somente um em si (um imediato), em correspondência apenas consigo mesmo. Quanto
ao significado de realidade, o autor está se referindo a uma objetivação na qual a
finalidade se efetiva. É o conceito se expondo por meio de sua realização concreta.
Tal esclarecimento é fundamental para entendermos por que esta
correspondência, enquanto necessidade absoluta, prescinde de um observador, quer
dizer, supera aquela noção de verdade que a epistemologia contemporânea
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estabelece
como uma relação entre aquilo que o sujeito capta da realidade e o objeto. Uma
perspectiva dual que não consegue dar conta, simultaneamente, do problema do
realismo ingênuo conjugado com o problema posto por Kant – quando superou o
primeiro. O desafio desta assim chamada Rodada Absoluta é justamente o de superar
aquela relatividade, na qual a necessidade ainda se encontra, sem recorrer à pura
abstração do idealismo subjetivo, ou seja, sair do movimento kantiano sem
desconsiderá-lo e defrontar-se com a realidade das coisas sem retornar,
melancolicamente, ao realismo ingênuo.
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Para tanto, a correspondência de que fala
164
Cabe ressaltar que o foco central da epistemologia é o conhecimento factual, portanto, o saber sobre
fatos. Este saber sobre fatos é o chamado conhecimento proposicional que, nas palavras de Cláudio
Costa, se caracteriza por ser “cognitivo e informativo: é dele que é constituído o imenso corpo de
informações acumuladas e partilháveis que possuímos sobre o mundo e que constitui o cerne de nossa
herança científico-cultural”. Contudo essa não é a única forma de conhecimento reconhecida pela tradição
analítica, uma vez que o conhecimento proposicional aparece como uma terceira forma de conhecimento
de uma classificação geral. Além do conhecimento proposicional, Costa aponta o conhecimento como
habilidade – que pode ser entendido como um saber fazer – e ainda uma segunda forma que é definida
como conhecimento de particularidades. Esta última forma quer dar conta de um conhecimento de coisas,
de pessoas, de locais etc, “basicamente daquilo que podemos identificar como ocupando lugar no espaço
e possuindo certa duração temporal”. Uma característica dessa forma de conhecer é que ela pressupõe
uma experiência pessoal direta do indivíduo, ou seja, de acesso privilegiado e, portanto, não pode ser
compartilhada – o que é decisivo para sua diferenciação do conhecimento proposicional. (Cf. OLIVEIRA,
Cláudio. Uma introdução contemporânea à filosofia, p. 83, 86)
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A perspicácia da crítica de Hegel a Kant, com relação à sua concepção de fenômeno, se apresenta
claramente na abordagem do problema. O autor, ao criticar a afirmação de que tudo é fenômeno – e que
na verdade temos que nos contentar com uma versão pálida, talvez até enganosa, da realidade, uma vez
que esta é resultado da ação do sujeito no “mundo” e, portanto, este mundo já está circunscrito à
capacidade de apreensão de uma subjetividade – não procede de maneira óbvia reclamando um acesso às
coisas como no empirismo ingênuo. O que Hegel mostra é uma outra conseqüência, igualmente, drástica
do idealismo subjetivo. Ele mostra, em sua crítica, que uma vez aceitando o idealismo subjetivo,
aceitando que estamos irremediavelmente encerrados em nosso próprio eu, jamais poderíamos ter algum
conhecimento objetivo da realidade. Não poderíamos sequer perceber uma teia cultural que nos cerca e
nos constitui.
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