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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Pós-graduação em Filosofia
Alberto José Vinholes de Carvalho
A Dialética das Modalidades como fundamentação lógica do processo de
autodeterminação da vontade.
Porto Alegre
2008
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Alberto José Vinholes de Carvalho
A Dialética das Modalidades como fundamentação lógica do processo de
autodeterminação da vontade.
Dissertação apresentada à
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Pontifícia
Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUC-RS), como
requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Luft
Porto Alegre
2008
2
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Prof. Dr. Eduardo Luft pelas valiosas orientações dadas,
fundamentais para a elaboração deste trabalho, bem como pelas palavras de estímulo
oferecidas nos momentos de maior dificuldade.
3
RESUMO
Para Hegel, liberdade pressupõe determinação que, segundo o autor, é o
resultado de um movimento necessário de autodeterminação do Absoluto. Hegel, na
Filosofia do Direito expõe os movimentos de autodeterminação da “vontade”, que
aparecem como uma explicitação do movimento interno do sujeito, a partir do qual é
justificada sua inclusão no processo de aprendizado ético. O autor, em vários
momentos, indica a Ciência da Lógica como fonte dos elementos complementares
àqueles apresentados na Filosofia do Direito, a fim de obtermos uma melhor
compreensão da necessidade de tal processo. O movimento de autodeterminação da
“vontade”, explicitado na Filosofia do Direito, apresenta uma similaridade com o
processo de autodeterminação do Absoluto, que o autor expõe na Ciência da Lógica no
capítulo sobre a Dialética das Modalidades. Nas rodadas: formal, real e absoluta, o
autor, por meio da articulação entre possibilidade, contingência e necessidade, apresenta
o processo de autodeterminação do Absoluto. Neste sentido, a Ciência da Lógica
antecipa e esgota as questões que balizam as noções de moralidade e eticidade.
Palavras-chave: Dialética das Modalidades, vontade, necessidade, liberdade.
4
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................6
1 O CONTEXTO DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL..................................11
2 O CONCEITO DE LIBERDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DA
FILOSOFIA DO DIREITO...........................................................................................28
3 FUNDAMENTAÇÃO METAFÍSICA DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE: a dialética
das modalidades..............................................................................................................40
3.1 RODADA FORMAL: a contingência ou efetividade, possibilidade e necessidade formais.......48
3.2 RODADA REAL: a necessidade relativa, ou efetividade, possibilidade e necessidade reais.....60
3.3 RODADA ABSOLUTA: necessidade absoluta...........................................................................67
4 A RELAÇÃO ABSOLUTA COMO O DESENROLAR DO MOVIMENTO
DIALÉTICO...................................................................................................................75
5 A DIALÉTICA DAS MODALIDADES E AS DETERMINAÇÕES DA VONTADE86
5.1 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA FORMAL DA
DIALÉTICA DAS MODALIDADES...............................................................................................88
5.2 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA REAL DA DIALÉTICA
DAS MODALIDADES......................................................................................................................94
5.3 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA ABSOLUTA DA
DIALÉTICA DAS MODALIDADES.............................................................................................102
6 RELAÇÃO ABSOLUTA E LIBERDADE................................................................109
CONCLUSÃO...........................................................................................................................111
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................121
5
INTRODUÇÃO
Por ocasião do trabalho de conclusão da Graduação
1
, quando foi tratado o
conceito de liberdade em Hegel, fizemos um esforço no sentido de compreender porque
o autor entende a possibilidade da liberdade, ainda que o indivíduo esteja sob a força do
Absoluto. Naquela oportunidade, nos detivemos na Filosofia do Direito como fonte
esclarecedora dos movimentos apontados por Hegel como necessários para que o
indivíduo penetre na realidade, ou seja, na Sociedade Civil. Na Filosofia do Direito,
Hegel apresenta seus conceitos de Moralidade e Eticidade, que correspondem a uma
tentativa de superação da moral kantiana, também como processos necessários para que
o indivíduo se entenda como livre. Naquele trabalho logramos compreender que a
liberdade para Hegel é a plena adequação do indivíduo ao Absoluto e, nessa
perspectiva, os conceitos de Moralidade e Eticidade aparecem na Filosofia do Direito
como caminhos que o indivíduo deve percorrer para sua libertação para entender-se
como livre. Hegel entende que o indivíduo precisa pôr-se na tarefa de compreender a
lógica do mundo que está entremeada nas relações sociais e no ato do conhecimento
2
,
quer dizer, o conhecimento do mundo como realidade presente e como convivência.
Este empreendimento representa uma necessidade de articulação de dois universos que
1
Trabalho de Conclusão realizado para obtenção da Graduação no Curso de Filosofia da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, apresentado em Dez de 2005, sob a orientação do Prof. Dr.
Eduardo Luft.
2
A idéia de liberdade é o resultado de um processo de mediação que possibilita um ato que, muito mais
do que simples aceitação, é ato de construção. O indivíduo, então, não recebe, simplesmente, um conjunto
de regras dadas para que decida aceitá-las ou não, como também não é coagido, por um modelo
totalitário, a seguir regras sem poder contrapor-se a elas.
6
se apresentaram dispersos em outras filosofias: um mundo das coisas e uma razão.
Enfrentar essa dupla dificuldade não é tarefa simples e não por acaso Kant precisou
separar essas duas exposições da realidade para construir sua teoria moral sem abrir
mão dos avanços científicos. O problema é que, nesse movimento, Kant acabou por
encerrar o indivíduo em sua subjetividade, construindo um conceito de moral que não
consegue, segundo Hegel, superar a precariedade de uma perspectiva parcial.
Contudo, em nossos estudos anteriores, não logramos encontrar uma garantia
para que essas prescrições de Hegel, realmente, se dêem como ele pretende. Ou ainda,
não foi possível detectar na própria Filosofia do Direito um elemento que pudesse ser
apresentado como uma garantia para que o indivíduo não recusasse tal tarefa, para que
ele se dispusesse ao aprendizado das relações éticas. Em outras palavras, não se
conseguiu explicar por que Hegel tinha tanta certeza de que aquelas contradições
surgidas da convivência social seriam conciliadas. Ainda na perspectiva da Filosofia do
Direito, aqueles estágios da Eticidade que o indivíduo percorre no seu desenvolvimento
no seio do Estado, segundo nosso entendimento, devem ser precedidos da intenção
daquele em participar da comunidade ética, e tal movimento deve ocorrer no interior do
sujeito. Em outras palavras, a Filosofia do Direito deve incluir a Moral kantiana, quer
dizer, o sujeito somente pode se inserir em uma comunidade ética enquanto sujeito que
se sabe como razão que pensa o mundo, um sujeito que “conhece”. Quanto a essa
questão não o que discordar, uma vez que Hegel toma o conceito de liberdade
kantiano – autonomia – como ponto de partida para sua filosofia.
O problema é que, em Hegel, aquele indivíduo que em Kant tem o poder de
determinar o que é e o que não é correto por meio do Imperativo Categórico, que é
7
uma construção dele enquanto sujeito perde sua força para uma totalidade que o
engloba e lhe sentido. Para Hegel o todo é mais importante do que as partes, ou seja,
o todo precede as partes e as põe em relação, lhes sentido.
3
A conseqüência para a
questão da liberdade é que o livre agir kantiano não passará de um momento que reflete
muito mais um capricho que a verdadeira liberdade. Bobbio (1995) explica que, para
Hegel, o próprio agir do indivíduo na sociedade civil espelha muito mais um dever do
que sua liberdade, ou seja, aquela liberdade kantiana fica encerrada em um conceito de
“liberdade natural” que necessariamente deverá dar lugar à “liberdade substancial”.
4
Para nossa pesquisa, aquela totalidade que é apontada por Bobbio como mais
importante, que precede e supera as partes, aparece na Filosofia do Direito como a
“vontade”. Bobbio (1995) afirma que, segundo Hegel, a “vontade” substancial
independe dos indivíduos
5
e, nesse sentido, entendemos que tal “vontade” representa
uma razão do mundo que ora aparece como particularidade (sujeito), ora como uma
lógica totalizante que unifica a razão subjetiva e a realidade. Portanto, entender a
“vontade” em sua manifestação exige que se busque recurso em outros elementos
exteriores à Filosofia do Direito, tarefa que o próprio Hegel indica muitas vezes em sua
obra. Assim, esta pesquisa tem como finalidade buscar na Ciência da Lógica,
especialmente na Dialética das Modalidades e na Relação Absoluta, elementos que nos
auxiliem na tarefa de esclarecer em que medida Hegel tem garantida a atuação ética do
indivíduo na sociedade, ou melhor, a disposição do indivíduo em trilhar o percurso
explicitado por Hegel como Eticidade.
3
Ao comentar este aspecto Norberto Bobbio afirma: “na totalidade ética o todo vem antes das partes:
Hegel se compraz em retomar, em vários lugares, a afirmação de Aristóteles de que, ‘segundo a natureza,
o povo precede o indivíduo’”. (BOBBIO, Norberto. Estudos sobre Hegel. p. 31).
4
Cf. BOBBIO, Norberto. Estudos sobre Hegel, p. 51.
5
Cf. Id, p. 123.
8
Em um primeiro momento, procuraremos posicionar o leitor na perspectiva de
Hegel apresentando uma visão global do seu entendimento sobre a questão da Ética.
Nesse intuito, procuraremos apresentar algumas críticas suas aos conceitos de Kant bem
como uma breve exposição da sua opinião sobre os acontecimentos de sua época. A
seguir, trataremos de recuperar aquele elemento da Filosofia do Direito mais
relacionado com o nosso estudo, qual seja: o processo de autodeterminação da
“vontade” entendendo que a “vontade” é o princípio que norteia a Filosofia do
Direito. A Dialética das Modalidades e a Relação Absoluta aparecem no
prosseguimento do trabalho como fontes das quais serão extraídos os conteúdos
fundamentais para a discussão central da pesquisa. Após este estudo, entraremos no
epicentro do trabalho: a discussão sobre um possível paralelismo entre as determinações
do Absoluto apresentadas na Ciência da Lógica e as determinações da “vontade”
mostradas na Filosofia do Direito. Nossa pretensão, com este trabalho, é aprofundar a
idéia de que Hegel, ao introduzir as determinações da “vontade” na Filosofia do Direito,
reapresentou aqueles elementos expostos na Dialética das Modalidades na forma de
uma autodeterminação da vontade”. Pretendemos afirmar que o autor tinha como
finalidade trazer a robustez demonstrativa de sua lógica para um lugar ainda carente
desta força: a Filosofia do Direito.
Não se trata, aqui, de postular que Hegel tenha cometido algum deslize ao
executar ou mesmo elaborar tal tarefa, a questão que pretendemos asseverar é que, sem
a Ciência da Lógica, a Filosofia do Direito poderá parecer uma prescrição como
qualquer outra. De outra forma, aquela autoridade de que a Filosofia do Direito parece
estar investida, se deve muito mais à força da Ciência da Lógica do que à sua
construção como crítica do comportamento social. Dito isto, não se segue que o valor da
9
Filosofia do Direito esteja diminuído, muito antes pelo contrário, significa que ele é a
culminância do pensamento de Hegel enquanto um momento de devolução à sociedade
de tudo que ele pôde construir como filósofo inserido criticamente na realidade das
relações humanas. Todavia, pretendemos averiguar se a força da Ciência da Lógica não
acaba por esgotar completamente as questões filosóficas mais densas a respeito da
existência, restando para a Filosofia do Direito, enquanto herdeira dos conceitos lógicos
que a sustentam, apenas traduzi-los em elementos passíveis de articulação com a
problemática do comportamento social de tal maneira que a Ciência da Lógica
prescinda totalmente da Filosofia do Direito e, em direção oposta, a Filosofia do Direito
dependa absolutamente da Ciência da Lógica.
Ao final, pretendemos retomar essas indagações e relacionar com os elementos
colhidos ao longo do trabalho a fim de tentar elaborar uma síntese que possibilite um
novo aprofundamento dos nossos estudos sobre a filosofia de Hegel.
10
1 O CONTEXTO DA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL
Na Filosofia do Direito, como culminância de sua obra filosófica, Hegel
pretende mostrar, passo a passo, a necessidade de uma união do que se entende por
moralidade com um outro elemento que ainda era pensado separado dela: o direito. Esta
concepção de Hegel decorre de sua convicção da necessidade de uma efetivação
daqueles elementos que eram entendidos como produto do pensamento de um sujeito
mesmo que ainda encerrado em sua subjetividade por meio de um movimento que
tinha como finalidade sua objetivação. Para tal, se faz necessária uma “filosofia prática,
enquanto desenvolvimento da idéia de liberdade”
6
, através da qual a vontade, que ainda
se encontrava na forma abstrata, pudesse, então, alcançar esta objetivação e efetivação.
O projeto hegeliano parte de um princípio no qual a liberdade pode ser
pensada como realização que se dará no seio de uma determinada sociedade, contexto
no qual o indivíduo esteve inserido desde sempre. Segundo o autor, não há possibilidade
para indivíduos entendidos enquanto unidades isoladas, pois se assumíssemos o
indivíduo nessa condição, teríamos que aceitar que ele não tem relação com um outro,
não se comunica e, sendo assim, o pouco seria dizível. A única possibilidade de este
6
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p 15.
11
indivíduo ter alguma relevância exige um abandonar a si mesmo, enquanto unidade, e
integrar-se a uma sociedade independente do estágio de evolução
7
em que ela se
encontre. Contudo, esta condição, que define o sujeito desde seu surgir no mundo, não
confere a ele uma compreensão de sua situação. Para tanto, o indivíduo necessitará
elevar-se da condição de simples ser vivente qualidade também conquistada como
sujeito – movendo-se para além desta posição e alcançando a condição de pessoa.
O sujeito preponderante da teoria de Hegel não é o indivíduo, mas um sujeito
universal. Sobre este aspecto Luft aponta:
Schelling compartilha com Platão e também com Fichte
e Hegel um pressuposto primeiríssimo em filosofia:
todas as determinações pressupõem relações. Isso quer
dizer que nada, nenhuma entidade na esfera do ser ou do
pensamento possui determinação por si mesma, isolada de
todas as demais. (...) Tomemos como exemplo a Lógica
hegeliana: para Hegel, uma categoria somente pode ser
determinada através de sua relação com outras
categorias.
8
Essa forma de Hegel ver o indivíduo decorre de sua metafísica. Nela, somos
parte do universo, enquanto compreendendo-o; somos produzidos pelo universo para
entendê-lo; somos um elemento do espírito universal que, estando ainda inconsciente na
natureza, adquirirá consciência de si no reino da cultura. Hegel é um holista, porque sua
ênfase é na totalidade, e também pelo fato de que, “quem aceita uma ontologia
relacional, precisa pressupor uma abordagem holista em filosofia”
9
. Sendo assim,
quando se pergunta: “o que é isto?”, podemos responder a esta pergunta inserindo-a
em um complexo de sinais que tem suas regras específicas de formação. Hegel quer
mostrar que a interpretação atomística do que vem a ser o indivíduo é inadequada.
7
Hegel acreditava que cada sociedade se encontra em um momento peculiar de sua história, que por sua
vez está inserida na história mundial.
8
LUFT, Eduardo. Para uma ontologia relacional, p. 701.
9
Id, p. 710.
12
Dito isto, cresce a importância de, neste início, demarcarmos uma diferença
fundamental entre o que Hegel entende por pessoa em contraposição à noção
conhecida de sujeito. O entendimento que Hegel tem do conceito de pessoa
se diferencia essencialmente do [conceito de] sujeito;
[pois] o sujeito é a possibilidade da personalidade,
que todo vivente é um sujeito. A pessoa é, portanto, o
sujeito para o qual é esta subjetividade; nela sou
absolutamente para mim: é a individualidade da liberdade
no puro ser por si.
10
Para o autor, a pessoa é mais que um simples sujeito: ela é o sujeito consciente
de si mesmo. Uma vez nesta condição, a pessoa é o ponto de partida da Filosofia do
Direito, pois é a partir dela que a vontade individual se manifesta na sociedade
possibilitando o aparecimento de contradições como vontades individuais de outras
pessoas. É na superação destas contradições que o Espírito
11
encontra o caminho para
seu pleno desenvolvimento. Sendo assim, o desenvolvimento do conceito de liberdade
será o resultado da atuação do Espírito; contudo não este resultado, mas também o
próprio processo como movimento de autocompreensão.
A liberdade só pode
ser pensada em sua realização na sociedade e nas
instituições, que, longe de ser uma questão “técnica” para
a vontade moral, se constituem no único campo no qual
pode desenvolver-se.
12
Hegel estava decidido a ultrapassar os limites de uma ética que tinha
permanecido mesmo com pretensões a uma universalidade apenas no âmbito da
10
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 103.
11
Entendido como espírito de um povo, que tem na sociedade civil o terreno no qual poderá encontrar-se
e compreender-se.
12
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p 15.
13
moralidade, ou seja, não tinha conseguido ir além do próprio sujeito. Somente uma
perspectiva que superasse a visão de um sujeito isolado poderia unificar as concepções
éticas e as concepções legais da sociedade. A “discrepância entre moralidade e
legalidade que impedia a identificação própria da política aristotélica entre a realização
moral e a existência dentro da comunidade política
13
”, eram também alvo da proposta de
Hegel no seu projeto de Filosofia do Direito.
Para o autor, o conceito de ética dos gregos é estreitamente ligado às virtudes
individuais, uma vez que, tal conceito, evidencia o caráter próprio do sujeito que age na
comunidade ética.
14
Hegel, em seu projeto, quer criticar a noção de virtude individual e,
em função disso, mostrar que o senso comum da modernidade não reverencia, como
nos gregos, o virtuosismo solitário enquanto elemento capaz de balizar o
comportamento ético. Contudo esse modo de pensar está intimamente ligado ao estágio
de compreensão do conceito de liberdade em que cada povo se encontra.
A virtude se refere melhor ao virtuosismo ético, e a causa
de que atualmente não se fale tanto da virtude se radica
em que a eticidade não adota em tal medida a forma de
um indivíduo particular. Os franceses são o povo que
mais fala de virtude, porque para eles é mais uma questão
de indivíduo em sua peculiaridade e em seu modo natural
de atuar. Os alemães pelo contrário, mais pensantes, o
mesmo conteúdo alcança entre eles a forma da
universalidade.
15
A virtude é mais voltada à primeira natureza, não mediada, e por isso mais
pobre, pois ela não resulta da atuação dos indivíduos na comunidade ética, ela apenas
representa um modo de ser de um único sujeito em sua atuação. Tal modo, não é
aprendido por ele, senão que é sua qualidade – não é construção, portanto, não é, ainda,
13
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 16.
14
Cf. Id, p. 232.
15
Id, p. 233.
14
ético. Nesse sentido, a ética é algo que deve ser ensinado, e, por esta razão, Hegel
entende que a pedagogia é a arte de fazer éticos os homens, considera o homem como
natural e lhe mostra o caminho para voltar a nascer, para converter sua primeira
natureza em uma natureza espiritual, de tal maneira que o espiritual se converta no
hábito. Em Hegel desaparece a contraposição entre a vontade natural e a vontade
subjetiva e é superada a resistência do sujeito
16
.
O pensamento holístico de Hegel lhe impulsionava a pretender a unificação da
legalidade e da moral para que dessa união se pudesse extrair algum sentido, mas não
somente isso. Hegel queria, que essa unificação, instaurasse um processo de constante
atualização dos conceitos da moral, do direito e da liberdade. Por isso, sua preocupação
com os conceitos de moralidade que não levassem em conta a realidade, enquanto
oposição. A idéia de liberdade somente poderia revigorar-se através de um processo
capaz de captar e superar as constantes contradições postas pelos conflitos que se
estabelecem no convívio social, na medida em que este convívio pressupõe e também
necessita – uma acomodação dos partícipes no que tange ao espaço de liberdade de cada
um.
Os aparecimentos daqueles conflitos se devem ao fato de que a pessoa embora
sua vantagem em termos conceituais com relação ao sujeito, na medida em que é um
“para além” do sujeito ainda carrega um caráter precário da idéia de liberdade. Ela
ainda representa uma individuação que tem apenas sua vontade individual como motor,
de modo que sua marca principal é a sua plena identificação consigo mesma, enquanto
identidade abstrata. Este era, no entender de Hegel, o elemento que apontava uma
deficiência na ética kantiana. Desde a perspectiva kantiana, a subjetividade ascende
16
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 233.
15
à universalidade na reflexão sobre si, mas justamente por
isso tem que pagar o preço de que sua determinação do
universal não permite desde si mesma nenhuma
concretização do conteúdo, nenhuma relação com o
particular, permanecendo assim em sua abstração.
17
Esta universalização conquistada por meio de uma expansão do eu como eu
transcendental, que pretende abarcar o todo do fenômeno provoca um distanciamento
tal que impossibilita qualquer identificação com um outro, imerso no desenrolar do
mundo. Enquanto permanece no âmbito desta identidade abstrata, a moral kantiana
somente pode afirmar a autonomia por meio de uma forte acentuação do “dever-ser”.
Hegel afirmava que tal postura levou a uma crença de que a subjetividade mesmo que
abstrata ou, talvez ainda, exatamente por ser abstrata pode determinar os critérios a
que o mundo deve submeter-se. Em sua crítica, o filósofo destaca que, na história, estes
elementos se concretizaram na forma do terror, especialmente explicitado na Revolução
Francesa. Sendo assim, em seu entender, uma moral normativa não poderia precaver-se
com relação ao passo para o absolutismo, pois não encontraria nenhuma oposição às
suas pretensões, uma vez que somente teria frente a si a completa correspondência
consigo mesma.
Hegel reconhece que a autonomia da subjetividade, que aparece na filosofia de
Kant, tem um valor inestimável para a construção de uma ética. Tal liberdade possibilita
ao indivíduo ser o senhor das suas atitudes, das suas escolhas elemento fundamental
para a organização social. Somente a partir do reconhecimento desta capacidade, de dar
a lei a si mesmo, é que podemos pensar em responsabilidade e principalmente em
responsabilização. O direito é um reflexo do reconhecimento de que o indivíduo possui
tal qualidade, de maneira que o conceito de pessoa em Hegel encontra um correlato no
17
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 21.
16
direito positivo: o sujeito do direito. Contudo, essa correlação entre os dois conceitos
não é o bastante para o autor, pois o que ele quer, em verdade, é mostrar que estes
conceitos devem ser unificados. Pessoa é uma subjetividade que sabe de si como
autônoma, mas que também se sabe atuando no contexto social, que é permeado por um
direito o qual é resultado da atuação de si mesmo frente a outros: o direito positivo.
É nesse sentido que Hegel observa que liberdade não é um “fazer-o-que-quiser”,
evidenciando a necessidade de uma mediação, a fim de que, por meio desse processo,
aquela precária noção de liberdade possa erguer-se do seu aspecto meramente subjetivo.
Hegel expressa claramente a necessidade da superação desta concepção precária de
liberdade quando diz:
A representação mais comum que se tem da liberdade é o
livre-arbítrio, termo médio entre a reflexão e a vontade
meramente determinada pelos instintos naturais e a
vontade livre em e por si
18
.
Considerar o que tão somente pode ser entendido como livre-arbítrio como uma
representação da liberdade é deixar de reconhecer que este livre-arbítrio é somente um
dos momentos da manifestação da vontade. O seu sentido ocorre em um âmbito entre a
condição de instinto e de vontade em si. O livre-arbítrio é vontade enquanto contradição
e, sendo seu conteúdo exterior a ele conteúdo dado, não sendo este resultado de
autodeterminação –, o livre-arbítrio, como liberdade, não passa de uma ilusão. Essa
contradição se manifesta na dialética dos instintos e tendências, quando eles se destroem
mutuamente. A forma de agir do livre-arbítrio é a de realizar um cálculo, enquanto
imerso na sua contingência, com a finalidade de decidir qual instinto será satisfeito. No
agir do livre-arbítrio, a tendência aparecerá como aquele peso que desequilibrará a
decisão em favor de um ou de outro instinto. Nessa apreciação dos instintos, se
18
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 80.
17
evidencia uma dicotomia entre “homem naturalmente bom” e “homem naturalmente
mau”.
Na primeira, a imanência e a positividade das determinações da vontade
imediata naturalmente boas emprestam seu caráter ao homem. Na segunda
caracterização do homem, porém, as determinações da vontade imediata, enquanto
opostas à liberdade, merecem ser consideradas más, caracterizando o homem como
naturalmente mau. Dessa maneira, o livre-arbítrio, exercendo a apreciação dos instintos,
aparece como elemento decisivo na caracterização desse homem. A atuação do livre-
arbítrio promove a purificação dos instintos, que pode ser entendida como o fato de tirá-
los da sua forma de determinismo natural imediato (subjetividade, contingência)
possibilitando o alcance da sua essência. Somente após tal ação da razão sobre os
instintos, eles poderão ser apreendidos pelo conceito, de maneira que possam compor
um sistema racional das determinações da vontade.
O elemento decisivo nesse movimento, e também decisivo na filosofia
hegeliana, é a racionalidade. Hegel tinha em mente que a função primeira do direito era
captar os resultados da atuação racional a fim de desenhar um panorama da ação da
vontade humana na forma de um sistema. A racionalidade é essencial nesse projeto,
porque é por meio dela que o livre-arbítrio poderá ser elevado, suprassumido, de forma
que o indivíduo possa libertar-se das determinações da natureza, trazendo à luz as
determinações da vontade.
A reflexão referida aos instintos, na medida em que os
representa, os calcula e compara entre si, com seus meios
e suas conseqüências, e com uma totalidade de satisfação
a felicidade –, a esta matéria uma universalidade
formal e à purifica de seu modo exterior e de sua crueza e
18
barbárie. Esta produção da universalidade do pensamento
é o valor absoluto da cultura.
19
Todo este movimento do livre-arbítrio terá como síntese a reflexão. A reflexão,
então, elevará o livre-arbítrio do aspecto instintivo, imediato, à apreensão da noção de
dever. A compreensão do dever como resultado da síntese da atuação do livre-arbítrio
confirma que, como afirma Luft, para Hegel, liberdade significa autodeterminação
20
,
quer dizer um determinar-se que independe de qualquer outro que não seja a si
próprio.
21
Este dar a si as suas determinações, que tem início na reflexão, mostra por que a
vontade livre não pode ser conduzida pela sensibilidade. Na sensibilidade (instintos),
pode haver uma vontade finita, pois esta não assumiu a forma da racionalidade. Mas o
que se escolhe pela decisão na reflexão não liberta a vontade de seu caráter finito
(determinado); a indecisão, ou abstração, aparece como um outro momento também
unilateral. O fato de termos uma vontade inquieta tão logo se sacia, busca outra coisa
pode, em um primeiro momento, parecer um argumento plausível para sustentar a
negação da finitude da vontade. Esta inquietude, porém, não significa que a vontade é
infinita, significa apenas que ela é finita em cada um destes momentos de busca.
19
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 84.
