O cristianismo dos teólogos patrísticos, herdeiros da tradição de Irineu de Lion,
Justino e outros defensores de sua própria fala como a voz da ortodoxia, torna-se aos poucos
uma instituição romana. O cristianismo se romanizava na medida em que muitos de seus
intelectuais orgânicos proclamavam uma proposta cristã de adesão política e cultural ao poder
romano, reforçando inclusive o abismo social entre classes no crsitianismo e apresentando
isso como algo natural que não podia ser questionado.
Ocorre uma substituição “semântica e institucional” na qual o que era superstitio
torna-se religio e o que era religio torna-se superstitio:
“[...] os significados e os referentes das novas categorias (aqui religio e
superstitio) são radicalmente mudados: investido pelo cristianismo, religio vai
recobrir todo o dado cristão (aqui, fé, episcopado, clero, corpus da Escritura,
messianismo etc.); inversamente, investido pela categoria de religio, o
cristianismo vai se inscrever no espaço que este termo recobre em latim e ser
redefinido por ele: a fé do cristão vai ser percebida na atitude pessoal do cidadão
a respeito da cidade (ciuitas) e a instituição eclesial (ecclésia) vai ser retomada
nas categorias que estruturam a sociedade (societas) em cidades (ciuitates). De
seu lado superstitio que qualificava até então o fenômeno cristão da mesma
maneira que as religiones externae ac prauae, vai qualificar o mundo latino, mas
com a conotação que receberam as hairesis no esaço anterior, o de ser não
somente uma “sobrevivência”, mas ainda em oposição com a fé, que é a
verdadeira religio, um amontoado de “crenças falsas”. No termo deste processo,
o cristianismo, que guardará certamente esse nome adquirido em meio grego,
será transformado em religio romana christianaque, isto é, em “religião” no
sentido em que, geralmente, nós entendemos, a partir de então, esse termo nas
culturas ocidentais latinas “ (SACHOT,2004: 152).
Não se trata de uma de uma troca simplista de referências, mas de reconceituação da
idéia de religio e, de certa forma, da idéia de superstitio. Por exemplo, religião incluirá a
noção de “verdade revelada”, com uma linguagem marcada por conteúdos doutrinais, rituais
de adesão e sistema de revelação. As verdades pragmáticas formadoras de vínculos que
representavam o respeito para com o instituído tornam-se também alvo de reflexão teórica e
hermenêutica. Ocorre a introdução de uma noção filosófica de verdade na categoria de religio.
Assim, a verdade revelada torna-se verdadeira religio do verdadeiro Deus (Idem, 141). Por
conseguinte, tudo que fosse considerado “sobrevivência insensata”, por não ser beneficiada da
revelação divina “legítima”, não passava de superstição e de erro. E como tal, tornava-se