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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS FILOSÓFICAS E HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO
BRINQUEDOTECA NA ESCOLA: ENTRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
BRINCAR E A ESTETIZAÇÃO DO APRENDER
MARINA CORBETTA BENEDET
ORIENTADORA: ANDRÉA VIEIRA ZANELLA
FLORIANÓPOLIS
MAIO/2007
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1
MARINA CORBETTA BENEDET
BRINQUEDOTECA NA ESCOLA: ENTRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO
BRINCAR E A ESTETIZAÇÃO DO APRENDER
Dissertação de mestrado entregue como requisito
parcial para aprovação no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Mestrado, Linha de
Pesquisa Constituição do Sujeito e práticas sociais,
Sob orientação da professora Dr. Andréa Vieira
Zanella.
FLORIANÓPOLIS
MAIO/2007
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2
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer aos meus colegas de Mestrado, todos que de forma direta
ou indireta contribuíram para a realização dessa conquista.
Também gostaria de deixar um obrigada especial à Leila que muito me auxiliou nesse processo,
sempre disposta e disponível para me ouvir e discutir comigo alguns pontos necessários.
À Jana, pela disponibilidade em ler o trabalho, colocando-se como sujeito de fora e me
auxiliando quando já não conseguia mais ver nada.
À minha mãe, obrigada pela oportunidade, pelo apoio e por acreditar em mim (muitas vezes
mais do que eu mesma).
Aos meus avós, Ivo e Ilza, por me acolherem, estarem tão próximos, tão abertos e sempre com
um sorriso de apoio e carinho.
À Andréa, por compartilhar essa caminhada, me incentivar e construir comigo essa
dissertação.
Às crianças, mães e professoras que acreditaram na pesquisa, disponibilizando-se a
participarem, sendo co-autoras desse trabalho.
Ao Tiago pela presença e companheirismo imprescindíveis quando tantas vezes deixei de
acreditar que conseguiria.
À todos, MUITO OBRIGADA!
3
Dedico à você minha mãe, por sua garra que
contagia, por sempre acreditar em mim e
apostar em meus sonhos. E à você Tiago, por
estar presente em todos os momentos, pela
paciência e disponibilidade. Amo vocês!
4
SUMÁRIO
SUMÁRIO....................................................................................................................................4
RESUMO .....................................................................................................................................5
ABSTRACT .................................................................................................................................6
BRINCAR APRENDENDO E APRENDER BRINCANDO QUE RELAÇÕES SÃO
ESSAS? ........................................................................................................................................8
CAPÍTULO 1 - SER E NÃO SER EIS A QUESTÃO: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO
DO SUJEITO..............................................................................................................................19
1.1 (Re)Significando a infância: um (não tão) novo discurso....................................................25
CAPÍTULO 2 - DO BRINCAR/CRIAR: A BRINCADEIRA COMO ESPAÇO DE
PRODUÇÃO CULTURAL........................................................................................................30
2.1 Brincar na escola: a criança e as (im)possibilidades da brincadeira no espaço escolar .......38
CAPÍTULO 3 - O PERCURSO METODOLÓGICO... .............................................................41
3.1 Escolha dos sujeitos da pesquisa ..........................................................................................42
3.2 Coleta das Informações ........................................................................................................43
3.2.1 A entrevista com as crianças.............................................................................................47
3.3 Análise das informações.......................................................................................................48
CAPÍTULO 4 - O COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFSC, AS CRIANÇAS, SEUS PAIS,
PROFESSORES E O LABRINCA ............................................................................................50
4.1 Crianças, professores e mães: um breve retrato ...................................................................52
CAPÍTULO 5 - BRINCAR E APRENDER: RELAÇÕES (IM)POSSÍVEIS............................56
5.1 Brincar e aprender: a (re)produção de tempos/espaços........................................................74
CAPÍTULO 6 - O BRINCAR TUTELADO: A BRINQUEDOTECA COMO UMA
POSSÍVEL INSTITUCIONALIZAÇÃO DO BRINCAR .........................................................87
ENCERRANDO A PESQUISA, ABRINDO SENTIDOS... ...................................................100
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................106
APÊNDICES ............................................................................................................................112
5
RESUMO
Muitas são as discussões na atualidade sobre a função social da escola, discussões
essas que vêm exigindo que os sujeitos que participam dessa instituição revejam suas práxis e
desenvolvam uma visão crítica do lugar da escola em nossa sociedade. Nesse caminho várias
são as propostas construídas na tentativa de ressignificação desse tempo/espaço. Nessas
tentativas, vemos crescer os estudos sobre a importância do brincar para os processos de
ensinar e aprender, entendendo essa atividade como uma atividade humana cultural e histórica
por excelência e sua prática como uma necessidade da criança, objetivação da imaginação e
espaço de construção de sentidos produção da cultura. Nessa perspectiva foi que, sabendo de
uma escola onde foi construída uma brinquedoteca como um tempo/espaço para brincar no
contexto escolar, questionei como esse tempo/espaço brinquedoteca era significado pelos
sujeitos que participavam dessa instituição escolar, ou seja, quais sentidos pais/responsáveis,
professores e crianças do Ensino Fundamental atribuíam à brinquedoteca no contexto escolar.
Objetivei, assim, analisar como estes sujeitos significavam o brincar na escola, as dissonâncias
e consonâncias entre os seus discursos, possibilitando a reflexão sobre a importância da
brinquedoteca para o processo de desenvolvimento e aprendizagem, bem como da necessidade
desse espaço no contexto escolar. A pesquisa foi realizada com crianças, regularmente
matriculadas na 4ª série do Ensino Fundamental, suas respectivas mães e professoras. As
informações foram coletadas por meio de entrevistas, entendida como espaço de produção de
sentidos, de ressignificação do vivido, arena de trocas mútuas entre entrevistador e
entrevistados. As informações foram analisadas pela Análise de Discurso, com base nas
contribuições de Bakhtin. As análises possibilitaram perceber o quanto os discursos são
polifônicos, entrelaçando-se entre si (discurso de mães, professoras e crianças), bem como são
marcados pelo tempo e sociedade da qual participamos. Constatou-se que o brincar é visto por
uma lógica dicotômica, onde o aprender deve ser sério, racional e disciplinado e o brincar
oposto a isso, não é entendido em relação ao aprender. Assim, a brinquedoteca apresenta-se
como lugar de contradição à medida que é um tempo/espaço para o brincar em uma instituição
para o aprender. Também se fez presente a dicotomia entre a produção de conhecimento e a
criação, como se não fosse possível criar dentro da sala de aula, sendo a brinquedoteca lugar de
criação/imaginação. Contudo, a brinquedoteca também foi questionada na medida em que é
entendida, numa lógica prático-produtiva/prático-utilitária, como perda de tempo em um
espaço de aprendizagem. Como conclusões, destaco que a brinquedoteca ao mesmo tempo em
que é apontada como um lugar de institucionalização do brincar espaço permitido para essa
atividade dentro da escola também se apresenta como possibilidade de estetização do
aprender lugar de ressignificação do vivido, (re)criação de sentidos outros para a instituição
escolar.
Palavras-chave: Brinquedoteca; Escola; Ensino Fundamental; produção de sentidos; brincar;
constituição do sujeito.
6
ABSTRACT
Many are the debates, at the present moment, about social school purpose, which is
demanding that people of these institutions re-examine, their practice and develop a critical
vision of the school role in our society. Looking in this direction, there are several proposals
with the objective to try to redefine their spaces. Looking these proposals, what is growing, is
the importance of playing, understanding, that this activity, is being looked as a culturand
historical human acivity, and children needs this practice, in the process of imagination,
building, the feeling ,and production culture. Having this process in mind, and knowing a
school ,where this process is being used, through a called “Playing Library”, where space and
time to play within the school, I questioned how the fathers/responsabiles, teachers and of
course students where looking at this space. My goal, was to check the different opinions ,
between all the interested citizens, and having a good understanding of the “Playing Library
importance, in the development learning process ,as well as ,the need of this space at school.
This research was realized with childrens registred at the 4° year of elementary school, their
mother end teachers. The information was collected through interviews called as: sense
production space, new interpretation what is being lived, exchange experience arena between
interwiewer and interwied. The information was analised through Bathkin contributions, and
more specific the Speech Analysis. The analysis shows that the speeches are multiphonic and
interact between themselves (mother, teacher, children speeches) and also are related to the
present time, as well as the society in which we participate. We could realize that the act of
playing is looked as a dicotomy logic, where learning must be serious, rational and disciplined,
in opposition to play which is not underwstood as a learning process. Due to this, “Playing
Library” a contradiction place, because it is a time/place of playing located in a learning
institution. Also It was questioned the dicotomy between knowledge production inside the
class room, and the creative/imagination process at the “Playing Library”, as if it was not
possible to be creative at the class room. However ,”Playing Library”, was also questioned,
about its meaning against, what is understood as a logical learning process, being practicle
productive/pratical-usefull, and so “Playing Library” would be a lost of time and learning
space. We can point out the main conclusions such as: “Playing Library” is pointed at the same
time as a place where playing is being institutionalized Space allowed for the this activity at
school ,as well as presented as a possibility of esthetic learning , re-understanding of lived
experiences, and new meaning and re-criation of the school institution.
Key-word: Playing Library; School; Elementary School; production of directions; to play;
constitution of the citizen.
7
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8
BRINCAR APRENDENDO E APRENDER BRINCANDO – QUE RELAÇÕES SÃO
ESSAS?
“[...] aquilo que não pode faltar durante a infância: que todas as crianças
possam ouvir histórias, andar na chuva e brincar de adivinhação” (SANTA
CATARINA, 2005, p.55)
Na atualidade temos muitas discussões a respeito da função social da escola, reflexões
essas pautadas em um olhar crítico sobre suas práticas e o que estas engendram, conforme
Penin e Vieira (2002, p. 13) afirmam, “a função social da escola é um dos temas mais
freqüentes no debate contemporâneo sobre educação”. Tem-se buscado repensar o ensino
sistematizado e suas implicações na constituição dos sujeitos, compreendendo que a
escolarização é um fenômeno social concreto, praticado dentro de unidades escolares histórica
e geograficamente localizadas.
Neste sentido, autores como Charlot (1986) e Freire (2006) vêm apontando que a escola
é politicamente marcada, à medida que
[...] os grupos sociais e as classes sociais procuram fazer da escola o
instrumento de suas finalidades, de seus interesses e da difusão de suas idéias.
[...]. A escola se diz laica e politicamente neutra, mas serve, antes de tudo, aos
interesses da classe dominante apesar de não ser totalmente fechada aos
modelos, aos ideais e às idéias das outras classes sociais (CHARLOT, 1986,
p.19).
Esses apontamentos são essenciais, pois permitem aos sujeitos que constituem a
instituição escolar um olhar crítico, buscando que esta instituição possa ocupar outro lugar
social em nossa sociedade, que abra espaço para repensar e (re)criar a si mesma. Axt e Elias
(2004, p.17) contribuem nessa discussão ao afirmarem que “na contemporaneidade, muitos dos
referenciais que fundamentavam o fazer pedagógico estão sendo desconstruídos. A
instabilidade, a desordem, a multiplicidade, as diferentes condições de verdade, nos convocam
a outros modos de ver, sentir, agir, olhar, pensar”, empurrando a escola (ou seja, os sujeitos que
dela participam direta ou indiretamente) à repensar suas práticas.
Na tentativa de provocar pequenas mudanças a UNESCO, juntamente ao Ministério da
Educação e Cultura do Brasil (MEC), propôs que o ensino sistematizado fosse pautado em
quatro pilares, a saber (DELORS, 2000): aprender a conhecer (ou aprender a aprender,
possibilitando ao sujeito beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de
toda sua vida), aprender a fazer (não somente as atividades técnicas do trabalho, mas também
os trabalhos em grupo, as experiências sociais, etc.), aprender a viver com os outros
9
(compreensão da alteridade, da gestão de conflitos e das interdependências) e aprender a ser
(responsabilidade, ética, autonomia).
Essa mudança de perspectiva, que tentou provocar a participação e transformação
efetiva de todos os sujeitos envolvidos com o ensino sistematizado pelo menos em pretensão
-, possibilitou a construção de uma nova concepção sobre a função social da escola. O governo
do Estado de Santa Catarina apresenta, em sua Proposta Curricular (SANTA CATARINA,
2005, p.11), a sua compreensão sobre a função social da escola, afirmando que
[...] a Escola assume uma posição político-pedagógica, bem determinada,
definindo a sua função social, qual seja a de garantir a todos o acesso aos
conhecimentos historicamente legitimados como importantes, para que os
seres humanos possam conviver em sociedade e usufruir suficientemente das
riquezas materiais e espirituais socialmente produzidas.
Apesar das tentativas de instituir práticas pedagógicas diferenciadas, sejam elas
pautadas nas proposições da UNESCO e do MEC ou em outras que marcam a instituição
escolar como instituição política e ideológica (FREIRE (2006); FREIRE (1997); CHARLOT
(1986), entre outros), ainda são característicos na realidade escolar atual brasileira, altos
índices de exclusão e evasão, tendo em vista que “[...] o desafio maior que se apresenta hoje
para a Escola é como materializar a ação educativa proposta teoricamente [...] (SANTA
CATARINA, 2005, p.11). Uma das explicações para esses índices é apresentada por Lacerda
(1996) quando afirma que, no que se refere ao ensino da língua, o processo ensino-
aprendizagem ainda pauta-se em atividades mecânicas de repetição e de associação, não
confiando, na maioria das vezes, na capacidade de elaboração e de aprendizagem das crianças.
Axt e Elias (2004) também apontam que o ensino sistematizado acaba por
desconsiderar as diferenças, padronizando conhecimentos e sujeitos, descaracterizando toda
forma de saber outro que não seja aquele padrão; nas palavras das autoras,
[...] a escola parece continuar investindo na tentativa de domar o processo do
aprender, medir seus resultados, fazer crer (a professora, alunos e comunidade
escolar, ou seja, à própria escola) que seus caminhos são iguais, tanto no que
se refere aos percursos percorridos e aos resultados obtidos, como no que
concerne aos saberes necessários para atingi-los (AXT e ELIAS, 2004, p.18).
Talvez estes sejam alguns dos motivos que expliquem os dados preliminares do censo
escolar realizado pelo MEC no ano de 2005, os quais apontam para uma diminuição de
aproximadamente 1,3% no número de matrículas totais na Educação Básica
1
do país em
1
Educação Básica compreende a Educação Infantil (pré-escola atendimento de crianças de 04 à 06 anos), o
Ensino Fundamental (da série à série com o ensino de 9 anos implantado no ano de 2007) e o Ensino
Médio (do 1º ano ao 3º ano).
10
relação ao ano anterior, ou seja, são 703.242 matrículas não foram realizadas. Outro dado
importante apresentado pelo MEC em propaganda veiculada nos meios de comunicação de
massa é o fato de que a cada dez alunos que terminam o Ensino Fundamental, somente três
prosseguem no Ensino Médio.
Concomitante a essas tentativas de transformação do ensino sistematizado de
repensar a instituição escolar, suas possibilidades e práticas -se, também, a abertura de
espaço para discussão da infância, tendo em vista o que Souza (1999) aponta de que os
tempos/espaço da escola estão intrinsecamente relacionados aos tempos/espaços da infância.
Sendo assim, as discussões atuais sobre a infância vêm demarcando a fala da criança
como um outro modo de compreensão da realidade, de compreensão das instituições e normas
sociais, muitas vezes naturalizadas para o adulto e que a criança aponta com estranhamento.
O que se pode perceber é o reconhecimento da criança como sujeito produto e
produtor da/de cultura. Considerá-la como sujeito produtor de cultura, implica reconhecer a
criança como protagonista de sua própria história e da história do grupo social do qual é
parte/participa. Nesta perspectiva, Sarmento e Pinto (1997, p.20) apontam que “a consideração
da criança como atores sociais de pleno direito, e não como menores ou como componentes
acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de
produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças
em sistemas organizados, isto é, em culturas”. Entretanto, estas culturas infantis devem ser
entendidas, segundo os autores, como permeadas e construídas pela cultura na qual a criança
encontra-se inserida, ou seja, a criança também é produto da cultura da sociedade e do tempo
em vive.
Sendo assim, algumas propostas pedagógicas vêm buscando articular a realidade da
criança (educando) com a práxis da rotina escolar, objetivando a possibilidade dessa instituição
assumir efetivamente a função social a que se propõe criticamente, ou seja, de possibilitar a
todos o acesso aos conhecimentos socialmente produzidos, reconhecendo-se como instituição
política, social e historicamente localizada. Uma das possibilidades de transformação que
vemos surgir é a ênfase dada à atividade lúdica e a brincadeira no espaço escolar destinado às
crianças.
Por brincadeira, compreendo uma atividade humana cultural e histórica por
excelência, e, sua prática, uma necessidade da criança, prática que oportuniza a esta objetivar
suas fantasias e constituir-se enquanto sujeito da cultura e produtor de cultura (VIGOTSKI
2
,
2
Várias grafias diferenciadas foram usadas nas referências à VYGOTSKY, sendo que busquei respeitar as
diferenças como modo de referenciar posteriormente.
11
1998; VIGOTSKY, 2003). É, portanto, uma atividade criativa e uma possibilidade de
(re)significar a realidade vivida, via produção de novos sentidos (VIGOTSKY, 2003).
Muitos são os trabalhos de pesquisa que têm buscado compreender a importância do
brincar para o processo de desenvolvimento/aprendizagem das crianças, principalmente das
crianças em idade pré-escolar.
Cordazzo, Martins, Macarini e Vieira (manuscrito não publicado) realizaram pesquisa
na base de dados Pycoinfo, Scielo e Index Psi, objetivando identificar as perspectivas de estudo
do brincar, buscando um panorama das pesquisas que vêm sendo realizadas sobre esse tema.
Dos cento e oitenta e um resumos encontrados, os autores apontam que a maioria das pesquisas
realizadas trabalham com bebês ou crianças em idade pré-escolar, denunciando uma lacuna nas
investigações que deveriam considerar outras faixas etárias no estudo do brincar. Outro
argumento apresentado é a falta de pesquisas nacionais de cunho empírico. Também levantam
a necessidade de mais pesquisas e estudos nas áreas de educação e saúde, que busquem
relacionar o brincar com a aprendizagem e com o aspecto saúde-doença.
Os autores indicam, ainda, que há um predomínio de pesquisas que relacionam brincar
e desenvolvimento infantil, considerando que “[...] essa relação nem sempre é valorizada por
pais e educadores” (CORDAZZO, MARTINS, MACARINI, VIEIRA, manuscrito não
publicado, p.20).
Pensando que o brincar se apresenta como uma possibilidade de transformação das
práticas pedagógicas da instituição escolar, foi que, concomitante à pesquisa dos autores
referidos, foi realizada entre março e junho de 2006, pesquisa na base de dados Psycoinfo
3
,
Index Psi
4
e Scielo
5
, buscando trabalhos que trouxessem para discussão o brincar na escola e a
brinquedoteca. Para isso, utilizamos como palavras-chave na pesquisa brincar, escola, Ensino
Fundamental e Brinquedoteca (bem como seus covalentes na língua inglesa). Foram
encontrados noventa e nove trabalhos sobre estas temáticas. Estes trabalhos procuraram
relacionar, a partir de diferentes abordagens teóricas e metodológicas, a influência da
brincadeira para o desenvolvimento das crianças na chamada primeira infância.
Dentre os trabalhos encontrados, gostaria de salientar os de Schneider (2004), Pinto
(2003), Mendes (2004), Rocha (2003), Lima (2003) e Costa (2001) por colocarem em
discussão os tempos/espaços para o brincar na escola. Além destes, também apontar o trabalho
3
Essa base de dados foi pesquisa através do Portal de Periódicos da CAPES, endereço na web:
www.periodicos.capes.gov.br.
4
Base de dados disponível no seguinte endereço da web: www.psi.bvs.br.
5
Base de dados disponível no seguinte endereço da web: www.scielo.br.
12
de Ramalho (2000) por apresentar possíveis relações entre a brinquedoteca e o
desenvolvimento infantil.
Com esses resultados, foi possível constatar que significativa produção sobre o
brincar, em sua amplitude de possibilidades, de modo a considerar as colocações de Rocha
(1997, p.63) de que “(...) a pesquisa sobre essa atividade [brincadeira] tem um papel central nos
esforços para a compreensão dos sujeitos em seu percurso de desenvolvimento e
humanização”.
Estudos como os de PEREIRA (2004), ZANELLA e ANDRADA (2002) e CONTI e
SPERB (2001) também têm mostrado o quanto o brincar é essencial para promover o
desenvolvimento da capacidade simbólica das crianças, possibilitando-lhes a compreensão das
regras sociais e o desenvolvimento de processos psicológicos superiores. A respeito disso
Vigotski (1998, p.135) afirma que
a ação na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das
intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e motivações
volitivas tudo aparece no brinquedo, que se constitui, assim, no mais alto
nível de desenvolvimento pré-escolar. A criança desenvolve-se,
essencialmente, através da atividade de brincar
6
.
Entretanto, na atualidade, vem ocorrendo um processo de redução do tempo e espaços
para a brincadeira no cotidiano das crianças. De acordo com Marcelino (1997), essa restrição
reduz a cultura infantil quase que praticamente ao consumo de bens culturais, produzidos não
por ela, mas para ela, segundo os critérios dos adultos, transformando o brinquedo em
“mercadoria” e comprometendo a imaginação de novas realidades, furtando da criança a
possibilidade de espaços e tempos para brincar livremente, sem nenhuma intenção prático-
utilitária ou prático-produtiva, conforme aponta Sanchez-Vazquez
7
. Penso que o cartoon de
Tonucci (2005, p. 53) sintetiza essa realidade, ao demonstrar o quanto o brincar tem sido fruto
da mercantilização, das relações prático-utilitárias e prático-produtivas.
6
Na tradução dos textos de Vygotsky (1998) aparecem indistintamente os conceitos de brinquedo, brincadeira e
brincar. No caso, o autor se refere ao brincar, entendido enquanto atividade humana constitutiva do sujeito e
produtora de sentidos.
7
Gostaria de trazer as colocações de Sánchez Vázquez (1999) quando o autor afirma que o sujeito pode
estabelecer relações com o mundo de maneiras diferenciadas, trazendo as seguintes relações: teórico-cognoscitiva
(busca da compreensão da realidade); prático-produtiva (busca a intervenção na natureza para modificá-la a fim de
produzir objetos que satisfaçam as necessidades); prático-produtivas (utilização e consumo dos objetos
produzidos); mágica, mítica ou religiosa (onde a natureza é entendida fantasticamente, imaginariamente ou
transcendida como símbolo de outro mundo); estética (sujeito estabelece uma relação sensível com o mundo);
econômicas; políticas; jurídicas; morais; etc.
13
(TONUCCI, 2005, p.53)
Deste modo, a violência e a mercantilização do tempo nas cidades faz com que, na
grande maioria das vezes, a escola seja um dos únicos locais a oferecer à criança tempo/espaço
para brincar. Reconhecendo a importância da brincadeira para o desenvolvimento das crianças
pré-escolares, o Ministério da Educação e Cultura do Brasil (MEC) regulamentou, no
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), que as atividades em
creches e pré-escolas devem envolver a educação, o cuidado e a brincadeira como formas de
atendimento às crianças. Deste modo, consta que
cabe ao professor organizar situações para que as brincadeiras ocorram de
maneira diversificada para propiciar às crianças a possibilidade de
escolherem os temas, papéis, objetos e companheiros com quem brincar ou
os jogos de regras e de construção, e assim elaborarem de forma pessoal e
independente suas emoções, sentimentos, conhecimentos e regras sociais.
(BRASIL/MEC, 2001, p.29).
Entretanto, minhas experiências de estágio, extensão, bem como a convivência com
profissionais de Centros de Educação Infantil, demonstraram que, apesar de reconhecida e
regulamentada nas creches e pré-escolas, a atividade de brincar ainda tem encontrado
dificuldades de se firmar enquanto uma atividade que constitui zonas de desenvolvimento
proximal
8
(VIGOTSKI, 1998), sendo atividade constantemente desenvolvida nos pequenos
espaços do recreio ou, furtivamente, em sala de aula, quando a vigilância do professor diminui.
Em minhas experiências foi comum observar que os professores afirmam que a
brincadeira é importante, porém não argumentam sobre esta importância. Acredito que,
conforme Rocha (1996) pondera, existam na práxis pedagógica mais afirmações acerca da
importância da atividade de brincar para o desenvolvimento do que a garantia de espaços que
8
O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal será apresentado e discutido no Capítulo 2.
14
permitam a realização desta atividade, bem como pouco se sabe sobre o papel do professor
como mediador deste processo.
Se esta dificuldade é presente nas creches e pré-escolas, no que se refere ao Ensino
Fundamental o estabelecimento da importância de um espaço para a brincadeira também tem
encontrado dificuldades, tendo em vista que “apesar do aumento no número de pesquisas e
publicações
que tratam sobre educação, infância e brincar, muito pouco se discute sobre o tema
dentro da escola que atende crianças acima de seis anos de idade” (PINTO, 2003, p.10).
Também a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2005) vem
fazer essa denúncia, de que parece ser estranho que o brincar, com todas as pesquisas
realizadas, ainda tenha que ser defendido na educação das crianças de zero a doze anos. Posso
perceber que essa situação a que o brincar é relegada no Ensino Fundamental provavelmente se
deve ao fato de que em nossa sociedade uma primazia das relações prático-produtivas e
prático-utilitárias do sujeito com o mundo (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 1999) e como produto do
seu tempo e sociedade, a escola, constituída pelos sujeitos que dela participam, passa a também
priorizar estas relações.
Assim, a brincadeira, muitas vezes, ainda é vista como fútil, ou como uma simples
recreação (OLIVEIRA e FRANCISCHINI, 2003), dificultando o reconhecimento dessa
atividade como fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças,
consequentemente, para o processo de constituição do sujeito. Essa realidade do brincar na
escola de Ensino Fundamental é possível de ser percebida quando, por exemplo, busca-se os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), regulamentados pelo MEC (BRASIL/MEC,
1998), e percebe-se que não consta qualquer referência à atividade de brincar nesse nível do
Ensino.
O caminho pelo qual o brincar consegue se inserir na escola de Ensino Fundamental,
muitas vezes, é por meio do adjetivo educativo, sendo este fato constatado por Marcelino
(1997, p.85) ao afirmar que “raramente a atividade lúdica é considerada pela Escola, e quando
isso ocorre, as propostas são tão carregadas pelo adjetivo ‘educativo’, que perdem as
possibilidades de realização do brinquedo, da alegria, da espontaneidade, da festa”.
Atualmente, vem sendo desenvolvido estudos para demonstrar e demarcar a
necessidade de que instituições de Ensino Fundamental abram espaço para a atividade lúdica
em seus currículos, dentre os quais, cabe salientar os trabalhos de Pinto (2003) e Gonçalves
(2004). Pinto (2003) realizou uma pesquisa a respeito da condição social do brincar na escola
pública a partir do ponto de vista das crianças, denotando que “(...) a condição social da criança
na escola ainda é muito precária, principalmente as condições para o brincar. A criança brinca
15
na Escola, mas parece que este ‘brincar’, assim como a infância, encontra-se ‘confinado’ por
princípios e regras rígidas” (PINTO, 2003, p.165), pois, segundo a autora, o brincar se insere
na escola ou como uma atividade quando as obrigações foram encerradas, ou como uma forma
de controle (brincadeira do silêncio) por parte dos professores.
Gonçalves (2004) realizou uma pesquisa junto às crianças do Colégio de Aplicação da
UFSC sobre a brincadeira e a brinquedoteca disponibilizada nesta escola. A partir dos dados
obtidos, a autora apontou que o tempo e espaço reservado para a atividade de brincar na escola
são considerados pelas crianças como reduzidos, necessitando de mais tempo e de um espaço
maior para que elas possam desenvolver esta atividade. A autora também afirma que as
crianças reconhecem a atividade de brincar como uma atividade promotora de aprendizagens, o
que indica a necessidade de investigação e intervenção a respeito da importância dessa
atividade junto aos educadores, famílias e responsáveis pelas políticas educacionais.
Uma das possibilidades para a inclusão do brincar nas atividades cotidianas no Ensino
Fundamental tem sido a criação de brinquedotecas nas escolas de Ensino Formal, a fim de
estabelecer uma forma diversificada de compreensão do desenvolvimento e aprendizagem da
criança em idade escolar. A brinquedoteca é tida, então, como um espaço preparado para a
criança, possibilitando-lhe acesso a uma variedade de brinquedos e um ambiente lúdico.
De acordo com esta possibilidade, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de
Santa Catarina CA/UFSC organizou uma brinquedoteca, inaugurada em 2003, para
proporcionar um espaço de aprendizagem e desenvolvimento diferenciado aos alunos. As
crianças que freqüentavam o CA/UFSC tinham a possibilidade de utilizar a brinquedoteca em
horário de aula, acompanhadas por seu (sua) professor (a) e/ou por bolsistas, todos mediadores
da atividade lúdica, sendo esta atividade contemplada no currículo escolar desta instituição.
Entretanto, no ano de 2005, uma discussão a respeito da carga horária instituída para
ministrar as disciplinas escolares levou ao questionamento da utilização da brinquedoteca em
período letivo, de modo que a brinquedoteca passou a não ser mais contemplada pelas turmas
no horário de aula, mas com a possibilidade de utilização no contra-turno.
Tendo em vista o apresentado, este trabalho buscou investigar quais os sentidos
9
atribuídos à brinquedoteca pelas professoras, pais/responsáveis e crianças das Séries Iniciais do
Colégio de Aplicação da UFSC (CA/UFSC). Partindo dessa pergunta de pesquisa, objetivei
analisar como estes sujeitos significam
10
o brincar na escola, as dissonâncias e consonâncias
entre os discursos, possibilitando a reflexão sobre a importância da brinquedoteca para o
9
Este conceito será trabalho no Capítulo 1 desse trabalho.