20
Kant entendia a Liberdade como a capacidade do ser humano autodeterminar-se, quer dizer, a
capacidade de ser causa de si mesmo: autopraguia. Neste sentido a liberdade não poderia estar sujeita às
determinações do mundo fenomênico espaço e tempo ou seja, a liberdade não poderia ser captada ela
mesma e somente se apresentaria para nós por meio de seus efeitos como fenômenos. Assim sendo, a
conciliação promovida por Kant entre a liberdade humana e a natureza mantém uma separação clara entre
estes dois universos: do númeno e do fenômeno. Para Hegel, todavia, o conceito de autodeterminação está
ligado a um conceito de liberdade real, a uma imbricação entre liberdade e necessidade. Liberdade real é
um conceito que não deixa nada fora de si, ou ainda, é um conceito que abarca o todo. Não é liberdade da
parte (ser humano), mas liberdade do todo (do Absoluto). Liberdade, segundo Hegel, é a capacidade de
autodeterminar-se, mas não em oposição as “leis da natureza”, e sim, como a capacidade de compreender
a ordem cósmica e adequar-se “livremente” a elas. Assim Hegel acredita estar conciliando (em união) a
liberdade humana e a natureza.
21
Cf. LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao Sistema de Hegel.
19
Segundo Hegel: “A vontade que ainda em si é vontade livre é a vontade imediata ou
natural”.
A única possibilidade de a vontade libertar-se de seu aspecto finito é
desvincular-se daquilo que ela quer irrefletidamente para emergir como vontade em si e
para si. Esse movimento somente será possível por meio da reflexão. De outra forma,
sem a racionalidade, não se pode apreender o que de objetivo nos instintos. Sem a
objetivação da vontade, a liberdade pode ser compreendida em seu em si, entendida
apenas como uma possibilidade. A vontade é verdadeiramente livre quando é em si e
para si, ou seja, o seu objeto é ela mesma. Não sendo assim, será a vontade finita, pois
estando seu objeto fora de si, sua realização será sua destruição.
Esse é o aspecto marcante, e de certa forma decisivo, para aceitarmos a
possibilidade de uma liberdade frente às diversas oposições a que o indivíduo está
sujeito. O contexto social, embora ponha o indivíduo frente a uma infinidade de
oposições, aparece como condição de possibilidade para a realização do indivíduo e de
sua liberdade, e o como mero obstáculo.
22
É nele que a liberdade poderá sair do seu
aspecto meramente abstrato, é no contexto social que a liberdade poderá concretizar-se.
A partir desses elementos, reconhecemos, de maneira mais clara porque a liberdade
enquanto somente subjetiva é apontada por Hegel como uma liberdade vazia. Os
conteúdos que possibilitam o enriquecimento do conceito poderão aparecer em um
contexto pleno de contradições a serem superadas. A liberdade do vazio é tal que
somente espelha a possibilidade de a vontade abstrair-se de toda a determinação a ela
imposta, ou por ela produzida, dessa maneira, fuja de todo o conteúdo. Esta forma de
22
O sentido em que é utilizado o termo “obstáculo” é o de uma barreira intransponível, e não o sentido
que pode ser entendido, em Hegel, de oposições que devem ser conservadas e superadas.
20
liberdade acabará por desembocar em uma hipertrofia da vontade singular que
apareceu na história como fanatismo político e religioso.
Hegel entende que não possibilidade de o indivíduo realizar-se fora desse
contexto. O sujeito somente pode considerar-se livre na medida em que sua liberdade é
chancelada no contexto social. Na crítica de Hegel ao formalismo kantiano aparece
claramente essa posição:
É sem dúvida essencial por em evidência que a
autodeterminação da vontade é a raiz do dever. Por seu
intermédio o conhecimento da vontade ganhou na
filosofia kantiana pela primeira vez um fundamento e um
ponto de partida firmes com o pensamento da autonomia
infinita. Mas, na mesma medida, o permanecer em um
mero ponto de vista moral sem passar ao conceito da
eticidade, converte aquele mérito em um vazio
formalismo e a ciência moral em uma retórica acerca do
dever pelo dever mesmo
23
.
A construção hegeliana pretende, como já foi dito anteriormente, mostrar cada
movimento nos diferentes âmbitos – na moralidade e na eticidade – tendo por finalidade
a comprovação de que esses momentos estão relacionados de forma que um depende do
outro. Hegel parte da explicitação dos primeiros passos da subjetividade, nos
apresentando seu desenvolvimento até atingir uma autocompreensão capaz de instanciar
sua caminha na eticidade. Em seus primeiros movimentos, a subjetividade reconhece a
si mesma como livre, pois essa liberdade se manifesta como uma conseqüência da
descoberta de sua autodeterminação. Ainda no interior da subjetividade, esta
consciência de si passa a voltar-se para o mundo que, agora captado como um objeto a
mercê de um sujeito, sofre uma subjetivação que se traduz na forma de uma abstração.
23
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 198.
21
Nessa construção idealizada, uma vez que ainda presa a uma esfera interior,
portanto, sem uma ancoragem fora do sujeito, a subjetividade foi compreendida por
Kant como em uma posição vantajosa. Kant entendia que, nessa posição distanciada, a
subjetividade poderia legislar no sentido de dar a si mesma as leis morais sem
nenhuma influência danosa da contingência do mundo. Hegel não discorda desse fato
apontado por Kant, todavia o mundo captado dessa maneira, bem como as leis que
emanam dessa compreensão, estarão sempre maculados por uma marca subjetiva que
termina por contaminar toda a tentativa de universalização. Por maior esforço que o
sujeito faça, jamais poderá sair de dentro de si e atingir uma perspectiva universal. Tal
pretensão impulsiona a uma absolutização da razão, a partir da qual a subjetividade
extrai a noção de “dever-ser”.
Na crítica de Hegel ao formalismo kantiano, o autor aponta este défict a falta
de conteúdo como a principal causa da impossibilidade de o Imperativo Categórico
prescrever alguma atitude moral. Hegel aponta que se Kant abstraiu totalmente o
conteúdo empírico, na tentativa de encontrar um princípio supremo da moral, acabou
por transformar o Imperativo Categórico em uma regra incapaz de acrescentar algo de
novo, se configurando, portanto, em uma tautologia
24
. Assim conclui-se que: se o
Imperativo Categórico é uma tautologia, então é supérfluo legislar. Hegel faz esta crítica
a Kant dizendo:
A doutrina ética do dever tal como é objetivamente, não
deve ser reduzida ao vazio princípio da subjetividade
24
No que tange o formalismo, o elemento central da crítica de Hegel a Kant é sua afirmação de que em
Kant a forma assimila a máxima da determinidade repetindo aquilo que estava dito na determinidade
mesma, quer dizer, a máxima elevada ao Imperativo Categórico, por si só, nada traz de novo, a não ser
que seja pressuposto algo fora da máxima com a finalidade de comparar ou colher conseqüências. Nas
palavras de Hegel: “Mas a matéria da máxima sendo o que é, uma determinidade ou uma singularidade; e
a universalidade que lhe acolhida na forma, constitui também uma unidade analítica a secas; mas si se
expressa em uma proposição pura a unidade que se lhe confere como o que é, então a proposição ou bem
é analítica ou constitui uma tautologia”. (HEGEL, Sobre as maneiras de tratar cietificamente o Direito
Natural, p. 34)
22
moral, na qual não se determina em realidade nada, senão
que está contida no desenvolvimento sistemático do
âmbito da necessidade ética (...)
25
.
Hegel aponta o fato de que cada vez que, em Kant, eu faço um teste formal de
universalização, eu estou pressupondo um conteúdo moral, portanto, não acrescento
nada de novo à moral. Se não conteúdo, não há, igualmente, nenhuma determinação.
Isto posto, tem-se que o poderá haver nenhum tipo de limite para uma razão que,
encerrada em si mesma, poderá prescrever quaisquer regras de conduta, pois uma vez
que se nada está determinado não pode haver contradições. Por esse motivo, Kant,
partindo do Imperativo Categórico, afirma tacitamente que não podemos mentir, porque
o conceito de dever é incondicional. O que está em jogo aqui, de maneira subliminar, é
que não são levadas em consideração as condições que compõem o cenário no qual
estou inserido quando tomo esta decisão: de não mentir. Mesmo reconhecendo esta
autonomia como uma conquista do seu princípio do dever pelo dever, Hegel o critica,
porque Kant, permanecendo ainda na moral subjetiva, não pôde encontrar as
determinações objetivas da vontade.
Em Hegel, no âmbito da moralidade, ou moralidade subjetiva
26
, o indivíduo está
ainda somente sob o princípio de autonomia da vontade racional, portanto, a sua
vontade, mesmo que alcance a forma da objetividade, conservará sempre, e somente, a
subjetividade. Nesse âmbito, só poderemos indagar pela “autodeterminação da vontade”
ou pelos propósitos e intenções que movem o indivíduo. A moralidade vontade
subjetiva”, firmada em seu caráter meramente individual é desprovida de bem, pois
ainda não atingiu a verdade do conceito. É a partir da dialética do bem e do mal que o
25
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, pág 229.
26
Na Obra Principios de la Filosofía del Derecho, encontraremos “moralidade subjetiva” para moralidade
e “moralidade objetiva” para eticidade.
23
sujeito poderá sair de uma pura abstração para a realidade de um conteúdo que se
estabelece nessa contradição. Hegel diz:
Essa pura certeza de si mesmo, que se coloca em seu
ápice, aparece nas duas formas que passam imediatamente
uma para a outra: forma da consciência moral e a do mal.
A primeira é a vontade do bem, a qual, no entanto, nessa
subjetividade pura é o não-objetivo, o não-universal, o
indizível; é sobre ela que o sujeito se sabe decidindo em
sua singularidade. Mas o mal é esse mesmo saber de sua
singularidade como o que decide, na medida em que não
fica nessa abstração, porém se dá, em contraste com o
bem, o conteúdo de um interesse subjetivo
27
.
Em Hegel, “(...) o ético tem um conteúdo fixo que é por si necessário e uma
existência que se eleva por cima da opinião subjetiva e do capricho: as instituições e leis
existentes em e por si”
28
. A partir dessa concepção do que é ético, compreendemos que
necessidade para Hegel tem o sentido de que algo tem que ser feito, pois é racional fazê-
lo. Segundo essa linha, as conseqüências entram na substancialidade ética, se
constituindo como uma atualização da idéia de liberdade, possibilitando uma mudança.
Para encontrar as determinações da vontade, que Hegel apontava como
inexistentes na moral kantiana, ele mostrou que era preciso oferecer alguma resistência
a tal movimento da subjetividade, e esta necessidade desembocou na inclusão de um
outro elemento que pudesse constituir-se como o seu contrário: o contexto social. Daí a
afirmação de Hegel de que tal contexto é o elemento que faltou na ética kantiana. O
autor inclui a realidade em sua reflexão sobre a ética, mas não uma simples realidade
dada, como objeto que recebe a lei de uma subjetividade, pois, dessa maneira, não teria
ido muito além do pensamento de Kant. A realidade de que fala Hegel tem em si mesma
seu caráter normativo: é realidade como auto-realização e, enquanto tal, é processo que
27
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, § 511, p. 294.
28
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, pág 227.
24
compreende a si mesmo, podendo então se configurar como uma oposição à
subjetividade, mas que também é parte do conceito de liberdade.
Portanto, a realidade ou ainda, o contexto social não tem somente a função
de limitar a atuação de uma subjetividade, mas aqui se oferece como campo de
possibilidades para a efetivação do conceito de liberdade: o lugar onde a identidade
concreta do bem e da vontade subjetiva encontram sua verdade. Este é o passo para a
compreensão do conceito de liberdade, uma vez que ela é “auto-realização em um
sentido eminente, na medida em que recolhe em grau máximo o caráter próprio do
real”
29
. Hegel faz a crítica à moral do dever pelo dever em Kant introduzindo o conceito
de eticidade. O termo Eticidade significa o mesmo que dizer: que a minha vontade
como conceito se torne lei. A moralidade está conservada e guardada na eticidade.
Segundo o autor:
A eticidade é a idéia da liberdade como bem vivo que tem
na autoconsciência seu saber, seu querer e, por meio de
seu atuar, sua efetividade; atuar que tem no ser ético seu
fundamento em e por si e seu fim motor.
30
A eticidade, ou “moralidade objetiva”, como um dos momentos de
desdobramento da idéia da vontade, é o ápice da Filosofia do Direito. É o próprio
desdobramento objetivo da liberdade enquanto princípio organizador da Filosofia do
Direito e, por essa razão, a possibilidade de sairmos do nível meramente abstrato da
moral. Nas palavras de Hegel, “a eticidade é a plena realização do espírito objetivo, a
verdade do espírito subjetivo e do espírito objetivo mesmos”
31
. Nesse sentido, então,
firma-se o fato de que o âmbito da eticidade é o horizonte no qual se o processo de
29
Id, p 22.
30
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 227.
31
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, § 513, p. 295.
25
mediação das vontades particulares, e também é seu resultado; é o âmbito do necessário;
é o âmbito do substancial. Aqui, o indivíduo aparece como singularidade que tenderá ao
universal concreto maximamente desenvolvido como compreensão do espírito. As
vontades dos indivíduos, como vontades racionais e efetivas, tenderão a identificar-se
com a vontade do espírito de um povo.
No conceito de eticidade, a família aparece como o âmbito da relação ética
imediata. O Estado, neste contexto, representa a substancialidade ética. Assim, a
Sociedade Civil entrara como um momento antitético no qual acontecem as
contradições, estando entre estes dois âmbitos. O Estado é o lugar da administração dos
conflitos gerados na sociedade civil. Por isso, família e as corporações são as bases
éticas do Estado. Da Sociedade Civil e da família também podemos dizer que se
constituem em um aparecer do Estado. Por isso na sociedade civil podem aparecer
elementos que representam a atuação do Estado. A sociedade civil tem como objetivo
provocar a mediação por meio da promoção de um ambiente de conflito (de
contradições), a fim de que se realize a substancialidade ética. Mesmo na sociedade
civil, o indivíduo se associa para obter “fins particulares”. Nesse sentido, a Sociedade
Civil se constitui como o campo de batalha do interesse privado de todos contra todos.
Esta batalha é o confronto entre pessoas definidas por Hegel como “pessoa
concreta”. A pessoa concreta que tem autonomia jurídica, vontade arbitrária e natural
é o primeiro fundamento da sociedade civil. Isto porque sua necessidade de satisfação
individual, o seu próprio bem-estar, está ligada ao bem-estar dos outros, bem como o de
todos. Assim, pela necessidade de satisfação que se dará por meio de outros na
medida em que trabalha para se satisfazer e, neste trabalhar, entra em contato com
26
outros a pessoa concreta é conduzida a uma universalidade. Embora em uma relação
paradoxal pois a pessoa concreta está em relação com outros indivíduos análogos a si
(portanto, outros que são “mesmos” enquanto indivíduos) a pessoa concreta, imersa
nesse jogo de relações, nessa cadeia de afinidades, promove aquilo que é mais caro para
Hegel: a forma da universalidade. O ético, enquanto na particularização, está perdido
em seus extremos, é pura contingência. Na mediação serão postos seus limites, e a
multiplicidade, característica que marca de maneira profunda este estágio, dará lugar à
totalidade.
Contudo esta reunificação não poderá ocorrer no interior da sociedade civil
pois nesta devem permanecer as contradições como possibilidade de contínuo
movimento em direção a um conceito mais elevado de liberdade e sim em uma
instância superior: no Estado. Em oposição às vontades particulares ou fins
particulares – que ainda aparecem na sociedade civil, no Estado aparecerão apenas “fins
universais” tais como: direito à vida e direito à propriedade.
27
2 O CONCEITO DE LIBERDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DA
FILOSOFIA DO DIREITO
O terreno do direito é o espiritual; seu lugar mais preciso
e seu ponto de partida é a vontade, que é livre, de modo
tal que a liberdade constitui sua substância e
determinação, e o sistema do direito é o reino da liberdade
realizada, o mundo do espírito que se produz a partir de si
mesmo como uma segunda natureza.
32
Não fosse a densidade deste parágrafo em termos de conteúdo no sentido de
que pressupõe uma compreensão de vários conceitos contidos na filosofia de Hegel a
citação anterior poderia nos satisfazer, plenamente, como uma forma definitiva de
explicação, não do que é a liberdade, mas também como um panorama de como é o
desenrolar da vida do homem em sociedade. Contudo, para compreender a riqueza dessa
fala de Hegel, é necessário um estudo cuidadoso dos vários elementos que compõem o
conjunto bem articulado que forma este parágrafo. Começaremos pelo elemento que o
próprio Hegel indicou como o começo, ou seja, a vontade livre.
O fato de todos os seres racionais serem livres, porque podem agir de acordo
com a razão, confere ao sujeito uma liberdade inata, mas não a verdadeira liberdade.
32
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 65.
28
Nas tentativas anteriores
33
de “comprovar” a liberdade como um fato da razão, houve
uma supervalorização da atuação passional da subjetividade que, enquanto movida pelas
“sensações e fenômenos da consciência comum”
34
oferecia-se como fundamento para a
afirmação de que esta era a verdadeira forma da liberdade. Para o autor, tal liberdade
inata está ainda marcada somente pela subjetividade encerrada em sua interioridade. A
subjetividade, ainda em sua unilateralidade, possui uma liberdade que não pode ser
caracterizada por outra coisa senão pelo que ela quer, tendo como conseqüência sua
prisão ou sua definição possível, unicamente por uma matéria que não pertence à sua
essência.
Tomar o modo como a subjetividade conhece o mundo enquanto ponto de
partida para a compreensão da liberdade, põe de início a dificuldade de superar tais
limites, uma vez que este atuar do sujeito pressupõe uma ação livre que pode,
facilmente, ser confundida com aquilo que queremos sustentar: uma liberdade
verdadeira. De outra maneira, uma subjetividade que atua no mundo pressupõe uma
liberdade de ação, mas, ainda assim, disto não podemos tirar nenhuma forma de
compreensão mais elevada do significado dessa atuação. Este significado é o que parece
estar subentendido quando nos arvoramos a tentar explicar o que é a liberdade em si.
Nesse sentido Hegel, adverte que antes, de nos voltarmos para um atuar da
subjetividade – com a finalidade de mostrar sua “liberdade” de ação – devemos procurar
compreender o que esta ação é. No conceito de espírito, Hegel nos dá uma pista dizendo
que:
33
Segundo Kant a razão teoria somente pode agir sobre os elementos oferecidos pelos órgãos dos
sentidos, quer dizer, restringe-se ao âmbito da experiência. A conseqüência é que liberdade e Deus, por
exemplo, não podem ser objeto do conhecimento. Todavia Kant alicerça a sua concepção moral na
autonomia da vontade, como capacidade de dar a lei a si mesma sem estar sujeita as leis da natureza. Esta
capacidade é a priori e se apresenta para o sujeito como um fato da razão. Kant parte do pressuposto de
que somos livres e a partir deste elemento desenvolve sua teoria moral.
34
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 66.
29
(...) espírito antes de tudo é inteligência e as
determinações pelas quais passa seu desenvolvimento
desde o sentimento, através da representação, até o
pensamento constituem o caminho para produzir-se
como vontade, a qual, enquanto espírito prático, é a
verdade próxima da inteligência.
35
O défict de uma abordagem que pretenda apanhar esta ação como prova da
liberdade, além de um aspecto de circularidade pois já toma de início aquilo que
quer provar no fim: a liberdade da ação subjetiva como a “liberdade” –, se constitui em
não perceber a necessidade de compreender, nesse primeiro passo, o que é esta vontade
que impulsiona a subjetividade que conhece. Para Hegel, a vontade não é possibilitada
por uma liberdade dada como fática, senão que a vontade é a própria expressão da
liberdade. Dizer a possibilidade de uma vontade que não é livre, ou, por outra, pensar
um obstáculo à vontade, de alguma maneira prendendo-a, é pronunciar uma afirmação
totalmente carente de sentido. Liberdade não é um predicado contingente da vontade,
assim como o peso, analogamente, não é um predicado contingente da matéria. Para
Hegel, assim como a matéria é o peso mesmo não sendo possível dizer uma matéria
sem peso – a vontade é a liberdade mesma.
Contudo esta liberdade como expressão da vontade é apenas um primeiro
momento do conceito, pois, como vimos anteriormente, nesse estágio, esta liberdade
não pode acrescentar nada de novo para a subjetividade ela é apenas a expressão de
uma vontade individual, marcada pelo egoísmo.
36
Cabe ainda frisar que este é o ponto
35
Id, p. 66.
36
Na Filosofia do Direito, Hegel esclarece que é na substancialidade ética que os indivíduos são
reconhecidos. Pela ação da razão, estes indivíduos, que são captados ainda como fenômenos particulares,
são confrontados e elevados à vontade universal. Este movimento possibilita a identificação entre direitos
e deveres, uma vez que este processo permite ao sujeito confrontar a prescrição abstrata e universal do eu
com a existência particular do fenômeno. Em Kant, enquanto em seu idealismo subjetivo, não como
captar estes elementos do exterior. Para Kant eles sempre significarão o resultado da atuação solitária do
indivíduo, e nesta situação permanecerão. Nesse sentido, a lei somente pode ser do sujeito para o
sujeito, ela não poderá ser uma construção coletiva, para a coletividade.
30
de maior tensão na crítica de Hegel a Kant. Este é o problema que a teoria hegeliana
pretendeu superar, pois este egoísmo levado às últimas conseqüências se mostrou um
elemento muito mais destruidor do que promotor da liberdade. Este egoísmo, quando
encontrou um aparato bélico que lhe deu sustentação, promoveu – e ainda promove as
maiores tragédias que a humanidade pôde produzir. É por esta razão que Hegel é tão
enfático, quanto eloqüente, ao afirmar a necessidade de uma oposição a esta vontade
ilimitada da subjetividade. Por esta razão mesma, que a tarefa de encontrar tal oposição
deveria começar por uma compreensão de como a subjetividade, impulsionada pela
vontade, volta-se para o mundo exterior.
Tomando a subjetividade que deseja conhecer o mundo à sua volta, e sabendo
que esta vontade é a própria expressão da liberdade que se volta para um exterior, o
próximo passo é buscar compreender o processo pelo qual a subjetividade faz esse
contato. Hegel começa por mostrar uma conexão entre pensamento e vontade partindo
da afirmação de que a diferença do homem para o animal se evidencia, exatamente,
porque neste último não existe algo que o autor julga indissociável: o querer. Portanto,
pensamento e vontade são aspectos de uma mesma ação da subjetividade que, na
verdade, apontam para modos diferenciados de agir. A vontade é um modo de ser do
pensamento, ela é o pensamento como existência. Quando se diz “pensamento”,
queremos nos referir a um tipo de ação teórica da subjetividade; quando falamos em
“vontade”, estamos nos referindo ao aspecto prático dessa atuação.
No comportamento teórico, a subjetividade capta o objeto do mundo exterior,
mas não como uma simples afecção dos sentidos. Este captar significa tirar desse objeto
toda a presença da sensibilidade, pois, nesse processo, a subjetividade faz um
31
movimento de universalização. Para Hegel, pensar significa universalizar: o processo de
pensamento é um processo de universalização – “tornar algo universal quer dizer pensá-
lo”. Dessa feita, pensar um objeto é captá-lo em sua forma sensível e convertê-lo em
algo essencial. Este processo de transformação do objeto torna-o totalmente imerso na
subjetividade, de modo que esse objeto não é o resultado da atuação de um sujeito
que pensa, mas também agora é a própria expressão deste.
Do mesmo modo como Adão disse a Eva “és carne de
minha carne e osso de meus ossos”, assim diz o espírito
“és espírito de meu espírito” e o estranhamento
desaparece.
37
No comportamento prático, a subjetividade parte do pensamento pondo uma
diferença, a fim de determinar-se como um eu. Aquela completa ligação que apontamos
no pensamento no agir teórico agora é posta como uma diferença. Uma vez captado
pela subjetividade na forma do pensamento, o objeto poderá significar uma produção
particular, delineada pela individualidade, de maneira que, ainda que essa subjetividade
procure sair de si para um mundo exterior, continuará produzindo a si mesma.
Mas qual a relação entre o agir teórico e o prático? Para o autor, o agir teórico
está essencialmente incluído no prático, pois “não se pode ter vontade sem
inteligência”
38
. O comportamento prático pressupõe o teórico uma vez que este está
primeiramente determinado por algo interno, pois quando quero algo, este algo já é para
mim internamente. Por essa razão, não podemos pensar um obstáculo para a vontade,
porque suas determinações são internas, são produções da própria subjetividade em seu
princípio de universalização. Assim, tem-se que a vontade determina a si mesma, pois,
quando “quero”, este querer já é uma ação sobre um objeto posto por mim mesmo. Aqui
37
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 67.
38
Id, p. 68.
32
se evidencia uma posição privilegiada para compreendermos um outro aspecto da crítica
de Hegel a Kant.
Em sua construção, Kant propõe uma diferença entre querer e pensar que
permite a distinção entre deveres perfeitos e imperfeitos. A partir dela, Kant pode
afirmar que nos deveres imperfeitos diferentemente dos perfeitos não posso querer,
mas posso pensar atos não-éticos. Tomando essa distinção como um pressuposto, Kant
pode afirmar que “temos que poder querer que uma máxima se torne uma lei
universal”
39
. Nesta afirmação, está implicada não a diferença em questão entre
querer e pensar mas a questão da contradição. A contradição aparece como elemento
que sustentará o argumento kantiano de que existem ações que sequer podem ser
pensadas sem contradição e que também, em grau maior, não poderiam ser
desejadas.
Kant se refere ao conceito de contradição quando ele aplica o Imperativo
Categórico em suas diferentes formulações na Metafísica dos Costumes. Moralidade,
para Kant é, portanto, querer que certo princípio seja objetivamente uma lei universal,
mas não subjetivamente. O princípio o pode ser subjetivo, porque haveria a
possibilidade de, por meio deste, abrir-se uma exceção. A contradição na imoralidade,
inferida por Kant, se constitui exatamente no choque entre objetividade e subjetividade,
princípio supremo e desejo pessoal. A contradição se entre o pensamento que
representa a lei – e o querer – representado pela subjetividade, pela inclinação.
É nesse sentido que Hegel alerta para o fato de que, quando tomo a subjetividade
como única executora da busca de um princípio supremo da moral, esse princípio estará
39
Cf. KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, p. 33.
33
fadado, desde sempre, a ser o reflexo da produção particular elevada arbitrariamente a
uma universalidade ainda delineada pelas determinações de um sujeito que age. Dessa
forma, ainda que se pudesse postular uma separação entre querer e pensar, como afirma
Kant, ainda assim esses elementos teriam como origem uma mesma subjetividade que
atua e, dessa maneira, não poderia existir nenhuma contradição capaz de produzir algo
que não estivesse posto no sujeito. Quanto à outra questão uma separação entre
querer e pensar – Hegel não pôde ser mais direto:
Aqueles que consideram o pensamento como uma
faculdade particular e peculiar, separada da vontade por
sua vez também uma faculdade peculiar e sustentam
que o pensar é desvantajoso para a vontade, especialmente
para a boa vontade, mostram com isso, desde o princípio,
que desconhecem totalmente a natureza da vontade.
40
O movimento de universalização tomado como processo isolado, quer dizer, sem
levar em conta o aspecto prático da atuação do sujeito (como vontade), permanece em
seu puro abstrair, se mantendo em sua pura indeterminação. Dessa maneira, segundo
Hegel, não há possibilidade para a vontade efetivar-se, pois o indeterminado não oferece
nada a que a vontade possa desejar. Quando quero, “não somente quero senão que quero
algo”
41
. Assim o autor afirma a necessidade de essa vontade particularizar-se em algo
que deseja, apontando que uma vontade efetiva somente pode ser aquela que anseia
algum conteúdo que está posto na teia de relações à qual o indivíduo pertence. Uma
vontade, entendida somente como a que deseja uma abstração carente de qualquer
determinação, jamais poderá explicitar-se, porque totalmente desprovida de conteúdo.
