 Ponto do rio Tijuco
CIME
Tancredo de Paula Almeida Lei municipal 881, de 10/5/71,
pelo dec. municipal 1.776, de
20/6/78; lei municipal 2.613, de
17/5/89; aut. de funcionamento
via portaria
GAB
013/80 e
portaria 1.514, publicada no
“Minas Gerais” em 1º/11/90
Avenida Araguari, s. n.,
bairro Gardênia
E. M. José Carlos de Assis Decreto 1.023, de 31/1/72 Fazenda Bonfim
E. M. João David Decreto 1.053, de 29/3/72 Serra do Bauzinho
E. M. Artísio Marchiori Decreto 1.111, de 3/8/72 Milton Marchiori
E. M. Francisco de Oliveira Carvalho Decreto 1.111, de 3/8/72
E. M. José de Freitas Franco Decreto 1.111, de 3/8/72 São Lourenço
E. M. Rosa Tahan Lei munic. 1.992, de 6/5/80; aut. de
func. via portaria 048, de 10/02/81
Avenida 3 c/ 18 e 20, n.
146, bairro Tupã
E. M. Aída Andrade Chaves Decreto municipal 2.179, de 14/4/82;
autorização de funcionamento via
portaria 071/83, de 23/02/83
Bairro Satélite Andradina
Clorinda Martins Tavares A unidade de Ensino Supletivo
Municipal lei 2.353, de 12/6/86, dá
denominação à unidade de Ensino
Supletivo Municipal
CIME
Sarah Feres Silveira Lei municipal 2.612, de 17/5/89;
aut. de funcionamento pela
portaria 1.657, publicada no
“MG” de 30/11/89
Rua Gerôncio Chaves s.
n., bairro Jardim do
Rosário
FONTE
: Ituiutaba,
2007.
111
Os quadros 3, 4 e 5 demonstram a criação de quase todas as escolas da rede pública do
município de Ituiutaba. Achamos conveniente apresentar essas informações porque
praticamente todas foram criadas no período de estudo desta dissertação. Julgamos necessário
evidenciar duas escolas citadas nos quadros anteriores: Grupo Escolar Ildefonso Mascarenhas
da Silva e Grupo Escolar Senador Camilo Chaves, pois foram e ainda são de relevância para o
entendimento da educação das crianças em Ituiutaba. Dessa forma, passaremos apresentar
uma breve análise para que haja uma compreensão mais precisa do processo de expansão
educacional do município.
De acordo com a análise dos quadros, podemos perceber que, conforme foi
apresentado antes, a primeira escola pública da cidade de Ituiutaba objeto deste estudo
foi criada em 1908, como Grupo Escolar de Villa Platina e implantada em 1910;
23
a segundo
foi o Grupo Escolar Professor Ildefonso Mascarenhas da Silva, criado pelo decreto 2.395, de
31/1/1947, publicado no Minas Gerais de 1º/2/1947 e instalado no dia 9/3/1947, no prédio
situado na rua 20, n. 1.070, adaptado pela prefeitura e alugado pelo estado. A escola já
atendia, em 1954, crianças com idade entre 7 e 14 anos. Funcionou com 9 salas e 406 alunos
em dois turnos. Estando o prédio nesse mesmo ano em precárias condições, foi solicitado pelo
proprietário para demolição e, cumprindo autorização da Secretaria de Estado da Educação, o
estabelecimento passou a funcionar no terceiro turno, das 14h às 17h30, sendo anexo ao
Grupo Escolar João Pinheiro. Os horários de entrada e saída dos dois grupos escolares serão
encontrados com mais detalhes no capítulo 3 deste estudo.
Segundo manchete do jornal:
Verba para edificação do Grupo Escolar Ildefonso Mascarenhas, dos
atendimentos mantidos recentemente entre o Prefeito Municipal, Sr. Antonio
de Souza Martins, e o Secretário da Educação, Sr. José Augusto, resultou o
empenho da verba de Cr$ 400.000,00, restante do semestre destinada à
construção do prédio próprio do Grupo Escolar “Ildefonso Mascarenhas da
Silva”, estabelecimento que, como é do conhecimento geral, de muito
funciona, a titulo precário, no edifício do Grupo Escolar João Pinheiro.
(
FOLHA DE ITUIUTABA
, 1955, p. 2).
Diante de tal situação vivida pelos estabelecimentos de ensino primário, em especial
dos grupos escolares, tinha-se constituído um dos mais sérios problemas com que se
defrontavam a população e os administradores. A situação dos grupos da cidade nos é
apresentada pelo jornal Folha de Ituiutaba: a precária situação dos grupos escolares, um dos
23
Com relação ao movimento de instalação e criação dos grupos escolares, podemos esclarecer, segundo Araújo
(2003), que o Grupo Escolar de Villa Platina, de acordo com sua criação, foi o terceiro grupo a ser criado no
Pontal do Triângulo Mineiro (
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003).
112
quais, de acordo com o noticiário divulgado, será reformado brevemente. A isso se junta o
fato, não menos deprimente, de funcionar o outro em prédio particular, que não dispõe do
conforto mais elementar, impedindo assim o desenvolvimento normal da alfabetização.
Nessa perspectiva, em 1962, o grupo escolar passou a funcionar com 10 salas e, em
1969, com 11. Funcionando em anexo por 14 anos, o grupo escolar vivia momentos de
expectativa de uma sede própria: a demanda da comunidade local aumentando, o grupo
crescendo, portanto necessitava de ampliação das salas de ries iniciais. A partir de 1971, em
atendimento à resolução 51/70, art. 4º, de 14/11/1970, e por sugestão recebida da Delegacia
Regional de Ensino de Uberlândia, foi inaugurada a sede própria do Grupo Escolar Ildefonso
Mascarenhas, adaptada com recursos próprios e alugada pelo estado, na rua 18, n. 1.600.
Funcionou com 16 salas em dois turnos diurnos, com matrícula de 495 alunos. Em outubro de
1977, passou para prédio próprio, inaugurado em 7 de novembro do mesmo ano, com a
presença de várias autoridades locais. Foi construído com oito salas e sendo ampliado com mais
cinco, em 1985, do mesmo padrão do prédio original, e uma sala menor, aproveitando-se o
galpão para atender, em dois turnos, 26 turmas e cerca de 750 alunos do pré-escolar à 8ª série.
Nesse contexto, ressaltamos a presença do Grupo Escolar Senador Camilo Chaves, criado
pelo decreto 456, de 30/4/1955, publicado em 1º de maio de 1955. Instalado em 8/1/1956,
funcionou de 1955 a 1956 na rua 18, esquina com avenida 15, em prédio alugado. Transferindo-
se, em 1966, para prédio próprio, construído com recursos do Plano Nacional de Educação e
inaugurado em 30/1/1966. Esse foi o terceiro grupo escolar da cidade de Ituiutaba, que desde seus
primeiros anos de criação atendeu criaas do município na faixa do ensino primário.
Evidenciada pelo jornal Folha de Ituiutaba:
A criação, no ano passado e conseqüente instalação, ou, propriamente o
início de atividades no corrente exercício, do Grupo Escolar Camilo Chaves,
trouxe, como é previsto, grandes benefícios a Ituiutaba, que de muito se
ressente de unidade escolares em número capaz de atender às necessidades
do lugar. [...] Acontece, entretanto, que o Estado até agora não remeteu
imobiliário do estabelecimento, que funciona desta forma, por um supremo
esforço das professoras, em condições precárias, sendo as crianças obrigadas
a se sentarem no assoalho, para assistirem às aulas [...] Reiterados pedidos à
Secretaria da Educação, no sentido de que promova, com urgência
necessária, ao envio do mobiliário. [...] Pois os móveis, até agora, não foram
recebidos, obrigando as crianças a freqüentar as aulas nas referidas
condições. (1956, p. 1).
Diante de tal fato, percebemos que os grupos escolares estavam desprovidos dos
móveis adequados para atender crianças nas suas necessidades mais elementares e
indispensáveis para que desenvolvessem suas capacidades de aprendizagem. O acesso à
113
escola deve oferecer a todas as crianças um local adequado e um ambiente favorável para seu
bem-estar; nesse sentido, o grupo escolar não podia beneficiar as crianças que estavam
freqüentando as aulas com um trabalho pedagógico que beneficiasse a infância. A questão que
se pode colocar é a discrepância entre a tônica das recomendações oficiais e sua concretização
em nível de recursos para os problemas mais elementares. De modo geral, essas duas escolas
atendiam crianças com menos poder aquisitivo, como podemos visualizar na citação do jornal
Folha de Ituiutaba (1956, p.3):
Grupos Escolares desprovidos dos móveis e utensílios, indispensáveis e com
o material didático arcaico e minguado, como são os casos do Grupo Escolar
Camilo Chaves e Grupo Escolar Mascarenhas, nesta cidade; infância
desprotegida, mal nutrida, seminua e indolente.
Esses são os fatores primordiais que entravam em curso. Segundo Romanelli (2001), o
ensino deve ser democratizado, isto é, deve ser uma oportunidade colocada ao alcance de
todos, pois o desenvolvimento capitalista moderno se apóia em técnicas que, por mais
rudimentares que sejam, dependem, em grau crescente, do conhecimento da leitura, da escrita
e das operações elementares.
Dentre as considerações apresentadas no contexto educativo de Ituiutaba, a educação
da criança nos permitiu rever o processo da educação desde os fins do século
XIX
até meados
do século
XX
. Analisado seu desenvolvimento em relação aos segmentos econômicos, sociais
e políticos, observamos sua evolução e, portanto, verificarmos as diversas representações de
infâncias aqui buscadas. Vê-se que tais concepções, no entanto, não devem representar a
generalização do entendimento do modo como as crianças viveram suas infâncias no interior
das instituições. Sendo a própria infância uma construção social, precisamos estar atentos não
só às especificidades das vivências das crianças concretas de diferentes classes sociais, gênero
e outros, como também a heterogeneidade da infância, que, de acordo com determinados
aspectos e espaços temporais, produz diferentes infâncias.
Nessa perspectiva, se para Ariès (1981) o sentimento da especificidade da infância já
desponta desde o século
XVII
, no Brasil a tomada de consciência da especificidade da infância
se deu a partir do final do século
XIX
. Foi somente ao longo do século
XX
que ocorreram, de
forma mais acentuada, as sucessivas transformações nas representações de infância. Desse
modo, encontra-se nas leis que vigoram no país durante o final do século
XX
outro ponto de
apóio para se verificarem as diversas representações de infância, pois a criança que era
considerada, nas primeiras décadas do século
XIX
, como um ser submisso e dependente nas
relações familiares começa a alcançar o lugar de figura central na organização familiar.
114
Contudo, colabora-se assim para a reflexão sobre a definição dos papéis sociais de
criança e de adultos no processo educacional da infância contemporânea, pois ainda não se
sabe muito a respeito da criança concreta, fato este notório nos discursos até então produzidos
sobre a infância, que se fundamentam em conhecimentos que, via de regra, recaíam nos
aspectos relacionados com aprendizagem e métodos educativos na educação das crianças
pequenas, tendo como referência uma criança universal. Porém, o papel atribuído à infância e,
conseqüentemente, à criança na contemporaneidade delineia-se, de acordo com Pinto e
Sarmento (1997), em lugar de crise, preocupações, controvérsias, complexidades; mas
também em meio a um lugar de possibilidades de superação.
2.3 Educação infantil no âmbito da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de
Ituiutaba
Passaremos a delinear o quadro da educação infantil no contexto das políticas públicas
da educação infantil em Ituiutaba a partir de 1967. Os procedimentos metodológicos
utilizados neste estudo envolveram uma análise documental, mas detectamos a ausência de
documentos do poder municipal relacionado com o atendimento e a educação da criança de 0
a 6 anos de idade e de 7 a 14. O estudo dos documentos implicou a recomposição de dados
dispersos, priorizando-se aqueles localizados ao cuidado da criança nesse período, ou seja,
Departamento de Educação e Cultura de Ituiutaba,
24
jornais da época, escolas públicas,
entidades filantrópicas e assistenciais que atendiam as crianças.
Os documentos analisados dizem respeito a planos de trabalhos, relatórios de
atividades, notas em jornais, ofícios do Departamento de Educação e Cultura. Para tanto,
considerando o período compreendido entre o final da década de 1960 e o início e o final da
década de 1980, foram ainda analisados alguns termos de convênios da secretaria municipal e
projetos desenvolvidos pelo Ministério da Educação (
MEC
).
Recuperando a trajetória da educação infantil na rede pública municipal, observamos
uma nota do diário Jornal de Ituiutaba do dia 31 de janeiro de 1968, que ressalta com uma
manchete com o seguinte dizer: “Relatório Geral da parte de educação primária, da zona rural
referente ao ano de 1967. Funcionaram normalmente 38 escolas. Total geral de alunos
24
Esclarecemos que trabalharemos com esta nomenclatura Departamento de Educação e Cultura, utilizada nos
documentos no período de 1969 para se referir à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (
SMEC
), que
recebeu essa nova nomenclatura a partir de 1985.
115
matriculados 1919. Escolas que funcionaram em dois turnos 7 (sete). Número de alunos que
completaram o curso primário 136”. (
JORNAL MUNICÍPIO DE ITUIUTABA
, 31/1/1968
p. 5)
Em 1968, o Departamento de Educação e Cultura promoveu o curso “Especialização
das professoras rurais no Colégio Santa Teresa”. O estudo tinha como objetivo orientar as
professoras no sentido de padronizar o ensino no município, pois as salas de aulas da zona
rural eram realizadas simultaneamente: matérias para primeiro, segundo, terceiro e quarto
anos do curso primário, dada a impossibilidade de divisão de classes ou o estabelecimento de
horários diversos para as turmas diferentes. Foram ministradas às professoras no curso
matérias diversas, sendo Ensino Religioso (maneiras de se ensinar catequese), a cargo dos
vigários das paróquias de São José e Nossa Senhora da Abadia, respectivamente, padre
Oswaldo Tagliari e padre José Izidoro, e ainda do padre Paulo Fortunato, diretor do Colégio
São José; Didática, a cargo da professora Terezinha Samora; Educação Moral e Cívica, a
cargo do professor Manoel Agostinho e, ainda, Aula Artística, ministrada pela professora
Marilene Machado, do Conservatório Estadual de Música (
JORNAL MUNICÍPIO DE
ITUIUTABA
, 14/2/1968, p.1).
Em 1968, o Departamento de Educação e Cultura recebe reivindicações de moradores
da fazenda de Pilões do município de Ituiutaba, que retrata a falta de escola naquele local,
sendo que é elevado o número de crianças daquela localidade que não estão recebendo
instrução. A rede municipal contava, no ano de 1969, com 8.120 alunos, segundo o ofício
140/69 do Departamento de Educação e Cultura. Portanto, no ano de 1973, percebemos
através de análise do ofício 17/73 que o número de alunos matriculados de a série é de
12.236 alunos. Foi necessário fazer esse breve histórico da situação das escolas do município
para compreendermos melhor a situação educacional da criança durante os referidos anos.
Em 1981, o
MEC
lançou o Programa Nacional de Educação Pré-escolar para estimular
municípios e estados a expandir e aperfeiçoar suas ações. Em seu desenvolvimento, o
programa refletia as oscilações do campo teórico, às vezes enfatizando o caráter de educação
compensatória, às vezes assumindo o caráter preparatório para o ensino fundamental e a pré-
escola com características e finalidades educativas próprias. Expressava também as
orientações políticas daquele período, subdividindo-se em um segmento mais formalizado e
de cunho mais pedagógico, desenvolvido pelas Secretarias Estaduais de Educação, e outro
segmento de cunho mais assistencial, informal, conduzido pelo Mobral.
Em 1984, o Departamento de Educação e Cultura de Ituiutaba assinou convênio para
atendimento pré-escolar com o Mobral; o relatório sobre a gestão administrativa desse
período nos apresenta que o projeto funcionava em nove salas com atendimento prioritário a
116
crianças de 4 a 7 anos de idade. As salas funcionavam nas seguintes escolas municipais que
atendiam crianças de 4 a 14 anos de idade nesse momento: Escola Municipal Aída Andrade
Chaves, Escola Municipal Francisco de Lorena, Escola Municipal Manoel Alves Vilela,
Escola Municipal Tancredo de Paula Almeida, Centro Comunitário Hugo de Oliveira
Carvalho, Centro Integrado de Assistência ao Menor (
CIAME
), Centro Social Leão
XII
,
Centro Social Urbano (
CSU
), Creche Josefina de Magalhães, Creche Maria de Nazaré. Cada
sala contava, em média, com o número de 13 a 32 crianças. Os registros apresentam, portanto,
que diferentes escolas da rede municipal e centros conveniados atendiam crianças,
demonstrando que houve um crescimento significativo do número de crianças atendidas, que
chegou próximo a 80% da matrícula em classes pré-escolares. Tendo permanecido este
convênio até 1988, essa instituição foi substituída pela Fundação Educar.
No ano de 1985, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Ituiutaba (
SMEC
)
adotou outro projeto, denominado “Educação para todos”. Desenvolvido com programas
municipais e intermunicipais de ensino de grau, tinha como objetivo recuperar as
construções de rede física das escolas municipais, proporcionando maiores e melhores
condições de atendimento físico e pedagógico à população escolar da área periférica e rural
do município de Ituiutaba, por meio da construção de centros integrados na periferia da cidade
para atender alunos na faixa etária de 7 a 14 anos, que receberam assistência escolar,
alimentação, assistência médico-odontológica, recreação e iniciação profissional.
Detectamos, pelos documentos, que no final de 1985 a Secretaria Municipal de
Educação passou a ceder professores dos quadros das escolas públicas municipais para
regência de turmas de pré-escola que funcionavam em creches comunitárias, filantrópicas ou
religiosas ou noutros locais indicados pelas comunidades, pois até aquele momento a
prefeitura não tinha nenhuma creche municipal, mas organizava alguns encontros e
seminários para discutir a questão da educação infantil no município. Desse modo,
ressaltamos a discussão feita por Silva em sua pesquisa Identidade profissional e
escolarização de educadoras de creche comunitária 1999, que apresenta que o processo de
constituição da identidade deste profissional passou por várias modificações ao longo da
história: desde a influência do modelo assistencialista, sustentado pelo trabalho voluntário e a
não-exigência de formação para o profissional, até o reconhecimento de que o atendimento
em creches constitui-se em ação educativa e que as funções desempenhadas pelas
profissionais que atuam com crianças deveriam ser denominadas de modo a expressar esse
caráter educativo. Nessa perspectiva, Silva (1999) demonstra que, no final da década de
1970, a rede municipal de ensino de Belo Horizonte contava com apenas duas escolas
117
infantis, situadas na região nordeste. No período compreendido entre 1982 e 1991 foram
criadas oito escolas em todas as regiões, à exceção apenas das regiões leste e norte da cidade.
Nesse sentido, achamos interessante entrecruzar os dados de criação das escolas de
Belo Horizonte com a criação dos centros de atendimento e entidades que mantinham as
crianças em Ituiutaba. Como demonstra o quadro a seguir, até o final da década de 1980, a
rede municipal de ensino contava com as seguintes entidades
25
que mantinham as crianças.
QUADRO
6
Criação de entidades que atendiam criaas conveniadas com a rede municipal de Ituiutaba (1963–85)
NOME
ANO
Centro Social Leão
XIII
26
10/10/1963
Creche Josefina de Magalhães
27
6/2/1967
Lar da Criança
28
22/12/1968
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
APAE
29
13/9/1971
30
8/11/1979
Centro Social Urbano
31
16/9/1979
Creche Maria de Nazaré
I
32
20/2/1980
Creche Lar Espírita Pouso do Amanhecer
33
18/9/1981
Centro Social Hugo de Oliveira Carvalho 30/9/1984
Creche Maria de Nazaré
II
34
25/5/1985
Fonte:
ITUIUTABA
,
2007.
25
As entidades às quais nos referimos eram subsidiadas com recursos financeiros de órgãos federais, estaduais e
municipais, associações, voluntários da comunidade para o atendimento da criança.
26
De acordo com o regimento, o Centro Social Leão
XIII
foi fundado pelas irmãs do Colégio Santa Teresa. Com
ajuda dos padres do Colégio São José, realizaram trabalho neste centro desde sua fundação como projeto de
missão apostólica e se preocuparam com o desenvolvimento com dignidade da criança e do jovem.
27
De acordo com o regimento, a Creche Espírita Josefina de Magalhães foi fundada, em Ituiutaba, pelo professor
Paulo Santos (in memorian), então diretor do Educandário Ituiutabano. O terreno foi doado por Fernando
Krugger e Miguel Jacob, então presidente do Centro Espírita São João Batista.
28
De acordo com o regimento escolar, em 26 de outubro de 1953 é fundada a Sociedade Senhoras de Amparo à
Infância. Esse grupo de senhoras sentiu necessidade de construir uma casa onde pudessem abrigar as crianças
órfãs. Portanto, em 1968 é inaugurado o Lar da Criança, que abrigou crianças por três décadas. Porém, em
1991, a Sociedade Senhoras do Amparo à Infância foi extinta, ficando como sucessor o Lar Espírita Maria José
Fratari.
29
Escola de Educação Especial Particular
APAE
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Ituiutaba,
entidade mantenedora Bem-me-quer de 1ª a 4ª série.
30
Foi criada em 13/9/1971 e autorizada a funcionar através da resolução 386, de 8/11/1979.
31
O Centro Social Urbano, situado na avenida 39, bairro Setor Sul – Ituiutaba (
MG
), foi construído pelo governo
estadual no terreno pertencente ao município de Ituiutaba. O prédio foi inaugurado para atender a comunidade
local e crianças de 4 a 5 anos de idade.
32
De acordo com o regimento, a Creche Maria de Nazaré da Sociedade São Vicente de Paula. Padre Geraldo
Eloy reuniu um grupo de católicos, entres alguns vicentinos, para criar em Ituiutaba uma instituição para
proteger e cuidar das crianças enquanto suas mães trabalham; o desafio foi aceito. A sociedade São Vicente de
Paula doa o terreno, no bairro Pedreira, e uma comissão pró-construção ali mesmo é formada. A presidente da
comissão é Maria Luiza Barros de Paula. A partir de então, a creche recebe um nome, um hino e uma protetora:
“Maria de Nazaré”.
33
Atendimento a crianças a partir do mês de vida até 6 anos de idade, compreendendo guarda, higiene,
alimentação, estimulação psicopedagógica e desenvolvimento físico, sensório-motor, intelectual e afetivo.
34
De acordo com o Regimento, as Senhoras Aldeiz Ribeiro e Souza (presidente) e Maria Helena Catanant foram
a Belo Horizonte a serviço da Creche Maria de Nazaré
I
e voltam imbuídas de um ideal de construir a unidade
II
da Creche Maria de Nazaré. O projeto foi lançado. A carência maior era no sudeste da cidade, ou seja, no bairro
do Rosário. Um novo trabalho surge. “As madrinhas” são a denominação das senhoras que participam de todas
as ações da creche.
118
A criação das primeiras creches comunitárias na cidade de Ituiutaba ocorreu em um
período em que os movimentos sociais urbanos se organizavam em torno de lutas
reivindicatórias perante o poder público, em busca de melhor infra-estrutura para os locais de
moradia e acesso aos serviços e equipamentos coletivos como escolas, postos de saúde,
transporte, dentre outros.
As creches privadas sem fins lucrativos podem ser de natureza comunitária,
confessional ou filantrópica, sendo caracterizadas, respectivamente, pela presença de
representantes da comunidade em sua administração, por atenderem a uma orientação
religiosa ou por ensejarem uma ação de cunho caritativo. Esta caracterização, entretanto, não
é estanque, sendo que uma mesma instituição pode assumir mais de uma dessas
características. Estas instituições podem ser mantidas com recursos provenientes de
organizações não governamentais desde que “comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem
seus excedentes financeiros em educação” (
BRASIL
,
1988).
Segundo decreto 1.043, de 9/3/72, divulgado no jornal Cidade de Ituiutaba, que
regulamenta a implantação e o funcionamento de centros comunitários, traz a seguinte
manchete: “A lei n. 1.413, de 28 de abril de 1971. Seção
IV
, do Setor da Educação”:
Art. Sob os auspícios do Departamento de Educação e Cultura da
Prefeitura Municipal serão mantidos cursos de preparação pré-
primária e formação profissional nos centros comunitários.
§ O curso pré-primário destina-se a crianças da faixa etária de 5
(cinco) a 6 (seis) anos, devendo o Departamento de Bem-estar Social
determinar o levantamento da população infantil do bairro em
condições de freqüentá-lo. [...] § 18 Será implantada nos centros
comunitários uma escola primária, que será dirigida pelo
Departamento de Educação e Cultura, cujo currículo e estrutura geral
corresponder-se-ão aos das escolas primárias municipais. (JORNAL
CIDADE DE ITUIUTABA
,
23/11/1972, p.2).
Constatamos, portanto, no período de 1970, no início e no final dos anos de 1980, a
ampliação de um amplo movimento social de mães trabalhadoras em Ituiutaba na busca de
um espaço não só de guarda, mas também educativo para seus filhos, justificado pela ausência
de uma rede pública de atendimento à criança pequena na cidade. Começaram, então, a serem
criadas as creches comunitárias e algumas escolas infantis da rede particular, pois o município
contava com poucas escolas da rede privada que atendiam crianças, sendo estas ampliadas a
partir de 1977.
Nesse mesmo sentido é relevante referir-se à história da constituição da rede de
creches no município de Belo Horizonte, enfatizado por Veiga, que realizou uma pesquisa
119
intitulada O Movimento de Luta Pró-creches e a política de educação infantil em Belo
Horizonte 2001, que constata posições divergentes entre grupos ligados à igreja e grupos
feministas. Em seu estudo, a construção da luta por creches também sofreu influências
diversas, estando sujeita a interesses dos vários grupos envolvidos com a questão, como os
movimentos feministas, o movimento pela anistia e, posteriormente, as instituições que
prestaram assessoria ao Movimento de Luta Pró-creches (
MLPC
) e ao poder público no início
da organização da luta por creches. Na construção da política de educação infantil em Belo
Horizonte e em Ituiutaba, conciliar interesses e ideologias diversas em torno de uma proposta
não é algo tão simples e, muitas vezes, gera conflitos e embates que exigem negociações,
como ocorreu em Belo Horizonte com duas instituições de assessoria a movimentos: a
Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo Englert (
AMEPPE
) e a
Associação de Apoio a Creches Comunitárias Casa da Vovó (
AACC
), mais voltada para
reivindicar e direcionar questões políticas, administrativas e financeiras do Movimento de
Luta Pró-creches, enquanto a Associação Movimento de Educação Popular Integral Paulo
Englert dirigia sua atuação a questões pedagógicas para a formação dos profissionais das
creches. Já em Ituiutaba os interesses antagônicos nem sempre foram conciliados, pois
comportavam diferentes ideologias e objetivos por diferentes segmentos; pois o atendimento a
criança, gerado muitas vezes em torno de um discurso influenciado por diferentes atores,
igrejas, instituições, movimento de mães e pela própria Secretaria Municipal de Educação e
Cultura, influenciando a formulação e o encaminhamento das reivindicações ao poder
público. Mas ficamos com algumas indagações de como o poder público respondia a essas
reivindicações: até que ponto elas foram consideradas pelo poder público ao formular suas
ações e propostas políticas dirigidas à criança pequena em creches e em centros comunitários?
Por insuficiência de dados locais, não conseguimos interpretar tal situação.
Nessa direção, nos apoiamos na contribuição dos estudos da pesquisa de Filgueiras
Práticas educativas no movimento popular 1986 , que afirma que as instituições públicas
municipais, também, contribuíram de alguma forma para incitar à criação de creches
comunitárias ao concederem subvenções para tais entidades. O contato com os órgãos
públicos em Belo Horizonte veio a estabelecer convênio com as creches comunitárias a
partir de 1983; a montagem e a manutenção das mesmas eram asseguradas por meio de
promoções como festas, rifas, bingos, barraquinhas, além do trabalho voluntário das
educadoras.
No que se refere às entidades que apóiam as crianças no município de Ituiutaba, as
mesmas, para se manterem, além de recursos advindos dos poderes públicos federal, estadual
120
e municipal, se apoiavam em recursos similares aos das entidades de Belo Horizonte:
realizavam festas para se manterem e contavam com as chamadas “madrinhas” para dirigirem
e apoiarem as entidades. Desse modo, consideramos significativo apresentar o número de
alunos matriculados na rede pública municipal, pois poderemos entender melhor como era a
situação da criança no contexto local segundo dados dos quadros 7, 8 e 9.
QUADRO
7
População escolarizável atendida pela rede municipal de ensino
ANO
POPULAÇÃO DE
7
A
14
ANOS
EXISTENTE NO MUNICÍPIO
POPULAÇÃO DE
7
A
14
ANOS MATRICULADA
NAS ESCOLAS NO MUNICÍPIO
Zona urbana Zona rural Total Zona urbana Zona rural Total
1981 19.711 19.711 2.390 2.390
1982 16.100 4.055 20.155 1.571 911 2.482
1983 16.845 4.122 20.967 1.556 976 2.532
1984 16.243 5.114 21.357 1.472 968 2.440
1985 17.211 6.521 23.732 1.579 1.002 2.581
Fonte:
ITUIUTABA
,
1985.
35
O Quadro 7 permite que analisemos os dados apresentados e esclareçamos alguns
pontos referentes à situação educacional do município. Podemos verificar que, em 1981
(
QUADRO
3
referente à criação das escolas estaduais em Ituiutaba), havia 16 escolas
estaduais, cabendo o restante dos alunos; se 2.390 estavam na rede municipal e 5 mil fora da
escola, a grande quantidade de escolas estaduais e particulares absorvia os 12.321 alunos
restantes. Somente no Grupo Escolar João Pinheiro, em 1981, estavam matriculados 1.199
alunos, de pré a série. Não dados referentes à zona rural desse período na Secretaria
Municipal de Educação de Ituiutaba, o que dificulta uma análise mais detalhada. Podemos
perceber que de 1982 a 1985, a situação se repete como no ano de 1981, porém detectamos
que a população de crianças em idade escolar aumenta em 1986, 1987 e 1988 em mais de
100% conforme o Quadro 7, verificado nos anos posteriores. Portanto, se fizermos uma
verificação em relação às escolas de Ituiutaba no período, podemos perceber que estas não
comportariam a quantidade de alunos mesmo com a abertura de algumas escolas particulares
na década de 1980. Constatamos, assim, que os números referentes aos anos 1986, 1987 e
1988 existem, porém não balizam uma análise científica em razão de estarem
superestimados. Essa inconsistência pode ser observada quando se identifica um total de
45.614 matriculados nas escolas da rede municipal, ocasião em que Ituiutaba tinha em torno
35
Análise de documentos encontrados no período de 1980; a nomenclatura era de 32ª Delegacia Regional de
Ensino, hoje denominada Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba (
MG
).