10
Este conceito será trabalhado no Capítulo 1 desse trabalho.
16
processo de desenvolvimento e aprendizagem, bem como da necessidade desse espaço no
contexto escolar. Ademais, foi possível discutir as implicações das mudanças efetuadas, ou
seja, a possibilidade de utilização da brinquedoteca nos turnos ou contra-turnos.
A escolha por ouvir professoras, pais/responsáveis e crianças a respeito desta
problematização pautou-se no fato de que as pesquisas sobre a importância do brincar no
Ensino Fundamental, além de constituírem como uma minoria, têm demonstrado que é
essencial ouvir todos os que participam da instituição escolar, principalmente as crianças no
que diz respeito às instituições das quais elas participam e se constituem enquanto cidadãos de
direitos (PINTO, 2003; GONÇALVES, 2004; FANTIN, 2000, dentre outros).
Contudo, apesar das pesquisas apontarem essa importância, é comum às investigações
sobre a infância negarem voz a estes agentes sociais, ou seja, poucas pesquisas (conforme
CORDAZZO, MARTINS, MACARINI e VIEIRA (2006) indicam), realizadas por
especialistas, ouvem as crianças a respeito de suas atividades e suas opiniões. Ouvir as
crianças, no entanto, é fundamental, porque, como afirmam Sarmento e Pinto (1997, p.25)
o olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos
deixa na penumbra ou obscurece totalmente. Assim, interpretar as
representações sociais das crianças pode ser não apenas um meio de acesso à
infância como categoria social, mas às próprias estruturas e dinâmicas sociais
que são desocultadas no discurso das crianças (SARMENTO e PINTO, 1997,
p.25),
denotando a importância de ouvi-las no que tange às atividades e instituições nas quais estão
inseridas. Acredito que Tonucci (2005, p.185) foi feliz ao apontar o estranhamento que causa a
possibilidade de ouvir as crianças nas pesquisas feitas, agora não mais sobre elas, mas com
elas.
(TONUCCI, 2005, p.185)
17
Com este trabalho pretendo ter contribuído para as pesquisas que estão sendo
realizadas na área, denotando a importância da atividade de brincar no espaço do Ensino
Fundamental, bem como instrumentalizando teoricamente instituições que queiram trabalhar
com brinquedotecas, tendo em vista o pouco referencial existente neste campo.
Além disso, acredito que o presente trabalho pode contribuir na revisão e instauração
de novas políticas públicas de educação e saúde, disponibilizando material que contemple a
importância de promover espaços nas instituições escolares que possibilitem a brincadeira
como uma atividade não direcionada pelos professores, ou seja, não se caracterizando
unicamente como uma atividade prático-utilitária, cujo objetivo seja somente contribuir para as
aprendizagens escolares, nem tampouco tida como mera atividade recreativa, desconsiderando-
se a sua importância para o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores
11
e a
constituição do sujeito como um todo.
Necessário se faz reconhecer o brincar como uma atividade estética/criadora, como
atividade que possibilita a ressignificação da realidade pela criança de modo criativo e
transformador, como um espaço de linguagem e produção cultural. Apresento, a seguir, o
ponto de partida da presente pesquisa, seus fundamentos teóricos.
11
Esse conceito será abordado no Capitulo 1 desse trabalho.
18
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19
CAPÍTULO 1
SER E NÃO SER EIS A QUESTÃO: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DO
SUJEITO
“Através dos outros constituímo-nos. Em forma puramente lógica a
essência do processo do desenvolvimento cultural consiste exatamente
nisso. [...]. A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através
daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros. Este é o
processo de constituição da personalidade” (VIGOTSKI, 2000, p.24).
Penso ser importante começar este texto com esta epígrafe, tendo em vista que ela
sintetiza a essência da teoria Histórico-Cultural de Vygostsky a respeito do processo de
constituição do sujeito. Aqui pretendo explicitar e discutir sucintamente a construção teórica do
referido autor sobre o processo de constituir-se humano com a intenção de marcar o ponto de
partida deste trabalho e das problemáticas que proponho analisar.
Guareschi (1998, p.153) pondera que “[...] nós vamos nos construindo, quais seres
humanos, como resultado desses milhares de relações que estabelecemos cotidianamente”,
trazendo, assim, o conceito de alteridade. Este conceito é pedra fundamental na edificação
teórica deste trabalho, pois somente nos tornamos sujeitos humanos nas e pelas relações que
estabelecemos com outros sujeitos humanos e com a cultura. Como na epígrafe, sou para mim
aquilo que sou, primeiramente, para um outro e que é re-significado por mim mesmo.
Nesse sentido, o conceito de alteridade pode ser entendido como o espaço de
constituição do sujeito, por meio das relações estabelecidas ou, como Zanella (2005, p.103)
pondera, “considerar que cada pessoa é um ‘agregado de relações sociais encarnadas num
indivíduo’ significa afirmar que, ao mesmo tempo um ‘eu’ e não há. Não um ‘eu’
originário, deslocado dos outros, da realidade, enfim, do que o constitui como humano e como
possibilidade de diferenciação”. Assim, o sujeito, que se constitui na alteridade, é o lugar de
síntese das relações estabelecidas, lembrando que uma relação estabelecida é sempre carregada
dos sentidos e das probabilidades das demais relações que não aconteceram.
Bakhtin (2004) complementa este pensamento ao afirmar que a alteridade é o único
lugar de liberdade do sujeito, pois viver é enriquecer-se na relação, de modo que não há
acabamento para o sujeito, não maturidade, ele é sempre inacabado e tem como categoria
fundante a incompletude. Não há uma conclusão, um ponto final, uma tamponagem, um
fechamento para o sujeito, o ser humano se constitui cotidianamente nas suas relações e
somente quem pode dar acabamento é um outro.
20
Não posso deixar de marcar que o sujeito humano é um ser social e cultural que se
constitui na e pela história. Uso aqui a noção de história construída por Marx e Engels (1989,
p.23 nota de rodapé) ao afirmarem que “a história pode ser examinada sob dois aspectos:
história da natureza e história dos homens. Os dois aspectos, contudo, não são separáveis;
enquanto existirem homens, a história da natureza e a história dos homens se condicionarão
reciprocamente”. Compreendo, deste modo, a história como um movimento constante, marcada
por transformações quantitativas e mudanças qualitativas, não linear e nem progressista,
balizada por contradições.
Para isso, apoio-me no entendimento de Vigostski (2000) quando o autor apresenta
seu conceito de história propondo então a história como abordagem dialética geral das coisas e
como história do constituir-se humano. Sendo assim, a peculiaridade da constituição do ser
humano está no fato que no sujeito estão sintetizadas a história da evolução da espécie
(filogênese) e a história individual (ontogênese).
Neste sentido, parto da compreensão de que não nascemos como folhas em branco,
sendo completamente determinados pelo meio no qual vivemos, e nem nascemos prontos, com
capacidades ou dons divinos que vão desabrochando com o passar do tempo. O movimento de
constituição do sujeito não ocorre por inspiração divina ou por intervenção metafísica, mas sim
parte da realidade física do sujeito que possibilidade de superação através da mudança
qualitativa dos processos básicos, a partir da realidade sócio-cultural na qual o sujeito participa.
Considero importante esclarecer qual o sentido que estou empregando para os
conceitos social e cultural. Gostaria de retomar a afirmação de Pino (2000) de que o caráter
social não é exclusividade humana, pois deve ser compreendido como um aspecto mais amplo,
partindo do entendimento de que por “natureza” o ser humano depende necessariamente,
enquanto espécie, da convivência social para sobreviver. Assim, nas palavras de Vigotski
(2000, p.28) “o desenvolvimento segue não para a socialização, mas para a individualização de
funções sociais.
Pino (2000, p.53) aprofunda essa discussão ao pontuar que “[...] o social é um
fenômeno mais antigo que a cultura, pois é um dos atributos de certas formas de vida, o que
nos permite falar de uma sociabilidade biológica, natural”. Entretanto, essa “natureza social
perpassa por relações humanas, tornando-se um produto cultural, pois é transformada e re-
significada por sujeitos humanos em relação com a cultura.
Assim, gostaria de salientar que o entendimento do que é o cultural deve,
primeiramente, transcorrer pela compreensão de que o cultural é uma espécie do gênero social.
Retorno às proposições de Pino (2000), que estabelece a relação entre o cultural e o social,
21
afirmando que “anterior à cultura, o social adquire dentro dela formas novas de existência. Sob
a ação criadora do homem [ser humano], a sociabilidade biológica adquire formas humanas,
tornando-se modos de organização das relações sociais dos homens [seres humanos](PINO,
2000, p.53). Por cultura entendo, dessa forma, as produções humanas, construídas nas relações
entre os sujeitos humanos e destes com o mundo, relações estas que são marcadas por um
tempo e espaço.
Porém, saliento que o sujeito humano, apesar de ser construído nas relações sociais
que estabelece com muitos outros, não é mera bricolagem dessas relações, ele é produto, mas
também produtor de sua história, à medida que passa a significar, dar sentido às relações que
estabelece. Zanella (2005, p.103) afirma que “[...] cada pessoa concreta descola aspectos da
realidade a partir do que significa como relevante, do que a emociona e mobiliza, construindo
assim modos de ser que são ao mesmo tempo sociais e singulares”. Desta maneira, a ontologia
do sujeito é sempre única e irrepetível apesar de o sujeito construir (e ser construído) marcado
pela história e cultura de seu tempo.
O ser humano, então, se faz humano na relação com a realidade, sendo esta uma
relação semiótica, estabelecida com outros sujeitos humanos, ou seja, a relação dos sujeitos
com o mundo é mediada pelas significações que cada um ao mundo. Zanella (2001, p.77)
fundamenta essa discussão afirmando que “[...] nosso contato com o mundo físico e social não
é direto, é na verdade marcado por aquilo que significamos desse próprio mundo, significação
essa igualmente marcada pelas nossas experiências, possibilidades, enfim, pela nossa história
de vida”.
Entretanto, cabe ressaltar que essa relação semiótica é, em essência, dialógica
12
, ou
seja, ela se faz na relação entre os sujeitos singulares e que se enriquecem e enriquecem o outro
na eventicidade da relação, à medida que esse outro também traz elementos para a arena
discursiva, não sendo um mero ouvinte passivo, mas, sim sujeito ativo (BAKHTIN, 2004).
Nesse sentido é que Bakhtin (2004, p.34) afirma que
os signos emergem, decididamente, do processo de interação entre uma
consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual está
repleta de signos. A consciência se torna consciência quando se impregna
de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no
processo de interação social.
12
Ora uso o termo dialogismo, ora o termo dialógico, dependendo do entendimento necessário para a frase, de
maneira que compreendo esses conceitos como “[…] homens em relação numa arena de negociação de sentidos
que fundamentam e expressam a singularidade do eu em sua relação com o outro e, simultaneamente, com o
coletivo, [...]” (MAHEIRIE et al, 2006, p.224)
22
Esta consideração remete à necessidade de entendermos os processos de significação e
suas relações com o processo de constituição do sujeito. Para isso, gostaria de delimitar os
conceitos de sentido e significado.
Partindo da teoria vygotskiana, o significado do signo (qualquer que seja ele: imagem,
palavra, etc.) compreende a zona mais estável, coerente e precisa do sentido. Citando o autor,
“a palavra em sua singularidade tem um significado. Porém, este significado não é mais que
uma potência que se realiza na linguagem viva e na qual este significado é tão só uma pedra no
edifício do sentido”
13
(VYGOTSKI, 2001, p.333). Poderia dizer, então, que o significado
consiste naquilo que encontramos no dicionário quando procuramos saber o que uma palavra
quer dizer, ou seja, aquilo que de maneira genérica é socialmente aceito e entendido.
sentido, tem haver com “[...] a soma de todos os processos psicológicos que são
evocados em nossa consciência, graças à palavra [signo]” (VYGOTSKI, 2001, p.333), sendo
sempre uma formação dinâmica, variável e complexa, com várias zonas de estabilidade
diferentes, de forma que o signo adquire seu sentido em seu contexto, trocando este em
contextos diferentes. Sendo assim, por sentido entendo a significação que cada sujeito ao
signo, dependendo do seu contexto, das experiências anteriores, da sua constituição e história.
Essa atividade de produzir sentidos se constitui nos processos de significação, ou,
como Zanella (2004) pondera, a significação é o processo no qual o sujeito se faz autor ao se
constituir enquanto sujeito,
a possibilidade de o sujeito atribuir sentidos diversos ao socialmente
estabelecido demarca sua condição de autor, pois, embora essa possibilidade
seja circunscrita às condições sócio-históricas do contexto em que se insere,
[...], a relação estabelecida com a cultura é ativa, marcada por movimentos de
aceitação, oposição, confrontamento, indiferença (ZANELLA, 2004, p.133).
Deste modo, cabe retomar a indagação sobre quais as relações possíveis, então, entre o
processo de dar sentido e significado às coisas e o processo de constituição do sujeito. Para
isso, se faz importante retomar a proposição de Vygotski (2001, p.347) ao afirmar que “[...] a
palavra significada é o microcosmo da consciência
14
”, pois essa afirmativa traz a idéia de que
aquilo que o sujeito significa do mundo é que forma a sua consciência.
Iria além, afirmando que a linguagem (signo significado) é constituinte da consciência
e, consequentemente, do sujeito. Bakhtin (2004) reafirma essa compreensão, ponderando que a
consciência toma forma e existência nos signos que são criados por grupos, no curso de
13
“La palabra en su singularidad tiene solo un significado. Pero este significado no es más que una potencia que
se realiza en el lenguaje vivo y en el cual este significado es tan sólo una piedra en el edificio del sentido”
(VYGOTSKI, 2001, p.333).
14
“la palabra significativa es el microcosmos de la consciencia humana” (VYGOTSKY, 2001).
23
relações sociais historicamente estabelecidas, de modo que os signos são o alimento da
consciência singular e matéria para o seu desenvolvimento, sendo o semiótico uma produção
humana constitutiva do sujeito.
Isto porque, nossa relação com a cultura se por intermédio da linguagem (ou seja,
da realidade semioticamente vivida), sendo a linguagem o que nos permite expandir o vivido e
permite, ao sujeito humano, ultrapassar o seu tempo/espaço, na medida em que produz cultura
(via linguagem) deixando marcas no mundo.
Necessário se faz assinalar que no vivido os tempos/espaços são experienciados de
maneira singular por cada sujeito e em cada lugar social e/ou instituição da qual ele participa,
pois, como bem lembra Harvey (1993, p.219) “a experiência da compreensão tempo-espaço é
um desafio, um estímulo, uma tensão e, às vezes, uma profunda perturbação, capaz de
provocar, por isso mesmo, uma diversidade de reações sociais, culturais e políticas”, o que
remonta à idéia de que tempo/espaço são fontes de poder e constitutivas dos seres humanos.
Bakhtin (1998, p.349) vem contribuir para essa discussão, ao instituir o conceito de
cronotopo
15
, afirmando que “[...] todas as definições espaço-temporais são inseparáveis uma
das outras e são sempre tingidas de um matriz emocional”. Desse modo, não forma de se
entender as experiências dos sujeitos, seus modos de significação e produção de/da cultura,
sem analisarmos os tempos/espaços vividos e experienciados por estes sujeitos: quem são,onde
vivem, de onde produzem suas significações, quando as produziram, o que os motivou, quais
as emoções encarnadas nessa produção, etc.
Em síntese: ao nascer, o ser humano traz consigo uma história filogenética, de sua
espécie, tendo processos básicos, reflexos, necessários para que possa intervir no mundo de
maneira primitiva, encontrando um arcabouço cultural que precisa subjetivar para que se
constitua enquanto sujeito humano. Esse processo de subjetivação das relações sociais (da
cultura) é significado, primeiramente por outros, e re-significado pelo sujeito, em relações
mediadas pela linguagem, sempre afetivo-volitivas, sendo estas uma arena onde os processos
básicos se transformam quantitativamente, evoluindo e involuindo, dando saltos qualitativos, e
construindo os processos psicológicos superiores (VIGOTSKI, 2000).
Os processos psicológicos superiores são construídos durante o desenvolvimento
ontológico do ser humano, o processo de humanização desse sujeito, através da cultura de seu
tempo e contexto. São os processos que dependem exclusivamente do desenvolvimento
15
O autor (BAKHTIN, 1998) traz a definição de cronotopo para a Literatura. Entretanto, é possível perceber ao
longo de sua obra que ele trabalha com o discurso nas três dimensões do sujeito: ética, estética e cognitiva, o que
permite que essa definição de cronotopo se estenda ao vivido/experienciado.
24
cultural do ser em relação estreita com seu desenvolvimento filogenético. Assim, Vygotski
(2000, p.29) define como processos psicológicos superiores
[...] processos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e
do pensamento: a linguagem, a escrita, o calculo, o desenho; em segundo
lugar, os processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores
especiais, não limitadas e nem determinadas com exatidão, que na psicologia
tradicional se denominam atenção voluntária, memória lógica, formação de
conceitos, etc
16
.
Nessa perspectiva, o estudo da gênese dos processos psicológicos superiores deve,
sempre, considerar a história filogenética do ser humano e compreendê-la em relação
constante, dialógica e transformadora, com o contexto cultural e histórico, também significado
pelo sujeito.
E como ocorre o processo de constituição do sujeito? De significação do mundo, de
subjetivação das relações sociais estabelecidas? Parto do entendimento de que esses processos
se dão por meio da aprendizagem/desenvolvimento dos sujeitos, entendido como alteridade,
que não se reduzem à infância, nem aos tão discutidos processos de aprendizagem escolar, mas
sim que são resultado de atividades constituintes de seres humanos.
Conforme apontei, durante toda a sua vida o ser humano se desenvolve e aprende
por meio das relações semioticamente mediadas que estabelece, não havendo um ponto final,
nem conclusão para esses processos. Porém, apesar de ocorrerem quase que simultaneamente,
os processos de desenvolvimento e aprendizagem não coincidem, sendo processos interligados
desde o nascimento da criança de maneira dialógica, que se contrapõem e se complementam,
de modo que na relação entre desenvolvimento e aprendizagem é que o ser humano vai se
constituindo enquanto sujeito de/da cultura.
Essa discussão a respeito dos processos de desenvolvimento/aprendizagem e a relação
deste com a humanização do sujeito humano serão abordadas a seguir, onde discuto também a
conceitualização de infância e a compreensão desta na atualidade.
16
“[…] procesos de dominio de los medios externos del desarrollo cultural y del pensamiento: el lenguaje, la
escritura, el cálculo, el dibujo; y, en segundo, de los procesos de desarrollo de las funciones psíquicas superiores
especiales, no limitadas ni determinadas con exactitud, que en la psicología tradicional se denominan atención
voluntaria, memoria lógica, formación de conceptos, etc” (VYGOTSKI, 2000, p.29).
25
1.1 (Re)Significando a infância: um (não tão) novo discurso
(TONUCCI, 1997, p.6)
Falar sobre a infância parece algo complicado, à medida que muito se vem discutindo
a respeito desta população, desde os estudos de Philippe Ariès (1981). Entretanto, é
imprescindível, ao menos, que fique explícito com qual perspectiva trabalho este conceito, bem
como, o modo como concebo o processo de desenvolvimento/aprendizagem da criança e as
relações com a cultura.
Freitas (1997, p.18), em seu estudo sobre a infância, afirma que “[...] as crianças,
como as mulheres, têm a sua inserção no grupo familial [e de modo geral, na sociedade]
configurada muitas vezes pela ocultação no interior do grupo”. Assim, posso afirmar que a
infância foi e ainda é vista por muitos, em nossa sociedade e na ciência, com um tempo linear,
cumulativo, homogêneo e vazio, pressupondo, deste modo, esta como uma fase biológica da
vida carregada de instabilidade e imaturidade. A infância ainda é tida como um mero estado de
passagem, efêmero, “resolvido” na idade adulta através do acúmulo de experiência e
conhecimento, sendo a criança sempre um vir-a-ser, fragmentado e desqualificado. Tonucci
(2005, p.197) apresenta esse entendimento da infância.
(TONUCCI, 2005, p.197)
26
Essa desvinculação do conceito de infância de seu lugar social e histórico, sendo
entendida unicamente como fase biológica, é o que Vygotski (2000, p.12) critica, afirmando
que
[...] a concepção tradicional sobre o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores é, sobretudo, errônea e unilateral porque é incapaz de considerar
estes fatos como fatos do desenvolvimento histórico, porque os examina
unilateralmente como processos e formações naturais, confundindo o natural e
o cultural, o natural e o histórico, o biológico e o social no desenvolvimento
psíquico da criança; dito brevemente, tem uma compreensão radicalmente
errônea da natureza e dos fenômenos que estuda
17
.
Deste modo, passo a entender que a infância, bem como o
desenvolvimento/aprendizagem da criança, não são uma fase biológica da vida, maturacional,
mas uma construção cultural e histórica, cabendo-me buscar os caminhos que se seguiram até a
compreensão atual deste conceito.
Ariés (1981, p.50) lembra que “até por volta do século XII, a arte medieval
desconhecia a infância ou não tentava representá-la. [...] É mais provável que não houvesse
lugar para a infância nesse mundo”. Sendo a arte uma expressão do pensamento e cultura de
uma determinada época e local, Ariés (1981) aludiu à arte medieval, numa tentativa de
demonstrar quão pouca diferença havia entre a criança e o adulto neste período. As pessoas dos
séculos X e XI não se detinham diante da imagem de uma criança, esta não tinha para eles
interesse, nem mesmo realidade, sendo este indício de que tanto na arte quanto no domínio da
vida real, a infância era um período de transição, logo ultrapassado.
Esta visão passa a modificar-se a partir do século XIII que marca o surgimento de
alguns tipos de compreensões de infância diferenciados, um pouco mais próximos do
sentimento moderno. Um desses tipos era a compreensão da criança como ser advindo de
Deus, conforme aponta Ariés (1981, p.52) “surgiu o anjo, representado sob a aparência de um
rapaz muito jovem, de um jovem adolescente”. O segundo tipo de infância, também muito
ligada à primeira imagem, seria o modelo e o ancestral de todas as crianças pequenas da
história da arte, a imagem do menino Jesus, ou da Nossa Senhora menina, pois, a partir de
então, a infância se ligava ao mistério da maternidade da Virgem e ao culto de Maria. Assim, o
século XIII viu surgir a compreensão cristã da infância como uma fase de inocência que exigia
cuidado.
17
“[…] la concepción tradicional sobre el desarrollo de las funciones psíquicas superiores es, sobre todo, errónea
y unilateral porque es incapaz de considerar estos hechos como hechos del desarrollo histórico, porque los enjuicia
unilateralmente como procesos y formaciones naturales, confundiendo lo natural y lo cultural, lo natural y lo
histórico, lo biológico y lo social en el desarrollo psíquico del niño; dicho brevemente, tiene una comprensión
radicalmente errónea de la naturaleza de los fenómenos que estudia” (VYGOTSKI, 2000, p.12).
27
Mas a história traz suas contradições e seus rompimentos, mudanças qualitativas e
Freitas (1997, p.18) afirma, então, que “a infância passa a ser ‘visível’ quando o trabalho deixa
de ser domiciliar [...]”. Esta afirmação remete à instauração do Capitalismo, concomitante com
a Modernidade
18
, que permitiu a expressão de um novo sentimento em relação à infância,
através do qual as pessoas não se detinham mais em admitir o prazer provocado pelas crianças
pequenas, o prazer que sentiam em “paparicá-las”. A esta permissão de expressar o quanto as
crianças agradavam aos adultos, acrescentou-se a preocupação com a disciplina e racionalidade
dos costumes. A infância passou a ser tida como uma fase da vida frágil e susceptível, que
necessitava de cuidado e educação.
É claro que esta concepção é algo que generaliza uma forma de pensar, pois muitas
são as contradições e as problemáticas da infância. Se por um lado havia o entendimento da
infância como algo a ser cuidado, por outro ainda existia uma infância marginalizada e
esquecida. Essas contradições descem da Nau no Brasil, quando da colonização de nosso país,
marcando a compreensão da infância brasileira sob três perspectivas: 1) filhos dos senhores de
engenho, aqueles aos quais se deviam os cuidados, educação, e preocupação; 2) filhos de
portugueses pobres que vinham nas Naus para serem violentados sexualmente e trabalharem no
navio e; 3) filhos dos escravos que eram tratados como objetos de propriedade dos senhores de
escravos, vendidos e violentados das mais diversas formas (FREITAS, 1997; DEL PRIORI,
2002).
Seguindo por estas três perspectivas, ocorre o desenvolvimento do conceito de
infância no Brasil. Contudo, conforme apontei, as contradições vividas pelas crianças na
infância apontam que todo desenvolvimento intelectual e tecnológico não foi suficiente para
que se tivesse uma compreensão da infância diferenciada. Basta uma pequena olhada aos
jornais, ou mesmo um passeio a qualquer cidade brasileira para que se perceba as contradições
de vivências da infância.
Desta maneira, a infância continua sendo vista como fase da vida, maturacional, ora
com o discurso da necessidade de cuidado e educação – por ser uma fase casta, pura, ingênua e
imatura -, ora com a práxis da exclusão social – do delinqüente, do deficiente, do carente.
Confirmando essas contradições, Sarmento e Pinto (1997) apontam a condição
paradoxal da infância na contemporaneidade, condição esta bem observada quando
percebemos que quanto mais os adultos desejam e gostam das crianças, menos crianças nascem
18
Entendo a Modernidade como a episteme de um dado momento histórico, sendo que Harvey (1996, p.19) define
o modernismo como “[...] positivista, tecnocêntrico e racionalista, [...] identificado como a crença no progresso
linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do
conhecimento e da produção”.
28
e menos são os espaços e tempos dispensados à criança. Na nossa sociedade, os adultos
postulam que deve ser dada prioridade às crianças, mas estas não são ouvidas nas decisões que
dizem respeito as suas vidas; quanto mais os adultos concordam que as crianças devem ser
educadas para a liberdade e democracia, mais as instituições sociais voltadas ao atendimento
das crianças se pautam na disciplina e no controle, sendo as contribuições das crianças à
sociedade geralmente não reconhecidas como válidas.
Gosto do desenho de Tonucci (1997, p.6) apresentado na epígrafe deste capítulo, por
mostrar como, ainda hoje, olhamos a criança de cima, sempre precedendo a compreensão do
adulto sobre a criança. O entendimento que ainda permanece é de que a criança nada tem a
falar e explicitar sobre suas experiências e suas vivências, deslocando-a de seu lugar ativo na
sociedade.
Jobim e Souza (1996) contribui para esta discussão afirmando que não conseguimos
resgatar o lugar social da infância, não consideramos a criança como ser que interage com a
história do seu tempo, modificando-a e modificando-se, de modo que
pensar a criança nessa dimensão [desvinculada do social] faz com que nossa
relação com ela seja marcada por uma concepção adultocêntrica,
individualizando o verdadeiro diálogo com ela, ou seja, aquele diálogo em
que ela nos mostra os espaços sociais e culturais de onde emergem sua voz e o
seu desejo. Enfim, nessa perspectiva a criança não é vista como sujeito na e da
história (JOBIM e SOUZA, 1996, p.45),
como sujeito que produz cultura, produz significados e sentidos.
Compreendo que ao considerar as crianças como produtos e produtores de/da cultura,
admito que elas são capazes de atribuir sentidos às suas ações, de construir representações e
crenças em sistemas organizados, sendo que seu desenvolvimento/aprendizagem
necessariamente passa a ser visto em uma relação dialógica, na qual a criança nasce com
processos básicos importantes para sua sobrevivência, mas que em relação com a cultura
modifica-se, re-significando e transformando a cultura e a si mesma, contudo sempre marcada
pelas condições históricas e sociais do tempo e sociedade da qual participa.
Assim, é preciso entender que o processo de desenvolvimento/aprendizagem da
criança é mutuamente constituído com a cultura, de maneira que é necessário entender a
infância como uma categoria social, analisável em suas relações com a ação e estrutura social
(SARMENTO e PINTO, 1997).
Para entender a criança como sujeito produto e produtor de/da cultura, é importante
considerar os modos pelos quais a criança consegue produzir cultura, significados e sentidos
para suas experiências e vivências. Levantando essa questão Sarmento (2004, p.21) pondera
29
que “com efeito, muito se vem estabelecendo a idéia de que as crianças realizam processos
de significação e estabelecem modos de monitorização da acção [...]. O ‘mundo da fantasia’
das crianças constitui, na expressão vulgar dos adultos, o reconhecimento, no senso comum,
dos modos de construção de significados pelas crianças”, sendo o lúdico, o faz-de-conta, a
imaginação um dos modos de significação da criança, de produção de cultura.
Entretanto, esta produção cultural da criança não pode ser entendida deslocada do
contexto do qual a criança se encontra inserida, ou seja, as culturas infantis não nascem no
universo exclusivo da infância, pois este universo não é fechado, pelo contrário, ele é
construído na relação com outros e extremamente permeável. Assim, a criança
nos faz lembrar que tanto os objetos como as palavras estão no mundo para
ser permanentemente ressignificados por nossas ações. Palavras e objetos, por
serem criações humanas, não são fixos nem imutáveis. A infância, portanto,
pode ser vista alegoricamente como elemento capaz de desencantar (ou
reencantar) o mundo da razão instrumental, trazendo à tona a crítica do
progresso e da temporalidade linear do século das luzes. Porém, mais que tudo
isso, a criança, na sua fragilidade, aponta ao adulto verdades que ele não
consegue ouvir ou enxergar [...] (JOBIM e SOUZA e PEREIRA, 1998, p.35),
permitindo que possamos nos dar conta de situações, valores, significações, crenças culturais,
perspectivas e pontos de vista diferenciados daqueles que mantemos cotidianamente. Essa
relação amalgamada entre produzir cultura e ser produto de sua cultura e seu tempo, se objetiva
na brincadeira, como uma das linguagens da criança, sendo essa a discussão apresentada a
seguir.