Dessa forma, está condenada a permanecer apenas em sua unilateralidade. Hegel não
pretendeu negar a capacidade do sujeito de dar a si mesmo suas próprias determinações
e aqui claramente concorda com Kant –, todavia é exatamente por esse aspecto que o
40
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 69.
41
Id, p. 72.
34
autor viu na subjetividade um modo de ser extremamente perigoso. Este perigo provém
do caráter próprio da vontade negativa, que pode traduzir-se apenas como destruição,
pois aquele que, ainda encerrado em si mesmo, pensa estar promovendo o bem, pode,
por essa mesma razão, causar um mal irreparável.
Enquanto em sua positivação, essa vontade, por seu caráter negativo, acaba
voltando-se para si mesma como obstáculo, desejando por fim sua própria destruição,
enquanto sua essência. De outro modo, ao pôr uma regra como fruto de sua criação,
torna-se alvo de si mesma uma vez que é da sua natureza voltar-se para toda e
qualquer regra de forma destrutiva –, pois seu conceito de liberdade não permite
sujeição a regra alguma. O caráter prático, que Hegel quer produzir em seu sistema,
deriva desta necessidade de retirar esse sujeito do solipsismo moral, porque, tendo que
expor em uma comunidade aqueles elementos produzidos em seu interior, poderá
comprovar sua eficácia – ou ter que reformulá-los.
A vontade capaz de superar essa fronteira da subjetividade deverá contemplar
tanto o aspecto universal quanto o particular, em uma imbricação tal que o conjunto de
sua atuação se elevará como autoconsciência. Em um primeiro momento – marcada pela
abstração e unilateralidade - a vontade é o eu em pura atividade, universalidade consigo
mesma, mas enquanto nessa atividade se determina, findando por determinar-se em um
outro, deixando assim sua condição universal. No segundo momento, parte de sua
limitação como outro o particular não deixando de ser em si mesma, permanecendo
ainda como universal. Em seu modo universal, a vontade desenvolve sua capacidade de
abstrair toda a determinação; em seu modo particular, a vontade se sabe como um fim,
como um conteúdo e objeto determinados. Tanto o momento universal quanto o
35
particular são abstrações, pois o concreto e verdadeiro é a universalidade à qual se opõe
o particular, com o qual pode concordar por intermédio de sua reflexão em si. Assim, a
autoconsciência é uma individualidade que superou aquela outra particularidade,
entendida apenas como representação ou fenômeno, pois não é individualidade como
pura imediatez, mas uma autoconsciência que é segundo o conceito.
Como resultado desses dois momentos da vontade, tem-se que ela agora está
determinada na forma como também no conteúdo. Como forma, porque se reconhece
como finalidade, enquanto realização de si mesma; como conteúdo, porque as
determinações são próprias da vontade, sua particularização refletida em si mesma.
Sendo assim, esse modo de ser da vontade promoverá a passagem do conteúdo
subjetivo para o objetivo, de maneira que o fim interno e subjetivo determinado por
um querer que representa é executado pela mediação da atividade que faz a passagem
para a objetividade. A vontade em sua imediatez é somente um em si, que tem como
correspondência apenas a si mesma, ou seja, segundo seu conceito. Para tornar-se um
por si, atingindo um degrau mais elevado, deverá colocar-se como objeto, podendo
captar a si mesma enquanto tal.
Enquanto em si, a vontade somente pode compreender-se como livre no sentido
mais pobre da idéia de liberdade, ou seja, enquanto atuação que reflete a pura abstração
da subjetividade, portanto, indeterminada. Para tornar-se um por si, a vontade necessita
descobrir suas determinações e, para tanto, deve pôr-se como objeto de si mesma, para
conquistar sua realidade efetiva. A passagem do conteúdo subjetivo para o objetivo tem
por finalidade superar aquelas carências, apontadas neste estudo, que estão ligadas à
questão da unilateralidade da subjetividade. Para Hegel, liberdade e vontade são
36
expressões da unidade entre sujeito e objeto, de maneira que, sem o movimento para a
objetividade, a vontade jamais poderia atingir a verdadeira liberdade.
A vontade tem como atividade a superação da contradição entre a subjetividade
e a objetividade, pois quer transpor os fins que se encontram presos no interior do
sujeito para uma realidade objetiva todavia mantendo ainda a objetividade consigo
mesma. Para Hegel, a possibilidade dessa superação está ligada a uma união da vontade
subjetiva e do objeto. De outra maneira, a vontade subjetiva, em sua liberdade, tem
como finalidade a sua realização, ou seja, um querer que não tem nenhum obstáculo
infinito. Todavia, sua realização, enquanto sua finalidade, é sua objetivação. Nesse
sentido, a vontade, que era meramente subjetiva, se une com o objeto, que era tido
somente em seu sentido totalmente apartado do sujeito.
Neste movimento de superação da contradição entre a subjetividade e a
objetividade, os fins que eram apenas da subjetividade puderam ser, após esse
movimento, compreendidos como fins mesmos da própria objetividade.
Neste desenvolvimento o conceito determina a idéia, num
começo ela mesma abstrata, como a totalidade de seu
sistema, que, enquanto é o substancial, independente da
contraposição entre um fim meramente subjetivo e sua
realização, é o mesmo nas duas formas
42
.
Todo esse esforço tem como finalidade oferecer um sistema que seja uma
oposição à concepção formal do direito que, no entender do autor, abraçou aqueles
elementos expostos na crítica a Kant. Segundo Hegel, a Doutrina do Direito de Kant
determina a vontade de duas maneiras. Na forma negativa, a vontade significa a
42
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 90.
37
limitação da minha liberdade ou arbítrio, de modo tal que possa coexistir com o arbítrio
de todos, de acordo com uma lei universal. Já na forma positiva, a vontade é definida
como a concordância do arbítrio de um com o arbítrio do outro, panorama que
desemboca na conhecida identidade formal e o princípio de contradição. Dessa maneira,
o direito ainda aparece somente vinculado a um indivíduo que, ora aparece como
negativo, ora como positivo.
Este problema, aliás, segundo Hegel, aparece também em Rousseau, segundo o
qual a democracia é a realização blica do interesse individual, sem passar pelo
processo de mediações. Tanto Kant quanto Rousseau fazem uma ancoragem no
indivíduo particular, e a conseqüência disso é que o ato racional poderá aparecer
como uma limitação à liberdade, ou seja, não como racional imanente, mas como
universal abstrato, portanto, exterior. O que é mais grave aqui é a ausência do
pensamento especulativo, pois sem este, aqueles movimentos de captação das
contradições e superação das mesmas jamais serão iniciados. Para Hegel, o direito se
constitui em uma existência tal que é a existência da vontade livre, somente como
resultado deste pôr-se a si mesma, poderá firmar-se como “a liberdade enquanto
idéia”
43
.
Hegel não pensa em uma oposição entre moralidade e eticidade, pois tanto a
moralidade quanto a eticidade são determinações que afirmam a existência da liberdade.
Não se pode pensar o conflito, que aparecerá na sociedade civil, como a representação
de um mal em si, uma vez que ele é apenas um aparecer da contraposição surgida do
fato de que estas determinações da liberdade – moralidade e eticidade – estão postas em
um mesmo nível. Por outra, este conflito pode ser compreendido até mesmo como um
43
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 91.
38
bem, porque ele é a evidência de que os princípios da liberdade estão ambos
preservados. O conflito se deve ao fato de que o ponto de vista do espírito, enquanto
direito, contrapõe-se ao direito de um outro, enquanto indivíduo. No conflito, o direito
do outro em oposição ao meu enquanto me subordina e vice-versa oferece uma
limitação. Assim, o conflito se estabelecerá sempre na contraposição de um direito
limitado, que corresponde à particularidade, e um direito ilimitado. Todos os cidadãos
representam cada um por sua vez um direito limitado. Somente o espírito do mundo tem
um direito ilimitado.
O Estado hegeliano tem a elevação da sua compreensão garantida, pois o espírito
é levado às suas determinações, como momentos, conseguindo convertê-las em
realidade. Uma doutrina do direito que passe por esses momentos resulta em
determinações mais concretas e mais ricas, mas ainda assim – e mesmo por esta razão
mais universais. Essas evoluções da vontade através da qual descobre suas
determinações, possibilitando assim uma maior compreensão do conceito de liberdade,
são marcadas pela necessidade: elemento que tentaremos compreender no capítulo a
seguir.
39
3 FUNDAMENTAÇÃO METAFÍSICA DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE: a
dialética das modalidades
Hegel, em sua lógica modal, parte dos diferentes modos de articulação entre
possibilidade e efetividade, tendo como finalidade o desenvolvimento das demais
categorias modais: contingência, necessidade relativa e necessidade absoluta. Seu
objetivo é demonstrar logicamente as determinações do Absoluto. Segundo o autor, o
Absoluto começa em uma pura abstração uma igualdade consigo mesmo que é
puramente formal e inicia seu percurso para chegar a uma plena determinação como
resultado de todo esse movimento. O projeto de Hegel decorre de suas críticas a Leibniz
e Espinosa, a partir das quais o autor afirma que o absoluto não pode se resumir a uma
identidade abstrata, de maneira que assim ele somente poderia ser tema de uma reflexão
exterior. Comentando o pensamento de Hegel, Weber esclarece:
A exposição do absoluto (...) não pode ser feita com uma
reflexão externa a ele, pois trata-se de um processo que
começa nele e nele termina
44
.
O absoluto deve ser o resultado da relação entre o interior e o exterior que se faz
compreender por meio de um movimento dialético de conciliação do interno e do
externo. Nesse sentido, não podemos afirmar que o movimento cria esta dicotomia
44
WEBER, Thadeu. Hegel: Liberdade, Estado e História, p. 20.
40
interno/externo, mas sim que a dialética se confunde com a própria forma de
manifestação do Absoluto que, em verdade, é existência mesma como um pôr-se
(aparecer) da essência. Luft afirma ainda que: “(...) a dialética do interno e do externo
explicita a necessária vinculação de ambos, e se apresenta como a verdade da Doutrina
da Essência: é a essência que aparece, se põe na existência, o interno se faz externo”
45
. É
este o fio condutor da lógica das modalidades
46
: os modos do absoluto exteriorizar-se,
tornar-se efetivo, ou seja, sair de uma mera elaboração formal para uma existência
efetiva. É este o pano de fundo para a afirmação de que a dialética do interno e do
externo é a necessidade de um se transmutar em outro. O interno representa um
momento em que o Absoluto ainda não se fez existência. Contudo, este exteriorizar-se
não significa perder-se na multiplicidade dos seres contingentes, quer dizer, um
Absoluto disperso em uma multiplicidade que em nenhum sentido pudesse ser
reagrupada na forma de uma identidade única, não poderia mais ser dita como a
manifestação de uma unidade. Tal exteriorização deve preservar a possibilidade do
reencontro do Absoluto consigo mesmo através de uma ligação entre estas partes.
Segundo Hegel, a manutenção da possibilidade do retorno a si está ligada à natureza do
Absoluto que, diferente dos seres contingentes – que têm seu fundamento no outro de si,
podendo, assim, perder-se ao exteriorizar-se –, tem o seu fundamento em si mesmo.
Dessa maneira, segundo o autor, o Absoluto não corre aquele risco, uma vez que tem
seu fundamento sempre junto de si, portanto, “a sua reflexão não será (...) reflexão no
outro, mas ao se pôr está sempre junto de si mesmo”
47
.
45
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 121.
46
Ainda nessa mesma direção, Lutz Müller aponta que: “O vetor expositivo que esclarece o télos da
argumentação se insere no movimento global de interiorização e exteriorização que perpassa e escande a
Lógica da Essência: a interiorização procede à redução progressiva da exterioridade pressuposta dos
momentos da essência, enquanto relação negativa autônoma, à sua identidade interior no fundamento, que
culmina na “relação essencial” entre interior e exterior e na efetividade absoluta que é identicamente
reflexão total. A essa interiorização segue-se, então, um movimento inverso de desdobramento da
identidade do absoluto, que é manifestação, na exterioridade, de relatos que, nas figuras da relação
absoluta, vão adquirindo autonomia e simetria enquanto totalidades (...)”. (LUTZ LLER, Marcos. A
gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 97.)
47
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 125.
41
Por meio dessa exteriorização/manifestação do Absoluto, Hegel quer mostrá-lo
como forma e conteúdo dele mesmo. Em outras palavras, um Absoluto que seja ao
mesmo tempo um conteúdo que também tenha em si o próprio modo de exposição de si.
A perfeita justaposição desses dois elementos é apresentada pelo autor no conceito de
efetividade (Wirklichkeit). A fim de melhor compreender essa pretensão de Hegel, é
importante termos presente que exatamente neste ponto, em que o filósofo afirma o
absoluto como forma e conteúdo de si, aparecem aqueles elementos que promoveram
sua discussão com Espinosa, embora deste último tenha tomado o conceito de
absoluto
48
. Não obstante, Hegel estabelece diferenças cruciais que afastaram seu projeto
daquele proposto por Espinosa. Neste último, uma determinação externa que em
Hegel não pode ser admitida; uma determinação que corresponde a um pensar
extrínseco à própria substância. Para Hegel, substância é uma totalidade que não pode
ser desmembrada em partes totalmente independentes entre si, ela é um todo que tudo
abarca. Como conseqüência dessa sua natureza, tudo está imerso nesse Absoluto desde
sempre e, sendo assim, as partes podem ser compreendidas como momentos dele.
Hegel afirma que:
Não nenhuma determinação que não esteja contida e
resolvida neste absoluto; e é muito importante que tudo o
que aparece e está diante da imaginação natural ou do
intelecto determinativo como independente, esteja
rebaixado totalmente naquele conceito necessário, e
reduzido a um puro ser-posto
49
.
48
O conceito de substância de Espinosa serviu de inspiração para Hegel. Nas palavras do autor: “O
conceito de absoluto e a relação da reflexão com ele, tal como se tem exposto aqui [na Ciência da
Lógica], corresponde ao conceito da substância de Espinosa(HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.
197).
49
Id, p. 197.
42
Weber aponta que para uma melhor compreensão do absoluto como
efetividade
50
, deve-se ter presente que anteriormente Hegel já tinha analisado o
Absoluto como ser e lógica do ser
51
, bem como o Absoluto como existência. “Na lógica
do ser, o ponto de partida é o ser como indeterminado”
52
, um começo que nada
pressupõe uma vez que o puramente indeterminado é vazio, porque para o autor
conteúdo pressupõe determinação. “O devir constitui o momento da síntese onde os
momentos anteriores desaparecem um no outro”
53
. O ser como existência ser
determinado – tem sua determinação conquistada nos momentos de negação do outro de
si, uma vez que para Hegel, como esclarece Weber, “afirmar é negar de outro”
54
.
Ainda sobre essa mesma questão, Hegel reconhece que em Espinosa a
“determinação como negação” é o princípio absoluto de sua filosofia
55
, todavia, como
neste último aquele pensar extrínseco ou seja, a negação em Espinosa não foi
levada às últimas conseqüências o absoluto, não negando também a si mesmo, não
pôde conhecer a si mesmo. De outra maneira, o absoluto não faz parte daquilo que ele
mesmo quer conhecer; ele não é o conteúdo de si mesmo. Hegel afirma que este
defeito
56
levou Espinosa a manter sob sua atenção apenas uma negação que pode ser
entendida como determinação ou qualidade
57
, não chegando, pois, até a negação
absoluta. Segundo Hegel, sem a negação absoluta negação de si mesmo, enquanto
50
WEBER, Thadeu. Hegel: Liberdade, Estado e História, p. 23.
51
Segundo LUFT, Hegel esclarece na lógica do ser que assim como nenhum tipo determinação é possível
sem relação, a relação mesma é igualmente é impossibilitada se não existe uma lógica que a englobe e
que tenha em si mesma sua determinação. Neste sentido Hegel fecha o círculo dialético, pois aquilo que
determina o Ser é o ser mesmo enquanto totalidade autodeterminada. (LUFT, Eduardo. Sobre a
Coerência do Mundo, p. 87)
52
WEBER, Thadeu. Hegel: Liberdade, Estado e História, p. 24.
53
Id, p. 24.
54
Id, p. 24.
55
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 197.
56
“O espinosismo é uma filosofia defeituosa, porquanto na reflexão e em seu múltiplo determinar, são um
pensar extrínseco”. (Id, p. 197)
57
Kant tinha esclarecido que qualidade pressupõe sempre uma atuação externa, quer dizer, quando o
autor diz que nós atribuímos qualidade às coisas há uma separação entre o sujeito que qualifica e o objeto
que recebem tal qualificação. Hegel entende que tal separação deve ser superada.
43
absoluto sua substância [de Espinosa] não contém ela mesma a forma absoluta, e o
conhecimento dela não é conhecimento imanente”
58
.
Aliás, a respeito da reflexão sobre si mesmo, Hegel entendeu que Leibniz
apresentou uma superação dessa deficiência do espinosismo. Nas palavras do filósofo,
“A falta da reflexão sobre si, que tem em si a exposição do absoluto de Espinosa, tal
como a doutrina da emanação, está integrada no conceito das mônadas de Leibiniz”.
59
Todavia a abordagem de Leibniz, segundo o autor, desembocou em um outro problema.
Para Leibniz, uma vez que a mônada
60
tem suas determinações como manifestações dela
nela mesma, a mônada pode ser entendida como um absoluto encerrado em si. “Leibniz
atribui as mônadas uma certa perfeição em si, uma espécie de independência”
61
. O
problema que Hegel observa é que o autor não estabeleceu uma relação direta entre as
mônadas, ou seja, elas não poderiam explicar sua existência por meio de si, pois tal
empreendimento somente poderia ser levado a cabo pela mônada superior: a mônada
das mônadas. Contudo, aquela manifestação interna realizada em cada e por cada
mônada, segundo Hegel, representa a totalidade da forma. Isto significa que, mesmo
que Leibniz não tenha estabelecido uma relação entre tais entes, todos, em sua
manifestação interna, estão de acordo com um princípio que é definido por uma lógica
externa a cada mônada, e que perpassa a todas. Hegel não discorda desse princípio, uma
vez que para ele os seres finitos somente têm sua determinação quando se referem a
58
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 197.
59
Id, p. 200.
60
A mônada como unidade real inextensa espiritual foi primeiramente empregada por Giordano
Bruno, que a tomou como uma unidade indivisível que constitui o elemento de todas as coisas. Leibniz
lançou mão deste termo em 1696 para designar a substância espiritual enquanto componente simples do
universo. Para este último, a mônada é um átomo espiritual, desprovido de partes e de extensão. A
mônada não pode desagregar-se, desmembrar-se, e somente Deus pode criá-la ou anulá-la. Não existem
duas mônadas iguais, portanto, cada uma delas representa um ponto de vista sobre o mundo. Leibniz
classificou as mônadas em infinitos graus de clareza e distinção classificação esta que entendeu que
mônadas providas de memória constituem os animais, e as providas de razão constituem os espíritos
humanos. (Cf. Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano, p. 680)
61
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.201.
44
outros seres igualmente finitos, portanto, segundo o autor, a relação entre as mônadas
uma relação harmônica que mantenha a existência coerente de cada uma delas – está em
consonância com tal princípio.
Contudo, pelas razões apresentadas, esse princípio somente poderia ser
determinado por alguma lógica (ou inteligência) que estivesse fora delas, extrínseca a
elas no caso de Leibniz: Deus. A conseqüência é que, em Leibniz, a totalidade não
será uma unidade, mas sim uma totalidade desagregada, uma multiplicidade de partes
que não compreendem a relação entre si como elemento constitutivo de identidade e
não uma manifestação intrínseca da substância em busca da compreensão de si mesma,
como quer Hegel. Para ele, se a lógica que sustenta a existência das partes não se
manifesta internamente nelas, cria-se um abismo entre o todo e as partes que impede a
explicação na direção contrária, ou melhor, aceitando tal posição teríamos que a
existência das partes estaria explicada pelo fato de elas pertencerem a um todo, contudo
o todo somente poderia recorrer a si mesmo para explicar sua existência. Nessa
perspectiva, a identidade do todo somente poderia explicar-se pela sua igualdade
consigo mesmo. Para Hegel, o absoluto não pode somente determinar-se como
identidade absoluta – igualdade consigo mesmo – porque estaria ele mesmo rebaixado a
uma condição de objeto; uma vez que para determiná-lo deveria existir uma reflexão
(não realizada pelo absoluto) que o fizesse. Nas palavras de Hegel:
(...) aquele absoluto, que está somente como identidade
absoluta, não é somente o absoluto de uma reflexão
extrínseca. (...) Ou seja, a reflexão não lhe é somente
extrínseca, senão que de modo imediato, quer dizer, tanto
lhe é extrínseca, [quanto] lhe é intrínseca
62
.
62
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 192.
45
Hegel alerta para o fato de que se o absoluto não for pensado como tendo, em si
mesmo, a reflexão absoluta aquela que é tanto intrínseca quanto extrínseca não
poderá ser a unidade da totalidade, porque estaria separado em absoluto e reflexão
externa problema que nos leva novamente a crítica de Hegel à Espinosa. No entanto,
em Espinosa, Hegel trata a questão sob um outro viés. Neste último, a totalidade é
unidade de todo o conteúdo, “mas este conteúdo múltiplo do mundo não está, como tal,
na substância, senão na reflexão que termina por ser extrínseca”
63
. Quer dizer, enquanto
em Leibniz a questão é uma falta de unidade entre as partes, uma vez que é dada
somente pela mônada das mônadas, em Espinosa é uma totalidade que foi conquistada
sem esta mesma reflexão sobre si das partes, elas não têm a diferença a partir de si.
O conceito de substância em Espinosa é tal que a define como causa de si
mesma: causa sui. Para Hegel, isto quer dizer que a substância é aquela que sua
essência contém em si a existência, ou seja, não necessita do conceito de um outro para
formá-la. Todavia na definição de atributo que, segundo Espinosa, é a maneira que o
intelecto concebe a essência do absoluto a substância aparece como que dependente
do intelecto, pois sem este último não tem sua essência. De outra forma, a essência da
substância é definida por algo fora dela mesma, portanto sua unidade identidade
absoluta – depende de uma reflexão externa. Nas palavras de Hegel:
Pensar e ser representam o absoluto em uma
determinação; o absoluto mesmo é sua absoluta unidade,
assim que eles são somente formas inessenciais; a ordem
das coisas é o mesmo que a [ordem] das representações
ou pensamentos, e o único absoluto se encontra somente
pela reflexão extrínseca, quer dizer, por um modo, sob
aquelas determinações, uma vez como totalidade de
representações, outra vez como totalidade de coisas e suas
variações
64
.
63
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 200.
64
Id, p 198-199.
46
Antes de adentrarmos no estudo das três rodadas da Doutrina da Essência, cabe
ainda uma diferenciação do que é o efetivo e do que é existente, para Hegel. A
existência tem um campo menos limitado que o efetivo, porque “nela uma
diversidade de contingências e aparências, que somente, em parte, constituem o
efetivo”
65
. O efetivo, todavia, é o não acidental; o contrário do aparente, do fugaz, e do
insignificante. A efetividade, portanto, diz respeito a uma permanência, uma constância,
que neste caso é a continuidade deste aparecer e desaparecer como contingência. De
outra maneira, é a permanência enquanto processo, enquanto um devir que apenas
mostra constantemente a passagem de uma existência para outra, num frenético aparecer
e desaparecer, mas que enquanto este mesmo aparecer e desaparecer, se mantém como
processo eterno.
No sentido forte e estrito, que recolhe a teoria espinoziana
da substância, do atributo e do modo, a efetividade é a
unidade mediatizada, ‘posta’, entre o fundamento e a
existência em sua imediatidade fenomênica, que passam a
ser momentos de uma exteriorização do absoluto que é
igualmente, a sua reflexão em si
66
.
Hegel pensa que a filosofia deve ocupar-se da “idéia” e, como afirma Schelling:
“Por idéia entende também Hegel o a-ser-efetivado, o que vem a ser e é querido em
todo o percurso”
67
. É a idéia que representa esta constância na passagem do contingente:
ela mesma é o efetivo
68
.
65
WEBER, Thadeu. Hegel: Liberdade, Estado e História, p. 25.
66
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 91.
67
SCHELLING. História da Filosofia Moderna: Hegel, p. 170.
68
Segundo Weber: “O que Hegel quer mostrar, no texto sobre a dialética das modalidades, é o próprio
movimento da efetividade (realidade efetiva), que são os diferentes modos do absoluto”. (WEBER,
Thadeu. Hegel: Liberdade, Estado e História, p. 27)
47
Hegel infere que, para compreendermos esse movimento do Absoluto, é preciso
uma análise na forma de uma articulação entre a efetividade e a possibilidade, “segundo
a contingência e a necessidade”
69
. Hegel executa esta análise em três momentos na
Doutrina da Essência: Rodada Formal (onde desenvolve os conceitos de contingência
ou efetividade, possibilidade e necessidade formais), Rodada Real (onde desenvolve os
conceitos de necessidade relativa ou efetividade, possibilidade e necessidade reais) e
Rodada Absoluta (onde desenvolve o conceito de necessidade absoluta).
3.1 RODADA FORMAL: a contingência ou efetividade, possibilidade
e necessidade formais
Neste primeiro momento, Hegel trata de uma efetividade que é ainda apenas
uma mera identidade imediata consigo mesmo, não sendo, pois, nada além de uma
reflexão interna totalmente impregnada daqueles aspectos relativos à mônada superior
de Leibniz que foram criticados pelo autor. A efetividade formal é uma efetividade não
refletida, é apenas determinação da forma. Todavia, como não é totalidade da forma,
sua forma não abarca o todo, ela somente reflete um estágio deste todo, porque não é
mais que um ser ou uma existência em geral
70
. Mas esta existência efetiva, por não ser
somente pura existência imediata uma vez que sua existência é unidade do interior
como pensamento que se exteriorizou como atividade – contém em si a possibilidade.
É importante termos claro que este efetivo, entendido como unidade do interior e
do exterior, sinaliza que Hegel quer superar a oposição, segundo ele normalmente feita,
entre efetividade e pensamento, ou ainda entre efetividade e idéia. Uma separação entre
69
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 89.
70
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 205.
48
uma efetividade dada, captada pela sensibilidade; e o pensamento, que faz uso das
regras lógicas. Nas palavras de Hegel:
(...) em tais discursos o pensamento é tomado como
sinônimo de representação subjetiva, plano, intenção, ou
coisa parecida; e de outro lado a efetividade, como
sinônimo de existência exterior, sensível
71
.
Hegel quer mostrar que as regras que valem para o pensamento para a idéia
devem valer para a existência sensível. Por essa razão, pretende demonstrar que os dois
têm a mesma natureza, o mesmo fundamento, para, ao final, demonstrar que idéia e
existência sensível são dois aspectos de uma mesma realidade. E é do entendimento de
que a efetividade tem estas características apontadas de ser unidade do interior e do
exterior, de ser unidade da forma do ser-em-si que Hegel chega a que essa efetividade
contém em si a possibilidade. “O que é efetivo é possível”
72
.