121
de 75.819 mil habitantes. O número de crianças, principalmente em 1988, está inconsistente,
apesar de os dados serem oficiais. Esse fato nós impossibilita de realizarmos uma análise mais
detalhada desse período.
Os quadros 8 e 9 contêm o número de alunos matriculados no município de a
série, o que demonstra que não houve um acréscimo de matrículas relativas ao aumento da
população de crianças matriculadas de 1981 a 1988, comprovando que parte dos alunos
estava no estado, nos centros conveniados já apresentados, na rede particular e fora da escola.
De acordo com o documento da Secretaria Municipal de Educação Informações
gerais sobre o município” (p. 9) e o Censo do
IBGE
de 1980, o município contava com 5
mil crianças na faixa etária entre 7 e 14 anos fora da escola. Diante de tal registro, achamos
conveniente entrecruzar essa informação com a pesquisa de Borges (2001) para que
possamos relacionar esse contexto com a situação da criança nos centros de apoio e em
creches do município e, através dessa análise, entender melhor como era a situação da criança
no interior do Grupo Escolar João Pinheiro, objeto de estudo desta dissertação.
QUADRO
8
Matrícula total inicial na rede municipal de ensino — 1º grau, zona urbana
ANO
MATR ÍCULA INICIAL POR SÉRIE
1ª série 2ª série 3ª série 4ª série
1981 796 374 319 262
1982 774 445 312 314
1983 797 485 391 268
1984 852 461 360 293
1985 453 227 203 153
1986 346 277 253 223
1987 343 276 268 252
1988 397 291 249 320
Fonte:
ITUIUTABA
,
1985.
QUADRO
9
Matrícula total inicial na rede municipal de ensino — 1º grau, zona rural
ANO
MATR ÍCULA TOTAL POR SÉRIE
1ª série 2ª série 3ª série série
1982 369 211 138 156
1983 358 238 199 132
1984 410 229 164 148
1985 388 257 165 123
1986 341 234 202 111
1987 265 208 175 101
1988 304 215 169 139
Fonte:
ITUIUTABA
,
1985.
122
Porém, essa mesma criança que freqüentava tais instituições, também, muitas vezes
não tinha preservado seu direito de infância em situações diferenciadas no interior da escola e
dos centros comunitários que atendiam esses pequenos. Nessa perspectiva, se faz interessante
a interpretação da pesquisa de Borges, Retratos do brincar nas décadas de 50 a 70, na região
do Pontal do Triângulo Mineiro, 2001. O atendimento que se destina à escola, à saúde, à
alimentação e ao lazer é paliativo e insuficiente; os desníveis sociais são trágicos: resultantes
do modelo econômico capitalista em franca expansão, roubam da criança o direito de
infância; ela perde a possibilidade do lúdico espontâneo, da criação, da experimentação,
ganhando em troca espaços alternativos como parques, escolas e praças, em substituição a
tudo que lhe foi tomado pelo “progresso desenvolvimentista”. Como se não bastasse, sobra
ainda o problema da criança marginalizada pela sua condição social: o carente, o “menor
abandonado”, o menino de rua a esses é negada a própria existência. Esses aspectos são
recorrentes nos trabalhos desenvolvidos com menores abandonados de Ituiutaba; por
exemplo, o Centro Social Leão
XIII
, entidade mantenedora do Centro Integrado de
Atendimento ao Menor (
CIAME
), através do convênio entre
FUNABEM
e Prefeitura Municipal
de Ituiutaba, atendia crianças menores na faixa etária de 5 a 18 anos. Segundo o ofício
16/1986 da Secretaria Municipal de Educação, no ano de 1986, foram atendidas
aproximadamente 600 crianças nos bairros Natal e Novo Horizonte e se desenvolveram nesse
período atividades recreativas, educacionais e profissionalizantes.
Interessante também foram as considerações de Cavalcanti em sua pesquisa Da notícia
ao fato: informações, discursos e mentalidades sobre a infância pobre no Brasil — 2001, que
nos apresenta fatos referentes à situação do menor nos anos de 1980. Os “menores”
começaram a se organizar na sociedade civil brasileira, o que se tornou fato inédito em nossa
história. O agravamento do contexto econômico de crise, as péssimas condições de tratamento
nas unidades da
FEBEM
, o aumento do número de crianças e adolescentes vivendo nas ruas
das grandes cidades e a decadência do sistema educacional oficial do país são fatores que
levaram ao surgimento do movimento, que veio a ter dimensão nacional. A essa situação o
Estado brasileiro respondeu promulgando o Estatuto da Criança e do Adolescente (
ECA
), em
1990, e efetivando os conselhos tutelares municipais a partir de 1991.
Prosseguindo, esse autor nos apresenta que foi, portanto, na década de 1980, que
começaram a aparecer projetos alternativos de atendimento à infância de rua. O Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua foi criado em 1985, a partir de uma rede
organizacional composta por pessoas e instituições engajadas em programas alternativos de
atendimento a meninos e meninas de rua. Ele é considerado o primeiro interlocutor de âmbito
123
nacional sobre a problemática. Em 1986, o Movimento realizou o I Encontro Nacional de
Meninos e Meninas de Rua (
MNMMR
),
do qual resultou o projeto “Meninos e meninas de rua
em contexto de violência: sua proteção e defesa”, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas
para a Infância (
UNICEF
). Os projetos alternativos tinham como objetivo básico estudar o
fenômeno meninos e meninas de rua e propor políticas básicas para o mesmo. Durante a
Assembléia Constituinte, o movimento atuou intensamente, sempre denunciando os maus-
tratos aos quais estavam sendo submetidos as crianças e os adolescentes de rua do país.
Nesse sentido, referente a aspectos sociais da criança carente dentro das entidades
conveniadas, a pesquisa de Veiga (2001) demonstra apropriada tal discussão, pois apresenta,
em trechos de seu trabalho, como que, após a promulgação da Constituição de 1988, o
argumento voltou-se para a creche enquanto direito da criança e da família da trabalhadora.
Pois se inaugura uma nova forma de desenvolver a argumentação em torno da reivindicação,
reclamada como um direito, e não mais como um favor. Nesse sentido, também podemos
visualizar momentos dessa discussão no trabalho de Silva (2000), quando apresenta as
políticas públicas do município de Belo Horizonte.
A nosso ver, faz-se necessário entrecruzar essas informações com a Constituição de
1988, cujo art. 227 define de forma mais abrangente os direitos da infância.
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, [...] à
dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ainda buscando demonstrar a situação da criança em Ituiutaba e, mais
especificamente, a criança do Grupo Escolar João Pinheiro, recorremos à análise da
pesquisadora Borges (2001). No momento em que mesma apresenta a criança em sua
pesquisa, demonstra que brinquedo e criança o se separam, vendo um se pensa no outro,
caminham juntos desde o momento em que se tem consciência da criança como um ser
brincante. Foi, portanto, nesse contexto que as crianças do Grupo Escolar João Pinheiro, em
alguns momentos, se viam no interior da escola, como nos é apresentado pela aluna daquele
grupo:
O recreio, como em toda escola, era a parte mais esperada pelos
alunos, era a parte boa, momento de muita farra e brincadeira. A
escola era grande, tinha uma quantidade grande de aluno, então um
recreio era divertido. Os meninos podiam jogar futebol na quadra,
espaço este destinado aos meninos; as meninas brincavam nos
124
corredores, de boneca, de pique, de bandeirinha, de peteca, de
carrinho tínhamos toda a liberdade para brincarmos de tudo que
desejássemos. O aluno aproveitava bastante o recreio, pois quando
entrava para sala, tinha que estudar para valer, sem nenhuma
brincadeira. Muitos alunos deixavam de lanchar para brincar. Apesar
de não ter nenhuma atividade dirigida, era bastante movimentado,
bola, brinquedo, pique, era maravilhoso aquele momento.
(
VALENTINI
,
2007, s. p.).
Neste contexto da educação infantil do Grupo Escolar João Pinheiro, percebemos que
eram poucos os momentos destinados às brincadeiras livres; somente a hora do recreio e
muito esporadicamente por alguns professores. A preocupação recaía mesmo sobre a
alfabetização, nas salas de pré a quarta rie. Portanto a necessidade de se considerar o tempo
de criança neste contexto da educação durante o momento vivido intensamente por elas. Não
havia necessidade da intervenção do mais velho, estava tudo ali, ao alcance dos olhos e da
imaginação.
Nessa perspectiva, a escola também deveria seguir determinações da Secretaria de
Estado da Educação, conforme a legislação se preocupava com a questão lúdica para o
desenvolvimento das crianças. Segundo uma nota no jornal, a diretoria de assistência ao
educando da Superintendência Educacional orienta as escolas em relação ao planejamento
curricular na educação pré-escolar. A resolução 2.758/78
[...] Lembra aos Diretores, Supervisores e Professores de turmas pré-
escolares da rede estadual, municipal, e particulares, que o
planejamento curricular de educação pré-escolar deve contar as
atividades que visem especificamente ao desenvolvimento da
afetividade, motricidade, linguagem, iniciação à matemática e
capacidade criativa das crianças, dando ênfase aos aspectos de
socialização, saúde e alimentação. Salienta ainda que a alfabetização
não é objetivo da educação pré-escolar, não devendo, portanto, ser
incluída no planejamento curricular. Conforme o art. 65 da mesma
Resolução foram especificadas, com base em estudos científicos e que
somente deste modo é possível planejar atividades próprias às idades
correspondentes, garantindo às crianças pré-escolares um
desenvolvimento global e harmônico. (
CIDADE DE ITUIUTABA
,
1981, p. 1)
.
Diante de tal anúncio, percebemos que as escolas recebiam esclarecimentos da
instância estadual e municipal e que a resolução 2.758/78, em seu art. 36, orienta que, no
ensino de grau, dar-se-ão atividades e estudos planejados de modo a promover integração
entre escola e comunidade, proporcionando ao aluno experiências predominantemente
cooperativas que promovam o seu desenvolvimento individual e social.
125
Daí a busca em defesa dos direitos da criança na contemporaneidade e de uma prática
pedagógica que caminhe na direção da participação da criança como sujeito de seu processo
educativo, que consiste na construção de uma educação para a infância a partir da relação
entre os sujeitos desse processo que tomem como base as especificidades das crianças, seus
direitos, ainda que se tenha consciência do caráter disciplinador e de enquadramento do
direito na forma da lei, não o controle ou o disciplinamento delas, e que consiga promover a
autonomia dessas práticas pedagógicas no processo educativo da escola de ensino
fundamental. Nesse sentido, o Grupo Escolar João Pinheiro assumiu papel relevante para essa
discussão. Suas diretrizes e seus procedimentos pedagógicos serão analisados com maior
centralidade no próximo capítulo no contexto panorâmico histórico-educacional do Grupo
Escolar João Pinheiro.
126
127
Capítulo 3
PANORAMA HISTÓRICO
-
EDUCACIONAL DO GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
Neste capítulo, analisaremos, de maneira mais pormenorizada, o Grupo Escolar João
Pinheiro, desde sua constituição ao ano de 1988. Ganha centralidade em nossas análises o
período militar, em razão de que nesse momento é implantada a educação infantil no
município. Para desenvolvermos nosso estudo, recorreremos a dez depoimentos,
36
conforme
sinalizamos na introdução. Procuraremos apreender o sentido atribuído à educação infantil
durante o período militar, entendendo que ele, de certa forma, se esgotou mediante a
promulgação da Constituição em 1988, quando se redefine o novo marco legal constitucional
brasileiro.
36
CARDOSO
,
Adelina Martins de Andrade: nasceu no dia 13/12/1909, na cidade de Ituiutaba (
MG
); estudou no
Colégio Nossa Senhora Dicion Campanha (
MG
), nesse mesmo colégio recebeu o título de Normalista 2º Grau;
foi professora efetiva do Grupo Escolar João Pinheiro durante 15, nos demais atuou como auxiliar de diretora.
CARVALHO
, América C.:
nasceu no dia 21/1/1920, na cidade de Ituiutaba; foi professora efetiva do Grupo
Escolar Mascarenhas e do Grupo Escolar João Pinheiro, atualmente está aposentada.
CRISTALDO
, Lana M.:
nasceu no dia 21/10/1958, na cidade de Ituiutaba; graduada em Educação Física pela Universidade Federal de
Uberlândia (
MG
), fez pedagogia Universidade Estadual de Minas Gerais (
UEMG
), Supervisão e Pós-graduação
pela Universidade de Franca (
UNIFRAN
), atualmente atua como professora de Educação Física na Escola
Municipal Machado de Assis, Escola Estadual Professor Álvaro Brandão de Andrade, Colégio Nacional e é
professora regente Fase
IV
Ciclo Complementar na Escola Estadual Clovis Salgado.
DIAS
, Marli M.: nasceu
dia 1º/3/1961, na cidade de Ituiutaba; graduada em pedagogia, é professora do ensino fundamental na Escola
Estadual João Pinheiro.
LATERZA
, Neiva M. L. O.: nasceu no dia 10/4/1932, na cidade de Ituiutaba (
MG
);
estudou no colégio particular São Jo, depois foi estudar em outro cogio, o Santa Martelina, em São
Paulo, onde fez o curso Normal; atuou durante uma época como professora no Grupo Escolar João
Pinheiro e teve seu ingresso através do concurso realizado naquele período; é concursada, obtendo o oitavo
lugar na classificação pelo estado de Minas Gerais; anos depois, atuou como diretora nesta instituição, durante
17 anos; é professora aposentada, mas continua a exercer a docência como professora de catequese e ministra da
Eucaristia e presidente do Apostolado na Igreja Nossa Senhora D’Abadia em Ituiutaba. Mariza M. R.: nasceu no
dia 30/11/1939, na cidade de Araguari (
MG
);
graduada em Pedagogia, exerceu a docência, primeiro na Escola
Estadual Clovis salgado, depois no Grupo Escolar João Pinheiro; concursada, obteve boa classificação no
concurso do Estado de Minas Gerais; atualmente encontra-se aposentada.
PAIVA
, Hélio B.: nasceu no dia
7/10/1916, na cidade São Sebastião do Paraíso (
MG
); estudou no Ginásio Marista Coração de Jesus, Varginha
(
MG
), finalizado em 1935; graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (
UFMG
), em
1942,
é advogado e memorialista da cidade de Ituiutaba, onde exerce a profissão por 44 anos sem interrupção.
PARANAYBA
, Maria H.: nasceu no dia 15/2/1945, na cidade de Ituiutaba; é professora, tendo somente o curso
Normal; concursada pelo Estado de Minas Gerais desde 1962, iniciou e terminou suas atividades no Grupo
Escolar João Pinheiro; hoje é aposentada.
VALENTINI
, Salma S. A.: nasceu no dia 11/12/1963, na cidade de
Ituiutaba; graduada em Pedagogia, Técnica Instrumental de Piano e Artes Plásticas, atuou como professora de
Piano e Musicalização no Conservatório Estadual de Música Dr. José Zoocoli de Andrade de Ituiutaba, durante
12 anos.
VASCONCELOS
, Terezinha G.: nasceu no dia 8/8/1926, na cidade de Ituiutaba; estudou no Colégio
Aurora Pratense, no Prata (
MG
); se fez normalista pelo Curso de Aplicação do 2º Grau no Colégio Nossa
Senhora das Dores, em Uberaba (
MG
); iniciou sua carreira como professora em 1946, atuou como professora no
Colégio São José; concursada pelo Estado de Minas Gerais, trabalhou primeiramente como professora na Escola
Estadual Bias Fortes, anos depois foi transferida para o Grupo Escolar João Pinheiro, neste atuou como
professora até aposentar.
128
Contudo, o período de 1964 a 1974 caracterizou-se não somente como uma época de
consolidação e apogeu do autoritarismo, mas também de realização de reformas institucionais,
inclusive no que se refere ao campo da educação. Segundo Germano (2000), por política
educacional entendemos o conjunto de medidas tomadas ou formuladas pelo Estado e tudo
que se refere ou diz respeito ao aparelho de ensino escolar ou não, conseqüentemente à
escolarização mediante aspectos constantes na democracia e na liberdade, quando estas
eram duramente golpeadas pelo Estado militar, que necessitava de bases e legitimação da
adesão de parte dos intelectuais, das camadas médias e das massas populares para
proclamação em favor da erradicação da pobreza social; quando, de fato, as suas políticas
desejavam era manter ou elevar os índices de pobreza relativa, mesmo no contexto de
crescimento da economia em momentos diferenciados.
Diante da intensificação de exploração dos interesses do capital prevalecem sobre o
trabalho o discurso em favor da erradicação do analfabetismo, a valorização e a expansão da
educação escolar com as reformas ousadas propostas com essa finalidade, quando se
mantinham a repressão política, a diminuição de recurso da União, além dos poucos recursos
públicos destinados à educação.
Diante dessa situação a política educacional —, o Estado cumpriu a sua função em
relação ao capital, mas até que ponto o regime cumpriu as funções atribuídas ao Estado
capitalista em relação à escolarização e qualificação para o trabalho, tentando compreender,
do ponto de vista político e ideológico, o conjunto de aparelhos e hegemonia constituído pelas
escolas e universidades? Nesse sentido, podemos observar, pelos acontecimentos dos fatos,
que, portanto, se tinha um discurso de valorização da educação escolar, mas as dificuldades de
ordem material encontradas pelo Estado e a escassez de recursos à educação pública são
empregadas a setores vinculados à acumulação de capital, que direcionam para privatização
do ensino, sendo demonstrado por um interesse do Estado pela educação apesar de limites de
ordem estrutural e material. Pois se tem um controle político e ideológico, através do interesse
apresentado pelo Estado, através da repressão a professores e alunos que eram considerados
indesejáveis ao sistema. A repressão foi a primeira medida tomada pelo governo imposto pelo
golpe de 1964: repressão a tudo e a todos considerados suspeitos de práticas ou mesmo de
idéias subversivas. Cunha e Góes (2002) apresentam que a mera acusação de uma pessoa a
um programa educativo ou a um livro tivesse inspiração “comunista” era suficiente para
demissão ou apreensão.
Portanto, foi através do controle político e ideológico do ensino, visando à eliminação
do exercício da crítica social e política, que se pretendia obter a adesão de seguimentos sociais
129
cada vez mais extensos para o projeto de dominação. Tendo o Estado, na área da educação,
uma atuação coerente com a ideologia de segurança nacional, revestindo-se de um
anticomunismo exagerado.
Nesse sentido, a política educacional teve seu desenvolvimento em torno de eixos do
controle social e ideológico da educação em todos os níveis, porém o Estado militar e
ditatorial não conseguiu exercer o controle total e completo da educação. Conforme Germano:
A política educacional se desenvolveu em torno dos seguintes eixos: 1)
Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis. Tal
controle político, no entanto, não ocorre de forma linear, porém, é
estabelecido conforme a correlação de forças existentes nas diferentes
conjunturas históricas da época. Em decorrência, o Estado Militar e ditatorial
não consegue exercer o controle total e completo da educação. A perda de
controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que as forças
oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação política. Daí os
elementos de “restauração” e de “renovação” contidos nas reformas
educacionais; a passagem da centralização das decisões e do planejamento,
com base no saber da tecnocracia, aos apelos “participacionistas” das classes
subalternas. 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a
“teoria do capital humano”, entre educação e produção capitalista e que
aparece de forma mais evidente na reforma do ensino de grau, através da
pretensa profissionalização. 3) Incentivo à pesquisa vinculada à cumulação
de capital. 4) Descomprometimento com o financiamento da educação
pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da
educação escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e
privatização do ensino, transformando em negócio rendoso e subsidiado pelo
Estado. Dessa forma, o Regime incentiva a participação do setor privado na
expansão do sistema educacional e desqualifica a escola pública de e
graus, sobretudo. (2000, p. 105–6).
Diante de tais acontecimentos da política educacional que, conseqüentemente, resulta
da correlação de forças socialmente existentes em determinado contexto da história do Brasil
pós-64, foi um momento de dominação burguesa demonstrado pela ação política dos militares
contida nas reformas educacionais no contexto brasileiro. Segundo Romanelli:
Se o significado da educação como fator de desenvolvimento foi percebido
desde o início da implantação do novo regime, isso não foi demonstrado,
pelo menos, em toda sua plenitude, senão a começar de 1968. Como esse
ano assinala também o início de mudanças mais profundas na vida da
sociedade e da economia — já que foi a época em que a expansão foi
retomada de forma mais acelerada pode-se perceber que o sistema
educacional foi marcado por dois momentos nitidamente definidos em sua
evolução, a partir de 1964. O primeiro corresponde àquele em que se
implantou o regime e se traçou a política da recuperação econômica. Ao lado
da contenção e da repressão, que bem caracterizaram essa fase, constatou-se
uma aceleração do ritmo de crescimento da demanda social de educação, o
que provocou, conseqüentemente, um agravamento da crise do sistema
educacional, crise que já vinha de longe. (2001, p. 196).
130
Novos mecanismos foram desencadeados: a repressão se abateu sobre os intelectuais
comprometidos com as reformas, e o Estado foi buscar meios de criar novos quadros, a
aliança com agência
USAID
(United States Agency for International Development). Os
acordos
MEC
USAID
cobriram todo espectro da educação nacional, isto é, o ensino primário,
médio e superior, articulação entre os diversos níveis, o treinamento de professores e a
produção e veiculação de livros didáticos. Nessa perspectiva, detectamos que os convênios
realizados entre os órgãos se fizeram necessários para adequar o sistema ao modelo
econômico brasileiro. Uma série de convênios foi realizada para que fossem resolvidos os
problemas direcionados à educação.
Nessa perspectiva, esclarece Romanelli:
O segundo momento começou com as medidas práticas, a curto prazo,
tomadas pelo Governo, para enfrentar a crise, momento que se consubstanciou
depois no delineamento de uma política de educação que já não via apenas na
urgência de se resolverem problemas imediatos, ditados pela crise, o motivo
único para reformar o sistema educacional. Mais do que isso, o regime
percebeu, daí para frente, entre outros motivos, por influência da assistência
técnica dada pela
USAID
, a necessidade de se adotarem, em definitivo, as
medidas para adequar o sistema educacional ao modelo do desenvolvimento
econômico que então se intensificava no Brasil. (2001, p. 196).
Nesse sentido, merecem destaque a primeira fase de expansão da demanda social da
educação e suas bases sociais e econômicas, com expansão do ensino e a criação de alguns
mecanismos para aumentar recursos dessa expansão, exemplos de instituição do salário
educação. Contudo, o governo passa a exercer o papel de acumulador de capital para que se
realize a expansão econômica, conseqüentemente essa fase vai caracterizar-se por um
aumento do ensino que, embora grande, teve de ser controlado dentro de alguns limites para
não comprometer a política adotada. Portanto, percebemos que foi diante dessa situação que,
apesar de ter aumentado, ficou aquém da demanda. Essa defasagem teve seu ponto alto no
acúmulo insustentável dos “excedentes”, pois, segundo Romanelli (2001), candidatos ao
ensino superior, embora aprovados em exames vestibulares, não logravam classificação para
vagas oferecidas naquele nível.
Esse período foi marcado, também, por medidas legais que, conseqüentemente,
transformaram o ensino superior. Essas medidas, no entanto, não trouxeram soluções na
prática para o problema dos excedentes. Nesse sentido, com o momento em que se configurou
a crise, o governo se dispôs como é ressaltado por Romanelli (2001) a tomar medidas
que visavam à sua solução a curto e longo prazo. Esse período de transição caracterizou-se
131
pela constituição de comissões para estudar os problemas relativos à crise e apresentar
soluções. Conforme as observações de Skidmore:
Virtualmente todos concordavam com a necessidade de uma reforma universitária,
inclusive uma reformulão do sistema de admissão. Mas tamm havia profundas
divergências sobre o que exatamente deveria ser modificado. O governo
Castelo Branco propusera reformas ambiciosas (para todos os níveis de
ensino) a serem planejadas e executadas pelo Ministério da Educação (
MEC
)
em conjunto com a
USAID
(daí o rótulo
MEC
USAID
). O programa foi
imediatamente atacado pelos nacionalistas, especialmente os estudantes, que
o denunciaram como “infiltração imperialista na educação brasileira”.
(2004, p. 154).
Foi nesse contexto que foram assinados todos os convênios através dos quais o
Ministério da Educação (
MEC
) entregou a reorganização do sistema educacional brasileiro aos
técnicos oferecidos pela
USAID
.
Segundo Romanelli (2001), os convênios conhecidos
pelo nome de
ACORDOS MEC
-
USAID
” — tiveram efeito de situar o problema educacional na
estrutura geral de denominação reorientada desde 1964 e dar um sentido objetivo e prático a
essa estrutura. Lançaram, portanto, as principais bases das reformas que se seguiram e
serviram de fundamento.
Prossegue Skidmore:
Não era de satisfação o sentimento do governo Costa e Silva em relação a
alguns projetos conjuntos
MEC
-
USAID
, especialmente na era do ensino
superior, cuja vigência expiraria no final de julho de 1968. Em dezembro de
1967 o presidente nomeara o general Meira Mattos para presidir uma
comissão encarregada de investigar o sistema universitário e fazer
recomendações. Seu relatório, embora confidencial, recomendava, ao que se
sabia, reformas institucionais juntamente com severas medidas para impedir
o ressurgimento do estilo de política estudantil anterior a 1964. (2004, p.
154–55).
Nessa perspectiva, além do relatório Meira Mattos, que passaria a exercer influência
educacional adotada, na época também surgiu outro documento elaborado pelo chamado
grupo de trabalho da reforma universitária. Por outro lado, Skidmore observa também:
Mas as manifestações estudantis não pararam, e por causa delas em fins de
junho tanto a Universidade federal quanto o sistema escolar do Rio de
Janeiro foram fechados. Dias depois um grupo de pelo menos 100 mil
manifestantes protestaram contra a violência policial, na maior manifestação
política desde 1964. Para desarmar os espíritos, o governo autoriza a
manifestação, que, no entanto, pareceu aos militares ter sido uma fraqueza.
Aprendida a lição, o ministro da Justiça Gama e Silva, no início de julho,
proibiu a realização de quaisquer novas marchas de protesto no Brasil. O
Conselho de Segurança Nacional, fortemente influenciado pelos militares de
132
linha dura, apoiou a proibição, que Costa e Silva imediatamente reiterou. Em
julho, havendo expirado o projeto de ensino superior do
MEC
-
USAID
, o
presidente anunciou seus próprios preparativos para a reforma universitária
que, em sua opinião, era muito necessária, apesar da recente politização do
assunto. Para preparar o plano ele nomeou um grupo de trabalho de 12
membros, que deveria tomar como ponto de partida o relatório Meira
Mattos. Os doze incluíam dois estudantes, que foram nomeados mas se
recusaram a participar. (2004, p. 155).
Resultado dessas comissões de estudo foram as medidas práticas imediatamente
tomadas, tais como as relativas ao aumento de matrículas do ensino superior, como nos
apresenta Romanelli (2001), pelo decreto-lei 405, de 31 de dezembro de 1968, e 574, de 8
de maio de 1969, e a contenção do protesto estudantil (decreto-lei 477, de 11 de fevereiro
de 1969). Diante desses estudos e dessas medidas, veio a se delinear a política
educacional, que se implantou a partir de uma fase nova para o sistema. Essa política se
concretizou na reforma geral do ensino, criada pelas leis 5.540, de 28 de novembro de
1968, que fixou normas para a organização e o funcionamento do ensino superior,
seguidas de decretos que a regulamentaram, e pela lei 5.692/71, de 11 de agosto de 1971,
que reformulou o ensino de 1º e grau. Nesse sentido, a política educacional no âmbito
do ensino superior foi formulada no apogeu do regime militar com a intenção de conter as
mobilizações estudantis e os prováveis focos de resistência ao movimento de 1964 no
interior das universidades.
Contudo, a reforma universitária de 1968, que era a fonte principal de tal potica,
tinha objetivos estabelecidos da política da ordem e da restauração, muitas vezes tendo o
Estado, segundo Germano (2000), que se caracterizar pelo emprego desmedido de
repressão política, igualmente da assimilação desfigurada de princípios avançados que
haviam sido colocados por segmentos e experiências universitárias de caráter reformador.
Nessa dirão, vale a pena mencionar documentos anteriormente indicados pelos acordos
MEC
-
USAID
: o relario Meira Mattos e o relatório do grupo de trabalho da reforma
universitária.
Como é demonstrado por Romanelli (2001), a redefinição da política educacional
brasileira incla, desde suas origens, uma preocupação com a reformulação do modelo de
educação primária e média. Contudo, a conjuntura que precede a elaboração da lei
5.692/71 é, pelos motivos já apresentados, desprovida de mobilização e demandas
organizadas em favor da amplião das oportunidades de escolarização e verbas para a
educação ou qualquer outra reivindicação substancial nesse campo da vida social.
Segundo, Germano:
133
A Lei 5.692/71 apresenta dois pontos fundamentais: a extensão da
escolaridade obrigatória, compreendendo agora como todo denominado
ensino de grau, junção do primeiro com o ginásio e a generalização do
ensino profissionalizando no nível médio ou 2º grau. O que motivou o
Estado a levar adiante um projeto de reforma educacional, num momento em
que as demandas organizadas e as mobilizações em favor da educação eram
inexistentes? Em se tratando ainda de um Estado que concorreu
decisivamente para acentuar a miséria social dos despossuídos, ao adotar
políticas restritivas ao trabalho e favoráveis ao capital, pergunta-se: o que
conduziu o Estado a se voltar, então, para as massas populares — em grande
parte pura e simplesmente excluídas da escola ao instituir o
prolongamento da escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos, atingindo a
faixa etária dos 7 aos 14 anos? Nesse caso, parece evidente que a extensão
da escolaridade difere dos objetivos que permeiam a mesma medida dos
países de capitalismo avançado. (2000, p. 164–5).
