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GRAZIELLE TAGLIAMENTO
Com a palavra, o prover: uma análise das masculinidades produzidas
em contextos familiares nos quais a mãe é a provedora
Florianópolis, 2007.
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ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
COM A PALAVRA, O PROVER: UMA ANÁLISE DAS
MASCULINIDADES PRODUZIDAS EM CONTEXTOS
FAMILIARES NOS QUAIS A MÃE É A PROVEDORA
Grazielle Tagliamento
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre, em
Psicologia, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Curso de Mestrado, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientadora: Profa. Dra Maria Juracy
Filgueiras Toneli
Florianópolis, 2007.
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iv
À minha família:
Ao meu pai que como muitos homens sofreram o dissabor da luta cotidiana pela
hombridade e honradez. E que jamais deixou de ser um “Grande Homem”!
À minha mãe, que é mãe, trabalhadora, emotiva, sensível, masculina, feminina,
batalhadora e eterna incentivadora!
Ao meu querido irmão, homem sensível, criativo, apaixonado pela vida, um grande
companheiro!
v
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai (in memorian) que com suas palavras e gestos carinhosos sempre me
incentivou e confiou em meus sonhos e projetos. Carinho que ainda reverbera em minha
vida...
A minha mãe, que, mesmo à distância, se fez presente nesta jornada com
palavras acalentadoras e incentivadoras. Sempre transmitindo muita energia para a
minha vida. Meu porto seguro.
Ao meu irmão, que com a sua irreverência conseguia transformar os momentos
de angústia e incerteza em momentos mais alegres.
A minha tia-mãe Waldiria, que desde os meus primeiros passos na jornada do
conhecimento esteve ao meu lado, me ensinando a escrever (com direto a caderno de
caligrafia e tudo, pena que ele não funcionou!), a ler, a viajar nas histórias contadas nos
livros, a sonhar e lutar pelos meus sonhos. Sempre dizendo: você vai conseguir! Viu
você conseguiu!
A minha amada avó Luzia, que sempre se preocupou comigo, torceu por mim.
Pessoa para quem eu sempre recorria nos momentos de angustia para pedir suas orações
e uma palavra de carinho. Viu avó, suas orações valeram!
À Fran, grande companheira que sempre esteve ao meu lado com sua praticidade
e ternura. Muito obrigada pelas boas conversas, pelas ajudas fundamentais nos
momentos mais difíceis e principalmente pela paciência, carinho e dedicação que
sempre teve comigo nesta caminhada.
vi
À Jura, com quem iniciei os meus estudos sobre gênero e masculinidades e que
com maestria e carinho orientou a elaboração desta dissertação.
À amiga Gi, grande parceira para a vida, exemplo de mulher guerreira. Com
quem aprendi muito ao longo destes dois anos, principalmente a não esquecer de lutar
pelos meus sonhos. Com quem pude compartilhar alegrias e tristezas, lágrimas e
sorrisos, enfim, minha vida.
À amiga Jana, grande cúmplice nestes dois anos, que com sua serenidade e
ternura me acolheu quando precisei de colo e me incentivou nos momentos que
precisava prosseguir em minha caminhada.
Às amigas Bianca, Clarete e Karlinha, pelos ótimos momentos de descontração e
compartilhar que passamos juntas.
Às famílias entrevistadas que gentilmente compartilharam suas dores e alegrias,
viabilizando a construção desta dissertação.
À CAPES pelo incentivo em minha carreira acadêmica.
A todos/as os/as colegas e amigos/as do MARGENS que, de alguma forma,
fizeram parte da elaboração desta dissertação..
vii
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo a análise dos processos de subjetivação e das
produções de masculinidades por/para famílias de camadas médias nas quais a mãe é a
provedora do sustento financeiro, enquanto que o pai encontra-se desempregado e, por
vezes, sem trabalho, bem como verificar quais as normas e resistências engendradas em
tais procedimentos. Para tanto foram realizadas entrevistas com os membros de duas
famílias, que, posteriormente, foram transformadas em discursos familiares acerca de
suas práticas cotidianas, tendo como pano de fundo o enunciado do prover. O exame
deste material possibilitou uma contextualização das idiossincrasias e congruências
entre as práticas destas famílias, o que viabilizou a verificação de que ante as mesmas
normas, num jogo de agonísmo entre estas e as contingências impossibilitadoras de
reiterá-las, subjetividades e masculinidades múltiplas afloraram. Nestas lutas ocorreram
subversões aos mandatos que determinam posições e atributos específicos para homens
e mulheres, os quais, no entanto, por desejarem o reconhecimento do outro, almejavam
reiterá-los e sofriam por não o conseguirem. Contudo, a (re)criação dos modos de
existência destas organizações familiares, foi potencializada pelos afetos que
permeavam seus vínculos.
Palavras-chave: Processos de Subjetivação, Famílias e Masculinidades
ABSTRAT
This research had as its objective the analysis of the subjectivation process and
production of masculinities by/for medium class families in which the mother is the sole
provider of financial sustenance, while the father is unemployed and, sometimes,
without work, as well as verifying which are the norms and resistances engineered in
such procedures. Inasmuch interviews were conducted with the members of two
families, which, posterior to that, were transformed into family discourses about their
daily practices, having as a background the enunciate of providing. The examination of
this material allowed the contextualization of the idiosyncrasies and congruencies
between the practices of these families, which allowed the verification that under the
same norms, in a game of agonists between these and the reiteration impossibilitating
contingencies, multiple subjectivities and masculinities emerged. In these fights
subversions to the position determining mandates of specific attributes and positions of
men and women occurred, but that, by desiring the recognition of the other, individuals
wanted to reiterate it and suffered when they could not. However, the (re-)creation of
the existence modes of these family organizations, was multiplied by the affection that
permeated its links.
Keywords: Subjectivation Processes, Families, Masculinities
viii
A busca de estilos de existência tão diferentes uns dos outros
como seja possível me parece um dos pontos, graças aos quais
a investigação contemporânea se pode inaugurar na
antigüidade, em grupos singulares. A busca de uma forma de
moral que seja aceitável para todos – no sentido de que todos
devam submeter-se a ela – parece-me catastrófica
(FOUCAULT, 2002b, p. 292).
Um dos meus objetivos é mostrar às pessoas que um bom
número de coisas que fazem parte dessa paisagem familiar –
que as pessoas consideram como universais – não são senão
resultados de algumas mudanças históricas muito precisas.
Todas as minhas análises vão contra a idéia de necessidades
universais na existência humana. Mostram o caráter arbitrário
das instituições e nos mostram qual é o espaço da liberdade
que ainda dispomos e que mudanças podemos ainda efetuar
(FOUCAULT, 2002a, p. 296).
ix
SUMÁRIO
Resumo...........................................................................................................................vii
1. Introdução.................................................................................................................10
2. Sujeitos e subjetividades..........................................................................................18
2.1. Trabalho e os processos de subjetivação/objetivação....................................24
2.2. Gênero................................................................................................................29
2.3. Masculinidades e o prover...............................................................................35
3. Práticas discursivas e a produção de sujeitos........................................................40
3.1. O prazer e a dor das confissões.......................................................................43
3.2. Diálogos possíveis..............................................................................................45
4. O campo e seus meandros........................................................................................47
4.1. O micro e o macro – sujeitos e famílias .........................................................51
5. Modos de vida e práticas discursivas na urdidura da cotidianidade familiar....54
5.1. As práticas cotidianas.......................................................................................55
Família Santos...................................................................................................55
Família Rodrigues.............................................................................................63
5.2. Normas e processos de subjetivação...............................................................74
6. A emergência de subjetividades e masculinidades................................................91
7. Referências................................................................................................................97
8. Anexos......................................................................................................................108
Anexo 1 - Pesquisa no banco de dados da CAPES..............................................108
Anexo 2 - Roteiros de entrevistas..........................................................................118
Anexo 3 - Termo de consentimento livre e esclarecido.......................................121
1. INTRODUÇÃO
Meu pai é um vagabundo, vive dormindo e quando tá acordado fica
gritando e brigando comigo e com a minha mãe.
(M. 17 anos)
Este trecho é parte da fala de um jovem quando indagado acerca da sua relação
com o seu pai, visto que ele falava apenas da sua mãe durante um grupo de Orientação
Profissional. Ao longo dos encontros deste grupo, foi possível identificar que a atribuição
do caráter de vagabundo ao pai dava-se pelo fato de ele não ter um emprego fixo e fazer
“bicos” fora de casa, realizando algumas das tarefas domésticas e dormindo nos intervalos
destas. Várias questões podem ser colocadas aqui: Não ter um emprego fixo associa-se
imediatamente ao não-trabalho ou à malandragem? As tarefas domésticas não são
trabalho? O pai é o responsável pela provisão do grupo doméstico e, caso não o seja, será
considerado “vagabundo”? Provisão e masculinidade estão associadas? Caso estejam, de
que maneira?
Pode-se pensar, por um lado, conforme alguns autores que adotam uma postura
mais estruturalista, como Bourdieu (1995) ao analisar suas pesquisas na sociedade de
Cabília, que a situação aqui relatada deve-se ao fato de, historicamente, ao homem caber o
espaço público, a rua, enquanto à mulher é delegado o âmbito privado, a casa. Ser mulher
significaria, portanto, ser dona-de-casa, passiva, maternal, afetiva, detalhista (FARIA,
1998) e estar no lado do interior, do úmido, enquanto ser homem significa estar no lado do
exterior, do oficial, do público (BOURDIEU, 1995) e ser forte e profissional (FARIA,
1998). Esta divisão ficou mais acentuada com o advento do capitalismo industrial que
separou a produção doméstica da produção para o mercado, instalando as bases de uma
11
11
nova e rígida divisão sexual do trabalho: “los hombres a la producción y las mujeres a la
reproducción” (DÍAZ & MENDEL, 2002, p. 33). No entanto, é necessário relativizar tal
par dicotômico, visto que estes não são estanques e que as conquistas de direitos pelas
mulheres, bem como as mudanças no mercado de trabalho, proporcionaram alterações nos
modos de vida dos sujeitos.
Por outro lado, pode-se pensar que uma necessidade de classificar os sujeitos
conforme suas ações no desempenho de suas posições sociais a partir da dicotomia
trabalhador x vagabundo, entendendo, tal como Durkheim & Mauss (1981), que o
procedimento que consiste em classificar os seres, os acontecimentos, os fatos do mundo,
se segundo um modelo construído socialmente. No que diz respeito aos gêneros
1
,
Butler (2003a) coloca que a “nomeação é, ao mesmo tempo, o estabelecimento de uma
fronteira e também a inculcação repetida de uma norma” (p. 161). Desta maneira, tem-se o
estabelecimento de contornos, limites e restrições. Ou seja, se o pai não tem um emprego,
é o que então? Um vagabundo? Que masculinidade é produzida para este pai quando ele
não corresponde aos atributos normatizados para homens em nossa sociedade?
As questões, levantadas anteriormente suscitam a pergunta central dessa
dissertação: quais são as masculinidades produzidas nos contextos familiares nos quais
quem provê o sustento é a mãe? Pretende-se analisar, por meio do enunciado
2
do prover,
1
Butler enfatiza que o gênero implica os significados culturais que são, sobretudo, performativos. Entende-
se aqui performatividade como não sendo um ato singular, pois esta é sempre uma reiteração “de uma norma
ou conjunto de normas, além disso, este ato não é primariamente teatral; de fato, sua aparente teatralidade é
produzida na medida em que sua historicidade permanece dissimulada”. (BUTLER, 2002, p.167).
2
Foucault (1984) define enunciado como "uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades
possíveis e que faz com que [essas unidades e estruturas] apareçam, com conteúdos concretos no tempo e no
espaço" (p. 99). E ainda, "um enunciado não tem diante de si [...] um
correlato (ou uma ausência de
correlato, assim como uma proposição tem um referente (ou não) ou um nome próprio que designa um
indivíduo (ou ninguém). Está antes ligado a um 'referencial' que não é constituído de 'coisas', de 'fatos', de
'realidades' ou de 'seres', mas de leis de possibilidade, de regras de existência para os objetos que se
encontram nomeados, designados ou descritos, para as relações que aí se encontram afirmadas ou negadas. O
referencial de um enunciado [...] define as possibilidades de aparecimento e de delimitação do que à frase
o seu sentido, à proposição o seu valor de verdade" (ibid, p. 104).
12
12
quais masculinidades são produzidas nestes contextos, e ainda, verificar as resistências
existentes neste processo de subjetivação.
A partir da definição de Foucault de enunciado, pode-se pensar o prover enquanto
tal, pois este tem a capacidade de delimitar o campo de possibilidades da existência de
proposições e frases. Com isso ele faz parte das práticas discursivas que regulam e
produzem masculinidades, isto é, por meio do enunciado do prover podem-se perceber as
diferenças entre os discursos no tempo acerca das masculinidades, e aqui especificamente,
dos diferentes discursos das famílias analisadas.
Para a análise aqui pretendida, faz-se necessário expor a maneira pela qual o
conceito de masculinidades será utilizado. Ao partir do pressuposto de que os gêneros são
performativos pode-se pensar que as masculinidades também o são, pois, estas são
produzidas segundo um conjunto de normas socialmente estabelecidas. Estas normas que
produzem masculinidades são produtos de práticas discursivas, que fixam essas
masculinidades em um dos pólos homem/mulher, porém geralmente fixadas nos homens.
No entanto, segundo Almeida (1996), “masculinidade e feminilidade não são
sobreponíveis, respectivamente a homens e mulheres: são metáforas de poder e de
capacidade de ação, como tal, acessíveis a homens e mulheres” (p. 162), o que permite
pensar em várias masculinidades. Para Kimmel (1998) e Connell (1995), este conceito
possui diferentes significados nas diversas culturas e entre os homens de uma mesma
cultura, ou seja, existem masculinidades e não uma única, o que remete às diversas
masculinidades que são produzidas por uma família.
As masculinidades existem, segundo Connell (1997), em sociedades que
diferenciam os atributos característicos de mulheres e os de homens, o que torna os
conceitos de masculinidade e feminilidade pares dicotômicos. Porém, ao levar em conta a
13
13
não sobreposição destas categorias e a não fixidez destes conceitos, pode-se eliminar, em
parte, tal dicotomia.
Com o intuito de visualizar a produção de artigos científicos brasileiros, relativa a
masculinidades e provisão do sustento familiar, foi realizada uma pesquisa no banco de
dados Scielo
3
, na qual se pode constatar que dos 11 artigos encontrados, nenhum aborda
diretamente a temática de investigação deste projeto. Estes artigos centram a discussão,
basicamente, no número de mulheres desempregadas, nas formas de sociabilidade
masculina, nos efeitos do desemprego na saúde dos homens e dos filhos, na relação entre
fidelidade e contaminação pelo vírus HIV e na paternidade na adolescência. Os anos
destas publicações são recentes, sendo apenas três do final da década de 90 e as outras a
partir do ano de 2000.
no que se refere à produção acadêmico-científica brasileira referente à temática
das masculinidades, no âmbito dos programas de pós-graduação
4
, é possível constatar que
essa temática entrou na agenda das pesquisas acadêmicas em Psicologia, a partir da década
de 90. Somente no final desta década as produções aumentaram, tendo o seu auge nos anos
de 2001 e 2002.
É possível verificar a escassez de produções
5
relativas à temática aqui proposta
produção de masculinidades em famílias em que a mãe provê o sustento financeiro da
família - em âmbito nacional, bem como a inexistência destas produções no estado de
3
Disponível no endereço http://www.scielo.com.br . Esta pesquisa foi realizada no dia 19 de julho de 2005.
Como palavras-chave teve-se: paternidade e prover, masculinidade e prover o sustento, construção da
masculinidade, constituição da masculinidade, mulheres chefes de família, pais desempregados, homens
desempregados, família e pai desempregado e masculinidade e desemprego.
4
Para atingir tal objetivo foi desenvolvida uma pesquisa, tendo como referência o período compreendido
entre 1987 e 2005, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior), no dia 05 de maio de 2005. Para tanto, foram utilizados os seguintes critérios ou
filtros: 1) Ano de defesa: > e = 1987; 2) Palavras-chave: paternidade e prover, masculinidade e prover o
sustento, construção da masculinidade, constituição da masculinidade, mulheres chefes de família, pais
desempregados, homens desempregados, família e pai desempregado e masculinidade e desemprego; 3)
Nível: todos; 4) Instituição: todas.
5
O resultado completo desta pesquisa encontra-se em anexo.
14
14
Santa Catarina. No entanto, a temática aparece em várias pesquisas como uma das
categorias de análise, ou seja, mesmo não sendo a problemática pesquisada, acaba
surgindo nos resultados e na análise destes trabalhos.
Dentre os resultados obtidos, nota-se que o maior número de estudos realizados na
área da Psicologia encontra-se relacionado ao descritor “Homens Desempregados”, num
total de oito trabalhos dos 41 encontrados. Estes estudos abordam a posição privilegiada
que o trabalho ocupa no processo de produção das subjetividades dos homens; as causas
do desemprego a partir da visão de homens e mulheres; a dimensão pública que surge na
ação de lideranças sindicais; a relação entre gênero e constituição da saúde mental; e os
modos de vida de homens e famílias frente à situação de desemprego e ao provimento
financeiro por mulheres. Das dissertações que abordam este último tema, num total de
três, uma refere-se ao modo como homens de camadas médias vivenciam a situação de
desemprego, sendo que a análise teve como referencial teórico a Fenomenologia
(PIMENTEL, 2002); a outra analisa as formas singulares dos sujeitos se adaptarem e
ressignificarem o modelo tradicional de família, sendo que o estudo foi realizado com
famílias de camadas populares em que a mulher era a provedora e o homem encontrava-se
em situação de desemprego (RIBEIRO, 2002); e uma dissertação aborda as vivências de
casais em contextos nos quais a mulher é a provedora do lar e o homem está fora do
mercado de trabalho, tendo como objetivos verificar as configurações familiares e as
estratégias utilizadas pelo casal (PEREIRA, 2003).
O prover financeiro surge, também, em outros trabalhos da Psicologia, relacionado
à constituição da paternidade; à exploração e trabalho infantil, abordando como uma das
possíveis causas destas situações de risco o desemprego dos pais; a relações de poder entre
mãe e filha, quando estas mães são chefes de família e cometeram algum tipo de violência
15
15
contra a filha; e a mudanças nas composições familiares quando as mulheres são chefes de
família.
A masculinidade é outro tema que vem sendo estudado pela Psicologia, sendo que
das dezessete produções relacionadas a este assunto, seis são desta área. Estas pesquisas
analisam principalmente o processo de produção de masculinidades a partir da ótica de
homens; a relação entre violência e masculinidade; bem como o significado atribuído por
homens ao processo de emancipação da mulher.
Por meio da análise destas pesquisas pode-se perceber que o trabalho e o prover
são elementos importantes para a produção de masculinidades e paternidades, assim como
para os modos de vida familiares, uma vez que estes são analisados como uma das
atribuições paternas e como um dos elementos constituintes das masculinidades. Quando
não é possível prover a família e a mulher que o faz, novos arranjos familiares irrompem
e, por vezes, denotam sofrimento não somente para o homem, mas também para toda a
família.
Nesse levantamento das produções acadêmicas chama atenção o elevado número
de produções na área do Direito quando utilizado o descritor “Paternidade e Prover”. Estas
produções centram-se na questão do reconhecimento biológico da paternidade, união
estável e pensão, o que demonstra o quanto o discurso jurídico, que é centrado no
enunciado da lei e no funcionamento da interdição (FOUCAULT, 2005a), produz uma
idéia de paternidade, e, por conseguinte, de masculinidade. Este fato pode ser melhor
visualizado ao analisar o percurso histórico dos Códigos Civis Brasileiros e das
Constituições
6
que os embasam. Assim, verifica-se que na lei do Código Civil Brasileiro
sobre divórcio (Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977), somente os homens devem
pagar pensão para as mulheres e para os filhos, e que na lei de pensão alimentícia (Lei
6
Disponível no site www.presidencia.gov.br
16
16
5.478, de 25 de julho de 1968), não fica claro se é o homem ou a mulher quem deve pagá-
la. Com as mudanças ocorridas ao longo da história acerca dos costumes e modos de vida
da sociedade, os Códigos Civis, citados acima, que até então eram embasados na
Constituição de 1916, demonstraram-se defasados. A partir da Constituição de 1988 se
pode verificar que tanto os homens quanto as mulheres são iguais em direitos e
obrigações. No novo Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406/02), que passou a
vigorar no ano de 2003, parentes, cônjuges ou conviventes podem pedir pensão
alimentícia quando dela necessitarem, mesmo que o cônjuge solicitante seja culpado da
dissolução do casamento. Diferentemente do que era pregado pelo Código de 1916,
segundo o qual somente a mulher podia pedir alimentos, direito que era negado ao marido
(apesar de admitido pela jurisprudência com base na Constituição).
Mediante o exposto, é possível constatar a importância em estudar e analisar quais
são as masculinidades produzidas nos contextos familiares nos quais quem provê o
sustento da família é a mãe, e o pai encontra-se em situação de desemprego. Além, da
importância descrita, a escolha por famílias nas quais a mãe é provedora do sustento
familiar, alia-se à constatação ao alto número de famílias que são sustentadas pelas
mulheres. Como é apontado pelo IBGE
7
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
em agosto de 2006, 2,7 milhões de mulheres trabalhadoras eram as principais responsáveis
pelos seus domicílios, totalizando 29,6% do total das mulheres ocupadas nas seis regiões
pesquisadas.
Esta pesquisa terá como alvo famílias de camadas médias
8
, pois nestas camadas é
mais fácil ver mulheres trabalhando como um projeto profissional e de vida inclusive
ganhando salários maiores que as das camadas populares. Nesses contextos lastra o
7
Disponível no site www.ibge.gov.br
8
Como parâmetro para definir camada média ter-se-á o grau de escolaridade de seus membros, a renda
familiar e distinções de cunho simbólico, conforme é adotado por Bruschini (1990).
17
17
pensamento igualitarista e individualista (BRUSCHINI, 1990), o qual é explicitado pela
contestação das distinções das posições de gênero, na aceitação do divórcio, nos múltiplos
arranjos conjugais (HEILBORN, 1998). Assim, o trabalho extradoméstico, que era tido no
sistema tradicional como uma atribuição masculina, passou a integrar o cotidiano
feminino. Alia-se a estes, o fato de o homem de camadas médias, com ensino superior, ter
uma profissão como um projeto de vida, assim como a mulher, em uma perspectiva mais
individualista o que permite inferir que quando o homem encontra-se em situação de
desemprego vê todo o seu projeto interrompido.