30
CAPÍTULO 2
DO BRINCAR/CRIAR: A BRINCADEIRA COMO ESPAÇO DE PRODUÇÃO
CULTURAL
“A imaginação da criança trabalha subvertendo a ordem estabelecida, pois,
impulsionada pelo desejo, ela essempre pronta para mostrar uma outra
possibilidade de apreensão das coisas do mundo e da vida”(JOBIM e
SOUZA, 1996, p.52).
Tentei, no decorrer do capítulo anterior, apresentar algumas considerações sobre o
processo de constituição do sujeito, bem como o conceito de infância e o entendimento sobre
os processos de desenvolvimento/aprendizagem do ser humano. Gostaria de retomar essas
considerações objetivando apontar a inserção da brincadeira e do brincar no contexto das
discussões aqui apresentadas.
Para isto, considero ser importante aprofundar a discussão sobre os processos de
desenvolvimento/aprendizagem. Conforme apontei, os processos psicológicos superiores se
desenvolvem em uma relação estreita entre o desenvolvimento filogenético e a cultura, sendo
que, antes de se tornarem processos subjetivados, estiveram presentes nas relações
interpsicológicas, entre sujeitos, ou seja, o ser humano se constitui na alteridade. Para que se
tornem processos intrapsicológicos é necessário que os sujeitos o subjetivem, dando sentido a
essas relações, ressignificando-as para si. Rivièri (1985, p.59) destaca que “[...] o
desenvolvimento das funções superiores exigiria [...] a apropriação e internalização
19
de
instrumentos e signos em um contexto de interação. E isto é aprendizagem”
20
.
Considerando, então, a aprendizagem como esse movimento do sujeito em relação
com o mundo, de apropriação da cultura, um processo de aprender os significados dados ao
mundo e dar sentido a isso, cabe discutir a relação entre desenvolvimento e aprendizagem.
Segundo Vygotski (2000) o desenvolvimento humano é um processo social, dialético
e de alteridade, de mudanças quantitativas e transformações qualitativas, com complexas
relações entre a maturação orgânica e o desenvolvimento cultural, mediado semióticamente e
historicamente, sendo um processo único e irrepetível, que se faz carne do sujeito.
Desenvolvimento, então, é
19
Essa citação, por ser literal impede sua modificação. Entretanto, gostaria de apontar que o termo internalização
vem sendo substituído pelo termo apropriação, ao longo dos trabalhos com base na psicologia Histórico-cultural,
conforme argumentação de Zanella (2004), por vincular uma visão dualista e naturalista do ser humano e do
social, fato que não corresponde à visão do enfoque histórico-cultural.
20
“[…] el desarrollo de las funciones superiores exigiría […] la apropiación e internalización de instrumentos y
signos en un contexto de interacción. Y esto es aprendizaje” (RIVIÈRI, 1985, p.59).
31
[...] um complexo processo dialético, que se distingue por uma complicada
periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas funções, a
metamorfose ou transformação de umas formas em outras, um entrelaçamento
complexo de processos evolutivos e involutivos, um complexo cruzamento de
fatores externos e internos, um complexo processo de superação de
dificuldades e adaptação
21
(VYGOTSKI, 2000, p.141).
Sendo assim, cabe reafirmar que desenvolvimento e aprendizagem são processos
distintos, interdependentes, com complexas relações dialógicas, sendo que um pressupõe e
nega o outro instantânea e constantemente. Neste sentido a aprendizagem é fonte de
desenvolvimento, precedendo-o. O que significa afirmar que a aprendizagem deve preceder o
desenvolvimento ou ser uma fonte do desenvolvimento? Esta afirmativa implica considerar que
a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, que o alimenta, é seu combustível, sempre se
pensando na emergência e indispensabilidade de um outro nesse processo.
Vygotski (2001, p.243) lembra que “a instrução unicamente é válida quando precede o
desenvolvimento. Então ela desperta e engendra toda uma série de funções que se encontravam
em estado de maturação e permaneciam na zona de desenvolvimento proximal. Nisso consiste
o papel principal da instrução no desenvolvimento
22
”.
Desse modo, considero essencial apontar as discussões sobre o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal e as implicações para a constituição do humano. Comumente Zona
de Desenvolvimento Proximal é difundida e conhecida como o espaço compreendido entre
aquilo que o sujeito realiza sozinho Nível de Desenvolvimento Real e aquilo que o sujeito
realiza com o auxílio de um outro adulto ou par mais competente Nível de Desenvolvimento
Potencial, entendimento esse pautado nos escritos de Vigotski (1998)
23
.
Entretanto, prefiro trabalhar com o conceito construído por Zanella (2001) com base
na teoria vygotskiana, por compreender que a autora consegue ampliar o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal, tão importante à construção teórica de Vygotsky e tão
simplificado nas diversas leituras de sua obra. Assim, Zanella (2001, p.113) afirma que a zona
de desenvolvimento proximal
21
“[…] un complejo proceso dialéctico que se distingue por una complicada periodicidad, la desproporción en el
desarrollo de las diversas funciones, las metamorfosis o transformación cualitativa de una formas en otras, en
entrelazamiento complejo de procesos evolutivos e involutivos, el complejo cruce de factores externos e internos,
un complejo proceso de superación de dificultades y de adaptación” (VYGOTSKI, 2000, p.141).
22
“La instrucción únicamente es valida cuando precede al desarrollo. Entonces despierta y engendra toda una
serie de funciones que se hallaban en estado de maduración y permanecían en la zona de desarrollo próximo. En
eso consiste precisamente el papel principal de la instrucción en el desarrollo” (VYGOTSKI, 2001, p.243).
23
Essa compreensão aparece em “A formação social da mente”, livro editado por norte-americanos (JOHN-
STEINER, Vera; SOUBERMAN, Ellen; COLE, Michael; SCRIBNER, Sylvia) constitui-se de recortes realizados
na obra de Vygotsky, durante a Guerra Fria, pelos autores. Dessa forma, é um livro que não existe nas obras de
Vygotsky, sendo extremamente marcado pelo período em que foi editado, de maneira a ter recortes e retiradas do
texto original que são fundantes da teoria vygotskiana, como os conceitos de dialética e de historicidade.
32
[...] consiste no campo interpsicológico onde significações são socialmente
produzidas e particularmente apropriadas, constituído nas e pelas relações
sociais em que os sujeitos encontram-se envolvidos com problemas ou
situações em que o embate, a troca de idéias, o compartilhar e o confrontar
pontos de vista diferenciados. [...]. Podem ser tanto relações adulto/criança,
relações de pares ou mesmo relações com um interlocutor ausente: o que
caracteriza a ZDP é a confrontação ativa e cooperativa de compreensões
variadas a respeito de uma dada situação.
Essa conceitualização da zona de desenvolvimento proximal permite entender esse
constructo como um espaço de efetiva aprendizagem, de subjetivação da cultura, de
desenvolvimento mediado semióticamente, bem como de produção da cultura, uma arena de
produção de sentidos e de ressignificação. É com base nessa compreensão que, então, destaca-
se o brincar (a brincadeira, o jogo) como instituidor de zonas de desenvolvimento proximal e,
consequentemente, de promoção de aprendizagem e desenvolvimento.
Isso porque, conforme Vigotski (1998) aponta, o brincar é uma atividade que se
caracteriza pela possibilidade de promoção de zonas de desenvolvimento proximal. Para o
autor, entretanto, o brincar não deve ser definido meramente como uma atividade que gera
prazer à criança. Pelo contrário, devemos compreender que o brincar é uma atividade
imprescindível à criança, uma necessidade que ela possui, até mesmo porque existem outras
atividades que geram mais prazer para a criança, bem como algumas brincadeiras que geram
desprazer e frustração para ela, não cabendo o prazer servir de base para a definição do brincar.
Vigotski (1998) justifica essa necessidade de brincar da criança, não como uma
necessidade filogenética (ver LEONTIÉV, 1994), pois considera que mesmo o brincar de uma
criança na mais tenra idade é diferenciado do brincar dos animais, de forma que esta atividade
é uma produção cultural, que responde à tendência que a criança tem de buscar satisfazer seus
desejos imediatamente. Contudo, como nem sempre esta necessidade de satisfação imediata de
seus desejos é possível, é justamente essa impossibilidade que abre espaço para a entrada em
cena da imaginação, pois com a brincadeira o impossível é realizado. Nas palavras de Jobim e
Souza (1996, p.51) “o jogo lúdico [leia-se a brincadeira] opera uma ruptura entre a realidade e
a percepção da realidade fazendo com que a imaginação entre em cena”, apontando a principal
contribuição da brincadeira para o desenvolvimento/aprendizagem da criança: ruptura do real
com o simbólico.
Explico-me: Vygotski (2000) afirma que o principal papel da brincadeira para o
desenvolvimento/aprendizagem da criança, diz respeito ao fato de que no brincar a criança
começa a separar o objeto de seu significado um pedaço de madeira transforma-se em um
cavalo ou em uma mesa, ou em um prato, etc. passando a operar simbolicamente, sem que
33
essa ação seja determinada pela sua percepção direta do objeto. Sendo assim, citando Vygotski
(2000, p.187),
como sabemos, durante o jogo [brincadeira] uns objetos passam a significar
muito facilmente outros, os substituem, se convertendo em signos seus. Sabe-
se igualmente que o importante não é a semelhança entre os brinquedos e o
objeto que designa. O que tem maior importância é a sua utilização funcional,
a possibilidade de realizar com sua ajuda o gesto representativo. Acreditamos
que tão somente nele tem lugar a chave da explicação de toda a função
simbólica dos jogos infantis. [...]. É o próprio movimento da criança, seu
próprio gesto, o que atribui a função de signo ao objeto correspondente, o que
lhe confere sentido
24
.
Desta maneira, o brincar tem sua importância fundamental à medida que promove a
produção de sentidos, a ressignificação da realidade, por meio da imaginação, a ação no mundo
real e a possibilidade de mudança deste. Assim, entendo o brincar como a atividade
imaginativa da criança, com a qual ela opera no mundo real, construindo sentidos, imergindo-
se na cultura, à medida que a produz.
Além disto, durante o brincar a criança acaba agindo além da sua idade e do seu
desenvolvimento real, conforme aponta Vygotski (1997, p. 252)
[...] a própria essência do jogo [brincadeira] supõe-se na criação de uma
situação imaginária, isto é, de um determinado campo semântico que altera
todo o comportamento da criança, obrigando-a a definir-se em seus atos e
suas procedências através de uma situação exclusivamente imaginária,
unicamente possível, porém não visível. O conteúdo dessas situações
imaginárias sempre indica claramente sua procedência do mundo dos
adultos
25
,
sendo esta uma afirmativa que aponta como a criança, no brincar, se comporta além da sua
idade, vivenciando, via imaginação, situações que, de outra maneira, não lhe seria possível
experienciar.
É durante as brincadeiras que a criança, usado-se das regras sociais para o brincar,
acaba por tornar suas, subjetivar essas regras, construindo seus valores e crenças, sempre numa
relação de negociação com seus pares, com a cultura. Durante esta atividade a criança
24
“Como sabemos, durante el juego unos objetos pasan a significar muy fácilmente otros, los sustituyen, se
convierten en signos suyos. Se sabe igualmente que lo importante no es la semejanza entre el juguete y el objeto
que designa. Lo que tiene mayor importancia es su utilización funcional, la posibilidad de realizar con su ayuda el
gesto representativo. Creemos que tan sólo en el ello radica la clave de la explicación de toda la función simbólica
de los juegos infantiles. […]. Es el propio movimiento del niño, su propio gesto, los que atribuyen la función de
signo al objeto correspondiente, lo que le confiere sentido” (VYGOTSKI, 2000, p.187).
25
“[…] la propia esencia del juego estriba en la creación de una situación imaginaria, esto es, de un determinado
campo semántico que altera todo el comportamiento del niño, obligándole a definirse en sus actos y su proceder a
través de una situación exclusivamente imaginaria, únicamente posible, pero no visible. El contenido de esas
situaciones imaginarias siempre indica claramente su procedencia del mundo de los adultos” (VYGOTSKI, 1997,
p.252).
34
demonstra que tem consciência das regras e valores sociais, sendo que, embora nos pareça que
ela apenas imite essas regras, durante esse processo ela as reelabora criativamente,
promovendo novas possibilidades de interpretação do real, de modo que esses
comportamentos são a base da construção dos valores éticos, morais, afetivos e cognitivos que,
posteriormente, irão compor suas possibilidades de subjetivação diante do contexto social e
cultural em que vive” (JOBIM e SOUZA, 1996, p.53).
Deste modo, é possível afirmar que durante o brincar a criança se apropria da cultura
da qual participa, o que lhe permite ampliar seu repertório de significações e utilizá-lo como
referência em suas brincadeiras. Entretanto, não é possível, de acordo com o enfoque histórico-
cultural, considerar o brincar como mera colagem e repetição da cultura, das relações e regras
sociais, mas como apropriação dessas experiências vividas e observadas pelas crianças, que
lhes permitem criar outras realidades possíveis, de maneira que o brincar emancipa o sujeito
em relação à realidade circundante por meio da ação imaginária.
Penso ser importante retomar Vigotsky (2003) em suas colocações sobre o imaginário
e sua função no brincar, tendo em vista que o autor afirma que
verdade é que, em seus jogos, [as crianças] reproduzem muito do que vêem,
pois é bem sabido o imenso papel que pertence a imitação nos jogos
[brincadeiras] infantis. São estes com freqüência mero reflexo do que vêem e
ouvem dos maiores, porém tais elementos da experiência alheia não são nunca
levados pelas crianças a seus jogos [brincadeiras] como eram na realidade.
Não se limitam em seus jogos a recordar experiências vividas, senão que as
reelaboram criativamente, combinando-as entre si e edificando com elas
novas realidades de acordo com suas convicções e necessidades
26
(VIGOTSKY, 2003, p.12).
Sendo a atividade criativa fundamento e produto do brincar, torna-se mister esclarecer
como entendo o desenvolvimento desta e como isso se no brincar. Partindo da compreensão
de que o sujeito se faz na relação com os outros, de que a realidade cultural e histórica constitui
o sujeito, Vigotsky (2003) destaca que a base da atividade criativa é o contexto no qual o
sujeito está inserido. Assim, o sujeito parte da realidade vivida, ressignificando-a e
reelaborando-a, sendo que a atividade criativa está em relação direta com a riqueza e variedade
26
“Verdad es que, en sus juegos, reproducen mucho de lo que ven, pero bien sabido es el inmenso papel que
pertenece a la imitación en los juegos infantiles. Son éstos con frecuencia mero reflejo de lo que ven y oyen de los
mayores, pero tales elementos de experiencia ajena no son nunca llevados por los niños como eran en realidad. No
se limitan en sus juegos a recordar experiencias vividas, sino que las reelaboran creadoramente, combinándolas
entre y edificando con ellas nuevas realidades acordes con sus aficiones y necesidades” (VIGOTSKY, 2003,
p.12).
35
da experiência anterior, pois “[...] essa experiência é o material com o qual se erige seus
edifícios da fantasia
27
” (VIGOTSKY, 2003, p.17).
Entretanto, a experiência, o vivido também se apóia na fantasia, pois é a imaginação
que permite o planejamento de atividades, “é precisamente a atividade criativa do homem [leia-
se ser humano] o que faz dele um ser projetado para o futuro, um ser que contribui ao criar e
que modifica seu presente
28
” (VIGOTSKY, 2003, p.9), tendo em vista que a imaginação
permite ao sujeito ampliar suas experiências, sendo capaz de imaginar o não vivido nem
experienciado, não ficando fechado no estreito círculo de sua experiência.
Além disso, a imaginação permite o enlace emocional, de maneira que as imagens da
fantasia servem para recriar nossos sentimentos e emoções, pois é como se a emoção elegesse
imagens, idéias, impressões congruentes com os sentimentos, “as imagens da fantasia também
são linguagem interior para nossos sentimentos selecionando determinados elementos da
realidade e combinando-os de tal maneira que responda a nosso estado interior de ânimo e não
a lógica exterior destas imagens próprias
29
(VIGOTSKY, 2003, p.21). Este é um dos motivos
pelo qual a imaginação é tida como ferramenta para não somente expressar sentimentos e
emoções, mas fundamentalmente recriá-los.
Desta forma, o sujeito, partindo da experiência vivida, do real, via imaginação, associa
e dissocia estas experiências e este real, separando-os, subdividindo-os, comparando-os com
outras e agrupando-as, extraindo alguns traços e acrescentando outros, realizando trocas, pois
“[...] constituem processos que se movem, trocam, vivem, morrem e neste movimento reside a
garantia de suas trocas sob a influência de fatores internos, deformando-os e reelaborando-
os”
30
(VIGOTSKY, 2003, p.32). Esse processo dá elementos para a objetivação da imaginação,
por meio da produção de objetos, que finaliza o espiral da atividade criativa do sujeito.
Cabe salientar que, ao objetivar a imaginação, ao materializá-la, o sujeito intervém no
mundo, modificando-o com o produto de sua atividade criativa e também transformando a si
mesmo durante este processo. Bakhtin (2003, p.4) pondera que
são igualmente assim todos os vivenciamentos criadores ativos: estes
vivenciam o seu objeto e a si mesmos no objeto e não no processo de seu
27
“[…] la primera y principal ley a que se subordina la función imaginativa […] la actividad creadora de la
imaginación se encuentra en relación directa con la riqueza y la variedad de la experiencia acumulada por el
hombre, porque esta experiencia es el material con el que erije sus edificios la fantasía” (VIGOTSKY, 2003,
p.17).
28
“Es precisamente la actividad creadora del hombre la que hace de él un ser proyectado hacia el futuro, un ser
que contribuye a crear y que modifica su presente” (VIGOTSKY, 2003, p.9).
29
“Las imágenes de la fantasía prestan también lenguaje interior a nuestros sentimientos seleccionando
determinados elementos de la realidad y combinándolos en tal manera que responda a nuestro estado interior del
ánimo y no a la lógica exterior de estas propias imágenes” (VIGOTSKY, 2003, p.21).
30
“[…] constituyen procesos que se mueven, cambian, viven, mueren y en este movimiento reside la garantía de
sus cambios bajo la influencia de factores internos, deformándolos e reelaborándolos” (VIGOTSKY, 2003, p.32).
36
vivenciamento; vivencia-se o trabalho criador, mas o vivenciamento não
escuta nem a si mesmo, escuta e tão-somente o produto que está sendo
criado ou o objeto a que ele visa
Bakhtin (2003) aponta, assim, que a eventicidade do processo de criação constrói, ao
mesmo tempo, o sujeito e a materialidade da imaginação (objeto), em um mesmo trabalho a
objetivação e subjetivação do próprio sujeito e daquilo que ele está produzindo através da
objetivação da imaginação.
Deste modo, o processo da atividade criativa não deve ser entendido como um dom,
mas como algo que faz parte do cotidiano, pois constantemente somos levados a encontrar
soluções e tomar decisões que implicam em criar alternativas, criar estratégias, constantemente
planejamos o futuro (imaginando-o) para guiar-nos por esse projeto, (re)feito, também,
cotidianamente.
Vigotsky (2003) afirma que a criação é intrínseca a todo e qualquer aspecto da
dimensão humana, na medida que todo objeto que nos circunda é a cristalização da
fantasia/imaginação. Maheirie et al (2006, p.240) ponderam a importância dessa atividade para
o sujeito, pois consideram que “[...] as atividades criadora e imaginativa foram consideradas
como atividades humanas fundamentais para a transcendência do que está posto e criação de
novas formas e possibilidades de existência”.
Sendo assim, a brincadeira é atividade criativa, na medida em que a criança toma
elementos da cultura, dissociando-os e associando-os em uma nova configuração
(VIGOTSKY, 2003), objetivando esse processo na brincadeira, onde encarna personagens e
produz outros sentidos para a cultura na qual está inserida. Parto, então, dessa compreensão,
para afirmar que o brincar se caracteriza, dessa maneira, como uma atividade estética. De que
forma?
Primeiramente gostaria de retomar a compreensão de Bakhtin (2003, p. 33), de que
“[...] o homem [leia-se ser humano] tem uma necessidade estética absoluta do outro, do seu
ativismo que vê, lembra-se, reúne e unifica, que é o único capaz de criar para ele uma
personalidade externamente acabada; tal personalidade não existe se o outro não a cria; [...]”, o
que remete, novamente, ao conceito de alteridade. Para Bakhtin (2003) o acabamento do
sujeito quem pode dar é o outro, um acabamento sempre provisório, um fechamento, que se
constitui como uma relação estética, sendo que isso justifica a afirmativa da citação, pois
considerar que somente o outro pode me dar um acabamento por meio da relação estética,
supõe uma necessidade estética do outro.
37
Desta maneira, todas as relações cotidianas, todos os eventos vividos, perpassam pela
estética da alteridade, de modo que também o brincar passa a ser considerado desta maneira,
tendo em vista que durante esta atividade a criança estabelece relações com um outro, mesmo
que seja um outro não presente (por intermédio dos lugares sociais que ocupa durante a
brincadeira), que lhe dá acabamento, à medida que também dá acabamento a este outro.
Zanella (2006, p.36)
aponta a estética como “[...] dimensão sensível, enquanto modo
específico de relação com a realidade, pautado por uma sensibilidade que permita reconhecer a
polissemia da vida e transcender o caráter prático utilitário da cultura capitalística
31
”. Desse
modo, entendida como relação, Sanchez-Vazquez (1999, p.47) afirma que a relação estética é
“[...] um modo específico de apropriação da realidade, vinculado a outros modos de
apropriação humana do mundo com as condições históricas, sociais e culturais em que
ocorre”
32
, sendo que este modo de relação não foi privilegiado ao longo da história, porém é
imprescindível e vital ao sujeito, pois permite atuar sobre a realidade e transformá-la.
Sendo assim, considero ser possível entender o brincar também como uma relação
estética da criança com o mundo, pois é uma atividade que lhe permite uma relação sensível
com a realidade, com o vivido. De acordo com Jobim e Souza (1996, p.54) “se estamos
convencidos de que a criança é capaz de pensar não meramente no interior dos sistemas
cognitivo e social existentes, mas além deles ou mesmo contra eles, então o jogo [brincadeira]
como experiência estética pode ser tão ou mais relevante [...]”. Desta maneira, o que se propõe
é uma mudança de ênfase, de uma compreensão do brincar como mero divertimento/prazer,
para uma compreensão deste como um espaço de produção de cultura, de possibilidade de ver
o mundo com outros olhos, de dar outros sentidos à realidade, transformando-a e
transformando-se.
Entender o brincar por uma lógica outra, que não seja a prático-produtiva ou prático-
utilitária, mas uma relação estética dos sujeitos com o vivido, permite compreender as relações
possíveis entre brincar e desenvolvimento/aprendizagem, pois se
desenvolvimento/aprendizagem são processos de constituição do sujeito, se o sujeito se
constitui na alteridade, mediado semióticamente pela cultura, por meio de processos de
significação, e; sendo o brincar entendido na sua possibilidade de estetização das relações,
atividade de ressignificação, de (re)criação, de produção de sentidos; o brincar se faz como
31
O termo capitalístico foi cunhado por Guatarri (1986) “[...] por lhe parecer necessário criar um termo que possa
designar não apenas as sociedades qualificadas como capitalistas, mas também os setores do ‘Terceiro Mundo’ ou
do capitalismo ‘periférico’, assim como as economias ditas socialistas dos países do leste, que vivem numa
espécie de dependência e contradependência do capitalismo” (GUATARRRi e ROLNIK, 1986, nota de rodapé).
32
Sobre as diferentes relações do sujeito com o mundo ver Sanchez-Vazquez (1999).
38
espaço de constituição do sujeito, de seus processos psicológicos superiores, seus afetos e
vontade.
Pretendo, no próximo capítulo, apontar como o brincar vem se incluindo no espaço
escolar, como é visto e de que maneira é trabalhado, partindo da compreensão de que
necessitamos entender o brincar como uma atividade promotora de
aprendizagens/desenvolvimento, constituidora de zona de desenvolvimento proximal, atividade
criativa que se funda em uma relação estética da criança com a realidade.
2.1 Brincar na escola: a criança e as (im)possibilidades da brincadeira no espaço escolar
“Brincar com criança não é perder tempo, é ganhá-lo: se é triste ver meninos
sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar
com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem” (Carlos
Drummond de Andrade).
Conforme apresentando nesse capítulo, o modo de relação sujeito/mundo valorizado
em nossa sociedade se caracteriza, principalmente, por relações prático-utilitárias ou prático-
produtivas, de maneira tal que são valorizadas àquelas atividades que geram um produto, ou
que permitam ao sujeito fazer uso de produtos. Sendo a escola uma instituição formada por
sujeitos dessa sociedade, geralmente acaba por repetir essa lógica utilitarista em suas relações e
suas atividades, dando pouco espaço para relações outras do sujeito com o mundo.
Conforme Maheirie et al (2006) indicam, a escola mantém uma dificuldade de aceitar
o novo, de trabalhar a criação, de se imaginar diferente, fazendo com que o brincar, no espaço
escolar, seja marcado pela gica prático-utilitária ou prático-produtiva, pois passa-se a
entender a escola como espaço de trabalho da criança.
Nessa perspectiva, não cabe o brincar, pois a condição necessária para a aprendizagem
é o silêncio, a seriedade e o ouvir o(a) professor(a). A diversão, a brincadeira, o jogo é relegado
a alguns tempos/espaços, tais como: o intervalo (recreio) e a entrada e saída da aula, conforme
demonstra Tonucci (2005, p.173).
39
(TONUCCI, 2005, p. 173)
De acordo com Pinto (2003), o brincar encontra-se, assim como a própria criança,
confinado dentro da escola, em situação precária, regido por princípios e regras rígidas.
Schneider (2004, p.173) complementa esta observação de Pinto (2003) ao apontar que
“infelizmente as possibilidades de brincar que hoje são oferecidas às crianças de zero a dez
anos, especialmente nas escolas em geral, têm se extinguido, seja em relação à oferta do tempo,
à qualidade e à quantidade dos materiais [...] seja, sobretudo em relação à qualidade da
mediação pela qual esta atividade é realizada [...]”.
Nas palavras de Tonucci (2005, p.177) “as atividades importantes, geralmente, não
são divertidas, mas cansativas, e a criança mal pode esperar a hora de terminar. As aulas
‘normais’ baseiam-se no princípio da superioridade do adulto que sabe e ensina o respeito ao
aluno que não sabe e que escuta”. Deste modo, parece que o brincar na escola reproduz a
lógica capitalística de produção, onde a importância recai sobre aquelas atividades que
produzam objetos que possam ser consumidos, mensurados; o objetivo então é o produto da
brincadeira e não o processo.
Como, então, é percebida uma proposta que venha a possibilitar o brincar na escola,
que insere a práxis da brincadeira no Ensino Fundamental? A possibilidade de brincar na
escola, de ter um espaço destinado à brincadeira, uma brinquedoteca dentro da escola de
Ensino Fundamental: como os pais, professores e as próprias crianças significam esse espaço?
Quais são os sentidos atribuídos à brinquedoteca no espaço escolar? Essas foram as questões
que me mobilizaram para a realização desta pesquisa. Estendo a você o convite para ouvir o
que estes sujeitos têm a dizer sobre uma brinquedoteca no espaço escolar.
40
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41
CAPÍTULO 3
O PERCURSO METODOLÓGICO...
“Assim, a própria língua encerra os fundamentos e as possibilidades da
cognição científica do fato. A palavra é o germe da ciência, e neste sentido
cabe dizer que no começo da ciência estava a palavra” (VYGOTSKI, 1997,
p.281).
33
Compreendo que o método consiste no “(...) caminho do pensamento e a prática
exercida na abordagem da realidade” (MINAYO, 1994, p.16), ocupando, assim, um lugar
central no interior das teorias e refere-se a elas, denotando a importância de se pontuar a
abordagem teórico-metodológica de onde parto para a realização desta pesquisa.
Desse modo, entendo que a ciência é uma produção humana, e enquanto produção
humana se constitui como uma relação do ser humano com a realidade. O conhecimento
científico é uma construção que parte de um olhar interessado, de uma determinada
perspectiva, de uma realidade sócio-histórica e neste sentido toda investigação está relacionada
a interesses e circunstâncias socialmente condicionadas.
Assim, parto da perspectiva histórico-cultural, compreendendo que o estudo das
atividades caracteristicamente humanas deva ter como base uma visão histórica, ou seja,
estudar o fenômeno em movimento, e compreender que a pesquisa se constitui “como criação
de territórios de conhecimentos-subjetividades que põem em movimento, no mesmo ato,
conhecimento, intervenção e autoria” (MARASCHIN, 2004, p.99). A pesquisa, nesta
perspectiva, sempre é uma intervenção na realidade, através da qual pesquisador e sujeitos da
pesquisa constroem conjuntamente sentidos e transformam-se neste processo.
Considero importante ressaltar que, sendo entendido como momento de construção de
sentidos e de constituição mútua entre pesquisador e sujeitos da pesquisa, a noção de diálogo é
imprescindível, pois permite apreender que os sujeitos produzem sentidos e ressignificam seu
cotidiano durante a pesquisa, de modo que os fenômenos humanos devem ser estudados em seu
dialogismo, ou seja, a partir de interrogações e trocas. A compreensão sobre diálogo que
assumo vem da teoria bakhtiniana, na qual o diálogo deve ser compreendido para além da
relação direta (face a face), mas também em uma relação texto/contexto.
Vygotski (1997, p.289) contribui para essa discussão ao afirmar que “[...] a realidade
determina o objeto da ciência e seu método, e que é totalmente impossível estudar os conceitos
33
“Así, la propia lengua encierra los fundamentos y las posibilidades de la cognición científica del hecho. La
palabra es el germen de la ciencia, y en este sentido cabe decir que en el comienzo de la ciencia estaba la palabra”
(VYGOTSKI, 1997, p.281).
42
de qualquer ciência prescindindo das realidades representadas por estes conceitos
34
”,
denotando a importância de perceber as relações entre a construção científica e a realidade da
qual participam os sujeitos.