Dessa forma, a ampliação dos anos de escolaridade visa, dentre outras coisas, absorver
temporariamente a força de trabalho supérflua, contribuindo dessa forma para regular o
mercado de trabalho. Pretende, também, atender a uma demanda social, pois à medida que o
sistema escolar se expande os empregadores tendem a exigir a elevação dos requisitos
educacionais da força de trabalho, embora isso não signifique que as tarefas se tornem mais
exigentes. Segundo Germano:
A política educacional tem igualmente a pretensão de suprir um quadro de
carência efetiva. Tal carência se traduz, do ponto de vista das classes
populares, na pura e simples exclusão da escola de grandes contingentes
populacionais que são alijados, portanto, do acesso à cultura letrada. Isso
tem inegáveis repercussões no que diz respeito à vida social, ao exercício da
cidadania e ao mundo do trabalho. Por outro lado, no que concerne ao
Estado, o quadro de carência era incompatível à idéia de “Brasil-potência”.
Com efeito, de acordo com o próprio Ministro Passarinho (1985), em 1971,
quase 30% das crianças de 7 a 14 anos não tinham acesso à escola; a evasão
e a repetência assumiam dimensões assustadoras: para cada mil crianças que
entravam na série do primário, em 1961, por exemplo, menos da metade
(446) chegavam à série e somente 56 logravam ingressar no ensino
superior em 1972. A taxa de perdas era da ordem de 76% no primário.
Além do mais, no tocante à escolarização obrigatória de 4 anos, o Brasil se
igualava à Mauritânia e somente o Laos apresentava uma taxa inferior, 3
anos. (2000, p. 167).
No âmbito do projeto hegemônico em foco, no entanto, a democratização do ensino
não dizia respeito à gestão participativa e transparente da escola, à livre circulação de idéias,
ao exercício da cidadania, embora este fosse um dos objetivos da lei 5.692/71, que assumia o
significado de uma ampliação de oportunidades de acesso à escola, do aumento do número de
anos de escolaridade obrigatória, da adoção de dispositivos, como a eliminação dos exames de
134
admissão ao ginásio, que facilitassem a melhoria do fluxo escolar, numa tentativa de diminuir
as taxas de repetência e evasão.
3.1 Grupo Escolar João Pinheiro: suas singularidades históricas
Nesta parte, nos ocuparemos, especificamente, em historiar o Grupo Escolar João
Pinheiro, buscando seu significado no contexto da educação histórico-educacional de
Ituiutaba e procurando compreender sua historicidade. Para tanto, analisamos o seu fazer
pedagógico, as práticas dos sujeitos que dele fazem parte, as relações que ocorrem em seu
interior, os conteúdos como instrumento de formação das séries iniciais e da educação infantil
na formação da criança, as condutas e os ensinamentos como instrumentos de formação de
uma dada sociedade. Inserido em determinada classe social, o grupo escolar se fez presente no
contexto das famílias influentes, tradicionais e de um poder aquisitivo alto, com poucos de
classe social menos favorecida. O grupo escolar procurou transmitir à sociedade uma
educação baseada em princípios tradicionais. Nesse sentido, recorreu-se a uma fonte
documental significativa para análise, além de depoimentos de diretores, ex-alunos e ex-
professores, o que permitiu fazer interpretação do ponto de vista desses atores que se
adentraram em períodos anteriores à Escola Estadual João Pinheiro.
No ano de 1966, momento de expansão das escolas em Ituiutaba, ainda permanecia o
ensino primário, contudo em processo de mudança sob a direção do professor José Inácio e
de sua equipe. O cenário educativo de Ituiutaba inseriu-se no movimento das reformas
implementadas desde os primeiros anos do século, com o propósito de tentar solucionar o
analfabetismo. Porém, naquele momento, os estados brasileiros não contavam com orçamento
suficiente para oferecer escolarização à demanda. Contudo, foi nesse contexto e em
decorrência de alguns princípios e diversas questões político-sociais que se configurou a
universalização das primeiras letras, constituindo-se na questão prioritária de todo o sistema
escolar brasileiro.
Contudo, fazer um pequeno histórico ao se retratar o currículo que perpassou essas
transformações da escola primária, seguindo como referência os padrões “estabelecidos
culturalmente” necessários para atender à finalidade social que a classe hegemônica da
sociedade da época exigia, dando dessa forma a inclusão de novos conteúdos, como também a
exigência de atividades extracurriculares; o que fez emergir a escola primária brasileira, com
função eminentemente formativa. Tobias da Costa Junqueira exerceu episodicamente o cargo
de agente executivo em 1905 e verificou que, dentre os assuntos a serem tratados em seu
135
mandato, o que deveria ser atacado com urgência seria o analfabetismo. Conforme nos
apresenta Paiva:
Imenso de entristecer na época a porcentagem de se ruborizar dez anos
depois, o recenseamento em 1915 assinalava a existência de 3.550
habitantes que sabiam ler e escrever e de 11.450 de analfabetos. Anotação
essa de Roberto Capri Álbum do Triangulo Mineiro. Animando saudáveis
propósitos, Tobias na sua responsabilidade de Executivo, promoveu a
constituição de uma associação para compra de um prédio dentro do
perímetro urbano dessa Vila Platina de modo a dar-lhe proporções e
condições indispensáveis a um internato para número de 40 a 50 alunos. “A
comissão, encarregada da obra, compõe-se de Tobias da Costa Junqueira,
Augusto Alves Vilela, Antônio Pedro Guimarães, Arlindo Teixeira elegeu-se
tesoureiro e Fernando Vilela de Andrade, fiscal. O prédio, segundo os
planos, albergaria professores e sua família. O contrato dessa associação
platinense é translúcido dos seus objetivos, preto no branco. Traduz a
preocupação dos promotores pelo progresso do Ensino com o internato
misto. Construiu-se o prédio na Rua da Matriz em frente ao atual “Grupo
Escolar João Pinheiro”, naquele tempo a Praça da Matriz se localizava até
onde fica a escola. Precisamente onde ficava a casa do Senhor Ondilon
Machado. A casa atualmente não existe mais. Em 20 de Junho de 1905 a
obra estava à disposição da sociedade nos termos que também registra
prevalecendo, deste mesmo ensejo os sócios presentes resolveram ainda que
esta se inclua em voto de louvor a consórcio de cidadão, quer pelo zelo e
solicitude que manteve no bom desempenho de sua comissão, quer pelo
escrúpulo adotado relativamente à economia, quer finalmente pela prontidão,
e regular acatamento que lhe foi afeto poupando assim o que de mais útil se
pode considerar correspondendo cabalmente à confiança de todos que lhe
outorgamos a Ata da inauguração. (
PAIVA
,
1986, p. 5).
Foi, portanto, neste contexto que se iniciou, no cenário tijucano, o Colégio Santo
Antônio, sob a direção de Pedro Moscoso Salazar da Veiga, que atendia os dois sexos e,
posteriormente, meninos. A metodologia presente era diferenciada, pois não fazia parte
de sua disciplina, mais as palmatórias e os castigos físicos. Em um clima mais empático com
os alunos, o currículo era voltado para uma formação dos princípios da moral cívica, humana
e cultural. Escola com bancos coletivos, com tábua inclinada, na qual se apoiavam livros e
cadernos. Lecionava cedo o primário, o restante à tarde. (
PAIVA
,
2001, p.3). Nesse colégio, o
professor Benedito Chagas Leite, de excelente memória entre seus alunos até hoje, iniciou
magistério para meninos e meninas de Vila Platina. Todos de uniforme no melhor padrão. O
colégio logrou seus objetivos, e sua pedagogia alcançou rasgados elogios:
Na nossa pesquisa, deliciamos com o fato de muitos de seus alunos se
recordarem ainda, com nitidez, de lições do curso, das regras e das exceções.
Naquele tempo, estudava-se para saber e não para se fazer exame. Era um
primário opulento de conhecimentos, que punha o rapaz apto em participar
da rotina e atividades correntes. (
PAIVA
,
1986, p. 6).
136
Devemos observar que o doutor Fernando Alexandre que entrou em entendimento
com um antigo prefeito, Tobias da Costa Junqueira, que era, junto com outros, donos de um
prédio que tinham construído para efeito mesmo de educação que se chamava Escola Santo
Antônio pediu por escrito ao Tobias, em carta endereçada ao Coronel Tobias, em 5 de
junho de 1908. Quando agente executivo, Fernando Alexandre se empenhava junto a ele para
instalação de um grupo escolar na Villa Platina, nesse prédio do Colégio Santo Antônio.
Tobias estava de acordo, mas condicionava a cessão do imóvel à nomeação do professor
Benedito Chagas Leite para diretor. Num dos tópicos da carta, Fernando enfatizava:
Contando com a boa vontade do amigo, sócio da maior parte, comecei o servo
com energia (reforma do pdio), pois era intento nosso ver instalado em Vila
Platina o primeiro grupo escolar no Triângulo Mineiro. Em vista de sua carta,
esmoreci, por isso que sendo os professores nomeados pelo governo, não lhe
posso garantir a nomeação de Benedito em carta minuciosa. Todavia, posso
garantir-lhe que o desejo de todos oscios, sem exceção, é que ele seja nomeado
um dos professores do grupo. (Apud
PAIVA
,
1986, 101.1, p. 6).
Contudo, a efetivação do diretor era indicação do Poder Executivo estadual;
negociações foram realizas, apresentando um traço, até agora indelével, de nossa cultura
política: ostensivo apadrinhamento na ocupação de cargos. Vislumbra-se, portanto, na
indicação do diretor, uma característica do domínio tradicional: a pessoalidade no
preenchimento de cargos (
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003, p. 33). Tobias pedia a procuração, sua e de
Joaquim da Costa Junqueira, para regularizar a situação com o governo estadual:
Se tal fato acontecer, como espero, farei inscrever em ata da Câmara vossos
nomes para que as gerações vindouras saibam conhecer os campeões do
progresso intelectual desta nobre terra. Tobias e Joaquim outorgaram
procuração a Dr. Fernando. O vice-presidente Julio Bueno Brandão criou
assim o primeiro grupo Escolar no Triângulo Mineiro. (
PAIVA
,
1986, p. 6).
Sobre a história do Grupo Escolar de Villa Platina, houve um episódio importante em
1905: Fernando Alexandre, Tobias da Costa Junqueira e outros proprietários doaram a Minas a
instalação do Grupo Escolar de Villa Platina, inaugurado nos primeiros anos do culo e
consolidado pela associação de um grupo de tijucanos; cada um participou com uma quota
relevante para instalação. A prefeitura fez as reformas indispensáveis e gastou cerca de 9.000$000
(nove mil contos de réis), mais de um teo de seu orçamento. Nessa projeção, podemos destacar
os senhores Domingos José Franco e Aureliano José Franco, conforme explicita o bilhete em que
constam os termos de convocão para reuno da associação para deliberar a compra ou
edificação da casa para o colégio (
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
,
2001, p. 48).
137
FIGURA
3.
Convite da Associação para deliberar compra ou edificação da casa para
colégio — consolidação de fato do grupo escolar
Fonte:
GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
,
1905.
FIGURA
4. Inauguração do primeiro prédio do Grupo Escolar de Villa Platina, em 1910
Fonte:
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003, p. 153.
138
Nessa perspectiva, em 1908, o Grupo Escolar de Villa Platina é criado pela vontade
política do agente executivo de Vila Platina Fernando Alexandre Vilela de Andrade e do
presidente de Minas Gerais, Wenceslau Braz Pereira Gomes. É inaugurado oficialmente com
a presença de autoridades estaduais e municipais: cônego Ângelo Tardio Bruno, os médicos
José Petraglia e Pio Goulart, Joviano Castro, José Freitas, José Paulino, José Antonio Lisboa;
com muito realce, fizeram-se notar o diretor Benedito Chagas Leite, as professoras Alzira
Alves Villela, Minervina Cândida de Oliveira e Ana Silva (Sianinha), Antônio Severino, João
Caetano, Banda de Música Lira Congressista
(
CHAVES
,
1984,
p. 392).
Contudo, a criação dos grupos escolares era defendida não apenas para organizar o
ensino, mas apontando, principalmente, como uma nova forma de reinventar a escola, com o
objetivo de tornar mais efetiva sua contribuição aos projetos da sociedade, reinventar a escola
por meios de novas metodologias e conteúdos, formar, contratar, portanto adequar espaços e
tempos apropriados para a instrução das crianças, visto que a postura do professor primário
suscitava uma nova postura profissional.
Tendo a representação dos grupos escolares, a produção de escolas isoladas como
sendo símbolo de um passado que deveria ser ultrapassado, quando não esquecido, buscando
moldar as práticas, os mbolos escolares como afirmarão da forma escolar, que deveria
começar pela produção de um lugar mais apropriado, lugar para a educação escolar, portanto
a defesa desse lugar, o do grupo escolar como “instrumento” do progresso e de mudança
como instrumento propulsor do progresso e da transformação. Como será visualizado por
Faria Filho:
[...] Em alguns momentos, a escola não apenas recriou ou readaptou teorias e
métodos de organização e controle adventícios, mas criou verdadeiramente
novas racionalidades, sensibilidade, temporalidades, conhecimentos, dentre
outros, que foram “impostos” ao conjunto do social. Os grupos escolares e
seu processo de organização significavam, portanto, não apenas nova forma
de organizar a educação, mas fundamentalmente, uma estratégia de atuação
no campo do educativo escolar, moldando práticas, legitimando
competências, propondo metodologias, enfim, impondo uma outra prática
pedagógica e social dos profissionais do ensino através da produção e
divulgação de novas representações escolares. (2000, p. 37).
Diante de tal fato pode-se explicitar que a construção do Grupo Escolar Villa Platina
era significativa para toda a comunidade local. Todo movimento no contexto da referida
escola será trabalhado em suas especificidades, desde sua gênese até o recorte cronológico
estabelecido antes.
139
Foi, portanto, a gestão do então prefeito do município, Fernando Alexandre Vilela de
Andrade, que conseguiu trazer para Ituiutaba um grupo escolar. O presidente do Estado na
ocasião — João Pinheiro — faleceu em 25 outubro de 1910; assumiu a presidência do Estado
de Minas Júlio Bueno Brandão, que, com o secretário Estevão Leite de Magalhães Pinto,
criou em Villa Platina, pelo Decreto 2.327, o Grupo Escolar de Villa Platina, assinado pelo
vice-presidente Júlio Bueno Brandão e por Estevão Leite de Magalhães Pinto, no dia 22 de
dezembro de 1908, e publicado no “Minas Geraes” — Órgão Official dos “Poderes do
Estado” (Ano
XVII
, n. 304, p. 1), no dia 23 de dezembro de 1908. Para a concretização desse
ato, a cidade de Villa Platina teve que se mobilizar por meio se sua elite econômica, política e
educacional.
Embora criado em 1908, somente foi instalado em 21 de janeiro de 1910 (
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003). Podia-se dizer que a instalação do Grupo Escolar Villa Platina materializava,
em sua projeção, as idéias políticas e culturais republicanas, símbolo de progresso e de
modernidade. De forma imponente, se estabeleceu no cenário ituiutabano. A inovação
representada pelo grupo escolar significou profundas transformações na organização e na
constituição do sistema educacional de Ituiutaba. Constitui-se no grupo central da cidade.
Segundo Faria Filho:
Um lugar é sempre definido, ou constituído, em referência a outro lugar,
estabelecendo-se sempre uma relação de lugares identificados
singularmente. Nesse sentido, podemos dizer que o lugar da educação
escolar no centro da cidade lugar dos palácios não é o mesmo que nos
subúrbios lugar dos pardieiros. Assim, os typos para a construção dos
grupos escolares ressaltaram a singularidade do local onde deveriam ser
construídos, estabelecendo a preferência pelas regiões centrais, bem
ventiladas, higiênicas, de fácil acesso. (2000, p. 39).
Contudo, o Grupo Escolar de Villa Platina passou a ocupar prédio adequado e lugar
central, constituindo-se como verdadeiro palácio (
FARIA FILHO
,
2000) em Ituiutaba; e
constituiu-se na projeção da ordem republicana que se impunha, especificamente na capital
mineira. Nesse sentido, no curso das reformas estaduais, essa modalidade de ensino primário
seguiu itinerário doutririo, de crescimento e assinalado por caráter misto; posteriormente, surgiu
a escola como instituição social. Portanto, era essa perspectiva obrigatória o aspecto que explica
por que foram incldas na legislação escolar da cidade penas e multas específicas apresentadas
em dois artigos da lei municipal 106, sancionada em 24 de dezembro de 1908.
Repisando, no primeiro ano de sua administração, ofertou à Câmara Municipal
relevante projeto, que, votado e depois por ele sancionado, se concretizou na citada lei 106,
140
moderna e revolucionária. Editava, entre outros comandos, a obrigatoriedade da instrução
primária e estipulava multa para pais e tutores que não matriculassem os filhos tutelados em
idade escolar. E notavelmente para a primeira década do século: a prefeitura fornecia roupa
aos escolares pobres. A título ilustrativo do avanço das idéias no campo educacional, vale
rememorar dois dispositivos da lei 106:
Art. 190 – É obrigatória a instrução primária de meninos e meninas em idade
escolar, nesta Vila e subúrbios até 3 quilômetros; nas povoações onde
existirem escolas no perímetro de raio de 3 quilômetros em torno das escolas
rurais municipais.
Art. 191 Os pais e tutores que não puseram seus filhos ou tutelados na
escola pagarão a multa de 20$000 a 40$000 e, na falta de pagamento da multa,
4 a 8 dias de prisão e o duplo na reincidência. (
ITUIUTABA
, 1908, p. 80).
Portanto, fazer uma pequena retrospectiva ao se retratar o currículo que perpassou
essas transformações da escola primária, seguindo como referência os padrões “estabelecidos
culturalmente” necessários para atender à finalidade social que a classe hegemônica da
sociedade da época exigia, dando desta forma com a inclusão de novos conteúdos, como
também a exigência de atividades extracurriculares; o que fez emergir a escola primária
brasileira, com função eminentemente formativa.
O Grupo Escolar de Villa Platina, no período de 1910, passou por uma crise: deixou
de funcionar por tempo indeterminado por falta de freqüência dos alunos, e o governo
estadual suspendeu indefinidamente seu funcionamento, pondo em disponibilidade três
professores, com prejuízo a mais de 320 crianças que estavam matriculados no grupo.
Segundo o jornal Cidade de Ituiutaba:
No ofício encaminhado ao secretário do Interior, Dr. Delphim Moreira da Costa
Ribeiro, em 27 de setembro de 1910, revelando altivez, conduta vertical, clara e
franca, Dr. Fernando, a pedido da mara e em seu nome pessoal, lavrou seu
protesto firme e sereno: Diz ele no protesto. “A suspeno, Exmo. Sr. do Grupo
Escolar, foi injusta, porquanto a falta de freqüência legal nos últimos
três meses, foi devida à epidemia da varicela ou varíola que se propagou entre o
povo do município, com abandono da lavoura e retardo dos negócios. Ao
demais, a suspensão do Grupo Escolar traria também grande prejuízo ao
Estado, porquanto tendo sido a escritura do prédio condicional, enquanto
existisse a funcionasse o grupo, voltaria à posse do prédio aos particulares e a
esta Câmara. (
CIDADE DE ITUIUTABA
, 1983, s. p.).
Conseqüentemente, os tijucanos ficaram apreensivos com tal fato ocorrido, pois a
escola representava uma nova fase de desenvolvimento para a cidade e para o cenário
educacional, que necessitava de uma reversão urgente nessa esfera, pois a educação pública
141
seria uma das possibilidades para criação de uma identidade ministrada às crianças tijucanas.
Portanto, em Minas Gerais, na primeira década do século
XX
, a instrução pública atingia cerca
de 5% da população em idade escolar (
FARIA FILHO
,
2000, p. 27). No cenário local, atendia
aproximadamente 320 crianças na referida escola. Diante do contexto, inicialmente o grupo
escolar, como modalidade de escola primária, foi implantado em São Paulo em 1893
(
SOUZA
,
1998) e divulgada em Minas Gerais pelo inspetor técnico do Ensino Estevan de
Oliveira, que conheceu a modalidade em 1902 (
FARIA FILHO
,
2000, p.32). Os grupos foram
instaurados a partir de 1906, com a reforma do ensino primário e normal do governador João
Pinheiro, por meio da lei 439, de 28 de setembro de 1906
37
o artigo 21 da referida lei
tratava especificamente dos grupos escolares.
Segundo Araújo:
Nesse diapasão, em Minas Gerais, em documento oficial de 1908, que
expressava os ideais e as realizações mineiros em torno da educação escolar,
os grupos escolares também são concebidos como expressão arquitetônica,
direcionada a um modo político de contemplá-la. (2006, p. 237).
Após a instalação do Grupo Escolar de Villa Platina, que representava a expressão de
uma nova arquitetura mineira no cenário tijucano e sua quase-extinção em tão pouco tempo
de existência do ensino, tais variações indicaram tensões políticas para sua permanência e
concretização, mesmo que tenha sido um fato que, de certa forma, homogeneizava o
pensamento das elites, pois tornar a freqüência à escola rotina obrigatória para amplas
camadas da população se fazia necessário diante de tal fato ocorrido. Conseqüentemente, a
escola se constituiu em resposta cabível em vista da reestruturação da educação escolar.
Contudo, com a permanência do grupo escolar na cidade, teve como primeiro diretor o
professor Benedito das Chagas Leite, por ato de 23 de abril de 1912, foi promovido e
nomeado diretor efetivo o professor Francisco Antônio de Lorena e composto o quadro de
profissionais de quatro professores José Antonio Botelho Torrezão, Minervina Cândida de
Oliveira, Alzira Alves Villela Tavares, Ana da Silva a (Sianinha) e um porteiro Gentil
37
Seu artigo expressava o tripé speceriano: “[...] que a escola seja um instituto de educação intellectual, moral
e physica”. Previa o seu artigo que o ensino primário seria gratuito e obrigatório e ministrado em escolas
isoladas, grupos escolares e escolas-modelo anexas às escolas normais. O inciso
II
do artigo 6º dispunha que, ao
governo, caberia “organizar o programa escolar, adoptando um methodo simples, prático e intuitivo”. O seu
artigo 1previa que “nos logares onde forem organizados os grupos escolares [...] poderá o Governo supprimir
tantas escolas isoladas quantas as de que constarem os respectivos grupos”. O seu artigo 14º rezava que “os
alumnos pobres que mais se distinguirem no curso primário pela intelligência, bom procedimento e assídua
applicação, terão a proteção do Governo para serem admittidos gratuitamente, quer no Gymnasio Mineiro, quer
nos gymnasios equiparados”. Em seu artigo 22º, afirmava que o governo buscaria meios para que os edifícios
fossem apropriados à escola, e estas providas “de livros didacticos, mobília e todo material de ensino prático e
intuitivo” (
ARAUJO
,
2006, p. 247–8).
142
Homem Ferraz de Almeida. A matrícula era composta de 205 alunos: 104 do sexo masculino,
101 do sexo feminino. A freqüência naquele ano tinha sido de 150 alunos de ambos os sexos
(
ÁLBÚM DO TRIÃNGULO MINEIRO
,
1916). O grupo escolar funcionava em dois turnos,
devido ao grande número de alunos matriculados no primeiro ano. Pelo recenseamento
escolar, efetuado no período de 7 a 31 de janeiro de 1912, verificou-se que a população
escolar do perímetro da Villa era de 250 crianças (
ÁLBÚM DO TRIANGULO MINEIRO
,
1916).
Em 1915, assume a direção o professor José Inácio, que renovou o ensino em decorrência de
métodos disciplinares e convenientes falas históricas (
CENTENÀRIO DE ITUIUTABA
,
2001).
Nessa perspectiva, para que o grupo de Villa Platina mantivesse suas despesas internas
com material pedagógico das crianças e outras mais, se fez necessária a existência da caixa
escolar,
38
anexa ao grupo escolar e que fornecia vestuário, penas, papel, tintas e livros aos
alunos de bom comportamento e também na aplicação e maior freqüência. Essa benéfica
associação apresentou uma receita de 1:378$100 e despesa de 167$900, existindo em caixa
a importância de 1:70$000 para beneficiar as crianças que, por falta de meios, não pudessem
receber instrução. Contudo, a situação da caixa escolar desse estabelecimento não estava em
condições de manter por muito tempo tais benefícios. Ofício enviado ao diretor do grupo pelo
secretário do Interior de Minas Gerais de 1915 solicita a todos que se esforcem bastantes para
que as crianças não sofram com a crise enfrentada pela caixa escolar.
Nesse sentido, percebemos que a obrigatoriedade escolar é um momento
predominantemente político, e o mesmo estabelece a necessidade sociocultural de produção
da consciência de uma característica nacional, sentimento novo em conseqüência de ações
históricas anteriores de hierarquias e estratificação social. Os dominantes políticos e
intelectuais, ao determinarem a obrigatoriedade escolar, estão representando uma nova
imagem da sociedade, tendo direcionamento a existência da condição de obrigatoriedade do
ser social e como princípio, e como necessidade para sua realização a produção de uma
identidade coletiva e coesa. Contudo, essa identidade pressupôs, por sua vez, a comunhão de
valores, hábitos e atitudes ou, em outro aspecto, de gestos e expressões a seres disseminados
por todos e cuja possibilidade estaria na homogeneização cultural da população.
O direcionamento do monopólio dos saberes elementares pelo próprio Estado, que se
apresenta como condição de normatização social pela criação de uma rede de racionalidade
promovedora da coesão da sociedade, tem por conseqüência a escola sido produzida como
38
Na primeira República, foram criadas caixas beneficentes, que, particularmente, faliram; primórdios de uma
previdência social frustrada. Mesmo antes da República, essas caixas foram geradas no Brasil, inclusive por
iniciativa de seu patrono, Benjamin Constant (
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003, p. 37).
143
uma unidade de referência de desenvolvimento, tornando realidade a organização de uma
sociedade constituída de letrados e não letrados na perspectiva de civilizados ou não. Diante
do acontecimento da obrigatoriedade escolar, esteve presente a necessidade de inscrever o
povo no tempo da instrução no interior do Grupo Escolar.
Portanto, a escolarização da infância a partir do século
XIX
se torna centralidade dos
procedimentos para normatização da instrução pública elementar. E, conseqüentemente, de
várias outras estratégicas desenvolvidas para que a infância seja produzida como tempo
gerencial distinto do adulto, sendo como condição necessária a escolarização (
VEIGA
2004).
Tendo a criança que ser preparada, desenvolvida em seus aspectos para criar condições de se
ter uma infância instrucionalizada que deveria ser divulgada nos meios pedagógicos, médicos
e jurídicos para a existência e consolidação de uma sociedade adulta, civilizada, instruída. Os
papéis vivenciados pelas crianças no contexto educacional sistematizavam uma condição para
ser criança e, conseqüentemente, ter infância. E para a apropriação dessas diferentes normas
arraigadas no corpo da criança, ela deveria, dentro de princípios morais, ser educada,
obediente, comportada, brincar e vestir roupas adequadas, freqüentar escola e ser bom aluno
no seu interior e fora dele. Dessa, forma a escola universalizou normas e padrões de uma faixa
etária atribuída ao tempo da infância, de criança e, portanto, uma nova maneira das crianças
se adentrarem no seu interior, como alunos. Nesse contexto, a escola moderna é também
considerada como um meio estrategicamente eficaz para o Estado controlar a ordem política e
social a partir do século
XIX
. Portanto, é diante desse cenário que se apresentava a criança no
contexto do Grupo Escolar João Pinheiro.
A fundamentação dessa parte da exposição do grupo está vinculada a novos olhares de
novas fontes não apresentadas anteriormente, dadas a diferenciação dos documentos
selecionados no Arquivo Público mineiro, dos quais serão analisados como complementação
de um período anterior ao pesquisado, porém com contribuições significativas para o
entendimento de um período desconhecido, com interfaces desconhecidas. As fontes são
compostas de relatórios de inspetores, relatórios do diretor, ofícios do secretário do Interior de
Minas Gerais, ofícios do presidente do estado de Minas Gerais, discurso, poesias, ofícios
referentes ao interior do grupo escolar.
Porém, no ano de 1914, de acordo com o relatório do termo de visita do inspetor Alberto
da Costa Mattos, o grupo funcionava com quatro anos, portanto seu ensino era misto, verificando
toda a documentação referente à matrícula dos alunos naquele estabelecimento que registrava a
inscrição de 223 alunos de matrícula primitiva, em janeiro mais 25 inscritos suplementarmente. A
freência dos alunos durante esse período estava constantemente sobre vigilante controle dos
144
inspetores do Estado de Minas, que apresentaram em relatório que a freqüência se manteve muito
lisonjeira até o final do primeiro semestre, mas que decresceu posteriormente. Os inspetores
observavam, am da documentação e freqüência, os trabalhos dos professores em sala de aula, os
cânticos escolares e os exercícios físicos, assim como os trabalhos de agulha e costura para
meninas estes dirigidos pela professora Minervina Cândida de Oliveira. Conforme o relatório,
o prédio necessitava de concertos e limpeza; para o ensino de geografia há falta de mapas e de um
globo terrestre; para aritmética, contadoras mecânicas e caixa para o ensino instrutivo do sistema
trico e demais materiais didáticos. Durante o tempo de vistoria da inspeção desde o s de
junho, em visitas interpoladas no estabelecimento, notou-se regular disciplina nos alunos e nos
professores. Portanto, no dia 23 de julho de 1914, o grupo não funcionou, e no dia 21, a
freência foi pequena devido às festas pela visita pastoral de dom Eduardo Duarte Lisboa,
presbítero bispo da diocese local e à chegada do primeiro automóvel à cidade. O máximo de
freência foi de 125, no dia 13, e de 124, no dia 18, de acordo com o relatório, que teria cópia
encaminhada ao secretário interino (
MINAS GERAIS
,
1915).
Constatamos que a vigilante inspão naquele momento percorrido pelos
inspetores,agentes da confiaa do governo incumbidos de fiscalizar as escolas e de orientar o
ensino apresentava expectativas postas em relação à freqüência dos alunos na escola, pois o seu
controle se fazia de forma intensificada pelas autoridades e com a forma como eram desenvolvidos
os trabalhos diticos pedagógicos dos professores para as criaas. Com o objetivo de se ter uma
educação uniforme em todo o Estado de Minas Gerais, com base na lei 439 de 28/9/1906 e no
regulamento de 16/12/1906, com seus 268 artigos, é posvel, pelas citações e pelos comentários
feitos, reconhecer os horizontes postos pela Reforma João Pinheiro (
ARAÚJO
,
2006).