Com o intuito de tentar responder às questões aqui levantadas, foi percorrido o
seguinte caminho: o primeiro capítulo é dedicado a discussões acerca das produções de
subjetivações engendradas pelos/nos jogos de poder/saber, dos processos de subjetivação e
objetivação que ocorrem diante da norma do trabalho, das generificações produzidas pelas
normas regulatórias de gênero, e por fim das produções de masculinidades e a sua relação
com o enunciado do prover; no segundo capítulo são abordados os movimentos e
procedimentos de incursão no campo, a caracterização dos sujeitos e famílias
possibilitadoras deste estudo e a descrição de como foi realizada a análise; no terceiro
capítulo são descritas e analisadas as práticas cotidianas destas famílias e as normas que as
produzem, além das resistências exercidas pela organização familiar diante destas, e das
masculinidades que emergem neste processo; finalmente, no último capítulo são
apresentados alguns apontamentos, na tentativa de elucidar e responder aos
questionamentos iniciais desta dissertação.
18
18
2. SUJEITOS E SUBJETIVIDADES
Estudar masculinidades e subjetividades que estão à “margem” da norma
regulatória
9
- ou seja, homem de camada média, branco e provedor do sustento financeiro
familiar - colabora com a visibilidade destas formas de masculinidades, além de ir ao
encontro do pensamento foucaultiano, que foca nos indivíduos que se encontram fora dos
“padrões” para buscar entender e discutir as formas de produção de subjetividades, e aqui
é possível acrescentar as produções de masculinidades. Para Foucault (2005a), a
sexualidade colocada como discurso - é um dispositivo que “fala” a verdade do sujeito,
ou seja, produz sujeitos e subjetividades, sendo regido, regulado pelas normas ideais do
sexo. Isto é,
o sexo é (...) o elemento mais especulativo, o mais ideal, o mais interior
em um dispositivo da sexualidade que o poder organiza em suas capturas
dos corpos, sua materialidade, suas forças, suas energias, suas sensações,
seus prazeres (FOUCAULT, 2005a, p. 147).
Pode-se pensar, analogamente, na masculinidade e na sua própria relação com a
sexualidade, uma vez que a sexualidade, ao falar a verdade do sujeito, institui sua
condição e, com ela, sua derrota ou seu sucesso social. Desta maneira, a masculinidade
tanto é produto do dispositivo da sexualidade como é parte deste dispositivo que produz
sujeitos e subjetividades.
As normas, os discursos de verdade sobre o homem e a masculinidade, são
ortopedias discursivas que lhe impõem certo discurso razoável, limitado e verdadeiro
9
Segundo Butler (2002, p.154)), “as normas regulatórias do ‘sexo’ trabalham de uma forma perfomativa para
constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para
materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual”.
19
19
(FOUCAULT, 2005a), sobre as “funções”, atributos e posições sociais que podem possuir
e exercer. Estas ortopedias discursivas são embasadas em um regime de verdade, que cada
sociedade possui para regulamentar discursos que podem ser considerados verdadeiros ou
falsos, aprovando alguns e produzindo efeitos de poder relacionados ao discurso
“verdadeiro”. Para Foucault (1979), o regime de verdade é “o conjunto de regras segundo
as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeito específico de
poder” (p. 12). Desta maneira, em se tratando de masculinidades, pode-se dizer que aquela
que é considerada por determinada sociedade como a mais verdadeira é mais legítima que
as outras, exercendo, assim, um mecanismo de poder sobre as outras e sobre si mesma.
A família é vista por Foucault (2005a) como o cristal no dispositivo de
sexualidade: “parece difundir uma sexualidade que de fato reflete e difrata. Por sua
penetrabilidade e sua repercussão voltada para o exterior, ela é um dos elementos táticos
mais preciosos para este dispositivo” (FOUCAULT, 2005a, p.105). Os pais, os cônjuges
são, na família, os principais agentes deste dispositivo. A família “é o permutador da
sexualidade com a aliança: transporta a lei e a dimensão do jurídico para o dispositivo de
sexualidade; e a economia do prazer e a intensidade das sensações para o regime da
aliança” (ibid, p.103).
As análises de Foucault (2002a) circulam ao redor da relação
saber/poder/subjetividade, sendo que poder e saber são do campo da produção e a
subjetividade dos efeitos. A questão central, para este autor, é como saber e poder se
sustentam e como a incitação recíproca entre eles produz efeitos de subjetividade em
sujeitos.
No pensamento foucaultiano é possível identificar duas distintas preocupações
teóricas, a saber: a) nas trajetórias arqueológicas e genealógicas o autor preocupa-se com a
20
20
objetivação do sujeito pelos saberes e poderes respectivamente; b) enquanto que, nas
trajetórias éticas, ele passa a se preocupar com a subjetivação dos sujeitos.
Há, portanto, uma confluência entre práticas sociais (discursos de verdade) que
objetivam o sujeito e uma outra prática social, ética, que é do sujeito em relação a si
mesmo, na qual o sujeito se reconhece conforme a norma a relação entre verdade, poder
e si mesmo. São os modos de agir do sujeito perante e a partir dos discursos, que fazem
com que ele se subjetive, se porte no mundo. Tal processo de subjetivação produz
identidades que não são unas pelo seu caráter temporal as quais possibilitam que os
sujeitos (indivíduos) se reconheçam e sejam vistos pelo social, o que acaba por mantê-los
presos ao poder. Em suma, todo sujeito é sujeito do saber, do poder e da sua própria
identidade.
Desta maneira, toda subjetividade possui um caráter impessoal, decorrente do fato
de que toda experiência que objetiva (materializa) uma subjetividade envolve modos
históricos de subjetivação, isto é, modos específicos de se realizar a experiência do si. Esta
postura temporal da subjetividade, propicia a existência de uma “estética da existência”,
na qual o sujeito volta a si na busca de ser um sujeito moral, de uma ética da existência em
conformidade com as normas de comportamento fundadas em cada espaço-tempo. um
esforço no sentido de “dar a sua própria vida uma certa forma na qual podia se reconhecer
e ser reconhecido por outros e onde a posteridade mesma poderia encontrar”
(FOUCAULT, 2002b, p. 289).
Para Foucault o poder sempre gera saber. Toda prática de poder precisa da
legitimação de um saber. Há, portanto, um caráter relacional entre estes dois conceitos:
“somos submetidos pelo poder à produção da verdade e podemos exercer o poder
mediante a produção da verdade” (FOUCAULT, 1999b, p. 28). Para examinar o poder,
Foucault assegura que é necessário mais que uma análise da sua racionalidade interna, ela
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consiste em deambular pelos espectros focando “as relações de poder através do
antagonismo das estratégias” (FOUCAULT, 1995a, p. 234), sendo que para compreender
o que são estas relações é necessário “investigar as formas de resistência e as tentativas de
dissociar estas relações” (ibid.).
As formas de poder são aplicadas na vida cotidiana imediata que caracteriza o
indivíduo, forçam o indivíduo a se voltar para si mesmo e ligam-no à sua própria
subjetividade, além de lhe impor uma lei da verdade, que precisa ser reconhecida por
todos. Estas formas de poder fazem dos indivíduos, sujeitos. Para Foucault (1995a)
existem dois significados para a palavra sujeito: “sujeito a alguém pelo controle e
dependência, e preso à sua própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento.
Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e torna sujeito a” (FOUCAULT, 1995a,
p. 235).
Porém, existem lutas contra estas formas de poder que, segundo Foucault (1995a)
são três: contra as formas de dominação, que são as étnicas, sociais e religiosas; contra as
formas de exploração que separam o indivíduo daquilo que ele produz; e contra aquilo que
liga o indivíduo a si mesmo e o submete aos outros, isto é, contra a sujeição, as formas de
subjetivação que ocorrem por meio da submissão. Sendo que atualmente a luta mais
proeminente é contra as formas de sujeição, contra a submissão da subjetividade, o que
não significa que as de dominação e exploração tenham desaparecido.
Foucault (1995a) justifica a prevalência deste tipo de luta pelo fato de que desde o
século XVI surgiu na sociedade Ocidental uma nova forma política de poder, que é o
Estado. Este poder político ignora os indivíduos e ocupa-se de uma totalidade, de uma
classe ou grupo de cidadãos. Mas esta forma de poder é tanto individualizante quanto
totalizadora, e estas técnicas de individualização e procedimentos de totalização são
responsáveis pela força que o Estado possui. Este sucesso das formas de poder político
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deve-se à incorporação pelo Estado de uma tecnologia de poder, originada nas instituições
cristãs, que é a “tecnologia de poder pastoral”.
Diante destas formas de poder, Foucault (1995a), diferentemente de Kant, coloca
que a questão não é mais quem somos, mas sim recusar o que somos. Para ele devemos
“imaginar e construir o que poderíamos ser para nos livrarmos deste ‘duplo
constrangimento’ político, que é a simultânea individualização e totalização própria às
estruturas do poder moderno” (Ibid, p. 239). Para este autor, ao se recusar este tipo de
individualidade que é imposto vários séculos, é possível a promoção de novas formas
de subjetividade.
Mas que poder Foucault enuncia? O termo poder, para ele, designa relações entre
“parceiros”, seja entre indivíduos ou grupos. O que significa dizer em um “modo de ação
de alguns sobre outros”, portanto, o poder existe em ato, mesmo que se “inscreva em
um campo de possibilidade esparso que se apóia sobre estruturas permanentes”
(FOUCAULT, 1995a, p. 242). O que define as relações de poder não é um modo de ação
sobre os outros, mas sobre a sua ação. É uma ação sobre a ação.
O poder visa governar as condutas dos indivíduos ou coletivos dentro de um campo
de possibilidades. Desta maneira, o sujeito precisa estar livre para ser alvo do poder, caso
contrário é violência, pois esta age sobre corpos, sobre as coisas, ela fecha todas as
possibilidades. A liberdade, portanto, fundamenta-se como condição e precondição de
existência do poder. De acordo com Foucault (1995a, p. 244) no centro da relação de
poder, encontra-se a “recalcitrância do querer e a intransigência da liberdade”, é uma
relação de recíproca incitação e de luta, perfaz-se como um “agonismo” e não um
“antagonismo”.
Ao se admitir a existência da liberdade como condição para a existência do poder,
deve-se ponderar também a existência de resistências, escapatórias, fugas e inversões
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eventuais. Então toda relação de poder implica uma estratégia de luta. Nesta relação entre
relações de poder e estratégias de luta existe uma atração mútua, um encadeamento
indefinido e uma inversão perpétua. Esta instabilidade faz com que “os mesmo processos,
os mesmos acontecimentos, as mesmas transformações possam ser decifrados tanto no
interior de uma história das lutas quanto na história das relações e dos dispositivos de
poder” (FOUCAULT, 1995a, p. 249).
As relações de poder, portanto, encontram-se enraizadas no conjunto da rede
social, o que significa dizer, nas próprias palavras do autor,
(...) que há, a partir desta possibilidade de ação sobre a ação dos outros
(que é co-extensiva a toda relação social), múltiplas formas de
disparidade individual, de objetos, de determinada aplicação do poder
sobre nós mesmos e sobre os outros, de institucionalização mais ou
menos setorial ou global, organização mais ou menos refletida, que
definem formas diferentes de poder (FOUCAULT, 1995a, p. 247).
Desta maneira, os lugares e as formas de “governo”
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de uns sobre os outros são
múltiplos, refletores e refratários numa sociedade. Sendo que todos os tipos de relações de
poder se referem ao Estado, porque se produziu uma “estatização contínua das relações de
poder” (FOUCAULT, 1995a, p. 247) tomado a mesma forma na ordem pedagógica,
judiciária, econômica, familiar.
É possível perceber uma centralidade da problemática da subjetividade nos escritos
de Foucault, pois, este objetivou “criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em
nossa cultura, os seres humanos tornam-se sujeitos” (FOUCAULT, 1995a, p.231). Sob tal
auspício ele primou, no desenrolar de seu pensamento, por analisar as práticas sociais
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Governar é aqui entendido como a maneira de “estruturar o eventual campo de ação dos outros”
(FOUCAULT, 1995a, p. 244), tornando o governo uma característica do exercício do poder no qual não se
busca a violência e a luta, mas sim dirigir “a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das
famílias, dos doentes” (Ibid).
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(discurso, poder ou a multiplicidade dos poderes). Tendo como foco analítico os discursos
e as práticas, torna-se possível traçar arqueologias e genealogias das várias figuras de
subjetividade que emergem na contemporaneidade.
2.1 Trabalho e os processos de subjetivação/objetivação
Nas sociedades contemporâneas os sujeitos vivem sob a égide de dois sistemas de
tecnologias de poder, o disciplinar e o regulador (FOUCAULT, 2005a). O primeiro teve
seu início por volta dos séculos XVII e XVIII, caracterizando-se por técnicas disciplinares
sobre os corpos dos sujeitos, objetivando o adestramento para que os indivíduos possam
ser manipulados como corpos dóceis e úteis.
O poder disciplinar age por meio, principalmente, de duas linhas de condução, a
espacial e a temporal. Na espacial os indivíduos passam continuadamente de um espaço
fechado para outro, ou seja, de uma instituição a outra - a escola, a fábrica, a prisão, o
hospício, entre outros. Já na temporal o tempo dos indivíduos é transmutado para tempo de
trabalho em troca de um salário, isto é, o tempo do indivíduo deve estar à disposição dos
aparelhos de produção capitalista. Nas próprias palavras de Foucault (1996), “é preciso que
o tempo dos homens seja colocado no mercado, oferecido aos que o querem comprar, e
comprá-lo em troca de um salário; é preciso, por outro lado, que este tempo dos homens
seja transformado em tempo de trabalho” (p.116).
Tal poder é orquestrado por dispositivos que visam o seu melhor funcionamento. O
olhar hierárquico, embasado na idéia de vigilância que consiste em desindividualizar o
poder por generalizar a disciplina extrapolando as paredes das instituições fechadas e ao
mesmo tempo contribuindo com a individualização dos sujeitos. Ele propicia, assim, que
os sujeitos tenham a impressão de estarem sendo vigiados todo o momento. Esta
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potencialidade de ser vigiado faz com que haja uma sujeição real por um elemento fictício,
na medida em que o sujeito se adestra por si próprio. Outro dispositivo é a sanção
normalizadora, que seria uma maneira de punição com o objetivo de reduzir os desvios,
funcionando de maneira corretiva. Por meio desta sanção ocorre novamente a
individualização do sujeito, uma vez que os indivíduos são diferenciados em função de seu
valor, de se nível. uma hierarquização e uma exclusão por meio da norma; e, por fim,
tem-se como dispositivo o exame, que é a articulação dos outros dois, tornando o individuo
objeto passível de análise e comparações (FOUCAULT, 2001). O exame seria, portanto, o
resultado da articulação entre subjetivação e objetivação, - sendo que esta objetivação se dá
pela existência mútua da invisibilidade do poder disciplinar e da visibilidade do sujeito -
por ser capaz de manifestar “a sujeição dos que são percebidos como objetos e a
objetivação dos que se sujeitam” (Ibid, p.154).
A partir da metade do século XVIII, outras tecnologias do poder são somadas às
anteriores. São somadas na medida em que não a exclusão das disciplinares e sim a
existência das duas formas de poder concomitantemente, a disciplinar e a reguladora que
emerge neste momento. Há agora um deslocamento do foco do poder que antes era
dirigido aos corpos, um “anátomo-poder”, que passa a ser orientado à vida dos sujeitos, um
“biopoder” (FOUCAULT, 1999b).
Esta nova técnica do poder, não se dirige mais a indivíduos isolados e sim à
população. O biopoder consiste do controle da população global, por meio da regulação
das taxas de natalidade, longevidade, mortalidade, enfim dos estados de vida da população.
Busca-se com este tipo de poder otimizar a vida e não mais uma maximização da força
(FOUCAULT, 2005a). Decorre desta alteração do campo de efetivação do poder a
regulação de todo o campo social, não se restringindo ao interior das instituições. O que se
é justamente uma quebra de fronteiras, de delimitações de ações do poder, uma vez que
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este se encontra intrínseco a todas as relações, fazendo com que o campo de sujeição
também seja dilatado e completo. Tal regulação proporciona que as vidas sejam
empregadas ao capital independente se são vidas assalariadas ou desempregadas, jovens,
crianças, enfim todas as vidas. A existência mútua destas duas formas de poder, a
disciplinar e o biopoder, têm em comum a norma, que permite a manutenção do equilíbrio
entre a disciplina do corpo e a ordem aleatória da população. Com isso, a norma pode ser
aplicada tanto a um corpo que se deseje disciplinar quanto à regulação de uma população
(FOUCAULT, 1999b). Este elemento em comum propicia a edificação de uma “sociedade
de normalização”, na qual coexistem o corpo e a vida, a individualização e a massificação,
a disciplina e a regulamentação.
Nesta nova conjuntura, não é possível realizar a ligação estreita entre trabalho e a
disciplina da fábrica, devido à emergência do trabalho imaterial. Esta forma de trabalho
produz, entre outras coisas, serviços. Isto é,
como a produção de serviços não resulta em bem material e durável,
definimos o trabalho envolvido nessa produção como trabalho imaterial
ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto
cultural, conhecimento ou comunicação (HARDT E NEGRI, 2001, p.
311).
Ao colocar a vida como ferramenta de produção, adentra-se no espectro de
comunicação da vida, sendo que esta produção somente é possível quando em relação com
outras ferramentas, com outras vidas. Em outras palavras, “a produtividade, a riqueza e a
criação de superávits sociais hoje em dia tomam a forma de interatividade cooperativa
mediante redes lingüísticas, de comunicação e afetivas” (HARDT e NEGRI, 2001, p. 315).
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Com isso o trabalhador exerce as suas atividades profissionais em todos os
momentos de sua vida, não se restringindo a uma empresa. Ele é ao mesmo tempo objeto e
sujeito do trabalho, na medida em que é uma ferramenta de produção (objetivação) e se
sujeita às normas engendradas neste processo de produção (subjetivação).
O capitalismo, ao utilizar o biopoder como ferramenta de seu exercício e expansão,
conseguiu atingir o centro de produção de subjetividades, uma vez que a produtividade de
materiais não se encontra mais, na contemporaneidade, restrita à relação entre indivíduo e
natureza e sim nos processos sígnicos, cognitivos e comunicativos engendrados nas
relações de produção. Nota-se, então, que anteriormente o capitalismo agia sobre o
processo de produção de subjetividades, sobre a relação do indivíduo com as coisas, e hoje
ele age sobre a própria subjetividade, que seu domínio encontra-se exatamente no modo
de agir do sujeito, na sua vida.
Tem-se então a delimitação do palco para o exercício do cuidado sobre si, que o
indivíduo é impelido a conduzir a sua vida de acordo com normas regidas pela cultura
organizacional, sendo valorizado pelos resultados alcançados, ao mesmo tempo, em que é
incitado a investir na sua carreira profissional, a se aperfeiçoar a fim de manter ou
conquistar um emprego. É necessário um cuidado do indivíduo consigo mesmo na busca
do seu enquadramento profissional. Esta valorização deve-se primordialmente à fragilidade
das fronteiras entre as diversas áreas de atuação profissional, aliado ao alto índice de
desemprego, requerendo que o indivíduo seja um trabalhador múltiplo e capaz de atuar em
diversos segmentos.
O cuidado de si está intimamente ligado ao “princípio da conversão a si
(FOUCAULT, 2005b, p. 70), sendo que por meio deste retorno a si tem-se a ilusão de
abrigo e independência em relação ao exterior. A cultura organizacional utiliza deste
cuidado sobre si para determinar a conduta, tendo a sua eficácia exatamente por remeter à
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idéia de liberdade, uma vez que valoriza a relação do sujeito consigo a despeito de todas as
dificuldades que o acometem desde o exterior. Deste modo, existem valores apreciados
pelo mercado de trabalho, os quais fazem com que os sujeitos retornem a si na busca do
auto-conhecimento e do trabalho sobre si para que, assim, potencializem suas habilidades
profissionais e se adeqüem aos modos de produção.
Nesta nova conjuntura almejar por um emprego é buscar a segurança que este
propícia por meio dos benefícios da inserção do indivíduo nos mecanismos de seguridade
social. Contudo, com as mudanças de paradigmas há uma escassez desta maneira de
sobrevivência, delineando-se outras formas de trabalho, como o trabalho informal. “Se
regressão do trabalho assalariado, não se pode fazer a mesma afirmação quanto à atividade
real de trabalho” (HIRATA, 1998, p. 22).
Esta alternativa ao emprego coloca o indivíduo frente à instabilidade do mercado ao
mesmo tempo em que lhe proporciona certa liberdade na medida em que não se encontra
vinculado diretamente aos mecanismos de controle das empresas. No entanto, mesmo
desempregado, a sua existência permanece regulada por normas que estabelecem a
necessidade do trabalho, haja vista a inevitabilidade do uso do tempo para o trabalho, e do
consumo. Esta última encontra-se intimamente relacionada à sociedade de consumo
contemporânea, na qual o setor de Marketing das empresas ocupa lugares de destaque nos
modos de produção, o que tornar a propaganda um eficaz meio de controle da sociedade.
O poder exercido pelas propagandas se dá na medida em que estas acionam desejos
e sonhos nos indivíduos, impelindo-os a consumirem, consumo que na maioria das vezes
não se encontra alicerçado na necessidade e sim na satisfação ou felicidade do que se
compra. Os mecanismos utilizados pelas campanhas publicitárias atuam de maneira a
induzirem os indivíduos a acreditarem que por meio dos objetos comprados tem-se um
estilo de vida que representa não somente a felicidade, mas também, em certa medida, a
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dignidade do sujeito (BAUMAN, 2005). Desta maneira, as propagandas ao interferirem no
consumo acabam por atuarem na produção de subjetividades, pregam os modos de vida
compatíveis com determinados estilos de vida.
Diante destas prerrogativas, a do tempo a serviço do trabalho e a do consumo como
produtor de estilos de vida, aliadas à escassez de empregos, o indivíduo sem trabalho e sem
emprego encontra-se em um terreno dramático o qual é permeado pelo agonismo. De um
lado têm-se as normas e de outro se encontram os sujeitos buscando sua auto-regulação
para agirem de acordo com tais normas, numa tentativa de se enquadrarem a estas. O que
torna a situação de desemprego e a própria procura por trabalho modos de subjetivação,
uma vez que produzem modos de vida, e modos de objetivação, que a partir destas
circunstâncias o indivíduo é o seu próprio objeto a ser trabalhado. Vislumbram-se, assim,
dois elementos que regem a produção de subjetividades dos indivíduos
contemporaneamente, a ética e a norma. Os indivíduos possuem um conjunto de normas e
valores preconizados pelo capital e seus dispositivos de poder, que os impelem a ter um
cuidado constante consigo mesmos, para assim se adequarem a tais normas.
