vertigem causada pelo movimento realizado na altura, movimentos bruscos afastam sua
própria sombra, expulsando os fantasmas. Lá embaixo, a cidade burburinha independente
de mim
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. Convivo com a repulsa e este é o desafio; humanidade agora não é vencê-la,
mas permitir, através dela, o meu próprio aniquilamento.
Coleciono, então, estímulos do mundo conquistado. Imagens sonoras triviais
como uma esquina movimentada da cidade e a poesia Passagem das Horas
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, de Álvaro
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“Cidades, com seus comércios (…)
Tudo é mesmamente estranho, mesmamente
Descomunal ao pensamento fundo
Estranhamente incompreendido
Tudo é mistério, tudo é transcendente
Na sua complexidade enorme,
Um raciocínio visionado e exterior,
Uma ordeira misteriosidade,
Silêncio interior cheio de/som/”.
PESSOA, Fernando, 1991, p.54.
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“… Quando os sinos oscilam vagamente sem que mão lhes toque
E faz pena saber que há vida que viver amanhã
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
Às leis irrepreensíveis da Vida,…
Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo, longínquo…
Sinto na minha cabeça a velocidade do giro da terra,
E todos os países e todas as pessoas giram dentro de mim,
Centrífuga ânsia, raiva de ir por os ares até aos astros
Bate pancadas de encontro ao interior do meu crânio,
Põem-se alfinetes vendados por toda a consciência do meu corpo,
Faz-me levantar-me mil vezes e dirigir-me para Abstracto,
Para inencontrável, ali sem restrições nenhumas,
A meta invisível todos os pontos onde eu não estou, e ao mesmo tempo…
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero…”
CAMPOS, Álvaro de. Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.175.
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