49
Para explicitar a história da vinda desses imigrantes para o Brasil, destinarei
esse trecho do trabalho essencialmente às falas nativas, às narrações das
entrevistadas – e entrevistados – sobre a chegada a este país, e, posteriormente, a
Campo Grande e outros locais, bem como à fala dessas pessoas sobre os diversos
trabalhos exercidos em suas vidas.
A história da senhora Mie
71
, de 78 anos, demonstra como foi chegar ao Brasil
e, posteriormente, mudar-se para Campo Grande:
“Minha mãe tinha 40 anos, meu pai tinha 82 anos quando veio para o Brasil.
Eu tinha um ano e meio. Eu tinha irmãs, tinha quatro irmãos e irmãs. Duas irmãs,
dois irmãos. Minha mãe veio para o Brasil em 1930. Então foi pra fazenda. Você
sabe fazenda, né? Em São Paulo, Bebedouro. Porque fazenda contrata com
governo Brasil, né? Aí também no Brasil, contrata com Governo Japão, né? Aí
Governo Japão: ‘quem quer ir ao Brasil?’ Aí meu pai quer ir, aí contrata, navio de
graça. Governo brasileiro paga. Aí fazendeiro depois, fala pra Governo, né? Mas nós,
meu pai veio no Brasil, mas não ganha. Tem que pagar esse dinheiro com dois anos.
Trabalhar sem receber. Sem receber dois anos, obrigação. Chegou ao Brasil, meu
pai e minha mãe, comida que não dava certo, mas foi difícil, mas foi indo, foi indo. Aí
chegou ao Brasil, um ano, dois anos depois, ele foi pra fazenda que ficava perto do
rio, Bate-Palmas. E aí tinha tanta maleita, tanta maleita, tinha trinta e três famílias.
Brasileiras, japonesas, trinta e três famílias, todo mundo ficou maleita, malária. Cada
família morreu um, dois. Em casa morreu uma pessoa. Morreu com malária. Toda
família perdia, morria. Aí eu também quase morri, sabe? Meu pai falava: ‘ah, essa aí
já é caçula, né? O que eu pode fazer?, que vai, vai’. Mas graças a Deus eu tive sorte.
Estava perigoso morrer toda família, aí mudou pra outros lugares, outras cidades.
Ficou lá seis anos, estava na miséria mesmo, não tinha nem dinheiro pra comprar
sapato, comida também era duro. Foi indo, foi indo, depois de dez anos, aí que deu
um pouquinho pra melhorar, sabe? Desse jeito, né? Foi indo, foi indo, melhorou.
Depois naquele tempo, meu pai e minha mãe, né, eu tinha irmão casado, mas não
deixava separar. Separar família, pra morar assim, tem que ser tudo junto, pra
ganhar dinheiro logo, pra voltar no Japão. Meu pai, quando ele veio do Japão, ele
71
Todos os nomes reais foram trocados por fictícios nas entrevistas.No entanto, segui a origem de
suas nominações. Entrevistados com nomes japoneses receberam pseudônimos da mesma origem, e
o mesmo ocorreu com os entrevistados que possuem nomes ocidentais. A partir dessas
características pode-se perceber rapidamente, em alguns casos, a que geração pertencem as
pessoas que colaboraram com essa pesquisa contando-nos um pouco de suas histórias.