2.2. Gênero
A dicotomia sexo/gênero é tida como o pilar fundacional da política feminista, na
qual o sexo é visto como natural e o gênero culturalmente construído. Tal dicotomia serviu
para desnaturalizar os atributos designados aos homens e às mulheres, como a fragilidade
e submissão às mulheres e, o prover e a agressividade aos homens. No entanto, tal relação
começou a ser questionada a partir de meados da década de 80. Judith Butler foi uma das
autoras que empreendeu tal desconstrução, ao problematizar a noção de que o gênero
decorria do sexo e discutir tal bipolaridade. Butler (2003a) aponta que, assim como o
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gênero, o sexo também é discursivo e cultural, isto é, “talvez o sexo sempre tenha sido o
gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se nenhuma” (BUTLER,
2003a, p. 28). Com isso a autora desconstrói a relação casuística na qual o gênero decorre
do sexo, relação esta que coloca o masculino intrínseco ao macho e a feminilidade à
fêmea, afinal não nada que garanta que o “‘ser’ que se torna mulher seja
necessariamente fêmea” (Ibid., p.27).
Teresa de Lauretis, assim como Butler, questiona tal dicotomia ao afirmar que o
sistema sexo/gênero “é tanto uma construção sociocultural quanto um aparato semiótico,
um sistema de representação que atribui significado (identidade, valor, prestígio, posição
de parentesco, status dentro da hierarquia social etc.) a indivíduos dentro da sociedade”
(DE LAURETIS, 1994, p. 212), ou seja, “Tecnologia do Gênero”. Tal conceito foi
elaborado a partir das concepções de Foucault (2005a) das “Tecnologias do Sexo”, nas
quais o autor propõe que a sexualidade não é um impulso natural dos corpos, e sim que o
sexo é um elemento interior ao dispositivo da sexualidade em que o poder organiza, por
meio do apoderamento dos corpos, a sua “materialidade, suas forças e seus prazeres” (DE
LAURETIS, 1994, p. 145). A sexualidade deve ser vista como resultado de uma
“Tecnologia do Sexo”, definida como um conjunto “de novas técnicas para maximizar a
vida” (Ibid).
De Lauretis (2000) concebe, então, que, da mesma maneira que a sexualidade, o
gênero não é uma manifestação natural do sexo e tampouco a expressão de características
intrínsecas e específicas dos corpos sexuados em feminino e masculino. Para a autora, as
práticas discursivas que atuam nas “Tecnologias do Gênero” desempenham uma dupla
função, a de nomear, definir a masculinidade e a feminilidade, e ao mesmo tempo em que
nomeiam, as criam. O que torna a construção do gênero produto e processo da
“representação” e da “autorepresentação”.
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Tais posturas relativizam a noção de gênero, por entendê-lo como inconstante e
contextual, “um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações,
cultural e historicamente convergentes” (BUTLER, 2003a, p.29). Desta maneira, gênero é
entendido como “performativo”. Tal concepção aponta que o gênero não expressa uma
“essência interior” de quem somos, e sim de que é produzido por um ritualizado jogo de
práticas que consequentemente produzem o efeito de uma “essência interior”. O gênero é
vivido, portanto, como uma interpretação, um jogo de interpretações do corpo, que é, por
fim, uma mutável e histórica instituição social.
O conceito de performatividade tem fortes influências do trabalho de John Austin
(1990), no qual ele aborda o modo como em determinados casos a fala desempenha uma
ação por meio e no momento mesmo do ato de enunciação, o que torna o ato da fala uma
performace com as suas conseqüências, originando a existência de algo. Este autor propõe
que ao se realizar um ato de fala, realizam-se três atos: um ato locucionário (que tem um
significado), um ato ilocucionário (que tem certa força) e um ato perlocucionário (o efeito
provocado pelo dizer algo). A partir destas considerações ele traz para o campo da
linguagem não o falante, mas também o seu corpo (visto que um ato de fala não é
verbal) e o interlocutor.
Butler (2003a, 2002) ao desenvolver o seu conceito de performatividade, alia a
noção de subjetivação de Foucault, à de sujeição de Althusser e a dos atos de fala de
Austin. Com isso, propõe que a subjetividade se forja por meio de performaces repetidas e
que por sua vez são produtos de discursos reguladores pré-existentes. Consequentemente,
a subjetividade é resultante da repetição de atos discursivos e não deles precursora. Assim,
a performatividade constitui uma forma de “citacionalidade”, uma repetição ou reiteração
de normas, isto é, “a prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos
que ele nomeia” (BUTLER, 2002, p. 154). Portanto, além da possibilidade de repetição de
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um signo, sua “citacionalidade” é fundamental para a produtividade de um discurso. Tal
noção de “citacionalidade” é utilizada pela autora a partir de Derrida (1991) e corresponde
à possibilidade que qualquer signo tem de ser citado, independente do contexto no qual foi
criado.
A reiteração das normas (atos de fala performativos) faz com que se tenha a falsa
impressão de que certos enunciados sejam naturais, ontológicos, como a repetição de
certos atos performativos de construção da identidade de gênero heterossexual, que pode
ter levado à percepção de que esta maneira de sexualidade é a natural, sendo a partir desta
que se a constituição de homens e mulheres. Portanto, as identidades de gênero não são
categorias naturais, mas sim negociadas e reivindicadas a cada ato de fala, inseridas em
uma estrutura reguladora que exige práticas mediante as quais se produz uma
“generificação” (BUTLER, 2003a).
É importante ressaltar que tal performatividade não se trata de um processo
dramático ou teatral (BUTLER, 2002). Esta não conotação do ato performático como
teatral deve-se primordialmente a não existência de sujeitos a priori, pré-existentes e
dotados de capacidade ou iniciativa de ação, que selecionam uma dada performace. São
antes “convocados” e “coagidos” pelos discursos reguladores da sociedade, sendo que os
indivíduos passam por tal processo sem se darem conta, posto que este é naturalizado.
Tal reiteração da norma deve-se também ao que Butler (2006) denomina como
“inteligibilidade social”, que é “aquilo que se produz como conseqüência do
reconhecimento de acordo com as normas sociais vigentes” (BUTLER, 2006, p. 15).
Trata-se, portanto, de uma questão de sobrevivência no social a partir do reconhecimento
pelo outro, pelo desejo de ser considerado como humano, viável e reconhecível, o que
implica em ter que se “desfazer” daquilo que o diferencia.
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um certo caminho novo do humano que se com o fim de iniciar o
processo de refazer o humano. Eu posso sentir que sem certos traços
reconhecíveis não posso viver, mas também posso sentir que os termos
pelos quais sou reconhecida convertem minha vida em inabitável. Esta é
a conjuntura da qual emerge a crítica como um questionamento dos
termos que restringem a vida com objetivo de abrir a possibilidade de
modos diferentes de vida (BUTLER, 2006, p. 16-17).
A possibilidade de surgimento de modos diferentes de vida, modos que superam as
normas vigentes, permite a criação de um novo humano. Isto é viável justamente pela
repetição destas normas que facultam a constituição de uma unidade de gênero e de seus
limites e contornos. Desta maneira, ao se pensar em uma unidade de gênero deve-se pensar
também em uma subversão a tal unidade, da mesma maneira que Foucault pensa a
existência do poder condicionada à existência de resistências. Tal corolário se faz
necessário para o estabelecimento do que é humano e o que não o é, do que é normal e do
que não o é. No entanto, a emergência de novas subjetividades não se dá de forma
cartesiana e sim num processo de associação do parodiamento de atos inteligíveis a outros
politicamente ininteligíveis.
O que importa, então, é a maneira como se repete e não a repetição puramente, por
esta não ser escolhida e sim conferida e aquela possibilitar a dispersão dos significados
que sustentam os binarismos heterossexuais, afastando assim as normas que proporcionam
a própria repetição.
Tal postura possibilita a emergência de subjetividades múltiplas e não unificadas,
uma vez que a configuração de vários campos discursivos sexuais (DE LAURETIS,
1994), o que favorece a inclusão dos espaços sociais e/ou discursos produzidos nas
margens, deixados de fora pelas representações tradicionais. Esta inclusão não descarta as
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tradicionais normas de gênero e sim faz com que haja a extrapolação, por meio da crítica,
ao “aparato sócio-cultural da heterossexualidade” (DE LAURETIS, 1990, p. 139).
A inclusão dos mais variados discursos e normas faz com que surjam as
“identidades cyborgs”, tal como é abordado por Donna Haraway (1994). Os cyborgs, para
esta autora, devem ser vistos com uma sexualidade híbrida, o que faculta a existência de
diversos sujeitos e não de uma única visão de gênero, por não ser passível de cópias
justamente por sua hibridez. O cyborg possui, portanto, uma identidade parcial e
contraditória, possibilitando a indiferenciação e, consequentemente, tendo um caráter
libertador. Esta característica do cyborg liberta as pessoas das dicotomias que ordenam a
vida social e que, por vezes, são fontes de preconceitos e discriminações, como as
hierarquias sociais, os sexismos, os racismos, dentre tantas outras diferenciações
opressoras que imperam.
Há, portanto, com o mito do Cyborg, a quebra de limites e a possibilidade de
fusões, tratando mais de afinidade do que de identidade. Não uma apropriação de uma
identidade e sim uma constituição a partir de afinidades, sejam elas contraditórias,
parciais, abertas, pessoais ou coletivas. O mito do cyborg permite a refutação de discursos
totalizadores e normatizadores e de uma metafísica contra a ciência e a tecnologia, e
advoga o uso destas para a comunicação entre os indivíduos, a fim de dilatar as fronteiras
e de revogar as dicotomias (pré)estabelecidas.
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2.3. Masculinidades e o prover
Ao se adotar como ponto de partida para este percurso o pressuposto de que os
gêneros são produzidos por um sistema de tecnologias, por normas regulatórias, e que os
sujeitos “atuam” performativamente segundo estas em busca de uma inteligibilidade
social, pode-se pensar na noção de masculinidades. Isto é, há entabulado, em nosso
contexto espaço-temporal, um conjunto de regras que produzem as masculinidades,
códigos que se configuram como timoneiros a nos guiar pela vida social.
Desta maneira, o prover
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é visto como um enunciado que define, produz
masculinidades, que podem ou não estar em ressonância com o padrão regulatório, uma
vez que o sustento da família é visto, ainda em alguns grupos sociais, como um dos
elementos mais importantes para a construção da masculinidade de um homem, isto é,
uma condição básica para ser considerado um homem (GOLDENBERG, 2000). As
transformações que vêm ocorrendo contemporaneamente acerca das compreensões sobre a
vida, os laços familiares, as relações entre os gêneros e a permanência das heranças
culturais através das gerações, instigam o sujeito a um diálogo permanente que acaba o
confrontando com processos de reinvenção, heranças e tradições (SARAIVA, 1998), o
que, conseqüentemente, acarreta grandes mudanças na concepção do que significa ser pai
e ser homem (FARIAS, 2001).
Então, as transformações advindas, entre outros aspectos, de uma consolidação da
participação expressiva das mulheres como força de trabalho, do aumento de sua
escolaridade, da invenção da pílula anticoncepcional que permitiu a separação entre
feminilidade e maternidade, do aumento substancial do número de dissoluções dos
11
Será abordado aqui primordialmente o enunciado do prover, por este ser o foco norteador desta
dissertação. Isto não exclui todos os outros enunciados que produzem masculinidades.
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casamentos e das uniões consensuais, dos índices de desemprego e subemprego,
(re)configuram as relações entre homens e mulheres, tanto no âmbito público, quanto no
privado (CASTELLS, 1999).
Essas transformações vêm, paulatinamente, afetando e desestabilizando o lugar e a
posição dos homens, que até então eram inabaláveis. Oliveira (1998) propõe que talvez
uma postura mais igualitária em relação à parceira - incluindo a divisão das tarefas
domésticas e dos cuidados pueris - seja possível a apenas uma pequena parcela de homens,
cujo status não colocaria em risco sua masculinidade e posição de domínio ao adotar
atitudes mais igualitárias.
Neste cenário, fala-se de um novo homem ou uma crise da masculinidade, porém,
esta necessidade de falar em uma nova mulher e de um novo homem, nada mais é do que
uma forma de (re)ordenar, tornar inteligível o que parece confuso (FOUCAULT, 2005a).
Esta parece ser uma boa “técnica” para “restaurar” a classificação de gênero, mesmo que
seja às avessas (RAMOS, 2000). As categorias são produtos de relações de poder, que por
um lado podem impor comportamentos e práticas, como diz Foucault (1979), e, por outro,
são as práticas discursivas que procuram encobrir as formas de resistência que elas
mesmas geram. Alguns se adeqüam com certa tranqüilidade às normas e aos padrões e
outros não, transgredindo-os.
Os homens parecem ainda encontrar na posição de pai uma referência de poder,
visto que se identificam como trabalhadores e pais provedores, mesmo quando se
encontram distanciados dos modelos normativos de masculinidade. A pesquisa de
Nascimento (2000) demonstra bem essa situação no que diz respeito aos homens oriundos
dos setores de baixa-renda. No entanto, o trabalho e a paternidade parecem permanecer
como referências importantes nos processos de constituição das masculinidades na maioria
dos grupos ocidentais urbanos contemporâneos. Fuller (2001) contribui para essa
37
37
discussão ao afirmar que o trabalho é fundamental para a constituição da masculinidade de
um homem. “El logro, la responsabilidad, la contribución y el crecimiento son las
categorías asociadas con la representación del trabajo. (...) La responsabilidad es una
condición sine que non para un hombre adulto” (FULLER, 2001, p.131). Contudo,
quando estes pais não conseguem prover economicamente a família recorrem, como
constatado por Nascimento (2000) em sua pesquisa com pais pobres, a recursos paliativos
para sua insatisfação “narcísica”. Desta maneira o alcoolismo, a violência conjugal e
doméstica, e a infidelidade, são vistos, em parte, como reações desses homens pais à perda
de um lugar social e à incapacidade ou impossibilidade de conquista de posições
valorizadas socialmente.
As polaridades (bem-sucedido x fracassado, macho x bicha, vagabundo x
trabalhador) servem para demarcar as peças do mosaico produzido pelas convenções do
que seja a “norma” e o “desvio” em termos de masculinidade (NOLASCO, 1997).
Compreende-se desvio como uma relação entre atores que acusam outros atores de
estarem, consciente ou inconscientemente, quebrando, com seus comportamentos, limites
e valores de determinada situação sociocultural (VELHO, 1981a).
A masculinidade, então, é percebida como algo a ser permanentemente
conquistado pelos homens para que não recaiam no marginal, no desviante, devendo estes
passarem por determinadas “provações” para poderem ser considerados “homens de
verdade” (WELZER-LANG, 2000; ALMEIDA, 1995 e FONSECA, 2000). Estes teóricos
assinalam o esforço para se estar à altura desta idéia de homem e o sofrimento por não o
conseguir.
Mediante ao exposto, nota-se que a sociedade ocidental, ainda, pensa e percebe o
mundo, as relações, o sujeito, sob uma lente cartesiana que se produz na via de mão dupla
estabelecida com as normas regulatórias. Tal tecedura desafiadora culmina na produção de
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38
identidades fixas, únicas. Isso não significa dizer que não haja resistências e fissuras. É
justamente nestas lacunas, que são intrínsecas ao processo de subjetivação, que surge um
novo pensamento, uma nova prática, um novo discurso. Tais mudanças causam, por sua
vez, estranheza, embates entre o que é conhecido e vivido algum tempo e as novas
possibilidades.
Isto pode ser percebido no caso das masculinidades e seus atributos quando são
entendidos como colados aos homens. A partir desta visão os homens, em atos
performativos, exercem o que é ditado pela norma. Porém, quando inserem outros
elementos ou eliminam alguns, são questionados, o seu sexo é questionado. O
questionamento do sexo ocorre por este ainda ser considerado nas práticas discursivas
como fundante do gênero. Assim, quando não há uma correspondência entre o fundado e o
fundante, o sistema como um todo é questionado. Esta relação entre sexo e gênero pode
ser pensada analogicamente à relação entre sexo e sexualidade abordada por Foucault
(2005a) quando este afirma que: “É pelo sexo, com efeito, ponto imaginário fixado pelo
dispositivo da sexualidade, que cada um deve passar para ter acesso à sua própria
inteligibilidade […] à totalidade de seu corpo[…] à sua identidade” (FOUCAULT, 2005a,
p.145-146).
Somente a partir da fluidez e não fixação de identidades com seus atributos
determinados, a possibilidade do deslocamento das bipolaridades. Com isso a própria
noção de gênero, de masculinidade e feminilidade serão desconstruídas, e quiçá, surjam
outras nomeações pois estas ainda ocorrerão nos entremeios da cosmovisão moderna
vigente – que sejam menos rígidas e mais múltiplas, como a nomeação “Identidade
Cyborg”. Assim, a nomeação, mas também a possibilidade de inúmeras e abertas
subjetividades, sentimentos, elementos que formem tal identidade, tal nomeação. Com
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isso, “o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto de areia” (Foucault,
1999a, p. 536).
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3. PRÁTICAS DISCURSIVAS E A PRODUÇÃO DE SUJEITOS
O perigo é que em lugar de dar fundamento ao que já existe, em lugar
de reforçar com traços cheios linhas esboçadas, em lugar de nos
tranqüilizarmos com esse retorno e essa confirmação final, em lugar de
completar esse círculo feliz que anuncia, finalmente, após mil ardis e
igual número de incertezas, que tudo se salvou, sejamos obrigados a
continuar fora das paisagens familiares, longe das garantias a que
estamos habituados, em um terreno ainda não esquadrinhado e na
direção de um final que não é fácil prever.
(FOUCAULT, 1984, p. 44)
Os sujeitos são produzidos e assujeitados por práticas discursivas. Esta dupla
ocorrência é devida ao fato da sujeição ou assujeitamento não ser somente um ato de
subordinação, mas também uma garantia e uma manutenção, uma instalação do sujeito,
uma subjetivação (BUTLER, 2001). Estas práticas discursivas são formadas em um
determinado momento histórico e em um dado espaço cultural. Nas palavras de Foucault
(1984), o conceito de prática discursiva vincula-se diretamente a:
...um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no
tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma
determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as
condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 1984,
p.153).
Pode-se afirmar, então, que os discursos são constituídos política e socialmente,
sendo a todo o momento percorridos e recortados por relações de poder, falhas e
resistências. Aqui se toma o discurso por: “um conjunto de enunciados que provêm de um
mesmo sistema de formação” (FOUCAULT, 1984, p.141), que “está constituído por um
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número limitado de enunciados para os quais se pode definir um conjunto de condições de
existência” (FOUCAULT, 1984, p. 153).
O enunciado para Foucault (1984), não se refere a uma unidade da frase, do ato de
linguagem ou das proposições, por se encontrar justamente na transversalidade destas.
Segundo Foucault (ibid.), ele é “sempre um acontecimento, que nem a língua nem o
sentido podem esgotar inteiramente" (p. 32); trata-se de "uma função que cruza um
domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que [estas] apareçam, com
conteúdos concretos, no tempo e no espaço" (p. 98).
A “função” enunciativa caracteriza-se por quatro elementos básicos: um referente
(o lugar, a condição, o campo de emergência, o que define as possibilidades de surgimento
e de delimitação do que dá sentido à frase), um sujeito (entendido como uma posição a ser
ocupada), um campo associado (que seria a coexistência de vários enunciados) e, por fim,
uma materialidade específica (o enunciado sempre é apresentado por meio de uma
materialidade fala, escrita, etc., e é passível de reprodução ou repetição) (FOUCAULT,
1984, p. 99-119).
Para Foucault (ibid.), analisar o discurso é ficar atento no nível de existência das
palavras, das coisas faladas e não procurar o seu significado último, o que está oculto ou
dissimulado. É exatamente dar conta das “relações históricas, de práticas muito concretas,
que estão ‘vivas’ nos discursos” (FISCHER, 2001, 199).
Para a realização deste estudo das masculinidades produzidas nas/pelas famílias de
camadas médias aqui pesquisadas, procurou-se atentar mais ao discurso na sua superfície
do que aos seus significados últimos. O que possibilita verificar também as práticas
culturais neste processo de produção de sujeitos e de suas masculinidades, uma vez que as
práticas culturais são engendradas por “ideais regulatórios” que estabelecem os limites de
possibilidade destas produções.
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Neste sentido, o conceito de performatividade cunhado por Butler, explicitado no
capítulo anterior, torna-se extremamente produtivo para a análise aqui pretendida. Pois
este possibilita a análise do processo por meio do qual subjetividades, masculinidades são
(re)produzidas para relacioná-las aos homens e às mulheres e, desse modo, normalizá-los.
Desta maneira, não estamos diante da manifestação de um sujeito, e sim de um
lugar de descontinuidades e dispersão, “já que o sujeito da linguagem não é um sujeito em
si, idealizado, essencial, origem inarredável do sentido: ele é ao mesmo tempo falante e
falado, porque através dele outros ditos se dizem” (FISCHER, 2001, 199). Isto torna o
lugar do autor um espaço determinado e vazio “que pode ser efetivamente ocupado por
indivíduos diferentes” (FOUCAULT, 1984, p. 107). No entanto, Foucault (ibid.) ressalta
que este lugar não é determinado para sempre e não se mantém uniforme ao longo de todo
o texto ou obra, ele é variante. Resumindo,
“seria absurdo, é claro, negar a existência do indivíduo escrevendo ou
inventando. Mas […] o indivíduo que se põe a escrever um texto no
horizonte do qual flutua uma obra possível retoma para si a função de
autor[…] tal como ele a recebe de sua época ou tal como por sua vez, a
modifica” (FOUCAULT, 2004, p. 28).
A partir desta premissa, buscou-se neste estudo, não trabalhar com falas isoladas
dos/as entrevistados/as, e sim com o discurso da organização familiar a que pertenciam,
sobre o prover, suas implicações e produções nas/das práticas cotidianas destes sujeitos,
bem como a análise das normas regulatórias engendras nestes processos.
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3.1. O prazer e a dor das confissões
Para a coleta dos comentários destes sujeitos sobre as suas vidas lançou-se mão de
entrevistas semi-abertas
12
, compostas por um roteiro com perguntas geradoras. Neste
movimento, as próprias falas dos sujeitos suscitavam possibilidades de outros
questionamentos.