Neste sentido, a partir das conjecturas apresentadas compreendo que a realidade é uma
produção social da qual o pesquisador participa diretamente, sendo que os fenômenos só
podem ser compreendidos em relação com seu contexto espaço/tempo, sendo que a pesquisa
deve levar em conta estes aspectos. Partindo dessa compreensão, apresento o modo como
imergi no campo de pesquisa, selecionando os sujeitos informantes e realizando as entrevistas,
condições essas que possibilitam a construção dos discursos analisados no Capítulo 5.
3.1 Escolha dos sujeitos da pesquisa
Para a realização desta pesquisa, foram eleitos os alunos do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Santa Catarina CA/UFSC, regularmente matriculados na quarta
série do Ensino Fundamental do ano letivo de 2006 e seus respectivos pais/responsáveis e
professores. A escolha por ouvir estes sujeitos se deu pelo fato de estas crianças terem
freqüentado a brinquedoteca da referida escola durante todo o período das Séries Iniciais,
população esta a qual a brinquedoteca se dirige.
Para responder aos objetivos desta pesquisa, busquei manter uma equidade entre os
participantes de cada uma das três quartas séries do CA/UFSC, respeitando os critérios de
repetição e incompletude de informação, selecionando aquelas crianças que mais brincavam na
escola e aquelas que menos brincavam na escola.
Esta primeira seleção das crianças foi feita através de observações exploratórias, com
registro cursivo, no pátio, na sala de aula e nas aulas de artes e educação física, que ocorrem
em espaços próprios; no horário de aula e nos intervalos. Foram três observações em cada uma
das quartas séries em dias alternados, a fim de verificar em que situação as crianças brincavam,
quem eram as crianças que brincavam, onde brincavam, com quem brincavam e por quanto
tempo brincavam. Após uma seleção prévia de vinte e uma crianças, perguntei-as sobre seu
interesse em participar da pesquisa, apresentando brevemente meus objetivos.
Destas crianças, dez informaram que gostariam de participar da pesquisa, sendo que
encaminhei um bilhete de apresentação da pesquisa para os pais/responsáveis. Dos dez bilhetes
encaminhados somente sete retornaram, informando um número de telefone para contato.
34
“[…] la realidad determina el objeto de la ciencia y su método, y que es totalmente imposible estudiar los
conceptos de cualquier ciencia prescindindo de lãs realidades representadsa por esos conceptos” (VYGOTSKI,
1997, p.289).
43
Assim, entrei em contato, via telefone, com os pais/responsáveis dessas sete crianças,
marcando horário para conversarmos, a fim de esclarecer os objetivos da pesquisa, pedir
autorização para participação da criança e realizar a entrevista com os pais/responsáveis.
Entretanto, nem todos os pais tinham horários compatíveis com os meus e, em muitos dos
encontros marcados, as mães não compareceram, de modo que, respeitando o tempo para a
coleta das informações, foram realizadas entrevistas com três mães e três crianças.
Concomitante a isto, os(as) professores(as) das três quartas séries foram consultadas
sobre sua disponibilidade para participarem da pesquisa, para as quais também os objetivos do
trabalho foram apresentados e todos aquiesceram.
3.2 Coleta das Informações
Para a coleta das informações, considerando-se a natureza do problema a ser
investigado, optei pela entrevista como meio de acesso aos sentidos da brinquedoteca e do
brincar na escola para os sujeitos pesquisados. Szymanski (2000) afirma que a situação de
entrevista promove a construção de significados, sendo o processo de construção do
significado tão importante quanto o significado produzido, de maneira que “(...) esse processo
interativo complexo [a entrevista] tem um caráter recorrente, num intercâmbio contínuo entre
significados e o sistema de crenças e valores, perpassados por emoções e sentimentos”
(SZYMANSKI, 2000, p.195).
Por caracterizar-se como processo interativo, essa autora ainda ressalta que tanto
entrevistado como entrevistador são responsáveis pela construção do significado durante a
entrevista. Reafirmando esta concepção da entrevista, Olabuénaga (1999, p.165) considera que
“(...) a entrevista compreende o desenvolvimento de uma interação, criadora e captador de
significados, na qual influem decisivamente as características pessoais (biológicas, culturais,
sociais, de conduta) tanto do entrevistador quanto do entrevistado
35
”.
Deste modo, primeiramente me apresentei ao setor de Pesquisa do Colégio de
Aplicação
36
, com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, para que a responsável pelo
setor me encaminhasse aos responsáveis pelas Séries Iniciais do CA/UFSC. Fui, então,
35
“La entrevista comprende un desarrollo de interacción, creador y captador de significados, en el que influyen
decisivamente las características personales (biológicas, culturales, sociales, conductuales) del entrevistador lo
mismo que de las del entrevistado” (OLABUÉNAGA, 1999, p.165).
36
O Colégio de Aplicação se constitui como espaço pensado para pesquisa e extensão na Universidade, de modo
que várias são as pesquisas que acontecem tendo como campo de coleta das informações a referida escola, o que
faz com que essa prática seja uma constante na instituição e que constantemente os sujeitos que dela participam
sejam interrogados sobre seu interesse em participar de projetos e pesquisas.
44
encaminhada para a coordenadora das Séries Iniciais do CA/UFSC, a quem apresentei a
proposta da pesquisa e autorização para a realização das observações exploratórias.
No dia dois de março de dois mil e seis, participei de uma reunião na escola com as
professoras de quarta série e a supervisora das ries iniciais, para apresentar-me. Tendo feito
isto, encaminhei para a supervisora das séries iniciais (e a pedido desta) um cronograma das
observações exploratórias, indicando as datas de observação e as turmas a serem observadas
em cada dia.
As observações exploratórias iniciaram no dia vinte de março de dois mil e seis,
encerrando-se no dia cinco de abril do mesmo ano, sendo que cada uma das turmas de quarta
série foi observada um dia por semana, totalizando três observações em cada uma das turmas.
Da quarta série A, sete sujeitos foram pré-selecionados: Flávio
37
, Gustavo, Gina, Jaque,
Larissa, Bruno e Tales. Flávio, Gustavo, Gina e Bruno chamaram minha atenção por, durante o
período das observações exploratórias, serem crianças que constantemente brincavam em sala
de aula, utilizando-se da imaginação para transformar seus pertences em nave, espada, etc.,
tanto nos momentos que eram permitidos (quando a professora abria espaço para um
“descanço”, ou quando ela levava brincadeiras com o objetivo pedagógico, na hora do recreio),
quanto nas “brechas” que encontravam nos momentos não permitidos (durante e explicação de
conteúdos e/ou realização de atividades escolares).
Já Jaque, Larissa e Tales eram crianças que não brincavam em sala de aula, sendo que,
por vezes, até nas aulas que a atividade era lúdica (aula de artes e educação física) ficavam à
parte da turma, tendo dificuldades de se integrarem à atividade proposta. Cabe ressaltar que,
tanto Jaque como Tales, eram as crianças mais velhas da turma.
Da turma da quarta série B, sete sujeitos foram os que mais se destacaram: Luana,
Sabrina, Carlos, Rodrigo, Naila, Maicon e Helena. Luana, Rodrigo e Maicon brincavam em
sala de aula, também com base na atividade imaginativa, criando oportunidades para brincar
apresentando comportamentos considerados inadequados pelos professores (constantemente os
professores chamavam a atenção deles, indicando sua reprovação a tais comportamentos) por
estarem brincando quando não era para brincar (momentos permitidos apontados
anteriormente). Já Sabrina, pouco brincava, estava mais próxima dos meninos e tentava fazer
graça de algumas situações da sala de aula, ou seja, um brincar autorizado. Carlos, Naila e
Helena brincavam somente nos momentos autorizados pela professora.
Da turma da quarta série C, os sujeitos pré-selecionados foram: Joana, Naia, Gabriel,
Iago, Mario, Marilda e Eduardo. Joana e Naia brincavam com atividades de faz-de-conta,
37
Os nomes são todos fictícios respeitando as normas do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.
45
utilizando-se do material disponível (material didático e materiais da sala de aula cortina,
carteira etc). Gabriel e Iago brincavam de atividades livres como pega-pega e também jogos
educativos e de tabuleiros e esportes. Mário, devido ao fato de estar com a perna engessada,
pouco brincava, pois não conseguia acompanhar os colegas nas brincadeiras que realizavam.
Marilda não brincava na sala de aula, nem fora dela, até mesmo nos intervalos somente
caminhava pelo pátio, na maioria das vezes sozinha. Já Eduardo foi interessante, pois num
primeiro momento se mostrou quieto, sem brincar, respeitando as normas da instituição.
Depois, com o passar das observações, foi se mostrando extremamente ativo, inventando
brincadeiras na sala e sendo considerado pelos professores como indisciplinado (de acordo com
avaliação de vários professores durante as observações).
Após estas observações, conversei com estas crianças pré-selecionadas, questionando-
as a respeito de seu interesse em participar da pesquisa. De todas, somente Luana (4ª B),
Sabrina (4ª B), Helena (4ª B), Joana (4ª C), Mario (4ª C), Marilda (4ª C), Flávio (4ª A),
Gustavo (4ª A), Larissa (4ª A) e Tales (4ª A) se interessaram em participar da pesquisa. Sendo
assim, encaminhei um bilhete a seus pais/responsáveis, apresentando-me e pedindo para
disponibilizarem um telefone e um horário para que eu pudesse entrar em contato com eles.
Desses, Sabrina, Joana, Mario, Marilda, Flávio, Larissa e Gustavo retornaram o bilhete em
tempo hábil para que eu pudesse realizar o contato com seus pais/responsáveis para marcar a
entrevista.
Após entrar em contato com os pais/responsáveis, marquei um horário e dia para
encontrar-me com eles com a finalidade de apresentar a pesquisa e pedir autorização para a
realização das entrevistas. consegui realizar as entrevistas com as mães de Sabrina, Joana,
Mario, Marilda, Flávio e Larissa, pois a mãe de Gustavo, marquei encontro várias vezes e ela
não compareceu, fazendo com que, devido ao tempo para realização das entrevistas, eu não a
entrevistasse mais. Esse critério de seleção/exclusão por intermédio da adesão dos
pais/responsáveis, se deu, pois acredito ser importante ouvi-los para poder perceber como seus
discursos se entrelaçam com os das crianças e das professoras, onde convergem e onde
divergem, até mesmo para poder identificar as relações de poder implícitas nas relações
adulto/criança, inclusive durante a entrevista comigo. Isto é, poder ouvir as várias vozes dos
discursos construídos na relação de entrevista
De acordo com Fiorin (2006 p.167) “[...] o real se apresenta para nós semióticamente,
o que implica que nosso discurso não se relaciona diretamente com as coisas, mas com outros
discursos, que semiotizam o mundo”, de maneira que é importante ouvir os distintos discursos
e perceber seus pontos de encontro e desencontro.
46
Por considerar essencial a escuta das crianças, pois acredito que elas são capazes de
produzir significados e sentidos a respeito daquilo que vivem e das instituições das quais
participam, era primordial a participação delas na entrevista. Assim, Larissa também teve de
deixar de participar, pois não foi possível conciliar os horários para que eu pudesse fazer uma
entrevista com ela.
Deste modo, dos vinte e um sujeitos pré-selecionados, restaram apenas cinco: Sabrina
(4ª B), Joana (4ª C), Mario (4ª C), Marilda (4ª C) e Flávio (4ª A). Tendo em vista a tentativa de
buscar uma equidade das informações seria necessário fazer mais um corte metodológico na
escolha dos sujeitos. Sendo assim, a posteriori, tendo constatado que cada uma das quartas
séries trabalhava com uma proposta didático-metodológica diferente, este foi o critério
utilizado para a última seleção dos sujeitos, escolhi, então, ficar com a primeira entrevista de
cada uma das três turmas, trabalhando com as informações construídas nas entrevistas de
Sabrina (4ª B), Joana (4ª C) e Flávio (4ª A), bem como suas respectivas mães: Solange, Suélen
e Esmeralda. As mães foram entrevistadas, ao invés de mães e pais, porque elas é que se
disponibilizaram a participar da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas individualmente, sendo assinado um Termo de
consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 1) tendo como base um roteiro diferenciado para
cada população, isto é, um roteiro para as crianças (Apêndice 2), um roteiro para os
pais/responsáveis (Apêndice 3) e um roteiro para os(as) professores(as) (Apêndice 4). Apesar
de diferentes, os roteiros tinham por objetivo buscar os sentidos atribuídos à brinquedoteca no
espaço escolar, entendendo que essas diferentes populações participam de maneira distinta da
instituição escolar e dos tempos/espaços ali determinados.
As entrevistas de Solange, Suélen, Sabrina e Joana foram realizadas na biblioteca do
Colégio de Aplicação, respeitando acordo feito entre pesquisadora e os sujeitos entrevistados.
As de Esmeralda e de Flávio foram realizadas na residência deles, pois como era mais afastada
e não possuíam meio de transporte próprio, me foi pedido para ir ao encontro deles. Todas as
entrevistas foram gravadas e transcritas e ocorreram em momentos diferentes.
Durante as observações fui entrando em contato com os professores para poder
selecionar, entre eles, os sujeitos para a pesquisa. Participaram aqueles professores que se
disponibilizaram espontaneamente a estarem sendo entrevistados e cujos horários disponíveis
fossem compatíveis com o meu horário. Assim, concomitante aos procedimentos de coleta das
informações junto às crianças e suas mães, foram marcados os horários e locais para com as
entrevistas com as professoras, sendo que somente a professora Amanda (4ª C) e a professora
Karol (4ª A) conseguiram fechar horário comigo para a realização das entrevistas.
47
As entrevistas com as professoras foram realizadas individualmente, sendo que a
entrevista com a professora Karol ocorreu durante uma aula de educação física, onde ela não
estava trabalhando com a turma, sendo realizada na sala dos professores; e a entrevista com a
professora Amanda foi realizada após a oficina que ela ministra no contra-turno, na sala de aula
da própria oficina. As entrevistas com as professoras também foram gravadas e transcritas.
3.2.1 A entrevista com as crianças
Pela especificidade dessa pesquisa em ouvir as crianças a respeito de uma instituição
social da qual participam acredito ser essencial apresentar algumas discussões e problemáticas
enfrentadas durante o processo de entrevista com essa população em específico. De acordo
com Jobim e Souza, Salgado e Pereira (2005, p.15) “em uma perspectiva dialógica,
entendemos a criança como o outro do adulto, como um sujeito, cuja presença inquieta nosso
olhar e nossos saberes”, o que demarca os diferentes lugares sociais ocupados durante a
pesquisa com crianças.
Se o momento da pesquisa, em si, traz uma série de colocações e problemáticas a
respeito dos lugares sociais ocupados, pois sabe-se que estes diferentes lugares são marcados
por relações de poder, fato que exige do pesquisador a compreensão dessa dimensão no
momento da pesquisa tendo em vista que marca as produções discursivas; no que se refere a
entrevista com crianças essa realidade é ainda mais enfatizada, tendo em vista a postura
adultocêntrica que, por vezes, tomamos diante da criança (JOBIM e SOUZA, 1996), o que
exige do investigador adulto cuidado em não induzir os discursos das crianças.
Essa problemática me acompanhou durante as entrevistas com as crianças, pois, por
várias vezes durante o processo fui percebendo o lugar que eu estava tendo naquela relação
lugar de saber, de poder sobre a criança, dado a mesmo pelo fato de algumas entrevistas
serem realizadas na escola. Várias vezes – algumas em tempo (como no caso da entrevista com
Flávio e de Sabrina) outras sem muito tempo (no caso da entrevista com Joana) percebi o
quanto estava levando a produção de sentidos para aquilo que eu gostaria de ouvir.
Ao longo das análises apontei, sempre que possível, o quanto aqueles discursos
produzidos junto às crianças estavam direcionados à mim e ao lugar social no qual eu havia me
colocado, reconhecido pela criança em entrevista comigo.
Desse modo, acredito que é importante apontar essa dificuldade encontrada na
entrevista com as crianças, pois exige de nós, adultos, colocar-nos em um outro lugar. Como
bem lembra Jobim e Souza, Salgado e Pereira (2005, p.16) “assumir o princípio metodológico
48
da dialogia no processo de pesquisa com crianças, no qual o pesquisador é sempre o adulto
um Outro por excelência com relação à criança -, significa deixar ouvir as vozes que foram ou
que estão emudecidas”. Entretanto esse exercício não é simples, pois as crianças falam por
meio de linguagens outras que não somente a da palavra. Esse fato exige do adulto, conforme
apontei, deslocar-se de seu lugar e de seu modo essencial de significação do mundo, que se
por meio da palavra. Isto é, para entrevistar crianças é necessário recursos outros que o
somente as palavras.
Por muitas vezes durante as entrevistas, minha ânsia em que as crianças pudessem
falar sobre foi o que me fez direcionar seus discursos, oferecendo alternativas de respostas para
serem aceitas ou rejeitadas. Sendo assim, acredito que a própria brincadeira é lugar de
linguagem da criança, devendo ser assim considerada nas pesquisas também, como um outro
modo de ouvir as vozes emudecidas, como propõe Jobim e Souza, Salgado e Pereira (2005).
Entretanto, como a pesquisa sempre traz, intrínseca ou extrinsecamente, a
possibilidade de revisão da própria prática da pesquisa, esta breve narrativa se faz na
emergência de discutirmos mais as metodologias de pesquisa com crianças, tendo em vista o
que Carvalho et al (2004, p.291) pontuam, a saber, que “(...) a entrevista com crianças é uma
técnica ainda relativamente pouco explorada na literatura, inclusive porque, usualmente pensa-
se a criança como incapaz de falar sobre suas próprias preferências, concepções ou avaliações”.
3.3 Análise das informações
Compreendo que a relação estabelecida entre pesquisador e sujeitos da pesquisa se
constitui em uma relação dialógica, ou seja, “[...] tanto convergência, quanto divergência; é
tanto acordo, quanto desacordo; é tanto adesão, quanto recusa; é tanto complemento quanto
embate” (FIORIN, 2006, p.170). Sendo assim, buscando justamente a compreensão dos
sentidos produzidos pelos sujeitos da pesquisa, a análise das informações foi realizada pela
Análise de Discurso, a partir de Bakhtin.
Para o autor (BAKHTIN, 2004) todo discurso reflete e refrata uma realidade, sendo
essencial compreender os modos pelos quais essa realidade é refletida e refratada na
singularidade dos discursos dos sujeitos.
De acordo com Amorim (2003, p.18) “[...] todo discurso produz-se como ato num
contexto singular e irrepetível. Podemos dizer que a teoria de Bakhtin conceitua o discurso
enquanto acontecimento em que a diferença entre valores desempenha papel fundamental na
produção de sentidos”, sendo estes sentidos sempre polifônicos, ou seja, o que o sujeito
49
enuncia enquanto seu vem marcado pelos enunciados do momento histórico em que vive e pela
realidade na qual está inserido.
Desse modo, busquei entender e identificar quais são estas outras vozes contidas nos
discursos dos sujeitos da pesquisa, bem como os entrelaçamentos entre os discursos de mães,
professoras e crianças e suas relações com a cultura escolar e social, pois se os sujeitos se
constituem na alteridade e mediados semioticamente, se torna imprescindível ouvir os sujeitos
em seus diferentes lugares sociais ocupados. Assim, procurei relacionar o texto produzido
pelos sujeitos (discursos), através da entrevista, com o contexto no qual este trabalho foi
realizado, seu momento histórico e lugar social.
Compreendo que nessa relação dialógica de texto e contextos os discursos se
permeiam no que Bakhtin (1992) chama de interdiscurso, ou seja, “[...] não existe objeto que
não seja cercado, envolto, embebido em discurso, todo discurso dialoga com outros discursos,
toda palavra é cercada de outras palavras” (FIORIN, 2006, p.167).
Também importante é ponderar que todo discurso deve ser analisado na relação, ou
seja, quem fala, para quem fala, de onde fala, por que fala, como fala; são questões essenciais à
análise do discurso tendo em vista o que Bakhtin (2004, p.125) propõe, de que “a comunicação
verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com a situação
concreta”, pois ela envolve para além das palavras o campo extra-linguístico do não dito, dos
silêncios que falam (BAKHTIN, 1976).
Ao longo da leitura e releitura das entrevistas, foi se constituindo o processo de
análise, sendo que dessas releituras emergiram as seguintes unidades de análise:
brincar/aprender; tempos/espaços do brincar na escola, brinquedoteca como tempo/espaço para
brincar tutelado; brinquedoteca como tempo/espaço do criar. Essas unidades não são
consideradas estanques nem separadas, sendo trabalhadas nos capítulos 5 e 6.
50
CAPÍTULO 4
O COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFSC, AS CRIANÇAS, SEUS PAIS,
PROFESSORES E O LABRINCA
“Na entrevista é o sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de
outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo, gênero, etnia, classe,
momento histórico e social” (Freitas, 2002, p.29).
Concordo com Freitas (2002) ao considerar que os discursos dos sujeitos trazem a
marca de seu tempo e sua sociedade. Sendo assim, considero importante apresentar o Colégio
de Aplicação da UFSC, o Labrinca e os sujeitos informantes desta pesquisa.
O Colégio de Aplicação da UFSC foi criado em 1961, com a finalidade de servir de
campo de estágio aos alunos dos cursos de Licenciatura e Educação da Universidade, sendo,
por natureza, uma escola experimental mantida pela Universidade e integrada ao Sistema
Federal de Ensino. Atende da primeira série do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino
Médio. A escola tem um caráter especial, pois seus alunos são selecionados por sorteio. É uma
escola gratuita, sendo que no início de cada ano letivo são sorteados os alunos que ali
estudarão.
A população atendida pelo Colégio de Aplicação é variada, com condições sócio-
econômicas e culturais distintas, ou seja, crianças filhos de professores doutores da
universidade, crianças filhos de serventes/faxineiras, crianças da comunidade próxima, de
comunidades mais distantes, e assim por diante.
Como tem por finalidade servir de campo de ensino, pesquisa e extensão, voltado para
diferentes práticas pedagógicas, atualmente as turmas da escola tem diferentes projetos
longitudinais sendo aplicados. Explico: A escola divide todas as suas turmas, da primeira série
do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio, em turmas A, B e C; sendo que cada
uma das turmas tem um projeto de pesquisa que direciona a práxis pedagógica de acordo com
diferentes concepções.
Assim, as turmas A’s seguem uma proposta didático-metodológica pautada no
construtivismo, visando uma pesquisa longitudial para avaliação desta proposta. As turmas C’s
seguem a proposta didático-metodológica da teoria histórico-cultural com o mesmo objetivo de
pesquisa logitudinal e buscando avaliar os resultados dessa metodologia de trabalho. As turmas
B’s não têm nenhum projeto de pesquisa em realização, sendo uma turma que segue uma
proposta de trabalho sem nenhum referencial teórico em especial.
51
Nas turmas A’s, nas séries iniciais, um(a) professor(a) regente que ministra as
disciplinas básicas do currículo (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências e Integração
Social), um(a) professor(a) de Enriquecimento Pessoal (antigo Ensino Religioso), um(a)
professor(a) de Artes e um(a) professor(a) de Educação Física. Já as turmas B’s e C’s contam
com um sistema semelhante aos de quinta a oitava série e Ensino Médio, onde um(a)
professor(a) para cada disciplina específica, sendo que, às vezes, um mesmo(a) professor(a)
ministra mais de uma disciplina.
No que diz respeito às quartas ries pesquisadas, a professora de educação física
circula entre as três turmas, os(as) demais professores(as) circulam em duas turmas ou
trabalham com uma única turma.
Por ser um espaço para pesquisa e extensão, em 1999 o grupo de estudos “Corpo,
educação e sociedade”, composto pelos professores Leila Lira Peters e Paulo Roberto
Brezezinski, em conjunto com Alexandre Fernandes Vaz e Fábio Pinto Machado começaram a
fomentar a idéia do Labrinca (Laboratório + brincadeira + Colégio de Aplicação), uma
brinquedoteca dentro da escola, visando: a valorização da cultura infantil, garantindo o acesso
uma variedade de brinquedos, brincadeiras e jogos; proporcionar a exploração e criação de
diversos materiais lúdicos e cantos temáticos; propiciar a interação de crianças, adultos, pais e
professores; organizar oficinas de atividades lúdicas abertas a toda comunidade
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2002).
O trabalho de Gonçalves (2004) relata todo o caminho de construção do Labrinca,
desde seus primórdios enquanto idéia, até a efetiva inauguração no ano de 2003. Não me
deterei nessa longa trajetória, pois o trabalho realizado pela autora foi completo, sendo que
aqui me deterei na compreensão de seu funcionamento e seus objetivos. Com a finalidade de
possibilitar às crianças das séries iniciais do Colégio de Aplicação da UFSC o desenvolvimento
da autonomia, da criatividade e da cooperação por meio de atividades livres e/ou direcionadas,
os alunos freqüentavam a brinquedoteca uma vez por semana, dentro do horário de aula.
As crianças de primeira a quarta série, antes da inauguração da brinquedoteca,
freqüentavam a biblioteca da escola em uma das aulas de língua portuguesa. Entretanto, como
a biblioteca é um lugar pequeno e que necessita de silêncio, apenas metade da turma ia à
biblioteca e a outra metade ficava em sala de aula, com a professora, trabalhando conteúdos
curriculares. Depois, em um segundo momento, invertia-se as metades da turma.
A proposta do Labrinca era, então, que ao invés de metade da turma permanecer em
sala de aula, que estas crianças pudessem estar indo à brinquedoteca, acompanhadas pelo(a)
52
professor(a), pois a brinquedoteca também possuía um espaço físico restrito. Assim ficou
acordado pelo Colegiado da instituição.
A brinquedoteca constituiu-se em um espaço lúdico preparado para as crianças, com
cantos temáticos (canto da beleza, canto da casinha, canto dos jogos educativos, etc),
proporcionando às crianças o acesso a brinquedos diversos (desde fantasias, bonecas,
carrinhos, jogos pedagógicos, jogos de encaixe, etc.) pensando na promoção de
desenvolvimento/aprendizagem. Também é campo de pesquisa e extensão para diferentes
cursos de Graduação e Pós-Graduação da referida Universidade, tais como Biblioteconomia,
Arquitetura, Educação, Psicologia, Educação Física, etc. Dentre as pesquisas lá realizadas
destaco a de Macarini e Vieira (2006), que investigou o brincar de crianças escolares na
brinquedoteca.
Entretanto, a sistemática de organização dos tempos/espaços da brinquedoteca passou
a ser questionado entre o final do ano de 2005 e início do ano de 2006, sob a alegação de que
os alunos estavam ficando defasados na disciplina de língua portuguesa, não acompanhando a
série seguinte. Assim, no ano de 2006 a ida à brinquedoteca passou a constar como atividade
extra-curricular, no contra-turno das atividades escolares, como uma oficina oferecida para as
crianças e professores que a quisessem freqüentar. Os efeitos dessa mudança, embora não se
constitua como foco dessa pesquisa, certamente poderão ser sentidos nos depoimentos dos
sujeitos entrevistados que ora passo a apresentar.
4.1 Crianças, professores e mães: um breve retrato
Karol é professora regente da 4ª série A, tem quarenta e oito anos, formada em
Pedagogia e com especialização não concluída em Psicopedagogia. Trabalha como professora
em sala de aula há aproximadamente sete anos, sendo seu segundo ano de docência no Colégio
de Aplicação da UFSC. Como atua na quarta série A, a proposta pedagógica que pauta sua
prática é a construtivista.
Flávio é seu aluno, e tem nove anos. Mora em um bairro afastado do colégio, indo e
voltando de ônibus. Vem de uma família de baixa renda, sendo que seus pais trabalham como
vendedores autônomos de uma linha de produtos para emagrecer. Tem uma irmã mais nova,
com três anos. Flávio freqüenta a escola pela manhã e, nas tardes em que não tem oficinas na
escola, brinca com os amigos em casa, na rua ou na casa dos vizinhos. Gosta de jogar futebol,
surfar, jogar vídeo-game ou jogos no computador. Auxilia a mãe em algumas atividades da
casa. Estuda no Colégio de Aplicação desde a primeira série.
53
Sua mãe, Esmeralda, tem trinta e oito anos, tem o Ensino Médio concluído. É casada
com o pai de Flávio e, conforme apontei, trabalha como vendedora autônoma. Reveza o
trabalho de vendedora e as tarefas de casa com o marido, ou seja, ora um está fora vendendo e
o outro em casa com as crianças, ora o contrário.
Amanda é professora da série C, também formada em Pedagogia e com Mestrado
em Educação. Não informou sua idade. Trabalha em sala de aula dez anos e dois anos é
docente do Colégio de Aplicação da UFSC. Trabalha com as disciplinas de Português com a
terceira série C, Ciências e Integração Social (antiga Estudos Sociais) com a quarta série C e
Práticas de Linguagem com a terceira e quarta rie C no sistema de Oficinas. Como trabalha
com as turmas C’s desenvolve uma proposta de trabalho fundamentada numa perspectiva
histórico-cultural.
É professora de Joana, que tem dez anos e que também mora em um bairro afastado
da escola, indo e voltando com condução (uma Topic é responsável por pegá-la na escola e
levá-la em casa e vice-versa). A família tem um apartamento, mas recentemente está morando
na pousada em que a mãe de Joana trabalha como gerente. Vive só com a mãe, sendo filha
única e brinca geralmente em casa sozinha ou com a filha de uma amiga de sua mãe. Gosta de
brincar de boneca e casinha. Estuda no Colégio de Aplicação desde a primeira série, entretanto,
teve de repetir esta, pois já estudava em outra escola quando foi chamada para estudar no C.A..
Suélen é a mãe da Joana, tem quarenta anos, iniciou o Ensino Superior (curso de
Pedagogia, pedindo transferência depois para Letras), mas não concluiu. Hoje é gerente de uma
pousada em uma das praias de Florianópolis, mas já trabalhou como professora. Suélen vive
com a filha, Joana, sendo separada do pai de Joana desde que a menina era bebê. Além de
trabalhar na pousada, mantém as atividades em casa, sendo que Joana a auxilia nessas em
alguns momentos.