Nesta assim chamada rodada formal, a possibilidade, por ser apenas formal, é
somente a determinação da identidade consigo mesma, aspecto que também abrange ao
ser em geral. Contudo, enquanto nesta determinação, a possibilidade está circunscrita ao
interior da efetividade, sendo, pois, um momento desta. Quer dizer, enquanto ainda
refletindo apenas algo a ser realizado, sendo apenas o estabelecimento de uma forma de
sua realização, deverá ser ultrapassada para dar lugar à realização mesma. A
conseqüência disso é que, nessa primeira rodada, a possibilidade somente pode ser
determinada como algo superado, pois o possível, enquanto em relação com o efetivo,
somente pode ser posto como negativo deste. Assim podemos dizer que o possível é
aquele que ainda não se efetivou, e o efetivo é aquele que superou o meramente
possível.
71
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, § 142, adendo, p. 267.
72
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 205.
49
Dessa forma, Hegel chega a que a possibilidade tem dois momentos: um positivo
e um negativo. O momento positivo demarca o aspecto da possibilidade enquanto um
ser-refletido sobre si mesmo, uma identidade que é pura auto-afirmação de si
73
. Todavia,
como tem sua determinação apenas como algo superado, a possibilidade, em seu
aspecto positivo, está rebaixada a um momento da forma absoluta
74
e, sendo assim, a
possibilidade é posta como a essencialidade inessencial
75
e abstrata
76
. Em outras
palavras, a possibilidade é essencial para a efetividade, contudo, como necessita desta
última para se realizar, é essencial como possibilidade apenas, demarcando um
momento anterior a essa efetividade mesma. o momento negativo da possibilidade
evidencia aquele seu aspecto defeituoso, por apontar sempre para um outro para a
efetividade –, a fim de que, como já foi dito, possa realizar-se. Essa negatividade é o
fato de sua realização implica sua superação, quer dizer, é uma realização que, enquanto
tal, reforça o lado negativo da sua existência: sua transitoriedade.
Com a elucidação do momento positivo da possibilidade, Hegel quer demonstrar
sua constituição puramente formal, pois ainda carente de relação. O caráter formal da
possibilidade, para Hegel, o quer dizer outra coisa senão que esta possibilidade é o
“puro princípio de não-contradição”
77
.
Por conseguinte, o afirmar de maneira puramente formal,
falando de algo: é possível, é tão superficial e vazio como
o principio de [não-]contradição e cada conteúdo inserido
nele
78
.
73
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, p.268.
74
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 205.
75
Por inessencial se deve entender aquilo que não faz parte da essência de algo, ou ainda, aquilo que não
é encontrado neste algo como elemento indispensável para sua existência.
76
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, p.268.
77
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, pág 126.
78
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.206.
50
Portanto, a possibilidade formal, para Hegel, é a possibilidade da qual podemos
deduzir que dizer: tudo é possível; o que significa dizer: é possível tudo que não se
contradiga. A questão, aqui, é que, estando apenas voltada para si mesma, a
possibilidade formal jamais encontrará alguma oposição, jamais existirá, portanto,
alguma contradição. Segundo Hegel:
Dizer que A é possível, é o mesmo que dizer que A é A.
(...) Enquanto nos detivermos àquela forma simples, o
conteúdo permanece sendo um idêntico consigo mesmo e,
portanto, um possível. Mas desta maneira não se diz nada,
como ocorre com o principio formal de identidade
79
.
Nesse sentido, Hegel está querendo mostrar que tendo, simplesmente, o
princípio de não-contradição como fio condutor para compreensão da lógica do
absoluto, não conseguiremos apreender o princípio que perpassa a realidade. Segundo
Cirne-Lima, Hegel é o filósofo que tomou de forma mais clara a posição de opositor ao
princípio de não-contradição
80
. Para Hegel, a contradição é o grande princípio das
coisas, bem como do falar sobre as coisas
81
, mas deste fato não podemos deduzir que o
autor estivesse querendo permanecer em constante contradição. O importante para
Hegel é que as contradições sejam resolvidas superadas. Mas esta resolução implica
também uma recondução da contradição para um nível de compreensão mais elevado.
Hegel não quer eliminar as contradições, quer superá-las
82
e guardá-las. Consoante
Cirne-Lima, “A contradição no sistema de Hegel é sempre empurrada, ela é apenas
79
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.206.
80
CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Sobre a contradição, p. 12.
81
Id, p. 13.
82
Na Ciência da Lógica Hegel diz: “Na língua, a palavra superar tem sentido duplo porque, por um lado,
significa conservar, reter, e, por outro, fazer cessar, pôr fim. Conservar já encerra o negativo, implica que
algo foi privado de sua imediação, portanto de uma existência aberta a influências externas, com o fim de
ser retido. Assim, o que é superado é ao mesmo tempo algo conservado que perdeu apenas a imediação,
mas nem por isso é anulado” (HEGEL, La Lógica Objetiva, Livro I, Seção I, Cap. 1, nota).
51
removida. Aufheben significa dissolver, mas significa também guardar; jamais
significa eliminar”
83
.
Por essa razão, para Hegel, a possibilidade formal, enquanto aponta apenas para
si mesma, coincide com a multiplicidade ilimitada, uma vez que cada elemento dessa
multiplicidade indiferente aos demais não pode encontrar nenhuma contradição. O
absoluto, enquanto ainda é mera igualdade consigo mesmo, é apenas a explicitação de
uma tautologia. É por essa razão que Hegel entende a “possibilidade”
84
como uma
categoria capaz de avançar, de tirar o Absoluto de uma mera positividade carente de
realização passível de uma objetivação. Objetivar-se, para Hegel, implica encontrar
explicitar suas diferenças, mas, para o aparecimento destas diferenças contidas na
possibilidade, é necessário penetrarmos o desenvolvimento do seu conteúdo, no qual
aparecerão as superações das contradições e a resolução de suas determinações. Luft ao
comentar o movimento hegeliano nesta etapa da Ciência da Lógica, diz:
Justamente por isso ele [o absoluto] não pode permanecer
nessa possibilidade vazia de uma eterna reduplicação de si
mesmo, uma tautologia, e deve ir além desta
determinação (assim como a filosofia de Hegel
necessitava ir além da pirâmide platônica das idéias, sem
romper este princípio de não-contradição, mas superando-
o).
85
83
CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Sobre a contradição, p. 40.
84
Em Leibniz a possibilidade está orientada para um fim pré-determinado, ou seja, a possibilidade está
em ligação direta com a verdade que representa apenas um modo de realização. Ele afirma: “Se a
demonstração faz ver a ligação das idéias, a probabilidade não é outra coisa que a aparência desta ligação
fundada sobre provas, nos casos em que não seconexão imutável”. Metafísica, , 12,1019 b 30. em
Aristóteles a possibilidade aparece como explicitação da inexistência de uma falsidade e está intimamente
ligada ao conceito de potência que significa o princípio de movimento que o ser tem dentro de si. Nas
suas palavras: “(...) o possível [se dá] quando não é necessário que o contrário seja falso: por exemplo, é
possível que um homem esteja sentado, porque não é necessariamente falso que ele não esteja sentado”.
Livro Quarto: O Conhecimento, Cap XV: A Probabilidade. O conceito de possibilidade de Hegel parece
sintetizar os elementos apresentados pelos autores anteriores: de Aristóteles, a possibilidade em Hegel
herda a potência do movimento a partir de si mesmo aliada ao fato de poder realizar-se de infinitas
maneiras (contingência); de Leibniz, ela herda a direção para um fim pré-determinado (realização
Absoluta). Possibilidade para Hegel é capacidade de manifestação da verdade.
85
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 126.
52
Embora promissor não é um movimento sem riscos, pois este ir além do
princípio de não-contradição, esta possibilidade a ser realizada, é também um estender-
se na multiplicidade dos seres contingentes, ou seja, daquilo que pode ser, mas também
pode não-ser. Analisando a primeira e a segunda determinação da possibilidade, Hegel
mostra que o possível contém em si mais do que o princípio de identidade. O possível é
a reflexão sobre o ser, enquanto ser-pensado em si mesmo. Assim, o possível, enquanto
um ser somente pensado, é também não-ser em si. Mas, por essa mesma razão, o
possível tem também uma segunda determinação, qual seja, a de que ele é somente um
possível; e a finalidade da totalidade da forma absoluta. Hegel quer mostrar que se por
um lado a possibilidade aponta para uma existência incerta uma pura contingência
por outro lado, a possibilidade aponta para um modo do Absoluto que é a mais certa
permanência: o Absoluto enquanto processo necessário que tem um finalidade
determinada.
A possibilidade, como um momento do ser-em-si, é determinada como apenas
um ser posto, ou somente um não-ser-em-si. Mas, como tanto pode ser quanto não-ser, a
possibilidade tem em si a contradição, ou seja, ela é possibilidade e impossibilidade
enquanto ainda não realizada. Sendo assim, o autor mostra que a possibilidade pode, tão
somente, representar um momento da forma absoluta, no qual o ser não tem ainda sua
verdade. Hegel quer esclarecer que sem a finalidade da segunda determinação, a
possibilidade é somente a essencialidade, não chega a se efetivar. Essa limitação decorre
de que a possibilidade, enquanto determinação posta e superada, tem uma existência que
ao mesmo tempo é a exposição de seu perecer
86
.
86
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.207.
53
Significa dizer que o conteúdo da possibilidade é tal que tanto pode ser A quanto
não-A. Tanto A quanto não-A são seres-outros que representam a superação do ser-
em-si da possibilidade. Quando digo: A é possível, não estou falando mais do ser-em-si
da possibilidade, mas sim da possibilidade de A, que é o ser-outro do ser-em-si da
possibilidade mesma. É nesse sentido que Hegel adverte que: dizer que A é possível é o
mesmo que dizer que A é A, ou seja, não se acrescenta nada de novo ao dizê-lo em
relação ao ser-em-si da possibilidade
87
. Todavia quando se diz que A é possível o
estou dizendo que A certamente é. um espaço para que A não venha a ser, inclusive
que ele nunca venha a ser. Nesse sentido, para Hegel, se pode dizer também que A é
impossível. Hegel aponta: “Por conseguinte a possibilidade, nela mesma, é também a
contradição, ou seja, a impossibilidade”
88
.
Este é o sentido valioso do “penetrar-se no desenvolvimento do conteúdo”
89
de
que fala Hegel, quer dizer: por meio desse movimento poderemos encontrar as
contradições que apareceram e foram conciliadas até sua objetivação. Aqui aparece
fortemente o que nos anuncia Cirne-Lima, que diz, “(...) o Princípio de Não-
Contradição não é apenas uma regra sobre o pensar e o falar, mas também, e a
primeiramente, um princípio que rege o próprio ser das coisas”.
90
De acordo com o que
vimos anteriormente, quando se diz de algo que ele é possível, se está ao mesmo
tempo dizendo que ele tanto pode vir a ser como não-vir-a-ser. Assim se tem que a
possibilidade, segundo Hegel, carrega dentro de si esta contradição
91
: o possível, como
87
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.207.
88
Id, p.207.
89
Id, p.206.
90
CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Sobre a contradição, p. 67.
91
Segundo Luft tal contradição aparece para Hegel, porque ele entende que a possibilidade pode dar conta
de suas próprias determinações. Para o autor, a possibilidade pode tão somente significar uma espécie de
horizonte de caminhos que poderão ser percorridos para que algo se efetive e, em conseqüência, a própria
possibilidade. (Cf. LUFT, Eduardo. Sobre a Coerência do Mundo, p. 83-84) Hegel, ao contrário,
enquanto próximo do conceito de aristotélico de potência, entende que na possibilidade tais
determinações já devam estar presentes, daí a contradição aludida.
54
aquele que pode ser ou não-ser, está em relação interna com seu outro
92
. Contudo, Hegel
aponta que, como a possibilidade tem em si a reflexão, ou seja, é um ir além da
efetividade primeira imediata, não refletida e, como tal, contendo dentro de si a
contradição de tanto poder ser quanto não-ser ela mesma, enquanto possibilidade
refletida, supera a si mesma tornando-se efetividade. “Esta efetividade não é a
efetividade primeira, senão a refletida, posta como unidade de si mesma e da
possibilidade”.
93
“O efetivo como tal é possível”
94
. Segundo Hegel, o efetivo está em uma
identidade positiva com a possibilidade. Estar em uma identidade positiva significa
dizer que aqueles predicados que se aplicam à possibilidade são também aplicáveis à
efetividade, de modo que sendo a possibilidade aqui ainda uma possibilidade pura, o
efetivo igualmente é pura possibilidade. Uma efetividade meramente formal é tal que é
pensada como uma pura possibilidade e, sendo assim, é uma efetividade primeira,
imediata, uma efetividade que representa somente um momento e, por esta razão, uma
efetividade superada, ou seja, somente uma possibilidade. De outra forma, a
possibilidade que está imersa na efetividade, enquanto apenas possibilidade superada
uma vez que estamos na efetividade é somente pura possibilidade. Todavia a
efetividade, por esta mesma razão de estar em unidade com a possibilidade como
efeito contrário, por ser ainda uma efetividade formal, é igualmente superada
efetividade superada – ou seja, uma possibilidade.
Hegel quer mostrar que possibilidade implica efetividade, ou seja, existe uma
imbricação tal entre possibilidade e efetividade que sempre que digo que algo é
92
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.207.
93
Id, p.207.
94
Id, p.207.
55
possível, este algo possível é um ser, uma existência em geral. Todavia, esta
existência em geral, enquanto efetiva, não representa toda a efetividade, mas uma
efetividade primeira, uma efetividade formal, que se determinou por via de uma
possibilidade. Quer dizer, a possibilidade, enquanto necessita pôr-se como existência
(atividade) para encontrar suas determinações, não pode ser entendida como um
princípio geral único: como explicação abarcadora de toda a lógica do ser, uma vez que
entendida desta maneira careceria de sentido. Da mesma forma, o efetivo igualmente
isolado, a partir de si mesmo não pode dar conta do processo de seu aparecer. Hegel
entende que tais conceitos somente poderão ganhar algum sentido a partir da relação
entre eles, uma vez que apartados um do outro não têm sua verdade.
95
Dessa relação entre possibilidade e efetividade, Hegel chega à categoria de
contingência. Segundo o autor, sabendo-se que a possibilidade não determina o
conteúdo (que pode ser A ou não-A, por exemplo), o contingente, enquanto efetivo
por ser um efetivo possível –, é tal que tem o seu contrário também como existente.
Como conseqüência, o contingente, que tanto poderia ser quanto não-ser, é um ser
posto
96
que tem sua determinação apenas como uma possibilidade. Por outro lado,
também a possibilidade, como reflexão sobre si, é um ser posto. Conseqüentemente,
95
A compreensão correta do princípio dialético hegeliano nos auxilia fortemente na absorção desta
imbricação entre possibilidade e efetividade como um movimento imprescindível para que ambos
encontrem sua verdade. Cirne-Lima ao explicar o processo dialético, afirma: “No jogo dos opostos,
mesmo quanto o esquema lógico é transposto para o plano das relações sociais, podem acontecer três
coisas. Primeiro, pode ser que o primeiro pólo seja verdadeiro; o segundo pólo é falso e tem que ser
abandonado. Segundo, pode ser que o segundo pólo seja o verdadeiro e é o primeiro que tem que ser
abandonado. Mas pode ser, também, que ambos os pólos sejam falsos e que se descobrir, de parte a
parte, as verdades apenas parciais contidas nos pólos opostos, para, unindo-as e conciliando-as, engendrar
a unidade verdadeira de uma ntese mais alta. Não ocorre nunca, pois é logicamente impossível, que
ambos os pólos sejam verdadeiros, que tanto a tese como a antítese sejam verdadeiras”. (CIRNE-LIMA,
Carlos R. V. Dialética para Principiantes, p. 37)
96
Segundo Connor, Hegel não apresenta um estilo purista em seus textos de maneira que os termos
também são utilizados com significados não habituais. Assim, o termo posto, por exemplo, aparece
quando Hegel deseja falar de algo que esteja explícito ou, também, de algo que possui um status
contextual ou relativo. (Cf. O’CONNOR, D. J. História Crítica da Filosofia Ocidental: V Kant, Hegel,
Schopenhauer e Nietzsche, p. 84)
56
sendo a possibilidade uma efetividade que é contingente, a própria possibilidade é
também contingente. Assim, Hegel conclui que o contingente tem dois aspectos: a) o
contingente enquanto tem de imediato a possibilidade, esta última, enquanto superada, é
somente uma efetividade imediata que não possui fundamento. Todavia, por outro lado,
b) o contingente por ser um efetivo enquanto formal é somente possível, mas um
possível que é um ser posto, refletido, portanto o contingente mesmo é um ser posto.
Também esta possibilidade, como formal, é um ser posto. Sendo assim, Hegel enfatiza
que, agora neste segundo aspecto, embora a possibilidade e a contingência não tenham
um fundamento por si mesmas, tendo sua verdadeira reflexão em um outro (uma na
outra e vice-versa), tem nele seu fundamento. Nas palavras de Hegel: “O contingente
não tem, pois fundamento, porque é contingente; e ao mesmo tempo tem fundamento,
porque é contingente”.
97
Dizendo de outro modo, o contingente é este constante transformar-se de um no
outro, “absoluta inquietude do devir”
98
do ser-refletido em si e do ser. Tal movimento é
possível, porque a possibilidade e a efetividade, cada uma como momentos da forma
absoluta, têm em si mesmas esta determinação
99
. A possibilidade imediata em unidade
com a efetividade é tão somente uma existência carente de fundamento é apenas um
algo possível. Mas também quando a efetividade se encontra refletida e determinada
frente a uma possibilidade, ou seja, separada desta, também igualmente é apenas um
algo possível. Hegel quer enfatizar que tanto o ser sem a reflexão como a pura reflexão
do ser, separada uma da outra, não podem explicar o absoluto. O absoluto nem é o puro
pensar sobre a realidade (efetividade), nem, tão pouco, uma realidade das coisas como
dada, sem reflexão. Por isso enfatiza o movimento de troca constante de um no outro,
97
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 209.
98
Id, p. 209.
99
Id, p. 209.
57
pois enquanto é um ser somente pode saber de si pela reflexão como ser-refletido em si,
todavia como este ser-refletido não tem um fundamento por si mesmo, ocorre um
retorno ao ser. Este movimento dialético não cessa, mas ao mesmo tempo ele é a própria
contingência. Hegel afirma que: “Esta absoluta inquietude do devir destas duas
determinações é a contingência”
100
.
O caráter contingente deste primeiro momento reflete esta primeira dificuldade,
qual seja: a de que, ao tentar ir além de um princípio julgado como precário – uma mera
igualdade consigo mesmo, que embora respeite o princípio de não-contradição, não
esclarece mais do que uma existência imediata o absoluto defronta-se com uma
eventual perda da certeza de si, ou seja, cai na condição de contingente, de um possível,
que tanto pode ser quanto não-ser, que é meramente relativo uma vez que não tem o
domínio de sua existência. Mas é exatamente deste frenético devir deste sempre ter
seu fundamento em um outro, e por esta razão ser jogado, constantemente, a um outro –
que Hegel compreende o eclodir de uma necessidade.
Como o ser relativo sempre tem seu fundamento em um outro, de toda a
multiplicidade e manifestação dessa relação (fundamento/fundado) surge uma lógica
que costura toda a realidade, ou seja, um princípio que se apresenta justamente como
esta relação entre os seres relativos, uns servindo de fundamento a outros. O princípio
enquanto tal, como lógica imanente da relação dos seres relativos, ele mesmo, é
necessário, pois sem ele a própria multiplicidade não existiria. A este respeito Luft
aponta: “Um ser que está exposto sempre à mera contingência está dominado pela
100
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 209.
58
necessidade de seu próprio relativismo, por aquilo que Hegel chama de ‘(...) absoluta
intranqüilidade do devir (...)’”.
101
Este devir que aparece como processo constante e necessário, segundo Hegel, é
a efetividade mesma agora se mostrando em um nível superior de compreensão, ou seja,
uma efetividade que está além de sua condição inicial, quando representava somente
uma possibilidade (podia ser ou não ser). Uma efetividade que poderia ser traduzida por
um necessário como um real, imediato, carente de fundamento um necessário que
tinha sua realidade conquistada por meio de um outro.
102
Todavia, aquele necessário, em
contra-partida, como ser posto daquele fundamento (daquela efetividade primeira)
representava, desde já, uma possibilidade eliminada, uma possibilidade já efetivada.
O necessário efetivado, tornado real, é ainda o necessário determinado como um
possível, ou seja, como um contingente. Segundo Hegel o contingente, como aquele que
tanto pode ser quanto não ser, é enquanto um possível um efetivo mediado, pois
sua imediação é quebrada no fundamento ou ser-em-si da possibilidade.
103
Enquanto
apreendidos como separados tanto o efetivo quanto o contingente, enquanto tem sua
reflexão na possibilidade, podem igualmente ser ou não ser. Todavia, quando tomados
em relação um com o outro, ou seja, quando tomados significando uma possibilidade
que se efetivou um efetivo existente a efetividade passa a ser o signo de uma
contingência existente. De outra forma, o existente por si não é necessário, mas
enquanto contingente que se efetivou, ao efetivar-se trouxe consigo o télos do Absoluto,
portanto tem em si a necessidade.
101
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 128.
102
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 209.
103
Id, p. 209.
59
Em um primeiro momento, o efetivo, enquanto meramente possível, pode ser ou
não ser. O contingente, enquanto tem em si o efetivo como possibilidade, também pode
ser ou não ser. Mas a efetividade, enquanto possibilidade superada, é o contingente
existente. O contingente existente tem em si a lógica do absoluto, sua finalidade, a
necessidade. Logo, tem-se que “toda a efetividade, enquanto contingência existente é
necessária”. Assim, segundo Hegel, ao pôr-se como multiplicidade relativa, pois
anteriormente o absoluto permanecia na tranqüilidade da igualdade consigo mesmo, o
absoluto logrou encontrar um caminho para voltar a si que se manifestou como um
princípio unificador de toda a multiplicidade, um fio condutor por meio do qual poderá
reencontrar-se. Mas também encontrou um elemento algo surpreendente que Luft
aponta:
(...) o paradoxal é que exatamente este ser meramente
relativo tem um fundamento, um fundamento em outro, e
nessa teia de relações que forma com sua alteridade é
sempre idêntico a si mesmo, e é a mais dura necessidade,
a segunda síntese de efetividade e possibilidade
104
.
3.2 RODADA REAL: a necessidade relativa, ou efetividade,
possibilidade e necessidade reais
Este segundo momento trata especificamente da relação entre existentes,
portanto, não abordando apenas um princípio metafísico e puramente formal como no
momento anterior –, mas cotejando uma efetividade real, uma vez que é a análise da
relação entre um evento concreto e outro evento também concreto. Logo, multiplicidade
aqui não está mais sob o signo de uma possibilidade, enquanto diante de uma
efetividade ainda como, meramente, proposta: efetividade aqui é fato. Contudo,
104
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 127.
60
inicialmente, somente a efetividade é real, somente ela pode ser entendida como
necessária. Enquanto o ponto de partida na Rodada Formal é a possibilidade, aqui é a
efetividade real, quer dizer, em um primeiro momento somente este fato pode ser
considerado realidade. De outra maneira, aqueles elementos apontados na rodada
anterior, enquanto superados, agora não significam mais que simples determinações,
que são totalidades nesse movimento de transformação umas nas outras
105
, ou ainda,
não representam a faticidade presente neste início. Mas, embora sejam unidades
indiferentes umas das outras, têm na necessidade sua unidade imediata: sua verdade.
Esta necessidade é a própria efetividade ou seja, a superação da possibilidade como
um momento seu, como efetividade apenas possível que, enquanto verdade daquelas
determinações, assume o status de efetividade real
106
.
Para o autor, tomar essa efetividade como real significa dizer que ela é tal que
não pode ser equiparada ao fenômeno (aparência), pois ela tem ao mesmo tempo o ser-
em-si e a reflexão em si, de modo que, simultaneamente, ao se conservar na
multiplicidade de uma pura existência, sua exterioridade é um relacionar-se interior
consigo mesma
107
. A efetividade real é mais que aparência, pois é também e
principalmente – atuação, manifestação. Nas palavras de Hegel:
O que está em ato, pode atuar; e uma coisa manifesta sua
realidade mediante o que produz. Seu referir-se a outro
constitui a manifestação de ; não é um transpassar
deste modo, pois, se relaciona com outro algo existente
nem tão pouco é um aparecer deste modo a coisa, está
somente em relação com outro –; o que atua é algo
independente, que, todavia, tem sua reflexão em si e sua
determinada essencialidade em um outro independente
108
.
105
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 210.
106
Id, p. 210.
107
Id, p. 210.
108
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 211.
61
Em outras palavras, esta multiplicidade como a apresentação de eventos reais os
põe em relação uns com os outros, e tal relação revela que um evento é fundamento de
outro, portanto é causa de outro. Um evento B, que tem fundamento em um evento A, é
causado por este, pois a inexistência de A implicaria a inexistência de B. Assim, B
somente é, enquanto A também é. Para a existência de B é necessário que exista A.
Essa lógica vale para toda a multiplicidade dos existentes, uma vez que Hegel entende a
realidade mergulhada nessa teia de relações.
Note-se que a relação de causalidade aqui ainda é linear. Hegel quer superar essa
linearidade, pois a cadeia linear de fundamentação sempre leva a um regresso que
aponta para a fundamentação última e isto, para o autor, se constitui em um cair no
abismo do regresso ao infinito.
Hegel conhecia, é claro, as tentativas de
Aristóteles, de Tomás de Aquino, de Kant. E
sabia que quem entra na trilha fundante-
fundado-fundante-fundado etc..., está
irremediavelmente perdido no abismo da
irracionalidade, do regressus ad infinitum,
daquilo que ele mesmo chama da
infinitude.
109
A solução para escapar à má infinitude é a boa infinitude, ou seja, uma
circularidade dialética na qual cada volta ao início representa um acréscimo de
determinação, um movimento de eterno retorno a si. “Em terminologia hegeliana, a boa
infinitude é aquela que se sabe conciliação do finito e do infinito”
110
. Por essas razões,
para Hegel, fundamentação é sempre autofundamentação, de maneira que, enquanto em
Kant a circularidade aparece somente como autodeterminação do sujeito, em Hegel a
109
CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Dialética e Liberdade: razões, fundamentos e causas. Véritas, 1998, p.
807.
110
CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Dialética e Liberdade: razões, fundamentos e causas. Véritas, 1998, p.
807.
62
circularidade aparece como autodeterminação da Razão Objetiva (uma razão do
mundo).
Contudo, essa mesma lógica esta necessidade que perpassa a relação entre os
seres relativos ela mesma, somente pode existir, ou manifestar-se, pela relação
existente entre seres existentes. Isto significa dizer que se esses mesmos seres não
existissem – porque em verdade eles poderiam igualmente não-existir, uma vez que eles
são contingentes a própria relação necessária, igualmente, não existiria. De outra
maneira, aquela ordem explicitada no momento anterior captada de maneira formal
em verdade pressupõe a existência dos eventos reais relativos. Justamente aquilo que
possibilitou a diferenciação de uma possibilidade meramente formal apresentada no
momento anterior de uma possibilidade apresentada aqui como real, é exatamente o
que mantém a necessidade encontrada como ainda necessidade relativa.