A entrevista por ser uma interação entre duas pessoas entrevistador/a e
entrevistado/a possui um caráter confessional. O/A entrevistador/a ocupa um lugar de
certa autoridade sobre o/a entrevistado/a, por ser “suposto” detentor de um saber científico
e, consequentemente, o/a entrevistado/a se impelido a falar. Estamos sempre ávidos na
busca de falas, na busca de confissões, pois quanto mais o sujeito fala mais saberes
possuímos e produzimos mais discursos de verdades, independentemente da dor e do
sofrimento daquele/a que fala. A confissão, segundo Foucault (2005a),
(...) difundiu amplamente seus efeitos: na justiça, na medicina, na
pedagogia, nas relações familiares, nas relações amorosas, na ordem
mais cotidiana e nos ritos mais solenes; confessam-se os crimes,
confessam-se os pecados, confessam-se os pensamentos e desejos,
confessam-se passado e sonhos (...) suas doenças e suas misérias (...);
fazem-se a si mesmo, no prazer e na dor, confissões impossíveis de
serem feitas a outrem e sobre as quais escrevem-se livros. (...) Tanto a
ternura mais desarmada quanto os mais sangrentos poderes têm
necessidade de confissões. O homem, no Ocidente, tornou-se um animal
de confissão (FOUCAULT, 2005a, p.59).
Neste trabalho buscou-se a confissão destes sujeitos acerca de suas vidas, mas essa
busca, no entanto, não visou produzir verdades interpretativas que recaíssem em uma
12
Ver em anexo os roteiros de entrevistas.
44
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hermenêutica. Procurou-se traçar a partir destas confissões, que de certa forma reafirmam
as estratégias de poder, os meandros das produções de masculinidades e as resistências
existentes em tal processo. O que permite afirmar que esta interpretação é resultante de
uma “leitura da coerência das práticas da sociedade, pragmaticamente conduzidas”
(DREYFUS & RABINOW, 1995, p. 138), e ainda, que não “pretende corresponder às
significações frequentemente aceitas pelos atores, nem, num sentido simples, revelar o
significado intrínseco das práticas” (ibid., p. 138).
As entrevistas foram realizadas individualmente com cada membro da família que
se disponibilizou a concedê-las. Estas entrevistas foram efetuadas nas casas destas
famílias, em um colégio particular de Florianópolis e em lugares ao ar livre próximos aos
locais de residência ou trabalho destes sujeitos. Conduziu-se uma entrevista com cada
participante, tendo uma duração média de uma hora cada. Todas as entrevistas foram
audio-gravadas em fitas K7, com permissão prévia dos/as entrevistados/as por meio da
assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido
13
, e, posteriormente, foram
transcritas na íntegra para fins de análise.
Foi utilizado também o diário de campo para registro do percurso da pesquisadora
o contato com os sujeitos tanto presencial quanto por telefonemas. O diário de campo
possibilita o registro do que ocorre quando o gravador está desligado e o que ele não
consegue captar, os discursos não verbais. Este recurso traz, portanto, mais elementos para
a pesquisa. Outro recurso utilizado foi a pesquisa documental, que alguns dados foram
obtidos por meio de pesquisa em banco de dados via internet, censos demográficos e
coleta de material bibliográfico.
13
Ver em anexo o modelo deste termo.
45
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3.2. Diálogos possíveis
Ao se lançar nos caminhos tortuosos da pesquisa não é possível saber exatamente
em que lugar se chegará, sendo isto a sua beleza e riqueza. Por mais que se procurem
lugares familiares, o estranho, o novo, irrompe e edifica-se a sua frente, e vice versa. Visto
que por mais que sejam famílias pertencentes à mesma camada social da pesquisadora, o
que permitiria dizer que uma familiaridade entre o objeto a ser investigado e quem o
investiga, não significa “que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos
diferentes atores em uma situação social nem as regras que estão por detrás dessas
interações, dando continuidade ao sistema” (VELHO, 1981b, p. 127).
Desta maneira, a oportunidade de pesquisar famílias de camadas médias, as quais
me eram familiares por meio dos estratos hierárquicos e políticos de minha sociedade,
demandou uma relativização e uma suspensão dos estereótipos que eu possuía. Isto é,
transformar “o exótico em familiar” e o “familiar em exótico” (DA MATTA, 1974). Esta
relativização do familiar é possível uma vez que os fatos humanos são raros, ou seja,
(...) não estão instalados na plenitude da razão, um vazio em torno
deles para outros fatos que o nosso saber nem imagina; pois o que é
poderia ser diferente; os fatos humanos são arbitrários, no sentido de
Mauss, não são óbvios, no entanto parecem tão evidentes aos olhos dos
contemporâneos e mesmo de seus historiadores que nem uns nem outros
sequer o percebem. (VEYNE, 1982, p.152)
No entanto, tenho consciência de que isto não foi totalmente possível, uma vez que
é por meio da minha ótica, da minha história de vida, que os dados foram obtidos e
analisados. Outras análises, outros pontos de vista, podem ser gerados por outros/as
pesquisadores/as, leigos/as ou as próprias famílias pesquisadas.
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O material obtido por meio das entrevistas e do diário de campo foi transformado
em um discurso das famílias sobre suas histórias de vida. Para a análise destes discursos
realizou-se primeiramente uma descrição, mas efetuando alguns diálogos com a
literatura especializada, das práticas cotidianas de cada família separadamente. Tal
procedimento objetivou delinear quais práticas eram exercidas por estas famílias diante da
situação do não provimento financeiro do homem e suas singularidades. A partir da
descrição das práticas cotidianas foi possível verificar e analisar as normas que as
engendram e as produzem, bem como, os processos de subjetivação dos sujeitos, suas
resistências e as subjetividades que ali emergem. Para tal análise, foi realizado também,
um diálogo com a literatura sobre família e gênero, bem como com os estudos de Foucault
sobre poder, sexualidade e subjetivação.
É importante destacar que este estudo não visa realizar comparações e/ou
generalizações entre as famílias estudadas e as outras famílias em geral, visto que existem
subjetividades múltiplas e modos de vida plurais. Foucault critica todos os essencialismos,
naturalismos e universalismos. Em seu pensamento é possível verificar a emergência de
diversas figuras, não existindo um sujeito universal, nem sujeito da razão, e sim forças
que, a cada momento criam, fabricam subjetividades.
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4. O CAMPO E SEUS MEANDROS
O tempo que me atravessa
Não cessa a emoção passada
Tropeços, promessas
O sonho não pode parar
(Luz da Cidade, Maria Bethânia)
Apesar de haver homens desempregados oriundos das camadas médias, saber quem
são e ter acesso a eles e a suas famílias, e ainda que se disponibilizassem a participar da
pesquisa, constituiu-se em uma tarefa nada fácil. Por muitas vezes pensei que não
conseguiria e que teria que trabalhar somente com o silêncio destas famílias,
principalmente o silenciamento reverberado pelos homens, uma vez que, na maioria das
vezes, os outros integrantes se dispunham a participar. Tudo isso tornou o período de
campo longo e intranqüilo, porém instigante.
Num primeiro momento me dirigi ao SINE (Sistema Nacional de Empregos) de
Florianópolis, onde não foi possível ter acesso aos cadastros. Fiquei, então, na sala de
espera dialogando com os homens que se encontravam. No entanto, nenhum se
enquadrava nas características estabelecidas para a pesquisa, ou seja, homens oriundos de
famílias de camadas médias com filhos/as e sustentadas financeiramente pela mulher.
Visitei o local em outros dois dias e o mesmo ocorreu.
Mediante este cenário, procurei uma escola particular, na qual havia trabalhado,
e solicitei à direção para falar com uma aluna que, em uma oportunidade, havia me dito
que seu pai estava desempregado. Conversei com Marta
14
(18 anos) sobre a pesquisa e
verifiquei se haveria a possibilidade de sua família participar. Ela mostrou interesse, mas
14
Os nomes dos sujeitos desta pesquisa são fictícios para manter o anonimato destes.
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informou que dificilmente seu pai concordaria. Perguntei a ela o por quê desta impressão e
Marta contou que ele sentia-se envergonhado em demonstrar e falar que era sustentado
pela sua companheira. Para elucidar sua afirmação, Marta relatou o seguinte fato: No ano
passado em uma feira que houve para inventores, seu pai estava com um stand expondo
uma ferramenta que houvera inventado. Em um dado instante ele teve que se ausentar do
local e solicitou que Marta ficasse em seu lugar. Neste momento chegou uma equipe de
reportagem que fez algumas perguntas acerca da invenção, dentre estas havia uma que
questionava a origem do financiamento do projeto. Marta respondeu que o financiamento
que havia era o de sua mãe, pois seu pai não encontrava-se empregado, não possuindo
rendimentos. Esta entrevista foi publicada em uma mídia impressa e o pai, ao ler a
reportagem, zangou-se com ela e demonstrou-se envergonhado perante as pessoas, o que
ocasionou o seu recolhimento domiciliar por alguns dias. Mesmo diante deste relato,
solicitei a permissão de Marta para entrar em contato com seu pai, ela me respondeu:
tenho medo que ele saiba o que falei, que minha mãe é quem trabalha, essas coisas. Pois
ele pode se sentir rebaixado.
Em uma segunda conversa solicitei que Marta conversasse com seu pai sobre a
pesquisa. No entanto soube que, ao relatar o assunto da pesquisa a ele, ela o informou que
a entrevista seria acerca da ferramenta que estava desenvolvendo. Mediante esta
informação, pedi a ela que contasse a ele o real motivo de minha pesquisa, caso contrário
não seria possível entrevistá-lo. Marta, então, explicou ao pai do que se trava a pesquisa e
recebi a autorização para entrar em contato.
Ao telefonar para seu pai, Marcos (46 anos), explicitei os temas que circundavam a
pesquisa e perguntei se ele se disponibilizaria a me conceder uma entrevista. Num
primeiro momento Marcos indagou se não seria possível enviar as perguntas por e-mail
para que ele respondesse. Elucidei então a impossibilidade de efetuar a entrevista desta
49
49
maneira, uma vez, que não se tratava de um questionário fechado. Após tal justificativa,
marcamos um horário e um local para a entrevista, contudo Marcos não compareceu.
Tentei entrar em contato diversas vezes, sendo que somente após quatro meses de
tentativas obtive êxito em tal empreitada. Marcos me informou, nesta oportunidade, que
não poderia dar a entrevista por não se enquadrar nos parâmetros de minha pesquisa, uma
vez que não estava sem trabalho e que era empresário. Disse a ele que não haveria
problemas. Marcamos um encontro, na escola em que sua filha Marta estudava para a
realização da entrevista.
Entrevistá-lo não foi tranqüilo, pois Marcos estava nervoso e ansioso. Ele
procurou, a todo o momento, demarcar que era empresário e que não se encontrava
desempregado. Ainda assim, foi possível manter um diálogo profícuo para os objetivos
desta pesquisa.
No decorrer do período entre o primeiro contato com Marta e a entrevista com seu
pai, realizei uma entrevista com ela em seu colégio. Marta, nesta oportunidade, comentou
que seu pai quando indagado acerca de sua profissão se nomeava como empresário. Esta
exemplifica tal situação ao contar o seguinte episódio: quando fui comprar o meu óculos
ele foi comigo, aí perguntaram para ele o que ele fazia e ele disse que era empresário. Eu
não sei de onde ele tirou isso.
Este relato justificou o fato de ter sido realizada a entrevista
com seu pai, mesmo este me afirmando ser empresário, uma vez que esta era a visão dela
acerca dele, sendo pertinente averiguar o modo como ele se enquanto profissional, bem
como, a visão de toda a família.
Entrar em contato com Aline (46 anos), mãe de Marta, também foi difícil, que
trabalha em Brasília e em Florianópolis, está sempre viajando e o tempo que possui livre é
dedicado a resolver problemas da casa, além de ficar com os filhos e com a filha. Após
várias tentativas consegui estabelecer contato com ela, que prontamente se dispôs a
50
50
participar da pesquisa. Agendamos a entrevista e a realizamos no campus da UFSC.
Mesmo com a pronta disponibilidade a participar, Aline pontuou o quanto era difícil para
ela estar ali relatando sua situação e a de seu companheiro. Não foi possível realizar as
entrevistas com os filhos homens (dois), devido ao fato de não ter conseguido estabelecer
contato com estes no tempo que possuía para concluir o campo.
Em paralelo a estas tentativas e efetivações, informava constantemente a colegas,
amigos e profissionais sobre a minha investigação e buscava indicações de famílias. Com
isso, consegui o contato de outra família que se disponibilizou prontamente a participar,
não apontando objeções.
A primeira entrevista foi realizada com o pai (Gabriel, 56 anos), na oportunidade
de sua visita à filha que reside em Florianópolis. Gabriel me informou o quanto era
constrangedor para um homem estar na situação de ser sustentado pela companheira e de
ter “fracassado” em sua carreira profissional, e que por este motivo era difícil falar sobre
esta situação. Este fato mobilizou e deixou Gabriel emocionado durante a entrevista.
a entrevista com a mãe (Margarete, 50 anos) foi realizada em sua cidade de
residência, Jundiaí/SP. Margarete demonstrou-se também muito emocionada ao relatar sua
relação com o companheiro e filhos/as.
Por fim, conclui com a filha (Roberta, 24 anos). A entrevista com Roberta ocorreu
em sua residência, de maneira tranqüila. Esta me relatou o quanto a entrevista que havia
realizado com seu pai, havia mobilizado-o e proporcionado a reflexão deste sobre a sua
história de vida. Roberta também manifestou ao final da entrevista, que o mesmo havia
ocorrido com ela.
Assim como aconteceu com a família citada anteriormente, não foi possível
entrevistar o filho homem, visto que este se encontrava em viagem a outro país.
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Interessante assinalar que as duas famílias pesquisadas possuem integrantes
ligados/as ao universo acadêmico, o que de certa maneira possibilitou que estes/as
participassem, por saberem o quanto é importante e difícil realizar pesquisas, mesmo
quando apontavam o caráter constrangedor que falar sobre a sua situação familiar
denotava. Diferentemente das outras famílias contatadas (num total de cinco) que não se
disponibilizaram a participar.
4.1. O micro e o macro – sujeitos e famílias
Família Santos:
Constituída por cinco integrantes, pai, mãe, filha e dois filhos. Residem em
Florianópolis e dividem a mesma casa, com exceção de um dos filhos (o mais velho) que
mora sozinho. A renda familiar é oriunda essencialmente do salário da mãe. Fato que
ocorre já há alguns anos. O pai sustentou a família até mais ou menos o final da década de
80. Posteriormente, mesmo nos momentos em que se encontrava trabalhando, a maior
fonte de renda era de sua companheira.
Pai Marcos tem 46 anos, iniciou diversas graduações, mas não as concluiu, e
hoje é Tecnólogo em Gestão das Tecnologias da Informação. Trabalhou em diversos
setores e funções, como: professor dos ensinos fundamental e médio, executivo de uma
multinacional, gerente de algumas empresas e micro-empresário. No entanto, a sua última
empresa não estava lhe dando retorno financeiro o que o levou a fechá-la. Hoje trabalha
em um projeto pessoal de desenvolvimento de uma ferramenta para a indústria gráfica,
que já está lhe dando certo retorno financeiro.
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Mãe – Aline, 46 anos, é formada em Pedagogia com especialização em educação à
distância, mestrado em Educação e doutorado em Mídia e Conhecimento. É professora
universitária e desenvolve projetos em nível nacional na área de educação, tendo
começado sua carreira como professora da rede estadual, níveis médio e fundamental.
Filha Marta possui 18 anos, sempre estudou em escolas particulares e nunca
trabalhou. Concluiu o ensino médio em 2006 e prestou vestibular no final deste ano.
Pretende cursar uma graduação que a possibilite ter uma pré-escola e/ou ser professora
trabalhando com crianças ou adolescentes.
Família Rodrigues:
A família reside no interior do estado de São Paulo, na cidade de Jundiaí, sendo
composta por quatro pessoas, pai, mãe, filha e filho. A filha e o filho não moram mais com
os pais, residindo atualmente em Florianópolis. Durante 22 anos o sustento financeiro da
família era oriundo do trabalho do pai/homem, sendo que os rendimentos obtidos por meio
do trabalho da mãe eram apenas complementares e ínfimos. Esta situação inverteu-se
mais ou menos oito anos quando foi decretada a falência da empresa do pai. Desde então,
este faz alguns “bicos” e a mãe aumentou a sua carga horária de trabalho, passando a
sustentar financeiramente a família.
Pai - Gabriel, 56 anos, é formado em Engenharia Civil e Direito. Durante 22 anos
possuiu uma construtora que veio a falir. Após a falência cursou a faculdade de Direito e
hoje realiza alguns trabalhos como profissional liberal nas áreas de Direito e Engenharia.
Mãe Margarete tem 50 anos. Iniciou sua carreira como professora particular de
inglês e português, abriu uma escola de Educação Infantil ao se formar no curso de Letras
e após ter fechado a escola, passou em um concurso para ser diretora de escola da rede
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municipal e para ministrar aulas de inglês para a rede estadual. Em paralelo ministrava
aulas de inglês para cursinhos, fez outra graduação em Pedagogia, mestrado em Psicologia
da Educação, graduação em Direito e, por fim, o doutorado em Educação. Hoje Margarete
é diretora de escola, advogada e coordenadora de uma área da Faculdade de Direito de sua
cidade.
Filha Roberta, 24 anos, é formada em Psicologia, área na qual faz Mestrado.
Pretende no futuro dar aulas, fazer um Doutorado e atuar em Psicologia Clínica.
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5. MODOS DE VIDA E PRÁTICAS DISCURSIVAS NA URDIDURA DA
COTIDIANIDADE FAMILIAR
O prover enquanto enunciado encontra-se localizado nas práticas discursivas que
produzem modos de vida para os sujeitos e, conseqüentemente, subjetividades. Modos de
vida que são múltiplos e singulares, mas, por serem regidos pela mesma norma, permitem
o estabelecimento de congruências de cunho histórico e temporal entre eles, sendo que
esta norma delega ao homem a posição de provedor do sustento financeiro familiar. O fato
de o homem encontrar-se provendo ou não estabelece modos singulares de vida. Cada
família atua performaticamente perante esta norma produzindo práticas cotidianas únicas.
No entanto, justamente pelo caráter histórico e temporal que a norma possui, é possível
estabelecer modos de se relacionar com o mundo congruentes com os de outras famílias.
Essa situação pode ser visualizada ao exercitar uma leitura destas práticas cotidianas
levando em consideração o espaço-tempo em que se realizam. Ou seja, a norma estabelece
certos padrões de comportamento para os sujeitos para que estes possam tornar-se
inteligíveis frente ao outro, serem reconhecidos enquanto sujeitos, mas a maneira de
exercê-los depende dos modos de subjetivação de cada um, da maneira como agem
perante a norma.
Com o intuito de visualizar estes modos de vida que são ao mesmo tempo
singulares e congruentes, serão descritas primeiramente as práticas cotidianas de cada
família, tendo como pano de fundo o prover, e posteriormente serão delineadas e
discutidas as normas e as resistências que são intrínsecas aos modos de subjetivação.
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5.1. As práticas cotidianas
Família Santos
Marcos e Aline conheceram-se e casaram-se quando ministravam aulas para os
ensinos Fundamental e Médio da rede Pública de ensino, ambos eram professores. Recém
casados, Marcos entendia que deveria galgar um emprego que lhe propiciasse um maior
rendimento. Com este intuito fez um concurso e passou a exercer sua atividade
profissional em um banco. Nesta época a família Santos possuía uma vida muito
confortável, pois Marcos ganhava o suficiente para proporcionar uma ótima qualidade de
vida à sua família, enquanto que Aline continuava desenvolvendo o seu trabalho
por
prazer
15
, sendo sua renda destinada às suas despesas pessoais, complementando a renda de
Marcos.
O Marcos ganhou bem mesmo, ganhou dinheiro, ganhava muito mais que eu.(...) a minha
grana era mais para as minhas coisas, para as crianças, e para as minhas coisas mais
pessoais assim, era um complemento, mas a dele era a base de tudo, e a gente vivia bem...
(Aline)
Marcos não estava muito satisfeito com seu emprego no banco e com o
estabelecimento do Plano Cruzado ou Inflação Zero o setor bancário sofreu uma forte
crise. Mediante a estes fatos, resolveu montar uma empresa juntamente com alguns
colegas. Porém, esta empresa não conseguiu se consolidar no mercado tendo que encerrar
as suas atividades. Marcos trabalhou posteriormente em diversas empresas, nas quais
15
As expressões destacadas em itálico no corpo do texto referem-se às falas dos sujeitos pertencentes à
organização familiar.
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possuía o cargo de gerente. Com isso os seus rendimentos passaram a oscilar, ora ele
estava empregado recebendo um salário ora não, até o momento em que resolveu se lançar
novamente como empresário. Com estas oscilações o rendimento fixo da família passou a
ser o de sua companheira, sendo que nos dois últimos anos, após o fechamento de sua
última empresa, este passou a ser o único.
A partir do momento em que Marcos não pôde mais proporcionar a vida que a
família levava, Aline buscou se especializar cada vez mais em sua profissão e aumentar a
sua carga horária de trabalho, com o intuito de elevar os seus rendimentos. Tal situação fez
com que Aline trabalhasse muito, além desta ser considerada como porto seguro da
família - a quem recorriam quando necessário o que é fonte de preocupação na família,
pois esta a vê como fraquinha.
sempre trabalhando, sempre com vários compromissos, assim. Isso ela já....acho que ela
não devia trabalhar tanto (...) Porque ela é muito fraquinha. Tipo de saúde, né. Daí ela não
se alimenta, e ela se estressa muito, ela pensa....tipo em casa todo muito corre para a
mãe, né. (Marta)
Esta inversão no sustento financeiro familiar é entendida e vivenciada de maneira
incômoda pela família. Como motivos para tal aborrecimento são apontados: o fato de o
rendimento de Aline não ser o suficiente para que Marcos possa desenvolver seus
empreendimentos, como, por exemplo, a sua invenção de uma ferramenta; de Aline
trabalhar muito; e a não realização profissional e pessoal de Marcos, pois, este é visto
como frustrado profissionalmente por não ter conseguido encontrar algo que o satisfizesse
e que tivesse dado certo.
No entanto, esta mudança não propiciou grandes alterações nas posições atribuídas
aos seus membros, constituindo-se esta a maior queixa. Esta reclamação é decorrente da
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expectativa que a família possuía de que por estar sem trabalho e Aline trabalhando muito,
Marcos pudesse auxiliar nas atividades domésticas, o que não ocorreu. A justificativa
trazida para esta não alteração, é a de que a mulher não é vista nesta família como
provedora e a de que Marcos sempre procurou demonstrar que estava trabalhando. Outro
fator apontado é o de que ele não foi
preparado para assumir as atividades domésticas,
que socialmente eram, e frequentemente ainda são, atribuídas às mulheres.
eu não tive o preparo (risos) operacional, psicológico, enfim. Jamais eu me via na situação
de dono de casa, tendo de fazer as coisas que geralmente as mulheres fazem e colocando ela
na situação de provedora (Marcos).