Portanto, propõe-se uma fiscalização mais intensa para que as crianças em idade
escolar não fiquem fora do contexto educacional, pois a instrução primária, que na forma
estabelecida da Constituição deve proporcionar a todos gratuitamente, é um dos objetivos de
tornar a infância escolarizada. Do ponto de vista da infância, foi-lhe conferida uma identidade
peculiar, a de aluno. A lei universalizou as idades identificadoras dessa etapa da vida em
relação a um lugar específico a escola; contudo, individualizou a sua condição de
realização pela indicação da obrigatoriedade dos pais de família em dar a seus filhos a
instrução primária na rotina familiar ao estabelecer que os pais sejam obrigados a enviar os
filhos à escola. Nesse sentido, na intencionalidade da produção de uma eficácia das normas,
as leis da instrução regulamentaram uma série de dispositivos relativos aos processos de
escolarização da infância. Contudo, na intenção de tornar a infância escolarizada, podemos
destacar os seguintes procedimentos: definição do currículo escolar, que poderá ter uma
145
variação pequena em relação à faixa etária; indicação das correntes disciplinares;
diferenciação quanto à organização das escolas, dentre outros.
Partindo do pressuposto de que o Grupo Escolar de Villa Platina teve suas primeiras salas
de instrão para crianças no ano de 1910 e, conseentemente, a paralisação de seu
estabelecimento por tempo indeterminado, como foi apresentado anteriormente, constatamos que
sua primeira turma beneficiada com o ensino primário conclui os quatros primeiros anos em
1915, segundo alise da referida documentação cópia do discurso a Delphim Moreira da
Costa Ribeiro (
MINAS GERAIS
,
1915).Conforme nos apresenta a aluna preliminarista Goulart:
Hoje abrem-se de novo as aulas do Grupo Escolar no anno lectivo de 1915. Hoje é
o dia que acabo de receber o meu diploma de preliminarista, os 4 annos do curso
do Grupo Escolar. Se por um lado sinto-me feliz por ter alcançado o primeiro
Diploma, ficando assim, habilitada para a futura vida social, tamm sinto-me, ao
mesmo tempo, abatida e em profunda tristeza, por ter de deixar este proveitoso
estabelecimento de ensino Grupo Escolar desta Villa, por ter de deixar meu caro
director, minhas professoras e o respeivel professor de aula Snr. Botelho
Torresão e de minha aula, que com seus esforsos, e dedicação, pude prestar um
exame com a nota de destinão: por ter de deixar minhas collegas de aula, e, do
Grupo em geral: finalmente, desses dias felizes cheios de alegria e de uma
harmonia sem fim!... Não poderei jamais alvidar desses bellos termos escolares,
que representa de hora em diante, a minha entrada na vida social. Se, hoje, honro
estes bons conhecimentos e, preparei-me no curso preliminar, a este Grupo
Escolar de Villa Platina devo, pela proficiência e dedicação do seu director e
professores e vós, queridos companheiros e collegas que ainda ficam nesse
estabelecimento, desculpai-me d’este meu pequeno conselho, aproveitar este
tempo precioso, escutar com atteão os bons ensinamentos dos Snres
professores, que mais tarde conserteza collhereis o precioso fructo. O néctar
dulcíssimo e saboroso da instrão e, tereis ocasião de dizer franca e alertamente,
que o Grupo Escolar Villa Platina aprende-se e tira-se o resultado declarado
serviram, pois, os pais cumprir com o sagrado dever para com seus filhos, e verão
a verdade que acabo de dizer e aprova evidente d’aquelles, ou d’aquelas, que
completam os seus cursos, pois os professores além do preparo que têm, cumprem
à risca com seus deveres. É comr no corão, que me despo de meu presado
director, do meu paciente professor de aula, snr. Botelho Torresão, das Senhoras
professora, que recebi carinho, afagos e amor de pai e de e, segundo o
mesmo à minha collega, Maria Horacia, que tamm comigo completou 4 annos
do curso preliminar. Nunca poderíamos eu e minha collega esquecer da gentileza
do Exmo, snr Joaquim Antonio da Silva com a delicadeza e a educão que lhe é
proverbial, ter aceitado ser nosso paranympho na entrega dos nossos diplomas,
agradecemos as amáveis phrases que das quais dispensar-vos e bem assim ao
nosso director, Snr professor e Exmas professoras. Finalizando este meu pequeno
discurso, faço votos ao bom Deus, pela conservação e prosperidade do Grupo
Escolar, pela permanência do Snr director, que tão bem tem sabido directar este
estabelecimento de ensino, continuando igualmente com o seu corpo docente, me
seja promettido, pois, de soltar com verdadeiro delírio, calorosos vivas, ao Exmo
Snr Dr. Delphim Moreira da Costa Ribeiro, ao seu digno vice-presidente do
Estado de Minas Gerais Dr Lerivaldo Ferreira Lopes, aos Snrs Drs Secrerios e
com todo o seu governo. E a vos minhas collegas, deixar-me vos abraçar com um
aperto, cuja lembrança nunca podereis mais apagar e a Deus!!!!!! Viva.
(
GOULART
,
1915).
146
Diante das constatações, podemos visualizar que o grupo escolar naquele período
chamava a atenção pelo bom desempenho de seus professores, de seu diretor, pois a instrução
ministrada agradava às famílias e também aos alunos que ali recebiam suas primeiras
instruções, sendo enaltecido de todas as formas possíveis. Também ficam presentes no
discurso da aluna a organização e a disciplina que apresentava o grupo escolar; realizadas no
seu interior, tinham como alguns de seus componentes preparar as crianças para se tornarem
habilitadas para a vida social, pois os alunos que permaneciam na escola por quatro anos
recebiam, ao rmino do último ano, o diploma de certificação apta para ingressar na vida da
comunidade local provavelmente, esses dizeres estão se referindo ao ingresso no trabalho
da sociedade tijucana. Portanto, podemos perceber que a exaltação de Deus se fazia presente
no contexto do grupo escolar desde seus primeiros anos de criação, permanecendo por vários
anos, quando se enaltecem vivas a Deus em vários momentos do pronunciamento do discurso.
Foi nesse processo de desenvolvimento que o grupo escolar se fez presente.
Desde o período em que foi instalado até o ano de 1927, esteve sob a direção de
homens; e a partir desse mesmo ano fica efetivamente sob a direção de mulheres, apesar de ter
havido um caso transitório em que o grupo foi dirigido por mulher entre o primeiro e o
segundo ano:
39
Alzira Alves Vilella passou a ocupar a direção, provisoriamente, entre o
primeiro e o segundo diretor. A professora Alzira, filha do agente executivo do município
(prefeito), capitão Augusto Alves Vilella, começou a lecionar aos 13 anos de idade e faleceu
quando faltava apenas um mês para sua formatura em Farmácia e Bioquímica. Essa
continuidade de estudos indica postura de uma mulher profissional, para quem ensinar não era
a continuidade do trabalho doméstico (
RIBEIRO
;
SILVA
,
2003, p. 33–4).
As condições de infra-estrutura do grupo eram precárias, e todas as professoras e o
diretor trabalhavam de forma incansável para que o grupo conseguisse se restabelecer. O
agente executivo João Martins de Andrade sancionou as seguintes leis para a construção do
novo prédio em outro local: lei 305, de 9/4/1924, que autoriza a desapropriação de terrenos;
lei 325, de 14/4/1925, que autoriza a construção do prédio com uma verba de 20 contos de
réis; lei 332, de 19/6/1925, que autoriza a subempreita da obra; lei 336, de 17/10/1925, que
autoriza a cessão do terreno necessário à construção do prédio escolar ao governo estadual
(
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
,
2001).
Contudo, em 1927, foi inaugurado o novo grupo escolar, que passou por grandes
reformas, melhorando consideravelmente o seu aspecto geral nesse período. Foi transferido
39
A fundamentação desta parte da exposição está vinculada a uma série de fontes; existem lacunas na cronologia
dos documentos.
147
para outro prédio, em frente ao primeiro (
CÔRTES
2001). O Grupo Escolar, em 1927, passou
a ser denominado Grupo Escolar João Pinheiro,
40
considerado pela população local como
celeiro educacional de Ituiutaba. Ressaltamos que este funciona até hoje neste local.
Após a tragédia acontecida no Grupo Escolar João Pinheiro, supostamente um
incêndio criminoso (
CENTENÁRIO ITUIUTABA
2001), ele passou a funcionar até que se
resolvesse como seria solucionado o problema na Casa da Cultura. Portanto, no período
de 1954 a 1956, a diretoria do Grupo Escolar João Pinheiro, novamente, foi representada por
uma mulher: Adelina Martins de Andrade Cardoso, cujo depoimento nos esclarece que a
escola passou por sérias dificuldades em todos os seus aspectos, pois teve todo o seu arquivo
destruído, impossibilitando muitas vezes atender com presteza os documentos dos alunos
exigidos pelos pais. Quanto à sua estrutura física, ficava a desejar: suas instalações não eram
apropriadas para receber a grande quantidade de alunos que freqüentavam a escola naquele
momento. As professoras se organizavam da melhor forma para tentar suprir as deficiências
do prédio e transmitir a instrução necessária sem muito prejuízo para crianças.
41
Mesmo com
as dificuldades enfrentadas em 1954, o grupo escolar atendia junto com o Grupo Escolar
Ildelfonso Mascarenhas da Silva, que funcionava atendendo, também, crianças de a
séries no mesmo estabelecimento.
42
Funcionando no local atual desde o peodo anterior, o Grupo Escolar João
Pinheiro teve como diretoras naquele período de 1956 a 1965 Araci Pais Lemes
Martins, diretora interina naquele estabelecimento, e Zina Macedo, no ano de 1965.
43
No ano de 1966, assume a dirão do Grupo Escolar João Pinheiro América Chaves
Carvalho, que atuou nesse estabelecimento em anos anteriores como professora efetiva,
pois tinha passado no concurso para ser professora de ries iniciais, e alfabetizão de
criaas. Naquele momento, seu ingresso na carreira de professora conforme nos
relata foi por falta de opção: a cidade não oferecia recursos para as pessoas,
especialmente as mulheres, trabalharem em outra fuão. Como ela gostava de ser
atuante, decidiu, mesmo sem incentivo do avô Pedro, assumir o cargo de professora no
Grupo Escolar Jo Pinheiro, que era o único grupo central da cidade. Estudavam lá
40
O Grupo Escolar João Pinheiro foi incendiado no dia 17 de junho de 1952; em decorrência desse episódio,
alguns documentos foram destruídos (
FOLHA DE ITUIUTABA
,
1952).
41
Naquele período utilizava como recurso necessário para o desenvolvimento das crianças os livros didáticos
utilizados por alguns professores da coleção “Tesouro da infância e juventude”. Descreve Cardoso que o mesmo
foi doado pelo seu pai e teve uma contribuição significativa para o bom desenvolvimento de suas aulas.
42
O Grupo Escolar Ildelfonso Mascarenhas manteve suas instalações junto ao Grupo Escolar João Pinheiro por
17 anos, que foi crescendo e necessitando de um número maior de salas. Conseqüentemente, foi transferido para
outro lugar mais adequado.
43
Por insuficiência de dados, não poderemos esclarecer melhor esses períodos.
148
pessoas influentes, filhos de médicos, de advogados, de fazendeiros, de comerciantes e
alguns poucos filhos das classes menos favorecidas. O cargo de diretora foi
politicamente oferecido a ela, já que era diplomada em Magisrio, realizado no
Instituto Marden.
44
Conforma explicita:
Foi tudo política, tudo era politicamente organizado naquela época, eu nem
esperava isso de ser diretora. Então minhas colegas me encontraram na rua
eu ainda o sabia —, me entregaram na rua mesmo a autorização para
ser diretora do Grupo Escolar João Pinheiro. Não tinha pedido nada a
ninguém, então foi meu quase-irmão, porque fomos criados juntos, o Daniel
que organizou isso para mim; devia ser por competência eu acho.
(
CARVALHO
,
2007).
Para Ituiutaba, o Grupo Escolar João Pinheiro representava muito: era a escola
principal da cidade, atendia as melhores famílias economicamente, além de formar a maioria
das crianças naquele período, que ocupava o centro da cidade, na mesma localidade da
Igreja da Matriz, e também próximo ao cartório da cidade. Segundo a entrevistada:
As séries iniciais da escola eram muito importantes para a cidade. Não fui eu
que criei essa modalidade de ensino, não era da minha época a criação, mas
sei que significou muito mesmo para todo mundo, pois a escola era uma
escola de valor; naquele momento era tudo para toda a população. Tinha
uma lei que não me lembro sobre o ensino de 6 anos para as crianças. Quem
trabalhava no Grupo Escolar era muito valorizado por todo mundo da
cidade, era destaque ser professor na escola, principalmente quando se
trabalhava como nós professores e diretores com crianças de 7 a 14
anos. Então, isso fazia a diferença na cidade. (
CARVALHO
,
2007).
Dessa forma, podemos perceber que, mesmo com algumas diferenças
socioeconômicas freqüentes no interior do Grupo Escolar João Pinheiro, o ensino primário
visualizava para que as crianças tivessem instrução das primeiras letras, sendo, portanto,
necessário, de acordo com
LDB
4.024, de 20 de dezembro 1961. Os objetivos do ensino
primário serão apresentados de maneira bem mais sintética e menos pretensiosa que na lei de
1946, Art. 25: “O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das
atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social”; e em seu Art.
26, parágrafo único: “o ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro séries”e “os
sistemas de ensino poderão estender a sua duração até seis anos, ampliando, nos dois últimos,
os conhecimentos do aluno e iniciando-o em técnicas de Artes Aplicadas, adequadas ao sexo e
44
Sobre a Escola Marden, ver Moraes (2004).
149
a idade”. O jornal Folha de Ituiutaba trouxe a seguinte notícia sobre os seis anos para o curso
primário no Brasil:
Consta dos bastidores, que o Dr. Clóvis Salgado, Ministro da Educação,
pretende introduzir mais dois anos no ensino primário do País. Temos
acompanhado com desusado interesse tudo que se diz ou se escreve sobre o
ensino brasileiro. Ainda nêste ano, um ex-Ministro da Educação elaborou
um longo e minucioso trabalho, focalizando as deficiências do ensino
primário [...] E agora, o atual titular do Ministro da Educação, chega à
mesma conclusão: precisamos alongar o curso primário para mais dois anos.
[...] Conhecemos e reconhecemos as falhas do curso primário. Elas são
múltiplas e entre elas destacamos: falta suficiente de professoras diplomadas;
insuficiência de escolas públicas; grupos escolares desprovidos dos móveis e
utensílios indispensáveis e com material didático arcaico e minguado, como
são o caso de alguns Grupos Escolares da cidade. (
FOLHA DE ITUIUTABA
,
1956, p. 3).
Dessa forma, ao ter em seu nível de ensino as séries iniciais e com todas as
dificuldades vindas de todos os segmentos, tanto econômico como os de estrutura física, o
mero de crianças que freqüentavam as escolas durante esse período era ainda
considerado pequeno, pois, se atentarmos para o fato de que na época a maioria da
população ativa da nação ganhava um salário mínimo o que não era suficiente para a
simples sobrevivência da parte não ativa adulta , então era por causa do desemprego e
constituía um contingente superior à população ativa, que a economia de subsistência
geradora de um estado de pobreza cnico ocupava a maior parte do território nacional.
Segundo dados do censo escolar de 1964, portanto, de três anos depois da vincia da lei
4.024, de 20 de dezembro de 1961, nesse ano 33,7% das criaas de 7 a 14 anos não
freqüentavam as escolas (
ROMANELLI
,
2001), em sua maioria por falta destas. Conclmos,
portanto, que se pode chegar, quanto ao artigo 30 da
LDB
, a que os poderes públicos
simplesmente resolveram oficializar uma situação anormal existente sem se dar o cuidado
de corrigi-las ou, pelo menos, atenuá-la.
Por que esse descaso com a educação popular? Porque a estrutura tradicional do
ensino foi mantida; e o sistema continuou a legislar conforme legislação anterior: 1) ensino
pré-primário, composto de escolas maternais e jardins de infância; 2) ensino primário de 4
anos, com chance de ser acrescido de dois anos mais, com programas de artes aplicadas
(
ROMANELLI
,
2001). De modo geral, praticamente não há mudanças em relação à Lei
Orgânica de 1946, sendo adotadas, na maioria dos estados e municípios, as seguintes
disciplinas: Leitura e linguagem oral e escrita; Aritmética; Geografia e História do Brasil;
Ciências; Desenho; Canto orfeônico e Educação Física.
150
Contudo, o ensino do grupo escolar foi sendo divulgado para a cidade e região.
Conforme consta nas fontes analisadas diários de classe —, no ano de 1966 o grupo
recebeu um número de matrículas significativo: a escola contava com 834 alunos de ambos os
sexos. Nas primeiras séries, por determinação da Secretaria de Estado da Educação e pelo
departamento de inspeção e assistência técnica de Minas Gerais do dia 17 de fevereiro de
1968.
A fim de diminuir dúvidas, tendo em vista o cumprimento do art. 168, §
II
da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do art. 97 do código do ensino primário,
esclarecemos:
1.1 O Ensino Primário oficial e gratuito para todos: o ensino oficial ulterior
ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos.
1.2 O Ensino Primário Elementar é obrigatório e gratuito para todos os
menores em idade escolar. 1.3 Não deve ser cobrada, portanto, sob qualquer
pretexto, nenhuma taxa de matrícula aos candidatos a qualquer série dos
cursos pré-primário, primário elementar, primário complementar e primário
supletivo dos estabelecimentos oficiais de ensino do Estado, o procedimento
da matrícula obedecerá ao disposto na Portaria 70/68 de 11/1/68.
II
– A secretaria de Estado da Educação não exigiu, nem distribuiu
exemplares de provas de seleção para ingresso aos estabelecimentos oficiais
de ensino das categorias acima mencionadas. (
GRUPO ESCOLAR JOÃO
PINHEIRO
, s. d, s. p.).
Conforme portaria 65/69, o secretário de Estado da Educação de Minas Gerais
considera o disposto na lei 5.213, de 2 de julho de 1969, regulamentada pela portaria 57/69;
a referida lei 5.213 estabelece normas para fixação de dias letivos do ano escolar no atual
sistema de educação:
as citadas normas estão explicitas na Resolução 96/68, do Conselho
Estadual de Educação que fixa em 200 o número de dias letivos;
a Lei 5.213, tendo vigência a partir da data da publicação, 3 de julho de
1969, atinge apenas o 2º semestre letivo;
o ano letivo de 1969 encerrar-se-á no dia 10 de dezembro, ficando, assim,
revogada a Portaria 57/69, de 3 de outubro de 1969. (
MINAS GERAIS
,
1969).
Nessa perspectiva, a sociedade tijucana, através de participão dos pais das
crianças da cidade, exigia a concretização para que esses e outros assuntos referentes à
inncia se tornassem essenciais ao reconhecimento das crianças na condição de cidadãs.
A sensibilidade dos óros competentes, da política, da escola e do compromisso com a
justiça social favoreceu o engajamento na construção de uma sociedade democrática de
151
direitos para suprir as necessidades delas, pois tais práticas de construção democticas
o favorecer para que, também, os óros de instâncias maiores levem em conta as
premências das populões infantis, em especial as das classes menos favorecidas e
expropriadas ao longo da nossa história. Diante de tais acontecimentos, se poderá, com a
LDB
e na revisão constitucional, contribuir para que os direitos da inncia no Brasil se
tornem reais ou, pelo menos, posveis.
Contudo, é importante salientar que o fato de reconhecermos a importância da oferta
educacional a todas as crianças de até 7 anos não garantirá mudanças estruturais nas suas
condições de vida. Assim, se por um lado uma educação democrática considera a criança
como ser social que faz parte de direitos que devem ser assegurados, por outro essa visão não
pode ser enfraquecida por uma visão de assistencialismo e, portanto, por um paternalismo que
mitifique os poderes da educação, colocando-os como panacéia para todos os males de uma
sociedade marcada pelas desigualdades sociais.
Diante de fatos acontecidos no interior do Grupo Escolar João Pinheiro, fica
evidenciada a necessidade de estabelecer diretrizes educacionais mais coerentes com suas
práticas pedagógicas. Nesse sentido, para que as crianças do referido grupo tivessem um
ambiente mais acolhedor a suas reais necessidades de desenvolvimento cognitivo, físico e
emocional, as professoras e a diretora América, naquele período, já procuravam manter a
organização da instituição, pois as condições de infra-estrutura do prédio eram precárias.
Segundo depoimento da diretora:
O Grupo Escolar João Pinheiro estava muito acabado nos anos de 66, 68. Eu
fiz muitas campanhas para arrecadar dinheiro para dar uma reforma no
prédio, em tudo mesmo. As meninas coitadas — carregavam água na lata
para lavar essas coisas. Ah! Era um mau cheiro, uma coisa horrorosa, eu
comprei uma mangueira, coloquei em um lugar que dava para arrumar o
grupo todo, sem precisar carregar mais água na lata. Fiz também rifas e com
o dinheiro ajudava manter o que o grupo precisava. Os professores tinham
um bom relacionamento com todos, tinham prestígio na sociedade, mas
coitados — ganhavam mal. (
CARVALHO
,
2007).
A escola tinha preocupação com a limpeza externa de suas dependências, pois
como nos apresenta Carvalho — todo sábado era dia de realizar aquela limpeza: vinha
determinado da Delegacia de Ensino que as responsáveis pela faxina das escolas se reunissem
em todo o Estado de Minas Gerais para organizar as salas de aula, mantendo seu mobiliário
organizado, os edifícios sempre conservados, para receber bem as crianças. Portanto, a
necessidade de higienização do grupo era constante entre elas. Porém, mesmo com o discurso
152
de escolas bem equipadas pelo governo, o grupo escolar enfrentava em seu interior
diversidades constantes, tendo muitas vezes que dispor de recursos humanos para enfrentar as
falhas existentes na escola. Com isso, as crianças que freqüentavam essa instituição
lentamente conquistavam seu espaço de vivência, mesmo com todo rigor das disciplinas e
autoridades impostas a elas dentro do grupo escolar.
Como o cargo de diretora naquela época era feito por indicação política, de acordo
com a entrevistada Carvalho (2007), a mesma teve de ser substituída por outras
professoras para assumir a direção do grupo escolar. Nesse período entre os anos de 1968
e 1969, até meados de 1971, o grupo escolar contou com diretoras interinas para
administrar o grupo. Portanto, percebemos que o momento era de extrema delicadeza, pois
as mesmas tiveram uma permanência breve no contexto do grupo naquele peodo,
dificultando muitas vezes o bom desempenho de professoras, alunos e, conseqüentemente,
a matcula das crianças, pois naquele momento a escola seguia orientação da Secretaria
de Estado da Educação fundamentada na portaria 66/69, de 28 de janeiro de 1970, que
dispõe sobre a matrícula e o horário de funcionamento das aulas nas unidades de ensino
elementar, supletivo, 5ª e 6ª séries primárias (curso complementar) e ensino emendativo,
em 1970, e dá outras providências.
1. As aulas nos estabelecimentos de ensino pré-pririo, primário
elementar, terão início dia 2 de fevereiro, em sessão solene.
2. Os alunos que cursaram as diversas séries em 1969 terão sua
matrícula renovada para o ano letivo de 1970, no próprio
estabelecimento de ensino, mediante confirmação dos pais ou
responsáveis.
4. Não será negada a matcula na escola primária, sob qualquer
alegação, seja de crença, raça ou outro preconceito de ordem social.
6. Serão admitidos à matrícula nos estabelecimentos de ensino (jardim
de infância: Cursos Pré-primário, Pririo supletivo, 5ª e 6ª e sexta
séries e Ensino Emendativo) candidatos que comprovem a idade exigida
nas diversas categorias de ensino através da certidão de registro civil.
Os cartórios de registro civil expedirão, gratuitamente, certio de
nascimento, para efeito escolar, na forma da lei.
6.1. Consideram-se como tendo, na época da matrícula, 4 (quatro), 5
(cinco), 6 (seis), 7 (sete) e 11 (onze) anos e 14 (quatorze) anos, os
candidatos que os completarem até 30 de abril de 1970.
Secretaria de Estado da Educação, em Belo Horizonte, aos 7 de
novembro de 1969.
Resolução n. 51/70, do Regime Escolar, Capítulo
I
, do ano letivo:
Artigo 1º. O ano letivo terá duração mínima de 200 dias.
Artigo 2º. O dia letivo terá durão nima de:
I
Nos turnos diurnos 4 (quatro) horas e 30 (trinta) minutos, de modo a
perfazer 800 (oitocentas) horas/aula anuais;
II
No turno noturno 3 (três) horas;
III
Nos cursos complementares 6 (seis) horas diárias.
153
§ . O período destinado ao recreio será de 30 (trinta) e 15 (quinze)
minutos, nos estabelecimentos de 2 e 3 turnos diurnos, respectivamente,
não devendo ser computado no cálculo das horas/aula;
§ 2º. As unidades escolares que funcionarem três turnos diurnos
deverão perfazer no nimo 720 horas/aula, anuais, em 240 dias letivos.
Seção
III
Curso Pririo.
Artigo 29 Serão admitidas à matrícula, nos estabelecimentos e ensino
elementar, as criaas em idade de 7 a 14 anos, observada a escala de
prioridade que se refere o artigo 24 desta Resolução, quando o número
de vagas o for suficiente para o atendimento destes alunos, além de
atendimento a zoneamento, como requisito primeiro de matrícula.
Parágrafo único Os candidatos à 1ª rie, serão matriculados de
acordo com a seguinte ordem preferencial;
I
Alunos mais distantes da idade cronológica própria de série;
II
Alunos que, pela primeira vez, se candidatarem à matrícula, com a
idade exigida pelo artigo 15.
Artigo 15 Para efeito do artigo 14, consideram-se como tendo quatro
(4), cinco (5), seis (6), sete (7), onze (11) e 14 (quatorze) anos os
candidatos que o completarem dentro de 90 dias do início das aulas.
Artigo 30 Os alunos que hajam concluído o terceiro período do jardim
de infância ou o curso ministrado em classes pré-pririas, anexas às
unidades de ensino pririo elementar, terão assegurada a matrícula na
1ªsérie do Curso Pririo das mesmas unidades. (Belo Horizonte, 9 de
novembro 1970). (
GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
, s. d, s. p.).
Contudo, no ano de 1972, assume a direção do grupo escolar a professora da
instituição Neiva Marilla de Oliveira Laterza, que atuou como diretora efetiva no período de
1972 a 1989. De acordo com depoimentos feitos por ela, o seu ingresso na vida escolar se deu
de maneira bastante consciente, pois gostava muito de crianças e de trabalhar com elas. Essa
vontade foi crescendo e resolveu, portanto, fazer o ginásio para ter uma formação melhor.
Estudou, naquela época, no colégio particular São José,
45
depois foi estudar em outro colégio,
o Santa Martelina, em São Paulo, onde fez o curso Normal. Atuou durante uma época como
professora no Grupo Escolar João Pinheiro, e teve o seu ingresso através do concurso
realizado naquele período. Tendo uma boa classificação, pôde escolher seu local de trabalho,
que residia nas proximidades da escola. Fez sua opção para atuar como professora naquele
estabelecimento, que no momento exigia de seu professores bastante compromisso com seus
trabalhos pedagógicos, tinham bastante rigor em seus assuntos educacionais. Portanto, no
intervalo entre ser professora, já estava atuando como vice-diretora naquele momento, quando
recebeu o convite para assumir a direção do grupo escolar.
45
O Colégio São José foi fundado em 1940, pelos padres Estigmatinos José Tondim e Julio Sieef. Era
popularmente chamado de Escola do Laurindo, pois atuava como professor naquele colégio o professor
Laurindo, que ocupava importantes cargos na primitiva cidade (
OLIVEIRA
,
2003, p. 58).
154
QUADRO
10
Horário de aula do Grupo Escolar João Pinheiro e Grupo Escolar Mascarenhas
46
GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
GRUPO ESCOLAR MASCARENHAS
Entrada Saída Séries Entrada Saída Séries
7h 10h30 3ª e
10h30 14h 1ª e 2ª 14h 17h30 1ª a 4ª séries
Diz a depoente Laterza:
Assumi a direção do Grupo João Pinheiro a pedido do delegado de Ensino
José Maria Fenelon, pois naquele momento estava na vice-direção, tinha
saído da regência da sala de aula. Fiquei muito preocupada com o convite,
pois era muito nova ainda não tinha experiência para ser diretora. Fui a
Uberlândia, pois a delegacia naquela época era lá, fui conversar com ele
porque fiquei com receio de assumir o cargo. Ele então pediu para assumir,
pois não via outra pessoa com qualidades melhores para tal cargo. Disse que
a escola enfrentava situações difíceis no momento que exigiam a minha
permanência. O grupo estava perdendo muitos meninos, saindo para ir para
outro lugar, conflitos entre professores, então tínhamos que solucionar essas
dificuldades, dentre outras. Falei que ficaria então até dezembro, isso era
1º de julho, portanto ficaria cinco meses para ajudar a resolver tais
conflitos. Ele então concordou. (
LATERZA
,
2007).
Nesse intervalo entre julho a dezembro do referente ano, a situação da escola
apresentava melhoras, a presença dos pais em acontecimentos sociais era freqüente, as
professoras estavam em um clima de harmonia, as crianças apresentavam melhoras em
aspectos pedagógicos, e a freqüência tinha aumentado bastante, relata Laterza. Então, ainda
funcionava junto ao Grupo João Pinheiro o Grupo Escolar Mascarenhas que atendia crianças
de 7 a 14 anos nas séries iniciais também. E tinha então que adequar os horários para atender
as duas escolas, então os horários tinham que ser diferenciados, ficando estabelecidos como
mostra o Quadro 10.