A relatividade da necessidade aqui exposta está expressa na sua forma limitada
de atuação, enquanto circunscrita a certas condições que estão estabelecidas pela
existência real dos eventos relativos, que emprestam sua relatividade à própria relação
necessária entre eles. De outra maneira, B aparece necessariamente a partir da existência
de A como condição para B e sua relação; contudo, somente se A aparece como
existência – daí a relatividade da relação necessária.
Também aqui a possibilidade é chamada real, porque está mergulhada na
realidade, ou seja, representa multiplicidade existente de circunstâncias que se referem a
si
111
. Nas palavras do autor:
111
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 211.
63
A possibilidade formal é a reflexão em si, somente como
a identidade abstrata, que consiste em que algo não se
contradiga em si. Mas quando começamos a averiguar as
determinações, circunstancias e condições de uma coisa,
para conhecer mediante estas sua possibilidade, não nos
detemos na possibilidade formal, senão que consideramos
sua possibilidade real
112
.
Portanto, esta possibilidade não é outra coisa senão o conjunto de elementos
captados através da relação entre esses seres relativos, ou seja, uma possibilidade que
reflete o conjunto de elementos captados na relação de A e B existentes. A
possibilidade aqui é uma possibilidade real, ou seja, uma possibilidade que já representa
uma superação da possibilidade formal e também da efetividade formal. Aufheben,
como vimos, é superar, mas é também guardar, portanto, a possibilidade real como
a possibilidade interna do ser existente também é efetividade formal. Como a
efetividade formal contém a possibilidade formal, se pode dizer que a possibilidade real
é a possibilidade formal sujeita a certas condições e determinações (ou seja, aos
elementos captados na relação de A e B, enquanto existentes) que, segundo Hegel,
embora agora seja real, seu aspecto formal não foi superado.
Não obstante, Hegel afirma que a efetividade aqui é real, exatamente porque se
mostrou a partir de determinadas condições (causas) que atuaram. Causas (A) que
uniram uma possibilidade real a uma efetividade realmente existente, reaparecendo
ambas unificadas em um contingente existente (B). Então B, como contingente
existente, contém em si a possibilidade real e a efetividade realmente existente.
Todavia, segundo Luft:
112
Id, p. 211.
64
(...) tal possibilidade de atuação, este conjunto de
condições para a efetivação da coisa, é aquela
possibilidade ainda não realizada, uma possibilidade que
depende da atuação do outro sobre si: é uma efetividade
não-refletida
113
.
Para Hegel, esta efetividade que constitui a coisa (B) é uma efetividade não-
refletida, uma vez que tais condições o são condições próprias de B, são condições
que, em verdade, são manifestações de A, e enquanto sendo o próprio A (como
condições para a existência de B), devem ser superadas para que B apareça. Nas
palavras do autor:
(...) a possibilidade real constitui o conjunto das
condições, ou seja, uma realidade não refletida em si, não
dispersa, mas que está determinada para ser o ser-em-sí
(mas o de um outro), e para ter que voltar-se em si
114
.
Esta possibilidade real apresenta dois aspectos: a) segundo seu aspecto formal, o
realmente possível é idêntico a si e, portanto, não se contradiz; mas b) em seu aspecto
real, pelo fato de que é multiplicidade em si existência múltipla de seres contingentes
– e multiplicidade de relações entre os existentes, é algo contraditório. Hegel aponta que
estes dois aspectos podem ser detectados, com facilidade
115
, quando pretendemos dizer a
possibilidade de alguma coisa. Segundo o autor, para tal, devemos trazer à tona as
contradições dessa coisa mesma, e isto significa apontarmos uma multiplicidade que
é seu conteúdo ou que determina sua existência condicionada. Mas é importante marcar
que essa contradição não é fruto de uma comparação que significaria, então, uma
diferenciação externa senão uma diferenciação que é colhida internamente a partir da
113
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 129.
114
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 212.
115
Id, p. 212.
65
contemplação da sua multiplicidade interna traduzida por um superar-se e perecer, como
movimento que, em sua essência, tem como determinação ser somente um possível.
Sair dessa condição requer uma combinação tal que todas as condições para sua
existência estejam presentes: somente assim a coisa entra na efetividade
116
. Contudo,
estas condições não são dadas por uma reflexão externa à coisa mesma, mas como diz
Hegel: “(...) ao contrário, a realidade imediata não está determinada, para ser condição,
por uma reflexão que pressupõe, senão que encontra estabelecida que ela mesma seja
possibilidade”
117
. Segundo Hegel, a possibilidade deve superar a si mesma, ou seja,
realizar aquelas condições e determinações, tornar-se efetiva. De outra maneira, superar
aquelas condições e determinações que agiram sobre o que era realmente possível,
tornando o que era possível um efetivo “necessariamente”. Nas palavras de Hegel:
A negação da possibilidade real é, portanto, sua
identidade consigo mesma; e como deste modo, em seu
eliminar-se, é o contragolpe em si mesma deste eliminar-
se, ela é a necessidade real
118
.
Enquanto a possibilidade formal tem apenas o princípio de identidade como
um transpassar em algo que é outro a possibilidade real, ao ter este outro em si
mesma, ou seja, a efetividade, ela mesma é necessidade. De outra forma, o que é
realmente possível possui determinações que ao mesmo tempo, indicam que ele é,
mas também indicam que não pode ser de outra maneira. Portanto, possibilidade real e
necessidade diferenciam-se apenas pela aparência, pois a possibilidade real é uma
identidade ainda não realizada como efetividade, mas que já está totalmente
116
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 212.
117
Id, p. 213.
118
Id, p. 213
66
determinada enquanto uma base real. Ainda assim, tal necessidade é apenas relativa,
porque tem seu ponto de partida no contingente. Hegel afirma:
A necessidade real contém, pois, a contingência; ela é o
retorno em si mesma a partir daquele inquieto ser-outro
recíproco da efetividade e da possibilidade, mas não é o
retorno a si mesma a partir de si mesma
119
.
Entretanto, mesmo ainda sujeita a uma relação linear de causalidade, esta
manifestação do Absoluto nos seres relativos não finda por estabelecer um completo
esvaziamento de si – aquele se perder de si, já descrito anteriormente e sim estabelece
esta exteriorização como um momento do próprio absoluto. Segundo Hegel, a unidade
da necessidade e da contingência faz elevar-se dessa relação uma nova e mais profunda
compreensão da própria necessidade, ou seja, a contingência como a possibilidade de
ser e não-ser e a necessidade como a explicitação da relação entre os seres
enquanto relativas e, agora, unidas por uma perspectiva mais elevada, passam a
representar momentos de uma unidade mais elevada: a necessidade absoluta.
3.3 RODADA ABSOLUTA: necessidade absoluta
Este terceiro momento se caracteriza por apresentar a reflexão do Absoluto
mesmo, uma vez que é o chegar de um caminho que passou pela formalidade da
identidade consigo mesmo – pura efetividade formal –, bem como pela sua
determinação via exteriorização como seres relativos, como efetividade real. Mas, se
nos momentos anteriores, como vimos, o absoluto conseguiu passar de uma pura
formalidade a uma realidade, o que se pode esperar do Absoluto, neste terceiro
momento?
119
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 215.
67
De acordo com o que, de certa maneira, já antecipamos, a relação de causalidade
que marca a necessidade real ainda é linear, e por isso sua relatividade. É uma
necessidade real que tem suas determinações postas por um outro (que é causa) e que
marca seu aspecto relativo. Segundo Hegel, a determinação da necessidade real é
justamente um conteúdo que aparece na necessidade mesma como sua negação. Este
conteúdo não é outro senão a contingência. Nas palavras de Hegel: “(...) a necessidade
real é, em si, também contingência”
120
. Para o autor, o contingente, uma vez existindo, é
efetivo, portanto enquanto efetivo tem em si a necessidade, ou seja, já não pode mais ser
de outro modo. O contingente existente é possibilidade superada que, como tal, é
absoluta efetividade, nas palavras de Hegel: “seu ser em-si não é a possibilidade, senão
a necessidade mesma”
121
. Mas ainda assim, esta efetividade posta como absoluta
enquanto que é unidade de si e da possibilidade, traz em si também a contingência. Nas
palavras de Hegel:
(...) esta efetividade pelo fato de que está posta como
absoluta, quer dizer, como aquela que é ela mesma a
unidade de si e da possibilidade é somente uma
determinação vazia, ou seja é contingência
122
.
Efetividade absoluta como contingência revela a sua incapacidade de auto-
determinar-se e, como conseqüência, sua dependência de um outro para sua
determinação. Em outras palavras, não pode ser efetividade livre. Hegel afirma que,
nessas condições, a efetividade absoluta ainda está marcada pela necessidade real, e esta
última explica a preocupação do autor com o regresso ao infinito. Segundo Hegel, a
necessidade relativa ainda está permeada pela relação de causalidade linear e nesta, ao
120
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 215.
121
Id, p. 216.
122
Id, p. 216.
68
tentarmos encontrar a razão primeira para a existência de determinado ser, e a partir daí
torná-lo independente porque ciente e senhor de suas causas, sucumbiríamos em um
abismo de causas do qual jamais retornaríamos. É por esta razão que, para Hegel, deve
existir uma lógica de ordenação que supera este condicionamento estabelecido pela
relação linear de causa e efeito que, segundo Hegel, marca a relação entre os seres
contingentes aos quais a efetividade absoluta está relacionada. O autor infere que tal
lógica absoluta revelar-se-ia como aquela que cria um mundo que se manifesta, por
vezes, em uma necessidade real (lógica linear), mas que, algumas vezes, faz este mundo
coincidir consigo mesmo (um absoluto como conceito).
A fim de superar esta condição relativa buscando encontrar aquela gica
absoluta – Hegel volta-se ao movimento interno da necessidade real. Segundo o autor, o
esforço de superação daquele vazio de determinação a que nos referimos se expressa
como um movimento de “duplo” caráter. Por um lado, um movimento no qual a
necessidade real tem em si a contingência, ou seja, aquela unidade de si mesma e da
possibilidade. Mas Hegel mostra que, sob outro aspecto, tal contingência, sendo
produzida no interior da própria necessidade real, expõe um devir que marca sua
interioridade, e que este mesmo devir, como exterioridade, é a própria necessidade real,
que agora aparece como um ser-determinado imediato
123
tal ser-determinado aparece
como a própria pressuposição da necessidade real. Nas palavras do autor: “Com efeito,
como necessidade real ela é o ser-superado da realidade na possibilidade, e vice-
versa”
124
.
123
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 216.
124
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 216.
69
Em seu caráter positivo, a necessidade real é esta inquietude do devir como um
transpor-se de um destes pólos para o outro de uma possibilidade para uma
efetividade e vice-versa. Aqui, todavia, tal caráter ainda representa um aspecto mais
pobre, uma vez que tal efetividade é apenas o unificar-se da forma consigo mesma
125
,
quer dizer, é apenas a exposição de seu modo de ser. O seu caráter negativo evidencia
seu ato de pôr estes momentos como superados, é a manifestação de um devir que
reflete a transmutação de um pólo em outro que tem sua verdade não em um dos pólos,
mas em um movimento que somente existe como um constante negar cada um dos
extremos enquanto separados. Nesse sentido, uma vez que a reflexão é este devir, esses
pólos são desde sempre pressupostos como imediatos, como não refletidos. Segundo
Hegel:
Deste modo é a necessidade a que representa tanto uma
eliminação deste ser-posto, ou seja, um pôr a imediação e
o ser-em-si, como também um determinar este eliminar
como ser-posto. Por conseguinte é ela mesma, que se
determina como contingência; em seu sair de si, e neste
sair de si mesmo volta somente a si, e em tal retorno,
considerado como seu ser se encontra fora de si
126
.
Em outras palavras, a necessidade se determina como negação daqueles pólos
que ela mesma colocou, um constante negar que instaura o devir; mas, por outro lado,
também se determina como o próprio negá-los. Nesse duplo movimento, a necessidade
adquire determinação e consciência de si, uma vez que põe a si mesma o ato da negação
como seu modo de ser e realiza-o efetivamente, retornando a si plena de conteúdo.
Desta feita, aquele aspecto que marcava a relatividade da necessidade encontra aqui sua
superação, pois o caráter contingente que apontava para um outro e que maculava a
125
Id, p. 216.
126
Id, p. 217.
70
necessidade com seu aspecto fugaz, foi suprassumido como a livre atuação da própria
necessidade.
Mergulhando um tanto mais na lógica interna deste movimento da necessidade
real, nota-se que este ser-posto, que é alvo de uma primeira negação, é um diferente
127
marcado apenas como uma efetividade e uma possibilidade que tem a forma da reflexão
em si. Em outras palavras, tanto a efetividade quanto a possibilidade têm apenas a si
mesmas como fundamento e a relação de uma com a outra ainda está oculta. Mas esta
contingência mesma, esta multiplicidade indiferente, aponta para uma exterioridade que,
embora ainda não refletida, joga luzes em uma relação entre cada múltiplo existente.
Aqui Hegel faz o movimento que talvez melhor sintetize o que ele quer dizer com uma
manifestação interna da relação, quer dizer, como ele resolve o problema que segundo
ele aparece em Leibniz.
Na rodada real, vimos que o contingente enquanto existe é necessário não
pode mais ser de outra maneira. O ser enquanto necessário é aquele que prescinde de
outro para existir, quer dizer, enquanto existe necessariamente possui em si todas as
condições para sua existência satisfeitas. Assim sendo, enquanto posto na
multiplicidade nesta condição de apenas estar voltado para si, a existência daqueles
seres outros estão ainda no campo das hipóteses, ou seja, não passam de possibilidades
para o autor, este passo significa negar a mediação exercida por estes outros. Nesse
sentido, ainda estamos na trilha de Leibniz. Uma efetividade que é a apresentação de
uma multiplicidade dispersa, que ainda não aparece permeada por um princípio
organizador, é uma realidade contingente. Tal realidade, uma vez que não está
plenamente determinada, pois em sua contingência tanto pode ser quanto não ser, na
127
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 218.
71
verdade, é pura possibilidade. Segundo Hegel, tal possibilidade é absoluta, que não
significa outra coisa que uma possibilidade de ser determinada como possível, mas,
também, como possibilidade real. Sendo assim, segundo Hegel, como a contingência
tem em si a possibilidade e tal possibilidade é absoluta, aquela contingência, por conter
a união da possibilidade formal e possibilidade real, na verdade, é a mais absoluta
necessidade.
Outrossim, naquela condição relativa da necessidade, a sua essência é marcada
pela contingência, e dela emerge uma negatividade que é o resultado de uma
contradição consigo mesmo. De outra forma, uma contradição que ilustra uma oposição
entre seu ser e um ser-outro, quer dizer, a) na sua perspectiva, o ser outro ao mesmo
tempo em que é um nada, pois enquanto em relação com seu ser é apenas o oposto do
seu existir; mas b) ao mesmo tempo aquele ser outro, na perspectiva daquele outro, é
um outro real fundado em si mesmo. Para o autor, este ser-outro é tão livre quanto seu
ser e o que é mais caro para esta pesquisa representa um limite. Segundo o autor,
este limite, em outras palavras, é a determinação, que é conquistada de forma negativa a
si mesma, em um movimento que é cego perecer no outro, mas que, enquanto reflexão,
é um aparecer como devir – um transpassar frenético do ser ao nada.
Assim se tem que a necessidade absolta é aquela que não mais estará sujeita a
uma contingência, mas ela mesma se determinará como contingência para a seguir
superar a si mesma como necessidade. Nas palavras de Hegel: “(...) a absoluta
necessidade é a verdade, que envolve a efetividade e a possibilidade em geral, como
também a necessidade formal e a real”.
128
128
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p.217.
72
Então, respondendo à pergunta do início deste capítulo, tem-se que a meta do
Absoluto, nesta terceira rodada, foi buscar sua independência como autodeterminação.
Através de uma síntese entre efetividade formal e a efetividade real, ou seja,
contingência e necessidade relativas, o Absoluto expressa sua necessidade absoluta,
como sua capacidade de manifestar suas condições de possibilidade e por meio destas se
autodeterminar. Na exposição da Rodada Absoluta, Hegel mostra que a necessidade
absoluta aparece como um algo subjacente à contingência e à necessidade relativa.
Ou seja, tanto aquela possibilidade formal da contingência quanto as condições de
possibilidade da necessidade relativa são postas pela necessidade absoluta enquanto
totalidade que perpassa e une estes dois momentos em uma ntese. Esses momentos
somente encontram seu sentido enquanto se relacionam com o absoluto, têm uma
vinculação com este. Todavia esta relação é totalmente diferente. A relação do todo com
as partes é diferente da relação das partes entre si, pois, enquanto na necessidade
relativa a relação era de um evento concreto como outro evento concreto, por exemplo,
na necessidade absoluta a relação é de um evento concreto com uma razão objetiva que
é causa, auto-causação do conceito.
Podemos, agora, avaliar com mais clareza o que, para Hegel, significa
efetividade absoluta, uma vez que os elementos centrais de sua diferenciação nos
foram apresentados: a ausência de qualquer outro como relação e o fato de não ter início
nem fim determinados. Enquanto na necessidade relativa a contingência aparecia como
um outro fora anterior ao começo na necessidade absoluta tanto a contingência
como a necessidade relativas aparecem como momentos da autodeterminação do
Absoluto e são absolutamente necessários como sustentáculos da autonegação do
absoluto. LUFT esclarece que:
73
A autodeterminação do absoluto é tanto um dar a si
mesmo as condições contingentes iniciais para a sua
efetivação, quanto estabelecê-las como momento
necessário para sua constituição
129
.
Este conceito de autodeterminação, que aparece e que também de certa maneira
é conquistado na dialética das modalidades, é decisivo para discutirmos a questão da
liberdade no sistema de Hegel. Liberdade para o autor é autodeterminação liberdade
positiva e, nesse sentido, coincide com o conceito de necessidade absoluta. Para
Hegel, aquilo que é necessário, determinante, é também aquilo que liberta. LUFT
aponta este aspecto dizendo que “Hegel defende uma concepção que, para seus críticos,
aparece como inadequada: “(...) a liberdade mostra-se como a verdade da necessidade
(...)”
130
. Nesta direção caminha LUTZ MÜLLER quando afirma que:
A necessidade absoluta é o pivô da gênese do conceito de
liberdade no sentido de que é a propósito da sua
‘dissolução’ e da resolução da sua contradição, que Hegel
pretende justificar a tese parmenídica da identidade entre
o ser e o pensar, que caracteriza a sua filosofia como
‘idealismo absoluto’”
131
.
129
LUFT, Eduardo. Para uma crítica interna ao sistema de Hegel, p. 132.
130
LUFT, Eduardo. As Sementes da Dúvida, p. 59.
131
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 90.
74
4 A RELAÇÃO ABSOLUTA COMO O DESENROLAR DO MOVIMENTO
DIALÉTICO
Apesar das críticas sofridas por Hegel, que apontam necessitarismo ou
totalitarismo em seu sistema, podemos afirmar que o autor valorizava a concepção
kantiana de liberdade como autonomia. Contudo dava a esta concepção o status de
apenas “mais-um-passo” na direção da compreensão do que é liberdade, pois tal
conceito, segundo ele, ainda permanecia vazio de conteúdo, uma vez que ainda refletia
um formalismo característico do iluminismo. A respeito desse movimento e sua noção
de “liberdade”, Hegel diz:
A teologia do Iluminismo (...) manteve-se firme em seu
formalismo, a saber, em invocar a liberdade-da-
consciência [moral], a liberdade-de-pensar, a liberdade de
ensinar, e [invocar] mesmo a razão e a ciência. (...) Mas
que determinações e leis racionais contém a consciência
verídica e livre, que conteúdo o livre crer e pensar tem e
ensina é um ponto material que [esses autores] se
abstiveram de tocar, e ficaram nesse formalismo do
negativo e na liberdade de preencher a liberdade segundo
seu bel-prazer e opinião, de modo que o conteúdo mesmo
fosse indiferente.
132
Segundo Hegel, a liberdade, quando considerada apenas em seu aspecto formal –
como já citada não é mais que uma liberdade suposta, pois ela precisará da atuação da
vontade que está sujeita a fenômenos contingentes. Hegel acreditava que, para
compreendermos o que é liberdade, precisaríamos escrutinar essa rede de
acontecimentos que formam o palco no qual ela se manifesta.
133
É nos movimentos do
132
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, p. 36.
133
Comentando este aspecto, Luft se refere a esse contexto como: a teia desse seres finitos, todos
conectados por um laço de relações necessárias, que ao mesmo temo são fundadas em circunstâncias
75
“mundo”, nos quais aparecem formas múltiplas e contingentes, que permanece oculta
uma lógica que é a chave para descobrirmos o que é a liberdade em si. Daí o passo para
a necessidade e desta para a liberdade. Nesse sentido Hegel afirma que:
É totalmente exato que a tarefa da ciência, e mais
precisamente da filosofia em geral, consiste em conhecer
a necessidade oculta sob a aparência da contingência; mas
isso não se pode entender como se o contingente
pertencesse simplesmente à nossa representação subjetiva
(...)
134
.
Isto significa dizer que, para o autor, não bastava um “discordar” ou um “apontar
problemas”, mas significava um “impulsionar” a uma busca que deveria ter como
resultado uma prova, na forma de uma apresentação do desenvolvimento interno dessa
lógica.
135
Segundo Mure, a Ciência da Lógica é o lugar onde Hegel desenvolve o
conceito de efetividade (realidade efetiva) como a conclusão auto-manifestante da
essência e do ser.
136
Ou seja, para atingir sua meta de encontrar esta lógica, mas como
necessidade interna o autor precisava apresentar o movimento do sistema como a
própria substância em ação produzindo a si mesma, uma vez que pretendia também com
esse movimento superar aquelas falhas que tinha apontado no espinosismo. Nessa
perspectiva, a substância deveria sair de sua passividade se tornando o sujeito da
ação
137
.
contingentes (necessidade e contingência relativas)”. (LUFT, Eduardo. Para uma Crítica interna ao
Sistema de Hegel, p. 136)
134
HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Vol I, § 147, p. 273.
135
Luft ao comentar de que maneira Hegel pensava a relação crítica entre os filósofos ao longo da história
da filosofia, afirma: “O progresso do pensar filosófico se em níveis, a partir dos mais baixos, que são
superados e guardados (aufheben) pelos superiores. Não exclusão pura e simples de sistemas, portanto
não ruptura a partir da crítica dos sistemas precedentes. (...) [A crítica externa] é a refutação
proveniente de fora, alheia à lógica e às suposições do sistema a ser refutado. Ou seja, aquela que
desconsidera o tratamento que o autor criticado deu à questão, e não consegue entrar em diálogo com tal
sistema, e muito menos consegue, a partir de seus pressupostos e de sua lógica própria, refutá-lo. (...) Em
oposição a esta crítica (externa) está a interna, ou seja, aquela que valoriza o passo dado pelo sistema
precedente, aceita a sua forma de argumentação e, através de suas próprias suposições e de sua lógica
interna, realiza a sua refutação (ou também sua correção) e sua superação”. (LUFT, Eduardo. Para uma
Crítica Interna ao Sistema de Hegel, p. 14-15)
136
MURE, G. R. G., La filosofia de Hegel, p. 139.
137
LUFT, Eduardo. As sementes da dúvida, p. 59.
76
No capítulo anterior, acompanhamos as três rodadas: formal, real e absoluta,
que, segundo Hegel, são passos indispensáveis para compreensão da necessidade
absoluta.
138
Para Lutz Müller, a dialética das modalidades é decisiva para o correto
entendimento do conceito de liberdade em Hegel. Referindo-se a este ponto da Ciência
da Lógica, especialmente ao final da Doutrina da Essência, o autor afirma:
Nesta passagem, crucial para a legitimação do seu projeto
filosófico, Hegel apresenta a metamorfose especulativa da
substância em conceito, sua “realização plena”, seu
“acabamento” (Vollendung) como “conceito, sujeito”.
139
Esta metamorfose a que o autor se refere acontece por meio de sucessivas
resoluções de contradições que vão aparecendo ao longo do processo dialético. Para ele,
Hegel articula dialeticamente as relações de substancialidade, causalidade e ação-
recíproca, que são apresentadas como partes da relação absoluta. Através da
apresentação das revoluções do Absoluto, que são em verdade sucessivas resoluções de
contradições, Hegel entende estar ao mesmo tempo realizando a exposição de um
movimento que aparece como processo de manifestação da necessidade interna do
Absoluto. Tal movimento é seu processo de auto-determinação e, segundo o conceito
de liberdade ao qual esta pesquisa se alinha, é também sua liberdade. Em outras
palavras, Hegel quer mostrar a necessidade absoluta como um processo no qual aquelas
figuras da Relação Absoluta se relacionam. Tais figuras apresentam-se por meio de um
livre relacionar-se, um livre reconhecer-se como momentos particulares que, na
138
A este respeito Aquino afirma: “No capítulo imediatamente anterior, denominado necessidade
absoluta, a escritura estrutural da essência alcançou: 1) a diferenciação das determinações que ela contém
em si e 2) a referência negativa a si. Na necessidade absoluta, a essência é em-si e para-si. A necessidade
absoluta, ao desenhar a relação de identidade interior e de exterior, sinaliza a entrada da essência no seu
acabamento próprio que é o ser pura-e-simplesmente como reflexão”. A necessidade absoluta inscreve
na Ciência da Lógica a relação do mesmo e do outro, que Platão consagra no sofista. A relação absoluta é,
pois, uma releitura e uma análise da necessidade absoluta”. (AQUINO, Marcelo F. de. Dialética a auto-
organização: A questão filosófica da autocausação na Ciência da Lógica, p. 166)
139
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 86.
77
perspectiva universal do conceito, são modos de ser de uma mesma substância. Porém
esta livre relação do Absoluto consigo mesmo é necessária. Ainda assim, tal
necessidade não aparece como uma contraposição à liberdade, porque, por um lado, ela
está indicando um caminho obrigatório que o Absoluto necessita trilhar, por outro lado,
tal caminho promoverá o aparecimento de seus desdobramentos internos que
promoverão sua determinação, quer dizer, que estas determinações são postas pelo
Absoluto mesmo em seu trilhar. Em outras palavras, neste trilhar o Absoluto realiza sua
auto-determinação, que é sua liberdade.
Segundo Hegel, tais revoluções não significam outra coisa que a exposição de si
a si mesmo, como uma diferenciação interna que em um primeiro momento é um pôr-se
como acidentes seres contingentese em um segundo momento uma negação desses,
para, através dessa negação, retornar a si como determinado. A Relação Absoluta reflete
o desenrolar da totalidade que, para o autor, é um eterno atualizar-se em um constante
devir que concomitantemente se compreende cada vez mais nesse movimento. É por
esta razão que o Absoluto não se mostra para um outro, mas também porque, se assim
fosse, neste outro teria seu fundamento; ele se mostra para si mesmo, pois ele é
totalidade em revolução interna. Em outras palavras, é uma realidade que é totalidade
em manifestação: é efetividade. Esta manifestação do Absoluto aparece como
fenômeno, e assim neste manifestar-se como fenômeno para si mesmo é auto-
consciência. Segundo Hegel, não um além do fenômeno, porque o fenômeno
enquanto manifestação livre do absoluto, que é totalidade, é tudo o que há.