Há uma lógica operando aqui que liga sexo diretamente a gênero e seus atributos, e
vice-versa, que consiste em uma atribuição à mulher dos espaços domésticos. Esta visão é
vivida e transmitida por gerações, o que acaba por naturalizar a casa como um espaço
feminino, ou ainda, feminilizante, fazendo com que o homem se afaste deste lócus para
não colocar em “risco” a sua masculinidade. Este processo de transmissão geracional e
cultural faz com que Marcos aja performaticamente reiterando tal proposição, enquanto
que a família evidencia uma resistência a esta norma, ao desejar e não ver problemas que
Marcos ocupe tal espaço.
Interessante notar que o não atribuir à Aline a nomeação de provedora e a de
Marcos de dono de casa, possibilita certa liberdade de trânsito entre estes espaços, ou seja,
ele pode voltar a ser o provedor, enquanto que ela pode exercer as funções de dona de casa
e de provedora. Tanto que o rearranjo financeiro é visto como transitório pela família. Esta
perspectiva de transitoriedade pode estar relacionada ao fato de Marcos ter oscilado muito
em sua carreira profissional, ora ganhando dinheiro ora não, mesmo que quando recebesse
fosse menos que Aline, bem como, à tentativa empreendida pela família em não alterar as
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posições subjetivas e objetivas de seus membros. Com isso esta permanece atuando
segundo a norma estabelecida.
Porém, esta busca por uma não nomeação não é eficaz, na medida em que ao evitar
os enquadramentos acima descritos, acaba-se por recair em outros. Isto é, Marcos se
nomeia enquanto empresário e tenta demonstrar que sempre está trabalhando enquanto que
sua mulher não é reconhecida como provedora e exerce as atividades domésticas também.
O que permite inferir que uma tentativa de não inverter o arranjo familiar existente
antes de Aline assumir o lugar de provedora, deixando-o em sua posição, mesmo que
fictícia, de pai provedor do lar. Continua-se, então, atuando de maneira performática
dentro da norma de que o homem deve ser o provedor ou ao menos trabalhador.
O fato de Marcos sempre se empenhar para realizar algum tipo de trabalho, tem a
ver, também, com a procura em não recair no ócio, como se a todo o momento o seu
tempo devesse estar ocupado. Pois, há a dificuldade em lidar com a falta de emprego ou de
perspectivas e projetos se encaminhando. Ou seja, a dificuldade é você cair naqueles
vazios, das armadilhas que a vida apresenta. E que você nem sempre está preparado
(Marcos).
Em uma sociedade regulamentada pela regra do trabalho, os indivíduos não são
“preparados” para exercer o ócio - que é uma das expressões de autonomia do indivíduo -
que este não pode ser regulado e disciplinarizado totalmente pelo modo capitalista de
produção. Desta maneira, o ócio é entendido como uma transgressão, como uma linha de
fuga à norma, ao trabalho. Resumindo, “na nossa sociedade onde o trabalho é a regra, o
ócio torna-se uma espécie de desvio” (FOUCAULT, 1999a, p. 346).
A busca de Marcos por não ocupar o espaço da casa aliada ao fato deste ter que
sempre estar mostrando a sua não acomodação, que estava trabalhando, fez com que este
não tivesse uma aproximação com os filhos. Como se ao se relacionar com eles e dialogar,
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se aproximasse do espaço doméstico, além de possivelmente ter que demonstrar os seus
sentimentos e suas fraquezas, principalmente aquelas relacionadas ao seu lado profissional
e ao não provimento financeiro. No entanto, os filhos percebiam a situação delineada,
principalmente Marta que era muito ligada à mãe e sua confidente. Esta se incomodava em
ver sua mãe trabalhando muito e seu pai não, chegando a chamá-lo de
preguiçoso.
Se nos últimos dois anos Marcos vem trabalhando no desenvolvimento de uma
nova ferramenta, por que ainda afirmar que este não trabalha e é um preguiçoso? Para
responder a esta pergunta é necessário analisar três aspectos, que são interligados e
justapostos:
a) Por ser um trabalho que demanda estudos e pesquisas, um trabalho intelectual
antes de se objetivar na ferramenta em si, o processo de invenção torna-se um trabalho
imaterial, e não palpável, consequentemente, menos valorizado. Este tipo de trabalho não
fica circunscrito tão somente ao dispêndio físico, expande-se às aptidões cognitivas,
possuindo como meta final a acumulação de informações, para conseqüentemente,
materializar-se em uma tecnologia que servirá para um trabalho material. Neste processo
há, portanto, a agregação de um valor adicional ao produto do trabalho, a criatividade
intelectual (VERCELLONE, 2003).
A materialidade deste tipo de trabalho, o imaterial, requer a comunicação entre os
indivíduos, por se tratar de um trabalho de natureza cognitiva e sua valorização afetiva.
Então, Marcos ao não manter uma relação dialógica com seus filhos não tem a
possibilidade de compartilhar com estes o seu trabalho. Como estes poderão, portanto,
inferir que o pai trabalha?
b) Remete a necessidade de possuir rendimentos, que nesta empreitada passa-se
por um longo período somente investindo para depois ter um retorno financeiro. Com isso
um elo entre trabalho e rendimento, ou seja, se não rendimento, conseqüentemente,
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não trabalho e o pai é preguiçoso. Este raciocínio é decorrente da noção de que o
trabalho deva ser comprado por alguém, mesmo que seja na forma de seu produto final,
fazendo que o valor do trabalho esteja intimamente interligado ao valor do produto final
ou do esforço e tempo que são despendidos para alcançá-lo (FOUCAULT, 1999a).
Então, ao se levar em consideração que o pai não trabalha, como ele poderá
sustentar a família financeiramente? Ao partir do pressuposto de que o prover e o trabalho
sejam considerados como deveres legados aos homens e Marcos não cumpre com seus
deveres, o que lhe resta é ser denominado de preguiçoso.
c) Refere-se à idéia de uma ligação estreita entre trabalho e emprego. Uma vez que
ele encontra-se desempregado, não vinculado a uma instituição, Marcos trabalha nos
espaços que desejar e nos horários que forem mais oportunos a ele. É possível notar
resquícios de uma lógica capitalística nesta relação estabelecida entre trabalho e emprego,
na qual é necessária a ligação do indivíduo ao aparelho de produção para o qual trabalha.
Ou seja, o indivíduo deve estar concretamente ligado aos meios de controle do
capitalismo, sejam eles, disciplinares e/ou reguladores. “É preciso a operação ou síntese
operada por um poder político para que a essência do homem possa aparecer como sendo a
do trabalho” (FOUCAULT, 1999a, p.357).
Ao exercer a sua existência de maneira criativa e autônoma e, ainda, não ser
assalariado, Marcos encontra uma fissura no modo de produção e também no âmbito da
produção de masculinidades, desestabilizando-os. Mas esta regra ainda vale para a família
e a todo o momento ela é requerida, o que faz com que o grupo familiar entre num jogo
permeado pelo agonismo entre a regra e a sua resistência.
Esta ótica orientada para a busca de emprego, a concepção de que o homem deve
sustentar financeiramente a família e, de certa maneira, pela pressão desta e de sua família
de origem, fez com que Marcos buscasse se inserir no mercado de trabalho por diversas
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vezes. Mas como havia ocupado cargos elevados anteriormente em suas atividades
profissionais, não se sujeitava a aceitar qualquer proposta de emprego. A partir destas
circunstâncias ele foi se retraindo e desacreditando no seu potencial, o que deixou e deixa
Marcos infeliz, conforme afirma sua companheira: eu acho que ele não foi feliz nesse
período, não está feliz (Aline).
Com a inversão na posição de quem sustenta financeiramente a família, a relação
conjugal por diversas vezes ficou estremecida. Pois de um lado estava Marcos que se
sentia incomodado em ver a sua companheira tendo que trabalhar muito para poder manter
o bom padrão de vida da família e ele não podendo auxiliá-la. Do outro lado encontrava-
se Aline que, por prover o sustento financeiro da família e por se incomodar com isso, agia
às vezes de maneira autoritária com o companheiro.
(...) uma certa arrogância, uma certa prepotência, um certo poder, te faz tomar
determinadas atitudes... então, às vezes, eu impunha a minha autoridade enquanto
provedora, todas as vezes que eu fazia isso a gente brigava feio..(Aline).
É possível perceber uma relação entre autoridade e provimento, relação esta que
possibilita a quem está provendo exercer certa autoridade sobre o outro. Contudo, esta
ligação da autoridade não se estabelece somente com o prover, mas também com o
trabalho. Isto talvez possa ser melhor visualizado na relação estabelecida entre Marcos e
os filhos, na qual ele mantém-se autoritário
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e por vezes arrogante com estes, como que
em uma tentativa de afirmar que está realmente trabalhando e de não perder a posição de
autoridade e o respeito dos filhos. Com isso ele pode manter sua posição de homem, pai,
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O conceito de autoritário é trazido pela família como uma maneira de nomear quem detém o poder de
decisão nesta organização familiar.
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trabalhador e provedor. Nesta busca pela manutenção desta posição por meio do
autoritarismo, Marcos acabava se desentendendo com Aline exatamente quando esta era
autoritária, como se abalasse a sua masculinidade.
As desavenças do casal são resolvidas, em suas palavras, por meio de muito
diálogo e pelo amor que sentem um pelo outro, o que possibilita que continuem casados e
mantenham uma relação de apoio mútuo. Marcos apóia e incentiva Aline em suas
atividades profissionais e esta o apóia a cada nova empreitada. Este suporte oferecido por
ela é visto pela família como possível por Aline não achar imprescindível que o homem
seja o provedor, mesmo que por vezes ela se incomode com o fato dele não o ser.
Neste contexto familiar pode-se, então, apreender que por mais que a mulher
exerça uma atividade profissional, é ela ainda quem deva também exercer as atividades
domésticas, cabendo ao homem somente a atividade profissional. A partir desta
prerrogativa é possível ver a mulher ocupando várias posições sociais e atributos -
profissional, dona de casa, provedora, sentimental, autoritária, mãe - enquanto que o
homem ainda só pode desempenhar a de trabalhador e de autoritário, podendo demonstrar
carinho e afeto somente para com sua companheira.
Mediante o cenário aqui pincelado, pode-se notar que o discurso acerca do prover é
uma norma que regula seus cotidianos e produz subjetividades. O prover enquanto um
enunciado, que produz uma norma regulatória e é produzido por esta, estabelece que o
homem deva ter um trabalho e principalmente um emprego para que, conseqüentemente,
possa sustentar financeiramente a família. Este corolário trouxe implicações para as
relações dos indivíduos que compõem esta organização familiar, uma vez que esta objetive
deixar às sombras o fato de que a regra esteja sendo quebrada e vise trazer à luz a sua
manutenção. O que causa desconforto entre os integrantes desta família, pois como
realizar a cópia fiel de uma pintura sem as mesmas tintas e os mesmos pincéis?
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Família Rodrigues
Quando Gabriel e Margarete casaram-se, ela cursava a graduação de Letras e
ministrava aulas particulares, enquanto que ele era funcionário de uma empresa, na qual
trabalhou durante um ano. Após trabalhar nesta empresa, lançou-se como engenheiro civil
autônomo, vindo a abrir sua própria construtora. Margarete ao concluir seus estudos abriu
uma escola de educação infantil, onde trabalhou durante cinco anos. Posteriormente,
passou em um concurso para ministrar aulas na rede estadual de ensino e para diretora de
escola da rede municipal, sendo que paralelamente ministrava aulas para a rede privada.
A construtora de Gabriel teve uma ótima aceitação no mercado, o que lhe
possibilitava obter elevados rendimentos. Assim, Margarete desfrutava da possibilidade de
trabalhar sem se preocupar em lograr por bons salários e apenas em fazer o que lhe
proporcionava satisfação pessoal. Seu trabalho era considerado pelo companheiro e seus
amigos como não necessário, que ele teve uma forte ascensão profissional propiciando
uma ótima qualidade de vida à família, além de afastá-la das atividades domésticas.
Gabriel entendia que Margarete deveria ficar em casa e cuidar das crianças e do lar. No
entanto ela pontuava a todo o momento que não era dona de casa e manteve sua carreira
profissional, pois esta era fonte de muita gratificação pessoal.
As pessoas me criticavam muito por trabalhar (Margarete).
Ele falava: porque essa casa não tem dona de casa, porque não tem nada, você não olha
isso.Aí minha mãe falava: mas eu não sou dona de casa, eu trabalho fora e tal
(Roberta).
Nota-se que Margarete resistia à norma estabelecida pela sociedade em que vivia, a
qual pregava que a mulher para exercer bem a sua posição social de mãe, deveria ocupar-
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se do lócus familiar, a casa. Ainda que esta pudesse trabalhar fora, a sua prioridade deveria
ser a casa, os filhos e o marido, o que leva muitas mulheres, que optam ou necessitam
exercer atividades profissionais, a exercerem uma dupla jornada de trabalho. A resistência
de Margarete ocorre justamente na fissura desta própria norma, ou seja, ao repetir o padrão
inteligível, trabalhando fora e cuidando dos filhos (sua relação com os filhos era de forte
proximidade), ela consegue agregar um padrão ininteligível: o de se eximir do cuidado da
casa, uma vez que Gabriel e a sociedade entendiam que era de sua responsabilidade e seu
dever se ocupar destas atividades. Importante salientar, que o cuidado da casa não é
entendido, aqui, como realizar os afazeres domésticos, uma vez que esta mulher não os
precisava efetivar por ter uma empregada. O que a norma estabelece para ela, então, é o de
gerenciar o lar, assim como a funcionária que exerce tais serviços domésticos, posição da
qual Margarete exime-se por não se nomear como dona de casa.
No entanto, a subversão à norma exercitada por Margarete implica em risco social,
não se de maneira tranqüila, o que pode ser visualizado por meio da cobrança que
faziam a ela por ter preferido trabalhar a ficar em casa. Desta maneira, a repetição de uma
norma traz consigo a possibilidade de subversão, de não segui-la, mas com um custo
social. Tal custo decorre da fragilidade e abertura de espaço que são proporcionadas pelo
desvio, podendo ocasionar o questionamento da norma, desestabilizando-a. Coloca em
xeque até mesmo a regra da necessidade do homem ter que trabalhar e prover o sustento,
afinal, ao Gabriel trabalhar e obter rendimentos suficientes para pagar todas as contas do
lar, Margarete não precisaria trabalhar. Isto é, o fato dela trabalhar poderia questionar a
sua posição de bom provedor, de bom homem. Esta linha de raciocínio vai ao encontro do
que Butler (1997) apregoa acerca da norma, quando esta infere que ao “pronunciar e
mostrar a alteridade dentro da norma (...) mostra o fracasso da norma para exercer o
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alcance universal que representa, mostra o que poderíamos chamar como a prometedora
ambivalência da norma” (p. 154).
Neste período a família vivia muito bem financeiramente, mas as relações íntimas
familiares eram embramadas. Esta situação decorria do fato de Gabriel trabalhar
exaustivamente, sendo esta a sua prioridade, o que não lhe permitia desfrutar de relações
mais intensas com seus filhos e sua companheira. Quando havia a possibilidade de
aproximação, esta ocorria mais com Margarete do que com os filhos. Com isso não havia
muito tempo para ficar com a família e o pouco tempo que possuía não era aproveitado,
por estar estressado com suas atividades profissionais, gerando embates em suas relações.
Assim, ao invés destas serem permeadas pelo diálogo, havia a imposição de suas idéias,
fato que era visível até mesmo pelo seu alto tom de voz. Esta imposição pode estar
relacionada com a circunstância deste prover o sustento financeiro, como se por ganhar
muito dinheiro e proporcionar uma vida confortável para a família, ele seria detentor de
certa autoridade sobre os demais.
Em 1999, porém, Gabriel teve que solicitar a falência de sua construtora, época em
que a família passou por dificuldades tanto de ordem financeira quanto afetiva. As de
ordem financeira relacionavam-se com a impossibilidade deste continuar provendo o
sustento financeiro e com o fato de Margarete não obter rendimentos suficientes para a
manutenção do padrão de vida que possuíam. Tiveram, então, que reduzir os gastos
familiares, como não ter mais carro, não ter mais empregada doméstica, diminuir as
despesas alimentares, e, por vezes, aceitar pequenos auxílios financeiros das mães do
casal, como por exemplo, para pagar taxas de inscrições dos vestibulares da filha.
Foi uma fase que às vezes não tinha dinheiro nem para comprar alimentação, não tinha
mais carro (Gabriel).
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Estas dificuldades financeiras fizeram com que Margarete procurasse ampliar sua
jornada de trabalho, passando a trabalhar em tempo integral. Mas, esta não se via capaz de
sustentar todo o grupo familiar, uma vez que havia sido preparada para trabalhar e não
para prover financeiramente a família. Pois, quando nós casamos ainda jovens,
historicamente, era dito para a gente que quem tinha que ganhar dinheiro e bancar
aquela história era ele, que eu seria uma coadjuvante (Margarete).
A possibilidade de Margarete trabalhar teve influências da sua família de origem,
na qual sua mãe sempre exerceu uma profissão, ocupando até mesmo cargos políticos.
Esta postura da mãe de Margarete era, segundo a família, rara, uma vez que moravam em
uma cidade constituída por pessoas conservadoras, as quais entendiam que as mulheres
deveriam se ocupar das atividades domésticas, e viviam em uma época em que poucas
mulheres trabalhavam fora de casa no município em que residia. No entanto, era uma
época de mudanças, anos 60 e 70, período em que reivindicações sociais por parte do
movimento feminista ganhavam maior expressão. Havia, portanto, espaços se abrindo, e a
mãe de Margarete foi uma das que adentrou nestes, mesmo com a pressão exercida pela
sua sociedade.
A falência da empresa de Gabriel deixou-o muito frustrado, uma vez que seus
planos profissionais não haviam dado certo e este não poderia mais prover
financeiramente sua família, além do fato de ter que pedir dinheiro para a sua companheira
Esta situação fez com ele ficasse doente e deprimido, não tinha mais forças para sair de
casa ou até mesmo para deixar a cama. No início, por diversas vezes levantava cedo como
se fosse trabalhar e se dava conta que não poderia mais o fazer. Por vezes conseguia
visualizar uma perspectiva e tentava procurar um novo emprego, mas não era bem
sucedido.
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Concomitantemente a isto, a família era excluída pela sociedade, uma vez que as
pessoas o viam como fracassado, como incapaz de prover a sua família, chegando a não
dirigirem a palavra a ele. Gabriel era marginalizado por não ter emprego e por não ter
crédito para poder comprar e, conseqüentemente, pagar as contas da família. Porque em
qualquer lugar que você vai você não pode pagar com cheque, não pode ter cartão de
crédito. É complicado (Gabriel).
A marginalização social sofrida por Gabriel pode ser decorrente das normas
regulatórias de gênero e das do mercado capitalista voltado ao consumo. A primeira
estabelece que por ser homem ele deva trabalhar e prover o sustento financeiro à sua
família. No entanto, Gabriel não se encontra atuando segundo esta norma, ainda que tente
segui-la não obtém sucesso, o que o deixa fora da zona de inteligibilidade social, como se
fosse invisível aos olhos da sociedade. Esta invisibilidade não se como uma metáfora e
sim na concretude das relações, como, por exemplo, o fato das pessoas cumprimentarem a
sua companheira e não cumprimentá-lo. As pessoas deixam claro, ele fica sempre o último
da fila... (Margarete). Assim, as posições sociais, como a de homem provedor são
“princípios organizadores embutidos de práticas materiais e arranjos institucionais, que são
as matrizes de poder e discurso que me produzem como um ‘sujeito’ viável” (BUTLER,
1998, p.24).
A segunda norma está intimamente ligada à sociedade de consumo moderna, a qual
é fruto do capitalismo. Esta estabelece que é necessário consumir para poder possuir um
status social. Ao consumir o sujeito denota que trabalha e possui rendimentos,
alimentando o modo de produção capitalista que sobrevive por meio do lucro. Gabriel, ao
não consumir e não trabalhar, não é considerado como útil e produtivo para a sociedade e
sim um incômodo por não reiterar a norma, por se encontrar justamente à margem deste
sistema.
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Margarete também se sentia mal com esta situação por diversos fatores: ter que
trabalhar muito, ver Gabriel nesta condição e por ter que pagar as dívidas oriundas da
falência empresarial. Essa situação gerava grande desconforto e, às vezes, ela agia de
maneira autoritária, como se por estar pagando as contas, o companheiro devesse
obedecê-la. Conseqüentemente, ocorriam muitas brigas entre o casal, chegando até mesmo
a cogitar a hipótese de separação conjugal. Mas o casal optou, segundo a família, por
despojar-se das posições sociais que eram impostas historicamente a cada um, visando
uma maior flexibilidade de exercício de suas atribuições, isto é, ao descolarem as posições
que eram coladas aos seus corpos conseguiram transitar entre elas.
Neste período, a configuração das posições exercidas pelos membros da família foi
alterada, na medida em que Gabriel deixou o seu lugar de pai provedor ausente por vezes,
e passou a ocupar o de filho. Assim, a família passou a ser constituída pela mãe
juntamente com seus três filhos. Tal (re)configuração, se constituiu na medida em que
Margarete passou a sustentar o marido e a cuidar dele, a incentivá-lo a não desistir de sua
vida.
Nós somos os três filhos dela. Até brinco quando ela faz alguma coisa, cuidado
porque você tem os seus três filhos para cuidar (Gabriel).
Quando a situação era inversa, ou seja, a mulher era sustentada pelo companheiro,
por que ela não era considera como filha? A resposta para esta pergunta pode-se encontrar
relacionada à norma que prevê que o dever de prover é do homem e o da mulher se
restringe à tarefa de cuidar. Quando o homem não mais exerce o seu dever e sofre por isso,
encontrando-se frágil, a mulher passa a ter o dever de estender o seu cuidado a ele. Outra
resposta que não exclui a anterior, é a de que como a mãe de Gabriel ficou viúva quando
este era jovem e teve que sustentar os filhos, tornou-se mais aceitável para ele uma mulher
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que sustente os filhos e não o companheiro e os filhos. Assim, para tornar inteligível para
si e para os outros a sua situação, passou a assumir a posição de filho.