Porém, a Secretaria de Estado da Educação tinha horários estabelecidos para os
ensinos, segundo a portaria 66/69, 28 de janeiro de 1970, que dispõe sobre a matrícula e o
horário de funcionamento das aulas nas unidades de ensino pré-primário, primário elementar,
supletivo, a séries primárias (curso complementar) e ensino emendativo, em 1970, e
outras providências (retificação):
46
O Grupo Escolar Ildefonso Mascarenhas da Silva teve suas instalações no dia 9 de março de 1947, sob a
direção de Maria Moraes esse foi o segundo grupo escolar do município; em 1954 funcionava junto com o
Grupo Escolar João Pinheiro.
155
VIII
Horário Escolar.
41. As unidades escolares obedecerão ao seguinte, horário, conforme o
número de turnos em que funcionarem:
41.1 Turno Único – De 12 (doze) a 16 (dezesseis) horas e 30 (trinta)
minutos.
41.2 Dois turnos de 7 (sete) a 11 (onze) horas e 30 (trinta) minutos e de 12
(doze) a 16 (dezesseis) horas e 30 (trinta) minutos.
41.3 Três turnos – de 7 (sete) as 10 (dez) horas e 30 (trinta) minutos; de 11
(onze) ás 14 (quatorze) horas e 15 (quinze) minutos as 17 (dezessete) horas e
30 (trinta) minutos.
41.4: O curso Supletivo funcionará de 18 (dezoito) horas e 30 (trinta)
minutos a 21 (vinte e uma) horas e 30 minutos.
41.5 As classes de ensino emendativo obedecerão ao regime de
funcionamento dos grupos escolares ou da instituição mantenedora.
41.6 A duração das aulas do Curso complementar será de seis horas diárias;
inclusive os períodos de merenda e recreação, cabendo à direção da escola
estabelecer o horário de início e término das atividades escolares.
44. Decorrida a metade do dia letivo, nos estabelecimentos que funcionarem
em dois turnos, haverá meia hora de intervalo, destinado à merenda e ao
recreio.
44.1 – O intervalo destinado ao recreio será reduzido a 15 minutos em
regime de três turnos.
Registre-se, publique-se, e cumpra-se. (
GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
,
s. d, s. p.).
A situação que a escola vivenciava naquele momento dividir suas dependências
com outro grupo muitas vezes criava conflitos internos com pais e os professores, pois as
famílias queriam, de toda maneira, que seus filhos estudassem no grupo considerado pela
comunidade como celeiro educacional, mesmo ao estudar em outro grupo com uma boa
qualidade nas mesmas dependências. Os profissionais ficavam a todo o momento dando
explicações de tal situação e tentando contornar as dificuldades encontradas para mostrar a
importância, também, do outro grupo. De forma incipiente, explicavam que o método
utilizado nos grupos tinha como finalidade ensinar seus filhos, alfabetizar, pois alfabetizar era
uma necessidade social que ia muito mais que ensinar a codificar e decodificar palavras e que
os dois estabelecimentos tinham essa preocupação.
Portanto, são tantas mães que esperavam da escola que seus filhos aprendessem a ler,
escrever e a contar “para que não ficassem burros”. Contudo, muitas achavam que a
aprendizagem da leitura e da escrita requer ensino e deveria fazer parte do cotidiano da
criança, mais especificamente no primário, como era estabelecido naquele momento, e tinham
medo de seus filhos estarem sendo prejudicados. Diante de tal situação, o Grupo Escolar
Mascarenhas não permaneceu por muito tempo naquele estabelecimento, pois os pais
compreenderam a importância do grupo, que teve suas matrículas ampliadas e, portanto,
mudou-se para outro local mais apropriado.
156
3.2 Nova modalidade de ensino: Escola Estadual João Pinheiro de 1º Grau
A partir desse momento, passaremos a apresentar as reflexões do processo de
construção de infância dentro dessa nova modalidade de ensino implantada no contexto da
Escola Estadual João Pinheiro, que, portanto, se fazem necessárias para que possamos
entender com mais visibilidade as concepções de infância presentes e que assumem diferentes
significados em diferentes classes sociais. Segundo Charlot (1986, p. 100), a idéia de infância
se introduz na pedagogia com as significações que lhe atribuem um pensamento que encara a
educação com relação à natureza humana e à cultura.
Como as salas de aulas disponíveis podiam ser utilizadas, ocupadas por duas salas de
aulas, a do Pré-primário criada pela diretora, que não se opôs para que estas se estabelecessem
no grupo, a todo o momento os pais pediam que ela abrisse uma sala para as crianças menores
de 7 anos. Assim, fez uma reunião com os pais e explicou que iria abrir duas salas, para
atender à demanda das crianças, que eram muitas, pois como a maioria dos filhos maiores
freqüentava grupo, muitos conheciam o ensino ministrado na instituição e aceitavam a
proposta de ensino do mesmo. Mas fez uma ressalva, dizendo que a delegacia não tinha
autorizado a criação dessas salas e, caso desse algum problema, as mesmas podiam ser
encerradas a qualquer momento. Todos concordaram com tal situação.
Contudo, considera-se que a Escola Estadual João Pinheiro representava, nesse
momento, a criação de uma modalidade de educação constituída para os filhos de uma
determinada classe social, apesar de a escola pública ser criada para atender os filhos de toda
população. Podemos perceber que essa escola estadual também agregava, em sua grande
maioria, filhos de famílias mais abastadas da cidade, pois ela era considerada como uma
escola de referência no cenário educacional de Ituiutaba.
Nessa perspectiva, podemos analisar que a situação principal a ser resolvida naquele
momento era a implantação das salas para atender os menores, sem a preocupação com o
espaço físico, conforme Montessori (1987) considera em sua proposta de adequação dos
móveis ao tamanho das crianças. No lugar de carteiras, mesinhas e uso abundante de materiais
didáticos para exploração motora, pois a filosofia e os métodos adotados por Montessori
procuram desenvolver o potencial criativo desde a primeira infância, associando-o à vontade
de aprender, que considera inerente a todos os seres humanos. Pois, apesar das contribuições
de Montessori serem adequadas para que possamos entender a criança, não podemos deixar
de salientar que a escola em foco tratava-se de uma instituição pública e, conseqüentemente,
157
seu mobiliário não apresentava naquele contexto características diferenciadas das demais
escolas públicas de Minas Gerais. Eis o que diz a diretora:
Eu iniciei um Pré porque a demanda estava muito grande e parece que as
crianças que iam estudar eram filhos de pessoas que podiam me ajudar
financeiramente na escola; confesso que naquele momento fui até
desobediente: quando eu criei este Pré-primário ainda não tinha recebido
autorização para ter seu funcionamento; o mesmo tinha que vir da delegacia,
mas eu tinha no grupo crianças que estavam com sede de aprender, pois era
uma criançada saudável, os pais acompanhavam bem de perto seu
desenvolvimento, e conseqüentemente se desenvolviam mais. Naquele
momento, queria ajudar as crianças que não tinham idade de estar no
primário. (
LATERZA
,
2007).
Percebemos que a diretora tentava encontrar uma forma de concretizar os anseios
dessa comunidade escolar, que, juntamente com o Estado, a credenciavam para atender aos
problemas emergenciais da escola estadual e a possibilitavam lutar para obtenção e
implantação dessa nova modalidade. Buscava-se sanar e, de uma certa forma, atender à
necessidade das crianças menores de 7 anos de idade que estavam fora da escola naquele
momento, pois seus pais, apesar de possuírem condições sociais que os favoreciam de colocar
seus filhos em escolas particulares, julgavam que a Escola Estadual João Pinheiro, apesar de
ser uma escola pública administrada pelo governo, atendia, de forma satisfatória, a essa
camada social. Portanto, essas questões faziam com que a direção da época buscasse
caminhos nas lacunas legais para a implantação dessa modalidade. Portanto, as legislações
vigentes, pois a proposta da lei era ter em seus estabelecimentos de ensino crianças de 7 a 14
anos. Mas como tinha uma demanda significativa, propôs as instalações de níveis de ensino
diferenciado na Escola Estadual João Pinheiro. De acordo com as fontes analisadas pelo
registro geral de matrícula do grau, estes eram filhos de comerciantes locais, professores,
funcionários do grupo, pessoas que trabalhavam no comércio e, também, de fazendeiros,
médicos, advogados, bibliotecários e pessoas influentes do local. Eram apresentados na ficha
de matrícula, que seguia um padrão determinado pela Secretaria de Estado da Educação
constava como informações, profissão dos pais, renda mensal, bens que possuíam carro,
marca e ano do mesmo, além dos convênios médicos. Ela atendia, também, crianças que não
moravam na localidade e, mais uma vez determinada em seus objetivos, se preocupava em
atender à situação da infância local matriculando crianças fora do chamado zoneamento. As
salas eram compostas por 28 a 30 crianças na faixa etária de 5 (cinco) a 6 (seis) anos. Como
algumas das crianças que estavam freqüentando as salas de aulas naquele momento não
tinham quem olhasse por elas — seus pais trabalhavam e as crianças não podiam ficar
158
sozinhas —, veio a necessidade de ter essas salas de pré. Houve reclamações na Delegacia de
Ensino por terem estas salas de aula funcionando naquele estabelecimento de ensino. Naquele
momento, as escolas particulares da cidade tinham o pré, dentre elas o Colégio Santa
Teresa.
47
Mas, mesmo perante estas constatações, fez-se abertura das salas não de maneira
oficial. Salientamos que a direção do grupo, apesar de ter a convicção que não precisava
seguir a determinação das leis, nos documentos analisados das ries seguintes cumpria as
orientações destas. A necessidade de implantar a salas da pré-escola pela diretora, e com a
permanência desta na instituição, demonstra que, preocupada, ela esclareceu aos pais que,
qualquer problema, ela conversaria com eles. Segundo seu depoimento:
Houve denúncia na Delegacia de Ensino, e eu tive que ir para conversar,
explicar a situação que eram até filhos de professores, funcionários dos
bancos, pessoal que trabalha no comércio, que não podia pagar escola
particular, pois esta era muito cara naquela época. (
LATERZA
,
2007).
Nessa perspectiva da Escola Estadual João Pinheiro, percebe-se que era freqüente a
matrícula naquela instituição de crianças portadoras de necessidades especiais; constava que
eram oito as freqüências destes naquele período. Eram crianças com dificuldades de se
locomoverem, com pouca visão, com dificuldade de aprendizagem e outras.
Ao explicar a existência destas salas, a superintendente então propôs a seguinte
alternativa:
[...] tem uma professora que está à disposição para ser removida para
Ituiutaba, e como possui curso em Educação Especial, estava com
dificuldades para arrumar uma colocação para a mesma, então colocaremos
no grupo [...]. (
LATERZA
,
2007).
Na descrição dos procedimentos para execução dos objetivos a serem alcançados pela
diretora, percebemos, porém, que tal metodologia deixa vislumbrar a penetração dos ideais
modernos referidos por Montessori (1987), pois esta retratou em seus estudos as crianças
excepcionais e deficientes mentais, apresentando, portanto, que a vida da criança assumiu um
novo aspecto quando, no início do século
XX
, a higiene começou a penetrar nas classes
populares; através da meiguice e da tolerância, os princípios educativos introduziram-se tanto
nas famílias como nas escolas. Montessori explicita que:
47
Sobre o Colégio Santa Teresa, consultar Oliveira (2003).
159
[...] Desenvolvendo-se, enfim, uma organização consciente das classes,
procurou-se organizar as crianças, incutindo-lhes a noção de disciplina social
e dignidade que resulta em favor do indivíduo, como ocorre em organizações
do gênero dos escoteiros e das “repúblicas infantis”. Os revolucionários
reformadores políticos da atualidade tentam assenhorear-se da infância a fim
de transformá-la num instrumento dócil de seus desígnios. (1987, p. 9).
Vale a pena retratar tal concepção de evolução da criança no meio social, momento em
que a infância é considerada e ainda inserida nos projetos da sociedade. Isso é a criança hoje;
é uma personalidade presente no mundo social. Para a autora citada, um importantíssimo
problema social apresenta-se, portanto, em toda a sua plenitude: “o problema social da
infância” (
MONTESSORI
,
1987, p. 10). Podemos verificar, portanto, que a diretora naquela
época foi ousada ao instalar as salas de aula da pré-escola, pois, conforme a Legislação
vigente naquele momento dentro do contexto educacional, a lei 5.692/71, de 11 de agosto de
1971, fixou diretrizes e bases da escola de 1º e graus. Tendo o ensino de 1º grau
compreendido entre oito anos letivos, segundo o art. 18, destinava-se à formação da criança e
do pré-adolescente (art. 17); contudo, o ensino primário obrigatório e gratuito dos 7 aos 14
anos foi fixado pela Constituição Federal de 1967 (art. 176 § 3º,
II
).
O Conselho Federal de Educação (
CFE
), ao implantar a reforma de ensino de 1º e graus,
conforme as orientações expressas na lei 5.692/71, caracterizaram o pré-primário como:
Escolas maternais, instaladas para atender classes menos favorecidas,
visando principalmente, à preservação do desenvolvimento orgânico, e
jardins-de-infância que se destinam às crianças de 4 a 6 anos, com três graus:
o último deles é designado pré-primário, acusando essa designação um
repertório curricular estreitamente articulado com o ensino primário.
(
PARECER
990/72).
A reforma define a educação p-escolar como espo que se destina à prontidão para a
alfabetização. Porém, não declara a responsabilidade do poder público com essa modalidade. A
mesma legislação que substituiu a anterior (lei 4.024/61) tamm citou o ensino da educão infantil;
os sistemas de ensino velarão para que as criaas de idade inferior a 7 anos recebam educação em
escolas maternais, jardins de inncia e instituições equivalentes (Cap.
II
, art. 19, par. 2º).
No que se refere ao campo da educação, a lei federal 4.024/61 trata do atendimento à
criança em dois de seus artigos:
Art. 23 A educação pré-primária destina-se aos menores de 7 anos, e será
ministrada em escolas maternais ou jardins de infância.
Art. 24 As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de 7 anos
serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou cooperação
com poderes públicos, instituições de educação pré-primária.
160
Portanto, conserva-se o estímulo às empresas, mas não se define a obrigatoriedade nem a
responsabilidade da educação de crianças pequenas, deixando-as livres para se definirem os
rumos que dariam à educação infantil. Mais uma vez, o Estado não assume as
responsabilidades com a educação dos menores de 7 anos de idade. Assim, tanto na
LDB
(lei
4.024/61) quanto na lei 5.692/71, que reformula a
LDB
nos capítulos referentes ao e
graus, os textos constituem-se de palavras que expressam “estímulo”, “cooperação”, “zelo”,
significativamente diferentes de “direito” e “responsabilidade”.
Contudo, mesmo diante das legislações vigentes, a Escola Estadual João Pinheiro
manteve essas duas salas da modalidade do pré-escolar, com o ingresso da nova delegada de
ensino, que, ao assumir o cargo, foi informada de tal fato ocorrido na cidade a criação das
salas. Diante de tais informações, solicitou à diretora para prestar mais esclarecimentos do
acontecimento. A depoente, portanto, fez seus esclarecimentos e, juntas, encontraram
alternativas legais para permanência e necessidade dessa modalidade no grupo e a
comunidade local entusiasmada com a idéia de que as crianças deviam permanecer nesse
estabelecimento para concluir as séries seguintes.
Percebemos que, durante esse processo referente às legislações, as crianças da referida
instituição permaneceram no embate entre a permanência ou não no Grupo, passando
conseqüentemente a desempenhar papel específico no conjunto do sistema educacional local,
qual seja, o de começar a formação de que toda criança necessita para exercer a cidadania,
estabelecendo ainda suporte para o prosseguimento das séries posteriores.
A entrevistada nos esclarece que, quanto às legislações, ela não tinha muita
preocupação em segui-las. Mas como estas vinham determinadas pelo Estado e deviam ser
obedecidas tanto pela escola como pelos seus representantes do órgão oficial que na época
recebia a denominação de Delegacia de Ensino, ela procurava neste contexto atender a essas
determinações em sua grande maioria da esfera do cotidiano da escola. Ressalta que as
crianças aprendiam muito rápido, achava que não deveria ficar esperando o tempo que as leis
estabeleciam para aprovar as crianças. Segundo depoimento,
Sabe, quando as crianças entravam na primeira série e não tinham feito o
pré, às vezes tinham dificuldades, então era uma escola assim, que não podia
seguir muito o ritmo das outras, sabe? Às vezes dava até um probleminha: os
pais queriam que seus filhos ficassem todos na escola. Não aceitava esse
negócio de voltar as crianças de sala só porque não tinham idade.[...] a
escola apresentava bons resultados. A inspetora também me apoiava, pois as
leis chegavam muito devagar no interior. (
LATERZA
,
2007).
161
Retomando a perspectiva da Escola Estadual João Pinheiro em relação ao pré, ficou
evidenciado que as professoras durante aquele período tinham práticas pedagógicas voltadas
para alfabetização, apesar de serem consideradas como lentas. As narrativas nos apresentam
que se utilizavam cartilhas, além de materiais didáticos como cartazes, murais, fichas,
trabalhos direcionados ao quadro-negro, ditados, caderno individual, lápis, borracha,
excursões com os alunos. Diante desse contexto, achamos interessante abordar as idéias do
pensador Pestalozzi, que introduziu grandes inovações no campo da didática como o uso do
lápis, das lousas individuais, das letras do alfabeto em cartões e, também, de excursões para
observação e coleta de materiais.
Prosseguindo com a discussão, as professoras no interior da escola ainda utilizavam,
portanto, do mesmo material das séries seguintes, mas com um diferencial de forma bastante
elementar: não aprofundavam o conhecimento, deixando para que este se concretizasse de
fato nas séries seguintes. A cartilha trabalhada desde o início para a alfabetização era a
Cartilha da Infância, tanto no pré quanto na primeira série; ou até que a criança se
alfabetizasse
48
. Mas percebemos que a infância naquele momento era considerada como
uma criança mais amadurecida, pois eram filhos de pessoas de nível social bom, não tinham
dificuldades. Neste sentido, a apresentação de Libâneo traz contribuições significativas para a
análise do contexto histórico da pesquisa ora elegida.
A entrevistada ainda nos apresenta que, para colocar as crianças nas salas, fazia uma
seleção nas séries de a que se apresenta desta forma: os alunos mais fracos, ela colocava
em uma sala especial para trabalhados diferentes dos outros alunos. Os pais concordavam
com essa forma de trabalhar, pois sabiam que os professores tinham a intenção de oferecer a
melhor aprendizagem para as crianças. E as séries iniciais eram visualizadas pela comunidade
como sendo muito bem desenvolvidas, pois quando as crianças prestavam exames para
ingressarem na 5ª série sempre as crianças do grupo recebiam as melhores classificações.
Analisando a observação feita pela diretora, fica evidente a postura da época que
tendia para a separação dos alunos que eram mais “fortes” em salas diferentes dos mais
“fracos”. Conseqüentemente, se esse procedimento fosse analisado pelo olhar de hoje,
poderíamos julgá-lo como excludente; portanto, ressaltamos que, no período militar, era
seguido o tecnicismo educacional. Segundo Libâneo (1994, p. 67), “[...] desenvolveu-se no
48
De acordo com as observações de Magda Soares [...] “Alfabetizar é propiciar condições para que o indivíduo
criança ou adulto tenha acesso ao mundo da escrita , tornando - se capaz não de ler e escrever, enquanto
habilidade de decodificação e codificação do sistema de escrita mas sobretudo, de fazer uso real e adequado da
escrita em todas as funções que ela tem em nossa sociedade e também como instrumento de luta pela conquista
da cidadania” (1998).
162
Brasil na década de 50, à sombra do progressivismo, ganhando nos anos 60 autonomia
quando constitui-se especificamente como tendência” por determinações de um contexto da
ditadura militar. “Esta orientação acabou sendo imposta às escolas pelos organismos oficiais
ao longo de boa parte da ditadura, por ser compatível com a orientação econômica, política e
ideológica do regime militar.” (
LIBÂNEO
1994, p. 67). Havia uma significativa preocupação
com as questões relativas aos bons costumes e à noção da moral difundida naquele período de
ditadura militar; essas práticas cotidianas evidenciam que o âmbito local está inserido também
no nacional e seus reflexos perpassam o cotidiano escolar. Conforme nos é relatado:
As crianças usavam o sistema de cartilhas, acho que era a Cartilha da
Infância, que era silábica e era trabalhado também o método analítico, o
método global. Naquela época já dava algumas noções de matemática para
as crianças, saíam do pré sabendo contar até 50, 60. Para alfabetizar as
crianças com mais dificuldade, firmava as palavras no quadro, pois essa era
uma forma de se trabalhar com o método analítico. (
LATERZA
,
2007).
Nesta perspectiva, considerando que a Escola Estadual João Pinheiro adotava em seu
planejamento pedagógico para alfabetização o método global analítico, faz-se necessário
apresentarmos alguns aspectos metodológicos utilizados pelo método para que haja uma
melhor compreensão do contexto educacional desenvolvido no cotidiano dessa instituição. O
método analítico tinha como eixo o professor. O manual a ele direcionado era detalhado.
Explicava etapa por etapa de um dos processos do método analítico, denominado global de
contos, e destacava argumentos favoráveis ao método que propunha um trabalho que partia do
todo para as partes: unidades maiores (historietas, sentenças e palavras) para as partes:
unidades menores (sílabas e letras). Entre estes argumentos encontravam-se afirmativas como:
“A leitura em vez de ser um simples mecanismo de decomposição e recomposição de palavras
é um exercício de idéias”; “A idéia completa e concreta representada pela frase é mais fácil de
ser fixada e retida pela criança do que a palavra e, com maioria de razões do que a sílaba e a
letra”; “O método global favorece o trabalho livre do pensamento, assegura a expressão
natural, deixando que a análise chegue ao momento oportuno”; “Só o método global permite,
em prazo relativamente curto, integrar os exercícios de leitura com o ensino geral e
estabelecer a correlação das matérias” (
MINAS GERAIS
,
2003, p. 57–8).
Portanto, os apontamentos delineados por Rizzo (1983, p. 21) se fazem pertinentes
para melhor compreensão do método, pois esta nós esclarece que este é o “segundo grupo de
métodos altamente especializados no ensino da leitura e da escrita, que, portanto, baseia-se no
conceito de que as unidades significativas da ngua palavras e sentenças devem ser o
ponto de partida; os analíticos partem do todo para as partes e procuram romper de forma
163
radical com a denominação decifração. Segundo Maciel (2001, p. 4), buscando atuar na
compreensão, estes métodos defenderam a inteireza do fenômeno da língua e dos processos
da percepção infantil”. Esses métodos tomam como unidade de análise a palavra, a frase e o
texto e supõem que, sendo baseados no reconhecimento global como estratégia inicial, os
alunos podem realizar posteriormente um processo de análise de unidades que, dependendo
do método global de contos, sentenciação ou palavração, vai do texto à frase, da frase à
palavra, da palavra à silaba.
Conforme nós e apresentado por Rizzo:
Depois que estas unidades maiores, forem reconhecidas, é que as unidades, cada
vez menores, passam a ser reconhecidas isoladamente. Freqüentemente, estes
processos são reconhecidos por Globaise, como se processam do todo para a
parte menor, são classificados entre os “Anaticos”. (1983, p. 21).
Diante desse contexto da escola, as práticas se baseavam em um método tradicional
que consiste, fundamentalmente, em partir da síntese para a análise e do todo para as partes.
Detectamos pelos relatos que tais métodos aplicados pelos professores trabalhavam com
diversos pressupostos, que podemos analisar perante análises de documentos, dentre os quais,
cadernos de plano da professora Terezinha Gouveia Vasconcelos dos anos 1964, 1971,
1972, 1974. Tinham como princípio o aprendizado da escrita, não podendo ser feito por
fragmentos de palavras, mas por seu significado, o que é muito importante para o
aprendizado. Detectamos que existia um sincretismo no pensamento infantil: primeiro
percebe-se o todo para depois se observarem as partes. Nesse sentido, a linguagem funcionava
como um todo, pois a professora tinha que acompanhar os interesses, a linguagem e o
universo infantil e, portanto, as palavras percebidas globalmente também, com que deviam se
familiarizar, ou seja, ter valor afetivo para as crianças. Sendo assim, os métodos analíticos
priorizam como unidade a palavra e a frase ou o texto.
Segundo Lanza:
O manual, em cada etapa, apresentava as cinco fases a serem desenvolvidas
através do método: a fase do conto ou da historieta (“cartazes com pequenos
textos”), a fase da sentenciação, a fase da porção de sentido, a fase da
palavração e a fase da silabação. O processo envolvia operações de análise e
síntese, sistematicamente. Cada fase tinha suas características específicas,
seus objetivos, orientações de atividades a serem desenvolvidas e propostas
de avaliação. O avanço no processo, com a apresentação de novos cartazes
ou com a introdução da divisão dos cartazes em sentenças, porção de
sentido, palavras e/ou sílabas, deveria proceder, após uma avaliação do
domínio (memorização) da escrita e da leitura de tudo que havia sido
trabalhado e treinado com os alunos. (
CADERNO DO PROFESSOR
, 2003, p.
58).
164
Dessa forma em que o método era trabalhado, com apresentação de contos ou de historietas,
cartazes, o aprendizado da escrita não pode ser feito por fragmentos de palavras, mas por seu
significado, o que é muito importante para o aprendizado. Portanto, a linguagem funciona
como um todo. Para Rizzo:
O entusiasmo por estes métodos cresceu muito a partir da década de 30.
Adotado para uns como a palavra, para outros denominados como
sentença, e outros a história como ponto de partida e como tal ficaram
conhecidos: Palavração, Sentenciação e historiados (de historietas ou de
contos). (1983, p. 22).
Contudo, percebemos que os métodos analíticos priorizavam como unidade a palavra,
a frase e o texto. Com ênfase na palavra, temos o método denominado palavração. Segundo
Rizzo (1983, p. 23), a “palavração nasceu da revolta contra os métodos formais que
prevaleceram nos primeiros anos”. Neste método, apresenta-se uma palavra que,
posteriormente, é decomposta por sílabas. A diferença desse método em relação ao silábico é
que as palavras não são decompostas obrigatoriamente no início do processo, são apreendidas
globalmente e por reconhecimento. A escolha de palavras não obedece ao princípio do mais
fácil ou mais difícil. São apresentadas independentemente de suas regularidades. O importante
é que tenham significado. Rizzo (1983, p. 24) mostra que “neste método são apresentadas as
palavras em agrupamento (conjunto organizado por alguma associação de idéias). E os alunos
aprendem a reconhecê-los pelo método de visualização”. Um segundo desdobramento deste
princípio global levou à criação do método de sentenciação. Neste, a unidade é a sentença,
que, depois de reconhecida globalmente, é compreendida em palavras e, finalmente, em
sílabas. Portanto, para Rizzo (1983, p. 26), “a sentenciação representa um 3º estágio na
evolução dos métodos que enfatizam a formação de habilidades de leitura com compreensão
(inteligente)”.
Mais tardios do ponto de vista histórico são o aparecimento e a utilização do método
global de contos e historietas. Neste método, a unidade tomada como ponto de partida é o
texto para Rizzo (1983, p. 32) “método historiado, de historietas, de histórias, de
contos etc”. No Brasil é também freqüentemente chamado de método de “pré-livro”, muito
embora esta nomenclatura tenha sido criada com características, inteiramente diferentes (leia-
se o método natural). Com algumas variações, parte do reconhecimento global de um texto,
que é memorizado e lido durante certo tempo ou período para o reconhecimento de sentenças,
seguido do reconhecimento de expressões (porção de sentido), de palavras e, finalmente, de
silabas. Aqui não estamos falando de um processo seqüencial e quase simultâneo entre essas
165
fases. Tomando como foco o sentido, o professor encaminhava o processo de alfabetização,
utilizando, por um período mais longo, os textos completos de várias lições seguidas.
Somente após este convívio maior com o texto é que viria uma forma de decomposição, mas
com o cuidado de fragmentar o texto em parcelas maiores como a sentença e a palavra. Assim
segundo Frade (2004, p. 35), “se um livro constava de 10 lições, após a 4ª lição, por exemplo,
é que se fazia a fragmentação em sentenças da primeira lição aprendida. Quando se estava na
6ª lição é que se fazia a palavração da 2ª lição, e assim por diante.”
Maciel afirma que:
O sucesso do método global, em Minas Gerais, pode ser considerado como
um novo paradigma na alfabetização, [...] podemos dizer que a supremacia
do uso do método global nas escolas mineiras deve-se em grande parte ao
ensino dado na Escola de Aperfeiçoamento ,desde a sua fundação em 1929,
na cidade de Belo horizonte. (
2004, p. 26).
Assim, podemos constatar que a Escola Estadual João Pinheiro atendia aos critérios
definidos pelo Estado de Minas Gerais em relação ao trabalho das práticas pedagógicas
voltadas para a metodologia do método global analítico. Apresentaremos uma análise mais
detalhada das atividades referentes a tal método logo a seguir, onde serão apresentadas as
práticas pedagógicas da escola, a sala de aula, no período apresentado.
Contudo, naquele período, os professores recebiam orientação da delegacia de ensino
para trabalharem com as salas da pré-escola; quanto às demais salas, os próprios professores
organizavam seus planejamentos, os mesmos se reuniam e faziam de acordo com cada sala,
isto é, vendo a necessidade das crianças. Portanto, como é explicitado:
Naquele momento em que iniciamos as salas do pré, não tínhamos muito
preparo, a gente estava muito imatura, estávamos entrando, aprendendo.
Então a delegada enviava pessoas que trabalhavam lá para nos auxiliar,
mandava o material que deveria ser usado naquelas salas, o material era
ligado à linguagem, que dava ênfase na alfabetização, mas também
trabalhava com desenhos livres, com alguns brinquedos; as crianças tinham
que brincar um pouco, apesar de algumas professoras não gostarem disso.
Dava também um pouco a matemática, usava muito pauzinho de picolé, para
que as crianças aprendessem a contar e, depois, quando passavam para a
primeira série, as professoras preparavam eles melhor. (
LATERZA
,
2007).