O fenômeno, então, é o pôr-se do Absoluto como acidentes e como esta relação
é consigo mesmo. Hegel afirma que a Relação Absoluta é a relação da substância com
78
os acidentes, ou seja, tais acidentes são o próprio pôr-se da substância, são o Absoluto
mesmo se externando como partes de si, postas como contingentes no jogo das relações
causais.
140
. Luft afirma que: “(...) este naturalmente não é o ponto máximo de
determinação do absoluto, senão o início de sua determinação como relação
absoluta”.
141
Assim sendo, a determinação do absoluto exige um segundo passo que
significa a irrupção de uma outra propriedade que surgirá como um avançar de uma
determinação que ainda tem apenas a identidade consigo mesma. Contudo, esse
movimento, em um primeiro momento, gera uma tensão que significa tentar assimilar
na forma absoluta uma atitude que parece materializar-se na direção oposta, quer dizer,
um externar-se como múltiplos seres finitos e, ainda assim, não se desagregar como no
caso das mônadas de Leibniz – com já expomos.
Mas tais seres, enquanto postos pelo Absoluto em seu movimento necessário de
exteriorização de si, têm em si a necessidade. O problema, agora, é que tal necessidade
espelha apenas uma confirmação daquelas configurações postas pela possibilidade de
sua existência, ou seja, ainda que esses seres (acidentes) enquanto existentes sejam
necessários, ele são efetividades que têm sua liberdade apenas como conseqüência de
sua natureza: de serem determinados como seres contingentes. Neste estágio, esses
contingentes não se reconhecem como resultado da mediação exercida por um outro.
Em outras palavras, sua existência supostamente independente traduz ainda somente o
desconhecimento da necessidade da relação com o outro. Ainda que a necessidade
absoluta constitua a essência de cada um dos contingentes como ancorados em si uma
vez que, enquanto postos pelo Absoluto, todos eles têm um ponto em comum tal
140
Luft afirma que: “Este absoluto plenamente refletido sobre si é a substância, o absoluto em seu
movimento de autodeterminação. É esse próprio movimento que resulta na formação das diferenciações
e, portanto, dos acidentes”. (LUFT, Eduardo. Para uma Crítica Interna ao Sistema de Hegel, p. 135)
141
Id, p. 136.
79
vinculação de tais efetividades somente pode ser elaborada de maneira externa. Como
conseqüência, pensar a necessidade desses seres é pensá-la como reflexo de sua
existência contingente. De outro maneira, porque contingentes existentes, existem
necessariamente.
142
Superar essa dificuldade é trazer à luz a natureza intrinsecamente necessária que
perpassa as efetividades livres, uma natureza que expõe uma atuação de mútua
implicação enquanto imersas em uma mesma rede relacional. É por esse viés que Hegel
mostra que a relação entre os seres contingentes não é linear, não é uma relação que se
perde no infinito aparecer e desaparecer da causa que se esgota totalmente em seu
efeito. A relação de causalidade deve surgir como a rede mesma, ou seja, mais
precisamente, deve ser o campo de atuação no qual tais seres se relacionam. Superar a
pura necessidade interna é mostrar a identidade desses termos efetivos que aparecem
como subsistentes por si, como identidade que aparece graças à mediação absoluta que
se manifesta aqui como causalidade. Segundo Hegel, a partir de tal superação, esses
termos passam de contingentes independentes a substâncias que, no sentido
exclusivamente relacional, estão em equilíbrio porque ativas e passivas ao mesmo
tempo. Para o autor, quando falamos em liberdade, estamos em verdade falando de um
modo de relacionamento do conceito que é explicitado pelos modos de
relacionamento da substância consigo mesma. Estes modos de relacionamento nada
mais são que a própria relação de causalidade.
143
142
Segundo Lutz Müller: “A contradição dessa necessidade interna está em, simultaneamente, afirmar a
identidade entre esses termos intrínseca e absolutamente necessários, mas que não se manifestam como
tais neles mesmos, e sua diversidade enquanto contingentes e ‘livres’ em sua ‘imediatidade desprovida de
aparência’. Na medida em que sua essência necessária não se manifesta neles a partir deles mesmos, a sua
identidade entre si, estabelecida pela necessidade, é puramente interna, uma ‘reflexão externa’ à sua
efetividade própria”. (LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade,
Analytica, p. 128)
143
Hegel expõe, na Ciência da Lógica, o processo de realização e consumação da causalidade na ação-
recíproca. Segundo o autor, tal consumação se em 3 etapas. Na primeira etapa (causalidade formal), a
causalidade ainda é puramente formal e, sendo assim, puramente tautológica. Causa e efeito têm
identidade imediata, pois a causa se extingue no seu efeito, portanto, tanto um como o outro passam a ser
80
É neste ponto que podemos entender de maneira mais clara a razão intrínseca da
ação recíproca.
144
A perspectiva da ação recíproca nos mostrará que: se por um lado a
substância se diferencia em contingentes efetivos diferentes entre si (acidentes que
contém, cada um, “o seu outro e a própria relação a ele, e são, assim, ‘totalidades’, e
idênticos”
145
), tais contingentes são diferentes entre si apenas de forma aparente, uma
vez que são o próprio Absoluto em manifestação e tem sua igualdade neste Absoluto
que os instancia. A ação recíproca explicitará um movimento que não é captado pela
noção linear da relação de causa/efeito: a ação da substância passiva ou ainda, sua
transfiguração em substância ativa. Na perspectiva da causalidade linear, toda a causa
como substância ativa provoca um efeito, ou seja, o efeito não será mais que um
receptor da ação da causa. Nesse sentido, não há participação do efeito nessa relação – a
não ser como alvo da atuação da substância ativa: a causa. Pensando sob a guisa de uma
relação linear, somente na condição de causa, a substância deixaria de ser meramente
passiva. Todavia, ainda pensando na forma linear da relação, aquilo que era efeito e se
transfigurou em causa não se voltaria para a causa que o instanciou, mas sim agiria no
mesmo sentido da atuação de sua causa, gerando, portanto, um efeito outro: uma
terceira instância.
efetividades diferentes entre si. Este conteúdo é exterior à relação causal, uma vez que causa e efeito são
independentes de sua relação. Na segunda etapa (relação de causalidade determinada), uma referência
a um substrato externo, independente, de onde adquire seu conteúdo. Na passagem da causalidade formal
para a causalidade determinada, a diversidade entre conteúdo e forma aparece em cada lado (forma e
conteúdo). Na forma, como diversidade das determinações formais, e no conteúdo, como diversidade
interna: causa e efeito. Não a causalidade é externa à causa e ao efeito, como também ela se liga
externamente ao conteúdo, em sua diversidade interna, de maneira diversa. A relação de causalidade é
que deve restabelecer esta unidade entre causa e efeito. Por fim, na terceira etapa (efeito e contra-efeito),
efetiva-se plenamente como causa no contra-efeito, no qual se manifesta a totalidade do seu dinamismo e
da sua originalidade como substância. O contra-efeito representa a violência da potência causal
exteriormente exercida, e tal violência é um “pôr que na verdade é um pressupor, ou seja, a substância
ativa para atuar como causa pressupõe a substância passiva sobre a qual irá atuar. Dessa maneira, a
substância passiva fundamente a substância ativa na sua atuação causal. Nesse sentido, a violência então é
o ato de suprimir a originariedade da substância passiva, que a substância ativa exerce. (LUTZ MÜLLER,
Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 106)
144
Segundo Luft, “(...) a teia sem fim de causas e efeitos começará a ser quebrada já aqui, através da ação
recíproca”. (LUFT, Eduardo. Para uma Crítica Interna ao Sistema de Hegel, p. 137)
145
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 127.
81
Na ação recíproca, realmente este primeiro movimento, como exposto na
apreciação da causalidade linear, ou seja, a substância na posição de causa (ativa) tendo
o efeito como um mero receptor passivo de sua ação. Nesse primeiro passo, ainda
estamos no ponto que, segundo Hegel, instaura a má-infinitude, uma vez que, enquanto
neste produzir frenético de efeitos diversos, a substância jamais poderá reencontrar
retornar à causa primeira. É no segundo passo da transfiguração da substância
passiva em ativa que a cadeia infinita da causalidade é rompida.
146
Naquele primeiro
movimento, que aparece como a ação da causa sobre o efeito, ou seja, a ação da
substância ativa sobre a substância passiva, uma evidente assimetria dos termos da
relação. Enquanto um dos termos determina os acontecimentos (causa), o outro é
totalmente determinado por essas ações, não tendo, pois, nenhum tipo de participação
(efeito). Na ação recíproca, a transfiguração do efeito em causa o recoloca em igual
situação de sua causa e, nesse sentido, nessa nova condição, ele atua com o mesmo
vigor de sua causa. Mas, a ação-recíproca estabelece uma contradição que deve ser
superada: ao mesmo tempo que a “causalidade” representa um elemento em comum
entre os seres contingentes o Absoluto que se manifesta como causalidade a ação-
recíproca reforça a existência por si dos seres contingentes. De outra maneira, na
elevação do efeito de uma condição passiva para uma ativa, ao romper com a infinitude
da relação linear de causalidade, este movimento reforça a existência dos seres
contingentes, uma vez que nessa transmutação constante de ativos para passivos, têm
sua existência assegurada por essa relação mesma, quer dizer, independem de um
terceiro – um Absoluto – para sustentá-los.
146
O termo “rompida”, em verdade, não está querendo dizer que há uma quebra da cadeia de causa/efeito.
O que está sendo rompido é um processo de má-infinitude e, nesse sentido, a ruptura significa uma
“união” das duas pontas imaginárias início e fim fazendo com que a substância reencontre a si
mesma: reencontre a causa primeira.
82
A resolução de tal questão surgirá como um resgate da verdadeira identidade das
partes enquanto subsistentes em uma totalidade que abarca todas as possibilidades de
interação entre essas unidades. É a percepção de que o par relacional somente pode
encontrar sentido em uma lógica que supera o ato da relação mesma, quer dizer, ainda
que o par relacional se apresente em uma eterna troca de papéis (ativo e passivo) entre
os atores, o sentido da relação não pode ser expresso por nenhum dos lados, uma vez
que ele é a síntese de uma propriedade que aparece somente no devir da relação. Tal
lógica explicita a presença do todo que se manifesta como partes que necessitam, em
um primeiro momento, apresentar-se como modo diferenciado de aparição desse mesmo
todo. Todavia, Hegel afirma que existe mais uma questão a ser resolvida:
A ação-recíproca se apresenta como uma causalidade
recíproca, de substâncias pressupostas e que se
condicionam: cada uma é, frente à outra, ao mesmo tempo
substância ativa e passiva. Pelo fato de que ambas são
assim tanto passivas como ativas, toda diferença entre elas
já foi eliminada; é uma aparência do todo transparente
147
.
De outra maneira, a substância absoluta se diferencia para tornar-se
originariamente termos subsistentes em si, que assim diferentes um frente ao outro, têm
sua identidade na relação infinita entre eles mesmos, mas que tal movimento finda por
torná-los idênticos. Segundo Lutz Müller, tanto a relação absoluta quanto a Lógica
Objetiva têm seu processo culminando na resolução da contradição absoluta oposição
entre necessidade absoluta e contingência absoluta –, num processo dialético de
conciliação de opostos que se manifestam simultaneamente: de um lado, exteriorização
como resultado da divisão do todo em partes postas na relação de causalidade; e, de
outro lado, um eterno retorno a si como forma de reconstrução da identidade do todo em
147
HEGEL. La Lógica Objetiva, Livro II, p. 241.
83
sua identificação.
148
Contudo, a resolução dessa contradição não significa a extinção da
diferença entre identidade (necessidade absoluta) e diferença (contingência absoluta). A
identidade entre esses dois pólos também significa mantê-los guardados como
diferenças enquanto contrapostos na relação, ainda que tal relação signifique um
intercâmbio do Absoluto consigo mesmo. Assim, até aqui, não foi possível captar a
equivalência dos dois pólos da contradição, parecendo ainda que um jogo no qual,
enquanto posicionados em um pólo, pensamos estar nele a superação de seu oposto,
quer dizer, mesmo com a alternância frenética de um lado para o outro da relação, da
perspectiva atualizada o outro de si sempre parecerá ser o efeito.
Na Relação Absoluta, Hegel mostra uma dependência da causa com relação ao
efeito que aparece como a necessidade do Absoluto determinar-se. Em outras palavras,
a razão por que aquele “pôr-se” na relação de causalidade é necessário para que o
Absoluto, a partir dele mesmo, descubra suas determinações. A instauração da relação
de causalidade fará o papel de causa para as determinações do Absoluto. Todavia, como
agora não são causa para um terceiro como no movimento exposto anteriormente e
sim causa para o Absoluto mesmo, não é causa de um outro efeito, mas causa da própria
causa: causa de si mesma. Se antes, por entender que o efeito está em uma situação de
desvantagem em relação à causa os termos pareciam assimétricos; agora, o efeito, que
também adquiriu status de causa em relação àquela que o causou, parece estar no
mesmo patamar dela
149
. De outra forma, uma vez que o Absoluto está nos dois pontos
da relação não uma causa apartada de um efeito, mas sim uma substância que ora
aparece como causa e ora aparece como efeito. É com estes subsídios que podemos
148
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p. 130.
149
Segundo Lutz Müller, para sairmos do pensar ilusório da má-infinitude, Hegel mostra que uma
equivalência entre a causa e o efeito, ou seja, causa e efeito são modos de manifestação de uma mesma
realidade: são, em verdade, uma mesma substância. (Cf. LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do
conceito especulativo de liberdade, Analytica)
84
entender o que Lutz Muller quer dizer quando afirma que a passagem da assimetria dos
termos da relação causa/efeito para uma simetria destes é o fio condutor da lógica das
modalidades. Como vimos no capítulo anterior, tal lógica, ao seu final, pretende mostrar
aquele efeito, inicialmente entendido como um receptor passivo, como a própria causa
que se realizou plenamente, ou seja, o efeito não sendo outra coisa que a própria
materialização da necessidade da causa, uma vez que, sem ele, a causa não pode
manifestar-se. Assim, chega-se à conclusão que sem o efeito não há sentido em falar em
causa; ou que a inexistência do efeito implica a própria extinção da causa. Este é o
passo para a simetria dos termos da relação. Tanto a causa quanto o efeito estão em uma
relação tal que não se pode argüir a supremacia de um termo sobre o outro, pois a
existência de um só é possível pela existência do outro.
85
5 A DIALÉTICA DAS MODALIDADES E AS DETERMINAÇÕES DA
VONTADE
Toda a exposição realizada até aqui teve como finalidade apresentar os conceito
hegelianos, tanto na Ciência da Lógica quanto na Filosofia do Direito, tendo como
objetivo possibilitar o movimento que será executado neste capítulo: a ligação, mais
clara possível, dos elementos da lógica com os apresentados na Filosofia do Direito,
como forma de mostrar o papel de sustentáculo que os primeiros exercem em relação
aos últimos. Esta iniciativa, aliás, também é uma tentativa de seguir a trilha apontada
por Hegel, uma vez que ele, em vários pontos da Filosofia do Direito, aponta para a
Ciência da Lógica como o lugar das definições mais esclarecedoras a respeito do
desenvolvimento dos elementos ali apresentados.
A razão de tal empreendimento é buscar uma justificativa para a suposta
contribuição da Filosofia do Direito, a partir dos próprios elementos apresentados por
Hegel, como pedagogia que trata das relações do homem em sociedade. Para tanto,
pretendemos, com esta pesquisa, buscar um entendimento mais bem acabado do
desenvolvimento do conceito de liberdade, enquanto princípio norteador da Filosofia do
Direito. Assim tentaremos refazer os passos apresentados por Hegel na Filosofia do
Direito, trazendo elementos da Ciência da Lógica que serão colhidos dos capítulos que
tratam da Dialética das Modalidades.
86
Na Filosofia do Direito, como foi dito, o elemento central é a liberdade e isto
faz dela o fio condutor e pano de fundo de todos os problemas e superação destes, que
Hegel apresenta ao longo da obra. Assim sendo, entender esse princípio, como também
o que ele significa para o autor, são exigências elementares para compreendermos a
maneira como Hegel pensou a moral e a ética. Todavia, ao enfrentar essas questões, a
grandeza do desafio a que nos expomos é a de estar tratando do esclarecimento de um
conceito que não pode ser separado do método que o expõe.
150
De outra maneira, a
liberdade em Hegel é um fim último uma realização plena que somente se mostra
enquanto processo, ou seja, um conceito que parece impor a dificuldade de conciliação
de dois elementos antagônicos: um elemento estático (fim último) e um elemento
dinâmico (processo).
Ao pensarmos uma definição para o conceito de liberdade, tendemos a cristalizar
a liberdade mesma, pois tal definição traz já, de forma imanente, sua capacidade
limitada de somente poder captar um momento. Em tal momento, estaria mais evidente
o aspecto normativo da liberdade, como realização plena e efetiva a liberdade como
uma regra bem construída e acabada. Mas, ao tentarmos recuperar o escopo de sua
determinação aquilo que a liberdade representa como princípio no desenrolar das
150
A dialética de Hegel não é apenas um método, não é um instrumento do qual alguém dispõe para
enfrentar, ou realizar, uma determinada tarefa aqui, a tarefa” de conhecer. A dialética não é um
instrumento: é uma construção. Na idéia de um método como instrumento está pressuposto um
resultado, na medida em que toda a ferramenta existe em função de que se espera dela um determinado
resultado que sentido para sua existência. Quando se pensa no martelo, se pensa em uma ferramenta
que, necessariamente, ofereça um método mais eficaz de bater com mais força e precisão do que uma
batida sem ela. se espera e conhece um resultado antes de sua utilização. Uma ferramenta que não bata
com precisão e força não pode ser chamada de martelo. Pensar a dialética como construção é distanciar-se
do sentido de instrumento como apresentado acima. Isto não significa dizer que não se tenha a mínima
idéia do proceder dialético, pois conhecemos que, em seu movimento, tese e antítese serão suprassumidas
na síntese. Todavia, esse enunciado se refere apenas à forma na qual procede ao movimento dialético.
Contudo, o principal para Hegel, ou seja, aquilo que difere a dialética da lógica formal, é que não
podemos antecipar o conteúdo e a riqueza deste. Para Konrad, dizer que o Método Absoluto deve
desempenhar funções construtivas e constitutivas significa dizer que a construção deve resultar, não
obstante todo o rigor e a monotonia do seu método, em algo que nesse método ainda não poder ser
vislumbrado”. Caso pretendêssemos extrair do método dialético o resultado, necessitaríamos percorrer,
minuciosamente, toda a Ciência da Lógica, fazendo exatamente aquilo que não desejávamos. (Cf. UTZ,
Konrad. O método dialético de Hegel, p. 167)
87
relações humanas seríamos deslocados para um enfrentamento da liberdade como
processo. A liberdade mesma, quando apreendida estaticamente, não contempla seu
caráter de realização em movimento, que se mostra nas relações fugazes da
contingência das quais toma emprestadas suas propriedades, constituindo-se como um
conceito fugidio.
Segundo Weber: “A liberdade é meta que está sempre presente”.
151
Ou seja, é
horizonte de sentido e realização, mas também é princípio organizador que orienta o
processo na sua direção mesma. Apesar dessas dificuldades, Hegel entendeu sua
filosofia como uma tentativa bem sucedida no que tange a esclarecer o conceito de
liberdade. Desta feita procuraremos apresentar a sustentação que a Ciência da Lógica
nos fornece para que possamos, primeiramente, compartilhar o horizonte de sentido em
que Hegel se situa na compreensão de tal conceito na Filosofia do Direito, para, ao
final, tecermos as considerações que se fizerem necessárias.
5.1 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA
FORMAL DA DIALÉTICA DAS MODALIDADES
Na Filosofia do Direito, Hegel apresenta, já de início, a questão central: “o que é
a liberdade em si mesma?”, mostrando que tal conceito não pode ser confundido com a
liberdade de agir, ou seja, liberdade de agir pressupõe a própria liberdade. Voltando-se
para o “agir”, Hegel mostra que tal ato em verdade é impulsionado pela vontade. Mas o
que é a “vontade” mesma? Aqui, então, a célebre e esclarecedora afirmação que aponta
para uma imbricação entre vontade e liberdade, quando Hegel faz uma analogia entre a
151
WEBER, Thadeu. Hegel, Liberdade, Estado e História, p. 32.
88
relação de vontade e liberdade e a relação entre peso e matéria.
152
Dessa maneira,
segundo Hegel, como não se pode dizer a vontade sem liberdade, ou vice-versa, tem-se
que liberdade não é um predicado contingente da “vontade”. A partir dessa afirmação
podemos concluir que a liberdade é um predicado necessário da “vontade”. Mas o que
significa tal afirmação no contexto da obra de Hegel?
Dizer que liberdade é um predicado necessário da “vontade” é dizer que não se
pode pensar uma “vontade” sem liberdade. A própria manifestação da “vontade”
pressupõe a liberdade, ou seja, sem liberdade não posso manifestar minha vontade.
“Vontade sem liberdade é uma palavra vazia, e por sua vez a liberdade somente é real
como vontade, como sujeito”
153
. Todavia a liberdade como expressão da vontade apenas
evidencia seu aspecto puramente formal. Na Ciência da Lógica Hegel esclarece que o
formal é o ainda não refletido, o não mediado e, portanto, aquele que não tem conteúdo.
Nesse sentido, a Ciência da Lógica enriquece nossa compreensão sobre a crítica de
Hegel ao formalismo kantiano explicitado neste trabalho. Uma liberdade que
permaneça nessa carência de determinação será promotora de eventos que inclusive a
destruam.
Na Rodada Formal da Dialética das Modalidades, o autor mostra que aquilo que
carece de determinação é algo ainda vazio. Assim, se pensarmos uma “vontade”
totalmente indeterminada, uma “vontade” que não tem a liberdade como sua
determinação, ela será uma “vontade” apenas possível. Dizer que algo é possível, ou
152
“A liberdade da vontade se pode explicar de modo mais adequado com uma referência à natureza
física. Com efeito, a liberdade é uma determinação fundamental da vontade do mesmo modo que o peso é
dos corpos. Quando se diz que a matéria tem peso, se poderia crer que este predicado é contingente, mas
não é assim, porque nada carece de peso na matéria; ela é, pelo contrário, o peso mesmo. (...) O mesmo
ocorre com a liberdade e a vontade, pois livre é a vontade”. (HEGEL. Principios de la Filosofía del
Derecho, p. 67)
153
Id, p. 67.
89
seja, que a “vontade” é possível, significa dizer absolutamente nada. Aqui, segundo a
lógica de Hegel, a “vontade”, enquanto somente ainda um possível, carrega apenas o
seu caráter positivo, ou seja, de uma pura identificação consigo mesma que o traz
nada de novo, nada de esclarecedor sobre esse conceito. Todavia a questão se
complexifica quando Hegel enfrenta o fato de que liberdade e “vontade”, segundo ele,
são dois aspectos de uma mesma coisa, quer dizer, não se pode, então, simplesmente
recorrer à liberdade como forma de determinação da “vontade”, pois foi exatamente na
busca da determinação daquela que se recorreu à “vontade”.
Ainda com relação à “vontade”, tem-se que, nesse momento, ela está ainda
somente presa ao âmbito subjetivo, ela ainda é uma pura universalidade marcada apenas
pela perspectiva individual hipertrofiada. Na Dialética das Modalidades, Hegel
esclarece que a possibilidade tomando-se aqui a “vontade” ainda como apenas um
algo possível – marcada somente por esse aspecto formal coincide com a multiplicidade
ilimitada. A razão para tal é que essa possibilidade formalo pôde encontrar nenhuma
oposição à sua realização mais precisamente, nenhuma contradição. Assim, uma
“vontade” que é puramente formal é uma “vontade” que tudo quer, e se for tomada
como liberdade, tudo pode. Segundo Hegel, tal liberdade da vontade estaria fortemente
impregnada de um aspecto negativo, porque sua existência somente seria resultado da
destruição de qualquer limite para sua realização.
154
Deste esforço não poderíamos obter
um resultado significativo, pois tal movimento apenas explicita uma tautologia.
Retomando a Dialética das Modalidades vemos que Hegel mostra que a possibilidade
nesse estágio tem dois momentos: a) positivo: puro ser-refletido sobre si, uma pura
154
Na Filosofia do Direito, Hegel discorre sobre este aspecto negativo da vontade: “Quando a vontade se
determina de acordo com este aspecto dela que se acaba de especificar esta possibilidade absoluta de
abstrair de toda determinação na que me encontre ou que eu tenha posto em mim, a fuga ante de todo o
conteúdo como ante uma limitação , ou quando a representação o toma por si como a liberdade, se está
então ante a liberdade negativa ou liberdade do entendimento”. (HEGEL, Principios de la Filosofía del
Derecho, p. 69)
90
identidade. Ou seja, a sua determinação é dada tão somente pela superação de si, quer
dizer, a possibilidade em verdade não passa de um momento do processo como um
todo. Essa fugacidade da possibilidade marca o seu caráter: b) negativo: enquanto
momento a ser superado na realização do absoluto como efetividade, a possibilidade é
uma essencialidade inessencial, quer dizer, não faz parte da essência mesma da
efetividade, enquanto realizada, mas apenas como algo a ser superado. Assim, uma
“vontade” que é apenas formal, é apenas possível e, enquanto tal, toma da possibilidade
essa inessencialidade e, dessa maneira, não pode ser o fundamento da liberdade.
Há, portanto, uma necessidade de superar essa determinação que apenas se
apresenta como igualdade consigo mesma (vontade = liberdade, liberdade = vontade), a
fim de que se possa encontrar a verdade da “vontade”. Segundo Hegel, para ultrapassar
esse movimento tautológico é preciso que a “vontade” adquira conteúdo. Mas de onde
viria esse conteúdo? Para o autor o conteúdo vem do exterior. Todo o esforço de Hegel
em sua Filosofia do Direito é retirar o indivíduo de sua condição unilateral, decorrente
do fato de estar preso à sua subjetividade, porque nessa condição todo o conteúdo moral
refletirá apenas uma visão parcial da realidade, e as leis, nessas condições, somente
explicitarão aquela tautologia a que já nos referimos. A partir desse fato surge uma nova
questão: de que maneira o indivíduo captará esse conteúdo do exterior? Para clarear tal
ponto Hegel infere que precisamos nos voltar para o modo de ser dessa “vontade”. A
“vontade” se manifesta por um agir que representa a presença do indivíduo no contexto
social. O indivíduo se faz perceber, mostra sua intenção, se diferencia da paisagem do
mundo por meio de uma ação. Mas não se diferencia somente de um conjunto de coisas
91
(uma paisagem), o indivíduo também tem um modo de agir que o diferencia dos outros
animais: o pensamento.
155
O autor afirma que o agir tem dois modos: o pensamento e a “vontade”. O
pensamento representaria aquele modo de agir teórico que tem como característica a
capacidade de efetuar o movimento de universalização. Para o filósofo: “Fazer algo
universal quer dizer pensá-lo”
156
. Esta afirmação significa que pensar algo é tirar dele
todo o conteúdo sensível, ficando somente com aquilo que representa a minha atuação
sobre o objeto, ou seja, o resultado dessa “purificação” do objeto eliminação do
conteúdo sensível – é algo que não tem em si nada quenão estivesse antes no sujeito.