Neste cenário os filhos viam-se perdidos, pois de um lado havia a mãe que ora
compreendia a situação do pai ora não, e de outro, se encontrava o pai sentindo-se
constrangido e sofrendo pelo que acontecia. Localizavam-se assim entre o
fogo cruzado
(Roberta). Sentiam-se também aflitos, pois haviam perdido a referência que possuíam até
então do pai, na medida em que este era quem dava a palavra final em casa e passou a se
eximir desta posição, delegando-a à mãe. O que é compreensível, que este também
ocupava o lugar de filho na família, tendo que se dirigir a Margarete para pedir dinheiro, e
com isso realizar os seus desejos, as suas vontades. Portanto, Gabriel não se sentia
habilitado para falar desde a posição de pai, de autoridade, uma vez que a fala depende de
quem é o sujeito que a profere e da posição ocupada por este, por meio de um direito que é
reconhecido institucionalmente (FOUCAULT, 2004).
Diante de todas estas circunstâncias que causavam aflições, Gabriel, segundo os
membros do grupo familiar, tinha algumas opções, embriagar-se, continuar deprimido,
fazer terapia ou voltar a estudar. Como a família não tinha condições de pagar uma terapia
e Margarete trabalhava em uma faculdade e havia a possibilidade de conseguir uma bolsa
de estudos para Gabriel, este decidiu voltar a estudar e fazer o curso de Direito. Esta
escolha é decorrente do apoio e incentivo que teve da família, suporte que é considerado
como fundamental para que este não se tornasse alcoólatra, porque tem hora que o sufoco
é tão grande que você (emocionado) sente a necessidade (pausa) de beber, de fugir do
mundo. Se não tiver (choro) um apoio da família não vence. Então, é um baque muito forte
(Gabriel).
A nova formação de Gabriel abriu o seu leque de possibilidades de atuação
profissional, pois poderia desenvolver atividades tanto como engenheiro como advogado.
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Assim, passou a efetivar pequenos trabalhos nestas áreas, bem como a realizar os serviços
domésticos, tornando-se um dono de casa, e os serviços de escritório para a companheira,
como ir ao banco. Nestas circunstâncias, quando este se encontra trabalhando fora de casa,
por mais que não tenha grande remuneração, sente-se bem por estar fazendo algo. Pelo
menos distrai
(Gabriel).
Assumir as atividades domésticas foi conseqüência do aumento da carga horária de
trabalho de sua companheira e de não poderem pagar uma empregada para cuidar da casa.
No início esta posição foi vivenciada de maneira intranqüila por ele, que este se sentia
incomodado em ter que, por exemplo, ir ao supermercado sendo que não trabalhava. Isto é,
ele não se sentia bem em ir fazer compras por não trabalhar e ter que encontrar com
moradores da cidade que por vezes o marginalizavam, e ainda, por comprar com o dinheiro
originado do trabalho de Margarete. No entanto, com o passar do tempo, Gabriel foi se
acostumando e hoje gosta e não problemas em cozinhar, limpar, enfim, em realizar os
afazeres domésticos. O fato da família não ver distinção entre trabalho destinado ao
homem e trabalho destinado à mulher, numa perspectiva mais igualitária, proporcionou
que este realizasse tais atividades e que sua companheira trabalhasse fora de casa.
Percebe-se, portanto, que a maior dificuldade não reside na mulher ter uma carreira
profissional e sim no não trabalho do homem e a sua não contribuição financeira. Hipótese
que pode ser melhor contemplada nas práticas desta família, nas quais Gabriel se sente
frustrado por não prover a família e principalmente por não trabalhar, e Margarete
compreende que ela é quem tem que sustentar no momento a família, mas ao mesmo
tempo se incomoda ao vê-lo impossibilitado de ajudá-la.
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Eu falo: olha, nós estamos juntos há 31 anos, você me sustentou 27, eu to só com 5,
calma, quando você chegar no 31 eu te sustentando, você vai ganhar um cartão
vermelho (Margarete).
Estas circunstâncias serviram como pano de fundo e molas propulsoras de grandes
mudanças nas relações familiares. Gabriel já não era mais
autoritário e arrogante. Passou a
ter uma postura mais igualitária e humilde com a família, além de possuir mais tempo para
ficar em casa e, conseqüentemente, a se relacionar intensamente com os seus. O vínculo
passou a ser permeado pelo compartilhar, por diálogos. Os sujeitos, conforme o grupo
familiar, despiram-se do egoísmo e uniram-se justamente a partir do sofrimento,
frustrações e alegrias que sentiam decorrentes das alterações ocorridas em suas práticas
cotidianas.
É isso que eu acredito que um dia... as pessoas ao se despirem do egoísmo
exacerbado da sociedade, elas vão chegar a isso... e é a isso que eu chegando no
meu casamento, eu tô muito feliz...(Margarete).
O diálogo na família propicia que compartilhem uns com os outros as suas
incomodações, como, por exemplo, quando Gabriel realiza um trabalho e chega um pouco
mais exaltado em casa, é solicitado a ele que abaixe o tom de voz, que não se estresse com
o trabalho e este escuta e pede desculpas por sua atitude, o que não ocorria anteriormente.
Mesmo permanecendo em Gabriel uma
ferida aberta por ter fracassado em sua
atuação enquanto profissional e provedor, e Margarete conservando sentimentos
contraditórios em relação ao companheiro, com vontade de bater a manhã inteira e
abraçar à tarde (Margarete) por ter que pagar as suas dívidas, após o turbilhão inicial a
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família que este acabou por varrer as distâncias que existiam entre seus componentes,
fazendo com que estes se (re)conhecessem e se enamorassem.
No momento Gabriel encontra-se com um escritório montado em sua cidade,
trabalhando em uma construção e obtendo pequeno retorno financeiro. A família sente
muita satisfação em vê-lo trabalhando e não mais adoentado, e infere que suas doenças
eram decorrentes da falta de trabalho. Em outras palavras: a tua depressão tem nome, é
falta de trabalho. Que ele fica sem trabalho, a pressão começa a subir, ele começa a ter
problema de artrose, ai ele fica de cama, aí ele fica mal (Roberta).
Delineiam-se, assim, três momentos na história de vida desta família: a) em que o
pai provê o sustento e é distante da família, além de ser extremamente autoritário,
enquanto que a mãe trabalha, é próxima dos filhos, sensível e emotiva; b) o da crise,
quando o pai deixa de prover e se impelido a ficar em casa, não tendo mais em quem
mandar, destituindo-se, em parte, da característica de autoritário. Afinal, chegou uma
época que ele tinha um cachorro para mandar e foi triste porque o cachorro também
não escuta (Margarete). Gabriel passa a demonstrar-se frágil e emotivo. A mãe tem, então,
que assumir o sustento financeiro, o que a leva a se portar de maneira mais competitiva,
porém sem perder a docilidade. Em outras palavras: eu virei um homem, eu sou um homem,
eu só não tenho pinto, mas eu virei um homem, porque eu pago conta, eu tenho que brigar,
eu estou com características competitivas no mercado (Margarete); c) o momento em que
a mãe sustenta a família e o pai contribui quando tem algum retorno financeiro de seus
trabalhos, exerce as atividades domésticas, aliados à maior proximidade deste com a
família e vice e versa. Nesta fase tanto Margarete quanto Gabriel são emotivos, sensíveis e
ela continua sendo competitiva, guerreira, enquanto que Gabriel, quando trabalha e tem
um retorno financeiro, assume novamente uma postura mais autoritária.
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As características que emergem nesta última fase, já existiam anteriormente à crise.
No entanto, no contexto em que viviam sobressaiam mais umas em detrimento de outras.
Como que por terem posições bem definidas - Gabriel trabalha e sustenta financeiramente
a família e possui atitudes autoritárias, e Margarete trabalha, mas é coadjuvante nas
despesas da casa, além de cuidar dos filhos e ser sensível possuíssem características que
condissessem com suas posições ocupadas nesta família e socialmente. Havia uma ligação
entre sexo e gênero, isto é, a mulher tinha atributos femininos e o homem, os masculinos.
Mas no momento da falência da empresa de Gabriel, houve uma crise neste sistema, a
mulher passou então a atuar performaticamente mais no gênero masculino e o homem no
feminino, o que fez com que questionassem até mesmo seu sexo por não haver mais uma
ligação direta entre sexo e gênero. Como se voltassem a si e questionassem: será que estou
de acordo com a norma? Será que sou mulher ainda? Será que sou homem ainda? Afinal
esta norma reitera que o masculino corresponde ao homem e o feminino à mulher. Hoje
possuem uma relação que permite que deslizem nas várias posições de gênero e,
conseqüentemente, demonstrem atributos tanto masculinos quanto femininos.
Mediante o resumo apresentado da biografia desta família, pode-se notar que o
prover serviu como um enunciado para o desenrolar do enredo de suas práticas discursivas
cotidianas, bem como de seus modos de se relacionar. Essas práticas foram paulatinamente
alteradas no decurso da sua história, possibilitando o surgimento de novas subjetividades
para os mesmos personagens poderem atuar em suas atribuições cotidianas.
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74
5.2. Normas e processos de subjetivação
Durante os primeiros anos da década de 80 do século XX, as camadas médias
brasileiras experenciaram uma ascensão meteórica, fruto ainda do milagre econômico
ocorrido nas décadas de 60 e 70 com o crescimento da industrialização, o que permitiu o
acesso cada vez maior a bens de consumo. No entanto, na metade da década de 80 até
final da de 90 o país passou por fortes crises econômicas advindas da instabilidade
monetária e da recessão, com altíssimos índices de inflação (hiperinflação) combinados
com arrocho salarial, aumento da dívida externa e crescimento pífio.
Neste período inúmeros planos econômicos foram lançados pelos governos com o
intuito de conter a inflação. Dentre estes, tem-se o Plano Cruzado (ou Inflação Zero) do
então presidente José Sarney. Este plano prejudicou essencialmente os assalariados, os
produtores agrícolas e os pequenos e médios empresários, ou seja, principalmente as
camadas médias. Existem dois fatores primordiais e inter-relacionados para tal prejuízo
das camadas médias: a) o aumento dos tributos, impostos sobre o combustível, viagens
aéreas e automóveis; e b) a proibição de aumento dos preços, o que fez com que o
empresário, por exemplo, pagasse mais impostos sobre o produto, e não pudesse repassar
ao consumidor. Com isso o salário de seus funcionários também não poderia ser
aumentado, quando não havia a necessidade de reduzi-los.
Após o Plano Cruzado muitos outros planos econômicos foram lançados, com o
mesmo objetivo: reduzir as taxas de inflação. Em meados da década de 90 foi
implementado o Plano Real que previa que a desaceleração da inflação em longo prazo
estaria associada a uma redução da produção de bens e serviços por certo período, até que
os agentes econômicos adaptassem a nova realidade de formação de preços e
reestruturassem suas expectativas quanto à economia. Esta redução temporária da
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produção é denominada Taxa de Sacrifício (LUCAS, 1973). O custo social dessa política é
a elevação da taxa de desemprego, sendo que paralelamente ocorre uma elevação das taxas
de juros e um ajuste fiscal com o aumento dos impostos.
Desta maneira, algumas famílias pertencentes às camadas médias, que haviam
passado sem muitos danos pelos planos econômicos anteriores, não conseguiram passar
pelo Plano Real ilesas. Com o mercado estagnado muitas empresas tiveram que encerrar
as suas atividades, como o que ocorreu com a construtora de Gabriel.
O que se ao longo destas duas décadas relatadas é que as camadas médias
sempre foram as que mais sofreram com os planos econômicos. Afinal, de um lado havia
os que tinham muito, mas que pagavam poucos impostos ou não pagavam por serem
beneficiados por isenções, reduções em beneficio do crescimento, desenvolvimento e
estabilidade da economia. Do outro lado, encontravam-se os menos favorecidos
financeiramente que também possuíam algumas isenções e reduções nas taxas de impostos
em nome do social, ficando, então, a cargo das camadas médias pagarem os elevados
impostos, taxas, contribuições, entre outros encargos.
Neste cenário econômico, pôde-se perceber mudanças nos modos de vida das
famílias de camadas médias ou até mesmo a saída deste estrato social
17
. As famílias aqui
pesquisadas buscaram um novo arranjo para poderem manter o padrão de vida que
levavam. Com isso o trabalho e rendimentos das mulheres, que eram coadjuvantes na
renda familiar, tornaram-se principais, o que ocasionou a inversão da posição de provedor
no interior das famílias, uma vez que seus companheiros não mais possuíam rendimentos.
O trabalho das mulheres era avaliado até então como prazer e não um dever, na
medida em que seus companheiros tinham condições de proporcionar um ótimo padrão de
vida. Com isso Margarete e Aline exerciam suas atividades profissionais sem se
17
Estima-se que 7 milhões de pessoas deixaram de compor a camada média entre 1980 e 2000 e passaram a
fazer parte das camadas populares (GUERRA & BARBOSA, 2006).
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preocuparem em obter altos rendimentos, pela gratificação que lhes proporcionavam.
Assim, foram se especializando em suas áreas com o intuito de desenvolverem melhor a
sua profissão.
No entanto, a maneira com que cada família lidava com o trabalho destas mulheres
diferia. A de Aline não considerava como um problema, pois esta continuava a exercer as
atividades ligadas à casa, enquanto que a de Margarete avaliava como um empecilho ao
desenvolvimento das atividades ligadas à maternagem e à vida doméstica.
Verifica-se aqui que o trabalho fora de casa está condicionado à manutenção da
posição de dona de casa. Isto é, a mulher pode trabalhar fora contanto que não se abstenha
da sua posição de cuidadora, seja da casa ou dos filhos. Mediante este corolário, as
mulheres optam por reiterá-lo e com isso exercem uma dupla jornada de trabalho, ou
desviam deste, sofrendo as cobranças exercidas pelo social.
Mesmo com todas estas dificuldades, Margarete e Aline continuaram trabalhando e
se especializando no que faziam, o que possibilitou, quando foi necessário, que o trabalho
destas passasse de complementar para fundamental. Elas aumentaram, assim, a sua carga
de trabalho a fim de conseguirem sustentar a família e manter o padrão de vida ao qual
estavam habituadas, sendo que esta alteração proporcionou mudanças diversas nos modos
de vida de cada família, mesmo quando regidas pelas mesmas normas.
As práticas cotidianas de ambas as famílias são orquestradas por duas normas
fundamentais: a da necessidade do homem trabalhar e a de o homem ser o provedor do lar.
A partir destas normas, modos de vida foram se delineando em cada família, sendo que
por meio dos efeitos produzidos por estas normas, as práticas, é que foi possível explicitá-
las. Pois,
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as normas podem ser explicitas; sem dúvida, quando funcionam como o
princípio normalizador da prática social freqüentemente permanecem
implícitas, são difíceis de ler; os efeitos que produzem são a forma mais
clara e dramática mediante a qual se pode discernir (BUTLER, 2006, p.
69).
A norma que prega a necessidade do homem trabalhar encontra-se fundamentada
no modo de produção capitalista, o que torna possível estender a sua ação sobre os sujeitos,
não se restringindo somente aos homens, porém, pode-se notar que é mais exigida destes.
Esta prerrogativa tem suas bases alicerçadas no próprio processo de produção de
masculinidades, o qual é regido por certa “ortopedia social” que visa disciplinar a conduta
dos homens desde a infância para que possam ser considerados “homens”. “Neste
contexto, para fazer-se ‘homem’ os meninos devem superar certas provas como se iniciar
no trabalho, formar um lar, prover e ter filhos” (OLAVARRÍA, 2002, p. 54), para que
possam ser reconhecidos como “homens” pelos outros sujeitos. Dentre estes mandatos
tem-se o trabalho como um dos mais importantes, porque “trabalhar significa ser
responsável, digno e capaz” (Ibid.), além de possibilitar o exercício de outros mandatos
designados a eles, isto é, que constituam um lar e sejam provedores. O que torna o trabalho
uma questão de honra para os homens, pois, em nossa sociedade, como apontado por
Minayo (2005), a honra
18
é uma categoria que depende do exercício de vários atributos
masculinos: o de trabalhador, o de provedor e o de pai.
Tal norma pode ser visualizada nas práticas exercidas pelos homens destas
famílias, que tentavam não (re)cair no ócio, buscando sempre alguma atividade
profissional. Quando não obtinham sucesso, sentiam-se mal, além de serem cobrados por
isto. Esta cobrança era exercida tanto pela família quanto por meio da marginalização que
18
O conceito de honra é aqui entendido como um direito ao orgulho de si mesmo (PITT-RIVERS,
1971).
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sofriam da sociedade, sendo que esta última era sentida mais por Gabriel do que por
Marcos. O fato de Gabriel ter sofrido mais exclusão da sociedade do que Marcos pode ser
decorrente da tentativa que este último sempre empreendeu em não deixar explícito que
não trabalhava, tentativa que, pelo menos para os não pertencentes à sua família, obteve
êxito justamente por sua oscilação de empregos. Situação diferente da de Gabriel, uma vez
que este ficou muito tempo sem emprego e sem trabalho, além de sua empresa ter falido,
propiciando sua própria falência enquanto “homem”. Esta última falência é ocasionada
pelo não reconhecimento social de sua posição de homem, que fracassou no
cumprimento do que é estabelecido para o exercício de tal posição, sendo, visto e se
sentindo como irresponsável e incapaz, bem como, desonrado.
Nota-se que o controle social é exercido diariamente sobre os sujeitos por meio das
práticas de marginalização social sofridas por Gabriel e no esforço de Marcos em
demonstrar que está trabalhando. O controle social está vinculado às normas e ao seu
cumprimento por meio não somente das instituições, mas também dos mecanismos
grupais, das relações e práticas estabelecidas entre os sujeitos.
As tentativas em estar sempre fazendo algo se encontram, portanto, embasadas em
duas regras: não (re)cair na ociosidade e obter rendimentos. A fuga de encontrar-se ocioso
é decorrente dos próprios significados que a palavra denota, que segundo o Dicionário
Michaelis são: não trabalha; desocupado; indolente; preguiçoso; inútil; improdutivo;
desnecessário; supérfluo; vadio; preguiçoso. O que denota que quando o sujeito não se
encontra trabalhando a sua existência não é útil para o social, ele não está contribuindo
para a manutenção dos modos de produção, lógica essa que tem a sua origem nos
primórdios da instalação do capitalismo.
O capitalismo no seu início não possuía mãe-de-obra disciplinada suficiente para
os seus propósitos de acumulação de capital, pois a mão de obra, até então, estava
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acostumada a ela mesma exercer o controle do seu processo de trabalho (horário, ritmo,
etc.) no exercício de um ofício. Assim, a necessidade de adequar esta força de trabalho
ocasionou o uso de uma série de mecanismos não somente de ordem econômica (o
assalariamento), mas também “repressivos, nomeadamente as leis contra a vadiagem”
(BERNARDO, 2000, p. 68). Passou-se a controlar o corpo por meio do controle do espaço
e do tempo.
Importava extrair do tempo sempre mais instantes disponíveis e de cada
instante sempre mais forças úteis, o que significava intensificar o uso do
mínimo instante, como se o tempo, em seu próprio fracionamento, fosse
inesgotável, ou como (....) se pudesse tender a um ponto ideal em que o
máximo de rapidez encontra o máximo de eficiência (FOUCAULT, 2001,
p. 131).
A disciplinarização exercida sobre o tempo dos sujeitos, utiliza como estratégia a
ocupação do tempo do sujeito pelo trabalho. Esta estratégia parece ainda existir, mesmo
perante as grandes alterações que vêm ocorrendo no cenário econômico e de produção,
uma vez que Marcos e Gabriel são impelidos a todo o momento a realizarem algum tipo
de trabalho. Quando isso não é possível sofrem conseqüências de ordem psíquica -
depressão, baixa auto-estima, que podem levar a manifestação de doenças (como no caso
de Gabriel) – e de ordem social – marginalização dos espaços sociais (como a que ocorreu
com Gabriel), nomeações pejorativas (como a de preguiçoso que sucedeu com Marcos) e a
cobrança da família por vê-los sem trabalho.
A necessidade de obter rendimentos por meio do trabalho está, também,
intimamente relacionada à disciplinarização ocorrida no início do capitalismo, na qual o
assalariamento era um mecanismo de controle da força de trabalho. Aliada a esta visão,
que é herdeira dos séculos passados, tem-se a passagem da sociedade de produção para a
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sociedade de consumo (ENGELMAN e FONSECA, 2004). Nesta nova organização do
trabalho, tem-se o marketing como ferramenta e lócus de produção, sendo que este
objetiva criar o desejo, a necessidade de determinados produtos nos sujeitos. O consumo
que doravante era destinado a suprir necessidades básicas passa a ser voltado para o valor
agregado à mercadoria, a sua marca. Com isso, “a idéia de que a individualidade pode
forjar-se nas referências externas do consumo aparece como alternativa socialmente
valorizada” (SEVERIANO e ESTRAMIANA, 2006, p.31).
A junção destas duas perspectivas faz com que os homens destas famílias busquem
trabalhar e com isso obter rendimentos para poderem consumir, o que possibilita a
inserção destes no espaço social na posição de “homens” honrados, além de permitir a
contribuição financeira para a manutenção do padrão de vida e status social de suas
famílias. Este padrão é possível a partir da aquisição de bens e serviços (carro, viagens,
TV a cabo, manutenção dos filhos em escolas da rede privada, etc.), uma vez que o
consumo propicia distinções sociais, assim, o estímulo para a aquisição de bens ultrapassa
o caráter utilitarista ou econômico.
A norma que estabelece a obrigatoriedade do trabalho leva estes homens a atuarem
performaticamente para a sua reiteração. Para que esta reiteração seja eficaz é necessário
um cuidado de si por parte destes homens. Assim, eles voltam a si, numa atitude ética,
para exercer o regulamento de suas ações a fim de agirem conforme tal norma. Este
cuidado consigo é essencial para que as forças exercidas pela norma e seus mecanismos de
poder/saber produzam estilos de vida.
A ênfase é dada, então, às formas das relações consigo, aos
procedimentos e às técnicas pelas quais são elaboradas, aos exercícios
pelos quais o próprio sujeito se como objeto a conhecer e às práticas
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que permitem transformar seu próprio modo de ser (FOUCAULT, 1998,
p. 30).
Com base neste cuidado de si Gabriel busca uma nova formação ao cursar a
graduação de Direito, para que possa ampliar o seu leque de opções profissionais e Marcos
esforça-se para demonstrar aos filhos que está trabalhando, empenhando-se sempre em
realizar algo, não se permitindo descansar.