Nesse sentido, é interessante a observação de Froebel (1976), pois foi o primeiro
educador a discernir a verdadeira função do brinquedo no desenvolvimento infantil. Para ele,
os brinquedos demonstram mais intencionalidade e indicam, conseqüentemente, mais
inteligência. Esse autor elaborou muitas modalidades de recreação e mostrou como deveriam
166
ser empregadas na educação pré-escolar. São apontadas várias atividades significativas para o
desenvolvimento infantil, dentre elas, Froebel (1976, p. 450) julgava o desenho tão essencial
à vida infantil como a linguagem e explicita que: “a capacidade de desenhar é, assim, tão inata
na criança, no homem, como o é a capacidade de falar, e exige seu desenvolvimento e cultivo
tão imperativamente quanto esta”. Considera-se o desenho como uma linguagem ou forma de
expressão, pois o homem começa a compreender o que tenta representar ou fazer. Dessa
forma, o desenho é um meio de aumentar o conhecimento e exercitar o julgamento e a
reflexão.
Dentre as atividades de Froebel nos jardins de infância, ele aponta o ritmo como
essencial a toda apreciação da arte; essas atividades, em maturação na criança, conduzem
naturalmente do movimento rítmico ao canto. Segundo ele, cada nova atividade surge de
alguma atividade anterior, portanto todas as atividades e capacidades se desenvolvem umas a
partir de outras, por um processo genético. Contudo, tratar dessas questões significa,
primeiramente, discutir sobre quem são os sujeitos que ensinam. A entrevistada nos relata que
a grande maioria dos docentes daquela instituição naquele momento era portadora somente de
magistério. Conforme análise do registro geral do estabelecimento de ensino (
REMG
), a
maioria dos docentes não possuía nível superior, inclusive ela mesma.
Cabe retomar a idéia de que a escrita é um objeto social, que circula numa cultura
letrada, atendendo a funções diferenciadas, de acordo com as necessidades de sua utilização.
A escola foi incumbida de ensiná-la, mas isso não a torna um objeto escolar. Assim, antes e
posteriormente ao processo de escolarização, os sujeitos sociais estão vivenciando e
aprendendo sobre essa linguagem em contextos reais de uso, muitas vezes pela mediação de
outros sujeitos da cultura. Embora de forma não sistemática, esses sujeitos ensinam
linguagem escrita. Por outro lado, na instituição educativa as várias crianças, professores,
alunos e outros profissionais que interagem na ação pedagógica de forma intencional e
planejada contribuem decisivamente para o processo de aprendizagem da linguagem escrita,
constituindo-se como sujeitos que ensinam. Espera-se que tragam a linguagem escrita para a
escola enquanto objeto social que é sem dissociá-la de seus usos.
Portanto, tratar das estratégias de ensino é discutir sobre a organização do trabalho
pedagógico, no que diz respeito à organização dos objetivos, dos materiais, das crianças, das
metodologias de trabalho, bem como no que se refere às intervenções e posturas que
permeiam a ação pedagógica.
Assim, naquele momento, a escola e os responsáveis pelo planejamento precisava
repensar os objetivos de acordo com as crianças que freqüentavam aquelas salas de aulas da
167
instituição, levando em consideração seu contexto sociocultural e tendo em vista possibilitar a
apropriação progressiva de forma significativa dos aspectos que constituem a linguagem
escrita, isto é, aspectos funcionais, textuais, gráficos e aqueles relativos ao sistema alfabético
de representação, trabalhados sempre em torno de três eixos: leitura, escrita e reflexão sobre a
linguagem.
Segundo a depoente, a escola tinha práticas que dizem respeito à organização do
tempo que as crianças permaneciam na instituição educativa. Nesse sentido, sobre o
planejamento das ações cotidianas, era necessário que se realizasse, na entrada, uma oração
em que todos, em filas separadas por salas, rezavam o pai nosso e a Ave Maria para nossa
senhora. E, como não podia ser esquecido, cantar o Hino Nacional, pois estes momentos são
importantes para desenvolver o civismo nas crianças e nos professores; e também demonstrar
disciplina, pois esta estava presente em todos os momentos realizados na escola durante
aquela época. Conforme ata sem número do dia 2 de setembro de 1980, em uma reunião com
os professores, a diretora demonstra com um cartaz alusivo à “Semana da Pátria” com os
dizeres: “A independência somos todos nós”, que foi mimeografado e distribuído aos alunos
de todos os níveis para que o mesmo fosse colorido pelas crianças.
Conforme é apresentado:
Nunca separava as crianças por religião, era tudo misturado: tinha católico,
evangélico, espírita. Fazia naquele momento o que julgava certo, mas se
tivesse algum problema chamava os pais para conversar, pois sempre fui do
diálogo. Quanto ao Hino, esse eu o abria mão, e a Secretaria de Estado
determinava que cantasse o hino na escola. (
LATERZA
,
2007).
Naquela época, era condição necessária que as escolas da rede pública seguissem as
orientações da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, conforme as noções de
civismo e amor à Pátria. Consta no jornal Minas Gerais do dia 31 de julho de 1968
planejamento de atividades que deveriam ser desenvolvidas nas escolas para o bom
desempenho das atividades entre as crianças; o mesmo recomendava a todas as autoridades
escolares do Estado que promovessem comemorações relativas à passagem de mais um
aniversário da Independência do Brasil.
49
Portanto, o cotidiano do grupo estava sempre
fundamentado em princípios de ordem, de disciplina, pois tanto os professores quanto os
alunos deviam seguir tais exigências, que eram contidas em um regimento interno da escola.
Nessa perspectiva, percebemos que a ideologia do período militar e a doutrina da igreja
49
Decreto 68.065, de 14/1/1971, fixa diretrizes e finalidades do
CEE CSC
, bem como prescrições necessárias ao
funcionamento em todas as unidades da Federação (
INFORMATIVO MAI DE ENSINO
, número 891983, p. 80).
168
católica se refletiam até no cotidiano escolar e no modo de pensar e agir dos educadores, em
que a moral católica e o espírito de amor à pátria faziam parte do planejamento escolar e de
todas as atividades presentes no seu interior de forma bastante efetiva.
3.3 Práticas pedagógicas no ambiente escolar: um olhar sobre a concepção de infância
Os documentos consultados incluem atas pedagógicas da escola, diários de
professores, termo de visita de supervisora, livro de ocorrência e advertência, ata de reunião,
ata de colegiado e, mais especificamente, depoimentos, que delineiam as práticas pedagógicas
na Escola Estadual João Pinheiro no período de estudo, que nos anos de 1966 a 1988
traduzem um pensamento de uma escola voltada para uma proposta de trabalho em seu
interior tradicional,
50
que será entrecruzada com a visão de pensadores da modernidade
Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Maria Montessori e, mais especificamente, com o método
analítico global, que parte da síntese para a análise, ou seja, do todo para as partes. Sendo
assim, os métodos analíticos priorizam como unidade o texto, a frase e a palavra.
Como nos é apresentado pela entrevistada:
Naquele tempo, a gente trabalhava dando, primeiramente, os textinhos,
depois iam formando as frases, para em seguida formar palavras. Sempre
passava no quadro para as crianças copiarem isso era a série. Tinha
sempre uma lição que gostava de trabalhar com eles. (
VASCONCELOS
,
2007).
De grande relevância, a autora deste estudo retirou do caderno de planejamento da
professora Terezinha Gouveia Vasconcelos, de 18 de fevereiro de 1965, este trecho: “O boi
bebe no poço./ O dado de Bibi é bonito./ Dói o dedo de Ceci. A ceia é do menino./ É cedo
para a aula./ O doce é de leite./ A cidade é bonita./ A bacia é de ferro”. Depois de passar a
tarefa no quadro, essa professora pedia para que todos fizessem a cópia da mesma historieta
51
para que houvesse fixação; a mesma era lida em voz alta por três vezes individualmente, logo
em seguida era dado um ditado para que as palavras fossem “aprendidas”. Percebemos,
portanto, com algumas variações, parte do reconhecimento global de um texto que é
50
A pedagogia tradicional, em suas várias correntes, caracteriza as concepções de educação em que prepondera a
ação de agentes externos na formação do aluno, o primado do objeto de conhecimento, a transmissão do saber
constituído na tradição e nas grandes verdades acumuladas pela humanidade e uma concepção de ensino como
impressão de imagens propiciadas ora pela palavra do professor, ora pela observação sensorial (
LIBÂNEO
1994).
51
Podemos citar Minas Gerais como exemplo, pois, na esteira das reformas João Pinheiro (1906) e Francisco
Campos (1927) e das idéias do movimento escola-novista, consolida-se no estado a adesão oficial ao método
global de contos ou de historietas. Mais tardios, do ponto de vista histórico, são o aparecimento e a utilização do
método global de contos ou historietas. Nesse método, a unidade tomada como ponto de partida é o texto
(
MINAS GERAIS
,
2004).
169
memorizado e “lido” durante certo período para o reconhecimento de sentenças, seguido do
reconhecimento de expressões (porção de sentido), de palavras e, finalmente, de sílabas.
Portanto, não estamos falando de um processo seqüencial e quase simultâneo entre essas
fases.
Tomando como foco o sentido, a professora encaminhava o processo de alfabetização,
utilizando, por um período mais longo, os textos completos de várias lições seguidas, somente
após ter se relacionado com o texto e que viria uma forma de decomposição, mas com a
cautela necessária de fragmentar o texto em parcelas maiores como a sentença e a palavra.
Simultaneamente, ao longo do processo, percebemos que a professora desenvolvia as
diferentes fases do método, ou seja, a fase do conto ou da historieta (cartazes com pequenos
textos, a fase da sentenciação, a fase da porção de sentidos, a fase da palavração e a fase da
silabação). Nesse momento, segundo nossas análises, o processo envolvia operações de
análise e síntese sistematicamente. Cada fase tinha suas características específicas, seus
objetivos, orientações de atividades a serem desenvolvidas e propostas de avaliação.
Contudo, salientamos que os alunos usavam sempre as mesmas palavras
memorizadas, o que fazia da produção escrita dessas crianças reproduções idênticas ou
desordenadas dos cartazes já trabalhados. Percebemos que a aprendizagem era realizada
através da repetição e do treino através de cópias de repetidas vezes dos cartazes. Como é
relatado por Valentini (2007), tinham de memorizar não só a leitura, mas também a escrita de
cada um dos cartazes.
Em Minas Gerais, durante esse período, o método foi divulgado a partir da Escola de
Aperfeiçoamento (hoje Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Minas
Gerais/
UEMG
), que ficava localizada na capital. Havia demanda dos profissionais para que
houvesse um direcionamento maior. Segundo Frade:
O caso de Minas Gerais é emblemático, [...] havia demanda dos professores
para um direcionamento maior, o que gerou a produção de pré-livros e
cartazes como material de apoio. Antes, estes materiais eram produzidos por
alunas e testados nas classes anexas da Escola de Aperfeiçoamento e nas
escolas de
B
.
H
. Assim, o que era uma tarefa das alunas de um curso de
formação de professores gerou a produção de livros didáticos que foram
editados e utilizados no estado e no país como um todo. (2004, p. 36).
Contudo, era pautado nesse desenvolvimento das atividades que também organiza suas
aulas junto com as outras professoras da escola. Apesar de que, cada uma elaborava sozinha
seu planejamento, mas em alguns momentos de diálogo discutiam o desenvolvimento dos
trabalhos das crianças para que, durante esses momentos de reflexão e elaboração do mesmo,
170
tivessem mais facilidades de planejar. A entrevistada nos apresenta que, durante o tempo que
foi professora, recebeu apenas uma vez orientação da Secretaria de Educação de Minas
Gerais, que teve a duração de três dias; o curso tinha como foco a disciplina, pois as
orientações ensinavam como trabalhar com bastante disciplina nas salas. Ela relata que foi o
melhor curso que já teve, pois ajudou muito a direcionar a disciplina em sua sala de aula.
Tais práticas pedagógicas acabavam se diferenciando um pouco entre um professor e
outro, pois como cada professora decidia como trabalhar nas salas, que não tinha a exigência
de ser da mesma forma; estas, porém, estavam sempre observadas pelos olhares atentos da
diretora e da supervisora da escola. Os cadernos de planos tinham sempre que estar em ordem.
Essa professora ressalta que o caderno de plano era sempre analisado pela supervisora da
escola, junto com a diretora. Estas tinham a preocupação de verificar se o conteúdo trabalho
estava em dia até porque, trabalhavam todos os conteúdos com exceção da religião e da
educação física, que era trabalhado por outro profissional; portanto, o planejamento do
método acabava se diferenciando entre as professoras de séries diferentes, como podemos
verificar em suas palavras:
Tinha o método global, que era trabalhado por alguns professores nas salas
de 6 e 7 anos de idade, era alfabetização mesmo. Eu não cheguei a trabalhar
com ele, pois era professora de rie, trabalhava de outra forma; se fosse
para trabalhar com esse método, não queria. As crianças menores
trabalhavam também na Cartilha da Infância, que era muito boa para
alfabetizar. (
PARANAHYBA
,
2007).
Portanto, as séries iniciais trabalhavam com a Cartilha da Inncia
52
que era silábica e continha as
pticas pedagógicas adequadas naquele momento, segundo relatos, para atender às dificuldades das
crianças na Escola Estadual João Pinheiro, que era considerado como tendo uma prática diferenciada
na sociedade. Trabalhava-se na cartilha. Como nos apresenta a professora entrevistada:
Aquela era boa, não existe mais aquela do
A
,
E
,
I
,
O
,
U
. Eu trabalhava passava
no quadro a leitura, mandava estudar, ia na carteira de um por um; eu fazia
um buraquinho num papel e tampava as palavras, deixava as outras pra não
decorar e, dentro daquele quadradinho, estaria a palavra que queria ler.
Depois, começava com “ai! ui! oi!, au!”. (
PARANAHYBA
,
2007).
Percebemos que as crianças faziam muitas atividades na primeira série. A atividade
principal era a alfabetização, que começava no primeiro ano ou até antes, na pré-escola.
52
A velha cartilha de Tomaz Galhardo , impressa em modesto papel de jornal, em preto e branco, tão divulgada
na época, era o instrumento mais frequentemente utilizado.E o método consistia na memorização das lições que
se sucediam, página a página, [...] Começava-se pelo alfabeto, primeiro as vogais que se “decoravam”pela
repetição inúmeras vezes, até que se conseguia desenhar razoavelmente aqueles sinais.(LEMME,2004.p.89).
171
Trabalhar com os encontros vocálicos era uma necessidade, diz a depoente, para que as
crianças assimilassem as letras. Para casa, distribuía algumas atividades, que incluíam o
estudo da leitura que seria trabalhada na sala de aula no dia seguinte. Então, a professora
repetia o mesmo processo anterior feito com as palavras, fazendo com a leitura. A Cartilha da
Infância continha umas lições; logo abaixo, vinham os exercícios para fixação como nos
relata o depoimento anterior. Repetia as atividades no quadro-negro e mandava copiar no
caderno; usava o caderno de caligrafia para copiar palavras e, se estivesse mal feito, mandava
apagar e fazer novamente; não aceitava de jeito nenhum letra feia e ressalta que usava o
quadro valor de lugar para ensinar a matemática. Todo o material didático era confeccionado
por ela mesma. O ditado, também, era realizado com muita ênfase nesse momento.
Diante de tais práticas, muitas vezes segundo depoimentos de ex-alunos era
necessário interromper os exercícios para fazer alguns movimentos com os dedos, ensinados
pelas mães para aliviar a dor que sentiam nas mãos. No entanto, reiniciavam logo a tarefa,
pois era necessário saber de cor e salteado tudo que tinha sido apresentado pela professora.
Contudo, diante de tais fatos podemos apresentar as contribuições de Libâneo (1994) quando
ressalta que na pedagogia tradicional a atividade de ensinar é centrada no professor, que
expõe e interpreta a matéria. “Às vezes são utilizados meios como a apresentação de objetos,
[...] Supõe-se que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos ‘gravam’ a matéria para
depois reproduzi-la,.[...] porque ouvindo facilita-se o registro do que se transmite, na
memória.” (
LIBÂNEO
,
1994, p. 64). Notamos, portanto, que as crianças estavam naquele
momento a todo instante se distanciando do que os pensadores apresentam como sendo ideal,
a exemplo de Rousseau (1995), que faz crítica aos métodos utilizados na época, que não
ofereciam prazer às crianças. A escolarização era considerada por ele como um período triste,
dado que a instrução era muito severa e a idade da alegria era consumida em meio aos
prantos, aos castigos, às ameaças e à escravidão da criança; Emílio rompe com o que se falava
a respeito da educação: a criança é capaz de aprender com suas próprias necessidades; por
isso ele criticou os currículos que traziam conteúdos distantes da realidade das crianças. As
observações de Libâneo se fazem pertinentes:
É comum nas nossas escolas atribuir-se ao ensino a tarefa de mera
transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o aluno de conhecimentos que
são decorados sem questionamento, dar somente exercícios repetitivos,
impor extremamente a disciplina e usar castigos.
(1994, p. 65).
Contudo, para a entrevista Nascimento (2007), “o planejamento era feito na minha
época sim, no início do ano fazíamos o planejamento para o ano inteiro, este era orientado
172
pela diretora e supervisora”. Diante de tais constatações apresentadas, fica claro que, apesar
de não elaborarem junto, o planejamento das atividades diárias, as atividades e situações
propostas tinham, portanto, o objetivo de favorecer a descoberta e a construção de noções
básicas de alfabetização, ou seja, a elaboração e o maior conhecimento da leitura, da língua
pátria, da linguagem, da aritmética, das ciências e dos estudos sociais, que faziam parte do
currículo da escola, conforme diário de classe do ano de 1967, com folha anexa contendo
porcentagem de alunos novatos e repetentes.
No mesmo sentido, é relevante uma reflexão diante das considerações apresentadas,
segundo apontamentos de Pestalozzi, que criou no ensino elementar um currículo que dava
ênfase ao entendimento oral, à geografia, à aritmética, às artes manuais, ao canto, às
atividades de grupo e ao contato com a natureza. Seu método era baseado no processo
indutivo: partia de experiências concretas para estimular a observação e o raciocínio. A ata 3,
de 26 de agosto de 1988, página 1, livro de ocorrências e advertências, nos demonstra uma
visita extra-sala para serem desenvolvidos os trabalhos pedagógicos. Os professores das
terceiras e quartas séries trabalhavam como nos relata Nascimento (2007): com cartazes,
fichas, material concreto para matemática, livros de leitura de textos, excursões na biblioteca
e praça para trabalhar com a natureza.
Nessa perspectiva, fazem-se necessários os apontamentos de Pestalozzi: o homem,
deixado livre para decidir-se movido por arbítrio de seus instintos naturais, não passará de sua
condição animal. A educação, porém, é capaz de elevá-lo ao nível da natureza humana.
Insistindo na formação profissional, estará preparando o educando para um determinado
ambiente social, para circunstâncias de situações bem concretas. O meio mais eficaz do
ensino é o exemplo. O método mais eficaz é o que se apóia nas leis naturais eternas e que visa
à natureza em sua unidade e totalidade, incluindo todas as faculdades e aptidões. O processo
educativo deve fundamentar-se na capacidade intuitiva do aluno. O aluno não é receptivo,
mas ativo permanente e criativo. A educação deve visar ao desenvolvimento harmonioso de
todas as faculdades e também da técnica. O educador não dá ao educando novas faculdades,
mas deve tomar cuidado para que as influências externas não se tornem um problema no
desenvolvimento natural do processo educativo. As aptidões físicas devem acompanhar as
intelectuais. O trabalho manual é determinante. O fundamento da educação é o lar paterno. À
escola cabe a educação social e política, a formação da autodeterminação, autonomia moral,
para se preservar o educando e torná-lo um adulto livre.
Segundo os apontamentos de Cotrim e Parisi (1984), Pestalozzi voltou-se para o
ensino elementar por considerá-lo fundamental para o desenvolvimento do ser humano. Abriu
uma escola para crianças desamparadas e pôde aplicar, com sucesso, suas idéias, que
173
preocupavam em dar-lhes formação profissional para que mais tarde pudessem ter vida
independente e produtiva.
Visualizamos que a concepção de tais práticas da professora nesse momento já se fazia
diferenciada das demais, sendo que não utilizava neste momento apenas o espaço formador
a sala de aula; já apresentava um olhar diferenciado à criança. Segundo entrevistada:
Quando a gente ia fazer um exercício, nós marvamos no plano de aula página
tal, exercício tal, e aí eu deixava os meninos trabalhando quietinhos, porque não
aceitava indisciplina de jeito nenhum; e quando terminavam, levantavam o dedinho
e aí íamos fazer a correção. Então, passava de carteira em carteira, mesinha por
mesinha, para ver se eles tinham corrigido realmente certo. (
NASCIMENTO
,
2007).
Fica claro que, além de exigir que os alunos mantivessem a disciplina que era a
grande conquista da escola no momento —, os trabalhos pedagógicos mantinham certa ordem
no cotidiano da escola. Como nos é apresentado pela depoente Paranahyba (2007), no início
da aula, assim que chegavam todas as crianças, elas ficavam no pátio, em filas separadas por
salas, para cantar o Hino e fazer a oração, uniformizados, com os meninos de calça comprida
azul, de tecido tergal, camisa branca, pintado no bolso o emblema da escola, sapatos ou tênis
azul ou preto, com meias pretas; as meninas usavam saia azul de tergal, com a barra abaixo do
joelho, camisa branca, pintado no bolso o emblema da escola, sapatos ou tênis azul ou preto,
meias brancas três quartos. E quando entravam nas salas, ainda repetiam a oração, só que cada
sala era diferenciada. No caso da professora mencionada, a oração era “Santo Anjo”.
Conforme o relato: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, Se a ti me confiou a
piedade divina sempre me rege me guarde, me ilumine, amém” (
PARANAHYBA
,
2007).
No que concerne à questão da religião trabalhada pelas professoras, recorremos à
visão de Froebel (1976), que permite delinear em suas diferentes concepções o momento de
tais práticas. Esse autor baseava sua pedagogia numa profunda fé religiosa: Deus era o criador
de todas as coisas existentes, estando presente também no homem. Dessa forma,
A natureza, de acordo com a doutrina humana, deve manifestar-se mediante um
intercâmbio vivo entre os dois — a unidade de lei que existe entre a natureza e
o homem. Por meio da educação, apresentada em sua totalidade — isto é, como
ensino, doutrina e educação propriamente dita —, o homem deve levar de
forma magnânima à sua consciência e à atividade de sua vida o sentimento de
que ele, assim como a natureza, procede de Deus, depende de Deus e em Deus
encontra seu apoio e descanso. Deve, também, a educação conduzir o homem a
uma clara visão de si mesmo, da natureza, da sua uno com Deus. Deve
elevar-lhe o conhecimento de si mesmo, o conhecimento de Deus e da natureza
e, mediante esse conhecimento, conduzi-lo a uma vida pura e santa. Porém,
para chegar a tudo isso, a educação deve fundar-se e repousar sobre o interior e
o mais íntimo da personalidade. Todo o interior passa a ser conhecido por meio
174
do exterior: a essência, o espírito, o divino do homem e das coisas se conhecem
por suas manifestações externas. (
FROEBEL
,
2001, p. 24).
Nesse sentido, a educação deveria conscientizar-nos desse princípio divino que habita
cada um de nós. Froebel apontava três objetivos finais para a educação: a paz do homem
consigo mesmo e seus semelhantes, a paz do homem com a natureza e a paz do homem com
Deus. Froebel vivia para as suas crianças, observava pacientemente suas atitudes, procurando
compreender a personalidade de cada uma. Assim, Eby, ao se referir à natureza criadora do
homem, salienta que:
As mais luminosas idéias com que Froebel contribui para a moderna
Pedagogia foi a de que o ser humano é essencialmente dinâmico ou
produtivo, e não meramente receptivo. O homem é uma força autogeradora e
não uma esponja que absorve conhecimento do exterior. O âmago de seu ser
participa da energia criadora, espiritual, do absoluto. Ele é um organismo de
atividades espontâneas e deve, por necessidade, exprimir sua natureza, não
por meios caprichosos ou arbitrários, mas de acordo com a lei fixa do
desenvolvimento. Como uma criatura da natureza, suas atividades são, antes
de mais nada, inconscientes e instintivas e guiadas pela intencionalidade da
natureza. Quando o homem emerge da natureza, torna-se cada vez mais
plenamente cônscio de seus fins e aceita esses fins para sua luta consciente.
Ele combina, assim, o inconsciente e o espontâneo com a intencionalidade
clara e consciente. O espírito do homem e o trabalho de sua vida são
realizados pela expressão de todos os dons herdados de sua essência divina.
Através desta auto-expressão, ele cresce em auto-realização. (1976, p. 442).
Deste modo, a pedagogia de Froebel é uma pedagogia da atividade espontânea.
Segundo este autor, encontram-se na criança todas as potencialidades e aptidões para que ela
se torne um ser pleno; assim, a educação deve ser um processo evolutivo e natural das
disposições humanas. Froebel rejeitava, veementemente, que o homem é naturalmente mau ao
nascer. Dizia que as deficiências do homem são qualidades boas que, ao longo da vida, foram
suprimidas ou pervertidas e sugeria no combate das deficiências e maldades procurar a fonte
originalmente boa, o lado bom que foi reprimido e perturbado ou conduzido erroneamente. E
ao realizar isso, deveria proteger construir e guiar este lado bom. Para Froebel, sua crença na
natureza humana possuía um comovente entusiasmo:
A vocação do homem, considerado como inteligência racional, é deixar agir
seu ser, manifestando a ão da Divindade: revelar a Deus em seu exterior,
isto é, verificar a lei universal: adquirir os conhecimentos de seu verdadeiro
destino com toda a liberdade e espontaneidade. (1974, p. 643).
Assim, todo desenvolvimento autêntico vem da atividade interior espontânea. Todo o
sistema educacional de Froebel era um processo contra a idéia de que o saber ou a cultura
175
possam ser impostos de fora. Froebel inverteu completamente a idéia tradicional do processo
educacional: ele tentou extrair da criança todas as potencialidades por meio de atividade
automotivada: “O objetivo do ensino e da instrução é extrair sempre mais do homem e não
colocar mais dentro dele” (
FROEBEL
,
1976, p. 446). Realça, ainda, que a criança está repleta
de potencialidades: “Tudo o que ela poderá ser e tornar-se está na criança e pode ser
atingido através do desenvolvimento de dentro para fora” (
FROEBEL
,
1976, p. 446).
Contudo, diante das análises realizadas, percebemos que era neste contínuo processo
que a professora Vasconcelos (2007) rezava para nossa senhora D’Abadia, cantava uma
música para ela e gostava de levar as crianças para a Igreja Nossa Senhora D’Abadia uma vez
por semana. Porém, após o Hino e a oração, os trabalhos desenvolvidos se apresentavam: a
leitura, a tabuada, os exercícios de treino ortográfico, a caligrafia, que não podia faltar na sala
de aula conforme ata sem número, p. 1, do livro de atas pedagógicas do dia 25 de maio de
1976, com a diretora, supervisora, para tratar de assuntos das séries iniciais as mesmas
pediram atuação máxima voltada para a caligrafia dos alunos, corrigirem os erros de
ortografia: o “g”, o “q” e o “f” mal feitos.
Nesse sentido é relevante a contribuição de Rousseau (1979) em relação aos trabalhos dos
mestres, que não devem impor à criaa seus conceitos e padrões particulares. Sua função era
desenvolver no educando a curiosidade para que, por si próprio, este atingisse a sabedoria. Em
suma, o mestre o devia solucionar os problemas, mas oferecer ao aluno os elementos
necessários para que ele, individualmente, compreendesse o problema e alcançasse a solução. Os
erros cometidos pelos alunos durante esse processo o deveriam ser encarados como um pecado
mortal. Se o aluno nunca errasse, nunca aprenderia bem. Portanto, para Rousseau, durante a
aprendizagem, o ensaio e o erro eram um procedimento que precisava ser visto com naturalidade.
Ainda, direcionando suas idéias para a severidade dos professores da época, Rousseau
salientava a reação frente ao erro do aluno como quem condena uma situação criminosa, com
enérgicas punições que as julgavam merecedoras. Rousseau explicita que:
Se apesar de vossas preocupações a criança chegar a fazer alguma desordem,
a quebrar alguma peça útil, não a castigueis por vossa negligência, não
ralheis com ela; que ela não ouça uma palavra de censura; não a deixeis
sequer perceber que vos aborreceu; agi exatamente como se o móvel se
tivesse quebrado sozinho; tereis feito muito, crede, se puderdes não dizer
nada. (1979, p. 79).
Assim, esse pensador sugere ao professor que observe o aluno, fique atento,
silenciosamente, para que ele possa se encontrar em situação de percebê-los e corrigi-los por
176
si, ou então, aproveitando ocasião favorável, levá-los a alguma operação que lhes proporcione
sentir esse erro. O espírito de seu sistema não é ensinar à criança muitas coisas, mas não
deixar entrar no cérebro dela senão idéias justas e claras. A razão, o juízo, vem lentamente.
Contudo, continuaremos a apresentar parte da ata sem número, p. 1, do livro de atas
pedagógicas do dia 25 de maio de 1976. Nesse sentido, os professores deveriam prestar bem
atenção na hora de escrever no quadro para que a letra não ficasse sem a perna, tomar a lição
diariamente, dar ditados, cópias de pelo menos umas cinco linhas, observar religiosamente a
pronúncia dos alunos, capricho nos cadernos; e fez mais uma alerta sobre a exigência da
tabuada, leitura e lembrou as professoras de observar se os alunos têm freqüentado as aulas de
uniforme completo. Segundo a professora Vasconcelos (2007), o verbo e a tabuada tinham
que ser cantados, isto é, saber decorado, falando em um ritmo bem bonito. O mesmo
procedimento também é ressaltado pela entrevistada Nascimento (2007), que nos acrescentou
ao enfatizar, até aquele momento, que até o sinal fazia parte da rotina da escola: tinha o
horário correto, não atrasava nem adiantava um minuto; tanto os professores quanto os alunos
deviam seguir pontualmente esses horários estabelecidos pela escola, principalmente quando
estava prevista a realização das provas.
Segundo a depoente:
As provas eram divididas em dois momentos, aquelas que eram elaboradas
pelas professoras e acompanhadas tanto pela diretora quanto pela
supervisora, mas também tinham as provas que se davam no meio do ano,
estas vinham de Belo Horizonte. (PARANAHYBA, 2007).