Sabrina também tem dez anos e estuda na série B. Mora mais distante da escola e,
como Joana, vai e volta de condução para a escola. Tem mais dois irmãos, sendo a segunda na
ordem dos nascimentos. Sua família tem boas condições financeiras, sua mãe não trabalha (já
foi professora) e a profissão de seu pai não foi mencionada. Têm amigas tanto onde mora
quanto na escola, além de brincar com seus irmãos. Está no colégio de aplicação desde a
primeira série. Gosta de brincadeiras “mais livres”, como denominou: skate, futebol, entre
outros.
Sua mãe é Solange, tem trinta e nove anos, casada, com Ensino Superior Completo e
cursando Pós-Graduação em Literatura. Não trabalha no momento, em função da Pós-
54
Graduação, mas trabalhou como professora. Atualmente cuida dos filhos em casa. A mãe
não informou a profissão do pai de Sabrina.
Penso que, com certeza, esta apresentação dos sujeitos não conta de sua trajetória,
mas possibilita compreender os lugares de produção discursiva, contextualizando os discursos
durante as entrevistas realizadas. Apresentarei, assim, minhas análises sobre os sentidos
produzidos, buscando estabelecer relações do texto com o contexto, conforme proposto por
Bakhtin (1976).
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56
CAPÍTULO 5
BRINCAR E APRENDER: RELAÇÕES (IM)POSSÍVEIS
“Na escola podem acontecer coisas estranhas. Somente na escola fica-
se sentado ao longo de horas, independente das necessidades
características da tarefa” (TONUCCI, 2005, p.176)
Inicio este capítulo com a epígrafe de Tonucci (2005) para problematizar a realidade
do brincar na escola. Como será que os sujeitos que participam dessa instituição, tanto direta
como indiretamente, significam a relação do brincar com a escola? Será que Tonucci (2005)
tem razão ao afirmar que na escola acontecem coisas estranhas? Quais seriam essas coisas
estranhas? Crianças, pais e professores compartilharam experiências comigo nas quais os
sentidos atribuídos ao brincar, seu papel para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças,
bem como a forma como o brincar pode se inserir no espaço escolar, foram explicitados.
Gostaria de retomar Bakhtin (2004) neste ponto do trabalho, para lembrar que as
entrevistas se constituem como diálogos, sendo que o diálogo é uma arena onde ocorre a
abertura para a produção de sentidos, entendendo estes como não unívocos, trazendo não a
voz de seu autor, como várias vozes (discursos) que constitutivas dos sujeitos.
Além disso, Bakhtin (2004, p.112) também ressalta que “qualquer que seja o aspecto
da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais da
enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata”, de modo que
não posso esquecer o lugar ocupado durante as entrevistas pelos participantes, e o modo como
estes lugares marcam diretamente os discursos construídos.
Pude perceber esse fato quando me deparei com um dos sentidos atribuídos ao brincar
na escola que primeiro me capturou, sentido esse marcado pela dicotomia brincar X aprender.
Assim essa primeira unidade de análise se constituiu, compreendendo que não se faz estanque.
O brincar me foi apresentado por duas crianças como contraposto ao aprender, sem que
pudessem estar relacionados. Assim, Flávio (criança) e Joana (criança) afirmaram:
Pesquisadora – Quando tu brinca, como é que tu te sentes assim?
Flávio – Bem... alegre... feliz...
Pesquisadora – É importante brincar?
Flávio – Não sei... também brincar até um limite, não brincar tanto.
Pesquisadora Ah... como assim, me explica como é que é brincar até
um limite, como que você vê?
57
Flávio Não fica brincando o dia todo, não... não... fazer algumas
coisas diferente, não fica brincando o dia todo. Estuda... [...] Tem que
estudar é... ler.
Pesquisadora E... na tua opinião, tu acha que as crianças brincam
demais na escola ou elas deveriam brincar mais na escola?
Joana – Deveriam brincar menos né.
Pesquisadora – Brincar menos?
Joana – Na hora da sala né.
Essas falas remetem ao entendimento de que o brincar é uma atividade que se
contrapõe a outras, socialmente valorizadas, como estudar/ler, discurso esse que leva as várias
vozes onde estudar/ler/aprender são atividades sérias aparentemente em oposição ao brincar/se
divertir. Chama atenção um adulto se deparar com vozes de crianças que atravessadas pelo
discurso dos adultos, crianças que falam a um adulto que consideram o brincar como uma
atividade que deve ser limitada (Flávio), pois tem que estudar, ler; ou que apontam que na sala
de aula não é lugar para brincar (Joana).
Ouvindo as crianças me questionei se, de fato, elas sentem que devem ter limites. Será
que elas acreditam que não aprendem ao brincar? Muito provavelmente elas, de fato, entendem
o brincar como algo à parte da escola, ratificando os discursos historicamente produzidos a
respeito da função da instituição escolar na sociedade.
Esses discursos também apontam a necessária discussão do que Bakhtin (2004, p.121)
afirma ao considerar que “o centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é
interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo”, de modo que
necessário se faz apontar que estas vozes das crianças adultificadas”, se dirigem a um adulto
que, embora na condição de pesquisador, realiza a entrevista no contexto escolar e sobre este
contexto, cabendo o questionamento de seu (re)conhecimento (ou não) como mais um adulto
deste contexto.
Assim, considero que os discursos de Flávio e Joana refratam e refletem a realidade
apontada por Sanchez-Vazquez (1999) quando o autor traça suas considerações sobre as
relações prático-produtivas e/ou prático-utilitárias. De acordo com Sanchez-Vazquez (1999)
essas relações constituem modos dos sujeitos atuarem no mundo onde a prioridade se na
intervenção na natureza, transformando-a em objetos a serem utilizados e consumidos. Assim,
pensando que a contemporaneidade se fundamenta nos princípios do capitalismo onde o ditado
58
popular “tempo é dinheiro” seria o que melhor traduz a episteme dessa lógica social, acredito
que Flávio e Joana apontam justamente essa lógica: existem coisas mais
importantes/valorizadas a serem feitas do que brincar.
Lafargue (1977, p.15) já apontava essa lógica quando afirmou que
uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a
civilização capitalista. Essa loucura arrasta consigo misérias individuais e
sociais que dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o
amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até o esgotamento
das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora.
Assim, atividades ditas ociosas, que não produzam objetos passíveis de consumo ou
utilização, passam a ser atividades não valorizadas em nossa sociedade. Nesse sentido, o
aprender sistematizado pela escola é considerado o trabalho da criança, um espaço onde ela
adquire conhecimentos e se prepara para o mundo do trabalho adulto, sendo que essa atividade
(assim como todo trabalho) exige seriedade e disciplina.
Desse modo, o brincar só cabe na escola quando estiver direcionado à produção de
algo, ou seja, somente quando estiver vinculado ao pedagógico ou educativo, quando é
direcionado pelo professor. Essa é a idéia que Karol (professora) traz sobre o brincar e a sala de
aula.
Karol [...] eu penso assim, que uma das, é muito fácil você é... se
você não faz um brincar... um brincar, digamos, uma coisa consciente,
uma coisa planejada com as crianças, com os teus alunos, ele cai fácil
na indisciplina, entende como é que é?
Pesquisadora – Você tá falando especificamente do trabalho em sala de
aula?
Karol Exatamente, especificamente o trabalho em sala de aula. Você
tem que tentar instigar o brinquedo e a instigação pra que ele produza
alguma coisa, entende como é que é? Pra que haja um crescimento é...
senão fica... fica uma coisa vazia, fica uma coisa sem resultado,
entende.
É interessante perceber como a fala da professora Karol ilustra de maneira explícita
como o brincar deve ser produtivo, construindo a idéia de que o brincar é compatível com o
aprender somente se for direcionado pelo professor e gerar um produto previamente planejado.
Considerando que Karol é professora de Flávio, também posso perceber como suas falas se
intercruzam, quando Karol afirma que o brincar tem que produzir algo e quando Flávio aponta
que não se deve só brincar, pois o brincar tem um limite, deve-se estudar, ler.
59
Pensando nesse intercruzamento dos discursos de Karol e Flávio, acredito que Pinto
(2003, p.140) contribui ao ponderar que as crianças, quando interrogadas sobre a possibilidade
ou não de brincar em sala de aula,
[...] parecem indicar uma certa internalização de crenças e preconceitos,
certamente transmitidos pelos adultos [...]. Exemplo: que a sala de aula não é
lugar para brincar; quem brinca não aprende etc. Mesmo afirmando muitas
vezes que gostariam de brincar também na sala de aula e que muitas vezes
sentem vontade de sair dela para brincar, estas crianças acham ‘natural’ que
na sala de aula o brincar seja proibido!
Solange (mãe), por sua vez, destaca a importância do brincar no espaço de sala de
aula, o que aparentemente se contrapõe às falas aqui apresentadas. No entanto, é
aparentemente distante, na medida em que essa mãe também aponta a obrigatoriedade de que o
brincar produza algo:
Solange [...] o brincar não é criar um espaço pro brincar, precisa
ter uma cultura do brincar, uma cultura que faça com que as atitudes da
brincadeira sejam interessantes pro processo de aprendizagem. Então
eu vejo, eu vejo isso, que uma limitação, quer dizer, é uma questão
institucionalmente tradicional, de que dentro da sala de aula implica
numa tarefa com determinadas características e o espaço do brincar fica
extremamente solto.
Assim, institucionalmente e culturalmente mantém-se a idéia da disciplinarização e do
controle em sala de aula como sendo imprescindíveis para a aprendizagem. Esse discurso
perpassa toda compreensão racional da modernidade (HARVEY, 1993), pautada no
entendimento de que somente com a padronização do conhecimento e da produção e com o
planejamento racional das ordens sociais ideais poderia haver progresso. Aplicando essa gica
à escola, o progresso do aluno no processo de escolarização necessariamente precisaria ser
padronizado e planejado racionalmente e o brincar não teve vez posto que não coincide com
planejamento e padronização.
Deste modo, na sala de aula instituída como lugar para aprender não poderá haver
espaço para brincar sem planejamento, sem padronização. Fortuna (2000) contribui para essa
discussão ao ponderar que é fácil, de certo modo, convencer educadores [bem como pais e
crianças] da importância do brincar para o desenvolvimento dos sujeitos, entretanto, convencê-
los da importância do brincar para a aprendizagem é complicado. Essa afirmativa de Fortuna
(2000) aponta que é realizada uma dicotomia entre desenvolvimento e aprendizagem dos
60
sujeitos e, para além disso, esses processos (desenvolvimento/aprendizagem) não são
entendidos como constitutivos dos sujeitos.
Fortuna (2000, p.150) conclui afirmando que a dificuldade em convencer os
educadores sobre a importância do brincar para a aprendizagem se constrói pelo fato de que os
educadores ainda trabalham com a “[...] oposição entre brincar e estudar [...]. Outros tantos,
tentando ultrapassar essa dicotomia, acabam por reforçá-la, pois, com freqüência, a relação
jogo [leia-se brincar]-aprendizagem invocada privilegia a influência do ensino dirigido sobre o
jogo, descaracterizando-o ao sufocá-lo”. Desse modo, faltam, em nossa sociedade, espaços
físicos e simbólicos para o brincar na escola, pois, bem diz o ditado popular, as crianças estão
ali para aprender e não para brincar.
Com a fala de Solange (mãe) também fica a questão: de qual aprendizagem fala essa
mãe? Qual aprendizagem importa à instituição escolar: a que se pauta em quantidade de
informações e conteúdos didáticos, ou aquelas que possibilitam sujeitos criativos e sensíveis?
É necessário entender que essa cultura escolar da racionalidade e padronização do
trabalho escolar, da cisão entre desenvolvimento e aprendizagem e da descaracterização da
instituição escolar como constitutiva de sujeitos, se mantém por sua (re)produção, na medida
em que os sujeitos se apropriam desses significados construídos e compartilhados socialmente.
Entretanto, por mais que essa cultura escolar constitua o discurso dos sujeitos, demarcando,
assim, sua assujeição, os sujeitos constroem esses discursos, ou seja, o sujeito é partícipe dessa
construção cultural por sua escolha e não por falta de escolha.
Assim, crianças, pais e professores são co-autores dessa (re)produção da cultura
escolar, que acaba por cindir não só a relação entre aprender e brincar, entre trabalho e lazer,
como divide o próprio sujeito criança, de acordo com os espaços autorizados ou não para o
brincar. Essa idéia é de tal maneira posta que Amanda (professora) e Solange (mãe) indicam
essa cisão entre aprender e brincar tomando corpo na separação entre criança e aluno.
Amanda Então... eu penso assim, que a escola, ela acaba tendo... não
digo uma falha, mas uma questão muito importante a ser questionada é
que quando a criança chega na escola ela deixa de ser criança, parece
que ela deixa de ser criança e passa a ser um aluno. Nós professores
temos essa tendência de olha-los como alunos esquecendo que são
crianças.
Pesquisadora – Você vê, então, uma dicotomia entre criança e aluno?
Solange – Acho, é acho.
61
Pesquisadora Em que sentido, você poderia me dizer assim? Quando
você faz essa diferença, quando você estabelece essa diferença?
Solange Pensando no brincar, aquilo que eu tinha te falado né, o
brincar ele... a criança gosta de brincar, o aluno não deve brincar na
sala de aula.
Buscando no dicionário o significado da palavra aluno, encontro o seguinte: “aquele
que recebe instrução e/ou educação de mestre(s), em estabelecimento de ensino ou
particularmente” (FERREIRA, 2001, p.42). Na origem etimológica dessa palavra, a-luno quer
dizer sem luz, aquele que “[...] dependia da luminosidade do professor para que viesse a se
tornar chama [...]” (ZANELLA, s/d, p.5). Esses significados reportam ao que Bakhtin (2004)
afirma de que todo signo é ideológico, refletindo e refratando uma realidade, pois são
significações que apontam a compreensão de todo um sistema educacional construído na
racionalidade moderna, no iluminismo, onde a criança torna-se aluno para poder, um dia,
chegar à racionalidade – ser iluminada.
Essa divisão do sujeito criança entre aluno e criança pode ser entendida também se
pensarmos que o sujeito se constitui na atividade na medida em que constrói a atividade,
diferentes lugares são ocupados em diferentes atividades realizadas, de tal maneira que ao ser
reconhecido o sujeito se reconhece, apropriando-se de seu fazer e do seu lugar no mundo,
sendo que na escola, lugar de aprender, a criança é aluno, faz-se aluno e se reconhece como
aluno, à medida que assim o é reconhecida, tendo como atividade fundante desse sujeito aluno
o processo de ensinar-aprender.
Nuernberg (2002, p.230), ao investigar sobre os lugares sociais produzidos/ocupados
dentro da escola, afirma que “[...] ficou claro que professora e alunos não negociavam apenas
saberes, mas também os sentidos dos lugares simbólicos que ocupavam naquelas relações: o
lugar social de professora e o de aluno”. Nessa negociação é evidente que, conforme propõe
Nuernberg (2002, p.235) os próprios lugares sociais estão “[...] em constante movimento de
significação, o que lhes proporciona o status de processos (re)produzidos entre e pelos
sujeitos”, de maneira que a permanência destes lugares sociais (que fundam atividades
específicas e sujeitos constituídos de maneiras distintas, mas em relação) no espaço pedagógico
implica que os sujeitos enunciem conforme as expectativas e compromissos de suas recíprocas
posições.
Dessa maneira, tendo em vista os diferentes lugares sociais ocupados/produzidos
pelos discursos, as dicotomias brincar/aprender, trabalho/lazer, criança/aluno, são também
62
cristalizadas com a asserção de que os conhecimentos trazidos pelos professores são os ditos
científicos, contrapondo-se aos outros conhecimentos socialmente produzidos, seja no campo
da arte, da religião, da filosofia ou do senso comum. Conforme Nuernberg (2002) considera, ao
ocupar diferentes lugares sociais, mutuamente construídos e significados, efetua-se um
contrato, onde o professor sabe, e a autoridade é constituída de saber, formando uma
hierarquia.
Nessa perspectiva, ao definir o lugar daquele sujeito criança como aluno, a professora
define o seu lugar, a sua função e igualmente seu espaço e o que ali lhe cabe. Ampliar as
condições do aluno-criança é ampliar as suas funções para além do lugar confortável de
professora como aquela que repassa informações (Zanella, s/d), é ampliar suas funções para um
campo o qual ela não domina e para o qual não foi formada.
Deste modo, a produção da diferença entre brincar/criança e aprender/aluno torna-se
necessária para manter a disciplina, o controle e os lugares sociais definidos, bem como da
instituição formadora – a escola -, uma vez que o brincar exige uma outra relação entre
professor e aluno (educador e educando), construindo outra e diferenciada relação entre
professor/criança, na qual esse professor também brincará, demarcando relações não mais
partidas em hierarquias de saber-poder.
Discutindo o lugar ocupado na nossa sociedade pela ciência, Da Ros (s/d, p.58) afirma
que “[...] com o surgimento da ciência moderna, arte e conhecimento acabaram por constituir
esferas dicotômicas, ficando a ciência responsabilizada tanto pelo processo de sistematização
dos conhecimentos quanto pelos processos que permitiam chegar às novas descobertas e aos
novos saberes [...]”. Relacionando ao que Sanchez-Vazquez (1999) propõe, outras relações
sujeito/mundo foram desqualificadas com o advento da Modernidade, dentre elas a relação
estética. Penso que o cartoon de Tonucci (1997, p.110) torna imagem essa idéia significada na
cultura escolar.
(TONUCCI, 1997, p.110)
63
O autor (TONUCCI, 1997) consegue, imageticamente, apontar como na escola, na
lógica da racionalidade Moderna, é dada prioridade à razão instrumental, esquecendo que a
criança (assim como todos os sujeitos) tem um corpo e rias formas de relacionar-se com o
mundo, de tal maneira que a criança no espaço escolar diz-se aluno é vista como
simplesmente cabeça, lugar de morada da razão. Conforme Gaya (2006, p.251) nos lembra,
“[...] é nessa mesma escola e no âmbito dessa mesma pedagogia que o paradigma do
racionalismo iluminista inspirador de uma educação intelectualista permanece, entre outras
evidências, assumindo a herança cartesiana que concebe o corpo como simples extensão da
mente”, dando primazia às formas de ensinar e aprender pautadas no esquecimento do corpo e
das demais relações que este corpo significado estabelece.
Deste modo, parece que criação e produção de conhecimentos não coincidem, pois o
conhecimento/ciência passa a ser entendido como explicação da realidade objetiva, e a criação
como dom divino, subjetivo. Zanella et al (2003, p.146), ao falarem sobre a criatividade,
afirmam que “é corrente no senso comum a idéia de que a criatividade é algo que nasce com o
indivíduo, e de que os artistas, aos quais se atribui a qualidade de gênios criativos por
excelência, distanciam-se da maioria da população por possuírem um ‘dom inato’ para criar”,
considerando a criatividade como atividade restrita a alguns gênios a-históricos e
descontextualizados.
No entanto, a criação, considerada por Vigotsky (2003) como objetivação da
imaginação, não é restrita a uns poucos sujeitos, mas sim faz parte do cotidiano. Conforme
pondera o autor, os objetos que temos na realidade são imaginação cristalizada. A brincadeira,
então, pode ser entendida como uma possibilidade de objetivação da imaginação, como um
processo criativo, pois permite a vivência encarnada da imaginação. O corpo e os brinquedos
(não necessariamente os produzidos) encarnam e objetivam a imaginação em um processo de
ressignificação de si, dos objetos e da realidade.
É possível afirmar, assim, que a dicotomia entre criar e aprender se estabelece com a
disciplinarização dos corpos, tendo em vista que a criação exige um corpo que se movimenta,
um corpo livre no espaço, um corpo que circula, vem e vai, sorri e brinca; diferentemente do
corpo que está preparado e controlado para aprender, ou melhor, receber informações. Impede-
se o movimento corporal (dentre eles o brincar) para impedir uma criação pulsante, instigadora
e fomentar o exercício mental, cognitivo e racional, projeto da sociedade moderna.
Deste modo, na perspectiva que dicotomiza a produção do conhecimento e a
criatividade (como se a produção do conhecimento não fosse um processo criativo),
64
característica da racionalidade moderna, a própria sala de aula, como espaço de construção do
conhecimento, passa a ser entendida como espaço de (re)produção. Na fala de Suélen (mãe):
Suélen Aqui [sala de aula] eu tenho que entrar e me concentrar né.
É... matérias né, que são... mais científicas né.
Suélen aponta que o brincar não cabe na sala de aula à medida que o saber ali
produzido/veiculado/apreendido é um saber científico. Essa idéia também aparece nas falas de
Flávio (criança) e de sua mãe, Esmeralda.
Pesquisadora [...] você acha que as crianças brincam demais ou elas
precisam brincar mais na escola?
Flávio (criança) Na escola, eu acho que bom assim, brincar. Que a
gente tem educação física também, aula de artes.
Pesquisadora – Ah, nessas aulas também dá pra brincar então? De artes
e de educação física?
Flávio – (faz que sim com a cabeça).
Pesquisadora – Na escola, tem lugar pra brincar?
Esmeralda (mãe) Na escola tem... tem as quadras, que eles jogam
futebol, tem a aula de educação física. A própria brinquedoteca, então...
eles tem sempre educação física durante a semana, tem as aulas mais
descontraídas né.
É possível perceber a contraposição feita por esses sujeitos entre as disciplinas de sala
de aula (consideradas científicas) e aquelas onde é possível brincar (educação física e artes),
onde é possível se movimentar, criar e recriar, apontando uma cisão entre diferentes campos de
saber e, ao mesmo tempo, uma leitura que reduz algumas disciplinas escolares ao mero
divertimento, como se não houvesse saberes/conhecimentos científicos nas Artes e na
Educação Física. Essa descaracterização do conhecimento em disciplinas como Artes e
Educação Física remontam a discussão que Da Ros (s/d) apresenta ao indicar o lugar que a
ciência ocupa na atualidade, descaracterizando o conhecimento produzido pelas Artes e
Educação Física por serem formas distintas de conhecer a realidade daquela proposta pela
ciência moderna.
Assim, esses sujeitos ao mesmo tempo em que qualificam as disciplinas de Educação
Física e Artes como disciplinas com espaço para brincar, as desqualificam, pois não as
65
consideram científicas; ao mesmo tempo em que regularizam Artes e Educação Física como
disciplinas, matérias com conteúdo e planejamento, reincidem discursos que as diminuem, uma
vez que efetivamente compreendê-las como fundamentais necessita construir outra gica,
outra episteme e, portanto, outros valores, que fundamentarão e resultarão em outros sentidos
para a instituição escola. Mas quem deseja essas mudanças? Quem as promoveria? A
instituição escolar resistiria a isso?
Essa hierarquização das disciplinas escolares, por sua vez, não é tranqüila, como
Suélen (mãe de Joana) aponta, afirmando que até mesmo esses espaços vêm sendo
questionados:
Suélen Bom, ela [Joana] enfrenta alguns problemas assim na questão
da educação física, que ainda as crianças né, até foi comentado isso na
última reunião, que as crianças ainda pensam que a educação física é
algo de brincadeira , aquele momento que eles vão pra brincar.
Não vêem ainda que a educação física faz parte do currículo, é uma
matéria.
É possível perceber na fala de Flávio, Esmeralda e Suélen que as disciplinas escolares
são hierarquizadas de acordo com a valoração social dada a essas disciplinas, sendo que estas
disciplinas são valoradas em decorrência dos conhecimentos (re)produzidos no interior destas.
Souza (1999, p.139), sobre a divisão das disciplinas na escola, pondera que
[...] além das pautas de aprendizagem do significado escolar e cultural do
tempo fixado nos horários pela distinção entre tempo de trabalho e descanso,
tempo ocupado e tempo livre, tempo de aprender e tempo de brincar, tempo
de atividade e tempo de ócio, tempo de silêncio e tempo de falar, os horários
consubstanciavam ainda a fragmentação do saber, indicando o quanto
aprender de cada matéria e a hierarquia de valores que cada uma possuía pelo
tempo a ela destinado.
Desse modo, podemos ver nos currículos atuais o lugar ocupado por cada disciplina,
lembrando que as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática são as que, constantemente,
contam com maior carga-horária, seguidas das disciplinas de Estudos Sociais (História e
Geografia) e Ciências, ficando com menor carga-horária as disciplinas de Ensino Religioso,
Artes e Educação Física.
Cabe retomar as proposições de Tonucci (1997) e de Gaya (2006), pois se pode
observar que as disciplinas de Educação Física e Artes são aquelas que quebram, de alguma
maneira, com a lógica cartesiana da cultura escolar, lembrando que a criança possui um corpo
significado que sente e que pensa. É importante refletir também sobre as considerações de
66
Maheirie et al (2006, p.248) ao afirmarem que “uma escola com práticas e relações ‘quadradas’
está diretamente relacionada à constituição de sujeitos ‘quadrados’, que não conseguem
vislumbrar possibilidades de criação da existência, presos à repetição e a não reflexão da
realidade”. Essas reflexões nos apontam o quanto a cultura escolar (re)produzem os valores
sociais postos, parecendo que são significados naturais da escola e da sociedade, a-históricos.
Entretanto, quebrando essa naturalização da (re)produção na escola autores como
Freire (1996; 1997; 1987; 1984; 1982), Charlot (1986), Morin (2003; 2005), Vigotski (2001)
dentre outros, apontam a necessidade de que a educação escolar seja construída junto ao aluno
visando uma transformação da realidade social.
Freire (1996, p.32) lembra que “a necessária promoção da ingenuidade à criticidade
não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da
estética”; Vigotski (2001, p.352), por sua vez, afirma que a estética nos espaços de educação
sistematizada deve possibilitar aos sujeitos a “elaboração criadora da realidade, dos objetos e
seus próprios movimentos, que aclara e promove as vivências cotidianas ao nível de vivências
criadoras”. Isto é, ao considerar a produção do conhecimento distinta/separada dos processos
de criação, retira-se do sujeito sua possibilidade de re-significação da realidade e produção de
novos sentidos necessários à reinvenção da própria existência singular e coletiva.
Deste modo, pensando no brincar como possibilidade de (re)significação, de criação,
conforme proposto por Vygotski (2001), e a forma como os sujeitos dessa pesquisa vêm
apontando a relação dicotômica entre o brincar na escola e a aprendizagem, parece que ao
iniciar o processo de escolarização o brincar desvincula-se do aprender, sendo que o aprender
se torna uma obrigação, descontextualizada da vida e da experiência.
Karol (professora), que afirmou que o brincar na sala de aula é possível quando
direcionado pelo professor, justamente vai descaracterizar a possibilidade de (re)criação dessa
atividade, entendida em sua dimensão estética, ao considerar o espaço de sala de aula como
lugar da razão, da disciplina e da seriedade, afirmando que o brincar nesse espaço deve servir
somente para a aprendizagem de conteúdos escolares.
Pesquisadora Você falou de um brincar planejado. Como você
essa questão? Como seria esse brincar planejado, com um objetivo?
Qual seria esse objetivo?
Karol (professora) É, eu vejo da seguinte forma: a partir do momento
que você trabalhando numa sala de aula, voplaneja as tuas aulas
né. Então, por exemplo, eu sei que nas quintas-feiras eu tenho as cinco
aulas, então, por exemplo assim, vamos considerar que se eu trabalhar
67
na questão da explicação e de atividade relacionada a ele... talvez
naquelas cinco aulas isso não seja tão interessante e eles possam não
absorver o conteúdo do jeito que eu quero. Nada me impede que nessas
cinco aulas e dentro daquilo que eu programando de conteúdo, eu
não faça uma brincadeira.
Pesquisadora Com o objetivo último de absorver um conteúdo
também?
Karol Exatamente, atingir o conteúdo também né. Eu acho que isso aí
é muito importante. Você pode fazer, você pode trabalhar, você pode
brincar com um jogo, você pode fazer um teatrinho, você pode fazer
“n” coisas e atingir esse objetivo.
A própria palavra utilizada pela professora para definir o aprender “talvez naquelas
cinco aulas isso não seja tão interessante e eles possam não absorver o conteúdo do jeito que
eu quero” – a palavra absorver é bastante expressiva e evidencia toda uma compreensão acerca
do que seja a relação ensino-aprendizagem, tangenciando a questão da brincadeira. Absorver
provoca um deslize de sentidos que denota um aluno-esponja, aluno que não cria e sim recebe,
suga, portanto, não deve e não precisa brincar. Absorver é colocar de fora para dentro,
movimento no qual não transformação da matéria-conteúdo, apenas uma mudança de
localização. O “do jeito que eu quero”, por sua vez, reafirma o lugar de reprodução pelo aluno
do que é planejado pela professora.
Flávio, aluno de Karol, e sua mãe Esmeralda falam da questão do brincar em sala de
aula como educativo/pedagógico.
Pesquisadora – Mas, na aula, na sala você não brinca?
Flávio (criança) – É... só que não de correr... de outras coisas.
Pesquisadora – Do que você brinca na sala?
Flávio Ah! A gente brinca de forca, as vezes a professora também faz
forca, jogo da velha, a gente brinca na sala de aula.
Esmeralda (mãe) [...] tem matéria, acho até que a matemática,
inclusive eu no Segundo Grau tive essa experiência, que brincando tu
aprende. Que nem a gente lá, naquela parte da matemática, geometria e
tal, fazendo aqueles desenhos, tu aprende brincando. E, às vezes, com a
68
brincadeira tu aprende, se a professora explicasse seriamente tu não
aprenderia.
Ao afirmarem, respectivamente, que a professora traz brincadeiras para a sala de aula,
onde o brincar aparece com esse caráter pedagógico (Flávio) e quando o brincar “facilita” a
aprendizagem de conteúdos curriculares (Esmeralda), podemos perceber como os discursos da
criança e de sua mãe se entrelaçam com os de Karol.