Como práticas cotidianas decorrentes desta norma que estabelece que o sujeito
deva se ocupar exaustivamente do trabalho tem-se a priorização deste último em
detrimento das relações familiares. Essas circunstâncias impeliram Gabriel, na época em
que se encontrava trabalhando, a primar por suas atividades profissionais, não destinando
tempo para usufruir com a família. Este fato também pode ser constado com Marcos, que
não possuía proximidade com os filhos por sempre ter que estar trabalhando, ou pelo
menos demonstrando que estava. Como se por se dedicarem às relações íntimas paternais
e conjugais estivessem falhando no cumprimento de seus deveres de homens
trabalhadores.
A argüição explicitada acima suscita uma questão: Se as mulheres trabalhavam e
mesmo assim mantinham relações próximas com os filhos, por que o mesmo não ocorria
com estes homens? Para responder a este questionamento faz-se necessário reportar à
posição que estas mulheres deveriam cumprir na família e na sociedade, ou seja, estas
tinham o dever de cuidar dos filhos. Esta situação ficou clara quando optaram em trabalhar
fora, na qual elas até poderiam exercer atividades profissionais contanto que não se
eximissem das atividades maternas. Enquanto que para os homens era imposto que estes
seriam os responsáveis pela manutenção financeira da família, tanto que Marcos ao se
casar decidiu procurar um emprego que lhe possibilitasse tal posição, assim como Gabriel
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e Margarete entendiam que ele deveria ser o responsável pelo provimento financeiro
familiar e ela mera coadjuvante neste exercício.
Tais concepções são regidas pelo sistema sexo/gênero o qual preconiza que tanto o
sexo quanto o gênero fazem parte da norma regulatória que “produz os corpos que
governa” (BUTLER, 2002, p. 53). Com isso, uma série de atributos que são destinados
às mulheres e outros aos homens, produzindo corpos masculinos e femininos, fundados
nos pares dicotômicos: masculino/feminino, homem/mulher, masculinidade/feminilidade.
Estas divisões têm seu fundamento embasado historicamente na fisiologia humana,
existindo “diferentes qualidades com as quais a natureza dotara o homem e a mulher, para
que eles pudessem exercer na casa suas respectivas responsabilidades” (FOUCAULT,
2005b, p. 162). Desta maneira, a mulher por ser considerada mais “frágil” e ter a
capacidade de gerar um filho, deve se ocupar do cuidado deste e ficar em casa, enquanto
que o homem por ser avaliado como mais forte, tem a obrigação de prover as necessidades
e sustentar sua mulher. Cria-se uma relação de complementaridade na qual se tem uma
divisão dos encargos e dos comportamentos: “o homem tinha que fazer aquilo que a
mulher não podia realizar, e ela, por sua vez, efetuava as tarefas que não eram do âmbito
de seu marido” (Ibid, p. 161).
Tem-se, portanto, a delimitação de regras designadas aos homens e às mulheres,
regras que produzem os corpos dos sujeitos. A força destas regras pode ser visualizada no
questionamento que Margarete faz de seu corpo quando se coloca na posição de homem,
que sem pinto, por prover a família. A fixidez dos atributos de masculinidades e de
feminilidades corrobora com as tentativas dos homens em não se aproximarem do âmbito
feminino para serem reconhecidos como “homens”, fazendo com que se afastem das
relações familiares, principalmente as paternais, de cuidado dos filhos, que os homens
pertencentes às famílias aqui analisadas mantinham uma relação mais próxima com suas
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companheiras do que com seus filhos. O maior vínculo com a esposa está relacionado à
heteronormatividade e às regulações dos atributos de masculinidade, na medida em que
precisam exercer as suas atribuições de marido, sejam elas sexuais ou/e afetivas. Desta
maneira, “as normas de gênero operam ao ordenar a corporificação de certos ideais de
feminilidade e masculinidade, ideais que são quase sempre relacionados à idealização do
vínculo heterossexual” (BUTLER, 2003b, p. 157).
Contudo, este conjunto de regras que compõem as normas regulatórias de gênero
precisa ser reiterado e repetido a todo o momento, abrindo brechas para a subversão, para
lapsos no processo. É possível perceber nas famílias analisadas que a divisão, explicitada
acima, não sucede de forma rígida, esboçam-se práticas, em parte, mais igualitárias. A
parcialidade da igualdade deve-se primordialmente por as mulheres ocuparem-se de
lugares que eram destinados aos homens, como trabalhar fora, mas estas ainda possuem a
obrigação de cuidar dos filhos e os homens conservam o dever de trabalhar e sustentar a
família, mesmo que se dediquem aos afazeres domésticos como no caso de Gabriel. Como
se pode verificar nestes casos, a subversão da norma se exatamente por meio de sua
repetição, a qual possibilita a inserção de práticas não reconhecidas socialmente
associadas às reconhecidas, produzindo-se novas subjetividades e práticas.
Delineiam-se aqui, os contornos da segunda norma, a qual estabelece que o homem
deva exercer a posição de provedor do lar. Tal norma produz a atuação performática dos
sujeitos, visando a sua reiteração e com isso acaba por “esconder ou dissimular as
convenções de que é repetição” (BUTLER, 2002, p. 12). A repetição da norma propicia a
naturalização das suas convenções, ou seja, torna-se natural ao homem caber a posição de
provedor e à mulher a de cuidadora dos filhos e da casa, tornando atributos naturais de
cada gênero.
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A naturalização desta norma fez com que a família Santos diante da inversão das
posições de provedor, não renomeasse seus componentes. Assim, Aline não era nomeada
provedora, permitindo a reiteração desta norma. Por mais que Aline exercesse práticas que
indicassem a sua posição de provedora, estas eram escamoteadas pela repetição da norma,
o que possibilitava a ocupação desta posição pelo seu companheiro e a permanência deste
em uma posição tida como masculina. Desta maneira, “esse nome continua exercendo
uma pressão sobre um, que segue delimitando o espaço que um ocupa, construindo uma
posição social (...) Um segue sendo constituído pelo discurso, porém à distância”
(BUTLER, 1997, p. 61).
A renomeação, no entanto, foi possível na família Rodrigues, mas com o custo da
destituição de Gabriel da posição de companheiro, passando a ocupar o lugar de filho
nesta família. Pode-se inferir, então, que a família encontrou na troca de posições de
Gabriel no conjunto familiar uma maneira de subverter tal norma. Assim, para que
Margarete possa ser nomeada provedora, Gabriel não pode ocupar o lugar de companheiro
ou de pai e sim o de filho, afinal esta última posição permite o sustento financeiro por
outrem. Pois, caso contrário se permanecesse na posição de pai e companheiro não
possuiria um reconhecimento social, na medida em que a matriz de inteligibilidade de
gênero preconiza que ao ocupar a posição de pai e companheiro deva-se prover a família.
Isto é, “as ‘pessoas’ só se tornam inteligíveis ao adquirir seu gênero em conformidade com
padrões reconhecíveis de inteligibilidade do gênero” (BUTLER, 2003a, p. 37).
Ambas as normas explicitadas acabam, também, por afastar os homens do lócus
doméstico, na medida em que estes necessitam ocupar o seu tempo com o trabalho, assim
como devam ocupar a posição de provedor, delegando à mulher a ocupação deste lugar.
Fato que fica explícito nas práticas cotidianas da família Santos, nas quais Marcos, mesmo
não trabalhando ou trabalhando menos que Aline, não exerce as atividades domésticas
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nem as de cuidado dos filhos. A não ocupação por ele deste espaço deve-se à sua constante
necessidade de estar disponibilizando o seu tempo ao trabalho e a não nomeação de sua
companheira enquanto provedora, o que possibilita a manutenção desta na posição de dona
de casa, não havendo a necessidade de Marcos ocupar tal lugar de modo a não se sentir
desonrado. Permanecem, assim, atuando conforme a matriz inteligível de gênero que liga
diretamente sexo ao gênero, masculinidade ao homem, feminilidade à mulher, a casa à
mulher, o prover ao homem.
Percebe-se que a nomeação de provedor não permite adentrar nestes espaços tidos
como femininos, que o nome restringe e exclui outras possibilidades. Estabelece
contornos entre o que é inteligível e o que não é. Efeitos desta nomeação podem ser
verificados nas práticas de Gabriel, que ao se encontrar na posição de provedor e
trabalhador possuía uma postura distante da casa e de seus componentes. Ao assumir a
posição de filho admite os afazeres domésticos, bem como, passa a ter uma relação mais
próxima com sua família. um jogo de tentativas de se adequar ao status de provedor,
“por meio de todo um conjunto de signos e de marcas” (FOUCAULT, 2005b, p. 92) que
dizem respeito às condutas e atitudes.
A posição de provedor denota uma hierarquia entre os sujeitos pertencentes às
famílias, justamente porque quem ocupa tal posição exerce certa autoridade sobre os
demais. O exercício desta autoridade perpassa por todos os membros que ocupam tal lugar
sejam eles homens ou mulheres. Tanto Margarete quanto Aline, por se encontrarem
provendo a família, atuam de maneira autoritária com seus companheiros, Marcos para
manter a sua posição de provedor mantém-se autoritário com sua família e Gabriel nos
momentos que obtém algum rendimento é autoritário, da mesma forma que era quando
provia a família.
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Tal postura autoritária faz com que haja o dever de satisfazer os desejos de quem a
exerce, num ato de obediência (FOUCAULT, 1979). Como se por estar trabalhando e
proporcionando um bom padrão de vida à família, esta devesse acatar o que é solicitado
ou imposto por quem provê, tendo um caráter de dominação. Este corolário faz com que
nestas famílias não somente os homens, mas as mulheres também realizem atos de
autoridade, já que estas provêm, o que corrobora para a desnaturalização desta norma.
A desnaturalização da norma advém justamente do exercício destas mulheres de
atributos e posições que são considerados masculinos. Em outras palavras, elas encontram
linhas de fuga à norma ao atuarem performaticamente segundo estas. Margarete e Aline ao
repetirem a norma de serem cuidadoras adicionam, devido à necessidade, uma norma
ininteligível até então, a de serem provedoras, o que proporcionou a emergência de novos
modos de vida, de novas subjetividades nestas famílias.
A subversão à norma, no entanto, não ocorre de maneira serena, existe um cenário
no qual lutas são travadas, no qual de um lado tem-se a matriz inteligível social de gênero
e de outro, novas formas de subjetividade e práticas cotidianas, que por vezes não
correspondem ao ideal regulatório. Cria-se um campo de agonismo, no qual os homens
sentem-se mal por não estarem exercendo a sua posição de provedores e as mulheres
sofrem por terem que prover, e ainda, os filhos sentem-se aflitos por verem seus pais nesta
situação. Assim,
Deve-se, antes de mais nada, pensar numa crise do sujeito, ou melhor, da
subjetivação: numa dificuldade na maneira pela qual o indivíduo pode se
constituir enquanto sujeito moral de suas condutas, e nos esforços para
encontrar na aplicação a si o que pode permitir-lhe sujeitar-se a regras e
finalizar a sua existência (FOUCAULT, 2005b, p. 101).
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É justamente este cuidado de si, que é ético, que faz com que emerja uma
diversidade de subjetividades, de diferentes modos de se relacionar no mundo. Por mais
que houvesse as mesmas normas estabelecendo regras de conduta, percebe-se que as
práticas cotidianas de cada família eram diferentes. O importante então não é somente
questionar o que, mas sim como o indivíduo se constitui como sujeito, o que permite
aceitar a ética como criação de e a partir da liberdade, além de considerar o sujeito como
obra de si mesmo, como uma obra de arte (FOUCAULT, 1998). Tal liberdade é decorrente
da maneira como o indivíduo se porta diante da norma, ou seja, a partir do cuidado
consigo maneiras diversas de seguir ou não a norma afloram, havendo uma potência de
transformação e de criação.
Esta potência de transformação e de criação é denominada por Foucault (1998)
como prazer, é força do encontro de um corpo com as coisas, com outros corpos, idéias,
etc. Tem-se, assim, o “corpo-carne” que é o capturado pelos mecanismos de poder e o
“corpo-prazer” que é lócus de resistência da vida, é a “estratégia circunstancial entre o
corpo e os elementos que o envolvem” (FOUCAULT, 1998, p. 98-99). Com isso o poder
possui um caráter positivo, pois a partir da ação de uns sobre outros há a potencialidade da
resistência, abrem-se brechas para múltiplos modos de existir, produzem-se sujeitos,
discursos, saberes e subjetividades. Decorre daí a diferença entre subjetivação e
assujeitamento, exatamente da possibilidade de resistência/criação que o primeiro possui.
Mas resistir não é deter-se no em si como origem da subjetividade por ele não ser o
agente da criação e sim efeito dela. É percorrer por outros modos de subjetivação nos
quais o discurso que delineia a verdade do sujeito não penetra. É lançar-se a subverter a
linha do reconhecimento de si, deixando-se afetar por forças exteriores a este
reconhecimento, que é efeito do assujeitamento (FOUCAULT, 1999).
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A partir destes pressupostos pode-se inferir que as famílias Santos e Rodrigues
buscaram nos modos de relação entre seus integrantes - modos que ora eram permeados
pelo amor ora pela raiva - novas maneiras de se subjetivarem frente à subversão das
normas que prevêem que o homem deva trabalhar e prover o sustento financeiro da casa.
Exatamente pela arte do encontro foi potencializada a emergência de novas subjetividades.
Esta situação remete, em uma perspectiva espinoziana, à capacidade que um corpo
tem de afetar e ser afetado, de aumentar ou diminuir sua potência de agir (DELEUZE,
2002).
Quando encontramos um corpo exterior que não convém ao nosso, tudo
ocorre como se a potência deste corpo se ocupasse à nossa, operando
uma subtração, dizemos neste caso que a nossa potência de agir é
diminuída ou impedida, mas ao contrário quando encontramos um corpo
que convém à nossa natureza e cuja relação se compõe à nossa diríamos
que sua potência se adiciona à nossa: as paixões que nos afetam são de
alegria e nossa potência de agir é ampliada e favorecida (DELEUZE,
2002, p. 34).
Vê-se, portanto, nestas famílias que nos momentos em que a mulher e os filhos
sentem e expressam o afeto da raiva, por verem o homem não cumprindo com suas
obrigações, cria-se um ambiente conflituoso que diminui a potência de ação de seus
membros e principalmente dos homens, pois são afetados pelo sentimento de tristeza. A
diminuição da potência faz com estes homens sofram e sintam-se envergonhados, e até
mesmo desonrados, situação que levou Gabriel à depressão e Marcos a negar a sua atual
posição. Enquanto que nos momentos em que o afeto que impera é o do amor, propicia
que estes homens, assim como suas companheiras, sintam-se apoiados e,
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conseqüentemente, têm a potência de ação aumentada, possibilitando que se amem e
continuem a agir no mundo.
Por mais que existam afetos, decorrentes das normas regulatórias de gênero, que
diminuam a ação destes sujeitos, existe também, na mesma medida, a capacidade de agir,
como num esforço para afastar a tristeza, isto é, “quanto maior é a tristeza tanto maior é a
capacidade de agir do homem”
19
(SPINOZA, 1979, p.199). Esta capacidade de ação ganha
forças por meio do apoio mútuo e do amor que permeiam as relações familiares, afetando
seus integrantes e potencializando as suas ações.
A potencialização possibilita a transformação dos sujeitos de modo a estilizar a sua
existência na presença do outro. A amizade, para Foucault (2005b), seria justamente a base
relacional dessa constante recriação de si, pois “a amizade supera a tensão existente entre o
indivíduo e a sociedade mediante a criação de um espaço intersticial (uma subjetivação
coletiva), passível de considerar tanto necessidades individuais quanto objetivos coletivos
e de sublinhar sua interação” (ORTEGA, 2000, p. 91). Ademais, a amizade possui um
caráter agonístico, por não possibilitar uma unanimidade consensual nem a violência
direta, ela está direcionada para o desafio e para a afetação recíproca e não para a
submissão ao outro.
A amizade, neste sentido, permite o aumento da potência de ação dos indivíduos ao
ser permeada pelos afetos de alegria e amor. Estes afetos emergem do encontro de corpos
singulares sem haver a negação das diferenças envolvidas na relação, enriquecendo as
tensões e o potencial criativo dos indivíduos. Inversamente ao que ocorre quando não a
amizade e sim a prevalência de relações pautadas na submissão, na valorização dos desejos
19
A este respeito Spinoza (1979) pontua que “a tristeza diminui ou reduz a capacidade de agir do
homem, isto é, o esforço pelo qual o homem tende a preservar no seu ser; e, por conseqüência, é contrária a
esse esforço; e tudo o que se esforça por fazer o homem afetado de tristeza é afastar a tristeza (...) isto é, tanto
maior é o desejo e o apetite com que se esforçara por afastar a tristeza” (Ibid, p. 199).
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de uns em detrimento dos desejos de outros. Os afetos que surgem, nestes vínculos são o
da raiva e da tristeza, reduzindo a potência de ação dos sujeitos e, desse modo, a
possibilidade de tornar a sua existência uma obra de arte.
Nos momentos em que as famílias despiam-se de seus vínculos institucionalizados,
os quais determinavam as posições e atributos que cada sujeito deveria exercer, gerando
relações assimétricas e subordinações, e possuíam relações mais livres, de respeito às
singularidades de cada sujeito e de seu modo de se relacionar com o mundo, tornava-se
possível a emergência e a existência de modos diversos de se relacionar com o mundo,
respeitando as necessidades individuais e coletivas que portavam. A amizade entre os
indivíduos e o afeto de amor engendrado em tal relação, impulsionou-os a recriar suas
vidas apesar das dificuldades encontradas ao longo de suas existências. Então, pode-se
inferir que o amor, assim como descrito por Nietzsche (1986 e 2005) e Spinoza (1979),
sempre se consuma além do bem e do mal, por não possuir um caráter moral e sim ético. O
que importa são os bons ou maus encontros, os aumentos ou diminuições de potência, mais
do que os códigos morais.
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6. A EMERGÊNCIA DE SUBJETIVIDADES E MASCULINIDADES
Nós nos acercamos do lago e afastamos os juncos para avistarmos mais
fundo, através dos reflexos, através dos rostos, através das vozes desde
a tona ao leito. E ali, embaixo do homem que esteve na feira; e da moça
que se afogou e do menino que avistou a carpa; e da voz que gemeu ai,
de mim! Havia sempre alguém mais, sempre mais um rosto, outra voz
(Virgínia Woolf, 1992, p. 223).
todo um conjunto de técnicas que visam regular e disciplinarizar os indivíduos
para que estes reiterem as normas e morais de gênero, e assim possam ser reconhecidos
como sujeitos. Esta regulação fez com que os sujeitos travassem lutas cotidianas entre o
que é esperado socialmente e a impossibilidade de exercerem tais mandatos em suas vidas,
sendo que, por meio deste jogo agonístico, emergiram resistências e modos de vida e
masculinidades diversas.
A produção de masculinidades é orquestrada por mecanismos e procedimentos,
estratégias e táticas de poder que atuam na criação de práticas qualificadas como
verdadeiras e na desqualificação de outras, tidas como falsas. A eficácia deste processo de
normalização se pela atuação da família como instituição reguladora. O controle
perpassa pelo social e penetra na intimidade dos vínculos familiares, a fim de propiciar a
reiteração das normas. A família age como uma espécie de panopticon
20
, levando seus
membros a se autogovernarem e a realizarem um contínuo cuidado sobre si, para que
possam ser reconhecidos pelos outros. Tal processo é viabilizado pela própria regulação
20
Segundo Foucault (2001) o Panóptico pode ser aplicável a muitos domínios diferentes, não se restringindo
somente apenas à prisão. O Panóptico configura-se como um princípio geral de construção, um dispositivo
polivalente de vigilância, uma máquina óptica universal das concentrações humanas. Uma vez que “é
polivalente em todas as suas aplicações: serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos
doentes, instruir os escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e
ociosos” (FOUCAULT, 2001, p. 170).
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pormenorizada do contrato de casamento e dos seus efeitos, há prescrições legais, políticas
e sociais sobre as formas de relacionamento e as posições que cada indivíduo deva
exercer.
A existência de tais prescrições está condicionada à sua contínua repetição e
reiteração, os sujeitos são impelidos paulatinamente a exercerem condutas condizentes
com estas, como por exemplo, os homens terem que constantemente se dedicarem ao
trabalho para que, assim, possam ser considerados e percebidos na posição de “homens”.
É importante salientar que este processo de repetição acaba por naturalizar as normas
regulatórias de gênero, como se estas fizessem parte da “essência” dos sujeitos.
Perspectiva que vai ao encontro do que Butler (2003a) apregoa acerca do gênero, ao
afirmar que este
é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no
interior de uma estrutura regulatória altamente rígida, a qual se cristaliza
no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe
natural de ser (BUTLER, 2003a, p. 59).
Desse modo, os homens e as mulheres se vêm constantemente atuando
performaticamente segundo estas normas, repetindo-as e transmitindo-as de geração a
geração. São impostos determinados atributos e posições para que os sujeitos sejam
considerados homens ou mulheres. Estes mandatos prescrevem que para serem homens é
necessário trabalhar, prover a família e possuir uma posição de autoridade, e para serem
mulheres é preciso ser sensível, dona de casa e cuidadora dos filhos. Situação que pôde ser
constatada nos momentos em que os sujeitos exerciam posições que historicamente são
destinadas ao outro gênero, como no caso de Margarete que ao ocupar a posição de
provedora incorpora o atributo da autoridade passando a ser reconhecida enquanto
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homem, e ainda nas situações em que os homens destas famílias empreendiam no sentido
de não se aproximarem de posições tidas como femininas e de tentarem exercer as
reconhecidas como masculinas.
Estas circunstâncias os levaram ao questionamento de seus corpos e à elaboração de
estratégias para continuarem dentro da matriz inteligível de gênero. Ou seja, a família
Rodrigues nomeou Gabriel de filho e a Santos permaneceu nomeando seus integrantes
segundo as posições estabelecidas anteriormente para cada um deles. Estas nomeações
delimitam formas de agir no mundo, enquanto que os adjetivos designados a cada nome
definem o modo de ação, sendo que a ação da nomeação, bem como de seus modos de
ação produzem sujeitos e suas posições. Foucault (1999a, p. 112) define “os nomes como
formas, os adjetivos como cores e o verbo (ser) como a própria tela onde elas aparecem”.
Assim, se Gabriel recebe o nome de filho e porta-se como tal, ele pode ser sustentado pela
sua companheira e Aline, ao não receber o nome de provedora, pode ser dona de casa e
Marcos trabalhador. A força do nome decorre de sua historicidade por “funcionar em parte
através de uma memória codificada ou de um trauma, uma memória que vive na linguagem
e que a linguagem transmite” (BUTLER, 1997, p. 65).