Considerando este quadro geral, notamos que a supervisora e diretora exigiam dos
professores que tivessem uma preocupação com a postura do aluno em todos os segmentos,
tanto da escrita quando da própria oralidade. Tal ênfase nos faz questionar se esse
procedimento realmente estava preocupado com a criança e seu aprendizado ou se
simplesmente era para que os alunos tivessem uma “preparação” para as séries seguinte com o
simples fato de fazer uma prova que comprovasse seu conhecimento. É notório que, durante
estes expedientes, a infância não fala por si mesma: ela repercute e reproduz aquilo que a
sociedade da época buscava, isto é, uma criança dita preparada para as séries seguintes do
ensino fundamental e integrada à sociedade com o cultivo da moral e dos bons costumes
ditados pelo sistema vigente.
Contudo, as palavras dessa depoente não estão muito distantes da realidade social
atual; em alguns aspectos, ainda fala para os educadores do presente. Dessa constatação, cabe
177
indagar: como temos tratado a criança? Esses fatos que aconteciam estão distante do que
vivemos hoje? É diante de tal constatação que buscamos interpretar a real situação da infância
com relação a testes que são aplicados, muitas vezes, sem nenhum objetivo para a criança. Os
depoimentos e o caderno de atas pedagógicas do dia 25 de maio de 1976, p. 1, sem número,
mostram que as provas bimestrais eram submetidas a apreciações de todos: supervisor,
diretor, inspetor; apresentam certo rigor e critério na elaboração das provas. Conforme a
mesma ata (p. 2), as provas serão submetidas a uma apreciação rigorosa em relação a questões
fora do planejamento. Estas, segundo depoimentos, eram elaboradas, muitas vezes, pela
inspetora escolar, com a diretora e os professores, e compostas por questionários. As que eram
enviadas da Secretaria de Estado da Educação vinham lacradas, e os professores tinham
conhecimento do conteúdo estabelecido ao abrir o envelope nas salas de aula. Esse momento
era observado atentamente pelos dirigentes escolares, justificando, portanto, a necessidade dos
conteúdos escolares estabelecidos pela escola, que deviam seguir os mesmos mecanismos do
Estado. Segundo a professora Nascimento (2007), os testes isto é, as provas vinham da
Secretaria de Estado da Educação para a Superintendência Regional de Ensino de Uberlândia,
que encaminhava para o grupo; só podia abrir no dia, “mas era tudo dentro dos conformes”.
Para manter a ordem e a disciplina em relação ao que era trabalhado quanto ao
currículo escolar nas salas de aulas, se faz necessário uma reflexão sobre o cotidiano das
práticas desenvolvidas no interior da escola naquele momento, pois estas estavam
relacionadas com os mecanismos de controle adotados na escola em relação aos discentes e
docentes conquista de um regime militar que se estendeu durante vários anos de forma
institucionalizada e, conseqüentemente, vai seguir os mesmos mecanismos do Estado. Essa
forma de hierarquia que se fazia presente na escola era constituída pelo diretor, supervisor,
vice-diretor, secretária, professores e alunos. As palavras destas autoridades eram
consideradas como leis postas, e as reações às ordens sempre eram veladas.
Para o aluno ser aprovado, tinha de conseguir 80% dos créditos. Segundo ata, sem
mero, do dia 2 de junho de 1976, p. 3, presidida pela diretora e pela supervisora, para todos os
professores pediu-se bastante critério para dar nota aos alunos, pois tinha que ser de forma justa:
avaliar o conhecimento; o adiantava dar nota sem que a criança merecesse. Também esclarece
que os pais querem mais energia. Caso o aluno ficasse para recuperação, não é exincia da
diretora: saiu do governo; cada um devia tentar que seu aluno conseguisse o máximo de proveito,
o critério da nota devia ser rigoroso para que nenhum aluno passasse sem base.
Além do rigor determinado nas provas, este também estava presente nas disciplinas
autoritárias da sala de aula, conforme nos é relatado pela entrevistada:
178
No primeiro dia de aula, eu expunha tudo que eu gostava: “olha, eu sou
desse e desse jeito; não gosto de conversa, não gosto que levanta do lugar
para me perguntar nada, levanta o dedo que eu vou à carteira e explico o que
quer que seja”. Também explicava que não gostava que me chamassem de
tia nem de dona; não é o “dona” que vai impor respeito: “pode chamar de
Lena”. Gostava de falar bem baixinho com eles, os pais aprovavam essa
minha atitude e vinham sempre à escola. (PARANAHYBA,
2007).
A professora Vasconcelos apresenta:
Tudo era apresentado para os alunos no primeiro dia. Minha sala tinha boa
disciplina, mas teve um aluno que, de brincadeira, eu amarrei ele na cadeira
com um cinto, deixei um pouco larguinho, esse caso foi coisa pouca, não foi
nada sério. Tenho remorso, pois ele já morreu. A mãe veio falar comigo
sobre o fato. (2007).
Nota-se também a preocupação que os docentes tinham em manter a organização da
disciplina nas salas. Conforme a ata do dia 29 de setembro de 1979, p.1; e as atas n. 1, de 24
de agosto de 1987, p.1; n. 3, do dia 26 do mês de agosto de 1988, p.1; n. 5, do dia 6 do mês
de setembro de 1988, p. 2; n. 7, do dia 12 do mês de outubro de 1988, p. 3, e depoimentos
que ainda era presente nesse momento, por alguns professores, a prática de castigos e
autoritarismo. Em relação a tal ocorrido, transcrevemos alguns trechos das atas em momentos
que nos demonstram claramente tal fato. A mãe de aluno veio reclamar que:
Seu filho havia sofrido um puxão de cabelos pela professora, e que se via
uma grande falha na cabeça do aluno. A professora interrogada justificou
que o mesmo é inquieto, não lhe acata as ordens, é ocioso e não cumpre as
tarefas que lhes são destinam. E que após tanta insistência para que
trabalhasse, não logrou e perdeu a paciência. (
ESCOLA ESTADUAL JOÃO
PINHEIRO
1979, p. 1).
Analisando a observação feita pela diretora e pela supervisora, fica evidente a postura
da época de alguns professores em relação ao não-entendimento da criança, pois diante do
contexto daquele período dos anos de 1960, 1970 e 1980, a escola não contava com
profissionais especializados para entender a infância, para orientar ou, pelo menos, tentar
nortear o trabalho de professores; estes se apoiavam, mesmo, era em orientações da direção,
supervisão e inspeção, e de nenhuma leitura dos principais pensadores que se referem à
criança. Ficamos na dúvida se era por falta de entendimento destas ou se simplesmente era
uma prática abusiva de sua autoridade como mestre. Diante de tais acontecimentos, que
também se faziam presentes nas demais atas citadas, indagamos: que criança era essa que
recebia diferentes tratamentos dentro de um mesmo ambiente? Será que a citação acima está
179
longe da realidade social atual, ou será que essa mesma postura ainda se faz recorrente no
interior das escolas?
Nesse contexto, a apresentação dos trabalhos de Montessori (1987) é recorrente para
que o entendimento em favor da infância se equivalha a conquistar o segredo da humanidade;
é preciso remover coisas estáticas que impedem de compreender a criança. Assim, ao revelar
o conflito entre o adulto e a criança, ela afirma:
A impressionante cegueira do adulto, sua insensibilidade em relação aos
filhos frutos da sua própria vida certamente possuem raízes profundas
que se estendem através das gerações; e o adulto que ama as crianças, mas
que as despreza inconscientemente, nelas provoca um sofrimento secreto que
é um espelho de nossos erros e uma advertência quanto à nossa conduta. [...]
O problema social da infância nos faz penetrar nas leis da formação do
homem e nos ajuda a criar uma nova consciência, levando-nos,
conseqüentemente, a uma nova orientação de nossa vida social.
(
MONTESSORI
,
1987, p. 11).
Para Montessori, a mudança a ser realizada nesse conflito é a modificação do adulto.
Portanto, o adulto, por não compreender a criança e o adolescente, trava contra eles, uma luta
perene. Faz-se necessário, segundo essa autora, que o adulto encontre em si mesmo o erro
ignorado que o impede de ver a criança, sabendo-se que o fato de fazer uma introspecção não
é tão difícil quanto se supõe,
[...] logo que surja em nós a convicção de que nos atribuíamos méritos
exagerados, de que nos acreditávamos capazes de agir além de nossa tarefa e
de nossas possibilidades, tornar-se possível e interessante reconhecer as
características de almas diferentes das nossas, como são as das crianças.
(1987, p. 24).
Montessori considera o adulto egocêntrico em relação à criança, pois este “[...] acredita que a
criança deve moldar-se, sendo que tudo que na criança se afasta das características do adulto é
um mal que este se apressa em corrigir” (1987, p. 24).
Dessa forma, percebemos — de acordo com a análise dos documentos — que a
direção da escola, juntamente com a supervisora e demais profissionais da secretaria, estava
atenta para que tais práticas não fossem estabelecidas na escola, para que esses momentos
fossem, de fato, eliminados do interior da mesma, pois buscavam, além de orientar as
professoras que utilizavam tais procedimentos, explicar como as crianças deveriam ser
tratadas. De forma alguma estavam de acordo com esses procedimentos, como é demonstrado
através do seguinte trecho da diretora: Para o bom senso da professora no sentido de não
tocar nas crianças, o que é ilegal, e, principalmente, por se tratar de crianças indefesas que
180
estão na faixa etária de 7 a 9 anos, pois é uma classe de primeira série (
ESCOLA
ESTADUAL JOÃO PINHEIRO
1979, p. 1). Nessa análise, podemos detectar que tais
acontecidos se faziam de forma silenciosa, no interior das salas de aula, muitas vezes sem o
conhecimento tanto da direção quanto dos pais; em alguns momentos, as próprias crianças se
viam coagidas a não comentarem o fato.
Portanto, apesar de todo o cuidado de que tais fatos não se tornassem públicos, muitos
pais tomavam conhecimento e procuravam a escola para mais esclarecimentos. Além de se
aproximarem da escola para resolver problemas, também buscavam freqüentar para
momentos de lazer e participação em assuntos educacionais. É muito importante ressaltar que,
diante da concepção de Pestalozzi, outro ponto marcante é a base da educação estruturada no
seio familiar, pois entendia que a educação das crianças deveria ser confiada às mães, que o
amor da mãe evoca as emoções da criança e as faz crescer na proporção adequada.
A presença dos pais no grupo era muito freqüente, segundo depoimento; participavam
efetivamente das ões da escola, colaborando com eventos e reuniões. De acordo com o jornal
Folha de Ituiutaba, a Escola Estadual João Pinheiro promovia uma festa junina como parte dos
festejos de seu jubileu de diamante,
53
com pais e autoridades locais e do estado. Portanto, a
presença dos pais pode ser observada e constatada nos documentos referentes: ata sem número
do dia 4 do mês de maio de 1984, p.3, do livro de termo de visita da supervisora, esclarece que a
festa junina é um evento realizado todo ano na escola, ficando estabelecido que a mesma será
realizada no dia 16 de junho, na própria escola, com participação de pais, alunos e professores.
Portanto, na escola, a presença de festas era muito comum, pois ressaltava uma situação
econômica social da escola. Ata sem mero do dia 20 de setembro de 1985, p. 12 do livro
termo de visita de supervisora, ata da assembléia geral para eleição do colegiado do dia de
março de 1985, do livro termo de visita de supervisora, ata sem número do dia 7 de agosto de
1987, p. 6, reunião para tratar assuntos do novo calendário escolar e as festas que eram
organizadas pela Escola Estadual João Pinheiro, que passava por uma nova mudança na
estruturação de seu currículo, que era denominado de ciclo básico de alfabetização.
54
Diante de tantos fatos ocorridos nessa escola e os mesmos foram relatados
anteriormente com bastante critério —, ainda se faz necessário esclarecer que, no ano de
53
No dia 22 de setembro de 1983, os 75 anos do Grupo Escolar João Pinheiro foram comemorados, com uma
grande festa com a participação de pessoas influentes, dentre elas, o então secretário de Estado da Educação
professor Octávio Elisio Alves de Brito. Naquele período, a escola reivindicava obter do Estado a extensão de
séries, possibilitando aos alunos que nela ingressarem no pré-primário nela terminarem seus estudos de grau.
(
JORNAL DE ITUIUTABA
,
1983).
54
Resolução 5.231/84, que institui o ciclo sico de alfabetização na rede de escolas estaduais de ensino de
grau (
MINAS GERAIS
,
1987).
181
1984, a Secretaria de Estado da Educação elaborou o “Plano mineiro de educação”, para ser
implantado em 1985 nas escolas públicas estaduais. Portanto, naquele momento, a escola fez
esclarecimentos aos pais através de reuniões, de acordo com a ata do dia 3 de maio de 1985,
onde esclarece que serão desenvolvidos os trabalhos referentes àquela nova proposta.
Ata sem número do dia 3 de fevereiro de 1984, p. 5 do livro de ocorrência de
professores, menciona reunião para tratar de assuntos referentes à pré-escola e a séries
iniciais. Transcrevemos um relato da diretora em relação à criança “vamos modificar o
uniforme para que a criança do Pré-escolar seja sempre notada. Iniciaremos este ano com
mais calma nos primeiros dias de aula; será meio período para adaptação” —, pedindo aos
pais compreensão. Ela deixa claro que as crianças serão tratadas com bastante carinho;
salienta que as crianças serão alfabetizadas e que, no final do ano, de acordo com o
andamento e aproveitamento das mesmas, iria decidir se estavam aptas à primeira rie. As
mesmas terão no currículo aulas de Ensino Religioso e Educação Física; também será adotado
um livrinho Aprender é fácil —, no qual seriam baseadas as tarefas de casa, para que as
crianças aprendessem desde pequenas a ter responsabilidades, principalmente com as leituras.
Ainda fariam parte do currículo da pré-escola aula de biblioteca, dança e música.
Considerando a citação anterior, podemos visualizar pontos de mudanças em relação à
situação da criança no interior da escola. Percebemos que essa criança passa a ter mais
centralidade diante da nova estrutura organizacional; notamos que esse argumento em favor
do interesse da infância são mudanças qualitativas na forma de o adulto interagir com essas
crianças, pois Rousseau (1979), partindo do princípio de que o homem é bom no seu estado
natural, defendia que o papel do educador é afastar a criança dos vícios da sociedade,
permitindo-lhe desabrochar, espontaneamente, suas potencialidades inatas.
Com base no que foi discutido e analisado até aqui, fica evidente que a Escola
Estadual João Pinheiro tinha preocupação com a leitura e alfabetização, pois sempre
ressaltava esses dizeres em suas atas e nos depoimentos das entrevistadas. Também nos
apresenta certa expressão de liberdade em relação à criança quando ressalta que a mesma terá
momentos de mais aconchego, mais carinho, de um tempo maior para que a mesma se
alfabetize, porém também nos apresenta momentos de cobrança e vigília constante em relação
ao que essa mesma criança desenvolve. Diante de tais constatações, ficamos em dúvida: de
que criança, de fato, estamos falando? Pois esta, ainda no interior das instituições, desenvolve
ações de adultos e se porta como tais, sem nenhuma diferenciação: desde os momentos de
seus rituais de iniciação na leitura e escrita e até mesmo nas ações divididas, para que essas
182
crianças se comportem como adultos em miniatura no momento de cobrarmos delas atitudes e
comportamentos que não são próprios delas.
Dessa forma, ao tentar reconstruir e defini-la através de diferentes concepções de
infância — primeiro, vendo-a como adulto em miniatura, depois concebendo-a como ser
essencialmente diferente do adulto, então acreditando sucessivamente que é tabula rasa onde
se pode inscrever qualquer coisa ou que seu modo de ser adulto é predeterminado pela sua
carga genética —, o conjunto de idéias estabelecido sobre a infância, quando lido numa
seqüência, soa como uma divertida ciranda de contradições. Mas é admirável observar que,
não obstante a contradição, todos esses conhecimentos permanecem, porque se construíram
para a infância de que falava uma representação adequada tanto aos pressupostos da disciplina
no bojo da qual tal conhecimento foi formulado quando às expectativas quanto à infância.
Contudo, nesse cenário de infância, percebemos cobrança e anseios dos pais e de toda
a sociedade, que viam no ensino pré-primário uma preparação para o ingresso nas séries
seguintes. Conseqüentemente, fica explícito que, aos objetivos educacionais, é também uma
forma de reprodução das autoridades vigentes, para que possam alcançar os desejos de uma
camada social. A diversidade de práticas pedagógicas que caracterizam o universo da
educação infantil é o reflexo da dimensão do seu mundo, que passa a interagir com o universo
escolar e que, ao fazê-lo, faz emergir uma série de problemas consubstanciados nas condições
subjetivas e objetivas. Segundo Romanelli, essas condições estão ligadas a dois grupos de
influências:
O educando recebe, no ambiente escolar, as influências resultantes do seu
relacionamento com o professor e os colegas, e da forma como ele
gradativamente vai dominando as conquistas culturais que a escola põe ao
seu alcance. Assim, pois, ele interagirá tanto mais dinâmica e profundamente
com a cultura, quanto mais esta se lhe apresentar sob forma de desafios à sua
inteligência. E, ainda, a mesma coisa será possível com relação ao meio
social da escola, se este lhe condicionar uma real interação através do
diálogo. O diálogo com a cultura e o diálogo com professores e colegas, eis
as condições ideais de auto-realização do educando, que a escola deve
oferecer. através desse diálogo será possível a conquista, pelo educando,
dos seus meios de atuação no mundo material e no mundo social. Nenhuma
qualificação para o trabalho ou exercício da cidadania é possível sem essa
base dialogal. (2001, p. 236–37).
Eis o segundo grupo de influência:
Como o educando não vive no meio escolar, decorre daí que os objetivos
acima enunciados são dependentes da forma de vida em sociedade em geral,
na qual se situa a escola. Em outros termos, assim como é impossível uma
183
qualificação real para o trabalho, numa sociedade que não o promova, nem o
dignifique, assim também é impossível uma formação que leva ao exercício
consciente da cidadania, no meio social, onde não impere a forma de vida
democrática. Nesse sentido, ainda que haja remota possibilidade de uma
preparação feita pela escola, esta corre o risco de cair no vazio e tornar-se
uma forma oca de fazer os educando memorizarem regras de convivência,
social. (
ROMANELLI
,
2001, p. 237).
É fundamental compreendermos a importância das práticas pedagógicas ligadas à
educão, pois as mudaas introduzidas pela lei 5.692/71, na sua estrutura do ensino, esna
ampliação da obrigatoriedade escolar para oito anos, ou seja, para a faixa etária que vai dos 7 aos
14 anos, causando implicões, pois doravante compete ao Estado o acréscimo de suas obrigações
com relação à educação do povo e supõe-se uma modificão estabelecer a estrutura da educação
elementar, que a expansão do ensino decorrente disso impo um grau de elasticidade e
capacidade de adaptação à realidade inexistente nos tradicionais cursos pririo e ginasial. O
ensino de primeiro grau, além da formão geral, passa a proporcionar a sondagem vocacional e a
iniciação para o trabalho. Essa lei traz conseqüências danosas do ponto de vista pedagógico.
Pensar na educação das crianças que se encontram em creches e na pré-escola é pensar
numa fase em que se vivenciam as primeiras experiências escolares, concomitantemente às
primeiras expressões sexuais, afetivas, emocionais e relacionais extrafamiliares. Isso exige
uma prática pedagógica interdisciplinar, que conceba a criança como ser pertencente a um
contexto socioeconômico-cultural e possuidora de uma objetividade e subjetividade. Portanto
é nesse quadro de instrução das séries iniciais e da pré-escola que analisamos o contexto das
práticas pedagógicas da Escola Estadual João Pinheiro. O Quadro 11 apresenta as matrículas
feitas de 1966 a 1988 para mostrar a movimentação da entrada de alunos nessa escola.
A análise do quadro de matrículas realizadas nos anos de 1966 a 1988 da Escola
Estadual João Pinheiro é bastante significativa para que possamos interpretar a freqüência de
alunos que estavam matriculados no período acima apresentado. Ressaltamos que o número de
matrículas informado se refere apenas à pré-escola e a séries iniciais que se faziam presentes no
interior de tal instituição nos anos de 1966 a 1984, pois a partir do ano 1984 a escola teve sua
exteno de série do ensino fundamental, que até então era apenas de pré- escola a série, e
passou a ministrar o ensino de 5ª a série. Nesse momento, não iremos apresentar as
matrículas dos alunos de a rie, pois estes não o objetos de análises desta dissertação.
Também ressaltamos que a partir dos anos de 1970 é que encontramos algumas matrículas
dos alunos da pré-escola, pois anteriormente a essa data tal modalidade não se fazia presente na
instituição. Portanto, matrícula e vagas são uma questão espefica que precisa ser entendida
184
conforme as características da época. Acreditamos que na Escola Estadual Jo Pinheiro eram
matriculadas todas as crianças cuja família buscava uma vaga para permanência delas no
contexto educacional de uma escolablica bem conceituada na comunidade local.
QUADRO
11
Matrícula realizada de 1966 a 1988
Fonte:
ESCOLA ESTADUAL JOÃO PINHEIRO
Percebemos que a Escola Estadual João Pinheiro tinha um número de matrículas
bastante elevado, pois ao fazermos o levantamento do quantitativo de alunos o único recurso a
que podíamos recorrer eram os diários dos professores e algumas matrículas. Portanto,
verificamos que todas as salas de aulas eram compostas de 35 a 52 alunos, inclusive as salas
da pré-escola estas compostas entre 30 e 42 crianças de ambos os sexos. Nos últimos anos,
percebemos que o índice de alunos de séries iniciais teve um leve declínio, pois as salas de
aula foram também compostas por alunas de 5ª a 8ª série. Diante de tais constatações,
podemos então chegar à conclusão de que essa escola estadual tinha um número de matrículas
elevado.
Mas é necessário considerar, pelas análises realizadas, que a escola tinha um
quantitativo de sala de aula composto de sete a dez turmas de todas as séries, portanto as salas
da pré-escola eram geralmente constituídas por duas salas de aula. Segundo depoimentos, isso
ALUNOS DA ESCOLA
Ano Matrícula
1966 834
1967 1.134
1968 1.234
1969 931
1970 830
1971 1.134
1972 855
1973 1.012
1974 1.045
1975 1.094
1976 1.068
1977 1.060
1978 1.163
1979 1.058
1980 1.096
1981 1.199
1982 1.195
1983 1.055
1984 1.038
1985 984
1986 810
1987 798
1988 658
185
acarretava nessas turmas, no início do ano, uma procura significativa pela comunidade.
Ressaltamos que no ano de 1970 houve a formação de apenas duas salas de 1ª série; as demais
séries permaneceram constituídas entre seis e sete turmas. Neste período houve mudanças na
estrutura administrativa que afetaram levemente a matrícula da escola. Mas constatamos que
estas nos anos subseqüentes transcorriam normalmente. Somente em 1984, conforme foi
apresentado anteriormente, algumas destas salas foram absorvidas pela extensão de série,
mas neste contexto Ituiutaba era constituída por demais escolas que atendiam as crianças,
conforme podemos verificar com a criação das escolas da rede pública do contexto
ituiutabano nos quadros 3, 4 e 5. Os alunos que freqüentavam a escola segundo fichas de
matrículas geograficamente provinham do centro da cidade, mas também se faziam presentes
poucos alunos de bairros afastados da parte central.
3.4 O interior da sala de aula
Para que possamos entender como transcorria o dia-a-dia da sala de aula,
naquele período de 1966 a 1988, vamos nos valer das entrevistas realizadas com alunos,
professores e diretores, bem como dos documentos escritos — nesse caso, as atas pedagógicas
onde todas as informações importantes eram passadas aos professores, as legislações que
orientavam como proceder no cotidiano da sala de aula.
Na cada de 1960, a sala do Grupo Escolar João Pinheiro segundo Carvalho
era freqüentada por meninos e meninas, porém com algumas observações de gênero que se
faziam intrínsecas: as meninas se sentavam na frente da sala de aula, pois tinham um bom
comportamento, eram sempre caladas e obedientes, faziam as tarefas sem conversar e eram
atenciosas e bastante disciplinadas. Os meninos se sentavam no fundo da sala de aula, pois,
além de serem mais inquietos, não tinham uma boa disciplina. Em relação ao ambiente físico,
era composto de um quadro-negro, com alguns cartazes elaborados pelos próprios
professores, para trabalharem com os textos apresentados na cartilha. Os bancos eram de
madeira, com espaço para dois alunos, sendo as duplas formadas por alunos do mesmo sexo.
Nesse espaço, tanto os meninos quanto as meninas recebiam os mesmos ensinamentos
básicos. Conforme depoimento:
Naquele momento, no ano de 1966 a 1969, era bastante comum a gente
fazer separação na sala de aula desta forma: as filas eram separadas, meninos
de um lado e meninas de outro lado, os bancos eram para sentarem de dois,
então colocava sentado menino com menino e menina com menina,
colocava menino e menina juntos se fossem irmãos. Tinha uma lei que
éramos obrigadas a seguir para tais divisões. (
CARVALHO
,
2007).
186
Ainda nesse contexto apresentado por Carvalho (2007), essas separações começavam
a ser realizadas mesmo antes de se chegar à sala de aula, pois a fila que era formada pelos
alunos se separava com os mesmos critérios; não era freqüente essa divisão na hora do
recreio momento esperado pelos alunos e quando se misturavam meninas e meninos.
Contudo, na sala de aula não podiam se misturar. Também vale a pena ressaltar que até os
professores eram escolhidos pelos pais das crianças. As mães sempre escolhiam as
professoras mais elegantes, mais rígidas; os pais acreditavam que eram através da disciplina e
da rigidez que os alunos aprendiam. A diretora salienta ainda que:
Os pais faziam as escolhas pelas professoras mais alinhadas, mais bem
vestidas. Naquele tempo não usava essas roupas de hoje. Eu fazia questão de
olhar todas as minhas professoras se estas estavam bem alinhadas. Não
existia esse negócio de bermuda não, pois na sala de aula todas as
professoras tinham de estar compostas, para não atrapalhar os alunos.
(
CARVALHO
,
2007).
Portanto, percebemos que durante aquele tempo a imagem que o professor passava era
muito importante: deveria apresentar, através de sua aparência, uma adequação à clientela da
escola em que atuava como mestre no caso do Grupo Escolar João Pinheiro, cuja clientela
era de nível social elevado. Os professores que atuavam nesse grupo eram selecionados como
os melhores profissionais, por isso deveriam atender aos critérios impostos pela diretora. De
alguma maneira, o corpo docente reproduzia aquilo que a sociedade daquela época queria que
fosse reproduzido, ou seja, o ambiente definia o modo de ser e até as atividades do cotidiano
escolar.
Mas foi nesse ambiente que uma professora conseguiu ultrapassar a pedagogia
tradicional, criando uma experiência inovadora para as crianças naquele momento como
menciona a diretora:
Naquela época, tinha uma professora engraçada, ela dava prova para os
alunos e largava eles sozinhos na sala de aula, fazendo as suas provas. Então
perguntavam por que ela os deixava sozinhos, sendo que era um momento
que deveria ser vigiado pela professora. Ela respondia que naquele instante
em que os alunos ficavam sozinhos para fazerem as provas, estes
perguntavam para os colegas as resposta das questões e, conseqüentemente,
aprendiam as matérias. Estavam estudando juntos. Achei isso muito
interessante, se fosse dar aulas hoje faria dessa forma. (
CARVALHO
,
2007).
Diante de tal enunciado, podemos afirmar que um grupo privilegiado de crianças
participou da experiência inovadora da professora, que tinha em sua proposta de trabalho uma
metodologia nova das demais educadoras, conseguindo, portanto, criar um ambiente
187
educacional e superar o paradigma da educação escolar vigente na época muitas vezes,
pautado em momentos de extrema disciplina e autoridade sobre as crianças. No interior das
salas de aula, essa disciplina era salientada pelos profissionais que ali atuavam como sendo
necessárias para um bom andamento dos trabalhos pedagógicos que se pautavam em leis que
eram obedecidas pela escola.
Segundo a portaria 8/70 nos esclarece, as classes de jardim de infância serão
constituídas de 30 alunos, desde que o estabelecimento apresente os requisitos necessários
sem prejuízo para as classes primárias. As classes do curso primário serão de 35 alunos,
podendo para atender à grande demanda de matrícula ser de 40 alunos. Dentro das
normas estabelecidas, as classes primárias serão organizadas de acordo com os critérios de
agrupamento estabelecidos nos seguintes itens:
a) Classe de 1ª série –
2.3.1 Tipo A – Os alunos que ingressarem pela primeira vez no curso
primário, iniciando, portanto, o ano de escolaridade, constituirão o tipo
An. Estes alunos serão agrupados inicialmente por idade, devendo as classes
desenvolver, desde o começo do período letivo, as atividades adequadas ao
“período preparatório”. “No fim do período preparatório”, será feita a
classificação dos alunos, tendo-se como base: provas que serão realizadas na
própria escola para que pudesse classificar as séries que possuíam as
seguintes nomenclaturas: An1 para os que tivessem as melhores notas, os
médios como An2, os alunos que desenvolverem pouco rendimento serão
classificados como An3, portanto aqueles que não revelassem
desenvolvimento constituíam as classes preliminares ou
PL
.
2.3.2 Tipo B – Os alunos de série, que já contam com um ano de
freqüência a escola, isto é, estão no 2º ano de escolaridade, serão
classificados no tipo
B
; a serão
B
r os alunos que, embora não tenham
conseguido promoção à série, venceram o programa do semestre; b
serão
B
rl os que não conseguiram vencer o programa do semestre; c os
alunos das classes preliminares
P
l que no fim do ano letivo lograram
promoção à série básica constituirão o tipo
B
n. Serão
E
nl os promovidos
com média final igual ou superior a 8 (oito); Serão
B
n2 os de média inferior
a 8 (oito); serão classificados como
AE
alunos de classes especiais com 1
(um) ano de escolaridade e constituirão as classes denominadas
CE
(classes
especiais).
2.3.3. Tipo C Os alunos da , série, que contam com 2 (dois) ou mais
anos de freqüência à escola, isto é, estão iniciando a 3º, e anos de
escolaridade, pertencerão ao tipo C, que também dividem em outras
nomenclaturas, Cr, Crl, Cn, Cnl, Cn2, e outras. (
GRUPO ESCOLAR JOÃO
PINHEIRO
, s. d, s. p.)