A questão é que, para Hegel, aqui pararam aqueles que entendem que as regras podem
partir de um sujeito que pensa, solitariamente, as condutas morais e éticas e, por isso,
segundo o autor, a causa de seu fracasso. Quer dizer, aquele movimento de
“purificação” que o indivíduo executa ao pensar algo, ao invés de representar um
acréscimo na sua compreensão, representa um afastamento do que esse algo realmente
é, pois nesse movimento ocorre uma total identificação com o objeto que representará a
pura reflexão sobre si do indivíduo. Para Hegel, no agir prático (“vontade”), esta total
identificação será problematizada por meio da oposição de um objeto, que representará
uma diferença para si do indivíduo, a fim de que o pensamento possa determinar-se
como um eu. Agir de maneira prática significa determinar-se como “vontade”, ou seja,
ao direcionar-se para os objetos por meio de sua vontade, o sujeito, ao mesmo tempo,
está se diferenciando deles, uma vez que eles já são postos como um limite. Mas,
embora no agir prático o sujeito recupere sua diferenciação frente ao objeto (se
determine), essa diferença é ainda uma diferença posta pelo próprio sujeito.
155
Segundo Hegel: “O espírito é o pensamento e o homem se diferença do animal por meio do
pensamento”. HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 69.
156
Id, p. 67.
92
Na Dialética das Modalidades, Hegel esclarece que esse objeto citado é uma
efetividade que tem sua existência ainda somente como uma possibilidade
157
, ou seja, é
uma efetividade formal que representa somente um momento anterior a efetividade real.
Em outras palavras, esse efetivo, esse objeto para o sujeito, é também um possível, mas
se os predicados da possibilidade podem ser aplicados a esse objeto (como efetividade),
mesmo como efetivo ele é ainda apenas um possível. Se na Filosofia do Direito esses
objetos forem tomados como, por exemplo, comportamentos ou modos de ser de outros
indivíduos no contexto social, eles não serão mais do que possibilidades, ou seja, o
indivíduo que pretender utilizar-se deles, como fundamento para estabelecer leis ou
regras sociais, poderá estar construindo uma edificação sobre terreno arenoso. Na
Dialética das Modalidades, Hegel mostra que essa imbricação entre possibilidade e
efetividade leva ao surgimento da contingência, quer dizer, o efetivo enquanto formal é
apenas um possível e, sendo assim, tanto pode ser quanto não-ser é tal que tem seu
contrário também como existente. Transpondo esses elementos para a Filosofia do
Direito, com relação ao exemplo dado nesse parágrafo, a questão se agrava. Não
aquelas regras podem ter sido criadas sobre comportamentos inexistentes como
também, em pior grau, podem ter sido criadas a partir de comportamentos que são
diametralmente opostos aos captados pelo legislador solipsista.
Se o agir teórico representa um momento de universalização, o agir prático
representa o momento da particularização, por isso a ligação de ambos. No agir prático,
a “vontade” se particulariza em um objeto, uma inclinação, um desejo, se explicitando
como um agir em uma realidade dada. O agir teórico é a reflexão sobre essa realidade e
157
Pelo fato de a efetividade estar em união com a possibilidade ela é ainda efetividade formal, que,
enquanto efetividade superada, é apenas ainda possibilidade.
93
a universalização desse objeto captado da realidade. Contudo, a ligação entre o agir
teórico e o prático não melhora aquela perspectiva, porque ainda assim o sujeito está em
um momento puramente formal da “vontade”, uma vez que o agir prático enquanto
produção de uma diferenciação que é ainda uma diferença produzida pelo próprio
sujeito – é somente um pôr de algo quetinha sua existência no sujeito. Nesse sentido,
aquilo que poderia significar uma superação dessa condição de pura formalidade não se
confirma.
Na Dialética das Modalidades, Hegel explica que o absoluto nem é só um refletir
sobre a realidade, nem tão pouco a realidade mesma das coisas. O agir teórico e o
prático representam dois extremos aos quais o sujeito é lançado ininterruptamente pela
reflexão. Naquela obra, Hegel demonstra que esse ir e vir de um ponto ao outro não é
outra coisa que o devir. Tal movimento traz consigo o conceito de necessidade e o autor
afirma que o devir é o movimento necessário de compreensão do absoluto. Assim temos
mais claramente em que sentido, para Hegel, não pode haver uma separação entre
pensar e querer, como em Kant. “Querer” e “pensar” representam respectivamente o
modo prático e teórico do agir, que estão unidos pela necessidade do devir. Todavia,
enquanto em um momento apenas formal da necessidade (necessidade formal), esse
agir, que representa a “vontade” mesma, só pode se manifestar como “vontade formal”.
5.2 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA
REAL DA DIALÉTICA DAS MODALIDADES
Tirar a “vontade” dessa condição puramente formal é buscar determinações
outras que estão fora do sujeito, ou ainda, recuperando os elementos apresentados na
Dialética das Modalidades, é arriscar-se na multiplicidade relativa dos entes além dos
94
limites do sujeito. Segundo o autor, uma “vontade” ainda na condição de uma pura
formalidade, enquanto um momento anterior, não é real. A “vontade” somente
encontrará sua realidade expondo-se às determinações, às contradições, do contexto
social; e o movimento que transportará a “vontade” da condição formal para uma
condição real é a decisão. Uma “vontade” que não se particulariza em algo não é
“vontade”, porque, segundo Hegel, o querer não é meramente “um querer”: mas sim o
querer algo. Então, pelo ato da decisão, a “vontade”, como autoconsciência, volta-se
para o mundo exterior e, frente a uma multiplicidade de instintos, desejos e inclinações,
escolhe em qual i realizar-se. Na Dialética das Modalidades, Hegel esclarece que a
multiplicidade de que se trata aqui não significa mais somente o aparecer de múltiplas
possibilidades, ela representa a superação da possibilidade mesma, quer dizer, ela
significa uma multiplicidade de eventos reais que em verdade são fatos. Nesse sentido,
em relação à Filosofia do Direito, ela representa um caminho para a “vontade” sair de
sua condição meramente formal.
No entanto, decidir implica que a “vontade” seja livre e, neste sentido, é um ir
além da concepção de liberdade que, segundo o autor, ainda é precária. Na concepção
criticada pelo autor, a “vontade-livre” era tomada como “a liberdade”, ou seja, o
conceito de liberdade em si estaria plenamente determinado na “vontade-livre” uma
concepção que induz ao erro de se pensar o livre-arbítrio como a liberdade mesma. Para
Hegel, a “vontade livre” se manifesta em uma dupla indeterminação: a) de um lado, o
conteúdo da “vontade” é apenas uma multiplicidade de instintos, desejos e inclinações,
postos pela realidade. Cada um desses elementos, enquanto pertencentes à “vontade”,
estão como que em oposição a outros, uma vez que cada um deles tem como meta tão
somente a sua realização, que conseqüentemente é a não-realização de outros. Na
95
Dialética das Modalidades, Hegel mostra que tais elementos são unidades indiferentes
umas das outras, uma vez que a necessidade para elas representa apenas sua unidade
imediata. São conteúdos que parecem dispersos, pois ainda não está evidente o
elemento agregador: a lógica que os envolve em uma relação. Mas também, b) por outro
lado, essa multiplicidade indiferente, enquanto um conteúdo para a “vontade”, é algo
universal e indeterminado, ou seja, uma multiplicidade que se manifesta como um
conjunto de elementos diversos carentes de satisfação, mas que tal satisfação também
exige diferentes modos de realização, quer dizer, não uma forma única de
abrangência satisfação geral de toda a multiplicidade de desejos, por exemplo. Essa
multiplicidade não está como que naturalmente voltada para uma unidade, o que
aconteceria se o modo de satisfação de um pudesse ser reutilizado infinitamente para a
satisfação de tantos desejos quantos aparecessem. Ainda assim, a Dialética das
Modalidades nos esclarece que esses elementos inauguram uma possibilidade real que
surge da relação entre esses seres relativos (instintos, desejos e inclinações), porque
esses, enquanto existentes,representam uma superação daquela efetividade formal da
qual tratamos na rodada anterior.
Dizer que a “vontade” se volta para o exterior da subjetividade pela decisão
implica que ela seja consciente de si, o que faz com que logo uma questão se imponha:
o que significa autoconsciência para Hegel? Segundo o autor, a “vontade” que tem
consciência de si é tal que se sabe como universal que se reconhece como “vontade”
que tem a possibilidade de abstrair-se de toda a determinação e que
concomitantemente se sabe também como particular “vontade” que tem uma
finalidade, um conteúdo e objeto determinados. A autoconsciência, dessa maneira, é a
individualidade, pois não é somente uma imediatez (como representação, fenômeno),
96
mas agora segundo o conceito, ou seja, não é apenas um ser-em-si porque é também um
por-si, uma vez que tem consciência de si. Retomando a Dialética das Modalidades,
temos que a “vontade”, sendo um por-si, é uma efetividade real. Para Hegel, a
efetividade real é mais que aparência exatamente porque ela é atuação, é manifestação
de si. A efetividade real representa o momento de um “isto” (um efetivo) que se
manifesta na multiplicidade composta pelo conjunto de outros “istos” (efetividade) e,
ainda assim, mantém a relação consigo em seu interior, quer dizer, tem consciência do
seu agir enquanto manifestação sua. Segundo Hegel, esse efetivo que se põe em relação
com outros, ao defrontá-los, encontra o seu próprio fundamento. Esses outros, como
espelhos frente ao efetivo, promovem sua autocompreensão que significará o
reconhecimento desses outros como seu fundamento. Em outras palavras, segundo a
Filosofia do Direito, a decisão representa o “entrar na realidade” que a “vontade” opera.
O sujeito, por meio da “vontade” e consciente de si como indivíduo, se manifesta no
contexto social e através desse movimento se determina, se diferenciando do contexto
como um eu atuante que é identificado pelo seu querer.
158
Na Filosofia do Direito, Hegel afirma que a “vontade” passa por três momentos
distintos, mas ainda assim absolutamente relacionados. No primeiro momento a
“vontade” é o eu como pura atividade, ou seja, o momento em que a vontade” é ação
que se volta para o que ela captou da exterioridade na forma de universais que ela
mesma produziu. Esse momento expõe a densidade da clausura epistêmica, mostrando
que a relação do eu com a exterioridade apenas reflete a produção do intelecto que, ao
voltar-se para o particular, apenas pode captá-lo como universal. Nesse sentido, a
158
Este é um ponto central para entendermos por que, para Hegel, liberdade não pode ser tão somente um
conceito abstrato. Liberdade é uma questão que se coloca exatamente no momento em questão, ou seja,
quando o indivíduo se manifesta no contexto social por meio do seu querer. Se o indivíduo quer o mesmo
que outro então a questão da liberdade se coloca, se determina. Uma Liberdade como pura abstração
jamais conseguirá determinar-se, pois nessa abstração não encontrará nenhuma oposição, nenhuma
contradição e, portanto, nenhuma determinação.
97
“vontade” somente tem a si mesma, pois aquilo com o que ela se relaciona, sendo
resultado de sua atuação mesma, não passa de uma existência que reflete o seu existir.
No segundo, aquela atividade da “vontade” se determina como um pôr-se em um outro,
que, na verdade, é aquilo que ela quer, e esse movimento é o seu sair da condição
universal. É o momento inverso ao anterior, pois significa a particularização como um
esforço de sair de dentro de si mesma para colocar-se na relação com outros por meio de
um objeto. A “vontade” se manifesta pelo seu querer que, enquanto um querer algo,
aparece como esse algo que deseja. O indivíduo, nesse momento, passa a poder ser
identificado pelo que ele quer, ou ainda, o que ele quer é a representação concreta da
sua “vontade” posta no contexto. No terceiro momento, enquanto particularizada em
sua determinação como um outro, a “vontade” retorna à sua condição universal, como
uma consciência que se sabe em seu querer
159
. Ainda que a “vontade”, naquele
momento anterior, possa de alguma maneira sintetizar aquilo que o sujeito é, enquanto
aquilo que ele quer, é preciso ainda mais um passo para que ela possa ter consciência de
si: o voltar a si em posse daqueles conteúdos apreendidos da realidade.
Esse é um ponto importante para esclarecermos aquela distinção entre o em-si e
o por-si, pois fica mais claro que este em-si representa o momento dessa carência da
consciência de sua atuação. Tal carência somente será suprida no retorno à
universalidade do eu que elevará aquelas determinações trazidas da exterioridade para
junto da consciência de sua identidade para, por fim, tornar-se um eu enriquecido
daquelas determinações do em-si, transformando-se agora em um por-si: uma
determinação que se sabe atuando no contexto.
159
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 73.
98
Embora este eu como capacidade de universalização seja infinito, segundo
Hegel, a “vontade” aqui ainda é finita, pois depende de conteúdos finitos para
determinar-se; e esta é a questão que a Rodada Real assevera. A “vontade” finita,
porque se volta para uma realidade prenhe de contradições, introjeta dessa realidade
suas propriedades. Tais propriedades terminam por implicar que ela mesma seja
somente uma “vontade” possível. Na Dialética das Modalidades, Hegel afirma que a
possibilidade real é o conjunto de condições para a configuração de determinada coisa,
quer dizer, não representa ainda o aspecto da consumação de algo. A possibilidade real
tem como seu aspecto formal a identidade consigo mesma, quer dizer, superou a
necessidade formal, portanto, se reconhece como existente para-si; contudo, no que
tange ao seu aspecto real que se volta para a multiplicidade existente é algo
contraditório. Hegel apontou na rodada formal que uma imbricação entre
contingência e possibilidade, ou seja, o contingente é aquele que tanto pode ser quanto
não ser e, nesse sentido, é um possível, mas ainda assim é uma possibilidade que se
confirma se torna efetiva –, uma possibilidade que realiza como um contingente que
se consumou: um contingente existente. A partir desses elementos, Hegel quer mostrar
que a possibilidade real, enquanto suprassumida na efetividade real, inclui-lhe aqueles
adjetivos da contingência, pois, a partir do que foi exposto, aquela efetividade real
apresenta contingentes que se realizaram, ou ainda, que tiveram as condições para sua
existência confirmadas, mas enquanto contingentes, poderiam não ter essas condições
satisfeitas.
É nesse sentido que Hegel afirma que: “o arbítrio é a forma em que a
contingência se apresenta enquanto vontade”
160
. O arbítrio é esse livre determinar-se da
“vontade” em um conteúdo exterior, ou seja, quando o sujeito se volta para a
160
HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 80.
99
exterioridade e se depara com algo e, ao encontrá-lo, o deseja. Estão envolvidas aqui: a)
a capacidade de abstração da consciência, seu atuar como apreensão de múltiplos que
são existências exteriores à consciência e a transformação desses entes em universais; e,
também, o aspecto crucial nessa Rodada Real: b) uma dependência desses mesmos
existentes enquanto sua possibilidade de manifestação, realização, quer dizer, sem eles a
“vontade” não poderá externar-se, não poderá sair de sua condição puramente formal.
Segundo o que o autor apresenta na Dialética das Modalidades, esse conteúdo, como
condição de possibilidade para manifestação da “vontade”, ele mesmo é necessário.
Mas o que significa isso? Em primeiro lugar, o conteúdo para o qual a “vontade” se
volta, uma vez que aqui estamos no terreno do real, é fato, é real. Para o autor, tal
conteúdo representa uma infinidade de contingentes que tiveram todas as condições
para sua existência satisfeitas, que deixaram de ser apenas possíveis e se tornaram o que
são. Hegel afirma que tais existentes o podem mais ser entendidos apenas como
contingentes, pois, enquanto sendo, são necessariamente: portanto, são necessários.
Daí a afirmação de que na Filosofia do Direito: “o arbítrio não é a vontade em sua
verdade”.
161
O fato de que esse conteúdo é necessário para a efetivação da “vontade”, pois é
nele que a “vontade” i se materializar, traz como conseqüência uma dependência da
“vontade” em relação ao conteúdo. Uma “vontade” que desconheça qualquer conteúdo
externo a si jamais poderá ser conhecida como “vontade”, a não ser naquele aspecto
puramente formal no qual, segundo Hegel, Kant permaneceu. Nesse sentido, este
conteúdo externo é necessário para que a “vontade” possa libertar-se de seu aspecto
puramente subjetivo e, assim, elevar-se a outros patamares de compreensão de si. Este
conteúdo necessário é a possibilidade do surgimento de contradições tão caras para o
161
Id, p. 80.
100
autor como enriquecimento da compreensão de si por meio da captação de elementos do
mundo, ou ainda, do movimento de autocompreensão do conceito. Contudo, na
Dialética das Modalidades, Hegel afirma que aqui o caminho não está completo, quer
dizer, existe ainda uma carência que habita essa necessidade: sua relatividade. A
necessidade, nessa etapa, quer indicar uma confirmação das condições reais de
possibilidade de efetivação de uma determinada existência. Tal existência, ainda que
tivesse condições reais para existir, poderia ter tais condições não satisfeitas, quer dizer
que uma vez que tais condições não se confirmassem, a possibilidade real não seria
mais que uma possibilidade. Contudo a possibilidade real, por representar uma
superação da necessidade formal, traz consigo a própria necessidade, porque dizer que
algo é realmente possível já é dizer que as condições para sua existência se darão. Nesse
sentido, a possibilidade real e a necessidade, segundo Hegel, são iguais, se
diferenciando apenas pela aparência.
Há, entretanto, uma questão intrigante que o autor destaca: como necessidade e
possibilidade real são apenas aparentemente diferentes, tal necessidade é relativa.
uma imbricação entre possibilidade e contingência, como vimos, que acaba por
transferir, via possibilidade, aquelas propriedades da contingência para a necessidade:
sua qualidade de poder tanto ser quanto não ser. Voltando-nos para a Filosofia do
Direito vemos que Hegel quer mostrar que tal estado de coisas indica que a “vontade”
não pôde conquistar sua liberdade, ela somente representa um agir que é sua
identificação com seres contingentes dos quais depende para realizar-se. A Dialética das
Modalidades nos mostra que tais seres não podem representar a liberdade da “vontade”,
uma vez que eles mesmos são relativos, portanto, não são livres, porque estão imersos
em uma relação linear de causalidade e têm como causa aqueles elementos que
101
confirmaram sua possibilidade de existir. Uma “vontade” que se manifeste dessa forma
não pode ser verdadeiramente livre, pois tem a causa de sua existência fora dos seus
limites.
5.3 ASPECTOS DA DETERMINAÇÃO DA VONTADE E A RODADA
ABSOLUTA DA DIALÉTICA DAS MODALIDADES
Como vimos no capítulo anterior, uma “vontade” que se caracteriza como
livre apenas pelo seu voltar-se para algo além dos limites do sujeito não atingiu ainda a
verdadeira liberdade, pois é dependente desse algo para o qual se volta e por meio do
qual se manifesta. Nesse sentido, segundo Hegel, aquela elevação do caráter meramente
formal não foi suficiente para garantir o aparecimento da liberdade mesma, ela apenas
promoveu um primeiro passo enquanto se pôs no contexto e, nesse movimento,
encontrou suas determinações. Em outras palavras, para o autor nem a pura abstração
formal nem a concretude do real tem em si sua verdade, quer dizer, a efetividade mesma
pertence a um momento além do alcançado por esses outros. Para Hegel, ela é a união
dessas duas etapas em uma simultaneidade harmônica que apresenta uma
correspondência entre essas duas instâncias. Tal efetividade é a verdade.
A partir desses elementos temos que a Rodada Absoluta da Dialética das
Modalidades aparece como um momento de culminância no qual aqueles aspectos
captados nas rodadas anteriores serão suprassumidos. Nesse sentido, se pode dizer que
as Rodadas Formal e Real representam, respectivamente, aqueles dois aspectos:
abstração e realidade. É preciso grifar que tal união não representa um movimento
arbitrário do filósofo, como se espelhasse uma necessidade que não fosse resultado da
lógica interna do sistema e sim do próprio autor preocupado apenas com a coerência
102
do seu texto. Este terceiro passo aparece como o prosseguimento “natural” da lógica do
sistema hegeliano que desemboca em um resultado que se confunde com sua própria
justificação embora seja uma justificação que, segundo os seus críticos, não
transborda os limites de sua obra.
Todavia precisamos clarear um pouco mais o que significa dizer que, para
Hegel, a verdade é uma correspondência entre o conceito e a realidade.
162
Com esta
afirmação o autor não está querendo restabelecer aquela ligação direta do realismo
ingênuo que Kant, segundo o próprio Hegel, superou. A correspondência aqui não
pretende estabelecer tão pouco uma ligação entre sentenças (elaboradas por um pensar
livre sobre o mundo) e uma realidade das coisas (imersa em uma relação de causalidade
linear), uma vez que dessa maneira o autor introduziria um dualismo indesejado em seu
sistema.
163
A correspondência que Hegel afirma é entre o conceito e a realidade, quer
dizer, entre aquilo que é segundo seu conceito em-si e uma realidade que, para o
autor, é finalidade, realização. Aquilo que é segundo seu conceito é aquilo que está
perfeitamente de acordo com sua definição e que, enquanto contingente existente, é
162
Na Filosofia do Direito Hegel afirma que: “Verdade quer dizer em filosofia que o conceito
corresponde a realidade”. (HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p. 90)
163
Este modelo de causalidade linear não permite que o homem possa exercer sua liberdade, pois, em um
universo concebido dessa maneira, tudo já parece estar determinado, ou seja, tudo o que conhecemos é
efeito de uma causa anterior conhecida ou não que determinou que os efeitos fossem como eles são.
Para essa estrutura manter-se intacta, é necessário que o homem também seja resultado dela, portanto
para ele não liberdade. Se não liberdade, não somos responsáveis pelo que fazemos visto que o
que fizemos foi determinado por uma causa anterior conhecida ou não. Ocorre que se não
responsabilidade, melhor dizendo, se não a possibilidade de sermos responsabilizados por nossos atos,
sucumbe também a possibilidade de construção de um sistema jurídico, e nossa existência como
sociedade passa a estar seriamente ameaçada. Segundo Cirne-Lima, Kant teve que recorrer a uma solução
drástica a fim de resolver ou pelo menos ultrapassar esse problema: a teoria dos dois mundos. Cirne-
Lima afirma: “A teoria dos dois mundos de Kant é por um lado uma das maiores homenagens que um
filósofo jamais fez à liberdade e à dignidade do homem. Por outro lado, poucas vezes um grande filósofo
construiu uma teoria tão mal arranjada, tão visivelmente construída “ad hoc”, isto é, uma teoria concebida
e elaborada tão somente para eliminar um problema que de resto ficaria insolúvel”. Tal teoria se
configura, assim, em uma tentativa de salvar a liberdade do homem a partir de uma visão de mundo que
compromete essa idéia. Como no mundo fenomênico na natureza Kant não viu possibilidade do
homem escapar da concatenação causa e efeito, inferiu a existência de um mundo no qual a liberdade
pode ser exercida em sua plenitude e, também, a partir da qual, Kant poderia encontrar um lugar para sua
Teoria da Moral. (CIRNE-LIMA, Carlos R. V. Dialética e Liberdade: razões, fundamentos e causas, p.
805)
103
somente um em si (um imediato), em correspondência apenas consigo mesmo. Quanto
ao significado de realidade, o autor está se referindo a uma objetivação na qual a
finalidade se efetiva. É o conceito se expondo por meio de sua realização concreta.
Tal esclarecimento é fundamental para entendermos por que esta
correspondência, enquanto necessidade absoluta, prescinde de um observador, quer
dizer, supera aquela noção de verdade que a epistemologia contemporânea
164
estabelece
como uma relação entre aquilo que o sujeito capta da realidade e o objeto. Uma
perspectiva dual que não consegue dar conta, simultaneamente, do problema do
realismo ingênuo conjugado com o problema posto por Kant quando superou o
primeiro. O desafio desta assim chamada Rodada Absoluta é justamente o de superar
aquela relatividade, na qual a necessidade ainda se encontra, sem recorrer à pura
abstração do idealismo subjetivo, ou seja, sair do movimento kantiano sem
desconsiderá-lo e defrontar-se com a realidade das coisas sem retornar,
melancolicamente, ao realismo ingênuo.
165
Para tanto, a correspondência de que fala
164
Cabe ressaltar que o foco central da epistemologia é o conhecimento factual, portanto, o saber sobre
fatos. Este saber sobre fatos é o chamado conhecimento proposicional que, nas palavras de Cláudio
Costa, se caracteriza por ser “cognitivo e informativo: é dele que é constituído o imenso corpo de
informações acumuladas e partilháveis que possuímos sobre o mundo e que constitui o cerne de nossa
herança científico-cultural”. Contudo essa não é a única forma de conhecimento reconhecida pela tradição
analítica, uma vez que o conhecimento proposicional aparece como uma terceira forma de conhecimento
de uma classificação geral. Além do conhecimento proposicional, Costa aponta o conhecimento como
habilidade que pode ser entendido como um saber fazer e ainda uma segunda forma que é definida
como conhecimento de particularidades. Esta última forma quer dar conta de um conhecimento de coisas,
de pessoas, de locais etc, “basicamente daquilo que podemos identificar como ocupando lugar no espaço
e possuindo certa duração temporal”. Uma característica dessa forma de conhecer é que ela pressupõe
uma experiência pessoal direta do indivíduo, ou seja, de acesso privilegiado e, portanto, não pode ser
compartilhada – o que é decisivo para sua diferenciação do conhecimento proposicional. (Cf. OLIVEIRA,
Cláudio. Uma introdução contemporânea à filosofia, p. 83, 86)
165
A perspicácia da crítica de Hegel a Kant, com relação à sua concepção de fenômeno, se apresenta
claramente na abordagem do problema. O autor, ao criticar a afirmação de que tudo é fenômeno e que
na verdade temos que nos contentar com uma versão pálida, talvez até enganosa, da realidade, uma vez
que esta é resultado da ação do sujeito no “mundo” e, portanto, este mundo está circunscrito à
capacidade de apreensão de uma subjetividade não procede de maneira óbvia reclamando um acesso às
coisas como no empirismo ingênuo. O que Hegel mostra é uma outra conseqüência, igualmente, drástica
do idealismo subjetivo. Ele mostra, em sua crítica, que uma vez aceitando o idealismo subjetivo,
aceitando que estamos irremediavelmente encerrados em nosso próprio eu, jamais poderíamos ter algum
conhecimento objetivo da realidade. Não poderíamos sequer perceber uma teia cultural que nos cerca e
nos constitui.
104
Hegel não deve ser compreendida como uma comparação executada por um
observador mas sim como uma adequação, ou seja, uma unificação que significa uma
absorção mútua. Quer dizer, o conceito em consonância com a realidade e esta última
explicitando o que o conceito é. Uma unificação que é promovida por um movimento
dialético
166
interno do Absoluto.