Nota-se, portanto, que por mais que haja subversões às normas a partir do exercício
de atributos ininteligíveis de gênero, numa lógica que poderia ser considerada mais
igualitária, os sujeitos acabam por reiterá-las por meio de procedimentos que visam
viabilizar suas existências, permanecendo as iniqüidades. Estas empreitadas alicerçam a
percepção de que os gêneros masculinos e femininos não sejam “naturais”, justamente por
haver a necessidade de sua negociação e reivindicação a cada “ato de fala” (BUTLER,
2003a).
A repetição da norma acaba por demonstrar a sua volaticidade, bem como a
posição de vulnerabilidade em que os sujeitos se encontram, o que os impele a todo o
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momento a atuarem performaticamente. Contudo, pôde-se perceber a existência de uma
cobrança da família, que é a representante do Estado, e do social maior para com os
homens, afinal suas companheiras sempre puderam trabalhar, contanto que estes também o
fizessem, além de terem que, ao menos, colaborar com as despesas do lar. Ao se verem
impossibilitados de cumprirem com suas obrigações de “homens”, sentem-se
envergonhados e desonrados por terem fracassado e ainda terem que depender de suas
esposas, como se não fossem “homens de verdade”. O que permite inferir, que existam
possibilidades das mulheres exercerem posições masculinas, desde que não se abstenham
do exercício das femininas, e de que os homens devam exercer primordialmente as
masculinas, por mais que, como no caso de Gabriel que se tornou “dono de casa”, exerçam
as femininas. Importante lembrar que o fato dele ter adentrado em uma posição feminina
foi viável justamente pela nomeação que recebeu de filho, pois se for considerado somente
a impossibilidade das famílias em terem uma empregada doméstica o mesmo ocorreria
com Marcos.
O sofrimento vivenciado pelas organizações familiares nesta situação pôde ser
percebido também no silêncio proferido por estas, e, principalmente, pelos homens, ao
reagirem com esquiva diante da possibilidade de serem sujeitos desta pesquisa. Silenciar-
se, para estes homens, pode ser uma maneira de não entrar em contato com a dor, ou
ainda, não expô-la a uma estranha, no caso a pesquisadora. A exposição desta dor,
segundo os participantes deste estudo, causa vergonha, vergonha por sentirem dor,
mostrarem sua fragilidade, por falharem, fracassarem no cumprimento do almejado ideal
masculino. Pode-se supor, então, que o silêncio também produz subjetividades, na medida
em que preserva a condição de um homem, pai trabalhador. Ao se calar, o sujeito reafirma
a sua identificação enquanto trabalhador, não possibilitando outras.
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Diante destas circunstâncias, percebe-se que por mais que haja deslizamentos dos
sujeitos entre as posições de gênero masculinas e femininas, estes almejam retornar e
fixar-se em uma destas, desejam ser submetidos à submissão às normas, para que assim,
possam ser reconhecidos pelos outros como homens e mulheres, por mais que, às vezes, as
questionassem e tentassem não reiterá-las. Há, portanto, uma flexibilidade ilusória nestes
processos de assujeitamento, justamente pela exigência de conformidade com a norma.
As práticas discursivas destas famílias não são atravessadas somente pelo
enunciado do prover, mas também pelo do trabalho. Ambos enunciados propiciaram a
produção de práticas cotidianas e masculinidades nestas famílias calcadas nas normas de
gênero que determinam que o homem para ser considerado “homem” deva trabalhar e
sustentar a família. Sendo que a partir do momento que as mulheres exercem tais
mandatos estas passam a ser consideradas como “homens” e os homens sentem-se
desonrados por não os realizarem, como se fossem destituídos de suas posições de
“homens da casa”, já que estas são exercidas por suas companheiras.
Então, partindo do pressuposto de que as relações conjugais devam ser
heterossexuais e de complementaridade, ou seja, que os homens devam se relacionar com
mulheres, será que, além dos sentimentos de vergonha e desonra gerados pelo fracasso,
estes homens não se sentiam desonrados em se relacionarem conjugalmente com outros
“homens”? Suas esposas são reconhecidas exercendo atributos masculinos e eles poderiam
ser reconhecidos como “mulheres”, uma vez que o casamento se entre estes dois sexos
distintos, por meio de uma lógica cartesiana que embasa e produz tais bipolaridades.
Contudo, a manutenção do casamento diante destas situações foi possível pelos
vínculos de amizade que permeavam o relacionamento institucionalizado, de modo a
viabilizarem bons encontros entre seus corpos. Estes eram afetados pelo amor que
proporcionava uma relação de apoio mútuo, potencializando o aumento de suas potências
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de agir e, conseqüentemente, a (re)criação de modos de existência. A auto-elaboração
individual passou a conviver com a dimensão coletiva.
Mediante este cenário, pode-se afirmar que a possibilidade performática discursiva
da repetição abriu espaços para re-significações, abriu espaços para resistências, para
subversões à norma. Ou seja, nestas famílias em que o prover não está mais fixo ao
homem, a repetição de tal enunciado produziu novas formas de sujeição, de sentir, de
modelos para pensar e amar. Novas possibilidades de masculinidades foram
experenciadas. Quem sabe ao se lançar mão do próprio mecanismo de normalização, ou
seja, ao repetir e reiterar estas novas possibilidades os vínculos entre os sujeitos sejam
permeados pelo exercício de posições mais equânimes, assim como o é nas relações de
amizade.
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______. Constituição de 1916. Brasília, 1916. Disponível em
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______. Constituição de 1988. Brasília, 1988. Disponível em
http://www.presidencia.gov.br/. Acessado em 23 de fevereiro de 2007.
105
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RAMOS, Marcelo S. Um olhar sobre o masculino: Reflexões sobre os papéis e
representações sociais do homem na atualidade. In: GOLDENBERG, Mirian (org.). Os
novos desejos: das academias às agencias de encontros. Rio de Janeiro: Recorde, 2000. p.
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RIBEIRO, Aldry S. M.
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.
108
108
8. ANEXOS
Anexo 1 - Pesquisa no banco de dados da CAPES
21
.
Palavras-chave: paternidade e prover
Total: 27
Sendo:
Quantidade Área Abordagem Estado Ano Teses Dissertações
10 Direito 01 09
05 Biologia 01 04
04 Psicologia Sociologia do
Conhecimento-
(2)Psicanálise-Não
informou
RJ
MG
(2)SP
91-99-
2001-
2003
04
03 Veterinária 03
02 Saúde Pública 01 01
01 Pediatria 01
01 Educação Física 01
01 Agronomia 01
As produções científicas na área da Psicologia apresentam as seguintes
características:
Uma dissertação discute a construção do papel paterno e a sua importância universal em
termos humanos. O referencial teórico principal é a sociologia do conhecimento de Berger
& Luckman, porém para a discussão são utilizados outros referenciais como a sociologia,
antropologia e a psicanálise. O material obtido foi discutido a partir das categorias:
21
Pesquisa realizada no dia 05 de maio de 2005 no Banco de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
109
109
provedor, desejo de um filho, autoridade e lei social, liberdade e identificação, protetor,
figura de apego, o vínculo de sangue, parto, gravidez e primeiros cuidados. Esta
dissertação foi publicada no ano de 1991, no estado do Rio de Janeiro (STINGEL, 1991).
Uma dissertação analisa o percurso histórico do conceito de paternidade dentro do
Ordenamento Jurídico e seus prováveis efeitos na organização familiar. Para atingir tal
objetivo a autora realizou uma pesquisa bibliográfica nas teorias sobre o Ordenamento
Jurídico, nos documentos legislativos e na teoria psicanalítica, que é o referencial teórico
desta produção. Além, do estudo de três casos de famílias que sofreram a intervenção
jurídica no que dizia respeito a filiação e estabelecimento da paternidade. Esta dissertação
foi publicada em 1999, no estado de Minas Gerais (BARROS, 1999).
Uma dissertação investigou os elementos psíquicos atuantes na transgressão de
adolescentes do sexo feminino. O método utilizado foi a entrevista psicológica com cinco
adolescentes infratoras. O referencial teórico utilizado foi a Psicanálise. Esta pesquisa foi
publicada no ano de 2001, no estado de São Paulo (BASTOS, 2001).
Uma dissertação é um estudo de casos de adolescentes em conflito com a lei. Para realizar
esta pesquisa a autora realizou entrevistas semi-dirigidas e a prova de Rorschach com
quatro adolescentes, além da utilização de documentos de ações judiciais referentes a estes
adolescentes. Esta produção foi publicada no ano de 2003, no estado de São Paulo
(TAMASO, 2003).
Palavras-chave: Masculinidade e prover o sustento
Total: 2
Sendo:
Das duas produções encontradas, uma também constou, quando colocadas as
palavras chaves, do quadro anterior referente à área da Saúde Pública. A outra é uma tese
110
110
de doutorado da Psicologia, do Distrito Federal, publicada em 2002, tendo utilizado as
abordagens PCL História e epistemologia da Psicologia Clinica. Esta tese traça uma
relação entre crenças religiosas e personalidade em estudantes de psicologia, verificando o
quanto os conteúdos estudados por estes abalam e fazem estes jovens ressignificarem suas
crenças religiosas (FREITAS, 2002).
Palavras-chave: Construção da masculinidade
Total:
17
Sendo:
Quantidade Área Abordagem Estado Ano Teses Dissertações
06 Psicologia Histórico-cultural – Psicossocial do
conhecimento – Sócio-cultural/
psicanálise –Teorias e Práticas Psicossociais
e Culturais Críticas – Psicossociologia de
Comunidade/Ecologia Social -
Representação Social
(2)DF
MG
RS
RJ
ES
1999
(2)2000
(2)2002
2003
6
03 Lingüística 3
02 História 2
01 Antropolo-gia 1
01 Literatura 1
01 Educação 1
01 Letras 1
01 Demografia 1
01 Saúde Pública/ 1
As produções científicas na área da Psicologia apresentam as seguintes
características:
Uma dissertação teve como objetivo verificar a interação e elaboração de sujeitos
adolescentes, de ambos os sexos, frente a dilemas morais apresentados em três cenas de
111
111
uma telenovela brasileira. A autora utilizou como método o grupo focal, num total de 12
grupos. O referencial teórico é histórico-cultural. Foi publicada em 1999, no Distrito
Federal (CARVALHO, 1999).
Uma dissertação buscou a compreender as transformações que estão ocorrendo na
construção da masculinidade. Participaram deste estudo 289 adolescentes com idades entre
14 e 20 anos. Esta pesquisa teve como referencial teórico a abordagem psicossocial do
conhecimento. Foi publicada em 2000, no Distrito Federal (RIBEIRO, 2000).
Uma dissertação desenvolve um estudo de caso de cinco homens adultos pobres que são
pais, visando discutir a construção da identidade nestes homens. Os dados foram coletados
por meio de entrevistas individuais e semi-dirigidas. Esta pesquisa teve como referencial
teórico a abordagem sócio-cultural, além da psicanálise. Foi publicada em 2000, no estado
de Minas Gerais (NASCIMENTO, 2000).
Uma dissertação buscou compreender o significado atribuído por quatro homens ao
processo de construção da masculinidade diante do movimento de emancipação da
mulher. Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas e a análise de conteúdo segundo
Bardin. O referencial teórico são as teorias e práticas psicossociais e culturais críticas. Foi
publicada em 2002, no estado do Rio Grande do Sul (ALMEIDA, 2002).
Uma dissertação teve como objetivo investigar como a violência contra a mulher se
legitima por meio da construção da masculinidade. Foram utilizadas as histórias de vida de
quatro homens. Da abordagem teórica desta pesquisa constaram a Psicossociologia de
Comunidade e a Ecologia Social. Foi publicada em 2002, no estado do Rio de Janeiro
(POSADA, 2002).
Uma dissertação visou identificar as representações sociais masculinas do que é Ser
Homem, bem como as diferentes práticas afetivas. A pesquisa foi realizada com 208
homens, com graus de instrução Fundamental e Superior. O referencial teórico é a teoria
112
112
de representações sociais. Foi publicada em 2003, no estado do Espírito Santo
(MACHADO Fo., 2003).
Palavras -chave: Constituição da masculinidade
Total:
01
Esta produção é oriunda da área da psicologia, em nível de mestrado, do estado do
Rio de Janeiro, utiliza a abordagem psicanalítica e foi publicada em 1997. Teve como
objetivo analisar e discutir a diferença sexual a luz da psicanálise. Para tanto a autora
trabalhou com os textos de Freud, Stoller e Lacan, os dois últimos pós freudianos. Desta
maneira, ela discute e traça diferenças entre estas vertentes, assinalando o posicionamento
naturalista de Freud e o viés da construção da diferença sexual apresentado por Stoller e
Lacan (TOLEDO, 1997).
Palavras- chave: mulheres chefes de família
Total: 10
Sendo:
Quantidade Área Abordagem Estado Ano Teses Dissertações
02 Psicologia Materialismo
Histórico –
Histórico-Crítica
SP
RS
2001
2002
01 01
02 Ciências Sociais 02
02 Enfermagem 01 01
01 Extensão rural 01
01 Medicina 01
01 Serviço Social 01
01 Política social 01
113
113
As produções científicas na área da Psicologia apresentam as seguintes
características:
A tese de doutoramento teve como objetivo identificar as percepções de mulheres chefes
de família, sobre os processos de mudanças nas composições destas famílias, além da
percepção destas mulheres frente à separação conjugal e à construção da auto-estima
feminina (SOARES, 2001).
A dissertação trata de uma investigação das explicações trazidas por mães (chefes de
família) que cometeram algum tipo de violência contra as filhas, bem como, das relações
de poder entre mãe e filha (MENDONÇA, 2002).
Palavras- chave: Homens desempregados
Total: 41
Sendo:
Quantidade Área Abordagem Estado Ano Teses Dissertações
08 Psicologia
Interacionismo
simbólico mediano -
Causalidade de Heider
e atribuição diferencial
entre atores e
observadores de Jones e
Nisbett- Paradigma de
Hannah Harendt -
Histórico cultural-
(2)Não identificou-
Fenomenologia- Sócio-
ineteracionista
(2)SP
RJ
SC
(2)CE
MG
1992
1998
1999
(2)2001
(2)2002
2003
08
06 Economia 01 05
06 Medicina
(psiquiatria)
02 04
114
114
04 Educação 01 03
03 Administração 03
03 Saúde pública 02 01
02 Direito 01 01
02 Enfermagem 02
02 Ciências Sociais 02
01 Serviço Social 01
01 Antropologia 01
01 Demografia 01
01 Meio ambiente 01
01 História 01
As produções científicas na área da Psicologia apresentam as seguintes
características:
Uma dissertação faz uma análise das conseqüências do desemprego na construção e
manutenção da identidade dos sujeitos. Para tanto o autor ateve-se a quatro relatos
biográficos. Através da analise destes relatos ele verificou que o trabalho ocupa uma
posição privilegiada na construção da identidade de homens, além de verificar uma estreita
relação entre o papel de trabalhador e os demais papéis desempenhados por estes homens.
O referencial teórico do autor é o interacionismo simbólico e o ano de publicação foi 1992
(MACEDO, 1992).
Uma dissertação analisa as causas do desemprego trazidas por homens e mulheres
desempregados. Para atingir tal objetivo o autor utilizou um questionário fechado,
realizando posteriormente uma análise quantitativa (RODRIGUES, 1998).
Uma dissertação teve como objetivo geral compreender a dimensão pública que aparece na
ação de lideranças sindicais, e, como objetivos específicos, compreender: 1) o que está
sendo negociado entre as lideranças no espaço sindical; 2) que assuntos são considerados
115
115
fúteis, vergonhosos ou desonrosos; e 3) que subjetividades estão sendo delineadas nestes
espaços (BRITO, 1999).
Uma dissertação estudou as relações entre gênero e a constituição da saúde mental
feminina (SANDRI, 2001).
Uma dissertação investigou o modo como homens de camadas médias vivenciam a
situação de desemprego. O autor utilizou entrevistas semi-dirigidas, partindo da
compreensão e vivência destes homens sobre o seu modo de lidar com a ausência de
emprego, à luz da sua subjetividade e das relações sociais. A análise do material coletado
nas entrevistas possibilitou verificar os sentimentos destes homens frente às mudanças
ocorridas na vida pessoal, familiar e socioeconômica, além das estratégias de
enfrentamento utilizadas e as expectativas em relação ao futuro. Esta dissertação teve
como referencial teórico a fenomenologia e foi publicada em 2002, em Fortaleza-CE
(PIMENTEL, 2002).
Uma dissertação consistiu em um estudo de caso de três casais de famílias de camadas
populares, no qual o objetivo era verificar as formas singulares desses sujeitos se
adaptarem e ressignificarem o modelo tradicional de família em seus cotidianos. Nessas
famílias a mulher exercia o papel de provedora financeira da família e o homem
encontrava-se em situação de desemprego. Para atingir tal propósito a autora utilizou
entrevistas de histórias de vida. Esta produção cientifica teve como referencial teórico a
perspectiva sócio-interacionista e foi publicada em 2002, em Minas Gerais (RIBEIRO,
2002).
Uma dissertação analisa a vivência de casais no contexto em que a mulher é a provedora
do lar e o homem está fora do mercado de trabalho, além de investigar as repercussões do
desemprego na vida destas famílias. A autora aponta como objetivos específicos levantar
conhecimentos acerca desta configuração familiar; identificar as estratégias utilizadas pelo
116
116
casal; e conhecer as atitudes de homens e mulheres em relação às seguintes categorias:
vivência da afetividade; paternidade/maternidade; identidade sexual; agressividade; lazer;
vivência profissional e social. Para tanto a autora utilizou tanto o método quantitativo
quanto o qualitativo. Esta pesquisa foi publicada no ano de 2003, no estado do Ceará
(PEREIRA, 2003).
Palavras- chaves: masculinidade e desemprego
As produções que constaram neste descritor, estão contidas na pesquisa anterior:
Homens Desempregados.
Palavras-chave: Pais desempregados
As dissertações e teses que surgiram com esta palavra-chave, também constam
quando utilizado o descritor homens desempregados.
Palavras-chave: Família e pai desempregado
Total: 4
Sendo:
Quantidade Área Abordagem Estado Ano Teses Dissertações
02 Psicologia Teoria ecológica-
Teoria sistêmica
RS
DF
1998
2000
1 1
01 Odontologia 1
01 Direito 1
Ambas as produções de psicologia apresentadas neste quadro, não tratam da
temática aqui proposta. A dissertação tece uma análise das redes de apoio social e afetivo
de crianças expostas a situações de risco (HOPPE, 1998). A tese trata do trabalho infantil
117
117
(MARQUES, 2000). Estas duas pesquisas pontuam, como um dos elementos que
proporcionam a exposição de crianças a situações de risco e do trabalho infantil, o
contexto familiar em que há situações de desemprego vividas pelos pais.
118
118
Anexo 2 - Roteiros de entrevistas
Roteiro de entrevista para os pais:
- Carreira profissional;
Pergunta geradora: Fale sobre a sua carreira profissional.
- Desemprego;
Perguntas geradoras:
Por que você ficou desempregado? Como você lida com este fato?
O que você faz hoje, encontrando-se desempregado?
- Carreira profissional da companheira;
Pergunta geradora: Fale sobre a carreira profissional da sua companheira.
- Relação com os filhos;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com os seus filhos? Mudou alguma coisa
depois que você ficou desempregado?
- Relação com a companheira;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com a sua companheira? Mudou alguma
coisa depois que você ficou desempregado?
- Relação com a família de origem;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com seus pais? Ambos trabalham ou
trabalhavam?
- Masculinidades e feminilidades.
Perguntas geradoras: Quais características você acha que possui que são tidas como
masculinas na nossa sociedade e quais femininas? E a sua companheira?
119
119
Roteiro de entrevista para as mães:
- Carreira profissional;
Pergunta geradora: Me descreva a sua carreira profissional.
- Carreira profissional do companheiro;
Pergunta geradora: Fale sobre a carreira profissional do seu companheiro.
- Relação com os filhos;
Perguntas geradoras:
Como é a sua relação com os seus filhos? Mudou alguma coisa
depois que seu companheiro ficou desempregado?
- Relação com o companheiro;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com o seu companheiro? Mudou alguma
coisa depois que ele ficou desempregado?
- Relação com a família de origem;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com seus pais? Ambos trabalham ou
trabalhavam?
- Masculinidades e feminilidades.
Perguntas geradoras: Quais características você acha que possui que são tidas como
masculinas na nossa sociedade e quais femininas? E o seu companheiro?
120
120
Roteiro de entrevista para os/as filhos/as:
- Carreira profissional;
Perguntas geradoras: Você estuda? Trabalha? O que planeja para o seu futuro
profissional?
- Carreira profissional do pai e da mãe;
Pergunta geradora: Fale sobre a carreira profissional do seu pai e da sua mãe.
- Relação com o pai;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com o seu pai? Mudou alguma coisa depois
que ele ficou desempregado?
- Relação com a mãe;
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com a sua mãe? Mudou alguma coisa depois
que seu pai ficou desempregado?
- Relação com irmãos e irmãs (caso possua);
Perguntas geradoras: Como é a sua relação com os seus irmãos? Mudou alguma coisa
depois que seu pai ficou desempregado?
- Relação com os avós paternos e maternos;
Perguntas geradoras:
Como é a sua relação com a sua família paterna e materna?
- Masculinidades e feminilidades.
Perguntas geradoras: Quais características masculinas e femininas o seu pai possui? E
sua mãe?
121
121
Anexo 3 - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Grazielle Tagliamento e estou desenvolvendo a pesquisa Com a palavra, o
prover: uma análise das masculinidades produzidas em contextos familiares nos
quais a mãe é a provedora.
Para tanto, serão realizadas entrevistas gravadas com você e
seus familiares (pai/mãe/filho). Este momento pode trazer algum constrangimento para
você, porque pedirei que você me conte algumas coisas de sua vida pessoal e pedirei a
você permissão para usar um gravador para registrar a sua fala, mas espero que traga
benefícios para você e para os outros pois, com esta pesquisa, poderemos ajudar os
programas voltados para questões relativas às masculinidades e família. Se você tiver
alguma dúvida em relação ao estudo ou não quiser mais fazer parte do mesmo, pode entrar
em contato pelo telefone 3318215. Se você estiver de acordo em participar, posso garantir
que as informações fornecidas serão confidenciais e serão utilizadas neste trabalho,
mantendo o anonimato de cada informante.
Assinaturas:
Pesquisadora ________________________________________
Orientadora da pesquisadora _____________________________________
Eu, _________________________________, fui esclarecido sobre a pesquisa Com a
palavra, o prover: uma análise das masculinidades produzidas em contextos
familiares nos quais a mãe é a provedora,
e concordo que meus dados sejam utilizados
na realização da mesma.
__________________________________ ____________________________
(local e data) Assinatura
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