Perrenoud (1995) contribui nessa discussão sobre a escola ser entendida como
trabalho da criança e do lugar que o brincar deve ocupar nesse espaço (sempre produzindo algo
como resultado) trazendo com isso toda a compreensão de não possibilidade de (re)criação dos
sujeitos que participam dessa instituição, quando o autor pondera que exercer esse ofício de
aluno, rotineiro, sem possibilidades de criação “[...] pode também produzir efeitos perversos:
trabalhar para a nota, construir uma relação utilitarista com o saber, com o trabalho, com o
outro” (PERRENOUD, 1995, p.17).
Essa impossibilidade de (re)criação também está presente nas falas de Solange (mãe) e
de Amanda (professora).
Pesquisadora Você essa separação, essa distinção entre o espaço,
o momento de brincar, na sala de aula, aquelas brechas que eles
encontram, como vo disse e o outro espaço de brincar que é o
intervalo? Você consegue ver essa diferença?
Solange (mãe) – Eu vejo, eu vejo sim.
Pesquisadora – E como você pensa essa diferença, surge de onde?
Solange Ah... eu acho que é uma diferença que surge da cultura
escolar mesmo. Você rompe, você trabalha com uma criança de zero a
seis anos dentro da... da pré-escola é diferente porque o brincar, ele
estrutura todo o trabalho. Quando eles chegam na primeira série eles
já... tem uma separação brusca de todas as atividades né, inclusive de
contato entre eles muitas vezes, eles passam muito tempo fazendo
silêncio e se concentrando, como pequenos adultos [...]
Pesquisadora [...] quando você diz bate o sino, entra na sala, é
horário de ler, de fazer cálculo... de onde você supõe que venha isso?
Amanda (professora) – Essa idéia, num processo histórico, vem de uma
escola militar, uma escola voltada pra disciplina, pras regras mais
69
militares mesmo, tempo estabelecido, que vo tem que seguir as
regras pra se dar bem, então vem dessa lógica de sociedade onde os
sujeitos pouco participam dos processos decisórios, e a escola vem
reproduzindo isso ao longo do tempo.
Ambas, Solange (mãe) e Amanda (professora), apontam que a forma como o brincar é
entendido no interior da escola muito tem haver com a cultura, que isso não é natural, que faz
parte de uma construção histórica. Essa compreensão é também apontada por Penin e Vieira
(2002, p.39) quando os autores pontuam que “[...] no interior de uma instituição como a
escola as pessoas são influenciadas tanto pelos aspectos provenientes da cultura geral, da
sociedade como um todo, quanto pelo que se passa na vivência da realidade que a cerca, que
pode ser chamada de cultura específica (no caso, cultura escolar)”.
Porém, é fundamental refletir sobre os sentidos de cultura e história que as falas da
mãe e da professora veiculam, não necessariamente consoantes com os sentidos desses
conceitos expressos na produção de Penin e Vieira (2002) e outros autores, como Vigotski
(2000) e Pino (2000). Para as entrevistadas, a cultura escolar e suas práticas se repetem e se
perpetuam, de modo que a cultura escolar é vista como imutável. Amanda (professora) e
Solange (mãe) não se compreendem como sujeitos co-autores da cultura escolar, que podem,
uma vez fazendo parte dessa instituição, transformar essa cultura; ou nas palavras de Penin e
Vieira (2002, p.39), não compreendem que “[...] essas influências [da cultura geral e da escola]
não são aceitas passivamente pelas pessoas, mas passam pela sua representação e/ou reflexão,
resultando, muitas vezes, na criação de novos aspectos, incorporados nessa cultura específica
[cultura escolar]”. Dessa maneira, a possibilidade de (re)criação e ressignificação do espaço
escolar e de suas lógicas está ausente nos discursos analisados.
Nesse sentido, predomina a compreensão do aprender como um trabalho e a
expectativa que a educação sistematizada da escola gere um resultado, quantitativo e
observável. Ou seja, o professor, no exercício de sua docência, tem que apresentar resultados,
repassar todo o conteúdo no tempo previsto e preparar os alunos para a série seguinte. E o
aluno, por sua vez, precisa mostrar que trabalha, realizando as tarefas, comportando-se
disciplinadamente, tirando boas notas, pré-requisito para a aprendizagem dos ditos saberes
científicos.
Nessa perspectiva, o brincar não combina com o trabalho (e nem com a aquisição do
conhecimento científico), pois este deve ser sério e ter como objetivo último o produto visível;
e o brincar, se não for aquele educativo, que produz algo observável e que permita a aplicação
70
de conteúdos aprendidos, não pode ser considerado trabalho, nem pode ser valorizado no
espaço escolar.
Contudo, esses discursos sobre o brincar educativo, com o objetivo fim de
aprendizagem de um conteúdo específico, também trazem consigo a oposição ao trabalho,
conforme se explicita na fala da professora Karol, já apresentada:
Karol (professora) - eu sei que nas quintas-feiras eu tenho as cinco
aulas, então, por exemplo assim, vamos considerar que se eu trabalhar
na questão da explicação e de atividade relacionada a ele... talvez
naquelas cinco aulas isso não seja tão interessante e eles possam não
absorver o conteúdo do jeito que eu quero. Nada me impede que nessas
cinco aulas e dentro daquilo que eu programando de conteúdo, eu
não faça uma brincadeira. [...],
É possível perceber nessa fala que o brincar, apesar de ser educativo, entra como uma
possibilidade de descontração, de recreação. Esse sentido atribuído ao brincar na sala de aula é também
presente na fala de Esmeralda (mãe) quando afirma que “[...] às vezes, com a brincadeira tu aprende, se
a professora explicasse seriamente tu não aprenderia”.
Essas falas trazem consigo, numa complexa relação dialógica, o discurso do brincar/trabalho,
que possibilita a apreensão de conceitos científicos, portanto sério, disciplinado e racional; e o
brincar/recreação, uma forma de descontração, uma atividade prazerosa, ou uma forma de descansar do
trabalho. Gaya (2006) bem pontua que o tempo na escola é dividido de maneira a dar vazão ao excesso
de energia, de descansar do trabalhando, numa lógica capitalística, descansar do trabalhando,
trabalhando com prazer. Sendo assim, não se pode “perder” tempo nenhum, o aluno pode até brincar,
pois o brincar pode ser moeda de troca na hora da produção. Brinca-se para aprender.
Oliveira e Francischini (2003) apontam essa realidade do brincar entendido como uma
simples recreação, sendo que os discursos de Karol (professora), Esmeralda (mãe) e Flávio
(criança) indicam um sentido do brincar como um momento para reanimar a criança, no
sentido literal de reanimação, ou na representação imagética do cartoon de Tonucci (1997,
p.117).
71
(TONUCCI, 1997, p.117)
Esse também é o discurso que Sabrina (criança) traz, da relação intrínseca entre
brincar pedagógico/educativo e brincar recreativo, na seguinte fala:
Pesquisadora – [...] e tem quem crie outros momentos para brincar?
Sabrina (criança) – Tem...
Pesquisadora – Como é?
Sabrina A professora de matemática é bastante brincalhona assim,
eu, quando consigo achar alguma coisa pra fazer graça, eu falo assim e
até a professora ri, todo mundo ri, mas só quando tem alguma coisa pra
fazer graça. Às vezes não tem nada, né. Assim, a professora não gosta
de páscoa porque ela não gosta da farra do boi, porque ela gosta de
animais, também gosto de animais, brinco com eles bastante.
quando ela fala da farra do boi eu não falo nada né, porque é sério. E
tem aqueles que são abusados assim, que falam quando não tem nada
haver, assim, são abusados né. Aí a gente faz assim ãããããããããããã...
Pesquisadora Então na aula de matemática pra fazer essas
brincadeiras?
Sabrina – É, dá porque a professora é mais brincalhona, até ri né.
A fala de Sabrina aponta o espaço de sala de aula como espaço sério, sendo que
somente pode haver brincadeira e diversão quando a professora autoriza, quando ela é
brincalhona e quando o assunto permite a brincadeira. Como afirmou Sabrina, quando a
professora até ri. Assim, sua fala deixa explícita a característica da seriedade nessa afirmativa,
pois mostra que os professores devem e são sérios. Conforme Schneider (2004, p.125) afirma,
“[...] é importante assinalar que, para muitos professores(as) esta relação com o lúdico pode
não ser simples. Se ele próprio não consegue desarmar a sua racionalidade para desfrutar da
72
descontração que gera o brincar, dificilmente conseguirá incentivar ou mesmo considerar o
brincar da criança”.
Amanda (professora) problematiza a discussão sobre a seriedade do espaço escolar
apontando as dificuldades de se quebrar a dicotomia aprender X brincar, denunciando a
cristalização da instituição escolar e dos próprios professores.
Amanda (professora) [...]. Quando um grupo de professores ou
professoras que defendem que o brincar deve fazer parte do
planejamento, que é a partir dessa ação que as crianças vão se
constituindo, vão aprendendo, é um desafio muito grande, porque isso
vai mexendo com toda a concepção da escola, com o espaço dessa
escola, e que pra escola a criança vai brincar nesses momentos que eu
te falei, bateu o sinal, sala de aula é hora de escrever, de calcular, de ler
e o brincar não. Se você desenvolve uma proposta em que o brincar se
faz presente, o olhar que se tem é que você não está trabalhando, que
estão todos brincando, inclusive a professora que está dando o brincar
no momento de trabalhar. [...]. Eu procuro assim, semanalmente,
dependendo da proposta, que o brincar se faça muito presente, embora
custe, as vezes, às crianças e os pais virem na escola, mas os pais, eles
passam a ter uma relação diferenciada quando ele vê que o filho,
através de quais critérios aprendendo, eles passam a ser os grandes
incentivadores, vêem os filhos felizes, gostando da escola, tendo uma
relação com o conhecimento, então eles passam a te incentivar. As
crianças dão um retorno mais imediato, a escola passa a ter uma
característica diferente pra eles, mais agradável, um espaço bom de
estar e... os professores é muito difícil! O corpo docente é mais difícil
de fazer essa relação, de fazer essa leitura. Continua ainda achando que
você, tudo bem, até fazem, mas você brincando muito, e os alunos
ficam com defasagem, pouco português, pouca gramática, pouca
matemática, mais difícil, eu acredito, são os professores.
Interessante perceber o lugar social que Amanda (professora) ocupa e reconhece como
seu: alguém que procura superar a cisão brincar/aprender, mas que encontra dificuldades nesse
processo. Conforme Amanda pontua, os pais e as crianças paulatinamente (re)conhecem outras
possibilidades para o aprender na sala de aula. Brincar é significado como possibilidade de
73
(re)conhecer (promover) outros afetos, outros sentimentos, outros sentidos nas relações que
vão se constituindo na instituição escolar. Essa compreensão denota, ainda, a necessidade de
que o brincar seja reconhecido por um outro para poder ser tido como importante.
Mas Amanda (professora) aponta também o quanto se separa o brincar do aprender, a
disciplinarização da sala de aula e as dificuldades de se inserir uma proposta que envolva o
brincar dentro da escola, indicando como principais sujeitos que assumem a relação dicotômica
aprender X brincar cristalizada os professores, como ela mesma, que não conseguem ver outras
possibilidades de relação entre essas atividades (brincar e aprender). Maheirie et al (2006)
apontam, a partir de resultados de pesquisa realizada em contexto de formação de professores,
as dificuldades dos professores traçarem outros olhares, outros afetos para a escola e para o seu
trabalho, denotando o que Amanda (professora) apontou.
A professora evidencia, assim, em sua fala, como o espaço/tempo escolar é
espaço/tempo de multiplicidades e complexidades. Ao mesmo tempo em que percebe esta
instituição como um contexto privilegiado para instituir uma outra ética, estética e política do
conhecer (reivindicação contínua dos professores); destaca que são os próprios professores as
pessoas a regular essas práticas e exigir que o conteúdo seja trabalhado na maneira padrão.
Isso faz pensar até que ponto os professores se vêem como um coletivo que pode criar regras
outras e construir novas maneiras de ensinar e aprender. Se eles não se percebem como agentes
de resistência e mobilização, como vão permitir ou criar novas relações de conhecer em sala de
aula? A questão que fica é que eles também não sabem como fazer, como deixar as crianças
brincar à vontade se há um conjunto de conteúdos a trabalhar.
Gaya (2006, p.254), ao ponderar que o corpo não vai à escola, argumenta que “talvez
[o corpo] vá, mas permanece sentado, disciplinado no silêncio e passividade de uma estátua de
mármore. Ou, quem sabe, tal como marionete. Move-se por mecanismos articulados a partir de
um conjunto de fios que se mantém sob o controle dos professores”, argumento que pode
indicar esse não saber fazer diferente dos professores que os imobilizam.
Assim, acredito ser importante as considerações de Maheirie et al (2006) quando
apontam a necessidade proporcionar aos agentes envolvidos com o processo de ensinar e
aprender experiências estéticas, pois entendem que essas vivências vêm a contribuir nessa
discussão sobre a possibilidade de (re)criação dos espaços e tempos escolares ao afirmarem
que possibilita
[...] a constituição de relações estéticas e o vislumbre de novas práticas no
contexto escolar, práticas que engendrem rupturas em relação à repetição e
massificação promovidas cotidianamente e abertura de espaços à diversidade,
à imaginação e criação, isto é, à produção de novos sentidos, novas formas de
ver, ouvir e sentir a realidade. (MAHEIRIE ET AL, 2006, p.241),
74
ou seja, a possibilidade de inserção do brincar como relação estética dentro da escola, como
atividade que promove desenvolvimento e aprendizagem, como atividade que permite a
ressignificação e (re)criação da realidade. Uma possibilidade de estetização da vivência, da
experiência cotidiana da instituição escolar, por intermédio do brincar, possibilitando a
(re)construção e (re)criação dessa realidade.
Mas cabe questionar a problemática dos professores se verem como pessoas que
brincam. Será que o brincar, numa lógica onde lazer/diversão é considerada perda de tempo por
não produzir nada, é possível para as crianças? Será que é somente para as crianças que o
brincar pode permitir o estabelecimento de relações estéticas com a realidade, bem como
desenvolvimento e aprendizagem? Estas questões intrigam, pois denotam que a coerção
empreendida sobre o brincar o ultrapassa, indicando um conjunto de fragilidades em relação ao
que cabe à criança e ao adulto.
5.1 Brincar e aprender: a (re)produção de tempos/espaços
Quais seriam, então, os espaços/tempos autorizados para brincar na escola? Essa
questão também vem indicada na relação dialógica entre brincar/aprender quando os sujeitos se
referem aos tempos e espaços dessas atividades na escola. Todos os sujeitos entrevistados
apontam, primeiramente a dicotomia entre espaços/tempos de aprender e espaços/tempos de
brincar no contexto escolar. Esmeralda (mãe) divide esses tempos e espaços de maneira clara.
Esmeralda (mãe) Eu acho que na sala de aula os professores têm
autoridade máxima, então, a hora que ele tá explicando, a criança não
deve conversando, nem brincando, que eles ficam conversando,
puxando, empurrando, fui criança, sei que é assim. Então eu acho
que tem momentos, principalmente na sala de aula, que não deve
brincar!
Cabe lembrar que Esmeralda (mãe), conforme já apresentado anteriormente, aponta
que as crianças têm espaços/tempos para brincar em aulas mais descontraídas, como as aulas
de educação física, informando que a sala de aula, quando disciplinas sérias são ministradas,
75
não é espaço/tempo próprio para o brincar, mas sim para prestar atenção no professor, para
aprender.
Também Sabrina (criança) indica isso ao afirmar, em resposta à pergunta sobre
quando pode e quando não pode brincar, que:
Sabrina (criança) Eu tô de condução né, então eu posso brincar no
recreio, porque na chegada e na saída não dá tempo.
O discurso de Sabrina aponta que os tempos/espaços para brincar na escola são
somente aqueles autorizados pela instituição escolar, pela cultura dessa instituição. Na sala de
aula não pode brincar, somente na entrada e saída da aula e no intervalo/recreio. Esse também é
o entendimento de Flávio (criança) e Joana (criança).
Pesquisadora [...] E quais são as horas de brincar? Que momentos
para brincar na escola?
Flávio (criança) Ou até no recreio, ou no começo, que na saída eu
não posso. No começo é... sete e vinte até sete e trinta e cinco, na aula,
das dez até as dez e quinze, dez e vinte.
Pesquisadora – E quais são os momentos de brincar?
Joana (criança) – No recreio.
Pesquisadora – Só no recreio?
Joana – Ou no final da aula.
Percebo, assim, o modo como as crianças constituíram seus discursos sobre o brincar
a partir de discursos que expressam a contradição entre brincar e aprender, trabalho e
recreação; indicam somente lugares e tempos institucionalmente consentidos para o brincar, os
momentos de reanimação, como, por exemplo, o recreio, espaço/tempo na escola que é mais ou
menos regido ou administrado pela criança, no sentido de que ali ela escolhe e se escolhe, ela
faz o que lhe der vontade, ela institui uma outra lógica diferente da do adulto. Indicam também,
conforme relatos anteriores nesse capítulo, as aulas de educação física e artes como espaços
possíveis para brincar.
Contudo, não posso deixar de lembrar que as crianças falavam a um adulto, indicando,
assim, um lugar de fala também institucionalizado e marcado, de maneira a construir o discurso
de que somente brincam nesses espaços autorizados. É evidente que o fato de ser um adulto a
entrevistar criança provoca alguns discursos, mas silencia tantos outros.
76
Percebo isso no complemento da fala de Joana (criança) apresentado quando ela
afirma que as crianças brincam demais na sala de aula, em resposta a minha voz de
estranhamento as suas falas. As consonâncias entre os discursos das crianças e dos adultos são
revelados na fala de Amanda (professora), que também aponta os mesmos tempos/espaços
permitidos para o brincar.
Amanda Hoje na escola eu percebo que o tempo não é muito voltado
para o brincar não.
Pesquisadora – Não?!
Amanda Eu percebo. Os tempos são esses do recreio, do brincar e o
espaço da brinquedoteca, mas hoje com uma interrogação muito grande
[...].
É importante observar que a fala das crianças apontam uma reposta correta, ou seja,
aquilo que elas acreditam que um outro queira ouvir, de acordo com o socialmente aceito. Cabe
lembrar que o lugar do sujeito que fala também significa, diz da própria fala do sujeito;
apontando o lugar que a criança se coloca como aquela que diz ao outro o que, supostamente,
aquele outro deseja ouvir, como se ela própria não fosse capaz de falar sobre si e suas vivências
e essas experiências, como a própria narrativa, não fossem valorizadas.
A criança, percebendo as formas como as relações para consigo se constroem, acaba
por marcar seu lugar no discurso, nos tempos/espaços e nas relações, pois “se por um lado o
lugar social significa os enunciados de um sujeito, esse também produz sentidos acerca da
posição simbólica que assume” (NUERNBERG, 2002, p.230). Como lembra Smolka (1991,
p.57), há sempre “[...] um conjunto de práticas que regulam o que pode e deve ser dito em uma
dada posição e em uma dada conjuntura”, demarcando para todos os sujeitos aquelas falas que
são aceitas ou esperadas e, para a criança, aquilo que ela espera que um adulto deseja ouvir.
Entretanto, Smolka e Nogueira (2002, p.87) recordam que “falar do lugar de
professora é diferente de falar do lugar de aluno”, sendo que a fala da
professora Amanda aponta um sentido estruturado em relação ao que se
apresenta como instituído, como lugar/tempo marcado pela sociedade, cultura
e história onde o brincar pode ser aceito e onde ele não pode acontecer no
contexto escolar.
Isso porque os lugares sociais ocupados pela pesquisadora e pela professora são agora
distintos, não numa relação adulto/criança, mas numa relação adulto/adulto, marcada por
outros sentidos, tendo em vista “o fato de que [na] nessa trama discursiva os próprios sujeitos
estão se constituindo, por meio dos jogos de poder e saber que tramitam em cada esfera social.
Nesse embate de estratégias de dominação e resistência é que o sujeito se constitui, marcado
77
pelas verdades, normas e contradições com que trava contato” (NUERNBERG, 2002, p.230),
de maneira que as relações de poder que estão envolvidas na relação professora/pesquisadora
são distintas das relações estabelecidas entre pesquisadora/crianças, tendo em vista que, em
nossa sociedade, o lugar ocupado pelas crianças é de um não-saber.
Como bem lembra Souza (1999, p.129) “o tempo escolar é uma construção histórica e
cultural, um tempo social vinculado à constituição da infância como classe de idade cuja
identidade se associa ao tempo de ir à escola”, de modo que, se a criança é posta num lugar de
não-saber, os espaços/tempos destinados à infância devem se constituir em espaços/tempos
destinados à atividade de fazer da criança um sujeito de saber. Isto é, a criança entendida
sempre como vir-a-ser, vai à escola para se tornar um adulto, com conhecimentos que
culturalmente espera-se que um adulto tenha, não cabendo dentro da instituição escolar
espaços/tempos para atividades outras como o brincar.
Nesse sentido, em síntese, o que Joana (criança), Flávio (criança), Sabrina (criança) e
Amanda (professora) indicam como espaços permitidos para brincar, para além das diferentes
posições ocupadas na produção dos sentidos, se restringem a entrada e saída da aula, recreio,
aula de educação física (também Esmeralda (mãe) e Suélen (mãe) apontam esse espaço) e aula
de artes e a brinquedoteca (também Esmeralda indica esse espaço). Importante destacar que as
aulas de educação física e a brinquedoteca aparecem como espaços que estão sendo
questionados pela própria instituição escolar como espaços para o brincar. Retomando a fala da
professora Amanda, a brinquedoteca encontra-se como uma grande interrogação, pois, como
passou a ser trabalhada em contra-turno deixa de ser um espaço no tempo de aprender da
escola.
Pinto (2003) constatou em sua pesquisa que efetivamente a educação física e o recreio
são apontados pelas crianças como espaços privilegiados para o brincar e acredito que o
cartoon de Tonucci (1997, p.93) também aponta isso.
(TONUCCI, 1997, p.93).
78
O que o cartoon revela é a realidade também desvelada pelos discursos dos sujeitos,
onde a escola se configura da seguinte maneira: sala de aula – espaço para aprender seriamente,
com disciplina e silêncio, pois se caracteriza como espaço de disciplinas ditas científicas e
lugar do trabalho escolar; recreio, entrada e saída da aula, aulas de educação física e artes
espaço onde a diversão é autorizada, onde se pode criar e recriar, brincar. Deste modo, os
tempos/espaços são cindidos, como que não havendo interrelação entre eles.
No que se refere a essa cisão e falta de interrelaçao entre os tempos/espaços da escola
e como isso pode ser perverso para a criança, gostaria de trazer a problematização apontada por
Perrenoud (1995, p.18) ao indagadar “qual aluno poderá interessar-se profundamente pelo seu
trabalho quando este é tão fragmentado, desconexo, caótico, ao sabor das mudanças de
actividades e de disciplinas, do ritmo das campainhas e de outros toques, da contínua troca de
professores e dos respectivos temperamentos, das pressas e dos tempos mortos?
Novamente, posso perceber aqui a lógica que antagoniza trabalho X recreação, brincar
X aprender, ciência X arte, indicando que os tempos/espaços para a aprendizagem não
coincidem com os tempos/espaços para o brincar, reafirmando a relação dicotômica entre essas
atividades.
Cabe lembrar que os espaços/tempos apresentados pelos sujeitos como
espaços/tempos para brincar são aqueles permitidos pela instituição escolar, autorizados, ou
seja, os tempos/espaços instituídos para essa finalidade. Mas como é instituído esse momento
de brincar? De onde vem a idéia de que na escola só se pode brincar na entrada e saída da aula,
recreio, aulas de educação física e artes e na brinquedoteca?
Pesquisadora E quem disse, que é na chegada, no recreio e na
saída que a gente pode brincar?
Sabrina (criança) – Ninguém, a gente percebe.
Pesquisadora – Quem falou que esse é o tempo de brincar?
Flávio (criança) Na realidade não... não... ninguém falou que a gente
tem tempo pra poder brincar na aula.
Parece que naturalizou-se de tal maneira para as crianças que o brincar na escola
restringe-se aos tempos/espaços já apontados que elas não precisam ser informadas sobre
quando podem e quando não podem brincar. Acredito que Bakhtin (1976) contribua nessa
discussão ao apontar que sempre há relação entre o dito e o não dito, de maneira que o
presumido poder ser aquele da família, do clã, da nação, da classe, podendo abarcar dias, anos
79
ou épocas inteiras. O autor afirma ainda que os presumidos “[...] estão na carne e sangue de
todos os representantes desse grupo, elas organizam o pensamento e as ações; elas se fundiram,
por assim dizer, com os objetos e fenômenos aos quais elas correspondem, e por essa razão elas
não precisam de uma formulação verbal especial” (BAKHTIN, 1976, p.6), isto é, não precisam
ser ditas, pois são percebidas, sentidas, vividas, encarnadas.
Alguns sujeitos, entretanto, tentam verbalizar o indizível, responsabilizando
professores e gestores da escola pela decisão sobre os espaços/tempos do brincar nessa
instituição.
Pesquisadora – Quem diz: “- Aqui é hora de brincar, aqui não é, aqui é
o momento de brincar, aqui não é”...
Suélen (mãe) – Bom, eu acho que teria que ser a coordenação, né.
Pesquisadora – Pensa que deva partir deles?
Suélen Eu... eu penso que sim. [...] Talvez o próprio professor possa
regrar isso né: “- Isso eu vou utilizar pro trabalho que eu to fazendo,
vou complementar o assunto que eu to...”
Pesquisadora E... quem é que determina, então, o momento de
brincar e o momento de não brincar?
Esmeralda (mãe) – Eu acho que na sala de aula seria o professor né.
Pesquisadora – E quem disse que esse é o horário de brincar?
Joana (criança) – A professora.
Pesquisadora Eu queria que tu falasse um pouquinho a respeito de
quem é que determina esse tempo e esse espaço pra brincar.
Karol (professora) [...]. Isso fica meio, digo meio assim, porque... o
que a gente procura fazer é tentar negociar com o aluno, mas eu prefiro
acreditar assim, que geralmente você [professora], você programa, é
você mais ou menos que determina.
Nessas tentativas de dizer o indizível, chama atenção as incertezas expressas nos
“achos”, “talvez” e “isso fica meio, meio assim” apresentados nas falas das mães e da
professora, pois, apesar de se caracterizarem como incertezas, são incertezas que marcam a
certeza de que no âmbito do contexto escolar é o professor quem deve direcionar o trabalho, é
80
aquele que detém supostamente o poder de decisão. Mas também é possível perceber a
discussão apresentada de como os sujeitos se vêem distantes da possibilidade de (re)criação
desse espaço, pois não se percebem como construindo e (re)produzindo a cultura escolar de
dicotomia de espaços e tempos de brincar e aprender.
Os pais não se vêem autorizados a problematizar e a (re)criar a escola. Como se a
escola fosse uma coisa já pronta, com regras feitas e que se ele escolheu aquela escola para o(a)
filho(a) deve, portanto, aceitar tudo o que vier dela.
Contudo, conforme Vigotsky (2003) pondera, até mesmo a repetição traz a
ressignificação, a criação; ou como Bakhtin (2004) também aponta, os discursos são sempre
ressignificados, de tal maneira que cabe questionar: se se tornou natural, como se sempre
existisse, essa determinação, essa regra dos tempos/espaços do brincar, qual a possibilidade de
transformação apontada pelos sujeitos entrevistados?
Schneider (2004) lembra que sendo o brincar uma atividade proibida ou extremamente
determinada pela professora em sala de aula, ou somente possível nos intervalos da entrada,
saída, recreio e aulas de educação física e artes, as crianças acabam por criar estratégias para
brincar na escola, sendo esta por meio da transgressão.
Com as entrevistas e observações realizadas, pude constatar que as crianças apontam,
em seus discursos, os tempos/espaços instituídos, mas nas relações cotidianas, ou quando falam
dessas, criam outros tempos/espaços para o brincar. Dessa maneira, a própria impossibilidade e
o cerceamento do brincar possibilitam a criação: criação de tempos, de locais, de estratégias.
Essa transgressão dos tempos/espaços do brincar no contexto escolar denota outro lugar
ocupado pelas crianças, lugar de sujeito que resistente às normas sociais e as (re)inventa.
É possível considerar que o fato de terem de imaginar modos de burlar as normas
propostas pela instituição para poderem brincar é promotor de desenvolvimento da
capacidade imaginativa da criança, uma possibilidade de estetização da sua relação com a
escola, uma demonstração de sua possibilidade, enquanto sujeito ativo, de transformar e
ressignificar o vivido. Ouvindo Flávio (criança) evidencia-se essa possibilidade de
criação/transgressão.
Pesquisadora Na sala brinca quando a professora a brincadeira
ou vocês brincam também quando a professora não dá a brincadeira?
Flávio (criança) Quando a professora deixa e quando a professora
não deixa também.
Pesquisadora Ah é? E como é que vocês conseguem brincar quando
a professora não deixa?
81
Flávio É que assim ó, a gente tem uma dupla e as vezes, a dupla do
meu amigo ela sai e eu sento ali e a professora não nota.
A fala de Flávio aponta que as crianças fazem da própria transgressão, da
possibilidade de criação de tempos/espaços outros para o brincar, uma brincadeira. Pinto
(2003) também observa essa realidade em sua pesquisa, ponderando que as tentativas de
criação de possibilidades para a brincadeira acaba por se tornar um jogo. Essa realidade é
também percebida pela professora Amanda.
Pesquisadora E você que existe transgressão? De um modo geral,
tu vê a transgressão desses tempos, desses momentos, desses espaços
de brincar?
Amanda (professora) Vejo e que bom que eles [transgressão]
existem, eles que nos mostram que é possível uma escola diferente sim,
uma escola feliz, uma escola mais humana, onde as crianças possam ser
de fato crianças.
o discurso de Joana (criança) vem marcado pelo discurso da instituição e pelos
lugares que ocupamos durante a construção dos discursos.