Na Dialética das Modalidades, Hegel quer mostrar que a necessidade relativa
está ainda presa à cadeia de causalidade linear, quer dizer, se ainda nessa lógica
quisermos ir além dessa necessidade, buscando descobrir o que a determina,
encontraremos uma infinidade de seres contingentes que se alternam como causa e
efeito, numa cadeia sem fim. É a partir desse passo que Hegel infere que deve haver
uma lógica que abarca aqueles dois momentos: o formal e o real, uma lógica que
promova uma conciliação, de tal maneira que nenhum desses momentos seja perdido,
mas permaneçam eles como superados e guardados em um Absoluto que se manifesta,
às vezes, como um mundo que se traduz como necessidade relativa (realidade) e, em
outras vezes, aparece como razão que se expõe em uma igualdade consigo mesmo
(conceito).
Na Filosofia do Direito, o autor explica que a “vontade” que é verdadeiramente
livre deve refletir esses dois momentos em um só, como no Absoluto, quer dizer, deve
poder superar aquela relação linear de causalidade e voltar livremente a si mesma. Tal
movimento, também aqui, não significará um “abandonar” a relação linear, mas trazê-la
para dentro de si, elevá-la de sua condição relativa a fim de promover aquela união
166
Na Filosofia do Direito Hegel explica seu entendimento a respeito da dialética: “Chamo dialética ao
princípio motor do conceito, que dissolve, mas também produz a particularidades do universal. Não se
trata, pois, da dialética no sentido negativo, que aparece freqüentemente em Platão, que dissolve,
confunde e leva daqui paraos objetos ou proposições dadas à consciência imediata ou ao sentimento, e
somente se preocupa em deduzir seu contrário”. HEGEL. Principios de la Filosofía del Derecho, p 93.
105
citada. Na Dialética das Modalidades, Hegel expõe que tal superação deve iniciar pelo
aprofundamento da compreensão do desenrolar da relação relativa da necessidade. Em
outras palavras, explicitar aqueles elementos entremeados nos movimentos internos do
estágio relativo da necessidade que ainda permanecem ocultos. Na Filosofia do Direito,
a prisão à cadeia linear de causalidade é explicitada pela relação entre “vontade” e
realidade, no sentido que, enquanto a “vontade” está voltada apenas para o seu exterior,
tem neste seu fundamento seja qual for o conteúdo deste exterior. Significa que o
sentido de exterior aqui também abarca instintos, inclinações e desejos, uma vez que
estes, embora entes metafísicos, apontam para existências fora dos limites do sujeito,
portanto, são exteriores à “vontade” mesma. Em tal movimento, todavia, a “vontade”
supera sua indeterminação, pois nesses entes externos encontra seus limites e se
determina. A questão, para o autor, é que tal determinação traz como conseqüência uma
finitude que aparece como uma oposição à liberdade – para o autor, uma liberdade finita
não é verdadeira. Mas, por outro lado, buscar a partir daqui recuperar o conceito
hegeliano de liberdade, quer dizer, buscar aqui uma infinitude, teria como resultado
uma infinitude que somente poderia ser traduzida por um eterno aparecer e desaparecer
da “vontade”, um movimento que não poderia significar um avançar na compreensão de
si, pois seria um eterno nascer e perecer do conceito. Em outras palavras, a infinitude
aqui somente poderia ser o eterno recomeçar do conceito se determinando e
sucumbindo em cada existente em que a “vontade” se manifestasse.
Na Dialética das Modalidades, Hegel afirma que um vazio de determinação
na efetividade absoluta, porque ela é apenas unidade consigo mesma e com a
possibilidade, quer dizer, carece de objetivação, de determinação, ou seja, a efetividade
absoluta é uma totalidade que, enquanto tal, parece não ter se diferenciado, parece não
106
ter se colocado como relação de opostos que se determinam. Todavia, enquanto
superação da possibilidade, a efetividade absoluta tem em si a necessidade real, quer
dizer, uma necessidade que, enquanto superação da possibilidade real, é um pôr o
contingente como existente. É por meio dessa necessidade real superada, mas
conservada na efetividade absoluta, que Hegel mostrará a superação daquele “vazio” de
determinação. O autor afirma que a necessidade relativa tem um duplo caráter: a)
caráter relativo: enquanto ainda se mantém ligada a uma existência contingente, não
pode ser outra coisa que a necessidade da possibilidade, ou seja, união sua e da
possibilidade; e b) caráter autônomo: como produtora da contingência, uma vez que tal
contingência nasce da superação de sua possibilidade real. Na Filosofia do Direito,
Hegel apresenta a “vontade” de modo que nela podemos identificar esses mesmos
elementos apresentados na Dialética das Modalidades. A “vontade” também apresenta
um caráter: a) relativo: em sua objetividade, a “vontade” é apenas sua exteriorização em
um ente contingente imerso na teia das relações dos seres contingentes, que dizer, uma
“vontade” que é relativa, porque assume também como sua essa contingência; e b)
autônomo: como superação daquele caráter apenas formal, unilateral, do seu
enclausuramento na subjetividade, ela também aparece como produtora dessa
contingência mesma. É no reconhecer-se como produtora desses movimentos que a
“vontade” poderá adquirir consciência plena de sua atuação, ou seja, a consciência de
que ela determina a si mesma: se auto-determina.
Na Dialética das Modalidades, Hegel havia mostrado que a necessidade real
tem um aspecto positivo que se põe como efetividade real, mas que também tem um
aspecto negativo, quer dizer, que nega sua igualdade absoluta como essa efetividade,
que é um além dessa efetividade mesma. É este aspecto negativo que liberta a
107
necessidade dessa relatividade e a sobressume como consciência absoluta. A
necessidade absoluta é idêntica ao Absoluto no sentido que este somente se conhece por
meio de suas revoluções internas que são uma produção de diferenciações possibilitadas
por contradições que o Absoluto mesmo põe a si de maneira necessária. Na Filosofia do
Direito, Hegel apresenta a “vontade” seguindo essa mesma lógica, repetindo os mesmos
passos apresentados na Dialética das Modalidades, não de forma arbitrária, mas
mostrando que a “vontade”, enquanto parte desse todo que é o Absoluto, se desenvolve
à sua moda, pois não é outra coisa que o Absoluto mesmo em seu desenvolvimento.
Nesse sentido, liberdade na Filosofia do Direito obrigatoriamente deve coincidir com o
conceito de liberdade proposto na Dialética das Modalidades, uma autodeterminação
que se sabe como autodeterminação.
108
6 RELAÇÃO ABSOLUTA E LIBERDADE
Se a Dialética das Modalidades, em nosso entender, cumpre o papel de fornecer
um suporte conceitual capaz de explicar aqueles elementos esclarecidos parcialmente na
Filosofia do Direito os porquês das revoluções internas da “vontade” a Relação
Absoluta cumpre o papel de explicitá-las em seu acontecer. Assim, a Dialética das
Modalidades discorre sobre as resoluções das contradições a que o Absoluto se expõe
em busca de sua autodeterminação dando conta dessas por meio da apresentação de uma
lógica interna do movimento através do esclarecimento e articulação das categorias
modais. a Relação Absoluta pretende dar conta da descrição dessas revoluções do
Absoluto enquanto em seu movimento de exposição às relações da causalidade que
compõem a realidade, mas, agora, como a apresentação dos movimentos do Absoluto
enquanto no exercício da resolução daquelas contradições utilizando o ferramental
lógico da Dialética das Modalidades. Quer dizer, enquanto a Dialética das Modalidades
representa a descrição do mecanismo lógico de auto-resolução do Absoluto, a Relação
Absoluta representa o Absoluto em sua produção.
É por esta razão que a Relação Absoluta parece o lugar no qual aqueles
elementos desafiantes do convívio social, tão bem ilustrados por Hegel na Filosofia do
Direito, poderão ser explicados enquanto ambos movimentos apresentam como
similaridade uma atuação no contexto. Nesta perspectiva que Lutz Müller afirma que a
109
articulação da causa e do efeito expressa na ação recíproca pode ser compreendida
como uma tentativa de Hegel apresentar a “gênese do conceito de liberdade”.
167
Segundo o autor, para Hegel, esta lógica interna do absoluto se apresenta por meio de
contradições que funcionam como motor do absoluto em seu esforço de
autocompreensão. Nesse vetor sua meta resultará na própria exposição de si como
processo necessário que encontrará sua liberdade no retorno a si e tal exposição nos
guiará no trânsito da necessidade para a liberdade.
Contudo, para esta pesquisa, a maneira como Hegel descreve a realidade das
coisas na Ciência da Lógica não parece nos autorizar a inferir que aqueles elementos
contingentes, tantas vezes citados como pura manifestação do Absoluto, possam ganhar
o status de indivíduos livres em relação uns com os outros na Sociedade Civil. Melhor
dizendo, mesmo quando Hegel fala do atuar dos indivíduos em sociedade, ele não
parece falar de trocas efetivas de informação entre tais indivíduos, a não ser por meio de
uma entidade que os supera e que, em verdade, é a razão própria de sua existência.
Nesses termos, Hegel quando fala da coletividade parece muito mais falar do Absoluto,
elemento unificador das partes que o compõem, do que de indivíduos independentes e
atuantes em um dado grupo. Assim, ao trazer os elementos apresentados pela Relação
Absoluta para um exercício semelhante ao que fizemos no capítulo anterior, pareceria
muito mais a explicação do atuar mesmo da “vontade” em um dado contexto social.
Quer dizer, Hegel não desenvolve uma teoria de intersubjetividade nesse sentido as
trocas entre os indivíduos, se realmente existem, são feitas de modo indireto por meio
da mediação do Absoluto. Todavia, compreendemos que tais considerações requerem
esclarecimentos e estudos que ultrapassam em muito o escopo deste trabalho.
167
LUTZ MÜLLER, Marcos. A gênese lógica do conceito especulativo de liberdade, Analytica, p 98.
110
CONCLUSÃO
Este trabalho tentou mostrar um paralelismo entre as determinações do Absoluto
na Ciência da Lógica e as determinações da “vontade” na Filosofia do Direito como
forma de complementação de elementos que parecem não terem sido contemplados na
Filosofia do Direito. O nosso entendimento é de que, embora a “vontade” na Filosofia
do Direito apareça como a explicitação do movimento interno do sujeito, a partir do
qual poderíamos justificar a identificação dele com o processo de aprendizado ético, a
Filosofia do Direito carece de elementos que dêem conta das revoluções internas da
“vontade”. Esta pesquisa foi uma tentativa de mostrar que aquele paralelismo entre os
movimentos do Absoluto e os movimentos da “vontade” pode servir de base para
compreendermos porque Hegel tem uma resposta, de certo modo, satisfatória às críticas
que o seu sistema sofreu, no que tange à questão da liberdade. É nessa perspectiva que
esta pesquisa tende a compreender as Rodadas Formal, Real e Absoluta como uma
explicação do mecanismo interno que possibilita o movimento que é explicitado na
Relação Absoluta, quer dizer, enquanto a primeira mostra a possibilidade lógica das
revoluções internas do Absoluto, a última mostra tal movimento em seu acontecer.
Assim, as três rodadas da Dialética das Modalidades e a Relação Absoluta parecem dar
uma sustentação lógica fundamental para a compreensão das revoluções internas da
“vontade” e do atuar mesmo do sujeito no contexto social.
Todavia, com relação à questão da liberdade e ao confronto com Hegel, a partir
dos elementos colhidos neste estudo podemos afirmar que a questão sobre a liberdade
em Hegel não é tanto se existe um espaço para a liberdade no sistema hegeliano. Uma
111
vez que, segundo o autor, a liberdade é fundamental em seu sistema, entendemos que a
melhor maneira de por o problema é tentar discutir o que Hegel entende por liberdade.
O conceito de liberdade que Hegel busca determinar em toda a sua obra tem como meta
a superação do conceito de liberdade que o autor descreveu como Iluminista, ou seja,
uma liberdade que somente expressa um poder fazer, um poder pensar ou um poder
negar que, para o autor, em nada contribui para a determinação mesma do conceito de
liberdade. É um conceito que, pela sua precariedade, muitas vezes soa como uma
espécie de má-circularidade, pois apresenta como resposta à questão da liberdade uma
definição que diz que: Liberdade é agir livremente. Mas Hegel afirma que agir
livremente pressupõe a liberdade mesma e, não por acaso, este é o ponto inicial da
Filosofia do Direito. O autor também mostra que um conceito que não tenha nenhuma
determinação não pode ser dito nem compreendido, quer dizer, não pode sequer ser
pensado. O autor se coloca a meta de determinar tal conceito de maneira que ele possa,
superando essas deficiências, servir de base para sua teoria Moral e Ética. Mas não
somente isto, Hegel não poupa esforços para que o conceito de liberdade que ele
constrói também explique a totalidade e que tal explicação apareça como uma
implicação do desenvolvimento do próprio conceito.
O desafio que sempre se renova ao nos voltarmos criticamente ao sistema
hegeliano é o de enfrentar uma estrutura que foi minuciosamente desenvolvida. Tal
aspecto se mostra pela densidade dos conceitos hegelianos e sua interconexão,
articulados em uma dialética que oferece uma sustentação mútua entre os seus
elementos e que culmina na auto-sustentação do sistema como um todo. Desta feita, o
sistema hegeliano se mostra em um duplo aspecto que se alterna entre dureza e
fragilidade. Quanto ao primeiro aspecto, a dureza do sistema, queremos assinalar a
112
impossibilidade de se abrir uma fenda no modelo hegeliano para, por meio desta, inserir
elementos estranhos aos que Hegel concebeu. A mútua sustentação dos conceitos
hegelianos, que se em um movimento dialético, é totalmente suficiente para a
justificação deles, quer dizer, qualquer tentativa de inclusão de elementos que pudessem
“explicar melhor” determinado conceito, tornaria tal elemento totalmente supérfluo,
desde a tentativa de introduzi-lo. Tal afirmação não decorre de uma adesão ao sistema
de Hegel, mas da natureza mesma de sua construção que, em cada “instância” do
processo, espelha o todo da lógica do processo, de maneira que seu desenrolar
antecipa o seu fim, processo que desde sempre considera de maneira negativa seu início.
No que tange ao segundo aspecto, a fragilidade, queremos grifar um elemento
que decorre do primeiro. Tal fragilidade não contradiz aquela dureza, mas aponta para
um aspecto que quer trazer uma inflexibilidade, quer dizer, uma impossibilidade de que
possamos alterar o curso do sistema e, ainda assim, mantê-lo íntegro, ou seja, não
quebrá-lo. Se inadvertidamente tentarmos mexer aqui ou ali, com o intuito de “corrigir”
o sistema e ainda assim permanecer nele, toda a construção hegeliana desmoronará. Em
outras palavras, o primeiro aspecto implica o segundo. Como a lógica do sistema se
apresenta totalmente em cada parte, ao mexer na parte estou mexendo no todo, ou ainda,
mudar a parte é mudar o todo. Logo, atacar uma parte do sistema é atacar o sistema
mesmo. Disto não se segue que Hegel não possa ser criticado, uma vez que tem sido e
com muita propriedade; ocorre que, ao fazê-lo, não se está mais em Hegel, pois este
movimento é, ou o início de outro sistema, ou uma análise isolada de um elemento.
Trata-se da questão da diferença entre a crítica interna e a crítica externa.
113
É dessa perspectiva que pretendemos avançar um pouco mais com relação à
questão da liberdade. Tentamos seguir o desenvolvimento do conceito hegeliano para,
após tal movimento, repor a discussão sobre a questão da liberdade em meio a uma
comparação do resultado com a pretensão inicial. Em outras palavras, uma avaliação
que tem como finalidade averiguar se o conceito de liberdade a que chegamos com
Hegel tem como suas aquelas propriedades que desejávamos que tivesse quando no
começo da jornada. Este nos parece o dilema quando se enfrenta o conceito de liberdade
deste autor e, em nosso entender, a razão da maior parte das críticas que ele sofreu. A
expectativa do início da defrontação com Hegel muitas vezes parece não combinar com
o conceito que ele nos apresenta em seu sistema. Por esta razão, se diz por vezes que
não liberdade em Hegel, ou, talvez, em uma melhor elaboração, que ela não é a
liberdade mesma.
Em que pese essas dificuldades, esta pesquisa pretendeu buscar os argumentos
que a Ciência da Lógica apresenta para sustentar o conceito hegeliano de liberdade, na
tentativa de posicionar corretamente ambos os lados da questão. O estudo associativo
168
que pretendemos fazer, utilizando a Ciência da Lógica e a Filosofia do Direito
(Filosofia do Direito), nos proporcionou um panorama a partir do qual pudemos
esclarecer os pontos de maior tensão na discussão sobre o tema. Após nos debruçarmos
em cada uma das obras citadas, separadamente, buscamos em um terceiro momento
associar mais diretamente os conceitos de cada uma tentando evidenciar o papel que,
segundo nosso entendimento, a Ciência da Lógica exerce enquanto esteira na qual a
Filosofia do Direito se desenvolve. Na Ciência da Lógica, o estudo da Dialética das
168
Com o termo “estudo associativo” queremos expressar a utilização da Ciência da Lógica conjugada
com a Filosofia do Direito no capítulo em que foi feita a aproximação de ambas, que não teve com
objetivo comparar as duas. Entendemos que, se tratássemos apenas de comparar ambas, as manteríamos
separadas e, desta maneira, perderíamos exatamente o que este estudo pretendeu: mostrar a imbricação de
ambas como uma forma de acréscimo no entendimento do movimento da autodeterminação da “vontade”.
114
Modalidades proporcionou uma maior compreensão da lógica do Absoluto de Hegel
que é desenvolvida conjuntamente com a apresentação do movimento de sua
autodeterminação. na Filosofia do Direito buscou-se a compreensão do
desenvolvimento da “vontade” em seu autodeterminar. A pretensão de tal estudo
associativo foi buscar enriquecer aqueles argumentos apresentados na Filosofia do
Direito, com relação à determinação da “vontade”, através da aproximação dos
elementos da Dialética das Modalidades enquanto apresentação do Absoluto em
movimento semelhante.
Todavia, este estudo associativo, ao esclarecer aqueles pontos de tensão com
relação ao conceito de Liberdade de Hegel, promoveu o enriquecimento de alguns
aspectos relativos àquele dilema apresentado que surge a partir da comparação da
liberdade pretendida e da liberdade posta pelo sistema hegeliano. Um dilema que
aparece a partir do alinhamento desta pesquisa com a leitura clássica do sistema
hegeliano, ou seja, aquela que entende a liberdade em Hegel como um modo de
manifestação do Absoluto, mas enquanto tal manifestação é fundamental para sua
autodeterminação, tal manifestação é necessária. Com relação a esse modo de ser do
Absoluto, Hegel não pôde ser mais enfático ao sintetizá-lo na afirmação citada:
Liberdade é a verdade da necessidade. Mas, segundo nosso entendimento, ainda aqui
poder-se-ia argüir que a necessidade, enquanto em um relacionar-se dialético com a
contingência, poderia herdar desta última elementos que, fortalecidos, a fizessem
recuperar aquelas propriedades positivas do conceito Iluminista de liberdade. Segundo
Weber esta é a leitura não-clássica do sistema hegeliano.
115
Mas o pretendido nesta pesquisa era procurar na leitura clássica do sistema, ou
seja, tentar buscar, naquilo que chamamos o “pensamento mesmo de Hegel”, os
argumentos para sustentar o conceito de liberdade apresentado pelo autor como a
própria liberdade. Quanto a esta pretensão primeira, a partir de nossos estudos
concluímos que o conceito de liberdade hegeliano ultrapassa a discussão sobre a questão
da existência da liberdade, mas neste ultrapassar repõe a discussão na forma de um
dilema que reapresenta a liberdade como um conceito dinâmico e fugidio. Quer dizer,
Hegel ao superar a liberdade como idéia indeterminada reapresenta a problemática da
liberdade inserida em uma dialética que engloba os dois pólos da discussão sobre ela: de
um lado, aquele conceito indeterminado do Iluminismo; e de outro, uma liberdade
plenamente determinada mas rechaçada pelos seus críticos pela sua fixidez. Hegel
expõe de maneira suficiente que da pura indeterminação nada podemos concluir, ou
seja, o autor mostra a total insuficiência de um conceito de liberdade que pode ser
facilmente confundido com uma espécie de poder supremo se tudo posso, tudo quero,
e a partir daí não há limites para minha atuação.
É desnecessário mostrar que tal conceito compromete qualquer organização
social. É por esta razão que o autor mostra a necessidade de determinação do conceito;
contudo, ao buscá-la Hegel não a afirma simplesmente. O autor sabia que se apenas
apresentasse uma intuição acabada tal conceito não mereceria status maior do que de
um postulado. Hegel afirma que se quisermos conhecer a liberdade mesma ela tem que
aparecer por si, quer dizer, seu aparecer refletirá sua necessidade interna de
esclarecimento, ou ainda, esta necessidade aponta para seu autoconhecimento. Em
outras palavras, a liberdade não deve ter que mostrar-se para nós e sim para ela mesma,
do contrário a liberdade não seria livre o que seria totalmente carente de sentido.
116
Segundo o autor, somente desta maneira poderemos sair daquela condição na qual não
podíamos enunciar nenhuma proposição que se referisse unicamente ao conceito de
liberdade de modo que naquela pura indeterminação, ao falarmos da liberdade,
estávamos sempre trazendo algo que não pertence à sua natureza para, por fim, nos
concentrarmos naquilo que a liberdade é em si.
A dificuldade que Hegel apresenta para os seus leitores é que ele não faz este
movimento afirmando conceitos, mas os apresenta por meio de uma dialética negativa
que constrói o conceito de liberdade por meio de negações justapostas dialeticamente de
maneira que o conceito apareça através da negação daquilo que ele não é. Para o autor,
afirmar significa negar um outro. Dessa maneira, Hegel estabelece uma dinâmica na
qual a liberdade, em alguns momentos, aparece como aquela capacidade de iniciativa
como um impulso para a ação – e, em outros, ela aparece como um conceito que espelha
a fixidez de uma lógica absoluta que não se altera em nenhum ponto do sistema. Assim,
a liberdade para Hegel é uma constante transfiguração de atuação livre e de
determinação plena: o absoluto é livre para buscar suas determinações, mas, ao
encontrá-las, descobre que elas são a liberdade mesma. Mas, ao defrontá-las, retorna
para si em posse dessas determinações, voltando a um livre atuar que o levará de volta
para aquelas determinações em outro patamar do conhecer de si. A liberdade, então, não
está nem em um pólo nem no outro, a liberdade é o próprio movimento de ir e vir, é
constante transmutação do conceito que, em verdade, acaba por assumir esta
transmutação mesma como o próprio conceito: Liberdade é o devir que sabe de si.
Na Ciência da Lógica, Hegel deixa bem claro que o Absoluto é tudo que há,
quer dizer, todos os seres aos quais nos voltamos, sejam pensamentos, objetos, seres
117
vivos em geral, outros indivíduos (inclusive nós mesmos), em verdade são
manifestações do Absoluto que se pôs como estes entes quem como finalidade entrar
em relação uns com os outros. Dessa relação, como vimos, aparecerão contradições e a
solução destas é o próprio movimento do Absoluto em seu autoconhecimento. Em
outras palavras, os indivíduos são seres postos pelo Absoluto e cumprem uma função
bem determinada que é a de, em sua contingência, oferecer-se à exposição mútua que
não significa outra coisa que se pôr em disputa. Hegel mesmo afirma que a sociedade
civil é o campo de batalha que proporcionará uma maior compreensão do conceito de
liberdade. Tal movimento, como vimos, é necessário para que o Absoluto descubra
suas determinações, quer dizer, sem as disputas que se estabelecerão na Sociedade
Civil, por exemplo, as determinações do conceito de liberdade jamais sairão daquela
abstração à qual Hegel faz forte oposição.
Uma das questões pendentes em nossa pesquisa é o próprio papel da Filosofia
do Direito na obra de Hegel. A pertinência que conferimos a este questionamento
decorre exatamente da abrangência que a Ciência da Lógica apresenta como
explicitação totalizante do pensamento hegeliano. Em outras palavras, o modo como a
Ciência da Lógica apresenta o conceito de Absoluto em Hegel parece prescindir de
explicações posteriores. Nesse sentido, a Filosofia do Direito parece muito mais uma
tentativa de “provar” a eficácia daqueles elementos da Ciência da Lógica trazendo-os
de um corpo teórico extremamente árido para um outro mais intuitivo em um espaço
em que o pensamento crítico da comunidade filosófica e, talvez, de maneira mais
ambiciosa, do senso comum, mais facilmente pudesse dialogar. Sendo assim em certos
momentos a Filosofia do Direito nos pareceu uma tentativa de infiltrar aqueles
elementos complexos da exposição do Absoluto, mostrados na Ciência da Lógica, na
118
rede de relações que perfaz o cotidiano mais simplório da realidade humana. Os
elementos centrais para o “funcionamento” das composições da Filosofia do Direito não
parecem estar ali, e sim na Ciência da Lógica. Não por acaso, quando tomamos tão
somente a Filosofia do Direito para tentar compreender a estrutura Moral e Ética do
pensamento hegeliano, somos como que catapultados para Ciência da Lógica, quer
dizer, a primeira inicia com pressupostos que somente na segunda terão sua explicação
satisfatória. Contudo, a segunda explica com tal abrangência que a primeira parece
perder a relevância.
Ainda sobre esta questão, mas retomando por um outro viés: se os sujeitos são
uma manifestação do Absoluto, todos os dilemas Éticos apresentados na Filosofia do
Direito acabam por parecer criações maquiavélicas de uma lógica que necessita da
discórdia para sua superação. Nesse sentido, o Absoluto somente seria promotor da sua
liberdade. Mesmo que ainda possamos dizer que os sujeitos são o Absoluto mesmo em
manifestação, o achatamento sofrido pelo indivíduo é tamanho que tememos que a
conquista da liberdade em Hegel seja uma vitória de Pirro. O instigante em Hegel é que
não como negar que, se enfraquecermos este questionamento, a Filosofia do Direito
ressurge com toda a força e brilho, pois trata-se de uma construção sólida que parece
resolver muitas questões éticas da atualidade. Entretanto, devemos lembrar mais uma
vez que a proposta desta pesquisa é trilhar os passos do próprio autor, ou seja,
certamente Hegel não concordaria em separar a Ciência da Lógica e a Filosofia do
Direito como duas filosofias paralelas. Aliás, pensamos que aquele jogo entre
indeterminação e determinação da liberdade se repete aqui com outros atores. De outra
maneira, ao tentar responder a esta questão da liberdade no contexto social, ou seja,
respondê-la em que pese às vicissitudes dos relacionamentos dos indivíduos no contexto
119
levando em consideração suas idiossincrasias, aqui também entramos em um devir que
ora nos coloca diante dos conceitos da Ciência da Lógica e ora nos conduz aos
elementos “mais concretos” da Filosofia do Direito.
Queremos, neste final, fixar as questões que servirão de caminho para um estudo
vindouro quiçá próximo do tema da liberdade em Hegel: este movimento que
pretendemos apontar como um devir entre a Ciência da Lógica e a Filosofia do Direito
é real ou a Filosofia do Direito é uma tranqüila continuação da Ciência da Lógica e
tem em si bem acabados os conceitos da primeira? Se realmente este devir entre as
duas obras ou ainda, tomando a possível existência dele tal movimento pode ser
tomado como a verdade mesma do conceito de liberdade? Que contribuição a
Fenomenologia do Espírito pode dar para encontrarmos as respostas às perguntas
anteriores?
120
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