Portanto, era com essa divisão legal que a escola aparentemente organizava as salas de
aulas naquele período, porém percebemos que a distribuição reforçava os alunos como
“fortes”, “médios” e “fracos”, segundo depoimentos dos melhores alunos: os que sempre
ficavam com as salas melhores. De acordo com os diários, na mesma sala de aula poderíamos
188
encontrar alunos de todos os segmentos esses casos não eram muito comuns. Portanto,
podemos apresentar que, na década de 1970, se visualizava uma diferenciação em relação
ao gênero dos alunos presentes nas salas de aula. Os alunos já podiam ser agrupados sem a
separação entre meninos e meninas. Mas o mobiliário continuava, segundo relatos, com as
mesmas características da década de 1960. As salas de aulas também dividiam internamente
seus alunos com os seguintes critérios:
A sala de aula era composta por carteiras duplas, e a professora colocava
assentados sempre de dois em dois, sempre era um menino e uma menina,
era determinado pela professora, que mudava de lugar se a dupla
começasse a conversar; caso contrário, permanecia a mesma dupla até o final
do ano. Chegava, e todos os dias sentava no mesmo lugar, na mesma fila,
pois eram divididas as carteiras em filas, para que, quando a professora
mandasse no quadro para fazer as tarefas, ficasse mais fácil. (
VALENTINI
,
2007).
Pode-se observar que os alunos eram dispostos em filas e que o silêncio era muito
freqüente no seu interior; em alguns momentos, as crianças ousavam a quebrar a disciplina,
mas imediatamente eram chamados a atenção pela professora, que conseqüentemente os
trocava de lugar para evitar a conversa na sala. Segundo relatos e análise dos diários de sala
de aula, podemos constatar que as mesmas estavam sempre compostas com o número elevado
de alunos de ambos os sexos.
Como relação ao contexto das atividades desenvolvidas pelas crianças, destacam-se
aqueles em que era freqüente sua realização no interior da sala: a leitura, tanto oral como
escrita; o ditado; a argüição da tabuada; a cópia das palavras escritas no quadro pela
professora ou simplesmente a cópia de um texto definido; as lições; a caligrafia e a redação.
Portanto, essas práticas nos orientarão para que possamos verificar como o ser criança reagia
diante de tais atitudes e das atividades desenvolvidas pelos docentes.
As lições que os alunos realizavam durante grande parte das aulas eram um momento
em que a professora chamava um a um para fazer a leitura em sua mesa. Destacam-se, dentre
as atividades, o ditado, que rigorosamente acontecia. A professora, após ter trabalhado com
um texto, dava o ditado das palavras desse texto para ver se as crianças haviam realmente
aprendido a grafia das palavras; a leitura seguia um padrão estabelecido da seguinte forma:
uma criança começava a ler e, logo em seguida, a que fosse citada continuaria a leitura, e
assim sucessivamente.
Segundo entrevistada:
189
Até a forma de se pronunciarem as palavras era corrigida quando fazíamos a
leitura. Também ficávamos na sala de aula lendo os livros de histórias
infantis, era um momento de leitura, não podia de maneira alguma haver
conversa, tinha um silêncio na sala, pois todo mundo dedicava sua atenção
apenas à leitura. Quando a professora pedia para ler uma das histórias, os
outros alunos faziam silêncio absoluto, todo mundo acompanhava com
bastante atenção a leitura do colega. Os livros, estes eram distribuídos pela
professora, não podíamos escolher. (
CRISTALDO
,
2007).
Portanto, constatamos através do relato que tais práticas pedagógicas se faziam
presentes no cotidiano da escola com o objetivo de preparar os alunos para serem bons
leitores e, conseqüentemente, bons escritores. Mas também fica evidenciado que a
participação das crianças nesses momentos era simplesmente de executarem os comandos da
professora, sem nenhuma participação concreta destes nesse processo. Isso demonstra uma
prática pedagógica que deixa de considerar o interesse individual da criança. Para Rousseau
(1995), o ponto de partida da formação da criança é sempre o indivíduo com características e
necessidades, e o ponto de chegada é a realização do ser livre que compreende aquilo que
conhece.
Nesse sentido, podemos verificar que o mais complicado, segundo relatos, era a
tabuada: o terror dos alunos, que ficavam sempre apreensivos com tal procedimento. Porém,
em certo momento se destacava como prazeroso para as crianças no momento de ir ao quadro
fazer continhas esses momentos eram bastante esperados por algumas crianças, pois a
professora utilizava uma brincadeira como se fosse batalha. Ainda havia a dificuldade em
relação às provas, pois estas, em algumas situações, causavam bastante transtorno entre os
alunos, ficavam com muito medo na hora de fazer as provas segundo as alunas (
VALENTINI
,
2007). Cristaldo
(2007) relata que as provas e argüições eram os momentos mais puxados da
sala de aula porque as professoras exigiam muito dos alunos; lembra-se que tinha tanto medo
de fazer as provas, pois estas eram muito difíceis, além de serem também de decorar, e ela
não era boa para decorar o conteúdo que deveria ser reproduzido tal qual estava no caderno.
Essas considerações apontam a importância de o professor entender as concepções de
infância, pois a criança se via, muitas vezes, no meio de conflitos sem entendimento dos
docentes, que ao aplicarem testes a esses pequenos sem muita orientação pedagógica
causavam nos mesmos sensações de desconforto e angústias das mais variadas formas. Outra
atividade que, no momento, causava bastante constrangimento nas crianças e que era bastante
freqüente e entendida como rotina refere-se ao pedido de ir à “casinha”, ou seja, ir ao
banheiro; portanto, a professora criou uma certa regra para atender as crianças que iam por
fila, que só começava a outra fila quando o último da mesma retornasse para o mesmo fim.
190
Contudo, a sala de aula estava sempre pautada em momentos de disciplina e atividades
que exigiam dos alunos bastante concentração. Foi com esses ensinamentos apresentados que
as crianças participaram por vários anos no contexto da Escola Estadual João Pinheiro, e esses
conhecimentos se faziam presentes ainda na cada de 1980, com características diferentes e
algumas similitudes de anos anteriores. Dentre as similitudes, podemos apresentar as
atividades pedagógicas, pois estas continuavam com os ditados presentes, a argüição da
tabuada, as cópias dos textos e de palavras que foram apresentados anteriormente às crianças
para que estas fossem treinadas para fixação. Nesse momento também se faziam presentes nas
atividades as folhas mimeografadas, como consta na ata do dia 25 de maio de 1985, p. 5, do
caderno sem identificação: “Qualquer material a ser mimeografado deverá antes ser revisado
pela supervisora e na falta desta pela diretora”. As atividades eram distribuídas às crianças
para realizarem as tarefas tanto em sala de aula como tarefa de casa. O treino da leitura, este
não podia faltar no cotidiano da sala de aula. Como é apresentado pela Professora:
Todos os dias havia o momento que chamávamos de “dar a leitura”, este não
podia faltar, pois as crianças nessa época faziam o ciclo básico de
alfabetização. Então, para passarem para a leitura seguinte da cartilha,
tinham que vencer as etapas, liam as lições até concluírem toda a cartilha. Se
o professor não pudesse tomar leitura, esse papel era desempenhado por
alguém que estivesse disponível na escola. (
DIAS
,
2007).
Analisando a citação feita pela professora da Escola Estadual João Pinheiro, fica
evidente que as práticas pedagógicas do grupo se fundamentavam praticamente com as
mesmas estruturas dos anos anteriores, a leitura ainda era considerada como um instrumento
de extrema necessidade para se trabalhar na sala de aula, como se os demais conhecimentos
que deveriam ser desenvolvidos fossem de menor significância para as crianças; dentre eles,
as atividades lúdicas não tinham quase nenhuma freqüência nesse contexto, eram bem
dispersas. As crianças eram organizadas em filas, com carteiras individuais, em algumas
situações, mas também se começava a vislumbrar momentos diferenciados na estrutura da
sala de aula, como separação das crianças em grupos de trabalho, para desenvolvimento de
algumas atividades. Dentre estas, podemos destacar o contrato de trabalho. Prossegue a
professora:
Na sala de aula, para se ter um bom relacionamento de trabalho entre os
colegas e, também, com a professora pois sou muito rígida e gosto de
disciplina na sala —, criávamos o que denominamos de contrato de trabalho,
fazendo as regras junto com as crianças. Funcionava assim: o que pode e o
que não pode; pode: brincar, conversar, perguntar, tirar dúvidas; não pode:
brigar, xingar, responder. (
DIAS
,
2007).
191
Nessa perspectiva, podemos analisar que as questões que envolvem a criança durante
esses momentos vividos na sala de aula são contraditórios em relação a fatos experimentados;
ora, estes nos dão a entender que a infância presente nesse ambiente são portadores de direitos
quando a mestra oferece a elas a oportunidade de elaborar coletivamente suas próprias normas
de disciplinas. No entanto, percebemos que, mesmo contida de forma velada, o que realmente
se pretende é manter a mesma disciplina imposta anteriormente, tornando a sala de aula um
espaço único e camuflado dos reais objetivos propostos pelos pensadores da infância. Pois,
para Montessori (1987), o segredo da criança, pelo contrário, está apenas oculto pelo
ambiente. E é sobre o ambiente que se torna necessário agir para liberar as manifestações
infantis.
Diante de tais constatações, podemos perceber pelos depoimentos que a prática de
correção dos trabalhos e a forma em que eram desenvolvidas as atividades eram valorizadas
nessa escola, tanto pelos pais como pelas professoras, pois nas suas entrevistas tantos os
alunos quanto as professoras elogiavam bastante esses momentos; apesar de serem bastante
rígidos tais procedimentos, ainda os julgam como sendo adequados e necessários no momento
para que as crianças realmente aprendam os conteúdos ministrados no interior da sala de aula.
Segundo Pestalozzi, da mesma forma que a cooperação e a compreensão governam um bom
lar, devem esses ideais ser aplicados na sala de aula.
As transformações aqui analisadas não ocorrem linearmente na história, muito menos
ocorrem de forma homogênea e total através da sociedade. A sociedade moderna,
caracterizando-se por uma variedade de grupos sociais e sistemas simbólicos, comporta
concomitantemente diferentes representações para o ser criança e práticas sociais delas
decorrentes. Por isso, é possível encontrar o interior de nossas escolas e em alguns segmentos
que ainda preservam a imagem da criança como sendo um ser social inerente de vontade
própria.
Diante desse cenário, pode-se afirmar que foi nossa intenção neste capítulo olhar o
grupo escolar em sua singularidade, sem perder de vista os conceitos que envolvem a
infância; portanto, as fontes, os documentos e as entrevistas analisadas contribuíram para essa
compreensão em um dos momentos mais críticos da história política brasileira, ou seja, a
ditadura militar. É importante sublinhar que foi nesse período que se arquitetou a maior parte
do aparato legal que redefiniu a questão da educação infantil no Brasil; mesmo que de
maneira difusa, isso foi significativo para apreendermos esse novo direcionamento dado a
essa modalidade de educação. No cenário educacional ituiutabano, entendemos que a Escola
Estadual João Pinheiro conseguiu materializar parte de todas essas ações propostas pelo
192
regime, porém também apresentou singularidades distintas na forma de atuar e ensinar,
conforme os próprios depoimentos revelaram. Portanto, o que se pode concluir, mesmo que
parcialmente, é que a referida instituição teve um papel expressivo no cenário educacional
tijucano e contribuiu para a propagação de idéias, princípios, concepções, enfim, de
representações em torno do ser criança e da própria educação infantil.
193
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como palavras finais, é nossa intenção retomar alguns aspectos discutidos ao longo
deste estudo, que envolveu a Escola Estadual João Pinheiro, desde sua gênese, em 1908, até o
ano de 1988, apresentando as diferentes situações em que as crianças eram educadas, ou seja,
as práticas pedagógicas consubstanciadas pelas concepções de infância, em especial no
período de ditadura militar.
No processo de criação das primeiras escolas tijucanas, o Grupo Escolar João Pinheiro
teve papel significativo para a cidade, quando se verificou que, dentre todos os assuntos que
deveriam ser resolvidos pelos agentes executivos da cidade, no caso Tobias da Costa
Junqueira era o analfabetismo. Portanto, naquele momento, era necessária a criação de uma
escola pública para atender as crianças, pois existiam no cenário ituiutabano apenas algumas
escolas particulares. Para superar essa inexistência de ensino público, o Grupo Escolar João
Pinheiro de Villa Platina foi criado, em 1908, e implantado, em 1910. Conforme explicita
Ribeiro e Silva:
No momento de criação e implantação do Grupo Escolar de Villa Platina [...]
Para possibilitar o funcionamento do Grupo Escolar tornou-se obrigatório no
município o ensino primário no meio urbano e rural, pois com tal medida
seria conseguida a freqüência necessária demandada pela Lei de Reforma
João Pinheiro afeita aos grupos escolares. (2003, p. 31).
Contudo, percebemos que os grupos eram apresentados como modelo escolar ideal
para atender tanto os filhos de pessoas de uma classe social privilegiada quanto os filhos do
povo. A soma de tais fatores colaborou para concretização da idéia de se ter o primeiro grupo
escolar da cidade.
A Escola Estadual João Pinheiro, desde a sua criação, teve sua construção na parte
central da cidade, próxima da principal igreja e do cartório. Espaçosa e funcional, coberta de
telhas do tipo colonial [...], tinha ampla frente, com 8 janelas e uma porta central que dava
acesso a um corredor e às salas do fundo. Havia dois pátios, um para cada sexo, onde se
praticava ginástica... (
CHAVES
,
1984, p. 391). Até a data final do recorte temporal, em 1988,
ocupou posição de destaque no setor educacional da cidade de Ituiutaba.
É pertinente ainda fazer referência à influência de pensamentos veiculados
nacionalmente que pode ser sentida pela localidade, nesse caso refere-se à situação do
urbanismo, visto como um período da modernização, e do ruralismo, representado pelo
194
conservadorismo. E, conseqüentemente, pelas questões políticas, relacionadas tanto com as
rivalidades locais quanto com as de âmbito nacional e que influenciaram as decisões sobre a
criação deste grupo escolar.
Vale a pena ressaltar que uma instituição escolar está inserida no local mediada pelos
discursos político, religioso, econômico e ideológico, que são condicionadores do cotidiano
escolar evidenciado na instauração de uma nova ordem social. Nessa perspectiva, embora
sendo uma escola pública e laica, ela foi um veículo propagador de ensinamentos, tanto
através de suas práticas cotidianas quanto de concepções transmitidas aos alunos através de
conhecimentos, informações e condutas, incorporadas aos comportamentos sociais e políticos
considerados com desejáveis para a época de ditadura militar.
Pudemos trazer à tona os momentos das atividades cotidianas realizadas nessa escola,
em que algumas observações podem ser ressaltadas: dentre elas, as práticas voltadas para o
ensinamento dos rituais de religião, cânticos e orações voltadas para nossa Senhora, que
aconteciam impreterivelmente todos os dias na entrada da escola e ainda eram, em alguns
momentos, reforçados no interior das salas de aula. Também se fazia presente no contexto
educacional a referência às preocupações centrais que eram focadas em valores como a ordem
e a civilidade, ensinadas por meio da exigência de um período ditatorial. Esses ensinamentos
eram realizados através da disciplina e da polidez; o civismo e o nacionalismo eram
praticados através do culto aos símbolos pátrios: hinos, bandeira e heróis nacionais — o Hino
Nacional deveria ser cantado obrigatoriamente na entrada da escola, pois esta seguia a
determinação da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais.
Ainda há a constante preocupação com a higienização, percebida nas referências feitas
pelas professoras quanto ao material escolar. A disciplina imposta pelos professores, também,
era outra característica presente em todos os ensinamentos. Percebe-se tal procedimento no
depoimento da entrevistada Nascimento: Naquele momento, até o sinal fazia parte da rotina
da escola: tinha horário correto, não atrasava nem adiantava um minuto; tanto para os
professores quanto para os alunos”, pois a escola tinha como proposta de trabalho em seu
contexto educacional a prática de ensinamentos voltados para postura tradicional. Conforme
podemos observar pelos comentários de Libâneo:
Na pedagogia Tradicional, a Didática é uma disciplina normativa, um
conjunto de princípios e regras que regem o ensino. A atividade de ensinar é
centrada no professor que expõe e interpreta a matéria. Às vezes são
utilizados meios como apresentação de objetos, ilustrações, exemplos, mas o
meio principal é a palavra, a exposição oral. (1994, p. 64).
195
Essa constatação está presente na documentação pesquisada na escola e perdurou por
um bom tempo, pelo menos no período estudado. Quanto ao fato de se trabalhar com tal
procedimento didático e práticas pedagógicas, sobressaía no contexto apresentado a grande
significação atribuída à postura que os alunos deveriam ter ao fazer a leitura, pois a pronúncia
das palavras deveria ser observada atentamente pelos mestres.
O verbo e a tabuada tinham que ser cantados, isto é, meramente memorizados, sem
significado para o desenvolvimento dos alunos da educação infantil. As crianças das séries
iniciais trabalhavam no período da alfabetização mais especificadamente com a cartilha da
Infância; o método desenvolvido nos trabalhos dos professores era o global analítico, pois
como define por Rizzo (1983) partia-se do todo para as partes. Assim, nas salas de aula
também se seguia um padrão, ou seja, um ritual estabelecido para que os alunos conduzidos
pelos ensinamentos transmitidos incorporassem os conteúdos apresentados, muitas vezes
impostos para que fossem memorizados, aprendidos.
Havia certa rigidez disciplinar, que era apresentada pelos dirigentes e pelos
professores aos alunos. Mas, de maneira geral, os métodos usados pelos professores, pelo
diretor e pelos demais responsáveis pela educação na escola eram considerados como
adequados, tanto pelos pais das crianças que freqüentavam a escola como pelos professores
que ali trabalhavam e pelos inspetores e profissionais dos órgãos responsáveis pela educação.
Isso permite considerar que era intenção relacionar tais práticas no âmbito geral do período
imposto pela ditadura militar.
A investigação realizada contribuiu para responder às questões elaboradas na presente
pesquisa em relação à concepção de criança e às práticas pedagógicas nas séries iniciais,
principalmente se atentarmos para as análises de uma concepção da infância que é submetida
à manipulação do adulto, com predominância da autoridade dos mais velhos, desde as épocas
mais remotas e permanecendo por todo o período militar: uma disciplina de práticas
ditatoriais. Foi nesse cenário que as crianças da Escola Estadual João Pinheiro vivenciaram,
em suas práticas cotidianas, muitos dos seus aprendizados.
Contudo, mesmo com toda influência desses ensinamentos, elas ainda podiam contar
com momentos prazerosos, relacionados com lazer e distração em sala de aula e, também,
quando adentravam o pátio da escola para brincar com os mais diferentes brinquedos, muitas
vezes criados por elas no interior desse espaço diferenciado, entre os corredores e o pátio,
com brincadeiras próprias do ser criança numa sociedade marcado pelo mundo do adulto.
Em síntese, em um primeiro momento da análise, considera-se que o conhecimento da
história da infância ou seja, da criança no seu meio mais amplo, o contexto social ajuda
196
a identificar o processo educativo seguido através da história da criança nas diversas
realidades a que foi submetida e, em particular, na modernidade, que impôs a necessidade de
regras que assegurem a convivência com o grupo, subordinando a criança a diferentes papéis
nas exigências criadas pelos adultos em cada temporalidade histórica. Também podemos
verificar as exigências de comportamento para as crianças, tratadas e conduzidas
cotidianamente tal qual ao adulto em suas mais diversas responsabilidades, em sua coragem,
sua determinação e seu trabalho; condicionadas às diferentes tarefas realizas por elas no seu
cotidiano, junto ao fato de seguir sendo consideradas como um ser carente, condicionado a
obedecer e seguir as ordens dos adultos, até chegar a processos mais elaborados de aquisição
e incorporação de conhecimentos determinados pela cultura, com as conseqüências que toda
transformação contém.
Mesmo perante todas as modificações ocorridas no mundo da criança, Rousseau
(1978, p. 185) salienta que “a educação será adaptada à infância e, até, a cada idade da
mesma”, e a obra da natureza nele se conclui pela educação.
Nesse cenário, foi possível traçar algumas dimensões da infância diante de tal
realidade vivenciada no interior da referida escola, por ser a criança um aluno numa escola
pública em uma dimensão constituída por regras transmitidas a ele que costumavam ser
criadas pelos professores e impostas pela sociedade sem nenhum interesse em compreender,
de fato, as reais necessidades da criança-discente. Evidentemente, essas normas e práticas
estão articuladas com objetivos que variavam de acordo com a época e não podiam nem
deviam ser analisadas se não levássemos em conta os profissionais que estão diretamente
envolvidos com o processo de executar as ordens, utilizando métodos, processos e
dispositivos estabelecidos pela concepção pedagógica que deviam seguir. Os mecanismos
utilizados pelos mestres na escola nós reportam a alguns exemplos que nos ofereceram pistas
para percebermos como os ensinamentos da educação tradicional naquele momento vinham
sendo por eles apresentados aos alunos e como contribuíram para o desenvolvimento de tais
práticas muitas vezes constituídas de ações imbuídas de uma autoridade delegada pelo
estado e consubstanciada pela escola. Além de incorporarem influências de todos os
segmentos possíveis, assumiam uma vigilância disciplinadora e formadora de bons hábitos e
boas atitudes.
Por se considerar a criança como um ser fácil de dominar, desenvolvia-se uma
pedagogia que buscava transformar as crianças em seres dóceis. Muitas vezes, percebemos
através das análises realizadas que a postura das professoras ao transmitirem seus
ensinamentos aos alunos era de ainda a de os considerar em relação ao adulto e numa posição
197
inferior: de submissão e vigilância permanente. Assim, visualizamos uma concepção de
criança como “adulto em miniatura” em função de uma lógica que se estabelecia entre aquilo
que a criança de fato era e o que se almejava que ela viesse a ser.
Ambigüidades à parte, a educação tradicional se apresentava como justificativa da
autoridade do adulto imposta sobre a criança e, portanto, transmissora de padrões sob o ponto
de vista moral e social, pois a imagem que se pretendia apresentar era o ideal de adulto que
devia se modelar na criança de forma categórica; o que nos apontou a consagração da
presença autoritária do adulto: seu discurso competente, verdadeiro e possível.
Diante disso, muitos pais ficavam contentes, pois seus filhos estavam guardados numa
instituição educacional, aprendendo coisas consideradas por eles como adequadas, longe do
perigo da rua e sob a vigilância de educadores responsáveis e considerados como os melhores.
Nessa instituição, realizava-se tudo aquilo que os pais acreditavam que fosse importante,
principalmente em relação à quantidade de atividades proporcionadas às crianças.
Portanto, as análises apresentadas nesta pesquisa podem contribuir para entendimento
do contexto educacional da Escola Estadual João Pinheiro e, conseqüentemente,
oportunizarem a busca de novas reflexões na perspectiva de construção de outras pesquisas.
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. Diário de classe de 1966 a 1988.
GRUPO ESCOLAR JOÂO PINHEIRO
. Diário de Classe do ano de 196788.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Fichas de matriculas dos alunos 19761988.
ITUIUTABA
. Câmara Municipal. Livro de atas de 1º de janeiro de 1902.
E
SCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas livro de ocorrências e advertências
198788.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas livro de atas pedagógicas 1976
88.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas livro de termo de visita da
supervisora de educação integrada — 197886.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas — em nome — 197988.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas — em nome — 198288.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas do colegiado — 198488.
ESCOLA ESTADUAL JOÂO PINHEIRO
. Livro de atas de reuniões de pais e mestres 1985
88.
ESCOLA ESTADUAL JOÃO PINHEIRO
. Livro de ocorrência de professores, 29/9/1979.
ESCOLA MUNICIPAL DE
1
º E
2
º GRAU MACHADO DE ASSIS
.
Histórico, s. l., s.d.
GRUPO ESCOLAR JOÃO PINHEIRO
. Livro de recortes do Minas Gerais, 19621988.
206
GRUPO ESCOLAR JOÂO PINHEIRO
. Registro geral de matricula do 1º grau.
ITUIUTABA
. Lei 106, de 24 de dezembro de 1908 livro de leis da Comarca Municipal de
Villa Platina/1908.
PARECER
990/72.
ITUIUTABA
. Decreto-lei n. 73. Ituiutaba, 25 de novembro de 1941.
ITUIUTABA
. Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer de Ituiutaba e
Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, 1985.
ITUIUTABA
. Ata de instalação da 32ª Delegacia Regional de Ensino de Ituiutaba, 9 de
novembro de 1986.
ITUIUTABA
. Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer de Ituiutaba e
Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, 2007.
Jornais e periódicos
CADERNO DO PROFESSOR
, Subsecretaria de Desenvolvimento da Educação de Minas
Gerais/Centro de Referência do Professor. Secretaria de Estado da Educação, n. 11, dez. 2003.
FOLHA DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XI
, n. 517, 1952.
FOLHA DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XIV
,
n. 710, 1955.
FOLHA DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XV
, n. 710, 1956.
FOLHA DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XI
, 17–11, 1956.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
I
,
n.
4, 1966.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
II
,
n.
90, 1967.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
II
,
n.
16, 1968.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
VII
,
n.
346, 1972.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
VIII
,
n.
395, 1973.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XVI
, n.
2.291, 1981.
CIDADE DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ano
XVI
, 1983.
ITUIUTABA
. Vôo livre... em revista. Retrospectiva cultural 2000/2002. Fundação Cultural de
Ituiutaba, 2002.
CENTENÁRIO DE ITUIUTABA
. Ituiutaba, ed. especial, n. 1, 2001.
FRENTE E VERSO
, s. ed., ano 3, n. 3.
REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
,
Campinas, n. 1, jan.–jun./2005, 2001.
207
APÊNDICE A
Roteiro de entrevista com professores — período de 1966 a 1988
Dados pessoais
Nome:
Data e local de nascimento:
Sexo:
Formação acadêmica:
Profissão atual:
Forma de ingresso:
Estado civil:
1) Como foi o seu ingresso na educação?
2) Qual a sua formação acadêmica?
3) O que motivou a atuar neste mundo da educação?
4) Como que se sucedeu o seu ingresso em específico no Grupo João Pinheiro de Villa
Platina?
5) Qual era o contexto da educação no interior da escola, nos anos 60 e 70?
6) Qual era a sua área de atuação?
7) Qual era o material didático utilizado durante aquele período?
8) Quais os princípios pedagógicos?
9) Qual era a sua metodologia de trabalho?
10) De quais segmentos da sociedade eram as crianças das séries iniciais? Havia separação
por segmentos? Por que?
11) Quais os principais problemas enfrentados na sua sala de aula?
12) Como era o seu relacionamento com os alunos?
13) De que maneira ocorria a participação dos pais?
14) De que forma era realizado o planejamento dos conteúdos a serem trabalhados?
15) Como você analisa as séries iniciais naquele período?
16) De que forma era seu relacionamento com a direção da escola?
17) Naquela época o que, em sua opinião, representava o Grupo Escolar João Pinheiro de
Villa Platina?
18) Como as aulas eram avaliadas? Quais os métodos utilizados?
19) Quais os rituais costumavam acontecer diariamente na escola?
20) Existiram momentos especiais?
21) Você indica algum pai ou aluno daquela época para que eu possa fazer uma entrevista?
22) Você se lembra de algum inspetor? E qual trabalho era desenvolvido por ele? Além do
inspetor lembra de algum agente do
MEC
?
208
APÊNDICE B
Roteiro de entrevista com alunos — período de 1966 a 1988
Dados pessoais:
Nome:
Data e local de nascimento:
Sexo:
Formação acadêmica:
Profissão atual:
Forma de ingresso:
Estado civil:
1) Como era a disciplina na escola? Quem e como cuidava desses aspectos? Quais as medidas
mais comuns ou relevantes em relação a este aspecto?
2) A escola atendia ambos os sexos?
3) Como era a disposição dos alunos na sala de aula?
4) Como se dava o recreio e outras atividades na escola?
5) Você se lembra do relacionamento entre professores a alunos? E aluno com diretor?
6) Qual a concepção que você tem a respeito dos professores daquela época?
7) Lembra-se do corpo administrativo da escola? Como funcionava?
8) Em relação às matérias ensinadas, você se lembra de alguma? Especificamente qual delas
marcou significativamente sua vida escolar?
9) Quais as lembranças que você tem das primeiras aulas?
10) Como as aulas eram avaliadas? Quais os métodos utilizados?
11) Você tem lembrança de como os alunos participavam dos eventos comemorativos e
festivos na escola?
12) Quais os rituais costumavam acontecer diariamente na escola?
13) Existia separação por classe social naquela época? Se positivo, de que forma era feita?
14) Relate um episódio que você se lembra da escola.
209
APÊNDICE C
Roteiro de entrevista com diretores — período de 1966 a 1988
Dados pessoais
Nome:
Data e local de nascimento:
Sexo:
Formação acadêmica:
Profissão atual:
Forma de ingresso:
Estado civil:
1) Como foi o seu ingresso na educação?
2) Qual a sua formação acadêmica?
3) O que motivou a atuar neste mundo da educação?
4) Como que se sucedeu o seu ingresso em específico no Grupo João Pinheiro?
5) Qual era o contexto da educação no interior da escola, nos anos 60 e 70?
6) Qual era a sua área de atuação?
7) Qual era o material didático utilizado durante aquele período?
8) Quais os princípios pedagógicos?
9) Qual era a sua metodologia de trabalho?
10) De quais segmentos da sociedade eram as crianças das séries iniciais? Havia separação
por segmentos? Por que?
11) Quais os principais problemas enfrentados na época de sua administração da escola?
12) Como era o seu relacionamento com os alunos e professores?
13) De que maneira ocorria a participação dos pais?
14) De que forma era realizado o planejamento dos conteúdos a serem trabalhados?
15) Como você analisa as séries iniciais naquele período?
16) De que forma era seu relacionamento com a equipe da escola?
17) Naquela época o que, em sua opinião, representava a Escola Estadual João Pinheiro?
18) Como as aulas eram avaliadas? Quais os métodos utilizados?
19) Quais os rituais costumavam acontecer diariamente na escola?
20) Existiram momentos especiais?
21) Você indica algum pai ou aluno daquela época para que eu possa fazer uma entrevista?
22) Você se lembra de algum inspetor? E qual trabalho era desenvolvido por ele? Além do
inspetor lembra de algum agente do
MEC
?
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