Pesquisadora – E quem disse que esse é o horário de brincar?
Joana (criança) – A professora.
Pesquisadora – E tem quem não obedeça a professora?
Joana – (Faz que sim com a cabeça)
Pesquisadora E o que eles fazem quando eles desobedecem a
professora? Por que você tá dizendo que eles desobedecem?
Joana – Não sei explicar...
Pesquisadora – Eles brincam na hora que não é pra brincar?
Joana – Aham...
Pesquisadora – Por exemplo, eles brincam onde?
Joana – Na sala, né.
Em sua contraposição aos discursos de Flávio (criança) e Amanda (professora), Joana
aponta a dialogia dos tempos/espaços do brincar na escola, pois ao mesmo tempo em que a
transgressão pode ser entendida como espaço de (re)criação, também é entendida como
problemática, como indisciplina. Considero importante marcar que foi preciso insistir para que
82
esse discurso fosse produzido, tendo que dar alternativas de resposta para consentimento de
Joana, sendo essa uma questão que, novamente, aponta um (des)conforto dos lugares sociais
ocupados durante o momento da entrevista.
A idéia de transgressão como problema/indisciplina é o que aparece na fala também
da professora Karen.
Karol (professora) Existe a criança que sabe, sabe bem os seus
limites, que é uma criança responsável, enfim, que sabe. Mas muitas
não sabem. Então, não sabem a hora de parar, não sabem esse
momento, não sabem definir quando e onde, como e por quê. Agora é o
momento que pronto, deu, deu a brincadeira, deu. Muitas vezes eles
excedem sem necessidade, entende como é que é? Então isso
acontece. Quando esses objetivos não tão bem claros e quando esse
exceder mesmo, o que que acontece? A atividade, ela parte pra uma
indisciplina, ela, pra uma... vamos dizer assim, o desfecho não é muito
salutar né, fica uma coisa meio estranha porque... aí... fica dividido né,
começa a dividir, nem eles sabem os objetivos, entende como é que é?
Esses discursos (de Joana e de Karen) remetem a entender que o brincar em sala de
aula, nos momentos de transgressão, quando não são autorizados pela instituição, ou seja,
quando as crianças criam a possibilidades de espaços/tempos outros para o brincar, muitas
vezes são relacionados ao fracasso na escola, pois leva à indisciplina e falta de limites. Pinto
(2003) apontou essa relação entre o brincar e o fracasso na escola, fazendo com que o
brincar seja realmente utilizado como recreação ou como modo de manutenção do controle em
sala de aula, citando a brincadeira do silêncio.
Entretanto, Karen (professora) também aponta outro sentido do brincar na escola,
indicando que algumas crianças são “mais responsáveis” e outras “menos responsáveis”,
algumas conseguem entender os limites impostos pela instituição e outras não conseguem
entender esse limite, caindo na indisciplina. Essa idéia remete a um entendimento de infância
em que as crianças ora são responsáveis, ora não são responsáveis por suas ações, o que por
sua vez ecoa o discurso maturacionista que aponta crianças como algumas mais maduras,
outras menos maduras para entender a lógica da escola. Isso é o que fala Suélen, mãe da Joana.
Pesquisadora Você acha que alguém transgride os momentos
esperados pra brincar? Você até comentou, a princípio, que a Joana
83
brinca o tempo todo, até na escola e isso é um problema, foi seu
comentário.
Suélen (mãe) – É um problema. É um problema porque em alguns
momentos tem que se concentrar no que tá, né, e a brincadeira, nessa
hora, ela... atrapalha porque... a criança não consegue concentrar. Ela
brincando, quando ela olha, o sol, as nuvens e vai fazendo o
contorno e olha não sei pro que, e começa a virar brincadeira o
tempo todo né. Isso sim eu acho que acaba virando problema.
Pesquisadora Problema? Então, partindo disso, você acha que
existem pessoas que transgridem, que não obedecem esses momentos
de brincar?
Suélen – A Joana!
Pesquisadora – É uma? Mas de um modo geral?
Suélen É... não... temos o... consciência disso né, tanto eu quanto ela.
Ela mesma diz: “- Mãe, eu não consegui me controlar”. Então eu... to
desde a primeira série, da primeira não, porque primeiro a gente
colocou na primeira série, seis anos né. Segunda série, quem sabe?,
começa a amadurecer, quem sabe ela comece a perceber a diferença...
estou, desde a primeira série, esperando esse momento, que ela dê...
aquele... saltinho, sabe: “- Agora eu tenho que fazer o que eu tenho que
fazer, tenho que prestar atenção, tenho que me concentrar. Agora eu
posso brincar”.
Assim, é possível perceber que os discursos de Karen (professora) e Suélen (mãe)
apontam uma visão de infância como fase de transição, etapa de um processo maturacional,
que deve ser ultrapassada para atingir seu pleno desenvolvimento na fase adulta, cabendo à
escola disciplinar a criança para que ela possa viver no mundo dos adultos. Aqui o brincar
entra como atividade “natural” da infância, algo que precisa ser controlado, pois, caso
contrário, irá prejudicar a criança nas atividades sérias que ela precisa realizar para completar
seu projeto de adulto que virá a ser.
Assim a tentativa de descaracterizar a criança como um sujeito que como todo
sujeito é devir que se constitui e realiza nas relações mediadas com a cultura e com os outros
sujeitos. Tentativa de retirar da criança a possibilidade de participação na construção da
cultura, bem como o fato de ser construída pela cultura. Enquanto sujeito de/da cultura o
84
brincar pode ser entendido como uma forma de linguagem que permite à criança produzir
cultura, como apresenta Solange (mãe), o brincar como possibilidade de fala da criança.
Pesquisadora E você vê, você observa crianças que transgridem esses
momentos especificados pra’s atividades?
Solange (mãe) É, eu vejo, eu vejo que sim. Acho que é bem normal
isso aí. [...] dentro da sala de aula, claro que a gente sempre sabe de
crianças que transgridem no sentido de fazer outra coisa, se distrai né, e
essa é a grande queixa dentro das reuniões, a grande queixa geral, dos
professores é de que a criança se desconcentra, de que ela... é... ficam
viajando, mas é uma necessidade que elas têm que não sendo
satisfeita. Então, por um lado elas transgridem uma regra que é externa
à elas e que na verdade elas chegaram e a regra existe, eles não
combinaram nada, por isso que eu acho tão interessante pegar
justamente o que acontece no brincar que as crianças se reúnem e
decidem o que nós vamos fazer e... e... utilizar isso a favor do conjunto
né, e impor uma coisa de fora e a criança, ela tem que se adaptar e
ela caba transgredindo fora pra não transgredir dentro, porque ela... pra
ela, talvez, suportar já a violência de ficar muito tempo estático,
fazendo alguma coisa que ela não sabe bem porque e que não tá
respondendo ao interesse dela, ao desejo dela. Ela sente isso como uma
violência, como uma coisa ruim. Então ela cria escapes, eu acho que ela
vai, ela... ela transgride pra dizer que alguma coisa não ta bom.
Assim, Solange (mãe) define o brincar nas proposições colocadas por Vigotski (1998)
não como mera atividade que gera prazer na criança, mas como uma necessidade da criança,
necessidade essa não reconhecida pela escola e silenciada neste contexto. Solange, então,
aponta a transgressão não como negativa, mas justificada em razão da criança não participar na
definição das regras instituídas na escola, a transgressão como possibilidade de um sujeito de
reivindicação, de resistência, como uma fala/discurso da criança. Solange (mãe) justamente
aponta a relação dialógica do brincar/necessidade que deve ser controlado, com o
brincar/necessidade como expressão/linguagem da criança. Deste modo, ela traz o brincar
como uma possibilidade da criança falar que algo não está legal, que a gica da instituição a
agride, pois o brincar é uma necessidade da criança e essa necessidade não está sendo satisfeita
no espaço escolar. Schneider (2004, p.58) contribui com essa discussão apontando que “[...] as
85
brincadeiras servem como linguagem para as crianças, cujas expressões substituem as
palavras”.
Assim, a brincadeira acaba sendo uma forma da criança transgredir a norma imposta a
ela, uma atividade de produção de/da cultura, por parte das crianças, uma forma de questionar a
realidade posta e se fazer participante das mudanças possíveis nesse espaço. A brincadeira
passa a ser uma atividade enunciativa, que se insere numa corrente dialógica com os
acontecimentos, com a vida, com o que foi (na possibilidade de ressignificação), com o que é
(na eventicidade da atividade), com o que será (por meio da imaginação, da (re)criação). Essa
idéia de que o brincar é linguagem para a criança também está presente na fala da professora
Karol.
Karol (professora) [...] A criança, vamos dizer assim, se nós adultos
impormos muito o nosso mundo, nós não estamos deixando espaço pra
que ela cresça. E pra criança, ela precisa também impor o mundo dela,
o momento que ela vivendo. E... a melhor forma que ela tem pra
fazer isso é através do brincar. É uma forma dela estar comunicando
como que ela se sentindo, como ela tá vendo, como é que ela, é... e
nós precisamos entender esse momento. Não adiantou nós
perguntarmos pra criança com o falar de adultos as coisas que a gente
quer dela. É muito mais, digo, muito mais fácil nós entendermos
quando ela nos mostra. E a capacidade que ela tem de mostrar através
da brincadeira é muito grande.
Como linguagem, é necessário apontar que o brincar precisa ser escutado, diante dos
ditos e dos presumidos, conforme nos fala a professora Karen, pois a capacidade da criança de
falar através do brincar é muito grande. Contudo, nem sempre ela é ouvida no que tem a dizer
ou nas vozes que se apresentam nessa linguagem, tendo em vista que nós, adultos, geralmente
escutamos somente o que é palavra, o que nos é dito por meio da linguagem significada da
palavra. Porém, os discursos acontecem por meio de muitos outros signos: a imagem, o som, o
traço, o movimento, o brincar.
Entender o brincar como linguagem que se utiliza de outros caminhos que não o da
palavra a possibilidade de compreender o brincar como lugar de produção de sentidos, de
(re)criação do vivido, de imaginação, pois, como bem lembra Vigotsky (2003, p.39) “[...] a
imaginação depende da experiência e a experiência da criança vai se acumulando e
aumentando paulatinamente com ondas peculiares que a diferenciam da experiência dos
86
adultos”, necessitando de modos outros de (re)significação e (re)criação que não seja o da
palavra.
Assim, o brincar possibilita a construção de outras possibilidades afetivas e
cognitivas, outros sentidos que podem promover a estetização do espaço escolar. Acredito,
então, ser imprescindível o seguinte questionamento: considerada a possibilidade de
estetização do espaço escolar, de (re)criação por intermédio da brincadeira, da brincadeira
como linguagem da criança, como se insere a brinquedoteca no contexto escolar? Se a
brinquedoteca acaba sendo entendida por alguns sujeitos como espaço instituído/autorizado
para o brincar, como ela é significada por esses sujeitos?
87
CAPÍTULO 6
O BRINCAR TUTELADO: A BRINQUEDOTECA COMO UMA POSSÍVEL
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO BRINCAR
“As crianças devem brincar onde se pode brincar” (TONUCCI, 2005, p.42)
Organizei as análises de maneira a deixar a construção dos discursos sobre a
brinquedoteca após ter apresentado os sentidos e significados dos sujeitos sobre o brincar na
escola, pois percebi que a forma como a brinquedoteca é significada pelos sujeitos está
intimamente relacionada à compreensão da inserção do brincar na escola. Como foi apontado,
permanece como pano de fundo da cultura escolar investigada uma relação dialógica entre
brincar e aprender, ou seja, o brincar, na escola se insere pelo caminho ora pedagógico, como
ferramenta do processo didático; ora recreativo, possibilidade da criança dar “vazão” à energias
outras que precisam ser contidas/disciplinadas quando se está aprendendo. Outro aspecto que
se destaca é a delimitação de lugares/tempos próprios onde se pode brincar e lugares/tempos
onde se deve aprender.
Assim, na escola tempos e espaços onde se pode brincar, sendo que as
possibilidades de criação de outros tempos/espaços para o brincar em alguns momentos é visto
como indisciplina e em outros momentos como possibilidade de criação/linguagem da criança.
Sendo a brinquedoteca um espaço/tempo instituído como outro espaço/tempo para brincar, que
desde sua fundação foi marcada pelo paradoxo de ser um lugar para o brincar em um espaço
onde o brincar por vezes não é valorizado, interrogo quais as relações entre os sentidos
atribuídos a brinquedoteca e os sentidos atribuídos ao brincar na escola?
Gostaria de retomar os objetivos da brinquedoteca, lembrando que esta se propõe a
“criar e oferecer um espaço propício para o estudo e desenvolvimento de atividades lúdicas”
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2002, p.3), buscando valorizar a
cultura infantil; proporcionar a exploração e criação de diversos materiais lúdicos e cantos
temáticos para permitir a representação do imaginário infantil, buscando uma releitura e
aproximação do real, estimulação da expressão, desenvolvimento das linguagens, estruturação
da subjetividade; proporcionar interação de adultos, crianças, pais e professores e; organizar
oficinas de atividades lúdicas para toda a comunidade.
Com esses objetivos, é possível perceber que, em seu projeto, a brinquedoteca é
proposta como um espaço de ressignificação e (re)criação para a criança. Mas, lembrando as
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afirmações das mães, professoras e crianças da relação dialógica entre o brincar
pedagógico/educativo e o brincar/recreativo (que se fundamenta na relação dialógica entre
trabalho e lazer, entre ciência e arte), que lugar ocupa a brinquedoteca nessa relação?
Pesquisadora – Na escola, tem lugar pra brincar?
Esmeralda (mãe) Na escola tem... tem as quadras que eles jogam
futebol, tem a aula de educação física. A própria brinquedoteca.
Amanda (professora) Hoje na escola eu percebo que o tempo não é
muito voltado pro brincar não.
Pesquisadora – Não?!
Amanda Eu percebo. Os tempos são esses do recreio, do brincar e o
espaço da brinquedoteca, mas hoje com uma interrogação muito grande
[...].
Conforme apontado nas falas, a brinquedoteca primeiramente se apresenta como um
espaço instituído para o brincar, assim como o recreio, a entrada e saída da aula e as aulas de
educação física e artes. Como espaço instituído para o brincar, cabe problematizar como o
brincar se insere na brinquedoteca, pois, conforme apresentado no capítulo anterior, a
instituição de tempos/espaços para o brincar respondem à lógica da nossa sociedade onde se
primam pelas relações prático-produtivas e prático-utilitárias, sendo que o brincar, se não
participa do ciclo produtivo (educativo/pedagógico) passa a ser visto como mal necessário
(lazer/recreação) à reposição de energias para as atividades realmente importantes. Posso
perceber isso na fala de Solange (mãe).
Pesquisadora É... como um espaço de brincar [brinquedoteca] que
não tem outros lugares pra brincar?
Solange (mãe) É... mas não de brincar né, é... não sei assim as
potencialidades que poderia ter uma brinquedoteca dentro do processo
de ensino e aprendizagem, criando desafios, criando jogos novos, e...
coisas que mobilizem a criança a ponto de ela pensar que vai pra uma
determinada aula de uma matéria qualquer, vai pra explorar
determinados brinquedos, vai pra explorar determinadas leituras.
O brincar na brinquedoteca se apresenta com o objetivo de complementar/auxiliar o
processo de ensinar e aprender conteúdos presentes na grade curricular. Deste modo, sendo o
89
professor quem detém o poder de decisão no contexto escolar, à medida que se supõe a ele um
saber que a criança não tem, é ele quem deve direcionar e condicionar o brincar na
brinquedoteca, tendo em vista que ela se encontra inserida na escola, com uma perspectiva de
produção de materiais/conteúdos curriculares. Esse discurso, também é proferido por
Esmeralda (mãe):
Pesquisadora – Como é que você vê a brinquedoteca dentro da escola?
Esmeralda (mãe) sei lá... eu acho que ele aprende algo que não...
que é divertido.
Pesquisadora – Você pensa que é necessário?
Esmeralda Ah, eu acho necessário, porque na pracinha, vai todo
mundo lá... e na brinquedoteca, pelo que eu entendendo que ele
[Flávio] comenta, é aquela turma que vai ser... que vão prestar atenção,
que vão passar algo pra eles.
É possível perceber o quanto a lógica apontada por Lafargue (1977) de que o trabalho
(ensino) é a base da nossa sociedade está presente no discurso de Esmeralda (mãe) que, por
mais que não conheça os objetivos da brinquedoteca no espaço escolar, os presumidos
(Bakhtin, 2004) apontam para ela que o brincar na brinquedoteca, por estar em uma escola, é
um tempo/espaço onde se deve ir para aprender algo, lugar/tempo onde alguma aprendizagem
de conteúdo é produzida. Por mais que apareça a incerteza “acho que”, na fala de Esmeralda
(mãe), essa incerteza é produtora da certeza de que por estar a brinquedoteca num espaço
escolar ela deve possibilitar a aprendizagem de conteúdos da grade curricular.
Desse modo, é possível entender como os discursos se entrelaçam na medida em que
tanto Esmeralda (mãe) quanto Solange (mãe) apontam a importância do brincar para a criança,
conforme discutido no capítulo anterior, importância essa dada conforme o adjetivo
educativo é atribuído a esse brincar. Isto é, por mais que os sujeitos considerem que o brincar
na escola é a possibilidade de a criança criar, de se expressar (como uma linguagem), apontam
a necessidade de que esse brincar se faça pedagógico no espaço escolar.
Entretanto, a relação dialógica aprender X brincar (trabalho X recreação) também é
presente na fala de Esmeralda (mãe) quando ela afirma que aprende algo lá que é divertido. É
esse brincar como diversão que Sabrina (criança), filha de Solange, apresenta sobre a
brinquedoteca, criticando esse espaço.
Pesquisadora – E o que tu gostaria que mudasse [na brinquedoteca]?
90
Sabrina (criança) Tava esperando pra responder isso. Na
brinquedoteca assim, quando a mãe pergunta o que a gente fez na
brinquedoteca, “-Ah, brinquei”, não tem mais o que dizer. Devia ter
outras atividades lá, né, pra gente dizer que fez.
Pesquisadora Você acha que os pais não deveriam perguntar o que
fez?
Sabrina Não, eu acho que tinha que ter outras atividades assim, não
só brincar.
Pesquisadora – É isso que deveria ser diferente?
Sabrina É, porque a gente vai dizê pra mãe e pro pai que brinca, mas
não do que brinca né, vai dizer tudo o que a gente brinca, então devia
ter outras atividades, pesquisa assim né.
Pesquisadora – E você acha que a gente aprende na brinquedoteca?
Sabrina Acho que não, porque é brincar né, não tem outras
atividades assim pra aprender.
Primeiramente, no que se refere a essas afirmações de Sabrina (criança), cabe
considerar os lugares sociais ocupados no momento da entrevista, pois a fala dela diz da
expectativa em relação à pesquisa e a pesquisadora, considerando a entrevista como espaço de
sua fala, onde ela pode ser ouvida e, quiçá, suas reivindicações levadas às pessoas responsáveis
pela implantação das mudanças que ela considera necessárias.
Sabrina (criança) também aponta a contradição entre brincar e aprender: na
brinquedoteca não se aprende porque é só brincar , não tem pesquisa e outras atividades de
aprender, como complementa em sua fala “a biblioteca a gente estuda, na brinquedoteca a
gente brinca. Aqui na biblioteca tem que fazer silêncio, na brinquedoteca não, a gente corre,
brinca” (Sabrina criança). Além disso, Sabrina (criança) aponta um constrangimento quando
afirma que não tem o que contar para os pais sobre o que faz na brinquedoteca, como se
realmente esse tempo/espaço fosse perda tempo, pois a criança acaba por ter obrigação de
relatar aos pais o que fez na escola e se preocupa em dizer que brincou, pois brincar passa a ser
entendido como não-fazer.
Sempre necessitamos do reconhecimento de um outro, sendo que o brincar poderá
ser reconhecido como importante no contexto escolar se assim o for reconhecido por muitos
outros. Conforme Vigotski (2000, p.24) afirma, “através dos outros constituímo-nos”, de
maneira que precisamos sempre do reconhecimento de um outro para constituirmos-nos como
91
sujeitos. Bakhtin (2003) também fala da necessidade estética que temos do outro que nos
um acabamento, uma estética da alteridade. Essa compreensão aponta a necessidade que
sentimos desse outro e de seu reconhecimento, necessidade essa que Sabrina justamente
aponta, ao afirmar que não sabe o que dizer a seus pais sobre o que é reconhecido como não-
fazer (o brincar) em um espaço de fazer (aprender).
Assim, aparece novamente a lógica da disciplina, da racionalização, do silêncio, do
planejamento, da necessidade de delimitação de um objetivo a ser perseguido como
imprescindível para o aprender, conforme argumenta Dauster (1992, p.35), “[...] na perspectiva
das crianças, [a escola] deveria ensinar a ler, escrever e contar, além de ter um cunho
profissionalizante. Em outras palavras, o significado da escola é alfabetizar e profissionalizar”.
A lógica presente é a da produtividade, faz-se isso para alcançar aquilo, “[...] a escola é
importante, [porque] o trabalho é importante” (DAUSTER, 1992, p.35), busca-se um produto
fim para a produção escolar.
Entretanto, no brincar esse “fim” não está previsto, é uma atividade não orientada para
uma aprendizagem de conteúdo curricular, é atividade onde o imprevisto se apresenta.
Questiono se não seria justo a condição do brincar como uma atividade que ganha sentido no
seu próprio acontecer, o que a faz “insuportável” no contexto escolar?
Acredito que se volta à dicotomia ciência X arte, nas discussões apontadas por Da Ros
(s/d), onde o científico é tido como espaço de sistematização dos conhecimentos e dos
processos que permitem novas descobertas e novos saberes, e a arte como as dimensões
subjetivas, pulsante e irradiantes da existência humana.
Entendendo a lógica proposta por Sanchez-Vazquez (1997) da forma como as relações
prático-produtivas e prático-utilitárias estão sendo valorizadas em nossa sociedade, é possível
compreender que a fala de Sabrina (criança) vem ao encontro do que Brougère (2004, p.223),
ao considerar a importância dada ao adjetivo educativo, afirma que este acaba por ser
intrínseco a certos brinquedos porque “[...] a tal ponto a infância é, hoje em dia, marcada pelo
investimento educativo dos pais e de toda a sociedade, com o risco de ocultar os outros
aspectos desse período da vida”.
Dessa maneira, notadamente a relação da brinquedoteca no espaço escolar, para
crianças, mães e professoras, deve vir acompanhada de atividades que promovam a
aprendizagem, contudo, essa aprendizagem é tida como aquela advinda da disciplina e da
lógica da ciência moderna. Torna-se, assim, impossível aprender/desenvolver-se de maneira
outra que não seja pela primazia a razão.
Como afirma Gaya (2006, p.251),
92
nas escolas de nosso tempo, o corpo [e todas as outras possibilidades de
relação sujeito/mundo que não sejam por meio da razão], considerado como
res extensa, permanece passivo, disciplinado e distante dos interesses de uma
pedagogia predominantemente intelectualista. Enfim, o corpo não vai à
escola; as principais correntes epistemológicas sobre a origem do
conhecimento, da mesma forma, limitam-se a expressões de um conhecimento
predominantemente racional, dessa forma o corpo permanece ausente de
interesse epistemológico. É o cérebro num barril [...].
Assim, todas as possibilidades de aprendizagem/desenvolvimento, no contexto
escolar, ficam restritas aquelas oriundas da racionalidade e padronização da modernidade, da
produtividade e utilitarismo da sociedade capitalística, (im)pedindo vivências/experiências
outras. Acredito que as colocações de Maheirie et al (2006, p.251) de que no contexto de
escolarização formal “[...] geralmente não espaço para novos sentidos e olhares, bem como
para processos de imaginação e criação”, corroboram com os discursos apresentados pelos
sujeitos.
Porém, essa leitura não é consensual, pois algumas das pessoas entrevistadas apontam
em seus discursos a brinquedoteca como espaço de criação, contrapondo-se ao que acontece no
espaço escolar de modo geral.
Suélen (mãe) Separei bem a sala de aula da brinquedoteca. [...]. Aqui
[sala de aula] eu tenho que entrar e me concentrar né. É... matérias né,
que são... mais cientificas. E lá [brinquedoteca] não! eu posso criar,
lá eu posso... né.
Karol (professora) [A brinquedoteca] vai ser um espaço onde eu
[criança] vou ter mais liberdade de criar? Vai! Isso eu tenho que deixar
esclarecido pra criança. Isso tem que deixar esclarecido pra criança né.
E esse espaço é um espaço realmente mais destinado pra que a criança
crie.
Pesquisadora – E o que você mais gosta da brinquedoteca?
Sabrina (criança) Gosto da fantasia, das roupas, assim como eu gosto
de criar muito, eu gosto da fantasia, dá pra criar.
É possível perceber, na fala de Suélen (mãe), que o espaço da brinquedoteca
contrapõe-se ao espaço da sala de aula por sua possibilidade de criação, ou seja, na
brinquedoteca, por não ter as amarras características das salas de aula em sua lógica
93
conteudista, existe a liberdade para se (re)criar, ressignificar, produzir sentidos outros para o
vivido/experiênciado. Axt e Elias (2004, p. 18) argumentam que
a aprendizagem escolar, concebida como transmissão de
informações/conhecimentos, é marcada por pontos de partida e pontos de
chegada previamente definidos. Movimento supostamente homogêneo,
funcionando como elemento disciplinador, a partir de uma idealidade
totalizante que deve responder a uma certa ordem e a uma determinada
disciplina com vistas a atingir determinados resultados,
de maneira tal que, denuncia a realidade ainda presente no contexto escolar, como se na sala de
aula não fosse possível criar. A professora Karol também concorda com Suélen (mãe) e com
Sabrina (criança) quando traz intrínseco nas suas falas a idéia de que a brinquedoteca na escola
é o espaço onde a criança tem liberdade de criar.
Contudo, penso ser interessante analisar essa fala de Sabrina (criança) com outras
falas suas, pois, ao mesmo tempo em que aponta que gosta da fantasia na brinquedoteca porque
ela lhe permite criar mais, argumenta que a brinquedoteca deve ser diferente, pois não é
possível aprender, porque se brinca. Penso ser essa a fala que melhor traduz a relação
dialógica do brincar/aprender (ciência/arte, trabalho/recreação) apontada nos discursos dos
sujeitos entrevistados.
É interessante questionar por que, então, criar uma brinquedoteca uma possibilidade
de (re)criação da criança, dentro de um contexto escolar onde, aparentemente, as relações são
rígidas e determinísticas? Penso que esse questionamento é respondido pelas professoras
Amada e Karol quando elas apontam a brinquedoteca como lugar da inversão da lógica escolar
de direcionamento das atividades sempre pelo professor.
Amanda (professora) [A brinquedoteca] é a possibilidade das
crianças tomarem suas decisões, de brincar de uma forma prazerosa,
mas sem direcionamento do professor. Aulas, das cinco aulas que ela
tem, nós professores é que direcionamos. E esse [brinquedoteca] é o
espaço da criança. Então eu acho que essa inversão, esse espaço dela,
pensado pra ela, organizado pra elas, onde elas decidem o que brincar,
como brincar, com quem brincar, é o grande trunfo.
Karol (professora) [...] Então tem um horário que a criança vai pra
brinquedoteca realmente... deixa ele, nesse horário, ele fica mais a
vontade, entende. A criança, o professor ta junto, o professor participa,
mas o professor não participa como ele... ele determinando, entende.
94
[...]
Pesquisadora – Diferente de um espaço de sala de aula, por exemplo?
Karol – É, geralmente no espaço de sala de aula já é mais determinado.
Pesquisadora – Mesmo a questão da brincadeira [na sala de aula]?
Karol É, mesmo a questão da brincadeira também, porque vai fazer
parte de uma atividade né.
Pode-se perceber que essa possibilidade da brinquedoteca como espaço de (re)criação,
de negociação, de liberdade de expressão da criança, apontado nas falas das professoras, acaba
por se constituir, nesse sentido, em um espaço que questiona a lógica da escola, possibilitando
à criança produzir sentidos outros aos espaços institucionalizados onde ela se encontra inserida.
Tanto o é que as professoras complementam suas falas trazendo o espaço da brinquedoteca
como lugar de expressão da criança, onde ela pode falar dela mesma, lugar onde o professor
pode aprender com a criança.
Karol (professora) Olha só, a criança, vamos dizer assim, se nós
adultos impormos muito o nosso mundo, nós não estamos deixando
espaço pra que ela cresça. E pra criança, ela precisa também impor o
mundo dela, o momento que ela ta vivendo. E... a melhor forma que ela
tem pra fazer isso é através do brincar. É uma forma dela ta
comunicando como que ela ta se sentindo, como ela ta vendo, como é
que ela é... e nós precisamos entender esse momento. Não adianta nós
perguntarmos pra criança com o falar do adulto as coisas que a gente
quer dela. É muito mais, fica muito mais fácil nós entendermos quando
ela nos mostra. E a capacidade que ela tem de mostrar através do
brincar, da brincadeira é muito grande.
Pesquisadora – Durante a tua fala eu fui vendo que você distingue esse
brincar da brinquedoteca de uma atividade direcionada. E que esse
brincar na brinquedoteca seria um brincar mais livre, é isso? É nesse
sentido que você trabalha?
Amanda (professora) É, ele é livre no sentido de que a criança vai
decidindo do que ela vai brincar, com quem e quando. E... na minha
função de professora, ele é importante porque ele me elementos de
como fazer minhas intervenções.
95
Notadamente perpassa nos discursos das professoras a brinquedoteca como contexto
de linguagem (assim como também o brincar foi apontado como linguagem nas discussões do
capítulo anterior). A própria presença física da brinquedoteca pode ser tida como uma
linguagem à medida em que possibilita um espaço organizado com brinquedos dentro da escola
espaço tido como lugar de trabalho permitindo a construção/criação de outros sentidos. E
como linguagem, o brincar se faz como processo de significação da realidade vivida, onde a
criança aponta seu modo de compreensão daquilo que a faz sujeito. Desse modo, efetivamente
se contrapõe à gica institucional de direcionamento do professor, onde o professor ensina e a
criança aprende, ou como Algebaile (1996, p.122) aponta, uma lógica onde
a escola oferece muito pouco espaço para as crianças expressarem seus
anseios, alegrias, medos, angústias, prazeres, enfim, suas vidas. pouco
espaço e tempo para o diálogo entre educadores e educandos, para ambos
narrarem as suas experiências. A linguagem está encarcerada, cristalizada,
fossilizada. Ela é a oficial, a dominante, a que privilegia a norma lingüística, a
correção ortográfica e gramatical, em detrimento da linguagem como
significado para o educando [...].
Linguagem é entendida geralmente somente como verbal, palavra, obliterando a
possibilidade de compreensão de outros modos de linguagem, outros modos de significação do
mundo, esquecendo-se da linguagem gestual, imagética, musical, etc.. A brinquedoteca propõe,
então, uma lógica onde a criança tem a possibilidade de ensinar e o professor aprender. Abre
para o sentido de escola como espaço de formação mútua, de alteridade. voz à criança para
que produza, através do brincar, discursos sobre si, sobre suas experiências, seus vividos,
valorizando essa forma de comunicação, entendendo que durante a atividade de brincar a
criança encontra-se em desenvolvimento/aprendizagem não de conteúdos curriculares, mas de
formação enquanto sujeito humano, produto e produtor da cultura. Possibilita, por sua vez, ao
professor um espaço de conhecer as crianças, encontrar-se com elas, dialogar com elas,
colocar-se em um lugar onde pode aprender com a criança, permitindo-se escutar aquilo que
elas têm a dizer, a ensinar de si e a mostrar sobre a forma como significam o mundo.
Essa provocação à lógica dominante não é, entretanto, tão facilmente aceita no espaço
escolar. Cabe lembrar que o horário da brinquedoteca, que no início do projeto era no período
da aula, ou seja, durante as aulas de Língua Portuguesa, foi transferido para o contra-turno, o
que pode denotar o quanto a brinquedoteca, com suas características físicas e simbólicas
provoca e perturba a instituição escolar. Conforme Axt e Elias (2004, p.23) lembram, a escola
comporta
96
comportamentos, atos corretos, metodologias, currículos pré-determinados,
conhecimentos sistematizados e transmitidos numa ordem crescente e
verticalizada. Regras que incluem também a premissa do dever evitar o
conflito, seja nas relações interpessoais, seja no processo de apreensão dos
conteúdos, das normas. Uma aprendizagem lógica das significações
dominantes: repetir o que foi descoberto, reproduzir experiências feitas,
estudar regras e postulados, evidenciar certezas,
ou seja, a gica da repetição, não havendo espaço, geralmente, a criação, para novos olhares e
novos sentidos, de maneira tal, que a professora Karol aponta a mudança de horário da
brinquedoteca, que passou a ser trabalhada fora do espaço/tempo institucionalizado para o
aprender.
Pesquisadora Eu queria que tu falasse um pouquinho a respeito de
quem é que determina esse tempo e esse espaço pra brincar...
Karol (professora) A escola, ela disponibiliza um espaço que é anexo
à biblioteca, que é a brinquedoteca. Então quando foi fechado o
conteúdo programático, a questão do quadro de horas/aula... a gente
fecha direitinho, porque você tem que trabalhar as disciplinas, tudo
acaba fechando direitinho, entende como é que é? Então é... tipo assim,
você tem o horário também da biblioteca pra trabalhar, enfim.
optamos em trabalhar a brinquedoteca num horário à parte, no caso...
no horário contrário, aí no caso eles tem oficinas a tarde, duas vezes por
semana, dois grupos diferentes trabalham oficinas. Então nesse horário
de oficinas é onde a gente disponibilizou a brinquedoteca.
A fala de Karol (professora) denota dois pontos interessantes. Em primeiro lugar
observo que Karol aponta as dificuldades de inserção do brincar no espaço escolar, um brincar
entendido como linguagem, como (re)criação, um novo sentido à lógica institucionalizada. Mas
ao indicar essas dificuldades, ora Karol se distancia da sua participação “a escola
disponibiliza” como se ela não fizesse parte dessa instituição escolar e fosse co-responsável
pelas decisões em relação à brinquedoteca; ora se aproxima e se assume como sujeito partícipe
na construção da cultura, afirmando que “[...] a gente disponibilizou a brinquedoteca”. Assim,
é possível perceber que no seu discurso a professora Karol fala de si, pois a medida que a
escola disponibiliza o espaço brinquedoteca, é ela e outros (anônimos) que decidem quando
(tempo) a brinquedoteca deve ser freqüentada.
Nessa perspectiva, a determinação do tempo/espaço para o brincar não é uma
determinação verbal, mas sim posta pela disponibilidade do espaço, pela arquitetura da escola.
97
Abramovich (1983) lembra que brincar é um verbo que a cidade escondeu das crianças,
denotando o quanto a arquitetura das cidades (im)pede a atividade de brincar. dentro da
escola pesquisada, arquitetonicamente um espaço para o brincar. Porém, o tempo
determinado a essa atividade é que fica a critério da determinação dos professores e
autoridades da escola.
Cabe retomar a fala da professora Amanda sobre o fato de a brinquedoteca estar como
uma interrogação, problematizando o fato de este tempo/espaço estar no contra-turno. Essa
consideração da professora Amanda também traz o entendimento de que uma atividade posta
em contra-turno perde seu valor, seu lugar, sua importância.
Nesse contexto, como fica, então, entendido o tempo/espaço da brinquedoteca na
escola? Aqui outra contradição se faz presente, mas também dialógicamente articulada.
Retomando as discussões apresentadas no capítulo anterior, sobre a necessidade de produção,
de gerar produtos no trabalho escolar, o que relega o brincar a uma atividade desnecessária,
suscita problematizações a respeito da função social da escola, atualmente demarcada pela
produção de futuros adultos à serviço do projeto capitalista, ou seja, adultos que estarão no
mercado, seguirão regras, produzirão coisas e pensamentos em prol do progresso e
desenvolvimento.
Dentro dessa gica, as mudanças de horários e usos da brinquedoteca do Colégio de
Aplicação são justificadas pela escola, seu conjunto de professores, pais e alunos. A
brinquedoteca acaba por significar espaço/tempo desnecessário, espaço/tempo sem finalidades
práticas imediatas, espaço/tempo desperdiçado. Essa compreensão aparece nas afirmações das
crianças quando estas apontam a brinquedoteca como uma “perda de tempo” na medida que
não se aprende nada. Mas estas mesmas crianças afirmam que esse tempo/espaço se constitui
como um tempo a mais para brincar, já que pouco tempo se tem para brincar na escola.
Pesquisadora Sobre a brinquedoteca, o que você acha de ter uma
brinquedoteca na escola?
Flávio (criança) Eu acho legal porque tem mais um momento pra...
se divertir.
Pesquisadora – O que que tu acha de ter uma brinquedoteca na escola?
Sabrina (criança) É bom porque a gente tem pouco tempo pra
brincar, na brinquedoteca tem mais tempo. São quarenta e cinco
minutos.
98
Pesquisadora – O que faz com que você goste de ir lá [brinquedoteca]?
O que faz com que tu vá na brinquedoteca?
Joana (criança) – Porque lá eu tenho tempo pra brincar.
Assim, a brinquedoteca passa a ser entendida como a possibilidade de se ter mais
tempo para brincar na escola, o que remete ao questionamento de como estão organizados os
tempos/espaços das crianças, não só dentro da escola, para que estas reivindiquem mais
tempo/espaço para brincar. Penso que Tonucci (1997, p.157) aponta pistas sobre essa realidade,
localizando a criança na cidade e a necessidade de que ela resista ao processo de urbanização
que lhe retira os tempos/espaços para brincar.
(TONUCCI, 1997, p.157)
Também é importante retomar os apontamentos dos sujeitos entrevistados, da
brinquedoteca em seu sentido paradoxo de ser uma presença – física e simbólica – que provoca
a lógica institucional. A brinquedoteca, assim como o próprio brincar na escola, por vezes
confinada espaço de aprendizagens de conteúdos escolares -, por vezes espaço para
(re)criação, ressignificação, aprendizagens outras, de outros sentidos para a instituição escolar,
de diversão, de brincadeira.
Essa dialogia de sentidos aponta, justamente, para um não fechamento da significação
da brinquedoteca no espaço escolar, mas sim, para a abertura que ela proporciona para os
sujeitos inseridos nessa instituição, partícipes da construção dos sentidos ali (re)produzidos,
responsáveis pela (re)criação das realidades vividas, pelo (im)pedido do brincar dentro da
escola, como possibilidade, enquanto estetização das relações instituídas, de sua (re)invenção.
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100
ENCERRANDO A PESQUISA, ABRINDO SENTIDOS...
“É apenas o evento único do Ser no processo de realização que pode
constituir essa unidade única; tudo que é teórico ou estético deve ser
determinado como um momento constituinte do evento único do Ser,
embora não mais, é claro, em termos teóricos ou estéticos” (BAKHTIN,
1993, p.20).
Foi a expectativa por uma escola onde as crianças possam aproveitar a possibilidade
de brincar que me moveu a realizar esta pesquisa. Quando ouvi falar de uma brinquedoteca
dentro de uma escola de Ensino Fundamental, constando como parte do currículo da
instituição, me empolguei, acreditando na possibilidade de uma escola diferente; uma escola
que estivesse ouvindo as crianças e as pesquisas que vêm sendo realizadas, investigações essas
que apontam a importância de que a escola abra espaço para a brincadeira.
O que pude, então, tecer de considerações após essa empreitada? Quais dos meus
objetivos consegui atingir? De que maneira a brinquedoteca é significada pelos sujeitos que são
parte/participam da realidade escolar?
Primeiro ponto que gostaria de destacar foi a dificuldade de quebrar com a lógica
dicotômica nas análises, por acreditar que os discursos dos sujeitos seriam lineares e
harmônicos (convergentes), como se cada sujeito fosse trazer na sua produção discursiva
somente uma perspectiva, uma possibilidade; reconheci, com a pesquisa que na verdade os
discursos são polifônicos, trazem várias vozes divergentes e opostas.
Desse modo, entender a relação dialógica produzida nos discursos entre o brincar e o
aprender na escola foi primordial, pois permitiu perceber que o brincar se apresenta na gica
da racionalidade, da disciplina e do trabalho, mas também na lógica da recreação, da diversão,
do lazer. Assim, o brincar é visto como sendo direcionado pelo professor, como brincar
educativo, e também é visto como sendo autorizado pela instituição escolar (entrada e saída das
aulas, intervalo/recreio, aulas de educação física e artes).
Nesse sentido, a brinquedoteca, para as mães, crianças e professoras, acaba também
constituindo-se na lógica institucional, pela afirmativa de que as crianças devem aprender
algum conteúdo nesse espaço, seja criticando o não direcionamento dado ao brincar, ou
trazendo o presumido no sentido de não conhecer a brinquedoteca, mas supor que por ela estar
inserida em uma escola deva promover a aprendizagem de determinados conteúdos.
Lafargue (1997) e Sanchez-Vazquéz (1999) auxiliam nessa discussão apontando o
lugar ocupado, respectivamente, pelo trabalho e pelas relações prático-produtivas e prático-
utilitárias em nossa sociedade, no sentido de marcar os discursos dos sujeitos inseridos na
101
instituição escolar, de tal modo, que o brincar passa a ser mal visto e mal compreendido nesse
espaço. Também Brougère (2004) contribui no entendimento desse discurso ao apontar que os
investimentos educacionais dos pais e da sociedade sobre a criança acabam por valorizar
somente aquele brincar seguido do adjetivo pedagógico/educativo.
Mas o brincar na gica prático-produtiva/prático-utilitária, tem seu contraponto no
brincar/divertimento, recreação, apontado, muitas vezes como facilitador da aprendizagem,
possibilidade outra da criança aprender os conteúdos, por ser mais divertido/descontraído.
Assim aparece o sentido que Oliveira e Francischini (2003) denotam do brincar como simples
recreação e que aparece nos discursos de mães e professoras como uma verdadeira reanimação,
no significado literal dessa palavra.
Essas considerações permitem perceber a alteridade do processo de constituição do
sujeito, que se faz na atividade, de reconhecimento por um outro, pois o brincar poderá ser
tido como importante quando for assim reconhecido.
Essa dicotomia entre brincar X aprender se reflete e refrata na dicotomia entre aluno X
criança que foi indicada nos discursos dos pais e professores. Assim, parece que aprender de
maneira séria, disciplinada e produtiva cabe ao aluno; já o brincar serve à criança, uma maneira
de se expressar, uma atividade “natural” da infância. Essa discussão denota o quanto lugares
sociais são negociados nas relações que estabelecemos (NUERNBERG, 2002) e os modos
como constituimo-nos sujeitos na atividade ao mesmo tempo em que construímos a atividade.
A criança se faz aluno (com suas obrigações, deveres e direitos) na relação com a
pessoa que se faz professora e com os muitos outros instituidores desses lugares sociais, pois
ao ser reconhecido o sujeito se reconhece, apropriando-se dos sentidos do seu fazer e do seu
lugar no mundo. A atividade se torna mediadora do devir, por meio da qual arranjam-se modos
particulares de ver e agir na realidade.
O brincar, então, é também apontado como linguagem da criança, possibilidade de
expressão, de ressignificação e (re)criação, sendo a brinquedoteca lugar de inversão da gica
institucional de direcionalidade do professor na medida em que permite à criança (re)criar suas
vivências, expressar-se, ensinar ao professor. A brinquedoteca acaba por se constituir como
possibilidade de outros afetos, outros sentimentos, outros sentidos para a instituição escolar.
Entretanto, enquanto linguagem cabe lembrar o que Bakhtin (2004) pondera, de que essa se faz
na interação social, precisando de um outro que signifique, sentido aquilo que está sendo
dito.
De novo, é possível perceber a contradição, pois, na medida em que o brincar se faz
linguagem, questiono não está acontecendo um diálogo de surdos, ou como Algebaile (1996,
102
p.123) enuncia, “e a escola com tão pouco espaço! Tão pouco tempo! Que desperdício de
vidas! Que descaso com as narrativas! Que ausência de ouvintes!”. Parece-me que mães,
crianças e professoras não conseguem promover um encontro de suas vozes, não se entendem
como sujeitos que são produtos, mas também produtores da cultura institucional da qual
participam.
Naturaliza-se, na instituição escolar, a cultura da escola, como se a estrutura,
organização, tempos/espaços e compreensões do que é a escola fossem assim ad eternum,
como se não houvesse a participação dos sujeitos nessa cultura viva. A cultura escolar constitui
os discursos dos sujeitos, mas os sujeitos constituem a cultura escolar, sendo partícipes dessa
produção discursiva por opção e não por falta dessa.
Maheirie et al (2006) contribuem com essas reflexões quando afirmam que a escola
não é vista em sua possibilidade de criação, que se muitas dificuldades em se construir
novos olhares e novos sentidos no ensino sistematizado. Esse é outro sentido que perpassou os
discursos dos sujeitos dessa pesquisa, a sala de aula como lugar de repetição, de absorção do
conhecimento científico, oposto aos processos de criação, que acabam por se restringir às
disciplinas de artes e de educação física, tidas como disciplinas menos sérias, onde o corpo se
faz presente, com a possibilidade de movimento, de brincar.
Essa cisão produção do conhecimento X imaginação/criação também foi apontada
como distinção dos espaços escolares, onde o aprender em sala de aula é o caminho para a
absorção dos conteúdos repassados, ditos científicos, e o criar fica a cargo do brincar, possível
de ser realizado nas disciplinas de educação física e artes. A brinquedoteca, por também ser um
espaço diferenciado do de sala de aula, também ficou entendida como lugar para a (re)criação e
ressignificação, o que faz questionar o modo como as relações de ensinar e aprender vêm sendo
entendidas e significadas pelos sujeitos.
Nesse sentido, pondero que Zanella (2006) contribui ao apontar a realidade das relações de
ensinar e aprender, mas indicando uma possibilidade de (re)criação por meio da relação
estética dos sujeitos com o mundo, propiciando a estes contato com outras linguagens, outras
lógicas, sendo o brincar uma outra linguagem possível na escola, uma possibilidade de
(re)criação e ressignificação desse espaço, de ruptura com o instituído, de estetização das
relação de ensinar e aprender.
Nesse caminho, de criação que o brincar possibilita, de ruptura com o instituído, o
brincar foi apresentado, também, nos discursos dos sujeitos como possibilidade de transgressão
às normas postas. O brincar se apresentou como inventividade e criação, contrapondo-se a
103
repetitividade do trabalho escolar, possibilidade de reivindicação, resistência à uma dada
ordem social imposta.
Assim, a transgressão foi indicada como a possibilidade de criação de tempos/espaços
outros para o brincar. Quais, então, os tempos espaços instituídos para essa atividade na
escola? Os discursos apontam que os tempos/espaços para o brincar na escola se restringem ao
recreio/intervalo, entrada e saída da aula, aula de artes e educação física e a brinquedoteca. Mas
como esses tempos espaços são percebidos pelos sujeitos também apresenta-se na contradição
dialógica entre ser o brincar uma perda de tempo, mas a brinquedoteca ser a possibilidade de
ter mais tempo para brincar. Assim, acabou por ser imprescindível compreender a
dialogicidade dos espaços/tempos, pois novas práticas – como a brinquedoteca trazem
consigo velhas concepções (brincar na lógica prático-produtiva/prático-utilitária), mas as
velhas concepções dão condição de possibilidade para as novas práticas.
O brincar na escola implica uma outra compreensão ética, mas também estética do
espaço escolar. Será que a sala de aula permaneceria a mesma? Será que as relações, os corpos,
transitariam, aconteceriam, como acontecem hoje? O espaço/tempo do brincar, ainda é
construído como um espaço isolado, à parte como pensar em integrar? A brinquedoteca seria
uma maneira? De outra forma, esta discussão acerca da construção de espaço/tempos do
brincar na escola nos leva não somente a almejar crianças criativas, mas também críticas.
uma postura política, ética e estética no brincar na escola. Acredito que, nesse sentido, a
presença da brinquedoteca no espaço escolar se justifica, pois possibilita o estranhamento, o
desconforto, a contradição necessária a emergência de novas práticas, de novos olhares;
contrapondo-se as certezas.
Algebaile (1996) contribui ao considerar que a criação de tempos/espaços para o
brincar na escola perpassa pelo desejo do professor de brincar com as crianças, ou de permitir
que elas brinquem. Essa observação é bem posta, na medida em que uma das professoras
denuncia, justamente, que os sujeitos que mais têm cristalizado os tempos/espaços para brincar
e os tempos/espaços para aprender dentro da escola são os próprios professores.
Para além disso, não posso deixar de marcar o quanto o pesquisador se constitui como
pesquisador ao longo do trabalho e na relação com o outro, sujeitos participantes do processo
de pesquisa e co-autores dessa produção. A entrevista se estabelece como possibilidade de
transformação, uma possibilidade de ressignificação da realidade, tanto por parte do sujeito
entrevistado, quanto do próprio pesquisador, a possibilidade de enriquecer-se no e com o outro.
Desse modo, a pesquisa possibilitou uma transformação do meu olhar também, da
minha lógica, me permitiu ressignificar os meus vividos e experienciados. Durante as
104
entrevistas e, posteriormente, nas análises, fui percebendo a dificuldade que tinha de quebrar
meu olhar, conseguir fazer o estranhamento do que havia se tornado para mim paisagem,
naturalizado-se dentro da instituição escolar. Isso porque também me formei em uma escola,
também sou produto e produzi uma escola, tendo os meus presumidos nessa relação, que
acabavam por dificultar o próprio processo de escuta por ouvir o que queria ouvir e de
escrita do que para mim estava claro e evidente, tentativas de dizer o indizível. Cheguei à
escola acreditando que a brinquedoteca seria a “mocinha” (boa) e a escola a “bruxa malvada”
(ruim), quando na verdade, fui percebendo que esses lugares circulam nos discursos nem a
brinquedoteca é de todo “boa”, nem a escola é toda “ruim”, pois a brinquedoteca pode se
constituir num espaço de institucionalização do brincar e a sala de aula pode ser um espaço de
estetização das relações de ensinar e aprender, dependendo dos sujeitos que constituem essas
relações e por elas são constituídos e do modo como a fazem.
Ademais, penso ser importante a discussão metodológica de ouvir as vozes presentes
nos discursos das crianças, de suas mães e professoras, a medida em que ouvir esses sujeitos
permitiu perceber como seus discursos são entrelaçados, seja pela concordância ou pela
dissonância, de maneira dialógica entre si, bem como pelos discursos que nos circundam.
Como bem lembra Brait (1996, p.77) “[...] a linguagem não é falada no vazio, mas numa
situação histórica e social concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado”, o que
permite entender que os discursos foram construídos na relação de entrevista.
Essa compreensão é imprescindível, pois é evidente em muitas falas como o que foi
dito estava marcado pelo lugar que cada um de nós, sujeitos da entrevista, ocupávamos naquele
momento, seja na relação direta, entrevistador/entrevistado, seja na relação indireta, entre os
sujeito entrevistados e sua família, seus filhos, amigos, com a sociedade, com a escola, etc.
Sobre isso Fiorin (2006, p.173) afirma que “[...] não há uma neutralidade na circulação de
vozes. Ao contrário, ela tem uma dimensão política. As vozes não circulam fora do exercício
do poder; não se diz o que se quer, quando se quer, como se quer”.
Desse modo, é impossível não aparecerem contradições e dissonâncias como
constitutivas dos discursos, pois são essas que nos indicam que as relações estabelecidas no
diálogo são essencialmente contraditórias, por ora divergentes.
Em específico, gostaria de deixar minhas considerações sobre a necessidade de
entender que as crianças possuem outras linguagens e as dificuldades que temos em ver e,
principalmente, ouvir essas linguagens diferentes. Esta problemática indica a importância de
que outros métodos de investigação com crianças sejam criados, métodos que possibilitem
ouvir as diferentes linguagens que as crianças produzem.
105
Penso, então, não ter esgotado as possibilidades de sentidos atribuídos ao brincar na
escola e a brinquedoteca nesse espaço/tempo, mas ter contribuído numa tentativa de apontar
uma outra possibilidade para o brincar na escola, e consequentemente para o lugar ocupado
pela brinquedoteca nesse contexto, o brincar como uma possibilidade de estetização das
relações, de (re)invenção das práticas institucionais, de quebra da lógica posta na escola, de um
novo modo de relação com as pessoas e com o mundo.
Mas, como na epígrafe (BAKHTIN, 1993) deste capítulo, não posso deixar de marcar
que toda essa produção é parte de um todo (refratando e refletindo esse todo), não dando conta
da eventicidade do vivido dos sujeitos envolvidos na pesquisa (inclusive eu) e nem da
experiência do momento de entrevista. Contudo também entendo que o fim de uma
obra/produção (seu fechamento) é o que possibilita a abertura para outros sentidos, para outras
possibilidades e ressignificações. Fica, então, o convite.
106
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112
APÊNDICES
Apêndice 1 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pelo presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, declaro que fui
informado(a), a respeito do objetivo geral da pesquisa intitulada BRINCAR NA ESCOLA:
A CRIANÇA E AS (IM)POSSIBILIDADES DA BRINCADEIRA NO ESPAÇO
ESCOLAR”, que é o de investigar quais sentidos são atribuídos a brinquedoteca do Colégio de
Aplicação da UFSC (CA/UFSC) pelos(as) professores(as), pais/responsáveis e alunos(as) das
séries iniciais do ensino fundamental. A pesquisa busca compreender como estes sujeitos
significam o brincar; as diferenças e semelhanças entre as perspectivas de professores (as),
pais/responsáveis e alunos; a importância da brinquedoteca para o
desenvolvimento/aprendizagem e; a necessidade deste espaço no contexto escolar. Fui
igualmente informado(a) que minha participação nesta pesquisa será realizada através de
entrevista gravada. Estou também ciente:
De que existem duas pesquisadoras responsáveis por esta investigação: Marina Corbetta
Benedet como pesquisadora principal e a professora Doutora Andréa Vieira Zanella como
orientadora do projeto de pesquisa e pesquisadora responsável;
De que será garantido o direto de sigilo de meu nome ou de meu(s) dependente(s),
sendo que em nenhum momento, nem em materiais publicados ou na apresentação oral desta
pesquisa, tais identidades serão reveladas, se assim o desejarem;
De que não existe nenhum risco potencial para mim ou dependente(s);
De que se eu tiver alguma dúvida em relação ao estudo como questões de
procedimentos, riscos, benefícios ou qualquer pergunta, eu tenho direito de obter respostas;
113
De que não obrigatoriedade de participar desta investigação e mesmo depois de
iniciada posso desistir sem ser penalizada de forma alguma. E que caso isso ocorra serei
consultada quanto a utilização do material coletado até o momento a meu respeito ou
dependente(s);
De que os benefícios recebidos serão em termos de produção de conhecimento, a fim de
proporcionar o incremento de práticas educacionais onde a brincadeira se constitua como
ferramenta para o desenvolvimento/aprendizagem no espaço escolar;
De meu direito de acesso às informações coletadas e aos resultados obtidos;
De minha responsabilidade em não falsear as informações e de meu compromisso com
o sigilo das informações coletadas nesta investigação;
Sendo minha participação totalmente voluntária, estou ciente de que durante ou após
esta investigação, não terei direito a nenhum tipo de remuneração ou outros benefícios, bem
como não terei nenhum tipo de despesas ou prejuízos de qualquer outra ordem.
Estando ciente, concordo em participar deste estudo.
Local e data: ___________________________________________________________
Assinatura do participante ou responsável: ___________________________________
Endereços para contato:
Pesquisadora principal: Marina Corbetta Benedet
Endereço: Rua Jaú Guedes da Fonseca, 135
Coqueiros – Itajaí – SC – Cep:88.080-080
Fone: (48) 3248-1816 ou (48) 9927-8377
Pesquisadora Responsável: Andréa Vieira Zanella
Endereço: Departamento de Psicologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Universitário Trindade - CEP:
88040-970
Fone: (48) 3331-8566
114
Apêndice 2 – Roteiro de Entrevista crianças
Nome:
Idade:
O que significa brincar para você? Ou Como você vê a brincadeira?
Quando e onde você brinca?
Quem são seus amigos? O que faz quando estão juntos?
Quais os brinquedos/brincadeiras você gosta?
Como você vê a brincadeira na escola?
Quais são os momentos de brincar (na escola)? Quem determinou esses momentos? Alguém
desobedece?
Quais os espaços para brincar (na escola)? Quem foi que determinou? Alguém desobedece?
Qual o tempo de brincar (na escola)? Quem determinou esse tempo? Alguém desobedece?
Você acha que as crianças brincam demais na escola ou elas precisariam brincar mais?
Para você, existe relação entre brincar e aprender? Ou Você acha que durante a brincadeira
você pode aprender alguma coisa? O que?
Você vê a necessidade de mais lugares para brincar na escola?
Que sentido há para você em ter uma brinquedoteca na escola?
Você vê necessidade de ter uma brinquedoteca na escola? Para quê?
O que faz com que você vá na brinquedoteca?
O que mais gosta naquele espaço?
O que gostaria que fosse diferente?
Como é para você ter uma brinquedoteca na escola?
Você aprende alguma coisa na brinquedoteca? O quê?
Sabe o que fez com que se criasse uma brinquedoteca na sua escola? Se sim, o que pensa
disso?
115
Apêndice 3 – Roteiro de Entrevista mães
Nome:
Idade:
Formação:
Como você vê a brincadeira para a criança?
Seu (sua) filho (a) brinca?
Quando brinca? De que brinca?
Quem são os (as) amigos (as) dele (a)? O que fazem quando estão juntos?
Quais são os brinquedos/brincadeiras que eles (as) mais gostam?
Como você vê a brincadeira na escola?
Quais os momentos de brincar (na escola)? Quem os determinou? Há transgressão desses
momentos?
Quais os espaços para brincar (na escola)? Quem determinou esses espaços? Há transgressão
deles?
Qual o tempo de brincar (na escola)? Quem determinou? Há transgressão?
Você acredita que as crianças precisam brincar mais ou elas brincam demais na escola?
Você relação entre brincar e aprender? Quais?
Vê a necessidade de mais espaços para brincar na escola?
Que sentido há para você ter uma brinquedoteca na escola?
Vê necessidade desse espaço?
Vê relação entre a brinquedoteca e a aprendizagem? Quais?
Sabe o que levou a se criar uma brinquedoteca no CA? Se sim, o que pensa disso?
116
Apêndice 4 – Roteiro de Entrevista professores
Nome:
Idade:
Formação:
Tempo de formação:
Tempo de atuação:
Tempo de atuação no CA:
Disciplina que trabalha no CA (falar delas):
Como vê a brincadeira para a criança?
Como vê a brincadeira no contexto escolar?
Quais os momentos de brincar (na escola)? Quem instituiu esses momentos? Há transgressão?
Quais os espaços de brincar (na escola)? Quem instituiu esses espaços? Há transgressão?
Qual o tempo de brincar (na escola)? Quem o instituiu? Há transgressão?
Você acredita que as crianças precisam brincar mais ou elas brincam demais na escola?
Você relação entre o brincar e a aprendizagem? Qual?
Vê a necessidade de mais espaços para brincar na escola?
Que sentido há para você em ter uma brinquedoteca no contexto escolar?
Vê necessidade desse espaço no contexto escolar? Quais motivos para ir ou não ir à
brinquedoteca?
Você vê relação entre a brinquedoteca e a aprendizagem? Qual?
Sabe o que levou a se implantar a brinquedoteca no CA? Se sim, o que pensa disso?
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